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ELIZABETH BORELLI
CIDADE E NATUREZA :
Análise da Gestão Ambiental da Zona Costeira do
Litoral Norte Paulista
Doutorado em Ciências Sociais
PUC/SP
2006
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ELIZABETH BORELLI
CIDADE E NATUREZA :
Análise da Gestão Ambiental da Zona Costeira do
Litoral Norte Paulista
Doutorado em Ciências Sociais
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Ciências Sociais sob orientação
da Prof.ª Doutora Maura Pardini Bicudo Véras.
PUC/SP
2006
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BANCA EXAMINADORA
“Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas
ligadas umas às outras numa rede de interdependência. Quando
essa percepção ecológica profunda torna-se parte de nossa
consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente
novo .” ( Capra, 1998, p.27).
AGRADECIMENTOS
À Profª Doutora Maura Pardini Bicudo Véras, Reitora da PUC-
SP, que me deu a honra da orientação deste trabalho, pelo aprendizado
que pude receber durante este processo.
Aos Prof. Doutores Lúcia Maria Machado Bógus e Edimilson
Antônio Bizelli, pelas contribuições valiosas apresentadas no meu
Exame de Qualificação.
À Profª Doutora Helena Ribeiro, pelo encaminhamento preciso
na fase inicial deste trabalho.
À PUC-SP, no ano da comemoração do seu sexagésimo
aniversário, pela oportunidade da capacitação docente e por alguns dos
melhores momentos da minha vida acadêmica e profissional.
Aos meus pais, pelos valores éticos e exemplos de respeito às
pessoas, aos animais e à natureza.
A Luciana Deschamps, pelo incentivo constante, pela força e
pelo apoio de sempre.
Aos colaboradores anônimos da pesquisa, cujas vozes e
imagens me ajudaram na melhor compreensão dos fatos.
SUMÁRIO
RESUMO ......................................................................................................
i
ABSTRACT...................................................................................................
ii
AGRADECIMENTOS....................................................................................
iii
INTRODUÇÃO..............................................................................................
12
CAPÍTULO I : Natureza e Desenvolvimento
1.1. Conservação da natureza: vertentes do pensamento ecológico.........
27
1.2. Cidade e Natureza...............................................................................
37
1.3. Desenvolvimento sustentado : o debate...............................................
47
1.4. O Binômio Turismo – Urbanização.....................................................
60
CAPÍTULO II : Gestão Ambiental da Zona Costeira do Brasil
2.1. Zona Costeira e Espaços Litorâneos......................................................
69
2.2. Instrumentos de Gestão Ambiental........................................................
81
2.3. O Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro................................
88
CAPÍTULO III : Aspectos Sócio-Ambientais do Litoral Norte de
São Paulo
3.1. Processo Histórico de Ocupação do Litoral Norte..................................
98
3.2. Populações Tradicionais e Conservação da Natureza..........................
108
3.3. Caracterização Física da Zona Costeira................................................
126
CAPÍTULO IV : Crescimento Urbano e Gestão Ambiental do Litoral
Norte de São Paulo
4.1. Perfil demográfico...................................................................................
135
4.2. Uso e ocupação do solo da zona costeira.............................................
150
4.3.Aspectos da infra-estrutura urbana........................................................
174
4.4. Gerenciamento Costeiro........................................................................
194
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................
212
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................
216
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS..................................................................
225
ANEXOS.......................................................................................................
226
RELAÇÃO DE TABELAS, QUADROS, GRÁFICOS, FOTOS, MAPAS
TABELAS
TABELA 1 – População urbana e rural do Litoral Norte Paulista,
no período de 1940 a 2000..........................................136
TABELA 2 - População urbana e rural dos Municípios do Litoral
Norte Paulista, no período de 1940 a 2000...............137
TABELA 3 - População do Litoral Norte Paulista segundo faixas
etárias (1980/2000)......................................................143
TABELA 4- População dos municípios do Litoral Norte Paulista
segundo faixas etárias (1980/2000).............................144
TABELA 5 - Representatividade da população ocupada em
relação à população da faixa etária de 15 a 49 anos
do Litoral Norte ( 1980 /2000) ..................................... 144
TABELA 6 - Representatividade da população ocupada em
relação à população de faixa etária de 15 a 49 anos
nos municípios do Litoral Norte (1980 /2000)..............
145
TABELA 7 - Empregos ocupados por setor de atividade
econômica, no período de 1995 a 2003, nos
municípios do Litoral Norte...........................................146
TABELA 8 - Número de habitantes por domicílio no Litoral
Norte (1970 / 2000)....................................................
146
TABELA 9 - Taxa geométrica de crescimento anual médio
da população dos municípios do Litoral Norte
(1991 – 2000 – 2005)...................................................149
TABELA 10 - Área dos municípios do Litoral Norte.........................150
TABELA 11- Tipos de Uso e Ocupação do Solo no Litoral
Norte Paulista..............................................................153
TABELA 12 - Distribuição de Ramos Industriais no Litoral Norte.....
158
TABELA 13 - Representatividade percentual dos ramos industriais,
a nível de município, em relação ao total de indústrias
do Litoral Norte...........................................................
159
TABELA 14 -Taxa de analfabetismo da população com idade
de 15 anos em diante, nos anos de 1991 e 2000,
relativa aos municípios do Litoral Norte ( %) ..............175
TABELA 15 - Saúde - leitos SUS (coeficiente por 1000 habitantes),
no período de 1995 a 2003, nos municípios do
Litoral Norte de São Paulo.........................................
176
TABELA16 - Número de casos das principais doenças ambientais,
registrados no Litoral Norte de São Paulo, no período
de 1998 a 2002...........................................................177
TABELA17- Participação percentual do número de domicílios
urbanos atendidos por abastecimento de água
e tratamento de esgoto, nos municípios do Litoral
Norte, no ano de 2003.................................................
180
TABELA 18 - Índices de atendimento à população do sistema
de saneamento básico implantado pela SABESP,
nos municípios do Litoral Norte, no ano de 2002
( em %)........................................................................
187
TABELA 19 - Índice da Qualidade de Resíduos Sólidos
Domiciliares nos municípios do Litoral Norte
de São Paulo, no período de 2000 a 2003.................
189
TABELA 20 - Evolução da demanda habitacional popular,
nos municípios do Litoral Norte de São Paulo,
nos anos de 1991 e 2000..........................................191
QUADROS
QUADRO 1 - Sistema de Gestão do Plano Estadual de
Gerenciamento Costeiro..........................................198
GRÁFICOS
GRÁFICO 1 - População do Litoral Norte Paulista
Distribuição Percentual por Municípios ( 2005 ).....
138
GRÁFICO 2 - Taxa de Urbanização - Municípios do Litoral
Norte Paulista (1980 a 2005)....................................
142
GRÁFICO 3 - Densidade demográfica dos municípios do
Litoral Norte (1980 / 2005)........................................
148
GRÁFICO 4 - Condições de balneabilidade das praias do Litoral
Norte de São Paulo, no ano de 2003, de acordo
com a distribuição percentual....................................172
FOTOS
FOTO 1 - Morro dos Mineiros, Itaquanduba, Ilhabela .....................107
FOTO 2 - Índios guaranis em Ubatuba ............................................
113
FOTO 3 - Entrada do Quilombo da Caçandoca, em Ubatuba..........
115
FOTO 4 - Habitação no Quilombo de Caçandoca ...........................117
FOTO 5 - Entrada do Quilombo de Camburi ...................................118
FOTO 6 - Reduto de pescadores em Maranduba, Ubatuba.............121
FOTO 7 - Caiçara no Mercado do Peixe , Ubatuba..........................123
FOTO 8 - Praia Grande, Ubatuba ...................................................
139
FOTO 9 - Estrada cortando a Praia de Massaguaçu,
Caraguatatuba .................................................................
140
FOTO 10 - Ocupação em encostas à beira da Rio- Santos,
Ubatuba.........................................................................161
FOTO 11- Condomínio Varandas de Ubatuba, Praia das
Toninhas, Ubatuba ..................................................... 161
FOTO 12 - Barra dos Pescadores, Ubatuba ..................................162
FOTO 13 - Placas Comerciais no Centro de Ilhabela......................
164
FOTO 14 - Edifícios construídos na areia da Praia de Capricórnio,
Caraguatatuba ...............................................................
165
FOTO 15 - Praia do Centro, Caraguatatuba ..................................
166
FOTO 16 - Porto de São Sebastião ...............................................
168
FOTO 17 - Praia do Itaguá, Ubatuba..............................................170
FOTO 18 - Praia do Indaiá, Caraguatatuba .................................. 170
FOTO 19 - Praia Itaguassu, Ilhabela .............................................171
FOTO 20 - Praia do Arrastão, São Sebastião .............................. 171
FOTO 21 - Área de manguezal degradada na Barra dos
Pescadores, Ubatuba ...................................................
179
FOTO 22 - Esgoto a céu aberto, Rua Valentim Rangel,
Praia da Enseada, Ubatuba ..........................................
183
FOTO 23 - Esgoto a céu aberto, Rua Madame Curie,
Bairro Perequê -Açu, Ubatuba ......................................184
FOTO 24 - Esgoto a céu aberto, Condomínio Palmares,
Praia de Itaguassu, Ilhabela .......................................... 184
FOTO 25 - Esgoto a céu aberto, Rua Maria Dias Barbosa,
Bairro Perequê, Ilhabela ..................................................185
FOTO 26 - Esgoto a céu aberto, Rua Rondônia,
Bairro Barra Velha, Ilhabela ............................................ 185
FOTO 27 - Esgoto a céu aberto, Rua Guardamor Lobo Vianna,
Centro, São Sebastião ....................................................186
FOTO 28 - Esgoto a céu aberto, Bairro Casa Branca,
Caraguatatuba ................................................................ 186
FOTO 29 - Entulho na Praia do Pontal da Cruz,
São Sebastião ..................................................................190
FOTO 30 - Condomínio habitacional, Caraguatatuba ......................193
MAPAS
MAPA 1 - Setorização do Litoral Paulista ..........................................
127
MAPA 2 - Expansão urbana dos municípios do Litoral Norte ...........
152
MAPA 3 - Uso e ocupação do solo no Litoral Norte Paulista ............
154
MAPA 4 - Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Norte
(Decreto Estadual nº 49.215/2004) ..................................
206
RESUMO
O objetivo da tese é analisar as relações entre urbanização e qualidade
ambiental na zona costeira do Litoral Norte Paulista. Busca investigar se as
políticas públicas de gestão ambiental e instrumentos de planejamento
implementados pelo Estado, até o momento, contribuíram para a melhoria das
condições de qualidade de vida da região, bem como, se as formas de uso e
ocupação do solo são conflitantes com o processo de desenvolvimento,
entendido como um salto qualitativo e não apenas como um mero crescimento
econômico. Partiu-se da hipótese inicial de que existe uma estreita relação
entre o nível de qualidade ambiental e o processo de urbanização, e que a
crescente degradação dos ecossistemas costeiros é provocada pela expansão
urbana desordenada, em função dos interesses do capital.Trata-se de uma
região de expressiva diversidade biológica, abrangendo os municípios de
Caraguatatuba, Ubatuba, São Sebastião e Ilhabela, tendo como recursos
paisagísticos, além da costa litorânea, composta por praias de rara beleza, a
Serra do Mar e a Mata Atlântica. Essas características configuram-se num forte
apelo à implantação de empreendimentos imobiliários voltados ao turismo,
representado, principalmente, pelas residências secundárias.Especulação
imobiliária, loteamentos irregulares, turismo predatório, assentamentos
clandestinos, crescimento demográfico com significativo movimento migratório,
são elementos que tipificam o processo de urbanização que vem ocorrendo de
forma desordenada na região. O quadro sócio-ambiental se agrava, dados os
reflexos negativos sobre a qualidade de vida provocados pela poluição e
degradação de praias, rios e córregos, pelo desmatamento, pela destruição de
manguezais e pela prática da pesca predatória, em meio à exclusão social da
população caiçara. Esses conflitos clamam pela ação do Estado, através de
instrumentos de gestão ambiental, consubstanciados no Plano Estadual de
Gerenciamento Costeiro, cujas alternativas para a promoção do
desenvolvimento sócio-econômico da região avaliamos neste trabalho, com
base na pesquisa bibliográfica e documental, fundamentando a pesquisa
empírica. A análise dos fatos evidencia um agravamento da problemática
urbana ao longo do tempo, com o aprofundamento do desequilíbrio ambiental e
sócio-econômico da região, dado o descompasso entre planejamento e
implementação das políticas públicas.
ABSTRACT
The objective of the thesis is to analyze the relations between urbanization and
ambient quality in the coastal zone of the São Paulo North Coast. And to
investigate if the public politics of ambient management and instruments of
planning implemented by the State, until the moment, had contributed for the
improvement of the conditions of quality of life in the region, as well as, if the
forms of use and occupation of the ground are conflicting with the process of
development, understood as a qualitative jump and not only as a mere
economic growth. It was broken of the initial hypothesis of that a narrow relation
exists enters the level of ambient quality and the process of urbanization, and
that the increasing degradation of coastal ecosystems is provoked by the
disordered urban expansion, in function of the interests of the capital. One is
about a region of expressiva biological diversity, enclosing the cities of
Caraguatatuba, Ubatuba, São Sebastião and Ilhabela, having as natural
resources, beyond the littoral coast, composed for beaches of rare beauty, the
Mountain range of the Sea and Atlantic Mata. These characteristics are
configured in a fort appeal to the implantation of directed real estate enterprises
to the tourism, represented, mainly, for the secondary residences. Real estate
speculation, irregular land divisions, predatory tourism, clandestine nestings,
demographic growth with significant migratory movement, are elements that
exemplifies the urbanization process that comes occurring of disordered form in
the region. The picture of social ambient aggravates, given the negative
consequences on the quality of life provoked by the pollution and beach
degradation, rivers and streams, for the deforestation, the destruction of fens
and the practice of predatory fishes, in way to the social exclusion of the native
population. These conflicts claim for the action of the State, through instruments
of ambient management, based in the State Plan of Coastal Management,
whose alternatives for the social and economic development of the region we
evaluate in this work, on the basis of documentary the bibliographical research
and, basing the empirical research. The analysis of the facts evidences a
problematic aggravation of the urban throughout the time, with the deepening
disequilibrium of the ambient and also bringing effects to the social economy of
the region, given the exaggeration gap between planning and implementation of
the public politics.
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho se propõe a analisar a relação entre urbanização
e meio ambiente, no processo de produção do espaço da zona costeira
do Litoral Norte do Estado de São Paulo, e investigar a ação da política
pública específica – o gerenciamento costeiro.
O território brasileiro se espacializa segundo uma lógica de
desigualdade, onde os processos de desenvolvimento das relações
sociais são caracterizados, por um lado, pelo processo de
modernização tecnológica, generalizando-se informações e mercados e,
por outro, pela fragmentação – que explode territórios, onde o espaço
se configura em mercadoria, com periferias que materializam
mecanismos de exclusão social e segregação espacial, em sua
dinâmica de urbanização.
Como considera Santos (1998), o território, em si, não é um
conceito, torna-se importante para a análise social à medida que é
pensado em termos de sua utilização. A globalização amplia a
importância desse conceito: há lugares mais apropriados para aumentar
o lucro, que são revalorizados em função das forças hegemônicas,
conferindo ao espaço geográfico um incomparável papel na dinâmica
social.
Nessa perspectiva, verifica-se um gritante descompasso entre
crescimento urbano e desenvolvimento econômico, incluindo-se a
insuficiência da estrutura de bens de consumo coletivo e moradias, num
processo de reprodução espacial sem condições mínimas de qualidade
13
de vida para determinadas áreas urbanas, e, por outro lado, gerando
intensa degradação do ambiente natural.
Esse quadro, decorrente da falta de um ordenamento territorial
e das diversas situações de risco impostas às populações que ocupam
a zona costeira, aponta para a necessidade de implementação de
instrumentos de gestão ambiental, fundamentados na questão dos
impactos da ação humana sobre o meio ambiente – na interface entre
ciências naturais e humanas, como coloca Diegues (2001).
A zona costeira, em relação ao conjunto de terras, configura-se
num espaço com especificidades e vantagens locacionais, finito e
relativamente escasso. Do ponto de vista global, os terrenos à beira-
mar constituem pequena fração dos estoques territoriais disponíveis, o
que qualifica o espaço litorâneo como raro, e a localização litorânea
como privilegiada. Em termos de biodiversidade, a zona costeira inclui
quadros naturais de grande relevância ecológica, constituindo-se em
importante fonte de recursos.
A urbanização, a industrialização e a exploração turística
podem ser apontadas como vetores prioritários, dentro de uma
perspectiva da dinâmica de ocupação da zona costeira, requerendo
uma avaliação histórica do processo de povoamento da costa brasileira.
O litoral brasileiro foi povoado de forma descontínua,
identificando-se zonas de adensamento e núcleos pontuais de
assentamento. No período colonial, formaram-se expressivos conjuntos
de ocupação do espaço litorâneo: o litoral oriental da zona da mata
nordestina, o recôncavo baiano, o litoral fluminense, o litoral paulista,
14
além de cidades portuárias isoladas, como Belém, São Luís, Fortaleza e
Vitória. A ocupação da faixa litorânea brasileira pauta-se, então, nas
atividades portuárias – dando suporte ao modelo econômico primário-
exportador, expressando o papel do Brasil na divisão internacional do
trabalho como produtor para o mercado externo. No final da década de
50, ocorre uma mudança sensível na ocupação da costa brasileira, dada
a mudança do padrão de acumulação de capital, com a aceleração do
processo de industrialização, com a intensificação no uso dos
ecossistemas litorâneos, e posterior integração aos grandes complexos
minero-siderúrgicos, químicos e petroquímicos, caracterizados por
indústrias pesadas, utilizadoras de tecnologias “duras”. (Moraes, 1999).
Não obstante a localização preferencial da indústria centrar-se
na periferia das capitais e nas zonas de adensamento populacional, o
impacto da industrialização se estende à ocupação da costa brasileira,
nas últimas décadas, em termos ambientais e sociais, tanto no que
tange aos dejetos gerados nos processos industriais, como em termos
de dinâmica populacional, atraindo fluxos migratórios – nem sempre
absorvidos - para os locais de sua implantação.
As áreas destituídas de equipamentos de infra-estrutura urbana
passam a ser ocupadas por uma parcela da população com absoluta
falta de alternativas de moradia, socialmente excluída e espacialmente
segregada, no espaço litorâneo deixado sem uso por outras atividades,
na maioria das vezes, de grande vulnerabilidade e/ou de proteção
ambiental.
Tais assentamentos irão implicar em efeitos impactantes em
termos de contaminação do ambiente, redundando em ameaça à
15
salubridade local. Acrescente-se, ainda, o processo de favelização
como forma de ocupação da zona costeira brasileira, alimentado pelo
fluxo migratório, nas áreas mais impróprias, uma vez que as melhores
estão reservadas para casas de veraneio, usadas como segunda
residência. (Moraes, 1999).
No que tange aos vetores de ocupação, o litoral pode ser
definido como uma zona de múltiplos usos, com variadas formas de
ocupação do solo: industrialização e urbanização, crescimento urbano,
favelização e casas de veraneio circunscrevem o processo de ocupação
da zona costeira do Brasil.
É nesse enfoque que julgamos pertinente analisar como ocorre
o processo de produção e a estrutura espacial da zona costeira do
Litoral Norte paulista. Este trecho do litoral brasileiro apresenta certas
peculiaridades, uma vez que, apesar da ocupação indígena ter
acontecido mesmo antes do período colonial, a economia orientada
para o interior paulista, até o final do século XIX, deixou o litoral à
margem dos processos de urbanização e modernização, num relativo
isolamento – o que contribuiu para sua preservação.
Numa análise temporal do processo de ocupação e exploração
do Litoral Norte, observa-se que este ocorreu tardiamente em relação
ao restante do litoral paulista; somente durante o século XVIII
floresceram na região os primeiros engenhos de cana-de-açúcar. A
população dedicava-se, ainda, à indústria do fumo, da aguardente, do
anil e do óleo de baleia. O comércio era exercido através de
estabelecimentos que vendiam tanto produtos da roça quanto artigos
vindos da Europa (Silva, 1975).
16
No final do século XVIII, o Litoral Norte passou a perder
importância, dada a determinação do governo da Capitania de São
Paulo de que a exportação de qualquer produto só poderia ser feita
através do Porto de Santos. Um novo momento de prosperidade
ocorreu em meados do século XIX, com o desenvolvimento da
economia cafeeira, particularmente, nos núcleos de São Sebastião e
Ubatuba, como portos exportadores de café. (Silva, 1975).
Contudo, a construção das ferrovias São Paulo - Santos e São
Paulo - Rio, inauguradas, respectivamente em 1867 e 1877,
interrompeu esse novo ciclo econômico. A partir daí, segue-se um longo
período de isolamento e decadência, restringindo-se sua atividade
econômica à extração de pequeno porte, ao artesanato e à agricultura
de subsistência – fato este que, paradoxalmente, protegeu a região do
processo de degradação ambiental que se estendeu sobre outras
regiões do Estado de São Paulo. (Silva, 1975).
Com os surtos industriais do período pós-Segunda Guerra
Mundial, com o processo de substituição de importações e,
posteriormente, nos anos 70 e 80, com o ingresso do capital externo no
País para o financiamento de pólos de desenvolvimento, o arranque
industrial do Vale do Paraíba, centrado em São José dos Campos,
estimulou o crescimento regional, e, conseqüentemente, o aumento
populacional dos municípios do Litoral Norte, intensificando-se o
processo de urbanização e de ocupação de extensas áreas da Mata
Atlântica. (Pereira,1967).
17
Por outro lado, a abertura do Porto de São Sebastião ao tráfego
marítimo foi fator fundamental para o desenvolvimento de atividades
econômicas e para o adensamento populacional do Litoral Norte. A
construção do Terminal Marítimo Almirante Barroso – Tebar - no final da
década de 60, está diretamente associada ao processo de
industrialização paulista, principalmente à indústria automobilística.
(SMA/CPLEA, 2005). Assim, sua implantação foi fator determinante
para o aumento do contingente populacional do Litoral Norte, dada a
ampliação do mercado de trabalho regional gerada; contudo,
configurou-se como um significativo fator de risco ambiental, causador
de sucessivos vazamentos, com drásticas conseqüências ambientais.
Dessa forma, o “redescobrimento” do Litoral Norte ocorre no
período de 1950 a 1970, por força da atividade turística, embora restrita
a pequena parcela da população, dada a ausência de infra-estrutura,
dificuldade de acesso e urbanização precária. A região passa, então, a
responder à necessidade de crescimento das atividades econômicas
ligadas ao setor terciário, e à demanda de lazer por parte das
populações urbanas do eixo Rio - São Paulo, pondo fim à situação
anterior de isolamento. (Luchiari, 2002).
A partir dos anos 80, após a pavimentação da Rodovia SP-55
(conhecida como Rio - Santos), o processo de urbanização foi
acelerado, surgindo a especulação imobiliária, advinda do adensamento
do fluxo turístico; ocorre ainda uma mudança no perfil demográfico da
região, com o incremento migratório e a marginalização das
comunidades tradicionais circunscrevendo um processo social
excludente.
18
A paisagem do Litoral Norte, caracterizada por grande
diversidade biológica e recursos naturais de extrema beleza, faz da
região um pólo de atratividade turística. A proliferação de casas de
veraneio e condomínios destinados às camadas de alta renda cria uma
demanda de serviços que atrai migrantes de outros estados brasileiros.
Estabelecida a corrente migratória, os fluxos futuros deixam de ser
motivados exclusivamente pela procura de emprego e passam a refletir
o vínculo entre os primeiros migrantes e seus familiares, que haviam
ficado nas regiões de origem. (Luchiari, 2002).
Contudo, a urbanização, à medida que proporcionou a
modernização dos setores econômicos, por outro lado, intensificou a
pobreza, a ocupação desordenada, a degradação ambiental, a
desfiguração da paisagem natural, encetando um processo de
marginalização sócio-espacial e econômica das populações caiçaras e
migrantes de baixa renda.
A interação social dos três grupos, quais sejam, turistas,
migrantes e comunidades tradicionais, ocorre segundo diferentes
visões
1
: os turistas se preocupam com a conservação do meio ambiente
para o uso de seu lazer; os migrantes se interessam pelo crescimento
urbano, que representa, para eles, novas oportunidades de trabalho;
enquanto que as populações tradicionais lutam, apenas, pela sua
sobrevivência, sentindo os efeitos do processo de transformação da sua
cultura. (Luchiari, 2002).
1
As populações tradicionais são definidas pelo Plano Nacional de Gerenciamento
Costeiro – PNGC II (2004), como grupos humanos totalmente diferenciados, fixados
numa determinada região, reproduzindo, historicamente, seu modo de vida, em
estreita dependência do meio natural para sua subsistência.
19
A natureza passa a ser encarada como mercadoria de
consumo, dentro de um modelo de desenvolvimento de “indústria do
turismo”, numa lógica de mercado que exclui relações sociais mais
complexas, não obstante ser reconhecida a “vocação natural” do litoral
norte paulista para o setor turístico. Para Mullins (1991), o turismo se
identifica mais como consumo do que como produção; Nicolás (1989)
concebe o turismo como apropriação privada, implicando em relações
capitalistas de produção, distribuição e troca.
No Litoral Norte paulista, a atividade turística é caracterizada
pelo turismo sedentário, com a predominância das segundas
residências, refletindo uma urbanização pautada no mecanismo de
especulação imobiliária, gerando um baixo volume de lucros para a
comunidade receptora e degradação de extensas áreas e ecossistemas
naturais por parte da construção civil. (Tulik, 1995).
A legislação ambiental vigente objetivou restringir a expansão
urbana desenfreada; se, por um lado, com isso, trouxe elementos para a
preservação do meio ambiente, por outro, restringiu a utilização dos
recursos naturais da população caiçara, que não pôde preservar seu
modo de vida.
Apesar de ser a praia um espaço público, pelas leis do
mercado, com suas formas próprias de organização social, transformou-
se no espaço privado do turismo de elite, espaço este, que exclui a
população tradicional.
Na verdade, este fenômeno se repete por todo o litoral
brasileiro: tendências gerais de agravamento da situação ambiental
20
tornam imperiosa a elaboração de políticas definidas para a utilização
do espaço costeiro, considerando-se as vocações regionais. A
ocupação destes espaços demanda a atenção do poder público, através
de uma atuação planejada, com mecanismos de intervenção sobre os
espaços litorâneos.
Nesse contexto, faz-se pertinente a avaliação do planejamento
ambiental da zona costeira, através de seus instrumentos, como o Plano
Nacional de Gerenciamento Costeiro (instituído em 1988), o Plano
Estadual de Gerenciamento Costeiro – voltado aos ecossistemas do
litoral paulista - e os Planos Diretores, de âmbito municipal, que
consubstanciam elementos para implantação do zoneamento ecológico.
Para efeito de zoneamento, o litoral paulista foi dividido em
quatro setores: Litoral Norte, Litoral Sul, Baixada Santista e Vale do
Ribeira, sendo que cada setor tem cinco zonas, que compreendem
desde áreas de proteção a cidades consolidadas.
O Zoneamento Ecológico-Econômico, previsto no Plano
Estadual de Gerenciamento Costeiro, será implementado pelos
municípios do Litoral Norte, englobando: Ubatuba, Caraguatatuba, São
Sebastião e Ilhabela.
Por força da legislação vigente, o Litoral Norte paulista está
sujeito a políticas de preservação de seus recursos naturais,
caracterizando-se como uma região de parques e unidades de
conservação ambiental. O Parque Estadual da Serra do Mar, fundado
em 1977, compreende uma área de 315.390 hectares, estendendo-se
de Ubatuba – na divisa do Estado do Rio de Janeiro - até Peruíbe. Sua
21
superfície caracteriza-se pela presença maciça da Mata Atlântica,
abrangendo 80% do município de Ubatuba, definindo um litoral cheio de
recortes, com enseadas e baías. Na Vila de Picinguaba - núcleo onde o
Parque é administrado - é mantida a presença caiçara; em conjunto
com Camburi e a Praia Brava da Almada, encontra-se a única área em
que o Parque Estadual da Serra do Mar atinge a orla marítima, com
mata intocada e mais de cem praias. (SMA/CPLEA, 2005).
O Parque Nacional da Serra da Bocaina – criado por Decreto
Federal em 1971 e modificado em 1972, abrange uma área de 110.000
hectares, sendo que 40% dela estão localizadas no Estado de São
Paulo. O Parque começa na Ponta da Trindade, em Paraty, na divisa
dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo; seguindo para oeste, é
sobreposto pelo Parque Estadual da Serra do Mar, em Ubatuba, no
Núcleo Picinguaba. O Parque Estadual de Ilhabela, criado em 1977,
com o objetivo de preservar o ecossistema e a biodiversidade do local,
mantém praticamente intocada uma das maiores reservas dos 3% de
Mata Atlântica que restaram no Estado de São Paulo, correspondendo a
cerca de 85% da área total do arquipélago de Ilhabela. Separada do
continente pelo canal de Toque-Toque, em frente à cidade de São
Sebastião, é a maior ilha marítima brasileira, com 346 km
2
. Há, ainda, o
Parque Estadual da Ilha Anchieta, criado em 1977, localizado no
Município de Ubatuba, com uma área de 828 hectares, abrigando a rica
fauna da Mata Atlântica; há ruínas de um antigo presídio estadual e
belas praias selvagens, onde é proibido qualquer tipo de pesca.
(SMA/CPLEA, 2005).
Numa visão preservacionista, o Estado determinou o
tombamento da Serra do Mar, em 1986; criaram-se parques, reservas,
22
unidades de proteção ambiental, concedendo-se prioridade aos
recursos naturais. Observa-se, contudo, que a intervenção estatal na
região denota uma preocupação no sentido da conservação do meio
ambiente, em detrimento ao elemento humano nele já integrado, não
obstante, as populações tradicionais, historicamente, terem
desempenhado um papel fundamental na preservação desses
ecossistemas.
No Brasil, tem-se procurado estabelecer processos decisórios
visando assegurar a proteção e a conservação da natureza, com o
intuito de se manter a diversidade biológica e minimizar a interferência
humana e manutenção dos ecossistemas, através da criação de
Unidades de Conservação. (Brito, 1998).
Essa prática, contudo, nos instiga a investigar acerca da
existência do vínculo da questão conservacionista aos processos gerais
de estruturação do espaço, na relação entre cidade e recursos naturais.
Acreditamos que a preocupação com esta problemática se
justifica pela própria importância que o debate urbano-ambiental
representa, dado o sentido de mercadoria assumido pela categoria solo
urbano, dentro da dinâmica do processo de acumulação capitalista.
As questões ambientais se constituem em um dos temas
considerados globais, havendo uma tomada de consciência universal de
gravidade em torno delas, uma vez que a falta de soluções ameaça a
própria existência humana.
23
Nessa perspectiva, podemos considerar um estado de crise
sócio-ambiental, cuja superação exige mudanças profundas não apenas
nos padrões tecnológicos e científicos, como também de consumo por
parte da sociedade - crise esta causadora de grandes impactos.
Martínez Alier (1998) considera os estratos mais pobres da
população os mais atingidos pela degradação ambiental, por não
contarem com serviços básicos de estrutura de saneamento. Por outro
lado, entende que essas próprias populações “excluídas” contribuem
para o aumento da degradação ambiental, exemplificando a conexão
entre pobreza e degradação ambiental, em contextos que podem ser
tanto rurais como urbanos. A degradação ambiental provoca
enfermidades, sendo que uma das principais causas de mortalidade nos
países de baixa renda atribui-se às infecções de origem fecal.
Comprova-se que a qualidade dos serviços de saneamento e a
eliminação de resíduos sólidos são inversamente proporcionais à renda.
O Litoral Norte paulista ilustra e evidencia claramente essa
situação. Entre as áreas costeiras, é a região que possui a maior
reserva de Mata Atlântica, mas vem sofrendo uma grande pressão
imobiliária nos últimos anos, acompanhada, conseqüentemente, por
intenso fluxo migratório. Acrescente-se a isso, que quase todo o esgoto
produzido pelos cerca de 270.000 moradores não recebe tratamento,
configurando, assim, uma crise sócio-ambiental.
Partiremos da hipótese inicial de que existe uma estreita
relação entre o nível de qualidade ambiental e o processo de
urbanização, o que pressupõe a necessidade de implementação de uma
política de planejamento ambiental. Consideraremos, também, que a
24
crescente degradação dos ecossistemas costeiros é provocada pela
expansão urbana desordenada.
A partir da questão inicial básica e da consideração das
hipóteses formuladas, teremos como objetivo principal investigar se as
políticas públicas e os instrumentos de planejamento implementados até
o momento, em termos de gestão ambiental, vêm contribuindo para a
melhoria das condições da qualidade de vida da região em estudo.
Entendemos a noção de “qualidade de vida”, nos temos
propostos na formulação de Sposati (1999, p.135), envolvendo duas
grandes questões:
[ ] “ a qualidade e a democratização dos acessos às
condições de preservação do homem, da natureza, e do
meio ambiente. Sob esta dupla consideração entendeu-
se que a qualidade de vida é a possibilidade de melhor
redistribuição – e usufruto – da riqueza social e
tecnológica aos cidadãos de uma comunidade; a
garantia de um ambiente de desenvolvimento ecológico
e participativo de respeito ao homem e à natureza, com
menor grau de degradação e precariedade”.
Com base nessa questão mais geral, formulamos a questão
particular que balizará nossa reflexão, qual seja, as formas de uso e
ocupação do solo da zona costeira do litoral norte paulista são
conflitantes com o processo de desenvolvimento da região.
Em termos de metodologia, procuramos, de início, um
embasamento a partir da literatura existente, seguindo-se a pesquisa
25
eletrônica e o levantamento de documentos oficiais, além de consultas a
técnicos ligados aos programas referentes à problemática em pauta,
bem como às Organizações Não-Governamentais envolvidas. Em
seguida, partimos para o levantamento de dados estatísticos,
elaborados por fontes oficiais, para procedermos à tabulação e
construção de tabelas e gráficos, visando uma melhor interpretação dos
resultados. O material pesquisado consistiu em fontes primárias e
secundárias, de registros da imprensa e de documentos oficiais. A
pesquisa bibliográfica e documental serviu de suporte para a pesquisa
empírica, concretizada pela observação participante e coleta de
depoimentos de moradores dos municípios analisados.
Como pano-de-fundo da problemática, pretendemos, de início,
levantar os aspectos teóricos necessários a sua fundamentação; nos
propomos a fixar objetivos que norteiem a pesquisa, como ponto de
partida para a reflexão. Nesse sentido, no primeiro capítulo,
procuraremos pensar numa ecologia de zona costeira, partindo da
elaboração de uma resenha do debate teórico de algumas abordagens
do pensamento contemporâneo no que tange ao meio ambiente em
relação às teses conservacionistas, tratando da relação entre o ser
humano e a natureza, marcada por processos globais. Ainda nesse
enfoque, abordaremos as várias concepções de “desenvolvimento
sustentado”, com o objetivo de fundamentar a reflexão em torno da
aparente oposição entre urbanização e natureza, sem perder de vista a
questão da segregação espacial / exclusão social. Levantaremos
aspectos teóricos da atividade do turismo e sua relação com a natureza
e o processo de urbanização.No segundo capítulo, partindo de uma
sumarização do processo de ocupação da zona costeira, analisaremos
a dinâmica mercantil da estrutura fundiária dos espaços litorâneos, sob
26
a ótica dos processos de produção do espaço. Ainda nesse capítulo,
investigaremos o papel do Estado em relação à gestão ambiental, em
termos de políticas públicas referentes a questões ligadas à
biodiversidade, sob o enfoque das relações cidade/região.
Examinaremos a regulação estatal em termos da legislação pertinente
aos espaços costeiros e do planejamento ambiental, ao nível de
tendências presentes e futuro direcionamento.
No terceiro capítulo, apresentaremos uma análise do perfil
sócio-ambiental da zona costeira do Litoral Norte paulista, a partir do
processo de ocupação, com base nos conceitos teóricos anteriormente
apresentados e na pesquisa realizada em campo.
No quarto capítulo, serão sistematizados e interpretados
resultados de indicadores demográficos, econômicos, urbanísticos e
ambientais, como apoio empírico para uma análise acerca do processo
de uso e ocupação do solo da Zona Costeira do Litoral Norte Paulista,
enfocando o crescimento urbano da zona costeira e os instrumentos de
gestão ambiental implementados, seguidos de uma avaliação do Plano
Estadual de Gerenciamento Costeiro e do Zoneamento Ecológico -
Econômico para o Litoral Norte. Para tanto, investigaremos uma
cronologia acerca dos estudos desenvolvidos e levantaremos a
documentação oficial existente, além da observação participante e da
coleta de histórias orais de informantes privilegiados.Finalizando,
delinearemos conclusões acerca das questões levantadas no decorrer
do trabalho, considerando-se a relação entre meio ambiente e uso e
ocupação do solo da zona costeira, bem como o papel da gestão
ambiental realizada pelo Estado.
27
CAPÍTULO I
Natureza e Desenvolvimento
1.1. Conservação da natureza : vertentes do pensamento ecológico
Numa perspectiva de fundamentação da análise da problemática
que norteia este trabalho, julgamos oportuno, de início, levantar alguns
pontos de apoio.
O exame das posições teóricas do conservacionismo é o ponto
de partida desta reflexão, uma vez que as reservas naturais
1
se
constituem no principal mecanismo de gestão ambiental, revelando uma
forma determinada de apreensão das relações entre a sociedade e a
natureza.
Os países do Terceiro Mundo vêm pautando suas estratégias de
conservação da natureza na criação de áreas naturais protegidas, como
parques e reservas, dentro de um enfoque de proteção à vida selvagem
(wilderness), entendendo que a natureza se encontra ameaçada pela
sociedade urbano-industrial, capaz de provocar a sua destruição.
