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DIOGO ALBINO BENOSKI
CINEMA:
REPRESENTAÇÃO E LOUCURA
FLORIANÓPOLIS
2004
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3
DIOGO ALBINO BENOSKI
CINEMA:
REPRESENTAÇÃO E LOUCURA
Dissertação apresentada como requisito
Parcial à obtenção do grau de Mestre.
Curso de Pós Gradução em História
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Federal de Santa Catarina
Orientador: Prof. Dr. Ernesto Aníbal Ruiz
FLORIANÓPOLIS
2004
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4
“Finalmente reconheço sua obsessão.
Ele acredita que sou o mítico Caligari.
Surpreendente. Mas acho que sei
como curá-lo agora”.
Frase final de O gabinete do Dr. Caligari
5
AGRADECIMENTOS
O momento de redigir os agradecimentos lembra as inúmeras pessoas que
contribuíram de uma forma ou de outra para a realização do trabalho.
Meus agradecimentos especiais vão ao professor Ernesto Aníbal Ruiz, pela
paciência, ampla bibliografia indicada, pela dedicação e auxílio nos momentos em que me
vi perdido.
Agradeço aos meus pais pelo apoio durante esses seis anos passados na faculdade.
Agradeço à minha querida Luciana Hioka pelo companheirismo, pela correção
ortográfica e pela paciência nas minhas crises e momentos difíceis.
Aos amigos que em pouco tempo se tornaram especiais, Karla de Oliveira e
Alexandre pelos bons momentos passados no decorrer destes anos.
Aos amigos Anderson Loureiro, Marcos Costa Melo, Alessandro Vieira dos Reis,
Estela Kurth, pelas diversas colaborações e indicações de filmes e bibliografia.
Agradeço aos professores do Departamento, principalmente ao Prof. Arthur César
Isaia, Profa. Cynthia Machado Campos, Profa. Joana Maria Pedro, Prof. João Klug, Profa.
Maria de Fátima Fontes Piazza.
Agradeço também à Nazaré Wagner da Secretaria do Programa de Pós
Graduação, pelo auxílio na burocracia durante o mestrado.
À todas as pessoas que, por um motivo ou outro tenha me esquecido, figura aqui
os meus sinceros agradecimentos.
6
Aos meus pais
7
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar a figura do doente mental construída pelo
cinema. Nesta perspectiva, o estudo responde a uma série de indagações: o que é loucura, o
que é cinema, e como se estabelecem as relações entre história e cinema. Pelo lado da
loucura, podemos dizer que ela é definida de acordo com sua etiologia. A psiquiatria,
medicina especializada no ramo, busca responder a esta questão ao englobar dois métodos
principais: o orgânico, que considera as causas fisiológicas; e o psicológico, que considera
os sentimentos reprimidos como causa da doença. Pelo lado do cinema, destacam-se os
aspectos técnicos e o estilo de narrativa como suas principais características. Unindo estes
dois elementos, o cinema e a loucura, o trabalho encontra subsídios para estudar os
seguintes aspectos: as representações do louco de causa psicológica e do louco de causa
orgânica. Ainda analisam-se os meios que a psiquiatria utilizou, nos filmes, para controlar
essa loucura.
8
ABSTRACT
The objective of this work is to analyze the mental illness constructed by the
cinema. In this perspective, it answers the following questions: what is madness?; What is
cinema?; And the relationship between history and movies. In one hand, madness is
considered in its etiology. Psychiatry searches to answer these questions covering two main
methods: the organic one, which considers the physiological causes, and the psychological
one, which considers the suppressed feelings as the cause of the illness. On the other hand,
the films are considered in their technical aspects and narrative style, as well as its main
features. By joining these two elements, cinema and madness, this present work analyses
the following aspect: the representations of the mental illness in their psychological and
organic causes. Furthermore, this work also discussed the means used by psychiatry to
control mental illnesses in the analyzed films.
9
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................ 11
Capítulo 1
Cinema, loucura e sociedade: uma análise............................................... 15
Capítulo 2
Três momentos da loucura.......................................................................... 47
2.1 Caligari ................................................................................................ 48
2.2 Quando sou perseguido por mim mesmo: M...................................... 64
2.3 O despertar do Monstro:Frankenstein ............................................... 72
Capítulo 3
Controle e tratamento da loucura no cinema ........................................... 94
3.1 Lobotomia em cena ................................................................................ 95
3.2 O Laranja Mecânica .............................................................................. 110
Considerações finais................................................................................................... 122
Apêndice ..................................................................................................................... 127
Anexos
Filmografia verificada .................................................................................... 128
Bibliografia .................................................................................................................. 141
10
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Cartaz de O Gabinete do Dr. Caligari .................................................................. 53
Cesare e o Dr. Caligari ......................................................................................... 57
Cesare, Francis e o Dr. Caligari .......................................................................... 62
Imagem propagandística de M ............................................................................ 68
Seqüência inicial do filme M ................................................................................ 69
Cenas de Assassinatos da Rua Morgue ................................................................ 80
O maquiador Jack Pierce criando o Monstro .................................................... 81
Imagens do Monstro ............................................................................................. 82
Seqüência inicial de Frankenstein ....................................................................... 83
O Monstro e Maria conversam ............................................................................ 85
Cuckrowicz e Catherine conversam em De repente, no último verão ............... 89
Dr. John Fulton e o Dr. Albert Egas Moniz ........................................................
106
A intervenção psicocirúrgica ................................................................................
107
Cartaz de Laranja Mecânica ................................................................................ 110
A Técnica Ludovico .............................................................................................. 115
Programas utilizados para fichamento e edição de vídeos ................................ 127
11
INTRODUÇÃO
Este trabalho não é uma catalogação psiquiátrica nem um trabalho sobre a história
do cinema. Em primeiro lugar, não é uma catalogação psiquiátrica realizada pelo cinema.
Ele não pretende buscar os sintomas de cada indivíduo representado na tela nem em um
divã. Finalmente, não examina a psique de cada personagem na investigação das causas de
suas ações. A loucura que figura no cinema é tão subjetiva quanto a que encontramos em
nossa sociedade. Em segundo lugar, não é um trabalho sobre a história do cinema, pois
qualquer obra sobre a história do cinema envolve uma tarefa altamente exaustiva. O estudo
do cinema incorpora uma série de prerrogativas quase inesgotáveis. Pode-se estudá-lo de
diversas vertentes, desde suas transformações tecnológicas, dos filmes considerados mais
importantes, como meio de comunicação, ou ainda a partir de questões econômicas. Este é
um trabalho que busca unir, através da história, a loucura e o cinema, dois pontos tão
distintos e distanciados. Une loucura e cinema, partindo de filmes mudos, adaptados de
peças de teatro, de livros, entre outros. Como direcionar historicamente um estudo que
12
versa sobre uma questão médica e sobre uma indústria do entretenimento? Esta é uma das
questões a serem respondidas por esta dissertação. Desta e de outras questões a serem
levantadas, a mais importante e que norteia toda a pesquisa é: como o cinema representa a
loucura?
Como historiadores, nossa função é buscar no contexto dos acontecimentos os
elementos que se apresentam na tela do cinema. E é esse o cerne da pesquisa. Em nenhum
momento será dada importância ao impacto do cinema sobre os espectadores. Sabe-se que o
cinema é capaz de influenciar o modo de vida de toda uma sociedade, mas é uma tarefa
psicanalítica avaliar as transformações psicológicas que o cinema pode proporcionar.
O interesse pelo estudo da loucura no cinema se iniciou em um projeto de pesquisa
acerca da origem da Colônia Santana, em Florianópolis. Durante o decorrer da pesquisa
sobre o mencionado asilo, foi apresenta o filme De repente, no último verão (Suddenly,
Last Summer, 1959), protagonizado por Katherine Hepburn, Montgomery Clift e Elizabeth
Taylor. A partir deste filme, uma infinidade de outros se somou às produções que trabalham
com a loucura. A parte mais difícil foi selecionar aqueles realmente relevantes e que fariam
parte da pesquisa final da dissertação. Pareceria uma injustiça se filmes considerados
clássicos como Psicose (Psycho, 1960), O que terá acontecido a Baby Jane (What ever
happened to Baby Jane, 1962), Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), ou os
mais recentes como O silêncio dos inocentes (The silence of the lambs, 1991) ou Uma
mente brilhante (A beautiful mind, 2001) não figurassem na versão final.
Infelizmente, este também não é um trabalho sobre a história da loucura no cinema.
Realizar uma pesquisa deste gabarito tomaria muitos anos, e, talvez o resultado alcançado
ainda estaria distante do esperado. Foi dada maior ênfase a apenas cinco filmes, que
apresentassem determinados elementos que expõem um caráter de loucura. Quanto aos
13
filmes descartados, eles não aparecem diretamente, mas figuram como base para a
elaboração do trabalho.
Sobre os filmes escolhidos para análise, não vamos esperar até a conclusão desta
dissertação para afirmar que a representação que estas produções constroem não é a real. O
que o cinema faz é incorporar determinados elementos presentes na sociedade para criar
suas histórias. É o que o próprio termo “representar” significa: fingir que é real.
O cinema norte-americano, desde a Primeira Guerra Mundial, englobou uma
indústria cinematográfica, caracterizada pela produção de filmes em rie. Um estilo que
buscava mais o entretenimento. No entanto, o cinema dos Estados Unidos é
surpreendentemente muito mais abrangente que o cinema europeu. Ele chega até nós com
maior facilidade, com uma linguagem mais simplificada, e com uma narrativa mais
emocionante. E nem por isso seus filmes são menos interessantes, ou piores. Seguindo essa
linha de raciocínio, três dos cinco filmes analisados são norte-americanos.
Pelas características inerentes ao cinema, foi possível construir um histórico da
representação da loucura nos filmes. Evidentemente que não somente o cinema de
Hollywood foi contemplado. Figuram ao lado das produções dos Estados Unidos os filmes
alemães do período expressionista. São filmes obrigatórios a todo pesquisador do cinema,
por suas inovações técnicas, importância histórica e reflexo do contexto em que foram
produzidos.
O primeiro capítulo deste estudo da história da loucura no cinema engloba as
relações existentes entre a história, o cinema e a sociedade. Nesta parte, figuram as
diretrizes do trabalho, respondendo a questões como o que é o cinema?; O que é a loucura?,
as afinidades entre cinema e história, e a metodologia de análise dos filmes. Também neste
capítulo figuram os motivos que levaram à escolha dos filmes analisados.
14
O segundo capítulo inicia a análise dos filmes. Neste, a figura do louco será
discutida em três filmes: dois do cinematográfico alemão, e um do período da depressão
nos Estados Unidos. Tratam-se, respectivamente dos filmes O Gabinete do Doutor Caligari
(Des Kabbinet des Doktor Caligari, 1919), M, o vampiro de Dusseldorf (M, 1931) e
Frankenstein (Frankenstein, 1931). Neste capítulo, observaremos as etiologias da doença,
como o contexto pode interferir na produção cinematográfica e como a loucura é
apresentada aos espectadores.
O terceiro e último capítulo engloba o tratamento destinado à doença mental. Neste,
abordaremos duas terapias consideradas radicais: a lobotomia, que consiste em uma
intervenção cirúrgica no cérebro do paciente, e o condicionamento clássico destinado ao
doente. A eletroconvulsoterapia, que por tanto tempo despertou polêmica, também figura
no estudo, como uma discussão à parte. Para tal, os filmes escolhidos são De repente no
ultimo verão (Suddenly Last Summer, 1959), Um estranho no ninho (One flew over the
cucko´s nest, 1975) e Laranja Mecânica (Clockwork Orange, 1972). Nestas produções,
vemos o desenvolvimento de novas práticas da psiquiatria e a crítica às terapias antigas.
Através dos capítulos, o leitor irá perceber as diversas implicações que englobam o
contexto da elaboração dos filmes abordados e a construção da doença mental na tela
cinema. É um estudo sobre os valores, convenções e costumes que a sociedade emprestou
aos cineastas e como as mesmas conduziram a criação do doente mental no cinema.
15
CAPÍTULO 1
CINEMA, LOUCURA E SOCIEDADE
TEORIA E METODOLOGIA DE ANÁLISE
“O filme é uma doença. Quando infecta a corrente
sanguínea de alguém, ele toma posse como o
hormônio número um; comanda as enzimas, dirige
a glândula pineal; age como Iago com sua psique.
assim como acontece com a heroína, o antídoto
ao filme é mais filme”.
Frank Capra, diretor, no documentário
Cem anos de cinema, dirigido por Martin Scorcese.
Na história do cinema, foram catalogados mais de 450 filmes que tratam de forma
direta ou indireta o doente mental, o psiquiatra e os problemas relacionados com a doença
mental
1
. Destaca-se aí a importância da loucura para o cinema.
A doença mental é um artifício amplamente empregado pela indústria
cinematográfica. Através de sua utilização, criou-se uma justificativa para que a narrativa
fosse diferente, inovadora ou surpreendente. Pela loucura, todo ato de uma personagem se
torna aceitável e compreensível. Por estas indicativas, temos três vertentes de análise: uma
pelo lado do cinema, uma pelo lado da doença mental, e outra que engloba esses dois
elementos e se constitui numa metodologia de análise dos documentos (filmes).
Pelo lado do cinema, temos sua transformação ao longo das décadas e uma série
de teorias que buscam explicá-lo. Encontramos mudanças de ordem estética, tecnológica e
1
GABBARD, G. Psychiatry and the cinema. Washington-London : American Press. 1999. Citado por
TELLES, S. O psicanalista vai ao cinema: artigos e ensaios sobre a psicanálise e cinema. São Paulo : Casa do
Psicólogo; São Carlos, SP : EdUFSCar, 2004. p. 137.
16
econômica. As tendências de cada época contribuem para o desenvolvimento de uma
linguagem própria e um estilo predominante de narrativa. Uma série de condicionamentos
modifica a produção cinematográfica e que interessa particularmente ao historiador. Dessa
relação entre história e cinema, coloca-se o cinema como documento passível de análise
sob duas óticas: como fonte para a história e como retrato da história.
Com a loucura, observamos conceitos díspares que se relacionam muito mais com
a etiologia do que com a própria conceituação da doença. Vista de diferentes formas nos
diversos períodos da história, a doença mental se tornou alvo de um ramo especial da
medicina: a psiquiatria. Hoje, as definições de loucura giram em dois campos: o método
orgânico, que considera os problemas físicos como causa da doença, e o psicológico, que
vê nas emoções, sentimentos e afetos, a causalidade dos distúrbios.
O que é cinema?
De um modo bastante simples, cinema é uma arte de base industrial dedicada a
representar o movimento por meio de sucessivas imagens fotográficas. Cinema é contar
uma história através de imagens. Pode-se focalizar o estudo de uma dupla perspectiva: a de
sua organização e instrumentação técnica; e a de suas conseqüências sociais e sua
interrelação com a estrutura e o processo social. O cinema se configura como reflexo e, ao
mesmo tempo, conseqüência da nova sociedade industrial. Um tratamento sociológico do
tema parte de um marco mais abrangente de comunicação social. Assim, dá-se atenção ao
emissor, mensagem, receptor e, finalmente, efeitos de sua mensagem. Quanto à relação
entre o cinema e o receptor/leitor, podemos dizer que como “leitores, não nos relacionamos
com as personagens, idéias, situações, acontecimentos em uma narrativa fictícia do mesmo
modo que nos relacionamos com as pessoas, idéias, situações e acontecimentos em nossa
17
vida cotidiana. Por meio de sua falsidade inerente, a narrativa de ficção cria uma distância
entre si mesma e o mundo real, que constitui a base para o prazer estético que
experimentamos com uma película”
2
.
Costuma-se dizer que o cinema é uma arte que tem a data de nascimento marcada:
17 de fevereiro de 1895, quando os irmãos Lumière projetaram dez películas para um
reduzido público no Grand Café, em Paris. Na verdade, o cinema é um acúmulo de várias
invenções que remetem até mesmo à alegoria da caverna, de Platão. Tanto a caverna
platônica quanto o cinema partem de uma luz artificial que brota de um ponto situado às
costas dos espectadores. Ver imagens projetadas em uma tela e considerar essas imagens
reais é o grande truque do cinema. Como espectadores, somos convidados a testemunhar
vidas próximas e distantes. Através da narrativa fílmica, absorvemos movimento, ação e
emoção.
Nos primórdios do cinema, os filmes não passavam de breves tomadas do dia a
dia. Não eram narrativas estruturadas, e eram o que hoje se denomina jornalismo
fotográfico simples fotografias em movimento. A linguagem cinematográfica começou a
se desenvolver a partir de 1901, quando Ferdinand Zecca realizou L’Histoire d´un Crime.
Pela primeira vez foi utilizado o flashback para contar uma história.
3
Mas se atribui ao
francês George Meliès o desenvolvimento do longa-metragem narrativo. A separação do
“tempo real” do “tempo da tela” e a edição foram elementos incorporados pelo produtor
que permitiram a estruturação da narrativa. Meliès também incorporou os truques fílmicos
às suas narrativas. Perito em mágica, ele percebeu as amplas possibilidades do cinema, e
pouco tempo depois, passou a elaborar vários truques, como fusões, superimpressões,
2
ALLEN, R. ;GOMERY, D. Teoria e práctica de la história del cine. Barcelona, Paidos. 1995, p. 215.
3
RUIZ, E. A. La belle époque: arte e representação. O cinema (1895-1914). Anais da XX Reunião da SBPH.
Rio de Janeiro. 2000. p. 92.
18
câmera lenta, reversão de tomadas e muitos outros, por meio dos quais fazia aparecer e
desaparecer pessoas, misturar cenários, tornar pessoas transparentes, entre outras trucagens.
Meliès foi pioneiro ao acrescentar o fantasioso ao aspecto realista e documentário que o
cinema possuía na época e na criação de um estúdio cinematográfico. Ao mesmo tempo, ele
elaborou o plano de narrar histórias interpretadas por atores em ambientes modificados por
cenários e pela iluminação. Também criou filmes elaborados, com lógica narrativa, que
fizeram sucesso na Europa e, por volta de 1900, nos Estados Unidos. Sua mais famosa
película é Viagem à Lua (Le Voyage dans la Lune, 1902), na qual o cineasta contava uma
história com mais de trinta cenas. Após este filme, Meliès foi considerado pelos americanos
a personalidade número um do cinema.
4
Os filmes de Meliès e suas trucagens serviram de inspiração para muitos
produtores. Mas embora o francês tivesse descoberto o elemento essencial da narração, ele
ainda estava impregnado com a tradição teatral. o americano Edwin S. Porter era livre
dessas influências. Porter, ao ver os filmes de Meliès, percebeu um dos elementos
essenciais da linguagem cinematográfica: o corte. Ele notou que os filmes tinham várias
cenas, uma seguindo a outra e todas se juntando para contar a história. Não dispondo de
muitos recursos, Porter pegou filmes já prontos e cortou diversas cenas. Elaborando um
argumento, reorganizou as cenas, de modo a contar uma história. Através desta técnica
criou um dos filmes mais clássicos do cinema primitivo: O grande roubo do trem (The
great Train Robbery, 1903). Porter ainda realizou filmes de conteúdo social e que
introduziram novas técnicas cinematográficas, como a montagem de contraste (que
4
ROSENFELD, A. Cinema: arte & indústria. São Paulo: Editora Perspectiva. 2002. p. 79-82.
19
compara ambientes ricos e pobres, por exemplo) e a paralela (quando se retratam
acontecimentos separados que ocorrem ao mesmo tempo).
5
Em 1915, D. W. Grifith dirigiu O Nascimento de uma Nação (Birth of a Nation).
Com este filme, a linguagem cinematográfica atingiu a maturidade. A criação de estruturas
narrativas e a relação com o espaço foram os dois passos fundamentais para a elaboração da
linguagem do cinema. A câmera abandonou a imobilidade e passou a explorar o espaço.
Grifith utilizou novos elementos, na elaboração de uma linguagem mais sofisticada, mais
expressiva. Sua grande contribuição, neste sentido, é a utilização do plano como unidade da
narrativa. Por mais de dez anos, a estrutura narrativa do cinema havia sido a cena: uma cena
após outra criava a continuidade. Grifith transformou esse modelo, criando, através do
close-up, do primeiro plano e do primeiríssimo plano, um novo modelo de linguagem: a
seqüência se através de planos, e não de cenas. A aproximação da câmera rompeu com
os padrões anteriormente existentes, que utilizavam apenas o plano geral ou médio
6
. Desse
modo, a câmera tornou-se ativa. A incorporação de todos estes elementos faz de O
nascimento de uma nação o marco final do cinema primitivo e experimental, e o início das
novas linguagens cinematográficas
7
.
A partir de 1917, desenvolve-se o que se denominou como estilo narrativo
clássico de Hollywood. Foi um modelo homogêneo, um estilo cujos princípios
permaneceram constantes através das décadas, dos gêneros, dos estúdios e do pessoal. O
modelo clássico designa uma forma particular de organização de elementos fílmicos cuja
função global consiste em contar um tipo de história particular de um modo único. A
história relatada pelo cinema de Hollywood implica numa cadeia contínua de causa-efeito,
5
Id, p. 84-90.
6
Id, p. 185-187.
7
BERNARDET, J.C. O que é cinema. 4.ed. São Paulo : Brasiliense. 1980. p.30-36.
20
motivada pelos desejos ou necessidades de personagens individuais. Todos os elementos
fílmicos no cinema clássico de Hollywood estão subordinados à narrativa. Montagem,
cenografia, iluminação, movimentos de câmera e interpretação, tudo se combina para criar
uma transparência de estilo, de modo que o espectador entenda a história que se está
contando, e não o modo pelo qual está sendo contada.
8
Uma película narrativa possui três sistemas: a lógica narrativa (definição de
acontecimentos, relações causais e paralelismos nos acontecimentos), a representação
(ordem, repetição e duração) e a representação do espaço (composição e orientação).
9
A
maioria dos teóricos cinematográficos reconhece uma diferença entre o material narrativo
de uma película (os acontecimentos ou ações; a história básica) e a maneira com que o
material está representado no filme.
Os formalistas russos, na década de 20, distinguiram essa diferença entre fábula
(história) e yuzhet (enredo). A história faz referência aos acontecimentos da narração em
suas supostas relações espaço-temporais e causais. O enredo faz referência à totalidade dos
elementos formais e estilísticos dos filmes. Desta forma, o enredo inclui todos os sistemas
de tempo, espaço e causalidade que, de fato, se manifestam no filme desde a estrutura de
um flashback e o ponto de vista subjetivo, aos menores detalhes de iluminação, montagem
e movimentos de câmera. O enredo é, em efeito, o filme que temos frente a nós. A história
do filme é nossa construção mental, uma estrutura de inferências que fazemos segundo
aspectos relacionados com o enredo.
Por exemplo, o enredo pode apresentar acontecimentos fora da ordem
cronológica, estes que devem ser reordenados mentalmente pelo público para a
8
ALLEN, p. 114-115
9
BORDWELL, D; STAIGER, J.; THOMPSON, K. El cine clássico de Hollywood: estilo cinematográfico y
modo de produção hasta 1960. Barcelona : PAIDOS, 1997. p. 13.
21
compreensão da história. Uma das virtudes deste esquema é seu reconhecimento das
atividades do espectador: se o público conhece o modo com que a tradição cinematográfica
se apresenta habitualmente, ele enfrentará, no filme, o que o historiador da arte Ernst Hans
Gombrich denomina “uma disposição mental”.
10
A história de uma película não aparece
diante de nossos olhos sem mais nem menos. Os espectadores devem construí-la segundo o
enredo.
11
O sistema de prática cinematográfica consiste numa série de normas estilísticas
aceitas que sustentam um sistema integral de produção cinematográfica que, por sua vez,
sustenta essas normas estilísticas, formando um ciclo. Estas normas consistem numa
determinada série de supostos sobre como deve se comportar uma película, acerca do que
história deve contar e como deve contar, a respeito do alcance e das funções da técnica
cinematográfica e acerca das atividades do espectador
12
. A recente crítica cinematográfica
centra-se de um modo cada vez mais exclusivo no texto. Esta tem se tornado uma
metodologia de grande sofisticação, baseada na antropologia, semiótica ou psicanálise. E
junto com a crítica literária, passou a ampliar nossa percepção de como funciona uma
película. No entanto, a análise crítica foi incapaz de especificar as condições históricas que
têm controlado e dado forma aos processos textuais.
Paralelamente ao desenvolvimento das linguagens cinematográficas e do modo
clássico de Hollywood, outras formas de entender e produzir cinema surgiram no mundo.
Eram novas abordagens estéticas e teorias de montagem, entre outras, que procuraram
explicar a natureza do cinema, seu desenvolvimento, sua complexidade e sua relação com a
sociedade. Algumas destas escolas foram diferentes do estilo de Hollywood. Uma delas foi
10
Ibid.
11
Id, p. 26.
12
Id, p. xiv.
22
o construtivismo russo, que considerou o cinema como forma de instrução e mobilização
política. Lênin, por exemplo, citou que “o cinema é para s, a arte mais importante”. Os
cineastas envolvidos no movimento revolucionário criaram um modelo com um novo estilo
de narrativa. Alguns, como Dziga Vertov (O Homem com uma câmera, 1929), se voltaram
para a atualidade, para o documento e a reportagem, para explicar a realidade da ssia.
Realidade que não pôde ser restituída ao estado bruto, que não pôde ser simplesmente
registrada. A montagem das imagens deve contribuir para explicá-la, interpretá-la, exaltá-
la. os cineastas que se voltaram para a ficção (Vsevolod Pudovkin e Sergei Eiseinstein,
entre outros) sublinharam as significações históricas e exaltavam as forças revolucionárias
em movimento. O diretor Eiseinstein, como teórico, postulou que o significado do filme é
produzido quando o espectador contrasta e compara duas tomadas que compõem uma
montagem. A idéia de que o cinema registrava ou reproduzia imagens do mundo real foi
questionada por Eiseinstein. Em vez disso, propunha-se que o filme era um meio de
comunicação capaz de transformar o real, e tinha sua própria linguagem e seu próprio
modo de fazer sentido.
13
No plano dos conteúdos, os filmes resultaram em histórias sem
herói individual ou personagem principal. A massa se tornou a protagonista destas
narrativas fílmicas.
14
Após a Revolução de 1917, o cinema russo passou a ser financiado
pelo Estado e tinha como objetivo divulgar a ideologia do Partido para a população russa,
que era formada em sua maioria esmagadora por agricultores, gente humilde do campo e
sem estudo. A essa população rural, o cinema era levado através de trens e de veículos de
tração animal.
13
TURNER, G. O cinema como prática social. São Paulo : Summus, 1997. p. 38-39
14
VANOYE, F. Ensaio sobre a análise fílmica. 2.ed. Campinas : Papirus, 2002. p. 29-30.
23
Na Alemanha o cinema participou da vanguarda estética chamada expressionismo.
Essa vertente produziu, entre 1919 e 1930, alguns filmes diretamente influenciados por este
movimento, estes que apresentara, por vezes, cenários distorcidos. Como exemplo, pode-se
citar os filmes O Gabinete do Dr. Caligari (Das Kabinnet des Dr. Caligari¸1919),
Nosferatu (Nosferatu, 1922) e O Golem (Der Golem, 1924).
Na França, houve duas vanguardas. A primeira, que engloba o realismo poético,
postulou a libertação do cinema da obrigação de contar histórias, e a sua transformação em
uma arte que se sustente apenas através suas riquezas formais. Desta tendência, destaca-se
o diretor Jean Epstein (A queda da casa Usher (La Chute de la Maison Usher, 1928). A
segunda engloba o surrealismo, que estabelece a base de um cinema que não obedece à
lógica narrativa clássica, cultivando a ruptura, o onirismo, as imagens mentais, a confusão
entre subjetividade e objetividade, além das visões provocantes. O melhor exemplo deste
tipo de filme é Um Cão Andaluz (Un chien andalou, 1928), dirigido por Luís Buñuel.
15
A essas correntes estéticas, seguiram-se as tendências realistas. Esse realismo
apareceu nos Estados Unidos com a introdução do som, que reforçou a ilusão de realidade e
possibilitou diálogos complexos e detalhados. Houve um surto de realismo social nos
filmes de Hollywood da década de 1930. Nessa tendência, inserem-se filmes de gângsteres
como Inimigo Público (The public enemy, 1931) e Scarface (Scarface, 1932).
Mas o cinema realista sofreu uma forte influência no pós-Segunda Guerra
Mundial com o neo-realismo italiano. Este modelo prezou pelo estilo documentário,
dispensando atores profissionais. Destes filmes, destacaram-se as produções de Roberto
15
VANOYE, p. 31-32.
