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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A TESES E DISSERTAÇÕES
Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes,
o acesso a monografias do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade
Federal de Pernambuco é definido em três graus:
- "Grau 1": livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e
indiretas);
- "Grau 2": com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em conseqüência,
restrita a consulta em ambientes de biblioteca com saída controlada;
- "Grau 3": apenas com autorização expressa do autor, por escrito, devendo, por isso,
o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave
ou custódia;
A classificação desta tese se encontra, abaixo, definida por seu autor.
Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se
preservem as condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área da
administração.
_____________________________________________________________________
Título da Monografia: A criação de um setor de software entre os contextos global,
periférico e semiperiférico: uma contribuição ao conceito de campo organizacional
Nome do Autor: Luiz Alberto da Costa Mariz
Data da aprovação: 30 de julho de 2007
Classificação, conforme especificação acima:
Grau 1 X
Grau 2
Grau 3
Recife, setembro de 2007
---------------------------------------
Assinatura do autor
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Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Ciências Administrativas
Programa de Pós-Graduação em Administração - PROPAD
Luiz Alberto da Costa Mariz
A criação de um setor de software
entre os contextos global, periférico e semiperiférico:
uma contribuição ao conceito de campo organizacional
Orientadora: Doutora Cristina Amélia Pereira de Carvalho
Co-orientadora: Doutora Jackeline Amantino de Andrade
Tese apresentada como requisito
complementar para obtenção do grau de
Doutor em Administração, área de
concentração em Gestão
Organizacional, do Programa de Pós-
Graduação em Administração da
Universidade Federal de Pernambuco
Recife, 2007
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Mariz, Luiz Alberto da Costa
A criação de um setor de software entre os
contextos global, periférico e semiperiférico : uma
contribuição ao conceito de campo organizacional /
Luiz Alberto da Costa Mariz . – Recife : O Autor, 2007.
237 folhas : fig. e quadro.
Tese (doutorado) Universidade Federal de
Pernambuco. CCSA. Administração, 2007.
Inclui bibliografia, apêndice e anexo.
1. Desenvolvimento institucional (Brasil).
2. Estratégia organizacional. 3. Tecnologia da
informação. I. Título.
658.3 CDU (1997) UFPE
658.3 CDD (22.ed.) CSA2007-083
A meus pais, in memoriam, a você, Suzana, e a nossos filhos
Agradecimentos
À Professora Cristina Carvalho, por sua orientação atenta e estimulante no sentido de
se desbravar caminhos de pesquisa socialmente relevante;
aos demais membros da banca, pela atenção e pelas valiosas contribuições;
aos professores e funcionários que fizeram e que fazem o PROPAD;
ao Prof. Marcelo Vieira, através de cuja disciplina do Mestrado me iniciei na área de
Organizações;
à Profa. Janann Medeiros, sob cuja orientação dei os primeiros passos na pesquisa em
Administração;
aos companheiros e colegas da Turma 2 do Doutorado em Administração da UFPE;
aos companheiros e colegas do Observatório da Realidade Organizacional;
ao Dr. Francisco Cordeiro, pelo competente acompanhamento médico e pelo apoio
humano;
a todos, o meu reconhecimento.
Resumo
O objeto desta investigação são mudanças institucionais associadas à criação de um setor de
software em Pernambuco, de que participam empresas, uma universidade pública, o Estado e
diversas entidades coletivas. O problema de pesquisa refere-se às estratégias institucionais
adotadas pelas organizações dessa região periférica para inserção naquele setor tecnológico
globalizado. Foi realizado um estudo de caso qualitativo, baseado sobretudo em entrevistas
semi-estruturadas, que traz contribuição teórica ao conceito de campo organizacional. Uma
importante mudança observada foi a redefinição da profissão de professor universitário, que
passou a incluir a possibilidade deste se tornar um empreendedor. A outra foi uma intervenção
nos principais mercados do País que passaram a aceitar, como fornecedoras, empresas de
origem nordestina dedicadas à tecnologia avançada em TI. A conformação do campo parece
ter sido viabilizada pela complementaridade das influências dos ambientes periférico e semi-
periférico a que pertencem importantes organizações. Também parecem ter contribuído um
entrecruzamento de influências do ambiente periférico com condicionantes técnicos, bem
como elementos históricos concretizados em pressões coercitivas ou culturais de natureza
neoliberal. Paradoxalmente, a região periférica, que oferece maleabilidade institucional
favorável à formação do campo, constitui também fonte de incertezas. O estudo ilustra a
pertinência de se acrescentar o ambiente semiperiférico na análise de certos processos de
globalização. Ao considerar os elementos institucionais, culturais e técnicos dos ambientais
organizacionais díspares, o trabalho resgata fundamentos da teoria institucional no sentido de
oferecer um conceito de campo organizacional mais apto a lidar com processos de
globalização em regiões periféricas.
Palavras-chave: Mudança institucional. Campo organizacional. Estratégia institucional. Setor
de software. Periferia e semiperiferia.
Abstract
The object of this research involves institutional changes associated with the creation
of a software sector in Pernambuco, in which firms, a public university, the State and diverse
associations take part. The problem is related to institutional strategies enacted by
organizations of this peripheral region in order to participate in that globalized sector.
Through a qualitative case study based mainly on semi-structured interviews, a theoretical
contribution to the concept of organizational field was brought about. One important change
was observed in the academic profession which includes now the possibility of becoming an
entrepreneur. The other change was achieved through an intervention upon the main IT
Brazilian market, so that northeastern firms working with advanced technology became
recognized as due suppliers. The formation of the field seems to have become possible
through the complementary influences of the peripheral and semiperipheral environments to
which important organizations belong. Other contributions may be attributed to the crossing
of influences from the peripheral environment with technical constraints, as well as historical
elements present in global coercive or cultural pressures. Paradoxically, the institutional
flexibility of the peripheral region favours the formation of the field but exposes it to
uncertainties. The study illustrates the suitability of introducing the semiperipheral
environment in the analysis of certain globalization processes. Taken into account the
institutional, cultural and technical elements of the disparate organizational environments, this
work recovers foundations of the institutional theory toward the presentation of a concept of
functional organizational field more able to deal with processes of globalization in peripheral
regions.
Key-words: Institutional change. Organizational field. Institutional strategy. Software
industry. Periphery and semiperiphery.
Lista de figuras
Figura 1 (2): Respostas estratégicas .............................................................................37
Figura 2 (2): Campo Organizacional............................................................................44
Figura 3 (3): Modelo interativo de análise ...................................................................74
Figura 4 (3): Progressão da análise...............................................................................79
Figura 5 (6): Modificações nos ambientes periférico e semiperiférico......................194
Lista de quadros
Quadro 1 (3): Estratégias e táticas institucionais..........................................................68
Quadro 2 (3): Justificativas para adoção do estudo de caso qualitativo.......................69
Quadro 3 (5): Matriz geral das características analíticas............................................188
Lista de siglas
ASA Alumínio Sociedade Anônima
ASSESPRO Associação de Empresas de Processamento de Dados
BANDEPE Banco de Desenvolvimento de Pernambuco
BANORTE Banco Nacional do Norte
C&T Ciência e Tecnologia
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCEN Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPE
CELPE Companhia de Eletricidade de Pernambuco
CESAR Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife
CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco
CIn Centro de Informática da UFPE
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CPD Centro de Processamento de Dados
DI Departamento de Informática da UFPE
EMBRATUR
Empresa Brasileira de Turismo
EMN Empresa multinacional
FACEPE Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco
IEL Instituto Euvaldo Lodi
ITEP Instituto Tecnológico do Estado de Pernambuco
MIT Massachussets Institute of Technology
NGPD Núcleo de Gestão do Porto Digital
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PARQTEL Parque Tecnológico de Pernambuco
PDA Personal digital assistant
RNP Rede Nacional de Pesquisa
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TELEMAR Companhia Telefônica
TI Tecnologia da Informação
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
USP Universidade de São Paulo
Sumário
1
Introdução 14
2
Fundamentos teórico-empíricos 20
2.1
A teoria institucional: raízes e potencialidades 20
2.2
A obsessão com o equilíbrio 26
2.3
Uma possibilidade de síntese? 34
2.4
O campo organizacional funcional 41
2.5
A cadeia de inovação 45
2.6
Agentes empreendedores do campo 50
2.7
A criação e outros padrões de mudança institucional 53
2.8
Contrastes entre as sociedades cêntricas, semiperiféricas e periféricas 58
3
Método 64
3.1
Perguntas de pesquisa 64
3.2
Definição de termos 65
3.2.1
Definições constitutivas 65
3.2.2
Definições operacionais 66
3.3
Delineamento da pesquisa 68
3.3.1
Fontes dos dados 71
3.4
Partes de uma análise qualitativa 72
3.5
Relato do progresso analítico 78
3.6
Validade descritiva e validade teórica 83
3.7
Limitação 84
4
Um projeto profissional no campo do software local 85
4.1
Institucionalização local de uma nova profissão 86
4.1.1
Uma inserção não-passiva no campo na Informática 86
4.1.2
A cristalização de um curso superior de Informática 89
4.2
Estratégia dual no campo científico 91
4.2.1
Catching-up 93
4.2.2
A empresariação de um departamento universitário 98
4.3
Adesão ao empreendedorismo 104
4.3.1
Na área de software, “precisamos só do nosso cérebro” 109
4.4
Meta-empreendedorismo coletivo 112
4.5
Idiossincrasias, aspectos históricos, elementos culturais 116
4.6
O CIn e o CESAR: a criação mútua e a criação conjunta 124
4.7
Entre a inovação e os serviços convencionais 132
4.8
Vicissitudes da “galinha dos ovos de ouro” 137
5
A criação de uma tecnópole numa região periférica 152
5.1
A modificação local do modelo de parque tecnológico 153
5.1.1
Uma alternativa exclusivista 159
5.2
O Porto Digital: uma entidade virtual ou real? 164
5.3
Peculiaridades institucionais da inovação 173
5.4
Na periferia da semiperiferia 178
5.5
Arranjo local ou inserção global subalterna? 182
6
Entre a aquiescência e a criação institucionais 189
6.1
Entre os contextos periférico, semiperiférico e global 189
6.2
A criação de ambientes 193
6.3
Entrecruzamento de condicionantes técnicos, ambientais e históricos 198
6.4
A face predatória da condição periférica 205
6.5
Discordâncias entre discursos globalizados e práticas locais 211
7
Conclusão 216
7.1
Elementos de um campo funcional periférico 216
7.2
A natureza relacional da criação institucional 218
7.3
Importância dos díspares contextos do campo 220
7.4
Reflexões finais 223
Referências 224
Apêndice A – Lista das entrevistas 234
Apêndice B – Cronologia dos principais eventos 235
Anexo A – A fábula da galinha dos ovos de ouro 237
14
1 Introdução
A envergadura das mudanças que ocorrem no mundo hoje é comparável à da
turbulenta transição do capitalismo, transcorrida entre o final do século XIX e início do século
XX. Distinguiram este período, entre outras coisas, uma revolução tecnológica nos sistemas
básicos de transporte e comunicação, o início da hegemonia do capital financeiro, a ascensão
de novas potências mundiais, como Estados Unidos e Alemanha, e uma intensificação da
“globalização”.
Na nova onda de globalização que tomou impulso desde o fim da Segunda Guerra
Mundial, o conhecimento, com base numa infra-estrutura da informação e da comunicação,
passou a ser o capital cada vez mais decisivo. Grande parte das atividades de P&D
desenvolvidas por empresas multinacionais, embora sob controle centralizado, é exercida em
redes e alianças estratégicas que incluem organizações de vários países do mundo
(CHESNAIS, 1996). Participam dessas redes, por exemplo, empresas de países como China e
Índia, antes considerados como pertencentes ao “Terceiro Mundo” e que agora se destacam
econômica, tecnológica e politicamente no cenário internacional.
Junto com a expansão capitalista, ocorre uma difusão de padrões, valores e instituições
que hoje são predominantemente os dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, dando
continuidade às ondas de globalização registradas na história. Assim, a globalização quase se
confunde com a ocidentalização do mundo, pois as instituições ocidentais se generalizam
mediante um processo misto de adaptação ou imposição às variadas formas de organização da
vida e do trabalho (IANNI, 1996).
15
A globalização é um processo desigual que opera em duas vias principais: do centro
para a periferia, um conjunto de estratégias dominadoras visando à apropriação do trabalho e
dos recursos dos países periféricos, inclusive dos recursos culturais; no sentido contrário, a
luta dos países pobres para sobrepujar os limites da desigualdade (CANCLINI, 2003). Nesse
quadro, os países emergentes experimentam uma condição peculiar, pois, mesmo em situação
de dependência, podem aspirar, por causa do porte de suas economias, pelo tamanho dos seus
territórios e pelo suficiente desenvolvimento de importantes instituições, como o Estado; a um
papel de maior importância na arena internacional (CRUZ, 2004). O papel dessas nações
“semiperiféricas” no sistema mundial é ressaltado por Wallerstein (1979), pois sem a presença
dessa categoria de nações que são ao mesmo tempo exploradas e exploradoras, esse sistema
seria altamente polarizado e instável.
Tem-se difundido a idéia de que o ponto de partida para a implementação de sistemas
locais inovadores é a constituição de redes de âmbito global, que contem com a participação
de universidades, incubadoras, centros de pesquisa, agências governamentais, associações de
empresas. Esse tipo de arranjo organizacional tende a criar empreendimentos “virtuais”
globais que estejam, ao mesmo tempo, entranhados na teia de relações locais (MARINHO,
2000). A possibilidade de consolidar um setor dinâmico moderno, intensivo em conhecimento
e inovação, depende não da construção de arranjos mercadológicos e empresariais, mas de
articulação no ambiente institucional, o que por si mesmo requer criatividade (SICSÚ;
MELO, 2000).
Diante das pressões da globalização, Lastres et alii (1999) questionam o rumo geral
que tomam esses arranjos institucionais. Prevalecerá um padrão no qual as grandes
corporações predominam tanto global quanto localmente; ou um outro, mais consentâneo com
as aspirações ao desenvolvimento das regiões periféricas, em que, com o apoio do Estado, se
16
consolidem simultaneamente diferentes formas de organização grandes empresas, redes de
grandes com pequenas empresas, e mesmo arranjos de pequenas empresas?
O objeto de nossa investigação é a formação de um setor de software no Estado de
Pernambuco. Desde o ano 2000, existe no Bairro do Recife Antigo um arranjo empresarial, o
Porto Digital que, com patrocínio do Governo do Estado e incentivos fiscais da Prefeitura do
Recife, congrega 120 empresas de TI. Este arranjo se singulariza dentro do Brasil não tanto
pelo seu porte, que pode ser considerado de pequena escala, mas por materializar a
transferência de tecnologia para o setor produtivo de software, possibilitando o surgimento de
empresas locais que criam soluções inovadoras no setor.
Nos extremos dessa cadeia de inovação, encontra-se um centro acadêmico de
excelência na área da TI, pertencente a uma grande universidade pública local, o Centro de
Informática da UFPE (CIn), e no outro extremo, o principal mercado de produtos inovadores
em Informática do Brasil, constituído por empresas do Sudeste do país. Essencial à formação
e ao funcionamento do setor tem sido a atuação do Centro de Estudos Avançados do Recife
(CESAR), criado por professores do CIn (então Departamento de Informática) em 1996, e que
pode ser compreendido como um misto de associação profissional, empresa de software e
instituto de inovação.
Alguns dos elementos indicados por DiMaggio (1991) como característicos da
existência de um campo organizacional encontram-se nesse empreendimento. Um deles, de
natureza cognitiva, é a comunhão da idéia de que se está construindo uma entidade coletiva.
Um outro é a existência de uma organização, o Núcleo de Gestão do Porto Digital,
deliberadamente criada para “compelir, regular, organizar e representar no nível do próprio
campo” (DIMAGGIO, 1991, p. 268).
A Informática é uma área de conhecimento que exemplifica a “voracidade inovadora”
que, segundo Demo (2001), se ajusta ao mercado capitalista. Todavia, as questões
17
relacionadas ao desenvolvimento de um setor industrial precisam ser examinadas numa
perspectiva sociológica, pois não se resumem a questões econômicas como o da natureza do
produto, o estado da tecnologia ou as demandas dos consumidores (GRANOVETTER;
MCGUIRE, 1998). É necessário levar em conta aspectos sociais e institucionais, ainda mais
se tratando de um campo que se delimita com o da pesquisa científica. Neste tipo de
atividade, exigências do ambiente institucional podem sobrepujar às do ambiente técnico, este
último sendo constituído estritamente por consumidores, fornecedores e organizações que
realizam coisas similares.
O estudo de Selznick (1966 [1949]) sobre uma autarquia federal norte-americana,
responsável pela implementação de um projeto de desenvolvimento numa região atrasada dos
EUA, marca o início de uma abordagem, nos estudos organizacionais, que oferece uma base
ampliada para a compreensão da evolução e da sobrevivência de uma organização em seu
contexto institucional. A organização deixou de ser vista apenas como um instrumento que
ajusta racionalmente os meios aos fins, mas também como uma “instituição” que tem valor
em si mesma para os que dela participam e para a comunidade que a circunda. Assim, a
organização interage não com o ambiente-técnico, mas também com o ambiente
institucional.
O movimento de inserção de organizações de regiões periféricas numa rede global de
inovação constitui, desde logo, um quadro institucional de dualidade ou defasagem, pois essas
regiões se encontram em um estágio que não corresponde ao que, nas sociedades cêntricas,
gera os modelos institucionais dominantes (RAMOS, 1983). Como o Nordeste tem, dentro da
economia brasileira, uma posição semelhante à dos países subdesenvolvidos em face das
nações altamente industrializadas (FURTADO, 1962), as organizações atuantes nessa região
podem se defrontar com um contexto tríplice, envolvendo instâncias periféricas,
semiperiféricas e globais.
18
Tratando dos aspectos cnicos e institucionais da organização como os dois lados de
uma mesma moeda (FONSECA, 2003), a teoria institucional parece apta a embasar uma
investigação do campo organizacional aqui preliminarmente caracterizado. Por outro lado,
não parecem mais aplicáveis as observações de DiMaggio (1988) de que a teoria institucional
ocupa-se predominantemente de campos “altamente institucionalizados” (p. 6) e que portanto
mudanças incrementais são focalizadas nessa abordagem. Alguns estudos sobre campos
organizacionais dentro da perspectiva institucional abordam mudanças de longo prazo ou
mudanças amplas.
Como exemplo, temos o trabalho de Leblebici et alii (1991) que descreve as
transformações nas práticas do setor de radiodifusão, nos Estados Unidos, de 1920 a 1965. O
estudo de Greenwood, Suddaby e Hinings (2002) mostra como foi redefinida a profissão no
campo da contabilidade, mediante mudança no contexto político das empresas e associações
profissionais que resultaram numa nova gama de serviços oferecidos pelos contadores. O
trabalho de Munir (2005), numa perspectiva construcionista, examina a mudança institucional
em andamento no campo da fotografia, com o advento da imagem digitalizada.
Todavia, conforme assinalam Dacin, Goodstein e Scott (2002), grande parte dos
estudos realizados no nível do campo, em especial os que se atêm a um tipo específico de
organização, ignoram processos que redundem na criação de novas populações
organizacionais. Observa-se também que grande parte dos estudos sobre campos
organizacionais se restringe a explorar as relações que se travam no interior dos próprios
campos, o que obscurece a influência dos múltiplos contextos sócio-culturais das
organizações que participam desses campos. Acresce que, de um modo geral, há uma carência
de estudos, no Brasil, adotando o conceito de campo organizacional (VIEIRA; CARVALHO,
2003). Essas insuficiências justificam a realização do presente estudo de caso sobre a
formação do setor de software em Pernambuco, explorando uma definição de campo
19
organizacional e de suas relações que permita investigar, de forma suficientemente ampla e
profunda, as mudanças e a contextualização que parecem ocorrer no campo organizacional em
estudo.
A absorção da tecnologia “estrangeira” é um fator histórico reconhecido no
desenvolvimento ocorrido em países europeus e nos Estados Unidos no transcorrer do século
XIX, bem como no Japão durante o século XX (PEREZ; SOETE, 1988). Assim, também
norteia o presente estudo uma curiosidade intrínseca sobre o caso (STAKE, 2000), no sentido
de examinar fatores institucionais que favorecem ou contrariam a formação e a consolidação,
numa região periférica, de um campo organizacional dedicado a uma atividade tecnológica
considerada de ponta. A oportunidade do estudo ganha relevo no atual debate nacional,
quando o neoliberalismo perde sua hegemonia, ou ao menos, passa a ser questionado com
mais força nas arenas política e acadêmica, e discussões são retomadas sobre intervenções
desenvolvimentistas no país.
O problema que nos propusemos investigar refere-se às estratégias institucionais de
inserção de um conjunto de organizações de uma região periférica num dos setores básicos de
atividade da Tecnologia da Informação, e às implicações que tem essa inserção para a região.
Traduzido em forma de pergunta, esse problema apresenta-se como segue:
Q
UE RESPOSTAS ESTRATÉGICAS INSTITUCIONAIS SÃO ADOTADAS PELO CAMPO DO
SOFTWARE EM
P
ERNAMBUCO FACE ÀS PRESSÕES DO CAMPO GLOBAL DA
T
ECNOLOGIA DA
I
NFORMAÇÃO
?
20
2 Fundamentos teórico-empíricos
2.1 A teoria institucional: raízes e potencialidades
A vocação da escola institucionalista para entender os processos sociais como
intrinsecamente complexos, está presente no seu surgimento, no final do século XIX, quando
um grupo de economistas da Alemanha e da Áustria desafiaram o cânone de que a Economia
podia ser reduzida a um conjunto de leis de aplicação universal (SCOTT, 2001). Adotando
uma perspectiva histórica, esses primeiros institucionalistas defendiam que os processos
econômicos ocorrem e evoluem necessariamente sob condicionamento social e cultural.
A maioria dos institucionalistas pioneiros enfatizava a capacidade de mudança das
instituições, sua potencial instabilidade, a inclinação para o conflito, as negociações e as
disputas em torno do seu estabelecimento e da sua continuação ininterrupta (HIRSCH, 1997).
Autores como Hodgson (1994) propõem uma ampliação do alcance da Economia que,
tomando como exemplo autores como Marx e Veblen, evite uma obsessão exclusiva com a
estabilidade e atente para o caráter cumulativo do desenvolvimento econômico, com a
eventualidade da irrupção de crises, e não apenas com transformação contínua e gradual.
Comparada com as nações centrais, a América Latina certamente pode continuar
sendo descrita como um “laboratório de mudança histórica”, cuja evolução segue “velocidade
de trem expresso”, conforme impressão colhida por Hobsbawm quando viveu no continente
durante a década de 70 (HOBSBAWM, 2002, p. 410). Na interpretação do economista
Ignácio Rangel, a história do Brasil, confundindo-se com a da dualidade que o país forma com
o exterior, ocorre como uma “queima de etapas”, pois os termos dessa dualidade “mudam
21
muito mais rapidamente no interior do que no exterior” (RANGEL apud PEREIRA e RÊGO,
1993, p. 108-109).
Para que uma perspectiva institucionalista conta de uma evolução histórica que
envolva rupturas institucionais, ela tem de evitar ser dominada pela idéia da tendência ao
equilíbrio, e, por outro lado, precisa afirmar que a vida social é movida por desajustes e
choques de interesses que ocorrem em processos cumulativos de mudança. Estas são
precisamente, conforme as apresenta Teixeira (2002), algumas das características encontradas
na corrente institucionalista heterodoxa iniciada com Veblen, no final do século XIX.
Entendendo as instituições como “hábitos de ação” ou “hábitos de pensamento”
(SECKLER, 1977, p. 127), Veblen (1973), influenciado pelas idéias de Darwin, concebia que
“a evolução da estrutura social tem sido um processo de seleção natural das instituições” (p.
131). O progresso da vida do homem na sociedade se concretiza por adaptação forçada ou
pela seleção dos hábitos mais adequados ao ambiente. Este é entendido como se encontrando
em progressiva mudança, quando menos pelo próprio crescimento da comunidade. Assim, é
próprio do ambiente e, portanto, intrínseco às instituições, que com ele se encontram em
perene processo de ajuste, estar em evolução.
Veblen critica então as concepções da Economia Clássica como “pré-evolutivas”, pois
tomam como pressuposto a aceitação de uma tendência normal ao equilíbrio, isto é, a crença
numa contínua capacidade do sistema econômico de restauração da estabilidade, após a
ocorrência de choques e oscilações. Em poucas palavras, as leis dessa Economia são “leis de
conservação e seleção, não de gênese e fecundação” (VEBLEN apud HOBSON, 1941, p. 25).
Em oposição à noção da economia como um “mecanismo perfeitamente concebido e
equilibrado”, Veblen compreende sua dinâmica como “uma adaptação institucional às
exigências que se desenvolvem de um modo cumulativo” (VEBLEN apud HOBSON, 1941, p.
25).
22
Veblen formulou, com clareza, uma concepção na qual a instituição é considerada uma
entidade intrinsecamente sujeita à mudança mas que, por constituir-se de hábitos, é fator de
inércia social e psicológica e tende a perdurar indefinidamente. Assim, elas existem
continuamente em estado de tensão, pois não se ajustam, por inteiro, à situação presente: “as
instituições são o produto de processos passados, são adaptadas a circunstâncias passadas e,
por conseguinte, nunca estão em plena concordância com as exigências do presente”
(VEBLEN, 1973, p. 133). Formulando em termos ainda mais simples o que ele denomina de
“truísmo”, Veblen reitera que “as instituições de hoje – o esquema de vida atualmente aceito –
não se ajusta inteiramente à situação de hoje” (p. 133). Constituem esse truísmo definidor da
instituição as duas partes, a da inércia e a da mudança, e, portanto, faz parte também dele o
antagonismo entre elas.
Nessa concepção, as instituições assumem natureza ao mesmo tempo costumeira e
adaptativa, pois são um “método habitual de responder aos estímulos providos pelas
circunstâncias em mudança” (VEBLEN, 1973, p. 132). Essas definições constam do livro The
Theory of the Leisure Class, publicado em 1899. Em outra obra, publicada vinte anos depois,
The Place of Science in Modern Civilization, Veblen mantém essa concepção da natureza
intrinsecamente evolutiva da instituição, afirmando que
não apenas a conduta de um indivíduo vai atrás e é dirigida pelas relações
habituais contraídas com seus companheiros de grupo, mas essas relações,
sendo de um caráter institucional, variam à medida que a cena institucional
varia (VEBLEN apud SCOTT, 2001, p. 3).
Da mesma forma que a instituição, a mudança institucional tem peculiaridade de
ocorrer em defasagem. “Uma readaptação dos hábitos de pensamento dos homens em
conformidade com as exigências de uma situação modificada [...] ocorre apenas tardia e
relutantemente [...]” (VEBLEN, 1973, p. 134). A facilidade com que ocorre o reajuste vai
variar de acordo com o grau de exposição dos indivíduos às forças coercitivas do ambiente.
Nesse sentido, se uma parte ou classe da sociedade é protegida da ação do ambiente, em
23
qualquer aspecto essencial, a adaptação das suas visões e esquema de vida à situação geral vai
ocorrer mais tardiamente. É nesse princípio que Veblen se baseia para sublinhar o caráter
intrinsecamente conservador da rica “classe ociosa”, pois, sendo menos rigorosa, para ela, a
luta pelos meios de vida, ela é uma das classes que menos respondem às demandas que a
situação cobra para o desenvolvimento das instituições e um reajuste a uma situação
econômica alterada (VEBLEN, 1973).
As instituições são defendidas não com base na sua utilidade corrente, mas sim no
prestígio que provém do passado. No entanto, “[o]s costumes e as instituições obstrutivas e
ainda inúteis hão de render-se, com o tempo, ao mais novo, ao melhor, às coisas que
evidentemente são mais vantajosas” (HOBSON, 1941, p. 69). O processo de transformação
geralmente é vagaroso e, “às vezes, as dificuldades de uma reforma gradual e pacífica são
tamanhas que provocam uma revolução, uma liquidação rápida e, freqüentemente, excessiva,
da herança passada”.
Mesmo caracterizada como um elemento social que contém inércia, fica manifesta sua
natureza passageira e este é o elemento novo que a concepção de Veblen introduz: a da
precariedade intrínseca à instituição. Essa concepção, aliás, se coaduna com o sentido original
da própria palavra instituição, conforme se depreende da “digressão filológica” que faz Bosi
(1991) sobre a origem comum de palavras que denotam não mais do que “uma parada no
fluxo do tempo, um deter-se mais largo no cumprimento da ação”. É o caso de palavras de
mesma raiz da palavra estação, que provém “do latim statio, que significa morada, lugar de
pouso, ancoradouro, porto” (BOSI, 1991, p. 12).
Contrariando o pensamento ortodoxo, as concepções de Veblen rejeitam o pressuposto
do “agente continuamente calculador” (HODGSON, 1994, p. 142) e salientam os complexos
de hábitos, papéis e comportamento convencionais que conformam as instituições. Porém,
esse ponto do pensamento de Veblen levanta controvérsias, pois, mesmo percebendo os
24
limites de sua explicação econômica, segundo alguns críticos ele não se dispunha a conceder
nenhuma independência à explicação cultural, fora do campo econômico, para as mudanças.
Para Hobson (1941), essas inconsistências do pensamento e da expressão de Veblen teriam
contribuído para que muitos leitores deixassem de reconhecer o valor da sua obra intelectual.
Diante da indefinição do pensamento vebleniano entre o determinismo behaviorista e
o humanismo heróico, Seckler (1977) assegura haver “dois Veblen(p. 110). No entanto, ele
também observa que Veblen não insiste em levar ao limite extremo o lado behaviorista da
sua doutrina social. Algumas formulações de Veblen, inclusive, permitiriam incluí-lo dentro
da “melhor tradição humanista”, com sua heróica concepção do homem dotado de livre
arbítrio, conforme o seguinte trecho serviria de exemplo:
[...] é característico do homem fazer algo, e não apenas sofrer prazer ou dor
através de uma série de causas adequadas. [Ele] não é simplesmente um
complexo de desejos que haverão de ser satisfeitos, situando-os no caminho
das forças do meio ambiente, mas sim uma estrutura coerente de tendências
e hábitos que busca sua expressão e sua realização numa atividade em
desenvolvimento (VEBLEN apud HOBSON, 1941, p. 19-20).
Ao invés de inconsistências e hesitações no pensamento de Veblen, como as
mencionadas por Hobson e Seckler, o que Hodgson (1994) destaca é que a adoção de uma
perspectiva institucionalista sobre a formação e o desenvolvimento da conduta não implica
adesão ao determinismo” (p. 141). A tensão estaria na própria realidade social, em que é
possível perceber tanto “o peso da rotina e do hábito na formação do comportamento” como
“a importância de certos elementos de deliberação estratégica” e seus possíveis efeitos
desestabilizadores (p. 141). Desse modo, Hodgson contribui com um argumento
epistemológico no sentido da formulação de uma síntese entre a teoria institucional e a
perspectiva estratégica que alguns autores contemporâneos têm procurado desenvolver.
As concepções de mudança institucional do “novo” institucionalismo, conforme
esboçadas por DiMaggio e Powell (1991 [1983]), chocam-se com a noção de adaptação
evolutiva, pois, ao invés do incessante processo de evolução institucional vislumbrado por
25
Veblen, esses autores admitem, no máximo, uma efêmera evolução que antecede à
cristalização da instituição. Embora a dinâmica institucional esteja mais presente nos achados
empíricos e formulações teóricas do “velho” institucionalismo, representado por Selznick, sua
concepção de adaptação é omissa quanto à evolução histórica. Ela se afasta da concepção de
Veblen que, ao perceber que evolui não a instituição, mas também o seu contexto, insere a
mudança institucional numa perspectiva histórica mais ampla. Assim a noção de mudança
institucional no “velho” institucionalismo pode ser considerada pré-evolutiva.
Uma característica fundamental da teoria institucional é a ênfase no reconhecimento
da base social e cultural da influência externa sobre as organizações (HATCH, 2006). Várias
contribuições concebem as organizações como representações altamente ritualizadas de
modelos culturais irrefletidamente tomados por verdadeiros, concedendo relevo à difusão de
tais modelos no interior de campos organizacionais (SUCHMAN; STEWARD; WESTFALL,
2001). Essas características habilitam sobremodo a perspectiva institucional na investigação
de temas correlatos à globalização, em especial nesse período em que avulta a constelação de
práticas sociais e culturais transnacionais.
Para Aldrich e Ruef (2006) uma propriedade que distingue a teoria institucional é seu
amplo alcance tanto em termos de níveis de análise quanto de intervalos de tempo, que fazem
com que essa abordagem seja potencialmente relevante tanto no estudo das interações em
nível micro quanto nas mudanças de larga escala que ocorrem em países. A grande
potencialidade aberta com esse alcance coloca, em contrapartida, um grande desafio ao seu
desenvolvimento teórico da abordagem, pois, como observou HODGSON (1994), foi, em
parte, justamente por ter negligenciado com esse encargo, que ela perdeu espaço entre as
ciências sociais na primeira metade do século XX.
26
2.2 A obsessão com o equilíbrio
Na visão contida nos principais trabalhos que fundaram o novo institucionalismo na
área dos estudos organizacionais, são limitadas as possibilidades de uma mudança ativa por
parte das organizações. Em DiMaggio e Powell (1991) é o ambiente que passa a ser o próprio
ator estratégico ou agente; pois “indivíduos, identidades coletivas ou, mesmo, organizações,
simplesmente não habitam o universo social” (PRATES, 2000, p. 92-93). Uma vez
estruturado um campo organizacional, surgem “forças poderosas” (DIMAGGIO; POWELL,
1991, p. 65), sem origem discernível, que fazem com que as organizações se tornem mais
semelhantes entre si. Assim, admite-se que o campo passe por um processo de mudança, mas
até a sua estruturação. A partir daí, cessam inexplicavelmente as possibilidades de
mudança institucional.
Na concepção de mudança de Meyer e Rowan (1991 [1977]), cabe um papel mais
ativo às organizações na gestão da “conformidade ritual”, pois estas fazem com que as
práticas internas não sigam docilmente a estrutura formal. No entanto, a idéia, acolhida por
esses autores, da autonomia dos mitos que são “dramaticamente” representados no ambiente
institucional, implica uma passividade nos agentes organizacionais. Nos trabalhos dos novos
institucionalistas, predomina uma visão em que a possibilidade de mudança institucional
restringe-se à difusão de padrões institucionais que pré-existem nos ambientes institucionais.
Referindo-se ao novo institucionalismo na vertente econômica, Stinchcombe (1997) o
critica como “durkheimiano”. Esse autor identifica que nesta abordagem “as representações
coletivas se fabricam elas mesmas por processos opacos, são implementadas por difusão, são
exteriores e restritivas sem que pessoas exteriores realizem a criação ou a restrição” (p. 2).
Focalizando as relações entre indivíduo e sociedade, Ramos (1983) rechaça o conceito de
Durkheim sobre o “fato social” como tendo uma “existência própria, independente de suas
manifestações individuais”. Para Ramos, tal concepção representa uma reificação do
27
fenômeno social. Escapa a essa concepção perceber a natureza mútua da relação entre
indivíduo e sociedade, os quais “não constituem realidades cindidas” (p. 24). Semelhantes
críticas podem ser feitas à vertente organizacional do novo institucionalismo pelo não
discernimento da origem das pressões sobre as organizações e pelo não reconhecimento da
reciprocidade entre organização e ambiente.
Scott (2001) observa que conceitos, como o de ambiente, favorecem uma “construção
passiva” (p. 136). Para Perrow (1986) a restrição não é intrínseca ao conceito e sim, ao modo
como a escola institucionalista o aborda. Esse autor, que identifica na escola institucionalista
praticamente a única abordagem que leva “a sério” o ambiente, observa, por outro lado, como
ela deixa de perceber que, se a organização se adapta ao ambiente, pelo menos para as
organizações importantes da sociedade, é igualmente possível que o ambiente se adapte a elas.
Examinando mais de perto o conceito, constatamos que a passividade organizacional não está
implicada nele. Segundo Perrow (1986), “o principal aspecto do ambiente das organizações
são outras organizações” (p. 177). Ora, ao se constatar que, afinal, o ambiente é constituído de
organizações, não há, em princípio, porque generalizar o sentido das pressões – seja do
ambiente para uma organização em particular, seja desta para o ambiente.
Reelaborando o modo de ver como as organizações se relacionam com outras, Hatch
(2006) contribui para ver que a passividade não é intrínseca à organização. Apoiando-se no
conceito de rede inter-organizacional, essa autora dilui o “ambiente” de uma organização
focal no conjunto das relações que ela contrai com outras organizações e que estas por sua vez
contraem com outras. Desse modo, fica fácil perceber que a organização não é um mero
resultado da influência ambiental: ela é parte contributiva do “ambiente”, como qualquer das
organizações.
Comparativamente, enquanto o novo institucionalismo nos estudos organizacionais
destaca a persistência, o velho institucionalismo enfatizava a mudança organizacional
28
(CARVALHO; GOULART ; VIEIRA, 2004). O trabalho tido como o marco inicial do que
veio a ser conhecido como o velho institucionalismo é TVA and the grass roots, de Philip
Selznick, publicado originalmente em 1949. Ele versa sobre a implementação de um projeto
de desenvolvimento regional numa região pobre dos EUA, o vale do Tennessee, conduzido
por uma autarquia federal americana. O estudo examina a política adotada para canalizar um
programa federal através de agências locais e, como, no processo, a TVA se institucionalizou,
adquirindo um “caráter distintivo” que refletia a influência da sua região específica de
atuação.
O conceito de mudança institucional de Selznick (1957) envolve tanto o surgimento de
novos padrões quanto o declínio dos velhos. Envolve também uma ativa capacidade de
resposta da organização a “um problema colocado por sua história” e uma conseqüente
adaptação que “significativamente muda o papel e o caráter da organização” (p. 12). Em
contraste com a paralisante influência do ambiente sobre a organização que se encontra no
trabalho de DiMaggio e Powell (1991), Selznick (1957) mostra como a liderança visa
reconciliar as disputas internas e as pressões ambientais, acompanhando de perto o modo
como o comportamento adaptativo gera modificações no caráter organizacional (p. 62). A
institucionalização, por outro lado, é vista como um processo que conduz à estabilidade (p. 7).
A contribuição central de Selznick no estudo sobre a TVA foi a de expandir as
explicações dos fenômenos da organização, “a qual pode significativamente ser vista como
uma estrutura social adaptativa” (SELZNICK, 1966, p.251). Internamente, os indivíduos
resistem a serem tratados como meios e, externamente, a organização enfrenta problemas de
adaptação simplesmente por existir num ambiente institucional. As tensões resultantes
desviam o ordenamento da estrutura formal e o estabelecimento de objetivos de orientação
puramente racional. Selznick (1966) sintetiza suas conclusões, afirmando que “a coisa mais
29
importante sobre as organizações é que, apesar de serem elas instrumentos, cada uma delas
tem vida por si mesma” (p. 10).
Além do significado que ela assume para os indivíduos que a compõem, as
organizações também são infundidas com valor do ponto de vista do sistema social mais
amplo, à medida que simbolizam aspirações das comunidades em que estão inseridas.
Portanto, a institucionalização é o resultado da dinâmica tanto dos “impulsos internos” quanto
das “exigências exteriores” do ambiente, num processo comparável à formação de uma
personalidade. Desta forma, a organização altera a natureza das suas partes constituintes e
obtém uma identidade distinta.
Em Leadership in Administration, publicado em 1957, Selznick, refletindo sobre seus
trabalhos anteriores, concebe a função de “liderança” que, para ele, não tem o sentido
usualmente dado ao termo. Trata-se de uma função que não se confunde necessariamente com
a dos tomadores de decisão situados nos altos postos de uma organização. Apenas algumas
decisões estão ligadas a esse conceito de liderança: as decisões “críticas” relacionadas aos
processos de institucionalização, como sói acontecer quando mudanças nas relações de poder
entre os departamentos ensejam uma mudança do “caráter” e do papel de uma organização.
Assim, esse conceito considera a liderança algo que se torna dispensável quando “os
processos de institucionalização passam a ser eliminados ou controlados” (SELZNICK, 1957,
p. 25). Percebe-se que, de acordo com o pensamento de Selznick, a institucionalização é um
processo intermitente. Se, como instrumentos técnicos, as organizações são vistas como
ferramentas que podem ser reformadas ou substituídas com relativa facilidade, como
instituições, elas obtém uma dimensão “natural” que não é facilmente descartável
(SELZNICK, 1957, p. 18-19; SCOTT, 1987, p. 494). Longe de se restringir à “simples
sobrevivência orgânica ou material”, o principal objetivo da organização passa a ser o da
manutenção da sua integridade institucional (SELZNICK, 1957, p. 139).
Na concepção de
30
Selznick, simultaneamente a uma mudança de longo prazo que se consubstancia na
transformação das partes constituintes da organização, a institucionalização está ligada à
busca intermitente por estabilidade.
Autores de grande influência na perspectiva institucionalista, as formulações de
Berger e Luckmann (2001) estão entre as que mais enfatizam a natureza histórica da
institucionalização. Esses autores compreendem que “as tipificações recíprocas das ações são
construídas no curso de uma história compartilhada” (p. 79) e que é “impossível compreender
adequadamente uma instituição sem entender o processo histórico em que foi construída” (p.
79-80).
A origem da instituição, segundo eles, está na ação que, por força da repetição, torna-
se um hábito. A repetição acarreta economia de esforço na reprodução da ação, o que reforça
a tendência de ela ser repetida no futuro. A habitualidade da ação num grupo social enseja o
surgimento de uma instituição:
A institucionalização ocorre sempre que uma tipificação recíproca de
ações habituais por tipos de atores. Dito de maneira diferente, qualquer uma
dessas tipificações é uma instituição. O que deve ser acentuado é a
reciprocidade das tipificações institucionais e o caráter pico não somente
das ações mas também dos atores nas instituições. As tipificações das ações
habituais que constituem as instituições são sempre partilhadas. (BERGER;
LUCKMANN, 2001, p. 79).
A reciprocidade implica que a instituição é “acessível” a todos os membros do grupo
social. Outro elemento essencial é o controle da conduta humana que é propiciado pelo
estabelecimento de padrões, trazendo assim importantes efeitos práticos: “um valor
institucionalizado é um valor que inspira ações concretas por parte dos atores sociais”
(MOTTA; VASCONCELOS, 2002, p. 393). A natureza controladora da instituição decorre da
seleção de uma determinada direção em “oposição a muitas outras direções que seriam
teoricamente possíveis” (BERGER; LUCKMANN, 2001, p. 80). A mera existência da
31
instituição é suficiente para guiar a conduta humana, antes, portanto, da criação de
“quaisquer mecanismos de sanções especificamente estabelecidos” para apoiá-la (p. 80).
As instituições nascem das ações habituais, mas não se confundem com estas:
“embora construídas e mantidas por atores individuais, as instituições [assumem] uma
fachada de uma realidade impessoal e objetiva” (SCOTT, 1995, p. 34). Quanto mais
indivíduos se incorporam às relações sociais, mais as instituições se cristalizam, passando a
ser “experimentadas como existindo por cima e além dos indivíduos” (BERGER;
LUCKMANN, 2001, p. 84). Não aqui reificação, pois o nexo entre o surgimento das
instituições e as relações intersubjetivas que as precederam historicamente é assinalado.
Sinteticamente, na concepção de Berger e Luckmann (2001), a instituição é um
fenômeno a um tempo cognitivo e objetivo que, construído interativamente no curso de
ações habituais, traz implicações para as ações práticas subseqüentes. Está implícito nas
concepções de Berger e Luckmann (2001) sobre a formação institucional, que a habitualidade
da ação coexiste com a própria construção de algo novo: a instituição que surge. Sendo assim,
a origem da instituição é um fenômeno paradoxal que envolve dois tipos contrastantes de
atividade: hábito e criação.
O paradoxo da mudança institucional é intrínseco à condição social da instituição,
pois, como afirma Lipset (1992), “a propensão para a mudança é tanto uma componente
inerente à sociedade humana como o são os fatores de estabilização” (p. 29). Os sistemas
sociais são capazes de suportar grandes contradições ou fontes de tensão sem necessariamente
quebrarem ou fazerem grandes ajustamentos, pois a continuidade ou a mudança dependerá
das “relações de poder estabelecidas” e das “bases para relações estruturais alternativas”
(LIPSET, 1992, p. 34-35).
Uma vez formada a instituição, para que haja mudança institucional, é necessário
haver uma possibilidade de desinstitucionalização (OLIVER, 1992). O que Berger e
32
Luckmann (2001) designam por desinstitucionalização é uma redução na extensão com que
um determinado setor da sociedade está institucionalizado (p. 113). Os autores também
mencionam a possibilidade de haver uma variação histórica nas ordens institucionalizadas
decorrente de dissonâncias entre as instituições (p. 113). Esses são aspectos importantes da
análise institucional, mas refere-se ao tamanho da área institucionalizada ou à pluralidade das
instituições e não a mudanças qualitativas em uma determinada instituição. Embora
mencionando que a institucionalização não é um processo irreversível, esses autores não se
debruçaram sobre a possibilidade de ruptura ou descontinuidade de uma determinada prática
(OLIVER, 1992). Portanto, as formulações de Berger e Luckmann sobre mudança, apesar de
permitirem identificar o processo paradoxal da formação institucional, se restringem, tal como
Selznick, à esta fase inicial da instituição, que resulta em estabilidade.
Ora, conforme crítica de Cruz (2004), a mudança institucional não se resume a uma
retomada de equilíbrio, tomada por certo, após a intercorrência de uma crise. Do ponto de
vista das sociedades periféricas e semiperiféricas, nesta abordagem, como afirma Cruz (2004),
“fica de fora o principal”: “o conflito em sua dinâmica própria” com a possibilidade que
acarreta de redefinição de objetivos e, inclusive, de identidades (p. 58). A concepção
institucionalista neoclássica de mudança institucional candidamente prevê que “ao fim e ao
cabo, instituições serão criadas, ficando domada a incerteza no quadro de um novo
equilíbrio”, tomando como certo um resultado que “absolutamente não está de antemão
garantido” (p. 59). Como afirma Cruz (2004), a disputa implica diferentes soluções
institucionais para a crise” (p. 59).
Se é compreensível, como afirma Ramos (1965, p 89), que a sociologia dos Estados
Unidos, por exemplo, continue a priorizar a estabilidade, pois, nas condições objetivas
daquele país, “a exigência do ‘controle social’ supõe o interesse em anular as tensões,
conservando a estrutura estabelecida”, outra é a situação no Brasil. O quadro nacional
33
justifica que a sociologia no Brasil priorize a solução dos antagonismos fundamentais da
sociedade brasileira, que requerem “a mudança na qualidade de sua estrutura” (p. 89).
Parece ter razão Scott (2001) quando afirma que a maior parte da teorização sobre
mudança institucional realizada na teoria institucional até final da década de 1980 privilegiava
dois momentos: a formação de novas instituições e a sua difusão entre entidades receptoras.
As instituições, uma vez em funcionamento, eram vistas como exercendo seus efeitos, mas
sem que elas próprias fossem sujeitas a “mudança adicional” (p. 181).
A propensão desses trabalhos pioneiros em não lidar amplamente com a questão da
mudança institucional, no entanto, não reside, como pretende Scott (2001), numa elaboração
deficiente de agenda de pesquisa, nem na atenção insuficiente a certos fenômenos. Essas
abordagens assumem um caráter conservador, pois se baseiam num conceito de mudança
institucional que se subordina ao imperativo da estabilidade. A mudança institucional é
sempre um acontecimento pretérito que apenas explica a existência da instituição ou do
campo, sem contemplar a possibilidade de a própria instituição vir a sofrer uma transformação
radical. Recorrer ao termo institucionalização, como fazem alguns desses autores, parece não
passar de um expediente para imprimir ao conceito de instituição a noção de evolução, mas
que acaba por confiná-lo à idéia de estabilidade e persistência.
Comentando a primeira edição de Institutions and Organizations de Scott, publicada
em 1995, Hirsch (1997) assinala que a definição apresentada no livro para “instituição” aguça
a inclinação que tem uma longa tradição da análise institucional de privilegiar o problema da
ordem, da estabilidade e da sua manutenção
1
. Hirsch (1997) observa ainda que o tema da
mudança institucional recebe um tratamento em separado, distante dos temas centrais dessa
obra. A ressalva que Scott introduz na definição que aparece na segunda edição do livro, a
1
A definição qualifica as instituições como “estruturas e atividades que provêem estabilidade e
significado para o comportamento social” (SCOTT, 1995, p. 33).
