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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS AGRIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGROECOSSISTEMAS
COMPLEXO AVÍCOLA NO EXTREMO OESTE CATARINENSE: EM
BUSCA DE UMA NOVA FORMA DE INTEGRAÇÃO
POLITICAMENTE EQUILIBRADA E ECONOMICAMENTE JUSTA
MANUELA FRANCO DE CARVALHO DA SILVA PEREIRA
FLORIANÓPOLIS - SC
SETEMBRO DE 2008
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ii
MANUELA FRANCO DE CARVALHO DA SILVA PEREIRA
COMPLEXO AVÍCOLA NO EXTREMO OESTE CATARINENSE: EM
BUSCA DE UMA NOVA FORMA DE INTEGRAÇÃO
POLITICAMENTE EQUILIBRADA E ECONOMICAMENTE JUSTA
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Agroecossistemas,
Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas,
Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal
de Santa Catarina.
Orientador: Prof. Dr. Clarilton E. D. Cardoso Ribas
FLORIANÓPOLIS - SC
2008
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Pereira, Manuela Franco de Carvalho da Silva
Complexo avícola no Extremo Oeste Catarinense: em busca de
uma nova forma de integração politicamente equilibrada e
economicamente justa / Manuela Fra
nco de Carvalho da Silva
Pereira – Florianópolis, 2008.
x, 106 f.:il., grafs.; tabs.
Orientador: Clarilton Edzard Davoine Cardoso Ribas
Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas)
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências
Agrárias.
Bibliografia: f. 89- 92.
1.
Integração vertical 2. Avicultura 3. Cooperativismo
4. Relevância produtiva 5. Movimentos sociais do campo
5. Desenvolvimento agroindustrial.
iv
TERMO DE APROVAÇÃO
MANUELA FRANCO DE CARVALHO DA SILVA PEREIRA
COMPLEXO AVÍCOLA NO EXTREMO OESTE CATARINENSE: EM
BUSCA DE UMA NOVA FORMA DE INTEGRAÇÃO
POLITICAMENTE EQUILIBRADA E ECONOMICAMENTE JUSTA
Dissertação aprovada em 30 de setembro de 2008, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa
Catarina, pela seguinte banca examinadora:
__________________________________
Prof. Dr. Clarilton E. D. C. Ribas
Orientador
_______________________________
Prof. Dr. Alfredo Celso Fantini
Coordenador do PGA
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________
Profª Drª Marília Terezinha S. Padilha
Presidenta (PGA/CCA/UFSC)
_________________________________ _________________________________
Profª. Drª Claire Cerdan Profª Drª Valeska Nahas Guimarães
Membro (CSE/UFSC) Membro (PGA/CCA/UFSC)
Florianópolis, 30 de setembro de 2008.
ii
AGRADECIMENTOS
À minha família, que acompanha, mesmo à distância, cada passo nessa tortuosa trajetória. À minha
mãe e meu pai pelo exemplo, irmão e irmã pelos atalhos.
Ao grande mestre, amigo, orientador Clarilton Ribas, por apresentar e compartilhar um mundo novo.
À sua família, Berna e Luiza, por abrirem as portas e sorrisos mesmo nos feriados de sol.
Aos agricultores da COOPERUNIÃO que compartilharam seu cotidiano em vários momentos,
especialmente à Tatiane, Markus e Maria pela presteza em nos receber sempre. Aos pequenos
agricultores que abriram suas portas com muita gentileza. Gente que trabalha arduamente sem
reconhecimento e sem perder a graça.
Ao maravilhoso coletivo do LECERA, espaço de muito aprendizado e construção, especialmente
Fernanda Savicki (nossa chefa!), Gabriela Fonseca (na alegria e na tristeza), Estevan Muñoz (sempre
nosso!) e Aline Korosue por todo apoio.
Às equipes técnicas da COOPEROESTE e da AEPAC por prestarem inestimável suporte para
elaboração desta pesquisa. Ao LETA, que através do Residência Agrária proporcionou o
conhecimento e a estada na região.
Às grandes companheiras do meu refúgio ilhéu: Carolina Bortolli, Gabriela Nanni, Natália Adan,
Natália Cruz e Daniela Lombardi. Por compartilharem de muitas alegrias aos desesperos! Aos
imprescindíveis "externos" que completam esse receptivo lar: Drauzio Annunciatto, Dona Sílvia e
Arthur Müller, obrigada pelo apoio e empurrões!
Aos amigos que inusitadamente surgiram em minha vida e dividiram muitos momentos dessa
passagem pela ilha. Aos grandes camaradas pelo apoio e compreensão nas ausências, pelo exemplo de
garra, criatividade, coerência e juventude na construção rumo ao novo horizonte. A Marcelos Alves,
Sandra Dalmagro e Wolney Carvalho pela valiosas contribuições.
Aos vários colegas do PGA (dos quatro cantos de Nuestra America e de todos nossos Brasis) pelos
bons momentos de troca; especialmente às maravilhosas mulheres Madelen Herrera, Rosane
Amalcaburio e Juliana Poterio. À Elke Debiazi por compartilhar todos os momentos da realização
deste trabalho (nos entremeios de tantas outras pelejas), neste pequeno trecho se pode registrar a
ótima experiência desta elaboração coletiva.
Ao conjunto do PGA pelo esforço em proporcionar e manter esse espaço de ampla elaboração.
Especialmente à Janete Guenka pela pacncia e apoio em todos os embrolhos burocráticos. À CAPES
pela concessão de seis meses de bolsa.
Aos amigos que ficaram longe e sempre seguiram comigo, vivenciando os novos caminhos, torcendo,
puxando orelha, socorrendo: Flávia Paiva, Camila Marques, Marcella Teixeira, Stefano Aires,
Giovanni Baía, Adrien Cardoso. Obrigada, sempre!
iii
“Com efeito, é inconcebível introduzir as mudanças fundamentais exigidas para remediar a
situação sem superar o antagonismo estrutural destrutivo tanto nos ‘microcosmos’
reprodutivos quanto nos ‘macrocosmos’ do sistema do capital como um modo de controle
sociometábolico oniabrangente. E isso só se pode alcançar se for colocada em seu lugar uma
forma radicalmente diferente de reprodução sociometabólica, orientada ao
redimensionamento qualitativo e ao aumento da satisfação da necessidade humana; um
modo de intercambio humano controlado não por um conjunto de determinações materiais
fetichistas, mas pelos próprios produtores associados.
István Mészáros – O desafio e o fardo do tempo histórico
iv
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS E QUADROS .................................................................................vi
LISTA DE TABELAS........................................................................................................vii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES..........................................................................viii
RESUMO ............................................................................................................................ix
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................1
1.1 APRESENTAÇÃO ......................................................................................................1
1.2 JUSTIFICATIVA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA.............................................6
1.3 HIPÓTESES ................................................................................................................9
1.4 OBJETIVOS DO ESTUDO..........................................................................................9
1.4.1 Objetivo geral...........................................................................................................9
1.4.2 Objetivos específicos................................................................................................9
1.5 ESTRUTURAÇÃO DA DISSERTAÇÃO..................................................................10
2 METODOLOGIA..........................................................................................................12
2.1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO....................................................... 12
2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 16
3 MARCO TEÓRICO ......................................................................................................23
3.1 QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL.........................................................................23
3.1.1 Colonização e reforma agrária no Oeste Catarinense...............................................26
3.1.2 Os recentes projetos de reforma agrária para América Latina e a emergência das
organizações sociais camponesas .....................................................................................29
3.2 ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO NO CAMPO.....................................................35
3.2.1 Da conformação de Complexos Agroindustriais à estruturação do Agronegócio .....35
3.2.2 Integração de pequenos agricultores catarinenses: modelo de expropriação e
subordinação do trabalho agrícola ....................................................................................41
3.2.3 A produção cooperada na reforma agrária: os impactos no reordenamento das
relações produtivas e suas limitações................................................................................47
3.3 CRITÉRIOS DE DESEMPENHO ORGANIZACIONAL ..........................................53
v
4 DESCRIÇÃO DA REALIDADE...................................................................................59
4.1 DA FRONTEIRA AOS MUNICÍPIOS DO EXTREMO OESTE: O CONTEXTO DA
PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO E AS ENTIDADES ENVOLVIDAS .............................59
4.1.1 Organização dos Pequenos Agricultores catarinenses: a AEPAC, a ARCAPA e a
OESTEBIO...................................................................................................................... 61
4.1.2 A organização dos assentados do Oeste Catarinense em cooperativas: A CPA
COOPERUNIÃO e a CPS COOPEROESTE....................................................................63
4.1.3 Da segurança alimentar da COOPERUNIÃO à articulação de pequenos agricultores
do Extremo Oeste.............................................................................................................66
4.2 PRODUÇÃO INTEGRADA DE FRANGOS DE CORTE NA REGIÃO EXTREMO
OESTE: CARACTERIZÃO DO SISTEMA E CUSTOS DE PRODUÇÃO .................. 71
4.3 SISTEMA COLONIAL DE CRIAÇÃO DE FRANGOS DE CORTE:
CARACTERÍSTICAS E PERSPECTIVAS DE IMPLANTAÇÃO NA REGIÃO
EXTREMO OESTE...........................................................................................................76
5 EM BUSCA DE UMA NOVA FORMA DE INTEGRAÇÃO POLITICAMENTE
EQUILIBRADA, ECONOMICAMENTE JUSTA...........................................................80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................86
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................89
APÊNDICES......................................................................................................................93
ANEXOS .......................................................................................................................... 102
vi
LISTA DE FIGURAS E QUADROS
FIGURA 01 Mapa do estado de Santa Catarina com destaque à região Extremo Oeste
e à capital Florianópolis ....................................................................................................03
FIGURA 02 Quadro de caracterização das microrregiões de Santa Catarina, de
acordo com a densidade demográfica, população, superfície territorial e número de
estabelecimentos agropecuários – 2001.............................................................................03
FIGURA 03 Distribuição dos principais tipos de exploração agropecuária por
municípios catarinenses ....................................................................................................04
FIGURA 04 Valor da produção da microrregião São Miguel D’Oeste, de acordo com
os 10 principais produtos agropecuários - Santa Catarina – 2001 ..................................04
FIGURA 05 – Provável área de abrangência do projeto de parceria avícola com a
COOPERUNIÃO, contendo municípios da região Extremo Oeste próximos a Dionísio
Cerqueira ..........................................................................................................................05
FIGURA 06 Quadro com evolução do rebanho nos municípios do Extremo Oeste
Catarinense com destaque aos municípios com maior queda do rebanho avícola .........46
vii
LISTA DE TABELAS
TABELA 01 Distribuição da terra entre os estabelecimentos agropecuários: Brasil,
1970 a 1980 ........................................................................................................................36
TABELA 02 Dimensionamento do sistema para atingir o ponto de equilíbrio do
abatedouro incluindo a oferta de matéria-prima da COOPERUNIÃO .........................66
TABELA 03 Demanda de componentes para fabricação de ração aos 110 aviários
projetados para a fase de experimentação do sistema .....................................................67
TABELA 04 Análise de custos de produção e renda de um lote 7000 aves criado sob
sistema convencional, em galpão manual (50X12m) ........................................................71
TABELA 05 Estimativa de custos com ração e pintainhos para alojamento de um lote
de 1000 aves coloniais.........................................................................................................75
TABELA 06 – Estimativa custos variáveis para produção de lote de 1000 aves em
sistema colonial .................................................................................................................75
TABELA 07 Estimativa de custos de reforma de galpão de fumo de 100 de área
coberta e implantação de 500 de pastagem para alojamento de lote de 1000 frangos
coloniais.............................................................................................................................. 76
TABELA 08 Estimativa de custos de produção de um lote de 1000 frangos coloniais
criados sob sistema de semi-confinamento........................................................................77
TABELA 09Comparação de custos de produção estimados para um lote convencional
de 7000 frangos sob sistema de confinamento e um lote de 1000 frangos criados sob
sistema semi-confinado......................................................................................................77
viii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AEPAC – Associação Estadual dos Pequenos Agricultores Catarinenses
ARCAPA Associação Regional de Cooperação Agrícola dos Pequenos Agricultores de São
Miguel do Oeste
CAI - Complexo agroindustrial
CCA/SC – Cooperativa Central da Reforma Agrária de Santa Catarina
CCA/UFSC – Centro de Ciências Agrárias
CONCRAB – Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
COOPEROESTE - Cooperativa Regional de Comercialização do Extremo Oeste Ltda.
COOPERUNIÃO - Cooperativa de Produção Agropecuária União do Oeste Ltda.
CPA – Cooperativa de produção agropecuária
CPS – Cooperativa de prestação de serviços
Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Epagri – Empresa de Pesquisa Agrícola e Extensão Rural de Santa Catarina
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LECERA/CCA/UFSC – Laboratório de Educação do Campo e Estudos da Reforma Agrária
LETA/CCA/UFSC – Laboratório de Etologia Aplicada
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OESTEBIO Cooperativa Mista de Produção, Industrialização e Comercialização de
Biocombustíveis
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PGA – Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas
RS – Estado do Rio Grande do Sul
STRs – Sindicatos de Trabalhadores Rurais
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
SC – Estado de Santa Catarina
SPCMA/MST – Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST
SP/MPA Setor de Produção do MPA
ix
RESUMO
A formação econômica do Brasil segue um projeto capitalista dependente que submete o meio
rural ao modelo agroexportador, atualmente expresso nas relões produtivas do agronegócio.
Sob tais circunstâncias, agricultores vinculados a organizações sociais camponesas apontam
novas relações de produção, como contratendência ao contexto de reprodução de uma ordem
que os oprime, econômica e politicamente. O presente estudo toma o caso de um arranjo
organizacional para produção avícola associada na região Oeste do Estado de Santa Catarina,
encabeçado por duas organizações cooperativadas COOPERUNIÃO e AEPAC que são
reconhecidas por sua prática histórica de fazer valer em sua dinâmica o ideal do
cooperativismo: processo decisório democrático, transparência na gestão na qual todos
participam e equidade na distribuição dos resultados, o que aponta para a conformação das
novas relações produtivas. A caracterização do sistema de integração vertical
convencionalmente praticado junto às agroindústrias evidenciou a total subordinação dos
avicultores, sejam aqueles com produção contratada, sejam os aparentemente autônomos;
como principais mecanismos desta relação iníqua foram apontados a insuficiente remuneração
dos custos de produção e a determinação de cláusulas contratuais abusivas, que infligem
diretamente à autonomia produtiva dos agricultores. Mais indicações acerca das
conseqüências do sistema de integração vertical, seus mecanismos de subordinação e
exploração, foram obtidas junto a avicultores pauperizados que abandonaram a atividade e
fumicultores em processo de conversão de suas unidades em áreas de produção agroecológica.
O desenho do complexo avícola proposto por referidas entidades, balizado pela cooperação
entre agricultores e adequação da matriz tecnológica às condições agroecológicas, sinaliza a
possibilidade da produção de alimentos economicamente justa e politicamente equilibrada.
Analisando as relações sociais inovadoras que a estruturam e as pressões que a oprimem, são
sugeridos alguns elementos substantivos para que orientação produtiva adotada contribua à
melhoria da qualidade de vida humana associada.
Palavras-chave: integração vertical, avicultura, cooperativismo, relevância produtiva,
movimentos sociais do campo, desenvolvimento agroindustrial.
x
ABSTRACT
This study takes the case of an organizational arrangement related to poultry production in the
western region of Santa Catarina, headed by two cooperative organizations -
COOPERUNIÃO and AEPAC. These are recognized by their historical practice to enforce
the ideal of cooperativism subsided by: democratic decision making, transparency in
management and fair distribution of production, pointing to the conformation of new
relationships. The characterization of the organizational pattern current in contracted poultry
production, conventionally practiced by agricultural industries showed the total subordination
of poultry farmers. As evidence, the main mechanisms of this iniquitous relationship were
underpayment over the production and determination of abusive contractual terms. Other
indications about the consequences of such pattern and the mechanisms of exploitation and
subordination were taken among poultry and tobacco farmers, whose means of production are
disabled and decapitalization is expressive. The design of a poultry arrangement proposed on
the cooperation between farmers and suitably technological conditions point to the food
production based on economic fairness and political balance. Analyzing the innovating social
relations that structures these arrangements and its constrains, some substantial elements are
proposed in order to guarantee that production purposes seeks out the social construction of
human welfare.
Keywords: contracted production, poultry, cooperativism, organizational relevance, social
peasant’s organizations, agroindustrial development.
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 APRESENTAÇÃO
O presente estudo busca discutir um sistema de integração vertical entre pequenos
agricultores que produzem frango de corte na região Extremo Oeste de Santa Catarina. Tal
projeto surgiu por ocasião da implantação de um sistema de produção e abate de frangos no
Projeto de Assentamento Conquista na Fronteira, em Dionísio Cerqueira - SC. Essa
comunidade, que organiza sua produção através da Cooperativa de Produção Agropecuária
União do Oeste Ltda. (COOPERUNIÃO), optou pela produção de frangos de corte como
fonte de renda mensal e para tal projetou um sistema de criação e abate contando com uma
agroindústria de grandes dimensões, de maneira a adequar-se às condições de fiscalização
sanitária para comercialização na região de fronteira em que se localiza.
à época de sua implantação, no ano de 2000, era sabido que a cooperativa não
disporia de recursos suficientes para funcionar em plena capacidade de abate (sejam esses
investimentos em instalações, disponibilidade de pessoal ou disponibilidade da área abrangida
pelo assentamento) e foi cogitada uma parceria com agricultores da região na tentativa de
superar esta limitação, a qual ainda não foi implementada por dificuldades em idealizar um
sistema de parceria economicamente equilibrado e socialmente justo. Toma-se como
referência a contratação de fornecimento de matéria-prima para as agroindústrias, através dos
sistemas de integração vertical das pequenas unidades de produção, para delinear o sistema
inovador.
Os sistemas verticalmente integrados de produção são projetados para associar unidades
produtivas de forma a garantir volume de produção, constância no fornecimento de matérias-
prima através do escalonamento de produção e diminuição dos riscos de perdas. Existem
exemplos de integração da produção em latifúndios, especialmente entre empresas agrícolas
2
produtoras de grãos e cereais em que se tem um somatório da produção para fazer frente ao
mercado de commodities agrícolas. Porém, um exemplo mais conhecido é o da integração
vertical da produção de forma a articular segmentos de uma mesma cadeia de produção, tendo
cada unidade a responsabilidade por parte do processo produtivo, como o exemplo da
indústria de carnes em que estão separadas as unidades de produção de insumos, os sistemas
de criação animal e as indústrias processadoras.
Esse segundo tipo de organização da produção verticalmente integrada é marcante em
todo o estado, sendo um dos principais mecanismos de incorporação da produção agrícola das
unidades camponesas ao complexo agroindustrial. As principais características desse sistema
são: o fornecimento de crédito para financiamento das instalações, a antecipação de insumos
(sementes, agrotóxicos, adubos, pintainhos, leitões, entre outros, a depender do sistema de
produção), o acompanhamento técnico da produção, e a garantia de compra dos produtos,
seguindo normas e regulamentos estipulados em contratos denominados pela empresas
integradoras como parceria agcola. Os principais produtos contratados desta forma são
fumo, suínos e aves para corte. Em algumas áreas ainda se tem contratos de compra de soja e
milho, que foram essenciais para subsidiar a produção de carnes na região, porém atualmente
pouco expressivos por apresentarem custos de produção superiores aos das áreas situadas no
Centro Oeste e Sudeste do Brasil.
A região abrangida pelo estudo, aqui denominada Extremo Oeste Catarinense, é
composta pelos municípios da Microrregião São Miguel D’Oeste (ICEPA, 2002) fazendo
divisa com os estados do Rio Grande do Sul e Paraná e com a Argentina.
3
FIGURA 01 Mapa do estado de Santa Catarina com destaque à região Extremo Oeste e à
capital Florianópolis
Fonte: ICEPA, 2002.
Trata-se de uma das microrregiões com maior número de estabelecimentos
agropecuários de Santa Catarina, apresentando alto valor bruto da produção agropecuária
relativo à criação animal, como demonstrado no Quadro 01 e Figura 02 que se seguem:
FIGURA 02 – Quadro de caracterização das microrregiões de Santa Catarina, de acordo com
a densidade demográfica, população, superfície territorial e número de estabelecimentos
agropecuários – 2001.
Fonte: ICEPA, 2002.
4
FIGURA 03 Distribuição dos principais tipos de exploração agropecuária por municípios
catarinenses
Fonte: ZOLDAN, 2006.
Sendo uma região predominantemente rural, ocupa quinta posição dentre as principais
microrregiões com maiores valores brutos da produção agropecuária, sendo responsável por
7,6% da produção estadual (ICEPA, 2002). A criação avícola tem participação de 10,6% do
total produzido pela região. O quadro abaixo (Figura 04) apresenta os principais produtos
agropecuários da região, com respectivas rendas geradas.
FIGURA 04 Valor da produção da microrregião o Miguel D’Oeste, de acordo com os 10
principais produtos agropecuários - Santa Catarina – 2001.
Fonte: ICEPA, 2002.
5
O Extremo Oeste é caracterizado por uma grande concentração de assentamentos de
reforma agrária e comunidades de pequenos agricultores (LEITE et all., 2004). Grande parte
destas comunidades está organizada e articulada por dois expressivos movimentos sociais
camponeses: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA).
Cada uma destas entidades tem uma unidade territorial específica, de acordo com o
contingente de famílias organizadas nos municípios da região e com o alcance da atuação das
diversas entidades jurídicas que representam estas famílias. O MPA define essa área como
Regional Dom José Gomes, contendo agricultores organizados em núcleos de base situados
nos 21 municípios
1
da região. o MST nomeia sua unidade territorial como Brigada Justino
Draszevski
2
composta por 466 famílias em 15 assentamentos distribuídos por 10 municípios
3
.
Considerando as sedes das entidades envolvidas na execução do projeto de produção
integrada de frango, tem-se como municípios referenciais Dionísio Cerqueira por sediar a
COOPERUNIÃO e São Miguel d’Oeste, onde se concentram entidade jurídicas de pequenos
agricultores tais como a Associação Estadual dos Pequenos Agricultores Catarinenses
(AEPAC), Cooperativa Regional de Comercialização do Extremo Oeste Ltda.
(COOPEROESTE).
1
Segundo definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os municípios abrangidos por essa
rego são: Anchieta, Barra Bonita, Bandeirante, Belmonte, Descanso, Dionísio Cerqueira, Guaraciaba, Guarujá
do Sul, Iporã d'Oeste, Itapiranga, Mondaí, Palma Sola, Paraíso, Princesa, Riqueza, Romelândia, Santa Helena,
o João do Oeste, São José do Cedro, São Miguel d'Oeste e Tunápolis.
2
Brigadas são unidades territoriais compostas por um conjunto de assentamentos que totalizam
aproximadamente 500 famílias. A definição e organização por brigadas vem sendo adotada desde o ano de 2005,
em substituição à organização por regionais, que não limitava o número de famílias abrangidas, a fim de garantir
um melhor funcionamento da organicidade e desenvolvimento das comunidades de assentamentos.
3
São Miguel d’Oeste, Dionísio Cerqueira, Anchieta, São José do Cedro, Paraíso, Romelândia, Campo Erê,
Palma Sola, Bandeirante, Barra Bonita. (Ver distribuição do número de famílias assentadas e área ocupada na
rego em tabela contida no anexo I).
6
FIGURA 05 Provável área de abrangência do projeto de parceria avícola com a
COOPERUNIÃO, contendo municípios da região Extremo Oeste próximos a Dionísio
Cerqueira
Fonte: ICEPA, 2003
1.2 JUSTIFICATIVA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
O desenvolvimento de tal pesquisa teve como principal elemento motivador a
elaboração de subdios a uma proposta de organização da produção com características
inovadoras especialmente no que se refere à relação entre diversos produtores integrados.