Esta concepção se baseia em idéias preservacionistas do início
do século XIX, surgidas nos Estados Unidos, tendo propiciado a criação
do primeiro parque nacional do mundo, o de Yellowstone, em meados
daquele século, quando a urbanização já se encontrava em fase
acelerada no país, propondo-se, então, a reserva de grandes áreas
1
Áreas naturais protegidas ou unidades de conservação.
28
naturais, que passariam a ser destinadas à recreação das populações
urbanas.
2
A base ideológica do início do conservacionismo norte-
americano entendia o parque como área selvagem, desabitada, como
um “paraíso terrestre” perdido (Guicci, 1992).
A ação norte-americana de criar parques para garantir a
perpetuidade de seus recursos naturais teve reflexos concretos em
outros países. No Brasil, amostras do ambiente natural passaram a ser
protegidas através de Parques Nacionais, com o objetivo de se preservar
paisagens naturais segundo o seu valor cênico. (Bressan, 1996).
Segundo Sheldrake (1991), o retorno à natureza foi interpretado
de diferentes formas; para os racionalistas do século XVIII, a idéia de
natureza pressupunha regularidade, simetria, enquanto que, no final
daquele século, o movimento romântico passou a entendê-la num
sentido oposto, conforme observado na mudança de padrão dos jardins
ingleses, retratada pela preferência às paisagens silvestres naturais,
irregulares e assimétricas.
“O gosto pela natureza selvagem constituiu-se numa
resposta sofisticada inspirada em modelos literários e
artísticos, a ponto de já no século XIX, as pessoas
cultas, desobrigadas do contacto com a terra, ao
2
Não obstante, pensadores europeus, como Viollet-le-Duc, John Ruskin e William
Morris já houvessem se lançado à busca de valores de pureza e simplicidade, numa
linha de oposição aos avanços tecnológicos advindos da revolução industrial. (Franco,
2000, p.89).
29
viajarem, atribuírem importância sem precedentes às
visitas a lugares selvagens.” (Franco, 2000, p.90).
Para Thomas (1983), a valorização do mundo selvagem teve
origem na Europa Ocidental, onde o avanço da História Natural, no
próprio início do século XIX, propiciava o respeito e a admiração por
áreas selvagens, ainda não transformadas pelo homem.
Paralelamente, o ambiente fabril, desagradável, das cidades do
início da revolução industrial, teria forjado uma atitude contemplativa da
natureza, principalmente em relação ao mar, às praias isoladas e ilhas,
enquanto representação da natureza selvagem, o que, segundo Corbin
(1989), veio influenciar a idéia da criação de áreas protegidas, como
verdadeiras “ilhas” de natureza intocada.
A criação de “áreas naturais” nos Estados Unidos foi
fundamentada, teoricamente, por Thoreau - através da crítica à
destruição de florestas para fins comerciais - e por Marsh – para quem a
destruição do mundo natural representaria uma ameaça à própria
existência humana sobre a terra. Com base nisso, conceituou-se
“unidades de conservação” como aquelas áreas que não deverão sofrer
ação humana, onde o homem é visitante e não morador (Diegues, 2001).
Com a abertura de ferrovias e o desenvolvimento econômico
viabilizando o acesso às regiões selvagens, paisagens antes
inacessíveis passam a ser conhecidas, inspirando pensadores e
filósofos, destacando-se Emerson, que pregava a união do homem com
a natureza.
3
Sua obra Ensaios, juntamente com o livro de Thoreau,
3
Nature, datada de 1837.
30
Walden ou a vida nos bosques (1854) - um ensaio sobre o homem e a
natureza - são considerados de fundamental importância no movimento
do transcendentalismo
4
, que valoriza o homem e a crença na
hegemonia da natureza sobre a sociedade.
“Na sua concepção, a natureza apresenta uma trama
vinculando a sobrevivência dos seres e a identificação
das criaturas com seus ambientes, idéia que o torna um
ecologista precoce. Embora reconheça que a natureza é
regida por algumas leis particulares, Thoreau acredita
que ela não pode ser totalmente apreendida por meios
intelectuais. Assim, a sua obra “ Walden ou a vida nos
bosques” representa a cristalização do “Golden Age”,
período de paz que antecedeu a Guerra de Secessão e
a subseqüente expansão industrial nos Estados
Unidos.” (Franco, 2000, p.92).
Marsh é considerado o fundador da conservação americana, em
função das idéias expostas em seu livro Man and nature (1862), que se
constituiu numa espécie de introdução à ecologia, relatando a
deterioração dos solos e as inundações como conseqüência da ação
humana predatória sobre os recursos naturais.
5
4
O transcendentalismo foi um movimento filosófico, essencialmente romântico, surgido
na Nova Inglaterra, no final do século XVIII, inspirado na filosofia neoplatônica da
Grécia antiga e na Crítica da Razão Pura, de Kant (1781).
5
As idéias de Marsh inspiraram grandes conservacionistas norte-americanos, como
Theodore Roosevelt, John Muir e Rachel Carson.
31
Marsh analisou os impactos da civilização sobre o meio
ambiente, propondo uma ação de “regeneração geográfica”, onde a cura
do planeta se iniciaria com o controle da tecnologia, exigindo, para tanto,
uma revolução política e moral.
Com influências de origem européia no preservacionismo,
Haeckel, da linha darwinista, em 1866, introduziu a noção de ecologia,
segundo a qual os organismos vivos interagem entre si e com o meio
ambiente.
Duas concepções teóricas acerca da conservação do mundo
natural dominaram o pensamento norte-americano, no século XIX, com
importantes reflexos internos e externos ao país: a de Gifford Pinchot e a
de John Muir. Pinchot criou o movimento de “conservação dos recursos”,
baseando-a em três princípios: o uso dos recursos naturais pela geração
presente, a prevenção do desperdício e o uso dos recursos naturais para
benefício da maioria dos cidadãos – idéias precursoras do que,
posteriormente, viria a ser chamado de “desenvolvimento sustentável”
(Nash,1989). Suas idéias influenciaram o debate entre
“desenvolvimentistas” e “conservacionistas”, bem como o enfoque de
ecodesenvolvimento, nos anos 70, sendo retomadas na Conferência de
Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972) e na Eco-92, no Rio
de Janeiro.
Em contraposição, Muir
6
, o teórico mais relevante do
“preservacionismo”, parte do conceito de proteção da natureza contra o
6
John Muir nasceu na Escócia em 1838, mudando-se para os Estados Unidos em 1849
e vivendo, por algum tempo, no Canadá.
32
desenvolvimento industrial e urbano, sob influência das idéias de
preservação pura da natureza de Thoreau (meados do século XIX).
Em sua ótica, os animais, as plantas, a água, eram fagulhas da
Alma Divina que permeava a natureza (Nash, 1989). Sua vida retrata a
fase do surgimento da teoria da evolução de Charles Darwin e de novas
teorias geológicas do século XIX, que demoliram o paradigma religioso
das velhas religiões seculares, tornando-se um precoce visionário
ecológico. Suas idéias foram fundamentais na influência da criação dos
primeiros parques nacionais americanos
7
, sendo considerado o pai do
movimento conservacionista americano. Em 1892, juntamente com um
grupo de ambientalistas, fundou a entidade “Sierra Club”, ainda hoje
existente,que se dedica à proteção do ambiente e da vida selvagem.
(Franco, 2000).
“Essas idéias, sobretudo a dos românticos do século
XIX, tiveram, portanto, grande influência na criação de
áreas naturais protegidas, consideradas como “ilhas” de
grande beleza e valor estético que conduziam o ser
humano à meditação das maravilhas da natureza
intocada”.(Diegues, 2001, p.24).
No início do século XX, a escola norte-americana de Aldo
Leopold
8
se utiliza da ecologia enquanto ciência, a partir do conceito de
ecossistema criado por Tansley, em 1935, seguindo o enfoque História
7
Yellowstone (1872) e Yosemite(1890).
8
Segundo Oelschlaeger (1991), o primeiro nome da filosofia da vida selvagem foi
Thoreau, o segundo, Muir e o Terceiro, Leopold (Franco, 2000).
33
Natural.
9
Leopold criou a “Land ethic” (ética da terra), fundamentada
numa filosofia de “perspectiva biocêntrica”, segundo a qual, a prática
desta ética induziria o homem à preservação da integridade e beleza dos
sistemas naturais.
Fundou a entidade “Wilderness Society”, dedicada à proteção da
vida selvagem. Sua obra Sand country almanac and sketches here and
there tornou-se a “bíblia” dos ambientalistas dos anos 60, onde é exposta
sua “ética da terra”, que sintetiza três visões conflitivas sobre a natureza:
a ecológica, a ética e a estética, passando a constituir uma nova
ecologia, a “deep ecology”, ou ecologia profunda. Nesse enfoque,
Leopold propõe o potencial reorganizador de um novo paradigma
cultural, que aponta para o século XXI.
Na década de 50, Krutch retoma os aspectos éticos do
preservacionismo americano, considerando que mudanças na natureza
poderiam ser benéficas até o ponto em que não interviessem no
ecossistema como um todo (Nash, 1989).
A corrente preservacionista assegurou bases importantes para o
movimento ambientalista dos anos 60 e 70, oferecendo-se como
ideologia para o movimento conservacionista americano, materializando-
se em parques nacionais como a única forma de se salvar partes da
natureza – possuidoras de efeito estético/ecológico - do desenvolvimento
urbano-industrial.
9
Visão esta abandonada, posteriormente, pelos ecólogos americanos do pós-guerra,
que passaram a conceituar a ecologia como uma ciência mais abstrata e quantitativa
(Nash, 1989).
34
Todavia, o modelo de parques nacionais visando a preservação
da vida selvagem recebeu várias críticas, dentro e fora dos Estados
Unidos.
Diegues (2001) apresenta uma análise retrospectiva de críticas à
exportação do modelo de parques nacionais norte-americanos. Cita a
posição de Rodman (1973), para quem a criação desses parques seguiu
uma ótica antropocêntrica, privilegiando motivações estéticas, religiosas
e culturais dos humanos, preocupada em proteger florestas, grandes
rios, canyons, sem considerar o equilíbrio dos ecossistemas, ao
discriminar áreas menos “nobres”, como pântanos e brejos. Menciona
Callicot (1991), que criticou o conceito de wilderness, considerando-o
etnocêntrico, uma vez que define uma separação entre a humanidade e
a natureza.
Diegues (2001) coloca, ainda, a crítica de Gómez-Pompa e
Kaus (1992), para quem, esse modelo americano de Yellowstone parte
da dicotomia “povos” e “parques”, desconsiderando qualquer intervenção
humana na natureza - como desconsiderou o fato dos índios terem vivido
em harmonia com a natureza durante séculos. A implementação da idéia
pelos países do Terceiro Mundo teve efeitos devastadores sobre as
populações tradicionais, uma vez que o modelo de áreas protegidas
pressupõe parque sem moradores – o que nem sempre acontece nesses
países, nos quais, partes das florestas, muitas vezes, são habitadas, o
que vem provocando graves conflitos fundiários, configurando o que
definem como “crise da conservação”.
Arruda considera que o modelo de parques e áreas de
preservação
35
[ ] “supõe uma dicotomia conflitante entre ser humano e
natureza; supõe que as comunidades locais são
incapazes de desenvolver um manejo mais sábio dos
recursos naturais ; e finalmente, que estas áreas podem
ser perpetuadas num estado de natural equilíbrio”.
Arruda (2000, p. 279)
Em sua crítica ao modelo de unidades de conservação no
Terceiro Mundo, sumariza um conjunto de conseqüências indesejáveis,
tais como: um agravamento da má qualidade das condições de vida em
muitas comunidades; processos de expulsão de populações locais que
se deslocam para as periferias das cidades, redundando na proliferação
de favelas e aumento da miséria; maior degradação ambiental, através
de práticas clandestinas de exploração de recursos naturais; crescimento
do conflito rural; pressões de grupos econômicos forçando o
descumprimento da legislação (Arruda, 2000).
Críticas mais recentes à inadequação do modelo de
Yellowstone, em geral, são provenientes do enfoque sócio-ambiental,
característico da ecologia social
10
, ou do ecomarxismo.
11
Para setores do ambientalismo do Terceiro Mundo, associados a
movimentos sociais que lutam pelo acesso aos recursos naturais por
10
Para essa tendência, a degradação ambiental é vista como diretamente ligada aos
imperativos do capitalismo.Os seres humanos são entendidos como seres sociais, uma
espécie constituída por grupos diferentes : pobres e ricos, brancos e negros. (Diegues,
2000).
11
Suas idéias dirigem uma crítica à oposição entre o culturalismo e o naturalismo. O
culturalismo tem por princípio a ruptura entre a sociedade e a natureza; o naturalismo
considera o homem dentro da natureza. (Diegues, 2000).
36
parte das populações tradicionais, a crise ambiental está associada à
crise do modelo de desenvolvimento, à miséria e à degradação
ambiental. Esse “ecologismo camponês” critica o ambientalismo
proveniente de países industrializados, que não inclui as questões da
pobreza e da má distribuição de renda na relação homem/natureza.
(Viola & Leis, 1991).
A visão conservacionista controla parcelas do meio natural, à
parte do processo geral de desenvolvimento da sociedade, esperando-se
evitar, com isso, a ação “predatória” do homem sobre a natureza. Nessa
concepção, o pleno desenvolvimento dos processos naturais só se
garante se não houverem interferências humanas. (Bressan, 1996).
Em resumo, o conservacionismo desconsidera o ambiente
enquanto produto da interação do binômio natureza - sociedade.
37
1.2. Cidade e Natureza
A problematização das visões de mundo acerca do fenômeno
urbano vincula-se, historicamente, à idéia de natureza. A produção e a
construção da paisagem urbana variam de acordo com as técnicas,
modos de produção e com as relações sociais e culturais próprias de
cada momento, em termos de dimensão histórica.
Santos coloca que a natureza, hoje, é um valor, e, em termos de
processo histórico, ela é social.
O valor da natureza está relacionado com a escala de valores
estabelecida pela sociedade para aqueles bens que antes eram
chamados naturais.” Santos (2000, p. 18)
Assim sendo, a cidade não se configura apenas por seus
aspectos formais, mas é o produto de um contexto social,
caracterizando-se também pelas relações de uso e apropriação dos
espaços construídos, estabelecidas pelos atores desse cenário urbano.
A partir do período do Renascimento, os modelos de cidades
ideais incorporavam a imagem de elementos naturais, principalmente, na
questão das águas, incluindo o traçado de ruas “à maneira de rios”. Esse
desenho de cidade incluía canais fluviais, denotando a preocupação
social com o livre acesso à água, por trabalhadores e artesãos.
(Rosenau, 1988).
Contudo, a visão predominante, na época, reportava-se à
natureza intocada associada ao mito do sagrado, à qual se opôs Thomas
More, ao idealizar cinqüenta e quatro modelos utópicos de cidade,
38
publicados em sua obra “A utopia” (1516), com águas delimitando a
cidade, jardins floridos e o cinturão verde do campo. No período barroco,
o projeto de cidades planejadas, como Versalhes e Karlsruhe,
apresentava um formalismo de linhas, mas abrindo a possibilidade de
expansão ilimitada da paisagem, num “naturalismo conformador”.
(Marcondes, 1999).
O Iluminismo enfatizou a idéia de natureza nos modelos ideais
de cidade, sendo que a partir de então, passou a predominar,
estendendo-se, temporalmente, até a atualidade, o conceito do
naturalismo urbano associado à restauração de uma natureza perdida.
No entanto, para Tafuri (1985), esse naturalismo urbano, presente nas
propostas européias de valorização da cidade, tende a negar a dicotomia
entre cidade e campo, numa tentativa de adequação da cidade às novas
condições históricas e sociais, procurando “naturalizar” o novo espaço
construído pela emergente classe social dominante.
No século XX, o pensamento urbanístico racionalista materializa-
se nos projetos de “cidade-máquina” de Le Corbesier (1922), Gropius
(1926) e Mies van er Rohe (1927), onde a natureza presente é
racionalizada e artificializada – pensamento este dominante até os anos
60 (Tafuri,1985).
A partir da década de 80, o tema ambiental passou a permear as
formulações urbanísticas de forma fragmentada, em torno de projetos
objetivando intervenções urbanísticas, normalmente, em função da
revitalização de territórios degradados, dentro do chamado
“empresariamento da administração urbana”. Porém, a incorporação dos
elementos naturais não pressupõe a integração entre a cidade e o meio
ambiente, mas, antes, a incorporação do meio natural ao projeto urbano,
a “utilização” da natureza. (Harvey, 1996).
39
O componente ideológico presente no pensamento urbanístico
contemporâneo pressupõe uma reflexão acerca do naturalismo, face aos
processos de degradação ambiental, uma vez que o ritmo da
deterioração se acelerou a partir do século XX, em decorrência do
processo de urbanização.
Historicamente, a urbanização e o crescimento das cidades
ocorrem de forma conjunta. Análises de diversos autores atestam a
dificuldade em se formular uma definição precisa acerca do conceito de
cidade.
Para Aydalot (1976), essa dificuldade reside no fato de ser a
cidade o fruto direto do sistema econômico no plano da vida cotidiana,
uma realidade apreendida pelo sentido, tendo, portanto um caráter
subjetivo, envolvendo aspectos nem sempre quantificáveis.
Lefebvre (1972) define a cidade como projeção da sociedade
sobre o terreno, considerando-a como lugar de confrontos e relações
conflitantes entre desejo e necessidade,satisfação e insatisfação; o
urbano é o lugar da realidade social composta de relações construídas e
reconstruídas pelo pensamento.
Analisando a cidade capitalista, Lipietz (1982) considera a
existência de uma “divisão técnica do espaço”, que se realiza pela
divisão espacial das funções, e a “divisão social do espaço”, cristalizada
pela separação espacial do local de moradia . À combinação entre essas
duas formas de divisão do espaço, Lipietz chama de “divisão econômica
e social do espaço”, caracterizada historicamente pela divisão cidade-
campo.
Nesse sentido, o espaço urbano pode ser interpretado como o
produto social e histórico, resultante da dinâmica de uma sociedade que
40
imprime as suas marcas na paisagem urbana. Apesar da especificidade
da dinâmica da produção espacial de cada cidade, e de suas
características históricas e econômicas, Corrêa (1989) identifica agentes
sociais presentes na produção do espaço urbano, quais sejam, o Estado,
os grandes empresários, os proprietários da terra, os promotores
imobiliários e os grupos sociais excluídos.
Feitas essas considerações, passamos a uma breve análise do
processo de urbanização enquanto expressão histórica concreta do
desenvolvimento e da mudança social, ao nível de organização espacial.
A primeira sistematização acadêmica acerca da questão urbana
surge com a Escola de Chicago, com uma linha de análise de cunho
sociológico, nos moldes de uma “ecologia humana” ou “social”: a
“ecologia urbana”. O livro “The City”, publicado em 1925, com artigos de
Robert Park, Ernest Burgess e Roderick Mackenzie, constituiu-se num
marco de análise, referindo-se ao modo de vida urbano, especialmente,
no que tange aos aspectos ecológicos, numa abordagem centrada na
problemática da aculturação e da desorganização social – conceito este
utilizado como referencial teórico para a análise das áreas de
deterioração. A cidade de Chicago é organizada em círculos
concêntricos, que definem zonas sucessivas de extensão urbana.
A abordagem da ecologia urbana estabelece uma relação
mecânica entre um tipo de distribuição espacial e um tipo de distribuição
social, pressupondo, de forma determinista, que a relação encontrada
numa cidade, automaticamente, seria encontrada em todas as outras.
Park considerou que os estudos realizados em Chicago
deveriam ser usados como base metodológica para a análise de outras
cidades; Mackenzie define a abordagem ecológica no estudo da
41
comunidade urbana e Burgess propõe um modelo de análise de
crescimento das cidades.
A crítica à fragilidade conceitual do pensamento teórico da
Escola de Chicago se pauta em dois pontos básicos, quais sejam, a
ausência do papel do Estado enquanto agente de intervenção – lacuna
esta que pode ser entendida, por se tratar de estudo anterior à Teoria de
Keynes – e, ainda, em termos de modelo de análise, por considerar os
processos sociais como decorrentes da própria vida urbana.
De qualquer forma, os modelos ecológicos se constituíram numa
primeira aproximação de uma teoria de sistematização de cidade,
relacionando aspectos comportamentais à estrutura espacial,
introduzindo algumas questões básicas da vida urbana, posteriormente,
retomadas em outros estudos teóricos, tais como: as formas de
crescimento das cidades, o uso do solo urbano, a segregação espacial
de grupos sociais.
No final dos anos 60, surge uma linha teórica de crítica à
ecologia urbana da Escola de Chicago, representada por sociólogos
estruturalistas de corrente marxista : Manuel Castells, Jean Lojkine,
Christian Topalov, David Harvey, Edmond Préteceille e Alain Lipietz,
propondo uma ruptura com os modelos onde os objetos eram as
cidades, sem considerar as especificidades da sociedade capitalista na
qual estavam inseridos.
Nessa visão, abandonou-se a idéia de urbanização como um
produto de leis de mercado, passando-se a conceituar o ambiente
urbano como um produto social, resultante do processo de acumulação
capitalista.
42
Nesse novo enfoque do urbano, incluiu-se a participação do
Estado na produção e na transformação do espaço urbano, rejeitando-se
o conceito de cidade como um dado de natureza ou um conjunto de
mecanismos de mercado.Vinculou-se a questão urbana às práticas
sociais, políticas e econômicas.
Para Castells (2000), a cidade é enfocada como a projeção da
sociedade no espaço. Ele rechaça, ainda, a escola “neo-ortodoxa” da
ecologia humana, na conceitualização de “complexo ecológico” ou
“ecossistema”, formulada por Duncan
12
, pela qual o conjunto de uma
estrutura urbana pode ser entendido como o resultado da interação entre
quatro elementos fundamentais: a população, o ambiente, a tecnologia e
a organização social – esta última incluindo instituições e práticas
sociais. A análise se reporta a uma formalização dos processos
observados, através de sua codificação nestes quatro elementos.
“Por outro lado, o elemento “organização social” é um
verdadeiro depósito de tudo, que permite não tratar as
articulações precisas à estrutura social, fundamentando-
as numa relação global entre o social e a natureza (e a
técnica) ". (Castells, 2000, p.187).
No âmbito da análise da economia urbana neoclássica, a tônica
centra-se no desenvolvimento das teorias do espaço econômico – teorias
de localização estruturadas em torno da localização das atividades
econômicas- sendo o espaço concebido como uma distância a ser
superada pelo transporte, como propõe a teoria de Weber, em 1909,
12
Para explicar o sistema urbano, Park adapta os conceitos do estudo dos
ecossistemas dos seres vivos, da Biologia, resgatados por Duncan , na década de 60.
DUNCAN, O .D. “From social system to ecosystem ”, Sociological Inquiry, t.31, nº2,
1961, p.140-149.
43
onde o mercado define a característica fundamental da cidade, numa
dimensão política.
Lojkine (1977) centra-se na questão do Estado numa sociedade
de capitalismo avançado; analisa o papel do Estado na urbanização
capitalista, a política urbana e suas dimensões e a questão dos
movimentos sociais urbanos. Em sua ótica, produção e consumo são
categorias inseparáveis, considerando-se as contradições da
acumulação capitalista e os interesses diversos que existem na produção
do espaço urbano, sob a hegemonia da fração monopolista.
A análise marxista privilegia o papel do Estado na produção do
espaço urbano, junto à cidade capitalista. Para tanto, cabe elucidar o que
está sendo entendido por “cidade capitalista”.
Véras conceitua como cidade capitalista
[ ] “as aglomerações urbanas resultantes da divisão
social e territorial do trabalho do processo de
acumulação capitalista. Trata-se, historicamente, de
uma associação de trabalhadores agregados num
espaço por conta do processo de acumulação primitiva.
Na cidade capitalista, mais do que simples fato
demográfico ou ecológico, concentram-se os meios de
produção e a força de trabalho. Há Capital e
Proletariado. Há produção e consumo. (Véras, 2000,
p.50).
A questão do valor do espaço urbano vincula-se à idéia do
espaço-mercadoria, expressando o poder político e econômico, de forma
que os detentores da propriedade privada são também detentores do
direito de seu uso, excluindo os demais, num mecanismo de segregação
44
espacial. Às localizações mais favorecidas, sob o ponto de vista da
reprodução do capital, que é quem rege a estrutura de preços do solo,
correspondem os maiores preços. Assim, as classes de renda mais alta
ficam com a terra mais cara, e as de baixa renda, com a mais barata.
A sociologia americana da Escola de Chicago considerou o
espaço um ambiente construído, um elemento neutro em relação à
organização social, sendo a segregação espacial interpretada como
elemento necessário para se manter a harmonia entre os grupos sociais.
Nesse enfoque, todas as pessoas teriam a mesma probabilidade de lutar
por melhores posições, cabendo aos inadaptados, a exclusão dos anéis
urbanos.
Essa visão atemporal foi rechaçada pela análise marxista, a
partir da década de 60, através dos trabalhos de Castells (1972), Harvey
(1973), Lipietz (1974) e Lojkine (1977), entre outros, abordando a
segregação espacial como um fator de exclusão, enquanto um processo
que se materializa a cada conjuntura da dinâmica social, evidenciando os
conflitos de interesse que determinam a produção dos espaços.
Na perspectiva da chamada “segregação ecológica”, da Escola
de Chicago, pessoas que reunissem características semelhantes entre
si, se concentrariam dentro de uma mesma área, distinguindo-se, nesse
aspecto, a “segregação voluntária” da “segregação involuntária” (Gist,
1982).
Villaça (1998) coloca o caráter de luta da segregação, nos
termos de uma luta de classes, entre aqueles que optam por uma
segregação voluntária – os “vitoriosos” e os involuntariamente
segregados – “os derrotados”, num processo dialético, onde a
segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e no mesmo processo, a
45
segregação de outros. Vale dizer, que por meio da segregação, a classe
dominante controla o espaço urbano, sujeitando-o aos seus interesses.
Assim, podemos concluir que um determinado espaço urbano,
considerado com melhores atributos, atrai quem possui mais poder,
definindo áreas de uso privilegiadas, dentro da lógica do capital
imobiliário, impedindo-se a permanência ou a sua utilização por parte
daqueles que não dispõem de recursos para consumi-las, e que,
necessariamente, irão se deslocar para áreas de assentamento
periférico.
Nessas áreas “marginais”, a habitação não estará conectada às
redes de infra-estrutura, compreendendo água, esgoto, drenagem
pluvial, pavimentação, além de não poder contar com serviços de apoio,
como transporte, educação, saúde, coleta de lixo, abastecimento – o que
implicará em danos sociais e ambientais.
O crescimento periférico provoca a segregação sócio-espacial,
uma vez que o alto valor dos imóveis se constitui em obstáculo ao
acesso aos serviços públicos existentes.
Como coloca Bógus,
“Nesse processo de espraiamento da pobreza pelo
espaço urbano e suburbanizado, a ocupação
desordenada vai ocorrendo nas áreas de proteção dos
mananciais, nas partes dos loteamentos destinados à
construção de equipamentos coletivos ou à manutenção
de áreas verdes, nos fundos de quintal onde são
construídos cômodos de aluguel, promovendo o
encurtiçamento nas áreas mais afastadas do centro” .
Bógus (1992:45).
46
Assim sendo, a valorização imobiliária, ou seja, a propriedade de
valorização dos imóveis, constitui-se na base legal da segregação
espacial, bem como da carência habitacional.
De acordo com Paugam,
[ ]“de uma maneira geral, o grupo de pessoas
reconhecidas como “pobres” ou “excluídas” numa
determinada sociedade será mais ou menos
homogêneo e mais ou menos estigmatizado, segundo a
combinação nacional e regional de diversas variáveis,
ao mesmo tempo econômicas, políticas e sociais.”
Paugam (2000, p.83).
Para Maricato,
[ ]“a exclusão social tem sua expressão mais concreta
na segregação espacial ou ambiental, configurando
pontos de concentração de pobreza à semelhança de
guetos. A segregação ambiental não é somente uma
das faces mais importantes da exclusão social, mas
parte ativa e importante dela.” Maricato (1996, p.55, 56).
Nesse sentido, a ocupação pela população pobre e o
progressivo aterramento de mangues nas cidades litorâneas brasileiras
atestam os fatos.
47
1.3. Desenvolvimento Sustentado: o Debate
Na história do pensamento urbanístico recente, a expressão
“meio ambiente” passa a ser fartamente utilizada, em substituição ao
conceito de natureza. A questão ambiental foi desenvolvida a partir de
três vertentes, quais sejam: a partir de estudos sobre políticas públicas;
na redefinição das alternativas de desenvolvimento humano; e na
extensão de modelos da chamada “ciência normal”, redefinindo
conceitos e introduzindo novos pontos de vista. (Marcondes, 1999).
Na abordagem mais usual, a análise pauta-se na relação do
tema ambiental com a problemática do desenvolvimento, surgindo o
conceito de “desenvolvimento sustentado”, cabendo à ONU o papel de
autoridade máxima no que tange às questões ambientais.
O desastre ecológico da Baía de Minamata
13
, no Japão, em
1969, lançou o tema da degradação ambiental ao nível do debate
mundial. Assim, no início dos anos 70, começaram a surgir documentos
oficiais
14
, expressando uma preocupação com a insustentabilidade do
desenvolvimento planetário nos moldes seguidos pelos países
desenvolvidos - uma vez que a manutenção da vida depende da
estabilidade dos sistemas naturais, entendem-se como necessárias,
medidas de contenção do crescimento global.
13
Pescadores e habitantes do local foram gravemente contaminados por mercúrio
proveniente de indústrias locais.
14
Surge em 1972 uma polêmica sobre o crescimento com o primeiro informe do Clube
de Roma sobre os limites do crescimento, destacando a impossibilidade de um
crescimento indefinido, em um mundo finito como o planeta. (Franco, 2000).
48
Tais fatos detonaram a proposta de uma conferência
internacional sobre meio ambiente, suscitada pela Suécia, durante a
XXIII Assembléia Geral da ONU, que acabou redundando na realização
da Conferência Internacional para o Meio Ambiente Humano, em
Estocolmo, em 1972, onde foram destacados os problemas da pobreza e
crescimento populacional, e elaboradas metas centradas nos países em
desenvolvimento.
Em decorrência disso, com o objetivo de examinar os problemas
críticos do meio ambiente e desenvolvimento, foi criado o PNUMA –
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Programa
Observação Terra (Eartwatch) – monitorando as diversas formas de
poluição – e a CMMAD – Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento.
No período de 1983 a 1987, esta comissão, composta por 21
membros da ONU e presidida pela Primeira Ministra da Noruega, Gro
Harlem Brundtland, pesquisou a situação de degradação ambiental e
econômica do planeta.
Foi gerado um relatório de atividades, que se tornou conhecido
como Relatório Brundtland ou “Nosso Futuro Comum”, enumerando
sucessos e fracassos do desenvolvimento mundial. Entre os aspectos
positivos, constatou-se: expectativa de vida crescente, mortalidade
infantil decrescente, maior grau de alfabetização, inovações técnicas e
científicas, aumento da produção de alimentos em relação ao
crescimento populacional. Por outro lado, foram detectados pontos
negativos, tais como: o aumento da erosão do solo e a expansão de
áreas desérticas, desaparecimento de florestas, poluição do ar crescente
ameaçando a camada de ozônio, fracasso nos programas de
49
desenvolvimento, aumento de toxidade de resíduos produzidos pela
indústria e agricultura nas cadeias alimentares e áreas de mananciais.
Com base na análise comparativa entre a situação do mundo no
início do século XX e na década de 80, o Relatório concluiu que
atividades antrópicas alteraram a atmosfera, o solo, a fauna e a flora.
Foi então lançada a fundamentação filosófica e científica para as
discussões acerca de Desenvolvimento Sustentado, materializadas em
propostas políticas, que vieram a ser debatidas em junho de 1992,
durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, conhecida como Rio/92 ou ECO/92, introduzindo os
conceitos de “desenvolvimento sustentável” e “nova ordem econômica
internacional”. As estratégias de reversão dos processos de degradação
ambiental propostas foram então documentadas através da Agenda 21.
O documento distingue os blocos Norte e Sul, e considera que,
pelo fato destes terem contribuído em diferentes medidas para a
degradação do meio ambiente mundial, os Estados têm
responsabilidades diferenciadas, devendo diminuir ou eliminar os
sistemas de produção e consumo insustentáveis e formular políticas
demográficas adequadas.
As propostas contidas no Relatório Brundtland, retomadas na
Agenda 21, partem do pressuposto que é possível conciliar crescimento
econômico e conservação ambiental – consubstanciadas no mote: a
busca do “desenvolvimento sustentável” a ser alcançado através de uma
“nova ordem econômica internacional”.
“Estas expressões, muito abstratas e ambíguas, vêm
sendo interpretadas das mais diversas formas pelos
diferentes atores sociais, ora despertando o nosso
50
imaginário e uma certa esperança milenarista, ora
alimentando suspeitas acerca de uma conspiração do
hemisfério norte contra o sul”.(Herculano, 1992, p.10).
Pela definição constante no Relatório, o “desenvolvimento
sustentável” é colocado como aquele que :
[ ] “atende às necessidades do presente sem
comprometer a capacidade de as futuras gerações
atenderem as suas próprias necessidades” (CMMAD,
1988, p.9);
[ ] “é um processo de transformação no qual a
exploração dos recursos , as diretrizes de investimento,
a orientação do desenvolvimento tecnológico e as
mudanças institucionais sejam consistentes com as
necessidades atuais e futuras”. (CMMAD, 1988, p.10).
Em resumo, a definição formal de “desenvolvimento sustentável”
pressupõe o crescimento para todos e recomenda a redução do ritmo de
exploração da natureza, de forma a legar recursos para as gerações
futuras; para tanto, seriam indispensáveis mudanças na estrutura de
produção e consumo, invertendo o quadro de degradação ambiental e
miséria social a partir de suas causas.
Essa concepção de “desenvolvimento sustentável” articula as
idéias de desenvolvimento econômico e capacidade de sustento.
Antes de apresentarmos uma resenha dos posicionamentos
relativos ao conceito de “desenvolvimento sustentável”, julgamos
pertinente explicitarmos o conceito de “desenvolvimento”.
51
A temática do desenvolvimento surge no início dos anos 60, no
contexto da “guerra fria”, tendo por proposta desenvolver (no sentido de
modernizar) as sociedades “tradicionais” ou “atrasadas” , visando a
construção de uma “sociedade internacional aberta”, sob a hegemonia
dos Estados Unidos.
Conforme coloca Rostow (1971), a idéia era abrir espaços para
a expansão do capitalismo, que passava por novo estágio de
acumulação através de uma nova divisão internacional do trabalho.
Através do processo de modernização, as sociedades “atrasadas”,
embasadas no modelo norte-americano, poderiam dar o seu “take-off”
15
(arranque), saltando de um modelo de produção limitada, baseado numa
economia agrícola, para a etapa de introdução à moderna tecnologia; na
etapa seguinte, atingiria a “maturidade” – estágio no qual a capacitação
tecnológica e empresarial permitiria a produção, segundo critérios
econômicos ou prioridades políticas. No estágio final do processo de
crescimento, seria atingida a era do “consumo de massa” – ícone do
desenvolvimento, ou seja, as características da sociedade norte-
americana sendo transpostas às sociedades atrasadas.Por outro lado, as
sociedades consideradas modernas se caracterizavam por uma
economia predominantemente voltada à produção industrial.
O conceito de desenvolvimento inter-relacionava-se diretamente
ao conceito de industrialização.Para os economistas da CEPAL
16
Comissão Econômica para a América Latina - contudo, os problemas
15
A tese da “decolagem” de Rostow, segundo a qual a economia decolaria, deslocando-
se de forma auto-sustentada, compondo um quadro de “etapas do crescimento”.
16
Criada pela ONU em 1948, tendo como expoentes os economistas Raul Prébisch e
Celso Furtado.
52
econômicos dos países latino-americanos estavam relacionados às
trocas desiguais entre países exportadores de matérias-primas e países
exportadores de manufaturados; assim sendo, esta situação de
desequilíbrio somente seria superada com a industrialização dos
primeiros.
No final da década de 60, a teoria desenvolvimentista recebeu
críticas severas de economistas marxistas - os chamados teóricos da
dependência, como André Gunder Frank - que consideravam a
existência de um sistema internacional capitalista, no qual os países do
“centro” canalizavam para si as riquezas produzidas pelos países da
“periferia”, de capitalismo dependente.
Dessa forma, essa dualidade, numa relação contraditória entre
países ricos e pobres, seria responsável pelo desenvolvimento de uns
em detrimento do atraso de outros. Configurando-se, assim,
desenvolvimento e atraso como faces de uma mesma moeda, o
processo de industrialização não iria modificar o quadro de dependência.
(Frank,1969).
Em análise posterior acerca da questão do desenvolvimento,
Furtado (1974) examinou o conceito no âmbito da temática ambiental,
influenciado por discussões internacionais, vinculando ao enfoque
dependista, uma análise ecológico - política sobre o caráter predatório do
processo de civilização. Numa crítica à visão reducionista e economicista
que permeia as concepções acerca da temática do desenvolvimento,
confere a ela um caráter político e social, frisando que crescimento
econômico não significa desenvolvimento real.
Martínez Alier comenta a preocupação dos economistas
ecológicos em separar a idéia de crescimento econômico da de
53
desenvolvimento econômico. Exemplificando: o crescimento econômico
se expressa através do aumento do PIB, enquanto que o
desenvolvimento econômico significa mudança da estrutura da economia
sem aumento do PIB. Considera difícil separar os dois conceitos, e
insiste na necessidade de se discutir melhor a noção ecológica de
“capacidade de sustento” de um território
17
(Martínez Alier, 1998).
Vieira qualifica o desenvolvimento, diferenciando-o do simples
crescimento econômico, e considera que é preciso submeter todo e
qualquer desenvolvimento econômico a uma crítica ecológica e não
apenas econômica. A seu ver, a qualificação do desenvolvimento propõe
uma visão de toda a aparelhagem econômica, técnica e científica,
permitindo à sociedade a sua sobrevivência, entendendo-se o meio
ambiente como patrimônio coletivo fundamental às condições de vida e
de convivência democrática (Vieira, 1987).
