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retina, num último olhar, daqueles que não mais podem falar. A tocaia cedeu lugar
ao golpe-de-mão. Movimentando-se em carros velozes e com munição farta (às
vezes facilitada por policiais), o pistoleiro faz com que a escopeta, calibre 12 (com
munição especial preparada com chumbo cortado e esferas de aço) fale tão alto
quanto o seu ‘patrão’. Em cada tiro de escopeta vai um recado fúnebre de um
mandante poderoso. (DIÁRIO DO NORDESTE, 23/09/1982).
As mudanças apontadas nessa primeira parte da reportagem sinalizam para o
aparecimento de um “pistoleiro moderno”, que se fora percebido na década de 1980, ano em
que foi realizada a matéria jornalística.
O atual pistoleiro da zona urbana, o chamado pistoleiro de arma de cano curto, bem
como o seu antecessor, o ‘Jagunço’, do ‘Coronel’ e, sem contarmos o pistoleiro
‘oficializado’, aquele que por seus relevantes serviços prestados a poderosos e,
acidentalmente travestido de executor da lei, mesmo com o passar dos tempos não se
dá conta de como é enganado pelos eternos mandantes.
Pistoleiro não fala... No entanto, mesmo sem falar ele mata. Qualquer pistoleiro,
inclusive o duplo (aquele que tanto mata como prende), se perguntado, por quem
quer resposta, falará. Muitas vezes, o inquiridor não indaga porquê de antemão, teme
e já tem a resposta. São respostas terríveis, maquiavélicas e cujo maquiavelismo se
estende ao próprio pistoleiro, enganado, no final, pelo ‘Coronel’ urbano ou não.
O pistoleiro, aquele que não é tutelado do ‘doutor’ e nem tem a ‘sorte’ de tê-lo como
compadre ou possuir saldos positivos, incursões na capital, raramente é contratado
para empreitadas consideradas de maior porte. Suas atuações são esporádicas e se
restringem a, tão somente, região agreste do sertão, segundo os ‘pistolas’ que, agora,
operam na grande Fortaleza. (DIÁRIO DO NORDESTE, 23/09/1982).
De acordo com essa matéria, podemos já observar a formação de algumas
dicotomias: passado/presente, moderno/antigo e capital/interior. Colhi algumas falas de
pessoas que relataram as mudanças ocorridas no crime de pistolagem no Estado do Ceará. São
relatos extensos, mas que achei oportuno colocá-los. Eles tratam da mudança comportamental
do pistoleiro e as mudanças no crime de pistolagem:
Hoje a história da pistolagem mudou. Nós não temos cronologicamente a data exata
de quando ela mudou. Mas, veja bem, a partir de uns cinco anos para cá, o crime de
pistolagem se banalizou. Anteriormente, o crime de pistolagem era regionalizado. Se
ocorria aqui a região do Jaguaribe um crime de pistolagem, então a gente já sabia a
quem procurar. Porque na época, o pistoleiro era geralmente aquele homem rude,
gostava de forró, andava a cavalo e derrubava gado. Hoje o pistoleiro é diferente,
hoje o pistoleiro é almofadinha, magrinho, sequinho, usa uma moto, mete um
capacete na cabeça, e realmente fica muito difícil. Porque hoje o pistoleiro não tem
mais aquela profissão, é tido como pistoleiro não, hoje ele é assaltante, faz desvio de
carga e faz,também, eventualmente crime de pistolagem [...] Hoje, qualquer
pirangueiro, do interior, que é tido a prática de atos criminosos, como desvio de
carga, como o assalto a banco, ele pega um moto, mete um capacete na cabeça e faz
um crime de pistolagem. [...] Dessa linha antiga, o pistoleiro mais famoso e o último
foi Idelfonso Maia da Cunha, o Mainha. (Delegado da Polícia Civil do Estado do
Ceará. Entrevista realizada em 20/01/2004).