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ANGELA TORMA PIETRO
A DENÚNCIA DE ABUSO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR:
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ANGELA TORMA PIETRO
A DENÚNCIA DE ABUSO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR:
O ESTUDO DE UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA
PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação de Mestrado apresentado à
banca examinadora da Fundação
Universidade Federal do Rio Grande,
como exigência parcial à obtenção do
grau de Mestre em Educação Ambiental
sob orientação da Profa. Dra. Maria
Ângela Mattar Yunes.
RIO GRANDE
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
2007
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P626d Pietro, Angela Torma
A denúncia de abuso sexual no ambiente escolar :
o estudo de uma proposta de intervenção para professores do Ensino
Fundamental / Angela Torma Pietro ; orientação da Profa. Dra. Maria Ângela
Mattar Yunes – Rio Grande : FURG, 2007.
116f.
Dissertação (Mestrado) – Fundação Universidade Federal do Rio
Grande – Mestrado em Educação Ambiental.
1. Abuso sexual. 2. Criança. 3. Adolescente.
4. Denúncia. 5. Professores. I. Yunes, Maria Ângela Mattar.
II. Título.
CDU 504:37.014.7
Catalogação na fonte: Bibliotecária Alessandra Lemos CRB10-1530
ANGELA TORMA PIETRO
A DENÚNCIA DE ABUSO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR:
O ESTUDO DE UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA
PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Educação Ambiental do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da
Fundação Universidade Federal do Rio Grande FURG. Comissão de avaliação
formada pelos professores:
Dra. Maria Ângela Mattar Yunes
(Orientadora – FURG)
Dra. Paula Regina Costa Ribeiro
(FURG)
Dra. Renata Maria Coimbra Libório
(UNESP / Presidente Prudente)
Dra. Clarissa De Antoni
(UFRGS)
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação à minha filha Maria Eduarda que, apesar de tão pequena, me
ofereceu com seu olhar e companhia o incentivo para que eu continuasse o meu
trabalho, como também, ao meu esposo Geovane, pelo carinho e compreensão. E
ainda, quero dedicar a todos os professores que buscam um trabalho comprometido e
consciente e que percebem que o seu papel vai além de ensinar conteúdos. Os
verdadeiros mestres, certamente irão fazer a diferença na vida de muitas crianças e
adolescentes.
AGRADECIMENTOS
Quero dar início aos agradecimentos reconhecendo todos aqueles que de alguma
forma contribuíram para que este trabalho pudesse ser realizado, pois não quero
esquecer de ninguém.
De modo muito especial quero agradecer a minha querida amiga e orientadora Maria
Ângela, verdadeira mestre, pelo exemplo de determinação e de pessoa e ainda pelo
incentivo, carinho e dedicação em todos os momentos. A quem devo todo meu
esforço acadêmico, se cheguei até aqui pode ter certeza que foi por seu exemplo de
trabalho e de mãe.
Aos meus pais pela ajuda e pelo apoio e a minha irmã Rosana pelo incentivo,
contribuição literária e carinho sempre desprendidos.
À Profa. Paula Ribeiro pelo carinho, atenção e pelas aprendizagens proporcionadas e
ainda, por fazer parte deste processo tão importante da minha vida acadêmica.
Aos amigos e colegas cepianos: Camilinha, Narjara, Adriana, Simone e Sandrinha
pelo incentivo e pelas contribuições realizadas.
Aos acadêmicos que formaram a equipe de apoio durante a realização do programa.
As colegas do mestrado: Michele, Maria Estela, Samara, André e Carol pela ajuda e
pela amizade sempre dedicadas.
A equipe Sentinela pelo acolhimento e atenção nas minhas incansadas buscas de
diálogo.
As professoras Renata Libório e Clarissa pelas contribuições teóricas e
metodológicas durante a qualificação e também por fazer parte deste momento.
As professoras que participaram desta pesquisa pela acolhida, pela atenção e pelo
respeito e por fazerem parte deste trabalho.
Agradeço ainda a Capes, pelo apoio financeiro oferecido pela concessão de uma
bolsa e a FAPERGS com o suporte do PROAPP.
Profissional, incondicionalmente
Ser amigo da criança,
acreditar no que diz,
ter sempre muita esperança,
ser alegre e aprendiz.
Assumir o compromisso da verdade,
do amor e da justiça.
cultivar a lealdade,
ser sincero, por premissa.
Acolher.
Ouvir e acreditar.
Estudar e pesquisar
ser competente.
Crer.
E muito amar,
eternamente!
Este é o mandamento,
a base de toda ação
de quem tem por fundamento,
ser fiel ao coração!
Servir à causa da Criança,
não apenas num momento,
mas para sempre
e com PAIXÃO!
( Mariza Silveira Alberton, 2005, pg. 162).
RESUMO
Docentes e demais profissionais do sistema escolar devem estar preparados para
identificar e avaliar possíveis sinais de violência intra ou extrafamiliar. No entanto,
sabe-se que o “pacto de segredo” condiciona, dificulta e encobre os indícios das
ocorrências de abuso sexual em contextos múltiplos. E, que, muitas vezes, será no
ambiente escolar que as crianças e adolescentes “quebrarão” o silêncio para pedir
socorro. Este trabalho buscou investigar as repercussões destas situações numa
escola pública localizada em um bairro da periferia da cidade do Rio Grande/RS.
Participaram da pesquisa 7 Professores(as) dos primeiros e segundos anos do ensino
fundamental. A proposta foi idealizada com base na bioecologia de desenvolvimento
humano e corresponde à linha de pesquisa de educação não formal e informal. A
metodologia da presente investigação foi dividida em dois momentos: a primeira
etapa consistiu no diagnóstico da dinâmica escolar diante dos casos de suspeita/ e ou
confirmação de abuso sexual com um aluno (a). Esta fase compreendeu a seguinte
organização de procedimentos: a) entrevistas na modalidade reflexiva com
professores; b) o grupo focal com os professores participantes e c) a aplicação de um
jogo de sentenças incompletas. O segundo momento consistiu na aplicação de um
Programa de Intervenção. Os módulos temáticos foram organizados a partir das
análises da primeira etapa. O programa teve como foco orientar os educadores para a
construção de estratégias com vistas a uma atitude de denúncia de abuso sexual que
legitime o papel protetor do professor e da escola. Os temas foram apresentados na
seguinte ordem: Módulo 1 - Abuso Sexual: definições, sinais e vitimização da
criança/adolescente; Módulo 2 - Família e violência: fatores determinantes; Módulo
3 - Aspectos legais que envolvem o abuso sexual; Módulo 4 - Denúncia e
Responsabilidade do educador; Módulo 5 - Estudos de caso: neste módulo foram
apresentados casos práticos aos professores visando observar seus encaminhamentos.
Em seguida foi realizado um encontro para a obtenção do feedback do grupo sobre
todas as etapas. O diagnóstico denotou a presença das famílias para além dos muros
e grades da escola e foram detectados episódios que sugerem o distanciamento
relacional entre professores/funcionários e familiares dos alunos. A maioria dos
professores mostrou um discurso marcado pelas características negativas das famílias
e o conhecimento limitado da vida das crianças. Quanto à situação de abuso sexual,
os educadores reconhecem suas dificuldades e o desconhecimento do tema.
Enfatizam a necessidade de ter apoio da rede de atendimento comunitário e relatam
ações que afastam a criança abusada e a família da escola. A aplicação do programa
de intervenção buscou suprir estas necessidades através da instrumentalização dos
professores e demais funcionários da escola. Porém estes últimos não participaram
dos encontros o que denotou pouco interesse institucional nestas situações. Após a
conclusão desta etapa foi realizada uma reunião para feedback sobre o programa,
onde foram convidados membros da rede de atendimento: Serviço Sentinela e
Conselhos Tutelares para troca de informações e esclarecimentos de dúvidas sobre
seus papéis. As docentes manifestaram satisfação com sua participação e sugeriram a
repetição do programa em outros contextos escolares.
Palavras chave
: abuso sexual, criança/ adolescente, denúncia, professores.
ABSTRACT
Teachers and other professionals engaged in the educational system should be
prepared to identify and evaluate the possible signs of intra or extrafamilial violence.
Therefore the “secret agreement” creates conditions and difficulties which disguise
the indicators of occurrences of sexual abuse in multiple contexts. And, many times
it will be in the school environment that children and adolescents will break” the
silence to ask for help. This work aimed to investigate the effects of those situations
in a public school located in a neighborhood in the inner city of Rio Grande/RS.
Seven teachers from the fundamental school years were participants of this research
project. The proposal was elaborated with the theoretical basis of the bioecology of
human development and corresponds to the research approaches of non formal and
informal education. The methodology of the present research was realized in two
moments: the first consisted of the diagnostic of the school dynamics in the cases of
suspicion and/or confirmation of a student’s sexual abuse. This phase had the
following organization of procedures: a) reflexive interviews with teachers; b) focal
group with the participant teachers and c) application of incomplete sentence game.
The second moment consisted in the application of the Intervention Program. The
blocks of themes were organized based on the analyses of the first procedures. The
program focused on orientating the educators to build strategies to have an attitude of
denouncing sexual abuse legitimating the protective role of the teachers and of the
school. The themes were presented in the following order: Block 1 Sexual Abuse:
definitions, signs and victimization of children/adolescent; Block 2 - Family and
violence: determinants factors; Block 3 Legal aspects of sexual abuse; Block 4 -
Denunciation and Responsibilities of the educators; Block 5 Case studies: during
this block there was the presentation of practical cases to the teachers in order to
observe the follow-up actions of them. In the sequence a meeting was organized to
get the group feedback about the steps of this research. The diagnostic showed that
families stay usually far over the walls and gates of the school and there were
detected episodes that suggest the relational distance among teachers/school workers
and students’ families. Most teachers showed a discourse marked by the negative
characteristics of the families and by their limited knowledge of children’s everyday
life. In relation to the situation of sexual abuse, the educators recognized their
difficulties and their non knowledge on the issue. They emphasized the need of
having support of the community network and referred to actions that put the abused
children and their families away from school. The intervention program application
aimed to fill in these needs through offering instruments to the teachers and other
school workers. Therefore, the workers never came to the meetings which suggest
little institutional interest for these situations. Following this last moment, a meeting
was realized with the invitation of some members that represented the social
network: Sentinela Service and Tutelar Council in order to exchange information and
clear up doubts on their roles. The teachers showed satisfaction with their
participation and suggested the repetition of the program in different school contexts.
Key words
: sexual abuse, child/ adolescent, denunciation, teachers.
LISTA DE SIGLAS
ABRAPIA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE
PROTEÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
CECRIA
CENTRO DE REFERÊNCIA, ESTUDOS E AÇÕES SOBRE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
CEP-RUA
CENTRO DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS SOBRE
MENINOS E MENINAS DE RUA
CPB
CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
ECA
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
FURG
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO
GRANDE
LACRI
LABORATÓRIO DE ESTUDOS DA CRIANÇA
PROAPP
PROGRAMA DE APOIO À INFRA-ESTRUTURA PARA
JOVENS PESQUISADORES: PROGRAMA PRIMEIROS
PROJETOS
SEDH
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS
UNICEF
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA -
UNITED NATIONS CHILDREN'S FUND
LISTA DE TABELAS
TABELA 1
AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DAS PROFESSORAS
SUMÁRIO
RESUMO ...........................................................................................................................007
ABSTRACT .......................................................................................................................008
LISTA DE TABELAS .......................................................................................................009
LISTA DE SIGLAS ...........................................................................................................010
EXPERIÊNCIAS ACADÊMICAS, SENTIMENTOS E INQUEITAÇÕES ....................013
I – CONSIDERAÇÕES SOBRE O ABUSO SEXUAL CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES ....................................................................................019
1.1. Delimitação do fenômeno e definições legais ......................................................019
1.2. Abuso sexual intra e extrafamiliar e implicações psicológicas ............................023
II - O ATO DE DENUNCIAR ABUSOS: UMA IMPRESCINDÍVEL
MEDIDA DE PROTEÇÃO EM CONTEXTOS MÚLTIPLOS ........................................027
2.1. A denúncia de abuso sexual: uma medida de proteção ........................................027
2.2. Para quem denunciar?: Os órgãos que recebem denúncias ..................................032
2.3. Impasses, dificuldades e possibilidades dos profissionais para
identificação e denúncia de abuso sexual .............................................................034
III - RECONHECENDO E COMPREENDENDO ECOLOGICAMENTE
A SITUAÇÃO DE ABUSO SEXUAL INTRA E EXTRAFAMILIAR ............................039
3.1. O microssistema família e o abuso sexual ............................................................040
3.2. O microssistema escolar como contexto de proteção de
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual ................................................................044
3.3. O papel do Professor diante de suspeita de abuso sexual no contexto escolar .....046
IV – ASPECTOS METODOLÓGICOS ............................................................................049
4.1. Ambiente pesquisado ............................................................................................049
4.2. Participantes ..........................................................................................................050
4.3. Instrumentos e Procedimentos ..............................................................................051
4.4. Análise dos Dados ................................................................................................053
4.5. Questões éticas .....................................................................................................054
V – DIAGNÓSTICO DO AMBIENTE ESTUDADO .......................................................055
VI - PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCACIONAL
PARA PROFESSORES .....................................................................................................068
6.1. Módulo 1 – Abuso sexual: definições, sinais e vitimização da criança ...............068
6.2. Módulo 2 - família e violência: fatores determinantes .........................................070
6.3. Módulo 3 - aspectos legais que envolvem o abuso sexual ...................................071
6.4. Módulo 4 - denúncia e responsabilidade do educador .........................................078
6.5. Módulo 5 - Estudos de caso ..................................................................................081
6.6. Reunião com a rede, Feedback e Avaliação dos Professores ...............................090
REFLEXÕES FINAIS .......................................................................................................095
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................099
ANEXOS ............................................................................................................................105
Anexo 1 – Modelo de entrevista com os professores .........................................................106
Anexo 2 – Grupo focal: questões norteadoras ...................................................................107
Anexo 3 – Jogo de sentenças incompletas .........................................................................108
Anexo 4 – Termo de consentimento livre e esclarecido ....................................................109
Anexo 5 – Apostila do Programa de Intervenção ..............................................................111
Anexo 6 – Ficha de avaliação do Programa de Intervenção ..............................................115
EXPERIÊNCIAS ACADÊMICAS, SENTIMENTOS E INQUIETAÇÕES
Enfim, mais uma etapa de minha vida acadêmica. Escrever minha dissertação
de mestrado, tarefa que parecia tão distante quando ingressei no curso e agora está
tão próxima.
Para falar da minha trajetória até aqui, devo primeiramente relatar a angústia
que sinto, quando paro para pensar sobre a violência contra crianças e adolescentes.
Assunto este, tão polêmico e que ainda exige muito cuidado na busca de alternativas.
As soluções não são imediatas, mas caminhos devem ser trilhados, necessitando para
isso, do comprometimento dos profissionais envolvidos na rede de atendimento
social. Refletir acerca das causas leva a conjeturar sobre as desigualdades sociais,
culturais e econômicas que geram o desemprego e a qualidade de vida pouco digna
da maioria da população. E, mais ainda, pensar nos reflexos destes fatores nas
relações familiares.
Posso dizer que o início destas inquietações se deu quando ingressei no curso
de Direito que infelizmente ainda preserva o caráter técnico da profissão. A
motivação dos professores era de repassar a letra fria da lei e seus reflexos
coercitivos na vida dos indivíduos que burlassem sua normatização. Não existia uma
preocupação em compreender e refletir sobre as situações de vulnerabilidade que
acometiam nossas crianças e adolescentes e sem dúvida, as relações familiares. Senti
falta de aplicar os estudos sobre moral, justiça e direito do jurista austríaco Hans
Kelsen (2001) tão citado nas aulas de Introdução ao Estudo do Direito. Estas idéias
foram fortificadas no segundo ano do curso quando comecei as aulas de Direito
Penal. Jamais vou esquecer expressões que diziam que “todos nós somos criminosos
em potencial”. Esta frase controversa me fez pensar que somos vulneráveis,
principalmente em situações de ameaças ou conflitos. Apesar de trazer estas
reflexões, o curso de Direito dava pouco incentivo à pesquisa. Por este motivo, junto
com mais dois colegas, formamos um grupo de estudos com o objetivo de aplicar na
prática um pouco da teoria que a academia estava nos proporcionando. Pensamos em
trabalhar com as instituições de abrigo do município do Rio Grande, inicialmente
com idéias assistencialistas e imediatistas. Nosso desejo era ajudar e buscar
alternativas, pensando que a Universidade poderia cumprir seu papel social nestes
contextos. Nossa primeira atividade foi uma campanha de arrecadação de livros para
a formação de bibliotecas ou melhoria das que existiam nos locais, o que realmente
foi feito. Mas queríamos mais. Através de leituras descobrimos o nome da Profa.
Dra. Maria Angela Mattar Yunes, que desde aquela época já vinha trabalhando com a
problemática de meninos e meninas em situação de vulnerabilidade social. O contato
com a professora fez com que tudo mudasse e se transformasse na nossa vida
acadêmica. Mergulhamos no campo da pesquisa estudando a história dos abrigos do
Município do Rio Grande, pois, antes de fazer qualquer coisa era necessário
conhecer a realidade de cada entidade e suas reais prioridades.
Assim, por meio dos estudos sobre a história e o funcionamento dos abrigos,
percebemos que a vivência institucional pode propiciar o desenvolvimento:
cognitivo, social, emocional e afetivo da criança institucionalizada, desde que haja
adequação às necessidades e valores individuais de cada criança. As instituições de
abrigo estão incumbidas da indispensável tarefa de proteger, porém o modelo
institucional deve adotar medidas de atendimento que sejam eficazes para
proporcionar condições adequadas ao desenvolvimento sadio das
crianças/adolescentes abrigadas. E, concluímos ainda que este atendimento deve ser
estendido aos cuidadores que se defrontam com situações institucionais adversas,
como no caso de crianças com histórico de abuso sexual. Percebemos dificuldades,
tais como: um quadro funcional insuficiente, baixa escolaridade dos funcionários e
pouca ou nenhuma formação sobre educação infantil o que tornava o trabalho
educativo ainda mais problemático. A tarefa realizada pelos funcionários se dava de
maneira intuitiva e restrita a mera observação, satisfação de necessidades básicas, e
crenças na eficiência da aplicação de regras de disciplina e práticas corretivas
punitivas como principais recursos educacionais. Ficou evidente neste trabalho, a
necessidade de “capacitação” (no sentido de reflexão que possibilitasse novas
práticas sociais) e apoio psico-educacional dos cuidadores que poderiam ser os
"motores" do desenvolvimento social, emocional e intelectual das crianças
institucionalizadas, como diria nosso mentor, Urie Bronfenbrenner. Este trabalho
vem sendo realizado em todas as unidades do Centro de Estudos Psicológicos
sobre meninos e meninas de rua, CEP-RUA, desde então.
Em 2001 passei a fazer parte deste centro de pesquisas, do CEP-RUA da
FURG, no qual permaneço e atuo até hoje. consolidei minha vida como
pesquisadora e aprendi que os mais diversos campos do conhecimento podem manter
uma discussão dialógica e concreta em prol da integração entre os saberes
acadêmicos e comunitários.
Além da vivência no CEP-RUA/FURG, o estágio voluntário no Ministério
Público Estadual, junto a Promotoria da Infância e da Juventude fortificou ainda mais
as minhas inquietações sobre as conseqüências das relações familiares no bem estar
de crianças e adolescentes encaminhados para a promotoria. Esta experiência foi
muito significante para compreender o trabalho com os abrigos. Foi possível
observar na prática, a atuação e a visão do Ministério Público e do poder judiciário
no atendimento às crianças/ adolescentes institucionalizados e ainda perceber que
esta afetava diretamente a vida destas crianças/adolescentes.
A dedicação à pesquisa sobre as instituições de abrigo representou na minha
vivência, acadêmica e profissional, a necessidade de ampliar os estudos sobre a
inclusão social das crianças/ adolescentes em situação de risco, e da criação de uma
estrutura de apoio sólida e eficaz para garantir o funcionamento da rede.
Para tanto, passei a focar as causas da institucionalização, que na maioria das
vezes compreendem: a orfandade, o abandono, a exploração sexual e a violência
(física, psicológica e sexual). Até então, a violência sexual fazia parte das minhas
leituras sobre violência doméstica. Entretanto, numa das atividades de observação
num dos abrigos me deparei com uma situação real. Uma menininha,
franzininha
de mais ou menos 6 anos de idade nos chamou atenção. Nos primeiros encontros,
ficava distante e quase nem chegava perto da gente. Percebemos que ela andava de
um lado para outro com uma boneca, maior que ela. Foi ai que a curiosidade nos
abateu. Perguntamos a outra criança porque ela andava sempre com aquela boneca.
A menina respondeu de imediato:
“Ah tia,... é o namorado dela”
. Esta frase mexeu
muito comigo e aguçou minha curiosidade e dúvidas. Passei a tentar compreender o
que estava acontecendo. Em uma das nossas visitas, esta menina se aproximou de
nós e contou o que havia acontecido com ela. Contou o que dois
monstros
faziam
com ela, o pai e o tio. Uma frase nunca me saiu da memória:
“Tia eu não entendia
porque minha mãe olhava e não fazia nada para me ajudar”
. Este relato me
emocionou muito e tentei controlar as lágrimas para não chorar na sua frente. Não
conseguia nem fixar a menina nos olhos. Meus sentimentos eram de ódio, daqueles
três monstros, e questionava o que teria feito aquela criança tão pequena, sem
nenhum traço de mulher, apenas de uma menininha, viver uma situação tão aviltante.
Foi ai que intensifiquei meus estudos na problemática da violência sexual contra
crianças e/ou adolescentes. Era notório que dentro dos abrigos, não existia nenhum
tratamento diferenciado e cuidado com estas questões. A criança vítima de abuso
sexual é tratada pelas cuidadoras como mais uma entre tantas crianças e o tratamento
realizado pela rede de atendimento, na nossa cidade, atualmente, seria de
responsabilidade do Serviço Sentinela, mas isso não se fazia naquela ocasião.
Num primeiro momento realizei um trabalho bibliográfico e uma pesquisa
com dados nacionais que resultou na monografia de conclusão de curso de Bacharel
em Direito:O Abuso sexual e a Destituição do Poder Familiar”. Por se tratar de um
assunto complexo e com números nacionais alarmantes, passei a investigar os casos
de crianças que sofreram abuso sexual na cidade do Rio Grande, assim como, as
formas de atendimento oferecidas a estas crianças/adolescentes através das relações
entre os diferentes sistemas de influência no desenvolvimento humano.
Mantive a consciência de que a violência intra e extrafamiliar são graves
fenômenos, e que persistem pela ineficiência de Políticas Públicas e a ineficácia das
práticas de prevenção e intervenção. Outro fator perpetuador é a cumplicidade dos
envolvidos: o medo da tima de ser punida e o silêncio da mãe, dos irmãos, dos
vizinhos, dos professores, etc. O abuso sexual contra crianças/adolescentes é uma das
formas de violência doméstica mais cruéis, que envolve relações de poder, coação
e/ou sedução, pois é praticado muitas vezes sem o uso da força e sem deixar marcas
visíveis.
Para aprofundar meus estudos e refletir sobre possíveis alternativas, ingressei
no programa de Pós-graduação em Educação Ambiental por sentir-me comprometida
com as questões sócio-ecológico-ambientais. Inicialmente pensei em seguir
trabalhando com as instituições de abrigo, porém mais um desafio apareceu:
trabalhar com estas questões no ambiente escolar. Esta experiência teve início com
minha participação no projeto de Pesquisa: “As interações e as práticas sociais e
pedagógicas: olhares, discursos e fazeres no contexto educativo” (PROAPP
Fapergs). Realizamos uma reunião com as professoras da escola estudada e nesta
ocasião as professoras solicitaram ao CEP-RUA orientações sobre: Como lidar com
situações de abuso sexual na escola?
Assim, teve início este trabalho que, primeiramente tentou compreender o
abuso sexual intra/extrafamiliar contra crianças e adolescentes a partir da análise de
suas expressões e conseqüências no ambiente escolar. E, tais expressões e
conseqüências foram identificadas nas narrativas dos professores. Procurou-se
questionar como se (ou não se dá) a denúncia de casos de abuso sexual
intra/extrafamiliar neste contexto, pelas ações de diretores, professores e
funcionários. O objetivo último deste trabalho foi, portanto, desenvolver um
programa de atendimento aos professores do primeiro e segundo ano do ensino
fundamental no que tange à sua obrigação ético-moral e de proteção da criança e dele
mesmo, em casos de violência sexual de seus alunos. O programa foi desenvolvido
para um pequeno grupo e além de analisar e intervir nas práticas educativas diante de
situações de violência sexual almejou definir o papel do professor nestas situações.
O primeiro capítulo buscou definir o Abuso Sexual trazendo as principais
formas de expressão principalmente no campo legal e psicológico. O segundo
capítulo faz uma alusão à denúncia como forma de proteção à criança e ao
adolescente vítima de abuso sexual apresentando: os impasses, as dificuldades e as
possibilidades dos profissionais identificarem e denunciarem o abuso sexual. O
terceiro capítulo buscou reconhecer e compreender ecologicamente a situação de
abuso sexual intra e extrafamiliar colocando o microssistema familiar como o
primeiro contexto experimentado pela criança e onde ela deveria encontrar amor e
carinho, mas que ao expor a criança à violência pode deixar profundas marcas no seu
desenvolvimento. Neste cenário, o microssistema escolar apresenta-se como
ambiente ideal para detectar e intervir nas situações de abuso sexual contra a
criança/adolescente. Depois da família é o ambiente mais próximo da
criança/adolescente. Na escola é que a criança vai estabelecer o maior número de
relações. A criança vítima de violência sexual busca muitas vezes no professor a
confiança que pode romper a síndrome do silêncio que permeia o ambiente familiar.
Quando a criança/adolescente procura ajuda por estar sendo abusada, ou quando
desconfiança do professor este profissional deve estar preparado para identificar e
efetuar a denúncia. Esta deve ser feita, não apenas pela obrigação legal, mas pela
obrigação moral de proteger, e fazer cumprir os artigos do ECA. Por isso é
importante conhecer e compreender o tema abuso sexual no ambiente escolar, poder
identificar seus sinais e principalmente definir caminhos para a realização de uma
denúncia protetiva e consciente. Não basta denunciar é preciso denunciar para o
órgão e para as pessoas certas. O quarto capítulo apresenta os aspectos
metodológicos utilizados durante a realização deste trabalho. O quinto capítulo
mostra os resultados da análise da primeira fase desta proposta através de dados que
emergiram do diagnóstico que deu origem à elaboração e realização do Programa de
Intervenção que foi detalhado no sexto capítulo. Assim convido ao leitor a mergulhar
nestas reflexões, considerações e discussões.
I – CONSIDERAÇÕES SOBRE O ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
Ode à Maria
Sobrevivente de incesto, ilustre desconhecida, cidadã de classe,
velha nos seus vinte e alguns anos, preta, chorosa a quem ouvi
em confissão – nos traços ainda formosa, mas dura de coração!
Lembranças de minha infância
Que eu não queria lembrar!
Lamentos já tão distantes,
Qu’eu não posso suforcar!
(...)
Queria abafar as mágoas,
Esquecer o sofrimento
De minha infância perdida
E de todo o meu tormento.
Mas o passado é tão vivo
Na mente e no coração,
Que o pesadelo persiste,
Matando toda a ilusão.
Quem disse que a meninice é tempo de cantar,
Correr pular, sonhar e brincar,
Perdeu por certo a razão!
(ALBERTON, 2005, pg. 122).