No âmbito da análise quantitativa de desenvolvimento, em 1990,
o PNUD – Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas – passou a
elaborar um novo índice: o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano),
cuja metodologia combina o poder aquisitivo, a expectativa de vida e o
índice de alfabetização dos habitantes, avaliando os diferentes estágios
de desenvolvimento dos países- membros da ONU.
17
A utilização do conceito de “capacidade de sustento” para estudar a relação entre a
demografia e os recursos na espécie humana não são aceitos pelos economistas, a
partir da consideração de que a desigualdade da riqueza e dos rendimentos na espécie
humana é mais pronunciada , em termos de consumo, que em outras espécies, e
porque a espécie humana , freqüentemente, aperfeiçoa suas técnicas de produção .
(Martínez Alier, 1998).
54
No âmbito desta reflexão, assumiremos desenvolvimento
enquanto processo – um conjunto complexo e articulado de mudança
econômica, social, ecológica, política e cultural – pressupondo a
existência de uma determinada divisão social e territorial do trabalho, sob
mecanismos reguladores do Estado, através de políticas conciliatórias.
Feitas essas considerações em relação ao conceito de
desenvolvimento, analisaremos a polêmica suscitada pela questão do
“desenvolvimento sustentável”.
Para os apologistas do “desenvolvimento sustentável”, como
Reilly
18
, o crescimento econômico beneficia o meio ambiente, uma vez
que a expansão econômica se harmoniza com a proteção ambiental.
Para Fortes
19
, “desenvolvimento sustentável” significa uma
nova ordem econômica mundial e uma “revolução ambiental”,
envolvendo a integração de critérios econômicos à prática ecológica: é
alcançado pela aceleração do desenvolvimento, uma vez que, no seu
entender, o que polui é a miséria.
A CEPAL incorpora o conceito de “desenvolvimento
sustentável”, admitindo os recursos naturais como bens de capital,
concebido como progresso técnico em um sistema de competitividade
internacional, onde o meio ambiente é um meio econômico, tendo como
objetivo final as pessoas, que constituem uma forma de capital: o
“capital humano” (CEPAL, 1991).
18
Presidente da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. (Herculano,
1992).
19
Coordenador-Executivo do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento
Sustentável, no Brasil.(Herculano, 1992).
55
O relatório Brundtland identifica as causas de deterioração
ambiental a partir do uso de tecnologias poluidoras, do aumento
demográfico e da expansão da miséria, propondo como soluções para
se atingir o desenvolvimento sustentável : a reorientação tecnológica e a
institucionalização de fiscalização internacionais, o controle populacional
para o Terceiro Mundo e a implementação de políticas de ajuste e de
ajuda financeira aos países pobres, por parte dos países ricos.
Tais propostas se inserem na ótica do eco-capitalismo, que
considera a pobreza mais relevante como causa da deterioração
ambiental do que, por exemplo, os dejetos tóxicos do Primeiro Mundo.
“Pobreza e deterioração ambiental não são percebidas
enquanto características inerentes à lógica perversa de
um modo de produção concentrador, mas como
percalços inesperados e perversos, passíveis de serem
contornados e controlados através de políticas de
ajustes e correções”. (Herculano, 1992, p.27).
Shiva considera que o “desenvolvimento sustentável” se tornou
uma ideologia, e aponta a expansão do sistema de mercado como
solução para a crise ecológica.
Sustentável é uma palavra que se tornou importante no
discurso desenvolvimentista da década de 80, porque
quatro décadas de experiência de desenvolvimento
determinaram que “desenvolvimento” e o seu sinônimo
“crescimento econômico” usados relativamente ao
aumento sistemático na renda per capita eram
processos insustentáveis. Desenvolvimento era
insustentável porque destruía gradativamente a
56
estabilidade ecológica e a subsistência dos
povos”.(Shiva, 1991, apud Herculano, 1992, p. 28).
Para Carvalho,
[ ] “desenvolvimento sustentável é um conceito que tem
sua matriz no projeto desenvolvimentista liberal aplicado
ao meio ambiente e que surge a partir do fracasso desta
promessa desenvolvimentista.” (Carvalho,1991, apud
Herculano, 1992, p. 29).
Em suma, a expressão “desenvolvimento sustentável” se reveste
de uma conotação econômica, determinando um paradigma da
sociedade moderna, mas que, na verdade, encerra um conjunto de
medidas meramente paliativas para os grandes problemas que cercam a
questão ambiental, onde o “sustentável” se apresenta como o
“suportável”.
Martínez Alier considera a riqueza uma ameaça maior para o
ambiente do que a pobreza. Não obstante, coloca que rendas e riquezas
desiguais conduzem à pobreza, e a pobreza, à degradação ambiental. A
degradação ambiental causa enfermidades, uma vez que a qualidade
dos serviços de saneamento e a eliminação de resíduos sólidos são
inversamente proporcionais à renda. Assim, a falta de água para a
higiene pessoal e para eliminação de resíduos exemplifica a conexão
entre a pobreza e a degradação ambiental, além, naturalmente, de
outros fatores, como, por exemplo, a pressão da população e a pressão
da produção sobre os recursos. (Martínez Alier, 1998).
O Relatório Brundtland transmitiu a idéia de que a pobreza
provoca a degradação ambiental, apontando o “desenvolvimento
sustentável” como solução tecnocrática para ambas, relegando-se a
57
questão da redistribuição de riqueza e renda a um segundo plano.
Partindo-se do pressuposto que a pobreza é a causa da degradação
ambiental, seria coerente afirmar-se que o desaparecimento da pobreza
e a melhoria do ambiente são eventos compatíveis. Nesse enfoque, a
questão que se coloca é: como, então, a pobreza poderia ser
efetivamente atenuada? Seguindo as orientações embutidas no Relatório
Brundtland, a resposta apontaria para uma solução “via crescimento
econômico”.
Contudo, para Martínez Alier, Tsuru, Hueting e Naredo, a tese
do crescimento econômico pode ser contraproducente; sua resposta
para a questão da redução da pobreza se centra no processo de
redistribuição de renda. Consideram que o crescimento econômico
implica num maior esgotamento de recursos e em mais contaminação
para o meio ambiente. Eles discordam da definição de crescimento
econômico expressa no Relatório Brundtland, embasada na
Contabilidade Social, onde a perda dos recursos naturais é apresentada
como um fluxo de renda, ou seja, quanto mais recursos são utilizados
agora, menos restará no futuro. (Martínez Alier, 1998).
Para esses autores, não há conflito entre a visão ecológica e a
visão econômica do investimento, concebendo-se investimento no
sentido do aumento da capacidade produtiva. Existe, nesse processo,
uma margem de incerteza, com riscos de probabilidade calculáveis, que,
no entanto, não são contemplados pela Contabilidade Social, uma vez
que sua estrutura lógica não considera o investimento em inovações
tecnológicas, capazes de fazer frente ao esgotamento dos recursos.
Não obstante a mitificação do conceito de “desenvolvimento
sustentável, contido no Relatório Brundtland e consolidado na ECO-92,
tomado , praticamente, como referência em análise ambiental, a
58
realidade parece estar distante do modelo, tanto nos países
desenvolvidos como nos emergentes.
Na verdade, o crescimento econômico, em si, não tem se
mostrado suficientemente efetivo como instrumento de minimização da
pobreza, sem uma distribuição dos benefícios advindos desse
crescimento.
Barbieri destaca o tom otimista presente no relatório da
Comissão Brundtland, baseado no desenvolvimento sustentável que
poderia ser alcançado pela humanidade; mas considera que esse
otimismo não é compartilhado universalmente, tendo em vista o
ceticismo quanto à possibilidade desse tipo de desenvolvimento ser
alcançado, uma vez que a expressão “desenvolvimento sustentável”
encerra, em si, uma contradição. A palavra “desenvolvimento” está
associada a crescimento econômico, mudança do padrão de vida da
população e da base do sistema produtivo. Contudo, as políticas de
desenvolvimento estão vinculadas aos segmentos sociais que detêm o
poder político do Estado, afirmando seus objetivos e interesses como
sendo nacionais, de forma que os benefícios dos esforços coletivos
acabam sendo distribuídos desigualmente. (Barbieri, 1997).
Para Robinson (apud Diegues, 2001), a sustentabilidade é
considerada um princípio ético, normativo, e para existir uma sociedade
sustentável é necessária a sustentabilidade ambiental, social e política,
enquanto processo.
Observamos um certo desgaste na utilização do termo
“desenvolvimento sustentável”, tanto por parte do movimento
ambientalista, como na retórica de documentos oficiais, onde não é
empregado numa dimensão mais abrangente, que inclua as causas
59
sociais e econômicas da degradação ambiental e da marginalização de
amplos setores da população.
Diegues discute o conceito de “desenvolvimento sustentável”
ampliando o debate sobre o seu conteúdo. Considera o conceito de
“sociedades sustentáveis” mais adequado que o de “desenvolvimento
sustentado”,
[ ] “na medida em que possibilita a cada uma delas
definir seus padrões de produção e consumo, bem
como o de bem-estar a partir de sua cultura, de seu
desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural”.
Diegues (2001, p.52)
Essa colocação está embasada na noção apresentada por
Chambers (apud Diegues, 2001), segundo a qual as pessoas,
particularmente as mais pobres, devem ser sujeitos e não objetos do
“desenvolvimento”, uma vez que, no seu entender, meio ambiente e
desenvolvimento são meios e não fins em si mesmos. Refere-se à
questão da sustentabilidade dos modos de vida, onde a qualidade de
vida passa a ser prioridade.
A conceituação de “sociedades sustentáveis”, nos termos
apresentados por Diegues (2001), nos parece válida e consistente,
fundamentada na necessidade de manutenção da diversidade ecológica,
social e cultural, com alternativas econômicas e tecnológicas
diferenciadas, dirigidas para o desenvolvimento das pessoas e de suas
relações com o mundo natural.
60
1.4. O Binômio Turismo – Urbanização
Considerando-se o forte apelo para a implantação de
empreendimentos imobiliários destinados ao turismo e ao lazer próprios
da região litorânea em estudo, julgamos oportuno levantar a questão
teórica que permeia o turismo, numa ótica mais ampla de análise.
De início, cabe apresentar algumas implicações acerca do
turismo enquanto fenômeno social, uma vez que o crescimento
econômico e o processo de urbanização das grandes cidades podem ser
apontados como fatores que passaram a influenciar os hábitos de
produzir e consumir.
Resultante da sociedade industrial e das conquistas sociais, o
período de descanso vem sendo canalizado, progressivamente, para a
realização de viagens, alimentando os fluxos de deslocamentos a
pequenas, médias e longas distâncias. O meio ambiente surge, em seu
mais amplo sentido, como componente condicionador, na relação entre
turismo e natureza.
Assim é, que a ideologia do estresse urbano, em que os
indivíduos residentes nas grandes metrópoles assumem sua rotina como
algo fatigante, induz a uma necessidade de descanso, de lazer e
viagem.
Associa-se a ela, a ideologia do turismo, uma vez que o lazer é
transformado em produto, de forma a garantir a acumulação e a
reprodução do capital.
61
Nesse aspecto, ressalta-se a relação mídia x turista, na qual o
marketing turístico propala a idéia de que o atual ritmo de vida urbana
tem gerado indivíduos exaustos com o dia-a-dia das grandes cidades,
necessitando, por isso, de recreação. Passa-se a imagem de que, nas
viagens, com a descoberta de novas culturas, aventuras inusitadas, ou
mesmo, a busca do isolamento, as pessoas irão ter seus anseios
pessoais atendidos. Assim, os lugares se tornam mercadorias a serem
vendidas como produtos prontos para o consumo. (Portuguez, 2002).
Esse mesmo contexto favorece a existência da chamada
“segunda residência” e das “casas de temporada”, que se constituem em
instrumentos importantes de recreação das classes média e alta, nos
finais de semana e períodos de alta estação.
Por outro lado, convém analisar a relação governo x turismo, sob
a ótica da estruturação espacial. Em se tratando de países do Terceiro
Mundo, o planejamento do setor é proposto através de “planos de
desenvolvimento turístico”, focado no aproveitamento mais rentável do
potencial natural e da cultura existente.
Tanto nos países desenvolvidos como nos países em
desenvolvimento, o Estado detém a diretriz das políticas voltadas ao
setor de turismo, bem como o poder de intervenção e fiscalização das
funções e atividades correlatas, exercidas pelo capital privado. Sua ação
setorial se traduz em políticas delineadas para o atendimento aos
requisitos de crescimento do setor, através de mecanismos de
planejamento particularizados, mas inseridos no processo de
planificação global (Beni, 2002).
62
Assim, a ação do Estado é exercida, num primeiro momento, por
meio de políticas, e, seqüencialmente, pela implementação de
programas previstos no planejamento.
O chamado “planejamento formal do turismo” data do final da
década de 40, generalizando-se a partir dos anos 60, cabendo ao Estado
a determinação e a execução das políticas de turismo, e sua ação
obrigatória, na interface das diversas ações intersetorializadas que
constituem a atividade turística.
Beni (2002) considera importante destacar a discussão teórica,
envolvendo governo e pesquisadores, em torno do planejamento
integrado do turismo inserido no desenvolvimento estratégico regional e
global. Evidencia-se um conflito entre os objetivos escolhidos pelo
governo – muitas vezes contraditórios, dada a imprecisão entre a
definição dos propósitos da política de turismo e as medidas de ação
governamental necessárias para se atingir o grau de desenvolvimento
fixado.
Considere-se ainda a questão do impacto ambiental, resultante
de empreendimentos turísticos não alinhados aos preceitos da política
estratégica de desenvolvimento regional e do planejamento integrado do
turismo.
Nessa perspectiva, poderá ocorrer impacto ambiental, quando,
por exemplo, a política de uso e ocupação do solo for descentralizada,
delegando-se aos municípios o encargo de normatizar a utilização do
espaço territorial – muitas vezes, feita em desacordo com sua
capacidade geográfica e vocação natural. Ou ainda, quando existir uma
exploração desordenada de recursos naturais pela especulação
imobiliária, levando ao esgotamento do uso e da atratividade turística
63
desse espaço. Pode, também, ocorrer conflito e inadequação da malha
viária, por conta de vias de acesso construídas nos corredores cênico -
paisagísticos, sem a preocupação com a preservação ecológica, ou
então, a partir da destruição do entorno do atrativo turístico.
Além disso, convém salientar o indesejável impacto social,
sempre que a propriedade do solo for adquirida ou desapropriada da
população original para a implantação de equipamentos turísticos,
redundando em migração e marginalidade, se os indivíduos não forem
engajados no processo participativo da ocupação turística; ou, ainda,
caso a cultura local entre em choque com a nova cultura predominante.
Freqüentemente, governos locais tentam promover o
desenvolvimento regional através do turismo, com base no princípio que
coloca o desenvolvimento do turismo como uma grande alternativa de
política econômica, uma vez que este é classificado como a principal
atividade econômica do mundo, em termos de geração de divisas
internacionais, podendo ser considerada a mais promissora das
atividades sociais. (Silveira, 2002).
Apesar desse argumento, que destaca a importância do papel
do turismo frente à geração de empregos, captação de divisas
municipais e lucros para o setor de serviços, pesquisas vêm
demonstrando que essa atividade provoca impactos negativos no meio
ambiente, incidindo tanto nos recursos naturais – como vegetação,
praias, mangues, rios – como no patrimônio histórico-cultural e no modo
de vida dos habitantes locais. (Silveira, 2002).
O “turismo sustentável” ou “durável” é colocado, por alguns
autores, como alternativa ao modelo atualmente dominante na maioria
dos países. Em termos de turismo, a sustentabilidade é definida como
64
algo que extrapola a dimensão ecológica, compreendendo, também, a
melhoria das condições econômicas e sociais das populações locais e o
nível de satisfação dos turistas; seria uma alternativa a modelos
anteriores de desenvolvimento – os chamados modelos de “crescimento
a qualquer custo” – acusados de degradar a qualidade de vida e de
destruir a natureza, em todo o planeta.
Para Sachs (1993), o turismo sustentável está fundamentado em
cinco princípios norteadores, quais sejam: da sustentabilidade ecológica
- voltada à proteção da natureza e da biodiversidade; da sustentabilidade
social – objetivando um processo de desenvolvimento que conduza a um
padrão estável de crescimento; da sustentabilidade cultural –
considerando a identidade cultural e o modo de vida local, além da
participação da população nas decisões e elaboração da gestão de
programas e planos de desenvolvimento turístico; da sustentabilidade
econômica – visando assegurar o manejo responsável dos recursos
naturais ; e da sustentabilidade espacial – com base numa distribuição
geográfica mais equilibrada dos assentamentos turísticos, para evitar a
excessiva concentração de pessoas, equipamentos e infra-estrutura
turísticos.
A partir das derivações conceituais de “desenvolvimento
sustentável”, surgem novos paradigmas, como modelos teórico-práticos
direcionadores de padrões de qualidade de vida, como a “Ecologia da
Paisagem”
20
e o “Ecodesenvolvimento
21
”, dando apoio aos discursos do
20
A paisagem pode ser definida como um sistema territorial composto por diferentes
componentes formados a partir da influência dos processos naturais e da atividade
modificadora da sociedade humana, refletindo o ordenamento social em uma íntima
identidade entre natureza e sociedade. (Rodrigues, apud Lombardo & Casella (2002).
21
Expressão utilizada no sentido de globalização/modernidade (Machado, 2002).
65
“Ecoturismo”, acompanhados de estratégias de marketing,
intencionalmente voltadas às práticas de especulação comercial,
notadamente empreendimentos imobiliários.(Machado, 2002).
O capital associado ao turismo teve rápida movimentação e
captou o interesse pelas questões ambientais, gerando, em seu bojo, o
Ecoturismo ou Turismo Ecológico, vendido pelo marketing como
atividade alternativa que concilia o uso dito racional e a conservação do
patrimônio natural e cultural dos lugares em foco.
Apesar do discurso hegemônico acerca do desenvolvimento do
turismo, cada vez mais, ele se reveste de expressões de caráter
ambientalístico, na tentativa de convencer que o incentivo oferecido
reside numa preocupação de ordem ecológica, sendo esta atividade tida
como alternativa no âmbito do chamado “desenvolvimento sustentável”.
Não obstante,as discussões conceituais entre pesquisadores da
área, Silveira (2002) afirma que a prática do planejamento territorial do
turismo, nos países em desenvolvimento, segue o enfoque setorial, com
forte viés autoritário, onde as decisões políticas são tomadas de forma
centralizada, baseadas na concepção dominante nos anos 70. Nessa
visão, as ações de planejamento são dirigidas para o equilíbrio regional,
para o ordenamento das cidades e definição dos melhores usos do solo.
Apoiados nesse discurso, os planos de desenvolvimento turístico
implementados no Brasil , nas décadas de 70 e 80, promovidos por
órgãos oficiais, como a EMBRATUR – atual Instituto Brasileiro de
Turismo- e as secretarias estaduais de turismo, obtiveram resultados
desastrosos, uma vez que, os projetos de turismo acarretaram
problemas sociais e ambientais, como, por exemplo, a ocupação
desordenada das áreas próximas ao litoral, desestruturando os modos
66
de vida das comunidades tradicionais e provocando degradação
ambiental.
Assim, os problemas de agressão ao meio ambiente resultantes
de uma ocupação predatória advêm das leis do capital privado, que, sob
a ótica da maximização de lucros, são responsáveis por loteamentos
sem qualquer tipo de preocupação com os efeitos da degradação
ambiental.
Em vista disso, faz-se necessário analisar a relação entre
turismo e a questão espacial através da urbanização, considerados os
mecanismos de globalização.Numa abordagem locacional, é importante
destacar-se a lógica das questões de localização e seu impacto espacial.
Nessa linha, nos reportamos a Yokeno, que, em 1968,
relacionou turismo com os modelos de von Thünen – de localização
agrícola – e de Weber – de localização industrial – considerando as
vantagens comparativas da concentração e densidade de atividades em
centros especializados. (Silva, 2002).
Extensivamente, a localização das atividades turísticas pode ser
ainda associada ao modelo de pólos de crescimento de Perroux,
22
figurando como um tipo de indústria “motriz”, com altas taxas de
crescimento e grande capacidade de indução.
22
De acordo com a classificação de Perroux, há três categorias de espaços econômicos
: espaços homogêneos – no qual todas as suas partes apresentam características
semelhantes, em relação a algum aspecto econômico de interesse; espaços
polarizados (heterogêneos) – que correspondem à noção de foco de desenvolvimento,
ou pólo dominante – e espaços definidos por um plano – correspondendo às áreas nas
quais suas várias partes são dependentes de um decisão central.
67
A Teoria dos Lugares Centrais, proposta por Christaller, na
década de 30, apresenta uma sistematização completa, sob o ponto de
vista teórico, da hierarquia urbana e da relação de interdependência
entre uma cidade e a região em que ela está situada. (Clemente,1994).
Para Christaller, deve ser dada preferência à análise do lugar
ocupado por qualquer atividade econômica na compreensão da estrutura
e da dinâmica espacial e não à análise isolada dessa mesma atividade
econômica. (Silva, 1996).
Para demonstrar que o turismo é a única atividade econômica
que se relaciona, de forma típica, com a periferia de uma área
densamente povoada, Christaller elaborou uma análise histórico-espacial
do turismo, concluindo que esta atividade apresenta uma tendência clara
“rumo à periferia”, evitando os centros urbanos e os aglomerados
industriais.
Mullins (1991, p. 326) sistematizou a questão entre a dinâmica
do turismo com a dinâmica da urbanização, partindo do princípio geral de
que os centros turísticos representam uma nova forma de urbanização,
pois se constituem em cidades construídas unicamente para o consumo–
consumo este dirigido para a alegria, o prazer, a recreação, ou seja,
construídas para visitantes. A urbanização turística, nesse enfoque,
baseia-se na venda e no consumo explícito do prazer.
Silva (2002) sistematiza os aspectos teóricos e locacionais
pertinentes à relação entre turismo e urbanização, propondo que a
cidade turística seja compreendida em função de um tipo particular de
dinâmica, baseada no consumo de bens e serviços turísticos,
expressando, muitas vezes, uma tendência à periferização e provocando
diversificadas articulações inter-setoriais e inter-regionais.
68
Essa conceitualização pode ser exemplificada através do
expressivo crescimento recente do turismo litorâneo brasileiro, com
tendência à formação de cidades turísticas, próximas ao modelo
proposto por Christaller e aos conceitos de Mullins, onde áreas
periféricas são sujeitas ao impacto da urbanização turística.
69
CAPÍTULO II
Gestão da Zona Costeira do Brasil
2.1. Zona Costeira e Espaços Litorâneos
O litoral brasileiro se caracteriza pela presença de grande
variedade de ecossistemas, contemplados pela riqueza de recursos
naturais renováveis e de relevância ecológica – entre eles se destacam:
os ecossistemas estuarinos, de manguezais, recifes de corais, planícies
inundáveis, entre outros. Tais recursos são capazes de gerar meios de
sobrevivência para as populações humanas, bem como de assegurar a
reprodução de diferentes espécies de animais da fauna brasileira , além
de contribuir para a conservação da vegetação natural.
Não obstante a dependência da utilização dos recursos naturais
renováveis para a produção de bens de consumo da economia,
evidencia-se um confronto com problemas ambientais, dado o contínuo
desenvolvimento das forças produtivas, através de procedimentos que
vêm afetando a capacidade de recuperação desses recursos.
Na verdade, desde o período de colonização até hoje, observa-
se que a apropriação dos recursos naturais vem sendo realizada de
forma inadequada, comprometendo a biodiversidade e intervindo
negativamente na economia brasileira.
Certas atividades econômicas geram custos sócio-ambientais,
também conhecidos como externalidades, e se referem à má utilização
70
de um determinado recurso, redundando em prejuízo às comunidades
que dependem desse sistema para sua sobrevivência, assim como à
própria qualidade ambiental. (Eloy apud Grasso et alii,1995).
O uso e a ocupação do solo vêm ocorrendo de modo intensivo e
aleatório, na costa brasileira, redundando em problemas ambientais e de
saúde pública, dada a disposição inadequada dos resíduos sólidos e o
lançamento de esgotos e de efluentes industriais nos corpos d’água que
afetam, particularmente, o turismo, a pesca e a aqüicultura - principais
setores de ocupação das populações tradicionais.
Constata-se que mais da metade da população brasileira vive a
uma distância de, aproximadamente, 60 km do mar, e 20% na zona
costeira, correspondendo a um contingente de 42 milhões de habitantes,
numa área de 388.000 km
2
, onde estão localizados setores fundamentais
do parque industrial brasileiro.(SMA/CPLEA, 2005).
Mais recentemente, a zona costeira brasileira
24
vem sendo palco
de conflitos de uso e pressões econômicas advindas do processo
produtivo, do desenvolvimento do turismo, da especulação imobiliária e
do aumento da densidade demográfica.
A exploração turística é responsável pela construção de hotéis,
de casas de veraneio (utilizadas como segunda residência), de parques
balneários e de condomínios “fechados” destinados à elite, o que acaba
24
O conceito de Zona Costeira Brasileira, de acordo com o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro – PNGC II (2004) - corresponde ao espaço geográfico de
interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos, renováveis ou não,
abrangendo uma faixa marítima e uma faixa terrestre, considerada patrimônio nacional
pela Constituição de 1988.
71
provocando o aumento da população flutuante, num nível muito superior
à capacidade de suporte dos ambientes naturais, e contribuindo,
poderosamente, para a destruição dos ecossistemas costeiros e para a
sua descaracterização, em termos de paisagem.
O conceito de turismo que permeia essa estrutura propicia a
instalação do mecanismo de especulação imobiliária, promovendo a
expulsão e a desarticulação cultural das populações tradicionais, além da
destruição de importantes áreas naturais.
A partir dessa configuração do solo como mercadoria, o
processo de produção, consumo e comercialização define a existência
de um verdadeiro “mercado de terras”, reforçada pelas qualidades
relativamente raras dos recursos naturais e ambientais presentes no
território litorâneo.
Moraes (1999) considera o comportamento do mercado fundiário
um dos indicadores mais objetivos para se aferir a valoração dos lugares,
uma vez que a composição do preço da terra engloba as vantagens
comparativas existentes, os estoques de recursos, o estado geral das
condições locais e os atrativos ou retratores locacionais.
Imperfeições no funcionamento desse mercado vêm provocando
deformações na estrutura espacial, trazendo em seu bojo problemas
urbanos diversos, tais como: distribuição populacional inadequada -
encetando o aumento da densidade demográfica - déficit habitacional
afetando as comunidades locais e crescimento periférico, provocados
pelos mecanismos de especulação com os preços fundiários.
72
Por outro lado, as atividades portuárias e petrolíferas, das quais
fazem parte: instalações de atracação, dutos submarinos e terrestres,
pátios de estacionamento, terminais de containeres, armazéns de carga,
tanques de combustível e o trânsito de embarcações, têm sido
responsáveis por inúmeros acidentes ambientais, particularmente, por
vazamentos de óleo, causando prejuízos à biodiversidade e à atividade
turística na zona costeira.
Na quantificação da avaliação de danos aos ecossistemas
costeiros brasileiros, evidencia-se como elemento de fundamental
importância o ecossistema manguezal
25
, uma vez que, segundo dados
da UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza (1983),
a costa brasileira apresenta a mais extensa área de manguezais do
mundo - cerca de 25.000 km
2
, ressaltando-se que, qualquer distúrbio
significativo nesse ecossistema pode provocar mudanças intensivas no
ambiente, especialmente no que tange a sua zonação e biodiversidade.
(Herz apud Grasso et alii, 1995).
Atualmente, esse ecossistema vem sendo degradado de forma
rápida, pelo crescimento desordenado das áreas costeiras brasileiras,
através de processos urbano-industriais, fato este que se configura em
ameaça preocupante à existência deste ambiente, em função de sua
localização em estuários, portos e marinas, afetando também a
sobrevivência das populações locais.
25
O manguezal representa um ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes
terrestre e marinho. Desenvolve-se em áreas protegidas das ondas, de baixa energia;
seu sistema de raízes retém o sedimento, protegendo a costa contra a erosão
produzida pelas marés, correntes e tempestades (Grasso, 1995).
73
Apesar de sua importância ecológica, o mangue é considerado
uma área marginal, de reduzido valor de mercado e, portanto, passível
de ser transformado em outros usos mais rentáveis, sob a ótica do
capital.
Diversas comunidades litorâneas utilizam o mangue de forma
pouco intensiva, para satisfação de necessidades básicas de
alimentação, moradia e medicamentos, de forma que este se regenera
e o recurso é preservado. Entretanto, demandas externas -
principalmente de madeira para construção – têm levado outras tantas
comunidades locais, movidas por esses interesses, a cortá-lo de maneira
predatória.
Diegues (2001) sugere a implantação de “reservas extrativistas
do mangue”, com áreas delimitadas para o uso exclusivo das pequenas
comunidades locais, o que nos parece acertado, como resolução do
dilema entre a necessidade de preservação do recurso e a sobrevivência
das populações tradicionais.
A questão da localização se reveste de fundamental importância
dentro da concepção de lugar, enquanto uma necessidade de
investigação e gestão, consistindo num espaço de produção e
reprodução. O lugar qualifica-se economicamente pelos bens que
abrange, por sua localização e caracterização geral, definindo-se aí suas
vantagens comparativas. (Moraes, 1999).
Aplicando-se o conceito para o espaço geográfico definido pela
zona costeira, podemos particularizar a localização litorânea como
diferenciada, por apresentar características próprias de recursos
74
naturais, de ocupação e de navegação, uma vez que a alocação dos
fluxos intercontinentais de mercadorias, ainda hoje é realizada,
majoritariamente, por transporte marítimo.
A atividade do turismo também particulariza a localização
litorânea, uma vez que o litoral é objeto de apropriação cultural que o
identifica como um espaço de lazer por excelência, sendo os espaços
preservados, os mais valorizados.
Assim sendo, o litoral abriga um contingente populacional denso
e concentrado, com correspondente concentração de atividades, o que
confere a sua ocupação um perfil claramente urbano, sendo as
atividades agropecuárias cada vez menos significativas, nesse contexto.
A zona costeira brasileira apresenta uma dinâmica já
consolidada na estrutura fundiária da maior parte dos espaços litorâneos,
observando-se uma expansão gradativa do mercado de terras.
Moraes (1999) destaca a questão dos conflitos oriundos da
sobreposição dos títulos de propriedade como um dos problemas atuais
mais sérios, no litoral brasileiro – principalmente nas zonas de expansão
recente de ocupação - resultantes da grilagem de terras e do
sobrepovoamento nos espaços litorâneos.
No que tange aos vetores de ocupação, o litoral brasileiro pode
ser considerado como uma zona de usos múltiplos, encontrando-se em
sua extensão formas variadas de ocupação do solo e de atividades
humanas, desde comunidades tradicionais a grandes metrópoles,
afetando, conseqüentemente, as formas de uso do solo.
75
Nesse sentido, julgamos oportuno delinear uma breve
retrospectiva histórica do processo de ocupação da zona costeira do
Brasil.
Num primeiro momento, não podemos perder de vista as
próprias características particulares da formação brasileira - uma
formação colonial, assentada na motivação da conquista de espaços e
na apropriação de novos lugares, riquezas e recursos naturais.
Este fato gerador imprimiu uma marca nessa sociedade
originada no processo de colonização, tendo na conquista de territórios
um forte elemento de identidade. Uma ótica delapidadora regia o
processo de ocupação, expressa num padrão extensivo (em termos do
espaço) e intensivo (em termos de recursos naturais), onde as
populações são vistas apenas como um meio de se extrair a riqueza
natural local. (Moraes, 2005).
Os primeiros assentamentos portugueses em terras brasileiras
localizaram-se, com raríssimas exceções, na zona costeira, podendo-se
afirmar que a formação territorial do país foi baseada no sistema de
ocupação do litoral, onde cada porto polarizava regiões interiores ,
gerando zonas de adensamento em seus entornos, que vieram a
constituir as primeiras redes de cidades.
No final do período colonial, registrava-se a existência de
cidades portuárias relativamente isoladas na zona costeira brasileira,
como Belém, São Luís, Fortaleza e Vitória, que se tornaram centros de
produção local, comandando a circulação de sistemas produtivos
específicos, regionais. Paralelamente, grandes áreas litorâneas
76
permaneciam pouco ocupadas, dando origem às populações litorâneas
tradicionais, constituídas por tribos indígenas e escravos foragidos.
26
Durante o século XIX, ocorreu a perenização das estruturas
definidas no período colonial, com o padrão de acumulação baseado na
exportação de produtos primários ; verificou-se, então, o crescimento das
zonas de adensamento contíguas às capitais mais promissoras,
enquanto outras entraram em decadência ou em estagnação, conforme
os ciclos das economias regionais exportadoras.
Em meados do século XIX, as aglomerações foram
sedimentadas, com a implantação da malha ferroviária reforçando a
centralidade dos portos, uma vez que cada porto demandava uma linha
férrea.
Por outro lado, o advento das ferrovias diminuiu a vantagem
locacional da zona costeira, em relação à alocação de recursos
produtivos. Fatores locacionais como a proximidade de fontes de
recursos energéticos e de matérias - primas propiciaram uma onda de
interiorização, promovendo o crescimento da indústria e da urbanização
aquém da zona costeira.
Conseqüentemente, na primeira metade do século XX, verificou-
se a ocorrência de “cidades mortas”, distribuídas ao longo do litoral
brasileiro, à margem das novas opções de transporte, condicionadoras
do processo de industrialização.
Estes espaços, juntamente com aqueles pouco povoados,
ocupados pelas comunidades tradicionais, iriam se constituir nas zonas
26
Ainda hoje algumas tribos indígenas se fazem presentes em regiões da costa
brasileira.
77
de assédio do surto de ocupação da zona costeira, na segunda metade
do século XX.
A formação da estrutura territorial brasileira, na verdade, retrata
a própria formação econômica do país, baseada no modelo de
dependência estrutural, vinculada à divisão internacional do trabalho,
com especialização na exportação da produção primária.
No final dos anos 50, no âmbito do processo de substituição de
importações no país, seguido do ingresso do capital internacional,
ocorreu uma mudança significativa no padrão de ocupação da costa
brasileira, quando a consolidação da dinâmica do processo urbano-
industrial central passou a se refletir no espaço litorâneo.
Assim foi que, a implantação de novos ramos industriais
importantes no processo de industrialização brasileiro - como, por
exemplo, mineração, beneficiamento de soja, celulose - dependentes de
insumos externos, necessitavam da proximidade de portos, de forma que
suas plantas industriais foram instaladas, com prioridade, na zona
costeira, gerando complexos industriais, como Cubatão e Camaçari.
Não obstante, a prioridade da localização industrial centrar-se na
periferia das capitais e nas zonas densamente povoadas, é importante
considerar-se a presença recente da industrialização na costa brasileira
e seus impactos ambientais e sociais.
No que tange aos aspectos ambientais, ressalta-se a influência
da industrialização em termos de poluição ambiental, considerando-se a
questão dos dejetos resultantes de processos industriais.
78
Em termos sociais, a industrialização é fator de atração de fluxos
migratórios para os locais de sua instalação, dada a geração de
empregos diretos e indiretos que proporciona, exercendo importante
mudança na dinâmica populacional das cidades litorâneas.
Todavia, outros fatores influenciam o movimento migratório
direcionado para a costa brasileira. Nesse sentido, destaca-se o papel
das residências de veraneio, as chamadas “segundas residências”, em
relação ao processo de urbanização litorânea, cujo impacto ambiental
depende da regulamentação do uso do solo vigente.
Destaca-se, ainda, a desorganização social instaurada pela sua
expansão, dada a valorização dos preços fundiários, que mobiliza
proprietários e indústria da construção civil, intermediados pelos
mecanismos de incorporação e corretagem, dinamizando o fluxo
ocupacional das localidades litorâneas.
Por outro lado, considere-se que nem todo contingente
populacional atraído pela indústria da construção civil e pelo setor
institucionalizado de serviços será absorvido pelo mercado de trabalho;
aos excluídos restará, como única opção, o mercado informal, segmento
à margem, constituindo-se em fator de pressão social.
A esses contingentes populacionais, que não dispõem de
alternativas melhores para resolver o seu problema de habitação, restará
como espaço de sobrevivência aqueles locais deixados sem uso por
outras atividades, num transbordamento do “habitat”, para áreas
vulneráveis - como encostas e zonas sujeitas a inundações - ou de
proteção ambiental - como os manguezais.
79
Essa ocupação inadequada, resultante do processo de
segregação espacial e exclusão social, acaba provocando impactos
ambientais desastrosos, onde a ausência de um sistema de saneamento
básico compromete a qualidade de vida da região.
O engrossamento desses contingentes migratórios, paralelo à
proliferação das residências de veraneio - que torna o espaço litorâneo
progressivamente mais raro e caro - implica no aumento da massa
marginal, que, num processo de reprodução do espaço, dá origem ao
fenômeno da favelização, ocorrendo, exatamente, nas áreas mais
impróprias à ocupação.
A ocupação da costa brasileira, recentemente, vem sendo
impactada pelo crescimento da atividade turística, associado a processos
diversos, como espaços destinados a segundas residências de alto
padrão, indução de novas áreas, ampliação do fluxo por parte da classe
média, ou investimentos substanciais nas chamadas “cidades mortas” da
área litorânea.
Numa visão de conjunto da ocupação da zona costeira do Brasil,
na atualidade, observa-se amplas extensões de ocupação contínua, com
alta densidade populacional, dentro de uma lógica mercantil do espaço,
enquanto que, outras vastas regiões permanecem escassamente
povoadas, particularmente no norte do país, vivenciando um modo de
produção pré-capitalista.
Dessa forma, a intensificação da ocupação da zona costeira
confirma o caráter urbanizador do crescimento brasileiro. A mancha
contínua que se estende do sul da Baixada Santista ao norte da Baía de
Guanabara revela uma extensa área de urbanização quase contínua,
80
acompanhando o “macroeixo” São Paulo - Rio de Janeiro, pela zona
costeira.
