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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
A CULTURA COMUNICACIONAL: DESAFIOS E CONTRIBUIÇÕES PARA A
EDUCAÇÃO
ALINE VERISSIMO MONTEIRO
RIO DE JANEIRO
2004
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
A CULTURA COMUNICACIONAL: DESAFIOS E CONTRIBUIÇÕES PARA A
EDUCAÇÃO
ALINE VERISSIMO MONTEIRO
Orientador:
Professor Doutor Marcio Tavares d’Amaral
Professor Emérito/ECO - UFRJ
Linha da Pesquisa:
Mídia e Mediações Sócio-Culturais
RIO DE JANEIRO
2004
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A CULTURA COMUNICACIONAL: DESAFIOS E CONTRIBUIÇÕES PARA A
EDUCAÇÃO
ALINE VERISSIMO MONTEIRO
Tese submetida ao corpo docente do Programa de Pós-graduação da
Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora em
Comunicação e Cultura.
Aprovada por:
Professor Marcio Tavares d’Amaral - Orientador
Doutor em Letras pela Faculdade de Letras da UFRJ
Professor Emérito da Escola de Comunicação da UFRJ
Professor Arthur Arruda Leal Ferreira
Doutor em Psicologia Clínica pelo Programa de pós-graduação em Psicologia
Clínica / Núcleo de Subjetividades da PUC-SP
Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da UFRJ
Professor Henrique Antoun
Doutor em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-graduação da Escola
de Comunicação da UFRJ
Professor Adjunto da Escola de Comunicação da UFRJ
Professora Márcia de Oliveira Moraes
Doutora em Psicologia Clínica pelo Programa de pós-graduação em Psicologia
Clínica / Núcleo de Subjetividades da PUC-SP
Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFF
Professor Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Doutor em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-graduação da Escola
de Comunicação da UFRJ
Professor Adjunto da Escola de Comunicação da UFRJ
Professora Virgínia Kastrup - Suplente
Doutora em Psicologia Clínica pelo Programa de pós-graduação em Psicologia
Clínica / Núcleo de Subjetividades da PUC-SP
Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da UFRJ
RIO DE JANEIRO
2004
MONTEIRO, Aline Verissimo
A cultura comunicacional: desafios e contribuições para a
educação / Aline Veríssimo Monteiro. – Rio de Janeiro, 2004.
ix, 166 f.
Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Programa de Pós-graduação da Escola
de Comunicação – ECO, 2004.
Orientador: Marcio Tavares d’Amaral
1. Cultura Comunicacional 2. Comunicação e Educação. 3.
Comunicação e Cognição 4. Comunicação – Teses. I. Amaral, Marcio
Tavares d’ (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa
de Pós-graduação da Escola de Comunicação. III. Título
Para Bruna Monteiro Neto
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pelo apoio financeiro.
Ao meu orientador, Marcio Tavares d’Amaral, por confiar em mim mesmo
quando eu comecei a desconfiar.
Aos amigos Fernanda Bruno, Daniela Guimarães, Carlos Alberto Sobrinho,
Márcio Acselrad, Gisela Castro e Fernando Álvares Salis pelos estudos, pelos
exemplos, pelo companheirismo e por serem sempre fonte de inspiração.
Ao meu amigo Arthur Arruda Leal Ferreira por me iluminar em todos os
momentos.
À amiga Vanessa Menna Barreto por me lembrar que a vida é uma
aventura, e partilhar dela comigo.
Ao amigo Ricardo Lúcio por cuidar de mim, da Bruna e deste trabalho
através de sua ajuda nos assuntos de informática.
A Edna, Octavio e Rafael que me ensinaram a não desistir.
A Isaac Egidio Neto Junior pelo amor e pela Bruna.
À família Neto pelas inestimáveis horas de dedicação à Bruna.
RESUMO
MONTEIRO, Aline Verissimo. A cultura comunicacional: desafios e
contribuições para a educação. Orientador: Marcio Tavares d’Amaral.Rio de
Janeiro: UFRJ/ECO; CNPq, 2004. Tese de Doutorado (Doutorado em
Comunicação e Cultura)
Este trabalho relaciona características da cultura comunicacional com
teorias da área de educação que servem à formação dos educadores
brasileiros. Por cultura comunicacional entendemos aquela engendrada pela
revolução das tecnologias de comunicação informático-digitais. Nossa tese é a
de que nesta cultura vigoram novos regimes e conceitos de tempo,
comunicação e conhecimento que configuram um “pensamento
comunicacional”, o qual precisa ser incluído na atuação e reflexão da área de
educação. São eles, respectivamente: aceleração, interação e simulação. Duas
hipóteses investigadas sustentam esta tese. Primeira, esses regimes e conceitos
conferem nova importância e dimensão a atuação dos indivíduos e da
aprendizagem na sociedade e no processo educacional. Segunda, teorias de
educação que tenham suas bases em concepções de tempo, de comunicação e
de conhecimento engendradas pela cultura moderna, anterior à revolução
tecnológica, não atendem a esses novos papéis do indivíduo e da
aprendizagem. É o caso da “epistemologia genética”de J. Piaget. A partir destas
verificações, concluímos que não só as tecnologias de comunicação devem ser
inseridas no universo educacional e escolar, mas também seus desdobramentos
teóricos e conceituais; e apresentamos propostas de D. Bougnoux e P. Lévy
que, com base em conceitos do pensamento comunicacional, servem à atuação
e formação dos professores do século XXI.
ABSTRACT
MONTEIRO, Aline Verissimo. The comunicational culture: challenges and
contributions to education. Orientador: Marcio Tavares d’Amaral. Rio de
Janeiro: UFRJ/ECO; CNPq, 2004. Tese de Doutorado (Doutorado em
Comunicação e Cultura)
This work presents a relation between characteristics of the
communicational culture and theories from the field of education which serve to
the development of Brazilian educators. The term communicational culture
represents the one begotten by the revolution in digital-informatics
communication technologies. This thesis sustains that in this culture new
regimes and concepts of time, communication and knowledge are valid,
configuring a “communicational thought”, which has to be included in the
actions and reflections in the area of education. They are, respectively,
acceleration, interaction and simulation. Two hypothesis investigated support
this thesis. First, these regimes and concepts bestow new importance and
dimension to the performance of individuals and of learning in society and in
the educational process. Second, education theories which are based on
conceptions of time, communication and knowledge generated by modern
culture prior to the technological revolution do not serve these new roles of
individuals and of learning. This is the case of J. Piaget’s genetic epistemology.
These verifications lead to the conclusion that not only the communication
technologies must be inserted in the educational and schooling universe, but
also their theoretical and conceptual unfoldments. They also lead to the
presentation of proposals by D. Bougnoux and P. Lévy which, based on
concepts of the communicational thought, serve to the development and
performance of 21
st
century teachers.
SUMÁRIO
A CULTURA COMUNICACIONAL: DESAFIOS E CONTRIBUIÇÕES PARA A
EDUCAÇÃO
INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 11
CAPÍTULO 1: A CULTURA COMUNICACIONAL ______________________ 24
1.1 A CULTURA EM INFORMAÇÃO ________________________________________ 28
1.2 O TEMPO EM ACELERAÇÃO __________________________________________ 33
1.3 A COMUNICAÇÃO EM INTERAÇÃO _____________________________________ 39
1.4 O CONHECIMENTO EM SIMULAÇÃO____________________________________ 55
CAPÍTULO 2: COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM NA CULTURA
COMUNICACIONAL E NA CULTURA CLÁSSICO-MODERNA __________ 78
2.1 AS BASES EPISTEMOLÓGICAS E AS CONCEPÇÕES DE COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM81
2.2 AS CONCEPÇÕES DE COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM NA CULTURA CLÁSSICO-
MODERNA ___________________________________________________________ 82
2.3 A VALORIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM E DO INDIVÍDUO NA CULTURA
COMUNICACIONAL
___________________________________________________ 103
2.4 J. PIAGET: O TEMPO DA EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E A EPISTEMOLOGIA
GENÉTICA NO TEMPO
. ________________________________________________ 116
CAPÍTULO 3: UM PENSAMENTO COMUNICACIONAL PARA A
EDUCAÇÃO_______________________________________________________ 136
3.1 A AÇÃO EDUCACIONAL PENSADA COMUNICACIONALMENTE - D. BOUGNOUX__ 141
3.2 AS ÁRVORES DE CONHECIMENTO P. LÉVY ____________________________ 155
CONCLUSÃO______________________________________________________ 165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________ 171
INTRODUÇÃO
A compreensão de que em nossa cultura contemporânea as relações
entre sujeito e conhecimento encontram-se afetadas pelas novas tecnologias
comunicacionais tem sido revelada por uma série de estudos em que as
concepções de informação e de comunicação, provenientes deste universo
tecnológico, têm servido de metáfora e modelo para os processos subjetivos de
cognição. Desde a estruturação do conceito de informação e do processo de
comunicação com base neste conceito, várias áreas de conhecimento passaram
a adotar a noção de sistema de processamento de informação para definir
seres vivos, máquinas, os indivíduos, a cognição, os grupos sociais, estando
estes sistemas integrados, em alguma medida, em regime de interação.
1
No
que diz respeito à cognição em particular, todo os autores que se reúnem sob o
campo de pesquisas denominado Ciências Cognitivas, dialogam em suas
abordagens, em maior ou menor grau, com esta noção de cognição como
sistema de processamento de informação. Termos como ‘tecnologias cognitivas’
e ‘artefatos cognitivos’ também denunciam a aproximação das questões da
tecnologia e da cognição.
2
Dentro deste cenário de estudos, a presente tese se
propôs a investigar a articulação entre esse novo quadro de referências, no que
1
Conferir, por exemplo, os trabalhos de D. BOUGNOUX, L. SFEZ e A. MATTELART & M.
MATTELART.
2
Servem de referência os trabalhos de B. LATOUR, F. VARELA, P. LÉVY, D. DENNET, entre
outros.
diz respeito à cognição, e as bases psicológicas dos processos de ensino e
aprendizagem que têm servido à área de educação desde o séc. XX.
Ao longo desta investigação identificamos os regimes de tempo,
comunicação e conhecimento engendrados pelas tecnologias de comunicação,
sobretudo as informático-digitais, os quais passaram a vigorar na cultura
contemporânea e que reunimos sob o nome de pensamento comunicacional.
Entendemos que este pensamento, diferente das bases modernas do modelo
de conhecimento, implica uma nova inserção e concepção para o indivíduo e a
aprendizagem no processo educacional.
Eis o percurso que vamos aqui acompanhar. No primeiro capítulo,
tratamos da identificação dos modos como as tecnologias de comunicação
alteram as bases epistemológicas nas quais se pensam o sujeito em sua relação
com os objetos no ato do conhecimento; isto feito através de alterações no
cenário cultural da atualidade, cenário que passamos a nomear cultura
comunicacional contemporânea. A partir das inovações tecno-
informacionais digitais, disseminamos a codificação digital, o processamento de
informação e a rede como modos de captura do mundo; e desdobramos as
características destes processos maquínicos como formas de experimentar a
realidade.
A aceleração das trocas de informação à velocidade da luz faz com que
possamos viver uma causalidade circular e em tempo real, em vez da moderna
causalidade necessária, linear e histórica. Passamos a experimentar o tempo
em aceleração, colapsando o passado e o futuro na atuação presente, fazendo
com que o instante se expanda através da circulação de sua informação. Neste
sentido informação e tempo como que se identificam, a experiência de tempo
passa a ser aquela proporcionada pelo tempo de recepção das informações e
pela realidade que estas nos permite acessar. Fluxos de informação são fluxos
de tempo e, devido à digitalização da mesma, cada indivíduo, no antes curto
tempo de sua vida, experimenta muitos tempos diferentes. Da mesma forma,
devido à sua capacidade de gerar e fazer circular informações, ele pode
também, atualmente, mobilizar e manipular diferentes temporalidades.
Também do universo das redes informático-digitais decorre a interação
como modo de comunicação. Relação de mão dupla e em rede, ela faz com que
todos aqueles envolvidos nas trocas atuem simultaneamente como emissores e
receptores, gerando um fluxo excessivo e constante de informações. Fluxo que
exige interfaces que forneçam formas de controle e seleção para que o excesso
não se torne caos. Ingrata necessidade que, paradoxalmente, emerge como
solução e agrava o problema: cada recorte e seleção engendra uma informação
nova, antes não configurada; nem que seja o simples registro da escolha feita.
Mais uma vez, vemos o indivíduo como pólo receptor e emissor, como nó que
constitui a rede e por ela é constituído, como agente local que age e padece no
global, como nos revelam os vírus dos
hackers
, a superpopulação virtual pelo
acúmulo de embriões de reserva, dos híbridos e dos transgênicos.
Essa capacidade de criar informação, de produzir tempo e realidade,
acessível a cada indivíduo na mesma proporção, aproxima a atividade de
conhecer da ação de simular. A realidade-informação selecionada por cada
indivíduo será sempre uma entre tantas, e deve sua seleção a algum critério e
avaliação intencionais, que determina o presente. A intenção, o projeto a
seleção não só fazem convergir o passado, o futuro e o presente – como vimos
-, mas também incluem as tecnologias disponíveis aos indivíduos em rede na
ação de conhecimento, uma vez que estas ações dependem de dispositivos e
interfaces para acontecer. Conhecer é, simultaneamente, receber e criar
informação, tempo e realidade através dos dispositivos e interfaces que
disponibilizam e codificam informações. Portanto, conhecer está condicionado
pelo domínio de dispositivos tecnológicos, domínio que exige aprendizagem
para tal. Por isso, conhecer passa a ser uma ação de simulação, ou seja,
criação, que se exerce na forma da aprendizagem no domínio de dispositivos
tecnológicos, no domínio de interfaces.
Esses três novos regimes - de tempo, de comunicação e de
conhecimento - aparecem como centrais e componentes de nossa primeira tese
de trabalho: a da exigência de se levar em conta os conceitos de aceleração,
interação e simulação em qualquer construção teórico–prática que se proponha
a atuar numa cultura comunicacional. E, estes três novos regimes, que
compõem o modo particular de compreender a atualidade, integram o que
chamamos de pensamento comunicacional. Daniel Bougnoux utiliza este
termo para se referir ao modo como devemos tratar e conceber o mundo neste
novo contexto cultural tecnológico composto por mediações: “Onde julgávamos
tratar de coisas, é preciso levar em consideração fluxos; substituir as causas
pontuais por sistemas e interações; entre seres estáveis introduzir a dialética,
os círculos recursivos, em poucas palavras, o pensamento comunicacional” (D.
BOUGNOUX, 1994, p. 32.). Tomamos o termo de empréstimo e a ele
associamos os regimes supracitados, os quais engendram, vigoram e servem a
descrição deste novo cenário.
No segundo capítulo, descrevemos como os regimes de tempo,
comunicação e conhecimento da cultura comunicacional modificam a
compreensão da cognição e do modo como o indivíduo e a aprendizagem
atuam, valorizando-os no contexto educacional. Ou seja, como eles passam a
ser pensados comunicacionalmente e como, sobretudo o tempo em aceleração,
amplia o papel do indivíduo e da temporalidade de sua existência nos
movimentos sócio-culturais em larga escala. O reconhecimento desta
conseqüência dá forma à outra hipótese deste trabalho, decorrente da primeira
já apresentada. Hipótese composta de dois aspectos: um, a consideração de
que a aceleração das experiências de temporalidade na atualidade aproxima
estas experiências do tempo das vivências temporais em escala individual, ou
seja, transformações em larga escala provocadas por ações de escala temporal
relativa à duração da vida de um indivíduo; dois, a valorização desta escala de
tempo favorece a centralização das reflexões educacionais para o terceiro
milênio no processo de aprendizagem, e não mais no processo de
desenvolvimento.
3
Em seguida, acompanhamos como a cultura moderna
concebeu estes termos e os circunscreveu em um projeto educacional
comprometido com o desenvolvimento de um indivíduo autônomo, livre,
racional, sujeito do conhecimento científico. Um cidadão civilizado, evoluído e
comprometido com a evolução sócio-cultural. Por último, exemplificamos as
características e os limites do pensamento moderno no confronto com a cultura
comunicacional através da análise do pensamento de Jean Piaget.
No século XX, a maioria das considerações acerca dos processos de
ensino-aprendizagem que orientavam as práticas educacionais se apoiava nos
fundamentos científico-epistemológicos da psicologia; os quais, por sua vez, se
sustentavam em visões epistemológicas onde não somente o sujeito do
conhecimento se encontrava diferenciado do objeto a ser conhecido, como
também, ambos, sujeito e objeto, possuíam a estabilidade e a garantia de uma
duração no tempo-espaço que permitia a aquisição de conhecimentos estáveis
e válidos acerca deles. Desta forma, não apenas sujeito e objeto de
conhecimento se diferenciavam um do outro, como também o conhecimento
era distinto de ambos, um terceiro termo. Assim, as propostas de aprendizagem
encontravam-se comprometidas com esta cisão e diferenciação entre seus
elementos componentes (sujeito, objeto e conhecimento), e com a estabilidade
3
A tensão e os limites destes dois processos é um ponto de discussão e disputas constantes
dentro desta área de saber. De maneira simplista podemos adiantar que, em geral, a
aprendizagem se encontra identificada à ênfase aos processos que envolvem a aquisição de
conhecimentos a partir do ambiente e da cultura, e o desenvolvimento à ênfase aos
processos de construção de conhecimentos a partir de referências ao organismo, à história da
espécie e às estruturas biológicas.
dos mesmos. Propostas que davam apoio a um modelo de educação estável, de
base científica e voltado para a formação de um sujeito científico.
Exemplificando este cenário, um autor da psicologia da aprendizagem é
analisado neste trabalho devido a sua forte influência no campo da psicologia
da educação no Brasil: J. Piaget.
4
O que vamos observar neste autor é em que
medida e aspectos sua teoria está comprometida com os preceitos
epistemológicos modernos e, até que ponto, devido a este comprometimento,
ele pode responder às demandas do novo cenário epistemológico que se
configura no séc. XXI, a partir da entrada das tecnologias comunicacionais
como constituintes da rede sócio-cultural da atualidade. Autor fronteiriço entre
o moderno e o contemporâneo, Piaget adota a maleabilidade da codificação ao
conceber uma cognição que atua construindo suas estruturas por assimilações
e acomodações na relação com o meio ambiente; mas aprisiona esta
construção em um percurso fixo e necessário de desenvolvimento segundo
etapas específicas que reproduzem no indivíduo o percurso linear da evolução
espécie e da ciência. Em um cenário comunicacional que exige e confere cada
vez mais flexibilidade e responsabilidade aos indivíduos na relação com as
tecnologias de comunicação, a educação faz pouco pela formação dos cidadãos
ao enfatizar em sua prática o reconhecimento e o sucesso da aquisição de
4
O reconhecimento desta influência se deve às observações feitas pela autora ao longo de sua
atuação como professora de psicologia em cursos de formação de professores em
universidades no Estado do Rio de Janeiro (licenciaturas, pedagogia, normal superior); como
psicóloga educacional da rede municipal; e como tutora em curso de extensão à distância
para professores das redes municipal, estadual e federal no estado do Rio de Janeiro.
estruturas que refletem a longa temporalidade da evolução da espécie e da
história das ciências.
No terceiro capítulo, apresentamos parcerias e alternativas teóricas que
julgamos interessantes e passíveis de serem encampadas pela área da
educação, a fim de responder às exigências da cultura contemporânea que não
podem mais ser atendidas pelo pensamento de Piaget, devido às bases
modernas de sua teoria. Parcerias e alternativas que trabalham a partir do
pensamento comunicacional e que, apesar de exteriores ao campo disciplinar
da educação, de alguma forma refletem sobre as questões da cognição e das
práticas educacionais e inspiram algumas considerações e sugestões. São elas:
Daniel Bougnoux e Pierre Lévy.
Do primeiro, tomaremos suas idéias e descrições sobre o modo com a
informação e os enunciados circulam e obtêm sucesso no contexto da cultura
comunicacional contemporânea, para desdobrarmos estratégias de atuação
pedagógicas. Propomos pensar a prática educacional como prática de
comunicação, uma vez que o conhecimento e as ações do indivíduo no mundo
estão requisitados, segundo a lógica e os termos do pensamento
comunicacional, como simulação e informação. Conseqüentemente, faz se
oportuno dar relevo, na atuação educacional e escolar, ao indivíduo, aos
dispositivos tecnológicos, às interfaces e à aprendizagem segundo os termos
deste pensamento.
De Lévy, tomaremos as idéias que fundamentam sua proposta das
“arvores de conhecimento” como inspiração para pensarmos novas formas de
estruturar os currículos escolares, as ações transdisciplinares, os trabalhos de
grupo e a formação acadêmica dos alunos.
O desenvolvimento de uma tese que pretende refletir sobre educação
em um doutorado em comunicação pode, apesar do exposto até aqui, causar
ainda alguma estranheza. No entanto, a alocação deste estudo serve aqui de
denúncia não só do novo modo de inserção da comunicação na atualidade, bem
como de nossa segunda tese de trabalho, a percepção da urgência da inclusão,
na formação dos professores e nos estudos na área da educação, de novas
referências teóricas ligadas ao cenário tecnológico-comunicacional para que
estes profissionais e esta área de saber possam melhor atuar e responder às
questões que se colocam aos sujeitos do séc. XXI. Quando se torna possível
caracterizar a cultura atual como sendo
comunicacional
, a comunicação,
sobretudo via seus aparatos tecnológicos, passa a permear e a dar sentido às
nossas produções e àqueles atos que, de agora em diante, julgaremos como
próprios e característicos de nossa cultura particular.
Assim, é a partir da comunicação que entendemos ser possível construir
uma compreensão e uma intervenção nas transformações em curso. Se a
educação, a cognição e a ação de conhecer sofrem hoje, em nossa cultura, a
influência direta da comunicação, visto ser ela que nos caracteriza; cremos que
na comunicação residem possibilidades de construção de uma nova noção de
aprendizagem e de educação. Partir do que o campo da comunicação nos
oferece hoje para pensar a relação entre o sujeito, o conhecimento, a cognição
e a educação implica em, simultaneamente, ampliarmos sua importância -
assumindo a comunicação como pressuposto e lhe dando ênfase na produção
teórica – e, também, gerar uma proposta de compreensão e articulação dos
termos supracitados que não passa pela simples utilização ou aplicação de
tecnologias comunicacionais geradas sem a necessária preocupação com suas
implicações para o horizonte de questões educacionais aqui em jogo.
Em trabalho anterior, quando analisamos a relação entre comunicação
e conhecimento e os modelos de mundo dela decorrentes ao longo da história
do ocidente, destacamos dois modelos: o
modelo da representação
, que estaria
em vigor desde o período clássico-moderno de nossa cultura ocidental, e o
modelo da simulação
, engendrado na contemporaneidade através,
principalmente, dos avanços e da difusão dos aparatos tecnológicos (Cf. A. V.
MONTEIRO, 1998). A partir do reconhecimento da simulação como indicativa de
radicais modificações em relação à representação, como uma cultura atual
inteiramente nova, fomos investigar em que consistiria essa novidade. Ao longo
da investigação, o que se pôde ver foi que a novidade da simulação provinha
de uma abertura efetuada principalmente pela tecnologia, mas que não se
identificava restritivamente a ela. Ao contrário, percebemos que a adoção da
novidade da simulação identificada aos dispositivos técnicos e à consideração
de que eles, em si e por si mesmos, estariam em total oposição à “antiga”
representação, terminava nos mantendo aprisionados em concepções
características da representação, a qual, justamente, julgávamos abandonar. O
que se nos apresentou como possibilidade de inovação na atualidade foi menos
a adoção de determinadas tecnologias do que o desenvolvimento de uma
compreensão, de uma visão de mundo, de uma lógica comunicacional de ação
e de pensamento, calcada nas noções de
aceleração
, de
interação
e de
simulação
, como construção do/no mundo, diferente de uma pura produção
técnica.
Um pensamento comunicacional, orientado por estas noções, tem como
característica fundamental um movimento de radical inclusão de toda
singularidade e, por isso, é um pensamento de rede - que não se confunde com
a Internet, mas engloba-a -, um pensamento de relações não mais em termos
de universal e particular, mas sim de global e local, onde não o espaço, mas o
tempo passa a ser a referência. Entendemos, portanto, que a construção da
atualidade, do novo e, talvez, de um futuro, passa por uma construção teórico-
conceitual interna ao campo da comunicação. Assim, o papel do profissional de
comunicação e do pesquisador da área não se limita à inovação tecnológica,
mas inclui uma inovação epistemológica, filosófica e modelar do que pode ser o
mundo. Seu papel é fundamental e diferenciado em todos os processos de
renovação em curso, não se confundindo com o dos profissionais de outras
áreas que apenas se dediquem a aprender o uso das tecnologias de
comunicação. Às Escolas de Comunicação cabe também, creio, a produção dos
preceitos conceituais da nossa “cultura comunicacional” ou “era da informação”,
e não somente a produção e a intervenção técnicas. Lembremos sempre, é de
tecno-logia
que hoje falamos, saber e fazer imbricados, hibridados. Portanto, na
atualidade não caberia ao
logos
ir a reboque da
techne
, simplesmente
invertendo o antigo jogo de forças da representação
5
, cabe uma
interação
“igualitária” entre os termos. Atuar tecnologicamente hoje equivaleria a agir e
pensar comunicacionalmente, tendo em vista a aceleração temporal, a
interação e a simulação, ficando a produção e o uso dos aparatos tecnológicos
necessariamente subsumidos nessa lógica. De acordo com esta visão, o que se
pretende nesse trabalho é destacar e desenvolver na área de comunicação,
com o rigor e a reflexão de uma pesquisa intencionada, aquilo que dela e nela
servem às concepções de sujeito, de conhecimento, de cognição e de
educação. E é neste sentido que autores como D. Bougnoux e P. Lévy surgem
como parceiros. Nas obras destes dois autores encontramos as noções de
aceleração, interação e simulação fundamentando reflexões que servem ao
exercício da ação pedagógica. Ou de outra forma, os conceitos em questão são
pensados segundo uma lógica comunicacional, apropriada a uma cultura
comunicacional. Quando passamos a pensar em termos de problematização, de
simulação e de interação em velocidade,
in-formar
, passa a ser a principal
tarefa e papel de todos os indivíduos componentes da “coletividade homens-
coisas” que se tornou nossa sociedade nessa “Era da Informação”; e cabe ao
5
Entendemos que no vigor do modelo representacional o conceito grego de
logos
terminou por
ser identificado à Verdade, e, portanto, toda produção técnica deveria a ele estar
subordinada. Era preciso primeiro saber a verdade para então agir conforme a ela (Cf. A. V.
MONTEIRO, op. cit., pp. 20-26).
sistema educacional, e às áreas de saber que lhe fornecem suporte teórico,
capacitar os indivíduos para esta ação.
CAPÍTULO 1: A CULTURA COMUNICACIONAL
Nosso ponto de partida neste capítulo é o trabalho que realizamos
durante o Mestrado em Comunicação e Cultura na Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
6
Nele, investigamos como, desde a
origem da cultura ocidental, comunicação e conhecimento estiveram
estreitamente relacionados. A cada questão posta acerca do conhecimento
encontramos, simultaneamente, uma questão quanto ao que deveria ser a
linguagem-comunicação para que conhecer se tornasse viável. Contudo, se
entendemos que comunicação e conhecimento são de algum modo
interdependentes na atualidade, e também o foram ao longo da história da
cultura ocidental, notamos uma mudança na conformação e na estruturação
dessa relação.
Naquele momento demos particular atenção à passagem do período
clássico-moderno à contemporaneidade, identificando para cada um dos
períodos uma visão de mundo que servia igualmente como modelo de
comunicação e modelo de conhecimento. Ao período clássico-moderno
corresponderia o modelo da
representação
e à contemporaneidade o da
simulação
.
6
Conferir A. V. MONTEIRO, 1998.
No modelo da representação o conhecimento estaria vinculado ao
desejo e à crença na Verdade. Havendo uma Verdade, deveriam igualmente
haver um conhecimento verdadeiro e uma linguagem neutra que permitisse a
sua comunicação; ou seja, uma linguagem-comunicação que representasse o
verdadeiro. A comunicação estaria submetida ao compromisso de dizer a
Verdade, de representar uma verdade anterior ao momento da comunicação,
fosse essa anterioridade a própria essência do mundo ou, simplesmente, a
mensagem de um emissor para um receptor. Além disso, a idealizada
linguagem neutra se colocaria tanto a serviço de um sujeito do conhecimento,
quanto na condição de ser tomada como objeto de uma ciência, a qual deveria
descobrir a verdade dessa linguagem-comunicação, representando-a.
No modelo da simulação teríamos uma inversão das forças: agora, o
conhecimento estaria submetido à comunicação. Os principais responsáveis por
essa transformação seriam os novos dispositivos tecnológicos de comunicação.