1.1. Delimitação do fenômeno e definições legais
Azevedo & Guerra (1989) conceituam violência sexual como “todo o ato ou
jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre um ou mais adultos e uma
criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou
utilizá-la para obter estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa”
1
(AZEVEDO & GUERRA, 1989, p. 42). Esta definição denota a complexidade de um
tema que envolve uma diversidade de questões, desde as sexuais, genéticas,
1
Conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu art. “Considera-se
criança para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos incompletos, e adolescente aquela
entre doze e dezoito anos de idade”.
intelectuais, sociais, éticas e legais entre outras. Parece óbvio pensar que uma criança
não pode consentir com algo que elao está física nem psicologicamente preparada
para decidir. Tampouco, está cognitivamente preparada para compreender a natureza
de certas formas de contato e opor resistência. Menos compreensível ainda a situação
se torna, quando o abuso sexual é praticado por uma pessoa muito próxima e de
quem ela é afetivamente dependente.
As modalidades de abuso sexual cometidas contra crianças e adolescente têm
diversas formas de expressão que vão além da agressão física e psicológica. A
depender dos elementos que integram as singularidades de cada situação, temos
formas de abuso sexual que podem ser tão ou mais nocivas do que a relação sexual
em si. São as seguintes: a
exploração sexual
: a produção e comercialização de
materiais pornográficos com exposição de crianças e ou adolescentes (revistas, fotos,
filmes e vídeos, etc.), a troca e venda de material publicitário de conotação sexual na
Internet, o tráfico de crianças ou adolescentes para outras cidades ou países com
propósitos sexuais e as práticas sexuais mediante formas de pagamento; o
voyeurismo
que versa na observação de atos ou de órgãos sexuais de outra pessoa; o
exibicionismo
que é a exposição intencional a uma criança de seus genitais com a
intenção de chocar a vítima; os
telefonemas obscenos
que podem ocorrer quando um
adulto gera ansiedade em crianças ou adolescentes com discursos sexualizados
através de comunicação pelo telefone; o
abuso sexual verbal
que se refere às
conversas abertas sobre atividades sexuais incompatíveis com o desenvolvimento
cognitivo e sexuais de crianças e adolescentes. Podem ocorrer ainda: a
exposição de
vídeos pornográficos; o assédio sexual
que são propostas de contato sexual numa
posição de poder em relação a vitima, que é chantageada com ameaças, tentativas de
relações sexuais, carícias nos órgãos genitais, masturbação, sexo oral e anal e o
sadismo
ou abuso sexual incluindo flagelação, torturas e surras.
No que se refere aos aspectos e definições legais, existem os tipos penais
definidos como: estupro, atentado violento ao pudor, corrupção de menores, tortura e
maus tratos. O estupro e o atentado violento ao pudor são considerados crimes
hediondos, sejam na forma simples ou qualificada pelo resultado, e ainda nos casos
de violência presumida, conforme decisão recente do Pretório Excelso (NUCCI,
2006).
O estupro seria “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência
ou grave ameaça” (art: 213 do CPB). É um crime cujo sujeito ativo aquele que
pratica o fato descrito na norma penal incriminadora - pode ser o homem e aqui
devemos incluir ao marido, namorado ou companheiro, uma vez que a mulher não
constitui objeto sexual e pode opor-se aos desejos de outros para relações sexuais.
Segundo NUCCI “não é crível que no atual estágio da sociedade, inexistindo
naturalidade no relacionamento sexual de um casal, tenha o homem o direito de
subjugar a mulher à conjunção carnal, com o emprego de violência ou grave ameaça,
somente porque o direito civil assegura a ambos o débito conjugal” (NUCCI, 2006,
p. 816). Nestes termos deve prevalecer o direitos à incolumidade física e à liberdade
sexual de todo ser humano.
O atentado violento ao pudor segundo a norma penal, constitui em
“constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que
com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal” (art. 214 do CPB).
Entende-se o ato libidinoso como todo ou qualquer ato que satisfaça a lascívia, ou
seja, que prazer sexual e que seja diverso da relação sexual entre um homem e
uma mulher: sexo oral, sexo anal, toques, masturbação, etc. Pode ter como sujeito
ativo qualquer pessoa.
Estes crimes constituem tipos penais que possuem como elemento subjetivo o
dolo e exigem prova de materialidade e autoria. No caso de haver o envolvimento de
crianças nestas práticas sexuais e existindo a prova legal e evidência médica, a
criança pode ser protegida de imediato, conforme apresenta Furniss (1993):
Evidências dicas e forenses inequívocas são não apenas úteis
ao processo legal e de proteção à criança, mas também possuem
um grande valor terapêutico. Poder confrontar o abusador com
provas inequívocas de abuso sexual e com evidências factuais,
poupa a criança de testemunhar e de fazer declarações legalmente
conclusivas. Também faz com seja impossível que o abusador, a
criança ou qualquer outro membro da família retire novamente a
acusação sob a pressão psicológica que segue a revelação inicial.
(FURNISS, 1993, p. 205).
Porém, tanto os casos de estupro quanto de atentado violento ao pudor
quando ocorridos no recôndito do lar e com continuidade, apresentam dificuldades
na produção de provas. Geralmente nãotestemunhas e muitas vezes a única prova
existente é a palavra da vítima. Neste caso, “existe a possibilidade de condenação,
mas devem ser considerados todos os aspectos que constituem a personalidade da(o)
ofendida(o), seus hábitos, seu relacionamento anterior com o agente”. (NUCCI,
2006, p. 819) o que torna o fenômeno ainda mais complexo na sua compreensão. O
tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já manifestou este entendimento:
EMENTA: PROVA. CRIME CONTRA OS COSTUMES.
PALAVRA DA VÍTIMA. ADOLESCENTE. VALOR. Como se
tem decidido, nos crimes contra os costumes, cometidos às
escondidas, a palavra da vítima assume especial relevo, pois, via
de regra, é a única. O fato dela (vítima) ser uma adolescente,
quase criança na época do delito, não impede o reconhecimento
do valor de seu depoimento. Se suas palavras se mostram
consistentes, despidas de senões, servem elas como prova bastante
para a condenação do agente. No caso, as declarações da menor
informam e convencem sobre o abuso sexual do qual foi vítima.
Seus depoimentos se mostraram seguros a respeito, imputando ao
recorrente a prática de estupros. DECISÃO: Apelo defensivo
desprovido. Unânime. (APELAÇÃO CRIME 70008468563,
OITAVA MARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO RS, RELATOR: SYLVIO BAPTISTA NETO, JULGADO
EM 16/06/2004).
O Código Penal Brasileiro apresenta a presunção de violência no intuito de
proteger aqueles que não possuem capacidade de discernir entre concordar ou não
com a prática de um ato sexual. São casos em que não se leva em conta à
concordância ou não da vítima, constituindo em um ato violento contra a vontade da
vítima (Art. 224 do CPB).
A corrupção de menores também está situada no campo sexual (“art. 218:
Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18
(dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou
presenciá-lo”). Neste caso, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, porém o passivo
deve ter entre 14 e 18 anos, pois se for uma criança ou adolescente menor de 14 anos
será configurado como estupro ou atentado violento ao pudor, pois a violência é
presumida. A corrupção de menores compreende todos os atos que podem levar a
criança ou o adolescente à depravação sexual através da realização ou fazer com que
o mesmo pratique atos libidinosos. (NUCCI, 2006).
A Tortura também deve ser destacada no campo legal por ser mais uma das
formas de segregação e violência contra a criança e o adolescente. Possui uma
legislação própria que disciplina as suas diversas formas (Lei 9455/1997) e também
constitui um crime hediondo. O crime de maus tratos refere-se à por em risco a
pessoa que está sob sua autoridade e que inspira cuidados físicos, mentais e morais
(Art. 136 do CPB): “Aumenta-se à pena de um terço, se o crime é praticado contra
pessoa menor de 14 (catorze) anos”. Denúncias de crimes de maus tratos podem
inclusive, estar anunciando vítimas de Abuso Sexual.
A seguir apresentar-se-ão algumas considerações teóricas, características e
especificidades do fenômeno do abuso sexual no âmbito familiar e em outros
contextos.
1.2. Abuso sexual intra e extrafamiliar e implicações psicológicas
O abuso sexual pode ser classificado em duas categorias: intrafamiliar e
extrafamiliar. O abuso sexual intrafamiliar define-se por ocorrer no ambiente de
convívio familiar e é praticado por um membro da família: pai, mãe, irmão, avô, avó,
tio, tia, padrasto e madrasta. Santos (1998) afirma que o abuso sexual intrafamiliar,
na maioria das vezes, não é um fato isolado que envolve somente o abusador e a
criança ou adolescente violado. De forma direta ou indireta inclui todos os outros
membros da família, seja pelo ‘silêncio’ compactuado, seja pela participação ativa no
abuso ou na organização dos papéis sexuais no contexto familiar. O abuso sexual
extrafamiliar ocorre fora do âmbito familiar e é geralmente praticado por pessoas que
possuem algum vinculo com a criança: vizinho, amigo mais velho, professor,
médico, babá, entre outros. Pode inclusive acontecer no mesmo endereço social da
vítima. Nestas situações, a denúncia é muitas vezes realizada pelo próprio pai ou mãe
da criança ou adolescente.
Com relação aos fatores desencadeadores da violência sexual, temos que o
primeiro deles é o abuso de poder: um adulto mais desenvolvido física e
psicológicamente têm mais recursos para dominar uma criança ou adolescente. Um
segundo fator diz respeito aos traços de personalidade do agressor. Neste sentido,
Santos (1998) afirma: “[...] estados psicóticos ou perversos, depressão, baixo
controle dos impulsos, problemas neurológicos, baixa tolerância ao stress, bem como
o uso de álcool e outras drogas são fatores relevantes para a compreensão desse
problema” (SANTOS, 1998, p. 21). Em muitos casos, o abusador sabe que está
fazendo algo errado com a criança e que isso constitui um crime. Pode inclusive,
saber que o abuso prejudica a criança, mas mesmo assim não consegue parar essa
nociva prática (FURNISS, 1993). Para o agressor o abuso constitui um alívio de
tensão que o conduz à compulsão à repetição fazendo-o dependente. De acordo com
Furniss (1993), as tentativas de parar com a violência podem levar a sintomas de
abstinência tais como: agitação, irritabilidade e ansiedade.
Alguns fatores sociais como miséria e desemprego têm sido apontados como
responsáveis pela ocorrência do abuso sexual. Estes, no entanto, não podem ser
considerados determinantes, pois se pode constatar abuso sexual em famílias onde
não existem estes problemas. Assim, a violência sexual, no Brasil (e em outros
lugares do mundo), não é um fenômeno restrito às camadas populares, mas envolve
pessoas de todas as classes sociais, de diversos credos e áreas profissionais
(MARTINS, 1998). quem diga que é um dos “fenômenos humanos mais
democráticos” (depoimento no filme Canto de Cicatriz - Chaffe, 2005), pois
atravessa todas as camadas sociais, etnias, crenças e culturas.
O que mais preocupa nos casos de abuso sexual é que em geral as vítimas
convivem muito freqüentemente com o risco. A situação de risco, neste caso, é
compreendida pelo conjunto de eventos negativos presentes na vida da pessoa em
desenvolvimento e que aumentam a probabilidade de surgirem problemas físicos,
sociais e emocionais (YUNES & SZYMANSKI, 2005; YUNES, MIRANDA &
CUELLO, 2004). No caso da violência intrafamiliar, as pessoas não precisam sair de
casa, pois “elas presenciam diariamente, em seu ambiente familiar, os atos violentos
e hostis que, certamente, agem contra a sua natureza e têm influência deletéria em
seu desenvolvimento” (KOLLER & DI ANTONI, 2004, p. 294). Para contrapor-se
aos mecanismos de risco que esta grave questão suscita, é preciso gerar fatores de
proteção que transformem esta situação. Se a família é responsável por expor a
criança à violência, cabe aos demais microssistemas que formam a rede de
atendimento social, por exemplo, a escola, atuar de forma protetiva para impedir que
o abuso perdure.
A ABRAPIA - Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à
Infância e Adolescência, através do número telefônico (0800)990500, monitorou e
tratou estatisticamente denúncias de abuso e exploração sexual contra crianças e
adolescentes em todo o país, atingindo as 27 unidades federativas do país. O último
relatório, disponível via Internet, apresenta um perfil das vítimas de abuso sexual, no
período de fevereiro de 1997 a janeiro de 2003 (última atualização) e foram
quantificadas 1565 denúncias. No que tange ao sexo das vítimas: 17,06% são do
sexo masculino, 76, 17% são do sexo feminino, 6,26% são denunciadas como
feminino e masculino e 0,51% não informaram. E ainda, tanto meninas quanto
meninos abusados na mesma denúncia são 6,27%. As meninas são as vítimas mais
freqüentes, sendo mais comum o incesto pai/filha que tem analogia com o
próprio padrão cultural da sociedade patriarcal, na qual a mulher, a despeito das
conquistas femininas ainda é vista como objeto sexual. No item faixa etária: de 12 a
18 anos 47,80%, de 8 a 11 anos 18,47%, diversas idades 14,57%, menor de 8 anos
18,21%, e não informado 0,96%. A gravidade desta realidade se acrescida se for
considerada a idade da criança/adolescente. É possível observar que os adolescentes
são as maiores vítimas, porém em muitos casos o abuso pode ter tido início na
infância o que gera uma grande preocupação onde quase 20% das crianças são
menores de 8 anos.
Quanto ao perfil dos abusadores temos que das 1565 denúncias, 90,10% são
do sexo masculino, 4,47% do sexo feminino, tanto homens quanto mulheres
conjuntamente 4,92% e não informado 0,51%. No que diz respeito ao vínculo do
agressor com a vítima de abuso sexual, os dados revelam que nos casos de violência
intrafamiliar, o pai e o padrasto aparecem em primeiro lugar: Namorado(a) da
vítima 3,25%; Namorado da mãe 2,56%; Namorada do pai 0,10%; Irmão
4,64%; Irmã 0,10%; Avó 0,59%; Avô 3,16%; Mãe 6,60%; Padrasto 23,37%;
Madrasta 0,49%; Pai 36,39%; Primo 2,76%; Prima 0,10%; Companheiro(a) 1,08%;
Tio 9,07%; Tia 0,59%; Tio-avô 0,49%; Outros 4,24%; Não informado 0,10%.
A partir do ano de 2003, a responsabilidade do Disque Denúncia Nacional,
Disque 100, passou a ser de responsabilidade do Poder Executivo, reafirmando o
compromisso do Governo Federal ao combate à Violência e a Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes. Atualmente é coordenado e executado pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos (SEDH), em parceria com a Petróleo Brasileiro S.A
(Petrobras) e o Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes
(Cecria).
A Coordenadora do Laboratório de Estudos da Criança (LACRI - USP), Dra.
Maria Amélia de Azevedo, supervisiona uma coleta de dados de Equipes de
Telealunos do Telelacri, que pesquisam a violência doméstica contra crianças e
adolescentes desde 1996, no Brasil. Segundo a pesquisa nos anos de 1996 a 2003
foram notificados cerca de 8665 casos; destes 6.496 das vítimas eram do sexo
feminino e somente 1536 eram do sexo masculino e 633 não informaram, o que
confirma as tendências do Disque Denúncia.
Membros do CEP-RUA-UFRGS (Centro de Estudos Psicológicos de
Meninos e Meninas de rua da UFRGS) realizaram uma análise em processos de
casos denunciados de violência sexual ajuizados pelas Promotorias Especializadas na
Infância e na Juventude de Porto Alegre, entre os anos de 1992 e 1998, contando
com 94 vítimas. Destas, 80,9% eram do sexo feminino, enquanto que apenas 19,1%
do sexo masculino. Quanto à idade de início dos abusos foram encontradas três
faixas etárias: 10,6% das crianças apresentavam idade entre 2 e 5 anos, 36,2% destas
tinham entre 5 e 10 anos e 19,1% tinham entre 10 e 12 anos. A maioria das crianças
(26,6%) freqüentava o ensino fundamental no início das agressões (HABIGZANG,
KOLLER, AZEVEDO & MACHADO, 2005).
Apesar da expressão numérica dos dados serem preocupantes, temos que
levar em conta que as taxas de ocorrência reais são ainda maiores do que as
apresentadas, que grande parte das crianças/adolescentes vítimas de abuso sexual
não são reconhecidas ou denunciadas. A UNICEF (2002), estima que 75 a 80% dos
casos de abuso sexual não são denunciados. Isto se dá em virtude dos sentimentos de
culpa, vergonha, medo e tolerância da vítima e daqueles que são conhecedores de
casos de abuso (Faleiros, 2003). No tocante a denúncia Faleiros (2003) alega que: “A
denúncia é uma das questões cruciais para o enfrentamento das situações de abuso
sexual contra crianças e adolescentes, bem como para elucidação de todo e qualquer
crime. Implica em pessoas dispostas a correr riscos e romper com o pacto de silêncio
que alimenta a impunidade e desprotege as vítimas” (p. 138). Assim, podemos dizer
que a proteção da criança/adolescente depende do conhecimento da violência pelos
órgãos competentes através da denúncia: o Conselho Tutelar, Ministério Público,
Judiciário e a Delegacia de Polícia.
II - O ATO DE DENUNCIAR ABUSOS: UMA IMPRESCINDÍVEL MEDIDA DE
PROTEÇÃO EM CONTEXTOS MÚLTIPLOS
2.1 A denúncia de abuso sexual: uma medida de proteção
Denunciar vem do verbo latino
denuntiare
que significa: anunciar, declarar,
avisar, citar. Segundo o dicionário Aurélio (1989) significa: “dar denuncia de;
acusar, delatar; dar a conhecer ou a perceber; revelar-se ou trair-se” (p.155). É um
léxico que possui aplicação principalmente em diversos ramos do Direito Civil,
Penal ou Tributário com significado de declaração que se faz em juízo, ou notícia de
um fato que deve ser comunicado diante de autoridade competente. De acordo com
Plácido e Silva (2005), a denúncia pode ser iniciativa de qualquer pessoa que se sinta
prejudicada individualmente ou coletivamente e objetiva provocar a punição do
criminoso ou infrator. Os mesmos autores complementam “E constará não somente
da narrativa do fato delituoso, bem como da indicação da pessoa que lhe tenha dado
causa, quando possível a sua indicação” (Plácido e Silva, 2005, p. 430-431). As
singularidades da denúncia na área do Direito se distinguem no plano penal e civil.
No Direito Penal, a denúncia é o ato mediante o qual o representante do Ministério
Público formula sua acusação perante o juiz para iniciar a ação penal contra a pessoa
acusada de um crime ou contravenção. No Direito civil fala-se em notificação, ou
seja, da ciência que é dada a alguém, a uma terceira parte, distanciada do fato em si,
com a intenção de que a mesma venha participar/intervir da demanda ou do
processo. É, assim, tomada na mesma acepção de denunciação.
Popularmente, denunciar é vulgarmente usado a partir de termos pejorativos
como, “dedar”, “caguetar”, “entregar” alguém. Entretanto, em casos de quaisquer
modalidades de violência entre pessoas, em que persista ameaça de agressão ou risco
de morte, o ato de denunciar pode salvaguardar as vítimas de várias formas de
brutalidade, e tem, portanto, o sentido absoluto de proteção e preservação da vida e
da integridade dos envolvidos.
Em especial, dentre as diferentes formas de perversidades relacionais que
emergem no cotidiano de profissionais sociais, é preocupante constatar as
dificuldades de denunciar e encaminhar adequadamente os casos de abuso sexual
contra crianças e adolescentes. Este trabalho tem como pretensão enfatizar as
complexidades destas situações quando as mesmas ocorrem no contexto escolar e
colaborar para construir posturas profissionais competentes, humanitárias e
protetoras.
A denúncia ou notificação de uma situação de abuso sexual em qualquer
contexto requer ações e intervenções interdisciplinares que não dependem em sua
eficácia, de atitudes isoladas. É preciso haver comunicação e colaboração entre um
conjunto de segmentos que compõe a rede de apoio social de crianças, adolescentes e
famílias. Entretanto, que se considerar uma etapa prioritária neste processo que
envolve a participação de pessoas-chave, que devem estar preparadas para
identificar, reconhecer e compreender os indícios da existência de uma situação
abusiva. Isso pressupõe um conhecimento específico que raramente é tratado nos
cursos de graduação das diferentes áreas das ciências humanas e sociais nas
Universidades (ALMEIDA, 1998) e tampouco integra a formação de professores nos
cursos de magistério.
É necessário apontar que o abuso sexual é uma modalidade de violência que
pode deixar marcas profundas no desenvolvimento da criança e do(a) adolescente
vitimizado (a) e por isso exige urgência na sua intervenção. Não se pode deixar para
depois, para mais tarde, pois pode ser tarde demais.
No que se refere às responsabilidades sociais neste tema, existem artigos e
definições no campo legal que visam dar proteção à infância e à juventude. A Magna
Carta de 1988 dispõe no art. 227 caput e art. 227 § 4º:
ART. 227 CF: É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
ART. 227, § 4º CF: A lei punirá severamente o abuso, a violência e
a exploração sexual da criança e do adolescente. (BRASIL, 2000,
p. 107-108)
Estes preceitos se reforçam no Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL, 2003) cujo artigo preconiza: “Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão,
aos seus direitos fundamentais”. Para os casos de transgressão, o ECA (BRASIL,
2003) é explícito em legislar a obrigatoriedade de notificação dos casos,
independentemente de certeza ou confirmação dos fatos. Assim sendo, a “mera”
suspeita de violência contra uma criança ou adolescente deve ser anunciada,
conforme dispõe o artigo 13: “Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos
contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho
Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”
(BRASIL, 2003).
Entretanto, sabe-se que muito estudo e conhecimento são necessários para a
comunicação da “mera suspeita” de violência seja qual for a modalidade
evidenciada. Tais evidências podem variar em grau, desde um leve indício até o
relato explícito da própria vítima ou testemunha (GONÇALVES & FERREIRA,
2002). Portanto, cada situação vai merecer uma minuciosa investigação e um
tratamento diferenciado para que não se faça denúncias com base em sentimentos de
desconfiança. Nestes casos, mesmo sem intencionalidade, o denunciante pode tomar
para si o papel de vitimizador. Como se vê, a complexidade destas situações
multifacetadas requer cuidado profissional, atenção e sensibilidade orientada para os
sinais e expressões comportamentais das vítimas e dos abusadores.
Algumas categorias de profissionais devem estar especialmente preparados
para estas funções, pois além de seus papéis sociais lhes colocarem frente a frente
com estas ocorrências, a legislação os obriga a efetuar a denúncia sob risco de
punição administrativa se não o fizerem. Conforme o art. 245 do ECA (BRASIL,
2003), estarão sujeitos a multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência, os
médicos, professores ou responsáveis por estabelecimento de atenção à saúde e
educação, que deixarem de comunicar aos órgãos competentes os casos de abuso e
maus tratos contra crianças e adolescentes.
Infelizmente, ainda existem muitos percalços à aplicação destas leis, dentre
os quais podemos destacar: a falta de conhecimento dos trabalhadores sociais, a falta
de prioridade no atendimento institucional em rede às vítimas, abusadores e
familiares, a conivência ou o silêncio das famílias e as dificuldades da criança ou
adolescente em compreender e relatar a situação.
A falta de conhecimento dos trabalhadores sociais - professores, atendentes
de creche, cuidadores, advogados, juízes, promotores, delegados, etc. leva muitas
vezes à revitimização da criança e do adolescente. Aliado a este a falta de prioridade
no atendimento institucionais em rede às vítimas, abusadores e familiares
contribui
de forma negativa nestas relações.
Quanto aos profissionais da área legal, o desconhecimento somado aos
inúmeros interrogatórios, que obrigam a criança a repetir várias vezes o queom
No que se refere à cidade onde foi realizada esta pesquisa, o município de
Rio Grande, o Serviço Sentinela é o responsável pelo atendimento das crianças e
adolescentes vítimas de abuso e que são encaminhadas pelo Conselho Tutelar,
Judiciário e Instituições. Os laudos emitidos pela equipe técnica do serviço têm
auxiliado os operadores do direito no intuito de punição do agressor e proteção da
vitima.
Um outro obstáculo à aplicação legal é a conivência ou o silêncio das famílias
onde existe um “acordo” entre seus membros de que tudo deve permanecer oculto.
Este “acordo” consiste e é mantido através de ameaças à criança ou a família ou
ainda através de promessas de benefícios para a criança/adolescente
(SCOBERNATTI, 2005). Aliado a isso, as dificuldades da criança ou adolescente em
compreender e relatar a situação é pelo fato do abuso sexual ser mascarado com
cenas de carinho e sedução. Nestes percalços temos que levar em consideração duas
situações: a culpa e a acusação.
Para falar de culpa temos que levar em conta o aspecto legal e o psicológico.
O aspecto legal diz respeito à responsabilidade do abusador como figura parental. E
o aspecto psicológico refere-se ao aspecto relacional da participação da
criança/adolescente de sentir-se culpada do abuso. A distinção dos dois aspectos está
no fato de que o culpado legal é sempre o abusador, porém os dois podem se sentir
igualmente culpados no aspecto psicológico.
O sentimento de culpa da criança origina-se de seu senso
equivocado de responsabilidade, que ela deriva do fato de ter sido
uma participante no abuso. Essa confusão muitas vezes é
reforçada pelas ameaças da pessoa que cometeu o abuso, de que a
criança será responsável pelas conseqüências se revelar o abuso. A
persistente experiência psicológica de participação e culpa
também explica a baixa autoestima e o posterior comportamento
de vítima dos adultos que sofreram abuso sexual quando crianças
(FURNISS, 1993, p. 17)
Para a criança/adolescente as conseqüências de se sentir culpada são mais
graves, ela passa a acreditar que não possui nada de valor, pois os pais passam a ela
esta mensagem. E estes pais são as pessoas mais importantes de suas vidas,
principalmente quando pequenas. Quando adolescentes na maioria dos casos, a rua é
a solução para esta situação de culpa.
A acusação está relacionada à condenação moral, colocar a responsabilidade
em alguém. Isso provavelmente conduzirá a um culpado ou a um “sentir-se culpado”.
O esteriótipo da ‘criança sedutora’, que seduz o pai e aprecia o
abuso tem pouco a ver com a realidade do abuso sexual da
criança. Tem sua origem principalmente nas projeções dos adultos
de seu próprio pensamento sexual nas crianças. Isso faz com que
se confunda a experiência sexual aparentemente adulta da criança
que sofreu o abuso com o verdadeiro nível de desenvolvimento
psicossexual da criança, que geralmente deixa a desejar. As
crianças que sofreram abuso sexual freqüentemente são bem mais
imaturas emocionalmente do que as suas iguais (FURNISS, 1993,
p.21).
Anna Freud afirma que “no abuso sexual da criança, esta não pode evitar
ficar sexualmente estimulada e essa experiência rompe desastrosamente a seqüência
normal da sua organização sexual. Ela é forçada a um desenvolvimento fálico ou
genital prematuro, enquanto as necessidades desenvolvimentais legítimas e as
correspondentes expressões mentais são ignoradas e deixadas de lado” (FREUD,
1981, p. 33-34). Segundo ela, o abuso sexual esta relacionado: às descrições dos
fatores psicossocial e psicossexual da criança, e suas conseqüências nos processos de
desenvolvimento. Culpa ou acusação, jamais podem ser imputadas à
criança/adolescente. É normal que esta apresente uma conduta sexualizada, pois foi
motivada prematuramente, o que não justifica a violência sexual. Percebe-se então, a
complexidade do tema em loco e a necessidade de um maior preparo dos
profissionais que trabalham na rede de atendimento a crianças e adolescentes vitimas
de violência sexual.
