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um estado de consciência; por outro, é uma película superficial de
matéria onde coincidiriam o senciente e o sentido. A cada momento de
nossa vida inteira corresponde assim um momento de nosso corpo e
de toda a matéria circundante, que lhe seria “simultânea”: essa matéria
parece então participar de nossa duração consciente. Gradualmente,
estendemos essa duração ao conjunto do mundo material, porque não
vemos nenhum motivo para limitá-la à vizinhança imediata de nosso
corpo: o universo nos parece formar um único todo; e, se a parte que
está à nossa volta dura à nossa maneira, o mesmo deve acontecer,
pensamos nós, com aquela que a rodeia por sua vez, e assim
indefinidamente. Nasce, desse modo, a idéia de uma duração do
universo, isto é, de uma consciência impessoal que seria o traço-de-
união entre todas as consciências individuais, assim como entre essas
consciências e o resto da natureza. (BERGSON, 2006, p. 52-3).
A percepção, como nos indica Bergson, nos dá a diferença entre as duas
realidades. O mundo externo percebido é o ambiente de nossa ação. Não obstante ele ser
experiência externa, o ambiente, na medida em que é percebido em sua exterioridade, se
faz experiência interior. A duração, tanto a de nossa experiência, como a da realidade
em geral, é a condição de realidade. A título de interpretação, a duração, para Bergson, é
a transição entre o antes e o depois de um processo, é uma realidade que se desfaz,
fazendo-se num contínuo vir-a-ser em que o momento imediatamente anterior se
consubstancia no momento imediatamente posterior. A duração é, paradoxalmente
falando, a permanência da mudança. A realidade flui sobre si mesma numa
transformação contínua, de modo que os momentos anteriores e posteriores não sejam
instantâneos absolutos que se excluam mutuamente como realidades. Os momentos se
interpenetram num contínuo fazer-se: eles duram. Nas palavras do filósofo. “A bem
dizer, é impossível distinguir entre a duração, por mais curta que seja, que separa dois
instantes e uma memória que os ligue entre si, pois a duração é essencialmente uma
continuação do que não é mais no que é.” (BERSON, 2006, p. 57).
A duração, pensada como transição entre um antes e um depois é também
permanência na mudança, ou seja, memória. Não obstante, afirma Bergson (2006, p. 57)
“Pode-se conceber nessa memória o estritamente necessário para fazer a ligação; será,
se quiserem, essa própria ligação simples prolongamento do antes no depois imediato
com esquecimento perpetuamente renovado do que não for o momento imediatamente
anterior”. A realidade, sendo memória, preserva a si mesma e existe em si
independentemente de qualquer consciência que não a de seu próprio devir. Mas
duração é também consciência, o nos termos de Bergson (2006, p. 57), “[...] pomos