Esses dispositivos materiais teriam dado visibilidade e espessura à mediação,
tornando mensagem e meio praticamente indistintos. A mensagem, a
informação, o conhecimento comunicado dependem
do
e se constroem
no
processo mesmo de comunicação; eles valeriam pela eficácia desse processo,
não mais por um estatuto de validade estabelecido a priori. Teria sido através
da tecnologia que rompemos com o ideal da Verdade e adotamos o da eficácia.
Pela fusão entre
techne
e
logos
o conhecimento teria sido lançado em uma
ordem de simulação, onde seu valor passaria a ser pragmático, isto é, residiria
na sua construção e na sua comunicação tecnológicas. Não se trataria mais, na
simulação, de comunicar o que se conhece verdadeiramente, e sim de conhecer
aquilo que pragmaticamente se produz na comunicação. Comunicar ganha
então amplitude: pôr em comum não se restringe à partilha de significantes e
significados entre sujeitos, mas envolve qualquer construção de
interfaces
, de
pontos de contato em uma rede de relações onde interagem natureza, cultura e
artifício ou, de outro modo, homens e coisas. Assim, enquanto na
representação o foco da atividade de conhecer estava no sujeito, ainda que o
acesso ao conhecimento se desse pelo
uso
da linguagem; na simulação a
atividade estaria no exercício dos
meios de comunicação
, no ato de comunicar
e nos dispositivos que o viabilizam.
À primeira vista representação e simulação seriam concepções
inteiramente distintas e mesmo opostas. Estando cada uma delas vinculada a
um período de tempo diferente, caberia a nós optar por uma ou outra visão de
mundo; estando em jogo nessa opção sermos modernos ou contemporâneos,
estarmos presos ao passado ou rumo ao futuro. No entanto, ao tentarmos
entender as diferenças entre o modelo da representação e o da simulação e
nos posicionarmos ou optarmos por um deles, passamos de forma recorrente
de um a outro sem que o pudéssemos evitar. O que deveria ser pura exclusão
revelou-se-nos continuidade e imbricação. Segundo o que investigamos, as
tentativas de afirmar uma única verdade e representá-la se concretizaram por
meio de complexas construções, negociações e simulações de uma unidade
onde a multiplicidade insistia. Da mesma forma, a assunção da simulação
tecnológica e dos fluxos de informação como uma esfera comunicacional
inteiramente distinta de qualquer permanência ou realidade prévia, implicava
em negar tudo aquilo que se furtasse à fugacidade e insistisse na demora,
resistindo. Tomava-se então a simulação e os fluxos produzidos nos dispositivos
tecnológicos hoje como a
única verdade
: voltamos à representação. Impossível,
ao que parece, nos mantermos em um único registro. Quanto mais buscamos
fidelidade e acordo a um dos modelos, mais rápido encontramo-nos “do outro
lado do espelho”: a atualidade é paradoxal, constituída de representação e
simulação.
7
Outro fato denunciador da inevitabilidade do confronto com o paradoxo
atualmente aparece nas várias tentativas de caracterizar o cenário atual, sua
realidade e modos de relação, através de termos duplos como:
fluxo
descontínuo
(A. V. MONTEIRO, op. cit.)
, hierarquias emaranhadas
(D.
BOUGNOUX, 1994),
referência
indiferenciada
(M. T. d’AMARAL
in:
_____________ (Org.), 1996), além dos paradoxos envolvidos na
difusão
da
informação - devido a sua natureza dual
8
- e nas idéias de
auto-organização
e
auto-referência
(L. SFEZ, 1994). Assumir a paradoxalidade da atualidade revela-
se não somente inevitável como oportuna: solução para a dificuldade de
expressar e conceituar o complexo estado de coisas (e homens) onde nos
encontramos. Este alerta serve para nos prevenir de que, apesar de seguirmos
7
Sobre esse ponto ver também M. T. d’AMARAL
in
: ____________ (Org.), 1996 e 1996a.
8
De acordo com a Teoria da Informação (TI), a informação seria igual à variedade ou à
redução de incerteza dos sinais de um código, ela dependeria do número de sinais passíveis
de ocorrerem em uma determinada situação e da probabilidade de cada um deles. Desse
modo, num sistema caótico haveria máxima quantidade de informação mas, pelo mesmo
motivo, nenhuma mensagem seria reconhecida. Igualmente componente da TI, o conceito de
redundância ressalta a necessidade do controle da variedade, da estruturação de uma forma,
para uma boa transmissão. Esse estado de coisas caracterizaria o
caráter dual da informação
:
ela é máxima sem forma, mas só é percebida com forma. (I. EPSTEIN, 1988).
neste capítulo destacando as novidades da cultura comunicacional
contemporânea em relação à cultura clássico-moderna, o fato de depois
confrontarmos teorias de autores modernos com o novo cenário denuncia que
deles ainda não abrimos mão, ainda que seja necessário circunscrever suas
possibilidades de ação na atualidade. Outro fato a destacar é que, apesar de
estarmos afirmando a vigência de uma cultura comunicacional contemporânea
no início do século XXI, sua configuração tem raízes no início do século XX. Este
último foi atravessado por transformações tecnológicas e teóricas cada vez mais
velozes, culminando com a tecnologia informático-digital e o domínio da
comunicação nesses moldes. Os movimentos de mudança ao longo do século
XX já deixavam insinuar a profundidade dessas através de afirmações de uma
“crise dos paradigmas” ou “crise dos fundamentos”.
9
Neste contexto de crise, o
paradoxo se instalou e permanece ainda neste início de século XXI. Assumido o
paradoxo, cabe repensar as concepções de aceleração, interação e simulação
como modelos de tempo, comunicação e conhecimento, e como elas
constituem um pensamento comunicacional e afetam as noções de cognição,
aprendizagem e educação hoje.
1.1 A cultura em informação
Como dito anteriormente, alguns dos aspectos componentes da
chamada cultura comunicacional contemporânea foram já investigados por nós
9
Conferir a este respeito os trabalhos de M. T. d’AMARAL, 1996a, 1995 E 1989.
na forma de uma apropriação comparativa deste cenário com aquele que
identificamos como tendo nos constituído desde o surgimento da filosofia no
ocidente: o cenário clássico-moderno da representação. No presente trabalho,
permaneceremos dentro deste horizonte comparativo, uma vez que caberá
identificar as bases clássico-modernas e representacionais das concepções de
cognição, aprendizagem e educação, a fim de que possamos compreender
como o surgimento do cenário tecnológico contemporâneo - onde a simulação
concorre com a representação - influencia tais concepções. Com este intuito,
traçaremos uma descrição desta passagem do moderno ao contemporâneo, ou
da representação à simulação, através das alterações decorrentes das novas
tecnologias de comunicação que, entendemos, respondem mais diretamente a
esta influência.
Em primeiro lugar, cabe expor como as tecnologias de comunicação
podem ser de alguma forma responsabilizadas por tamanhas mudanças e, em
nosso percurso argumentativo, como o processo de digitalização e o conceito
de informação surgem como ponto de partida para todas as demais
transformações. Se acompanharmos A. Mattelart & M. Mattelart em seu
História
das teorias da comunicação
(1999), encontraremos uma descrição de como a
comunicação, tomada como objeto de teoria, esteve sempre identificada à
circulação de mensagens e conhecimentos e à organização social. A princípio,
conhecimentos e mensagens se mantinham encarnados em pessoas, objetos e
redes materiais e sociais de comunicação pesadas e lentas (estradas, vias
fluviais e ferroviárias): o peso da matéria e a lentidão de seu deslocamento.
Com o surgimento do código digital binário, o conceito de informação surge
como uma modalidade de mensagem leve, dotada de matéria sutil, que exige
pouquíssimo tempo e esforço para sua transmissão. Além disso, a informação
assim concebida permite um controle maior de suas partes e do ruído,
tornando-a mais precisa e menos perecível em sua circulação.
10
P. Lévy aparece
como um dos principais defensores da digitalização como a grande responsável
pelas mudanças no cenário cultural, aquela que permitiu a interconexão de
todos os tipos de sistemas antes considerados de naturezas completamente
distintas e com códigos próprios para comunicação. (Cf. P. LÉVY, 1999 e 1993).
Novo “esperanto da razão”, “interface universal”, o código digital é “falado” por
todos os sistemas: seres vivos (humanos e não-humanos), máquinas, grupos
sociais, estruturas biológicas; todos agora reunidos sob a denominação de
sistemas de processamento de informação binária e/ou digital.
De sua origem matemática, maquínica e linear, com a
Teoria da
Informação
(TI) de C. E. Shannon & W. Weaver, a informação digital estendeu
seus conceitos a formação de uma visão sistêmica de mundo, onde passam a
imperar as noções de código, interação,
feedback
, auto-regulação, ordem pelo
10
Não ignoramos a experiência do telégrafo como marco inicial do processo de
“desmaterialização” das mensagens em eletricidade e informação binária (Cf. W. ROWLAND.
1999); mas reconhecemos que a revolução tecnológica só pôde alcançar a condição de
revolução cultural e paradigmática quando a digitalização passou a permitir a tradução de
qualquer tipo de signo (verbal, não verbal, imagético ...) e a convergência das diversas mídias
de comunicação. Também não estamos aqui ignorando ou descartando a esfera semântica da
comunicação humana, mas esta passou a poder ser transmitida na forma de sinal, de pura
sintaxe, em velocidade e dimensões maquínicas através das infovias computacionais
representadas pela rede mundial de computadores; a qual se estende sob todas as outras
vias técnicas de transmissão de mensagens existentes até aqui: do telégrafo à televisão e à
telefonia celular, todos atualmente acoplados e sustentados em sistemas digitais de
processamento de dados e transmissão de informações.
ruído. Esse conjunto de referências teóricas invade a biologia, sobretudo a
partir dos estudos do código genético
11
e da ecologia; as ciências sociais e os
estudos políticos onde a sociedade passa a ser concebida como um jogo entre
sistemas e subsistema
12
; as ciências humanas, com abordagens como as da
Escola de Palo Alto
onde patologias sócio-individuais são compreendidas a
partir de modelos de interação comunicacional entre sistemas (Cf. P.
WATZLAWICK; J. H. BEAVIN; D. D. JACKSON, 1993). Essas referências também
permitem o surgimento de novas disciplinas e campos de saber como a
cibernética, as pesquisas em inteligência artificial e as ciências cognitivas. A.
Mattelart & M. Mattelart (op. cit.) e L. Sfez (op. cit.) fazem excelentes e
detalhadas descrições, sobretudo o segundo autor, do processo de construção
deste novo cenário complexo, essa “ecologia de comunicação” surgida a partir
de uma “sociedade da informação”. L. Sfez traduz este cenário sistêmico
através de uma metáfora, a
metáfora do organismo
, denunciando mais uma
vez o quanto o mundo, este grande ecossistema, dispõe agora de um único
modelo de comunicação que permite trocas ilimitadas, incessantes e sem
fronteiras entre todos os sistemas; trocas que, em última instância, podem
todas ocorrer com base na codificação binária e em sua digitalização
informacional. A ordem da representação, da exterioridade e da exclusão não
pode mais figurar neste cenário. L. Sfez nos dá um exemplo ao descrever a
mídia neste contexto.
11
Composto de dois pares de bases, a estrutura do DNA aparece, também ela, como uma
codificação binária: Timina – Adenina (T-A) e Citosina – Guanina (C-G).
12
Exemplificam essa abordagem os trabalhos de D. Easton e K. W. Deutsch citados por A.
Mattelart & M. Mattelart (op. cit.)
“A mídia não é mais personagem à parte, que traduz o
mundo objetivo para um receptor passivo. A mídia está no
mundo, da mesma forma que o receptor, assim como o mundo
está na mídia e no receptor. A mídia aloja-se nos minúsculos
interstícios desse continuum. Ela é apenas o indivíduo
conhecedor, capaz de enunciados justos, adequados ao mundo.
Cada um aqui é capaz de ser sua própria mídia. Cada um é
subjetivamente objetivo em sua grande atividade de casamento
com o mundo” (op. cit., p. 32)
Essa visão codificada do mundo confere a ele uma maleabilidade e uma
fluidez inteiramente novas posto que qualquer estrutura, sistema ou indivíduo
que seja constituído a partir de um código, que seja fruto de uma codificação,
pode, em princípio, ser decodificado e alterado em suas características. Quando
este código toma a forma de um código binário digital então, as possibilidades
de intervenção são ainda mais extensas em termos de precisão e profundidade.
Exemplo disto são as promessas e as realizações que acompanhamos a partir
dos estudos genéticos: cura de doenças, correção da produção de
determinadas substâncias pelo o organismo, alimentos transgênicos, proteínas
sintéticas, produção de órgãos específicos a partir de células-tronco, clonagens,
criação de mundos virtuais em videogames, manipulação de imagens pixel a
pixel... Todos processos que consistem, em última instância, na alteração e
criação de mensagens pelo domínio dodigo e pela tradução de um código a
outro. Estratos antes vetados a intervenção humana, concebidos como da
ordem da essência, da verdade, do predeterminado, estão agora abertos à
intervenção. Não mais a intervenção lenta da escala evolutiva da espécie ou da
história, mas a intervenção “instantânea” que passa pela decisão de um
indivíduo e que se consolida, também para ele, no tempo de sua existência. Um
mundo composto de informação codificada é um mundo em comunicação onde,
neste processo de comunicação, a mudança e a criação são a regra, e onde a
existência dos indivíduos, nas palavras de V. Kastrup, toma a forma de um
processo de “invenção de si e do mundo” (1999).
13
1.2 O tempo em aceleração
Um mundo organismo, composto por velozes fluxos de informação
digitalizada entre sistemas, provoca modificações nos regimes temporais que o
regem. A velocidade e a aceleração surgem como as imagens do tempo de pelo
menos duas formas mais evidentes. A primeira diz respeito à natureza da
transmissão das informações digitalizadas: energia que percorre cabos de fibras
óticas e ondas de satélite que se deslocam com velocidade próxima à da luz.
Desde o início do século XX, com a Teoria da Relatividade Especial (TRE) e a
Teoria da Relatividade Geral (TRG) de A. Einstein e a Física Quântica, que
energia e matéria foram unificadas (na célebre
E=mc
2
; onde
E
é energia,
m
é
13
Título do livro da autora, ao qual voltaremos no segundo capítulo deste trabalho, que possui
subtítulo igualmente sugestivo para nossa argumentação: “uma introdução do tempo e do
coletivo no estudo da cognição”.
massa e
c
é a velocidade da luz) e associadas às noções de velocidade, de
transmissão e de informação. Juntas, estas teorias e noções determinam um
novo cenário espaço-temporal, diferente daquele da física clássica. A partir
deste quadro teórico a constante
c
torna a determinação da existência espaço-
temporal de qualquer evento relativa ao observador; ou melhor, ao tempo que
a informação deste evento leva para percorrer a distância que o separa do
observador em questão. Espaço e tempo cedem ao, agora,
continuum espaço-
tempo
, o qual é capaz de ser curvado pela gravidade das massas e cujas
distâncias são medidas em anos-luz. Este
continuum espaço-tempo
diz respeito
à velocidade de percurso da informação, a uma dinâmica de comunicação.
14
Transferindo esta visão geral do universo e da natureza, fornecida pelas
ciências naturais, para o cenário das redes digitais funcionando próximas à
velocidade da luz
15
, temos que o espaço e o tempo, antigas referências para
localização de um evento, tornam-se também fluidos, fluxos incessantes de
informação circulante; e denominações do tipo “tempo real” surgem tentando
dar conta deste novo tempo “encarnado” na circulação de informações, este
novo
continuum espaço-tempo
que se tornou a rede digital.
16
O tempo deixa de
14
Conferir sobre Teoria da Relatividade: A. Einstein (1981, 1982), N. Calder (1988); sobre física
quântica: J. Gribbin (s/d), M. Schenberg (1984), P. Davies (1987); e sobre cosmologia M.
Novello (1988). Estas obras oferecem um panorama das mudanças de paradigmas dentro do
campo da física a partir do século XX.
15
Transferência cada vez mais legítima, uma vez que, como já dissemos, as ciências da
comunicação e da informação, as ciências biológicas, as ciências humanas e as ciências
sociais estão atualmente reunidas pelas noções de sistemas de processamento e de trocas de
informações.
16
Como destaca L. Sfez, o conceito de rede é um dos pilares do novo cenário cultural; e uma
de suas características é justamente aceitar “formação rápida e deformação, podendo
enriquecer-se de maneira quase ilimitada, mesmo conservando suas características de
flexibilidade” (op. cit., p. 14).
ser uma abstração, um
a priori
kantiano. O tempo real é aquele que se faz na
atualização da informação que circula, no momento em que se “paralisa” o
fluxo e se recorta uma informação particular. A realidade passa a se fazer em
um
agora
(um tempo) que é referido por um sujeito/indivíduo que recorta um
instante de tempo ou uma configuração da informação. Um indivíduo que
totaliza neste
instante
o tempo e o mundo em “tempo real”. Ou ainda, nos
termos da física quântica, uma consciência que observa o sistema e “cria” e/ou
“seleciona” uma realidade possível dentre várias outras contidas em uma
função de onda de probabilidades (ψ)
17
. Dentro da rede digital, P. Lévy (1993)
nos exemplifica essas configurações de realidades em tempo real com os
resultados obtidos com consultas a bancos de dados; resultados que só surgem
no momento da consulta, a partir da aplicação de algum filtro como critério de
cruzamento e análise dos dados dispersos em campos isolados dos bancos.
A segunda forma de velocidade e aceleração se apresentarem
atualmente decorre desta multiplicidade de possibilidades, da mobilidade e da
plasticidade deste fluxo generalizado de informações permitido pela integração
17
Nos domínios subatômico não trabalhamos com quantidades discretas que caracterizem os
aspectos das partículas fornecendo-nos com precisão sua localização, sua quantidade de
movimento, sua direção, etc.. Nele trabalhamos com funções de ondas (ψ). A função de onda
concebida por E. Schrödinger não é uma quantidade em si, nem uma substância observável,
“mas contém a evolução das diferentes probabilidades dos valores que podem tomar as
grandezas observáveis” (I. PRIGOGINE; I. STENGERS, 1997, p. 177.). Na experiência das
duas fendas, marco definitivo da teoria quântica, temos duas possibilidades para o elétron.
Assim, sendo a probabilidade de um acontecimento igual ao quadrado de ψ, a probabilidade
do elétron atingir um certo detetor é dada pelo quadrado da soma dos ψ, o que origina um
termo de interferência. Matematicamente temos que (A + B)
2
= A
2
+ B
2
+ 2AB, e este último
termo suplementar representaria a interferência entre as ondas. Substituindo A e B por ψ
teríamos: ψ
1
2
+ ψ
2
2
+ 2ψ
1.
ψ
2
.(Conferir J. GRIBBIN, s/d, p. 116-123).
entre os sistemas e pela “desmaterialização“ digital.
18
A digitalização implica
uma
virtualização
de todos os processos e transforma qualquer antigo
acontecimento ou indivíduo em projeto, em possibilidade de escolhas de futuro.
Essas características de virtualidade, de projeto e de mobilidade, próprias a
todos os componentes das redes digitais, fazem da velocidade o tempo próprio
do sistema, sempre em movimento. Se o mundo clássico-moderno permitia o
isolamento e/ou a anulação do tempo, o recurso à imagem da
eternidade
e a
possibilidade da representação; um mundo digital formado por fluxos de
informação tem na
contemporaneidade
e na
simultaneidade
suas imagens do
tempo. Imagens onde
o mesmo,
referido em seus prefixos, pode ser entendido
pelo fato de
todos
os sistemas poderem
interagir
segundo
a mesma
velocidade
de trocas de informação,
todos ao mesmo tempo
. A informação digitalizada,
transformada em fluxo de energia com velocidade próxima a da luz, sem
barreiras e sem linearidade (porque organizado em rede), faz com que diversas
configurações de informação e várias realidades possíveis estejam disponíveis à
seleção, a uma cristalização momentânea, a uma realização pontual. Um jogo
entre real e virtual se instala na rede, sendo as possibilidades virtuais - as
18
Utilizamos o termo “desmaterialização” sempre entre aspas porque o código e sua energia de
transporte são matérias, como bem nos adverte P. Lévy (1999) e nos demonstra a fórmula
E=mc
2
. No entanto, a sutileza e as possibilidades de manipulação e controle desta matéria-
energia são tais que achamos que o termo “desmaterialização”, ainda que impreciso, ou
mesmo algo equívoco, confere maior ênfase à novidade deste suporte da informação na
contemporaneidade.
possibilidades de exploração dos eventos-projetos digitalizados - não menos
reais do que qualquer opção particular selecionada.
19
A virtualidade responde, ainda, por uma terceira mudança detectável
na experiência de temporalidade contemporânea (simultânea): a precipitação
do futuro, ou melhor, de futuros, sobre o presente. A ordem cronológica linear,
que caminha do passado, passa pelo presente e ruma ao futuro, garantida por
um deslocamento da informação também organizado e concebido de forma
mecanicista, atomística e estocástica
20
, própria do mundo clássico-moderno, se
perde em um mundo organismo estruturado em rede. A virtualidade e a
dimensão de projeto, mobilidades inerentes ao mundo digital, faz com que os
futuros integrem o presente e as ações nele executadas. Múltiplos tempos são
experimentados simultaneamente: passado/presente/futuro, e também as
temporalidades dos diferentes sistemas integrados. Pela codificação
generalizada experimentamos dimensões temporais infinitamente grandes como
as da história do Cosmos - captando imagens anos-luz no passado - e da
evolução das espécies – temporalidade concentrada neste código-registro que é
o código genético, ao mesmo tempo nosso passado e nossas possibilidades
19
As considerações acerca da multitemporalidade evidenciada pelos termos contemporâneo e
simultâneo se devem a anotações referentes à disciplina ministrada pelo Professor Márcio
Tavares d’Amaral, no 1º semestre de 1997, no curso de Pós-graduação em Comunicação e
Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ.
20
Na descrição de L. Sfez do modelo representacional de comunicação que compõe o mundo
máquina onde imperam as teorias da lingüística estrutural e a TI, estas são três
características principais: modelo estocástico “porque é pontualmente que se faz a
comunicação, em determinado momento e por ocasião de certo objetivo. Atomístico porque a
comunicação presentifica dois sujeitos, átomos separados e indivisíveis. Mecanicista em
função da linearidade do esquema da transmissão que é uma máquina.” (op. cit., p. 42)
Conferir também A. V. MONTEIRO, 1998, pp. 60-62.
futuras por conter nossas características virtuais não realizadas.
21
Também pela
codificação experimentamos o tempo real e a circulação global da informação
quase instantaneamente. Experiências recentes como os
flash mobs
exploram
esta possibilidade de conexão extensa no espaço e intensa no tempo: multidão
convocada e reunida em um instante, um flash.
Velocidade, aceleração, tempo real, virtualidade, simultaneidade:
cenário de experiências temporais contemporâneas, engendrado por
modificações nos processos e dispositivos de comunicação. Sendo a educação e
a aprendizagem processos, respectivamente, de
transmissão
e de
aquisição
de
conhecimentos, ou seja, processos de comunicação, elas não poderão deixar de
ser reconfiguradas dentro do cenário contemporâneo e de assumir as
alterações que a comunicação, o conhecimento e o tempo sofrem com a
informatização digital. No que diz respeito ao tempo em particular, a dimensão
da transmissão que compõe a educação esteve, em seu percurso clássico-
moderno, vinculada à representação e, com isso, também ao passado, à
eternidade, à verdade e a uma progressão linear e paulatina de acúmulo de
conhecimentos pela sociedade e pelos indivíduos. Difícil imaginar como seria
21
A coincidência de passado/presente/futuro ligada ao código genético se expressa nos
problemas que envolvem as previsões e cálculos médicos sobre riscos e probabilidades, onde
um possível futuro (uma possível doença herdada) passa a determinar uma série de condutas
no presente e fim de evitar esta possibilidade. Possibilidade paradoxalmente considerada
como uma realidade a fim de ser mantida como uma virtualidade.
(Conferir a este respeito o
trabalho de F. BRUNO, 1997 e de P. VAZ
in
: M. T. d’AMARAL (Org.), 1996) Teorias cognitivas
que atualmente descrevem a mente, a inteligência e a consciência como máquinas de
cálculos de risco, de antecipação de futuros, de testagem de hipóteses e possibilidades
também evidenciam esta coincidência. Conferir como exemplo os trabalhos de D. Dennet
(1996 e 1997) e A. Damásio (2000).
possível compatibilizar e manter, na educação, estes princípios temporais
vinculados à representação, sendo que a função educacional também se define
por preparar os indivíduos para a atuação na sociedade em acordo com a
cultura. Como formar indivíduos pertencentes a um cenário contemporâneo,
indivíduos do século XXI, dentro de um modelo de clássico-moderno, cujas
origens datam de 25 séculos? Como investir em uma formação de acúmulo, de
progresso linear paulatino e lento dentro das instituições de ensino, quando o
que os indivíduos vivenciam e seu cotidiano está estruturado em rede e
caracterizado pela fluidez, pela virtualidade e pela velocidade?
Voltaremos a estas questões no próximo capítulo. Por ora, seguindo
nossa proposta de mapear as modificações contemporâneas que mais
diretamente afetam a cognição, a aprendizagem e a educação, passemos a
explorar mais detidamente como o suporte informacional digital e a velocidade
alteram o modelo de comunicação, fazendo-o se afastar da linearidade, que
acompanhava o desenvolvimento temporal cronológico clássico-moderno, e
assumir uma nova dinâmica, mais de acordo com os novos regimes de tempo:
a dinâmica da interação.
1.3 A comunicação em interação
Como já dissemos, o modelo de mundo da representação se sustentava
em uma concepção de comunicação e de tempo onde a linearidade imperava e
garantia princípios de causalidade, fundamentos de verdade e uma organização
atomística e hierárquica dos sistemas envolvidos nas situações de comunicação:
um pólo emissor predominando sobre um pólo receptor através do envio de
uma mensagem. Com o advento da informação digital este modelo de mundo
perde sustentação e em seu lugar surge um mundo “organismo”, marcado por
fluxos de informação, simultaneidade e tempo real. Neste contexto, o conceito
de interação aparece como central e recorrente em diversas disciplinas que
exploram o novo cenário sistêmico e orgânico, como, por exemplo, a
cibernética de N. Wiener e de Von Foerster. A noção de interação em sua
versão cibernética, e em outras áreas, implica o rompimento com a linearidade
e com a hierarquia nas trocas de informação. Associadas a ela estão também as
noções de feedback, circularidade, indeterminação, auto-organização, auto-
referência e princípio de ordem pelo ruído, que considera o ruído não como um
empecilho à transmissão da informação, mas como parte integrante da
mensagem resultante em um processo de informação. O mundo descrito a
partir destas noções, e em parte já apresentado por nós em seus aspectos
temporais, é um mundo onde todos os sistemas estão integrados por
funcionarem, todos, segundo o princípio do processamento de informação; um
processamento que ocorre em dupla via e impede que se estabeleçam um
sentido único e fixo e uma hierarquia causal permanente: o observador,
doravante, interfere no observado; o emissor se torna receptor; o passado e o
futuro se fundem no presente; não há fronteira externa onde um fundamento
ou algo como uma eternidade possam se estabelecer. O mundo todo é um
“organismo” formado por sistemas integrados em interação, a partir da qual
uma auto-organização se estabelece e as hierarquias somente surgem
“emaranhadas”, como define D. Bougnoux (op. cit.).
22
L. Sfez também faz um
resumo deste “mundo em comunicação expressiva” (diferente do mundo da
representação maquínica). Segundo seus termos:
23
“Deixa de haver aqui envio, por um sujeito emissor, de
uma mensagem calculável a um objeto receptor. A comunicação é
inserção de um sujeito complexo num ambiente que é ele mesmo
complexo. O sujeito faz parte do ambiente, e este faz parte do
sujeito. Causalidade circular. Idéia paradoxal de que a parte está
no todo que é parte da parte. O sujeito permanece, mas ele
esposou o mundo. Par sujeito/mundo, no qual os dois parceiros
não perderam totalmente a identidade, mas praticam trocas
incessantes. A realidade do mundo não é mais objetiva, mas faz
parte de mim mesmo. Ela existe... em mim. Eu existo... nela. (...)
Recurso à expressão como base no modo spinozista. Eu exprimo o
mundo que me exprime. O sujeito global é o mundo natural. Mas
o indivíduo não perdeu seus direitos: ele deve, como no esquema
de Spinoza, fazer o bom enunciado, situar-se bem no mundo para
suscitar bons encontros com ele. Posição monista que postula o
22
Conferir capítulos 3 e 13, nos quais o autor debate os paradoxos gerados pela auto-
referência em diversos níveis: mapa e território, relação e conteúdo, enunciado e enunciação.
23
Sobre todo este parágrafo conferir também A. V. Monteiro (1998).
justo lugar do indivíduo no concerto do universo. Totalidade, mas
totalidade hierarquizada.” (L. SFEZ, op. cit., p. 65)”.