2.2. Para quem denunciar?: Os órgãos que recebem denúncias
O primeiro órgão da rede de atendimento para denúncias de casos de abusos
sexuais é o Conselho Tutelar. Este é um órgão permanente, autônomo, e encarregado
de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 131 ECA).
Recebe as denúncias e realiza os encaminhamentos legais. Na cidade de Rio Grande
três Conselhos Tutelares e os mesmos compartilham o mesmo local, pois o
trabalho é realizado em equipe. Os conselheiros realizam reuniões para estudos de
caso e para decisão sobre aplicação das medidas pertinentes, além do
acompanhamento sistemático de cada caso.
Outra entidade para receber denúncias é o Serviço Sentinela, que foi criado
pelo Governo Federal no final do ano 2000, constituindo a primeira ação concreta do
Programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e
Adolescentes, inserido no Plano Plurianual. Este serviço foi criado no âmbito da
Política Nacional de Assistência Social. Compreende um conjunto de ações de
natureza especializada, destinado ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas
de violência. A criação do Serviço, na Cidade do Rio Grande, em 2001 visou à
articulação das Políticas de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e da
Assistência Social no atendimento de crianças e adolescentes, vitimas de abuso
sexual intra e extrafamiliar e ainda casos de exploração sexual comercial. Porém,
conforme a demanda, atende crianças e adolescentes vítimas de todos os tipos de
violência, sendo que a predominante é a sexual. O Serviço busca ainda realizar um
acompanhamento com as famílias. O atendimento é realizado através de uma equipe
multidisciplinar formada por: duas assistentes sociais, duas psicólogas, duas
educadoras, uma recepcionista e duas funcionarias que trabalham na limpeza e ainda
um advogado que presta serviços jurídicos. Conta com o número: 08005102323 para
receber denúncias e encaminha os casos para o Conselho Tutelar. Atualmente estão
sendo atendidas cerca de 150 crianças/ adolescentes e 120 famílias. Quando a criança
é encaminhada para o Serviço ela é acompanhada por um responsável, neste caso um
membro da família que na maioria dos casos é a “mãe”. Este momento é chamado de
“abertura de caso”. Primeiramente o familiar é atendido pela Assistente Social que
faz uma
anamnese
, procurando entender toda a situação familiar. Após o caso é
passado para a Psicóloga que também utiliza este procedimento buscando fazer todo
um histórico da criança desde a gestação. Após este processo a criança passa a ser
atendida pela equipe: assistente social, psicóloga e pedagogo, recebendo um
atendimento terapêutico. Não existe um período pré-determinado para receber alta
que pode levar até 2 anos. Durante todo o tratamento a família recebe visitas
domiciliares, até que se perceba que ela pode “andar com as próprias pernas”.
Atualmente, está sendo realizado: um atendimento em grupo com as mães o que
amplia as atividades realizadas pelo Serviço para os familiares.
O Disque 100 consiste no disque denúncia nacional de Abuso e Exploração
Sexual contra crianças e adolescentes e foi de responsabilidade da ABRAPIA -
Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Criança e ao Adolescente a
2003. A partir daí, passou a ser de responsabilidade do Poder Executivo, reafirmando
o compromisso do Governo Federal no combate à Violência e Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes. Recebe também denúncias do crime de tráfico de pessoas e
informações sobre o paradeiro de pessoas desaparecidas, além de orientar a
denúncia de pessoas desaparecidas. A denúncia pode ainda ser realizada pela
Internet.
2.3. Impasses, dificuldades e possibilidades dos profissionais para identificação e
denúncia de abuso sexual
Quando a criança procura ajuda por estar sendo abusada, ou quando
desconfiança do professor, médico, enfermeiro, etc., este profissional deve estar
preparado para identificar os indicadores e efetuar a denúncia. Por isso, é importante
conhecer e compreender o tema, seus sinais e principalmente definir caminhos para
uma denúncia protetiva e consciente. Porém, não basta denunciar, é preciso
denunciar para o órgão e para as pessoas certas.
As dificuldades que complicam a análise das causas e conseqüências do
abuso sexual contra crianças e adolescentes vão desde questões teóricas e
metodológicas, como a escassez de estudos longitudinais, até as impossibilidades de
se estabelecer relações entre as variáveis envolvidas em situações plurais de
violência. Características das vítimas, tais como, sexo, idade, história prévia e
recursos de apoio (PALÁCIOS, JIMÉNEZ, OLIVA & SALDAÑA, 1998) devem ser
consideradas, pois podem interferir no diagnóstico situacional.
Os sinais que revelam que crianças ou adolescentes estão sendo vítimas de
abuso sexual são inúmeros e inegáveis. Podem ocorrer sintomas físicos como: as
infecções urinárias (mais freqüentes, no caso das meninas em que aparecem os
corrimentos vaginais ou retais), as queixas de dores ao urinar ou cólicas intestinais, a
enurese/encoprese (falta de controle para urina ou fezes), o diagnóstico de doenças
sexualmente transmissíveis, entre outros sintomas que podem ser encontrados em
literatura competente (AZEVEDO & GUERRA, 1989; SANTOS, 1998; BRAUN,
2002; KOLLER & DE ANTONI, 2005). Além disso, indícios psicológicos
evidenciam que a criança ou adolescente está sendo vitimizada, como: mudanças
súbitas de comportamento, por exemplo, no apetite, chegando a formas de anorexias
ou bulimias, conduta agressiva ou rebelde, dificuldades no desempenho escolar,
reações defensivas, de alerta, comportamento sexualizado e incompatível com a
idade, sinais de promiscuidade sexual e prostituição, fuga do contato físico, sintomas
de depressão, entre outros (BRAUN, 2002; KOLLER & DE ANTONI, 2005). Deve-
se ressaltar que somente um atendimento técnico pode determinar a ocorrência ou
não de violência sexual e todo cuidado é necessário diante da ocorrência de
comportamento sexualizado na infância. Este pode ser incentivado por diferentes
meios, como, por exemplo, pelas expressões visuais e auditivas da mídia.
A família da criança que sofre abuso sexual também apresenta
algumas características que devem ser observadas e investigadas. Santos (1998)
aponta algumas destas características: cuidado exagerado dos pais, controle nas
relações sociais da criança, desconfiança permanente, proibição de namoro em casos
de adolescentes, o uso de drogas e bebidas alcoólicas na família, uma sensação de
segredo que envolve todos os membros do grupo familiar, mães com atitudes
excessivamente submissas ao companheiro, acusações de promiscuidade atribuída às
crianças e indícios de que os pais tenham sofrido abuso sexual quando crianças.
Deve-se ressaltar que este último item citado é tema controverso. Não se pode
afirmar que toda vítima de violência sexual na infância ou adolescência,
invariavelmente será um abusador, pois os dados empíricos não apoiam totalmente
esta hipótese. (PALÁCIOS, JIMÉNEZ, OLIVA & SALDAÑA, 1998). Alguns
autores encontram taxas de reprodução transgeracional que chegam a 100%
(STEELE & POLLOCK, 1968) enquanto outros se situam no extremo oposto, como
demonstra a taxa de 1% divulgada por Widom (1989). No Brasil, as mesmas
contradições se expressam. Autores como Amazarray e Koller (1998) destacam a
necessidade dos profissionais estarem atentos às causas do ato abusivo, e levarem em
consideração as “histórias de negligência, abuso físico e sexual na infância de ambos
os pais” (AMAZARRAY & KOLLER, 1998, p. 13) e concluem que “pais
abusadores freqüentemente apresentam histórias de maus-tratos em sua infância e
ignorância em relação ao cuidado dos filhos” (p.13). Porém, Azambuja (2004)
argumenta que: “não existem estudos que apresentem evidências sólidas que
confirmem esta hipótese de modo definitivo, muito pelo contrário, (...) apenas em
20% e 30% das pessoas que foram maltratadas na infância praticam agressões com
seus filhos” (AZAMBUJA, 2004, p. 267). Segundo Palácios e cols. (1998) a maioria
dos investigadores está de acordo que a porcentagem de transmissão de práticas
abusivas nas famílias estaria entre 30% e 40%. Com estes dados, conclui-se que é
importante considerar que a transmissão geracional não é determinante ou inevitável,
pois uma boa parcela de pais parece conseguir romper este ciclo.
As controvérsias que atravessam as práticas dos profissionais
confrontados
com sinais de violência sexual em crianças e adolescentes geram outros impasses
além da geracionalidade e se apresentam em dimensões mais pessoais. Do ponto de
vista individual, atender vítimas, abusadores e suas famílias, pode trazer sentimentos
de ansiedade e angústia, vinculadas à escuta e compreensão profissional da revelação
de uma situação abusiva relatada por uma criança. A narrativa e as descrições com
detalhes de conotação sexual, na voz de crianças ou adolescentes, incapazes de agir
em defesa própria, geralmente provocam diversas emoções. Além disso, a
multiplicidade de inquietudes dos profissionais se remetem às dúvidas sobre as
conseqüências da experiência relatada na vida das crianças/adolescentes e das
famílias.
Vários autores apontam que em casos de violência sexual, a criança é sempre
a vítima e jamais deve ser considerada ou apontada como culpada (FURNISS, 1993;
BRAUN, 2002; AZEVEDO & GUERRA, 1989). Sua vulnerabilidade à situação
abusiva decorre das próprias características da infância ou adolescência. Os
sentimentos de confiança e dependência dos adultos, o portesico que facilita o uso
da força ou coação e as impossibilidades cognitivas e emocionais de resistir ou
consentir atestam a submissão da criança ou adolescente ao abuso sem que haja o
exercício de qualquer forma de liberdade (AZEVEDO & GUERRA, 1989; BRAUN,
2002). A situação assume proporções ainda mais preocupantes quando se aborda as
conseqüências sociais que levam a estigmatização dos envolvidos, os traumas
familiares e individuais, a freqüente descrença dos adultos nos relatos da criança em
contraposição à negação do abusador e a culpa atribuída à criança pelos inevitáveis
danos na estrutura e dinâmica familiar, embora do ponto de vista legal, como
relatamos acima, o culpado seja sempre o abusador. Como primeira medida
recomendada pelos especialistas em casos de violência sexual doméstica, está “a
proteção imediata à vítima quando a estrutura e o funcionamento da família
incestogênica indicarem a inexistência de condições capazes de barrar a reiteração do
abuso com a mesma vítima ou sua extensão a outras no mesmo lar” (AZEVEDO &
GUERRA,1994, p. 104). Priorizar o bem estar da criança, considerando que ela pode
estar sob o mesmo teto que o seu agressor, não pressupõe intervenções imediatistas
ou individuais, mas sugere a necessidade de uma equipe cnica institucional e de
uma rede de apoio preparada para lidar com estes casos.
Os profissionais envolvidos nas decisões relativas aos casos de violência
sexual contra crianças geralmente se percebem diante de duas possibilidades: a
primeira enseja a constância da criança na família. E a segunda a sua retirada por um
tempo “determinado”, o que em muitos casos representa anos de afastamento da
criança e de seus familiares. Sobre o primeiro caso, o Estatuto da Criança e do
Adolescente dispõe no seu artigo 130: Verificada a hipótese de maus-tratos,
opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária
poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia
comum” (BRASIL, 2003). Para Azevedo & Guerra (1994, p.105), algumas medidas
são fundamentais nestes casos: a) atima e a família devem ser encaminhadas a um
tratamento compulsório na comunidade, por no mínimo 2 anos; b) um planejamento
dos recursos materiais deve prover os recursos que estas famílias necessitam por um
prazo determinado, até a organização da independência familiar e c) deve haver
orientação para que a família buXDC-ôfasfa
Nos casos de abrigamento, o dirigente do abrigo é que manterá a guarda da
criança/adolescente para os efeitos legais. O abrigo é local de passagem, ou seja, um
lugar onde a criança/adolescente deve ficar até que sua situação legal se resolva.
Porém, o que ocorre é a permanência das crianças nas instituições por períodos muito
longos. São motivos apontados para tal: a falta de um trabalho de reinserção familiar
eficaz e de programas de incentivo e preparo para adoção (YUNES, MIRANDA &
CUELLO, 2004; SIQUEIRA, BETTS & DELL’AGLIO, 2006).
Todas estas questões relativas ao futuro das vidas de crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual levantam muitas perguntas para os profissionais sociais que
não encontram respostas. Em seguida destacamos as singularidades e os dilemas do
professor do ensino fundamental.
III - RECONHECENDO E COMPREENDENDO ECOLOGICAMENTE A
SITUAÇÃO DE ABUSO SEXUAL INTRA E EXTRAFAMILIAR
A abordagem bioecológica apresenta o suporte teórico e metodológico
através dos pressupostos conceituais do modelo Bioecológico de desenvolvimento
humano (BRONFENBRENNER, 1979/1996; BRONFENBRENNER & MORRIS,
1998). A abordagem ecológica de Urie Bronfenbrener (1979/1996) tem sido uma
referência para a compreensão das complexidades do tema abuso sexual, pois não
privilegia apenas as propriedades dos contextos, mas estudam os processos
proximais, as interações das pessoas em desenvolvimento em seus ambientes
(BRONFENBRENNER, 1979/1996; YUNES, MIRANDA & CUELLO, 2004). Foi a
atualização do modelo ecológico em bioecológico (BRONFENBRENNER, 1996;
BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998) que trouxe para discussão as
características das pessoas e os processos proximais primários, definidos como
interações dinâmicas progressivamente mais complexas entre organismos e
contextos. Portanto, a compreensão sistêmica das questões desenvolvimentais se dão
a partir de quatro dimensões inter-relacionadas: a pessoa, os processos, o tempo e o
contexto (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998).
Focar a pessoa significa estudar o conjunto de aspectos de personalidade do
indivíduo, a sua capacidade de explorar o ambiente, estruturando e reestruturando-o
(KOLLER, 1998). Neste trabalho, as pessoas são: as crianças e adolescentes
vítimizados que precisam ser protegidos e os abusadores, os familiares, os
professores e demais implicados de vários sistemas que também precisam ser
cuidados e ainda toda a equipe de pesquisadores. Os processos referem-se aos
“motores” do desenvolvimento humano (BRONFFENBRENER & MORRIS, 1998),
os vínculos entre os contextos e as pessoas, os processos de interações, suas
atividades diárias e papéis experimentados. O tempo refere-se ao cotidiano das
pessoas, suas histórias de vida, suas experiências e o momento histórico pesquisado.
O contexto, no qual vive a criança vítima de abuso sexual (e qualquer outra criança)
compreende uma variedade de espaços, desde a família, escola, vizinhança até a mais
ampla conjuntura social. Estes ambientes são concebidos por Bronfenbrenner
(1979/1996) como uma série de estruturas encaixadas uma dentro das outras da
seguinte forma: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. Um
microssistema é definido como “um padrão de atividades, papéis e relações
interpessoais experenciados pela pessoa em desenvolvimento num dado ambiente
com características físicas e materiais específicas” (BRONFENBRENNER, 1996,
p.18). Portanto, refere-se ao ambiente que o indivíduo estabelece relações face-a-face
assumindo papéis e interagindo pessoalmente. A família, a escola e a instituição são
exemplos de microssistemas. O mesossistema refere-se ao conjunto de relações entre
dois ou mais microssistemas nos quais a pessoa em desenvolvimento participa de
maneira ativa (as relações família-escola, por exemplo). O exossistema compreende
aquelas estruturas sociais formais e informais que, mesmo que não contenham a
pessoa em desenvolvimento, influenciam e delimitam o que acontece no ambiente
mais próximo (a família extensa, as condições e as experiências de trabalho dos
adultos e da família, as amizades, a vizinhança). E por último, o macrossistema é o
sistema mais distante do indivíduo, e inclui os valores culturais, as crenças, as
situações e acontecimentos históricos que definem a comunidade onde os outros três
sistemas estão inseridos e que podem afetá-los (estereótipos e preconceitos de
determinadas sociedades, períodos de grave situação econômica dos países, a
globalização).
3.1. O microssistema família e o abuso sexual
O microssistema famíliar é o primeiro contexto experimentado pela criança e
é onde ela vai estabelecer seus primeiros vínculos de confiança (DE ANTONI &
KOLLER, 2004) e processar os seus primeiros passos para o desenvolvimento. Tem
como principal função proteger e gerar o bem estar da criança. Uma família que
expõe a criança à violência pode deixar uma profunda marca na sua trajetória de
vida. Situações de violência levam a criança a sofrer ainda mais os impactos de
novos ambientes, o que fica explícito durante as transições ecológicas (movimentos
que caracterizam saídas e entradas em novos ambientes microssistêmicos), sejam
elas: a ida para a escola, a retirada da criança da família quando necessário, a ida à
delegacia de polícia ou a sede do Conselho Tutelar, depor na frente do juiz e por
fim a institucionalização (YUNES, VASCONCELOS & GARCIA, submetido).
Além das funções de proteger a infância e a juventude e dar iniciação aos
valores e preceitos sociais básicos, a família deve preparar a criança e o adolescente
para futuras interações com outros microssistemas da sua rede social. Colaborar para
formar mesossistemas de proteção no mapa social destes seres em desenvolvimento,
ou seja, incluir e conhecer as relações com as pessoas da escola, os vizinhos, os
amigos em geral, os profissionais do posto de saúde e da igreja (DE ANTONI &
KOLLER, 2004) devem ser prioridades para os adultos do grupo familiar. Assim,
além do provimento dos bens, sustento dos filhos, educação formal e informal é
tarefa da família atentar para a transmissão de valores culturais, que serão
assimilados pelos filhos, no decorrer da sua trajetória e ciclo de vida.
A primeira imagem que se tem da família é de um lugar onde a criança vai
desenvolver seus sonhos e suas expectativas. Mas, nas famílias onde ocorre violência
sexual este é o lugar do medo e do desespero. A responsabilidade dos adultos
cuidadores é substituída pelo abuso, pela violência e pelo desrespeito. Furniss (1993)
a família onde ocorre abuso através de dois modelos: a família “organizada”:
aquela que mantém uma imagem de família ideal e que apresenta, aparentemente, um
funcionamento “adequado”. O casamento é mantido idealizado, o relacionamento
incestuoso é altamente secreto, existe um tabu quanto a reconhecer o abuso sexual ou
qualquer outro problema sexual. E, a família “desorganizada”: aquela que apresenta
pais imaturos e dependentes emocionalmente e possui um funcionamento global
prejudicado. Existe um claro conflito conjugal, o incesto é muitas vezes reconhecido
(mas desconsiderado) e um tabu quanto à revelação do abuso publicamente. Os
fatores mantenedores do abuso nos dois casos são semelhantes, porém com
diferenças importantes. A revelação pública nas famílias “organizadas” provoca um
verdadeiro desastre familiar. Os pais mostram dificuldades em suportar um claro
conflito conjugal e sexual, pois a comunicação neste tipo de família não era
transparente ou explícita. Os relacionamentos conjugal e familiar eram idealizados, o
que impedia buscar solução dos problemas, que os mesmos eram negados. Os
problemas do casal também se mantinham sob uma falsa harmonia conjugal perfeita.
A evitação do problema de qualquer conflito sexual conjugal claro pode conduzir à
triangulação da criança. De acordo com Furniss (1993):
A delegação do relacionamento sexual coloca a criança em uma
aliança sexual de pseudo-adulta com o pai e lhe o status de
pseudoparceria no nível sexual, do qual a mãe é excluída pelo
segredo. Ao mesmo tempo, a filha mantém um status de criança
conjuntamente aceito, no nível do cuidado prático. O papel secreto
de pseudo-parceira sexual da criança resulta em uma perturbadora
vitimização. Ao mesmo tempo, lhe uma posição central na
família, sobre a qual a família, com sua imensa e rígida
moralidade, jamais comunica (Furniss, 1993, p. 60).
Nas famílias “desorganizadas” a revelação não é tão desastrosa, posto que
não existe uma preocupação com a imagem da família. Nestas famílias o fator
econômico, seja a perda do provedor, é mais importante do que a imagem
(FURNISS, 1993). Assim podemos dizer que o medo da ruptura familiar ou do
divórcio, da perda do status econômico e social e da acusação, são os principais
fatores que impedem a procura de ajuda pelas famílias “desorganizadas” que sofrem
com o abuso sexual.
Para as duas categorias de famílias, o momento da revelação impõe a
intervenção legal e de proteção à criança. Isso faz com que a família deixe de ser
autônoma e o abuso passa a ser um problema onde toda a rede institucional é
envolvida, o que irá influenciar diretamente os relacionamentos familiares e a
situação psicológica e social de cada membro desta família. Quando o pai é o
abusador, as crianças não estão motivadas a procurarem ajuda por terem sido
ameaçadas e/ou agredidas (FURNISS, 1993). No que tange à figura materna existem
duas situações: a primeira quando a criança conta sobre o abuso e a mãe não acredita
ou finge não acreditar; a segunda ela acredita ou flagra o abuso e reage, tomando
medidas de proteção à criança induzindo a uma revelação. No primeiro caso, a mãe
teme pela perda da unidade familiar, perda do ganha-pão ou por lembranças da sua
infância de abuso (NARVAZ, 2004). Ela não acredita que seu marido seja capaz de
abusar sexualmente da própria filha/filho. Muitas vezes suspeita que seja verdade,
mas prefere viver na dúvida a investigar a veracidade dos fatos. Em alguns casos,
prefere acreditar que foi a filha que seduziu o pai. Deste fato, nasce uma hostilidade
entre mãe e filha e a não-crença da mãe faz com que seja melhor a criança sair de
casa. Outra situação que confirma a hipótese de que é melhor a criança sair de casa é
quando ela é acusada pelos membros da família das conseqüências da revelação e da
ruptura da estrutura familiar (NARVAZ, 2004).
No livro: “Labirintos do Incesto: o relato de uma sobrevivente” (1998), a
autora Fabiana Pereira de Andrade conta sua história de violência, tendo como
principal agressor seu pai. Em uma das passagens do livro ela relata seus sentimentos
pela mãe:
Minha mãe tinha muito medo e ódio de meu pai. Sempre que ela
contava algo sobre meu pai, caia em lágrimas, dizendo que ela
nunca tinha tido nenhum momento de felicidade com ele – ou pelo
menos não lembrava de nenhum. E que nunca, em parte alguma,
se sentia mulher: tudo o que ela nos contava era que estava
cansada de ser prisioneira de meu pai. Na nossa idade não
sabíamos julgar quem estava certo e quem estava errado. Mas, ao
mesmo tempo em que tinha pena de minha mãe, eu também sentia
raiva dela por nos deixar sofrer demais. (ANDRADE, 1998, p.
20).
Neste sentido, Furniss (1993) afirma: “(...) as mães que não reconhecem que
o abuso sexual aconteceu não merecem confiança no sentido de que irão proteger a
criança. Elas não conseguem ver que a criança corre riscos, e é impossível controlar
sua capacidade de proteger” (p. 285). Na visão jurídica, a mãe que é conivente com a
violência torna-se co-autora do crime, e é tão criminosa quanto o abusador.
Na segunda situação, a mãe opta por denunciar o agressor. Algumas não o
fazem de imediato e levam até anos para ter coragem de enfrentar o marido e as
conseqüências da revelação. Outras, porém, o fazem de imediato e buscam o divórcio
(FURNISS, 1993). Alguns autores (NARVAZ, 2004), defendem a figura materna e
afirmam:
(...) o que se vê é um discurso de culpabilização das mães, que traz
implícito o desvio da responsabilidade do verdadeiro agressor, uma
vez que não se pode atribuir igual responsabilidade a pessoas que
têm diferente percentual de poder em um sistema. É preciso avaliar
que condições essas mulheres têm de vencer o complô do silêncio
que cerca o fenômeno do incesto, onde desempenha igualmente o
papel de vítima, e não o de ré (NARVAZ, 2004, p. 4).
Quanto aos demais membros da família, em geral estes tentam negar o abuso,
alegando que a criança não foi machucada, ou justificam que aconteceu quando o pai
estava bêbado ou drogado. Isso ocorre muitas vezes por medo das conseqüências
legais, financeiras, no trabalho e na carreira profissional. As famílias temem:
aprisionamento, divórcio, suicídio, assassinato, violência e o estigma social. O abuso
sexual é pensado freqüentemente pelas expectativas de punição, pois espera-se que o
abusador seja castigado, mandado para a prisão e afastado da criança e da família. As
conseqüências para a criança são pensadas quando o abusador é solto e volta para
a família. Quando a justiça interfere e o abusador é absolvido ele pode interpretar
esta decisão judicial como uma permissão da lei para continuar abusando (FURNISS,
1993).
Em síntese, cabe aos pais, mas também compete à sociedade zelar pelo
desenvolvimento físico, mental, psicológico e afetivo das crianças e adolescentes.
Quando na família estão os agressores, fica complicado garantir proteção e
segurança, pois os papéis e as funções se confundem, principalmente nos casos de
violência sexual, onde o ato é mascarado com cenas de carinho e sedução. Os adultos
aproveitam-se da vulnerabilidade e da imaturidade da criança que se sente confusa e
passa a viver uma situação conflituosa e traumática, permeada por diferentes
sentimentos que se misturam, sejam eles: o medo, a raiva, o prazer, a culpa e o
desamparo. O despreparo dos cuidadores e dos profissionais que buscam a punição
do agressor levam a revitimização da criança impedindo que esta possa ter uma vida
digna e livre de preconceitos, traumas e estigmas sociais. (FURNISS, 1993;
AMAZARRAY & KOLLER, 1998). Neste cenário, o microssistema escolar
apresenta-se como ambiente ideal para detectar e intervir nas situações de abuso
sexual contra a criança.
3.2. O microssistema escolar como contexto de proteção de crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual
A escola é um dos principais ambientes responsáveis pela transmissão da
cultura e transformação das estruturas sociais. Portanto, as propostas pedagógicas
devem estar ajustadas às necessidades das crianças, famílias e comunidades. Muitos
governantes preocupam-se com a apresentação física, com os recursos materiais,
com a quantidade de equipamentos e atualização da tecnologia educacional das
escolas. Fica em segundo plano, a qualidade das relações entre o próprio corpo
docente e dos docentes com seus alunos. Renomados pesquisadores britânicos
publicaram em 1979 os resultados de um criterioso estudo longitudinal, que
pesquisava os efeitos das experiências escolares, das características das escolas e dos
professores no desenvolvimento das crianças e adolescentes (RUTTER,
MAUGHAN, MORTIMORE E OUSTON, 1979). Os autores perguntavam-se quais
fatores de organização e funcionamento dos ambientes escolares seriam relevantes na
formação dos alunos. A partir deste estudo ficou demonstrado que não importam as
condições sicas ou as modernidades dos prédios escolares, nem a baixa relação
entre o número de alunos e professores. O que realmente ficou evidente foi à
importância da escola como organização, suas normas e valores sociais. Ao mesmo
tempo, no Brasil, na voz de Paulo Freire (1987) e seus seguidores se pregava um
educador: humano, libertário, dialógico, revolucionário que seria o motor de um
sistema educacional justo e solidário. Diante disso, cabe a nós refletirmos se nos dias
de hoje, enquanto organização social, as escolas estão instrumentalizadas para
enfrentar as disfunções nas relações de poder e de confiança que se expressam nos
casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes.
A escola deve estar atenta à seriedade destas situações. Camargo & Libório
(2005) afirmam que é preciso entender como esta modalidade de violência é tratada
no ambiente escolar e buscar alternativas de mudanças. Acrescentam que diante da
gravidade que encerra a violência sexual para a criança e para o adolescente, a escola
deve ter como objetivo garantir a qualidade de vida de sua clientela, bem como
promover cidadania.
