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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ISABELLA MOREIRA DE PAIVA CORRÊA
COMO SE FALA MATEMÁTICA?
Um estudo sobre a complementaridade entre
representação e comunicação na educação matemática.
CUIABÁ – MT
2008
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ii
ISABELLA MOREIRA DE PAIVA CORRÊA
COMO SE FALA MATEMÁTICA?
Um estudo sobre a complementaridade entre
representação e comunicação na educação matemática.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação do Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso,
como exigência parcial para obtenção do
título de MESTRE EM EDUCAÇÃO
,
Área de Concentração: Teorias e Práticas
Pedagógicas da Educação Escolar na
Linha de Pesquisa: Educação em
Ciências,
orientada pelo Prof. Dr.
MICHAEL FRIEDRICH OTTE.
CUIABÁ – MT
2008
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iii
C824c CORRÊA, Isabella Moreira de Paiva, 1968-
Como se fala matemática? Um estudo sobre a complementaridade entre
representação e comunicação na educação matemática / Isabella Moreira de
Paiva Corrêa. Cuiabá: UFMT/IE, 2008.
155p:il.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação, Área de concentração:
Educação e Ciências, sob a orientação do Prof. Dr. Michael Friedrich Otte.
Bibliografia: p.149-151
Anexos: p.152-155
CDU-372.851
Índice para Catálogo Sistemático
1. Educação Matemática
2. Semiótica
3. Linguagem
4. Comunicação
5. Representação
iv
v
Dedico este trabalho
Aos meus pais Fernando e Ivette,
às minhas filhas Fernanda e Vitória,
e ao meu companheiro France,
porque eles iluminam a minha vida,
a colorem com seus sorrisos,
a preenchem com sua alegria,
a confortam com sua ternura,
a tornam mais bela com sua felicidade
me fazendo desfrutar o amor verdadeiro .
vi
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. Michael Otte, por sua admirável e incondicional disposição em
sempre, sempre compartilhar conosco. Obrigada pela amizade, incentivo e
paciência, que nesta jornada foram tão fundamentais.
À Professora Dra. Sandra Maria Pinto Magina que gentilmente aceitou participar da
Banca Examinadora.
À Professora Dra. Gladys Denise Wielewski, pela presença, incentivo, apoio e
contribuições sempre pertinentes e em horas muito bem vindas.
A todos os professores, funcionários e colegas do curso de Pós-Graduação em
Educação do Instituto de Educação da UFMT. Um agradecimento especial à Luiza e
à Mariana, que apesar de “nossos desesperos” sempre nos trataram com alegria,
amizade e uma boa vontade muito além daquela que poderíamos merecer.
Á Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso, e aos colegas da Escola
Marechal Eurico Gaspar Dutra, que permitiram, por meio da licença para
capacitação profissional, a concretização desse projeto.
Aos meus companheiros do grupo de estudos Alexandre, Evilásio, Gladys,
Humberto, Luciene, Luzia e Sérgio pelos conhecimentos compartilhados.
Aos Professores Vinícius e Vavá, foram de suas palavras de incentivo que nasceu a
coragem para começar essa jornada.
Às minhas amigas Vera, Jô e Luciene, que começaram como companheiras de
estudo, e que se tornaram companheiras de todas as horas.
À Simone, D. Elizete, Valquíria, Vera, D. Luzia e Elineide, obrigada pela acolhida,
por me receberem em suas famílias, tornando minha estada em Cuiabá possível, e
muito, muito mais amena.
vii
À família Moreira, todos, de sobrenome e agregados, que mesmo estando a tantos
quilômetros e sempre por tanto tempo, conseguem se manter sempre presentes,
incentivando, torcendo e cuidando.
Fernanda e Vitória, meus amores, por suportarem corajosamente minha ausência,
me apoiando de forma tão carinhosa e incondicional.
Ao meu companheiro France, por partilhar, viver e arcar com meu sonho. Sem seu
apoio nada teria sido possível.
Aos meus pais, Fernando e Ivette que me ensinaram os valores que sigo hoje e por
meio dos quais eu me encontro com a felicidade.
Aos tantos amigos que fiz nesta jornada, e que não citei, mas que irão me perdoar,
amigos que são...
viii
RESUMO
Na matemática nós enfrentamos o problema de desenvolver a mente do estudante
por meio de informação e comunicação. Por isso parece valer a pena estudar a
interação entre comunicação e cognição, e ainda, como esta interação se configura
por meio de signos. O primeiro a ver a estreita relação entre uso de signos e
desenvolvimento mental foi Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780). Na escola
nós usamos dois sistemas lingüísticos, a língua materna e a língua matemática. O
primeiro é projetado mais para expressar nossas emoções e pensamentos, enquanto o
segundo tem como tarefa principal a representação de relações objetivas. A
educação matemática precisa das duas, não existe tradução de uma para outra. Esta
necessidade de co-existência nos leva a pensar na complementaridade dessas
linguagens, nos tipos de signos que elas produzem e como estes signos interagem. O
presente trabalho apresenta vários exemplos e estudos desta dualidade de sistemas
de signos que governam o desenvolvimento matemático na educação. O objetivo é
mostrar a dependência que o pensamento matemático tem dos seus instrumentos e
meios, revelar a complementaridade dos sistemas de signos (representacional e
comunicacional) no processo de aprendizagem da matemática.
Palavras-chave: Educação Matemática, Semiótica, Linguagem, Comunicação,
Representação.
ix
ABSTRACT
In mathematics we are charged with the problem of developing the student’s minds
by means of information and communication. Therefore it seems worthwhile to
study interaction between communication and cognition and how this interaction in
shaped by signs. The first to see the intimate relationship between use of signs and
mental development was Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780). In school we
use two linguistic systems, native language and mathematical language. The first is
designed more to express our emotions and thoughts and the second has the
representation of objective relationships as its primary task. The present work
presents various examples and studies of this duality of sign systems, which governs
mathematical development in education.
Keywords: Mathematical Education, Semiotic, Language, Communication,
Representation.
x
LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Fig. 1 – Tabela da evolução de alguns símbolos matemáticos 22
Fig. 2 – Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) 41
Fig. 3 – Representação geométrica do Quadrado da soma de dois termos 84
Fig. 4 – Representações do problema da altura da montanha 105
Fig. 5 – Diagrama do Metrô de Londres 129
Fig. 6 e 7 – Representação visual do prédio e sua altura 129
Fig. 8 – Pato/Coelho 130
Fig.9 – Tangentes ao círculo que se interceptam num ponto externo 131
Fig.10 – Triângulo ABC 132
Fig. 11 – Representações da área do triângulo 134
Fig. 12 – Representações da área do triângulo 135
Fig. 13 – Relação entre a área de um triângulo e sua base 135
Fig. 14 - Representações da área do triângulo 135
Fig. 15 – Representações da área do triângulo em livros didáticos 136
Fig. 16 – Representações da área do triângulo em livros didáticos 137
Fig. 17 – Representação geométrica da propriedade distributiva da multiplicação 138
Fig. 18 – Representação geométrica do problema das nozes 142
Fig. 19 – Imagem do Papiru de Rhindi 152
Fig. 20 – Imagem de uma página do livro de Robert Recorde 152
Fig. 21 – Imagem de uma página da obra La géométrie de Descartes 153
Fig. 22 – Imagem de uma página do livro de François Viète 154
Fig. 23 – François Viète (1540-1603) 154
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 01
CAPÍTULO 1 – MATEMÁTICA E LINGUAGEM NO ENSINO ESCOLAR 09
1.1 Matemática e língua comum 09
1.2 Uma abordagem discursiva para a linguagem matemática 19
1.3 Os símbolos da matemática 21
1.3.1 A álgebra simbólica 25
1.3.2 O signo da igualdade 29
CAPÍTULO 2 – A FILOSOFIA DE CONDILLAC: LINGUAGEM E EVOLUÇÃO 36
2.1 Condillac e sua época: o homem é um ser social 37
2.1.1 O conhecimento e a verdade 38
2.1.2 O papel da linguagem 39
2.2 Breve biografia de Étienne Bonnot de Condillac e suas obras 41
2.3 A epistemologia de Condillac 43
2.3.1 O uso dos signos 45
2.3.2 Os três tipos de signos 47
2.3.3 A análise 48
2.3.4 Uma língua bem feita – a álgebra 50
2.4 A álgebra como um sistema de signos 53
2.5 Apresentação de sua Lógica ou Os primeiros
desenvolvimentos da arte de pensar 58
2.6 Considerações 80
CAPÍTULO 3 - AS FUNÇÕES SEMIÓTICAS E A LINGUAGEM MATEMÁTICA 82
3.1 A semiótica 85
3.1.1 Os ícones e a matemática 89
3.1.2 Os índices e a matemática 92
3.1.3 Os símbolos e a matemática 94
3.2 As três linguagens da matemática por René Thom 97
3.2.1 As três linguagens e suas características segundo René Thom 98
3.2.2 O uso das três linguagens da matemática no texto 105
CAPÍTULO 4 - COMO APERFEIÇOAR UM TEXTO E COMO NÃO FAZÊ-LO 107
4.1 Comunicação vs representação 109
4.2 O contraste entre comunicação e representação 110
4.3 Comunicação vs representação e a melhoria de um texto matemático 115
4.3.1 A idéia da incomensurabilidade 120
4.4 A interdependência entre o Sistema Simbólico e o Sistema Conceitual 124
4.5 Formas de representação na Matemática 127
4.6 Formas de representação e estilos cognitivos 141
CONSIDERAÇÕES FINAIS 145
REFERÊNCIAS . 148
ANEXOS 151
INTRODUÇÃO
Este trabalho nasce de nossas inquietações, da necessidade de
compreender o porquê da linguagem matemática ser o principal argumento para
justificar o fracasso escolar dos alunos. O formalismo e a linguagem própria
carregada de simbolismo são os aspectos mais citados como responsáveis pela
dificuldade dos alunos dentro do ambiente escolar, tanto por parte dos alunos, como
dos pais e professores. Nossa preocupação, como professores de matemática, era
então como conceber essa linguagem e como trabalhar em sala de aula para torná-la
mais acessível e compreensível.
Esta angústia em relação à linguagem matemática nos levou a pensar
em duas direções: primeiro na matemática como uma língua e em segundo na
linguagem com a qual se comunica a matemática aos alunos.
O conhecimento matemático teve sua origem na necessidade de
resolver problemas da vida cotidiana do homem. Mas a vida cotidiana do homem e
seus problemas foram ficando cada vez mais sofisticados. Esta sofisticação exigia
novos processos, como os de abstrair, generalizar, eliminar peculiaridades e
particularidades. A linguagem comum não era mais capaz, de sozinha, dar suporte a
estes processos. Assim se desenvolve uma nova linguagem mais eficiente nesta
situação, a linguagem algébrica.
A linguagem algébrica foi concebida inicialmente (já desde o papiro
de Rhind -1650 a.C.)
1
como uma aritmética generalizada, ou seja, uma linguagem
que usava mbolos para representar números desconhecidos, com o objetivo de
tornar possível a resolução de equações ou generalizações aritméticas e geométricas.
Por muito tempo, a geometria foi essencialmente a linguagem
1
Imagem do papiro em anexo
2
matemática. O objeto geométrico era o objeto matemático. Mesmo Descartes
2
(1596-1650), pai da geometria analítica, apesar de utilizar um processo algébrico e
aritmético, ao final representava as premissas e os resultados em termos
geométricos, como forma de garantir a sua existência.
3
Isso começa a mudar a partir do século XVIII. Leibniz
4
(1646-
1716), é o primeiro ou um dos primeiros a pensar na álgebra de forma mais geral,
como um jogo de símbolos, de signos (na perspectiva de Peirce), parte de uma
combinatória, ao invés de uma aritmética generalizada.
Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) foi o primeiro a apresentar
a álgebra como uma ngua sistematizada, não apenas para mostrar as relações entre
números, mas entre objetos quaisquer. Aqui começa a história da álgebra como uma
língua, como um sistema de signos.
Este aspecto lingüístico da matemática se acentuou muito depois que
a álgebra e a aritmética, no século XIX, são trazidas para o centro da matemática.
O movimento de algebrização ou arimetização, neste século, é o responsável por
avanços de incalculável importância nas ciências, revitalizando a matemática.
Este movimento é caracterizado pelo fato de que demonstrações e
conceitos matemáticos deveriam se basear na álgebra, no rigor da prova. Isto
provocou uma mudança na concepção de matemática, eliminando a idéia de que a
matemática seria apenas cálculos, ou a idéia representada pela geometria euclidiana
de que a matemática trata das características de grandezas ou figuras concretas. A
ênfase passa a ser dada às estruturas gerais e não a casos particulares. A história
então muda e a álgebra se transforma de uma linguagem para uma teoria de
estruturas, como a teorias dos grupos, corpos, anéis, espaços vetoriais.
2
René Descartes ou Renatus Cartesius (1596, Touraine, França - 1650, Estocolmo, Suécia), filósofo,
matemático e sico, criador da geometria analítica, também descobriu os princípios da ótica
geométrica. Sua contribuição científica baseia-se no emprego de um método e de uma metafísica.
3
Nos anexos apresentamos cópia de uma página do “La Geometrie”
4
Gottfried Wilhelm von Leibniz (Leipzig, 1 de julho de 1646 Hanôver, 14 de novembro de 1716)
foi um filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário alemão. A ele é atribuída a criação
do termo "função" (1694), que usou para descrever uma quantidade relacionada a uma curva, como,
por exemplo, a sua inclinação ou um ponto qualquer situado nela. É creditado a Leibniz e a Newton,
o desenvolvimento do cálculo moderno.
3
Este desenvolvimento se acentua no século XX, consolidando a
álgebra como o estudo das estruturas. Com base neste salto qualitativo que a álgebra
proporcionou ao Conhecimento Matemático e às Ciências de modo geral, o ensino
da matemática, a partir da década de 60, a incorpora no currículo escolar. Esta
reforma recebe o nome de Reforma da Matemática Moderna. René Thom (1923-
2002)
5
nos aponta dois objetivos fundamentais desta reforma: a renovação
pedagógica e a modernização dos programas. Acreditou-se que se o ensino
abrangesse o estudo das grandes estruturas matemáticas, com ênfase nos esquemas
universais, estaria simplificando a matemática, dando a oportunidade para o
estabelecimento de um ensino menos diretivo, mais livre, mais construtivo,
orientado principalmente pela heurística
6
, capaz de despertar o interesse e a
atividade individual dos alunos.
Esta orientação foi consolidada no Brasil em meados da década de
60. A partir de então, o ensino da álgebra torna-se o foco do ensino da matemática. E
conseqüentemente traz para o âmbito educacional esta faceta da matemática que é
caracterizada pelo uso de uma linguagem própria, da ênfase nas estruturas gerais e,
porque não dizer, pela desvinculação do conteúdo matemático com o mundo real.
Esta é a matemática que priorizamos nos programas escolares até os
dias atuais. Apesar das justificativas para o Movimento, não se conseguiu ao longo
deste percurso alcançar seus objetivos de tornar o aluno mais independente, seguro e
apto a resolver problemas a partir de estruturas gerais. Pelo contrário, as estatísticas
revelam altos índices de reprovação e evasão escolar, e grande parte dos estudos em
educação apontam a matemática como a disciplina que mais contribuiu para tais
índices. Parece que a maior justificativa, conforme revelam as falas cotidianas dos
estudantes, pais e professores, é que a matemática é difícil.
Mas é difícil por quê? A resposta a essa pergunta na maioria das
vezes envolve aspectos como a falta de compreensão da língua matemática, do seu
simbolismo, tão presente no cotidiano de sala de aula e nos livros didáticos.
5
René Thom (1923-2002)– Matemático e filósofo francês. Autor da teoria da catástrofe, fundamental
para a teoria da complexidade. Mathematiques modernes et mathematiques de toujours. In:
"Pourquoi la Mathématique?" Edition 10/18 - 1974
6
Heurística - Rubrica: pedagogia. Método educacional que consiste em fazer descobrir pelo aluno o
que se lhe quer ensinar (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
4
Os livros didáticos merecem uma atenção especial, que têm sido a
base da educação matemática no Brasil. Por meio de seus textos pretende-se
comunicar o conteúdo matemático. Sabemos que para a grande maioria dos
professores de matemática este é o único meio de acesso aos conteúdos a serem
ensinados e também o recurso didático acessível a todos os alunos. O Governo
Federal os distribui gratuitamente, tendo estendido esta distribuição até o último ano
do ensino médio.
Os textos mais comuns nestes livros são aqueles expositivos, cuja
estrutura é responsável em comunicar o objeto de estudo. São textos elaborados
como um modelo universal, caracterizado pela compreensão literal e linear, no qual
o conhecimento é levado ao aluno, dando ao “saber” a conotação de conhecer, de
reproduzir.
As pesquisas em educação matemática têm apontado que, se por um
lado a álgebra é importante para propiciar a introdução de idéias matematicamente
significativas como processos de abstração e generalização, motivo pelo qual deve
compor o currículo escolar, por outro, esta mesma álgebra tem sido um obstáculo
para a trajetória educacional de muitos alunos. O argumento é que a dificuldade da
matemática está em sua linguagem formal, ou linguagem algébrica complexa,
excessivamente simbólica, e na maioria das vezes ilegível.
Parece haver uma contradição, pois o argumento acima se baseia na
ênfase dada à linguagem formal dentro da matemática escolar, mas é o próprio
processo ensino aprendizagem, que encarando a matemática como uma linguagem,
intensifica esta ênfase. Partindo de que o objetivo é ensinar o tipo geral de uma
classe de problemas para que o aluno posteriormente consiga resolver problemas
particulares, identificando-os com uma classe geral e seguindo o padrão de
resolução, o que se está fazendo na realidade é ensinando uma linguagem e sua
sintaxe. Neste caso, as generalizações algébricas dominam o conteúdo e a
matemática escolar não estuda os objetos particulares.
Uma das conseqüências desta visão de ensino da matemática como
uma linguagem é justamente não estudar objetos particulares. Essa opção afeta a
construção dos significados da linguagem e da significação dos símbolos utilizados,
5
pois o processo de formação de conceitos, ou abstrações, que estão relacionadas a
esses símbolos, se realiza justamente quando o aluno consegue fazer a representação
mental das propriedades comuns a várias situações particulares. Ou seja, para que a
linguagem matemática seja significativa é necessário que o ensino da matemática
estimule, por meio de atividades, a experiência do aluno com os objetos
matemáticos, dando a oportunidade para que a intuição sobre tais objetos se
manifeste.
Todo o raciocínio é uma interpretação de signos de algum tipo. A
interpretação de um signo é apenas a construção de um novo
signo. Como foi dito, uma simples sensação ou percepção, sem
uma representação, não é interpretação e em uma interpretação de
um trecho, no qual não se leve adiante as idéias e não se
generaliza, é infrutífera. Toda cognição avança por meio da
construção de uma representação adequada e esta construção
proporciona somente a oposição entre o sujeito e objeto em
relação a uma forma.
7
Este panorama nos revela que a álgebra escolar, diferentemente dos
objetivos da reforma, é concebida como uma linguagem, e apenas como uma
linguagem. Toda a intenção de atividade, de proporcionar maior desenvolvimento e
participação dos alunos, por meio das oportunidades oferecidas pelas “estruturas
gerais” ficou apenas no plano teórico. Partindo desta constatação, é que se pode
perguntar: a linguagem matemática é a linguagem algébrica? Quais as características
da linguagem matemática? Como os conceitos matemáticos são comunicados?
Existe alguma forma de tratar a linguagem matemática, a fim de minimizar as
dificuldades expressas por aqueles que não a compreendem?
Essas são questões extremamente relevantes no processo ensino
aprendizagem, pois não como “fugir” de uma característica do próprio
conhecimento matemático, ou seja, de sua linguagem formal. Para Sierpinska
8
, ao
considerar-se a matemática como objeto da comunicação no processo ensino
aprendizagem, a linguagem torna-se realmente um problema.
Para ensinar uma criança a comer com a colher, falar ou andar de
bicicleta, a linguagem não é necessária. Normalmente
conduzimos o corpo da criança e demonstramos estas ações. Mas
7
OTTE, Michel Proof and Explanation on from a Semiotical Point of View 2006, p.26
8
SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away, 2005
6
o pensamento matemático não pode ser demonstrado diretamente,
e não se pode guiar ninguém fisicamente por esta atividade. A
comunicação é necessariamente indireta, mediada pela
combinação da linguagem comum, da linguagem artificial
altamente especializada e dos outros sistemas de signos. E não há
nenhum meio direto de se assegurar que o significado pretendido
não se perderá na mediação.
9
Poder-se-ia pensar em resolver o problema eliminando esta
linguagem matemática, reduzindo-a à linguagem comum. No entanto, eliminá-la
seria como eliminar o próprio conteúdo matemático, pois não podemos esquecer que
ela não foi um capricho, mas uma necessidade do próprio desenvolvimento da
matemática. Alguém pode perguntar: Por que então não eliminar a própria
matemática? Porque isso seria imprudente. Não há conhecimento que não prescinda
de algum tipo de matemática. Eliminá-la do currículo seria como desconsiderar a
função da escola de proporcionar acesso ao conhecimento científico construído pela
humanidade até os nossos dias.
Mesmo concebendo a educação matemática, não com base na
comunicação, mas principalmente como uma atividade, na qual a aprendizagem seja
significativa para o aluno, num processo no qual ele possa experimentar, construir,
desenvolver sua capacidade de abstração e generalização, ainda assim, teremos
presente a linguagem matemática/formal/algébrica permeando toda esta atividade.
O que se colocou mais objetivamente como nosso problema de
pesquisa foi: que tipo de relação existe entre a língua materna usada na comunicação
em sala de aula durante o ensino de matemática e a linguagem matemática usada
para representar estruturas mais complexas, ou seja, o que precisamos ensinar?
Para responder a esta pergunta traçamos como meta para esse
trabalho mostrar que nossa estrutura de conhecimento é baseada na
complementaridade entre ver/sentir e fazer; apresentar as características da
linguagem matemática, usada para representar os objetos matemáticos, mostrando a
dependência que o pensamento matemático tem dos seus instrumentos e meios;
apresentar as características da língua materna em sua função de comunicar; e
discutir o tipo de relação que existe entre estas duas línguas, a fim de ganhar
9
SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away, 2005, p.205
7
subsídios que possam nortear a ação didática, favorecendo o processo ensino
aprendizagem da matemática.
O caminho que vamos percorrer ao longo deste trabalho tem como
objetivo tentar compreender as características desta linguagem e de suas
representações dentro do processo de comunicação das idéias matemáticas.
No primeiro capítulo Matemática e Linguagem no ensino escolar
procuramos dar um panorama do que se tem discutido em relação à linguagem do
aluno, à linguagem do professor e à linguagem matemática, baseado no artigo
‘Language and mathematics education’de Austin e Howson, publicado em 1979.
Completamos o panorama baseados em Sierpinska, Discoursing Mathematics
Away
10
, que nos apresenta um ponto de vista sobre o assunto, destacando a
abordagem discursiva.
Ainda neste capítulo, relatamos um pouco da história dos sistemas
semióticos, dos símbolos, e consideramos como exemplo a ‘saga’ do signo da
igualdade (=). Conhecer a história dos mbolos matemáticos nos ajuda a entender a
sua importância e o seu lugar no desenvolvimento da matemática. Também nos faz
perceber as dificuldades do homem em construí-los e aceitá-los.
No segundo capítulo, apresentamos a filosofia de Condillac, que foi o
primeiro a conceber e formalizar a imprescindibilidade dos signos para o
desenvolvimento do conhecimento. Baseado em seu método analítico ele mostra
como a álgebra é uma ngua bem feita e universal, para qualquer ciência, sendo o
primeiro a compreendê-la desta forma. Procuramos compreender as vantagens e
desvantagens dessa concepção e apresentamos dois exemplos do uso da linguagem
algébrica no sentido de Condillac.
No terceiro capítulo abordamos as questões semióticas e suas
aplicações. Procuramos identificar a importância dos ícones, índices e símbolos para
a matemática, e apresentamos a comparação que René Thom faz das três linguagens:
a materna, a algébrica e a geométrica, com relação à intensão (compreensão ou
sentido), extensão (referência ou significado) e sintaxe. A comparação de Thom se
como uma tentativa de refletir sobre a questão de como fazer a transição de
10
SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away, 2005.
8
língua materna para a língua algébrica num processo de desenvolvimento ao invés
de um rompimento. Sua comparação nos leva a perceber a necessidade da utilização
de várias linguagens (ou tipos de signos), cuja interação favorece o desenvolvimento
cognitivo, nos remetendo a idéia de complementaridade entre as linguagens.
No quarto, discutimos acerca de melhorias de um texto didático, mais
especificamente de um texto sobre incomensurabilidade, como introdução aos
números irracionais. O exemplo nos faz observar os contrastes entre comunicação e
representação em matemática. Trazemos ainda uma comparação dos sistemas de
representação, idealizados por Skemp e com contribuições de Otte.
No último capítulo, fazemos nossas considerações finais respondendo
à nossa questão de pesquisa, e ainda, propomos algumas sugestões para novos
trabalhos.
9
1. MATEMÁTICA E LINGUAGEM NO ENSINO ESCOLAR
1.1 – Matemática e linguagem comum
Todo o processo de ensino aprendizagem da matemática é permeado
pela comunicação, utilizando-se tanto da ‘linguagem matemática’ como da língua
materna.
As preocupações da educação matemática com os aspectos da
linguagem, tomaram impulso a partir da década de 70. Austin e Howson, publicam
em 1979, o artigo ‘Language and mathematics education’, no qual apresentam as
questões abordadas pelas pesquisas neste campo. Assim, o que nos oferecem é um
levantamento dos principais aspectos considerados como problemas relevantes para
o ensino-aprendizagem de matemática em relação à linguagem.
Os autores, neste artigo, parecem considerar a matemática em seus
aspectos formais, ou seja, em relação à estrutura da própria matemática escolar, ao
invés de dizer quais as vantagens que esta perspectiva da matemática como
linguagem pode nos dar.
Considerando a matemática como uma linguagem, a pergunta que se
põe então é: de que modo os lingüistas poderiam ajudar na compreensão dos
processos de ensino aprendizagem da linguagem matemática? Como seus estudos de
ensino aprendizagem de uma segunda língua poderiam contribuir? O que
poderíamos aprender com os estudos dos defeitos ou afasias lingüísticas sobre a
estrutura e tipos de funções da língua?
11
11
Ver Jakobson e Halle em Complementarity, Sets and Numbers. OTTE, 2003, p.11-12
10
Talvez não possam ajudar muito, porque se fizermos este tipo de
analogia entre a linguagem matemática e a linguagem comum, poderemos dizer que
o correspondente aos matemáticos puros, são os lingüísticas ou gramáticos, e então
poderemos perguntar, quem são os correspondentes, na lingüística, àqueles que
usam a matemática como instrumento para resolver problemas? A resposta seria: são
os poetas, pois são eles que usam e desenvolvem a língua.
No entanto, gramáticos e poetas tem uma coisa em comum: dão
nomes às coisas e por isso as deixam mais explícitas e mais transparentes. O diálogo
entre Sócrates e o Ménone, escrito por Platão, começa assim:
Ménone - E como hás de encontrar uma coisa de que o sabes
absolutamente nada? Na tua ignorância, que princípio tomarás
para te guiar nesta investigação? E se, por acaso, encontrasses a
virtude, como a reconhecerias, se nunca a conheceste?
Sócrates - Compreendo, Ménone, o que queres dizer. Que
magnífico argumento para uma discussão! Não é possível o
homem procurar o que sabe, nem o que não sabe, porque o
necessita de procurar aquilo que sabe, e, quanto ao que não sabe,
não podia procurá-lo, visto não saber sequer o que havia de
procurar.
12
Ao nomearmos alguma coisa já estamos reconhecendo sua existência,
e, portanto, somos capazes de saber o que estamos procurando. “A idéia chave
sobre um nome ou índice, é que ele tem uma conexão direta com seu objeto”.
13
É certo que olhar a linguagem matemática com o olhar dos lingüistas,
acreditando que os problemas seriam resolvidos, é ingênuo. No entanto, seria muito
produtivo se houvessem trabalhos feitos de forma cooperativa, que ambos estão
preocupados com os processos de comunicação e aprendizagem, enfrentando
problemas metodológicos parecidos.
Segundo Austin e Howson (1979), pensar em linguagem na educação
matemática implica em considerar a linguagem do aluno, do professor e da
matemática. Observando estes aspectos, fazem considerações agrupadas em blocos
como assumiremos aqui:
12
PLATÃO, Menon
13
OTTE. Complementarity, Sets and Numbers. 2003, p.213
11
“i) a linguagem do aluno:
- o modo como seu domínio da linguagem influenciou de perto, e
influencia, sua aprendizagem da matemática, seus modelos de
pensamento e sua formação dos conceitos;
- a distância que existe entre a linguagem do professor e a
linguagem do aluno;
- a distância da linguagem com a qual o aluno é solicitado a
trabalhar matematicamente, e da linguagem que tem
gradualmente desenvolvida e agora passa a ser de domínio
internacional como a linguagem da matemática”.
14
Em relação à linguagem do aluno, enfatizam vários problemas
investigados pelos pesquisadores, começando pelo problema do bilingüismo e do
multilinguismo, ou seja, locais onde o ensino é feito em uma língua diferente da
língua materna, ou seja, a matemática não é comunicada com o auxílio da língua
materna, mas em uma segunda língua.
“Deste modo, por exemplo, a maioria da população da Jamaica
fala o dialeto Inglês, cuja estrutura, gramática, vocabulário e
entonação diferem, às vezes consideravelmente, das regras do
Inglês Jamaicano, língua de instrução nas escolas. Para a maioria
das crianças jamaicanas esta língua oficial tem um situação
diferente da língua estrangeira ou da língua materna: podem
decodificá-la, mas não podem reproduzi-la
”.
15
A idéia de que a linguagem matemática é universal, e por isso pode
ser apreendida por qualquer aluno independente da língua cultural, parece mítica.
Apesar de possuir elementos universais, como diagramas e imagens, será que
alguém ensina matemática sem falar, sem escrever ou mesmo exigindo somente a
leitura de textos construídos apenas com símbolos matemáticos culturalmente
imparciais?
A respeito das relações entre pensamento e linguagem, Austin e
Howson reconhecem nos trabalhos de Vygotsky e Piaget uma necessidade da fala
interna, despreocupada com o interlocutor, fazendo-se necessária à própria
organização mental do indivíduo. Questionam então até que ponto estas
necessidades da fala interna deveriam ser levadas em consideração em sala de aula.
14
AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p. 163
15
Young apud Austin e Howson, Language and Mathematical Education. 1979, p.164
12
A educação matemática é toda baseada em conceitos, ou seja, uma
noção abstrata ou idéia geral. Do ponto de vista lógico, um conceito é caracterizado
por sua extensão
16
e por sua compreensão
17
, e do ponto de vista matemático por seus
exemplos ou definições. E aqui, nas definições, é que distinguimos a linguagem
como aspecto fundamental, uma vez que uma definição toma forma por meio da
linguagem. Deste modo, o problema se configura em sala de aula, em como o
professor escolhe e se utiliza da linguagem ao trabalhar os conceitos.
Outros dois aspectos são: o da sintaxe diferente das línguas e a
“pobreza” de termos matemáticos. Uma língua materna cuja sintaxe é diferente da
sintaxe da linguagem matemática, assim como a importação de termos estrangeiros,
ou a criação de termos cujos elementos não pertencem ao vocabulário nativo para
suprir deficiências no vocabulário matemático são fatores que podem se configurar
como obstáculo para a formação de conceitos.
Sobre o aspecto da linguagem e da classe social, as pesquisas têm
apresentado resultados muito controversos. No entanto, fica claro que a diferença
entre a linguagem do professor e a de seus alunos, oriundas das diferenças sociais,
pode ser considerada mais um obstáculo para a aprendizagem da matemática, assim
como de outros assuntos.
O próximo item considerado por Austin e Howson é:
“ii) a linguagem do professor (e autor) é usada e selecionada,
tanto na forma oral como escrita”
18
Em relação à linguagem do professor, os autores ressaltam a
questão da legibilidade dos textos matemáticos, que entendem como a interação
entre o leitor e o texto. A perseverança na leitura, a compreensão do leitor e o êxito
nos objetivos cognitivos e afetivos dependem de diversos fatores, como: a escolha
das palavras, o tamanho das sentenças, o conteúdo, o estilo, o formato, a
apresentação, o humor, a ilustração, a organização, a clareza da grafia, qualidade do
16
Extensão ou significado conjunto dos elementos particulares dos seres aos quais se estende o
conceito.
17
Compreensão ou sentido conjunto de caracteres que constituem a definição do conceito (Ex: o
homem: animal, mamífero, bípede,...)
18
AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.164
13
papel, os atrativos do design etc. Apesar de achar que a preocupação com tais
aspectos tem tirado a atenção dos professores de outros assuntos mais relevantes,
enfatizam o benefício que a melhoria dos textos didáticos traria à educação
matemática.
A partir da metade do século XX, tanto a matemática a ser ensinada
mudou, como o número e o tipo de alunos a quem se ensinar aumentou
sobremaneira. Os textos tradicionais, como compêndios de problemas,
caracterizados por uma pobreza de sintaxe e um vocabulário restrito não atendem
mais à nova realidade. Surgiu uma nova categoria de texto didático para a
matemática, cujo objetivo era que o aluno pudesse ler sozinho, baseado na sua
habilidade de compreensão, e no qual cada assunto novo vinha precedido de um
texto introdutório no livro do aluno, e de um aprofundamento no manual do
professor.
Austin e Howson comentam que as pesquisas sobre a legibilidade de
tais textos usaram ferramentas próprias da lingüística, e apresentaram como
resultados que o texto matemático é mais difícil do que os textos apresentados por
outras áreas, e que o nível de legibilidade em um único texto matemático variava
muito. Em alguns casos, a legibilidade do material moderno era menor que os
alcançados nos textos de matemática tradicionais.
Kane (apud Austin&Howson)
19
, levanta alguns problemas deste tipo
de ferramenta para os textos matemáticos, uma vez que o inglês matemático é
essencialmente diferente do inglês cotidiano em:
(i) a letra, a palavra e as redundâncias didáticas diferem;
(ii) os nomes dos objetos matemáticos têm geralmente uma denotação única, ao
contrário dos substantivos em linguagem cotidiana;
(iii) os adjetivos na linguagem matemática são geralmente sem importância;
(iv) a gramática e a sintaxe na linguagem matemática são bem menos flexíveis do
que na linguagem cotidiana.
19
AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.172
14
Deste modo, os instrumentos utilizados alcançavam a parte não
simbólica dos textos, desprezando o extenso vocabulário e as frases próprias do
campo da matemática.
Os autores dos livros didáticos reconheceram a necessidade de
eliminar as dificuldades de leitura, tornar os textos mais legíveis, e com esse
propósito voltaram sua atenção para aspectos da construção do texto e para
introdução de novo vocabulário, tais como: usar de sentenças simples, evitar
sentenças longas, repetir palavras chaves em momentos variados do texto, minimizar
o tamanho do texto, introduzir poucas palavras novas, usar mais a voz ativa do que a
passiva, evitar orações condicionais e hipotéticas etc.
A ênfase, no entanto, se deu mais no fluxo de palavras do que na
garantia da compreensão das mesmas. Ao evitar formas verbais complicadas, os
autores acabaram por utilizar um vocabulário básico e restrito, e conseguiram
alcançar os objetivos matemáticos a curto prazo, mas a pergunta é: a que custo?
A pertinência da pergunta se revela ao pensarmos nos problemas a
longo prazo, provocados pela restrição do vocabulário, tais como a construção de
barreiras seletivas, o uso de palavras como sugestão verbal, incentivando o aluno a
aprender a implicação da palavra e não da experiência pensada com a linguagem
natural. Um exemplo clássico, é que quando o aluno está frente a um problema que
contém a frase “Maria tinha oito maçãs a mais que Joana”, não importa o resto do
problema, a expressão a mais, já lhe indica adição.
