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J
CIDADANIA E ACESSO À JUSTIÇA – A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
Nilson R. Soares Jr.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientador: Charles Pessanha
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
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ii
CIDADANIA E ACESSO À JUSTIÇA – A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO
Nilson R. Soares Jr.
Orientador: Charles Pessanha
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Prof. Charles Pessanha
___________________________________
Prof. Antonio Celso
___________________________________
Prof. José Ribas Vieira
___________________________________
Prof. Marcelo Burgos
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
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iii
Soares Jr., Nilson Rodrigues.
Cidadania e Acesso à Justiça - A Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro/ Nilson Soares. Rio de Janeiro:
UFRJ/ IFCS, 2005.
x, 118f.: 30 cm.
Orientador: Charles Pessanha
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, 2005.
Referências Bibliográficas: f. 105-108.
1. Defensoria pública. 2. Cidadania. 3. Modernização
conservadora. 4. Reflexão política. 5. Acesso à Justiça. I.
Pessanha, Charles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de Pós-
graduação em Ciência Política. III. Cidadania e Acesso à
Justiça - A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
iv
RESUMO
CIDADANIA E ACESSO À JUSTIÇA – A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
Nilson R. Soares Jr.
Orientador: Charles Pessanha
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Este trabalho dedica-se à reflexão sobre o modelo institucional de Defensoria
Pública que foi implementado no Estado do Rio de Janeiro para efetivar uma
dimensão social da cidadania, o acesso à justiça.
Palavras-chave: defensoria pública, cidadania, modernização conservadora.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
v
ABSTRACT
DEFENDER’S OFFICE STATE RIO DE JANEIRO – BUILDING SOCIAL
CITIZENSHIP
Nilson R. Soares Jr.
Orientador: Charles Pessanha
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
The present work intends to promote understanding of the public
defender´s office, which has been striving for the last few decades to help
bestow citizenship on social groups who in the State of Rio de Janeiro find no
way of effectively exerting theirs, other than through Public Justice.
Key words:
citizenship, social politics, social rights, democracy, public Justice,
constitutionalism.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
vi
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, meus cumprimentos enternecidos a todos do Corpo Docente do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS/UFRJ, não só do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, como da graduação em Ciências Sociais. Deram-me
o enorme encargo e oportunidade de fazer escolhas intelectuais que jamais pude
imaginar ser capaz de fazê-las ou sequer que existiam, sobretudo, ao prof. Dr.
Aluízio Alves Filho, meu anfitrião nas Ciências Sociais, e à profa. Isabel de Assis
Ribeiro.
Agradeço aos defensores públicos do Estado do Rio de Janeiro: Carlos de
Alcântara Amorim, Claudia Nogueira, Eduardo Moraes, Pedro Carriello, Renata
Amorim, ao magistrado Breno Mascarenhas Filho,que desde o início se interessaram
em auxiliar o autor desta dissertação, mesmo quando ele sequer sabia o que fazer
com o material de campo. Um registro especial, nesse mesmo sentido, devoto aos
defensores públicos Cinthia Menescal Palhares e José Augusto Garcia, cujos
depoimentos foram decisivos para minhas reflexões.
Agradeço aos meus amigos da pós-graduação e também da graduação em
Ciências Sociais, especialmente Felipe Gelli, Eduardo Bello, Flávio Silveira, José
Ribamar Pereira, Mauro Lino, diferentes traduções daquilo que já houve de melhor
em meu convívio, enquanto estudante.
Minhas homenagens aos prof. Carlos Dörner, Prof. Marcelo Raposo e Prof.
Zimmermann, os patronos de minha carreira docente e ao jurista Flávio Lourenço
de Almeida, amigo inseparável desde os tempos das aulas da profa. Carmencita...
Agradeço à Associação dos Antigos Alunos da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ, a sua iniciativa, permitindo que ex-alunos
possam consultar o acervo da biblioteca central da PUC/RJ cujos funcionários,
sempre gentis e desprendidos, merecem também minhas reverências.
vii
Por derradeiro, e não menos especial, aos meus Orientadores, que
franciscanamente puderam tolerar meus erros, principalmente minha danosa
ansiedade, e por serem responsáveis pelo que se aproveita nesse trabalho.
viii
Ao que me resta de canto e perdão,
Vera, Moema e Amanda Soares.
ix
Que venha pobre como as aves imigrantes /
sem pousada / franco e contente /
mais cheio de futuro que presente
(Walter Mariani)
x
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Defensoria pública e cidadania 5
A transformação do papel do Estado nos Serviços de Justiça
Os obstáculos
As soluções ao acesso à justiça
A titularidade dos direitos sociais e política social
Os tipos de percurso da cidadania
Revolução Passiva
O percurso da cidadania no Brasil
Capítulo 2. Acesso à Justiça no Direito brasileiro 49
Constitucionalismo social
O papel passivo do Estado Brasileiro
As primeiras intervenções do Estado
Capítulo 3. Construção da Defensoria no Estado do Rio de Janeiro 68
Os indícios da modernização conservadora
Os modelos de Defensoria Pública no Rio de Janeiro
As escolhas em torno da autonomia funcional
A autonomia administrativa
Autonomia orçamentária
Vencimentos dos defensores
Plano de carreira
Conclusão 103
Referências bibliográficas 105
Introdução
Nesta dissertação examino o modelo de Defensoria Pública edificado no Rio de
Janeiro. Minha atenção se deteve sobre alguns de seus traços institucionais, porque
acredito que eles são significativos para a compreensão da Defensoria enquanto
política social, de modo que, mesmo ciente da importância, não me debrucei sobre
a composição e atividades de seus núcleos, não examinei dados quantitativos
correspondentes ao número de atendimentos ou qual segmento da população alvo
mais usufrui dos seus serviços.
A importância da investigação da Defensoria Pública acredito estar em
contribuir para formação de um senso crítico mais objetivo sobre as políticas
voltadas para democratizar a fruição dos Serviços de Justiça, do acesso à justiça,
como meio de desnaturalizar as situações em que uns cidadãos se tornam
inferiores a outros naqueles serviços. Esta dissertação também tenta consolidar a
idéia de ser o acesso à justiça política de Estado, e não de governo, portanto, diz
respeito a própria legitimidade, e não ao plano discricionário das elites dirigentes.
Meu primeiro grande obstáculo na dissertação foi a temática acesso à
justiça; encontrei-me numa situação semelhante aquela confessada por Velho em
seu clássico estudo sobre comunidade urbana.
1
Estive habituado a ler artigos e
livros que abordam o tema dos instrumentos de acesso à justiça estritamente sob a
perspectiva formalista do direito, por isso, levei um certo tempo para desenvolver
uma técnica de distanciamento, um processo permanente de autodimensionamento
paralelo e complementar ao trabalho como o objeto de pesquisa de que, afinal, ele
faz parte,
2
para poder entender, em termos políticos, o acesso à justiça, ou seja,
sua relação com o poder e a dominação.
Esse distanciamento me permitiu alcançar, em certa medida, o teor das
1
VELHO, G. A utopia urbana.
2
Idem: 13.
2
palavras de Vianna e Santos,
3
responsáveis por atribuir uma extensão bastante
ampla ao acesso à justiça e correspondê-lo como uma dimensão social da
cidadania, exigindo intervenções do Estado nos padrões que estruturam os Serviços
de Justiça. Daí passei a preparar as formulações seguintes do trabalho, explicando
como foi o processo de formação dos direitos sociais no Brasil.
Notei que os autores por mim escolhidos insistiam que a construção dos
direitos da cidadania no Brasil foi feita pelo-alto, quer dizer, não resultou da contra-
partida de direitos políticos. Recorri aos primeiros expoentes do pensamento social
brasileiro para encontrar pistas a respeito, muitos deles justificavam esse percurso
de construção da cidadania por acreditarem não haver sociedade civil organizada
no Brasil. Tentando encontrar uma fundamentação teórica para as afirmações
citadas nessa dissertação de construção pelo alto, direitos precedendo a
contestação pública, ou de suposta incapacidade da sociedade brasileira,
especialmente os segmentos marginalizados, de se organizarem em torno de suas
demandas, cheguei a categoria grasmiciana Revolução Passiva, fundamental em
meu argumento sobre o modelo de Defensoria Pública montada no Rio de Janeiro.
Gramsci me permitiu entender porque a Defensoria Pública não se
desenvolveu à altura das promessas compreendidas no direito social do acesso à
justiça, compreender a distância entre as promessas da própria Constituição de
1988 e as políticas sociais para o acesso à justiça que dela decorreram, como, por
exemplo, a incorporação do modelo carioca de defensoria. A ferramenta teórica
gramsciana segue pela dissertação relacionando os acontecimentos onde os direitos
sociais no Brasil precedem a contestação pública, explicando as relações de força
encobertas pela afirmação de que o Brasil não seguiu a rota clássica da construção
da cidadania, iniciando pelos civis, políticos e terminando nos sociais.
Tomo como fontes, além de depoimentos dos próprios defensores públicos
3
VIANNA, L. W. Seminários Friedrich Naumann - n 5 e SANTOS, B. de S.
Introdução à sociologia da administração da justiça.
3
em um roteiro básico semi-estruturado, documentos normativos estaduais e
federais, como, por exemplo, um levantamento da questão acesso à justiça e das
defensorias nas constituições brasileiras. As discussões legislativas, pareceres, que
antecederam a sua criação, transformações, ou até mesmo depoimentos das elites
políticas da época, infelizmente, estiveram bem longe de meu alcance, ainda que
eu tenha peregrinado pela Assembléia Legislativa Estadual e por outros arquivos
existentes na Cidade do Rio de Janeiro. Hoje noto que talvez eu tenha tido êxito em
transformar essa dificuldade no que se refere às fontes em uma oportunidade,
porque exigiu de mim dar maior atenção ao material disponível.
Faço a construção do argumento em três capítulos. No primeiro, introduzo a
questão do acesso à justiça, para compreender as soluções práticas de sua
implementação, das quais as defensorias são apenas uma das soluções, que
envolvem políticas regulatórias, como isenções de custas, reforma do direito
processual e outras. Neste mesmo capítulo, discuto a especificidade dos direitos
sociais basicamente a partir das reflexões de Oliveira;
4
ajustando o modelo de
Marshall
5
que compreende a cidadania enquanto direitos correspondentes a formas
de participação social; explico o conceito de Revolução Passiva a partir de dois
comentadores,
6
e, no final do capítulo, aponto o quê no âmago do pensamento
social brasileiro
7
influenciou o percurso da cidadania segundo autores citados.
8
No
segundo capítulo, comento as transformações dos direitos sociais no
constitucionalismo contemporâneo,
9
e, em seguida discorro como no Brasil o
4
OLIVEIRA, I. R. Discussão de Justiça Social em Contraposição à Concepção de
Justiça no Liberalismo: a problemática do direito natural moderno.
5
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status.
6
COUTINHO, C. N. Gramsci – um estudo sobre seu pensamento político e
VIANNA, L. W. A Revolução Passiva – Iberismo e Americanismo no Brasil.
7
BARRETO, T. Um discurso em mangas de camisa; VIANNA, O. Instituições
Políticas Brasileiras e VIANNA, O. Problemas de Política Objetiva.
8
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho; SANTOS, W. G. dos.
Cidadania e Justiça; SANTOS, W. G. dos. Razões da Desordem; SANTOS, W. G.
dos. Décadas de espanto e uma apologia democrática e VIANNA, L. W. A
Revolução Passiva – Iberismo e Americanismo no Brasil.
9
COMANDUCCI, P. Formas de (Neo)Constitucionalismo: Un Análisis Metateórico;
4
acesso à justiça representou uma alteração do papel do Estado nos recursos de que
dispõem os cidadãos para usar os Serviços de Justiça. Finalizando o terceiro
capítulo, identifico e analiso cada um dos obstáculos existentes e criados na
defensoria pública que, para mim, são evidências de minha hipótese de que ela
representa um projeto de modernização conservadora no âmbito dos direitos
sociais, mais especificamente do acesso à justiça.
PESSANHA, C. O Poder Executivo e o Processo Legislativo nas Constituições
Brasileiras – teoria e prática e PISARELLO, G. Del Estado Social Legislativo al
Estado Social Constitucional: por una protección compleja del los derechos
sociales.
Capítulo 1
Defensoria Pública e Cidadania
Neste tópico irei esclarecer como a possibilidade de utilizar os Serviços de Justiça
está sujeita a dois tipos básicos de diagnóstico, um que considera a perspectiva da
responsabilidade individual no arranjo dos meios de usufruir daqueles serviços; e
outra, a coletiva, que considera não a responsabilidade individual, mas, sobretudo,
a social no arranjo daqueles meios exigindo uma intervenção do Estado, através de
políticas auxiliando o encaminhamento processual de direitos da cidadania.
Como apontarei, as defensorias são resultado da incorporação do segundo
diagnóstico sobre as condições de que os cidadãos dispõem para usufruir dos
Serviços de Justiça. Mas elas também decorrem, ou estão estreitamente
justificadas por uma importante premissa acerca do papel dos Serviços de Justiça
na sociedade.
A transformação do papel do Estado nos Serviços de Justiça
Os Serviços de Justiça, ou tribunais, são importantes mecanismos institucionais de
efetivação de determinados consensos políticos sobre a questão de quem e como se
pertence a sociedade política. Esses consensos estão expressos em direitos, muitas
vezes, só formalmente reconhecidos e necessitam, para sua implementação, que
sejam encaminhados processualmente nos Serviços de Justiça, de modo que os
tribunais vão direta ou indiretamente, ao implementar esses direitos, administrar
parte do conflito social e reconhecer a cidadania daqueles que se viram impedidos
de exercê-la.
Como se vê, a importância da efetiva possibilidade do cidadão encaminhar
seus interesses via Serviços de Justiça, parte da premissa que esses serviços são
decisivos para se verificar a vigência dos direitos que asseguram as diferentes
dimensões da cidadania. Negar às pessoas meios de evitar as situações que as
inferiorizam naqueles serviços produz uma sensação de desamparo, que evolui para
6
ressentimento, porque os direitos que eles buscam aplicar às situações concretas
que lhe são encaminhadas encarnam em si a crença de serem consensos válidos e
meios de assegurar a existência social desejável, meios legítimos de
relacionamento social. Assim negar a possibilidade de efetivá-los, comprometeria
a garantia do exercício dos direitos fundamentais à existência
humana, na medida em que essa hipótese poria em risco a própria
possibilidade de os cidadãos fazerem escolhas racionais fundadas
na autonomia e na liberdade de ação.
10
Como pretendo esclarecer essa possibilidade, ou esse direito, na medida que
todos os demais dependem dele, não se configura como um mero acesso aos
Serviços de Justiça,
não se trata de um direito de petição, de reclamação, mas sim, de
um direito de justiça, direito de ser ouvido e ter atendido,
prontamente, seu pedido pela reparação do direito violado, ou por
uma indenização, no caso de não se poder restabelecer a situação
anterior.
11
Entretanto, a imprescindibilidade dos Serviços de Justiça para a afirmação
da cidadania é uma construção moderna, no período feudal, além de haver
estamentos, e não direitos, os riscos de um sistema judicial inacessível não
comprometia as bases de obediência da sociedade política como no Estado
Moderno. Naquele caso, havia um sistema baseado em determinadas formas de
participação social que não eram direitos, na verdade, eram privilégios, desfrutados
somente pelos grandes homens do reino.
12
As formas de interação decorriam
essencialmente de uma rede de laços pessoais de camponeses a defensores ou
conquistadores,
servidão que resulta da convergência espontânea, sobre a pressão
conjugada dos fatos e da ação – paciente ou violenta – das classes
dominantes.
13
A gravidade de um sistema judicial excludente no Estado Moderno está em
10
SANTOS JR., O. A dos. Democracia e governança local: desafios na
perspectiva da renovação da democracia no Brasil: 3.
11
ANNONI, D. Direitos Humanos e Acesso à Justiça no Direito Internacional:
118.
12
BENDIX, R. A ampliação da cidadania: 389.
13
PARAIN, C. Evolução do Sistema Feudal Europeu: 25.
7
que o sistema feudal foi justamente prescindido por aquele, quer dizer, uma de
suas promessas, segundo a retórica progressista das Revoluções de 1776 e 1789,
seria converter um sistema de participação social seletivo, baseado em privilégios
entre os súditos, em uma nova condição onde é assegurada (...) uma espécie de
igualdade humana básica associada com o conceito de participação integral na
comunidade (...),
14
convertendo os súditos em cidadãos.
Mesmo no Estado Moderno, durante muito tempo, essa promessa foi
irrealizável e, até hoje, é difícil de se cumprir. A pobreza em sentido legal, que será
melhor esclarecida adiante, não era preocupação do Estado, que permanecia
passivo ante a impossibilidade de muitos de encaminhar seus direitos nos Serviços
de Justiça. Até o século XX, o modo de encaminhamento judicial dos interesses,
quer dizer, os procedimentos judicias, e as próprias atividades dos Serviços de
Justiça refletiam a visão individualista das relações sociais, como observam
Cappelletti e Garth:
(...) Direito ao acesso à proteção judicial significava
essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor
ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à
justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não
necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. (...) sua
preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles
fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia
passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de um
pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los
adequadamente, na prática.
15
Esse modo de considerar o acesso à justiça, baseado na idéia da
responsabilidade individual, onde cabe a cada um contar com a própria sorte ao
utilizar os Serviços de Justiça, terminava por naturalizar as diferenças sociais na
justiça, mesmo que, de um modo geral, as leis não criassem obstáculos formais à
utilização de seus serviços.
O diagnóstico de que todos os cidadãos teriam as mesmas condições de
exercer direitos, e, no que nos interessa, de utilizar os Serviços de Justiça, vai ser
14
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status: 62.
15
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça: 9.
8
comprometido pelo avanço de estudos no âmbito das ciências sociais que, mirados
na experiência concreta da realidade social do século XIX, vão construir teses
evidenciando que o indivíduo recebe sua posição da sociedade, e, por
conseqüência, os meios de integrar o indivíduo (cidadãos) à sociedade devem levar
em conta a responsabilidade da sociedade sobre determinados males.
Se os cidadãos são sobretudo pessoas concretas e não formais, o direito
deles encaminharem seus interesses aos tribunais por si mesmos, ou dito de outra
forma, a tese de que a igualdade formal ante a lei não mais é suficiente para
sustentar o princípio de que cada um é responsável por encaminhar seus interesses
nos Serviços de Justiça, porque, ainda que do ponto de vista formal, as suas portas
estarem irrestritamente abertas a todos, sem discriminação de status social, cor,
gênero, idade e outros, certas questões socialmente produzidas, como a pobreza, a
concentração de renda, questões culturais, prejudicam a sua utilização. Quer dizer,
causas sociais, que não dizem respeito a análise de mérito do direito substantivo,
cujo reconhecimento se pleiteia, podem afetar o resultado ou até a possibilidade de
se socorrer dos Serviços de Justiça.
As diferenças entre aqueles que buscam a Justiça não seriam problemáticas,
se fossem apenas isso, diferenças e nada mais. Entretanto, essas diferenças se
transformam em hierarquias, isto é, um conjunto de pessoas se tornam superiores
a outras nos próprios Serviços de Justiça, por uma série de questões que apontarei
adiante como obstáculos ou externalidades ao acesso à justiça.
Por essas razões, um novo diagnóstico se formula quanto às condições que
os cidadãos dispõem para fruir dos Serviços de Justiça, ou simplesmente, novo
diagnóstico para o acesso à justiça mais, ou sobretudo, associado à consideração
dos padrões que estrutura a vida social, justificando a intervenção estatal em
muitas das relações que não estavam sujeitas a sua gerência, superando
perspectiva privatística do direito, onde prevalece a responsabilidade individual.
As atividades das defensorias, permitindo, em primeiro lugar, a fruição, a
9
utilização dos serviços, e, em um segundo momento, um encaminhamento eficaz
dos direitos da cidadania do cidadão, vão expressar a intervenção do Estado sob
esse diagnóstico comunitarista do acesso à justiça, reconhecendo que as barreiras
ou diferenças que dificultam o encaminhamento de direitos da cidadania nos
Serviços de Justiça não sejam consideradas como um ônus próprio daqueles que
vão em seu socorro, porque a sociedade como um todo, tem responsabilidade sob a
produção desses obstáculos ou diferenças e cabe a ela repará-los.
De maneira que ao mesmo tempo igualmente acessíveis os Serviços de
Justiça não devem ter seus resultados comprometidos por externalidades sociais.
Aspectos para Cappelletti e Garth a explicar dois sentidos básicos para a expressão
acesso à justiça:
16
A expressão acesso à justiça reconhecidamente de difícil definição,
mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema
jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus
direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado.
Primeiro, os sistema deve ser igualmente acessível a todos;
segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente
e socialmente justos.
17
Santos
18
e Cappelletti & Garth
19
argumentam que, graças a criação de novos
direitos sociais, como o trabalho, à saúde, à segurança material e à educação,
houve uma maior exigência para a viabilidade do acesso à justiça, pois a eficácia
desses direitos depende, em boa medida, da possibilidade dos mesmos serem
eficientemente encaminhados judicialmente pelos seus titulares, como um
importante mecanismo institucional de reivindicação de direitos. Esses direitos
trouxeram uma nova e enorme clientela para os Serviços de Justiça, quando ficou
evidente que os problemas do acesso à justiça envolviam inúmeras questões como
a sua própria organização institucional.
A exigência da efetivação dos novos direitos condicionou a intervenção do
16
Idem: 12-13.
17
Idem: 8.
18
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade.
19
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça.
10
Estado nos padrões que estruturam os Serviços de Justiça, pois seria destituído de
sentido a ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. A esse respeito
Cappelletti e Garth concluírem que
O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito
fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um
sistema jurídico moderno e igualitários que pretenda garantir, e
não apenas proclamar os direitos de todos.
20
Não será à toa que Santos afirmará ser o Acesso à Justiça
um direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de
todos os demais.
21
A efetivação de importantes formas de participação social dependem não só
de sua incorporação à linguagem dos direitos, como de meios de encaminhá-los
processualmente.
A importância do Acesso à Justiça não passou despercebida nem mesmo no
processo inicial de montagem do sistema normativa internacional de proteção aos
Direitos Humanos. A Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de
1948, que aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, considerou em
um de seus dispositivos
Art. 8º. Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais
competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos
fundamentais que lhes sejam reconhecidos pela constituição ou
pela lei.
Há de se admitir que esse dispositivo da declaração não exprime apenas o
direito de petição aos órgãos judiciais, mas também e, principalmente, ao
encaminhamento efetivo, adequado e tempestivo. Interpretação essa que se
confirma, por exemplo, no sério precedente, citado Annoni, na Corte Européia dos
Direitos do Homem, julgamento ocorrido em 1999, em que o Estado italiano foi
condenado a indenizar um litigante nos tribunais daquele país pelo
dano moral decorrente do estado de prolongada ansiedade pelo
20
Idem: 12.
21
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-
modernidade: 167.
11
êxito da demanda.
22
Quer dizer, o reconhecimento da demora da prestação dos Serviços de
Justiça como um grave obstáculo ao acesso à justiça, ensejando inclusive a
responsabilidade do Estado.
Assim, o direito ao Acesso à Justiça decorre e se justifica pela
responsabilidade da sociedade sobre a produção das diferenças e da idéia de que
todos os outros direitos do cidadão ficam comprometidos se ele não for assegurado,
até mesmo a sua condição humana, o que legitima a exigência dos Estados,
oferecerem condições de acesso aos tribunais, inclusive aos cidadãos estrangeiros.
Enfim, quero sublinhar, preliminarmente, para justificar a importância, ou a
imprescindibilidade das políticas do acesso à justiça, que, se os Serviços de Justiça
são fundamentais para efetivar a cidadania, do mesmo modo a criação de
facilidades ou estímulos para que esses serviços sejam usados com custos
mínimos, diz respeito, inquestionavelmente, à atribuição daquele status, àquelas
pessoas que são inferiorizadas nos tribunais por causas de natureza social, nos
termos de Marioni:
O acesso à ordem jurídica justa é, antes de tudo, uma questão de
cidadania. A participação na gestão do bem comum através do
processo cria o paradigma da cidadania responsável; responsável
pela sua história, a do país, a da coletividade. Nascido de uma
necessidade que trouxe à consciência da modernidade o sentido
democrático do discurso, ou seja, o desejo instituinte de tomar a
palavra, e ser escutado.
23
Obstáculos
Destaco, neste tópico, o que a literatura aponta como obstáculo ao acesso à justiça,
quer dizer aquela situação, a que me referi apenas de modo geral, capaz de ser
responsável por naturalizar hierarquias sociais nos próprios Serviços de Justiça.
Os obstáculos aos Serviços de Justiça tornam, no momento do
22
ANNONI, D. Direitos Humanos e Acesso à Justiça no Direito Internacional:
121.
23
MARIONI, L. G. Tutela cautelar e tutela antecipatória: 24.
12
encaminhamento dos direitos da cidadania nos Serviços de Justiça, alguns cidadãos
superiores aos outros, não pelo conteúdo propriamente do direito que se busca
implementação, mas sim porque uns estão sujeitos mais que outros a males
sociais, que não podem ser suportados somente a partir da lógica da
responsabilidade individual. Males sociais que se externalizam, por exemplo, na
instrução insuficiente do cidadão para compreender o conteúdo de direitos úteis
para justificar e exigir determinadas formas de participação social, ou até, ainda,
que os compreenda, por outro lado, não haver um ambiente seguro à sua vida para
buscar os Serviços de Justiça, impossibilidade de suportar os custos financeiros,
enfim, males sociais de caráter econômico, social e cultural.
Os exemplos concretos mais comumente apontados por Cappelletti e Garth
como obstáculos à justiça são: o preço dos serviços judiciais cobrados pelo Estado,
quer dizer, as custas; as possibilidades das partes; e as questões dos direitos
chamados difusos – aqueles cujos titulares são indetermináveis, como por exemplo,
o direito à proteção do meio ambiente.
24
As custas judiciais são devidas nos Serviços de Justiça como forma de se
compensar os recursos dispendidos na sua organização. O objetivo das custas é
pagar os salários dos juízes, de seus auxiliares, custear os prédios onde estão
instalados e todos os recursos necessários às suas atividades.