24
Rosselini (Roma, cidade aberta (Roma, citta aperta, 1945) e Vittorio de Sica (Ladrões de
bicicleta (Ladri di biciclette, 1949), entre outros
16
.
Uma outra questão sobre o cinema é se ele é, de fato, arte ou indústria. Esta foi
uma pergunta a que os cineastas do chamado culto ao autor tentaram responder. O culto ao
autor considera uma pessoa extremamente importante na produção cinematográfica, e que
geralmente é o diretor. Para essa teoria, os diretores intrinsecamente fortes exibem, com o
passar do tempo, uma personalidade estilística e temática reconhecível, como por exemplo,
Alfred Hitchcock.
17
Para o cineasta da Nouvelle Vague François Truffaut, “não tem
nenhuma importância saber se o cinema é ou não uma arte. (...). A arte começa quando se
faz bem as coisas”
18
. Essa constatação de Truffaut parece acertada pois, muitas vezes,
filmes que são considerados artísticos para críticos eram, a princípio, apenas produtos
econômicos para os estúdios. Por esta perspectiva, muitas vezes o cinema é indústria antes
de ser arte. Compete avaliar que quando o produto industrial é excepcionalmente bem-
acabado, ele pode vir a se tornar arte. Um bom exemplo é o filme de Orson Welles Cidadão
Kane (Citizen Kane, 1941). Quem também entrou na discussão de cinema arte/indústria foi
André Bazin e sua abordagem realista. Bazin fundou o periódico Cahiers du Cinema
(lançado em 1951) e foi importante por sua tentativa de tentar compreender o que é o
cinema. Desde o primeiro número, o Cahiers se converteu em um órgão-chave para a
propagação do culto ao autor. Para Bazin, o movimento e o “posicionamento das figuras, a
posição da câmera, a iluminação, o planejamento da cena, o uso do foco de profundidade,
tudo merece maior atenção nesta perspectiva. Significativamente, todos estes aspectos
também aumentam a ilusão de realidade, constituindo assim a ‘arte’ do filme. (...) A arte
16
TURNER, p. 41-42
17
STAM, R. Teorias del cine. Barcelona : Paidos. 2001 p. 105-106.
18
BARBÁCHANO, C. O cinema, arte e indústria. Rio de Janeiro : Salvat, s/d. p. 10.
25
cinematográfica não tem uma forma geral exclusivamente sua, mas sim a do próprio
real”
19
.
Resumindo, a história do cinema engloba uma história estética do cinema (como
manifestação artística), uma história tecnológica do cinema (o estudo das origens e
desenvolvimento da tecnologia que possibilita a criação e apresentação dos filmes), uma
história econômica dos filmes (que, em sentido mais simples, ocupa-se de quem paga os
filmes, como e por quê), e uma história social do cinema que finalmente, ocupa-se
basicamente de três questões: quem fez os filmes e por quê; quem viu os filmes e por quê; e
o que se viu, como e por quê.
20
Entramos neste ponto, nas questões que envolvem cinema e
história.
Cinema e História
Dentro das relações entre cinema e história, pode haver diversas vertentes. Por
exemplo, a história pode influenciar o cinema, no caso dos filmes históricos
21
. Sabe-se que
os fatos históricos sempre inspiraram o cinema. Embora em algumas vezes esses filmes
tenham sido feitos simplesmente por que as histórias eram boas (é sempre mais fácil partir
de algo existente do que criar algo totalmente inovador), o cinema também pode servir
como documento para a história.
22
Esta foi escrita de diversas formas: como narrativa
dos principais filmes, estrelas e diretores; como a história de uma tecnologia sempre em
evolução e de ilusões cada vez mais realistas; como história industrial de Hollywood e das
corporações multinacionais que o sucederam ou ainda como história cultural, na qual o
19
TURNER, p. 43.
20
ALLEN., p. 57-59.
21
A princípio, são filmes que utilizam a história como fonte para o enredo, em particular em filmes de
reconstrução histórica, como Ben Hur, Gladiador, entre outros.
22
CARNES, M. Passado imperfeito: a história no cinema. Rio de Janeiro, Record. 1997. p. 11.
26
cinema é visto como um reflexo ou indicador dos movimentos da cultura popular dos
anos
23
.
Ao iniciar o estudo do cinema, o historiador toma como premissa a afirmação de
que “todo filme é um documento, desde que corresponda a um vestígio de um
acontecimento que teve existência no passado”
24
. De acordo com o artigo O filme, uma
contra-análise da sociedade, do historiador francês Marc Ferro, a década de 1970 é
considerada o momento em que o filme começou a ser visto como documento para a
história. De fato, esta é a época em que a produção fílmica é tomada pelo historiador como
fonte passível de análise histórica
25
.
Mas o estudo do cinema iniciou-se muito antes dessa data. O livro de Sigfried
Kracauer é um exemplo, com a obra De Caligari a Hitler: uma história psicológica do
cinema alemão, escrita em 1947. Kracauer apresentou a tese de que o cinema refletia os
desejos e a psicologia da sociedade alemã da época estudada. Ele estabeleceu, desta forma,
uma relação direta entre o filme e o meio que o produz
26
. O cineasta russo Sergei
Eisenstein, diretor de filmes como Outubro (1927) e Encouraçado Potemkin (1925)
também terminou sua obra, intitulada O Sentido do Filme, em 1942
27
. No estudo,
Eiseinstein indicava a importância da montagem para a narrativa cinematográfica. Como
23
STAM, p. 25.
24
NOVA, C.; O cinema e o conhecimento da História. In: Olho da história.
<http://www.ufba.br/revistao/o3cris.html>. Página visitada em 13/09/2000.
25
FERRO, M. Cinema e história. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992. p. 85.
26
KRACAUER, S. De Caligari a Hitler : uma história psicológica do cinema alemão. Rio de Janeiro : Jorge
Zahar. p.18-19.
27
EISEINSTEIN, S. O sentido do filme. Rio de Janeiro : Jorge Zahar. 1990.
27
outro exemplo, alguns dos estudos da Escola de Frankfurt
28
sobre as problemáticas do
cinema datam da década de 1930
29
.
O artigo escrito por Marc Ferro não chamou a atenção para o fato
cinematográfico. O autor fez uma série de questões “... o que é um filme, senão um
acontecimento, uma anedota, uma ficção, informações censuradas, um noticiário que coloca
no mesmo nível a moda do inverno e os mortos do último verão? (...) Que pseudo-imagem
da realidade oferece, no Ocidente, essa indústria gigantesca, e no Leste, esse Estado que
controla tudo? Na verdade, de que realidade o cinema seria a imagem?”
30
Ferro faz uma
crítica aos historiadores, que, segundo ele, em 1970 ainda não estudavam o cinema. As
perguntas que relacionam o fato do assunto ser um testemunho do presente não justificam o
fato do cinema ser estudado pelo historiador?
31
Os artigos de Marc Ferro indicaram uma
série de elementos que se tornaram um arcabouço teórico para o historiador de cinema
32
.
Os conceitos formulados dizem respeito ao enquadramento do filme enquanto documento
historiográfico e como discurso sobre a história. “O filme passou a ser encarado como
testemunho da sociedade que o produziu um reflexo das ideologias
33
, dos costumes e
28
O termo “Escola de Frankfurtveio a ser usado amplamente, mas de forma muito vaga, para designar ao
mesmo tempo um grupo de intelectuais e uma teoria social específica. Esses intelectuais estavam associados
ao Institut für Sozialforschung (Instituto de Pesquisa Social), estabelecido em Frankfurt-sobre-o-meno em
1923. No entanto, somente com a nomeação de Max Horkheimer para direção do insitituto, em 1930, é que se
estruturou a base do que mais tarde ficou conhecido como a “Escola de Frankfurt”. Foi entre 1930 e 1940,
enquanto seus colaboradores estavam no exílio, que a Escola tomou forma e produziu sua obra mais original
sobre o problema de uma “teoria crítica da sociedade” A perspectiva de análise da Escola de Frankfurt girava
entre a tendência psicanalista e a marxista. In.: SLATER, P. Origem e significado da escola de Frankfurt :
uma perspectiva marxista. Rio de Janeiro : Zahar. 1978. p. 11-12.
29
Walter Benjamin publicou “A obra de arte na era da reprodução técnica pela primeira vez na França, em
1936. O artigo completo encontra se em.: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. :Ensaios sobre
literatura e história da cultura. São Paulo : Brasiliense. 1985. p. 165-221.
30
FERRO, p. 85.
31
Id, p. 79-86.
32
Embora muitos historiadores de cinema conforme já citado considerem o artigo “O filme, uma contra
análise da sociedade” em que Ferro indica as premissas para a investigação cinematográfica, isto na verdade
ocorre em um outro artigo, intitulado “Coordenadas para uma pesquisa”, onde estão indicadas as propostas
para uma leitura histórica do cinema. Este artigo foi publicado em 1976. FERRO, p. 13-22.
33
Conjunto de idéias e valores próprios de um grupo social.
28
mentalidades coletivas”
34
. A mensagem ideológica de uma sociedade pode vir à tona por
meio do estudo do filme em seus principais aspectos (imagem, som, produtor, texto,
público e crítica). A câmera acaba por mostrar os lapsos que buscava esconder, revelando
assim a sociedade
35
.
“Qualquer representação do passado está intimamente relacionada com o período
em que esta foi produzida. Por exemplo, a escolha de um tema histórico e a forma como ele
é representado em uma película são sempre ditadas por influências do presente. Neste
sentido, pode-se falar de um presentismo na construção histórico-cinematográfica,
fenômeno já assinalado por alguns historiadores em relação ao discurso histórico”
36
. Filmes
que não são encarados como históricos, com o passar do tempo, tornam-se importantes
documentos para a história. O cinema exerce forte influência sobre o modo de visualizar o
passado. Principalmente porque os cineastas o contam de uma maneira eloqüente e
fascinante. Reconhece-se, assim, a capacidade única do cinema de simular diálogos em
torno do passado
37
.
Para a História, o filme não é um livro, mas as imagens podem ser lidas. “Quando
um filme é apresentado ao público, ele surge como resultado de uma intertextualidade que
combina diferentes linguagens: textos orais e visuais. Na intersecção entre elas, surgem nos
filmes as personagens que muitas vezes podem ser fictícias, mas onde as cenas vividas que
representam o real são retiradas da própria sociedade”
38
. A forma com que o filme reflete a
sociedade, contudo, não é direta e jamais se apresenta de forma organizada, mesmo que
34
NOVA,Op. cit. .
35
MENEGUELO, C. Poeira de estrelas: o cinema hollywoodiano na mídia brasileira das décadas de 40 e 50.
Campinas : Unicamp. 1996. p. 26.
36
NOVA, Op. cit.
37
CARNES, p. 12
38
SOARES, M.; FERREIRA, J. A história vai ao cinema. Rio de Janeiro : Record. 2001. p. 11.
29
assim o aparente
39
. Quem constrói a história de um filme é a audiência, conhecendo as
regras de roteiro e história apresentadas pela película. E o que as produções mostram são
convenções, regras e normas retiradas de uma sociedade, e colocadas no filme para
estabelecer uma maneira de contar uma história.
Jean-Claude Carrière mostra a importância da criação do cinema como um novo
espelho diante da humanidade
40
. Vivemos atualmente na sociedade da imagem. Estamos
permanentemente rodeados de imagens, em casa, na rua, no carro, ou até no metrô.
Imagens que se movem, falam, fazem barulho. Imagens que fazem esquecer nossa sensação
de solidão
41
. O cinema apresenta o produto mais mágico de todos os bens de consumo: ele
apela diretamente às emoções, mexe com os sonhos das pessoas.
A importância do estudo de cinema reside no motivo dele ter se tornado o mais
popular e o mais influente dos meios de comunicação de cultura no mundo, do início do
século XX até 1960. “Ele foi o primeiro dos meios de comunicação de massa, e elevou-se
à superfície da consciência cultural”
42
. Posteriormente, o alcance cinematográfico se
ampliou ainda mais para, nos dias de hoje, chegar facilmente até nós, através do
videocassete, do DVD, da internet e da televisão.
39
NOVA, C.Op. cit. .
40
CARRIÈRE, J. C. A linguagem secreta do cinema. 2.ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira. 1995.p.137.
41
Ibid.
42
SKLAR, R. História social do cinema americano. São Paulo : Cultrix. 1978.p. 13.
30
O que é Loucura?
Existe uma certa dificuldade em se definir o que é loucura. Na medicina
especializada, o conceito é substituído por termos técnicos como transtorno mental,
psicótico ou esquizofrênico, ou ainda, doença mental. Em certa medida, todas estas
expressões possuem um significado em comum. Elas se aplicam ao indivíduo que se
encontra em desajuste com as normas sociais vigentes, que se desvia da cultura em que está
inserido, o que, no senso comum, equivale à loucura. Para essas explicações, o ramo da
medicina especializado na doença mental é chamado de psiquiatria. Esta utiliza duas
vertentes: o método orgânico, que explica as doenças por causa fisiológicas, e o
psicológico, que considera os sentimentos e emoções reprimidos do paciente.
O conceito mais atual de loucura, ou transtorno mental, é dado pelo Manual de
Diagnóstico DSM IV.
43
De acordo com a obra, muitos problemas mentais têm causas
físicas. E o inverso também ocorre: problemas físicos podem estar associados a problemas
mentais. Pode-se dizer que doença mental não apresenta uma definição específica que
englobe todas as situações: “todas as condições médicas são definidas em vários níveis de
abstração, que envolvem quadros sintomáticos, desvios de normas fisiológicas e
etiologia”
44
. Os transtornos mentais, portanto, também são definidos por uma variedade de
conceitos. Cada um destes termos é um indicador útil para determinado transtorno mental,
mas nenhum equivale ao conceito, e diferentes situações exigem diferentes definições.
Partindo deste princípio pode-se conceituar, de modo limitado, a alienação mental como
sendo um transtorno psiquiátrico grave, que compreende conflitos com a realidade ou, ao
43
DSM-IV-TR. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4.ed. Porto Alegre: Artmed. 2002. O
DSM-IV é a mais moderna enciclopédia para catalogação de transtornos mentais. É uma publicação conjunta
que conta com mais de mil pessoas e numerosas entidades profissionais. Ele é um projeto da Associação
Psiquiátrica Americana, e seus conceitos se apóiam em uma ampla base empírica e, portanto, passível de
utilização em diversas áreas.
44
DSM-IV-TR. p. 27
31
menos, uma percepção distinta do mundo, visão que difere da população e das condutas
aceitas pela sociedade. Desse ponto de vista, a loucura é, ainda, uma desintegração da
personalidade e o desajustamento do indivíduo ao meio social.
45
A psiquiatria é a área científica que vai definir o que entendemos por loucura. Ela é
o instrumento que a sociedade utiliza para se relacionar com a doença mental. A origem da
palavra vem do grego psykhé, alma, sopro de vida; e iatreía, cura, tratamento. Não é,
contudo, uma ciência neutra. Ela é governada pela visão de mundo, mentalidade e ideologia
da sociedade
46
.
Em primeiro lugar, a psiquiatria funda-se imediatamente na psicologia, pois se
propõe ao estudo do fato psíquico em geral. A psiquiatria pode se construir com dados
da psicologia, dentro da perspectiva de que ninguém conhecerá o desvio do normal se o
conhecer o normal. Em segundo lugar, funda-se amplamente na neurologia, ou antes, na
neurofisiologia e na neuropatologia. No consenso da ciência atual, o psiquismo nada mais é
que o produto final do conjunto da atividade neurofisioendócrina (sistema nervoso central,
neurovegetativo e de glândulas de secreção interna) sob comando cortical. Em terceiro
lugar, a filiação psicológica e neurofisiopatológica da psiquiatria a situa, de modo absoluto,
dentro da biologia. É uma ciência biológica, pois trabalha dois fatos biológicos irredutíveis:
o psiquismo (instrumento de bioadaptação) e a doença (efeito geral da ruptura dos sistemas
de bioequilíbrio).
47
Para definir a doença mental, a psiquiatria atualmente liga-se a duas tendências
básicas. A primeira é a tentativa de explicar as doenças através de termos físicos, isto é, o
45
Ibid.
46
SERRANO, A. I. O que é psiquiatria alternativa. São Paulo, Brasiliense. 1982. p. 09.
47
ALEXANDER, F. G.; SELESNICK, S. T. História da Psiquiatria. São Paulo : IBRASA. 1968.p. 28-37.
32
método orgânico. A segunda é a tentativa de encontrar explicação psicológica para as
perturbações mentais.
Existe ainda uma terceira corrente praticamente em desuso. É a tentativa de lidar
com acontecimentos inexplicáveis por meio da magia, pensamento que data das idades
Antiga e Medieval. Para os gregos, a doença mental era atribuída à ação de deuses e causas
sobrenaturais. As distorções ou aberrações da natureza eram concebidas vagamente e
resultado de forças e entidades desconhecidas ou divinas. Os melhores retratos do conceito
de loucura da época figuram em textos clássicos de Homero (Ilíada e Odisséia), Ésquilo
(Agamenon, Prometeu Acorrentado) e Sófocles (Antígona, Édipo Rei). Através de
narrativas de aventuras mitológicas, as divindades agiam em diversos planos, tanto
materiais como cósmicos, decidindo o curso das coisas e dos homens, e também forçando
as iniciativas humanas. Assim, a loucura seria um recurso da divindade para que seus
projetos e caprichos não contrastassem com a vontade dos homens.
48
Nesta mesma vertente
mágica, encontramos na Idade Média justificativas demonológicas para a loucura. São
conceitos derivados de Agostinho e Tomás de Aquino, incluindo princípios metafísicos,
idéias mágicas e valorizações pessimistas do homem. “As formas aberrantes de conduta,
como a insanidade mental, são explicadas segundo esses conceitos metafísicos. Deles, o
mais importante, como se sabe, é o de possessão diabólica
49
. Particularmente,
consideraram-se de origem demoníaca quase todas as formas de comportamento aberrante
ou indecente. Os demônios poderiam alterar os objetos e propriedades do ambiente físico
ou do corpo humano, causando alucinações, ilusões, temores, mudez, paralisias e cegueiras,
de forma inexplicável pela medicina. Essa concepção demonista cristã excluía as paixões,
48
PESSOTTI, I. Os nomes da loucura. Rio de Janeiro, Ed. 34. 1999. p. 13-22.
49
Id. p. 31.
33
os instintos e os desejos humanos da etiologia da loucura, pois eles o seriam forças
próprias de uma natureza autônoma do homem. “São obras do demônio, dos anjos ou de
Deus. (...) A perda da razão ou o descontrole emocional agora têm a marca da condenação e
da culpa. O louco passa a ser suspeito, a ser perigoso, e por isso, evitado”.
50
A tendência de considerar a loucura de causas orgânicas apareceu pela primeira vez
com Hipócrates e sua teoria humoral. O autor, considerado o pai da medicina, passou a
entender a loucura como um desarranjo de natureza orgânica, corporal do homem. Os
processos de perda da razão ou de controle emocional passam a constituir efeitos de tal
desarranjo
51
. A doença resultaria de uma crise no sistema de humores. Essa linha de
pensamento permaneceu e serve ainda hoje para explicar determinados transtornos mentais
por problemas fisiológicos.
Pelo lado da tendência psicológica, os distúrbios são causados pelos nossos próprios
e inaceitáveis desejos, temores e impulsos. De acordo com a psicologia, a essência da
perturbação mental está precisamente na incapacidade do homem de enfrentar a si próprio,
e de reconhecer os sentimentos e motivações que seu consciente repudia. Essas emoções e
impulsos inaceitáveis que o homem exclui da consciência não deixam de existir e de
influenciar seu comportamento
52
.
Deste modo, a conceituação de doença mental não estabelece o que é a loucura, mas
sim sua etiologia. Quem define a loucura procura dominar-lhe as causas, os tipos, as
formas, bem como suas manifestações na vida cotidiana. A definição das concepções da
loucura, de modo mais complexo e duradouro, ao envolver disfunções orgânicas e afetivas,
é relativamente recente na história.
50
PESSOTTI, A loucura e as épocas.Rio de Janeiro : Ed. 34, 1994. p. 100.
51
PESSOTI, A loucura... p. 47.
52
ALEXANDER, p. 34-37.
34
Teoria e metodologia de análise
Este trabalho opera em duas vertentes de análise. Em primeiro lugar, é um estudo
sobre a representação da loucura do cinema. Em segundo, trabalha a obra cinematográfica e
suas implicações. Cabe aqui conceituarmos e definirmos estes elementos.
Pelo lado da representação, pode-se dizer que a própria palavra traz em si um
significado que é inerente ao cinema: fingir que é real. Essa definição certamente é muito
simplificada. O estudo da representação se deu pelo campo denominado hoje por Psicologia
Social. De modo mais simplista, a representação é uma imagem construída por uma pessoa
ou grupo social, promovendo uma discussão entre senso comum e teoria. Por senso comum
entende-se uma forma de pensamento mais “natural” e espontâneo, típico da conversação
cotidiana. As pessoas comuns procurariam articular o conhecimento à sua vida, sem
pretensão alguma de transcendência e sem necessitar de regras ou convenções para pensar.
Teriam um pensamento livre, embora fortemente influenciado pela tradição e estereótipos
de linguagem
53
. A teoria pode ser entendida como um conhecimento cientificamente
elaborado.
A representação pode ser considerada um sistema de interpretação da realidade,
organizando as relações do indivíduo com o mundo e orientando sua conduta e
comportamento no meio social
54
. Parte-se, dessa perspectiva, que a realidade não é
objetiva, mas que “é representada, ou seja, apropriada pelo indivíduo e pelo grupo,
reconstruída no seu sistema cognitivo, integrada ao seu sistema de valores, dependente da
53
PERUSSI, A. Imagens da loucura : representação social da doença na psiquiatria. São Paulo : Cortez. p. 96
54
Id, p. 30-36.
35
sua história e do contexto social e ideológico no qual está inserida”.
55
Dentro dessa
abordagem, pode-se dizer que a representação dá, ao indivíduo e ao grupo, um sentido às
condutas, além de possibilitar a compreensão da realidade através do seu sistema de
referências, adaptando-se e assumindo posições. De certo modo, ela se aproxima do cinema
quando remetemos à alegoria da caverna de Platão: homens que observam sombras e as
consideram reais, de acordo com seus entendimentos.
Toda representação é caracterizada por uma forma de visão global e unitária de um
objeto, ou também de um indivíduo. Essa representação possibilita a reestruturação da
realidade de modo a permitir uma integração simultânea das características do objeto, das
experiências anteriores do indivíduo e do sistema de atitudes e normas do seu grupo
social
56
.
Considera-se, portanto, que a representação não é um simples reflexo da
realidade, mas uma organização significativa que depende, ao mesmo tempo, de fatores
contingentes, tais como natureza e dificuldades colocadas pela situação, contexto imediato,
finalidade da situação; e de fatores mais gerais que ultrapassam a própria situação, como
contexto social e ideológico, lugar do indivíduo na organização social, história do indivíduo
e do grupo, além das relações de poder socialmente estabelecidas
57
.
Pelo lado da metodologia do cinema como fonte para a história, a popularidade do
meio como entretenimento de massas mobilizou historiadores cinematográficos e
sociólogos a ver o cinema como documento para compreender os valores e opiniões de uma
sociedade. As teorias do psicoanalista francês Jacques Lacan dizem que as películas
55
OLIVEIRA, D. C. Representações sociais e saúde pública : a subjetividade como partícipe do cotidiano em
saúde. Revista de ciências humanas. Florianópolis : EDUFSC. V.3. 2000. p.56
56
Id. p. 57.
57
Ibid.
36
funcionam para expressar de um modo encoberto aquilo que não podemos articular
58
. Mas
não se pode esquecer que um texto de ficção como o cinema não apresenta a
transferência do mundo que o leitor experimenta com os valores e opiniões intactos. O
texto de ficção faz uma seleção entre uma variedade de situações, valores, opiniões e
normas que podem se encontrar em uma cultura determinada para, posteriormente,
combinar estes aspectos escolhidos da estrutura social, de modo que eles pareçam estar
relacionados. No processo, o texto arranca estes valores e convenções de seus contextos e
os despoja de suas aplicações. Portanto, é perigoso supor que os valores expostos em uma
película ou novela correspondam de modo direto aos seus contextos reais. As películas são,
certamente, documentos culturais, mas que registram a complexa relação entre o leitor, o
texto de ficção e a cultura
59
.
É evidente que o mundo fictício do cinema não está baseado em uma amostra
qualquer da sociedade contemporânea. Certos grupos da sociedade aparecem com uma
freqüência desproporcional enquanto outros estão pouco representados. O estudo dos
diversos grupos sociais constitui o núcleo de parte significativa da investigação histórica do
cinema
60
. O presente estudo está contido neste núcleo através da análise da figura do
louco e da doença mental. Posto que as imagens fílmicas incorporam valores e normas das
regras sociais vigentes, as mudanças nas representações se atribuem a transformações no
sentimento público
61
.
Os estudos sobre a imagem de grupos sociais suscitam uma pergunta interessante:
em que medida se pode dizer que as películas são artefatos culturais? O estudo que inspirou
58
ALLEN, p. 217.
59
Id. p. 215-216.
60
Id. p. 204-205.
61
Id, p. 206.
37
e serviu de modelo para outras pesquisas sobre a relação entre sociedade e cinema, e que
tenta responder esta questão é o livro de Kracauer, De Caligari a Hitler: uma história
psicológica do cinema alemão
62
, publicado em 1947.
Sigfried Kracauer nunca esteve formalmente associado com a Escola de Frankfurt,
mas seu método, terminologia e posição teórica implícita são influenciados por esse
movimento de análise social. A Escola de Frankfurt assumiu diversas posturas quanto à
importância do cinema. Alguns estudiosos, como George Duhamel, ridicularizavam o
cinema como “um passatempo para escravos, uma diversão para analfabetos, para pobres
criaturas aturdidas pelo trabalho e pela ansiedade... um espetáculo que o requer esforço
algum, (...) que não promove esperança, a não ser a ridicularidade de querer tornar-se
‘estrela’ em Los Angeles”
63
. Duhamel ainda especulava que o cinema era um local que
convertia o público em uma coletividade bovina e passiva. O cinema, acreditava o autor,
era o matadouro da cultura, onde peregrinos hipnotizados entravam como ovelhas no
matadouro”
64
. O crítico cultural Walter Benjamin adotou uma perspectiva contrária. Em
seu estudo A obra de arte na era da reprodução técnica
65
, as formas de comunicação de
massa como a fotografia e o cinema abriram paradigmas artísticos que refletiram novas
forças históricas. Mais importante ainda, o cinema estaria enriquecendo o campo da
percepção humana e aprofundando a consciência crítica da realidade. Benjamin via ainda a
possibilidade do cinema de “transformar e injetar nas massas efeitos de mudanças
revolucionárias”
66
. O autor indicou também outra premissa, bastante importante: o fato da
reprodutibilidade do cinema. Segundo ele, a reprodução não é técnica, mas também
62
KRACAUER, op. cit.
63
STAM, p. 86.
64
Id, p. 85.
65
BENJAMIN, p. 165-221.
66
Ibidem.
38
necessária: “a reprodutibilidade técnica do filme tem seu fundamento imediato na técnica
de sua produção. Esta não apenas permite, da forma mais imediata, a difusão em massa da
obra cinematográfica, como a torna obrigatória. A distribuição massiva de um filme é
necessária porque seus custos são elevados”
67
. Esse fenômeno possibilitou que o mesmo
filme fosse apresentado simultaneamente numa quantidade em princípio ilimitada de
lugares, para um público ilimitado. Isso ampliou as possibilidades de divulgação e
dominação ideológica do cinema e teve profundas repercussões no mercado. O sistema de
cópias permitiu rápida e brutal expansão do mercado mundial do cinema e a dominação da
quase totalidade do mercado internacional por poucas cinematografias. A quantidade
ilimitada de espectadores possibilitou o ressarcimento do investimento e um lucro maior.
A publicação de A obra de arte na era da reprodução técnica abriu polêmica
sobre o papel social do cinema e dos meios de comunicação. Quem apoiou os comentários
de Duhamel foi Theodor Adorno. Ele atacou Benjamin por uma idéia que considerava
“uma utopia tecnológica, que fetichizava a técnica e ignorava a alienação social do
funcionamento desta técnica na realidade”. Adorno se mostrou cético em relação às
possibilidades emancipadoras e revolucionárias dos novos meios de comunicação e novas
formas culturais. Para o autor, a celebração que Benjamin fazia do cinema como veículo
para a consciência revolucionária idealizava ingenuamente a classe trabalhadora e suas
aspirações supostamente revolucionárias. Por fim, fazendo eco a Duhamel, Adorno afirmou
que “qualquer visita ao cinema me deixa, apesar de minha atitude vigilante, mais estúpido
ou pior do que antes”.