A partir da constatação dos processos de crescimento e
expansão da urbanização, torna-se de fundamental importância o papel
do Estado, frente à questão ambiental e ao planejamento de políticas
públicas direcionadas à zona costeira, uma vez que a problemática
ambiental está no centro das preocupações da sociedade
contemporânea.
81
2.2. Instrumentos de Gestão Ambiental
O gerenciamento costeiro é o instrumento fundamental de
gestão ambiental
27
que o Estado dispõe para organizar o uso do espaço
territorial e marítimo da zona costeira.
Antes, porém, de procedermos à análise dos instrumentos
específicos vinculados à problemática costeira, julgamos oportuno
contextualizar a questão mais amplamente, no âmbito da política
ambiental.
A gestão ambiental qualifica a ação institucional do poder
público, no sentido de objetivar a política nacional de meio
ambiente.Trata-se, portanto, de uma ação pública empreendida por um
conjunto de agentes caracterizados na estrutura do aparelho do Estado,
objetivando a aplicação da política ambiental no país.
Portanto, a gestão ambiental implica na institucionalização e
implementação da política ambiental estatal.
Os problemas ecológicos, atualmente, vêm sendo abordados
com base no inter-relacionamento das variáveis: tecnologia e
crescimento populacional, numa visão de desordem ecológica ,
considerando-se que a toda atividade humana está vinculado um custo
ecológico.(Ferreira, 1996).
27
O conceito original de gestão ambiental refere-se à administração, por parte do
Estado, do uso dos recursos naturais, por meio de ações ou medidas econômicas,
investimentos e providências institucionais e jurídicas, com o objetivo de manter ou
recuperar a qualidade do meio ambiente, assegurar a produtividade dos recursos e o
desenvolvimento social.
82
Nesse enfoque, podemos pensar a realidade brasileira através
da formação social da política ambiental, que apresenta, claramente,
características de hierarquia, paternalismo, repressão e autoritarismo.
A sociedade brasileira mostra-se extremamente formalista, no
sentido de privilegiar regras e regulamentos, em detrimento de fatos. A
burocracia se destaca como elemento peculiar na formação social do
Brasil, atuando como instrumento da elite dominante.
Ressalte-se, ainda, a presença do patrimonialismo, estando a
ordem patrimonial vinculada a práticas concretas de controle social,
como o clientelismo, o patronado ou a cooptação, combinando regras de
paternalismo, hierarquia e autoridade na definição de normas. (Weber,
1986).
O aparelho de Estado tem por referência o domínio do território,
numa cultura política na qual o poder associa-se à propriedade fundiária,
e os contornos entre o público e o privado não são nítidos.
Apesar de sua transformação, de sociedade agrária e mercantil
no período colonial, a sociedade industrial avançada do Terceiro Mundo,
a formação social do Brasil mantém sua casta patrimonial e autoritária,
uma vez que o peso da tradição tende a perpetuar o elitismo.
Por outro lado, a formação do Estado brasileiro denota uma
estrutura concentrada de poder, seguindo um nítido padrão tecnocrata,
hierárquico e formalista de resolução de conflitos.(Draibe, 1985).
Estas características sociais se refletem no gerenciamento
ambiental do Brasil, subsidiado pela política burocrática, permeando as
políticas ambientais. A criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente-
SEMA, em 1973, coordenada pelo Ministério do Interior, exemplifica essa
83
colocação. Na verdade, o órgão surgiu em circunstâncias emergenciais,
como produto da aliança tecnoburocrata militar, sob a ideologia do
crescimento econômico.
A área ambiental foi montada como mais um setor do aparelho
burocrático do Estado, sendo estruturada como gestora de um conjunto
específico de políticas.
Para Moraes (2005), um planejamento ambiental consistente,
seguido da execução de políticas ambientais efetivas, requer diálogos
variados e a articulação de diversos interlocutores na área pública e
privada, promovendo uma coordenação intersetorial, cujas ações se
propaguem em diversas políticas públicas, visando a real gestão
ambiental do território brasileiro.
Nesse sentido, um zoneamento ecológico – econômico deve ser
interpretado como um plano de desenvolvimento regional, e não como
uma mera ação exclusiva do setor ambiental da administração pública,
requerendo a elaboração de um plano de gestão que atue como
ordenador das políticas e programas abrangidos.
Além da articulação intersetorial, uma efetiva gestão ambiental
pressupõe a aplicação de modelos institucionais descentralizados,
incluindo estratégias de municipalização nos programas, contando com a
participação da sociedade civil e governos locais.
“Existe estreita relação entre certo nível de qualidade
ambiental e o processo de desenvolvimento sócio-
econômico. A fim de preservar, restaurar ou melhorar as
capacidades do meio ambiente para sustentar o
processo de desenvolvimento, especialmente a longo
84
prazo, é imprescindível uma política ambiental
coerente“. (Diegues,2001, p. 93).
Leal classifica as medidas de política ambiental em quatro
categorias, de acordo com seus objetivos: medidas de controle, de
incentivo ou desestímulo, de recuperação e de proteção ambiental. (Leal
apud Diegues, 2001).
As medidas de controle incluem a regulamentação do uso do
solo e o controle do exercício das próprias atividades. Os incentivos que
promovem a qualidade ambiental podem ocorrer na forma de subsídios e
de redução de impostos, entre outros, enquanto que as medidas
desestimuladoras procuram penalizar atividades responsáveis pela
degradação do meio ambiente.
As medidas de recuperação ambiental, como os programas de
reconstituição de ecossistemas degradados, devem levar em conta as
necessidades das populações locais e os padrões tradicionais de uso.
O estabelecimento de áreas protegidas se constitui em medida
de proteção ambiental aplicada em diversos países, através de unidades
de conservação, como parte de um plano de ação global. A experiência
de proteção ambiental através de parques, mantidos como “ilhas de
preservação”, provocam a expulsão de populações indígenas ou
comunidades tradicionais – que conseguem conviver em harmonia com o
ambiente - o que acaba viabilizando a degradação ambiental por grupos
de interesse de exploração, movidos pelo capital.
A expansão urbana desordenada é responsável pela crescente
degradação dos ecossistemas costeiros, numa ação devastadora de
habitats e recursos naturais, bem como pelo progressivo
empobrecimento das comunidades tradicionais. Essa situação clama por
85
uma ordenação dos espaços costeiros, a ser promovida por parte do
Estado, através de instrumentos de planejamento.
A crise ambiental que estamos vivendo decorre do esgotamento
do modelo de desenvolvimento brasileiro, baseado em grande
dinamismo econômico, acompanhado de uma significativa desigualdade
social. Silva-Sánchez (2000) coloca que as questões ambientais se
revestem de um caráter globalizante e maximalista, próprias de um
mundo em largo processo de globalização e interdependência.
Planejamento, manejo, administração de recursos naturais são
instrumentos necessários ao desenvolvimento, balizando as questões
fundamentais de aumento da produção e distribuição social dos produtos
desse aumento, dentro de determinado “estilo de desenvolvimento”. Se a
opção política for a adoção de um modelo de desenvolvimento de estilo
concentrador de rendas, será privilegiada a localização de indústrias em
determinadas áreas, utilizando-se tecnologias duras, e marginalizando-
se uma boa parte das populações locais.
Por outro lado, um outro estilo de desenvolvimento pode
priorizar a melhoria das condições de vida das populações locais, com a
utilização de recursos naturais de forma adequada, através de
tecnologias apropriadas, que não destruam as condições de auto-
sustentação e reprodução dos ecossistemas.
Diegues (2001, p.111) menciona que, na 11ª Sessão Especial
das Nações Unidas, desenvolvimento foi definido como “uma melhoria
constante do bem-estar de toda a população, uma distribuição eqüitativa
de benefícios dele derivados.” A partir daí, podemos considerar o
crescimento econômico, o aumento da geração do número de empregos
produtivos e a eqüidade social como peças fundamentais do processo de
86
desenvolvimento, dentro da conceituação desse “novo estilo de
desenvolvimento”, qual seja, o ecodesenvolvimento.
Essa visão nos parece fundamental para o entendimento de uma
gestão ambiental não restrita a um mero gerenciamento, mas abarcando
uma ótica mais ampla, voltada ao desenvolvimento.
É de capital importância que o gerenciamento ambiental seja
concebido como um meio de se chegar a um desenvolvimento auto-
sustentado, levando em conta as formas tradicionais de manejo, ou
mesmo, utilizar tecnologias mais complexas, desde que sejam
apropriadas do ponto de vista ecológico e econômico, contando com a
participação das populações locais.
Em termos metodológicos, o gerenciamento costeiro visa a
ordenação do espaço costeiro e seus ecossistemas, tendo como ponto
de partida a delimitação da zona costeira, onde os limites precisam ser
nitidamente definidos, incluindo ecossistemas e recursos naturais
segundo subdivisões econômicas e administrativas.
No passo seguinte, é levantado um inventário do patrimônio
natural, sócio-econômico e cultural ; serão abrangidas as atividades
humanas e seus impactos sobre o meio ambiente.
A terceira etapa metodológica prevê a elaboração do
macrozoneamento ambiental, visando determinar propostas de uso das
unidades ambientais envolvidas, de acordo com as potencialidades
naturais encontradas. Da comparação entre a vocação natural da
unidade ambiental, como por exemplo, os manguezais, ou os estuários,
e seus usos pela ação humana, procura-se identificar usos
recomendáveis.
87
A última etapa consiste na elaboração final do Plano, como o
produto final do processo de planejamento imbuído nas fases anteriores,
consistindo num documento que determinará o zoneamento de usos e
atividades na zona costeira, dentro do objetivo de desenvolvimento
proposto.
Em sua concepção, o Plano de Gerenciamento Costeiro prevê a
participação das diversas comunidades e grupos sociais nas etapas de
elaboração e execução dos programas e projetos, em harmonia com
outros planos e políticas nacionais, regionais e setoriais. Cabe aos
órgãos executores responsáveis assegurar que isso de fato ocorra, de
forma que a proposta não se transforme numa utopia, ou num mero
exercício de técnicas de planificação.
88
2.3. O Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro
A estrutura de planejamento estatal brasileiro, após o insucesso
do planejamento centralizado, realizado pelo governo militar, que não
logrou bons resultados na década de 70 - assim como, no momento
seguinte, políticas públicas extremamente setorizadas dos anos 80 não
foram capazes de promover uma articulação de propostas - vem sendo
revertida, num novo processo de recomposição.
Dentro de uma ótica descentralizada, as ações planejadas,
através de parcerias envolvendo a União, Estados e Municípios, em
termos de planejamento ambiental, seguem orientadas pelo princípio do
chamado “desenvolvimento sustentável”.
As ações realizadas na zona costeira seguem esse enfoque,
com o Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos
Vivos na Zona Econômica Exclusiva e o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro, coordenados pela União, conforme definido na
Constituição de 1988.
Dada a complexidade do quadro social, caracterizado por
profundas desigualdades regionais, vem ocorrendo grande discrepância
no ritmo de consecução dos programas, por conta de aspectos
operacionais e de implantação.
As prioridades do planejamento ambiental da zona costeira
podem ser facilmente identificadas através da carência de serviços
públicos essenciais, como, por exemplo, a questão do saneamento
89
básico; observa-se grandes aglomerações urbanas, identificadas como
aqueles setores da população de baixa renda, sujeitas a problemas de
esgoto, abastecimento de água e de destinação de resíduos sólidos, com
níveis de qualidade de vida muito aquém dos desejáveis.
“Os níveis de pobreza e de miséria existentes no Brasil
tornam a questão do crescimento econômico vital para o
País, impondo determinações para a própria política
ambiental, que, ao contrário de outras partes do mundo,
desenvolvido, não pode aqui, de modo nenhum,
descolar-se da questão social.” (Moraes, 1999, p.101).
Assim sendo, a questão-chave que se coloca para o
planejamento brasileiro consiste em se compatibilizar o necessário
crescimento econômico com o chamado “desenvolvimento sustentável” -
nos termos expressos na documentação oficial - visando a melhoria da
qualidade de vida e o bem-estar da população.
Acrescente-se a esse quadro, a velocidade que caracteriza os
processos de ocupação no Brasil, particularmente na zona costeira. É
significativa a dinâmica do fluxo migratório, destacando-se a migração
campo-cidade, implicando em níveis de urbanização elevados.
Diversos municípios do litoral brasileiro, na década de 90,
apresentaram taxa anual de crescimento demográfico superior a 5%, o
que demonstra a necessidade de uma gestão ambiental específica,
acompanhada de legislação na área ambiental, e para a zona costeira,
em particular. A nível federal, vigoram legislações específicas
disciplinando o uso do solo em ambientes litorâneos, além de leis
90
organizando atividades setoriais (pesca, turismo, exploração do
petróleo), e áreas protegidas na zona costeira.
28
Não obstante, se registre a existência de um programa de
gestão integrada, orientado pelo conceito de desenvolvimento
sustentável, obstáculos internos - como por exemplo, a questão fundiária
- dificultam a ação do poder público.
A implementação dos projetos depende da disponibilidade de
recursos financeiros, demandando capital proveniente de fontes
externas, como órgãos internacionais de cooperação, fato este que, por
outro lado, condiciona a introdução de diretrizes e propostas .
A preocupação institucional com o uso de recursos marítimos e
espaços costeiros no Brasil é documentada a partir da “Política Nacional
para os Recursos do Mar” - PNRM, instituída em 1980 - que minimiza o
enfoque ambiental , em detrimento do manejo de recursos marinhos ,
numa visão utilitarista – e da “Política Nacional do Meio Ambiente”-
PNMA, aprovada em 1981, que não prioriza a questão dos recursos
costeiros e marítimos.
Ambas subsidiaram a elaboração do Programa Nacional de
Planejamento Costeiro (Gerco), em 1987, que estabelece a metodologia
de zoneamento e o modelo institucional para sua aplicação, tendo sido,
então, escolhidos seis Estados para dar início à adoção do programa :
28
LEI N.7.661, de 16/05/88, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro;
DECRETO N. 4.297, de 10/07/02, que estabelece critérios para o Zoneamento
Ecológico-Econômico do Brasil; DECRETO N. 5.300, de 07/12/04, que regulamenta a
LEI N.7.661, de 16/05/88 e dispõe sobre regras de uso e ocupação da zona costeira e
estabelece critérios de gestão da orla marítima.
91
Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul.
No ano seguinte, por força da lei Nº 7.661/ 88, é instituído o
“Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro” (PNGC), constituindo-se na
base legal prioritária do planejamento ambiental da zona costeira do
Brasil, sendo sua primeira versão aprovada em 1990.
O Plano previa três instrumentos de ação: a criação de um
Sistema Nacional de Informações do Gerenciamento Costeiro (Sigerco) ;
a implementação de um programa de zoneamento da zona costeira, a
ser executado pelos órgãos de meio ambiente a nível estadual,
coordenados pelo governo federal ; a elaboração descentralizada e
participativa de planos de gestão e programas de monitoramento para
atuação em áreas críticas ou de grande relevância ambiental na zona
costeira.
Em 1992, procedeu-se a uma revisão de alguns aspectos
metodológicos e operacionais do Plano, discutida e aprovada no V
Encontro Nacional de Gerenciamento Costeiro. Optou-se, então, pela
definição, em cada Estado, de uma setorização da área litorânea, com
base nas unidades político-administrativas.
Uma nova versão do PNGC foi gerada, a título de atualização,
em 1996, reafirmando o modelo institucional já adotado, sendo
publicado, em 1997, o PNGC II, incluindo alterações recomendadas pelo
92
grupo de trabalho, levando-se em conta testes empíricos realizados, cuja
regulamentação veio a ocorrer em 2004.
29
O PNGC II reafirma os instrumentos básicos do programa, em
termos de zoneamento, sistemas de informações e planos de gestão e
monitoramento, e reformula o conceito de zona costeira, dentro de
critérios político-administrativos.
Apesar de legitimado, em seus aspectos técnicos e sociais,
tendo alcançado a fase de maturação do programa, o Gerco apresenta
problemas de sustentabilidade financeira, dada a descontinuidade do
fluxo de recursos necessários para a sua manutenção.
Por outro lado, a zona litorânea, por não se constituir em uma
unidade, dada a extensão e a diversidade que caracterizam a costa
brasileira, traz, em si, uma série de questões específicas, em relação ao
programa. Junte-se, ainda, as particularidades das diferentes formas de
ocupação encontradas e o expressivo adensamento populacional, bem
como a complexidade das atividades econômicas existentes ( turismo,
movimento portuário, complexos industriais), que compõem um mosaico
de situações na costa brasileira.
Tal variedade de dados, aliada às marcantes diferenças
regionais, pressupõe dificuldades para uma ação conjunta do Plano.
29
Considere-se que, atualmente, cerca de 200.000 km
2
do território litorâneo brasileiro
estão incluídos na proposta técnica de zoneamento.
93
Moraes (1999) considera que a orientação que norteou a
elaboração do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, no que se
refere ao Macrozoneamento, apresenta, de início, uma certa indefinição
de objetivos, uma vez que a proposta parece tender mais para uma ação
conservacionista do que para um controle da ocupação do solo.
No histórico da formulação do Plano, passou-se de um momento
filosófico-metodológico – quando se explicitam objetivos desejados e se
definem fundamentos e conceitos a serem utilizados – para um momento
técnico - metodológico – definindo-se técnicas de análise e abordagens.
Surgem algumas lacunas na explicitação das metas buscadas,
que acabam por comprometer a implantação e operacionalização do
projeto, em torno de uma questão básica, qual seja, o zoneamento visa
orientar a ocupação litorânea ou, ao contrário, busca obstar esse
processo?
A orientação metodológica de zoneamento contida no Plano
minimiza os aspectos econômicos e sociais envolvidos, privilegiando os
aspectos ecológicos - mais próxima, portanto da abordagem da geografia
física, do que da órbita ecológica-econômica.
Na avaliação de Moraes (1999), busca-se na identificação das
unidades espaciais a articulação da “base física-ecológica” com as
“variáveis sociais”, tomando o referencial holístico
30
não apenas como
levantamento dos recursos naturais e da qualidade ambiental, mas
30
A corrente holística, a partir do final dos anos 60, apresenta uma retomada
espiritualizante de uma religação do “homem ocidental”, o retorno à natureza, o resgate
de culturas primitivas, práticas e teorias alternativas.
94
também em termos de análise sócio-econômica e padrões de uso do
solo. Em sua análise, considera que a proposição de uma metodologia
para o macrozoneamento costeiro deveria partir dos objetivos da ação, e,
em função deles, compor o elenco de indicadores a serem considerados,
que definiriam o arsenal técnico a ser utilizado.A articulação entre as
diferentes variáveis levantadas e o grau de coerência do modelo
derivaria, assim do controle lógico sobre os diversos componentes e
ações do sistema.
O que se observa, no caso do Plano Nacional de Gerenciamento
Costeiro, é uma inversão de valores, onde o nível técnico-operacional
prevalece sobre a reflexão teórico-metodológica; opções teóricas foram
subordinadas a respostas provenientes de um ordenamento técnico. A
metodologia, em certos pontos, expressa um exacerbado tratamento
cartográfico, numa ótica de mapeamento sistemático, excessivamente
detalhado. Prova disso, por exemplo, é a adoção da “quadrícula” –
elemento da cartografia - como unidade básica de estudo, tentando-se
oferecer uma solução cartográfica, abstrata, a um problema econômico-
ambiental.
Outro aspecto a ser destacado na metodologia do Plano, refere-
se ao modo de abordagem de cada atributo do sistema ambiental,
isoladamente e interagindo com os demais, numa visão holística, que se
mostra incompatível com a abordagem clássica sobre as paisagens
naturais, ou seja, a identificação específica de cada atributo (geológico,
climatológico, sócio-econômico), é seguida de uma síntese a posteriori.
95
No plano, foi elaborada uma listagem de atributos,
posteriormente agrupados numa “carta de dinâmica ambiental”
31
, apesar
da abordagem estanque conferida a cada atributo.
Esse tipo de análise é fundamental para se estabelecer
correlações entre indicadores e interpretar os fatos sociais em sua
interação local e regional com o meio ambiente. É preciso identificar
políticas públicas, nos níveis federal, estadual e municipal e suas
repercussões setoriais, assim como a ação do capital privado associado
à propriedade rural e urbana, visando-se estabelecer elementos para a
definição dos usos possíveis do espaço litorâneo.
Dessa forma, a abordagem cartográfica só surtirá efeito em
termos de planejamento ambiental dos usos possíveis do litoral brasileiro
se conseguir expressar, simultaneamente, a dinâmica das configurações
físico-naturais interagindo com a dinâmica social, em cada parte e no
todo enfocado.
A ótica que norteia o PNGC é a de um macrozoneamento
resultante da somatória dos microzoneamentos e mesozoneamentos
efetuados pelos Estados, que perde de vista o macro como uma outra
perspectiva de apreensão e ordenamento de fenômenos e processos.
Por outro lado, a hierarquia dos níveis de análise e
representação não estão nítidas, uma vez que as zonas litorâneas estão
divididas segundo o critério de Estados, e a escala macro, relativa à
31
Trata-se de uma abordagem própria para estudos ambientais, na qual cada atributo
é, desde o início, investigado em seus inter-relacionamentos e não apenas em suas
características estanques.
96
União, aparece distorcida pelo modelo operacional adotado,
inviabilizando a obtenção de produtos capazes de “orientar a ocupação e
a administração da zona costeira de forma a assegurar maior
confiabilidade no processo de tomada de decisão” (CIRM, 1990, p.20),
conforme propalado pelo Plano.
Por tratar-se de faixa costeira estreita, evidencia-se uma
incompatibilidade entre a escala adotada e os resultados esperados,
uma vez que, esta escala só permite aproximações e integrações gerais
quanto aos atributos do ponto de vista da qualidade ambiental em suas
particularidades dominantes.
De qualquer forma, tais resultados são indicados como ponto de
partida, em termos de diagnóstico ambiental, para futuros projetos de
zoneamento ecológico-econômico propriamente dito, a ser realizado em
escalas mais detalhadas. A partir daí, então, pode-se chegar à fixação de
macroestratégias de gerenciamento costeiro e de diretrizes para
planejamento ambiental, urbano, econômico, relativo às zonas litorâneas.
Ao nível de escalas maiores e estudos específicos, pode-se
obter elementos para definição de usos potenciais do espaço litorâneo,
tais como: áreas de preservação, áreas passíveis de ocupação
residencial ou de exploração controlada em termos de impacto
ambiental, determinando-se níveis de sustentabilidade ambiental.
Numa outra perspectiva, a questão institucional, em relação aos
agentes envolvidos e competências, é de fundamental importância;
dessa forma, a inserção da esfera municipal na implementação do Plano
97
requer que os âmbitos territoriais de jurisdição do município figurem
como variável teórica, em sua formulação.
Ainda sob o ponto de vista institucional, pode-se identificar uma
ótica descentralizadora, no PNGC, ao atribuir aos Estados a
responsabilidade pela consecução dos objetivos firmados, incluindo-se
desde o levantamento da caracterização geral da área costeira ao
controle efetivo dos tipos de uso definidos. À União, cabe a coordenação
do Programa a nível nacional e a previsão e liberação de recursos
financeiros, além do acompanhamento sistemático das atividades
desenvolvidas.
Face ao modelo institucional adotado, o PNGC pode vir a se
tornar um aglomerado de planos estaduais de gerenciamento costeiro,
tendo-se o macrozoneamento do litoral brasileiro como uma somatória
de trabalhos desenvolvidos em cada Estado. A fragilidade deste modelo
fica patente, se considerarmos as disparidades em termos de extensão,
complexidade e níveis de ocupação dos espaços litorâneos relativos a
cada Estado, bem como quanto à capacidade institucional e técnica de
cada um deles.
Dessa forma, na avaliação do modelo institucional do Plano,
observa-se que a situação desigual dos diversos Estados litorâneos
implicou numa implementação em ritmos desiguais, o que nos induz a
repensar a questão, de maneira a se trabalhar com algum nível de
padronização no macrozoneamento.
98
CAPÍTULO III
Aspectos Sócio-Ambientais do Litoral Norte de São Paulo
3.1. Processo Histórico de Ocupação do Litoral Norte
No contexto do processo de colonização do Brasil, as zonas
litorâneas configuraram o lugar dos primeiros núcleos de povoamento,
assentados na costa e interiorizando-se a exploração, de acordo com
rotas oceânicas.
32
Assim, cada porto polarizava regiões do espaço
interno, gerando zonas de adensamento em seu entorno, o que daria
origem às primeiras redes de cidades.
O povoamento do litoral brasileiro ocorreu de forma descontínua,
com zonas de adensamento e núcleos pontuais de assentamento
permeados por áreas extensas não ocupadas pelos colonizadores. No
início, as atividades econômicas centravam-se na exploração de
recursos naturais, como o pau-brasil, peles, metais preciosos, passando-
se, no período seguinte, para um padrão de ocupação baseado na
atividade açucareira, na grande propriedade agrícola e no trabalho
escravo.(Moraes, 1999).
32
Esse padrão de conformação territorial é chamado de “bacia de drenagem”,
reproduzindo um desenho na estruturação da rede de circulação onde todos os
caminhos buscam um eixo principal, que conclui seu percurso num porto marítimo.
( Moraes, 1999).
99
Desmatamentos eram eminentemente provocados pela
instalação de engenhos de açúcar e lavouras, além da formação de
pastagens para gado bovino e eqüino, utilizados como meios de
transporte e alimento. A floresta fornecia matéria-prima para construções
e combustível.
Os ecossistemas naturais eram freqüentemente destruídos por
queimadas, visando facilitar a colheita da cana-de-açúcar, provocando,
com isso, o empobrecimento do solo e deslocamentos da lavoura, em
busca de novas terras, seguidos por novos desmatamentos e destruição
dos ecossistemas naturais.
O processo de ocupação do Litoral Norte de São Paulo -
compreendido pela região atualmente formada pelos municípios de
Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela
33
- reflete exatamente
essa forma de colonização, com a exploração predatória da Mata
Atlântica de seu território, sendo o uso e ocupação do solo determinados
por atividades econômicas voltadas aos interesses dos colonizadores.
Essa ocupação ocorre tardiamente, comparativamente às
demais regiões litorâneas, uma vez que os primeiros engenhos de cana-
de-açúcar surgiram somente durante o século XVIII. O açúcar produzido
nas vilas de Ubatuba e São Sebastião era enviado para o Rio de Janeiro.
A cidade de Ubatuba foi então impulsionada pela produção e
33
Ubatuba foi fundada em 28 de outubro de 1637, como Vila da Exaltação da Santa
Cruz de Ubatuba; as origens de Caraguatatuba remontam aos anos de 1653-1654,
sendo reconhecida como vila apenas em 1806, e elevada à categoria de município em
1857; cartas de sesmarias confirmam a existência da povoação de São Sebastião em
1605; Ilhabela teria sido descoberta por Américo Vespúcio em 1502, sendo seu
povoamento iniciado em 1608. (Silva, 1975).
100
comercialização do açúcar e pelo tráfico de escravos. As atividades
industriais da região abrangiam a produção do fumo, da aguardente, do
anil e do óleo de baleia. (Silva, 1975).
Em meados do século XVIII, a Ilha de São Sebastião, que
representa a maior parte do município de Ilhabela, conheceu um certo
progresso econômico, em função da retomada das atividades
relacionadas à produção do açúcar e da aguardente. A Ilha ganhou
destaque pelos desembarques clandestinos de negros africanos,
ocorridos principalmente na Praia de Castelhanos, quando da proibição
do comércio de escravos, que eram, então, transportados diretamente
aos mais de trinta engenhos existentes na Ilha.
Contudo, no final do século XVIII, encerrou-se o período de
prosperidade do Litoral Norte baseado na atividade açucareira, por força
de determinação do governo da Capitania de São Paulo, que definia que
a exportação do produto passaria a ser realizada, exclusivamente, pelo
porto de Santos, o que veio dificultar a obtenção de melhores preços
para o açúcar.
Após esse período, o Litoral Norte se destacou como elo de
ligação entre as regiões mineradoras e o mercado externo, sendo que o
ouro procedente de Minas Gerais seguia até Taubaté para ser cunhado,
descendo para Ubatuba, de onde partia em caravelas para Portugal.
Ainda nesse período, a armação e pesca da baleia constituíram-se em
atividade econômica de destaque. (Silva, 1975).
Um novo surto de prosperidade ocorreu em meados do século
XIX, com o desenvolvimento da economia cafeeira, com os núcleos de
101
Ubatuba e São Sebastião projetando-se como portos de exportação do
café. Nessa época, Ubatuba atingiu o seu apogeu, distinguindo-se na
produção e exportação do café. Na Ilha de São Sebastião, muitos dos
engenhos transformaram-se em fazendas de café, utilizando força de
trabalho escrava. (Silva, 1975).
Contudo, este ciclo econômico seria interrompido com o advento
das ferrovias São Paulo - Santos (1867) e São Paulo -Rio (1877), com a
mudança do eixo cafeeiro para o oeste paulista, o que implicou num
longo período de isolamento e estagnação para o Litoral Norte – quando,
então, a população passou a dedicar-se às atividades extrativas de
pequeno porte, à pesca, ao artesanato e à agricultura de subsistência.
Por outro lado, essa condição acabou sendo favorável à região,
à medida que preservou a natureza do intenso processo de degradação
ambiental que, desde então, passou a afetar as demais regiões
paulistas.
Esse quadro de isolamento alterou-se na década de 30, com o
processo de industrialização do Estado de São Paulo, propiciado pela
crise da Bolsa de New York, em 1929, quando o setor cafeeiro deixa de
ser a opção mais atrativa para o capital, viabilizando o direcionamento de
recursos financeiros para a alavancagem da indústria paulista, dentro da
ótica da política de desenvolvimento das indústrias de base no país.
(Pereira, 1967).
Com o processo de substituição de importações, no período da
Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, ocorre um novo surto
industrial, retomado nas décadas de 70 e 80, com a aplicação de capital
102
externo no financiamento de grandes rodovias e de pólos de
desenvolvimento – entre eles, o do Vale do Paraíba, centrado em São
José dos Campos - que impulsionou o crescimento regional, provocando
o aumento populacional nos municípios do Litoral Norte, responsável
pela intensificação do processo de urbanização e pela ocupação de
extensas áreas da Mata Atlântica.
Nesse contexto, o Litoral Norte é redescoberto, com o sistema
viário estabelecendo a comunicação com os centros industriais, através
da abertura de novas estradas , como a Rodovia Oswaldo Cruz (SP-
125), ligando Taubaté a Ubatuba, concluída nos anos 70, e a Rodovia
dos Tamoios (SP-99), ligando São José dos Campos ao município de
Caraguatatuba - beneficiado pela sua posição de entroncamento
rodoviário.
A Rodovia SP-55, conhecida como Rio – Santos, cuja
construção foi iniciada nos anos 70 e concluída na década seguinte,
tornou-se opção de acesso a São Sebastião e Ilhabela, viabilizada como
meio de penetração ao Litoral Norte através da Baixada Santista pelas
Rodovias dos Imigrantes e Piaçaguera – Guarujá. A ligação através da
Via Dutra foi facilitada pelas Rodovias Ayrton Senna – Carvalho Pinto
(SP – 070) e Mogi- Bertioga ( SP – 98). A Rodovia D. Pedro II, ligando as
regiões de Campinas e São José dos Campos completou o fluxo de
conexão entre o Litoral Norte e o importante quadrilátero econômico
formado pelas regiões da Grande São Paulo, São José dos Campos,
Campinas e Baixada Santista. (SMA/CPLEA, 2005).
Indubitavelmente, essa complexa malha viária, ao interligar o
Litoral Norte aos principais pólos de desenvolvimento do Estado, induziu
103
o desenvolvimento da exploração turística da região, caracterizada por
uma paisagem natural de rara beleza, com a Mata Atlântica, a Serra do
Mar, rios e cachoeiras, praias e ilhas, conferindo-lhe incomparável
atratividade.
O ingresso do capital monopolista e de pequenos investidores
na região acelerou a valorização imobiliária e o processo de urbanização,
quando o crescimento do eixo Rio – São Paulo veio criar novas
necessidades de consumo e expansão das atividades econômicas do
setor terciário, aumentando a demanda de lazer das populações
urbanas.
Dessa forma, o próprio espaço litorâneo, com seus recursos
paisagísticos transformados em produto, foi responsável pelo
rompimento do estado de marginalização e isolamento da região.
Por outro lado, a abertura do porto de São Sebastião ao tráfego
marítimo contribuiu poderosamente para o desenvolvimento econômico
regional e para o crescimento do contingente de população. Devido à
saturação do Porto de Santos, toda a comercialização de petróleo
começou a ser transferida para um porto mais adequado, surgindo,
assim, o terminal petrolífero de São Sebastião, com a construção dos
oleodutos. (Silva, 1975).
A construção do Terminal Marítimo de Petróleo da Petrobrás-
Tebar, no final da década de 60, está, ainda, associada ao processo de
industrialização paulista, mais propriamente, à indústria automobilística.
Se, por um lado, sua implantação contribuiu para o alargamento do
mercado de trabalho e para a dinamização da economia local,
104
proporcionando o aumento das receitas municipais, por outro,
configurou-se em fator de risco ambiental, representado por vazamentos
de petróleo
34
, tendo provocado catastróficos acidentes ambientais, com
desastrosas conseqüências para a saúde das pessoas e a qualidade das
praias. (SMA/CPLEA, 2005).
Como coloca Merlo (2000), uma parcela dos caiçaras acabou
sendo absorvida como mão-de-obra no TEBAR, que veio alterar não
apenas as paisagens , como a vida em geral, na região.
Do conjunto dos fatos expostos, observa-se que, à medida que
foi desencadeado na região um processo de crescimento econômico,
ocorreu, também, uma ocupação desordenada do território, com a
destruição de áreas naturais e impactos ambientais desastrosos, dada a
especulação imobiliária e as construções irregulares em áreas
impróprias, redundando em degradação ambiental e desmatamentos,
além da expulsão das comunidades tradicionais e desintegração da
cultura popular.
Dados recentes
35
atestam a forma desordenada do uso e
ocupação do solo da região: rios e mangues são afetados por severos
níveis de poluição provocada por efluentes domésticos, sem o devido
tratamento prévio, à razão de 326.416 m
3
por mês, além da produção de
resíduos sólidos da ordem de 99 toneladas por dia, dispostos de forma
inadequada em lixões, acarretando a degradação da paisagem natural e
34
No período de Janeiro/78 a Junho/04, foram registrados pela CETESB 292
ocorrências de vazamento, sendo vários deles de grandes proporções, em torno de
70.000 a 80.000 litros.(SMA/CPLEA, 2005).
35
(GESP, 2000).
105
a transmissão das chamadas “doenças ambientais”,como
esquistossomose, cólera, leishmaniose, hepatite e diarréias agudas.
Impactos ambientais também ocorrem em função da atividade
turística, que, não obstante constituir-se em instrumento importante em
termos de geração de empregos e renda, tem estimulado a construção
de condomínios, balneários e hotéis em áreas naturais nobres, que,
contudo, não dispõem da necessária capacidade de suporte.
Mesmo considerando-se as várias formas de apropriação, desde
o período colonial, em nenhum momento ocorreu tamanha desagregação
da paisagem natural e desintegração das comunidades tradicionais como
quando da ocupação instalada nas três últimas décadas. O percurso da
Rio – Santos ilustra a dicotomia entre a ocupação imobiliária e os limites
da natureza,observando-se ausência de saneamento básico, esgoto a
céu aberto, acúmulos de lixo, construções em áreas de risco,
desmatamentos, num intenso processo de urbanização linear.
Em sua análise, Luchiari (2002) coloca que, a partir dos anos 80,
sobretudo, como conseqüência da implantação da Rodovia Rio – Santos,
a exploração turística passou a modelar a paisagem, acelerando o
processo de urbanização e especulação imobiliária, e mudando o perfil
demográfico, com a agregação do movimento migratório.
Com o desenvolvimento da construção civil, impulsionada pela
exploração turística, migrantes do Nordeste brasileiro acabam se
instalando na região. Nas décadas de 80 e 90, migrantes provenientes
de Minas Gerais chegam ao Litoral Norte, não apenas para o trabalho na
construção civil, como também para a prestação de serviços, acabando
106
por criar habitações em favelas, acima da encosta, em conflito com a
conservação, nos municípios de Ubatuba, São Sebastião e
Ilhabela.(Yázigi, 2002).
Por outro lado, as políticas de preservação dos recursos naturais
do Parque Estadual da Serra do Mar, acabaram implicando na
marginalização, ou mesmo, na expulsão das comunidades caiçaras.
Estas vêm na implantação do Parque o fim da vida agrária caiçara, uma
vez que passaram a ser impedidas de plantar mandioca, milho, feijão,
banana, como faziam antes. (Merlo, 2000).
Calvente (1997) considera que o migrante, hoje, faz parte do
espaço caiçara. No caso de Ilhabela, por conta da competição pelo
emprego, é visto como “invasor”, por estar substituindo a mão-de-
caiçara na construção civil e nos empregos domésticos.
De fato, constatamos forte presença migrante, notadamente, em
Ilhabela - mineiros e nordestinos, que, inclusive, vivem em redutos na
cidade, como o Morro dos Mineiros, a Viela dos Cearenses – quase
sempre localizados em áreas de risco. Os primeiros migrantes chegaram
à ilha há cerca de trinta anos.
“ Trabalho com o mesmo patrão há dez anos, como
segurança. Quando cheguei, há vinte anos, era tudo
chão. O Morro dos Mineiros era só mato; o terreno valia
30 contos. As ruas da ilha eram só de terra, não tinha
supermercado. Hoje, tem mineiro por todo lado :
caseiro, jardineiro, segurança. Os nortistas trabalham
muito na construção, sempre tem emprego para eles.”
(migrante mineiro, 62 anos).
107
FOTO 1 : Morro dos Mineiros, Itaquanduba, Ilhabela
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
Em São Sebastião, também percebemos um certo “temor” pela
concorrência no emprego, em relação aos migrantes residentes em
Ilhabela, e que buscam emprego no município vizinho.