34
qual estabelece que “instituições por definição conotam estabilidade, mas são sujeitas a
processos de mudança, tanto incrementais quanto descontínuos” (SCOTT, 2001, p. 48),
substancialmente nada muda. Essa concepção revisada mantém a ênfase na natureza
intrinsecamente estável da instituição. A mudança não é considerada uma condição própria da
instituição, tão somente se lhe acrescentando como algo acidental e acessório.
Essas concepções sobre instituição na área organizacional parecem representar um
alinhamento com a teoria econômica neoclássica e a sua teorização baseada no conceito de
equilíbrio. Ora, a ampliação do alcance da economia promovida por grandes pensadores
heréticos, como Marx, Veblen e Keynes foi obtida, justamente, abandonando a obsessão
exclusiva com a teorização do equilíbrio (HODGSON, 1994).
2.3 Uma possibilidade de síntese?
Numa manifestação própria da “adolescência” da teoria institucional (SCOTT, 1987),
tanto DiMaggio quanto Powell demonstraram insatisfação com as formulações que fizeram
juntos no artigo de 1983. Num outro trabalho que se tornou uma referência importante sobre
mudança institucional, DiMaggio (1988) faz uma crítica aberta àquele artigo, indicando como
a retórica nele empregada, recorrendo a expressões como “a jaula de ferro”, força uma
percepção dos seres humanos “como destituídos de poder e inertes face a inexoráveis
processos sociais” (DIMAGGIO, 1988, p. 10).
Da sua parte, Powell (1999), num capítulo publicado originalmente em 1991, depois
de observar que o potencial da perspectiva institucional está ainda por realizar-se, expressa
desacordo com alguns de seus trabalhos anteriores, feitos em colaboração com Paul
DiMaggio. Alguns pontos então indicados por Powell (1999) como merecedores de maior
atenção eram justamente o das fontes de heterogeneidade nos ambientes institucionais bem
35
como os processos que geram mudança institucional. Esses pontos, como se vê,
complementam aquela primeira abordagem da convergência isomórfica.
Desde o começo da década de 90, vêm surgindo contribuições que parecem apontar
para a busca de integração entre a visão institucionalista então dominante com outras
perspectivas, seja o “velho” institucionalismo, seja as perspectivas da dependência de recursos
e a da agência estratégica, que colocam no centro das suas preocupações a dinâmica interna e
a ação nas organizações.
Segundo Boudon e Bourricaud (2002), a mudança social resulta de “uma conjunção
complexa de elementos que constituem um sistema” (p. 384), conjuntura que em si mesma
não é invariante. Diante das muitas “causas determinantes” e das formas específicas de
mudança associadas às várias linhas teóricas, esses autores afirmam que a sociologia moderna
repudia a idéia da existência de um tipo único de causa dominante, seja interna ao sistema
social, seja originada no ambiente. Em sua maioria, os processos podem ser classificados
como mistos, pois afetam não somente as regras de funcionamento do sistema, mas também o
seu entorno. Uma parte de importantes trabalhos surgidos na perspectiva institucional busca
adotar algum tipo de abordagem mista.
Por exemplo, Oliver (1992) inclui elementos organizacionais e ambientais na sua
análise dos antecedentes da desinstitucionalização de práticas organizacionais. No seu
esquema teórico, essa autora situa as pressões políticas tanto no interior como no entorno das
organizações. Greenwood e Hinings (1996) visam entender a mudança, articulando o estudo
da dinâmica política intra-organizacional com o da imersão normativa das organizações em
seus contextos, numa abordagem que procura integrar elementos do velho e do novo
36
institucionalismo
2
. Os autores procuram distinguir, analiticamente, processos adaptativos de
processos em que a ação organizacional se afasta da orientação reinante.
Nessa linha mista de trabalhos, também pode-se incluir uma tentativa de conciliar a
teoria institucional com a agência estratégica, esboçada por Beckert (1999). Valendo-se dos
tipos schumpeterianos de ator o do gerente que age com base em rotinas, e o do
empreendedor que dedica a sua atenção a novas opções, a tarefas fora do habitual e a novas
combinações no processo produtivo aqueles processos de institucionalização são
considerados passíveis de existir, em estreita ligação com o tipo predominante de ator.
Assim, o tipo “gerente” que reage ao meio ambiente, essencialmente por adaptação, ajusta-se
à abordagem institucional que minimiza a importância dos atores e prefere atribuir as
mudanças às pressões exógenas. O “empreendedor”, a partir de uma atitude reflexiva em
relação às práticas estabelecidas, é capaz de conceber maneiras alternativas de fazer com que
as coisas possam acontecer e desafia a estabilidade dos modelos institucionais habituais, pois
“estando entranhado em estruturas institucionais [simultaneamente ele] abre espaço para, ao
menos, uma transcendência seletiva dessas demarcações [...]” (BECKERT, 1999, p. 789).
Num trabalho que tem atraído a atenção de estudiosos organizacionais dos mais
variados matizes, se concebe uma tipologia de respostas estratégicas das organizações às
pressões institucionais que considera alternativas de resistência e não toma, portanto, como
inevitável, a conformidade com a coerção exógena. Recorrendo à perspectiva da dependência
de recursos, Oliver (1991) propõe uma superação dos pressupostos limitantes da teoria
institucional, identificando “o repertório completo” de estratégias disponíveis às organizações,
em resposta às demandas e expectativas institucionais (p. 173). Na Figura 1 (2), procura-se
dar uma forma gráfica à variedade dessas respostas estratégicas. Os cinco grupos de
2
Os autores usam o termo neo-institucional para designar essa abordagem que, segundo eles, se iniciou
em meados da década de 80.
37
respostas– aquiescência, compromisso, esquivança, desobediência e manipulação - formam
um contínuo passividade-atividade diante do ambiente. Cada grupo é subdividido por Oliver
(1991) em três tipos de táticas.
O
R
G
A
N
I
Z
A
Ç
Ã
O
A
M
B
I
E
N
T
E
Aquiescência
Manipulação
Compromisso
Desobediência
Esquivança
Figura 1 (2): Respostas estratégicas
Fonte: criado com base em Oliver (1991)
A aquiescência é uma forma comum de resposta às pressões institucionais adotada
pelas organizações. Em especial quando as normas institucionais atingem a condição de um
“fato social”, elas passam a ter a força de um hábito para a organização. A organização
incorre em adesão inconsciente ou cega a regras e valores e fica, conseqüentemente, impedida
de adotar uma resposta estratégica propriamente. Oliver (1991) traz o exemplo da reprodução
de papéis amplamente institucionalizados, como os de professor e aluno, com base em
definições convencionais sobre essas atividades. O grau de consciência com que as
organizações adotam a aquiescência é variável na tipologia de Oliver (1991). A imitação de
modelos institucionais que caracteriza o isomorfismo mimético de DiMaggio e Powell (1991)
38
e, mais ainda, o cumprimento de regras e a aceitação de normas institucionais são
consideradas táticas mais conscientes do que o hábito.
No caso do compromisso, a obediência institucional é, em comparação com a
aquiescência, apenas parcial. As organizações confrontam-se com demandas institucionais
conflitantes entre si ou incompatíveis com os objetivos organizacionais internos, e são mais
ativas na promoção dos seus interesses.
A esquivança é uma tentativa da organização de impedir a necessidade de
conformidade com as pressões institucionais. Elas procuram encobrir a não-conformidade sob
uma fachada de aquiescência, ou amortecer o impacto das pressões institucionais, afrouxando
vínculos institucionais. Essa modalidade de estratégia corresponde à da “conformidade ritual”
identificada por Meyer e Rowan (1991) que permite que as práticas internas não sigam as
prescrições da estrutura formal. Uma forma extrema de esquivança é a fuga, exemplificada
pela instalação de indústrias químicas no Terceiro Mundo, com o objetivo de fabricar
produtos proibidos nos países de origem.
A desobediência
3
é uma forma de resistência mais ativa aos processos institucionais do
que as precedentes, e representa inequívoca rejeição das normas e expectativas institucionais.
O fato de escolas se conformarem ao conjunto altamente institucionalizado de estruturas e de
procedimentos sugere que as pressões institucionais para um entendimento compartilhado dos
requisitos educacionais explicam as estruturas e os processos dos sistemas educacionais.
Todavia, a teoria institucional não explica a contínua reaparição de escolas alternativas que
intentam tirar vantagem de um ativo afastamento das crenças e definições institucionais
comumente aceitas sobre o que constitui uma educação efetiva. Esse tipo de desobediência, o
desafio, atua no nível das crenças e valores e, dessa forma, ele parece estar presente na
3
As traduções aqui adotadas para as estratégias e táticas de Oliver (1991) constituem uma revisão das
encontradas no trabalho de Fonseca (2003).
39
globalização contra-hegemônica que se concretiza em movimentos que buscam valores
culturais alternativos.
A manipulação, definida como a tentativa de mudança ou exercício de pressão sobre o
conteúdo das expectativas institucionais ou sobre as fontes de pressão, pode assumir a forma
da cooptação, da influência, ou do controle. Um exemplo de cooptação é extraído de Oliver
(1991) de um estudo de Pfeffer sobre como uma concessionária de energia elétrica obtinha
apoio político e legitimidade de setores nos quais a organização estava sob regulação. O
estudo concluiu que o meio utilizado pela organização era o de convencer os constituintes
institucionais a fazer parte dos quadros da organização ou do conselho de diretores. Uma
outra forma de cooptação adotada pelas organizações é a exibição de vínculos institucionais já
existentes com o intuito de demonstrar adequabilidade e aceitabilidade a outros constituintes
externos, de que se espera obter aprovação ou recursos.
Selznick (1966), cujo estudo sobre a TVA apresenta elementos tidos por Oliver (1991)
como exemplificando a manipulação, define a cooptação como a situação em que a
organização, com o fim de persuadir grupos de interesses locais a apoiarem seus projetos,
publicamente absorve novos elementos, estabelecendo relacionamentos abertamente
admitidos e formalmente compostos. Assim, “nomeações para cargos oficiais são realizadas,
contratos são assinados, novas organizações são criadas tudo significando participação no
processo de decisão e na administração” (SELZNICK, 1966, p. 13).
A influência tem matiz cognitivo, pois se dirige mais diretamente para valores e
crenças institucionalizados, ou definições e critérios de práticas aceitáveis ou de desempenho.
A tática de controle é vista por Oliver (1991) como uma resposta mais agressiva do que a
cooptação e a influência, porque o objetivo organizacional é antes dominar do que influenciar,
moldar, ou neutralizar as fontes ou processos institucionais.
40
Para Oliver (1991), a manipulação é a mais ativa das estratégias porque visa à
mudança ou ao exercício de poder sobre o conteúdo das próprias expectativas, ou sobre as
fontes que buscam expressar ou fazer valer as demandas. As pressões e expectativas
institucionais não são tomadas, nesse caso, como uma restrição, seja para ser seguida ou
desobedecida. Ao invés, “as organizações ativamente alteram, recriam ou controlam as
próprias pressões ou os constituintes que as impõem” (p. 159). Essa última estratégia alinhada
por Oliver (1991) apresenta uma inversão de sentido em relação à primeira, a aquiescência,
estando direcionada a dominar ou, ao menos, neutralizar os constituintes que se encontram no
ambiente. Nesse sentido, ao invés de implicar resposta, ela bem pode ser conceituada como o
exercício das próprias pressões institucionais.
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) vêem na obra de Oliver (1991) uma crítica à
teoria institucional que considera uma variedade de respostas, entre as quais algumas que vão
“muito além” da conformidade passiva, mas que terminam se atendo às respostas a pressões
institucionais. Do mesmo modo, Lawrence (1999) considera que a ênfase de Oliver (1991)
não está no modo como os processos institucionais fazem surgir as pressões. No entanto,
que se reconhecer em Oliver (1991) o mérito de ser uma das primeiras autoras a conceber e
operacionalizar uma integração ampla de respostas num contínuo entre os extremos “passivo-
ativo”.
Com esse conjunto de abordagens exógeno-endógenas (BOUDON; BOURRICAUD,
2002), busca-se recuperar a importância que tem a agência para a mudança, sem desprezar o
poder explicativo de abordagens institucionalistas que destacam os fatores condicionantes do
ambiente. Juntos, esses trabalhos permitem afirmar que se busca uma síntese de abordagens
dentro da perspectiva institucional, que acarreta uma expansão da gama de fenômenos
investigados. Assim, torna-se possível afirmar que a teoria institucional lida com mudança
41
isomórfica, mas também com mudança não isomórfica (GREENWOOD; SUDDABY;
HININGS, 2002).
2.4 O campo organizacional funcional
Se podemos considerar que o tema do isomorfismo pioneiramente discutido por
DiMaggio e Powell no artigo publicado em 1983 não é mais hegemônico nas discussões
dentro da teoria institucional, o nível de análise do campo, também introduzido no debate no
mesmo artigo, manteve ou aumentou de importância. Segundo DiMaggio e Powell (1991), o
campo organizacional é constituído por aquelas organizações que, em conjunto, constituem
uma área reconhecida da vida institucional: fornecedores principais, consumidores de recursos
ou produtos, agências reguladoras e outras organizações que produzem serviços ou produtos
similares” (p. 106). O valor desse nível de análise, para eles, está em focalizar não apenas
empresas que são concorrentes, ou redes de organizações que realmente interagem, mas “a
totalidade dos atores importantes” (p. 106).
Scott (1992) situa o campo inter-organizacional comparativamente com outros
modelos que envolvem conjuntos de organizações. O modelo de conjunto organizacional, que
enxerga o ambiente a partir de uma organização focal, tem a desvantagem de ignorar a
natureza do sistema mais amplo de relações do qual a organização focal é “apenas mais uma
participante entre muitas” (p. 157). O modelo da população organizacional enfatiza as
relações de competição e, com isso, desvia a atenção de relações inter-organizacionais
cooperativas. Quanto ao nível de análise, o modelo de campo inter-organizacional é
considerado o mais adequado à análise institucional, pois ele enfoca o sistema de
organizações, com seus elementos, as organizações individuais, e a natureza ampla das
relações sociais e culturais que elas contraem.
42
A preferência, nesse último modelo, por relações horizontais dentro de uma área
geográfica específica faz com que Scott (1999) proponha a adoção do modelo alternativo de
campo organizacional funcional, que se estrutura em torno mais de funções do que de
determinações geográficas. Nesse modelo se incluem além do “grupo de organizações que
criam produtos ou serviços similares [...], os associados determinantes para suas trocas, as
fontes de financiamento, os grupos reguladores, as associações profissionais ou comerciais”
(SCOTT, 1999, p. 226-227). Consideram-se inclusas no campo organizacional funcional, as
organizações que estabelecem relações locais e não locais, vínculos verticais e horizontais, de
natureza cultural, política e técnica.
Scott (2001) chega a afirmar que conceitos como o de campo organizacional desafiam
e suplantam o de ambiente (p. 136). É preciso ponderar que a preferência pelo conceito de
campo não pode significar a desconsideração dos ambientes das organizações individuais.
Adotar o nível de análise do campo implica um acúmulo de níveis que torna mais complexa a
análise institucional. Ocorre nos campos, em especial nos que não se atém a uma mesma área
geográfica, algo semelhante ao que Hatch (2006) identifica numa rede inter-organizacional
inserida no ambiente global. Para uma determinada organização que se interliga com outras
no nível internacional, o ambiente é composto também pelos demais ambientes que são
relevantes às outras organizações. A análise no nível do ambiente global ganha em
complexidade porque, conforme sintetiza a autora, “o ambiente de uma organização é
composto de muitos ambientes inter-relacionados” (p. 72).
Scott (2001) concebe um modelo geral de processos institucionais constituído de
quatro níveis, que abrange influências desde as instituições globais até o indivíduo e vice-
versa, passando pelos campos e as organizações locais. Percebe-se conjuntamente “a
construção de novas instituições e a transmissão e a difusão de instituições existentes”
(SCOTT, 1995, p. 140) e não apenas processos de difusão isomórfica. Tanto a formação
43
quanto a difusão das instituições é vista como um processo de interação de mão dupla.
Modelos institucionais preexistentes nos níveis mais altos (por exemplo, global e campo)
provêem contextos nos quais operam organizações locais e seus atores. Ao mesmo tempo,
intervêm processos de “baixo para cima”, mediante os quais atores e estruturas de nível
inferior contribuem para moldar os contextos nos quais operam (SCOTT, 2001, p. 196). Esse
enfoque de múltiplos níveis coaduna-se com as indicações de Perrow (1986) sobre análise
organizacional:
A regra geral que a maioria dos cientistas sociais segue é que, qualquer que
seja o “nível” de análise selecionado como unidade de análise por
exemplo, o grupo o melhor a realizar é no mínimo um rápido exame dos
níveis acima dele (departamento) e abaixo (indivíduos) (PERROW, 1986).
Ao ressaltar as relações inter-níveis, o modelo de Scott (2001) obscurece a existência
de relações entre entidades do mesmo nível. Por exemplo, não ficam explícitas as relações
inter-organizacionais, o que impede perceber as relações que são internas ao campo. A Figura
2 (2) apresenta um modelo que privilegia o campo, indicando ilustrativamente algumas
respostas e pressões. adaptando o referido modelo de Scott, bem como a estrutura de uma
ilustração sobre níveis de análise em organizações (DAFT, 2002, p. 28).
44
Campo interorganizacional
Macro-ambiente
Indivíduo
Organização
Pressões/Respostas
Amb. organizacional
Figura 2 (2): Campo Organizacional
Fonte: adaptado de Scott (2001), Daft (2002) e Hatch (2006)
A literatura institucional, em geral, trata indiretamente das relações inter-campos
quando, por exemplo, aborda a questão da definição de fronteiras de uma atividade
profissional. No entanto, autores que adotam a abordagem da ecologia populacional exploram
alguns aspectos das relações institucionais que ocorrem entre populações que podem ser
transpostos para as relações entre campos organizacionais. Aldrich e Ruef (2006), por
exemplo, observam que novas populações organizacionais são, de certo modo, rodeadas por
populações estabelecidas, tornando-se, por isso, vulneráveis a ataques. Organizações
pertencentes a essas populações que se sintam ameaçadas podem questionar as bases que
estabelecem a conformidade das indústrias nascentes, alterando os termos que ditam o fluxo
de recursos para estas. No entanto, os autores referem-se também a relações de cooperação
entre ramos industriais distintos. Assim, um campo pode estabelecer com outros campos
relações de competição ou de cooperação. Além dessa possibilidade, a Figura 2 (2) se
completa com a indicação dos ambientes de organizações individuais.
45
2.5 A cadeia de inovação
Para embasar a caracterização das funções básicas de um campo organizacional
dedicado à inovação, tomaremos como fio condutor o pensamento desenvolvido por Joseph
Schumpeter (1883-1950) sobre o empreendedor. Em meados do século XX, Schumpeter
(1950) detectou uma tendência para a função inovadora tornar-se paradoxalmente habitual,
pois estava sendo reduzida a rotina e os ambientes não opunham grande resistência às
novidades. Essa linha de formulações ensejou que os economistas distinguissem “dois
Schumpeter”: o jovem economista anterior à Primeira Guerra Mundial enfatizando o papel do
empreendedor e da pequena empresa inovadora, e um Schumpeter maduro ressaltando as
vantagens da grande empresa monopolista e o processo burocrático de mudança tecnológica
(FREEMAN, 1988). Embora suas formulações sobre inovação apliquem-se a vários níveis de
análise, inclusive o de setor industrial, percebe-se que Schumpeter tem em mente
preferencialmente o indivíduo ou a organização. Todavia, os conceitos são suficientemente
gerais para contribuir com a definição da divisão de trabalho dentro de um campo
organizacional.
Schumpeter (1944) lança os fundamentos de sua tipologia de atividades econômicas
básicas na obra de juventude Teoria do Desenvolvimento Econômico, que será desenvolvida,
revista e refinada nas obras da fase madura. Uma das atividades caracterizadas é a da
produção habitual que combina os mesmos materiais e forças, e à qual a maior parte das
pessoas se dedica a maior parte do tempo, num exercício rotineiro.
A outra atividade econômica básica tem por objetivo a alteração da maneira como as
coisas são realizadas, ou seja, como combinar em forma diferente os materiais e as forças
produtivas (SCHUMPETER, 1944, p. 107). À distinção entre tipos de atividades básicas,
correspondem tipos polares de gestores organizacionais: o “simples gerente” e o
empreendedor. Enquanto os primeiros limitam-se a explorar negócios estabelecidos, buscando
46
o melhor método de produzir dentre os provados empiricamente e que se tornaram
familiares, o empreendedor busca o melhor dos métodos possíveis (p. 130).
A consecução de um novo plano e a atuação costumeira são, nas palavras de
Schumpeter, coisas tão diversas quanto “construir um caminho ou percorrê-lo”
(SCHUMPETER, 1944, p. 133). Na persecução de um objetivo inédito, o empreendedor
segue planos que precisam ser preparados com antecedência, o que envolve maior
racionalidade consciente do que a mera rotina de um negócio estabelecido (p. 142). Dentre
os dois tipos de gestor, portanto, “apenas o empreendedor assume uma postura reflexiva sobre
as práticas estabelecidas” (BECKERT, 1999, p. 786). Schumpeter deixa em segundo plano a
natureza romântica do empreendedor para acentuar “a natureza planejada das inovações” (DE
PAULA; CERQUEIRA; ALBUQUERQUE, 2004, p. 572).
A função precípua do empreendedor é a inovação, que Schumpeter (1968) resume
como consistindo em “fazer coisas novas ou fazer de uma maneira nova coisas que já haviam
sido feitas” (p. 223). Ele também costuma se referir a essa função, distinguindo cinco tipos de
inovação que ela pode realizar: a produção de um novo bem, a introdução de um novo método
de produção para bens existentes, a abertura de novos mercados, a descoberta de novas
fontes de suprimentos e a reorganização de um setor industrial (SCHUMPETER, 1950, 1968).
Conforme apontam De Paula, Cerqueira e Albuquerque (2004), esses conceitos
schumpeterianos do empreendedor e ao menos os quatro primeiros tipos de inovação da
função empreendedora remontam à figura do projector descrita por Bentham (1748-1832),
embora curiosamente Schumpeter não se refira a esse autor quando trata desses pontos. É
importante sublinhar que, para Schumpeter (1968), a função empreendedora é parte essencial
do desenvolvimento econômico que transcorre na realidade capitalista e, portanto, não deve
ser tomado como um processo singular.
47
Numa definição estrita de empreendedorismo, como “um esforço que introduz, ou
inicia novos padrões”, Etzioni (1987, grifos no original) afirma que, sozinhos, os
empreendedores não conseguem implementar e solidificar o novo empreendimento, sem o
concurso dos “gerentes da inovação” (p. 179). “Os empreendedores são as tropas de choque
da inovação; os gerentes da inovação são a infantaria que vem atrás” (p. 179). Assim, além de
se distinguir, como faz Schumpeter, o gestor da produção habitual do empreendedor,
internamente às atividades de inovação, este se diferencia de uma categoria de gerentes
especialistas.
O empreendedor distingue-se do inventor, pois simplesmente “põe em andamento
coisas novas”, o que pode não incluir nada novo, do ponto de vista científico. Por outro lado,
uma idéia ou princípio científico, por si só, não tem necessariamente importância econômica
prática. O empreendedor diferencia-se também do capitalista. Embora os dois papéis possam,
como muitas vezes ocorre, serem exercidos pela mesma pessoa, nem sempre é assim que se
passa. Schumpeter (1949) observa como, na Inglaterra do culo XIX, assim como era
possível observar o fenômeno da separação do proprietário da terra do produtor agrícola,
produziram-se muitos casos de capitalistas que não eram empreendedores, bem como de
empreendedores que não eram capitalistas.
O acesso a recursos é uma condição indispensável à etapa da invenção. Para
Schumpeter (1949), embora o autofinanciamento tenha papel importante no curso do
desenvolvimento de uma empresa, raramente os meios originais são obtidos através da
poupança do próprio empreendedor. Historicamente tem sido muito informais os meios de os
indivíduos obterem fundos para desenvolver um invento. Castells e Hall (2001) citam alguns
exemplos, desde o dos jovens inovadores da indústria têxtil de Lancashire no século XVIII,
que não eram financiados por bancos mas por comerciantes que tinham uma base de produção
48
doméstica; até Hewlett e Packard que deram seus primeiros passos graças ao dinheiro
emprestado por um professor.
Traçando um painel sobre a história da Ciência e da Tecnologia na Grã-Bretanha e na
Escócia, Burns e Stalker (1994) mostram como evoluíram os relacionamentos e papéis
institucionais nos quais as invenções se tornaram possíveis. Na segunda metade do século
XVIII, os laboratórios das universidades escocesas estavam envolvidas não com
descobertas revolucionárias na Química e na Engenharia, mas também com as aplicações
técnicas e empreendimentos comerciais que as exploravam. A rapidez do desenvolvimento
tecnológico em várias áreas é atribuída diretamente aos laços pessoais que eram formados
inevitavelmente, na pequena e integrada sociedade da época, entre pessoas com diferentes
especialidades.
No século XIX, esses relacionamentos familiares e sociáveis não mais acompanhavam
a escala assumida pela atividade científica e tecnológica, tendo surgido novas formas
institucionais que introduziram barreiras entre a Ciência e a Indústria, e entre Ciência “pura” e
“aplicada” (BURNS; STALKER, 1994). No século XX, a sofisticação dos arranjos
institucionais resulta num quadro que corresponde ao Triângulo de Sábato, em que
sobressaem associações entre entidades de ensino e pesquisa, departamentos e agências
governamentais e o setor industrial.
O aumento da diferenciação entre as atividades científicas e industriais marcou uma
mudança no contexto da inovação. De acordo com Burns e Stalker (1994), anteriormente “os
mundos da Ciência e da Indústria, embora separados, não eram distintos” (p. 30). A separação
entre as duas esferas de atividade tornou-se ela própria um novo território institucional que
ensejou o surgimento de várias formas de intermediação. Na Grã Bretanha, surgiu a categoria
de cientistas industriais que tinham como uma das suas funções estabelecer canais de
comunicação entre as empresas e os cientistas. Todavia, na Primeira Guerra, foi o próprio
49
Estado, que já era o principal financiador da pesquisa naquele país, que teve que assumir o
principal papel de intermediação.
As instituições intermediárias são parte importante da sofisticada infra-estrutura
tecnológica encontrada nos Estados Unidos, na maioria dos países europeus e no Japão
(DODGSON, 2005). Um exemplo de instituição intermediária na experiência de parques
tecnológicos é o do instituto de pesquisa científica e tecnológica, criado pelo Governo de
Taiwan. Esse instituto é apontado por Castells e Hall (2001) como indispensável à criação do
parque científico-industrial de Hsinchu, que abriga grande parte do “vibrante setor de
semicondutores de tecnologia da informaçãodaquele país (MATHEWS, 1997). Criado sob
os auspícios do Ministério da Economia taiwanês, o parque Hsinchu foi concebido como um
projeto para incentivar a cooperação triangular entre os institutos de pesquisa do Estado, as
universidades e as empresas privadas de alta tecnologia (CASTELLS; HALL, 2001).
A noção geral do empreendedor como aquele que põe em andamento coisas novas
comporta uma variedade de atividades, e sua função assume diferentes cores de acordo com o
lugar ou o tempo. Assim, em alguns casos pode ter destaque a atividade de “organizar” ou
“estabelecer”, em outros, simplesmente a direção ou a capacidade de vender
(SCHUMPETER, 1949). Parte importante do pensamento de Schumpeter que costuma ficar
em segundo plano é que a função empreendedora não necessita ser corporificada “numa
pessoa física e, em especial, numa pessoa física” (SCHUMPETER, 1949, p. 71). Menos
divulgadas ainda, chegando a parecer “fora do lugar”, como nota Szmrecsányi (2002), nos
tempos neoliberais em que vivemos” (p. 202), são as perspectivas abertas por Schumpeter de
que o Estado possa ter uma importante função empreendedora e, mais, que isso possa ter
ocorrido não num país periférico, mas nos Estados Unidos
4
.
4
Esse papel é ilustrado por Schumpeter (1949) com o exemplo das repetidas inovações agrárias
introduzidas pelo Departamento de Agricultura do governo norte-americano.
50
Castells e Hall (2001) afirmam que Marshall conseguiu ver mais longe do que
Schumpeter, pois percebeu a importância da existência contínua da cadeia de inovação. Uma
cadeia de inovação deve conter necessariamente, como elementos básicos, alguma forma de
geração ou de acesso à informação tecnológica nova e valiosa, uma mão de obra altamente
qualificada e um capital de risco. Todavia, esses autores admitem que a criação da própria
cadeia parece necessitar quase sempre de um “primeiro ato” do tipo schumpetereano (p. 316).
Eles ressaltam que essa combinação especial de fontes de capital, trabalho e de matérias-
primas é improvável que surja espontaneamente, em especial, nas regiões que precisamente
estão iniciando seu desenvolvimento industrial. Segundo esses autores, a lógica do mercado
não promove essas mudanças, sendo necessária alguma intervenção empresarial-institucional.
2.6 Agentes empreendedores do campo
Como ressaltam Dacin, Goodstein e Scott (2002), uma linha de estudos institucionais
que tem adotado o nível de análise do campo tem sido incapaz de abordar transformações
profundas, pois restringe a investigação a uma única forma organizacional, como, por
exemplo, empresas de contabilidade ou escolas de administração. Mudanças que conduzam à
compreensão de processos, como o do surgimento de novas populações de organizações,
necessitam adotar uma definição mais ampla de campo organizacional.
A “totalidade dos atores importantes” de um campo organizacional se subdivide entre
as que constituem a cadeia funcional do respectivo setor de atividade e outras, como o Estado
e as associações profissionais que, não fazendo parte propriamente do setor, são consideradas
como pertencentes ao respectivo campo, pois influem o conjunto das organizações
participantes do campo (DIMAGGIO, 1991). Ou seja, o campo organizacional contém
51
organizações que se ocupam das atividades regulares próprias do setor de atividade e de
organizações que são importantes para a sua subsistência ou estabilidade.
O conhecido “Triângulo de Sábato”, uma representação pioneira sobre sistemas
nacionais de inovação, elaborada por um pesquisador latino-americano, pode ser tomado
como ponto de partida para a compreensão ampla de um campo organizacional dedicado à
inovação. Essa representação associa cada vértice do triângulo a um dos principais agentes
envolvidos no processo de inovação. Nos vértices mais baixos encontram-se as instituições de
ensino e pesquisa, e as empresas. A posição reservada para o Estado no vértice mais alto
sugere a possibilidade, por parte desse agente, de intervenção vertical sobre o campo. O
modelo de Sábato supõe a evolução do campo por etapas, através de interações bilaterais, até
que haja “uma forte integração entre pessoas e idéias em todos os níveis” (SBRAGIA, 2006,
p. 20).
Por outro lado, autores da vertente institucionalista, como Fligstein (1999),
reconhecem que o Estado se distingue das outras organizações de um campo organizacional
porque pode estabelecer as regras do jogo, mesmo sem ser um participante direto no campo.
Eles vêem também no Estado a capacidade de influir como mediador entre organizações ou
de atuar em favor do conjunto das organizações com o fim de estabilizar o campo.
Ao reconhecer a capacidade interventora do Estado nos campos organizacionais, a
teoria institucional se aproxima de certas formulações neo-schumpeterianas. Segundo
Lundvall (1988), a inércia dos mercados de produtos existentes é sustentada pelo poder
político de fortes grupos de interesse. Assim, em períodos de inovações radicais e de
substituição de paradigma tecnológico, quando existe a necessidade de transformação da rede
de relacionamentos existente entre usuários e produtores, é tarefa do Estado estimular a
interrupção dos bem estabelecidos relacionamentos entre usuário e produtor e o re-
estabelecimento de novos vínculos. Observemos que esse poder do Estado pode também
52
deixar de ser exercido, caso em que ele estará contribuindo para a inércia dos mercados
existentes.
Greenwood, Suddaby e Hinings (2002) constatam que as associações profissionais têm
sido caracterizadas por muitos autores institucionalistas como essencialmente conservadoras,
no sentido de cuidarem essencialmente de resguardar as fronteiras de jurisdição e os modelos
organizacionais da profissão. No entanto, eles destacam que essas associações podem
contribuir com processos de mudança no nível do campo organizacional, através da definição
ou redefinição coletiva das atribuições de uma profissão e do que é considerado o modo
apropriado de organizar. Para esses autores, o pressuposto de que as associações profissionais
são conservadoras é altamente simplista, pois elas constituem antes “uma intrigante
possibilidade de conservadorismo combinado com reforma” (p. 62).
Granovetter e McGuire (1998), na perspectiva sociológica, adotam uma definição de
setor industrial que abrange a mesma pluralidade de organizações e de relações consideradas
na definição institucionalista de campo organizacional de autores institucionalistas
(DIMAGGIO; POWELL, 1991; SCOTT, 1992, 1999). O objeto assim definido permite,
portanto, investigações de processos de mudança mais profundos, nele próprio incidentes.
Note-se, no entanto, em todas essas definições, a ausência de menção aos ambientes das
organizacionais isoladas, em especial das “normas sociais supra-organizacionais” presentes na
concepção do ambiente como fenômeno institucional-cultural e que embasa o
desenvolvimento da teoria institucional (ALDRICH; RUEF, 2006).
Ao discutirem o campo organizacional, Granovetter e McGuire (1998) observam
como as discussões econômicas convencionais negligenciam a ação humana, pois atribuem a
formação de um campo exclusivamente a fatores como tecnologia ou mercado. Esses autores
enriquecem a definição de campo organizacional, sublinhando a importância conjunta da ação
humana, individual ou coletiva, e da estrutura social. Eles refutam tanto os argumentos que
53
imputam a formação de um campo exclusivamente a fatores econômicos, quanto os que a
atribuem a uns poucos “grandes” homens ou mulheres.
Em campos organizacionais dedicados à inovação, o papel das organizações
consumidoras está por merecer maior atenção. Metcalfe (2003) ressalta que a decisão sobre
quais bens se tornarão viáveis reside em grande parte na mão dos primeiros consumidores.
Por isso, esse autor considera que eles constituem uma categoria de “consumidor
empreendedor”, e que a sua importância na economia moderna justifica uma revisão na
própria definição schumpetereana de empreendedor, de modo a incluí-la.
No caso de um campo organizacional dedicado à inovação, a fim de capturar
transformações profundas, como a da própria formação do campo, há que se considerar na sua
constituição tanto as categorias organizacionais que compõem a cadeia regular da inovação,
quanto a de agentes organizacionais capazes de intervir na existência e na estabilidade do
próprio campo. Dentre esses últimos, encontram-se o Estado, associações profissionais,
empreendedores e o “consumidor-empreendedor”.
2.7 A criação e outros padrões de mudança institucional
A compreensão do surgimento de campos organizacionais envolve entender respostas
que incidem especificamente nas fases iniciais. Em artigo publicado em 1947, Schumpeter
(1968) principia por distinguir as respostas econômicas descritas na teoria tradicional que
configuram reações meramente quantitativas às modificações nas condições do ambiente;
daquelas respostas que envolvem fazer “outra coisa”. O primeiro tipo é o da resposta
adaptativa, enquanto o segundo constitui a resposta criadora (p. 221-222). Enquanto a
resposta adaptativa afeta apenas o período de transição, deixando que o resultado final seja
ditado pelas condições iniciais, o alcance da resposta criadora é de “longo prazo”, modelando
54
o curso subseqüente dos acontecimentos. Assim, a resposta criadora “muda definitivamente as
situações sociais e econômicas”, ou como afirma Schumpeter (1968), ela “cria situações a
partir das quais não existem pontes que as liguem às situações que existiriam na sua ausência”
(p. 222). A resposta criadora, portanto, envolve mudar as próprias condições ambientais.
Com mais precisão, Furtado (1978) desenvolve o argumento semelhante, distinguindo
os “agentes que reagem de forma basicamente similar em face de modificações do contexto”
(p. 16) daqueles que são capacitados a modificar o meio em que atuam, “apresentando no seu
comportamento um fator volitivo criador de novo contexto” (p. 17). Segundo Furtado (1978),
na criação está implícito um elemento de poder. Enquanto a faculdade de transformar o
contexto em que atua eleva o agente à posição de elemento motor, o agente que não exerce
poder é simplesmente adaptativo.
Considerando a situação dos novos empreendimentos que contam com exíguo ou
nenhum desempenho passado como base para legitimação junto a detentores de recursos,
Zimmerman e Zeitz (2002) identificam a possibilidade de adoção da estratégia institucional
da criação, que “envolve o desenvolvimento de algo que ainda não existe no ambiente” (p.
425). Essa é, segundo os autores, a estratégia mais potente, pois afeta a criação de novos
valores, crenças, modelos, normas. A estratégia de criação é particularmente evidente no
estágio inicial de novos setores industriais, como no caso da adoção das práticas de aquisição
através do comércio eletrônico de massa.
Numa concepção que ressalta os interesses em conflito, a institucionalização é vista
mais como um processo político do que como um resultado organizacional (DIMAGGIO,
1988). Nesse enfoque, a criação institucional é caracterizada como um processo conflituoso,
em que os novos atores legitimados “tendem a deslegitimar e a desinstitucionalizar aspectos
das formas institucionais às quais eles devem sua própria autonomia e legitimidade” (p. 13).
55
Segundo DiMaggio (1988), a criação de novas instituições é custosa e requer “trabalho
institucional” para justificar a “teoria pública” da nova forma. As novas formas institucionais
serão altamente instáveis se não forem aceitas no sistema organizacional que segmenta e
classifica os novos produtos ou serviços como qualitativamente diferentes dos antigos. Desse
modo, uma instituição em fase de formação recorre à coadjuvação com atores existentes ou
recém-mobilizados. Assim, as demandas dos empreendedores obtêm legitimação e mesmo
recursos para a nova forma organizacional.
duas alternativas básicas, não excludentes, para a sobrevivência das organizações:
a eficiência ou a legitimação (MEYER; ROWAN, 1991). Conforme expressão de Castells e
Hall (2001), “empresas novas, que não criaram ainda uma reputação, devem encontrar uma
forma de gerar fundos que permitam sua existência” (p. 324). Ora, é comum aos
empreendimentos novatos estarem numa dupla dificuldade: “terem poucos recursos e também
falta de legitimidade para ter acesso a esses recursos” (ZIMMERMAN; ZEITZ, 2002, p. 417).
Observamos, então, que a coadjuvação é uma peculiar relação institucional que pode trazer
recursos de uma organização existente para outra nascente, e ao mesmo tempo, um aumento
de legitimidade.
Uma contribuição de Granovetter e McGuire (1998) é a de explicitar, como parte da
formação de um campo organizacional, as etapas iniciais da determinação de quais empresas
se tornarão associadas ao campo e da definição da estrutura da coletividade resultante.
Fligstein (1999) sublinha como é importante o ingresso de novas organizações em campos já
estabelecidos, ou em fase de formação ou de desintegração, pois pode contribuir com a
legitimação das ações atuais ou ser motivo para a mudança. A entrada de novas organizações
não é uma mera alteração na constituição “técnica” do campo organizacional, pois tem
implicações institucionais.
56
Uma contribuição de DiMaggio (1988) para o entendimento desses processos que
envolvem novas instituições, é o conceito de modificação local. Esse autor constata
inicialmente que, mesmo institucionalizada, raramente a difusão de uma forma
organizacional é completa. A institucionalização local de uma nova forma organizacional
requer uma re-interpretação da forma original que leve em conta as distribuições de interesses
e de posições de barganha dos detentores desses interesses, que variam de local para local.
Essa modificação local pode constituir uma fonte de potenciais inovações que, por sua vez, se
difundem para outras organizações no campo. Notando como as tentativas de imitar práticas
de outras organizações resultam em mudanças involuntárias, Powell (1999) frisa diferenças
culturais e resistências, sutis ou abertas, que podem redundar em difusão apenas parcial ou em
novas formas híbridas.
O passo lógico na evolução de uma instituição é a sua reprodução. DiMaggio (1988)
observa que “as instituições têm que ser continuamente reproduzidas, e a sua reprodução
freqüentemente é problemática”. Notando que constantemente ocorre trabalho institucional na
reprodução institucional, DiMaggio (1988) adota uma concepção de instituição como entidade
em contínua mudança que se distancia da passividade atribuída às organizações no seu
trabalho de 1983, em conjunto com Powell.
É importante entender também processos antecedentes aos da criação institucional. De
acordo com Romanelli e Schoonhoven (2001), a percepção de oportunidades pelos indivíduos
que vêm a criar organizações é freqüentemente propiciada por contextos vivenciados por eles
em organizações existentes (ROMANELLI; SCHOONHOVEN, 2001). Segundo Jepperson
(1991), a criação de uma instituição representa um “afastamento da desordem, ou dos padrões
de comportamento não reproduzíveis ou dos padrões reproduzíveis pela ação” (152). Portanto
57
esses casos constituem possibilidades de pré-institucionalização
5
. Tomando o último caso,
vê-se que é possível conceber uma fase de transição em que a instabilidade da instituição
ainda requer intervenções estabilizantes.
Uma linha de pesquisa que vem trazendo contribuições importantes para se
compreender a fase de formação dos campos organizacionais combina as abordagens da teoria
institucional com a da ecologia populacional. Em princípio, do ponto de vista dessas
perspectivas, conforme observam Aldrich e Fiol (1994), os fundadores de novos negócios se
pareceriam com bobos, pois trafegam “na melhor das hipóteses, em um vácuo institucional de
generosidade indiferente e, na pior, num ambiente hostil e insensível à ação individual” (p.
645). Tanto para os empreendedores individuais como para o campo organizacional como um
todo, considerando-se que acesso a capital, mercados e proteção estatal é parcialmente
dependente do nível de legitimidade atingida; a institucionalização do campo emergente
implica uma reformulação do contexto ambiental mais amplo.
Para compreender a situação peculiar dos empreendimentos novatos, Aldrich e Fiol
(1994) desenvolvem dois conceitos de legitimação. A legitimação cognitiva refere-se à
expansão da aceitação de um novo tipo de empreendimento como uma característica normal
do ambiente. Um exemplo é o da difusão de conhecimento sobre os computadores pessoais
nas décadas de 1970 e 1980 que facilitaram a expansão do uso do PC nos lares e escolas. Os
aspectos de cognição acarretam provavelmente as maiores pressões sobre os iniciadores de
atividades inteiramente novas. Para obterem êxito, esses empreendedores precisam encontrar
5
Preferimos adotar essa definição para pré-institucionalização do que a de Tolbert e Zucker (1999), pois
a definição dessas autoras, focalizando o processo de inovação que consiste em desenvolver, e tornar habituais,
comportamentos padronizados para solução de problemas inéditos, parece poder ser assimilada ao conceito de
criação institucional.
58
estratégias que aumentem o nível do conhecimento público sobre uma nova atividade ao
ponto de ela ser aceita como habitual (ALDRICH; RUEF, 2006).
A legitimação sociopolítica refere-se ao processo mediante o qual constituintes-chave,
como o público em geral, formadores de opinião e funcionários do governo aceitam um novo
empreendimento como apropriado e irrepreensível. A legitimação sociopolítica pode ser
medida através da avaliação da aceitação pública, dos subsídios estatais ao setor ou do
prestígio público dos seus líderes (ALDRICH; FIOL, 1994).
Esses tipos de legitimação podem dizer respeito tanto às organizações isoladas como
ao campo como um todo. No nível do campo, a legitimidade cognitiva, por exemplo, pode ser
obtida através da atuação de uma massa crítica de iniciadores no sentido de se unirem e
construírem uma reputação para o respectivo setor de atividade. Do mesmo modo,
associações empresariais e grupos de ação política que atuam nas fronteiras do campo
também podem facilitar a legitimação cognitiva do campo junto à sociedade (ALDRICH;
BAKER, 2001; ALDRICH; RUEF, 2006).
2.8 Contrastes entre as sociedades cêntricas,
semiperiféricas e periféricas
Uma reestruturação da teoria marxista da mudança social resultou em conceitos
espaciais que vêem o mundo dividido em um “centro” e uma “periferia” (BURKE, 2002).
Nessa concepção, o contraste entre a prosperidade das nações industrializadas e a pobreza dos
chamados países “subdesenvolvidos” representa os lados opostos de uma mesma moeda.
Um refinamento dessa concepção foi introduzido por Wallerstein (1979) que julgou
que o sistema-mundo é compreensível considerando-se a existência de uma terceira
categoria entre o centro e a periferia, que ele denominou de semiperiferia
. Para Wallerstein, é
59
indispensável considerar a presença das nações semiperiféricas no sistema mundial, menos
por razões estritamente econômicas, do que pelo fato de elas contribuírem com a estabilidade
de um sistema que, sem elas, seria altamente polarizado. A existência da semiperiferia
significa precisamente que o estrato superior de nações não se defronta com uma oposição
unificada de todas as outras, “porque o estrato intermediário é ao mesmo tempo explorado e
explorador” (p. 23).
Refletindo sobre os processos de institucionalização no contexto brasileiro, quando
vigoravam o modelo de substituição de importações e as correlatas concepções
desenvolvimentistas, Ramos (1983) debruça-se sobre a especificidade das sociedades
semiperiféricas. Apoiando-se em conceitos desenvolvidos por Riggs (1964), Ramos (1983)
defende que a análise institucional deve considerar, em primeiro lugar, a função ou
contribuição que cabe a uma instituição realizar nesse contexto particular. Ele menciona que a
família, por exemplo, é uma coisa na sociedade primitiva, outra na sociedade desenvolvida e
outra na intermediária. Ele afigura como “mais indicado tomar a função como referência
sistemática e examinar quais as estruturas que a realizam” (p. 254).
Um adequado estudo das sociedades em transição, segundo Riggs (1964), precisa
discernir as diferentes funções que uma estrutura (instituição) pode exercer em diferentes
contextos sociais, embora nominalmente definida da mesma forma. Nelas, coexistem o antigo
e o moderno e uma mistura de elementos urbanos e rurais (RIGGS, 1964). Uma
sobreposição institucional faz com que funções sejam formalmente atribuídas a distintas
unidades sociais, e critérios estritamente estranhos à economia e à política interfiram nestas
esferas. A superposição de funções existe em maior grau nas sociedades primitivas, onde o
número de estruturas é mínimo, e de forma reduzida nas sociedades desenvolvidas. A
situação nas sociedades em transição é intermediária, com as funções sendo formalmente
60
atribuídas a distintas unidades sociais, mas com interferência de critérios estranhos a sua
administração maior do que nas sociedades desenvolvidas (RAMOS, 1983).
A globalização contemporânea singulariza-se por conter, em acréscimo às atividades
capitalistas e inter-estatais, uma dilatada constelação de práticas sociais e culturais (SANTOS,
2005). É característico da globalização ser baseada em trocas desiguais entre países cêntricos
e periféricos, tanto nas práticas estatais e econômicas, quanto nas sócio-culturais. Santos
(2005) distingue dois processos institucionais contrastantes. De um lado, uma globalização
hegemônica que se realiza como difusão de valores e modelos institucionais a partir dos
países cêntricos e que são adotados por aquiescência, consciente ou inconsciente, nos países
periféricos. De outro, uma globalização contra-hegemônica constituída de respostas
estratégicas originadas nos países periféricos que divergem das pressões institucionais
prevalecentes.
A globalização hegemônica, por sua vez, desdobra-se em duas “formas de produção”.
A primeira é o localismo globalizado, processo em que um determinado fenômeno alcança ser
difundido mundialmente a partir de uma realidade local, como é o caso da difusão do fast food
americano ou da adoção mundial das mesmas leis de propriedade intelectual (SANTOS, 2005,
p.65). Como o “global acontece localmente” (p. 74), o localismo globalizado impõe-se ao
destino como globalismo localizado, isto é, como o impacto das práticas e imperativos
transnacionais nas condições locais (p. 66) que constitui a segunda forma de produção da
globalização.
A globalização é, portanto, um processo dual, no qual “os fenômenos dominantes”
desvinculam-se do seu âmbito de origem e sofrem uma transformação expansiva, enquanto os
“fenômenos dominados” revelam-se como retração, desintegração e desestruturação
(SANTOS, 2005, p.86). Algo semelhante parece ocorrer no âmbito das definições de política
científica e tecnológica, quando recentes correntes de análise originadas nos países cêntricos
61
difundem mundialmente a idéia de que o mercado é o principal ente regulador da relação
universidade-empresa (DAGNINO, 2003), embora nesses países, as encomendas do Estado
tenham historicamente desempenhado papel proeminente no desenvolvimento tecnológico.
