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COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS DE
RIOS DO MÉDIO SÃO FRANCISCO:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS DE GESTÃO
DO USO DA ÁGUA
CLÁUDIA SALGADO GOMES
2008
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CLAUDIA SALGADO GOMES
COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS DE RIOS DO MÉDIO SÃO
FRANCISCO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS DE GESTÃO DO USO
DA ÁGUA
Dissertação apresentada à Universidade
Federal de Lavras como parte das exigências
do Curso de Mestrado em Administração,
área de concentração em Dinâmica e Gestão
de Cadeias Produtivas, para a obtenção do
título de “Mestre”.
Orientador
Prof. Dr. Ricardo Pereira Reis
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
2008
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Ficha Catalográfica Preparada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da UFLA
Gomes, Cláudia Salgado.
Comitês de bacias hidrográficas de rios do médio São Francisco:
possibilidades e desafios de gestão do uso da água / Cláudia Salgado Gomes.
-- Lavras : UFLA, 2008.
97 p. : il.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Lavras, 2008.
Orientador: Ricardo Pereira Reis.
Bibliografia.
1. Água. 2. Comitês. 3. Bacias hidrográficas. I. Universidade Federal de
Lavras. II. Título.
CDD – 333.9117
CLÁUDIA SALGADO GOMES
COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS DE RIOS DO MÉDIO SÃO
FRANCISCO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS DE GESTÃO DO USO
DA ÁGUA
Dissertação apresentada à Universidade
Federal de Lavras como parte das exigências
do Curso de Mestrado em Administração,
área de concentração em Dinâmica e Gestão
de Cadeias Produtivas, para a obtenção do
título de “Mestre”.
APROVADA em 28 de fevereiro de 2008
Profa. Dra. Maura Lígia Zelaya FADMINAS
Profa. Dra. Maria de Lourdes Souza Oliveira UFLA
Prof. Dr. Ricardo Pereira Reis
UFLA
(Orientador)
LAVRAS
MINAS GERAIS - BRASIL
Dedicatória
A minha família e a André, pelo amor, companheirismo e incentivo, em todos
os momentos.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
pela bolsa de estudos que viabilizou a realização desse trabalho e pelo apoio à
pesquisa, através do financiamento do projeto "Manejo Comunitário das Águas e
Programas Públicos" financiado através do Edital MCT/CNPq/CTHidro,
35/2006, processo n
o
555929//2006-0. Tal agradecimento se estende ao CTHidro,
bem como à Cáritas Diocesana de Januária, parceira nesse projeto.
Às professoras doutoras Maura Lígia Zelaya e Maria de Lourdes Souza Oliveira,
pelas contribuições.
Aos entrevistados, representantes das seguintes entidades, às quais também
agradeço: AMAMS, ANA, Associação Comunitária de Riacho Dantas, CAA
Norte de Minas, CBH-Jequitaí/Pacuí, CBH-Verde Grande, CODEVASF,
COPAM, CPT/NORTE, DNOCS, EMATER, EMBRAPA, FETAEMG, IBAMA,
IEF, IGAM, Polícia do Meio Ambiente, Promotoria de Justiça, Secretaria de
Meio Ambiente de Montes Claros e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Bocaiúva.
À Universidade Federal de Lavras (UFLA) e, em especial, aos professores do
Programa de Pós-Graduação em Administração.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Pereira Reis, pela orientação, confiança,
incentivo e, sobretudo, pela sua amizade.
À Profa. Dra. Flávia Maria Galizoni e ao Núcleo de Pesquisa e Apoio à
Agricultura Familiar Justino Obers (Núcleo PPJ), pelo apoio e, de modo especial,
ao Prof. Dr. Eduardo Magalhães Ribeiro, por compartilhar sua experiência em
pesquisa e pelas orientações que foram fundamentais para a realização deste
trabalho.
E a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização
desta dissertação.
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS ..............................................................................................i
RESUMO .............................................................................................................ii
ABSTRACT ........................................................................................................iv
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 01
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................ 05
2.1 Água: recurso vital e finito ........................................................................... 05
2.2 A política de gestão dos recursos hídricos .................................................... 09
2.3 Os comitês de bacias hidrográficas ..............................................................25
2.3.1 A participação cidadã nos comitês de bacias hidrográficas.......................31
2.4 A questão da água na região Norte de Minas Gerais....................................35
2.5 A bacia hidrográfica do rio São Francisco....................................................41
2.5.1 Transposição das águas do rio São Francisco: breves considerações .......50
METODOLOGIA ....................................................................................... 54
RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................. 59
4.1 Rio Verde Grande ......................................................................................... 63
4.2 Rio Riachão................................................................................................... 76
4.3 Rio Jequitaí ................................................................................................... 82
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 91
LISTA DE SIGLAS
AMAMS – Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene
ANA – Agência Nacional de Águas
CAA – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
CBHRF – Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco
CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
COPAM – Conselho de Política Ambiental
CPT – Comissão Pastoral da Terra
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FETAEMG Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas
Gerais
IEF – Instituto Estadual de Florestas
IGAM – Instituto Mineiro de Gestão das Águas
ONG – Organização não-governamental
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
SEMAD Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
i
RESUMO
GOMES, Cláudia Salgado. Comitês de bacias hidrográficas de rios do médio
São Francisco: possibilidades e desafios de gestão do uso da água. 2008. 97 p.
Dissertação (Mestrado em Administração) Universidade Federal de Lavras,
Lavras, MG.
O presente estudo tem como tema a gestão das águas, que se tornam cada vez
mais escassas em função da incompatibilidade entre a quantidade e a qualidade
da água disponível com a crescente demanda da população. Tal escassez desse
vital recurso hídrico, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, acaba
por desencadear conflitos entre os diferentes usuários. Diante dessa situação,
neste trabalho estudou-se os problemas e os conflitos mais freqüentes
relacionados à água nos rios do Médio São Francisco, em Minas Gerais,
especificamente nos rios Verde Grande, Riachão e Jequitaí, verificando em quais
situações essas questões culminam na formalização de Comitês de Bacia
Hidrográfica e em que medida estes conseguem enfrentar tais questões. Para
tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais, bem como
entrevistas, nas cidades de Belo Horizonte, Montes Claros e Bocaiúva, com 32
pessoas ligadas a órgãos governamentais e não-governamentais envolvidos com
a questão da água, bem como entrevistas com os usuários. Essas pessoas foram
escolhidas de forma intencional, por julgamento e conveniência. Foram
identificados vários problemas que contribuem, direta ou indiretamente, para a
escassez de água nos rios pesquisados. Tais problemas, em sua maioria, são
comuns aos três rios, com destaque para a derrubada de mata nativa. Os
conflitos mais freqüentes são aqueles envolvendo, de um lado, médios e grandes
produtores rurais, que utilizam sistemas de irrigação que consomem muita água,
e de outro lado, os pequenos produtores e a comunidade, para quem resta pouca
água. Tais conflitos foram mais evidentes no rio Riachão, o que se deve ao
processo de mobilização iniciado pelas comunidades que ali vivem, que
pressionaram os órgãos responsáveis para que alguma solução fosse tomada.
Evidenciou-se que os Comitês do Verde Grande e do Jequitaí/Pacuí foram
criados a fim de solucionar os conflitos existentes nos rios Verde Grande e
Riachão, respectivamente, mas eles não têm atingido este objetivo. Um dos
motivos é que esses Comitês não foram criados a partir de um pedido da
população da bacia, o que dificulta o reconhecimento dos mesmos como um
espaço próprio para se deliberar sobre as demandas da sociedade. Além disso,
são entidades deliberativas e não têm poder de pressão e fiscalização. Dentre as
dificuldades existentes para a atuação dos mesmos, destacam-se, nos Comitês, a
ii
falta de uma estrutura administrativa visando o gerenciamento, a insuficiência de
recursos financeiros para que se possam implementar os projetos elaborados, a
insuficiência de recursos humanos especializados, tanto em gestão de recursos
hídricos quanto em gerenciamento de conflitos e, sobretudo, a falta de
participação popular. Possíveis soluções para os problemas enfrentados pelos
Comitês podem ser apontadas, como a capacitação dos recursos humanos em
gestão de recursos hídricos e o gerenciamento de conflitos, a conscientização de
seus membros para que possam participar efetivamente do processo decisório e
o incentivo à participação popular.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Pereira Reis
iii
ABSTRACT
GOMES, Cláudia Salgado. Water Basin Committees of rivers of Médio São
Francisco: opportunities and challenges of managing the use of water. 2008. 97
p. Dissertation (Master Program in Administration) – Federal University of
Lavras, Lavras, MG.
This study has the waters as a theme managing the use of water, which have
become increasingly scarce due to the incompatibility of the quantity and quality
of water available with the growing demand of the population. Such shortage of
this vital water resource, both in terms of quantity and quality, ends up
triggering conflicts between different users. Facing such situation, this research
aimed to study the problems and more frequent conflicts related to the water in
the rivers of Médio São Francisco, in Minas Gerais, specifically the rivers Verde
Grande, Riachão and Jequitaí, checking in which situations those issues
culminate in the formation of Water Basin Committees, and in what extent they
can tackle such issues. Thus, bibliographic and documental searches were
conducted, as well as interviews in the cities of Belo Horizonte, Montes Claros
and Bocaiúva, with 32 governmental and non-governmental agencies involved
with the issue of water, as well as interviews with users. They were chosen
intentionally, by trial and convenience. Several problems that contribute, directly
or indirectly, to the shortage of water in rivers searched were identified. Such
problems, in the most part are common to the three rivers, standing out the
overthrow of native forest. The most frequent conflicts are those involving, on
the one hand, medium and large farmers, who use irrigation systems that
consume much water, and on the other hand, the small producers and the
community, for whom just little water is left. These conflicts have been more
evident in the river Riachão, which is due to the process of mobilization initiated
by the communities living there, that pressured the responsible organs so that
some solution was taken. It was evidenced that the Committees of Verde Grande
and Jequitaí / Pacuí were created in order to solve the conflicts existing in Verde
Grande and Riachão rivers respectively, but they have not managed to solve
conflicts. One of the reasons is that these committees were not created on the
basis of a request of the population of the water basin, which makes it difficult to
recognize the same as a space to decide on the demands of society. Moreover,
they are deliberative bodies and have no power to pressure and supervision.
Among the difficulties for their action, there is in the Committees the lack of an
administrative structure for the management, the lack of financial resources to
enable them to implement the projects prepared, the lack of specialized human
resources, as far in water resources management, as in management of conflicts,
iv
and, most importantly, the lack of popular participation. Possible solutions to
the problems faced by Committees can be indicated, such as enabling human
resources in management of water resources and management of conflicts, the
consciousness of its members so that they can participate effectively in taking
decisions and encouraging the popular participation.
Guidance: Prof. Dr. Ricardo Pereira Reis
v
1
INTRODUÇÃO
A água é um recurso necessário para a existência de vida na Terra e,
sobretudo, para a existência digna do ser humano, sendo fundamental para o
desenvolvimento de uma região. Por isso, o acesso a ela é um direito humano
fundamental.
Contudo, depara-se, atualmente, com a possibilidade crescente da falta
de água, o que tem suscitado discussões sobre sua gestão. O uso criterioso da
água, bem como sua distribuição eqüitativa, seja em termos quantitativo, como
qualitativos, representa um grande desafio para os órgãos gestores dos recursos
hídricos.
Água é fundamental na agricultura, na indústria, para o abastecimento
público, a geração de energia, a recreação e o turismo. O aumento da demanda,
devido à intensificação desses múltiplos usos, bem como pelo crescimento
populacional, tem ocasionado conflitos de interesses entre os diferentes usuários.
E, quando ocorre escassez de água, aumentam os conflitos, o que é muito
evidente em regiões semi-áridas, principalmente durante a estação seca. Assim,
é necessário que esses diferentes usos sejam disciplinados.
A água, por ser um bem essencial à vida, bem como ao desenvolvimento
econômico-social de uma região, requer, portanto, uma gestão especial. No
Brasil, os avanços mais importantes com relação às preocupações relativas à
água ocorreram, especialmente, em termos de legislações específicas para o
setor, como a Lei n
o
9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política
Nacional de Recursos Hídricos. Com esta legislação foram criados mecanismos
necessários à sua execução, como a criação de comitês de bacia hidrográfica.
Tais entidades são órgãos colegiados que contam com a participação dos
usuários, da sociedade civil organizada e de representantes de governos
2
municipais, estaduais e federal. Dentre as suas atribuições, estão a de promover
o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia, articular a
atuação das entidades que trabalham com este tema e arbitrar, em primeira
instância, os conflitos relacionados à água.
Esses comitês são instâncias fundamentais no modelo de gestão
descentralizada dos recursos hídricos adotado no Brasil. O presente estudo é
uma tentativa de contribuir para o entendimento da atuação desses órgãos
colegiados. Além disso, há, neste estudo, uma preocupação em entender os
problemas relacionados ao uso da água e os conflitos a ela relacionados.
Para tanto, busca-se estudar os problemas e os conflitos relacionados ao
uso da água nos rios do Médio São Francisco, localizadas no norte do estado de
Minas Gerais, na região do Semi-Árido Mineiro, especificamente os rios Verde
Grande, Riachão e Jequitaí.
A escolha dessa região deu-se pelo fato de ser uma das regiões mineiras
economicamente mais estagnadas e que enfrenta maiores adversidades
climáticas, com longos períodos de estiagem. Nesse período em que a água é
mais escassa, o acesso a ela gera conflitos, visto que um mero reduzido de
famílias detém o seu controle.
Sabe-se que a água é um bem vital, mas, devido à sua escassez, desperta
grandes interesses econômicos. Diante dessa realidade, algumas questões de
pesquisa são colocadas: quais são os problemas e conflitos mais freqüentes nos
rios do Médio São Francisco? Em quais situações as questões da água, nesses
rios, culminam na formalização de comitês de bacias hidrográficas, e em que
medida esses comitês conseguem enfrentar essas questões?
Para responder a essas indagações, foram realizadas pesquisas
bibliográficas e documentais, bem como entrevistas, nas cidades de Belo
Horizonte, Montes Claros e Bocaiúva, com 32 pessoas ligadas a órgãos
3
governamentais e não-governamentais envolvidos com a questão da água, bem
como com os usuários.
O objetivo geral desta pesquisa foi o de estudar os problemas e os
conflitos mais freqüentes relacionados à água nos rios do Médio São Francisco,
em Minas Gerais, especificamente os rios Verde Grande, Riachão e Jequitaí,
verificando em quais situações essas questões culminam na formalização de
comitês de bacia hidrográfica e em que medida estes comitês conseguem
enfrentar tais questões.
Especificamente, os objetivos foram:
- estudar os principais aspectos das políticas nacional e estadual de
recursos hídricos vigentes, que dão suporte à gestão hídrica;
- mapear os problemas e os conflitos deles advindos relacionados à água
nos rios Verde Grande, Riachão e Jequitaí, bem como os mesmos foram geridos;
- identificar a existência de comitês de bacia hidrográfica nesta região,
bem como em quais circunstâncias eles se formaram, quais suas ações no
enfrentamento das questões da água e os possíveis problemas de cada um.
A escolha do tema “gestão das águas” se justifica em razão da escassez
crescente de recursos hídricos em todo o mundo, tendo em vista a importância
de tal recurso para a existência da vida, bem como para o desenvolvimento
econômico-social de uma dada região. Assim, o Brasil, sendo o maior detentor
de águas doces no mundo, necessita de uma efetiva gestão de seus recursos
hídricos.
Nesse contexto, a região norte do estado de Minas Gerais merece
especial atenção, o que justifica a importância de se estudar o processo de gestão
em bacias hidrográficas que nela ocorre, que será importante para a formulação
e a gestão das políticas e ações voltadas para garantir a sustentabilidade de seu
desenvolvimento.
4
Este estudo divide-se em seis partes. A primeira é constituída pela
introdução. A segunda parte trata da fundamentação teórica que está subdividida
em cinco tópicos. Primeiramente, trata-se da água, como um recurso vital,
porém finito. No segundo tópico, faz-se um resgate sobre a política nacional de
gestão dos recursos hídricos, bem como a do estado de Minas Gerais. O terceiro
é dedicado a analisar os comitês de bacias hidrográficas. No quarto tópico,
evidencia-se a questão da água na região norte de Minas Gerais, objeto deste
estudo. Por fim, identifica-se a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, cujos
rios localizados em sua porção média são os objetos do estudo. A terceira parte
desta dissertação trata da metodologia; a quarta apresenta os resultados e
discussões; a quinta apresenta a conclusão e, por fim, são apresentadas as
referências bibliográficas.
5
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Água: recurso vital e finito
A água é um elemento essencial para a existência e a manutenção da
vida na Terra; no entanto, atualmente, tal recurso se encontra em estado de
escassez e limitação.
Segundo Magalhães (2007), depois da Segunda Grande Guerra, povos
que sempre viveram em regiões de certa abundância hídrica começaram a sofrer
as dificuldades econômicas e sociais decorrentes da falta da água. Novos valores
culturais começaram a surgir gradativamente em várias partes do mundo, até que,
em meados dos anos 1970, os problemas de escassez de água levaram as
autoridades mundiais a incluir os recursos hídricos no rol de suas preocupações
estratégicas.
Conforme o mesmo autor, o planeta passa por um período de transição
em que se procura aprender como gerir adequadamente a pouca água doce limpa
que resta e, em diversos países, os governos decidem desenvolver ações quanto
ao seu planejamento e gestão.
Importante ressaltar, de acordo com Magalhães (2007), que há uma
estreita relação entre a crise mundial dos recursos hídricos e as desigualdades
sociais entre os povos. Regiões já empobrecidas vêem seus problemas agravados
com a falta de água ainda não poluída. O bom uso da água e o desenvolvimento
econômico e social são indissociáveis, sendo necessária uma forte mudança de
comportamento em relação a esse recurso natural.
Segundo Linhares et al. (2005), 97% da água do planeta é salgada,
concentrada na sua maior parte nos oceanos e, assim, indisponível para uso
humano. Restam, então, menos de 3% na forma de água doce, da qual 2,2%
estão localizadas nas geleiras e também indisponível ao consumo. Assim,
somente cerca de 0,69% de água doce é disponível para uso. Este quadro de
6
escassez de água é agravado pela destruição de cursos d’água e de mananciais e
pela poluição dos recursos hídricos.
Conforme os autores anteriormente citados, o maior problema
relacionado à questão da água não é propriamente a sua falta, mas sim a
indisponibilidade da água ao consumo, devido ao comprometimento de sua
qualidade, à falta de um gerenciamento adequado e à heterogeneidade da sua
distribuição sobre a Terra.
A água é um recurso necessário para a existência de vida na terra e,
sobretudo, para a existência digna do ser humano. O acesso à água, portanto, é
considerado um direito humano fundamental, cuja proteção requer, segundo
Guterres (2005, p.14), “uma visão sistêmica e interativa”, com uma gestão
participativa.
De acordo com Moreira (2006), o Brasil encontra-se em uma posição
privilegiada em relação aos outros paises do mundo, no que diz respeito à
disponibilidade de recursos hídricos, com um volume per capita disponível de
48.314 m
3
ano/ habitante, valor 28 vezes superior ao volume per capita de água
considerado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) como o mínimo necessário para a garantia de uma qualidade
de vida saudável, correspondente a 1.700 m
3
ano/ habitante.
Para alguns, segundo Rebouças (2002), tais valores indicam a
abundância de água no Brasil, o que tem servido de suporte à cultura do
desperdício, à não realização de investimentos para o seu uso e proteção mais
eficientes e à sua pequena valorização econômica. Contudo, a distribuição das
águas no Brasil não é uniforme no território nacional, pois, enquanto a região
Norte dispõe de 68,5 % dos recursos hídricos e é habitada por apenas 7 % da
população nacional, o Sudeste, onde vivem 42,6 % dos habitantes, tem apenas
6% dos recursos hídricos disponíveis, de acordo com Moreira (2006).
7
Minas Gerais, estado brasileiro onde se localizam os rios objetos do
presente estudo, em decorrência de sua posição geográfica, é o grande divisor de
águas das principais bacias hidrográficas brasileiras. Abriga, em seu território,
dezesseis bacias fluviais, com vazão total nas fronteiras de 6290 m
3
/s, cujas
águas fluem para os demais estados da região Sudeste e quatro estados do
Nordeste, conforme Souza (2003). Essa autora cita o Professor Mário Cicarelli
Pinheiro, para quem o estado de Minas exporta cem vezes mais água do que
recebe de outros estados. Segundo Souza (2003, p.295), apesar do estado
mineiro ser um grande “abastecedor de águas” para outros estados, as bacias
hidrográficas que se originam em Minas sofrem com “a poluição de suas águas,
a degradação e o empobrecimento de suas áreas de abrangência”.
Rebouças (2002) ressalta que, mesmo nos estados brasileiros mais
populosos, o que mais falta não é água, mas um padrão cultural que incorpore o
combate ao desperdício e à degradação da qualidade da água, e que considere o
seu caráter finito e seu valor econômico. Ressalta ainda que uma avaliação do
problema de água de uma dada região não pode se restringir a um balanço entre
oferta e demanda, mas deve considerar os seus inter-relacionamentos geo-
ambientais e, principalmente, sócio-culturais, as condições de uso e conservação
de seus recursos naturais, de uso e ocupação do território, para que se possa
planejar ações e evitar ou atenuar os efeitos da falta de água.
Conforme Galizoni (2005), a água é um recurso indispensável à vida e
determinante para o desenvolvimento de um dado local ou região. Contudo,
depara-se, atualmente, com a possibilidade crescente da falta de água, o que tem
proporcionado discussões sobre sua gestão, privatização e comercialização.
De acordo com Ribeiro & Galizoni (2003), as crises que atingiram as
atividades agrícolas no Brasil, tais como falta de chuvas e perda de safras,
fizeram com que se despertasse nas pessoas a noção da finitude dos recursos
naturais. A escassez de água foi percebida, primeiramente, pelas populações
8
rurais, que são os consumidores mais próximos a ela, surgindo, a partir daí,
desentendimentos sobre águas para irrigação, consumo urbano e empresas
hidrelétricas”. A água passou, então, a ser um problema, nos fins dos anos 1990.