“Antes tinha muito serviço aqui, em firma, em vigilância.
Já fui carpinteiro, antes dos mineiros chegarem aqui.
Eles moram em Ilhabela, mas vêm para cá trabalhar.
Tomam muitos empregos da gente que mora aqui.”
(vendedor ambulante, 69 anos).
108
3.2. Populações Tradicionais e Conservação da Natureza
O Brasil apresenta grande diversidade de modos de vida e
cultura que podem ser chamados “tradicionais”, incluindo-se tribos e
povos indígenas – cuja maior parte vive em reservas - bem como as
populações “camponesas” – fruto da miscigenação entre o colonizador
branco, a população indígena nativa e o escravo negro, das quais fazem
parte os “caiçaras”, que habitam o litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e
Paraná. (Queiroz, 1973).
Vivendo num relativo isolamento, essas populações foram
desenvolvendo modos de vida próprios, fundados na dependência dos
ciclos naturais e biológicos, símbolos, mitos e linguagens.
No sentido literal, o termo “tradicional” está relacionado a um
longo período de residência em determinada área. Diegues amplia esse
conceito, colocando que as culturas e sociedades tradicionais se
caracterizam por uma simbiose com a natureza, transferindo seu
conhecimento aprofundado sobre ela e seus ciclos, de geração em
geração, verbalmente, assim como transmitem moradia e território;
destaca a importância das atividades de subsistência, bem como de
simbologias, mitos e rituais associados à caça, pesca e atividades
extrativas. Além do modo de vida, as populações tradicionais se
caracterizam pelo fato de reconhecerem-se como pertencentes a um
determinado grupo social, num sentimento de identidade. (Diegues,
2001B).
109
Em algumas situações, essas populações se instalaram em
ecossistemas inadequados às monoculturas voltadas para a exportação,
como ocorreu com as culturas tradicionais implantadas nas regiões
montanhosas ou alagadas da Mata Atlântica. Foi exatamente nestes
espaços territoriais litorâneos, habitados por populações tradicionais,
que foram delimitadas grande parte das denominadas “áreas naturais
protegidas” do Brasil, a partir da década de 30 – áreas estas até então
conservadas, sob o ponto de vista ecológico , pelo modo de vida dessas
populações.
Essas áreas passaram a ser protegidas de acordo com o modelo
norte-americano do parque de Yellowstone – ao qual nos referimos no
Capítulo I – dentro da noção de mundo selvagem (“wilderness”), que
estabelece que a natureza somente pode ser protegida quando separada
do convívio humano, visão esta que influenciou poderosamente os
padrões globais de conservação.
Segundo quantificação apresentada por Diegues, entre as
décadas de 70 e 80 foram criadas cerca de 2.098 unidades de âmbito
nacional, em todo o mundo. No Brasil, em particular, houve notório
impulso à criação dessas áreas, representadas por 69 unidades, no
período de 1970 a 1989. (Diegues, 2001B).
As unidades de conservação consideradas prioritárias, incluindo
parques nacionais, reservas biológicas e estações ecológicas, não
admitem a presença de populações humanas, nem mesmo das
consideradas tradicionais, que as habitavam há centenas de anos sem
provocar depredações, com suas atividades voltadas à agricultura de
110
subsistência, pesca e extrativismo vegetal (cipós, fibras, ervas
medicinais).
A expulsão de suas terras significa, para essas comunidades
tradicionais, unidas por relações de parentesco, de ajuda mútua e por
valores de solidariedade inter-grupal, uma ruptura de sua existência
enquanto grupo portador de determinada cultura. Adotando o critério
apresentado por McKean (apud Diegues, 2001B), trata-se de uma
expulsão de “propriedade comum”, com formas comunitárias de
apropriação de espaço e recursos naturais renováveis, características de
comunidades tradicionais como as “caiçaras”, dotadas de um saber
natural acumulado, acerca de ciclos naturais, reprodução e migração da
fauna, influências da lua sobre recursos naturais - sempre em função da
conservação das espécies.
Dessa forma, é fundamental destacar-se a importância das
populações tradicionais na conservação da natureza, que inclui, em seu
bojo, o papel da cultura e das relações homem/natureza.
Reportando-nos à própria conceitualização de desenvolvimento
sustentável analisada no Capítulo I, que sugere o equilíbrio entre o uso
dos recursos naturais e a proteção da diversidade biológica, podemos
inferir que várias populações tradicionais detêm a solução deste dilema,
vivenciada ao longo de gerações em convívio íntimo com o seu habitat,
dentro de uma ética de conservação.
O Decreto Estadual que estabeleceu o Zoneamento Ecológico-
Econômico do Litoral Norte paulista se refere às comunidades
tradicionais como grupos humanos culturalmente diferenciados, fixados
111
numa determinada região, reproduzindo, historicamente, seu modo de
vida vinculado à natureza para sua subsistência.
36
A partir dessa conceituação, indígenas, quilombolas e caiçaras
podem ser identificados como comunidades tradicionais da região, com
diferentes caracterizações.
Apesar dos indígenas brasileiros serem conhecidos como povos
nômades, segundo relatos, o Litoral Norte de São Paulo teria sido
habitado de forma continuada pela nação conhecida como tupinambás,
acima da Serra de Boiçucanga, enquanto que outra – a dos tupiniquins,
teria vivido na área sul deste litoral, em situação de guerra constante, até
a chegada dos europeus, quando então, os tupinambás aliaram-se aos
franceses e os tupiniquins aos portugueses. O conflito deu origem à
Confederação dos Tamoios; depois disso, os tupinambás, enquanto
grupo, desapareceram da região, debandando em direção ao interior e a
outras áreas do litoral brasileiro, ou integrando-se aos homens brancos,
dando origem ao habitante típico do Litoral Norte paulista: o caiçara.
(Staden, 1974).
Nos dias atuais, dos cerca de 4.000 índios que habitam o Estado
de São Paulo, 600 encontram-se no Litoral Norte, sob amparo da
Constituição Estadual que estabelece a obrigatoriedade do Estado de
proteger suas terras, tradições, usos e costumes, e de reconhecê-los
como integrantes do patrimônio cultural e ambiental.
37
36
Decreto nº 49.215, de 07/12/04, que dispõe sobre o Zoneamento Ecológico –
Econômico do Litoral Norte.
37
Constituição Estadual, artigo 282.
112
Existem, no Litoral Norte, duas comunidades indígenas com
terras demarcadas, a do Rio Silveiras e a da Boa Vista do Sertão do
Promirim, cujas terras são reconhecidas como indígenas e demarcadas
pela Funai. Existem, ainda, os desaldeados e os grupos ainda não
reconhecidos oficialmente pela Funai, como é o caso da Aldeia
Renascer.
A Comunidade Indígena do Ribeirão Silveiras está localizada no
município de São Sebastião, e suas terras se estendem até Bertioga,
com o núcleo principal em Boracéia. Há relatos sobre a presença de
índios guaranis na região desde os anos 30, contudo, a atual
comunidade foi formada nos anos 40, por famílias dissidentes da
comunidade indígena de Rio Branco do Itanhaém; conta com uma
população de 320 habitantes, numa área constituída por 958 hectares de
terras, sobrepostas, em torno de 40%, às do Parque Estadual da Serra
do Mar. Atualmente, a comunidade vem reivindicando uma ampliação de
terras, em função de um aumento populacional que estaria ocorrendo à
ordem de 7% ao ano.
A comunidade conta com 59 ocas, dispondo de energia elétrica,
fossas sépticas e sumidouros, servidas por rede de água tratada pela
Sabesp e contando com um telefone público e uma escola com ensino
da 1ª à 6ª série. Os índios vêm desenvolvendo um trabalho de
reflorestamento com espécies nativas, como o palmito, bem como de
cultivo de plantas ornamentais, comercializadas nas cidades próximas;
dedicam-se, também, ao artesanato e à agricultura de subsistência. Há
preservação da cultura indígena, através da língua tupi-guarani, religião,
dança e canto.
113
A Comunidade Indígena Boa Vista do Sertão do Prumirim,
localizada no município de Ubatuba, a uma distância de 20 km do centro,
foi fundada em 1963 por grupos indígenas guaranis, procedentes de
outras regiões do Estado; conta, atualmente, com uma população de 150
habitantes, numa área com 920 hectares e perímetro de 15 km, em
terras totalmente abrangidas pelo Parque Estadual da Serra do Mar.
As condições de vida da população são bastante precárias, uma
vez que a aldeia não dispõe de abastecimento de água e esgoto, o que
torna seus habitantes vulneráveis a contrair doenças de veiculação
hídrica. As condições de moradia também são extremamente pobres,
com famílias amontoadas em casa de pau a pique. Recentemente, foi
instalada luz elétrica. Há uma escola com ensino fundamental, posto de
saúde e telefone público. A preservação da cultura se manifesta através
da língua tupi-guarani, da pajelança e da dança, embora tenham sido
adotados hábitos dos brancos, como roupas da moda e telefones
celulares.
FOTO 2 : Índios guaranis em Ubatuba
Foto : Elizabeth Borelli, 2006
Os índios dessa comunidade, tradicionalmente, vêm se
dedicando à extração do palmito jussara, ameaçado de extinção, e ao
114
artesanato; recentemente, com o apoio da Funai e de organizações não-
governamentais, vêm se fixando em atividades como a maricultura e o
cultivo de plantas ornamentais. Aos sábados, podem ser encontrados no
centro de Ubatuba, vendendo palmito.
A Aldeia Renascer, localizada em Ubatuba, em área não-
demarcada, é formada por 32 pessoas, de etnia guarani, que sobrevivem
da caça, pesca, plantio de arroz, milho e mandioca, extração de palmito
e venda de artesanato.
Além das comunidades indígenas, o Litoral Norte é habitado por
duas importantes comunidades quilombolas, a da Caçandoca e a do
Camburi, constituídas por descendentes de escravos negros que ainda
hoje sobrevivem da cultura de subsistência, em antigas fazendas de
escravos. Na maioria dos casos, não dispõem da devida formalização
legal capaz de lhes conferir o direito de posse - fato este que tem
provocado intermináveis disputas judiciárias e ação de especuladores,
que acabam por expulsá-los, usando de artifícios legais ou mesmo da
força, não obstante os quilombolas terem seus direitos assegurados pela
Constituição Federal.
38
A comunidade quilombola da Caçandoca está localizada no
município de Ubatuba, em área tombada pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico - Condephat, em 1985, em território oficialmente
reconhecido e demarcado, que abrange 890 hectares, entre as Praias do
38
Artigo 68, das Disposições Transitórias, que estabelece o reconhecimento da
propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos. (ITESP,
2000).
115
Pulso e Maranduba, com acesso possível através de uma estrada de
terra a partir da BR-101.
FOTO 3 : Entrada do Quilombo da Caçandoca, em Ubatuba.
Foto : Elizabeth Borelli, 2006
Em meados do século XIX, o local era ocupado por uma fazenda
de café e por um engenho de açúcar, com utilização de força de trabalho
escrava. Abolida a escravatura, os herdeiros do antigo proprietário,
juntamente com ex-escravos, tornaram-se possuidores legítimos das
terras. Até a década de 60, a área era habitada por cerca de 70 famílias -
uma população de 800 pessoas - reproduzindo o modo de produção de
subsistência, através da pesca, e do cultivo de mandioca – transformada
em farinha – da banana, do feijão e da cana-de-açúcar. Os excedentes
da produção eram direcionados à comercialização nas cidades,
permitindo-lhes adquirir, em troca, ferramentas, carne seca e tecidos.
(ITESP, 2000).
116
O modo de vida tradicional da comunidade preservou-se,
mantendo-se as habitações de pau-a-pique e sapé, os tratamentos de
saúde feitos à base de plantas medicinais - conforme o saber da
comunidade – e as festas religiosas, transmitidas às gerações dentro da
tradição, como a de São Benedito, a de Nossa Senhora do Carmo, a de
São Gonçalo, e, principalmente, a Festa do Divino.
O centro comunitário é o ponto de encontro e de decisões da
comunidade; pudemos observar que os quilombolas se mostram
temerosos ao diálogo, evitando dar qualquer informação sem o aval do
líder, que é quem concentra esse poder. Essa desconfiança se justifica,
pelos fatos que se seguem.
Com a construção da BR-101, as terras da comunidade
tornaram-se altamente valorizadas, atrativas para o capital especulativo
imobiliário. Procedeu-se a uma série de mecanismos de pressão para
expulsar os antigos habitantes - desde ações judiciais, compras e
indenizações, colocação de cercas e correntes de bloqueio à passagem,
até atos de extrema violência, tais como destruição de igrejas e
incêndios criminosos – o que ocasionou a debandada de parte da
população. (ITESP, 2000).
Na década de 70, muitas famílias deixaram suas terras em
Caçandoca para morar em Vicente de Carvalho (município de Guarujá),
ou ainda, em qualquer outra parte de Ubatuba ou Caraguatatuba. Nessa
época, a empresa Urbanizadora Continental incorporou as praias do
Pulso e de Caçandoca, transformando a primeira em condomínio de
luxo, onde ainda hoje moram alguns quilombolas, geralmente
trabalhando como caseiros. Contudo, remanescentes da Comunidade do
117
Quilombo de Caçandoca reivindicam como seu território a área que vai
desde a Praia do Pulso até a Praia do Simão (Merlo, 2005).
Atualmente, cerca de 34 famílias residem no local, em condições
de extrema precariedade, em habitações de pau-a-pique, sem energia
elétrica ou saneamento básico, configurando uma situação de
degradação do meio ambiente, agravada, ainda, pela presença de
turistas acampados pelas praias, nos meses de verão.
FOTO 4 : Habitação no Quilombo de Caçandoca
Foto : Elizabeth Borelli, 2006
A comunidade quilombola do Camburi também está situada em
Ubatuba, limítrofe com o município fluminense de Parati, estando sua
área totalmente incluída no Parque Estadual da Serra do Mar, e,
parcialmente, no Parque Nacional da Serra da Bocaina, com acesso
possível por estrada de terra, a partir da BR-101.
118
As terras não foram ainda reconhecidas como pertencentes à
comunidade do Camburi, apesar de ocupadas por cerca de 500 pessoas
que vivem em comunidade originária de um quilombo tradicional, bem
como da fazenda Camburi, passada pelos antigos proprietários aos
negros, ex-escravos ou familiares de escravos do local, sob a forma de
doação, compra ou ocupação, num processo consensual, que, na época,
não tinha valor de mercado. (ITESP, 2002).
FOTO 5 : Entrada do Quilombo de Camburi
Foto : Elizabeth Borelli, 2006
Nesse contexto, a comunidade se manteve coesa, sobrevivendo
a partir das culturas de subsistência, da caça e da pesca,
comercializando seus excedentes nas cidades de Ubatuba e Parati. A
pesca industrial foi introduzida na comunidade no início do século XX,
quando então, boa parte dos habitantes passa a trabalhar como
pescadores.(ITESP, 2002).
119
Na verdade, a mudança significativa no modo de vida desta
comunidade passa a ocorrer a partir das décadas de 60 e 70, com a
abertura da Rodovia Caraguatatuba-Ubatuba e da BR-101, num quadro
de crescimento populacional, especulação imobiliária e exploração
turística. Com isso, ocorreu a venda de terras para pessoas de fora da
comunidade, quando, então, elas passam a apresentar valor de
mercado.
Os moradores da comunidade permaneceram no local, apesar
de, em sua maioria, terem sido afastados da praia. Como em
Caçandoca, quem resistiu foi expulso violentamente, com os mesmos
recursos de intimidação e pressão adotados com aquela comunidade.
Sem outra alternativa, os quilombolas saíram da praia e foram se
estabelecendo no sertão, próximo à rodovia. (Merlo, 2005).
Por outro lado, a implantação do Parque Estadual da Serra do
Mar e do Parque Nacional da Bocaina veio dificultar a permanência da
comunidade no local, no final dos anos 70 e início dos anos 80. Em
decorrência disso, altera-se a organização social e cultural da
comunidade; os antigos moradores vendem ou simplesmente
abandonam suas terras, inseridas nas unidades de conservação,
transformadas em áreas de reserva natural. É então que se engajam no
mercado de trabalho, particularmente, na construção civil e em
atividades relacionadas ao turismo nascente com a abertura das
estradas, uma vez que o plantio que era o sustento da comunidade,
tornou-se inviável. (Merlo, 2005).
120
Na década de 80, as propriedades do Camburi passam a ser
vendidas à classe média, para uso como segunda residência ou renda
proveniente do seu aluguel nos meses de verão.
Na década seguinte, o Camburi assume a conotação de espaço
litorâneo alternativo, atraindo turistas que passam a acampar nas praias
e nas proximidades dos cursos d’água – dentro da ideologia do lazer
vinculado à natureza selvagem - que, contudo, não dispõem de
quaisquer equipamentos de infra-estrutura sanitária, implicando em
danos ao meio ambiente e propagando doenças de veiculação hídrica,
além da alteração da paisagem.
Segundo constatamos, atualmente, a comunidade enfrenta
problemas de sobrevivência dentro de condições de vida extremamente
precárias, não dispondo de energia elétrica, ou saneamento básico,
considerando-se, ainda, que sua base econômica foi desarticulada,
dadas as dificuldades de manutenção a partir da cultura de subsistência,
caça e pesca.
As comunidades tradicionais caiçaras predominavam no Litoral
Norte até meados do século XX, guardando o modo de vida de seus
antepassados, dentro de uma ótica que mesclava trabalho e lazer – uma
vez que não havia oposição entre as atividades.
Os territórios ocupados por eles não tinham valor de mercado,
não havendo a formalização do uso através de escrituras, nem
delimitações físicas, como cercados. O modo de vida baseava-se em
práticas solidárias, como mutirões nas colheitas e pesca coletiva, com
distribuição dos produtos.(ITESP, 1997).
121
FOTO 6: Reduto de pescadores em Maranduba, Ubatuba
Foto de Elizabeth Borelli, 2006
Um antigo morador do reduto de pescadores de Maranduba,
caiçara nascido na Ilha de Tamanduá, em Caraguatatuba, vive no local
desde os cinco anos de idade; casou-se com uma quilombola branca da
Caçandoca, e lá permanece morando com seus filhos, que hoje, não
conseguem mais sobreviver só da pesca, precisando vender sua força
de trabalho como braçais e auxiliares de pedreiro. Seu depoimento
expressa seu desagrado diante do “progresso” :
“Sempre trabalhei como pescador, mas também com
plantação de milho, feijão, banana, mas depois foi
proibido plantar aqui. Bom era quando não tinha
estrada, só trilhas. Hoje, o que vale é só a alegria de
viver no meio dos amigos”. (caiçara, 70 anos).
A ruptura do isolamento do Litoral Norte, advinda da abertura
das estradas, mais uma vez, veio alterar a organização social e cultural,
dada a especulação imobiliária, a exploração turística e a urbanização
instauradas.
122
As terras dos caiçaras passam a assumir valor de troca, sendo
as áreas da comunidade substituídas pela propriedade particular,
adquiridas pelo capital imobiliário por valores muito baixos, ou mesmo,
trocadas em espécie por bens de consumo não-duráveis, a preços
inexpressivos, além do uso de mecanismos de pressão, freqüentemente
ilegais, forçando a desocupação do território.
Dessa forma, sem condições de reprodução das condições
mínimas de sobrevivência com base no modo de vida da comunidade, os
caiçaras não têm outra alternativa a não ser vender a sua força de
trabalho, no mercado informal, a baixos salários, na construção civil e na
indústria do turismo, restando-lhes como opção de moradia, a periferia
dos núcleos urbanos, em áreas de risco ou irregulares, sem infra-
estrutura de saneamento, contribuindo para a propagação de doenças
endêmicas e para a progressiva degradação ambiental.
Assim sendo, com o processo de urbanização do Litoral Norte,
os caiçaras tornaram-se espacialmente segregados e socialmente
excluídos, à exceção de 19 comunidades que permaneceram isoladas na
região, representadas por cerca de 1.900 indivíduos. A maior parte
deles-1.540 habitantes - encontra-se no município de Ilhabela, ocupando
áreas que somente podem ser atingidas por mar ou por terra, percorridas
a pé. Existe, ainda, uma única comunidade isolada, no município de São
Sebastião, constituída por 120 pessoas, cujo acesso só pode ser feito
por mar, e duas comunidades em Ubatuba – Saco das Bananas e
Camburi, num total de 240 pessoas, cujo único acesso é feito através de
uma trilha, a partir da BR-101.(SMA, 2005).
123
Essas comunidades praticam o modo de vida tradicional, de
forma comunitária, tendo sua sobrevivência baseada na pesca artesanal,
nas culturas de subsistência e na pequena criação de animais. Seu
vínculo com a sociedade urbana ocorre através da venda de artesanato,
de excedentes da pesca e do sub-emprego no setor de turismo.
Inclusive, atualmente, a pesca artesanal encontra-se em crise, em
decorrência, entre outras causas, do desaparecimento do recurso
pesqueiro, dada a ação predatória de barcos profissionais que capturam
iscas na orla marítima para a pesca em alto mar. Suas áreas não contam
com equipamentos de saneamento básico ou energia elétrica.
No Mercado do Peixe, em Ubatuba, observamos uma divisão do
trabalho por gênero: as mulheres caiçaras, do reduto Parque Pedreira,
vendem o peixe, ou, mais predominantemente, camarão, pescados pelos
homens da família (maridos, pais, filhos, que se iniciam na pesca por
volta dos 10 ou 11 anos), sendo o excedente vendido para quiosques da
praia e restaurantes da cidade.
FOTO 7 : Caiçara no Mercado do Peixe , Ubatuba
Foto : Elizabeth Borelli, 2006.
124
A polêmica suscitada por órgãos públicos responsáveis pela
proteção de áreas naturais reside, exatamente, na manutenção do modo
de vida das comunidades tradicionais, através de atividades como a
pesca, a caça e o extrativismo, praticadas em Áreas de Conservação
Ambiental – o que denota a presença da ideologia do “mito da natureza
intocada” permeando suas ações.
O Litoral Norte reúne um conjunto significativo de Unidades de
Conservação da Natureza, integrando a Reserva da Biosfera da Mata
Atlântica, em declaração da Unesco, datando da década de 90, em
função da riqueza de sua biodiversidade, internacionalmente
reconhecida, atribuindo-se à região litorânea capital importância, em
termos de proteção a essa biodiversidade.
39
39
No Litoral Norte existem: Estação Ecológica (Estação Ecológica Tupinambás),
Parque Nacional ( Parque Nacional da Serra da Bocaina) e Parques Estaduais (da
Serra do Mar, da Ilha Anchieta e de Ilhabela), dentro da categoria de Unidades de
Proteção Integral, cujo objetivo básico é preservar a natureza, admitindo-se apenas o
uso indireto de seus recursos naturais. Dentro da classificação de Unidades de Uso
Sustentável, o Litoral Norte dispõe de : Áreas de Proteção Ambiental (Alcatrazes e Ilha
de Itaçucé) e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (Morro do Curussu-Mirim,
Sítio do Jacu, Toque-Toque Pequeno), que têm por objetivo compatibilizar a
conservação da natureza com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais.
( Lei Federal nº 9.985, editada em 18/07/00 e regulamentada pelo Decreto nº4.340, de
22/08/02, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza –
SNUC).Há, ainda, presentes na região: Áreas de Proteção Especial ( Centro de
Biologia Marinha da USP, Costão do Navio, Costão de Boiçucanga), Áreas Naturais
Tombadas ( Núcleo Caiçara Vila de Picinguaba, Serra do Mar e Paranapiacaba, Ilhas
do Litoral Paulista) e Terras Indígenas (Boa Vista do Sertão de Prumirim, Ribeirão
Silveira) não previstas no SNUC. (SMA, 2005).
125
Por outro lado, outras correntes advogam a favor das
comunidades tradicionais, alegando que foi exatamente a sua presença
que contribuiu para a preservação da biodiversidade, num cenário de
natureza onde o homem deve ser ator da história.
Em texto referente à situação na Colômbia, mas cujo alcance
pode ser estendido a nossa análise, Perez (1996) observa que a gestão
dos parques tem se reduzido à conservação de espécies, recursos e
ecossistemas, bem como à defesa da propriedade do Estado,
desvinculada, contudo, de processos econômicos e regionais, que, na
verdade, exercem influência direta sobre a conservação dessas áreas.
Dessa forma, tal padrão de gestão não é solução, uma vez que, pactos
sociais ou discursos acerca de desenvolvimento sustentável, encobrem a
expressiva depreciação de recursos naturais e destruição de valores e
direitos sociais.
Nessa ótica, as áreas protegidas do Litoral Norte, a título de
exemplificação de uma situação mais geral, configuram áreas especiais
de conflito em relação ao avanço do modelo capitalizador da natureza e
do homem.
126
3.3. Caracterização Física da Zona Costeira
Para uma análise mais complexa acerca do processo de
urbanização do Litoral Norte, julgamos pertinente caracterizar o seu meio
físico, uma vez que a ótica de conservação da natureza que permeia a
visão oficial, norteadora das ações do governo, requer uma identificação
geográfica da região - uma percepção dos traços mais evidentes deste
litoral.
Além disso, a exploração turística funda-se exatamente na
diversidade aí existente, em meio ao seu diferenciado valor paisagístico.
Dessa forma, a região turística corresponde a uma área com uma
imagem que a caracteriza, identificada com um conjunto natural de
formas e tempos, numa combinação definida de paisagens.
A Zona Costeira do Estado de São Paulo é composta por
ecossistemas extremamente frágeis, numa extensão de 700 km de
costa, incluindo a maior reserva contínua de Mata Atlântica do país, e
que se constitui numa das mais ricas biodiversidades do mundo – há
mais de 200 espécies vegetais ainda não identificadas, numa área de
21.500 km de floresta nativa.(Folha de São Paulo, 22/04/01).
O MAPA 1 apresenta a divisão da Zona Costeira paulista,
segundo os setores : Litoral Norte, Baixada Santista, Complexo Estuarino
Lagunar e Vale do Ribeira.
127
MAPA 1 : SETORIZAÇÃO DO LITORAL PAULISTA
FONTE : SMA
O Litoral Norte do Estado de São Paulo abrange uma longa faixa
litorânea de 161 km, englobando 164 praias e 17 ilhas, numa área de
1.943 km
2
.
Os recursos paisagísticos da região compreendem duas zonas:
as baixadas litorâneas, descontínuas e de pequenas dimensões, e a
Serra do Mar, com conjunto de morros e morrotes costeiros, contínuos e
extensos, presente em toda a sua extensão.
A zona das baixadas litorâneas é constituída por numerosas
planícies costeiras, geralmente estreitas, com muitas praias intercaladas
por costões rochosos. Há muitas ilhas predominantemente rochosas com
poucas praias arenosas, destacando-se: a Ilha de São Sebastião, onde
está situado o município de Ilhabela, a Ilha Anchieta, em Ubatuba, que
128
contém o Parque Estadual da Ilha Anchieta e o arquipélago de
Alcatrazes em São Sebastião (Área de Proteção Ambiental).
A Serra do Mar é formada por um frontão serrano,
apresentando-se como muralhas maciças, desdobrando-se em
patamares, ora em morros salientes, ora em ilhas. A floresta que recobre
as partes não devastadas apresenta-se como uma grande massa verde,
revelando uma rara exuberância, destacando-se entre tantas espécies a
cabreúva, a sucupira amarela, o cedro, o ipê, em meio a floradas
coloridas, que se alternam ao longo do ano. As partes inferiores, sujeitas
a ocupações, possuem florestas ou capoeiras nos fundos de vale.
Os solos das planícies costeiras são rasos e pouco férteis,
sujeitos a inundações, sendo o desbarrancamento das margens dos rios
o processo erosivo mais importante. A vegetação original destas
planícies foi quase que totalmente eliminada, com exceção do Parque
Estadual de Picinguaba, que, apesar de ter sido tombado como área de
conservação para preservação da cultura caiçara, acabou tendo sua
vegetação como o objeto de proteção.
Yázigi considera a história da devastação florestal longa, com
incontáveis ações em busca de madeira para fins diversos, como
construção, utilização para combustível, além da extração mineral, roças,
alimentação e usos medicinais, numa predação sem replantios. (Yázigi,
2002).
O clima é caracterizado por médias anuais de temperatura
superiores a 20º C e alta precipitação pluviométrica – trata-se de uma
das regiões mais chuvosas do país, encontrando-se no limite da zona
129
tropical. Na porção litorânea correspondente ao município de Ubatuba,
os índices pluviométricos aumentam, fato este que, aliado às
características das rochas, do relevo, dos solos e da ocupação nas
encostas, provoca riscos às áreas urbanas aí localizadas. (SMA, 2005).
No trecho de Caraguatatuba, o litoral apresenta-se menos
recortado do que nos demais municípios. Fatores naturais da formação
do relevo, somados ao desmatamento e ao uso irregular do solo, vêm
provocando mudanças abruptas na paisagem – como a catástrofe
ocorrida em Março de 1967, quando, num único e tristemente memorável
dia, as escarpas da Serra receberam 420 mm de chuva, causando queda
de barreiras, interrompendo todas as estradas litorâneas e destruindo
inteiramente alguns bairros.(SMA, 2005).
Moradores antigos de Caraguatatuba lembram-se do fato com
horror, guardando até hoje reportagem publicada na revista “O Cruzeiro”,
em Março de 1967.
“ O mar ficou todo vermelho da terra da Serra do Mar, a
pista da avenida da praia foi coberta pelas águas até
uns 2 metros. A cidade se acabou , custou para se
reerguer; morreu muita gente, o Rio do Ouro foi
soterrado e a Fazenda dos Ingleses se acabou...”
(serralheiro, 75 anos).
O município de Ilhabela está localizado num arquipélago, cuja
maior ilha é a de São Sebastião, formada por um conjunto montanhoso
com uma floresta reconhecida como portadora de espécies raríssimas.
Na orla, pode-se observar pequenas praias situadas irregularmente ao
130
pé das escarpas. A erosão natural nas encostas é bastante acelerada,
com predominância de escorregamentos nas vertentes e quedas de
blocos. (SMA, 2005).
Em São Sebastião, até Barra do Uma, a paisagem exibe uma
planície costeira, numa linha de 48 km; daí em diante, a Serra segue
próxima do oceano, recortando pequenas praias separadas por
prolongamentos da Serra, apresentando paisagens de notável beleza.
Segue-se a grande Ilha de São Sebastião, sendo que, depois do canal, a
Serra recua e forma-se a maior planície do Litoral Norte.
O complexo montanhoso do continente e as elevações insulares
deixam pouco espaço para as planícies, constituídas por praias não
muito largas, sendo muitas delas ancoradouros de bacias fluviais. Há
cerca de cinco décadas passadas, os recortes continentais perfaziam
258 km, dos quais 43% eram praia, e o restante, costões abruptos,
separando-as. Nas ilhas, havia 36 km de praias (28%), e 129 km de
costões abruptos. Essa antiga situação geográfica de isolamento das
praias explica a existência da cultura caiçara de outros tempos. (França,
1951).
Nessa época, cada praia contava com um pequeno núcleo de
habitantes, atingindo-se as elevações em poucos minutos. Como
praticamente não existiam estradas na região, os povoamentos só
podiam ser alcançados por barcos, ou caminhando por trilhas. Pensando
nos acidentes geográficos e na vasta extensão de florestas, entende-se
o fato da região nunca ter recebido linhas férreas, assim como ter
mantido baixos níveis de ocupação e ausência de infra-estrutura, até
pouco tempo atrás.
131
Para se avaliar as áreas de risco do Litoral Norte, é preciso
avaliar os processos de suscetibilidade à erosão. Na Serra do Mar, essa
questão está relacionada às características da rocha, à forma de relevo e
das encostas, à declividade, às diferenças de altitude e tamanho dos
divisores de águas, além da influência dos altos índices pluviométricos
registrados. (SMA, 2005).
De acordo com a Fundação SEADE , em pesquisa realizada em
2003, foram detectadas 75 áreas de risco ocupadas por moradias no
Litoral Norte, sendo : 22 em Caraguatatuba, 8 em Ilhabela, 16 em São
Sebastião e 29 em Ubatuba, respectivamente.
Nas planícies costeiras, os processos erosivos predominantes
estão vinculados ao desmonte das margens dos rios. Na orla marítima, a
erosão costeira tem como causas naturais, a elevação atual do nível
relativo do mar, a dinâmica da circulação costeira e a dinâmica da
formação das praias. Como causas antrópicas, destacam-se: a ocupação
da orla e da praia, a destruição de dunas, a retirada de areia de praias e
de rios , além da construção de obras na linha da costa.
Por outro lado, a suscetibilidade natural aos processos erosivos
é agravada pelas ações humanas, que, ao provocarem mudanças nas
características do terreno, acabam por criar áreas de risco à ocupação.
Diversas delas podem ser identificadas no Litoral Norte, como, por
exemplo, a Estrada para Castelhanos, em Ilhabela; Pontal e Boiçucanga,
em São Sebastião.
Segundo dados divulgados pelo Instituto Geológico, no período
de 1988 a 2001, a população dos municípios do Litoral Norte foi atingida
132
por 146 movimentos de massa, envolvendo escorregamento de solo e
rolamento de blocos de rocha.
Em termos hidrográficos, o Litoral Norte se constitui na menor
Unidade Hidrográfica de Gerenciamento de Recursos Hídricos do
Estado
40
, em termos de extensão territorial – a UGRHI 3 – abrangendo
uma área de drenagem de 1.957 km
2
, estendendo-se pelos três
municípios continentais (Caraguatatuba, Ubatuba e São Sebastião),
numa área de 1.592 km
2
, somados aos 339 km
2
relativos à Ilhabela; a
área restante refere-se às outras 61 ilhas e ilhotas.
A densidade hidrográfica é consideravelmente alta, se
comparada à área de drenagem, com setores com grande concentração
de canais fluviais, diferenciando-se de outros menos densos. (SMA,
2005).
Os cursos d’água que compõem a UGRHI 3 - definida por 34
sub-bacias de pequena expressão espacial, porém de grande energia,
drenam diretamente para o mar. Essa sub-divisão foi definida com base
em critérios físicos e sócio-econômicos, confrontados com o padrão de
uso e ocupação, permitindo, assim, agrupar drenagens com
características semelhantes.
40
De acordo com a Lei nº 9.034, de 27/12/94, que dispõe sobre o Plano Estadual de
Recursos Hídricos, o Estado de São Paulo inclui 22 Unidades Hidrográficas de
Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRHIs, que constituem a base físico-territorial
de planejamento e gerenciamento ambiental, definidas a partir de critérios físicos, perfil
sócio-econômico e uso do solo.(SMA, 2002).
133
De acordo com estimativas elaboradas pelo Instituto de
Pesquisas Tecnológicas – IPT, a demanda estimada para o conjunto de
sub-bacias do Litoral Norte
41
situa-se em 0,41 m
3
/s em período de baixa
temporada (população fixa) e de 2,65 m
3
/s em alta temporada
(população fixa e flutuante), o que nos permite inferir, portanto, que
ocorre um acréscimo de demanda de 2,24 m
3
/s relativo ao fluxo turístico-
ou seja, uma variação da ordem de 500%.
Analisando a questão da biodiversidade, a Mata Atlântica surge
como foco, uma vez que se trata do segundo maior bioma florestal da
região neotropical, mas que, paradoxalmente, tem sua existência
constantemente ameaçada pela ação predatória do processo de
desmatamento, iniciado com a colonização do Brasil, no século XVI, e
intensificado na segunda metade do século XX - notadamente no período
de 1985 a 1990.
Hoje, a Mata Atlântica foi reduzida a 7% de sua extensão
original (estimada em 1.500.000 km
2
). Segundo pesquisas da Fundação
SOS Mata Atlântica, uma das maiores áreas contínuas de desmatamento
localiza-se entre Bertioga e São Sebastião, coincidindo com manchas de
empreendimentos imobiliários. (www.valeverde.org.br).
Numa perspectiva de reconhecimento da necessidade de sua
conservação, inúmeras ações vêm sendo dirigidas, por parte do Estado e
dos mais diversos atores sociais, tais como organizações não-
governamentais, universidades e movimentos sociais diversos.
41
A demanda estimada é calculada a partir da estimativa de população por sub-bacias,
segundo informações fonecidas pelas prefeituras municipais, considerando-se um
consumo per capita de 200 litros/dia.
134
Nesse quadro, o Litoral Norte se constitui em ponto estratégico
de ação, uma vez que faz parte de um sistema de relações essenciais à
manutenção do processo de sobrevivência da biodiversidade,
caracterizada pela complexidade de fatores físicos e biológicos.
Na região, observa-se a presença de grande heterogeneidade
ambiental, que abrange desde ecossistemas terrestres sob influência
marinha (praias, mangues, restingas, várzeas) a florestas com até 1.600
metros de altura.
Extrema diversidade de fauna e flora caracterizam o Litoral
Norte; há registro de mais de 600 espécies de animais vertebrados,
incluindo aves, mamíferos, répteis e anfíbios, com boa parte delas
consideradas ameaçadas de extinção. A Mata Atlântica litorânea compõe
um mosaico de espécies vegetais, apresentando três formações
diferentes : a vegetação de planície litorânea – que ocorre logo após a
faixa ocupada por praias e mangues; a vegetação de encosta , com
árvores altas e copadas; e a vegetação de altitude - com vegetação
arbórea mais baixa, surgindo bromélias terrestres.(SMA, 1996).
Apesar de parte significativa da área encontrar-se protegida por
Unidades de Conservação, conforme já exposto, remanescentes
importantes continuam sob pressão de ocupação, principalmente, por
parte do setor imobiliário.
135
CAPÍTULO IV
Crescimento Urbano e Gestão Ambiental do Litoral Norte de São Paulo
4.1. Perfil Demográfico
No contexto do sistema colonial implantado no Brasil, o
povoamento se iniciou a partir do litoral, em função da atividade econômica
mercantil voltada para o comércio internacional, com base na monocultura
da cana-de-açúcar.