Considerando que na COOPERUNIÃO se expressam relações mais coerentes aos princípios
cooperativistas, os quais sinalizam o estabelecimento de novas relações produtivas, é cabível
inferir que um projeto em que se pretenda uma parceria politicamente equilibrada supere mais
facilmente a racionalidade econômica dada e aponte mais elementos inovadores.
Para corroborar, pode ser visto que os assentamentos de reforma agrária são
apresentados como objetos de estudo devido ao grande potencial dinamizador que surge das
novas relações estabelecidas nos municípios/regiões envolvidas. Diversos estudos apontam
mudanças na dinâmica de desenvolvimento das reges onde são implantadas essas
comunidades rurais. A mudança central está no chamado “aquecimentona economia local,
tanto diretamente pelo abastecimento com produtos das áreas de assentamentos, quanto
7
indiretamente pela mobilização de recursos que favorecem a produção de pequeno porte
nestas regiões, os quais, anteriormente, sofriam mais fortemente os impactos da pauperização
provocada pela concentração de latifúndios.
Tendo em vista que mudanças nas formas de produção acarretam mudanças nas
relações sociais presentes, os impactos vão para am desta reordenação econômica,
facilitando às populações destes municípios o acesso a direitos básicos, como infra-estrutura,
educação, saúde etc.
À medida que vão sendo constituídas estruturas organizacionais mais complexas sob
comando coletivo dos agricultores assentados (geralmente cooperativas de produção
agropecuária ou de prestação de serviços), é possível estabelecer uma articulação mais coesa e
permanente com unidades produtivas afins, como é o caso da integração da produção avícola
entre unidades de produção de pequeno porte proposta neste estudo.
A avicultura foi definida como um dos setores produtivo estratégicos para o projeto de
desenvolvimento da COOPERUNIÃO. Desde sua implantação, era sabido que o abatedouro
montado funcionaria abaixo de sua capacidade se considerado somente o volume de produção
do sistema de crião da cooperativa, ou seja, o número de aviários existentes seria
insuficiente para suprir a demanda por matéria-prima.
Assim, durante a elaboração do planejamento estratégico do setor foram definidas as
seguintes metas que progressivamente conduziriam a um esquema de produção integrado
4
:
Melhoramento do sistema de criação e abate da cooperativa viabilizado o
funcionamento de 12 aviários com capacidade para 6400 aves, otimização dos meios de
produção através de melhorias na fábrica de ração e no sistema de refrigeração ;
4
Dados obtidos de entrevistas realizadas junto a membros da Direção Coletiva da COOPERUNIÃO.
8
Abertura do abatedouro para outros produtores estabelecimento de parcerias com
avicultores da região para compra de frangos para abate e comercialização com marca Terra
Viva ou via prestação de serviços de abate somente;
Implantação de um sistema de integração vertical contando com as parcerias da
COOPEROESTE, da Embrapa Suínos e Aves e do MPA.
No ano de 2007 foram cumpridas as etapas necessárias à primeira meta e os
cooperados do Conquista na Fronteira vêm discutindo o sistema de integração vertical com
avicultores da região Extremo Oeste de SC ou agricultores interessados em implantar sistemas
de criação de frango colonial, especialmente fumicultores desejosos por mudança de
atividade.
Alguns estudos, como se ve no debate teórico, apresentam a integração vertical
como um contrato iníquo para os pequenos avicultores integrados, sendo até mesmo apontado
como uma nova forma de assalariamento em que não se tem sequer garantidos direitos sociais
e trabalhistas. Mesmo considerando o frango um alimento barato, é possível inferir que o
preço pago ao agricultor integrado não remunera a força de trabalho empreendida, além dos
custos ambientais intrínsecos à exploração da terra.
Sendo uma proposta de desenvolvimento regional orientada política e ideologicamente
por agricultores vinculados ao MST e ao MPA, a proposta de integração buscada pela
COOPERUNIÃO deve basear-se em parâmetros que garantam uma relação justa entre
cooperativa e agricultor não-cooperado. Com base nesse quadro, apresenta-se a questão
motivadora desta pesquisa:
E possível estender a ação cooperativa da COOPERUNIÃO aos agricultores
integrados à produção de frangos Terra Viva?
9
1.3 HIPÓTESES
- É possível estruturar um sistema de integração orientado pelos princípios de equidade e
solidariedade adotados pelas organizações sociais camponesas, de forma a estabelecer um
equilíbrio ambiental, econômico e social, envolvendo a totalidade dos agentes integrados na
parceria (agricultor e agroindústria).
- A integração vertical entre pequenas unidades de produção como proposta que articule
produção/industrialização e constitua um complexo avícola baseado em novas relações de
produção, contribui com o desenvolvimento local/regional sustentável.
1.4 OBJETIVOS DO ESTUDO
1.4.1 Objetivo geral
-Discutir a viabilidade de um projeto de integração vertical de produção de frango com a
COOPERUNIÃO que seja social, ambiental e economicamente equilibrado.
1.4.2 Objetivos específicos
-Caracterizar o processo de integração vertical praticado por complexos agroindustriais
presentes na região Extremo Oeste de SC.
-Analisar a relão entre custo de produção e preço pago ao produto praticada pelas
integradoras atuantes na região.
-Caracterizar um sistema de criação adequado aos agricultores integrados, levando em conta
fatores ambientais.
10
1.5 ESTRUTURAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
No capítulo que se segue, intitulado Metodologia, serão apresentados os aspectos
metodológicos utilizados para elaboração deste estudo de caso que teve a observação
participante como principal instrumento de análise da realidade. Apesar de ter sido priorizada
a abordagem qualitativa, foram utilizados ferramentais quantitativos, como cálculos de custos
de produção e análise econômica.
Para subsidiar o entendimento da realidade observada, o Marco Teórico apresenta a
questão agrária brasileira e as transformações em curso no meio rural, derivadas da
modernização conservadora da agricultura. Tendo como foco o avanço do capitalismo e as
mudanças nas relações de produção no meio rural catarinense, é apresentada uma revisão
sobre a conformação de complexos agroindustriais e seu desenvolvimento até os dias atuais.
Essa dinâmica permeia a organização da produção verticalmente integrada, importante
modalidade de ordenamento produtivo em todo estado de Santa Catarina, com destaque ao
Extremo Oeste.
Como alternativa ao modelo excludente de desenvolvimento da agricultura,
organizações camponesas procuram estruturar sistemas de produção sob base coletiva, em
especial as cooperativas de produção. Ainda neste capítulo é apresentada como uma das
táticas dos movimentos sociais camponeses a implantação de um sistema de empreendimentos
verdadeiramente cooperativistas, orientado por critérios de desempenho organizacional que
superem a racionalidade de produção para expansão, centralização e acumulação de capitais e
proporcionem a busca por novas relações produtivas.
A realidade observada a campo é apresentada no quarto capítulo, composto de
elementos descritivos das condições existentes na região para implantação do projeto de
integração da produção avícola entre agricultores vinculados à COOPEROESTE, à AEPAC e
à COOPERUNIÃO. São apresentados os antecedentes da elaboração deste projeto, as
11
entidades envolvidas, os recursos necessários para sua viabilização e as atuais condições de
organização, infra-estrutura e comercialização dos frangos terra viva.
Tendo elaborado e descrito esse conjunto de elementos, é possível avaliar as
possibilidades de organizar um sistema que suporte relações inovadoras, bem como perceber
os limites que deverão ser superados por transformações em outros âmbitos mais abrangentes.
Assim, no quinto capítulo são apresentados subsídios à elaboração de um arranjo produtivo
orientado por valores e princípios politicamente definidos.
12
2 METODOLOGIA
2.1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
Considerando que método em pesquisa significa a escolha dos procedimentos para a
descrição e explicação dos fenômenos (SEABRA, 2001), a realização do presente estudo
baseou-se em uma pesquisa mista, isto é, de caráter qualitativo e quantitativo, a partir do caso
do projeto de produção de frango de corte integrado da COOPERUNIÃO, por entender a
necessidade de diálogo entre os dados obtidos por meio de metodologias quantitativas e as
informões/impressões oriundas da observação/participação na realidade estudada.
Como linhas condutoras da pesquisa, foram adotados o estudo de caso e a pesquisa de
campo. A opção por este método se dá pela possibilidade de refletir sobre princípios que
orientam as relações sociais em estudo tomando-se uma situação em que tais relações se
concretizam.
Dentre as ferramentas quantitativas, foram calculados os custos de produção e a
análise da rentabilidade de um sistema convencional de produção avícola integrado a
agroindústria, seguindo metodologias de análise financeiras de empreendimentos (BORNIA,
2002). Esse procedimento teve como objeto a obtenção de dado primário de custos e rendas
que servisse como ponto de partida para avaliação da viabilidade do sistema de integração em
estudo.
O estudo de caso é um dos métodos qualitativos de pesquisa que, além de apresentar
um maior enfoque na compreensão dos fatos do que na sua mensuração (LAZZARINNI,
1997), propõe-se a investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto real, onde
os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos precisando, portanto,
utilizar-se de múltiplas fontes de evidência como entrevistas, arquivos, documentos,
13
observação, etc (LAZZARINNI, 1997). Ainda de acordo com o autor, o fato de poder utilizar
várias fontes de evidência, ao mesmo tempo em que é considerado uma vantagem do estudo
de caso, é também questionado pelo pouco rigor metodológico, gerando polêmicas sobre sua
aplicabilidade. Tal polêmica pode ser observada na seguinte afirmação de Goode e Hatt
(1969)
(...) embora não seja possível identificar o método’ do estudo de caso
como uma cnica particular de obtenção de dados, trata-se de um modo de
organizar os dados em termos de uma determinada unidade escolhida, como
a história de vida de um indivíduo, a história de um grupo, ou um processo
social delimitado.
Nesse sentido, destaca-se o potencial deste instrumento quando se trata de fenômenos
sociais complexos com um maior nível de detalhamento das relações dentro e entre os
indivíduos e organizações, bem como os intercâmbios que se processam em o meio ambiente
nos quais estão inseridos (LAZZARINNI, 1997).
Convém observar a necessidade de uma revisão cíclica entre teoria empiria - teoria
quando se trata de estudos de caso direcionados à pesquisa (LAZZARINNI, 1997). Acerca
desse movimento, o autor explica que o estabelecimento de teorias aplicáveis ao problema e à
obtenção/tabulação de dados do caso sofre constantes intercâmbios durante o processo. Desse
modo, a existência de um referencial teórico prévio torna-se particularmente importante para a
pesquisa baseada em estudo de caso: este referencial servirá como uma espécie de “matéria-
prima” a ser moldada a partir de evincias obtidas com o estudo.
Sobre a pesquisa de campo, além dos procedimentos metodológicos que serão citados
a seguir, ressalta-se que foi adotada a pesquisa participante dentre as alternativas de pesquisa
qualitativa, não somente por seu comprometimento com as transformações sociais, mas por
responder especialmente as necessidades das classes mais carentes nas estruturas sociais
contemporâneas com os agricultores camponeses, por exemplo, levando em conta suas
aspirações e potencialidades de conhecer e agir (HUYNH, 1979 apud BORDA, 1980).
14
Para entender melhor a escolha por esta estratégia metodológica, citam-se os
princípios da pesquisa participante, classificados por Borda (1980, p.49), a saber:
- Autenticidade e compromisso: o pesquisador deve reconhecer-se como tal e se
posicionar dentro de seu espaço contribuindo no que for preciso, mas sem tentar
trocar de papel dentro do processo;
- Antidogmatismo: tentar desvincular ao máximo a pesquisa de suas idéias
preestabelecidas ou princípios ideológicos, de forma que possa ser gerado um
conhecimento genuíno a partir dos grupos de base
5
.
- Restituição sistemática: retorno à cultura pelos operários/camponeses para que
possam desenvolver uma análise crítica que permita um entendimento das mudanças
na sociedade e quais providências devem ser tomadas;
- Feedback para os intelectuais orgânicos: necessidade de a tradição popular ser
decisiva como contribuição intelectual;
- Ritmo e equilíbrio de ação-reflexão: deve-se tentar refletir os conhecimentos
recebidos de forma equilibrada para que se possa, ao final da reflexão, ter um
produto;
- Ciência modesta e técnicas dialogais: pesquisador deve estar disposto a aprender e
descobrir, além de estimular a ciência popular.
No entanto, Borda (1980) lembra que, para que estes princípios sejam aplicados, a
importância da ciência do homem comum, que permite que a história seja “criticamente
recuperada’ e colocada a serviço das lutas e metas desses homens, seja aceita como uma
premissa. Para Silva (2007), esse tipo de pesquisa caracteriza-se como uma produção coletiva
do conhecimento, marcada por um processo de aprendizagem dos que dela fazem parte. Isso
5
Silva (2007) alerta que este princípio não deve ser confundido com neutralidade do pesquisador, que este
também é parte do processo de investigação. Além disso, considera que não há pesquisa descompromissada.
15
se dá por meio da interação com o grupo e da relação dialógica que deve ser estabelecida
com o mesmo, na busca de um entendimento.
Tanto para o estudo de caso quanto para a pesquisa de campo, a observação é parte
fundamental do processo de investigação. Segundo Seabra (2001), a observação
6
imprime ao
pesquisador um contato mais direto com o objeto pesquisado, ajudando-o a encontrar as
provas que possam fundamentar as hipóteses formuladas. O autor segue afirmando que,
obviamente, com o desenvolvimento da pesquisa, exige-se que a observação seja a mais
atenta possível para que os dados coletados sejam precisos.
Também devem ser considerados os filtros existentes entre observador e o objeto
observado. A este respeito, Cardoso (1988, p.101) afirma que a interpretação que se
constrói sobre as alises qualitativas não está isolada das condições em que o entrevistador
e o entrevistado se encontram”. Assim, tais filtros dependem não somente da natureza do
objeto, como também da maneira como ele é visto pelo observador em função da idade, sexo,
cultura, entre outros fatores relacionados a estes e aos observados.
No caso do trabalho de campo, o objetivo da observão é coletar informações no
ambiente correspondente ao objeto de estudo, neste caso, o campo propriamente dito. Além
dos aspectos físico-naturais do ambiente, o trabalho de campo deve incluir, sobretudo os
atores sociais, representados por grupos de indivíduos e/ou instituições que sejam
representativos na sociedade ou realidade observada (SEABRA, 2001).
Com relação aos desafios a serem enfrentados quando um dos principais instrumentos
da pesquisa é justamente a observação, considera-se a ponderação feita por Durham (1988
apud VALENTE, 1996) sobre a tendência, no plano prático e conceitual, de transformar a
“observação participante” em “participação observante” quando os estudos resvalam para a
6
A observação pode ser entendida como a técnica de coleta de dados a fim de obter-se informações, com a
utilização dos sentidos para a captação de determinados aspectos da realidade, não consistindo apenas em ver e
ouvir, mas também examinar criticamente os fatos e femenos que sejam relevantes para a solução do
problema investigado (SEABRA, 2001).
16
militância, comprometendo os resultados e, conseqüentemente, as conclusões da pesquisa.
Essa preocupação, no entanto, não deve ser confundida com a importância de ambas os
instrumentos de pesquisa (a observação e a participação), pois se a última é condição
necessária para um contato onde afeto e razão se completam, a primeira fornece a medida das
coisas (CARDOSO, 1988, p.103).
2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Inicialmente foi feita revisão de leitura de livros e artigos relacionados a canais de
distribuão, estratégias de comercialização e organização para comercialização em
comunidades rurais. Além disso, foram levantados alguns dados e materiais referentes à
história social-organizativa das comunidades em estudo que subsidiaram o trabalho de campo.
Em todas as fases de campo, os instrumentais de coleta de dados primários consistiram
em entrevistas abertas, entrevistas semi-estruturadas
7
e observação direta ou participante.
A partir da pesquisa de campo foi possível tanto obter dados quantitativos para a
análise de viabilidade financeira do projeto quanto sistematizar impreses e expectativas de
técnicos e agricultores representantes das três instituições envolvidas no sistema de integração
proposto.
O trabalho de campo foi realizado no período de agosto de 2006 a fevereiro de 2008 e
consistiu de três etapas ao longo das quais se foi delineando o objeto desta pesquisa.
1ª Fase - Reconhecimento da comunidade foco do estudo:
Em agosto de 2006 foi feita a primeira visita à COOPERUNIAO. Esse primeiro
momento serviu para aproximação da comunidade do assentamento Conquista na Fronteira e
apresentação dos propósitos de pesquisa que a este momento ainda consistia em uma análise
7
Os roteiros de entrevista semi-estruturada encontram-se em anexo.
17
mais ampla do processo de distribuição de mercadorias tanto interna quanto externamente à
COOPERUNIÃO.
Neste primeiro contato, que se limitou às pessoas envolvidas na recepção e
acompanhamento dos visitantes, foram apresentados o histórico da comunidade, a estrutura
orgânica da cooperativa, além de sua inserção e papel estratégico para o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra.
2ª Fase Estágio de Vivência em cooperativas de reforma agrária da região Extremo
Oeste Catarinense:
Seguidamente à primeira visita realizada à comunidade, durante os meses de setembro
e outubro de 2006, houve a participação no Estágio de Vivência do projeto Residência
Agrária organizado pelo Laboratório de Etologia Aplicada LETA/UFSC, essencial à
realização da pesquisa por permitir a inserção no cotidiano da COOPERUNIÃO, durante
cinco dias. Isso permitiu estabelecimento de vínculos com pessoas-chave, sendo possível, até
mesmo, um melhor delineamento do projeto de pesquisa de forma a adequá-lo melhor às
necessidades da COOPERUNIAO. Além disso, tratou-se de um momento de observação
participante.
Também foi realizado estágio junto à equipe técnica da COOPEROESTE, o que
possibilitou conhecer grande parte da Região Extremo Oeste, além de ter contato com esse
complexo de cooperativas de prestação de serviços (CPSs) que organiza, beneficia e
comercializa grande parte da produção em áreas de reforma agrária em Santa Catarina.
Durante o acompanhamento de atividades cnicas junto à COOPEROESTE foi
possível perceber as articulações que se dão localmente e regionalmente entre o Conquista na
Fronteira e outras comunidades rurais da região (especialmente tratando-se de distribuição de
alimentos), além de perceber o papel desempenhado pela COOPERUNIAO na dinâmica
organizativa do MST, especialmente na região Extremo Oeste.
18
3ª Fase – Levantamento de dados para estudo de viabilidade do sistema:
A última fase de campo da pesquisa foi realizada entre os meses de dezembro de 2007
e fevereiro de 2008, envolvendo duas etapas (duas viagens).
Durante a primeira etapa foi buscado um melhor delineamento do projeto, entendendo-
o dentro da COOPERUNIÃO. Foram analisados diversos materiais internos de controle da
produção de frangos, avaliação econômica do abatedouro e estudos sobre as perspectivas de
expansão da produção, abate e processamento de frangos na COOPERUNIÃO.
Além disso, foram visitadas as equipes de trabalho diretamente envolvidas com a
produção de frangos dentro da cooperativa: administrativo, aviários, fábrica de ração,
abatedouro e frigorífico. Assim, foram entrevistadas pessoas-chave da comunidade que
passaram suas impreses sobre como se estruturaria esse sistema, apontando limites de sua
execução dentro das perspectivas da cooperativa.
Além disso, uma entrevista aberta com um dos técnicos da Embrapa Aves e Suínos
que acompanha o sistema de produção avícola na COOPERUNIÃO possibilitou detalhamento
de alguns aspectos técnicos do projeto, sejam as metas colocadas para a COOPERUNIÃO,
sejam os parâmetros mínimos esperados dos sistemas convencionais de produção dos
agricultores e, ainda, a concepção do projeto de conversão de produção de fumo para sistema
colonial de criação de frangos.
Concluída essa etapa, partiu-se para o levantamento dos dados sobre as famílias
vinculadas ao MPA com potencial de participarem do sistema de integração entre unidades de
pequeno porte. Para isso, foram identificados três tipos de produtores
8
(avicultores integrados,
8
A indicação destas famílias agricultoras ficou a cargo da AEPAC, diante das dificuldades em ter acesso à
informações mais detalhadas sobre o processo produtivo, por restrições da empresa integradora.
19
avicultores “autônomos” e fumicultores) que seriam referência para os dados necessários ao
estudo de viabilidade do projeto, descritas a seguir.
Além dos levantamentos de dados, em todas as visitas foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas para coletar impressões de agricultores sobre como deveria funcionar um
sistema de integração que não reproduzisse as relações de exploração presentes no sistema de
integração com as empresas agroindustriais.
Por fim, entrevistas semi-estruturadas a técnicos da equipe da AEPAC também foram
realizadas para compreender as expectativas do projeto dentro do plano de desenvolvimento
regional traçado pelo MPA. Foram entrevistados dois técnicos e um coordenador político,
além de serem considerados elementos observados durante o acompanhamento realizado por
outros três integrantes da equipe técnica.
Tipo 1 –Avicultores produzindo em sistema industrial e integrado a empresas:
A avaliação da viabilidade econômica do projeto a partir dos custos de produção de
frango de corte criado em sistema industrial, tomou por base dados dos sistemas de criação de
avicultores integrados a uma empresa atuante na região ou que produzem de forma
independente. Tal análise foi feita no intuito de delimitar uma base de cálculo para os preços a
serem praticados no sistema de integração entre pequenos agricultores em estudo.
Para verificar empiricamente os dados relativos ao sistema de integração e seus
mecanismos nas unidades de produção agrícola, parte da pesquisa se deu em área definida
como rota de uma das empresas integradoras atuantes na região. Por normas da empresa
integradora, não é possível realizar pesquisa sobre a produção avícola nas unidades de
produção sem autorização e acompanhamento do técnico responsável. Assim, ficou acordado
que o seria feita nenhuma referência que pudesse identificar a família junto à qual foi
realizada esta pesquisa.
20
Com essas limitações e tendo como o objetivo principal o acompanhamento da rotina
de trabalho na produção avícola e levantamento de custos de produção em um aviário com
padrões da região, foi feito o acompanhamento direto a uma família avicultora, que para os
padrões da empresa integradora tem desempenho excelente, isto é, alto grau de produtividade.
No acompanhamento da rotina de produção, seguindo as normas e regulamentos da
empresa integradora, foram registradas todas as atividades diretamente relacionadas ao
alojamento, crescimento e engorda de um plantel com dimenes que representam o padrão
dos avicultores da região, além de atividades acessórias como manutenção de instalações e
equipamentos. Com isso, foi possível estimar o custo do trabalho envolvido no alojamento de
um plantel.
Para complementar a determinação do custo de produção foram levantados outros
custos variáveis e fixos, fazendo-se a separação entre despesas fiadas pela integradora e outras
despesas cobertas pelos produtores.
Índices de desempenho zootécnico e outros padrões produtivos foram analisados para
complementar o cálculo do custo de produção. Essas informações foram buscadas na ficha de
acompanhamento do lote e nos demonstrativos de acerto de alguns lotes anteriormente
engordados para a determinação do preço mínimo que deveria ser pago pelo produto, de
forma a gerar uma receita líquida superavitária, buscando garantir uma margem de 7 a 11% de
lucro
9
.
A totalização destes custos e a análise dos documentos dos acertos feitos pela
integradora propiciaram a comparação entre os preços mínimos que deveriam ser pagos e os
preços efetivamente praticados.
9
Margem de rentabilidade entendida como mínima para a agricultura. Dado obtido em sessão de orientação
desta dissertação, em janeiro deste ano.
