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demonstram essa atitude de chegar ao limite das experiências sem preocupação com leis, ética
nem com as outras pessoas, se colocando no lugar dos personagens que estupraram e mataram
uma garota, sugerem formas de esconder o crime e livrar-se do cadáver:
“Você pode fazer várias cagadas, te pegam fazendo várias merdas, sempre
tem uma grana que ajuda, agora se você não a tiver...”; “ A justiça não
funciona cara, a justiça não funciona.”; “Eu saía zoando traveco, mas
nunca jogar pedra.”; “É uma fase que todo mundo passa, de querer tá
zoando os outros assim, tá quererendo extrapolar mesmo.”; “Essa coisa aí,
por mais que alguém aqui tenha feito ninguém vai acabar falando”, “Já vi
uns amigos meus falando, de pegar um monte de amigo e... (a menina faz um
gesto que representa o ato sexual)”; “Nenhuma mina decente ia deixar ser
amarrada e vendada lá.”, “Não foi da consciência deles, pegar e
estuprar.”; “Olha, vou ficar com peso na consciência, vou achar que
aconteceu, não vou nem dormir essa noite cara.”; “Porque o pior de tudo
não é aqueles que chegam estupram pegam e saem fora, pior de todos são
aqueles que estupram e matam (...), se minha namorada fosse estuprada eu
era totalmente a favor que eles pegassem e matassem”; “Acho que eu sumia
com o corpo”; “Eu cortaria tipo, mão, pé...”; “Bota fogo nela, joga ácido
pra queimar tudo.”; “Vai me ajudar em quê me entregar pra polícia? Em
nada!”; “Você não sabe se tem mais medo de um ladrão ou de um
policial.”; “Imagina se a menina levanta, tá grávida, vai querer te
processar e começa a ferrar tua vida”; “Sinceramente cara, eu sou frio pra
caralho, que se foda, deixaria queimando mesmo.”; “Num gosto disso, mas
tentaria matar cara, fazer o quê?” (Declarações dos jovens de São Paulo
entrevistados pelo Diretor Alexandre Stockler e pelos atores do filme).
Essas frases foram declarações espontâneas de jovens em São Paulo, que não haviam
assistido ao filme, e são questionados sobre o que fazer tendo como referência a situação que
os três personagens vivenciam no filme: começaram com uma brincadeira malvada, que
evoluiu pra o estupro e o que eles acharam que foi a morte da garota, mas na hora que atearam
fogo ao corpo para não deixar rastros do estupro seguido de assassinato, ela começou a gritar.
Todo o filme é uma provocação, com depoimentos de jovens paulistanos cruéis e
alienados, seguida da representação desses tipos de jovens na ficção, culminando em mais
declarações irritantes daqueles mesmos jovens que disseram algumas frases antes de iniciar a
narrativa, o filme provoca reflexões sobre essa geração. A frase mostrada no início de Cama
de Gato, depois dos depoimentos revela essa reflexão: “O que é o homem? Comecei: como
pode haver no mundo isso que fermenta como um caos ou se deteriora como uma árvore
podre. E nunca amadurece?”.
Cama de Gato dialoga com a realidade nos minutos iniciais e finais, com declarações
de jovens que estavam nas ruas de São Paulo, mas não só nestas entrevistas: os jogos revelam