Por outro lado, a globalização contra-hegemônica caracteriza-se como uma luta que
visa reverter em favor dos países e regiões vitimados, os benefícios do aumento das interações
transnacionais. Contrapondo-se às trocas desiguais, à exclusão, à inclusão subalterna e à
dependência, a globalização contra-hegemônica se configura como globalização da resistência
ao processo dual dos localismos globalizados e dos globalismos localizados. Ela incide,
sobretudo, na constelação das práticas sociais e culturais transnacionais que irromperam “com
particular pujança nas últimas décadas” (SANTOS, 2005, p. 67). Na globalização contra-
hegemônica, buscam-se valores culturais alternativos, por exemplo, com atividades
cosmopolitas que articulam resistências localistas, através de movimentos literários, artísticos
e científicos. Um exemplo é a concepção de Herrera (1979) de um sistema de pesquisa e
desenvolvimento em países periféricos, com objetivo de produzir o conhecimento e as
tecnologias necessárias ao desenvolvimento autônomo e auto-induzido.
No pensamento de Santos (2005), o global e o local se implicam mutuamente, mas de
forma diversa em cada uma das globalizações. A reciprocidade dos localismos globalizados e
dos globalismos localizados fazem prever uma maior homogeneidade e coerência internas na
globalização hegemônica. Já a globalização contra-hegemônica assume predominantemente a
forma de iniciativas locais de resistência à globalização hegemônica. Consistindo de uma
proliferação de respostas locais a pressões globais e de articulações trans-locais possíveis de
serem estabelecidas entre essas respostas, a globalização contra-hegemônica é internamente
“muito fragmentada” (p. 75).
A importação pelos países periféricos de modelos de C&T que são adotados nos países
avançados pode ser caracterizada como um processo de globalização hegemônica. Dagnino
62
(2004) ressalta que, nos países cêntricos, a comunidade de pesquisa se articula a uma “teia de
relações sociais” formada por “empresas, Estado e sociedade em geral”, na formulação de
critérios de qualidade em estreita sintonia com as demandas desse ambiente. A origem desses
critérios conforma a relevância da produção científica e tecnológica realizada nesses países. Já
a teia de relações tipicamente encontrada nos países da América Latina, “rarefeita e
incompleta”, é incapaz de direcionar de modo semelhante a comunidade de pesquisa local
que, desse modo, se torna vulnerável a um critério de qualidade “neutro, ahistórico e
universal”, pois produzido de acordo com cultura científica exógena, proveniente dos países
avançados (DAGNINO, 2004). Enquanto a comunidade de pesquisa nos países centrais se
legitima perante a sociedade de acordo com a qualidade dos seus trabalhos, em países como o
Brasil, é a comunidade de pesquisa que aparece nos “dois lados do balcão” (p. 127).
Castells e Hall (2001) admitem que o Vale do Silício é um modelo geral de parque
tecnológico que, em princípio pode ser copiado em qualquer contexto. Nesse sentido,
podemos considerar esse modelo de arranjo institucional como um localismo globalizado. No
entanto, Castells e Hall (2001) consideram que algum tipo de adaptação local acontecerá
necessariamente na adoção desse modelo. Assim, nos lugares que estão dando os primeiros
passos como centros industriais, é indispensável algum tipo de intervenção no processo de
criação. Nesse sentido, Mathews (1997) contrasta o modo “espontâneo” como se desenvolveu
a interação e do setor privado na criação do Vale do Silício com o que ocorreu com o parque
tecnológico de Hsinchu, o “Vale do Silício” de Taiwan, que iniciou-se como um projeto de
política pública que, por isso, se caracteriza, como uma “criação”.
Para Dagnino (2006), a criação de parques tecnológicos no Brasil tem se pautado por
escassa utilização do conhecimento científico e tecnológico em benefício do conjunto da
sociedade. A gica da sua implantação segue valores hegemônicos da acumulação de capital,
se alinha aos interesses das elites econômicas e políticas. Quando bem sucedidas, as empresas
63
beneficiam seus proprietários e empregados, na produção de bens e serviços demandados por
grandes empresas nacionais e multinacionais.
64
3 Método
3.1 Perguntas de pesquisa
A pergunta central dessa pesquisa é aqui reproduzida para facilitar ao leitor o
estabelecimento do nexo entre ela e as perguntas específicas:
Q
UE RESPOSTAS ESTRATÉGICAS INSTITUCIONAIS SÃO ADOTADAS PELO CAMPO DO
SOFTWARE EM
P
ERNAMBUCO FACE ÀS PRESSÕES DO CAMPO GLOBAL DA
T
ECNOLOGIA DA
I
NFORMAÇÃO
?
As perguntas específicas desta pesquisa são as seguintes:
1.
C
OMO SE CARACTERIZA O CAMPO DO SOFTWARE
?
2.
Q
UAIS AS CARACTERÍSTICAS DO CAMPO DO SOFTWARE EM
P
ERNAMBUCO
?
3.
Q
UE PRESSÕES SÃO EXERCIDAS SOBRE O CAMPO DO SOFTWARE EM
P
ERNAMBUCO
?
4.
Q
UE RESPOSTAS ESTRATÉGICAS INSTITUCIONAIS SÃO ADOTADAS PELO CAMPO DO
SOFTWARE EM
P
ERNAMBUCO
?
5.
A
S RESPOSTAS ESTRATÉGICAS INSTITUCIONAIS DO CAMPO DO SOFTWARE EM
P
ERNAMBUCO CONTRIBUEM PARA UM PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO HEGEMÔNICA OU
CONTRA
-
HEGEMÔNICA
?
6.
Q
UE CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES APRESENTA A TEORIA INSTITUCIONAL PARA O
ESTUDO DE CAMPOS ORGANIZACIONAIS INSERIDOS EM REGIÕES PERIFÉRICAS
?
65
3.2 Definição de termos
A definição de termos aqui apresentada reflete o vel de conhecimento do
pesquisador quando do início da análise dos dados. No entanto, parte do avanço da presente
pesquisa consistiu na própria evolução de alguns dos conceitos que foram inicialmente
adotados.
3.2.1 Definições constitutivas
-
C
AMPO ORGANIZACIONAL FUNCIONAL
:
domínio constituído por unidades
organizacionais que são funcionalmente inter-relacionadas, mesmo que situadas em áreas
geograficamente remotas (SCOTT, 1992), e por demais agentes organizacionais que, no
conjunto, formam uma área reconhecida da vida institucional (DIMAGGIO; POWELL, 1991;
GRANOVETTER; MCGUIRE, 1998). Esta definição engloba e enriquece a definição de
SETOR INDUSTRIAL
, compreendido este como domínio constituído por um grupo de
organizações que, em cooperação ou em competição, produzem serviço ou produto similar
(SCOTT; MEYER, 1992; SCOTT, 1992, SCOTT, 1999).
-
P
RESSÕES INSTITUCIONAIS
:
forças sociais e culturais que o ambiente exerce sobre a
organização, tendendo a condicionar as ações e decisões tomadas.
-
R
ESPOSTA ESTRATÉGICA INSTITUCIONAL
:
comportamento estratégico adotado pela
organização, em resposta a pressões institucionais exercidas pelo ambiente no sentido da
conformidade (OLIVER, 1991), ou, no caso extremo da “resposta criadora”, a transformação
promovida no próprio ambiente pela organização (SCHUMPETER, 1968).
66
-
G
LOBALIZAÇÃO HEGEMÔNICA
:
difusão institucional transnacional que emana dos
países cêntricos e se consuma passivamente nos países periféricos (adaptada de SANTOS,
2005).
-
G
LOBALIZAÇÃO CONTRA
-
HEGEMÔNICA
:
conjunto de respostas estratégicas
originadas nos países periféricos que divergem das pressões institucionais prevalecentes a
nível global (adaptada de SANTOS, 2005).
3.2.2 Definições operacionais
-
C
AMPO ORGANIZACIONAL FUNCIONAL
:
domínio identificado pelos principais
fornecedores, produtores e consumidores, agências reguladoras e outras organizações e
agentes que produzem serviços ou produtos similares e são relevantes para a formação e o
funcionamento regular do respectivo setor industrial, estabelecendo relações locais ou não
locais, verticais ou horizontais, de natureza cultural ou política.
-
P
RESSÕES INSTITUCIONAIS
:
valores, entendimentos, normas, crenças, mitos e
programas profissionais adotados pelas organizações (SCOTT, 2001; CARVALHO; VIEIRA,
2003), repassados, ou que tendem a ser repassados, do ambiente para as organizações.
-
R
ESPOSTA ESTRATÉGICA INSTITUCIONAL
:
a) com a acepção estrita de “resposta”, esse conceito é operacionalizado através do
enquadramento num dos tipos de resposta estratégica elaborados por Oliver (1991), cujas
definições são apresentadas a seguir:
67
A
QUIESCÊNCIA
: anuência, mais ou menos consciente, às pressões institucionais.
C
OMPROMISSO
: resistência parcial às pressões institucionais.
E
SQUIVANÇA
: tentativa de impedir a necessidade de conformidade com as pressões
institucionais.
D
ESOBEDIÊNCIA
: rejeição das normas e expectativas institucionais.
M
ANIPULAÇÃO
: tentativa de mudança ou exercício de pressão sobre o conteúdo das
expectativas institucionais ou sobre as fontes de pressão.
a.1
T
ÁTICAS
:
cada um dos tipos de estratégia, por sua vez, é operacionalizado
segundo três tipos de táticas, também seguindo Oliver (1991) e conforme apresentado no
Quadro 1 (3).
Estratégias
Táticas
Definição
A
QUIESCÊNCIA
H
ÁBITO
Adesão inconsciente ou cega a regras ou
valores
I
MITAÇÃO
Mímica consciente ou inconsciente de modelos
institucionais
C
UMPRIMENTO
Obediência ou incorporação consciente de
valores, normas ou requisitos institucionais
C
OMPROMISSO
H
ARMONIZAÇÃO
Tentativa de conciliação entre expectativas de
públicos múltiplos
P
ACIFICAÇÃO
Acomodação de pressões institucionais
B
ARGANHA
Obtenção de concessões junto a grupos de
interesse institucionais
E
SQUIVANÇA
E
NCOBRIMENTO
Disfarce da não-conformidade sob uma
fachada de aquiescência
A
MORTECIMENTO
Separação ou desacoplamento parcial das
atividades técnicas de contato exterior
F
UGA
Retirada de um domínio ou alteração
significativa dos próprios objetivos ou
atividades, para evitar totalmente a necessidade
de conformidade
68
D
ESOBEDIÊNCIA
D
ESCONSIDERAÇÃO
Inobservância de normas e valores explícitos
D
ESAFIO
Contestação ativa de crenças e normas
A
TAQUE
Agressão, depreciação ou veemente crítica dos
valores institucionalizados e dos constituintes
externos que os expressam
M
ANIPULAÇÃO
C
OOPTAÇÃO
Uso de vínculos organizacionais para
neutralização de oposição institucional ou
legitimação junto a terceiros
I
NFLUÊNCIA
Moldagem de valores e critérios sobre práticas
ou desempenho aceitáveis
C
ONTROLE
Dominação sobre públicos e processos
institucionais
Quadro 1 (3): Estratégias e táticas institucionais
Fonte: Oliver (1991)
b) C
RIAÇÃO
: novos valores, crenças, modelos ou normas, promovidos no ambiente por
organizações em formação (ZIMMERMAN; ZEITZ, 2002).
3.3 Delineamento da pesquisa
Várias razões se somaram para que fosse adotada a estratégia de estudo de caso
qualitativo na presente pesquisa, conforme é apresentado no Quadro 2 (3). Umas dizem
respeito ao referencial teórico adotado, outras às características do objeto e outras ao tema. A
teoria institucional, ao admitir a possibilidade de as organizações serem significativamente
afetadas não apenas pelo ambiente técnico mas pelos ambientes social e cultural, torna-se
intrinsecamente complexa. Acresce que alguns desses elementos incidem com mais
intensidade no nível organizacional e outros no nível individual, o que implica que a teoria
intrinsecamente pede uma abordagem em mais de um nível. A principal contribuição
69
reconhecida na teoria institucional é a ênfase no ambiente, o que implica visualizar a
organização como um todo (PERROW, 1986).
O nível de análise adotado nesta pesquisa, o do campo organizacional, é
intrinsecamente de alta complexidade, pela grande quantidade e variedade de elementos e de
relações envolvidas. Em geral, sequer as fronteiras do campo aparecem dadas no início de
uma pesquisa, sendo a sua delimitação parte da própria investigação empírica que adota esse
nível de análise (DIMAGGIO; POWELL, 1991). Se junta à complexidade do objeto, a
peculiaridade do empreendimento de um setor de tecnologia de ponta, numa região periférica.
Pesquisa
qualitativa
Estudo de
caso
TEORIA INSTITUCIONAL:
- Complexidade
- Relação com o contexto/Abordagem holística
b
b
b
OBJETO / CAMPO ORGANIZACIONAL
- Complexidade
- Peculiaridade
b
b
TEMA / MUDANÇA INSTITUCIONAL
- A própria natureza do tema
- Deficiência teórica
b
b
Quadro 2 (3): Justificativas para adoção do estudo de caso qualitativo
Compreender um fenômeno na sua inteireza e conseqüentemente o seu contexto
externo é, segundo Patton (2002), precisamente o que busca fazer um pesquisador qualitativo.
O estudo de caso aplica-se a situações de pesquisa em que o objeto se caracterize pela sua
peculiaridade ou complexidade, requerendo um relato rico e holístico, e em que exista uma
70
deficiência teórica (MARIZ et alii, 2005). Desse modo, essa estratégia de pesquisa satisfaz às
exigências impostas pela teoria institucional, pelo estudo do campo organizacional e pela
insuficiência teórica sobre o tema da mudança.
A abordagem qualitativa se presta a abordar a mudança institucional, pois, como
ressalta Patton (2002), os estudos qualitativos oferecem “um senso fluido, de
desenvolvimento e de mudança” (p. 54). Enquanto as medições quantitativas capturam
parcimoniosamente imagens instantâneas dos estados “pré” e “pós”, e até mesmo
intermediários, “os métodos qualitativos são mais apropriados para capturar a dinâmica do
desenvolvimento evolucionário e transformacional” (p. 168). Conseqüentemente, “um bom
estudo de caso qualitativo propicia o senso da leitura de uma boa história” (p. 54). Tendo em
vista a compreensão das mudanças institucionais havidas ao longo da história do campo do
software em Pernambuco foi adotado, nesse estudo de caso, o corte seccional com perspectiva
longitudinal.
Yin (1994) distingue estudos de caso que examinam somente a natureza global da
organização (delineamento holístico) dos que despendem atenção sobre subunidades inseridas
(delineamento com inserção). Enquanto no delineamento holístico se corre o risco de tornar o
estudo por demais abstrato, no estudo de caso com unidades inseridas, pode ocorrer que a
pesquisa focalize apenas essas subunidades, não operando o retorno analítico para o nível
original da investigação (p. 41- 44). Podemos afirmar que o presente estudo de caso teve três
unidades inseridas, o CIn, o CESAR e o Porto Digital, mas logrando retomar o nível de
análise do campo, principalmente na parte interpretativa.
71
3.3.1 Fontes dos dados
A principal fonte de dados foram doze entrevistas semi-estruturadas, com duração
média entre meia e uma hora, precedidas de mais de um ano por algumas entrevistas
exploratórias (ver a lista das entrevistas no Apêndice A). As exigências que recaem sobre o
estudo de caso no sentido de ser uma pesquisa ampla e profunda trouxeram implicações
diretas para a amostragem. Para responder ao critério de amplitude, foi escolhida a
modalidade de amostra intencional de máxima variação (MERRIAM, 1998), aquela que
pareceu mais apta a cobrir a heterogeneidade nas características de interesse para o estudo. No
caso dos professores universitários, contamos com a ajuda de um informante anônimo para
escolher professores com pontos de vista antagônicos. Os entrevistados preencheram os
seguintes critérios, alguns deles cumulativamente:
a) os dois principais empreendedores no nível do campo,
b) o diretor do CIn,
c) dois representantes do CESAR,
d) um co-autor de um livro sobre a história do CESAR,
e) dois presidentes do Núcleo de Gestão do Porto Digital,
f) dois representantes do Governo do Estado,
g) dois dirigentes de entidades coletivas,
h) sete professores da área de Informática da UFPE,
i) dois empresários de “velhas empresas” da área de TI,
j) dois empresários de “novas empresas” da área de TI,
k) gerentes de uma empresa multinacional com contratos com o CESAR e o CIN,
l) um especialista em C&T com críticas ao empreendimento do campo,
m) um professor, idem,
n) um empresário, idem.
72
A amostra contribuiu com a profundidade porque a maior parte dos indivíduos
demonstrou conhecimento sobre o fenômeno e capacidade de expressar o que é essencial a
ele, detendo-se o tempo suficiente para que fossem abordados os principais pontos. Apesar de
significativa, a entrevista com o Cientista-Chefe teve que ser interrompida por causa de
compromissos pessoais do entrevistado, mas essa insuficiência foi em grande parte
compensada pelo acesso a outras entrevistas dele com terceiros.
A segunda principal fonte de dados foram dois trabalhos acadêmicos que abordam
sobre organizações do campo do software em Pernambuco, as pesquisas de Albuquerque
(2005) e Goulart (2005). Também foram consultados documentos e matérias jornalísticas.
3.4 Partes de uma análise qualitativa
Nesta seção se tecem considerações sobre aspectos considerados importantes da
análise qualitativa, reservando-se a próxima seção para o relato dos passos efetivamente dados
na análise desta pesquisa.
Em contraste com a pesquisa quantitativa que toma um afastamento de “um ou dois
passos” do objeto observado, a pesquisa qualitativa é desenvolvida em íntima relação com a
realidade em investigação, em quase todos os estágios. A natureza do plano da pesquisa
emerge à medida que a investigação evolui, estando o todo e cada uma das partes sujeitos à
constante adaptação, mudança e re-planejamento. (CRESWELL, 1994; JANESICK, 1994;
MILES; HUBERMAN, 1994). Na pesquisa qualitativa, a flexibilidade não significa
arbitrariedade. Pelo contrário, o cuidado com a inteireza na pesquisa qualitativa exige que a
flexibilidade se faça acompanhar de grande disciplina.
A análise qualitativa transforma dados em descobertas. Embora não existam receitas
para isso, pode-se dar uma orientação geral, mas “o destino final permanece único para cada
73
investigador”, e é conhecido apenas quando, e se, for atingido (PATTON, 2002, p. 432). Um
princípio geral sugerido por Patton (2002) é o do equilíbrio entre descrição e análise. Para ele,
um trabalho interessante e digno de ser lido “provê ao leitor suficiente descrição para entender
a base da interpretação, e suficiente interpretação para apreciar a descrição” (p. 503-4). A
relação de equilíbrio entre descrição e interpretação exige do pesquisador que não se afunde
num acúmulo excessivo de dados sem o devido tratamento analítico, nem analise sem
evidências suficientes (JANESICK, 1994).
A análise é um complexo processo que envolve idas e vindas entre os dados e os
conceitos abstratos, entre o raciocínio indutivo e o dedutivo, entre descrição e interpretação
(MERRIAM, 1998). A análise de dados é o processo de extrair um sentido dos dados; são
“esses significados, entendimentos ou insights [que] constituem as descobertas de um estudo
(p. 178).
A análise de dados é considerada a parte mais difícil e menos codificada de uma
pesquisa qualitativa. A Figura 3 (3) reproduz a visão esboçada por Miles e Huberman (1994)
sobre a análise qualitativa como três “fluxos” de atividade – redução dos dados, exposição dos
dados e conclusões (obtenção e verificação). Tratam-se de fluxos que alternam-se e cruzam na
busca do sentido dos dados. Essas atividades também compõem uma pesquisa quantitativa,
mas nesta os passos costumam ser mais demarcados, os métodos mais familiares e o ciclo
mais seqüencial do que interativo.
74
Coleta
dos dados
Redução
dos dados
Exposição
dos dados
Conclusões:
obtenção / verificação
Figura 3 (3): Modelo interativo de análise
Fonte: Miles e Huberman (1994)
Embora se possa considerar que a análise esteja presente de forma antecipada na
escolha do arcabouço teórico, na formulação das perguntas ou na seleção de dados quando da
sua coleta, distingue-se uma fase predominantemente analítica na pesquisa, que pode ser
compreendida como uma evolução numa “escada de abstração” (CARNEY
apud
MILES e
HUBERMAN, 1994). Seguindo Merriam (1998), pode-se conceber essa evolução em três
sucessivos patamares de descobertas. A análise qualitativa inicia-se com uma descrição básica
em que “os dados são comprimidos e vinculados em uma narrativa que exprime o significado
que o pesquisador derivou do estudo do fenômeno” (MERRIAM, 1998, p. 178-179). Essa
descrição envolve operações de redução como separar “o joio do trigo”, categorizar, iluminar,
isolar, organizar, de tal modo que as “conclusões finais possam ser extraídas e verificadas”
(MILES; HUBERMAN, 1994, p. 11, 248).
No próximo nível da análise, o desafio é a construção de categorias ou temas que
capturem padrões recorrentes (MERRIAM, 1998). Para Miles e Huberman (1994)
75
“codificação é análise” (p. 56) e do mesmo modo, para Merriam (1998), “construção de
categorias é análise de dados” (p. 180). Ou seja, a categorização é parte do processo que
atribui significação aos dados, e não algo que se lhes justapõe, deixando intocável o conteúdo
que se supõe acabado.
Parece ter razão Merriam (1998) ao ver esse processo como “categorização” ao invés
de “codificação”. Como afirma essa autora, o segundo termo contribui para mistificar “o
misterioso processo da análise de dados” (p. 164). Com efeito, isso parece acontecer por causa
da confusão entre dois significados atribuídos à palavra “código”. Na acepção de linguagem,
“código” significa um sistema de palavras, letras e sinais que é utilizado “para representar
uma mensagem em forma secreta”, mas também “para representar alguma coisa numa forma
mais curta ou mais conveniente” (CAMBRIDGE ADVANCED LEARNER’S
DICTIONARY, 2005). É nesta simples função de abreviação e conveniência que o termo
“codificação” deve ser compreendido na análise de dados, e não como um meio de disfarce. O
essencial na análise qualitativa é a elaboração e a aplicação de categorias, e não a abreviação
das designações dessas categorias.
Conceber categorias tanto pode ser um processo intuitivo, quanto sistemático e
esclarecido (MERRIAM, 1998). Neste último caso, as principais fontes das categorias são os
objetivos do estudo, o conhecimento teórico e os pressupostos do pesquisador. No entanto, os
significados explicitados pelos próprios participantes também podem embasar a concepção de
categorias.
As categorias, segundo Merriam (1998), são, com acepção indutiva, “abstrações
derivadas dos dados, não os dados propriamente” (p. 181). Numa acepção mais geral, elas
“descrevem os dados, mas até certo ponto elas também interpretam os dados” (MERRIAM,
1998, p. 187). Concluímos que o valor fundamental das categorias reside no seu papel de
intermediação entre a descrição e interpretação dos dados. Nesse sentido, Miles e Huberman
76
(1994) reparam que as categorias não formam um agrupamento desconexo, mas constituem a
estrutura relacional de uma “teia conceitual” (p. 63).
O terceiro nível da análise é eminentemente interpretativo. Interpretação, para Patton
(2002), envolve ir além dos dados descritivos:
Interpretação quer dizer prover significado ao que foi encontrado, extrair
sentido das descobertas, oferecer explicações, tirar conclusões, extrapolar
lições, fazer inferências, considerar significados e, de outro modo, impor
ordem num mundo indisciplinado mas que certamente contém padrões
(PATTON, 2002, p. 480).
O que distingue a interpretação da fase inicial da análise é a sua abordagem holística.
Segundo Patton (2002), para passar para a interpretação, é necessário escapar do raciocínio
linear simplista. Realizar um representação holística do fenômeno implica realizar sua
contextualização, isto é, “compreender a natureza fundamental de um conjunto particular de
atividades e pessoas
em um contexto específico
(p. 480, grifos no original). De acordo com
Gherardi e Turner (2002), enquanto nos primeiros estágios da análise as experiências são
divididas em fragmentos, dimensões, características e aspectos que julgamos notáveis; no
estágio final, começamos a realizar novas sínteses, conforme estruturamos as experiências
passadas e as expectativas futuras.
A geração de teoria implica realizar uma resenha teórica a partir de dados qualitativos:
Para tirar sentido de nossa experiência, precisamos produzir, a partir de um
conjunto de dados qualitativos, uma resenha teórica que resuma nossa
compreensão das possíveis regularidades associadas com o conjunto. Essas
regularidades terão potencial de unificar não os dados empíricos que
dissecamos, mas também outros materiais que ainda não foram vistos
(GHERARDI ; TURNER, 2002, p. 93).
Gherardi e Turner (2002) sublinham que o pesquisador traz contribuição ativa aos
dados, acrescentando-lhes elementos que geram padrões significativos ou instigantes. Só
sentindo-se confortável com a introdução de sentido nos dados é que o pesquisador pode
“estruturar a situação”.
77
Esse processo requer uma fase preliminar de reconhecimento íntimo dos dados. A
resenha teórica contém um relacionamento com os dados empíricos similar ao existente na
arte da aquarela de uma escola de pintores chineses. Embora nesse estilo, esses artistas façam,
no campo, muitos esboços e estudos detalhados sobre plantas, animais e paisagens, o trabalho
final é feito de memória, no estúdio (GHERARDI; TURNER, 2002). Portanto, na fase
conclusiva predomina a subjetividade, mas trata-se de uma subjetividade informada por uma
longa pesquisa preparatória em contato com a natureza.
O estágio final de desenvolvimento teórico envolve a construção de pontes entre a
análise das observações de campo e aspectos teóricos de estudos anteriormente existentes
(GHERARDI; TURNER, 2002). Espera-se que alguns desses vínculos reflitam o trabalho
inicial de revisão da literatura, pois a análise recolhe, amplia, questiona ou modifica visões
teóricas prévias” (p. 95). No entanto, podem advir resultados teóricos mais inesperados.
Eisenhardt (1989) reserva um papel ainda mais restrito à teoria existente. Segundo
essa autora, uma pesquisa com pretensão de trazer contribuição teórica, deve iniciar com o
propósito de atingir o máximo possível do ideal de “nenhuma teoria” e “nenhuma hipótese”,
mesmo sabendo-se de antemão ser impossível atingir esse ideal. Para essa autora, o problema
de pesquisa deve ser formulado especificando algumas variáveis potencialmente importantes,
com alguma referência à literatura existente, porém evitando o máximo possível considerar
relacionamentos específicos entre variáveis e teorias.
Segundo Whetten (2003), na maior parte dos casos os estudiosos não formulam uma
teoria a partir do zero, mas, sim, trabalham na melhoria daquilo que já existe. O autor
identifica três tipos importantes de contribuição teórica. A mais frutífera, mas também a mais
difícil, diz respeito ao “por quê” e envolve um profundo desafio das nossas visões da
natureza humana. Outra contribuição possível diz respeito ao “quem”, “quando” e “onde”,
78
apontando as delimitações da aplicação da teoria e porque não existe correspondência entre
ela e uma determinada situação empírica.
Também é possível haver contribuição teórica no “quê” e “como”. Embora seja mais
difícil que uma adição ou subtração de fatores constitua contribuição teórica relevante, isso
ocorrerá se a mudança na lista de fatores afeta o relacionamento entre as variáveis. Assim,
insights
teóricos são proporcionados pela “demonstração de como a adição de uma nova
variável altera significativamente nosso entendimento do fenômeno por meio da
reorganização de nossos mapas causais” (p. 71).
3.5 Relato do progresso analítico
As principais etapas e linhas de progressão seguidas na parte analítica desta pesquisa
estão indicadas na Figura 4 (3) que aproximadamente correspondem aos tipos de estágios
demarcados pelos autores citados na seção anterior. A descrição apresentada nos capítulo 4 e
5 procura captar a história recente do campo do
software
em Pernambuco. Ela é subdividida
em partes cronológico-conceituais e elabora o material para a interpretação sobre o caso como
um todo, realizada nos capítulos finais.
79
Descrição
cronológico-
conceitual
Matriz
Geral
Representação
holística
Conclusões
Figura 4 (3): Progressão da análise
Fonte: adaptado de Carney (apud MILES; HUBERMAN, 1994)
Uma parte das categorias iniciais empregadas nesta pesquisa adveio da primeira
versão da seção de “Definição de Termos”, em especial as concernentes às respostas
estratégicas (OLIVER, 1991). Outra parte derivou da aplicação direta do referencial teórico,
em que foram identificados trechos de texto com categorias como “Criação”, “Ambiente
Institucional”, “Estabilidade”, “Isomorfismo”, “História”, “Intermediação”. Nestas primeiras
análises das entrevistas também emergiram algumas categorias, como “Inércia”.
Outro conjunto de categorias, mais empiricamente enraizado, foi surgindo em
decorrência da construção do texto descritivo. Os dados previamente analisados e
categorizados foram compilados, reorganizados e agrupados em seções, cuja elaboração pode
ser caracterizada como um agrupamento (
clustering
), em especial quando as designações
dadas aos novos conjuntos de evidências nos títulos das seções emergiram como novas
categorias. Como exemplo, citamos as categorias de “Intervenção na Realidade Local”,
“Empresariação”, “Superposição de Funções” e “Tensão entre Ciência e Inovação”.
80
Uma vez concluída o que se verificou depois ser ainda uma versão intermediária do
texto descritivo e não a definitiva, tentei desenvolver o trabalho interpretativo, no qual
contava valer-me de algumas matrizes. No entanto, a avaliação da orientadora sobre o texto,
aprovando seu conteúdo geral mas ressalvando a necessidade de tornar mais claros vários dos
seus trechos, provocou uma mudança de plano. Retomando o texto, este foi submetido a mais
uma etapa de redução no sentido de melhor definir temas e padrões. Por exemplo, embora a
importância do CESAR na formação do campo de
software
em Pernambuco fosse
percebida, até mesmo na fase de projeto da pesquisa, no processo de revisão, tornou-se
saliente a importância dessa organização como associação profissional. Desse modo, a nova
redução dos dados não se limitou a um aprimoramento da comunicação da pesquisa, mas
constituiu parte do progresso analítico (MILES; HUBERMAN, 1994). Portanto, antes de
subir um degrau na “escada da abstração analítica”, foi necessário permanecer trabalhando
ainda um tempo no estágio inicial.
Ao contrário da idéia inicial de se elaborar alguns
displays
, a parte inicial da
interpretação apoiou-se numa matriz geral única que resume as características analíticas da
parte descritiva. Essa matriz constitui um
display
ordenado cronologicamente, ao qual se
recorreu ao longo da fase de interpretação. Para Miles e Huberman (1994), o recurso do
display
é central para a análise qualitativa. O
display
é definido como “um formato visual que
apresenta informação sistematicamente, de modo que o usuário possa retirar conclusões” (p.
91). A importância que esses autores conferem a essa técnica é expressa na afirmação de que
“você conhece aquilo que você expõe em
displays
” (p. 91).
A utilização de
displays
é defendida por Miles e Huberman (1994) como alternativa ao
texto corrido. Esta última forma de apresentar os dados pode trazer maior dificuldade para
análise, pois o conteúdo fica disperso em muitas páginas, não sendo cil de ser apreendido
como um todo. A vantagem do
display
é que ele apresenta os dados simultaneamente,
81
permitindo “cuidadosas comparações, detecção de diferenças, identificação de padrões e
temas, observação de tendências, e assim por diante” (p. 92). Ao longo da pesquisa, os
displays
servem de base para a elaboração de textos analíticos, os quais por sua vez geram
outros
displays
.
Reconhecendo a importância dos
displays
, observamos, no entanto, que a ênfase dada
por esses autores a esse recurso analítico tende a obscurecer o papel do principal instrumento
de análise numa pesquisa qualitativa, que é o próprio investigador. Conforme situa Triviños
(1987), o pesquisador é o instrumento-chave de uma investigação qualitativa porque ele o
esquece “a visão ampla e complexa do real social(p. 128). Embora recorrendo a uma matriz
geral que concentrou as descobertas descritivas num único ponto, a abordagem adotada na
fase interpretativa dessa pesquisa valeu-se, tanto ou mais, da familiaridade adquirida pelo
pesquisador com os dados, desde a realização das entrevistas até a descrição, bem como das
conjecturas paralelas formuladas desde as transcrições das fitas. O
display
serviu mais
propriamente de apoio, de modo a não obstar o aprofundamento do julgamento e a apreensão
direta das complexas relações entre os dados.
Em sintonia com o que Patton (2002) identifica na fase de interpretação qualitativa,
procurou-se então dar vazão à criatividade e ao exercício crítico, visando identificar nos dados
o que era “realmente importante e significativo” (PATTON, 2002, p. 467). Assim, por
exemplo, o cruzamento das descrições da função da inovação e das diferentes instâncias
ambientais permitiu estabelecer o nexo de complementaridade entre estas últimas e entender a
influência indireta do contexto semiperiférico na articulação da cadeia de inovação. Cabe
observar que essa interpretação não surgiu de súbito. na parte descritiva, a própria
denominação dada a uma das seções - “Na periferia da semiperiferia” antecipava essa parte
da interpretação. Nessa parte da pesquisa, procurou-se depreender o caso como um todo.
82
Diante da complexidade do caso, a representação holística se desdobra em algumas facetas
que são designadas pelos títulos das seções do capítulo 6.
Embora nesta pesquisa tenhamos alimentado o propósito de trazer algum
enriquecimento teórico, sendo a relação com a teoria institucional assumida no início do
trabalho semelhante à prescrita por Eisenhardt (1989), entendemos a relação inicial de modo
ligeiramente diferente dessa autora. Enquanto ela concebe seu método como uma tendência a
anular a teoria pré-existente, nossa atitude perante a teoria institucional foi a de criticá-la
conforme se manifesta no novo institucionalismo e, ao mesmo tempo, positivamente
incorporá-la em seus princípios básicos. Sendo os princípios por natureza genéricos, ficam
assim abertas as possibilidades de desenvolvimento teórico.
Creio que é possível reivindicar que uma contribuição teórica, nesta pesquisa, no
quesito dos fatores adicionais (WHETTEN, 2003). O campo organizacional funcional que,
por definição, pode se estender por áreas geográficas distintas, pode incorporar, como nas
redes inter-organizacionais internacionais (HATCH, 2006), o inter-relacionamento entre os
ambientes respectivos das organizações que o compõem. Esse fator, no entanto, não é
explicitamente considerado nas definições clássicas de campo, ou nas considerações feitas em
torno delas. Ao contrário, quando Scott (1992) concebe o campo como uma evolução do
sistema organização-ambiente, parece lhe escapar que este sistema continua presente
cumulativamente no campo organizacional.
Considerar a influência dos ambientes organizacionais no campo representa uma
alteração significativa no entendimento do fenômeno (WHETTEN, 2003), em especial
quando se observa que prevalecem abordagens construcionistas que privilegiam as interações
que acontecem “no interior” do campo, como ocorre numa safra de trabalhos na perspectiva
institucional que adota esse nível de análise. A introdução do fator “ambiente organizacional”,
quando se analisa um campo que atravessa contextos como o periférico, o semiperiférico e o
83
cêntrico, permite perceber as influências díspares que nele incorrem. Este pode ser
considerado um “resultado surpreendente” que decorre de uma “inconsistência entre [as]
observações e o conhecimento convencional”. No entanto, essa discrepância não refere-se à
teoria institucional de per si, mas à forma como tem sido definido um conceito o de campo
organizacional – por importantes autores que adotam a perspectiva institucional.
3.6 Validade descritiva e validade teórica
A razão de ser das pesquisas é a produção de descobertas e, portanto, a importância
dos métodos está em servir de meio para isso (JANESICK, 1994). Os métodos constituem a
estratégia da pesquisa e não representam fins em si mesmos. Janesick (1994) adverte contra o
perigo de se deixar obcecar pela “trindade” da validade, da confiabilidade e da generalização,
que pode separar a experiência do conhecimento (p. 215). Por outro lado, como afirmam
Miles e Huberman (1994), uma análise qualitativa pode ser “sugestiva, esclarecedora,
habilidosa e errada”, pois o relato, “bem narrado como esteja, não casa com os dados” (p.
262). O uso adequado dos métodos é que garante cientificidade a uma pesquisa, sendo
indispensável observar critérios de validade para que ela tenha valor (VIEIRA, 2004).
A primeira preocupação da maioria dos pesquisadores qualitativos está na precisão
factual do relato, isto é, em não introduzir distorções no que foi visto ou ouvido, pois a
validade de toda a pesquisa repousa na satisfação desse critério, que Maxwell (2002) designa
por validade descritiva. Na presente pesquisa, a validade descritiva está apoiada na
triangulação de fontes de dados. Procurou-se explicitá-la no próprio corpo do texto descritivo,
citando descrições coincidentes de duas ou mais fontes, em especial sobre eventos ou aspectos
críticos. Uma outra técnica prevista, a discussão dos resultados da pesquisa com alguns
84
entrevistados, não foi possível realizar por falta de tempo, pois as transcrições e as análises
das entrevistas demoraram mais do que o previsto.
Nesta pesquisa também se procurou atender o critério de validade teórica, que diz
respeito à validade do relatório da pesquisa como teoria de um determinado fenômeno
(MAXWELL, 2002). Existem dois aspectos relacionados à validade teórica: a validade da
aplicação dos conceitos aos fenômenos e a validade dos relacionamentos que se postula haver
entre os conceitos. Procurou-se atender o primeiro aspecto procurando estabelecer pontes
entre os conceitos e os dados, na medida em que estes eram analisados. Isso está refletido na
descrição cronológico-conceitual, que não se ateve a apresentar os dados empíricos, mas a
enquadrá-los nos vários aspectos da teoria institucional. Procura-se atender o outro aspecto da
validade teórica, o do inter-relacionamento entre os conceitos, através da coerência entre o
arcabouço teórico e a análise. Como esta pesquisa busca trazer uma contribuição teórica a
partir da análise empírica, seu capítulo de fundamentação teórico-empírica contém, inclusive,
formulações que emanaram da análise.
3.7 Limitação
O estudo expressa a parte do campo de
software
em Pernambuco mais diretamente
ligada à nova geração de empresas. Outras visões, como, por exemplo, a de empresários
pioneiros e atuantes no campo estão certamente menos refletidas no estudo.
85
4 Um projeto profissional no campo do software
local
As mudanças institucionais que acompanham, conformam ou resultam da evolução
recente do campo do
software
em Pernambuco podem ser agrupadas em duas grandes fases. A
primeira delas, narrada neste capítulo, transcorre entre meados da década de 1970, quando
foram criados os cursos superiores locais de Informática, e o final da década de 1990, com a
criação do CESAR e do CIn. Ela é marcada pela redefinição da profissão de professor
universitário, que passou a incluir a possibilidade deste se tornar um empreendedor.
A segunda fase, descrita no próximo capítulo, tem seu início coincidindo com a
promulgação da Lei da Informática
6
, em 2001, e concretiza-se com a criação do Porto Digital
e de novas relações entre Estado, Universidade e empresas locais. Nesta fase, outra mudança
institucional de relevo transcorreu no campo local, resultando na reversão de preconceito
existente nos principais mercados do País contra empresas inovadoras de
software
, de origem
pernambucana
.
Ao final do próximo capítulo, encontra-se uma matriz com as principais
características encontradas em cada parte da descrição.
6
Trata-se da Lei nº 10.176 que será referida no texto como “Lei da Informática”.
86
4.1 Institucionalização local de uma nova profissão
4.1.1 Uma inserção não-passiva no campo na Informática
A Tecnologia da Informação (TI), como ramo do conhecimento prático e teórico,
começa a se difundir maciçamente no Brasil, no transcorrer da chamada Segunda Informática,
fase em que os grandes sistemas computacionais centralizados tornam-se, progressivamente,
em todo o mundo, “os agentes principais em torno dos quais empresas e administrações
deverão girar” (BRETON, 1991, p. 237). No Estado de Pernambuco, no início da década de
1970, foram implantados Centros de Processamento de Dados (CPD) em vários órgãos
públicos, bancos e grandes empresas bem como em universidades, os quais passaram a operar
com
mainframes
fornecidos por empresas, como a IBM e a Burroughs (CUNHA-entrev.,
2006)
7
. O conhecimento específico na área de computação do pessoal técnico dos CPD’s era
obtido por experiência prática e através de treinamentos ministrados em grande parte pelas
próprias empresas fornecedoras dos sistemas computacionais.
Desde esses primórdios, Pernambuco se alinhou como pioneiro no segmento de
processamento de dados no Brasil, através de grandes
bureaux
prestadores de serviços ou dos
CPD’s de grandes organizações empresariais. A Procenge, uma empresa fundada no Estado,
em 1975, é considerada a mais antiga do país na área da TI em atuação (CUNHA-entrev.,
2006; VELOSO-entrev., 2007). O Banco Nacional do Norte que, juntamente com a ASA
Alumínio S.A., era um dos principais pilares da escola da Tecnologia da Informação (TI) em
7
Nas citações às entrevistas, é acrescentado a expressão “entrev.” ao sobrenome do entrevistado, cuja
identificação é apresentada na “Lista das entrevistas” que consta do Apêndice A.
87
Pernambuco, contabiliza dentre seus feitos na área, o de ter sido o primeiro banco brasileiro a
possibilitar o saque de cheques em qualquer agência do território nacional.
No limiar da Terceira Informática (BRETON, 1991), que coincidiu com a vigência da
reserva de mercado, criada com o intuito de desenvolver uma tecnologia nacional,
Pernambuco foi palco de uma experiência de construção de um microcomputador totalmente
fabricado no Brasil, o “Corisco”, desenvolvido pela Elogica. Também em Pernambuco, foi
instalado um dos primeiros sistemas brasileiros de provimento da Internet, que propiciou a
aprendizagem local do gerenciamento de redes de grandes volumes, antes da instalação da
Internet comercial.
Ex-técnicos da IBM ou da Burroughs deixaram seus empregos nestes fornecedores de
mainframe
para participarem da criação das principais empresas pioneiras de Pernambuco na
área da TI, como a Procenge e a Elogica (CUNHA-entrev., 2006; VELOSO-entrev., 2007).
Também é referida a participação de ex-profissionais do Banorte na criação de empresas
locais (XAVIER-entrev., 2006).De acordo com Romanelli e Schoonhoven (2001), “as
organizações existentes são os contextos principais nos quais os indivíduos aprendem sobre
oportunidades para as novas organizações” (p. 44). No caso dos fundadores das empresas
pioneiras em Pernambuco, parece evidente que nos contextos proporcionados pelas filiais dos
fabricantes de
mainframe
ou dos CPD’s que utilizavam essas máquinas é que foram
germinados os projetos de formação das empresas, com alguns dos técnicos se transformando
em empresários do setor.
Em Pernambuco e no restante do País, o impulso inicial do setor de Informática foi,
portanto, marcado pela difusão dos CPD’s e das profissões a eles associados, como a de
programador. Conforme experiência relatada por um entrevistado, “o modelo aqui era
parecido com o modelo de outros lugares” (CUNHA-entrev., 2006). Essa adoção das práticas
e formas organizacionais iniciais da Informática pode ser compreendida como um
88
cumprimento das formas organizacionais e de práticas dos CPD’s em formação, difundidas
mundialmente sob a influência ativa de grandes fabricantes dos sistemas computacionais.
Na esfera acadêmica, a implantação de CPD’s no interior de algumas universidades
brasileiras de grande porte vai proporcionar importante impulso ao desenvolvimento da
Informática como uma nova área de conhecimento. Os CPD’s universitários se compunham
de técnicos que provinham de áreas diversas como Matemática, Economia ou Engenharia
(CUNHA-entrev., 2006). Como haviam sido treinados em programação, paralelamente às
suas funções quotidianas, envolviam-se também com outras áreas, como, por exemplo, os
sistemas administrativos. Alguns deles também se envolveram com a transmissão de
conhecimento, dando origem assim aos primeiros cursos universitários na área de TI.
Essa interação entre profissionais de áreas distintas de conhecimento, em especial,
dentro das universidades, reproduz numa região periférica, no contexto da Segunda
Informática, fenômeno semelhante observado na Primeira Informática, quando
matemáticos, engenheiros, economistas e físicos dos Estados Unidos desenvolveram
conjuntamente os primeiros computadores digitais nas décadas de 1940 e 1950. Após dez
anos aproximadamente, alguns deles vieram a observar que essas máquinas eram “tão
poderosas e absorventes, tão interessantes e inesgotáveis e tão peculiarmente desafiantes” que,
sem se aperceberem, de fato haviam abandonado suas disciplinas originais e se tornando-se
pioneiros em um novo setor (COMMITTEE ON THE FUNDAMENTALS OF COMPUTER
SCIENCE, 2004, p. 11).
Assim, a profissão de especialistas em TI encontra condições de desenvolvimento
numa região periférica porque nela, encontram, igualmente, praticantes de várias profissões
afins, capazes de replicar aproximadamente a interação das várias especialidades dentro das
organizações acadêmicas locais. Assim, parece procedente qualificar essa interação como
uma “re-interpretação” local (DIMAGGIO, 1988, p. 16). Nesse caso, pelo menos, a difusão da
89
nova profissão parece se dar não como um globalismo que se localiza por destruição das
instituições locais (SANTOS, 2005), mas, sim, por uma “modificação local” de uma forma
institucional cêntrica (DIMAGGIO, 1988, p. 16).
Uma forma institucionalizada raramente se difunde de forma completa (DIMAGGIO,
1988, p. 16). Tanto aquelas experiências pioneiras ou inovadoras na área da TI, ocorridas na
esfera empresarial, quanto a constituição dos primeiros núcleos acadêmicos, em Pernambuco,
configuram uma inserção local ativa no campo da Informática. Embora fazendo parte de uma
difusão tecnológica global, o processo não pode ser considerado plenamente isomórfico. Ao
menos, parte da institucionalização local da nova profissão e do novo setor do conhecimento
se deu como uma re-institucionalização ou mesmo co-institucionalização, e não, como, uma
pura imitação de processos ocorridos nos países cêntricos.
4.1.2 A cristalização de um curso superior de Informática
Um dos primeiros cursos superiores de Informática a funcionar no Recife foi realizado
na Universidade Católica de Pernambuco, com uma carga horária de aproximadamente 500
horas-aula que proporcionou a formação de profissionais à produção - programação e análise.
Caracterizado como curso de extensão, era considerado “de excelente qualidade”, “voltado
para o mercado”, de “sintonia muito grande” em relação às necessidades das empresas
(XAVIER-entrev., 2006). Como esse curso serviu de base para atender às necessidades
imediatas das empresas existentes, constituiu-se um importante reforço por parte de uma
entidade acadêmica, através da sua tradicional função de formar quadros especializados, no
sentido de desenvolver as atividades empresariais na área da TI.
Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Informática começou a figurar
como área de conhecimento acadêmico em 1974, como parte do Departamento de Estatística
90
e Informática. De modo semelhante à Universidade Católica de Pernambuco, suas atividades
iniciais desse focalizavam, principalmente, a formação de técnicos para atenderem a demanda
existente das empresas de TI. A aproximação entre os conhecimentos prático e teórico que
caracteriza esse período é emblematicamente ilustrada pelo fato de alguns professores da
UFPE ministrarem aula nas próprias organizações onde trabalhavam (CUNHA-entrev., 2006).
O surgimento desses cursos de nível superior confirma a tendência, observada por Romanelli
(
apud
ALDRICH; RUEF, 2006), de as universidades irem assumindo grande parte do papel
do treinamento de pessoal qualificado, uma vez que as tecnologias e as respectivas ocupações
vão se tornando mais estáveis. Como alguns dos profissionais formados nessas universidades,
mais cedo ou mais tarde, irão fundar empresas de TI em Pernambuco (XAVIER-entrev.,
2006), confirma-se, também, o papel decisivo que desempenha, historicamente, o
desenvolvimento dos sistemas educacionais nacionais na criação indireta de um novo setor
(NELSON
apud
ALDRICH; RUEF, 2006, p. 196).
O depoimento prestado por um acadêmico pioneiro, Prof. Merval Jurema, hoje
também empresário da TI, iluminou aspectos dos primeiros anos do Departamento de
Informática e da institucionalização do Curso de Pós-Graduação. Para a criação do primeiro
Curso de Mestrado contou-se com o apoio da IBM. A Universidade investia na formação de
algum professor em Curso de Mestrado na PUC do Rio. Raramente coincidia de estarem mais
de um professor, havendo uma rarefação de recursos e dispersão de esforços que caracteriza,
portanto, uma dificuldade de reprodução de padrões própria de uma fase de pré-
institucionalização (JEPPERSON, 1991).