As empresas consideraram-na como uma oportunidade de investimentos, mas,
para as populações rurais, a água é tida numa outra perspectiva. Muitos autores,
segundo Ribeiro & Galizoni (2003), consideram que comunidades organizadas
de agricultores gerem, com eficiência, os recursos naturais, criando “técnicas
sustentáveis de produção e normas eficazes de gerência do meio”.
Galizoni (2005) afirma que, para alguns estudiosos, em termos
quantitativos, o volume de água na terra é o bastante para prover todas as
formas de vida”. Entretanto, observa a autora, a não escassez de água não
garante o acesso igualitário a ela. Tal fato, segundo Petrella (2002), citado por
Galizoni (2005), pode ser explicado pela ocorrência desigual das fontes no
espaço, pela poluição dos mananciais, pelo crescimento populacional e pelo
desperdício e má gestão das águas. Para Petrella, a escassez progressiva da água
está “mais relacionada à ação humana do que à sua disponibilidade natural”.
De acordo com Galizoni (2005), grupos privados de diversos países
exercem pressões para que se crie um mercado mundial de água, utilizando o
argumento da escassez, o que acaba por promover a idéia de privatização e,
conseqüentemente, o desaparecimento de sistemas locais de gestão da água
como um bem comum.
Para esta autora, como a agricultura é o setor que mais consome recursos
hídricos, questões sobre se a água deve ser tratada como bem comum ou
econômico devem ser abordados por esse setor, envolvendo todos os grupos
sociais e compreendendo a gestão comunitária das águas, para, então, poder-se
elaborar políticas de desenvolvimento participativas e justas.
Conforme Ribeiro & Galizoni (2003), como a água é um recurso
essencial para a execução de projetos de desenvolvimento, dar prioridade a seu
9
uso em situações que limitem os costumeiros usos feitos por populações locais,
muitas vezes, gera conflitos culturais, políticos e econômicos. Estes autores
observam que perceber essas dimensões (culturais, políticas e econômicas) em
relação à água, em populações rurais, é difícil, pois tal recurso já está
incorporado à cultura e à vida. “Mesmo em situações de escassez, água
dificilmente ganha destaque, pois quando a ausência torna-se freqüente,
incorpora-se às rotinas e às práticas”, afirmam Ribeiro & Galizoni (2003).
De acordo com Galizoni (2005, p.13):
“análises sobre a questão da água precisam tratar das relações sociais
em torno das formas de apropriação dos recursos hídricos, compreender
como um determinado grupo ou sociedade partilha suas fontes de água e
observar as diversas concepções, formas de uso, apropriação e gestão
dos recursos naturais”.
Conforme Magalhães (2007), apesar do Brasil ser um país com grande
quantidade de água doce – possuindo algo em torno de 13,7 % de toda água doce
do mundo – ele vive dois sérios problemas com suas águas. O primeiro refere-se
à degradação da qualidade das águas, principalmente nas proximidades das áreas
urbanas e o segundo problema reside no pouco controle da falta de água que
atinge várias localidades brasileiras. Atualmente não são somente as enchentes
que atingem várias cidades, pois a escassez drica também impõe sérias
restrições e elevados custos ao desenvolvimento econômico e social de muitas
grandes cidades do país. Ainda, cabe destacar o problema das secas periódicas
do semi-árido, que afligem, muito tempo, seus habitantes. Torna-se
necessário, portanto, que o setor público, bem como a sociedade civil,
desenvolvam ações para o planejamento e gestão dos recursos hídricos.
2.2 A política de gestão dos recursos hídricos
Conforme Soares (2003), a gestão da água é um conjunto de ações
sucessivas, objetivando sua recuperação a cada etapa de uso. Para tanto, a
10
participação da sociedade civil é indispensável, fiscalizando e tendo espaços de
poder dentro dos órgãos reguladores. A gestão hídrica exige, portanto, a
efetivação do conceito de cooperação ambiental e a articulação de vários
municípios entre si, representantes dos governos federal, estadual, municipal,
usuários da água e representantes da sociedade civil organizada.
Quando a propriedade das águas é pública, seu sistema de gestão
caracteriza-se por três fatores, segundo Lanna (2000), citada por Soares (2003):
a) a necessidade de descentralização da gestão, através da qual o Estado permite
a participação da sociedade; b) a adoção do planejamento estratégico na bacia
hidrográfica, por meio da qual os governos, usuários das águas e sociedade
negociam e estabelecem metas de desenvolvimento sustentável e formas para
alcançá-las; c) a utilização de instrumentos normativos e econômicos que visem
a atingir as metas de desenvolvimento sustentável estabelecidas no planejamento
estratégico.
O objetivo de qualquer sistema de gestão das águas deve ser, conforme
Soares (2003), o de assegurar águas limpas, tentando aumentar a quantidade
disponível por meio de ações que assegurem a sustentabilidade para o consumo,
no futuro, através do combate ao desperdício, da proteção dos mananciais e
evitando a contaminação do lençol freático.
Para a autora supra citada, os principais problemas na gestão, na maioria
das vezes, estão relacionados às questões tecnológicas e são de natureza
organizacional. A tecnologia existe, mas uma barreira organizacional para a
sua efetiva utilização, uma vez que as secretarias não se integram e os técnicos
não trocam informações.
É necessário, portanto, um planejamento, que deve ser “interpretado
como um processo dinâmico que se adapte às transformações da realidade, e não
como um produto pronto e acabado”, conforme afirma a referida autora.
11
Apesar de ser um recurso natural tão importante para a vida, observa-se,
atualmente, a escassez da água e, de acordo com Pereira & Rego (2005), o
desafio que se coloca é o de melhorar o gerenciamento dos recursos hídricos
para que se garanta o acesso à água doce, uma vez que se estima que a demanda
de água dobra a cada vinte anos. É por esse motivo que a água começou a ser
tratada como um recurso finito, dotado de valor econômico e cujo
gerenciamento precisa se dar de forma participativa.
A água, como elemento ambiental é, sem dúvida, um dos recursos mais
escassos neste estágio de desenvolvimento da humanidade. Esta é a razão pela
qual deve-se preservá-la e, para isso, de se observar o tratamento histórico
dado à questão, a sua valoração jurídica desde o Brasil-Colônia até o momento
atual e, então, fixar metas eficientes de ação.
Conforme o jurista Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, citado
por Almeida (2002), pode-se identificar três momentos históricos na evolução
legislativo-ambiental brasileira: a fase da exploração desregrada, a fase
fragmentária e a fase holística.
A fase da exploração desregrada compreende o período entre o
descobrimento do Brasil até aproximadamente meados do século XX. A
conquista portuguesa mudou o meio ambiente brasileiro, que foi muito
explorado, estimulando, com o esgotamento dos recursos, a procura de novas
regiões a serem devastadas, de acordo com Almeida (2002).
Segundo essa mesma autora, nos poucos artigos das Ordenações
Afonsinas, de 1446, relacionados com questões ambientais, não menção às
águas, assim como ocorreu com as Ordenações Manuelinas. Nesta, porém, a
legislação ambiental teve uma previsão de proteção mais detalhada, pois foi
introduzido o conceito de zoneamento ambiental – proibindo a caça de perdizes,
lebres e coelhos em determinados locais e houve a estipulação do valor da
indenização de acordo com o valor da árvore. Já as Ordenações Filipinas, de
12
1603, foram precursoras na proteção das águas, proibindo expressamente a
qualquer pessoa jogar material que pudesse matar os peixes e sua criação, ou
sujar as águas dos rios e das lagoas.
Segundo Henkes (2002), a Constituição do Imrio, promulgada em
1824, não tratou especificadamente dos recursos hídricos, mas como estava
previsto no direito vigente que na propriedade do solo estava implícita a do
subsolo, ou seja, as águas subterrâneas, tal Constituição acabou por postular que
se nas terras privadas existissem mananciais de água subterrânea, estes
pertenciam aos proprietários do solo. Embora esta Constituição foi omissa em
relação à tutela ambiental, determinou a elaboração de um Código Civil e um
Criminal, de acordo com Almeida (2002). De fato, para essa autora, a
preocupação com a proteção das águas se fez presente no Código Penal de 1890,
que previa pena para quem corrompesse a água potável de uso comum ou
particular, tornando-a impossível de beber ou nociva à saúde.
A Constituição Republicana, de 1891, não regulamentou a propriedade
dos rios, mas definiu as competências para legislar sobre a navegação dos
mesmos, de acordo com Henkes (2002). Já a Constituição de 1934 disciplinou o
domínio dos recursos hídricos, concedendo-os à União e aos Estados. A estes
pertenciam as margens dos rios e lagos navegáveis, destinadas ao uso público e a
União foi delegada a competência para legislar sobre águas, energia elétrica,
pesca, entre outros. Também foi instituída a necessidade de autorização ou
concessão federal para a exploração e aproveitamento industrial das águas e
energia hidráulica. Segundo Henkes (2002), esta Constituição foi a pioneira na
elaboração de políticas públicas voltadas para o setor hídrico, postulando como
competência privativa da União organizar a defesa permanente contra os
efeitos da seca nos estados do Norte”.
Conforme Almeida (2002), o Código Civil de 1916 regulou o direito de
uso das águas em poucos artigos, mas não se referiu diretamente ao seu domínio.
13
A proteção fundou-se basicamente no direito de vizinhança e na utilização da
água como um bem essencialmente privado e de valor econômico limitado.
Assim, o usuário poderia utilizar as águas da forma que desejasse, desde que
fossem respeitados os direitos de vizinhança.
O Código de Águas, que foi objeto de decreto em 1934, é o marco legal
do gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil, de acordo com Henkes (2002),
considerando-se que as Constituições anteriores regulamentaram outros aspectos,
tais como o domínio e as competências legislativas. O Código de 1934
estabeleceu uma política hídrica moderna e complexa para a época, segundo a
referida autora, abordando vários aspectos, tais como a aplicação de penalidades,
a propriedade, o aproveitamento das águas, a navegação, as concessões e
autorizações, a fiscalização, dentre outros. Em tal Código, as águas eram
consideradas públicas ou particulares, e somente com a promulgação da
Constituição de 1988 todas as águas foram consideradas de domínio publico.
Após a fase da exploração desregrada, baseada na visão distorcida da
natureza-inimiga”, em que o desenvolvimento está atrelado à devastação dos
recursos naturais, segundo Almeida (2002), a fase fragmentária. Nesta houve
uma nova valoração jurídica do meio ambiente, estimulada pela proliferação, no
mundo, do pensamento ecológico. Esta consciência foi realmente despertada a
partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em
Estocolmo, em 1972, onde foram estabelecidos princípios básicos do Direito
Ambiental.
De acordo com Almeida (2002), durante os anos sessenta, um grande
número de leis foi editado. A Lei 4.132/62 estabeleceu, dentre os casos de
desapropriação de terras por interesse social, a hipótese de proteção do solo e
preservação de cursos e mananciais de água, bem como de reservas florestais. O
Código Florestal, Lei 4.771/65, criou as áreas de preservação permanente e,
indiretamente, protegeu a vazão e a qualidade das águas ao determinar a
14
preservação das florestas e das matas ciliares situadas ao longo dos cursos
d’água, nascentes, lagos, lagoas ou reservatórios. Já as Constituições Federais de
1967 e de 1969 não trouxeram qualquer modificação no tratamento das águas
em relação às Constituições anteriores.
Na fase holística houve a solidificação do pensamento jurídico ambiental
no sentido de preservação do meio ambiente como um sistema ecológico
integrado, conforme Almeida (2002). O advento da Lei 6.938, de 1981, que
dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, foi o início do pensamento
holístico em relação à proteção ambiental no Brasil, sendo o meio ambiente
tratado como um todo pelo legislador.
Ainda, conforme a mesma autora, a Constituição de 1988 foi um
importante marco na história da proteção ambiental no Brasil, caracterizando a
água como um recurso econômico de forma bastante clara e importante.
Posteriormente, a Lei nº 9.433/97 trouxe importantes contribuições para o
aproveitamento dos recursos hídricos, adequando a legislação aos conceitos de
desenvolvimento sustentável. Para tanto, instituiu a Política Nacional dos
Recursos Hídricos e o seu gerenciamento, normatizou a utilização dos recursos
hídricos, com o intuito de garantir a preservação e a disponibilidade das águas.
De acordo com Pereira & Rego (2005), as primeiras discussões sobre a
necessidade de reforma e modernização da gestão dos recursos hídricos
ocorreram na Conferência das Nações Unidas sobre Água, realizada em Mar Del
Plata, Argentina, em 1977, cujo Plano de Ação, recomendava, dentre outras
coisas que:
“Cada país deve formular e analisar uma declaração geral de políticas em
relação ao uso, à ordenação e à conservação da água, como marco de
planejamento e execução de medidas concretas para a eficiente
aplicação dos diversos planos setoriais. Os planos e políticas de
desenvolvimento nacional devem especificar os objetivos principais da
política sobre o uso da água, a qual deve ser traduzida em diretrizes e
15
estratégias, subdivididas, dentro do possível, em programas para o uso
ordenado e integrado do recurso” (Pereira & Rego, 2005, p. 2).
Em janeiro de 1992, segundo Pereira & Rego (2005), na Pré-Conferência
das Nações Unidas sobre Água em uma perspectiva de desenvolvimento
sustentável, foi estabelecida a Declaração de Dublin, que em seu princípio 1
reza que “a água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a
vida, o desenvolvimento e o meio ambiente”. Ainda em 1992, na Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada no Rio
de Janeiro, o conceito de desenvolvimento sustentável na utilização dos recursos
naturais foi largamente difundido nos documentos assinados. Destes, um dos
mais importantes foi a Agenda 21 que trata, em seu capítulo 18, sobre a proteção
da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos, tendo como objetivo
geral:
“Assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de boa
qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo tempo em que
preserve as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos
ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da
capacidade da natureza e combatendo vetores de moléstias relacionadas
com a água” (Pereira & Rego, 2005, p. 2 - 3).
Em 1998, em Paris, França, ainda conforme estas autoras, foi realizada a
Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento Sustentável, cujas
principais deliberações foram que os recursos hídricos são essenciais à
satisfação das necessidades humanas básicas, de saúde, energia e produção de
alimentos e à preservação de ecossistemas, assim como ao desenvolvimento
social e econômico”, e que é crucial melhorar o conhecimento e compreensão
em todos os níveis dos recursos hídricos para desenvolver, gerenciar e proteger
melhor esse recurso e usá-lo de maneira eficiente, eqüitativa e sustentável”.
No Brasil, de acordo com Pereira & Rego (2005), a Constituição de 1988,
atendendo à preocupação mundial sobre a necessidade de melhor gestão dos
16
recursos hídricos, postulou, no inciso XIX do artigo 21, a criação de um Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, já que o Código de Águas de
1934 não mais atendia às exigências da nova ordem mundial, pois era voltado
para a expansão do potencial hidroelétrico e ainda, em algumas situações,
admitia a água como propriedade privada e ilimitada. E, em 1997, foi
promulgada a Lei 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos
Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos
Hídricos, baseada na visão mundial sobre gestão de águas.
Para Machado (2003), a Lei 9.433/97 instituiu importantes conceitos
para a gestão dos recursos hídricos no Brasil, tais como a adoção da bacia
hidrográfica como unidade de gerenciamento e planejamento, gestão
descentralizada e participativa, água como domínio público, água dotada de
valor econômico e recurso finito e uso múltiplo.
A referida Lei definiu, ainda, conforme o mesmo autor, cinco
instrumentos essenciais à boa gestão do uso da água, sendo o primeiro
instrumento o Plano Nacional de Recursos Hídricos, que é um documento
contendo programas para o setor. O segundo é a outorga de direito de uso dos
recursos dricos que é um instrumento pelo qual o usuário recebe uma
autorização, ou uma concessão, ou ainda uma permissão, para fazer uso da água.
O terceiro instrumento é a cobrança pelo uso da água, essencial para
criar as condições de equilíbrio entre a disponibilidade de água e a demanda. O
quarto instrumento é o enquadramento dos corpos d’água em classes de uso,
importante para se ter um sistema de vigilância sobre os níveis de qualidade da
água dos mananciais. Por fim, o Sistema Nacional de Informações sobre
Recursos Hídricos, encarregado de coletar, organizar, criticar e difundir a base
de dados relativa aos recursos hídricos, seus usos, o balanço hídrico de cada
manancial e de cada bacia, dando aos gestores, aos usuários e à sociedade civil,
as condições necessárias para opinar no processo decisório ou mesmo para
17
tomar as decisões.
Para Galizoni (2005), essa Lei das Águas apresenta pontos positivos, ao
tratar a água como um bem de domínio público, controlar a poluição dos
mananciais e propor uma gestão com a participação da sociedade. Contudo, tal
gestão participativa, através de Comitês de Bacia Hidrográfica composto por
usuários, sociedade civil e poder público, centraliza a decisão final sobre
projetos na Agência Nacional das Águas. Além disso, observa-se uma
composição desigual dos Comitês, onde a participação maior é das empresas
usuárias.
Conforme Guterres (2005), no Brasil, a Política Nacional de Recursos
Hídricos, postulada na Lei 9433/97, impõe uma grande barreira à exploração
privada da água e recursos hídricos, elencando princípios tais como o de que a
água é um bem de domínio público, que o seu uso prioritário em situações de
escassez é para consumo humano e dessedentação de animais, bem como o de
que sua gestão deve ser descentralizada, com a participação do Poder Público,
dos usuários e das comunidades.
A referida lei prevê, também, que a água é um recurso natural dotado de
valor econômico, o que, segundo Guterres (2005, p.11), “diante da prevalecente
ordem econômica mundial, pode facilmente ser deturpado, desviando-o de sua
intenção fundamental, que seria a racionalização do uso da água, e
comprometendo-o com outros interesses que não os da coletividade”.
Em relação ao princípio da gestão descentralizada, o referido autor
observa a ausência de uma efetiva participação da coletividade na gestão dos
recursos hídricos no Brasil, e cita Irigaray (2003, p. 395):
“A sociedade civil, cuja participação está limitada por arranjos
institucionais, não encontra espaço para se integrar efetivamente na
formulação da política de águas, nem tampouco para aprofundar a
discussão de temas nacionalmente relevantes, contribuindo
modestamente com a legitimação de um modelo de gestão que prioriza o
reconhecimento do valor econômico da água”.
18
Conforme Guterres (2005), a Política Nacional de Recursos Hídricos
prevê o instituto da outorga, no inciso III do artigo 5
o
, bem como no artigo 11 e
seguintes, de forma que não é possível a alienação dos recursos hídricos no
Brasil, não perdendo o Estado, dessa forma, seu domínio, ou seja, não é possível
a privatização da água.
Mas, de acordo com Galizoni (2005), o fato da Lei n
o
9433/97 ter
tornado a água um bem econômico de domínio publico e postular queo
dependem de outorga os usos considerados insignificantes, não garante um
acesso mínimo a todos, especialmente para aqueles que não podem pagar por ela.
Para a autora, essa Lei, ao determinar a outorga e o pagamento no uso da água,
não leva em conta gestões locais, uma vez que os pequenos consumidores vêem
acabar a água que geriram e conservaram, pois ela foi outorgada para outros
usos. Daí, muitas vezes, surgem disputas entre irrigantes e agricultores, ou
entre empresas de energia e famílias de agricultores atingidos por barragens”.
A Lei n
o
9433/97, para a supra citada autora, ao transformar a água em
bem econômico, com a outorga do direito de seu uso, tende, pouco a pouco, a
tornar privadas a gestão e a distribuição da água, concentrando nas empresas o
acesso a ela, excluindo “usos costumeiros e localizados”.
Uma questão é colocada por Galizoni (2005, p. 173-174):
“Qual espaço político e cultural a Lei (...) e o mercado deixarão para a
pequena regulação comunitária? Quase que somente o espaço subalterno
do conflito, pois configuram-se situações em que a água bem econômico
tende a ser hegemônica frente a água bem comum, pois a primeira o
só está fundamentada na Lei das Águas, como também a institui”.
A referida autora cita Petrella (2000), para quem o domínio público
sobre as águas deve ser mantido, mas devem-se delegar alguns poderes de
gestão para as comunidades locais, que normalmente tratam a água como um
bem comum.
19
Para Guterres (2005), os modelos de gestão da água implementados no
Brasil ainda não conseguiram uma boa sustentabilidade em sua utilização,
impondo-se, portanto, um novo sistema de gerenciamento, em que a água seja
realmente reconhecida como direito fundamental, cabendo ao Estado geri-la de
forma democrática, aumentando a participação pública nesse processo.
Cabe lembrar, conforme o supra citado autor, que a Constituição de 1988
consagrou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
constitucional, impondo o dever de preservá-lo e protegê-lo não apenas ao
Estado, mas também à coletividade. E sobre essa forma democrática de
gerenciamento, o autor segue citando, mais uma vez, Irigaray (2003, p. 397):
“Não se pode ignorar as dificuldades inerentes a essa tarefa, na medida
em que a água possui valores socialmente distintos, e seu manejo
envolve interesses freqüentemente divergentes; contudo esse mesmo
argumento reforça a necessidade de um comprometimento do sistema
político com respeito a essa pluralidade de interesses, subtraindo esse
patrimônio comum de uma lógica mercantilista, que conduz à livre
disposição e aos abusos característicos da autonomia jurídica individual”.
Guterres (2005, p.14) afirma, ainda, que:
“A concretização do fundamental direito à água implica incentivar a
consciência e compromisso tanto de cidadãos como de políticos com
uma gestão participativa, eqüitativa e solidária, com o escopo de garantir
os usos múltiplos da água, o acesso geral e a provisão suficiente à
dignidade da pessoa humana. Na concretização desse direito, entretanto,
muita coisa ainda está por fazer, exigindo criatividade e, acima de tudo,
democracia”.