21
Tipo 2 – Avicultor produzindo em sistema industrial de forma autônoma:
Para se ter um paralelo, foram buscados avicultores que produzem de forma
independente ao sistema de integração, realizando todas as operações de compra e venda de
insumos e produtos, que geralmente ficaria a cargo da empresa integradora.
Por ser situação rara na região, foi escolhida a unidade de produção da Associação de
Pequenos Agricultores de São Cristóvão, localizada na linha São Cristóvão, município de
Anchieta SC. Apesar de ser um empreendimento de produção coletiva, diversos fatores
levaram à desarticulação do grupo e, atualmente, somente uma família se encarrega de todo o
processo de produção, beneficiamento e comercialização.
Novamente foram levantados dados para lculo do custo de produção desta unidade,
a partir do trabalho de campo junto a esta família. Além disso, foram mapeadas, de forma
genérica, algumas estratégias de comercialização adotadas.
Sendo uma associação, foram levantados alguns aspectos do histórico, da organização
da produção coletiva e das dificuldades enfrentadas que, além de desestruturar o grupo,
acabaram por inviabilizar a produção.
Por fim, em entrevista aberta foi possível obter alguns elementos importantes para a
constituição de uma forma contratada de produção entre pequenos agricultores com as
características de equidade e justiça almejadas pelo projeto.
Tipo 3 – Fumicultores interessados em converter produção para avicultura colonial
moderna
10
:
Considerando o caráter experimental do projeto, a meta de apontar a conversão de
sistema de produção de fumo para um sistema colonial de criação de frangos deverá ser
aplicada entre agricultores com experiência em ações coletivas. Além disso, foram buscadas
10
Sobre conceito de agricultura moderna ou tradicional ver Furtado (2000) em p. 23.
22
famílias concentradas nos municípios próximos, dadas as limitações relativas ao transporte
dos frangos para o abatedouro.
Tendo esses aspectos, foram indicados produtores residentes nas linhas São Luís e São
Vendelino, do município de São Jo do Cedro. Essas famílias têm conseguido organizar
coletivamente a venda de leite a um laticínio de atuação regional, garantindo, inclusive um
dos melhores preços pagos por essa empresa na região Extremo Oeste. Vale ressaltar que
esses agricultores também compõem um dos cleos de base
11
do MPA na região Extremo
Oeste.
As entrevistas semi-estruturadas realizadas junto às fumicultores com interesse em
mudar de atividade proporcionaram mais elementos sobre os parâmetros desejados para o
sistema em desenho. Sendo também submetidos à produção contratada, foram comparados
alguns mecanismos de subordinação do trabalho destes produtores neste outro tipo de
atividade.
11
Acerca da estrutura orgânica dos movimentos sociais envolvidos, trataremos no Capítulo 04 referente a tais
entidades.
23
3 MARCO TEÓRICO
3.1 QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL
Os estudos sobre questão agrária vão além do entendimento da distribuão per capita
de terras, e seu conceito adquire distintas interpretações de acordo com o enfoque analítico
adotado pelas diversas áreas do conhecimento que o estudam. De forma geral, visam
compreender historicamente as relações de propriedade dos bens agrícolas (de recursos
naturais a máquinas e ferramentas) relacionando-se ao uso destes para produção de novos
bens necessários à reprodução social.
Dentre suas diversas definições, a questão agrária no Brasil pode ser entendida como
“o conjunto de interpretações e análises da realidade agrária, que procura explicar como se
organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade brasileira.”
(STEDILE, 2005a, p. 15-16).
O aprofundamento desta questão no meio científico brasileiro se dá à época de intensa
organização camponesa decorrente dos primeiros sinais de avanço da modernização
conservadora
12
da agricultura brasileira.
Stedile (2005a) relata que durante as décadas de 1960 a 1970, o debate sobre a
caracterização das relações de produção no meio rural brasileiro passa de interpretações
incipientes até análises que as contextualizam no conjunto mais geral das relações produtivas
do modo de produção capitalista.
12
Furtado (2000), a diferencia a agricultura entre moderna e tradicional levando em consideração “o papel da
técnica na organização da produção” independentemente do grau de sofisticação da tecnologia utilizada. Para
ele, a agricultura moderna combina os fatores produtividade da terra e do trabalho com vistas à maximização do
volume de excedentes, portanto, de lucro. A agricultura tradicional, por sua vez, pode ter caráter comercial, sem
preocupar-se com mecanismos de aumento de produtividade, como no caso das explorações extensivas, em que
se tem alta produtividade do trabalho com subutilização de grandes áreas.
24
Nessa época, diversos autores apresentaram a tese de que a consolidação das relações
capitalistas com a total integração da agricultura à indústria seria essencial para diminuir as
disparidades sociais entre os meios rural e urbano, amenizando as penosidades da população
rural, que ao ser proletarizada estaria proporcionando melhores condições a suas vidas. Isso se
associa às teorizações acerca da necessidade de combate ao latifúndio como uma das frentes
de supressão das formas exploratórias de produção que geram a iniqüidade social, acelerando
o processo de transformações sociais (GUIMARÃES, 2005).
Tal linha de pensamento, comumente descrita como da “revolução brasileira em duas
etapas” predominou entre teóricos marxistas por diversas décadas, inclusive orientando
organizações políticas (especialmente o Partido Comunista Brasileiro e as Ligas Camponesas)
que defendiam um processo de reforma agrária como prioritário para conclusão da primeira
etapa, em que se deveriam superar as relações de produção feudais que tinham o latifúndio
como alicerce (FRANK, 2005).
Contemporaneamente, críticos a esta teoria, dentre eles Celso Furtado, Caio Prado
Júnior e, posteriormente, Florestan Fernandes apresentaram em seus estudos sobre formação
econômica do Brasil, as bases para a tese de que as relações capitalistas de produção
estavam consolidadas em nosso país, apontando um novo caráter ao processo de reforma
agrária, necessário ao desenvolvimento do meio rural e que seria fruto dos processos sociais
unicamente gerados pelo proletariado rural e campesinato (FRANK, 2005).
Certamente, o delineamento desta nova teoria baseada na análise da revolução
proletária foi possível com a consolidação de algumas relões produtivas tipicamente
capitalistas dependentes na agricultura, isto é, baseadas na dependência estrangeira
(econômica, tecnológica, cultural etc.) que é face do imperialismo; nas relações monopolistas
de comercialização de produtos, produção de insumos, acesso a recursos financeiros, entre
outros; por fim, na especulação financeira, intensa degradação, manipulação da produtividade,
25
gerada pela manutenção da estrutura latifundiada de ocupação das terras. Importante lembrar
que este tripé: latifúndio, monopólio e imperialismo, constitui a base para acumulação de
capitais através da subordinação e exploração centro-periferia”, seja de países desenvolvidos
sobre subdesenvolvidos, de capitalistas sobre proletários, da indústria sobre a agricultura, da
agricultura comercial moderna sobre agricultura em pequena escala que assume caráter
acessório, entre outras expressões de relações iníquas (FURTADO, 1981).
Os impactos diretos sobre a organização da agricultura brasileira são sintetizados por
Frank (2005) em três princípios organizativos: subordinação do setor às necessidades de
acumulação do desenvolvimento-subdesenvolvimento da sociedade capitalista mundial;
produção orientada por objetivos comerciais ou mercantis, mesmo no caso da pequena
produção; e monopólio tanto dos fatores de produção, quanto dos sistemas de transporte,
distribuão comercial e financiamento da produção agrícola.
Esses elementos estiveram presentes em diversas formas de ordenão de um sistema
capitalista dependente, típico na organização da produção brasileira desde a implantação do
sistema colonial, até os dias atuais. Tendo amadurecido essa concepção, o debate atual sobre a
evolução da questão agrária a caracteriza em fases, seguindo as transformações produtivas
que marcaram a formação econômica brasileira (STEDILE, 2005a).
Os diversos arranjos do modelo agroexportador brasileiro, vigente desde o período
colonial aos dias atuais, com finalidade essencial a produção de commodities
metamorfosearam-se desde a organização em plantations
13
, passando pela conformação de
complexos agroindustriais e, atualmente, expressando-se nas relações produtivas do
agronegócio (STEDILE, 2005a).
13
Base organizativa da produção de bens agropecuários introduzida nas colônias americanas que combinava:
estrutura fundiária concentrada em grandes extensões de terra, padrão tecnológico das forças produtivas
altamente desenvolvido, monocultivo de produtos totalmente destinados à exportação e força de trabalho
escravizada.
26
O Estado brasileiro sempre esteve à frente destas transformações embasando-se em
políticas públicas de fomento à reprodução destes modelos. Mesmo nos atuais tempos em que
se anuncia uma isenção da intervenção do Estado na regulação das transações econômicas, a
injeção de recursos se mantém pela política de créditos diretos (seguro e financiamento
agrícola), pela disponibilização de uma infra-estrutura que facilita não somente a produção
como a distribuição dos produtos e pela estruturação de um sistema de ensino e pesquisa que
suporta tecnologicamente tais relações produtivas no setor (STEDILE, 2005c).
3.1.1 Colonização e reforma agrária no Oeste Catarinense
Sendo o latindio uma das bases para manutenção do modelo agroexportador, poucas
foram as políticas com vistas à distribuição de terras a pequenos proprietários rurais. Mesmo
quando ocorrida a implantação de unidades de produção em pequena escala, esta se deu de
forma complementar à produção de commodities da grande empresa agrícola (STEDILE,
2005c).
A política de colonização praticada na região Sul do país foi um exemplo dessa
sujeição. Considera-se colonização como uma política pública de ocupação das áreas
consideradas ermas pelos governos Federal e Estadual, apesar da existência de diversas
comunidades indígenas e caboclas sem titulação de terra regularizada. Teve-se como objetivo
implantação de pequenas unidades de produção agropecuária nos locais mais isolados, com
precárias condições edáficas, hidrológicas ou infra-estruturais, entre os grandes centros
urbanos ou entre as áreas da grande exploração agropecria (PAULILO, 1990).
Essa conformação do binômio minifúndio-latifúndio, segundo Furtado (2000), é
bastante comum também em outras áreas da América Latina, sendo característica do processo
de centralização de capitais, que em torno da grande empresa agrícola atraía famílias
agricultoras que a abastecia com produtos e, principalmente, mão-de-obra.
27
nos anos 1960, Frank (2005) demonstra que o desenvolvimento das relações
capitalistas na agricultura, determina relações exploratórias sobre os agricultores de pequena
escala tão incisivas quanto a extração de mais-valia sofrida pelos trabalhadores sem-terra.
Tais agricultores subsistem em meio à precariedade das condições de vida no campo e a
instabilidade da propriedade de suas terras, fatores associadas à inviabilização da pequena
produção frente à determinação mercantilista e monopolista do setor e, especialmente
determinada pela baixa produtividade dos minifúndios
14
.
A exploração minifundiária apresenta deficiências à medida que a quantidade de terras
disponíveis à agricultura e as más condições agronômicas destas são insuficientes para
garantir a reprodução dos agricultores (FRANK, 2005). Como conseqüência, tem-se a
complementação da renda por outras atividades não-agrícolas e, na maioria dos casos, pela
venda de mão-de-obra “ociosa” das famílias agricultoras (MAESTRI, 2005).
Maestri (2005) aponta que no caso das grandes colônias instaladas na Serra Gaúcha, a
circulação de riquezas estimulada pela colonização originou centros urbanos importantes do
estado. Isso ocorreu devido a instalação de comerciantes as sedes coloniais que serviam de
intermediários dos colonos, comprando a produção destes a preços baixos e fornecendo
insumos e outras mercadorias não produzidas nas colônias.
Além disso, por conta da incapacidade de absorção da mão-de-obra ociosa, desta
região saíram novas levas de colonos que ocuparam novas ocidentais, dentre elas Planalto
Central Gaúcho, Oeste de Santa Catarina, Oeste Paranaense, entre outras áreas (MAESTRI,
2005).
A Mesorregião Oeste Catarinense foi tardiamente colonizada, quando comparada ao
restante do estado de SC. A política de migrações foi conduzida entre as décadas de 1930 e
14
Ainda que diversas conias contivessem glebas demarcadas com extensão razoável de terras que as tornava
agronomicamente vveis, o posterior parcelamento destas, seja por questões de herança, seja por venda,
acabaram por configurar uma estrutura minifundiarizada (com predomincia de glebas com áreas menores que
01 módulo fiscal, correspondente na região a 18 ha) em diversas áreas de colonização.
28
1940 por empresas privadas em acordo com o governo estadual. Envolveu, essencialmente, os
descendentes das “Velhas Colônias” do estado do Rio Grande do Sul formadas por imigrantes
europeus e mobilizou um contingente de posseiros de origem cabocla e indígena que tiveram
de comprar ou abandonar os lotes que ocupavam (MARTINS, 2006).
Por várias décadas a principal atividade econômica da região era o extrativismo de
madeira e produção de gêneros para abastecimento das famílias. Já na década de 1960 surgem
os primeiros contratos com empresas integradoras, especialmente para produção de carne
suína e fumo, porém a conformação de um complexo agroindustrial com sede na própria
mesorregião se deu na década de 1970 com a implantação de unidades processadoras de
ração, áreas de cultivo de soja e milho e abatedouros de aves e suínos (PAULILO, 1990).
Assim, como ocorrido no restante do país, o processo de modernização conservadora
representado pela industrialização do campo brasileiro levou ao processo de concentração de
capitais, com conseqüente reestruturação fundiária das regiões anteriormente ocupadas por
áreas de pequena produção, como o caso da Mesorregião Oeste de Santa Catarina, ainda que
esta permaneça tomada por muitos estabelecimentos agrícolas de pequeno porte quando
comparada à estrutura fundiária de outras regiões do país (FRANK, 2005).
Esta Mesorregião destaca-se por apresentar o mais intenso fluxo migratório de
agricultores aos centros urbanos em todo estado de Santa Catarina. SILVA et. all. (2003)
mencionam as graves conseqüências como subemprego e sobrexploração do proletariado
rural, grupo social que se forma no processo de acumulação e centralização de terras e
capitais e, ainda, a emergência de conflitos por terra na região.
Caracterizando a população que permanece “contida” nas áreas rurais, foi identificado
em 2003, que 29% das famílias agricultoras instaladas no Oeste Catarinense podem ser
29
consideradas “carentes de terra”
15
, o que justifica a necessidade de políticas de reforma
agrária para a região. No que concerne aos avanços obtidos nesse sentido, o estudo divulga
que a Mesorregião Oeste contém 80% dos assentadas no estado pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A política de reforma agrária praticada no estado e em todo Brasil tem levado ao
incipiente reordenamento fundiário. Esta se torna limitada à medida que o vem
transformando a estrutura de propriedade, posse e uso da terra, que seria uma resposta às
necessidades do desenvolvimento das condições sociais, materiais e econômicas de um país
em que a estrutura agrária vigente passa a ser contestada (JONES & GUIDUCCI FILHO,
2000).
3.1.2 Os recentes projetos de reforma agrária para América Latina e a emergência
das organizações sociais camponesas
Sampaio (2005) classifica três distintos processos de reforma agrária ocorrente na
América Latina, levados por diferentes projetos de desenvolvimento adotados nestes países,
porém todos sob a ordem capitalista. Além da reforma agrária cubana, ocorrida nos primeiros
anos após a revolução socialista, dois países representam marcos importantes na transferência
de terras a camponeses, a saber: as revoluções agrárias ocorridas no México e Bolívia e as
reformas agrárias institucionais que através da transferência da propriedade de latifundiários a
camponeses, provocaram substanciais mudanças na estrutura agrária, como o caso de
Guatemala, Chile, Peru, Nicarágua e El Salvador.
O terceiro conjunto de países é caracterizado por pontuais intervenções
governamentais no campo fundiário, isto é, na distribuição de terras, mas que não
conseguiram alterar significativamente os índices nacionais de concentração da propriedade.
15
O termocarente de terra” foi adotado pelos pesquisadores para caracterizar tanto as famílias agricultoras que
o detêm a propriedade da terra que cultivam, quanto as possuidoras de área insuficiente de terras.
30
O Brasil encontra-se neste grupo, junto à Venezuela, Equador, Colômbia, Honduras,
República Dominicana e Paraguai (SAMPAIO, 2005).
Apesar das diferentes conseqüências sobre a estrutura fundiária e aspectos da condição
social dos camponeses dos países citados (alguns em melhores condições de desenvolvimento
e ingresso per capita que outros), traços comuns marcam e até mesmo homogeneízam a
questão agrária destes povos. Como fator que determinaria estas similitudes na situação do
campesinato, Sampaio (2005) aponta o caráter capitalista das economias de todos os países
citados. Referenciando-se em estudos apresentados pela Comissão Econômica para América
Latina e Caribe (CEPAL), faz um paralelo entre o quadro dos países anteriormente
apresentado e a situação do campesinato em Cuba, onde se verificam as melhores condições
de vida da população rural, resultado de seqüentes reformas agrárias radicais, especialmente
no período de implantação do modo de produção socialista.
A primeira semelhança apontada é a posição política, econômica e social do
campesinato na estrutura societária, sempre se encontrando em níveis inferiores. As
populações rurais latino-americanas apresentam os piores índices de pobreza e maior
proporção de famílias abaixo da linha de pobreza absoluta. Além disso, têm pouco acesso à
educação e à saúde e são pouco participantes no cenário político (SAMPAIO, 2005).
Outro elemento comum apontado pelo autor são os altos índices de vioncia no
campo, que vão desde conflitos permanentes, como os casos das guerrilhas no México,
Colômbia e Peru, passando por casos de conflitos localizados, mas constantes, como
assassinatos “contratados” a lideranças, comuns no Brasil, e chegando a países que
contabilizam poucos casos de conflito graves, mas onde a violência no campo faz parte do
cotidiano destas populações.
Um outro conflito que marca as relações produtivas do setor agrícola em toda América
Latina é uma entre agricultura comercial moderna (agronegócio) e agricultura de pequena
31
escala (camponesa). Esse embate leva a disputa entre dois projetos de desenvolvimento para
estas sociedades e que Sampaio (2005) considera que vem se fortalecendo pela recente
tomada de consciência do campesinato acerca das questões políticas com emergência de
movimentos sociais camponeses qualificando suas pautas reivindicatórias para além das
questões específicas.
Como conseência, Sampaio (2005) sugere uma crescente conscientização do
campesinato da necessidade de transformações estruturais no sistema econômico e cita a
orientação política dos movimentos camponeses de maior expressão no Brasil:
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil
levantou a bandeira do “modelo agrícola camponês” para substituir o
modelo do agronegócio vigente. Nos assentamentos de reforma agrária que
estão sob sua influência, o MST já está ensaiando, nas unidades produtivas,
as estratégias econômicas e agronômicas implícitas nesse modelo
alternativo. O mesmo ocorre com o Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA) e com o movimento que reúne pequenos agricultores desalojados de
por projetos de centrais hidroelétricas (MAB, Movimento dos Atingidos por
Barragem), ambos muito próximos ao MST. (p. 19)
Porto-Gonçalves (2005) aponta a constituição do MST como uma confluência de fatos
históricos da organização de trabalhadores rurais que após o período da ditadura militar,
compuseram a nova onda de protestos sociais. O autor explica que a identidade de trabalhador
rural foi construída durante a década de 1960, pelos sindicatos rurais e pela Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), que aliados ao Partido Comunista travaram as
lutas sociais camponesas na época.
Nesse mesmo período, as transformações capitalistas na agricultura agudizaram a
problemática da distribuição de terras no Brasil, devido a uma reorganização do espaço
produtivo do campo marcada por “desruralização e sub-urbanização”, que gerou uma grande
massa de agricultores sem-terra. Para Porto-Gonçalves (2005) essa herança também é marca
na identidade dos trabalhadores organizados no MST.
Como resultado, outra característica ressaltada pelo autor é que este novo campesinato
organizado é constituído de diversos segmentos sociais (agricultores arrendatários ou
32
posseiros, proletários rurais, entre outros) em conflito com as relações produtivas
estabelecidas e que se unificam pela sua superação. As táticas de luta adotadas o desde o
combate ao latifúndio, entendido como alicerce de “...uma estrutura de poder extremamente
desigual que, no Brasil, adquire enorme importância exatamente pela extrema concentração
fundiária.” (PORTO-GOLÇALVES, 2005, p. 26), até o envolvimento em temas importantes
como o caso recente do debate acerca dos organismos geneticamente modificados, que se
apresentam como resultado das seqüentes transformações da agricultura.
Além destes elementos táticos relacionados às lutas específicas da organização, o MST
aponta uma série de medidas mais imediatas que consistiriam numa reforma agrária que
garantisse minimamente a incluo dos trabalhadores envolvidos nesta luta, com conseqüentes
melhorias à sociedade brasileira. Essas proposições estão delineadas no Programa Agrário do
MST, documento apresentado no V Congresso Nacional do MST
16
e que contém as projeções
para uma reforma agrária que contribua para o projeto popular da agricultura brasileira.
Inserido no projeto de mudaa social, esse modelo camponês tem como fundamento:
(...) sua integração no modelo de desenvolvimento não-capitalista da
economia, baseado na universalização de um nível de consumo digno para
toda a população com fins a, não somente eliminar a pobreza, mas também
reduzir substancialmente as disparidades sociais que caracterizam os países
do continente. (Sampaio, 2005, p. 21)
Sobre as bases políticas e tecnológicas desse “modelo agrícola campos” o autor
explica:
A idéia básica deste modelo camponês é de organizar a produção
agropecuária em função de objetivos distintos do modelo do agronegócio.
Não se trata, por tanto, de priorizar a acumulação de capital senão as
necessidades alimentárias da família do agricultor e a preservação da
qualidade de sua pequena parcela de terra. Por isso, se enfatiza o emprego de
técnicas agrícolas não agressivas ao meio ambiente e as práticas de
conservação do solo e das águas. (p. 20)
16
O Congresso Nacional do MST é o espaço de confluências das discussões e deliberações das estratégias que
foram construídas na base e que seo assumidas pelos militantes até novas deliberações tomadas em congresso
seqüente. O quinto encontro foi realizado em junho de 2007, em Brasília-DF.
33
Segundo Leite et al. (2004), os aspectos mais observados pelos estudos sobre a
viabilidade da política de reforma agrária se concentram em ...dimensões econômicas e
produtivas, mas também efeitos sobre o meio ambiente, a estrutura fundiária e a participação
política.” (p.22).
Diversos estudos atribuem aos assentamentos de reforma agrária um potencial
dinamizador que política de distribuição de terras e fomento da agricultura de pequena escala
proporciona, principalmente, sobre a economia dos locais em que são implantados a novas
comunidades. Isso tanto é atribuído tanto à entrada de novos financiamentos estatais que
beneficiam diretamente as comunidades assentadas e indiretamente a população dos
municípios que os recebem, quanto à própria conscientização política que a chamada luta
pela terra” proporciona na formação dos assentados.
Neste sentido, Buarque (1998) propõe que:
(...) os assentamentos de Reforma Agrária devem ser entendidos como um
componente importante de desenvolvimento local com corte espacial
limitado à área do assentamento (podendo ser maior ou menor que os
municípios). Desta forma, é um espo de intervenção concentrada e
articulada de diferentes instâncias e pode ser um núcleo catalisador do
desenvolvimento local e municipal. O desenvolvimento dos assentamentos
exige uma inserção e uma interação com o contexto, especialmente com a
dinâmica e as estratégias de desenvolvimento municipal, recebendo
influências e iniciativas positivas externas e procurando oferecer
contribuições para o desenvolvimento municipal.
Porém, verifica-se que ainda são poucos os casos em que o assentamento de
comunidades proporciona mudanças mais expressivas (especialmente no que concerne à
melhoria nos padrões de distribuão de renda), e estas, de maneira restrita, se dão em áreas
chamadas “manchas” de assentamentos, nas quais a articulação das diversas comunidades,
inclusive as tradicionais já estabelecidas primordialmente.