Em contraste, no ano de 1981, coincidiram a presença no departamento de três
doutores recém-chegados do Curso de Doutorado considerando-se o conhecimento destes nas
suas respectivas áreas de especialização, estabeleceu uma sinergia, num horizonte de três
anos, focada na área de interseção das suas especializações, com o propósito de ver se
91
“mudava o contexto” (JUREMA-entrev., 2006). Após alguns meses de planejamento,
identificação de órgãos financiadores, submissão e aprovação de projetos, esse grupo, logrou
criar e operar equipes num mesmo grupo de pesquisa na área de redes de computadores,
desenvolvendo atividades de pesquisa em
software
,
hardware
e teoria, em projetos,
conduzidos individualmente ou em conjunto, mas que eram complementares.
Nessa mesma época o atual Diretor do CIn também se referiu a “um grupo que voltou
ao mesmo tempo”, que pretendia permanecer vivendo na sua região (CUNHA-entrev., 2006).
Reforçando essas motivações pessoais, havia o entendimento de que a Informática era uma
área estratégica e de que a formação de recursos humanos era muito importante nessa área.
É possível identificar, nessa transição, “uma postura reflexiva sobre as práticas
estabelecidas” (BECKERT, 1999, p. 789), um alcance maior quanto ao prazo, e a criação de
“situações a partir das quais não existem pontes que as liguem às situações que [existiam] na
sua ausência” (SCHUMPETER, 1968, p. 222), características essas que compõem a resposta
criadora. A criação institucional se caracteriza aqui como cristalização, viabilizada pela
existência de uma “massa crítica” de recursos que propiciou continuidade e estabilidade às
novas atividades. Observe-se que, ao contrário do que possa sugerir uma interpretação
romântica da concepção schumpetereana de empreendedor, esse exemplo mostra que a
resposta criadora envolve planejamento, organização e trabalhos sistemáticos.
4.2 Estratégia dual no campo científico
Os agentes envolvidos no campo científico estão submetidos a duas ordens de pressão:
uma mais simbólica, ligada à autoridade científica propriamente, que é internacional; e uma
temporal, representada pelo poder exercido sobre o mundo científico por ministérios, reitores
e administradores científicos e que é caracteristicamente nacional (BOURDIEU, 2004). Dessa
92
forma, as estratégias dos agentes envolvidos no campo são “inseparavelmente científicas e
sociais” (p. 82).
Superpondo-se às demandas impostas por esse poderes do campo científico, atinge as
unidades acadêmicas de Informática, direta ou indiretamente, a pressão do mercado, que
“sempre demandou muito” (JUREMA-entrev., 2006). O rápido crescimento experimentado
pelo Departamento de Informática esteve associado ao “peso social” que a Tecnologia da
Informação passou a assumir em função da revolução que ela própria tem provocado na
sociedade (TENÓRIO-entrev., 2006).
Existem, atualmente, no Centro de Informática da UFPE (CIn), duas graduações -
Engenharia da Computação e Ciência da Computação - com um total de 750 alunos, e uma
pós-graduação com mais de 400 alunos (CUNHA-entrev., 2006). Dentre os cursos de pós-
graduação em nível de Doutorado destaca-se o da Ciência da Computação, mais identificada a
área de
software.
Existem planos de se desenvolver um novo curso de Engenharia da
Computação, voltado ao segmento de
hardware
, bem como “num futuro próximo”, implantar-
se uma pós-graduação nessa área (TENÓRIO-entrev., 2006).
Apesar de atrair pessoas de todo o Brasil o CIn se caracteriza, principalmente,como
um grande centro regional, com alunos oriundos de várias partes do Nordeste - Paraíba,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Bahia. Avaliando o desempenho desse centro
com alguns números básicos, o Diretor do CIn avalia que, por ano, saem em torno de 60
mestres e 20 doutores do centro. Essa “produção importantíssima” contribui, segundo ele,
para que o CIn se tornasse a instituição acadêmica de TI mais importante da região (CUNHA-
entrev., 2006; ver GOULART, 2005).
Em resposta àquele conjunto de pressões, essa unidade acadêmica adotou, durante a
sua evolução, como passaremos a examinar, duas linhas estratégicas inter-relacionadas. A
principal estratégia adotada na esfera do conhecimento foi a do
catching-up
, que consiste na
93
“aquisição da capacidade de participação na geração e melhoramento de tecnologias, em
contraste com o simples ‘uso’ delas” (PEREZ; SOETE, 1988, p. 459). Trata-se de uma
expressão mais comumente utilizada para designar processos nacionais ou regionais de busca
de equiparação com centros tecnologicamente mais avançados, e que pode ser considerado
um tipo especial de imitação. Na esfera temporal uma fonte de recursos foi a pesquisa
aplicada, amplamente utilizada como meio de se obter recursos adicionais que foi paralela e
progressivamente passando a ser compreendida como um fim, passando a ocupar parte
importante do programa do CIn.
4.2.1 Catching-up
O Departamento de Informática da UFPE começou a se organizar propriamente
quando deixou de funcionar junto com Estatística, no início da década de 1980, deixando para
trás um período qualificado como caótico pelo atual Diretor do CIn. Esse professor estima
que, dos cerca de 20 mestres então existentes, apenas 2 ou 3 trabalhavam em regime de
dedicação exclusiva. Seguindo “uma série de decisões”, visando fortalecer a base de recursos
humanos, deflagrou-se, na primeira metade da década de 1980, um intenso processo de
formação de novos doutores, chegando a haver um período em que existiam cerca de 40
doutorandos realizando cursos no Exterior (CUNHA-entrev., 2006). Enquanto na Segunda
Informática a difusão do conhecimento, em grande parte, tomou a forma de atividades de
treinamento locais com a participação das empresas fabricantes de
mainframe
, parece inerente
à Terceira Informática uma maior presença direta nos circuitos de transmissão de
conhecimento globais, em especial na esfera mais avançada da Academia.
Uma das primeiras conseqüências do retorno dos professores que concluíam o
Doutorado foi a reforma do curso, que passou a ser designado de Ciência da Computação.
94
Além de novos conhecimentos técnico-científicos, o novo currículo passa a carregar também
uma nova concepção de carreira profissional em TI, através das percepções e valores
sintonizados com a globalização. O departamento passou a ser o primeiro do Brasil a
implantar o ensino de
Java
e de
Small Talk
na graduação. Por outro lado, conforme
testemunha Meira (entrev. 2006), a reforma curricular visava “formar profissionais globais,
gente que pudesse trabalhar em qualquer lugar do mundo”:
A gente tinha a nossa cabeça pensando no futuro. A gente sabia de algumas
coisas, não, de tudo. Nós éramos - somos até hoje - professores
universitários que não têm a prática do mercado, que não entende as
dinâmicas da economia, mas nós temos o privilégio [de] a Informática [ser]
um caso intrinsecamente global (MEIRA-entrev. 2006).
A percepção de oportunidades pelos indivíduos que criam organizações é, muitas
vezes, propiciada pelo contexto que eles vivenciaram em outras organizações (ROMANELLI;
SCHOONHOVEN, 2001). Não foram apenas as universidades estrangeiras que foram objeto
de imitação de modelos para os professores do Departamento de Informática. Na UFPE,
alguns desses professores vivenciaram nessa época a constituição de um grupo de pesquisa
básica na UFPE, o do Departamento de Física, que estendia seu raio de influência a outras
áreas do CCEN (Centro de Ciências Exatas e da Natureza), como as de Química Fundamental
e Informática que pertenciam a este centro.
Para alguém que testemunhou essa experiência, foi “um momento muito particular”,
com inúmeras oportunidades de intercâmbio com o Exterior, seja pela presença de professores
estrangeiros na instituição, seja pela possibilidade de realizar Cursos de Pós-Graduação
(MELO-entrev., 2006). A área de Informática, como afirma Melo (entrev., 2006), foi, pode-se
dizer, “incubada”, no sentido de fazer “parte do mesmo ambiente” onde se tem “interesse de
estudar”, onde “todo mundo freqüenta seminários”, enquanto grande parte da Universidade
ainda considerava esse tipo de atividade “uma bobagem”, valorizando-se apenas as aulas de
95
graduação. Segundo Silvio Meira, um dos pioneiros na área cuja atuação sem dúvida, será
marcante no campo do
software
em Pernambuco, a convivência com o pessoal de Física “foi
muito importante para nós, porque estabeleceu um horizonte de possibilidades” (MEIRA,
entrev. 2006).
As práticas e estruturas originais das organizações em que trabalham potenciais
empreendedores tanto podem constituir gabaritos a serem seguidos como evitados (BARON;
HANNAN, 2002, p. 15). O Departamento de Física veio a representar um misto de
influências para os professores de Informática da UFPE, pois representou um modelo
institucional a ser imitado e, como veremos, a ser criticado também.
A formação de doutores no Exterior foi um dos primeiros passos do processo de
catching-up.
Na frente das pesquisas, a dinâmica das mudanças tecnológicas na área da TI faz
com que a participação pessoal nas discussões e conferências internacionais seja parte da vida
dos pesquisadores. Contribui para isso o intervalo de tempo normal de edição das revistas
especializadas que, em face da velocidade das mudanças, pode tornar obsoletos os trabalhos
antes mesmo de serem publicados (SALGADO-entrev., 2006; TENÓRIO-entrev., 2006). Sem
exceção, os cinco professores do CIn com dedicação exclusiva, entrevistados para esta
pesquisa, se referiram a viagens ao Exterior que estavam na iminência de realizar ou tinham
acabado de fazer, o que em alguns casos chegou, inclusive, a dificultar a fixação da data da
entrevista.
De acordo com o Coordenador da Pós-Graduação em Ciência da Computação, tanto
em quantidade quanto em qualidade dos trabalhos científicos, o Brasil está na liderança da
América Latina, à frente do México, da Argentina e do Chile (TENÓRIO-entrev., 2006). Em
termos de qualidade, ele garante que “as atividades que nós desenvolvemos não deixam nada
a desejar” em relação ao que é realizado em países como Alemanha, França, Itália e Portugal
(TENÓRIO-entrev., 2006).
96
Com evidente espírito competitivo, o atual Diretor do CIn faz questão de discorrer
sobre uma longa lista de prêmios, tanto nacionais quanto internacionais, conquistados pelos
alunos e professores, assegurando que não se trata de “um sucesso local”. Como exemplo, ele
descreve a participação dos alunos na
Imagine Cup
,
promovida pela Microsoft:
No primeiro ano, nós fomos o segundo lugar nacional; no segundo ano, a
gente foi primeiro lugar nacional, e nesse terceiro ano, nós fomos primeiro
lugar nacional.
A primeira equipe vai pra competição internacional [...] A equipe do ano
passado foi e ficou em quarto lugar mundial. São setenta equipes no mundo
inteiro. Cada país manda uma. O ano passado foi em Tóquio com um
sistema de ajudar a pessoa, o turista, através dum PDA, a chegar num lugar.
A equipe que ganhou o primeiro lugar esse ano [um sistema de ajuda à
locomoção de cegos] foi para Nova Deli, na Índia e tirou o segundo lugar
mundial (CUNHA-entrev., 2006).
Ele discorre sobre o significado desses prêmios:
Se você olhar, quando saem esses resultados: todas as competições em que a
gente tem obtido alguma coisa, se você olhar os dez primeiros, é o único país
subdesenvolvido que está...o resto é Inglaterra, França, Alemanha, Estados
Unidos, Japão, Coréia. Claramente, quando aparece assim, o único que está
lá - da América Latina, ou da África - é o Brasil (CUNHA-entrev., 2006).
Também foi citada a Maratona de Programação promovida pela IBM, na qual os
alunos do CIn participaram das finais na condição de melhor equipe da América Latina, em
mais de uma edição (CUNHA-entrev., 2006). A participação expressiva em premiações
internacionais parece significar que o CIn tem logrado acompanhar o desenvolvimento do
setor da Informática em ritmo similar ao das universidades mais avançadas.
A Informática é considerada pelos professores do CIn como uma técnica neutra. Não
pude perceber nas entrevistas qualquer questionamento sobre os padrões tecnológicos e
científicos estabelecidos globalmente, mas sim, uma constatação enfática da natureza
intrinsecamente global da Informática (MEIRA-entrev. 2006). Quando a um dos entrevistados
97
foi indagado se havia alguma discussão sobre uma Informática voltada aos problemas de um
país atrasado, como o Brasil, ele respondeu que o que estaria mais perto de uma “discussão
social” eram questões como a da adoção ou não do código aberto. Ressalvou, no entanto, que
predomina uma visão pragmática: “o perfil da Informática é muito o dos engenheiros [...] são
muito práticos, muito objetivos” (CUNHA-entrev., 2006). Essas práticas e valores
caracterizam uma inserção no processo de globalização hegemônica da Informática, enquanto
prática profissional.
A deliberada sintonia com os padrões vigentes no nível global constitui tática de
cumprimento, ou seja, obediência ou incorporação consciente de valores, normas ou
requisitos institucionais (OLIVER, 1991). Se esse consentimento está longe de representar
uma contestação ativa de crenças e normas, tampouco ele se situa no extremo “passividade”
do contínuo das estratégias institucionais, identificadas por Oliver (1991, p. 151). Pelas
evidências sobre a existência de um processo de
catching-up
, marcado por manifesto caráter
competitivo, em que a aceitação das regras do jogo se junto com uma participação ativa,
visando galgar posições
vis-à-vis,
os contendores de outras regiões ou países na esfera do
conhecimento, identificamos nessa estratégia uma variante que designamos como
aquiescência pro-ativa.
Na medida em que a estratégia tem contribuído para consolidar a aceitação nacional e
internacional do setor pernambucano de
software
, ela desafia os pressupostos de ser
inconcebível a existência de uma entidade de tecnologia de ponta radicada no Nordeste
brasileiro. Portanto, à estratégia de aquiescência proativa se somam as táticas de desafio e
criação como partes da constituição local do campo.
Percebe-se, por outro lado, que a promoção desses eventos competitivos por parte de
grandes empresas multinacionais confere a estas um dos papéis típicos das associações
profissionais, descritas como “mecanismos de conformidade e reprodução” das expectativas
98
ratificadas normativa ou coercitivamente (GREENWOOD; SUDDABY; HININGS, 2002, p.
62). Ademais, concursos similares a esses – como as corridas e outras comparações de
desempenho realizadas no alvorecer da indústria automobilística propiciam, segundo Rao
(2001), legitimação das organizações produtoras iniciantes e, por extensão, do novo campo.
É necessário observar que a participação das organizações produtoras desses
concursos implica a tipificação recíproca das organizações promotoras como agências de
credenciamento. Se considerarmos existente esta tipificação, a participação continuada do
conjunto das organizações concorrentes contribui com o “trabalho institucional” de
reprodução (DIMAGGIO, 1988, p. 13) de ambas as formas organizacionais. Em termos de
respostas de Oliver (1991), as organizações promotoras exercem uma influência sobre o setor,
estabelecendo padrões profissionais. Não passa despercebido que as próprias organizações
promotoras também são grandes produtoras de
software.
Assim, parece claro que elas se
valem do poder econômico assimétrico que detêm no campo para exercerem também o poder
simbólico de, através das premiações, contribuir com a definição das regras do jogo e, em
última instância, de quem está apto ou não para entrar no jogo, ou seja, com a criação do
próprio campo.
4.2.2 A empresariação de um departamento universitário
Grande parte dos recursos que permitiram ao DI tornar-se um centro de importância
regional e de projeção nacional proveio da execução, sob encomenda, de projetos contratados.
Refletindo sobre a crescente demanda dos diversos setores da sociedade por serviços de
Informática, esse departamento, desde os seus primeiros anos de existência, executou projetos
para órgãos financiadores de projetos de P&D; para a RNP (Rede Nacional de Pesquisa),
precursora da Internet no Brasil; para empresas estatais, como a CHESF, Bandepe e
99
Embratur ou empresas multinacionais, como a IBM (CUNHA-entrev., 2006; JUREMA-
entrev., 2006). Essas atividades propiciaram recursos na quantidade e na velocidade
adequadas para a rápida mudança do perfil do DI, que passou a ser atuante também no campo
da pesquisa aplicada, abandonando o tradicional modelo funcional da graduação de alunos,
com o qual alguns professores já haviam se acomodado (JUREMA-entrev., 2006).
Dessa forma, a maior parcela de recursos utilizados nessa unidade universitária não
proveio de canais tradicionais do Poder Público
8
. Isso permitiu o dispêndio com itens
incomuns na época, para a Universidade, como a instalação de ar-condicionado, a aquisição
de computadores pessoais e de móveis customizados para as salas de todos os professores. O
Diretor do CIn frisou que o próprio prédio onde funciona o centro, foi construído sem que a
Universidade pusesse “um tostão” (CUNHA-entrev., 2006), pois os primeiros recursos para
isso provieram diretamente do Ministério da Educação, mediante a submissão e aprovação de
um projeto de excelência na área de redes e sistemas distribuídos.
De acordo com um dos professores entrevistados, existe um “mito” em se associar a
origem da maior parte dos recursos que vêm para o Centro de Informática a empresas.
Segundo ele, a origem é, direta ou indiretamente, “recurso público”. Sem contar a parte direta
destinada a salário e infra-estrutura, ele avalia que 90% das bolsas de estudo são recursos
públicos provenientes da CAPES, do CNPq e da FACEPE; “uma ou outra empresa às vezes
coloca uma bolsa de mestrado, raramente de doutorado, porque é um investimento de longo
prazo”. Ele lamenta que as empresas, no Brasil, ainda não tenham a cultura de investir na
formação, pois, do contrário, “poderíamos financiar os estudos de muitos mais estudantes do
que atualmente” (TENÓRIO-entrev., 2006).
8
Atualmente, os recursos para custeio provenientes do Tesouro, da ordem de R$ 90 mil, são suficientes
apenas para cobrir cerca de 3% desse tipo de despesas (QUEIROZ-entrev., 2006).
100
O outro ponto refere-se à origem dos recursos da infra-estrutura diferenciada que
existe no CIn. Os recursos para sua instalação, além dos projetos realizados com aquelas
entidades de fomento, provêm agora, principalmente, dos fundos setoriais, como o fundo de
Energia, e da Lei da Informática. Quer dizer, as empresas buscam os benefícios e contratam
projetos com a Universidade, mas no final das contas, tratam-se de recursos públicos oriundos
da renúncia fiscal do Estado (TENÓRIO-entrev., 2006). Assim, o ambiente técnico para as
atividades mercantis do CIn é, em grande parte, criado e alimentado, indiretamente, pelo
Estado.
Essa relativa autonomia de recursos vai ter conseqüências importantes no dia-a-dia
dessa unidade acadêmica, pois parece enfraquecer os laços institucionais dela com a
universidade a que está vinculada, conferindo-lhe agilidade em sua gestão. Por outro lado, a
aproxima do contexto de referência externo à Universidade, em particular o próprio âmbito
dos clientes dos projetos. A busca de relativa independência da organização-mãe quanto aos
recursos configura uma mudança parcial de domínio, que tem como conseqüência se escapar
dos procedimentos de controle burocrático da Universidade, o que cabe tanto no conceito de
amortecimento como no de fuga. Observe-se que essas táticas não incorrem como
“puramente” institucionais, pois se apóiam em busca de fonte alternativa de recursos. Se,
conforme Meyer e Rowan (1991), a legitimação precede a obtenção de recursos, vemos aqui
uma inversão, com a aquisição prévia de recursos habilitando aquelas respostas institucionais.
Quando saem do País para cursarem a Pós-graduação no Exterior, os futuros doutores
do departamento de Informática não adquirem apenas conhecimentos tácitos e explícitos da
TI. Muitas vezes, consciente ou inconscientemente, eles também importam ou reforçam
modelos organizacionais e sociais:
Quando a gente estava querendo fazer um departamento acadêmico, a gente
se mirava nos departamentos em que nós participamos tipo Waterloo, no
101
Canadá [...] ‘Se tem um departamento como o de Waterloo que funciona, por
que aqui não funcionaria?’. Então, coisas simples que eu via lá, a infra-
estrutura que eles tinham, a maneira que a pesquisa era desenvolvida, os
seminários. [...] A coisa era muito ágil. Então as pessoas, mesmo na primeira
fase, se miraram muito nos seus departamentos de origem (CUNHA-entrev.,
2006).
Uma das técnicas administrativas que foi assimilada da observação direta das
universidades estrangeiras, e que se tornou uma tradição no CIn, foi a realização do
planejamento anual, quando todos os professores interrompiam suas atividades normais para,
durante alguns dias, discutir o futuro do centro. Foi destacado como ponto importante do
modelo adotado no CIn, a “preocupação de existir uma estrutura de empresa, trabalhando com
gerentes, coordenadores, planejamento anual, planejamento estratégico”. A fase de
organização inicial do departamento se estende até quando começa a funcionar o Doutorado,
em 1992. Assim, passaram-se cerca de dez anos até que ele se tranformasse num
“departamento acadêmico completo [...] dentro dos padrões internacionais” (CUNHA-entrev.,
2006).
Estamos diante não apenas de um isomorfismo decorrente de uma organização adotar
as mesmas estruturas e práticas administrativas de organizações similares, por força
normativa de treinamento e por profissionalismo comuns (SCOTT, 2001; DAFT, 2002).
Trata-se de uma unidade pública de ensino e pesquisa que adota práticas de organizações
empresariais. Conforme observa Solé (2002), várias categorias de organizações,
tradicionalmente não subordinadas à exigência de lucro - como hospitais, prefeituras,
associações humanitárias, forças armadas, escolas, instituições de ensino e de pesquisa
buscam agora se organizar como uma empresa, num processo mundial que ele denomina de
“empresariação”. Além disso, para esse autor, “a ‘mundialização’ é a ‘empresariação’ do
mundo” (p. 3). Não por adotar internamente práticas administrativas, mas pelo
mercantilismo parcial de atividades, conforme mencionado acima, o CIn toma feições de
empresa. Num duplo processo de globalização e empresariação, esse centro realiza assim uma
102
imitação, consciente ou inconsciente, do modelo de organização que vem se tornando, por
toda parte, dominante.
Alguns dados apontam que a empresariação do DI incluiu um processo de mudança de
valores. Isso se evidencia, por exemplo, no novo significado que passou a ser atribuído por
alguns à mudança na carreira de um ex-professor em tempo integral, o Prof. Merval Jurema,
que empreendeu um negócio na área de TI. Na visão de um dos entrevistados para essa
pesquisa, este professor foi um precursor que tinha “uma cabeça empreendedora” e
rapidamente descobriu um nicho em Informática, montando uma lucrativa empresa de
formação de analistas de sistemas (MELO-entrev., 2006). Na época, ele fora atacado por sua
decisão por parte de pessoas dedicadas à pesquisa, embora, segundo Melo (entrev. 2006), ele
fosse “um outro tipo de gente que tem que estar também na Universidade”.
Mencionando uma conversa recente com o Prof. Silvio Meira, esse professor e
empresário afirmou que o primeiro era “reticente”, “era contra e criticava” a aproximação
com o mercado e teria afirmado nesse encontro: “É, Merval, você estava muito adiantado no
tempo” (JUREMA-entrev., 2006). Esta parece ser uma característica de Jurema, pois, por
exemplo, sua empresa é atualmente um raro caso brasileiro na área de TI que realiza negócios
com Angola, tendo inclusive uma filial naquele País. O que queremos frisar nessas descrições
é o que elas representam como indício de mudança de valores, exemplificada no Prof. Silvio
Meira, que, na área da TI em Pernambuco, tornou-se talvez o principal arauto local da
aproximação da Universidade com o mercado.
Indagado sobre como o Prof. Silvio Meira teria mudado de mentalidade, passando a
priorizar a pesquisa aplicada, Jurema indicações sobre a influência que as temporadas
vividas por professores nos países cêntricos podem ter sobre os modelos e valores
profissionais, neste caso em direção à prática da pesquisa aplicada:
103
É um processo. Não houve uma mudança de uma hora para outra. Eu falei
naquele início, de Clilton, Paulo Cunha e eu. Então, nós estávamos os três
muito fortes e começamos a agregar outros professores ao nosso grupo. E
Sílvio nessa ocasião tinha uma relação excelente conosco. Ele saiu logo em
seguida para fazer o Doutorado. Ele também veio com uma visão... porque o
pessoal acha que pesquisa se faz básica e fundamental. Tem muita
pesquisa e muito trabalho aplicado. Então, as pessoas, quando saem, têm
essa troca de experiência, vêem e conhecem lá fora. Enfim, foi um processo
em que ele foi amadurecendo nessa linha e percebeu que era o caminho de
crescimento e que deu certo (JUREMA-entrev., 2006).
Sem essa mudança de valores, é difícil imaginar a existência de iniciativas que
aproximaram o conhecimento teórico das aplicações tecnológicas no campo da TI em
Pernambuco, de que nos ocuparemos mais adiante. É oportuno registrar nesse momento a
importância que uma mudança institucional interna no nível de uma organização-chave como
a Universidade terá para a configuração do campo, situado num nível de análise acima.
A interação entre Ciência e Inovação foi, assim, precedida ou ampliada pela
empresariação, uma mudança institucional que atinge os valores, sem a qual seria difícil
imaginar a interação que passou a haver entre o conhecimento teórico e as aplicações
tecnológicas. Uma mudança fundamental no nível do campo foi facilitada por uma mudança
institucional interna a uma organização complexa como a Universidade.
A empresariação tem o potencial de legitimar a Universidade junto ao público
institucional mercantilista, mas, na medida em que facilita a obtenção de recursos para
fortalecer uma instituição acadêmica pública, também pode facilitar a legitimação dos
princípios mercantis num público originalmente refratário à orientação empresarial. Como os
recursos são, afinal, em sua maior parte, de origem pública, a empresariação é um
modus
operandi
que não pode, ao menos no nosso País, ser tomada como exemplo do primado
institucional da empresa ou do mercado no campo da C&T. O propalado mito da existência de
uma relação Universidade-Empresa, sem qualificar a origem última dos recursos, finda por
ser um encobrimento
sob uma fachada de aquiescência com princípios neo-liberais.
104
Existe uma outra fonte de recursos que aumenta a autonomia do CIn em relação à
universidade a que pertence, mas que em contrapartida o induz a adotar padrões profissionais
estabelecidos externamente. É que vários
softwares
desenvolvidos pela Microsoft, por
exemplo, são utilizados nos equipamentos desse centro por professores e alunos, mediante
licença gratuita. É admitido que esse tipo de doação, embora seja de interesse do Centro de
Informática, favorece “principalmente” ao próprio fabricante que, desse modo, “faz com que
milhares de alunos sejam formados nesse meio ambiente [tecnológico]” (TENÓRIO-entrev.,
2006). Assim, as doações de
software
e
equipamentos para fins acadêmicos, transformam os
padrões definidos pelos respectivos fornecedores em verdadeiro hábito. A indução dessa
adesão aos seus produtos constitui um tipo de influência exercida por essas grandes empresas
multinacionais no campo da TI.
4.3 Adesão ao empreendedorismo
No quadro da Terceira Informática, baseada na utilização de microcomputadores e na
Internet (BRETON, 1991), os professores do DI mostram-se de um modo geral mais aptos do
que os empresários da “velha” geração de TI tanto na identificação de oportunidades
concretas de negócio como para interpretar as novas tendências do ambiente. Com isso,
aumentam as possibilidades de eles próprios se envolverem diretamente em empreendimentos
empresariais.
Diante de uma opinião que lhe foi apresentada sobre a superioridade do pessoal da
Academia em identificar oportunidades, um empresário da “velha” geração de empresas
relutantemente concordou com ela, argumentando que “se, na Universidade, os alunos estão
antenados diuturnamente com o estado da arte, é natural que enxerguem mais oportunidades”
(XAVIER-entrev., 2006). Ele destaca o momento ímpar de grande velocidade das mudanças
105
tecnológicas que a geração mais recente vivenciou e que pôde acompanhar com vantagem,
estando na Universidade.
Com relação à representação do macro-ambiente, constata-se uma aguda percepção da
parte de alguns professores da existência de um novo mercado, globalizado, bem como do
avanço do processo de globalização e, por conseguinte dos resultados que esse processo traria
para a economia local.
Consta ter havido um debate, em 1991, entre o Diretor de TI do Banorte e o Prof.
Silvio Meira em que este fez uma aposta” de que esse banco não resistiria à onda de
globalização. Recuperando os termos da previsão feita no debate, o próprio Meira relata que a
sua percepção era de a que, quando a globalização
tiver força suficiente para chegar até aqui não fica uma cadeia de
supermercado, não fica nada. Logo, não fica um cliente na Informática local
[...] desse nicho protegido. Então, ou [as empresas locais saem] para
competir nos lugares para onde os nossos alunos estão indo [...] ou o vai
ter empresa local (MEIRA-entrev. a GOULART, 2005).
Com efeito, grandes empresas privadas com sede em Pernambuco foram adquiridas
por grandes grupos nacionais e estrangeiros.Dentre elas, encontra-se o Banorte - Banco
Nacional do Norte e a ASA Alumínio S.A., dois dos principais pilares da TI em
Pernambuco.Mais adiante, o esvaziamento da SUDENE também contribuiria para a
diminuição do mercado local de TI, além de construir um enfraquecimento da articulação de
políticos de desenvolvimento regional.
No início da década de 1990, pouco depois de o Departamento de Informática haver se
tornado um “departamento acadêmico completo”, 70% de uma turma de graduados foi
imediatamente contratada por um banco brasileiro com sede em São Paulo. Esse banco
necessitava de pessoal que dominasse uma linguagem de programação orientada a objeto, no
caso a
Small Talk
, que o curso do Departamento de Informática da UFPE fora o primeiro a
106
ensinar em nível de graduação no Brasil (CUNHA-entrev., 2006). Albuquerque (2005)
também se refere à contratação de alguns graduados pela Microsoft, na mesma época, para
irem trabalhar no desenvolvimento de
software
na sede dessa empresa, nos Estados Unidos
9
.
Se a emigração em massa desses graduados, de um lado, atestava a alta qualificação do curso,
de outro expunha a flagrante discrepância entre a oferta de profissionais formados dentro de
um currículo sofisticado e globalizado e a restrita demanda das empresas locais.
O Cientista-Chefe do CESAR lembra-se de ter feito uma provocação na época,
declarando que havia “excelência” mas não “relevância”, no sentido de que a Universidade
não estava fazendo diferença significativa para a economia local (MEIRA-entrev. a
GOULART, 2005). Recentemente, ele afirmou que aquele acontecimento representou o ponto
de inflexão do DI, uma entidade acadêmica cujos componentes estavam imbuídos, até então,
“unicamente do processo de educação, de pesquisa e desenvolvimento” e que, a partir desse
evento, passaram a entender que, a continuar assim, iriam se tornar “social e economicamente
irrelevantes” (MEIRA-entrev. 2006). É assim que retrospectivamente o evento é teorizado:
O que nós estávamos fazendo era criar uma janela de oportunidades para os
meninos irem embora. Então, do ponto de vista da Economia local, isso era
irrelevância social, econômica e provavelmente política de imediato, porque
a gente ia ajudar a piorar e não ajudar a melhorar. É óbvio que a gente estava
criando oportunidades pessoais para muitos, mas para muito menos do que
seria possível se os poucos que estávamos resolvessem ficar aqui e
empreender aqui. Então, essa tomada de decisão, que é uma tomada de
decisão que mudou as nossas vidas, mudou, eu acho, o que a Universidade
fazia aqui. A Universidade, pelo menos na área de Informática, passou a ter
um núcleo de intervenção direta na Economia, passou a ter o CESAR. Esse
troço precisava de um despertar como aquele (MEIRA- entrev. 2006).
Outros professores do CIn também citam a experiência de emigração dos primeiros
graduados formados de acordo com o novo currículo, como um acontecimento marcante na
9
Atualmente existem mais de 20 ex-alunos do Curso de Informática da UFPE trabalhando na sede da
Microsoft, nos Estados Unidos (SALGADO-entrev., 2006).
107
história do então departamento. Retroativamente, esse é considerado um acontecimento que
marca o início de uma discussão das possibilidades de influir mais diretamente na mudança
do ambiente local. É assim que o interpretam, por exemplo, dois personagens universitários
com participação importante na história recente do setor do
software
em Pernambuco, o
Diretor do CIn e uma professora que participou da criação do CESAR. Para o primeiro, foi
devido a ele que “a gente viu que não é formar pessoas de boa qualidade, é preciso criar
um sistema, um ecossistema em que as pessoas pudessem ficar aqui”, o que terminou gerando
“outras iniciativas nossas, como o CESAR e o Porto Digital, e a tentativa de planejar melhor
essa área aqui em Pernambuco” (CUNHA-entrev., 2006). Para a segunda, esse evento se
insere entre “as razões da criação do CESAR” e “de mudar um pouco, de forma mais ampla, a
economia da Tecnologia da Informação que existia aqui na época” (SALGADO-entrev.,
2006).
Conforme Munir (2005), os estudiosos de mudanças institucionais em campos
organizacionais, muitas vezes, não atentam para o fato de que certos eventos acabam sendo
considerados causadores de mudança, porque são teorizados como tais. Para esse autor,
acontecimentos reais podem ser interpretados como eventos perturbadores, porque pré-existe
uma intenção desenvolvida de intervenção, que os fazem identificados desse modo. Assim,
o que passa por ser um evento “exógeno”, em realidade, ganha significado de conotação
endógena por causa da “construção social”.
A interpretação negativa dada àquela contratação em massa pode denotar uma
parcialidade intencional, pois o “evento” poderia, ao menos, em parte, ter sido interpretado
como um êxito da entidade acadêmica. A conquista de empregos pelos graduados é um dos
modos como as instituições de ensino superior se legitimam junto a sociedade. Aliás, a
divulgação de notícias de contratação de graduados do CIn por grandes empresas de TI, em
especial, pela sede da Microsoft, tem sido fonte de legitimação atual desse centro como uma
108
unidade acadêmica de ponta. Por exemplo, uma reportagem jornalística recente anunciava que
três pernambucanos e ex-alunos do CIn haviam passado a ser os “mais novos funcionários”
daquela mesma empresa (BILL GATES..., 2006), todavia o fato de ter prevalecido, naquela
época, uma interpretação negativa para aquela evasão pode ser uma indicação de que a
corrente favorável ao empreendedorismo acadêmico já era, na época, dominante.
Não dispomos de dados para afirmar se estava madura uma orientação favorável à
criação de um “ecossistema” local, quando ocorreu o evento da migração de quadros
formados pelo centro. No entanto, o fato de ele ter se tornado amplamente referido é
evidência de que, iniciado antes ou depois do próprio acontecimento, houve um processo de
construção social do seu significado negativo.
De acordo com o Cientista-Chefe do CESAR, houve em seqüência uma infrutífera
tentativa de influência junto às empresas locais existentes para mudarem seu padrão de
atuação e de contratação de profissionais:
E aí, a resposta que tinha, obviamente, era a seguinte: “- Esqueça! Nós
estamos aqui, nossos clientes daqui não precisam disso”. E de nada adiantou
a gente dizer: “- Mas os seus clientes que estão aqui hoje não vão estar aqui
amanhã. Ou a gente sai para competir nos lugares para onde os nossos
alunos estão indo, ou não vai ter empresa local” (MEIRA-entrev. a
GOULART, 2005).
Essa inércia das empresas em acompanhar a mudança de paradigma parece ter
contribuído para que os próprios acadêmicos resolvessem participar da cena empresarial.
Referindo-se às características atuais do pessoal oriundo da Universidade envolvido em novos
empreendimentos, alguém com mais de quinze anos como empresário no setor identifica que
“a experiência de medir velocidade de mercado, os acontecimentos, ver para onde as coisas
vão, nisso eles ainda são muito verdes, embora se superem com muita rapidez, porque são
preparados” (XAVIER-entrev., 2006).
109
Uma das formas de superar as deficiências práticas tem sido a de assimilar noções de
empreendedorismo. A área de Informática da UFPE foi pioneira na incorporação dessa
disciplina ao currículo, o que não significa dizer que se trate tratar-se de uma iniciativa
original. O empreendedorismo vem se disseminando nas universidades do Brasil, pelo menos,
desde 1981, recebendo atualmente o apoio de várias organizações como SEBRAE, IEL,
CNPq e SOFTEX (CHAGAS, 2001). Se o apoio sistemático dessas organizações significa
uma daquelas situações em que “a própria inovação está sendo reduzida a rotina”
(SCHUMPETER,1950, p. 132) parece ser algo ainda difícil de discernir. O que parece certo é
que essa unidade acadêmica adotou uma estratégia de aquiescência a um movimento nacional
de difusão do empreendedorismo como valor e como prática.
na linha de atuação do CESAR, percebe-se a influência de uma visão à qual se
converteram “círculos crescentes de professores, pesquisadores,
policy makers,
funcionários
de várias instâncias e áreas de governo, empresários etc” que defendem mecanismos de
interação entre a Universidade e a empresa (DAGNINO, 2003, p. 278). Enquanto nessa visão,
a universidade é compreendida como um agente privilegiado para a “promoção da
competitividade das empresas e da nação” (p. 271), a orientação do CESAR representa um
ajuste, uma “modificação local” (DIMAGGIO, 1988) sob essa visão. Na região periférica,
antes de ter como dadas as empresas cuja produtividade se visa promover, é antes necessário
que essas empresas sejam criadas.
4.3.1 Na área de software, “precisamos só do nosso cérebro”
Como vimos, a tentativa de intervenção no ambiente empresarial da TI local por parte
dos professores do CIn se dá no contexto de carências
de uma região periférica aguçadas pelo
110
esvaziamento ocorrido no poder de decisão local na economia. Embora muitos clientes
tenham desaparecido com a diminuição do poder de decisão empresarial local, isso pode não
ter significado um fator negativo à criação do setor de
software
em Pernambuco, em especial
a sua parte dedicada à inovação.
De acordo com Perez e Soete (1988), a possibilidade de países mais atrasados se
equipararem e até suplantarem os países mais avançados em períodos de mudança de
paradigma pode ser explicada pela ausência, nos primeiros, das antigas vantagens dos
segundos que se transformam em empecilhos custosos de serem removidos. Assim, “os novos
entrantes que, qualquer que seja a razão, possuam os novos conhecimentos e habilidades
relevantes, são mais leves e mais rápidos” (p. 477). Podemos compreender o esvaziamento
econômico local como parte do processo da “destruição criadora” em que o terreno é
previamente preparado para se criar algo novo.
Há de se considerar, ainda, algumas questões de ordem técnica que facilitam a criação,
numa região periférica, de empresas competitivas no ramo de
software
. É que a cadeia de
produção dessa especialidade da computação requer menores aportes de capital.
Evidentemente, isso facilita a instalação desse setor numa região menos industrializada como
o Nordeste. Mesmo que se tenha percebido que o negócio de alta tecnologia é
intrinsecamente um negócio global, percebe-se que “tocar uma incubadora, tocar uma
empresa, desenvolver um
software
zinho e vendê-lo” é mais fácil do que em outras áreas,
como a da biotecnologia (MELO-entrev., 2006).
Para se fazer pesquisa de ponta no setor de
software
, em comparação com outras áreas
como Engenharia, Física e Química, a infra-estrutura é muito mais barata, pois se necessita
basicamente de bons computadores e acesso a revistas e publicações cientificas, e os modelos
são testados através de simulação. Essas são razões similares para o Brasil ser mais
competitivo em
software
do que em
hardware
(TENÓRIO-entrev., 2006).
111
Claro que subsistem diferenças na área de
software
, por exemplo, com as
universidades européias, pois “a infra-estrutura lá é muito melhor do que a nossa”, o que
resulta numa maior produtividade. No entanto, mesmo nessa desvantagem o Prof. Tenório
identifica paradoxalmente um ponto positivo: “Nós terminamos tendo um dinamismo maior”,
pois “somos obrigados a produzir muito mais do que eles para poder captar o mesmo nível de
recurso”, acontecendo com freqüência de se fazer “tanto quanto eles ou mais, em termos de
produção científica”. Em resumo, o Brasil tem condições de concorrer na área de
software
com os países industrializados, porque, nesse ramo de atividade, relativamente, “precisamos
só do nosso cérebro, da nossa cabeça”.
Ter condições de concorrer não significa estar ainda em de igualdade. A atuação
dos produtores de
software
do Brasil volta-se mais para o mercado interno, embora com a
ajuda do Governo Federal, através do Programa Softex, tenham sido criado melhores
condições para competir internacionalmente. O Brasil fica ainda atrás, por exemplo, de um
outro país emergente, a Índia, que, por reunir uma série de vantagens, como a tradição de
formar grande número de engenheiros na área e o domínio da língua inglesa, é capaz de
competir globalmente com os países desenvolvidos.
Torna-se atrativo conceber a alternativa de geração de renda numa região periférica
como o Nordeste com tecnologia que dependa intensivamente de conhecimento, “de gente”,
pois as alternativas são mais custosas e difíceis de implantar nessa região: “Não é uma
questão de botar água não”; “Botar infra-estrutura pesada é difícil” (MELO-entrev., 2006).
As razões porque com a Informática parece mais fácil viabilizar empreendimentos
empresariais são semelhantes às razões, porque isso pode acontecer numa região periférica ou
semiperiférica: a maior dependência da qualidade dos recursos humanos e a maior
independência de capital físico. O que pode explicar, ao menos em parte, o fato de
112
Pernambuco estar à frente dos seus estados vizinhos, como Ceará e Bahia, é justamente o fato
de o setor pernambucano ter contado com uma base acadêmica mais avançada.
São marcantes as diferenças institucionais entre os países cêntricos e os países
periféricos e semiperiféricos no que tange os agentes que promovem e exercem a pesquisa
básica e aplicada na área de TI, como de resto, nas demais áreas. Para o Prof. Tenório, nos
países desenvolvidos, tanto empresas quanto universidades se envolvem com pesquisa básica
e aplicada, enquanto no Brasil é essencialmente nas universidades públicas, com algumas
raras exceções, que se têm atividades de pesquisa. O fato de o setor privado não absorver
cientistas e engenheiros é “um freio” ao desenvolvimento científico-tecnológico do Brasil.
Esse professor, no entanto, um início de mudança com os incentivos que, de uns dez anos
para cá, o Governo Federal tem oferecido às empresas (TENÓRIO-entrev., 2006). O setor
empresarial, em países semiperiféricos, como o Brasil, ainda assume um papel marginal na
pesquisa, em especial no que se refere ao seu financiamento.
4.4 Meta-empreendedorismo coletivo
Conforme reflexão de Marinho (entrev. 2006), co-autor de um livro comemorativo dos
dez anos de existência do CESAR, a ser publicado, o CESAR não é uma experiência original
meramente porque “cada organização, por ser um ente vivo, é também um ser único”; mas
principalmente porque “faz coisas únicas”. Assim, além daquela generalidade, por assim dizer
selznickiana, de cada organização ser um ente distinto, mesmo que produza coisas habituais, o
CESAR se distingue por ter como matriz uma universidade e pela inovação institucional
“radical” introduzida no relacionamento com o mundo empresarial. Segundo ele, essa
organização viabilizou
113
situações, para muitos, inconcebíveis, de que o professor de tempo integral,
dedicação exclusiva, poderia, e, na realidade, na visão de alguns como a
minha, deveria ter, se assim desejasse, um relacionamento com a sociedade,
com o setor produtivo, de uma forma mais livre e, portanto, mais
contributiva para o desenvolvimento da cidade, da região e do estado
(MARINHO-entrev., 2006).
Segundo Marinho (entrev. 2006), os professores sofrem impedimento de diversas
ordens, sendo o principal o que ocorre no nível dos valores internos da Universidade: “o
preconceito quanto à possibilidade de ser também um ente privado, alguém que também pode
ter empresa, que pode tratar de negócios”. Ele reforça esse ponto, citando uma frase “muito
simbólica” de um professor ligado ao CESAR, que preferiu não identificar: “você pode até ter
um posto de gasolina como professor e ganhar muito dinheiro, mas se você quiser ganhar
dinheiro com o conhecimento que você tem, você vai ser demonizado por todos os seus
colegas” (apud MARINHO, entrev. 2006).
Considera Marinho (entrev. 2006) que “a coisa mais inovadora” do CESAR é a forma
como os professores procuraram diluir as pressões sobre as atividades empresariais de que
eles próprios pudessem participar. A solução encontrada foi a concepção do CESAR como
uma organização que pode atuar como se fora uma empresa, mas cujos lucros “serão,
obrigatoriamente, reinvestidos no desenvolvimento de suas próprias atividades”.
Conforme reza o estatuto do CESAR, cabe a esta organização repassar parte dos
recursos oriundos das suas atividades, através de convênio, ao Centro de Informática da
UFPE, para financiamento de pesquisa e desenvolvimento ou infra-estrutura e custeio do CIn;
bem como contratar prioritariamente os recursos humanos e as instalações do CIn/UFPE. Em
caso de extinção, o patrimônio do CESAR destinar-se-á obrigatoriamente à Universidade
Federal de Pernambuco, para fins exclusivos de apoio às atividades de ensino, pesquisa e
extensão do CIn.
O CESAR rompe com o restrito padrão de empreendedorismo que um professor
poderia adotar se, em algum momento de sua carreira, quisesse explorar uma oportunidade de
114
realizar negócio com base no seu conhecimento. Nessa situação, ele era praticamente forçado
a escolher entre “a mulher” (a Universidade) ou “a amante” (o mercado), conforme
comparação de Jurema (entrev. 2006), referindo-se ao seu próprio caso, em que deixou o
regime de dedicação exclusiva para abrir um negócio próprio na área da TI.
Para uma das fundadoras do CESAR, o espírito deste empreendimento foi diferente:
Tem muita gente que criou empresas por aí, mas empresas próprias. O
CESAR não é de ninguém. O CESAR é uma organização sem fins
lucrativos, não tem dono.[...]
[O espírito] é um pouco diferente de: “eu vou criar minha empresa, para
ganhar meu dinheiro e ter alguma coisa fora”. O objetivo o foi esse. O
objetivo foi criar ou modificar as empresas da área de Tecnologia da
Informação locais, do Estado, e foi nesse intuito também que esse mesmo
grupo de pessoas - e se inclui o Cláudio Marinho - seguiu adiante num
projeto maior que é o projeto do Porto Digital (SALGADO-entrev., 2006).
Comparando-se com outras experiências, em que cada pessoa “quer aparecer mais do
que a outra”, Salgado (entrev. 2006) assegura ter havido senso de coletividade.
Todavia, é importante considerar que contribui para o apoio coletivo à criação do
CESAR, interesses complementares que vários professores passaram a ter. Conforme lembra
Jurema (entrev. 2006), a área da Informática, como aliás toda a Universidade, foi atingida “na
parte mais sensível, que é o bolso”. O fato de a Universidade deixar de estar “de costaspara
o ambiente local e passar a “ver o mercado” está associado a vicissitudes terrenas de
sobrevivência: o MEC passou a corrigir “menos ou nada os salários”, o CNPq passou a não
atribuir novas bolsas. Conjugou-se, segundo ele, a pressão financeira nos salários dos
professores com a demanda oriunda da sociedade por respostas técnicas do pessoal de
Informática, que é “muito grande” nessa área. Então, “os professores passaram a enxergar o
mercado e a interagir com ele, não, por ideologia, mas, por uma questão prática, em sua
maioria, por uma questão financeira, a ponto de hoje haver exageros” (JUREMA-entrev.,
2006). Desse modo, a política neoliberal de restrição de recursos do sistema público do ensino
115
superior e pesquisa contribui para que haja uma adesão dos professores ao primado do
mercado por razões mundanas, e não, pela suposta superioridade desse princípio no papel
social da Universidade.
A orientação empreendedora do CESAR reside em propiciar oportunidades à
coletividade dos professores e alunos do CIn de empreender negócios ou prestar serviços no
mercado, sem necessariamente abandonar seu vínculo “exclusivo” com a Universidade. É
essa acomodação que Marinho (entrev. 2006) parece identificar como “uma artimanha
empresarial do CESAR, diante da necessidade dessa organização de contratar “dezenas de
jovens professores para desenvolver produtos”. O caso do CESAR parece se aproximar de um
dos modos de empreendedorismo coletivo considerado por Johannisson [1998], que envolve a
fundação de uma associação profissional, tendo como principal objetivo proteger a liberdade
individual de cada empreendedor.