Apesar do Litoral Paulista ter permanecido isolado das relações
comerciais com o exterior, por conta do obstáculo representado pela Serra
do Mar no processo de comunicação com o interior, o Litoral Norte
representou uma exceção, por dispor de um porto natural em São
Sebastião; a partir daí, formou-se um contingente populacional expressivo,
de modo que, no período de colonização, os quatro municípios do Litoral
Norte somavam uma população de cerca de 20.000 habitantes.(Silva,
1975).
Conforme colocamos no Capítulo III, após esse período, a região
passou por uma longa fase de estagnação, ocorrendo, inclusive, um
declínio populacional. Em 1836, Ubatuba contava com uma população de
7.836 habitantes, constituindo-se num dos municípios mais populosos do
litoral paulista. Contudo, em 1950, contava com apenas 7.900 habitantes,
ou seja, um acréscimo mínimo, em mais de um século.
136
Dados históricos citados por Silva (1975), registram, no ano de
1876, uma população de 20.685 habitantes em todo o Litoral Norte,
mantendo-se nesse patamar até a década de 50 do século XX. Entre 1920
e 1940, com exceção de Caraguatatuba, os outros três municípios
apresentaram decréscimo populacional.
A TABELA 1, abaixo, apresenta a evolução do número de
habitantes do Litoral Norte, no período de 1940 a 2000, considerando-se
população urbana e rural.
TABELA 1 : População urbana e rural do Litoral Norte Paulista, no
período de 1940 a 2000.
POPULAÇÃO URBANA POPULAÇÃO RURAL
ANO
NºHABITANTES % Nº HABITANTES %
TOTAL
1940
5.300 22,6 18.200 77,4 23.500
1950
7.000 28,8 17.300 71,2 24.300
1960
14.300 44,0 18.200 56,0 32.500
1970
39.800 83,3 8.000 16,7 47.800
1980
83.426 95,8 3.656 4,2 87.082
1990
137.556 98,6 1.963 1,4 139.519
2000
217.623 97,3 6.146 2,7 223.769
FONTE : SEADE/IBGE
Como podemos constatar, pelos dados apresentados, o período de
1960 a 1980 caracterizou o arranque do processo de urbanização do Litoral
Norte, observando-se, inclusive, uma mudança no perfil populacional a
partir de 1970, quando a sua predominância deixa de ser rural, tornando-se
eminentemente urbana. Este evento pode ser explicado pelo
“redescobrimento” da região, ocorrido na década de 70, quando o Porto de
Sebastião dinamizou a economia local, além da expansão da malha viária
137
que veio alavancar a exploração turística, impulsionando a indústria da
construção civil, e, com isso, atraindo correntes migratórias, acelerando o
processo de urbanização e mudando o perfil demográfico da região.
A TABELA 2, a seguir, apresenta a população do Litoral Norte, por
município, no mesmo período, observando-se um déficit populacional entre
1940 e 1950, no município de Ilhabela.
TABELA 2 : População urbana e rural dos Municípios do Litoral Norte
Paulista, no período de 1940 a 2000.
ANO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
URBANA RURAL TOTAL URBANA RURAL TOTAL URBANA RURAL TOTAL URBANA RURAL TOTAL
1940
1.800 2.800 4.600 800 4.800 5.600 1.600 4.400 6.000 1.000 6.200 7.200
1950 1.700 3.700
5.400
1.200 3.800 5.000 2.400 3.600 6.000
1.700 6.200
7.900
1960
4.600 5.200 9.800 1.800 3.300 5.100 3.900 3.500 7.400 4.000 6.200 10.200
1970
13.300 1.000 14.300 5.600 200 5.800 11.600 700 12.300 9.300 6.100 15.400
1980 32.896 587
33.483
7.515 228 7.743 18.447 392 18.839
24.478
2.449
26.927
1990
50.365 204 50.569 12.550 247 12.797 31.552 218 31.770 43.389 1.294 44.683
2000
74.972 3.656 78.628 20.506 246 20.752 57.162 583 57.745 64.983 1.661 66.644
FONTE : SEADE/ IBGE
Em função de sua localização estratégica, situada exatamente no
entroncamento rodoviário das vias de acesso ao Litoral Norte,
Caraguatatuba apresentou o mais expressivo crescimento populacional, no
período de 1940 a 2000 ( cerca de 1.600%).
Contudo, cabe lembrar que, durante todo o período, legislações
foram criadas no sentido de expandir os perímetros municipais, de forma a
138
atender à demanda de novos loteamentos e aos interesses do setor da
construção civil. Visava-se, ainda, a elevação das receitas municipais,
através da ampliação da arrecadação de impostos e taxas. Por conta
dessas medidas, conflitos foram gerados com as áreas de conservação
existentes.(SMA, 2005).
Assim sendo, dados populacionais merecem ser analisados com
cautela, uma vez que, por força de tais legislações, habitantes de áreas
rurais passaram a ser considerados, sem mudança de local ou atividade,
habitantes de áreas urbanas, por decisão burocrática.
O GRÁFICO 1, a seguir, apresenta a distribuição percentual da
população dos quatro municípios da região do Litoral Norte, no ano de
2005.
GRÁFICO 1 : População do Litoral Norte Paulista
Distribuição Percentual por Municípios ( 2005 )
ILHABELA
9%
SÃO SEBASTIÃO
27%
UBATUBA
29%
CARAGUATATUBA
35%
FONTE : SEADE/ IBGE
139
Segundo os dados mais recentes, divulgados pela Fundação
SEADE e pela Fundação IBGE, a população geral do Litoral Norte, em
2005, é estimada em 269.781 habitantes, sendo 263.679 residentes dentro
dos limites da área urbana e 6.102 fora dela. Para o mesmo ano, estima-se
uma população de 93.226 habitantes para o município de Caraguatatuba,
25.317 para Ilhabela, 73.296 para São Sebastião e 77.942 para Ubatuba.
Atualmente, a urbanização atinge a maioria das 70 praias do
município de Ubatuba, embora, até meados da década de 70, quando foi
construída a BR-101, o acesso ao trecho que liga o centro a Parati só
pudesse ser percorrido a pé ou de barco. Assim, essa área foi se mantendo
com baixo nível de ocupação e, portanto, mais preservada, habitada por
uma população fixa, organizada em vilas e chácaras. Entre a região central
e as praias do sul, observamos a generalização de edifícios de quatro a
nove pavimentos. As praias das Toninhas, Enseada, Grande, Saco da
Ribeira e Lázaro são ocupadas por população flutuante.
FOTO 8 : Praia Grande, Ubatuba
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
Com o advento do turismo, as populações fixas confinaram-se nos
sertões, sendo que, em função da própria caracterização geográfica, cada
140
praia foi se tornando um pequeno bairro, a partir das décadas de 40 e 50.
(Yázigi, 2002).
Dentre os quatro municípios, Caraguatatuba é o que apresenta
maior possibilidade de urbanização, dada sua localização costeira, entre o
mar e as escarpas, situando-se na bifurcação planalto-litoral. O sentido da
urbanização segue a tendência linear, dada pelas praias alinhadas à
rodovia, interrompidas, apenas, por acidentes naturais. Seu centro é
totalmente desprovido de patrimônio histórico, sendo que a própria BR-101
corta a cidade. Massaguaçu e Martim de Sá contam com alta densidade
demográfica, com edifícios de nove andares, destinados à população
flutuante, enquanto que Tabatinga se distingue por seu hotel de alto padrão
e loteamentos anexos.
FOTO 9: Estrada cortando a Praia de Massaguaçu,
Caraguatatuba
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
Embora Caraguatatuba ocupe a primeira posição em termos de
efetivo populacional, São Sebastião apresentou o maior crescimento
populacional recente, uma vez que, a variação percentual do número de
141
habitantes em 2005, comparada à de 2000, situa-se em 18,6% para
Caraguatatuba, enquanto que para São Sebastião, foi da ordem de 26,9%.
Atualmente, São Sebastião apresenta dois setores distintos: a
Costa Norte, que se estende do centro até a divisa com Caraguatatuba,
com população fixa, onde se encontra o bairro de Topolândia, com
população de baixa renda, e a Costa Sul, com população flutuante,
ocupando residências de veraneio de alto padrão. Toque-toque, Camburi,
Saí, caracterizam-se pela presença de condomínios, com população mais
rarefeita, além de Maresias, Boiçucanga, Una e Juqueí, com baixa
densidade populacional e população flutuante. Algumas comunidades
caiçaras são encontradas próximo à orla, enquanto os bairros Tropicanga,
Vila Débora, Areião e Vila Baiana têm população fixa e esgotos a céu
aberto.
Ilhabela foi descoberta pelo turismo à mesma época dos outros
três municípios do Litoral Norte, porém, com a particularidade de ser um
espaço insular, e, portanto, com custos de construção de residências
secundárias mais elevados, dada a maior dificuldade de acesso.
O GRÁFICO 2 ilustra a evolução da taxa de urbanização dos
municípios do Litoral Norte, de forma comparativa, no período de 1980 a
2005, expressando a relação entre a população rural e a população
urbana, em termos percentuais.
142
GRÁFICO 2 : Taxa de Urbanização - Municípios do Litoral Norte
Paulista (1980 a 2005)
90,0
91,0
92,0
93,0
94,0
95,0
96,0
97,0
98,0
99,0
100,0
1
9
80
1
9
82
1
9
84
1
9
8
6
1
9
8
8
1
9
9
0
19
9
2
19
9
4
19
9
6
19
9
8
2000
2002
2004
ano
taxa de urbanização (%)
CARAGUATATUBA ILHABELA
SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
FONTE : SEADE/ IBGE
Durante toda a década de 80, observa-se uma mudança mais
acentuada de perfil populacional no município de Ubatuba, com nítido
aumento da população urbana, sendo daí por diante, praticamente, mantido
no mesmo patamar até 2005. Nos municípios de Ilhabela e São Sebastião,
o perfil foi aproximadamente mantido, no período apresentado, enquanto
que, para Caraguatatuba, pode-se observar dois pontos de inflexão, nos
anos de 1991 e 2000, respectivamente, porém, sendo conservada a
característica de população predominantemente urbana.
Na avaliação da população por faixas etárias, constata-se que
predomina o intervalo de 15 a 49 anos (em torno de 56% do total), ou seja,
a faixa correspondente aos indivíduos potencialmente aptos para o
mercado de trabalho, o que nos leva a concluir que um significativo
contingente populacional refere-se a migrantes à procura de oportunidades
143
de emprego na região. De acordo com a Fundação IBGE, nas três últimas
décadas, o movimento migratório contribuiu com mais de 50% do total
populacional da região. Portanto, as expectativas de colocação nos postos
de trabalho funcionam como um mecanismo indutor de expansão
populacional no Litoral Norte paulista. Por outro lado, a população com
idade superior a 50 anos representa cerca de apenas 14% da população da
região, o que pode significar que boa parte da população que chega ao
Litoral Norte não permanece definitivamente na região. (SMA/CPLEA,
2005).
TABELA 3 : População do Litoral Norte Paulista segundo faixas
etárias (1980/2000)
ANO Nº HABITANTES
0 a 14anos 15 a 49 anos acima de 50 anos
1980
35.077 41.994 6.736
1990
49.084 73.341 14.335
2000
66.390 126.227 31.038
FONTE : SEADE/ IBGE
Contudo, no detalhamento a nível de município, constata-se um
expressivo aumento da população com idade superior a 50 anos, entre
1980 e 2000, em Caraguatatuba e São Sebastião, o que pode indicar a
permanência de indivíduos residindo no local mesmo estando fora do
mercado de trabalho, nessas localidades, assim como de aposentados que
optaram por residir em cidades litorâneas Na faixa etária de 15 a 49 anos,
os maiores aumentos populacionais nesse período ocorreram em Ilhabela e
São Sebastião.
144
TABELA 4 : População dos municípios do Litoral Norte Paulista segundo
faixas etárias (1980/2000).
ANO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
0 a 14 5 a 49 50 e mais 0 a 14 15 a 49 50 e mais0 a 14 15 a 49 50 e mais 0 a 14 15 a 49 50 e mais
1980
13.814
5.913
910 3.162 3.597 984 7.345 9.258 1.906 10.756 13.226 2.936
1990
17.724 6.126 6.719 4.411 6.782 1.577 10.924 17.126 1.022 16.025 23.307 5.011
2000
22.745 3.446 12.447 5.877 12.064 2.687 16.872 33.564 7.309 20.896 37.153 8.595
FONTE : SEADE/ IBGE
Explorando um pouco mais a questão do emprego, podemos
relacionar o contingente de população ocupada, em idade apta para o
trabalho, ou seja, na faixa etária de 15 a 49 anos, com o número total de
habitantes da região, conforme apresentado na TABELA 5.
TABELA 5 : Representatividade da população ocupada em relação à
população da faixa etária de 15 a 49 anos do Litoral Norte ( 1980 /2000)
ANO POPULAÇÃO POPULAÇÃO RELAÇÃO
OCUPADA 15 a 49 anos %
1980
3.341 41.994
8,0
1990
14.566 73.341
19,9
2000
27.379 126.227
21,7
FONTE : SEADE / RAIS
Analisando esses dados, observa-se que, certamente, ocorreu um
acréscimo no número de trabalhadores do mercado formal entre 1980 e
2000, uma vez que os dados relativos à população ocupada referem-se a
empregados registrados conforme as normas da legislação trabalhista.
Portanto, nesse levantamento estatístico, não estão incluídos os
trabalhadores informais, temporários, vinculados ao setor turístico e à
construção civil, tais como: trabalhadores braçais, empregados domésticos,
seguranças, entre outros.
145
A TABELA 6, abaixo, apresenta o desdobramento dos dados ao
nível de município.
TABELA 6 : Representatividade da população ocupada em relação à
população de faixa etária de 15 a 49 anos nos municípios do
Litoral Norte (1980 /2000).
CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
ANO
POP. POP.
REL.
POP. POP.
REL.
POP. POP.
REL.
POP. POP.
REL.
OCUP. 15 – 49 a
%
OCUP. 15 – 49 a
%
OCUP. 15 – 49 a
%
OCUP. 15 – 49 a
%
1980
1.294 15.913 8,1 141 3.597 3,9 857 9.258 9,3 1.049 13.226 7,9
1990
4.752 26.126 18,2 871 6.782 12,8 4.485 17.126 26,2 4.458 23.307 19,1
2000
8.455 43.446 19,5 2.039 12.064 16,9 8.889 33.564 26,5 7.996 37.153 21,5
FONTE: SEADE/RAIS
Considerada a abordagem a nível de município, constata-se uma
variação significativa da questão do emprego, no espaço de vinte anos,
notadamente em São Sebastião, embora possa se inferir, para todos os
municípios, a existência de um expressivo mercado informal de trabalho.
De acordo com os dados mais recentes divulgados pela RAIS e
pela Fundação SEADE, havia um total de 35.784 pessoas ocupadas, na
região, em 2003, acentuando-se a representatividade do município de São
Sebastião, com 12.001 pessoas ocupadas, o que significa um incremento
de cerca de 35%, na comparação com o ano 2000.
A TABELA 7 apresenta a distribuição do emprego por setor de
atividade econômica, no mercado formal de trabalho, no período de 1995 a
2003, comparativamente, para os quatro municípios do Litoral Norte.
146
TABELA 7 : Empregos ocupados por setor de atividade econômica, no
período de 1995 a 2003, nos municípios do Litoral Norte
ANO IND COM SER OUT IND COM SER OUT IND COM SER OUT IND COM SER OUT
1995
913 1.797 3.717 262 52 306 2.514 1 344 1.322 2.162 105 829 1.540 4.108 68
1996
1.407 2.071 3.954 204 46 307 3.323 1 289 1.294 2.696 40 713 1.554 4.033 60
1997
1.214 2.404 2.589 151 57 366 725 1 304 1.392 4.830 59 713 1.759 4.986 45
1998
787 2.514 4.124 158 59 431 1.201 3 289 1.554 5.382 62 494 1.838 4.811 67
1999
740 2.380 4.463 145 44 527 1.297 3 292 1.632 6.125 62 572 2.045 4.803 57
2000
830 2.638 4.976 11 64 612 1.362 1 317 1.969 6.527 76 531 2.304 5.117 44
2001
868 2.754 5.239 96 59 672 1.729 1 354 2.179 6.823 82 804 2.380 5.506 56
2002
526 3.188 5.863 219 43 841 2.192 7 265 2.333 8.275 112 360 2.601 6.119 91
2003
471 3.577 6.127 268 47 888 2.400 43 262 2.510 8.978 251 376 2.804 6.412 370
CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
FONTE: SEADE/RAIS
Além da pouca expressividade do emprego industrial na região,
com pequeno destaque apenas em Caraguatatuba e Ubatuba, observa-se
a sua clara retração, no período, simultaneamente ao aumento no número
de empregos no setor terciário, destacando-se o setor de serviços como
grande empregador da região.
A TABELA 8 apresenta a relação entre o número de domicílios dos
municípios da região e a população total, nas quatro últimas décadas.
TABELA 8 : Número de habitantes por domicílio no Litoral Norte
(1970 / 2000)
ANO
Nº HABITANTES Nº DOMICÍLIOS Nº HABITANTES /
Nº DOMICÍLIOS
1970
47.800 9.497
5,0
1980
87.082 18.916
4,6
1990
139.519 38.667
3,6
2000
223.769 63.713
3,5
FONTE : SEADE/ IBGE
147
Os dados indicam um aumento progressivo no número de
domicílios da região; contudo, apesar do crescimento populacional, o
número de habitantes por domicílio vem decrescendo, nas quatro últimas
décadas, o que indica que o maior número de domicílios se refere a
habitações usadas como segunda residência, cujos proprietários,
logicamente, não são computados como habitantes, pelos censos da
Fundação IBGE.
Tulik afirma que o Litoral Norte, sozinho, agrupa 52,0% do número
total de residências secundárias de todo o Brasil, com um valor absoluto de
cerca de meio milhão de unidades. Em sua pesquisa, destaca a
participação das segundas residências entre os anos de 1980 e 1991, nos
quatro municípios do Litoral Norte, em relação ao número total de
domicílios, obtendo valores surpreendentes. O maior percentual
corresponde a Caraguatatuba (42,4% em 1980 e 50,8% em 1991), seguido
por Ubatuba (41,6% em 1980 e 49,5 % em 1991), São Sebastião ( 33,5%
em 1980 e 36,7% em 1991) e Ilhabela (29,3% em 1980 e 36,7% em 1991).
(Tulik apud Yázigi, 2002).
Por outro lado, o adensamento populacional pode ser verificado
pela relação do número de habitantes por km
2
, medindo-se, assim, a
densidade demográfica dos municípios da região, utilizada para verificar a
intensidade de ocupação do território. Os dados mais recentes, estimados
pela Fundação SEADE, referem-se ao ano de 2005, obtendo-se uma
densidade demográfica de 136,5 habitantes por km
2
, para o Litoral Norte.
Ao nível de município, Caraguatatuba figura na primeira posição, com 194,2
habitantes por km
2
, seguindo-se: São Sebastião (154,8 habitantes por km
2
),
Ubatuba (114,3 habitantes por km
2
) e Ilhabela (75,4 habitantes por km
2
).
(www.seade.gov.br).
148
A evolução do adensamento populacional é mostrada no
GRÁFICO 3, para cada município do Litoral Norte, podendo-se observar o
crescimento acentuado que vem ocorrendo em Caraguatatuba,
acompanhado por São Sebastião, na mesma proporção, embora em
diferentes patamares, refletindo as novas oportunidades de trabalho e
equipamentos urbanos oferecidos pela região.
GRÁFICO 3 : Densidade demográfica dos municípios do Litoral Norte
(1980 / 2005)
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
120,0
140,0
160,0
180,0
200,0
1980 1991 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
ano
hab/km2
CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
FONTE : SEADE/ IBGE
Considerando-se o crescimento exponencial (ou geométrico) da
população, a taxa geométrica de crescimento anual da população
apresenta-se como um bom indicador, em termos percentual da população,
conforme mostra a TABELA 9.
149
TABELA 9 : Taxa geométrica de crescimento anual médio da população
dos municípios do Litoral Norte (1991 – 2000 – 2005)
PERÍODO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
LITORAL
NORTE
SP
1980/1991
4,17 5,13 5,35 5,18 4,84 2,12
1991/2000
4,56 4,95 6,26 3,97 4,83 1,82
2000/2005
3,46 4,06 4,88 3,18 3,81 1,56
FONTE : SEADE/ IBGE
Estes números atestam a expressividade do crescimento
populacional dos municípios do Litoral Norte, que se situam em valores
superiores àqueles apresentados pelo Estado de São Paulo, nos três
momentos considerados.
Em função disso, é importante analisarmos até que ponto a infra-
estrutura urbana regional é compatível com essa expansão, e ainda, de que
instrumentos o Estado dispõe para manter tais contingentes populacionais
dentro de padrões aceitáveis de qualidade de vida.
150
4.2. Uso e Ocupação do Solo da Zona Costeira
Os territórios ocupados pelos quatro municípios do Litoral Norte
correspondem a apenas 0,8% da área abrangida pelo Estado de São
Paulo, mas sua zona costeira apresenta cenários de rara beleza
paisagística e incomparável riqueza em termos de ecossistemas.
TABELA 10 : Área dos municípios do Litoral Norte.
MUNICÍPIO ÁREA (KM
2
)
CARAGUATATUBA 480
ILHABELA 336
SÃO SEBASTIÃO 479
UBATUBA 682
LITORAL NORTE 1.977
FONTE : SEADE/ IBGE
Dos 1.977 km
2
de área delimitada pela região, 85,8% são
ocupados por florestas, com ecossistemas associados à Mata Atlântica,
incluindo as áreas de preservação, através do Parque Estadual da Serra
do Mar e das áreas naturais tombadas das Serras do Mar e de
Paranapiacaba.
Na escarpa da Serra do Mar, sobrevivem os remanescentes da
cobertura vegetal original da região, com todos os estratos e tipos de
vegetação próprios da zona costeira, como manguezais e campos de
altitude. (SMA, 2005).
151
As áreas urbanas da região ocupam 84 km
2
- representando
4,3% da área total – e passaram a se expandir a partir da década de 60,
por conta do fluxo turístico, e se intensificando na década seguinte, com
a construção da rodovia BR-101, que facilitou a implantação
desordenada de condomínios e loteamentos, conforme discutimos no
Capitulo III.
A expansão da mancha urbana pode ser analisada através de
imagens de satélites, interpretadas para os anos de 1961, 1977, 1990 e
2000.
Observa-se que, até 1961, havia ocupações em pontos isolados
da costa, destacando-se a sede municipal de Caraguatatuba como a
maior mancha urbana, com vetores de expansão na direção de São
Sebastião e Ubatuba. No período de 1961 a 1976, a expansão
aconteceu no entorno dos núcleos das sedes municipais e na
implantação de loteamentos localizados na planície, ao longo da costa, já
se observando, em Caraguatatuba, loteamentos se expandindo na
direção das encostas da Serra do Mar. No período compreendido entre
1977 e 1990, observa-se o avanço das manchas no entorno dos
loteamentos já existentes, seguido da expansão dos núcleos das sedes
municipais. Entre 1990 e 2000, já esgotados os terrenos de planície, a
ocupação em direção ao interior é intensificada, com significativo avanço
nas encostas da Serra do Mar, onde a ocupação urbana é dificultada
pelos obstáculos naturais – uma vez que, de toda costa paulista, o Litoral
Norte é a única região em que a Serra do Mar avança sobre o Oceano
Atlântico.(SMA, 2005).
152
MAPA 2 : Expansão urbana dos municípios do Litoral Norte
153
Conforme demonstramos na exposição do perfil demográfico, a
região passa a apresentar crescimento populacional significativo apenas
a partir da década de 60, liderado por Caraguatatuba, seguido de
Ubatuba, São Sebastião e Ilhabela.
A TABELA 11 mostra os tipos de uso e ocupação do solo do
Litoral Norte, em termos de área, e sua representatividade na região.
TABELA 11 : Tipos de Uso e Ocupação do Solo no Litoral Norte paulista
TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO km
2
%
Agricultura de cultura temporária
62,4 3,16
Agricultura de cultura permanente
0,2 0,01
Área urbana
84,0 4,25
Areia
6,8 0,34
Campo antrópico
107,0 5,41
Corpo d'água
2,7 0,14
Costão rochoso
2,4 0,12
Floresta ombrófila densa
635,1 32,12
Formação arbórea /arbustiva-herbácea
504,2 25,50
Formação pioneira arbustiva-herbácea
1,6 0,08
Reflorestamento de pinheiro
0,4 0,02
Solo exposto
2,1 0,11
Vegetação secundária da floresta ombrófila densa
162,8 8,23
Vegetação secundária da formação arbórea /arbustiva herbácea
380,7 19,26
Outros
24,6 1,24
TOTAL
1977,0 100,00
FONTE : IF / SMA
As áreas de agricultura cíclica, ou temporária, concentram-se,
predominantemente, no município de Caraguatatuba, destacando-se a
olericultura, enquanto que a maior cultura permanente é a banana, cujo
principal produtor regional é Ilhabela.
154
MAPA 3 : Uso e ocupação do solo no Litoral Norte Paulista
155
A geomorfologia do Litoral Norte é imprópria para a agricultura
extensiva, uma vez que seu território é formado por uma faixa estreita de
terras encravadas entre a Serra do Mar e o Oceano Atlântico. Some-se
às restrições de ordem natural, o fato de ter a região mais de 80% de seu
território protegido pela legislação ambiental, o que impede a expansão
da lavoura extensiva.(SMA/CPLA, 2005).
As áreas agriculturáveis do Litoral Norte são constituídas pelas
baixadas, sertões e planícies litorâneas, que, entretanto, vêm, sofrendo
pressões advindas do crescimento urbano, com a abertura de rodovias e
a exploração turística.
Caraguatatuba contém a área agrícola mais importante da
região, conhecida como Baixada do Juqueriquerê, além das baixadas de
Massaguaçu, Mococa e Tabatinga.
No Capítulo III, colocamos a importância do papel
desempenhado pelas monoculturas extensivas predominantes na região,
entre o final do século XVIII e o início do século XIX, como a cana e o
café- voltados à comercialização - e ainda, a mandioca, o arroz, o feijão,
a banana - destinados à subsistência.
Atualmente, dados divulgados pela Secretaria da Agricultura e
Abastecimento do Estado incluem a banana, a cana e a mandioca como
as principais culturas regionais, representando cerca de 88,0% da
produção agrícola do Litoral Norte.
Ainda, dentro da pauta agrícola, destaca-se a produção de
gengibre, cultivado, principalmente, em Ubatuba e Caraguatatuba,
destinado à exportação; recentemente, contudo, sua produção tem
156
entrado em declínio, passando-se de uma área cultivada de 36,8
hectares, no ano de 2001, para 17,3 hectares em 2003, de acordo com
informações procedentes da Secretaria da Agricultura, Pesca e
Abastecimento de Ubatuba.
No âmbito da pequena produção, há um espaço destinado aos
cultivos de palmito e de plantas ornamentais, praticados pelas
comunidades caiçaras.
A atividade pecuária não tem grande expressão econômica na
região, com destaque, apenas, para Caraguatatuba, a partir da década
de 90, no segmento de gado leiteiro; entretanto, com a crise do setor, no
ano 2000, o rebanho foi encaminhado para o corte, e os investimentos
do setor migraram para a indústria da construção civil.
Por outro lado, a pesca sempre esteve associada à subsistência
das comunidades que habitam as regiões costeiras, além da
comercialização e do lazer. No passado, a pesca artesanal era praticada
de forma comunitária no Litoral Norte, pelos caiçaras; atualmente, é
realizada por pescadores que se utilizam de pequenos barcos ou
canoas, e que não têm a pesca como única atividade, mas se ocupam
também do turismo e da construção civil para sobreviver, uma vez que
têm dificuldade em armazenar e comercializar o pescado.
O ambiente marinho vem sofrendo intensa degradação, em
decorrência do processo desordenado de ocupação da costa, tendo
como conseqüências o aterramento de mangues, a intensificação dos
resíduos e efluentes domésticos, desmatamentos, assoreamento dos
rios, além dos constantes acidentes com vazamentos de petróleo. (SMA,
2005).
157
A pesca industrial, voltada para o mercado externo, praticada no
país desde os anos 60, apresentando, desde então, crescimento
constante na exportação de peixes, lagostas e camarões, é pouco
significativa, na região. Com pouca expressão, a participação do Litoral
Norte é pequena em número de desembarques (17,1%, sendo 15,7%
correspondentes a Ubatuba) e em quantidade de pescados (15,5%, com
14,1% provenientes de Ubatuba), quando comparada à Baixada Santista
e ao Litoral Sul. (Instituto de Pesca, 2004).
Além da frota pesqueira do Litoral Norte, embarcações
provenientes do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, freqüentemente,
capturam iscas vivas, como a sardinha, junto às enseadas e praias
localizadas em áreas de proteção ambiental, prejudicando a pesca
artesanal e originando conflitos em torno da questão. (Instituto de Pesca,
2001).
O Litoral Norte apresenta localização favorável à
comercialização e características geográficas próprias ao
desenvolvimento da maricultura, que trata do cultivo de organismos
marinhos como peixes, crustáceos, moluscos e algas.
A região dispõe de uma área de 102 hectares passíveis de
utilização para a criação de mexilhões, estimando-se uma produção em
torno de 4.500 toneladas por ano; para a criação de camarões, calcula-
se uma área de cerca de 532 hectares, projetando-se uma produção
anual de 1.000 toneladas. Tais atividades indicam alta probabilidade de
retorno, para o Litoral Norte, requerendo pequeno investimento e
tecnologia simples, além de provocarem baixo impacto ambiental,
oferecendo-se como alternativa à pesca artesanal, desgastada pela
redução do estoque pesqueiro, pela poluição e pela pesca predatória.
158
Atualmente, as fazendas de maricultura da região são cultivadas em 23
praias, de forma familiar, por pescadores organizados em cooperativas
de produtores associados (Instituto de Pesca, 2004).
Em relação ao setor secundário da economia, a indústria da
construção civil é a mais significativa na região, representando 58,3 % da
atividade industrial local, incluindo portos de areia, fábricas de blocos, de
tijolos, de preparação de concreto, de extração de saibro, pedreiras,
serralherias, marmorarias, artefatos de cimento e ladrilhos. A indústria de
alimentos engloba fábricas de bebidas, sucos, doces, biscoitos, além de
laticínios, frigoríficos e processamento de pescados.
TABELA 12 : Distribuição de Ramos Industriais no Litoral Norte
RAMO INDUSTRIAL Nº UNIDADES
%
CONSTRUÇÃO CIVIL 119 58,3
ALIMENTOS 27 13,2
MOBILIÁRIO E MADEIRA 31 15,2
OUTRAS 27 13,2
TOTAL 204 100,0
FONTE: CETESB (2004)
Em termos da atividade econômica de transformação, Ubatuba é
o único município da região que apresenta alguma diversificação de
ramos industriais, com destaque para mobiliário e madeira
(representando 67,7% do total regional) e alimentos (55,6%).
Na indústria da construção civil, Caraguatatuba dispõe do maior
número de unidades produtivas, representando 52,9 % do total regional,
com destaque para a Pedreira Massaguaçu, principal produtora de areia
e agregados da região.
159
TABELA 13 : Representatividade percentual dos ramos industriais , a
nível de município, em relação ao total de indústrias do Litoral Norte
RAMOS
CARAGUATATUBA
%
ILHABELA
%
SÃO SEBASTIÃO % UBATUBA
%
CONSTRUÇÃO CIVIL 63 52,9 10 8,4 24 20,2 22 18,5
ALIMENTOS 5 18,5 3 11,1 4 14,8 15 55,6
MOBILIÁRIO E MADEIRA 5 16,1 3 9,7 2 6,5 21 67,7
OUTRAS 8 29,6 1 3,7 1 3,7 17 63,0
TOTAL 81 39,7 17 8,3 31 15,2 75 36,8
FONTE: CETESB (2004)
A atividade de mineração está presente como forma de uso do
solo do Litoral Norte, ocupando 0,39 km
2
, distribuídos pelos quatro
municípios, tendo como principais produtos o saibro para aterro, a areia
para construção civil, cascalho e rocha. Embora tais minerais existam em
abundância, na região, e sua produção requeira tecnologias simples, a
exploração desordenada vem provocando problemas ambientais, sendo
praticada em portos clandestinos, de forma predatória.
Numa avaliação crítica dos dados apresentados, podemos
concluir que o Litoral Norte trata-se de uma região urbanizada, sem,
contudo, contar com o peso da indústria, não conjugando, portanto, o
binômio urbanização – industrialização, presente na maioria das cidades
capitalistas. No caso, a urbanização funda-se, mais propriamente, no
setor terciário, liderado pelo turismo.
O setor de serviços canaliza a oferta de trabalho na região,
sendo responsável por 66,0% do número total de empregos, polarizado
pela atividade turística, com seu efeito multiplicador de serviços
relacionados ao lazer.(RAIS/SEADE, 2001).
160
Indubitavelmente, o turismo é o centro das atividades
econômicas do Litoral Norte; é caracterizado como um turismo sazonal,
responsável pela expansão urbana com base na segunda residência.
Paralelamente, a malha viária da região foi estruturada em
função do atendimento a essa demanda. As ligações entre os centros
emissores de turismo e o Litoral Norte vêm se expandindo por múltiplas
vias de acesso. A Rodovia Rio –Santos, nas décadas de 60 e 70,
consolidou a rota partindo do município de Caraguatatuba , seguindo
para São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba, em meio a uma sucessão de
paisagens naturais de beleza incomparável. Posteriormente, a
construção e melhorias da Rodovia Mogi – Bertioga facilitou o acesso ao
Litoral Norte a partir de São Sebastião.
O cenário das 183 praias do Litoral Norte, numa orla de 129 km
de extensão, configuram o espaço procurado pela “ideologia do lazer”,
chegando a atrair uma população flutuante de quatro a cinco vezes maior
que o contingente fixo, nos meses de dezembro e janeiro. Nesse espaço
litorâneo, cada um dos quatro municípios apresenta suas peculiaridades,
que devem ser consideradas na análise do uso e ocupação do solo.
O município de Ubatuba foi pioneiro na elaboração de matéria
legislativa de uso e ocupação do solo, no final da década de 70 -
institucionalizada, apenas em 1984, através da lei 711 - demonstrando a
preocupação em não se urbanizar áreas de ecossistemas frágeis, como
mangues, foz e beiras de rios, encostas e trechos da orla.
Infelizmente, anos depois, podemos perceber que a urbanização
trilhou o caminho oposto a essas intenções; observamos, com
freqüência, construções em encostas - tanto favelas e cortiços como
161
condomínios de alto padrão, contribuindo para o processo de
degradação ambiental.
FOTO 10 : Ocupação em encostas à beira da Rio- Santos,
Ubatuba.
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
FOTO 11: Condomínio Varandas de Ubatuba, Praia das Toninhas,
Ubatuba
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
Ocupações em mangues, foz e beira de rios completam o
quadro de inobservância à legislação de uso e ocupação do solo.O caso
da Barra dos Pescadores é um bom exemplo desse tipo de degradação.
162
FOTO 12 : Barra dos Pescadores, Ubatuba
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
A legislação criou onze secções, quais sejam, zona plana das
praias (com relevo plano ou suave), do anfiteatro, dos contrafortes, da
sede municipal, dos usos incompatíveis com turismo, agrícola, do Parque
Estadual da Serra do Mar, da Praia de Picinguaba, dos bairros internos e
dos usos especiais. A legislação previu que seria proibida a construção
de quaisquer elementos de vedação vertical (lei 711/80, artigo 16, II), o
que, no entanto, não vem ocorrendo, uma vez que equipamentos
comerciais vêm obstruindo a visibilidade e dificultando os pedestres, nas
praias Grande e do Itaguá.
Em termos de implantação de complexos turísticos integrados
no município, a lei complementar 857/87 estabelece uma taxa de
ocupação máxima de 20%, exigindo-se preservação de 75% da
cobertura vegetal nativa. Contudo, decorridos alguns anos, parte da
proteção da paisagem foi corrompida, da mesma forma que, por força do
capital imobiliário, a lei que impedia a construção de edifícios altos em
Porto Flamengo foi derrubada.(
www.valeverde.org.br)
163
Ubatuba não conta com um código de obras próprio;
estranhamente, a construção é regida pelo Código Sanitário do Estado,
através da lei 12.342, ou seja, segue uma orientação genérica, válida
para qualquer município, não sendo levadas em conta as especificidades
litorâneas que caracterizam a região, ou estilos arquitetônicos
apropriados.
O maior adensamento populacional está localizado na costa sul,
mais próximo a Caraguatatuba; o município é parcialmente protegido
pelo Parque Estadual da Serra do Mar, pelo Parque Estadual da Ilha
Anchieta e pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina.
Desde 1977, 85% do território de Ilhabela foi transformado em
Parque Estadual; o município possui 44 praias - sendo que o acesso a
algumas delas só pode ser feito por barco - além de cachoeiras e
piscinas naturais, o que lhes garante um bom nível de preservação
ambiental e da cultura da população tradicional.
A primeira lei de uso e ocupação do solo de Ilhabela data de
1980 - embasada na mesma ideologia de “contemplação da paisagem”
que fundamentou a criação do Parque Estadual - define seu patrimônio
turístico-paisagístico-ambiental composto por praias, enseadas,
costeiras, montanhas, cursos-d’água, mirantes, entre outros bens
naturais, complementados pelo mar circundante, não podendo ser
alterado ou desvirtuado, sob qualquer pretexto. Territorialmente, a ilha foi
dividida em quatro áreas, quais sejam, a faixa de marinha (33 metros de
largura, ao longo da beira-mar, de acordo com a lei federal 9.760/46),
compreendendo a zona residencial; a orla marítima, contendo a zona
comercial; a meia encosta, com zona mista – residencial, comercial e
industrial; e a zona de proteção ambiental, compreendendo o Parque. A
164
lei proíbe ainda a poluição visual e a descaracterização da paisagem,
embora não institua um padrão arquitetônico. Infelizmente, ao longo dos
quase dois quilômetros de via de ligação entre o ferry boat e o centro
histórico, observa-se o oposto, com anúncios em fachadas intervindo na
beleza natural da ilha.