Os cidadãos que vão ao socorro dos Serviços de Justiça têm que arcar com o
rateio das custas e outros gastos que tornam essa busca extremamente onerosa.
Adicionalmente, o cidadão deve ainda pagar os honorários do seu advogado, que,
em geral são altos, e estar preparado, no caso de perder a ação, para pagar todas
as custas da outra parte e dos honorários da mesma. É o chamado ônus da
sucumbência, pelo qual recai sobre o perdedor da causa todos os custos da ação;
em outros sistemas jurídicos, quer dizer, onde não há o ônus da sucumbência, o
cidadão perdedor da ação paga apenas as custas e honorários advocatícios que ele
24
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça.
13
dispendeu para encaminhar seus interesses processualmente.
Natural que as custas contribuem para inibir não só a população carente,
mas outros segmentos sociais, pois além do risco imediato, as despesas podem
aumentar ao final do processo, caso lhes sejam desfavoráveis. O que entra também
na problemática das custas são as pequenas causas, quando os gastos com o
processo podem exceder o montante da controvérsia judicialmente discutida. A
demora pela espera de uma solução para o litígio pode ser tão penosa para o
cidadão que o obrigue a abandonar seus interesses ou aceitar acordos
desvantajosos.
As possibilidades das partes, seguindo ainda as conclusões do estudo de
Cappelletti e Garth, revelam que alguns cidadãos ou organizações em detrimento
de outros possuem vantagens significativas ao encaminharem seus interesses nos
Serviços de Justiça, ou nos termos que adoto, se tornam superiores hierarquizando
os beneficiários daqueles serviços. Alguns podem pagar para litigar e contar com
advogados especialistas e apresentar seus argumentos de forma mais eficiente, ao
passo que outros não.
Um julgamento demorado, por exemplo, perde progressivamente seu
objetivo de afirmação da cidadania, na medida em que se postergue o momento do
reconhecimento judicial dos direitos. Transcorrido o tempo razoável para resolver a
causa, qualquer solução será injusta, por maior que seja o mérito técnico da
decisão. Refletindo a respeito deste ponto Annonni faz uma contundente
constatação:
Se a Administração da Justiça não está preparada para exercer a
função de garantia dos direitos humanos de toda pessoa e assume,
pelo contrário, uma atitude de cumplicidade com o poder, obter-
se-á como único resultado possível a respectiva legislação
promulgada, e os esforços desempenhados pela sociedade para
sua efetiva aplicação estão condenados ao fracasso.
25
A demora dos Serviços de Justiça não pode ser vista apenas como um
25
ANNONI, D. Direitos Humanos e Acesso à Justiça no Direito Internacional:
116.
14
problema daqueles que não têm condições de aguardar um julgamento demorado,
como se o encargo fosse da pessoa em si que não pode aguardar, mas como uma
enorme dificuldade do Estado em organizar os Serviços de Justiça de forma
eficiente e, especialmente, de construir um direito processual que de forma criativa
associe a ampla defesa dos direitos e celeridade, porque a demora em si e a
burocracia dos procedimentos, encarece os honorários advocatícios, exige
pagamento de despesas com recursos, cálculos de atualização, e outros. Além de
não poderem contar com as vantagens que outros litigantes habituais têm em seu
favor, e suportar a demora da prestação dos Serviços Judiciais, sequer estão
suficientemente informados sobre os direitos que possuem e, por não serem
litigantes habituais, não contam ainda com as vantagens que têm alguns cidadãos
ou organizações, que com freqüência utilizam os Serviços de Justiça, podem ter.
Cappelleti e Garth fazem um sumário das enormes vantagens a favor dos
litigantes habituais:
1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhor
planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia em
escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem
oportunidade de desenvolver relações informais com os membros
da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por
maior número de casos; 5) pode testar estratégias com
determinados casos, de modo a garantis expectativa mais
favorável em relação a casos futuros.
26
A última questão colocada pelos autores diz respeito ao encaminhamento
dos direito difusos e coletivos.
27
Quando muitas pessoas se encontram numa
situação de serem titulares de direitos ameaçados ou negados, mas por não
poderem contar com meios de organização desses interesses, os benefícios
individuais de uma demanda judicialmente complicada são geralmente muito
26
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça: 26.
27
De modo grosseiro, a diferença entre esses direitos é que enquanto os
coletivos ligam as pessoas diretamente através de uma relação de base, onde é
possível determinar esses titulares do direito, como, por exemplo, numa ação
contra um plano de saúde que reajusta indevidamente os preços dos serviços de
saúde; os difusos têm como titulares pessoas que também estão ligadas por
uma situação de fato, mas são indeterminadas porque não é possível determinar
todas as pessoas que estão na mesma situação, de modo que há presunção que
todos podem ser potencialmente titulares desses direitos, no exemplo, de uma
propaganda enganosa, poluição ao meio ambiente e outros.
15
pequenos ante ao resultado individualmente considerado, fatores que contribuem
para a desistência de usufruí-los.
Os problemas identificados por Cappelleti e Garth ao acesso à justiça
ganham uma conotação mais qualitativa, além da questão do valor das custas, a
complexidade dos procedimentos processuais e encargo relacionado ao valor dos
honorários advocatícios, em outras vozes.
Viana observa que o acesso à justiça não pode se restringir a aspectos
quantitativos, o que facilmente, num primeiro momento, pode parecer a expressão
recorrente ao tema de reduzir os obstáculos que se atravessam entre o cidadão e a
administração da justiça. Ele põe a questão em seu eixo ao mencionar um segundo
aspecto do acesso à justiça, o qualitativo como revela:
Por acesso, então, entendo um processo e não uma estatística,
que pode ser enganosa, na medida em que o atendimento a um
maior número não necessariamente significa melhor distribuição
de justiça, processo esse referido à capacidade do Judiciário para
dar efetividade a direitos já consagrados, mas ainda não
regulamentados, e para criar uma jurisprudência que se empenhe
em uma ampliação crescente do consenso social.
28
O diagnóstico qualitativo do acesso à justiça implica identificar outras
externalidades como, por exemplo, i) as influências de classe social sobre as
decisões produzidas nos Serviços de Justiça e a ii) as naturalizações de diferenças
existentes no próprio direito substantivo, por exemplo.
A influência das preferências de classe social sobre a atividade dos agentes
dos Serviços de Justiça é uma questão que está a depender da efetiva possibilidade
de haver liberdades civis, como a de expressão, para o diagnóstico sobre o que
venha a se identificar como influências de classe social decorra do debate
formulado em um espaço público, e não numa discussão privatizada, onde se
estabeleça antecipadamente o caminho do debate que leve a um diagnóstico cujo
alcance já havia sido delineado.
29
28
VIANNA, L. W. Seminários Friedrich Naumann - n 5: 19
29
Um exemplo grave dessa questão qualitativa se vê na análise de Maccalóz
16
Já o segundo aspecto, apesar de padecer menos das influências do que
afirmei no parágrafo precedente, também no Brasil sofre pela interpretação social
que confunde o ideal da justiça com as leis, ou noutras palavras, no lugar de
considerar a lei como resultado também de uma produção social das diferenças,
reputa-a como produto de consensos socialmente neutros.
30
Santos atribui uma dimensão política mais visível ao Acesso à Justiça quanto
ao seu aspecto qualitativo.
31
Para ele, a expressão Acesso à Justiça se constitui
uma reação, constatando que a organização dos Serviços Judiciais não podem ser
reduzidos à sua dimensão técnica, pretendida como neutra, devendo levar-se em
conta as funções sociais por eles desempenhados e, em particular, o modo como as
opções técnicas no seu seio veiculam opções a favor ou contra interesses sociais
divergentes ou mesmo antagônicos.
32
Annoni, reconhecendo o aspecto qualitativo do acesso à justiça, também
conclui que os obstáculos à possibilidade de encaminhar eficazmente os direitos da
cidadania aos tribunais não estão adstritos à dimensão econômica, envolvem ainda
questões como a marginalização e a dominação cultural de alguns grupos:
citando depoimento de Nelson Jobim, atual ministro do Supremo Tribunal
Federal: o produto da Constituição de 1988, gerido por mim, na época relator
adjunto do processo constitucional, foi o resultado de um acordo entre atores do
processo judicial. Houve um entendimento entre juízes, ou seja, Associação dos
Magistrados Brasileiros e advogados, pela Ordem dos Advogados do Brasil (...).
E o que eles produziram na verdade? Espaços corporativos de manutenção do
mercado. Então deixem-me falar com clareza e transparência. Reformar o
Poder Judiciário, pela experiência que vivi, é mexer em um brutal, dividido e
sólido mercado de trabalho. (...) Pensem na seguinte afirmação: vamos
racionalizar os recursos. Por que racionalizar recursos significa, pura e
simplesmente, fazer com que a demanda produza um processo? A quem
interessa? A mim não interessa, porque quantos mais recursos houver, eu, como
advogado, ganho mais (...) Imaginemos se eu tivesse me afastado da atividade
parlamentar, para retornar à advocacia, abrindo um escritório profissional em
Brasília. Começar a falar em reduzir recursos seria reduzir os meus espaços de
trabalho. (...) Porque temos de Ter em vista, também, que o Poder Judiciário na
sua lentidão é um negócio. MACCALÓZ, S. M. P. O Poder Judiciário, os Meios de
Comunicação e a Opinião Pública: 24.
30
O atual referendo do desarmamento foi muito positivo nesse aspecto,
evidenciando para os cidadãos as disputas sociais que as leis buscam sintetizar,
como revelaram as respectivas campanhas.
31
SANTOS, B. de S. Introdução à sociologia da administração da justiça.
32
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-
modernidade: 167-168.
17
É bem verdade que os muitos aspectos de inacessibilidade da
justiça originam-se, como todos os problemas sociais, na ausência
total de uma educação para a cidadania. O não reconhecimento de
seus direitos é uma das causas da inacessibilidade social,
juntamente com falta de informação sobre a efetivação primeira
desse direito de petição, que passa pela assistência judiciária
gratuita, constituição de advogado dativo, isenção de custas e
despesas processuais outras, a exemplo do traslado das
testemunhas, perícia, emissão de certidões, dentre outras.
33
As soluções ao acesso à Justiça
Neste tópico, apresento algumas das soluções práticas para implementação do
direito ao acesso à justiça.
Como apontei, o direito ao acesso à justiça sofreu transformações quando o
Estado, para tentar assegurá-lo, interfere nos padrões que estruturam os Serviços
de Justiça, ou em síntese, quando o Estado cria condições para que ele deixe de ser
simplesmente o direito de petição. Mas de que forma? Estou me referindo às
soluções práticas implementadas pelo Estado para efetivar o acesso à justiça.
Cappelletti e Garth estudaram essas diferentes soluções para se efetivar o
direito do acesso à justiça, elas podem exemplificar, em certo alcance, essa
alteração nos padrões que estruturam os Serviços de Justiça. Para eles, teriam
surgido mais ou menos de maneira cronológica a partir de 1965 no mundo norte-
ocidental. Denominadas pelos autores como ondas, essas representariam diferentes
formas de atuação do Estado nos padrões que estruturam os Serviços de Justiça. A
primeira das ondas, conforme comentam os autores, foi a da assistência judiciária;
a segunda diz respeito a reformas tendentes a proporcionar representação jurídica
para os interesses difusos; e a terceira, inclui as soluções anteriores, mas se
propõe
atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e
compreensivo.
34
A primeira onda, de assistência judiciária aos cidadãos necessitados, foi
33
ANNONI, D. Direitos Humanos e Acesso à Justiça no Direito Internacional:
119.
34
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça: 31.
18
identificada na disponibilização de comissões de agentes privados ou públicos para
auxiliar os cidadãos no encaminhamento de seus direitos nos Serviços de Justiça,
ou exercer atividades consultivas, como extra-processuais, de orientação e
mediação de acordos. Observaram três tipos de assistência judiciária que
denominaram os modelos o Judicare, o de Defesa Oficial e o Combinado. Em linhas
gerais, esses modelos teriam algumas diferenças, apesar de todas, de um modo
geral, prestarem as mesmas funções. O Judicare consistiria na faculdade que têm
os cidadãos menos favorecidos economicamente de escolher um advogado
particular de sua confiança, a remuneração deste advogado é assegurada por um
fundo mantido pelo próprio Estado. A Defesa Oficial seria aquela em que haveria
um quadro já designado de advogados especializados em atender consultiva ou
processualmente os interesses dos cidadãos. Já o Modelo combinado ajustaria as
duas opções à conveniência do cidadão.
A Defensoria Pública é uma política social que se encaixa no modelo oficial
de Cappelletti e Garth, cuja vantagem seria a de realizar uma tarefa mais
ambiciosa de um serviço social, já que os profissionais
adquirem experiência no trato dos problemas dos necessitados,
enquanto profissionais encarregados de atender apenas interesses
individuais geralmente não são capazes de assegurar estas
vantagens.
35
A Segunda onda, representação dos interesses difusos, forçou a reflexão
sobre noções tradicionais muito básicas no processo civil sobre o papel dos
tribunais,
36
pois a concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para
proteção dos direitos difusos:
(...) o processo era visto apenas como um assunto entre duas
partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre
essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses
individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em
35
Idem: 41.
36
Idem: 49. Processo civil é aquele campo do direito que cria as condições
metodológicas de como os interesses devem ser encaminhados nos Serviços de
Justiça, fixando, entre diversas outras coisas, requisitos para ser parte num
processo, como ele se inicia e se extingue, os recursos cabíveis por aqueles que
não concordarem com as decisões judiciais e outros.
19
geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem
nesse esquema. As regras determinantes não eram destinadas a
facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por
particulares (...).
37
A terceira onda, dizem, parte da constatação que as duas medidas
precedentes, apesar de ensejarem tornar efetivos os direitos de indivíduos e grupos
que, durante muito tempo, estiveram privados dos benefícios de uma justiça
igualitárias,
38
têm seus limites. Ela, como nova tentativa de enfrentar os problemas
do acesso à justiça, encoraja uma série de alterações, no direito, na estruturação
dos tribunais, criação de novos, utilização de pessoas legais nos Serviços de Justiça
e de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios - algo que beira ao
aspecto qualitativo do acesso à justiça exigido por Santos e Vianna.
39
A titularidade dos direitos sociais e política social
Neste tópico, esclareço porque o acesso à justiça é um direito social para,
posteriormente, contextualizá-lo a experiência da edificação da política social no
Brasil. Meu argumento em torno da Defensoria Pública está baseado na
especificidade da construção desses direitos em nossa experiência política, onde
integraram um projeto de modernização conservadora.
A origem desse modo de referir-se à cidadania enquanto diferentes formas
de participação social advém do modelo de Marshall.
40
Adoto-o, não obstante com
alguns reparos no que se refere aos direitos sociais, a importância da utilização da
cidadania como instrumento de análise está em que ela
abre margem para enquadrar, por exemplo, a importância de
atores políticos do nível dos movimentos sociais com o objetivo de
operar as mudanças necessárias na estrutura da nossa
sociedade.
41
Quer dizer, é um instrumento analítico importante para se refletir sobre a
37
Idem: 50.
38
Idem: 68.
39
SANTOS, B. de S. Introdução à sociologia da administração da justiça;
VIANNA, L. W. Seminários Friedrich Naumann - n 5.
40
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status.
41
VIEIRA, J. R. A Cidadania – sua complexidade teórica e o direito: 219.
20
organização e distribuição do poder nas sociedades. Mas essa forma de análise da
cidadania é recente nas ciências sociais; essa abordagem de correspondê-la a idéia
de participação dos atores políticos e ainda retirá-la da mera acepção de
nacionalidade coube a Marshall contribuiu ao reconhecer a cidadania enquanto
experiências públicas e não meramente um vínculo com o Estado, indicando a
nacionalidade, ou ainda, uma referência aos direitos políticos. Desde então na
literatura política, bem mais que indicar direitos políticos, como o de votar, ou
separar as pessoas, em cidadãos do Brasil, da França e outros, a cidadania
compreende uma variedade de papéis sociais.
Uma conotação ordinária é compreender cidadania enquanto direitos, assim,
ser cidadão ou exercer esse status, corresponde a exigência de ter ou exigir
direitos, o que a grosso modo, não deixa de ser correto, porém Marshall de forma
menos vaga, vai afirmar serem os direitos uma decorrência de determinados papéis
que, ao transcorrer da história moderna, vão ser considerados indispensáveis para
administrar a complexidade da vida social.
O papel do direito então vai ser o de expressar o compromisso do Estado
para garantir e proteger tais papeis sociais. Em sua obra Cidadania, Classe Social e
Status, ainda que se referisse à experiência inglesa, ofereceu elementos analíticos
para se tentar resolver o problema da identificação, em que momento se pertence à
sociedade política, ou noutros termos, em que situações próprias a pessoa pode ser
considerada cidadão.
Marshall focaliza sua narrativa do século XVIII ao XX, quando já havia ruído
o sistema de lealdade entre grupos dirigentes (monarcas, imperador e clero) do
Período Feudal, que disputavam entre si regalias, dando surgimento ao Estado
Moderno que se propôs universalizar aos membros da sociedade política papéis
sociais que no ancien regime, eram privilégios.
Esses conteúdos da cidadania, ou em outras palavras, essa condição
humana mínima da vida em sociedade, foi distinguida por ele em situações, papéis
21
sociais básicos, ou indispensáveis, no seu dizer, para participação integral na
sociedade por envolverem:
i) a esfera de atuação privada do cidadão, os acontecimentos de
sua vida pessoal, protegendo de restrições a certos meios
concretos de exercer ou não as suas preferências, como sua
locomoção pelo espaço físico, a expressão de suas idéias, a defesa
de sua propriedade e outros;
ii) poder de como membro da comunidade de deliberar e fiscalizar
a administração da força em busca de especificidades que se
deseje conservar; e
iii) a esfera não privada de ação, como os direitos civis, mas
aquela que considera interesses coletivos, de determinados grupos
sociais.
Esses papéis vão identificar o elemento civil, político e social da cidadania
expressos nos direitos que buscam assegurá-los e por sua vez, terão a
nomenclatura correspondente: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais, em
suas próprias palavras teriam o seguinte leitmotiv:
O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade
individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa,
pensamento e fé, o direito a proteção e de concluir contratos
válidos e o direito à justiça. (...) Por elemento político se deve
entender o direito de participar no exercício do poder político,
como um membro de um organismo investido da autoridade
política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. (...) O
elemento social, se refere a tudo o que vai desde o direito a um
mínimo de bem-estar econômico e segurança de participar, por
completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de
acordo com os padrões que prevalecem na sociedade.
42
O reparo a que me referi merece ser aplicado aos direitos sociais. O
problema é que, conforme Oliveira,
43
há uma incoerência na concepção de direitos
sociais, por não distinguir os sujeitos desses direitos daqueles outros dos civis e
políticos.
Para Marshall, mesmo anteriormente ao século XX já havia os direitos
sociais, a experiência inglesa, diz, dos séculos XVII, XVIII e XIX não criou novos
direitos, não inventou as dimensões da cidadania, consistiu não na criação geral de
novos direitos para enriquecer o status já gozado por todos, mas na doação de
42
Grifos meus.
43
OLIVEIRA, I. R. Discussão de Justiça Social em Contraposição à Concepção de
Justiça no Liberalismo: a problemática do direito natural moderno: 89.
22
velhos direitos a novos setores da população,
44
quer dizer, universalizou-os.
Para Oliveira, tal afirmação evidencia que ele confundiu as políticas
compensatórias da pobreza introduzidas no sistema de proteção social do Estado
Moderno absolutista do século XVIII com as redistribuitivas do welfare state,
baseado num sistema de seguro contra os riscos da vida em sociedade que não
podem ser responsabilizados individualmente.
Com efeito, além da própria noção de direitos sociais de Marshall ser
bastante vaga, entendidos como o direito a um mínimo de bem-estar econômico e
segurança ao direito de participar, por completo, na herança social,
45
afirma que os
direitos sociais já existiam antes mesmos das experiências sociais dos séculos XIX e
XX:
Nos velhos tempos, esses três direitos estavam fundados num só.
Os direitos se confundiam porque as instituições estavam
amalgamadas. Como Maitland disse: quando mais removemos
nossa história, tanto mais impossível se torna traçarmos uma linha
de demarcação rigorosa entre as várias funções do Estado – a
mesma instituição é uma assembléia legislativa, um conselho
governamental e um tribunal de justiça... Em toda parte, à medida
que passamos do antigos para o moderno vemos o que a Filosofia
da moda chama de diferenciação. Maitland se refere, nesta
passagem, à fusão das instituições e direitos políticos e civis. Mas
os direitos sociais do indivíduo igualmente faziam parte do mesmo
amálgama e eram originários do status que também determinava
que espécie de justiça ele podia esperar e onde podia obtê-la, e a
maneira pela qual podia participar da administração dos negócios
da comunidade à qual pertencia (ibidem, pg. 64).
46
A falha apontada por Oliveira em Marshall é uma das confusões comuns no
que se referem aos direitos sociais e, em vez de demandarem a limitação do poder
do Estado, exigem sua intervenção sobre os padrões de estruturação da sociedade
para compensar a hipossuficiência de certos grupos sociais.
47
O sujeito desses direitos não é mais o cidadão indivíduo, porém, grupos
sociais, que só podem exercer aquela igualdade humana básica associada com o
44
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status: 69.
45
Idem: 63.
46
Idem: 64. Grifo meu.
47
BOBBIO, N. A Era dos Direitos: 72.
23
conceito de participação integral na comunidade de que fala Marshall quando o
Estado reconhece que, no plano prático das relações sociais, alguns grupos,
justamente por possuírem demandas específicas, não são iguais aos outros.
Por exigir uma intervenção do Estado, um critério talvez para se aferir se
existe uma implementação de um direito social, quer dizer, se ele resolve a grande
exigência dos estatutos contemporâneos, ser efetivo no plano das relações sociais,
é se seus titulares, coletivamente considerados, podem utilizá-los, em poucas
palavras, se a ele corresponde uma política social. Por um lado, se a passividade do
Estado nas condições em que são oferecidos os Serviços de Justiça, por exemplo,
pode indicar uma aceitação do princípio da responsabilidade individual naqueles
serviços; por outro lado, toda e qualquer intervenção estatal não pode significar a
implementação do acesso à justiça, enquanto uma dimensão social da cidadania.
O que torna o acesso à justiça uma dimensão social não é qualquer
intervenção estatal, todavia que essa intervenção impeça que alguns grupos se
tornem mais fortes que outros, inferiorizados nos Serviços de Justiça, por razões
econômicas, culturais e porque não dizer, políticas. Corresponda a uma política
social e não compensatória dos males da pobreza. Em boa parte de história
brasileira, apesar de ser reconhecido o acesso à justiça em termos de direito social,
não se realizou por faltar a correspondente política social para implementá-lo com
esse sentido que lhe é substancial, desnaturalizar as hierarquias no
encaminhamento dos direitos da cidadania.
Intervenções públicas em matéria de acesso à justiça para serem
compreendidas como políticas sociais devem ter uma vocação universalista que
afastem ao máximo a possibilidade que uns cidadãos possam encaminhar seus
interesses nos Serviços de Justiça, aproveitando-se da inferioridade econômica,
cultural ou social de outros, isso sem falar no próprio aspecto qualitativo do acesso,
que envolveria a transformação do próprio conteúdo do direito.
24
Não obstante, o caráter social ou compensatório dessas intervenções vai
depender do contexto da cidadania. Quanto maiores os custos de sua violação,
maior pode ser o alcance sobre o diagnóstico do que venha a ser obstáculo ao
acesso à justiça. Em um ambiente onde se restringe ou se impede a possibilidade
de exigir, discordar, apresentar propostas alternativas, dificilmene resulta um
projeto progressista de acesso à justiça.
A defensoria do Rio de Janeiro, de um modo geral, resultou de cenários
sociais de baixa densidade da cidadania política e civil, o que, sem dúvida,
contribuiu para cercar de fronteiras sobre o debate do que venha a ser obstáculo ao
efetivo encaminhamento de direitos através dos Serviços de Justiça. Por conta
disso, até hoje fica fácil pensar o acesso à justiça como uma política social
universalmente válida para todas as exigências sociais.
Os tipos de percurso da cidadania
Neste tópico, exponho algumas reflexões sobre a questão do percurso
48
dos direitos
da cidadania. Elas vão examinar a lógica política e conseqüências, identificadas
pelos autores a seguir, de se projetar determinados caminhos, em detrimento de
outros, para a construção da cidadania, quer dizer, começar a institucionalização da
cidadania primeiro através dos direitos políticos, antes dos civis, por exemplo.
A tentativa teórica de se determinar a ordem da institucionalização dessas
formas de participação civil, política e social (que aqui também chamo de
dimensões da cidadania) no Brasil busca associá-las aos nossos problemas, para
pensá-los, para tentar se aferir até que ponto são responsáveis por nossas
ineficiências, sejam no âmbito dos direitos civis, políticos ou sociais e o que é
possível para maneja-los. Esse dado não foi ignorado pelas elites dirigentes no
Brasil, especialmente os setores conservadores, mesmo nos primórdios da
48
Chamarei de percurso, caminho ou trajetória, a exemplo do que faz Carvalho,
os acontecimentos capazes de indicar o que se buscou assegurar enquanto
forma de participação social em nossa experiência, quer dizer, reconhecer e/ou
efetivar a dimensão civil, política ou social da cidadania, num sentido
cronológico. CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho.
25
república, suspeitaram que haveria uma relação objetiva com respeito a quais das
dimensões da cidadania primeiro foram asseguradas. O problema é, que, como
veremos no tópico final desse capítulo, suas conclusões a respeito e manejo que daí
decorreu foi decisiva para a formulação dos direitos sociais, por exemplo, alterando
sua eficácia e conteúdos. Meu olhar sobre a Defensoria Pública do Rio de Janeiro
encontra heranças dessa interpretação sobre a construção na cidadania no Brasil,
que, para mim, condicionou negativamente seus resultados, através de
intervenções elaboradas em seu formato institucional.