68
67
Id, p. 172.
68
ADORNO, T. W., Mínima moralia : reflections from a damaged life. Londres, Verso, 1978. p. 75. Citado
por STAM, p. 88.
39
Para Kracauer, os filmes não traduzem tanto os credos explícitos, “mas
dispositivos psicológicos – essas profundas camadas da mentalidade coletiva, que se situam
mais ou menos abaixo da dimensão da consciência”
69
. À proposta de análise de Kracauer
são feitas algumas críticas, que envolvem o fato do autor não ter atendido à proposta
metodológica de sua análise. Essas objeções apontam para uma direção correta: inferir que
os filmes representam uma condição psicológica de um grupo social é generalizar o
pensamento popular. No máximo, alguns elementos podem ser distinguíveis. No entanto, o
“pensamento popular é muito privado, muito diverso, está muito afetado por diferenças
regionais”
70
para considerar o filme como transmissor das características psicológicas da
mentalidade coletiva. Por este motivo, considera-se que a influência de Kracauer é mais
inspirativa que metodológica.
Uma vez que os filmes são examinados, devem reduzir-se a dados, habitualmente
dados quantificáveis. Ao fazê-lo, o analista deve ter alguma noção do modo com que as
opiniões, atitudes ou normas, se refletem nas películas. Em outras palavras, “o que é que
um filme diz acerca da sociedade, e como o diz?”
71
A contribuição mais importante e que norteia este trabalho reside no historiador
Marc Ferro. Para Ferro, o filme não é considerado do ponto de vista semiológico. A
semiótica é a ciência que estuda a significação, e foi usada pela primeira vez no cinema na
década de 60, por Christian Metz
72
. Ela tenta compreender o modo com que se alcança o
significado em diversas formas de representação visual e auditiva, “demonstrando que são
69
KRACAUER, p. 18.
70
BERGMAN, A,. We´re in money. Nova York. Publicação da Universidade de Nova York. 1970. p. xi-xvii.
Citado por: ALLEN, p. 211.
71
Id, p. 214.
72
Id, p. 109.
40
produtos de complexas séries de regras e convenções”
73
. A semiologia influenciou o estudo
do cinema em um período de tempo e, embora uma série de investigações indique a
semiótica como uma metodologia inescapável para o cinema, ela pode ser descartável.
74
E
pode ser descartável pelo seguinte motivo: o cinema apela diretamente às emoções do
espectador, e racionalizar essas emoções é um trabalho difícil. As seqüências que o cinema
passa atingem diretamente os sentimentos do espectador. Por esta razão, o presente trabalho
não utilizou a semiologia na análise dos filmes.
Segundo Ferro, o cinema
está sendo observado não como uma obra de arte, mas sim como um produto, uma
imagem objeto, cujas significações o são somente cinematográficas. Ele não vale
somente por aquilo que testemunha, mas também pela abordagem sócio-histórica que
autoriza. A análise não incide necessariamente sobre a obra em sua totalidade: ela
pode se apoiar sobre extratos, pesquisar “séries”, compor conjuntos. E a crítica
também não se limita ao filme, ela se integra ao mundo que o rodeia e com o qual se
comunica, necessariamente.
Nessas condições, não seria suficiente empreender a análise de filmes, de trechos de
filmes, de planos, de temas, levando em conta, segundo a necessidade, o saber e a
abordagem das diferentes ciências humanas. É preciso aplicar esses métodos a cada
um dos substratos do filme (imagens, imagens sonorizadas, não sonorizadas) às
relações entre o componentes desses substratos; analisar no filme tanto na narrativa
quanto o cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o
autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo. assim se pode chegar
à compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que ela representa.
75
Dentro da proposta de análise, destaca-se a importância do contexto histórico para
compreensão das películas. Para a maior parte dos historiadores cinematográficos, a
princípio, o contexto histórico da produção do filme tem importância menor que seus
valores permanentes como obra de arte. A verdadeira obra de arte cinematográfica
73
Ibidem.
74
BRITO, J. B. Imagens amadas. São Paulo : Ateliê. 1995. p.226-228. O autor João Batista de Brito indica
que a análise fílmica pela semiologia é inescapável pois o cinema é uma linguagem, um “sistema de
significação”, e todos os estudos de linguagem, até os que assim não se autodenominam, são necessariamente
semióticos. A semiótica sempre existiu sempre que alguém tentou explicar o funcionamento da significação
dentro da peça artística. O mesmo autor também destaca que embora seja inescapável, a análise semiótica é
dispensável.
75
FERRO, p. 87
41
transcenderia seu próprio tempo e “nos falaria”, aqui e agora. A partir do impacto da teoria
do autor
76
, organizou-se a forma de análise historiográfica do cinema, e uma das primeiras
críticas foi à noção de que as qualidades estéticas de uma obra de arte o transcendentes
desde um ponto de vista histórico.
O historiador que hoje em dia O nascimento de uma nação (Birth of a nation,
1915) pode ver a mesma película que foi projetada inicialmente em 1915. [...] em
1940, o historiador George Boas sugeriu que o significado de uma obra de arte não é
totalmente inerente a mesma, senão que muda com a bagagem cultural e a
perspectiva do espectador. [...] Teóricos literários, de orientação receptiva, como
Wolfgang Iser e H. R. Jauss tem ressaltado no papel ativo do leitor na construção do
significado a partir de qualquer experiência estética. Para Iser e Jauss, a história
literária não é uma história de obras, e sim a história de seu entendimento por leitores
e críticos, cujas leituras e respostas estão em si mesmas condicionadas pela história
77
.
Essas mesmas críticas, que Iser e Jauss apontam para as obras literárias, podem
ser transpostas para o cinema. A história cinematográfica pode ser a história de seu
entendimento, de sua recepção por parte do público, atributos que não derivam somente das
características temporais dos textos, senão do consenso crítico do momento (este que pode
durar décadas).
78
A proposta para análise do filme de Ferro indica duas vertentes para quem se
interroga sobre a relação entre cinema e história. Esses dois eixos são a leitura
cinematográfica da história (o texto) e leitura histórica do filme (o contexto).
A primeira vertente, a leitura cinematográfica da história, diz respeito à análise
dos filmes que representam a história, particularmente daqueles considerados históricos
79
, e
que produzem um discurso sobre o passado. Pertencem a essa vertente os filmes que fazem
reconstruções históricas, como Gladiador, (Gladiator, 2000), Ben Hur (Ben Hur, 1959) e
76
A teoria do autor surgiu em 1954, com a publicação de um artigo de François Truffaut em Cahiers du
Cinéma. Basicamente, a teoria do autor destaca a importância do diretor na produção e realização do filme. O
diretor é capaz de pôr a sua personalidade na película, capaz de transcender os problemas técnicos com sua
visão do mundo. Através dos anos, os diretores intrinsecamente fortes exibem uma personalidade estilística e
temática reconhecível. Ver pg. 19 deste mesmo capítulo. In: ALLEN, p. 102-104,; STAM, p.
77
ALLEN, p. 106-107.
78
Ibid.
79
Partindo do ponto que todo filme é um documento histórico, a expressão fica redundante.
42
Spartacus (Spartacus, 1960), entre outros. “A realização de um filme histórico implica em
seleções, montagens, generalizações, condensações, ocultações, quando não em invenções
ou mesmo falsificações. Dessa forma, o que deve ser buscado em um filme histórico não é
a verdade histórica contida nele, mas a verossimilhança com o fenômeno histórico que ele
retrata”
80
. A historiadora brasileira Cristiane Nova aponta para uma distinção básica dos
filmes históricos: os documentários e os de ficção. “Os documentários são filmes cujo
enredo não se baseia numa trama representativa, mas no relato, na descrição ou na análise
de um documento histórico”
81
. Não se pode esquecer que os documentários, embora se
foquem na análise de fatos, também são representações e podem ser tendenciosos. Um
exemplo é a película Fahrenheit 11/09 (Fahrenheit 11/09, 2004), dirigida por Michael
Moore, e que tem um forte aspecto de crítica política. os filmes de ficção são produções
“cujo enredo possui uma história, uma trama”
82
. Essa teoria de Cristiane Nova também é
uma definição estrutural, que pode sofrer alterações, principalmente pelo fato de que muitos
filmes se enquadram nas duas categorias, como JFK: a pergunta que não quer calar (JFK,
1991), de Oliver Stone, que mistura cenas de ficção com cenas reais.
A outra vertente apontada por Ferro diz respeito à leitura histórica do filme.
Basicamente, é o filme lido através da história e do contexto que permeia a sua produção.
Reafirma-se, aqui, a condição do filme como um testemunho sobre o passado, e que
estrutura a perspectiva de análise. Um filme diz tanto quanto lhe for perguntado e, por este
motivo, torna-se impossível analisar todos os aspectos (sociais, artísticos, técnicos,
econômicos, culturais, ideológicos, entre outros) que compõem a produção
cinematográfica. Nesta perspectiva, diz-se que o filme é utilizado como documento
80
MONTERDE, J. E. Historia, cine y enseñanza. Barcelona : Laia, 1986. p. 102-4. Citado por NOVA, op. cit.
81
NOVA, op. cit.
82
Id.
43
primário, quando nele forem analisados os aspectos referentes à época em que foi
produzido.
A primeira implicação das análises de Ferro diz respeito à escolha dos filmes a
serem analisados pelo presente trabalho. No início da pesquisa, selecionamos cerca de trinta
filmes, independente de sua época de produção e de sua nacionalidade. Foi dada prioridade
a filmes que demonstrassem de forma bastante evidente a figura do louco; àqueles cujo
ponto central da trama fosse a loucura, ou cujas ações de personagens decorressem em
função de distúrbios mentais. Como já mencionado, são mais de 450 filmes que apresentam
a figura do louco, somente na cinematografia norte-americana. Posteriormente, devido à
amplitude de análise da pesquisa, o número foi se reduzindo, até se chegar ao estudo de
cinco filmes. As diretivas principais para a escolha dos filmes foram as seguintes:
1) A representação fílmica e que relação tem com a realidade do contexto;
2) A importância da doença mental para o decorrer da trama;
3) As ações das personagens em função da doença mental;
4) O contexto médico-científico e as teorias psiquiátricas que podem influenciar a
produção cinematográfica;
5) A importância histórica do filme.
Dentro dessas diretivas, o primeiro filme escolhido para análise foi O Gabinete do
Doutor Caligari (Das Kabinett des Doktor Caligari, 1919), dirigido por Robert Wiene. É
um dos filmes-símbolo da escola expressionista alemã, que apresenta a história contada por
um doente mental. Foi produzido em um contexto de crise pós-Primeira Guerra Mundial. O
segundo filme analisado é M, o vampiro de Dusseldorf (M, 1931), dirigido por Fritz Lang.
Considerado pelo próprio diretor como seu melhor filme, é a primeira película sobre
assassinos seriais da história do cinema. Mostra uma cidade assombrada por um infanticida.
44
Em terceiro lugar, Frankenstein (Frankenstein, 1931), dirigido por James Whale. É a
adaptação da peça teatral Frankenstein, an adventure in the macabre (Frankenstein, uma
aventura ao macabro), e apresenta elementos que se transformaram em ícones culturais. A
interpretação de Boris Karloff no papel do Monstro, por exemplo, é até hoje lembrada. Em
quarto lugar, figura De repente, no último verão (Suddenly, Last Summer, 1959), dirigido
por Joseph L. Mankiewicz. O filme trabalha em cima da possibilidade de se extrair a
loucura do cérebro através de uma lobotomia. E a quinta e última análise é de Laranja
Mecânica (Clockwork Orange, 1971), dirigido por Stanley Kubrick. O filme, baseado no
livro homônimo de Anthony Burgess, retrata uma proposta totalitarista e violenta de
tratamento para a loucura: corrigir a violência descontrolada através de uma programação
mental.
As propostas iniciais de análise para estes filmes são:
1) Qual é o histórico de elaboração da obra;
2) Qual é o texto (enredo / narrativa) do filme;
3) Como a doença mental se apresenta no filme, e como pode ser interpretada
atualmente a conduta dos personagens.
A escolha dos filmes contempla diferentes visões da loucura no tempo. Na
seleção, figuram filmes mudos e falados, filmes adaptados de livros e de peças teatrais.
Principalmente, analisam-se as formas com que a loucura é interpretada de acordo com sua
etiologia, a orgânica e a psicológica. Esta proposta de estudo é uma leitura contemporânea
de um documento (filme) do passado. Os filmes analisados dialogam com outras películas,
de características semelhantes. Frankenstein pode ser relacionado à película A noiva de
45
Frankenstein (Bride of Frankenstein, 1935), e De repente no último verão pode dialogar
com filmes como Um estranho no ninho (A flew over cucko´s nest, 1975), pois são
produções de temáticas e discursos semelhantes. Nestes filmes, os atos das personagens são
os elementos que estabelecem a narrativa, centrada na loucura. É nessa perspectiva que
prossegue o trabalho.
46
CAPÍTULO 2
TRÊS MOMENTOS DA LOUCURA
Algumas vezes sinto que eu mesmo estou atrás de mim,
e mesmo assim não posso escapar...
Frantz Becker (Peter Lorre) em M, o vampiro de Dusseldorf
E aqui, um cérebro anormal, de um criminoso típico. As características
degenarativas corroboram o histórico do cadáver...
Dr. Waldmann (Edward Van Sloan) em Frankenstein
Este capítulo analisa a figura do louco em três produções de momentos e espaços
distintos. A primeira produção a ser analisada é o Gabinete do Doutor Caligari, o primeiro
filme expressionista alemão. Nele, encontramos Francis, o protagonista e louco da história.
Suas fantasias se transmitem através de deformações pictóricas nos cenários. A luta da
personagem se contra o suposto Dr. Caligari, o diretor de um manicômio. O segundo
filme é também uma produção alemã, da década de 1930. Trata-se de M, uma obra que
retrata a cidade de Düsseldorf, assombrada por um criminoso infanticida. Suas ações
rompem com a ordem estabelecida e promovem uma caçada que envolve a polícia e o
submundo. Por sua vez, o terceiro filme é uma produção norte-americana, inspirada na obra
Frankenstein de Mary Shelley (1817) e adaptada de uma peça teatral de 1927. É o filme
Frankenstein, dirigido por James Whale. Nele, o Dr. Frankenstein cria um ser de pedaços
de cadáveres, mas lhe dá um cérebro anormal.
47
Cada filme será analisado individualmente, de acordo com o seguinte padrão: o
contexto de elaboração da produção, sua narrativa, uma análise das características e de que
maneira a loucura transparece no filme. Estas três películas diferem na forma de apresentar
o louco. Os valores e regras da sociedade influenciaram de forma distinta as produções e
compuseram figuras que imitam seus contextos.
2.1. - Caligari
Das Kabinett de Dr. Caligari (O Gabinete do Dr. Caligari, 1919) estreou em
março de 1919, no teatro Marmorhauss, em Berlim.
83
O filme transformou as tendências de
luz, imagem e movimento das produções visuais da época. Desse ponto de vista, por suas
características essenciais, mudou a forma de fazer cinema. Ainda mais, incorporou a
loucura como tema central da narrativa fílmica.
Contexto da obra.
Ao fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha sofria os problemas da derrota. As
classes média e baixa alemã padeceram sob a pressão aliada, por violentas lutas internas e
pela inflação
84
. Também havia transformações políticas. A monarquia deixou de existir
com a abdicação do Kaiser em 9 de novembro de 1918. Fridrich Ebert, do Partido Social
Democrata assume o poder. Logo após a ascensão de Ebert, em janeiro de 1919, o
movimento Espartaquista explode na cidade, liderado pelos líderes comunistas Rosa
83
FRIEDRICH, O. Antes do Dilúvio: Um retrato da Berlim nos anos 20. Rio de Janeiro. Record.. p.78-80.
84
KRACAUER, p.75.
48
Luxemburg e Karl Liebknecht
85
. Em 6 de janeiro de 1919, Ebert encarrega Gustav Noske,
um colega de partido, de tomar o comando das forças militares para acabar com o caos. Em
15 de janeiro, Liebknecth e Luxemburgo são assassinados. A 19 de janeiro, são realizadas
as eleições de representantes para a Assembléia Constituinte. Quem domina as eleições é o
Partido Social Democrata, com 38 % dos votos. Ele consegue 163 das 421 cadeiras. Em
segundo lugar, figura o Partido Católico do Centro, com 89 cadeiras. Os nacionalistas
conseguem apenas 42, e os socialistas independentes ficam com 22 cadeiras. A assembléia,
após a eleição, se reúne na cidade Weimar, 240 km ao sul da capital Berlim, dando origem
à República de Weimar
86
.
Em março, Wolfgang Kapp tentou depor o governo num Putsch (golpe de estado).
No dia 13 de março daquele ano, Kapp e seus aliados marcharam em direção à capital
Berlim, e às sete da manhã sem disparar um único tiro, eram senhores da metrópole
87
.
Neste período, a inflação era galopante. No final de 1918, o marco valia US$ 8,9 e
ao final de 1923, eram necessários 4 bilhões de marcos para comprar um dólar
88
. Berlim se
tornou um paraíso para os estrangeiros, que trocavam dinheiro com lucros enormes. Ao
mesmo tempo em que aproveitadores e especuladores faziam fortuna e o luxo e o
desperdício imperavam, no outro extremo havia a fome e a miséria absoluta. Essas
experiências traumáticas do pós-Primeira Guerra Mundial tiveram um efeito decisivo nas
novas gerações de artistas na Alemanha.
85
PFLAUM, H. G. German silent movie classics. Wiesbaden : Friedrich-Wilhelm Murnau-Stiftung. 2002. p.
08.
86
FRIEDRICH, p. 45-75.
87
FRIEDRICH, p.78-80.
88
PERRY, M. Civilização ocidental: uma história concisa. 2.ed. São Paulo : Martins Fontes. 1999. p.573.
49
O Movimento Expressionista
As condições caóticas do pós-Primeira Guerra fizeram com que o expressionismo,
como corrente estética, fosse levado a uma nova dimensão. Iniciado no fim do século XIX
por artistas plásticos da Alemanha, o movimento teve seu auge entre 1910 e 1920 e se
expandiu para a literatura, música e teatro, chegando ao cinema pela primeira vez com o
filme O Gabinete do Doutor Caligari. O termo expressionismo foi, de início, aplicado a
uma seleção de artistas franceses e, não alemães, na apresentação de um catálogo da 22ª.
Exposição da Primavera, organizada pela Secessão de Berlim, em 1911. A vanguarda
expressionista foi formada a partir de dois grupos: Die Brücke (A Ponte) localizado em
Dresden, em 1905, e o Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul) situado em Munique, em 1911.
Os integrantes do primeiro grupo (Otto Muller, Ernst Kirshner, Emil Nolde, entre outros)
deram esse nome para indicar que o movimento era uma ponte para o futuro. Já os
Cavaleiros Azuis (Aguste Macke, Paul Klee e Vassily Kandinsky entre eles) tinham visões
espiritualizadas do universo, manifestando-se através da cor, e o nome do movimento veio
inspirado nos cavalos azuis do pintor alemão Franz Marc.
O movimento ganhou força às vésperas da Primeira Guerra Mundial, expressando a
angústia do período, através da veiculação de imagens subjetivas e retorcidas. O
expressionismo procurou não mais reproduzir a impressão causada pelo mundo exterior no
artista, mas expressar as emoções íntimas do próprio autor no contato com as coisas da
natureza
89
. Foi um movimento artístico-literário que se caracterizou pela expressão de
intensas emoções. As obras não tiveram preocupação com a beleza tradicional e exibiram
um enfoque pessimista da vida, marcado pela angústia, dor, inadequação do artista diante
da realidade e, muitas vezes, necessidade de denunciar problemas sociais.
89
BEHR, S. Expressionismo. São Paulo : Cosac & Naify. 2000. p. 06.
50
O cinema na época
A França foi o maior produtor de filmes durante o período da Belle Époque e perdeu
sua hegemonia para os Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial. O mesmo
aconteceu com a Itália e a Dinamarca entre outros. Houve o declínio do cinema europeu e a
ascensão de Hollywood, em um domínio que dura até hoje
90
. Da produção alemã antes da
Primeira Guerra Mundial, poucos filmes merecem destaque. Paul Wegener, inspirado no
teatro de Max Reinhardt, em colaboração com Hanns Heinz Ewers produziu um dos mais
significativos. O Estudante de Praga (Der Student Von Prag, 1913) trazia diversos
elementos da obra literária Fausto, de Goethe
91
, e de contos como William Wilson de Edgar
Allan Poe
92
. O filme contava a história de Baldwin, um estudante pobre que vendia a sua
alma ao demônio em troca de dinheiro. Foi uma produção pioneira no tema que se tornaria
recorrente no cinema alemão: a preocupação com o eu e com a divisão de personalidade.
Ao invés de ignorar a própria dualidade, o estudante percebe, apavorado, que está sob o
domínio de um antagonista que não é ele mesmo.
O interesse dos alemães pelo cinema cresceu ao longo da guerra. Se em 1913 o
número de salas de exibição era de 28, em 1919 ele pulou para 245
93
. O governo alemão
percebeu as possibilidades políticas do fenômeno, e o próprio General Ludendorff sugeriu,
em 1917, fundir as várias pequenas companhias cinematográficas em um monopólio
nacional de cinema. Com a concordância das autoridades, surgiu a poderosa U.F.A.
(Universal Film Aktiengelsellschaft). Respaldada pelo Estado e por entidades financeiras
90
RUIZ, E. A. La Belle.... 91.
91
GOETHE, J. W. Fausto. São Paulo: Martin Claret. 2002.
92
POE, E. A. Histórias extraordinárias. São Paulo : Nova Cultural. 2003. p. 77-100.
93
FRIEDRICH, p. 79.
51
privadas, a indústria cinematográfica alemã se encontrou em situação feliz, e se colocou à
frente da produção cinematográfica européia, lugar que ocupou entre 1919 e 1928,
aproximadamente. Este período também é conhecido como a grande época do cinema
alemão
94
.
O cinema alemão foi influenciado pela corrente artística expressionista. Os
produtores utilizaram os jogos de sombra e luz, a criação de cenários fantásticos, além da
focalização da atenção sobre figuras estranhas e monstros, para mostrar os tormentos da
época. A utilização do termo “expressionista” para filmes desta época e que apresentam
jogos de sombra e luz requer cuidado. A autora Lotte Eisner chama a atenção para a
utilização incorreta do termo “expressionista” no cinema: “o termo ‘expressionista’ é
muitas vezes aplicado a torto e a direito a qualquer filme alemão da época dita ‘clássica’.
Será ainda preciso explicar que certos efeitos de claro-escuro, tantas vezes considerado
expressionistas já existiam bem antes de Caligari?”
95
.
Entre os filmes expressionistas clássicos se destacam O Gabinete do Doutor
Caligari (Das Kabinett des Dr. Caligari, 1919), Nosferatu, uma Sinfonia dos Horrores
(Nosferatu, eine Symphone des Grauens, 1922) de Fridrich Murnau, e O Golem como
veio ao mundo, (Der Golem, - wie er in die wel kam, 1920), de Paul Wegener e Carl Boese.
94
MORALES, M. L. El cine : historia ilustrada del séptimo arte. Tomo II : Su evolución. Barcelona : Salvat.
1950. p. 05.
95
EISNER, L. H. A tela demoníaca: as influências de Max Reinhardt e do Expressionismo. 2.ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 39.
52
O Expressionismo no cinema. Cartaz do filme O Gabinete do Dr. Caligari. Retirado de
<http://www.imdb.com>, em 10/12/2003.
A história de Caligari
Exatamente em 13 de março de 1919, dia do Putsch de Kapp, O Gabinete de Doutor
Caligari estreou no teatro Marmorhauss, em Berlim. O filme foi produzido pela Decla
Bioscop e dirigido por Robert Wiene. É considerada a produção mais representativa do
expressionismo cinematográfico, ao desenvolver um estilo visual que serviu para
simbolizar, através da abstração, deformação e estilização, dramas impregnados de
morbidez e fatalismo.
96
96
FRIEDRICH, p.78-80.
53
As intenções da narrativa do filme se encontram no contexto histórico da época. O
momento artístico possibilitou a criação de cenários deformados, pontudos, cheios de
sombra. O filme todo se desenrola em manicômios, gabinetes, ambientes tortuosos. Para os
cenários, Robert Wiene contratou três artistas expressionistas: Hermann Warm, Walter
Röhrig e Walter Reimann
97
. Sobre esse momento, Eisner explica que um produtor chamado
Rudolf Meinert confiou a decupagem
98
de Caligari ao cenógrafo Hermann Warm. Este
estudou a montagem com dois amigos, contratados pelos estúdios como pintores.
“Lemos até o anoitecer, aquela decupagem tão curiosa”, escreve Warm “Compreendemos
que um tema assim precisava de um cenário incomum, irreal. Reimann,então pintor de
tendência expressionista, propôs executarmos cenários expressionistas. Na mesma hora
começamos a traçar esboços neste estilo.
No dia seguinte Wiene deus sua anuência. Rudolf Meinert, mais circunspecto, pediu um
dia de reflexão. Depois disse: “Montem esses cenários do jeito mais louco possível!”
99
A cenografia do filme assumiu a tradução adequada de uma fantasia de um louco
em termos pictórios e esta foi a forma que muitos críticos da época entenderam os
cenários deformados de Caligari. Um autor cita que estes são tão importantes que saem do
background (plano de fundo) e se colocam no foreground (primeiro plano).
100
Esses
detalhes revelam um dos princípios do cinema alemão: o papel essencial desempenhado
pelo autor, cenógrafo e equipe técnica. Os filmes eram realizados por uma equipe,
acreditando que com o tempo, as produções dariam dinheiro
101
.
A narrativa do filme tem raízes nas experiências dos dois roteiristas do filme, Carl
Mayer e Hans Janowitz. Antes da Guerra, numa noite de outubro de 1913, o jovem poeta
tcheco Hans Janowitz andava por um parque de diversões em Hamburgo, procurando por
97
KRACAUER, p.84-85.
98
A decupagem é a separação do filme em seqüências, feita por planos ou por duração de tempo, para
considerar os elementos visuais representados.
99
EISENER, p. 27.
100
O autor inglês Messel, no livro This film Business, citado por EISENER, p.28.
101
Id, p. 28.
54
uma moça cujos modos e beleza o haviam atraído. As barracas o parque cobriam o
Reeperbahn (prostíbulo).
Ali perto, no Holstenwall, o gigantesco monumento a Bismarck de Lederer pairava
como sentinela sobre os navios do porto. À procura da moça, Janowitz seguiu a frágil
trilha de uma risada, que ele pensou fosse dela, chegando a um sombrio parque ao
lado do Holstenwall. A risada, que aparentemente destinava-se a atrair um jovem, se
interrompeu em algum lugar do matagal. Quando, pouco tempo depois, o jovem
partiu, uma outra sombra, escondida até então atrás dos arbustos, de repente apareceu
e caminhou – como se no rastro daquela risada. Ao passar por esta misteriosa
sombra, Janowitz entreviu um homem, parecia um burguês médio. A escuridão
reabsorveu o homem e tornou a perseguição impossível. No dia seguinte, grandes
manchetes na imprensa local anunciavam: “Horrível crime no Holstenwall! A jovem
Gertrude... assassinada.” Um obscuro sentimento de que Gertrude poderia ser a moça
do parque impeliu Janowitz a comparecer aos funerais da vítima. Durante a
cerimônia, de repente teve a sensação de ter descoberto o assassino, que ainda não
havia sido capturado. [...] Era o burguês – a sombra nos arbustos
102
.
Mais tarde, Hans Janowitz, que durante a guerra foi oficial de um regimento, voltou
cheio de ódio por uma autoridade que havia enviado milhões de homens para a morte.
“Sentia que aquela autoridade absoluta era má por natureza”
103
. Ele se estabeleceu em
Berlim, onde conheceu Carl Mayer, posteriormente co-autor do Gabinete. Este era um
austríaco da cidade de Graz e também havia passado por amargas experiências. Durante a
Guerra, teve que passar por repetidos exames mentais. Janowitz diz que Mayer parece ter
ficado muito amargurado contra os oficiais psiquiatras encarregados de seu caso
104
.