Importantes, também, são as palavras de Caubet (2006, p.65), citado por
Guterres (2006, p.5):
“(...) a água é um problema de cidadania e de democracia: a gestão
integrada, sustentável e solidária da água é domínio da democracia
participativa, representativa e direta. Ultrapassa as competências e os
conhecimentos dos técnicos, dos engenheiros ou dos banqueiros. O
utilizador (consumidor pagador e não-pagador) tem um papel importante
a desempenhar pelas suas opções, dentro de práticas norteadas pelos
20
princípios de uma economia e de uma sociedade sustentáveis. Os
requisitos de gestão descentralizada e transparente devem ser aplicados
em todos os âmbitos de tomada de decisão: aldeias, cidades, aqüíferos,
bacias, regiões. As práticas locais e tradicionais devem ser
revalorizadas”.
Conforme Abers & Keck (2004), os governos de países em
desenvolvimento têm incentivado a produção de bens e serviços públicos por
meio de conselhos participativos, nos quais atores públicos e privados
colaboram na formulação e implementação de políticas públicas. As motivações
para tanto variam desde a existência de limitações fiscais à ineficiência da
máquina burocrática, quanto de pressões pela democratização dos processos de
tomada de decisão a prescrições de agências financeiras internacionais. Em
resposta, propõe-se a criação de conselhos e outras formas descentralizadas de
gestão com participação de todos os indivíduos ou grupos que afetam ou são
afetados por determinada política pública. No Brasil, a tentativa de
implementação de uma gestão descentralizada dos recursos hídricos foi
institucionalizada através da criação de Comitês de Bacias Hidrográficas com
participação de governos, organizações privadas e da sociedade civil.
Segundo Barth (2002), devido à demora da promulgação da lei sobre o
sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos, que ficou em discussão
no Congresso Nacional de 1991 até 1997, os Estados adiantaram-se e
promulgaram suas respectivas leis, com fundamentos semelhantes à lei nacional.
O Estado de Minas Gerais assim o fez, em 1994, com a publicação da lei
11.504. Posteriormente, em 1999, tal lei foi revogada pela lei 13.199, ainda
em vigor. A lei estadual prevê a existência do Conselho Estadual de Recursos
Hídricos, dos Comitês de Bacias Hidrográficas e das Agências de Bacias, órgãos
gestores dos recursos hídricos, também previstos na lei nacional.
Assim, a Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado de Minas
Gerais foi instituída pela lei 11.504/94 e ela está baseada na visão do modelo
21
sistêmico de integração participativa. Em seu artigo segundo, a Lei 11.504/94
(Minas Gerais, 1999a) confere prioridade ao abastecimento público, com a
preocupação de preservação dos ecossistemas; reconhece a água como bem
natural, dotado de valor social, ecológico e econômico; adota a bacia
hidrográfica como base de planejamento e gerenciamento, a cobrança pelo uso
da água em função da disponibilidade e das peculiaridades da bacia, a
compatibilidade do gerenciamento hídrico com o desenvolvimento regional e
com a proteção do meio ambiente.
De acordo com Souza (2003), no período de 1994 a 1999, o sistema
ambiental de Minas Gerais passou por mudanças em função da aprovação da
política nacional de recursos hídricos, em 1997. Assim, houve necessidade de se
adequar a política estadual à política nacional, com instituição da lei estadual n
o
13.199 de 29 de janeiro de 1999. Essa lei instituiu a política estadual de recursos
hídricos e criou o sistema estadual de recursos hídricos do Estado de Minas
Gerais. Ela altera os fundamentos da política instituída em 1994, mas promove
algumas mudanças, sendo as mais importantes, segundo Souza (2003), aquelas
que se situam no formato do sistema de gestão, bem como na integração da
gestão de águas à gestão ambiental.
A política estadual de recursos hídricos de Minas Gerais prevê ações
para proteção e recuperação da disponibilidade hídrica subterrânea e superficial,
programas permanentes de proteção das águas, garantia dos usos múltiplos e
prevenção contra a degradação da área de abrangência da bacia.
A Lei 13.194/99 (Minas Gerais, 1999b), em seu artigo sete, dispõe que o
Estado celebrará convênios de cooperação mútua e de assistência técnica e
econômico-financeira com os municípios, para a implantação de programas que
tenham como objetivo: a manutenção do uso sustentável dos recursos hídricos; a
racionalização do uso múltiplo dos recursos hídricos; o controle e a prevenção
de inundações e de erosão, especialmente em áreas urbanas; a implantação, a
22
conservação e a recuperação da cobertura vegetal, em especial das matas ciliares;
o zoneamento e a definição de restrições de uso de áreas inundáveis; o
tratamento de águas residuárias, em especial dos esgotos urbanos domésticos; a
implantação de sistemas de alerta e de defesa civil para garantir a segurança e a
saúde públicas em eventos hidrológicos adversos; a instituição de áreas de
proteção e conservação dos recursos hídricos e a manutenção da capacidade de
infiltração do solo.
A referida lei, assim como a lei nacional, estabelece os instrumentos da
Política Estadual de Recursos Hídricos, que são: o Plano Estadual de Recursos
Hídricos; os Planos Diretores de Recursos Hídricos de Bacias Hidrográficas; o
Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos; o enquadramento dos
corpos de água em classes, segundo seus usos preponderantes; a outorga dos
direitos de uso de recursos hídricos; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; a
compensação a municípios pela exploração e restrição de uso de recursos
hídricos; o rateio de custos das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou
coletivo as penalidades.
Além desses instrumentos, de acordo com Souza (2003), a Política
Estadual de Recursos Hídricos possui um ousado sistema de gerenciamento que
reúne vários órgãos, leis e ações cujo objetivo é garantir o uso dos recursos por
todos os usuários, compartilhar a oferta hídrica e os usos aos padrões e qualidade
e às prioridades definidas no Plano Estadual de Recursos Hídricos e nos Planos
Diretores.
As instituições que formam o Sistema de Gestão são responsáveis pelas
ações necessárias à implementação dos princípios doutrinários e à execução do
planejamento do uso, controle e proteção das águas. Conforme Souza (2003),
elas foram concebidas como fóruns que possibilitam as negociações entre os
diversos usos concorrentes das águas, sendo, assim, sensíveis às reivindicações
das comunidades integrantes da bacia.
23
A lei 13.194/99, em seu artigo 32, estabelece como objetivos do Sistema
Estadual de Gestão de Recursos Hídricos coordenar a gestão integrada e
descentralizada das águas, arbitrar administrativamente os conflitos relacionados
com os recursos hídricos, implementar a Política Estadual de Recursos Hídricos,
planejar, regular, coordenar e controlar o uso, a preservação e a recuperação de
recursos hídricos do Estado e promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.
Segundo Souza (2003), considerando a integralidade da questão
ambiental, a atual organização da política ambiental mineira se estrutura a partir
de um sistema integrado, denominado Sistema Estadual de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (SISEMA), cuja concepção se apóia na ação
integrada dos diversos órgãos que formam a estrutura da Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD).
Integram esse Sistema, conforme dispõe o artigo 33 da lei 13.194/99, a
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(SEMAD); o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH-MG); o Instituto
Mineiro de Gestão das Águas (IGAM); os Comitês de Bacia Hidrográfica; os
órgãos e as entidades dos poderes estadual e municipais cujas competências se
relacionem com a gestão de recursos hídricos e as agências de bacias
hidrográficas.
Nos seus artigos 40 a 45, a lei 13.194/99 define as competências dos
órgãos integrantes do Sistema. À SEMAD compete promover a articulação entre
os conselhos de meio ambiente e recursos hídricos, além de efetivar a integração
dos demais órgãos ambientais e suas ações. Ao CERH-MG compete dirigir a
implementação da política de recursos hídricos, decidir sobre conflitos, dentre
outras atribuições. O IGAM tem a responsabilidade de propor e executar as
diretrizes relativas à gestão das águas em Minas Gerais, viabilizar estudos que
possibilitem a elaboração e implementação dos instrumentos de gestão e da
24
política das águas e promover as condições necessárias à proteção e conservação
das águas visando o uso racional e múltiplo dos recursos hídricos.
O Comitê de Bacia Hidrográfica é órgão deliberativo e normativo na
área territorial de sua abrangência, ou seja, a bacia hidrográfica. Ele vai
estimular o debate sobre recursos hídricos e articular a sociedade civil em
relação ao tema. São suas atribuições, conforme o artigo 43 da lei 13.194/99:
promover o debate das questões relacionadas com recursos hídricos e articular a
atuação de órgãos e entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância
administrativa, os conflitos relacionados com os recursos hídricos; aprovar os
Planos Diretores de Recursos Hídricos das bacias hidrográficas e seus
respectivos orçamentos; aprovar planos de aplicação dos recursos arrecadados
com a cobrança pelo uso de recursos hídricos; aprovar a outorga dos direitos de
uso de recursos hídricos para empreendimentos de grande porte e com potencial
poluidor; estabelecer critérios e normas e aprovar os valores propostos para
cobrança pelo uso de recursos hídricos; aprovar programas de capacitação de
recursos humanos de interesse da bacia hidrográfica, na sua área de atuação,
dentre outras.
O Comitê é responsável por um conjunto de decisões no âmbito da bacia
e terá, para a execução dessas decisões, a Agência de Bacia, cuja criação deve
ser autorizada pelo Conselho de Recursos Hídricos, a partir de solicitação de um
ou mais Comitê. Suas atribuições o: manter balanço atualizado da
disponibilidade de recursos hídricos em sua área de atuação; manter atualizado o
cadastro de usos e de usuários de recursos hídricos; efetuar a cobrança pelo uso
de recursos hídricos; analisar e emitir pareceres sobre os projetos e as obras a
serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo uso da água;
acompanhar a administração financeira dos valores arrecadados com a cobrança
pelo uso de recursos hídricos; analisar projetos e obras considerados relevantes
para a sua área de atuação; emitir pareceres sobre eles; promover os estudos
25
necessários para a gestão dos recursos hídricos em sua área de atuação; gerenciar
os recursos financeiros gerados pela cobrança pelo uso dos recursos hídricos da
bacia, dentre outras.
O Sistema Estadual de Recursos Hídricos ainda não foi totalmente
implantado, faltando, para isso, a regulamentação da Agência de Bacia e da
cobrança pelo uso da água, o que criaria maiores condições para a efetiva
atuação dos Comitês.
Em relação aos Comitês de Bacias Hidrográficas, percebe-se, a partir do
conhecimento de suas atribuições, tanto as estabelecidas pela lei nacional de
recursos hídricos, quanto pela lei estadual, que elas são coincidentes em ambas
as leis, devendo o Comitê ser um órgão através do qual a sociedade possa
participar da tomada de decisões sobre a gestão das águas.
2.3 Os Comitês de Bacias Hidrográficas
A Lei 9.433/97 instituiu, como órgãos gestores dos recursos dricos,
compondo o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, os seguintes, de acordo
com o Ministério do Meio Ambiente (Brasil, 2007d): a) o Conselho Nacional de
Recursos Hídricos (CNRH), órgão mais elevado da hierarquia do Sistema
Nacional de Recursos Hídricos, a quem compete decidir sobres as grandes
questões do setor; b) a Agência Nacional das Águas (ANA), a quem cabe
outorgar e fiscalizar o uso de recursos hídricos de domínio da União; c) os
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, que tem como atribuição contribuir
para a formulação da Política de Recursos Hídricos e solucionar conflitos; d) os
Comitês de Bacias Hidrográficas, que têm a participação dos usuários, das
prefeituras, da sociedade civil organizada, de governos estaduais e federal, e
deliberam sobre o Plano de Recursos Hídricos, quando, quanto e para que cobrar
pelo uso dos mesmos; e) as Agências de Água, que exercem a função executiva
do Comitê, cobrando pelo uso dos recursos hídricos e fornecendo apoio técnico,
26
financeiro e administrativo, uma vez que os Comitês não têm personalidade
jurídica (esta é definida por Diniz, 1995, p.85, como a “aptidão genérica para
adquirir direitos e obrigações”); e f) as Organizações Civis de Recursos Hídricos,
que atuam no setor de planejamento e gestão do uso dos recursos hídricos e que
devem participar no processo de tomada de decisões.
Os Comitês de Bacia Hidrográfica estão postulados no artigo 37 da supra
citada Lei, e têm como área de atuação a totalidade de uma bacia hidrográfica;
sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de
tributário desse tributário; ou grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas
contíguas.
Conforme o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (Brasil, 2005b), o
Comitê de Bacias Hidrográficas é um órgão colegiado que conta com a
participação dos usuários, da sociedade civil organizada, de representantes de
governos municipais, estaduais e federal. Este órgão atua como um “parlamento
das águas”, pois é o lugar de decisão no âmbito de cada bacia hidrográfica.
Tais Comitês, conforme disposto na Lei 9.433/97, têm as atribuições
de promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos da
bacia; articular a atuação das entidades que trabalham com este tema; arbitrar,
em primeira instância, os conflitos relacionados a recursos hídricos; aprovar e
acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia; estabelecer os
mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a
serem cobrados e estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de
uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo, dentre outras.
Embora a gestão ampla dos recursos hídricos fique a cargo do Conselho
Nacional de Recursos Hídricos, no nível federal, e sob responsabilidade dos
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos no nível estadual, Oliveira (2007)
destaca a importância da atuação dos Comitês de Bacias Hidrográficas como um
importante órgão gestor dentro de sua área de atuação. Isso se deve ao fato de
27
que esse órgão colegiado está próximo à ocorrência dos fatos, além de ter, em
sua composição, a participação da sociedade civil organizada.
Em seu artigo 39, a Lei nº 9.433/97 determina que comporão os Comitês
em rios de domínio da União representantes públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos municípios e representantes da sociedade, tais como
usuários das águas de sua área de atuação e das entidades civis de recursos
hídricos com atuação comprovada na bacia.
A proporção entre esses representantes foi definida pelo Conselho
Nacional de Recursos Hídricos, através da Resolução 5, de 10 de abril de
2000. Esta norma estabelece diretrizes para formação e funcionamento dos
Comitês de Bacia Hidrográfica, estabelecendo que os representantes dos
usuários sejam 40% do número total de representantes do Comitê. A somatória
dos representantes dos governos municipais, estaduais e federal não poderá
ultrapassar a 40% e, os da sociedade civil organizada, 20%.
É de responsabilidade da Agência Nacional das Águas (ANA) promover
o suporte financeiro e técnico à estruturação de Comitês de Bacias Hidrográficas,
e integrar interestadualmente as partes que o compõem, através da realização de
eventos para os diferentes setores usuários dos recursos hídricos, definindo a
pauta prioritária para ações e intervenções nas bacias hidrográficas, elaborando
planos de trabalho dos Comitês, realizando convênios e descentralizando a
gestão dos recursos hídricos.
Para Machado (2003), a intenção do legislador, ao instituir os Comitês
de Bacias Hidrográficas, foi o de, ao propor uma gestão pública colegiada,
defender a supremacia dos interesses da coletividade sobre os interesses
privados. O colegiado facilita a transparência nas relações entre empresários,
atores sociais e ONGs, incorporando os interessados e, dessa forma,
constituindo-se num “canal de participação para exercício da cidadania”. Assim,
o Comitê reduz os riscos do “aparato público ser apropriado por interesses
28
imediatistas, orientando as políticas publicas e formulando planos de
desenvolvimento integrado” (Machado, 2003, p.127).
Nos últimos anos, conforme Born (2000), devido ao processo de
redemocratização do País, muitas organizações da sociedade brasileira têm tido
espaço para participar do planejamento de políticas e programas de interesse
público, baseadas no princípio da democracia participativa.
Assim, segundo este autor, os Comitês de Bacia, bem como outros
Conselhos, como o de meio ambiente, por exemplo, passaram a ser espaços
importantes para a formulação e gestão de políticas e ações voltadas a garantir o
desenvolvimento sustentável e a conservação dos recursos hídricos. A sociedade
percebeu que é necessário promover eqüidade, justiça social, distribuição de
renda e sustentabilidade nas questões que definem os usos, benefícios e ônus
das águas de nosso País” (Born, 2000, p.67).
O autor destaca alguns papéis importantes a serem desempenhados pelos
Comitês, tais como o de promover a conscientização dos cidadãos em relação ao
desenvolvimento sustentável e gestão integrada das águas, induzir mudanças de
atitudes em todos os níveis, bem como incentivar o controle social das políticas
e programas de órgãos governamentais e privados.
Ainda, para este referido autor, é importante garantir igualdade de
direitos aos membros dos Comitês quanto à tomada de decisões, além da
necessidade de haver clareza, pois se trata de um órgão do qual diversos atores
sociais participam com valores e interesses diferentes.
De acordo com Quermes (2006), dentro das competências dos Comitês
de Bacias está confirmado o princípio da descentralização administrativa, pois é
de responsabilidade do Comitê toda a gestão da bacia. Mas, conforme esse autor,
no Brasil os processos de descentralização muitas vezes não representam
desconcentração das decisões e de poder, uma vez que as agências e as
instituições do Estado repassam atividades, mas mantém o controle das decisões.
29
Quermes (2006) relata que, no Encontro Regional do Fórum Nacional de
Comitês de Bacias Hidrográficas, realizado em abril de 2006, em Natal/RN,
onde esteve em pauta “A Gestão de Águas do Semi-Árido”, ficou evidente que,
apesar da luta dos Comitês de Bacias para serem o órgão central na gestão dos
recursos hídricos no âmbito da bacia na qual estão inseridos, as decisões ou as
políticas governamentais estão sendo planejadas e implementadas pelos
Ministérios sem nenhuma anuência dos Comitês. Afirma o autor que, nesse
encontro, na apresentação de seis projetos para o Semi-Árido Brasileiro o
governo não ouviu ou solicitou a anuência de nenhum dos Comitês envolvidos.
Os Comitês de Bacia o entes importantes para a gestão democrática e
participativa das águas. Contudo, Born (2000) chama a atenção para o fato de
que muitas organizações sociais ainda não estão capacitadas e qualificadas para
participar dos mesmos, em igualdade de condições com outros setores, como os
empresariais e governamentais. Com isso, corre-se o risco de decisões e políticas
que privilegiem segmentos específicos da sociedade, em função de uma
participação, legitimadora do processo, que não consegue introduzir ou
consolidar avanços em direção a procedimentos e critérios de desenvolvimento
sustentável e democrático” (Born, 2000, p.70).
Conforme Quermes (2006), os representantes do governo, nos Comitês,
muitas vezes não reconhecem a representação da sociedade civil ou mesmo dos
usuários por não terem um amplo conhecimento técnico. Em relação ao
conhecimento técnico como fator de desqualificação da intervenção da
sociedade civil, a articuladora da sociedade civil no Comitê de Bacia do Rio São
Francisco, em entrevista ao autor acima citado, levantou duas questões
importantes, dizendo que, no Comitê, encontram-se, de um lado, os
representantes da sociedade, sem capacidade técnica, apenas com discurso
político e, de outro lado, os técnicos sem nenhum compromisso com a
democracia, na opinião da sociedade civil. Quermes (2006) relata que, para a
30
articuladora da sociedade civil, as questões discutidas no Comitê muitas vezes
ganham um caráter técnico para dificultar o entendimento e a intervenção da
sociedade civil.
Para Oliveira (2007), a participação da sociedade civil na gestão pública
é um processo que depende do desenvolvimento de uma cultura de
aprendizagem para o aperfeiçoamento dos órgãos colegiados e de todos os atores
envolvidos. Além disso, segundo o referido autor, que se superar o problema
do acesso a informações técnicas pela sociedade civil. Afirma ele que o grande
desafio para estes órgãos colegiados tem sido o de adotar e implementar um
sistema de distribuição das informações que seja acessível e sirva como
ferramenta de suporte à tomada de decisão de todos os atores envolvidos.
Oliveira (2007) cita Jacobi (2004), para quem o sistema de colegiado
facilita uma interação mais transparente entre os diferentes atores envolvidos,
seja o governo, os usuários e a sociedade, o que diminui as chances de abuso de
poder, mas não necessariamente de manipulação de interesses pelo Executivo.
Além disso, as desigualdades econômicas e a pressão política valorizam o papel
de alguns atores em detrimento de outros.
Chama-se a atenção para o fato de que, segundo Ribeiro et al. (2005),
comunidades tradicionais de agricultores são eficientes gestores de recursos,
produzindo normas eficazes de gerência do meio e, portanto, devendo ser
“ouvidos” pelos Comitês, para que sua realidade seja apreendida. Conforme
esses autores, “deveria ser obrigatório conhecer” os saberes dessas comunidades,
seus “sistemas produtivos, costumes, normas e ambientes para planejar o
desenvolvimento do lugar”.
De acordo com Ramos (2005), a atuação dos Comitês tem demonstrado
algumas dificuldades, tais como a falta de informações, por parte de seus
membros, sobre a bacia; poucas pessoas sabem da existência do Comitê de bacia;
falta de recursos para a recuperação das bacias; falta de capacitação para os
31
próprios membros dos Comitês; e falta de pessoal qualificado em recursos
hídricos para suprir a demanda dos Comitês.
É preciso ter em mente, ainda, que, para que os Comitês exerçam uma
efetiva gestão pública colegiada, integrada, é necessário que eles ajam visando
ao ajuste de interesses entre as propostas resultantes do diagnóstico técnico-
científico e das legítimas aspirações e conhecimentos da população(Machado,
2003, p.128).
2.3.1 A participação cidadã nos comitês de bacias hidrográficas
Segundo Bordenave (1995), participação vem da palavra parte e
significa fazer parte de algum grupo ou associação, tomar parte numa
determinada atividade ou negócio, ter parte, fazer diferença, contribuir para
construção de um futuro melhor para nós e para as gerações futuras.
De acordo com Santos (2004), a participação precisa ser entendida como
uma necessidade fundamental do ser humano, própria de sua natureza social.
Esse autor cita Demo (1999), para quem a participação está no cerne dos desejos
políticos do homem, pois é ela que sedimenta suas metas de auto-gestão, de
democracia, de liberdade.
Bordenave (1995) apresenta duas bases que sustentam a participação:
uma base afetiva, em que a participação se pelo sentimento de prazer na
realização de coisas numa interação com os outros, e uma base instrumental, em
que a participação se tendo em vista a consciência de que fazer as coisas em
interação com os outros é mais eficiente do que fazê-las sozinho. Não deve
haver prevalência de uma base sobre outra, pois quando há o predomínio da base
afetiva, as pessoas adquirem um comportamento que não objetiva a obtenção de
resultados práticos, e quando há predomínio da base instrumental, a participação
transforma-se em um instrumento para se atingir metas.