Nas linhas precedentes, me referi aos percurso da cidadania, como toda
rota, caminho, há sempre uma variada sujeição de trajetórias, e também de
atalhos. Aproveitando ainda a metáfora, na falta de outra melhor, a ciência política
tem um atalho para a construção da cidadania, que chamarei de modelo, um
modelo clássico para a construção da cidadania; ele advém da interpretação
formulada sobre a experiência de revoluções burguesas, como no caso da
experiência inglesa. Uma dessas famosas interpretações é a de Marshall, ele sugere
uma ordem ideal para surgimento ou ampliação dos direitos da cidadania. Por seu
raciocínio, cada um dos direitos da cidadania seria a contrapartida um dos outros,
porque um direito da cidadania vai atribuir maior substância ao outro. Por exemplo,
para falar da história dos direitos políticos, adverte que o seu período de formação
começou
(...) no início do século XIX, quando os direitos civis ligados ao
status de liberdade já haviam conquistado substância suficiente
para justificar que se fale de um status geral de cidadania.
49
Ou em outro trecho quando afirma:
(...) o método normal de assegurar direitos sociais é o exercício do poder
político, pois os direitos sociais pressupõem um direito absoluto a um determinado
padrão de civilização que depende apenas do cumprimento das obrigações gerais
49
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status: 69. Grifo meu.
26
da cidadania.
50
A narrativa de Marshall confirma essa interpretação; foi o século XVIII, diz,
que abrangeu o período formativo dos direitos civis,
51
o século XIX, o da formação
dos direitos políticos, quando os direitos civis ligados ao status da liberdade já
haviam conquistado substância suficiente para justificar que se fale de um status
geral de cidadania,
52
e, direitos sociais, no século XX.
53
Pandolfi comenta esse aspecto:
Marshall demonstrou que o surgimento desses três tipos de direito
teria obedecido a uma seqüência cronológica, seqüência esta que
estaria presidida por uma lógica política. As pessoas, por terem
direitos civis, lutariam por direitos políticos e, consequentemente,
conquistariam direitos sociais. Por serem a base da cidadania, a
precariedade dos direitos civis dificultaria a conquista e a
preservação dos direitos políticos e sociais (...).
54
A ordem dessa ampliação mereceu estudo mais elaborado na teoria política.
Dahl comentando experiências de regimes políticos, observou que alguns deles são
mais passíveis que outros de chegar a um regime democrático, onde os governos
estão sujeitos a uma contínua responsividade às preferências dos cidadãos,
considerados politicamente iguais.
55
Esses caminhos, observou a partir da extensão
com que se asseguram duas formas de participação social concebidas em dois
modos básicos, a contestação pública e a inclusão:
Tanto histórica como contemporaneamente, os regimes variam
também na proporção da população habilitada a participar, num
plano mais ou menos igual, do controle e da contestação à
conduta do governo.
56
Dahl vai analisar o desempenho dos Estados na busca de democratização,
conforme o caminho que adotaram nesse rumo a partir de três hipótese possíveis,
50
Idem: 86.
51
Idem: 66.
52
Idem: 69.
53
Idem: 70.
54
PANDOLFI, D. C. Percepção de direitos e participação social: 48.
55
DAHL, R. Poliarquia.: 25.
56
Idem: 28.
27
conforme o seu modelo: I) a liberalização precede a inclusividade; II) a
inclusividade precede a liberalização; e III) atalho, as duas são abruptamente
reconhecidas. Para ele, o primeiro caminho é o mais curto para a democratização e
o mais comum nos dos Estados antigos:
57
As regras, as práticas e a cultura da política competitiva
desenvolveram-se primeiramente entre uma pequena elite, e a
transição da política não partidária para competição partidária
também ocorreu inicialmente dentro do grupo restrito. Apesar de
esta transição raramente ter sido fácil, e de os conflitos partidários
serem freqüentemente ásperos e duros, a severidade do conflito
era restringida pelos laços de amizade, família, interesse, classe
social e ideologia que permeavam o grupo restrito de notáveis que
dominava a vida política do país. Mais tarde, na medida em que
novas camadas sociais eram admitidas na política, elas eram mais
facilmente socializadas nas normas e práticas da política de muitas
gerações.
58
O percurso brasileiro, como se verá, seria o segundo exemplo da
combinação dos eixos de Dahl, onde antes mesmo de estar previamente instituídas
e estabelecidas as regras de disputa dos interesses, o que inclui aí a efetivação da
dimensão civil da cidadania, institui-se a inclusão, a política.
Diria que Dahl, nos termos de Marshall, está se referindo aos papéis sociais
ligados a dimensão civil da cidadania (eixo da liberalização) e a política (eixo da
inclusão). Meu raciocínio para tal junção de modelos é que de um lado, os direitos
que expressam a dimensão civil da cidadania permitem que as preferências dos
cidadãos possam ser livremente expressadas, sem qualquer restrição que ameace
essa dimensão da cidadania, como prisões arbitrárias, ameaça de violência física,
censura, possibilidade de utilizar os Serviços de Justiça, liberalização; de outro, a
dimensão política da cidadania enseja que essas preferências sejam igualmente
consideradas na aritmética das decisões políticas, inclusão.
Então, pelo modelo de Dahl, adaptado aqui às dimensões da cidadania de
Marshall, o caminho I da liberalização precedendo a inclusividade, seria o mais
57
Apesar de afirmar, ele não será seguido no futuro pois, como já temos
observado, a maioria dos países com regimes hegemônicos já é inclusiva. Idem:
56.
58
Idem: 54.
28
curto para a expansão da cidadania, porque os direitos de liberdade da cidadania
civil já estariam tão institucionalizados que, no momento em que são utilizados por
aqueles grupos que querem exercer a cidadania política, tornam-se muito alto os
custos para os grupos dirigentes dissuadí-los através da violência, porque
particularmente a repressão provocaria a destruição de um
sistema bem desenvolvido de segurança mútua.
59
Os dois outros caminhos, segundo Dahl, são mais perigosos e lentos, porque
mais difícil se torna construir um sistema de institucionalização dos direitos civis:
(...) quanto maior for o número de pessoas e a variedade e
disparidade dos interesses envolvidos, mais difícil é a tarefa e
maior o tempo por ela exigido. A tolerância e a segurança mútua
são mais passíveis de se desenvolver entre uma pequena elite
partilhando perspectivas comuns do que entre uma coleção grande
e heterogenea de líderes representando camadas sociais com
objetivos, interesses e visões largamente diferentes.
60
Converter os privilégios políticos em direitos universalizados, diz, pode
facilitar, e, muito, a não aceitação dos resultados, porque os custos de rejeitá-los
seriam baixos, além de não haver tempo suficiente para o aprendizado, para a
institucionalização das liberdades da cidadania civil:
(...) Durante a transição, quando surge um conflito, nenhum dos
lados pode estar inteiramente confiante de que é seguro tolerar o
outro. Como as regras do jogo político são ambíguas e a
legitimidade da política competitiva é fraca, os custos da supressão
podem não ser exageradamente altos.
61
Entendo que Dahl se refere aos riscos do modelo onde o percurso é iniciado
pelos direitos políticos, como é o caso do Brasil. Observo que o objetivo de
relacionar o modelo desses autores é relevante: um (Marshall) traz instrumentos
analíticos importantes para identificar diferentes tipos de participação social e o
outro (Dahl) destaca o que passa de modo desprevenido no texto do outro: os
custos, os recuos que a cidadania pode sofrer conforme o seu percurso de sua
ampliação. Quer dizer Dahl confirma a lógica política encontrada por Marshall na
construção da cidadania, porém além de explicá-la mais objetivamente, investiga
59
Ibidem.
60
Ibidem.
61
Idem: 55.
29
os outros caminhos.
Marshall tinha o objetivo de apontar que a cidadania era um status político,
indispensável para se legitimar uma sociedade constituída de classes sociais
resultantes do processo de acumulação capitalista e o outro como as escolhas em
torno das formas de expressar o status da cidadania podem revelar o poder de
barganha dos grupos sociais, mas será Antonio Gramsci (1891-1937) que explicará
por meio de quais instrumentos de engenharia política se poderá retardar e
controlar ampliação da cidadania, assunto examinado na parte final deste capítulo.
Daí a necessidade de olhar a rota da cidadania descrita por Marshall, a partir
das observações de Dahl cujos estudos explicam por quê os tipos de percurso da
construção da cidadania prenunciam diferentes arranjos de poder entre os grupos
sociais, a densidade, ou em que nível estão organizados e representados seus
interesses.
A ampliação da cidadania vai depender sempre da pressão dos beneficiários
e da disposição dos dirigentes em aceitar as reformas. A afirmação precedente leva
talvez a uma confirmação de que o caminho que se inicia pelos direitos civis é mais
seguro, por elevar os custos da violência, em suas diversas manifestações. A
importância do modelo de Dahl está justamente em pretender dar conta da
combinação desses elementos.
Já as reações resultantes da cisão de interesses que envolve a construção da
cidadania está examinada no trabalho de Hirschman que se ocupou das contra-
investidas reacionárias que avançaram a cada uma das sucessivas tentativas de
ampliação da cidadania, revelando que sua edificação não se deu sem dissensos,
não foi linear, sempre houve aqueles que justificaram a restrição da ampliação da
cidadania sob os mais diversos argumentos que o citado autor teorizou. Ao fazê-lo,
comprovou que, sobre edificação das diferentes dimensões da cidadania, pesavam
sérias divergências ideológicas, responsáveis por lutas sociais e recuos nos projetos
de ampliação da cidadania. Essas reações foram identificadas por Hirschman em
30
determinados episódios significativos e argumentos teóricos, que apesar de
(...) fazer poucas propostas de instituições alternativas, grande
parte dessa literatura prevenia, explícita ou implicitamente, contra
os perigos extremados que ameaçavam a sociedade, como
resultado da tendência à democratização.
62
Identificou argumentos típicos que foram adotados para derrubar as políticas
e os movimentos progressistas, classificados por ele como as três teses
reacionárias: a tese da perversidade, a tese da futilidade e a tese da ameaça. Em
síntese
(...) De acordo com a tese da perversidade, qualquer ação
proposital para melhorar um aspecto da ordem econômica, social
ou política só serve para exacerbar a situação que se deseja
remediar. A tese da futilidade sustenta que as tentativas de
transformação social serão infrutíferas, que simplesmente não
conseguirão deixar uma marca. Finalmente, a tese da ameaça
argumenta que o custo da reforma ou mudança proposta é alto
demais, pois coloca em perigo outra preciosa realização anterior.
63
Assim, essas três teses são utilizadas contra cada uma das dimensões da
cidadania. Vejamos o seu exemplo especialmente no que diz respeito aos direitos
sociais correspondente ao Welfare State.
Pela tese da perversidade, as tentativas de intervenção do Estado, políticas
públicas que tentem implementar direitos sociais, corrigindo efeitos nocivos do
mercado, são contraproducentes e iriam tornar a pobreza uma profissão. Citando
Burke, Malthus e Tocqueville, como críticos das leis de assistências aos pobres
como as Poor Laws inglesas, que, no seu entender seriam direitos sociais, seriam
medidas irresponsáveis
visão ingênua não levava em conta as reações da oferta, os
incentivos incorporados ao esquema: a disponibilidade da
assistência, argumentava-se, age como incentivo positivo à
preguiça e à depravação, e portanto, produz pobreza em vez de
aliviá-la.
64
O ataque da futilidade aos direitos sociais é mais elaborado, pois é anterior a
62
HIRSCHMAN, A. O. A Retórica da Intransigência – perversidade, futilidade,
ameaça: 14.
63
Idem: 15-16.
64
Idem: 31.
31
própria realização dos efeitos da perversidade, aliás, pela tese da futilidade, aquela
primeira ameaça, sequer, pode vir a ocorrer, porque os efeitos perversos partem do
pressuposto que as transferências de pagamentos aos desempregados, aos
incapacitados e aos pobres em geral cheguem a seus destinatários, quer dizer,
é preciso que o Welfare State conte com, pelo menos, uma
realização anterior a seu crédito: gere as transferências de
pagamento e faça com que elas de fato cheguem aos pobres. Só
então as conseqüências nocivas (preguiça, dependência etc)
podem realmente ocorrer.
65
A acusação dos opositores aos direitos sociais nos moldes da tese da
futilidade afirma que esse crédito não se realiza, porque a justificativa é
fraudulenta; seu objetivo não é criar um plano de assistência aos pobres, mas sim
à classe média, para assegurar empregos a um grande grupo de administradores,
assistentes sociais e diversos burocratas que buscam assegurar seus próprios
interesses.
Segundo o autor, esse argumento detém a qualidade de insulto, pois, em
vez da tese da perversidade que aponta, no máximo, a ingenuidade ou a
inconseqüência de não se ponderar efeitos contrários aos esperados, vê seus
promotores como fraudadores do sistema de transferência dos direitos sociais.
Assim, os gastos públicos são feitos para o benefício primário das classes médias.
Esses dois argumentos têm em comum mostrar que as ações empreendidas para
alcançar um propósito determinado fracassam, seja por não ocorrer mudança
alguma, seja porque a ação tem efeitos negativos não previstos. A tese da ameaça
é um argumento mais moderado a ação progressista, não o ataca diretamente, até
admite que o objetivo seja desejável em si, mas acarreta custos ou conseqüências
inaceitáveis de outro tipo.
No exemplo dos direitos sociais, essa tese afirma que os benefícios
propostos pelo Welfare State porque põem em risco as outras dimensões da
65
Idem: 57.
32
cidadania, pois uma intervenção do Estado nos padrões que estrutura a
organização da sociedade seria destrutiva para a liberdade.
66
Todavia, no percurso brasileiro da construção do acesso à justiça não pude
localizar o golpe reacionário que ele tenha sofrido através de depoimentos
expressos, capazes de ser rotulados em uma das teses de Hirscham, mas estou
inclinado a acreditar que ele mesmo, não sendo implementado em uma extensão
progressista, assim como exemplos a seguir citados, foi adotado como instrumento
de troca de diferentes dimensões da cidadania prescindidas no Brasil, como a
política e a civil.
Revolução passiva
Aqui esclareço a ferramenta teórica adotada nesta dissertação para pensar
relacionadamente à experiência da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Apesar de ter citado Dalh, em sua teorização sobre os diferentes percursos da
cidadania, ele não dá conta, aliás, seus modelos não se prestam a esse propósito,
de quais as manobras utilizadas para reduzir os custos da cidadania civil e política.
Como pretendo provar a defensoria foi elaborada dentro de um projeto de
engenharia política onde os direitos sociais foram um instrumento de cooptação das
massas, para evitar que elas próprias definissem os conteúdos da cidadania no
Brasil.
Acredito que o conceito epigrafado, concebido pelo filósofo italiano Antonio
Gramsci (1891-1937), dê conta dessa minha hipótese de que a Defensoria Pública
do Estado do Rio de Janeiro é um exemplo de uma modernização conservadora no
plano de políticas públicas para implementação controlada do acesso à justiça no
Brasil.
O resultado prático da visão elitista dos grupos dirigentes no Brasil, a ser
apontado no item seguinte, será a reação a possibilidade real ou potencial de um
66
Idem: 94.
33
projeto progressista do acesso à justiça no Brasil, empenhado em assimilar as
demandas populares na dosagem segura, quer dizer, em não permitir a plena
implementação do acesso à justiça, que tem como seu âmago não só oferecer
advogados aos pobres, mas impedir, por diferentes políticas, das quais a defensoria
pública é um exemplo importante,
67
que externalidades sociais, geralmente
decorrentes das desigualdades que se naturalizam nas sociedades capitalistas,
inferiorizem uns cidadãos frente a outros no encaminhamento processual dos
direitos de sua cidadania.
Gramsci construiu essa ferramenta teórica para analisar o processo de
formação do Estado burguês moderno na Itália, episódio conhecido como o
Risorgimento, quando o Estado de Piemonte lidera um movimento que vai resultar
na formação da Itália como Estado nacional unitário e, ainda, para explicar a
edificação do capitalismo no Estado italiano com o facismo, através de uma
intervenção legislativa que introduz, direciona o modo de produção na Itália, mas
sem interferir na apropriação privada de seus lucros.
Todavia, autores aqui citados
68
aplicam a ferramenta teórica de Gramsci a
experiência político-social brasileira. São unânimes em afirmar que vários
acontecimentos da história brasileira, como a independência da metrópole, a
Revolução de 30 e o Golpe de 1964, e outros, são exemplos de acontecimentos
promovidos por elites dirigentes que se anteciparam a real ou provável hipótese de
alterações indesejáveis na história brasileira. Por esse raciocínio, até mesmo a Nova
República estaria compreendida nesse caminho, apesar de afigurar-se como
resultado de uma transição de regime, porque assegurou a permanência dos
mesmos velhos membros da elite civil que apoiavam os dirigentes autoritários;
69
essa velha elite soube assimilar as demandas de cidadania civil e política e, com
67
Aqui faço referência subliminar às outras soluções práticas do acesso à justiça
citadas no item As soluções ao acesso à justiça.
68
COUTINHO, C. N. Gramsci – um estudo sobre seu pensamento político;
VIANNA, L. W. Seminários Friedrich Naumann - n 5.
69
ARTURI, C. S. O debate teórico sobre mudança de regime político.
34
isso, dissuadir quaisquer tentativas, violentas ou não, de retirar lhes do papel de
intermediários das trocas políticas.
A Revolução Passiva é uma nítida referência às revoluções tipo burguesas,
aquelas que a renovação se deu de baixo para cima, quer dizer, a pressão de
grupos razoavelmente organizados que impuseram suas demandas na extensão de
suas próprias escolhas . Nela, o que ocorre não é uma revolução, mas uma
restauração da ordem situacionista, ante a possibilidade de uma radical
transformação do sistema político, através de renovações operadas pelas mesmas
velhas camadas dominantes que assimilam parte das demandas dos grupos
populares, ou, ainda, nas palavras de Gramsci citadas por Coutinho:
o fato histórico da ausência de uma iniciativa popular unitária do
desenvolvimento da história italiana, bem como o outro fato de
que o desenvolvimento se verificou como reação das classes
dominantes ao subversivismo esporádico, elementar,
desorganizado, das massas populares, mediante restaurações que
acolheram uma certa parcela das exigências provenientes de
baixo: trata-se, portanto, de restaurações progressistas, ou
revoluções-restaurações, ou ainda revoluções passivas.
70
Essas restaurações não anulam o fato de ocorrer modificações,
difere da contra-revolução, essa, sim, uma reação manifesta à
mudança social.
71
O que lhe dá um caráter de modernização conservadora é que, apesar das
mudanças, o seu teor progressista é controlado, os efeitos da reforma são
dominados na extensão do desejável pelos velhos grupos dirigentes.
Ainda segundo Coutinho na leitura de Gramsci, as conseqüências, ou nos
seus termos as duas causas-efeitos da prática da Revolução Passiva são: o
fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil, ou para ajustar aos
termos de minha dissertação, a subtração da cidadania política e também ao preço
da civil; e, por outro lado, a pratica modernizadora com exclusão das massas
70
COUTINHO, C. N. Gramsci – um estudo sobre seu pensamento político: 198-
199.
71
VIANNA, L. W. Seminários Friedrich Naumann - n 5: 70.
35
populares.
72
Vianna interpreta que a construção gramsciana sugere que o exemplo de
Revolução Francesa teria sido não a regra, porém a exceção no processo de tomada
do poder pela burguesia,
73
assim distinguiria tipos de revolução passiva:
formas atrasadas (Itália), intermediárias (Alemanha) e avançadas
(Inglaterra).
74
O que determina essas formas é o grau, o elemento jacobino,
maior ou menor presença ativa do portador da antítese, mesmo
que derrotado, o que singulariza uma forma atrasada de uma
forma avançada.
75
Então, duas características básicas da Revolução Passiva, de uma solução
pelo alto vinda dos grupos dirigentes, e não de baixo como contra-partida dos
direitos políticos dos grupos dominados são: primeiro, o aspecto da restauração, e
não revolução, ou ainda, como já apontei não de contra-revolução; a restauração
se justifica como uma reação a possibilidade real ou provável de mudança radical
de baixo para cima. Esse primeiro aspecto busca antecipar as mudanças antes que
elas cheguem na intensidade indesejável capaz de retirar do papel de intermediária
das trocas políticas as elites dirigentes restauradoras. O segundo aspecto muito
ligado ao primeiro é o da assimilação, as mudanças trazidas pela restauração têm o
conteúdo das demandas dos grupos dominados, no entanto, como são antecipadas
na restauração e postas em prática pelos velhos grupos dirigentes o seu resultado
prático é controlado. Quer dizer há efeitos de modernização, porém controlada,
modernização conservadora, mas que apesar de tudo abre caminho para novas
transformações reais.
76
Como apontarei nos capítulos seguintes, os setores desfavorecidos do Brasil,
de longa data, foram objeto do direito social do acesso à justiça; na maioria dos
72
COUTINHO, C. N. Gramsci – um estudo sobre seu pensamento político: 203.
73
VIANNA, L. W. A Revolução Passiva – Iberismo e Americanismo no Brasil: 72.
74
Idem: 73.
75
Idem: 73.
76
COUTINHO, C. N. Gramsci – um estudo sobre seu pensamento político: 198.
36
casos, a proposta vinha pelo alto, em ambiente de baixa ou nenhuma liberdade
política, do que restaram políticas sociais de efeito aquém do desejável, ou melhor,
para uma meta, em grande medida, meramente quantitativa de implementação do
direito ao acesso à justiça.
Medidas que em seu conjunto, por um lado, visavam fortalecer o Estado,
concentrando o modelo de assistência jurídica oficial no exemplo do Rio de Janeiro
nas defensorias públicas, deixando ao abandono ou ao esforço de própria sociedade
civil a possibilidade de organizá-las, restringindo-se a políticas regulatórias nesse
sentido, como a de isenções de custas, e por fim, evitando que as defensorias
públicas tenham papel relevante de desfazer o trabalho engenhoso do legislador
brasileiro de evitar o encaminhamento coletivo dos direitos da cidadania.
A Defensoria do Estado do Rio de Janeiro é pioneira enquanto política social
de acesso à justiça e alguns pontos de sua estrutura institucional são uma prova
dessa face restauração e assimilação da revolução passiva, que, apesar dos
retardos que ensejaram a efetivação daquela dimensão social da cidadania, abriu
caminhos para a possibilidade de uma real transformação das políticas de acesso à
justiça no Brasil.
O percurso da cidadania no Brasil
Neste tópico, desenvolvo algumas questões que identificam o papel dos direitos
sociais no Brasil.
Os direitos sociais no Brasil cumpriram o papel de restauração, para evitar
reformas mais amplas, capazes de transformar o quadro dos direitos da cidadania,
assimilando parte das demandas das camadas populares.O imaginário intelectual
brasileiro, desde o início da República, apesar de não se referir à política social, ou
muito menos ao acesso à justiça, é revelador no sentido de justificar
ideologicamente uma solução pelo alto para os caminhos da construção da
cidadania no Brasil.
37
Mirados na seqüência anglo-saxã da construção da cidadania, muitos dos
pioneiros de pensamento social brasileiro chegaram a conclusões que se dividiam
sobre as razões da inferioridade do povo brasileiro. Alguns chegavam a dizer que
no Brasil não havia ainda cidadãos capazes de se organizar em torno dos interesses
da nação, então, por tal havia necessidade de um Estado forte, capaz de fazer
escolhas que o povo não estaria hábil a fazer.
Justificando um autoritarismo instrumental para desarticular a organização
dos movimentos sociais, reconhecem na cidadania social o meio de direcionar o
caminho da participação mais adequado aos cidadãos brasileiros, segundo os
mesmos, ainda inábeis no uso da cidadania política. Adotam a cidadania social, mas
têm o cuidado de atribuir a mesma um papel constitucional de compromisso político
dependente de implementação. A idéia era de que cabia ao Estado fixar as metas
pelas quais a sociedade deveria lutar, porque a própria sociedade não seria capaz
de fixá-las.
Para o conservadorismo brasileiro, as evidências da incapacidade do povo
em se organizar estariam no julgamento tendencioso feito sobre o percurso da
cidadania, onde a concessão prematura dos direitos políticos não permitiu a
transformação do cidadão brasileiro nos padrões ideais; segundo essa visão, no
Brasil, a trajetória teria se iniciado com os direitos políticos, conforme indica o
constitucionalismo brasileiro.
Constituição Imperial de 1824, que regeu o país até o fim da monarquia,
incorporou a dimensão política da cidadania de forma muitíssimo ampliada para os
padrões da época, até mesmo para Estados donde originaram as idéias da
democracia representativa moderna, como a Inglaterra.
77
Para se ter uma idéia, naquela ilha através da Reform Bill de 1832,
propunha-se a ampliação do direito de voto para todos os chefes de família do sexo
masculino que vivessem em prédios urbanos, taxados anualmente em dez libras
77
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho.
38
esterlinas ou mais.
Apesar de deixarem fora do exercício da cidadania política cerca de 90% da
população adulta masculina inglesa,
78
admitia, pela primeira vez, o direito de voto
para as classes altas industriais, comerciais e profissionais, mesmo assim, ao preço
de oponentes que acreditavam
79
ser essa incorporação de novos cidadãos capaz de
destruir o complexo equilíbrio da constituição inglesa, custosamente alcançado
quanto aos elementos de realeza, aristocracia e democracia.
Já pela Constituição Imperial Brasileira de 1824, podiam votar todos os
homens de 25 anos ou mais, limitação que caía para os chefes de família, dos
oficiais, bacharéis, clérigos, empregados públicos. Até mesmo os analfabetos
podiam votar. A constituição estabelecia critério qualitativo baseado numa renda
mínima de 100 mil-réis, mas
Até 1875, as leis que regulavam as eleições não especificavam
como a renda do votante e do eleitor seria comprovada. Portanto,
cabia ao órgão de qualificação a definição de quem poderia votar.
Pela legislação anterior a de 1842, o alistamento era feito no dia
das eleições, o que segundo relatos da época davam margem a
diversos tipos de fraude.