Uma pesquisa desenvolvida por Ristum & Bastos (2001) investigou o
universo de quatro escolas públicas reunindo 47 professoras do primeiro seguimento
do ensino fundamental com o intuito de descrever e contextualizar as concepções de
violência dos educadores. Os resultados demonstraram que a modalidade de
violência familiar mais citada por 59,5% dos pesquisados, foi a violência de pais para
filhos. O abuso sexual foi apontado por quase 50% das professoras: “A maior parte
dos relatos fez uso de expressões como violência sexual, estupro, abuso sexual e se
referiu a abusos de crianças e adolescentes praticados por pais ou padrastos,
"tarados" ou "maníacos sexuais" que abusam de mulheres e, ainda, delinqüentes que
ao praticar assaltos ou latrocínios, praticam, também, o abuso sexual” (RISTUM &
BASTOS, 2001, p. 234). As autoras destacam que esta forma de violência foi
considerada pelas professoras como a mais grave, depois da agressão física, posto
que: "é muito chocante", "abala psicologicamente o ser humano", "deixa marcas para
o resto da vida" "principalmente se for com criança que é inocente, abala".
Embora nas famílias abusivas, o pacto de silêncio consista em “um acordo”
entre abusador e a vítima (FURNISS, 1993), isso pode ser “quebrado” ou rompido na
escola, seja através de sinais típicos, ou pela confiança do aluno no professor. Tais
situações ensejam uma atitude profissional do educador ou dos educadores. Assim,
“a escola mostra-se como um lugar ideal para a detecção e intervenção em casos de
abuso sexual infantil, uma vez que o principal agressor geralmente encontra-se na
família” (BRINO & WILLIANS, 2003, p. 1). Brino & Willians (2003) pesquisaram
o universo dos professores de escolas municipais e de educação infantil – Emeis de
uma cidade de porte médio do Estado de São Paulo, abordando: informações sobre o
ECA, focando a violência doméstica contra crianças; os sintomas apresentados pelas
vítimas e os procedimentos e ações adotados perante casos de violência sexual.
Segundo a pesquisa, apenas 15% dos profissionais participantes têm informações
sobre abuso sexual contidas no Estatuto, o que evidencia um importante
desconhecimento dos aspectos legais. Um número significativo de professoras, cerca
de 65%, haviam se defrontado com vítimas de violência sexual em suas classes o
que reforça a necessidade de atenção para incidência destes casos no ambiente
escolar. Quanto às afirmações sobre os procedimentos que adotariam diante dos
casos de abuso sexual infantil foi observado que um número reduzido, 21%, tomaria
como medida a denúncia. Para as autoras:
O o envolvimento de denúncia nas respostas das demais
participantes pode estar relacionado a três hipóteses: a.
desconhecimento do ECA, que o coloca a denúncia como
obrigatória, como também prevê pena ao professor que se omite da
denúncia; b. medo de represálias dos pais ou responsáveis pela
criança; c. crenças inadequadas sobre o papel do professor,
relativas ao envolvimento em problemas familiares dos alunos
(BRINO & WILLIANS, 2003, p.6).
Quando questionadas sobre o dever do professor ao se deparar com um caso
de abuso sexual em sua classe, 60% informaram que seu dever era denunciar, no
entanto somente 21% afirmaram que denunciariam o que demonstra um verdadeiro
descompasso entre teoria e prática. Segundo as autoras, existe uma grande distância
entre o “falar” e o “fazer”. Constata-se, assim, a importância de estudos que busquem
alternativas eficazes para que a denúncia seja devidamente realizada e encaminhada.
3.3. O Papel do Professor diante de suspeitas de abuso sexual no contexto escolar
Falar sobre o papel do educador no cotidiano escolar não é tarefa fácil. Além
de estar voltado para os aspectos relativos à aprendizagem dos conteúdos formais,
cabe ao professor observar e procurar conhecer seus alunos, identificar seus
problemas e queixas, e compreender a freqüência e a continuidade das manifestações
comportamentais e emocionais (CRAIDY & KAERCHER, 2001). É muito
importante também que o professor esteja atento às condições familiares dos seus
alunos De acordo com o ECA (BRASIL, 2003) o professor deve propiciar o
desenvolvimento de atitudes, hábitos e habilidades favoráveis à saúde física e mental
dos seus alunos e encaminhar para o Conselho Tutelar as suspeitas de vítimas de
violência. Portanto, é responsabilidade do professor, investigar situações de maus
tratos que possam encobrir outros tipos de violência. Identificar os casos de violência
contra a criança e o adolescente “são obrigações dos profissionais que trabalham com
crianças e adolescentes e, em especial, do professor” (ABRAPIA, 1997, p. 6 Apud
CAMARGO & LIBÓRIO, 2005)
Entretanto, poucas pesquisas reforçam a figura do professor como aquele que
interfere nos casos de violência contra a criança Um dos poucos trabalhos nacionais
nesta temática e referido neste texto foi realizado pelas professoras Brino &
Willians (2003). Segundo as autoras, em 44 % dos casos de abuso sexual o professor
era a primeira pessoa a tomar ciência das condições de abuso sexual. Em 52% dos
casos, era o professor, o primeiro adulto em quem a criança confiava. Isso demonstra
a premência de estudos que demonstrem que o papel do professor é fundamental no
processo de denúncia de ocorrências de abuso sexual. É ele (a) que pode romper com
o círculo de silêncio familiar.
Camargo & Libório (2005) sugerem alguns passos que o professor deveria
seguir: “comunicar o fato à direção, que encaminhará um ofício ao Conselho Tutelar
da Região ou, na falta deste, ao Conselho Tutelar que abranja a área domiciliar da
criança ou adolescente. Em situações mais graves, a escola encaminhará a criança ao
Hospital ou Posto de Saúde, e poderá solicitar orientação aos Centros de Defesa ou
Programas SOS-Criança” (CAMARGO & LIBÓRIO, 2005, p.21). Porém, o mais
importante é que o professor não se sinta só, que ele tenha o apoio da escola e que se
faça uma denúncia institucional e não pessoal, para evitar os riscos de retaliação por
parte dos agressores.
As escolas necessitam construir uma política institucional para lidar com
situações caracterizadas como abuso sexual. Mais do que isso, as escolas são
importantes nichos ecológicos de prevenção contra esta forma de violência. Para
tanto, os educadores, - isso inclui todos os trabalhadores da escola, - devem
compreender as leis, os recursos da rede de apoio, os sinais emitidos pelas crianças,
as peculiaridades das famílias e as principais questões do desenvolvimento humano.
Desta forma, pode-se chegar a uma cultura escolar preparada não apenas para
“transmitir conteúdos”, mas para proteger ativamente seus estudantes e familiares. É
preciso buscar metodologias que sensibilizem os professores e os habilitem para
intervir em casos de suspeita ou constatação de abuso sexual.
Assim, este trabalho buscou desenvolver a idéia de um programa de
atendimento aos professores dos primeiros e segundos anos do ensino fundamental,
com foco na sua obrigação ético-moral de proteção à criança e ao adolescente. A
escola na qual se desenvolveu o trabalho exploratório e experimental é pública e
localiza-se em um bairro da periferia da cidade do Rio Grande/RS. A proposta foi
desenvolvida a partir de contatos com um grupo de docentes e tem por objetivos:
suscitar reflexões, analisar e intervir nas práticas educativas escolares que ocorrem
diante de situações de abuso sexual contra os alunos. É um trabalho que almeja
delimitar as funções do professor diante destas condições e promover o diálogo
interinstitucional em rede.
IV – ASPECTOS METODOLÓGICOS
4.1. Ambiente pesquisado
O trabalho de pesquisa e intervenção foi realizado numa escola pública
localizada em um bairro da periferia da cidade do Rio Grande/RS. O bairro
caracteriza-se por imagens de pobreza, residências humildes, ruas sem calçamento,
“valetões” a céu aberto, lixo, animais soltos na rua e falta de saneamento básico.
Surgiu a partir de loteamentos e agrega moradores de várias regiões do município.
Conta com um posto de saúde (ao lado da escola), uma escola de Ensino
Fundamental, uma Escola de Educação Infantil e inúmeras casas comerciais. Quanto
ao transporte, somente uma linha de ônibus atende a região o que dificulta o acesso
dos moradores, trabalhadores, professores, médicos, enfermeiros e demais membros
da rede de atendimento social.
A escola pesquisada nasceu em 1985 com 2 salas de aula e um banheiro e
atendia as séries iniciais (1ª a série). Aos poucos foi crescendo e hoje atende todo
o ensino fundamental (1ª a 8ª série). Doze anos após sua fundação, em 1995, a escola
sofreu uma reforma tendo em vista as condições precárias na sua estrutura física:
janelas sem vidro, divisórias de madeira, algumas com risco de desabamento
(PROAPP, 2006). Trabalha em três turnos: manhã (8:00h às 12:00h), tarde (12:00h
às 16:00h e vespertino (16:00h às 20:00h). A equipe conta com uma diretora e três
vice-diretoras, uma para cada turno. São atendidos cerca de 800 alunos).
Atualmente, a escola apresenta uma estrutura imponente em relação as
demais residências do bairro - possui um ginásio de esportes que é visto de longe -,
porém apresenta problemas estruturais significativos: portas com maçanetas
quebradas, janelas sem vidro, paredes rachadas, o bebedouro na rua, condições
inadequadas para o acesso das crianças, muros altos e um portão fechado com
cadeado. Durante a realização da pesquisa um surto de pulgas acometeu a escola que
necessitou ficar fechada durante 3 dias para detetização. Segundo a diretora, os
muros foram ampliados aos poucos até chegar no patamar de altura do momento pelo
número de roubos sofridos pela escola. Segundo ela, os roubos não são realizados
pelos moradores do bairro e sim por pessoas de outras localidades. Juntamente com a
secretaria estão: a sala da direção, da orientação, da supervisão. O
hall
onde são
atendidas as pessoas que ali chegam, divide a passagem para a sala dos professores.
A pequena biblioteca conta com um acervo significativo de livros e revistas. Em
todos os espaços encontramos materiais armazenados e percebe-se a mistura entre
material didático e de limpeza. Em relação aos recursos a escola conta com uma TV
20 polegadas, um DVD e possui uma sala de informática para acesso de todos os
alunos. Existe uma rotatividade grande de professores devido às dificuldades
mencionadas: de transporte e à clientela atendida que se caracteriza por crianças de
famílias que vivem em extrema pobreza, muitas vezes vestidas inadequadamente
para o clima, com pouca higiene e com relatos de “problemas” violência, fome -
que transcendem a questão dos processos de ensino-aprendizagem.
Segundo a diretora da escola a comunidade é
“carente”
e as famílias são bem
complexas para se entender
”, pois uma confusão de papéis
“muitas pessoas
moram juntas: pais de uns e de outros não, irmãos de pai ou de mãe, muitos
desempregados e catadores de lixo”.
Esta escola retrata a realidade de muitas outras
escolas do município do Rio Grande, e a tarefa de ensinar e proteger que faz parte do
cotidiano dos professores encontra muitos percalços e desafios.
4.2. Participantes
Participaram da pesquisa 7 professores(as) dos primeiros e segundos anos do
ensino fundamental, além da pesquisadora principal e autora deste trabalho. Para
efetivar uma das etapas desta proposta, foi constituída uma equipe auxiliar de
pesquisadores, composta por 14 acadêmicos de diferentes cursos de graduação da
Fundação Universidade Federal do Rio Grande, a saber: (2) Pedagogia, (4)
Pedagogia Educação Infantil, (2) Pedagogia Anos Iniciais, (1) Licenciatura em
Física, (1) Psicologia, (2) História, (1) Direito, (1) Letras/ Português. A experiência
de inserção dos acadêmicos na sala de aula ocorreu a partir da necessidade de
substituição dos professores para que os mesmos pudessem participar da aplicação
do programa de intervenção. Os acadêmicos assumiram as atividades dos professores
titulares junto às crianças por aproximadamente duas horas, uma vez por semana
durante a realização dos encontros. Os mesmos relataram suas atividades e suas
observações junto aos alunos através da entrega de relatórios e da utilização do diário
de campo. A experiência foi de grande valia para todos os acadêmicos que puderam
se perceber no exercício da docência e refletir sobre suas concepções teóricas, o que
levou a perceber a distância entre estes dois âmbitos.
Todas as professoras participantes eram do sexo feminino e tinham em média
28,5 anos de idade. Nenhuma é moradora do bairro duas moram no centro da
cidade, e as demais em bairros periféricos. Quanto ao tempo de magistério, 5 das
professoras tem mais de 3 anos de docência, 1 delas tem 1 ano e 6 meses e outra tem
2 anos. Sobre o tempo de atuação na escola, 6 professorasm menos de 3 anos na
escola e 1 trabalha há 8 anos na escola. No que se refere à formação acadêmica, 4 das
professoras participantes possuem pós-graduação em Psicopedagogia, uma tem
formação no magistério e 2 possuem formação em Pedagogia Anos Iniciais e todas
atuam nas seguintes séries/anos: ano, ano e série do Ensino Fundamental. A
Escola ainda está em período de transição do ensino de a série (8 anos) para o
ensino de a anos (9 anos). O número de alunos atendidos por turma não
ultrapassa a 31. Esta escola não tem EJA e os anos iniciais são pela manhã e tarde
com alunos de todas as idades nas salas de aula.
4.3. Instrumentos e Procedimentos
A presente proposta foi dividida em diferentes momentos: a primeira etapa
consistiu no diagnóstico da dinâmica escolar diante dos casos de suspeita de abuso
sexual. Esta fase compreendeu a seguinte organização: a) entrevistas na modalidade
reflexiva com uma amostragem de 4 professores : b) o grupo focal com os
professores participantes e c) a aplicação de um jogo de sentenças incompletas
construído com base no modelo utilizado por outros autores (RAFFAELLI &
COLS., 1997, 2000; YUNES & COLS., 1997; DE ANTONI, YUNES,
HABIGZANG, & KOLLER, 2006 ). O segundo momento consistiu na aplicação de
um Programa de Intervenção, elaborado a partir de uma proposta, elaborada para ser
aplicada a grupos de familiares, não abusivos de meninas vítimas de abuso sexual
(DE ANTONI, YUNES, HABIZANG & KOLLER, 2006). Os módulos foram
organizados a partir das análises da primeira etapa. Em seguida foi realizado um
encontro para a obtenção do feedback do grupo sobre todas as etapas.
A inserção ecológica da pesquisadora (CECCONELLO & KOLLER,
2004)
no ambiente escolar escolhido como cenário deste trabalho, permeou todas as etapas
descritas acima para desenvolver este trabalho de pesquisa e de intervenção. A
Inserção Ecológica (CECCONELLO & KOLLER, 2004) prioriza que os
investigadores se aproximem do objeto de estudo para familiarizarem-se com as
pessoas e suas ações cotidianas e carrega portanto, uma função diagnóstica a priori.
Neste caso, o ambiente escolar eleito foi visitado e observado com uma freqüência
semanal sistemática (duas vezes por semana em turnos alternados) durante dois
meses. Durante a aplicação do programa propriamente dito, os encontros foram
semanais com aproximadamente 2 horas de duração. Pretendeu-se com isso, observar
a organização escolar e verificar o que se faz, como se faz, a quem se recorre em
casos de abuso. A inserção ecológica buscou ainda analisar os quatro aspectos chave
da teoria bioecológica: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo
(BRONFENBRENNER, 1979/1996) conforme já referido em seção anterior. Um dos
instrumentos fundamentais para a coleta de dados neste caso foi o diário de campo
no qual foram registrados todos os acontecimentos e as percepções dos
pesquisadores acerca do ambiente em pauta e seu funcionamento.
As entrevistas foram realizadas com apenas 4 professoras (Anexo 1), pois o
objetivo das mesmas era fazer um estudo exploratório dos conhecimentos básicos
das professoras acerca do tema. Todos os encontros foram gravados e transcritos na
integra. Dando seqüência a este estudo exploratório para a construção da estratégia
de intervenção, foi encaminhado o convite aos professores para um encontro grupal,
no qual se usou a técnica do grupo focal (DE ANTONI, MARTINS, FERRONATO,
SIMÕES, MAURENTE, COSTA, KOLLER, 2001). Foram então, debatidas 5
questões eleitas por serem mais freqüentemente abordadas na literatura referente ao
tema da violência sexual contra crianças e adolescentes: definições, aspectos legais,
indicadores na criança e nas famílias, a denúncia e o conhecimento de casos (Anexo
2). Este encontro foi realizado na própria escola, com 7 professoras, um mediador e
um auxiliar de mediação e teve duração de 1 hora e meia. Neste mesmo dia, antes do
início das atividades, foi aplicado o jogo de sentenças incompletas individualmente
com cada professor participante do grupo (Anexo 3).
Durante todas as etapas relatadas acima e que precederam a elaboração da
proposta de intervenção, as professoras mostravam muito entusiasmo e desejo em
aprender mais profundamente o tema. Saber como agir tanto com o aluno quanto
com a família era ressaltado pelas educadoras:
“vai ser muito bom, produtivo pra
nós”, “nós precisamos saber mais porque a realidade aqui exige”.
A partir das considerações suscitadas pelos resultados destes momentos
investigativos no contexto escolar, foi elaborada a proposta de programa
psicoeducacional para ser desenvolvido em 5 reuniões na própria escola com a
participação dos professores do Ensino Fundamental. Todos os demais funcionários
da escola diretora, vice-diretoras, professores, orientadora, secretária, funcionários
da cozinha e da limpeza - foram convidados para participarem dos encontros. Os
temas foram organizados em forma de módulos para serem trabalhados com os
professores na seguinte ordem: Módulo 1 - Abuso Sexual: definições, sinais e
vitimização da criança/adolescente; Módulo 2 - Família e violência: fatores
determinantes; Módulo 3 - Aspectos legais que envolvem o abuso sexual; Módulo 4 -
Denúncia e Responsabilidade do educador; Módulo 5 - Estudos de caso: neste
módulo foram apresentados casos práticos aos professores visando observar quais
serão seus encaminhamentos. Foi elaborada uma apostila que foi entregue para cada
participante, com textos que continham os assuntos abordados e discutidos em cada
módulo, com as devidas referências.
Durante a aplicação do programa percebeu-se a imprescindível necessidade
de aliar forças com os integrantes do ambiente escolar àqueles que irão efetivamente
receber as denúncias. Portanto, surgiu à necessidade de arrematar este programa com
pelo menos uma reunião esclarecedora dos educadores com os representantes dos
Conselhos Tutelares, do Serviço Sentinela e com o Promotor da Infância e da
Juventude na intenção de que uma denúncia protetiva todos pudesse ser efetuada
quando fosse o caso. Esta reunião ocorreu antes da realização do último encontro
com as professoras e estavam presentes: o promotor da Infância e da Juventude, dois
representantes da equipe do Serviço Sentinela local, a pesquisadora e autora deste
trabalho e a orientadora e coordenadora do CEP-RUA/FURG.
Após a aplicação do programa foi realizada uma reunião geral do grupo para
feedback
e fechamento da aplicação do programa. Nesta reunião foram convidados a
equipe do Serviço Sentinela e os Conselhos Tutelares 1, 2 e 3. Estavam presentes 3
representantes da equipe do Serviço Sentinela: coordenadora e assistente social, a
psicóloga e a educadora; um representante do conselho tutelar 1 e um representante
do conselho tutelar 2, e ainda a Diretora, a secretária da escola, as 7 professoras, a
pesquisadora principal e autora deste trabalho e uma acadêmica, também da equipe
de pesquisa, foi um momento muito rico e de trocas significativas para todos.
4.4. Análise dos Dados
Para análise dos dados obtidos foram adotados os princípios da
grounded-theory
(GLASER & STRAUS, 1967; YUNES, 2001; YUNES &
SZYMANSKI, 2005). A
grounded-theory
ofereceu neste caso suporte para a
organização e codificação da grande quantidade de dados qualitativos obtidos na
pesquisa. Embora não exista uma tradução da expressão
grounded-theory
para o
português, é uma forma de análise conhecida como “teoria fundamentada nos
dados”. É realizada a partir da sistematização de códigos e subcategorias que vão
emergindo a partir das análises e gerando categorias mais amplas. Estas categorias
relacionam-se ou divergem a partir de suas propriedades e dimensões até o
esgotamento da análise que forma um entrelaçamento conceitual coerente sobre
questão de pesquisa em foco. O objetivo do pesquisador é compreender uma
determinada situação e entender o conteúdo sublimiar de ações, percepções, crenças,
atitudes, comportamentos.
4.5. Questões éticas
Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e
esclarecido (Anexo 4) elaborado de acordo com os artigos da resolução CFP no
16/2000
2
.
2
O Comitê de Ética da Fundação Universidade Federal de Rio Grande não aprecia propostas da área da Educação. Entretanto,
foram respeitadas todas as normas éticas de pesquisa com seres humanos previstas pelo Conselho Nacional de Saúde.
V –DIAGNÓSTICO DO AMBIENTE ESTUDADO
Conforme referido, o diagnóstico do ambiente pesquisado foi realizado a
partir da associação de estratégias de investigação: a inserção ecológica na escola
(que permeou todo o desenvolvimento deste trabalho) e os contatos com os
professores através de: entrevistas reflexivas, um encontro/grupo focal e aplicação do
jogo de sentenças incompletas. A seguir será apresentada a análise de resultados que
ensejaram a criação e realização do Programa de Intervenção junto aos professores
do ensino fundamental da referida escola. Esta análise foi elaborada a partir do
entrelaçamento de categorias que emergiram a partir da análise qualitativa das
estratégias acima referidas com os professores. Buscou-se integrar as
categorias/subcategorias, temas, controvérsias e dúvidas que mais apareceram nos
discursos e nas respostas das profissionais pesquisadas.
A primeira categoria que emerge nos discursos refere-se à definição de
Abuso Sexual. Pode-se perceber a dificuldade das docentes em definir o Abuso
Sexual e elencar suas causas. As participantes demonstraram em vários momentos
desta pesquisa, receio e desconhecimento, apresentando respostas genéricas para
definir abuso como indício de desequilíbrio ou “anormalidade” na família:
“Eu penso assim, então tudo que seja anormal (...) ou seja, a criança ser
obrigada a assistir o pai e mãe transando, ahn... assistir um filme junto com os pais
também é” (...)
“... chegar no quarto... diretamente a criança ser abusada, ser estuprada
qualquer coisa assim, eu acho que tudo isso envolve abuso. A criança assistir, ser
obrigada a assistir, tô chutando”.
“Eu defino Abuso Sexual como uma anormalidade, né, uma violência. As
causas eu acredito que seja, ahn, as causas... to com dois, dois parâmetros, as causas
eu acredito que seja (...) desequilíbrio emocional de quem causa, né, (...)
desequilíbrio psíquico, ou não sei, não sei mais o que te colocar que é bem isso...
eu acho”.
Algumas professoras fazem referências explícitas ao ambiente vivido pelos
grupos familiares da clientela da escola:
“E aqui a maioria deles dorme no mesmo quarto dos pais, alguns na mesma
cama, outros dormem na cama com irmão ou irmã mais velho ou mais novo, tudo
assim. A maioria das casas é uma peça ou duas às vezes”.
É o próprio meio que, que, não sei até que ponto o meio faz o indivíduo,
... não sei se isso leva á esse ponto, ah!... eu fico te devendo”.
As expressões:
“to chutando”, “eu acho”
,
“fico te devendo”
que aparecem no
final das elaborações das falas das profissionais, transmitem a incerteza e
insegurança sobre o tema, o que por si justifica a necessidade de um estudo mais
aprofundado, sobre estas questões.
A situação de pobreza das moradias referidas com
“uma única peça ou duas”
é trazida pelas docentes como um fator de risco que poderia desencadear a violência.
Assim, o fato da criança dormir no mesmo quarto dos pais é apontado como uma
forma de facilitar o abuso na família. Outras causas ainda são apontadas como: o uso
drogas, a desestrutura familiar (está palavra aparece com freqüência para caracterizar
o ambiente familiar); dependência financeira, “falta” de valores, busca do carinho,
problemas psicológicos.
Uma das inquietações provocadas por esta proposta de pesquisa e intervenção
era entender as concepções e características das famílias na visão das professoras, em
decorrência de um episódio ocorrido logo no primeiro contato com a escola. No
hall
de entrada da secretaria, separado por uma janela de vidro, uma mãe acompanhada
de uma criança bem pequena aguardava para entregar um trabalho enquanto a
pesquisadora e autora deste trabalho também aguardava atendimento. Minutos se
passaram e a secretaria levantou e veio em nossa direção. Perguntou o que a mãe
queria e esta humildemente relatou que queria entregar um trabalho do filho. A
mesma pegou o trabalho e não demonstrou nenhuma atenção àquela mulher. Dirigiu-
se à pesquisadora e perguntou asperamente se também queria entregar alguma coisa.
Ao se apresentar e dizer que era da Universidade, o tratamento mudou. Foi
convidada a entrar e tomar um café enquanto esperava a diretora. Aquela situação foi
preocupante e levou a pensar: o que teria feito o atendimento mudar tanto. Por que
aquela mãe não merecia a mesma consideração que a pesquisadora?
No que se refere à família dos alunos, as professoras indicam concepções que
acentuam aspectos “que divergem do idealizado por elas para uma família
considerada normal” e que se relacionam aos elementos das interações, das práticas
educativas e das relações com outros sistemas, conforme a fala abaixo exemplifica:
“O comportamento da família muitas vezes... ele é inadequado, muitas vezes,
não como o nosso (...) ou esconde oximo assim..., esconder, né... até pra não vir
a tona em algumas aspectos...esconder.”
A expressão
“não como o nosso”
pode
remeter a um entendimento de
superioridade em que a professora se percebe em outro patamar social de relações,
em contraposição com as famílias de seus alunos. O que mais nos chama a atenção
são as referências que as professoras têm da escola que trabalham e da clientela que
atendem:
“digamos dentro da realidade deles aqui normal de família”
, como se a
escola fosse um lugar com famílias com características especiais e inéditas, conforme
o depoimento seguinte:
“Sabe tudo aquilo que existe na vida e a gente acha que nunca vai se
debater... é aqui...
risos
...”; “por causa do meio que nós vivemos aqui”.
Os dados obtidos no discurso das docentes denotam uma visão de família
nuclear como a família perfeita, ideal,
“estruturada”.
Este é o predicado que elas
utilizam para a família com pai presente, como provedor, a mãe na função de dona de
casa e cuidadora dos filhos. Uma das professoras referindo-se às famílias dos seus
alunos alegou que:
“São bem estruturadas (...) a maioria, assim, tem pais, tem mães moram com
os filhos é bem estruturada”,
“... são famílias mais estruturadas do que os da tarde, assim no nível de ter
pai e mãe, irmãos, moram juntos. Ah! Tem toda aquela coisa de família estruturada,
mesmo né, com pai, com mãe, o pai trabalha, a mãe trabalha, algumas não, né (...)”.
Portanto, percebe-se a força da família nuclear como “a família ideal”.
Entretanto, a maioria das docentes (6 professoras) refere-se às famílias dos seus
alunos como
desestruturadas”, “sofridas”, “carentes”, “sem expectativa”,
“numerosas”
e com baixa escolaridade - entre e série - ou
“semi-analfabetos,
analfabetos, alguns assinam o nome”.
Nos dias atuais é importante pensar na evolução e na transformação da
instituição familiar. Entendemos que não existe família desestruturada, pois cada
família possui uma estrutura que pode compor diferentes modelos: mãe e filhos, pai e
filhos, avós e netos, etc. Alguns autores referem que é inadmissível pensar o modelo
de família monoparental, por exemplo, como “sem estrutura” (GARCIA & YUNES,
2006).