32
Um dos tipos de participação caracterizada por Bordenave (1995) é a
macro-participação, em que as pessoas intervêm na sociedade, constituindo-a e
modificando-a. também a micro-participação, que é a participação dos
indivíduos na família, em associações, em organizações. É preciso que se
aprenda esta para que se exerça aquela. E esse aprendizado por ser realizado
através da participação nos Comitês de Bacias Hidrográficas, para que se efetive
o princípio previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos, que é o de uma
gestão participativa. Há também a previsão legal de uma gestão descentralizada.
Em relação a esse princípio, menciona-se Santos (2004). Esse autor cita
Bordenave (1995), para quem o grau de controle dos membros sobre as decisões
tomadas é uma questão fundamental na participação num grupo ou organização.
E, a co-gestão é um grau superior de participação, pois através de mecanismos
de co-decisão e colegialidade, os membros de uma organização compartilham
sua administração. Segundo Demo (1999), citado por Santos (2004), co-gerir é
similar a co-participar, e significa a conquista de espaço na administração do
próprio destino.
Nos Comitês, não há a autogestão que, de acordo com Bordenave (1995),
é o mais alto grau de participação, pois o grupo determina seus objetivos,
estabelecendo meios e controles pertinentes sem recorrer a uma autoridade
externa. Para Demo (1999), citado por Santos (2004), a autogestão supõe acesso
de todos à posição de comando, prestação de contas constante e
desburocratização.
De acordo com Santos (2004), muitos fatores que impedem uma real
e efetiva participação, e, por isso, segundo Bordenave (1995), é preciso entender
a participação como uma habilidade que deve ser aprendida e aperfeiçoada
através da prática e da reflexão.
Na opinião de Abramovay (2001, p. 121), a grande quantidade de
conselhos gestores no Brasil é a mais importante inovação institucional das
33
políticas publicasno país. Esse autor chama a atenção para a precariedade da
participação social nestas novas organizações, mas reconhece o potencial de
transformação política que os conselhos proporcionam, uma vez que
possibilitam a entrada na vida dos indivíduos e dos grupos organizados de
temas até então ausentes”.
Abramovay (2001) levanta uma questão que é saber se o conselho tem a
capacidade de representar mudança no ambiente institucional existente em uma
região. E, para que isso ocorra, é preciso que haja uma ampla participação
pública. Para esse autor:
“Um conselho que se abre a formas variadas de participação pública em
suas reuniões, garantindo não ampla difusão da pauta, mas
estimulando que os temas a serem tratados sejam previamente discutidos
pela população em seus locais de moradia e em suas organizações
informais (capelas, bairros, comunidades) contribui de forma decisiva
para alterar as regras do jogo e fazer das organizações fonte de mudança
social” (Abramovay, 2001, p.125).
De acordo com Mirra (1996), citado por Alvarenga et al. (2005), uma
das formas de participação na gestão dos recursos ambientais e hídricos é por
meio da construção e execução de políticas ambientais, o que é feito por
intermédio da representação em órgãos colegiados destinados a tais objetivos e,
por outro lado, da co-atuação junto a instituições públicas e privadas nos
diversos procedimentos deliberativos sobre questões ambientais. É nesse campo
que se dá a participação nos Comitês de Bacias Hidrográficas.
Alvarenga et al. (2005) citam Benjamim (1992), para quem os vários
pontos de vista gerados pela participação são capazes de levar a uma decisão
mais próxima do interesse publico. Além disso, a “co-laboração” de vários
decisores na gestão ambiental e hídrica proporciona uma aceitação menos
traumática da decisão, mesmo que esta contrarie o desejo de alguns participantes.
Continuam Alvarenga et al. (2005) afirmando que a participação cidadã
34
democratiza as decisões e quando ela é efetiva, faz com que as pessoas
acreditem que são capazes de agir e transformar.
Além disso, segundo Benjamim (1992), citado pelos autores acima
referidos, a participação pública em procedimentos deliberativos sobre meio
ambiente limita a arbitrariedade das decisões, além de funcionar como um
contrapeso à participação econômica, uma vez que os diversos agentes
econômicos têm acesso direto aos agentes com poder de decisão, fazendo com
isso prevalecer seus pontos de vista.
Para Alvarenga et al. (2005, p. 41), “o baixo nível de realização das
necessidades sociais (saúde, moradia, equilíbrio ambiental, educação etc.)
determina, em razoável medida, o grau de concretização da participação cidadã”.
Afirmam que, no cenário brasileiro, com baixo nível de atendimento de tais
necessidades, a comunidade acaba por ser o setor menos capacitado e menos
mobilizado para incorporar o sistema de gestão participativa. Por isso, conforme
Magalhães Jr. & Cordeiro Neto (2003), citado pelos autores acima referido, o
combate à pobreza tem sido considerado como um dos principais pontos das
políticas de gestão sustentável da água.
Um outro ponto a ser considerado é a afirmação de Dias (2001), também
citado por Alvarenga et al. (2005), de que o modelo de gestão sustentável dos
recursos hídricos depende de um modelo de gestão pública que pressupõe a
participação social e a cidadania aliadas à competência técnica, tornando-se
necessário valorizar os saberes locais em conjugação com o conhecimento
técnico - científico.
Assim, é preciso haver uma ampla conscientização da sociedade sobre a
importância da participação, e espera-se que os Comitês de Bacias Hidrográficas
sejam espaços para uma real participação de seus membros e, sobretudo, de toda
comunidade, para que haja uma efetiva gestão dos recursos hídricos no país.
35
2.4 A questão da água na região Norte de Minas Gerais
O Norte de Minas Gerais está inserido na região do Semi-Árido
Brasileiro. Essa região compreende uma área que abrange a maior parte de todos
os estados da região Nordeste (89,5%) e a região setentrional do estado de Minas
Gerais (10,5%), ocupando uma área total de 969.589 km
2
. Segundo ANA (Brasil,
2005), a área de semi-árido do Brasil teve sua delimitação atualizada em 10 de
março de 2005 e compreende o conjunto de suas unidades geoambientais, onde
ocorre vegetação dos diferentes tipos de caatinga.
No semi-árido, as precipitações anuais estão entre 400 e 800 mm,
variando, também, as épocas de início e de fim da estação chuvosa,
prevalecendo, as chuvas de verão/ outono. Outra característica marcante do
regime de chuvas é a grande variação que se manifesta tanto na distribuição das
precipitações ao longo da estação chuvosa como nos totais anuais de
precipitação entre diferentes anos em uma mesma localidade. Há anos em que as
chuvas se concentram num curto período da estação chuvosa e, em outros anos,
a precipitação anual alcança valores bem abaixo de sua média, o que é
característico dos chamados anos de seca, de acordo com ANA (Brasil, 2005).
Nessa região não existe ano sem chuva e as precipitações dos anos mais
secos dificilmente são inferiores a 200 mm. Assim, conforme ANA (Brasil,
2005), o déficit hídrico ocorre, também, em função de outros fatores, tais como:
elevado potencial de perda de água por evapotranspiração, que chega a 2500 mm
ao ano; escassez de rios perenes, que garantam a qualidade e a quantidade de
água suficiente para a subsistência da população local; baixo nível de
aproveitamento das águas das chuvas, pois os reservatórios existentes são
poucos e não adaptados, tendo sido utilizada, até hoje, a tecnologia dos grandes
açudes que concentram a água em amplos e espaçosos reservatórios que
facilitam a evaporação. Aliado a essa situação, algumas pequenas e médias
cidades estão recebendo novos contingentes populacionais e não dispõem de
36
condições para garantir uma oferta mínima de infra-estrutura e serviços coletivos.
Assim, o aumento do consumo urbano de água tende a aumentar os conflitos de
uso da mesma, em razão de sua escassez.
A variabilidade na oferta de água no semi-árido é um dos principais
desafios do setor de recursos hídricos no país. Em todo o sertão semi-árido é
comum que um rio exista quando chuvas; assim, a maioria das
comunidades rurais dessa região não dispõe de oferta regular de água de boa
qualidade.
Segundo ANA (Brasil, 2005), a escassez e o uso inadequado da água
pressupõem uma crescente e séria ameaça à saúde e ao bem-estar da população
das cidades circunvizinhas às barragens, aos açudes e aos rios e à segurança
alimentar. O desenvolvimento agroindustrial e os agroecossistemas, que
dependem de suprimentos de água de qualidade, também se encontram
comprometidos, resultando na aceleração das desigualdades socioeconômicas
intra-regionais, evidenciando-se já alguns processos de degradação dos recursos
naturais.
A região Norte é uma das regiões mineiras economicamente mais
estagnadas, e que enfrenta maiores adversidades climáticas. Conforme Cardoso
(1996), é uma região de transição entre o nordeste e o sudeste brasileiros, pois
possui muitas características geográficas e socioeconômicas semelhantes às da
região nordestina.
Predomina na região o clima quente e seco, com temperaturas médias
superiores a 16
o
C em todos os meses do ano, com chuvas concentradas nos
meses de novembro a março, com índices pluviométricos variando entre 947 a
1200 mm anuais. É uma região drenada principalmente pelas bacias dos rios São
Francisco, Jequitinhonha e Pardo, apresentando a maior parte de seus afluentes
fluxos intermitentes ou fortemente reduzidos em determinadas épocas do ano, de
acordo com o autor acima citado.
37
De acordo com Rodrigues et al. (2005), a região Norte de Minas Gerais
teve sua formação econômica associada à agroexportação, abastecendo o
Nordeste açucareiro com bovinos e derivados e à agricultura de subsistência.
Posteriormente, desenvolvem-se outras atividades voltadas para a
agroexportação como o algodão e produtos do extrativismo vegetal, entre eles o
látex e a cortiça de árvores dos cerrados.
Conforme esses autores, desde os anos de 1970, uma das principais
atividades de geração de renda foi o carvoejamento utilizado para combustível
industrial, que se constitui num verdadeiro ciclo econômico norte-mineiro com
grandes impactos nos ambientes natural e social. A partir dos anos 1970, por
intermédio da intervenção do Estado, houve uma diversificação da estrutura
produtiva regional. O Estado estimulou quatro eixos básicos de desenvolvimento:
(a) reflorestamento de eucaliptos e pinus em diversos municípios da região; (b)
implantação de grandes projetos agropecuários; (c) instalação de indústrias; e (d)
implantação de perímetros de agricultura irrigada.
Para esses autores, tanto os projetos industriais como os de irrigação
foram concentrados em poucos municípios, com a produção voltada para os
mercados extra-regionais ou internacionais sendo que, na variável agrícola, a
agricultura familiar foi deixada à margem das políticas públicas ou mesmo
desestimulada.
Nessa região podem ser identificados os seguintes problemas, conforme
ANA (Brasil, 2006): oferta de água insuficiente para o atendimento da demanda
para abastecimento humano, devido à distribuição espacial irregular dos recursos
hídricos, à baixa produção hídrica dos mananciais nos períodos de estiagem, aos
conflitos de uso existentes e à deficiência de investimentos para aproveitamento
de novos mananciais.
O Norte de Minas Gerais está inserido na região do Semi-Árido
Brasileiro que, conforme Poletto (2001), é um dos mais úmidos do mundo. O
38
problema é a dificuldade do solo em reter água subterrânea, o que causa
dificuldades para a região no período da estiagem. Para o autor, o principal
desafio do Semi-Árido é quanto ao armazenamento e ao uso apropriado da água
das chuvas.
Ainda, segundo Poletto (2001), observa-se, nessa região, um controle da
terra, e conseqüentemente da água, por um número reduzido de famílias, o que
faz com que o acesso à água, especialmente nos períodos em que é mais escassa,
seja objeto de relações desiguais de troca e pelo favor da água os proprietários
de terras cobram fidelidade, lealdade, votos nas eleições.
Para ANA (Brasil, 2005a), um dos maiores problemas dos governos
envolvidos com o semi-árido nestes últimos anos tem sido o de conviver com o
ônus político e financeiro de ofertar água por meio de carros-pipa para o
abastecimento de água às populações rurais e urbanas dos municípios dessas
regiões. Esse meio de suprimento de água tem sido conhecido como um dos
principais instrumentos da indústria da seca. A prática, antes considerada parte
de uma política emergencial, para atender populações com problemas sérios de
água, vem-se tornando recorrente.
Na realidade, para Poletto (2001), a seca foi usada pelas elites regionais
como uma forma de obter recursos a juros baixos e, apesar de políticas
governamentais terem sido demandadas pelas necessidades da população nos
períodos da seca, elas sempre foram comandadas pelas elites.
Segundo ANA (Brasil, 2005a), as condições climáticas vêm sendo
utilizadas para justificar a situação de exclusão em que vive a população do
semi-árido. A responsabilidade por essa exclusão deve ser atribuída, no entanto,
à falta de investimentos em infra-estrutura, à ausência de políticas básicas de
saúde, de educação, de assistência social e à escassez de projetos de geração de
emprego e renda.
39
Para Celso Furtado, citado por Poletto (2001), os projetos de
armazenamento das águas das chuvas e de implantação de irrigação não tiveram
sentido social devido à falta de reforma agrária, que atrapalhou o
desenvolvimento da região. A dominação dos latifundiários também impediu
que se conhecesse realmente as características do Semi-Árido, o que propiciou a
formulação e implementação de propostas de desenvolvimento inadequadas.
A busca por alternativas adequadas para viver no Semi-Árido deve-se,
apesar de tudo, aos setores populares, apoiados por centros de estudo e de
pesquisa das universidades da região, conforme Poletto (2001). Por exemplo, em
relação à água, foi desenvolvida a tecnologia da cisterna caseira para se
enfrentar o problema da falta de água potável. Desde o treinamento dos
pedreiros até o bom funcionamento da cisterna, tudo é processo educativo e
participativo na formação de uma cultura de convivência com o Semi-Árido”.
Tal processo educativo é fundamental para que haja novas motivações para a
luta pela democratização da terra” (Poletto, 2001, p. 21).
Ainda, segundo este autor, é necessário que a água contida nos açudes e
barragens chegue a toda população, o que acontecerá se houver uma reforma
agrária, que na verdade é, também, uma “reforma aquática”.
Na região Norte Mineira, objeto do presente estudo, foram implantados,
a partir dos anos 1970, conforme Galizoni (2005), projetos de irrigação para o
desenvolvimento agrário, que tratavam a água como um bem ilimitado,
ignorando os costumes de usos locais. Com o tempo, perceberam-se os limites
naturais para a produção agrícola irrigada, devido à escassez de água e às
disputas entre usos e usuários. Observa-se a diminuição das águas, a cada ano,
no rio São Francisco e seus afluentes, sendo uma das principais causas o impacto
das bombas de irrigação instaladas de forma desordenada nos cursos d’águas.
Os programas governamentais, segundo a referida autora, tais como os
projetos de irrigação, criados para estimular o desenvolvimento da região,
40
acabaram produzindo impactos ambientais e sociais, dentre os quais destacam-se
os problemas da água e da morte de nascentes.
Galizoni (2005) evidenciou que os programas e políticas sobre águas na
região Norte de Minas produziram resultados variados, atingindo, algumas vezes,
objetivos imediatos de abastecimento, causando, outras vezes, novas
dificuldades ou até mesmo intensificando as desigualdades de acesso à água.
Talvez isso possa ser resultado da diferença de percepção da água existente entre,
de um lado, a população e, do outro, as agências públicas e empresas privadas,
diferença essa relatada por Galizoni & Ribeiro (2003).
Como, no Brasil, boa parte das nascentes de cursos d’água localizam-se
na área rural, onde estão os agricultores familiares e lavradores, estes deveriam
ser os principais gestores de mananciais, mas isso, em grande parte das vezes,
não é considerado na formulação de programas de gestão dos recursos hídricos.
A explicação para tal fato é que, no Brasil, quase sempre se associou agricultura
familiar com degradação dos recursos naturais.
Contudo, estudos desenvolvidos nos últimos anos mostraram que
comunidades de agricultores familiares possuem lógicas próprias de relação com
a natureza, de uso e partilha de seus recursos. Tal fato levou algumas
organizações sociais a desenvolverem projetos de educação ambiental e de
conservação dos recursos naturais, que pretendem unir conservação e
desenvolvimento “a partir da lógica dos lavradores”.
Diante de todo esse contexto, o Norte de Minas Gerais merece uma
grande atenção, o que justifica a importância de se estudar as questões
envolvendo a água nesta região, que será importante para a formulação e gestão
das políticas e ações voltadas para garantir a sustentabilidade de seu
desenvolvimento, contando com a participação dos rios agentes sociais e em
condições iguais de acesso nos processos de tomada de decisões.
41
2.5 A bacia hidrográfica do rio São Francisco
Conforme Soares (2003), a adoção da bacia hidrográfica como unidade
de estudo constitui um princípio básico para a implementação da gestão de
recursos hídricos, sendo este um procedimento adotado em várias experiências
estrangeiras. No caso brasileiro, a bacia hidrográfica também constitui a unidade
físico-territorial para o planejamento e o gerenciamento dos recursos hídricos,
como disposto nas Leis 10.350/94 e 9.433/97.
Segundo Cristofoletti (1980), citado pela referida autora, entende-se por
bacia hidrográfica a área drenada por um determinado rio ou por um sistema
fluvial, funcionando como um sistema aberto", em que cada um dos elementos,
matérias e energias presentes no sistema apresentam uma função própria e estão
relacionados entre si. O que acontecer a qualquer rio da bacia hidrográfica,
conforme Garcez & Alvarez (1988), também citados por esta autora, terá
reflexos sobre os demais e tudo o que acontecer na bacia hidrográfica repercute
direta ou indiretamente nos rios e na qualidade e quantidade das águas.
Soares (2003) ainda cita Guerra & Cunha (1996), para quem as bacias
hidrográficas integram uma visão conjunta do comportamento das condições
naturais e das atividades humanas nelas desenvolvidas, que mudanças
significativas em qualquer dessas unidades pode gerar alterações, e/ou impactos
“a jusante e nos fluxos energéticos de saída” (descarga de cargas sólidas e
dissolvidas). A adoção da bacia hidrográfica como unidade espacial para estudos
de problemas ambientais é fundamental, pois ela contém informações físicas,
biológicas e sócio - econômicas imprescindíveis para a compreensão de tais
problemas e para a proposição de medidas que os solucionem.
A bacia hidrográfica do rio São Francisco tem grande importância para
o país, não apenas pelo volume de água transportado em uma região Semi-Árida,
mas, também, pelo potencial hídrico passível de aproveitamento e por sua
contribuição histórica e econômica para a região.
42
Conforme o Ministério da Integração Nacional (Brasil, 2007c), o São
Francisco, rio da integração nacional, foi descoberto em 1502 e tem esse título
por ligar o Sudeste e o Centro-Oeste com o Nordeste.
O rio São Francisco possui 2.700 km de extensão e nasce na Serra da
Canastra em Minas Gerais, escoando no sentido sul-norte pela Bahia e
Pernambuco, quando altera seu curso para este, chegando ao Oceano Atlântico
através da divisa entre Alagoas e Sergipe. A bacia hidrográfica do rio São
Francisco abrange 639.219 km
2
de área de drenagem (7,5 % do território
nacional) e vazão média de 2.850 m
3
/ s.
Conforme o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (2007),
o rio São Francisco tem, entre rios, riachos, ribeirões, córregos e veredas, 168
afluentes, dos quais 99 são perenes e 69 são intermitentes. Os mais importantes
formadores com regime perene são os rios Abaeté, Paracatu, Urucuia,
Carinhanha, Corrente e Grande, pela margem esquerda, e Pará, Paraopeba, das
Velhas, Jequitaí e Verde Grande, pela margem direita. Abaixo do rio Grande (da
Bahia), os afluentes, situados no polígono das secas, são intermitentes, secam
nos períodos de pouca pluviosidade e produzem grandes torrentes na época das
chuvas.
A produção de água de sua Bacia concentra-se nos cerrados de Minas
Gerais e a grande variação do porte dos seus afluentes é conseqüência das
diferenças climáticas entre as regiões drenadas. O Velho Chico, como o rio
também é conhecido, banha os Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco,
Sergipe e Alagoas. Sua bacia hidrográfica também envolve parte do Estado de
Goiás e o Distrito Federal.
Esta Bacia drena sete unidades da federação, Bahia (48,2 %), Minas
Gerais (36,8 %), Pernambuco (10,9 %), Alagoas (2,2 %), Sergipe (1,2 %), Goiás
(0,5 %) e Distrito Federal (0,2 %) e 504 municípios, que correspondem a cerca
43
de 9 % do total de municípios do país (Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São
Francisco 2007).
Conforme o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (2007),
devido à sua extensão e diferentes ambientes percorridos, a Bacia do São
Francisco está dividida em quatro regiões: Alto São Francisco, das nascentes até
a cidade de Pirapora (111.804 km
2
, 17,5 % da região); Médio São Francisco, de
Pirapora até Remanso (339.763 km
2
, 53 % da região); Sub-Médio São
Francisco, de Remanso até Paulo Afonso (155.637 km
2
,24,4 % da região); e o
Baixo São Francisco, de Paulo Afonso até sua foz (32.013 km
2
, 5,1 % da
região).
Cerca de 16,14 milhões de pessoas (9,5 % da população do país) habitam
a bacia hidrográfica do São Francisco, com maior concentração no Alto (56 %) e
Médio São Francisco (24 %). A população urbana representa 77 % da população
total e a densidade populacional é de 22 hab/ km
2
. Nas demais regiões observa-
se um percentual de população da ordem de 10 % no Sub-Médio e no Baixo São
Francisco.
O rio São Francisco se encontra em um avançado estado de degradação e,
dentre os principais agentes poluidores, destacam-se as ações desordenadas de
mineradoras, a erosão do solo e o uso indiscriminado de agrotóxicos. Conforme
Ambiente Brasil (2004), o São Francisco é vítima do desmatamento e queimadas
desde a sua nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, da poluição na
forma de agrotóxicos, esgotos domésticos e industriais, além do desvio de água
cada vez maior para projetos de irrigação. A cada ano tem diminuído muito o
seu volume de água e a navegação já não se faz em determinados trechos e em
determinadas épocas.