80
Contando com fraude ou não, segundo Carvalho a questão era que no Brasil
os primórdios da participação eleitoral
(...) não excluía a população pobre do direito do voto. Dados de
um município do interior da província de Minas Gerais, de 1876,
mostram que os proprietários rurais representavam apenas 24%
dos votantes. O restante era composto de trabalhadores rurais,
artesãos, empregados públicos e alguns poucos profissionais
liberais.
81
De acordo com dados citados por Carvalho,
82
até 1881 votavam cerca de
50% da população adulta masculina, enquanto que, em torno de 1870, a
participação eleitoral da Inglaterra era de 7% da população total; na Itália, de 2%;
78
HIRSCHMAN, A. O. A Retórica da Intransigência – perversidade, futilidade,
ameaça: 81.
79
Conforme a tese da ameaça do modelo de Hirschman.
80
NICOLAU, J. Participação Eleitoral no Brasil: 256.
81
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho: 30.
82
Idem: 31.
39
em Portugal, de 9%; na Holanda, de 2,5%. A Constituição Imperial, se avançada
no que diz respeito a extensão dos direitos políticos, por outro lado, em grande
medida, anulava-os, ao instituir além dos poderes, executivo, legislativo e
judiciário, o poder moderador. Começa aqui a história de valorização do Estado na
política brasileira em detrimento da idéia de representação por meio do
Legislativo.
83
O imperador ao mesmo tempo era chefe de governo, enquanto executivo,
era considerado irresponsável politicamente, nos termos da própria constituição
(art. 99) enquanto delegado do Poder Moderador. Além do mais, ao Poder
Moderador atribuia-se amplos poderes, acrescentava-se, como aponta Pessanha,
poder de sanção e veto total, expresso ou tácito, cuja rejeição pelo
corpo legislativo era praticamente impossível.
84
Na ocasião Frei Caneca, denunciava o caráter anti-democrático desse
invento constitucional através da instituição do Poder Moderador:
O poder moderador de nova invenção maquiavélica é a chave
mestra da opressão da nação brasileira e o garrote mais forte da
liberdade dos povos. Por ele, o Imperador pode dissolver a câmara
dos deputados, que é a representante do povo, ficando sempre no
gozo de seus direitos o senado, que é o representante dos
apanaziguados do Imperador... Demais, eu não posso conceber
como é possível que a câmara dos deputados possa dar motivos
para ser dissolvida, sem jamais poder dá-los a dos senadores (...)
A atribuição privativa do executivo de empregar, como bem lhe
parece conveniente à segurança e defesa do império, a força
armada de mar e terra, é a coroa do despotismo e a fonte caudal
da opressão da nação (...).
85
Os direitos civis, mais gravemente, só eram assegurados no plano formal,
pois a população afro-descendente, na condição de escrava, não gozava de direitos
civis básicos, eles não eram cidadãos, podiam ser espancados e até mortos,
situação que perdurou por mais de sessenta anos, quando com a abolição da
escravidão o Brasil foi o último país de tradição cristã e ocidental a libertar os
83
Idem: 221.
84
PESSANHA, C. O Poder Executivo e o Processo Legislativo nas Constituições
Brasileiras – teoria e prática: 158.
85
CANECA, F. Ensaios Políticos: 70-72.
40
escravos.
86
Os afro-descendentes libertos, assim, como mulatos, índios, caboclos,
brancos e imigrantes eram considerados gente de outra categoria, condição, raça
ou castas, quer dizer, do mesmo modo pré-cidadãos.
87
Um outro dado que evidenciava a mera formalidade dos direitos civis era
que em virtude da súbita incorporação política de um povo recém saído da
dominação colonial, resultante não de uma revolução, mas de uma iniciativa de
independência da própria elite colonial que somente encontra sua razão de ser na
firme intenção de evitá-la,
88
vivendo ora sob a proteção de latifundiários, do
governo ou de funcionários públicos, o exercício do voto não era um direito, mas
domínio político local.
89
As eleições eram freqüentemente violentas e tumultuadas,
o exercício da cidadania política muitas vezes se dava ao preço da civil, quer dizer,
sob coação, quando raro por lealdade.
Não só o período imperial, como o compreendido entre 1889-1930 é todo
maculado pelo arbítrio dos governantes contra setores populares que se
organizavam para reduzir a exploração ou lutavam para avançar em conquistas
democráticas:
(...) muitos padeciam a violência oligárquica, sob forma estatal e
privada: os seguidores de Antônio Conselheiro, em Canudos, os
seguidores de João Maria, no Contestado; colonos nas fazendas de
café, quando realizavam greves protestando contra as condições
de trabalho e remuneração; operários nas fábricas e oficinas, por
ocasião de assembléias e greves; seringueiros na Amazônia,
quando tentavam escapar das malhas da escravização organizada
no sistema de aviamento; populares do Rio de Janeiro, em 1904,
quando protestavam contra a vacinação obrigatória.
90
Quer dizer, os cidadãos sempre souberam definir suas especificidades
políticas, mas a questão é que essas escolhas não coincidiam com a do projeto de
organização social dos grupos dirigentes e, por tal, eram reprimidas ou dissuadidas
86
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho: 47.
87
IANNI, O. Pensamento Social no Brasil: 211.
88
VIANNA, L. W. Seminários Friedrich Naumann - n 5: 12.
89
SANTOS, W. G. dos.Razões da Desordem: 33.
90
IANNI, Octavio. Pensamento Social no Brasil: 215.
41
por diferentes formas de violência. Uma delas, por exemplo, se dava no plano
cultural, com questão da construção da identidade nacional que tinha por objetivo
edificar uma idéia do povo brasileiro sobre si mesmo como incapaz de organizar-se
em torno de seus próprios interesses, quer dizer invalidá-lo para sua cidadania
política.
Alves Filho, na sua aguda análise do personagem Jeca Tatu de Monteiro
Lobato (1882-1948), põe essas questões em seu devido lugar, ao afirmar que Jeca
representaria uma idéia de identidade nacional compartilhada por intelectuais
acerca do povo, como uma necessidade de reprodução de um diagnóstico social
sobre os brasileiros que convinha ao projeto de centralização política.
Para Alves Filho, além das aparências da descrição negativa do personagem
lobatiano, havia fortes denúncias com respeito ao povo do meio rural, que
procurava questionar a crença comum das ideologias dominantes nas formações
sociais capitalistas, de que a pobreza identificada nos jecas fosse fruto de
capacidade individual:
na medida que o erudito literato retrata as condições subumanas
em que Jeca se encontra, aponta para o descaso com que o
piraquara é tratado. Jeca não é objeto de nenhuma política efetiva
(seja de emprego, saúde, educação, habitação, etc.). Vivendo na
penumbra das zonas fronteiriças, Jeca não tem direitos nem bens.
Jeca não tem cidadania. Para a sociedade dividida em classes
sociais e estruturada em torno do lucro, o Jeca real – o Jeca que
vive na miséria – não interessa, não conta, não existe. Sendo
assim, ele pode simplesmente ser tocado, como se toca um
cachorro importuno, ou uma galinha que vareja pela sala. O que
existe, é o Jeca falseado, o Jeca fabricado num gabinete com
reminiscências de Chateaubriand, envolto pelo manto da bondade
natural, ou apresentado como alegre contador de causos em
espetáculos teatrais.
91
É justamente nesse período da produção intelectual de Lobato que se agrava
o exercício concreto da cidadania política. Na Primeira República (1889-1930),
quando essa mesma população passa a eleger diretamente os presidentes das
unidades federadas (A Constituição Republicana havia organizado o estado no
modelo federativo de inspiração norte-americana), a alteração constitucional
91
ALVES FILHO, A. As metamorfoses do Jeca Tatu: 60.
42
permitiu o fortalecimento das oligarquias locais, a instituição do sistema de alianças
conhecido como coronelismo, que hipotecavam seu apoio aos presidentes dos
estados federados, em troca tinham poder livre, para nomear desde a
professorinha ao delegado.
92
Essas oligarquias agiam impunemente para não
perder as eleições
Mas aqueles que no pensamento social brasileiro percebiam que o percurso
da cidadania no Brasil havia sido diferente da experiência anglo-saxã não levavam
em conta que talvez, mais que a falta de aprendizado no exercício de direitos da
cidadania, o povo tenha sido dissuadiado pela violência privada e estatal a exercê-
la ou aprendê-la, quer dizer, não havia direitos civis e não começamos pelos
direitos civis justamente pela brutalidade dos grupos dirigentes. Esses dados, como
motivo para retardar ou recuar os direitos políticos, mereceram comentários
93
que
apontam os equívocos dessa leitura, porque, em primeiro lugar, não era de se
estranhar que um povo recém saído da dominação colonial pudesse de uma hora
para outra comportar-se como cidadãos atenienses.
94
O segundo equívoco seria que não necessariamente o povo estaria
despreparado, mas o governo e as elites tementes as suas perdas prováveis
advindas da alternância do poder, que preferiam comprar eleitores, fraudar eleições
e comandar pela força o processo eleitoral, ao ponto de no debate político se
distinguia o feito por gente igual, e a insurreição, feita por gente menor
socialmente.
95
Desconhecendo ou ignorando esses fatos, pensadores formularam críticas à
incorporação da cidadania política no Brasil que podem ser rotuladas dentro da tese
da ameaça de Hirschmam. O argumento é que a população brasileira ainda não
92
CARVALHO, J. M. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão
conceitual.
93
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho; IANNI, O.
Pensamento Social no Brasil.
94
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho: 43.
95
IANNI, O. Pensamento Social no Brasil.
43
saberia utilizar direitos políticos, não havia, ao contrário dos exemplos norte-
ocidentais, feito o aprendizado, corrido os riscos na busca da cidadania política. D
prevendo perigos extremados que ameaçavam a sociedade, como resultado da
ampliação da cidadania, iriam afirmar que a manutenção dos direitos políticos iria
exacerbar a situação. Alguns afirmariam que o exercício dos direitos políticos no
Brasil poderia evidenciar que, sequer, o contingente humano aqui vivente fosse
uma nação:
Entre nós, o que há de organizado, é o Estado, não é a Nação; é o
governo, é a administração, por seus altos funcionários na Corte
(...) não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido, sem
outro liame entre si. (...) Nenhuma nobre aspiração os prende uns
aos outros; - eles não têm, nem força defensiva contra os assaltos
do poder, nem força intelectual e moral para viverem por si.
96
Certo que alguns conservadores como Oliveira Vianna percebiam com mais
objetividade os dilemas da construção da cidadania no Brasil, ele notava que tais
percalços também eram fruto de inexistir um ambiente seguro de contestação
pública, levando a incapacidade do povo de exercer a cidadania política:
O grande problema da liberdade no Brasil não é o da liberdade
política, como há cem anos temos vivido a pensar – e sim o da
liberdade civil. Os nossos políticos liberais, desde o primeiro dia da
Independência, têm, sobre este ponto, errado duplamente (...)
deixado em segundo plano o problema da liberdade civil (...) seria
pueril conceber a existência de um regime de liberdade política
sem a condição preliminar da liberdade civil.
97
Mas interpretação desses fatos era tendenciosa, porque buscava aumentar
os custos da violação dos direitos civis cometida pelas oligarquias, ou clãs,
parentais nos termos daquele autor, através do fortalecimento do Estado,
teorizando a negação dos direitos políticos como contra-partida para as tentativas
de reivindicar, protestar que se gestavam no país.
Na construção de seu argumento, para apontar a ausência de direitos civis e
a ineficácia dos políticos, deu importância às condições peculiares da ocupação do
vasto território brasileiro, desde a época da colonização até a construção da
96
BARRETO, T. Um discurso em mangas de camisa: 20-21.
97
VIANNA, O. Problemas de Política Objetiva: 65.
44
república, onde a baixíssima densidade populacional favoreceu a apropriação de
enormes latifúndios por clã parentais, como diz, unidades territoriais familiares,
isoladas das cidades nas quais o chefe parental decidia até mesmo por funções que
incumbiriam a agentes do Estado, era juiz, fazia ordens locais com força de lei, e
decidia pela vida dos que lhe desobedecessem.
Para ele, a situação das clãs parentais, da colônia, do império não se
alteraram significativamente na república, pois a sociedade ainda permaneceu
basicamente oligárquica, familiarística e autoritária. Daí ele vê com reservas a
opção de democratização brasileira, classifica como prematura a tentativa de
instauração de um regime político inclusivo no Brasil, pois a inauguração de
eleições, ainda que não totalmente livres, dada as circunstâncias que aponta em
sua obra Instituições Políticas Brasileira, condicionaria os órgãos do Estado a serem
instrumentos em favor do clientelismo provinciano para oprimir adversários e os
interesses destes
ausência de motivações coletivas da nossa vida pública há um
traço geral, que só por si bastaria para explicar todos os outros
aspectos, (...) a tenuidade ou fraqueza da nossa consciência do
bem coletivo, do nosso sentimento da solidariedade social e do
interesse público.
98
Essa fraqueza manteria as condições que seriam ainda mais agravadas com
a inauguração de eleições como já apontado. Oliveira Vianna observa que no
período que sucedeu à instauração dos direitos políticos no Império e na República,
violências generalizadas fizeram parte do quotidiano dos comícios e eleições, pois
as massas estariam mais afeitas às funções defensivas senhoriais:
Em boa verdade, o regime democrático, que nos veio com a
independência, não tinha (...) nada com a estrutura da nossa
sociedade, nem correspondia a nenhuma exigência do seu espírito.
Era natural portanto, que das eleições populares se fizessem
apenas pretexto para novos embates dos clãs senhoriais ainda
vivazes: - e as igrejas paroquiais foram justamente o seu novo
ponto de encontro, ou de reencontro. Em vez das saltadas e
assuadas dos tempos coloniais – a quebra das urnas e o cerco às
igrejas, onde as mesas se reuniam.
99
98
VIANNA, O. Instituições políticas brasileiras.
99
Idem.
45
Estava correto ao observar que a representação política podia se voltar em
maior intensidade para fins privados dada a ausência de direitos civis capazes, se
implementados, de aumentar os custos da dominação imposta ao povo, mas a sua
proposição era fortalecer o Estado, ao preço dos direitos políticos. Para Luiz
Werneck Vianna, a proposta de Oliveira Vianna era fruto de sua noção de Estado,
acreditava na possibilidade dele ser um guardião neutro dos interesses da nação
ecos de Hegel e do racionalismo iluminista na sua compreensão do
Estado como uma entidade de razão que se superpõe a uma
sociedade civil constituída por indivíduos atomizados, e que os
induz à cooperação solidária através de corporações pela ação de
uma burocracia altruísta.
100
Assim, argumenta que não há recuo histórico suficiente para a própria
sociedade civil brasileira se organizar coletivamente, exercendo a cidadania política,
e conclui por legitimar um Estado autoritário, pois ele seria não uma ameaça a ser
limitada, como era a principal preocupação das constituições garantia do séc. XIX e
início do XX, mas sim devia ser fortalecido como única alternativa de proteção dos
cidadãos contra oligarquias. Identificando a incoerência do remédio de Vianna,
substituir a violência privada pela pública, porque enfim esta seria capaz de
encerrar não os projetos de organização nacional das elites dirigentes, mas da
nação, como aponta o comentário que se segue:
Ao recusar liminarmente a possibilidade de que o povo
conquistasse a democracia, para tirar desta recusa o corolário de
que a democracia só poderia ser instaurada no Brasil por métodos
autoritários, ele faz retornar sobre si, na forma de bumerangue
lógico (...) Com efeito, embora condene a (pretensa) tentativa de
instituir no Brasil a democracia por métodos liberal democráticos,
ele também a pretendia instituir, embora através de outros
métodos.
101
Nesse ambiente, surge a política social no Brasil, de modo significativo na
década de 30, quando os direitos sociais não são resultados, contra-partida dos
direitos políticos, mas o projeto de um grupo dirigente. Até mesmo os direitos
sociais no lugar de uma cidadania universalizadora, conforme o argumento de
100
VIANNA, L. W. A Revolução Passiva – Iberismo e Americanismo no Brasil:
159.
101
MORAES, J. Q. Oliveira Vianna e a democratização pelo alto: 121.
46
Marshall, baseada num código de valores políticos comuns para toda a comunidade,
o que se viu no período autoritário nos anos 30 e 40, no Governo Vargas, foi
legislação social de abrangência restrita. A legislação social do trabalho que deixava
ao desabrigo, especialmente os trabalhadores rurais (por razões óbvias), mulheres,
os trabalhadores autônomos e todas as outras profissões que não haviam sido
formalmente reconhecidas pelo Estado para se organizarem através de sindicatos.
Enquanto, de acordo com a lei de sindicalização anterior, o sindicalismo era
livre para definir quem pertencia a organização, em 1930 a nova lei fixa a
sindicalização num código rígido de profissões, fechando-se ainda mais o cerco em
1932, com o Dec. 22.132 que condiciona o encaminhamento dos interesses
trabalhistas através da justiça a sindicalização dos trabalhadores, quer dizer, os
trabalhadores cuja ocupação fosse reconhecida por lei e que pudessem, pois,
registra-se num sindicato.
102
Daí o citado autor afirmar:
(...) tal conceito poderia ser descrito como cidadania regulada. Por
cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes
encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um
sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema
de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras
palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que
se encontram localizados em qualquer uma das ocupações
reconhecidas por lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via
regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro
lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a
estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao
conceito de membro da comunidade.
103
A política social do Governo Vargas, o trabalhismo, envolveu um elaborado
projeto político de cooptação das massas em favor de seu projeto de organização
social que seriam controlados pelos sindicatos. Quer dizer, nos termos do modelo
que adotamos, o oferecimento dos direitos sociais ao preço dos políticos e civis,
porque não era livre a organização política nem dos trabalhadores como dos demais
membros da sociedade. Não tinham acesso livre aos tribunais, não só os
102
SANTOS, W. G. dos. Décadas de espanto e uma apologia democrática: 69.
103
Idem: 68.
47
trabalhadores não sindicalizados, como aqueles cuja profissão não era reconhecida.
Em outro trabalho, Santos vai afirmar que a política social correspondente
aos direitos sociais, nas democracias modernas, costuma ser posterior a resolução
dos problemas de integração e participação, quer dizer, de se assegurar a cidadania
civil e a política.
104
Mas, na América Latina, os direitos sociais não foram instituídos
posteriormente à instituição dos outros direitos da cidadania, mas utilizados
(...) precisamente como instrumento de engenharia política
auxiliar na solução do problema de conciliar participação ampliada
e baixa institucionalização
105
.
e mais adiante vai afirmar
Não por acaso a origem efetiva da legislação social latino-
americana encontra-se em períodos de intensa agitação políticas
das massas, associada a série das instituições sociais.
106
Em suma, para mim, esses episódios vão mostrar que os direitos sociais não
deixam de ser um instrumento de pacificação social, como afirma Oliveira,
107
mas,
no lugar de uma alternativa proposta pelos próprios grupos que sofrem com as
distorções do sistema capitalista; no Brasil funcionaram como um projeto de
organização social concebido por grupos dirigentes, ao preço não raro dos direitos
políticos para administrar o conflito social ao nível do tolerável. Cidadania,
construída de cima para baixo e dentro do próprio Estado, aquilo que Carvalho
chama de estadania.
108
Acredito que o acesso à justiça durante boa parte de sua existência no
Brasil, enquanto direito social, não tenha fugido a essa especificidade de nossa
experiência, sendo a Defensoria Pública uma evidência disso até mesmo após a
abertura democrática como se vê em seu desenho institucional - assunto que
tratarei no capítulo III.
104
SANTOS, W. G. dos. Razões da Desordem. Que faz explícita alusão ao
modelo de DAHL, R. Poliarquia..
105
Idem: 30.
106
Ibidem.
107
OLIVEIRA, D. A. de. O papel da Defensoria Pública na Inconfidência Mineira.
108
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho.
48
Os direitos sociais na experiência brasileira tiveram papéis bastante
significativos. Não corresponderam aos direitos políticos, de acordo com o diagrama
de Marshall (1967), quer dizer não foram resultado de uma contestação pública
organizada. Foram alçados como um meio de pacificação dos interesses divergentes
com os grupos dominantes, que não queriam sair de sua posição de intermediários
das trocas políticas. Ainda assim, em muitos casos, só foram reconhecidos àqueles
que poderiam conseguir se organizar para pressionar corporativamente os grupos
dirigentes, enquanto os mais vulneráveis não puderam ser beneficiários dos direitos
sociais, reprimidos em suas demandas, seja pela violência pública ou privada.
É possível afirmar que os direitos sociais no Brasil foram também um
instrumento de reformas conservadoras, o que não significa que não exista ou
tenha existido política social no Brasil, ou muito menos, que elas não cumpram seu
destino, e sim, porque em certa medida, a construção da cidadania no Brasil se deu
com certos embaraços.
Para mim, o modelo institucional da Defensoria Pública do Rio de Janeiro é
um desses exemplos. Não obstante, criada até mesmo cedo em comparação com
outras experiências de solução aos problemas do acesso à justiça, a partir dos
dados de Cappelletti e Garth,
109
os seus entraves institucionais retardaram a sua
implementação em caráter qualitativo, revelando a resistência dos grupos
dirigentes em efetivar a dimensão social da cidadania para permanecer aquela
situação já apontada, em que se estabelecem hierarquias nos Serviços de Justiça.
109
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça.
Capítulo 2
O acesso à Justiça no Direito brasileiro
Neste tópico, comento as conseqüências gerais da incorporação dos direitos sociais
no constitucionalismo para, nos tópicos seguintes, chegar até o acesso à justiça no
contexto brasileiro.
Constitucionalismo social
Por influência da rota da construção da cidadania no Brasil, o reconhecimento do
acesso à justiça no direito nacional foi cedo e desacompanhado de medidas para
sua implementação, e, mais, declarados num ambiente de baixa ou nenhum
liberdade política e civil.
Em outras experiências, os direitos sociais foram contra-partida de direitos
políticos, quer dizer a transformação do papel do Estado para implementá-los foi
fruto da ação de vários grupos que puderam se organizar em torno de suas
demandas. Alguns puderam reivindicá-los num ambiente de contestação pública
mais seguro, onde restringir as dimensões civil e política da cidadania teria altos
custos para os grupos dirigentes.
Não só a alta institucionalização dos direitos civis e políticos em alguns
Estados do mundo norte-ocidental elevaram os mencionados custos, como crises
internas e externas próprias dos Estados Liberais, como aponta Rémond,
comprometeram as bases de legitimidade dos grupos dirigentes e fortaleceram
diversos segmentos excluídos a se organizarem pelo reconhecimento da dimensão
social da cidadania e exigindo a correspondente intervenção estatal nos padrões de
estruturação da sociedade para implementar esses direitos.
110
110
Essas crises foram de ordem interna, como desemprego, falta de adaptação
da democracia parlamentar às circunstâncias dos Estados onde era
implementada, como os novos estados do leste europeu e de ordem externa,
segundo diz Rémond, foi do mesmo modo ameaçadora, porque, ao Estado
Liberal e a sua correspondente democracia representativa parlamentar são
desferidos ataques gravíssimos de inimigos irredutíveis, que lhe culpam os
próprios fundamentos; o comunismo e o facismo (...), argumentam com as
50
Os Estados assumiram para si uma série de encargos como saúde,
educação, previdência, proteção ao trabalho e outros conteúdos compreendidos da
dimensão social da cidadania, nascendo daí o Estado Social, o Welfare State – que,
em termos grosseiros, se diferenciaria do Estado Liberal por adotar
sistematicamente políticas sociais que intervêm nos padrões que estruturam a
sociedade.
Essa nova postura dos Estados marcou de tal modo o sistema jurídico
contemporâneo que, como apontam constitucionalistas como Bercovici, as Cartas
Políticas elaboradas após o final da I Guerra Mundial, além das características
comuns das constituições anteriores de declaração de direitos, compreendem ao
lado dos direitos tradicionais individuais, os chamados direitos sociais:
Estas novas Constituições consistem em uma tentativa de
estabelecer uma democracia social, abrangendo dispositivos sobre
a ordem econômica social, família educação e cultura, bem como
instituindo a função social da propriedade. As concepções sociais
ou socializantes, assim como a determinação de princípios
constitucionais para a intervenção estatal nos domínios social e
econômico, são, assim, consideradas fundamentos do novo
constitucionalismo social (...).
111
São exemplos comumente citados desse novo perfil do constitucionalismo a
Constituição Mexicana de 1917 que sistematiza o conjunto dos direitos sociais, e,
posteriormente, a mais citada, a constituição de Weimar de 1919. A partir de
então, o constitucionalismo se propôs, através dos direitos sociais, condicionar os
direitos de propriedade e os demais direitos individuais.
112
deficiências internas do Estado Liberal e pretendem, em face do formalismo
como é diagnosticada a sociedade, instaurar uma ordem mais justa e mais
igualitária. RÉMOND, R. O século XX de 1914 aos nossos dias.
111
BERCOVICI, G. Constituição e estado de exceção permanente: 25.
112
A constitucionalização dos direitos sociais teve efeitos sobre o próprio recurso
analítico de se separar o direito em dois grandes campos, o privado e o público,
o que tornou imprópria a concepção de direitos unicamente no sentido privado
capaz de justificar uma concepção puramente individualista. Critérios até então
adotados para distingui-los em público e privado vão se tornar um tanto
obsoletos para distingui-los. Os direitos sociais representam uma intervenção do
Estado numa relação onde ele, seus agentes e instituições, não estão
diretamente envolvidos, mas ela se deve, para manter as bases mínimas de
solidariedade social. Assegurar a cidadania de determinados grupos que não
estavam suficientemente protegidos com os institutos de direito privado,
baseados na presunção da igualdade, liberdade contratual, propriedade privada
51
Comanducci extrai mais observações desses novos direitos nas constituições
contemporâneas, os direitos sociais, diz, ocasionaram a alteração do sentido
ideológico do constitucionalismo contemporâneo, onde, no anterior, a limitação do
poder estatal, ponto central do movimento nos séculos XVIII e XIX, foi posta em
segundo plano.