34
Essa distribuição espacial concentrada de assentamentos áreas próximas tem origens
na própria estratégia de ocupação de terras adotada pelos movimentos sociais
17
de concentrar
seus esforços reivindicatórios na mesma região, geralmente estão marcadas pelo quadro de
crise dos sistemas produtivos das grandes propriedades (HEREDIA et al., 2004). Em alguns
casos se “...constituíram praticamente verdadeiras ‘áreas reformadas, contrapondo-se à
lógica de desapropriações isoladas e criando por si mesmas uma nova dinâmica na região
em que estão inseridas. (HEREDIA et al., 2004, p. 36)
Seguindo esta proposição, à medida que fossem constituídas estruturas organizacionais
mais complexas sob comando coletivo dos agricultores assentados (geralmente cooperativas
de produção agropecuária ou de prestação de serviços), seria possível estabelecer uma
articulação mais coesa e permanente com unidades produtivas afins.
A construção de novas formas de organização da produção, propriedade e gestão dos
processos de trabalho baseada no desenvolvimento de novas formas de “... cooperação
produtiva, centrada na solidariedade e na unidade orgânica dos produtores e dos processos
de produção...(p. 16) é indicada por Jones & Guiducci Filho (2000) como solução
superadora às atuais formas de organização da produção brasileira.
Os objetivos de estudo propostos nestes trabalhos pretendem apontar elementos para
balizar essa construção de novas relações de produção. Assim, propomos compreender as
formas de organização da produção agropecuária comercial praticada no Extremo Oeste
catarinense, baseadas nos mecanismos subordinantes anteriormente descritos e, delinear o
processo de organização da produção cooperada em áreas de reforma agrária como uma das
possíveis sínteses superadoras das relações produtivas vigentes.
17
No estudo que envolveu uma amostra de 92 comunidades de reforma agrária distribuídas em seis “manchas”
de expressiva concentração de assentamentos, Heredia et al. (2004) verificaram que 96% dos projetos de
assentamento estudados foi resultado de situações de conflito (tanto por ocupação de áreas, quanto pela
resistência de agricultores instalados em nessas áreas em situão irregular de titulação), sendo que em 89%
dos casos o pedido de desapropriação partiu das organizações de trabalhadores.
35
3.2 ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO NO CAMPO
3.2.1 Da conformação de Complexos Agroindustriais à estruturação do Agronegócio
A conformação de complexos agroindustriais (CAIs) resultou de um processo de
estruturação das relações produtivas na agricultura brasileira levado a cabo a partir dos anos
1960. Tendo como princípios orientadores os elementos citados anteriormente (monopólio,
caráter mercantil e subordinação ao processo mundial de capitalização), a integração do setor
agropecuário ao setor industrial se concretizou neste tipo de arranjo produtivo (FRANK,
2005).
Por CAI entende-se a estrutura de organização das relações de produção em que se
tem forte subordinação da agricultura à industria, que esta última passa a ser responsável
pelo fornecimento de financiamentos, insumos e ferramentas indispensáveis à produção
agropecuária, por um lado, e a principal compradora e beneficiadoras destes produtos, por
outro lado (MAZZALLI, 2000).
Para tanto, um conjunto de mudanças teve de ser conduzido de forma a favorecer esse
processo no meio rural brasileiro. As linhas estratégicas podem ser sintetizadas em três
importantes mecanismos: mudanças na base tecnológica com a produção atrelada a pacotes
tecnológicos, implantação de indústrias fornecedoras de meios de produção e agroindústrias
beneficiadoras; regulação estatal restrita à conformação de sistema de financiamento; nova
inserção da agricultura brasileira no comércio mundial com renovação dos padrões de
exportação para produtos agrícolas beneficiados e com maior diversidade (DELGADO,1985).
Como exemplo, Mazzalli (2000) cita que esses novos padrões determinaram o
desenvolvimento de novas cadeias produtivas como soja e outros grãos, óleos vegetais, sucos
e frutas, e carne. Para isso, importantes mudanças tecnogicas tiveram de ser conduzidas
tanto para diminuir a dependência da produção agrícola dos fatores ambientais, inserindo um
36
conjunto de inovações físico-mecânicas, químicas e biológicas, quanto para otimizar o
beneficiamento de produtos.
O autor ressalta que durante a década de 1960 houve um reforço do processo de
substituição de importações focando a agroindustrialização e que em meados de 1970
consolidou a organização da produção agrícola em complexos agroindustriais. Com isso, a
indústria processadora se adequa à dinâmica de centralização e expansão do capital, sendo
formados oligopólios de empresas que saem do âmbito regional, especialmente concentrado
na região Centro-Sul do Brasil, para o nacional, ainda que assim não se tenha reduzido as
disparidades regionais que se perpetuam até os dias atuais (MAZZALI, 2000).
Esse reordenamento produtivo foi priorizado pelo Estado brasileiro com a estruturação
de uma política agrícola que tinha por mecanismos principais de fomento o crédito e a
assistência técnica difusora de pacote tecnológico. Os três eixos estratégicos desse processo
de modernização conservadora são sintetizados por Delgado (1985):
1- adaptabilidade das inovações biológicas a estratégias industriais das
inovações físico-químicas; 2- estreita vinculação da adoção tecnológica à
política de crédito rural e aos serviços de assistência cnica governamental;
3- inovações em geral apoiadas numa matriz energética intensiva no uso de
derivados do petróleo. (p. 96)
Segundo Graziano da Silva (1999), o acesso a tais políticas acabou sendo
sobressalente entre os latifundiários mais beneficiados, por conta de uma medida de
atrelamento do custeio da produção à aquisição de máquinas e implementos agrícolas. Além
disso, muitos incentivos foram destinados ao fortalecimento de empresas agroindustriais,
tanto de insumos quanto de processamento e comercialização.
Ainda este autor aponta que a partir dos anos 1970 a política de crédito passa a ser
orientada segundo o tamanho das unidades de produção (pequena, média e grande), porém
37
tais medidas não impediram a concentração de terras e capitais, sendo que o índice de Gini
18
relativo à distribuão de terra no Brasil que em 1970 contabilizava 0,844 aumentou para
0,859 no ano de 1980. A Tabela 01, que se segue, apresenta a tendência de concentração
ocorrente nas primeiras décadas em que se consolidaram tais relações produtivas.
TABELA 01 – Distribuição da terra entre os estabelecimentos agropecuários: Brasil, 1970
a 1980.
ESTATÍSTICA 1970 1975 1980
Milhões de estab. com declaração de área 4,9 5,0 5,2
Área total (milhões ha) 294,1 323,9 369,6
Área média (ha) 60,0 64,9 71,7
Área mediana (ha) 9,3 8,9 9,7
Índice de Gini 0,844 0,855 0,859
Renda dos 50- (%) 2,9 2,5 2,4
Renda dos 5+ (%) 67,0 68,7 69,7
Fonte: Graziano da Silva (1999) apud Hoffmann (1982).
Seguindo a dinâmica de concentração de terras e capitais, tem-se como outra
conseqüência proeminente o êxodo da população rural que, em sua maioria, é incorporada ao
exército de reserva, permanecendo migrante entre as periferias dos centros urbanos e as áreas
de agricultura industrial com demandas sazonais de mão-de-obra (GRAZIANO DA SILVA,
1999).
Contraditoriamente à diminuição de pessoal empregado na produção agropecuária se
observa a superexploração dos trabalhadores rurais que se mantêm empregados. Este autor
aponta como principais contravenções aos direitos trabalhistas aumento da jornada de trabalho
agrícola, remuneração abaixo do salário mínimo e exoneração de direitos previdenciários
(GRAZIANO DA SILVA, 1999).
18
O índice de Gini assume valores entre zero” (ausência de concentração/igualdade absoluta entre todos os
componentes do universo examinado) e “um” (concentração absoluta/desigualdade total). Em função disso,
Câmara, em 1949, propôs uma e para definir o grau de distribuição da propriedade das terras no Brasil, da
seguinte maneira: a) até 0,100 = concentração nula; b) de 0,101 a 0,250 = concentração fraca; c) de 0,251 a
0,580 = concentração dia; d) de 0,581 a 0,700 = concentração forte; e) de 0,701 a 0,900 = concentração muito
forte; f) acima de 0,900 = concentração tendente à absoluta (Silva et. all., 2003).
38
Os dados da estrutura fundiária do Oeste Catarinense seguem a mesma tendência.
Silva et. all. (2003) apontaram que entre os anos de 1985 e 1996 houve uma redução da área
agrícola em 11% e diminuição do número de estabelecimentos agropecuários em 13 pontos
percentuais. Outro aspecto a destacar é que esses indicadores de extinção de áreas agrícolas se
verificam com maior intensidade sobre os minifúndios.
Tomando a análise microrregional, o estudo de Silva et. all. (2003) atribui às
microrregiões Chapecó, Xanxerê e São Miguel D’Oeste os maiores índices de redução de área
e estabelecimentos destinados à exploração agropecuária. Segundo os autores, esses índices
refletem a tendência à urbanização mais expressiva nos anos 1980 seguindo de um intenso
processo de desruralização
19
ocorrido nos anos 1990. Os graves danos sócio-econômicos
provocados pelo êxodo rural são mais significativos sobre as microrregiões São Miguel
D’Oeste e Concórdia, as quais têm caráter proeminentemente rural e baixas taxas de
urbanização, de modo que a participação relativa das populações destas microrregiões vem
diminuindo desde 1980 e mais intensamente a partir dos anos 1990 (SILVA et. all., 2003).
No âmbito das políticas agrícolas, a abertura comercial e as medidas de ajustamento
econômico para controle inflacionário e geração do superávit comercial puseram o setor
agropecuário como estratégico para inserção do Brasil no comércio exterior, reforçando as
políticas de incentivo da produção agropecuária para fins de regulação positiva da balança
comercial (IGLÉSIAS, 2007). Essa tendência, que havia sido reduzida em meados do século
XX durante o processo de inversão de exportações associado à industrialização brasileira,
passa a ser fortemente estimulada nas décadas de 1970 e 1980, até ser um dos mecanismos
prioritários de geração de divisas, a partir dos anos 1990.
19
Diferentemente das tendências à urbanização, a desruralização representa o esvaziamento do meio rural
provocado pelo êxodo da população e para os autores representa uma ameaça ao próprio desenvolvimento sócio-
ecomico da rego (SILVA et. all., 2003).
39
É também a partir dos anos 1990 que a noção de complexo agroindustrial (CAI) passa
a demonstrar limitações para explicar a dinâmica das relações de produção hegemônicas ao
setor agroindustrial, necessitando novas acepções para caracterizá-las. Mazzalli (2000) indica
que grande parte das novas estratégias que imprimiram essas mudanças se deu no âmbito da
empresa agroindustrial ou em conseqüência de estratégias adotadas por estas.
Com as mudanças econômicas orquestradas em nível mundial que reordenaram a
acumulação e centralização de capitais ao sistema financeiro, as riquezas produzidas pela
agricultura passam a ser incorporada a tal dinâmica através da incorporação dos bancos e
empresas agroindustriais à dinâmica de capitalização internacional. Assim o setor secundário
passa a ser ordenado pelo monolio de empresas transnacionais que passam a estabelecer
novos tipos de contrato da produção visando a acumulação financeira. Esse conjunto de
mudanças, que estabeleceu uma nova aliança entre as empresas rurais de capital nacional com
produção determinada pelas transnacionais foi importante ferramenta para o ordenamento da
produção determinado pelo chamado agronegócio (IGLÉSIAS, 2007).
Mais que um conjunto de atividades relacionadas à comercialização de produtos
agropecuários, este autor explica que o conceito de agronegócio se refere:
(...) ao conjunto de atividades agropecuárias relativas à produção,
industrialização, distribuição e comercialização de produtos agropecuários,
pautadas por algumas características bastante peculiares, como
competitividade, gestão, foco no consumidor, altos índices de produtividade,
desenvolvimento permanente de ciência e tecnologia, intensividade em
capital (e, em algumas cadeias produtivas, também em trabalho) e inserção
nas cadeias produtivas, financeiras e comerciais globais. (IGLÉSIAS, 2007,
p. 76).
De acordo com IGLÉSIAS (2007), trata-se de um segmento em que se insere o
empresariado brasileiro de forma coerente aos reajustes econômicos orquestrados
mundialmente seguindo as novas tendências de capitalização anteriormente citadas. Da
mesma forma, a intervenção do Estado no setor adquire novos mecanismos que fragmentam a
política agrícola em medidas específicas relacionadas às chamadas cadeias produtivas do setor
40
agropecuário, que na realidade se referem ao conjunto de commodities agropecuárias cuja
produção vem sendo orientada por conglomerados econômicos. O autor também apresenta
novas formas do que chama “ação coletiva e articulação política” do empresariado rural que
remodela seu aparato representativo, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária
(CNA), para adequação de ações entre instâncias governamentais e agentes privados
(IGLÉSIAS, 2007).
Como conseqüências mais visíveis, tem-se o espólio ambiental gerado pela não
remuneração da intensa exploração dos recursos naturais e o acirramento das relações de
trabalho sobrexploratórias, anteriormente descritas.
As pequenas unidades de produção, totalmente incorporadas à dinâmica do
agronegócio adquirem três formas de subrodinação, assinaladas por Graziano da Silva (1999):
1- Subordinação ao proprietário fundiário, através do arrendamento de terras que além de
obrigar a remuneração da terra estabelece vínculos de trabalho em atividades da exploração
latifundiária; 2- Subordinação ao capital comercial, através de mecanismos de determinação
de preços e controle dos financiamentos por parte das empresas compradoras;
3- Subordinação às agroindústrias e “cooperativas-capitalistas”
20
, nos moldes praticados pelo
sistema de integração vertical da produção.
Especificamente no setor de aves e suínos, novas formas de contratação da produção
de matérias primas procedidas pelas empresas agroindustriais se estabeleceram
principalmente através do novo caráter da assistência técnica e de um sistema de controle total
da produção (MAZZALLI, 2000).
Para melhor entendimento deste tipo de relação de produção em que se tem a
subordinação do trabalho dos agricultores através da integração vertical da produção
20
Essa expressão foi cunhada para diferenciar as organizações empresariais travestidas de cooperativas das
organizações legitimamente autogestinárias, que realmente se orientam pelos princípios cooperativistas.
41
agropecuária, será apresentada, a seguir, a dinâmica de funcionamento desta forma
característica do ordenamento produtivo da região Extremo Oeste Catarinense.
3.2.2 Integração de pequenos agricultores catarinenses: modelo de expropriação e
subordinação do trabalho agrícola
Compreendendo que o avanço das relações capitalistas no meio rural trouxe
expressivas mudanças nos arranjos da produção agropecuária, parte-se para o entendimento
da organização do sistema de integração vertical da produção como o principal mecanismo de
subordinação da produção agrícola de pequena escala à dinâmica produtiva dos complexos
agroindustriais, especialmente no Centro Sul do Brasil (ALTMANN, 1997).
No campo da Economia Organizacional, a integração vertical da produção é definida
com um mecanismo de ajuste da dinâmica entre setores responsáveis por determinada cadeia
produtiva para otimização de custos de transação (ÁVILA, 1985).
Sob essa perspectiva consensual da produção integrada, Ávila (1985) aponta como
elemento-chave do processo de integração vertical de empresas a concentração dos poderes da
tomada de decisão em uma “autoridade central coordenadora”, a qual recebe autonomia
administrativa da empresas integradas, porém não a propriedade. Segundo o autor, a
abstenção da autonomia produtiva de empresas se em troca de garantias: de poder de
mercado”, adquirindo vantagens competitivas frente outras empresas e chegando até mesmo a
estabelecer uma oferta monopolizada dos produtos; de redução dos custos de transação e
produção; e de redução dos riscos mais passíveis de surgir nas operões da empresa atuando
individualmente.
Diversa literatura trata da adoção do sistema de produção verticalmente integrado
como uma estratégia de organização da produção agropecuária, especialmente quando se
refere aquisição de produtos de pequenos agricultores, entendendo como uma simples relação
contratual positiva em que se tem a redução dos custos operacionais para ambas partes, na
42
qual as agroindústrias se beneficiam pelo controle de fluxo, volume e qualidade de produto,
ao passo que os produtores se isentam têm garantia de compra de produtos (MIELE &
WAQUI, 2007; ALTMANN, 1997; FARINA et. all., 1997).
Um estudo realizado por Pértile (2004), analisa a importância do trabalho agrícola na
conformação do setor agroindustrial da região Oeste de Santa Catarina e aponta as seguintes
características:
1- Predominância de pequenas propriedades
21
, as quais representavam, em 1996, 94%
das unidades da região, com uma dia de 50ha por unidade produtiva (PÉRTILE,
2004 apud IBGE, 2002);
2- Trabalho familiar, com contratação temporária de auxiliares (especialmente em épocas
de mais intenso trabalho nas lavouras ou nas granjas de produção de aves ou suínos);
3- Exploração de mais de uma atividade produtiva, geralmente vinculada às empresas
agroindustriais (que em muitos momentos apresentam-se como cooperativas),
especialmente suinocultura, avicultura de corte e bovinocultura de leite (integração
vertical às empresas agroindustriais).
Dentre os principais produtos da região encontram-se laranja, milho, fumo, frango de
corte e suínos, sendo que vários estudos apontam à importância das empresas agroindustriais
na garantia de comercialização destes últimos. Na aparência, o estabelecimento de contratos
de integração pode ser entendido como uma situação de amenização de efeitos de
concorrência para ambas as partes: para o agricultor integrado, representa garantia de
comercialização de produtos, com antecipação de insumos; para a empresa integradora
significa controle total do fornecimento de matéria-prima a preços, prazos, quantidade e
qualidade sob sua inteira subordinão.
21
Considera-se pequena uma unidade produtiva com área compreendida entre 1 e 4 módulos fiscais. Segundo
IBGE (2002) o módulo fiscal da região Oeste de SC equivale a 18ha. A autora também aponta expressiva
presença de minifúndios (unidades com menos de 01 (um) módulo fiscal de área total) decorrentes do processo
de descapitalização das unidades de agrícolas familiares, além da própria característica de ocupação da região
que se deu pela demarcação de “colônias” com área média de 25ha.
43
Porém, se considerada a diferença de poder econômico entre uma unidade de produção
em pequena escala e uma empresa agroindustrial é possível inferir que há a transferência de
responsabilidade sobre o processo de produção de matérias-primas industriais aos pequenos
produtores de forma subsumida a determinadas condições técnicas homogeneizadas e um
sistema de crédito e trocas monopólico-monopsônico
22
. Assim, surgem “relações de poder
assimétricas” em que a empresa tem “...o poder de controle sobre todo o processo
produtivo...” (PAULILO, p. 19).
Sendo empresas, as agroindústrias têm como seu objetivo a maximização dos lucros e
aceleração do seu ciclo produtivo. Para tal, adotam estratégias de que visam “... externalizar
seus custos e internalizar suas receitas...” (ALTMANN, 1997, p.16), entre as quais
destacam-se o estabelecimento de contratos de integração, semi-integração ou fornecimento,
para obtenção de matéria-prima à agroindustrialização. Este elo da cadeia produtiva se torna
mais facilmente controlável pelas empresas, portanto, é tendência que seja de onde se extraia
lucratividade possível.
Para atender aos regulamentos de métodos e técnicas produtivas impostos, os
agricultores se vêm obrigados a buscar pesados investimentos. Tomando o exemplo da
avicultura, grandes gastos como os necessários para manter o conforto térmico dos animais,
como energia elétrica, água e lenha/gás que para não são compensados pelos baixos preços
pagos pelas aves entregues (PÉRTILE, 2004).
Com esse tipo de contratação, os agricultores perdem sua autonomia com relação a
quatro aspectos (PAULILO, 1990, p. 50): “...com relação ao processo produtivo, à compra
de insumos, à venda dos produtos e à reposição dos pressupostos da produção.”
Essas “quebras” de autonomia que aparentemente se limitam ao campo das transações
comerciais se expressam no quadro de esgotamento conseente do processo de subordinação
22
O termo monopsônico refere-se à existência de somente um comprador.
44
dos meios de produção e exploração do trabalho destes agricultores: o modelo tecnológico
adotado trouxe graves danos ambientais, a retirada da autonomia produtiva trouxe
endividamento, o estabelecimento de metas produtivas trouxe esgotamento dos membros.
Algumas conseqüências foram observadas por Pértile (2004): segundo depoimentos
coletados pela autora na pesquisa de campo feita entre 35 famílias agricultoras do município
de Quilombo SC, a maioria dos agricultores entrevistados revela uma situação de
descapitalização e empobrecimento das condições de vida por conta da dependência dos
contratos estabelecidos. Os entrevistados reclamam que as constantes exigências feitas pelas
agroindústrias determinam que o pouco lucro recebido pela produção (especialmente de leite
e carne) retorne ao próprio sistema de produção sob forma de inovações tecnológicas ou
manutenção das instalações, impossibilitando, por exemplo, que se invista nas próprias
moradias.
Mesmo os produtores que o estabeleceram contratos de integração, se colocam à
mercê destas empresas, que além de deterem o monopólio sob a comercialização das
mercadorias agrícolas, são as principais fornecedoras de insumos (PÉRTILE, 2004). Assim, a
relativa autonomia produtiva dos agricultores não-integrados (quando comparada à total
regulamentação contida nos contratos de integração) acaba sendo orientada pelas
necessidades de venda do produto a estas agroindústrias.
Um outro fator de descapitalização apontado por Pértile (2004), são a necessidade de
pesados investimentos aliada a grandes gastos não compensados pelos baixos preços pagos
pelas aves entregues, como, por exemplo, energia elétrica, água e lenha/gás necessários para
manter o conforto térmico dos animais. Note-se que além de representarem um custo
econômico alto, são fatores que podem representar altos custos ambientais, como o caso de
água e lenha, que acabam sendo destrutivamente explorados para suprir às necessidades do
sistema de produção de aves.
45
Para muitos autores, a persistência nestes tipos de contratação de produção se dá pela
inevitabilidade de comercializar com essas empresas, que detêm um mercado monopsônico e
pelo fato de grande parte dos investimentos estar vinculada à atividade (DORIGON, 2004;
PAULILO, 1990; PÉRTILE, 2004). As integradoras assumem papel intermediário nas
transações de financiamento relacionado à produção de aves. Sendo fiadoras dos agricultores
contratados, adquirem respaldo para cobrança destes gastos com investimentos aos
agricultores que se endividam pelos mecanismos de subordinação e exploração já apontados.
O acirramento das relações monopsonistas-monopolistas que orientam o setor avícola
se mostra nas constantes mudanças no padrão tecnológico que passa a depender de altos
investimentos em instalações e maquinários, maior quantidade área disponível, ciclos de
produção mais curtos com maior intensidade do trabalho, entre outras medidas. Como
conseqüência, os avicultores são impelidos a acompanhar uma dinâmica produtiva exaustiva
ou abandonar a atividade (por conseqüência, inviabilizando sua permanência na propriedade).
No Oeste Catarinense, a diminuição do número de unidades integradas cada vez mais
concentrada em poucos municípios, veio associada ao estabelecimento de padrões produtivos
cada vez mais rígidos (monitorados por todo um sistema de “controle de qualidade”) e
produtividade crescente (com medidas que vão do maior adensamento à diminuição do ciclo
produtivo) (DORIGON, 2004).
As mudanças mais recentes no setor avícola brasileiro apontam uma tendência à
diminuição desta produção no estado, por conta da maior competitividade do grão produzido
na região Centro-Oeste do país. Isso tem provocado um deslocamento das unidades de
produção de aves e suínos para estados como Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais
(CENCI & TALAMINI, 2006; DORIGON 2004; FALCÃO & MEDEIROS, sd; ZILLI et. al.,
2005).
