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Se as mulheres tinham ossos “mais pequenos e mais redondos”, era
porque a mulher era “mais fraca do que o homem”. Suas carnes, “mais
moles [...] contendo mais líquidos, seu tecido celular mais esponjoso e cheio
de gordura”, em contraste com o aspecto musculoso que se exigia do corpo
masculino, expressava igualmente a sua natureza amolengada e frágil, os
seus sentimentos “mais suaves e ternos”.
A ciência médica, além de investir em conceitos que subestimavam a mulher,
passou a perseguir aquelas que possuíam conhecimentos sobre como tratar de seu
corpo, saber transmitido de mãe para filha, necessário à sobrevivência e
manutenção dos costumes. Os médicos eram substituídos por curandeiras,
benzedeiras, que com suas palavras, ervas e orações chegavam onde eles não
conseguiam. Nesse período, todo conhecimento médico existente sobre o corpo
feminino dizia respeito à reprodução. Insistir na dignidade da procriação, na
excelência dos sentimentos maternos e na necessidade do equilíbrio para evitar as
“afecções morais” era a prática médica que só enxergava a vocação biológica das
mulheres. Para Vainfas in Del Priore (2001: 116), muitos são os retratos
perfilados pelos historiadores sobre a mulher e destaca:
As mulheres brancas, em pequeno número no acanhado litoral do século
XVI, teriam vivido em completa sujeição, primeiro aos pais, os todo-
poderosos senhores de engenho, Depois aos maridos [...] As mulheres
índias, essas sim, foram amantes dos portugueses desde o início... As
índias eram as “negras da terra”, nuas e lânguidas, futuras mães de
Ramalhos e Caramurus, todas a desafiar, com seus parceiros lascivos, a
paciência e o rigorismo dos jesuítas [...] A mesma fama tinham as negras da
Guiné, as crioulas, especialmente as da casa-grande, amantes de sinhôs e
sinhozinhos.
Vainfas in Del Priore (2001) confirma que inúmeros historiadores
demonstraram em pesquisas recentes, outras facetas das mulheres que diferem
desses estereótipos comuns. Eram mulheres que saíam às ruas para vender
quitutes, agiam como chefes de família quando abandonadas, gerenciavam tudo que
dizia respeito à maternidade, desde os mistérios do parto até as práticas de
contracepção, e souberam construir sua identidade. Mulheres que experimentaram
relações homoeróticas (algumas uma só vez, outras sempre, casadas ou não). No
entanto, para falar sobre os amores femininos, é preciso falar da própria inquisição,
que estabelecida a partir de 1536 com o propósito de perseguir os cristãos novos,
ampliou os limites de seu foro. Ainda no século XVI, passou a julgar determinados
delitos morais, desvios de conduta familiar ou sexual que por vários meios foram