Até então o eixo central, ou nos termos de Comanducci, o sentido ideológico
do constitucionalismo dito moderno, o caminho para se assegurar a cidadania era
administrar a luta entre a liberdade e autoridade estatal, sendo que a liberdade
significava determinar limites do poder que o governo podia exercer sobre a
comunidade. Essa troca se dá porque, assim como os direitos de liberdade
tradicionais, resultantes de uma concepção privada e individualista do direito, os
sociais passam a ser reconhecidos como básicos à vida humana, como
fundamentais, porque:
(...) el hecho de que el poder estatal, en los ordenamientos
democráticos contemporáneos, no es más visto com temor y
sospecha por la ideologia neoconstitucionalista, que más bien se
caracteriza justamente por su apoyo a esse modelo de Estado
constitucional y democrático de derecho, que se há afirmado
progressivamente en Occidente y que va expandiendo su influencia
en vastas zonas del mundo.
113
Os direitos sociais como fruto das contradições geradas pela evolução do
capitalismo,
114
juntamente como os outros direitos tradicionais, passam a ser o
caminho central em que o constitucionalismo pretende administrar o conflito social.
Comanducci ainda aponta mais características das constituições contemporâneas,
que as diferencia da constituição garantia dos séculos XVIII e XIX é que não se
e etc. Este acontecimento vai levar a retirada completa de algumas relações
jurídicas do que até então se considerava no campo do direito privado, como as
relações contratuais entre o capital e trabalho, a contar do século XIX, e
diminuição da esfera dos institutos de direito privado baseados na
responsabilidade individual. Este último fenômeno conhecido como publicização
do direito privado. GIORGIANNI, M. O direito privado e as suas atuais fronteiras:
35.
113
COMANDUCCI, P. Formas de (Neo)Constitucionalismo: Un Análisis
Metateórico: 100.
114
PISARELLO, G. Del Estado Social Legislativo al Estado Social Constitucional:
por una protección compleja del los derechos sociales: 82.
52
restringem a elencar os direitos, mas a sublinhar a importância dos mecanismos
institucionais de tutela dos direitos fundamentais. Destaca a exigência do Estado
que se estende para não só a declaração, mas a concretização e garantia de tais
direitos,
115
superação do constitucionalismo garantia de limitação do poder, pelo
social requer ainda instrumentos que os tornem eficazes.
116
A questão da preocupação com instrumentos de eficácia dos dispositivos
constitucionais parte da constatação de que não basta o câmbio ideológico do
constitucionalismo contemporâneo para assegurar a disposição dos grupos
dirigentes em aceitá-lo, pois, como aponta Pisarello, a experiência recente do
constitucionalismo é marcante ao apontar que:
(...) a lo largo de casi todo el siglo diecinueve el papel
constiucional de los derechos sociales no pasa de ser el de
cláusulas políticas de compromisso, a menudo promovidas por
élites conservadoras o liberares reformistas como uma forma de
dotarse de legitimidad y de desarticular los movimentos sociales
que perseguen un reconocimiento más amplo de sus intereses.
117
Os direitos sociais ao lado dos tradicionais direitos individuais de liberdade
ganham no constitucionalismo contemporâneo um caráter metodológico novo;
resgatando um pouco a idéia dos jusnaturalistas da existência de um estatuto
jurídico anterior a formação das sociedades políticas, insere os direitos sociais na
condição de normas fundamentais juntamente com os demais direitos da cidadania.
Os direitos fundamentais, dentro da técnica constitucional, têm como
finalidade, independente de seus conteúdos específicos, preservar aqueles
interesses ou capacidades aos quais não só o Estado, mas as gerações futuras
estão subordinados, dando o sentido que Elster atribui ao constitucionalismo se
referindo
115
COMANDUCCI, P. Formas de (Neo)Constitucionalismo: Un Análisis
Metateórico: 100.
116
Nesse sentido, a Constituição de 1988, além de reconhecer o acesso à justiça
como um direito social, elege ainda a política social Defensoria Pública como a
medida central voltada para a eficácia daquela dimensão da cidadania.
117
PISARELLO, G. Del Estado Social Legislativo al Estado Social Constitucional:
por una protección compleja del los derechos sociales: 82.
53
aquellos límites sobre las decisiones mayoritarias; de modo más
específico, a los límites que en cierto sentido son
autoimpuestos.
118
A importância da técnica constitucional atribuindo especial teor aos
chamados direitos fundamentais se comprova em diversas experiências históricas
do séc. XX, quando grupos tentaram homogeneizar a sociedade aniquilando as
diferenças, legitimando-se através da formação de maiorias para prescindir direitos
fundamentais a alguns setores da sociedade.
A fundamentação teórica para se relativizar os direitos fundamentais vinha
de críticos ao chamado Constitucionalismo Liberal, como denominaria o
constitucionalista alemão Carl Schmitt, aos sistemas constitucionais que teriam
como princípio reitor:
a proteção do indivíduo diante do poder do Estado, que se
materializa segundo dois princípios fundamentais: o primeiro, de
caráter distributivo, pressupõe que a liberdade do indivíduo é
ilimitada, enquanto a autoridade do Estado para intervir na esfera
privada é limitada; o segundo, de caráter organizativo, pressupõe
o controle do Estado mediante a divisão do seu poder em três
partes, legislativa, executiva e judiciária.
119
Os direitos fundamentais eram considerados um obstáculo desprezível, um
resquício da burguesia liberal do século XIX, que deveria desaparecer na sociedade
alemã vindoura,
120
assim justificavam-se alterações nos procedimentos legislativos
que permitiam poderes ao presidente do Reich adotar medidas com força de lei
capazes de alterar até mesmo os direitos fundamentais,
121
como no exemplo da
Alemanha nazista ao se prescindir os direitos de minorias não só enquanto
membros da sociedade política, mas o mais básico elemento da condição humana,
a vida... através de leis como as Leis de Nuremberg de 1935.
122
118
ELSTER. S/ ref.: 34.
119
PESSANHA, C. O Poder Executivo e o Processo Legislativo nas Constituições
Brasileiras – teoria e prática: 148.
120
BERCOVICI, G. Constituição e estado de exceção permanente: 30.
121
PESSANHA, C. O Poder Executivo e o Processo Legislativo nas Constituições
Brasileiras – teoria e prática: 153.
122
Em 1935 o governo alemão implementou o que ficou conhecido como Leis de
Nuremberg. Eram leis que institucionalizavam muitas das teorias raciais
prevalecentes na ideologia nazista. Elas excluíam judeus alemães da cidadania
54
Então essa nova metodologia de eficácia de direitos expressa pelos direitos
fundamentais vai inscrever no constitucionalismo contemporâneo limites definidos à
democracia as maiorias eventualmente constituídas. Os direitos fundamentais das
constituições do XX são direitos humanos básicos positivados no contexto do
Estado-Nação, independente da especulação sobre o fundamento dos mesmos; o
seu valor está fundado no consenso que eles expressam sobre a condição mínima
do ser humano
123
e, por isso, não estão sujeitos às variações de vontade das
maiorias através das reformas constitucionais.
124
Esses princípios ou direitos fundamentais irão consagrar certas
intervenções/liberdades em favor do indivíduo e de grupos não mais baseados na
mera relação formal que se estabelece entre o Estado e seus súditos, porque ele
deixa não só de ser o único responsável por mantê-los e defendê-los, como ainda
perde completamente a possibilidade de prescindí-los.
125
Os direitos fundamentais
irão atribuir autenticidade, legitimidade às constituições.
Os direitos fundamentais vão permitir o abandono de idéias de que a
existência de leis e políticas defendidas pela maioria vão bastar para garantir a
cidadania e o povo deixará de ser considerado um simples conjunto de
indivíduos.
126
Mas, ainda que os direitos sociais estejam constitucionalizados, e
haja uma técnica constitucional que lhes atribua um status especial, a eficácia
alemã e os proibia de ter relações sexuais com pessoas de sangue alemão ou
relacionado. Estas leis privavam os judeus, entre outras coisas, da maioria de
seus direitos políticos, definiam os judeus não por suas leis religiosas, em vez
disso, qualquer um que tivesse três ou quatro avós judeus era definido como
judeu, independente se o indíviduo se identificava como Judeu ou pertencia à
comunidade judaica. Muitos alemães que não praticavam o Judaísmo há anos (e
gerações) foram incluídos nesta onda de terror nazista. Até mesmo pessoas
cujos avós se haviam convertido ao cristianismo foram consideradas judias.
123
BOBBIO, N. A Era dos Direitos.
124
ELSTER. S/ ref.
125
Refiro-me ao sistema internacional de defesa dos Direitos Humanos baseado
em organizações intra-governamentais, como essencialmente as Nações Unidas
e no campo regional a Organização dos Estados Americanos, que, apesar das
barreiras da soberania, medem a legitimidade de governos a partir do
cumprimento dos mesmos com os Direitos Humanos. Conf. ANNONI, D. Direitos
Humanos e Acesso à Justiça no Direito Internacional.
126
DWORKIN, R. A democracia e os direitos do homem.
55
desses instrumentos depende do dado objetivo das relações sociais em poder
utilizá-los.
Pisarello suspeita dos benefícios dessas Constituições, pois, em muitas
situações, as normas terminam não raro funcionando como uma cobertura básica à
disposição do legislador de alterar dispositivos, realizar incursões em certas esferas
do constitucionalismo liberal, que antes eram vedadas radicalmente,
127
e não como
um compromisso para os poderes públicos implementarem políticas sociais. Para
ele, os direitos sociais deveriam ser verdadeiros direitos subjetivos dos cidadãos,
que poderiam ter aplicação imediata não dependendo da disposição do legislador
em dar eficácia regulamentar aos dispositivos constitucionais que asseguram dos
direitos sociais.
Acredito que a leitura de Pisarello é útil na questão da constitucionalização
do acesso à justiça, como para explicar as moldagens conservadoras que foram
recepcionadas na Constituição de 1988; uma Constituição que paradoxalmente,
possui uma extensa declaração de direitos da cidadania.
A Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro, em muitos momentos,
configurou o acesso à justiça como um direito social legislativo, que dava a cada
passo de modernização uma cobertura ao governo do Estado para permitir algumas
mudanças na estruturação dos Serviços de Justiça, mas não tornando direito
próprio do cidadão ou, para Pisarello, um sentido de direito subjetivo público, dada
a ausência de políticas sociais para implementá-los.
O papel passivo do Estado brasileiro
Aqui comento as situações que precederam ao reconhecimento do acesso à justiça
como um direito social, correspondente a dimensão social da cidadania.
Antes do papel do Estado Brasileiro ser alterado no que diz respeito ao
acesso à justiça, algumas medidas foram ensaiadas de modo restrito, seja pelo
127
PISARELLO, G. Del Estado Social Legislativo al Estado Social Constitucional:
por una protección compleja del los derechos sociales: 84.
56
Estado, com isenções de custas judiciais, seja por comissões de advogados
incumbidas de prestar assistência jurídica gratuita.
Nem mesmo com a chegada da constitucionalização do acesso à justiça nos
moldes de direitos sociais, quer dizer, ao atribuir ao Estado a incumbência de
prescindir as externalidades que se opõe ao cidadão na busca pelos Serviços de
Justiça, houve a implementação dessa dimensão da cidadania, pois a ela faltou a
correspondente política social, no caso, a principal delas a Defensoria Pública. Quer
dizer, para usar aqui os termos de Pisarello, o acesso à justiça permaneceu como
um direito social legislativo, por faltar a política social para implementá-lo, na
dependência do ânimo do administrador público de efetivá-lo.
A questão do acesso à justiça foi omissa nas constituições brasileiras de
1824, 1891 e 1937, considerada nas cartas políticas de 1934, 1946, 1967 e
destacada em maior significação na Constituição de 1988. Somente através dessa
constituição e da que lhe precedeu que se pode dizer que o acesso à justiça tornou-
se uma dimensão social da cidadania no Brasil, a partir do exemplo da Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro, mas condicionada ao projeto de acesso à
justiça previamente determinado dos grupos dirigentes.
As primeiras iniciativas em torno de se viabilizar o acesso à justiça no Brasil
não poderiam deixar de ser um reflexo da sociedade estratificada brasileira, o que
aponta o desligamento dessas medidas com o status da cidadania, porque elas não
tinham um caráter universalizante enquanto direitos, mas possuiam um teor de
política compensatória, não pretendiam desfazer as situações onde os cidadãos são
inferiorizados nos Serviços de Justiça em razão de externalidades sociais.
Mesmo com a constitucionalização inaugural em 1934, nenhum dos estados
ou a própria união aplicaram políticas públicas para iniciar o longo caminho da
implementação do acesso à justiça via Defensoria Pública. O que havia até então
desde a época do início da República eram medidas paliativas que partiam de
alguns segmentos da sociedade civil brasileira organizados para oferecer a
57
assistência judiciária gratuita, como as comissões de advogados. Medidas que,
conforme a leitura de Cappelletti e Garth inicialmente apontadas, revelavam ainda
um papel passivo do Estado frente às externalidades sociais e não individuais na
fruição dos Serviços de Justiça.
128
No Império existiam leis que pretendiam facilitar os meios de defesa da
população, qualificada nesses documentos como pobre ou indigentes, através de
isenções de custas ou da nomeação de advogados gratuitos, por exemplo, cedidos
por missões católicas como a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro que teria
constituído o defensor do Alferes da Inconfidência Mineira, Tiradentes.
129
Leis como as Ordenações Filipinas (legislação vigorou no país até 1916
quando surgiu o Código Civil Brasileiro) promulgadas, em 1603, por Felipe II, Rei
da Espanha e Portugal, determinava isenção de custas aos indigentes.
Posteriormente, em 1841, a reforma do Código Penal (Lei 261 de 03/12/1841)
determinava que, em caso de pobreza do cidadão, metade das custas seriam pagas
pelo erário municipal, e, no ano seguinte, no Código de Processo Civil novas
medidas nesse sentido seriam retomadas.
A Constituição Imperial não previa o acesso à justiça e, ainda que declarasse
a igualdade de todos ante a lei, teria problemas, por que desnaturalizar nos
Serviços de Justiça inferioridades que as próprias práticas das relações sociais
admitiam ao abrigo do direito? Isso porque essa constituição negava a cidadania
civil, por conviver décadas com a escravidão que muito custou a expansão da
cidadania no país:
130
(...) Art. 179 – A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos
Cidadãos Brasileiros , que tem por base a liberdade, a segurança
individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Império, pela maneira seguinte:
(...) XIII – A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue,
128
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça.
129
OLIVEIRA, D. A. de. O papel da Defensoria Pública na Inconfidência Mineira.
130
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho.
58
o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.
Esta constituição e a seguinte compreendiam o acesso à justiça
simplesmente como um direito de petição do cidadão de poder encaminhar seus
interesses ante os tribunais, o que raramente se atenuava somente a partir das
isenções de custas.
As primeiras medidas, além das isenções de custas, foram promovidas pelo
Instituto dos Advogados do Brasil – IAB que em 1870, criou um conselho para
prestar assistência judiciária (Moraes e Silva, 1984). As ações do IAB muito pouco
resultaram efeito, até mesmo em seus objetivos normativos, já que
posteriormente, apesar de instaurada nova comissão, para novo projeto de Lei de
Assistência Judiciária, resultou em 1890 no Dec. n. 1030 de 14/11/1890, com
caráter meramente programático, ou seja, limitava-se a determinar que o
Ministério da Justiça deveria criar uma comissão para prestar assistência judiciária
aos pobres.
A medida só foi regulamentada anos depois pelo Dec. n. 2.457 de 8/02/1897
que organizou a Assistência Judiciária do Distrito Federal. A assistência judiciária
era composta por comissões de advogados que tinham mandato anual e defendiam
os cidadãos somente em processos, não havia, portanto, atividade consultiva que
hoje a defensoria pratica, nem mesmo essas comissões representavam um sistema
de defesa oficial como vem a ser as defensorias. Por outro lado, a lei era bastante
inovadora ao assegurar isenção de custas extra-judiciais e obrigar os diretores de
casas prisionais a semanalmente enviar as comissões de assistência judiciária a
lista dos presos sem advogados.
O restante do país não contava com a assistência judiciária, limitada ao
Distrito Federal, à época o Rio de Janeiro, o que muito se agrava dada a
circunstâncias de que a população brasileira da época era determinadamente rural
dividia pelo Vale do São Francisco, Amazonas, Planalto Paulista e Central e Rio
Grande do Sul, tendo como caráter de localização o açúcar, a borracha, o café e a
59
pecuária,
131
sob chefia de descentralizada de fazendeiros e autoridades públicas
locais. A essa época a Constituição Republicana de 1891 praticamente repete a que
lhe precedeu ao registrar o papel passivo do Estado ante as dificuldades dos
cidadãos de usufruir dos Serviços de Justiça
(...) Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes
termos: Parágrafo segundo – Todos são iguais perante a lei.
Essa constituição ao tempo que suprimia a cidadania social da educação, ao
eximir o governo de fornecer instrução primária, que constava da Constituição
Imperial, retirava dos analfabetos a prática da cidadania política, através do
voto.
132
Sob tal orientação não é de se estranhar que as medidas em torno das
comissões de assistência jurídica em si mesmas determinavam um alcance restrito
ou inexistente em favor da expansão dos benefícios dos Serviços de Justiça, porque
as diferenças sociais eram gravíssimas e estimuladas pelo próprio Estado ao eximir-
se de políticas públicas básicas na área da educação.
As distorções culturais, provocadas pela omissão do Estado no âmbito
educacional, dificultavam a implementação do acesso à justiça, naturalizavam as
circunstâncias para só uns poucos instruídos terem o uso dos Serviços de Justiça,
retardava a difusão entre os próprios cidadãos da idéia do universalismo dos
Serviços Judiciais. Além do mais, somavam-se outras barreiras, como dificuldades
econômicas, e havia os riscos, dada a ausência de direitos civis, de se buscar
aqueles serviços, pois os embaraços da coação pela violência eram o lugar comum
ao fazer o cidadão se resignar, admitir que aqueles serviços eram somente para os
grandes homens da comunidade.
A mudança dessas barreiras dependiam, primeiramente, de uma
reestruturação do poder baseado nas oligarquias agrárias, dos coronéis, que,
através da posse da terra, habituavam-se a influenciar a política nacional através
131
CARONE, E. A República Velha. Instituições e Classes Sociais.
132
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil, o longo caminho: 45.
60
da prepotência, de fanfarronice, de impostura, de mando sem discussão
133
e estes,
certamente, não desejariam que aqueles a quem infligiam com seus desmandos
pudessem ter meios de reagir através dos Serviços de Justiça. Desse contexto,
suspeito dos objetivos concretos das comissões de assistência judiciária. É possível
que não pretendessem impedir que grupos deixassem de ser inferiores a outros
nos Serviços de Justiça, porque, nas práticas sociais, isso já era consolidado
institucionalmente no meio social do qual essa pequena elite, os advogados, eram
oriundos.
Dados citados por Carvalho, referentes ao censo de 1920, podem nos dar
uma idéia do número ínfimo de advogados no país. O autor revela, que, em 1920, o
país contava com 30 milhões de habitantes, desse total 24% sabiam ler escrever, e
no país havia apenas a faculdade de direito de Recife e a do Largo do São Francisco
em São Paulo, ambas criadas por Dom Pedro I, no início do séc. XIX.
134
A mentalidade desses juristas também não poderia deixar de refletir sobre a
existência social política brasileira na transição entre o império e o advento
republicano, de um Estado sem nação, como preferiam ver alguns, um Estado que
necessitava de uma burocracia administrativa forte para determinar os caminhos e
construir uma nação, como já exemplifiquei.
A implantação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, um
em São Paulo e outro em Recife (transferido de Olinda em 1854), era a exigência
dessa elite, sucessora da dominação colonizadora, que buscava concretizar a
independência político-cultural, recompondo, ideologicamente, a estrutura de poder
e preparando nova camada burocrático-administrativa, setor que assumiria a
responsabilidade de gerenciar o país. Por que então abrir os canais dos Serviços de
Justiça a quem se considerava incapaz de organizar-se em torno de seus
interesses?
133
CARONE, E. A República Velha. Instituições e Classes Sociais.
134
CARVALHO, J. M. Nação Imaginária: memória, mitos e heróis.
61
Contribuíram para elaborar um pensamento jurídico ilustrado que
correspondia aos interesses de classes dominantes, queriam implementar um
modelo de Estado de Direito onde qualquer dissidência fosse exortada como
contrária à paz social, bem distante dos anseios de uma sociedade agrária da qual
grande parte da população encontrava-se excluída e marginalizada como no
exemplo lobatiano do Jeca Tatu agudamente interpretado por Alves Filho.
135
Mais adiante, à época do declínio do período que a historiografia
convencionou chamar República Velha, em 1931, o Estado incumbiu formalmente
os advogados da responsabilidade de assegurar o acesso à justiça aos que não
tivessem condições de pagar por tais serviços. O acesso à justiça vai ganhar os
contornos iniciais de um direito social, para além de um direito de petição, com
governo de Getúlio Vargas quando a Carta Constitucional de 1934 cria a obrigação
do Estado de assegurar a assistência jurídica aos necessitados.
Por outro lado, como na ocasião inexistia serviço de assistência judiciária
instalado nos estados da federação, a obrigação de prestar a responsabilidade do
acesso à justiça restou aos advogados. Assim, o acesso à justiça estava legado, no
mínimo, às conveniências da autonomia federativa, aliás, como padece até os dias
de hoje, não era um direito subjetivo dos cidadãos.
136
Então o caráter social deste
direito ficou apenas em sentido figurativo, simplesmente por faltar a política social
correspondente para sua implementação, como as Defensorias Públicas, e
dependente da caridade dos advogados.
As primeiras intervenções do Estado
Aqui comentarei as transformações que, pouco a pouco, contribuíram para
reformular o papel do Estado Brasileiro em matéria de acesso à justiça.
A Carta Política de 1934, como já dito, foi inédita no histórico constitucional
135
ALVES FILHO, A. As metamorfoses do Jeca Tatu.
136
PISARELLO, G. Del Estado Social Legislativo al Estado Social Constitucional:
por una protección compleja del los derechos sociales.
62
brasileiro ao consagrar o novo direito do acesso à justiça, o direito do cidadão
usufruir de condições concretas para a defesa de seus direitos. De outro modo, a
constituição afirma, com essa passagem, que o princípio da igualdade ante a lei e o
direito de petição aos Serviços de Justiça não são suficientes, sendo necessárias
medidas efetivas para que os direitos da cidadania sejam reconhecidos e
encaminhados eficazmente.
Apesar dessa importante declaração constitucional, faltou a política social
correspondente, e os cidadãos só contaram com alguns instrumentos de isenções
de custas. A constituição posterior, de 1937, retrocede na questão e restringe-se
declarar o direito à igualdade, sem a correspondente e necessária garantia do
acesso à justiça
(...) Art. 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e
estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: 1º) todos são iguais perante
a lei.
A Constituição de 1946 preenche a omissão da constituição precedente e
volta a garantir o direito ao acesso à justiça
(...) Art. 141 (...) § 35 – O Poder Público, na forma que a lei
estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.
Prescreveram ainda, de forma mais explícita outras questões que também
se relacionam ao acesso à justiça ao fixar o direito a celeridade em seu I, do § 36,
do mesmo art. 141 (rápido andamento dos processos nas repartições públicas),
aliás, disposição esta inexistente na Constituição de 1988 e especialmente cara
àqueles que buscam os Serviços Judiciais.
137
Alguns anos antes da criação da Defensoria Pública no Estado do Rio de
Janeiro, em 1954, uma das importantes soluções para o acesso à justiça é
regulamentada de modo bem abrangente.
137
A respeito da demora dos Serviços de Justiça como um obstáculo ao acesso à
justiça há o cuidadoso trabalho de Anonni que, entre outras coisas, destaca o
tratamento dessa situação no sistema internacional de proteção aos direitos
humanos. ANNONI, D. Direitos Humanos e Acesso à Justiça no Direito
Internacional.
63
Refiro-me a Lei 1060 de 5 de fevereiro de 1950, que além de prever que o
serviço de assistência jurídica oficial fosse organizado e mantido pelo união e pelos
estados, estruturou uma série de mecanismos processuais para facilitar o
encaminhamento dos interesses do cidadão através dos Serviços de Justiça,
prevendo as condições para isenções de custas e suas conseqüências. Uma grande
importância da Lei 1060/50 é a de não se prender a nenhum código, lei processual
ou até mesmo a quem prestaria o serviço de assistência, fosse oficial ou voluntária.
Até a data de sua edição, era bem heterogêneo o modo como as leis no
Brasil tratavam as isenções ou facilidades processuais para o cidadão, porque
dependia de qual campo do direito estivesse submetida à questão nos Serviços de
Justiça, ou mais exatamente, se no âmbito da legislação penal, trabalhista,
processual, fiscal, prestada por comissão própria de assistência ou advogado
voluntário.
138
As várias disposições a respeito resultavam no tratamento
diferenciado daqueles que buscavam os Serviços de Justiça, conforme a legislação
geral a que estivesse submetido seu interesse, como a referida lei o tratamento é
homogeneizado.
A lei também não condicionou se os serviços de assistência jurídica para
terem o benefício da isenção de custas deviam ser prestados por comissão própria
de assistência seja ela pública seja privada, permitindo que até mesmo advogados
particulares dispostos a advogar gratuitamente possam requerer o benefício da
isenção de custas para defender cidadãos necessitados.
138
MIOTTO, A. B. A Defensoria Pública no Brasil: 78. Cabe observar que a
referida lei, ainda vigente, prevê meios de facilitação de defesa, como isenções
de custas, ainda para aqueles que não estejam sob a defesa de defensor
público. No caso, há a permissão para que advogados particulares, livremente
nomeados pelo cidadão, possam defendê-lo na condição de advogado gratuito,
auxiliando, desse modo, o serviço de defesa oficial, o que não se confunde com
a figura do advogado dativo, que corresponde a uma exigência de defesa e da
capacidade de estar em juízo, independente das condições econômicas da parte.
64
Fonte: Banco de dados do autor
Anos após a lei referida, quer dizer no mesmo breve período em que os
grupos dirigentes permitiram o exercício da cidadania política, em 1954
implementa-se, no Rio de Janeiro, o primeiro ensaio da política social Defensoria
Pública.