À noção de interação, fundamental na composição do cenário cultural
contemporâneo, vão se associar ainda duas outras, mais importantes e mais
presentes do que ela no universo das ciências da comunicação e da
informação: interatividade, que deriva diretamente da primeira, mas dela se
diferencia, e interface. Como interface, à qual nos referimos anteriormente,
denominamos, a partir de P. Lévy (1993, p. 176), qualquer dispositivo que
garanta a comunicação entre dois ou mais sistemas informáticos distintos. Ou,
como descrevemos em outro trabalho:
“Segundo o autor, no entanto, o próprio código digital
pode ser entendido como interface por permitir a comunicação
das imagens, dos sons, etc., com a máquina e com o humano via
máquina. Isto porque a codificação desses elementos
simultaneamente os traduz e captura, pondo-os em comunicação.
O código seria o que haveria em comum na imagem e na
máquina, ambas se compreendem através dele” (A. V.
MONTEIRO, 1998, p.82).
Em seu
A cultura da Interface
, Steven Johnson nos apresenta ainda
outra definição:
“Em seu sentido mais simples, a palavra se refere a
softwares que dão forma à interação entre usuário e computador.
A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre
as duas partes, tornando uma sensível para a outra. Em outras
palavras, a relação governada pela interface é uma relação
semântica, caracterizada por significado e expressão, não por
força física”
24
(S. JOHNSON, 2001, p. 17).
Voltaremos ao conceito de interface mais adiante. Por ora, basta-nos o
esclarecimento de que a interação se torna possível via dispositivos de interface
e que, neste sentido, a forma digital da informação fez o papel da grande
interface que permitiu pensarmos um mundo em interação.
Por outro lado, a passagem da interação à interatividade e as
diferenças entre elas merecem maior atenção por serem, como já dito, centrais
no campo da comunicação especificamente. O percurso que apresentaremos
24
Aqui cabe chamar atenção, mais uma vez, para o fato de expressão ser um dos termos
centrais utilizados por L. Sfez para falar de seu mundo organismo. Diferentemente do mundo
maquínico da “bola de bilhar”, onde reina a representação, no mundo “creatura”, organismo,
trata-se todo tempo de expressão: “auto-sugestionária ou auto-organizada, ela é direta,
espontânea, sem necessidade de intermediário com o universal. Porque aqui, [no mundo
organismo,] o microcosmo exprime a totalidade do macrocosmo.” (L. SFEZ, op. cit., p. 75).
Estas idéias serão fundamentais mais adiante, quando explorarmos as diferenças entre as
noções de interação e mediação e, por isso, voltaremos a falar de interface quando falarmos
de simulação.
será aquele apresentado por P. Vaz (2001) no artigo “Mediação e tecnologia”,
onde o autor apresenta uma pertinente genealogia do conceito na área da
comunicação a partir da resenha “O conceito de interatividade” (2001, mimeo).
O artigo começa com a denúncia de que o termo interatividade não
constava nos dicionário de comunicação até 1994, mesmo após sua ampla
divulgação, um ano antes, através de uma matéria de capa da revista
Newsweek
intitulada “Vida interativa: colocará o mundo na ponta dos dedos”.
Esta ausência, segundo o autor, se deveu à persistente ênfase que os estudos
de mídia deram àquelas mídias voltadas para a comunicação de massa,
baseadas no modelo de transmissão um-todos, tipo
broadcast
. A demora do
interesse acadêmico não impediu uma rápida e intensa apropriação publicitária
e do senso comum do termo, processo que teria contribuído para a imprecisão
que, ainda hoje, como demonstra o estudo do autor, cerca academicamente o
conceito. Nesta difusão popular e cotidiana, interatividade aparece associada ao
grau de poder de ação e escolha permitido aos indivíduos por algumas
tecnologias - poder explicitado pelo subtítulo da matéria da
Newsweek
e que
apontaria também para uma maior liberdade.
Após este diagnóstico, uma tipologia dos mídias (feita por Bordewijk e
Kaam) e um amplo inventário dos modos de pensar a interatividade (como
protótipo, como critério e como contínuo), desde sua origem no conceito de
interação, baseiam uma nova construção e conceituação do conceito,
entendendo interatividade como contínuo composto de quatro dimensões, as
quais seriam redutíveis a três.
A tipologia dos mídias em questão serve particularmente ao estudo do
autor por utilizar como referência o critério da relação de transmissão envolvida
em cada mídia, através da análise do modo de atuação dos agentes desta
relação. Como descreve o autor:
“de um lado, quem possui e produz a informação; de
outro, quem controla a sua distribuição em termos de momento
de apresentação e dos temas. Ao cruzar estes dois aspectos tendo
em vista se são controlados seja por um provedor de informação
centralizado, seja por um consumidor de informação
descentralizado, teremos quatro possibilidades” (P. VAZ, op. cit.,
p. 2).
Assim, teríamos as diferentes mídias podendo funcionar segundo quatro
tipos de padrão de comunicação: 1) transmissão, onde a informação é
produzida por um provedor centralizado, que também controla a sua
distribuição. Os exemplos são as mídias tipo
broadcast
(um – todos), “onde a
única atividade do consumidor de informação é a pura recepção” (Idem); 2)
conversação, “onde a informação é produzida e distribuída pelos
consumidores de informação. [...] Os exemplos são o telefone, e-mail, listas de
e-mail,
newsgroup
, etc.” (Idem); 3) consulta, onde a informação é produzida
e possuída por um provedor central, mas é o consumidor de informação que
controla quando e qual informação é distribuída. Os exemplos são os serviços
on-demand
ou recursos de informação
on-line
, os portais na rede e as tevês a
cabo; 4) registro, “onde a informação é produzida pelo consumidor de
informação, mas é controlada e processada pelo centro provedor de
informação” (Ibidem, p. 3). Os exemplos aqui são sistemas de vigília central, de
registro, como é o caso dos tipos utilizados pela
Amazon
, “sempre sensível às
ações dos usuários consideradas como informação” (Idem), e pelos bancos em
seus serviços
on-line
, registrando e informando ao usuário todos os seus
últimos movimentos: datas, pagamentos, consultas, transferências etc.
Encerrando a apresentação desta tipologia P. Vaz nos adverte quanto à
principal novidade que ela permite revelar no que diz respeito à noção de
interação: os três últimos, e novos, padrões de comunicação seriam marcados
por um maior grau de interação por permitir maior liberdade de ação e escolha
para os indivíduos consumidores. No entanto, quando tratamos do modelo do
registro, quanto mais personalizado for o serviço na direção do indivíduo, mais
este estaria sendo controlado e vigiado. Rompe-se neste momento a
identificação, comum na compreensão publicitária e do senso comum quanto à
noção de interação, entre a maior possibilidade de participação e escolha e o
maior grau de liberdade.
A seguir, o autor investiga as fontes disciplinares do conceito de
interação até chegar ao de interatividade, destacando suas concepções na
sociologia, na teoria da comunicação e na informática. Nas três
disciplinas o conceito de interação envolve o problema da causalidade devido à
presença de uma troca de influência-informação mútua, havendo, no entanto,
grande influência da concepção sociológica nas da teoria da comunicação e da
informática. No caso da primeira, interação diz respeito ao relacionamento
recíproco entre duas ou mais pessoas que, devido à consciência mútua,
adaptam seus comportamentos umas às outras. Assim, mesmo na sociologia,
interação já é pensada como uma forma de comunicação nos moldes da
conversação humana face a face, onde os conceitos de
feedback
e auto-
organização aparecem na forma da adaptação dos indivíduos no processo de
troca, na conversação. Ao ser tratada nas teorias de comunicação e na
informática, interação tende a repetir em boa parte a concepção sociológica, ou
seja, envolve um tipo de troca de informação similar (ou que simula) à
conversação interpessoal face a face, com a diferença de haver a inserção de
algum tipo de tecnologia (mídia, máquina, programa, etc.), seja mediando o
contato entre os humanos, seja fazendo o papel de um deles na relação. É
nesta inserção das tecnologias, e na diferenciação e inovação que elas trazem,
que o conceito de interação vai ceder espaço ao de interatividade nas teorias
de comunicação e na informática. Nas palavras do autor: “O derivativo
interatividade é usado na comunicação e na informática, especialmente para
caracterizar algum traço dos novos meios que diferem dos antigos.” (
Ibidem
, p.
9)
O autor passa então à apresentação de três diferentes formas de
pensar a interatividade, relacionando-as aos quatro tipos de mídias identificados
por Bordewijk e Kaam. Esta associação se deve ao fato de justamente quando
falamos de interatividade, e não de interação, haver algum tipo de mídia, de
tecnologia envolvida. O pensamento presente nesta associação é o de que o
tipo de mídia implica um determinado tipo de troca de informação, um
determinado padrão de comunicação, o qual, por sua vez, é marcado por um
certo modo, nível ou grau de interatividade. Tal como a autor os apresenta:
“encontramos três modos principais de definir o conceito: (1) através de
exemplos prototípicos; (2) como critério, isto é, como uma dada
característica que deve ser preenchida; (3) como um contínuo[,
composto por dimensões], isto é, como uma qualidade que pode ser
presente em maior ou menor grau.” (Idem)
Ao final deste inventário, P. Vaz apresenta sua proposta de
conceituação, a que considera mais adequada e útil ao cenário dos estudos
atuais da comunicação. Primeiro o autor defende a separação das noções de
interação e de interatividade. A primeira seria destinada às relações entre
indivíduos humanos espacialmente próximos, sem mediação tecnológica. A
segunda seria aplicada às comunicações que utilizam tecnologias de mediação.
Quanto à sua conceituação de interatividade, o autor assumirá a forma
contínua de pensar o conceito, dividindo-o em quatro dimensões, estabelecidas
com base nos padrões de comunicação da tipologia de Bordewijk e Kaam. São
elas: 1) interatividade de transmissão - correspondente ao grau de
escolhas do usuário em um fluxo contínuo de informação em um sistema do
tipo um-todos. Exemplo: A possibilidade de escolhas do espectador entre vários
canais disponíveis; 2) interatividade de consulta – correspondente ao grau
de escolhas por demanda a partir da seleção de informações pré-produzidas em
sistemas de dupla via. Exemplo: A escolha de vídeos por demanda ou a
navegação na WWW; 3) interatividade de conversa – correspondente ao
grau de possibilidades do usuário de produzir informação num sistema de dupla
via. Exemplo: Listas de e-mail, grupos de discussão na Internet; 4)
interatividade de registro – correspondente à capacidade de o sistema
registrar informações do usuário e se adaptar ao fluxo de suas ações, seja por
uma decisão voluntária ou por uma capacidade interna do sistema. Exemplo:
Agentes inteligentes ou
cookies
.
25
Ainda que P. Vaz dê ênfase à distinção entre interação e interatividade,
por ser útil aos estudos mais específicos sobre mídias, restringindo a primeira a
relações sem mediação entre indivíduos; nosso enfoque, neste trabalho, é mais
amplo: apresentar características do cenário da cultura comunicacional
contemporânea. Deste cenário as tecnologias de comunicação não só fazem
parte, como são agentes importantes. Não faz sentido, portanto, para nós,
recortarmos situações sem a presença de mediação tecnológica, o que seria
possível apenas em micro-escala. O que nos interessa no trabalho do autor é
mais identificar os pontos de continuidade entre os dois conceitos do que os de
ruptura.
Com este interesse, nos chama particular atenção o fato de, nas quatro
dimensões de interatividade propostas por P. Vaz, estarmos lidando, em
25
O autor salienta que as quatro dimensões podem ser redutíveis a três porque a diferença
entre a consulta e o registro se deve apenas a quem cabe a escolha: ao usuário, no primeiro
caso ou à mídia a partir das ações do usuário, no segundo. (P. VAZ, op. cit., p. 15)
alguma medida, com um cenário onde o excesso de informação se apresenta
como um problema a ser enfrentado e/ou administrado: seja através de
escolhas, de possibilidades de produção ou de modos de registro, que são
modo de seleção e organização.
26
O que podemos perceber, pelo que
apresentamos até aqui, é que o surgimento do excesso de informação como
uma questão para a comunicação encontra na interação e na interface sua
condição de possibilidade e na interatividade sua possibilidade de
enfrentamento através de escolhas, seleções e modos de organização desta
informação nos processos de comunicação; interatividade que também envolve
a presença de interfaces. Steven Johnson (op. cit.) também relaciona a
interface com o excesso de informação e descreve, como conseqüência deste
excesso, o surgimento de produções televisivas e de outras mídias classificadas
por ele como
parasi as
ou
metaformas
.
t
“os metaprogramas [são] aqueles interessados não em
contar histórias mas em comentar outros meios de comunicação
(...) São programas de TV e instalações de vídeo dedicados
exclusivamente à ‘leitura’ da mídia. (...) Eles comentam,
desmantelam, dissecam, sampleiam. Tudo que fazem se reflete
em outros meios ‘convencionais’ de que dependem para
sobreviver. Relacionam-se com seus predecessores baseados em
26
O tema do excesso também é de interesse do autor, tendo sido explorado nos artigos:
”Esperança e excesso”(2001) e “Agentes.com: cognição, delegação, distribuição” (2002).
histórias tal como uma crítica de cinema se relaciona com um
filme” (S. JOHNSON, op. cit., p. 24-25).
Ainda segundo o autor, esses programas são tentativas de organizar o
excesso de informação criando filtros; os quais, muitas vezes, reproduzem
opiniões de indivíduos comuns, e não de especialistas integrantes do quadro de
contratados das emissoras. Este fato já denuncia a condensação dos papéis de
receptor e emissor. Um indivíduo comum, como qualquer outro que assiste a
programação televisiva, toma a cena da programação, passa ao outro lado da
tela. Mesmo sem um saber especializado, ele serve a organização de um
sentido; e é isto que importa, mais do que a qualidade do sentido em questão.
“a característica definidora da forma parasita não é nem a
ilusão da casa dos espelhos nem a ironia dissidente. O que une as
diversas cepas dessa espécie emergente é a crença partilhada na
necessidade de filtros de informação – dados para dar sentido a
outros dados. As metaformas prosperam naqueles pontos limiares
em que os sinais degeneram em ruído, em que a esfera de dados
se torna demasiado tumultuada e agitada para nela navegarmos
sós. Nesses climas, aparece todo tipo de metaformas:
condensadores, satiristas, intérpretes, sampleadores, tradutores.
Eles se alimentam do excesso de informação, da atordoante
sobrecarga sensorial da mediasfera contemporânea. E é aí que a
conexão com a interface entra em foco.” (Ibidem, p.29)
Mesmo invadindo mídias tradicionais (dotadas de menor grau de
interatividade, interatividade de transmissão, segundo P. Vaz), S. Johnson deixa
claro que estas são formas apropriadas e necessárias ao mundo digital, onde o
excesso de informação é inevitável e inerente aos fluxos velozes de informação
e as seleções-produções interativas dos receptores-emissores na rede.
“As metaformas não se dão bem no mundo analógico da
televisão, em que o sinal não tem mais maleabilidade do que os
botões de contraste e saturação no nosso aparelho. Mas o mundo
digital é uma outra história. Esse mundo – a fronteira rica,
expansível dos computadores pessoais, caixas automáticos de
banco, videodiscos, World Wide Webs, comunicadores pessoais,
agentes inteligentes – é o planeta nativo dos filtros de
informação. As formas parasitas são um benefício marginal na TV
analógica, um floreio. No mundo digital elas são um fato da vida.
Informação digital
sem
filtro é coisa que não existe” (Ibidem, p.
33).
Se no contexto clássico-moderno da representação os processos de
comunicação eram entendidos, sobretudo, como transmissões de informações
já organizadas na forma de mensagens pré-selecionadas pelo pólo emissor, no
cenário atual - composto de fluxos velozes de informações que se constroem
em tempo real devido à intensa possibilidade de trocas em dupla via, ou seja,
de interação
27
-, os processos de comunicação são igualmente processos de
troca e de produção de informações. Na contemporaneidade, as trocas -
porque envolvem mediações e traduções pelas interfaces tecnológicas - são
moldadas pelo padrão de comunicação e pelo processo de interatividade
envolvidos em cada caso. E a, porque seleciona, escolhe, organiza e, no mesmo
movimento, produz uma informação que não estava totalmente determinada de
antemão, alimenta e infla o sistema cada vez mais em direção ao excesso.
Como este excesso cria novas demandas em direção à cognição, à
aprendizagem e à educação? Em primeiro lugar, onde não havia excesso e
criação contínua de informação, a idéia da transmissão de mensagens prévias
regia as três ações supracitadas: a cognição envolvia a descoberta de
conhecimentos prontos, fosse na natureza ou na mente humana, esta última
atomisticamente concebida; a aprendizagem era concebida como uma ação
de recepção de uma outra ação de emissão que era o ensino, entendido como
a transmissão dos conhecimentos, conhecimentos prontos possuídos por
27
Interação que, por sua vez, foi conquistada com o desenvolvimento da interface universal da
codificação binária digital e suas variantes.
alguém ou por alguma instância como a própria natureza ou a racionalidade; a
educação era o processo de direcionamento e controle da cognição do
indivíduo em função da aprendizagem de conhecimentos específicos,
selecionados pelo corpo social como aqueles imprescindíveis e úteis para a
formação de um indivíduo adequado ao progresso e manutenção da ordem
social e natural.
Estando ausente a possibilidade deste processo de comunicação linear
que articulava harmonicamente cognição, aprendizagem e educação, como
podemos pensar estes processos atualmente? Como conceber a cognição, a
aprendizagem e a educação em um cenário onde a comunicação se dá em
interação ou interatividade, produzindo em cada momento novas informações
por auto-organização dos sistemas, gerando relações de causalidade circular e
hierarquias temporárias e emaranhadas? Como pensar a formação do indivíduo
incluindo-o como elemento participante e fundamental do processo, como
consumidor/produtor de informação? Estes reposicionamento e valorização do
indivíduo nos processos marcados pela interatividade podem, para alguns,
significar apenas uma inversão na direção do conceito de adaptação. Esta é a
leitura feita por J. Baudrillard: “Outrora as normas morais queriam que o
indivíduo se adaptasse ao conjunto social, mas tratava-se de ideologia passada
de uma era de produção: em uma era de consumo, ou que assim se pretende,
é a sociedade global que deve se adaptar ao indivíduo” (2000, p. 178). No
entanto, se interação e interatividade envolvem dupla direção, não se trata
atualmente de inversão de direção, mas de assumir várias direções
simultaneamente, a adaptação é mútua. É possível isolar processos específicos
e dentro deles identificar uma única direção de adaptação (por exemplo,
poderíamos entender que na interatividade por consulta, o indivíduo se adapta
ao meio e que na interatividade por registro é o meio que se adapta ao
indivíduo), mas se tomarmos o cenário cultural mais amplo, esses isolamentos
são sempre um recorte arbitrário e momentâneo; no sistema global a
interatividade é constante e se dá em todas as sua dimensões ao mesmo
tempo.
É dentro desta rede interativa em constante criação, deste mundo
organismo que se expressa, que teremos que conceber o indivíduo, sua
cognição, sua aprendizagem e sua educação, e neste ponto partiremos para a
exploração de outro conceito formador do pensamento comunicacional
contemporâneo: o de conhecimento em simulação.
1.4 O conhecimento em simulação
O termo simulação tem aparecido até aqui de duas maneiras. Quando
fazemos referência ao trabalho que desenvolvemos anteriormente, ele aparece
nomeando o modelo de mundo, de conhecimento e de comunicação surgido no
final do séc. XX em ruptura com o modelo anterior, aquele clássico–moderno,
nomeado modelo da representação. Quando falamos de interface, ele aparece
já vinculado especificamente à relação de conhecimento, da qual passaremos a
tratar. Circunscrever o termo à relação de conhecimento implica defini-lo em
uma escala menor do que aquela adotada em nosso primeiro trabalho. No
entanto, essa primeira abordagem nos serve de alerta sobre duas
considerações que sustentam a argumentação que se vai apresentar. A
primeira, a de que as compreensões do que seja o mundo, do que seja o
conhecimento e do que seja a comunicação são interdependentes. Qualquer
afirmação acerca de um dos três termos reflete no que se pode afirmar sobre
os outros. Não é por outro motivo que estamos analisando como as tecnologias
de comunicação alteraram nossa visão de mundo (concebido como informação
e codificação), nossa experiência de tempo (sob a forma da aceleração e da
velocidade), nossa comunicação (em interação por interfaces) e, agora, nosso
modo de conhecer (por simulação).
A segunda, decorrente da primeira, a de que, apesar de as tecnologias
de comunicação serem o ponto de partida desta análise e, também, a fonte da
popularização do termo simulação, a argumentação que se vai fazer sobre o
mesmo ultrapassa o uso das tecnologias computacionais e informacionais. O
vínculo com estas tecnologias faz com que, muitas vezes, o termo seja
identificado como uma modalidade específica de ação tecnológica. Assim, é
freqüente, no âmbito do senso comum, o entendimento de que somente
algumas produções informáticas e também televisivas envolvem simulação; por
exemplo: os modelos de sistemas específicos como simuladores de vôo, as
imagens de síntese
28
ou as imagens virtuais. Pensada desta forma a simulação
28
Imagens de síntese são “aquelas obtidas através da síntese de matrizes numéricas através de
algoritmos e cálculos algébricos.” (A. PARENTE, 1993, p. 284).
deixaria margem para ser tomada como falseamento do real, este sim mais
verdadeiro e mais valioso do que ela. Permitiria também julgarmos que, se não
há tecnologia de última geração envolvida em um certo evento, podemos
confiar de que ali está o real e nada de simulação. Esta visão difere da que
apresentaremos nesta seção por entendermos que tanto a simulação quanto a
tecnologia apontam para uma revolução epistemológica e abarcam uma gama
de eventos maior do que aqueles vividos nos programas de computador.
Feitas estas observações, podemos nos ater ao que vai caracterizar a
noção de simulação em qualquer um dos casos, mas, particularmente aqui, em
seu vínculo com a ação de conhecer: a dimensão da criação, da invenção. Ao
longo deste capítulo, que como dissemos trata de apresentar as mudanças
relevantes para a cognição, a aprendizagem e a educação na passagem da
cultura clássico-moderna à cultura comunicacional contemporânea, vimos esta
dimensão surgir como um processo incessante e um desdobramento
necessário, inevitável, de todas as transformações abordadas. Ou seja, a
informação codificada, a velocidade e a interação, características da cultura
comunicacional contemporânea, vinculam a relação de conhecer à noção de
simulação inserindo a criação e a invenção como aquelas ações que marcam a
natureza da relação dos indivíduos – incluindo as tecnologias a sua disposição,
seu tempo de vida e sua cognição - com o mundo. Vejamos como S. Johnson
apresenta este processo:
“A tecnologia costumava avançar em estágios mais lentos,
mais diferenciados. O livro reinou como meio de comunicação de
massa preferido por vários séculos; os jornais tiveram cerca de
200 anos para inovar; até o cinema deu as cartas durante 30 anos
antes de ser rapidamente sucedido pelo rádio, depois pela
televisão, depois pelo computador pessoal. A cada inovação, o
hiato que mantinha o passado à distância ficou menor, mais
atenuado. Isso não significou muito nos avanços que foram o livro
ou o jornal ao longo dos séculos – para não mencionar a escala
milenar do pintor de cavernas -, mas, à medida que foram se
abreviando, os estágios começaram a interromper os ciclos de
vida dos seres humanos individuais. (...) A explosão de tipos de
meios de comunicação no séc. XX nos permite, pela primeira vez,
apreender a relação entre a forma e o conteúdo, entre o meio e a
mensagem, entre a engenharia e a arte.” (S. JOHNSON, op. cit.,
p. 9)
Citando M. McLuhan em seu
Os meios de comunicação como extensões
do homem
, o autor continua:
“Em nenhum período da cultura humana os homens
compreenderam os mecanismos psíquicos envolvidos na invenção
e na tecnologia. Hoje é a velocidade instantânea da informação
elétrica que, pela primeira vez, permite o fácil reconhecimento dos
padrões e contornos formais da mudança e do desenvolvimento.
O mundo inteiro, passado e presente, revela-se agora a nós
mesmos do mesmo modo que percebemos um planta crescendo
graças a um filme enormemente acelerado. Velocidade elétrica é
sinônimo de luz e de compreensão das causas” (M. McLuhan,
2001, p. 395 citado por Idem).
“Podemos captar de que maneira diferentes meios de
comunicação moldam nossos hábitos de pensamento porque
podemos ver a progressão, a mudança, de uma forma para outra.
Nascemos num mundo dominado pela televisão e de repente nos
vemos tentando nos aclimatar à nova mídia da World Wide Web.
(...) Se passamos a vida toda sob o feitiço da televisão, o mundo
mental que herdamos dela – a supremacia da imagem sobre o
texto, o consumo passivo, a preferência por fatos transmitidos ao
vivo em detrimento da contemplação histórica – nos parece
inteiramente natural.” (S. JOHNSON, op. cit., p. 9)
Optamos por apresentar estas três citações, ainda que longas, porque
elas resumem as três compreensões interligadas que sustentam a conceituação
do conhecimento como simulação criadora que estamos apresentando: a) o
quanto a aceleração tecnológica nos permite vivenciar pela primeira vez na
história da humanidade os processos de mudança na cognição humana em sua
relação de conhecimento do mundo; b) o quanto esta relação, agora visível, se
estrutura a partir de tecnologias e invenções, como nos alerta McLuhan; c) o
quanto as fronteiras entre cognição humana, tecnologia e mundo se dissolvem,
tomando a forma de membranas de contato, de interfaces, a partir das quais
processos de tradução e mediação modificam simultaneamente os elementos
em contato.
No início do capítulo, quando descrevemos o mundo como um conjunto
de sistemas que processam informação codificada, vimos como esta codificação
abriu a possibilidade de criação pela facilitação e pelo domínio dos processos de
codificação e de decodificação, e a possibilidade de intervir e manipular
qualquer sistema, vivo, não-vivo, maquínico, institucional, etc.. Vimos ainda
como estas possibilidades, por lidarem com códigos, tomaram a forma de
processos de comunicação: tradução e criação de mensagens. Em seu artigo
“Ficção científica: uma narrativa da subjetividade homem-máquina”, F. R.
Oliveira faz resumida e clara apresentação, através da imagem do ciborgue, de
como a visão codificada do mundo não só altera ou extingue as fronteiras
ontológicas entre vivo e não-vivo e humano e não-humano, como também
obriga a uma revisão epistemológica onde a ciência vai tomar a forma da
ficção-científica justamente pelas ações de simulação e síntese que agora
envolvem o conhecer. Esta forma híbrida de conhecimento, onde a dimensão
da criação e do artificial se funde com a dimensão do, antes único e isolado,
mundo natural, encontra outras denominações nos diversos trabalhos e
autores. Tecno-logia aparece como o termo genérico e mais comum a
denunciar este conhecimento que envolve simulação e síntese, mas também
nomeações de novos ramos de saber e de atuação disciplinar, como
biotecnologia e engenharia genética, identificam o atual cenário epistemológico.
“O computador tornou possível o uso de procedimentos
de síntese. Diferente do método analítico – em que a pesquisa
começa com o comportamento de interesse e decompõe (analisa)
o todo em suas partes constituintes -, a síntese inicia com as
partes constituintes, colocando-as juntas na tentativa de
sintetizar
o comportamento de interesse. A partir de descrições
pormenorizadas de componentes e leis de comportamento
mecânico, elétrico e químico, o computador calcula todas as
possibilidades de variação do sistema, permitindo criar
todos os
fenômenos possíveis, existentes ou não
. Sintetizar é mais que
reproduzir em laboratório os processos naturais, é
criar
objetos e
substâncias que
não existem
na natureza. Sintetizar é criar
mundos possíveis. (...) A simulação é intrinsecamente um
método entre a realidade e a ficção. Mas simular e criar
modelos não são procedimentos novos. (...) A novidade consiste
no uso das técnicas de
engenharia
como procedimento científico e
na possibilidade de gerar, modificar, clonar e hibridizar seres
vivos, intervindo inclusive sobre nosso patrimônio genético, até
então fora do alcance de nossas ações.” (F. R. OLIVEIRA, 2002, p.
9 – grifos em negrito nossos)”.
Na exposição das modificações temporais da cultura comunicacional a
dimensão da criação apareceu sob diversas modalidades. Primeiro, o próprio
cenário dos acontecimentos do mundo, o
continuum espaço-tempo
descrito
pela física, foi dotado de plasticidade e mutabilidade, através da transmissão de
informações que passaram a ter valor de acontecimentos pela identificação
entre matéria e energia relacionadas à constante
c
. O cosmos se tornou
informacional, termo que define um universo em rede e em movimento, e pode
ser tanto aquele dos físicos e cosmólogos, como o dos biólogos, quanto o da
cibercultura dominado por usuários da World Wide Web. Segundo, neste
cenário, os recortes, as hierarquias, as individuações e as nomeações que
paralisam o movimento, e que criam uma nova modalidade de realidade, cabem
agora ao indivíduo, acontecem no tempo de sua ação individual. Terceiro, esta
nova realidade em tempo real, instantânea em formação e duração, emerge do
fluxo contínuo de informação, do conjunto de virtualidades que fundem
passado, presente e futuro em um regime de simultaneidade.
Este indivíduo que cria realidades, que seleciona e amplia as
possibilidades informacionais, exige um aparato cognitivo que explique,
justifique e respalde esta capacidade de ação inventiva. Se o mundo não
aparece mais como um conjunto de repetições, de universais e de eternidades,
uma cognição universal e fora do tempo, identificada com o reconhecimento e
a regularidade não seria mais adequada ao conhecer. Um mundo em constante
criação exige para ser conhecido um aparato cognitivo que inclua o movimento
criativo. Ainda mais porque este aparato, desde a adoção de um enfoque
evolutivo que colocou o homem em continuidade com a natureza e com os
outros seres vivos, integra este mundo, dele faz parte como mais um dos seus
acontecimentos e individuações. Dois exemplos de diferentes áreas servem à
ilustração desta inclusão do tempo no exercício da cognição.
O neurologista A. Damásio, em seu
O mistério da consciência
(2000),
ao responder a pergunta “Por que precisamos da consciência?”, vai relacionar
diretamente a consciência complexa, característica dos seres humanos, à
criatividade. Segundo o autor, todo organismo, para sobreviver, precisa agir
considerando sua preservação através da conquista de energia e evitando
perigos e ameaças. Para tal, faz-se necessário um mecanismo que assegure e
oriente as ações no cumprimento de seus objetivos.
“Se em sua opinião a relação entre vida e consciência é
surpreendente, considere o seguinte: a sobrevivência depende de
encontrar e incorporar fontes de energia e de prevenir todos os
tipos de situações que ameaçam a integridade dos tecidos vivos.
Por certo é verdade que, sem ações, organismos como o nosso
não sobrevivem, pois as fontes de energia necessárias para
renovar a estrutura do organismo e manter a vida não seriam
encontradas e postas a serviço do organismo, e muito menos
seriam evitados os perigos do ambiente. Mas, por conta própria,
sem a orientação das imagens, as ações não nos levariam muito
longe. Ações eficazes requerem a companhia de imagens
eficazes” (A. DAMÁSIO, p. 43).
A consciência é, então, justamente este mecanismo. Cabe a ela,
simultaneamente, o mapeamento das condições internas do organismo do
indivíduo, das condições dos objetos do mundo exterior e da relação entre eles,
gerando imagens mentais (quer dizer, padrões de atividade neuronal)
correspondentes a estas condições. Ou seja, a partir de imagens que informam
sobre o organismo e o meio, a consciência tenta melhor adequar um ao outro
testando hipóteses da relação entre ambos através da geração de imagens
desta relação.
“Se as ações estão no cerne da sobrevivência e seu poder
vincula-se à disponibilidade de imagens orientadoras, então um
mecanismo capaz de maximizar a manipulação eficaz de imagens
a serviço dos interesses de um organismo específico conferiria
uma enorme vantagem aos organismos que o possuíssem, e esse
mecanismo provavelmente teria prevalecido na evolução. A
consciência é precisamente esse mecanismo” (
Ibidem
, p. 44).
No processo de adequação ou adaptação entre organismo e meio cabe
à consciência inventar novas ações para situações inéditas e situações
futuras, antecipando-se à efetiva tomada de decisão. A vantagem humana
conquistada através da consciência está na construção de imagens, de modelos
do organismo e do ambiente e da antecipação em simulação das ações
deste indivíduo neste ambiente.
“As imagens permitem-nos escolher entre repertórios de
padrões de ação previamente disponíveis e otimizar a execução
da ação escolhida – podemos, de modo mais ou menos
deliberado, mais ou menos automático, passar em revista
mentalmente as imagens que representam diferentes opções
envolvidas em uma ação. Podemos selecionar a mais apropriada e
rejeitar as inconvenientes. As imagens também nos permitem
inventar novas ações a serem aplicadas a situações inéditas e
fazer planos para ações futuras – a capacidade de transformar e
combinar imagens de ações e cenários é a fonte da criatividade”
(
Ibidem
, p. 43).
O filósofo D. Dennet, em resposta à pergunta “Como a linguagem
contribui para a inteligência?”, descreve a linguagem como tecnologia e
ferramenta e atribui a vantagem da espécie humana sobre as outras espécies
ao fato de a linguagem expandir a cognição individual no tempo e no espaço.
“O advento da fotografia em alta velocidade foi um
avanço tecnológico revolucionário para a ciência, pois permitiu
que os seres humanos, pela primeira vez, examinassem
complicados fenômenos temporais fora do tempo real, mas no seu
próprio e bom tempo, em confortáveis, metódicas análises
retrospectivas dos vestígios que eles haviam criado nesses
complicados eventos. O advento da linguagem foi um impulso
exatamente análogo para os seres humanos, uma tecnologia que
criou uma classe inteiramente nova de objetos para
contemplação, substitutos verbalmente incorporados que podiam
ser revistos em qualquer ordem, em qualquer situação. E isso
abriu uma nova dimensão de automelhoria: tudo o que se tinha a
fazer era aprender a saborear os próprios erros” (D. DENNET,
1996, p. 178).
Através da linguagem podemos partilhar com os outros o trabalho
cognitivo de cada um. Segundo o autor, “nossos cérebros se unem em um
único sistema cognitivo (...) unidos por uma das inovações que penetraram em
nossos cérebros e não em outros: a linguagem.” (D. DENNET, 1996, p. 166)
Além desta atuação sistêmica, com a linguagem podemos realizar projetos a
longo prazo e desenvolver longos fluxos de pensamento. Ela permite aos
nossos cérebros serem “pré-seletores” e usufruírem os benefícios das ações
de “gerar-e-testar” e da “arte de cometer erros” de forma segura, porque
as fazemos através de simulações.
“a partir do momento em que dispomos de linguagem –
um generoso conjunto de ferramentas mentais -, podemos utilizá-
la na estrutura da deliberação, da antecipação do gerar-e-testar
conhecida como ciência.” (
Ibidem
, p. 177)
A linguagem otimiza nossas atuações no presente por meio de
simulações de futuros, antecipações e testes de hipóteses. Esta capacidade
de simulação e testagem da linguagem foi ainda, segundo o autor, ampliada
através da formatação desta linguagem em um método e um discurso
científicos; fato que implicou em um salto evolutivo ainda maior para a espécie
humana.
“Nossos cérebros humanos, e apenas os cérebros
humanos, foram equipados combitos e métodos, ferramentas
mentais e informação extraída de milhões de outros cérebros com
os quais não temos uma relação mais próxima. Isso, ampliado
pelo uso deliberado do gerar-e-testar na ciência, coloca nossas
mentes num plano diferente em relação às mentes de nossos
mais próximos parentes entre os animais. Esse processo de
aumento, específico de nossa espécie, tornou-se tão rápido e
poderoso que uma única geração de melhoria programada pode
tornar raquíticos os esforços de milhões de anos de evolução
devida à seleção natural” (
Ibidem
, p. 178-179).
Com D. Dennet vemos, mais uma vez, uma tecnologia de comunicação
aparecer como aquela que suporta o tempo e a cognição, estabelecendo o
ritmo e o regime de ação do primeiro e conferindo visibilidade e acessibilidade à
segunda.
Por fim, quando analisamos o advento da interação como modelo de
comunicação em um mundo organismo, vimos como a causalidade linear e a
estrutura hierárquica, que garantiam distanciamento e diferenciação entre
emissor e receptor na comunicação, foram excluídas do cenário da natureza
juntamente com qualquer possibilidade de representação nos moldes do mundo
clássico-moderno. Tendo como imagem exemplar a conversação entre
indivíduos, caracterizam a comunicação em interação a troca de influência
mútua e a adaptação dos indivíduos entre si durante esta troca. Ou seja, na
comunicação em interação, a informação é resultante do processo de
comunicação, é uma criação daquele e naquele encontro, e não uma
mensagem pré-estabelecida. Como vimos com P. Vaz (2001), mesmo as
comunicações segundo o modelo da transmissão tipo
broadcast
trazem algum
grau de interatividade, algum tipo de determinação, escolha ou seleção feita
durante a comunicação, e que compõe este momento definindo a informação
que dele/nele surgirá. Na comunicação de sistemas em interação, a troca de
informação se faz sempre como produção de nova informação, acarretando e
respondendo à questão do excesso de informação surgida neste mundo
organismo.
Da mesma forma, na relação de conhecimento, estando ausentes as
condições de exterioridade e de anterioridade, sujeito e mundo se encontram
irremediavelmente reunidos em um mesmo sistema, onde o que os separa
simultaneamente os conecta: trocas de informação através de interfaces
adequadas, mesmo que estas sejam um código. Toda realidade passa a ser, em
alguma medida, subjetiva, porque selecionada e traduzida pelo e para o sujeito
em seu encontro com o mundo. Encontro que tem suas condições
determinadas pelas tecnologias de comunicação disponíveis ao contato, ou
seja, pelas interfaces disponíveis. Nesta nova relação homem/mundo,
conhecimento, realidade e informação se equivalem; todos eles resultantes da
troca-produção que caracteriza a atual ação cognitiva (síntese-simulação em F.
R. Oliveira, mapeamento-criatividade em A. Damásio, nomeação-testagem em
D. Dennet).
Paradoxalmente, devido à aproximação entre sujeito e mundo como
sistemas integrantes de um mesmo e único sistema maior – o mundo
organismo -, a aparente imediaticidade da ação de conhecer se faz
necessariamente por mediações. A afirmação de McLuhan de que “o meio é a
mensagem” ganha radical pertinência neste cenário: o conhecimento, a
informação, a realidade não se encontram presentes previamente nem no
sujeito, nem no mundo, nem na tecnologia disponível, eles são construídos no
meio, nas trocas interfaceadas.
Assim, resultante da fusão dos processos de contato e de
transformação dos sistemas em interação, a fusão dos processos de troca e de
produção de informações faz com que alguns autores comecem a evidenciar
esta outra novidade da ação de conhecer. Se por um lado a dimensão de
invenção e de simulação confere indelével subjetividade ao conhecimento, por
outro, o fato de esta dimensão trazer a marca de uma interface, ser
caracterizada por algum tipo de mediação tecnológica, também objetiviza
irremediavelmente o conhecimento. A cognição neste contexto, sendo um
processo simultâneo de troca-produção de conhecimento, é uma ação, também
ela, resultante dos elementos envolvidos neste encontro. Ela deixa de ser
descrita como uma ação individual e interior ao sujeito humano e passa a ser o
resultado da atuação de um sistema que envolve homens e coisas, humanos e
não-humanos, sujeitos e objetos; onde as coisas, os não humanos e os objetos
não são apenas aqueles elementos dados a conhecer, mas também aqueles
que viabilizam o conhecer: as tecnologias de comunicação, as interfaces, as
mediações. Os conhecimentos passam a ser sempre uma criação, resultados de
ações cognitivas que se fazem na ação conjunta, mediada, de vários agentes-
sistemas em rede. Termos como
tecnologia cognitiva
e
cognição distribuída
,
cada vez mais presentes em estudos das ciências cognitivas, vêm tentar
nomear esta nova ação de conhecer.
F. Bruno, em seu artigo “Tecnologias cognitivas e espaços do
pensamento” (2002), a partir dos estudos das ciências cognitivas
29
, mapeia as
transformações das concepções da cognição no que diz respeito a suas
fronteiras, elementos e características, conferindo especial atenção à sua nova
espacialidade. Partindo da conceituação do que seja uma tecnologia cognitiva e
de como ela atua, a autora vai diferenciar a noção de interação da de
mediação, conferindo destaque à segunda. F. Bruno vai demonstrar como a
noção de mediação pode melhor explicar a plasticidade e a complexidade do
pensamento humano e, também, como as noções de
cognição
e
reflexão
distribuídas
servem à nomeação desta cognição descrita como um processo que
se faz no espaço fronteiriço entre sujeito, mundo e tecnologia; na propagação
da informação entre as diferentes mídias.
A autora descreve como o conceito de tecnologia cognitiva tem sido
ampliado não só no que diz respeito à sua natureza, como também à sua
função. Tecnologias cognitivas não são apenas máquinas, ferramentas
materiais que ampliam as capacidades cognitivas dos indivíduos. Este termo
29
Sobretudo os trabalhos de E. Hutchins (1996), D. Norman (1993a e 1993b), B. Latour (1996,
1994a, 1994b) e D. Dennet (1997).
passa a servir a designação de qualquer dispositivo – material ou não – que
transforme uma tarefa cognitiva, conferindo aos sujeitos modalidades de ação
cognitiva que sem aquele dispositivo não seriam acionadas ou criadas.
Esta relação entre dispositivo e cognição serve tanto aos estudos sobre
a realização de tarefas cotidianas – foco da autora e nomeados estudos sobre
“cognição situada” (F. Bruno, op. cit., p. 1) -, quanto aos estudos sobre a
transformação da cognição ao longo da história; por exemplo, a descrição de P.
Lévy (1993) das características e passagens da cultura oral à cultura escrita, e
desta à cultura informacional. Neste sentido, a língua, como D. Dennet (op. cit.)
nos descreveu, é um dispositivo tecnológico tanto quanto a escrita, a imprensa,
o método científico, a codificação digital e os computadores.
“Além de fornecerem um auxílio externo à cognição, de
promoverem mudanças nas habilidades cognitivas requeridas para
certas atividades, de permitirem uma simplificação do mundo ao
tornarem disponíveis e utilizáveis as informações relevantes para
os indivíduos, além de todos esses processos que já implicam uma
série de transformações, os artefatos cognitivos podem
potencializar a emergência de novas modalidades de
representação, conhecimento, significação, complexificando seja o
nosso próprio pensamento seja nossa relação com o mundo. Esta
é a segunda característica ressaltada nas tecnologias cognitivas
que, como veremos, passam a ser concebidas como agentes
decisivos não simplesmente das atividades simples e cotidianas,
mas da atividade reflexiva, considerada a base da complexidade e
plasticidade do pensamento humano, estendendo ainda mais o
alcance da noção de cognição distribuída.” (
Idem
)
Enfatizando o aspecto de transformação da cognição promovida pelas
tecnologias, o termo mediação ganha relevo, em detrimento da interação, por
explicitar melhor o fato de a ação cognitiva ocorrer mediada por dispositivos
tecnológicos, por meio deles; e não numa relação de troca ou uso, como a
noção de interação permite pensar. Quando somos capazes de lembrar o
sentido da relação dos termos de uma função matemática utilizando sua
imagem em gráfico, não estaríamos dispondo de uma imagem da função que já
possuíamos, e que foi simplesmente acionada pelo gráfico. A compreensão da
função como imagem, da relação dos seus termos como sendo diretamente
proporcionais, por exemplo, teria sido possível por meio do gráfico.
Esta ação cognitiva que se faz mediada por tecnologias não pode mais
ser entendida como ato cognitivo interno, individual e autônomo dos sujeitos
humanos. O sujeito cognoscente ganha parceiros, a cognição ganha nova
espacialidade e nome: diz-se agora cognição distribuída. Nas palavras da
autora:
“A distribuição da atividade cognitiva não é, portanto,
uma simples extensão de propriedades individuais e internas aos
suportes externos; ela é, antes, um processo de transformação
que caracteriza, segundo Hutchins, o modo de ser da cognição
humana, e não apenas uma peculiaridade de certas práticas e
técnicas. O autor propõe, assim, uma concepção da cognição
humana que ultrapassa os limites do indivíduo e da interioridade,
incluindo o que ele chama de mundo cultural, definido como um
mundo sócio-material constituído de grupos humanos e de
artefatos técnicos. A noção de cognição distribuída, proposta pelo
autor, visa explorar uma ‘arquitetura da cognição humana’
(HUTCHINS, 1996, p. 287-293, 364-365, 369-370) que abarca
tanto
media
internos quanto externos, tanto processos mentais
quanto dispositivos técnicos e relações sociais com outros
humanos. Os processos cognitivos residem, pois, tanto no interior
quanto no exterior da mente dos indivíduos e o decisivo na
cognição, é a passagem ou a ‘propagação’ de um
médium
a
outro, pois esta propagação transforma e redistribui os processos
e habilidades cognitivas envolvidos em nossas atividades (
Ibidem
,
p. 117-118, 154-155)” (
Ibidem
, p. 3-4).
Esta nova cognição exige um novo campo de estudos, as ciências
cognitivas, que envolvem as ciências psicológicas, as ciências da comunicação e
da informação, entre outras. Como bem descreve A. Mattelart & M. Mattelart:
“’Conhecer o ato de conhecer’, tal é o objeto das ciências
cognitivas. Seu domínio é a ‘cognição’, o conhecimento não como
estado ou conteúdo, mas como atividade. Elas estudam os
processos de formação dos conhecimentos, processos
encontrados tanto no mundo vivo como nas máquinas
‘inteligentes’. Seu surgimento não pode ser separado da
tecnologia cognitiva, das máquinas de pensar que reproduzem as
atividades mentais (da ordem da compreensão, da percepção ou
da decisão). Tais ciências não constituem um saber unificado, mas
uma vasta encruzilhada em que se encontram diversas disciplinas
(a neurologia, a biologia, a psicologia, a lingüística, a
antropologia) e, em seu interior, abordagens não necessariamente
compatíveis.” (A. Mattelart & M. Mattelart, op. cit., p. 162)
A idéia de uma cognição distribuída fundamenta o surgimento de um
novo modo de investigação e a revisão da espacialidade de outra ação mental
considerada como interna, particular e própria dos sujeitos humanos: a
reflexão. Se a cognição se faz na fronteira entre sujeito / mundo / dispositivos,
nas interfaces, a ação de pensar sobre o pensamento, o movimento cognitivo
de tomar-se como objeto de cognição também vai acontecer nesses
deslizamentos de fronteiras, na passagem da cognição de uma tecnologia a
outra. A reflexão será, também ela, distribuída; e a ciência cujo objeto de
estudo é justamente este movimento, ou, de outro modo, a ciência que tem a
reflexão como prática – as ciências cognitivas – precisará rever sua atuação. F.
Bruno nos sugere:
“O estudo da cognição deve, segundo esta perspectiva,
analisar as trajetórias de transformação das representações
através dos diversos
media
e não simplesmente as propriedades
ou processos que se supõe constituir e habitar o interior da mente
dos indivíduos. A análise destas trajetórias permite não só
compreender como os artefatos simplificam a execução da tarefa
e a solução de problemas, mas também como eles contribuem
para a emergência ou transformação de estruturas internas
(
Ibidem
, p. 287-293). Para tanto, é preciso flexibilizar as
fronteiras do indivíduo e mover a unidade de análise da cognição
para além da pele do indivíduo, incluindo o meio sócio-material do
pensamento (
Idem
). Em vez de supor mentes individuais de um
lado e o mundo de outro, o autor prefere falar de sistemas
complexos, constituídos por uma rede de coordenação entre
media e processos internos e externos aos indivíduos” (
Ibidem
, p.
6).
O fato de ter surgido um novo campo de estudos, composto de
diferentes disciplinas, para dar conta da cognição também denuncia, e de certa
forma harmoniza, as características do novo cenário da cultura comunicacional:
o mundo é composto por sistemas em comunicação interativa e está em
constante processo de criação; a cognição que o conhece e integra também
passa a ser estudada como resultante de sistemas em processo de
comunicação e criação; igualmente, a ciência que vai estudá-la aparece como
processo que envolve a atuação conjunta de diferentes disciplinas em
comunicação e criação. Desta forma, se os estudos e ações na área da
educação envolvem os saberes sobre a cognição, é preciso incluir as
contribuições das ciências cognitivas e das disciplinas que as compõem para
pensar a aprendizagem e a educação.
CAPÍTULO 2: COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM NA
CULTURA COMUNICACIONAL E NA CULTURA
CLÁSSICO-MODERNA
Ao apresentarmos os regimes de tempo, de comunicação e de
conhecimento que passam a vigorar em uma cultura comunicacional como
divergentes daqueles em vigor na cultura clássico-moderna, afirmamos, a todo
momento, que estes regimes condicionavam as concepções de cognição,
aprendizagem e educação, e que, conseqüentemente, estas concepções
também deveriam ser revistas na cultura atual. Cabe-nos agora explicar a
relação entre os regimes e as concepções supracitados, apresentar quais novas
configurações cognição, aprendizagem e educação assumem na cultura
comunicacional e a decorrente necessidade de revisão da teoria de Piaget que
estas novas configurações exigem.
Antes de seguirmos, fazem-se necessários dois esclarecimentos quanto
à dimensão de nossa abordagem neste capítulo. Em primeiro lugar,
apresentaremos as bases modernas dos termos em discussão para
identificarmos os compromissos modernos que permanecem na teoria de J.
Piaget e que podem causar restrições à aplicação desta teoria ao contexto
educacional atual. Até este momento, temos feito menção a uma cultura ou um
paradigma clássico–moderno, sem esclarecermos seus limites. Nossa
argumentação versará sobre o universo da cultura clássico-moderna, entendida
cronologicamente como aquela que se estende do séc. XVII ao final do séc. XIX
/ início do XX. O uso da nomeação conjugada “clássico-moderna” se deve ao
fato de reconhecermos continuidades entre a Idade Clássica e a Idade
Moderna, ou bases clássicas para o pensamento moderno, a despeito de suas
inovações e rupturas. Assumindo esta relação, passaremos a utilizar, de agora
em diante, unicamente o termo Modernidade ou moderno. A mudança não se
deve apenas a uma medida de economia, mas serve para enfatizar o fato de
que é o movimento de transformação ocorrido neste período e a culminação
deste no final do XIX / início do XX que nos interessa. Ele é relevante para
nossa tese posto que ela trata das concepções de cognição, aprendizagem e
educação dentro do contexto científico-disciplinar, e este, como veremos, teve
sua origem engendrada a partir do séc. XVII, se desenvolveu ao longo do séc.
XVIII, e teve sua institucionalização científica definitiva no final do séc. XIX.
Foram a Modernidade e seu pensamento epistemológico que deram origem à
apreensão científica da cognição, da aprendizagem e da educação, tomadas
desde então como objetos de estudo e construção. Na descrição deste
pensamento, veremos como a evolução e a eternidade se ofereceram como
regimes de tempo, e como insistiram no modelo de transmissão linear e
unidirecional da comunicação e na compreensão do conhecimento (seja
empírico ou teórico) como representação e descoberta racionais do
verdadeiro pela ação de um sujeito do conhecimento sobre um objeto de
conhecimento. Veremos, também, como estes regimes e os valores científicos-
modernos condicionavam a forma da cognição e da aprendizagem. Em resumo,
nossas considerações sobre a configuração moderna destas noções se
estenderão do séc. XVII ao XX, em cuja segunda metade identificamos o
processo mais radical de revolução das tecnologias de comunicação,
responsável pela possibilidade de, em sua última década, podermos afirmar,
com um certo consenso, a vigência de uma cultura comunicacional.
30
Em segundo lugar, analisaremos como as características da cultura
comunicacional, no que diz respeito ao tempo em aceleração, à comunicação
em interação e ao conhecimento em simulação, vistas no capítulo anterior,
implicam em entender a cognição e a aprendizagem de modo diferente daquele
estabelecido pela cultura científico-moderna. A ausência da educação neste
momento do trabalho se deve ao fato de sua concepção decorrer das duas
anteriores e a prática educacional ser já o universo de atuação destas
novidades. Por isso, discutiremos as novas exigências feitas à educação em
conjunto com os novos parceiros teóricos que pretendemos sugerir a esta área
de saber e formação no próximo capítulo. Neste capítulo, no que diz respeito à
cognição e à aprendizagem, defenderemos que as transformações em curso
atualmente levam à valorização do indivíduo e de seu reduzido tempo de
existência (se comparado à temporalidade da história da espécie e da
sociedade); à valorização da aprendizagem como o modo de transformação
30
Lembramos que, apesar de reconhecemos as raízes do processo de transformação
paradigmática do moderno ao contemporâneo no início do século XX, entendemos que foi
somente com a revolução digital que a cultura comunicacional – como descrevemos - se
estabeleceu de fato.
(em vez de evolução) apropriado a esta temporalidade diminuta e ao exercício
de uma cognição entendida como mediação inventiva; e à necessidade de
revisão da teoria de Piaget sobre a cognição e a aprendizagem quanto às suas
bases modernas e suas possibilidades de atender às transformações e
exigências da cultura comunicacional.
2.1 As bases epistemológicas e as concepções de
cognição e aprendizagem
O uso do termo “epistemológicas” que intitula esta seção e adjetiva o
substantivo “bases”, merece particular atenção por ser através dele que
explicaremos a relação entre os regimes e as concepções a que nos referimos.
Estrategicamente, utilizamos este termo considerando-o dentro de duas
definições diferentes, cada uma apontando para um dos níveis conceituais
relacionados. A definição que inspira a relação do termo com o nível dos
regimes de tempo, comunicação e conhecimento parte da definição de sistemas
de pensamento de M. T. d’Amaral
31
- na qual tempo, verdade e sujeito
seriam as condições de possibilidade de todo dizer, fazer e pensar de uma
época, ou seja, os sistemas condicionantes de qualquer produção cultural,
científica e conceitual de sentido. Assim, tempo, verdade e sujeito
corresponderiam aos componentes da
episteme
de uma época, do modo válido
de conhecimento para um determinado período cultural. Se aproximarmos as
31
Conferir notas de aula do curso de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Escola de
Comunicação da UFRJ, 1º semestre de 1998.
noções de conhecimento e de comunicação daquelas de verdade e sujeito,
teremos tempo, comunicação e conhecimento como os sistemas, ou regimes,
que baseiam as conceituações possíveis de serem feitas em uma época. Em
decorrência, os regimes de tempo, comunicação e conhecimento condicionam
as concepções de cognição, aprendizagem e educação. Neste capítulo, além do
cenário contemporâneo, interessa-nos a
episteme
moderna, a qual nos levará à
segunda definição do termo "epistemológicas", na qual
episteme
aparece como
conhecimento científico ou verdadeiro. Nesta direção, bases “epistemológicas”
das concepções de cognição e aprendizagem dizem respeito às suas bases
científicas ou de validade do conhecimento. Com nosso foco na Modernidade,
essas duas definições do termo irão convergir, uma vez que, como veremos, a
racionalidade e sua forma científica de se estruturar aparecem como a
episteme
moderna, manifestando-se na compreensão do tempo, da comunicação e do
conhecimento e, conseqüentemente, no modo racional-científico de abordar a
cognição e a aprendizagem.
2.2 As concepções de cognição e aprendizagem na
cultura clássico-moderna
Como dissemos, o cenário cultural que estamos considerando como
anterior à Cultura Comunicacional Contemporânea compreende o período
clássico-moderno, do séc. XVII à primeira metade do séc. XX. Reunir em uma
mesma cultura realidades tão distintas quanto o século XVII de Descartes e da
física newtoniana; o século XVIII de Kant, da Revolução francesa, o XIX de
Darwin, de Nietzsche, do Positivismo de Comte, das ciências humanas
(incluindo a Psicologia com seu nascimento datado em 1879); e parte do XX,
que teve início com a publicação de
A interpretação dos sonhos
de Freud, com
a física quântica e fez uso da bomba atômica, exige que se esclareça como e
quais elementos neste percurso engendraram as concepções de cognição e
aprendizagem.
O Renascimento e a expansão dos domínios mundiais com o
movimento das grandes navegações nos séculos XIV a XVI criam uma série de
novas questões e demandas ao “Antigo Mundo”, e diversos movimentos de
transformações técnicas, culturais, econômicas, políticas tomam conta do
período moderno. Iluminismo, Mercantilismo, Absolutismo, Revolução
Industrial, Revolução Francesa, Liberalismo percorrem o período do século XVII
ao XIX acarretando um ritmo de transformação, civilização e complexificação
das sociedades até então não experimentado. O encontro com o “Selvagem” e
com as culturas “primitivas” do “Novo Mundo” provoca uma compreensão
dessas mudanças como um movimento de progresso e evolução, e estes
valores vão marcar o espírito do tempo e do homem modernos.
Além do sentido de evolução natural e histórica, a racionalidade
científica, responsável pelos desenvolvimentos técnico-científico e teórico que
deram sustentação aos movimentos supracitados, torna-se a outra grande
marca e valor da Modernidade. No século XVII, os sucessos da física
newtoniana determinam o modelo científico das ciências naturais, que passa a
funcionar como paradigma para qualquer saber que almejasse a verdade
científica, estando sua validade vinculada ao método experimental. A natureza
mecânica revelada pela física fez com que se buscassem regularidades e leis
naturais em todo objeto de estudo científico. A razão torna-se a marca da
verdade e o motor do progresso, fazendo com que se supusesse um objetivo
para a marcha humana, um projeto evolutivo a ser cumprido, um destino. A
verdade da razão científica garantia a manutenção do controle dos movimentos
de transformação dentro de um percurso evolutivo rumo ao melhor, ao
verdadeiro, ao bem.
M. G. Arroyos, no artigo “Educação e exclusão da cidadania”, analisa
como, desde o início, o projeto educacional vai se constituir vinculado à ordem
política devido à interpretação dos processos sociais que servem de base às
duas práticas. Na modernidade, esta interpretação vai entender o convívio
social como um jogo de pólos - liberdade X escravidão; república X absolutismo,
racionalidade X ignorância; modernidade X tradição – e identificar na velha
ordem outro jogo de tensões dicotômicas entre: Deus X Diabo, céu X inferno,
virtude X pecado, alma X corpo, senhor X servo. Assim, o autor nos apresenta
como o pensamento pedagógico vai se estruturar a partir deste cenário.
“A pedagogia adquiriu, nas formas de representar o
social, uma centralidade política nunca tida antes. Passou a ser
pensada como mecanismo central na superação da velha ordem
pela nova ordem. Aquela desprezada como tempo de barbárie, de
ignorância, de servidão, de despotismo; esta exaltada como
tempo de racionalidade, civilização, liberdade e participação” (M.
G. ARROYOS, E. BUFFA e P. NOSELLA, 1988, p. 37).
O vínculo com a verdade através da razão mantém algo de imutável
dentro da transformação, certa eternidade na história e na evolução,
permitindo que a transformação cedesse à evolução e ao progresso. No
exercício da razão estava um sujeito cognoscente capaz não só de descobrir a
verdade a construir, o projeto racional evolutivo a ser consumado, mas,
também, de ser incluído neste projeto.
De volta ao séc. XVII, com o pensamento de R. Descartes, podemos
localizar a origem deste sujeito e sua cognição racional. Como identifica L. C.
Figueiredo (1992), o
cogito
cartesiano inaugura o que ele denomina de
o
psicológico
, muito antes do surgimento de uma psicologia científica, de uma
psicologia da aprendizagem, do desenvolvimento e da educação. O pensamento
cartesiano também serve à tomada da comunicação sob a forma do
discurso
,
como objeto de estudo pela Gramática Geral. M. Foucault (1992) identificará a
episteme
desse período com a
mathesis universalis
32
e com um regime de
representação reduplicada
. Nele, a verdade estaria garantida pela possibilidade
do pensamento e da linguagem se representarem mutuamente: teríamos
32
A “ciência universal da medida e da ordem” (FOUCAULT, M., op. cit., p. 71) “que engloba
todo o conhecimento humano, independentemente da natureza específica do objeto de
estudo em um caso específico” (COTTINGHAM, J.,1995, p. 106).
acesso à verdade através da racionalidade do pensamento que, por sua vez,
dependeria da possibilidade de ser representado em um discurso ordenado,
sem contradições. O acesso do
cogito
ao conhecimento se faria por um trabalho
metódico da razão que, por sua vez, se expressaria por um discurso igualmente
metódico e racional: o
discurso do método
, como propõe Descartes, ou, nas
palavras de M. Foucault (
op. cit
.), uma ciência, que seria nada mais que uma
língua bem feita
. O conhecimento identificava-se com o que havia de racional
no mundo; a cognição com o raciocínio metódico e o sujeito com o sujeito do
conhecimento, dotado de razão; a comunicação se fazia através do discurso,
igualmente racional, o qual servia menos à comunicação entre sujeitos do que
“como o caminho pelo qual, necessariamente, a representação comunica com a
reflexão” (
Ibidem
, p. 99). Com base nessa visão de comunicação, a cognição, a
aprendizagem e a educação seriam equivalentes e se resumiriam ao domínio da
mathesis universalis
, alcançado principalmente por um exercício individual,
solitário - as
meditações
cartesianas - e não por uma ação no mundo ou por um
ensino promovido por um outro.
O sujeito racional, que em Descartes aparece ainda sob a tutela de um
Deus perfeito (causa da regularidade do mundo, das idéias claras e distintas e
da razão humana), vai conquistando autonomia e independência na proporção
de seus sucessos e conquistas. No século XVIII, ele cede lugar à imagem do
indivíduo como ser político e social construído historicamente a partir de sua
base biológica natural, mas em um movimento de afastamento e libertação
desta. Antropocentrização, secularização e historicização acompanham as
revoluções industrial e francesa. O crescimento do movimento empirista – que
estabelece uma fonte objetiva e natural para o conhecimento humano, posto
que fornecido pela experiência - e a tentativa de controle simultâneo da
liberdade da natureza e da razão feita por I. Kant em suas
Crítica da Razão
Pura
e
Crítica da Razão Prática
– onde estabelece o imperativo categórico do
dever - denunciam este fato. No século XIX, a “Teoria da evolução das
espécies” de C. Darwin e sua versão político-econômica, o Liberalismo,
radicalizam o afastamento humano de uma origem e legislação divinas e a
aproximação deste de um percurso evolutivo histórico-social.
Acompanhando os movimentos técnicos, culturais, econômicos e
políticos, do século XV ao XVIII vemos acontecer o surgimento e
desenvolvimento da criança e da infância como figuras sociais e conceituais.
Como descreve cronologicamente P Áries:
“A descoberta da infância começou sem dúvida no século
XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e
da iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu
desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e
significativos a partir do final do século XVI e durante o século
XVII” (P. ARIÉS, 1981, P. 65).
T. Booth destaca como estes novos personagens sociais exigiram novos
discurso e instituições para inseri-los de forma ordenada na sociedade; e como
lentamente a família cederá à escola o lugar de responsável pela formação dos
cidadãos.
“Num período correspondente, sob a influência dos
moralistas da igreja, os rapazes da nobreza eram enviados à
escola para escapar à influência corruptora da criadagem. Os
retratos de família começaram a aumentar em popularidade e o
século XVII presenciou o aparecimento dos primeiros escritos
sentimentais a respeito de crianças. Começaram a desenvolver-se
como divertimento para os adultos, que se deleitavam com a fala
e os hábitos infantis. As virtudes da vida familiar principiaram a
ser exaltadas e isso criou uma certa zona de conflito entre os
educadores e os defensores da família como fonte de todo o
adestramento moral e acadêmico. Entretanto, não há dúvida de
que, no século XVIII, deu-se o advento da família, da criança e da
escola. Elas iriam continuamente ganhar em importância até os
dias de hoje” (T. BOOTH, 1976, p. 93).
Além disso, os pensamentos sobre a evolução do humano, partindo de
um estado animal e selvagem até um estado civilizado e de exercício autônomo
da razão, vão se refletir no modo de inclusão e controle da criança e de sua
infância através de um plano de escolarização e educação para toda população.
T. Booth nos lembra como, no século XVIII, J-J Rousseau descreverá o
crescimento de “
Emílio
” seguindo as etapas, de animal a humano, de humano
selvagem a civilizado.
“Rousseau acreditava que a educação consistia
exclusivamente em proteger ‘o coração do vício e o espírito do
erro’. Considerava que a criança, em seu desenvolvimento, seguia
um processo paralelo ao das fases da existência animal. Os
primeiros cinco anos constituíam o estágio animal; a criança
aprendeu a adaptar-se fisicamente ao seu meio circundante,
sendo guiada pelo prazer e a dor. Entre os cinco e doze anos, ela
ingressa no estágio do simples selvagem; é guiada pelos sentidos,
interessa-se em esportes, mas carece de capacidade de raciocínio
ou de considerações morais. No período de doze a quinze anos,
assiste-se ao surgimento da curiosidade, a par de uma renovação
de energia e aumento do vigor. Aos quinze anos, a criança
renasce: emergiu o seu impulso sexual e converte-se em
recipiendário de sua educação” (Ibidem, p. 94-95).
Ainda segundo Booth, no XIX, G. S. Hall, influenciado por J-J. Rousseau
e C. Darwin, compreenderá os conflitos da adolescência como o esforço do
indivíduo para se libertar das “amarras” da animalidade. G. S. Hall “adotaria
uma teoria do desenvolvimento em que o bebê humano passava pelos estágios
da evolução desde um peixe no ventre materno até um quadrúpede rastejante,
para finalmente emergir como adulto humano. Foi dado a esse processo o
nome de
recapitulação
” (
Ibidem
, p. 96).
Este indivíduo racional e livre exige esforços que o mantenham em
acordo e coesão com o corpo social, atuando em prol deste. E. Buffa nos
lembra que, já no século XVII, temos a proposta da
Didática Magna
(1632) de
Comenius. O autor vai defender o ensino de “tudo a todos”, uma vez que todos
eram homens e “porque o homem tem necessidade de se educar para se tornar
homem (p. 125)” (M. G. ARROYOS, E. BUFFA e P. NOSELLA, 1988, p. 20).
Ainda nas palavras da autora,
“Ensinar tudo não significa, como afirma Comenius, exigir
o conhecimento de todas as artes, pois isso seria impossível e
inútil. Ensinar tudo significa que se ensine a todos os
fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas, das que
existem na natureza e das que se fabrica (Comenius, 1976: 145)”
(idem).
Ensinar a todos seria responsável ainda pela organização social, uma
vez que: “Assim, ‘todos saberão para onde devem dirigir todos os atos e
desejos da vida, por que caminhos devem andar, e de que modo cada um deve
ocupar o seu lugar’ (p. 143)” (
Idem
).
É incorporando este esforço que, no final do século XIX, as ciências
humanas e sociais vão se estabelecer e atuar dando origem, legitimidade e
sustentação racional-científica ao projeto educacional - à instituição escolar e
suas práticas pedagógicas - com os resultados das pesquisas psicológicas,
sobretudo sobre a cognição, a aprendizagem e o desenvolvimento.
As próprias ciências humanas e o projeto educacional, sendo também
resultantes do projeto moderno, traziam as marcas dos movimentos deste
período histórico. Em primeiro lugar, a crença na racionalidade científica como
responsável pela civilização dos indivíduos fez com que a escola tivesse por
obrigação o ensino das ciências e o adestramento e treino metódico e
metodológico das faculdades mentais envolvidas na compreensão e exercício
das ciências. O ensino do conteúdo cientifico era o trabalho educativo por
excelência e a razão, o material de trabalho da escola.
C. C. Salvador, apresentando o surgimento e a evolução histórica da
Psicologia da educação destaca a vigência dos princípios de uma “teoria das
faculdades” como a principal característica do primeiro momento desta área de
saber; intitulado pelo autor de “A psicologia filosófica e a teoria educativa” e
datado até 1890, aproximadamente. Apesar da longa citação, eis um resumo
das idéias básicas relacionadas à teoria das faculdades listadas por C. C.
Salvador:
“a) Em primeiro lugar, postulam que a realidade pode ser
reduzida a algumas estruturas primordiais que podem ser
identificadas mediante a sua observação. Tais estruturas,
constituintes do conhecimento verdadeiro da realidade, podem ser
descritas com uma linguagem simbólica (...) A tarefa dos alunos
(...) consiste, precisamente, em aprender essas representações
simbólicas que descrevem as estruturas da realidade.
b) Em segundo lugar, os alunos são bastante diferentes
entre si na capacidade de usar símbolos e de fazer operações com
esses símbolos; isso explica, em boa medida, as diferenças de
rendimento na aprendizagem.
c) Em terceiro lugar, (...) o currículo está formado por um
conjunto de ‘representações simbólicas da realidade’, organizadas
de maneira lógica e ordenadas no sentido de facilitar a sua
captação por parte dos alunos.
d) Em último lugar, (...) [justifica-se] o método da
disciplina formal: a finalidade principal do ensino deve ser o
exercício das faculdades humanas dos alunos. (...) [deve-se]
selecionar e dar prioridade aos conteúdos que (...) podem
contribuir (...) para desenvolver a atenção, a concentração, o
raciocínio, a memória” (C. C. SALVADOR et ali, 1999, p. 20).
Este compromisso da escola com o ensino da ciência é referido ainda
em publicações do final do século XX, que servem à formação dos professores
atualmente. C. Davies e Z. de Oliveira, citando Leontiev e Luria vão enfatizar
como tarefa da educação escolar o ensino “as bases dos estudos científicos, ou
seja, um sistema de concepções científicas” (1990, p. 22).
Voltando ao período moderno, temos que mesmo os movimentos de
controle e disciplinarização dos “corpos dóceis”, como nos aponta M. Foucault
em “Vigiar e Punir” (1987), têm implicitamente a valorização de uma razão
desencarnada, à qual a proximidade do corpo só faz mal. Por isso, também o
corpo deve sucumbir à razão e funcionar de forma racional, regular e
disciplinada.
Em segundo lugar, as ciências humanas - em destaque a psicologia -,
porque ciências, deveriam seguir o modelo científico das ciências naturais e
abordar o sujeito humano e suas capacidades cognitivas em seus aspectos
compatíveis com a observação, a medição e o controle experimentais, buscando
as regularidades e leis regentes de seu funcionamento. No artigo “O lugar da
infância na modernidade”, L. R. de Castro descreve como a psicologia, em
particular a psicologia do desenvolvimento segue e orienta os preceitos
modernos acerca do homem, da sociedade e da educação escolar. Diz a autora:
“Rose (1989) discute como a Psicologia, enquanto saber
científico sobre o indivíduo, emerge para dar conta da tarefa de
classificar e controlar. O estudo das habilidades mentais
individuais realiza-se, neste âmbito, como uma técnica de
‘disciplinarização da diferença humana’: assim, o teste psicológico
inscreve-se dentro da missão de contribuir para a individualização
da diferença a través da ‘normalização’, isto é, a ‘estatisticalização’
da variabilidade humana através do uso da curva normal” (L. R.
de CASTRO, 1996, p. 315-316).
Como conseqüência das duas determinações anteriores, os estudos do
que hoje nomeamos primordialmente de cognição se organizaram em
abordagens de dois processos considerados distintos – desenvolvimento e
aprendizagem - e reunidos no século XX (sobretudo, a partir da década de 70)
nas correntes construtivistas ou interacionistas, representadas neste trabalho
por J. Piaget. (Cf. Ibidem, pp. 322-325) Até hoje em cursos de psicologia e de
formação pedagógica encontramos essa distinção em duas disciplinas
oferecidas separadamente: Psicologia do Desenvolvimento ou Psicologia I e
Psicologia da Aprendizagem ou Psicologia II. Esses dois processos
correspondem às duas forças que a modernidade reconheceu como atuando no
indivíduo: sua base biológica, sua natureza biogenética e sua base sócio-
cultural, considerada como uma segunda natureza, uma vez que o processo
civilizatório, responsável por tornar o homem um indivíduo livre, racional,
autônomo – objetivo da evolução -, aparecia como o próprio do processo
evolutivo humano. Nesta tensão entre natureza e cultura a educação exercerá
sua ação.
Para atender aos preceitos científicos de observação, medição e
controle os estudos do desenvolvimento se dedicaram à medição e à
identificação de características biológicas e de capacidades de realização de
tarefas; sendo que a justificativa para o sucesso ou insucesso nestas tarefas
também estavam no corpo biológico. Segundo L. R. de Castro
“Decorrente da idéia de emancipação, as noções ‘irmãs’
de controle e de previsão também fizeram parte do projeto da
Psicologia do Desenvolvimento, enquanto uma disciplina moderna.
Inserida nos moldes do saber científico, e propulsionada pela
demanda social de categorização dos indivíduos, sobretudo as
crianças, a Psicologia do Desenvolvimento esteve, desde a sua
origem, no final do século passado [XIX], aliada às práticas de
intervenção e regulação social” (Ibidem, p. 315).
Em decorrência, a atuação da Psicologia do Desenvolvimento no
universo escolar será marcada pela mesma lógica.
“O estudo do desenvolvimento humano empreendido no
âmbito da Psicologia esteve, na sua origem, vinculado à
classificação e à mensuração das condutas. Por força da
institucionalização obrigatoriedade escolar, e portanto, em virtude
da necessidade de organização do sistema escolar, estabelece-se
e consolida-se a pra’tica do agrupamento das crianças segundo
seu desempenho em tarefas padronizadas, cujo princípio orientou
a elaboração dos testes psicológicos, que também serviam às
práticas de classificação e ordenação das crianças dentro do
sistema escolar” (Ibidem, p. 316).
Para atender aos mesmos preceitos científicos, os estudos da
aprendizagem se concentraram na investigação de solução de problemas e na
adoção da conduta e do comportamento como os objetos de estudo e
manipulação. Aliás, a psicologia, a despeito da origem etimológica de seu nome
psique
- apontar para a alma, é ate’ hoje definida como a “ciência do
comportamento ou da conduta”, garantindo através desses objetos observáveis
a possibilidade de experimentação científica. Dois diferentes autores servem à
ilustração desta coincidência da psicologia com a psicologia da aprendizagem e
desta última com as modificações de condutas e comportamentos. Primeiro, R.
Ardila em seu
Psicologia da aprendizagem
(1976) após discorrer sobre a
experimentação no campo da Psicologia destaca que apesar de “a psicologia
experimental [ter começado] sendo o estudo da percepção dentro de um marco
de referência estruturalista, até 1930 o quadro havia mudado notoriamente, e a
ênfase se colocou (...) na transformação do comportamento, também
chamado aprendizagem” (p. 15). Sobre o comportamento, nos afirma o autor
que este “é sempre o produto de fatores aprendidos e fatores de maturação”
(p. 25).
Na mesma linha, F. Q. Logan, no livro
Fundamentos da aprendizagem e
da motivação
(1976), ao responder à questão “o que é a aprendizagem?” dirá
que “nunca podemos ver a aprendizagem diretamente: não podemos assinalá-
la em si, nem estudar isoladamente. A única coisa que podemos de fato estudar
é a conduta e esta depende de algo mais que da aprendizagem” (p. 18). A
aprendizagem, segundo o autor, “é uma pra’tica muscular real que interfere em
uma resposta (...) a prática está dentro do conceito real de aprendizagem” (p.
20). Desta forma, a “psicologia da aprendizagem é o estudo científico de
procedimentos que produzem mudanças comportamentais nos organismos, e a
análise sistemática desses resultados produzidos” (p. 19).
Os estudos de desenvolvimento e aprendizagem, ainda no esteio dos
movimentos teóricos e sócio-culturais modernos, vão considerar a
transformação humana segundo a existência de regularidades, determinações,
previsões e controle. Ou seja, cabe a esses estudos encontrarem as leis
regentes da cognição para melhor controlá-la no processo de educação,
visando formar um indivíduo adequado à sociedade e suas exigências. Dentro
do universo escolar podemos entender este processo a partir da discussão de L.
R. de Castro (op. cit.) sobre a criança e a infância normal e a universalização
das características destas crianças pela psicologia do desenvolvimento.
“A noção de criança normal fundamenta-se na
possibilidade de reduzir as idiossincrasias individuais a
determinados denominadores comuns, considerados critérios ou
normas características da idade. Deste modo, a noção de criança
normal apóia-se sobre um mecanismo de minimização das
diferenças entre os sujeitos, e maximização das semelhanças.
Neste sentido, pode-se afirmar que a noção de ‘criança normal’ se
refere a uma abstração, uma concepção modelar cuja função se
insere na demanda político-institucional do projeto de
escolarização da infância iniciado na modernidade” (p. 316).
Castro denuncia o quanto a adoção escolar da aposta moderna na
medição, classificação e ordenação terminam por afastar da educação, do
desenvolvimento e da aprendizagem as dimensões inventivas, errantes da
pesquisa, bem como a complexidade dos processos de transformação do
humano. A racionalização cria o que a autora denomina “
infância sob medida
tanto no sentido da mensuração realizada pelos saberes especializados, quanto
no sentido da determinação de quais características e habilidades são bem-
vindas e servem à escola e à sociedade. Ainda segundo a autora:
“As normas e fases do desenvolvimento apresentam uma
imagem de uma seqüência ordenada e gradual rumo a uma
competência maior, e à maturidade. O processo de racionalização
oculta outros processos importantes no desenvolvimento e no
conhecimento que se gera sobre ele: o que é deliberadamente
deixado de lado é o caos e a complexidade do processo de
pesquisa; o desenvolvimento visto como progresso não incorpora
o sentido do custo, perda, e muitas vezes, empobrecimento que
acompanha, simultaneamente, as concepções mais otimistas
sobre o desenvolvimento humano” (op. cit., p. 317).
Como nos descreve C. C. Salvador (1999), as teorias de
desenvolvimento deverão descrever suas características e explicar os fatores
responsáveis por ele (p. 80). Seguindo essa orientação, os estudos sobre o
desenvolvimento, até o início de século XX, influenciados também pelas
descobertas da embriologia, vão descrever este processo como natural,
espontâneo, seguindo etapas maturacionais, apoiado pelos fatores biológicos,
genéticos; teorias que segundo o autor descrevem um “desenvolvimento
necessário” (pp. 81-85). L. R. de Castro faz a crítica desta noção moderna do
desenvolvimento:
“O desenvolvimento humano torna-se, então, uma história
de ‘fases’ rumo a um objetivo final. Do ponto de vista individual, a
história biográfica repete e reproduz o princípio axiomático da
história coletiva – a evolução. O desenvolvimento humano,
retratado pela Psicologia do Desenvolvimento, reflete a
inexorabilidade da história individual enquanto pré-destinada a
percorrer um único caminho: o da emancipação, o do auto-
controle e o da submissão ao bem coletivo. Nesta linha de
argumento, parece que, parafraseando Walter Benjamin, o sujeito
deixa de fazer a história, para padecer dela” (L. C. de Castro, op.
cit., p. 318-319).
Seguindo esta linha inatista de desenvolvimento para explicar e
promover a educação e o processo de aproximação do homem da civilização e
da racionalidade, os saberes psicológicos levavam as escolas a organizar os
alunos em grupos segundo sua etapa de desenvolvimento, o que se desdobrou
na organização por classes e séries segundo faixas etárias. Além disso, os teste
psicológicos revelavam características genéticas imutáveis, o que fazia da ação
educacional uma ação restrita ao ensino de conteúdos para aqueles
naturalmente capazes de aprendê-los. Qualquer sucesso ou fracasso neste
processo não cabia ao professor, à sua prática, à escola como um todo ou à
inadequação dos conteúdos; eles eram única e exclusivamente devidos à
natureza dos indivíduos, sua qualidade genética, uma determinação ancestral,
anterior ao processo escolar educativo e ao próprio indivíduo, não havendo
nada que no presente se pudesse fazer.
No que diz respeito aos estudos de aprendizagem, as características e
os fatores envolvidos nela eram devidos ao ambiente onde a aprendizagem
acontecia. No caso da escola, o ambiente escolar de sala de aula cujo controle
cabia ao professor. A aprendizagem representava a corrente ambientalista,
opondo um modelo de aquisição de comportamentos e condutas adequadas ao
modelo inatista do desenvolvimento. Mesmo em uma versão de explicação da
evolução do indivíduo que valorizava seu percurso sócio-histórico, a busca de
regularidades e leis, o ideal de previsão e controle e um traço de
predeterminação se faziam presentes. As primeiras teorias de aprendizagem
tratavam, de certa forma, de um movimento de adaptação do indivíduo ao
meio, questão herdada da biologia e das espécies em geral, mas agora
reposicionada no jogo entre indivíduo e sociedade. Nesta relação, a
aprendizagem era estudada e identificada em situações de solução de
problemas, sempre pré-estabelecidos, e de modificação de comportamentos e
condutas pelo controle de estímulos e do ambiente. O pré-determinismo
aparece, primeiro, nesta colocação da idéia de adaptação onde o indivíduo deve
se adequar à sociedade, e a educação escolar deverá se encarregar do sucesso
desta adequação. Segundo, dentro de cada teoria, encontramos uma relação
incondicionada entre estímulo e resposta, ponto de partida da aprendizagem
por condicionamento clássico; a idéia de conduta desejada e reforço no
condicionamento operante; ou ainda, a noção de estrutura, equilíbrio e “lei da
boa forma” na busca de soluções em situações problemáticas pré–concebidas
na aprendizagem por
insight
.
Corroborando essas idéias temos, no campo da educação, nesse
mesmo período, o predomínio do pensamento que convencionamos chamar
Educação ou Pedagogia tradicional. Como principais características desta
pedagogia temos a passividade do aluno, a atividade do professor restrita à
simples emissão dos conteúdos e a visão conteudista da educação, tida como
um processo de acúmulo de mensagens. Ou, em outros termos, uma visão da
cognição como ação de recepção ou reconhecimento de conteúdos e formas
(Cf. D. W. CARRAHER
in
: T. N. CARRAHER, 1993, pp. 12-13). Segundo estas
teorias de aprendizagem, o professor atua como um técnico que deve saber
bem planejar o ambiente educacional, a apresentação dos conteúdos e a
emissão da mensagem, reduzindo-se ao máximo a margem para interpretações
e os ruídos pela prática pedagógico-educacional. Nesse contexto, será sempre
possível ensinar aos indivíduos, adaptá-los à sociedade, basta um rigoroso
planejamento da situação de aprendizagem. Os mecanismos e as leis que
regem a aprendizagem não deixam margem para que o indivíduo tenha
características que possam justificar seu sucesso ou fracasso de aprendizagem;
salvo casos graves de comprometimento físico-biológico.
Em meados desse século, ganharam relevância no campo da psicologia
da educação as teorias ditas construtivistas e/ou interacionistas, principalmente
aquelas de J. Piaget e, mais recentemente, L. Vygotsky. Esses teóricos, ao
escaparem da dicotomia inatismo e ambientalismo, aproximaram as noções de
desenvolvimento e aprendizagem como co-atuantes no processo de
desenvolvimento humano. No entanto, resquícios desta cisão aparecem nos
dois teóricos, sendo que os do modelo de desenvolvimento mais intensamente
em J. Piaget, e os da aprendizagem em L. Vygotsky. E é por esta permanência,
pelas influências dos valores modernos em sua construção teórica e seu grau
de importância na formação dos professores brasileiros que escolhemos
interrogar o pensamento de J. Piaget quanto às suas possibilidades de atuação
em uma educação para e na cultura comunicacional contemporânea.
2.3 A valorização da aprendizagem e do indivíduo na
cultura comunicacional
Na sessão anterior, vimos como o regime temporal da modernidade,
tomado como evolução, cronologia evolutiva e história, ainda mantinha algo de
paralisia, um certo vínculo com o eterno, pelos ideais de verdade, necessidade
e determinismo presentes na ciência. Sustentados por este regime de tempo,
os elementos considerados pelo projeto educacional eram ou o sujeito
biológico, cujo desenvolvimento seguia um ritmo e uma determinação baseados
na maturação, na genética e na evolução da espécie; ou o sujeito histórico-
social, cuja aprendizagem, rumo à civilizão e à racionalidade, dependia da
ação e do controle externos sobre sua conduta e seu ambiente.
No entanto, como apresentado no primeiro capítulo, a passagem do
século XX ao XXI é marcada pela vigência de um novo cenário cultural - a
cultura comunicacional - engendrado pela digitalização da informação e por sua
circulação em tempo real, através de suportes tecnológicos. Nele passaram a
vigorar novos regimes de tempo, de comunicação e de conhecimento, que
geraram uma imagem do mundo como um conjunto de fluxos de informação,
onde os indivíduos estariam conectados por relações de comunicação interativa,
à semelhança de nós em uma rede. Este mundo tem a mudança, o movimento
e a criação como “natureza”, a aceleração do tempo como marca. A inclusão
desta temporalidade, agente da nova dinâmica cultural, nos serve de ponto de
partida para entendermos o despontar de uma nova aprendizagem e de um
novo indivíduo como os elementos centrais a serem considerados pela
educação no séc. XXI. O tempo em aceleração, combinado com a cultura em
informação, a comunicação em interação e o conhecimento em simulação não
parecem mais permitir que uma proposta educacional se fundamente nas
figuras modernas da realidade estável e permanente, do corpo biológico como
legado explicativo para o desenvolvimento e da sociedade e da história como
condicionantes do indivíduo.
Em um cenário de virtualidades, de fluxos velozes de informação, a
partir dos quais construções pontuais são atualizadas em tempo real, a
verdade, a memória, a história e o acúmulo já não garantem o porvir. P. Lévy
(1993), D. Bougnoux (1994) e M. Mcluhan (2001) denunciam o quanto a visão
de linearidade, causalidade e necessidade - sustentada pela verdade, pela
história e por um desenvolvimento paulatino que resguardava a tradição
enquanto dela se diferenciava -, era adequada à tecnologia cognitiva da escrita;
não tendo mais lugar nas construções instantâneas, pura presença auto-
referente, das tecnologias informático-digitais. Em um contexto cultural que
tende à ausência da memória, da permanência e do acúmulo, a idéia de um
desenvolvimento ligado a qualquer pré-determinismo que seja parece não servir
mais à sustentação da relação cognitiva do indivíduo com o mundo em um
processo educacional.
Além disso, se por um lado, a identificação do vivo como um sistema de
processamento de informação, como regido por um código genético, valoriza o
papel da genética na determinação de nossas capacidades e possibilidades,
inclusive cognitivas; por outro, a decifração e manipulação deste código faz
com que ele funcione não mais como um passado que determina, mas como
presente que abre futuros, como virtualidades selecionáveis e/ou criáveis, a
depender dos caminhos da engenharia genética. Assim, a herança genética se
apresenta não apenas como um passado que condena e determina, mas como
algo que no presente pode ser transformado. Antiga prisão, o código genético
passa a figurar como espaço de exercício de liberdade e escolhas para o
indivíduo em seu, mais uma vez, curto período de existência. Aliás, a própria
finitude está sendo discutida nas possibilidades abertas pelas experiências de
clonagem.
Por último, a rede mundial de circulação, troca e produção de
informações em tempo real, em tempo-luz, que responde pelo processo de
globalização provoca o que D. Bougnoux (op. cit.) e P. Lévy (in: N. M. C.
Pellanda, E. C. Pellanda, Org., 2000) vão identificar como uma maleabilidade,
uma desestabilização das redes simbólica, as quais correspondem às culturas e
sociedades. Como nos fala P. Lévy, estaríamos vivendo um estado “pós-
cultural”. Vivemos como se nos tornássemos estrangeiros em nossa própria
cultura, por conta da velocidade com que somos afetados, “bombardeados”,
por novas referências simbólicas e informacionais.
“As coisas começam a se complicar quando os inevitáveis
ajustes e negociações, devida à área de influência geral, atingem
uma amplitude e uma rapidez tal que se torna difícil para nós
reconhecermos ‘o mesmo’ sistema de correspondência, de um
momento para outro. Por esse fato, as pessoas se tornam cada
vez mais estrangeiras em sua própria cultura, situação
completamente paradoxal. Poder-se-ia chamar de “pós-cultural” o
estado singular, no qual a ‘crise do sentido’ se torna doravante
crônica. (...) nós somos estrangeiros, radicalmente, mesmo
ficando em casa, porque tudo muda ao nosso redor, porque
somos invadidos de todas as maneiras pelo estrangeiro, pelo
imigrante, pelo pobre, mas também pelo rico, o imperialista que
nos impõe sua cultura” (
Ibidem
, p. 25).
Desta forma, a cultura e a sociedade se apresentam cada vez menos
como um corpo sólido, estável, ao qual o indivíduo deve necessariamente se
adequar, ou melhor, ao qual não pode sequer resistir. As redes simbólicas, os
vínculos de sentido que formam um corpo social, podem ser agora gerenciados
pelo indivíduo dentro dos fluxos móveis e disponíveis. A comunidade pode
agora ser construída na rede de fluxos de informação, segundo a ordem do
sentido e do tempo; livre da identidade espacial do território. Mais uma vez,
abre-se ao indivíduo a possibilidade de conectar-se ou desconectar-se em um
regime coletivo sócio-comunitário. Cabe a ele selecionar do meio as
informações que irão compor o universo simbólico ao qual se identificará e que
responderá à sua cultura ou sociedade. A metáfora da rede, do mundo
organismo, nos abre ao coletivo, mas na condição de componentes simultâneos
à formação deste coletivo. Não se trata mais de um coletivo anterior e exterior
ao indivíduo; ele, também, estranho e isolado do todo, devendo se adequar a
este último. A interação, ou melhor, a mediação através de interfaces é o
processo no qual estão envolvidos indivíduo e meio. E o indivíduo, se não
aparece como uma identidade fixa e pré-estabelecida - tal como surgiu na
modernidade -, é, ainda assim, o “nó” que concentra e recorta os sentidos
dispersos em circulação, que sustenta a duração no fluxo, que molda com o
meio um meio para si e por si.
D. Bougnoux nos descreve este meio, seja a sociedade ou o ambiente
material das coisas, que se define em conjunto com os indivíduos, suas ações e
enunciados, através de trocas e interações numa relação estruturada em rede.
“Em cada caso, o meio é complementar ao assunto
considerado: é ‘aquilo sem o qual’ este não teria explicação, nem
a menor chance de existir. No entanto, essa explicação não é
linear nem mecânica (...) Essa interação dinâmica não se reduz,
portanto, a uma influência do tipo estímulo-resposta. (...) O meio
não age por pressão mecanicista, mas por excitações que fazem
sentido e deixam ao organismo certa margem de interpretação,
de tempo, de resposta ou liberdade” (D. BOUGNOUX, op. cit., p.
30-31).
O tempo em aceleração, além de permitir a visibilidade do processo de
mudança concentrado no curto período de tempo da vida de um indivíduo,
coloca este no centro do processo da transformação cognitiva. Não mais como
o detentor de uma razão universal que se exerce isolada e internalizada nele,
tendo a consciência como condição; consciência e razão comprometidas com
regimes de tempo sempre maiores que o tempo individual e que de certa forma
condicionavam este: o tempo eterno da verdade divina fonte da razão
universal; o tempo do desenvolvimento da espécie que determinava para todo
sempre a natureza racional humana e seu percurso de desenvolvimento e ação;
o tempo social e cultural em sua pressão da tradição e do passado sobre o que
pode e deve ser um indivíduo civilizado e aceito nesta sociedade. O indivíduo
integrante da rede participa constantemente de sua formação, compõe o meio
na mesma medida em que é composto por ele; e isto tanto biológica quanto
simbolicamente.
“Quanto mais complexo for o nível de organização de um
indivíduo, mais seletivo será, e menos numerosos serão os
acontecimentos suscetíveis de alterá-lo diretamente. (Um ser vivo
comandado, de forma rígida pelo meio encontra-se à beira da
morte.). Cada um vive governado por seus próprios valores, isto
é, pelo sentido, antes de tudo biológico e sensível, que seu corpo
reconhece a determinada situação. Cada sistema nervoso
organiza o mundo em informações e sinais (o que se chama em
filosofia, o ‘para si’). O meio propõe e o ser vivo dispõe – e
inversamente” (Ibidem. P. 31).
Estando a realidade (seja física, biológica ou social) em constante
transformação, formada por configurações que se estabelecem
instantaneamente, em tempo real, a partir de virtualidades, cabe ao indivíduo
agir, na sua relação com o mundo, segundo um funcionamento cognitivo
igualmente ágil e adequado à inovação constante; qual seja, uma cognição
voltada à aprendizagem. Aprendizagem que é, como afirma G. Deleuze, citado
por V. Kastrup, “dentre os processos psicológicos, aquele que fala das
transformações às quais a cognição se encontra sujeita ou, dito de outro modo,
aquele que melhor revela sua dimensão temporal” (G. Deleuze, 1968
apud
V.
Kastrup, 1999).
Mas, trata-se agora de uma aprendizagem diferente daquela
condicionada, estruturada, pré-determinada; aprendizagem restrita ao que G.
Deleuze irá nomear de recognição. Em comparação ao desenvolvimento,
sustentado por bases biológicas universais, a aprendizagem já aparecia, mesmo
na modernidade, como o lugar da variedade, da diversificação, posto que
correspondia à adequação aos diferentes meios ou sociedades. No entanto, a
universalidade e o pré-determinismo se faziam presentes nas estruturas, leis e
regularidades que a apreensão científica da questão impunha. Relacionada com
as noções de problema, obstáculo e adaptação, como bem observa V. Kastrup,
a aprendizagem estudada modernamente identificava a cognição com a
aprendizagem de regras e a construção de esquemas intelectuais (1999, p. 57)
ou, de outro modo, com a recognição: o “exercício concordante de todas as
faculdades sobre um objeto suposto como sendo o mesmo: é o mesmo objeto
que pode ser visto, tocado, lembrado, imaginado, concebido” (G. Deleuze, 1968
apud
idem
).
Este mesmo objeto, esta estabilidade, como vimos, não corresponde
mais à realidade informatizada da cultura comunicacional contemporânea. É
preciso que a cognição inclua em seu exercício a temporalidade e a
transformação. Não basta que ela crie soluções para problemas, é preciso que
ela problematize a si e ao meio, que ela crie e invente arranjos e modos de
apreender o mundo; modos que configuram, simultaneamente, indivíduo e
meio. A aprendizagem no contexto comunicacional serve à criação destes
elementos que, diferentemente do que afirmava suas postulações modernas,
não se encontram mais pré-definidos e dotados de estabilidade. Um cenário,
que podemos descrever inspirados nos termos de G. Simondon, onde algo de
pré-individual e metaestabilidade permanece. A aprendizagem se assemelharia,
nestes termos, à membrana metaestável, uma vez que ela aciona o movimento
de transformação da cognição e se encontra encarnada nas interfaces e
mediações. A cognição que aprende por mediação e se faz distribuída, se
aproximaria da idéia de membrana metaestável de G. Simondon (Cf. G.
SIMONDON, 1995 e 1989).
Voltando a D. Bougnoux e incluindo as tecnologias de comunicação no
nosso meio, encontramos em sua descrição da
midiologia
de R. Debray um jogo
entre o pensamento e o meio, similar ao contexto de membranas e
individuações constantes de G. Simondon.
“A midiologia [Debray, 1993] tem como objeto o estudo
do sistema de constrangimentos materiais e guiamentos técnicos
graças aos quais a informação circula. Apóia-se, portanto, na
‘questão da técnica’. O midiólogo não considera o pensamento
como já elaborado, espontâneo ou disponível de antemão, mas
como a adaptação sonambúlica a essas redes às quais responde
na medida em que se ajusta a elas. Todo pensamento ‘convive
com’a infra-estrutura midiática em geral que constitui seu parceiro
oculto” (D. BOUGNOUX, op. cit., p. 33)
Ainda no primeiro capítulo, vimos alguns exemplos de descrição da
cognição inventiva, que aprende com a transformação e transforma com a
aprendizagem formas para si e para o meio. Acompanhamos como o
conhecimento tomou a forma da simulação através da codificação (que
aproximou a ciência da ficção-científica e o humano do ciborgue), da aceleração
(que fez com que a imaginação temporal surgisse como o salto qualitativo da
espécie humana) e da interação (que cedeu à mediação e aproximou indivíduo
e meio tecnológico em um único corpo coletivo pensante, no qual a reflexão e a
cognição são distribuídas).
Se a reflexão e a cognição estão distribuídas nas tecnologias cognitivas
disponíveis aos indivíduos, modificações ambientais e tecnológicas implicam em
modificações na cognição, em novas configurações na relação indivíduo / meio,
em novos modos de apreensão de si e do mundo. Como, em um mundo
organismo, somos irremediavelmente integrantes do coletivo, é num mesmo
movimento cognitivo que nos inventamos e inventamos a cognição e o mundo.
Ou, nas palavras de V. Kastrup, o desafio no estudo da cognição
contemporânea, que envolve a aprendizagem dos dispositivos técnicos, “é
entender como passar do problema à problematização, do obstáculo à
invenção. A invenção é, de modo recíproco e indissociável, invenção de si e
invenção do mundo” (in: N. M. C. Pellanda, E. C. Pellanda, Org., 2000, p. 38)
Reconhecendo o papel das tecnologias na construção de uma realidade
em movimento que desafia e desestabiliza constantemente os indivíduos, V.
Kastrup destaca a importância de os atuais estudos da cognição incluírem a
questão da invenção. Segundo a autora, os dispositivos técnicos servem à
cognição tanto na solução de problemas quanto na invenção de problemas.
Neste segundo caso, os dispositivos atuam “no processo de virtualização da
inteligência e na alteração das formas de conhecer constituídas” (
Idem
). Em
outra obra, ela destaca que a psicologia, ao longo de sua história, devido à sua
filiação científica que excluía o tempo das possibilidades de investigação,
furtou-se de abordar o tema da invenção. Seus estudos incluíram, quando
muito, a questão da criatividade, tida como um caso particular da atividade
cognitiva e que se identificava com uma vertente mais técnica do saber
psicológico. Nesse contexto, a criatividade era “um comportamento de criação”,
o “desenvolvimento de técnicas eficazes”, passíveis de treinamento. (V.
Kastrup, 1999, p. 24).
A invenção, entendida como o próprio da cognição, para ser abordada,
exigia um campo epistemológico que não excluísse o tempo, como é o caso da
cultura comunicacional contemporânea. E nesta cultura, a aprendizagem
aparece como o movimento de invenção da cognição, seu exercício no tempo
acelerado das transformações tecnológicas. Ainda segundo V. Kastrup, o
domínio de uma tecnologia cria para os indivíduos um regime cognitivo, similar
aos regimes de enunciados descritos por M. Foucault. Esses regimes de
enunciados correspondem à regularidade dos enunciados; são as regras
históricas que formam condição de possibilidade dos enunciados, sem, com
isso, determinar o que vai ser dito. Em suas palavras:
“É a partir desta mesma perspectiva [foucaultiana] que
denominamos regime cognitivo o conjunto das regras criadas
através de práticas concretas envolvendo acoplamentos com
tecnologias cognitivas. Os regimes da cognição, temporários e
relativos, criam uma prontidão para a ação. Conforme veremos, a
criação dos regimes é correlata à criação de um domínio
cognitivo” (V. Kastrup in: N. M. C. Pellanda, E. C. Pellanda, Org.,
2000, p. 44).
No entanto, no movimento das inovações tecnológicas, além dos
regimes cognitivos, temos os devires cognitivos. Segundo V. Kastrup, a
novidade dos dispositivos tecnológicos para a cognição lança esta ao devir.
Uma vez que vivemos em uma cultura marcada pela constante inovação
tecnológica - incluindo no termo tecnologia tanto os dispositivos materiais
quanto os dispositivos simbólicos - pensar o devir cognitivo será fundamental.
“Mas o dispositivo que ainda não faz parte do domínio
cognitivo do usuário força o devir da cognição e exige a criação
de um novo regime cognitivo por este acoplamento. O dispositivo
pode vir a funcionar [...] como força intempestiva, capaz de
promover a virtualização da inteligência e possibilitar a
continuidade do processo de criação, que é evidenciado pela
aprendizagem ou atualização de novos regimes” (
Ibidem
, p. 45).
Definida como o processo de atualização de novos regimes na relação
como os devires cognitivos promovidos pelos dispositivos tecnológicos, V.
Kastrup alça a aprendizagem à condição de figura central no que diz respeito
aos estudos da cognição.
“Destaca-se hoje, no campo dos estudos sobre a cognição
contemporânea, a importância do exame da relação entre regimes
cognitivos e devires cognitivos, tendo em vista a investigação da
cognição inventiva e criadora. Impõe-se então, como problema,
saber em que medida o acoplamento com um dispositivo técnico
pode vir a desencadear processos de criação de novas formas de
conhecer e pensar” (
Ibidem
, p. 44).
Se como nos descreveu D. Bougnoux, os estudos da cognição tratam
de “conhecer o ato de conhecer”, a máxima escolanovista do “aprender a
aprender” será mais do que nunca bem vinda à educação. Sendo a educação e
a escola dois agentes mediadores da relação indivíduo / meio social, torna-se
vital à atuação de ambas a inclusão desta atenção à plasticidade do indivíduo e
de sua cognição, ou seja, à aprendizagem. Resta saber de que modo este
aprender deve se fazer presente nas escolas hoje, e como a epistemologia
genética de J. Piaget pode atender a esta exigência. De outra forma, o quão
contemporâneo seu pensamento pode ser, a despeito de suas raízes modernas.
2.4 J. Piaget: o tempo da epistemologia genética e a
epistemologia genética no tempo.
A
epistemologia genética
proposta por Piaget é desde sua origem, e
seu nome o revela, uma teoria que pretende tratar da gênese (origem) do
conhecimento. Mais precisamente, investigar como o homem, esse ser vivo com
surgimento datado na história evolutiva das espécies, pôde ser capaz de se
desenvolver a ponto de chegar a um conhecimento tão sofisticado como o
conhecimento científico. Em sua definição, epistemologia é o “estudo da
passagem de estados de menor conhecimento para estados de conhecimento
mais rigoroso”, definição que ele próprio nomeia como uma “definição genética”
(J. Piaget, 1970, p. 18). A idéia de um conhecimento “mais rigoroso” se refere à
validade desse conhecimento. Piaget argumenta que:
“se a epistemologia se interessa pelas condições do
conhecimento válido, o qual supõe uma referência à validade
normativa no sentido da lógica, também deve avaliar as
respectivas partes do sujeito e do objeto na constituição dos
conhecimentos válidos, o que supõe, igualmente, uma referência
a questões de fato” (
Ibidem
, p. 17).
Assim, a relação do sujeito do conhecimento, ou sujeito epistêmico,
com o objeto do conhecimento também está contida no estudo epistemológico.
Por isso, diz-nos Piaget:
“o problema central da epistemologia sustenta-se em
estabelecer se o conhecimento se reduz a um puro registro por
parte do sujeito de dados já completamente organizados
independentemente dele em um mundo exterior (físico ou ideal),
ou se o sujeito intervém de maneira ativa no conhecimento e na
organização dos objetos” (
Ibidem
, p. 18).
Essas duas possibilidades levadas ao extremo correspondem,
respectivamente, a duas correntes de pensamento opostas quanto à relação
sujeito / objeto na aquisição do conhecimento, que podem ser nomeadas pelos
pares de antagônicos: empirismo X racionalismo, na filosofia, ou ambientalismo
X inatismo, na biologia e na psicologia. Piaget pretenderá escapar dessa opção
dicotômica ao afirmar a existência de um construtivismo na cognição humana e
na aquisição de conhecimento. A relação sujeito / objeto estaria condicionada,
dada a natureza evolutiva do homem, a estágios de desenvolvimento de sua
cognição, estágios que corresponderiam à gênese do conhecimento. O
conhecimento não estaria pronto e disponível previamente nem no sujeito, nem
no objeto, ele seria construído na relação entre eles. Pensar um construtivismo,
um desenvolvimento, implica incluir o tempo na cognição e na aquisição do
conhecimento. Nesse sentido, seu posicionamento teórico permitiria abordar,
simultaneamente, a questão mais geral e temporalmente mais ampla da
evolução da espécie humana e sua conquista da racionalidade; e a questão
epistemológico-histórica mais específica e recente da evolução das ciências.
Com seu construtivismo Piaget reuniu esses dois universos temporais de
questões, reunião explicitada pela idéia de que a “ontogênese repete a
filogênese”: a tese da recapitulação.
A partir desta aliança temporal, no que diz respeito à gênese do
conhecimento, Piaget consegue aliar a manutenção da Verdade como horizonte
à ação inovadora do tempo. Piaget traz o tempo o para o organismo humano,
construindo uma história da origem, ou melhor, da gênese da própria razão
científica.
Em Piaget, a história das ciências acompanha a história evolutiva da
humanidade, ou mesmo das espécies. Por isso sua epistemologia é genética e,
também, psicológica: há uma história conjunta do sujeito de conhecimento, do
objeto de conhecimento e do conhecimento resultante dessa relação. Como
bem analisa V. Kastrup,
“O projeto da epistemologia genética baseia-se na
constatação de que as estruturas que são condição de
possibilidade do conhecimento científico não estão presentes na
criança. O problema central da psicologia genética, instrumento
da epistemologia genética, é de como elas de constroem ao longo
do desenvolvimento, como se dá sua psicogênese. Uma vez que a
psicologia genética foi criada por uma exigência da epistemologia
genética, há um tipo especial de conhecimento, o conhecimento
científico, que orienta e dá direção à investigação. O problema da
transformação temporal da cognição é traduzido como um
problema de desenvolvimento da inteligência, tendo, como
horizonte, as formas universais e necessárias do pensamento
lógico-matemático” (V. KASTRUP, 1999, p. 83).
O equilíbrio estabelecido, ou pelo menos pretendido, por Piaget entre o
reconhecimento da supremacia da ciência (racional, lógica e formal) em relação
aos outros tipos de conhecimento, e o de uma gênese, de uma criação
temporal dessas capacidades (que não estariam garantidas desde sempre, não
seriam verdades ontológicas a priori) se apresentava como um diferencial
moderno frente às propostas epistemológicas mais clássicas que apartavam o
tempo da dimensão do conhecimento. Piaget inova no campo da epistemologia
ao descrevê-la como um fenômeno temporal encarnado no desenvolvimento
humano e não somente no desenvolvimento científico. No entanto, como já
vimos, ainda que inclua o tempo, a
episteme
moderna o cristalizava em um
percurso evolutivo pré-definido. Com J. Piaget não será diferente.
Na introdução intitulada “A propósito dos programas científicos e de seu
núcleo central”, escrita para a publicação de
Teorias da linguagem, teorias da
aprendizagem: o debate entre Jean Piaget & Noam Chomsky
33
(1983), Piattelli-
Palmarini classifica os dois teóricos tomados como pólos do debate de
racionalistas
, por estarem ambos em busca do estabelecimento das estruturas
do entendimento e da natureza humana. A partir desse denominador comum,
ele aloca os debatedores em dois grupos conforme o paradigma ou o princípio
regente de seus programas científicos: os seguidores do paradigma do
cristal
,
33
O debate ocorreu entre os dias 10 e 13 de outubro de 1975, na Abadia de Royaumont, e
contou com a participação, além de Jean Piaget e Noam Chomsky, de representantes de
várias áreas de conhecimento afins com o tema, como a biologia, a psicologia animal, a
inteligência artificial, a etologia, a filosofia da ciência.
aliados de Chomsky, e os seguidores do princípio de
ordem pelo ruído
, aliados
de Piaget.
De início, Piattelli-Palmarini, ao descrever Piaget como racionalista e
adepto da
ordem pelo ruído
, explicita a tensão que marcará nossa análise da
teoria piagetiana. Por um lado, Piaget filia-se a uma corrente de pensamento,
aquela do princípio de
ordem pelo ruído
, surgido com a TI e a cibernética de
Heinz von Foerster, afim com uma visão informacional de mundo, visão que
caracteriza a cultura comunicacional contemporânea. Por outro, mantém-se fiel
à busca de estruturas e de uma natureza última que identifique o homem e seu
modo de conhecimento, de uma verdade bio-psico-epistemológica da gênese
do conhecimento. Essa tensão faz com que, em sua teoria, Piaget descreva os
mecanismos biológicos e psíquicos responsáveis por uma gênese construtivista
do conhecimento segundo os modelos mais contemporâneos marcados pelo
pensamento do fluxo de informações e pela idéia de criação do conhecimento.
No entanto, essa criação é capturada por uma passagem de tempo necessária e
evolutiva, que tem o conhecimento científico, aquele mais rigoroso e o único
válido, como ponto de chegada. Nesse sentido, a epistemologia genética traz o
tempo como novidade, mas um tempo ainda moderno, cronológico e histórico,
não um
novo tempo
. Esse novo tempo, marca da contemporaneidade, seria
aquele da aceleração, tempo real, com o qual, como veremos mais adiante, a
epistemologia genética não parece ser capaz de lidar.
Segundo Piattelli-Palmarini, são dois os principais integrantes do
programa científico piagetiano: a
auto-regulação
e o princípio de
ordem pelo
ruído
. A auto-regulação, como destaca o autor, funciona como uma terceira via,
entre Lamarck e Darwin, para explicar a adaptação e a evolução. O primeiro
representaria a corrente ambientalista / empirista, uma vez que seriam os
comportamentos sob a influência do meio ambiente, ou seja, os hábitos, que
modificariam os órgãos, a morfogênese. Darwin, por outro lado, representaria o
inatismo porque as características genéticas e suas alterações - as mutações -
aconteceriam sem influência do meio, este apenas selecionaria aquelas mais
adaptadas a ele. Para Piaget, em nenhum dos casos o indivíduo atua no
processo: ou os hábitos lhe são impostos pelo meio, ou impostos pela
aleatoriedade de uma mutação e uma posterior seleção. Em ambos os casos, a
ação cabe ao meio: com Lamarck o meio constrói, impõe; com Darwin o meio
seleciona.
Piattelli-Palmarini destaca que a auto-regulação se sustenta nas noções
de
feedback
cibernético e de fluxo de informação. Pela auto-regulação Piaget
admite a transferência de estruturas do meio para o organismo através da ação
desse último; em termos mais precisos, seria possível um fenótipo originar um
genótipo correspondente a ele, ao que Piaget nomeia
fenocópia
. Haveria uma
seleção dos fenótipos, mas essa seria interna, e não do meio. Os fenótipos
causariam desestabilizações no genótipo por meio de
variações semi-aleatórias
,
as quais seriam ou não selecionadas. Não haveria, para Piaget, estruturas
prontas
a priori
, elas seriam resultantes da auto-regulação e da interação entre
o organismo e o meio. Nessa transferência de estruturas, a metáfora
informacional faz sua primeira aparição, pois, nas palavras de Piattelli-Palmarini,
nela teríamos “o meio ambiente como fonte, o organismo como recipiente e,
como veículo, as múltiplas atividades de desestabilização seguidas de novas
auto-regulações” (M. Piattelli-Palmarini, 1983, p. 12).
O princípio de
ordem pelo ruído
, indica a possibilidade do surgimento
de uma ordem global a partir de desordens locais; o que no caso de Piaget
traduz-se na ausência de estruturas desde o início e na sua construção
posterior, isto feito através da seleção das variações semi-aleatórias que irão
“se transformar” em genótipo. Como destaca Piattelli-Palmarini, o princípio em
questão, como fortalece
“um novo quadro ontológico, centrado no seguinte
pressuposto: os sistemas vivos são essencialmente aparelhos
informáticos, seus genes constituem uma fonte de mensagens,
suas diferentes atividades metabólicas uma via de transmissão e o
estado funcional do indivíduo adulto, o receptor (ou destinatário)”
(
Ibidem
, p.16).
Tanto a auto-regulação quanto o princípio de
ordem pelo ruído
não se
restringem ao indivíduo humano, mas orientam um recorte explicativo que vale,
não somente para todo e qualquer ser vivo - onde o humano se enquadra e,
por isso, o “conhecimento seria apenas um subdomínio,
stricto senso
, do
domínio da auto-regulação” (
Ibidem
, p.10) -, mas para o universo:
a vida é um gigantesco fluxo de informações, agindo
como mediador (ou regulador) de uma transição do ‘universo
inteiro’, de um estado inicial menos organizado, para uma
seqüência de estados estacionários cada vez mais organizados. Os
atos cognitivos (especialmente, os de seres humanos)
representam os mediadores mais eficazes no seio desse fluxo
informativo, os catalisadores mais aperfeiçoados de uma cadeia
de transferências de ordem, ligando entre si os compartimentos
desse universo.” (
Ibidem
, p.17)
Chegamos ao ponto onde entendemos que o pensamento de Piaget se
distancia do que há de novidade em uma imagem de mundo como fluxo de
informações, e permanece vinculado aos ideais modernos, sem acompanhar a
novidade temporal atual. Piaget, e como ele, muitos outros teóricos de nossa
época e das mais diversas áreas, reconhece o fluxo de informação, mas não o
decorrente fluxo de temporalidades, o qual é, para nós, a fonte da radical
transformação paradigmática contemporânea e da abertura para lidarmos com
a complexidade que se anuncia. Em trabalho anterior, ao descrever a Teoria da
Informação como uma ciência da representação, já havíamos demonstrado
como é possível encontrar a permanência da
episteme
moderna em produções
teóricas consideradas como típicas da cultura comunicacional contemporânea.
34
Ao considerar a auto-regulação - e com ela a adaptação decorrente da
assimilação e da acomodação - um mecanismo funcional único e universal, e
vinculá-la a um desenvolvimento progressivo do menos aperfeiçoado para o
mais aperfeiçoado, Piaget faz com que o tempo perca sua capacidade de
criação. O tempo homogeneíza-se: cada etapa do desenvolvimento é um
instante em tudo definido e controlado pelo mecanismo totalitário da auto-
regulação. Totalitário porque aprisionado a uma evolução, a uma cronologia
linear, que tem o sujeito epistêmico da ciência como ponto de chegada
necessário: ele é o
mais aperfeiçoado
,
mais rigoroso
,
mais estável
. A desordem
local inicial gerará, necessariamente, segundo Piaget, ordem ao longo do
processo de formação das estruturas.
C. C. Salvador descreve a formação das estruturas e a auto-regulação
dentro do processo mais geral de equilibração.
“Resumindo, o processo de desenvolvimento cognitivo
poderia ser definido como um passo progressivo e continuado de
níveis de equilíbrio inferiores a níveis superiores nos intercâmbios
cognitivos entre os indivíduos e o meio, graças ao jogo da
assimilação e da acomodação. O mecanismo de equilibração
34
Cf. A. V. Monteiro, 1998, principalmente o capítulo “Novos meios, velhos fins”.
constitui um elemento de auto-regulação no processo de
desenvolvimento, isto é, funciona como processo de ajustamento
ativo por parte do sistema cognitivo, que compensa e antecipa,
por sua vez, as perturbações com que esse sistema se depara no
seu funcionamento habitual. Essas características são as que lhe
outorgam a função de coordenador dos outros fatores causadores
do desenvolvimento e o definem, pois, como o motor principal do
processo comentado, a partir da perspectiva de Piaget” (C. C.
SALVADOR, op. cit., p. 93).
Ainda segundo o autor, associada à equilibração, a maturidade é a
responsável pela continuidade e a direcionalidade do processo de construção
universal, necessário e progressivo.
“Para Piaget, a maturidade representa uma condição
imprescindível ao desenvolvimento intelectual, pois permite a
aparição de determinadas condutas durante esse
desenvolvimento. (...) A função da maturidade consiste
principalmente em abrir novas possibilidades de comportamento à
medida que se vai produzindo. (...) Decididamente, a maturidade
constitui um fator necessário e indispensável para compreender a
ordem invariante em que se sucedem os diferentes estágios;
contudo não pode ser considerada como a única responsável por
todo o desenvolvimento, mas sim como um fator entre os outros”
(
Ibidem
, p. 90).
Este direcionamento garantido pela maturidade toma a forma de uma
equilibração majorante
no desenvolvimento dos indivíduos.
“Contudo, o ponto essencial, convém citar, é de que o
processo continuado de equilíbrio-pertubações-desequilíbrio-
regulações e compensações-reequilíbrio leva não só à busca do
restabelecimento de equilíbrio perdido, mas também, cedo ou
tarde, conduz a modificações nos esquemas que garantem um
melhor equilíbrio, isto é, é capaz de antecipar e de integrar um
número bem maior de perturbações virtuais. Essa equilibração
majorante – até as formas necessariamente superiores de
equilíbrio entre o sujeito e o meio – é o que permite entender o
papel primordial do mecanismo de equilibração como um fator do
desenvolvimento intelectual” (Ibidem, p. 92).
Uma vez que as estruturas estejam construídas, é dentro do universo
ordenado que nos manteremos: não há involução ou retrocessos em Piaget.
Sua crença na ciência como único conhecimento válido
35
é determinante de sua
opção pela estabilidade e por um desenvolvimento necessário. Ele o denuncia
no primeiro parágrafo de seu texto de abertura do debate de Royaumont,
intitulado “Psicogênese dos conhecimentos e seu significado epistemológico”,
quando destaca que o problema central do construtivismo é explicar como
construções não-predeterminadas tornam-se
logicamente
necessárias (
in:
PIATTELLI-PALMARINI, M., op. cit., pp. 39-49). O construtivismo abarca o
inatismo e o empirismo, furtando-se de optar por uma das explicações. Há nele
a criação do empirismo e também a necessidade do inatismo, que surge
justamente do funcionamento dos invariantes já-dados, aqueles presentes e
regentes de toda vida, de todo o universo: assimilação, acomodação, auto-
regulação, equilibração.
Piaget resolve o problema construtivista defendendo que a necessidade
“resulta das auto-regulações e traduz-se por uma equilibração igualmente
progressiva das estruturas cognitivas; portanto, a necessidade é proveniente do
‘fechamento’ dessas estruturas” (
Ibidem
, p. 46). Desse funcionamento surgiu a
ciência e cabe a ela explicar cientificamente,
logicamen e
, como esse processo
ocorreu. Lembremos o que diz Piattelli-Palmarini, conforme supracitado: atos
cognitivos humanos (digo eu, os atos cognitivos lógico-formais, responsáveis
t
35
Piaget não diferencia o que seria uma Teoria do Conhecimento e uma da Epistemologia, pois,
segundo ele entende, os teóricos e filósofos do conhecimento teriam sempre desenvolvido
suas idéias a partir de uma ciência,como Platão a partir das matemáticas, ou Kant a partir
de Newton.” (PIAGET, J., 1970., p. 21). Assim, a forma de enunciação mais freqüente do
problema epistemológico estaria na pergunta: “como são possíveis as ciências?” (
Ibidem
, p.
17).
pelas ciências) seriam os catalisadores mais aperfeiçoados, ligando entre si os
compartimentos desse universo. (Ibidem, p. 17).
Há, em Piaget, a confluência de diferentes níveis existenciais em um
único modelo explicativo, o que o impede de trabalhar com diferentes
temporalidades. O universo, a vida, o vivo – como destaca Piattelli-Palmarini –
e, também, o biológico, o psicológico, o epistemológico – tratados diretamente
por Piaget - são colocados em uma linha de continuidade que deve ser
compreendida através de um único mecanismo funcional, determinado pelo
último elemento dessa série: a epistemologia, ou melhor, a ciência.
Reconhecemos essa continuidade no modo como Seminério apresenta o foco
das preocupações e da indagação piagetiana: “Como explicar a passagem da
evolução biológica, e principalmente psicológica, do ser humano, para a
construção das matemáticas e das ciências formais em geral?” (F. L. P.
Seminério, 1996, p. 13).
36
Nessa tentativa de explicação, eis nossa hipótese: parece-nos que
Piaget adota uma única temporalidade, aquela da modernidade, do tempo
histórico, evolutivo e cronológico, com o ritmo da longa duração do tempo
evolutivo das espécies. Ao naturalizar biologicamente as ciências, Piaget impõe
à história das ciências o ritmo lento das longas durações que marca a história
evolutiva das espécies. Isso impede que, em Piaget, encontremos abertura para
pensarmos outros cursos de desenvolvimento, cursos que poderiam ser
pensados a partir da temporalidade da vivência individual da transformação do
36
Conferir também SEMINÉRIO, F. Lo P., 1985.
meio-ambiente sócio-histórico. Essa é uma questão que se insinua nas críticas
que com freqüência e há muito tempo são colocadas ao trabalho piagetiano,
tentando contextualizá-lo sócio-historicamente; críticas que por vezes acusam
sua teoria desenvolvimentista de refletir apenas a realidade das crianças de
classe média da Genebra de sua época. É certo que, quando aposta na
ação
como causa fundamental da evolução, Piaget fortalece a participação do
indivíduo no processo evolutivo, mas essa participação permite ao indivíduo
apenas repetir a evolução da espécie. Ao substituir os sentidos, a percepção,
pela ação, Piaget pretende passar da passiva descoberta de algo dado no
exterior, para uma construção algo intencional. Como expõe Seminério:
“Entende Piaget que a cognição se origina da
ação
. Esta
não seria apenas transformadora – em termos evolutivos – mas
teria, acima de tudo, um papel cognitivo. Desde os ensaios, já
assinalados, das primeiras manifestações de vida, até a mente
humana, capaz de representar e entender a dinâmica do universo,
é sempre a
ação
que, exercendo o teste das transformações, gera
saber.” (
Ibidem
, p. 26)
Contudo, o desenvolvimento é o mesmo para todos; um pouco mais
rápido ou um pouco mais lento para cada um, mas não há uma variação de
regime temporal que implique uma possibilidade de mudança radical e
efetivamente criativa. A aprendizagem segue os limites da maturação e da
equilibração. Como salienta C. C. Salvador ao abordar pesquisas sobre
modificações, pela educação, na aquisição dos estágios de desenvolvimento de
Piaget:
“os resultados obtidos dão suporte à tese da dependência
dos processos de aprendizagem ao desenvolvimento natural e
espontâneo das noções operatórias. Assim são interpretados os
dados que indicam que é impossível acelerar a captação dessas
noções além de um certo limite, bem como a importância básica
do nível operatório dos indivíduos no momento da situação de
aprendizagem” (C. C. SALVADOR, op. cit., p. 96)
Na vida de um indivíduo humano não haveria tempo para modificar o
desenvolvimento seqüencial do sensório-motor ao operatório-formal e suas
características. Com seu conceito de
ação
Piaget não acelera a potência criativa
da espécie, ele retarda e limita a do indivíduo. Estando o processo educacional
inserido nesta temporalidade - uma vez que não se pode educar a espécie ou a
cultura –, a aplicação educacional da epistemologia genética de J. Piaget se
apresenta problemática desde a colocação de seu problema. Problemática que
se amplia na cultura comunicacional. Nas palavras de C. C. Salvador:
“a análise das tentativas [de aplicar a teoria genética à
pra’tica de ensino] serve para ilustrar a dificuldade que representa
utilizar, do ponto de vista educativo, uma teoria que atribui, na
realidade, um papel secundário à educação na função de fator
que explica o desenvolvimento pessoal. Efetivamente, assim como
a psicologia genética interessa-se pela construção de algumas
estruturas gerais e universais do pensamento, a educação escolar,
ao contrário, refere-se ao conhecimento de natureza
essencialmente social e cultural, próprio dos contextos específicos
em que as pessoas se desenvolvem. (...) O reflexo dessa situação
paradoxal torna-se evidente no título do conhecido artigo sobre a
utilização da teoria genética no âmbito educativo: ‘Ou lhes
ensinamos com muita antecedência e eles não podem aprendê-lo
ou, tardiamente, e eles já o conhecem: o dilema de aplicar
Piaget’, de Eleonor Duckworth” (
Ibidem
, p. 97).
Pensador do início do séc. XX, Piaget traz em sua epistemologia a
marca das novidades teóricas que apontam para o mundo-fluxo em constante
criação e troca de informações. No entanto, os dispositivos tecnológicos não
tinham ainda disponibilizado o tempo como aceleração ou
tempo real
, tal como
experimentamos nesse início de século. A criação no pensamento piagetiano
ainda está sob a marca da evolução, da história, da linearidade, da
previsibilidade causal. Por um lado, ele rejeita a evolução darwinista devida à
aleatoriedade da seleção natural, que não deixaria margem para a ação criativa
dos organismos, e investe nessa capacidade criativa através dos conceitos de
ação, processo de auto-regulação e adaptação por assimilação e acomodação.
Por outro, as noções de estrutura, maturação e equilíbrio, este último na forma
de uma equilibração majorante, limitam o processo criativo tornando-o um
processo de desenvolvimento necessário e universal. A estabilidade desse
desenvolvimento para todos os indivíduos da espécie humana poderia ser
justificada justamente nessa opção por um regime de temporalidade de longa
duração que é o da espécie.
No entanto, em um mundo em veloz transformação, onde cada vez
mais proliferam híbridos; onde o meio-ambiente não é mais uma exterioridade,
mas um todo orgânico, ou uma rede composta de humanos e não humanos;
onde se pode até mesmo pensar em termos de inteligência coletiva, reflexão e
cognição distribuídas, as possibilidades de criação no tempo de vida individual
podem ser pensadas segundo outras referências, entre elas a de simulação e
mediação, como vimos. Um olhar demasiado marcado pelo tempo da espécie,
que se imporia hierarquicamente aos indivíduos, talvez não seja mais o melhor
caminho ou, pelo menos, não mais o único para pensar um projeto educacional,
área onde a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget aparece ainda como
a grande referência.
Não queremos com isso dizer que a teoria piagetiana esteja obsoleta,
ultrapassada ou equivocada. Caso o fizéssemos, estaríamos, nós também,
trabalhando com um tempo único, evolutivo, histórico progressivo e linear. O
que propomos é a inserção dessa nova temporalidade, a do tempo individual,
aquela da aceleração e da simultaneidade e que nos é cara, posto ser esse o
tempo da existência de cada um de nós. Além da criação do tempo do universo
e dos corpos físicos, da criação do tempo da espécie, da criação do tempo da
sociedade e da criação do tempo da história; o desafio que nos propomos é
pensar o trabalho criativo que o tempo de uma vida humana pode realizar. Isto
porque nos parece que é justamente nesse espaço de tempo que uma ação
educacional pode atuar na vida dos indivíduos para que eles atuem na vida
social. Esta postura implica também tomar o processo de aprendizagem, e não
o de desenvolvimento, como aquele que melhor pode servir à educação no
trabalho com uma cognição inventiva.
Quando educar era humanizar, tornar civilizadas as crianças,
comparadas aos selvagens e à natureza irracional, talvez pensar o tempo da
espécie fosse suficiente à educação. Quando educar era criar sujeitos
socialmente adaptados, fosse a uma sociedade burguesa, moderna, liberal,
iluminista na qual se acreditava e que se pretendia manter, fosse a uma
sociedade ainda não estabelecida de fato, mas que se sabia qual era e a qual
se desejava instalar pela ação revolucionária, talvez o tempo histórico bastasse
à ação educativa. Mas qual será o sujeito alvo da ação educativa hoje? Em um
mundo em constante transformação, sem uma meta revolucionária específica,
qual o compromisso da educação, o que transmitir como legado cultural?
Mantendo o compromisso da educação com a relação indivíduo /
sociedade, se estamos em uma cultura da aceleração e da comunicação, parece
que devemos nos debruçar sobre esse tempo das experiências de trocas de
informação, de circulação, de produção de sentidos, do discurso e da
linguagem, de uma aprendizagem, de uma produção de conhecimento realizada
em rede, mas na qual esse elemento, esse nó particular que é cada indivíduo,
faz diferença segundo sua duração. Curtíssima duração, microtemporal, se
tomarmos como referência uma imagem que se tornou comum nesse mundo
que envolve o cosmos: “se comprimíssemos a história do universo em um dia
de 24 horas, a espécie humana corresponderia ao último segundo”. Difícil
imaginar uma unidade de medida para a duração de cada um de nós,
nanosegundos, talvez? Essa é a questão que a educação deverá adotar: como
pensar a criação nessa escala temporal do indivíduo? Por isso acolhemos os
dispositivos informático-tecnológios como aliados e contextualizamos e
circunscrevemos temporalmente os limites do trabalho piagetiano. Não se trata
aqui de rendição ao imediatismo e ao individualismo do capitalismo globalizado,
mas do reconhecimento de um novo contexto cultural, marcado pela aceleração
e a coexistência de diversos regimes temporais que exigem flexibilidade, pela
interação / mediação e pela simulação. Pensar a educação dos indivíduos nesse
contexto exige que se articule e permita a atuação de todos esses regimes e
níveis temporais envolvidos na complexidade dos fluxos de informação.
CAPÍTULO 3: UM PENSAMENTO COMUNICACIONAL
PARA A EDUCAÇÃO
No capítulo anterior vimos como os pressupostos modernos que
sustentaram a elaboração de um projeto educacional divergem daqueles que
passaram a vigorar no cenário cultural contemporâneo. Os atuais regimes de
tempo, comunicação e conhecimento forjam a imagem de um indivíduo
integrante de uma rede de sistemas que colaboram entre si por trocas de
informação, trocas que se dão por uma ação cognitiva que atua neste coletivo,
que se faz mediatizada pelos dispositivos tecnológicos tidos como interfaces na
relação indivíduo / meio. A aprendizagem aparece como exercício de invenção
de conhecimentos nesta relação contínua e mutante entre o indivíduo e o meio
que o compõe, ambos entendidos como fluxos de informação.
A proposta de associar o que consideramos ser um pensamento
comunicacional à educação se justifica por entendermos que qualquer projeto
de educação coerente com este contexto cultural precisa privilegiar o indivíduo
e a aprendizagem tal como descrevemos. E para que isto aconteça, faz-se
necessário o recurso a orientações teóricas que considerem os regimes que
deram origem a este estado de coisas. Ainda naquele capítulo, demonstramos,
utilizando a epistemologia genética de J. Piaget, como a presença de regimes
modernos de tempo, comunicação e conhecimento limitaram a capacidade de
esta teoria lidar com as exigências atuais.
Outro ponto a considerar na proposta em questão é a compreensão de
que a educação é um processo sócio-cultural em dois sentidos: tanto é moldada
e afetada pelo contexto sócio-cultural, quanto a ele molda e afeta. Assim, é
preciso que a educação contenha, em sua prática, elementos que dialoguem
com o contexto cultural no qual se exerce.
Em seu
História das idéias pedagógicas
, no último capítulo, intitulado
“Perspectivas atuais”, Moacir Gadotti (1998) destaca duas tendências da
educação no final do século XX: ser
pe manen e
e
social
. Não mais se
consideraria que existe uma idade específica para a educação, nem que a
educação seja neutra. Educamo-nos a vida inteira e essa educação sempre faz
um sentido político, social, individual. Nessa direção apresenta a proposta de
Jesus Palácios (1978,
apud
M. Gadotti, 1998) para que se resolva a crise da
escola:
r t
“Cada professor, cada classe, cada centro de ensino, cada
sociedade deve desenvolver seu esforço em função de seus
problemas e de suas possibilidades. Somente esse esforço, unido
ao esforço comum de transformação social, pode conseguir que a
educação seja um processo enriquecedor e facilitador do
desenvolvimento pessoal e social; que a escola compense as
desigualdades ligadas ao meio de procedência; que a escola se
vincule à vida e às necessidades vitais (família, bairro, cidade) da
criança; que a escola sirva à integração social e a cooperação
entre os indivíduos; que desenvolva ao máximo as possibilidades
e os interesses de cada um; que utilize todos os recursos
disponíveis da sociedade para a aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos; que a escola, finalmente, deixe de
reproduzir o ‘
status quo’
que ajude a transformá-lo” (M. Gadotti,
op. cit., pp. 269-270).
Na conclusão do livro, denominada “Desafios da educação pós-
moderna”, M. Gadotti (1998) destaca também o
multiculturalismo
como marca
da atualidade devido à crise de paradigmas, à falta de referenciais e à “invasão
da tecnologia eletrônica, da automação e da informação”. Para ele, uma
educação pós-moderna multicultural
seria
“uma educação para todos que respeite a diversidade, as
minorias étnicas, a pluralidade de doutrinas, os direitos humanos,
eliminando os estereótipos, ampliando o horizonte de
conhecimento e de visões de mundo. (...) [Uma educação que]
trabalha mais com o significado do que com o conteúdo, (...) [a
fim de] torná-lo essencialmente significativo para o estudante.
(...) Trabalhando com a noção de poder local, de pequenos
grupos, a educação chamada pós-moderna valoriza o movimento,
o imediato, o afetivo, a relação, a intensidade, o envolvimento, a
solidariedade, a autogestão. (...) Assim ela pretende enfrentar o
desafio de manter o equilíbrio entre a ‘cultura local’, regional,
própria de um grupo social ou minoria étnica, e uma ‘cultura
universal’, patrimônio hoje da humanidade” (
Ibidem
, pp. 311-
312).
Em uma educação permanente, não-neutra e multicultural
encontramos, respectivamente, as idéias de um processo contínuo de
construção – a educação segue por toda vida, não se limita à escola e não
passa pela simples aquisição de conhecimentos verdadeiros, mas pela
construção de conhecimentos significativos num determinado contexto -; de
uma interatividade contextual entre indivíduo e sociedade – o processo de
produção de conhecimento parte da realidade existente para, justamente,
poder transformá-la, há o compromisso com uma resposta efetiva, um retorno
da educação para o indivíduo e a sociedade -; e de uma tensão paradoxal entre
local e global – uma educação comprometida com o comunitário, o regional, o
local, que não intente mantê-los como um limite, mas que abra novas
possibilidades e amplie as conexões em rede desse grupo com o global,
gerando inclusão e não exclusão. Em outras palavras, estamos diante de
aceleração, interação e simulação, elementos componentes do que nomeamos
pensamento comunicacional
, aquele que consideramos ser a novidade da
atualidade, permitindo um movimento de inclusão e respeito às diferenças,
valorizando o indivíduo e a aprendizagem inventiva.
No intuito de aproximar da educação referências teórico-conceituais
que, apoiadas no pensamento comunicacional, atuem a serviço do indivíduo e
da aprendizagem, apresentaremos a contribuição de três teóricos que, a
princípio, não estariam incluídos nesta área de saber. Cada um deles contribuirá
com um aspecto da ação educacional em nossa sociedade.
Em primeiro lugar, apresentaremos um ensaio de estratégia pedagógica
inspirado nas descrições de D. Bougnoux sobre como um enunciado ou uma
informação se propaga e é selecionado na rede de fluxos contínuos e de
excesso de informação.
Em seguida, veremos, com P. Lévy e seu projeto das árvores de
conhecimento, uma alternativa para se pensar a organização das instituições de
ensino e de suas grades de formação curricular. Buscamos no projeto do autor
inspiração para estruturação de uma formação que valorize as aquisições de
competências dentro do cenário de uma formação permanente voltada para
possibilidades de trabalho, diferente da moderna formação gradual e linear de
certificações com vista à conquista de um emprego.
3.1 A ação educacional pensada comunicacionalmente -
D. Bougnoux
Três considerações feitas por D. Bougnoux sobre a comunicação no
cenário da nossa cultura comunicacional são o ponto de partida para propormos
contribuições às ações educacionais: a impossibilidade da não comunicação
(inspirada nas considerações da Escola de Palo Alto); a compreensão do
discurso como um percurso; e a tensão entre a progressão cultural rumo ao
símbolo e a regressão estética ao índice. Além disso, este autor também nos
alerta sobre o quanto à comunicação se tornou a ideologia da cultura
comunicacional, servindo de universo de ação, de campo onde as disputas e
conflitos acontecem.
“Sempre que vencer é substituído por convencer e que as
pessoas se sentam em volta de uma mesa de negociação em vez
de se exterminarem, ‘a comunicação’ se afirma como a última, e a
melhor, das ideologias com rosto humano: ‘ideologia sem
adversário’ (a não ser o inevitável rumor), portanto, ideologia do
fim das grandes ideologias” ( D. Bougnoux, op. cit., p. 26).
Neste ponto, discordamos do diagnóstico do autor, pois os últimos
incidentes mundiais não deixam dúvidas quanto ao fato de que o extermínio e
ideologias de guerra coexistem com a negociação e a gerência da comunicação
como ideologia. No entanto, mesmo sabendo não ser ela a única ideologia,
adotamos a postura da valorização e do fortalecimento ideológico da
comunicação. Neste sentido, defender a inclusão do pensamento
comunicacional na educação é, também, uma questão de entendermos que
educar para agir na cultura comunicacional é educar para a comunicação,
dando ênfase a seus processos, componentes e regimes.
A afirmação da impossibilidade da não comunicação, no que diz
respeito ao universo da comunicação humana, onde o sentido e a interação
estão presentes nas condições de enunciação, ganha novo formato e amplitude
no mundo organismo em interação mediatizada por interfaces. Ainda que a
dimensão do sentido da comunicação humana não esteja presente em todas as
esferas da circulação de informação; quando se trata de educação, o humano e
as implicações desta circulação na ordem do sentido e da interação são o foco
da atenção. Além do sentido e da interpretação que cada indivíduo atribui aos
outros nas relações sociais - abordados pela Escola de Palo Alto (Cf. P.
WAtZLAWICK, J. H. BEAVIN, D. D. JACKSON, 1993) -, o jogo entre recepção,
seleção, consulta, produção e excesso através das tecnologias informático-
digitais (
sup a
, capítulo 1) também impede a não comunicação. Qualquer
movimento em um mundo organismo gera informação, que pode ser capturada
e interpretada como tal por qualquer sistema da rede. L. Sfez, entre outros, nos
alerta dos perigos deste excesso ao descrever a cultura da comunicação
segundo o “tautismo” e a metáfora do “Frankenstein”. Segundo o autor, o
r
neologismo “tautismo” condensa as idéias de totalidade, autismo e tautologia,
as quais representariam os riscos de um mundo de fluxos excessivos de
informação: a morte das diferenças, a indiferença, a repetição do mesmo. (L.
Sfez, op. cit., p. 77) D. Bougnoux também não ignora os riscos do excesso.
“Não é possível
deixar de
se exprimir,saber..., mas esse
imperativo comunicacional tende para a indiferença. A enxurrada
de mensagens quando transborda reconduz ao seu oposto: esta
sociedade de gravação e superinformação engendra, talvez, o
nivelamento pelo rumor ou o niilismo dos
couch-potatoes
(‘batatas de sofá’, como são chamados nos Estados Unidos os
drogados de TV)” (D. BOUGNOUX, op. cit., p. 24)
No entanto, ele entende que esses riscos podem ser neutralizados pela
seleção de informação feita pelos indivíduos, e pelo fato de que a uniformização
do mundo segundo a lógica e a imagem dos sistemas e da circulação de
informação não exclui totalmente as diferenças e as hierarquias; elas
permanecem, só que “emaranhadas”, como descreve o autor. A relativização
das hierarquias, expressas no termo “emaranhadas”, está presente também na
forma como D. Bougnoux descreve a informação neste contexto cultural. O
autor nos alerta sobre ao fato de que qualquer informação vagueia em meio a
ruídos, os quais são, por sua vez, a informação dos outros. Não haveria,
portanto, uma informação universal, com valor e sentido absolutos e em si.
“Se toda comunicação é suficientemente definida como
uma viagem através do rumor, é preciso indicar com precisão que
o rumor é a informação dos outros. Do mesmo modo que não
rumor puro, assim também não há informação universal, válida ou
interessante para todas as mentes. Vamos chamar
informação
(...) o que enriquece, completa ou orienta o equipamento
cognitivo de cada um, em determinado instante de seu
desenvolvimento (não somente a informação pertinente varia
segundo os indivíduos, mas varia para cada um conforme as
circunstâncias: nada é mais relativo e se torna caduco mais
depressa do que uma informação).” (
Ibidem
, pp. 24-25)
O contexto educacional não tem como furtar-se do confronto com estas
condições da comunicação imperativa e da informação excessiva e relativa.
Inserido no universo cultural, seus membros - alunos, professores e
funcionários - vivem cotidianamente esses riscos e pressões. Desta forma, os
conhecimentos científicos que compunham o conteúdo da educação moderna,
perdem o
sta us
, o privilégio e a hegemonia no discurso escolar. A escola, antes
considerada principal fonte de informações e conhecimentos relevantes,
t
atualmente fala para indivíduos bombardeados de informações e
conhecimentos (inclusive científicos) provenientes de fontes e dotados de
formas as mais diversas. O conhecimento científico é lançado à condição de
informação entre outras; sem que a identificação com a verdade se faça
convincente e respeitável o suficiente. Mais próxima da ficção do que da
Verdade, a ciência atualmente precisa de contexto e sentido específicos e
pertinentes para ser acolhida, aceita e produzida pelos alunos. Segundo D.
Bougnoux:
“a verdade não é autopropagativa ou não tem, como tal,
boa cara. A verdade é insuficiente e seu poder se constrói. Da
evidência decorre uma autoridade fraca; da autoridade, uma
evidência imediata. Mas essa evidência dissimula uma história
feita com rumor e furor, polêmicas e chances cujo estudo é
elaborado pela pragmática ou pela midiologia; relacionando um
enunciado às condições de enunciação, elas mostram que esta
nunca é pura. Com efeito, se o enunciado é do domínio do
sentido, a enunciação permanece um fato, bastante material,
tomado em uma relação de forças cujo desfecho se decide na
luta” (Ibidem, p. 27).
Essa dimensão da enunciação como um fato vai fortalecer a
singularidade dos indivíduos, no caso os alunos. Será sempre no momento da
comunicação, naquela condição de enunciação onde o indivíduo está envolvido
que a informação tornar-se-á pertinente. Também por isso, cada vez mais a
escola é chamada a ensinar algo mais que os conhecimentos científicos, uma
vez que els já não bastam à formação e ao exercício da cidadania. A aplicação e
a pragmática dominam a orientação escolar atual, como nos evidencia as
exigências de construção de projetos políticos-pedagógicos para cada
instituição escolar, e livros como
A organização do currículo por projetos de
trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio
, de F. Hernándes e M. Ventura
(1998)
A idéia de projeto se aproxima daquela de simulação e indica que o
conhecimento, mais do que descoberta, é agora invenção, transformação,
seleção de futuro, indicação de sentido. Assim, a pragmática desta educação na
cultura comunicacional ultrapassaria aquela que muitas vezes acompanhou o
movimento de aplicação dos princípios da “Escola Nova” com o pensamento de
J. Dewey - e seu “
learning by doing
” – e E. Claparède. Não se trataria hoje
simplesmente da aplicação prática de um saber já adquirido à solução de um
problema que, muitas vezes, de modo pedagogicamente equivocado, era
proposto pelo professor e não criado pelos alunos como propunham os autores
(Cf. M. GADOTTI, op. cit.).
É preciso, hoje, criar problemas, saberes, estratégias de cognição: criar
o indivíduo e o mundo que o cerca. Quando, por exemplo, professores, alunos
do curso “TV na Escola”, precisam construir projetos que envolvam a utilização
de filmes, eles precisam problematizar seu cotidiano profissional a partir desta
tecnologia, descobrir aproximações, pertinências, discursos capturáveis pela
associação dinâmica de imagem e som. Adotar a lógica do pensamento
sintético, analógico e emocional das imagens, para refletir sobre suas ações.
Uma lógica diferente daquela analítica, simbólica racional do texto. É uma nova
ação cognitiva que lhes é solicitada. Não admira que eles tenham tanta
dificuldade em utilizar didaticamente este instrumental tecnológico; mesmo com
salas de vídeos,
telepostos
, e a insistência dos orientadores pedagógicos em
propor os filmes mais adequados ao trabalho.
Quando a ciência se mescla à informação, a lógica da segunda se
insinua sobre a primeira. Sendo a informação relativa ao que é pertinente aos
indivíduos, os saberes escolares precisam ser representados como fazendo
sentido para alunos e professores; como tendo importância e relevância para
eles no momento e no contexto de suas vidas. Mesmo que o passado e o futuro
sejam chamados a participar da cena reflexiva, devem estar ancorados no
instante do indivíduo, no momento de construção do projeto. Nenhuma
hipótese sobre o passado ou o futuro pode escapar a marca do presente como
o cenário de sua elaboração. A informação escolar compete como os fluxos de
informação considerados anteriormente como extra-escolares, mas que, agora,
penetram e perpassam o cotidiano, os membros da escola e os saberes
escolares também. Os apelos à utilização de jornais, revistas,
sites
, filmes,
programas de tv na atuação pedagógica – marcas do canal TV Escola e do
curso “TV na Escola e os Desafios de hoje” da SEED/MEC - também refletem
este reconhecimento. A utilização de diferentes veículos e mídias pode servir
como facilitadores da aprendizagem que marca a cognição inventiva e
distribuída. Mas é preciso que estes dispositivos aparecçam na educação como
abertura à diversidade de possibilidades de tradução, elaboração e formatação
da , favorecendo a cognição e a reflexão que levam da informação ao
conhecimento, ou seja, à aprendizagem.
O fato de a informação se deslocar em um fluxo ruidoso e excessivo
serve à afirmação do discurso como sendo um percurso, uma propagação
endêmica e viral, em vez de um deslocamento retilíneo e paulatino como o da
luz. Como nos diz D. Bougnoux:
“vamos considerar qualquer discurso como percurso,
semeado de emboscadas, adversários e forças; sua sobrevivência
vai depender de sua capacidade para dominá-los ou aceitá-los. A
inscrição do mais simples traço supõe a rasura de outros traços (o
espaço comunicacional é um palimpsesto que cada emissor
rabisca, raspa ou sobrecarrega)” (
ibidem
, p. 26).
Aqui mais um argumento favorável à utilização de suportes e fontes
diversificadas de informação: tomar os concorrentes como aliados. Ao invés de
querer fazer do livro, da leitura e da escrita concorrentes da TV, da imagem, da
linguagem audiovisual; é preciso fazer circular a informação de um a outro:
escrever roteiros para um filme, uma peça; fazer relatórios de pesquisa e
observação sobre programas; ler roteiros de filmes e peças como produções
literárias; montar trilhas sonoras para textos, sonorizar imagens e poemas;
pesquisar sobre música; pensar a duração de uma cena segundo a duração de
uma melodia e o tempo da emoção e do sentido que se deseja comunicar:
traduzir, retraduzir, simular, ensaiar... Da mesma forma, ao invés de fazer da
biblioteca concorrente da
internet
, da realidade presencial concorrente da
virtual, deve-se pesquisar bibliotecas pela rede; entrar em contato com autores
em seus
sites
e por
e-mail
; construir uma página da escola, da turma; divulgar
o roteiro de um filme, pedir opiniões e sugestões em uma lista de discussão;
visitar locações pela
internet
e por livros antes de organizar o passeio escolar:
mais uma vez, traduzir, codificar, decodificar, recodificar, cortar e recortar
sentidos. E, ainda mais importante para os professores: dizer que a informação
científica escolar compete com outras é assumir que a informação do professor
compete com aquelas dos alunos. Assim, na mesma linha de ação, cabe aos
professores tomar a informação de seus alunos como aliadas e como oportunas
à construção de conhecimento e à aprendizagem dos alunos, e não como
adversárias ou como diferenças que desautorizam os professores.
Desta aliança, desta interação entre dispositivos, entre indivíduos,
dispositivos e informações, podemos discutir o desdobramento pedagógico da
terceira observação que tomamos de D. Bougnoux: a paradoxal convivência da
progressão cultural simbólica com a regressão estética indicial. Para entender
esta convivência paradoxal é preciso fazer um pequeno recuo e esclarecer a
distinção feita pelo autor entre comunicação e informação.
Para D. Bougnoux, o par comunicação / informação se diferencia e se
completa, respectivamente, tal como os pares enunciação / enunciado, relação
/ conteúdo e comunicação analógica / comunicação digital, estes últimos
propostos pela Escola de Palo Alto. Partindo da distinção entre comunicação
analógica e comunicação digital de Palo Alto, D. Bougnoux, recorrendo à
semiótica de C. S. Peirce, aprimorará esta distinção fazendo corresponder a
comunicação ao universo analógico da enunciação, da relação, do uso dos
índices e ícones; e a informação ao universo digital dos enunciados, dos
conteúdos, do uso dos símbolos, tanto lingüísticos quanto numéricos. Desta
forma, a dimensão do rumor, do ruído que permanece aquém e além de toda
informação, que compõe o espaço tumultuado e competitivo que um discurso
percorre, é a dimensão da comunicação. Toda informação se faz a partir e
através da comunicação, assim como a todo enunciado corresponde uma
condição de enunciação e todo conteúdo é trocado em uma relação.
Para D. Bougnoux, a progressão cultural segue o caminho do
desenvolvimento e do domínio da ordem simbólica, portanto, informacional. Já
as relações mais primitivas, aquelas organizadas segundo os afetos e as
sensações, compõem o campo da comunicação. Seguindo esta distinção, a
evolução das mídias de massa e de alta velocidade, dos dispositivos de
comunicação informacionais, apesar de ser fruto da evolução simbólica e de
eles trabalharem com códigos digitais - ou seja, simbólico-numéricos -, traz de
volta à cultura a dimensão estética e do contato da comunicação analógica,
sobretudo na forma indicial.
As comunicações à velocidade da luz, a instalação de realidades em
tempo real, a transmissão ao vivo são responsáveis por confundir a dimensão
do enunciado e da enunciação. Elas dificultam sua percepção como signos e
fazem as vezes do próprio fato: o discurso se confunde com a realidade, a
relação com o conteúdo, o emissor com o receptor. Neste contexto, a
informação passa por comunicação e a comunicação se torna
irremediavelmente pragmática. Não é por outro motivo que a sociedade da
informação é também a da cultura comunicacional. Como nos descreve o autor:
“O esquema linear só tem interesse para a parte evoluída,
tardia e superficial de nossas permutas, a linha telegráfica é uma
emergência abstrata da orquestra (Bateson) dos índices em que
estamos continuamente mergulhados. O
médium
de nossas
comunicações precede-as de forma infinita. Comunicar é, quase
sempre, infiltrar-se sorrateiramente na massa sonora,
acrescentar-lhe um toque ou timbre. Pelo envolvimento na
massificação indicial, os parceiros reagem uns sobre os outros; a
emissão não é irradiante (de um centro para uma periferia), mas
emaranhante, indiferenciante. Transforma seu receptor em
emissor, como se vê na comunicação viral ou na infecção em
geral, mas também nas comunicações precisamente ditas de
massa, boatos, modas, certas publicidades, na circulação dos
afetos e no contágio das paixões em que nos encontramos
envolvidos” (D. BOUGNOUX, op. cit., p. 87).
As imagens assumem particular importância neste contexto, e uma
analogia com o universo dos sonhos e do inconsciente freudiano é construída
pelo autor. Segundo D. Bougnoux, o regime das representações da
comunicação analógico-indicial, instalado pela tecnologias digitais, segue o
regime das representações inconscientes descritas por S. Freud. No curso da
enxurrada de imagens, no fluxo torrencial de signos que apelam aos sentidos
como se vestígios da presença concreta dos fatos fossem, a ordem primária do
inconsciente vigora, e com ela: a ausência da negação, da flexão temporal, do
relevo lógico, da linearidade, do universal. O índice é sempre particular, no
máximo é um exemplo do universal. Ou ainda:
“Em suma, o analógico em geral (os ícones + os índices)
mostra-se pouco sensível à contradição porque é rebelde à dicção
ou à ordem simbólica no sentidoestrito (articulação linear de
termos descontínuos com valor oposicionista). A língua comprova
que é possível se contradizer, mas não se contra-sentir. Duas
sensações adversas ou dois afetos não se hierarquizam, mas se
justapõem; além disso, a ambivalência atribuída em psicanálise ao
processo primário resulta diretamente desse déficit semiótico das
comunicações analógicas (ambigüidade já indicada dos índices).
Vamos estabelecer, portanto, que o processo secundário
freudiano se opõe ao primário como o linear ao não-linear (ao
plástico, ao magmático), ou como o simbólico ao icônico e ao
indicial” (
Ibidem
, p. 75).
Afetados por este regime discursivo os alunos resistem; ao esforço
cognitivo exigido pelo rigor científico; ao universo da abstração conceitual; à
lógica linear do raciocínio científico averso a contradições; à universalidade da
lei, do axioma, do conceito; à “maturidade” discursiva da linguagem científica
marcada pela oposição e pela arbitrariedade simbólica. Os alunos buscam nos
textos e no estudo a mesma facilidade de recepção e afetação da associação
livre, do pensamento metonímico e indicial do universo da “comunicação
onírica”. Acostumados com a disponibilidade infinita de criação de imagens e de
atualização de virtualidades criada pelos dispositivos informáticos; com a
estranha materialidade conferida às abstrações por meio das simulações
tecnológicas e das seduções publicitárias, os alunos insistem na procura por
imagens, por exemplos, por esta materialização do imaginário permitida pela
desmaterialização da informação. À mais simples das enunciações gerais segue-
se o apelo: “Professor, dá um exemplo?!” Apelo quase que infantil, aquele da
criança que no início de sua alfabetização estranha os livros sem figuras, as
histórias sem ilustração, as princesas sem rosto.
Contudo, este conflito entre o analógico-digital e o simbólico não se
restringe aos primeiros anos de formação escolar. A atividade educacional
alçada a condição de permanente, encontra este mesmo apelo nas salas das
atualizações, capacitações, reciclagens, especializações, pós-graduações.
Quanto mais jovem, bem informado e possuidor de maior capital intelectual é o
público, e quanto mais rápido chega à alta escolaridade, mais vemos este
conflito se colocar. Desta forma, não nos parece que o caminho de
interpretação e compreensão da questão seja o de identificar esses alunos com
uma imaturidade sinônimo de infantilidade e falta de crescimento,
responsabilizando-os pela ausência de interesse e inabilidade no trato com o
universo dos textos e teorias científicas. Reconhecendo esta dificuldade dentro
do contexto cultural e dos dispositivos cognitivos que cercam estes indivíduos, é
preciso acolher suas exigências e reconhecer nelas exigências da cultura.
Criar imagem, “materializar” o imaginário abstrato aparece como o
diferencial de nossa cultura comunicacional, aquilo no que insistimos e nos
formamos. Se pensarmos em termos de uma “cibercultura”, como bem
descreveu P. Lévy (1999), o tratamento estético indicial (rico em imagens, sons
e apelos táteis que clamam por manipulação e interação) aparece como uma
exigência da construção das mensagens, das interfaces, da organização da
comunicação.
37
Desta forma, é preciso que a educação assuma o compromisso
com esta comunicação analógico-digital; com os sentidos e os afetos que
insistem por trás da lógica e da razão; com a comunicação por trás da
informação. Conciliar estes dois regimes é o desafio. Enfrentá-lo somente será
possível através da inclusão e experimentação destes dispositivos tecnológicos
na educação. É preciso que professores e alunos possam, na experimentação,
confrontar os limites e possibilidades da comunicação analógica com os da
comunicação digital; sem que uma opção excludente ou uma busca de
hegemonia e hierarquização destas modalidades se coloque como objetivo.
Conciliar conteúdo e relação, geral e particular, raciocinar afetivamente: eis o
que os indivíduos precisam aprender na educação atual.
3.2 As árvores de conhecimento – P. Lévy
Assumindo-se a atualidade como um contexto onde a cognição estaria
implicada e transformada numa coletividade, em constante transformação a
partir das alianças com novos dispositivos tecnológicos e pelo fluxo incessante
de informação, seria preciso tomar novas referências teóricas para pensar a
intervenção na formação dos indivíduos. Pensar as instituições escolares, os
profissionais de educação e aqueles membros dessas instituições tidos como os
“em formação”, os alunos, sem mais considerá-los como portadores de uma
37
S. Johnson, op. cit., nos fornece um excelente exemplo desta realidade.
razão autônoma e isolada, os primeiros já totalmente desenvolvidos e os
últimos em processo de desenvolvimento. Assumir e refletir acerca do contínuo
e inevitável processo de aceleração, de interação, de simulação e, portanto,
transformação, aparece como tarefa imperativa à área de educação e que
requer a tomada do pensamento comunicacional e da aprendizagem centrada
no tempo da ação individual como referências.
Encontramos um excelente exemplo de como pensar
comunicacionalmente o contexto educacional no projeto das “árvores de
conhecimentos” de P. Lévy (1999, p. 177). Nele o reconhecimento da
velocidade das transformações produzida pelas novas tecnológicas, sobretudo
comunicacionais, é o ponto de partida para uma profunda e radical reflexão
sobre o papel das universidades e a concepção de formação na atualidade.
O primeiro ponto destacado por P. Lévy é que a grande novidade deste
contexto informatizado, veloz e em fluxo é que a informação deve estar
organizada em rede. Segundo o autor, o que deve ser garantido aos indivíduos
como estratégia de sobrevivência, em um mundo onde ocorre um
dilúvio de
informação,
é, simultaneamente, as possibilidades de contato e a autonomia.
Possibilidades que salientam a relação entre o coletivo e a individualidade como
já apresentamos (
supra
, capítulo 2). Para o autor, os inimigos a combater nas
tomadas de decisão sobre as organizações das instituições quaisquer que sejam
são, em contrapartida, o isolamento e a dependência, o que reforça nossa
observação de que valorizar o indivíduo hoje não significa adotar posturas
individualistas, mas sim, individualizadas. Nesse sentido, é preciso arregimentar
os dispositivos tecnológicos de acordo com esses princípios. O que vai valer
também para a comunicação educacional. Nas palavras do autor:
“É preciso pensar em equipamentos de comunicação que,
ao invés de fazer uma difusão como a mídia tradicional – difusão
de uma mensagem por toda parte -, façam com que esses
dispositivos estejam à escuta e restituam toda a diversidade do
presente no social. Uma outra coisa que é possível explorar é o
fato de que estes equipamentos favorecem a emergência da
autonomia, tanto de indivíduos quanto de grupos, em que o
inimigo é a dependência” (P. LÉVY in: N. M. C. PELLANDA, E. C.
PELLANDA (Org.), p. 16).
Assim, não só se reivindica a presença e a criação de modernos
dispositivos tecnológicos nas instituições, mas entende-se que as regras, a
lógica interna e a estruturação dos cursos, bem como sua proposta e seu lugar
“sociais” são igualmente tecnologias, agentes de transformação na “rede sócio-
técnica” que é nossa cultura atual. Cultura em constante transformação e
construção de sentidos devido às intensas trocas-produções de informações
interfaceadas entre os indivíduos e o meio. No descreve o autor:
“Uma cultura é bem, pois, uma rede de correspondências
entre sistemas simbólicos, à condição de se acrescentar que uma
tal rede constitui a dimensão do sentido dos seres humanos que
atualizam essa cultura. Os coletivos humanos secretam, reparam,
adaptam e transformam constantemente os sistemas simbólicos
que lhes permitem fazer sentido e, pois, viver. Uma sociedade e
sua cultura se animam reciprocamente e formam, por assim dizer,
um único ser, cujas duas dimensões, cultural e social (semântica e
física), só podem ser distinguidas conceitualmente” (
Ibidem
, p.
22).
Este coletivo cultural dotado de mobilidade e estruturado em rede gera
problemas e abre alternativas e possibilidades diferenciando-se dos princípios
teóricos e práticos que serviam à moderna orientação e organização do projeto
educacional. No que diz respeito às dificuldades lançadas ao modelo moderno
temos, em primeiro lugar, a ruptura com a idéia de acúmulo-estoque de saber,
a qual servia à valorização da tradição e, conseqüentemente, da escola, da
família, dos mais velhos como os representantes e transmissores naturais dos
saberes. Os fluxos velozes e maleáveis em rede não permitem estocagem
particular e tampouco fazem o acesso à informação depender de uma lenta
experimentação e acúmulo do mesmo ao longo da história. Estas características
também virão romper com outras duas realidades modernas: a estabilidade dos
ofícios e profissões e a correspondência diretamente proporcional entre idade e
conhecimento. Afirma o autor:
“O que parecia formar a base inquebrantável de nosso
universo se fende, se fragmenta, se recompõe. A família explode
e as crianças fazem muito cedo a experiência da ruptura daquilo
que estruturava para eles o sentido: o pai e a mãe. Os
conhecimentos se tornam obsoletos cada vez mais rapidamente.
O saber-estoque é substituído por um saber-fluxo em aceleração
constante, que os sistemas tradicionais de ensino não sabem mais
transmitir. Os ofícios se transformam tão rapidamente que a
noção de carreira ou de escolha de uma profissão perdem sua
pertinência, em proveito de uma espécie de surfe sobre um
mercado de competências, definitivamente movediço” (Ibidem,
pp. 25-26).
Diante das transformações em curso é preciso encontrar alternativas e
possibilidades para a educação, a formação e também a organização de
qualquer instituição (incluímos aqui a escolar). Uma delas é, como nos R. da
Costa a partir do pensamento de P. Lévy, aproximar estes processos e
instituições de um processo de “gestão do conhecimento” e de uma “economia
do imaterial”. Segundo o autor, a precipitação de mudanças e geração de novos
saberes dentro do ciclo de vida individual exige esforço e atenção extra para
organizar este excesso; surgem então as noções de gestão e economia
relacionadas ao conhecimento.
“as mutações em nossa relação com os conhecimentos
acompanham o que se convencionou chamar de economia do
imaterial. Digamos que é ao mesmo tempo, que essas duas
dimensões vão se estabelecer, uma como correlata da outra. A
economia do imaterial se constitui no plano dos intangíveis, ela é
justamente a economia dos serviços, a economia do lazer, das
imagens, das informações, de tudo aquilo que não gira em torno
da idéia de produto tal como a economia tradicional o concebia.
Por que o conhecimento se apresenta como fator chave neste
caso? Porque o conhecimento é justamente o imaterial e o
suporte de toda produção imaterial” (R. da COSTA in: N. M. C.
PELLANDA, E. C. PELLANDA (Org.), p. 189).
R. da Costa nos descreve como as empresas se aproximam de um
coletivo que deve evoluir em conjunto e no mesmo tempo que as evoluções
sociais para sobreviver. A escola, como instituição também precisa adotar esta
visão. Ainda mais porque também deve ser capaz de formar indivíduos para
atuarem neste novo modelo empresarial da gestão do conhecimento. Modelo
que faz novas exigências aos indivíduos. Nas palavras do autor:
“a organização torna-se cada vez mais um sujeito
cognitivo e não um sistema fechado. Atualmente, uma
organização deve ter meios para imaginar possíveis, e isto faz
parte (...) de uma análise estratégica. Mas uma análise
estratégica desenvolvida e conduzida por (...) cada indivíduo
dessa coletividade. (...) Isto implicaria que o indivíduo não se
reduziria mais a uma função, a um cargo ou a um posto. (...) [É
preciso que eles] se percebam como fonte geradora e
transmissora de conhecimentos, só nesta medida poderão ter uma
margem de criatividade, de inovação possível”. (
Ibidem
, p. 192).
No que diz respeito à busca de alternativas adequadas à formação e a
educação ao novo cenário cultural, formando indivíduos para aprender, P. Lévy
apresenta uma proposta para pensar a formação universitária que, no entanto,
pode inspirar os trabalhos em todos os níveis da educação escolar. O autor
propõe que as universidades assumam a idéia de
formação permanente
,
fazendo a graduação deixar de ser o local de formação por excelência e
tornando-se apenas um momento de formação entre outros. Isto porque as
velozes transformações culturais incluem constantes modificações no mercado
de trabalho, nas profissões, nas exigências feitas aos profissionais. Não é
possível assegurar por muito tempo o conjunto de informações relevantes e
necessárias ao bom desempenho e à adequação ao mercado. Essa lógica da
formação permanente exigiria então que se enfatizasse não apenas as
informações a serem oferecidas ao longo do curso de graduação, mas,
igualmente, a capacitação dos alunos para justamente acessar informações,
saber buscar, oferecer e transmitir a informação necessária a cada momento.
Segundo o autor, modernamente, o caminho da formação e organizar as
instituições eram orientados segundo o modelo da pirâmide e do curso na
relação com o saber. Atualmente navegação e surfe se oferecem como
melhores estratégias para essa relação. Estes termos que já são utilizados
quando se trata dos movimentos no “mar” de informação da World Wide Web
devem ser ampliados para o cotidiano, uma vez que a estruturação em rede
não mais se limita ao universo da Internet, mas se expandiu para a coletividade
integrada de homens e coisas que se tornou a cultura comunicacional.
Para P. Lévy, também os currículos dos cursos precisariam ser
reformulados, desprendendo-se de uma estrutura que tinha como referência a
linearidade e o acúmulo de conhecimentos. Seria preciso agora adotar uma
forma comprometida com uma lógica de complexificação crescente, onde a
integração horizontal das disciplinas e uma maior flexibilidade da grade
disciplinar - com mais disciplinas eletivas, cursos de extensão e atividades de
pesquisa – fortaleceriam nos alunos a busca crítica e interessada de
informações, tornando-os ativos e responsáveis individualmente pelo seu
processo de
in-formação
, na medida justamente em que soubessem configurar
suas questões, fazer alianças, traduzir seus interesses, dentro de um vasto
leque de opções.
Este leque de opções estaria representado pela figura de uma árvore
de conhecimentos onde as competências das instituições e de seus
profissionais estariam dispostas segundo troncos, galhos, ramos e folhas,
podendo ser percorridos por cada aluno segundo as competências que ele
julgar melhor possuir para o enfrentamento de seus problemas. A árvore
permitiria uma maior maleabilidade na construção dos saberes e sentidos para
cada indivíduo ao longo de sua formação. Segundo o autor: “A representação
em árvore de conhecimento permite a localização, por simples inspeção, da
posição ocupada por determinado saber em um momento dado e os itinerários
de aprendizagem possíveis para ter acesso a esta ou aquela competência” (P.
LÉVY, 1999, p. 178).
A noção de competência e de seu reconhecimento também são
fundamentais neste modelo, em substituição ao modelo da certificação em
cursos longos de graduação ou de formação em uma profissão específica;
modelo útil quando podíamos enumerar de forma finita e parear
biunivocamente as profissões e/ou carreiras e os cursos de graduação, por
exemplo. Para P. Lévy, a combinação entre a idéia e a imagem das árvores e
aquela de competência permitiria uma reformulação pedagógica e também no
âmbito do mercado de trabalho e da empregabilidade.
“o sistema das árvores de compeTências pode contribuir
para lutar contra a exclusão e o desemprego ao reconhecer os
savoir-faire daqueles que não possuem nenhum diploma, ao
favorecer uma melhor adaptação da formação para o emprego, ao
estimular um verdadeiro ‘mercado da competência’. Em nível de
redes de escolas e de universidades, o sistema permite empregar
uma pedagogia cooperativa descompartimentalizada e
personalizada” (Ibidem, p. 179).
CONCLUSÃO
Iniciamos nosso trabalho descrevendo o cenário da cultura
comunicacional contemporânea e seus regimes de tempo, de comunicação e de
conhecimento. Concluímos neste processo, que esta cultura veio se insinuando
desde o início do séc. XX, quando os primeiros meios de comunicação com base
na velocidade da eletricidade começaram a transferir o ritmo e a escala de
comunicação de um critério espacial local, de vizinhança, para um critério
temporal global, comunidade de sentidos e de informação. O telégrafo, o
cinema, seguidos pelo rádio e a televisão representam esta transformação
cotidianamente; e, na esfera científica e epistemológica, podemos citar os
exemplos dos instrumentos que permitiram a ampliação da observação da
escala macroscópica para escalas do “infinitamente grande” – o cosmos – e do
“infinitamente pequeno” – as partículas sub-atômicas.
A partir da segunda metade do século XX, com o surgimento e
democratização dos dispositivos tecnológicos de comunicação informático-
digitais, esta cultura comuncacional contemporânea se estabelece e um novo
paradigma - ou base epistemológica, ou ainda visão de mundo – se consolida.
Nomeamos, inspirados nas considerações de D. Bougnoux, este novo quadro de
referências de “pensamento comunicacional”. Ao longo de nossa descrição da
cultura comunicacional, este pensamento apareceu como o conjunto dos atuais
regimes de tempo, comunicação e conhecimento: a aceleração, a interação e a
simulação.
Desta primeira formulação, partimos para uma demonstração de que
uma atuação educacional coerente com esta cultura do século XXI não pode se
furtar de incluir em suas considerações teóricas e práticas este pensamento
comunicacional. Ao longo deste processo, investigamos os regimes de tempo,
comunicação e conhecimento que fundamentaram o surgimento de um projeto
educacional em nossa cultura. Vimos que este processo tomou corpo
institucional na passagem do século XIX ao XX, a partir de um quadro
epistemológico científico moderno, cujos regimes de tempo, comunicação e
conhecimento não têm mais sustentação dentro da cultura comunicacional
contemporânea. A
episteme
moderna forjou:
a) um tempo cronológico, evolutivo, histórico;
b) uma comunicação linear, cujo modelo era o da transmissão de
informação de um emissor para um receptor através de um canal
capaz de manter a integridade da informação original controlando
os possíveis ruídos; e
c) um conhecimento representacional, voltado à descoberta de
realidades prévias, estáveis ou verdadeiras, sob a forma de objetos
autônomos observáveis ou de estruturas de conhecimento cognitivo-
racionais – subjetivas - ou empírico-experimentais – o método
científico -, que garantiam a construção de uma realidade
adequada.
Desta base moderna, a educação se organizou em torno de um sujeito
cuja cognição se exercia segundo o modelo de um desenvolvimento ou de uma
aprendizagem entendidos como universais e regidos por leis e estruturas
invariantes e verdadeiras. Leis e estruturas que deveriam ser capazes de
simultaneamente serem descobertas pelo método científico-racional e de
levarem os sujeitos ao domínio e compreensão deste mesmo método na sua
forma de se relacionar e conhecer o mundo. O projeto educacional neste
sentido era, pois, o da formação de indivíduos civilizados, capazes do exercício
autônomo da razão e do método científico como capacidade cognitiva.
No confronto deste projeto de educação com o cenário da cultura
comunicacional, vimos que outros personagens precisavam figurar em uma
proposta educacional atualmente. A cultura comunicacional regida pela
velocidade, pela interação e pela simulação parece levar à adoção de um novo
indivíduo como personagem no processo de educação. O indivíduo considerado
em sua temporalidade existencial e como o membro de um coletivo em
constante transformação, formado por humanos, tecnologias e informação, um
mundo organismo, estruturado em rede. Também uma nova aprendizagem é
proposta à tarefa educacional; aprendizagem como modo de atuação de uma
cognição e uma reflexão distribuídas neste coletivo, que inventa conhecimentos
através de uma ação de mediação dos fluxos permanentes de informação.
Desta forma, chegamos a duas conclusões. A primeira, que instituir um
projeto de educação na cultura comunicacional exige que suas práticas sejam
voltadas à aprendizagem inventiva deste indivíduo cuja cognição se exerce
como invenção através da mediação de coletivos de informação e tecnologia. A
segunda, que essas práticas exigem uma base epistemológica adequada a este
cenário comunicacional, ou seja, exigem um pensamento comunicacional. Desta
forma, as referências e fontes teóricas que servem à formação dos professores
precisam ser revistas e enriquecidas de acordo com este pensamento.
Com base nesta segunda conclusão, fomos analisar o pensamento
construtivista de J. Piaget, a fim de verificar suas possibilidades de servir a um
projeto educacional voltado à nova cultura; e apresentar alguns teóricos que
podem servir de inspiração a atuação dos professores e da escola hoje.
No que diz respeito a J. Piaget, entendemos que sua epistemologia
genética, apesar de trabalhar com referências contemporâneas a fins com o
cenário da cultura informático-comunicacional, não confere suficiente
importância e espaço para a capacidade individual de atuação pelo exercício de
uma cognição inventiva. Sua concepção de cognição permanece limitada ao um
modelo evolutivo moderno cujo tempo da espécie aprisiona as capacidades de
invenção cognitivas em estruturas específicas construídas segundo um percurso
preestabelecido e necessário, organizado teoricamente em estágios e
pedagogicamente em tarefas e problemas pré-definidos.
Quanto às novas referências teóricas encontramos particular inspiração
nas observações de D. Bougnoux sobre o sucesso dos enunciados em um
cenário de fluxos permanentes e excessivos de informação, no projeto de P.
Lévy sobre a organização acadêmica segundo um modelo nomeado de
árvores
de conhecimentos
. Este modelo serviria à orientação do percurso de formação
dos indivíduos por meio da gerência e de aquisição de competências de
trabalho, em detrimento do modelo de certificação voltado à conquista de um
emprego.
As teses aqui expostas aparecem como um primeiro passo no
movimento de abertura da reflexão pedagógico-educacional ao pensamento
comunicacional. Dois pontos nos parecem particularmente relevantes na
continuidade desta aproximação. O primeiro, a atenção à paradoxal convivência
dos regimes de comunicação analógica e digital apontada por D. Bougnoux.
Paradoxalidade que se instala ainda de forma mais radical no universo da
formação escolar onde o duplo compromisso com lógica linear a ciência e do
texto alfabético, por um lado, e a agilidade não-linear das mídias de massa
audiovisuais e hipertextuais, por outro, aparece como inevitável e vital.
Investigar como conciliar imagem, texto e som; análise e síntese, universal e
particular é um dos principais esforços que a preocupação pedagógica deve
empreender. Esforço que exige a participação de profissionais da área de
comunicação que adotem a preocupação com a produção de conhecimentos e
com o universo de formação escolar como integrantes de sua atuação.
O segundo, a construção de uma organização de dinâmicas no universo
escolar nos moldes da lógica que sustenta a proposta das árvores de
conhecimentos de P. Lévy. Dinâmicas de organização de projetos segundo
sinergias de competências dos envolvidos, de estratégias de trabalhos didáticos
em sala de aula e de currículos, de relações interdisciplinares e inter-escolares
passíveis de serem promovidas pelas Secretarias de Educação.
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