Em uma noite, Mayer arrastou o companheiro para uma exibição de força em um
parque de diversões. “Sob o título ‘Homem ou máquina’, apresentava um homem forte”
105
,
que agia como se estivesse hipnotizado e realizava milagres de força.
106
. O gênese do
roteiro de Caligari nasceu naquela noite. A única necessidade era encontrar o nome da
102
KRACAUER, p. 78.
103
Id, p. 79
104
O depoimento de Hans Janowitz está presente em KRACAUER, p. 79.
105
FRIEDRICH, p. 82.
106
KRACAUER p.79-80.
55
personagem principal da história: um psiquiatra, baseado nos terapeutas de Carl Meyer
durante a guerra. Foi num livro raro, Unknown letters of Stendhal (Cartas desconhecidas de
Stendhal), que Janowitz encontrou a solução. Stendhal conheceu na La Scala de Milão um
oficial chamado Caligari
107
o nome que os autores procuravam para dar ao personagem
principal.
Nas experiências dos roteiristas e no movimento expressionista da época residiram
as bases para a formulação de O Gabinete do Doutor Caligari, uma história na qual um
sonâmbulo assassino, o hipnotizador Caligari e um louco são os protagonistas.
A Narrativa do Filme
Dois homens aparecem sentados em um banco. Um deles é Francis (Friedrich
Feher). Jane (Lil Dagover) passa caminhando por eles. Francis a apresenta como sua noiva,
vira-se para seu companheiro e diz: “A experiência pela qual passamos é ainda mais
estranha que a sua. Vou lhe contar”. Fade out
108
.
Inicia-se um flashback
109
, que abre com uma visão geral da cidade de Holstenwall –
significativamente o monumento de Bismark, onde a jovem que Hans Janowitz procurava
foi assassinada. A cidade se prepara para receber a feira anual. A história de Caligari
começa quando ele vai até a prefeitura para pedir autorização para apresentar seu
espetáculo e um funcionário o trata mal. À noite, esse funcionário é assassinado.
107
FRIEDRICH, p. 82.
108
Fade out, Fade in, Cross-fade são elementos de transição que contribuem para a organização da narrativa
na linguagem cinematográfica. Eles servem como corte de cena e transposição para um outro momento da
história. Fade out indica o escurecimento progressivo da tela, até o início de outra seqüência. Fade in
apresenta o surgimento da cena inicial da próxima seqüência. Cross-fade é a transição entre as duas
seqüências sem haver o escurecimento da tela.
109
Flashback é outro elemento da linguagem cinematográfica. O tempo, na narrativa, desloca-se para o
passado dos protagonistas, no intuito de explicar acontecimentos de um momento anterior.
56
Apresentam-se dois outros rapazes: Francis e seu amigo Alan (Hans Heinz von
Twardowski), ambos apaixonados por Jane. Eles vão ver a apresentação do Dr. Caligari,
um espetáculo de sonambulismo. O sonâmbulo é Cesare (Conrad Veidt), que faz previsões
sobre o futuro. Alan pergunta até quando viverá, e o sonâmbulo diz que somente até o
amanhecer. Ao amanhecer, Francis recebe a notícia que o amigo está morto.
Em virtude destes acontecimentos, Francis começa a desconfiar de Caligari, e
começa a vigiá-lo. Em retribuição, Caligari ordena ao sonâmbulo que mate Jane. Ao se
aproximar para matá-la, o sonâmbulo se apaixona pela moça e a rapta. Vários homens
entram em perseguição, e durante a fuga, Cesare é morto.
Evidenciado que Caligari é o mandante, Francis e alguns policiais procuram-no.
Dr.Caligari foge. Perseguido por Francis, ele se refugia em um manicômio. Lá, Francis
descobre que o próprio Caligari é o diretor da instituição. À noite, Francis, contando com a
Cesare (no caixão) e Caligari, em cena de “O Gabinete do Doutor Caligari”. Cenário distorcido
pela visão da loucura e oposição do claro-escuro, próprio do Expressionismo.
Imagem retirada de <http://www.imdb.com>, em 10/11/2003.
57
ajuda dos psiquiatras da instituição, investiga o escritório do diretor, e em seu diário eles
encontram provas incriminatórias. Por fim, eles colocam o diretor em frente ao corpo de
Cesare. Caligari começa a ter delírios, e é encarcerado.
No filme, um novo fade-out. A ação retorna a Francis contando a história para
seu companheiro, dizendo: E hoje, este homem louco está acorrentado em sua cela”. O
espectador descobre então que Francis está no hospício, e que ele é o louco. Os
personagens de sua aventura se revelam todos pacientes da instituição. Ele aponta para um
dos internos: é Cesare. Diz então para seu companheiro: Veja, está Cesare! Se deixar
ele profetizar, você morrerá!Francis se aproxima de outra paciente. É Jane, e diz: Jane,
meu amor, quando iremos nos casar?”, ao que ela responde: Nós que somos de sangue
nobre, não devemos seguir os desejos de nosso coração!”. Por fim, Caligari se aproxima do
rapaz, que entra em choque. Francis é colocado em uma camisa-de-força e depois é levado
para uma cela. O diretor se aproxima dele, olha-o, e diz: Finalmente reconheço sua
obsessão. Ele acredita que sou o mítico Caligari. Surpreendente. Mas acho que sei como
curá-lo agora!”.
Análise da obra
A versão original dos roteiristas Carl Mayer e Hans Janowitz não contava com a
parte inicial e final da trama. Considerava apenas a história da chegada da feira a
Holstenwall até o momento em que Francis descobre que o diretor da instituição é o
assassino Caligari. A idéia desta transformação veio do cineasta Fritz Lang. Ele foi cotado
para ser o diretor do filme, mas estava envolvido com outros trabalhos. Wiene, que então
assumiu a direção da obra, seguiu os conselhos de Lang.
58
Em seus scripts, Fritz Lang diz que os cenários iniciais e finais deveriam ser
realistas, e apenas a parte do flashback seria desenhado pelos pintores expressionistas
110
.
Janowitz e Meyer foram contra a modificação na estrutura do filme. De acordo com
Kracauer, essa mudança perverteu as intenções intrínsecas da narrativa “Enquanto a história
original expunha a loucura inerente à autoridade, o novo Caligari de Wiene glorificava a
autoridade e condenava seu antagonista à loucura. Um filme revolucionário foi assim
transformado em um filme conformista seguindo o padrão usado de declarar insanos
alguns indivíduos normais, mas criadores de problemas, e de mandá-los para um
manicômio”
111
. Lang argumentou que essa modificação intensificaria o terror das
seqüências expressionistas”
112
.
Basicamente, o filme é a história de um interno de asilo que narra suas vivências por
meio de uma visão distorcida e fragmentada do mundo, tecendo uma bizarra trama sobre
um sonâmbulo e seu mestre maligno. No filme, o expressionismo é a tradução adequada de
uma fantasia de um doente mental em termos pictóricos. cenários com formas
distorcidas e fortes contrastes de claro-escuro pintado sobre telas; angulações de câmera
enfatizando o fantástico e o grotesco; trajes, maquiagem e interpretações exageradas. A
intenção foi traduzir simbolicamente o desequilíbrio mental do protagonista Francis. Por
este motivo, as seqüências iniciais e finais deveriam ter cenários realistas, o que não
acontece. O único ambiente que apresenta uma fachada não deformada é o asilo de loucos.
Eisner chama a atenção para este fato: “Notamos, em Caligari, uma certa descontinuidade,
bastante incômoda, entre o cenário e a mobília perfeitamente burguesa [...]. A ruptura de
estilo é, aliás, fatal, que (em alguns trechos) se considera a ação passada na realidade.
110
McGILLIGAN, P. Fritz Lang: the nature of the beast. St. Martin´s Press : New York. 1997. p. 61.
111
KRACAUER, p. 84.
112
McGILLIGAN, p. 61.
59
Contudo, o final do filme se passa de novo no mesmo cenário estranho. Terá prevalecido a
tendência expressionista dos cenógrafos ou os escrúpulos econômicos do produtor?”
113
Caligari foi uma película que saltou por cima dos moldes habituais do cinema, mais
precisamente do estilo clássico de cinema norte-americano. Fritz Lang havia advertido aos
roteiristas: “O tipo de expressionismo que vocês vislumbram é impossível, ele irá assustar a
audiência”
114
. Essa recusa ao estilo clássico de Hollywood
115
foi criticada por alguns
escritores da época. Kracauer narra que em 1919, o Dr. Victor E. Pordes reclamou da
incapacidade do cinema alemão de criar histórias retratando a vida social e os bons
costumes.
116
Provavelmente essa era a intenção proposital do cinema: A fuga da realidade
e a aversão ao realismo. Ele, de fato, pôde ser entendido como escapismo em vários
momentos difíceis. Isso se repetiu na década de trinta nos Estados Unidos o período da
depressão.
Caligari é a expressão de uma dualidade que pode ser observada pela constante
oposição do claro escuro, refletindo-se não apenas nos cenários, mas também na história. A
primeira e mais evidente delas é a luta entre o bem e o mal. Francis representa o bem, o
homem são que luta contra a tirania da autoridade expressa por Caligari. Essa é a
autoridade que Carl Mayer tirou de suas próprias experiências com oficiais psiquiatras no
exército. Uma posição de autoridade que é destacada no filme: toda vez que alguém
precisava falar com um secretário, um chefe ou semelhante, são longas escadas que levam
até ele uma metáfora à superioridade dos bem sucedidos da sociedade e que se
encontravam acima dos problemas do cotidiano. A própria utilização de Cesare em seus
113
EISNER, p. 31.
114
PFLAUM,. p.11.
115
Sobre o estilo clássico de Hollywood, ver o primeiro capítulo, nas páginas 14-15.
116
KRACAUER. p. 74.
60
objetivos funestos ocorre à noite, na escuridão. As sombras parecem “cuspir” Cesare, que
espreita pelas escuridão dos becos da cidade. Apenas sua silhueta pode ser acompanhada,
junto de suas tétricas previsões: “Quanto tempo viverei?” – pergunta Alan, amigo de
Francis. “Seu tempo é curto! Morrerá ao amanhecer!” – responde Cesare.
Em segundo lugar, temos a oposição entre a sanidade e a loucura. Luz e sombra
apresentam o jogo entre a razão de Francis e a insanidade de Caligari. Caligari, até então o
louco, procura abrigo em um manicômio. Francis o segue, e ao encontrá-lo, recua
horrorizado: o diretor do hospício e Caligari são a mesma pessoa. Essa ambigüidade da
loucura e da razão está expressa até na forma definitiva da história: a reversão da narrativa
de Francis. Ele é o louco, e Caligari é o benévolo diretor, que procura a cura dos pacientes.
Essa reversão da história gerou polêmica: quando a história é narrada por Francis, o cenário
distorcido representa a visão de sua loucura. Quando a normalidade é restaurada, o cenário
permanece distorcido. “Os ornamentos expressionistas atravessam o episódio conclusivo do
filme”
117
– sinal de que a sanidade não havia sido restabelecida como esperávamos.
117
Id., p. 87.
61
A história de loucura de Caligari sofre a influência dos movimentos artísticos e científicos da época. As
visões distorcidas do doente mental se transfiguram nos cenários. Caligari, o psiquiatra, é autoritário, e
Cesare, o sonâmbulo, o obedece sem questionamento. Nesta cena, vemos Francis, em pé, ao fundo, Cesare,
no caixão, um policial examinando, e à direita, o Dr. Caligari, de cartola. Imagem retirada de
<http://www.imdb.com>, em 10/11/2003.
Em terceiro e último lugar, temos a oposição entre amor e ódio. O ódio de Caligari
se estende a todos e, agindo maleficamente, incita Cesare a cometer homicídios e excessos
desumanos. Essa oposição também pode ser vista nas cores dos cenários e figurinos. Jane,
vestida de branco, representa o amor, capaz de vencer o ódio de Caligari, totalmente
vestido de negro. Jane é o símbolo do amor, um amor devotado que Francis e Alan
direcionam a ela. Uma luta maniqueísta que parece eterna aqui também se desenha, e a
vitória do amor é o resultado. Quando Caligari ordena ao sonâmbulo que ele mate Jane,
Cesare se aproxima do leito da moça, levanta a faca, olha para ela e se apaixona, ficando
incapaz de matá-la. Desesperado, ele rapta a moça e foge. É uma mensagem que transmite a
idéia de que o amor pode vencer o ódio e as ordens desumanas da autoridade seria um
62
poder sobrenatural
118
. Cesare também é alvo dessa força invencível, e nem as ordens do
mestre são capazes de evitar que ele tente ficar com a moça.
A loucura no filme
A loucura que testemunhamos no filme é a proveniente da Primeira Grande Guerra.
Ela transparece pelas experiências de Hans Janowitz e Carl Mayer. Mayer passou por
tratamentos psicológicos enquanto servia no exército, e voltou amargurado das experiências
com seus oficiais psiquiatras. Hans Janowitz também voltou da guerra como um “pacifista
ferrenho”
119
, e as experiências psicológicas de ambos se uniram com elementos que
aconteceram em suas vidas. Esses foram os subsídios para gerar o enredo da história.
Assumindo que Francis seja o louco da história, pode se considerar que ele sofre de
alucinações e delírios fantásticos. Toda a narrativa é proveniente das divagações dele. A
personagem teria o juízo mental alterado. Juízo, aqui, no sentido de operação pela qual se
afirma ou se nega a relação entre duas idéias ou se aplicam os conceitos de falso e
verdadeiro. Atualmente, o Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais considera que
nos psicóticos, tal função está tão alterada que suas elaborações se tornam evidentemente
falsas e absurdas, grosseiramente divergentes não das experiências e idéias das demais
pessoas, mas também daquelas que o paciente apresentava antes de adoecer
120
. Ao fim da
trama, Francis permanece no hospício. Seus delírios, por fim acabam envolvendo todos os
outros pacientes do local. Cesare e Jane são seus companheiros de asilo, e Caligari é de fato
o diretor do hospital. Francis acusa o diretor de ser Caligari. Poderia se interpretar que os
118
Em Nosferatu de Murnau temos um desfecho semelhante. Nina se entrega à sede de sangue do vampiro
Conde Orlock, e enquanto isso, o sol nasce e o vampiro se desfaz no ar.
119
KRACAUER, p. 79.
120
DSM-IV-TR. p. 305.
63
delírios da personagem são do tipo persecutório. Eles se aplicam quando o tema central do
delírio envolve a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição e perseguição.
Pequenos deslizes podem ser exagerados e se tornar o foco de um sistema delirante. A
essência do delírio freqüentemente se concentra em alguma injustiça que deve ser
remediada pela ação legal (paranóia querelante), podendo a pessoa afetada se envolver em
repetidas tentativas de obter satisfação. Os indivíduos com a doença freqüentemente sentem
ressentimento e raiva, podendo recorrer à violência contra aqueles que supostamente os
estão prejudicando
121
. Essa loucura de Francis é um exemplo de transtorno psicológico:
vem da mente do indivíduo, e pode ser um reflexo da psicanálise, que vinha tendo ascensão
no período de elaboração do filme.
A frase final do filme é dita pelo Dr.Caligari, analisando Francis: “Finalmente,
reconheço sua obsessão. Ele acredita que sou o mítico Caligari. Surpreendente. Mas acho
que sei como curá-lo agora”. Mas como o diretor do manicômio sabia sobre o que Francis
falava? Essa questão, quando associada às observações de que os cenários não se
transformaram em realismo no momento de lucidez final, levantam uma dúvida: quem é o
verdadeiro louco de O Gabinete do Doutor Caligari?
2.2. - Quando sou perseguido por mim mesmo; M, o vampiro de Düsseldorf.
Em 11 de maio de 1931, no teatro Ufa Palast em Berlim, estreou o filme M, o
vampiro de Düsseldorf (M). Foi a primeira produção sonora do diretor Fritz Lang e também
o primeiro filme sobre um assassino serial o infanticida da cidade de Düsseldorf. A
121
Id.
64
película apresentou uma sombria história de homicídios, onde a polícia e o submundo se
unem para encontrar o homicida, apelidado de “vampiro”. A loucura figurou como um
elemento central na trama, justificando os assassinatos. Por estas características, Fritz Lang
considerou M seu melhor filme.
Contexto da obra
Na Alemanha dos anos 20, marcada pela crise econômica s Primeira Guerra, o
índice de criminalidade subiu muito. É nesse momento em que surgem as influências que
inspiraram Lang a dirigir M. A população alemã presenciou um número crescente de
assassinos seriais na época. O filme é diretamente baseado em Peter Kürten. Ele atacou 41
pessoas, das quais 9 faleceram, e foi preso em maio de 1930. Depois de beber o sangue de
algumas de suas vítimas, ele foi nomeado como Vampir Von Düsseldorf (vampiro de
Düsseldorf). De acordo com as vítimas sobreviventes, ele era bem-vestido, amigável,
confiável e respeitável. Kürten foi executado em 2 de julho de 1931, em Colonia. Ele foi
um exemplo de um assassino serial com a aparência de um cidadão exemplar
122
.
Na Alemanha da inflação e da depressão combinados à fome, em alguns casos o
crime continuado acabou em canibalismo. Alguns dos episódios registrados são
exemplificados pela história de Klark Denke, pequeno comerciante que vendia carne
humana em Münsterberg, perto de Breslau. Cidadão respeitado, que
inclusive desempenhara funções menores na igreja luterana local. Pouco antes do
natal de 1924, os vizinhos tiveram a atenção despertada por sons de luta provenientes
de sua casa; acudindo, encontraram-no empenhado em luta corporal com um jovem
operário bastante machucado. Ele alegou que fora atacado pelo trabalhador, mas a
polícia fez uma busca nos aposentos e descobriu várias barricas contendo carne
humana defumada, uma valise cheia de ossos e vários potes de banha humana. Nos
anos de fome, enquanto os aldeões comiam cachorros e gatos assados, Denke tinha
feito bons negócios com a venda de “porco defumado” e, agora, todos se
122
M. In.: <http://www.cyberroach.com/m/default.htm>, visitado em 10/05/2004.
65
entreolhavam horrorizados. O assassino enforcou-se, deixando atrás de si um caderno
que registrava trinta mortes violentas, com a data de cada uma e o peso das
vítimas.
123
Ao caso de Denke surgiram alusões. A pátria alemã, que sempre fora considerada
uma nação de Denker und Dichter (pensadores e poetas), na cada de 20 transformou-se
em “Denke” und Dicher. Algumas pessoas ainda faziam outro trocadilho, dizendo que o
país havia se transformado em um lugar de Henker und Richter (carrascos e juízes). Mas
não houve apenas os casos de Kürten e Denke. Inúmeros outros surgiram. Carl Wilhem
Grossmann, por exemplo, havia esquartejado mais de 23 mulheres; um homem chamado
Blume matou dois carteiros, para depois relatar sua história na comédia A recompensa
maldita, supostamente uma ficção onde um homem assassinava carteiros. Blumem,
Grossman, Denke, todos eles se suicidaram
124
. E havia outros crimes, pois freqüentemente
corpos eram retirados do canal de Landwer.
125
Por fim, a violência se tornou uma
ocorrência comum na vida dos alemães.
A história de M
É verdade que nem todos os assassinos são iguais. Os estilos e métodos variam – e o
crime também pode fornecer uma imagem espelhada da sociedade. Nem as pessoas e nem
os cineastas ficaram indiferentes a essa onda de violência que inundou a Alemanha nos
anos 20. Corrobora com isso a afirmação de Lang: “Tudo o que produzi foi resultado do
que vi, senti e aprendi". Por estes motivos, os filmes do diretor Fritz Lang são uma crônica
explícita aos problemas da primeira metade do século XX
126
. O exemplo mais evidente
123
FRIEDRICH, p. 344.
124
Id, p. 344-351.
125
Id, p. 352.
126
RUIZ, E. A. O crime como metáfora: os filmes de Fritz Lang. Anais da XXII Reunião da SBPH. Rio de
Janeiro. 2002. p. 57.
66
disso é Dr. Mabuse, o jogador (Doktor Mabuse, der Spieler), de 1922. Na película, a
sociedade aparece corrompida por vícios, roubos, traições e luxúria. Um retrato da
desintegração social do pós guerra. Fritz Lang comentou uma vez: “A violência tornou-se,
na minha opinião, um ponto decisivo no roteiro. Ela tem uma razão dramatúrgica para estar
ali. Não acho que as pessoas acreditem no demônio, com chifres e rabo, e portanto elas não
acreditam no castigo depois da morte. Então, a questão para mim era: em que as pessoas
acreditam? O que elas temem? A dor física. E a dor física provém da violência. Essa, a meu
ver, é hoje a única coisa que as pessoas temem de verdade. Por isso ela se tornou uma parte
decisiva da vida e, naturalmente, também dos roteiros”
127
. É essa violência dramatúrgica
que fez parte da vida real que se encontra em M.
A idéia para o título do filme M surgiu da imprensa dos anos 30. Um grupo policial
publicou um boletim especial, o Kriminal Magazine, sobre o Düsseldorfer
Massenmörder (assassino serial de Düsseldorf), e proclamou: Alles vergebens! Der
Morder bleibt unerkannt! Er ist mitten unter uns!(Tudo em vão! O assassino permanence
desconhecido! Ele está entre nós [grifo meu]!
128
. Por este motivo, o tulo do filme durante
sua elaboração era M um assassino entre nós. Em 1930, durante o período de produção, a
imprensa divulgou o título alternativo de M como sendo Mörter unter uns (um assassino
entre nós). Fritz Lang recebeu então inúmeras cartas ameaçadoras, e teve a permissão
recusada para utilizar o estúdio Stakeen, no subúrbio berlinense, onde seriam as filmagens.
“Mas por que esta incompreensível conspiração contra um filme sobre o infanticida de
Dusseldorf, Kürten?” Perguntou Lang ao gerente do estúdio. O partido nazista temia ser
atingido com esse título. Lang entendeu a razão ao perceber que o gerente utilizava um
127
SCORCESE, M.; WILSON, M. H. Uma viagem pessoal pelo cinema americano. São Paulo : Cosac Naify,
2004. p. 126.
128
M, op. cit.
67
pequeno broche com a suástica nazista
129
. Esclarecido o tema verdadeiro do filme, Lang
recebeu carta branca para agir. Posteriormente o título foi alterado para apenas M. A
interpretação contida de Peter Lorre (ator húngaro que ficou célebre com este filme)
assemelhou-se muito aos nazistas de anos posteriores: “elegantes, respeitáveis, um pouco
afeminados”
e guiados por demônios. Por estas características, o filme pareceu uma
previsão do futuro do país
130
.
Imagem propagandística do filme “M”, de Fritz Lang. Imagem obtida em
<http://www.cyberroach.com/m/default.htm>, em 03/08/2004.
O roteiro do filme é influenciado pelo perfil do assassino de Düsseldorf, embora o
diretor nunca o tenha confirmado diretamente. Lang ofereceu, em várias ocasiões,
129
Kracauer cita esse episódio na pg. 255 de seu livro De Caligari a Hitler. Durante uma entrevista, Lang cita
que este foi o momento em que nasceu politicamente.
130
FRIEDRICH, p. 343.
68
diferentes versões da inspiração para M. Algumas vezes ele negou, em outras admitiu, que
foi influenciado por casos reais.
A idéia inicial para o filme era focada em um vilão anti-social, mas com a
repercussão do caso de Peter Kürten, a perspectiva acabou mudando. Lang acompanhava os
jornais da época, que na década de 1930, trouxeram um catálogo com novas análises sobre
o caso de Kürten. O livreto oferecia entrevistas e novas teorias sobre as práticas policiais.
Finalmente, apresentava um rol das vítimas de Kürten, que incluía uma das vítimas finais
do assassino, uma garota de oito anos de idade. Em 1948, Lang admitiu que embora a
Alemanha estivesse sofrendo uma onda de crimes sexuais e assassinatos em massa, o caso
do “vampiro de Dusseldorf” foi o que mais chamou sua atenção para o desenvolvimento do
script
131
. E é em cima desse assassino que gira a história.
Seqüência da cena inicial de M: a menina Elsie (Inge Landgut) joga a bola no cartaz de busca do assassino. No
instante seguinte, a sombra do “vampiro” (Peter Lorre) se projeta sobre o cartaz. A cena seguinte mostra apenas
a bola sozinha abandonada no quintal. M é a obra prima de Fritz Lang, e o próprio diretor considerou-o seu
filme mais famoso. Seqüência extraída do filme em DVD. No cartaz lê-se:10.000 marcos de recompensa.
Quem é o assassino?”
.
A trama gira em torno da procura de um serial killer, que causa um verdadeiro
pesadelo na cidade assassinando crianças. A polícia trabalha freneticamente para encontrar
o infanticida, mas consegue inquietar o submundo do local. O “vampiro” é meticuloso,
131
McGILLIGAN, p. 149-151.
69
não deixa vestígios. Os procedimentos investigativos incluem constantes batidas nos bares,
boates e becos da cidade. Os círculos de ação da polícia se ampliam cada vez mais Nada,
porém, consegue impedir o assassino de cometer crimes e mandar cartas aos jornais. As
cartas são pesquisadas de todas as maneiras: pela grafologia, tipo de papel e por impressões
digitais. A única que apresenta algum resultado no filme é a grafologia, que indica o
assassino como“um doente mental, que quer que seus atos sejam publicados nos jornais.
Apresenta uma patologia sexual muito forte. As letras quebradas revelam uma
personalidade de ator, que pode ser indolente ou preguiçosa. A mão mostra sinais de
insanidade”.
Em justaposição de imagens, o sindicato do crime realiza uma reunião, enquanto os
policiais também confabulam métodos de apanhar o mörder (assassino). “Cavalheiros,
podemos começar a reunião diz Schränker, descrito no filme como “chefe do
Submundo”. Considerado o homem mais perigoso entre Berlim e São Francisco, seis
anos é foragido da polícia. Reunindo na mesa os chefes de cada um dos cartéis da cidade
arrombador, punguista, vigarista e assaltante, eles traçam planos para capturar o assassino
por meios próprios. As ações de ambos os grupos (policial e criminoso) entrelaçam os
acontecimentos. Os criminosos discutem uma maneira de capturar o assassino, pois ele não
merece viver. Os policiais tramam, conferenciam novas formas de apanhar o doente.
Investigadores da policia procuram em hospitais psiquiátricos, falando com médicos,
buscando o perfil ou ao menos, informações sobre algum provável assassino.
Por fim, temendo prejuízos ainda maiores que os já sofridos no submundo, os
criminosos decidem procurar o monstro eles mesmos. Eles pedem ajuda ao Sindicato dos
Mendigos da cidade, transformando seus membros em informantes. A idéia de utilizar os
mendigos de rua parte do chefe Schränker.
70
Finalmente, quem acaba identificando o “vampiro” é um mendigo cego, vendedor
de balões. Isso só ocorre por que sempre que o criminoso, mais tarde revelado como Frantz
Becker, sente impulsos homicidas assobia uma ária da ópera Peer Gint de Edward Grieg.
Reconhecendo a canção, o mendigo avisa seus companheiros, que saem em busca do
assassino. Para identificar o infanticida, um dos perseguidores escreve a letra M com giz
em sua própria mão, e bate nas costas do acusado, que fica com a marca impressa no casaco
preto. Em fuga, Frantz se refugia em um edifício de escritórios, mas é capturado pelos
gângsteres. Levam-no para uma fábrica abandonada e improvisam um julgamento,
condenando-o à morte. Durante o julgamento, em um misto de raiva e desespero, o réu se
justifica: Sou sempre forçado a andar pelas ruas, e sempre alguém está atrás de mim. Sou
eu. Algumas vezes sinto que eu mesmo estou atrás de mim, e mesmo assim não posso
escapar... quero fugir, preciso fugir. Os fantasmas também me perseguem a não ser que
eu faça isso. E depois, parado perto de um cartaz, leio sobre o que fiz. Eu fiz isso? Mas eu
não sei nada sobre isso. Eu detesto isto eu preciso eu detesto isto preciso, não posso
mais... No instante final, a polícia chega a tempo de salvar o assassino.
Análise da obra
Pelo filme M, o vampiro de Dusseldorf pode-se dizer que o cinema alemão
apresentou técnica, transcendência e retratos sociais, em oposição à tendência americana. M
o vampiro de Düsseldorf foi o reflexo de uma Alemanha assombrada e psicologicamente
desequilibrada pela ascensão do Partido Nazista. O filme também lançou as bases para
filmes de psicopatas, de investigação e dos clássicos noir das décadas de 40 e 50,
especialmente quando Fritz Lang se estabelece nos Estados Unidos.