Interessante, por fim, observar, como apontarei a partir do exemplo do
Estado do Rio de Janeiro, que foi justamente nos períodos de supressão das demais
dimensões da cidadania que a política social Defensoria Pública foi impulsionada e
organizada com vigor. Para mim, corroborando a tese da utilização do acesso à
justiça como um instrumento de cooptação de grupos sociais para diminuir ou
65
eliminar a resistência a tomada do Estado por grupos autoritários, o caráter de
assimilação da Revolução Passiva.
Justamente durante o regime militar de 1964, quando foram prescindidos
direitos políticos e civis, o projeto do acesso à justiça foi resgatado, especialmente
na década de setenta, quer dizer, no auge do período ditatorial. Nessa ocasião a
política social Defensoria Pública ganha forma e consistência sob o compromisso
constitucional de 1967 que será concedida assistência judiciária aos necessitados,
na forma da lei (art. 150, parágrafo 32).
A Constituição de 1988 prossegue com o projeto do acesso à justiça
reconhecendo-o enquanto direito fundamental e direcionando a assistência jurídica
para o modelo público, oficial, sem qualquer menção às iniciativas oriundas da
própria sociedade civil, ao indicar as defensorias públicas como políticas sociais
básicas na matéria, fortalecendo o papel do Estado
(...)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita
aos que comprovarem insuficiência de recursos;
(...) art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados (...).
139
Esse fortalecimento do papel do Estado no acesso à justiça, revelado pela
adesão total do constituinte ao modelo de assistência jurídica oficial, também
associo à concepção da defensoria como um projeto de modernização
conservadora, revelado aqui na proposta de fortalecimento do Estado,
140
porque, se
139
Grifo meu.
140
Outras experiências em matéria de acesso à justiça, como a Norte
Americana, a obrigação do Estado de prestar assistência judiciária volta-se
exclusivamente para o âmbito criminal, daí que predominar como instrumento
de implementação do acesso à justiça ser a organização da própria sociedade
civil americana, como, por exemplo, a Associação de Advocacia Pro Bono: A
Constituição dos EUA garante o direito à assessoria jurídica para pessoas
66
por um lado, o Estado reconhece ao cidadão direito a existência de Serviços de
Justiça onde as diferenças sejam desnaturalizadas, por outro, busca a centralização
das políticas no Estado. Não discuto a conveniência do modelo, apenas constato ser
patente a concentração de mais atribuições, poder, ao Estado por um modelo que o
responsabiliza em primeiro lugar pelo acesso à justiça, o que não impediu, ao longo
da construção do acesso à justiça no Brasil, iniciativas próprias da sociedade civil.
No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, atualmente existem outras iniciativas
além da Defensoria Pública no atendimento ao cidadão, como os escritórios
modelos da maioria das universidades que advogam gratuitamente para aqueles
que comprovam insuficiência de recursos, como ainda algumas associações de
defesa do consumidor e outras. Mas é o modelo oficial que absorve a maior
demanda.
Em relação ao tema aqui analisado, há que se reconhecer a importância da
Constituição de 1988, sobre as anteriores; mas, ainda que a Carta Política simbolize
um processo de mudança de regime, basear a garantia dos direitos do cidadão
como limites aos poderes do Estado não pode deixar de ser fruto de um
compromisso de se levar o trabalho constituinte até o final, por isso uma série de
concessões foram feitas.
141
O enorme desconto subtraído pelo constituinte de 1988
ao projeto de acesso à justiça brasileiro foi o de tirar da gaveta o modelo de
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sem tê-lo transformado, seja evitar
a criação de mais instância de poder com forte poder de barganha nas relações
sociais, como o Ministério Público, por exemplo, seja para não criar dificuldades as
políticas de ajuste estrutural que estavam por vir.
142
acusadas de atos criminais, e, há muitas décadas, os tribunais são obrigados a
oferecer representação legal àqueles que não têm condições de contratar seus
próprios advogados. Nos processos cíveis, as partes não têm essa garantia; no
entanto, organizações municipais e jurídicas, bem como o governo federal,
tornaram a representação legal disponível para a população de baixa renda por
meio de vários mecanismos. GUY, A. Representação Pro Bono: Assessoria
Jurídica onde for necessário: 1.
141
FARIA, J. E. Direitos Sociais e Justiça - uma questão de direito.
142
Se, por um lado, setores desfavorecidos foram objeto de direitos sociais no
67
Seja como for, o acesso à justiça, como direito social, permanece na
Constituição Federal de 1988 no rol dos direitos fundamentais, o que implica numa
importante limitação às variações de vontade das maiorias que venham a se
constituir, e abre caminho, apesar dos traços que apontarei no capítulo seguinte,
para mudanças reais de implementação daquela dimensão social da cidadania,
como, aliás, o constituinte derivado já deu provas de estar disposto a fazê-lo no
exemplo da Emenda Constitucional 45/2004.
Julgo que essas transformações reais se dão em virtude da progressiva
consolidação da cidadania no país que vai permitir que os direitos sociais, assim
como o acesso à justiça, sejam edificados como resultado, como contra-partida de
direitos políticos, passando a um direito subjetivo público dos cidadãos
brasileiros.
143
anos 50, 60, 70 e, principalmente, na Constituição brasileira de 1988, todo o
discurso de responsabilização fiscal, de estabilização monetária, todo os discurso
que leva a cortes em gastos públicos, concentrou-se, fundamentalmente, em
setores sem capacidade de voz. Na medida em que não temos setores com
capacidade de voz, vamos perceber que se torna mais fácil para o Estado fechar
certos órgãos, cortar orçamento de determinados órgãos, acabar com certas
fontes de financiamento. Então, podemos verificar que, a partir daí, temos
defensorias públicas, procuradorias de assistência judiciária e conselhos
tutelares que não funcionam. Idem: 111.
143
PISARELLO, G. Del Estado Social Legislativo al Estado Social Constitucional:
por una protección compleja del los derechos sociales.
Capítulo 3
Construção da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Identifico a seguir, quais os elementos que serão examinados enquanto embaraços
a efetivação do acesso à justiça, no exemplo da Defensoria Pública, entendidos
como evidências de um projeto de modernização conservadora.
Os indícios da modernização conservadora
Ao estudar a história da defensoria, estranhei observar o grau insuficiente de
recursos que foram mobilizados para sua instalação concomitante aos controles que
lhe foram impostos na sua estruturação orgânica e na determinação de suas
incumbências - medidas totalmente alheias à montagem de outras instituições
jurídicas oficiais, como o Ministério Público e principalmente o Poder Judiciário.
Percebi, ainda, que esses aspectos não raro são encobertos pelos
indicadores quantitativos positivos da Defensoria do Rio de Janeiro; positivos
porque atestam que o cidadão alvo da Defensoria Pública é alcançado em número
cada vez maior, como se vê a partir de dados da própria Defensoria Pública:
Tabela 1:
Número de atendimentos efetuados pela Defensoria Público do Rio de Janeiro
Ano Nº de atendimentos
1996 994.992
1997 1.038.690
1998 1.050.894
1999 1.261.181
2000 1.427.797
2001 1.607.350
2002 1.882.110
2003 2.202.068
Fonte: http://www.dpge.rj.gov.br/ outubro 2004
69
De acordo com a tabela 1, as atividades da Defensoria são anualmente
responsáveis por incorporar a dimensão social do acesso à justiça, nas condições
existentes, a cerca de 200.000 novos cidadãos por ano. Do que se conclui, entre
outras coisas, existir um elevado grau de confiança do cidadão carioca que, cada
vez mais, busca os serviços prestados pela Defensoria Pública.
Mas, esses dados podem ser enganadores na medida em que possam
dissuadir a necessidade de transformações reais para uma série de limitações que
até hoje perduram ou se agravaram na Defensoria, ou em outras palavras, a
quantidade crescente de atendimentos poderia significar que os problemas
existentes não são um embaraço incisivo ao seu funcionamento, não haveria assim
necessidade de alterações.
Se o acesso à justiça tem realmente como seu âmago prescindir aquelas
situações em que uns cidadãos são inferiorizados nos Serviços de Justiça em razão
de diferentes externalidades sociais, legando os processos apenas à sorte do
conteúdo do direito da cidadania que se vêem subordinados, suponho ser um
caminho revelador analisar alguns pontos da montagem institucional da Defensoria
Pública que constituem embaraços claros à possibilidade dela alcançar aqueles
propósitos básicos, qualitativos, do acesso à justiça. Limitações que advém de seu
desenho institucional, no que diz respeito a defesa dos interesses coletivos e
difusos, insuficiência de recursos (materiais e humanos), baixos salários, e outras.
A defensoria, atualmente, sofre com esses problemas num primeiro
momento relacionados à falta de recursos orçamentários para suprir as carências
materiais e humanas, mas eles se mantém, porque, ao que parece o seu modelo no
Rio de Janeiro foi idealizado justamente para retardar a sua ampliação em um
sentido efetivo para implementação do acesso à justiça.
Minha hipótese é que os traços conservadores que foram fincados na
estrutura da Defensoria Pública desde sua criação têm ligação com o trajeto da
cidadania no Brasil, ou seja, a visão de hipossuficiência do povo para organizar
70
seus interesses, o que condicionaria a dependência da política social defensoria
num primeiro momento, ao controle do Ministério Público e, posteriormente, dos
ânimos dos governos estaduais do qual até hoje tenta desgrilhar-se.
Para mim os problemas que se vêem hoje na Defensoria são resultados da
modernização conservadora que lhe foi planejada desde o início, seguindo a lógica
de oferecimento de direitos sociais, para cooptar os cidadãos, oferecendo-lhes uma
política social de efeitos condicionados ao desejável, por não serem resultado,
contra-partida de direitos políticos.
Pretendo comprovar essas afirmações a seguir através dos seguintes pontos
condicionantes de sua estrutura burocrática: autonomia funcional, administrativa,
orçamentária, a remuneração dos defensores públicos e o plano de carreira
definindo suas funções institucionais. Noutras palavras, os pontos que denunciam
esse projeto conservador dos grupos dirigentes estaduais para a Defensoria Pública
no Estado do Rio de Janeiro.
Aliás, a proposta de Defensoria Pública, elaborada no período de supressão
de direitos civis e políticos, deixou marcas na própria Constituição de 1988, que
apesar de forma inédita eleger como política social primária em matéria de acesso à
justiça, a Defensoria Pública, legou-a aos ânimos dos governos estaduais, questão
que está cabendo ao constituinte derivado corrigir, como no exemplo da Emenda
Constitucional n. 45/2004, que incluiu o parágrafo segundo no artigo 134 da
Constituição Federal de 1988:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,
LXXIV.
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia
funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta
orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
144
A autonomia funcional foi negada durante bom tempo à Defensoria Pública,
144
Grifo meu.
71
em um dos modelos que conviveram na região que atualmente compreende o
Estado do Rio de Janeiro, ocasião em que os defensores exerciam suas atividades
nos quadros funcionais de outra instituição, o Ministério Público.
A autonomia administrativa diz respeito à coordenação, direção da
instituição advir de membros da própria defensoria, e não em outros órgãos da
administração estadual. Como um meio de assegurar maior comprometimento das
decisões com os interesses de implementação da política social, dotar o comando
da instituição um fim não honorífico, mas meritocrático, atribuindo-lhe ainda
legitimidade ante os defensores.
Já autonomia orçamentária, importantíssima, é uma das que até hoje estão
aguardando a efetivação, permitiria aos próprios defensores investirem os recursos
orçamentários por eles estimados na instituição, contratação de pessoal
administrativo e operacional para aumentar a qualidade dos serviços.
A questão dos salários, do mesmo modo, talvez mais grave, marginaliza no
que se refere aos vencimentos os defensores em relação as demais carreiras
jurídicas do Estado do Rio de Janeiro, como magistratura e ministério público, o que
configura um insulto dos últimos governos estaduais aos defensores públicos e à
população do Rio de Janeiro.
Finalmente, o plano de carreira, determinando quais as atividades que a
Defensoria Pública pode exercer para cumprir sua missão constitucional de impedir
que o cidadão seja inferiorizado nos Serviços de Justiça em razão de suas carências
econômicas, sociais ou políticas.
Não quero questionar a importância inegável que até hoje a Defensoria
Pública tem para os cidadãos do Estado do Rio de Janeiro, na sua contínua
percepção das demandas que lhe são trazidas, sua iniciativa em correspondê-las
através da criação de sucessivos novos núcleos de atendimento especializados e
sua sistemática luta em torno dos direitos civis, caminho importante para a
ampliação das demais dimensões da cidadania, como já deixei transparecer em
72
capítulos anteriores.
A importância do trabalho da Defensoria Pública na defesa dos direitos civis
é tão evidente que não é raro se associar, por exemplo, o reduzido número de
rebeliões em presídios do Estado do Rio de Janeiro ao trabalho do Núcleo
Penitenciário na defesa dos direitos civis de seus detentos, defendendo-os em
recursos penais, controlando os prazos de cumprimento de penas e verificando as
possibilidades de mudança de regime penal, isso sem falar em vários outros
trabalhos do mesmo modo honestos como mais um recente esforço da instituição
no âmbito dos direitos civis: o recém criado Núcleo de Direitos Humanos cuja
criação gera grandes expectativas para todos nós de ser capaz de elevar
especialmente os custos da violência publica resultantes das políticas de segurança
do Estado do Rio de Janeiro, que, de ordinário, têm cumprido um exímio papel de
criminalizar a pobreza e territorializá-la nas áreas carentes da Cidade do Rio de
Janeiro.
145
A defesa dos direitos civis, por exemplo, é limitada, quando seu
encaminhamento se dá no embate interindividual, negando o conflito coletivo,
negando que, por exemplo a criminalização da pobreza é uma conseqüência direta
da exclusão social proveniente da ótica neoliberal que produz um grande número
de miseráveis condenados à condição de coisa. O novo núcleo talvez possa dar uma
grande contribuição nesse sentido.
Enfim, a despeito de meu diagnóstico, não pretendo desmerecer a política
social aqui examinada, mas mirar os pontos a seguir que julgo capazes de
fortalecer o côro das demandas, das pressões tanto dos defensores como da
sociedade civil para ampliar, enquanto contra-partida de direitos políticos, a
dimensão social da cidadania do cidadão carioca.
Os modelos de Defensoria Pública no Rio de Janeiro
145
LYRA, D. A. et al. (org). Relatório RIO: violência policial e insegurança
pública.
73
Aqui esclareço que a atual Defensoria Pública do Rio de Janeiro é resultado
da combinação de diferentes modelos testados no Antigo Estado do Rio de Janeiro,
no Distrito Federal e no Estado da Guanabara. Modelos que, de um modo geral,
tinham traços que buscavam controlar o alcance da política social em termos de
organização e encaminhamento de interesses dos desfavorecidos nos Serviços de
Justiça, através dos pontos destacados acima, inexistência de autonomia, funcional,
administrativa, orçamentária, os baixos salários dos defensores e plano de carreira
dos mesmos. Restrições, insisto, inexistentes na estruturação das demais carreiras
jurídicas estaduais sempre atendidas em seus pleitos e também, indiscutivelmente,
até os dias de hoje, com maior poder de barganha que a Defensoria frente ao
governo Estadual.
O modelo inaugural surge quando, após vários anos de sua previsão, feita
pela Constituição de 1934, no antigo Estado do Rio de Janeiro,
146
o governador
Amaral Peixoto cria os primeiros cargos de defensores públicos para oferecer
assistência jurídica gratuita em 1954.
O segundo modelo, poucos anos depois, é concebido no governo do
presidente Juscelino Kubitschek que também institui, no Distrito Federal, cargos de
defensores públicos, através da Lei n. 3434/58. Com a mudança da capital federal
para Brasília em 1960 e criação do Estado da Guanabara, mantém-se a mesma
estrutura da Defensoria Pública do antigo Distrito Federal para aquele estado recém
criado.
Durante 15 anos, ou seja de 1960 até 1975, quando há a fusão da
Guanabara, tornando um só Estado, o antigo Rio de Janeiro e o Estado da
146
É bom relembrar que toda área que compreende o atual Estado do Rio de
Janeiro até 1960 dividia-se no antigo Estado do Rio de Janeiro e no Distrito
Federal, atual Cidade do Rio de Janeiro. Naquele ano o distrito federal foi
transferido para Brasília, quando é criado o Estado da Guanabara que,
juntamente com o antigo Estado do Rio de janeiro, foram estados da federação
até 1975 ano da fusão dos mesmos. Daí em diante passaram a ser um só, o
atual Estado do Rio de Janeiro cuja capital passa ser a Cidade do Rio de Janeiro.
Portanto ,quando me refiro ao antigo Estado do Rio de Janeiro, trata-se daquela
unidade da federação que precedeu a fusão de 1975.
74
Guanabara, conviveram dois modelos distintos de política social para o acesso à
justiça, dois tipos de defensoria pública, ambas distanciadas pelas limitações
institucionais apontadas acima, à exceção dos salários no antigo Estado do Rio de
Janeiro, que, segundo Rocha, teria pago a melhor remuneração na história dos
defensores, acima deles só recebiam mais os desembargadores e promotores em
fim de carreira.
147
O modelo da Guanabara, por exemplo, herdado do Distrito Federal, era o
mais conservador de todos, criava também cargos de defensores, mas de forma
significativamente diferente do estado que havia lhe precedido nessa iniciativa:
submetia funcionalmente as atividades dos defensores. Quer dizer, o cargo de
defensor era criado como uma espécie de estágio para outra fase da carreira, a de
membro do Ministério Público. Os defensores públicos da Guanabara não estavam
sob um cargo isolado como fizera a legislação do antigo Estado do Rio de Janeiro;
no lugar disso, o defensor era o cargo inicial da carreira do Ministério Público.
Não havia uma carreira de defensor, mas sim de promotor que ao ingressar
no Ministério Público, começaria como defensor e, depois, quando promovido,
passaria a promotor. A mencionada lei do Distrito Federal que permaneceu
regulamentando o Ministério Público na Guanabara assim dispôs:
Título III – Da Carreira
Art. 44. A Carreira do Ministério Público compreende os cargos de
Defensor Público, Promotor Substituto, Promotor Público, Curador
e Procurador da Justiça.
Capítulo I – do Ingresso
Art. 45. O ingresso na carreira far-se-á no cargo de Defensor
Público cujo provimento depende de concurso de provas e títulos.
(...)
Art. 51. Os cargos de Defensor Público, Promotor Substituto,
Promotor Público, Curador e Procurador da Justiça são providos em
caráter efetivo: o primeiro, por nomeação e os demais, por
promoção.
148
147
ROCHA, J. L. R. História da Defensoria Pública e da Associação dos
Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro: 9.
148
Grifos meus.
75
Estes dispositivos significavam em termos práticos sérios embaraços a
atividade dos defensores da Guanabara e daqueles que dependiam desses
profissionais, porque a organização de seus interesses não podia deixar de sofrer a
falta de liberdade de atuação da atividade dos defensores em relação aos seus
superiores funcionais, os promotores. A análise abaixo do jurista Técio Lins e Silva
dá uma idéia nítida da questão:
O promotor público tornava-se promotor quando era promovido,
porque ele fazia o concurso para Defensor Público, ganhava menos
e tinha menos status, almejava ascender na carreira e, quando era
promovido, tornava-se então Promotor de Justiça. Os Defensores
Públicos eram aqueles que iniciavam a carreira do Ministério
Público, o que evidentemente, por razões óbvias, desequilibrava a
própria relação do processo entre Defesa, Acusação e Juiz. O
Defensor Público era hierarquicamente inferior na carreira ao
promotor, ao seu colega com quem havia de discutir, de debater
as causas tanto no âmbito cível, criminal, de família, enfim, em
todas as questões da Justiça. (...) Portanto, os Defensores Públicos
tinham uma dependência ideológica, financeira, administrativa,
funcional do Ministério Público.
149
Ainda que criada num contexto de relativa liberdade política, a política social
Defensoria Pública trazia evidentes traços de modernização conservadora. Não é
difícil imaginar o espaço de manobra resultante de uma situação em que um
subordinado pode comprometer o êxito do trabalho de seus superiores que se
enfrentariam em várias situações envolvendo interesses no campo do direito de
família, civil e penal.
Gravemente, este modelo ainda ameaçava a criação de uma cultura de
comprometimento com os interesses dos grupos necessitados da política social,
responsável, no dizer de Cappelletti e Garth, como já citei no início do trabalho, por
ter a vantagem de realizar uma tarefa mais ambiciosa de um serviço social, já que
os profissionais
adquirem experiência no trato dos problemas dos necessitados,
enquanto profissionais encarregados de atender apenas interesses
individuais geralmente não são capazes de assegurar estas
vantagens.
150
149
MORAES e SILVA & TEIXEIRA. Assistência Judiciária: sua gênese sua história
e função protetiva do Estado. Grifo meu.
150
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça: 41.
76
Os defensores públicos na Guanabara, tão logo adquirissem consciência
desses interesses, eram promovidos para exercer o cargo de membro do Ministério
Público com outras finalidades.
No antigo Estado do Rio, a situação, desde 1954, era diferente, mas não o
suficiente enquanto política social, por seu número ínfimo de integrantes e por
padecer, assim, como a da Guanabara, da inexistência de autonomia
administrativa, financeira/orçamentária e as limitações do plano de carreira. Mas o
fato é que, no antigo Estado do Rio de Janeiro, os primeiros cargos de defensor
público são criados no Brasil também nos quadros do Ministério Público, mas como
cargos isolados e de provimento efetivo.
A condição de cargos isolados significava que os defensores públicos
estavam submetidos administrativamente ao chefe administrativo máximo do
Ministério Público. O agente ingressava no Ministério Público como defensor, para
ser defensor e igualmente como os demais promotores possuía uma mesma
direção: o Procurador Geral de Justiça.
Então, no dia a dia das atividades do defensor, quando havia intervenção
legal de membros do Ministério Público em alguns dos processos que atuasse, como
é regra, na área de família e penal, estava diante de um agente daquela instituição
com os mesmo poderes que o defensor, e ambos submetidos a uma mesma chefia.
Sem dúvida, isso, em alguma medida, retirava, de certo modo, a dependência
ideológica dos defensores em relação ao Ministério Público, como haveria no
modelo da Guanabara.
No entanto, permanecia, no antigo Estado do Rio, o mesmo embaraço do
modelo da Guanabara para seleção dos defensores que se dava através de
provimento efetivo, quer dizer, significava serem os cargos preenchidos não
através de concurso público, e sim por livre nomeação realizada pelo governador
para exercer estritamente as funções de defensor público, o que não poderia deixar
de ser dificultoso para o defensor nas situações em que seus assistidos buscassem
77
a Defensoria Pública justamente para processar o Estado nos Serviços de Justiça.
Apesar da importância da medida, ainda era bem rudimentar porque se instalava
não uma instituição própria, Defensoria Pública na administração estadual, mas sim
um quadro com mirrados membros numa outra instituição.
É comum até mesmo nas referências oficiais, e na própria voz da Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro, identificar a criação desses cargos no
Ministério Público Estadual como acontecimento que marca o início da Defensoria
Pública, o que não chega a ser muito exato, porque o que vai comprovar a
implementação da promessa de política social do constituinte de 1934 não é uma
nova instituição estatal, mas o novo ator nas atividades jurídicas do país, o
defensor público. Ou em outras palavras, o que é implantado em 1954, não é uma
política social através de uma nova estrutura burocrática na administração
estadual, mas sim novos cargos de agentes jurídicos nos quadros funcionais do
Estado que irão se sediar não em instituição própria, mas no Ministério Público.
O surgimento da Defensoria Pública como instituição só pode ser, em termos
objetivos, considerado a contar de seu desligamento do Ministério Público, quando,
no antigo Estado do Rio de Janeiro, é criado o órgão Assistência Judiciária do
Estado. Nome esse perdurou para a política social, enquanto instituição, até 1989,
quando passou a ser denominada oficialmente como Defensoria Publica do
Estado.
151
Mas, desde a ocasião destes dois modelos, até 1975, se manteria a tradição
que iria ali perdurar por meio século até a relativa alteração da Emenda
Constitucional 45 de 2004 – retirando, apenas no plano formal - da dependência
total da instituição dos ânimos orçamentários do Governo do Estado, responsável
pelas péssimas condições de trabalho dos defensores, remuneração, insuficiência
de pessoal por impossibilidade de abertura de novos concursos e filas intermináveis
151
Observo que nesse trabalho uso o termo Defensoria Pública para todos os
períodos.
78
de atendimento e limitação das atividades dos defensores.
As escolhas em torno da autonomia funcional
Deste tópico em diante, examino cada um dos pontos que foram modelados no
desenho institucional da Defensoria Pública para controlar sua eficácia no âmbito do
acesso à justiça, quer dizer, aquilo que identifico enquanto provas da modernização
conservadora.
Cerca de dez anos após um novo e longo período de exceção política
inaugurado em 1964, e mais algumas décadas de convivência dos modelos acima
de política social, cria-se uma nova Defensoria Pública resultante da fusão da
Guanabara. A primeira grande discussão em torno da defensoria do novo estado
era quanto à questão da autonomia funcional: retirar ou não a Defensoria Pública
dos quadros do Ministério Público? Manter ou não o exemplo conservador do Estado
da Guanabara?
Esta questão era importante porque dela dependia o desenvolvimento e a
profissionalização das atividades da instituição com os interesses dos cidadãos
assistidos pela política social Defensoria Pública, como, por exemplo, através da
criação de diferentes núcleos de atendimento, o que efetivamente veio acontecer
na passagem da década de oitenta, quando as atividades da Defensoria vão se
especializando, correspondendo às demandas dos cidadãos do Estado.
No período, a supressão das dimensões civil e política da cidadania eram até
mesmo formalmente incorporados ao direito brasileiro, como no exemplo do Ato
Institucional n. 5 não havia problemas de se continuar o processo de ampliação da
dimensão social do acesso à justiça, porque ele não chegaria além desejável, não
era contra-partida de direitos político. Os Serviços de Justiça não teriam como
afirmar os direitos da cidadania ameaçar os interesses do grupo dirigente
152
ou
152
Certo que há exceções famosas, como o caso do jornalista húngaro,
naturalizado brasileiro, Vladmir Herzog, cujo assassinato, em 1975, foi atribuído
pela própria justiça federal de São Paulo aos membros oficiais da repressão
política do Brasil.