De acordo com o Ministério dos Transportes (Brasil, 2007e), a aridez
assume papel decisivo nas diferenciações do rio, no decorrer do tempo. À
medida em que evolui o seu curso, a precipitação média anual, alta nas
44
cabeceiras, diminui para aproximadamente 1900 mm/ ano em Pirapora (MG), e
para menos de 1000 mm/ ano em Carinhanha (BA), passando a duração do
período seco de quatro para seis meses, e a temperatura absoluta de 34° para 38°
C e a média térmica anual de 19° chega a mais de 24°C. Dessa forma, com a
redução dos totais pluviométricos e a elevação das temperaturas, todo um
conjunto de condições passa a contribuir para uma participação crescente da
evaporação.
À medida que o São Francisco penetra na Zona Sertaneja Semi-Árida,
apesar da intensa evaporação, da baixa pluviosidade e dos afluentes temporários
da margem direita, tem seu volume de água diminuído, mas mantém-se perene,
graças ao mecanismo de retroalimentação proveniente do seu alto curso e dos
afluentes no Centro de Minas Gerais e Oeste da Bahia. Neste trecho, o período
das cheias ocorre de outubro a abril, com altura máxima em março, no fim da
estação chuvosa. As vazantes são observadas de maio a setembro, condicionadas
à estação seca, de acordo com o Ministério dos Transportes (Brasil, 2007e).
Em relação às condições pluviométricas, estas, no baixo curso do rio
São Francisco, diferem das constatadas no médio e alto cursos. No baixo vale,
os meses mais chuvosos são, geralmente, os de maio, junho e julho. O período
de estiagem perdura de setembro a fevereiro, sendo outubro o mês menos
chuvoso. No médio e alto vales as maiores precipitações vão de novembro a
março, o período menos chuvoso inicia-se em abril, estendendo-se até outubro,
sendo junho, julho e agosto os meses de menores precipitações.
Em relação aos biomas da região, conforme o Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco, CBHRSF (2007), a Bacia do São Francisco
contempla fragmentos dos biomas: floresta Atlântica, cerrado, caatinga,
costeiros e insulares. O cerrado cobre, praticamente, metade da área da bacia -
de Minas Gerais ao Oeste e Sul da Bahia - enquanto a caatinga predomina no
45
Nordeste da Bahia, onde as condições climáticas são mais severas. Margeando
os rios, onde a umidade é mais elevada, observam-se regiões de Mata Seca.
No Alto, Médio e Baixo São Francisco predominância de solos com
aptidão para a agricultura irrigada (latossolos e podzólicos). O Sub-Médio é a
área do vale com os menores potenciais de solos e reduzidas possibilidades de
irrigação. Cerca de 13 % da área total da bacia apresenta perda de solo superior a
10 t/ha/ano, o que representa o limite de tolerância para a maioria dos solos
tropicais. Boa parte dessas áreas críticas é produtora de alimentos e fibras, como
os casos dos vales dos rios Abaeté, Velhas e Pajeú e de áreas do Baixo São
Francisco, de acordo com o CBHRSF (2007).
Ainda, de acordo com o CBHRSF (2007), um aspecto significativo no
cenário social e econômico da região diz respeito à agricultura. A região possui
cerca de 35,5 milhões de hectares agricultáveis, com maior concentração nas
proximidades dos vales e das zonas urbanas. Ainda dentro do sistema de
produção da região, observa-se o crescimento da agricultura de sequeiro para
produção de soja e de milho, da pecuária, com ênfase na bovinocultura e
caprinocultura, da pesca e da aqüicultura, da indústria e da agroindústria, das
atividades minerais e das atividades ligadas ao turismo e lazer.
Os indicadores de saneamento básico na bacia do São Francisco podem
ser agrupados em três aspectos principais: a) os percentuais de domicílios
urbanos, com canalização interna, servidos por rede de água, são da ordem de
94% no Alto São Francisco, e de 80 a 94 % nas demais regiões; b) os
percentuais de domicílios urbanos servidos por coleta de esgoto ultrapassam
45% no Alto São Francisco, variam de 10 a 45 % no Médio e Sub-dio o
Francisco, e são inferiores a 20 % no Baixo São Francisco e c) por fim, os
percentuais tratados de volumes de esgotos urbanos que variam, na maior parte,
entre 3 e 40 %, refletindo a média nacional de 20,7 %.
46
Ainda, segundo o CBHRSF (2007), as demandas urbana e industrial são
mais significativas no Alto São Francisco, onde correspondem a 60 % do total.
No Baixo São Francisco, esta relação é de 30 %. As principais atividades
industriais são: siderurgia, mineração, química, têxtil, agroindústria, papel e
equipamentos industriais. Os eventos hidrológicos críticos na bacia podem ser
caracterizados pelas enchentes, principalmente nos afluentes no Alto São
Francisco, além de ocorrências na Região Metropolitana de Belo Horizonte, nas
cidades de Divinópolis, Itaúna, Montes Claros, nos vales do Paraopeba e
Paracatu, e nas cidades ribeirinhas de Pirapora, Januária e Manga. As estiagens
ocorrem principalmente no Médio e Sub-Médio do São Francisco, provocando
perdas na produção agrícola.
Observa-se, também, o lançamento indiscriminado de efluentes
domésticos e industriais, além da disposição inadequada de resíduos sólidos,
comprometendo a qualidade de rios como Paraopeba, Pará, Verde Grande,
Paracatu, Jequitaí, Abaeté e das Velhas. Uma das áreas críticas é a Região
Metropolitana de Belo Horizonte que, além da grande contaminação das águas
pelo lançamento de esgotos domésticos e de efluentes industriais, apresenta
elevada carga inorgânica poluidora proveniente da extração e beneficiamento de
minerais, segundo o CBHRSF (2007).
No contexto dos usos múltiplos da região, é oportuno salientar, ainda de
acordo com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (2007), o
importante papel da geração de energia hidrelétrica, cujo potencial estimado é de
26.300 MW, estando já instalados 10.553 MW (15% do país), com 33 usinas em
operação, das quais 9 no próprio rio São Francisco. Esses represamentos
também o usados para abastecimento, lazer e, principalmente, irrigação. O
aproveitamento hidrelétrico do rio São Francisco representa a base para o
suprimento de energia da região Nordeste.
47
No que se refere ao transporte hidroviário, também conforme o CBHRSF
(2007), o rio São Francisco apresenta dois trechos principais: o primeiro de
1.312 km entre Pirapora (MG) e Juazeiro (BA); e o segundo, com 208 km, entre
Piranhas (AL) e a foz do rio, no Oceano Atlântico. Este último trecho tem nas
barragens os maiores obstáculos para a navegação comercial. Além desses
trechos, à jusante de Juazeiro, existem cerca de 150 km navegáveis até Santa
Maria da Boa Vista (PE), com características não muito favoráveis, que, porém,
não impedem a navegação. No total são cerca de 1.670 km navegáveis na calha
do Rio, ao que se podem acrescentar outros 700 km nos seus afluentes (rio
Paracatu, 104 km; rio Corrente, 155 km; rio Grande, 351 km e rio das Velhas, 90
km).
Em termos de turismo e lazer, ainda não é significativo este uso, apesar
das possibilidades oferecidas por seus vários reservatórios, do turismo ecológico
e da pesca no curso principal e nos seus principais afluentes. Nesse caso, o setor
carece de definição de política e estratégia para o uso racional dos lagos dos
reservatórios como possibilidade de ofertar lazer de baixo custo à sociedade.
De modo geral, a bacia do rio São Francisco apresenta determinados
conflitos, tais como os conflitos de interesses na gestão, aproveitamento e
restrições de uso dos recursos hídricos, principalmente entre os maiores usuários
e conflitos entre demandas para usos consuntivos e qualidade inadequada das
águas, de acordo com o CBHRSF (2007).
Ainda, conforme este Comitê, a situação atual da bacia apresenta alguns
desafios principais, dentre os quais destacam-se: a) definir estratégia que
solucione conflitos entre os diversos usuários, como o abastecimento urbano,
aproveitamento energético, irrigação, navegação, piscicultura, água para os
animais, lazer e turismo em toda bacia; b) resolver conflitos entre a demanda
para usos de consumo e insuficiência de água em períodos críticos; c)
implementar sistemas de tratamento de esgotos domésticos e industriais; d)
48
racionalizar o uso da água para irrigação no Médio e Sub-Médio São Francisco;
e) estabelecer estratégias de prevenção de cheias e proteção de áreas inundáveis;
e f) definir programas para uso e manejo adequado dos solos.
Em 6 de junho de 2001 foi publicado, no Diário Oficial da União, o
decreto de criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, órgão
vinculado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). A área de
atuação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, rio de domínio
da União, localizada nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe e no Distrito Federal, é definida pelos limites geográficos da
bacia hidrográfica do rio São Francisco, delimitada pela área de drenagem com
sua foz, locada, em escala 1:1.000.000, nas coordenadas 36
o
24' longitude oeste e
10
o
30' latitude sul, conforme o parágrafo único do referido decreto.
O Comitê Executivo de Estudos Integrados do Rio São Francisco
(CEEIVASF), que abrange os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco,
Paraíba, Alagoas, Sergipe e o Distrito Federal, foi criado no âmbito dos Comitês
Executivos de Estudos Integrados das Bacias Hidrográficas (CEEIBHs) e, para a
sua descentralização, ainda foram criados sub-comitês.
Conforme o Instituto Mineiro de Gestão das Águas, IMGA (2007), a
bacia do São Francisco está dividida, no território de Minas Gerais, em dez
unidades de planejamento e gestão, a saber: SF1 (Alto curso da bacia
hidrográfica do rio São Francisco até a confluência com o rio Pará), SF2 (Bacia
do rio Pará), SF3 (Bacia do rio Paraopeba), SF4 (Bacia do entorno da represa de
Três Marias), SF5 (Bacia do rio das Velhas), SF6 (Bacias dos rios Jequitaí e
Pacuí), SF7 (Bacia do rio Paracatu, este com nascentes em Goiás e no DF), SF8
(Bacia do rio Urucuia), SF9 (Bacias dos rios Pandeiros e Calindó) e SF10 (Bacia
do rio Verde Grande, este com afluentes no Estado da Bahia).
Dessas unidades, pode-se considerar que as unidades SF6 (Jequitaí e
Pacuí), SF7 (Paracatu), SF8 (Urucuia), SF9 (Pandeiros e Calindó) e SF10 (Verde
49
Grande) situam-se no trecho norte da bacia do São Francisco em Minas Gerais,
na região do Semi-Árido. Nesse trecho, estão instalados os seguintes Comitês de
Bacia Hidrográfica (CBH): o CBH-Verde Grande (vinculado à União, pois a
bacia do Verde Grande abrange os Estados de Minas e Bahia), o CBH-
Jequitaí/Pacuí, o CBH-Paracatu (referente apenas à parte mineira da bacia do
Paracatu) e o CBH-Urucuia.
Outros Comitês, nessa região, estão em processo de implantação, como é
o caso da bacia hidrográfica dos rios Pandeiros e Calindó, e dos afluentes
mineiros do rio Verde Grande.
Neste caso, o presente estudo tem como objeto as sub-bacias
hidrográficas do Médio São Francisco. Essa região, que se estende de Pirapora
(MG) até Remanso (BA), representa a parte mais árida do Vale do São Francisco,
sendo também a menos desenvolvida.
Conforme Estados Unidos (1980), essa parte da bacia foi colonizada em
duas épocas diferentes, distantes quase cem anos uma da outra. Os exploradores
aventuraram-se para o interior do vale vindos de Salvador e Recife, fundando
Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Em meados do culo XVII, próximo a esta
cidade, iniciou-se uma colonização com varias fazendas de gado. Todos os
núcleos colonizadores se iniciaram próximos aos rios ou cursos d’água menores,
devido às longas estações secas anuais e à ocorrência de secas periódicas,
situação que castiga a região até os dias atuais.
Segundo Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e
do Parnaíba, CODEVASF (2006), o clima do Médio São Francisco possui
características de uma área tropical Semi-árida, com médias de temperatura
anual de 24ºC e evapotranspiração de 2900 mm. As chuvas caem de novembro a
abril com médias anuais entre 600 mm a 1400 mm. A vegetação é do tipo
cerrado e caatinga, com presença de pequenas matas serranas. Ainda, de acordo
com CODEVASF (2006), a margem esquerda do Rio São Francisco é bem mais
50
úmida, com rios permanentes e vegetação perenifólia. Na margem direita a
precipitação é menor, os rios são intermitentes e a vegetação é típica de caatinga.
Neste trecho, o Rio São Francisco apresenta um padrão de canal do tipo
anastomosado, que apresenta como característica grande volume de carga de
fundo que, conjugado com as flutuações das descargas, ocasionam sucessivas
ramificações ou múltiplos canais que se subdividem e se reencontram, separados
por ilhas assimétricas e barras arenosas. A quantidade de carga detrítica,
grosseira e heterogênea em conjunto com as flutuações das descargas, permite a
seleção, deposição de material e conseqüentemente a formação de bancos de
areia. Essa topografia do leito promove a divergência de fluxos e o ataque às
margens (Estados Unidos, 1980).
De acordo com CODEVASF (2006), as principais cidades que fazem
parte do Médio São Francisco são: Montes Claros e Januária, em Minas Gerais;
Formosa, em Goiás; Barreiras, Guanambi, Irecê e Bom Jesus da Lapa, na Bahia;
e Brasília, DF. A região admite a subdivisão em Médio Superior e Inferior,
sendo que o primeiro abrange o trecho entre Pirapora e a fronteira com a Bahia,
limitado pelos rios Carinhanha a oeste, e Verde Grande a leste.
Dentre os rios que fazem parte do Médio São Francisco, destacam-se, na
parte mineira: Urucuia, Acari, Pandeiros, Cochá, Carinhanha, Jequitaí, Pacuí,
Riachão, Mangaí, Gurutuba e Verde Grande. Desses, foram objetos dessa
pesquisa os rios Verde Grande, Riachão e Jequitaí.
2.5.1 Transposição das águas do rio São Francisco: breves considerações
Segundo Brumano (2004), a idéia de transposição das águas do São
Francisco é antiga. Os primeiros registros dessa intenção datam do século XIX,
ainda no governo de Dom Pedro II, quando o imperador se demonstrava
preocupado com o problema da seca nordestina. No governo do Presidente Lula
51
foi elaborado um novo projeto, cuja denominação passa de transposição para
integração da bacia do rio São Francisco às bacias do Nordeste Setentrional.
De acordo com o Ministério da Integração Nacional, Brasil (2007b), o
Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do
Nordeste Setentrional é um empreendimento do Governo Federal, sob a
responsabilidade do Ministério da Integração Nacional, destinado à assegurar a
oferta de água, em 2025, a cerca de 12 milhões de habitantes de pequenas,
médias e grandes cidades da região Semi-Árida dos Estados de Pernambuco,
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Ainda, segundo o Ministério da Integração Nacional, Brasil (2007b), tal
integração será possível com a retirada contínua de 26,4 m³/s de água, o
equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1850 m³/s)
no trecho do rio onde se dará a captação. Este montante hídrico será destinado
ao consumo da população urbana de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos
quatro Estados do Nordeste Setentrional. As bacias que receberão a água do rio
São Francisco são: Brígida, Terra Nova, Pajeú, Moxotó e Bacias do Agreste em
Pernambuco; Jaguaribe e Metropolitanas no Ceará; Apodi e Piranhas-Açu no
Rio Grande do Norte; Paraíba e Piranhas na Paraíba.
muita controvérsia em relação a esse Projeto. Para Oliveira (2008),
um dos pontos favoráveis do Projeto são as obras de revitalização,
monitoramento da qualidade das águas, reflorestamento de nascentes, margens e
áreas degradadas e controle de processos erosivos. Segundo esse autor, o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) reservou recursos de um bilhão
e 274 milhões de reais para ações de saneamento básico, contenção de barrancos,
obras antierosão, melhoria da navegabilidade e recuperação de matas ciliares.
Na opinião de Fonseca (2008), a transposição do rio São Francisco é
apenas uma parte de um esquema que visa a beneficiar grandes
empreendimentos no Nordeste. Para ele, trata-se de uma obra de infra-estrutura
52
para acolher empresas privadas de capital internacional que estão se instalando
nessa região.
De acordo com Malvezzi (2007, p. 35), a transposição não foi
concebida para saciar a sede de pessoas e animais, mas para alimentar a
indústria da irrigação voltada para a exportação. Para saciar a sede humana
existem soluções locais muito mais baratas (...)”. Esse autor comenta a posição
do professor João Abner Costa, para quem um projeto de fantasia e outro
projeto real. No projeto de fantasia, 12 milhões de pessoas serão beneficiados,
300 mil hectares serão irrigados, um milhão de empregos serão gerados e o
problema da seca estará resolvido, mas o projeto real atinge apenas 6% do Semi-
Árido Brasileiro.
Conforme Da Reda (2005), o plano de bacia do rio São Francisco,
elaborado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, prevê que, com
a transposição, em aproximadamente 20 anos estará esgotada a disponibilidade
hídrica desse rio para qualquer novo projeto.
De acordo com Brumano (2004), João Suassuna, engenheiro agrônomo e
pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, sediada em Recife (PE), possui
argumentos que comprovam haver água suficiente para abastecer o Nordeste
brasileiro, sem necessidade da transposição do rio São Francisco. Para ele, o que
vem ocorrendo ao longo de muitas décadas é a gestão dos recursos hídricos
da região, já que o Nordeste possui 37 bilhões de metros cúbicos de águas
represadas, sendo o maior volume do mundo em região de semi-árido.
Na opinião de Suassuna, conforme Brumano (2004), os recursos que o
Governo Federal está disposto a investir na transposição do rio São Francisco
deveriam ser aplicados na sua recuperação, com reflorestamento das margens e
tratamento dos esgotos sanitário e industrial.
Para Malvezzi (2007, p. 48), o governo federal, ao propor a transposição,
propôs, em contrapartida, a revitalização do rio São Francisco, que “veio como a
53
outra face da transposição, não como uma necessidade real do rio e de seu
povo”. Mas há, também, a proposta de revitalização, que partiu da sociedade civil,
e que é muito diferente da do governo, embora haja pontos comuns. A principal
diferença está na necessidade de rever o modelo de desenvolvimento implantado
no vale do São Francisco. Uma outra diferença fundamental é que, para a
sociedade civil, o existe revitalização sem envolvimento da população e das
comunidades tradicionais.
Afirma Malvezzi (2007, p. 48):
“Baseado na geração de energia elétrica e na intensa exploração dos
solos e da água para o agronegócio e o hidronegócio, esse modelo é o
motivo fundamental da degradação. Não é possível nenhuma
revitalização sem que ele seja revisto, o que começaria por suspender
todas as grandes obras que causam impacto na calha ou na bacia
hidrográfica, a começar da transposição”.
Faz-se importante e urgente a revitalização do rio São Francisco, bem
como a de seus afluentes, como os rios objetos dessa pesquisa, considerando,
para isso, os interesses das comunidades ribeirinhas e toda a sociedade.
54
METODOLOGIA
Considerando a abordagem do problema, este estudo caracteriza-se como
uma pesquisa qualitativa, cujo método de procedimento será o estudo multicaso,
uma vez que serão estudadas as questões da água nos rios Verde Grande,
Riachão e Jequitaí.
Através do método qualitativo, conforme Ramos (2005), é possível
descrever a complexidade de determinado problema, analisar a inter-relação
entre variáveis e não apenas quantificá-la, compreender processos dinâmicos
vividos por grupos sociais, e possibilitar um maior entendimento das
particularidades do comportamento dos indivíduos.
Como aponta Minayo (2000, p.21), a pesquisa qualitativa "trabalha com
o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis".
O estudo de caso, para Gil (2002), “consiste no estudo profundo e
exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e
detalhado conhecimento”.
Para Yin (2005, 33), os estudos de caso estão sendo cada vez mais
utilizados como ferramenta de pesquisa (...) e como esforço de pesquisa,
contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos
individuais, organizacionais, sociais e políticos”. Para esse mesmo autor, a
definição técnica do estudo de caso é uma investigação empírica que investiga
um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente
quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente
definidos”.
Segundo esse autor:
55
“O estudo de caso como estratégia de pesquisa compreende um método
que abrange tudo, tratando da lógica de planejamento, das técnicas de
coleta de dados e das abordagens específicas à análise dos mesmos.
Nesse sentido, o estudo de caso não é nem uma tática para a coleta de
dados nem meramente uma característica do planejamento em si, mas
uma estratégia de pesquisa abrangente” (Yin, 2005, p. 33).
Conforme Gil (2002), as pesquisas podem ser classificadas em três
grandes grupos: explicativas, descritivas e exploratórias. Na pesquisa explicativa,
manipula-se deliberadamente algum aspecto da realidade. É usada para obter
evidências de relações de causa e efeito, pretendendo mostrar de que modo ou
por que o fenômeno é produzido, sendo a formatação padrão desse tipo de
trabalho, a experimental.
A pesquisa descritiva, segundo Malhotra (2001), objetiva conhecer e
interpretar a realidade sem nela interferir para modificá-la. Pode-se dizer que ela
está interessada em descobrir e observar fenômenos, procurando descrevê-los,
classificá-los e interpretá-los. A pesquisa descritiva expõe as características de
determinada população ou de determinado fenômeno, mas não tem o
compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para
tal explicação. Normalmente ela se baseia em amostras grandes e representativas,
sendo o formato básico de trabalho o levantamento (survey).
Conforme Gil (2002), as pesquisas exploratórias têm como objetivo
principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições e na maioria
dos casos, envolvem: a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas
que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e c) análise de
exemplos que estimulem a compreensão. Para Malhotra (2001), o objetivo
principal é possibilitar a compreensão do problema enfrentado pelo pesquisador.