Segundo Meira (entrev. a GOULART, 2005), “metade dos professores do Centro de
Informática, de uma forma ou de outra, está envolvida com o CESAR”. O Estatuto do
CESAR contém a exigência de apenas professores do CIn poderem assumir a sua Diretoria e
o compromisso de investir no próprio Centro de Informática e de a este centro serem
revertidos os recursos, em caso de sua extinção. A participação dos professores e as condições
estatutárias fazem do CESAR uma espécie de representação do CIn, um empreendedor
representativo da coletividade de professores.
Trata-se ademais de um empreendedorismo reflexo ou de “meta-emprendedorismo”,
de acordo com termo adotado por Etzioni (1987), para designar um tipo especial de
empreendedorismo encontrado, por exemplo, em
think tanks
ou em projetos colaborativos de
P&D entre universidades e empresas. Quando uma organização empreendedora desse tipo que
atua em ambientes de rápidas mudanças cai em obsolescência, é típico que uma das suas
subunidades assuma a perspectiva empreendedora sobre a própria estrutura da organização a
116
que pertence, tendo em vista a mudança dos padrões de inovação. Essa variante pode
encontrar maior dificuldade de legitimação. No caso que ora examinamos, parece tratar-se do
desenvolvimento da própria capacidade de empreender da coletividade de professores, como
resposta às rápidas mudanças observadas na Tecnologia da Informação. Esse movimento de
auto-criação parece bem percebido pelo Cientista Chefe do CESAR: “A inexistência de uma
empresa local de classe mundial levou a gente a ter que, literalmente, intervir no mercado para
criar a inserção. Quem criou a nossa inserção fomos nós” (MEIRA, entrev. a GOULART,
2005).
Como afirma DiMaggio (1988), “atores coadjuvantes” provêm recursos e conferem
legitimidade a uma forma organizacional nova e, no processo, tornam-se eles mesmos
legitimados e institucionalizados. No caso que ora analisamos, a principal forma
organizacional que se projeta institucionalizar, de início, não nos parece ser propriamente o
CESAR que, embora catalisando o processo, melhor se enquadra como uma entidade de
apoio. A “forma organizacional” central que busca legitimação é a da categoria dos
acadêmicos-empreendedores, que precisa contornar o obstáculo da norma da “dedicação
exclusiva”. Outro ator coadjuvante que confere legitimação é a UFPE. Além disso, pode-se
afirmar que a estabilidade de emprego provida por essa universidade contribui como “capital
de risco” para os empreendedores acadêmicos.
4.5 Idiossincrasias, aspectos históricos, elementos culturais
De algumas das entrevistas emergiram considerações sobre características pessoais e
particularidades históricas que favoreceram a criação do setor de
software
em Pernambuco,
em geral, e o empreendimento do CESAR e do Porto Digital em particular. Cunha (2006)
menciona uma série de coincidências
, em que incorrem elementos individuais e contextuais -
117
uma área nova a Informática; com um mercado, de uma certa maneira, receptivo, nacional e
internacionalmente; um grupo de professores que não aderiu à alternativa de procurar bons
postos de trabalho em regiões mais industrializadas, o que seria perfeitamente viável pelas
suas qualificações. Essa situação de crescimento excepcional vivida pelo CIn parece refletir o
rápido crescimento do mercado, uma das características do estágio de formação de uma nova
indústria que, por sua vez, constitui oportunidade para desenvolver um projeto de novo
empreendimento (ZIMMERMAN; CALLAWAY, 2001).
Cunha (entrev. 2006) faz menção também a algumas características histórico-culturais
como uma dose de provincianismo, que inclui apego à família e ressalta que, na época em que
o Departamento de Informática se estruturava, a globalização “não tinha chegado assim tão
forte” e, portanto, as pessoas tinham menos inclinação para migrar.
Vários dos entrevistados, direta ou veladamente, com maior ou menor grau, atribuem
ao Prof. Silvio Meira, ora ocupando o cargo de Cientista-Chefe do CESAR, um papel
fundamental no empreendimento do setor de
software
em Pernambuco, em sua fase atual.
Paraibano da cidade sertaneja de Taperoá, na entrevista que tivemos, Meira declarou seu
vínculo emocional com Pernambuco:
Manoel Bandeira costumava dizer que mais importante do que a terra em
que a gente nasce é a terra que nasce no coração da gente. E quando eu vim
para - eu morei aqui em Pernambuco para fazer vestibular - eu vim para
em 71 para fazer vestibular e morei muito pouco tempo, na realidade, um
ano e meio. E quando eu fui embora, eu tinha Pernambuco na minha alma,
digamos assim. E era quase como se não tivesse alternativa. Eu tinha que
voltar para cá (MEIRA- entrev. 2006).
Depois de se graduar em Engenharia Eletrônica, no ITA (Instituto Tecnológico da
Aeronáutica), cursar o Mestrado em Redes de Computadores e concluir o Doutorado na
Inglaterra, na área de Programação Funcional, ele está radicado em Recife, desde 1985.
118
Na concepção de uma das entrevistadas uma observadora que tem vínculos estreitos
com a UFPE, desde os primeiros anos do Departamento de Estatística e Informática e, quando
presidente da FACEPE, teve oportunidade de acompanhar a instalação do CESAR - a
evolução observada na Informática na UFPE se deveu, inicialmente, ao ambiente favorável,
forjado por algumas lideranças no CCEN que favoreceu o florescimento de empreendimentos
científicos (MELO-entrev., 2006).
Nessa época, alguns professores de Informática que tiveram participação importante
no comando do processo de crescimento da Informática na UFPE, faziam parte do corpo
docente e viveram aquela atmosfera de novas realizações. Dentre eles, ela refere-se ao nome
do Prof. Silvio Meira, um menino brilhante”, que talvez tenha no papel de animador a sua
maior qualidade, pois é capaz de despertar sonhos e fazer “todo jovem de 20 anos acreditar
que vai ser um Bill Gates”. Ela também menciona sua ousadia, característica que falta a outras
lideranças na área da TI em outros estados da região. No entanto, essa observadora ressalva
que “não é Silvio, [...] havia o ambiente”, referindo-se especificamente aos primeiros anos
no CCEN (MELO-entrev., 2006). Assim, em que pese a atuação de alguns indivíduos, essa
evolução inicial da Informática, dentro de uma organização acadêmica pública, parece
constituir um dos casos em que a função empreendedora não está exclusivamente
corporificada “numa pessoa física e, em especial, numa pessoa física” (SCHUMPETER,
1949, p. 71).
O Presidente do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD) atribui a existência de um
setor dinâmico de
software
em Pernambuco, em grande parte, à “sorte de termos algumas
personalidades com um nível de compromisso altíssimo com esse segmento, como prioridade
em suas vidas” (VELOSO-entrev., 2007). O Secretário de Ciência, Tecnologia e Meio
Ambiente de Pernambuco, referindo-se a uma pesquisa que versava sobre a possibilidade de
119
replicação do CESAR afirma que, para se decifrar o “enigma” da criação dessa organização,
cumpre recorrer às qualidades individuais dos principais personagens que a urdiram:
O modelo que foi implantado tem muito da engenhosidade conceitual de um
Sílvio Meira, de um Fábio Silva, que desenhou estratégias de implantação
originais, e de um Ismar Kauffman, que tinha uma vivência já no mundo
empresarial, e que definiu os manuais operacionais, com regras de mercado,
com que os outros dois professores não teriam tanta afinidade. Precisaria ter,
pelo menos, a complementaridade dos perfis desses três, que em
determinado momento foi até especificada por um dos entrevistados na
elaboração do livro, quando disse que um era o visionário, o outro, o
estrategista e o outro, o operador. Eu diria que se você consegue replicar
num nível de sinergia criativa os papéis de um estrategista, de um visionário
e de um operador, tendo uma dedicação extrema de algumas milhares de
horas não pagas, com uma visão, inclusive, de desenvolvimento do lugar em
que vivem, da sociedade em que habitam, com uma visão de futuro para o
país em que resolveram criar seus filhos, você pode ter um outro CESAR
(MARINHO-entrev., 2006).
Esses três não se enquadrariam no perfil dos “professores-padrão” que adotam a
carreira acadêmica “como uma religião”; o pessoas que vislumbraram condições
diferenciadas “naquele momento”, para “poder fazer alguma coisa, poder construir alguma
coisa nova” (MARINHO-entrev., 2006). Comentando a infrutífera tentativa mencionada pelo
professor da USP sobre a criação de “algo como o CESAR”, Marinho (entrev. 2006)
pergunta: “Você vai ter um outro Sílvio Meira na USP para fazer isso? Também
destacando a importância das pessoas que estão “por trás” do sucesso do CESAR, uma
professora que acompanhou sua criação amplia o leque de responsáveis pelo
empreendimento, pois menciona “toda uma equipe” e o grande apoio” do Centro de
Informática, em cujas instalações o CESAR começou a funcionar.
Assim, o conjunto dos participantes parece ter reunido a contento dois papéis da
inovação, o dos empreendedores propriamente e o dos gerentes da inovação (ETZIONI,
1987), para levar adiante o projeto de inovação. Sem essa complementaridade, fica impossível
120
a concretização do empreendimento, mas é preciso reconhecer que, seguindo Metcalfe (2003),
o que é ímpar num empreendimento é “a visão diferente do mundo” que tem o empreendedor:
Os empreendedores acreditam em algo que ninguém mais acredita, e o
fazem com força mental suficiente para agir com base na crença e
comprometer recursos num plano de negócios (METCALFE, 2003, p.10).
Espelhando a opinião de outros entrevistados que participaram ou acompanharam de
perto o processo de formação do CESAR, Salgado (entrev. 2006) afirma que o “sucesso do
CESAR dependeu da força de vontade das pessoas que estavam no momento em que ele foi
construído”. E menciona especificamente Silvio Meira que “botou na cabeça” que aquela
idéia iria funcionar “de qualquer forma”. De fato, Silvio Meira parece se destacar dentre os
colegas pela força das suas convicções tanto sobre a globalização da Informática como do
futuro processo de esvaziamento do poder decisório da economia local e conseqüente
diminuição do mercado local, que estão na essência do projeto empreendedor do CESAR,
cujo contexto de referência é o mercado globalizado. Conseqüentemente, foram centrais ao
empreendimento os aparentes efeitos da sua permanência no Exterior, assim como a de vários
dos atuais doutores do CIn, na consolidação desses valores.
A falta de jeito com coisas práticas que, por mais brilhantes que sejam os projetos,
acompanha algumas inovações, não esteve ausente da experiência de criação do CESAR.
Houve situações em que tiveram de entrar como capital de risco do CESAR, os próprios bens
pessoais de alguns dos professores mais envolvidos. Conforme reflexão de Meira (entrev. A
GOULART, 2005), além de “um grau de doação muito grande”, o sucesso do CESAR deve-
se, ironicamente, a “um grau de ignorância muito grande nosso, que é uma das razões por que
eu acho que a gente fez tanta coisa”. E um dos problemas inesperados era a necessidade de
existir bens em garantia para empréstimos contraídos pelo CESAR. Assim, várias vezes, os
que ocupavam o cargo de presidente ou de diretores tiveram de disponibilizar seus próprios
121
imóveis nos contratos bancários. O próprio Silvio Meira conta que seu único bem, um
apartamento em construção, “entrou várias vezes em garantia de empréstimo”. Com boa dose
de humor, ele fala de um caso semelhante com outra pessoa que bem ilustra a improvisação
havida na fase inicial do CESAR:
A gente precisou tomar um empréstimo de capital de giro no banco, e ela
chegou aqui e disse: - Como é que é esse negócio aqui?
Eu disse: - É fácil, se o CESAR não pagar, o banco vai tomar seu
apartamento.
Ela disse: - Pô! (MEIRA, entrev. a GOULART, 2005) ]
A entrevista que Silvio Meira concedeu é pontuada não somente com algumas
constatações da dura realidade do contexto ou das agruras que cercam as realizações, mas
também de declarações que expressam confiança e esperança no futuro do empreendimento,
seja do CESAR, seja do Porto Digital. Essas constatações e declarações, algumas vezes,
aparecem juntas, como, por exemplo, quando se observa que “todo mundo” era contra a idéia
da constituição do CESAR e se declara que isso “de forma alguma, diminuiu a nossa energia
na tentativa de construir uma coisa diferente aqui”; ou ainda, quando se nota que o Porto
Digital está inserido numa “periferia pobre”, mas ao mesmo tempo, “criativa, como são todas
as periferias”. Na mesma página da transcrição da entrevista, Meira refere-se ainda à missão
do CESAR:
Eu entendo o CESAR como um projeto educacional. O CESAR é um
movimento, uma escola de criação de oportunidade de desenvolvimento
humano e social. [...] É um processo de criação de oportunidades. E esse
processo de criação de oportunidades, como todo processo educacional, é
um negócio de longo prazo. Eu acredito piamente que a gente consegue
entender o impacto dos processos educacionais quando você analisa décadas
de operação. [...] Por quê? Porque [leva tempo] até você ter criado as
empresas, formado as pessoas, mudado as cabeças (MEIRA- entrev., 2006).
122
A característica de visionário de Silvio Meira revelada nesse depoimento foi captada
por um dos entrevistados que também se referiu a ele e a Cláudio Marinho, conjuntamente,
como “os caras que estão lá na frente, pensando”, mas que têm que ter uma retaguarda grande
porque “se não, não acontece” (XAVIER-entrev., 2006). Vê-se, no entanto, que o alcance do
projeto em que o próprio Silvio Meira se envolvido não é tão somente o de empreender
negócios, ou mesmo um parque ou pólo tecnológico mas o de uma mudança social de longo
prazo.
Percebemos, nesse programa, a mesma crença de que a educação e a universalização
do conhecimento científico eram o único caminho para transformar a sociedade e o homem”
com que os socialistas utópicos, que viveram na Europa entre os séculos XVIII e XIX, são
caracterizados por Teixeira (2002, p. 29). O pensamento de Meira parece igualmente baseado
na mesma “fé inabalável na razão e na onipotência do pensamento” (TEIXEIRA, 2002, p. 29)
daqueles pensadores.
Referindo-se a Charles Fourier, um dos expoentes dessa corrente de pensamento,
Tragtenberg (1980) afirma que “sua descrição paradisíaca do futuro liga-se à crítica acre da
sociedade de sua época” (p. 68). Com efeito, num mesmo texto de Fourier em que o
denunciadas as condições insalubres em que viviam (ou morriam) as crianças das grandes
cidades francesas, podemos também encontrar a afirmação de que “[o] destino do gênero
humano é ou a imensa felicidade sob o regime divino e societário ou a imensa infelicidade
sob as leis dos homens” (FOURIER, 2002, p. 91). Quando Meira menciona as cruas
características de uma região periférica mas, ato contínuo, expõe a crença na possibilidade da
superação dessa condição marginal, percebemos uma aproximação específica com o
pensamento de Fourier. Essas formulações de Meira, em seu conjunto, contêm, portanto,
rudimentos do pensamento utopista.
123
Admitindo algum bairrismo, Marinho (entrev. 2006) considera que, desde os tempos
da colonização, reúnem-se no Nordeste condições que favorecem a realização de
“empreendimentos mais ousados”. Em particular, em Pernambuco, pela centralidade regional,
ocorre uma miscigenação que, para ele, é exemplificada através dos três professores acima
referidos: “Sílvio é um paraibano; Ismar Kauffman é um pernambucano de família judaica, e
Fábio é um paulista, do Interior de São Paulo”.
O livro sobre a história do CESAR, informa Marinho (entrev. 2006), traz como uma
das conclusões a de que “só poderia ter surgido o CESAR de dentro de uma universidade
como a nossa, que é por definição anárquica” e, mesmo refratária à inovação, é
“paradoxalmente permissiva” a que os próprios professores definam suas próprias estratégias,
o que seria inconcebível numa entidade privada. Reconhecia que embora em níveis não
convenientes, os salários dos professores, garantidos pela segurança do emprego, típica de
uma universidade pública no Brasil, constituíram uma “estabilidade”, uma última reserva,
algo que permitia aos professores ousar, diferentemente de quem estivesse no mercado
tentando fazer”. Trata-se de uma disponibilidade do que Marinho conceitua como uma
“acumulação primitiva”. Nessas condições, um professor “poderia experimentar” e, se não
desse certo, “voltava a ser professor, que é uma posição muito interessante no caso deles”
(MARINHO-entrev., 2006). Resumindo, temos uma situação em que a Universidade pública,
além da função inventiva, exerce, involuntariamente, a função latente de fornecedora de
capital de risco.
124
4.6 O CIn e o CESAR: a criação mútua e a criação
conjunta
A história das inovações é, em grande parte, a sucessão dos variados modos de se
estabelecer uma ponte entre as invenções científicas e as aplicações práticas (BURNS e
STALKER, 1994). Tanto os dados primários quanto os secundários parecem evidenciar que,
intermediando as atividades científicas e as de produção de
software
, foram estabelecidas
variadas e intrincadas relações entre duas das organizações que são centrais ao campo de
software
em Pernambuco: o CIn (anteriormente DI) e o CESAR. A evolução dessas duas
organizações coincide, em grande parte, com a história das suas relações mútuas e, por sua
vez, o surgimento de um moderno setor de
software
local é grandemente impulsionado pela
atuação conjunta dessas organizações.
De acordo com os indicadores da CAPES, o Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Computação da UFPE tem figurado entre os cinco ou seis melhores do país. Sobre esse
posicionamento geral, o Diretor do CIn, na entrevista que tivemos para esta pesquisa,
acrescentou comparações qualitativas diretas com alguns dos outros grandes centros de ensino
e pesquisa da TI no Brasil que contribuem para ressaltar importantes peculiaridades do centro
pernambucano.
Para ele, o CIn talvez seja o melhor quando se considera o conjunto das atividades
científicas e de inovação (CUNHA-entrev., 2006). Segundo seu atual Diretor, neste centro
logrou-se criar um ambiente eclético que, quer alguém tivesse mais inclinação para atuar
como profissional, quer como acadêmico, não necessitaria abandonar a região em busca de
uma Graduação ou Pós-Graduação de qualidade. Segundo ele, o Instituto de Informática da
USP, por exemplo, é um departamento puramente acadêmico, de grande excelência, que se
apóia essencialmente na Matemática, mas não realiza nenhuma interação com empresas. Esse
125
instituto forma apenas cerca de um doutor por ano, em média, o que, apesar da boa produção
de pesquisa e publicação, compromete a avaliação geral.
No caso do departamento da UFMG, o destaque é dado à grande ligação com
empresas, em especial com a Telemar. o modelo do Curso de Computação da UFRGS
seria, segundo ele, muito parecido com o da UFPE, no sentido de “formar não qualidade
mas também quantidade”, promovendo ainda interação com empresas, embora sem a mesma
importância estratégica que o CIn da UFPE representa para a sua região de atuação.
O fato de, comparativamente, o Centro de Informática de Pernambuco ser apontado
como melhor do ponto de vista do “conjunto” parece indicar um ponto importante da análise
institucional em regiões menos desenvolvidas. É que parece haver neste caso uma maior
superposição de funções, corroborando uma tendência observada em regiões menos
desenvolvidas. Sendo mais especializadas nas regiões mais desenvolvidas, as organizações
existem em maior variedade e, portanto, apenas nominalmente são as organizações das
regiões menos desenvolvidas definidas da mesma forma, pois, na realidade, sendo menos
especializadas, tendem a abranger conjuntos maiores de funções (RIGGS, 1964; RAMOS,
1983). Esse acúmulo de funções numa mesma unidade pode explicar a mais fácil interação
“universidade-empresa” entre organizações como o CIn e o CESAR, que surgiram de um
processo de diferenciação de um mesmo departamento acadêmico; ao contrário do que se
observa, por exemplo, em São Paulo, que, em comparação com o Nordeste, pode ser
considerada uma região desenvolvida. Segundo um professor da USP, apesar de São Paulo ser
a cidade que mais produz
software
no Brasil, “há dez anos tentamos construir aqui, sem
sucesso, algo como o CESAR” (DOAÇÃO DE..., 2006, p. 8).
Em uma outra entrevista, realizada com um professor do CIn que esteve alguns meses
do ano de 2006 na Universidade de Stanford como professor visitante, os dados permitem
fazer uma comparação direta com esta universidade cêntrica num aspecto particular. Por
126
ensinar a disciplina de Lógica, o referido professor ficou ligado ao Departamento de Filosofia
daquela universidade e não, ao de Computação. Em conjunto com as outras comparações,
esses exíguos dados, apresentados incidentalmente, durante a entrevista, parecem reforçar a
evidência de maior superposição de funções no CIn, o que isso provavelmente está associado
ao fato de esta unidade acadêmica se situar em uma região periférica, e não numa região
cêntrica ou semiperiférica.
Como se percebe, o CESAR surgiu de dentro do DI, como uma espécie de associação
profissional. Alguns anos depois, o DI foi transformado em CIn, quando o CESAR se
tornava independente e se encontrava na iminência de deixar as instalações no
campus
para se
instalar no Porto Digital. Como a descrição acima das características do CIn são atuais, pode-
se inferir que o então DI continha ainda mais componentes pró-mercantis na sua constituição,
sendo, portanto, o CESAR um
spinoff
de um centro acadêmico plural, com uma importante
vertente empreendedora.
Figuram como fundadores do CESAR oito professores do CIn (SALGADO-entrev.,
2006), e todas as decisões consideradas importantes do CESAR são submetidas à análise do
Conselho de Administração. Abaixo desse Conselho, situa-se a Diretoria, composta,
exclusivamente, de professores do CIn, conforme estabelece o Estatuto,que têm função
estratégica e não, executiva, que as atividades operacionais ficam a cargo da
Superintendência. Entretanto, o CESAR como organização, tem uma existência própria,
completamente independente do CIn e da UFPE, com CGC próprio, pois, do contrário, como
explica Salgado (entrev. 2006), “nós continuaríamos engessados na máquina pública federal
e o que se queria era um pouco mais de flexibilidade para as ações”. A fórmula inicial de
sustentar a incubação foi a mesma da empresariação do DI: a contratação de projetos.
Do mesmo modo que o CIn em relação à Universidade, o CESAR adotou, com o
reforço de meios legais, a tática de fuga
em relação ao CIn (e à Universidade), o que
127
configura, também, uma imitação ou um aprendizado que uma nova organização extrai da
vivência prévia no contexto de organizações existentes (ROMANELLI; SCHOONHOVEN,
2001).
Segundo Marinho (entrev. 2006), a Universidade, “paradoxalmente, por ser o celeiro
da pesquisa e do conhecimento, não é uma instituição apropriada a abrigar inovações”.
Portanto, a posterior mudança do CESAR para o Porto Digital, segundo Marinho, pode ter
significado o início de um período mais estável na vida dessa organização, pois as condições
institucionais ali criadas tenderiam a reduzir suas chances de insucesso. Assim, a aproximação
com os poderes locais que culmina com a transferência da sua sede para o perímetro do Porto
Digital aparenta ter sido conveniente à tática do CESAR de fuga do domínio da Universidade,
caracterizando-se como forma de obter maior estabilidade.
Após a fase de interdependência entre o CIn e o CESAR, “hoje [...]eles poderiam
existir um sem o outro” (SALGADO-entrev., 2006). Com nove anos de existência, o CESAR
havia se tornado completamente auto-sustentável financeiramente, diferente do que ocorre
em algumas universidades brasileiras, com as unidades organizacionais que realizam a
intermediação com o mercado (ALBUQUERQUE, 2005), no entanto, ele continuou se
beneficiando dos seus vínculos universitários de origem. Em primeiro lugar, recursos
humanos estratégicos, não apenas para a sua direção, conforme descrito, mas também para
o seu “corpo de consultores” em atividades de P&D, que é composto, principalmente, de
professores do Centro de Informática da UFPE, além de vários alunos e ex-alunos que estão
lá” (SALGADO-entrev., 2006). O CESAR centraliza a captação de grandes projetos. Para os
projetos que essa organização executa, ela freqüentemente contrata a consultoria desses
professores, embora recorra também a especialistas de outras instituições do Nordeste ou de
São Paulo. Em outros, ela inicialmente intermedeia a participação do CIn que, posteriormente,
128
estabelece relações diretamente com as empresas, como é o caso de vários projetos
contratados com grandes empresas multinacionais (ALBUQUERQUE, 2005).
A alta qualificação dos currículos dos professores do CIn traz vantagem quando da
concorrência em projetos dos quais eles participam (TENÓRIO-entrev., 2006). Por causa dos
vínculos com os professores, o CESAR mantém ligações com fontes de financiamento de
pesquisa nacional que lhe garantem recursos de médio e de longo prazo que uma empresa,
sem estar na mesma rede, dificilmente obtém. Essas vantagens desfrutadas pelo CESAR
suscitaram, por parte do Coordenador do SOFTEX-Recife, uma crítica à política de
financiamento de pesquisa e desenvolvimento, que impede , por exemplo, que pequenas
empresas aptas a desenvolverem soluções tecnológicas, participem dessa atividade, por não
atenderem aos requisitos das agências de fomento, que não contam nos seus quadros com
pesquisadores credenciados de acordo com os critérios acadêmicos (PAIVA-entrev., 2004).
Em segundo lugar, as ligações do CESAR com a Universidade propiciam um capital
simbólico que, neste caso, se faz extensivo a outras empresas do setor de
software
em
Pernambuco. Conforme depoimento do sócio de uma empresa de TI com sede no Estado, de
dez anos para cá, quando alguém do setor com atuação, por exemplo, no Sudeste brasileiro, se
refere às empresas do Estado, é comum se fazer a seguinte alusão: “Ah, tem o pessoal da
Universidade lá” (XAVIER-entrev., 2006). Apesar de já existirem empresas pioneiras de
Pernambuco na área da TI, com reconhecimento nacional, pode-se afirmar que os vínculos
universitários, em especial com a Universidade Federal de Pernambuco, parecem aguçar a
consolidação das empresas no mercado nacional.
Com relação ao CIn, as fontes usuais de recursos, além do Governo Federal e a
elaboração de projetos, passaram a incluir o CESAR. Com o crescimento das suas receitas,
chegou a haver períodos em que o CESAR repassou ao CIn um montante de recursos em
torno de oito a dez vezes maior do que o dotado pelo orçamento do Governo Federal
129
(ALBUQUERQUE, 2005; GOULART, 2005). Albuquerque (2005) estima que, sem esse
recursos adicionais, o CIn provavelmente não operaria da mesma maneira como acontece hoje
e cita o argumento de um professor desse centro que defende a existência dessas fontes de
recursos alternativas:
O C.E.S.A.R é importantíssimo para CIn, o governo não tem recursos para
suportar o crescimento da Informática, da demanda social. Se o houvesse
os recursos do CESAR e de outras fontes o centro seria medíocre [...] (apud
ALBUQUERQUE, 2005, p. 118).
Assim, num jogo de palavras, podemos afirmar, que se a organização “incubada”
obteve tanto recursos tangíveis da Universidade quanto legitimação decorrente do vínculo
universitário de origem, com o seu progressivo desenvolvimento, é ela, por sua vez, que vai
repassar recursos à “incubadora”, e intensificar sua empresariação, ou como afirma Marinho
(entrev. 2006), “é, literalmente, um rabo balançando o cachorro”.
Com o aumento ocorrido no número de professores, o Departamento de Informática se
transforma em Centro de Informática (CIn), em 1999. Essa mudança confere a essa unidade
acadêmica ainda mais autonomia do que a que já detinha em relação à universidade a que está
ligada. A divisão de trabalho existente no campo de
software
em Pernambuco entre o
CESAR, o CIn e, a partir de 2000, também o Porto Digital, é descrita caricaturalmente desse
modo:
Se você olhar para o Centro de Informática, a gente continua preocupado
com as questões acadêmicas. Se você vai pro CESAR, hoje, então o CESAR
está mais preocupado com os contratos, com os concorrentes - uma empresa
que tem que se sustentar no dia-a-dia. Se você vai pro Porto Digital, ele está
preocupado com a economia do Estado (CUNHA-entrev., 2006).
O CESAR atua como um instituto de inovação, incubadora de empresas e fábrica de
software
(GOULART, 2005). Como o CIn reúne as atividades de graduação, pós-graduação e
130
realização de pesquisa, tradicionalmente associadas a uma unidade acadêmica, aquelas de
incubação de novos empreendimentos e realização de projetos sob encomenda
(ALBUQUERQUE, 2005), pode também ser considerado uma organização híbrida. Segundo
um professor afinado com a orientação atualmente dominante no Centro de Informática,
prevalece nesse centro uma “cultura de inovação, de empreendedorismo e de não se limitar
apenas ao que a gente foi [...] contratado para fazer dentro da Universidade” (
apud
ALBUQUERQUE, 2005, p. 112). Que o empreendedorismo está institucionalizado no CIn é
evidenciado, talvez com maior força, no depoimento de um outro professor que, mesmo
defendendo uma posição crítica à linha ora seguida nesse centro, admite a objetividade dessa
institucionalização (BERGER e LUCKMANN, 2001), ao afirmar que a “reformulação toda
do CIn para o lado do empreendedorismo e da transferência de tecnologia [...] é um fato, não
é apenas uma avaliação” (QUEIROZ-entrev., 2006).
Para levar a cabo esse conjunto de atividades não habituais para uma unidade
acadêmica, o CIn adota uma estrutura organizacional que também foge da estruturação
padronizada (ALBUQUERQUE, 2005). Ao invés de adotar a costumeira estrutura por
departamentos, de acordo com os cursos de graduação oferecidos, o CIn se estrutura de
acordo com coordenações funcionais como “Graduação”, “Pós-Graduação” e “Pesquisa e
Desenvolvimento”. Uma dessas coordenações, a de “Cooperação e Integração”, cuida dos
projetos de pesquisa desenvolvidos para empresas, constituindo, dessa forma, um outro canal
de intermediação, além do CESAR.
A Lei de Informática é fundamental para a manutenção do
modus vivendi
do CIn
(CUNHA-entrev., 2006). Essa lei tem o efeito de aproximar as características do CESAR e do
CIn, pois ambas as organizações podem captar recursos externos diretamente. Com a
diminuição relativa dos recursos que são provenientes do CESAR, possibilitada pela Lei de
131
Informática (ALBUQUERQUE, 2005), mais uma mudança se opera nas relações de
interdependência entre o CIn e o CESAR.
Este último enquadra-se num daqueles tipos mistos de organização, para a qual os dois
ambientes o técnico e o institucional têm importância similar. Os seus recursos provêem
tanto de um quanto do outro, o mesmo ocorre com o CIn, em especial, após a empresariação.
Assim, tanto o CIn quanto o CESAR são organizações híbridas, com isomorfismo parcial
entre elas.
Conforme afirmou um empresário e professor do CIn em tempo parcial,
a Universidade tem um mérito enorme no Porto Digital em tudo que está
acontecendo em Informática, porque é dela que vem a maioria dessas
pessoas que estão hoje liderando essas empresas. Tudo isso [...] está
acontecendo por conta do nível do pessoal aqui, e esse nível mudou por
conta da universidade (JUREMA-entrev., 2006).
Deve-se, em grande parte, à atuação conjunta do CIn e do CESAR, ou sinteticamente
da “Universidade”, a criação local de um setor de
software
no patamar da Terceira
Informática, capaz de vender serviços para o Sul e Sudeste do Brasil bem como para fora do
País. A sociedade, incluindo outras instituições acadêmicas, é suprida com profissionais
capazes de “atender demandas sofisticadas” (ALBUQUERQUE, 2005, p. 96) e com “um
sistema de empresas mais arrojadas e abertas ao contato com a academia” (p. 123). Os
egressos da Universidade estão “modificando o mercado”, seja criando novas empresas, seja
intervindo na estratégia tecnológica de empresas existentes para tornarem seus produtos mais
competitivos (SALGADO-entrev., 2006). A graduação de um novo tipo de profissional e a
participação, direta ou indireta, no surgimento de organizações locais situadas num patamar
mais próximo do nível de conhecimento praticado na graduação e na pesquisa, podem
constituir uma recriação do ambiente local.
132
4.7 Entre a inovação e os serviços convencionais
A atuação do CESAR como organização inovadora pode ser caracterizada pelo
conjunto das atividades desempenhadas num dos projetos, o de desenvolvimento de jogos
para celulares, contratado pela Motorola. Conforme explanação da Profa. Ana Carolina
Salgado, o desenvolvimento da solução propiciou a criação de uma
expertise
em
desenvolvimento de jogos para celulares e, ao mesmo tempo, a criação de uma empresa, a
Meantime
, cujo projeto de incubação é exatamente acoplado a esse projeto. Ao mesmo tempo,
soluciona-se o problema do cliente final e se faz a incubação de uma nova empresa. Nessa
forma combinada de atuação, busca-se “generalizar o problema de tal forma que ele se
transforme num produto”, numa linha de negócios da empresa incubada (SALGADO-entrev.,
2006). A experiência é resumida assim:
A expertise foi criada e hoje tem um time que desenvolve jogos para
celulares, que é o maior time do Brasil. E tudo isso foi gerado por uma
necessidade da Motorola. Foi gerada a necessidade, o projeto foi
desenvolvido, a empresa está gerada e está para sair para o mercado a
qualquer momento aí (SALGADO-entrev., 2006).
O conhecimento empregado naquele projeto proveio do Centro de Informática da
UFPE:
A Motorola procurou o CESAR, dizendo que tinha interesse em
desenvolvimento de jogos, e nós tínhamos um professor no Centro de
Informática que trabalhava com jogos. Esse professor foi chamado para
encabeçar esse projeto e criou esse time para desenvolver o projeto. Hoje,
ele é sócio da Meantime (SALGADO-entrev., 2006).
Conforme é esclarecido, na seqüência da entrevista, esse conhecimento havia sido
gerado em atividades de pesquisa básica por esse professor, que é da área de Inteligência
Artificial e que “fazia pesquisa com jogos porque ele gosta de jogos” (SALGADO-entrev.,
2006).
133
As “instituições intermediárias” são consideradas elementos essenciais da infra-
estrutura que qualquer país deve ter para desenvolver suas aptidões tecnológicas
(DODGSON, 2005). Na medida em que age “de forma pró-ativa, como uma ponte entre
fornecedores e usuários de tecnologia” (DODGSON, 2005, p. 342), o CESAR comporta-se
como uma instituição intermediária de desenvolvimento tecnológico, agindo no nível do
campo.
Uma experiência importante na evolução do CESAR ocorreu com o processo de
incubação e venda da RADIX, uma das primeiras empresas incubadas por esse centro, cujo
produto surgiu de uma tese de um aluno de Doutorado: o desenvolvimento de um protótipo de
engenho de busca que incorporava a novidade da busca de arquivos de imagem. Coincidindo
com o
boom
da Internet, o engenho despertou o interesse do banco
Opportunity
que se
associou à empresa, tornando-se majoritário, inclusive para as decisões tecnológicas.
Posteriormente, contrariando outros sócios, dentre os quais docentes pertencente ao quadro do
CIn, o banco decidiu vender a empresa ao Grupo Ibest.
Essa experiência com o
Opportunity
constituiu um aprendizado para estabelecer outro
tipo de relacionamento com investidores de risco e para adotar um modelo alternativo de
incubação, na qual, por definição, esta tem “um período de tempo pré-determinado”
(LAHORGUE, 2004, p. 83). No novo modelo, o CESAR detém participação societária nas
empresa pós-incubadas. Trata-se, ao mesmo tempo, de uma forma de “monitorar melhor e,
talvez orientar, quando necessário, os caminhos dessas empresas” (SALGADO-entrev., 2006)
e, também, de compartilhar os eventuais ganhos:
As primeiras empresas que foram para o mercado, vamos dizer assim, foram
cortando todos os laços que existiam com o CESAR. Essas empresas podiam
dar certo ou dar errado. Se desse certo, o CESAR, que necessita de uma
auto-sustentação, não estava absolutamente usufruindo desse fato
(SALGADO-entrev., 2006).
134
Em um dos cartazes que cobrem uma das paredes da sala do Cientista-Chefe do
CESAR com pensamentos, ilustrações, esquemas etc, o seguinte pensamento: “Isso não é
uma empresa. Isso aqui é uma instituição”. Durante a entrevista, ele explica que o CESAR é
uma associação civil sem fins lucrativos, uma instituição que “está no mercado”, mas “para
fazer um outro conjunto de coisas que não é o conjunto de coisas que as empresas fazem”
(MEIRA- entrev., 2006). Essa característica de não ser uma organização com fins lucrativos
mas, ao mesmo tempo, de estar “no mercado”, confere uma ambigüidade ao CESAR que
cobra seu preço: há uma dificuldade de legitimação associada à suspeição de ganho indevido.
Segundo Meira (entrev. 2006), para muitas pessoas é “inimaginável” que se realize um
empreendimento, sem visar à apropriação de lucro material: “tem um número muito grande de
pessoas que acham que a gente montou esse negócio aqui para ganhar dinheiro, realmente”.
Essas suspeitas são invariavelmente enfrentadas com defesa de probidade, por parte do
principal dirigente do CESAR, às vezes, acompanhada de uma declaração de missão. Essa
capacidade de reagir pontualmente, ao mesmo tempo veiculando uma mensagem positiva,
parece ser uma característica marcante em Silvio Meira. Esse tipo de intervenção intermitente
pode ser tomada por esporádicas reações estabilizadoras, que parecem encaixar-se no tipo de
comportamento que caracteriza o estágio de pré-institucionalização (JEPPERSON, 1991).
Sintetizando as formulações de Cláudio Marinho e de Silvio Meira acima citadas,
podemos afirmar que a inovação organizacional do CESAR não está propriamente em fazer
coisas únicas”, mas, no conjunto único de coisas que faz e de características organizacionais
que detém. Parece haver alguma astúcia da parte de Silvio Meira quando caracteriza
institucionalmente o CESAR pelo “conjunto de coisas que não é o conjunto de coisas que as
empresas fazem”, isto é, pela superposição de funções dessa organização, pois talvez resida
em uma das funções específicas, a função empresarial, a principal ameaça de legitimação
135
dessa organização. Como relata o próprio Meira (entrev. 2006), referindo-se ao início da
existência do CESAR:
Então, nós levamos bomba, no começo, das empresas, dos nossos colegas,
do governo que não entendia, da Delegacia Regional do Trabalho, de
absolutamente, todo mundo. E todo mundo tinha alguma coisa contra
(MEIRA- entrev., 2006).
De todo modo, o CESAR não deixa de ser visto pelas empresas do setor, como uma
empresa. Para um empresário, que é também diretor da Associação das Empresas Brasileiras
de Tecnologia da Informação, Software e Internet de Pernambuco (ASSESPRO-PE),
“teoricamente, o CESAR, a gente trata como uma empresa do setor”, além do que “tem
sempre fóruns privilegiados, [...] fala com quem manda, direto, na maior parte das vezes”
(XAVIER-entrev., 2006).
O CESAR se constitui em um objeto de críticas que procedem de vários elementos do
campo. No SOFTEX, colhemos uma visão sobre essa organização que a vê como a principal
organização empreendedora do campo do
software
em Pernambuco, e que, no entanto, tem
“compromisso com ela mesma” (PAIVA-entrev., 2004). Outra fonte admite que é paradoxal
que uma organização concebida para fomentar a criação de empresas, pelo porte empresarial
que ela própria assume, “acabe ocupando espaços [...] atropelando algumas empresas, sim”
(apud ALBUQUERQUE, 2005, p. 124-125).
O CESAR já viveu momentos, na sua trajetória, em que a sua face empresarial tornou-
se hipertrofiada, com o crescimento experimentado pela sua divisão de prestação de serviços,
a Pitang, que caminhou na direção de “contratos os mais comuns possíveis” (CUNHA-entrev.,
2006). A situação ambígua do CESAR é expressa sinteticamente na afirmação de que essa
entidade “não deixa de ser uma empresa” (SALGADO-entrev., 2006). O CESAR nasceu
dentro do então DI, como esclarece Salgado (2006), com o propósito inicial de exercer a
136
incubação de empresas, e, como a incubação precisa de investimento, a contratação de
projetos teria sido uma fórmula de sustentar a incubação.
O CESAR é acusado de fazer concorrência, como se fora uma empresa, não apenas
pela obtenção de contratos de serviços mas também, na disputa por mão-de-obra. Numa
revista de negócios, especializada na área de Informática, uma reportagem afirma ser uma
ironia que quando o CESAR assina “algum bom contrato” com grandes empresas, vai em
busca da mão-de-obra em outras empresas do Nordeste e, por pagar mais do que a média
nordestina, “vai desfalcar a área de TI duma empresa nas regiões mais pobres” (O
CHARME..., 2006, p. 3).
Se como organização inovadora, o CESAR se constitui um modelo, o risco de
confundir meios com fins, trazido pela atividade na linha dos serviços “comuns”, paira como
uma ameaça à sua identidade de organização dedicada à inovação. Essa situação caracteriza
uma instabilidade institucional e, eventualmente, o risco de ser dominada por interesses de
grupos internos associados a esses contratos de serviços.
Nessas circunstâncias, um reconhecimento do papel positivo do CESAR na criação do
novo setor de
software
em Pernambuco, da perspectiva das políticas públicas, como o que faz
o Secretário da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco (MARINHO- entrev.
2006), constitui importante contribuição à legitimação do CESAR e, por extensão, dos
acadêmicos empreendedores, junto ao ambiente institucional local. Por isso, as relações entre
o Secretário e o CESAR podem ser caracterizadas como de coadjuvação (DIMAGGIO, 1988),
uma estratégia institucional mediante a qual uma organização recorre a vínculos
organizacionais externos para obter apoio institucional de terceiros.
137
4.8 Vicissitudes da “galinha dos ovos de ouro”
O Diretor do CIn descreve o centro que dirige como uma entidade plural, com “visão
aberta”, em que espaço tanto para os professores de disciplinas práticas que interagem
com as empresas, como para os que preferem se isolar em atividades de pesquisa básica.
Segundo ele,
termina acontecendo de um grupo estar mais ligado à parte de pesquisa
básica, e o outro [...] termina desenvolvendo mais com as empresas. O que a
gente coloca é que, pra ser um bom time, a gente tem que ter jogadores em
todas as posições. [...] Aquele cara que é muito bom professor tem tanto
espaço como aquele pesquisador “louco”, digamos assim, que não gosta de
falar com ninguém, e a gente espera que a maior parte esteja no time que
joga nas várias posições (CUNHA-entrev., 2006).
Na mesma linha, o Coordenador da Pós-Graduação descreve o CIn como um lugar
onde “você tem espaço para trabalhar, ninguém atrapalha você” e ressalta as várias
alternativas que tem um professor para encontrar um tipo de atividade mais de acordo com
suas inclinações pessoais: ensino, extensão, pesquisa básica ou pesquisa e desenvolvimento,
neste último caso interagindo com as empresas (TENÓRIO-entrev., 2006). No entanto, nesse
ambiente plural “sempre tem conflito”. Por exemplo, “sempre tem gente que acha que se
deveria fazer mais pesquisa básica; sempre tem gente que acha que deveria ser mais a
aplicada”.
As evidências sugerem que ocorre um embate no interior dessa unidade acadêmica em
torno do que cabe à Universidade priorizar. Conforme observa Albuquerque (2005), o que se
percebe no CIn é que não houve uma aderência total à idéia de aproximação com o mercado,
e sim, a existência de um grupo de forte liderança que logrou arregimentar uma maioria em
torno da orientação mercantil. Uma importante evidência que pode ser apontada como
indicativa da hegemonia dessa corrente foram as repetidas dificuldades em se obter
depoimento, no próprio trabalho de campo de Albuquerque (2005), justamente daqueles que
138
puderam ser percebidos como contrários a essa orientação para o mercado. Entretanto, numa
entrevista realizada com um professor que se alinha com a orientação academicista, a
existência desse grupo minoritário no interior do CIn é claramente evidenciada:
Veja, é natural que a maioria dos professores daqui, tendo sido alunos de
algumas das pessoas envolvidas nessa reformulação do CIn para o lado do
empreendedorismo e da transferência da tecnologia, seja, digamos assim,
mais simpática a esse tipo de coisa [...] Nosso grupo, que é pequeno, sente
um certo isolamento (QUEIROZ-entrev., 2006).
Referindo-se à preocupação que passou a ser dominante sobre a necessidade de o DI
ter um “impacto na região”, o Diretor do CIn faz uma crítica à orientação de pesquisa pura,
indicando o exemplo o Departamento de Física da UFPE: “Se você tomar um departamento -
talvez o de Física daqui e colocá-lo em Campinas [por exemplo], Recife talvez nem sinta
falta” (CUNHA-entrev., 2006). O Departamento de Física, considerado modelo no sentido de
estimular as atividades de pesquisa, agora é parcialmente rejeitado por não priorizar a
pesquisa aplicada.
Uma crítica mais contundente aos físicos da UFPE transparece em outra entrevista:
Tinha um professor do Departamento de Eletrônica, eu acho, que dizia uma
coisa que era pura verdade, sobretudo com relação aos físicos... O exemplo
dele é com os físicos, porque sempre, muitos anos, é um departamento de
destaque na [Universidade] Federal. Ele dizia que os físicos vão para os
Estados Unidos fazer Doutorado, voltam e aqui ficam fazendo o dever de
casa do Tio Sam. O que ele queria dizer com isso? Certíssimo! É que não
os físicos, mas em muitas outras áreas, o objeto era pesquisa se fosse
teórico; era pesquisa importante, se não fosse para aplicação (JUREMA-
entrev., 2006).
Nesse modelo, a Universidade, do ponto de vista local, seria “um corpo que está ali e
não interage com nada” (JUREMA-entrev., 2006). A recorrência com que se fazem
referências implícitas ou explicitas ao modelo adotado pelo Departamento de Física
constituem, antes de mais, indício da qualidade de objetividade (BERGER; LUCKMANN,
2001, p. 84) atingida por esse departamento como modelo representativo de um tipo de
atuação da Universidade Brasileira. O pessoal ligado à Informática parece adotar o referido
139
modelo de forma contraditória, ora como objeto de desafio, no sentido de privilegiar ações
que atendam o ambiente imediato, ora como fonte de imitação, no sentido de ser visto como
um modelo de unidade acadêmica empreendedora, articulada com entidades de fomento e
com objetivos ambiciosos.
A relação entre as esferas mercantil e acadêmica é apreendida, com acuidade, numa
análise sobre o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Computação da UFPE:
Embora se verifique forte acento mercantil na forma de inserção local do
[Programa], o modelo universidade empreendedora [...] é constituído em
torno de uma estrutura acadêmica mais ampla, qual seja, o CIn. Assim, as
pressões capitalizadas no C.E.S.A.R e trazidas para o âmbito da
Universidade contam com uma base de sustentação mais ampla. Essa
situação, aliada à crescente autonomia do C.E.S.A.R, pode contribuir para
resguardar certa autonomia acadêmica do Programa (GOULART, 2005, p.
247).
Embora seja possível concordar com a afirmação de Albuquerque (2005) de que a
aproximação com o mercado não retirou “o discernimento sobre a importância de continuar
realizando pesquisas básicas” (p. 113), evidências extraídas dos dados primários obtidos nesta
pesquisa, juntamente com a apreciação de Goulart (2005) acima citada, permitem constatar a
existência de um estado de desequilíbrio institucional em prol da esfera mercantil.
Admitindo a existência de uma tensão entre os que defendem essas suas linhas de
ação, o Coordenador da Pós-Graduação a considera mesmo benéfica, sendo justamente o
“maior desafio” gerencial encontrar uma solução que atenda às demandas dos diferentes
públicos internos (TENÓRIO-entrev., 2006). Depreende-se desta declaração e da do Diretor
do CIn uma disposição desses dirigentes em adotar uma política de harmonização entre
Ciência e Inovação.
Evidentemente, as correntes mercantilista e academicista se articulam em torno de
linhas argumentativas antagônicas. Os argumentos dessas correntes serão aqui apresentados
de acordo com a formulação que delas fazem proeminentes representantes dessas correntes. O
140
seguinte trecho de uma entrevista concedida pelo Prof. Silvio Meira, Cientista-Chefe do
CESAR, parece bem sintetizar o argumento em favor do primado do mercado:
Em qualquer lugar do mundo onde você for fazer qualquer coisa, como um
tomógrafo ou um computador, o diabo a quatro, tem um cliente; tem algum
cara na indústria que diz: “eu preciso desse negócio novo pra competir
naquele setor industrial”. No Terceiro Mundo, isso não é verdade,
principalmente no Brasil. Uma grande parte da ciência brasileira é, na
realidade, tecnologia sem cliente. É você ir atrás. E aí o problema de você
fazer tecnologia sem cliente é que você cria uma pseudo-excelência
científica que leva você a construir artefatos que ficam na prateleira
esperando alguém pra vender. Pra mim, o grande desencontro da inserção
local da excelência no Brasil é que se criou a teoria ou a tese de que pra ser
excelente eu tenho que me desacoplar [sic] do mercado, quando o problema
é exatamente o oposto (MEIRA, entrev. a GOULART, 2005).