79
muito menos a Defensoria Pública de modo isolado. O depoimento do advogado
criminalista Eloar Guazzelli, publicado no Jornal do Brasil de 1 de junho de 1992,
citado por Maccaloz é esclarecedor dessa situação
a transferência dos processos políticos da Justiça comum para a
Justiça Militar foi muito boa. Se isso não tivesse ocorrido, a
maioria dos réus seria condenada na Justiça comum porque o
ambiente entre os juízes era de pânico.
153
Por isso, permitiu-se que os próprios defensores participassem ativa e
determinantemente do debate da política social no recém criado Estado do Rio de
Janeiro. Eles optaram pelas experiências do antigo Estado do Rio de Janeiro,
garantindo-se a independência funcional, desvinculando os cargos de defensor dos
quadros do Ministério Público, reunindo aqueles profissionais em torno de um órgão
próprio na estrutura administrativa estadual, que, na época, ainda seria designado
como Assistência Judiciária do Estado.
Apesar dos evidentes problemas ao exercício das atividades dos defensores
públicos no modelo do Estado da Guanabara, herdados do Distrito Federal, onde
inexistia a independência funcional, não havia uma unanimidade se esta
desvinculação funcional com o Ministério Público seria tão proveitosa como
aparentemente poderia se imaginar, não obstante, a desvinculação no antigo
Estado do Rio de Janeiro estivesse sendo bem sucedida desde 1970. Entre os
defensores temia-se que a desvinculação não valeria o preço de pertencer aos
quadros de uma instituição com mais poder de barganha na administração
estadual, como o Ministério Público.
Havia consciência dos riscos, num regime de pura exceção política, de se
ampliar uma política social, como a defensoria pública qual ela poderia ser
pressionada, em algum momento, para assumir parte da responsabilidade na
organização de interesses coletivos via Serviços de Justiça. Encaminhá-los não no
plano não individual, mas coletivo, pela defesa dos direitos civis e
153
MACCALÓZ, S. M. P. O Poder Judiciário, os Meios de Comunicação e a
Opinião Pública.
80
reestabelecimento dos direitos políticos jamais seria admitido, na ocasião, ainda
que as pressões ou estímulos para tais engajamentos decorressem internamente,
entre os próprios defensores, numa espécie de redefinição de suas missões
institucionais, ou pela própria sociedade civil.
Portanto, aqueles que temiam a independência funcional da Defensoria
Pública, quer dizer, tornar-se um órgão estadual paralelo ao Ministério Público,
estavam preocupados talvez não só com a perda das garantias comuns aos
membros do ministério público, que não seria mais gozada pelos defensores, como
as que, pela Constituição de 1967, compreendiam vitaliciedade, após dois anos de
exercício da atividade e a inamovibilidade, porque estavam suspensas, desde 1968,
devido ao Ato Institucional n. 5 que perdurou até 1979, quando o Congresso
Nacional aprovou a Emenda Constitucional enviada pelo presidente Geisel para
revogá-lo.
A questão era que,no período de Regime de Exceção, desvincular-se de uma
instituição com um poder de barganha político já consolidado poderia comprometer
seriamente o avanço dos próprios serviços a serem prestados aos cidadãos do
Estado do Rio de Janeiro, as condições de trabalho dos defensores e a própria
existência da Defensoria Pública. A experiência dos defensores já era suficiente
para perceber: nada podia assegurar lhes manutenção do mesmo poder de
barganha com os grupos dirigentes estaduais ou até mesmo recursos para
desempenhar suas atividades fora da proteção do Ministério Público.
Depoimentos de defensores transcritos por Rocha (2004) acerca desse que
viria a ser o momento decisivo na história da Defensoria Pública evidenciam tanto
as diferenças dos modelos da Guanabara em comparação ao antigo Estado do Rio
de Janeiro quanto os temores a respeito da reestruturação da Defensoria Pública:
Em 1975 houve a fusão dos dois Estados. Houve uma incerteza
muito grande sobre como seria a Defensoria Pública no novo
Estado, mesmo o Ministério Público. (...) A gente não sabia (...)
Tudo era diferente: a questão salarial era diferente. Por exemplo:
na Defensoria Pública, enquanto na Guanabara, os vencimentos do
81
defensor público eram praticamente insignificantes, porque ele era
o início da carreira de promotor de justiça, nós, no antigo Estado
do Rio de Janeiro, desde 1970, pelo Decreto-Lei n. 286, portanto
cinco anos antes, já tínhamos carreira paralela, independente do
Ministérios Público (...). O Governador Faria Lima fez um grupo de
trabalho antes de se verificar a fusão, que foi em 15 de março de
1975. (...) Esse grupo de trabalho, com elementos do Estado do
Rio e da Guanabara, chegou à conclusão que, em termos de
Ministério Público, a Guanabara estava bem. Mas, em termos de
Defensoria Pública, tinha que adotar o sistema do antigo Estado do
Rio, porque estava anos-luz em atraso. (...) Então foi adotado, na
fusão, todo o modelo do antigo Estado do Rio (...).
154
ou
Quando houve a fusão, a primeira coisa ser solucionada foi a
legislação a ser adotada: a do Estado do Rio ou a da Guanabara.
(..) Na Guanabara, o defensor público era início de uma carreira.
Ele compunha o quadro do Ministério Público. Ele fazia concurso
para o defensor substituto, depois passava para defensor; depois
para promotor. Na velha província, no Estado do Rio de Janeiro,
não, Eram carreiras paralelas. Em que pese uma delas ser
enquadrada como letra B eram carreiras paralelas e
independentes. Quanto a isso houve, realmente, muita confusão,
muita discussão, entre nós. Tivemos colegas que foram contra,
absolutamente... Defendiam que jamais poderíamos sair da árvore
frondosa que era o Ministério Público. (...) Que nós devíamos
sempre ficar sob a sua proteção. (...) Nós, que já tínhamos muita
dificuldade, íamos Ter muito mais dificuldades. Quer dizer, aquele
medo de lutar pela nossa independência.
155
A resistência à desvinculação do Ministério Público não era, portanto, uma
mera tentativa de golpe contra a independência da Defensoria Pública, como
poderia supor aqueles que optavam pelo modelo do antigo Estado do Rio de
Janeiro. Indicava haver entre os próprios defensores alguma consciência de que os
grupos dirigentes tinham um sério interesse em manter sob controle as políticas de
acesso à justiça. Emancipá-la funcionalmente poderia ser pior, porque aumentaria a
vigilância sobre ela, para evitar que pudesse servir como instrumento de
contestação pública via Serviços de Justiça. Consciência de que esses serviços
poderiam ser uma arena alternativa para protestar e reivindicar.
156
154
ROCHA, J. L. R. História da Defensoria Pública e da Associação dos
Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro: 43.
155
Idem: 45. Grifo meu.
156
Os fundamentos desses dirigentes eram os mesmos da velha mente
conservadora dos grandes homens do império e da república dos bacharéis, uma
elite convencida de saber os melhores caminhos para direcionar os movimentos
sociais no Brasil.
82
O outro grupo de defensores, disposto a assumir os riscos de, em algum
momento, estar no caminho dos interesses dirigentes, prevaleceu nas comissões de
estudo que planejavam decidir como unir em um só modelo as diferentes
estruturas das Defensoria Públicas do antigo Estado do Rio de Janeiro e do Estado
da Guanabara.
Em certa medida, a opção pelo modelo de Defensoria Pública existente no
antigo Estado do Rio de Janeiro, regulamentada pelo Dec. Lei n. 11 de 15 de março
de 1975, simbolizou uma primeira libertação das amarras da modernização
conservadora projetada para a Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro. Mas,
por outro lado, confirmando as suspeitas daqueles que temiam a separação das
atividades entre Ministério Publico e Defensoria, aumentou a vigilância sobre esta,
tanto que, no auge do período da ditadura, década de setenta, várias outras
alterações se seguiram para definir, minuciosamente, o modelo institucional de
Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro, o que explica o paradoxo de que
uma política social tão importante para a consolidação da cidadania tenha tomado
consistência orgânica, quer dizer, sido montada enquanto instituição, justamente
num período de restrição de direitos civis e políticos, confirmando nossa sina, de
direitos precederem à contestação pública, modernização conservadora, como
prefiro diagnosticar.
A autonomia administrativa
Mesmo com a autonomia funcional, quer dizer, defensores reunidos em torno de
quadros funcionais onde trabalhavam apenas defensores, que eram promovidos a
defensores, a instituição tinha, como chefe máximo, não um defensor, mas um
membro do Ministério Público Estadual. Não havia, portanto, autonomia
administrativa.
Sob o Governo Chagas Freitas, a questão da autonomia administrativa é
paralisada por meio da Emenda Constitucional 16/81; a instituição em vez de ser
subordinada ao Procurador Geral de Justiça, passou a ser imediatamente submetida
83
a chefia ordinária do Secretário de Justiça, ou nas palavras de um defensor público,
saímos da tutela do Ministério Público para entrar na “vala comum” dos servidores
públicos.
157
A defensoria ficava mais atada ainda ao poder executivo estadual.
A autonomia administrativa, no sentido de um dirigente próprio, deu-se
somente no Governo Moreira Franco, instituindo a chefia máxima a um Procurador
Geral oriundo dos próprios membros da própria Defensoria Pública, o que foi
alcançado na Emenda Constitucional 37/87. Mas a nomeação Procurador Geral da
Defensoria Pública era livremente determinada pelo chefe do executivo estadual
que poderia escolher qualquer um, ainda que não fosse membro da instituição -
novamente uma mudança controlada.
No Governo Anthony Garotinho, pela Emenda Constitucional 95, essa
situação alterou-se um pouco mais, estabeleceu que a chefia da Defensoria Pública
deveria pertencer aos seus quadros funcionais, quer dizer, um defensor, e a
escolha do Governador se restringir a uma lista tríplice eleita pelos próprios
defensores. A nova lógica da escolha do Procurador Geral da Defensoria Pública
assegurou melhores meios de representatividade da chefia da instituição e, em
alguma medida, dificultou a utilização do cargo em manobras políticas do executivo
estadual, mas o “dedo” do Executivo Estadual ainda permanecia através do garrote
orçamentário/financeiro.
Autonomia orçamentária
A autonomia de proposta financeira implica em gerir os recursos de acordo com a
agenda da própria instituição sem diretriz de gasto elaborada por outro órgão da
administração estadual que não a própria Defensoria Pública; já a orçamentária
possuir a faculdade de enviar ao legislativo estadual a sua proposta de gastos, quer
dizer, sua proposta orçamentária para ser votada pelos deputados no orçamento
geral do estado da federação.
157
ROCHA, J. L. R. História da Defensoria Pública e da Associação dos
Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro: 62.
84
Em 1994, uma lei complementar (n.80) criada para regulamentar a
Constituição Federal de 1988 no que diz respeito às defensorias públicas, foi
totalmente omissa a respeito, como já sinalizava o silêncio da Constituição Federal
de 1988; ao contrário do que dispôs ao se referir ao Ministério Público, (...) O
Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária, parágrafo 3º do art. 127,
nada aludiu à Defensoria Pública a respeito, reiterando a velha prática insultosa de
tratar diferenciadamente as instituições jurídicas do sistema jurídico brasileiro. Esse
abandono do legislador federal com as defensorias estaduais, foi revisto no âmbito
do projeto da Reforma do Judiciário implementado pela Emenda Constitucional n.
45/2004, ao ser acrescentado um parágrafo segundo ao artigo da Constituição
Federal pertinente às defensorias públicas:
Art. 134
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia
funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta
orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2.
158
Assim, as defensorias estaduais obtiveram no plano nacional, as autonomias
funcional, administrativa e a de iniciativa própria de proposta orçamentária,
retirando o assunto dos humores dos governos estaduais.
Convém enfatizar que a autonomia financeira e a iniciativa própria
orçamentária foram alcançadas pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro até
mesmo antes da Reforma do Judiciário. Isso se deu na atual legislatura da
governadora Rosinha Garotinho através da Emenda n. 24/2002. Mas, o depoimento
dos defensores se, por um lado, admitiam essa conquista, na ocasião, meados do
primeiro semestre de 2005 ainda não tinham indícios efetivos da concretização
desses dispositivos. Havia, sim, sinais inequívocos a confirmar as suspeitas como se
nota pelas instalações materiais, grotescas da grande maioria dos núcleos e da
impossibilidade de abertura de novos concursos.
A demora ou o descumprimento da autonomia de proposta orçamentária
158
Grifo meu.
85
compromete a manutenção das atividades da política social Defensoria Pública. O
montante dos recursos destinados à Defensoria Pública por habitante em
comparação as dotações aos Serviços de Justiça, especificamente o Judiciário, é
revelador nesse sentido, da proporção dos gastos dos Estados brasileiros com os
Serviços de Justiça e com as defensorias públicas estaduais existentes:
Tabela 2:
Gastos Defensoria Pública e Judiciário por habitante
UF Judiciário Defensoria % Def/Jud
AC 100,15 11,49 11,47
AL 4,74 1,07 22,63
AM 44,93 3,47 7,72
AP 181,61 1,50 0,83
BA 30,17 0,01 0,05
CE 33,20 1,59 4,78
ES 121,94 3,76 3,08
MA 23,76 0,72 3,04
MG 68,78 1,65 2,40
MS 84,07 11,93 14,19
MT 64,42 2,17 3,37
PA 29,41 3,74 12,71
PB 42,46 0,13 0,31
PE 33,55 1,18 3,53
PI 61,90 2,74 4,43
RJ 133,11 8,40 6,31
RO 115,56 5,99 5,18
RR 132,30 8,17 6,18
RS 74,12 3,58 4,83
SE 83,40 4,90 5,88
TO 41,50 ni Ni
Média 71,67 3,91 6,15
Fonte: Ministério Justiça, 2004.
159
A situação da Defensoria Publica do Estado do Rio de Janeiro, apesar de todo
seu histórico antecedente às demais, está pouco acima da média nacional, quer
dizer menos ruim. De um modo geral, os indicadores apontam que os gastos com o
Judiciário no Brasil são, em termos absolutos, muito maiores que com a Defensoria
Pública, 6,15% dos gastos efetuados com o sistema de justiça.
160
O pequeno aporte orçamentário para a Defensoria Pública tem efeitos
visíveis sobre o trabalho da instituição que podemos notar na quantidade de
159
MINISTÉRIO JUSTIÇA. Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil: 39.
160
Idem: 17.
86
atendimentos realizados por defensor público. Não há dúvida que o volume de
trabalho indicado pelo quadro a seguir se reverte na qualidade do atendimento
direcionado à população do Estado do Rio de Janeiro,
161
que não raro desestimula
muitos a procurá-la:
Tabela 3: Defensores da ativa e população alvo
UF Defensores População Pop alvo / Magistrados Relação
Na ativa Alvo Defensores Magistrados
Defen /
magis
AC 34 330.671 9.726 53 0,64
AL 40 1.925.176 48.129 131 0,31
AM 28 1.697.142 60.612 Ni Prej
AP 60 271.979 4.533 86 0,70
BA 102 9.058.128 88.805 Ni Prej
CE 157 5.109.567 32.545 Ni Prej
DF 80 1.013.530 12.669 241 0,33
ES 93 1.895.115 20.378 290 0,32
MA 24 3.908.892 162.871 Ni Prej
MG 425 11.170.452 26.283 850 0,50
MS 135 1.259.287 9.328 170 0,79
MT 60 1.482.014 24.700 199 0,30
PA 199 3.913.556 19.666 271 0,73
PB 340 2.430.395 7.148 Ni Prej
PE 230 5.411.950 23.530 Ni Prej
PI 24 2.020.103 84.171 166 0,14
RJ 698 7.792.574 11.164 777 0,90
RO 32 826.383 25.824 101 0,32
RR 27 178.376 6.607 Ni Prej
RS 257 5.738.219 22.328 727 0,35
SE 69 1.207.850 17.505 Ni Prej
TO 40 750.082 18.752 94 0,43
Fonte: Ministério Justiça, 2004.
162
A relação entre orçamento e qualidade de serviços está em que, sem verbas
disponíveis, não se torna viável a abertura de concursos para provimento de novos
cargos de defensores ou de novos núcleos de atendimento à população. Nota-se
ainda nessa tabela a relação aproximada entre o número defensores e o de juízes
161
No quadro não são indicados três estados que não possuem Defensoria
Pública: Goiás, Santa Catarina e São Paulo. Quanto a este, a assistência
judiciária é prestada pelos procuradores do estado, 330 para todo o Estado
Paulista. Onde não há os serviços dos procuradores, ele é realizado por
advogados indicatos pela OAB, remunerados por recursos oriundos de um fundo
formado por parte da arrecadação das custas judiciais e extra-judiciais. Em
2002, os próprios procuradores estaduais paulistas se mobilizaram para a
formação do Movimento pela Criação da Defensoria Pública, entregando ao
Governador um projeto de lei dispondo sobre a constitução e funcionamento do
que viria a ser a defensoria paulista.
162
MINISTÉRIO JUSTIÇA. Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil: 49.
87
(0,90) e a questão da população alvo dos magistrados não se restringir, como no
caso da Defensoria Pública, àqueles que ganham até dois salários mínimos.
É necessário afirmar que, no Brasil, a proporção magistrado em relação ao
número de 10.000 habitantes está em décimo segundo lugar no ranking mundial,
7,7 juízes por 10.000 habitantes, dados de 2003, sendo superado por países como
Costa Rica e Argentina, sendo a avaliação liderada pela Alemanha com 28 juízes
por 10.000 habitantes.
163
E somado ao próprio número de processos por juízes,
indicam que há um déficit de magistrados não só no Brasil, como no Rio de Janeiro.
Isto significa que a relação quase equiparada entre o número de defensores e
magistrados no Estado do Rio de Janeiro não significa um parâmetro de suficiência
tanto para esta ou para aquela categoria.
No que se refere à população alvo da Defensoria Pública ser em termos
absolutos menor que a da magistratura, ainda que ambas as carreiras guardem
quase uma equivalência numérica, observo que isso não significa, assim como a
informação precedente, que há defensores em número satisfatório.Isto porque os
defensores públicos desempenham para essa mesma população alvo várias
atividades, as quais vão do primeiro atendimento, à coleta de documentação para
instruir os processos, à elaboração de ações, oferecimento das mesmas na justiça,
acompanhamento dos processos, comparecimento em audiências, além dos
próprios esclarecimentos habituais aos cidadãos sobre o andamento dos
processos.Quer dizer, em termos absolutos, pode-se parecer tanto o número de
defensores em comparação ao número de magistrados é suficiente, como o volume
de trabalho em relação ao de magistrados é menor. Mas as aparências são
enganosas, porque o número de magistrados está aquém das necessidades, e as
inúmeras etapas que envolvem a atividade dos defensores, somadas ao quadro
administrativo auxiliar da Defensoria ser significativamente menor em relação ao
que dispõem os magistrados, torna vultuoso o volume de trabalho da Defensoria
163
MINISTÉRIO JUSTIÇA. Diagnóstico do Poder Judiciário: 67.
88
Pública no Estado do Rio de Janeiro, como aponta a tabela anterior, 11 mil pessoas,
quer dizer, população alvo, por defensor.
Logo, a efetivação da autonomia orçamentária/financeira é fundamental
para a instituição aumentar e aprimorar a qualidade de seus serviços, que
notoriamente funcionam aquém da demanda no Estado do Rio de Janeiro. Isso sem
falar que o cotidiano da política mostra que o grupo que consegue reter o
orçamento daqueles que contrariam seus interesses ou podem fazê-lo, tem em
mãos um importante instrumento de barganha. Quer dizer, em alguma medida a
falta de autonomia concreta financeira/orçamentária compromete a independência
da instituição ou no mínimo pode ser seriamente levada em conta ante a
possibilidade de se enfrentar os interesses dos grupos dirigentes ligados ao
executivo estadual.
Vencimentos dos defensores
É uma reivindicação histórica a questão dos salários para os defensores no Rio de
Janeiro, os quais almejam o restabelecimento da equiparação salarial com as
demais carreiras jurídicas do âmbito estadual, como o Ministério Público e a
Magistratura.
A Lei Complementar n. 80/94 remete a questão à lei estadual.
Indiscutivelmente, tal tratamento da lei representa uma perda para a categoria ao
dizer à lei estadual cabe fixar a remuneração dos cargos da carreira do respectivo
Estado (...), como diz seu artigo. 124, ou, em outras palavras, a política social
encarregada de extrair do plano meramente declaratório uma dimensão social e
fundamental da cidadania, da qual várias outras perdem o sentido, e o acesso à
justiça está ao sabor das vontades de governos estaduais.
No lugar de proteger e garantir um importante meio de incentivo da carreira
de defensor público por meio da equiparação salarial, o desencargo de lei orgânica
federal preferiu proteger os cofres estaduais sob o pretexto da necessidade de
considerar as desigualdades, os diferenciados custos de vida regionais.
89
A média da remuneração dos defensores estaduais no Brasil é de pouco
mais de quatro mil reais. Em termos absolutos, e pode-se dizer que os defensores
são privilegiados num país de desemprego estrutural e fome, mas esses dados se
tornam relativos, se considerarmos que outras carreiras jurídicas, até mesmo no
Estado do Rio de Janeiro, com profissionais com o mesmo potencial técnico ganham
quase o dobro e com melhores condições de trabalho.
No Estado do Rio de Janeiro, a defasagem salarial, em comparação, por
exemplo, à magistratura, segundo dados de 2004, corresponde a relação entre o
salário inicial da defensoria de R$ 6.373,00 contra cerca de R$ 12.000,00 da
magistratura, sem contar, que na iniciativa privada, profissionais altamente
qualificados tal qual os defensores, podem, em início de carreira, ganhar até mais
que R$ 12.000,00:
Quadro 2: Remuneração dos defensores no Brasil
UF R$ inicial
AP 10.000,00
RJ 6.373,00
AC 6.065,00
RO 5.500,00
RR 5.000,00
RS 4.800,00
MT 4.724,00
MA 4.500,00
PA 4.251,00
ES 4.208,00
AM 3.965,00
AL 3.937,00
PI 3.937,00
SE 3.837,00
MS 3.500,00
CE 3.142,00
TO 3.000,00
BA 2.851,00
PE 2.359,00
MG 2.183,00
PB 1.745,00
DF Ni
Média 4.279,81
Fonte: Ministério Justiça, 2004.
164
164
MINISTÉRIO JUSTIÇA. Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil: 51.
90
A questão salarial na Defensoria Pública do antigo Estado do Rio de Janeiro,
logo após a criação dos cargos em 1954, foi sujeitada, de modo crônico, a golpes
constantes. Nesta época, os defensores recebiam os mesmos vencimentos que os
membros do Ministério Público, quer dizer, havia a equiparação salarial. Poucos
anos depois, em 1958, pela Lei n. 3828, os defensores passaram a ganhar somente
abaixo de desembargadores.
165
Mas, com a independência funcional em 1970, a
defasagem salarial entre a Defensoria Pública e o Ministério Público começa a
crescer, e os defensores do Estado da Guanabara já vinham de uma situação como
já apontando, onde era o cargo inicial da carreira do Ministério Público, logicamente
percebiam a remuneração básica da carreira.
Em 1975, o governo Faria Lima restaura a equivalência entre promotores e
defensores públicos, mas, a partir daí, a distância entre os vencimentos dos
defensores foi, na prática, procedida por gratificações concedidas pelos
governadores às demais carreiras jurídicas do estado sem compreender a
Defensoria Pública. A ação fulminante contra agenda da equiparação salarial,
segundo reconhecem unanimemente os defensores públicos do Estado do Rio de
Janeiro, ocorreu no segundo Governo de Leonel Brizola (1991/1994) quando, a
contar de março de 1991, não concedeu a categoria os aumentos salariais que
aplicava às demais carreiras jurídicas dos Estado.
Na fase preliminar da pesquisa, tomei depoimentos de alguns defensores,
que se dispuseram a ajudar a minha breve pesquisa de campo. Todos, como a
seguir transcrito, foram coletados nas próprias dependências dos núcleos da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, onde os defensores estão lotados.
Meu roteiro era semi-estruturado, e algumas questões eram recorrentes em nossas
conversas, como os salários; nessas ocasiões, os comentários eram contundentes,
como os de um defensor público que viveu a experiência do Governo Leonel
Brizola:
165
ROCHA, J. L. R. História da Defensoria Pública e da Associação dos
Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro.
91
(...) objetivamente, pode se dizer que o governo de Leonel Brizola
foi um dos mais desastrosos, se não o mais desastroso para a
Defensoria Pública. Eu posso falar bem do segundo governo Leonel
Brizola; a gente saía do governo Moreira Franco, que por incrível
que pareça foi um governo bastante positivo para a Defensoria
Pública, e o governo Leonel Brizola que desprestigiou, de todas as
maneiras possíveis, a instituição. E dizia isso mesmo, em algumas
ocasiões ele pode verbalizar seu pouco apreço. Muito curioso, se
bem que o segundo governo traiu os compromissos e ideário que
ele costuma sustentar. Governo que se aproximou do Collor, fez
alianças extremamente espúrias. (...) Isso se refletiu
principalmente na questão salarial, com efeitos bastante danosos
para a instituição; houve um êxodo enorme de defensores nesse
período. A Defensoria Pública chegou, a certas ocasiões, a ganhar
um salário que, para mercado, era bastante baixo, algo como 7
salários mínimos, nunca tinha acontecido antes. (...)
166
Nessa mesma trágica legislatura do Governador Brizola, um discurso do
Senador Nelson Carneiro intercederia em favor da Defensoria do Estado do Rio de
Janeiro ao afirmar:
(...) Sr. Presidente, não posso deixar de consignar a minha
surpresa e a minha decepção quando leio nos jornais das
modestíssimas remunerações pagas, como pelo excesso de
trabalho, já que não há concurso para o ingresso de novos
defensores públicos, está ameaçada ou já decidiu cruzar os braços.
Ora, Sr. Presidente, esse é um espetáculo que constrange a todos
que conhecem o papel da Defensoria Pública em um País onde há
tantos necessitados e tantos apelos a fazer. De modo, Sr.