71
Na versão dos roteiristas Lang e Thea Von Harbou, o assassino real Peter Kürten se
transformou em Frantz Becker (Peter Lorre), um homem comum com um desejo
compulsivo de matar. A essência da história é o próprio assassino: um burguês infantilizado
e assustadiço, aparentemente incapaz de matar uma mosca. Lang e Harbou estudaram
procedimentos policiais e consultaram psiquiatras, procurando criar um perfil preciso da
personagem
132
. Lang visitou centros policiais no Alexanderplatz, em Berlim, e conseguiu
documentar exatamente os procedimentos policiais utilizados para capturar um assassino.
Ele e Thea Von Harbou também viajaram para Londres, onde consultaram e compararam
notas com a Scotland Yard. Finalmente, visitaram prisões e manicômios para observar e
entrevistar ofensores sexuais. A idéia de um julgamento organizado por criminosos foi
tirada por Thea Von Harbou de uma peça da Dreigroschenoper (A ópera dos três vinténs),
de Bertold Brecht. Nessa produção, o chefe de polícia Tiger Brown se junta a Mac Navalha
para cantar A canção do canhão.
133
Isso representa o resultado dos interesses dos
criminosos, coincidindo com os interesses da lei.
A loucura no filme
Para criar o perfil do criminoso, Lang considerou o trabalho de Cesare Lombroso,
pioneiro da teoria do “tipo criminal” além de utilizar a frenologia, cnica que analisa as
tendências anti-sociais com base nas medidas de faces e crânios de seres humanos. O
trabalho de Lombroso, Atlas das Classes Criminais, apresenta o modelo de um assassino
132
RUIZ, E. A. O crime.... p.60.
133
KRACAUER, p. 255.
72
clássico, pelas suas composições físicas. A máxima do autor, “Não existem criminosos,
somente crimes”, foi citada por Lang mais de uma vez em entrevistas sobre o filme
134
.
Pela história, podemos interpretar que o assassino Frantz Becker é mais uma das
figuras do expressionismo alemão que mostra uma cisão do seu “eu” interior. Por um lado é
um cidadão normal, descrito pela senhoria da casa como uma pessoa quieta e asseada. Por
outro, um ser maléfico, no qual seu “eu” interior obriga a matar. Assim como o
protagonista Francis de O Gabinete do Doutor Caligari ele se imagina perseguido. As
manifestações da doença mental se dão através de uma seqüência de homicídios, que ele
próprio não têm como evitar. O seu inimigo está dentro dele mesmo, em sua mente. A
fictícia história de Frantz e outros casos reais são exemplos de transtornos que surgiram na
Primeira Guerra Mundial. Mais de uma década depois do conflito, eles ainda deixavam sua
marca na sociedade alemã, através do cinema.
2.3. - O despertar do Monstro: depressão, ciência e divindade em Frankenstein
Para driblar a crise econômica norte americana, o estúdio da Universal especializou-
se nos filmes de horror. A empresa passou a lançar filmes como Drácula (Dracula, 1931),
A múmia (The mummy, 1932) e Assassinatos na Rua Morgue (Murders in Rue Morgue,
1932). Uma dessas produções foi Frankenstein (Frankenstein, 1931), dirigida pelo inglês
James Whale. O filme lançou Boris Karloff na figura do Monstro. A produção apresentou
a loucura de causas orgânicas, em que a sanidade mental do indivíduo depende apenas da
integridade física do cérebro.
134
McGILLIGAN, p. 148.
73
Contexto
Em 1929, a quebra da Bolsa de Nova York alterou quase dez anos de prosperidade
econômica e crescimento industrial norte-americano. Uma série de quedas consecutivas das
ações arruinava investidores, empresários, industriais, e conseqüentemente, empregados, e
todo o país foi arrastado pelo turbilhão da depressão econômica.
A 21 de outubro de 1929, no Wall Street, vários milhões de títulos foram propostos
sem encontrar comprador. A 23, foram postos em venda 6 milhões de títulos. A 24, a
baixa acentuou-se; cerca de 13 milhões de títulos foram lançados no mercado, os
quais dificilmente encontrariam tomador. O aparelho que transmitia as cotações, o
ticker, estava congestionado e funcionava com um atraso de quatro horas. Com uma
alternância de altos e baixos, a queda prosseguiu inexoravelmente; a 29, eram mais
de 16 milhões de títulos que se abatiam sobre o mercado. Em dez dias, os “dez dias
negros”, dezenas de milhões de títulos mudaram de mãos, perdendo de 30 a 40% de
seu valor, por vezes ate 50%, e o valor global das ações cotadas no Wall Street,
estimado em 89 bilhões de dólares em 1º. de setembro, tinha caído para 71 bilhões,
ou seja, com uma depreciação global de 20%.
135
Como a economia americana era ligada ao crédito financeiro, a falta dessa base
comprometeu de maneira crítica a estrutura econômica. As empresas, industriais ou
comerciais, sofreram bastante com a crise; os bancos incapazes de satisfazer toda a
demanda, quebraram uns após os outros, arrastando para a falência outras empresas. O
presidente Hoover teve problemas imediatos e precisou enfrentar desemprego e , promover
a manutenção da ordem social, da paz nas indústrias e a prevenção do pânico.
136
As
indústrias que não fecharam as portas diminuíram sua atividade e demitiram parte do
pessoal, o que reduziu o consumo na economia. Esse círculo tornou-se vicioso, pois o
estoque se acumulava cada vez mais e o dinheiro demorava a entrar, causando novas
falências e mais desemprego. Seis meses mais tarde, o número de desempregados era de 3
milhões. Ao fim de um ano, 7 milhões. Em outubro de 1932, o índice chegou a 11 milhões,
135
REMOND, R. História dos Estados Unidos. São Paulo : Martins Fontes, 1989. p 97-98.
136
WARREN, H. G. Herbert Hoover and the Great Depression. New York : The Norton Library. 1967. p.
115.
74
cerca de 10% da população economicamente ativa
137
. “A produção industrial caiu então
abaixo da metade de seu nível de 1929”
138
.
A princípio, a situação foi encarada com certo otimismo, afinal era impossível que
ela se prolongasse. O presidente Hoover assegurava que “A prosperidade espera-os na
esquina da rua”. Esse era o prognóstico de quase todos os especialistas. A crise, contudo,
prosseguia, e começou a afetar o estado de espírito da população. “Os americanos perdiam
[...] sua confiança no dogma da livre iniciativa, nas virtudes da iniciativa privada e na
solidez dos pressupostos liberais”
139
. A crise continuou implacável, e cerca de vinte anos
foram necessários para atenuar o trauma causado pela quebra da bolsa.
O cinema na época
Indiferente à crise econômica, o cinema norte-americano cresceu bastante nas
décadas de 1930 e 1940, atingindo o ápice em “1946, quando a freqüência aos cinemas
alcançou os pontos mais altos de todos os tempos”
140
. Certamente, o cinema foi muito
importante para distrair a população norte americana enquanto o caos econômico
predominava. Isso se deveu ao preço dos ingressos, que baixou muito, e também pelas
sessões serem duplas. Embora houvesse um êxito inicial, a indústria cinematográfica não se
demonstrou insensível à crise na conjuntura econômica. Posteriormente, das oito grandes
companhias, apenas quatro (Warner Bros, MGM, Columbia e United Artists) suportaram a
crise sem alteração significativa. Sklar destaca que
de 1930 a 1934, foi fundamentalmente uma aberração, uma surpresa até para Hollywood.
A bita virada para o realismo social no início da era do som, para ciclos de melodrama
de gângsteres, de sexo e até políticos, foi afeiçoada pela mais crassa das conveniências: a
137
REMOND, p.98-99.
138
Id, p. 99.
139
Ibid.
140
SKLAR, R. p. 189.
75
busca de todas e quaisquer formas de choque e excitação capazes de atrair espectadores
ao cinema, à proporção que as condições econômicas se agravavam e os cinemeiros
começavam a desaparecer
141
.
Um dos choques promovidos pelo cinema inicialmente veio com o som. O
pioneirismo desta inovação é geralmente atribuído ao filme O cantor de Jazz (The Jazz
Singer, 1927). A produção apresentou o ator Al Jolson no papel do cantor Oland. Durante o
filme, ele interpretava diversas músicas, que se apresentavam em perfeita sincronia com as
cenas que estavam na tela. As canções eram My mammy”, Blue skye Toot toot tootsie
goodbye”, entre outras. O filme, no entanto, não é completamente falado. Ele apresenta
seqüências em estilo mudo, com as falas aparecendo na tela, e somente as partes das
canções eram sonorizadas. A tentativa foi uma das saídas que a Warner utilizou para evitar
a falência.
Mas os experimentos de filmes sonorizados são bem anteriores. em 1895, os
laboratórios de Thomas Alva Edison haviam preparado um sistema de películas com som
sincronizado. O problema era exatamente a sincronização entre som e imagem, que nem
Edison ou seus ajudantes conseguiram resolver. No ano de 1905, a firma francesa Gaumont
gravou vozes de atores norte-americanos, utilizando um sistema de som Chronofone, e
apresentou uma série de curta-metragens sonorizados. Novamente, o problema foi a
desincronização entre som e imagem. E para 1913, Edison anunciou que seu laboratório
havia aperfeiçoado um sistema de som superior. Ele havia aumentado a sensibilidade do
microfone de gravação, incrementado a capacidade de amplificação e melhorando a
141
Id, p. 207.
76
conexão entre fonógrafo e protetor. Após duas semanas de projeção, percebeu-se que o
problema de sincronização ainda não havia sido resolvido
142
.
Através da empresa American Telephone & Telegraph (AT&T) o som se
aperfeiçoou. Trabalhando com a subsidiária Western Electric, a AT&T procurava uma
maneira de registrar e aumentar a qualidade da transmissão telefônica à longa distância. A
Western experimentou um sistema tradicional de som em disco fonográfico e com o som da
película, e para 1922, haviam desenvolvido um amplificador, microfone e um motor de
toca-discos muito superiores. Com o nome de “som elétrico”, esses inventos produziam
volume e tom muito superiores à produção acústica da época. Em 1923, AT & T decidiu
potencializar os recursos destes inventos. Um fonógrafo elétrico era uma das possibilidades
mais evidentes, mas outra alternativa era a utilização do som no cinema. Este último foi o
caminho seguido pela empresa, que posteriormente se uniu à Warner Bros. A Warner
passou a comercializar filmes sonorizados quatro anos depois, quando criou a Vitaphone
Corporation. Somente em 1926 o ritmo de produção de filmes com som era satisfatório, e o
estúdio abriu a temporada cinematográfica de 1927 com oito filmes, que apresentavam
cantores de óperas e concertistas. Após um período de qualificação das salas
cinematográficas (elas precisavam se adaptar à nova tecnologia), em setembro de 1927 a
Vithaphone deu início ao primeiro longa metragem, O cantor de Jazz
143
. Somente no ano
seguinte apareceu o primeiro filme totalmente falado, Luzes de Nova Iorque (Lights of New
York)
144
142
ALLEN, p. 155-156.
143
Id, p. 158-161.
144
A problemática da inserção do som no cinema foi explorado cinematograficamente pelo filme Cantando
na Chuva (Singing in the rain, 1952).
77
A novidade do som adiou o impacto da crise sobre o cinema. Em 1930, a freqüência
às salas de projeção foi maior que no ano anterior e, conseqüentemente, o lucro das
empresas também. Foi a partir de 1932 que as coisas começaram declinar para a indústria
cinematográfica, quando cerca de um terço de todos os cinemas havia fechado, e o preço
dos ingressos caíra em torno de 30%
145
.
A história de Frankenstein
Frankenstein foi contado pela primeira vez na segunda década do século XIX. Em
1818, a escritora Mary Wollstonecraft Shelley publicou o livro Frankenstein ou o moderno
Prometeu
146
. Segundo Shelley, a história surgiu de uma aposta feita em 1816, entre ela e
Lord Byron. Depois de uma conversa sobre doutrinas filosóficas, sobre a natureza do
princípio da vida, a autora vislumbrou uma história realmente assustadora
147
. Imaginado o
cerne da história, a escritora logrou criar um livro que foi um dos primeiros sobre ficção
científica e explorou os progressos da ciência e os obscuros destinos que ela pode propiciar.
Na narrativa, o cientista e médico Victor Frankenstein consegue criar um outro ser vivo,
feito à imagem do homem. A experiência não tem sucesso, e o ser criado é uma criatura
pavorosa, de feições distorcidas: o Monstro.
A história que o filme conta foi adaptada de uma peça teatral. Desde a época do
lançamento do livro, outras peças haviam sido realizadas. A primeira delas data de 1823,
145
SKLAR, p. 190.
146
Pela mitologia, Prometeu era um dos titãs, uma raça gigantesca que habitou a Terra antes do homem. Ele e
seu irmão Epimeteu foram incubidos de fazer o homem e assegurar-lhe, e aos outros animais, todas as
faculdades necessárias à sua preservação. Informações obtidas em: BULFINCH, T. O livro de ouro da
mitologia: histórias de deuses e heróis. 9.ed. Rio de Janeiro : Ediouro, 2000. p. 22.
147
SHELLEY, M. Frankenstein. São Paulo : Martin Claret. 2000. p. 14-18
78
apresentada por Richard Peek
148
. Mas a peça que mais influenciou a produção do filme foi
uma versão escrita em 1927, chamada Frankenstein: na adventure in the macabre
(Frankenstein: uma aventura ao macabro) escrita por Peggy Webling, e realizada em
Londres. Nesta peça, a maquiagem do Monstro foi muito efetiva, e o ator Hamilton Deane,
que fazia o Monstro incorporou sapatos enormes e desajeitados, para parecer ainda maior –
um truque utilizado também na versão fílmica. Na produção teatral, a cena da criação não
utilizava nenhum dos efeitos que posteriormente se tornariam comuns no cinema. A
criatura simplesmente estremecia, movia-se e se levantava. O único truque foi uma
iluminação bem trabalhada
149
.
Em 1931, a Universal Studios, que estava sendo administrada por Carl Laemme Jr.
começou a investir e posteriormente se especializar nos filmes de horror. Era a receita para
a empresa superar a crise. Foi dessa maneira que surgiram os filmes Drácula (Dracula,
1931), Frankenstein (Frankenstein, 1931), A múmia (The mummy, 1932), Assassinatos na
Rua Morgue (Murders in Rue Morgue, 1932) entre outros. Todos esses filmes foram
protagonizados pelos atores Boris Karloff ou Bela Lugosi. A primeira produção de horror
da Universal foi Drácula. A película começou a ser filmada no outono de 1930, e tudo
correu tão bem que mesmo antes do lançamento, o administrador Carl Laemmle Jr. fechou
negócio com Frankenstein
150
.
Para a direção de Frankenstein foi inicialmente escalado Robert Florey. Nascido na
França, Florey tinha experiência no cinema europeu e concebeu um filme de estilo
francamente expressionista. A inspiração veio de filmes como O Golem (Der Golem,
148
Informação obtida do documentário Como Hollywood fez um Monstro: arquivos de Frankenstein. Presente
no filme em DVD.
149
SCHATZ, T. O gênio do sistema : a era dos estúdios em Hollywood. São Paulo : Cia das Letras, 1991. p.
105.
150
SCHATZ, p. 104.
79
1922), e Gabinete do Doutor Caligari. Por uma política de estúdio, ele foi substituído logo
no início da produção por James Whale. Whale era um diretor com mais experiência no
teatro e na sonorização. Ao diretor Robert Florey, enviado para outras obras, coube
direcionar seu entusiasmo a outro filme, também de estilo expressionista. Baseado no conto
de Allan Poe, surgiu Assassinatos da Rua Morgue (Murders in Rue Morgue, 1932), onde
Bela Lugosi atuou como cientista louco. Florey, no entanto, deixou elementos
expressionistas em Frankenstein.
Cenas de Assassinatos da Rua Morgue, dirigido por Florey. O entusiasmo do primeiro diretor escalado para
fazer Frankenstein se traduziu neste filme, de forte influência expressionista. Imagens extraídas do
Documentário “Como Hollywood fez um Monstro: arquivos de Frankenstein”, presente no filme em DVD.
James Whale havia trabalhado com um ator inglês chamado Colin Clive em uma
peça teatral de sucesso, A Journey´s end.
151
Surgiu assim a base do elenco para o filme. O
único empecilho foi criado pelo ator Bela Lugosi. O estúdio não ficou entusiasmado com
sua interpretação contida da criatura. Lugosi também não concordou com a idéia de
interpretar o Monstro. Whale, à procura de outro ator, esbarrou em Boris Karloff, também
inglês, que já havia feito cerca de oitenta filmes
152
. O que atraiu o diretor foi a expressão
151
Id, p. 105-106.
152
Essa informação foi dada pela filha de Boris Karloff no documentário Como Hollywood fez um Monstro
De acordo com ela, Frankenstein foi 81º. filme do ator, que já estava há dez anos em Hollywood. O ator, a
princípio, ficou com o orgulho ferido por ter sido escolhido para o papel, mas depois aceitou bem a missão.
80
ameaçadora e sensível do ator. Entrou então em cena o maquiador da Universal, Jack
Pierce, criador da assustadora visão do Monstro.
Jack Pierce (à esquerda) e um assistente criam a face assustadora do Monstro em Boris Karloff. Imagem
retirada de <http://www.imdb.com>, em 10/02/2004.
Frankenstein aproveitou bem os recursos sonoros e o choque que o cinema podia
proporcionar na época. Buscando atingir diretamente as emoções dos espectadores, o
diretor utilizou portas rangendo, sons de terra sobre caixões, uivos misteriosos, trovões,
gritos, barulhos de cordas. O filme mostrou cenas escuras, com cadáveres, forcas, práticas
médicas e de tortura. O clima de horror foi ainda mais explorado pela cena pós-produção
incorporada pelos diretores. Antes de o filme iniciar, o ator Edward Van Sloan (o
personagem Dr. Waldman da película) faz um discurso que aumentava ainda mais a
expectativa do público: O Sr. Carl Laemmle acha que seria indelicado apresentar este
filme sem uma palavra amiga de advertência. Estamos prestes a expor a história de
81
Frankenstein, um homem da ciência que procurou criar um ser à sua própria imagem, sem
prestar contas à Deus. É um dos contos mais estranhos jamais contado. E trata de dois
grandes mistérios da criação: vida e morte. Acho que os emocionará. Poderá chocá-los. E
até horrorizá-los. Se um de vocês não quiser sujeitar seus nervos a tal tensão, agora é sua
chance de... bem, nos avisamos
153
. Esse prólogo foi adicionado pelo produtor, por um
temor real de que o filme fosse muito forte para o público nervoso por causa da Depressão.
O que marca a produção foi a atuação de Boris Karloff, que se tornou uma das
imagens mais reconhecíveis do século XX. É necessário destacar que a maioria do público
conhece a história de Frankenstein através do cinema, e confunde o nome das personagens.
Frankenstein é associado à criatura e não ao cientista criador. As interpretações de
determinados atores atingem a população geralmente criando ícones culturais. Ao se pensar
em Frankenstein, imagina-se a figura interpretada por Boris Karloff como Monstro. Bela
Lugosi, outro grande ator da época, também se tornou o eterno Drácula, do filme de 1931.
Ambos os atores são exemplos da associação entre estrela e personagem, e estrela e gênero.
As personas cinematográficas ficaram fixadas para sempre, de modo que é inconcebível
que outros atores tenham sido Frankenstein ou Drácula
154
.
153
Trecho retirado dos primeiros minutos da película em DVD.
154
SCHATZ, p. 106.
82
O Monstro interpretado por Boris Karloff (à esquerda) em 1931 tornou-se um ícone cultural, graças à
interpretação ao mesmo tempo contida e agressiva do ator. Influências do expressionismo podem ser observadas
e o formato da cabeça vem da versão de Thomas Alva Edison de 1910, com Charles Oagle (à direita) no papel
do Monstro. Imagens extraídas de documentário em DVD, anexo ao filme.
O filme inicia com seqüências em um cemitério. Escondidos atrás de um túmulo, o
Dr. Henry Frankenstein (Colin Clive) e o anão corcunda Fritz (Dwight Frye, o Reinfield da
versão de Drácula) observam um sepultamento. Ao fim da cerimônia, eles desenterram o
falecido e roubam o corpo do falecido. Em seguida, rumam para um patíbulo, onde outro
morto jaz enforcado.
Duas cenas introdutórias do filme. O Dr. Frankenstein e o anão corcunda Fritz roubam corpos para
produzir um novo ser, de um cemitério e de um patíbulo. Os sons incluídos nas primeiras cenas colaboravam
com o clima de tensão. Na primeira foto, ao fundo vê-se a imagem da morte, na qual o Dr. joga uma pá de
terra. Imagens extraídas do filme em DVD.
83
Nenhum dos corpos satisfaz o Dr. Frankenstein, pois lhe faltava o mais importante:
um cérebro apropriado. Com as dificuldades para conseguí-lo em boas condições, Fritz é
incumbido de uma importante tarefa: roubar um cérebro da Escola de Medicina. No local
existem dois: um perfeitamente normal, e outro anormal, com disfunções. O professor
Waldmann (Edward Van Sloan) havia explicado a seus alunos as causas da disfunção: a
escassez de circunvoluções e degeneração no lóbulo frontal. Problemas que se refletiam na
vida brutal do homem a quem o cérebro pertencia: um assassino violento.
Na hora do roubo, Fritz deixa cair o cérebro são, que se despedaça no chão.
Impotente diante da cena, ele opta pela única alternativa: pegar o cérebro anormal. Começa
aqui a carreira trágica do ser criado por Frankenstein, que prossegue até o final do filme.
Na seqüência seguinte, temos a criação do Monstro. Elizabeth (Mae Clark), a noiva
de Henry, o amigo Victor e o Prof. Waldmann, preocupados com o desaparecimento de
Frankenstein, vão até o laboratório. O local de trabalho é uma torre isolada. Chegando lá,
ele está terminando sua experiência e não deixa ninguém entrar. Elizabeth insiste. Victor
acusa o cientista de estar ficando louco. Indignado, Henry Frankenstein proclama: Louco?
Vocês verão. [...] Um homem louco e três espectadores sãos!” Dando continuidade à
experiência, ele logra dar vida à criatura, sob o olhar atônito dos assistentes. Aos gritos,
brada: “Vivo, está vivo! [...] Pelo amor de Deus... agora sei como é se sentir um deus!”.
Com o auxílio da eletricidade gerada por relâmpagos, o Monstro ganha vida.
Durante seus primeiros dias de vida, ele é mantido na escuridão completa. Posteriormente,
ao conversar com o Dr. Waldmann, Henry explica a sua intenção ao criar o ser: Onde
estaríamos se ninguém tentasse descobrir o que está mais além? Você nunca quis olhar
além das nuvens e estrelas ou saber o que faz as árvores florirem e o que transforma a
escuridão em luz? Se falar dessa forma, será considerado louco!”.
84
Fritz vive atormentando o Monstro com fogo e chicotadas, até que em um
momento, é morto pela criatura. Frankenstein decide então destruir sua criação. Ele e o
Prof. Waldmann conseguem dopá-lo com uma injeção. Waldmann decide fazer uma
autópsia no Monstro. Enquanto isso, Frankenstein se afasta do laboratório, ao preparar seu
casamento com Elizabeth. Mas o Monstro não está morto. Pelo contrário, ele assassina
Waldmann antes da autópsia iniciar, escapando em seguida.
O Monstro brinca com Maria (Marilyn Harris) Cena que transmite a tragédia da criatura, desajeitado e
condenado por sua aparência.
Durante a fuga, ele acaba encontrando a menina Maria (Marilyn Harris), que brinca
na beira de um lago. O Monstro está feliz. Ele brinca com a menina e joga flores no lago.
Quando as flores acabam, ele joga Maria no lago, que morre afogada.
Na cidade, Frankenstein está nos últimos preparativos para o casamento, quando
recebe a notícia que Waldmann foi assassinado na torre. É quando o Monstro finalmente
consegue encontrar seu criador. No dia do casamento de Frankenstein, ele tem a noiva
atacada pela criatura, que foge em seguida. Ao mesmo tempo, no centro do vilarejo, o pai
de Maria carrega o corpo em seus braços, clamando por justiça ao assassinato da filha.
A cidade toda sai em perseguição ao Monstro, que, acuado, se refugia em um
moinho abandonado. Neste local, há uma luta física entre Frankenstein e o Monstro, criador
85
e criado. Henry acaba caindo do sótão do moinho. Os perseguidores ateiam fogo ao
moinho, e o Monstro morre queimado. A última seqüência mostra Henry Frankenstein em
convalescença, ao lado de Elizabeth.
Análise da obra
Do livro original de Frankenstein, pouca coisa permaneceu. Apenas a idéia central
de criar um homem novo, e alguns dos nomes das personagens. O Dr. Victor do livro, que
se tornou Henry Frankenstein, Elizabeth e o Monstro.
Durante a cena de abertura, um detalhe bastante significativo acontece. Enquanto
desenterra um corpo para sua experiência, o Dr. Frankenstein joga uma de terra no rosto
de uma estátua que representa a morte. Talvez a ação tenha sido proposital ou talvez não –
mas reflete exatamente os objetivos da história: a vitória da vida sobre a morte.
Várias das cenas do filme foram censuradas, por serem consideradas assustadoras
demais. A mais significativa, porém, é a cena da criação do Monstro, quando Frankenstein
grita Oh, Deus! Agora sei como é me sentir Deus!”. A Legião da Decência
155
, um grupo
católico pressionou pela retirada da fala de Colin Clive, e um corte físico no filme nesse
trecho. Na época havia um código de padrões morais (Código de Produção de 1930) que
ia tão longe quanto podia no sentido de expressar o ponto de vista dos bispos católicos sem
155
A liderança em torno da disputa da censura foi assumida, no ínicio da década de 30, por clérigos católicos
que possuíam unidade de ideologia e organização. Em 1933 foi fundada oficialmente a Legião de Decência,
que buscava coordenar uma campanha destinada a boicotar os filmes que a igreja católica considerasse
indecentes.
86
converter os filmes cinematográficos em teologia popular
156
. Além desta parte, foram
também censuradas as cenas de tortura do Monstro infligidas pelo corcunda Fritz. Figuram
ainda o afogamento de Maria e a cena de aplicação de uma injeção, filmada em close.
O Monstro é criado em um laboratório repleto de aparelhos e máquinas
mirabolantes. O design futurista do laboratório foi elaborado pelo inventor Kenneth
Strickfaden. Esse laboratório influenciou todos os laboratórios posteriormente utilizados em
filmes
157
.
A vida ao Monstro é conferida pela eletricidade
158
. No livro, contudo, a autora Mary
Shelley não havia descrito nenhum laboratório, tampouco se aproximado de um local
específico cheio de aparelhos. A descrição do momento da “criação” do ser é a seguinte:
Foi numa noite lúgubre de novembro que contemplei a realização de minha obra.
Com uma ansiedade que quase chegava à agonia, recolhi os instrumentos a meu
redor e preparei-me para o ponto culminante do meu experimento, que seria infundir
uma centelha de vida àquela coisa inanimada que jazia diante dos meus olhos. A
chuva tamborilava nas vidraças. Então, deu-se o prodígio.
À luz bruxuleante da vela quase extinta, vi abrirem-se os olhos amarelos e baços da
criatura. Respirou. Sim, respirou com esforço, e um movimento convulso agitou-lhe
os ombros
159
.
Simplesmente, não há nenhum laboratório, nem a utilização de raios, relâmpagos ou
eletricidade. É uma descrição bastante vaga, que deixa grande valor à imaginação do leitor.
Atualmente estamos tão acostumados com o filme da Universal, com todos os aparatos
elétricos, que não concebemos algo que seja diferente
160
. No livro, nenhuma explicação é
destinada ao momento de “dar vida” à criatura. Talvez ela seja feita através de magia negra,
156
SKLAR, p. 203.
157
Informação retirada do documentário Arquivos Frankenstein: Como Hollywood fez um Monstro (The
Frankenstein Files : How Hollywood made a Monster). Dirigido por David J. Skall, em 1999, e presente na
versão em DVD do filme Frankenstein.
158
Influências provenientes das experiências realizadas no século XVIII pelo médico italiano Luiggi Galvani,
acerca da base elétrica dos impulsos nervosos. RUIZ, E. A. História no cinema: ciência e horror na cultura de
massas (1910-1935). Anais da XXIII reunião da SBPH. Curitiba : 2002.
159
SHELLEY, p. 59.