Experiências com exploração da literatura infantil, o contar história,
que oportunizam o uso da linguagem cotidiana para pensar questões matemáticas, ou
a apresentação pictórica de problemas foram alternativas apresentadas, mas que
parecem ter sido confinadas nas escolas infantis.
É certo que a maior dificuldade dos alunos no trabalho com a
linguagem matemática é que sua atenção se volta para as peculiaridades da
linguagem matemática densidade e exatidão ao invés de voltar-se para a riqueza
de significados.
O estudo da linguagem como ferramenta de ensino dentro das salas
de aula recebe atenção cada vez maior, uma vez que parece ser consenso em nossa
15
cultura que ensinar é falar. As pesquisas que nortearam o artigo de Austin e Howson
revelaram que os professores falam muito, e os alunos pouco.
Uma melhoria neste aspecto dependeria de criar oportunidades para
que os alunos pudessem pensar e falar. Neste caso a aula seria centrada na criança,
oportunizando situações, problemas e desafios novos aos professores. No entanto,
muitos professores não estariam preparados para lidar com situações e idéias que
não tenham sido previamente registradas, apresentando dificuldade em validá-las.
O último item considerado é a linguagem matemática:
iii) a linguagem(s) da matemática:
- suas similaridades e diferenças em relação à língua materna;
- seu desenvolvimento, riqueza e potencial”.
20
Aqui é importante observar que a linguagem matemática contém
muitos diagramas, ícones, visualizações e também regras rígidas que são
necessárias, que conferem validade a um julgamento.
Nesta etapa do trabalho, Austin e Howson apontam para a questão de
como a linguagem matemática tem sido vista pela educação.
Frequentemente se tem indicado a Matemática como sendo ela
mesma uma linguagem formalizada, e foi sugerido que ela
deveria ser ensinada como tal. (Veja, p.e., ref. de Aiken,1972).
Afirmações como essa possuem certo grau de validade, mas
também podem ser perigosas e potencialmente confusas. A
Matemática não é uma linguagem ou seja, um instrumento de
comunicação – mas uma atividade e um estoque de conhecimento
adquirido durante muitos séculos. Essa atividade pode ser
realizada, e os resultados codificados, usando uma variedade de
linguagens, da linguagem cotidiana até a linguagem formal como
a da Principia Mathematica de Whitehead e de Russell.
Certamente um registro e sintaxe internacionalmente aprovados
ganharam espaço entre os profissionais da Matemática. Mas
mesmo assim, as diferenças entre a linguagem formalizada na
qual os profissionais apresentam seus trabalhos e a linguagem que
utilizam em termos de pensamento e fala sobre seu trabalho é
muito grande, e seriam maiores do que aquelas normalmente
existentes entre a linguagem escrita e a falada.
21
20
AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.164
21
AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.176
16
O simbolismo matemático aceito internacionalmente, cuja criação
está baseada na estrutura da língua e cultura indo-européia, é responsável por
dificuldades de aprendizado de pessoas que não tem a mesma estrutura lingüística,
como é o caso dos japoneses. Este problema ficou mais evidente com a
disseminação da prática do ensino da matemática utilizando as línguas maternas.
Mas mesmo com crianças de mesma estrutura lingüística, a
introdução do simbolismo é complicada. Um exemplo do possível conflito entre
língua natural e simbolismo matemático pode ser percebido na dificuldade que se
apresenta com o símbolo de igualdade (=). Ao apresentarmos 8-2=6 dizemos: “oito
menos dois sobram seis” então 6+2=8 e dizemos: “seis mais dois oito”. Afinal, o
símbolo = significa sobra ou ? Significa perder ou compor?
Este caso é exemplar para mostrar que a matemática não se restringe
à linguagem e que os seus conceitos, como por exemplo a igualdade podem ser
descritos em termos diferentes, dependendo do seu uso e do contexto no qual está
inserido (aspectos instrumentais).
No entanto, todos os usos desses conceitos não são suficientes para
defini-los. É preciso uma abstração. A mesma coisa acontece com os conceitos
empíricos. Por exemplo, todos os usos de uma faca não definem este conceito. Uma
faca poderia servir para muita coisa: cortar, descascar, furar, entalhar etc. É
necessário que se realize uma abstração para que se possa definir faca.
Isso pode ser entendido se olharmos para os dois tipos de afasia
descritas por Jakobson.
22
A primeira ele chama de “a perda da meta-linguagem”, na
qual o contexto é um fator indispensável e decisivo para a compreensão. Essa perda
torna a “pessoa incapaz de expressar uma predicação que não seja estimulada pelo
contexto disponível”. Um paciente com este tipo de afasia não conseguiria dizer “Dá
a faca”, pois como depende do contexto, diria “Dá o descascador de laranja”, se seu
objetivo fosse descascar uma laranja, mas se fosse para cortar um bolo, diria “Dá o
cortador de bolo”. A outra característica é a perda da capacidade de selecionar e
substituir autonomamente uma palavra. Assim, apesar dele compreender as duas
22
Ver OTTE. Complementarity, Sets and Numbers. 2003, p.213-214
17
frases - João não é casado- e João é solteiro não é capaz de substituir solteiro
por não casado em uma sentença.
Aentão, a questão de qual a melhor forma de fazer a transição da
linguagem natural para a linguagem simbólica da matemática parece não ter
recebido atenção necessária.
Os problemas tornam-se ainda mais graves quando entramos no
campo da linguagem da álgebra, que segundo Freudenthal pode ser usada
autonomamente, independente de qualquer significado ou conteúdo.
23
Austin e Howson consideram então como pontos de partida úteis a
idéia de Thom sobre a álgebra ser rica em sintaxe e fraca em significado, o que
permite a realização de grande número de operações sem pensar em seus
significados, justamente o oposto da linguagem cotidiana.
Muitas das dificuldades específicas da matemática aparecem quando
se começa a ler e a escrever matemática. Parte é responsabilidade dos autores dos
livros didáticos, que pecam sintaticamente ao escrever de forma desleixada e muitas
vezes irracional. Estes livros enfatizam o poder da linguagem simbólica e sua
superioridade à linguagem comum, tornando difícil aplicar as recomendações dadas
para melhorar a legibilidade dos textos.
O uso das palavras para comunicar precisamente as abstrações
matemáticas, e conforme Thom ‘com significado’, ainda é uma tarefa difícil, talvez
impossível”
24
. Segundo Vygotsky:
25
“A correção absoluta se consegue para da
linguagem natural, na matemática. A nossa linguagem cotidiana oscila
constantemente entre os ideais da harmonia matemática e os da harmonia
imaginativa”. As duas citações corroboram a idéia de que a linguagem matemática
tem certa validade, mas que ignora a variedade no modo como a linguagem é usada
dentro da matemática. Diferenças entre os termos usados na linguagem matemática e
na linguagem cotidiana podem apresentar-se como dificuldades para o ensino
aprendizagem em matemática. Uma das dificuldades pode ser exemplificada por
palavras que são usadas de forma diferente nos dois tipos de linguagem, como por
23
FREUDENTHAL. Weeding and Sowing. 1978
24
AUSTIN E HOWSON, Language and Mathematical Education. 1979, p.178
25
VYGOTSKY, Lev Semenovich (1896-1934). Pensamento e Linguagem. Capítulo 7, tópico II
18
exemplo a palavra corda, radical, raiz. Uma outra seria o uso dos quantificadores,
palavras como alguns, poucos, uns etc., que usamos no cotidiano e que atendem
plenamente à comunicação, mas que em linguagem matemática seriam causadoras
de grande confusão.
Para enfrentar tais dificuldades foi sugerida por Griffiths
26
a
introdução de modelos lingüísticos desde cedo, em progressão gradual e claramente
definido o trânsito da linguagem natural para a linguagem matemática. E a sugestão
da criação de uma “linguagem de ensinar”, que faria a ponte entre a linguagem
cotidiana e a linguagem matemática.
Ambas as sugestões podem criar novos problemas, já que limitar
modelos lingüísticos, proteger o leitor de expressões e termos alternativos pode
reduzir as possibilidades do leitor, por exemplo, de usar outros materiais didáticos,
comunicar-se matematicamente com outras pessoas que não usem os mesmos
modelos, e distinguir entre formas mais adequadas de expressão.
O caminho apontado é a mudança do centro da aula para o aluno:
“Uma criança, em especial, é frequentemente ignorante dos
significados não cotidianos de palavras aparentemente familiares.
E terá consciência por meio do reconhecimento da função de
uma palavra dentro dos contextos separados da abstração
Matemática e linguagem do dia a dia, de modo que a percepção
poderá ocorrer se a criança tiver uma experimentação
desinibida em vários contextos. Em tais circunstâncias o
professor agirá como um guia, ao invés de como um modelo
remoto de perfeição lingüística da Matemática”.
27
O vocabulário matemático é muito extenso, muitos termos usados na
linguagem cotidiana são usados com significados diferentes em linguagem
matemática, e as dificuldades originadas por estas questões acabam por intimidar o
aluno. Problemas neste sentido acabam nos levando a considerar o modo como
primeiro os alunos conhecem as palavras e depois formam conceitos, deixando
26
GRIFFITHS, H.B. apud AUSTIN E HOWSON, Language and Mathematical Education. 1979,
p.180
27
AUSTIN E HOWSON, Language and Mathematical Education. 1979, p.180
19
evidente a importância do cuidado com os termos introduzidos, definidos e
empregados.
De modo geral, os autores considerados por Austin e Howson
concebiam a “linguagem matemática” como uma entidade claramente reconhecível,
identificada principalmente pelo simbolismo e vocabulário específicos da escrita da
matemática formal. As principais questões estavam relacionadas com o como os
alunos conseguem aprender esta linguagem e os obstáculos neste percurso.
Respondendo a pergunta inicial, de como os lingüistas poderiam
ajudar a educação matemática, podemos indicar os gramáticos para nos ajudar nas
questões referentes ao domínio da língua por parte dos alunos. Ao ajudá-los a se
tornarem mais conscientes da estrutura de sua língua materna e da prática dessa
língua, consequentemente promoveriam uma melhora na escrita, leitura e
interpretação, favorecendo a formação de conceitos.
Quanto à linguagem do professor poderíamos nos beneficiar da ajuda
dos poetas. A linguagem metafórica tão característica dos poetas, que age como uma
transferência de significado, baseando-se na analogia, ou seja, na relação entre dois
conceitos que apresentam algo em comum, é uma ferramenta poderosa ainda pouco
usada pelos professores, ou pelo menos de forma não consciente. A vantagem do
uso da metáfora, em termos cognitivos, está no fato de apoiarmos a comunicação em
conceitos mais concretos e mais próximos da experiência do aluno, facilitando a
compreensão de conceitos mais complexos e abstratos.
1.2 – Uma abordagem discursiva para a linguagem Matemática.
Cerca de 20 anos após a publicação de Austin e Howson, e com a
mesma intenção, é publicado o livro Language and Communication in the
Mathematics Classroom(1998), baseado nos documentos apresentados pelo Grupo
de Trabalho “Linguagem e Comunicação” do VI Congresso Internacional de
Educação de Matemática (ICME) realizado em Quebec em 1992. Apesar de muitas
20
das questões de investigação apontadas vinte anos atrás ainda persistirem, como o
Bilingüismo, e ainda outras estarem surgindo, como por exemplo o crescente
interesse na questão do uso da escrita como meio de aprendizagem da matemática, a
maioria dos trabalhos considerados nesta publicação apresentam um interesse maior
nas questões relacionadas ao discurso, comunicação e interação nas salas de aula, na
linguagem “em uso”, do que nas características formais de uma linguagem
matematicamente correta.
Esta abordagem discursiva advém do atual consenso entre as
tendências de que a linguagem desempenha um papel importante no processo
ensino-aprendizagem, e, em particular, em discussões como meio útil para o
desenvolvimento da aprendizagem.
Sierpinska nos aponta em seu artigo “Os caminhos do discurso
matemático”
28
que nos últimos 20 anos temos “batalhado” com pelo menos “três
teorias gerais de abordagem da linguagem: linguagem como um código (por
exemplo Laborde), linguagem como representação (Janvier, Duval) e linguagem
como discurso (Kieran, Forman & Sfard)”. Ela explica a importância da abordagem
discursiva para a educação matemática, seu olhar semiótico do mundo, e as
possibilidades de uma conexão entre esta abordagem e as outras.
A abordagem discursiva tem muitos elementos gerais, ou seja,
elementos do processo ensino aprendizagem gerais a todos os campos de
conhecimento, mas como Morgan ressalta, o caminho na pesquisa em Educação
matemática não pode perder de vista as especificidades da própria linguagem
matemática. Ela diz:
“A mudança de interesse em direção a modelos de interação e
linguagem usados em sala de aula no lugar das características
formais da linguagem Matemática às vezes parece ter pedido de
vista a Matemática. Contudo, se nós estivermos preocupados com
a linguagem e a comunicação na sala de aula de Matemática, é
ainda mais importante considerar o que é caracteristicamente
matemático sobre a linguagem e o modo como é utilizada”.
29
28
SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away. 2005.
29
MORGAN, Candia - Language in Use in Mathematics Classrooms: Developing Approaches to a
Research Domain, H. Steinbring, M.G. Bartolini Bussi and A. Sierpinska. 2000, p.96
21
Passados mais de 40 anos da Reforma da Matemática Moderna, da
ênfase do ensino em uma linguagem matemática mais formal, as pesquisas em
educação matemática e Linguagem trazem cada vez mais perguntas - inclusive mais
perguntas que respostas no entanto, seja qual a linha de pesquisa ou qual o assunto
específico a ser tratado, sempre perpassa pela questão da linguagem propriamente
matemática, do seu simbolismo e de seus significados.
1.3 Os símbolos da matemática
“O poder da matemática está nas idéias, mas o acesso a estas
idéias, e a habilidade de comunicá-las, dependem do simbolismo
matemático”
30
O símbolo na matemática é o meio pelo qual construímos e
acessamos os objetos matemáticos. Até o início do século XIX, os objetos da
matemática eram produzidos e desenvolviam-se num processo de atividade
simbólica, dentro do contexto de uma língua. A álgebra era essa língua, de modo
que, até o século XIX era apenas uma linguagem que usava símbolos para
representar números desconhecidos, com o objetivo de tornar possível a resolução
de equações ou generalizações aritméticas e geométricas.
Nesse sentido a álgebra aparecia no papiru de Rhind (1650 a.C.),
que continha 80 problemas, todos resolvidos, a maioria envolvendo problemas do
dia a dia, como o preço do pão, a armazenagem de grãos de trigo, a alimentação do
gado, enfim, problemas que conduzem a equações simples.
Segundo Dantzig
31
, é correto afirmar que a álgebra passou por três
fases: a retórica, a sincopada e a simbólica.
“Na álgebra retórica as relações são expressas com palavras e
caracterizadas pela ausência completa de qualquer símbolo, ou
seja, as próprias palavras são usadas em seu sentido simbólico.
Atualmente, a álgebra retórica é usada em afirmações como “a
30
SKEMP, Richard R. Mathematics in the primary school. 1989, p.104
31
DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005.
22
soma é independente da ordem dos termos”, a qual,
simbolicamente, seria designada por a + b = b + a”.
32
A álgebra sincopada vem a ser uma álgebra intermediária, pois usa a
abreviação das palavras como seus próprios símbolos. Esse processo de abreviação
ao longo do tempo, fez com que a abreviação da abreviação se tornasse um símbolo
que não tinha mais nenhuma conexão óbvia com o que eles representavam, inclusive
nem com a palavra escrita. Um exemplo disso é a história do símbolo
. Primeiro foi
usada a palavra minus, então se abreviou para , ou seja, usando a primeira
letra da palavra, e posteriormente a letra caiu em desuso, ficando apenas o
sobrescrito. Podemos observar essa passagem na tabela de evolução
33
de alguns
símbolos:
Fig. 1 – Tabela da evolução de alguns símbolos matemáticos
Diophantus
34
(250) usou a letra grega
ς
(sigma) para simbolizar o
desconhecido. controvérsias sobre esta escolha: uns dizem que é porque sigma
tinha duas representações,
σ
e
ς
, e que a primeira representação designava o número
32
DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.80
33
DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.81.
34
Diophantus de Alexandria (cerca de 200-284) foi um matemático grego conhecido como "o pai da
álgebra", e pela sua obra Arithmetica. Teve uma enorme influência sobre o desenvolvimento da teoria
número.
23
60, e que a segunda não era utilizada para representar números. Outros dizem que
provavelmente é a sincopação da primeira laba da palavra grega arithmos
(número), nome pelo qual designou o desconhecido em um problema.
No entanto, os gregos usaram esses símbolos como meras etiquetas
para designar pontos diferentes ou elementos de uma configuração geométrica,
como o fazemos até hoje. Em nenhum momento utilizaram os símbolos em um
sentido operacional, mas mesmo assim, Diophantus pode ser considerado o
precursor da álgebra moderna por seu trabalho pioneiro com as equações simples,
quadráticas e de ordem superior.
A álgebra hindu era essencialmente sincopada, usavam como
símbolos as primeiras sílabas das palavras que designavam os objetos ou operações.
Apesar das observações de não serem perspicazes e críticos como os gregos, e por
isso apresentarem um formalismo ingênuo, desenvolveram a álgebra, utilizaram-se
de símbolos não só para operações e igualdades fundamentais como para os números
negativos, e ainda desenvolveram todas as regras para a transformação de equações
simples e quadráticas.
A matemática hindu não influenciou diretamente a matemática
européia. No entanto, acredita-se que todo o conhecimento árabe foi recebido dos
Brahmis (membros da casta sacerdotal mais elevada da Índia, com elevado nível de
conhecimento), que foram contratados pelos califas dos séculos IX e X. A
civilização muçulmana daquele período era uma mistura de duas culturas: a helênica
e a oriental. Os árabes traduziram muitas obras e são responsáveis por manter a
salvo grande parte do conhecimento da Grécia antiga, cujos originais foram
queimados em incêndios, saqueados ou simplesmente destruídos.
Os árabes não apenas traduziram e aprenderam como também
desenvolveram e enriqueceram muito esse conhecimento. Omar Khayyám
35
, autor
do Rubaiyat, é um dos muitos nomes entre os numerosos matemáticos de primeira
categoria. Omar escreveu uma álgebra árabe na qual utilizou de seu conhecimento
35
Seu nome completo era Ghiyath Al Din Abul Fateh Omar Ibn Ibrahim Al Khayyam. (1048-1131),
poeta, matemático e astrônomo iraniano. Ele foi famoso em vida como o matemático e astrônomo
que determinou o cálculo de modo a corrigir o calendário persa. Contribuiu para a álgebra
desenvolvendo um método para resolver equações cúbicas pela intersecção de uma parábola com um
círculo, que viria a ser retomada séculos depois por Descartes. Sua obra mais conhecida é Rubaiyat
24
de geometria grega e da álgebra hindu para resolução de equações cúbicas e
quárticas.
No entanto, como ressalva Datzing,
“os árabes não avançaram nem uma iota em notação simbólica. É
um dos fenômenos mais estranhos na história da matemática que
os árabes, adotando a álgebra hindu, não retiveram o seu
pitoresco simbolismo sincopado. Exatamente o contrário, eles
regrediram à álgebra retórica dos gregos”.
36
Enquanto no mundo árabe a cultura mulçumana se desenvolvia, a
Europa mantinha-se “em sono profundo”. Este período histórico foi chamado de
Idade Média, nele a Europa passou da civilização antiga para civilização medieval,
diversos fatores o marcaram, tais como: o colapso do sistema político romano, o
cataclismo decorrente das invasões dos “bárbaros” germanos e eslavos e o crescente
poder da Igreja católica. Como conseqüência da nova ordem, os grandes impérios do
mundo antigo acabaram e deram lugar a baronatos feudais. Escravos e pequenos
proprietários rurais foram substituídos por servos. Intelectuais e inventores deixaram
de se interessar pela ciência pura e pela matemática e voltaram suas energias mais e
mais para a engenharia e a religião.
No século XII, ocorre o que se pode chamar de período de
transmissão. É o período em que o saber grego, preservado pelos muçulmanos, é
retomado pelos europeus ocidentais. Este despertar do “sono profundo” ocorre
principalmente por meio de traduções latinas feitas por intelectuais cristãos que se
deslocavam até os centros de saberes mulçumanos, pelas relações entre o reino
normando da Sicília e o Oriente e por meio do intercâmbio comercial entre a Europa
Ocidental e o Levante e o mundo árabe. Quando os cristãos retomaram Toledo
(Espanha) dos mouros em 1085, verificou-se um influxo de intelectuais cristãos
rumo àquela cidade, visando adquirir o saber muçulmano.
A Sicília, por sua localização geográfica e história política, logo se
tornou um ponto de encontro entre o Ocidente e o Oriente. As primeiras cidades a
estabelecer relações mercantis com o mundo árabe foram os centros comerciais
italianos. Assim, os mercadores italianos entraram em contato com a civilização
36
DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p. 86.
25
oriental, se instruíram e trouxeram informações sobre aritmética e álgebra,
desempenhando um papel importante na disseminação desse conhecimento.
Espanha e Itália, foram as principais portas de acesso para o
Renascimento. Não é de se estranhar que o matemático mais talentoso da Idade
Média tenha sido um comerciante italiano. Fibonacci (1170-1250)
37
convencido da
superioridade prática dos métodos indo-arábicos de cálculo, ao retornar de viagens
ao Egito, Sicília, Grécia e Síria, em 1202, publicou sua famosa obra intitulada Líber
abaci, na qual defende a notação indo-arábica e explica os métodos de cálculo,
apresenta resoluções de equações tanto pelo método da falsa posição como por
processos algébricos, processos esses que apresentavam uma álgebra retórica. Em
1220, surgiu a Practica geometriae, material sobre geometria e trigonometria,
“numa abordagem hábil, feita com rigor euclidiano e alguma originalidade”
38
. Por
volta de 1225, escreveu seu Líber quadratorum, esse sim um trabalho original e
brilhante sobre análise indeterminada.
1.3.1 – A álgebra simbólica
Em relação à álgebra, o século XVI foi um momento decisivo. No
final deste século, o francês François Viète
39
(1540-1603) publica em 1591 seu mais
famoso trabalho: In artem analyticam isagoge. Neste texto, Viète introduziu a
prática de usar vogais para representar incógnitas e consoantes para representar
constantes. Antes de Viète era comum usar letras ou símbolos diferentes para as
várias potências de uma quantidade.
37
Leonardo Pisano Fibonacci (1170-1250), também conhecido por Leonardo de Pisa, foi um
matemático italiano, dito como o primeiro grande matemático europeu depois da decadência helênica.
Viajou por todo o Oriente Médio como mercador, tempo em que absorveu o conhecimento árabe. É
considerado por alguns como o mais talentoso matemático da Idade Média. Ficou conhecido pela
descoberta da sequência de Fibonacci e pelo seu papel na introdução dos algarismos árabes na
Europa.
38
EVES, Howard. Introdução à História da Matemática, p.293
39
François Viète, nascido em Fontenay (França), em 1540, estudou advocacia e foi membro do
parlamento provincial da Bretanha, mas dedicava a maior parte de seu tempo de lazer à Matemática.
Faleceu em 1603, em Paris.
26
Essa notação teve curta duração, pois em 1637, René
Descartes
40
(1596-1650) em sua La géométrie utiliza-se das primeiras letras do
alfabeto para indicar as quantidades conhecidas e as últimas letras do alfabeto para
indicar as desconhecidas. A notação cartesiana não suplantou a Vieteana, como
sobrevive até hoje.
Sua realização foi simples, mas de importância capital. Viète ao
contrário de como vinham sendo usadas as letras para representar um número,
propôs letras para representar toda uma classe de números. Usando as vogais para
indicar quantidades conhecidas e consoantes para indicar as quantidades
desconhecidas não apenas “economizou” na escrita, mas apresentou a situação de
uma forma que é mais rapidamente apreendida pela mente do que a forma verbal.
Veja o exemplo:
( a + b)² = a² + 2ab + b²
O quadrado da soma de dois números é
igual a soma dos quadrados dos
números, aumentada por duas vezes o
produto deles.
Talvez não tenhamos a percepção do nível de realização de Viète por
estarmos acostumados às fórmulas em que as letras representam grandezas gerais, e
é hábito de nossa cultura lidar com símbolos. Mas em pleno século XVI isso
40
René Descartes ou Renatus Cartesius (1596, Touraine, França - 1650, Estocolmo, Suécia), filósofo,
matemático e sico, criador da geometria analítica, também descobriu os princípios da ótica
geométrica. Sua contribuição científica baseia-se no emprego de um método e de uma metafísica.
Por Viète Outros autores
após Viète
Hoje
A A x
A quadratum A q x
2
A cubum A c x
3
27
representou uma ruptura, uma novidade tremenda, pois a notação literal foi um
marco para o desenvolvimento da matemática.
Podemos perguntar o que torna o simbolismo tão poderoso? Primeiro
porque liberta a álgebra das palavras, e com isso, além de resguardá-la das
ambigüidades e equívocos decorrentes da natureza da linguagem cotidiana, ainda
elimina todas as noções pré-concebidas e ligadas às palavras utilizadas, como
explica Datzing:
A arithmos de Diophantus, o res de Fibonacci, eram noções
preconcebidas: eles representaram todos os números inteiros. Mas
o A de Viète ou o nosso x dos dias atuais tem uma existência que
independe do objeto concreto que ele supostamente representa. O
símbolo tem um significado que transcende o objeto simbolizado:
isso porque não é uma mera formalidade.
41
Em segundo lugar, porque torna possível a passagem do que antes era
tratado individualmente para ser tratado genericamente. Cada expressão como
32
+
x
;
53
x
;
74
2
++ xx
;
543
8
+ xx
,
eram tratadas individualmente. Mas ao
usar a forma linear ax+b ou a forma quadrática ax²+bx+c, as tratamos como uma
única espécie.
Essa mudança do específico para o geral desempenhou um papel
importantíssimo na formação do conceito de número generalizado.
Desde que se trabalhe com equações numéricas, como:
alguém pode satisfazer-se (como fez a maioria dos algebristas
medievais) com a afirmação de que o primeiro grupo de equações
é possível, enquanto o segundo é impossível.
Mas quando se considera
x + b = a
bx = a
x
n
= a
41
DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.90
(I) x + 4 = 6 (II) x + 6 = 4
2x = 8 2x = 5
x
2
= 9 x
2
= 7,
28
a mesma indeterminação dos dados compele a alguém dar uma
indicação ou solução simbólica para o problema:
x = ab
x = a/ b
n
ax =
Em vão, depois disto, alguém estipulará que a expressão a b
tem um significado se a é maior que b, que
b
a
é sem significado
quando a não é um múltiplo de b, e que
n
a
não é um número a
menos que a seja uma enésima potência perfeita. O próprio ato de
escrever o desconhecido gerou um sentido; e não é fácil negar a
existência de algo que recebeu um nome.
42
Considerando existentes, mesmo com as ressalvas necessárias, são
inventadas regras para operar com os símbolos
a
b,
a/b e
n
a
. Como não
características nos símbolos que indiquem se as operações são legítimas ou não, não
surge nenhuma contradição ao operar com eles como se fossem números, e então
chegamos muito perto de reconhecer esses símbolos como números de fato.
Uma primeira virada se na história da álgebra com essa
simbolização sugerida por Viète, cuja essência contaminou” a comunidade
matemática. Esta simbolização trouxe novos horizontes para os algebristas, que
puderam considerar o número e as operações de forma mais estruturada,
possibilitando a expansão do campo numérico.
Todo esse processo de simbolização permitia eliminar o problema da
influência dos significados ocultos nas palavras utilizadas na matemática que eram
palavras da linguagem humana comum, assim como o seu caráter ambíguo. No
entanto, mais importante do que isso, foi o poder que o simbolismo deu à mente
humana, ajudando a intuição a criar novas formas de pensamento.
Podemos perceber isso mediante a analogia que Cajori faz com a
linguagem comum:
Na medida em que nossa língua é capaz de afirmações precisas, é,
portanto, um sistema de mbolos, uma álgebra retórica por
excelência. Substantivos e frases são, entretanto, símbolos de
classes de objetos, verbos simbolizam relações, e orações são,
42
DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.91
29
entretanto, proposições que conectam estas classes. Ainda,
enquanto a palavra for o símbolo abstrato de uma classe, também
tem a capacidade de evocar uma imagem, um retrato concreto de
algum elemento representativo da classe. Nesta função dual de
nossa língua deveríamos buscar os germes do conflito que mais
tarde surge entre lógica e intuição”.
43
1.3.2 O signo da igualdade
A questão da linguagem, dos signos é tão importante para a
matemática, que os matemáticos, ao longo da história, inventaram seu próprio
sistema de representação. Não nos cabe discutir esse assunto de maneira geral, mas
apresentaremos um pouco da história de um símbolo que nos é tão comum, e sobre o
qual, geralmente, sabemos tão pouco, o signo da igualdade: “=”.
Como mencionamos anteriormente, o símbolo de igualdade
apresenta uma dificuldade inicial comum a qualquer pessoa, que é a de conceituá-lo.
Esta dificuldade advém do fato de que em contextos distintos ele apresenta
significados diferentes -“dar”, “sobrar”, “resultar” etc.- sendo necessária a abstração
do seu conceito a partir das várias experiências com o símbolo “=”.
Uma outra dificuldade está relacionada às equações. Aceitamos
facilmente a idéia da igualdade, de equivalência em uma equação. O signo de
igualdade nos remete a idéia de função como máquina, relacionando o que deve ser
feito com o seu respectivo resultado.
Aceitamos bem que a=a, pois aceitamos a idéia de identidade;
aceitamos a=b, ou seja, dois signos distintos, dois nomes diferentes para uma mesma
coisa, duas designações para um mesmo significado. O problema é como perceber,
como verificar que a e b são dois nomes para a mesma coisa, e isso depende da área
do conhecimento. Na álgebra fazemos isso por meio da calculação (transformações
por meio das regras sintáticas), por exemplo:
3 + 2 = ( 2 + 1 ) + 2 = 2 + ( 1 + 2 ) = 2 + 3
43
DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.101
30
No entanto, na própria matemática temos situações que permitem
raciocínios diferentes para se chegar a uma mesma solução. Um exemplo é o cálculo
da quantidade total de tijolos de uma pilha. Podemos calcular a quantidade total da
pilha multiplicando a quantidade de tijolos da linha pela quantidade de colunas, ou
considerar a quantidade de tijolos de cada coluna e ir somando linha após linha.
Verificamos que a quantidade total é sempre a mesma, então os dois modos de
calcular são os mesmos.
Aceitamos também que se a=b então a+c=b+c, pois entendemos a
igualdade facilmente usando a metáfora da balança, muito comum em nossas salas
de aula e que não representa uma regra de calculação, mas a aceitação por
experimentação. Assim, numa balança de dois pratos, se adicionarmos a mesma
quantidade nos seus dois pratos, esta permanece equilibrada, ou seja, não
alteração na relação de equivalência. Mas é muito difícil aceitarmos que se a=b e
c=d então a+c=b+d. Não conseguimos conceber com facilidade que se c=d então
estamos adicionando a mesma quantidade nos dois lados da balança. Esta é uma
idéia fundamental no trabalho com as equações, poder somar ambos os membros
conservando então a relação de equivalência. No entanto, esta não é uma idéia
naturalmente aceita em decorrência das primeiras relações apresentadas.
No papiru Rhind (ou Ahmes,1650 a.C.) podemos encontrar um
símbolo (ou ideograma) para indicar a idéia de “dá” , como uma marca designando
igualdade em equações lineares. O mesmo aconteceu com Diophantus
44
(séc III) e
no manuscrito de Bakhshali
45
e com Arab al-Qalasâdi. Regiomontanus (1436-
1476) em sua correspondência usava para igualdade um segmento horizontal
,
também utilizado por Pacioli (1445-1509) e Ghaligai. Cardano (1501-1576) por
vezes deixou um espaço em branco no lugar onde deveria estar o símbolo de
igualdade.
Recorde
46
(1510-1558), em seu livro The Whetstone of Witte (O
afiador de mentes), publicado em 1557, fez uso pela primeira vez do símbolo de
44
Não se sabe ao certo em que época ou onde Diophantus viveu, o que se sabe é que sua carreira
floresceu em Alexandria no século III.
45
O manuscrito é anônimo e a estimativa é de que se situe entre o séc III e o séc XII d.C.
46
Robert Recorde (1510-1558), influente autor inglês de textos escolares no século XVI. Escreveu
em inglês e seus trabalhos tinham a forma de diálogos entre um mestre e um estudante.
31
igualdade como o conhecemos hoje: =. Antes dele, o mbolo de igualdade era
essencialmente retórico. As palavras usadas eram geralmente aequales, aequantur,
esgale, faciunt, ghelijck, or gleich, e algumas vezes a abreviatura aeq. No entanto,
mesmo quase 100 anos depois de Recorde, matemáticos famosos como Kepler,
Galileu, Torricelli, Cavalieri, Pascal, Napier, Briggs, Gregory St. Vicente, Tacquet, e
Fermat ainda usavam um símbolo retórico ou sincopado.
Recorde justificou a adoção de um par de segmentos de reta paralelos
como símbolo da igualdade alegando que “não poderia haver duas coisas mais
iguais”.
47
Apesar de hoje usarmos o =, a sua aceitação e adoção pela
comunidade matemática não foi imediata. Muito pelo contrário, não apareceu em
mais nenhuma publicação até o ano de 1618, em um Apêndice anônimo na
impressão da tradução do famoso Descriptio de Napier (1550-1617), supostamente
de Oughtred (1574-1660), ou seja, 61 anos depois que Recorde o havia usado.
Existem evidências de que o símbolo apesar de não ser impresso, era utilizado nos
manuscritos dos matemáticos. Apenas em 1631 o símbolo é reconhecido e adotado
na Inglaterra, aparecendo em três importantes trabalhos, no Artis analytic praxis de
Thomas Harriot, no Clavis Mathematicae de Willian Oughtred e Trigonometria de
Richard Norwood.
O símbolo = foi usado também para representar outros tipos de
relação. Viète, em 1591, o usou para designar a diferença; Descartes, em 1638, para
designar mais ou menos; Caramuel, em 1670, como um separador em frações
decimais; em 1706, Paricius o usou como signo geral para separar resultados
parciais em equações; e Dulaurens e Reyher para designar linhas paralelas. Assim, o
símbolo de Recorde tinha vários significados, o que representava uma desvantagem,
colocando-o em risco de ser completamente descartado por outro, uma vez que o
simbolismo é justamente para tornar a escrita e leitura da matemática mais claras,
eliminando ambigüidades.
Surgiram vários símbolos para competir com o =.
47
CAJORI, Florian. A history of mathematical notations. 1929, p. 261. (em anexo reprodução da
página do livro de Recorde)
32
Símbolo Por Ano
=
Recorde 1557
[
Monge J. Buteo (francês) 1559
││
Wilhelm Holzmann (Xylander) (alemão) 1571
Giovane Camillo Glorioso (italiano) 1613
Cardeal Michaelangelo Ricci (italiano)
R. Descartes (francês) 1619-1621
Pierre de Carcave (francês) 1649
Monconys 1666
De Sluse 1668
De la Hire 1701
Abraham de Graaf (holandês) 1703
Parent (francês) 1713
S. Reyher 1698
Leonard e Thomas Digges (inglês) 1590
Hérigone (francês) 1644
René Descartes 1637
=, ,
Leibniz Usou os símbolos
em épocas variadas,
retornando-os
J.V. Andrea 1614
Apesar das barras verticais terem sido utilizadas ao longo de um
século, não chegou a representar uma ameaça ao símbolo de Recorde. O símbolo
que realmente fez frente ao = foi o de René Descartes , publicado em sua
Geómétrie (Leyden, 1637). Levando-se em conta que o mbolo = tinha a
desvantagem de representar outras relações, o que não acontecia com o de
Descartes, este tinha tudo para prevalecer. Era o que parecia ocorrer.