Presidente, que quero deixar, neste momento, consignada a minha
surpresa e o meu desencanto, fazendo um apelo ao Sr.
Governador do Estado para que socorra a Defensoria Pública, não
só proporcionando uma justa remuneração, como também
possibilitando a realização de concursos para recrutar novos
elementos para o desempenho dessa nobre tarefa, já que ela
atende aos que não têm recursos próprios para bater às portas da
Justiça. Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, na esperança de
que essas palavras sejam ouvidas pelos responsáveis pela
administração do meu Estado.
167
Agenda por melhores salários não é exclusiva dos defensores, como a
primeira vista pode parecer, mas é dos próprios assistidos da defensoria; os baixos
salários, em comparação às demais carreiras, é responsável no Estado do Rio de
Janeiro, por uma espécie de diáspora de defensores para a magistratura e o
Ministério Público, que pode levar à desqualificação do quadro funcional.
Numa tarde escaldante, cujo calor era atenuado por um velho ventilador
166
DEPOIMENTO. S/ ref. Fita 1.
167
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Discurso, seção II, p. 1025.
92
doado por algum comovido cidadão assistido da defensoria, conversei com a
coordenadora de certo núcleo. Sob um teto de gambiarras de fios, restos de gesso,
e interrupções na iluminação, a defensora, referindo-se à defasagem salarial dos
defensores no Estado do Rio de Janeiro, confirmou dados oficiais que eu
anteriormente havia levantado; eles apontam que 29,8% dos defensores estaduais
no Brasil gostariam de exercer outra carreira jurídica e 36% estão se preparando
para ingressar em outra carreira:
168
(...) houve uma época em que a cada concurso de magistratura e
de Ministério Público nós perdíamos vários colegas, vários colegas
tomaram posse nessas carreiras aos prantos. Premidos pelas
contingências financeiras, pelas circunstâncias, premidos pela falta
de perspectiva. Eu fui uma privilegiada, me mantive na defensoria
porque, graças a Deus, eu tinha um respaldo financeiro familiar
que me permitiu me manter fiel a minha vocação, a minha
escolha, eu tive sorte. Mas houve uma época que eu ganhava o
equivalente a quatrocentos dólares por mês. (...) A Defensoria
Pública, na verdade, é um grande estágio profissional,
pouquíssimas pessoas entram na defensoria com o propósito de
ficar na defensoria, eu, por exemplo, no meu concurso foram
dezoito aprovados, só têm quatro na defensoria, menos de dez
anos só éramos quatro, (...) eu tenho explicações: é a carreira
mais desprestigiada..., houve uma época em que eu vivia uma
crise muito grande, quando eu tinha menos de 10 anos de
carreira... quase 10 anos de carreira. Eu trabalhava no Fórum, as
pessoas se encontravam comigo e diziam: nossa você ainda é
defensora?As pessoas me olhavam com um ... com menosprezo...
com uma piedade, era como se eu não tivesse conseguido fazer
mais nada, o que as pessoas não sabiam era que eu jamais tinha
pensado em sair da defensoria.
169
O aspecto negativo da questão salarial é explícito como se viu na Lei
Complementar 80/94, porque em seu artigo 124, remete o assunto para o âmbito
estadual, de modo que as defensorias públicas estaduais não tiveram o apoio
federal para prescindir a modesta política salarial aplicada aos defensores,
terminam, em termos relativos, sendo mal remunerados no quadro estadual das
carreiras jurídicas. O resultado prático é o que se vê no depoimento acima da
defensora: a dificuldade em manter um quadro permanente de defensores,
experientes, porque significativa parte, mesmo contra sua vontade, é obrigada a
168
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil: 19.
169
DEPOIMENTO. S/ ref. Fita 3.
93
optar por uma outra carreira com melhores condições salariais.
A tabela abaixo indica algumas das principais razões que motivaram os
defensores a ingressar na instituição: as respostas variam de aspectos positivos,
como estímulo de parentes e professores, aspecto do engajamento social da
carreira a negativos, como na falta de melhores alternativas:
Quadro 3: Fatores que influenciaram a decisão de ser Defensor. Em escala
média
170
Parentes/conhecidos que trabalhavam na Defensoria Pública 3,3
Professores na faculdade 3,3
Oportunidade de desenvolver um trabalho social 1,6
Estabilidade de cargo público 1,7
Remuneração 2,0
Prestígio e reconhecimento 2,6
Possibilidade de advogar para pessoas carentes 1,5
Falta de opção no mercado de trabalho 3,5
Não aprovação em outros concursos públicos 3,5
Não abertura de outros concursos públicos 3,7
Ter estagiado na Defensoria Pública de seu Estado 2,7
Outros 1,3
Fonte: Ministério da Justiça, 2004.
171
As notas mais altas foram possibilidade da advogar para pessoas carentes e
oportunidade de desenvolver um trabalho social (entre importante e muito
importante – 1,5 e 1,6). Mas, a escolha feita pelos defensores com a carreira é
testada constantemente pelos melhores salários das outras carreiras jurídicas, daí a
defensora afirmar, no depoimento acima, vários colegas tomarem posse nessas
carreiras aos prantos. Quer dizer, ter que renunciar a sua escolha condicionada por
ideais, compromisso com os mais fracos da sociedade, auxiliá-los no exercício da
cidadania, por uma motivação que, ao ver desses mesmos defensores, seria
negativa, melhor remuneração.
170
Escala de 1 a 4, sendo 1 = muito importante; 2 = importante; 3 = pouco
importante; 4 = sem importância.
171
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil: 103.
94
No início do ano de 2005, os Defensores Públicos fizeram uma de suas
maiores greves reivindicando melhores salários e denunciando a falta de empenho
do Governo Estadual, Rosinha Garotinho, em melhorar as condições de trabalho dos
defensores, efetivando a autonomia orçamentária e equiparando os salários com os
demais membros de carreiras jurídicas no estado, como promotores e magistrados.
Sem êxito, tiveram que voltar ao trabalho, pois milhões de cidadãos desesperados
com seus interesses paralisados nos Serviços de Justiça, por falta da representação
dos defensores, em virtude do exercício legítimo do direito de greve dos mesmos,
não sensibilizou o governo estadual. Durante uma das manifestações, os
defensores, que contaram com o apoio de vários segmentos da sociedade civil,
distribuiram um panfleto bastante esclarecedor de suas demandas que, até o
momento, não foram atendidas pelo governo estadual:
No acesso à justiça, o governo do Rio não está dando a volta por
cima! Os defensores públicos do estado do Rio de Janeiro estão em
greve. Todos os postos de atendimento à população estão
fechados. Devemos satisfações à população fluminense. Estamos
em greve por uma remuneração digna! Você sabia que os que
acusam e os que julgam a população ganham mais do que aqueles
que a defendem? Reivindicamos a equiparação salarial, com
reajuste de 62,51%. Estamos em greve para melhor atender a
população! Você sabia que 22 municípios do estado do Rio não
contam com a presença de defensores públicos? Que nosso
quadros contam com imenso déficit de profissionais,
comprometendo o atendimento à população? Estamos fazendo
greve por melhores condições de trabalho, por mais respeito e
atenção do poder público e para melhor servir a população
carente.
172
A forma irreverente como comparam os salários de quem julga e acusa a
população, por vias subliminares indica que os defensores buscam abrir o debate:
qual o critério de legitimidade para o discriminação salarial do Estado com os
defensores? E por que, no encaminhamento dos Serviços de Justiça, os estímulos
são para exigir obrigações dos cidadãos, sem a contra-partida para lhes assegurar
meios mais eficientes de usufruir de direitos?
Plano de carreira
172
Transcrição e destaque meus.
95
Ainda que certos importantes avanços da Defensoria Pública sejam relativamente
recentes e carentes de implementação, como a autonomia administrativa e
financeira, seus moldes gerais foram alcançados na década de setenta no Gov.
Faria Lima, com a Lei Complementar n. 6 de 1977, quando se institui a estrutura
orgânica da defensoria. Esse ato normativo, conhecido como Lei Orgânica Estadual
da Defensoria Pública, dispôs sobre a identificação dos órgãos de atuação,
composição da carreira, provimento dos cargos, promoções, garantias e,
prerrogativas dos defensores, férias, licenças, aposentadoria, deveres e
impedimentos, responsabilidade funcional e principalmente, atribui as funções da
defensoria. Em suma foi responsável por efetivamente transformar a atividade dos
defensores numa carreira pública.
A Lei Orgânica Estadual, com as alterações que se seguiram, como a Lei
Orgânica Federal (Lei Complementar n. 80/94), até os dias de hoje, dispõe sobre a
atividade da Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro. Naquilo que importa
ao argumento dessa dissertação, a lei orgânica federal pouco inova em relação às
funções exercidas pelos defensores, à exceção da atividades de alguns núcleos de
atendimento na década de 80, que, conforme aponta o trabalho pioneiro de
Marcarenhas Filho,
173
representaram o passo inicial na atividade da defensoria para
encaminhar nos Serviços de Justiça os interesses coletivos, como no exemplo no
Núcleo de Terras e de Habitação, Núcleo de Loteamentos
174
e, mais recentemente,
o de Defesa do Consumidor.
De um modo geral, as atividades dos defensores permanecem voltadas para
o encaminhamento individual dos interesses da cidadania nos Serviços de Justiça,
ou seja, a legislação estabelece um caminho rígido das atividades do defensor para
aquelas situações que a legislação protege e regulamenta o encaminhamento dos
173
MASCARENHAS FILHO, B. C. A Dinâmica do Individualismo na Defensoria
Pública do Rio de Janeiro.
174
Núcleo de Terras e habitação, atuação abrange os litígios que envolvam
posse de terras e habitação, independentemente do bairro de residência dos
assistidos, e Núcelo de Loteamentos;com atendimento direcionado às questões
de loteamentos irregulares no município do Rio de Janeiro.
96
direitos da cidadania sob a forma de demandas individuais, deixando um sério
déficit quanto aos interesses difusos e coletivos. As atividades atuais são
basicamente voltadas para as situações que compreendem:
Quadro 4: Atribuições da Defensoria Pública
• Divórcio
• Separação judicial
• Ação de alimentos
• Guarda de menores
• Adoção
• Tutela e Curatela
• Investigação de paternidade (DNA)
• Inventário
• Alvará para levantamento de valores
• Ações de despejo
• Ações de consignação em pagamento
• Ações possessórias
• Mandado de Segurança
• Usucapião
• Regularização de propriedades imóveis
• Defesa do consumidor
• Registros civis
• Orientação e defesa em casos criminais
• Assistência aos encarcerados
• Atendimento jurídico geral à criança, ao adolescente, ao idoso e à mulher
• Atividade consultiva de orientação dos direitos do cidadão
Fonte: http://www.dpge.rj.gov.br/
Como já citado na abertura dessa dissertação, Cappelletti e Garth afirmam
que a criação de novos direitos sociais da educação, saúde e outros, justificava a
viabilidade do acesso à justiça.
175
Mas, ao menos pelo que se conclui das
informações acima, não houve interesse por meios de se organizar esses direitos
coletivamente via Defensoria Pública.
A importância do trabalho de Mascarenhas Filho, que se deteve sobre os
novos núcleos de atendimento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
criados na década de 80,
176
responsabilizando-os por uma ruptura no modelo das
defensorias que, tradicionalmente, se voltavam para o encaminhamento de direitos
individuais, se destaca na observação de Faria a respeito do sistema processual
175
CAPELLETTI & GARTH. Acesso à Justiça.
176
MASCARENHAS FILHO, B. C. A Dinâmica do Individualismo na Defensoria
Pública do Rio de Janeiro.
97
brasileiro:
Quando examinamos as estruturas processuais, tanto civil ou
penal no Brasil, vamos perceber (e creio que na América Latina)
que o conflito é visto da ótica de um embate interindividual. Há
uma clara estratégia política por parte do legislador brasileiro de
negar o conflito coletivo porque aceitá-lo é necessário que ele seja
compreendido do ponto de vista da sua dimensão política, da sua
dimensão ideológica, da sua carga de legitimidade. Fragmentar
este conflito coletivo – um conflito de classes – e transformá-lo,
processualmente falando, num conflito interindividual é substituir a
idéia de ideologia pela técnica, é substituir a idéia de legitimidade
pela legalidade (...).
177
Vianna e Burgos comentam que os instrumentos processuais de defesa de
direitos coletivos, como a Ação Popular no Brasil, remontam, no plano formal, à
Constituição de 1934, quando permitia aos cidadãos utilizá-la para pleitear a
declaração de nulidade do poder público.
178
Direito esse prescindido pela
Constituição de 1937, revisto na de 1946 que amplia sua competência à
administração indireta; mantido na Constituição de 1967; anos depois, em 1985,
ampliado seu escopo para ensejar defesa em interesses que envolvam relação de
consumo, até que, finalmente, a Constituição de 1988 atribui a mesma uma
natureza bastante abrangente, como se vê no inciso LXXIII do artigo 5º, incluindo
questões concernentes à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural.
Um outro tipo de ação para o encaminhamento não individual dos direitos
nos Serviços de Justiça começa a tomar seus contornos com Lei 6938/81 que
define a Política Nacional do Meio Ambiente. A criação desta lei não poderia deixar
de ser reflexo do novo arranjo da cidadania que começava a se moldar no Brasil,
referindo-se as inovações trazidas pela lei no plano dos direitos coletivos é
relevante o comentário a seguir:
(...) para se compreender a aprovação de tão avançado instituto
deve-se ter em mente o fato de que o país já experimentava um
processo de abertura política, propiciando a emergência de um
177
FARIA, J. E. Direitos Sociais e Justiça - uma questão de direito: 111.
178
VIANNA & BURGOS. Revolução Processual do Direito e Democracia
Progressiva.
98
conjunto de instituições civis para inscrever a agenda
ambientalista na vida pública brasileira.
179
Interessante observar que, ao mesmo tempo em que a responsabilidade no
âmbito processual de defesa dos princípios da política ambiental é atribuída ao
Ministério Público através da primeira Lei Orgânica Nacional da categoria, aprovada
pela Lei Complementar n. 40, no mesmo ano, isto é, em 1981, a Defensoria Pública
do Estado dá um passo atrás, ficando não mais submetida administrativamente ao
Ministério Público, o que, em termos de independência, já não era desejável como
já apontei, mas diretamente sob a subordinação do executivo estadual através da
Secretaria de Justiça do Estado. Quer dizer, ao tempo em que uma instituição
consolida seu poder de barganha tendo a prerrogativa de adotar um importante
instrumento para defesa de interesses coletivos, outra, sem poder de barganha
algum, fica mais ainda a mercê dos inventos administrativos estaduais.
A Ação Civil Pública, mencionada na Lei Orgânica do Ministério Público, foi
regulamentada pela Lei 7347/85 cujo objetivo foi delineado para apurar a
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico estético, histórico, turístico paisagístico objetivando:
a indenização pelo dano causado, indenização esta que se destina
à reconstituição dos bens lesados. Mas a ação pode ter também
por objeto o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer.
Neste caso, o juiz determinará o cumprimento da prestação da
atividade devida ou a cessação da atividade nociva.
180
Para diferenciar esses instrumentos processuais, posso dizer que a Ação
Popular tem por objetivo anular ato lesivo ao patrimônio público e mais a série de
outras situações abrangentes que a Constituição em seu inciso LXXIII, artigo 5º
enumera; e não, como busca a Ação Civil Pública, apurar a responsabilidade civil
buscando uma indenização, por exemplo. Uma outra questão que as diferencia é
que:
Estas duas ações têm objetivos assemelhados, mas a legitimação
de autores diferentes, pois a ação civil pública poder ser ajuizada
179
Idem.
180
BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional: 428.
99
pelo Ministério Público e pelas pessoas jurídicas acima, e a popular
só pode ser proposta por cidadão eleitor (...). Ambas têm de
comum a defesa dos interesses difusos da coletividade, e não o
amparo do direito individual de seus autores.
181
O fato é que a atuação das defensorias públicas estaduais na defesa dos
direitos coletivos e difusos foi prejudicada pela omissão tanto da Constitucional a
seu respeito, quanto como da reforma promovida pela Emenda Constitucional n. 45
de 2004, como ainda pela Lei Complementar n. 80 de 1994, numa clara preferência
do legislador pelo Ministério Público para desempenhar tal papel.
As permissões da Defensoria Pública para defesa dos interesses coletivos
envolvem as atividades dos núcleos já citados de Terras e Loteamentos, além da
defesa dos interesses do consumidor que também é atribuição do Ministério
Público.
182
Até mesmo na área do consumidor como aponta o trabalho de Vianna e
Burgos,
183
sua participação é ínfima no ajuizamento das Ações Civis Públicas. No
que tange às Ações Populares não há permissão legal para as Defensorias
promovê-las.
Mas, qual razão para a defesa dos direitos coletivos permanecer de modo
genérico fora das atribuições das Defensorias Públicas Estaduais? Há um
interessante estudo, por exemplo, que aponta, ou melhor, reitera aquela visão de
que falei no capítulo sobre a construção da cidadania no Brasil, não só na forma
como são previstas legalmente as articulações sociais via ações coletivas nos
Serviços de Justiça, como na própria cultura daqueles que irão implementá-la,
como revela o depoimento de um dos entrevistados no trabalho Arantes:
Ao estabelecer o constituinte, como função institucional do
Ministério Público, a promoção da ação civil para a defesa dos
direitos, quer individuais quer coletivos, demonstrou sensibilidade,
e estar atento à situação de marginalidade em que vive parte
181
MEIRELLES, H. L. Proteção Ambiental e Ação Civil Pública.
182
Curiosa é a existência do Núcleo de Terras no Rio de Janeiro. Para mim, só
pode ser criado, admitido, porque a questão agrária por aqui não tem a
intensidade de outros estados da federação, como São Paulo e Santa Catarina,
que, aliás, não possuem sequer defensorias.
183
VIANNA & BURGOS. Revolução Processual do Direito e Democracia
Progressiva: 471.
100
expressiva da população, flagrantemente hipossuficiente face os
chamados Poderes Públicos. Por não se encontrar, ainda a
sociedade civil devidamente organizada, de sorte a defender,
através de associações e outros entes, os seus interesses, no
atendimento de suas necessidades, incumbe no momento ao
Ministério Público precipuamente por força de sua função
institucional, trazer ao Poder Judiciário as grandes questões, já
que os outros Poderes do Estado, por sua própria natureza, não
poderiam dirimi-las, além do que em muitas oportunidades, atuam
contra os direitos fundamentais dos cidadãos.
184
Interessante é o raciocínio do autor a respeito do argumento de seu
entrevistado sobre a debilidade ou desorganização da sociedade civil em defender a
sua condição cidadã
A referida fragilidade da sociedade brasileira e sua incapacidade
crônica de manter sob controle o Estado é um desses lugares-
comuns da nossa história política. Dessa chave teórica é comum
emergir sobre o artificialismo de nossas instituições políticas,
especialmente as representativas.
185
Em que pese o juízo de autores que entendem que atuação do Ministério
Público nas ações coletivas não tem se comportado como expropriadora de papéis
da sociedade. Verificou-se, ao contrário, uma consistente e emergente presença da
sociedade nessas ações seja como autora de ações judicias, seja na provocação do
ministério público. O fato é que outros operadores do direito, importantes como os
defensores públicos, que, pela experiência profissional com os cidadãos pedintes
dos Serviços de Justiça, se, por um lado, têm seu papel relegado ao ostracismo na
defesa dos direitos coletivos no plano da blindagem legal; em outro, o da
legitimidade, não há o que se sustente para negar-lhes a possibilidade de se
erguer a altura da responsabilidade que essa modelagem de
democracia lhes confere.
186
A possibilidade da Defensoria Pública encaminhar os interesses coletivos nos
Serviços de Justiça iria permitir uma democratização desses importantes
instrumentos processuais, que, na ausência, muitas vezes, de acesso àqueles que
podem acioná-los ou de maior transparência sobre os critérios pelos quais se decide
184
ARANTES, R. B. Direito e Política: O Ministério Público e a defesa dos direitos
coletivos. Grifo meu.
185
Idem: 16.
186
VIANNA & BURGOS. Revolução Processual do Direito e Democracia
Progressiva: 484.
101
a conveniência de sua fruição, perde-se a enorme possibilidade dos próprios
cidadãos tentarem se organizar e expressar as preferências que, há décadas, se
afirma de que não são capazes de fazê-lo.
Em um dos depoimentos tomados por mim um defensor confessa,
abertamente, que há um desinteresse, ou melhor, uma resistência dos grupos
dirigentes sobre a possibilidade da Defensoria Pública vir a organizar,
coletivamente, os interesses dos cidadãos carentes via Serviços de Justiça:
eu acho que a Defensoria deveria ter essa atribuição. (...) O que a
gente vê, na prática, é que a classe dominante do ponto de vista
político, ela não tem interesse de dar aos desfavorecidos
instrumentos para eles pressionarem e pedirem as coisas que eles
têm direito, saúde, educação; a Defensoria Pública é um
incômodo. Tanto é assim que o maior estado da federação, São
Paulo, não tem Defensoria Pública e não quer ter. (...) isso é, por
um lado, o próprio judiciário pelo outro. Porque, segundo as
notícias que a gente tem, é que uma ação em São Paulo leva
alguns meses para ser distribuída, aqui ela é distribuídas em 48
horas, do protocolo até o tombamento, e se você dotar a
população carente de instrumentos para ter acesso mais rápido à
justiça, quando esse movimento vai aumentar? Quanto mais você
vai ter que trabalhar para dar conta disso?
187
Para reverter esse quadro, e, certamente graças ao ambiente de liberdade
política que progressivamente vai se construindo no país, atualmente os defensores
públicos, através de suas diversas associações estaduais no Brasil, buscam uma
ousada reforma da Lei Complementar n. 80 para aumentar o poder de atuação da
instituição em favor da organização de interesses coletivos e difusos, possibilitando
questões avançadíssimas, como por exemplo:
Quadro 5: Algumas das principais propostas de alteração da Lei Orgânica Federal
das Defensorias
187
DEPOIMENTO. S/ ref. Fita 3.
102
• possibilidade de atuação da instituição, inclusive, perante o Sistema Internacional de
Proteção aos Direitos Humanos, o que permitiria a instituição fazer denuncias tanto à
Comissão Internacional de Direitos Humanos pertencente a OEA – Organização dos Estados
Americanos, como ainda à Comissão de Direitos Humanos da ONU – Organização das Nações
Unidas;
• propor a ação civil pública objetivando a defesa direitos difusos, coletivos;
• aumentar ainda o elenco de destinatários das atividades da instituição, passando a
compreender “as associações ou organizações que incluam, entre suas finalidades
institucionais, a proteção ao meio ambiente, aos direitos fundamentais da pessoa humana e
a outros interesses difusos e coletivos” que tenham dificuldades financeiras que encaminhar
seus interesses nos Serviços de Justiça.
Fonte: http://www.dpge.rj.gov.br
Fora a importante defesa dos direitos coletivos, a possibilidade de atuação
perante o Sistema Internacional de Defesa dos Direitos Humanos será, talvez, um
dos maiores instrumentos à disposição da sociedade civil, via representação da
Defensoria Pública, para implementação dos direitos da cidadania no Brasil,
permitindo a defensoria buscar a defesa dos direitos da cidadania no contexto
interamento de proteção dos direitos humanos.
Conclusão
Nesta dissertação, busquei esclarecer algumas questões conceituais importantes
para a compreensão da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. De modo que, foi
preciso reproduzir o conceito de cidadania e apontar a especificidade dos direito
sociais. Na aplicação desses conceitos ao caso concreto da Defensoria Pública
percebi que era possível formular uma hipótese a partir da perspectiva histórica da
construção dos direitos sociais no Brasil: a Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro foi construída de cima para baixo, foi resultado de um revolução passiva.
Tendo em vista essa hipótese e os aspectos institucionais apontados para sua
evidência, proponho as seguintes conclusões:
1. O projeto político de Defensoria Pública no Rio de Janeiro seguiu os
mesmos fins dos direitos sociais no Brasil: moldado para se antecipar a
possibilidade real ou efetiva de organização da sociedade e dissuadi-la de tentar
maiores transformações sociais através da Defensoria. Porque, no meu exemplo, as
restrições institucionais, apontadas no capítulo anterior, resultam, ainda que
indiretamente, em sérios entraves a ampliação da cidadania, especialmente, dos
setores mais desfavorecidos na sociedade;
2. As decisões dizem respeito ao fortalecimento institucional da Defensoria
Pública não devem oscilar ao sabor das conveniências de promessas de campanha,
pois o tema, que afeta a própria legitimidade das decisões dos Serviços de Justiça,
está fora do âmbito do poder discricionário do administrador público - as políticas
públicas de acesso à justiça são compromissos não de governos, mas de Estado;
3. O auxílio da Defensoria Pública na organização dos interesses coletivos,
pode vir a ser uma regra e não exceção, pode se tornar uma aliada multitemática
da sociedade, mas para isso ela precisa sofrer uma alteração orgânica que lhe
permita maior autonomia e realizar uma redefinição no que diz respeito aos direitos
políticos, âmbito da cidadania onde, praticamente, não atua dado às suas
limitações institucionais. Essa transformação se faz urgente especialmente agora,
104
num momento em que assistimos a um verdadeiro esvaziamento do sistema
representativo brasileiro, não há por quê a defensoria pública ser destituída de
instrumentos para a defesa dos direitos políticos dos cidadãos;
4. O fato da contestação pública em torno de uma Defensoria não ter
precedido a abertura do guarda-chuva de direitos no Brasil, ou seja, ela não ter
sido resultado da pressão e propostas de seus beneficiários, de baixo para cima,
não invalida, não significa que, mudanças maiores que as recentemente
conquistadas pelos defensores e cidadãos não venham se realizar. Os próprios
intérpretes de Gramsci, como Coutinho,
188
afirmam que os rígidos trilhos da
modernização conservadora retardam, aumentam o controle sobre as iniciativas
progressistas dado o horror às mesmas nutrido pelos grupos dirigentes, porém
podem permitir, abrir caminho para transformações reais em algum momento.
188
COUTINHO, C. N. Gramsci – um estudo sobre seu pensamento político.
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