Essa formulações apontam para a necessidade de uma aproximação, na economia
moderna, entre “pesquisa básica” e “pesquisa aplicada” e mesmo para a precariedade das
atuais definições de limite entre essas modalidades de pesquisa (DAGNINO, 2004). Elas
também coincidem, em pontos importantes, com a crítica que alguns autores de países latino-
americanos vêm fazendo ao longo de anos, sobre o distanciamento da pesquisa realizada
em relação à realidade social e econômica da região e, em particular, ao sistema produtivo.
Por exemplo, Dagnino (2004), numa comparação com modelos de C&T adotados nos
países avançados, ressalta aspectos fundamentais da problemática dos países periféricos nesse
campo de atividade. Nos países cêntricos, a comunidade de pesquisa se articula a uma “teia de
relações sociais” formada por “empresas, Estado e sociedade em geral”, para a formulação de
critérios de qualidade em estreita sintonia com as demandas desse ambiente. A origem desses
critérios conforma a relevância da produção científica e tecnológica realizada nesses países.
a teia de relações tipicamente encontrada nos países da América Latina, “rarefeita e
incompleta”, é incapaz de direcionar de modo semelhante a comunidade de pesquisa local
que, desse modo, se torna vulnerável a um critério de qualidade “neutro, histórico e
universal”, pois produzido de acordo com cultura científica exógena, proveniente dos países
141
avançados (DAGNINO, 2004). Enquanto a comunidade de pesquisa nos países centrais se
legitima perante a sociedade, de acordo com a qualidade dos seus trabalhos, em países, como
o Brasil, ocorre um processo que podemos designar de “auto-legitimação”, pois, como afirma
Dagnino (2004), a comunidade de pesquisa aparece nos “dois lados do balcão” (p. 127).
No que tange à qualificação do ambiente relevante para a pesquisa, as concepções
expressas pelo Cientista Chefe do CESAR superficialmente se alinham com as críticas que
acabamos de citar. É que sua concepção de ambiente focaliza o “mercado” e, por conseguinte,
obscurece as demandas do Estado e da sociedade em geral. Apesar de conter elementos
terceiro-mundistas, as referidas formulações alinham-se com “a ideologia da competitividade
e do pragmatismo econômico” que passou a ser influente nos países avançados, mas sem
chegar, entretanto, a alterar o modelo de C&T que ali se pratica (DAGNINO, 2004, p. 125-
126). O poder prescritivo dessa ideologia para países em desenvolvimento que visam
desenvolver suas capacidades na área científica e tecnológica se esvazia diante da constatação
da importância exercida historicamente pelas demandas do Estado, particularmente, na área
militar, em grande parte significativos avanços da Ciência e da Tecnologia, notadamente, nos
Estados Unidos (MOWERY; ROSENBERG, 2005) ou diante do papel empreendedor
exercido diretamente pelo Estado, nas atividades de C&T, em países, como Taiwan
(MATHEWS, 1997).
Também uma outra professora, participante ativa na história do CESAR, mostra-se
adepta a idéia de que “a transferência da tecnologia se do mercado para a universidade e
não vice-versa” (SALGADO-entrev., 2006). Talvez por isso, quando se referiu a um projeto
desenvolvido para a Motorola em que foi empregado conhecimento desenvolvido por um
pesquisador do CIn, ela tenha afirmado: “tudo isso foi gerado por uma necessidade da
Motorola” (grifo nosso). É certo que se não fosse a necessidade da Motorola, o referido
trabalho de inovação não teria sido desenvolvido, pelo menos naquele momento. Por outro
142
lado, a solução particular não teria sido encontrada, se antes do conhecimento dessa
necessidade da empresa, um professor não tivesse realizado a pesquisa básica na
especialidade de jogos. Foi a própria professora que cedeu as informações sobre a existência
desta pesquisa prévia, mas é de tal modo forte o modo como as coisas o vistas como sendo
provocadas preponderantemente pelo mercado, que acaba sendo obscurecida a atividade
científica, no caso, desenvolvida dentro de uma universidade pública, com ou sem critério de
relevância. Essa visão, inclusive, obscurece um dos papéis de intermediação do qual o próprio
CESAR é um exemplo que se tornou notável.
Conforme observação de Jurema (entrev. 2006), o CIn hoje está “muito grande” e
abriga “vários pólos de especialidades”, sendo constituído de um grupo minoritário do
“pessoal de teoria” que ele atesta ser “muito competente e muito bom”, em áreas como
engenharia de
software
, música, jogos, algoritmo. O argumento academicista que passamos a
apresentar é extraído do conteúdo de uma entrevista que teve como um dos componentes
desse grupo, o Prof. Ruy Queiroz, pesquisador do CIn que, desde 1993, é editor executivo de
uma publicação científica da área de Lógica, editada pela Universidade de Oxford
10
. O
argumento do professor se apóia na fábula da galinha dos ovos de ouro (ESOPO, 1994), a
qual encontra-se reproduzida no Anexo A. Após tecer considerações sobre o debate em torno
do modelo de Universidade Pública Brasileira e as posições extremas dos que, por um lado, a
criticam como uma “torre de marfim” e dos que, no lado oposto, defendem a universidade
autônoma como espaço do “livre pensar”, sem compromisso com “a vida da sociedade civil”,
ele começa a expor seu argumento:
Aparece gente que, muitas vezes tem a boa intenção, mas é como se quisesse
mudar tudo do dia para a noite e meio que jogando pedra, como se tivesse
querendo que a Universidade se voltasse para os problemas locais, sim, mas
10
Trata-se do Logic Journal of the Interest Group in Pure and Applied Logics.
143
a um custo muito alto, [diminuindo] ou não [tratando] muito bem o que é
mais fundamental: que a Universidade é o lugar de se pensar, o lugar de se
refletir. Sim, é preciso que esse refletir tenha algum benefício de alguma
forma, mas ele nem sempre vai ter um benefício imediato. Então é preciso
preservar o fundamental sem esquecer, obviamente, [que] é preciso que haja
uma espécie de meio termo. [...] É como o paciente que está na UTI e , ao
invés de cuidar dele, você vai querer puxar os fios de suporte a ele, quer
dizer, vai matar a galinha dos ovos de ouro, digamos assim. É como se você
dissesse: “não, vamos abrir a galinha e tirar logo os ovos de ouro!” E ela
morreu. (QUEIROZ-entrev., 2006).
Afirmando que essa ênfase existiu, sobretudo, “aqui na Informática”, ele exemplifica
essa tendência com o caso da reforma curricular que ocorreu na Graduação do CIn. As
disciplinas básicas foram reduzidas a “um conteúdo mínimo”, como ocorreu com a de Cálculo
que passou a contar apenas com uma disciplina, no lugar das três anteriores. Ele frisa que isso
não deve ocorrer em um curso de Informática, pois esta é “uma espécie de Ciência-Filha da
Lógica Matemática”. A mudança foi acionada pois
parecia estar havendo uma baixa taxa de entrega [de graduados] como se
muita gente entrasse - o currículo anterior aparentemente estava dificultando
a passagem em função das interdependências das disciplinas, e
possivelmente algumas disciplinas matemáticas mais fortes; talvez a própria
base do aluno que vem do vestibular não está muito boa - e acabava ficando
uma taxa de evasão muito alta. Então, é claro que precisa identificar o
problema. Mas a solução foi meio a toque de caixa; de certo modo [do
tipo] “vamos então enxugar” (QUEIROZ-entrev., 2006).
Sua crítica não se dirige à qualidade dos professores que, segundo ele, é de “bom
nível”, sendo, na maioria, doutores. O que estaria ocorrendo é que “o currículo mínimo
obrigatório passou a ser pontuado e dominado por conteúdos de duração [com] prazo de
validade muito efêmero”. O efeito dessa reforma curricular estaria sendo observado pelos
alunos que “estão reclamando, sentindo que o curso deles está sendo quase que um curso
técnico”. Ressalvando que o “prazo de validade” de um curso na área da Tecnologia da
Informação, devido às rápidas mudanças, não pode ser o mesmo, por exemplo, que um de
Engenharia; o professor considera que “tem que se encontrar um meio termo”. Como que
144
defendendo essa linha de pensamento, em outra entrevista, Jurema (entrev. 2006) testemunha
que os bons resultados obtidos em concursos internacionais na área de algoritmo, por
exemplo, se devem à boa formação teórica oferecida no CIn. Também, na prática profissional,
os resultados aparecem “lá na frente”.
Encontrar as razões atribuídas pelo Prof. Ruy Queiroz a essa reforma curricular num
trecho da sua entrevista em que, logo após se referir, pela primeira vez, à metáfora da galinha
dos ovos de ouro e às condições materiais privilegiadas do Centro da Informática que se
tornaram possíveis graças aos recursos provenientes da realização de projetos encomendados,
ele afirma que
Houve, sobretudo aqui na Informática, uma certa ênfase no dar retorno à
sociedade. [...] Mas por outro lado, em função dessa, de certo modo, dessa
intenção muito boa, muitas vezes se passou por cima...Por exemplo, até a
própria reformulação do currículo básico dos cursos de Engenharia [da
Computação] ... foi feita uma reformulação, na base dessa pressão de que era
preciso, por exemplo, agilizar a formação do aluno (QUEIROZ-entrev.,
2006).
Essa pressão também é evidenciada pela afirmação de um outro professor, para quem
“a gente agora tem um problema inverso ao que existia doze anos atrás: tem projetos que
precisam de mão-de-obra qualificada e o tem mão-de-obra suficiente para o
desenvolvimento de todos os projetos que estão para serem desenvolvidos” (apud
ALBUQUERQUE, 2005, p. 111-112).
A fábula da galinha dos ovos de ouro versa sobre o dilema de se atender uma maior
quantidade, mantendo-se a mesma (e rara) qualidade. Ela é evocada pelo Prof. Ruy Queiroz
para indicar o risco de deterioração de uma unidade acadêmica, quando se atenta meramente
ao atendimento quantitativo da demanda por novos profissionais graduados.
Coincidentemente, outro depoimento colhido segue rigorosamente a lógica contida na fábula
da galinha dos ovos de ouro:
145
não dá para a Universidade abrir mão da qualidade, porque ela se acaba.
Como universidade, ela tem que ser qualidade, ela tem que ser o top da
linha, ela tem que estar na fronteira. Ela tem que ter o timing dela [...] Exigir
da universidade que ela tenha o timing da empresa é suicídio, porque o
processo de aprendizado é lento e é particular da relação de quem ensina e
de quem aprende (MELO-entrev., 2006).
Na interpretação do Prof. Ruy Queiroz, está havendo um desequilíbrio em favor das
atividades mercantis que é, segundo ele, até certo ponto compreensível, em função da
dissociação da Universidade Brasileira do seu contexto. Por outro lado, associa essa mudança
à crise da Universidade Pública deflagrada pela Reforma do Estado em que o servidor público
passou a ser visto como “um peso e não como patrimônio”, bem como, de um modo geral, ao
fato de as instituições em nosso País serem “muito frágeis”. Conquanto essas pressões tenham
caráter “mais geral”, elas também são “personificadas” por “agentes locais”. De acordo com
os conceitos de Santos (2005) sobre globalização, podemos interpretar essas ocorrências
como a expressão da globalização hegemônica de cunho neo-liberal que tem o reforço de
adeptos locais.
Acresce em todo o mundo uma demanda da sociedade em geral pela Informática, no
entanto, embora considere que esse tipo de pressão “é mais acentuado nos países chamados
‘em desenvolvimento”.
Ainda ele teme que, na área de Informática, a Universidade priorize a dedicação a
software
como mercadoria da Tecnologia da Informação e deixe de criar as condições para a
“criação do agente que está competindo naquele mercado da produção e disseminação do
conhecimento”. É preciso a Universidade Brasileira avançar em direção ao modelo de
produção de conhecimento, disseminado mundialmente, rompendo com o modelo tradicional
de formação de recursos humanos simplesmente (QUEIROZ-entrev., 2006). Com outras
palavras, esse é também o pensamento do Coordenador da Pós-Graduação do CIn, que
146
como papel fundamental desse centro “a formação de recursos humanos de alto nível e, ao
mesmo tempo, a atividade de pesquisa de ponta na área” (TENÓRIO-entrev., 2006).
Referindo-se outra vez à metáfora da galinha dos ovos de ouro, desta feita para frisar
que, se ela precisa ser bem cuidada, por outro lado, ela “não pode ficar num pedestal”, o Prof.
Ruy Queiroz propõe que a Universidade Brasileira se prepare para uma competição
globalizada no patamar do conhecimento científico. Nem matar, nem colocar no pedestal a
galinha dos ovos de ouro. Assim pode ser sintetizado o teor da proposta do professor, que
desta forma, acrescenta mais uma dose de harmonização à fábula de Esopo.
Isso será
possível
se a gente tiver um núcleo sólido e bem cuidado, mas que também, claro,
como sempre, que esses participantes desse núcleo não pensem como no
passado, não queiram simplesmente se isolar; não podem se isolar. A forma
de participar não é a mesma que uma incubadora de empresa (que tem o seu
papel), mas a Universidade não pode ficar apenas incubando empresa e
desenvolvendo produto A ou o produto B. O produto maior é o
conhecimento (QUEIROZ-entrev., 2006).
Segundo o Coordenador da Pós-Graduação do CIn, Prof. Francisco Tenório, pelo
menos, na área tecnológica, “a atividade científica é uma atividade essencialmente
internacional: se você quiser realmente fazer alguma coisa relevante, você tem que fazer em
nível internacional” (TENÓRIO-entrev., 2006). Para o Prof. Ruy Queiroz, se não é possível
“competir com a economia desse ou daquele país” do Grupo dos Oito, é possível produzir
“craques” que conquistem espaço no âmbito científico globalizado. Essa não é uma afirmação
de cunho apenas retórico, pois este mesmo professor exemplifica uma atuação nessa linha de
competição acadêmica globalizada, pois, por exemplo, conseguiu atrair um aluno de “uma
universidade muito boa”, de Berlim, para vir fazer Doutorado no CIn sob sua orientação
(QUEIROZ-entrev., 2006).
147
Em contraste com o argumento pragmático, a argumentação academicista se embasa
na diferenciação e separação das atividades de desenvolvimento científico das de inovação,
atribuindo prioridade às primeiras. Após se referir ao Porto Digital como uma iniciativa que
não é “de todo negativa”, o Prof. Queiroz avança no seu argumento, afirmando que “isso não
pode ser o produto da Universidade; isso tem que ser um sub-produto”. A definição do papel
institucional da Universidade, para ele, não é o de uma produtora de mercadorias, ela é
produtora de idéias. Ele se preocupa com a legitimação da Universidade perante a sociedade,
pois afirma que “mais do que tudo, ela é uma indústria de credibilidade”.
Como contra-exemplo do que ocorre em Pernambuco, ele recorre a um modelo
institucional cêntrico, a Universidade de Stanford, a qual conheceu de perto pois foi
“premiado” com uma cadeira de professor visitante no ano de 2006, uma distinção
universitária com que raros brasileiros foram agraciados, menos ainda na área de Ciências
Exatas. Testemunha que em Stanford um certo desequilíbrio, pois o prédio do
Departamento de Computação, financiado por Bill Gates, é mais novo e mais bem equipado
do que o de outros departamentos; ele completa o raciocínio, afirmando que “não é essa
disparidade absoluta e flagrante” que encontramos no nosso caso. Ainda, afirma que a
Universidade de Stanford também propicia oportunidades para criação de novos produtos e
empresas, como a Cisco, a Yahoo e a Google, mas com a diferença de que essas empresas
“saem”, e a Universidade continua “protegida”.
O depoimento do Prof. Tenório revela uma compreensão da cadeia de atividades da
inovação que explicita a necessidade de aproximação entre a pesquisa básica e a pesquisa
aplicada. Ele ressalta a importância da criação de riquezas com base no conhecimento, sem
deixar, entretanto, de advogar a precedência absoluta da pesquisa básica nesse processo. Para
ele, é uma ilusão tentar realizar inovação sem pesquisa básica:
148
O povo pensa que a inovação acontece sem pesquisa básica. Não acontece.
Em geral, é a pesquisa básica que induz à inovação. Porque quando você
muda de paradigma, você consegue um salto em termos de inovação. Então,
se você quer aqui uma empresa de alta tecnologia para fazer inovação, você
tem que fazer pesquisa básica. Não é desenvolvimento, não; pesquisa
básica também. E a gente tem vários exemplos aqui de professores que
fazem e que, de repente, chega um aluno e aplica aquilo em outra coisa
(TENÓRIO-entrev., 2006).
Ele reforça esse pensamento, afirmando que “para inovar não tem milagre”; “não é
copiando, não” e de ser absolutamente vital a realização de pesquisa básica: “a gente não pode
se descuidar dessa área básica, sob pena da gente morrer”. O salto da inovação acontece
quando “você casa as duas coisas”: a pesquisa básica e a pesquisa aplicada. Para ilustrar a
importância dessa relação, ele revela alguns pormenores de pesquisas desenvolvidas no CIn,
que “de alguma forma”, resultaram em aplicação, principalmente através de trabalhos de
alunos.
Assim, ele menciona o trabalho de um grupo que desenvolve trabalho ligado a
reconhecimento de padrões na área de inteligência artificial e redes neurais. A pesquisa básica
nessa área tem sido aproveitada, por exemplo, em relação ao reconhecimento do odor de
vinho. Ou na atividade de exploração de petróleo, como as pesquisas sobre identificação de
gases venenosos não captados pelo olfato humano e outra que desenvolve métodos de
inspeção por imagens, por meio de robôs. Outra aplicação nessa mesma linha de pesquisa se
na área bancária, para reconhecimento de assinatura de cheques. A esses exemplos, pode-
se acrescentar o caso da JYNX, uma empresa de
software
que desenvolve jogos para
campanhas publicitárias, para treinamento corporativo e para entretenimento, cujo produto
original, um simulador do ambiente do negócio do futebol, o FutSim, foi desenvolvido numa
pesquisa de Mestrado, na área de Inteligência Artificial (VASCONCELOS-entrev., 2007).
Quanto à política de formação dos alunos, parece se estar procurando seguir uma
orientação de harmonização
entre os critérios da quantidade e da qualidade:
149
Na minha opinião, nós temos conseguido, digamos assim, enfrentar esse
desafio que é você ter dois modelos extremos: formar muita gente, com nível
de qualidade baixo, seria um caminho; outro caminho é formar pouca gente
com muita qualidade. E a gente faz as duas coisas: com muita gente, mas
forma com qualidade (TENÓRIO-entrev., 2006).
Nessa amostra de argumentos aqui apresentados, evidencia-se a existência de matizes
entre os extremos das concepções mercantilista e academicista. Percebe-se pelo teor dos
argumentos expostos por todos aquele que defendem uma orientação academicista mais
“pura”, que os acadêmicos empreendedores do campo do
software
em Pernambuco
experimentam, pelo menos, uma resistência no ambiente científico local. Embora ambas as
correntes façam alusão a demandas sociais mais amplas, se reconhece a insuficiente
articulação com interesses da “sociedade em geral”, própria do precário ambiente institucional
da C&T dos países periféricos e a tendência à aquiescência incondicional dos critérios
internacionais de qualidade. No quadro de uma teia de relações “rarefeita e incompleta”, é
fácil compreender porque os interesses profissionais de uma especialidade acadêmica,
premidos por uma intensa demanda da sociedade por serviços de Informática e por salários
relativamente baixos, se sobrepõem aos interesses mais amplos da sociedade.
A discussão sobre os destinos da unidade acadêmica corre o risco de centrar-se nos
interesses dos próprios acadêmicos e dos acadêmicos empreendedores, como tais. As posições
extremas parecem procurar negar a importância da outra parte, em mútuos ataques. Nesse
sentido, é importante ressaltar o papel crucial dos que defendem a posição de intermediação
entre a “pesquisa básica” e a “pesquisa aplicada” no sentido de manter e desenvolver o campo
da TI local. Embora as correntes definições dessas atividades possam já estar obsoletas, ainda
parece que a função empreendedora, a função inventiva e o suprimento de capital de risco
precisam ser concebidos como partes logicamente separadas, embora complementares, do
processo da inovação (METCALFE, 2003).
150
Apesar da persistência do debate entre as orientações mercantilista e academicista e
das evidências de um desequilíbrio em prol da corrente mercantilista, existem evidências de
estar em andamento um reforço do papel do CIn segundo o modelo acadêmico tradicional.
Marinho (entrev. 2006) refere-se a “uma discussão muito corajosa” que está havendo sobre
essa questão, focalizando a pergunta: “Será que o CIN ainda é aquele?” Ou ele estaria
de tal forma estabilizado que está atraindo hoje os professores mais
tradicionais que querem fazer sua carreira acadêmica e, portanto, não seriam
capazes hoje de criar o CESAR? Eu acredito que é verdadeiro. E não é ruim
isso. Significa que o CIN seguiu uma trajetória que é necessária para a
formação acadêmica de jovens professores, mas pode perder as
características de uma entidade que formava empreendedores, que era
exatamente o diferencial desses professores.
Da entrevista com o Diretor do CIn, extrai-se a impressão geral de que esse centro está
bastante focado nas várias tarefas que lhe cabem como unidade acadêmica. Mencionando que
é necessário, por uma questão de sobrevivência, haver uma atividade de projetos de
desenvolvimento e de pesquisa aplicada para empresas, ele ressalva que “na base de tudo”
está a pesquisa básica (CUNHA-entrev., 2006), o que pode ser indicativo de uma maior
especialização acadêmica dessa unidade da Universidade dentro do campo da TI em
Pernambuco. Essa tendência de especialização do CIn junto à crescente autonomia do CESAR
parece fazerem parte de um mesmo processo de amadurecimento do campo da TI em
Pernambuco.
Talvez possa ser incluído como um indício dessa tendência o fato de um quadro como
a Profa. Ana Carolina Salgado que participou ativamente da criação do CESAR e do CIn, que
ocupou diversos cargos de coordenação de cursos e chefia de departamento do CIn, tendo sido
diretora desse centro, além de sócia de uma empresa incubada, a RADIX; resolver encerrar a
carreira administrativa e mudar de foco: “agora eu estou fazendo a minha pesquisa, estou
pensando na minha vida, cuidando dos meus alunos” (SALGADO-entrev. 2006)
151
Caracterizada como alguém que faz “um bom meio de campo”, (MELO-entrev., 2006), a
diminuição das atividades intermediárias por ela exercidas pode não ser uma questão
meramente pessoal mas um sintoma de mudança institucional.
Referindo-se à relação próxima entre inovação e pesquisa básica, o Coordenador da
Pós-Graduação do CIn afirma ser importante transmitir essa noção para a sociedade a noção
de que este é um meio de se criarem empregos qualificados e de se obterem riquezas
(TENÓRIO-entrev., 2006). Esse professor revela a preocupação de não se descuidar da
obtenção de legitimidade da Universidade nesse quesito. O amadurecimento desse
pensamento pode ser outro indício de que o CIn estaria vivendo um processo incipiente de
institucionalização ou de re-institucionalização, desta feita no sentido de legitimação de seu
papel de organização dedicada à pesquisa, para além das atividades de ensino.
152
5 A criação de uma tecnópole numa região
periférica
A partir do ano 2000, opera-se uma mudança no setor de
software
em Pernambuco que
se consubstancia na concepção e implementação do Porto Digital, “um projeto de
desenvolvimento econômico que agrega investimentos públicos, iniciativa privada e
universidades, compondo um sistema local de inovação” (PORTO DIGITAL, 2007). O
surgimento do Porto Digital é o resultado da confluência de intenções que se desenvolviam
simultaneamente na esfera da Universidade e na esfera da C&T do Governo do Estado. Na
visão do pessoal da Universidade, a idéia de se criar um pólo de Informática advinha do
“sucesso do CESAR” e da intenção de “criar ou modificar as empresas da área de tecnologia
da informação locais, do Estado”, projeto muito tempo acalentado por professores do CIn
(SALGADO-entrev., 2006). Na esfera pública local, o Secretário de Ciência, Tecnologia e
Meio Ambiente do Estado, Cláudio Marinho - segundo ele próprio “um romântico do
desenvolvimento por definição e por profissão” e, de acordo com um empresário, “um gestor
público qualificado”, “um grande quadro” (XAVIER-entrev., 2006) ia-se acumulando
experiência em políticas públicas na área de Informática tanto no vel municipal quanto no
estadual. Com o surgimento de recursos provenientes da privatização da empresa de energia
elétrica estadual, vai haver uma aproximação entre o CESAR e o Governo Estadual com o
intuito de desenvolver um setor de
software
local.
153
5.1 A modificação local do modelo de parque tecnológico
A inserção global marca várias das iniciativas da evolução do campo do
software
em
Pernambuco e da criação do Porto Digital, em particular. Segundo o Presidente do NGPD,
que durante três anos atuou no Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, o
Porto Digital é resultado de quase 40 anos de esforços para se tentar estruturar as atividades
de formação de capital humano e criar empresas aptas a operarem e competirem na “arena
internacional”. Ele observa que “essa é a premissa, essa é a meta” e, se depois de 5 anos de
operação do Porto Digital, “estamos mil anos luz à frente do que estávamos há três anos atrás,
ainda falta muito”. O maior desafio, segundo ele, está no lado empresarial que é um pouco
mais complicado do que formar capital humano, principalmente no mercado com a escala que
tem e vem ganhando” (VELOSO-entrev.. 2007).
Enquanto na Universidade, “começou a se ver que o CESAR não era suficiente, se
não houvesse uma espécie de
cluster
, como existe em outros países” (CUNHA-entrev., 2006),
crescia na esfera pública o interesse pelas experiências com arranjos produtivos locais, tendo
Cláudio Marinho visitado algumas regiões dos Estados Unidos para conhecer experimentos
com parques tecnológicos na área de
software
(CAVALCANTI-entrev., 2005). Se nos
primeiros anos do Departamento de Informática, as experiências individuais vividas no
Exterior pelos professores eram, com maior ou menor consciência, uma das principais fontes
de valores e modelos institucionais; no caso da tentativa de construção do setor, a observação
de modelos de arranjos produtivos no “panorama internacional” é realizada com maior
consciência, mas a sua pertinência é também admitida de forma quase automática. Assim,
tanto no Governo, como na Universidade, a solução organizacional percebida para o
desenvolvimento da atividade empresarial de
software
foi, desde o início, a de imitação ou
cumprimento
de modelos existentes de pólo ou de parque tecnológico, difundidos
154
mundialmente. O ambiente global, portanto, tanto é cenário estratégico quanto fonte de
modelos institucionais.
Após a posse do Governo Jarbas, em 1999, Cláudio Marinho foi convidado para ser
Secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, o que veio a marcar uma mudança de
orientação na política estadual da C&T. Formou-se um “quarteto” de personagens composto,
além do Secretário, por Silvio Meira, pelo Prof. José Carlos Cavalcanti, indicado para a
Presidência da FACEPE e pelo Prof. Fábio Silva, professor do CIn, para a Presidência do
ITEP (CAVALCANTI-entrev., 2005). Este último, um dos fundadores do CESAR, veio a
tornar-se, posteriormente, o primeiro Presidente do NGPD. Conforme o relato de Cavalcanti
(entrev. 2005) abaixo, a mudança no âmbito da C&T estadual representa um desdobramento
das disputas entre as vertentes pragmática e acadêmica, internas à Universidade Federal de
Pernambuco:
O que é que era o motor do nosso pensamento naquela época? Em primeiro
lugar, era introduzir na Secretaria da Ciência e Tecnologia o mote da
relevância. As secretarias [de C&T], no Brasil, quando são criadas, elas são
criadas muito pela pujança da cabeça dos cientistas e, aqui em Pernambuco,
em particular, os físicos, principalmente, têm na cabeça a questão da
excelência a preocupação com o estado da arte, com a excelência pela
excelência. Nós também achamos isso, mas achamos que tem que haver um
equilíbrio disso com a realidade. Não é gerar conhecimento pelo
conhecimento, mas também a geração de riquezas para a sociedade. E
estando num governo estadual que financia com parcos recursos a atividade
da C&T, ele tem que ter muita parcimônia em desenvolver coisas que serão
devolvidas à população de um ponto de vista cristalino, transparente. [...] E o
elemento cristalino disso que a gente queria injetar era a palavra inovação
(CAVALCANTI-entrev., 2005).
Do ponto de vista do pessoal da Universidade, a idéia de se criar um pólo de
Informática em Pernambuco tomou tal ímpeto que, mais cedo ou mais tarde, tenderia a se
concretizar inexoravelmente (SALGADO-entrev., 2006), evidentemente com algum tipo de
articulação externa. Segundo Cláudio Marinho, as pessoas que dirigiram o CESAR foram
hábeis no sentido de fazer “as alianças certas no setor privado e no setor público”, sendo que
155
ele é testemunho da “convergência de formação de políticas públicas com o desenho que
tinham feito para o CESAR nas duas fases”, antes e depois do Porto Digital. Ele refere-se à
“facilidade” que encontraram em sua “pessoa”, na função de política pública tanto quando
atuava na Prefeitura do Recife, de 1993 a 1996, na segunda gestão de Jarbas, como quando
passou a atuar no nível estadual, nas duas gestões de Jarbas, de 1999 a 2006.
As sucessivas menções dos entrevistados ao nome de Cláudio Marinho, em especial
quando se referem ao Porto Digital, atestam o importante papel que esse gestor público
exerceu no fomento a esse empreendimento. Ele personifica os agentes locais que, conforme
afirmam Castells e Hall (2001), embora detenham menos poder do que os governos nacionais,
paradoxalmente passaram a ter, com a globalização, maior poder de resposta para gerar
projetos de desenvolvimento com objetivos concretos.
Com a venda da Celpe no ano 2000, informa Cavalcanti (entrev. 2005), o Governo do
Estado se vê de repente com um afluxo de recursos inéditos na história de Pernambuco, “uma
grana absolutamente fantástica” de R$ 1,9 bilhão. Fazendo questão de ressalvar que a idéia da
privatização da Celpe havia sido aprovada pela Assembléia durante a gestão anterior, do
Governador Arraes, ele descreve que “o Governo literalmente parou para pensar em como
gastar o dinheiro”.
Foi então que, em meio às propostas de duplicação da BR-232 ou de ampliação dos
investimentos de Suape, com a “graninha de nada” que coube à área de C&T, foi proposta a
criação de um pólo de
software
. Das discussões sobre a localização desse arranjo, da qual
participaram Silvio Meira, terminou prevalecendo a posição do Secretário que argumentava
que se deveria fazer algo no bairro do Recife Antigo, “para atrair empresas, para povoar o
bairro e dar a recuperação econômica e de vida dessa área” (CAVALCANTI-entrev., 2005).
Isso estaria em consonância com interesse antigo em revigorar esse lado da cidade, por parte
do Governador Jarbas Vasconcelos que, inclusive, quando Prefeito do Recife, havia
156
promovido na mesma região a implantação de um pólo turístico com restauração de prédios
históricos e a criação de áreas de lazer e alimentação.
quem aponte aspectos técnicos do Bairro do Recife Antigo que o contra-indicam
como lugar propício para a criação de um pólo tecnologico:
Talvez até fosse melhor em outro lugar, porque ali é péssimo de
estacionamento, tem uma série de aspectos que são muito ruins, muito
negativos. Basta ver que há anos o esforço veio nessa direção e nem todos se
mudaram para lá. Se a coisa fosse tão boa, todos teriam ido, mas é porque ali
a idéia é boa, o local é que, talvez, não seja tão interessante. Poderia ter sido
muitíssimo mais interessante, por exemplo, se fosse numa área mais afastada
- na universidade, na Cidade Universitária, que tivesse lugar para
estacionamento, área verde, alguma coisa assim (JUREMA-entrev., 2006).
Para a definição final pelo local do Recife Antigo, parece inequívoco o peso que teve a
preferência demonstrada pelo Governo do Estado que, afinal, foi quem aportou recursos da
ordem de R$ 33 milhões, oriundos da venda da Celpe, para “criar a infra-estrutura e as
condições necessárias para a implantação e operação do Porto Digital” (PORTO DIGITAL,
2007). A transferência do CESAR “como um exemplo de que as grandes instituições
deveriam estar presentes no Porto Digital” pareceu essencial à consolidação desse
empreendimento e, reciprocamente, “talvez a repercussão do CESAR tivesse sido menor se
não existisse o Porto Digital, que uma visibilidade ao pólo como um todo e ao CESAR em
particular” (SALGADO-entrev., 2006). Já um empresário, após observar que o CESAR havia
surgido antes do Porto Digital, afirma diretamente que “o CESAR foi o fomentador do Porto
Digital” (VASCONCELOS-entrev., 2007).
Faz parte das medidas de implantação do Porto Digital, a construção de uma nova sede
para o CESAR. Como, em contrapartida, o CESAR representa, para o Porto Digital, o papel
de “uma âncora no negócio”, similar ao de um grande magazine num
shopping center
(MEIRA- entrev., 2006), esses acordos sugerem a existência de uma coadjuvação
, envolvendo
interesses representados, principalmente, pelo Estado e interesses acadêmico-empresariais,
157
tendo à frente o CESAR. A criação do Porto Digital representa para o CESAR uma obtenção
de “capital temporal” junto às instâncias do poder político local. Reciprocamente, o CESAR
se torna uma “organização coadjuvante” do Porto Digital que, com isso, tende a se
institucionalizar.
Parece evidente que, na origem e no centro desse empreendimento, esteve a iniciativa
do CESAR, ou de acordo com as palavras de uma das suas fundadoras: “o início de tudo foi o
CESAR” (SALGADO-entrev., 2006). Um indício do papel central que o CESAR continua a
exercer no Porto Digital se deve ao fato de a Presidência do Conselho de Administração do
NGPD ser ocupada pelo Cientista-Chefe do CESAR. A construção do CESAR é caracterizada
pelo seu Cientista-Chefe como uma combinação de criação e fuga da Universidade, pois
[se] criou um lugar próprio de insatisfação com o status quo da pura
máquina de formar gente, sem ter nada ao redor dela, para [se] fazer esse
outro conjunto de coisas que de a gente resolveu começar a fazer, que era
um processo do tipo daqueles processos colonizadores, em que você toca
fogo nos navios no porto e ninguém vai voltar para casa (MEIRA- entrev.,
2006).
Indagado sobre se existem atualmente condições políticas em Pernambuco para se dar
continuidade às ações, no setor de
software
, por cima das diferenças partidárias, o Presidente
do NGPD, ressalvando que “vai depender sempre das lideranças políticas, dos atores do
governo” mostra-se confiante de que não mais condições para prevalecer “esse tipo de
política atrasada, não”. Dois motivos são apontados para essa confiança. Uma delas é o fato
de o Governador Eduardo Campos, recém-empossado, ter dedicado a primeira reunião,
realizada de Pernambuco, para traçar os investimentos no Estado, ao setor da TI. O outro
motivo está relacionado ao amadurecimento e à complexidade dos entendimentos havidos no
Porto Digital que impedem mudanças idiossincráticas:
158
Nós fizemos um plano que envolve todos os stakeholders, todos os atores.
Significa o seguinte: pra se mexer hoje, e eu falo com muito conforto, na
estratégia que nós desenhamos para o Porto Digital, nós, todas as entidades,
é... qualquer governo, seja Prefeitura do Recife ou Governo do Estado, ele
vai ter que mexer com 19 agendas que concentram uma agenda aqui
(VELOSO-entrev., 2007).
Quando das transições de Governo, segundo o Cientista-Chefe do CESAR, o projeto
de desenvolvimento de um setor de Informática em Pernambuco vivencia um período, mesmo
que passageiro, de oscilação:
E toda vez que oscila - e oscilou em todas as transições de Governo - a gente
sempre retoma para um patamar onde as pessoas que estão no poder sempre
entenderam que, na realidade, o projeto era de Sociedade, com S maiúsculo
(MEIRA- entrev., 2006).
Na falta de uma política estadual de C&T de longo prazo, uma necessidade de
negociações quando das mudanças político-partidárias, implícitas nas declarações acima. Essa
é uma outra situação que pode ser caracterizada por ações esporádicas com o intuito de
retomada de estabilidade (JEPPERSON, 1991).
Tecendo considerações sobre por que não se pode afirmar que a atividade local de
software
pode ser considerada consolidada, o Diretor do CIn menciona a fragilidade da
economia brasileira e a dependência de mecanismos, como os da Lei de Informática que, “se
forem abortados ou descontinuados, podem complicar a situação do setor”. Na seqüência, ele
faz uma comparação implícita do CIn com o CESAR e o Porto Digital, afirmando que, por se
tratar de uma unidade acadêmica, o CIn tem estabilidade maior (CUNHA-entrev., 2006).
O CESAR é tido como a “principal âncora” do setor de
software
em Pernambuco
(GOULART, 2005), o que certamente é válido, se considerarmos a vertente empresarial,
especialmente a sua parte mais inovadora. Parece-nos, no entanto, que o papel fundamental
que segue tendo a Universidade como provedora de quadros e de conhecimento, aliado à sua
estabilidade relativamente maior, confere-lhe uma característica mais acentuada de “âncora”
159
do setor de
software
como um todo. Num campo em se sobrepõem a instabilidade própria de
um setor tecnológico que muda velozmente à instabilidade das regiões periféricas, sobretudo
quanto às fontes de financiamento, não pode ser subestimada a contribuição direta de uma
entidade acadêmica de grande porte, para prover um contexto minimamente estável para
experiências acadêmico-empreendedoras.
Hoje, tanto o CESAR quanto o Porto Digital se alçam como modelos institucionais
a serem emulados, corroborando o que afirma DiMaggio (1988) sobre a possibilidade de a
“modificação local” de formas institucionalizadas difundir-se como novo modelo. Um estudo
sobre a formação e a gestão do CESAR foi financiado por uma fundação estrangeira com o
intuito de investigar quão replicável seria essa organização (MEIRA- entrev., 2006). No nível
nacional, encontra-se em andamento, em parceria com o CESAR, a montagem do CESAM -
Centro de Estudos e Sistemas da Amazônia, região que, como o Nordeste, tem direito a
benefícios diferenciados na Lei de Informática. observamos também como o CESAR foi
referido como um modelo de organização por um professor da USP. Por sua vez, o Porto
Digital foi considerado o maior parque tecnológico urbano do Brasil, na área de TI, de acordo
com estudo realizado por uma empresa de consultoria internacional.
5.1.1 Uma alternativa exclusivista
A forma como o Estado, de um lado, e a Ciência e a Tecnologia, de outro, se
aproximam no nível estadual, assumiu, segundo Melo (entrev. 2006), características
peculiares em Pernambuco. A aliança entre essas esferas na área de TI representou, antes de
mais nada, uma escolha:
160
Quando Jarbas assumiu o governo e Cláudio, a Secretaria de Ciência e
Tecnologia, foi na época da privatização da CELPE. Uma parte dos recursos
da CELPE foram destinados, fortemente ou exclusivamente, a consolidar
essa idéia de fazer um parque tecnológico de Informática, de TI, aqui em
Pernambuco.
Na opinião dessa entrevistada, isso constituiu um “excesso”,
porque
Pernambuco não
possuía uma base sobre a qual se pudesse optar por uma área científico-tecnológica, deixando
as demais sem apoio. Ademais, segundo ela, a interface dessas áreas pode produzir “uma
sinergia muito grande”. Em contraste com a orientação da FACEPE no período em que foi
sua Presidenta, na última gestão de Arraes, ela afirma que essa fundação possuía a visão do
conjunto das áreas estratégicas, especulando ainda que a opção por uma única área se deve a
uma avaliação de retorno positivo mais imediato com o investimento na
griffe
do Porto
Digital, bem como à percepção de que a FACEPE se dedicava à pesquisa básica, enquanto
que o que se pretendia agora era “fazer negócio”
.
Descrevendo a atuação da fundação congênere do Estado de São Paulo, cujo ambiente
institucional é tradicionalmente mais favorável às atividades de Ciência e Tecnologia, a
depoente faz comparações relevantes. A FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa de São
Paulo), cujo orçamento equivale ao do CNPq, recebe relativamente pouca interferência do
Governo Estadual. Ela acredita que o atraso de Pernambuco se explica pela “cultura da cana”,
“esse atraso da cana-de-açúcar, que perdura 400 anos” e estabelece um contraste com a elite
paulista que, comprometida com os avanços do conhecimento e da educação, criou
universidades estaduais que figuram entre as melhores do País.
Ela considera também que a Universidade está sendo um instrumento: a Universidade
é “útil” ao arranjo, por força da sua
griffe
(MELO-entrev., 2006). Ela tem a impressão que, ao
invés, a relação é conflituosa e diz-se preocupada com isso, pois, sendo um setor que depende
essencialmente de capital humano, não havendo “essa ligação com a Universidade, [o setor]
vai morrer” (MELO-entrev., 2006).
161
Explicando porque o Porto Digital foi para a frente e o Parqtel não, a entrevistada
atribui o fato a razões técnicas e políticas. Como o Parqtel tinha o perfil mais associado a
equipamentos, envolvia uma cadeia produtiva mais ampla e mais difícil de viabilizar. Quanto
ao lado político, ela depõe:
O Parqtel foi pensado inicialmente por um grupo de empresários jovens,
aqui de Pernambuco, mas foi incorporado pelo Governo de Arraes,
patrocinado pela FACEPE, pela Secretaria de Ciência e Tecnologia etc.
Quando mudou o governo, eles tinham que acabar com o parque, porque isso
foi dito, inclusive, num evento público por José Carlos Cavalcanti: “se
mudar o nome, a gente até apóia. Com esse nome, não, que é do governo
Arraes”.
[...] Então, o que é que fizeram com o Parqtel? Tinha um terreno assim
[faz com as mãos uma figura retangular] e o que é que o governo fez - o
governo Jarbas? Pegou um terrenão aqui [indica uma faixa média do
terreno], enorme e cedeu para uma garagem de ônibus. Quando você cede
isso para uma garagem de ônibus, você desestrutura a concepção do parque
no meio.
Essa exclusão de alternativas parece-nos conseqüência do exagero no apoio à outra
iniciativa, no caso, a do Porto Digital. Se a escassez de recursos, própria de uma região
periférica, pode explicar a inevitabilidade de uma escolha, por outro lado, ela também parece
explicar a existência das ferozes intrigas políticas em regiões atrasadas que, paradoxalmente,
podem levar ao desperdício dos reduzidos recursos existentes. Certamente que o episódio que
envolve o desmembramento do terreno não é o melhor exemplo para o processo inovador que
Schumpeter (1950) designou como “destruição criadora”.
Essa capacidade destrutiva de um aparelho estatal periférico, aliás, é algo do
conhecimento do próprio Cientista-Chefe do CESAR que, a propósito da transição do
Governo Estadual que estava por ocorrer no início de 2007, fez a seguinte reflexão sobre o
poder e a impotência de um Estado na periferia:
O papel do Estado na periferia é muito importante. Um lugar grande,
organizado, sofisticado e rico normalmente precisa de muito pouco Estado.
O Estado é uma necessidade implícita da periferia em desenvolvimento. Se
162
ele resolve massacrar o negócio, se ele resolve atrapalhar, ele consegue
atrapalhar mesmo. Mas, curiosamente, quando ele resolve fazer, ele não
consegue. Então, o Estado tem um papel negativo muito importante na
periferia, na destruição das tentativas de construção de qualquer coisa, mas
ele não consegue ter um papel criador, proporcional à sua capacidade
destrutiva (MEIRA- entrev., 2006).
Como que corroborando essa impressão sobre a dificuldade construtiva nas regiões
periféricas, Melo (entrev. 2006) procurou deixar claro que, embora, em linhas gerais, não
concorde com o como da implantação de um setor organizado de Informática em
Pernambuco, é totalmente favorável ao quê. Isto é, empreender o Porto Digital é “uma opção
legítima”, pois “fazer qualquer coisa” na região é “muito difícil” e, portanto, não adianta
achar que é “ruim” e “não fazer nada”. No entanto, ela ressalva:
É preciso que a sociedade tenha mais clareza desses compromissos e não,
ver isso como a única alternativa, porque eu acho que você inibe outras
coisas. Talvez se o parque eletro-eletrônico tivesse se desenvolvido, pudesse
ter uma simbiose muito grande [com o setor de software] (MELO-entrev.,
2006).
Mais uma vez se alude ao exclusivismo – uma resposta que se caracteriza como oposta
à da harmonização (OLIVER, 1991). Desta feita, a depoente menciona “os maiores
defensores da área de
software
que advogam que se deveria abdicar de desenvolvimento na
área de
hardware
. Mesmo não sendo uma especialista na área, defende que se teria
que
investigar os nichos tecnológicos que estão surgindo e “ver onde é que a gente tem chance”,
pois “essas coisas não poderiam estar tão dissociadas”.
O empolgamento do setor da C&T estadual pela corrente da TI ligada
preferencialmente à especialidade de
software
e a inviabilização sumária de um projeto de
parque tecnológico incipiente configuram um tipo de resposta de natureza contrária à da
harmonização (OLIVER, 1991), pois não atende às expectativas de importantes constituintes.
Esse tipo de resposta não se explica pela necessidade de, perante a escassez de recursos, ter de
163
se optar por apenas um empreendimento, pois, no caso específico, o que se observa mais
propriamente é uma dilapidação de recursos. Considerando ainda, conforme vimos em outra
seção, a pressão sobre a Universidade semelhante à que ocorre na fábula da “galinha dos ovos
de ouro”, e que, dentre as alternativas de respostas institucionais inventariadas por Oliver
(1991), não existe uma que bem retrate essas evidências, propomos adotar uma categoria
nova. Tendo em vista essa desconsideração sumária da expectativa de determinados públicos,
propomos incluir a categoria de exclusão, como um tipo de tática.
Indagado sobre se a participação do Governo do Estado de Pernambuco fez diferença
para o desenvolvimento do setor de
software
no Estado, o Diretor do CIn respondeu que a
maior parte da “energia tem sido muito nossa”:
O Governo ajudou a gente na instalação do Porto Digital, criou alguns
fundos, [ajudou na] formação de recursos humanos [...] mas, de um modo
geral - eu acho até engraçado algumas discussões - o Governo espera que,
como a universidade é federal, é um problema a menos que ele tem. Então,
na hora que você vai falar com o Governo querendo alguma ajuda, ele fica
surpreso: “Sim, mas eu pensei que vocês eram a nata da nata”. (CUNHA-
entrev., 2006).
Em Estados com menores recursos, como o de Pernambuco, a Ciência é quase que
exclusivamente fomentada por órgãos nacionais. Sem uma política de C&T de longo prazo, a
intervenção estadual no setor da TI praticamente se caracteriza pelo predomínio de poderes
temporais que apóiam a inovação. No sentido inverso, é oportuno registrar que, de um modo
geral, a Ciência no Brasil tem-se orientado “para a geração de capacidade de oferta de
conhecimento e não, para sua incorporação aos distintos projetos políticos que se expressam
em nossa sociedade” (DAGNINO, 2006).
O Governo do Estado, por outro lado, é criticado por um dos diretores da ASSESPRO,
por não usar o seu poder de compra para estimular a atividade da TI no próprio Estado
(XAVIER-entrev., 2006). É feita uma comparação com estados do Sul, nos quais “as coisas
164
estão melhores”: no Paraná, o Estado costuma contratar uma série de aplicações focadas na
área de Saúde, na Indústria, Serviços, Comércio. Nessas experiências, o Estado é o primeiro
consumidor, que, além de prover recursos para as empresas, habilita seus
portfólio
para a
concorrência em outros mercados. Em sua crítica, Xavier (2006) chega a afirmar que o apoio
do Governo do Estado na criação do Porto Digital e o reconhecimento implícito da
competência das empresas locais é um “engodo”, pois, segundo ele, nenhum dos grandes
contratos contraídos pelo Governo do Estado na área de TI é desenvolvido por empresas
pernambucanas. Segundo ele, é necessário “mudar a cabeça de quem está em cima”, pois
“o Estado não exerce seu papel de fomento nem como comprador, nem como uma instituição
de apoio”. Desse modo, o Governo se omite em exercer o papel de “consumidor
empreendedor” (METCALFE, 2003).