160
Até mesmo a versão mais fiel ao livro, dirigida por Kenneth Branagh em 1994 (Frankenstein de Mary
Shelley - Mary Shelley’s Frankenstein) apresenta um laboratório. Contudo, neste filme a vida não vem do
relâmpago, mas da energia de diversas enguias elétricas.
87
de procedimentos médicos, ou até mesmo de energia elétrica. A própria autora, em seu
depoimento, diz que imaginou “um pálido estudioso das artes profanas ajoelhado junto à
coisa que ele tinha reunido. Eu via o horrível espectro de um homem estendido, que, sob a
ação de alguma máquina poderosa, mostrava sinais de vida e se agitava com um
movimento meio vivo, desajeitado”.
161
A cena da morte da menina Maria é o momento no qual transparece a tragédia do
Monstro. Ele não pode ser considerado um criminoso por isso, pois não conhece as regras
do mundo. É desajeito e inocente uma criança em crescimento, abandonada por seu
criador. Neste momento, ele pode ser até considerado simpático. Um toque de compaixão
se apresenta em relação ao Monstro. Ele é um objeto digno de pena, pois não pediu para ser
trazido ao mundo, e é condenado pela sua aparência.
Posteriormente o Monstro virou um dos símbolos da Universal, e o estúdio passou
quatro anos planejando um retorno. Esse retorno veio com A noiva de Frankenstein (Bride
of Frankenstein, 1935), com Boris Karloff novamente no papel de Monstro, desta vez
falando. Nesta versão o Dr. Henry Frankstein (Colin Clive) constrói um par para o
Monstro. O filme ainda traz outros elementos da história de Mary Shelley que não haviam
sido explorados na versão de 1931.
Em 1939 aparece O filho de Frankenstein (Son of Frankenstein, 1939), com Basil
Rathbone no papel do Barão Wolf Von Frankenstein. Boris Karloff foi pela última vez o
Monstro, contracenando com Bela Lugosi, o corcunda Ygor. Após essas continuações ainda
surgiram inúmeras outras, nos anos seguintes: O fantasma de Frankenstein (The ghost of
161
Essas asserções foram feitas pela autora em um prefácio de edição em 15 de outubro de 1831. SHELLEY,
p. 17.
88
Frankenstein, 1942), Frankenstein encontra o Lobisomem (Frankenstein meets the Wolf
Man, 1944), a Casa de Frankenstein (The House of Frankenstein, 1945), entre outros.
Frankenstein foi um dos filmes de maior bilheteria da década de 30 nos Estados
Unidos. Com um custo de 262 mil dólares, faturou acima de 12 milhões
162
. Boris Karloff
tornou-se um mito perene. O filme utilizou vários truques para atrair ainda mais a atenção
do público: ambulâncias na frente dos cinemas, enfermeiras no saguão, tônicos para
problemas dos nervos
163
. Indiferente a estes artifícios, o filme foi censurado completamente
em diversos países, tais como a antiga Tchecoeslováquia, Itália, Suécia e Sul da Austrália,
entre outros. Ao mesmo tempo, bateu recorde de bilheterias nos Estados Unidos. Figurou
como um entre os “Dez Mais” da lista do New York Times da época. Frankenstein
realmente venceu a morte, e traduziu durante os anos da crise uma idéia importante: as
pessoas gostam de ver tragédias quando estão deprimidas.
O diretor do estúdio Carl Laemmle acertou ao não deixar que o diretor James Whale
matasse a criatura nem seu criador – um erro que ele já lamentava ter ocorrido com
Drácula. A cena de encerramento do filme é a recuperação de Henry Frankenstein, deitado
em sua cama, ao lado de Elizabeth. Um final feliz, mensagem para o público da Depressão
que tudo também acabaria bem na crise econômica que assolava o país.
A loucura no filme
A loucura que se testemunha no filme é proveniente de uma degeneração fisiológica
do cérebro. Ao explicar as diferenças entre o cérebro normal e anormal, o Prof. Waldmann
atribui características organicistas aos distúrbios mentais.
162
RUIZ, História no...
163
A utilização desses elementos foi explorada pelo filme Matinê, uma sessão muito louca (Matinee, 1993),
um tributo ao diretor de filmes de horror da década de 1950, William Castle.
89
A explicação para essa importância do cérebro está relacionada a dois eixos: um que
se relaciona à história da psiquiatria, e outro que se relaciona à história do filme. Ambos se
interligam e se tornam, de certa forma, coerentes com o enredo do filme. Em primeiro
lugar, na década de 1930, o Dr. John Fulton, da Universidade de Yale, fez descobertas
importantes sobre o papel dos lobos frontais e temporais do cérebro no controle do
comportamento emocional e agressividade. Antes disso, porém, se sabia que o lóbulo
frontal faz parte do córtex cerebral local do cérebro que arquiva e analisa as informações
recebidas. Mais especificamente, o lóbulo frontal está ligado ao funcionamento intelectual
superior, armazena memórias e é o órgão essencial do raciocínio abstrato e da fala. De sua
integridade, depende a noção de moral e humor do indivíduo. A segunda parte do lóbulo
frontal – a porção que fica mais próxima à área do lóbulo parietal é a área motora, onde têm
origem os impulsos motores
164
.
Em segundo lugar, a escolha do cérebro justifica as atitudes violentas da criatura
logo no início da trama. Além de prejudicar a inocência nata do Monstro, ela possibilita e
ratifica uma série de acontecimentos que estão relacionados diretamente à figura
interpretada por Karloff. O Monstro é desprovido de fala, sua coordenação motora é
ineficiente e ele sofre de ausência moral. A loucura, de causa organicista, justifica todos os
atos de um indivíduo. Essa proposta organicista da doença mental foi contrária à tendência
psicanalista que vinha crescendo na época, e se voltou para uma psiquiatria que considera
as razões da doença puramente fisiológicas. Essa tendência pôde ser sustentada por um
retorno à medicina organicista que ocorreu em meados da década de 10 e influenciou a
década de 20.
164
ALEXANDER, op. cit. p. 359.
90
As idéias da importância da fisiologia do cérebro vêm das obras do cientista Prêmio
Nobel em 1904 Ivan Petrovich Pavlov. Pavlov buscava teorizar e explicar cientificamente o
comportamento humano integrado às teorias da Neurofisiologia, um trabalho que foi
publicado em 1932, mas de cujas indicações começam em 1901. Foi neste ano que Pavlov
iniciou uma análise e busca da explicação da “conduta e do trabalho mental do Homem”. A
ele interessava explicar fisiologicamente em que se distingue a função nervosa superior do
homem e, para isso, valeu-se de dois recursos: “estudar o comportamento (atividade
nervosa superior) dos antropóides e observar comportamentos de seres humanos, com sua
função função nervosa superior, decomposta ou desintegrada em elementos mais
simples”
165
O segundo recurso foi fornecido pelos cientistas Timofeev e Golovina, que com
outros médicos e auxiliares, cuidavam na cidade de Hudelnaia de um serviço de
atendimento a doentes mentais, que Pavlov começou a visitar sistematicamente, em 1917.
Daí se originaram as observações que serviram de base a sua contribuição para a teoria e a
prática psiquiátrica, inaugurada com uma publicação de 1919. O trabalho, intitulado “A
Psiquiatria Auxiliar da Fisiologia dos Grandes Hemisférios” trouxe a idéia de que a
utilidade psiquiátrica é um critério de veracidade da teoria fisiológica.
166
Além das idéias de Pavlov, outra corrente filosófica se observa no filme. A
violência e o crime tiveram suas raízes no próprio Monstro. Por isso, a melhor solução para
resolver o problema seria matá-lo. Destas características, pode-se notar que possui traços da
Eugenia. A Eugenia surgiu a partir das idéias do cientista Francis Galton, primo de
Darwin, empolgado com o trabalho de seu primo e com a recente redescoberta das
experiências realizadas pelo monge Gregor Mendel. A Eugenia brotou como uma nova
165
PAVLOV, I. P. Pavlov: psicologia: textos escolhidos. São Paulo : Ática, 1979. p. 10-11
166
Id, p. 11.
91
disciplina, baseada na genética mendeliana e na teoria da evolução das espécies de Darwin,
ao propor a melhoria genética da raça humana sob a tutela das “autoridades científicas”,
acelerando assim o papel da natureza
167
.
Galton lançou as bases da eugenia após publicar o livro Hereditary Genius (Gênios
hereditários), no qual defendia que “talento e capacidade são heranças genéticas”. Como
prova disto, usava o argumento de que as melhores famílias inglesas produziam os cidadãos
mais destacados, e se auto-incluía no próprio exemplo, clamando seu parentesco com
Darwin. O que de fato hoje se consideraria como condição privilegiada de certas classes
sociais foi visto como aptidão natural por Galton.
O primo de Darwin postulava que a condição genética humana seria fundamental
para a melhoria das próximas gerações e inventou uma matemática eugenista, onde tentava
classificar as pessoas de acordo com a sua excelência genética. De acordo com Galton, as
pessoas de “sangue ruim”, ou seja, geneticamente inferiores, eram capazes de piorar as
características genéticas de seus descendentes, não importando a qualidade do cônjuge do
ponto de vista genético, ou, em termos mais prosaicos, se tivesse o “sangue bom”. Disso
inferiu um dos princípios dessa matemática que postula o seguinte:
SANGUE BOM + SANGUE RUIM = SANGUE RUIM
SANGUE BOM + SANGUE BOM = SANGUE MELHOR
SANGUE RUIM + SANGUE RUIM = SANGUE PÉSSIMO
Galton então batizou a recém-criada ciência de eugenia (do grego, bem nascer). Ao
chegar a estas conclusões, Galton passou a desejar que o Estado controlasse os casamentos,
o permitindo àquelas pessoas consideradas superiores. Eis então a eugenia positiva, ou
seja, a melhoria da raça através da união de pessoas consideradas geneticamente superiores.
167
BLACK, E. A guerra contra os fracos. Rio de Janeiro : Girafa. 2003. p. 55-59.
92
Não obstante Galton dizia: “O que a Natureza faz de forma cega, lenta e impiedosa
o homem deve fazer de modo previdente, rápido e bondoso” Além disso, o cientista se
mostrava claramente contra a reprodução dos degenerados”: “Nenhum progresso ou
intervenção social poderia ajudar o incapacitado”
168
.
A Eugenia teve forte influência nos Estados Unidos, principalmente na virada do
século XX, e até a década de 1930 ela pôde ser observada
169
. Embora não transpareça
diretamente no filme, suas implicações no controle da doença do Monstro são bem
palpáveis. Por fim, por suas características físicas e mentais, o Monstro acaba morrendo.
Pode-se dizer, assim, que a conduta da criatura resultou não de circunstâncias sociais, mas
de uma condição biologicamente determinada, ou seja, organicista
170
.
Nos três filmes tratados percebem-se claramente as duas tendências mais
elementares da psiquiatria, quando se trata de definir a etiologia da loucura. Embora sejam
produções de lugares e temas diferentes e apresentem a doença mental de causas distintas, o
distanciamento das tendências psiquiátricas é pequeno. Nos filmes alemães, a causa dos
transtornos é a psicologia dos protagonistas. Seus sentimentos são anormais, alterados por
contextos sociais conturbados. Por outro lado, em Frankenstein¸ a produção norte-
americana considera as deformações do cérebro como causa dos distúrbios.
A loucura que se observa nestes três filmes remete aos atos dos protagonistas: a
violência injustificada, que o Monstro e Frantz Becker promovem, e as supostas fantasias
168
Ibidem.
169
Id, p. 69.
170
COSTA, J. F. História da Psiquiatria no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro : Documentário. 1976. p. 31-35. A
eugenia também teve influência no Brasil. Através de uma organização chamada Liga Brasileira de Higiene
Mental, fundada no Rio de Janeiro em 1923, pelo psiquiatra Gustave Riedel. Mas foi de 1928 a 1934 que os
psiquiatras ligados à L.B.M.H. definiram-se como higienistas. As ações do grupo se ligaram à Eugenia e a
higiene mental atingiu cientificamente o campo social.
93
de Francis, que se podem interpretar como delírios. A loucura testemunhada nos filmes
serve de justificativa para os atos dos personagens. Por serem loucos, suas ações se tornam
aceitáveis: matar crianças, como o observado em M e em Frankenstein, ou apresentar falsas
acusações contra o diretor do hospício, em Gabinete. Mais do que isso, fica perceptível que
a loucura apresentada é o elemento central da trama. Os atos dos protagonistas são a causa
e a conseqüência da narrativa: as mortes, as perseguições, os desenlaces, todos giram em
torno dos transtornos mentais. E essa loucura tão central nas películas discutidas é
proveniente de regras e valores que formam o contexto dos filmes. Os protagonistas dos
filmes são representações de tipos sociais identificáveis. E o cinema segue incorporando
elementos aspectos de nossa sociedade, para criar suas histórias.
94
CAPÍTULO 3
CONTROLE E TRATAMENTO DA LOUCURA
NO CINEMA
Um bisturi na mente que cura o demônio da alma...
John Cuckrowicz (Montgomery Clift) em
De repente, no último verão
A solução para presos comuns é só tratamento.
Destruir o reflexo criminal, só isso.
Ministro do Interior (Anthony Sharp) em Laranja Mecânica
Este capítulo analisa os tratamentos que a medicina psiquiátrica utiliza para
combater e controlar loucura. Para tal, utilizaremos outros três filmes. Um deles é a
produção de 1959, intitulado De repente no último verão, dirigido por Joseph L.
Mankiewicz. As outras obras são Um estranho no ninho, de 1975 do tcheco Milos Forman,
e Laranja Mecânica, dirigido por Stanley Kubrick, de 1972.
De repente é a adaptação da obra teatral escrita por Tennessee Williams, e a
narrativa do filme se passa em 1937, época de ascensão da lobotomia. A lobotomia, ou
psicocirurgia é uma intervenção cirúrgica no cérebro do doente, que procura aliviar os
sintomas mais agressivos causados pelos transtornos psiquiátricos. Nesta mesma vertente,
se insere o filme Um estranho no ninho, dirigido por Milos Forman, e baseado no livro de
Ben Kesey. Em Um estranho vê-se a história de Randle McMurphy, que pensa evitar a vida
na cadeia, se passando por doente mental. Porém, as coisas não são tão simples, e Randle
acaba sofrendo uma destas lobotomias.
95
O terceiro filme foi a produção de 1972 intitulada Laranja Mecânica. O filme
também é a adaptação do livro homônimo de Anthony Burgess. O filme retrata o criminoso
Alexander De Large, em uma sociedade futura. Para combater o crime, o governo começa a
utilizar um procedimento de reeducação radical: um tratamento condicionador de alto poder
de persuasão. Assim, o protagonista perde sua personalidade, e deve reaprender a viver na
sociedade.
Neste capítulo, os três filmes estão organizados de acordo com sua temática. Na
primeira parte figuram os filmes que tratam da lobotomia, e na segunda parte, o filme que
trata de condicionamento. A organização das análises segue o padrão do segundo capítulo,
descrevendo o contexto, a narrativa do filme, figurando em seguida a análise dos filmes, e
por fim, o exame do tipo de prática terapêutica que a película apresenta. Nos três filmes, a
história está centralizada nos tratamentos utilizados pela psiquiatria para combater os
transtornos dos protagonistas. Como isso se apresenta e qual os resultados que estes
tratamentos alcançam é o que se busca responder nas próximas páginas.
3.1. – Lobotomia em cena
O filme De repente no último verão (Suddenly, Last Summer), dirigido pelo norte-
americano Joseph L. Mankiewicz, foi lançado em 1959 pelos Estúdios Columbia. A
homossexualidade é o tema central do filme, mas a obra também apresenta um retrato
significativo da psicocirurgia, um tratamento da doença mental que se dá através de prática
cirúrgica. Uma outra produção que utilizou este mesmo tratamento como elemento da
96
história é Um Estranho no Ninho (One flew over cucko´s nest)
171
, dirigido pelo tcheco
Milos Forman e lançado em 1975. O primeiro filme a ser analisado é De Repente..., e em
seguida, analisaremos Um Estranho no Ninho.
Contexto de De Repente no Último Verão
O primeiro filme a ser analisado é De repente, no último verão. A narrativa tem três
momentos bem distintos: o primeiro, com a viúva milionária Violet Vanable (Katharine
Hepburn) tentando convencer o psiquiatra John Cukrowicz (Montgomery Clift) a realizar
uma lobotomia em sua sobrinha Catherine (Elizabeth Taylor), o segundo, que mostra a
conversa de Catherine com o cada vez mais intrigado Cukrowicz, e o terceiro, com o
desenrolar de toda a trama. Como citado, De repente é uma produção do fim da década de
50, e apresenta uma história ambientada em 1937.
De repente no último verão é um filme que busca retratar a homossexualidade. Na
produção, um jovem socialite, intelectual, sem rosto e sem voz é a personificação do gay.
Essa prerrogativa aponta para uma série de transformações que veio se desenvolvendo na
sociedade norte-americana da década de 1950. Segundo o pesquisador Richard Dyer, neste
período, o sexo passou a ser visto como a coisa mais importante da vida. Na época, os
Estados Unidos descobriram a sexualidade como a chave para o eu e, como aspecto central
da vida adulta. Essa sexualidade assume uma nova proeminência cultural e começa a ser
171
Um estranho no ninho foi um filme amplamente premiado. Ganhou as cinco principais estatuetas do
Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor atriz e melhor roteiro. Também recebeu prêmios da
Academia de Filme Britânica, vários Globos de Ouro, e o prêmio de Filme do Ano da Sociedade Americana
de Críticos de Filme, entre outros
97
visto como algo natural. O cinema, como conseqüência, começou se tornar mais ousado e
explícito em se tratando de sexo
172
.
Narrativa de De Repente, no Último Verão
A trama é centrada em Catherine, uma jovem que ao retornar de uma viagem de
férias na América Latina, apresenta comportamento estranho. A conduta é mostrada no
filme como resultante de um estado de histeria e tensão. A viagem, acontecida no verão
passado, resultou na morte de Sebastian, filho de Violet e primo de Catherine.
Violet tenta de todas as formas que a sobrinha passe por uma psicocirurgia. Para tal,
ela consulta o Dr. John Cuckrowicz, um famoso psicocirurgião. O médico já havia
realizado várias lobotomias com resultados positivos, apesar da falta de condições que seu
hospital oferece. No filme, a psicocirurgia aparece como um procedimento ainda em fase
experimental. O médico destaca que mesmo quando se entra no cérebro, mesmo o bisturi
mais fino, nas mãos do mais habilidoso cirurgião, ainda assim o risco é grande. Talvez
demore para se saber se os benefícios são passageiros, e mesmo assim há fortes
possibilidades de que o paciente fique sempre limitado”. Cuckrowicz ainda define
poeticamente a psicocirurgia como “um bisturi na mente que mata o demônio da alma”.
No filme, a tia diz que Catherine sofre de demência praecox
173
, ou seja, segundo
Violet, que é doida de tudo, coitada”. Ao ouvir a expressão, Cuckrowicz diz que deve
haver um diagnóstico mais preciso, pois demência praecox era um termo sem sentido.
Violet diz então que a doença se manifesta com loucura, obsessão, lembranças, visões,
alucinações fantásticas de natureza e ataques ao caráter de meu filho Sebastian”. Neste
172
DYER, R. Heavenly bodies : film stars and society. Londres : British Film Institute. 1986. p. 24-42. Citado
por TURNER, p. 107-108.
173
PORTER, R. Uma história social da loucura. 2.ed. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1991.p. 93-94. cita que o
termo foi identificado como “doença” perto do fim do século XIX, pelos psiquiatras Paul bius, por
Kraepelin e outros contemporâneos. Esse estado logo veio a ser rebatizado de esquizofrenia pelo eminente
Eugen Bleuer, em Zurique. Caracterizava-se, precariamente, por fuga da realidade.
98
instante, a mãe e o irmão de Catherine entram na casa de Violet. Eles vieram pegar as
roupas de Sebastian, pois elas servem no irmão de Catherine.
A cena seguinte acontece no hospital onde Catherine está internada. Uma das freiras
tenta tirar o cigarro da doente. Irritada, a personagem apaga o cigarro na mão da freira. No
intuito de evitar uma possível punição, Cuckrowicz intervém e começa a conversar com
Catherine.
Para dificultar a situação, uma série de interesses na realização da psicocirurgia
de Catherine. Em primeiro lugar, a família autoriza a cirurgia, em troca de dinheiro. Em
segundo lugar, Cuckrowicz é pressionado pelo diretor do hospital em que trabalha. Assim
que a cirurgia se realizasse, um edifício novo seria construído pela tia Violet. Em terceiro,
há a própria Violet, que considera a realização da lobotomia um bem para Catherine.
O conjunto de interesses externos desperta a curiosidade de Cuckrowicz. No
decorrer do filme, ele figura mais como investigador policial do que psiquiatra. O médico
faz vastos interrogatórios, procurando descobrir o que se passou no fatídico último verão,
elemento fundamental para se compreender o quadro histérico de Catherine. Embora ela
apresente algumas características que apontem seu desvio mental, Cukrowicz começa a
descartar a possibilidade de uma lobotomia, pois a tensão em que a paciente se encontra
pode perfeitamente ser o resultado de pressões a ela impostas. Para evitar a cirurgia, basta
descobrir o que aconteceu no último verão.
Catherine, em um determinado momento, se auto-define como uma histérica. De
fato, pela psiquiatria, os sintomas que Catherine apresenta no filme fazem parte do quadro
clínico clássico da histeria. O termo é um dos mais antigos na literatura psiquiátrica.
Historicamente, é visto como doença exclusivamente de mulheres, pois a palavra deriva de
histeron, o termo grego para “útero”. Hipócrates, considerado o pai da medicina, explicava
99
a etiologia da doença remetendo-a a migrações uterinas. “A doença se produziria pelo
estancamento de uma substância sexual que não era descarregada a nível genital, senão era
retida por abstinência sexual adquirindo um efeito tóxico. Ao espalhar-se pelo organismo,
esta substância afetaria a múltiplos órgãos e sistemas, provocando diversas expressões
patológicas: gritos, febres, convulsões, etc”
174
. Foi somente com os estudos do médico Jean
Martin Charcot que a histeria começou a ser mais bem definida pensamento que ainda
hoje permanece: o fato de ser uma enfermidade como tantas outras. E foi Charcot que falou
pela primeira vez de uma histeria masculina. Ele ainda desenvolveu o método hipnótico
como prática terapêutica para a doença.
Cukrowicz entrevista Violet em cena de De Repente no último verão. Imagem retirada de
<http://www.imdb.com>, em 05/04/2003
174
MAYER, H. Histeria. Porto Alegre : Artes Médicas, 1989. p. 16.
100
O discurso aleatório de Catherine é freqüente. Inúmeras vezes, ela desmente
detalhes e acrescenta novos exageros ao relato do fatídico verão passado, mas nunca se
lembra do ocorrido. Essa é a conduta que mais interessa a Cuckrowicz, porque considera
essa a provável causa do quadro da doente. Por fim, todos se reúnem na mansão da tia
Violet. Utilizando injeções, provavelmente um psicofármaco e auxiliado por técnicas de
hipnose, o médico sonda a paciente, até que todo o seu passado vem à tona. Catherine
explica o ocorrido durante a viagem que mudou seu comportamento: ela e seu primo
Sebastian passavam por um local chamado Cabeza de Lobo. Na localidade, o primo a fazia
andar próxima a praias públicas, utilizando um maiô branco que, quando molhado, ficava
transparente. Em seguida, ficava conversando com vários homens dessas praias. Em um
dos dias, esses homens começaram a perseguir Sebastian, que tentou fugir. Segundo
Catherine, quando seu primo foi apanhado ele é morto. Ela, ao encontrá-lo, observa que seu
corpo apresentava mordidas. Percebe-se que Sebastian utilizava Catherine como isca
para atrair outros homens. Ele era homossexual e a garota servia de pretexto para conversar
com homens. Antes de Catherine, a mãe de Sebastian era usada para esse fim. Como ela
estava ficando idosa e sem atrativos, ele precisava de outra mulher, e chamou a prima.
Catherine enlouqueceu ao descobrir que ele era homossexual. Ao ouvir a verdade, a tia
Violet, começa a delirar, e é internada como verdadeira louca. Desvendada a história, o
psiquiatra dá a liberdade a Catherine, e figura como o herói salvador.
Contexto de Um Estranho no Ninho.
Assim como De repente, Um estranho no ninho foi concebido como uma crítica à
pratica da lobotomia. A história do filme é ambientada em 1963, época de abandono da
lobotomia como prática terapêutica. Na verdade, a história vêm influenciada pela anti-
101
psiquiatria, que estava ampliando sua área de alcance. A antipsiquiatria foi criada por dois
médicos: o sul africano de ascendência inglesa David Cooper e o escôces Ronald Laing.
Uma das idéias que norteiam esse pensamento é o “não saber”, o desconhecimento do que é
a loucura, do que é estar louco. Para a psiquiatria tradicional, estar louco é estar doente
como ficar gripado
175
. Se mudarmos a nossa posição e passarmos a olhar a loucura de outro
ângulo e com instrumentos de raciocínio diferentes, ela não mais se parecerá com uma
doença. Será muito mais vista como um “jeito diferente de ser”, um jeito não-usual de se
estar no mundo. A teoria antipsiquiátrica propõe que determinados atos de pessoas perdem
seu significado quando tirados do contexto.
A antipsiquiatria prega que, para se conhecer a mente humana, não basta estudar o
cérebro, mas sim o complexo jogo de relações sociais mantido com outros indivíduos em
contextos sociais específicos. O psiquismo é produto das relações que mantemos com nosso
meio sócio cultural. Uma das grandes críticas que a antipsiquiatria faz é afirmar que os
tratamentos tradicionais são tão ineficazes em termos de “cura”. E mesmo assim continuam
sendo utilizados somente para atender a objetivos políticos e econômicos bastante claros.
Para a antipsiquiatria, o indivíduo é um ser em relação, e Ronald Laing afirma que
“compreendi então que o essencial é o que acontece entre as pessoas. E a prática
psiquiátrica é, mais ou menos, a completa negação disso”
176
. A psiquiatria é, na verdade,
uma forma de polícia, que pune e encarcera aqueles indivíduos considerados improdutivos.
Estar louco significa não aceitar uma determinada ordem de funcionamento das coisas, e o
175
DUARTE Jr. João Francisco. A política da loucura : a antipsiquiatria. 3.ed. Campinas : Papirus, 1987.pg.
25-45.
176
Id, p.25.
102
louco seria afastado do convívio com os homens “normais”, para não atrapalhar a
produtividade
177
.
Narrativa de Um Estranho no Ninho
O enredo trata de Randle Patrick McMurphy (Jack Nicholson), um criminoso que
pensa poder evitar a vida na cadeia se passando por doente mental. No hospital, porém, ele
conhece a sádica enfermeira Mildred Ratched (Louise Fletcher). A funcionária e sua rotina
entorpecente transformam o hospício em um local depressivo. Pouco a pouco, Randle
percebe que a instituição podia ser muito pior que a prisão.
Os choques entre Randle e a enfermeira Ratched se iniciam logo. A subversão de
Randle vai, lentamente, transformando-se em empecilho às propostas de cura de Ratched.
Essa tensão inicial torna-se uma grave incompatibilidade. Um ódio mutuamente
correspondido. Isso ocorre à medida que o paciente vai conquistando um papel importante:
ele começa a presidir os internos, organizar fugas, coordenar os jogos, enfim, a liderar os
doentes mentais da instituição. No filme, os pacientes, durante as fugas, apresentam um
estado psicológico bem tranqüilo. No hospital, todos são envergonhados, tímidos e
assustados. Quando imersos na sociedade, sentem-se bem, desinibidos, rejuvenescidos.
Esses avanços não são vistos com bons olhos por Ratched. Ela decide então manter Randle
sob custódia permanentemente. Essa é a primeira grande derrota de Randle, que imaginava
cumprir no hospício apenas o tempo determinado pelo juiz. Como o hospital não tem
função de reabilitação criminal, mas sim de cura psicológica, o tempo não corresponde ao
determinado pela justiça.
177
Id, p.13.