46
O que anteriormente era condicionante para a produção animal integrada, isto é, a
implantação de aéreas de produção de milho nas unidades de produção integradas, com vistas
à venda à própria empresa integradora para o fabrico de ração, passa a ser fator de
reordenamento da produção avícola no Brasil.
Esse deslocamento de unidades de abate e processamento para o Centro Oeste e
Sudeste do país, se dá pelo fato de estas regiões disporem de melhores custos de oportunidade
para implantação da indústria de carnes, a saber: incentivos fiscais; disponibilidade de
insumos, especialmente grãos para ração; proximidade a centros urbanos com crescente
demanda por alimentos; possibilidade de implantação de unidades de maior escala graças à
estrutura fundiária mais concentrada, entre outros fatores (ZILLI et. al., 2005).
Nos municípios do Extremo Oeste, se analisado o volume de produção de frangos não
é possível perceber muita influencia deste reordenamento produtivo interestadual, que a
produção segue em tendencia crescente, porém, fica bastante explicita essa redistribuição
entre municípios, como pode ser observado no quadro a seguir.
FIGURA 06 Quadro com evolução do rebanho nos municípios do Extremo Oeste
Catarinense com destaque aos municípios com maior queda do rebanho avícola.
Fonte: ICEPA, 2003
47
Vale observar que os municípios que tiveram maior queda na produção de aves foram
os destacados por esta pesquisa, não somente pela disponibilidade de infra-estrutura ociosa e
agricultores disposto a retomarem a atividade, mas por estarem próximos a Dionísio
Cerqueira, que ainda não se tem infra-estrutura para suprir a demanda logística de
distribuão de insumos e carregamento de frangos em toda região.
3.2.3 A produção cooperada na reforma agrária: os impactos no reordenamento das
relações produtivas e suas limitações
Os estudos de Heredia et al. (2004) e Leite et al. (2004) apontam que nos poucos casos
em que os assentados conseguiram estabelecer novos canais de distribuição e organizar para o
beneficiamento de seus produtos, a forma encontrada para estruturar essa organização coletiva
foi a fundação de cooperativas. Essa proposição vem ao encontro das indicações feitas
sobre a articulação da produção (sejam quais forem os arranjos adotados) para aquisição de
vantagens comparativas relacionadas a ganhos de escala e facilidade de acesso a infra-
estrutura.
O debate sobre a cooperação agrícola foi elemento central na estruturação do MST em
sua fase inicial (especialmente fins dos anos 1980 e início dos 1990) para viabilizar a
organização da produção nos assentamentos. Atualmente, ele persiste como eixo estratégico
para avanço da organização, sendo ressaltada a necessidade de debater todas as formas
coletivas de ordenamento dos recursos. No Programa Agrário do MST
23
, documento que
contém as projeções para uma reforma agrária que contribua para o projeto popular da
agricultura brasileira, foi reforçada essa necessidade e algumas propostas com relação à
constituição de coletivos de produção, comercialização e crédito.
23
Documento aprovado no V Congresso Nacional do MST, realizado em junho de 2007. O Congresso Nacional
do MST é o espaço de confluências das discussões e deliberações das estratégias que foram construídas ao longo
na base e que serão assumidas para os pximos tomadas por esse movimento social
48
Algumas dessas proposições são elencadas no trecho a seguir:
2. A organização da produção no meio rural - Medidas fundamentais:
2.1. A produção agcola será orientada com prioridade absoluta para a
produção de alimentos saudáveis para todo o povo brasileiro, garantindo-se
assim o principio da soberania alimentar.
2.2. A produção será organizada com base ao desenvolvimento de todas
formas de cooperação agcola, como: mutirões, formas tradicionais de
organização comunitária, associações, cooperativas, empresas publicas,
empresas de prestação de servos, etc.
2.3. Organizar agroindústrias próximas ao local de produção agcola, na
forma de cooperativas, sob controle dos agricultores e dos trabalhadores na
agroindústria.Realizar programas de capacitação cnica dos trabalhadores,
na gestão das empresas cooperativas agroindustriais.
2.4. Promover uma agricultura diversificada, rompendo com a monocultura,
buscando promover uma agricultura sustentável, em bases agroecológicas,
sem agrotóxicos e transgênicos, gerando uma alimentação saudável. Que
este novo modelo produtivo, gere também uma nova base alimentar e novas
formas de consumo, equilibrada e adequada ao ecossistemas locais e
culturalmente adequada. (MST, 2007, p. 20)
Na região Oeste de Santa Catarina, aponta-se o exemplo da produção de laticínios da
marca Terra Viva, em que a Cooperativa Regional de Comercialização do Extremo Oeste
Ltda - COOPEROESTE (composta por trabalhadores rurais assentados na região) associa-se a
pequenos agricultores não-assentados a fim de expandir seu volume de produção, tomando
expressão no comércio de alimentos e alcançando todo o estado.
Segundo consta do Documento Estratégico da Produção em Santa Catarina (MST,
2004) a busca pela coletivização das atividades produtivas entre as comunidades assentadas
do MST, tem sido alcaada no âmbito da comercialização mais que na produção
propriamente dita. Isso se percebe pela maior capacidade de reprodução das organizações de
prestação de serviço, em especial as CPSs, se comparadas às iniciativas de coletivização da
produção de bens primários, as quais em sua maioria são bastante débeis, com exceção de
algumas CPAs e Associações que conseguiram delinear formas simples e avançadas de
cooperação, como o caso da COOPERUNIÃO.
Dentro do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST diversas
estratégias vêm sendo apontadas, nos planos de desenvolvimento locais e regionais, como
49
fontes de renda mensal para as comunidades assentadas, a saber: criações de frango de corte,
gado leiteiro e peixes; hortaliças (especialmente cultivadas em sistema agroecológico); doces
e conservas; plantas medicinais; diversificação das espécies cultivadas para produção de
agrocombustíveis, entre outras.
A produção de frangos de corte adequa-se à estratégia de organização da produção
assumida tanto pelo SPCMA/MST, em que se planejam atividades que garantam renda aos
agricultores por todo o ano. Em muitos casos, a renda mensal é variável, já que provém dos
excedentes da produção de auto-consumo. Para contornar essa instabilidade, o planejamento
de estratégias produtivas adotado pelas equipes técnicas de ambas as organizações consiste de
atividades que gerem renda: mensal (subdividida em auto-consumo e renda de produtos
comercializados), renda sazonal ou de safra, “renda poupança” (geralmente plantios de
árvores para madeira) (MST, 2004).
As estratégias de desenvolvimento dos assentamentos da regional Justino Draszevski
foram balizadas pela organização em cooperativas (MST, 2004). Assim, foi se conformando
um complexo de cooperativas tanto de produção agropecuária (CPAs) como de prestação de
serviços (CPSs) tais como transporte, beneficiamento, comercialização, entre outros.
Tais entidades se integram ao sistema de cooperativas organizado nacionalmente pela
Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (CONCRAB) e, no Extremo Oeste,
abarcam desde os assentamentos a a região como um todo (MARTINS, 2006).
As chamadas Cooperativas de Prestação de Serviço (CPSs) o uma forma de
organização coletiva apresentada entre os assentamentos vinculados ao MST, com objeto
viabilizar e/ou operacionalizar transações comerciais. Podem servir de centrais de
comercialização dos produtos de assentamentos ou de aquisão de bens e serviços para
produção agropecuária, ou até mesmo, unidades processadoras/beneficiadoras de produtos das
50
áreas de reforma agrária. Por estas características, são compostas por maior número de
cooperados que as CPAs, extrapolando os limites de um assentamento (CONCRB, 1999).
As Cooperativas de Produção Agropecuária - CPAs, foram inspiradas no modelo
cubano de organização social da produção agrícola (SINGER, 2002b) e espacial dos
trabalhadores rurais assentados. Abrangem uma comunidade de assentamento no todo ou
somente um grupo de assentados em uma mesma comunidade, sendo composta por famílias
que socializam meios de produção e infra-estrutura social (escolas, refeitórios, creches, postos
de saúde, espaços de recreação etc) para reprodução coletiva. Esse modelo foi buscado desde
os primeiros projetos de assentamentos mobilizados pelo MST, a fim de superar as
deficiências da produção individualizada.
Apesar das diversas críticas apontadas à implantação deste modelo, ainda hoje a CPA
apresenta-se como forma superior de organização destas comunidades rurais, proporcionando
melhores condições de vida aos assentados (CONCRAB, 1999)
Ordinariamente, reside nas organizações cooperativas uma contradição que merece
análise mais minuciosa dessa questão. Como apontado por Luxemburgo (1900), as
cooperativas apresentam relações de produção (“internas”) socializadas e trocas (“externas”)
capitalistas. As relações que estão mais sujeitas à interferência de não-cooperados
(distribuição dos bens ou serviços) são tão essenciais à garantia de reprodução da vida da
cooperativa que aquelas atividades que dependem exclusivamente dos cooperados (produção
de bens ou serviços em si), sendo igualmente sujeitas à dinâmica com vistas à lucratividade
anteriormente citada:
(...) a cooperativa só pode assegurar a sua existência no seio da economia
capitalista quando suprime, por um rodeio, a contradição que recebe entre o
modo de produção e o modo de troca, subtraindo-se artificialmente às leis da
livre concorrência. (LUXEMBURGO, 1900, p. 04)
51
Dessa forma, a autora proe que além das mudanças na base produtiva, seria
necessário o estabelecimento de canais alternativos de troca e distribuição dos bens e serviços
produzidos, apontando certas limitações:
Verifica-se que a existência da cooperativa de produção liga-se, atualmente,
à existência da cooperativa de consumo; do que resulta deverem as
cooperativas de produção contentar-se, no melhor dos casos, com pequenos
mercados locais e limitar-se aos produtos da primeira necessidade, de
preferência, produtos alimentares. (LUXEMBURGO, 1900 p. 04)
De frente a esta situação é desafiador articular um sistema em que esses agricultores
cumpram além do papel de fornecedores, o de determinadores das condições para produção
destes tendo como maior obstáculo a competição com toda a produção advinda desta relação
de integração, que segue crescente com vistas ao mercado interno e exportações.
Em tempos de reestruturação produtiva, flexibilização da contratação do trabalho e/ou
terceirização, isto é, nos atuais momentos de precarização do trabalho, diversas cooperativas
acabam por estimular tais formas.
Analisando historicamente a implantação das relações capitalistas de produção,
MÉSZÁROS (1989) mostra como a orientação econômica (que perde seu caráter de
racionalidade substituído pela lucratividade) impõe seu objetivo máximo de acumulação de
capital sobre todas as relações inerentes ao sistema societário atual.
Assim, a menor das organizações empresariais acaba impelida a refletir e reproduzir a
dinâmica do modo de produção capitalista:
Uma análise mais acurada da economia praticada nas empresas particulares
desvenda o mistério de como e porque tal economia’ das patês pode
produzir a dissipação do todo, revelando que a contradição entre as
determinações micro-’ e ‘macro-econômicas’ do sistema do capital é apenas
aparente neste aspecto. Pois, na realidade, a economia’ da empresa
particular é uma pseudo-economia. Ela não é apenas compatível com a
dissipação, mas representa o modo necessário de implementação bem
como a forma espontânea de legitimação das dissipação nas células
constitutivas (isto é, o ‘microcosmos’ do sistema).
24
(grifos do autor,
MÉSZÁROS, 1989, p. 27)
24
O autor aspea o termo economia por apresentar que à medida que se estabeleceram relações capitalistas de
produção, o conceito perde seu significado de racionalização substituindo-se pela lucratividade.
52
O fato de não conseguirem desenvolver plenamente suas capacidades produtivas por
assumirem esse caráter marginal, impõe contradições às cooperativas autogestionárias que
asseveram sua degeneração: operando com baixos veis tecnológicos, os trabalhadores
(cooperados ou não), são impelidos a trabalharem mais e sob precárias condições laborais
(KOROSUE, 2007).
Cumprido o papel de geradora de capitais que seguirá seu ciclo acumulativo, as
organizações incapazes de seguir essa dinâmica expansiva de concentração e centralização de
capitais ficam à margem do sistema como um todo, pois
eles se evidenciam como capitalisticamente inúteis (em vista de se tornarem
não-lucrativos no seu padrão de funcionamento), mesmo que pudessem
contribuir para a produção de coisas socialmente úteis, sob as condições de
uma articulação global de capital menos concentrada; e mais ainda se
transferirmos os ativos acumulados para fora da estrutura do sistema de
capital. (grifos do autor, MÉSZÁROS, 1989, p. 32)
Entendendo tais limitações, é necessário considerar que a proposta de implantação de
um sistema de integração dos agricultores da região Extremo Oeste para fornecimento de
frangos para COOPERUNIÃO, esbarra em condicionantes que ou limitam sua ação
orientação política por critérios de relevância produtiva ou tornam o empreendimento inviável
sob o ponto de vista da efetividade
25
.
Dessas relações inovadoras proe-se o surgimento de diversos espaços democráticos
para tomada de decisões como: forma de coordenar as diversas unidades de produção,
estabelecimento de uma política de preços eqüitativa, opção pela matriz tecnológica mais
conveniente/adequada aos agricultores, entre outras importantes decisões que afetam
diretamente as famílias e a orientação produtiva da organização coletiva.
Para isso, aponta-se que a adoção dessa nova racionalidade nas relações de produção
só é possível por um critério orientador de desempenho que opte pela condição substantiva da
existência da organização, nomeadamente a relevância produtiva.
25 Critério de desempenho organizacional a ser examinado nas páginas 55 a 58.
53
3.3 CRITÉRIOS DE DESEMPENHO ORGANIZACIONAL
O arranjo produtivo em estudo parte de uma proposta mais ampla de desenvolvimento
regional orientada por agricultores vinculados a dois movimentos sociais camponeses de
expressão nacional: o MST e o MPA. Portanto, a proposta de integração buscada entre
COOPERUNIÃO e agricultores organizados da região Oeste Catarinense tem sido construída
com base em parâmetros que garantam uma relação justa entre cooperativa e agricultor não-
cooperado.
Para que estes parâmetros sejam seguidos, há de se considerar uma estratégia
produtiva com objetivo além da simples lucratividade do empreendimento. Benson (1977)
aponta o tipo de compromissos assumidos por uma organização como um dos quatros
elementos de sua estrutura morfológica. Significa que uma organização com fins de promover
a qualidade de vida humana deve assumir um compromisso de caráter ético-político que leve
em conta aspectos sócio-ambientais e produtivistas em mesmo patamar.
Essa visão centrada no caráter humanístico da produção vem sendo discutida no
campo da teoria organizacional a fim de rediscutir os critérios que orientam a produção.
Desde a consolidação das relações capitalistas de produção, os empreendimentos são
orientados por critérios de desempenho organizacional que avaliem e orientem a produção de
forma a garantir a maximização da lucratividade e, consequentemente, a acumulação de
capital. Três são os critérios desempenho organizacional classicamente utilizados pelas
correntes hegemônicas da Teoria Organizacional: eficiência, eficácia e efetividade.
O primeiro deles, a eficiência produtiva foi principal balizador das relações de
produção quando o modo de produção capitalista esteve em sua fase de mais intensa
acumulação e centralização de capital produtivo, contando com pesado investimento
tecnológico. Este cririo incorpora uma perspectiva de racionalização de recursos,
54
equilibrando a relação insumo/produto; é a relação clássica de produtividade estabelecida
como parâmetro de avaliação da viabilidade de um processo produtivo (RIBAS, 1985).
Para este autor o estabelecimento de parâmetros que indiquem eficácia organizacional
são mais relativos à adequação dos processos e tecnologias disponíveis do que otimização da
taxa de produtividade. As adequações adotadas e abordagens de análise de desempenho por
esse critério consideram dois aspectos principais (ou a combinação de ambos): objetivos
organizacionais ou dependência e adaptabilidade para aquisição de recursos.
No caso da determinação do grau de eficácia a partir da capacidade da organização em
atingir seus objetivos, aponta-se como deficiência desta abordagem a dificuldade de definir
coerentemente os próprios objetivos da organização, visto que esta não é uma estrutura em
que imperam relações harmônicas e tampouco isoladas de fatores aparentemente
extraorganizacionais (RIBAS, 1985; SANDER, 1984).
A abordagem de aquisição de recursos tenta preencher estas lacunas da abordagem de
objetivos, centrando-se a análise na relação que as organizações estabelecem com fatores do
ambiente externo e nas adaptações organizacionais à dinâmica. Tais relações de dependência
exercem influencias sobre a estrutura da organização, determinando seu desempenho. Por sua
parte, a organização pode estabelecer relações com o ambiente que favoreçam a exploração de
recursos (RIBAS, 1985).
Percebendo as limitações de ambos os focos de análise e sua complementariedade,
Machado da Silva (1984) propõe a combinação de ambas abordagens no intuito de qualificar
a avaliação da eficácia organizacional. Este autor desenvolveu um modelo teórico para análise
da eficácia através da percepção do grau de congruência entre atributos organizacionais
objetivos, estrutura, tecnologia e ambiente pressupondo que estes são mediadores entre
fatores ambientais e objetivos operativos.
55
Dada a latente dificuldade em definir os objetivos organizacionais, outros estudos que
adotam a eficácia produtiva como critério de desempenho, propõem a avaliação a partir da
satisfação dos participantes envolvidos na dinâmica organizacional, o que esbarra nos limites
da percepção individualizada dos objetivos e do desempenho da organização (RIBAS, 1985).
Mesmo quando se incorpora a percepção dos participantes na avaliação do
desempenho da organização, relaciona-se mais às adequações tecnológicas do que à
intervenção no processo de decisão da organização.
Assim, é proposto um novo critério de desempenho que incorpore a dimensão política,
de forma a avaliar a capacidade de atingir objetivos socialmente desejáveis. É nesse sentido
que se inserem as avaliações pela aceitação do produto e os impactos ambientais, por
exemplo. Aspectos sócio-políticos passam a ser incorporados à análise da performance da
organização, assim como às avaliações orientadas por critérios de efetividade que visa
abranger os aspectos cio-políticos e econômicos a partir da capacidade da organização em
atingir objetivos pré-estabelecidos (RIBAS, 1985; SANDER, 1984).
Ao se incorporar a dimensão política à estrutura da organização, avaliando os
impactos da organização sobre o contexto social e promovendo a discussão e definição de
objetivos socialmente desejáveis, tem-se um avanço na incorporação de aspectos substantivos
no delineamento das estratégias organizacionais. Desta forma, o desempenho de uma
organização pode ser orientado por sua relevância produtiva, como apontado por Ribas
(1985):
Seria relevante aquele critério de desempenho que aborda não somente a
desejabilidade social dos serviços e produtos, mas do efeito destes mesmos
serviços e produtos refletidos sobre a qualidade de vida humana (...) está
associado à substantividade intrínseca da organização, a sua própria razão de
ser, que é o aprimoramento da qualidade de vida dos participantes. (p. 43)
A adoção da relevância como critério orientador se torna possível a partir de uma
priorização dos valores humanísticos e ambientais à frente dos critérios puramente
56
econômicos. Isso vem ao encontro do que SANDER (1984) aponta como ação orientada pela
garantia de “qualidade substantiva de vida humana coletiva.
Ao propor tal critério, o autor alerta para uma diferenciação entre qualidade
instrumental e qualidade substantiva. A primeira está associada a uma “condição utilitarista e
extrínseca” (SANDER, 1984 p. 04), normalmente referenciada nos empreendimentos em que
se tem a eficácia, eficiência ou efetividade como critérios orientadores com vistas à
maximização da lucratividade.
A segunda refere-se a ter em conta os aspectos anteriormente citados, propiciando “a
definição e satisfação das necessidades básicas de sobrevivência e promoção coletiva de toda
a populão no seu meio social e cultural” (SANDER, 1984 p. 04). Por se diferenciar da
orientação puramente econômica, propõe-se que a garantia da viabilidade e continuidade da
atividade produtiva seja politicamente orientada por valores éticos, especialmente liberdade e
equidade, que só o garantidos pela plena participação de todos os membros envolvidos.
Assim, a abordagem de ação humana insere a racionalidade substantiva que enfatiza os fins
sobre os meios e o conteúdo ético sobre o utilitarismo, como referência a um paradigma
paraeconômico de análise e prescrição da realidade com vistas à proposição de uma
construção sócio-política da ação coordenadora das diversas dimensões (social, cultural e, a
mesmo, econômica) das organizações ou sociedade como um todo (SANDER, 1984).
Tendo em conta o aspecto relevante para construção de um sistema articulado entre os
agricultores organizados da região, resta o desafio de estabelecer e formalizar processos e
estruturas onde se possa tomar a decisão de quais aspectos relevantes que servirão de baliza à
produção articulada de frangos.
Uma opção interessante reside em transpor algumas relações estabelecidas na própria
COOPERUNIÃO para o conjunto dos agricultores envolvidos pelo projeto. Isso garantiria o
funcionamento do sistema de forma mais avançada que a integração tradicional de
57
avicultores, cujos aspectos anteriormente descritos derivam principalmente da falta de
autonomia dos agricultores na tomada de decisão sobre o seu processo produtivo.
Deve-se ter em conta que a existência de espaços democráticos não garante a plena
participação, nem isenta o arranjo estabelecido de conflitos organizacionais. Sobre esse
aspecto Benson (1977), um teórico da dialética organizacional, aponta que a produção de
contradições estimula mudanças no “processo de construção-produção social” de diversas
formas: formando consciência e ação para as mudanças, estabelecendo limites e
possibilidades para reconstrução social ou produzindo crises que também alavancam tal
reconstrução e definindo limites de um dado sistema, apontado para a necessidade de
estabelecimento de novos processos de construção-produção social.
Para garantir uma dinâmica entre os agricultores em que se tenha constante diálogo
para construção das propostas inovadoras, associando à orientação mais eficiente para
distribuir espacialmente as áreas produtoras de frango, tem sido sugerida a formação de
grupos de avicultores que além de concentrarem a produção em algumas áreas, serviriam
como células produtivas e organizativas da estrutura em articulação.
Outro elemento valorizado como compromisso para o arranjo em implantação é a
aproximação do sistema produtivo a uma matriz tecnológica agroecológica. O frango
atualmente comercializado pela marca Terra Viva (produzido exclusivamente no
assentamento Conquista na Fronteira) tem algumas características associada ao sistema de
criação adotado, menos intensivo que sistemas de produção largamente difundidos pelas
agroindústrias atuantes na região
26
. Considerando o pado das instalações adotadas na região,
26
Dentre as características diferenciais tem-se: maior ciclo de prodão (42-45 dias), menor densidade
populacional por aviário e não administração de antibióticos ou probióticos. Além disso, parte dos grãos
componentes da ração é produzidos no próprio assentamento, o que é interessante em termos de garantia de
estabilidade do preço. Alguns aspectos como baixa exigência de investimentos em equipamentos e instalações
também são consideráveis, já que esse é um dos principais fatores que determinou o abandono da atividade pelos
avicultores entrevistados na região.
58
é provável que os avicultores reativem seus sistemas de criação conforme o modelo adotado
na COOPERUNIÃO.
Porém, há maiores possibilidades de implantação de sistemas agroecológicos de
criação de frangos nas áreas em que se fará a substituão da fumicultura. A estratégia está em
aproveitar as antigas instalações de secagem e seleção de fumo para construção de aviários
associados a áreas com piquetes de pasto para crião de raças rústicas. Isso garantiria a
geração de renda para esses novos agricultores com baixo investimento para conversão da
atividade e menos exigências em manejo.