5.2 O Porto Digital: uma entidade virtual ou real?
Sobre uma questão relacionada à mudança do campo do
software
em Pernambuco, os
entrevistados, de um modo geral, parecem concordar. Trata-se do modo simbólico, como
decorreu a montagem inicial do Porto Digital. De acordo com Valério Veloso, Presidente do
Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD) desde 2005, a criação do Porto Digital começou
“por trás”, isto é, com exceção da infra-estrutura de fibra ótica instalada no bairro do Recife
Antigo, da reforma dos principais prédios, e da tentativa de atrair as primeiras empresas; o
marketing
veio à frente das principais atividades operacionais:
A realidade tem vários estágios com relação à percepção das pessoas. A
gente começou do estágio mais avançado, e isso colocou muita pressão para
que a organização de fato entregasse aquilo que o marketing e suas
lideranças estavam projetando para serem entregues. Isso deu flexibilidade à
nossa organização, capacidade de entrega, necessidade de ter um staff
profissional comprometido com as metas (VELOSO-entrev., 2007).
165
Corroborando essa constatação e oferecendo, em acréscimo, uma interpretação
construcionista do processo, o Prof. Silvio Meira expôs desse modo o que se passou.
Foi a primeira coisa que, talvez, em Pernambuco, a gente tenha feito como o
Ceará faz. A gente fez muito mais marketing do que no começo a gente tinha
para oferecer. E aí, uma vez que você tenha criado a idéia de que é possível,
torna-se possível porque as pessoas acreditam que é, e você cria a
realização da possibilidade. Então, esse mecanismo de venda, de construção
do imaginário, e a partir desse imaginário, a concretização dos processos que
levam aos resultados prometidos, é o que eu acho que a gente fez também de
diferente (MEIRA- entrev., 2006).
A estratégia inicial consistiu essencialmente na projeção da “marca Porto Digital”
junto ao “público-alvo”, os principais mercados brasileiros na área de Informática: o de
empresas privadas, em São Paulo, e o de órgãos públicos, em Brasília. Foi contratada uma
empresa “de altíssima competência”, especializada em assessoria e consultoria de
comunicação e
marketing
, com experiência na área de TI
11
(VELOSO-entrev., 2007).
Segundo Veloso (entrev. 2007), foi fundamental começar de trás para frente - do
marketing
para a efetiva criação da entidade - pois foi um modo de “botar pressão” nos agentes
envolvidos com a implementação do Porto Digital, em especial, os do setor público.
Na concepção clássica, a construção social da realidade se inicia “logo que A e B
entram em ação comum” e sucedem, rapidamente, tipificações recíprocas do que cada um faz
(BERGER; LUCKMANN, 2001, p. 81). No caso do Porto Digital, há uma inversão de etapas,
pois sucede uma tipificação de A como parque tecnológico, antes que se dêem as trocas
comerciais entre as empresas locais com B – a dia em geral, e as empresas e órgãos
públicos dos principais mercados de TI no País. Trata-se, portanto, inicialmente, de uma
construção virtual de que tanto A quanto B participam.
11
Trata-se da empresa Item Comunicação (VELOSO-entrev., 2006).
166
Veloso (entrev. 2007) faz referência ao episódio conhecido entre os promotores do
Porto Digital como “o Paradoxo de Chico
Science
”, o músico pernambucano que somente
ficou conhecido em Recife e no Brasil depois que cerca de 10 mil pessoas foram assisti-lo
num
show
no Central Park, em Nova Iorque. Do mesmo modo, a expectativa dos promotores
do Porto Digital era que “quando o pessoal de São Paulo começar a dizer que a gente é bom, a
gente vai ter atenção” (VELOSO-entrev., 2007). A contratação da empresa de comunicação e
marketing
“foi fundamental pra nossa operação, nos deu
network
, e, em certo sentido, algum
profissionalismo”, mas Veloso (entrev. 2007) faz questão de destacar que “o que fez a
diferença foi a equipe que montamos”, uma equipe própria de
marketing
do NGPD com o
“desafio gigantesco de tentar fazer a execução das estratégias de exposição da marca”.
Fez parte do trabalho de promoção um convite para que jornalistas do Brasil e do
Exterior visitassem o Porto Digital bem como a participação da equipe do Porto Digital em
eventos, palestras, reuniões com executivos como, por exemplo, da Microsoft, Intel e IBM.
Acrescentem-se à lista, contatos eventuais com a mídia, com “entrevistas, avaliações ,
estudos”, o que Veloso (entrev. 2007) afirma poder dizer que foi “um sucesso”. Revelando a
atenção que o
marketing
exerce na atuação do NGPD, foram enumeradas ainda as
quantidades de “inserções positivas” obtidas na mídia desde o início da campanha, em 2003,
até 2005: números quase sempre crescentes, desde 120, no primeiro ano, até 228, no último,
todos de “inserções espontâneas”.
A concepção do Porto Digital, à primeira vista, bem que poderia ser tomada por um
dos casos de aplicação de uma “fórmula mágica” de criação de parques tecnológicos, criados
em regiões pelo mundo afora, obedecendo ao “apressado estudo de algum consultor
oportunista” (CASTELLS; HALL, 2001, p. 28). Se o surgimento do Porto Digital se
assemelha a uma construção social gica, há evidências de que ela foi sucedida por
conseqüências positivas tangíveis. Segundo depoimento do Presidente do NGPD:
167
Eu tenho tido relatos de várias empresas que três, quatro anos atrás,
batiam na porta de vários clientes e ouviam: “Quem é você?”. E hoje eu
chego “não, eu sou uma empresa do Porto Digital”; você tem uma
abertura, a abertura inicial está posta, garante a sua entrada para tentar
vender seu peixe (VELOSO-entrev., 2007).
A existência de preconceito contra empresas nordestinas com atuação na parte
inovadora do
software
é ilustrada pelas primeiras experiências de uma empresa especializada
na área de segurança computacional, a Tempest, que foi incubada no CESAR e que hoje tem
contratos com empresas de médio e grande:
Nós cansamos de perder negócios, pegar o avião e ir [em São Paulo] toda
semana, mostrar, o cara adorava, as empresas adoravam, “rapaz, que
maravilha, não tem ninguém aqui fazendo isso, me o seu cartão...ah,
vocês são de Recife, né”.[...] Acabava de perder o negócio quando ele via
que a empresa estava sediada em Pernambuco (HORA-entrev., 2007).
Um curioso expediente adotado por essa empresa e que surtiu efeito, segundo Hora
(entrev. 2007), foi inverter as posições dos nomes das cidades onde existem escritórios no
cartão de visita da empresa, colocando “São Paulo” no lado esquerdo e “Recife” no direito,
sugerindo com isso que a sede se localizava na primeira cidade.
Fornecendo pormenores, um outro dirigente de empresa de
software
que também foi
incubada no CESAR, relatou experiências que configuram padrões de relacionamento entre
empresas de TI radicadas em Pernambuco e os centros dinâmicos da economia brasileira,
antes e após o lançamento do Porto Digital. Referindo-se à campanha de
marketing
do
lançamento do Porto Digital em 2003, o dirigente da JYNX, uma empresa de
software
que
desenvolve vários tipos de jogos, narra sua experiência em relação ao preconceito existente
com empresas nordestinas de TI:
168
Eu tive muita dificuldade 4 anos atrás quando eu entrava em São Paulo.
[...] O cara não consegue imaginar que no Nordeste - que na cabeça dele é o
fim do mundo do sertão, totalmente seco - existam empresas que trabalhem
com alta tecnologia (VASCONCELOS-entrev., 2007).
O empresário descreve a mudança de comportamento ocorrida com o surgimento do
Porto Digital:
Eu confesso que depois desse trabalho que foi executado pelo Porto Digital
eu tive mais acesso, mais facilidade. Nós passamos a ser melhor recebidos.
Pessoas que comumente batiam à porta, vamos dizer assim, na cara da gente,
passaram a nos respeitar mais, a escutar o que a gente tinha para dizer e o
que a gente tinha para mostrar. Então, começamos a ter mais cliente. Na
prática, isso se reverteu em mais clientes, mais recursos, mais empregos
(VASCONCELOS-entrev., 2007).
Outro elemento tangível do Porto Digital é a existência de um ambiente social de troca
de idéias e desenvolvimento conjunto de atividades. Um dirigente de uma empresa novata
refere que dentre as 120 empresas atualmente instaladas no Porto Digital, ele tem um
relacionamento ativo, no mínimo, 20 delas, sendo que, pelo menos, três são relações diretas
de negócio (VASCONCELOS-entrev., 2007). Para Marinho (entrev. 2006), a visão da Praça
de Alimentação do Paço Alfândega repleta de “jovens com seus crachás pendurados” é uma
expressão concreta do sucesso da estratégia pensada em 2000, que incluía a idéia de reunir as
pessoas “num lugar charmoso em que possam ficar convivendo” e exercitando as “regras
básicas organizacionais, contratuais, de parcerias,
joint-ventures
, parcerias estratégicas,
fusões,
mergers
etc”.
Além da criação virtual do Porto Digital ter contribuído com êxitos tangíveis, ela
também foi antecipada por importantes realizações no nível do campo, pois, como afirma
Veloso (entrev. 2007), o Porto Digital é resultado de quase 40 anos de uma conjugação de
esforços na academia e nas empresas. Uma das principais conquistas parece ter sido o
estabelecimento de uma ponte entre a Universidade e o mundo empresarial que resultou em
169
produtos inovadores. Assim, algumas relações Universidade-Empresa no setor de
software
em
Pernambuco, foram estabelecidas antes da formação do parque tecnológico, invertendo a
ordem dos acontecimentos que normalmente se busca quando da criação desses parques
(DAGNINO, 2006).
A mudança do CESAR, da Cidade Universitária para o Porto Digital, contribuiu para
tornar real esse arranjo. Atualmente com quase 700 colaboradores cujo faturamento, em 2006,
totalizava R$ 48 milhões, o CESAR é considerado por alguns como a principal organização
pernambucana que atua na área de
software
, tendo graduado, desde a sua criação em 1996,
mais de 15 empresas incubadas (CESAR, 2007).
A Procenge transferiu sua sede, em 2006, para o perímetro do Porto Digital,
beneficiando-se assim dos incentivos fiscais do Município. Além de empresa mantenedora do
CESAR, com assento no Conselho de Administração deste centro, a Procenge passou a ter
também uma presença física no Porto Digital. Essa empresa carrega o valor simbólico de,
com mais de 30 anos de atividade, ser a empresa mais antiga em operação em Pernambuco e
no Brasil. Além disso, como afirma um empresário, apesar de ser uma “velha” empresa da
Nova Economia, sua experiência e seu
networking
valem muito” (XAVIER-entrev., 2006).
Assim é que a Presidenta do CESAR em exercício afirmou que, com a transferência da sede, a
Procenge pode ser considerada uma nova âncora do Porto Digital (SALGADO-entrev.,
2006). Como observou um empresário, também razões institucionais que podem favorecer
diretamente à Procenge através do efeito “holofote”:
Eu acho que a Procenge nesse ponto foi muito ousada. [...] Se o holofote não
está em mim, mas está em você que está do meu lado, pelo menos no escuro
eu não estou. Eu saio do escuro. Então, alguém já consegue me ver pelo
menos. [...] Eu acho que a Procenge partiu disso quando participou da
criação do CESAR (VASCONCELOS-entrev., 2007).
170
Assim como ocorreu com o CESAR na sua origem, agora com o Porto Digital, uma
empresa institucionalizada estabelece uma relação de coadjuvação. Ao contribuir para a
criação das entidades novatas, ela pode estar contribuindo também com a sua própria
revitalização institucional.
A “invenção” virtual do Porto Digital parece ter contribuído com a mudança de
arraigadas crenças de um público nacional que é decisivo para o estabelecimento de contratos
na área de TI. Assim, pelo menos, algumas empresas pernambucanas atuantes no setor, em
especial as que se localizam no Porto Digital, puderam ter sua capacidade reconhecida e, a
partir daí, passarem a auferir resultados tangíveis. Trata-se, portanto, de um criação simbólica
que envolve, pelo menos, na parte inicial, um encobrimento da realidade, e, também, um
desafio ao preconceito com empresas de tecnologia de ponta de origem nordestina. Se a
criação do Porto Digital é uma projeção virtual do futuro, ela também se ancorou em
capacidades testadas no passado, como a do CESAR. Assim, o Porto Digital se
institucionaliza através de vínculos com o passado (VEBLEN, 1973) e, ao mesmo tempo, com
o “futuro”.
Se, como percebemos existe uma concordância entre os entrevistados em descrever
o surgimento do Porto Digital como um fenômeno construcionista, o mesmo não se pode
dizer em relação às avaliações sobre o seu significado real que são variadas ou antagônicas.
Ao discorrer sobre esse tema, um empresário da área de TI que é também dirigente da
ASSESPRO, uma associação empresarial de empresas de processamento de dados, considera
“razoável” que exista o Porto Digital, que ele tem ajudado o setor; que hoje a comunidade de
TI do país tem uma idéia favorável das empresas e profissionais de Recife pois os associam
ao Porto Digital, que “virou uma grande
griffe
” (XAVIER-entrev., 2006).
Um dos questionamentos que ele faz é sobre o montante “se gastou muito dinheiro
para fazer essa
griffe
[...] mas não foi pouco dinheiro, foi muito dinheiro” e sobre o próprio
171
conteúdo do empreendimento, pois, segundo ele, o dinheiro público teria sido melhor aplicado
em algum tipo de fomento direto para as empresas. Ele acrescenta que a visibilidade das
empresas de
software
de Pernambuco, de algum modo já vinha ocorrendo com as premiações
que vários profissionais e empresas locais obtiveram ao longo dos anos e que a promoção
poderia ter sido calcada em “qualquer empresa do setor, qualquer outra história que você
criasse”. Ele sintetiza sua crítica com uma avaliação contundente, comparando o Porto Digital
a “um guarda chuva hipotético [...] um guarda-chuva que tem os arames” (XAVIER-
entrev., 2006). Segundo essa mesma fonte, “o setor é ainda muito frágil, embora não pareça,
mas é muito frágil” (XAVIER-entrev., 2006). Embora essa afirmação seja enunciada como
um diagnóstico objetivo do setor de
software
em Pernambuco, ela também alude à aparência
de fortaleza que foi construída sobre o Porto Digital que se aproxima da clássica formulação
de encobrimento de Meyer e Rowan (1991).
Em contraste, como era de se esperar, um dos principais artífices do Porto Digital
apresenta uma visão favorável ao arranjo. Com base numa pesquisa independente da empresa
de consultoria A. T. Kearney, ele aponta, indicando os critérios técnicos ligação com uma
universidade, dedicação a um único ramo de atividade, uma regra básica de governança
coletiva - que o Porto Digital é “o maior parque tecnológico urbano do Brasil” na área de TI.
Ele também cita o atual faturamento conjunto das 102 empresas, entre R$ 450-500 milhões.
Com maior ênfase, ele menciona os 3.000 trabalhadores com salário médio de R$ 1.800,00,
representando três vezes mais do que a média dos rendimentos da Região Metropolitana. Em
comparação, ele menciona, sem citar nome, o caso de uma grande empresa de Suape que
fatura R$ 800 milhões e emprega 200 trabalhadores, recebendo, em média, R$ 600,00
(MARINHO-entrev., 2006). É legítimo indicar números que demonstrem a importância
relativa do setor de
software
em Pernambuco, entretanto, se o Porto Digital hoje o representa
172
institucionalmente e contribui com o seu desenvolvimento “técnico”, é preciso reconhecer que
grande parte das empresas instaladas hoje no seu perímetro já preexistiam ao arranjo.
Por sua vez, o Coordenador da Pós-Graduação do CIn descreve impressões sobre o
Porto Digital de visitantes do Exterior com quem manteve contato: “o que eu posso dizer é o
seguinte: quem visita Pernambuco, em geral, acha muito importante, muito interessante e
muito original essa experiência do Porto Digital” (TENÓRIO-entrev., 2006). Apesar de
reconhecer a importância da experiência, ele se junta aos poucos entrevistados que estão na
contramão do exagero explícito ou implícito, constatando que o parque pernambucano é de
“pequena escala”.
Certamente pode ser questionável a grandiosidade das ações na criação do Porto
Digital, mas, por outro lado, como afirmam Castells e Hall (2001), é improvável o surgimento
espontâneo de um setor tecnológico, em especial nas regiões que precisamente estão iniciando
seu desenvolvimento. Tratando da inovação em geral, Lundvall (1988) nota como no
“mercado puro”, as únicas informações trocadas se relacionam com produtos existentes.
Esse autor observa como esse tipo de mercado – exaltado pelos economistas neo-clássicos por
sua capacidade de estabelecer uma alocação eficiente de recursos com base em quantidade
muito limitada de informação – forma “um ambiente hostil às atividades inovadoras” (p. 350).
Em períodos de mudança de paradigma tecnológico, para a quebra da “inércia originada nos
mercados organizados”, é importante a intervenção estatal no sentido de reformular as
relações usuário-produtor (p. 358).
Embora relativamente improvisada, pois resultou da aplicação de verbas inesperadas
no setor da C&T estadual, a criação do Porto Digital pode ser caracterizada como contendo
elementos de uma intervenção de um Estado periférico que altera a composição da oferta do
mercado de Informática existente num país semiperiférico, influindo institucionalmente sobre
as crenças dos que se situam no lado da demanda. Observe-se que, neste caso, a intervenção
173
esteve associada não tanto ao novo produto como a um outro tipo específico de inovação
identificado por Schumpeter (1950, 1968): a “descoberta de novas fontes de suprimentos”.
Cabe categorizar o período inicial postiço da criação do Porto Digital como um caso
de intervenção institucional “artificial e discricionária” que as sociedades periféricas são
compelidas a adotarem para “simplesmente, tornar possíveis as suas relações com o mundo
exterior” (RAMOS, 1983, p. 298-299). Nesse caso, parece evidente que o Estado é um
articulador destacado da transformação do mercado nacional da TI, no que tange à
participação do segmento pernambucano no lado da oferta.
5.3 Peculiaridades institucionais da inovação
Conforme Hargadon e Douglas (2001), uma inovação não se institucionaliza junto ao
grande público, com base em suas concepções abstratas. Por exemplo, a resposta favorável do
público ao automóvel, ao computador pessoal e à engenharia genética se deram em relação a
exemplos concretos dessas inovações, no caso, o Modelo T da Ford, o Apple II e a ovelha
Dolly. Esses autores enfatizam, também, que o processo de robustecimento de uma inovação
necessita de uma combinação de detalhes concretos que a situam no mundo familiar, com
uma flexibilidade que não constranja a evolução da compreensão da inovação.
No caso do setor da Informática em Pernambuco, não parece possível, ainda, apontar
um exemplo concreto de produto com popularidade suficiente para institucionalizar,
indiretamente, o setor. de se considerar que a especialização em produção de
software
pode dificultar o surgimento de um ícone com o mesmo tipo de aceitação popular. No entanto,
embora ainda na esfera do simbólico, o nome que foi escolhido para o futuro parque
tecnológico de Recife, “Porto Digital”, parece facilitar uma familiarização, ao se “ancorar” no
174
secular Porto do Recife, ponto de escoamento das riquezas produzidas no Estado, em especial
o açúcar.
Por outro lado, a palavra “Digital” aponta para a as atividades da Nova Economia. A
existência de uma ponte entre esses dois tipos de atividade é deliberadamente explorada pelos
promotores do Porto Digital, cujo
site
menciona a transição “dos engenhos de açúcar para
uma economia baseada em serviços” (PORTO DIGITAL, 2007). O valor simbólico desse
vínculo parece bem captado por um empresário:
Pernambuco tem um charme que os outros estados brasileiros não têm: ele
está sediando um ambiente tecnológico numa ilha centenária [...] Existe esse
simbolismo, sim. E essa relação entre o velho e o novo, que um charme a
mais. Então, você entra num prédio que foi um armazém [de açúcar] e
encontra empresas de tecnologia abrigadas dentro - de maneira decente, é
lógico. Isso é importante. Então, esse é um argumento que eu acho que, para
a mídia, faz muito sucesso (VASCONCELOS-entrev., 2007).
A coadjuvação de um campo de atividade tradicional é conscientemente explorada
com o sentido de conferir estabilidade à nova instituição. Assim, a localização do arranjo no
Bairro Antigo, em que pesem as dificuldades de infra-estrutura e os preços de aluguel dos
imóveis, parece estar beneficiando a legitimação do Porto Digital.
Além do Porto Digital, o CESAR e, talvez mais ainda, o seu Cientista-Chefe,
cumprem um papel de concretização da inovação (HARGADON; DOUGLAS, 2001). A
constante presença de Silvio Meira em matérias jornalísticas da mídia local e nacional,
algumas vezes a propósito de eventos culturais, como o Carnaval ou da sua carreira pessoal e
não necessariamente de aspectos empresariais ou técnicos do setor de
software
, parece
contribuir também para personificar e tornar familiar a nova vertente do setor da Informática
bem como o próprio Porto Digital. Apenas para citar um dos casos recentes, uma revista de
circulação nacional, a
Você S.A.,
de março de 2007, traz em sua capa uma foto de Silvio
Meira, numa chamada de matéria sobre estratégias de carreira pessoal.
175
A identidade de Silvio Meira com o CESAR e com o Porto Digital, portanto, não
parece se explicar por razões fortuitas, como as características pessoais, conforme sugere o
próprio Meira (entrev. 2006), ao afirmar que “o fato de haver essa identidade é porque, talvez,
eu fale muito, e me exponho muito, eu tento explicar muito, eu estou o tempo todo vendendo
essa idéia” do Porto Digital. Embora ressalvando que o trabalho mais importante de
comunicação do Porto Digital tem sido desenvolvido pela equipe própria de
marketing
,
Veloso (entrev. 2007) considera Silvio Meira uma espécie de “garoto propaganda” desse pólo.
A personificação exagerada pode estar fazendo às vezes de materialização da inovação
(HARGADON e DOUGLAS, 2001). de se considerar que, tratando-se de uma atividade
afim à pesquisa, ela pode estar sofrendo de dificuldade semelhante de legitimação que
acomete a comunidade de pesquisa de países periféricos por falta de realizações concretas de
relevância local (DAGNINO, 2004).
Uma empresa que lança um produto novo precisa não apenas criar-se a si mesma
como organização, mas também contribuir para criar o próprio mercado para o seu produto. O
caso da JYNX com o
advergame
ilustra esse processo. O
advergame
é um tipo de publicidade
que funciona como um jogo eletrônico. Mesmo não sendo um produto inédito, ele era
desconhecido das agências de publicidade no Brasil, e assim, foi apresentado no mercado
nacional, antes que existisse uma busca ativa por ele. Como narra o principal dirigente da
JYNX,
Nós somos fomentadores do mercado, posso dizer dessa maneira. O mercado
de advergame não existia. Levamos muita porta na cara. Inclusive, um dos
nossos principais clientes hoje nos diz: ‘rapaz, temos que dar o braço a
torcer, porque vocês são a solução para a mídia digital que a gente não tinha’
[...]
O fomento passou por treinamento, eu fiz workshops dentro das agências
para que o pessoal fosse mais capacitado a entender o que é que jogo pode
trazer de benefício para o mercado de publicidade, e mostrar casos mundiais.
Esse foi o começo, onde tudo começou: a semente. (VASCONCELOS-
entrev., 2007).
176
Assim, um dos elementos básicos do ambiente técnico, o mercado para os produtos
(SCOTT, 1992), não existia ainda. Isto é, ao menos uma parte do próprio ambiente que, em
geral, é tido como existente nas análises tradicionais dentro da perspectiva institucional, no
caso de uma empresa inovadora, precisa ser criado junto com a própria empresa. No
“mercado puro”, a inovação é aleatória e excepcional, pois neles “os produtores não têm
nenhuma informação sobre as necessidades potenciais dos usuários, e os usuários não
dispõem de nenhum conhecimento sobre as características do valor de uso dos novos
produtos” (LUNDVALL, 1988, p. 350). O caso dessa empresa ilustra como a interação
produtor-usuário tem de ir além dos “relacionamentos anônimos” que caracterizam o
“mercado puro”, no caso da institucionalização de um novo produto.
Além do ineditismo, quem lida com a inovação na área de Informática precisa
conviver com a velocidade das mudanças. Referindo-se à necessidade de “recriar o CESAR a
cada mil dias”, Meira (entrev. 2006) apresenta razões técnicas e implicações da rapidez das
mudanças: “em mil dias, a velocidade de processamento do que está disponível ao seu redor
aumenta 4 vezes” e caso não se acompanhem as mudanças “você não tem mais o que ver aí,
[...] você não tem mais conexão com essa realidade”.
Do ponto de vista institucional, então
Mil dias é o tempo que uma instituição começa a se fossilizar, na nossa
avaliação. É o tempo suficiente para você instalar métodos, processos,
mentalidades, comportamentos, ambiente de trabalho, de ferramentas, a
maneira de atender as pessoas, o jeito de discutir [...] De mil em mil dias, a
gente tem que ter reinventado o negócio todinho (MEIRA- entrev., 2006).
Na inovação tecnológica vertiginosa, o truísmo de Veblen sobre o desajuste da
instituição às suas condições parece sofrer uma inversão. Para Veblen, as instituições existem
em contínuo estado de tensão com a situação presente, pois “são o produto de processos
passados, são adaptadas a circunstâncias passadas e, por conseguinte, nunca estão em plena
177
concordância com as exigências do presente” (VEBLEN, 1973, p. 133). Analisando a reflexão
de Meira (entrev. 2006) apresentada a seguir, é instigante observar uma simetria da
institucionalização da inovação com o conceito de Veblen:
A maioria dos produtos está no futuro, não são conseqüência das coisas que
você tem no presente. Então, se você não renova a instituição para ela pensar
de maneira sistemática o futuro, ela não tem presente, porque o futuro aqui
acontece muito rápido (MEIRA- entrev., 2006).
A sintonia das organizações ligadas à inovação tecnológica com as condições futuras
exige que ela esteja em desajuste com o presente.
Outra estratégia que visa à obtenção de legitimação cognitiva é a participação em
concursos ou o reconhecimento de entidades independentes. De acordo com Rao (2001), a
obtenção de certificações é um modo alternativo de legitimação de que dispõem as empresas
novatas diante da natural falta de reconhecimento que encontram no ambiente, durante o
início da sua existência. As variadas organizações ligadas ao Porto Digital parecem obter
legitimação através da participação em concursos ou por meio de avaliações independentes.
Como evidência do sucesso que teria sido obtido pelo próprio Porto Digital, Marinho
(entrev. 2006) menciona um estudo da empresa de consultoria A. T. Kearney que o aponta
como o “maior parque tecnológico urbano do Brasil”. Em 2004, o CESAR recebeu o Prêmio
Finep de Inovação Tecnológica, na categoria Instituição de Pesquisa. No nível das empresas,
é freqüente a conquista de prêmios, e os
sites
do Porto Digital e do CESAR trazem notícias
sobre várias dessas premiações.
178
5.4 Na periferia da semiperiferia
Uma das dificuldades básicas para quem intenta desenvolver uma empresa baseada em
inovação numa região periférica reside na grande carência de capital de risco de origem local.
Retomando o exemplo da empresa que desenvolve
software
na área de jogos, observa-se que
o seu mercado se localiza fora do Estado de Pernambuco. No segmento de “jogos sérios”, os
de treinamento e publicidade, segundo constata seu dirigente, aproximadamente 90% da
receita provém de São Paulo, enquanto os cerca de 10% restantes se distribuem entre Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais (VASCONCELOS-entrev., 2006). Segundo
estimativa de um outro empresário referente a todas as empresas de TI de Pernambuco, tanto
as que lidam com serviços considerados tradicionais quanto com a inovação, as que faturam
acima de R$ 5 milhões por ano obtêm de fora do Estado, sem exceção, a maior parte do seu
faturamento, “embora a matriz seja aqui e a geração de empregos seja aqui” (XAVIER-
entrev., 2006).
No caso dos produtos inovadores, justifica-se que a exigüidade de recursos das
empresas de Pernambuco torna o mercado local “muito conservador”. A situação é diversa
com uma cidade como São Paulo, equiparada, pelo primeiro empresário acima citado, a
centros, como Nova Iorque, Paris, São Francisco, Miami ou Cincinnati que constituem
“tubulações por onde o dinheiro, as decisões e o desenvolvimento efetivo do país passam”
(VASCONCELOS-entrev., 2007). Prosseguindo, ele compara:
Então, elas tendem a ser menos conservadoras, tendem a arriscar mais. E
elas têm capital para arriscar. Esse é o ponto. Elas têm como. Eu enxergo
isso claramente hoje. Por que as empresas aqui são mais conservadoras?
Porque elas têm menos recursos, elas não podem se dar ao luxo de arriscar
tanto. Então, tem muito disso. Com algumas exceções, evidentemente, mas
basicamente é socioeconômica a razão pela qual as empresas de tecnologia
têm que passar por lá (VASCONCELOS-entrev., 2007).
Outro empresário salienta a importância das dimensões do mercado do Estado de o
Paulo:
179
Cada uma dessas cidades [Ribeirão Preto, por exemplo] praticamente tem
dentro delas o mercado de Pernambuco inteiro [para TI]. Então, São Paulo
tem aquela história, tem uma coisa chamada quantidade, certo? Corre muito
dinheiro, o mercado é carente para algumas coisas. O que você resolve
vender em São Paulo, se você fizer bem, você vai vender e muito, porque
sempre cabe mais um (HORA-entrev., 2007).
Ele tece suas considerações finais, citando o ensinamento de um professor de
Estatística que dizia: “a quantidade tem uma qualidade que a quantidade tem”. No caso
específico, poderíamos acrescentar que um elemento dessa qualidade é o incentivo à
inovação. Para várias empresas pernambucanas, trabalhar com inovação parece sinônimo de
inserção nacional. Em especial no contexto paulista, para vingarem, essas empresas precisam
de empresas consumidoras dispostas a correr algum risco na aquisição do bem inovador. As
empresas compradoras acabam exercendo, desta forma, o papel de fomentadoras. Deparamo-
nos, assim, com uma ilustração do papel exercido na economia moderna pelo que Metcalfe
(2003) denomina de “consumidor empreendedor”. Percebendo a importância do papel de
decisão do usuário sobre quais os bens serão viáveis, Metcalfe (2003) percebe que esse papel,
infelizmente, está explicitamente ausente da definição schumpetereana de empreendedor e
propõe que seja um dos elementos que devem constar numa redefinição do conceito.
A vida numa região periférica pode constituir uma fonte de insatisfação para quem já
desenvolveu um mínimo de autoconsciência sobre essa condição e, em alguns casos, um
acicate para a elaboração estratégias de superação dessa situação marginal. Esta última
resposta é ilustrada pela lógica que norteou o desenho do projeto de inserção do setor de
software
de Pernambuco e que Veloso (entrev. 2007) procura descrever sinteticamente
respaldado em uma pergunta para a qual ele mesmo oferece uma resposta:
- Olha, nós estamos na periferia, longe do mercado, longe dos investidores,
longe das networks, das grandes networks de negócios, e agora?
- Agora, temos que ser muito mais inteligentes do que eles, e temos que
fazer apostas mais ousadas, do ponto de vista tecnológico. (VELOSO-
entrev., 2007).
180
Na esfera acadêmica, ele cita o exemplo da área de Informática da UFPE que foi a
primeira no Brasil que “decidiu usar uma linguagem que ninguém conhecia, chamada Java”.
E, mais tarde, “outro momento muito rico, que deu um
upgrade
na nosso evolução foi o
investimento em desenvolvimento sob a perspectiva de redes neurais (Inteligência Artificial)”.
Quando as primeiras teses de doutorado nessa linha de pesquisa foram sendo desenvolvidas,
“todo mundo achava que aquilo era coisa da NASA e que as pessoas tinham que ir pra
NASA”. Contrariando essa opinião, alguns professores da UFPE vislumbraram uma
oportunidade de utilizar esse conhecimento para “aumentar a eficiência do giro dos cartões de
crédito e também poder aplicar pra análise de crédito”. Em suma, na condição periférica “a
gente precisava, para se firmar no mercado, inventar mais rapidamente que outros e correr
mais riscos” (VELOSO-entrev., 2007).
Por outro lado, “os investidores investiam nas empresas de São Paulo e nunca
investiam nas nossas”; ainda mais porque, sendo o padrão das novas empresas de Recife e não
largar “com o contrato na mão”, mas inventar e depois buscar o resultado, os investidores, que
não são verdadeiramente “de risco”, não teriam os contratos como garantia de retorno do
capital investido. Portanto, a condição periférica, dentro do próprio País, juntamente com o
perfil inovador das empresas explicaria, segundo Veloso (entrev. 2007), o grau de ousadia
adotado na exposição da marca “Porto Digital” que, segundo ele, “amplia o
recall
dos
compradores com relação a Recife”.
Contrariando o senso comum, a condição periférica é vista por um dos principais
personagens atuais do campo da TI em Pernambuco, como uma vantagem para a realização de
empreendimentos inovadores no que tange às instituições:
Às vezes a gente quer se entender como centro, mas Recife é uma
localidade periférica. É um lugar periférico, num país periférico. O Brasil é
claramente um país periférico do ponto de vista de tecnologia e de empresas
de tecnologia e de inovação tecnológica.
181
Ser periférico, ao contrário do que possa parecer, tem vantagens também.
Quer dizer, tem um conjunto de coisas que você pode fazer na periferia
exatamente porque é periferia. Tem um monte de coisas que nós fizemos
aqui, consideradas, hoje, nacionalmente, inovadoras, e nós conseguimos
fazer em Recife porque era aqui. Nós não teríamos conseguido fazer em São
Paulo, ou no Rio, ou em outros lugares, porque lá, já têm as estruturas de
poder para inovação e de negócios mais consolidadas e mais duras. Inovação
e criação de novas institucionalidades [sic] e organizações têm muito a ver
com a flexibilidade, com a maleabilidade do arranjo social ao seu redor
(MEIRA- entrev., 2006).
Persistindo nesse raciocínio, Meira (entrev. 2006) afirma que, se o ambiente “for
muito duro, você não consegue mais penetrar e colocar uma outra instituição no meio”,
fazendo referência à possibilidade de terem sido criadas instituições intermediárias, como o
CESAR e o Porto Digital, no Recife. Isso se deve ao fato de Pernambuco ser “um lugar meio
esquisito: então, para fazer certas coisas aqui que não daria para fazer em nenhum outro
lugar”. Por outro lado, assim que aparece uma realização, “você vira alvo”, isto é, surgem
pressões contrárias: “exatamente por terem esses perfis tão altos, eu acho que aqui a gente
sofre um pouco com as pessoas, na realidade, não querendo que apareçam essas coisas”. Essa
tendência inercial, todavia, não é atribuída a uma característica local, mas como “uma coisa
natural, na maioria dos lugares do mundo”, mas que, como se percebe, na seqüência do
depoimento, é mais intensa nas regiões periféricas:
Eu não tenho muitas ilusões sobre aqui ser diferente de qualquer outro lugar,
não. Essa é uma periferia. É uma periferia criativa, como são todas as
periferias. É uma periferia pobre, violenta e, eu acho, em parte,
desesperançada, como são todas as periferias. E o nosso papel nesse negócio
aqui é, justamente, de criar possibilidades (MEIRA- entrev., 2006).
Se as empresas da região são periféricas, do ponto de vista tecnológico, a situação da
principal entidade acadêmica de Pernambuco ligada à TI, o CIn da UFPE, não parece a
mesma em relação às entidades cêntricas correspondentes. Considerando que em todos os
itens do quesito “Atividade de Pesquisa”, o Programa de Pós-Graduação em Ciência da
182
Computação da UFPE recebeu o conceito máximo da principal entidade de avaliação do País,
a CAPES (GOULART, 2005) e que esse centro tem logrado realizar pesquisas no mesmo
nível de qualidade comparável ao de alguns centros de países desenvolvidos, na área de
software
; podemos considerá-lo uma unidade científica semiperiférica, que tem como área de
atuação uma região periférica. Assim, nos extremos da cadeia de inovação, um setor de
software
situado num ambiente periférico se articula a montante com uma unidade acadêmica
pertencente a um sistema federal acadêmico semiperiférico e, no extremo oposto, conquista
“consumidores empreendedores” de um ambiente semiperiférico.
5.5 Arranjo local ou inserção global subalterna?
Após a promulgação da Lei da Informática em 2000 e a sua regulamentação em 2002,
e tanto o CESAR quanto o CIn experimentaram um incremento de projetos desenvolvidos
com grandes empresas, principalmente EMN’s (Empresas Multinacionais). Com a ajuda dessa
lei, atribui-se principalmente ao CESAR, “através do tamanho do nome que construiu” como
instituto de pesquisa e desenvolvimento, o fato de ter conseguido atrair para o Porto Digital
empresas como Samsung, Nokia e Motorola. Como o CESAR nem sempre dispõe de toda a
capacidade para cumprir os contratos, é comum a sub-contratação de pequenas empresas do
Porto Digital. Junto com o CESAR, a Universidade e as EMN’s, essas pequenas empresas
terminam assumindo um papel produtivo importante e uma relevante contribuição na
construção do ambiente de negócios representado pelo Porto Digital.
Conforme constata um professor e empresário da área de TI, as empresas
multinacionais adotam uma política de “descentralizar e terceirizar atividades que são, na
verdade, caras” (JUREMA-entrev., 2006). Assim como sucede com a China e a Índia, que
têm “mão-de-obra barata, têm pessoas competentes e bem formadas”, as EMN’s teriam vindo
183
para o Porto Digital em busca desses mesmos fatores. Conforme esclarece o Diretor do CIn,
essas empresas não instalam grandes unidades próprias no Porto Digital, e assim o CESAR se
caracteriza como a grande empresa do Porto Digital. Existem, sim, grandes projetos
contratados, sendo que um dos maiores envolve cerca de 500 pessoas que trabalham
diretamente para o CESAR e para o CIn.
O aumento da demanda desses projetos sobre os recursos humanos locais traz
preocupação, pois “nós não estamos formando gente, número e qualificação suficiente para
dar conta de uma empresa que chegue aqui e queira contratar 200 ou 500 pessoas para
trabalharem nela de uma hora para outra” (SALGADO-entrev., 2006). Referindo-se ao
exemplo de uma grande empresa indiana da área de
software
com operações em Pernambuco,
é externado o temor de a concorrência pela mão-de-obra local afetar a estabilidade das
empresas locais:
E ela vai pegar as pessoas, porque ela tem como pagar, vai oferecer salários,
vantagens, e as pessoas vão sair de onde estão. Então, vão desestabilizar as
empresas onde elas estão para ir estabilizar a empresa indiana que venha se
instalar aqui (SALGADO-entrev., 2006).
Um empresário, que é também diretor da ASSESPRO, se queixa da concorrência
desigual que essas grandes empresas exercem no mercado de trabalho local:
Esses grandes players que vêm p’ra tiram os melhores profissionais da
gente. O ano passado, eu perdi oito [...] e olhe que eu, para perder, é mais
difícil. Eu tenho uma relação pessoal, esses meninos chegam aqui como
estagiários – sento, converso, eu sou pai, padrasto, padre, amigo [...]. É mais
difícil sair, mas sai, porque [têm] o dobro; eu não tenho condições de pagar o
dobro; eu e outros [...] Isso acontece e, hoje, efetivamente, um déficit de
mão-de-obra (XAVIER-entrev., 2006).
Além disso, esse empresário mantém uma posição crítica sobre a vinda dessas grandes
empresas multinacionais, afirmando que elas não se dedicam propriamente à inovação e, sim,
184
ao aperfeiçoamento de produto, de acordo com estratégias previamente definidas. Isso talvez
não possa ser generalizado. Conforme explica Salgado (entrev. 2006), é comum se estabelecer
uma divisão de trabalho entre o CESAR e o CIn. Por exemplo, com os projetos de teste de
software
em protótipos de telefones celulares da Motorola, o CIn tem projeto de pesquisa e
desenvolvimento de métodos de teste de
software
e um projeto considerado inovador na área
de formação de recursos humanos nessa área específica
.
A parte que coube ao CESAR foi a
parte rotineira da aplicação dos testes propriamente. Trata-se, portanto, de um projeto “misto”
do ponto de vista da inovação com a parte do CIn envolvendo “pesquisa de ponta”, e a do
CESAR sem nada de inovador (SALGADO-entrev., 2006).
Considerações semelhantes foram formuladas por Eduardo Campos, quando candidato
a Governador de Pernambuco, defendendo a necessidade de se ter cautela com a presença das
grandes empresas uma vez que, se por um lado podem contribuir para a competitividade do
Estado, de outro podem causar um efeito predatório. Num debate eleitoral, mostrou-se
favorável à atração de centros de pesquisa de grandes empresas para aumentar as exportações,
embora tenha advertido para o efeito predatório que a presença de operações convencionais
podem trazer para o crescimento das empresas locais (O FUTURO..., 2006).
A opinião de um empresário, cuja empresa participou de parcerias com algumas das
EMN’s, sobre os vários aspectos da presença dessas empresas no Porto Digital parece
exprimir a ambigüidade existente em relação a elas. Assim, se de um lado ele considera
“interessante” a vinda de algumas dessas empresas, de outro, ele destaca o problema da
escassez da mão-de-obra qualificada no campo da TI de Pernambuco como uma das “coisas
ruins” que “toda coisa boa”, como a criação de um pólo tecnológico, termina trazendo
(VASCONCELOS-entrev., 2007). Por outro lado, esse mesmo empresário saúda a vinda de
empresas como a Samsung, Motorola, LG, Microsoft devido ao “respaldo natural” que trazem
para o Porto Digital. Ou seja, o fomento aos negócios dessas empresas na promoção do
185
arranjo convive com a competição desigual por recursos humanos e conseqüente ameaça à
estabilidade desse arranjo. A Motorola não acredita que haja essa concorrência desigual e que
seus projetos têm “uma rotação de mão-de-obra nos mesmos padrões do mercado”. Para ela, a
política salarial é “adotada pelos parceiros” de acordo com as condições regionais, “sem
nenhuma influência da Motorola” (RODRIGUES; FERNANDES-question., 2007).
Quanto ao reflexo institucional da sua presença no Porto Digital, os representantes
declararam que
o Porto digital é hoje uma referência no Brasil como um arranjo regional que
deu certo e ter parcerias com entidades localizadas no Porto Digital
certamente transmite a imagem que a Motorola é aliada a uma iniciativa de
sucesso do país (RODRIGUES; FERNANDES-question., 2007).
Desse modo, parece que uma coadjuvação institucional recíproca dessa empresa
multinacional com as organizações locais.
No entanto, independente dos benefícios de o Brasil se tornar o centro de excelência
em testes de
software
, bem como a transferência de tecnologia propiciada por essas
atividades, o que se depreende, pelo menos nesse caso da Motorola, é que se trata de uma rede
cujo controle conjunto das operações é exercido pela Motorola. Conforme descrição
apresentada pela Diretora de P&D dessa empresa no Brasil, numa revista especializada, além
do CESAR e do CIn, também participam do processo de verificação de
software
mais duas
unidades de pesquisa brasileiras, o Departamento de Informática e Estatística da UFSC e o
Instituto Eldorado, cabendo à Motorola a “integração das operações dos parceiros”
(
SOFTWARE
EM..., 2006).
Num questionário respondido por escrito por representantes da Motorola para esta
pesquisa, é afirmado que foi estabelecida “parceria” com o CESAR e CIn desde o ano 2000
(RODRIGUES; FERNANDES-question., 2007). Noutra questão, é afirmado que essa
empresa “é um importante parceiro para consolidar arranjos locais, pois traz consigo
processos, treinamento e uma forte tradição em P&D, que é absorvido e difundido nos locais
186
onde estabelece parcerias” (RODRIGUES; FERNANDES-question., 2007). Como vimos, a
relação da Motorola com o CESAR e o CIn, pelo menos, em relação ao projeto elaborado
para formar um centro de excelência na área de testes, apresenta características das redes
verticais, a exemplo da formada pela Nike, em que uma empresa terceiriza várias atividades e
centraliza as principais decisões e o controle sobre o conjunto das operações (MILES e
SNOW, 1994). Rigorosamente, falta paridade a esta “parceria”, e portanto, ela não pode ser
considerada uma “aliança estratégica” (YOSHINO; RANGAN, 1996). De certo modo, essa
designação generalizada de “parceria”, adotada mesmo para relações assimétricas, é uma
espécie de encobrimento.
Se a constituição do Porto Digital foi marcada por exclusivismo, no sentido de se
alijarem outros setores dos benefícios providos pelo Estado local e, mesmo, por algum
privilégio por parte do segmento dos acadêmicos empreendedores, hoje é o próprio Cientista-
Chefe do CESAR que manifesta agora uma atenção à necessidade de harmonização de
interesses no Porto Digital:
O Porto Digital, que hoje é muito mais importante do que o CESAR, porque
articula muito mais gente, porque tem um papel, um caráter social mais
difuso, menos, até, entendido, muito mais importante, porque [significa]
infra-estrutura para todos e não, localidade para uns (MEIRA- entrev.,
2006).
Embora um tanto vagamente, essa afirmação parece apontar para o abandono do
projeto exclusivamente localista e uma evolução no sentido de considerar legítimos os
interesses das mais diversas organizações envolvidas.
A globalização do mercado de trabalho local ilustra a vulnerabilidade do arranjo.
Criado segundo uma estratégia de aproveitamento da mão-de-obra local para o
desenvolvimento de empresas locais, assim que o arranjo logra uma inserção global, ele vai
atrair a atenção de empresas gigantes que, estimuladas por incentivos da Lei de Informática,
187
vêm disputar localmente uma importante fonte de subsistência. A competição pelos escassos
recursos humanos entre as grandes empresas globais e as empresas locais representa uma
disputa mais ampla a propósito do próprio modelo básico de arranjo local que vai prevalecer
no caso: aquele em que as grandes corporações predominam tanto global quanto localmente;
ou um outro, mais consentâneo com as aspirações ao desenvolvimento das regiões periféricas,
em que, com o apoio do Estado, se consolidem simultaneamente diferentes formas de
organização – grandes empresas, redes de grandes com pequenas empresas e, mesmo arranjos
de pequenas empresas (LASTRES
et alii
, 1999).
188
Quadro 3 (5): Matriz geral das características analíticas
189
6 Entre a aquiescência e a criação institucionais
Neste capítulo, se intenta realizar uma apreensão holística do caso em estudo e das
mudanças institucionais que nele ocorreram. Realiza-se aqui um esforço de síntese descritiva
juntamente com a apreensão de alguns fatores explicativos para a existência do campo do
software
em Pernambuco, na forma que passou a assumir nos últimos dez anos
aproximadamente.
6.1 Entre os contextos periférico, semiperiférico e global
A compreensão da evolução do campo de
software
em Pernambuco pode começar a
ser obtida através do entendimento da peculiar cadeia de inovação que se logrou constituir
como a parte central desse campo. As atividades específicas aqui focalizadas relacionam-se ao
desenvolvimento de
software
, mais precisamente aquelas que envolvem inovação, e não os
contratos que envolvem apenas serviços convencionais.
A abrangência geográfica de um campo funcional não é estabelecida
a priori
, mas sim
mediante a identificação das principais organizações que compõem as diversas funções, junto
àquelas que, mesmo não participando regularmente das atividades produtivas, são parte
importante ao na evolução do campo. Foram encontradas neste campo, em linhas gerais, as
mesmas componentes que Castells e Hall (2001) consideram requisitos-chave para a
instalação de uma tecnópole: alguma forma de geração de informação tecnológica nova e
valiosa, uma mão de obra altamente qualificada e o capital.
190
Articulam-se no campo de
software
em Pernambuco uma universidade semiperiférica
de excelência; as empresas baseadas no ambiente periférico local, muitas delas fornecedoras
de novos produtos ou provedoras de soluções tecnológicas
ad hoc
; e, como maioria de
clientes, empresas brasileiras ou subsidiárias de empresas multinacionais, sediadas nos
centros dinâmicos do Brasil e, portanto, consideradas como parte de um ambiente
semiperiférico.
Apesar de se registrarem discussões internas sobre uma suposta prevalência do critério
da quantidade sobre o da qualidade na formação dos profissionais, a universidade
semiperiférica tem se desincumbido, ao longo dos anos, do papel de provedora de
profissionais e de conhecimento. No outro extremo da cadeia da inovação, as empresas locais,
em especial as empresas inovadoras nascentes, puderam se beneficiar de contratos com
“consumidores empreendedores” (METCALFE, 2003), uma categoria de clientes
intrinsecamente difícil de existir em regiões periféricas, mas passível de ser encontrada em
ambientes semiperiféricos.