FOTO 13: Placas Comerciais no Centro de Ilhabela
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
A intensa circulação que acontece em Caraguatatuba, como
ponto de passagem preferencial do fluxo proveniente de São Paulo e do
Vale do Paraíba, tem provocado inúmeros problemas ligados aos
serviços de beira de estrada, bem como um grande risco de acidentes.
Caraguatatuba concentra os equipamentos turísticos no centro da
cidade; são 17 praias, numa extensão de 29 km – muitas delas,
freqüentemente poluídas. O intenso processo de urbanização tem
comprometido as condições de balneabilidade das praias, em função da
contaminação proveniente de efluentes líquidos, uma vez que não existe
um sistema de tratamento de esgoto sanitário adequado. O turismo de
um dia e as segundas residências, na alta temporada e feriados, têm
contribuído para o agravamento da situação.
165
A primeira lei de uso e ocupação do solo de Caraguatatuba data
de 1977 e a segunda, de 1990. Na primeira versão da lei, a minuta previa
edificações em “escadinha descendente” (da serra à planície), com um
espaçamento de até 50 metros entre os edifícios, para permitir uma
ventilação adequada e visualização da paisagem. No entanto, a
proposição foi derrubada, sob a alegação de que os construtores já
haviam comprado muitos lotes junto à praia, e, assim sendo, não
poderiam arcar com a perda do espaço ... (Yázigi, 2002).
FOTO 14 :Edifícios construídos na areia da Praia de Capricórnio,
Caraguatatuba
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
Sob o ponto de vista urbanístico, as mais diversas
irregularidades podem ser observadas – desde edifícios construídos na
areia da praia, como mostra a FOTO 14, num recorte da Praia de
Capricórnio , até grotescas intervenções na paisagem , como ilustrado
na FOTO 15, na Praia do Centro.
166
FOTO 15 : Praia do Centro, Caraguatatuba
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
Em Caraguatatuba, as edificações limitam-se às exigências
funcionais comuns, com arquitetura livre, não existindo nada que possa
caracterizar uma zona de ambiência mais valorizada. O município foi
dividido em zonas ao longo da costa : a zona urbana, abrangendo o
núcleo central, núcleos urbanos de apoio, zona residencial turística, zona
de sopé de encosta e zona de corredores de comércio e serviços ; e a
zona rural, que compreende a zona de gerenciamento especial, a zona
de encosta, a zona agrícola e a de preservação ambiental; não existem
reservas extrativistas.
Observa-se que a lei de uso e ocupação do solo de
Caraguatatuba se restringe ao convencional, como evitar parcelamentos
em lotes situados em áreas de riscos geológicos, ou pertencentes à zona
de gerenciamento especial. Para os corredores comerciais há
permissividade de qualquer tipo de uso e de arquitetura, não havendo
proposta de planejamento urbanístico.
167
O município de São Sebastião conta com 47 praias, abrangendo
33 km de extensão, além de ilhas e ilhotas. As praias localizadas na
costa norte são mais poluídas do que as da costa sul, apresentando
problemas de balneabilidade, decorrentes do processo de urbanização e
da expansão turística. Os assentamentos da costa norte, de
consolidação mais antiga, não são exclusivamente voltados para o
turismo.
Na verdade, o processo de urbanização, iniciado nas décadas
de 50 e 60, baseado na expansão do setor de serviços, redundou na
criação de bairros e na expulsão da população caiçara da orla. Cada
lugar povoado funciona como se fosse um lugar diferente, um sub-lugar.
Esta urbanização se deu de forma linear, ao longo da estrada, que passa
a fazer o papel de avenida, com resultados desfavoráveis à população,
como maiores riscos de acidentes, poluição sonora e visual e ausência
de um padrão construtivo. O primeiro plano diretor municipal, em 1962,
propunha a reprodução do padrão arquitetônico colonial, como marca de
identidade do centro histórico. Preocupações voltadas à qualidade
ambiental foram externadas na lei 225/78, sobre uso e ocupação do solo,
e no Código Ambiental, de 1992, com o discurso ecologista abrangendo
os diversos tipos de poluição. (SMA/CPLEA, 2005).
A lei de uso e ocupação do solo de São Sebastião divide o
município em nove zonas, distinguindo uma zona central com perímetro
histórico bem definido, várias zonas ao norte e ao sul, com residências
secundárias, comércio e serviços, e zonas de preservação permanente -
além da zona rural e dos corredores das estradas BR-101 e SP-55. A
urbanização de encostas, por construções ou sistema viário, foi bem
orientada pela lei, assim como o uso para indústria, comércio e serviços,
com pouca interferência na paisagem. A ocupação das praias aconteceu
168
de forma urbana, tendo o Porto como o principal elemento paisagístico
da área central da cidade.
FOTO 16 : Porto de São Sebastião
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
A legislação vigente em São Sebastião prevê uma altura máxima
de 9 metros para os prédios da orla - suficiente para se erguer dois
pavimentos. Recentemente, instaurou-se uma polêmica na cidade,
quando o prefeito propôs a criação de uma lei que permita a construção
de edifícios populares com até cinco andares em áreas estabelecidas
como zonas de especial interesse social – as chamadas ZEIS - que
serviriam para regularizar as condições de vida de 20.000 habitantes em
situação irregular. Ambientalistas, representantes de associações locais,
políticos, vêm se mobilizando para barrar a tentativa de verticalização,
uma vez que o projeto de lei atribui plenos poderes ao prefeito para
qualificar qualquer terreno como ZEI, através de decreto – o que viria
favorecer a especulação imobiliária. (Revista VEJA, 12/07/06).
A multiplicidade e a diversificação de atividades, tais como, porto
e terminal de petróleo, turismo e veraneio, presença de caiçaras e índios,
169
caracterizam o município de São Sebastião, com áreas voltadas para o
mar e áreas de sertão.
Há uma expressiva extensão de áreas protegidas em seu
território, incluindo o Parque Estadual da Serra do Mar, a Estação
Ecológica Tupinambás, a área tombada da Serra do Mar e
Paranapiacaba.
Dentre os municípios do Litoral Norte, São Sebastião é o que
mantém o maior número de imóveis tombados, incluindo-se capelas
caiçaras.
A abertura da BR-101 ocorreu de forma agressiva, cortando-se
morros e devastando-se trechos extensos de floresta, provocando
alterações ambientais que prejudicaram as atividades tradicionais dos
caiçaras, que dependiam delas para a sua sobrevivência. Hoje, a cultura
caiçara, presente em todo o Litoral Norte, encontra-se mais preservada
em Ubatuba, além dos quilombolas e das comunidades indígenas.
A maior orla marítima do Litoral Norte pertence a Ubatuba, com
78 praias , algumas delas em más condições de balneabilidade, numa
extensão de 53 km, incluindo também várias ilhas.
A ausência de redes de saneamento na maior parte urbanizada
da região transfere esgotos in natura ao sistema fluvial, que os drena
para o oceano, exatamente nos locais de maior balneabilidade,
comprometendo, sazonalmente, as praias.
Esgotos a céu aberto desaguando nas praias é uma constante
nos quatro municípios do Litoral Norte. As fotos seguintes exemplificam
170
essa situação ; referem-se a praias com má condição de balneabilidade,
de acordo com dados divulgados pela CETESB – reflexo do processo de
degradação ambiental.
FOTO 17 : Praia do Itaguá, Ubatuba
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
FOTO 18 : Praia do Indaiá, Caraguatatuba
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
171
FOTO 19 : Praia Itaguassu, Ilhabela
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
FOTO 20 : Praia do Arrastão, São Sebastião
FOTO: Elizabeth Borelli, 2006.
172
O lançamento de volumes consideráveis de esgoto doméstico
sem tratamento, direta ou indiretamente, no mar, vem comprometendo a
qualidade das águas nas praias. A rápida ocupação do solo, aliada à
ausência de planejamento, tem ocasionado sérios problemas de poluição
por esgotos sanitários em praias do Litoral Norte, resultantes de sistemas
domiciliares inadequados, como o lançamento de esgoto “in natura”,
fossas negras e sépticas.
Desde 1982, a CETESB vem realizando, sistematicamente, a
avaliação periódica da balneabilidade das praias do Litoral Norte,
incluindo o monitoramento de 59 delas, nas quais deságuam ribeirões e
córregos, com grande probabilidade de contaminação por matéria de
origem fecal, devido à utilização descontrolada do espaço urbano.
No GRÁFICO 4, que ilustra as condições de balneabilidade das
praias do Litoral Norte no ano de 2003, podemos observar a
predominância da qualificação “regular”, que , somada ao percentual
relativo à condição “má” , qualifica 46% das praias como impróprias.
GRÁFICO 4 : Condições de balneabilidade das praias do Litoral Norte de
São Paulo, no ano de 2003, de acordo com a distribuição percentual.
REGULAR
40%
6%
ÓTIMA
22%
BOA
32%
FONTE : CETESB / SMA (2005)
173
Em suma, a partir da análise das principais atividades urbanas e
rurais existentes na zona costeira, o principal uso do solo do Litoral Norte
paulista é o uso turístico, uma vez que as atividades econômicas
centram-se no setor terciário da economia voltado ao turismo, que se
apropriou do espaço litorâneo. Cabe, também, mencionar a importância
do porto de São Sebastião, considerado o maior importador de petróleo
do Brasil, dotando o município de características próprias.
174
4.3. Aspectos da Infra-estrutura Urbana
A partir das décadas de 60 e 70, com o aumento do interesse
turístico pelo Litoral Norte, a infra-estrutura tornou-se uma questão
preocupante, em termos de serviços públicos, uma vez que, o
crescimento da população fixa e flutuante trouxe, em seu bojo, novas
necessidades de saneamento básico, transporte e habitação, na região.
Nesse sentido, o equacionamento da questão é complexo, à
medida que o fator sazonalidade permeia essa problemática. Em termos
de políticas públicas, uma avaliação do custo-benefício é de fundamental
importância, dentro de critérios comparativos para o estabelecimento de
prioridades. Dessa forma, parte dos recursos financeiros aplicados em
programas de desenvolvimento de transportes, por exemplo, orientados
para o favorecimento da exploração turística, de caráter sazonal, talvez
pudessem estar sendo canalizados para projetos contemplando o
atendimento de necessidades básicas da população fixa, residente na
região, como educação e saúde.
Apenas a título de ilustração, podemos examinar alguns
indicadores relativos a essas áreas. A TABELA 14 apresenta a taxa de
analfabetismo da população com idade de 15 anos em diante, referente
aos municípios do Litoral Norte, comparativamente, em dois momentos.
175
TABELA 14 : Taxa de analfabetismo da população com idade de 15
anos em diante, nos anos de 1991 e 2000, relativa aos municípios do
Litoral Norte ( %)
ANO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA SP
1991
12,23
16,61
13,69
12,93
10,16
2000
8,02 9,31 8,84 8,77
6,64
FONTE : SEADE (2005)
Como se observa, o percentual de analfabetismo apresentado
nos quatro municípios é superior à taxa média correspondente ao Estado
de São Paulo, nos dois períodos apresentados.
De acordo com a Fundação SEADE, a grande maioria da
população escolar do Litoral Norte concentra-se no ensino fundamental:
74,0% das 58.932 matrículas do ano de 2003 - sendo quase todas as
escolas mantidas pelas prefeituras; a rede particular, nesse nível, é
praticamente inexistente. Nesse mesmo ano, o ensino médio - quase que
exclusivamente a cargo do Estado - compreendia apenas 24,0 % do total
de matrículas. Tais valores sugerem, portanto, a necessidade de maiores
aportes de recursos para a área de educação, na região.
Em relação à infra-estrutura de saúde, se avaliarmos o
coeficiente por mil habitantes de leitos do Sistema de Saúde – SUS,
constataremos índices muito abaixo dos desejáveis – inclusive, se
comparados ao coeficiente médio do Estado de São Paulo, conforme os
dados constantes da TABELA 15.
176
Em relação a esse indicador, a tendência de queda apresentada
no Estado de São Paulo também ocorre, nos municípios em estudo, em
média, a partir de 1998, sendo o município de Ubatuba o que apresenta
maior carência de leitos hospitalares por mil habitantes.
TABELA 15 : Saúde – leitos SUS ( coeficiente por 1000 habitantes), no
período de 1995 a 2003, nos municípios do Litoral Norte de São Paulo.
ANO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA SP
1995
0,47 1,14 1,90 0,32 2,53
1996
0,45 1,14 1,81 0,31 2,61
1997
0,94 1,15 1,72 0,30 2,72
1998
0,90 1,15 1,64 0,29 2,44
1999
0,87 0,76 1,45 0,27 2,14
2000
0,84 N.D. 1,37 0,26 2,10
2001
0,81 N.D. 1,30 0,25 2,11
2002
0,78 N.D. 1,24 0,24 2,04
2003
0,76 0,76 1,19 0,23 1,97
FONTE : SEADE (2005)
No Litoral Norte, os principais casos de doenças ambientais são
o cólera, a dengue, a esquistossomose, a hepatite viral, a leishmaniose
tegumentar, a leptospirose e a malária, de acordo com a lista de doenças
cuja notificação é obrigatória tanto pelo sistema público como pela rede
privada de saúde, através do Sistema de Informação de Agravos de
Notificação – Sinan.
A TABELA 16 sumariza as doenças ambientais de maior
incidência na região. Entre elas, a dengue causa maior preocupação, por
apresentar um crescimento exponencial em São Sebastião, Ilhabela e
Caraguatatuba, além de se tratar de doença de difícil monitoramento.
Com o aumento do fluxo turístico, implicando na intensificação do
177
consumo de embalagens descartáveis, criam-se condições propícias à
reprodução do mosquito, e, conseqüentemente, ao aumento do número
de casos de dengue na região. No ano de 2002, 75% dos casos foram
registrados no município de São Sebastião.
TABELA 16 : Número de casos das principais doenças
ambientais,registrados no Litoral Norte de São Paulo, no
período de 1998 a 2002.
ANO DENGUE ESQUISTOSSOMOSE HEPATITE VIRALLEISHMANIOSE ACIDENTES AN .
DIARRÉIA
PEÇONHENTOS
1998
77 306 172 30 94
1007
1999
39 192 134 29 93
2.633
2000
5 154 140 18 109
4.032
2001
1.453 88 69 11 103
3.981
2002
2.050 98 219 37 172
8.419
FONTE : SMA / Vigilância Sanitária do Litoral Norte (2005)
A esquistossomose ocorreu com maior freqüência em 1998,
declinando a partir de 1999, sendo a maior incidência relativa a São
Sebastião e Ubatuba. A hepatite viral apresentou um aumento
significativo em 2002, quando o município de Caraguatatuba foi
responsável por 78% dos casos registrados. A incidência de
leishmaniose tegumentar passou a declinar, a partir de 1998,
aumentando no ano de 2002, quando 70% dos casos registrados
ocorreram em São Sebastião. A leptospirose e a malária estão
controladas, uma vez que em 2002 não surgiu nenhum caso destas
doenças, na região. Em relação a acidentes com animais peçonhentos,
Ubatuba lidera o número de casos (55% , em 2002). Observa-se, ainda,
um significativo aumento dos casos de diarréia, no período em pauta. A
178
maioria deles manifestou-se nos municípios de Ubatuba e
Caraguatatuba, responsáveis, respectivamente, por 50,0% e 37,5% dos
casos registrados em 2002.
Os dados apresentados delineiam um quadro preocupante, em
termos de saúde ambiental, mostrando a premência da implementação
de políticas públicas voltadas ao tratamento e abastecimento de água, ao
tratamento e disposição de efluentes líquidos, bem como à disposição
final dos resíduos sólidos. A água que não recebe tratamento adequado
pode se transformar em veículo de doenças e mortes, uma vez que
contém coliformes fecais, prejudiciais à saúde.
Por outro lado, os esgotos são veículos de agentes etiológicos
das febres tifóides e paratifóides, hepatite infecciosa – tradicionalmente
presente na região – parasitoses intestinais, que se manifestam sob a
forma de diarréias agudas – também bastante freqüentes, conforme
atestam os dados contidos na TABELA 16, que, na verdade, refletem a
má qualidade da água consumida pela população, bem como a
precariedade do sistema de esgotamento sanitário, e do tratamento dado
aos resíduos sólidos domiciliares.
Estes últimos podem se constituir em grave fator de risco à
saúde, se dispostos em terrenos suscetíveis à contaminação dos cursos
d’água, em áreas de mangues destruídos, ou devastadas de sua
cobertura vegetal original. Resíduos dispostos de forma inadequada
favorecem a presença de bactérias e insetos transmissores de doenças,
que se reproduzem vertiginosamente nesse tipo de “habitat”.
179
FOTO 21 : Área de manguezal degradada na Barra dos
Pescadores, Ubatuba
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
Além desses fatores, considere-se que a areia é responsável
pela contaminação por diversos tipos de microorganismos e parasitas
patogênicos, nocivos à saúde, em função da presença de dejetos, do lixo
descartado de forma inadequada, e da poluição causada pelas águas
residuárias e pluviais – situação esta agravada nos meses de verão,
quando grandes contingentes de turistas chegam à região.
A importância dos problemas levantados nos leva a investigar a
estrutura de saneamento ambiental da região, compreendendo os
serviços de abastecimento público de água, de esgotamento sanitário e
de coleta e destinação dos resíduos sólidos domiciliares – instrumentos
fundamentais à proteção da saúde e à melhoria da qualidade de vida da
população.
Conforme colocamos, o Litoral Norte de São Paulo apresentou
uma expansão urbana desordenada, a partir dos anos 70, registrando-se
um grande salto populacional – de 47.800 habitantes, em 1970 para
180
269.071, em 2005 – isso, sem considerarmos a população flutuante que
aflui à região, nos feriados e período de alta estação.
Associe-se a isso, o fato das habitações encontrarem-se
dispersas ao longo da costa litorânea, onde os condomínios de segunda
residência ocupam a orla e os moradores fixos, os topos de morro, em
habitações precárias e irregulares, em locais de difícil instalação de
equipamentos de infra-estrutura.
De acordo com a Constituição Brasileira, os serviços de água e
esgoto são da competência dos municípios, embora acordos
institucionais permitam operações conjuntas entre órgãos federativos.
No caso do Litoral Norte, a maioria dos sistemas de abastecimento de
água e tratamento de esgotos é operada pela SABESP.
A TABELA 17 compara os percentuais de domicílios urbanos
atendidos por abastecimento de água e tratamento de esgoto, nos quatro
municípios da região, de acordo com os dados mais recentemente
divulgados.
TABELA 17 : Participação percentual do número de domicílios urbanos
atendidos por abastecimento de água e tratamento de esgoto, nos
municípios do Litoral Norte, no ano de 2003.
DOMICÍLIOS (%) CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
ATENDIDOS - ÁGUA (%)
91,0 71,0 61,0 79,0
ATENDIDOS - ESGOTO (%)
25,0 3,0 29,0 18,0
FONTE : SABESP (2004)
181
Esses dados revelam uma baixa qualidade de condições de
saneamento básico na região, principalmente, se considerarmos que, na
pesquisa, estão sendo considerados domicílios urbanos, incluindo,
portanto, as residências secundárias e, por outro lado, excluindo boa
parte dos domicílios permanentes, não contemplados com equipamentos
de infra-estrutura.
Considere-se, ainda, que, devido à ausência da ação pública na
região, soluções foram implantadas, de início, pela esfera privada e por
ações individuais, através de processo de captação de água para
consumo, disposição de efluentes líquidos e destinação de resíduos
sólidos de forma inadequada, redundando em graves conseqüências
para o meio ambiente e para a saúde da população. (SABESP, 2004).
Por outro lado, apesar de ampliações recentes da rede de
abastecimento de água terem sido realizadas pela SABESP, registra-se
um significativo número de residências e edifícios que se abastecem
individualmente ou através de sistemas comunitários ou condominiais,
que abarcam, exatamente, os grandes contingentes de turistas que
afluem nas praias do Litoral Norte, nos meses de verão.
Segundo informações do IPT, no ano 2000, existiam 70 sistemas
particulares de abastecimento coletivo de água na região, a maior parte
deles, sem o devido tratamento, não estando nenhum registrado junto às
prefeituras locais.(IPT, 2002).
Apesar da difícil aferição do número exato, muitos são os
sistemas de abastecimento de água individualizada, uma vez que,
mesmo depois da implantação do sistema público de abastecimento,
diversos domicílios, indústrias e estabelecimentos comerciais
182
continuaram utilizando formas de abastecimento alternativo, sem
qualquer tipo de tratamento da água. Com isso, altos riscos de
contaminação ameaçam a região, em decorrência da ausência de
mecanismos de proteção aos mananciais e das próprias características
do meio físico da região. (IPT, 2002).
Assim como a questão do abastecimento da água, o problema
do esgotamento sanitário – diretamente associado à disposição dos
efluentes líquidos de origem doméstica – também se agravou em função
do processo de urbanização desordenado e pela exploração turística , na
região.
De acordo com o IBGE, o tratamento de esgoto é considerado
um indicador significativo de sustentabilidade ambiental, uma vez que o
acesso a esse serviço público é fundamental para a proteção das
condições de saúde da população, à medida que permite controlar as
doenças relacionadas à água contaminada por coliformes fecais.(IBGE,
2004).
Na busca de iniciativas individuais para a solução, procedeu-se,
sistematicamente, à disposição dos esgotos domésticos in natura no solo
ou nos corpos d’água, através do sistema de fossas ou de sumidouros.
Ambos os métodos trazem conseqüências ambientalmente indesejáveis:
o primeiro, por depender de serviços de “limpa-fossas”, que, quase
sempre, dispõem o lodo retirado de forma irregular, clandestinamente, e
o outro, pelo processo de contaminação que provoca a contaminação do
lençol freático. Sem contar, que, muitas vezes, o método mais usual
acaba sendo a disposição direta de esgotos nos cursos d’água e nas
redes de captação pluviométrica, causando danos irreparáveis para a
qualidade dos rios e praias.
183
Segundo informações da SABESP, o esgoto por ela coletado
passa, sempre, por algum tipo de tratamento. Contudo, esgotos a céu
aberto podem ser vistos pelas ruas dos quatro municípios da região,
tanto nos bairros tipificados por residências secundárias como nos
redutos de população fixa.
A FOTO 22 mostra um esgoto a céu aberto em rua da Praia da
Enseada, em Ubatuba, exclusiva de residências de veraneio de classe
média. Na FOTO 23, a mesma situação se repete no Bairro de Perequê-
Açu, em rua tipicamente habitada por moradores fixos.
FOTO 22: Esgoto a céu aberto, Rua Valentim Rangel,
Praia da Enseada, Ubatuba
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
184
FOTO 23: Esgoto a céu aberto, Rua Madame Curie,
Bairro Perequê -Açu, Ubatuba
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
O mesmo ocorre em Ilhabela: esgoto a céu aberto em
condomínio com casas de veraneio de alto padrão, de frente para o mar,
desaguando diretamente na areia (FOTO 24); a duas quadras da praia,
a situação se agrava, conforme se pode observar nas FOTOS 25 e 26.
FOTO 24: Esgoto a céu aberto, Condomínio Palmares,
Praia de Itaguassu, Ilhabela
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
185
FOTO 25: Esgoto a céu aberto, Rua Maria Dias Barbosa,
Bairro Perequê, Ilhabela
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
FOTO 26: Esgoto a céu aberto, Rua Rondônia,
Bairro Barra Velha, Ilhabela
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
186
O quadro de degradação ambiental se repete nas ruas de São
Sebastião, onde se pode observar esgoto a céu aberto em pleno centro
da cidade (FOTO 27), assim como em diversos pontos do município de
Caraguatatuba, como, por exemplo, no bairro Casa Branca (FOTO 28).
FOTO 27: Esgoto a céu aberto, Av. Guardamor Lobo Vianna,
Centro, São Sebastião
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
FOTO 28: Esgoto a céu aberto, Bairro Casa Branca,
Caraguatatuba
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
187
A TABELA 18 mostra os índices de atendimento à população,
no ano de 2002, apresentando os percentuais relativos aos sistemas
públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário,
operados pela SABESP, a nível de município.
TABELA 18: Índices de atendimento à população do sistema de
saneamento básico implantado pela SABESP, nos municípios do Litoral
Norte, no ano de 2002 ( em %).
ÍNDICE DE ATENDIMENTO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
(%) (%) (%) (%)
ABASTECIMENTO DE ÁGUA 98,0 98,0 85,0 92,0
ESAGOTAMENTO SANITÁRIO 46,0 4,0 50,0 32,0
FONTE : SABESP (2004)
Ressalte-se, contudo, que estes números devem ser
interpretados com cuidado, uma vez que, os índices de atendimento à
população indicam o percentual da população que é contemplada pela
rede implantada, explicitando, portanto, uma tendência e não valores
exatos, uma vez que se desconhece em que medida os equipamentos
de saneamento básico estão sendo efetivamente utilizados. A opção pelo
uso dos serviços públicos de saneamento básico implica em custos com
a desativação do sistema anterior e com a ativação do novo sistema, o
que, nem sempre, acaba ocorrendo.
Dessa forma, por falta de esclarecimento ou mesmo de recursos
financeiros, muitos proprietários de habitações e edifícios acabam não
adotando os serviços públicos de abastecimento de água e,
188
principalmente, de esgotamento sanitário, eternizando, assim, o
processo de degradação ambiental no Litoral Norte.
Por outro lado, a concretização das previsões de índices de
atendimento à população está vinculada a uma série de fatores de ordem
financeira, jurídica, técnica e política, que, muitas vezes, dificultam o
cumprimento de metas propostas pelo Estado. Exemplificando,
discussões de natureza política e técnica, impedindo a instalação de um
novo emissário submarino em Ilhabela, e o embargo judicial das obras
relativas à implantação da estação de tratamento de esgotos em Paúba,
em São Sebastião, constituíram-se em obstáculos à melhoria do índice
de atendimento à população, projetadas pela SABESP, para o biênio
2003-2004. (SABESP, 2004).
A destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos –
predominantemente de origem doméstica - configura-se em outra
contundente problemática ambiental a ser resolvida no Litoral Norte,
dados os aspectos sanitários e de saúde pública envolvidos.
A questão assume contornos difusos, em termos de
gerenciamento, considerando-se as demandas diferenciadas que
caracterizam as populações fixa e flutuante, além da situação física,
propriamente – a geografia rica em espaços sinuosos e declividades
acentuadas dificulta a logística do transporte. Além disso, há carência de
áreas potencialmente aptas para a implantação de unidades de
tratamento e disposição final, dadas as restrições geográficas, hídricas e
ambientais da região.
Os locais de disposição de resíduos sólidos da região são
avaliados anualmente pela CETESB, desde 1977, classificados segundo
189
o Índice de Qualidade de Resíduos – IQR- que abrange três categorias
de condições : inadequadas, controladas e adequadas.
41
A tabela 19 mostra a evolução do IQR, nos quatro municípios do
Litoral Norte, verificando-se que todos os locais usados para disposição
de resíduos sólidos, na região, apresentam-se em condições
inadequadas, com situação mais crítica em Caraguatatuba e Ilhabela.
TABELA 19 : Índice da Qualidade de Resíduos Sólidos Domiciliares nos
municípios do Litoral Norte de São Paulo, no período de
2000 a 2003.
ANO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
2000
4,5 3,9 3,8 5,5
2001
3,0 3,9 4,7 5,8
2002
3,8 3,8 5,2 5,8
2003
3,6 3,7 5,2 5,8
FONTE : CETESB (2004)
Nas três últimas décadas, vêm sendo implantados sistemas
públicos de varrição e coleta de lixo, além de programas do Estado e
campanhas de conscientização encetadas por organizações não-
governamentais, acerca da necessidade da manutenção de praias
limpas, implementando-se sistemas de coleta seletiva e reciclagem dos
materiais, e ações de educação ambiental.
41
De acordo com a classificação adotada pela CETESB, valores de IQR compreendidos
entre 0 e 5,9 correspondem a condições inadequadas; entre 6,0 e 7,9 , condições
controladas e entre 8,0 e 10,0 , condições adequadas. (CETESB, 2004).
190
FOTO 29: Entulho na Praia do Pontal da Cruz,
São Sebastião
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
Ainda nesse contexto, não podemos perder de vista a
problemática habitacional da região; construções em áreas naturais
consideradas nobres, em geral, acabam gerando processos agressivos,
como desmatamentos, destruição de habitats da fauna local, aumento de
efluentes e de resíduos sólidos, dispostos, na maioria das vezes, de
forma inadequada, comprometendo os recursos naturais e a qualidade
de vida da população.
A questão da habitação se reveste de particular importância,
dado o crescimento populacional registrado na região, que, segundo
colocamos no item 4.1, supera o crescimento médio apresentado pela
população do Estado de São Paulo; no entanto, a construção de
habitações não vem se expandindo na mesma proporção.
Isso se deve a uma série de restrições de ordem ambiental e
jurídica, uma vez que a maior parte do território do Litoral Norte é
composta por unidades de conservação. As leis de uso e ocupação do
solo apresentam cláusulas restritivas quanto à densidade de ocupação,
tipo de habitação e número de pavimentos de edificação.Some-se a isso,
191
um relevo extremamente acidentado e questões fundiárias, envolvendo
usucapião e retificação de áreas.
Esse conjunto de fatos acaba por conduzir ao descontrole da
utilização dos recursos naturais e à apropriação indevida de áreas,
acarretando graves conseqüências para o meio ambiente, com a
proliferação de moradias inadequadas - que compreendem favelas,
cortiços e domicílios improvisados.
A TABELA 20 apresenta a situação comparativa, referente aos
anos de 1991 e 2000, segundo dados elaborados pela CDHU –
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de
São Paulo.
TABELA 20 : Evolução da demanda habitacional popular, nos
municípios do Litoral Norte de São Paulo, nos anos de
1991 e 2000.
DOMICÍLIOS ANO CARAGUATATUBA ILHABELA SÃO SEBASTIÃO UBATUBA
FAVELA
1991
7 - 89 228
2000
- - - -
CORTIÇO
1991
109 19 38 137
2000
291 153 350 435
IMPROVISADOS
1991
83 29 69 221
2000
100 69 41 159
FONTE : CDHU (2004)
De acordo com os dados oficiais divulgados pelo CDHU, os 324
domicílios em favela, existentes em 1991, foram erradicados; os
domicílios em espaço insuficiente ou cortiço, com menos de quatro
192
cômodos e/ ou que não dispõem de instalações sanitárias, predominam
nos quatro municípios da região. Os 369 domicílios improvisados,
existentes em 2000, abrangem moradias em edificações construídas
para outros fins.
O atendimento habitacional por parte do Estado, no Litoral Norte,
vem ocorrendo, principalmente, através do programa Núcleo
Habitacional por Empreitada, dirigido à população com renda familiar
situada entre 1 e 10 salários-mínimos, com foco em famílias assentadas
em área de risco e reassentadas em processo de desfavelamento. Sua
implantação está vinculada à contratação de empresas especializadas e
parcerias com as prefeituras, que doam terrenos e são responsáveis pela
instalação da infra-estrutura nos conjuntos habitacionais, em termos de
água, esgoto, energia elétrica, pavimentação e equipamentos públicos.
(CDHU, 2004).
Contudo, os fatos revelam que nem sempre a realidade coincide
com o propalado pela política pública. Moradores de um conjunto
habitacional, em Caraguatatuba, por exemplo, estão desencantados com
o “sonho da casa própria” :
“ Eu moro em casa cedida pelo CDHU, mas até agora
não tenho escritura ; foi prometida escritura depois de
cinco anos, já passou mais que isso e a escritura não
veio. O bairro aqui tem muitas carências : de
saneamento, de iluminação, há rio com ponte
improvisada, o pessoal joga o lixo onde bem quer ... Na
época de eleição, os candidatos aparecem, mas depois
somem e tudo continua igual ...”
(moradora de condomínio habitacional, 25 anos,3 filhos
Caraguatatuba).
193
FOTO 30 : Condomínio habitacional, Caraguatatuba
FOTO : Elizabeth Borelli, 2006.
Indubitavelmente, existem limites naturais e legais na região,
que dificultam a implementação de ações voltadas à escolha de áreas
adequadas para a disposição de resíduos sólidos, para o destino de
efluentes líquidos, para a construção de estações de tratamento de
esgoto, de estradas e de habitações.
Nessa perspectiva, a melhoria da infra-estrutura regional está
diretamente relacionada à questão do gerenciamento costeiro, dentro da
proposta de se harmonizar a conservação ambiental com a melhoria da
qualidade de vida da população.
194
4.4. Gerenciamento Costeiro
A sobrevivência sócio-ambiental da zona costeira paulista, com
a natureza presente em sua plenitude de recursos numa área de 27.000
km
2
, englobando 36 municípios, e contendo a maior parte da Mata
Atlântica remanescente no Estado de São Paulo, requer, por parte do
Poder Público, o acionamento de mecanismos de intervenção, ao nível
jurídico e ao nível administrativo.
No estofo da legislação estadual, os municípios litorâneos foram
amparados por diversos dispositivos legais, criando regiões naturais
protegidas, a partir do Código Florestal, com a definição de áreas a
serem preservadas em caráter permanente - incluindo a proteção física
do solo, aos mananciais e nascentes, conservação dos ecossistemas
locais, do ambiente das populações indígenas - de acordo com a lei
federal nº 4.771, de 15/09/65. Nessa ótica, inclui-se, também, a criação
das Unidades de Conservação, como o Parque Estadual da Serra do
Mar e do Parque Estadual de Ilhabela, em 1977, mencionando-se, ainda,
o gerenciamento dos recursos hídricos, regido pela Legislação de
Proteção às Águas Interiores no Estado de São Paulo (Lei Estadual nº
8.468/76).
Na esfera da Administração Pública, a opção de planejamento
estadual recaiu sobre um programa de gerenciamento costeiro, através
da Secretaria do Meio Ambiente, com base na Lei nº 7.661, de 16 de
maio de 1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro-
PNGC, conforme abordamos no Capítulo II.
195
Com base nessas diretrizes, iniciam-se, no Estado de São
Paulo, estudos concernentes ao zoneamento econômico-ecológico da
zona costeira, sendo, então, o Litoral Paulista dividido em quatro setores,
a partir do pressuposto de que não se trata de um todo ambiental
homogêneo: Litoral Norte, Litoral Sul, Baixada Santista e Vale do
Ribeira– que exerce forte influência sobre o Litoral Sul, por conta do Rio
Ribeira, que deságua na zona de estuário
42
, considerada o berçário da
vida marinha.
Entre 1988/1989, surgiram as primeiras conclusões sobre o
Litoral Sul / região Estuarina – Lagunar; entre 1990/1991, iniciam-se
estudos sobre o zoneamento do Litoral Norte, e, em seguida, do Vale do
Ribeira, restando, apenas, a Baixada Santista - palco de polêmicas
quanto à legislação ambiental, por conta dos setores ligados à forte
especulação imobiliária.
Nesse espaço de tempo, paralelamente á revisão do PNGC, é
instituído, em São Paulo, o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro,
apresentando subsídios técnicos que passam a ser incorporados ao nível
federal. Em 1993, é enviado à Assembléia Legislativa paulista o projeto
de lei para institucionalização do Plano, recebido com ressalvas por parte
de setores representativos do capital monopolista, sob a alegação de
que as restrições aos processos de desmatamento, contidas no Plano,
estariam prejudicando o livre empreendimento, e, com isso, impedindo a
expansão das receitas municipais.
Por força dessas pressões, o Plano Estadual de Gerenciamento
Costeiro acabou sendo institucionalizado apenas em 03 de Julho de
1998, através da lei nº 10.019, explicitando, como finalidade, disciplinar e
42
Encontro do rio com o mar
196
racionalizar a utilização dos recursos naturais da Zona Costeira, visando
a melhoria da qualidade de vida das populações locais e a proteção dos
ecossistemas.
A formulação do gerenciamento costeiro abrange, então, um
conjunto de instrumentos de política pública, em consonância com a
política nacional de Meio Ambiente, quais sejam: o Zoneamento
Ecológico-Econômico, o Sistema de Informações do Gerenciamento
Costeiro, o Plano de Ação e Gestão e o Sistema de Monitoramento
Ambiental da Zona Costeira.
O Zoneamento Ecológico-Econômico, definido pela lei nº
10.019/98 como o instrumento básico de planejamento, se constitui na
principal ferramenta de ordenamento territorial, estabelecendo normas
disciplinadoras para a ocupação do solo e o uso dos recursos naturais
que compõem os ecossistemas costeiros, apontando também as
atividades econômicas mais adequadas para cada zona. Nos termos
contidos no artigo 2º, item III, sua gestão deve ocorrer de “forma
integrada e participativa, visando a melhoria da qualidade de vida das
populações locais, fixas e flutuantes, objetivando o desenvolvimento
sustentado da região”. (SMA, 2005).
O Sistema de Informações se propõe a armazenar dados
cartográficos, estatísticas sócio-econômicas e de sensoriamento
remoto
43
, organizados de forma a subsidiar a gestão ambiental, o
planejamento, o monitoramento e controle ambientais.
O Plano de Ação e Gestão é composto por um conjunto de
programas e projetos setoriais integrados, compatíveis com as diretrizes
43
fotos aéreas e imagens de satélites.
197
contidas no zoneamento, proposto para alcançar as metas de qualidade
ambiental estabelecidas para determinada região costeira.
De acordo com a visão oficial, o Plano de Gestão deve ser
concebido e executado com base na participação dos atores sociais
interessados na gestão da área costeira.
Sua metodologia pressupõe o desenvolvimento de três fases de
elaboração, quais sejam, uma primeira etapa, em que devem ser
realizados o levantamento dos problemas e a identificação dos agentes
causadores; na segunda, devem ser elaboradas propostas visando a
solução dos problemas identificados; e, na última etapa, deverão ser
indicados recursos necessários à implementação do Plano, e
estabelecidos prazos e metas. Trata-se, portanto, de um documento
técnico, um termo de referência, legitimado através de Decreto
Estadual.(SMA, 2005b).