Quanto à relação das famílias com a escola, as professoras acreditam que pelo
fato de atenderem os primeiros anos, a relação é boa:
“eles estão recém se
habituando, assim, com a vivência aqui na escola e tal, eles (...) não vem de uma
história com a escola, porque são alunos que estão recém entrando, né”
. É
importante ressaltar que estes professores relataram que realizam uma entrevista
inicial com os pais, o que lhes oportunidade de conhecer a dinâmica familiar dos
seus alunos. O ideal seria prosseguir com entrevistas de acompanhamento
(entrevistas de
follow-up
), porém, os relatos indicam que isso não acontece.
No cotidiano escolar, os contatos com as famílias parecem ser incipientes: na
entrada, na saída e na agenda. A dinâmica das professoras consiste em receber os
alunos e entregá-los no final da aula para os pais
“pego da o deles pra botar na
sala de aula e largo na mão deles pra ir embora pra casa”.
Nestes momentos, o
familiar pode comunicar se está acontecendo alguma coisa especial com a criança: se
está doente, tomando algum medicamento, tossindo, etc. Segundo as professoras, a
agenda é a forma de contato mais utilizada. Nas reuniões bimestrais poucos pais
participam
“vem meia dúzia , nem vem todos, é aquela meia dúzia de sempre”.
Referem que a pessoa que mais procura é a mãe.
O fato de não conhecerem a maioria das famílias é apontada pelas professoras
como uma dificuldade:
“algumas crianças... eu nem sei quem são... que quando
chega a criança ta sozinha ou é o irmão que trouxe e quando vai embora eles ficam
ai... porque vão embora com o irmão mais velho”.
O distanciamento nas relações
família e escola são notórios. Apesar da aproximação ser apontada como dificuldade
nenhuma professora apresentou propostas de trabalho com as famílias. Quando
questionadas a este respeito reduzem suas considerações ao trabalho com os alunos.
Apenas uma delas relata que encaminha questionários para os pais e discute as
respostas com os alunos em sala de aula.
“Bom eu procuro trabalhar a vivência
deles, então o que eu faço, quando surge algum assunto na sala de aula eu mando
perguntas pros pais responderem e trabalho a partir daquelas respostas que os pais
deram, porque o máximo que eu consigo chegar com os pais, até porque a maioria
trabalha, então o que eu falo com eles é na entrada e na saída então o que eu tenho e
consigo puxar mais deles é através dos questionários e das entrevistas que eu
faço”
. Segundo ela é uma forma de conhecer a família de seus alunos, suas
relações e opiniões.
Apesar de ter a família nuclear como ideal, duas professoras do grupo
pesquisado relataram que em atividades de sala de aula buscam legitimar outros
modelos
: “(...) Eu procuro não passar pra eles aquela coisa de pai e mãe, certinho.
Como a maioria é pai, padrasto, ou mãe e madrasta. Então. Eu claro, explico pra eles
falo tudo aquilo de família (...) O que que tem dentro da família, as vezes a gente
mora com um primo, á o primo é da família? É, o primo é da família, ainda mais se
mora junto, ai é família, então digo assim mora junto”.
No que se refere à relação das famílias com a comunidade, as professoras
desconhecem a maioria dos papéis e funções dos trabalhadores da rede de apoio
social. Sabem apenas do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e da existência
de posto de saúde ao lado da escola. Ignoram as formas de contato das famílias com
estes serviços. Um dos relatos foi muito interessante, quando uma das professoras
afirmou:
“eles tem muito medo do conselho tutelar”.
Para os professores, este medo
se relaciona à perda das vantagens, como: bolsa escola ou bolsa família, então: se
“a
criança começa a faltar, ai eles vem, doente, eles vêm apavorados dar explicação,
ah! ela ta doente, ah! porque eu vou perder a bolsa escola, bolsa família por causa
das faltas, o Conselho vai vir em cima de mim, sabe eles tem todo aquele medo”.
Tal
afirmação soa como uma “crítica” aos programas do governo que oferecem
“benefícios” às famílias que mantém os filhos na escola. E denota também o tipo de
relação de cobrança que se estabelece na rede que ao invés de apoiar, apenas
fiscaliza.
Quanto às conseqüências da violência sexual na vida da crianças são
apontados os graves problemas de aprendizagem, de conduta, de relações e a
consciência da complexidade das variáveis que permeiam o fenômeno:
“Ah!, devem ser inúmeras , muitos traumas, problemas de aprendizagem,
comportamental, acho que todos os possíveis seria a causa”
.
“... um desvio muito grande de identidade(,...) um trauma irrecuperável,
enfim né, principalmente no nosso meio que, o há, não uma assistência,
vamos dizer mais adequada, eu acho que é um trauma irrecuperável”
.
Apenas uma das professoras se remete ao caráter transgeracional da
violência:
“Olha acho que pode acarretar várias coisas problemas na aprendizagem
em si eu acho que pode vir a ter, problemas de relacionamento acredito que existam,
também, deles se relacionar com o outro, de repente mais adiante chega numa fase
de adolescência começa a história de namoradinhos, de repente pode chegar a ter
algum problema de não conseguir se relacionar, então se tornar um abusador, posso
até ta falando bobagem né...”.
Para as vítimas de abuso ficam narrativas como:
“Um ser diferente”;
“Diferente, coitado ?”; “Coitado, condenado, às vezes, culpado”
que demonstram
pena, preconceito e estereótipos tais como:
“diferentes”, “marginal”, “coitado”,
“condenado”
e
“culpado”
. Em cada um dos possíveis sentidos, destes adjA fÐ,ra
Uma das professoras teve experiência com dois alunos que foram abusados e
refere-se ao comportamento de agressividade de um e de isolamento do outro, o que
comprova que cada criança reage a sua maneira:
“...começou a ficar agressivo, notei assim, não sei se tem alguma coisa a ver,
notei assim, que ele começou a ficar muito agressivo e tem aquela coisa de ter que ta
agarrando o outro na fila, tocando, puxando”.
Quanto ao outro caso:
“O outro que foi quando tinha 4 anos, não sei, eu acho ele assim muito
distante, assim sabe, até no início eu achei que ele assim ó, ele o se concentrava,
achei que ele não ia conseguir fazer as atividades, mas não... ele faz. Ta até
escrevendo o nome dele que ele não sabia (...) Então eu vi que não é uma coisa que
assim na aprendizagem direta, ele, é muito no mundo dele. Ele fica isolado aquela
coisa assim. Tem que chamando assim pra participar, pra fazer parte na sala de
aula.”
Uma outra professora relata que na família do seu aluno que foi abusado o
assunto é tratado como normal:
“não sei com a mãe mesmo dele ela na entrevista ela me disse, achou muito
normal o que tinha acontecido (...) Ah! Foi ele foi abusado (...) não sei o que
.
Sabe
ela falou assim normal o que aconteceu. Ele foi abusado que várias crianças foram
então ele foi uma das várias (...)”.
Deve-se ressaltar que apesar da insegurança denotada na fala das professoras,
evidências de experiências vividas por elas, com alunos que passaram pela
situação de abuso sexual e que demonstram diferentes formas de sofrimento, na
escola:
“... aqui tem vários casos que surgiram... às vezes a família toda fazendo
parte”
diz uma delas. Outra relatou
“... surgiu o caso de uma aluna minha que andou
faltando aí...” está doente”, “está doente”... aí quando ela veio a mãe veio com essa
situação”.
Somente uma das professoras afirma desconhecer situações de violência
envolvendo seus alunos. Todas as outras relataram situações que justificam trabalhos
de intervenção. Segundo elas, casos de violência física são predominantes, porém os
episódios de violência sexual o significativos. Uma das docentes relata os
seguintes casos, casos aos quais ela se reportou em vários momentos:
“Dois alunos
do primeiro ano na entrevista as mães disseram que eles foram abusados (...) Tem
um que ele tinha 4 anos e a mãe disse que o filho de uma amiga saiu com ele e daqui
a pouco passou um tempo a criança voltou correndo desesperada pra dentro de casa
(...) no caso o que tentou abusar não é a primeira vez parece que faça isso com
crianças. (...) ele (...) é adolescente, há não me lembro a idade que ela disse, eu acho
14 ou 16 anos, nessa idade eu acho mais ou menos. E o outro foi a irmã de 9 anos
que a mãe pegou ele no banheiro ela tentando tirar a cueca dele não sei o que (...)
Hã, este mesmo ele vive com a mãe e com o padrasto só que assim ó a mãe teve HIV
positivo, soro positivo no caso, tem uféDA•
interrogação, juntando o que ela falo na entrevista e tem o padrasto também que pelo
que ela conta não é grande coisa, eles brigam ...”.
Estes depoimentos demonstram
que as professoras suspeitam do ambiente de risco vivenciado por estas crianças e
aqui destacamos a importância do olhar cauteloso e observador do professor nestas
situações. Percebe-se que pela incidência de casos, nos relatos, o ambiente estudado
necessita de trabalhos de prevenção e intervenção para cuidados e encaminhamentos
aos casos de abuso sexual.
Pensando a escola como um importante microssistema, onde a criança
mantém interações significativas, passamos a refletir acerca do papel da escola e da
responsabilidade do educador nos casos de violência sofrida por seus alunos. As
professoras estão cientes da importância de suas funções de
“educar para a vida”,
“fundamental”
e que é
“importante, pois depois da família, será o professor o seu
exemplo, sua segurança”
;
“Muito importante e indispensável”.
Portanto, o que se faz
efetivamente nesta ótica de proteção?
Em contextos de abuso, o professor deve ter a ciência que tanto nos casos de
suspeita quanto de confirmação de Abuso Sexual deve ocorrer denúncia. Assim um
dos questionamentos realizados em todas as estratégias desde a primeira etapa foi:
Diante de uma suspeita ou confirmação de algum caso de abuso sexual, o que fazer?
As respostas coincidiram:
“... colocar para a família a situação...”; “... chamar a mãe
de repente...”
estas respostas foram objeto de grande preocupação. Uma delas
reforça:
“Eu acho até que seria o ideal, no caso primeiro chamar a família, se teve,
saber se realmente aconteceu ou que não aconteceu. Porque eu digo assim... dos
meus alunos, dos pequenos que eu tenho, posso a partir das próprias mãe, me
dizerem o que aconteceu seria mais cil de chegar nela. Olha eu com
desconfiança disso, disso,disso, pode me confirmar ou não o que aconteceu, não
aconteceu, denunciaram foi denunciado e daí partir então pro conselho uma denúncia
oficial, digamos assim né”.
Somente duas delas relatam que levariam o caso para a direção.
“Acho que a
primeira coisa que eu faria ia falar com a direção da escola, né, (...) eu não sairia
falando pra família que poderia tirar a criança da escola e não aparecer mais por aqui
e ai mesmo que a gente não poderia continuar o trabalho né... a primeira coisa que eu
faria assim que eu detectasse, até mesmo suspeitar vai ser falar com o pessoal da
direção”.
“Primeiramente o que está a nosso alcance, escola né, direção, orientadora da
escola, depois acho que ela encaminha pra assistência maior né, Conselho Tutelar,
pelo que conheço até bem antes de chamar os pais. Pra ver até que ponto o que está
acontecendo realmente. Que ai começa todo o conflito que nem sempre os pais
assumem isso, ai tu fica. São casos que se
eomeãDôueque
lavou as mãos, , mas, vamos fazer... a nossa parte, né”.
Além disso, a falta de
comunicação entre os professores e a direção/orientação é notória, o que pode gerar
certa ansiedade nos docentes:
“Na primeira semana que fiz as entrevistas já, que eu soube desses dois casos
de abuso, eu cheguei direto, olha tenho dois casos assim, assim pra poder pegar
desde o início para fazer né. De repente pode não ter ficado nada, mas pode ter, a
gente não sabe não tem esse conhecimento, né. (...). A gente fica ali na sala de aula.
A gente pode perguntar pros pais, a gente pergunta se tem resposta se tem, o resto
não se tem nada”.
“... vários outros casos foram citados na escola de que parece que o fulano foi
abusado (...), vamos procurar saber se aconteceu... se não aconteceu. Isso não vejo
aqui dentro sabe”.
Uma das professoras se refere à escola:
“Eu acho que a escola ela já não se
choca tanto, né, em falando de tema, né, acho que a escola não se choca tanto,
acho que ela chamaria os pais conversaria com os pais, faria toda uma, há, uma
demora, caso é um caso, até descobrir o que foi o que não foi. Ai provavelmente ela
vai chamar o Conselho Tutelar”.
As falas das docentes sugerem uma rotina de trabalho fragmentado na escola:
professores de um lado secretaria e direção de outro. Com isso, percebe-se que a
maioria dos casos reportados com suspeita de abuso, leva muito tempo a que algo
ocorra em prol da criança e da família. Este é um tempo que sabemos que o se
pode ter nestes casos. A urgência das providências é inquestionável, mas a escola
não parece estar preparada ou organizada para isso.
Um outro elemento que apareceu nas narrativas das professoras foi
concernente à relação da escola com o Conselho Tutelar. Faltam mecanismos de
comunicação entre escola e Conselho Tutelar que é chamado só em último caso:
“...tem um menino que chegou todo marcado aqui.. ai outro dia a mãe vem
dizer que tinha sido na escola a briga, não sei o que. Ai chamaram o conselho pra
investigar... eu sei que parece que a criança apanhava da amiga da mãe uma coisa
assim”.
“... fulaninho, faltando demais, antes que o conselho aparece vamos
mandar chamar, vamos agilizar, vamos fazer algumas coisas pro conselho o
chegar... não vir aqui”.
Quando perguntadas “Para quem denunciar casos de abuso
sexual?”, o Conselho Tutelar aparece em primeiro lugar como órgão competente para
receber as denúncias, o que mostra que não há dúvidas sobre este aspecto.
“Ah! Eu penso que sempre primeiro no Conselho Tutelar, que eu conheço
que tem alguma coisa, que eu conheço ...”
“Eu achei que nessa realidade de bairro assim... que a gente tem, eu
acho que
seria o Conselho Tutelar direto, porque eu vejo assim... que é o órgão que eles,
digamos assim que eles tem medo, tem mais medo aquela coisa falar pro Conselho
os olhos ficam parados ‘Deus nos livre o conselho’, eu acho”.
“Acho que teria que, acho que o Conselho Tutelar ainda é a nossa, né. Só que
não posso te dizer, não posso te dizer se há um bom trabalho, se há. Tenho uma idéia
que não é um bom trabalho, eles tem um limite, né, assim eles justificam, nós
podemos ir até ali. Então hoje realmente quem pode mais não é a escola, não é o
conselho, mas é a família”.
Apesar de trazerem o Conselho Tutelar de forma unânime, as professoras
desconhecem o trabalho realizado pelo mesmo, e ainda questionam a sua eficácia, o
que justifica esclarecimentos e estudos sobre as suas atribuições no ambiente escolar.
No que tange às leis que protegem as crianças do abuso sexual, os professores
pouco sabem:
Eu conheço o ECA que fala alguma coisa sobre isso, e de resto eu ... os
direitos humanos, ... deve falar eu não sei, pelo que eu conheça são isso, de resto
eu não sei”.
“Olha dessa parte eu sei do ECA, né, Estatuto, não sei te dizer, não tenho
certeza da minha parte se a LDB tem alguma coisa pra isso, dentro da educação. Fico
te devendo, isso ai, porque realmente não é, é até uma falha minha não procurar
saber”.
Apesar de citarem o Estatuto não conhecem o seu teor, sequer citam as
formas de proteção dispostas na lei. Os resultados das análises reiteraram o
conhecimento superficial das leis de proteção à infância e a juventude.
No que se refere às vicissitudes e complexidades da situação de abuso sexual
no âmbito escolar, parece ficar claro que os educadores reconhecem seus limites e
suas dificuldades diante do tema. É consenso que docentes e demais profissionais do
sistema escolar devem estar preparados para identificar e avaliar possíveis
indicadores de violência intra ou extrafamiliar para poder buscar apoio especializado
na rede de atendimento comunitário. A decisão de notificação na maioria das vezes
garante que o sofrimento das vítimas será abreviado e interrompido. Entretanto, é
preocupante constatar a ocorrência de intervenções que afastam a criança abusada e a
sua família da escola. Assim, após o teor dos resultados apresentados, foi elaborado
um programa que tem por foco orientar os educadores para a construção de
estratégias que visem uma atitude de denúncia que legitime o papel protetor do
professor e da escola, o qual apresentaremos a seguir.
VI - PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCACIONAL PARA
PROFESSORES
Os participantes receberam uma apostila (Anexo 5) contendo os assuntos de
todos os módulos de forma resumida e com linguagem acessível.
6.1. Módulo 1 – Abuso sexual: definições, sinais e vitimização da criança.
Este módulo propôs-se a trabalhar as definições, sinais e a vitimização da
criança em casos de abuso sexual intrafamiliar. O encontro teve início às 14:30 e
término as 16:00h. Participaram 7 professoras e 1 funcionária da escola (secretária).
O convite foi extensivo a todos, entretanto tivemos os participantes acima
mencionados, o que pode sugerir o baixo interesse dos demais envolvidos na
comunidade escolar.
Na primeira parte do encontro foi apresentado o filme:
“Canto de Cicatriz”,
um documentário de Laís Chaffe. O referido filme faz parte do Projeto Rede Menina
para formação de agentes que trabalham na prevenção da violência contra meninas,
do Coletivo Feminino Plural de Porto Alegre/RS. A apresentação teve por objetivo
despertar com cenas e depoimentos reais a sensibilidade e a inquietude das
educadoras. Durante a apresentação, pode-se observar a surpresa que algumas
professoras demonstravam com os depoimentos das vítimas:
“Minha nossa”, “ah!
Que horror”, “Coitada”.
A maioria das participantes estava atenta à exibição do
documentário, porém uma das professoras se mostrava alheia ao assunto recortando
gravuras com uma tesoura, atividade que talvez fosse usar com seus alunos em
seguida ao encontro. Após o término do documentário, as professoras ficaram
imóveis aguardando as discussões. Pareciam aturdidas ou chocadas com o
documentário. O silêncio se manteve por alguns momentos. Na busca de estabelecer
relações com o filme foram trabalhadas as definições e as formas de Abuso Sexual.
As definições legais ensejaram os seguintes questionamentos:
“Qual a diferença de
estupro para atentado violento ao pudor?”; “O que seria quando ocorresse com
menino?”
Notou-se muitas dificuldades em relação às definições legais. Porém, o
que ficou claro era a preocupação das educadoras com a punição do abusador:
“uma
pessoa destas deve ser morta”, “deve ter os órgãos genitais cortados”.
Apesar de
trabalhar as inqueitudes das professoras destacamos que focar nestes aspectos pode
gerar a não-priorização no atendimento da vítima e a interrupção do abuso.
Um dos comentários entre as professoras chamou a atenção. Uma delas
comentou que um dos entrevistados tinha
cara de abusador”
. Neste momento, as
outras confirmaram. Ocorreu um momento de risos. Aproveitou-se a oportunidade e
foram debatidos os estereótipos construídos socialmente: o bandido tem cara de
malvado e o mocinho tem cara de galã. No documentário assistido, é comentado que
não es escrito na testa, quem é abusador ou não. Assim, qualquer pessoa pode
praticar uma violência sexual, mesmo que esta pessoa esteja “acima de qualquer
suspeita”. Teoricamente o pai ou o padrasto seriam pessoas “acima de qualquer
suspeita” e o que os dados nos trazem é que na maioria dos casos, eles são os
criminosos. No filme, fica reforçado o perfil do abusador como um sujeito que em
hipótese alguma, se diria que iria abusar sexualmente de uma criança: o pai protetor,
religioso, zeloso que não deixa faltar nada em casa.
Na seqüência foram trabalhados os indicadores, ou seja, os sinais que a
criança/adolescente pode apresentar como alusão de que está sofrendo abuso. As
mesmas ficaram atentas, mas não fizeram perguntas. Quando instigadas pela
pesquisadora a falar sobre casos de Abuso Sexual na escola, as professoras citaram
entre outros, os mesmos casos
6.2. Módulo 2 - Família e violência: fatores determinantes
O estudo deste módulo almejou uma reflexão acerca do papel da família e da
presença de características que ao serem observadas devem ser investigadas. Como
fatores determinantes da violência sexual deve-se centrar o olhar nos seguintes
aspectos: o uso do poder entendido como força física; os traços da personalidade do
agressor; a dependência química e psicológica e os fatores sociais e culturais que
envolvem o tema. Contamos com participação de uma professora da Universidade
para dirigir as discussões. Num primeiro momento, as professoras preencheram um
jogo de sentenças incompletas sobre família. A aplicação deste instrumento foi
importante para reiterar alguns aspectos já constatados sobre a percepção das
professoras sobre as famílias de seus alunos, durante a etapa diagnóstica. Ou seja, as
professoras mantêm uma visão idealizada de família como base de amor, união
incondicional, segurança e apoio. Reforçam o papel protetor dos pais e reconhecem
que a criança maltratada tem medo, vergonha e sofre de dor. Apenas uma professora
aponta o abuso como fenômeno transgeracional e a maioria acha que a questão
financeira é responsável por conflitos,
“complica”, “desestrutura”.
As professoras
acham ainda que a família que usa o diálogo e se compromete com as crianças está
muito longe do universo de vida de seus alunos.
Num segundo momento, a professora palestrante fez uma exposição oral
trabalhando idéias – noções de família na contemporaneidade até os determinantes de
violência sexual. O encontro teve início às 14:30 e término as 16:00h. Participaram 8
professoras, sendo 1 delas da série e que demonstrou grande interesse em
participar do programa. Os demais funcionários não compareceram.
Apenas uma das professoras informou que usa atividades com o tema família
com seus alunos. Relatou que algumas crianças contam que moram com: a avó, tia,
tio. A professora diz que:
faz parte das famílias, quem mora no mesmo ambiente
”.
Outra professora questionou o que é ser uma família normal:
Normal é bom e ruim,
o que é normal?”
Denota saber que família sofreu várias mudanças. Informa que
seria boa, uma família que desse amor, carinho e compreensão. Uma questão que
surtiu grande preocupação foi o lamento da professora ao dizer que os pais não
comparecem na escola:
“sentem pressão, porque chamo a mãe ou chamo o pai e não
tem um respaldo”.
Outra professora diz que ameaça os alunos nos casos de
indisciplina:
“Vou chamar a tua mãe”.
Porém, conforme ela mesmo diz, isto é muito
contraditório,
“pois muitas vezes eles nem tem mãe”
. Uma professora exemplificou
que os pais, de um determinado aluno, são separados, ele mora com a mãe, mas
quando chamada, ela diz que vai contar para o pai da criança. Isso parece soar
estranho para a professora, como se o fato da separação dos pais impedisse o pai de
estar junto para educar o filho. Os comentários das professoras demonstram o uso da
autoridade e de ameaças aos alunos para solucionar os problemas da classe, além das
queixas sobre a pouca colaboração dos familiares de seus alunos.
6.3. Módulo 3 - Aspectos legais que envolvem o abuso sexual
A proposta para este módulo foi discutir a grande variedade de aspectos
legais que envolvem o Abuso Sexual e sua história. Teve início às 14:30 e término às
16:00h. Participaram as 7 professoras, a mestranda, uma acadêmica do curso de
Física e uma aluna do curso de Direito. Inicialmente foi realizada uma breve alusão
aos assuntos já tratados anteriormente.
Partiu-se da afirmação: “Abuso Sexual é um crime contra a
criança/adolescente”. E realizou-se um breve histórico sobre as primeiras leis que
buscaram proteger a criança/adolescente, no Brasil. Em termos gerais foi citado o
Decreto n. 17.943-A que vigorou como Código de Menores até o advento da Lei
6.697/79 que instituiu o Código de Menores, legislação esta baseada em princípios
humanísticos. A concepção da criança e do adolescente como sujeito de direitos, em
condição peculiar de desenvolvimento foi introduzida na cultura jurídica brasileira
com a Constituição Federal de 1988, com o Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990 (Lei 8069/90) e com a Convenção sobre os Direitos da Criança
3
. O que
possibilitou a sociedade brasileira assegurar a primazia dos interesses da criança e do
adolescente, garantindo o direito à proteção integral. Então foi trabalhado em
detalhes, o art. 227 da CF e o art. do ECA. Destacou-se que estes dispositivos
refletem o repúdio da sociedade à violência contra a criança/adolescente.
Uma das questões suscitadas foi o relatório da CPI sobre a violência sexual
contra crianças e adolescentes, no Brasil, em 1993, que impulsionou a mobilização
de relevantes setores da sociedade civil (Organizações não governamentais,
Conselhos), judiciário, legislativo, executivo, a mídia e organismos internacionais.
Isso resultou numa leva de pesquisas, campanhas, programas de atendimento e
estratégias na busca de um plano nacional. Trabalhou-se o surgimento e os objetivos
do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil.
Foram citadas as inúmeras campanhas promovidas pela mídia dentre elas a da
RBS TV: O amor é a melhor herança, cuide das crianças”. As professoras
3
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi ratificada pelo Brasil em 24.09.90.
lembraram que no documentário do Módulo 1 foi falado da importância desta
campanha e da repercussão na sociedade. Sublinharam que muitas crianças buscaram
ajuda em virtude da campanha, conforme apresentado no filme.
Questionadas sobre o conhecimento do teor do Estatuto da Criança e do
Adolescente uma das professoras falou claramente:
pro concurso”
. Porém, todas
se mostraram interessadas em conhecer mais. Foi destacado o Art. 13 do Estatuto
que trata da denúncia, com foco na notificação, não nos casos de confirmação,
mas também de suspeita. Uma das professoras questiona os procedimentos acerca da
denúncia. Procurou-se mais uma vez enfatizar que o órgão competente para receber a
denúncia é o Conselho Tutelar, que a partir daí, toma as medidas cabíveis e averigua
o caso.
Discutiu-se as seguintes situações: retirada da criança da família ou a
permanência da criança na família e a retirada do abusador. Foram trabalhadas as
diferentes implicações destas medidas. Uma das professoras demonstrou muito
interesse no que tange a retirada da criança da família, questionando se o Conselho
Tutelar pode retirar a criança de imediato. E ainda questionou a saída do abusador da
moradia comum. Percebeu-se mais uma vez que o Conselho Tutelar é visto como um
órgão punitivo. Diante disso, procurou-se enfatizar que este é um órgão não
jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da
criança e do adolescente” (Art. 131, ECA) e que o mesmo não pode retirar o
abusador da casa, pois esta saída deve ter uma determinação judicial.
Uma das professoras questionou a saída da criança da família e a sua ida para
um abrigo. Discutiu-se as possibilidades de família substituta e que o abrigo é a
última medida a ser aplicada. Após as discussões uma das professoras questionou:
“E o abusador quando ele é retirado, o que acontece?”
Aqui foram trabalhadas as
situações relacionadas às medidas preventivas de prisão, e que em caso de flagrante a
prisão é imediata. E que após o devido processo legal para cada caso vai haver uma
condenação diversa. Por exemplo, se ele for condenado por estupro ele pode ter uma
pena de 6 a 10 anos e se da violência resultar lesão corporal. Esta pena pode
aumentar de 8 a 12 anos e ainda se resultar morte da vítima pode chegar de 12 a 25
anos. Se for um caso de maus tratos, a pena pode ser de 1 a 4 anos e nos casos de
lesão corporal, de 4 a 12 anos se resultar em morte. Não existe um padrão no Direito
Penal. Cada pessoa é processada e condenada de forma individual levando-se em
conta as circunstâncias de cada crime. E ainda foi falado das situações em que fica
provada a patologia do réu, e ele pode ser declarado inimputável tendo que ser
aplicada uma medida de segurança.
As professoras questionaram o significado de imputabilidade. Foi trabalhada
a seguinte definição “Imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao
agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível”
(BRUNO, 1956, p.39). A partir do Código Penal foi realizada a leitura do art. 26:
“Art. 26: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”. Retornamos aos tipos penais estudados no primeiro encontro. Foi
retomado que na maioria dos casos o Abuso Sexual é um crime que ocorre dentro do
ambiente familiar, se de forma prolongada, é mascarado o que dificulta a prova
legal.