Ela é usada em casos nos quais é necessário definir o problema com maior
precisão e identificar cursos relevantes de ação ou obter dados adicionais antes
que se possa desenvolver uma abordagem. Como o nome sugere, a pesquisa
56
exploratória procura explorar um problema ou uma situação para prover critérios
e compreensão.
Assim, baseando-se nestes pressupostos metodológicos, o estudo aqui
apresentado enquadra-se no grupo das pesquisas exploratórias - descritivas, uma
vez que objetiva conhecer mais profundamente os problemas e os conflitos
relacionados à água dos rios Verde Grande, Riachão e Jequitaí, bem como
descrever tais questões, identificar em quais situações há a formalização de
Comitês de Bacia Hidrográfica e verificar se estes conseguem resolver os
problemas em questão. Isso foi feito por meio de levantamento bibliográfico e
entrevistas.
Assim, as técnicas de pesquisa usadas foram a documentação indireta,
abrangendo as pesquisas bibliográfica e documental, e a documentação direta.
A pesquisa bibliográfica, de acordo com Gil (2002), é desenvolvida
com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos”, cuja principal vantagem reside no fato de permitir aos
investigados a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que
aquela que poderia pesquisar diretamente”.
A pesquisa bibliográfica foi utilizada nesse estudo, principalmente, para
o levantamento dos aspectos teóricos relacionados à água, a sua importância
como recurso hídrico, suas formas de gestão, abordando também a legislação
pertinente à questão.
A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica, mas
suas fontes o mais diversificadas e dispersas do que as da pesquisa
bibliográfica. Na pesquisa documental existem os documentos de primeira mão,
ou seja, aqueles que não receberam nenhum tratamento analítico tais como os
documentos conservados em órgãos públicos e instituições privadas, e os
documentos de segunda mão que, de alguma forma, foram analisados, como:
relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas e outros. Nesse
57
estudo, a pesquisa documental foi utilizada, notadamente, para se analisar os
relatórios sobre a questão da água, de entidades como a Emater, ANA, IGAM e
Comitês de Bacias Hidrográficas. Também foram pesquisados boletins de
ocorrência em delegacias da região, bem como os processos judiciais nos foros,
para que se verificasse a existência dos mesmos sobre o assunto água.
Quanto à documentação direta, foram utilizadas a pesquisa de campo e
as entrevistas com representantes de órgãos governamentais e não-
governamentais envolvidos com a questão da água, bem como com os usuários.
Foi feito um levantamento preliminar de campo com as organizações
governamentais e não-governamentais vinculadas à água, agricultura e meio
ambiente nos municípios mineiros de Montes Claros e Bocaiúva, para que
fossem identificadas as questões e conflitos dos rios da região.
A fim de se conhecer a situação do gerenciamento hídrico dos rios Verde
Grande, Riachão e Jequitaí, bem como verificar a existência de problemas e
conflitos pelo uso da água, foram entrevistadas 32 pessoas ligadas às seguintes
entidades: AMAMS, ANA, Associação Comunitária de Riacho Dantas, CAA
Norte de Minas, CBH-Jequitaí/Pacuí, CBH-Verde Grande, CODEVASF,
COPAM, CPT/NORTE, DNOCS, EMATER, EMBRAPA, FETAEMG, IBAMA,
IEF, IGAM, Polícia do Meio Ambiente, Promotoria de Justiça, Secretaria de
Meio Ambiente de Montes Claros e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Bocaiúva. A escolha dessas pessoas foi feita de forma intencional, por
julgamento e conveniência.
As entrevistas foram realizadas no período de 21/06/07 a 29/07/07, nas
cidades de Belo Horizonte, Montes Claros e Bocaiúva, sendo gravadas com a
permissão dos entrevistados. Elas foram previamente agendadas e no início de
cada uma os entrevistados foram esclarecidos sobre o objetivo da mesma. Todas
tiveram curta duração, de 30 minutos a uma hora.
58
Essas entrevistas foram realizadas por meio de questionários mistos,
contendo questões estruturadas, em que as mesmas se encontram previamente
construídas, e questões semi-estruturadas, que são questões pré-formuladas,
podendo surgir outras questões no decorrer da entrevista.
Conforme Trivinos (1987, p. 146):
“Entende-se por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte
de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que
interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de
interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que
se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante,
seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas
experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador,
começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa”.
Para a análise e interpretação dos dados foi usada a análise de conteúdo.
Segundo Laville & Dione (1999), através da análise de conteúdo procura-se
desmontar a estrutura e os elementos do conteúdo a fim de esclarecer suas
diferentes características e significação.
Tal análise focaliza, num primeiro momento, o conteúdo manifesto, não
sendo necessário, para algumas, ultrapassar esse nível de análise, considerado de
primeiro grau, pois o sentido que o pesquisador estaria à procura se
encontraria ali. Outros, no entanto, julgam essa análise insuficiente e consideram
necessário buscar os elementos ocultos, simbólicos da mensagem. Para Laville
& Dionne (1999) tudo depende do problema examinado e das intenções da
pesquisa, devendo-se, certamente, levar em conta o explícito, pois as intenções e
vontades declaradas são a porta de entrada do não dito. Quando se transpõe
esta porta cumpre fazê-lo com muita prudência crítica" (p. 218).
59
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este estudo foi realizado com o objetivo de identificar os problemas e os
conflitos relacionados ao uso da água nos rios Verde Grande, Riachão e Jequitaí,
localizados na porção média do rio São Francisco. Além disso, investigou-se se
esses problemas e conflitos culminaram na formação de Comitês de Bacia
Hidrográfica e em que medida conseguiram resolver tais questões. A seguir, são
apresentados os resultados.
Em relação à existência de conflitos pelo uso da água dos rios acima
mencionados, observou-se, a partir das entrevistas, que eles se devem a disputas
por água para irrigação, uma vez que a região norte de Minas Gerais, onde os
rios pesquisados se localizam, caracteriza-se por ser uma região com baixos
índices de precipitações pluviométricas, havendo, portanto, escassez hídrica. Tal
escassez se agravou após a implantação, na década de 1970, pelos governos
federal e estadual, de um modelo de desenvolvimento para a região pautado no
desenvolvimento industrial e na agricultura irrigada, conforme Cardoso (1996),
com o uso de equipamentos como o pivô central.
O picentral é um sistema de irrigação por aspersão que possui uma
haste aspersora que gira em torno de um eixo, molhando uma grande área
circular. De acordo com Teixeira (2006), seu consumo de água é da ordem de
731,3 l/s. Além do consumo de grande quantidade de água, o problema do
desperdício. Segundo Rebouças (2003), esse é um dos métodos de irrigação
menos eficientes em termos de utilização de água, pois o pivô central joga
praticamente 2/3 da água para a atmosfera, o que é um desperdício hídrico,
principalmente em culturas que não necessitam de tanta água, como na
fruticultura, conforme constata Brito (2007).
60
Aliado ao incentivo governamental de irrigação da agricultura, com o
uso de pivô central na região em estudo, houve um processo de retirada
desordenada de vegetação e de implantação de grandes áreas de pastagens e de
plantio de eucalipto, o que contribuiu ainda mais para a diminuição da oferta de
água e, conseqüentemente, desencadeou conflitos pelo uso da mesma.
Tal modelo de desenvolvimento trouxe crescimento da economia e
melhoria na infra-estrutura de algumas cidades, mas levou a um processo de
privatização das terras, de acordo com o Centro de Agricultura Alternativa do
Norte de Minas CAA (2000), além do aumento da exploração dos recursos
naturais, o que contribuiu para a escassez hídrica.
Diante desse quadro observou-se que um grande número de famílias tem
acesso a pouca água para o consumo humano e dessedentação de animais,
enquanto que uma minoria de irrigantes, grandes pecuaristas e empresas
reflorestadoras consomem diariamente muita água em suas atividades
produtivas. Assim, os conflitos pelo uso da água ocorrem entre, de um lado,
grandes irrigantes e, de outro, pequenos irrigantes. Os grandes irrigantes
normalmente usam pivô central para irrigar suas monoculturas e/ou pastagens,
utilizando muita água do rio, contribuindo para a falta dela para os pequenos
usuários.
Além da implantação desse modelo de desenvolvimento na região,
que se considerar o fato de que os rios Verde Grande, Riachão e Jequitaí estão
inseridos na região semi-árida mineira que está submetida a um regime climático
irregular, com estiagens prolongadas e, por conseqüência, com uma grande
variabilidade anual das disponibilidades hídricas, o que representa restrições
para a atividade agrícola. Tais condições naturais levam a uma interrupção dos
fluxos dos cursos de água no período da seca, o que vem se agravando nos
últimos anos devido ao aumento do uso consuntivo da água e da falta de um
sistema de gestão que priorize o uso racional e sustentável dos recursos hídricos,
61
conforme constatou a Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene,
AMAMS (2007). Somadas a essa situação de pouca disponibilidade hídrica
as condições de degradação ambiental da região.
Muitas vezes, o que dificulta a resolução dos conflitos pelo uso da água é
o fato de que as instituições públicas o priorizam a região com um projeto de
desenvolvimento integrado, de médio e longo prazo (Teixeira, 2006). Além
disso, pôde-se perceber, pelas entrevistas, que as instituições ligadas à questão
da água não são integradas, o que gera um desperdício de tempo e dinheiro, não
resolvendo os problemas. Essa não integração entre as instituições também foi
evidenciada em um relatório intitulado “Programas, Projetos e Ações na Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco”, elaborado pelo Instituto Mineiro de
Gestão das Águas, IGAM (2004), que apontou a falta de articulação
institucional como um dos problemas na parte mineira da bacia do São Francisco.
É necessário, também, que a questão ambiental seja tratada tendo-se em
conta a questão social, o que demanda um processo de aprendizado social e
gerenciamento de conflitos, conforme Teixeira (2006). Nesse processo, é
importante não apenas a atuação dos gestores dos recursos hídricos, mas também
a participação dos usuários e da sociedade, para que possam, juntos, definir
diretrizes para a gestão de tais recursos.
Percebe-se, com base nas informações levantadas, que os conflitos pelo
uso da água dos rios estudados levaram à formação de Comitês de Bacia
Hidrográfica, mas eles não têm conseguido resolver os conflitos. Tais
instituições são órgãos colegiados, que contam com a participação dos usuários,
da sociedade civil organizada, de representantes de governos municipais,
estaduais e federal. Dentre suas atribuições, está a de promover o debate das
questões relacionadas aos recursos dricos da bacia, articular a atuação das
entidades que trabalham com este tema e arbitrar, em primeira instância, os
62
conflitos relacionados à água, conforme disposto na Política Nacional de
Recursos Hídricos.
Uma das razões pelas quais o Comitê Verde Grande e o Comitê
Jequitaí/Pacuí não conseguem resolver os problemas e conflitos relacionados ao
uso da água é o fato de serem entidades deliberativas e não têm poder de pressão
e fiscalização. Além disso, um outro motivo é que muitos entrevistados sabem
da existência dos Comitês, mas não conhecem seu funcionamento e atuação, o
que pode ser atribuído à falta de um trabalho efetivo de mobilização que deveria
ser feito pelos próprios. Essa falta de conhecimento prejudica a participação da
população nesse que deveria ser um espaço para discussões efetivas sobre a
gestão dos recursos hídricos.
Henkes (2002) aponta como uma das dificuldades dos Comitês de
Bacias Hidrográficas, na gestão dos recursos hídricos, a insuficiência de recursos
financeiros para implementar as ações necessárias, bem como a falta de recursos
humanos, já que os profissionais encarregados dessa gestão o fazem de forma
voluntária. E tais dificuldades podem ser percebidas nos Comitês objetos desse
estudo.
Um outro fator que contribui para a não eficiência do Comitê na solução
de conflitos é que nele se percebe, conforme o Sr. L.L, da AMAMS e o Sr. J.C
do Comitê Verde Grande (ambos entrevistados), uma maior participação de
representantes do governo e dos usuários, o que fortalece seus interesses em
detrimento dos interesses da sociedade civil organizada, de cujo segmento fazem
parte os pequenos produtores, que são os mais prejudicados pela falta de água.
Não deveria ser assim, que o Comitê deve ser um espaço para a participação
social na gestão dos recursos hídricos, conforme previsto na Política Nacional de
Recursos Hídricos.
Os conflitos, então, acabam sendo resolvidos administrativamente pelo
Ministério Público, que faz transações com os reclamados, na maioria das vezes
63
ou, quando isso não é possível, resolve-se judicialmente. As ações são
impetradas, em sua maior parte pelo IGAM e pelo próprio Ministério Público, e
não diretamente pelos envolvidos no conflito, conforme se percebeu nas
entrevistas com os promotores de justiça.
Constata-se, então, que a atuação dos Comitês de Bacias Hidrográficas
ainda é incipiente e que, muitas vezes, eles não são reconhecidos pelos outros
órgãos ligados a recursos hídricos e nem pela própria população, pela falta de
um trabalho de articulação dos órgãos vinculados às questões da água e de
mobilização da população.
Além disso, pôde-se evidenciar que os Comitês, objetos do presente
estudo, não foram criados a partir de um pedido da população da bacia, o que
dificulta o reconhecimento dos mesmos como um espaço próprio para se
deliberar sobre as demandas da sociedade, e tal situação dificulta a atuação
desses Comitês.
Segundo um estudo realizado por Henkes (2002) sobre a gestão dos
recursos hídricos na bacia hidrográfica do rio Itajaí (SC), que é feita pelo Comitê
do Itajaí, a articulação e participação da sociedade civil foram uns dos principais
fatores responsáveis pelo sucesso do Comitê, que teve origem a partir de
mobilização comunitária. A autora compara a atuação de sucesso do Comitê
Itajaí com a difícil consolidação do Comitê do rio Cubatão (SC). Enquanto o
primeiro, criado por articulação da sociedade civil é hoje referência nacional, o
segundo, criado por iniciativa governamental, foi extinto logo após sua criação,
sendo um dos motivos a não participação comunitária.
Portanto, dever-se-ia garantir uma ampla participação da população local
no processo de formação dos Comitês de Bacias Hidrográficas, levando em
consideração, na sua gestão, as práticas locais de gestão dos recursos hídricos.
4.1 Rio Verde Grande
64
O rio Verde Grande é afluente do rio São Francisco pela margem direita.
Sua bacia hidrográfica possui uma área de drenagem de 30.420 km
2
,
dos quais
87% encontram-se em território mineiro e 13% em território baiano, abrangendo,
total ou parcialmente, 35 municípios, sendo 27 em Minas Gerais e 8 na Bahia.
Ele nasce no município de Bocaiúva, no Estado de Minas Gerais e deságua no
rio São Francisco, no município de Malhada, no Estado da Bahia, percorrendo
uma extensão de cerca de 560 km, de acordo com a Agência Nacional de Águas
- ANA (Brasil, 2007a). No presente estudo foi considerada somente sua porção
mineira.
Ainda, segundo a ANA (Brasil, 2007a), percebe-se, na região da bacia do
rio Verde Grande, a existência das estações seca e úmida, bem distintas,
evidenciando uma grande variabilidade do regime de chuvas na bacia, sendo
novembro, dezembro e janeiro os três meses mais chuvosos e junho, julho e
agosto os mais secos.
Em relação à ocupação econômica da região, podem-se verificar três
fases distintas, conforme a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento do Estado de Minas Gerais – SEAPA (Brasil, 2001). Na primeira
fase ocorreu o avanço da pecuária extensiva e a segunda fase caracterizou-se
pela exploração de recursos naturais renováveis, através de investimentos
privados e incentivos fiscais. Assim, a mata nativa da região começou a ser
substituída por eucalipto e pinus, gerando conseqüências como a concentração
de terras, na sua maioria devolutas, nas mãos de grandes grupos empresariais,
bem como levando muitos habitantes das terras devolutas para a periferia das
cidades da região e, ainda, transformando grande parte da população local em
carvoeiros. Por fim, na terceira fase, o incentivo, principalmente pela criação
de linhas de crédito, para a implantação de projetos de irrigação pública e
privada.
65
Em parte, evidencia-se que o crescimento econômico da região deveu-se
ao desenvolvimento da agricultura irrigada. Contudo, a falta de uma gestão
eficiente do uso dos recursos hídricos da bacia do Verde Grande levou a uma
superação dos limites da disponibilidade hídrica dessa bacia, gerando uma série de
conflitos pelo uso da água, principalmente desde o final da década de 80, quando o
rio tornou-se intermitente, conforme a Associação dos Municípios da Área
Mineira da Sudene AMAMS (2007). E, segundo o Sr. S.C., (entrevistado), do
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde Grande, nos últimos anos foram
verificados problemas de escassez de água, com rios trechos do rio secando em
alguns períodos do ano, principalmente em função de usos de muita água para
irrigação, gerando, em conseqüência, conflitos pelo seu uso.
No rio Verde Grande observam-se, de acordo com a pesquisa, conflitos
desde a nascente, pois são muitos irrigantes e não água para todos, gerando
conflitos entre irrigantes e grandes empresários, de um lado, e pequenos usuários,
do outro. Segundo o Sr. J.C. (entrevistado), do Comitê da Bacia Hidrográfica do
Rio Verde Grande, esses conflitos tiveram origem a partir da chegada, na década
de 1970, no Brasil, da irrigação por aspersão com uso de pivô central, pois os
grandes proprietários de terra começaram a tirar água do rio para irrigar suas
plantações, que eram inapropriadas para uma região com escassez de chuvas, e
o rio começou a secar, surgindo, então, os conflitos. Como a água foi se
tornando escassa, as pessoas buscaram a água subterrânea, e o conflito diminuiu,
mas ainda existe, conforme o Sr. L.L (entrevistado), da AMAMS. E, de acordo
com a Sra. C. F.C. (entrevistado), do Conselho de Política Ambiental – COPAM,
a escassez de água fez com que as populações ribeirinhas fossem para a cidade,
o que gerou um problema social, pois não há trabalho para elas.
Assim, o conflito existe desde a década de 1990 e ocorre, pois os grandes
irrigantes usam muita água do rio para irrigar suas plantações, faltando água
para os pequenos irrigantes e para a comunidade. Tal situação remonta à década
66
de 1970, quando houve incentivo governamental à agricultura irrigada, em uma
região de escassez hídrica, aliado à retirada desordenada da vegetação para
implantação de pastagens e plantação de eucalipto.
Segundo o Sr. J.A. (entrevistado), da Emater, regional de Montes Claros,
apesar do rio Verde Grande ter chegado a secar, atualmente a vazão aumentou
um pouco, devido a trabalhos de educação ambiental desenvolvidos pela
Emater-MG, por meio de palestras nas escolas, dias de campo, oficinas, debates,
concurso de redação, teatro e visitas à bacia. Além disso, de acordo com o Sr.
S.A. (entrevistado), da Emater, regional de Montes Claros, em 2004 foram
encaminhados para a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
(CODEVASF), dezessete projetos de recuperação das sub bacias do Verde
Grande e Riachão, elaborados pela Emater-MG, tais como projetos de bacias de
contenção de água de chuva, terraceamento, recuperação de voçorocas, proteção
de nascentes, recuperação de matas ciliares e de áreas degradadas, cujos recursos
financeiros não foram, até o momento da entrevista, em junho de 2007, liberados.
De acordo com o Sr. J.A. (entrevistado), a Emater-MG tem feito um
trabalho educativo, na bacia no Verde Grande, mas outras instituições não
trabalham dessa forma, apenas fiscalizam, o que, para ele, não adianta. Ele
afirma, ainda, que o IGAM, órgão responsável pelo planejamento e
administração de todas as ações voltadas para a preservação da quantidade e da
qualidade de águas em Minas Gerais, não faz nada de efetivo para resolver os
problemas do rio Verde Grande, apenas implementa medidas paliativas que
tratam mais da água em si do que da população. Essa prioridade, dada aos
aspectos ambientais em detrimento dos aspectos socioeconômicos, constitui-se
um entrave na solução dos problemas e conflitos pelo uso da água.
Destaca o Sr. L.M.A.C. (entrevistado), da Superintendência de Outorga e
Fiscalização da ANA, o projeto criado por esta para tentar gerir os conflitos na
bacia do Verde Grande, denominado “Alocação negociada de água”, na região
67
de influência do reservatório de Bico da Pedra, no rio Gorutuba, um importante
afluente do rio Verde Grande.
O Gorutuba era um rio intermitente e, de acordo com Sr. L.M.A.C.
(entrevistado), com a construção da barragem Bico da Pedra e também de um
distrito de irrigação, pela CODEVASF, o rio passou a ser perene. O Sr. L.M.A.C.
(entrevistado), explicou que há vazões afluentes ao reservatório de Bico da
Pedra apenas no período chuvoso. Assim, no início do período seco, quando o
reservatório está em sua melhor situação, os usuários do distrito de irrigação da
CODEVASF e os outros da bacia devem dividir a disponibilidade hídrica. Essa
divisão é feita através do que se denomina “alocação negociada de água”.
Neste processo, os estudos técnicos são feitos pela ANA e os resultados
a cada ano são discutidos por uma comissão formada por representantes do
Comitê de Bacia e dos usuários. Cada usuário discute conforme os seus
interesses ou setor que representa, mostrando a importância de seu uso. Assim,
em função dos volumes acumulados no reservatório no final do período chuvoso
são realizadas reuniões com os usuários a fim de se estabelecer, para o período
de um ano, regras de operação do reservatório, bem como a alocação dos
volumes de água disponíveis para os usos de água existentes. Como resultado,
em cada ano a vazão disponível logo após o final do período chuvoso é dividida
entre os usuários, de forma a evitar conflitos.
Dever-se-ia, então, estudar a possibilidade de implantação de um projeto
de alocação negociada de água, nos moldes do acima referido, nos rios Verde
Grande, Riachão e Jequitaí e seus afluentes, como uma forma de gerir conflitos
pelo uso da água desses rios, uma vez que, nesse tipo de negociação, muitos
conflitos podem ser resolvidos nas reuniões realizadas com a participação de
todos os usuários.
Por meio desta pesquisa, identificaram-se problemas que contribuem
para a escassez de água no rio Verde Grande, como o desmatamento de mata
68
nativa para construção de estradas vicinais, para o plantio de eucalipto, para a
produção de carvão vegetal, para pastagens e para o extrativismo de pedras.