O monitoramento é entendido como um conjunto de
procedimentos que acompanhe as ações propostas e realize controles
das atividades relacionadas com o meio ambiente, como, por exemplo, o
licenciamento e a fiscalização das atividades sócio-econômicas, a partir
do acompanhamento das modificações na cobertura vegetal e no uso do
solo, bem como das alterações da qualidade das águas.
A lei que instituiu o Plano Estadual previu a constituição de um
sistema colegiado de gestão, com participação dos governos estadual e
municipal e da sociedade civil, consubstanciado no grupo de
Coordenação Estadual, ao qual se integram quatro grupos setoriais,
correspondentes às regiões do Litoral Paulista. Contudo, a composição e
o funcionamento do grupo de Coordenação Estadual e dos Grupos
Setoriais de Coordenação, referidos na lei nº 10.019/98, são instituídos
198
apenas em 07 de novembro de 2002, por força do decreto estadual nº
47.303.
O QUADRO 1 apresenta o organograma do sistema de gestão
adotado, responsável pela elaboração da proposta de zoneamento
ecológico-econômico do Litoral Paulista.
QUADRO 1 : Sistema de Gestão do Plano Estadual de Gerenciamento
Costeiro
FONTE: SMA (2002)
O modelo adotado diz pretender implementar uma gestão
democrática do meio ambiente, de forma transparente, através de um
processo participativo comunitário, na formulação de políticas públicas
para a zona costeira paulista.
Contudo, representantes de ONGs discordam da apregoada
transparência do processo. A Fundação SOS Mata Atlântica diz não ter
tido acesso aos mapas de zoneamento, prometidos em audiência
199
pública, não tendo condições, portanto, de avaliar exatamente em que
tipo de zoneamento cada área está enquadrada. (
www.estadao.com.br ).
Em carta de sugestões encaminhada por oito ONGs, pede-se a
proibição de mineração, exigência de implantação e execução prévia de
tratamento de esgoto para novos empreendimentos imobiliários, inclusão
de mangues e várzeas em Z1 e enquadramento de praias com grandes
percentuais de mata nativa em zonas de ocupação mais restrita. Coloca-
se, ainda, que pelo fato de não terem as ONGs participado desde o início
do processo, por falta de articulação política, as soluções voltaram-se
mais para o lado da construção civil. (Folha de São Paulo, 23/04/01).
Segundo a versão oficial proposta, compete aos grupos, a
elaboração dos planos de ação e gestão, compreendendo programas e
projetos que promovam o desenvolvimento sustentável da região,
devendo ser atendidas, prioritariamente, as demandas identificadas
durante o processo de zoneamento. Estes planos devem, ainda, estar
articulados às ações municipais e regionais dos demais órgãos públicos,
contendo objetivos, fontes de recursos, divisão de responsabilidades e
metas sócio-ambientais pretendidas.
A lei nº 10.019/98 estabeleceu que o enquadramento do
território nos diferentes tipos de zonas e sub-zonas deveria ter como
referência as características físicas, biológicas e socioeconômicas das
unidades, além da dinâmica de ocupação e as metas a serem
alcançadas através dos planos de ação e gestão, compatibilizados com
os planos diretores e com as leis de uso e ocupação do solo regionais e
municipais. (SMA, 2005b).
Foram então estabelecidas cinco zonas - posteriormente
apropriadas pela legislação federal - de forma que as Zonas 1 e 2
200
deveriam ter um caráter mais restritivo, podendo ocorrer atividades
humanas de baixos efeitos impactantes e assentamentos humanos de
baixa densidade.
A Zona 3 foi concebida em função dos ecossistemas primitivos
parcialmente modificados por assentamentos humanos, com o objetivo
de permitir o desenvolvimento de atividades como a agropecuária, a
silvicultura, o ecoturismo, chácaras de lazer, unidades comerciais e
industriais de pequeno porte.
A Zona 4 figura como uma área tampão, que, embora ocupada,
não se encontre totalmente saturada, estando passível, portanto, de uma
orientação de atividades no processo de uso e ocupação do solo.
A Zona 5 inclui áreas com ocupação consolidada, pretendendo-
se para elas a formulação de propostas de ações de recuperação e
mitigação dos impactos ambientais.
Um detalhamento do zoneamento terrestre das cinco zonas
descritas pode ser observado no ANEXO 1, no qual estão definidas
zonas, critérios de enquadramento e metas, conforme sistematização da
Secretaria do Meio Ambiente.
A metodologia adotada para a elaboração do Zoneamento
Ecológico-Econômico Costeiro do Estado de São Paulo tem por etapa
inicial o delineamento de diagnósticos que permitam conhecer o
complexo natural da região costeira, cujos resultados são plotados em
mapas. Na etapa seguinte, são elaborados diagnósticos
socioeconômicos, com indicadores próprios de planejamento regional,
tais como, o uso e a ocupação do solo, o turismo, as atividades
pesqueiras, a mineração e a infra-estrutura. Na terceira etapa, é
201
realizado o diagnóstico do planejamento territorial em escala local, com
ênfase nos planos diretores municipais, parcelamentos do solo, e
loteamentos implantados.
Em seguida, devem ser levantados aspectos jurídicos
institucionais, inerentes à legislação ambiental federal, estadual e
municipal, incidentes sobre a área.
Num passo posterior, pretende-se que sejam resgatadas
experiências regionais de sucesso ou fracasso, para, em seguida,
proceder-se ao cruzamento de informações visando a elaboração de
mapa contendo a proposta de zoneamento.
Nos termos da lei estadual, proposta para o enquadramento das
áreas nas zonas definidas pelo Zoneamento Ecológico-Econômico,
deverão ser considerados os seguintes aspectos: vegetação, relevo, uso
e ocupação do solo, tendências de ocupação, atividade econômica, eixos
de desenvolvimento, comunidades tradicionais, legislação estadual e
municipal, Planos Diretores e cenários desejados.
Prevê-se que as conclusões intermediárias deverão ser
pautadas em audiências públicas, com a participação dos diversos
setores organizados da sociedade, de forma que a conclusão técnica
fundada no consenso social seja, finalmente, submetida à análise
jurídica.
A lei estadual determinou que os zoneamentos setoriais fossem
regulamentados mediante decreto, o que de fato, até o momento,
ocorreu apenas com o setor do Litoral Norte (decreto nº 49.215, de
07/12/2004). Esta foi, também, a primeira região costeira a instalar o
Grupo Setorial de Coordenação, integrado por representantes do Estado,
202
das prefeituras e da sociedade local, atendendo ao disposto no decreto
47.303/02, criando os grupos setoriais, com a finalidade de elaborar o
Zoneamento Ecológico-Econômico.
Observa-se, portanto, uma grande morosidade no avanço de
etapas de efetivação das propostas contidas nos instrumentos jurídico-
institucionais: dez anos de discussão foram decorridos, entre a
institucionalização do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (1988)
e a do Plano Estadual (1998)... e mais seis anos se passaram entre este
último e o Decreto que dispõe sobre o Zoneamento Ecológico-
Econômico do Litoral Norte (2004) - o único setor, até agora, com
proposta efetivamente formalizada !
Nesse espaço de tempo, o quadro de degradação ambiental se
agravou, uma vez que ele é produto, exatamente, da falta de um
ordenamento territorial. O zoneamento poderá organizar o
desenvolvimento futuro do Litoral Norte, mas a ausência de
planejamento já deixou conseqüências irreversíveis. O zoneamento não
é retroativo; nas áreas já irregulares, o intuito é congelar a ocupação,
evitando novas construções, e efetivando-se a progressiva regularização.
À margem do aparato jurídico, as questões sociais não
resolvidas, no âmbito municipal, vão deteriorando as condições urbanas,
já que os principais obstáculos são os problemas sociais que afloram,
levando muitas áreas de proteção ambiental a serem ocupadas
irregularmente ou convertidas em loteamentos ilegais, em razão de uma
política de habitação popular deficitária. Associe-se ao fato, a
necessidade de uma forte ação municipal para que o zoneamento seja
colocado em prática e fiscalizado.
203
Considere-se, ainda, a importância do Plano Diretor enquanto
instrumento municipal para implantação do zoneamento, alinhado às
diretrizes propostas no Plano de Gerenciamento Costeiro. Muitas
cidades, porém, ainda não têm esse mecanismo bem definido, tampouco
estrutura de controle suficiente para fiscalizar a devida aplicação das
normas estabelecidas.(Folha de São Paulo, 22/04/2001).
Na verdade, a distância temporal é ainda maior, se
considerarmos que os primeiros trabalhos realizados para a elaboração
do Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Norte datam do final da
década de 80, quando a Secretaria do Meio Ambiente sistematizou uma
série de informações para a “Proposta de Macrozoneamento do Litoral
Norte”!
As reuniões que antecederam a normatização do Zoneamento
Ecológico-Econômico foram extremamente exaustivas, estendendo-se
por três ciclos que expressam momentos diferentes desse processo de
elaboração - e que não se encontra, até o presente, concluído. Segundo
a SMA, o processo de gestão está longe de ser encerrado e, de certo,
implicará em aperfeiçoamentos posteriores. (SMA, 2005b).
Entre 1990 e 1992 foram iniciados estudos para subsidiar os
planos diretores municipais, tendo sido elaborado um termo de
referência, submetido ao Conselho Estadual do Meio Ambiente –
CONSEMA, visto tratar-se de área situada no entorno do Parque
Estadual da Serra do Mar.
Os procedimentos previam reuniões locais para
acompanhamento e avaliação dos trabalhos. No período entre 1993 e
1994, foi formulada e discutida com as ONGs e as prefeituras, a primeira
proposta de macrozoneamento. As discussões foram interrompidas em
204
razão da dificuldade em se obter consenso sobre o então projeto de Lei
962/93, definindo o Gerenciamento Costeiro, que tramitava na
Assembléia Legislativa.
Entre 1997 e 1998, parte dos estudos do macrozoneamento
foram atualizados, visando-se retornar as discussões acerca do
Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE. Com a aprovação da lei
estadual nº 10.019, o grupo do Litoral Norte foi formalmente constituído
em dezembro de 1998, e legitimado pelo Secretário do Meio Ambiente.
Foram realizadas 19 reuniões, 1 seminário regional e pelo menos 40
reuniões dos Fóruns municipais, principalmente em Ubatuba e em São
Sebastião.
Em outubro de 2001, a procuradoria jurídica da Secretaria do
Meio Ambiente deu um parecer verbal de que a minuta de decreto
elaborada pelo grupo de trabalho – chamada “minuta 1” - era
inconstitucional, alegando que as indenizações indiretas e a interferência
do Estado nas questões municipais impossibilitariam o zoneamento nos
moldes propostos. Esse evento fecha o primeiro ciclo de discussões, e,
de acordo com os órgãos oficiais, caracterizavam-se por uma visão
conservacionista, com base na compensação ambiental e no manejo da
cobertura vegetal, motivo pelo qual a proposta teria sido inviabilizada.
No mês seguinte - novembro de 2001 - o Grupo Setorial
apresentou uma minuta do decreto, propondo a municipalização quase
completa do macrozoneamento do Litoral Norte, acompanhada de
tentativas de legitimação do ato, com “audiência pública”, “encontros
técnicos”, sem, no entanto, contar com a participação da sociedade civil
interessada no tema. Essa minuta, conhecida como “minuta 2”, inaugura
o segundo ciclo de discussões, tendo despertado, também, forte
205
oposição , principalmente por parte do movimento ambientalista e da
sociedade civil organizada.
Na busca de esclarecer o conflito e ampliar o debate, a
comissão de meio ambiente da OAB – SP e a ONG Alnorte-Ambiental
Litoral Norte organizaram um evento, em Caraguatatuba, com a
participação do Governo do Estado, através da Secretaria do Meio
Ambiente, além de prefeituras e sociedade civil organizada, tendo, então,
a Secretaria se comprometido a obter um parecer jurídico e rever todo o
processo do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte.
Em novembro de 2002, a ONG Alnorte organizou o Workshop
para a elaboração do plano de ação e gestão para o desenvolvimento
sustentável do Litoral Norte, abrangendo as áreas de resíduos sólidos,
recursos hídricos, áreas protegidas, desenvolvimento urbano, turismo
sustentável, pesca, aqüicultura e agricultura, nos moldes previstos pela
lei estadual nº 10.019/98, visando subsidiar o grupo de trabalho do
Gerenciamento Costeiro. A Coordenadoria de Planejamento Ambiental
da SMA informou, então, que o grupo de trabalho teria que ser,
necessariamente, constituído por decreto estadual, o que não ocorrera.
No mês seguinte, foram eleitos os representantes da sociedade
civil de São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba, sendo os de Ilhabela
escolhidos em reunião aberta, com a participação de entidades locais. A
primeira reunião do grupo de trabalho, oficialmente reconhecido e com
caráter deliberativo, ocorre em 24 de fevereiro de 2003, originando o
terceiro ciclo de discussões, que surge com a proposta de resgatar a
credibilidade no processo de implantação do gerenciamento costeiro,
gerando a chamada “minuta 3”, que acabou se transformando no decreto
nº 49.215/2004, representado no MAPA 4, a seguir.
206
MAPA 4 : Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Norte
207
Essa complexa tramitação decorre em meio aos problemas
ambientais existentes na região, que se acumulam ao longo do tempo:
desde o fato de sediar o porto de São Sebastião e o Terminal de
Petróleo Almirante Barroso, com interferência nos demais municípios da
região, por conta do tráfego intenso e dos derramamentos de óleo, até a
questão do desequilíbrio entre o crescimento da população fixa e
flutuante e a capacidade de infra-estrutura de saneamento básico e
abastecimento da região.
A convivência entre a vocação turística do Litoral Norte e a
presença do Porto de São Sebastião é um dos assuntos que o
zoneamento regula, mas não resolve. A atividade portuária intensificou-
se na década de 60, quando, com a saturação do Porto de Santos, toda
a comercialização de petróleo precisou ser transferida para um porto
mais adequado. A ampliação do Porto de São Sebastião é motivo de
preocupação para o município de Ilhabela, atingido, não só pelo impacto
visual do porto, como também pela ocupação irregular de trabalhadores
daquela cidade em suas áreas de preservação.
O descompasso entre as discussões que permeiam o processo
decisório e as resoluções justifica-se pela intensidade dos interesses
conflitantes em jogo – como o difícil consenso entre preservação
ambiental versus especulação imobiliária.
Enquanto as prefeituras pensam num desenvolvimento pautado
em urbanização, construção de estradas e indústrias, a construção civil
se volta para a garantia da maximização de lucros do mercado
imobiliário, e o setor industrial planeja ampliar sua produção, ocupando
novas áreas.
208
Durante todo o período abrangido pelos ciclos de discussão, por
exemplo, a instalação de loteamentos e condomínios cresceu
vertiginosamente, de forma que as Zonas 3 e 4 se expandiram antes
mesmo de serem oficializadas. Por outro lado, ambientalistas cultuam o
“mito da natureza intocada”, confundindo o conceito de proteção à
natureza com isolamento, e esquecendo a importância do componente
humano nos ecossistemas.
Em alguns locais, como por exemplo, a praia de Itamambuca,
em Ubatuba - loteada em 1966 - a organização dos proprietários exigiu
que o loteamento fosse enquadrado em um padrão mais restritivo do que
o proposto, alegando querer evitar que áreas impróprias fossem
ocupadas. Consideram que, se o zoneamento não for restritivo, logo
haverá prédios e todo tipo de construção, em áreas completamente
impróprias, acabando com a beleza da região. O local previa uma
ocupação de até 60%, mas acabou sendo enquadrado numa categoria
de 40%, o que foi viabilizado pelo fato do loteamento já ter estipulado
esse índice de ocupação de uso direto. (
www.estadao.com.br).
Por outro lado, a região do Rio do Ouro, em Caraguatatuba -
área que foi palco dos tristemente famosos deslizamentos de 1967- foi
enquadrada como Zona 2 , ou seja, área que prevê apenas 20% de
ocupação, por se tratar de área de alto risco, e que continua sendo
objeto de ocupação irregular.
Na verdade, as ocupações em áreas de risco e de preservação
configuram um problema comum aos quatro municípios do Litoral Norte.
O ideal seria que as prefeituras criassem mecanismos para deslocar a
ocupação para as Zonas 4 e 5 – reservadas exatamente para
urbanização – para acomodar a população de baixa renda, que
209
precisaria ser removida dos locais atuais, necessitando-se, para tanto,
criar condições de habitação em áreas seguras.
Por um lado, existe a preocupação em se assegurar a paisagem
natural e contemporizar a atividade de exploração turística com a
qualidade do meio ambiente. Já na região dos “sertões”, o problema
recai na apropriação progressiva dos espaços naturais por migrantes
atraídos pelas oportunidades de trabalho da região, instalando-se em
habitações precárias, irregularmente localizadas, sem condições
mínimas de saneamento, configurando um quadro de intensa
degradação dos recursos naturais e de descaracterização da paisagem
litorânea.
Durante as reuniões acerca do zoneamento, enfatizou-se o
processo de ocupação do Litoral Norte, caracterizado por condomínios
de alto padrão com baixa densidade demográfica, além das atividades
turísticas presentes, desde pousadas, complexos hoteleiros e grandes
estruturas de apoio á navegação, até as trilhas em Unidades de
Conservação.
As prefeituras convivem com o dilema de expandir a zona
urbana e aumentar a arrecadação, e manter a paisagem privilegiada e a
qualidade ambiental das praias, mangues e matas, como o grande
atrativo turístico da região. Nessa ótica, a solução apontada centra-se no
apoio às atividades náuticas para turismo e esportes e para o
ecoturismo.
Destaca-se, também, a preocupação com a questão da
agricultura de subsistência, no sentido de se proteger a atividade
agrícola da crescente expansão urbana predatória. Em relação à pesca,
210
optou-se pela criação de uma zona destinada ao desenvolvimento da
atividade pesqueira e da maricultura.
O Zoneamento Ecológico-Econômico foi, então, dividido em dois
zoneamentos complementares: o terrestre (apresentado no ANEXO 2) e
o marinho (conforme ANEXO 3), considerando-se as características
sócio-ambientais, as diretrizes de gestão, as metas de conservação e os
usos e as atividades permitidas em cada uma das zonas.
Mudar o modelo de ocupação e, conseqüentemente, o modelo
econômico da região é a meta-chave implícita no ZEE. Os mecanismos
propostos permitem uma ocupação mais intensiva na faixa da orla
marítima ou seja, até 300 metros do mar, desde que sejam estruturas de
uso coletivo, tais como hotéis e marinas. Nesses casos, o zoneamento
restritivo pode ser flexibilizado, permitindo-se taxas de ocupação um
pouco maiores.
O zoneamento prevê a manutenção de 95% da cobertura
vegetal na Zona 1 – a mais restritiva, que inclui todas as Unidades de
Conservação, e que representa cerca de 80% da região. Depois vêm as
áreas de transição, com 80% de vegetação na Zona 2 e 60% na Zona
3.As Zonas 4 e 5 são as regiões urbanizadas e de expansão urbana,
cuja meta é manter 40% da vegetação.
Contudo, resta investigar se esse aparato jurídico, regulador,
formalizado na legislação estadual, é efetivamente cumprido, no âmbito
municipal.
São Sebastião foi o primeiro município a ter seu plano diretor
aprovado, no final de 2002, compatibilizado com a proposta de
zoneamento costeiro, optando por proibir a verticalização e destinando
211
áreas à habitação popular. A idéia de não construir edificações
verticalizadas apresenta-se como um diferencial turístico, considerando-
se, ainda, a existência de um estoque de terra suficiente para o
adensamento possível no município. Com isso, procura-se evitar,
também, que a concentração populacional gere problemas para o
saneamento básico, tendo em vista que São Sebastião possui uma única
rua de acesso, que é a própria Rodovia Rio - Santos.
Apesar de também contar com uma lei que não permite a
construção de prédios, a ausência de um Plano Diretor gera problemas
para o município de Ilhabela, que vem apresentando um crescimento
desorganizado, com expansão da ocupação mista.
Por não tratar de adensamento populacional e,
simultaneamente, restringir o desmatamento, o zoneamento poderá
induzir à verticalização em Ubatuba e Caraguatatuba, que também não
contam com planos diretores compatíveis com as novas diretrizes.
A participação da administração municipal será de capital
importância para a eficiência do zoneamento ecológico-econômico do
Litoral Norte de São Paulo, uma vez que as diretrizes macroestruturais
dependem dos planos diretores municipais para o ordenamento urbano.
212
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise de potencialidades do Litoral Norte revela sua notória
importância sócio-econômica no contexto da economia paulista, com
forte apelo para a implantação de empreendimentos destinados ao
turismo e lazer, além de atividades portuárias, industriais, comerciais e,
principalmente, de serviços.
Ademais, trata-se de uma região que vem apresentando um
fantástico crescimento populacional, registrando, recentemente, a maior
taxa geométrica, dentre o conjunto dos municípios paulistas.
Contudo, o aumento de contingentes populacionais não se tem
feito acompanhar de melhoria das condições de vida da população,
conforme pudemos constatar pelos resultados de seus indicadores: as
taxas de analfabetismo são altas, o número de habitações em cortiços
vem se multiplicando, o número de leitos hospitalares é muito baixo,
doenças ambientais como dengue e diarréias proliferam na região, a
qualidade de resíduos sólidos residenciais é inadequada, índices de
balneabilidade caracterizam as praias como impróprias, os sistemas de
saneamento básico e abastecimento de água atingem níveis de
atendimento alarmantes...
Com o crescimento demográfico, ocorre o comprometimento do
padrão de qualidade de vida, configurando-se o grave problema sócio-
ambiental que abala os municípios da região: a ocupação desordenada
do território, trazendo como problemas mais recorrentes, a captação
irregular de água, a disposição inadequada de esgoto e de lixo e o
desmatamento, acarretando danos irreversíveis ao meio ambiente, às
cidades e a seus habitantes.
213
É significativo o contingente populacional sem acesso às
condições regulares de moradia, aumentando a ocupação ilegal,
agravada pelo intenso fluxo migratório recebido pelas cidades. Desse
processo resultam a clandestinidade, a ocupação imprópria e as
construções irregulares, num quadro de insuficiência e inadequação de
infra-estrutura urbana, com comprometimento do patrimônio ambiental e
cultural da região.
Nessa perspectiva, a cultura caiçara e o meio físico do Litoral
Norte sofreram profundas modificações, marcadas por um processo de
urbanização desordenada, pela exclusão do caiçara de seu território,
pela especulação imobiliária, por um turismo de massa praticado de
forma predatória. A poluição de rios e mares, a destruição de
manguezais, a pesca irregular, trouxeram o empobrecimento do caiçara
e da natureza.
Por outro lado, numa avaliação da política de gestão ambiental
praticada - restrita aos mecanismos de gerenciamento costeiro -
podemos qualificá-la, até o presente momento, como inoperante em
termos de resultados conjunturais.
Para uma análise de longo prazo, ainda não julgamos ter
elementos para uma avaliação consistente de resultados, uma vez que a
morosidade do processo decisório nos impede de vislumbrar seus
possíveis efeitos, já que não existem, de momento, resultados concretos,
em termos de aplicação das propostas.
O descompasso temporal entre o planejamento de medidas e
sua implementação provocou o agravamento da problemática urbana,
conforme atestam os indicadores demográficos e de infra-estrutura
analisados.
214
Dessa forma, nossa investigação básica acerca da efetividade
das políticas públicas de gestão ambiental praticadas, em termos de
melhoria da qualidade de vida da população, nos permite concluir que,
não somente não aconteceram melhores condições de vida e
atendimento às necessidades básicas dos indivíduos, como foi
observado um aprofundamento do desequilíbrio ambiental e sócio-
econômico, ao longo do tempo.
Num entendimento do conceito de desenvolvimento num sentido
amplo, qual seja, um salto qualitativo e não apenas um mero crescimento
econômico, nossa investigação nos autoriza a concluir que, até o
momento, as formas de uso e ocupação do solo vêm se mostrando
incompatíveis com o desenvolvimento regional do Litoral Norte paulista.
Todavia, é certo que a região não pode prescindir de um
processo de planejamento urbano apoiado no gerenciamento costeiro,
com a implantação efetiva do zoneamento ecológico-econômico, sob o
controle dos governos municipais.
O papel do Estado, em termos de gestão ambiental, pressupõe a
condução de um processo participativo, no qual, além dos segmentos
organizados da sociedade, se conte com o conhecimento advindo da
vivência da população caiçara sobre o ambiente litorâneo, acumulado no
tempo, baseado no respeito aos espaços naturais.
As propostas oficiais de combate aos pontos de desequilíbrio
social e ambiental fundam-se na tese do chamado desenvolvimento
sustentável, mas, sua efetividade dependerá também da percepção e da
sensibilidade dos órgãos públicos para os valores das comunidades
tradicionais , envolvidos nessa problemática.
215
A compreensão das questões ambientais extrapola os limites da
ecologia: envolve aspectos de ordem política, ética, econômica, social,
ecológica e cultural, para uma visão global do problema e suas
alternativas de solução (Dias, 2004).
Nesse sentido, uma participação efetiva da sociedade no
processo de gerenciamento costeiro, vincula-se à questão da Educação
Ambiental, entendida como proposta de mudanças profundas no
relacionamento do indivíduo com o meio ambiente, na busca da
compreensão crítica e global dessa interação, visando-se reverter o
modelo vigente.
Neste, o “desenvolvimento” induz o consumismo, responsável
pelo desperdício que conduz à degradação ambiental. Por outro lado,
esse mesmo modelo gera a exclusão social, cujo quadro de miséria
decorrente também aponta para a degradação ambiental, e,
conseqüentemente, para a perda da qualidade de vida, configurando um
quadro de devastação ambiental e ampliação da pobreza.
Parece-nos que a alternativa para a adequada utilização dos
recursos naturais e para a melhoria das condições de qualidade de vida
deverá passar por uma posição consciente e participativa da população,
no que tange à formulação das políticas públicas voltadas à gestão
ambiental.
216
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ANEXOS
ANEXO 1
ZONEAMENTO TERRESTRE
ZONEAMENTO TERRESTRE
ZONAS CARACTERÍSTICAS
CRITÉRIOS DE
ENQUADRAMENTO
ZONA 1
Zona que mantém os
ecossistemas primitivos em pleno
equilíbrio ambiental, ocorrendo
uma diversificada composição
funcional capaz de manter de
forma sustentada, uma
comunidade de organismos,
balanceada e integrada, podendo
ocorrer atividades humanas de
baixo efeito impactante.
Ecossistema primitivo com
funcionamento íntegro;
Cobertura vegetal íntegra com
menos de 5% de alteração;
Ausência de rdes de
comunicação local, acesso
precário com predominância
de trilhas, habitações isoladas
e captação de água individual;
Ausência de cultura com mais
de 1ha;
Elevadas declividades;
Baixadas com drenagem
complexa com alagamentos.
ZONA 2
Zona que apresenta alterações na
organização funcional dos
ecossistemas primitivos, mas
capacitada para manter em
equilíbrio uma comunidade de
organismos em graus variados de
diversidade, mesmo com a
ocorrência de atividades humanas
intermitentes ou de baixo impacto
em áreas terrestres; pode
apresentar assentamentos
humanos dispersos e pouco
populosos, com pouca integração
entre si.
Ecossistema funcionalmente
pouco modificado;
Cobertura vegetal alterada
entre 5 e 20% da área total;
Assentamentos nucleados com
acessos precários e baixos
níveis de eletrificação;
Captação de água para
abastecimento semi-coletivas
ou para áreas urbanas;
Áreas ocupadas com cul
turas ,
entre 2 e 10% da área (roças e
pastos);
Declivida
des entre 30% e 47%;
Baixadas com inundação.
ZONA 3
Zona que apresenta os
, com
e
ela
com
o;
ou
o
Culturas ocupando entre 10 e
Declividade menor que 30%;
ecossistemas primitivos
parcialmente modificados
dificuldades de regeneração
natural pela exploração ou
supressão, ou substituição d
alguns de seus componentes p
ocorrência em áreas de
assentamentos humanos
maior integração entre si.
Ecossistema primitivo
parcialmente modificad
Cobertura vegetal alterada
desmatada entre 20 e 40%;
Assentamento com alguma
infra-estrutura, interligad
localmente (bairros
rurais);
20% daárea;
Alagadiços eventuais;
Valor do solo baixo.
ZONA 4
Zona que apresenta os
ados
,
e
Ecossistemas primitivos muito
om
.
ecossistemas primitivos
significativamente modific
pela supressão de componentes
descaracterização dos substratos
terrestres e marinhos, alteração
das drenagens ou da
hidrodinâmica, bem como pela
ocorrência em áreas terrestres d
assentamentos rurais ou
periurbanos descontínuos e
interligados, necessitando de
intervenções para sua
regeneração parcial.
modificados;
Cobertura vegetal desmatada
ou alterada entre 40 e 50% da
área;
Assentamentos humanos em
expansão relativamente
estruturados;
Infra-estrutura integrada c
as áreas urban
as;
Glebas relativamente bem
definidas;
Obras de drenagem e vias
pavimentad
as;
Valor do solo baixo e médio
ZONA 5
Zona que apresenta a maior parte
dos componentes dos
ção
des
e
ue
m menos
s urbanizados
solidada;
ecossistemas primitivos, degrada
ou suprimida e organiza
funcional eliminada devido ao
desenvolvimento de áreas
urbanas e de expansão urbana
contínua, bem como ativida
industriais, de apoio, terminais d
grande porte, consolidados e
articulados.
mitivo
totalmente modificado;
Ecossistema pri
Cobertura vegetal
remanescente, mesmo q
alterada, presente e
40% da área,
descontinuamente;
Assentamento
com rede e área con
Infra-estrutura de corte;
Serviços bem desenvolvidos;
Pólos industriais;
Alto valor do solo.
F NTE : Zoneamento Ecológico-Econômico Litoral
O Norte - SP
ANEXO 2
QUADRO DO ZONEAMENTO TERRESTRE
ZONAS
CARACTERÍSTICAS
SÓCIO-AMBIENTAIS
ATIVIDADES E USOS
PERMITIDOS
ZONA 1
Terrestre
I.áreas de vegetação em estágio
avançado de regeneração e fauna
asso
47%, com restrições da
a
ais;
l
Pesquisa científica relacionada
à preservação, conservação e
cia de
lterem as
tais da
impactantes.
Z1T
ciada, com alteração de
cerca de 10% da cobertura
vegetal, e restrições do Decr. Fed.
750/93;
II. áreas com declividade média
acima de
Lei Fed. 4.771/65 e Res. Conam
303/02;
III. existência de comunidades
tradicion
IV. Unidade de Proteção Integra
V. manguezais, com restrições da
Lei Fed. 4.771/65 e Res. Conama
303/02.
recuperação ambiental e ao
manejo auto-sustentado das
espécies da fauna e flora
regional;
Educação Ambiental;
Manejo auto-sustentado,
condiciona
do à existên
Plano de Manejo;
Empreendimentos de
ecoturismo com finalidade e
padrões que não a
características ambien
zona;
Pesca artesanal;
Ocupação humana de baixos
efeitos
Sub-Zo
Área
Especialmente
Protegida 1
aina;
II. Parque Estadual da Serra do
III. tadual de Ilha
IV. e Estadual de Ilhabela;
a
s;
Aqueles definidos na legislação
que regula as categorias das
Z1 AEP
I. Parque nacional da Serra da
Boc
Mar;
Parque Es
Anchieta;
Parqu
V. Estação Ecológica Marinh
Tupinambá
VI. Área sob Proteção Especial
CEBIMare;
Área sob Prote
VII. ção Especial
do Costão do Navio;
Área sob Pro
VIII. teção Especial
de Boissucanga
Unidades de Conservação, no
diploma legal que as criou e nos
respectivos Planos de Manejo,
quando aplicáveis.
ZONA 2
Z2T
I. Elevada recorrência de áreas
de preservação permanente,
com restrições da Lei Fed.
II.Áreas contínuas de vegetação
e
m
dação.
Aqueles estabelecidos para a
üicultura;
m base no Plano
s
Terrestre
4.771/65 e Res. Conama
303/02;
m estágio avançado de
regeneração e fauna associada,
com ocorrência de supressão ou
alteração de até 30% de
cobertura vegetal, com restrições
do Decr. Fed. 750/93;
III.ocorrência de áreas co
declividade entre 30% e 47%;
IV.áreas sujeitas a inun
Z1T:
Aq
Mineração co
Diretor regional de Mineração,
respeitando o Plano Diretor
Municipal;
Beneficiamento dos produto
de manejo sustentado.
ZONA 3
Terrestre
I.Áreas contínuas com atividades
rurais, cujos ecossistemas
I ia
ção secundária em
cr.
I
Aqueles estabelecidos para Z1T e
Z2T :
dutos
esqueiros;
com
Z3T
agropecuárias e assentamentos
primitivos foram alterados em até
50%;
I. Áreas com declividade éd
inferior a 30%, cobertas com
vegeta
estágio inicail ou médio de
regeneração, observadas as
restrições previstas pelo De
Fed. 750/93;
II. Solos com aptidão ao uso
agropecuário.
. Agropecuária, compreendendo
unidades integradas de
beneficiamento,
processamento ou
comercialização dos pro
agroflorestais e p
Ocupação humana
características rurais;
Silvicultura.
ZONA 4
Terrestre
I.Cobertura vegetal alterada ou
suprimida em até 70% da área;
II. Assentamentos dispersos com
in
tura necessários ao
o
Z4T
uso urbano e infra-estrutura
completa;
III. Relevo com declividade média
igual ou inferior a 30%.
Aqueles estabelecidos para Z1T,
Z2T e Z3T :
.Equipamentos públicos e de
infra-estru
desenvolvimento urbano;
agroflorestais e pesqueiros;
Ocupação para fins urbanos;
Unidades comerciais e de
serviços, e atividades de baix
impacto ambiental.
SUB-ZONA
Área de
I. Existência de cobertura vegetal
nativa;
II. Presença de empreendimentos
s.
Se
empreendimentos de turismo e
zer, parcelamentos e
e que
s
os e
Ocupação
Dirigida
Z4 OD
residenciais parcialmente
ocupado
rão permitidos
la
condomínios, desd
compatíveis com o Plano Diretor
Municipal, observadas a
diretrizes fixadas nos Plan
programas de Z4 OD.
ZONA 5
Terrestre
I.Cobertura vegetal alterada ou
suprimida em área igual ou
superior a 70% do total da zona;
c
c
ura
s,
,
unidades industriais;
Z5T
II. Assentamentos urbanos
onsolidados ou em fase de
onsolidação e adensamento ;
III. Existência de infra-estrut
urbana, instalações industriai
comerciais e de serviços.
Aqueles estabelecidos para Z1T
Z2T , Z3T e Z4T :
terminais rodoviários e
aeroviários;
complexos portuários,
pesqueiros e turísticos.
FONTE : Zoneamento Ecológico-Econômico Litoral Norte - SP
ANEXO 3
QUADRO DO ZONEAMENTO MARINHO
ZONAS
CARACTERÍSTICAS
SÓCIO-AMBIENTAIS
ATIVIDADES E USOS
PERMITIDOS
ZONA 1
Marinha
I.estrutura abiótica preservada;
II. co
prese
ao
Pesquisa científica relacionada
à conservação da
desde que
;
Z1M
munidade biológica
rvada;
III. ausência de atividades
antrópicas;
IV. usos não-
intensivos,
especialmente associados
turismo e ex
trativismo de
subsistência;
V. existência de áreas de
reprodução de organismos
marinhos.
biodiversidade;
Manejo auto-sustentado de
recursos marinhos,
previsto em Plan
o de Manejo
Extratvismo de subsistência;
Pesca artesanal, exceto
arrasto;
Ecoturismo
ZONA 2
Marinha
por
s antrópicas;
II. Comunidade biológica em bom
II
acto
.
Pesca artesanal e amadora;
ede que
de manjo
Z2M
I.Estrutura abiótica alterada
atividade
estado, mas com perturbações
estruturais e funcionais
localizadas;
I. Existência de atividades de
aqüicultura de baixo imp
ambiental;
IV. Ocorrência de atividades de
recreação de contato primário
Aqueles definidos para a Z1M :
Aqüicultura de baixo impacto;
Estruturas náuticas;
Recifes artificiais;
Manejo sustentado de
recursos amrinhos, d
previsos em Plano
aprovado pelos órgãos
ambientais competentes.
SUB ZONA
Z3ME
Os mesmos previstos para Z1M.
Aqueles estabelecidos para a
1M : aqüicultura de baixo
impacto.
Z
ZONA 3
Marinha
significativamente alterada por
gica em
e
claros sinais de perturbações
a a
o
cundário.
Z3M
I.Estrutura abiótica
atividades antrópicas;
II.Comunidade bioló
stado regular de equilíbrio, com
estruturais e funcionais;
III.Existência de estruturas
náuticas Classe III.
Aqueles estabelecidos par
Z1M e Z2M:
Estruturas náuticas Classe III;
Pesca industrial com exceçã
de pesca d
e arrasto e captura
de isca viva;
Despejos de efluentes
previamente submetidos a
tratamento se
ZONA 4
Marinha
Z4M
extremamente alteradas por
atividades antrópicas;
II.Comunidade biológica com
perturbação do equilíbrio,
alteração estrutural das
populações ou empobrecimento
da biodiversidade;
III.Existência de estruturas
náuticas Classe IV e V..
São permitidos além daqueles
estabelecidos para Z1M, Z2M e
Z3M os seguintes usos e
atividades : estruturas náuticas
Classe IV e V.
I.Estruturas abióticas
ZONA 5
Z5M
II.Comunidade biológica com
ções
pécies;
Aqueles estabelecidos para Z1M,
Z2M Z3M e Z4M :
Marinha
I.Estruturas abióticas
significativamente alteradas ;
perturbação do equilíbrio,
desestruturação das popula
e desaparecimento de es
III.Existência de atividades
portuárias.
Portos;
Lançamento de efluentes
industriais, observando os
padrões de emissão.
FONTE : Zoneamento Ecológico-Econômico Litoral Norte - SP
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