33
Apesar do signo de Descartes ter sido amplamente usado na França e
Holanda no fim do século XVII e início do século XVIII, este não alcançou outros
países com a mesma força, de modo que ele não havia garantido uma posição
segura. Um outro aspecto deve ser considerado, o da dificuldade de impressão do
símbolo, que acarretava em alterações para facilitar a impressão no momento de
publicar.
Enquanto isso, o signo de Recorde era cada vez mais utilizado na
Inglaterra no século XVII, inclusive sendo adotado por John Wallis, Isaac Barrow e
Isaac Newton. “Não dúvida de que esses nomes ajudaram o símbolo em seu
caminho rumo à Europa”.
48
O uso do signo de Recorde, em seus primeiros cem anos, não fez
progresso considerável na Europa, e antes de se consolidar, no início do século
48
CAJORI, Florian. A history of mathematical notations. 1929, p. 304
Usaram o símbolo de Descartes
Usaram o símbolo de Recorde
=
Van Schooten 1646 Descartes (francês) 1640
Christiaan Huygens 1646 J. Stampioen (holandês) 1639,1640
Hudde e De Witt 1659 Joham Heinrich Rahn (suíço) 1659
Jean Prestet 1689 Bernhard F. Bessy 1661
Ozanam 1691 Huips 1661
Bernard Lamy 1692 Leibniz (e o abandonou por
quase 20 anos)
1666
Michael Rolle (mas em 1709 muda
para =)
1690 Arnould (textos públicos em
Paris)
1667
Kinckhvysen 1660 Leyden 1674
De Graaf 1694
Bernard Nieuwentiit, mas prefere =
em 1695
1694, 1696
De la Hire 1701
Jacob Bernoulli 1713
34
XVIII, lutou com outros símbolos. Ele aparece esparsamente entre 1640 e 1708, e
muitos desses autores o usavam concomitantemente com o de Descartes.
Apesar de Bernoulli ser um matemático importante e usar , o
avanço matemático que realmente dominava o século XVIII era o cálculo diferencial
e integral de Leibniz e Newton, que usaram =, levando a sua adesão de modo geral.
Mesmo após garantido o seu lugar na simbologia matemática o
símbolo de Recorde sofreu algumas variações:
Símbolo
Dois segmentos longos e próximos
Dois segmentos bem curtos e próximos
Dois segmentos curtos, próximos e inclinados
Dois segmentos mais afastados
11
11
O mbolo normalmente era impresso utilizando
o algarismo “um” na posição horizontal.
Podemos perceber a dificuldade em se garantir a uniformidade de
uma notação pela história do uso do símbolo da igualdade. Isto parece mais
surpreendente, se pensarmos que ainda em nosso século, convivemos com grupos de
símbolos diferentes para os distintos ramos da matemática. Baumgart nos aponta
alguns exemplos:
“É interessante notar que, mesmo hoje, não uniformidade no
uso de símbolos. Por exemplo, os americanos escrevem
“3.1416” como aproximação de π, e muitos europeus escrevem
“3,1416”. O símbolo é usado às vezes para “aproxima-se
de um limite” e às vezes para “é aproximadamente igual a”. Em
alguns países europeus “÷” significa “menos”.
49
49
BAUMGART, John K. História da Álgebra. São Paulo: Atual, 1992, p. 3
35
O uso do ponto ou da vírgula como indicador da separação das casas
decimais pode trazer dificuldades para algumas pessoas. No Brasil usamos a vírgula
como indicador da separação das casas decimais e o ponto para a separação das
classes. Essa confusão aparece claramente quando os alunos estão fazendo
atividades em que usam a calculadora: nem sempre o ponto é interpretado como o
separador das casas decimais. Um resultado como 3,125 (três inteiros e cento e
vinte e cinco milésimos) é interpretado como 3.125 (três mil cento e vinte e cinco).
36
2. A FILOSOFIA DE CONDILLAC:
LINGUAGEM E EVOLUÇÃO
O objeto de estudo e o tema principal da obra de Condillac
50
(1715-
1780) é o conhecimento humano. Condillac foi um dos mais importantes, senão o
mais importante pensador do Iluminismo francês, apesar de ainda frequentemente
vermos seu nome associado à divulgação do empirismo inglês de Locke (1632-
1704) na França. Talvez isso tenha sido difundido tão fortemente devido ao subtítulo
da tradução inglesa de seu Essai – “um suplemento ao Essay do Sr. Locke”
editado dez anos após a publicação do original em francês.
É correto afirmarmos que Condillac realmente é muito influenciado
por Locke, o que pode ser claramente percebido em suas obras, inclusive pelas
citações que apresenta. Mas num determinado momento suas filosofias tomam
direções radicalmente distintas em função das diferenças entre as suas concepções
acerca do desenvolvimento da linguagem.
Condillac apresenta uma visão evolucionista. Para ele o homem se
diferencia dos animais na medida em que é capaz de trabalhar com signos, ou seja, o
conhecimento se desenvolve porque os signos nos ajudam a fazer as conexões
entre as idéias ausentes e as presentes, instituindo a memória. Também o processo
da utilização de signos no homem é uma construção, indo dos signos expressivos
(signos de ação) aos signos instituídos. Condillac, contempla as duas facetas da
linguagem a expressiva e a representacional, apesar de ter ficado mais presente
como o autor da Língua dos Cálculos, em que elege a álgebra como o exemplo de
língua perfeita.
50
No ítem 2.2 deste capítulo trazemos uma breve biografia de Condillac
37
Para melhor compreender como Condillac segue um caminho
diferente de seu Mestre, é relevante lembrarmos das mudanças de sua época, que
Condillac nasceu quase um século depois de Locke.
2.1 – Condillac e sua época: o homem é um ser social
O século XVIII é caracterizado pela ênfase no homem como um ser
social. Isso é importantíssimo para entendermos como se desenvolveu o
pensamento de Condillac. Essa nova concepção de homem é a responsável por
mudanças profundas nas concepções de verdade, conhecimento e linguagem.
Os séculos XV, XVI, culminando no século XVII, foram
caracterizados pela solidificação de uma nova ordem social. Na Idade Média cerca
de noventa por cento da população era constituída por camponeses. A
superpopulação rural e o crescimento das atividades econômicas nas cidades (devido
inclusive à expansão marítima) levam ao êxodo rural e ao desenvolvimento das
cidades. A burguesia se consolida como uma classe constituída de proprietários
agrícolas abastados, profissionais liberais, médicos, servidores civis etc. aliados à
grande massa da população rural que vinha para as cidades em busca de condições
melhores de vida, o que provocou um redirecionamento na forma de ver o homem.
O indivíduo passa então a ter destaque não mais pela família (hereditariedade), mas
por seu esforço e por sua capacidade de produção.
Essas mudanças na ordem social se consolidam no século XVIII,
culminando na própria Revolução Francesa (1789). Neste novo cenário é
estabelecida a concepção de homem como ser social, que influencia e é influenciado
pela sociedade, ou seja, a vida social nas questões humanas torna-se uma questão
essencial.
38
2.1.1 – O conhecimento e a verdade
Foucault
51
nos apresenta o que chama de época clássica, séculos
XVII e XVIII como a época em que os critérios de conhecimento e verdade
sustentados pela e pela idéia de revelação na idade Média são substituídos pelo
critério da razão. A certeza do conhecimento antes assegurada pela
inquestionabilidade do que era revelado, passa a ser uma questão fundamental para
os filósofos desta época. Como garantir a verdade? Como conhecer? É tentando
responder a estas questões que surge a preocupação com o método. Filósofos como
Descartes, Francis Bacon, Locke, Hume e Espinosa trabalharam arduamente sobre o
Método Filosófico, e Galileu teorizou sobre um Método Científico.
Esta substituição da revelação pela racionalidade humana também
provoca a substituição do princípio da similitude (analogia) pelo princípio da
comparação (análise). Como garantir que esse conhecimento é verdadeiro? Sobre
essa mudança no século XVII Foucault escreve:
“[...] no século XVI admitia-se de início o sistema global das
correspondências (a terra e o céu, os planetas e o rosto, o
microcosmo e o macrocosmo), e cada similitude singular vinha se
alojar no interior dessa relação de conjunto; doravante, toda
semelhança é submetida à prova da comparação, isto é, será
admitida quando for encontrada, pela medida, a unidade comum,
ou mais radicalmente, pela ordem, a identidade e a série das
diferenças... A comparação pode portanto atingir uma certeza
perfeita”.
52
Essa mudança em relação ao critério de semelhança também vai
provocar uma mudança na forma de conceber um signo, que anteriormente era visto
como o próprio objeto em nossa mente, por uma relação de semelhança. A partir
desse momento o signo passa a ser visto em função da origem da ligação com o
objeto, do tipo de ligação que tem e da certeza dessa ligação. Desta forma, a
similitude não é mais condição para a determinação de um signo. O signo deixa
51
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
52
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 70
39
corresponder ao objeto físico e passa a ser considerado uma representação desse
objeto.
O Iluminismo, movimento do século XVIII, caracteriza-se então pela
crença no poder da razão como instrumento da obtenção do conhecimento e
modificação da realidade contra a fé, a superstição e o dogma religioso. Na ciência,
ênfase aos dados obtidos por meio de observação/experimentação/quantificação, e a
convicção da maioria dos pensadores de que a superação da ignorância é a
responsável pelo o progresso humano, ou seja, pela obtenção de uma sociedade cada
vez melhor.
O nascimento desse espírito quantitativo pode ser ilustrado pela
revolução química motivada pelo método de Lavoisier. Os químicos até então não
consideravam a “balança”, pensavam qualitativamente, num sentido aristotélico.
A quantificação como base do pensamento foi realmente uma mudança importante.
2.1.2 – O papel da linguagem
Para homens como Locke, Galileu e Descartes, a compreensão
humana era considerada um dom privado, de modo que as relações sociais não era
um aspecto relevante para a questão do conhecimento e do pensamento. Muito pelo
contrário, era concebida como um verdadeiro obstáculo a esse desenvolvimento, por
ser considerada enganosa. Para Descartes por exemplo,
“a linguagem foi um obstáculo epistemológico porque era um
veículo fácil para a indução sedutora da eloqüência e da
persuasão emotiva, ..., o Paraíso Perdido em que a tentação de
Eva ocorreu por meio da eloqüência de Satanás”.
53
A comunicação era sempre um risco devido à sua expressividade.
Na nova ordem instaurada pelo Iluminismo, a linguagem ganha
destaque, afinal é ela que permeia todas as relações sociais, ou seja, para a
socialização do homem a linguagem é fundamental. Nesse momento, em que o
53
AARSLEFF, H. (ed.). Etienne Bonnot de Condillac, Essay on the Origin of Human Knowledge.
2001, p. xiii, xiv
40
social está em evidência, as formas de expressão como dança, teatro, música,
literatura, poesia etc., tornam-se comuns e de extrema importância. Este é o cenário
no qual se formam as idéias e nasce a obra de Condillac sobre o desenvolvimento do
conhecimento humano.
Para Condillac a linguagem é criativa, essencial para o
desenvolvimento do ser humano. Quando inicialmente colocamos que apesar da
influência de Locke, Condillac segue um caminho diferente isso é devido entre
outras coisas à sua concepção de linguagem.
Se compararmos apenas os títulos dos capítulos dos dois Ensaios, de
Locke
54
e Condillac
55
, podemos reconhecer claramente esta diferença. Os últimos
títulos do Livro III Palavras do Ensaio de Locke são: “Imperfeição das palavras”,
“O abuso das palavras” e “Remédios para os abusos e imperfeições anteriores”.
Enquanto na parte II do Ensaio de Condillac vemos: “A prosódia das primeiras
línguas”, “O progresso da arte dos gestos na antiguidade”, “Música”, “A origem da
poesia”, “O gênio das linguagens”. Os tulos de Condillac nem de longe poderiam
ser incluídos no Ensaio de Locke, uma vez que consideram a expressividade, e esta
não era bem vista por Locke.
Condillac fez das palavras e da fala a condição para a discursividade,
e consequentemente para a atividade do conhecimento e exercício da razão. Deixa
isso bem explícito quando na introdução de seu Ensaio nos apresenta a linguagem de
ação e a conexão das idéias como os principais fundamentos de sua epistemologia.
Para ele, a origem do conhecimento está no sentimento, na expressão, na compaixão,
e no auxílio mútuo da resposta afetiva que surge da interação social.
54
LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Aiex., 1999.
55
AARSLEFF, H. (ed.). Etienne Bonnot de Condillac, Essay on the Origin of Human Knowledge.
2001.
41
2.2 Breve biografia de Étienne Bonnot de Condillac e suas obras
Étienne Bonnot de Condillac, Abade
de Mureaux, nasceu em Grenoble em 30 de
setembro de 1715, filho de Gabriel Bonnot,
secretário real e Visconde de Mably e de Catherine
de La Coste. “Condillac” não é um nome de
família, mas o nome de uma propriedade que seu
pai adquiriu em 1720, e que posteriormente Étienne
acrescentou em seu nome.
Fig 2.
Condillac até por volta de seus 12 anos não havia aprendido a ler,
isso é atribuído à sua saúde e a vista fraca. Aos 13 anos Condillac perde o pai, e fica
sob a responsabilidade de seu tio, que o coloca para estudar com os jesuítas em Lyon
junto a seu irmão mais velho, Jean Bonnot de Mably. Ele continuidade à sua
educação como seminarista em Paris, em Saint-Suplice e Sorbonne, ordenando-se
padre em 1740. Ele usou a batina pelo resto da vida, mas não executava o trabalho
pastoral, dizem que celebrou uma única missa.
Condillac permanece vivendo em Paris, dedicando-se aos estudos,
freqüentando os salões como um homem de letras. Sua dedicação à filosofia foi
incentivada por seu primo Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783), matemático e
filósofo francês. Travou amizade com Jean Jacques Rousseau (1717-1778), quando
este foi tutor dos seus sobrinhos, com Diderot (1713-1784) e também com outros
enciclopedistas franceses. Ele próprio não foi um enciclopedista de fato, mas suas
idéias influenciaram e permearam a Encyclopédie.
Suas primeiras obras filosóficas de importância são Essai sur
l’origine des connaissances humanies (1746)
56
e Traité des systèmes (1749)
57
. Sua
56
Ensaio sobre a origem do conhecimento humano
57
Tratado dos sistemas
42
reputação está em alta e após a publicação dessa última obra é eleito para a
Academia Prussiana das Ciências.
Sua obra fundamental seria Traité des sensations (1754)
58
, obra em
que defende que todos os conhecimentos e todas as faculdades da alma provêm dos
sentidos, ou melhor, das sensações. Ele usa a metáfora da estátua de mármore para
explicar como seria o interior de um homem, animado por uma alma que desconhece
o mundo, e a qual lhe confere separada e sucessivamente cada um dos sentidos, de
maneira que estes pudessem se influenciar mutuamente despertando as operações do
entendimento. Deste modo, assegura-se que tudo advém das sensações motivo pelo
qual não existem idéias inatas.
Em 1758, Condillac aceita o cargo de preceptor do neto de Luis XV,
Fernando de Borbón, filho do Duque de Parma. Permanece em Parma até 1767,
onde escreve seu Cours d’études pour l’instruction du Prince de Parme
59
, publicado
em treze volumes, entre 1768 e 1773.
Em 1767, recebe a Abadia de Mureaux e em 1768 é eleito membro da
Academia Francesa. No entanto, em 1773, deixa a cidade e fixa residência na
propriedade rural que tinha comprado para sua sobrinha perto de Beaugency. Em
1776 é eleito membro da Sociedade Real de Agricultura de Orleans e publica Le
Commerce et le gouvernement consideres relativement l’um à l’outre
60
, pelo qual
ele é considerado como um dos fundadores da economia moderna.
Em 1777, recebe o convite para escrever uma “lógica” que possa ser
usada na educação dos jovens poloneses, ou seja, uma obra de lógica elementar para
as escolas palatinas. Essa obra é publicada em 1780, com o nome de Logique ou Les
premiers développements de l’art de penser
61
, na qual apresenta suas idéias e seu
método de forma acessível aos jovens. É um livro elementar, no entanto, conserva a
seriedade e a profundidade de suas idéias.
Condillac faleceu aos sessenta e cinco anos, em 3 de Agosto de 1780,
na sua terra em Flux, perto de Baugency, onde vivia no meio de seus nobres e
58
Tratado das sensações
59
Curso de Estudos para a Educação do Príncipe de Parma
60
O comércio e o governo considerado em suas relações recíprocas
61
Lógica ou Os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar
43
importantes estudos. Estudos estes que influenciaram sobremaneira o modo de
pensar e de se fazer ciência.
Ainda depois de sua morte, é publicada La langue des calculs
62
(1798), que apresenta um modelo de análise, contendo os mesmos pontos que na
Lógica, e o desenvolvimento do princípio de que uma ciência bem feita é apenas
uma língua bem feita, justificando-o ao aplicá-la na matemática e eleger a álgebra
como a língua bem feita.
2.3 A epistemologia de Condillac
Influenciado tanto pelo empirismo de John Locke
63
(1632-1704),
quanto pelo método científico instituído por Isaac Newton
64
(1642-1727), Condillac
abandona a busca da essência das coisas em favor da validação exclusiva do
conhecimento por meio da observação e da experiência, como argumenta em sua
Lógica:
que nossas sensações são as únicas idéias que temos dos
objetos sensíveis, vemos neles apenas o que eles representam:
além disso, não percebemos nada, e, consequentemente, não
podemos nada conhecer. (sobre sua essência, substância ou
natureza)
65
O problema de Condillac em relação ao empirismo era sua
insuficiência para explicar o sucesso das ciências, pois percebeu que as teorias
científicas não são percebidas diretamente, e sim construídas ou desenvolvidas.
Assim como Newton, ele entendia que mesmo o conhecimento advindo da mais
pura percepção tem sempre um elemento dedutivo ou interpretativo. Esse elemento,
de modo geral, é o resultado de uma operação mental.
62
A língua dos cálculos
63
John Locke (1632-1716). Filósofo inglês, rejeitou as idéias inatas, a fonte de nossos conhecimentos
seria a experiência, isto é, a sensação ajudada pela reflexão. Para ele a fonte do conhecimento é a
sensação.
64
Isaac Newton (1642-1727). Matemático, físico, astrônomo e filósofo inglês. Formulou em 1642 a
teoria da composição da luz e descobriu as leis da atração universal.
65
CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.85-86
44
Condillac procura resolver este problema, não abandonando o
empirismo, mas sendo ainda mais radical que Locke, ao considerar as sensações
como única fonte de conhecimento, ela própria fonte de nossas operações mentais.
Mesmo o empirismo acreditando que os conhecimentos vêm da percepção, era
necessário explicar como uma percepção se transforma em sentenças, ou seja, em
conhecimento. Para entender uma coisa, temos que entender como essa coisa se
desenvolve. Agora devemos à Condillac a inestimável idéia de que a mente humana
e o conhecimento se desenvolvem com a conexão das idéias por meio dos signos,
e só com processos semióticos.
Isto significa que o papel e a origem dos signos é uma questão
fundamental em sua obra. Condillac mostra que os processos mentais, baseados nas
representações dessas sensações, ou seja, nos signos, é que são responsáveis pelo
desenvolvimento do conhecimento.
Nós sentimos, mas tomamos consciência desta sensação quando,
em nossa mente, a transformamos em uma imagem, ou seja, em um signo. Por meio
destes signos somos capazes de realizar nossas operações mentais, independente da
presença das sensações ou objetos sensíveis.
Assim, os aspectos fundamentais da epistemologia de Condillac são:
o empirismo, a linguagem da ação, a conexão das idéias, o uso dos signos, a análise
e a linguagem. Estes aspectos influenciaram decisivamente o desenvolvimento das
ciências.
O método natural do conhecimento é a análise. Este método consiste
em decompor nossas idéias, para formar diferentes comparações, e por meio delas
descobrir as relações que existem entre suas partes, produzindo novas idéias. É o
método que permite que se faça o caminho do desenvolvimento de trás para frente,
até chegarmos à origem das coisas. Sua vantagem consiste em oferecer poucas idéias
de cada vez, colocando-as ordenadamente, das mais simples até as mais complexas.
A análise é um tipo de cálculo, compondo e decompondo as idéias para compará-las
sempre em busca de novas relações e novos conhecimentos.
45
A linguagem permite conceber uma teoria evolucionista e genética do
pensamento humano, permite ao homem analisar o pensamento, compô-lo e
decompô-lo, lhe dar nomes e então reagrupá-los.
Condillac faz uma crítica à língua cotidiana, dizendo que ela não é
mais uma língua bem feita, como no princípio, uma vez que seu desenvolvimento
não respeitava mais o processo de analogia. Para ele, a língua foi sendo degenerada
ao longo do seu desenvolvimento, seja por falta de habilidade dos “filósofos” ou por
sua presunção de achar que poderiam escolher as palavras arbitrariamente. Isso fez
com que a língua se tornasse ambígua, de duplo sentido, não sendo mais capaz de
revelar o processo de geração das idéias que a determinaram. Deste modo, a língua
cotidiana o é uma boa língua para dar suporte ao desenvolvimento do
conhecimento. Condillac então trabalha em função de conceber uma língua “bem
feita”, na qual a ciência possa se firmar, se sustentar, onde nada seja arbitrário, mas
siga rigorosamente o caminho da geração das idéias. Conclui que essa língua bem
feita é a álgebra, não apenas para a matemática, mas modelo para todas as ciências.
Sua concepção de língua bem feita, de uma língua que seja capaz de
revelar a estrutura de um conhecimento, foi decisiva para o desenvolvimento da
ciência.
2.3.1 O uso dos signos e a linguagem analítica
66
66
CONDILLAC. La langue des calculs. 1798, p.1 Este é o primeiro parágrafo de sua obra stuma
A língua dos lculos: “Toda língua é um método analítico, e todo método analítico é uma língua.
Foram demonstradas estas duas verdades, tão simples quanto nova; a primeira, em minha Gramática;
a segunda, em minha Lógica; e se pode convencer da clareza que elas trazem à arte para falar e à arte
raciocinar, que se reduzem a uma e mesma arte.
46
Para Condillac, a arte de raciocinar se reduz a uma língua bem feita.
Em sua Lógica
67
, ele analisa ao mesmo tempo a origem da língua e do conhecimento
humano, mostrando que a língua é gerada a partir do conhecimento sensível, e que
sua função comunicativa, só se realiza a partir do conhecimento racional.
Defende que temos uma língua inata, natural, chamada língua de
ação, e que esta desempenha um papel ativo no desenvolvimento do pensamento e
do seu progresso. Mas é apenas pelo processo de análise que somos capazes tanto de
compreender a nossa própria língua de ação, como também a língua de ação dos
outros, o que nos permite progredir, viabilizando a construção de uma linguagem
universal.
Um exemplo: um grito nos alerta sobre uma situação de perigo. A
língua inata fez o homem gritar em uma situação de perigo. Tomado isoladamente, o
grito nada representa, mas um momento em que o próprio homem percebe que
em toda situação de perigo ele grita. A partir de então ele passa a associar o seu grito
com uma situação de perigo. O grito é um índice, ou seja, um signo dentro de um
contexto. O homem se conscientiza do significado de algo que, inicialmente, era
apenas instinto, uma reação espontânea diante de um sentimento (perigo). No
momento em que os outros homens associam o som ouvido às situações de perigo
presenciadas, e apenas nesse momento, quando o som ouvido torna-se um signo, é
que sempre que ouvido deflagra em nossa mente processos mentais que nos
remetem a uma situação de perigo. Assim, o grito passa a ter um papel
comunicativo. Ouvir um grito significa que uma situação de perigo está eminente,
originando ações associadas a situações de perigo.
quanto aos gritos naturais, este homem os criará, assim que seus
sentidos sejam afetados. Mas eles não serão, desde a primeria
vez, considerados como seus signos, porque ao invés de revelar
suas percepções, eles serão apenas suas consequências. Quando
eles tiverem com freqüência o mesmo sentimento, e que terão, da
mesma maneira, soltado um grito que acompanha naturalmente
esse sentimento, um e outro serão ligados tão vivamente em sua
imaginação, que não ouvirão mais aquele grito sem que não
67
A seguir, no item 2.3, trazemos um resumo dessa obra.
47
sintam o mesmo sentimento de alguma maneira. Este grito agora
é considerado um signo”.
68
Portanto, sua filosofia da linguagem destaca o papel ativo da
linguagem no desenvolvimento do pensamento individual e, por meio dele, no
progresso do conhecimento coletivo e social. O pensamento e a linguagem
estabelecem uma relação de interdependência. Esta é a razão pela qual ele defende a
"arte de raciocinar" como um instrumento capaz de criar uma "língua bem feita"
para cada ciência, considerando a álgebra como a “língua bem feita”.
Para entendermos melhor porque a álgebra é para Condillac o
exemplo de língua perfeita a ser adotado por todas as outras ciências precisamos
compreender melhor o que é o processo de análise, e o que é uma língua bem feita.
2.3.2 Os três tipos de signos
Para explicar o desenvolvimento do pensamento Condillac se apóia
em três tipos de signos: os acidentais, os naturais e os instituídos.
A primeira classe são os "signos acidentais" que têm o efeito de
produzir em nós o sentimento de ter experimentado uma situação presente
previamente como um deja vu sem ilusão. A pessoa não precisa ter lido Proust para
saber o que isso é. Condillac chama esta reminiscência de sentimento, e que traz a
grande lição de que uma experiência passada pode brilhar vividamente na mente
com convicção tanto de que não é ilusória como de que não é produzida por
recordação intencional. O que foi encontrado acidentalmente ativou a recordação.
68
quant aux cris naturels, cet homme les formera, aussitôt qu' il éprouvera les sentimens ausquels ils
sont affectés. Mais ils ne seront pas,dès la première fois, des signes à son égard ; puisqu' au lieu de lui
réveiller des perceptions, ils n' en seront que des suites. Lorsqu' il aura souvent éproule même
sentiment, et qu' il aura, tout aussi souvent, poussé le cri qui doit naturellement l' accompagner ; l' un
et l' autre se trouveront si vivement liés dans son imagination, qu' il n' entendra plus le cri qu' il n'
éprouve le sentiment en quelque manière. C' est alors que ce cri sera un signe. CONDILLAC. Essai
sur l’origine des connaissances humaines. In: Ouvres. 1789, p. 68 (minha tradução)
48
A segunda classe de signos são os “signos naturais”, que se referem
aos sons ou gestos que espontaneamente dão expressão as estados afetivos da mente,
como por exemplo, alegria, tristeza, dor, medo, entre outros. Condillac ressalva que
eles só se tornam signos quando um espectador é capaz de reconhecê-los.
A terceira classe de signos são os “signos instituídos”, que são
aqueles que escolhemos deliberadamente.
No Ensaio, Condillac escreve:
Eu distingo três tipos de signos, (i) signos acidentais, ou os
objetos que algumas circunstâncias particulares conectaram com
algumas de nossas idéias de forma que essas idéias podem ser
reavivados por eles. (ii) signos naturais, ou os gritos que natureza
estabeleceu para os sentimentos de alegria, medo, dor, etc. (iii)
signos instituídos, ou esses que nós temos escolhido e que tenha
uma relação arbitrária com as nossas idéias.
69
2.3.3 A análise
A análise é um conceito fundamental em toda a sua obra. Como para
ele as noções que somos capazes de adquirir não são mais do que coleção de idéias
simples que a experiência nos fez juntar sob certos nomes, é muito mais natural
formá-las procurando as idéia na mesma ordem que a experiência as dá, buscando as
propriedades de cada uma das coisas.
Ela é o método natural para se chegar à verdade, pois consiste em
“remontar à origem das idéias, desenvolver a sua geração e fazer delas diferentes
composições ou decomposições para compará-las por todos os aspectos que podem
mostrar nelas relações”
70
. É então um processo contínuo de comparação e
organização das idéias, no qual o raciocínio é feito em função de comparações para
observar as semelhanças e diferenças, fazendo relações entre as partes, usando
analogias, ou seja, traduções de uma mesma idéia de formas diferentes, que
possibilitam a descoberta de novas relações.
69
Essay on the Origin of Human Knowledge TRANSLATED AND EDITED BY HANS
AARSLEFF Princeton University, p.36
70
CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.77
49
A análise do pensamento ou de objetos sensíveis são feitas da mesma
forma, ou seja, dividindo conforme a ordem que nos é dada pelas sensações, as
decompomos e recompomos seguindo esta ordem, a fim de estabelecer as relações
entre as partes.
[...] descrevem-se as partes de seu pensamento numa ordem
sucessiva, para restabelecê-las numa ordem simultânea. Faz-se
essa composição e essa decomposição de acordo com as relações
que existem entre as coisas, como principais e como
subordinadas.
71
Uma vez que o pensamento consiste na conexão de idéias, não é
possível raciocinar sem a utilização de signos: “as idéias estão unidas aos signos e,
como mostrarei, unicamente por seu intermédio se relacionam entre si
72
. É na
linguagem que reside a capacidade relacional que constitui o pensamento. Nem os
objetos, nem as idéias enquanto representações desses objetos, são capazes de
estabelecer conexões conceituais que possamos chamar de pensamento.
Assim, apesar do conhecimento ter sempre sua origem nas sensações que os
objetos imprimem em nossos sentidos, é a partir de sua representação que se
torna possível construir o resto dos processos cognitivos. Nesse caso, a língua é um
recurso fundamental, pois analisar uma sensação é distinguir entre as diferentes
impressões e compará-las, e em toda comparação está implícito um juízo, seja sobre
as similaridades ou diferenças, e este juízo é articulado por meio da linguagem.
Em resumo, um raciocínio é um encadeamento ordenado de juízos, logo a própria
constituição das idéias requer o recurso da linguagem: estou convencido de que o
uso dos signos é o princípio que desenvolve o germe de todas as nossas idéias”.
73
Pelo processo de analogia, para que um elemento de uma percepção
possa se converter em um signo, não basta que faça parte dela, é necessário que o
distingamos como um elemento individual, que o separemos da impressão geral à
qual está confusamente ligado”.
74
Por exemplo, ouvimos gritos de longe, vemos
pessoas correndo, em seguida um cachorro bravo. O grito se torna um signo se
71
CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.78
72
CONDILLAC. Essay sur l’origine des connaissances humaines. 1822, p. 6
73
CONDILLAC. Essay sur l’origine des connaissances humaines. 1822, p. 10
74
FOUCAULT. As palavras e as coisas. 1992, p. 76
50
conseguirmos distingui-lo em meio à cena, dando-lhe uma atenção especial. Deste
modo, toda sensação deverá ser dividida, e a atenção dirigida a cada uma das
entrelaçadas partes que compõem a sensação geral. Observar cada parte e em
seguida recompô-la. Consequentemente, a constituição do signo é inseparável da
análise.
E mais além do que distinguir as partes, as explicita. Vale a pena
lembrar que o processo mais importante na cognição como na aprendizagem é a
transformação do implícito para explícito. Especialmente na matemática, dar forma
a alguma coisa ou contribuir com uma definição fértil é a realização mais importante
de todo pensamento matemático.
Aos signos é atribuído o papel de intermediário entre a sensação
(sentidos) e a reflexão (operação mental), como mediador do processo de analogia.
Ele tanto serve como instrumento do processo de análise, quanto é criado como
resultado de um processo de análise, uma vez que determinado, pode ser remetido a
novas impressões, e então desempenha com relação a elas a função de rótulo, de
índice. Por isso sua afirmação de que Toda língua é um método analítico, e todo
método analítico é uma língua”, reduzindo a “arte de falar” e a “arte de raciocinar”
a uma única arte, justificando um papel ativo da linguagem no processo de
desenvolvimento do conhecimento.
2.3.4 Uma língua bem feita – a álgebra
Este desenvolvimento do conhecimento ocorre quando o método
analítico é bem aplicado, determinando a origem e a geração das idéias, pois idéias
nascem sucessivamente umas das outras, na mesma ordem da análise. Ou seja, as
primeiras idéias que formamos são de objetos sensíveis, e são idéias individuais.
Com a experiência esta idéia acaba se tornando geral por corresponder a vários
indivíduos. Conforme a nossa necessidade de distinguir entre estes indivíduos,
vamos por meio de analogia criar diferentes classes.
51
Cada uma dessas idéias em nossa mente é substituída por um símbolo
(palavras), e é responsável pela própria formação do pensamento. Esta representação
é o que chamamos de signo, de modo que para Condillac um signo é a representação
da idéia, que em si mesma representa a coisa percebida. Assim os signos
desempenham papel fundamental no processo de desenvolvimento mental, pois
permitem a comparação e organização das idéias, ou seja, são os intermediários
entre as sensações (impressões diretas dos sentidos) e as reflexões (operação da
mente). Os signos se apresentam à imaginação e memória, no momento em que o
objeto da percepção está ausente.
Quando se construíram as primeiras línguas, presididas pela natureza,
a primeira acepção de uma palavra era conhecida e por analogia fornecia todas as
outras. Eram línguas que favoreciam a geração das idéias e das faculdades da alma.
A análise, que fazia a língua, era sempre guiada pela necessidade.
Cada idéia representada por uma palavra remetia imediatamente à sua
origem, como, por exemplo, a palavra substância significava algo mais que aquilo
que está sob. Essa correspondência perfeita entre signo e significado é que garante
que a “língua é bem feita”.
A desordem na língua que nasce perfeita é fruto da criação de
palavras arbitrárias, que por não guardarem nenhuma relação de semelhança, não
nos remetem à idéia inicial, a partir da qual se desenvolveu o processo de geração.
Deste modo as palavras não remetem mais à sua origem, impedindo a relação
imediata com a idéia que representava, ou seja, “...signos absolutamente arbitrários
não serão entendidos, porque, não havendo análogos, a acepção de um signo
conhecido não conduzirá à acepção de um signo desconhecido”.
75
Outro problema, que ele aborda na introdução de A ngua dos
cálculos é que uma vez que as analogias são relações de semelhança. Dependendo
do tipo de analogia que fizermos chegaremos a expressões diferentes para uma
mesma coisa. O problema não está aí, mas no fato de que acreditamos poder
escolher arbitrariamente entre estas expressões, ao invés de procurarmos sempre, por
analogia, o termo mais apropriado. Esta falta de “razão” no uso da linguagem a torna
75
CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.112
52
inconveniente para o desenvolvimento e disseminação do conhecimento, pois é
passível de confusão e interpretações muito variadas.
Condillac defende então que uma ciência bem tratada, bem elaborada
é aquela que utiliza uma língua bem feita, pois por meio da análise, torna-se
naturalmente compreensível a qualquer indivíduo, que a linguagem incorpora a
análise da realidade. Como exemplo de língua bem feita, elegeu a álgebra no campo
da matemática, e procura mostrar que esta exatidão, que aparentemente é inerente à
matemática, pode ser obtida em qualquer ciência, desde que siga sempre a analogia,
assim como fez a álgebra.
A álgebra é uma língua bem feita e é a única: aqui nada parece
arbitrário. A analogia, que jamais foge, conduz sensivelmente de
expressão em expressão. Aqui, o uso não tem nenhuma
autoridade. Não se trata de falar como os outros, mas é necessário
falar segundo a maior analogia para se chegar à maior precisão; e
aqueles que fizeram essa língua sentiram que a simplicidade do
estilo faz toda a elegância: verdade pouco conhecida em nossas
línguas vulgares.
76
Para ele qualquer problema algébrico é resolvido por meio de
equações algébricas, ou seja, por analogias. Condillac nos dá como exemplo o
seguinte problema:
“Tendo fichas em minhas duas mãos, se passar uma da minha
mão direita para a esquerda terei tanto em uma quanto na outra, e
se passo uma da esquerda para a direita terei o dobro nesta.
Pergunto qual é o número de fichas que tenho em cada uma?”