Partindo de uma análise dialética da organização produção sob sistema cooperativista
e considerando os componentes
27
da sua estrutura morfológica (BENSON, 1977), é possível
identificar elementos neste tipo de arranjo produtivo que extrapolem a dimensão racionalizada
e funcionalista da lucratividade para estruturar um sistema produtivo comprometido com o
incremento da qualidade de vida humana coletiva.
27
Os componentes morfológicos são um conjunto de relações e arranjos convencionalmente aceitos e analisados
pela Teoria Organizacional como partes administráveis da organização. Em conjunto compõem a morfologia da
organização, que sob enfoque analítico funcionalista é a organização em si, o sistema composto de níveis,
setores, departamentos que se relacionam e de forma coerente se complementam a fim de garantir o
funcionamento da organização e alcançar as metas organizacionais.
59
4 DESCRIÇÃO DA REALIDADE
4.1 DA FRONTEIRA AOS MUNICÍPIOS DO EXTREMO OESTE: O CONTEXTO
DA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO E AS ENTIDADES ENVOLVIDAS
Como tratado anteriormente, a região extremo Oeste Catarinense destaca-se pela
manutenção de uma estrutura fundiária com predominância de pequenas e médias
propriedades, resultado do projeto específico de colonização e ocupação da região. Com o
desenvolvimento econômico fortemente vinculado à agroindustrialização, esta estrutura
fundiária tornou-se funcional em relação às estratégias de integração das grandes indústrias
agroalimentares. O resultado foi um arranjo produtivo calcado na integração vertical da
produção de pequena escala, o que coloca a região como exceção da tendência nacional, a
qual seguiu uma lógica mais intensa de latifundização e êxodo dos agricultores proletarizados.
Portanto, estabeleceu-se um processo econômico que se construiu com a subordinação da
agricultura de pequena escala aos grandes conglomerados industriais.
Parte desses pequenos agricultores está envolvida no sistema de integração da
produção avícola às agroindústrias de carnes, modelo de produção agrícola mais expressivo
na região Sul do Brasil estabelecido desde a década de 1980, e em grande maioria encontra-se
pauperizados. É possível perceber nesse quadro o esgotamento conseqüente do processo de
subordinação dos meios de produção e exploração do trabalho: o modelo tecnológico adotado
trouxe graves danos ambientais, a retirada da autonomia produtiva, o endividamento e o
estabelecimento de metas produtivas provocaram, em grande medida, esgotamento das
pessoas.
Há um agravamento do quadro com as novas tendências da organização da produção
avícola para ocupação de grandes áreas com alta capacidade de investimentos que trouxe ao
Oeste Catarinense, e outras regiões que abrigam avicultores de pequena escala produtiva, um
60
quadro de crise devido à redução das áreas contratadas pelas empresas integradoras. Além
disso, sob receio de serem excluídos do sistema de integração são impelidos a acompanhar
uma dinâmica produtiva exaustiva ou abandonar a atividade (por conseqüência, inviabilizando
sua permanência na propriedade). No Extremo Oeste, a diminuição do número de unidades
integradas cada vez mais concentrada em poucos municípios veio associada ao
estabelecimento de padrões produtivos cada vez mais rígidos (monitorados por todo um
sistema de “controle de qualidade”) e produtividade crescente (com medidas que o do
maior adensamento à diminuição do ciclo produtivo).
No município em que foi feita a avaliação econômica da produção integrada em
moldes convencionais, por exemplo, havia duas empresas atuando em concorrência e que
negociaram áreas de atuação exclusiva, sem nenhuma consulta aos agricultores integrados.
Apesar de sentirem lesados, afirmando que a “nova” integradora realiza uma contratação mais
injusta (com mais exigências aos produtores e pior remuneração), os avicultores se
conformaram à situação por não encontrarem outras formas de dar continuidade à atividade
avícola. Assim como explicado nos estudos sobre a questão, foi percebido que a constância de
altos investimentos em capital fixo, necessário à produção avícola convencional é um
mecanismo importante de subordinação do trabalho, que além de levantarem dívidas elevadas,
geralmente estas são fiadas pela própria empresa integradora, que também se ocupada de
buscar as fontes de recurso, muitas vezes de fundos governamentais de investimento agrícola,
e disponibilizar pessoal para elaboração dos contratos.
As exigências que se colocam são automatização e ampliação dos aviários, instalação
de silos na propriedade, de maneira a diminuir os custos com transporte de ração, além de
medidas de controle total da produção que está baseada na diminuição do pro pago em caso
de perdas na qualidade do produto.
61
Ao mesmo tempo, convém destacar que a região é bastante marcada pela influência de
movimentos sociais camponeses que buscam construir um projeto relevante de transformação
nas relações produtivas, propondo novos arranjos, buscando novas bases tecnológicas,
estruturando diferentes relações na divisão social do trabalho.
4.1.1 Organização dos Pequenos Agricultores catarinenses: a AEPAC, a ARCAPA e
a OESTEBIO
Diversos são os tipos de entidades jurídicas que representam os pequenos agricultores
vinculados ao MPA incorporadas à estrutura orgânica do movimento. No caso do estado de
Santa Catarina, a Associação Estadual de Pequenos Agricultores Catarinenses (AEPAC) é
uma das principais entidades articuladoras dos núcleos de base, dispersos em 25 municípios
28
.
Esta associação, constituída no ano de 1998 e registrada em 2002, apresenta como
principal objetivo: estimular o desenvolvimento agrícola sustentável, promovendo o
progresso econômico, social e cultural dos agricultores organizados no MPA Movimento
dos Pequenos Agricultores.
A principal linha estratégica desta associação é a promoção da capacitação dos seus
associados, através de atividades de intercâmbio e cursos de formação, realizadas junto a
entidades parcerias como escolas, centros de formação, universidades, cooperativas, entre
outras. Uma das temáticas mais relevantes para os pequenos agricultores associados é o
desenvolvimento da base produtiva agroecológica, merecendo destaque as ações de
promoção, capacitação e divulgação do resgate de sementes crioulas, bem como a
implantação de um sistema de beneficiamento e comercialização destas; projeto de estudo da
viabilidade técnica, sócio-econômica e ambiental de implantação de sistema de produção de
agrocombustíveis e alimentos na mesorregião Oeste de SC, em parceria com MST e o MAB;
28
Dados obtidos de análise de documentos internos da AEPAC.
62
organização da produção para Programa de Aquisição de Alimentos; projeto de conversão de
produção de fumo para atividades agroecológicas como leite à base de pasto e avicultura
colonial, entre outros.
Para acompanhamento mais direto aos núcleos de base, especialmente no que se refere
à elaboração de projetos de custeio e investimento agrícola, fortalecimento da execução dos
projetos anteriormente citados e assessoria técnica aos pequenos agricultores, o MPA dispõe
de associações regionais que no caso do Extremo Oeste está juridicamente representada pela
Associação Regional de Cooperação Agrícola dos Pequenos Agricultores de São Miguel do
Oeste (ARCAPA).
Entendendo o potencial de estruturar esse complexo na região Oeste dos três estados
do Sul do Brasil, o MPA delineia uma ação organizativa que articule e fomente todos estes
projetos em âmbito interestadual. Para tanto, surge em 2007 a Cooperativa Mista de
Produção, Industrialização e Comercialização de Biocombustíveis (OESTEBIO).
Assim, o sistema de integração avícola projetado se insere num conjunto de estratégias
produtivas que devem fortalecer a base produtiva agroecológica em construção entre diversos
movimentos camponeses. Mais que isso, é oportunidade de avançar junto a organizações
parceiras na busca por novos tipos de relações de produção.
63
4.1.2 A organização dos assentados do Oeste Catarinense em cooperativas: A CPA
COOPERUNIÃO e a CPS COOPEROESTE
A Cooperativa de Produção Agropecuária União do Oeste Ltda (COOPERUNIÃO),
atualmente constituída por 130 cios, surgiu no ano de 1991 com o objetivo de organizar as
atividades econômicas e sociais da comunidade de 60 famílias aí assentadas em 1989.
A estratégia de organização da produção da cooperativa seguiu os passos descritos das
estratégias produtivas do SPCMA/MST para viabilização de renda do assentamento. Esse
planejamento é definido anualmente pela Direção Coletiva da cooperativa, composta por
coordenadores das Equipes de Trabalho, e aprovado em Assembléia. As proposições levadas
pelos coordenadores às reuniões da Direção Coletiva são resultados das constantes avaliações
que se tem nas equipes sobre o processo de trabalho e as adequações necessárias, além disso,
são proposições de adequações considerando a necessidade de adaptações da cooperativa às
condições econômicas.
O acompanhamento à execução destas tarefas se dá pelos coordenadores de Equipes,
que compõem o Setor de Produção da cooperativa. Eles são responsáveis por organizar a
demanda de mão-de-obra mensal e encaminhar a resolução de imprevistos, de forma a atingir
as metas planejadas coletivamente. Todo esse processo é acompanhado pelos cooperados
através dos informes e encaminhamentos dados em assembléias mensais.
Toda esta estrutura
29
é fruto dos 20 anos de existência do assentamento e ao longo
deste período foi se readequando conforme as conquistas da comunidade. O setor de
subsistência foi a primeira atividade organizada, onde o frango se apresentou como produto
viável pelo rápido ciclo de produção para suprimento de proteína para a comunidade. Em
seguida, esta atividade se destacou pela produção de excedentes destinada à comercialização
29
Para mais detalhes sobre a estrutura orgânica do assentamento Conquista no Fronteira, ver organograma no
Anexo III.
64
sendo estruturada a ampliação para 11 aviários instalados e montagem da fabrica de ração,
compondo uma nova Equipe de Trabalho denominada Avicultura. Em 2000, foi implantada a
unidade de abate e processamento na comunidade com capacidade instalada para abate de
8000 frangos/dia.
Como dito, tais instalações eram superdimensionadas para as condições de
fornecimento de matéria-prima exclusivamente pelo assentamento. Por outro lado, sendo uma
região de fronteira, o abatedouro teve de ser adequado às exigências de Inspeção Sanitária
Federal, que determina uma infra-estrutura mínima de equipamentos e instalações, a qual foi
seguida para implantação da unidade de abate e processamento.
Desde então, foram feitas diversas adequações para potencializar a produção de
frangos, que vinha se consolidando como estratégia de renda semanal. Também foram
estabelecidas parcerias para melhorar a produção, como o caso do acompanhamento técnico
feito pela Embrapa Suínos e Aves. No ano de 2002, a cooperativa atingiu sua capacidade
máxima de produção de aves, que se mantém até os dias atuais na faixa de 7000
frangos/semana produzidos em 12 aviários de 50x12m manejados por oito pessoas. Além da
mão-de-obra alocada nos aviários, são aproximadamente cinco pessoas envolvidas em
serviços de manutenção, fabrico da ração e transporte dos produtos mais cerca de 42 pessoas
envolvidas no abate, todas elas compõem a Equipe de Avicultura.
Esse grande contingente de cooperados envolvidos em todo o sistema de produção de
frangos é uma das mais recentes e mais expressivas adaptações feitas até então para aumentar
a produtividade do abatedouro. A questão da disponibilidade de mão-de-obra é bastante
debatida internamente, sendo identificada como outro gargalo para aumento da produção de
frango.
Outras mudanças anteriormente identificadas para melhor funcionamento do
abatedouro são: a aquisição de máquinas equipamentos e reformas nas instalações que visam
65
melhorar as condições de trabalho e sanidade do sistema, além de ampliar a capacidade de
estocagem dos produtos. Tais mudanças executadas em 2007 foram determinantes para se
abrir o abatedouro para a prestação de serviços de abate para uma empresa atuante na região.
Somando-se a carga de trabalho para abate dos frangos criados na cooperativa mais os
produzidos pela empresa contratante dos serviços de abate, atualmente tem-se a produção de
54500 frangos/mês abatidos em cinco dias, sendo 38500 aves produzidas na
COOPERUNIÃO e 16000 aves produzidas externamente. Estas são abatidas e entregues à
empresa que fica responsável pelo transporte dos frangos vivos e processados, além de
comercializarem com sua própria marca.
Além da produção de frangos, a COOPERUNIÃO tem como principal produto o leite
bovino. Essa produção “voltada ao mercado”, isto é, com objetivo de gerar produtos a serem
comercializados,o obedecem aos padrões tecnológicos do modelo agroecológico, mas
existem algumas medidas que buscam adequar para uma produção de alimentos saudáveis
como redução do uso de agrotóxicos, substituição de adubos sintéticos nas áreas de lavoura
por composto ornico, esterco e cama de aviário, medidas de manejo da sanidade animal
para diminuição de uso de medicamentos, elaboração de rações sem adição de antibióticos,
entre outros. Segundo relato de agricultores assentados, a produção de outros gêneros
alimentícios que são exclusivamente destinados às famílias cooperadas é inteiramente
agroecológica.
Os canais de comercialização de frango estabelecidos pela COOPERUNIÃO
compõem-se basicamente de pequenos varejistas concentrados em municípios próximos a
Dionísio Cerqueira, mas dispersos pela mesorregião Oeste Catarinense. Além disso, tem-se
um convênio com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) que via Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) compra o frango para entrega à uma associação de bairro da
periferia do município. O leite é recolhido pela COOPEROESTE. Junto ao setor de
66
comercialização da COOPERUNIÃO, esta CPS também auxilia na distribuição dos frangos
Terra Viva.
A COOPEROESTE foi constituída em 1996, com sede no município de São Miguel
do Oeste. É composta por cinco unidades que beneficiadoras de produtos
30
. Além de
beneficiar produtos da marca Terra Viva
31
, a COOPEROESTE garante a comercializão e
distribuão dos produtos da regional Extremo Oeste, dispondo de três unidades onde se
realizam as operações de comercializão de produtos, além da compra de insumos aos
cooperados.
Com canais de comercialização abertos nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São
Paulo e Santa Catarina, a cooperativa avançou muito na logística de distribuão de produtos e
aquisição de leite de pequenos agricultores do Oeste Paranaense e Catarinense. Assim, tem-se
como perspectiva aproveitar os canais de venda consolidados pela COOPEROESTE para se
fazer a comercialização do frango Terra Viva.
4.1.3 Da segurança alimentar da COOPERUNIÃO à articulação de pequenos
agricultores do Extremo Oeste
A proposta de associar a produção avícola de pequenos agricultores da região vem
desde a identificação da incapacidade de aumentar a produção de frangos somente contando
com a estrutura da cooperativa, por volta do ano 2002. Com isso, foi buscada a parceria com a
30
Os principais produtos Terra Viva da regional Extremo Oeste são: leite e derivados, industrializados nas
Unidades Longa Vida e Laticínio de Leite da COOPEROESTE, ambas em São Miguel do Oeste; frango,
produzido e abatido pela COOPERUNIÃO; doces e conservas, beneficiados na Indústria de Alimentos Persch
Ltda., também em São Miguel do Oeste.
31
Terra Viva é a marca compartilhada dos produtos de assentamentos de reforma agrária de SC. Martins (2006)
apresentou um estudo sobre o valor desvelado à marca Terra Viva devido à característica organização da
produção, industrialização e comercialização adotada pelos assentados cooperados. Segundo o autor, a decisão
de criar uma marca única para comercialização dos produtos da reforma agrária do estado veio de discussões do
MST via Cooperativa Central da Reforma Agrária de Santa Catarina (CCA/SC), no ano 1995.
67
AEPAC considerando a trajetória dos dois movimentos em construir ações conjuntas de
fomento à segurança alimentar e produção agroecológica.
Tendo por base as relações que se estabelecem nos sistemas de integração vigentes, é
possível sugerir que várias mudanças devem ser orquestradas de forma a não reproduzir as
contradições e perversidades do sistema e ao mesmo tempo apresentar uma proposta que se
viabilize economicamente.
Para os pequenos agricultores, essa proposta vem complementar o projeto de
organização da produção pensado regionalmente pela AEPAC, especialmente quando
considerada a possibilidade de conversão de unidades com produção de fumo para a produção
de alimento, neste caso, o frango colonial.
Projetando o sistema em caráter experimental, considerando a somente o fornecimento
de matéria-prima para operação do abatedouro em seu ponto de equilíbrio, isto é, de forma a
igualar custo de produção e renda, que no caso do abatedouro fica em torno de 3200 aves/dias
(40% da capacidade instalada) tem-se projetada a produção integrada sob os seguintes
parâmetros:
TABELA 02 Dimensionamento do sistema para atingir o ponto de equilíbrio do
abatedouro incluindo a oferta de maria-prima da COOPERUNIÃO:
Fonte: Análise documental dos projetos de viabilização do sistema e pesquisa de campo.
Parâmetro Convencional Colonial
Dias de abate/
s
22
22
Idade de abate (dias)
44
84
Vazio sanitário (dias)
10
10
Viabilidade (dias)
96
94
Conversão alimentar
1,90
2,80
Peso de abate (g)
2.400
2.400
Densidade alojamento aves/m
2
12
10
Tamanho módulo (Aves)
7.000
500
Área do módulo (m
2
)
608
53
Á
rea do piquete (m
2
)
-
1.596
mero de módulos
21
94
Tamanho dos módulos (m
2
)
608
53
mero de pintos alojados/mês
61.875
11.702
Plantel total a campo
67.222
32.766
Frango abatido/dia (ton.) 6,48 1,20
68
Como descrito, a COOPERUNIÃO vem adequando as instalações do abatedouro e
fábrica de ração para aumentar sua produção de frangos abatidos, porém são necessários
investimentos na viabilização da logística do sistema de integração com agricultores da região
para os quais foi elaborado um projeto de financiamento, o qual serviu de documento
importante para elaboração desta pesquisa. Além da busca por créditos subsidiados, as
instituições vêm estudando outras possibilidades de ajustes que facilitem a implantação do
sistema.
Para isso, foram levantadas novas demandas porquinas e equipamentos necessários
à efetivação da parceria. Com a fábrica de ração com capacidade produtiva de 15ton/dia ração
e capacidade de estocagem de insumos por três meses, ter-se-iam disponíveis cerca de 8
ton/dia de ração. Disto surge um primeiro desafio: dimensionar um sistema de aquisição de
grãos para fabricação de ração aos integrados do sistema. Atualmente, a COOPERUNIÃO
tem de comprar parte dos componentes da ração de cooperativas agroindustriais atuantes na
região. Caso não se delineie um sistema de fornecimento adequado ao volume de grãos
demandados, o sistema ficará mais suscetível às oscilações de preços deste produto. Um outro
aspecto é relativo ao sistema de produção de milho e soja adotado, que apesar de usar técnicas
de conservação de solos e água (plantio direto, adubação com cama dos aviários da própria
cooperativa, consorciação de culturas), ainda não se conseguiu implantar um sistema orgânico
para produção dos grãos no assentamento, ainda sendo utilizados agrotóxicos. Também os
grãos comprados de produtores da região vêm de sistemas totalmente convencionais, o que
representa um dos entraves outro entrave transição dos sistema de criação de frangos como
agroecológico.
69
TABELA 03 Demanda de componentes para fabricação de ração aos 110 aviários
projetados para a fase de experimentação do sistema
Item Convencional
Colonial Total
Insumos para Ração/tons. (mês)
Energético (Milho) 176,07 48,05 224,11
Protéico (Soja) 81,26 22,18 103,44
Suplemento mineral
13,54
3,70
17,24
Ração (tons)
Ração mensal
271
74,00
345,00
Ração diária
9,03
2,46
11,49
Fonte: Análise documental dos projetos de viabilização do sistema e pesquisa de campo.
Para isso, foi pensada a organização da produção e aquisição de grãos junto aos
agricultores que tradicionalmente já vêm produzindo milho e soja na região. Da mesma forma
que se tem o desafio de projetar um sistema de integração da produção de frangos baseado em
relações justas, fica o desafio de organizar esta produção. Para tal, vem sendo proposta a
aquisição de produtos através das cooperativas organizadas pelos dois movimentos.
Existe, ainda, a perspectiva de associar a produção de ração ao projeto da unidade de
beneficiamento de biodiesel e outras microunidades de produção de agrocombustíveis
previstas no projeto de estudo da viabilidade da implantação de agrocombustíveis.
Um ponto frágil do sistema é o fornecimento de pintainhos. A Embrapa Suínos e Aves
propôs o fornecimento de aves de 01 dia da linhagem Embrapa-041, do tipo colonial, para
implantação dos sistemas semi-confinados, porém este fornecimento fica condicionado às
demandas do incubatório de acordo com os projetos da empresa. Uma sugestão dada pelos
técnicos desta instituição foi a busca de avicultores multiplicadores que têm convênio com a
Embrapa para difusão das linhagens desenvolvidas.
No que se refere à disponibilidade de veículos para transporte da ração e frangos em
ponto de abate, o maquinário disponível na COOPERUNIÃO não é suficiente para suportar a
logística ser desenhada para a região, sendo outra medida de ajuste necessária. A dependência
de fretamento destes insumos e produtos, especialmente da carga viva é despesa que aumenta
muito os custos operacionais. Tem-se a perspectiva de aquisição de caminhões para transporte
70
de frango vivo até o abatedouro e de ração até os avicultores, ainda assim, segundo
levantamento de técnicos da Embrapa Suínos e Aves envolvidos no estudo de viabilidade do
projeto, a disncia percorrida para entrega do frango vivo, considerando as condições de
bem-estar e sanidade da carga de animais não pode superar os 70km. Portanto, tem-se
trabalhado com a perspectiva de constituição de grupos de produtores que se localizem em
áreas próximas à COOPERUNIÃO, até que se constitua um sistema mais adequado de
distribuão.
A formação de grupos de produtores auxilia, ainda, na potencialização do trabalho
através da cooperação, além de constituírem núcleos nos quais resoluções sobre o sistema de
integração podem ser avaliadas e sugeridas, por exemplo.
Coerente a isso, o projeto coloca a necessidade de ampliação da capacitação de
técnicos e agricultores sobre sistemas de produção de frango convencional e colonial, espaço
no qual certamente serão discutidos temas relevantes para a viabilização do sistema de forma
coletiva.
Tendo em vista as condições atuais e todas essas adequações necessárias, as entidades
parceiras vêm avançando no estabelecimento de um primeiro canal de fornecimento de
matérias-primas compradas pela COOPERUNIÃO dos avicultores vinculados à
COOPEROESTE e a OESTEBIO, que se encarregarão de acompanhar a produção e viabilizar
a entrega de ração e frango ao abatedouro. Para isso, é necessário equacionar a questão do
preço pago ao produto e organizar canais que consigam dar suporte a este sistema.
Além disso, algumas medidas cogentes colocadas pelas empresas integradoras deverão
ser revistas de forma a ensaiar as novas relações que constituirão o sistema em desenho.
71
4.2 PRODUÇÃO INTEGRADA DE FRANGOS DE CORTE NA REGIÃO
EXTREMO OESTE: CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA E CUSTOS DE
PRODUÇÃO
A análise econômica se deu junto a uma família que tem sua produção verticalmente
integrada a uma empresa agroindustrial. O sistema de produção é do tipo convencional, com
intensa aplicação de insumos e uso de linhagens geneticamente melhoradas sob confinamento.
Vale ressaltar que os índices de desempenho zootécnico das aves (com ciclo de crescimento e
engorda entre 42-45 dias e conversão alimentar média 1,85), bem como o padrão de
construção (galo manual de madeira) do sistema estudado são defasados com relação ao
padrão tecnológico que vem sendo difundido entre os avicultores integrados da região.
Ainda assim, foi mantida a análise deste sistema por ser padrão disponível entre os
agricultores que deverão ter suas instalações reativadas. Além disso, é mais próximo das
condições tecnológicas adotadas pelo sistema de criação de aves atualmente adotado na
COOPERUNIÃO exceção do intenso uso de medicamentos), que deverá servir de
referência para os avicultores integrados, a fim de manter a qualidade do frango Terra Viva.