Uma das professoras fez o seguinte questionamento:
“Tá então, se não deu
pra provar o Abuso Sexual ai ele é solto e ele volta e ai? Ele tem o direito de voltar
para casa? E existe alguma condição?”
Esclareceu-se à existência de dois processos:
um que corre na Vara Criminal e outro na Vara de Família. Na primeira, no caso do
abusador ser absolvido, ele é considerado inocente. Se ele é inocente não existe
nenhuma proibição legal para que ele volte para casa. Porém, se paralelamente
estiver correndo uma ação na Vara de Família, por exemplo, a mãe tiver pedido a
guarda da criança, fundamentada na situação de abuso e de maus tratos do pai, o juiz
pode determinar que as visitas sejam acompanhadas.
Falou-se da necessidade da prova no processo penal, pois existe no Direito
Penal um princípio processual de prevalência do interesse do réu (
in dúbio pro reo
).
E, que nestes crimes, muitas vezes, a palavra da criança é a única prova. Foi citado o
“Depoimento sem Dano” que prima por diminuir a revimitização da vítima. Assunto
este que foi abordado com mais propriedade na realização do último módulo.
Foi trabalhado o art. 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a
obrigação legal do professor de denunciar. Uma das professoras fez o seguinte
questionamento:
“(...) A mãe que maltrata o filho fisicamente, a gente faz a
denúncia,, existe algum acompanhamento com ela, uma criança que chega
violentada fisicamente na escola essa mãe mesmo com todo o processo judicial ela
não vai presa?”.
Esta professora enfatizou uma pertinente preocupação com o
atendimento da família, o que demonstra a necessidade da atuação eficaz da rede de
atendimento social nos casos de violência contra a criança e o adolescente. Além
disso, as professoras trouxeram muitas dúvidas acerca das situações legais: casos de
maus tratos, questões sobre guarda (principalmente quando a mãe perde e o pai não
quer a criança) entre outras. Uma das professoras relatou o seguinte caso:
“agora eu
lembrei de uma caso, de uma família... é uma família que tem muita dificuldade (...)
eu fiz a entrevista com os pais, ai ela me disse que apanhava dele, que ele batia
muito nela, e perguntei se ele batia nas crianças também, ai ela disse que nas
crianças ele nunca tinha batido, ele bebia e batia nela, até tentei instruir ela, que ela
tinha que denunciar que ela não podia continuar vivendo nessa situação, com os
filhos todos juntos vivendo juntos e ai ela disse não mais agora ele não me bate
mais... a gente conversou e melhor, depois de um tempo ele foi preso... então é
muito complicado né, porque não tem como a gente numa ótica de longe, tu acha
errado tenta lidar, mas também tem aquela coisa ele ta sempre na volta...
Esta fala
demonstra a sensação de impotência que o profissional vive ao se deparar com
situações de violência doméstica.
Muitas vezes, a mulher acaba se sujeitando por
medo de perder o pai / marido/ provedor.
Destacou-se o papel da mãe e suas diferentes dimensões: a mãe protetora e a
mãe cúmplice da violência. Discutimos as complexidades do envolvimento da mãe
nestas situações. Trabalhamos com o livro:
“Labirintos do Incesto: Retratos de uma
sobrevivente”
que conta o drama sofrido pela autora, vítima de abuso sexual. A
história reflete bem esta situação, a menina tenta de diversas formas buscar a ajuda
da mãe, mas esta não aceita e vive conflitos sérios em relação a filha que é obrigada
pelo pai a dormir na mesma cama com os dois.
Após o estudo da legislação, concluímos que realmente temos uma legislação
consistente e rigorosa em relação à proteção e defesa da criança, porém muitos
obstáculos à sua aplicação, dentre eles: A falta de preparo dos trabalhadores sociais.
As professoras relacionaram que os profissionais sabem, mas não fazem nada para
proteger a criança e não querem se envolver. Portanto, é importante que saibam que
existe uma obrigação legal.
Quando feita a seguinte afirmação: Nos casos de suspeita de abuso sexual
jamais chamar a família de imediato. As professoras se mostraram espantadas.
“Ahn?, Ahn?
”, uma delas
“Nos casos de abuso sexual jamais chamar a família?”
“Não deve chamar a família? Nunca deve chamar por que?”
Foi esclarecido que as
famílias abusivas encontram-se cercadas por um pacto de segredo que envolve todas
as relações. Nestes casos, quando a escola chama a família, esta vai negar e muitas
vezes a criança/adolescente vai ser revitimizada, por duas formas: Primeiro vai ser
punido por ter falado; segundo vai se sentir desacreditada, traída, o que pode fazer
com que ele não fale mais o que aconteceu ou que esta família suma e desapareça
com a criança.
Foram trabalhados os passos para uma denúncia protetiva: primeiro o
professor deve buscar a orientação e a direção da escola. Diante disso, uma
professora destacou:
“E a escola sabe desse tipo de coisa?”
Riu. Todas riram. Foi
comentado que toda a escola foi convidada a participar do programa, porém ficou
comprovado o desinteresse da instituição em participar. Uma das professoras falou
“temos que questionar né gurias, como está este entendimento da escola né?”.
Em seqüência, as professoras relataram casos de negligência sofridos pelos
alunos:
“No primeiro ano, um aluno com o dedo, a mãe o nem ai, o guri teve
que operar o dedo (...) Outro ano foi o dedo do pé, o aluno, o dedo do pé, teve que
tomar antibiótico ele teve que fazer tratamento de não sei quanto tempo, porque tava
com os pés tomados de infecção. Outro dia foi uma aluna que foi cortada
pela irmã
de 3 anos com uma faca, brincando. (...) Então como a nossa ação é (...)”.
Outra professora relata:
“Uma menina tava com ferida na cabeça, ai ela me
mandou um recado, então ela disse: Não te preocupa que eu vou rapar a cabeça dela.
Ai ela me veio com a criança com uma toca na cabeça. Ai eu pensei não acredito que
a mulher rapou uma parte e tapou o resto com a touca, eu não quis nem tirar a
touca da criança... eu tava apavorada (...) A mulher não tratou o que tinha que tratar
não sabia que era piolho, não sabia e acabou com o cabelo da criança (...)”.
Conforme diagnosticado a realidade atendida pela escola demonstra crianças que
vivem em condições precárias e com insuficiência de recursos materiais. Nestes
casos a informação acerca dos recursos da rede e os serviços prestados pela mesma,
pode atender muitas famílias necessitadas de atenção e são relevantes para mudança
de hábitos e atitudes em família. Mas se nem a própria escola conhece a rede, como
podem orientar as famílias nesta busca?
Discutiu-se diferença entre a negligência e a pobreza nestes casos. Aqui
levou-se em conta a falta de informação da família e a importância da rede ser
acionada pela escola. Às vezes, os pais não sabem para onde recorrer, a mãe não sabe
que no posto de saúde a criança pode ser atendida. Aqui está a importância do olhar
do professor, que deve saber observar e ver se realmente é caso de negligência ou
desinformação. Se for falta de informação/pobreza as situações devem ser
ponderadas e a rede de atendimento deve ser acionada.
Uma professora relatou:
“ontem estava... 5 graus, teve um aluno meu que
tava de chinelo de dedo sem meia (risos). Meu filho tu não ta com frio? Tô, tia to
congelando, ele não colocou a meia porque tava com ferida no pé, ferida no pé como
é que tu cura? De chinelo de dedo, sem meia e a mãe pensou vai com frio, para
curar”.
Esta fala demonstra a falta de informação da mãe da criança e a falta de
apreço da professora que em vez de informar, reagiu rindo da situação.
Uma das professoras relata a importância da escola trazer mais subsídios para
as famílias dos seus alunos, fala:
“hoje a escola ampliou um pouco não é passar
conteúdo, mas dar conhecimento para as mães, (...) e as professoras acham que não
tem mais nada (...)”.
Suas palavras demonstram preocupação e comprometimento.
Por outro lado, outra ainda ressalta:
“O que eu acredito que as mães são relaxadas,
elas são (...) tem muito deste aspecto, mas também acredito que tem o outro lado que
é a falta de informação. E nós temos estas informações básicas e eu vejo assim uma
necessidade muito grande de praticar ações”.
Reiterou-se a necessidade de aproximar
a família da escola,
“Mas não é toda escola que está aberta pra receber”
fala a
professora com ar de desânimo. Discutiu-se a possibilidade das reuniões com os pais
serem aproveitadas para estas discussões. Segundo uma das docentes:
“até porque eu
vejo assim, ó, que de alguma maneira, claro (...) eu vejo assim que na maioria das
vezes, pelo olho delas na ora da reunião, na entrega dos pareceres, (...) que elas
procuram que elas querem mais”.
Parece ser consenso que projetos com as famílias,
sem dúvida, poderiam contribuir para um trabalho mais efetivo e aproximariam
teoria e a prática.
No que tange ao cumprimento da lei nos casos de abuso sexual, um obstáculo
que foi ressaltado é a falta de prioridade ao atendimento das timas que muitas
vezes o entendem o que está acontecendo com elas. Aqui foram trabalhadas as
diferenças entre abuso intra e extrafamiliar. Uma das professoras demonstrou
indignação
: “É um absurdo, como uma pessoa, pai tem coragem de abusar do
próprio filho o que passa na mente de uma pessoa dessas? Tem algum estudo
relacionado a isso? (...)”.
Aqui foram citadas as pesquisas e retornou-se aos fatores
psicológicos estudados no Módulo 2. Seguiu-se com o terceiro obstáculo que é a
conivência da família. Discutiu-se: o pacto de segredo, as ameaças, os sentimentos
de culpa e acusação que a criança vivencia. Uma das professoras falou:
“dentro da
sala de aula o que tu poderias nos dar como dicas?”
A fala desta profissional
demonstra a necessidade de receitas prontas: Como agir?, O que fazer exatamente?.
A partir deste questionamento mais uma vez retornou-se aos indicadores e o papel do
professor no momento da denúncia.
Outro obstáculo trabalhado foi à dificuldade da criança compreender o abuso
e poder depor contra os pais. Destacou-se aqui a transição que a criança passa
quando ela vai para a escola, onde ela passa a compreender a natureza da violência
que está vivendo a partir das interações com outras crianças. Quando ela ingressa na
escola ela passa a viver num contexto totalmente diferente do que ela vive na família
abusiva e vai perceber as diferenças de tratamentos dos pais dos amigos. Este
momento vai depender de cada criança. E ainda ressaltou-se a necessidade de que se
estabeleça uma relação de confiança para que a criança conte.
Mais um dos obstáculos trabalhado neste Módulo foi à fase do inquérito e o
processo penal. Uma das professoras questionou as pessoas que cometem abuso
sexual:
“isso são doenças que a pessoa tem? (...)”.
Estes questionamentos
demonstram a dificuldade do profissional em lidar com situações abusivas, que
existem casos onde o abusador realmente sofre de alguma patologia, mas que em
muitos casos não fica comprovado nenhuma doença. Uma das professoras concluiu
dizendo:
“A doença é sem-vergonhice. Eu acho que é sem-vergonhice”.
Finalizou-se
alegando que no Brasil é crime e não se pode minimizar o ato cometido o que se
deve priorizar é a proteção à criança e ao adolescente.
6.4. Módulo 4 - Denúncia e responsabilidade do educador
O módulo 4 teve como meta discutir e refletir sobre o ato da denúncia e a
responsabilidade do educador, o que aliás é o coração desta proposta. O encontro
teve início às 14:30 e término as 16:00h. Participaram as 7 professoras, a mestranda e
a bolsista. Percebeu-se a necessidade de fazer uma recapitulação dos encontros
passados. Questionou-se: O que é o ato de denunciar? As respostas foram:
“Avisar”,
“Entregar”, “levar ao conhecimento de”
. Quando perguntadas: O que implica a
palavra denuncia? As respostas foram unânimes: “Implica responsabilidade”,
“comprometimento”. Falou-se sobre os órgãos que recebem a denúncia, Conselho
Tutelar, Serviço Sentinela, do Disque 100 que consiste num dique denúncia nacional,
e ainda da denúncia pela Internet. Foram destacados os índices de violência nas
várias regiões do país. A partir dos dados estatísticos, as professoras tiveram a
oportunidade de ter uma dimensão da realidade vivenciada no Brasil: as meninas são
as maiores timas, e o pai e o padrasto como agressores. Em relação à faixa etária
das vítimas aparecem adolescentes de 12 a 18 anos 47,80%, porém deixou-se claro
em muitos casos o abuso pode ter tido início na infância. Uma das professoras relata:
“A criança muitas vezes é tão dependente da idade que quando tem 12 a 18 tem
mais noção, vai a escola”.
Foi chamada a atenção para a dificuldade da criança
pequena entender o que está acontecendo com ela, e que se trata de uma violência.
As professoras observaram no manuseio com o material, e com as discussões
acerca dos dados, que houve um aumento significativo no decorrer dos anos.
“Estes
dados tem crescido, como foi?”
Uma das professoras questionou ainda:
“Por que
aumentou o abuso, se está havendo, campanhas?”.
Foi apontado que os dados
demonstram não um aumento no número de abusos e sim no número de denúncias,
pois as campanhas fazem com que a sociedade se comprometa mais com as timas.
Citou-se que se estima que 75 a 80% dos casos de abuso sexual não são denunciados,
então se trabalha com apenas 20% das denúncias, conforme relatório de 2002 da
UNICEF.
Uma das professoras questionou:
“e em Rio Grande como é?”
Foi discutido
que na cidade de Rio Grande o atendimento às vítimas é realizado pelo Serviço
Sentinela e que este não possui um Banco de Dados, mas que atualmente estão sendo
atendidas 120 crianças e 150 famílias, conforme referido. Destacou-se que o
Serviço faz atendimento à criança/adolescente e também faz um acompanhamento
familiar, mas que pelo número reduzido de técnicos não consegue suprir a demanda
do município.
Um assunto que gerou polêmica foi quanto à classe social das crianças e
adolescentes. No diagnóstico, as professoras apresentaram falas que relacionavam a
ocorrência do abuso às camadas mais pobres, sob a alegação de que a pobreza seria
um aspecto facilitador. A partir das discussões, as mesmas professoras concluíram
neste Módulo, que o Abuso Sexual é um fenômeno que abarca todas as classes
sociais, mas que nas classes menos favorecidas existem mais denúncias, pois nas
classes altas estes casos são resolvidos nos consultórios médicos. Remeteu-se que
após a denúncia não importa a classe social, o indivíduo vai responder a um processo
criminal. Passou-se então a trabalhar com o órgão competente para receber a
denúncia: o Conselho Tutelar. Uma das professoras questionou sobre as atribuições
do Conselho Tutelar e o que é feito nestas situações. O art. 136 do ECA foi
trabalhado. As professoras se mostraram ansiosas para discutir o seu próprio papel:
“E o papel do professor ai, ele denuncia e ai?”.
“Significa como nós estamos vendo que seria nosso dever? E ai? Ai eu
denuncio e depois?”.
Observou-se o receio sobre as conseqüências do ato de denunciar os casos e
que permeiam estas situações
:
“Se eu detectar, né, ai, primeiro me uma raiva tremenda né, e ai eu vou
partir (...) pro conselho ou claro levo a direção , mas tu sabe que foi tu que
detectou, né, manda pra direção, a direção enca;éDAÐdedirecncelho,nda
da observação, o professor deve conhecer a condição familiar do seu aluno e
encaminhar sempre que se fizer necessário para a rede de apoio social.
Uma das questões diagnosticada na primeira etapa desta pesquisa foi a falta
de diálogo entre a direção e os professores e quanto descontentamento esta situação
causa. Uma das docentes reitera este ponto:
“O professor, ele percebe uma reação na
criança, ele não tem certeza mas de qualquer maneira ele passa para a direção e a
criança continua na sala de aula e que nós as coisas perdem, e nós ficamos assim né,
sem um respaldo, da escola (...)”.
Uma outra questão muito debatida no estudo deste
módulo é a atuação do Conselho Tutelar:
“Eu tenho uma curiosidade a gente aqui na escola... qual é o primeiro passo
deles, o que que eles fazem? Chegam lá vão bater na porta e dizer eu tive uma
denúncia lá da escola, riram, a professora, riu, a professora acha como é que é, como
que é essa abordagem deles pra constatar que esta realmente acontecendo?”.
Aqui fica claro que as profissionais refletem mais uma vez o seu temor de
envolvimento. Para minimizar tal ansiedade, esclareceu-se que o Conselho Tutelar
não divulga quem fez a denúncia. Uma das professoras questionou:
“A gente
vendo que não pode chamar a família, mas se eles forem chamar os pais... vai ficar
aquele floreio também”.
Esta pergunta foi muito pertinente e nos possibilitou falar da
diferença de procurar a família e de denunciar para Conselho Tutelar. Quando o
Conselho recebe uma denúncia, a família não pode fugir da investigação, já quando a
escola/professor chama a família esta pode negar e fazer com que a criança desminta,
o que vai dificultar o trabalho do Conselho ou do judiciário mais tarde.
Ressaltando o papel do professor abordamos a pesquisa realizada pelas
professoras Brino e Williams (2003) onde 44 % dos casos de abuso sexual o
professor era a primeira pessoa a tomar ciência e, em 52% dos casos, era o primeiro
adulto em quem a criança confiava. Ressalvando as conseqüências para a criança
caso ele desconsidere o relato do aluno. Assim, foi concluído este módulo, com os
passos indicados pelas autoras Camargo e Libório (2005): “Comunicar o fato à
direção, que encaminhará um ofício ao Conselho Tutelar da Região ou, na falta
deste, ao Conselho Tutelar que abranja a área domiciliar da criança ou adolescente.
Falei dos 3 Conselhos que atuam em Rio Grande. Em situações mais graves, a escola
encaminhará a criança ao Hospital ou Posto de Saúde, e poderá solicitar orientação
aos Centros de Defesa ou Programas SOS-Criança”.
Finalizou-se o módulo trazendo a importância do professor não se sentir só,
de ter o apoio da escola e estimulou-se uma denúncia institucional e não pessoal,
para evitar os riscos de retaliação por parte dos agressores. Pelo número e conteúdo
dos questionamentos realizados e respondidos nesta temática, pode-se perceber o
entendimento das professoras sobre a necessidade do professor sentir-se protegido na
hora da denúncia.
6.5. Módulo 5 - Estudos de caso
O módulo 5 buscou apresentar atividades práticas. Foram trazidos casos de
Abuso Sexual para reflexão e busca de soluções. Buscou-se trabalhar com a
metodologia do Depoimento sem Dano através da apresentação de um documentário
elaborado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O encontro teve
início às 14:30 e término as 16:00. Participaram do encontro: as 7 professoras, 1
professora da 3ª série, a mestranda e a bolsista.
As professoras foram divididas em duplas e cada dupla ficou com um caso e
foi provocada a responder os encaminhamentos propostos no final. Foi dado 20
minutos para discussão e resposta às perguntas. Após este momento cada dupla
deveria ler o caso e apontar seus encaminhamentos.
A primeira dupla fez a leitura do Caso 1: Uma menina vítima de abuso sexual
doméstico deu o seguinte depoimento:
Meu pai brincou comigo. Pegou um pedaço de pauzinho e colocou
na minha xoxota. Eu falava: Pára pai! E ele ria. Quando chegou a
mamãe do trabalho eu contei e ela colocou a gente pra dormir e
brigou com ele. Disse que ele ia pra cadeia, mas ele não foi. Ele
voltou pra casa e dormiu, daí eles não brigaram mais. Minha
irmãzinha contou pra mim que ele levou ela pra cama da mamãe e
pôs a rola dele na xoxotinha e cuzinho dela. Ela chorou. Ele estava
brincando! (AZEVEDO; GUERRA, 1994, p. 165).
Após a leitura as professoras demonstraram-se horrorizadas. Destacamos os
termos utilizados pela menina e o quanto é difícil à criança compreender que o que
está acontecendo com ela é um crime. Foi discutida também, neste caso, a atuação da
mãe que brigou com o pai e disse que ele ia para a cadeia, o que não aconteceu. As
perguntas realizadas para este caso foram: 1. Se esta menina relatasse o fato a você,
qual seria sua conduta? 2. Quais seriam os encaminhamentos necessários neste caso?
A professoras responderam
:
“De acordo com o que nós estudamos, fala gente ...
(pediu para que as outras
colegas respondessem também)
“Bom nós como professoras se fosse uma ‘aluninha’ nossa nós deveríamos
encaminhar para a direção e a direção denunciaria para o Conselho”.
Após a fala do
grupo a pergunta foi direcionada às outras participantes: Como reagiriam se
recebesse um depoimento como este de uma aluna ou de um aluno? Todas
mantiveram a mesma resposta, constatamos adequação dos encaminhamentos neste
caso.
Observou-se que as professoras ficaram chocadas com este depoimento. A
realidade de muitas crianças que são vítimas foi abordada e retomou-se a discussão
do encontro passado onde se apontou a idade de início do abuso, para elas
“o mais
chocante que teve é a idade
, conforme relata uma delas.
Foi passada a palavra para o grupo 2 que leu o segundo caso:
CASO nº 2:
Fato abusivo intrafamiliar: Menino com
10 anos foi abusado sexualmente,
atentado violento ao pudor, pelo padrasto.
O abuso consistiu em o padrasto ter
passado o seu órgão genital no corpo da
criança, inclusive no ânus. Inquirição da
vítima:
J: Lida a denúncia. É verdade isso aí?
V: sim
J: Então, nos conta como foi, pode contar
não precisa ter vergonha. Como foi que
ele fez? Estava só tu e ele em casa? Como
foi?
V: Sim
J: E ele te chamou, como aconteceu isso
aí?
V: Ele me chamou
J: Tu estava brincando e ele te chamou?
V: Sim
J: Então, explica para nós como foi isso
aí? Não precisa ter vergonha da gente
aqui.
V: Eu tava brincando, ele me chamou e
abusou comigo.
J: Explica para nós como foi esse abuso, o
que ele fez? Pode dizer.
V: Ele abuso comigo.
J: Eu preciso saber como ele abuso, o que
ele fez? Que jeito ele abusou?
V: Botou o “tico” na minha bunda.
J: E ele só encostou ou entrou?
V: Não, só encostou.
J: E molhou, ficou molhada a tua bunda?
Como foi?
V: Não ficou.
J: Isso aí, ele fez essa vez ou tinha
feito outra vez?
V: Só essa vez
J: Ele te botou sentado no colo dele?
V: Deitado na cama.
J: Ele tava deitado e te chamou lá na cama
dele? Ele tava pelado? Tava de cueca, de
calção, como ele tava?
V: Cueca
J: E ele tirou a cueca?
V: Sim
J: E tu estavas de que, de calção? Como
era, de roupa?
V: Não me lembro mais.
J: Não lembra? Mas ele tirou a tua roupa
ou não.
V: Não só a parte debaixo.
J: Tirou a parte debaixo?
V: Sim
J: E tu contou para a tua mãe isso aí?
V: Não fiquei com medo.
J: Alguém viu ele fazer isso aí contigo?
V: Não.
J: Ninguém viu? Não chegou um vizinho,
lá? Uma vizinha?
V: Foi depois. Chegou pedindo uma
bacia.
J: Foi um vizinho ou uma vizinha?
V: Uma vizinha.
J: Uma vizinha, foi a Dona ... (nome da
vizinha)?
V: Sim
J: E vítima, tu tinha medo do ... (nome do
abusador)
V: Sim
J: Por que tu tinha medo dele, o que ele
dizia para ti?
V: Pensei que ele ia dar em mim, antes?
J: Ele disse para ti, que ia dar em ti?
V: Eu pensei que ele ia dar em mim.
J: Ah, tu pensou que ele ia dar em ti? E
ele dava em ti?
V: Sim
J: Tua mãe brigou com ele, na mora mais
com ele?
V: Sim.
J: Não mora, não é?
V: Não
J: Tu sabe por quê? Foi por causa disso
aí? Ou foi que eles tiveram outra briga?
V: Por causa disso aí.
J: E hoje, tua mãe tem outro
companheiro?
V: Tem
J: E esse companheiro é legal contigo?
V: Sim
J: Dada a palavra ao Ministério Público.
P: Que horas eram, mais ou menos, isso aí
vítima? Te lembra disso?
V: Não
P: Nem lembra se era de manhã, se era de
tarde?
V: Era de manhã.
P: E ele estava bêbado ou estava são?
V: Tava são.
P: E ele se dava bem com tua mãe?
V: Sim.
P: Tratava bem vocês?
V: Sim.
P: Tu tens irmãos?
V: Tenho.
P: Mais novos ou mais velhos que tu?
V: Mais novos.
P: Tu é o mais velho?
V: Sim.
P: E ele simplesmente te chamou e
mandou tu deitar com ele na cama, foi
assim?
V: Foi.
P: E essa senhora aí, essa vizinha, a Dona
... (nome da vizinha), o que foi que ela
viu? Tu te lembra?
V: Não.
P: Tu não quer contar mais nada para a
gente?
V: Não.
P: Nada mais.
J: Dada a palavra à defesa.
D: Nada a requerer.
J: Nada mais.
(DOBKE, 2001, p. 61-65).
Após a leitura do caso as professoras leram os seguintes questionamentos: 1.
Como você esta situação em relação a atuação do juiz? 2. A partir das discussões
realizadas durante o programa como você percebe a atuação da justiça (Leis;
processos, profissionais do direito) nos casos de abuso sexual? 3. O que pode ser
feito para mudar? As professoras responderam:
“Eu achei, que, nós conversamos, eu achei a atuação um pouco fria em
relação ao juiz assim ... um lugar complicado porque fica uma situação muito
constrangedora, porque ele insiste várias vezes, não precisa ter vergonha, fala ...”
A outra professora continuou:
“por mais fria que a pessoa... juiz teria que ser
a gente viu a atuação muito fria demais, muito fria. No sentindo que fica
perguntando constrangedor pra criança, como a criança geralmente se constrange,
fica difícil, tá perguntando (...)”.
Outra fala:
“Fica difícil pra criança falar pra uma pessoa queo faz parte, tu vai hoje
o que acontece, e uma pessoa que tu nunca viu (...) vai ter que contar coisas que ele
tem vergonha, da intimidade assim. Na minha opinião e dela também... uma
sugestão, seja um outro espaço, seja outras pessoas, o tão formal assim, mas uma
conversa de repente uma pessoa que já tenha, que conheça a criança (...)”
“Que seja preparado para esse tipo de caso, né, eu acho que eles não são
mesmo... nestes casos, estando cada vez mais em alta (...)”
. Aqui ressaltou-se a
importância da criança estabelecer uma relação de confiança com o profissional,
então quando isso não acontece, ela não consegue falar. Aqui fica comprovado o
dano que este tipo de intervenção pode causar na criança/adolescente. Um das
professoras questionou:
“Quando a criança não fala, ela conta pra uma pessoa, aqui na nossa cidade
tu falasse que não tem ainda um local, daí a criança passa por esse tipo que eu acabei
de ler e se ela não conta, de repente ela fica muda e ai, fica com tanto medo e não
fala”.
Foi retomado que nos
processos criminais a prova é necessária para que se
condene alguém, e nestes casos, se a criança não falar e não existir outras provas que
possam convencer o juiz, este pode ser absolvido. As professoras acentuaram a
importância de um profissional capacitado para trabalhar com crianças vítimas de
abuso.