A partir das duas condições dadas, tentará estabelecer todas as
relações possíveis entre elas, descrevendo os dados de forma cada vez mais simples,
de tradução em tradução.
Se dissermos: o número que temos na mão direita, quando se
suprime uma ficha, é igual àquele que temos na mão esquerda,
quando a esta se acrescenta uma, exprimiremos o primeiro dado
com muitas palavras. Dizemos, então, mais economicamente: o
número de nossa mão direita, diminuído de uma unidade, é igual
àquela de nossa mão esquerda, aumentado de uma unidade, ou, o
número de nossa direita, menos uma unidade, é igual ao de nossa
esquerda, mais uma unidade, ou, afinal, mais economicamente
ainda, a direita, menos um, igual à esquerda, mais um....
76
CONDILLAC. A língua dos Cálculos. 1973, p. 144-145
53
Exprimiremos o segundo dado dizendo: o número de nossa mão
direita, aumentado de uma unidade, é igual a duas vezes ao de
nossa esquerda diminuído de uma unidade.
77
Reescreve uma nova relação, de forma mais simples, economizando
cada vez mais, transformando a frase anterior numa análoga mais simples. Essa
economia garante que possamos perceber o problema integralmente, até que
resolvamos o problema matemático, uma vez que a sua resposta está “escondida” em
seu próprio enunciado. “Quanto mais nosso discurso se abreviar, mais nossas idéias
se aproximarão, e quanto mais nossas idéias se tiverem aproximado, mais fácil será
apreendê-las sob todas as suas relações”.
78
Assim, a álgebra se caracteriza como uma língua, na qual traduzimos
o raciocínio que havíamos feito por palavras, seguindo fielmente o método analítico.
Mais do que uma língua, uma língua bem feita, uma ngua própria às ciências,
caracterizada pela simplicidade, capacidade analítica e exatidão. Na verdade, para
Condillac, toda a linguagem matemática, seja aritmética, geométrica ou algébrica é
passível do uso exclusivo do método analítico.
2.4 – A álgebra como um sistema de signos
A época clássica, segundo Foucault, marca o momento em que ocorre
a mudança da categoria fundamental do saber, da semelhança para a identidade e
diferença, medida e ordem.
Para compreendermos melhor o que quer dizer semelhança como
categoria fundamental podemos pensar na medicina do Século XVI, cuja filosofia de
Paracelso
79
(1493-1541), simula similitibus curantor, ou seja, o semelhante cura-se
77
O exemplo na íntegra está na página 76 desse trabalho. CONDILLAC. Lógica ou os primeiros
desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.126-128
78
CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.127
79
Paracelso (1493-1541) nasceu em Einsiedeln, Suíça, e faleceu em Salzburgo. Foi o mais importante
pensador místico-alquimista de língua alemã do século XVI. Exerceu a medicina, com profundo
54
pelo semelhante. Esta lei quer dizer que cada planta contém um sinal que indica a
sua prescrição. Por exemplo, uma folha em forma de coração trata perturbações
cardíacas, outra em forma de fígado e as flores de cor amarela são indicadas contra a
icterícia.
Os signos, enquanto submetidos à doutrina da semelhança, ligavam-
se diretamente com a natureza dos objetos os quais representava. Eram sempre
concebidos como índices. Um signo escondia um texto primitivo, um discurso
afirmado, previamente fixado pela natureza, por Deus.
A mudança fundamental ocorre justamente aí, pois para Idade
Clássica um signo não tem uma ligação real com o objeto, mas é concebido como
uma representação, por meio da qual somos capazes de pensar, de analisar, e
assim produzir um conhecimento verdadeiro.
Sob a doutrina da igualdade e diferença, com parâmetros de medida e
ordem, podemos afirmar, que em função de suas concepções sobre método analítico,
signo e linguagem, Condillac é um fiel e importante representante da época clássica.
Na idade clássica, servir-se de signos ... é tentar descobrir a
linguagem arbitrária que autorizará o desdobramento da natureza
no seu espaço, os termos últimos de sua análise e as leis de sua
composição. ... cumpre-lhe fabricar uma ngua e que ela seja
bem-feita isto é, que, analisante e combinante, ela seja
realmente a língua dos cálculos”.
80
A principal idéia implícita em Condillac, por trás da análise e da
língua bem feita não é o método algébrico, mas a de um sistema de signos, que nos
permite distinguir e relacionar as coisas. Analisar é ordenar por meio de identidades
e diferenças, classificações de ordem (decompor e recompor), rompendo com a idéia
de signo como algo existente, numa relação de similitude com o objeto, à espera de
ser descoberto.
Em sua epistemologia um signo é constituído por meio de um ato de
conhecimento, ou seja, por meio de relações. O conhecimento não é uma revelação
sobre conteúdos, mas uma descoberta a partir de relações entre coisas conhecidas.
respeito pela ciência popular, levando a sério as tradições populares médicas e as antiga lendas
suscetíveis de esclarecer fenômenos da natureza.
80
FOUCAULT. As palavras e as coisas. 1992, p. 77,78
55
A língua perfeita é aquela formada pela análise, porque por analogia
podemos voltar à concepção primeira que lhe deu origem. Assim, tudo poderia ser
entendido e explicado conforme o seu desenvolvimento, para cada idéia seríamos
capazes de refazer o processo inversamente, chegando sempre a idéia original e mais
simples.
Condillac fala não de uma álgebra matemática, mas de uma álgebra
universal, como uma linguagem geral, analítica, capaz de analisar estrutura e
relações entre quaisquer objetos em qualquer campo de conhecimento. A álgebra é
uma linguagem que privilegia as relações.
Dois exemplos do uso da linguagem no sentido da álgebra de
Condillac são: as reações químicas de Lavoisier e a álgebra do pensamento lógico de
Boole.
Lavoisier
81
(1743-1794), de posse de instrumentos precisos de
medição, realizou estudos quantitativos de vários fenômenos químicos, chegando à
conclusão de que a combustão de um material resulta de sua combinação com o “ar
deflogisticado” (gás oxigênio) e que, durante esse processo, assim como em outros
processos químicos, a massa permanece constante. Daí sua famosa frase: “Na
natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Este princípio mostrava
uma nova visão de elementos químicos, uma nova concepção de reação química.
Esses progressos da química, as descobertas de novos corpos e novos
efeitos levaram Lavoisier e seus colegas pesquisadores a sentirem necessidade de
uma unificação das denominações, de uma modernização da nomenclatura que
ainda era marcada pelo seu passado filosófico e alquimista. Só para se ter uma idéia
do grau de dificuldade e confusão que envolvia o nome das substâncias, o carbonato
de potássio era chamado de “terra folheadas tártaras de Muller”.
Seguindo a idéia de língua de Condillac, Lavoisier procura por uma
nomenclatura que pudesse refletir a função da substância designada pelo seu método
de pesquisa, e se possível sua composição. Em 1789 publica seu Traité Elémentaire
81
Antoine Laurent de Lavoisier, nascido em Paris em 26 de agosto de 1743, fazia parte da alta
sociedade, rico, conseguiu aperfeiçoar muito seus instrumentos, principalmente as balanças, para suas
experiências. É considerado o precursor da Química Moderna por suas realizações. Apesar de
trabalhador incansável, e de muito ter contribuído, morre guilhotinado como traidor da França em 18
de maio de 1794.
56
de Chimie
82
, onde apresenta pela primeira vez a nomenclatura moderna, longe da
obscura linguagem característica da alquimia, e capaz de auxiliar na escrita da
composição dos elementos químicos. Nasce a Química Moderna, que a partir
dessa linguagem foi possível pensar mais explicitamente nas relações entre os
elementos e suas composições.
No “Discurso preliminar” de seu Tratado Elementar de Química,
Lavoisier escreve:
“...Porém compreendi melhor ao ocupar-me desse trabalho, que
até então não havia mostrado os princípios estabelecidos pelo
Abade de Condillac em sua Lógica e em alguma outras obras. Ele
disse que não pensamos senão com o auxílio das palavras; e que
as nguas são verdadeiros métodos analíticos; que a álgebra é a
forma mais simples, mais exata e mais adequada de se expressar
seu objeto, é ao mesmo tempo uma língua e um método analítico,
... Com efeito, quanto eu só pensava em ocupar-me de uma
nomenclatura, quando meu único objetivo era aperfeiçoar a
língua química, o trabalho se transformou em minhas mãos, e
sem poder evitá-lo, em um tratado elementar de química”.
83
Com estas palavras ele está publicamente demonstrando a influência
que Condillac teve na forma de pensar e tratar as Ciências a partir de sua concepção
de análise, signo e língua.
Boole
84
(1815-1864) defendia que o caráter essencial da matemática
reside em sua forma e não em seu conteúdo, “mais amplamente, que qualquer estudo
consistindo em símbolos juntamente com regras precisas para operar com esses
símbolos, regras essas sujeitas apenas à exigência da consistência interna”
85
,
independentemente desses símbolos representarem números ou não, é matemática.
Em seu tratado An Investigation of the Laws of Thought, considera o signo na língua
científica como representantes de coisas e suas relações, tal como na “língua bem
feita de Condillac”. Define “um signo como um símbolo arbitrário, cuja
82
Tratado dos Elementos de Química
83
LAVOISIER, Traité Elémentaire de Chimie, 1789, p. viii
84
George Boole (1815-1864), matemático e lógico inglês que teve seu livro publicado em 1854, que
ainda hoje é referência no estudo da Lógica Matemática.
85
EVES, Howard. Introdução à história da matemática. 2004, p.557
57
interpretação é fixa, e suscetível de combinação com outros signos em subordinação
de leis fixas dependentes de natureza de suas interpretações”
86
.
Por meio da seguinte proposição Boole fundamenta uma álgebra para
as expressões do cálculo proposicional (Lógica):
Todas as operações da Língua, como um instrumento do
raciocínio, podem ser conduzidos por um sistema de signos
composto dos seguintes elementos:
Símbolos literais, como x, y, etc. Representando coisas como
objetos ou seus conceitos.
Signos de operações, como +, -, ×, representando estas
operações da mente pela qual são combinadas as concepções das
coisas ou determinadas para forma novas concepções envolvendo
os mesmos elementos.
3º O signo de igualdade, =.
E estes mbolos da Lógica têm seu uso submetido a leis
definidas, em parte concordando e em parte diferindo das leis dos
símbolos correspondentes na ciência da álgebra.
87
Hoje as estruturas algébricas que capturam a essência das operações
lógicas (e, ou, não) e das operações da teoria de conjuntos (soma, produto e
complemento) são chamadas de Álgebra Booleana.
Para a matemática, a álgebra como linguagem no sentido de
Condillac é uma visão mais ampla do que a álgebra apenas como aritmética
generalizada, como até então se apresentava desde Viète. Condillac concebia uma
álgebra aplicada a estudos de objetos não numéricos. No entanto, apresentava uma
limitação, pois ao tratá-la como uma língua universal não permitia que fosse elevada
ao status de uma teoria independente. Não se abria as portas ao estudo das estruturas
algébricas propriamente ditas.
86
BOOLE. An Investigation of the Laws of Thought. 1958, p.25 (minha tradução)
87
BOOLE. An Investigation of the Laws of Thought. 1958, p.27 (minha tradução)
58
2.5 Apresentação de sua Lógica ou Os primeiros desenvolvimentos da
arte de pensar
Apresento agora um resumo de sua Logique ou les premiers
développements de l'art de penser(1780), organizada em duas partes, cada uma
subdividida em nove capítulos. É a obra em que se apresenta concentrada todas as
idéias referentes ao método da análise. Nossa referência será a tradução francesa de
1973, apresentada pela Coleção Os Pensadores da Editora Abril Cultural. Seu
índice:
Primeira Parte - Como a própria natureza nos ensina a análise, e de que maneira, de acordo
com este método, explicam-se a origem e a geração, seja das idéias, seja das faculdades da
alma.
Capítulo I – Como a natureza nos dá as primeiras lições da arte de pensar
Capítulo II – Como a análise é o único método para adquirir conhecimento; de que maneira
aprendemos pela própria natureza
Capítulo III – Como análise torna os espíritos dos textos
Capítulo IV – Como a natureza nos faz observar os objetos sensíveis e a fim de nos oferecer
idéias de diferentes espécies
Capítulo V – Sobre idéias de coisas que não passam pelos sentidos
Capítulo VI – Continuação do mesmo tema
Capítulo VII – Análise das faculdades da alma
Capítulo VIII – Continuação do mesmo tema
Capítulo IX – Sobre as causas da sensibilidade e sobre a memória
Segunda parte A análise considerada em seus meios em seus efeitos o arte de raciocinar
reduzida a uma língua bem feita
Capítulo I Como os conhecimentos que devemos a natureza constituem um sistema em
que tudo está perfeitamente ligados e como nos desviamos quando esquecemos lições
Capítulo II – Como a linguagem de ação analisa os pensamentos
Capítulo III – Como as línguas são métodos analíticos. Imperfeição destes métodos.
Capítulo IV – Sobre a influência das línguas
Capítulo V – Considerações sobre as idéias abstratas e gerais ou como a arte de raciocinar se
reduz uma língua bem feita
Capítulo VI Quanto se enganam aqueles que olham as definições como único meio para
remediar os abusos de linguagem
Capítulo VII – O quanto o raciocínio é simples quando a própria língua é simples
Capítulo VIII – No que consiste todo o artifício do raciocínio
Capítulo IX – Diferentes graus de certeza ou da evidência, das conjeturas e da analogia.
59
Lógica ou Os Primeiros Desenvolvimentos da Arte de Pensar
Primeira Parte
A primeira parte da sua Lógica busca mostrar que a análise é um
método natural porque é a própria natureza que leva às analogias, semelhanças e
diferenças das coisas e que por esse método são explicadas a origem e a geração das
idéias e das faculdades da alma. Durante toda a obra, Condillac insiste na idéia de
que todos são instruídos na arte de pensar, todos podem desenvolvê-la, desde que
sigam o método ensinado pela natureza: a análise.
Capítulo I – Como a natureza nos dá as primeiras lições da arte de pensa
Partindo do princípio de que todo conhecimento advém das sensações
e de que “só a alma que sente; somente a ela as sensações pertencem” (p.71) conclui
que a primeira faculdade da alma é a faculdade de sentir, e que esta por sua vez
depende das faculdades do corpo, ou seja, de nossos sentidos. A arte de pensar é
determinada pelas faculdades de sentir. Apesar de todos nós termos os mesmos
cinco sentidos, não temos todos os mesmos conhecimentos sobre uma mesma coisa,
ou seja, a diferença está justamente na maneira pela qual sentimos e conduzimos as
faculdades do corpo.
Para explicar como se o conhecimento Condillac usa como
exemplo a criança. Inicialmente a criança aprende a conhecer motivada por uma
necessidade premente. Esses conhecimentos iniciais são apenas qualidades
sensíveis, adquiridas como resultado do modo como guia seus sentidos. Esta
condução pode levá-la a juízos verdadeiros ou falsos, ou seja, satisfazer ou não as
suas necessidades. A necessidade satisfeita significa uma boa condução, a
necessidade não satisfeita indica uma condução inadequada. Como a necessidade
permanece, a criança é automaticamente levada (pela natureza) a reorientar seus
sentidos. Deste modo, a própria experiência corrige seus equívocos e ensina como
conduzir bem seus sentidos. A dor causada pela não satisfação da necessidade, ou o
prazer de tê-la satisfeita “são nossos primeiros mestres”.
60
Todo ser humano começa a conhecer motivado pelas necessidades
mais prementes. Tais necessidades e faculdades são da natureza de cada animal. As
observações e juízos que fazem são naturalmente regulados pelo prazer (satisfação)
e dor (não satisfação). “É a própria natureza, isto é, são nossas faculdades
determinadas por nossas necessidades que começam a nos instruir” (p.72). Apesar
de sempre começarmos bem quando crianças, na medida em que crescemos fazemos
cada vez mais juízos de coisas cada vez mais distantes das necessidades prementes,
e assim perdemos o nosso regulador natural, ou seja, perdemos o nosso parâmetro
para colocar nossos juízos à prova e reconhecer se são verdadeiros ou falsos.
Conclusão, a natureza nos ensina que pensamos bem sempre que observamos e
colocamos nossos juízos sob o exame da observação e da experiência.
Capítulo II - Como a análise é o único método para adquirir conhecimento; de que
maneira aprendemos pela própria natureza
Neste capítulo apresenta a análise como o método que a própria
natureza nos ensina, mostrando como por meio deste método podemos adquirir
conhecimentos.
conhecemos o objeto quando suas partes vêm, uma após a outra,
se dispor ordenadamente em nosso espírito” (p.76). Para conhecer um objeto, se
formar uma idéia de algo, não basta que o olhemos. É preciso decompô-lo,
direcionar a atenção a cada uma de suas partes, uma após a outra, numa seqüência
determinada pela própria natureza. Olhamos primeiro as partes que mais nos
chamam a atenção, que são mais fortes. Em seguida, olhamos as lacunas entre estas
partes, observamos e comparamos julgando as relações e determinando sua posição
em relação aos objetos principais. Ao diferenciarmos todos os objetos e termos
julgado suas relações (forma e situação), podemos então vê-los todos
simultaneamente em nosso espírito, na mesma ordem em que aparecem na natureza.
“Analisar não é, portanto, outra coisa senão observar numa ordem
sucessiva as qualidades de um objeto a fim de lhes oferecer, no
espírito, a mesma ordem simultânea na qual elas existem. É o que
a natureza nos obriga a todos. A análise, que se acredita ser
concebida por filósofos, é portanto concebida por todos, e eu não
61
ensinei nada ao leitor; eu o fiz somente observar o que ele
processa continuamente”. (p.77)
Capítulo III – Como análise torna os espíritos justos
Neste capítulo conclui que a análise é capaz de nos levar a um
conhecimento exato e verdadeiro. Argumenta que é possível conhecer um objeto
sensível pelas sensações que recebemos dele. Consequentemente a idéia que temos
desse objeto conhecido é justamente as sensações que o representam, como uma
imagem das sensações que nos causaram. Se o objeto está presente, o vemos por
meio das sensações que exercem sobre nós, e se está ausente, o vemos na lembrança
das sensações que exerceu. Deste modo, um conhecimento pode ser considerado
exato e verdadeiro se formos capazes de descrevê-lo com a mesma nitidez e ordem
com que ele se apresente na natureza. Esta clareza só é possível se o método
utilizado for a análise. este método é capaz de nos dar idéias distintas e em
conformidade com a ordem natural das coisas, mantendo estas idéias claras e
precisas.
Adverte que ao usarmos outro método - a síntese - ficaremos
confusos, uma vez que este começa pelas definições, tomadas como princípios a
partir das quais se descobrem as propriedades. Deste modo, não permitiremos mais
que nosso espírito distinga as idéias, que as apresente em uma ordem sucessiva
como se apresenta na natureza, e acabaremos “tomando por princípios noções vagas,
palavras vazias de sentido, ..., não sabemos, na verdade, nem o que vemos, nem o
que pensamos, nem o que dizemos”. (p.80)
Capítulo IV Como a natureza nos faz observar os objetos sensíveis a fim de nos
oferecer idéias de diferentes espécies
Neste capítulo afirma que só podemos nos instruir se caminharmos
sempre do conhecido ao desconhecido, que assim é possível comparar, fazer
analogias, juízos, ou seja, uma seqüência de análises. Qualquer pessoa é capaz disto,
pois todos temos algum conhecimento pelo qual começar, uma coleção de idéias
62
bem organizadas, mesmo que estas idéias estejam restritas àquelas ligadas aos
objetos de primeira necessidade.
Deste modo, as idéias nascem sucessivamente uma das outras, e a
ordem da geração das idéias é a mesma que a ordem natural, já que é conduzida pela
análise.
Segundo a nossa maneira de conhecer, naturalmente vemos primeiro
as semelhanças, agrupamos tais objetos em uma mesma classe e lhes damos um
nome. Em seguida, observamos novamente e percebemos as diferenças, e criamos
novas classes. As primeiras idéias são as idéias individuais, de um objeto individual,
e automaticamente passam a ser idéias gerais (mesmo nome atribuído a um conjunto
de indivíduos semelhantes). As idéias gerais, então, só são distribuídas em classes na
medida em que se sente a necessidade de distingui-las. Ao notarmos as diferenças
entre objetos de uma mesma idéia geral, geramos um sistema de classificação.
Este sistema subdividido em classes, espécies e gêneros, não está
presente na natureza, ele não altera a natureza. Nós o concebemos exclusivamente
para nos ajudar a organizar mentalmente as idéias. Na natureza existem
indivíduos, e justamente por isso, “os nomes gerais não são especificamente nome
de coisa alguma existente; que exprime apenas as lições do espírito, quando
consideramos as coisas sobre as relações de semelhança ou diferença”. (p.84)
Condillac ressalta que poderíamos subdividir até chegarmos às idéias
individuais, já que entre dois indivíduos sempre existe alguma diferença, mas quanto
mais subdividimos mais difícil se torna colocar as idéias em ordem. Para ele, o
limite da subdivisão é regulado pela nossa necessidade, ou seja, devemos subdividir
enquanto nos for necessário para o uso das coisas relativas às nossas necessidades. E
nos instrui a não temer a confusão entre as classes que a arte de classificar para
nos ajudar a organizar nossa mente precisa apenas esclarecer os pontos principais.
Isso é natural, uma vez que nossas sensações são as únicas idéias que temos dos
objetos sensíveis. Não nos permitindo o acesso à essência das coisas, temos um
limite para nosso espírito.
63
Conclui que as idéias procedentes do processo de análise, para serem
exatas não podem ser completas. Sua exatidão se encontra exatamente na certeza de
que a análise nos mostra nas coisas apenas aquilo que vemos.
Novamente Condillac ressalta que a análise é um método natural e
que todos, sem exceção estão aptos ao conhecimento.
Capítulo V – Sobre idéias de coisas que não passam pelos sentidos
Neste capítulo ele mostra como é possível fazer idéias de coisas que
não são sensíveis. Vemos o efeito e julgamos existir uma causa. Damos um nome a
essa causa não em conformidade com os sentidos, mas das relações que possa
estabelecer entre os objetos e eu (relações percebidas por nós como movimento no
espaço e tempo).
Reafirma que mesmo o objeto, não passando por nossos sentidos, tem
sua existência reconhecida por meio deles, e nos alerta: “Porque damos nome às
coisas de que temos idéia, supõe-se que temos idéia de todas as coisas as quais
damos nomes. Eis um erro contra o qual é preciso se precaver. Pode acontecer que o
nome seja dado a uma coisa apenas porque estamos seguros de sua existência: a
palavra força é a prova disso”. (p.87, negrito do autor)
Se todo movimento tem uma causa, recursivamente chegaremos a
idéia da causa primeira, a qual Condillac chama de Deus, e como primeira é
independente, necessária, abrangendo em sua imensidade e eternidade tudo o que
existe.
Capítulo VI – Continuação do mesmo tema
Condillac então define ação como o movimento originado por uma
causa que produz um efeito, de modo que toda ação passa pelos sentidos; define
como hábito toda ação que se repete frequentemente sem que haja necessidade de se
pensar sobre ela.
64
Deste mesmo modo acontece com as ações da alma, que são
representadas como efeitos nas ações do corpo. Assim, observando as ações do
corpo somos capazes de desvendar as ações da alma.
Explicado o que são hábitos e ações, chama de virtude os hábitos de
boas ações e de vícios os hábitos de más ações. Boas ou más é uma questão de
moralidade. Sua idéia de moralidade de nossas ações é a conformidade entre as
nossas ações e as leis. Tais leis que ou são visíveis ou foram feitas pelo próprio
homem, devem ser feitas obedecendo as nossas necessidades, e uma vez que tais
necessidades vitais e faculdades foram criadas por Deus, temos que o único
legislador é o próprio Deus. Assim, seguindo as leis de acordo com a natureza
estaremos obedecendo a Deus.
Capítulo VII – Análise das faculdades da alma
Para ampliar nossos conhecimentos temos necessidade de saber
conduzir bem nosso espírito e para conduzi-lo bem, precisamos conhecê-lo. Para
conhecê-lo, conforme a análise, é necessário observar e distinguir cada uma das
faculdades de pensar, e como só a alma sente ( e portanto conhece), se faz necessário
desvendar as faculdades de sentir. Assim, considerando nossas sensações como
representações dos objetos, nascem delas todas as idéias e operações do
entendimento. São elas: a atenção, a comparação, o juízo, a reflexão, a imaginação e
o raciocínio.
A primeira faculdade que podemos observar é a atenção, ou seja, o
nosso olhar é direcionado para algo específico, e em nossa alma a sensação que o
objeto exerce em nós, que de certa forma se torna de alguma maneira exclusiva.
Ao vermos dois objetos, podemos ter uma dupla atenção, uma ao
lado da outra. Se o objeto estiver presente atenção é a sensação que ele exerce
atualmente, mas se estiver ausente a atenção é a lembrança da sensação que ele
exerceu. A esta dupla atenção damos o nome de comparação. Segue que ao
compararmos dois ou mais objetos podemos perceber que semelhanças ou
diferenças existem entre eles, e isto é chamado de julgar, fazer juízo.
65
Para comparar duas coisas se fazem várias observações e, portanto,
vários juízos, que se organizam sucessivamente. Esse processo se chama reflexão,
ou seja, apenas uma seqüência de juízos que se processam por uma seqüência de
comparações.
Pelo mesmo processo de reflexão, podemos reunir num só objeto
qualidades que estavam separadas em vários. Estas idéias que se formam são apenas
imagens que só tem existência em nosso espírito. Chama-se de imaginação a
reflexão capaz de fazer tais imagens.
O juízo enunciado pode conter implicitamente um outro que não se
anuncia, mas que podemos considerar como conseqüência do primeiro. Neste caso,
ao enunciar os dois juízos, um como conseqüência do outro, estamos enunciando um
raciocínio. Por exemplo: “se digo que um corpo é pesado, digo, implicitamente que
se não for sustentado cairá”, mas quando enuncio os dois juízos, “Esta abóbada é
bem pesada, se ela não estiver suficientemente segura, cairá” (p.92) estou
enunciando um raciocínio. Algumas destas conseqüências não são imediatas e
precisam de juízos intermediários, indo do conhecido ao desconhecido, a esse
caminho é chamado de raciocinar.
A reunião de todas as faculdades de sentir - a atenção, a comparação,
o juízo, a reflexão, a imaginação e o raciocínio - é chamada de entendimento.
Capítulo VIII – Continuação do mesmo tema
Continuação do mesmo tema já que aqui, a partir da consideração das
sensações como agradáveis ou desagradáveis nascem todas as operações da vontade.
Uma acepção abrangente da palavra vontade é a faculdade que
compreende todos os hábitos que nasçam da necessidade. Condillac esclarece que
necessidade é o sofrimento causado pela privação de alguma coisa. Esta privação
gera um estado que se chama mal estar. O mal estar leva ao movimento em busca
da satisfação da necessidade, e a este movimento Condillac chama de inquietude.
Assim todas as faculdades se voltam para aquilo que seria a satisfação da
necessidade, esta direção chama-se desejo. Quando o desejo vira um hábito, estamos
66
falando da paixão. Ao julgar que obteremos o objeto de nosso desejo produzimos a
esperança.
O pensamento então compreende em sua acepção todas as
faculdades do entendimento e da vontade. Pensar e sentir, prestar a atenção,
comparar, julgar, refletir, imaginar, raciocinar, desejar, apaixonar-se, ter esperanças,
temer etc.
Seu objetivo até aqui foi o de explicar como as faculdades da alma
nascem todas a partir da sensação, ou seja, cada faculdade da alma é a sensação
transformada.
Capítulo IX – Sobre as causas da sensibilidade e sobre a memória
Condillac, fiel ao método analítico, considera como falsas as
hipóteses lançadas de que os nervos sejam como cordas de instrumentos do cérebro,
ou que este seja uma substância mole passível de impressão. Ele alega que nenhuma
delas é observável, admite sua impossibilidade de explicar como o contato de certos
corpúsculos a nossos órgãos ocasionará a sensação, e então não procura esclarecer
os mecanismos físicos, não tenta desvendar as leis que regem os órgãos, apenas
parte do princípio de que esse movimento dos órgãos é que mantém a vida, e o
denomina princípio da vegetação.
Acredita que a sensibilidade é justamente a modificação do
movimento do princípio da vegetação, ocasionada pela ação dos objetos sobre os
sentidos, que por sua vez comunicam ao cérebro, que reage sobre eles produzindo o
sentimento.
A ação dos sentidos sobre o cérebro torna, portanto, o animal
sensível. A sensibilidade não basta para dar ao corpo os movimentos de que é capaz,
sendo necessário que o cérebro se comunique com outras partes do corpo para que o
animal se mova.
O animal aprende a se mover segundo sua vontade porque cada
movimento o faz sentir dor ou prazer. O sentimento de dor ou prazer o ensina a
67
evitar ou repetir. Desta forma, seus movimentos são regulados e nasce o princípio de
todos os hábitos do corpo.
E então ele passa aos hábitos do cérebro:
“Mas o cérebro é o órgão principal: é um centro comum onde
todos se reúnem, e de onde todos parecem nascer. Julgando,
portanto, o cérebro pelos outros sentidos,..., adquire, como os
dedos o hábito de obedecer a diferentes seqüências de
movimentos determinados. Assim sendo, o poder que tem meu
cérebro de me lembrar de um objeto não pode ser não a facilidade
que ele adquiriu de se mover por si próprio da mesma maneira
que ele se havia movido quando este objeto impressionava meus
sentidos”.
(p.99)
Ou seja, o cérebro mostra uma capacidade de se mover sozinho,
aprende a seqüência de movimentos que ocorrem quando se experimenta uma
sensação, e posteriormente pode refazer esta seqüência de movimentos, mesmo na
ausência do objeto. Esta reprodução das ações do objeto sobre os sentidos, quando
este já não está mais presente, denomina memória. Então todos os fenômenos da
memória são explicados pelos hábitos do cérebro.
Segunda Parte
Na segunda parte, Condillac considera a análise em si mesma e os
seus efeitos em relação à linguagem, demonstrando que a “arte de raciocinar” se
reduz a uma “língua bem feita”. Faz ao mesmo tempo uma análise lógica da origem
da língua e também uma análise das vias do conhecimento, mostrando que a língua é
gerada a partir do conhecimento sensível, mas a linguagem, que tem a função de
comunicar, se realiza a partir do conhecimento racional. Está é a razão pela qual
ele defende a “arte de raciocinar” como um instrumento capaz de criar uma “língua
bem feita” para cada ciência, elegendo a álgebra como a única língua bem feita, na
qual nada parece arbitrário.
68
Capítulo I Como os conhecimentos que devemos à natureza constituem um
sistema no qual tudo está perfeitamente ligado e como nos desviamos quando
esquecemos suas lições
Como todas as nossas vontades são buscas pela satisfação de nossas
necessidades, determinada pela própria conformação natural de nossos órgãos,
somos instruídos pela dor ou prazer relacionados à satisfação destas necessidades.
Condillac mostra então que a esfera de nossos conhecimentos é limitada por nossas
necessidades, formando um sistema bem ordenado, que foram adquiridos
conforme a ordem das necessidades naturais e das relações das coisas que estão a
nosso alcance. Desta forma nosso sistema segue o sistema “que o autor de minha
natureza seguiu quando me constituiu”(p.106), mantendo portanto a ordem
estabelecida por Deus. “Se em mim necessidades e desejos, fora de mim
objetos feitos para satisfazê-lo e tenho a faculdade para conhecê-los e desfrutá-los”.
(p.105)
“Observar relações, confirmar estes juízos por novas observações
ou corrigi-los observando novamente, eis, então, o que a natureza
nos obriga a fazer e assim faremos cada vez que adquirirmos um
novo conhecimento. Esta é a arte de raciocinar: é simples como a
natureza no-lo ensina”. (p.106)
No entanto, sempre que não seguimos tal lição, “e ao invés de
observar as coisas que queríamos conhecer, s a imaginamos” (p.107),
enveredamos pelo caminho das falsas suposições, que nos levam a uma seqüência de
erros, preconceitos, e por fim hábitos maus e juízos falsos. As idéias falsas,
contraditórias, que se originam se espalham como verdade. Uma vez que nos
desviamos da análise, e não observamos, começamos a usar “palavras antes de
determinar seu significado e ter sentido necessidade de determiná-lo”. (p.108)
Nosso erro então está no hábito de julgar segundo palavras das quais não fazemos
uma idéia exata, não determinamos o seu sentido; acreditando que por meio de
palavras, que são apenas palavras, obtenhamos algum conhecimento.
Para Condillac, a única forma de retomar o método correto,
“recolocar ordem na faculdade de pensar: é esquecer tudo o que aprendemos,
69
retomar nossas idéias em sua origem, seguir a geração e refazer, como diz Bacon, o
entendimento Humano”. (p.109)
Capítulo II – Como a linguagem de ação analisa o pensamento
Somos dotados de uma linguagem inata, que é a linguagem de ação,
ou seja, por meio de nossos órgãos representamos tudo que se passa em nossa alma:
“é a expressão de nossos sentimentos e de nossos juízos” (p.110). Essa linguagem da
ação precede mesmo a formação das idéias (que não são inatas), e não apresenta a
intenção de comunicar.
A princípio a linguagem de ação é confusa, uma vez que representa
simultaneamente todos os sentimentos e idéias. E justamente por conter tudo é que
os elementos da linguagem de ação nos permitem a análise de nossos pensamentos,
para darmos conta do que pensamos. Eles são os nossos primeiros signos.
A análise de nossos pensamentos a partir da linguagem de ação é
aprendida da natureza. Condillac explica que a partir da necessidade de ajuda mútua,
sente-se necessidade de se comunicar, e para isso é necessário compreender a si
próprio. A compreensão se quando ao observar os movimentos, um após o outro,
sucessivamente os decompomos naturalmente, ou seja, fazemos a análise.
Quanto maior for a compreensão do outro, mais irá observar,
habituando-se “pouco a pouco, a repetir os movimentos, um após o outro, que a
natureza o obrigou a fazer de uma vez, e a linguagem de ação tornar-se-á um
método analítico”. (p.111)
Ao decompor a ação total em ações parciais e assim sucessivamente
chegaremos às ações que são signos de tais idéias. Condillac explica: “Este meio, é o
único que ele possui para analisar seu pensamento, poderá desenvolvê-lo até os
mínimos detalhes: pois, sendo dados os primeiros signos de uma linguagem, nos
resta consultar a analogia e ela fornecerá todos os outros”. (p.111). Assim a
linguagem da ação, inata, é que nos os primeiros signos e as condições
necessárias para o desenvolvimento do método analítico e da linguagem.
70
Capítulo III Como as línguas são métodos analíticos. Imperfeição destes
métodos.
No primeiro momento o homem tem apenas a linguagem da ação
(que em si não é um método), e esta lhe fornece os primeiros signos por meio da
decomposição sucessiva das ações, nos levando à análise. Ao cessar as expressões
dos sentimentos pela linguagem da ação não nos seria possível continuar a analisar
nossos pensamentos se não fôssemos supridos pela linguagem dos sons articulados,
pois “a análise não se faz e não se pode fazer a não ser com signos”. (p.113)
Assim como a linguagem de ação foi usada pelo homem com o
intuito de comunicar depois que perceberam que ela era compreendida, também as
línguas começaram antes de se pensar em falar com sons articulados. Elas
começaram exatas, na medida em que se falou de coisas relativas às primeiras
necessidades, de modo que a própria natureza as corrigia. Eram línguas limitadas, no
entanto, falavam com clareza o que as tornavam exatas.