Gastos com água não foram contabilizados, por ainda não ser vigente na região a
cobrança pelo uso, a qual deve ser implantada em breve.
Tampouco foram contabilizados os custos com ração e pintainhos por estes serem
antecipados pelas empresas, não entrando no cálculo de remuneração apresentado pela
empresa ao agricultor no documento “Demonstrativo de acerto da parceria avícola”. Além
disso, se comparados os custos de aquisição destes insumos para a agroindústria e para os
avicultores, ou até mesmo para a COOPERUNIÃO, é identificada uma grande diferença, dado
o fato de a agroindústria possuir a estrutura de produção de pintos de um dia, contando com
avicultores também integrados e incubatório próprio.
72
no caso da ração, as empresas integradoras apresentam vantagem comparativa por
ter estabelecidos contratos de compra com produtores da região ou de outras áreas de fronteira
agrícola com menores custos de oportunidade.
Os resultados da análise de custo, bem como a renda obtida pelo lote e a especificação
de despesas não remuneradas pela empresa integradora são apresentados na Tabela 04 que se
segue:
TABELA 04 Análise de custos de produção e renda de um lote 7000 aves criado sob
sistema convencional, em galpão manual (50X12m).
CUSTEIO Custo por lote
A. Custos fixos R$ 3.713,48
Depreciação R$ 428,46
Manutenção equipamentos (base de cáculo 20% depreciação anual)
R$ 85,69
Custo do Capital R$ 3.125,11
Funrural R$ 74,22
B. Custos Variáveis R$ 1.847,81
Timsen (pote) R$ 49,74
Raticida (pct 25g) R$ 12,75
AVT (frasco) R$ 7,53
Cloro (pote com pastilhas) R$ 2,32
Colostro (galão 5L) R$ 17,60
Suplemento eletrolítico (pedra) R$ 18,54
Lenha eucalipto (m³) R$ 425,00
Cama de aviário (m³) R$ 210,00
Lâmpadas (40kW) R$ 38,00
Óleo diesel (L) R$ 9,45
Energia elétrica - consumo médio calculado (kW)
32
R$ 154,40
Custo carregamento (dado integradora) R$ 302,82
Mão-de-obra aviário (base de cálculo salário mínimo) R$ 599,68
C. Custo Total (A+B) R$ 5.561,29
D. Dados para Análise
Custo Fixo Unitário R$ 0,53
32
Note que o consumo médio calculado representa cerca de 60% da média da região, pelo fato das instalações de
água não demandarem uso de bomba hidráulica, o que deve representar uma queda de cerca de R$0,01 centavo
nos custos variáveis por cabeça.
73
Custo Varvel Unitário R$ 0,26
Custo Total Unitário R$ 0,79
Preço Pago pelo Integrador R$ 0,47
Renda Líquida R$ (0,32)
E. Custos não assumidos
Maravalha, lenha, energia elétrica, além de não assumir custo com o-de-obra
F. Custos não Pagos pela integradora (por lote de 7000) R$ 1.389,07
G. Custos não Pagos pela integradora (por cabeça) R$ 0,20
Fonte: Dados de pesquisa de campo.
A análise do sistema apresenta sua inviabilidade considerando a baixa remuneração do
produto praticada pela empresa agroindustrial. Se comparada à estimativa de custos levantada
pela empresa integradora
33
que apresenta uma média de R$ 0,28/cabeça, os custos do sistema
estão muito acima do previsto. Segundo relato do avicultor, nesta estimativa não são
considerados gastos com lenha, energia elétrica e água, que ficam como contrapartida do
“avicultor parceiro”. Além disso, para a empresa a força de trabalho empregada não é
considerada despesa do sistema de produção.
Se verificada a análise de custos levantada, é constatado que justamente estas despesas
são responsáveis por maior parte dos custos variáveis aplicados em um lote.
O espólio praticado pela remuneração parcial dos custos envolvidos na produção é
somente um dos mecanismos de subordinação da pequena produção ao sistema de integração
vertical das empresas agroindustriais.
A empresa já vem exigindo adequações que comprometem a renda, como a construção
de galpões automatizados e a introdução de linhagens de ciclo mais curto. Segundo relatos da
família, estas adequações o desnecessárias por obrigarem a contração de empréstimos que
mesmo sendo viabilizados com intermediação da empresa com recursos governamentais de
crédito agrícola subsidiado, representa o comprometimento de parte de sua renda por a
cinco anos.
33
Dados apresentados pelo técnico da empresa integradora à família avicultora integrada.
74
O descontentamento é ainda mais explícito quando considerados os aumentos dos
gastos com energia elétrica e água, não somente pelo fato do sistema automatizado ser mais
demandante destes recursos, como por uma especificidade do sistema de produção em aviário
manual estudado que possui instalações de fornecimento de água por gravidade, dispensando
o uso de bomba d’água e galpões com melhor ambiência (árvores próximas, telhado de
cerâmica, localização em área mais arejada) que implicam em menor necessidade de
acionamento de ventiladores e nebulizadores
34
.
Algumas medidas de controle são obrigarias com pretexto de garantir da sanidade
dos lotes e acabam por submeter toda a organização da unidade de produção às condições
colocadas pelas agroindústrias. Um exemplo é a proibição de criação de outros pequenos
animais na área, desde outras aves aanimais de companhia como gatos e cachorros. Tal
medida compromete a suplementação da renda com outras atividades bem como a própria
segurança alimentar dos agricultores. Para efeitos de cálculo de renda da terra, que tampouco
é remunerada pelas agroindústrias, isto leva a estimar que a área comprometida com o sistema
de criação extrapola os limites dos aviários, considerando que o agricultor fica impossibilitado
de desempenhar diversas atividades tradicionalmente executadas como o caso da suinocultura.
No documento de acompanhamento do lote constam medidas que visam a qualidade
sanitária do sistema de produção, como controle de vacinas, consumo de água, controle de
temperatura e medidas de ajuste do conforto térmico e umidade, pesagens semanais,
acompanhamento do consumo de ração, contagem de mortalidade, registro de frangos
consumidos pela família para rebate na cobrança de pintainhos, entre outras verificações que
devem ser registradas diariamente. Segundo os termos do contrato de parceria avícola”, o
preenchimento inadequado da ficha de acompanhamento acarreta em desconto de 15% do
valor total do bônus por produtividade.
34
Essas considerações foram feitas pela família comparando as condições do aviário manual e do aviário
automatizado recentemente instalado na área.
75
A remuneração das “boas práticas” a partir de bônus produtividade é uma ação da
política de controle total de qualidade da produção, na qual é implantado um sistema de
classificação dos avicultores de maneira a excluir os que não atingem as metas estipuladas
pela empresa integradora. Segundo a empresa, a tabela tem por objetivo a padronização de
critérios de avaliação dos aviários dos “parceiros” e pode ser aplicada tanto pelo técnico
responsável pela unidade de produção quanto por outros setores da empresa agroindustrial
relacionados ao controle de qualidade.
Segundo relatos, não fica clara a remuneração por prêmio produtividade, visto que ele
é aplivel aos aviários com desempenho considerado excelente pelos padrões do sistema
de controle. A remuneração fica em torno de 24 a 30% do valor total agregado no lote a
depender do desempenho do agricultor, sendo que esta é contabilizada ao calcular a média de
preço pago por cabeça. Assim, quando considerados os R$0,47/cabeça recebidos pelo
agricultor, temos como parâmetro o pagamento efetuado a um “parceiro” com desempenho
considerado excelente. De acordo com a família, a remuneração por cabeça praticada na
região varia entre R$ 0,26 a 0,59/frango, considerando os parâmetros de avicultores em vias
de exclusão até avicultores com máximo prêmio de produtividade de alta capacidade de
alojamento.
Uma outra questão levantada pelo agricultor foi a determinação da quantidade de
prazos de produção de cada lote. No acordo com a integradora, a quantidade de pintainhos
entregue para crescimento e engorda segue o planejamento produtivo da empresa, podendo
haver uma margem de até 10% de variação na quantidade de animais criados. Da mesma
forma, o período de carregamento dos animais é bastante variável ficando a cargo da empresa
somente avisar a data certa com poucos dias de antecedência. relatos de caso em que a
empresa passou até uma semana do período normal de criação dos frangos, o que acarreta o
agricultor considera um prejuízo, já que ao atingir sua conversão alimentar máxima os
76
animais passam a representar aumento na despesa com ração que será rebatida dos custos do
integrado, mesmo que os atrasos tenham sido por falta da integradora.
Por outro lado, o acordo estabelecido para os casos de perda de lotes por quaisquer
questões sanitárias que fujam à alçada dos criadores, como o caso de epidemias, determina
que o avicultor não sofra descontos deste lote, tampouco este recebe alguma remuneração
pelos custos empreendidos.
4.3 SISTEMA COLONIAL DE CRIAÇÃO DE FRANGOS DE CORTE:
CARACTERÍSTICAS E PERSPECTIVAS DE IMPLANTAÇÃO NA REGIÃO
EXTREMO OESTE.
A proposta de converter as instalações de fumo em sistemas semi-confinados de
criação de frangos coloniais é um projeto novo proposto pela Embrapa Suínos e Aves.
Portanto, não se tem ao certo os custos que acarretariam as mudanças necessárias. As tabelas
05 e 06 que se seguem apresentam uma estimativa de custos variáveis para criação de um lote
de 1000 frangos coloniais com ciclo de crescimento e engorda de 85 dias.
O levantamento elaborado pela equipe técnica da AEPAC indica gastos efetuados por
um agricultor com produção individualizada, o que deve acarretar maiores custos para
aquisição de pintainhos e ração que deverão ser reduzidos com o fornecimento destes insumos
a custos menores via sistema de integração.
77
TABELA 05 Estimativa de custos com rão e pintainhos para alojamento de um lote de
1000 aves coloniais.
Item
Quant.
Unitário
Total
Pintainhos – um 1000 R$ 1,00 R$ 1.000,00
Ração Inicial:
Farelo de Soja kg 350 R$ 0,48 R$ 168,00
Suplemento mineral – saco 40kg 1 R$ 35,00
R$ 35,00
Milho moído – saco 60kg 10 R$ 16,75
R$ 167,50
Ração crescimento/engorda:
Farelo de Soja kg 1500 R$ 0,48 R$ 720,00
Suplemento mineral saco 40kg 5 R$ 35,00
R$ 175,00
Milho moído – saco 60kg 55 R$ 16,75
R$ 921,25
Custos parciais ração e pintainhos R$ 3,41 R$ 3.186,75
Fonte: Levantamento de custos elaborado pela Equipe Técnica da AEPAC, resp. Marlei Três
Pelo fato de não se ter implantados estes novos sistemas a campo, foram considerados
os dados levantados pela Embrapa para determinação de custo de produção. Será necessário
fazer o levantamento acurado dos gastos envolvidos diretamente a campo, assim como
seguido para a estimativa de custos de produção em sistema confinado.
TABELA 06 Estimativa custos variáveis para produção de lote de 1000 aves em sistema
colonial.
Item Unitário (por ave) Total (lote)
Maravalha
R$ 0,22
R$ 220,00
Calefação R$ 0,54 R$ 540,00
Mão de obra
R$ 0,078
R$ 78,00
Eventuais R$ 0,013 R$ 13,00
Seguro
R$ 0,002
R$ 2,00
Água R$ 0,006 R$ 6,00
Energia elétrica
R$ 0,01
R$ 10,00
Custos parciais ração e pintainhos R$ 3,41 R$ 3.186,75
Mão-de-obra aviário R$ 0,171 R$ 171,34
Total custos variáveis previstos R$ 4,13 R$ 4.227,09
Fonte: Adaptado de levantamento de custos de produção Embrapa Suínos e Aves e levantamento
de custos elaborado pela equipe técnica da AEPAC.
A estimativa de custo de implantação dos galpões para sistema de criação em semi-
confinamento realizada pela equipe técnica da AEPAC considera adaptações em galpões de
fumo com 100m² de área, somada ao cercamento de 500m² de área descoberta com
implantação de pastagem piqueteada. A tabela 07 que se segue apresenta a estimativa de
custos para reforma do galpão.
78
TABELA 07 – Estimativa de custos de reforma de galpão de fumo de 100 m² de área coberta
e implantação de 500 m² de pastagem para alojamento de lote de 1000 frangos coloniais.
Item Quant. Unitário Total
Tela plástica – m 150 R$ 2,00 R$ 300,00
Moirões (aproveitamento madeira galpão)
32
--
--
Tela galinheiro – m 100 R$ 2,00 R$ 200,00
Comedouros infantil
10
9,37
R$ 93,70
Bebedouros pendulares 6 R$ 25,00 R$ 150,00
Comedouros tipo cocho (madeira do galpão)
4
--
--
Encanamento de 25mmm 60 R$ 1,40 R$ 84,00
Mão
-
de
-
obra para instalação piquete
diária
20
R$ 25,00
R$ 500,00
Balde pesagem 1 R$ 8,39 R$ 8,39
Balança 30kg 1 R$ 96,76 R$ 96,76
Lona para cobertura cama 5 R$ 0,97 R$ 4,85
Lâmpadas 100kW 4 R$ 1,50 R$ 6,00
Fio elétrico
m
30
R$ 1,80
R$ 54,00
Implantação de piquetes com pastagens – m²
500 R$ 0,06 R$ 300,00
Bomba 6 estágios
1
R$ 1.150,00
R$ 1.150,00
Estimativa de custo de reforma R$ 2,65 R$ 2.947,70
Fonte: Adaptado de levantamento de custos elaborado pela equipe técnica da AEPAC.
Tomando a estimativa de custos variáveis elaborada para a criação de um lote de 1000
aves coloniais sob sistema de semi-confinamento e adequando os custos de depreciação e
manutenção de um lote sob sistema convencional, foi possível elaborar o seguinte cálculo de
custos de produção para um lote de frangos coloniais:
TABELA 08 Estimativa de custos de produção de um lote de 1000 frangos coloniais
criados sob sistema de semi-confinamento.
CUSTEIO Custo por lote
A. Custos fixos R$ 3.731,48
Depreciação R$ 61,21
Manutenção equipamentos (base de cáculo 20% depreciação anual)
R$ 12,24
Custo do Capital R$ 176,86
Funrural R$ 10,60
B. Custos Variáveis R$ 4.227,09
Calefação
R$ 540,00
Mão de obra
R$ 78,00
Eventuais
R$ 13,00
Seguro
R$ 2,00
Água
R$ 6,00
Energia elétrica
R$ 10,00
Custos ração e pintainhos R$ 3.186,75
Mão-de-obra aviário (base de cálculo salário mínimo) R$ 171,34
C. Custo Total (A+B) R$ 7.958, 57
D. Dados para Análise
Custo Fixo Unitário R$ 0,37
Custo Varvel Unitário R$ 0,80
Custo Total Unitário (cabeça) R$ 1,17
79
Fonte: Elaborado a partir do levantamento de custos de produção da AEPAC e Embrapa Suínos e
Aves, mais dados obtidos na pesquisa de campo.
Para efeito de cálculo do preço pago ao produto, foi feita a comparação dos custos
de produção em sistema convencional e semi-confinado considerando os dados obtidos
pela pesquisa de campo e pelo levantamento de custos da Embrapa Suínos e Aves e equipe
técnica da AEPAC. Consideramos os custos com ração e pintainhos do sistema de crião
de frangos coloniais que representam um percentual de 40,5% dos custos variáveis de um
lote. Assim, foi possível obter dados comparativos acerca dos custos de produção dos dois
sistemas de produção em estudo que propõem custos de produção semelhantes.
TABELA 09 Comparação de custos de produção estimados para um lote convencional de 7000
frangos sob sistema de confinamento e um lote de 1000 frangos criados sob sistema semi-confinado.
Sistema Custo de produção
unitário (cabeça)
Peso final vivo
(kg)
Custo de produção
unitário (kg)
Convencional
R$ 1,11 2,400 R$ 0,46
Colonial R$ 1,17 2,400 R$ 0,49
Fonte: Elaborado a partir do levantamento de custos de produção da AEPAC e Embrapa Suínos e
Aves, mais dados obtidos na pesquisa de campo.
80
5 EM BUSCA DE UMA NOVA FORMA DE INTEGRAÇÃO
POLITICAMENTE EQUILIBRADA, ECONOMICAMENTE
JUSTA
Os movimentos sociais camponeses vêm desenvolvendo uma concepção produtiva
marcada por uma racionalidade agroecológica, orientada pela produção de alimentos
“limpos”, na medida das possibilidades, livres de variedades transgênicas, insumos da
indústria petroquímica, garantindo a biodiversidade e composto de outros elementos com o
intuito de reverter um quadro de produção agrícola pressuposto pelo processo de
modernização conservadora, marcado por uma lógica produtivista irracional ambiental e
energeticamente, cujo único fundamento é a acumulão de lucros, não importando para tal
qualquer compromisso seja com a sociedade, seja com o ambiente, exceto no plano das
campanhas e estratégias de “marketing.
Essa produção de alimentos sob sistemas menos impactantes ambientalmente tem sido
vista como um desafio imenso, que envolve variáveis tecnológicas, culturais e políticas,
capacitação de pessoas e é um processo em curso, logo, o isenta de contradições.
A “marca” de alimentos “limpos” pode a mesmo ser vinculada a uma maior
valoração dos produtos Terra Viva e outras marcas de grupos semelhantes. Porém, isso
significa uma restrição financeira do direito de consumo dos produtos agroecológicos, devido
a mecanismos mercadológicos que imprimem maior valor de uso e mantêm um polpudo
“nicho” dentro do complexo mercado de produtos agropecuários.
A estimativa de custos de produção de frangos coloniais no sistema de semi-
confinamento a valores comparáveis aos do sistema de produção convencional indica que é
possível produzir alimentos saudáveis sem acarretar em grandes aumentos no preço pago pelo
81
produto, o que reforça que a construção de estratégias produtivas com base em sistemas
agroecológicos de produção é viável aos pequenos agricultores do Extremo Oeste catarinense.
No caso das unidades de produção em que se vão reativar as instalações ociosas para a
produção de frango, o sistema de criação desenvolvido pela COOPERUNIÃO indica que é
possível adotar medidas que diminuam os impactos sobre o bem-estar animal, a saúde dos
avicultores e até mesmo a qualidade do alimento para o consumidor. Como exemplo de
práticas diferenciadas, tem-se o aumento do ciclo de crescimento e engorda do frango, o
arraçoamento com alimento livre de antibióticos ou outros promotores de crescimento e a
adoção de controle físico (especialmente a diminuição no adensamento) para garantia da
sanidade animal em substituição aos tratamentos com medicamentos. A escolha de linhagens
de frango com índices zootécnicos considerados menos “eficientes” se avaliados somente a
conversão alimentar (clássico exemplo de otimização da relação insumo/produto) parece
irracional. Porém, é adequada à proposta de montagem de sistemas de criação que considerem
o bem estar animal, o que também indica uma opção por sistema que assume princípios
ecológicos.
A maior inovação presente nesta proposta reside em possibilitar aos fumicultores uma
opção produtiva que gere alimento para sua própria família e para a sociedade, além da
possibilidade de diversificar os sistemas de produção. Este elemento é central nas falas dos
fumicultores entrevistados
35
quando perguntados sobre as perspectivas de mudança de
atividade:
(...) a gente espera que deixando o fumo comece com o leite e o frango.
Porque o importante é ter duas atividades, nem mais nem menos. Que é o
suficiente pra ocupar toda a mão-de-obra da família, mais que isso coma a
perder o controle. (...) leite que é pra consumo e com bom manejo é fácil de
trabalhar. E o frango que a gente não vai deixar um galpão daqueles vazio,
né? Sem pensar que o frango tu pode criar pra comer. (Fumicultor Pedro)
35
Entrevistas concedidas à autora no período de 28 a 31 de janeiro de 2008. Os nomes são fictícios para fins de
preservação da fonte que prestou informação.
82
(...) outra questão negativa do fumo é que tu deixa de plantar a alimentação
necessária para um agricultor. Daí o lucro do fumo está indo pra comer.
Aqueles dez dias que trabalhou a mais tu vai tirar pra comprar as coisas
que antes você tinha. Ocupa tempo e terra, plantou fumou tu não vai ter
como soltar uma vaca pra comer um pasto (...) ocupa a terra e destrói!
(Fumicultor Pedro)
Os relatos também enfatizam essa preocupação com a degradação ambiental, mesmo
não conhecendo sistemas agroecológicos de produção, apontam a busca por novas atividades
menos impactantes e consideram o frango uma alternativa viável especialmente pela pouca
quantidade de terras disponíveis. Além disso, os entrevistados consideram a fumicultura
bastante prejudicial à própria saúde, tanto pela intensa aplicação de agrotóxicos como pelo
regime de trabalho necessário:
O fumo você tem que trabalhar o ano inteiro e ainda tem que cuidar muito
pra conseguir tirar um pouco (...) Pelo menos agora, de uns dois anos pra cá,
nós estamos só tirando dívida. (Fumicultora Joana)
(...) o fumo quando dá de estragar no galpão não tem coisa pior: uma que é
tóxico (...) fica mal mesmo, você tem que entrar lá pro meio pra o acabar
perdendo tudo não é fácil... ele é tóxico mesmo, não tem comparar.
(Fumicultor José)
Avaliando estas dificuldades, os fumicultores apresentam expectativas de melhores
condições de trabalho com a conversão de suas atividades para outras atividades como criação
de bovinos de leite ou frango:
(...) o aviário não dá muito serviço, o maior problema é quando tem os
pintinhos pequenos. (Fumicultor José)
Dá o dobro de serviço das vacas, mais no calor que tem que trabalhar.
(Fumicultora Joana)
(...) E se olhar a renda dos produtores por aí, não fecha uma média de
5000,00 (reais) por ano. As vacas qualquer 12-13 vacas você faz 15000 por
mês, trabalhando duas horas por dia. (Fumicultor José)
Quando perguntados sobre o funcionamento de um sistema ideal, os produtores
apontam primeiramente os aspectos econômicos da relação:
83
Eu acharia que tem que ser com parceria, daí o tinha perder, pode não ser
muito mais, mas tamm não perde (...) uma parceria assim uma
porcentagem do negócio (...) de repente o lote não rendia muito e eu podia
ganhar só metade, mas que pelo menos tivesse garantido. (Fumicultor José)
Acho que é mais vantagem com parceria porque de repente a pessoa investe
o pouco que tem de dinheiro e acaba perdendo tudo. (idem)
Sobre esta remuneração, os fumicultores relatam, baseados na experiência de
integração com as fumageiras, que o sistema deve ser bem esclarecido para ambas partes.
Alguns relatos das práticas comuns entre as integadoras apontam descontentamento com o
sistema de integração em que não se tem controle dos custos:
O preço também não é suficiente. Você manda o fumo e não sabe o quanto
recebe e se for pra lá não tem mais volta (Fumicultora Maria)
(...) se você descarregou não vai mais ter de volta. Agora se tu pega um
milho, por exemplo, você consegue ter um controle do teu lucro
(Fumicultor Annio)
Ainda com base na experiência de integração, os agricultores apontam alguns
elementos que deverão ser diferentes nesse novo arranjo, enfatizando a questão do
financiamento da produção, que é onde mais percebem a iniqüidade do sistema:
(...) a gente o vai ter dinheiro pra investir. Essa é uma parceria que tem
que ser feita com a firma e que esta tem que cobrar esse dinheiro a partir da
sua produção. Os juros têm que ser acessíveis, porque tem muito juros que
se paga... por isso eu disse que a gente não ganha nada com a fumageira, os
juros são altíssimos, não é que eles estão te ajudando, te ajudando a ir lá pro
fundo... (Fumicultor Pedro)
Tem que cobrar em porcentagem do volume de produção, para sobrar renda
mensal, tem que definir por cada agricultor quantas parcelas seriam cobradas
pra prever a renda. (Avicultor João)
Para contornar esses problemas, os agricultores indicam a constituição de grupos onde
se possa fazer avaliações mensais sobre os sistemas produtivos. Para eles, essa conformação
também será vantajosa para as cooperativas, já que resolveria problemas de logística:
a primeira coisa é a gente conhecer quem são os idealizadores desse projeto,
quem é o chefe. Reuniões para conhecer a empresa, discutir os parâmetros.