O terceiro grupo fez a leitura do caso 3, este caso foi modificado com a
intenção de se provocar a discussão:
CASO 3: fato abusivo intrafamiliar. Menina com 8 anos foi abusada
sexualmente por seu padrasto que manteve com ela conjunção carnal e atos
libidinosos durante longo tempo. Outras duas irmãs/crianças também foram
abusadas. A mãe da vítima procura você para orientações relatando o fato e pedindo
ajuda. Este caso foi adaptado para provocar uma reflexão das docentes quanto a
aproximação da família.
Após a leitura do caso as professoras leram os questionamentos: 1. O que
fazer neste caso? 2. Quais os encaminhamentos que devem ser feitos? Responderam:
“A gente botou, (...) A gente botou a mesma coisa que as gurias, né,
primeira coisa é comunicar a direção e a orientação da escola e a escola sim
encaminhar a criança ou pro Sentinela ou direto pro Conselho Tutelar”.
“Acho que é isso foi o que a gente viu”
.
Estas respostas, mesmo estando corretas, causaram preocupação, pois as
professoras reagiam como se estivessem repetindo uma verdade absoluta,
“foi o que
nós vimos no curso”
, assim fica a esperança da real aplicação prática no cotidiano
escolar. Destacamos ainda, que neste caso, foi à mãe que pediu a orientação delas e
que elas devem dar estar informações, solicitando que ela denuncie a Polícia
Conselho Tutelar, para que sejam tomadas as providências, e ainda falamos da mãe
como protetora, neste caso.
O último caso foi lido: CASO nº 4:
Fato abusivo intrafamiliar. Menina com
10 anos foi abusada sexualmente por seu
padrasto que manteve com ela conjunção
carnal e atos libidinosos durante longo
tempo. Outras duas irmãs/crianças
também foram abusadas. Inquirição da
vítima:
J: O que o (nome do abusador) fez
contigo?
V: (Não respondeu)
J: Quantas irmãs tu tens?
V: Oito.
J: A... e a ... (nomes das outras irmãs
também abusadas) são tuas irmãs?
V: Sim.
J: Que série tu estudas?
V: Terceira.
J: Que horas tu vais para o colégio?
V: Sete horas da manhã e volto às ... eu
vou para outro colégio, para a creche.
J: Que horas tu chegas em casa?
V: Às quatro horas da tarde.
J: Quando tu chegas em casa, quem está
na tua casa?
V: Minha mãe.
J: Ela trabalha?
V: Sim
J: Onde?
V: Não sei.
J: Ela sai para trabalhar?
V: Sim
J: Ela sai todos os dias para trabalhar?
V: Não, sei que ela sai sábado, ela faz
faxina.
J: Quando ela sai para trabalhar tu ficas
em casa sozinha com o ... (abusador)?
V: Não
J: Essa estória de que ele teria abusado
sexualmente de ti é verdade?
V: É.
J: O que ele fez contigo? Tu estás com
vergonha?
V: Sim.
J: O que ele fez contigo, tu lembras
quando ele fez essas bobagens, que dia foi
isso?
V: Eu não sei.
J: Mais de uma vez ou foi uma vez só?
V: (Não respondeu).
J: Ele abusou de vocês sexualmente?
V: Sim.
J: Quantas vezes? Foi mais de três, quase
dez?
V: (Não respondeu).
J: Não recordas?
V: Não.
J: Ele era um bom padrasto para ti?
V: Não
J: Tu não gosta dele?
V: Não.
J: Por que tuo gosta dele? Ele bate em
ti?
V: Sim.
J: Por que ele bate em ti?
V: (Não respondeu)
J: Segundo consta na denúncia, ele teria
mantido relação sexual contigo. É verdade
isso?
V: Sim.
J: Que horas aconteceu este fato, de
manhã, de tarde ou de noite?
V: Não me lembro.
J: Faz tempo que aconteceu isso?
V: Não sei.
J: Uma semana, um mês, um ano, dois
anos, quanto tempo faz?
V: Não lembro.
J: Tu já tinhas namorado?
V: Não.
J: Tens namorado?
V: Não.
J: Seria importante para o processo que tu
relatasse realmente o que aconteceu,
como ele procedeu contigo?
V: (Não respondeu)
J: Tu foste até a Delegacia de Polícia?
V: Fui.
J: O que tu disseste para o delegado, tu
recordas?
V: Não.
J: O que tu disseste para o delegado?
V: (Não respondeu)
J: Vou ler parte do teu depoimento, o que
tu disseste na polícia. “Ele subia e
baixava suas calcinhas e também tirava as
suas, e com o xixi duro a informante
ficava com muito medo, pois além de
ficar mexendo com o xixi duro saía uma
coisa molhada e branca, que corria pela
perna, que doía bastante a bunda ardia”.
Tu disse isso?
V: Sim.
J: Por que tu contou essa estória ao
delegado, ele fazia isso contigo?
V: Sim
J: Que horas ele fazia essas bobagens, de
manhã, de tarde ou de noite?
V: (Não respondeu)
J: Não recorda mais que horas ele fazia
essas coisas contigo?
V: Não
J: Ele introduzia o sexo dele no teu sexo,
é isso o que ele mandava tu fazeres?
V: (Não respondeu)
J: Ele pedia alguma coisa para ti fazer, ele
pedia para tu pegares no sexo dele ou
não?
V: Sim.
J: Tem certeza que aconteceu isso?
V: Sim.
J: O que realmente aconteceu contigo e
com o réu? O que ele fez contigo?
V: (Não respondeu)
J: Tu chegaste a falar com a tua mãe sobre
o ocorrido?
V: Não.
J: Com quem tu falaste sobre o que
aconteceu com o... (nome do abusador)?
Como é que essa estória chegou até a
Delegacia de Polícia?
V: Não sei.
J: Mas alguém denunciou o ... (nome do
abusador), senão não teria prosseguido?
Com quem tu comentaste foi no colégio?
V: Não.
J: Foi na creche?
V: Sim.
J: Com quem tu comentaste lá na creche?
V: Eu não sei.
J: Foi com a professora? Com a
responsável pela creche?
V: Não.
J: Como é o nome das pessoas?
V: (Não respondeu)
J: O que aconteceu lá na creche?
V: Nada.
J: Mas tu falaste que comentou alguma
coisa lá na creche, com quem tu falaste?
V: (Não respondeu)
J: Tu não queres falar? É ruim falar sobre
isso?
V: Sim.
J: Tu confirmas o que tu falou lá na
Delegacia de Polícia?
V: Sim.
J: Foi isso que aconteceu?
V: Sim.
J: Mas o que aconteceu quando ele fez
essas coisas, quem estava na casa quando
ele fez essas coisas?
V: Minha mãe e minha irmã.
J: Onde ela estava?
V: Lá em cima na casa.
J: Tua mãe viu?
V: Não.
J: Quantas peças tem a casa onde vocês
moram?
V: Não sei.
J: Quantos quartos tem na casa?
V: Três quartos.
J: E que horas ocorreu esse fato?
V: (Não respondeu)
J: A tua mãe estava em casa?
V: Não sei.
J: Tu costumas fazer algum serviço,
algum trabalho da casa?
V: Sim.
J: Quem arrumava a cama do casal?
V: Eu, minha mãe ou minhas irmãs.
J: Mas quando ele fez isso, tu não
chegaste a chorar, gritar?
V: Não.
J: Tu não gritaste para a tua mãe pedindo
socorro?
V: (Não respondeu)
J: Por que não gritou, estavas com muito
medo?
V: Sim.
J: O ... (nome do abusador) estava
bêbado?
V: Não
J: Tu não quer falar?
V: Não.
J: Tu o vai dizer para o juiz o que
aconteceu naquele dia?
V: (Não respondeu)
J: Sim ou não?
V: (Não respondeu)
J: Com a palavra o Ministério Público.
P: É verdade o que o juiz te perguntou?
V: Sim.
P: Por que tu ficaste com vergonha?
V: Fiquei.
P: Contaram algumas coisas meio chatas,
que tu não queres falar?
V: Sim.
P: O que aconteceu lá?
V: (Não respondeu)
P: Ele era ruim com vocês?
V: Era.
P: Ele batia ou quando vocês faziam
muita coisa errada?
V: (Não respondeu)
P: O... (nome do abusador) fez alguma
coisa de passar a mão em vocês?
V: Sim.
P: Mais de uma vez isso aconteceu?
V: (Não respondeu)
P: Viu ele fazer alguma coisa errada com
as tuas irmãs?
V: Não.
P: E contigo, ele fez alguma coisa errada?
V: (Não respondeu)
P: Tu não queres me dizer nada do que
aconteceu?
V: Não.
P: Tu tens medo de que?
V: De nada.
P: Ninguém vai ficar sabendo do que
aconteceu aqui, ninguém vai te bater. Se o
...(nome do abusador) voltar para casa vai
ser bom ou ruim?
V: Ruim.
P: Por que?
V: (Não respondeu)
P: Ele vai te bater?
V: Não.
P: Ele vai fazer tu trabalhar bastante?
V: Não.
J: Com a palavra a defesa que nada
perguntou. (DOBKE, 2001, p. 67-74).
Após a leitura do caso, ocorreu um fato muito interessante. Uma das docentes
se reportou ao horário que a criança chega em casa, e todas começaram a brincar:
“acho que é nosso aluno”, “é mesmo é aluno daqui da escola”.
Leram as perguntas.
1. Como você esta situação em relação a atuação do juiz? 2. A partir das
discussões realizadas durante o programa como você percebe a atuação da justiça
(Leis; processos, profissionais do direito) nos casos de abuso sexual? 2.O que pode
ser feito para mudar? Resposta:
“A gente acha muito fria e assim palavras muito diretas, manteve relação
sexual contigo, pra uma criança de 8 anos assim, por isso mais a vergonha que a
criança fica. Uma criança com 8 anos
Este caso foi relacionado ao caso 3 que também demonstra o modo como a
vítima é inquirida. Após estas discussões todos foram convidados a assistir o
documentário Depoimento sem Dano e perceber os ganhos na utilização desta
técnica, principalmente nos casos onde não existe prova material da existência do
crime. Porém as professoras fizeram algumas críticas:
“(...) Eu imaginei uma sala diferente, eu imaginei uma coisa, com
brinquedo”.
“Eu também achei assim um espaço assim (...) adolescente mais de 12 anos é
mais fácil de contar é mais fácil de puxar isso dela assim, uma criança, eu já não vejo
uma criança assim sentada ali contando”.
“Eu acho assim o que deu pra perceber ali quando ela falou com o juiz na
frente dela”.
“Eu acho outra coisa uma mocinha, como ela era ali 12, 13 anos eu acho
que é muito difícil ela falar que é mais vergonhoso ainda né”.
“Se chegar pra gente eu tenho uma aluna de 12, 13 anos imagina falar uma
coisa dessas eu acho que eu não teria coragem, olha que eu convivo diariamente”.
“Mas eu vejo aquilo ali como, continua sendo um depoimento de uma pessoa
perguntando pra ela, não foi aquela conversa aquela coisa assim mais à-vontade
saiu as pessoas todas, homens que de repente deixa a menina mais encabulada,
porque no caso continua fez isso, fez aquilo, tirava tua roupa, tirava a parte de baixo
a parte de cima, ficou um depoimento, não ficou aquela conversa aquela coisa pra
deixar mais a vontade”
É importante ressaltar a preocupação apresentada pelas docentes no caso de
ser um dos seus alunos. Defendeu-se a idéia de que a metodologia do “Depoimento
sem Dano”, é um grande avanço, e que ele gera menos danos do que os casos
trabalhados no encontro. Uma das docentes questiona o ambiente utilizado para o
depoimento sem dano:
“A mesa ali acho que quebra tudo, mas eu não sei até que ponto também
uma aproximação muito próxima não ia (...)”.
“Eu imaginei, tipo uma sala, pra idade de uma aluno meu, ele sentado numa
outra mesa lá no canto (...) sozinho ali eu não sei o quanto ele falaria”.
“Achei que ele fosse desenhar eu imagino a faixa etária dos meus alunos
entendeu”.
As situações e opiniões foram amplamente discutidas e ficou claro que se
for
uma criança muito pequena ela não vai depor, o que vai determinar é o atendimento
técnico, e que este trabalho vai produzir a prova através de um laudo. Mas a dúvida
ainda persistiu
: “(...) Não vai valer como depoimento?” “Se a criança é muito
pequena o depoimento dela não vale é isso?”
Explicou-se que o laudo é aceito como
prova sim e que existe a necessidade da criança falar e ter capacidade cognitiva para
compreender o que aconteceu para que ela possa depor.
Uma das professoras relatou que recentemente havia recebido o telefonema
de uma técnica do Serviço Sentinela e ficou muito feliz com este diálogo, pois
segundo ela o que elas estavam trabalhando nos módulos estava ocorrendo:
“Nós
falamos do acompanhar e não acompanhar... e eu recebi agora esta semana um
telefonema do Serviço Sentinela, (...) e ela queria saber sobre a minha aluna, e eu
achei bem interessante, assim a oportunidade que eu tive de falar e é uma coisa
assim boa da gente saber (...)”.
O apoio da escola diante de um caso de abuso sexual foi novamente
questionado, mostrando que este é um ponto nevrálgico? Segundo elas:
“Eu acho que a escola nessa caminhada, né, ta, nesta caminhada, hoje a
palavra apoio eu não consegui, agora, eu acho, eu penso, assim... que poderia haver
mais... compartilhar as coisas, essa situação na verdade ela não é uma situação nova
pra nós acontece muitas vezes, muitas vezes, aqui dentro da escola (...) mas eu
acho assim é uma caminhada, né (...) Acho que as coisas estão acontecendo. Eu acho
também que depois que nós temos essas informações eu acho que nós vamos
começar a mudar”.
Este depoimento demonstrou a esperança da professora e a
relevância deste trabalho, que estava sendo visto, como uma possibilidade de
mudança de conduta dos professores e da escola.
Antes de finalizar o módulo, outros dois assuntos foram tratados: O primeiro
sobre a possibilidade de realizar a entrevista familiar não no primeiro ano e na
segunda série, mas em outras séries com o objetivo de conhecer a realidade dos
alunos e das suas famílias; e um segundo foi à possibilidade de se realizar um
convênio com a Universidade, mais especificamente com o curso de Psicologia, pois
segundo as professoras elas carecem do trabalho de um psicólogo, para os alunos e
para elas próprias:
“Não temos uma psicóloga de repente dentro da escola pra gente encaminhar
estas pessoas (...) Se nós tivéssemos de repente algumas alunas que pudessem de
repente (...) nos dar umas orientações (...) de repente a Furg poderia fazer este
trabalho agora com o curso de psicologia (...)”.
“Aqui na escola é uma realidade que às vezes a gente não sabe como lidar
com ela (...)”
“A gente lida com muitas questões que com certeza uma psicóloga e uma
assistente social poderiam nos auxiliar neste trabalho, até pra gente poder falar com
as mães né (...)”.
Foi combinado que estas sugestões (das entrevistas para outros anos e da
presença de um psicólogo) seriam encaminhadas para os órgãos competentes para
viabilizar sua execução para os próximos anos letivos.
O módulo foi finalizado com o agendamento da reunião de feedback.
6.6. Reunião com a rede, feedback e avaliação dos professores.
Antes do último encontro com as docentes, percebeu-se a necessidade de
realizar uma reunião com o Promotor da Infância e da Juventude, com a Equipe do
Serviço Sentinela, com representantes do Conselho Tutelar e membros do CEP-RUA
FURG. O principal objetivo era apresentar o programa e aliar forças com aqueles que
irão efetivamente receber as denúncias. Este foi um momento muito importante do
programa, pois não se sabia a dimensão e o entendimento dos membros da rede sobre
o trabalho que estava sendo desenvolvido. Percebeu-se que se estava no caminho
certo e a iniciativa foi bem recebida por todos.
A reunião de feedback teve como objetivo inicial fazer uma discussão geral
sobre o tema do abuso sexual. Em virtude das dúvidas surgidas durante a aplicação
dos Módulos, em relação aos procedimentos do Conselho Tutelar e do atendimento
do Serviço Sentinela, convidamos os mesmos para participar deste último encontro.
Buscou-se esclarecimentos para oferecer maior segurança e suporte para uma
denúncia protetiva por parte dos docentes da escola pesquisada.
A reunião teve início às 14:30 e término 16:00h. Estavam presentes a
Coordenadora, a Psicóloga e a Educadora, do Serviço Sentinela, um representante do
Conselho Tutelar 1 e um representante do Conselho Tutelar 2 (este responsável pela
área na qual a escola está localizada), as 7 professoras que participaram das duas
etapas da proposta, a diretora da escola e a secretária, a autora deste trabalho e a
bolsista. Após as apresentações a coordenadora do Serviço Sentinela iniciou
colocando como surgiu o Sentinela e como o trabalho é realizado pela equipe. Após
este momento a psicóloga falou dos atendimentos realizados passando a palavra para
a educadora que falou do trabalho do educador junto às crianças e às famílias
atendidas pelo serviço. Durante as falas as professoras questionavam e buscavam
esclarecer suas dúvidas relacionadas ao tratamento terapêutico e diagnóstico de
abuso. Após, os representantes do Conselho Tutelar 1 e 2 falaram sobre a
importância e a atuação do Conselho Tutelar. As professoras aproveitaram para
questionar:
“forma de abordar a família”, “encaminhamentos”, “relação com a
escola”
. Foi possível deixar claro que o Conselho Tutelar trabalha de forma conjunta
com o Serviço Sentinela que todo o suporte técnico e especializado ao Conselho.
O Sentinela esclareceu que também recebe as denúncias, através de um 0800
(08005102323), e encaminha para o Conselho averiguar. Se for uma situação
comprovada ou de suspeita o Conselho encaminha novamente para o Sentinela dando
início ao atendimento.
Após a reunião de feeedback, foi entregue para as docentes uma ficha de
avaliação do programa de intervenção aplicado (Anexo 6). A ficha propunha: uma
avaliação quantitativa e uma qualitativa. Os resultados obtidos a partir desta análise
foram significativos e justificam a necessidade de atividades de intervenção no
ambiente escolar, conforme demonstrado no quadro abaixo:
Tabela 1: Avaliação Quantitativa das Professoras:
ASSUNTOS AVALIADOS A B C D E F MÉDIA
1. Importância dos temas
abordados
10 10 10 10 10 10 10
2. Aplicabilidade dos assuntos
para a função e papel de
educador
9 10 10 10 10 10 9,83
3. Compreensão dos assuntos 9 8 10 10 10 10 9,5
4. Palestrantes 9 8 10 10 10 10 9,5
5. Organização dos encontros 9 8 9 10 10 9 9,16
6. Condições do local de
realização dos encontros
8 8 9 10 10 10 9,16
7. Sua motivação, antes dos
encontros
9 8 10 5 10 8 8,33
8. Sua motivação, após os
encontros
9 8 10 10 10 10 9,5
9. Seu conhecimento sobre os
temas, antes dos encontros
7 5 8 5 5 5 5,83
10. Seu conhecimento sobre os
temas, após os encontros
9 8 10 8 8 8 8,5
Obs.: Foi solicitado que as docentes atribuíssem notas de 0 a 10.
Percebemos que as docentes consideram de grande importância os temas
trabalhados todas atribuíram notas 10, foi unânime. A aplicabilidade dos assuntos
para o educador também teve uma média de 9,85 o que demonstra a necessidade de
tais conhecimentos para o educador. Um outro ponto que nos chamou a atenção foi
quanto a motivação antes do programa era de 8,33 e após o 9,5 este aumento
consolida nossa proposta. Ouve um aumento significativo na construção do
conhecimento onde a dia de conhecimentos anteriores era de 5,83 e que passou a
8,5 após a aplicação do programa. Estes dados sem dúvida justificam a elaboração e
aplicabilidade do programa.
Solicitamos que as docentes citassem o módulo que mais chamou sua
atenção. Uma delas citou todos os módulos:
Na verdade foram todos, pois não tinha
grandes conhecimentos sobre o assunto”
, Outra citou:
“Todos foram muito
interessantes, mas os módulos sobre a família e a conversa com o Sentinela e o
Conselho”.
A maioria, porém, citou o módulo cinco, o que trabalhou com os estudos
de caso:
“O último, porque foi o mais prático”
;
O módulo de observação de casos
verídicos, pois não tive contato com problemas tão graves”;
“Último”;
Casos.
Porque podemos discutir com fatos”, “Mais atenção foram os casos ocorridos porque
foram reais”.
Isso nos levou a repensar em inverter a ordem caso este programa seja
novamente aplicado em outro contexto, iniciar com estudos de caso e no feedback
novamente trabalhar com estudos de caso. O interessante é que no primeiro encontro
trouxemos o filmeCanto de Cicatriz”, onde vítimas relataram suas histórias, mas as
docentes se aproximaram mais do tema quando era proposto a elas a solução e os
encaminhamentos frente ao seu exercício de estar envolvida em situações reais.
Foi solicitado que as docentes relatassem a relevância dos assuntos tratados
elas responderam:
“É de muito uso para a realidade em que trabalhamos e para a
profissão que exercemos”; “Muito importantes para a realidade da comunidade
escolar”; Foi muito relevante, principalmente pela importância de nossa função
como educadores, visto que, lidamos diariamente com tantas crianças diferentes e
temos um papel em muitos momentos decisivos para a criança”; “Muito importante,
que tratamos com crianças de diversas realidades e o sabemos como agir em
casos extremos”; “Os assuntos são muito relevantes, devido a realidade da
comunidade”; “Muito relevantes, pois nos mostrou uma realidade pouco conhecida”.
Todas consideraram o tema muito importante e reconheceram o seu papel como
educadoras e cuidadoras.
Algumas professoras escreveram comentários sobre o programa:
“Foi muito
bom esse trabalho realizado. Dou a sugestão de realizar em outras escolas também”;
“Que o curso poderia ter sido mais longo, minha sugestão é que possa acontecer em
diferentes locais, em outras escolas”.“Continuar os encontros, se possível no
próximo ano letivo”.
Enfim, solicitamos que as docentes deixassem um depoimento pessoal:
“Cada vez mais tenho claro a importância do papel do educador, das suas atitudes
diante das situações vividas pelos alunos e da confiança depositada pelos mesmos
nos educadores”. “Achei os encontros esclarecedores e vi a importância do professor
p/ detectar abusos e violência contra as crianças”; “A relevância dos encontros foi
muito positiva, me enriqueceu em conhecimentos práticos, teóricos e pessoais.
Certamente olharei com muito cuidado e sensibilidade para cada criança e
adolescente, (ainda mais). Obrigada!”; “Muitas vezes sai mal dos encontros. Mas
acho que valeu a pena, pois estou mais atenta com relação aos meus alunos”; “Gostei
muito dos temas abordados, mas deveria ter mais casos para analisarmos” “Agradeço
a oportunidade que me foi oferecida”.
Estas palavras nos deixaram muito felizes não por despertar um
sentimento de “missão cumprida”, mas de perceber o quanto significou para elas esta
participação.
REFLEXÕES FINAIS
A realização deste trabalho, no ambiente escolar, foi um grande desafio para
mim e para todos. A experiência nos abrigos me distanciava do trabalho no contexto
escolar. Quando surgiu esta possibilidade me senti uma iniciante, pois desconhecia a
dinâmica e foi preciso adentrar, mergulhar neste microssistema para compreender
seu funcionamento. Foi muito importante diagnosticar as reais necessidades dos
professores acerca do tema: Abuso Sexual. Como pesquisadora, o diagnóstico não
me satisfez e como cepiana não podia ficar distante da intervenção, portanto foi
essencial concretizar a fase de aplicação do programa junto aos professores.
Pensar agora em todo caminho percorrido e no seu término leva-me a
ponderações sobre minha maturidade. Minha vontade não é descansar, mas sim,
arregaçar as mangas e replicar o diagnóstico/programa em outros contextos
escolares, pois desde que comecei a trabalhar com o tema Abuso Sexual, assumi este
como uma bandeira de luta contra a violência. Sabe-se que a instrumentalização dos
profissionais é uma das alternativas para amenizar as complexidades destas
situações. E a denúncia surge como um grito de socorro à justiça dos homens, única
saída para romper com a perversidade contra a crianças e adolescentes.
As pedras encontradas no caminho foram muitas. Quantas vezes tivemos que
transferir os encontros por situações imprevistas, como por exemplo: a escola foi
tomada por insetos e teve que ficar fechada por quase uma semana para detetização e
ainda, os dias que não tínhamos acadêmicos para a substituição das professoras.
Estes foram momentos angustiantes.
Apesar de nos ceder um local para a realização dos encontros e ter nos aberto
as portas, a escola foi desestimuladora em muitos momentos. Primeiro por não
liberar os professores para as atividades do programa, quando não tínhamos
estagiáÇféDA°
interação com a administração da escola.
E ainda, algumas percepções das docentes: visão do programa como uma
capacitação, uma maneira de sair da sala de aula e alguma dose de apatia durante
todo o processo, em especial no caso de uma das professoras. Porém, quando tive
contato com a sua avaliação do programa, sua reação ficou explicada. Ela deixou o
seguinte depoimento:
“Muitas vezes sai mal dos encontros. Mas acho que valeu a
pena, pois estou mais atenta com relação aos meus alunos”.
As entradas e saídas da
sala durante os encontros, o barulho da rua também atrapalhavam o processo de
execução das atividades. Enfim, mesmo com tantos percalços chegamos ao final
deste trabalho.
Temos a clareza, de que a proposta apresentada, está longe, de ser a solução
final, para este problema social de tamanha abrangência e complexidade. Entretanto,
é uma alternativa para promover mudanças nas práticas educativas escolares, através
de uma intervenção, em um contexto que além de ser a porta de entrada para a
educação formal, deve preocupar-se com o desenvolvimento integral dos educandos.
A escola não pode mais furtar-se às suas responsabilidades sociais de propiciar
proteção não apenas às crianças e adolescentes, mas também às famílias de seus
alunos. Em muitos locais, a escola é o único ponto de apoio afetivo e social da rede e
por isso deve estar preparada para interagir com seu público de maneira humana e
respeitosa.
Almejamos, que esta proposta de intervenção, venha a fortalecer os vínculos
do contexto escolar, com os outros segmentos sociais, para que o abuso sexual à
criança e ao adolescente deixe de ser negado ou distanciado, mas seja enfrentado por
vias que garantam a saúde: física, mental e bem estar dos envolvidos.
Entendemos que para que o programa de intervenção seja eficaz, a fase
diagnostica seja precedente. Nesta proposta, a primeira etapa possibilitou detectar a
cultura da escola e suas práticas singulares, as relações de poder envolvidas. A
organização dos módulos foi a conseqüência e o reflexo do diagnóstico. É preciso
entender que cada escola tem sua organização social, suas peculiaridades e o
programa de intervenção deve ser adaptado de acordo com as singularidades de cada
contexto. Para uma nova aplicação, conclui-se que devemos começar por estudos de
casos. Apesar do filme trazer a realidade, esta ainda parece distante daqueles que se
colocam na posição de audiência. Os estudos fizeram com que as professoras
pensassem que realmente poderia acontecer com elas, apesar de algumas terem
vivenciado situações de abuso entre seus alunos. Mas o que fez a diferença foi o fato,
de que os estudos de caso, as colocaram numa posição de protagonistas, para tomar
uma atitude/ decisão, de encaminhar e de buscar uma solução.
É importante, ainda, ressaltar que muitas vezes, foi necessário repetir temas
que haviam sido trabalhados, em outros módulos anteriores, no intuído de
esclarecer duvidas e sempre que elas se reportavam a algum tema, este era
novamente referido e relacionado com o módulo que estava sendo trabalhado. Fomos
incansáveis e buscamos aproveitar ao máximo todos os momentos dos encontros.