Também, muitos restaurantes e padarias de Montes Claros realizam queimadas,
segundo o Sr. J.C. (entrevistado), do Comitê Verde Grande, para retirar madeira
da mata virgem para manter seus fornos funcionando.
De acordo com Barros (2002), a supressão da vegetação provoca
elevação da temperatura global e alterações no regime de chuvas, que levam à
diminuição na disponibilidade de água. A água das chuvas, caindo sobre o solo
sem cobertura vegetal, vai lavando o solo, e grandes quantidades deste vão
sendo levadas pelas enxurradas para as partes mais baixas, alcançando os cursos
de água.
A vegetação, então, é importante, pois intercepta a água das chuvas,
diminuindo seu impacto sobre o solo. Ela representa um obstáculo ao
escoamento da água, diminuindo sua velocidade, permitindo maior tempo de
infiltração no solo e menor probabilidade de erosão. O solo sem cobertura causa
o assoreamento dos rios, o que produz inundações, prejudica a vida aquática e
dificulta o transporte fluvial, conforme Pacheco et al. (2006).
Além disso, segundo Barros (2002), a destruição das florestas,
geralmente para a exploração de madeira ou aproveitamento do solo em
atividades agrícolas e de pecuária, são os maiores responsáveis pela
desertificação. Esta é a degradação ambiental de áreas áridas e semi-áridas
causada por cultivo excessivo, desflorestamento, queimadas, pastagem intensiva
ou práticas de irrigação deficientes.
Conforme o Sr. C.A.R. (entrevistado), da Polícia do Meio Ambiente, em
Montes Claros, a maioria das ocorrências policiais é sobre desmatamento e
muitos problemas de carregamento ilegal de carvão. Segundo ele, são 500
caminhões/dia de carvão apreendidos em Minas Gerais, o que corresponde a
2100 hectares de área desmatada. Assim, um dos maiores problemas no rio
69
Verde Grande é o desmatamento da mata nativa, o que provoca assoreamento do
rio e, conseqüentemente, redução da disponibilidade hídrica. Inclusive, tal
assoreamento está presente em 70% da bacia.
Outros problemas podem ser apontados pela pesquisa, como a presença
de areieiras, já que muitas empresas retiram areia para construção civil e a
presença de muitos pivôs de grandes irrigantes, que retiram a água do rio,
contribuindo para a falta dela para outros irrigantes e para a comunidade.
Na tentativa de resolver os problemas do rio Verde Grande, ações são
implementadas por alguns órgãos, como o IGAM e a Polícia de Meio Ambiente,
que desenvolvem um trabalho de fiscalização, mas que por si não adianta. O
Ministério Público tem revertido as indenizações provenientes de acordos feitos
com os denunciados em projetos de revitalização, como o replantio de mudas na
nascente do rio e a Emater - MG tem desenvolvido trabalhos de educação
ambiental. Percebe-se que tais ações, em sua maioria, visam à resolução de
aspectos ambientais, o que é não é suficiente para que os problemas sejam
efetivamente sanados, pois é preciso garantir condições de sustentabilidade para
a população, no futuro, o que exige a consideração de outros aspectos, como os
socioeconômicos.
E, ainda, pode-se citar, como um dos maiores problemas, de acordo com
o Sr. J.V.A. (entrevistado), ex-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do
Verde Grande, a poluição do rio por esgoto doméstico e industrial, jogado pela
cidade de Montes Claros no rio Vieiras, que deságua no Verde Grande. A
Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA), já começou a construir
uma estação de tratamento de esgoto. Isso vai evitar poluições futuras, mas não
resolve o estado atual de poluição por esgoto do rio, que deve ser urgentemente
revitalizado, pois, afirma a Sra. A.B.R. (entrevistado), Promotora de Justiça, que
se o Verde Grande não for revitalizado, daqui a dez anos não terá a vazão que
tem hoje.
70
Conforme a ANA (Brasil, 2007a), algumas ações devem ser tentadas para
amenizar os problemas e os conflitos pelo uso da água no rio Verde Grande, tais
como: estabelecer uma regulamentação e gestão efetiva no uso da água;
construir barragens de regularização de vazões para perenização e aumento da
oferta de água; proteger nascentes e mananciais; proteger e recuperar as matas
ciliares; conhecer mais profundamente a quantidade e qualidade das águas
subterrâneas, bem como recuperar a qualidade dessas águas; corrigir a situação
do uso da água por parte dos grandes usuários, que causam prejuízo para o maior
número de pequenos usuários; implementar programas de educação ambiental
para impedir o mau uso da água.
É preciso que tais ações visem não só à resolão das questões da água do
rio Verde Grande, mas que se preocupem em garantir um desenvolvimento
sustentado para a região, considerando os aspectos culturais e sócioecomicos da
população que ali vive. Mas, para que essas ões possam ser implementadas, é
necessário que haja um esforço conjunto por parte dos órgãos responveis pela
gestão dos recursos dricos na bacia, dos usrios e, também, da sociedade.
Em relação ao Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Verde Grande, ele é
uma entidade prevista na Lei 9.433/97, a Lei das Águas, com a finalidade de
promover o gerenciamento participativo e democrático dos recursos hídricos,
para que a água da bacia do Verde Grande seja usada da melhor forma possível,
com definição dos critérios de uso.
Tal Comitê foi formado a partir da preocupação da ANA com os
conflitos pelo uso da água presentes na região. Para o Sr.A.R.S. (entrevistado),
da CPT/ Norte de Minas, o que ocasionou sua formalização foi uma política
governamental para dizer que está tendo participação”, em cumprimento à
Política Nacional de Recursos Hídricos, que prega a gestão descentralizada e
participativa de tais recursos.
71
De acordo com o Sr. L.L. (entrevistado), da AMAMS, em 2001, a ANA
designou uma comissão para assumir um projeto piloto na bacia do Verde
Grande em função do grande número de conflitos pelo uso da água, de sua
importância histórica como afluente do São Francisco, e em função de sua
importância para a economia local. Foi montado um escritório técnico da ANA
na cidade de Janaúba (MG), por estar localizada em uma área intermediária
entre Minas Gerais e Bahia e por ser um pólo de irrigação, agricultura e palco de
conflitos pelo uso da água.
Antes disso, na década de 1990, a CODEVASF, como principal órgão
indutor do modelo de desenvolvimento para a região, pautado na agricultura
irrigada e no desenvolvimento industrial, incentivado pelo governo federal,
tentou coordenar um processo para amenizar os conflitos pelo uso da água e,
para isso, foi formado, em 1991, um sub-Comitê da Bacia Hidrográfica do
Verde Grande, segundo o Sr. L.L. (entrevistado). Era formado, em sua maioria,
por órgãos públicos, e fez consultas e discussões na bacia, mas não conseguiu
implantar ações, pois a CODEVASF era um órgão de desenvolvimento e não de
gestão, também segundo o Sr. L.L. (entrevistado). No final dos anos 1990 a
CODEVASF deixou de tentar conduzir o processo de resolução dos conflitos,
pois estava enfraquecida em termos de representação política, tanto na região,
quanto em nível nacional, e então os conflitos entre setor produtivo e movimento
social continuaram.
Como se percebe, as tentativas de solução dos conflitos pelo uso da água
do rio Verde Grande partiram, desde o início, do governo, e não tiveram êxito,
uma vez que não partiram de uma demanda da população, que é a principal
interessada na resolução dos conflitos e melhor conhecedora de sua realidade.
O escritório técnico instalado pela ANA, em 2001, na cidade de Janaúba
(MG), começou seus trabalhos fazendo uma mobilização social na região da
bacia do Verde Grande, convidando a população para que, juntos, pudessem
72
pensar numa solução para a questão do Verde Grande. Fizeram, então, uma
expedição pela bacia, saindo da nascente, em Bocaiúva (MG), indo até a foz em
Malhada (BA), fazendo um amplo processo de mobilização, com audiências
públicas, atividades culturais, convocando a população que estava desacreditada.
Em seguida a essa expedição de mobilização, foi feita uma expedição técnica
formada por representantes da EMATER, da ANA, IEF e IGAM, que visitou os
pontos críticos do rio para verificar como estava sendo feita a captação de água.
Posteriormente começaram a ser discutidas algumas questões
importantes para a bacia do Verde Grande, como a retomada da emissão de
outorga que estava suspensa, pelo Ministério do Meio Ambiente, desde a década
de 90, em função do número de conflitos existentes. Para isso, a ANA, junto
com o IGAM, fez um recadastramento dos usuários tanto de águas superficiais
quanto de subterrâneas. Deve-se ressaltar que a CODEVASF, o DNOCS e
Prefeituras incentivam o uso de águas subterrâneas de uma forma indiscriminada,
perfurando muitos poços que apenas estão abertos, muitas vezes devido à troca
política, por apoio e voto, conforme informações do Sr. L.L. (entrevistado). Para
ele, é preciso haver um controle dessa situação, que pode levar a um
esgotamento da água subterrânea.
E, ainda nessa época, foi feito um processo de mobilização para a
formação do Comitê da Bacia do Verde Grande. De acordo com Sr. L.L.
(entrevistado), foi muito difícil conseguir em Brasília (DF) a aprovação do
Comitê, cujo decreto de criação foi assinado em 3 de dezembro de 2003, com a
eleição e posse da sua diretoria em 18 de outubro de 2004. Mas, quando o
Comitê foi formado e estava no início dos trabalhos, em 2004, a ANA decidiu
fechar o escritório técnico da bacia do Verde Grande e concentrar suas ações em
Brasília, o que, para Sr. L.L. (entrevistado), foi uma decisão incorreta, pois os
técnicos tinham assumido um compromisso com a população, além de terem a
tarefa de articular os vários órgãos vinculados à questão da água na região.
73
Restou na região apenas o escritório do Comitê da bacia hidrográfica do Verde
Grande, que recebe suporte da ANA a partir de Brasília.
Tal fato acaba gerando uma dificuldade na solução de problemas e
conflitos pelo uso da água do rio Verde Grande, pois a ANA, que é quem tutela
o Comitê, está distante dos problemas da região, uma vez que está instalada na
capital federal.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Verde Grande é um Comitê
federal, com sede mineira em Montes Claros (MG), composto por 35 membros
efetivos e 35 suplentes. Desses 35 membros, 14 são usuários, 9 são
representantes da sociedade civil organizada, 6 representam o poder público
municipal, 4 o estadual e 2 representam o poder público federal, conforme
disciplina a Lei 9433/90 (Brasil, 1997), que institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos.
Dos 35 membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Verde Grande,
são representantes dos usuários, nas seguintes proporções: 2 para abastecimento
urbano e lançamento de esgotos, 2 para indústria e mineração, 8 para irrigação e
uso agropecuário, 1 para o setor de hidroeletricidade e 1 para os setores
hidroviário, pesca, turismo, lazer e outros usos não consuntivos. A sociedade
civil é assim representada: 4 representantes de consórcios e associações de
usuários de recursos hídricos, 2 de organizações técnicas e de ensino e pesquisa
com interesse na área de recursos hídricos e 3 representantes de organizações
não governamentais.
O Comitê é dirigido por um presidente, um vice-presidente, e um
secretário eleitos para um mandato de três anos, podendo haver uma única
reeleição e seus membros atuam voluntariamente, ou seja, não são remunerados.
O Comitê atua deliberando e normatizando sobre a gestão dos recursos
hídricos da bacia, tendo como uma de suas competências, conforme inciso II,
74
artigo 4º, de seu Regimento Interno, a de arbitrar, em primeira instância
administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos.
Segundo o Sr. L.L. (entrevistado), da AMAMS, o Comitê do Verde
Grande é tutelado pela ANA, que não deixa fluir as discussões, não tendo
autonomia para exercer o seu papel enquanto espaço de deliberações. Além
disso, o Comitê é um espaço de discussão democrática muito novo para a região,
e a população não tem tradição no processo de organização, de debate. Percebe-
se que o princípio da descentralização, previsto pela política nacional de
recursos hídricos, para a gestão das águas, não está sendo plenamente praticado,
uma vez que o Comitê do Verde Grande não tem conseguido sua autonomia.
O Comitê esem seu segundo mandato e apesar de procurar discutir os
problemas do rio Verde Grande, nada está sendo feito para resolver os conflitos
que aparecem. Um dos motivos, segundo o Sr. J.C. (entrevistado) do Comitê
Verde Grande, é que o Comitê não fiscaliza, é apenas consultivo, tentando
arbitrar o conflito em plenária e deliberar, mas sem o poder de obrigar as
pessoas a cumprirem suas decisões. O Comitê tem proposto algumas ações,
como construir barragem no Verde Grande para perenizar o rio, aumentando a
quantidade de água, mas está em processo inicial de discussão.
Uma das diretrizes desse Comitê foi o início de um diagnóstico e
prognóstico sobre o Verde Grande, tentando elaborar um plano e gestão da bacia
que vai levantar seus principais problemas e traçar as ações que devem ser
implementadas para corrigi-los, bem como uma dotação orçamentária para tal
fim. Na década de 90 foi elaborado um plano como esse, mas não foi colocado
em prática, devido a muitos interesses econômicos e políticos, pois de acordo
com o Sr. L.L. (entrevistado), da AMAMS, trata-se de uma região difícil em
termos de discussão política”. E, para o Sr. A.R.S. (entrevistado), da Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG), o
governo federal não acata as decisões do Comitê e, por isso, ele não é atuante.
75
Como se percebe, a atuação do Comitê é incipiente, visto que não
conseguiu se firmar na região como o representante da sociedade na luta pela
revitalização do rio. O grande expoente de possíveis ações a serem
desenvolvidas continua sendo a CODEVASF, pois os responsáveis por acatar ou
não as deliberações do Comitê estão em Brasília, longe dos problemas do rio, na
opinião do Sr. L.L. (entrevistado). Inclusive, segundo ele, os projetos
governamentais de grandes obras de revitalização do Verde Grande não são
informados ao Comitê, o que demonstra a falta de consistência deste, que
deveria ser o responsável pela gestão dos recursos hídricos na bacia do Verde
Grande. Além disso, percebe-se a falta de articulação entre as entidades ligadas à
questão da água.
Para o Sr. J.C. (entrevistado), do Comitê Verde Grande, no Comitê, o
pequeno produtor e a sociedade civil, por não terem uma tradição de
organização, não possuem o mesmo poder de argumentação que o poder público
e os usuários. Estes, que representam em grande parte os grandes produtores, e
são organizados, tomam posse de quase todo os 40% destinados aos
representantes dos usuários no Comitê, e acabam dificultando as discussões, pois
vão lutar por seus próprios interesses. Para esse entrevistado, como a sociedade
civil não tem uma capacidade técnica de intervenção e de mobilização, não
consegue fazer o debate no espaço que lhe é dado. Com isso, o Comitê acaba se
tornando um espaço de legitimação de interesses do governo federal e dos
grandes usuários.
Ainda, de acordo com o Sr. L.L. (entrevistado), não se percebe, no
Comitê, a existência de uma política voltada para a solução de conflitos, porque
a ANA não tem investido na implantação dos instrumentos de gestão que a lei
prevê, como a outorga e a cobrança pelo uso da água. Para diminuir os conflitos
teriam que ser desenvolvidas ações para fortalecer os sistemas de gestão
ambiental dos municípios, como a criação de Conselhos Municipais de
76
Desenvolvimento Ambiental, Secretarias Municipais de Meio Ambiente, além
de ações que viabilizem novas formas de sustentabilidade para o pequeno e o
médio produtor.
Na opinião do Sr. J.A. (entrevistado), da Emater-MG, deve-se realizar
um trabalho de revitalização nos afluentes do Verde Grande, que são muitos,
além do trabalho de educação ambiental junto à população. Para ele, o Comitê
também deve fazer um permanente trabalho de mobilização, que a região não
tem essa tradição; caso contrário, continuar-se-á a fazer reuniões para deliberar
sobre planos e ações, deixando a população à margem desse processo.
4.2 Rio Riachão
O rio Riachão nasce entre os municípios mineiros de Montes Claros e
Coração de Jesus, na Lagoa da Tiririca, cortando os municípios de Mirabela e
Brasília de Minas, indo ao encontro do rio Pacuí, que deságua no rio São
Francisco. Sua bacia possui 96 km de extensão e abrange uma área de 860 km
2
.
Seu leito possui margens largas, com baixadas constituídas de solos aluviais de
muita fertilidade, muito usados para a agricultura. Por causa da diminuição da
vazão do rio e do esgotamento da terra, estas áreas estão sendo ocupadas pela
pecuária.
O conflito pelo uso da água no Riachão se entre, de um lado,
empresários rurais e, de outro lado, pequenos produtores e população local
apoiados por ONGs e movimentos populares. De acordo com o Sr. J.R.
(entrevistado), do IGAM, o rio atende cerca de cinco grandes usuários e 3200
famílias (13200 pessoas usam sua água para consumo humano, dessedentação de
animais e irrigação), sendo a maioria delas de pequenos produtores e de
extrativistas.
Segundo o CAA (2000), essas famílias se dedicavam à agropecuária,
caça, pesca e coleta de produtos silvestres, tendo garantidas suas condições de
77
trabalho e alimentação graças à grande disponibilidade de água do rio Riachão.
Mas, a partir dos anos 1970, as políticas governamentais de fomento à
monocultura de eucalipto, à expansão da pecuária, a projetos de irrigação e à
industrialização de algumas cidades como Montes Claros, provocaram
mudanças nos usos dos recursos naturais e na vida da população.
Assim, na década de 70, conforme o Sr. L.L. (entrevistado), da AMAMS,
devido ao incentivo do governo para implantação de irrigação na região, alguns
médios e grandes produtores instalaram fazendas na bacia do Riachão, com
culturas inapropriadas, pois necessitam de muita água, e fazendo uso de sistemas
de irrigação também não apropriados para uma região com problemas de
escassez hídrica, como é o caso do Norte de Minas Gerais. Segundo o Sr. E.N.
(entrevistado), da Fetaemg, um fazendeiro irrigava pasto com pivô central, o que
ele considera “um absurdo, uma burrice econômica”. Somado a essa situação,
foram desenvolvidas atividades na cabeceira do rio, como o plantio de eucalipto
por empresas que foram para a região na década anterior, associado a pequenos
desmatamentos por pequenos produtores. Tudo isso desencadeou um processo
de escassez hídrica no Riachão, culminando em conflitos pelo uso da água,
inclusive conflito armado.
O rio Riachão começou a secar e, então, os grandes e médios irrigantes
construíram poços tubulares próximos ao leito do rio, o que acirrou os conflitos,
que os pequenos usuários ficaram praticamente sem água. Conforme
informação do Sr. W.C.S. (entrevistado), vice-presidente da Associação
Comunitária de Riacho Dantas e diretor comercial da Cooperativa Grande Sertão,
o rio chegou a secar, da nascente até o meio, em torno de 60 km, inclusive os
seus 28 afluentes. Quando se manifestou essa situação, muitos agricultores
venderam suas terras e foram para a cidade, onde o havia emprego e, então,
acabaram trabalhando para os fazendeiros que compraram suas terras.
Atualmente, para o Sr. W.C.S. (entrevistado), algumas famílias voltaram para
78
a região do rio Riachão, apesar do estado de degradação em que ele ainda se
encontra.
Toda essa situação de escassez hídrica levou a um processo de
mobilização por parte da comunidade que reivindicou uma intervenção no
Riachão, de acordo com o Sr. W.C.S (entrevistado). A partir disso, o IGAM fez
estudos para saber se a água dos poços perfurados pelos médios e grandes
fazendeiros tinha relação com a água superficial, com diagnostico positivo. A
partir desses estudos, foi formada uma comissão de gestão local composta por
representantes dos grandes usuários, dos pequenos e dos órgãos públicos. Não
conseguiram resolver o conflito no âmbito administrativo, e então a questão foi
levada para o judiciário, que ordenou o lacre das bombas.
Conforme informações do Sr. J.R. (entrevistado), do IGAM, o conflito
pelo uso da água do Riachão existe desde a década de 90 e, através de
manifestações da comunidade auxiliadas por movimentos populares e ONGs,
foram embargadas as irrigações e, em 2005, o IGAM lacrou todos os pivôs
centrais, atendendo a uma ordem judicial. Em 2006 o rio se tornou perene, mas
seus pequenos afluentes continuam secos e suas nascentes degradadas.
Nesse mesmo ano foi movida uma ação civil pública contra todos os
irrigantes que contribuíram para a seca do rio, sendo que um dos fazendeiros foi
condenado a pagar uma indenização de cinco milhões de reais por captação
irregular de água.
Além de indenizações, os irrigantes deveriam se comprometer a não
abrir mais os pivôs, mas um dos irrigantes não concordou com o acordo e moveu
uma ação judicial para religar o pivô, alegando que quando o IGAM lacrou os
pivôs não lacrou de todos os irrigantes. Segundo a Promotora de Justiça, a Sra.
A.B.R. (entrevistado), dois pequenos pivôs funcionam sem outorga, mas com
autorização. De acordo com ela, se o Estado deferir o pedido desse irrigante, o
79
rio secará. Para o Sr. E.N. (entrevistado), da Fetaemg, os pivôs foram lacrados,
mas o conflito vai voltar, pois os “grandes estão pressionando”.
Atualmente, o IGAM está realizando um estudo, a pedido da Secretaria
do Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais, que lhe foi solicitado por um
empresário, afirmando este que, nos dois anos de pivô lacrado teve um prejuízo
de 4 milhões de reais, e quer, então, ligar seu pivô, segundo a Sra. S.M.O.D.
(entrevistada), do Comitê do Jequitaí/Pacuí. O empresário pretende perfurar
quatro poços artesianos em torno de um poço seu para verificar se a retirada de
água desse poço interfere nos outros quatro, de acordo com o Sr. W. C. da S.
(entrevistado), vice-presidente da Associação Comunitária de Riacho Dantas e
diretor comercial da Cooperativa Grande Sertão. Ficando comprovado que não
interfere, ele volta a irrigar.