103
Randle organiza uma festa na instituição, trazendo bebidas e prostitutas. Durante a
noite, os pacientes ficam embriagados, e participam de uma orgia. Ao amanhecer, a
chegada de Ratched no hospital desencadeia uma crise nos pacientes. O terrorismo
psicológico imposto pela enfermeira Ratched é tão sádico que um deles acaba se
suicidando. Todos ficam abismados, olhando o corpo ensangüentado. Nessa hora, a
funcionária empurra os internos e impõe: “Voltem para seus lugares. O importante é
manter a rotina!”. Randle, enfurecido, ataca e tenta estrangular Ratched. É o momento
decisivo do filme. Por fim, a enfermeira acaba vencendo, e convence as autoridades do
hospício a realizar uma lobotomia em Randle, que é então transformado em um zumbi
complacente. No final, um dos pacientes, um gigante índio, Bromden (Will Sampson), livra
o amigo de sua existência vegetal, sufocando-o com um travesseiro. A rotina do hospital
retorna então ao normal, com a enfermeira Ratched conduzindo calmamente suas sessões
de terapia.
Análise das obras
O filme De repente é uma adaptação da peça teatral escrita em 1956 pelo norte-
americano Tennessee Williams e que possui o mesmo nome. A história aparece
influenciada pelo drama do autor. Sua irRose Williams foi submetida à psicocirurgia.
Ela começou a sofrer colapsos nervosos e foi diagnosticada como esquizofrênica. Depois
de muitas tentativas sem sucesso de terapia, ela passou por uma lobotomia pré-frontal em
104
1943, em Washington. A cirurgia terminou mal, e Rose ficou uma inválida pelo resto da
vida
178
.
Embora produzido em 1959, a história do filme se passa em 1937, época de
ascensão da psicocirurgia. Na produção, a narrativa está relacionada a três pontos distintos:
o homossexualismo, a loucura, e a psicocirurgia. A doença de Catherine é proveniente do
choque causado pela descoberta da homossexualidade e posterior morte de seu primo,
Sebastian. No intuito de evitar a disseminação desta descoberta, Violet lança a idéia de
“arrancar a verdade” do cérebro através de uma lobotomia
179
. Por estas implicativas, o tema
central de De repente no último verão é o homossexualismo. De repente seguiu o caminho
aberto por um filme de 1956, chamado Chá e Simpatia (Tea and Sympathy), dirigido pelo
italiano Vicente Minnelli
180
. De acordo com William J. Mann, Chá e Simpatia indica o
credo dominante da época: “se a pessoa parecesse gay e andasse como gay, era gay
181
. De
repente foi mais longe que Cno aspecto do homossexualismo, mas em nenhum instante
o rosto de Sebastian aparece. Pode-se interpretar que o homossexualismo existia, mas
preferia se manter anônimo.
Um estranho no ninho é a adaptação do livro homônimo do norte-americano Ben
Kesey, e se passa em 1963, quando a lobotomia já se encontrava fora de uso. A audiência é
conduzida de modo a apoiar os internos, ao invés de seus guardiões. Como tal, o filme
desenvolveu a idéia de que o eletrochoque e a lobotomia são considerados métodos
178
SABBATINI, R. M. E. A história da lobotomia. Em: Revista Cérebro Mente. Revista eletrônica de
divulgação científica em neurociência. <http://www.epub.org.br/cm/n02/historia/lobotomy_p.htm>. Visitado
em 12/08/2003.
179
“Arrancar a verdade” é a expressão utilizada por Catherine em uma das seqüências do filme.
180
Em Chá e Simpatia, Laura Reinolds (Deborah Kerr) é a esposa de um professor e ajuda o aluno Tom Lee
(John Kerr) a resolver questões sobre sua masculinidade.
181
MANN, W. J. Bastidores de Hollywood : a influência exercida por gays e lésbicas, 1910-1969. São Paulo :
Landscape, 2002. p. 385.
105
indesejáveis e ditatoriais da sociedade, estabelecidos para impor castigo e submissão às
suas normas.
Ao contrário de Catherine, em De repente no último verão, Randle chega a sofrer a
intervenção cirúrgia, transformando-se em um ser sem vida. Essa foi a principal crítica que
a lobotomia passou a sofrer: o caráter definitivo da cirurgia, que mutilava irreparavelmente
uma parte do cérebro. Nela não é extraída uma parte dispensável do organismo, como o
apêndice, mas a área essencial ao ser humano – sua personalidade – é destruída para
sempre
182
.
Os dois filmes mostram a psicocirurgia como uma prática desumana e cruel, que
transforma os homens em seres desprovidos de vontade. As opiniões dos protagonistas dos
filmes são descartáveis e condenáveis perante a sociedade. Por estes motivos, elas podem
ser excluídas fisicamente de seus corpos.
A prática da psicocirurgia
Em De repente no último verão e Um estranho no ninho, o uso da psicocirurgia
serviria como instrumento de controle social. Violet procura utilizar o tratamento para
esconder a homossexualidade de seu filho Sebastian. Em Um estranho no ninho, a
lobotomia figura como um procedimento necessário para conter os supostos impulsos
violentos e transgressores de Randle.
A moderna psicocirurgia têm raízes ainda nos fins do século XIX, em 1890, quando
o cirurgião Richard Brickner retirou partes de lóbulos frontais de um paciente enquanto
extraía um tumor. Após o procedimento, Brickner relatou que o operado parecia menos
preocupado e menos inibido, e não mostrou ter sofrido uma deterioração intelectual.
182
ALEXANDER, p. 370.
106
Posteriormente, o Dr. John Fulton, um dos neurologistas experimentais da Universidade de
Yale, comprovou o efeito da remoção completa dos lobos frontais em dois chimpanzés,
com os quais não conseguia mais induzir nenhum um tipo de neurose experimental. Os
animais pareciam aceitar melhor a frustração e ficaram fáceis de lidar
183
.
Dr. John Fulton
184
Dr. Albert Egas Moniz
Tendo ouvido esses fatos relatados por Fulton em um congresso internacional em
Londres, o neuropsiquiatra português Dr. Antônio Egas Moniz, professor de neurologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, teve a idéia de realizar uma operação
semelhante. Moniz raciocinou que seccionando as fibras nervosas que unem o córtex
frontal e pré-frontal ao tálamo (uma estrutura localizada no meio do rebro, responsável
por transmitir as informações sensoriais para o neocórtex). Deste modo, ele achava que
183
Id, p. 369-370.
184
As duas fotos foram obtidas no site: Revista Cérebro Mente: Revista eletrônica de divulgação científica em
neurociência. <http://www.epub.org.br/cm/n02/historia/lobotomy_p.htm>, em 24/04/2003
107
poderia ocorrer uma interrupção nos pensamentos repetitivos
185
. Moniz lançou a idéia de
um círculo vicioso, no qual idéias mórbidas ficam intensificadas se não forem refreadas.
Ele acreditava que essas idéias estimulam e reestimulam o neurônio. Embora nenhuma
mudança patológica pudesse ser percebida nas células nervosas de pacientes que sofriam de
psicoses funcionais, Moniz “ficou particularmente impressionado pela circunstância de
certos pacientes mentais terem uma existência mental circunscrita confinada a um ciclo
limitado de idéias que, dominando todas as outras, revolvem constantemente o cérebro
doente do paciente
.
186
Segundo o autor Alexander, Moniz tentou aliviar os sintomas
mentais severos em pacientes considerados intratáveis
187
.
A primeira lobotomia frontal foi realizada no ano de 1935. Moniz, trabalhando com
o colega neurocirurgião Dr. Almeida Lima, desenvolveu então uma abordagem cirúrgica
que ele denominou de leucotomia ("corte da substância branca"). Ele abria uma série de
185
SABBATINI, Op. cit.
186
ALEXANDER p. 370.
187
Ibid.
188
As fotos foram obtidas no site: Cérebro Mente. Revista eletrônica de divulgação científica em
neurociência. <http://www.epub.org.br/cm/n02/historia/lobotomy_p.htm>, em 24/04/2003
188
108
orifícios no crânio, por onde passava um instrumento chamado leucótomo de fio.
Realizando movimentos laterais, ele cortava as fibras e o paciente podia se recuperar
rapidamente. Moniz relatou os resultados com alguns poucos pacientes. Pessoas que eram
gravemente agitadas, ansiosas ou deprimidas, tinham mostrado bons resultados em alguns
casos, enquanto que em outros não se obtivera sucesso. Moniz foi cauteloso em propor que
a leucotomia deveria ser utilizada somente quando os transtornos não tivessem mais
nenhuma esperança de tratamento por outros meios
189
.
Durante a década de 1940, a lobotomia foi preconizada freqüentemente para
pacientes irretratáveis resistentes a tratamentos de choque.
190
A mortalidade em operações
pré-frontais era em torno de um ou dois por cento, mas se ergueram altos protestos contra
seu emprego. Pacientes submetidos a essa espécie de cirurgia não ficavam apenas mais
calmos, muitas vezes eram reduzidos à condição de plácidos ‘zumbis’. Muitos operados
tinham falta de ambição, tato e imaginação, embora talvez eles parecessem mais calmos,
suas famílias não sentiam o mesmo.
191
A lobotomia teve anos de glória, principalmente nos Estados Unidos. O
procedimento invadiu o país. Entre 1939 e 1951, foram realizadas mais de 18 mil
lobotomias nos EUA, e dezenas de milhares mais em outros países
192
. A cirurgia foi
realizada em larga escala nos anos 40, devido ao grande número de casos psiquiátricos
trazidos pela Segunda Guerra Mundial. Foi amplamente usada como instrumento para
189
SABBATINI, Op. cit.
190
A maioria das pessoas relaciona o tratamento de choque com a eletroconvulsoterapia. De fato, o
eletrochoque (criado pelos médicos Ugo Cerletti e Lucio Bini) foi um dos procedimentos preferidos, por sua
simplicidade, mas foi desenvolvido apenas em 1937. Antes desse ano, os tratamentos de choque eram
desenvolvidos através de medicamentos. A utilização deste último tipo de tratamento remonta a 1933, e foi
desenvolvida pelos médicos Ladislau Von Meduna e Manfred Sakel. Meduna trabalhou com o
pentilenotetrazol (conhecido como metrazol ou cardiazol), conseguindo resultados bastante positivos.
Manfred Sakel anunciou resultados com a terapia por coma insulínico.
191
ALEXANDER, p. 370.
192
SABBATINI, op. cit.
109
controlar o comportamento indesejável dos doentes e esvaziar os hospitais superlotados
(fazia sentido financeiramente, pois o procedimento custava cerca de 250 dólares, contra
um custo de 35 mil dólares ou mais, por ano, para cada interno).
193
Algumas críticas
indicaram o fato de que pacientes com pensamentos recorrentes gravemente mórbidos
(psicoses obsessivas) não tinham seus sintomas aliviados. Com o passar dos anos, porém, a
lobotomia foi deixando de trazer os benefícios esperados. Índices demonstravam que
apenas um terço dos pacientes apresentava melhora, enquanto outro terço permanecia na
mesma, e o terço restante piorava. Cada vez mais a prática começou a ser condenada,
principalmente pelos danos irreversíveis causados ao cérebro. Na década de 70, essa
condenação se reverteu em leis, que restringiram seu uso
194
.
23
Id.
194
Id.
110
3.2 – O Laranja Mecânica
Um dos filmes mais significativos que apresentam o tratamento da doença mental
foi produzido no ano de 1972 e dirigido pelo americano Stanley Kubrick, sob o título de
Laranja Mecânica (Clockwork Orange).
Cartaz do filme “Laranja Mecânica” Extraído do site <http://www.imdb.com>, visitado em 13/09/2003
Laranja Mecânica envolve um contexto agravado por escândalos políticos como o
Watergate e pelo fracasso da intervenção americana no Vietnã. Richard Nixon se elegeu
como 37º. Presidente dos EUA em 20 de janeiro de 1969, pelo Partido Republicano. Ele se
elegeu com uma pequena diferença nas urnas, cerca de 118 mil votos, de um total de 69
milhões. Como presidente Nixon deu prioridade a assuntos exteriores e de forma
significativa reorientou as políticas norte-americanas. Em julho de 1969, ele esboçou o
111
amplo princípio que guiaria sua administração, e que foi chamada de Doutrina Nixon: Os
EUA participaram na defesa e desenvolvimento de seus aliados e amigos, mas a nação não
pode nem vai conceber a todos os planos, realizar todos os programas, executar todas as
decisões nem carregar nos ombros toda a defesa das nações livres do mundo. Daremos
ajuda quando isto significar uma verdade e quando se considerar que é em nosso proveito”.
Essa doutrina de Nixon envolveu uma limitação dos gastos da Doutrina Trumann, e que se
baseou em Law and Order Lei e Ordem. Nixon também prometeu em sua campanha
concluir a Guerra do Vietnã. Lenta, mas constantemente, o presidente se empenhou em
retirar as tropas americanas ao mesmo tempo em que levava adiante vigorosas campanhas e
buscava uma paz vigiada. Ainda que a maioria da população parecia estar em favor de uma
retirada gradual, crescia o número de cidadãos que defendiam o fim imediato da guerra. Por
fim, em janeiro de 1973, se chegou ao acordo e dois meses depois o último combatente
deixou o Vietnã. A luta entre os vietnamitas, contudo, não terminou. Mas a participação
americana custou aos EUA mais de 57 mil mortos, mais de 300 mil feridos em mais de 135
milhões de dólares.
195
Posteriormente, Nixon protagonizou um escândalo político que
custou sua renúncia, algo sem precedentes na história americana. Foi o caso Watergate. Em
junho de 1972, cinco homens foram presos por invadir o escritório do Partido Democrata
no edifício Watergate, em Washington DC. Apesar da relação existente entre os
arrombadores e o Partido Republicano, a história foi abafada. O candidato republicano,
McGovern atraiu pouca atenção ao incidente. Em meados de 73, no entanto, um dos
acusados da invasão do edifício decidiu cooperar com as investigações. A confissão foi
seguida por outras, incluindo a de um conselheiro de Nixon. O presidente foi acusado de
195
BAYLIN, B.; DAVIS, D. B.; DONALD, D. H.; The great republic. Lexington, Massachusets : DC and
Company. 1977. p. 1250-1264.
112
utilizar recursos do governo em favorecimentos, movimentação ilegal de fundos,
sabotagem política, entre outras. Por fim, Nixon renunciou em 9 de agosto de 1974
196
.
Essas crises políticas ocorrem no momento em que se modifica a indústria
cinematográfica. Surge, neste momento, o que se chama de New American Cinema, o Novo
Cinema Americano. Desde meados da década de 60, o público norte americano exigia
filmes que apresentassem novas perspectivas de uma coletividade em crise. Produções
complicadas e complexas que desafiassem e surpreendessem os espectadores. A distância
entre a realidade e a ficção estava encurtando-se cada vez mais, pois a identificação com a
própria vida passou a ser valorizada. Um novo público surgia. Ele procurava algo além dos
rostos de astros conhecidos. Um público com uma consciência mudada pelas drogas,
politizado, que questionava as injustiças, aclamando por direitos humanos. Os estúdios
cinematográficos tiveram que se adaptar a essa nova audiência. Nesse momento surgem os
filmes como Bonnie e Clyde: uma rajada de balas (Bonnie and Clyde, 1967); A primeira
noite de um homem (The Graduate, 1967), Sem destino (Easy Rider, 1969). É a partir
desse meio conturbado que Stanley Kubrick dirigiu um filme “perturbador”. A história de
um jovem da classe trabalhadora que utiliza a violência como meio de expressão. Estes
filmes não foram produzidos em Hollywood, mas em Nova York, por meios independentes.
Narrativa do filme
A ação se passa na Inglaterra, num futuro próximo, desolador e violento. Gangues
futuristas, amorais, destemidas e cruéis, fazem parte desse cenário de um mundo decadente.
O retrato de uma sociedade à mercê da violência civil e institucional descontrolada, onde a
liberdade de escolha é ameaçada pelo autoritarismo político.
196
Ibid.
113
O protagonista do filme é Alexander De Large (Malcolm McDowell), o louco da
história. Um adolescente desajustado, agressivo e desequilibrado, que odeia e agride as
instituições e os seres humanos, sem razões aparentes, sejam políticas ou ideológicas. Alex
é um anti-herói. Ele encontra prazeres igualmente intensos em uma sinfonia de Beethoven e
na prática de estupros. As primeiras seqüências de Laranja Mecânica refletem essa
perspectiva hedionda. Líder de uma gangue, ele pratica a “boa e velha ultraviolência”:
espancar mendigos, invadir casas, roubar, pilhar, destruir, estuprar, vandalizar e executar
qualquer outra ação que seja sinônimo de agressão à sociedade. De acordo com seus
valores, não é o horror dos fatos que nos choca, mas sim o prazer que ele sente em executá-
los. No filme, Alex descreve o espancamento de um mendigo: Georgie deu-lhe uma no
róte desdentado com seu maozão cheio de anéis, e isso fez o veque velho começar a gemer
aos potes. começou a sair o sangue, meus irmãos, uma beleza. (...) Pete deu-lhe um
lindo chute na pança, então nós largamos ele.
Em uma dessas noites de violência, Alex acaba espancando uma senhora até a
morte. Como resultado, é preso e condenado a catorze anos de prisão. No presídio, perde
seus bens e sua identidade, passando a ser reconhecido por um número. A partir de então,
ele se torna o 655321.
No filme, o Reino Unido está sofrendo com a delinqüência juvenil e conseqüente
superlotação dos presídios. A grande justificativa para a utilização de um aparelho de
reeducação radical é essa superlotação. Uma conversa do Ministro do Interior (Anthony
Sharp) com o diretor de um presídio demonstra isso com clareza:
MI: Criminosos amontoados, criminalidade concentrada, crime em meio do
castigo.
Diretor: Concordo. Precisamos de prisões maiores, dinheiro...
114
MI: Nem pensar. O governo não se interessa mais por velhas teorias penológicas.
Logo, precisaremos das prisões para presos políticos. A solução para presos comuns é
tratamento. Destruir o reflexo criminal, só isso.
Em Laranja Mecânica, o local de tratamento (Centro Médico Ludovico) tem
objetivo de tratamento dos delinquentes, com finalidade legal. A ciência entra a serviço do
governo. Esta aparece na figura aterrorizante do Doutor Brodski (Carl Duering) e seus
assistentes, Dr. Alcoot (John J. Carney) e Dra. Branom (Madge Ryan). Esta é a equipe que
trata a delinqüência de forma reducionista. De acordo com eles, tudo não passa de
associações mentais inoportunas que podem ser corrigidas, rearranjadas em 15 dias, para
isso se fazendo justo empregar métodos de tortura física e psicológica disfarçados de
tratamento.É nessa medida em que o médico assume a figura do policial para combater um
mal social.
O Ministro do Interior é o personagem que simboliza o Estado. Ele comenta sobre
essa clínica: “O governo não pode mais se preocupar com teorias penais fora de moda.(...)
É melhor lidar com criminosos comuns de maneira terapêutica. Basta matar o instinto
criminoso”.
Em caráter experimental, jovens são encaminhados para um programa de
reabilitação alternativo e radical. Trata-se de um condicionamento forçado, uma lobotomia
computadorizada. Um tratamento médico que transforma delinqüentes em “homens de
bem”. Corrigir os cidadãos transgressores em um curto período é a promessa da Técnica de
Ludovico, que associa os instintos humanos de violência a um extremo mal estar físico,
fazendo com que o indivíduo se torne incapaz de agressão. Esse tratamento consiste na
administração de uma droga experimental e na exibição de filmes de violência desenfreada.
A droga age no cérebro, causando mal-estar, e estando quimicamente induzido, o jovem faz
115
associações do desconforto à violência. A descrição do Dr. Brodski é bastante
esclarecedora: “Muito em breve, a droga levará o paciente a uma paralisia similar à
morte, além de uma profunda sensação de terror e desamparo. Uma de nossas primeiras
cobaias disse que foi como morrer por sufocação ou afogamento. E é nesse período, pelo
que descobrimos, que o paciente fará as associações mais proveitosas entre o catastrófico
ambiente da experiência e a violência que presencia”.
A técnica Ludovico em utilização. Camisa de força e utilização de psicotrópicos são a base do tratamento.
Imagem obtida em: <http://www.imdb.com>, em 22/05/2004.
Na ânsia de alçar a liberdade em duas semanas, o protagonista Alex se submete a
esse experimento que pretende erradicar a criminalidade e liberar vagas do presídio do
Estado. Ele comenta: “Para ser um maltchique livre novamente em 15 dias, eu estava
disposto a agüentar muita coisa, meus irmãos”. A delinqüência de Alex começa, a partir
deste ponto, a ser tratada como uma doença, passível de tratamento psicoterápico somado a
ingestão de drogas, representadas pelo “soro experimental” que os cientistas injetam em seu
sangue.
116
Ao comentar a primeira sessão do tratamento, Alex diz ter sido “horrível”. A Dra.
Branon responde: “É claro. A violência é uma coisa terrível. É isso que seu corpo está
aprendendo”.
A partir deste ponto, a história fica claramente dividida em duas: Alex agressor e
Alex vítima. O protagonista é um misto de sensibilidade, espirituosidade e crueldade. Ao
fim do tratamento, ele passa por uma espécie de prova. É induzido a praticar violência, e se
sente mal ante à menor presença de agressão. O jovem é humilhado, tentado, espancado,
mas não reage. Ele perdeu totalmente sua vontade. Deixou de ser agressivo e violento e se
tornou um “laranja mecânica”. Pelos parâmetros utilitaristas do Estado, o tratamento foi um
sucesso.
Após essa demonstração, Alexander é recolocado em liberdade. Um “novo
homem”, de acordo com os psiquiatras encarregados do caso. Com um comportamento
alterado e portando uma personalidade totalmente desconhecida, Alex percebe que perdeu
sua família, seus amigos, é abandonado, e se torna uma vítima da sociedade que um dia
agrediu impensadamente. Terá de reaprender a viver, sem amigos, sem dinheiro, e sem
nenhuma espécie de auxílio após o tratamento. Em desespero, ele tenta o suicídio, e todo o
drama evidencia as práticas desumanas do governo.
Ao fim, no intuito de evitar as críticas, o Partido visita Alex, internado em um
hospital. Com uma breve regressão, o paciente restabelece sua psicologia anterior
Análise da obra
O filme Laranja Mecânica tem outra característica importante. Ele antecipa, no
cinema, as histórias de ciência, ficção e horror cyberpunk. O universo cyberpunk é um
mundo tecnologicamente avançado, onde a produção cultural é esvaziada e diluída. Nele,
117
apresenta-se uma versão crítica de uma situação sócio-cultural futura, no qual as histórias
são uma alusão à incapacidade do desenvolvimento tecnológico de evitar a decadência da
sociedade pós-moderna, retratada nos filmes. Situação causada pela eficiência e rapidez dos
meios de comunicação de massa, que desfazem rapidamente valores, práticas e realidades,
transformando tudo em espetáculo e mercadoria
197
. Exemplos da literatura de cyberpunk
política são as obras Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell.
No cinema, o mais claro exemplo de cyberpunk é o filme Blade Runner - o caçador de
andróides, de 1982, dirigido por Ridley Scott. O filme Laranja Mecânica também foi
adaptado do livro homônimo de Anthony Burgess
198
, redigido em 1962, e é considerado o
prenúncio do movimento punk.
Laranja Mecânica apresenta uma história revolucionária e assustadora. Nela se
encontra uma perspectiva de futuro obscura e satírica, de uma sociedade decadente,
atormentada pela violência civil. Mais angustiante ainda é a proposta totalitarista e política
do Estado, que não mede esforços para alcançar seus objetivos. Para isso, lança mão da
ciência e de seus mecanismos, indiferente da reflexão histórica e social. A grande questão
que o filme traz ainda é: onde está a verdadeira violência? Na delinqüência ou no
totalitarismo?
Além dessa constatação, o filme é o retrato de um mundo em crise política e
socialmente, conturbado, descrente do governo, atormentado pela possibilidade do
totalitarismo, capitalista ou comunista. É nessa vertente que o filme lança sua crítica: ela
não se dirige especificamente a uma ordem política ou social, mas sim ao mundo, em toda
sua forma.
197
BRANDÃO, A. C.; DUARTE, M. F. Movimentos culturais de juventude. 10. ed. São Paulo : Moderna.
1990.
198
BURGESS, Anthony. A Laranja Mecânica. Ediouro S.A, RJ, 1994.
118
O tratamento de Alex
O filme é centrado no tratamento de Alex. Ele é iniciado quando o Ministro do
Interior resolve fazer uso de mecanismos disciplinadores de natureza científica para tratar o
criminoso Alex. No filme, esses mecanismos têm sua natureza psicológica ressaltada, uma
vez que atuam no íntimo do sujeito. O Estado usa de saberes científicos, simbolizados pela
junta de pesquisadores de formação não identificada, para exercer seu poder disciplinador
no delinqüente Alex, a fim de transformá-lo em um cidadão dócil e obediente das leis. O
interesse do Estado é a redução de criminosos nos presídios, o que é evidenciado como uma
preocupação financeira. O Estado opta pelo tratamento psicológico, mas que tão somente
condiciona os presos a não cometerem crimes: não reeduca de fato, e nem os prepara para a
vida em sociedade. Fica também o evidente interesse político. Esse tratamento foi a
proposta do Partido Político que está no governo para erradicar a violência e conseguir a
reeleição.
Os crimes dos quais Alex é culpado não são vistos de um ponto de vista
psicossocial: tratam-se tão somente, para o Estado, de um problema do indivíduo. Essas
ações são consideradas de uma perspectiva organicista (causa fisiológica) da doença,
acusando o indivíduo, e somente ele, dos males causados à sociedade. Uma degeneração
do cérebro que deve ser combatida. As demais relações sociais que Alex estabelece com
seus amigos, familiares, colegas e professores são totalmente excluídas do tratamento.
Essas interações que são subestimadas durante o tratamento, transmitem o desajuste do
doente mental ao meio social. De certa forma, esse conceito diferente das propostas
psiquiátricas da época, que já se viam influenciadas por outras metodologias de tratamento,
tais como a antipsiquiatria. Laranja Mecânica é um filme produzido na mesma época que
119
Um estranho no ninho, e como tal, condena as práticas orgânicas e tratamentos que
desprezam as relações sociais do doente.
O filme despreza totalmente as indicações da antipsiquiatria, e indica um tratamento
condicionante. No livro Cinema e Filosofia, do espanhol Juan Antonio Rivera, há uma
constatação sobre a prática utilizada em Laranja Mecânica
199
. O autor considera o
tratamento uma prática de condicionamento clássico para o controle da conduta, e
exemplifica com o seguinte relato:
Uma experiência realizada por dois psicólogos: John B. Watson (o pai do
behaviorismo) e Rosalie Rayner. Ambos decidiram instalar deliberadamente uma fobia
em um menino de onze meses, chamado Albert; depois da experiência, Albert passou a
ter fobia de rato branco. Antes da experiência examinaram a conduta de Albert:
comprovaram que era um menino tranqüilo, bonachão e pouco excitável; descobriram
que se sobressaltava e começava a chorar diante de duas coisas concretas: a perda
momentânea de equilíbrio e ruídos fortes. Mostraram-lhe uma série de animais e
objetos (brinquedos, um cachorro, um jornal pegando fogo, um rato branco), e o
menino reagia com confiança, aproximando-se deles e tentando tocá-los com a mão.
Uma vez constatado que o menino era de natureza calma e que, em especial, não sentia
medo algum do rato branco que lhe mostravam, começaram a criar artificialmente nele
esse medo. O que fizeram era muito simples: mostraram ao menino o rato branco ao
mesmo tempo em que golpeavam fortemente um peça de metal por trás dele.
Realizaram várias vezes essa estimulação conjunta da presença do rato e do ruído
intenso, provocando soluços e demonstrações de temor cada vez mais patentes em
Albert. Depois dessa série de estimulações conjuntas, mostraram-lhe apenas o rato,
sem o acompanhamento do ruído: o menino chorou violentamente e tentou escapar do
animal o mais rápido que pôde. A fobia havia sido criada: o rato, que a princípio não
lhe inspirava temor, transformou-se em um animal que despertava fobia; era agora um
estímulo que havia se “apoderado” da resposta de medo correspondente ao estímulo
aversivo do ruído forte; produzia no menino a mesma reação de pânico que este, e tal
reação acabou perdurando.
200
Essa mesma experiência foi realizada com Alex: uma superexposição de imagens de
violência, associadas a um forte mal-estar induzido pelo soro experimental. Psiquicamente,
a violência estará sempre associado ao desconforto: tornou-se o rato branco de Albert. Essa
associação, que o autor Rivera chama de condicionamento clássico também é conhecida
como condicionamento pavloviano, e incorpora a seguinte teoria: “a condição fundamental
199
RIVERA, J. A. O que Sócrates diria a Woody Allen : cinema e filosofia. São Paulo : Editora Planeta do
Brasil, 2004. p. 70.
200
Id, p. 71-72.