Além dos aspectos apontados, que revelaram o despreparo e a escassez de
informações na formação de educadores, é preciso incentivar os professores a
lidarem de forma protetora nestas situações. Decidir por fazer uma denúncia queo
tenha o sentido popular de “caguetar” o abusador, mas optar por garantir os direitos
da criança e do adolescente de viver e ser criado em um contexto de amor, saúde e
paz é uma medida educativa que protege o desenvolvimento humano, em diferentes
situações.
Entretanto, o que se pode notar no ambiente escolar, é que ainda prevalece o
“jogo do empurra-empurra”. Nestas ocasiões, caso a criança revele o abuso para o
professor, este conta para a orientadora, que conta para a diretora, que ao invés de
acreditar na criança e pensar no que fazer para protegê-la, denunciando para o
Conselho Tutelar ou para o Serviço Sentinela, pode tomar decisões inapropriadas tais
como, chamar a família, conforme se viu nas situações relatadas. Sabemos que as
famílias abusivas acabam por negar e podem agredir ainda mais a vítima do abuso e
retirar a criança/adolescente da escola.
Alertamos para a necessidade do trabalho em rede e de uma maior
aproximação entre família e escola. Pensamos que a entrevista que é aplicada
somente nos primeiros anos deve ser estendida, por todos os anos iniciais,
possibilitando que o professor possa conhecer o contexto familiar que a
criança/adolescente esinserida. A visão esteriotipada e preconceituosa das famílias
que são percebidas como:
“um problema”; “desfavoráveis”; “omissas”;
“desinteressadas”; desestruturadas”
criam uma grande barreira nestas relações. A
falta de um trabalho ou de projetos de trabalho com as famílias reafirmam estas
conclusões.
É preciso que o professor se desvencilhe das crenças implícitas e passe a
compreender o contexto em que está inserido e se sinta parte dele. A visão de que
“a
realidade que a gente aqui
conforme citado, nos remetem a distância que impede
uma interação sensível e pré-ocupada entre professor/aluno/família.
Remetemos ainda para a importância do olhar cauteloso e observador do
professor que pode sim, fazer a diferença na vida de tantas crianças que são
vitimizadas. E vamos continuar lutando, por uma denúncia protetiva onde professor e
escola tenham claro o seu papel e principalmente o cumpram. As palavras de uma
das docentes, nos muita esperança:
“Cada vez mais tenho claro a importância do
papel do educador, das suas atitudes diante das situações vividas pelos alunos e da
confiança depositada pelos mesmos nos educadores”.
Encerro com um depoimento deixado por uma educadora que justifica a
dimensão deste trabalho:
“A relevância dos encontros foi muito positiva, me
enriqueceu em conhecimentos práticos, teóricos e pessoais. Certamente olharei com
muito mais cuidado e sensibilidade para cada criança e adolescente, (ainda mais).
Obrigada!”.
Também quero agradecer a elas, e dizer que espero que sejam
multiplicadoras de uma denúncia protetiva, no ambiente escolar, e que as reflexões e
os conhecimentos adquiridos, contribuam para que crianças e adolescentes se tornem
livres dos tormentos das situações de violência, que sem escolha, vivenciam dentro
ou fora de seus lares. O professor deve ser protetor, a escola deve ser acolhedora e
mais ainda, deve representar uma instituição responsável pelo desenvolvimento
saudável de seus alunos.
É preciso ainda lutar para que estas temáticas, reflexões e discussões tomem
corpo e façam parte dos currículos dos cursos de licenciatura nas universidades.
Formar professores e profissionais preparados para atuarem contra a violência em
múltiplos contextos é uma prioridade educacional incontestável.
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Famílias e crianças
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Artigo submetido para
publicação na revista Psicologia e Sociedade.
ANEXOS
Anexo 1: Modelo de entrevista com os professores
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
I - DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:
1.1. Iniciais do nome:
1.2. Sexo:
1.3. Idade:
1.4. Estado civil:
1.5. Bairro onde reside:
II - FORMAÇÃO
2.1. Formação em que área;
2.2. Quantos anos de magistério;
2.3. Tempo de atuação nesta escola;
2.4. Em que série leciona;
2.5. Número de alunos atendidos;
III - PERGUNTAS
3.1. Dentre as famílias de seus alunos, como você caracteriza as famílias em geral? Como
elas são?
- Trabalho;
- Escolaridade;
- Convívio familiar (relação entre pais e filhos);
- Criação e educação dos filhos (práticas educativas);
- Relação das famílias com a comunidade (serviços que utilizam);
- Relação das famílias com a escola;
3.2. Como é sua relação com as famílias dos seus alunos?
- Como se dá contato com as famílias?
- Conhece todas as famílias dos alunos?
- Qual o membro da família que mais lhe procura?
- Em que situações se dão os contatos? Dê exemplos do cotidiano.
3.3. Existe alguma dificuldade na sua relação com as famílias? Quais? Dê exemplos.
3.4. A tua escola tem alguma proposta de trabalho com as famílias? Fale sobre isso.
3.5. Você tem alguma proposta de trabalho com as famílias? Como acha que deveria ser este
trabalho?
3.6. Você já detectou situações de violência sofridas pelos alunos?
3.7. Você sabe definir abuso sexual e quais as suas causas?
3.8. Você conhece os indicadores deste tipo de violência no comportamento da vítima? E da
família?
3.9. Você saberia identificar as conseqüências que a violência sexual pode acarretar?
3.10. Qual seria sua conduta diante de uma suspeita ou confirmação de algum caso de abuso
sexual?
3.11. Teve algum caso de abuso sexual entre seus alunos? Qual foi sua conduta? Qual foi a
conduta da escola? Se for negativa a resposta: Que apoio você acredita que teria da escola se
ocorresse um caso na sua sala de aula?
3.12. Qual o papel da escola frente a um caso de abuso sexual?
3.13. O que você conhece sobre as leis que protegem as vítimas de abuso sexual? Quais
existem?
3.14. Qual o órgão que você deveria denunciar?
Anexo 2: Grupo focal: questões norteadoras
1. Como vocês definem abuso sexual e quais são as implicações na vida das
crianças?
2. Quais os indicadores da violência sexual no comportamento da criança? E no
comportamento das famílias?
3. Vocês conhecem leis que protegem crianças/adolescentes de Abuso Sexual?
Quais?
4. Diante de um caso (suspeita ou confirmação) de Abuso Sexual, o que fazer?
5. ocorreu algum caso de Abuso Sexual entre seus alunos? Qual a sua
conduta? Qual a conduta da escola?
Anexo 3: Jogo de sentenças incompletas
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
JOGO DE SENTENÇAS INCOMPLETAS
Respondente: Data:
O Estatuto da Criança e Adolescente é .....................................................................................................
A criança aprende com ..............................................................................................................................
Adolescente é aquela pessoa entre as idades de.........................................................................................
Violência contra a criança ou adolescente é .............................................................................................
Quando a gente suspeita de violência contra crianças e adolescentes a gente tem que............................
Abuso sexual é quando...............................................................................................................................
Para educar uma criança é preciso.............................................................................................................
Para educar uma adolescente é preciso.....................................................................................................
Toda a criança e adolescente tem direito a...............................................................................................
Cuidar de uma criança ou adolescente é...................................................................................................
Quando um homem passa a mão no corpo de uma adolescente,
geralmente ela............................................................................................................................................
Na vida da criança, o papel do professor é................................................................................................
Eu acho que quem cuida de criança/adolescente deveria..........................................................................
As crianças gostam de ..............................................................................................................................
Os adolescentes gostam de .......................................................................................................................
A criança aprende através.........................................................................................................................
Quando um homem passa a mão no corpo de uma criança, geralmente ela.............................................
A diferença entre ser criança e ser adolescente é......................................................................................
Proteger uma criança é..............................................................................................................................
Em relação ao abuso, eu me sinto.............................................................................................................
Quando uma criança é maltratada sente....................................................................................................
Quem sofreu abuso é visto como...............................................................................................................
Um adulto maltrata uma criança quando..................................................................................................
O sinal que uma criança/adolescente foi abusada é..................................................................................
Se eu suspeitasse que meu aluno é vítima de abuso eu ............................................................................
As causas da violência sexual na família são ...........................................................................................
São conseqüências de abuso sexual na vida da criança ...........................................................................
No caso de conhecer um caso de abuso devo denunciar a (ao) .................................................................
O meu trabalho é .......................................................................................................................................
Os meus alunos são ...................................................................................................................................
As famílias dos meus alunos são ...............................................................................................................
Anexo 4: Termo de consentimento livre e esclarecido
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pesquisa: PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCACIONAL COM
PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Orientadora: Profa. Dra. Maria Ângela Mattar Yunes
Mestranda: Ângela Torma Pietro
1. Natureza da pesquisa:
Esta pesquisa tem como principal objetivo analisar ecologicamente a situação
do abuso sexual contra crianças e adolescentes no ambiente escolar tendo como
foco a denúncia e o papel protetor do professor.
2. Participantes da pesquisa:
Participarão os professores da série da Escola Municipal de Ensino
Fundamental João de Oliveira.
3. Envolvimento na pesquisa
Os professores serão entrevistados individualmente, posteriormente serão
aplicadas um modelo de sentenças incompletas também de forma individual a
cada professor. Após será realizado o programa aplicado em 5 módulos, com
encontros semanais, com duração de 1 hora cada. Em seguida, serão novamente
aplicadas as sentenças incompletas. As entrevistas e os encontros poderão ser
gravados ou filmados.
Os professores m liberdade para não participar e podem, ainda, deixar de
participar a qualquer momento. Sempre que quiserem, poderão pedir mais
informações sobre a pesquisa. Poderão entrar em contato com a mestranda pelo
telefone 91512799.
4. Riscos e desconforto
A participação nesta pesquisa pode gerar uma certa timidez inicial, especialmente
quando houver gravação ou filmagem. As entrevistas, as sentenças incompletas e a
participação no programa o oferecem risco à saúde psicológica e física dos
participantes.
5. Confidencialidade
Todas as informações coletadas (inclusive gravações e filmagens) neste estudo
são confidenciais, ou seja, apenas os pesquisadores terão acesso a elas. Em nenhum
momento o nome ou a imagem dos participantes serão revelados. No relatório dos
resultados da pesquisa, a escola, o professor e as crianças citadas serão identificados
por símbolos e todas as informações que possam levar à sua identificação serão
omitidas.
6. Benefícios
Ao participar desta pesquisa, os professores serão beneficiados pela participação
no programa que seaplicado em 5 módulos, conferindo conhecimentos específicos
acerca do tema Abuso Sexual. Além disso, este estudo poderá contribuir para
melhorar o atendimento oferecido a outros cuidadores de crianças vítimas de
violência sexual.
7. Pagamento
Os participantes não terão que pagar qualquer valor e, também, nada será pago a
eles por sua participação na pesquisa.
Tendo em vista as informações apresentadas, solicita-se sua assinatura, de forma
livre e esclarecida, abaixo, quando manifesta seu interesse em participar da pesquisa.
________________________________________
Colaborador(a) da pesquisa
________________________________________
Local e data
________________________________________
Assinatura
________________________________________
Mestranda Ângela Torma Pietro
________________________________________
Profa. Dra. Maria Ângela Mattar Yunes
Orientadora do Projeto
Coordenadora do CEP-Rua/FURG
Ane a
PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCACIONAL COM
PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL
MESTRANDA:
ANGELA TORMA PIETRO
ORIENTADORA:
MARIA ANGELA MATTAR YUNES
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
OBJETIVOS DO PROGRAMA
Propiciar ao educador momentos de reflexão sobre a situação de abuso sexual
contra a criança tendo como foco a denúncia e o papel protetor do professor.
DESENVOLVIMENTO
O programa se desmembrara em 5 módulos onde serão tratados os seguintes
assuntos:
Módulo 1 Abuso sexual: definições, sinais e vitimização da
criança;
Módulo 2 - família e violência: fatores determinantes;
Módulo 3 - aspectos legais que envolvem o abuso sexual;
Módulo 4 - denúncia e responsabilidade do educador;
Módulo 5 - estudos de caso
MÓDULO I
ABUSO SEXUAL: DEFINIÇÕES, SINAIS E VITIMIZAÇÃO DA CRIANÇA
1.1. Definições
Segundo Alexandre Campos (1998) o abuso sexual envolve três
critérios que são: a ausência de consentimento, a violência/agressão e o sexo.
Segundo Beatriz Camargo dos Santos et alii o abuso sexual:
Ocorre quando a criança ou o adolescente é
envolvido em atividades sexuais impróprias
para a sua idade e desenvolvimento
psicossexual, as quais não tem maturidade
para compreender ou dar consentimento
pleno. Inclui desde a sedução, o voyeurismo,
a manipulação dos órgãos genitais e outras
partes íntimas do corpo e o ato sexual, com
ou sem o uso da violência.
Azevedo & Guerra (1989) definem violência sexual como:
todo o ato ou jogo sexual, relação
heterossexual ou homossexual entre um ou
mais adultos e uma criança menor de 18 anos,
tendo por finalidade estimular sexualmente
esta criança ou utilizá-la para obter
estimulação sexual sobre sua pessoa ou de
outra pessoa (p. 42).
1.2. Formas de abuso sexual cometidas contra a criança/adolescente:
- ................Exploração Sexual: produção e comercialização de materiais
pornográficos com exposição de crianças e ou adolescentes (revistas, fotos, filmes
e vídeos, etc...), na troca e venda de materiais pornográficos com crianças e ou
adolescentes na Internet, no trafico de crianças ou adolescentes para outras cidades
ou países para servirem a propósitos sexuais, e em praticas sexuais com crianças e
adolescentes mediante a alguma forma de pagamento;
- Voyeurismo: versa na observação de atos ou de órgãos sexuais de
outra pessoa;
- Exibicionismo: é a exposição intencional a uma criança de seus
genitais com a intenção de chocar a vítima;
- Telefonemas obscenos: podem ocorrer quando um adulto gera
ansiedade em crianças ou adolescentes com discursos obscenos através de
comunicação pelo telefone;
- Abuso sexual verbal: se refere às conversas abertas sobre atividades
sexuais incompatíveis com o desenvolvimento cognitivo e sexuais de criança e
adolescentes.
- Exposição de vídeos pornográficos
- Assédio sexual: são propostas de contato sexual numa posição de
poder em relação a vitima, chantageando-a e usando de ameaças, tentativas de
relações sexuais, caricias nos órgãos genitais, masturbação, sexo oral e anal;
- Sadismo: abuso sexual incluindo flagelação, torturas e surras
-Tipos penais definidos legalmente: estupro, atentado violento ao
pudor, corrupção de menores, tortura e maus tratos.
1.3. Possíveis sinais de abuso sexual
Existem sinais na criança/adolescente que revelam que estas estão
sendo vítimas de abuso sexual:
a) Infecções urinárias freqüentes;
b) Corrimentos vaginas ou retais;
c) Dor ao urinar ou cólicas intestinais;
d) Enurese/encoprese (falta de controle para urina ou fezes);
e) Doenças sexualmente transmissíveis;
f) Dor ou inchaço na área genital ou anal;
g) Fadiga constante;
h) Vergonha excessiva;
i) Mudanças súbitas de comportamento, como no apetite
(anorexias, bulimias) e comportamento agressivo ou rebelde,
mau desempenho escolar;
j) Sempre na defensiva, ou seja, permanente estado de alerta;
k) Comportamento sexualizado inadequado para a idade;
l) Promiscuidade sexual e prostituição;
m) Fuga do contato físico;
n) Gravidez precoce;
o) Tentativas de suicídio;
p) Problemas de aprendizagem
q) Conduta anti-social;
r) Uso abusivo de drogas;
s) Roupas rasgadas ou manchadas de sangue;
Medo ou repúdio de pessoa determinada.
1.4. Vitimização das crianças/adolescentes
- Estigmatização social;
- Descrença na criança e a negação do abusador.
- A criança pode passar a ser apontada como culpada por todos os danos
na estrutura familiar.
OBSERVAÇÕES
MÓDULO II
FAMÍLIA E VIOLÊNCIA: FATORES DETERMINANTES
Podemos classificar o abuso sexual em duas categorias:
- INTRAFAMILIAR: ocorre dentro do ambiente familiar e é praticado
por um membro da família: pai,ÐñôðL Ðntrmã i iaprastbne maurasta.
-
MÓDULO IV
DENÚNCIA E RESPONSABILIDADE DO EDUCADOR
4.1. Denúncia
Num primeiro momento vamos elencar algumas pesquisas realizadas no
Brasil a cerca do tema em loco.
A ABRAPIA - Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à
Infância e Adolescência, através do número telefônico (0800)990500, monitorava e
tratava estatisticamente denúncias de abuso e exploração sexual contra crianças e
adolescentes em todo o país. Atingia as 27 unidades federativas do país. O último
relatório, disponível via Internet, apresenta um perfil das vítimas de abuso sexual,
no período de fevereiro de 1997 a janeiro de 2003 (última atualização), onde foram
quantificadas 1565 denúncias. No que tange ao sexo das vítimas: 17,06% são do
sexo masculino, 76, 17% são do sexo feminino, 6,26% são feminino e masculino e
0,51 não informaram. E ainda tanto meninas quanto meninos abusados na mesma
denúncia 6,27%. As meninas são as vítimas mais freqüentes, sendo mais
comum o incesto pai/filha que tem analogia com o próprio padrão cultural da
sociedade patriarcal, na qual a mulher, a despeito das conquistas femininas ainda é
vista como objeto sexual. No item faixa etária: de 12 a 18 anos 47,80%, de 8 a 11
anos 18,47%, diversas idades 14,57%, menor de 8 anos 18,21%, não informado
0,96%. A gravidade desta realidade se acrescida se for considerada a idade da
criança/adolescente. É possível observar que os adolescentes são as maiores
vítimas, porém em muitos casos o abuso pode ter tido início na infância.
Quanto ao perfil dos abusadores temos que das 1565 denúncias, 90,10%
são do sexo masculino, 4,47% do sexo feminino, tanto homens quanto mulheres
conjuntamente 4,92% e não informado, 0,51%. No que diz respeito ao vínculo do
agressor com a vítima de abuso sexual, os dados revelam que nos casos de
violência intrafamiliar, o pai e o padrasto aparecem em primeiro lugar:
Namorado(a) da vítima 3,25%, Namorado da mãe 2,56%, Namorada do pai
0,10%, Irmão 4,64%, Irmã 0,10%, Avó 0,59%, Avô 3,16%, Mãe 6,60%, Padrasto
23,37%, Madrasta 0,49%, Pai 36,39%, Primo 2,76%, Prima 0,10%,
Companheiro(a) 1,08%, Tio 9,07%, Tia 0,59% , Tio-avô 0,49%, Outros 4,24%,
Não informado 0,10%.
A partir do ano de 2003 a responsabilidade do Disque Denúncia
Nacional, Disque 100, passou a ser de responsabilidade do Poder Executivo,
reafirmando o compromisso do Governo federal ao combate à Violência e a
Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Atualmente é coordenado e
executado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), em parceria
com a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras) e o Centro de Referência, Estudos e
Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria).
A Dra. Maria Amélia de Azevedo, Coordenadora do Laboratório de
Estudos da Criança (LACRI - USP) supervisiona uma coleta de dados de Equipes
de Telealunos do Telelacri, que pesquisam a violência doméstica contra crianças e
adolescentes desde 1996, no Brasil. Segundo a pesquisa nos anos de 1996 a 2003
foram notificados cerca de 8665 casos; destes 6.496 das vítimas eram do sexo
feminino e somente 1536 eram do sexo masculino e 633 não informaram.
Membros do CEP-RUA-URGS (Centro de Estudos Psicológicos de
Meninos e Meninas de rua da URGS) realizaram uma análise em processos de
casos denunciados de violência sexual ajuizados pelas Promotorias Especializadas
na Infância e na Juventude de Porto Alegre, entre os anos de 1992 e 1998,
contando com 94 vítimas. Destas, 80,9% eram do sexo feminino, enquanto que
apenas 19,1% do sexo masculino. Quanto a idade de início dos abusos foram
encontradas divididas em três faixas etárias: 10,6% das crianças apresentavam
idade entre 2 e 5 anos, 36,2% destas tinham entre 5 e 10 anos e 19,1% tinham
entre 10 e 12 anos. A maioria das crianças (26,6%) freqüentava o ensino
fundamental no início das agressões (HABIGZANG, KOLLER, AZEVEDO &
MACHADO, 2005).
Apesar dos dados, temos que levar em conta que as taxas de ocorrência
reais são ainda maiores do que as apresentadas, que grande parte das
crianças/adolescentes vítimas de abuso sexual não são reconhecidas. A UNICEF
(2002), estima que 75 a 80% dos casos de abuso sexual não são denunciados.
No tocante a denúncia Faleiros (2003) alega que:
A denúncia é uma das questões cruciais para o
enfrentamento das situações de abuso sexual contra
crianças e adolescentes, bem como para elucidação
de todo e qualquer crime. O que implica pessoas
dispostas a correr riscos e romper com o pacto de
silêncio que alimenta a impunidade e desprotege as
vítimas (p. 138).
Assim, podemos dizer que a proteção da criança/adolescente depende
do conhecimento da violência pelo órgão competente: o Conselho Tutelar,
Ministério Público, Judiciário e a Delegacia de Polícia; através da denúncia.
4.2. Responsabilidade do Educador
Cabe ao professor no dia-a-dia da dinâmica da escola observar seus
alunos, identificando problemas e queixas, com isso observar a freqüência e a
continuidade das manifestações (CRAIDY & KAERCHER, 2001). É muito
importante conhecer as condições familiares dos seus alunos e encaminhar sempre
que se fizer necessário o aluno ou a família para a rede de apoio social.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) o professor
deve propiciar o desenvolvimento de atitudes, hábitos e habilidades favoráveis à
saúde física e mental dos seus alunos; além de encaminhar para o Conselho Tutelar
sempre que suspeitar que uma criança esta sendo vítima de violência. Deve
investigar situações, pois de uma investigação de maus tratos às vezes aparecem
outros tipos de violência. Portanto, “identificar os casos de violência contra a
criança e o adolescente são obrigações dos profissionais que trabalham com
crianças e adolescentes e, em especial, do professor” (ABRAPIA, p. 6, 1997 Apud
CAMARGO & LIBÓRIO, 2005)
Segundo Brino & Willians (2003) em 44 % dos casos de abuso sexual o
professor era a primeira pessoa a tomar ciência e, em 52% dos casos, era o
primeiro adulto em quem a criança confiava. Isso demonstra o importante papel do
professor no processo de denúncia sobre a ocorrência de abuso sexual que pode
romper com um círculo de silêncio que em muitos casos permanece por anos sem
interferências.
Passos que o professor deve seguir (Camargo & Libório):
- Comunicar o fato à direção, que encaminhará um ofício ao Conselho
Tutelar da Região ou, na falta deste, ao Conselho Tutelar que abranja a área
domiciliar da criança ou adolescente. Em situações mais graves, a escola
encaminhará a criança ao Hospital ou Posto de Saúde, e poderá solicitar orientação
aos Centros de Defesa ou Programas SOS-Criança. Porém, o mais importante é
que o professor não se sinta só, que ele tenha o apoio da escola e que se faça uma
denúncia institucional e não pessoal, para evitar os riscos de retaliação por parte
dos agressores.
OBSERVAÇÕES
MÓDULO V
ESTUDOS DE CASO
OBSERVAÇÕES
BIBLIOGRAFIA
AMAZARRAY, M. R.; KOLLER, S. H. Alguns aspectos observados no
desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual . [on line] Disponível na
Internet. http: www.ailha.com.br/ceprua. Acesso em 22/07/2004.
AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A.. Crianças Vitimizadas: A síndrome do
pequeno poder
.
São Paulo: Iglu Editora, 1989.
BRINO, R. F.; WILLIAMS, L. C. A. Concepções da professora acerca do abuso
sexual infantil.
Cad. Pesqui
, no.119, ISSN 0100-1574, p.113-128, 2003.
BRONFENBRENNER, U. The ecology of human development. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1979.
BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos
naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
BRONFENBRENNER, U.; MORRIS, P. The ecology of developmental processes.
In W. Damon (Org.). Handbook of child psychology. V. 1. New York: John Wiley
Sons, 1998.
CAMARGO, L.S.; LIBÓRIO, R.M.C. A violência sexual contra crianças e
adolescentes na perspectiva de profissionais de educação do ensino fundamental
de Presidente Prudente. Relatório de Pesquisa não publicado. PIBIC-CNPq, 2005.
CAMPOS, A. Para uma compreensão multifactorial do abuso sexual em díades.
Trabalho de Seminário desenvolvido no âmbito da Licenciatura em Psicologia
pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto,
1998. [on line] Disponível na Internet. URL: htp: http://www.psicologia.com..
Acesso em 16/04/2004
CECCONELLO, A. M.; KOLLER, S. H. Inserção Ecológica na comunidade: uma
proposta metodológica para o estudo de famílias em situação de risco. In:
KOLLER. S. H. (org.). Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e
intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
CRAIDY, C. M. & KAERCHER, G. E. S. Educação infantil: pra que te quero?
Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FURNISS, T. Abuso Sexual da Criança: Uma abordagem Multidisciplinar,
Manejo, Terapia e Intervenção Legal Integrados. Trad.: Maria Adriana Veríssimo
Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
GLASER, B. G.; STRAUSS, A.L. The discovery of grounded theory. New York:
Aldine, 1967.
NARVAZ, M. G.; KOLLER, S. H. Mulheres vítimas de violência doméstica:
compreendendo subjetividaades assujeitadas. PSICO - V. 37, n. 1, pp. 7-13
jan/abril, 2006 [on line] Disponível na Internet. http. www.ailha.com.br/ceprua.
Acesso em 15/10/2006.
YUNES, M. A. M. A Aplicação da grounded-theory como método de análise
qualitativa no estudo da resiliência em famílias de baixa renda. Revista do
Departamento de Psicologia da UFF
.
Niterói, V. 2, n. 13, p. 123-139, 2001.
YUNES, M. A. M. & SZYMANSKI H. Grounded-theory & Entrevista Reflexiva:
uma associação de estratégias metodológicas qualitativas para uma compreensão
da resiliência em famílias. In: GALIAZZI, M. C.; FREITAS, J. V. (orgs.)
Metodologias emergentes de pesquisa em educação ambiental. Ijuí: Editora Unijuí,
2005.
Anexo 6: Ficha de avaliação do Programa de Intervenção
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
CENTRO DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS SOBRE MENINOS E MENINAS DE RUA
PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCACIONAL COM PROFESSORES DO
ENSINO FUNDAMENTAL
INICIAIS DO NOME: ____________________________DATA: ______________
AVALIAÇÃO DO PROGRAMA DE INTERVENÇÃO
1. Queremos que preencha o quadro abaixo atribuindo valores de 01 a 10 aos assuntos
relacionados:
ASSUNTOS AVALIADOS NOTAS
1. Importância dos temas abordados
2. Aplicabilidade dos assuntos para a função e papel de educador
3. Compreensão dos assuntos
4. Palestrantes
5. Organização dos encontros
6. Condições do local de realização dos encontros
7. Sua motivação, antes dos encontros
8. Sua motivação, após os encontros
9. Seu conhecimento sobre os temas, antes dos encontros
10. Seu conhecimento sobre os temas, após os encontros
2. Qual módulo chamou mais atenção? Por quê? (use o verso se necessário)
3. Preencha os seguintes dados:
a) Sua idade: ____________________
b) Bairro onde reside: _________________
c) Sua formação: _________________
d) Quantos anos de magistério: ____________________
e) Tempo de atuação na escola: _________________
f) Série leciona: _________________
g) Número de alunos atendidos: ____________________
4. Qual a relevância dos assuntos tratados nos encontros? (use o verso se necessário)
5. Você deseja fazer algum comentário ou sugestão? (use o verso se necessário)
6. Deixe um depoimento pessoal, por favor.
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