O desenvolvimento de uma língua deveria ter ocorrido mediante a
análise, e toda vez que esta trouxesse novas idéias, surgiriam por analogia novas
palavras, de modo que continuariam mantendo a exatidão, pois por uma palavra
sempre poderíamos fazer a análise e perceber sua geração de modo a compreender a
sua acepção. No entanto, não foi assim que ocorreu. Conforme foram asseguradas as
primeiras necessidades, sentiu-se a cada dia menos necessidade de analisar, e
acabou-se por falar antes mesmo de se possuir a idéia. Desta forma, surgiram os
juízos falsos e subitamente uma infinidade deles. Erros sobre erros, e a língua
tornou-se um método defeituoso, ainda agravado quando os povos se aproximaram
por meio do comércio, que “as línguas se confundiam e a analogia não podia
mais guiar os espíritos na acepção das palavras”.(p.114)
Assim, a arte de raciocinar procurada nos mecanismos do discurso,
no qual subsistiam os vícios da língua foi infrutífera.
71
A língua é um método analítico, as palavras nos são necessárias para
formarmos idéias de todas as espécies, mas por parecerem arbitrárias (foram mal
feitas, não se conduzindo pela análise) e pensou-se que suas regras eram estipuladas
por capricho do uso.
Capítulo IV – Sobre a influência das línguas
Para Condillac pensamos por intermédio das nguas, que são
formadas à medida que as analisamos, e por isso um método analítico, logo o pensar
segue as regras da língua. Deste modo, nosso raciocínio será tanto melhor como
melhor for a língua, alargando os horizontes de nossos conhecimentos.
Desta forma, as línguas das ciências, que possuem os mesmos
defeitos das outras línguas, exceto a ngua algébrica que precisão à matemática,
por nascer e se desenvolver exclusivamente pelo uso de analogias, e algumas partes
da Química e da Física, não são apropriadas ao conhecimento. Reforça sua opinião
de que as línguas vulgares seriam as mais apropriadas ao raciocínio, como explica:
“A geração das idéias e das faculdades da alma devia ser sensível
nestas línguas, quando a primeira acepção de uma palavra era
conhecida e quando a analogia fornecia todas as outras.
Reencontravam-se nos nomes idéias que escapavam aos sentidos,
os próprios nomes das idéias sensíveis de onde provinham, e, ao
invés de vê-las como nomes próprios destas idéias, as víamos
como expressões figuradas que apontavam sua origem”. (p. 116)
Capítulo V Considerações sobre as idéias abstratas e gerais ou como a arte de
raciocinar se reduz uma língua bem feita
Uma idéia geral não tem existência fora de nosso espírito, ela é a
reunião de parte comum de várias idéias individuais, vista separadamente, e,
portanto, considerada como idéia abstrata.
Condillac exemplifica nos dando duas idéias individuais: Pedro e
Paulo, cuja existência está fora de nossa mente. Mas os indivíduos, Pedro e Paulo,
tem parte de sua idéia individual comum, e esta parte comum pode ser vista
72
separadamente dos indivíduos Pedro e Paulo. Faz parte de sua idéia individual
ambos serem homens. Então “homem” é uma idéia geral, e portanto abstrata, já que
homem não tem existência real, a não ser em nossa mente. Por exemplo, um pintor
que pinta a tela de um homem, precisa pintar um indivíduo. Condillac conclui que
idéias gerais ou abstratas são apenas denominações, e que por isso sua clareza e
precisão dependem da ordem na qual foram determinadas as denominações das
classes, ou seja, na ordem como foi feita a língua.
“A arte de raciocinar só se reduz a uma língua bem feita, porque a
ordem em nossas idéias é apenas a subordinação dos nomes
dados aos gêneros e às espécies; e, desde que temos novas
idéias porque formamos novas classes, é evidente que
determinamos as idéias na medida em que determinamos as
próprias classes. Então raciocinaremos bem, porque a analogia
nos conduzirá em nossos juízos como na inteligência das
palavras”. (p.116)
Enfim, raciocinamos porque classificamos gêneros e espécies por
meio das idéias abstratas que são representadas por suas denominações. Para
raciocinar precisamos das denominações, o que prova que raciocinar bem ou mal
depende da língua que usamos, se é uma língua bem ou mal feita.
Se considerarmos que as classes são apenas denominações, e que as
utilizamos apenas como forma de classificar as coisas segundo suas relações,
perceberemos nossos limites e não cometeremos o erro de procurar essência nas
palavras, ou de usar palavras além do número necessário e suficiente para satisfazer
as nossas necessidades.
A análise é então a responsável pela construção das línguas bem
feitas e aos sermos por ela orientados temos idéias exatas de todas as espécies. “É
apenas à análise que devemos o poder de abstrair e generalizar”. (p.119) E é por
isso, que apesar das idéias abstratas cessarem de passar por nossos sentidos, ainda
continuam tendo lá a sua origem, uma vez que são partes destacadas de idéias
individuais.
Capítulo VI Quanto se enganam aqueles que olham as definições como único
meio para remediar os abusos de linguagem
73
Condillac explica que uma definição não pode ser a base da arte de
raciocinar, usada como princípio (sinônimo de começo), porque elas se limitam a
mostrar coisas, e ainda nem sempre as ilustram com clareza; e dá o seguinte
exemplo:
Direi que nossos sentidos são o princípio de nossos
conhecimentos, porque é nos sentidos que eles começam, e terei
dito algo compreensível. Não acontecerá a mesma coisa se disser
que uma superfície determinada por três linhas é o princípio
de todas as propriedades do triângulo, porque todas as
propriedades do triângulo começam por uma superfície
determinada por três linhas. Pois gostaria igualmente de dizer
que todas as propriedades de uma superfície determinada por
três linhas começam por uma superfície determinada por
três linhas. Em suma, esta definição não me ensina nada: apenas
mostra uma coisa que conheço e de que a análise pode me
desvendar as propriedades. (p.121, grifo do autor)
Condillac ainda alerta para o fato de que nem tudo se pode definir, e
exemplifica com o caso dos geômetras, que a tudo querem definir. Dizer que uma
linha reta é a menor distância entre dois pontos não é mostrá-la e esta definição
supõe que a linha reta seja conhecida, o que contraria a idéia de definição como
princípio. Esse é um obstáculo para a necessidade dos geômetras em obrigar-se a
definir tudo, inclusive, na opinião de Condillac, definir o que é indefinível.
Assim ele mostra que não é preciso ter como princípio as definições,
e reforça que o importante é começar bem, ou seja, começar pela análise, já que esta
garante precisão e não nos fará buscar definições onde estas não existem, e conclui:
“para conhecer uma linha reta, não é absolutamente necessário defini-la da maneira
dos geômetras e que basta observar como adquirimos a idéia dela”. (p.122)
Apesar disso, e seguindo o exemplo da Geometria, considerada exata,
as outras ciências também seguiram o caminho de a tudo definir. Condillac
argumenta que o que não perceberam é que as idéias são de dois tipos: simples ou
compostas, e que as simples não são definíveis, e que seja simples ou composta a
análise é capaz de nos desvendá-las de forma clara e precisa, de onde provêm e
como chegam até nós. Ele ainda ressalta que muitas idéias permanecerão
indeterminadas, que foram compostas de formas diferentes, mas que “ainda que a
análise não possa determinar o que compreendemos por uma palavra que não
74
compreendemos todos da mesma maneira, ela determinará tudo o que é possível
compreender por esta palavra, sem impedir todavia que cada um compreenda o que
quiser, como acontece. Isto é, ser-lhe-á mais fácil corrigir a língua do que a s
próprios”. (p.123) Assim, as definições são inúteis porque a análise é capaz de
determinar nossas idéias.
Condillac considera a mania de definições uma característica da
síntese, e por isso um método tenebroso. Para ele tanto na síntese como na análise
não se pode excluir o processo de decomposição e composição. Não há como
raciocinar compondo ou decompondo. Sua crítica ao método da síntese é que
este não se conduz pela ordem estabelecida na natureza. “Em suma, a verdadeira
análise, a análise que deve ser preferida, é a que, começando pelo começo, mostra na
analogia a formação da língua e na formação da língua os progressos da ciência”.
(p.124)
Capítulo VII – O quanto o raciocínio é simples quando a própria língua é simples
Condillac diz que os matemáticos preferem a síntese por a acharem
mais curta e mais simples, mas que seus escritos ficam mais confusos e maiores,
com exceção de Lagrange e Euler, que usam a análise.
Por ciências exatas se entende todas aquelas em que se demonstra
rigorosamente. Condillac argumenta que se demonstra se a demonstração for
rigorosa, e ela só é rigorosa se usar uma linguagem adequada. Assim como a
matemática usa a linguagem algébrica, com o uso de uma linguagem simples todas
as ciências serão demonstráveis, pois é a análise que demonstra, conduzindo do
conhecido ao desconhecido por meio de uma seqüência de juízos que estão contidos
uns nos outros. Para dar uma idéia do uso da linguagem conveniente, ele faz uso de
um problema comumente resolvido algebricamente. Eis o problema: Tendo fichas
em minhas duas mãos, se passar uma da minha mão direita para a esquerda terei
tanto em uma quanto na outra, e se passo uma da esquerda para a direita terei o
dobro nesta. Pergunto qual é o número de fichas que tenho em cada uma?
75
A partir das duas condições dadas, tentará estabelecer todas as
relações possíveis entre eles, escrevendo os dados de forma cada vez mais simples.
Como ele próprio explica:
Se dissermos: o número que temos na mão direita, quando se
suprime uma ficha, é igual àquele que temos na mão esquerda,
quando a esta se acrescenta uma, exprimiremos o primeiro dado
com muitas palavras. Dizemos, então, mais economicamente: o
número de nossa mão direita, diminuído de uma unidade, é igual
àquela de nossa mão esquerda, aumentado de uma unidade, ou, o
número de nossa direita, menos uma unidade, é igual ao de nossa
esquerda, mais uma unidade, ou, afinal, mais economicamente
ainda, a direita, menos um, igual à esquerda, mais um....
Exprimiremos o segundo dado dizendo: o número de nossa mão
direita, aumentado de uma unidade, é igual a duas vezes ao de
nossa esquerda diminuído de uma unidade”. (p.126)
Que são traduzidas sucessivamente para:
A direita aumentada de uma unidade, é igual a duas esquerdas,
diminuídas cada uma de uma unidade, e chegaremos a esta
expressão mais simples de todas, a direita, mais uma, igual a duas
esquerdas, menos dois... Eis, então, as expressões nas quais
traduzimos os dados:
A direita, menos um, igual à esquerda mais um
A direita, menos um, é igual a duas esquerdas, menos dois”.
(p.127)
Condillac então explica que em matemática chamamos estas
sentenças de equações, que cada equação é composta de dois membros. Mostra que
as conhecidas (mais um, menos um, menos dois) e as desconhecidas (direita e
esquerda) encontra-se misturadas, e que o caminho para desprender as
desconhecidas é ir traduzindo a equação, mantendo sempre a igualdade, com a
intenção de separar as conhecidas das desconhecidas, ou seja, isolar a desconhecida
em um dos membros da igualdade, e continua o processo:
“[...] se a direita menos um é igual à esquerda mais um, a direita
inteira será igual à esquerda mais dois, e se a direita mais um é
igual a duas esquerdas menos dois, a direita será igual a duas
esquerdas menos três. Substituiremos as duas primeiras equações
com as duas seguintes:
A direita igual a esquerda mais dois.
A direita igual a duas esquerdas menos três.
76
O primeiro membro destas equações é a mesma quantidade, à
direita, e vejam que conheceremos esta quantidade quando
conhecermos o valor do segundo membro de uma ou de outra
equação. Mas o segundo membro da primeira é igual ao segundo
membro da segunda, pois são iguais um e outro à mesma
quantidade expressa pela direita. Podemos, consequentemente,
fazer esta terceira equação:
A esquerda, mais dois, igual a duas esquerdas menos três.
Então, resta-nos apenas uma desconhecida, a esquerda, e
conheceremos seu valor quando a tivermos desprendido, isto é,
quando tivermos passados todas as conhecidas para o mesmo
lado. Diremos, então:
Dois mais três igual a duas esquerdas menos uma esquerda.
Dois mais três igual a uma esquerda.
Cinco igual a uma esquerda.
O problema está resolvido...Nas equações, a direita igual à
esquerda mais dois, a direita igual a duas esquerdas menos três,
descobriremos que sete é o número que possuo na minha mão
direita. Ora, estes dois números, cinco e sete, satisfazem as
condições do problema”. (p.127-128)
Condillac apresenta então a resolução do problema acima em
linguagem algébrica no intuito de mostrar que com a linguagem adequada o
problema fica ainda mais simples. Primeiro identifica cada símbolo que será
utilizado: mais (+), menos (-), igual (=), número de fichas na mão direita (x),
número de fichas na mão esquerda (y). E vai traduzindo todas as sentenças que havia
construído para resolução do problema:
As duas equações x-1=y+1 e x+1=2y-2
desprendendo o desconhecido do primeiro membro x=y+2 e x=2y-3
igualando os dois segundos membros y+2=2y-3
desprendendo o desconhecido 2+3=2y-y
5 = y
Tiramos então x=5+2 e x=10-3
Temos x = 7
77
A vantagem da linguagem algébrica é que ela faz perceber de
maneira mais nítida como os juízos estão ligados uns aos outros, de modo que o
posterior é sempre idêntico ao anterior e que é esta identidade que faz toda a
evidência do raciocínio. Essa evidência nítida também ocorre se ao usarmos palavras
também mantivermos a identidade de um juízo para outro. Para que a identidade se
mostre basta que usemos uma língua bem feita, construída por meio da analogia.
Portanto, para a ciência ser exata não precisa usar a linguagem algébrica, mas uma
língua tão bem feita quanto ela, ou seja, que deixe perceber as analogias, que
evidencie a ligação (identidade) entre os juízos, que do conhecido ao
desconhecido, que seja simples.
Condillac argumenta que já que com a álgebra podemos traduzir
qualquer raciocínio que tenhamos feito por palavras, ou seja, que usando letras ou
palavras somos capazes de expressar o mesmo raciocínio, concluindo que a álgebra
é uma língua, e como toda língua, um método analítico. E mais, enfatiza que a
álgebra é a prova de que todo o progresso da ciência depende de uma língua bem
feita, capaz de dar à análise simplicidade e precisão.
Capítulo VIII – No que consiste todo o artifício do raciocínio
O método utilizado no exemplo, no qual se vai apenas reescrevendo
os juízos em juízos equivalentes de modo a desprender os desconhecidos dos
conhecidos, “tem por regra que não podemos descobrir uma verdade que não
conhecemos, a não ser na medida em que ela se encontre nas verdades que são
conhecidas e que, consequentemente, toda a questão a resolver supõe dados em que
as conhecidas e as desconhecidas estão misturadas, como o estão efetivamente nos
dados do problema que resolvemos”. (p.130)
Ele mostra então que raciocinar bem implica em garantir que os
dados contenham todas as conhecidas necessárias, do contrário, o problema é
insolúvel. Raciocinar então seria usar uma linguagem clara e precisa para enunciá-
las de maneira mais simples até desprender as desconhecidas.
78
Algumas vezes os dados estão implícitos na questão e nem sempre
são fáceis de serem reconhecidos. conseguiremos encontrá-los se traduzirmos a
expressão em outra na qual os dados se mostrem mais explicitamente.
Condillac alega que este raciocínio usado pela matemática, feito com
equações, é o mesmo para todas as ciências, pois acredita que equações, proposições
e juízos são, no fundo, a mesma coisa. Ele diz:
“...nas outras ciências estabelece-se (a questão) traduzindo-se na
expressão mais simples e, quando a questão estiver estabelecida,
o raciocínio que a resolve é ainda ele próprio apenas uma
seqüência de traduções, onde uma proposição que traduz a que a
precede é traduzida por aquela que a segue. É desta maneira que a
evidência passa com a identidade desde o enunciado da questão
até a conclusão do raciocínio”. (p.132)
Capítulo IX Diferentes graus de certeza ou da evidência, das conjeturas e da
analogia
Neste último capítulo Condillac nos explica os três tipos de
evidência, nos diferencia fenômenos, observações e experiências, nos instrui sobre o
uso de conjeturas e ainda aconselha aos que pretendem estudar sua Lógica.
Os três tipos de evidência por ele apresentados são:
- A evidência da razão consiste na identidade, no conhecer a essência da coisa, o que
permite descobrir, por meio de seqüências de proposições idênticas (raciocínio),
todas as suas propriedades a partir dos fenômenos decorrentes das transformações
desta essência.
- A evidência de fato consiste no conhecimento por meio de observação, ocorre
quando não consigo ver a igualdade entre várias proposições verdadeiras de um
mesmo objeto.
- A evidência de sentimento é aquele conhecimento do fenômeno que observo em
mim mesmo, pois é pelo sentido que conheço esta espécie de fato.
79
A diferença entre fenômeno, observação e experiência é que
chamamos de fenômeno o fato que consiste em uma seqüência de leis da natureza.
Ao dispensar atenção especial a este fenômeno, considerando e assegurando todas as
relações por meio de observações bem feitas passamos a chamá-lo de observação, e
se por meios diferentes desprendermos aquilo que ele oculta, então o chamamos de
experiência.
As conjeturas surgem de uma espécie de tateamento, quando não se
tem de imediato a evidência, mas a partir de verdades conhecidas suspeita-se de
outras verdades. Para Condillac as conjeturas têm um grau inferior de certeza mas
conjeturar é um bom caminho para descobertas, pois sempre que formularmos
suposições que devem ser confirmadas por observações ou experiências, estas nos
leva aquilo que devemos dar atenção.
Como a analogia é sempre feita com base em relações, seu grau de
certeza é por elas determinado. O grau de certeza mais fraco é aquele fundado numa
relação de semelhança, por exemplo: A terra é habitada, portanto, os planetas o são.
A analogia que usa relações dos meios com os fins é mais forte que a
anterior, por exemplo: os planetas possuem revoluções diurnas, e por conseqüência,
suas partes são sucessivamente iluminadas e aquecidas, condição para a conservação
de alguns habitantes. No entanto, ressalva Condillac, isso prova apenas que a Terra
não é o único planeta habitável, mas não prova que outros sejam.
A analogia que possui mais força é aquela fundada sobre a relação
dos efeitos com a causa ou das causas com o efeito, ou seja, são aqueles que supões
que os mesmos efeitos tem as mesmas causas e vice-versa, suposição que quando
confirmada por meio de novas analogias e observações é considerada como certa e
não é mais colocada em dúvida.
Condillac aconselha aos jovens que querem estudar a sua Lógica:
“Esta Lógica é breve e, consequentemente não é assustadora. Para lê-la com a
reflexão que ela exige, será preciso dispor apenas do tempo que se perderia para ler
uma outra gica”. (p.136) Ele adverte que como toda a arte de raciocinar é uma
língua bem feita, estudar a ciência é estudar uma língua, e aprendê-la é familiarizar-
se com sua língua, o que ocorre por seu uso. É preciso então ler, reler, falar do
80
que se leu, diversas vezes. A compreensão depende de se haver assegurado sempre a
compreensão das idéias precedentes. Isso é fundamental para que a leitura dessa
Lógica seja sempre fácil. E ainda previne que ao encontrar alguma dificuldade na
leitura, não a atribuam à obra, pois esta Lógica é uma obra que será lida tão mais
facilmente quanto mais ignorante for o leitor, mas aos preconceitos e maus hábitos
já adquiridos, assim aconselha: desfaçam-se destes hábitos e raciocinarão bem.
Condillac resume assim sua Lógica:
É assim que tentamos raciocinar nesta obra. Observamos a
natureza e aprendemos, por meio dela a análise. Com este
método, estudando-nos e havendo descoberto, por uma seqüência
de proposições idênticas, que nossas idéias e nossas faculdades
são apenas a sensação que toma formas diferentes, asseguramo-
nos da origem e da geração de umas e outras. (p.135-136)
5. Considerações
Condillac mostra que só é possível abstrair e generalizar a
partir da análise, e que esta se realiza com a mediação dos signos. Bem, abstrair,
generalizar e usar a linguagem matemática são aspectos aos quais atribuímos grande
parte das dificuldades enfrentadas na educação matemática.
Para ele, se seguíssemos o método da análise não teríamos
problemas, uma vez que não existe idéia geral que não advenha de uma idéia
individual originada pelas sensações, ou ainda que toda idéia abstrata se forma como
parte destacada de idéias individuais.
A análise, por meio da decomposição e recomposição, seria capaz de
nos oferecer uma linguagem perfeita, na qual signo e objeto apresentem
imediatamente a relação de significado. Seríamos capazes então de compreender
qualquer idéia, por mais abstrata que fosse, pois a análise nos condições de
refazer o caminho de sua geração, e neste caminho perceberemos como ela foi
destacada de idéias individuais, das relações que existem entre elas até chegarmos ao
objeto que a originou.
81
Fazer uso da língua algébrica no sentido de Condillac, seria
transformar nossa educação matemática, passando a enfatizar não as operações
algébricas em si, mas trabalhando as relações representadas pela linguagem
algébrica. Os estudantes ainda procuram por objetos, ao passo que deveriam então
estar à procura de relações.
Admitir a linguagem algébrica assim é um passo para atingir o que
propôs Freudenthal, sobre trabalhar a álgebra partindo das relações de objetos,
simbolizados, mas variáveis. Não estaríamos num nível de escrever e classificar ao
invés de construir ou definir um objeto, mas vislumbraríamos um salto qualitativo
ao desvincularmos a álgebra da aritmética.
82
Capítulo 3 – AS FUNÇÕES SEMIÓTICAS E A LINGUAGEM
MATEMÁTICA
O objetivo do processo ensino aprendizagem em matemática não
consiste na memorização de regras, ou do domínio da sintaxe de uma língua. A
memorização e operacionalização de regras são apenas partes do objetivo. O que se
entende por aprendizagem em matemática é a capacidade de transpor o
conhecimento adquirido a uma situação nova, de criar estratégias de ação para
resolução de situações problema, como e quando exigidas. Assim, o objetivo do
processo ensino aprendizagem passa a ser a construção de uma estrutura de
conhecimento, ou como diz Skemp
88
, uma estrutura conceitual.
O grande problema é que apesar de tantas mudanças, pesquisas e
metodologias, a educação matemática não tem conseguido realizar esta tarefa. Para o
matemático francês René Thom
89
(1923-2002), o grande problema da educação
matemática, e da própria epistemologia da matemática, não está na questão do rigor
dos métodos ou definições, mas na questão da existência dos objetos matemáticos.
Foi categórico em sua palestra proferida em 1972 durante o Congresso Internacional
de Exeter, em colocar como ponto central desta questão o problema do significado:
O real problema que confronta o ensino da matemática não é o do
rigor, mas o problema do desenvolvimento do significado’, da
‘existência’ de objetos matemáticos.
90
Thom se refere ao fato dos objetos matemáticos não existirem
independentemente da teoria ou das atividades dos pesquisadores, como ocorre em
88
SKEMP. R.R. Mathematics in the primary school. 1991
89
ReThom, matemático francês, nascido em Montbéliard, Doubs, fronteira suíça, Medalha Fields
(1958), a maior premiação internacional para os matemáticos, equivalente ao Prêmio Nobel, e criador
da Teoria da Catástrofe (1972), fundamental para a teoria da complexidade.
90
THOM, René. Modern Mathematics: Does it Exist?, in: A.G. Howson (ed), Development in
Mathematica. l973, p.202
83
outras ciências empíricas. No caso da matemática seus objetos são sempre objetos da
atividade matemática, sua existência é diferente da existência concreta com a qual se
está acostumado na vida cotidiana, uma vez que os objetos matemáticos não
pertencem a nosso ambiente empírico e não fazem parte das nossas experiências
diárias.
Os objetos matemáticos existem dentro de uma estrutura, pois eles
não representam algo concreto no mundo real, eles apenas têm sentido enquanto
representantes de um papel dentro de uma estrutura. Sobre isso Davis e Hersh
escrevem:
[...] Poder-se-ia pensar que a noção de existência é clara, mas em
verdade graves dificuldades lógicas e psicológicas associadas
a ela. A concepção dos inteiros pequenos, como 1, 2, 3 etc., pode
ser proveniente de um ato de abstração. Mas o que diremos do
número 68.405.399.900.001.453.072? Como é extremamente
provável que alguém jamais tenha visto um conjunto com este
número de objetos, ou lidado com ele, e percebido assim seu
sabor numérico característico, é claro que a existência deste
número grande como um objeto matemático está baseada em
outras considerações. Em verdade, nós o escrevemos. Podemos,
se quisermos, manipula-lo; por exemplo, podemos facilmente
duplicá-lo. Podemos responder a certas perguntas sobre ele: é par
ou ímpar? É maior que 3237.098? Desta maneira, malgrado o
fato de que este número não possa ser quantificado diretamente,
afirmamos com confiança sua existência, em outro sentido.
91
Assim, toda atividade matemática acontece exclusivamente de acordo
com algumas regras da estrutura a qual pertence. Qualquer tipo de interação com
estes objetos mentais pode ser realizada a partir de signos, pois regras se
aplicam a coisas concretas. Justamente por isso o pensamento simbólico é tão
importante na matemática. As idéias e conceitos só se tornam objetos quando
representadas.
A representação desempenha um papel fundamental no domínio da
linguagem matemática. A compreensão de objetos matemáticos pressupõe a
utilização de uma linguagem específica de características diferentes da linguagem
comum. Por exemplo, para a compreensão do valor relativo dosmeros, dos
algoritmos das operações, das simplificações de frações, das resoluções de equações,
91
DAVIS & HERSH. A experiência Matemática. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989, p.173.
84
das resoluções de integrais etc., necessitamos, além do conhecimento conceitual, do
domínio das regras sintáticas e das convenções de notação do simbolismo
matemático. Assim sendo, uma expressão algébrica pode ser representada da
seguinte forma:
1. Linguagem algébrica: (a+b)² = a² + 2ab + b²
2. Linguagem comum: O quadrado da soma de dois números é igual à
soma dos seus quadrados adicionada ao dobro de seu produto”.
3. Representação geométrica:
Fig.3 Representação geométrica
do Quadrado da soma de dois termos
A respeito desse exemplo Kimura considera que:
Para as pessoas que não entendem a linguagem algébrica, a
linguagem comum é muito mais significativa; seu entendimento
depende apenas de ter alguma idéia do conceito de quadrado de
um mero e de produto. A história da matemática mostra como
a invenção de novos símbolos lingüísticos foi determinante para o
desenvolvimento matemático. Por exemplo, a numeração de
caráter aditivo utilizado desde a Antiguidade emperrou o
desenvolvimento da aritmética, porque durante muitos séculos
este tipo de sistema numérico empregou procedimentos longos e
cansativos.
92
A semiótica, pode ser definida como a ciência geral dos signos,
abrangendo todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é,
sistemas de significação, ocupando-se do estudo do processo de significação ou
representação dos objetos ou fenômenos, na natureza e na cultura, do conceito ou da
idéia. Essa capacidade representativa é denominada de função simbólica, ou
92
KIMURA, Cecília Fukiko K. O jogo como ferramenta no trabalho com números negativos: um
estudo sob a perspectiva da epistemologia genética de Jean Piaget. Tese de Doutorado - PUC/SP,
2005, p. 170
85
semiótica, ou ainda representação. Neste sentido, o ato de representar pode ser
entendido como uma relação que indica alguma outra coisa. Na matemática, quando
perguntamos qual o valor de x, ele está representando algo que se deseja determinar,
seja esse algo uma medida, um lucro, uma idade, um percentual etc. Assim, uma
abordagem semiótica das representações dos objetos matemáticos torna-se
imprescindível para uma melhor compreensão do processo de significação na
educação matemática.
3.1 – A semiótica
Todo e qualquer conhecimento só é possível por intermédio dos
signos, mas não existe caminho direto da linguagem ou representação para a
realidade. Não apreendemos o objeto real em nossa mente. Não seria possível fazê-
lo devido às nossas próprias limitações, de modo que este acesso aos objetos, sejam
eles reais ou não, é sempre mediada por signos. Então a estrutura e funções dos
signos e as representações apresentam um campo amplo e complexo para nossa
reflexão.
Dentre as várias definições encontradas nos escritos de Charles
Sanders Peirce, temos:
[...] um signo, o representamen, é algo que, para alguém, represente
ou se refere a algo em algum aspecto ou caráter. Se dirige a alguém,
isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez,
um signo ainda mais desenvolvido. Este signo criado é o que eu
chamo de interpretante do primeiro signo. O signo está no lugar de
algo, seu objeto. Está no lugar desse objeto, não em todos os
aspectos, mas apenas com referência a uma idéia, que às vezes
tenho chamado de fundamento do representamen. (CP 2.228)
93
.
As três entidades então citadas compõem uma relação triádica:
93
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.46
Objeto
Signo (=idéia)
Interpretante
86
Nesta relação o signo significa “algo” porque está no lugar deste
“algo” (o objeto). Ao vermos uma casa e falarmos a palavra casa, esta produzirá
como interpretante outros signos da mesma espécie: habitação, lar, moradia etc.; se
falarmos homem teremos ser humano, e todos os que possam representar o mesmo
ser bípede, mamífero, racional que a palavra homem representa. Assim cada
interpretante é um signo diferente do mesmo objeto, e por sua vez necessita de outro
signo para sua interpretação, num processo infinito. Podemos concluir que os signos
fazem algo mais do que representar ou substituir as coisas, mas que basicamente
funcionam como elementos do processo de mediação e do pensamento. E cada
pensamento é um processo semiótico, ocorre em termos de signos.
Do ponto de vista da relação de um signo com seu objeto pode-se
dividir o signo em três categorias principais, ou seja, classificando-os com base em
como cada signo representa seu objeto. Peirce declara:
Descobriu-se que três tipos de signos, que são indispensáveis
em todo raciocínio: o primeiro é o signo diagramático ou Ícone,
que exibe sua similaridade ou analogia com o tema do discurso; o
segundo é o Índice, que, como um pronome demonstrativo ou
relativo, força a atenção para o objeto particular intencionado,
sem descrevê-lo; o terceiro, ou Símbolo, é o nome geral ou
descrição que dá significado ao seu objeto por meio de uma
associação de idéias ou conexão habitual entre o nome e o caráter
significativo. (CP 1.369)
94
Podemos exemplificar dizendo que uma estátua é um Ícone, por sua
semelhança com o indivíduo representado; que a febre é um Índice, porque nos
indica a existência de uma infecção; que a palavra dog é um símbolo, que será
interpretada como resultado de um hábito, e que nada significa para quem não
possui o hábito de falar inglês.
Para melhor compreendermos esta relação triádica e as classificações
dos signos se faz necessário mencionar as categorias fenomenológicas de Peirce, que
na verdade são as modalidades mais universais e gerais por intermédio das quais se
a apreensão-tradução dos fenômenos que se apresentam a todo homem, a cada
instante e em todo lugar ao longo da vida. Peirce chama de fenômeno tudo aquilo
94
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.10
87
que se apresenta à nossa mente, seja algo real ou não, uma batida de porta, um
cheiro de perfume, uma dor no braço, uma lembrança, sejam pertencentes a um
sonho ou a uma idéia geral e abstrata da ciência.
As três categorias Primeiridade, Segundidade e Terceiridade são
assim definidas por Peirce:
Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é,
positivamente e sem referência a mais nada.
Segundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é com
respeito a um segundo, mas sem considerar qualquer terceiro. Um
primeiro é algo como aparece em si próprio, um segundo é algo
como aparece em reação a alguma outra coisa, mas sem qualquer
inteligibilidade ou mediação.
Terceiridade é mediação, é o modo de ser daquilo que é tal como
é ao trazer um primeiro e um segundo em relação com um outro”.
(CP 8.328).
95
A Primeiridade é então a categoria da qualidade do sentimento, a
primeira apreensão dos fenômenos, é o puro sentir. A segundidade é a categoria das
existências particulares, da consciência reagindo em relação ao mundo, ainda sem
governo da camada mediadora da intencionalidade, razão ou lei. A Terceiridade é a
reunião da Primeiridade e da Segundidade numa síntese intelectual, ou seja, ao
pensamento em signos por intermédio do qual representamos e interpretamos o
mundo. Num exemplo poderíamos dizer que perceber o azul simples e categórico, a
mera e simples qualidade do azul é a Primeiridade; que perceber o céu como lugar e
tempo, o aqui e agora, onde se encarna o azul é a Secundidade; e que a síntese
intelectual, a Terceiridade é elaboração cognitiva: o céu é azul”. Ou seja, uma
proposição representa Terceiridade ou o sujeito da frase sendo um Segundo e o
predicado um Primeiro.
Assim ao perceber um fenômeno, percebemos um Primeiro em
relação com um Segundo mediado por um Terceiro, quer dizer, nós percebemos um
fenômeno por meio de um signo. Percebemos a realidade por meio de signos. Sendo
que é na Terceiridade que se encontra a noção de signo genuíno ou triádico, ou seja,
95
PEIRCE apud OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001,
p.26
88
a categoria da representação. Por exemplo, para refletir ou discutir uma coisa
precisamos exprimi-la em termos de sentenças ou afirmações. Isto significa que cada
reflexão, ou seja, que qualquer pensamento sobre pensamentos ou fatos exige
Terceiros, isto é, símbolos.
O quadro abaixo apresenta a divisão dos signos segundo as
tricotomias mais relevantes, na relação do signo consigo mesmo, do signo com seu
objeto e do signo com o seu interpretante, nos remetendo às categorias citadas.
Signo em relação a si
mesmo
Signo com relação ao seu
objeto
Signo com relação a seu
interpretante
PRIMEIRIDADE
quali-signo
Signo em si mesmo
como mera qualidade
Ex: a brancura
Ícone
O signo tenha algum
caráter do objeto em si
mesmo, guarde analogia
ou apresenta alguns traços
do objeto.
Ex: Fotografia
Rema
O representa como um
signo de possibilidade. O
signo representa uma
informação, apenas a
informação em si
mesmo.
Ex: palavra
SEGUNDIDADE
sin-signo
Signo como existente
real
Ex: a brancura do
traje da noiva
Índice
O signo tem uma relação
existencial com o objeto,
existe um porque existe o
outro.
Ex: uma pegada
Dicente
O signo expressa,
carrega a informação de
algo. Declara um fato.
Ex: proposição
TERCEIRIDADE
legi-signo
Signo como lei geral
Ex: a brancura
representa pureza
Símbolo
O signo tem uma relação
convencionada, uma lei,
um hábito ou um acordo
social, assim não é
singular, mas geral.
Ex: a bandeira do país
Argumento
O signo diz algo mais,
carrega a informação de
algo em relação a uma
terceira coisa, é um
raciocínio, uma
conclusão.
Ex: argumento
De modo geral, no desenvolvimento deste trabalho adotaremos
apenas as nomenclaturas: Ícone para um signo da Primeiridade, Índice para um
89
signo da Segundidade e Símbolo para um signo da Terceiridade, sem nos atermos a
distinção da relação com ele próprio, com seu objeto ou representante.
3.1.1 – Os ícones e a matemática
Santaella
96
ressalta que como os ícones estão relacionados às
qualidades do fenômeno, e estas podem substituir qualquer coisa que a elas se
assemelhe, por isso os ícones têm um alto poder de sugestão. Na verdade, um ícone
não representa efetivamente nada, apenas apresenta, de modo que o interpretante que
o ícone está apto a produzir é uma mera possibilidade, uma conjectura ou hipótese.
Assim, o ícone é um signo, cujas condições de significação dispensam a existência
de seu objeto.
Os ícones que representam seu objeto por semelhança são chamados
hipoícones e classificados em níveis. No primeiro nível estão as imagens, pois a
qualidade de sua aparência é semelhante à qualidade da aparência do objeto que a
imagem representa, como no caso de uma fotografia. No segundo nível temos os
diagramas, que por analogia representam relações entre as partes de seu objeto,
utilizando-se das relações análogas em suas próprias partes, como é o caso das
equações na álgebra. Peirce nos apresenta o seguinte exemplo:
Isto é um ícone, pelo fato de fazer com que se assemelhem
quantidades que mantém relações análogas com o problema. Com
efeito, toda equação algébrica, é um ícone, na medida em que
exibe, através de signos algébricos (que em si mesmos não são
ícones), as relações das quantidades em questão.