(Fumicultor Pedro)
84
Se ela (cooperativa) trabalha em grupo, que nem ali já é um grupo, (...) se
ela acha que nós podemos entrar juntos, fazer um grupo e entrar com ela...
Outras não puxam pra isso, né? A outras firmas querem é gente grande,
elas querem cara que se vire, ? (Fumicultora Joana)
(...)Só que nem lá no assentamento eu acho que esse pessoal pensa
diferente. Pra eles só um produtor aqui não é vvel.(idem)
Eu acharia que tinha que ter uma pessoa que tentasse encaixar pra cada um
ter um pouquinho e fechar uma carga de frango (...) pro pessoal trabalhar em
grupo. Mesmo por causa do frete. (Fumicultor José)
(...) que nem se a gente coloca um pouco de frango aqui, outro ali, a gente
pode até juntar pra ajudar a descarregar a ração, cuidar dos pintos e até fazer
a carga pra mandar pra lá,? (idem)
Diferente de propostas utópicas há a preocupação com a transformação das bases
materiais/concretas das relações de produção. É possível perceber nas falas a expectativa de
que o sistema em implantação funcione de maneira mais equilibrada socialmente, onde os
agricultores têm a liberdade de organizarem espaços de tomada de decisão que sejam
respeitados pela integradora.
(...) nas reuniões além de ajudar na questão financeira, pra ver quanto ta
dando de lucro e tal, pra avaliar a produção, se pra melhorar, se tem
que tirar em coisas que produz mais ou menos. (Fumicultor Pedro)
Quanto mais unido, mais gente envolvida, mais força tem e mais fácil
decidir as coisas (...) que nem pro leite aqui nos fundamos um grupo que o
pessoal disse que não funcionava e não funcionava! Até o pessoal da própria
empresa falou... até agora funcionou bem (...) a empresa também queria
pagar alguns centavos a mais para desmobilizar. (...) No leite nós sempre
ganhou preço melhor. Aqui no verão ninguém ganhou preço melhor que a
gente (...) tem gente que saiu do grupo, com uma boa oferta de leite que
perdeu até sete centavos. (Fumicultor José)
As diversas falas aqui registradas mostram que os pequenos agricultores da região
trazem diversas sugestões de novas relações que devem ser estabelecidas em um sistema que
seja marcado por relações politicamente equilibradas. Também indicam posturas mais
comprometidas politicamente que consideram a relevância do trabalho coletivo. O arranjo
produtivo em desenho, além de possibilitar novas práticas econômicas, garantindo a equidade,
tem potencial de se orientar por outros critérios que superem a relação integradora-integrado
constituída por mando e subordinação.
85
Para todos os agricultores entrevistados, a consolidação do sistema de integração entre
pequenos agricultores baseado na constituão de grupos de avicultores representa, além das
possibilidades de barganha apontadas, a formação de um espaço de construção de alternativas
aos problemas a serem enfrentados.
86
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo se propôs a analisar a viabilidade de conformação de um complexo
avícola orientado por princípios de equidade e solidariedade proeminentes nas organizações
camponesas que surgiram em contraposição à ordem social baseada em relações de produção
iníquas, estabelecidas no meio rural brasileiro. Tais relações são derivadas de um processo
histórico de desenvolvimento capitalista-dependente impresso aos países latino-americanos.
Tomando as especificidades da região Sul do Brasil, buscou-se compreender a questão
agrária no estado de Santa Catarina, a qual resultou em um processo de ocupação por
trabalhadores rurais migrantes que foram atraídos e estabelecidos na região como colonos e,
posteriormente, assentados de reforma agrária e que assumiram (e assim seguem) papel
periférico à exploração agropecuária empresarial de caráter moderno.
Essa relação se explicita na conformação de sistemas de integração vertical da
produção em pequena escala aos complexos agroindustriais formados na região Extremo
Oeste e que dominam especialmente a suinocultura, fumicultura e avicultura.
Os elementos analíticos apresentados nesse trabalho indicaram tais contradições
fundamentais que permeiam as relações de produção de alimentos no meio rural catarinenses.
O que se tentou demonstrar ao longo dessa dissertação é que as atuais relações
produtivas dadas no meio rural que mantêm o agronegócio são balizadas pela persistência de
dois elementos-chave: a superacumulação de lucros por parte da agroindústria e a crescente
pauperização e descapitalização dos “parceiros”, representados pelos produtores agrícolas de
pequena escala.
O entendimento do funcionamento do esquema convencional de produção avícola,
realizado a partir do sistema de integração típico do estado de Santa Catarina, indica que a
87
integração convencional existente entre pequenos agricultores do Oeste de Santa Catarina e as
empresas agroindustriais é desequilibrada, desigual e injusta.
Frente a isso, as alternativas propostas por movimentos sociais camponeses m se
aprimorado delineando novas estratégias de organização da produção com base na cooperação
e coletivização, de forma coerente aos princípios que orientam tais movimentos. Ainda que
carregue as contradões inerentes ao desempenho do cooperativismo dentro da ordem
econômica capitalista, tais estratégias afirmam a necessidade de analisar o desempenho de
uma organização produtiva a partir de critérios que superem a restrita avaliação econômica e
incorporem aspectos sócio-ambientais.
Os subdios levantados empiricamente junto a agricultores apontam para novos
arranjos na organização da produção e mostram que não constitui uma fatalidade aos
pequenos agricultores a submissão ao grande esquema oligopolista de produção de frango,
articulado pela indústria agroalimentar através do estabelecimento de contratos de integração
vertical.
Outra contribuição que este estudo tentou levantar é a possibilidade de ofertar
produtos de origem animal (frangos e ovos) em escala suficiente para suprimento das
necessidades de alimento para o povo. Assim, é possível combinar segurança alimentar com
justiça e equidade entre parceiros produtivos.
Muitas das considerações finais deste trabalho foram apontadas pelos agricultores
que indicaram perspectivas para a implantação do projeto de integração que seja coerente à
trajetória dos movimentos sociais envolvidos na construção de relações eqüanimes e justas.
A avaliação econômica de um sistema de criação de frangos integrado à agroindústria
via contratação apresentou índices de rentabilidade compatíveis a sistemas de criação
possivelmente adotados por agricultores incorporados ao arranjo produtivo estudado. Além de
88
inovar na própria relão entre parceiros produtivos (agricultor e agroindústria), mostra-se a
possibilidade de implantação sistemas com base tecnológica diferenciada.
Consideramos evidentes as possibilidades de combinar uma modalidade de integração
que seja equivalente do ponto de vista econômico para integrados e integradores. Assim
estabelecendo um arranjo que considere a relevância produtiva como critério de desempenho,
colocando qualidade de vida humana associada acima da acumulação de capitais.
Não é mais possível adiarmos o debate sobre a quem se destinam os custos “externos”
da produção de mercadorias. A emergência ambiental do planeta exige que este debate seja
considerado com toda a sua pertinência, urgência e centralidade.
O ônus de um processo produtivo sabidamente destrutivo, dissipador dos recursos
naturais e humanos não se constitui numa fatalidade histórica, nem permite que operemos
uma espécie de naturalização deste “estado de coisas”, contra a qual nada se pode. É preciso
ampliar o debate com objetivo de demonstrar que esta trajetória é politicamente constituída,
ou seja, atende aos ditames de certa formação histórica específica, com interesses econômicos
muito marcados, em nome dos quais se organizam a cultura e a sociedade.
Para tal, é forçoso que enunciemos a urgência de romper com o pensamento único que
acompanha a ação econômica humana nestes tempos (a glorificação do deus mercado) para
redefinirmos uma agenda econômica que encaminhe o debate necessário à construção de uma
visão de mundo que propugne pela emancipação de homens e mulheres no mundo todo que
nada têm a não ser sua capacidade de trabalho.
89
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93
APÊNDICES
APÊNDICE I:
Roteiro de entrevista semiestruturada com fumicultores em transição
Quais as vantagens e desvantagens da produção de fumo?
Pretende abandonar a atividade? Por quê? Tem outro projeto pensado para substituição?
Conhece projetos/experiências de reconversão da fumicultura para sistemas de produção
agroecológicos?
Conhece o sistema de criação de frangos coloniais usando instalações ociosas da fumicultura?
Acredita que seja uma alternativa que cubra a renda do fumo?
Como imagina uma parceria/integração justa? O que deve ser diferente e o que deve ser igual
à relação com as fumageiras?
94
APÊNDICE II:
Roteiro de entrevista semiestruturada avicultores com estruturas ociosas
Quais as principais dificuldades qe fizeram abandonar a atividade?
Como era a relação com a integradora ou (com o mercado, para não-integrados)? O que era
vantajoso e o que era desvantajoso?
Como acha que deveria uma parceria/integração com a COOPERUNIÃO:
- Com relão ao preço pago
- Com relão à autonomia de decisões
- Com relão ao tipo de contrato: parceria, serviço, integração.
Acha a avicultura uma boa atividade para a produção de pequena escala?
Conhece os sistemas de avicultura agroecológica? Acredita que seja possível gerar renda com
a criação de frangos em sistemas alternativos?
95
APÊNDICE III:
Roteiro de entrevista semiestruturada com técnicos da AEPAC
Apresentar histórico do projeto com a COOPERUNIÃO:
- Quando o MPA começou a contribuir nas discussões
- Como se tornou um projeto de desenvolvimento local
Como a proposta se intera às outras atividades da AEPAC?
Quais as expectativas da AEPAC com relação ao projeto? E as principais limitações,
atualmente?
Como vêm sendo as discussões da proposta junto aos grupos de base?
Existe abertura por parte dos agricultores para trabalhar a criação agroecológica de aves?
Como está sendo pensada a capacitação dos técnicos e agricultores?
Como deveria ser um contrato com a COOPERUNIÃO (serviço, integração, parceria, entre
outros)? O que não pode faltar e o que não deve ser repetido se comparados aos contratos de
integração atualmente praticados?
96
APÊNDICE IV:
Investimentos em materiais e equipamentos para um galpão 50x12
capacidade para 7000 aves
INVESTIMENTO EM MATERIAIS E EQUIPAMENTOS
Especificação da despesa (para um lote em aviário não-automatizado 50x12m²)
Tempo produção lote: 60 dias (42-45 alojamento + 10-14 vazio)
Galpões 50x12m² 11 e 5 anos (vida útil estimada 25 anos)
Custos Fixos
Unidade
de medida
Quantidade
(por
aviário) Custo unitário Custo total
- Aquecedor a lenha un 7 R$ 190,00
R$ 1.330,00
- Conjunto ventilação un 1 R$ 970,00
R$ 970,00
- Bomba para nebulização un 1 R$ 380,00
R$ 380,00
- Grampo mexedor cama un 1 R$ 310,00
R$ 310,00
- Comedouros infantis un 60 R$ 9,37
R$ 562,20
- Comedouros tipo tuboflex un 180 R$ 13,48
R$ 2.426,40
- Conjunto forração e cortinas un 1 R$ 5.531,14
R$ 5.531,14
- Caixa d'água 250L un 1 R$ 158,00
R$ 158,00
- Mangueira para rede água (m) m 18 R$ 0,67
R$ 12,06
- Conjunto bebedouro tipo
"nipple" un 1 R$ 2.038,78
R$ 2.038,78
- Registro dosador cloro un 1 R$ 8,50
R$ 8,50
- Balde pesagem un 1 R$ 8,39
R$ 8,39
- Balança 30kg un 1 R$ 96,76
R$ 96,76
- Lona para cobertura cama m² 30 R$ 0,97
R$ 29,10
- Bomba 6 estágios un 1 R$ 1.150,00
R$ 1.150,00
TOTAL
R$ 15.011,33
97
APÊNDICE V:
Investimentos para construção de um galpão 50x12 capacidade para 7000
aves
INVESTIMENTO: MATERIAIS E MÃO-DE-OBRA CONSTRUÇÃO GALPÃO 50X12m
Material Quantidade Unidade Custo unitário Custo total
Poste de eucalipto 72 un R$ 24,00
R$ 1.728,00
Cimento 114 sc R$ 19,21
R$ 2.189,94
Areia 37 m³ R$ 83,62
R$ 3.093,94
Brita 15 m³ R$ 45,38
R$ 680,70
Água 2,3 m³ R$ 2,14
R$ 4,92
Cal 2 m³ R$ 111,45
R$ 222,90
Ferro (5x16mm) 180 m R$ 20,66
R$ 3.718,80
Telhas de barro 14 milheiro R$ 930,00
R$ 13.020,00
Ripas de eucalipto 2500 m R$ 1,00
R$ 2.500,00
Travessas 108 m R$ 1,00
R$ 108,00
Escoras 162 m R$ 1,00
R$ 162,00
Tábuas madeira 55 m² R$ 36,00
R$ 1.980,00
Pregos 17X27 12 kg R$ 5,60
R$ 67,20
Tijolos maciços 5 milheiro R$ 310,00
R$ 1.550,00
Tijolos 6 furos 3 milheiro R$ 312,50
R$ 937,50
Carpinteiro 32 diária R$ 80,00
R$ 2.560,00
Pedreiro 100 diária R$ 20,00
R$ 2.000,00
TOTAL
R$ 36.523,90
98
APÊNDICE VI:
Custos de implantação e depreciação de instalações para produção de um
lote em galpão 50x12 capacidade para 7000 aves
CUSTOS IMPLANTAÇÃO
Projeto de licenciamento ambiental R$ 380,00
Taxa de licenciamento ambiental R$ 170,00
Construção galpão R$ 36.523,90
Aquisição materiais e equipamentos R$ 15.011,33
TOTAL CUSTO IMPLANTAÇÃO R$ 52.085,23
CUSTO CAPITAL POR LOTE (6% CUSTO
IMPLANTAÇÃO) R$ 3.125,11
VALOR DE SUCATA GALPÃO COMPLETO
Valor sucata galpão (vida útil 20 anos) R$ 4.000,00
Valor residual equipamentos (média vida útil 15 anos) R$ 700,00
Valor de sucata galpão R$ 4.700,00
CUSTO DEPRECIAÇÃO ANUAL
Custo depreciação anual materiais e equipamentos R$ 944,55
Custo depreciação anual galpão R$ 1.626,20
CUSTO DEPRECIAÇÃO ANUAL R$ 2.570,74
99
APÊNDICE VII:
Custos variáveis para produção de um lote em galpão 50x12m capacidade
para 7000 aves
CUSTOS VARIÁVEIS
Especificação das despesas de custeio (para um lote em aviário não-automatizado 50x12m²)
Tempo produção lote: 60 dias (42-45 alojamento + 10-14 vazio)
Item Quant. Custo unitário
Custo total
Timsen (pote) 3 R$ 16,58
R$ 49,74
Raticida (pct 25g) 15 R$ 0,85
R$ 12,75
AVT (frasco) 0,5 R$ 15,05
R$ 7,53
Cloro (pote com pastilhas) 0,2 R$ 11,58
R$ 2,32
Colostro (galão 5L) 0,2 R$ 88,00
R$ 17,60
Suplemento eletrolítico (pedra) 18 R$ 1,03
R$ 18,54
Lenha eucalipto (m³) 25 R$ 17,00
R$ 425,00
Cama de aviário (m³) 7 R$ 30,00
R$ 210,00
Lâmpadas 10 R$ 3,80
R$ 38,00
Óleo diesel (L) 5 R$ 1,89
R$ 9,45
Água - consumo médio calculado (m³) 68,75 R$ 2,14
R$ 147,13
Energia elétrica - consumo médio calculado (kW) 593,83 R$ 0,26
R$ 154,40
Custo carregamento (dado integradora) --
--
R$ 302,82
Mão-de-obra aviário (base de cálculo salário
mínimo) 289 R$ 2,08
R$ 599,68
TOTAL CUSTOS
VARIÁVEIS
R$ 1.994,94
100
APÊNDICE VIII:
Carga de trabalho e atividades demandadas para criação de um lote de
7000 aves em galpão manual 50x12m
CARGA HORÁRIA DE TRABALHO EM UM LOTE DE 7000 AVES EM AVIÁRIO
MANUAL 50x12m
ATIVIDADES PRÉ-ALOJAMENTO
Preparação para
recepção do lote
Tempo
gasto
Atividades
Total horas/
atividades/ciclo
Regulagem de água
Acendimento de luzes
1 hora
Arraçoamento
30 min
Acendimento das campânulas (2 a 6 horas
antes)
1º dia
Obs.: requer 2 pessoas
por aviário
30 min
Abastecimento reservatório água (abertura e
fechamento vertedouro)
2 horas
Descarregamento
pintainhos
Tempo
gasto
Atividades
Total horas/
atividades/ciclo
Colocação dos pintainhos no círculo de
proteção
Conferir quantidade e mortalidade tomando
amostra de 10 caixas
Contagem de caixas
1º dia
Obs.: são pedidas 06
pessoas pela integradora¹
1 hora
Limpeza e devolução das caixas
1 hora
ATIVIDADES ROTINEIRAS DURANTE CRESCIMENTO/ENGORDA (1 pessoa)
Período do ciclo de
crescimento/engorda
Tempo
gasto
Atividades
Total horas/
atividades/ciclo
Acendimento e manutenção dos aquecedores
Arraçoamento (a cada 2 dias)
Mexedura da cama
4 h/dia
Manutenções e reparos
2º - 10º dia
30
min/dia
Verificações durante madrugada
1º - 10º dia
1 a
2h/dia
Corte e coleta de lenha
Arraçoamento (diário)
Mexedura da cama
Manutenções e reparos
11º - 25º dia 3h/dia
Administração de medicamentos (14º - 25º
dia)
Arraçoamento
Mexedura da cama
26º - abate (42/45 dias) 5h/dia
Manutenções e reparos
até 235 horas
101
(cont.)
CARGA HORÁRIA DE TRABALHO EM UM LOTE DE 7000 AVES EM AVIÁRIO
MANUAL 50x12m
30 min
Abastecimento reservatório água (cerca de 14
operações)
Todo o peodo
30
min/dia
Verificações durante dia
Outras atividades
rotineiras
Tempo
gasto
Atividades
Total horas/
atividades/ciclo
Teste de acidez 15 min Verificações semanais
Pesagem 1 hora Verificações semanais
Vacinação 30 min Duas doses, aos 14 e 20 dias
Abastecimento
reservatório água
30 min
Abertura e fechamento vertedouro a cada 3
dias (cerca de 15 operações)
13,5 horas
ATIVIDADES APÓS CRESCIMENTO/ENGORDA
Carregamento frangos
Tempo
gasto
Atividades
Total horas/
atividades/ciclo
Molhar frangos (quando temperatura maior
15ºC)
Preenchimento de questionário de avalição da
equipe e do produtor
Desinfecção do arco sanitário
Controle da bom d'água
Fim do período de
alojamento
(42/46 dias)
Obs: envolve equipe
enviada pela empresa
mais uma pessoa da
família para acompanhar
6 horas
Cobertura da cama de aviário (até 5h depois
saída do lote)
6 horas
Vazio sanirio
Tempo
gasto
Atividades
Total horas/
atividades/ciclo
30 min
Abertura e fechamento vertedouro (cerca de 3
operações)
8 horas
Tratos fermentação cama de aviário
(amontoa, transporte², descarregamento e
cobertura)
8 horas
Limpeza de instalações e equipamentos
8 horas
Recolocação da cama (carregamento,
transporte e recolocação)
10 a 14 dias antes do
próximo alojamento
6 horas
Arrumação da pinteira (colocação de cama
nova, montagem de equipamentos e círculo
de proteção)
31,5 horas
TOTAL = 289 horas/ciclo de 60 dias
102
ANEXOS
ANEXO I:
Relação de assentamentos da Brigada Justino Draszevski e distribuição de
famílias assentadas e respectivas áreas ocupadas
Município Assentamento . de famílias Área (em ha)
Conquista na Fronteira 60 1.198,24 Dionísio Cerqueira
Gleba União 45 1.093,00
Imperatriz e São Mateus 81 1.264,61 São José do Cedro
21 de novembro 28 395,44
26 de outubro 30 374,87 São Miguel do Oeste
08 de março 25 341,07
Paraíso Três Passos 50 725,24
Sanga Azul 12 213,32 Anchieta
Aparecida 15 225,98
Romelândia Rosário 18 278,19
Campo E Itatiba 50 1.100,00
São Luiz I 08 75,36 Palma Sola
São Luiz II 23 271,11
Bandeirante Bandeirante 09 168,17
Barra Bonita 25 de maio 21 255,45
Total dos 15 assentamentos 466 7.980,5
103
ANEXO II:
Organograma COOPEROESTE
Setor
Comercial
Setor
Fiscal
Setor
Financeiro
Conselho Diretor Conselho Fiscal
Assembléia geral
Administrativo Equipe Técnica Indústria
Setor
Contábil e RH
Setor
Recepção
Setor
Industrializão
Setor
Laboratório
Setor
Encaixotamento
104
ANEXO III:
Organograma COOPERUNIÃO
MST
ALOJAMENTO
EQUIPES DE TRABALHO
ASSEMBLÉIA
DIREÇÃO AM
PLIADA
CONSELHO FISCAL
CONSELHO SOCIAL E POLÍTICO
COMISSÕES NÚCLEOS DE BASE
SAÚDE
SEPÉ
TIARAJÚ
PADRE
JOSIMO
ROSELI
NUNES
PAULO
FREIRE
OLÍVIO
ALBANI
JUSTINO
DRASZEVSKI
ESPORTE E LAZER
EDUCAÇÃO
ANIMAÇÃO/VISITAS
GRUPO DE JOVENS
DIREÇÃO COLETIVA
SETOR DE PRODUÇÃO
SUBSISTÊNCIA E
REFLORESTAMENTO
ALIMENTAÇÃO
SUÍNOS
HORTA/ VIVEIRO
AVES POSTURA
APICULTURA
LENHA
REFLORESTº
ERVA
-
MATE
POMAR
BOVINOCULTURA
GADO LEITE
GADO CORTE
PASTAGENS
PEIXES
FRIGORÍFICO
FÁBRICA DE
RAÇÃO
AVICULTURA
AVIÁRIOS
ARMAZÉM
GRÃOS
LAVOURA
SECADOR
MÁQUINAS
OFICINA
CONSTRUÇÃO
ADMINISTRATIVO
E SOCIAL
SECRETARIA
FINANÇAS
CONTROLES
E CUSTOS
CONTABILIDª
COMERCIALI
PROJETOS
ADM.GERAL
CIRANDA
INFANTIL
ESCOLA
105
Frango
Fábrica
Ração
Leite a
Pasto
UBS
Agrocombustíveis
Leite
B. Láctea
Iogurte
Carne
S. Girassol
S. Soja
S. Pinhão Manso
S. Amendoim
P. Conab
Moinho
T. Girassol
T. Soja
T. Amendoim
Ração
Balanceada
P. Cana
Vinhoto
Ração
Balanceada
Milho em
Grão
Farinha
Feijão
Arroz
Milho em
Grão
ANEXO IV:
Diagrama Estratégias Produtivas AEPAC
106
ANEXO V:
Logomarca – Produtos Terra Viva
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo