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Zezé Mateus era um verdadeiro imbecil. Não ligava duas idéias; não
guardava coisa alguma dos acontecimentos que assistia. A sua única mania era
beber e dizer-se valente. Topava todos os ofícios; capinava, vendia peixe e verdura,
com cesto à cabeça; era servente de pedreiro, apanhava e vendia passarinhos,
como criança; e tinha outras habilidades desse jaez.
Era branco, com uma fisionomia empastada, cheia de rugas precoces, sem
dentes, todo ele mole, bambo. A sua testa era deprimida, e era longo e estreito o
seu crânio, do feitio daqueles a que o povo chama "cabeça de mamão-macho".
Totalmente inofensivo, quase inválido pela sua imbecilidade nativa e pela
bebida, uma família a quem ele prestava pequenos serviços — ir às compras, ao
açougue, lavar a casa — dava-lhe um barracão na chácara, onde dormia, e comida,
se estivesse presente às refeições. Encontrava-se nessa ruína humana o melhor da
turma e o único que não tinha maldade no coração. Era um ex-homem e mais nada.
O Franco Sousa, este, era um malandro mais apurado, que, uma vez ou
outra, aderia ao grupo de Cassi. Intitulava-se advogado e vivia de embrulhar os
crédulos clientes que lhe caíam nas mãos. Todos sabiam que ele não tratava de
coisa alguma, pois não podia absolutamente tratar, já por não saber coisa alguma
das tricas forenses, já por não ser, de verdade, advogado. Assim mesmo, sempre
apareciam ingênuos roceiros, simplórias viúvas, que, no pressuposto de que os seus
serviços, na justiça, sobre a demarcação de terras litigiosas ou despejos de
inquilinos relapsos, fossem mais baratos, procuravam-no. Ele recebia os
adiantamentos e, em seguida, mais algum dinheiro, conforme a ingenuidade e a falta
de experiência do cliente, e não fazia nada. Entretanto, vivia muito decentemente
com a mulher, filhos e filhas. Cassi não lhe pisava em casa, e, aos poucos, foi se
afastando do violeiro, a conselho da mulher, que zelava extremamente pela
reputação das filhas, que se faziam moças.
O último dos asseclas do modinheiro era um tal Arnaldo, Arnaldo tout court.
Nele, talvez, houvesse tipo mais nojento do que mesmo em Cassi. A sua profissão
consistia em furtar, no trem, chapéus-de-sol, bengalas, embrulhos dos passageiros
que estivessem a dormitar ou distraídos. De tarde, ele fazia a especialidade dos
embrulhos; e, à noite, às vezes, a altas horas, postava-se na beira da plataforma de
estação pouco freqüentada e, quando o trem tornava movimento e impulso,
arrebatava rapidamente os chapéus dos passageiros, através da portinhola,
principalmente se de palha e novos. Vendia-os, no dia seguinte, como vendia os
chapéus-de-sol, as bengalas e o conteúdo dos embrulhos, se fosse de coisa
vendável; roupas de lã ou branca, livros, louça, talheres, etc.
Se fossem, porém, doces, frutas, queijos, biscoitos, grãos, ele levava para a
casa e contava à mulher que só arranjara dinheiro para comprar aquelas guloseimas
para as crianças. Usava dos mais imprevistos estratagemas, para não pagar a casa
de sua moradia. Numa, tendo ficado a dever oito meses, apresentando-se-lhe o
cobrador com os recibos, pediu-os para examiná-los e ficou com eles, alegando que
ia consultar pessoa competente em matéria de selo, porquanto as estampilhas não
lhe pareciam legais. Nunca mais os devolveu; e, apesar de todas as ameaças, ainda
ficou morando na casa quatro meses. Os seus vizinhos contavam que ele tinha
também o hábito de arrebatar as notas do Tesouro das mãos das crianças, quando
as encontrava sós também a caminho das vendas, onde iam fazer compras para as
casas paternas, levando-as à mostra, na imprevidência natural de crianças.
Inútil é repetir que Cassi não tinha nenhuma espécie de amizade por esses
rapazes, não pela baixeza de caráter e de moral deles, no que ele sobrelevava a
todos; mas pela razão muito simples de que a sua natureza moral e sentimental era
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