97
(CP 2.282
)
No terceiro nível então estão as metáforas, que são justaposições
entre duas ou mais palavras que põe em intersecção o significado convencional
96
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? 2003
97
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.66
90
dessas palavras, como quando dizemos “Ana é uma rocha”, para nos referirmos às
qualidades de firmeza, perseverança frente às adversidades, constância, que na
verdade são qualidades da rocha.
Um ícone, por prescindir da existência de seu objeto, pode ser pura
ficção, o que é extremamente importante para o tipo de objetos que temos na
matemática. No entanto, seu maior poder está em sua forma, que torna o objeto
visível diante do olhar mental.
Otte explicita que:
Os ícones substituem tão completamente seus objetos que
dificilmente podem ser distinguidos deles. Assim são os
diagramas da álgebra e da geometria. Os diagramas são
essencialmente ícones, e ícones ou imagens são particularmente
adequados a tornar apreensível e concebível o possível e o
potencial, mais que o real e o factual. A matemática tem sido
sempre chamada de a ciência do possível ou do logicamente
possível, e para verificar se alguma combinação de asserções é
consistente ou logicamente possível, ela deve ser visualizada,
porque a dificuldade reside na interação entre as várias
afirmações, mais do que em significados particulares como tais.
98
A questão de como a matemática é capaz de intuir e deduzir novas
características e relações de seus objetos, considerando que estes objetos não sendo
concretos não podem ser observados e manipulados como nas ciências empíricas, é
uma questão intrigante. Peirce destaca a importância dos ícones no raciocínio
matemático e lógico esclarecendo esta questão:
[...] uma fórmula algébrica é um ícone, tornada tal pelas regras de
comutação, associação e distribuição dos símbolos. À primeira
vista, pode parecer uma classificação arbitrária denominar uma
expressão algébrica de ícone: e que ela poderia ser da mesma
forma ou com mais razão, ainda, considerada como um signo
convencional composto. Mas não é assim, pois uma importante
propriedade peculiar ao ícone é a de que, através de sua
observação direta, outra verdade relativa a seu objeto pode ser
descoberta além das que bastam para determinar sua construção.
Assim, através de duas fotografias pode-se desenhar um mapa
etc. Dado um signo convencional ou um outro signo geral de um
objeto, para deduzir-se qualquer outra verdade, além da que ele
explicitamente significa, é necessário, em todos os casos,
substituir esse signo por um ícone. Esta capacidade de revelar
verdades insuspeitadas é exatamente aquela na qual consiste a
98
OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.39
91
utilidade das fórmulas algébricas, de tal modo que o caráter
icônico é que prevalece.
99
(CP, 2.280)
Fazer inferências sobre um ícone, é fazer inferências sobre o próprio
objeto, esteja ele exercendo uma função de identidade, de analogia ou semelhança
estrutural. Assim, a dedução fundamenta a construção de um ícone ou diagrama em
que as relações das partes dos objetos de raciocínio e de experimentação sobre a
imagem na mente e na observação do resultado permitem a descoberta de relações
despercebidas e escondidas entre as partes.
Os professores sempre tentam alertar seus alunos para não
identificarem objetos/coisas e ícones, por causa das constantes confusões que os
alunos fazem quando se altera a imagem icônica. Um bom exemplo pertencente ao
cotidiano escolar é o triângulo genérico, representado geralmente por um triângulo
isósceles ou eqüilátero, sempre com um dos lados horizontal. Ao observar um
triângulo rotacionado e escaleno os alunos se sentem perdidos, não associam mais a
situação apresentada com a estudada anteriormente. Nesse caso, a imagem está
falando mais fortemente do que os conceitos por trás da representação. A dificuldade
está em compreender que um objeto particular (o triângulo isósceles) está
representando um objeto geral (um triângulo qualquer).
Quando os professores pedem a seus alunos que entendam seus
diagramas geométricos como símbolos, de forma genérica, no caso como um
triângulo qualquer, eles estão, na verdade, tirando dos alunos a possibilidade de
selecionar uma perspectiva apropriada dentro da situação matemática considerada, já
que é o ícone, que caracterizado pela indeterminação, torna a escolha de uma
perspectiva apropriada necessária.
99
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.65
92
3.1.2 – Os índices e a matemática
Os índices, como existentes, sempre indicam múltiplas direções, mas
só funcionam como signo quando uma mente interpretadora estabelece uma conexão
com uma destas direções. Um índice não precisa exprimir uma semelhança com seu
objeto, o que importa em um índice é que ele sempre indica uma outra coisa (sobre
seu objeto) da qual ele faz parte, assim seu interpretante se limita à constatação da
relação existente entre eles. É o caso da febre, ela indica que existe uma infecção,
porém, nada mais pode ser acrescentado além da existência da infecção. Assim, o
índice é o signo que significa por meio de seu vínculo existencial com seu objeto.
Em relação a este aspecto Otte exemplifica:
[...] os usos do inglês comum são confiáveis em nosso discurso
sobre índices; o dedo indicador é usado para apontar alguma
coisa, por exemplo. O apontar-se para é uma conexão existencial
direta com aquilo que é apontado, e assim o é um índice no
sentido de Peirce. Índices servem à identidade de referência.
100
Para Peirce, “nenhuma questão de fato pode ser asseverada sem o uso
de algum signo que sirva como índice”
101
. Se andando por uma rua passarmos por
uma loja e observarmos que a loja tem a vitrine amarela, e exclamarmos: - Olhe que
linda vitrine amarela a daquela loja!. Alguém que esteja conosco naquele momento,
olhará segundo a referência “daquela” loja. Se dissermos a mesma coisa, depois que
virarmos a esquina, e a loja não mais estiver a nosso alcance, a exclamação perderá
o sentido para quem ouve, pois a referência sumiu.
Um exemplo na matemática: é comum a geometria colocar letras em
seus diagramas, essas letras serão usadas para indicar essas partes. É o caso de
colocar A, B e C para determinar os vértices do triângulo e posteriormente fazer
afirmações sobre estes vértices. Assim, A, B e C são índices, porque indicam os
vértices do triângulo construído. Da mesma forma acontecem com letras na álgebra,
que não apresentando nenhuma peculiaridade são consideradas índices.
100
PEIRCE apud OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001,
p.26
101
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.74
93
Peirce diz:
Tudo que atrai a atenção é um índice. Tudo que nos surpreende é
um índice, na medida em que assinala a junção entre duas
porções de experiência. Assim, um violento relâmpago indica que
algo considerável ocorreu, embora não saibamos exatamente qual
foi o evento.
102
(CP 2.285)
Aquilo que desperta a atenção num objeto, num fato, é seu índice.
Segundo Peirce o índice opera pela conexão de contigüidade de fato entre dois
elementos. Assim um índice sempre nos remete a alguma coisa. Indica-nos a relação
entre dois, nos levando sempre a buscar o elemento com a qual a ligação deve ser
feita, seja esse elemento um objeto real ou imaginário, uma experiência presente ou
passada. O que ocorre é que o significado de um índice está baseado sempre na
experiência vivenciada pelo interpretador. Poderia parecer aqui que os índices são
signos apenas de objetos e fatos concretos, mas não é verdade. Para Pierce:
“[...] Tais considerações poderiam induzir o leitor a supor que os
índices se referem exclusivamente a objetos da experiência, e que
não haveria uso algum para eles na matemática pura, que lida,
como o faz, com criações ideais, sem se preocupar com o fato de
elas serem ou não concretizadas em algum momento. Contudo, as
construções imaginárias do matemático, e mesmo os sonhos,
aproximam-se da realidade a ponto de disporem de um certo grau
de fixedez e de quase realidade no objeto com o qual procura
conformar-se”
103
(CP 305 ).
Na verdade os índices são imprescindíveis na matemática, eles dão
uma certa legitimidade à existência dos objetos matemáticos, uma vez que indicam
102
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica 2003, p.67
103
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica 2003, p.75
A
G
C
O triângulo ACG é isósceles, onde
Ĉ e Ĝ são congruentes.
94
uma relação, e uma relação só existe quando se tem em mente um objeto ou
experiência. Sobre isso Otte escreve:
“Do ponto de vista da matemática, a qualidade relativa ao índice é o
que realmente torna a abordagem semiótica inevitável, porque ela
ajuda a resolver o enigma dos objetos matemáticos”.
104
“Os índices, ..., fornecem uma garantia positiva da realidade e da
proximidade de seus objetos. Mas aqui também esses objetos
podem, como as letras em álgebra ou geometria, pertencer a um
mundo completamente virtual”.
105
3.1.3 – Os símbolos e a matemática
O poder de representação de um símbolo está no fato de que o que
determina que ele represente seu objeto é uma lei, seja essa lei por convenção ou
acordo coletivo, de modo que um símbolo não designa um objeto em particular, mas
uma classe. Assim, um símbolo não é do tipo singular, mas do tipo geral. Se
pegarmos uma palavra, por exemplo, esta não representa uma coisa existente, mas
uma idéia abstrata, cuja lei de representação está armazenada em nossa mente.
“[...] o símbolo é um signo que se refere ao objeto, que o denota
em virtude de uma lei, normalmente, uma associação de idéias
gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja
interpretado como se referindo àquele objeto”.
106
Por exemplo, quando digo triângulo, refiro-me não a um triângulo
em particular (este triângulo, por exemplo, seria um índice), mas a uma idéia geral
de objeto que é uma figura geométrica que ocupa o espaço interno limitado por três
linhas retas que se encontram, definindo três lados e três ângulos, e cujos ângulos
internos somam 180º.
104
OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.32
105
OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.43
106
PEIRCE apud KIMURA, Cecília Fukiko K. O jogo como ferramenta no trabalho com números
negativos: um estudo sob a perspectiva da epistemologia genética de Jean Piaget. Tese de Doutorado
- PUC/SP, 2005, p. 179
95
Quando alguém diz triângulo, está se reportando ao objeto geral
triângulo, a qualquer triângulo, não a um triângulo particular, e essa generalidade
caracteriza sua natureza simbólica.
Com relação ao interpretante, podemos ilustrar a classificação dando
como exemplo a demonstração de um teorema, em que proposições admitidas se
transformam em outras proposições no decorrer da argumentação com o intuito de
promover uma convicção. As palavras ou termos utilizados fazem o papel de ícones,
pois geralmente servem para evocar uma idéia; as proposições como declaram fatos
são consideradas índices. E o argumento, estabelecendo a estrutura do pensamento
ou um hábito é considerado como um símbolo.
Um exemplo dado por Peirce é a sentença “Chove”, ele escreve:
“[...] o ícone é a fotografia mental composta de todos os dias
chuvosos que o pensador tenha vivido. O índice é tudo aquilo por
cujo meio ele distingue aquele dia, da forma como está colocado
em sua experiência. O símbolo é o ato mental mediante o qual a
pessoa marca aquele dia como chuvoso”.
107
(CP, 2.438)
Os símbolos por si nada acrescentam em termos de conhecimento,
ele não é capaz de nos oferecer, como o ícone, a chance de descobertas acerca do
objeto que representa. O que é realmente importante é que um símbolo existe de
fato se a mente interpretadora estiver predisposta a fazer a conexão entre o símbolo e
seu objeto, por meio de um hábito ou convenção. É isso que confere aos símbolos
uma característica ou função mediadora, pois é somente por meio deles que se é
capaz de realizar o processo de generalização, de pensar sobre o pensamento, em
função das conexões que fazemos por força do hábito ou convenção.
[...] assim como aquela famosa pegada que Robson Crusoe
encontrou na areia foi um índice, para ele, de que alguma criatura
estava em sua ilha, e, ao mesmo tempo, como um ícone, trouxe a
idéia de um homem. O índice juntamente com o ícone resultaram
na afirmação um homem na ilha. Essa proposição é, como já
foi dito, um símbolo”.
108
107
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica 2003, p.150
108
OTTE. Epistemologia da Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.44
96
O processo de generalização segundo o estruturalismo matemático
construtivo consiste em dirigir a atenção para as propriedades relacionais das
representações matemáticas dadas, transformando-as em novos objetos por um
processo que Piaget chama de “abstração reflexiva”
109
e Peirce de “abstração
hipostática”. É por meio deste tipo de abstração que se substitui um sistema de
operações por um objeto integrado, possibilitando pensamento sobre pensamento,
resultando num novo objeto. Aqui está a imprescindibilidade dos símbolos na
matemática, ou seja, sua função mediadora dentro da atividade matemática.
“Os símbolos crescem. Retiram seu ser do desenvolvimento de
outros signos, especialmente de ícones, ou de signos misturados
que compartilham da natureza dos ícones e símbolos.
pensamos com signos. Estes signos mentais são de natureza
mista: denominam-se conceitos suas partes-símbolo. Se alguém
cria um novo mbolo, ele o faz por meio de pensamentos que
envolvem conceitos. Assim, é apenas a partir de outros mbolos
que um novo símbolo pode surgir”.
110
Os símbolos enquanto rótulos, imprescindíveis na comunicação, não
carregam em si todo o significado de uma idéia ou conceito, ou todas as
características de seu objeto. Não basta olhar ou ouvir o símbolo para nele
identificar as características do objeto ou conceitos ao qual ele está associado. Essa
compreensão é extremamente importante quando nos referimos à educação
matemática, pois para proporcionar o significado de um símbolo para alguém, é
preciso torná-lo observável de algum modo. Sobre isso Otte escreve:
A palavra “Stuhl”, por exemplo, não significa nada para uma
pessoa que não saiba alemão. Para proporcionar o significado
desse símbolo para uma tal pessoa, é preciso transformá-lo em
algo perceptível, um ícone de uma cadeira ou uma exibição do
ato de sentar, ou qualquer outra coisa.
111
No caso da matemática, uma idéia ou conceito, para ser comunicado,
para ser suscitado (despertado) na mente de outro necessita também de outras
109
O conceito de abstração reflexiva origina-se das ações dos sujeitos sobre os objetos e das
coordenações das ações cada vez mais amplamente transformadas em operações e que mais tarde
podem se realizar simbolicamente sem se ocuparem dos objetos que se fizeram presentes no início do
processo. Sendo então possível abstrair-se relações não observáveis, mas elaboradas na mente.
110
PEIRCE. Semiótica. 2003, p.73
111
OTTE. Epistemologia da Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.36
97
representações, como índices e ícones. A matemática não é um estudo dos objetos,
mas das relações entre esses objetos. O que de algum modo pressupõe sempre uma
atividade sobre o símbolo, que ofereça a pessoa elementos sobre os quais ela possa
abstrair o significado do símbolo, formar conceitos, e posteriormente usar essas
experiências para realizar as conexões em seus processos mentais. Assim, podemos
dizer que o símbolo é resultante de uma rie de fatores, mas que seu significado
está livre para se relacionar a novos processos, gerando novos resultantes, novos
símbolos.
É justamente por isso que os símbolos são tão importantes na
matemática, pois a associação de idéias e conceitos que nos remete ao objeto geral,
recorrendo a um raciocínio indutivo ou dedutivo, nos a condição necessária de
pensar sobre o próprio pensamento.
Deste modo podemos concluir a importância dos signos na educação
matemática dizendo que as representações como ícones nos ajudam a encontrar
outras verdades sobre o objeto representado, além daquelas semelhanças na qual nos
baseamos para determiná-lo; as como índices nos apresentam uma relação com o
objeto, legitimando sua existência; e os símbolos são a própria essência da
matemática, pois sem o mbolo o objeto é apenas uma percepção humana reflexo
do que os sentidos humanos adquirem; porém, substituído por um símbolo o objeto
torna-se completamente abstraído, um simples operando sujeito a certas operações
determinadas, permitindo o pensamento abstrato ou o raciocínio simbólico, enfim, o
pensamento sobre os objetos matemáticos.
3.2 – As três linguagens da matemática por René Thom
O argumento de que as dificuldades dos alunos com a matemática
está em seu formalismo, em sua linguagem própria nos leva a dois caminhos:
primeiro a pensar na matemática como uma língua e, em segundo, na linguagem
matemática com a qual se comunica a matemática aos alunos.
98
Aqui convém lembrar que os próprios professores buscam esse
formalismo, dando ênfase sempre na matemática como uma língua formal, e talvez
isso se deva ao fato de que ensinar a uma quantidade grande de pessoas fica mais
fácil quando se tem o conteúdo padronizado como uma língua do que trabalhar a
poesia que existe nela. Trabalhar com a intuição, com imaginação e criatividade leva
cada pessoa a um caminho distinto. É um caminho fecundo, repleto de idéias novas,
mas que também produz muito “lixo”. Desse modo fica muito difícil de canalizar
esse processo, ou seja, de manter a objetividade, assim os professores acabam
procurando sempre por definições claras e distintas, ajudando a manter a idéia de
que o conhecimento matemático é um conhecimento absoluto.
Se o problema da educação matemática está na sua linguagem, no seu
simbolismo, ou seja, na comunicação dos conhecimentos matemáticos por meio
dessa linguagem, deveríamos então procurar conhecer essa linguagem.
Nosso primeiro problema surge do fato de que a linguagem
matemática não é algo singular, mas plural. O conhecimento matemático se utiliza
de pelo menos três tipos de linguagem, e geralmente estas linguagens, distintas por
suas características, estão presentes nos livros didáticos, muitas vezes exibindo um
mesmo objeto. São elas: a linguagem comum, a linguagem geométrica euclidiana e
a linguagem formal ou algébrica.
3.2.1 As três linguagens e suas características segundo René
Thom
René Thom em seu artigo “Mathematiques modernes et
mathematiques de toujours” (1974), nos apresenta uma comparação entre os três
tipos de linguagem sob três pontos de vista: 1º) O sentido
112
de um elemento: pode-
se formalizar a classe de equivalência definida por um elemento da linguagem?”,
112
No texto optamos por traduzir “sense” por “sentido” ou “significado”, usando significado”
quando declarar referência, ou seja, o objeto designado pelo signo; e por “sentido quando se
reportar ao modo pelo qual a referência é feita, por exemplo a palavra que exprime o conceito.
99
2º) O sentido está intuitivamente claro? Ou seja, temos uma idéia sobre o que nós
estamos falando? e 3º) A riqueza e a pobreza da sintaxe.
Linguagem comum
1°) a classe de equivalência definida por uma palavra (um conceito)
normalmente o pode ser formalizada (ela é frequentemente de
natureza topológica: invariância de uma forma.) Pense nos sentidos
metafóricos, por exemplo.
2°) no entanto, o sentido da palavra é claro.
3°) a sintaxe é pobre. (há poucos tipos de frases nucleares em
gramática, e a colocação de frases uma dentro de outras como
subordinadas cessa rapidamente: no máximo três ou quatro
possíveis fases de subordinação.)
A geometria euclidiana
1°) o objeto, definido por uma palavra, uma figura geométrica, é
formalizável (isso é, suscetível de descrição em algumas palavras
como uma função do “ser” elementar, isto é pontos.) Equivalência
está definida pelo grupo Euclidiano, um grupo de dimensão finita.
2°) o sentido de uma palavra é claro, porque coincide com a
intuição espacial da figura correspondente
3°) a sintaxe é rica, porque descreve todas as posições espaciais
respectivas das figuras e as suas deslocações. (No entanto, exprime-
se verbalmente por um pequeno número de conceitos, como: a
incidência, da qual a combinatória é ilimitada)
A linguagem formal ou algébrica
1°) A classe de equivalência está definida identificando um símbolo
escrito com ele mesmo: é então formalizável .
2°) O 'significado' de um símbolo algébrico é estabelecido com
dificuldade ou é não-existente.
3°) A sintaxe, que é o modo no qual podem ser combinados
possíveis operações, é rica, pois, em princípio, é ilimitada”.
113
O primeiro aspecto que Thom leva em consideração é o da extensão. A extensão de
um conceito é o conjunto de indivíduos que podem ser designados por este conceito.
Sua preocupação é com a questão de se é possível delimitar e distinguir os objetos
113
THOM, René. Mathematiques modernes et mathematiques de toujours. ( 1974)
100
deste conjunto ou não. Na verdade, nem tudo pode ser formalizável, e um exemplo
bem simples são as cores, como formalizar esse conjunto?
Na linguagem comum uma palavra ou conceito nos uma variedade imensa de
elementos que pertencem à sua classe de equivalência, ou seja, um conjunto
ilimitado de elementos que podem ser referidos por esta mesma palavra. As relações
de equivalência agrupam elementos que têm características semelhantes ou
compartilham da mesma propriedade.
Peguemos a palavra
carro
, que segundo o dicionário significa:
1.Veículo de rodas para transporte de pessoas ou carga.
2.V. automóvel (4).
3.Esse veículo, em geral de quatro rodas, quando apresenta as
características necessárias para comportar reduzido número de
passageiros: Troca de carro todos os anos.
4.Veículo ferroviário destinado ao transporte de passageiros.
[Sin., lus., nesta acepç.: carruagem. Cf. vagão (1).]
5.Veículo sem rodas movido mecanicamente: o carro do
teleférico;o carro do elevador
6.Parte da máquina de escrever onde é introduzida e fixada a
folha de papel, e que se movimenta, ou não, à medida que se
produzem as batidas.
7.Tip. Conjunto móvel das prensas planocilíndricas, que inclui o
cofre e a mesa de tintagem.
8.Bras. N.E. Pop. Carretel (1) de linha.
114
Agora vamos pensar em todos os elementos que podemos chamar de
carro. Pensar em todos seria impossível, porque temos uma grande variedade,
podemos incluir carros de passeio, caminhões, carros alegóricos, trens, carrinhos de
picolé, carrinho de mão etc. Esta impossibilidade também torna inviável a
formalização deste conjunto, ou seja, inviável apresentá-lo simbolicamente de modo
genérico, explícito e categórico.
Imaginem:
114
HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa.
101
C = {xC/ x tenha rodas} não incluiria todos os elementos que podemos incluir no
conjunto C (conjunto de carros), por exemplo, o carro do teleférico é chamado de
carro e não tem rodas.
C = {xC/ x seja utilizado para o transporte de passageiros e cargas}, muitos tipos
de carro ficariam de fora, e ainda incluiríamos tantos outros meios de transporte que
não são carros, como navios, aviões.
C = {xC/ x transporte alguma coisa} Não chamamos um entregador de pizza de
carro.
na linguagem geométrica euclidiana, isto não acontece. Se nos
referirmos a uma palavra, ou figura geométrica, somos capazes de formalizar este
conjunto, pensar em seus elementos e determinar a característica comum. Aqui cada
palavra tem uma definição clara, cujos elementos da extensão desta palavra têm uma
característica comum determinada. Se dissermos: retângulo, falamos do conjunto de
todos os retângulos, de todas as figuras que obedecem à definição, e deste modo tal
conjunto será formalizável. Por exemplo: se a definição de retângulo for um
paralelogramo cujos lados opostos têm a mesma medida e cujos ângulos internos são
retos, estaremos incluindo qualquer retângulo que pudermos imaginar, e nenhum
outro elemento que não tenha tais características poderá ser incluído.
Na linguagem álgebrica é diferente, pois os objetos do conjunto o
os próprios símbolos, ou seja, a álgebra é altamente formalizável.
Podemos observar isso na definição de Máximo Divisor Comum (MDC), que pode
ser assim formalizada:
Sejam a, b e c números inteiros não nulos, dizemos que c é um
divisor comum de a e b se c divide a (escrevemos c|a) e c divide b
(c|b). Chamaremos D(a,b) o conjunto de todos os divisores
comum de a e b.
mdc(a,b) = max {m / m pertença ao conjunto D(a,b)}.
D(a,b) = { c Z*/ a e b Z*, c|a e c|b).
O segundo aspecto é o da intensão de um conceito, ou seja, a
compreensão do conceito que diz respeito às características comuns e constitutivas
102
do objeto a que o conceito se refere. A preocupação de Thom aqui em relação à
matemática, é com o fato dos objetos matemáticos terem sua existência vinculada a
uma teoria, dificultando seu acesso intuitivo. Como nos favorecer da intuição para
objetos como vetores?
Na linguagem comum novamente o sentido de uma palavra é vago,
pois as características atribuídas não estão bem definidas, podem variar muito.
Vimos isto no exemplo do carro, ao falarmos a palavra carro, dependendo do
contexto, poderá ser compreendido como carro de boi ou carro esporte, e o
significado, imagem e características são bem diferentes.
na geometria o significado da palavra é muito claro, ao falarmos,
por exemplo, em retângulo a intuição, a imagem de um retângulo, nos vem
imediatamente à mente.
Para Thom a linguagem algébrica não tem sentido, não tem
significado. É apenas uma forma de operar.
O terceiro aspecto é a sintaxe, ou seja, “o sistema de regras que
estabelece a possibilidade de combinação dos termos de uma linguagem na
construção das sentenças”.
115
Sua preocupação neste terceiro ponto é com a
complexidade das funções operativas de um sistema.
Aqui o quadro se inverte, pois Thom considera que a língua comum
tem uma sintaxe pobre porque mesmo obedecendo às regras sintáticas nem tudo que
se produz é aceitável. Um exemplo: “Ervilhas vermelhas dormem no bosque”, é uma
frase sintaticamente correta, mas não tem nenhum sentido.
Isso não ocorre na linguagem geométrica, onde a sintaxe são as
regras que descrevem todas as posições de figuras no espaço e os seus movimentos,
ou na linguagem algébrica cujas regras são os axiomas. Tanto sintaxe geométrica
como a algébrica são ricas, pois as possibilidades de combinar estas regras são
ilimitadas.
As três linguagens estão presentes nos textos matemáticos dos livros
didáticos. Suas características a tornam mais ou menos apropriada ao objeto
115
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 1996
103
matemático a ser tratado. No entanto, na maioria dos casos é possível um tratamento
deste objeto com mais de uma linguagem, o que nos traz a vantagem de trabalhar
com uma complementaridade dos aspectos de extensão, intensão e sintaxe, ou seja,
de elementos, características e estrutura.
Ao observarmos a comparação das três linguagens feita por Thom,
podemos perceber que a linguagem geométrica é uma linguagem intermediária,
entre a linguagem comum e a linguagem algébrica. Ela apresenta a vantagem de que
a classe de equivalência de um termo geométrico é formalizável, ou seja, somos
capazes de descrever as características do objeto designado e esta descrição
independe do contexto em que é utilizada, como por exemplo na linguagem comum,
onde a palavra manga pode ser utilizada tanto para designar uma fruta como para
designar um elemento de uma peça do vestuário, ou ainda num sentido metafórico.
Seu sentido é tão claro quanto na linguagem comum, a palavra logo nos remete a
uma intuição espacial do objeto correspondente. E ainda, com base num pequeno
número de conceitos é capaz de descrever um número ilimitado de transformações.
Assim, apesar da Geometria se apresentar então como uma
linguagem em que alia as vantagens da linguagem comum e da linguagem algébrica,
ela não é a que predomina na escola. Ou melhor, a questão é: ela não é preferida
nem por professores nem por alunos. Quando o ensino da matemática, no decorrer
de um ano letivo se concentra no campo geométrico, ainda assim não se percebe
qualquer manifestação sobre uma “mudança” de opinião quanto à linguagem
matemática. O processo ensino aprendizagem centrado na geometria não causa uma
melhoria no entendimento ou na relação do aluno com a matemática. Ensinar e
aprender geometria não é significativamente, nem mais fácil, nem mais difícil do
que álgebra.
No entanto, a associação destas linguagens pode de alguma forma
minimizar aspectos desfavoráveis de uma e de outra. Utilizar a geometria como um
degrau para a compreensão do formalismo algébrico é uma proposta que se baseia
no fato de que a falta de sentido da álgebra possa ser compensada pela clareza de
sentido da geometria. Assim, legitimar geometricamente “emprestaria” um sentido
para a formalização algébrica. Esse é o caso da utilização da área de figuras planas
104
para legitimar transformações algébricas, assim a identidade (a+b)²=a²+2ab+b² é
legitimada não pela propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição,
mas como a equivalência entre a área de duas figuras congruentes.
É possível especular sobre uma quarta linguagem, não abordada por
Thom, a linguagem aritmética. Esta é a linguagem com que começamos na escola,
que tem os números como base. Historicamente também temos um período,
chamado de Aritmetização da Análise, onde os números, em particular os números
inteiros, foram a alternativa para tornar a matemática mais concreta, com
significados concretos, afinal existe coisa mais concreta na matemática do que os
números? Essa língua aritmética então tem sentido e significado.
Existe uma questão complicada entre a aritmética e a álgebra escolar,
pois a álgebra da escola é caracterizada como uma generalização da aritmética.
Assim, a álgebra fica parecendo se resumir à sintaxe da aritmética. Isso é apenas
uma parte muito reduzida de todo o potencial que tem a álgebra.
105
3.2.2 – O uso das três linguagens da matemática no texto.
Observe o texto:
Fig.4 – Representações do problema da altura da montanha
116
Neste exemplo aparecem nitidamente os três tipos de linguagem. A
língua cotidiana descreve a situação, de forma bem coloquial, representada
esquematicamente pelo desenho e suas formas geométricas, completando aspectos
que não ficaram explícitos no texto, como o ângulo de 90°, devido à projeção
ortogonal. Já na representação esquemática aparecem as variáveis h e x.
Ao ler o problema apenas em linguagem coloquial não temos
imediatamente a imagem da situação, e sem ela, fica mais difícil intuir a estratégia
de resolução que podemos usar. O problema foi então resolvido usando a linguagem
116
BIGODE, Antonio José Lopes. Matemática 6ª série. P.206
106
algébrica, que em termos de estrutura e síntese é mais adequada ao trabalho com as
operações.
A interpretação, em linguagem coloquial, do resultado h565,74m, e
as possíveis considerações acerca da resposta a ser dada, como por exemplo a
precisão do resultado encontrado não foram indicados.
Um outro exemplo da importância do uso de diversos tipos de
linguagem para representação de um mesmo objeto está na seguinte situação. Muitas
crianças sabem definir um quadrado e um losango (pipa). Determinam bem suas
características, no entanto, se mostram surpresos quando erram na denominação da
figura: Um exemplo comum é a surpresa e resistências das crianças em admitir que a
figura seja um quadrado, no caso é a sintaxe, as transformações no plano, que
garante que e são iguais.
Isso se deve ao fato de levarmos em consideração não apenas a
figura, mas como ela é colocada no espaço. Quanto mais se tem experiências
relacionadas aos tipos de transformação das figuras no espaço, mais apto se estará a
considerá-las.
A mistura dos três elementos nos textos didáticos mais o recurso dos
diagramas se constitui numa ferramenta exploratória potente, oferecendo subsídios
para utilizar o texto não como registro dos passos para as atividades, mas para dirigir
as atividades de modo a proporcionar a interação entre cognição e comunicação.
A leitura do texto escrito é linear, hierarquizada. Temos uma direção
determinada, uma seqüência. Infelizmente as figuras, imagens, desenhos tem sido
encaradas por professores e alunos como representação simples e estática, meros
acessórios, que estão presentes apenas a título de ilustração.
107
4. COMO APERFEIÇOAR UM TEXTO
E COMO NÃO FAZÊ-LO
Como comunicar o sentido de um objeto matemático por meio de sua
representação? Como comunicar o sentido de um símbolo? Essa é uma questão
fundamental para a educação matemática, considerando que a ação didática é
essencialmente apoiada na comunicação, seja o processo de comunicar realizado por
meio de textos didáticos, nos quais os conteúdos matemáticos são “expostos” e
“explicados”, ou realizado pelo professor em sala de aula.
A comunicação do professor tem como objetivo explicar o conteúdo.
O “explicar” em si já traz controvérsias, pois para a matemática como ciência,
explicar é descobrir as leis capazes de dar conta de um fenômeno, ou seja, usar o
geral e o abstrato para explicar o particular e concreto. Isso acontece, por exemplo,
com a explicação do fato de que 2+2=4. Os Axiomas de Peano nos quais se baseiam
tal explicação são complexos e formais. Uma lei abstrata e geral para explicar um
fato simples e concreto.
“explicar” uma coisa em sala de aula significa reproduzi-la
discursivamente, na mente e no discurso, desdobrando-a, ou seja, traduzindo-a
oralmente. No entanto, a maior ênfase da matemática está nas formas, nas estruturas,
e essas não podem ser traduzidas oralmente, elas podem ser mostradas. Estas
formas e estruturas não carregam em si um sentido, uma intensão, ou seja, elas não
trazem explícitas quais as condições ou propriedades que fazem ou que tornam
outras estruturas semelhantes a ela. Por exemplo, a matriz é uma forma de dispor
elementos em linhas e colunas. É uma forma com a qual podemos operar. Mas uma
matriz não torna explícita as características dos elementos que podem ser assim
representados.
108
Mas ainda existe uma outra questão: o aluno percorre o seu próprio
caminho para a formação de conceitos. Podemos mostrar uma estrutura, dizer a ele: -
Olhe!, chamar a atenção sobre alguns aspectos, mas o processo de abstração, de
generalização e por fim o entendimento são processos individuais, construídos “na”
e “pela” mente da própria pessoa. O problema é que o aluno precisa “ver” algo, mas
não se pode fazer outra pessoa ver. Popularmente dizemos: pode-se levar o cavalo
até a água, mas é ele mesmo que tem de beber.
Na educação matemática isso não ajuda muito, os objetos
matemáticos geralmente não são passíveis de serem apontados como coisas
concretas, e neste aspecto a intuição é algo fundamental na matemática, pois ela
pode deflagrar e conduzir o processo de abstração. Mas a observação que nos instiga
a intuição é sempre sobre objetos particulares, sobre fatos particulares e não gerais.
Por outro lado, a língua comum que domina nossa comunicação
depende muito das experiências que temos. Para que haja uma boa comunicação,
para que a mensagem que chega ao destinatário seja a mais fiel possível à intenção
do locutor, é necessário que os códigos de linguagem utilizados façam parte das
experiências de ambos. Na verdade, essa característica dificulta muito a
comunicação de coisas novas, sobre as quais o destinatário não tem nenhuma
experiência anterior. O mais comum nesses casos é a utilização de metáforas, a
maior parte das palavras novas começam como metáforas e só depois a gente
esquece seu significado original e as entende literalmente. Elas funcionam como um
tipo de ícone, ou seja, como imagens que trazem a nossa mente relações conhecidas
que se transferem para situações desconhecidas. Quando fazemos a transferência
temos então uma primeira experiência, e sobre essa primeira experiência podemos
começar a nos comunicar.
Assim, podemos perceber que se por um lado temos as necessidades
da comunicação, como por exemplo a de experiências anteriores e de explicar tudo,
por outro lado temos a matemática com uma série de coisas novas, em que o aluno
nunca teve uma experiência prévia e inúmeras situações onde a estrutura precisa ser
“vista”, pois é impossível de ser traduzida.
109
4.1 Comunicação vs representação
John Playfair (1748-1819) em 1808, quando escreveu a resenha da
interpretação geométrica dos números imaginários de Bueé, expressou a diferença
entre a linguagem algébrica e as outras linguagens em relação à comunicação
dizendo:
“A linguagem da álgebra merece a atenção, não apenas dos
matemáticos, mas de todos os filósofos que estudarão a influência
que os signos têm na formação das idéias, e na aquisição do
conhecimento... (Comunicação) é o principal em relação às outras
linguagens, enquanto que em relação à linguagem algébrica é
secundário e acidental. ... Além disso, na linguagem algébrica, o
que é mais curioso... é a aplicação de expressões imaginárias para
a investigação de teoremas, onde a verdade, algumas vezes, é
descoberta apenas com a ajuda dos signos, sem qualquer auxílio
das idéias que eles representam”.
117
Assim, se por um lado a linguagem algébrica não tem, como as outras
linguagens, uma vocação para a comunicação e narração, por outro lado desempenha
um papel fundamental em relação à representação e reificação dos objetos. O fato da
manipulação dos signos na linguagem algébrica nos levar a novas descobertas, como
por exemplo, novas relações entre estes signos, sem o auxílio de qualquer idéia do
que representam é justamente o que poder à essa linguagem, e o que a diferencia
das outras.
Podemos aprender coisas novas acerca de uma situação, por meio da
narração em língua materna. Entendemos e damos não sentido, mas também
referência a cada signo utilizado. Quando isto não acontece, nós paramos a narração
e pedimos explicação. Se vai me contar um fato e começa dizendo: O João saiu de
casa logo depois do almoço, eu interrompo e pergunto qual João, pois não conheço
nenhum. Sem saber quem é o João, a informação nada me diz. Depois de esclarecido
a respeito de que pessoa estamos realmente falando, a narração segue: Pegou sua
pelota e acabou fazendo o maior estrago na porta de entrada do edifício. Como não
sei o que significa a palavra pelota, não para se ter uma idéia do que ocorreu,
117
PLAYFAIR, John. The Edinburgh Review, April 1808, 306f, apud OTTE, Michael. Certainty,
Explanation and Creativity in Mathematics. final draft plenary lecture PME31, Seoul 2007
110
mesmo que o narrador esteja usando corretamente a sintaxe da língua. A menos que
seja explicitado que uma pelota significa uma bola de futebol, e que o estrago ao
qual o narrador se refere é a quebra do vidro da porta de entrada do prédio, não vou
poder inferir que ele pode ter quebrado o vidro da porta de entrada do prédio ao
jogar a bola dentro do hall de entrada.
Na linguagem algébrica isso não ocorre. É possível “falar” sobre
coisas da qual não temos uma referência, e ainda assim descobrir coisas novas sobre
elas. Podemos mostrar parte dessa idéia com uma matemática escolar bem
elementar, a resolução de problemas por meio de equações. Quando ao ler o
problema determinamos que x representa o número de pessoas e modelamos a
situação como 3x + 2 = 42 – x. Após a modelagem não pensamos mais em “número
de pessoas”, nos concentramos apenas nas transformações algébricas permitidas pela
sintaxe dessa língua. Transformação após transformação vamos fazendo novas
relações, até chegarmos na relação x = 10. nesse momento, é que nos voltamos
novamente ao problema e vamos interpretar esse x=10 dentro do contexto dado. E
isto não acontece somente com o cálculo simbólico com as letras da álgebra se
referindo a quantidades numéricas, mas em qualquer sistema de símbolos no qual
ocorra um cálculo simbólico.
No desenvolvimento do conhecimento matemático, o que é mais
importante são as relações expressas entre os signos, e não as suas referências, que
muitas vezes nem são possíveis de determinar, dada a generalidade das operações.
4.2 O contraste entre comunicação e representação
De modo geral, o termo ‘comunicação’ é usado para designar
qualquer ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens. Para ECO um
processo comunicativo é definido como: “[...] a passagem de um Sinal ... de uma
111
Fonte, através de um Transmissor, ao longo de um Canal, até um Destinatário (ou
ponto de destinação)”.
118
Assim, uma comunicação é na verdade a transmissão de uma
informação, e esta é avaliada em função do efeito que ela tem no receptor. É como
uma máquina: se eu colocar a chave na ignição e a virar o carro ‘entende’ e começa
a funcionar. A informação “ligue o motor” que está sendo dada à máquina é
“entendida” a partir do momento em que o motor entra em funcionamento. No
entanto, não necessidade de nenhum processo de significação por parte do
destinatário. O que importa na comunicação é a reação do receptor.
“Num processo máquina a máquina, o sinal não tem nenhum
poder ‘significante’: ele pode determinar o destinatário sub
specie stimuli. Não existe significação, embora se possa dizer
que existe passagem de informação”.
119
ECO nos apresenta um modelo comunicacional simples, no qual é
fácil perceber os elementos da comunicação e as noções de Rumor (ou ruído),
Código e Redundância.
“É preciso saber, embaixo no vale, quando uma represa situada
no alto, entre dois montes, e regulada por um dique, atinge
determinado nível de saturação, a que chamaremos ‘nível de
perigo’. [...] uma série de informações podem ser transmitidas da
represa, a qual constitui assim a FONTE da informação.
Suponhamos agora que um técnico instale uma bóia na represa e
ela, atingido o nível crítico acione um aparelho TRANSMISSOR
capaz de emitir um SINAL elétrico que viaje através de um
CANAL (um fio) e seja captado por um RECEPTOR no vale. O
receptor converterá o sinal elétrico numa série de outros eventos
mecânicos que constituem a MENSAGEM chegada ao aparelho
de destinação”.
120
Entre o transmissor e o receptor o artifício que garante que a
mensagem chegue à destinação e que a resposta esperada seja dada, no caso acima
pode ser, por exemplo, o acionamento da válvula que abra a comporta para que o
excedente de água escoe, ou um sinal de advertência para a sala de segurança, é
justamente o CÓDIGO.
118
ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. 2007, p.5
119
Ibid., p.6
120
ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. 2007, p.26
112
O código estabelecido é de forma binária, sim ou não, ligado ou
desligado, passa corrente elétrica ou não passa corrente elétrica. Assim o código
poderia ser +A ou -A, onde +A é o sinal emitido quando a bóia atinge o nível que
sensibiliza o aparelho transmissor.
Mas essa transmissão está sujeita a um RUMOR, ou seja, a algum
tipo de interferência no sinal elétrico, que comprometeria a recepção da mensagem,
tornando-a equivocada ou impossível. Mediante essa possibilidade, faz-se necessário
complicar o código. ECO
121
sugere pensar na recepção como lâmpada acesa e
lâmpada apagada. Para complicar o código inclui mais duas lâmpadas, denominadas
agora A, B, C e D, nessa ordem, gerando mais combinações, e agora definindo que
acesas as lâmpadas AC = vel de segurança e BD = nível zero. Certamente que isto
onera os custos, no entanto, torna a transmissão da informação mais segura.
Esse incremento no código, ou seja, dizer com AC o que poderia ter
sido dito por apenas “nenhum sinal” e BD por apenas uma lâmpada acesa +A, é
chamado de REDUNDÂNCIA.
“Introduzi, assim, no código, elementos de “redundância”: o uso
de duas lâmpadas opostas a outras duas, para dizer o que podia
ser dito com uma simples alternância de aceso-apagado numa só
lâmpada, permite-me reiterar a mensagem, apoiá-la numa forma
de repetição”.
122
A redundância, além de tornar a mensagem mais segura também
provoca a ampliação do número de possíveis informações, que aumenta muito o
número de combinações. No sentido de que a redundância usa dois elementos para
comunicar o que poderia ser comunicado por um apenas, podemos concluir também
que quanto maior for a redundância, menor será a informação, pois estou usando
muitos elementos diferentes para comunicar uma mesma informação.
A redundância é então o meio mais simples de obter um sistema de
alta disponibilidade. Na teoria da informação redundância de interfaces de rede, de
CPUs, de servidores, de fontes de alimentação interna mantém o perfeito
funcionamento do sistema mesmo em caso de falhas de componentes ou sobrecargas
121
ECO, Umberto. A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. 2007, capítulo 1.
122
Ibid., p.7
113
do sistema. A redundância numa Base de Dados, diz respeito à repetição não
necessária dos dados nela contidos. Deste modo podemos concluir que quanto maior
for a redundância menor a quantidade de informação por um mesmo custo.
A agora a idéia era de uma máquina como destinatário.
Suponhamos agora, trocar essa máquina por um ser humano. Nesse momento,
saímos do âmbito dos sinais para entrar no universo do sentido.
Isso porque digamos que esse homem receba o sinal BD, codificado
como “nível zero” “Perigo”. Nesse momento em que ele receber o sinal,
provavelmente não se limitará a receber a informação e automaticamente executar
uma ação programada. Junto com a reação desejada para a informação nível zero”
também outras reações não previstas ocorrerão.
“O símbolo ABC (no nosso exemplo BD), puro evento físico, na
verdade, além de ser para ele o significante do significado
denotativo “nível zero”, também lhe conota “perigo”. O que não
acontecia com a máquina: a máquina recebia ABC e, segundo
instruções, reagia devidamente; recebia uma informação mas não
um significado: a máquina não sabia o que significava ABC, não
compreendia nem “nível zero” nem “perigo”.
123
Assim, instaura-se um processo de significação, onde o sinal agora é
uma forma de significante que o destinatário humano terá de suprir de significado.
No nosso caso, o significante ABC denota (relação direta e unívoca) um significado:
“nível zero”; e o conota (interpretação do destinatário humano) “perigo”.
Podemos fazer um paralelo entre essa situação apresentada por Eco e
a de nosso processo de ensino. Muitas vezes na escola, ao comunicarmos um objeto
matemático, na verdade estamos passando uma informação e desejamos que o nosso
aluno reaja como intencionamos. Isso nada tem haver com o processo de
significação. Como nosso aluno significará tal informação não é levado em
consideração, o que interessa é, por exemplo, se ele consegue reproduzir o algoritmo
informado.
Na maioria das vezes, pela mesma economia de custos que rege a
formação dos códigos, nos abstemos da redundância na ansiedade de “dar” um
123
ECO, Umberto. A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. 2007, p.20.
114
número maior de informação. Quando fazemos isso estamos saindo do campo dos
sentidos. É nesse aspecto que podemos dizer que existe uma contradição entre
comunicação e representação.
Esta contradição está justamente no fato de que a comunicação tem
uma informação mais direta tanto quanto menor for a sua redundância, e que na
educação matemática esta redundância é necessária se quisermos adentrar ao
universo da significação. A construção de significados necessita justamente de
redundância, ou seja, um número o maior possível de representações de um mesmo
objeto matemático na intenção de que com a passagem de uma representação para
outra o aluno tenha a oportunidade de abstrair os conceitos formando os
significados. Se por um lado a informação com menos redundância é mais direta e
unívoca, por outro lado compromete o entendimento.
A redundância é algo necessário no ensino. Podemos considerar dois
extremos: o excesso de redundância que pode ser exemplificado com o uso de
algumas metáforas, como o gráfico de setores, por exemplo, que geralmente são
chamados de “gráficos de pizza”. São tão redundantes que não apresentam nenhuma
novidade, nenhum informação adicional, reduzem o novo conhecimento ao
conhecimento antigo. Por outro lado, temos a escassez de redundância, que acaba
por reproduzir o processo máquina a máquina, onde o professor emite um impulso
para que o aluno reaja como intencionado.
Portanto, o sucesso dessa comunicação em sala de aula depende
consideravelmente deste aspecto da redundância, da complementaridade entre
comunicação e significação.
115
4.3 Comunicação vs representação e a melhoria de um texto
matemático
Associamos ao conteúdo matemático o seu caráter genérico, ou seja,
sua tendência à generalização. Essa generalização pode ser entendida de diversas
maneiras, como uma tendência a dar uma forma, a uma lei geral que se estenda a
toda uma classe de objetos, ou em termos mais próximos de nossa realidade
cotidiana, de encontrar uma regra.
Considerando que o conhecimento esteja apenas relacionado à
linguagem e à comunicação, essa tendência de generalizar em matemática acaba por
separar a forma do conteúdo. A língua materna serve para comunicar, explicar um
conhecimento, e a língua matemática (a algébrica em particular) serve para
representar as coisas, para indicar a forma. Para OTTE,
“Teorias de verdade são de pouca ajuda para entender como
usamos nossa linguagem ou textos. Na realidade, quando nós não
entendemos um texto, é mais freqüente que isso seja um
problema de contexto, intenção ou relação, do que um problema
de significado. O que impressiona as pessoas sobre os textos
matemáticos é, em particular, como o aparecimento da coerência
racional pode ser derivada de fundamentos essencialmente
arbitrários”.
124
Entender se os juízos contidos no texto são verdadeiros ou não, e em
que termos, não nos auxilia a compreender o que está escrito. Quando não
entendemos o significado de um texto, geralmente essa incapacidade não está
relacionada aos objetos aos quais o texto se refere, mas indica que não captamos, ou
melhor, não estamos inseridos no contexto em que se realiza o texto; ou nos faltam
os conceitos representados pelos signos ali mencionados; ou por não conseguirmos
relacionar o que esta sendo ‘dito’ com outros aspectos que já conhecemos.
A idéia de melhorar um texto matemático, talvez parta da intenção de
tornar mais explícito o contexto, os conceitos subjacentes e necessários à
compreensão, ou o que acho que é feito com mais ênfase, colocar no próprio texto
124
OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994
116
aspectos que nos induzam a relacionar o que está sendo ‘dito’ com algo que já nos
seja familiar, para que as ligações entre o novo e o que conhecemos possam ser
feitas mais imediatamente.
Com o objetivo de melhorar os textos para torná-los otimamente
legíveis, surgem vários sistemas, métodos e prescrições para a confecção de textos
didáticos de matemática. OTTE nos apresenta o Mathematik Verständlich Erklären
(Schulz von Thun e Götz)
125
, um típico e amplamente difundido exemplo de tal
sistema que também inclui um programa de treinamento especial para autores. Na
coleção de exercícios que acompanham este curso, também duas variantes de um
texto no tópico de Segmentos Comensuráveis do famoso livro O que é Matemática?
de Courant & Robbins
126
, e uma ‘melhoria’ desenvolvida pelos autores deste
programa de treinamento.
Estas duas versões foram testadas empiricamente, a segunda versão
que tinha sido otimizada de acordo com o sistema, obteve julgamentos
consideravelmente melhores dos avaliadores. Geralmente ao se apresentar os dois
textos para grupos de professores de matemática envolvidos com o e graus, se
confirma quase unanimemente que a preferência é pelo segundo texto, com o
argumento de que é bem melhor de ser lido, mais claro.
O texto didático com o objetivo da legibilidade ótima seria
caracterizado por evitar variáveis, fórmulas e diagramas; por contar com clareza e
objetividade. Deste modo se conseguiria minimizar a dificuldade encontrada pelos
leitores de textos matemáticos em relação à presença de grande variedade de
sistemas de representação e da estranheza comum à simbologia. O texto matemático
perderia aquelas características que o fariam rapidamente reconhecidos, mas tornar-
se-ia de fácil leitura, pois estaria mais próximo de um texto comum, que conta
apenas com a linguagem e elementos próximos ao cotidiano dos alunos.
A seguir apresentamos o texto original que é o da Introdução do §2.
Segmentos Incomensuráveis, números irracionais e o conceito de limite, página 70
125
Schulz von Thun e Götz. Mathematik Verständlich Erklären (1976) in OTTE, Michael.
Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994.
126
COURANT,Richards e ROBBINS, Herbert. O que é Matemática?. 2000.
117
do livro de Courant e Robbins: O que é Matemática?, e que explica o que é um
segmento comensurável, como segue:
E a seguir o texto apresentado como uma melhoria:
Ao comparar as magnitudes de dois segmentos de reta a e
b, pode ocorrer que a esteja contido em b um número r,
inteiro, exato de vezes. Neste caso, podemos expressar a
medida do segmento b em termos da medida de a, afirmando
que o comprimento de b é r vezes o de a. Ou pode resultar
que embora nenhum múltiplo inteiro de a seja igual a b,
podemos dividir a em, digamos, n segmentos iguais, cada um
de comprimento a/n, de tal forma que algum ltiplo m
inteiro do segmento a/n seja igual a b:
(1) b = m/n . a
Quando uma igualdade da forma (1) é válida, dizemos
que os dois segmentos a e b são comensuráveis, uma vez que
eles tem como medida comum o segmento a/n que está
contido n vezes em a e m vezes em b.
| | | | | | | | |
- 2
-5
/
3
-1 0 1 ½ 2 3
Figura 9: Pontos Racionais
“Dizemos que dois segmentos são comensuráveis se
tem uma medida comum. O que significa dizer ter uma
medida comum?
Supomos que um segmento tenha 3cm e outro 9cm.
Esses dois segmentos são comensuráveis. A medida
comum é 3cm, que cabe 1 vez no primeiro segmento e
exatamente 3 vezes no segundo.
Supomos que um segmento tenha 6cm e outro 10cm.
Esses dois segmentos são comensuráveis. A medida
comum é 2cm, que cabe 3 vezes no primeiro segmento e
exatamente 5 vezes no segundo.
Mesmo para dois segmentos, como por exemplo,
1,67cm e 4,31cm, é fácil encontrar uma medida comum:
0,01cm, que cabe 167 no primeiro e 431 vezes no segundo.
O que esses exemplos estão nos mostrando? Dois
segmentos são comensuráveis se um deles (ou uma fração)
está contido dentro do outro, sem resto.”
118
De fato, considerando apenas o aspecto da pura legibilidade, o texto
melhorado é muito bom. É um texto claro, direto, deixa muito pouca margem para
dúvidas, e com o encadeamento das idéias como se fosse uma demonstração, uma
prova. A eliminação dos diagramas e variáveis do texto original dá uma sensação de
familiaridade ao texto, tornando-o mais próximo do que nos acostumamos a ver no
dia a dia.
O texto original baseava-se em segmentos de reta quaisquer, e a idéia
era apresentada de forma bastante geral, auxiliada pelas variáveis. No texto
melhorado, estes segmentos de reta foram substituídos por relações entre números
decimais finitos. Esta troca aparentemente ideal, que as medidas em números
decimais finitos são familiares e corroboram com a idéia geral do senso comum de
que matemática é sobre cálculos e medidas, na verdade faz desaparecer todas as
possibilidades de se cogitar a incomensurabilidade.
As relações entre números decimais finitos, que aparecem desde o
início do texto, estabelecem a certeza de que sempre vai existir uma medida comum.
Em nenhum momento, dentro do texto melhorado, se tem a mais remota chance de
suspeitar que não exista uma medida comum, portanto, deixa implícito que todos os
segmentos serão sempre comensuráveis. Considerando que o objetivo do assunto é
estudar a incomensurabilidade, podemos afirmar que o objeto matemático que se
quer ensinar de alguma forma desapareceu quando a substituição foi efetuada.
Em outras palavras, enquanto se pode dizer que é comensurável,
não se pode mostrar o incomensurável. O objeto do texto original
não consiste em uma circunscrição definitiva de
comensurabilidade, mas foi ocasionado pelo problema da
incomensurabilidade que continua causando surpresa,
especulação e contemplação desde a Antiguidade. Este é o
próprio objeto matemático. O fato de que a busca de uma medida
comum poderia nos levar a um processo sem fim, infinito! Os
leitores do texto melhorado estariam corretos assumindo que dois
segmentos de reta são sempre comensuráveis, isto é, sempre terão
uma medida comum. A respeito desta questão eles não poderiam
obter nenhuma informação do texto melhorado. Mostrando uma
coisa, a versão ‘melhorada’ esconde a outra, justamente aquela
que é o seu propósito.
127
127
OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994
119
A pergunta seria, o que no texto original nos o acesso, a
possibilidade de pensar que não é possível encontrar sempre uma medida comum? A
resposta é justamente o que foi “condenado”, ou seja, a generalidade, as variáveis o
a representação visual.
As variáveis e diagramas no texto original representam um tipo
de metáfora por meio da qual uma distinção ou limitação torna-se
imaginável, ao invés de mostrar apenas um lado da situação
.
128
Como o texto original mostra que a busca de uma medida comum
pode nos levar a um processo infinito? Pelo simples fato de que precisamos pensar
nos elementos que são capazes de satisfazer à essa condição expressa genericamente
pela equação (1) b = m/n . a . O segmento a cabe r vezes em b? Para todo b
escolhido sempre vai existir o a ou uma fração de a?
A idéia da incomensurabilidade só pode ser acessada durante um
processo. Nãocomo apreender diretamente o assunto. Se assim fosse, as pessoas
que acham o segundo texto melhor, como se pudéssemos apreender a idéia da
incomensurabilidade diretamente, não teriam porque rejeitar diagramas geométricos.
Assim, mostrar a incomensurabilidade usando a visualização do processo de
verificar se o lado de um pentágono e a sua diagonal são comensuráveis, ou seja, se
existe uma medida comum, nos mostra o processo recursivo, de auto-similaridade,
em cada vez surge um novo pentágono, sempre semelhante ao inicial, nos levando a
percepção de que é impossível achar uma medida comum. “A invariância sobre a
semelhança geométrica demonstra visível e diretamente que o lado e a diagonal não
tem nenhuma medida comum”.
129
É bem verdade que nenhum processo nos leva a descobrir a
incomensurabilidade. O que ocorre é que o processo favorece, desencadeia uma
reflexão sobre a atividade de buscar uma medida comum. Não é a atividade em si
que nos faz perceber a incomensurabilidade, mas a reflexão sobre ela, sobre o
processo recursivo que se estabelece.
128
OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994
129
OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994
120
Assim, o que nos leva a pensar na incomensurabilidade é a atividade
mental gerada pela procura de uma medida comum entre os segmentos. Esta
atividade simplesmente não acontece no texto melhorado.
A pergunta que fazemos é: se a linguagem matemática, com seus
símbolos, surgiu exatamente da necessidade de representação de seus objetos, como
seria possível prescindir de sua linguagem para comunicar os conceitos
matemáticos?
O exemplo dos incomensuráveis nos mostra o cuidado que
precisamos ter quando tentamos “melhorar” a legibilidade de um texto matemático,
a linguagem matemática é uma linguagem própria e tem sua função, elimina-la
significa destituir o texto de melhores representações dos objetos estudados. O que
pode resultar numa total perda do objeto matemático, como efetivamente aconteceu
no exemplo dado.
4.3.1 A idéia da incomensurabilidade
A idéia da incomensurabilidade é um caminho para introduzir os
números irracionais. A grande problemática deste conteúdo - Números irracionais”
está em dar uma definição para o aluno. O que é um número irracional?
Geralmente, a resposta a esta pergunta é: “um mero irracional é aquele que não é
racional”. Esta resposta não é positiva, uma vez que não explicita, não determina,
não diz efetivamente o que é um número irracional.
O encaminhamento deste conteúdo geralmente parte da idéia da
existência de segmentos incomensuráveis, mostrando que a diagonal do quadrado é
incomensurável com seu lado, ou por meio do processo recursivo do pentágono ou
do quadrado, mas não o definem positivamente. Mostrar a existência não é defini-lo.
Melhorar um texto matemático sobre a irracionalidade a partir da
incomensurabilidade deveria ter como objetivo reconstruir o texto colocando a
comensurabilidade e a incomensurabilidade em um mesmo nível, e não definindo
121
segmentos incomensuráveis, como aqueles segmentos que não são comensuráveis.
Ou seja, definir incomensurabilidade de maneira positiva. O ponto de partida
escolhido por muitos autores para introduzir a incomensurabilidade e as idéias de
número irracional e infinito é definir comensurabilidade e incomensurabilidade a
partir da idéia de que:
- Medir é contar “quantas vezes” a unidade cabe exatamente naquilo a ser medido.
Quando essa quantidade de vezes é um número racional dizemos que os segmentos
são comensuráveis, quando essa quantidade de vezes é um número irracional
dizemos que os segmentos são incomensuráveis.
Nesse momento estou associando a idéia de comensurabilidade a
números racionais e a incomensurabilidade a números irracionais. O que me cria um
outro problema, pois freqüentemente o número irracional também é definido
negativamente, ou seja, “número irracional é aquele que não é racional”, como
fizeram os Pitagóricos desde a descoberta de sua existência.
Se conseguir mostrar o número irracional positivamente, terei
conseguido mostrar a incomensurabilidade positivamente também, pois posso usar
desta linguagem e fazer a comparação, ao invés da negação.
Podemos assumir que todos os números são frações decimais:
0,a
1
a
2
a
3
... , e dizer que os racionais são os infinitos e periódicos ou finitos, e que os
irracionais são os infinitos e não periódicos. Mas então surge o problema
representado pelos “...”, como caracterizar o mero, como determinar o próximo
decimal? No caso dos números racionais temos sempre um algoritmo que vai
determinar qualquer casa decimal que se deseje, as frações periódicas podem ser
tratadas por meio de séries.
Uma alternativa poderia ser o uso dos números computáveis, ou seja,
encontrar um algoritmo que fosse capaz de gerar os números irracionais.
Conhecemos alguns algoritmos que geram, por exemplo, o número de Euler ”,
que é um número irracional importantíssimo por sua larga utilização no campo
científico.
122
Esta alternativa, no entanto, deve começar a ser trabalhada com
atenção em duas questões iniciais: primeiro de que a maior parte dos meros não
são computáveis, e segundo, que mesmo determinando um algoritmo que possa
construir um número irracional um computador não trabalha com a idéia do infinito.
Todo programa é escrito num alfabeto finito, em tamanho finito, de modo que o
conjunto de todos os programas de computação possíveis é um conjunto
enumerável, ou seja tem a cardinalidade dos números naturais.
Mesmo que fossem utilizados processos aleatórios para o
preenchimento dos “...”, por exemplo, pegando um decaedro, de modo que cada
jogada preenchesse a próxima casa decimal, este seria um processo demorado e
imprevisível, pois não tenho uma lei, um algoritmo, e não pode ser realizado por um
computador.
O texto do livro do Courant & Robbins apresenta os números
irracionais por meio das frações decimais e decimais infinitas; por intervalos
encaixados e pelo corte de Dedekind. A questão é: a existência do ponto que
corresponde o número irracional está respaldada por um postulado, e um postulado é
uma proposição cuja verdade já está pressuposta.
Uma outra forma de apresentação está presente no livro Conceitos
Fundamentais da Matemática, de Bento Jesus Caraça
130
. O autor procura o caminho
da construção dos conjuntos a partir das idéias do Princípio da Extensão, Princípio
da Economia, manutenção das Propriedades Formais. Começa pela construção do
conjunto dos números naturais a partir da idéia de contagem. Passa para os
problemas de medição. Aqui ele argumenta a ampliação dos números naturais como
uma necessidade para responder a questão de que nem toda razão entre um segmento
e a unidade de medida é um número natural. Então amplia o conjunto dos números
naturais para o conjunto dos números racionais. Após a definição de número
racional, lança a seguinte pergunta: É sempre possível encontrar um divisor da
unidade que seja também divisor do segmento ao qual queremos medir? Ele
responde a esta pergunta utilizando-se do clássico teorema de Pitágoras. Ao mostrar
a existência de um número que não é racional trabalha a idéia de infinito e corte de
130
CARAÇA, Bento De Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa: Sá da Costa, 1975
123
Dedekind-Cantor
131
, construindo o conjunto dos números irracionais e
consequentemente o conjunto dos números reais. No entanto, dar a definição de
número irracional como segue: “chamo número real ao elemento de separação das
duas classes dum corte qualquer no conjunto dos meros racionais; se existe um
número racional a separar as duas classes, o número real coincidirá com esse
número racional; se o existir tal número, o número real dir-se-á irracional”,
também o faz num sentido negativo, ou seja, não diz o que é um número irracional.
Barros na apresentação do livro de Richard Morris Breve História
do Infinito – escreve:
“Em todas as épocas a idéia de infinito parece ter perseguido e
desafiado o poder de compreensão do homem. Embora inevitável,
uma vez que se impunha e se impõe, o infinito, seja ele relacionado
com o infinitamente grande ou o infinitamente pequeno, parece
criar um problema cuja solução está longe de ser encontrada.
Pensar no infinito não como uma figura de linguagem, mas como
algo relacionado com a realidade, não é simples e nos leva a
conclusões muitas vezes inaceitáveis e a outras que nos causam
complexidade, pois pensar no infinito é pensar no incomensurável
dentro de um corpo de conhecimento que se baseia na capacidade
de medir”.
132
A grande dificuldade em se definir a incomensurabilidade e
consequentemente o número irracional positivamente reside no fato de que este
ainda é um assunto aberto. Mostrar a existência de números que não são racionais,
ou a necessidade de se considerar o infinito, como disse Barros, se impõe à
comunidade científica. No entanto, a idéia de incomensurabilidade e, portanto, da
irracionalidade enfrenta obstáculos na mente humana, seja pelo fato de em nossa
vida diária basearmos nossas atividades na comensurabilidade ou ainda na falta de
compreensão do que seja o infinito real.
A definição de infinito trabalhada por Cantor, de que um conjunto é
infinito se pudermos fazer corresponder biunivocamente cada elemento do conjunto
com um elemento de um de seus subconjuntos o levou a resultados surpreendentes.
Pensarmos que um subconjunto é do mesmo tamanho do conjunto no qual está
131
Julius Wilhelm Richard Dedekind, (1831 - 1916), matemático alemão
George Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845 -1918), matemático alemão
132
MORRIS, Richard. Uma Breve História do Infinito. Dos Paradoxos de Zenão ao Universo
Quântico. 1998
124
contido, sabendo-se que estes dois conjuntos não são iguais, contraria nosso senso
comum acerca do que venha a ser tamanho, ou de nossa idéia de inclusão,
pertinência e diferença.
Vejo nos livros didáticos uma prepotência e consequentemente uma
desonestidade ao tratar da incomensurabilidade e irracionalidade. Prepotência por
apresentar o assunto como se fosse um assunto “resolvido”, enquanto que para a
própria comunidade científica e filosófica ainda não foi completamente esclarecido,
a ponto de ainda não ter sido dada uma definição exemplar. Dizer que um segmento
é incomensurável quando não for comensurável não é uma definição, mas um
estratégia que esconde toda a riqueza da discussão e importância deste conceito.
Desonestos por não apresentarem tais problemas, como se a compreensão de tais
conceitos fosse uma coisa simples e comum.
Ainda temos o problema de não se ter uma linguagem adequada, que
consiga explicar, ou até mesmo mostrar, o que já é conhecido sobre o infinito e a
incomensurabilidade.
Discutir matematicamente algumas das apresentações deste tema nos
livros didáticos é de extrema importância, mas ainda não é possível dar uma
sugestão em que tais assuntos sejam tratados positivamente. Não uma definição
de infinito e incomensurabilidade que realmente as caracterize. No entanto,
precisamos de um movimento na apresentação destes assuntos que seja capaz de
levar o leitor a formar intuitivamente tais conceitos.
4.4 A interdependência entre o Sistema Simbólico e o Sistema
Conceitual
A matemática pode ser encarada como uma ferramenta mental muito
poderosa, uma vez que nossas estruturas mentais ligadas a ela são altamente
adaptáveis a novas situações, dando-nos subsídios para a resolução de problemas
novos. As idéias presentes na nossa estrutura conceitual são objetos mentais:
invisíveis, inaudíveis. Qualquer tipo de interação com estas idéias depende dos
125
símbolos. Essa relação entre a estrutura conceitual e os símbolos toma uma
dimensão ainda maior se pensarmos que a maioria dos signos matemáticos
funcionam como índices, apenas indicando o objeto, sem nos dar qualquer pista de
suas características ou definições, como faria um ícone.
Segundo Skemp
133
, o sistema simbólico consiste em um conjunto de
símbolos que corresponde a um conjunto de conceitos, e um conjunto de relações
entre símbolos que corresponde a um conjunto de relações entre conceitos. O
domínio completo do sistema simbólico nos possibilita a constante re-ligação entre
os símbolos e os conceitos, mesmo em atividades que se tornaram rotineiras, nas
quais trabalhamos automaticamente com os símbolos, sem voltar aos conceitos, e é
justamente este re-ligamento que nos permite adaptar nossos conhecimento a novas
situações.
Símbolos Conceitos
1, 2, 3, ... (numerais) os números naturais
Relação entre símbolos Relações entre conceitos
Está a direita de (no papel) é menor que
Depois no tempo (fala)
Na realidade, durante o processo de ensino aprendizagem, o que os
professores fazem é uma tentativa de comunicar estruturas conceituais (sistema
conceitual) por meio da escrita ou fala de símbolos (sistema simbólico). A estrutura
conceitual é construída individualmente por cada aluno, dentro de sua própria mente,
e Skemp a denomina de estrutura profunda da matemática. A comunicação por
meio dos símbolos ele denomina de estrutura superficial da matemática.
Por trás de um símbolo, ou seja, de um signo está sempre um
conceito. Skemp utiliza os termos "estruturas profundas" e "estruturas superficiais"
para distinguir os conceitos e os processos trabalhados pelo professor em sala de
aula. As estruturas profundas seriam as idéias matemáticas que desejamos
comunicar, e as estruturas superficiais os sistemas de linguagem e símbolos que
representam estas idéias e que nós usamos para comunicá-las.
133
SKEMP, Richard R. Mathematics in the primary school. 1989
126
Podemos entender melhor se pensarmos na necessidade, que se
impõe às crianças desde o início da fase escolar, de diferenciar numeral de número,
ou seja, símbolo de idéia. Ou ainda, se pensarmos nos símbolos
6
3
2
1
e
. Eles
apresentam estruturas superficiais diferentes, mas tem a mesma estrutura profunda,
referem-se ao mesmo conceito. Observe o exemplo de valor de lugar:
“Considere o símbolo: 572, ao nível de Superfície (F) nós temos
três dígitos em uma relação de ordem simples. Mas ao nível de
estrutura Profunda (D) representa:
i) três números: 5 7 2
ii) três potências de dez: 10² 10¹ 10
o
Que corresponde às três posições dos numerais, em ordem da
direita para esquerda.
iii) Três operações da multiplicação:
o número 5 multiplicado pelo número 10² (= 100),
o número 7 multiplicado pelo número 10¹ (= 10),
o número 5 multiplicado pelo número 10
o
(= 1).
iv) Adição destes três resultados.
Destes quatro conjuntos de idéias no vel de estrutura profunda,
somente o primeiro é representado explicitamente no nível de
estrutura de superfície pelo numeral 572. O segundo é implicado
pelas relações espaciais, não por qualquer marca visível no papel.
E o terceiro e quarto o têm nenhuma contraparte simbólica em
nada: têm que ser deduzidos do fato que o numeral tem mais de
um dígito”.
134
Considerando o sistema de símbolos e a estrutura conceitual podemos
supor, como o próprio Skemp sugere, que um dos maiores problemas com a
aprendizagem da linguagem matemática está na construção de estruturas conceituais
fortes e consistentes, devidamente representadas simbolicamente. É necessário que
os símbolos, na estrutura superficial, estejam bem conectados aos conceitos, ou
corremos o risco de perder completamente o seu sentido e significado.
134
SKEMP, Richard R. Mathematics in the primary school. 1989, p.97
127
4.5 Formas de representação na matemática
A representação é o meio do qual dispomos para expressar a
matemática, pois não há pensamento ou conhecimento sem representações, ou ainda,
não há comunicação matemática sem o uso de uma representação.
Entendemos representação como aquilo que a mente produz, uma
imagem mental de algo, o conteúdo concreto do que é apreendido pelos sentidos, a
imaginação, a memória ou o pensamento, tornando-o um objeto consciente.
Skemp em 1971 publicou o livro The Psychology of Learning
Mathematics, em cujo capítulo 5, discute sobre diferentes tipos de representação,
afirmando que muitas pessoas diferem em sua imagem mental. No entanto não é
fácil determinar que tipo de imagem as pessoas utilizam. Ele apresenta dois sistemas
simbólicos que são utilizados na matemática, símbolos visuais e símbolos verbais,
que poderiam ser chamados de dois tipos de representação. Concebe símbolos
verbais como sendo as palavras, tanto no sentido falado como no escrito; por
símbolos visuais entende aqueles que são expressos por diagramas de todos os tipos,
particularmente figuras geométricas.
Skemp comenta que os símbolos visuais são geralmente mais úteis e
podem ser muito mais compreensíveis do que uma representação verbal-algébrica
das mesmas idéias.
Skemp considera a álgebra como símbolo verbal, que classifica como
uma espécie de taquigrafia, que “eles podem ser lidos ou comunicados sem tomar
uma forma visual”
135
, dando o seguinte exemplo: {x: 0x
2
} “O conjunto de
todos os valores de x tal que x
2
é maior que ou igual a zero”. Apesar de não ignorar
o seu aspecto diagramático, Skemp justifica que os símbolos algébricos têm muitos
mais em comum com os símbolos verbais do que com os diagramas e as figuras
geométricas.
Assim, para também considerarmos os aspectos icônicos de uma
fórmula algébrica é mais apropriado definirmos os sistemas simbólicos como
135
SKEMP, Richard. The psychology of learning mathematics. 1971, p. 88-89.
128
sugerido por Otte
136
, em sistemas simbólicos algébrico-gráfico (para Skemp visual)
e o verbal-numérico (para Skemp verbal algébrico).
Mapas, diagramas de circuitos e desenhos de engenharia são
exemplos em que as propriedades mais importantes de um objeto podem ser
representadas de forma mais eficiente pelo sistema visual do que pelo verbal. Um
exemplo comum disso é que quando desejamos ir a um local desconhecido em uma
cidade, apenas a descrição verbal do caminho não nos deixa seguros. Temos a
necessidade de visualizar tais informações em um mapa desenhado, com os pontos
de referência assinalados. Ao seguirmos uma orientação verbal, se erramos uma
esquina, ou deixamos passar despercebido um referencial, dificilmente
conseguiremos fazer o caminho de volta e repensar o trajeto, muito diferente de
quando temos o mapa.
Na verdade um mapa não significa uma representação fiel. Para
exemplificar podemos pensar nos mapas de metrô. O primeiro mapa de metrô, como
conhecemos hoje, foi o do Metrô de Londres, que sofreu forte rejeição inicial por
não representar uma planta “fiel”. Na verdade, não foi bem aceito por não indicar as
distâncias proporcionais reais, nem os níveis de profundidade de cada estação, nem
uma relação proporcional entre a distância de cada estação umas das outras, e nem
mesmo a disposição real em relação às direções, já que o diagrama só utiliza ângulos
de 30º e 45º. Na verdade, é um diagrama que nos apresenta apenas as relações
necessárias para nossa compreensão como usuário do metrô. Onde quero ir? Que
linha devo pegar? Quantas estações vou passar? Em que posição estou em relação às
outras estações? É tão simples e fácil de utilizar que permanece até os dias de hoje
como modelo pelo mundo todo.
136
CHRISTIANSEN, B, HOWSON, A. G & OTTE, M. What is a text? In. Perspectives on
Mathematics Education. 1986.
129
Figura 6
Figura 7
100
30
0
h
Fig. 5 – Diagrama do Metrô de Londres
É comum, não na matemática, encontrarmos situações em que
ambos os sistemas simbólicos estão envolvidos, no entanto, um deles tem mais
destaque num primeiro momento. É o que se mostra no exemplo abaixo:
Considere o diagrama da
Figura 6 representando um prédio
de flats no nível do chão. Na
Figura 7 tem-se representada a
observação do agrimensor do
ângulo de elevação do topo da
construção, medido a uma distância de 100m da base.
Verifica-se que o agrimensor e a direção de sua observação são
representados por símbolos espaciais (pontos e linhas) enquanto que as medidas e a
130
altura desconhecida são representadas por mbolos verbal-algébricos. Ambos são
necessários, mas o diagrama é mais útil num primeiro momento por fornecer a
estrutura geral do problema. Ele indica o contexto do qual o cálculo precisa ser
abstraído, que é h = 100 . tg 30
0
.
Falando um pouco mais sobre símbolos visuais Skemp menciona a
geometria como uma das áreas da matemática em que o uso de diagramas é
essencial e afirma que qualquer símbolo visual está associado a conceitos. Assim
todo símbolo visual tem um correspondente símbolo verbal.
No entanto, uma imagem ou a determinação do símbolo visual não
tem características certas, não tem perspectivas certas e únicas, não é tão precisa
quanto se imagina. Ao contrário, é complexa e ambígua, pois no exemplo de Skemp,
não se tem uma tradução única do símbolo verbal, já que uma pessoa poderia falar
que é um trapézio, outra que é um quadrilátero, ou que é um polígono de quatro
lados etc. Todas são respostas corretas, mas o mesmo símbolo visual origem a
diferentes símbolos verbais.
Fig. 8 Pato/Coelho
Observando a figura acima, o que você vê? Uns respondem
pato, outros respondem coelho. Ambos estão corretos em suas interpretações do
Símbolo geométrico:
Símbolo verbal correspondente:
Trapézio
Ao qual está associado o conceito:
quadrilátero com dois lados paralelos
131
desenho. Tudo vai depender de sua predisposição, de suas experiências anteriores,
do que associar primeiro à figura.
Toda comunicação exige esforços de ambos os lados dos
sistemas simbólicos. A matemática é um jogo de símbolos em que se buscam
diferentes representações do mesmo objeto, é um jogo de traduções. Um diagrama
não é o objeto em si, mas sim a representação de um argumento, de uma
característica do objeto.
Skemp também percebe que o símbolo visual não é tão simples
quanto se pode pensar e aponta as vantagens e desvantagens do símbolo geométrico.
A vantagem é que ele evoca as propriedades do conceito e pode contribuir para uma
compreensão melhor das relações entre estes conceitos de forma mais eficaz do que
por meio da representação verbal. Por exemplo,
Como desvantagens ele apresenta: a) o símbolo visual precisa
ser desenhado para ser comunicado no entanto, ele reconhece que lápis e papel ou
quadro e giz estão sempre disponíveis e são fáceis de usar; b) às vezes, o símbolo
visual não representa um objeto particular, mas geral. Por exemplo, na Figura 6 não
se tem o círculo em que o raio seja conhecido, tangentes particulares etc., mas sim
elementos quaisquer, variáveis, ou seja, um círculo qualquer.
No entanto, podemos questionar se representar um objeto geral
realmente é uma desvantagem. Se pensarmos no caso do exemplo dos
incomensuráveis, a generalidade da apresentação é que nos faz refletir sobre as
possibilidades e é essa generalidade que deflagra todo o processo mental.
Um problema comum no dia a dia da sala de aula é o fato dos alunos
se habituarem a uma representação e depois não conseguirem reconhecer um objeto
particular. Um exemplo disso é quando trabalhamos com as propriedades de um
triângulo. Nos livros, e mesmo na lousa, acabamos por representar um triângulo
neste desenho se têm implícitos os conceitos: um
círculo, duas tangentes a ele de um ponto externo ao
círculo e os raios traçados pelos pontos de
intersecção das tangentes com o círculo.
Fig.9
tangentes ao círculo que
se interceptam
num ponto
externo
132
qualquer sempre pela imagem de um triângulo eqüilátero, o que acaba por confundir
os alunos. Quando ele encontra uma situação em que o desenho do triângulo não é
eqüilátero, não identifica nele as mesmas propriedades, já que as imagens não
conferem. Na verdade o problema pode estar na forma como trabalhamos com as
representações genéricas, como os alunos a percebem. Elas não são ícones, mas
símbolos de uma situação. Ao olhar a figura de um triângulo eqüilátero como
representação geral para a proposição “Em todo triângulo a soma dos ângulos
internos é 180º”, espera-se que ele associe a figura à “todo triângulo”, remetendo-se
a idéia geral simbolizada pela figura.
Skemp após discutir os dois sistemas simbólicos, faz comparações
estabelecendo contrastes existentes entre eles, conforme se acompanha na tabela
abaixo
137
:
Visual Verbal-algébrico
Propriedades abstratas espaciais,
tal como a forma, a posição.
Propriedades abstratas que são independentes
da configuração espacial, tal como número.
Dificuldade para comunicar. Facilidade para comunicar.
Pode representar mais o
pensamento individual.
Pode representar mais o pensamento
socializado.
Integrativo, mostrando estrutura. Analítico, mostrando detalhes.
Simultâneo. Seqüencial.
Intuitivo. Lógico.
137
SKEMP, Richard R. The psychology of learning mathematics. 1971, p.104
A
B
C
°=++
180CBA
Fig.10 Triângulo ABC
133
Quando Skemp compara estas características pode-se dizer que elas
estão mais relacionadas ao aspecto psicológico. No verbal algébrico tem-se uma
apresentação mais objetiva do objeto ao invés de indicar algo. No visual pode-se
escolher o que se acha mais importante, tornando-o menos controlável. Ele afirma
que o símbolo verbal-algébrico pode representar mais o pensamento socializado, no
entanto, isso depende das convenções, das influências culturais do sujeito.
Skemp argumenta que os dois sistemas simbólicos vivem ora juntos
ora separados dentro da matemática. Como exemplos temos:
Skemp indica que provavelmente estes dois tipos de sistemas
simbólicos desempenhem funções diferentes, e que talvez sejam funções
complementares, e Otte, nesta perspectiva, nos fornece indícios de como pode
ocorrer essa complementaridade.
No texto What is a text?
138
Otte discute o papel dos sistemas
simbólicos nos textos, destacando que o conhecimento está relacionado com
representações simbólicas e com os sistemas de signos ou símbolos. Estes são
indicadores de tipos ou aspectos do conhecimento. A dinamização da relação entre
conhecimento e representação simbólica é uma fonte básica de percepção por
exemplo, tradução da linguagem cotidiana para a linguagem formal, das
representações geométricas para os símbolos algébricos etc. Estes fatos, na
perspectiva de fazer matemática, conduzem à identificação de dois níveis essenciais:
a) signos e símbolos que se referem a modelos, imagens, etc; b) procedimentos
máquinas, transformações etc. E as conexões entre estes dois elementos são
flexíveis, variando de acordo com o texto.
138
Otte, Michael, (1986). What is a text?. In B. Christiansen, A. G. Howson, & M. Otte (Orgs.).
Perspectives on mathematic education (pp. 173-203). 1986
A posição mostra a correspondência entre dois
conjuntos, como na proporção ao lado
1 2 3 4 5
4 8 12 16 20
Este arranjo é uma propriedade essencial de uma matriz
432
4321
4321
cccc
bbbb
aaaa
1
134
Existe uma relação entre a representação e o procedimento. Ao
observar estes três modelos de signo:
“1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 = ?”; “1 + 2 + . . . + 6 = ?” e “
?
6
1
=
=i
i
pode-se constatar que embora as três representações sejam equivalentes
matematicamente, psicologicamente são diferentes, pois cada uma das três
representações determina processos de resolução do problema de maneira diferente.
Na primeira representação todas as informações estão visíveis basta calcular, a
ligação entre forma e procedimento é imediata; a segunda e a terceira situação
correspondem a representações cada vez mais abreviadas, exigindo procedimentos
distintos, considerando que as informações não estão tão completas ou visíveis. Na
última, é necessário um conhecimento ainda maior, que é o conhecimento do
símbolo do somatório e a interpretação de seu significado, pois ela pode ser
generalizada, isto é, ao invés de n = 6 pode tender ao infinito (n =
).
As visualizações de diagramas, como por exemplo, a visualização do
somatório ou de uma fórmula, indica a complementaridade de estrutura (forma) e
função (atividades, procedimentos etc.).
Otte (1986) toma como exemplo a fórmula da área de um triângulo
(p. 182-184) e discute a maneira como os livros de ensino apresentam esta fórmula,
com o objetivo de mostrar que os aspectos complementares (estrutura e função) não
estão diretamente ligados e que sistemas simbólicos diferentes (numérico verbal v
algébrico gráfico) fornecem os fundamentos para o caráter variável desta ligação.
Caso 1:
A área A de um triângulo é dada pela metade do produto da
base pela altura relativa à base:
A =
2
.hb
Entre o texto verbal e a fórmula o que chama mais a atenção é o texto
verbal. Isso pode induzir uma pessoa a pensar que a área do triângulo se resume à
regra de cálculo, sem se interessar com as relações e o significado da fórmula. Esta
apresentação é unilateral, ou seja, exibe apenas o aspecto procedimental, operativo.
Fig. 11 – Representação da Fórmula da área do triângulo
135
Caso 2:
Um triângulo de lado g e de altura
h
g
relativa a este lado tem área:
A =
2
1
. b . h
g
Neste caso 2, o texto verbal aparece como um simples apêndice para
uma fórmula, que também não é interpretada, dando então mais destaque ao símbolo
visual, fazendo apenas uma simples correspondência entre os elementos da fórmula
e da figura.
A fórmula é icônica, e mostra, por exemplo, que a relação entre a
área e a base é uma relação linear, o que não é tão simples de visualizar como no
retângulo.
Observando a figura 13, podemos verificar que se a área era A, então
a área total será 4 A.
Caso 3:
4. Área dosTriângulos
Ao cortar um paralelogramo, dois triângulos de mesma base e mesma
altura são obtidos, e ambos tem metade da superfície do
paralelogramo.
Superfície dos triângulos =
2
1
. base . altura
A
o
=
2
1
. b . h
b b b b
A
.
A
C
h
g
g
B
Fig. 12 – Representação da Fórmula da área do triângulo
Fig. 13 - Relação entre a área de um triângulo e a medida de sua base
Fig. 14 – Representação da Fórmula da área do triângulo
136
O caso 3 é considerado um método pedagógico mais
consistente, que tenta justificar a fórmula partindo de um paralelogramo, mas para
isso seria necessário apresentar antes as características do paralelogramo e como
determinar sua área. Neste exemplo, tem-se a idéia de construção da fórmula da área
do triângulo, e apesar de haver alguma preocupação em fazer a analogia entre o
símbolo algébrico e seu significado, não utiliza nenhum diagrama.
Caso 4:
Para encontrar a área de um
triângulo, multiplique a base e a
altura. Então considere metade do
produto.
A =
2
1
bh
A =
2
.hb
Nesta figura 15, os sistemas simbólicos numérico-verbal e algébrico-
gráfico aparecem muito bem representados, e parecem apresentar papéis
complementares, a apresentação verbal enfatiza o aspecto algorítmico, e a
apresentação algébrica enfatiza o aspecto holístico e ideográfico.
Otte menciona que os sistemas simbólicos algébrico-gráfico e o
verbal-numérico poderiam indicar papéis complementares, a apresentação verbal
acentuando o aspecto algorítmico e a apresentação algébrica enfatizando o aspecto
holístico e ideográfico
139
.
Neste ponto Otte discorda de Skemp, quanto a considerar a álgebra
como tendo mais em comum com os símbolos verbais do que com os símbolos
visuais. Para Otte, também considerar uma fórmula ou equação como um diagrama,
como um símbolo visual, além de um símbolo verbal, é fundamental. De modo que
a álgebra vai depender tanto do sistema verbal como do visual. Por exemplo, uma
fórmula é um diagrama que nos proporciona a imediata relação entre as grandezas,
apenas pela observação visual de sua composição, independentemente de qualquer
139
Representação das idéias por meio de sinais que reproduzem objetos concretos. Sistema de sinais
constitutivos de escrita analítica.
.
h
Fig. 5
b
Fig. 15 – Representação da Fórmula da área do triângulo
137
conhecimento conceitual acerca dessas grandezas. Assim, podemos recolocar os
sistemas como sistema algébrico-gráfico e como sistema verbal-numérico, nos quais
os aspectos diagramáticos da álgebra estariam contemplados no primeiro sistema e
os aspectos da álgebra como uma generalização da aritmética estariam contemplados
no segundo.
No exemplo que se segue podemos observar que estão presentes tanto
o sistema visual como o numérico verbal. O texto verbal indica os aspectos a serem
considerados em cada figura, explicando como se chegar à fórmula da área do
triângulo por meio do paralelogramo. Ao apresentar o diagrama com a fórmula, o
texto verbal ainda procura dar uma interpretação para a mesma, indicando a relação
entre os elementos da figura.:
Considere um triângulo qualquer:
Agora imagine outro triângulo igual a ele:
Vire o segundo triângulo “de ponta-cabeça” e...
...monte um paralelogramo
A área do paralelogramo se calcula Portanto, a área do triângulo a
ssim:
é:
h h
c c
c
h
a
=
2
c
h
a
=
Fig. 16 – Representação da Fórmula da área do triângulo
140
O que se deseja mostrar por meio desses exemplos é que a fórmula da
área do triângulo pode ser considerada, tanto para fixar um algoritmo de cálculo
como para modelar certas relações entre as partes componentes do sistema. Assim,
se a fórmula é considerada em ambos os aspectos, o procedimental e o estrutural, o
algoritmo e o ideográfico, o operativo e o descritivo, pode ser compreendida e usada
para desenvolver conhecimento.
140
IMENES & LELIS. Matemática 7º Série 1997, p 196)
138
(a + b) . c = a . c + b . c
Ao utilizar números, como por exemplo: “2x(2+3) = 2x2 + 2x3”,
estamos usando uma máquina, na qual conhecemos a “entrada” a “saída” e também
o “processamento”, permitindo transferir as afirmações de modo exemplar, e assim
generalizá-las. Deste modo, a fórmula que representa a propriedade distributiva “(a
+ b) . c = a . c + b . c” apresenta-se apenas como uma aritmética generalizada. Desta
forma permanecemos apenas na esfera da precisão técnica. O uso do desenho e da
fórmula explorada como um diagrama nos daria condições de passar a uma outra
esfera, a da estrutura relacional.
Com base nesta discussão sobre representações, pode-se dizer que os
signos ou meios de expressão usados determinam o pensamento? Eles são
adequados ou menos apropriados?
Não existe uma representação matemática sem alguns elementos
visuais, ou seja, sem usar ícones, porque a matemática é um pensamento relacional e
são eles que podem dar indícios das características do pensamento de uma pessoa.
Os símbolos visuais são ambíguos, não há determinação precisa. Por outro lado, não
há pensamento sem símbolos, existe uma relação intrínseca.
Skemp indica o sistema verbal-algébrico, do qual fazem parte os
números e a aritmética, como sendo palavras faladas ou escritas, mas pode-se dizer
que os próprios axiomas são diagramas visuais, por exemplo: a + b = b + a, a e b
são nomes ou índices, mas a estrutura do diagrama é o que importa e esta é uma
imagem das relações estabelecidas pela igualdade.
Os professores ao
discutirem a propriedade distributiva
da adição em relação à multiplicação
muitas vezes preferem atribuir valores
numéricos a abordar o assunto
geometricamente, conforme o desenho
ao lado.
a
b
c
Fig. 17 Representação geométrica da
propriedade distributiva da multiplicação
139
Outros exemplos podem ser dados, dentre eles tem-se:
a) Provar que o quadrado de número ímpar é um número ímpar. Como proceder?
Se x é ímpar, então existe um número n em que x = 2n + 1.
Representam-se os dois números desta maneira geral e calcula-se o produto usando
os axiomas.
(2n + 1)
2
= (2n + 1) . (2n + 1) = 4n
2
+ 4n + 1
= 4n (n + 1) + 1
= 2 (2n (n + 1) + 1
= 2 M + 1
Chega-se a um resultado, mas não à resposta do problema. Para isso,
deve-se interpretar as informações estabelecidas nesta igualdade para saber se este
resultado será sempre um número ímpar ou não. Desta forma é preciso traduzir as
relações implícitas neste diagrama visual. Assim,
4n é um número par para todo n
N.
No produto 4n (n + 1) pode-se ter:
a) par vezes par, cujo resultado é par;
b) par vezes ímpar, cujo resultado é par.
Na expressão 4n (n + 1) + 1 tem-se então sempre um número par + 1 em que o
resultado sempre será um número ímpar.
b) Teorema: O quadrado de um número ímpar menos 1 é divisível por 8, para i
3.
Pode-se fazer observações com alguns valores e depois provar.
N 3 5 7 9 11 13 15 17
(ímpar)
2
– 1 8 24 48 80 120 168 224 288
(2n + 1)
2
– 1 = 4n
2
+ 4n + 1 – 1
= 4n (n + 1)
140
Até este momento o desenvolvimento foi visual com o uso da
álgebra, mas agora é necessário um raciocínio lógico para interpretar este resultado,
por que é divisível por 8?
Primeiro para ser divisível por 8 a expressão 4n (n + 1) deve ser um
número par. O fator 4n é par e o fator n + 1 pode ser par ou ímpar dependendo de n,
mas o produto deles será sempre um número par (par x par = par e par x ímpar =
par) e múltiplo de 8. Por exemplo:
n = 1 4 . 1 (1 + 1) = 4 . 2 = 8
n = 2 4 . 2 (2 + 1) = 8 . 3 = 24 ...
Na verdade, os sistemas são complementares. Não existe matemática sem
ambos os sistemas. Os objetos matemáticos permitem vários tipos de representação,
os sistemas de símbolos podem representar propósitos similares e as diferenças
podem ser descritas em termos da variação como o rigor da ligação entre forma e
mecanismo. Isso ficou evidenciado nos exemplos dados.
Conceitos teóricos não são coisas que podem ser comunicadas
prontas. Seu conteúdo consiste na conexão e relação entre as
coisas, e não de substâncias ou propriedades. Isso porque o
pensamento teórico, a fim de progredir, não necessita de
regras, mas também de ‘visualização’ (num sentido amplo) para
dar condições de se imaginar relações.
141
Assim, os dois modelos de representação mostram-se complementares. Esta
complementaridade está na nossa ação com a realidade. Como conhecer depende
muito da organização interna da mente (lembremos da figura pato/coelho), assim
como da realidade a ser descrita, o sistema de símbolos e a representação são
aspectos importantíssimos para a cognição humana.
Observação e análise de um sistema de símbolos e formas de
representação continuam a fornecer possíveis caminhos para o
estudo de questões fundamentais do conhecer e aprender. Além
disso, a falta de compreensão ou o abuso destes meios de
141
CHRISTIANSEN, B, HOWSON, A. G & OTTE, M. What is a text? In. Perspectives on
Mathematics Education. 1986, p.191
141
representação são fatores responsáveis por grande parte das
deficiências na aprendizagem da matemática.
142
Os professores, quando conscientes da importância dos sistemas de símbolos
e da necessidade de se utilizar dos vários tipos de representação, sem abusos, mas
proporcionando ao aprendiz condições de passar de uma representação a outra,
estará estimulando a observação das relações entre os objetos, conceitos e formas,
favorecendo sobremaneira sua aprendizagem.
4.6 FORMAS DE REPRESENTAÇÃO E ESTILOS COGNITIVOS
Retomando ainda a questão da preferência por formas de
representação, podemos incluir a relação entre as formas de representação e os
estilos cognitivos. Krutetskii
143
em sua pesquisa sobre habilidades matemáticas,
identificou tendências nas formas de pensar de alguns alunos, na situação de lembrar
ou resolver problemas, o que podemos denominar de estilos cognitivos. A título de
exemplo, serão descritas algumas atividades matemáticas de dois sujeitos de
pesquisa de Krutetskii, que apresentam estes estilos e as formas de representação de
modo extremamente acentuado. São eles a Sonya e o Volodya.
Sonya L. nasceu em Moscou no ano de 1950. Na época da pesquisa
tinha 8 anos. Até então Sonya não tinha quase nenhum conhecimento. pouco
tinha aprendido a escrever e ainda não sabia calcular por escrito, por isso quase tudo
era feito por meio do discurso oral (utilizando a lógica) e os cálculos eram mentais.
Mostrava clareza em descrição e uma pobreza de imagens, mesmo quando o
problema sugeria este recurso. Vejamos a sua resolução para alguns problemas.
142
CHRISTIANSEN, B, HOWSON, A. G & OTTE, M. What is a text? In. Perspectives on
Mathematics Education. 1986, p.191
143
KRUTETSKII, V. A. apud WIELEWSKI, Gladys Denise. Aspectos do Pensamento matemático
na resolução de problemas: uma apresentação contextualizada da obra de Krutetskii. Tese de
Doutorado. PUC-SP, 2005.
142
Problema 1: Um pastor diz a outro: me dê 8 ovelhas e nós teremos um
número igual. O outro responde: não, você me 8 ovelhas e então eu terei o dobro
do que você tem agora.
Solução: Se um der 8 ovelhas e eles passam a ter um número igual,
isso indica que eles têm uma diferença de 16 ovelhas. Por outro lado, se o outro
pastor der 8, então a diferença se torna 32 (desde que um perde 8 ovelhas e o outro
ganha 8). Neste caso, dizemos que ele tem 2 vezes mais, ou 32 ovelhas a mais. Isso
significa que haverá 32 e 64, e antes da troca havia 40 e 56. O problema foi
resolvido em 40 segundos.
Problema 2: Galinhas e coelhos estão correndo num quintal. Juntos
eles têm 35 cabeças e 94 pés. Quantas galinhas e quantos coelhos estão no quintal?
Solução: Se há 35 cabeças ao todo, então são 35 galinhas e coelhos no
total. Se todas fossem galinhas, seriam 70 pés. Isto significa que 24 pés extras,
porque além de algumas galinhas há coelhos. Cada coelho tem 2 pés a mais que uma
galinha, então são 12 coelhos e 23 galinhas.
Problema 3: Qual é o ângulo formado pela intersecção das bissetrizes
dos ângulos agudos de um triângulo retângulo isósceles?
Solução: sem fazer nenhum desenho usando as informações do
problema ela disse: metade de dois ângulos que, quando adicionados, dão 90
0
é 45
0
,
e de 2d subtraímos 45
0
= 135
0
(2d se refere a dois ângulos retos, ou seja, 180
0
).
Krutetskii (1976) comenta que para Sonya, aparentemente, lógica e raciocínio
substituem o apoio de imagens visuais.
Volodya L., nasceu em Moscou em 1949. No período da pesquisa
tinha 10 anos. Nos problemas, utilizava a técnica de cálculo mental rápido sem
recorrer muito à argumentação, pois preferia calcular. O seu processo de
pensamento, enquanto resolvia problemas matemáticos, era muito reduzido e parece
que este era o seu modo usual. Tinha dificuldade em desenvolver uma resolução em
sua estrutura completa ou explicá-la. Algumas de suas resoluções são apresentadas a
seguir.
Em um problema similar ao problema 1 resolvido por Sonya,
Volodya resolve-o por meio de imagens visuais, conforme figura abaixo.
143
Fig. 18 – Representação geométrica
do problema das nozes
Problema 4: um menino
diz à sua irmã: se você me der 8 nozes,
então nós teremos um número igual.
Mas ela responde: se você me der 8
nozes, eu terei duas vezes mais.
Quantas nozes cada um tinha?
Problema 5: Galinhas e coelhos (mencionado no problema 2).
Solução: tantas galinhas quantos coelhos quase duas vezes. Se
todos os animais fossem galinhas, então haveria 70 pés, e se todos fossem coelhos
140 pés. 94 está duas vezes mais perto de 70 do que de 140 (94 – 70 = 24 e 140 – 94
= 46). Tentemos: 20 e 10; 21 e 11; 22 e 12; 23 e 12 ... 23 galinhas e 12 coelhos.
Durante a entrevista lhe perguntaram como explicaria este problema a
um amigo mais jovem e então, explanou: Se todos fossem galinhas, seriam 70 pés.
Mas de fato 94 pés. Somando um coelho mais 2 pés. Então, são 12 destas
adições, quer dizer, 12 coelhos. Ao tentar explicar, ele mudou seu modo de pensar,
assemelhando-se à resolução de Sonya. Este fato conduz à idéia de que ao se
resolver um problema tem-se uma maneira de pensar, mas explicar o que foi feito a
alguém implica numa mudança de raciocínio, é o aspecto social exercendo
influência, no sentido de socializar o pensamento. Krutetskii
144
apresentou este
aspecto como sendo uma das dificuldades da pesquisa: pensar ou resolver em voz
alta e explicar a resolução em voz alta são processos completamente diferentes.
Examinando estes exemplos, é possível verificar que Sonya diferiu de
Volodya nas representações escolhidas, que estão associadas com o tipo de
pensamento que os guiou na resolução dos problemas.
Utilizando a classificação de sistemas simbólicos de Skemp e na
performance destes dois alunos, podemos interpretar que nas resoluções dos
problemas os símbolos verbais foram mais evidentes na atuação de Sonya, enquanto
144
KRUTETSKII, V. A. apud WIELEWSKI, Gladys Denise. Aspectos do Pensamento matemático
na resolução de problemas: uma apresentação contextualizada da obra de Krutetskii. Tese de
Doutorado. 2005
32
32 + 8 = 40
32 + 8 + 16 = 56
8
16
8
144
que os símbolos visuais foram o meio de representação mais utilizado por Volodya.
Sonya não recorria aos símbolos visuais, mesmo nos problemas que exigiam tal
recurso e Volodya os inseria naqueles que não eram aparentemente necessários, a
geometria era um dos caminhos pelos quais ele desenvolvia seu pensamento.
Essa diferença entre os dois pode ser justificada pela possibilidade de
se representar uma mesma situação de diferentes maneiras, pela existência de vários
meios de representação e pela diversidade de pensamento. Assim, uma certa
predominância na forma de pensar a matemática é caracterizada como estilo
cognitivo, que pode ser identificado por meio da representação escolhida.
Mas o que é realmente interessante, é que mesmo Volodya, que
apresentou uma opção tão clara pelo sistema simbólico visual, no momento de
explicar o que havia feito mudou rapidamente para o sistema verbal-algébrico.
Esse exemplo corrobora com a idéia de que existem estilos cognitivos
diferentes, e que estes estilos influenciam na determinação do sistema de
representação que o indivíduo assume, ou seja, que existe uma relação entre a forma
de pensar e a representação, mas também indica que este estilo e esta forma de
representação não seja única, se adequando ao tipo de atividade em questão. Se
interpretarmos a mudança de sistema ocorrida com Volodya da perspectiva das
diferenças entre os dois sistemas apresentados por Skemp, podemos dizer que a
mudança foi estimulada pela necessidade da objetividade na comunicação de seu
raciocínio, características que são marcantes não no sistema visual, mas no verbal-
algébrico.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao começarmos os estudos para esta pesquisa suspeitávamos que a
relação entre língua matemática e a ngua materna fosse uma questão de melhor
“traduzir” a matemática em ngua materna. No entanto, à medida que nos
aprofundávamos um pouco mais nas peculiaridades de cada uma delas percebíamos
a existência de certa tensão ou até contradição entre suas funções expressiva e
objetiva. Portanto, o caminho jamais poderia ser concebido em termos de uma
“tradução”, já que a ênfase entre essas duas funções são diferentes na língua materna
e na ngua matemática, enquanto uma é dada à comunicação e a outra é dada à
representação. O que fomos entendendo aos poucos é que a relação que realmente
existe entre as duas é uma relação de complementaridade.
Essa complementaridade se dá dentro do sistema de signos. Condillac
nos apontou como se essa complementaridade e o papel dos signos na evolução
da aprendizagem. Para ele tudo começa com uma linguagem expressiva, a
linguagem de ação e só a partir dela somos capazes de desenvolver a ligação entre as
idéias até chegarmos nos signos instituídos, ou nas abstrações.
145
No capítulo 3 apresentamos a comparação que René Thom faz entre
as linguagens cotidiana, geométrica e algébrica. Porque ele fez tal comparação? Sua
idéia é exatamente a necessidade de uma passagem da linguagem cotidiana, rica em
significados, mas fraca em sintaxe, para a linguagem algébrica, fraca em
significados e rica em sintaxe. Essa evolução é importante, pois ajuda a estabelecer
145
Veja também BRUNER, Jerome. Acts of Meaning. Cambridge, MA: Harvard University Press.
1990.
146
os objetos matemáticos em termos genéticos. Thom defende que a linguagem
geométrica é a linguagem de transição, pois se caracteriza tanto pelas analogias com
o empírico quanto por procedimentos e estruturação formal, permitindo um trabalho
com tipos de representação variados, de modo a facilitar a evolução para o campo
estritamente simbólico da álgebra.
No capítulo 4 trazemos o exemplo da melhoria do texto didático
sobre a incomensurabilidade, que novamente nos coloca diante do problema entre da
linguagem cotidiana e a linguagem matemática. O contraste entre as duas linguagens
se exatamente pela função de cada uma. Enquanto a linguagem comum é mais
expressiva e por isso de compreensão e aceitação mais imediata, a linguagem
matemática é mais simbólica e abstrata cumprindo o seu papel de representar os
objetos matemáticos. Ao optarmos por uma ou por outra, acabamos por eliminar
sempre uma possibilidade de compreensão. Se trabalharmos o ensino da matemática
com uma linguagem mais cotidiana, com exemplos numéricos mais acessíveis
perdemos as representações dos objetos matemáticos, e com eles a possibilidade de
ganharmos conhecimentos abstratos sobre tais objetos pela reflexão e atividade
sobre sua representação. Por outro lado, se optamos por um texto que apresente
apenas a linguagem matemática corremos o risco de deixá-lo tão árido, que ele se
torna impossível de ser lido por alguém que não tenha compreensão prévia do
assunto. Essa situação explicita bem a necessidade da complementaridade entre
comunicação e representação.
A questão da compreensão da linguagem matemática no ensino não é
uma questão de “tradução”, mas de enfrentar um desafio, o desafio de propiciar o
desenvolvimento do pensamento do aluno. Esse desenvolvimento é “encenado” à
base dos sistemas semióticos, ou seja, com base nos signos, nas diversas maneiras de
representar e comunicar. Portanto, será alcançado à medida que o aluno tenha a
oportunidade de vivenciar a complementaridade entre a linguagem matemática e a
linguagem cotidiana.
Após a constatação desse desafio, surge a questão de como
proporcionar essa complementaridade, como estabelecer essa relação pensamento-
ação, expressão-representação dentro da educação matemática. A geometria, por
147
exemplo, sugere essa integração entre o conceitual/abstrato e uma representação
pelo desenho. Um estudo mais profundo da filosofia de Condillac
146
e da
abordagem antropológica de André Leroi-Gourhan
147
sobre a relação entre “o gesto
e a palavra” no desenvolvimento do homem, poderá no trazer subsídios para
entender melhor a dependência do ensino matemático dos meios de comunicação e
representação, de modo que possamos responder a pergunta de como estruturar essa
complementaridade na educação matemática.
146
Essai sur l’origine des connaissances humanies (1746); Cours d’études pour l’instruction du
Prince de Parme , publicado em treze volumes, entre 1768 e 1773.
147
LEROI-GOURHAN, André. O Gesto e a Palavra. 1 Técnica e Linguagem. Traduzido por Vítor
Gonçalves. Lisboa: Edições 70, 1990.
148
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WIELEWSKI, Gladys Denise. Aspectos do Pensamento matemático na resolução
de problemas: uma apresentação contextualizada da obra de Krutetskii. Tese
de Doutorado. PUC/SP, 2005.
Wikipedia – La enciclopédia libre in http://es.wikipedia.org
151
ANEXOS
152
1 - Papiru de Rhind
(
in:
ciencia.astroseti.org/matematicas/lista_21.ht...)
Fig. 19 Imagem do Papiru de Hindi
2 Robert Recordes
No último parágrafo:
“I will sette as I doe often in woorke use, a paire
of paralleles, or Gemowe lines of one lengthe,
thus: =, bicause noe .2. thynges, can be moare
equalle”. (Eu estabelecerei, como tenho usado
frequentemente em meu trabalho, um par de
paralelas, ou linhas Gêmeas de mesmo
comprimento, assim: =, porque duas coisas não
podem ser mais iguais.)
Fig. 20 – Página do livro de Recorde
153
3 – La géométrie – René Descartes
Fig. 21 – Página do La géométrie de Descartes
"Se voglio sapere di quale genere è la linea EC descritta -così suppongo- mediante la intersezione
del regolo GL e della figura piana CNKL, il cui lato KN è prolungato indefinitamente verso C e che ,
essendo mosso in linea retta nel piano verso la parte sottostante (in modo cioè che il suo diametro
KL giaccia sempre lungo la linea BA prolungata nell’una e nell’altra direzione) fa ruotare questo
regolo GL intorno al punto G , dato che gli è unito in modo da passare sempre per il punto L, scelgo
una retta come AB per riferire ai suoi diversi punti tutti quelli della curva EC, e , lungo questa retta
AB , scelgo un punto A per iniziare da esso tale calcolo".
Cartesio dunque prende A come origine, AB come asse delle ascisse e utilizza ordinate parallele
senza tracciare però l’asse delle ordinate. Pone poi:
Dai triangoli simili NLK, CBK si ha NL:LK=CB:BK ossia .
Ma BL=BK-LK quindi ,
AL=AB+BL quindi .
Dai triangoli simili CBL, GAL si ha BC:BL=AG:AL ossia .
Dall’ultima uguaglianza, sostituendo:
154
.
Equazione dell’iperbole:
4 - François Viète (1540 a 1603)
Viète introduziu o primeiro sistema de notação algébrica em seu livro In artem
analyticam isagoge .
Fig. 22
Fig. 23 – François Viète
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