O Sr. W.C.S. (entrevistado) reclama que, em 2005, foi pedido, por
comunidades do Riachão, um estudo à SEMAD, a ser monitorado pelo IGAM,
sobre monitoramento dos poços e sobre a vazão do rio para mostrar que quando
as bombas foram lacradas o rio voltou a correr, mas até o momento esse estudo
não foi concluído. Segundo ele, “eles querem avançar para outros estudos para
dar oportunidade para o grande produtor”.
Um outro fato observado e a ser estudado é que, devido à presença de
tantas bombas de irrigação no Riachão, a água da Lagoa da Tiririca parece estar
sendo desviada pelo lençol freático para o rio Verde Grande, havendo uma
transposição natural. De acordo com a Sra. S.M.O.D. (entrevistada), um
relatório final de tal estudo era para ter sido apresentado no dia 30 de maio de
2007, mas até o momento da entrevista não havia um resultado.
Algumas ações de recuperação do rio foram tomadas, segundo o Sr. J.A.
(entrevistado), da EMATER-MG, como a construção de 13 pequenos
barramentos no leito do rio feitos pelo IGAM e EMATER-MG, construção de
100 bacias de captação e armazenamento de água de chuva para evitar
80
assoreamento, recuperação de estradas rurais, replantio de mudas em áreas
degradadas, trabalho de conscientização, construção de reservatórios de água e
tubulação para levar água para as famílias. Além dessas, comenta o Sr. J.R.
(entrevistado), do IGAM, que este tem desenvolvido projetos de recuperação de
mata ciliar (já plantaram 6000 mudas e pretendem outras 25000), trote ecológico,
poço jorrante para levar água para famílias e para o rio, fiscalização no rio duas
vezes por semana, monitoramento de águas subterrâneas e pretendem fazer mais
vinte barraginhas e mais bacias de contenção de água de chuva. Segundo ele,
com essas ações, o rio voltou a correr, melhorou a oferta de água e, atualmente,
a vazão é suficiente para atender as comunidades.
Conforme informação do Sr. W.C.S. (entrevistado), vice-presidente da
Associação Comunitária de Riacho Dantas e diretor comercial da Cooperativa
Grande Sertão, as comunidades que vivem na bacia do Riachão desenvolvem um
trabalho de recuperação dessa bacia, através de construção de cisternas de
captação de água de chuva, barraginhas, replantio de mudas, cercamento do leito
do rio, curva de nível, pequenos barramentos, conscientização, extrativismo de
frutas nativas através da Cooperativa Grande Sertão e desenvolvimento de vários
projetos de melhoria de renda, aproveitando os produtos nativos.
Apesar da vazão ter aumentado, o rio precisa de limpeza na calha, a 30
km da nascente, pois está muito assoreado, devido à construção de estradas e por
pisoteamento de gado, de acordo com o Sr. J.R. (entrevistado), do IGAM. As
encostas estão degradadas, e não tem mata ciliar
1
, havendo lugares em que a
água corre aleatoriamente.
1
De acordo com o Livro dos 500 anos (1996), as matas ciliares são sistemas vegetais essenciais
ao equilíbrio ambiental. Suas principais funções são: controlar a erosão nas margens dos cursos
d´água, evitando o assoreamento dos mananciais; minimizar os efeitos de enchentes; manter a
quantidade e a qualidade das águas; filtrar os possíveis resíduos de produtos químicos como
agrotóxicos e fertilizantes; e auxiliar na proteção da fauna local.
81
Segundo o Sr. J.R. (entrevistado), ainda tem muito desmatamento de
mata nativa para produção de carvão vegetal e alguns usuários fazem barragem
no rio com galhos de árvores, o que leva à falta de água para outros usuários,
além de assorearem o rio, devido ao apodrecimento da madeira. Também, ainda
existe a irrigação irregular, pois a maioria não tem outorga, e ainda tem muito
reflorestamento de eucalipto e presença de areireiras.
Para se tentar resolver os problemas da escassez de água no Riachão e,
conseqüentemente, dos conflitos, algumas ações podem ser tomadas, conforme
Teixeira (2006), tais como recuperar a mata ciliar, controlar a erosão, fazer
reflorestamentos, não permitir o plantio de eucalipto, uso de tecnologias mais
modernas que substituam os pivôs, incentivo a fruticultura própria para a região,
educação ambiental, reconhecimento do Comitê Jequitaí/Pacuí, no qual o
Riachão está inserido, como órgão gestor dos recursos hídricos, implantação de
políticas de gerenciamento e planejamento integradas e não pequenos projetos
de órgãos diferentes.
Em relação à atuação do Comitê Jequitaí/Pacuí, no qual se insere o
Riachão, na resolução de conflitos do Riachão, segundo o Sr. J.R. (entrevistado),
o IGAM atua tentando resolvê-los, não havendo atuação do Comitê Jequitai/
Pacuí. De acordo com a Sra. S.M.O.D. (entrevistada), do Comitê Jequitaí/Pacuí,
o Comitê tem elaborado projetos de revitalização do Riachão, e depende de
verbas para a execução dos mesmos. Mas, o que se percebe, pela pesquisa de
campo, é uma maior atuação da Associação de Moradores do Riachão, apoiados
por ONGs e movimentos populares, do que de entidades ligadas à água, como o
Comitê, o que confere uma maior legitimidade àquela na busca pela solução de
conflitos.
Pode-se dizer que, atualmente, os problemas diminuíram, mas não
acabaram. Além disso, comenta o Sr. J.A. (entrevistado), da EMATER-MG, o
82
processo de mobilização enfraqueceu um pouco, não havendo um programa
efetivo de gestão de recursos hidrográficos.
Comparando a situação de conflito pelo uso da água do rio Riachão com
o rio Verde Grande e com o rio Jequitaí, discutido a seguir, percebe-se uma
maior evidência do primeiro, o que parece ser uma decorrência do processo de
mobilização iniciado por comunidades do Riachão, apoiadas por ONGs, como o
CAA, por exemplo. Tal fato confirma o pensamento de que, quando uma
conscientização da população e, por conseguinte, uma iniciativa na busca pela
solução dos problemas, êxito, apesar das dificuldades encontradas, como a
falta de empenho governamental. Nas palavras do Sr. W.C.S. (entrevistado):
“A gente fica indignado dos órgãos responsáveis, que tem recurso, e que
possa fazer, muitas vezes são os primeiros a tar deixando a desejar. Não
queremos água pra nós. [...] Não queremos brigar pra dizer que o
grande produtor não precisa da água. O que precisa é saber usar pra
constantemente ter. Esta é a realidade”.
4.3 Rio Jequitaí
O Jequitaí é um rio do Estado de Minas que nasce na Serra do Espinhaço
e deságua no rio São Francisco, e sua bacia drena uma área de 8.820 km
2
. É um
rio perene, cuja vazão é boa, não havendo muitos conflitos pelo uso da água.
Segundo CODEVASF (2005), grande parte da população ribeirinha vive
em uma situação tipicamente rural e pobre, baseada na agricultura de
subsistência e na pecuária extensiva. A economia da região é dependente, na
geração de emprego e renda, das atividades agropecuárias e do extrativismo, que
dependem, para seu desenvolvimento, de uma regularidade na oferta de água.
Assim, a água é muito importante para manter emprego e renda para a população.
A água do rio Jequitaí é muito utilizada, principalmente para irrigação e
abastecimento, mas também o uso para atividades domésticas, pesca e lazer,
de acordo com CODEVASF (2006), podendo-se, então, perceber que o rio é
fundamental na vida da população local.
83
Em relação aos rios Verde Grande e Riachão, o Jequitaí encontra-se em
uma situação de menor degradação, mas observam-se, a partir da pesquisa,
alguns problemas como desmatamento ilegal para carvão vegetal, assoreamento
do rio devido à construção de estradas e à presença de areieiras e degradação
devido a atividades de mineração. O rio está muito comprometido, pois tem
muito esgoto e não tem mata ciliar, além de ainda existir atividades de garimpo,
pesca predatória e alguns pivôs com poço artesiano, segundo a Sra. S.M.O.D.
(entrevistada), do Comitê do Jequitaí/Pacuí.
Como em sua microbacia solos férteis, ocorre desmatamento nessas
áreas, mais para pecuária e em pequena escala para agricultura, de acordo com o
Sr. P. V., do IEF. Há pequenas ações, isoladas, para revitalizar o rio, por
iniciativa do IEF, COPAM, EMATER e ONGs, tais como debates, seminários e
fóruns. Mas são ações que tratam mais dos aspectos ambientais, deixando a
desejar em relação aos aspectos socioeconômicos, o que deveria ser diferente,
pois tais aspectos são indissociáveis.
Conforme informações do Sr. D.P. (entrevistado), da Policia do Meio
Ambiente, em Bocaiúva (MG), a maioria das denúncias feitas à Polícia são sobre
desmatamento, carvoejamento e garimpos. Aqui se percebe que, assim como no
rio Verde Grande, o problema que mais contribui para a escassez de água do rio
é o desmatamento da mata nativa, que provoca assoreamento do rio e a
conseqüente diminuição da oferta de água.
Uma situação preocupante é a do assentamento feito pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em Engenheiro Dolabela
(MG). Muitos assentados alugam suas terras para pastagens, havendo, portanto,
pessoas presentes no assentamento que não os assentados. Segundo a Sra.
S.M.O.D. (entrevistada), o Comitê Jequitaí/ Pacuí pretende tomar providências
para que essa situação seja investigada.
84
Um outro fato que merece destaque é a construção, pela CODEVASF, de
duas barragens, sendo uma de armazenamento e a outra reguladora. Trata-se do
Projeto Hidroagrícola Jequitaí que visa à irrigação, ao controle de cheias do rio e
à geração de energia elétrica. Segundo o Sr. E.J.F. (entrevistado), da
CODEVASF, a previsão para conclusão desse Projeto é de 12 anos, e pretende-
se irrigar 35000 ha, possuindo todas as outorgas de água, bem como a licença
de instalação.
A CODEVASF iniciou, em 2006, as desapropriações, sendo que, até
junho de 2007, havia 12000 ha desapropriados. Muitas famílias serão
desalojadas, mas até agora não há conhecimento sobre conflitos, apesar de
alguns movimentos populares serem contra o projeto, conforme relatou o Sr. E. J.
F.. Segundo o Sr. A.G.S. (entrevistado), da Federação dos Trabalhadores na
Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG), a barragem vai perenizar o
rio e garantir mais água e, até o momento, as famílias consideraram as
indenizações satisfatórias. para o Sr. A.R.S., da Comissão Pastoral da Terra
(CPT Norte), a construção das barragens irá desalojar cerca de 300 a 400
famílias, e não vai revitalizar o rio. Para ele, quem se beneficiará com o projeto
não serão os pequenos proprietários e agricultores familiares.
Em relação ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Jequitaí/Pacuí, no qual
se insere o rio Riachão, ele foi formado a partir dos conflitos no Riachão, por
iniciativa de Sirléia Márcia Oliveira Drumond, que foi sua primeira presidente.
Ela era professora de geografia e muito preocupada com a questão ambiental.
Procurou o IGAM, que estava começando a tratar de Comitês de Bacia
Hidrográfica e recebeu apoio para que se criasse um Comitê para cuidar das
questões do Riachão e Jequitaí. Então, ela começou a fazer um trabalho de
mobilização, mostrando para as pessoas a necessidade de um Comitê na gestão
dos recursos hídricos e buscando voluntários para a formação do Comitê.
Visitou os 24 municípios pertencentes à bacia hidrográfica do Jequitaí/Pacuí,
85
com apoio de alguns órgãos como a EMATER-MG, por exemplo, e fez em torno
de 30 reuniões para formar o Comitê, o que se deu em novembro de 2004.
Trata-se de um Comitê estadual, com sede em Bocaiúva (MG),
composto por 24 titulares e 24 suplentes, sendo formado por 4 segmentos com
iguais proporções: poder público municipal, estadual, representantes da
sociedade civil e usuários, conforme disciplina a Lei 13199/99, que dispõe sobre
a Política Estadual de Recursos Hídricos. Tal proporção igualitária não ocorre na
composição do Comitê do Verde Grande, onde os representantes dos usuários
devem corresponder a 40 % do número total de representantes do Comitê e a
somatória dos representantes dos governos municipais, estaduais e federal não
pode ultrapassar a 40 % e, os da sociedade civil organizada, 20 %.
O Comitê gerencia a água da bacia, determinando o que fazer e como
fazer, cadastrando os usuários e concedendo outorgas, conforme dispõe a Lei
13199/99. Nos dois barramentos que a CODEVASF vai construir, por exemplo,
quem deu a outorga foi o Comitê Jequitaí/Pacuí. Além disso, compete ao Comitê,
conforme reza o inciso II, artigo 43, da referida lei, arbitrar, em primeira
instância, os conflitos relacionados com os recursos hídricos.
O Comitê não é considerado pessoa jurídica e, nesse caso, similares ao
Comitê, como ONGs e OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público), são quem recebem as verbas em nome do Comitê, até que se criem as
Agências de Bacia. No caso do Comitê Jequitaí/Pacuí, quem recebe é uma
OSCIP. Os conselheiros determinam o que fazer com o dinheiro e eles não são
remunerados, sendo trabalho voluntário.
Percebe-se, a partir do relato da Sra. S.M.O.D. (entrevistada), que não
uma integração entre os órgãos ligados à questão da água, o que contraria o
princípio da integração, previsto na lei n
o
13.199/99, que dispõe sobre a política
estadual de recursos hídricos. De acordo com essa entrevistada, a referida lei
determina que onde tem Comitê de Bacia, quem gerencia a questão hídrica é o
86
Comitê. Mas, na região está acontecendo que órgãos como o COPAM, o
Ministério Público, a Polícia de Meio Ambiente e a Associação Mineira de
Defesa do Ambiente (AMDA) não reconhecem o Comitê, desenvolvendo ações
de competência deste, não estando o mesmo de acordo com tal situação.
Para a Sra. S.M.O.D. (entrevistado), todos os 24 municípios inseridos no
Comitê Jequitaí/Pacuí participam efetivamente, assim como os representantes da
sociedade civil. Inclusive, estes recebem ajuda de custo do IGAM para participar
das reuniões, que são itinerantes e bimestrais. O Comitê organiza as reuniões,
com apoio financeiro do IGAM, além do apoio da prefeitura e de órgãos
ambientais da cidade onde é realizada, fazendo um trabalho de mobilização para
que as pessoas participem. E, com isso, a freqüência e participação na reunião
são ótimas, segundo ela.
O Comitê tem feito várias reuniões para articular ações para recuperar o
rio Jequitaí e o Riachão, mas sua atuação ainda é incipiente, não conseguindo
resolver os conflitos. Percebe-se muita boa vontade para se fazer algo, mas
segundo o Sr. M.X.S. (entrevistado), do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Bocaiúva, as ações do Comitê ainda são iniciais, havendo apenas projetos, sem
atuação prática
2
.
Percebe-se, então, que uma estreita relação, de cooperação, entre os
membros dos Comitês, e entre eles e a sociedade é imprescindível para que os
mesmos atuem efetivamente como gestores dos recursos hídricos das bacias
onde estão inseridos.
2
De acordo com Abers & Keck (2004), em seu estudo sobre os comitês de bacia no Brasil, a
existência de um foro de discussão de problemas regionais, no qual os atores têm a oportunidade
de se encontrar e interagir regularmente, pode ser muito valiosa, mas essa situação provavelmente
não irá continuar na ausência de resultados práticos. Argumentam que, apesar de desejável, o
debate, sozinho, não constrói laços da mesma forma que as práticas o fazem.
87
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado tem como tema a gestão das águas, que se tornam
cada vez mais escassas, em função da incompatibilidade da quantidade e da
qualidade da água disponível com a crescente demanda da população. Tal
escassez desse vital recurso hídrico, tanto em termos quantitativos quanto
qualitativos, acaba por desencadear conflitos entre os diferentes usuários. Esta
situação é observada na região Norte de Minas Gerais, onde se localizam os rios
Verde Grande, Riachão e Jequitaí, objetos desta pesquisa. Essa é uma das
regiões mineiras economicamente mais estagnadas e que enfrenta maiores
adversidades climáticas.
A partir dessa realidade, este estudo objetivou identificar os problemas e
os conflitos relacionados ao uso da água nos rios Verde Grande, Riachão e
Jequitaí, localizados na porção média do rio São Francisco. Além disso,
investigou-se se esses problemas e conflitos culminaram na formação de comitês
de bacias hidrográficas e em que medida estes conseguiram resolver tais
questões.
Foram identificados vários problemas que contribuem, direta ou
indiretamente, para a escassez de água nesses rios. Tais problemas, em sua
maioria, são comuns aos três rios, com destaque para a derrubada de mata nativa,
cuja conseqüência é o assoreamento dos rios, o que leva a uma diminuição da
disponibilidade hídrica. Outro problema que merece destaque é a presença de
pivôs centrais nesses rios, usados pelos fazendeiros para irrigar suas plantações.
Os recursos hídricos, portanto, tornam-se cada vez mais escassos, o que
gera conflitos de usos, pois a demanda é maior que a oferta, principalmente na
estação da seca, que é um grande problema enfrentado, há muito, pela população
dessa região semi-árida. Os conflitos mais freqüentes são aqueles envolvendo,
88
de um lado, médios e grandes produtores rurais, que utilizam sistemas de
irrigação que consomem muita água e, de outro lado, os pequenos produtores e a
comunidade, para quem resta pouca água.
Tais conflitos foram mais evidentes no rio Riachão, o que se deve ao
processo de mobilização iniciado pelas comunidades que ali vivem, que
pressionaram os órgãos responsáveis para que alguma solução fosse tomada.
Ressalta-se, assim, a importância da conscientização das comunidades, o que vai
levar à iniciativa por parte delas na busca pela solução dos conflitos. Quando a
demanda por soluções parte da população, essas acontecem com menor demora
e com maior eficiência.
Diante de tal situação, torna-se fundamental estudar a gestão das águas
nessa região, o que foi feito a partir do estudo dos comitês de bacias
hidrográficas, especificamente, os comitês do Verde Grande e do Jequitaí/Pacuí,
órgãos de gestão participativa e descentralizada previstos na Lei das Águas.
Evidenciou-se que os mesmos foram criados a fim de solucionar os conflitos
existentes nos rios Verde Grande e Riachão, respectivamente.
A previsão da existência de Comitês na Lei da Águas é um ganho para a
sociedade, pois é importante haver um espaço para debates e tomada de decisões,
de forma coletiva. Mas eles ainda precisam superar muitos problemas. São
recentes, sem muita estrutura, e não têm conseguido atuar de maneira eficiente
na solução dos conflitos, não conseguindo desenvolver ações concretas no
enfrentamento dos problemas e conflitos pelo uso da água, elaborando apenas
projetos. Tal situação acaba por gerar um desinteresse, por parte de seus
membros e por parte da sociedade, pois a falta de ações práticas desmotiva-os a
participarem da tomada de decisões. A simples criação dos comitês não garante
uma participação efetiva de seus membros e da sociedade no processo
deliberativo.
Um dos motivos para que o Comitê Verde Grande e o Comitê
89
Jequitaí/Pacuí não consigam resolver os problemas e os conflitos relacionados
ao uso da água é o fato de serem entidades deliberativas e que não têm poder de
pressão e fiscalização. Além disso, um outro motivo é que muitos entrevistados
sabem da existência dos comitês, mas não conhecem seu funcionamento e
atuação, o que pode ser atribuído à falta de um trabalho efetivo de mobilização
que deveria ser feito pelos comitês. Essa falta de conhecimento prejudica a
participação da população nesse que deveria ser um espaço para discussões
efetivas sobre a gestão dos recursos hídricos.
Constatou-se, assim, que a atuação dos comitês de bacias hidrográficas
ainda é incipiente e que, muitas vezes, eles não são reconhecidos pelos outros
órgãos ligados a recursos hídricos e nem pela própria população, pela falta de
um trabalho de articulação dos órgãos vinculados às questões da água e de
mobilização da população.
Além disso, pôde-se evidenciar que os comitês não foram criados a partir
de um pedido da população da bacia, o que dificulta o reconhecimento dos
mesmos como um espaço próprio para deliberar sobre as demandas da sociedade,
o que dificulta a atuação desses Comitês.
Dentre as dificuldades existentes para a atuação dos mesmos, destacam-
se a falta de uma estrutura administrativa visando o gerenciamento, a
insuficiência de recursos financeiros para que possam implementar os projetos
elaborados, a insuficiência de recursos humanos especializados, tanto em gestão
de recursos hídricos quanto em gerenciamento de conflitos e, sobretudo, a falta
de participação popular.
Possíveis soluções para os problemas enfrentados pelos comitês podem
ser apontadas, como a capacitação dos recursos humanos em gestão de recursos
hídricos e gerenciamento de conflitos, e a conscientização de seus membros para
que possam participar efetivamente do processo decisório e incentivo à
90
participação popular. Tal participação é importante porque democratiza as
decisões, além de limitar a arbitrariedade das mesmas.
Nos últimos anos, muitas organizações da sociedade brasileira têm tido
espaço para participar do planejamento de políticas e programas de interesse
público, mas ressalta-se que a participação deve ser conquistada e aprendida e
isso se aplica aos comitês de bacias hidrográficas. Estes representam mais um
arranjo institucional onde se acomodam os diferentes setores sociais, mas não
uma descentralização das informações e decisões, pois, quem mais participa são
os usuários, que são ligados ao governo ou são grandes empresários.
A participação social na gestão dos recursos hídricos, ou seja, a gestão
participativa dos recursos hídricos, prevista em lei, é fundamental para o sucesso
dos comitês. Estes, portanto, precisam divulgar mais sua função de gestores dos
recursos dricos, a fim de aumentar a participação da população, efetivando,
assim, a gestão descentralizada e participativa prevista na Lei das Águas.
Aponta-se, como um limite à pesquisa, o tempo escolhido para a
realização da mesma, uma vez que os comitês da bacia hidrográfica do rio Verde
Grande e dos rios Jequitaí/Pacuí são recentes, ambos formados em 2004. Assim,
sugere-se, para pesquisa futura, um estudo desses comitês, a fim de verificar sua
evolução na realização de trabalhos como gestores de recursos hídricos,
desempenhando todas as atribuições que a Lei das Águas lhes prescreve.
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