120
para que exista um reflexo condicionado é a coincidência, no tempo, uma ou várias vezes
sucessivamente, de uma excitação indiferente”
201
. Para a personagem Alex, o reflexo
condicionado é o mal-estar que a violência lhe provoca.
Vista como uma patologia tratável por uma curta e devastadora psicoterapia de
choque, a marginalidade teve sua etiologia e verdadeira natureza desprezadas. A
criminalidade, tratada como doença serviu como pretexto para o Estado controlar a mente e
seqüestrar a liberdade de escolha do sujeito Alex.
Nos três filmes analisados, o tratamento procura promover um controle social da
loucura, desprezando a etiologia da doença. Esse procedimento, nos filmes, o assegura a
melhoria do paciente, mas da sociedade que o cerca. Nas produções, o retrato que os
tratamentos apresentam são vistos como pessimistas, que destroem a psicologia dos
protagonistas. Em De repente, a etiologia da doença remete a causas psicológicas, o choque
de descobrir o homossexualismo de Sebastian. Em Laranja, as causas da doença são
desprezadas e tudo e considerado como um problema orgânico, reduzido a Alex. Para
resolver o problema, acha-se justo utilizar um super-condicionamento, que destrói a
personalidade do protagonista.
Nos filmes, as propostas de tratamento são consideradas desumanas, incoerentes
com as patologias das personagens. Os resultados são bastante significativos: nenhuma das
propostas funciona. No único filme que ela ocorre, Um estranho no ninho, ela transforma
Randle em um ser sem vontade, um zumbi. Em Laranja o tratamento chega a ocorrer, mas
com conseqüências trágicas. Os resultados são tão pouco significativos que são
201
PAVLOV, p. 44.
121
descartados. A lobotomia, pelas estatísticas, que apontavam poucos resultados positivos. E
em Laranja, pela proposta totalitarista, que ao fim é descartada. Laranja Mecânica e Um
estranho no ninho também funcionam como promoção da teoria antipsiquiátrica, que se
encontrava em alta na época.
Os tratamentos psiquiátricos que os filmes apresentam transformam-se em
denúncia de práticas cruéis, que destroem o paciente. A violência da sociedade para com o
doente mental vem disfarçada de tratamento nos três filmes analisados.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aparentemente, a loucura e o cinema compreendem duas noções totalmente
distintas entre si. O cinema tem a função de entreter, de divertir, enquanto a loucura trata da
relação do indivíduo com o mundo, de algo que está relacionado com a quebra da ordem
social aceita pela sociedade num momento dado. No decorrer do trabalho, se percebe que
doença mental e cinema têm alguns pontos em comum.
Ainda hoje não existe uma definição exata do que é a loucura. Atribui-se a loucura
às suas causas, mas não se diz, efetivamente, o que é doença mental. Para definir o que é a
doença mental, adotamos uma ciência: a psiquiatria. Ela é quem define quem é louco e
quem é normal. Para isso, ela se apóia em alguns métodos. Algumas práticas, consideradas
mágicas, foram abandonadas, enquanto métodos científicos buscavam as explicações para a
doença mental São essas duas bases que definem o que consideramos como louco. Um é o
método orgânico, que aponta causas físicas para explicar nosso comportamento. O outro, o
psicológico, que considera nossas relações com o meio e nosso subconsciente como causa
123
dos transtornos. Dentro desses meios, a doença mental começa a ser definida como uma
maneira diferente de se relacionar com a sociedade.
Pelo lado do cinema, também não temos uma definição precisa, algo que diga o que
é cinema. Para responder a esta questão, alguns apontam algo que podemos considerar um
método orgânico: responder o que é cinema através do maquinário, de transformações
tecnológicas, do mecanismo de persistência retiniana. Mas no cinema também existe o que
seria um método psicológico: buscar responder o que é cinema através de seu estilo, de sua
arte, do que ele apresenta na tela.
Não se pode esquecer que o cinema e a psicanálise nasceram praticamente juntos. E
que ambos sofreram transformações no decorrer dos anos. Mais de um século se passou
desde o considerado nascimento do cinema, quando os irmãos Lumière apresentaram seus
dez filmes no subsolo do Gran Café, em Paris, nos primeiros ensaios do que hoje
consideramos simples fotografias em movimento. Mais de um século se passou desde o
nascimento da psicanálise, que indicou nossa própria mente como origem de alguns tipos
de transtorno. O cinema, por sua vez, aperfeiçoou seu objetivo principal: fingir que é real. E
a psiquiatria também modificou seus procedimentos e seus diagnósticos.
A psiquiatria é uma forma de ciência, e acompanha as transformações tecnológicas.
Uma ciência que nasceu com o objetivo da prevenção. De salvar a sociedade do doente
mental ou salvar o doente mental da sociedade. E o cinema, por sua vez, nasceu com o
objetivo de estudar o movimento, fingir que é real, representar a sociedade. E se, por fim, o
cinema é uma indústria, não podemos nos esquecer que a psiquiatria também pode ser. Para
exemplificar, Alan Serrano cita o que ele chama de mercantilização da psiquiatria: “os
Estados Unidos tratam, em um ano, cerca de 35 milhões de casos com drogas antipsicóticas
dentro de hospitais. 20 milhões de casos recebem antidepressivos, e 30 milhões recebem
124
tranqüilizantes menores. São, ao todo, 85 milhões de pessoas, tomando remédios para
diminuir o sofrimento psíquico e dando lucros às multinacionais farmacêuticas”.
202
Cinema e psiquiatria caminharam juntos. Por fim, muitos pesquisadores, como
Walter Benjamin e Jacques Derrida indicaram que fenômenos ligados à projeção, ao
espetáculo e à percepção deste espetáculo, possuem equivalentes psicanalíticos. A análise
cinematográfica consiste em se aproximar da leitura psiquiátrica, e observar os detalhes que
estão em relação direta com as causas e conseqüências das ações das personagens. Dessa
relação entre cinema e psiquiatria, restava ao cinema se apropriar da doença mental e
utilizá-la para suas histórias. Foi exatamente o que aconteceu. A loucura se transformou
num dos artifícios mais amplamente utilizados pelo cinema, para no decorrer dos anos, a
loucura figurar em comédias, tramas, suspenses, horror, entre outros.
E o que dizer do futuro? Que novos caminhos estamos seguindo? Estamos rumando
para uma nova psiquiatria ou a um novo estilo de cinema? Ao se analisar cerca de meio
século de cinema, é possível se dizer tanto a cinematografia quanto a psiquiatria se dirigem
para novas práticas. Nesta nova era que se esboça, com um cinema dominado pela
computação gráfica, o que o historiador pode esperar? E da medicina, que tem avançado a
passos largos, nos caminhos da bioquímica, biogenética, nanotecnologia, entre outras? A
representação da loucura continua aparecendo de forma constante no cinema. Não se pode
esquecer que filmes como Frankenstein trabalharam com o horror que a ciência é capaz de
proporcionar. Atualmente, o cinema segue as mesmas vertentes. A indústria
cinematográfica continua a explorar as potencialidades que a ciência é capaz de oferecer. E
a psiquiatria continua a figurar como elemento importante para a narrativa cinematográfica.
202
SERRANO, p. 57.
125
Na sociedade e no cinema, as formas de tratamento também foram se modificando.
Elas apontaram muito mais para novos estilos de prática médica, muito mais ligado à
tendências mais compassivas. Embora a loucura que o cinema explora muitas vezes seja
uma loucura assassina ou dramática, as práticas que utilizamos para “controlar” o doente
ultrapassam o que consideramos “humano”. Filmes da década de 1970, como Laranja
Mecânica e Um estranho no ninho denunciaram métodos desumanos de tratar a doença
mental, e apontaram para novas tendências, que havia algum tempo vinham se
desenvolvendo. Filmes como Uma mente brilhante (A beautiful mind, 2001) indicaram
ainda mais prerrogativas para as tendências da psiquiatria: o paciente foi capaz de alcançar
a cura por seus próprios meios. Se considerarmos as diferenças de tratamentos para a
loucura mostrada pelos filmes em um espaço de tempo tão curto, o que dizer de uma
produção da década de 1930, que considerou a morte como meio de sanar o problema da
loucura (lembrar do fim de Frankenstein), e um do início do século XXI que aponta o
próprio doente como seu médico (Uma mente...)? São essas transformações inerentes de
nossa sociedade que o cinema se apropria e representa. Não se pode esquecer que são
valores, regras, normas do conjunto social, que as produções cinematográficas aprisionam,
transformam e apresentam ao espectador. O cinema apresenta, através de suas histórias,
como pensamos o doente mental, como o tratamos, e principalmente, como o controlamos.
E através do cinema, testemunhamos que, muitas vezes, é a sociedade que nos enlouquece.
E a psiquiatria opera como um agente de controle social, disfarçado sob o rótulo de
tratamento.
Por fim, o objetivo desta dissertação não foi encerrar um tema de pesquisa, mas sim
abrir um caminho para muitos outros. Atualmente, com a retomada do cinema brasileiro,
novos estudos sobre o cinema vêm se desenvolvendo. Mas estes trabalhos consideram
126
apenas o cinema brasileiro, sua trajetória histórica, suas novas fronteiras, temática que se
distancia da proposta desta dissertação. O cinema estrangeiro é, ainda, o que mais
admiramos, e o que exerce maior impacto sobre nossa sociedade. Até a década de 60, o
cinema de Hollywood foi o mais importante difusor de idéias.
A conclusão de uma pesquisa não é seu encerramento, mas sim o início de diversas
outras possibilidades. As conclusões nunca são definitivas e levam a outras questões que
apresentam respostas distantes dos objetivos pretendidos. Resumindo, a nossa sociedade
cria o louco e depois o apresenta no cinema. Pareceria ser que Johann Wolfgang von
Goethe tinha razão quando afirmou: “Não precisamos ir a uma instituição psiquiátrica para
encontrarmos mentes desequilibradas. Nosso planeta é o grande hospício do Universo”.
127
APÊNDICE
É importante ressaltar que o cinema, assim como qualquer outra fonte, é
possível de fichamento para posterior avaliação. Para tal, são utilizados dois programas.
Um deles é o DVDx 2.2, que possibilita a captura de mídias em formato de DVD,
transformando os arquivos do formato IFO e VOB em arquivos de extensão MPG Layer 1 e
MPG Layer 2, passíveis de visualização em qualquer computador com Windows 98 ou
superior. Para a digitalização das mídias em VHS, é utilizado o programa Ulead Vídeo
Studio 8.0, que possibilita não a captura em tempo real das cenas do videocassete, como
também fornece uma mesa de edição bastante eficiente.
Interface do Programa DVDx 2.2
Interface do Programa Ulead 8.0
128
FILMOGRAFIA VERIFICADA
(em ordem cronológica)
O Estudante de Praga – (Der Student Von Prag) – 1912
Dirigido por Hanns Heinz Ewers
Escrito por Hanns Heinz Ewers, Edgar Allan Poe
Tipo: P&B
País de Origem: Alemanha
Duração: 85min.
Elenco: Paul Wegener, John Gottawt, Grete Berger.
Produtora: Deutsche Bioscop
Distribuidora: LS Vídeo
Nascimento de uma nação – (The Birth of a Nation) – 1915
Dirigido por D. W. Griffith
Escrito por Thomas F. Dixon Jr.
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 125 min.
Elenco: Lílian Gish, Mae Marsh, Miriam Cooper.
Produtora: David W. Griffith Corp.
Distribuidora: Continental Home Vídeo
O Gabinete do Doutor Caligari - (Das Kabinett des Doktor Caligari) - 1919
Dirigido por Rober Wiene
Escrito por Hans Janowitz e Carl Mayer
Tipo: P&B
País de Origem: Alemanha
Duração: 67min.
Elenco: Werner Krauss, Conrad Veidt, Friedrich Feher, Lil Dagover
Produtora: Decla Bioscop
Distribuidora: Elite Entertainment (DVD)
O Médico e o Monstro – (Dr. Jekill & Mr. Hyde) – 1920
Dirigido por John Robertson
Escrito por Clara S. Beranger
Tipo:P&B
País de Origem: EUA
Duração: 63min.
Elenco: John Barrymore, Martha Mansfield, Brandon Hurst.
Produtora: Famous Players, Lasky Corporation
Distribuidora: Continental Home Vídeo.
129
Encouraçado Potemkim – (Bronenosets Potyomkin) – 1925
Dirigido por Sergei Eisenstein
Escrito por Nina Agadzhanova
Tipo: P&B
País de Origem: Rússia
Duração: 72 min.
Elenco: Aleksandr Antonov, Vladimir Barsky
Produtora: Goskino
Distribuidora: Image Entertainment.
A mãe – (Mat) – 1926
Dirigido por Vsevolod Pudovkin
Escrito por Maximo Gorky
Tipo: P&B
País de Origem: Rússia
Duração:
Elenco: A Chistiakov, Anna Zemtova
Produtora:
Distribuidora: Continental Home Vídeo
Metrópolis – (Metropolis) – 1926
Dirigido por Fritz Lang
Escrito por Fritz Lang
Tipo: P&B
País de Origem: Alemanha
Duração: 127 min.
Elenco: Alfred Abel, Rudolf Klein-Rogge, Brigitte Helm
Produtora: UFA
Distribuidora:
Outubro – (Oktyabr) – 1927
Dirigido por Sergei Eisenstein
Escrito por Grigory Aleksandrov
Tipo: P&B
País de Origem: Rússia
Duração: 104 min.
Elenco: Vladimir Popov, Vasili Nikandrov.
Produtora: Sovkino
Distribuidora: Continental Home Vídeo
130
O homem com uma câmera – (Chelovek s Kinoapparatom)
Dirigido por Dziga Vertov
Escrito por
Tipo: P&B
País de Origem: Rússia
Duração:
Elenco:
Produtora
Distribuidora: Continental Home Vídeo.
Drácula – (Dracula) – 1931
Dirigido por Tod Browning
Escrito por John L. Balderston, Hamilton Deane
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 75 min.
Elenco: Bela Lugosi, Helen Chandler, Dwight Frye.
Produtora: Universal
Distribuidora: Universal
Frankenstein – (Frankenstein) – 1931
Dirigido por James Whale
Escrito por Mary Shelley, Peggy Webling
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 71min.
Elenco: Boris Karloff, Colin Clive, Mae Clark.
Produtora: Universal
Distribuidora: Universal
O Médico e o Monstro - (Dr. Jekill and Mr. Hyde) - 1931
Dirigido por Rouben Mamoulian
Escrito por Robert Louis Stevenson, Samuel Hoffenstein
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 98min.
Elenco: Fredric March, Miriam Hopkins, Rose Hobart, Holmes Herbert.
Produtora: Paramount.
Distribuidora: MGM (VHS), Warner (DVD)
131
M - O Vampiro de Dusseldorf - ( M ) - 1931
Dirigido por Fritz Lang
Escrito por Paul Falkenberg, Egon Jacobson
Tipo: P&B
País de Origem: Alemanha
Duração: 99min.
Elenco: Peter Lorre, Ellen Widmann, Inge Landgut, Otto Wernicke, Theodor Loos, Gustaf
Gründgens, Friedrich Gnaß.
Produtora: NeroFilm AG.
Distribuidora: FJ Cinematográfica.
A Máscara de Fu Manchu – (The Mask of Fu Manchu) – 1932
Dirigido por Charles Brabin
Escrito por: Edgar Allan Wolf, John Willard.
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 67min.
Elenco: Boris Karloff, Myrna Loy, Lewis Stone, Karen Morley.
Produtora: MGM
Distribuidora: MGM
A Ilha do Dr. Moreau / The Island of Lost Souls – (The Island of Lost Souls) – 1933
Dirigido por Erle C. Kenton
Escrito por Philip Wylie, Waldemar Young
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 70min.
Elenco: Charles Laugton, Bela Lugosi, Richard Arlen, Kathleen Burke.
Produtora: Paramount Pictures
Distribuidora: Universal
King Kong – (King Kong) – 1933
Dirigido por Meriam C. Cooper, Ernest B. Shoedsack
Escrito por Merian C. Cooper
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 100 min.
Elenco: Fay Wray, Robert Armstrong, Bruce Cabot
Produtora: RKO
Distribuidora: Continental Home Vídeo.
132
Vampire Bat – (The Vampire Bat) – 1933
Dirigido por Frank R. Strayer
Escrito por Edward T. Lowe
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 63min.
Elenco: Lionel Atwill, Melvyn Douglas, Fay Wray.
Produtora: Majestic Pictures
Distribuidora: LS Vídeo
O Gato Preto – (The Black Cat) – 1934
Dirigido por Edgar G. Ulmer
Escrito por Peter Ruric, Edgar Ulmer, Edgar Alan Poe
Tipo: P&B
País de Origem: Eua
Duração: 66min.
Elenco: Bela Lugosi, Boris Karloff, David Manners, Jacqueline Wells.
Produtora: Universal
Distribuidora: Continental
O Triunfo da Vontade – (Triumph des Willens) – 1934
Dirigido por Leni Riefenstahl
Escrito por Leni Riefenstahl
Tipo: P&B
País de Origem: Alemanha
Duração: 114 min.
Elenco: Adolph Hitler, Josef Goebbels
Produtora: Leni Riefenstahl Produktion
Distribuidora: Synapse Filmes
Quando fala o Coração – (Spellbound) – 1945
Dirigido por Alfred Hitchcock
Escrito por Ben Hecth, Angus MacPhail.
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 111min.
Elenco: Ingrid Bergman, Gregory Peck, Leo G. Carrol.
Produtora: Selznick International Pictures.
Distribuidora: United Artists
133
Espelho da Alma – (Dark Mirror) – 1946
Diretor: Robert Siodmak
Roteiro: Nunnaly Johnson
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 85min.
Elenco: Olívia de Havviland, Thomas Mitchel, Lew Aires
Produtora: International Pictures
Distribuidora: Universal Pictures.
Na Cova das Serpentes – (The Snake Pit) – 1949
Dirigido por Anatole Litvak
Escrito por Millen Brand, Frank Partos
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 108min.
Elenco: Olívia de Havilland, Mark Stevens, Leo Gelm, Celeste Holm.
Produtora: 20th. Century Fox.
Distribuidora: 20th. Centurty Fox.
Crepúsculo dos Deuses – (Sunset Boulevard) – 1950
Dirigido por Billy Wilder
Escrito por Charles Bracket, Billy Wilder
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 100min.
Elenco: Gloria Swanson, William Holden, Eric VonStroheim.
Produtora: Paramount Pictures
Distribuidora: Paramount Home Vídeo.
Almas Desesperadas – (Don´t bother to knock) – 1952
Dirigido por Roy Ward Baker
Escrito por Daniel Taradash
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 76min.
Elenco: Marilyn Monroe, Richard Widmark e Anne Bancroft.
Produtora: 20th. Century Fox.
Distribuidora: 20th. Century Fox.
134
A noiva do monstro – (Bride of Monster) – 1955
Dirigido por Edward D. Wood Jr.
Escrito por Edward D. Wood Jr.
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 78min.
Elenco: Bela Lugosi, Tor Johnson, Tony McCoy, Loretta King.
Produtora: Rolling M. Productions.
Distribuidora: Continental Home Video.
O pecado mora ao lado – (The seven year itch) – 1955
Dirigido por Billy Wilder
Escrito por Billy Wilder, George Axelrod
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 109 min.
Elenco: Marylin Monroe, Tom Ewell, Evelyn Keyes.
Produtora: 20th. Century Fox.
Distribuidora: 20th. Century Fox
Chá e Simpatia – (Tea and Sympathy) – 1956
Dirigido por Vicent Minelli
Escrito por Robert Anderson
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 122 min.
Elenco: Deborah Kerr, John Kerr, Leif Erickson
Produtora:
Distribuidora:
Ben Hur – (Ben Hur) – 1959
Dirgido por William Wyler
Escrito por Karl Tunberg, Lew Wallace
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 212 min.
Elenco: Charlton Heston, Jack Hawkings, Stephen Boyd
Produtora:
Distribuidora:
135
De repente, no último verão - (Suddenly, last summer) – 1959
Dirigido por Joseph L. Mankiewicz
Escrito por Gore Vidal e Tennesse Williams
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 118min.
Elenco: Elizabeth Taylor, Katherine Hepburn, Montgomery Clift.
Produtora: Columbia Pictures Corporation.
Distribuidora: Columbia Pictures.
Psicose – ( Psycho) - 1960
Dirigido por Alfred Hitchcock
Escrito por Robert Bloch, Joseph Stefano
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 109 min.
Elenco: Anthony Perkins, Vera Miles, John Gavin, Martin Balsam,
Produtora: Shanley Productions.
Distribuidora: Universal Pictures.
Spartacus – (Spartacus) – 1960
Dirigido por Stanley Kubrick
Escrito por Dalton Trumbo, Howard Fast
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 184 min.
Elenco: Kirk Douglas, Laurence Olivier, Tony Curtis
Produtora: Universal
Distribuidora: Universal Pictures.
Freud, além da alma – (Freud, the secret passion) – 1962
Dirigido por John Huston
Escrito por Charles Kaufmann, Wolfgan Reinhardt
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 139 min.
Elenco: Montgomery Clift, Susannah York, Larry Parks.
Produtora: Universal International Pictures.
Distribuidora: Universal Pictures.
136
O que Terá Acontecido a Baby Jane? – (What Ever Hapenned to Baby Jane?) – 1962
Dirigido por Robert Aldrich
Escrito por Lukas Heller
Tipo: P&B
País de Origem: EUA
Duração: 132min
Elenco: Joan Crawford, Bette Davis, Victor Buono.
Produtora: Warner.
Distribuidora: Warner Home Video.
Bonnie e Clyde – Uma rajada de balas – (Bonnie and Clyde) – 1967
Dirigido por Arthur Penn
Escrito por Robert R. Benton, David Newman
Tipo: Color
Pais de Origem: EUA
Duração: 111 min.
Elenco: Warren Beaty, Faye Dunaway.
Produtora:
Distribuidora:
A primeira noite de um homem – (The Graduate) – 1967
Dirigido por Mike Nichols
Escrito por Buck Henry
Tipo: Color
País de Origem; EUA
Duração: 105 min.
Elenco: Dustin Hoffman, Anne Bancroft.
Produtora:
Distribuidora:
Sem destino – (Easy Rider) – 1967
Dirigido por Dennis Hopper
Escrito por Peter Fonda, Dennis Hopper
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 94 min.
Elenco: Peter Fonda, Dustin Hoffman, Jack Nicholson
Produtora:
Distribuidora:
137
Laranja Mecânica – (Clockwork Orange) - 1971
Dirigido por: Stanley Kubrick
Escrito por Anthony Burgess, Stanley Kubrick.
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 137 min.
Elenco: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates, Warren Clarke.
Produtora: Warner.
Distribuidora: Warner Home Video.
Um Estranho no Ninho – ( One flew over the cucko´s nest) - 1975
Dirigido por: Milos Forman
Escrito por: Lawrence Hauben, Bo Goldman
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 129 min.
Elenco: Jack Nicholson, Louise Fletcher, Brad Dourif, Danny de Vito, Christopher Lloyd,
Will Sampson
Produtora: Fantasy Films.
Distribuidora: Warner Home Video.
O Iluminado – (The Shining) - 1980
Dirigido por: Stanley Kubrick
Escrito por: Stephen King, Stanley Kubrick.
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 119 min.
Elenco: Jack Nicholson, Shelley Duvall, Danny Loyd, Scatman Crothers.
Produtora: Warner.
Distribuidora: Warner Home Video.
Louca Obsessão – (Misery) – 1990.
Dirigido por Rob Reiner
Escrito por Stephen King, William Goldman
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 107 min.
Elenco: Kathy Bates, James Caan, Francês Sternhagen.
Produtora: 20th. Century Fox, Castle Rock.
Distribuidra: MGM Home Entetainment.
138
O Silencio dos Inocentes – (The Silent of the Lambs) - 1991
Dirigido por: Jonathan Demme.
Escrito por: Thomas Harrs, Ted Tally
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 118 min.
Elenco: Anthony Hopkins, Jodie Foster, Scott Glen, Ted Levine.
Produtora: Orion Pictures.
Distribuidora: Fox Home Entertainment.
Os Doze Macacos – (Twelve Monkeys) – 1995.
Dirigido por: Terry Gilliam.
Escrito por: Chris Marker, David W. Peoples.
Tipo: Color.
País de Origem: EUA
Duração: 129min.
Elenco: Bruce Willis, Madeleine Stowe, Bradd Pitt.
Produtora: Universal Pictures.
Distribuidora: CIC Video.
Seven, os sete pecados capitais – (Se7en) – 1995.
Dirigido por David Fincher
Escrito por Andrew Kevin Walker
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 127 min
Elenco: Brad Pitt, Morgan Freeman, Kevin Bacon.
Produtora: New Line
Distribuidora: New Line
Beijos que Matam – (Kiss the Girls) – 1997
Dirigido por Gary Fleder
Escrito por David Klass
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 111 min.
Elenco: Morgan Freeman, Ashley Judd.
Produtora: Paramount Pictures
Distribuidora: Paramount
139
Garota, Interrompida – (Girl, Interrupted) - 1999
Dirigido por: James Mangold
Escrito por: James Mangold, Lisa Loomer.
Tipo: Color
Duração: 127 min.
Elenco: Winona Rider, Angelina Jolie, Whopi Goldberg, Jeffrey Tambor.
Produtora: Columbia Pictures Corporation.
Distribuidora: Columbia Tristar
O colecionador de Ossos – (The Bone Collector) – 1999
Dirigido por Phyllip Noyce
Escrito por Jeremy Iacone
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 118 min.
Elenco: Angelina Jolie, Denzel Washington
Produtora: Columbia Pictures, Universal Pictures
Distribuidora: Columbia Tri-Star.
Eu, eu mesmo e Irene – (Me, myself and Irene) - 2000
Dirgido por Bobby Farrelly, Peter Farrelly.
Escrito por: Peter Farrelly.
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 116 min.
Elenco: Jim Carrey, Renée Zellweger, Anthony Anderson, Mongo Brownly.
Produtora: 20th. Century Fox.
Distribuidora: 20th. Century Fox.
Gladiador – (Gladiator) – 2000
Dirigido por Ridley Scott
Escrito por David Franzoni e John Logan
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 155 min.
Elenco: Russel Crowe, Joaquin Phoenix, Connie Nielsen.
Produtora: Universal
Distribuidora: Dreamworks.
140
Hannibal – (Hannibal) – 2001
Dirigido por: Ridley Scott
Escrito por: David Mamet, Thomas Harris
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 118 min.
Elenco: Juliane Moore, Anthony Hopkins
Produtora: MGM / Universal Pictures
Distribuidora: Universal
Na Teia da Aranha – (Along Came a Spider) – 2001
Dirigido por Lee Tamahory
Escrito por Marc Moss
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 104 min.
Elenco: Morgan Freeman, Mônica Potter.
Produtora: Paramount Pictures
Distribuidora: Paramount.
Uma mente brilhante – (A Beautiful Mind) - 2001
Dirgido por: Ron Howard.
Escrito por: Sylvia Nasar, Akiva Goldsman.
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 136 min.
Elenco: Russell Crowe, Jeniffer Connelly, Ed Harris, Christopher Plummer
Produtora: Imagine Entertainment.
Distribuidora: Dreamworks.
Dragão Vermelho – (Red Dragon) – 2002
Dirigido por: Brett Ratner
Escrito por: Ted Tally, Thomas Harris
Tipo: Color
País de Origem: EUA
Duração: 126 min.
Elenco: Edward Norton, Anthony Hopkins, Ralph Fiennes
Produtora: Universal Pictures
Distribuição: Universal / MGM
141
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<http://www.ufba.br/revistao/o3cris.html>.
SABBATINI, R. M. E. A história da lobotomia. Em: Revista Cérebro Mente: Revista
eletrônica de divulgação científica em neurociência. Disponível em:
<
http://www.epub.org.br/cm/n02/historia/lobotomy_p.htm>
SABBATINI, R. M. E. A história da terapia por choque em psiquiatria. Em: Revista
Cérebro Mente: Revista eletrônica de divulgação científica em neurociência. Disponível
em: <http://www.epub.org.br/cm/n04/historia/shock.htm>
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MULTIMÍDIA
As informações básicas sobre os filmes foram obtidas nos seguintes guias:
MICROSOFT CORPORATION. Cinemania 94. Redmond, Wa. c. 1992-1993. 1 CD ROM.
Aplicativo Multimídia.
PUBLIFOLHA MULTIMIDIA. Guia mundial Blockbuster de Filmes e Vídeo. São Paulo,
SP. 1 CD Rom. Aplicativo Multimídia.
146
Livros Grátis
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