Além do provimento de recursos essenciais, a Universidade semiperiférica exerceu o
papel de intermediação entre a pesquisa e a sua aplicação prática. A circunstância de estar
inserida numa sociedade periférica vai se revelar uma vantagem no desempenho dessa função
pelo Departamento de Informática. Descrições obtidas nessa pesquisa indicam que essa
unidade parece ser um caso singular no Brasil pois logrou reunir, num determinado momento
da sua trajetória, um conjunto heterogêneo de acadêmicos com grandes qualificações. Nesse
grupo, havia indivíduos aptos tanto para as tradicionais atividades de ensino e pesquisa,
quanto para as do empreendedorismo. Além disso, comparações realizadas por vários
depoentes, que podem ser consideradas interpretações de primeira ordem (VAN MAANEN,
2002), constituem evidências de que semelhante reunião de habilidades heterogêneas numa
mesma organização parece menos plausível de ocorrer nos centros mais desenvolvidos do
191
Brasil. Portanto, excluindo o consumo, esse conjunto de acadêmicos estava em condições de
ao menos iniciar o exercício das funções da inovação: a invenção, a aplicação e a
intermediação. Pode-se afirmar assim que parte substancial da parte do campo local do
software
focada no novo paradigma da Informática foi “incubada” no interior dessa
organização acadêmica.
Ora, de acordo com os modelos de sociedade conceituados por Riggs (1964) e
incorporados por Ramos (1983) à sua análise institucional de cunho desenvolvimentista, é de
se esperar variações relativas à concentração de funções entre sociedades que se encontram
em estágios diversos de desenvolvimento econômico. A superposição de diferentes funções
numa mesma unidade social tende a existir em maior grau onde o mero de estruturas é
mínimo, como acontece em sociedades periféricas, e de forma reduzida nas sociedades
avançadas em que é grande a diferenciação funcional entre as organizações. Embora
nominalmente definidas da mesma forma, estruturas sociais situadas em diferentes contextos
sociais necessitam um adequado estudo para discernir os diferentes conjuntos de funções que
essas estruturas realmente exercem. Do contrário, se incorre no “pecado epistemológico” de
se chamar pelo mesmo nome coisas com significados diferentes (DAGNINO, 2004).
Comparações com universidades nominalmente congêneres de regiões
economicamente mais desenvolvidas nos conduzem a afirmar que a maior concentração de
funções existente num determinado momento histórico do Departamento de Informática da
UFPE é relacionada à situação periférica da sociedade em que essa unidade acadêmica estava
inserida. E como essa concentração de funções parece ter facilitado o encadeamento que
conduz à inovação, nesse caso o ambiente periférico constituiu uma vantagem.
Em acréscimo, a condição periférica parece propiciar maior “maleabilidade”
institucional, ou seja, menor resistência à inovação, pois praticamente inexistem localmente
outras “estruturas de poder e de negócios mais consolidadas” que existem, por exemplo, em
192
meios mais adiantados como São Paulo ou no Rio de Janeiro. Embora essa inexistência de
instituições possa ser considerada a manifestação da concentração de funções mencionada,
a inexistência específica de estruturas locais dedicadas à inovação pode ser considerada um
reflexo do atraso econômico da região. Quando da mudança de paradigma tecnológico, as
antigas vantagens dos países adiantados podem se transformar em empecilhos custosos de
serem removidos (PEREZ; SOETE, 1988). Portanto, o caso parece ilustrar que um ambiente
periférico, de certo modo, pode ter essa outra vantagem de prescindir, ou de reduzir, a
necessidade do trabalho destruidor que, na visão de Schumpeter, acompanha os processos de
inovação.
Uma safra recente de trabalhos que toma o campo organizacional como unidade de
análise tem adotado, em afinidade com as formulações de Tolbert e Zucker (1999), uma
abordagem construcionista, conforme exemplificam os artigos de Greenwood, Suddaby e
Hinings (2002), Munir (2005) e Smets (2005). Focalizando os processos de
institucionalização principalmente como interações que incidem estritamente entre os
participantes do campo, esse enfoque não é adequado a captar as contrastantes influências que
os participantes do campo podem receber também dos respectivos ambientes organizacionais.
Com efeito, sem focalizar essas relações “externas” ao campo funcional, fica difícil
compreender porque a articulação Universidade-Empresa parece ter sido mais fácil de
incorrer no ambiente periférico. Tampouco se compreende a complementaridade do ambiente
semi-periférico na cadeia de inovação, ao prover os imprescindíveis “consumidores
empreendedores”.
Em importantes funções, identifica-se no campo de
software
a proeminência de
organizações estrangeiras. Como produtoras e disseminadoras de conhecimento, observa-se
que as universidades semiperiféricas mantém relacionamento com um sistema internacional
em que universidades cêntricas “dão o tom do que deve ser reeditado em países dependentes”
193
(MORAIS, 1995, p. 20). Na Informática, essa relação de dependência parece ser ainda mais
intensa devido à necessidade constante de atualização, o que explica a maior presença dos
professores dessa área nos encontros acadêmicos internacionais.
Conforme evidenciado neste estudo, grandes produtoras mundiais de
software
promovem eventos competitivos de cunho acadêmico
.
Assim, elas acumulam o poder
econômico que detêm no campo com o poder simbólico das premiações, mediante o qual
influem na definição das regras do jogo do campo e, portanto, na definição de quem pode ou
não entrar no jogo.
Nas relações estritamente empresariais, para empresas situadas em regiões menos
desenvolvidas, muitas vezes não resta alternativa se não procurar formas de cooperação com
as grandes multinacionais, na esperança de ter acesso maior ao mercado ou de diminuir
distâncias no atraso tecnológico (CHESNAIS, 1996). Conforme evidências extraídas de dados
secundários, o arranjo organizacional de que participam a universidade e empresas locais em
contratos com pelo menos uma das grandes empresas multinacionais que contratam as
organizações locais, caracteriza-se por relações verticais de terceirização sob controle da
empresa contratante. Nesses relacionamentos com organizações estrangeiras, constata-se o
desequilíbrio de poder que caracteriza a posição subalterna do campo de
software
de
Pernambuco dentro do respectivo campo mundial.
6.2 A criação de ambientes
Na Figura 5 (6) são representadas as principais organizações do campo em estudo bem
como as mudanças institucionais que propiciaram a montagem da cadeia de inovação. A parte
propriamente produtiva encontra-se no próprio Estado de Pernambuco. A universidade tem na
realidade um contexto tríplice, pois, além de pertencer ao sistema federal de ensino superior e
194
pesquisa, opera numa região periférica e, como as grandes universidades, de modo geral,
vincula-se ao ambiente global em que circula o conhecimento universal. Nas atividades de
desenvolvimento de
software
, como fornecedoras de novos produtos ou provedoras de
soluções tecnológicas
ad hoc
, figuram variadas organizações: pequenas e médias empresas; o
CESAR, uma organização multifuncional sem fins lucrativos; e o próprio Centro de
Informática da UFPE. Completando a cadeia, vêm as empresas-cliente que, em sua maioria,
são organizações brasileiras ou subsidiárias de empresas multinacionais, sediadas nos centros
dinâmicos da economia brasileira e que, por isso, são consideradas como parte de um
ambiente semiperiférico.
Reversão do
preconceito contra
empresas de TI de PE
Universidade
Empresas
consumidoras
Porto
Digital
AMBIENTE
PERIFÉRICO
AMBIENTE
SEMI-
PERIFÉRICO
AMBIENTE
GLOBAL
Redefinição
da profissão de
professor universitário
CESAR
Figura 5 (6): Modificações nos ambientes periférico e semiperiférico
Os primeiros passos que foram dados para a formação de um setor local de
software
,
sintonizado com os recentes avanços da Informática, pareceram marcados por ações
195
intencionais decorrentes da elaboração de um projeto profissional. Diante da inércia das
empresas locais existentes em se adaptarem às mudanças da Terceira Informática, os próprios
professores empreenderam um projeto empresarial. Isso implicou realizar as tarefas de criar as
próprias organizações ou até mesmo, antes delas, os agentes capazes de as criar e, em segundo
lugar, completar a teia de relações que, além da Universidade a que pertencem os
professores, incluiu outros agentes e organizações essenciais, como clientes, organizações de
apoio e o Estado.
A alternativa para a primeira tarefa foi a de os próprios professores criarem condições
para se constituírem como acadêmicos empreendedores e, paralelamente, criarem uma
entidade, o CESAR, que incuba empresas e realiza projetos sob encomenda, ambas atividades
com participação dos corpos docente e discente. Essencial à consecução desse projeto parece
ter sido a redefinição dos limites da profissão do acadêmico de nível superior, o que ocorre
com o rompimento da norma da “dedicação exclusiva” que inibia a participação dos
acadêmicos na criação de empresas baseadas no próprio conhecimento especializado, ou em
projetos de consultoria.
Na medida em que visou capacitar o próprio corpo de professores e alunos na tarefa de
criação de empresas e em se constituir ele próprio como um instituto de inovação, o CESAR
pode ser compreendido como uma associação profissional surgida de um movimento de meta-
empreendedorismo. Expandindo os limites da profissão para agora incluir a possibilidade de
empreender novos negócios, o CESAR atua como uma agência representativa que conforma e
redefine as práticas apropriadas do acadêmico, exercendo um dos principais papéis
identificados por Greenwood, Suddaby e Hinings (2002) numa associação profissional.
Conforme ressaltam esses autores, através do discurso que legitima o ajuste nas práticas de
uma profissão, as associações profissionais exercem o papel de agentes de mudança de um
campo. Essa constatação contraria muitos relatos institucionalistas que vêem nessas entidades
196
“agências conservadoras” (p. 76), responsáveis pela persistência das práticas
institucionalizadas.
Mediante coadjuvação, uma organização nascente pode receber recursos e
legitimidade originárias de uma organização já existente (DIMAGGIO, 1988). Desse modo,
elas logram superar a situação típica de dupla carência de recursos e de legitimidade,
caracterizada por Zimmerman e Zeitz (2002). O CESAR encontrou na própria organização de
que surgiu, a UFPE, uma importante organização coadjuvante que lhe conferiu legitimidade.
Além disso, a coadjuvação desta universidade incluiu a cessão de recursos iniciais, como a do
local de instalação do CESAR, o próprio tempo de trabalho dos professores, além de recursos
próprios do DI. Também pode ser contabilizado, como recurso, um tipo especial de “capital
de risco”: a estabilidade que um emprego público federal propicia. Conforme percepção de
um dos entrevistados, trata-se de uma espécie de “acumulação primitiva” que permitia aos
professores “ousar”, com vantagem sobre quem estivesse no mercado tentando fazer o
mesmo.
Ademais, observou-se a existência, da parte de acadêmicos empreendedores ligados ao
CESAR, de ataques à suposta irrelevância da universidade, corroborando a concepção de
DiMaggio (1988) sobre a criação institucional como um processo conflituoso. Parece clara a
semelhança do CESAR com os novos atores legitimados de que trata DiMaggio (1988), que
“tendem a deslegitimar e desinstitucionalizar aspectos das formas institucionais às quais eles
devem sua própria autonomia e legitimidade” (p. 13).
A discussão sobre os destinos da unidade acadêmica corre o risco de centrar-se nos
interesses dos próprios acadêmicos e dos acadêmicos empreendedores, como tais. As posições
extremas parecem procurar negar a importância da outra parte, em mútuos ataques.
Para a segunda tarefa básica de constituição do setor de
software
local, o conjunto das
empresas de Pernambuco se beneficiou de recursos estatais, provenientes da privatização de
197
uma distribuidora de energia elétrica, para obtenção de legitimidade coletiva. Com esses
recursos, foi deflagrada uma construção social fundada num trabalho profissional de
marketing
que ensejou a ultrapassagem do limiar de legitimação (ZIMMERMAN; ZEITZ,
2002) dessas empresas, revertendo um preconceito, existente nos principais mercados do
Brasil, em relação a empresas nordestinas com atuação na área de tecnologia. Também se
registraram interações de algumas das empresas, individualmente, no sentido de promoverem
seus produtos inovadores junto a potenciais usuários. Trata-se de uma espécie de “auto
descoberta” das empresas locais como nova fonte de suprimento para um mercado que
funcionava.
Tanto a participação do Estado como as interações do tipo “produtor-usuário”
constituem tipos de intervenções necessárias à superação da inércia dos mercados existentes,
sem o que é praticamente impossível que haja inovação (LUNDVALL, 1988). E o que essas
interferências promovidas por uma associação profissional, por um Estado e por empresas de
uma região periférica parecem corroborar é que os mercados têm história e são passíveis de
serem criados, transformados ou extintos. Ademais, elas ilustram que é ocioso pretender
estabelecer delimitações claras entre mercado e as relações sociais com que ele está
entranhado.
De acordo com Granovetter (1985), a ão intencional é entranhada em “sistemas de
relações sociais concretas em andamento”. O vínculo entre esses dois níveis parece se
destacar na fase da formação das organizações. Como estas surgem junto com as relações
sociais e econômicas que estabelecem, sua formação implica uma recombinação da rede a que
pertencem, seja um mercado, seja um campo.
Na experiência do campo do
software
em Pernambuco, parece confirmar-se o
destacado papel que têm as profissões e o Estado, “os grandes racionalizadores da segunda
metade do século XX”, como agentes da estruturação de um campo (DIMAGGIO; POWELL,
198
1991). Além disso, empresas nascentes ao mesmo tempo se adaptam e contribuem para
transformar o ambiente de que passam a fazer parte. O conjunto dessas intervenções situam-se
no extremo oposto da convergência isomórfica contida nas formulações de DiMaggio e
Powell (1991) que presumem a prevalência dos ditames de um ambiente reificado.
O conjunto dessas interferências empiricamente encontradas no campo do
software
em
Pernambuco são afins à “resposta criadora” de Schumpeter (1968), pois criam condições
iniciais novas. Zimmerman e Zeitz (2002) também se referem à “criação” como uma
estratégia de legitimação, especialmente presente na fase inicial de novas indústrias. Esses
autores vêem essa resposta como um estágio ulterior da manipulação do ambiente, em que os
“empreendedores institucionais” e as empresas novatas criam regras, normas, valores que
conformam novos contextos sociais.
Mais propriamente, o que se observa no caso em estudo não é uma criação unilateral
de regras, normas e valores. uma construção social que supera um preconceito
anteriormente existente. Por outro lado, não é uma construção social em que todas as partes
podem ser tomadas como situando-se num mesmo estágio da sua existência. O surgimento de
elementos que participam da construção social depende da própria relação. Assim, a criação é
um processo simultâneo que envolve a formação de pelo menos alguns dos elementos e as
relações técnicas e institucionais por eles contraídas.
6.3 Entrecruzamento de condicionantes técnicos,
ambientais e históricos
Segundo Hobsbawm (2000), por um lado, “já temos uma economia globalizada,
podemos aspirar a uma cultura globalizada, certamente dispomos de uma tecnologia
globalizada e de uma ciência globalizada”; mas, por outro, o mundo em que vivemos
199
permanece pluralista, pois, em termos políticos, está dividido em Estados territoriais (p. 50-
51). Várias evidências encontradas na presente pesquisa guardam correspondência com essa
caracterização geral da globalização contemporânea. Percebe-se, também, no caso em estudo,
que alguns dos elementos encontrados nos vários domínios sociais, local ou globalmente,
parecem se reforçar no sentido da criação do setor de
software
analisado.
As relações internacionais contraídas por grande parte das pessoas entrevistadas nessa
pesquisa, em especial as da Universidade, bem como reflexões por elas próprias apresentadas,
permitem perceber que a Informática, no atual paradigma, é intrinsecamente globalizada, no
sentido de grande parte dos problemas e das soluções dessa atividade ser comum a todos os
países. O período coberto por esse estudo coincide em grande parte com o advento da
Terceira Informática, caracterizada pelo crescimento das redes de computadores e pela
convivência entre a microinformática, pequenos e grandes sistemas (BRETON, 1991;
MOWERY; ROSENBERG, 2005). É nesse período que a indústria de
software
, rm particular,
experimenta um “crescimento explosivo”, consolidando-se como um ramo industrial distinto
na área dos sistemas computacionais (MOWERY; ROSENBERG, 2005).
O setor de
software
, em especial, oferece oportunidades de inserção competitiva a uma
região periférica, pois sua cadeia produtiva requer menor aporte de capital. Comparativamente
com outros ramos como o de
hardware
ou o da biotecnologia, “precisamos do nosso
cérebro”. Vários dos entrevistados testemunham que por todo o período se experimentou uma
demanda “muito grande” por trabalhos especializados na área da TI. Praticamente desde os
primeiros momentos da sua existência, a principal unidade acadêmica na área da TI em
Pernambuco teve como parte importante da sua atividade, simultaneamente com o ensino e a
pesquisa, o desenvolvimento de projetos sob encomenda para diversos órgãos ou empresas
estatais e empresas. Assim, desde cedo, o Departamento de Informática passou por um
200
processo de “empresariação”, mediante o qual obteve recursos que lhe propiciaram
autonomização em relação à Universidade.
A principal unidade acadêmica que apóia as iniciativas no campo do
software
em
Pernambuco adotou, desde os seus primórdios, uma resposta que denominamos de
aquiescência proativa. O misto de acatamento aos padrões profissionais globalmente
hegemônicos da Informática e de um processo de
catching-up
em busca de equiparação aos
centros tecnologicamente mais avançados caracteriza uma convergência com o processo de
globalização hegemônica do campo. Esse padrão de inserção competitiva é também
encontrado no CESAR e no Porto Digital.
Sob influência dos intensos contatos dos professores com universidades dos países
economicamente avançados, o DI incorporou modelos administrativos de cunho empresarial
adotados naquelas universidades. O processo de empresariação que atinge as mais diversas
categorias de organizações, tradicionalmente não subordinadas à exigência de lucro - como
hospitais, prefeituras, associações humanitárias, forças armadas, escolas, instituições de
ensino e de pesquisa confunde-se em grande parte com o próprio processo de globalização
(SOLÉ, 2002). Solé enfatiza a dimensão cultural do processo mimético, frisando que a
empresariação se exprime nessas organizações pela adoção de ferramentas, de métodos, de
uma concepção do tempo que são próprios das organizações empresariais (p. 2).
Também identificamos essas características culturais no planejamento e na estrutura
organizacional adotada no DI, mas, além disso, o processo de empresariação desse
departamento inclui efetivamente a venda de serviços e a correspondente remuneração, que
reverte em investimento na organização e em pagamento de pessoal, uma parte representando
proventos complementares para os professores. Desta forma, o processo transforma o
departamento numa “quase-empresa”.
201
As várias organizações pertencentes ao campo do
software
em Pernambuco são objeto
de difusão das concepções globais do empreendedorismo. De acordo com Torrès (2001),
predomina na literatura mundial o modelo anglo-saxônico de empreendedorismo que tem
como um dos traços marcantes a valorização do individualismo. Este modelo contrasta com
tipos mais coletivos de empreendedorismo em que comportamentos como a socialização e a
confiança têm maior peso. O empreendedor coletivo é mais susceptível de ocorrer em
sociedades primitivas com relações sociais “mais densas”, como as que se encontram na
África. Em especial o meta-empreendedorismo adotado no CESAR assume uma feição
coletiva que pode estar associada à dificuldade de replicação do CESAR, por exemplo, nos
centros mais desenvolvidos do Brasil. Parte da explicação para esse obstáculo pode residir no
fato de o ambiente em que se desenvolveu o CESAR ser menos inclinado ao individualismo.
A evolução do campo do
software
em Pernambuco, descrita nesta pesquisa, coincide
também, em grande parte, com o advento e a hegemonia do neoliberalismo. Um movimento
surgido em meados da década de 1970, o neoliberalismo, sem constituir propriamente uma
teoria, confere primazia ao indivíduo e defende o
laissez-faire
e as “inigualáveis virtudes do
mercado”, considerando “perniciosa” qualquer intromissão do Estado na economia
(PAULANI, 2006). Adotando uma “noção tipicamente conservadora” sobre as “virtudes
inatas dos sistemas construídos por geração espontânea” (p. 10), o neoliberalismo é uma
reação política e teórica contra o Estado intervencionista e de bem estar (p. 5).
A aplicação efetiva do receituário neoliberal traduziu-se na realidade política nacional
como uma Reforma do Estado que tem implicações práticas mais ou menos diretas na
evolução do campo do
software
em Pernambuco. A restrição de recursos associada à crise da
Universidade Pública certamente contribuiu para que o DI dedicasse parte importante das suas
atividades à frente de negócios. Interpretação semelhante é feita sobre a história do MIT
(Massachussets Institute of Technology) que, por ser ter sido menos aquinhoado com recursos
202
financeiros do que outras, como Harvard e Princeton, ter-se-ia mostrado “mais aberto a
desenvolver contratos de pesquisa com o Governo e com empresas privadas” (CASTELLS;
HALL, 2001, p. 63).
Essa crise universitária e a conseqüente não-correção integral dos salários também
parecem ter estimulado em muitos professores a busca de ganhos complementares como
forma de compensação. Vítimas da política neoliberal de um lado, eles são influídos por
razões terrenas a dar primazia ao mercado. Por outro lado, diante da pressão externa por
serviços especializados e do aporte de recursos obtido com o atendimento dessa demanda, a
contenção de recursos oficiais pode ter contribuído ainda mais para autonomia do DI (depois
CIn) perante a Universidade.
Num plano mais amplo, em decorrência do enfraquecimento dos Estados nacionais, os
agentes locais passaram a influir mais na geração de projetos de desenvolvimento com
objetivos concretos (CASTELLS; HALL, 2001), o que explica o interesse em desenvolver
parques tecnológicos como prática de desenvolvimento regional. No Brasil, a percepção por
parte de lideranças locais do “crônico distanciamento entre a pesquisa e a produção” e o
“vácuo deixado pelo Projeto-Brasil-Grande-Potência dos militares” contribuíram para que, a
partir de meados dos anos 80, se adotasse a idéia de parques tecnológicos ou de pólos
tecnológicos como meio de implementar a política de C&T (DAGNINO, 2006).
Trata-se de uma emulação principalmente de modelos norte-americanos que são,
aliás, copiados mundialmente. A privatização de uma estatal, operação que também pode ser
atribuída à orientação política neoliberal, reforça o poder de influência do Governo do Estado
e este vai apoiar, de modo exclusivo, o segmento de
software
de Pernambuco. O projeto do
Porto Digital concilia os interesses governamentais previamente existentes de reurbanização
da área do Recife Antigo com o projeto profissional-empresarial dos acadêmicos da UFPE de
desenvolver um “ecossistema” de empresas. Embora em alinhamento com a prática mimética
203
generalizada, pode-se afirmar ter havido uma “modificação local” do modelo institucional
(DIMAGGIO, 1988), através da tentativa de superação, com base numa campanha de
marketing
, da condição marginal de empresas nordestinas de tecnologia, dentro do próprio
país.
Identifica-se também um nexo entre a doutrina neoliberal e predisposições locais para
uma visão pragmática sobre a Universidade. O modelo de universidade como uma instituição
dedicada ao conhecimento como um fim em si mesmo é, segundo Veblen (2005), uma
conquista histórica da civilização, não deliberadamente realizada. A gênese da universidade é
vista por este autor como um incidente da transição da cultura bárbara da Idade Média para a
cultura moderna:
Sob o regime de rígidos propósitos pragmáticos que regeu os primeiros dias
das universidades européias, a busca do conhecimento como um fim em si
mesmo foi levada adiante como um trabalho executado além dos limites da
estrita obrigação.[...]. Freqüentemente tinha que ser conduzida sob o disfarce
da aplicação prática (VEBLEN, 2005, p. 27).
Veblen afirma que “o bárbaro [...] é um pragmático completo; este é o traço espiritual
que mais profundamente o distingue do selvagem, de um lado, e do homem civilizado, do
outro” (VEBLEN, 2005, p. 25). Assinalando que esses impulsos pragmáticos ainda
sobrevivem modernamente, “especialmente à medida que o esquema de vida civilizado está
incorporado ao sistema competitivo” (p. 25), Veblen se insurge contra o espírito pragmático
florescente em sua própria época que defendia o retorno da universidade àquelas origens
medievais
12
. Ele considera uma falácia essa valorização do modelo original de universidade,
defendendo que o verdadeiro argumento histórico deve estar baseado na apreciação de como
as coisas evoluíram, e não na incondicional primazia das origens.
12
Essas idéias foram apresentadas por Thorstein Veblen no livro The Higher Learning in America, de
1918.
204
uma explícita identificação com o pragmatismo competitivo por parte da corrente
que defende que, na área de pesquisa, a Universidade deve se concentrar na modalidade
aplicada. Entendemos que características encontradas no Nordeste podem contribuir para essa
visão utilitarista da Universidade, que se expressa da forma mais acabada no discurso da
defesa do mercado, como praticamente a única pressão legítima a ser atendida. Trata-se de
uma convergência de valores locais com valores globais dominantes, e não uma adoção
formalista de modelos, semelhante a que Ramos (1983) identifica em sociedades retardatárias.
Uma posição alternativa, de equilíbrio entre demandas econômicas e culturais, é
esboçada por Morais (1995). Segundo esse autor, cabe às universidades “situarem-se numa
região vivendo o seu contexto em termos de intercâmbio e de serviços”, mas também
“subtrair-se aos pragmatismos empresariais e consumistas e voltar a interessar-se pela
recuperação do sentido humano na sociedade científico-tecnológica de consumo” (p. 34).
O CESAR tem sido reconhecido por entidades e profissionais do setor como um
instituto de inovação exemplar. vários exemplos de trabalhos que contam com a
participação desse centro, em que se logrou oferecer soluções para problemas tecnológicos
apresentados por empresas com base em conhecimento gerado na Universidade. Num quadro
em que a velocidade de produção de conhecimento tecnológico supera a capacidade de
lançamento de produtos e serviços (ABRAHAMSON; FAIRCHILD, 2001) e em que
empresas, como a norte-americana Bell, são “verdadeiras potências tecnológicas”, se adverte
para a precariedade da distinção entre pesquisa básica e pesquisa aplicada (DAGNINO,
2004).
Ressalvando a “pequena escala” do parque pernambucano, é de todo modo notável o
direcionamento dado a atividades ou produtos acadêmicos no sentido de resolução de
necessidades práticas de empresas, que se logrou obter com a intermediação do CESAR. Na
medida em que a concepção de mundo externada por seu Cientista Chefe influencia as
205
práticas inovadoras adotadas, verificamos uma convergência entre essa visão e as tendências
atuais na área de C&T. Percebe-se uma inclinação desse personagem para conceber estruturas
sociais sumárias, aproximando “ciência” e “tecnologia”, quase ao ponto de não haver
separação entre elas, que se coaduna com a superposição de funções que se encontra em
maior grau nas sociedades periféricas (RIGGS, 1964).
Sobrepõem-se aos condicionantes técnicos e ambientais, pressões oriundas das
prescrições neoliberais emanadas dos países cêntricos. São pressões tanto de ordem cultural,
como a difusão de modelos hegemônicos de empreendedorismo, quanto de ordem político-
econômica. Estas últimas se traduzem em pressões coercitivas diretas e indiretas sobre o
campo. Elas se refletem na maior influência que os agentes locais passaram a ter nas políticas
de desenvolvimento regional e na C&T, e bem provavelmente no acirramento de interesses
materiais complementares por parte de alguns professores.
6.4 A face predatória da condição periférica
Também são relevantes à compreensão da constituição e da continuação da existência
do campo do
software
em Pernambuco, as relações entre agentes e organizações localmente
atuantes. Nos primeiros anos, observa-se como unidades acadêmicas constituíram contextos
de aprendizagem de “horizontes” estratégicos para os professores de outras unidades, como
ocorreu no Centro de Ciências Exatas e da Natureza em relação ao DI, em especial pelo
exemplo dado pelo Departamento de Física. Mais adiante, as práticas de empresariação do DI,
por sua vez, parecem ter tido alguma influência na conformação do CESAR. De um modo
geral, a universidade pública afigura-se como um contexto que indiretamente favorece a
inovação, através da retaguarda, propiciada pela relativa estabilidade, para os que
pretendessem incubar uma empresa.
206
Na história recente, observa-se a ocorrência de uma espécie de coadjuvação entre
campos organizacionais. Com a instalação do Porto Digital no bairro portuário do Recife
Antigo, se estabelece uma coadjuvação simbólica entre o campo do
software
e o tradicional
campo da indústria açucareira no Estado. A evocação desta coadjuvação por parte dos que
dirigem o Porto Digital tem o sentido de propiciar, para uma atividade tecnológica avançada,
estabilidade e legitimidade junto ao público em geral.
No entanto, é no nível inter-organizacional que parecem incorrer as principais relações
constitutivas do campo em Pernambuco. Constam destas relações variadas incidências de
coadjuvação. Sob pena de se tornarem altamente instáveis, as novas formas organizacionais
necessitam, segundo DiMaggio (1988), da ajuda de atores existentes ou recém-mobilizados,
pois o aprovisionamento de recursos por parte dos “atores coadjuvantes” às organizações
focais contribui no processo de legitimação destas últimas no campo. Por constituir uma
forma organizacional nova, o CESAR foi certamente a organização que, ao longo da evolução
do campo, mais recorreu à coadjuvação inter-organizacional.
Na fase anterior ao Porto Digital, numa dinâmica e intrincada relação, constata-se que
o CESAR e o DI (depois o CIn) estabeleceram relações de coadjuvação mútua que, além da
troca de recursos, promoveu a legitimação principalmente do CESAR. Com a promulgação da
Lei da Informática, o CIn passa a dispor de maior possibilidade de angariar recursos
diretamente do mercado e as duas organizações tornam-se mais autônomas.
Com a instalação do Porto Digital, o CESAR muda sua sede para a área delimitada por
esse arranjo, tornando-se mais autônomo da Universidade e mais ligado institucionalmente ao
ambiente institucional local. Nessa mudança, o Porto Digital, também uma forma
organizacional nova, tem o CESAR como coadjuvante da sua legitimação. O CESAR, além
de receber ajuda material para se instalar no novo local, também parece se beneficiar com um
aumento da própria legitimação, ao menos no ambiente empresarial.
207
Esteve nos planos dos professores transferir também a sede do CIn para o Porto
Digital. Isto talvez pudesse significar a continuidade ou mesmo o aumento da coadjuvação
com o CESAR. A reprovação desta medida por parte da direção da Universidade parece
marcar uma inflexão nas relações com o CESAR, inclusive da parte do CIn.
De acordo com DiMaggio (1988), na medida em que um projeto de institucionalização
legitima uma nova profissão e que os profissionais controlam certas instituições coadjuvantes
mas não as instituições centrais, os interesses divergentes podem fazer com que os
profissionais demandem mudanças nessas instituições centrais ou promovam ataques contra
elas, visando diminuir sua legitimidade. A não transferência da sede do CIn parece ter
frustrado a tentativa de controle por parte de uma instituição dirigida pelos profissionais (o
CESAR) sobre a instituição central (a UFPE). Depois de se tornar uma poderosa associação
profissional no setor da TI de Pernambuco, de múltiplas funções, o CESAR, com a mudança
para o Porto Digital, adota um padrão de coadjuvação menos acadêmico. A mudança física do
CESAR para o Porto Digital significa também um aprofundamento de relações com o
ambiente local. Embora as relações de natureza técnica com o CIn aparentemente não tenham
sido afetadas, passou a haver maior diferenciação dos respectivos ambientes institucionais,
estando o CESAR mais ligado ao ambiente periférico local e o CIn ao ambiente
semiperiférico do sistema de universidades públicas federais. Isso pode representar um
debilitamento da relação estritamente institucional entre o CESAR e o CIn, pois este continua
tendo a Universidade mais claramente como organização coadjuvante.
Essas considerações são consistentes com as evidências encontradas sobre uma
tendência de re-institucionalização do CIn, enquanto organização acadêmica. Enquanto com
a ida para o Porto Digital, se abre ao CESAR uma nova fase na sua evolução institucional,
para o CIn este evento poderá representar a conclusão da sua participação em um projeto de
criação do ambiente local. Já que a fixação dos profissionais na região parece um problema
208
satisfatoriamente encaminhado, é natural uma retomada de foco das suas tarefas mais típicas.
A principal discussão agora relativa à graduação e à pós-graduação parece centrar-se em torno
da harmonização ou entre os critérios de quantidade e qualidade.
O CIn se movimenta em torno de uma outra agenda tecnológica que inclui planos
para o segmento de
hardware.
É possível vislumbrar uma convergência com outro projeto
de criação do ambiente local, a retomada do Parqtel anunciada pelo atual Governo do Estado.
Caso prosperem essas idéias, é previsível a necessidade de renegociação sobre os limites do
campo da TI em Pernambuco, inclusive um ajuste na definição da categoria profissional.
Segundo Castells e Hall (2001), as universidades poderão desempenhar seu papel
inovador se continuarem sendo instituições fundamentalmente autônomas e ao mesmo tempo
relacionadas com o mundo empresarial, através de vínculos formais ou informais. Esses
autores ressalvam, no entanto, que programas totalmente atrelados a interesse específicos, a
longo prazo terão minado a qualidade da própria pesquisa. Nessa mesma linha, Morais (1995)
admite a adoção do “realismo econômico” para fazer face às imposições da nova dificuldade
econômico-financeira, mas até o ponto além do qual se inicia a desvitalização da
Universidade, com o abandono da natureza cultural da sua problemática. Do contrário, a vida
universitária perde sua razão de ser e as instituições acadêmicas se destinarão a se transformar
em “melancólicas empresas pobres” ou fábricas de diplomas (p. 31).
Aquela pretendida mudança da sede do CIn para o Porto Digital poderia significar
uma excessiva vinculação desta unidade acadêmica a um determinado projeto tecnológico,
para o qual, aliás, ela tem condições de continuar contribuindo de modo essencial. Não parece
ser indispensável a participação direta de uma universidade, em todos os momentos da
existência de um campo da área de tecnologia. A história da relação entre a Universidade de
Stanford e o Vale do Silício ilustra a variação desse envolvimento.
209
Parece inegável o papel histórico que teve a Universidade de Stanford e alguns
indivíduos a ela ligados na criação do Vale do Silício no início do século XX. Castells e Hall
(2001) destacam a atuação de Frederik Terman, um professor de Stanford, que, convencido da
decisiva necessidade de vincular a Universidade com a indústria, usou todas
suas relações, toda sua influência, e algumas vezes seu próprio dinheiro, para
incentivar seus melhores alunos a criarem empresas de eletrônica, uma
aventura de alto risco nas décadas de 1920 e 1930 (CASTELLS; HALL,
2001, p. 40).
uma avaliação da contribuição mais recente da Universidade de Stanford para a
existência do Vale do Silício salienta a sua condição de provedora de recursos humanos,
conforme declaração de um ex pró-reitor de pesquisa desta universidade:
O mito é que a tecnologia de Stanford foi o que criou o sucesso do Vale do
Silício. Entretanto, um levantamento cobrindo 3.000 pequenas empresas
encontrou apenas 20 companhias que usaram tecnologia vinda, direta ou
indiretamente, de Stanford. O que Stanford contribuiu para o Vale do Silício
foram estudantes talentosos e muito bem educados (apud BRITO CRUZ,
2004).
Com ou sem a participação direta da Universidade, pareceria prematuro um
prognóstico sobre a longevidade do Porto Digital. Segundo Castells e Hall (2001), o intervalo
de tempo a ser considerado na avaliação de parques tecnológicos é “certamente muito mais
longo do que a maioria das empresas ocidentais concederia para o surgimento de ganhos, e
também superior ao ciclo político eleitoral” (p. 349).
A precariedade da existência de projetos de longo prazo acomete particularmente
regiões periféricas, como o Estado de Pernambuco, cujas sucessivas administrações públicas
mostram-se ávidas por reivindicar a paternidade de projetos associados com o
desenvolvimento regional. O resultado é que empreendimentos de longa maturação nem
sempre recebem apoio por um período suficiente, quando não são simplesmente abortados.
Alguns dos entrevistados, embora confiantes em que a continuidade do projeto do Porto
Digital não sofrerá com a recente mudança de orientação política na administração local,
210
demonstram a necessidade de haver negociação, o que, aliás, acontece sempre que ocorre uma
mudança de orientação partidária no governo local.
Várias empresas multinacionais, interessadas em obter vantagem competitiva, têm
adotado a estratégia de realizar parte das suas atividades de P&D fora do país-sede, em várias
partes do mundo (TALLMAN; FLADMOE-LINDQUIST, 2002). Com os incentivos da Lei
da Informática, muitas dessas empresas passaram a realizar parte do esforço mundial em P&D
no Brasil (SBRAGIA, 2006).
Como vimos, essas empresas trouxeram um incremento de atividades para o campo
local da TI. Institucionalmente, essas empresas e o Porto Digital reforçam sua legitimação
através de coadjuvação mútua. No entanto, como pudemos concluir da análise de um dos
casos que envolve contratos, a empresa multinacional é que define a agenda de pesquisa de
acordo com estratégias previamente estabelecidas. O CIn e o CESAR contribuem como
unidades terceirizadas, juntamente com outras organizações de pesquisa brasileira,
permanecendo o controle conjunto das operações com a empresa multinacional contratante.
Essa forma de atuação de uma empresa multinacional se ajusta ao perfil apresentado por
Morgan (1996) que descreve as EMN’s como organizações dotadas de sistemas de decisão
“altamente centralizados” e cujos interesses com a lucratividade, crescimento ou
desenvolvimento estratégico da empresa como um todo deixam em segundo plano os
interesses da comunidade local ou do país (p. 312). Na medida em que pretende qualificar a
relação como “parceria”, que supõe uma paridade no poder de decisão e no controle, a
empresa multinacional incorre na tática institucional de encobrimento.
Alguns dos entrevistados se referiram ao resultante aumento da demanda sobre o
mercado de trabalho local, havendo queixas de pequenas empresas sobre a perda de
profissionais para trabalharem nos grandes projetos. Diante dessas pressões sobre a mão de
obra, o campo do
software
em Pernambuco se em situação semelhante à da “galinha dos
211
ovos de ouro”, pressionado a aumentar a quantidade da produção, mas ameaçado de
descaracterizar seu perfil inovador. Tanto mais quanto se sabe do caso de uma grande
empresa multinacional da área de
software
unicamente interessada em empregar a mão de
obra para cumprir seus contratos com terceiros, sem realizar nenhum trabalho de
desenvolvimento tecnológico.
Parece possível afirmar que a maleabilidade institucional intrínseca à condição
periférica tem duas faces. Ela facilita a montagem da cadeia da inovação, mas também
mostra-se vulnerável a comportamentos predatórios locais. Independente de estar atuando
numa atividade de grandes incertezas, como a do desenvolvimento tecnológico na área da TI,
a condição periférica em que se encontra, que favoreceu a constituição do campo, não parece
oferecer estabilidade. Isso talvez contribua para que os dirigentes do Porto Digital almejem
fomentar a coadjuvação com uma universidade federal.
6.5 Discordâncias entre discursos globalizados e práticas
locais
A experiência de instalação do campo de
software
em Pernambuco
representa um
aumento local da cadeia produtiva numa atividade ligada ao conhecimento, contrariando o
papel normalmente reservado às regiões periféricas de fonte de recursos materiais e de mão de
obra barata, ou de exportadoras de cérebros. Institucionalmente, a existência desse campo
num estado como o de Pernambuco constitui um desafio à tradicional divisão de trabalho
inter-regional, ainda mais quando se considera a dificuldade encontrada por regiões mais
adiantadas do país em desenvolver um arranjo local semelhante envolvendo universidade e
empresas.
212
Observa-se, ao longo da evolução do campo do
software
em Pernambuco na última
década, uma mudança de valores, da parte de muitos professores, que culmina com uma
adesão ao empreendedorismo e ao discurso pró-mercado, como parte de um projeto
profissional. uma clara sintonia entre esses valores e as concepções desenvolvidas nos
países avançados que disseminam como “senso comum” a idéia de que o mercado é o
principal ente regulador nas relações Universidade-Empresa (DAGNINO, 2003).
No entanto, uma importante lição que o CESAR, o Porto Digital e as empresas
nascentes parecem nos passar é justamente a de que os mercados são passíveis de serem
modificados e, portanto, que o “mercado” não pode ser considerada uma entidade intocável,
pairando por cima das outras relações sociais. Por outro lado, várias instâncias do Estado têm
contribuído como parte importante do “capital de risco”, desde o provimento de um contexto
relativamente estável para experiências inovadoras por parte de uma Universidade Pública,
até a participação mais direta na promoção do arranjo local por parte do Governo do Estado.
Além disso, tanto o Governo Municipal quanto o Federal, através de renúncia fiscal, têm
incentivado as atividades na área da TI.
Ao menos na fase da transformação do campo do
software
em
Pernambuco, o suporte
estatal que foi dado não permite atribuir exclusivamente ao mercado existente o papel
protagonista. O enaltecimento do mercado por parte de importantes personagens atuantes na
mudança do campo contradiz com as práticas efetivamente adotadas. Ao obscurecer o papel
do Estado, o discurso pró-mercado tem o efeito institucional de encobrir que parte da
atividade empresarial que hoje se desenvolve no campo organizacional deve sua existência a
recursos públicos.
Encontramos, na história de países avançados como os Estados Unidos, vários
exemplos de apoio do Estado a projetos de P&D ao longo do século XX. No caso da
Informática, o desenvolvimento dos primeiros computadores deveu-se em grande parte ao
213
patrocínio dos militares norte-americanos durante a Segunda Guerra e a Guerra Fria
(BRETON, 1991; MOWERY; ROSENBERG, 2005). Por outro lado, em regiões que estão
dando os primeiros passos para se constituírem em centros tecnológicos, a intervenção
governamental é vista como uma providência indispensável (CASTELLS; HALL, 2001).
Como
locus
privilegiado de atividades de C&T nos últimos anos no Brasil, é legítimo
submeter os parques tecnológicos ao crivo do exame da relevância, como faz Dagnino (2006),
notadamente quando neles se envolvem uma universidade e recursos públicos. A lógica da
implantação desses arranjos segue valores hegemônicos da acumulação de capital, alinhando-
se aos interesses das elites econômicas e políticas.
O fato de parte importante das oportunidades criadas no setor de
software
ter
beneficiado os próprios professores e alunos pode constituir uma dificuldade de legitimação
do campo localmente, em especial se tratando de uma região periférica e suas grandes
diferenças sócio-econômicas. Por outro lado, obstar a possibilidade de os próprios detentores
do conhecimento abrirem seus próprios negócios visando explorar os conhecimentos
adquirirdos simplesmente pode significar a inviabilidade do desenvolvimento local da
inovação tecnológica. Na crítica de Dagnino (2006) de, nos parques tecnológicos, serem os
proprietários e empregados das empresas instaladas os principais beneficiários, o que nos
parece que deve ser destacado é a ausência de benefícios sociais advindos dos próprios bens e
serviços ali produzidos, pois estes se restringem a atender demandas que são específicas de
grandes empresas nacionais e multinacionais.
O campo de
software
em Pernambuco, como um todo, parece incorrer num problema
de relevância comparável ao que alguns professores afirmam que existia no então
Departamento de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, pouco mais de uma
década atrás, quando a maioria dos alunos formados em uma das turmas emigrou para uma
empresa do Centro Sul. Recorde-se que o principal argumento para legitimar as ações de
214
criação do campo do
software
em Pernambuco apontava a disparidade entre o excelente nível
dos alunos graduados e a capacidade de absorção dessa mão de obra pelo mercado local então
existente.
No caso do campo do
software
em Pernambuco, como de resto nas pesquisas do Brasil
de um modo geral, o problema da relevância não se resolve simplesmente pelo fato de
empresas utilizarem o conhecimento gerado na Universidade. É necessário inquirir ainda
sobre os principais beneficiários do valor de uso dos produtos dessas empresas. A relação
Universidade-Empresa bifurca-se numa relação com empresas locais que trazem empregos e
negócios, e numa relação com as empresas clientes. Como vimos, nesta categoria estão
principalmente grandes organizações brasileiras, privadas ou públicas, e empresas
multinacionais. Estritamente, o critério de relevância não é plenamente atendido se
consideramos que as carências específicas e profundas da sociedade periférica em que se
instala a base de operações do campo não estão no foco das suas atividades.
Num estudo prognóstico sobre o desenvolvimento do setor de
software
no Nordeste,
Marinho (2000) percebe possibilidades de superação de práticas associadas às atividades
tradicionais na economia de Pernambuco e percebe a viabilidade de projetos mais relevantes
ao conjunto da sociedade regional:
Mesmo que a elite nordestina, em última instância e no seu conjunto,
continue o exercício da dubiedade histórica secular de políticas do “desigual
e combinado” diante do Estado nacional (atuando ora “para dentro” ao
reivindicar prebendas federais e contra-prestar [sic] favores de legitimação
política, ora “para fora” do país na articulação comercial-produtiva), há
indícios de uma diferenciação entre frações dessa elite, principalmente no
estado do Ceará, que podem significar a viabilização de projetos locais
autônomos de transformação produtiva (MARINHO, 2000).
Um meio de não sucumbir às pressões inerciais que tendem à reprodução de práticas
elitistas e protecionistas, é o aprofundamento dos vínculos do campo do
software
em
Pernambuco com a realidade periférica em que se insere. Isso não significa rejeitar a
aquiescência proativa representada por uma inserção competitiva global na área do
215
conhecimento. Trata-se, pelo contrário, de aprofundar o processo de
catching-up
, fazendo-o ir
além do processo de absorção de conhecimentos tecnológicos, para incluir o aprendizado do
exercício da relevância.
Enquanto a agenda de C&T engendrada nos países cêntricos é deliberadamente
difundida mundialmente, o mesmo não ocorre com a adoção de critérios de relevância no qual
os projetos científicos e tecnológicos são gerados. Difundidos globalmente, esses projetos se
localizam como artefatos nas regiões periféricas. Enquanto isso, a prática da relevância
constitui um localismo dos países cêntricos que não se globaliza com a mesma facilidade.
Por maior que tenha sido a proeza para se instalar um setor de
software
numa região
periférica, a insuficiência de relevância aponta para a dura constatação da necessidade do
aumento da capacidade de realizar desenvolvimento tecnológico em prol do ambiente
pertinente que, no nosso caso, é o de uma região periférica. Esta necessidade que, aliás, está
implícita no discurso de alguns dirigentes do campo aparentemente mais sensíveis aos
problemas sociais locais, não é uma questão que está afeta exclusivamente à comunidade
científica. Talvez mais decisiva poderá ser a participação de agentes da sociedade que estão
no “outro lado do balcão”, no sentido de articular relações que possibilitem dar maior
significado social ao campo de
software
em Pernambuco. Nesse sentido, é possível imaginar
uma articulação com os setores da Educação, Saúde e Segurança, envolvendo atividades
características de regiões periféricas. Não parece fora de propósito, por exemplo, uma
sugestão colhida em uma entrevista no sentido de o Governo do Estado de Pernambuco se
constituir numa espécie de grande “consumidor-empreendedor” demandando serviços
inovadores de Informática de alcance social.
216
7 Conclusão
Nesta parte final, elabora-se um argumento conclusivo, procurando enfeixar as
diversas facetas teórico-empíricas da pesquisa. Como pode ocorrer com estudos de caso
qualitativos com pretensões de contribuição teórica, toma-se as perguntas de pesquisa
originalmente formuladas mais propriamente como ponto de partida e de orientação geral, do
que como um delineamento conceitual rígido.
7.1 Elementos de um campo funcional periférico
A análise realizada sobre o objeto o caracterizou como um campo organizacional
funcional que cruza os ambientes periférico, semiperiférico e global. No centro desse campo,
encontram-se presentes os elementos que configuram uma cadeia de inovação típica, isto é, a
geração ou o acesso à informação tecnológica nova e valiosa, uma mão de obra altamente
qualificada e capital de risco (CASTELLS; HALL, 2001). No extremo inicial dessa cadeia,
encontra-se uma universidade pertencente ao sistema público federal de ensino e pesquisa de
um país semiperiférico, como a principal fornecedora de conhecimento e mão de obra. De
modo informal, esta universidade, em especial com as primeiras ações empreendedoras dos
professores, contribuiu também com parte do capital de risco, na forma de recursos tangíveis
e, talvez principalmente, com a estabilidade no emprego dos professores acadêmicos. No
outro extremo da cadeia, foi fundamental a participação de empresas pertencentes ao
ambiente semiperiférico, dispostas a exercerem o papel de “consumidores empreendedores”,
ao passarem a considerar como fornecedoras de produtos inovadores de
software
, empresas
217
pernambucanas iniciantes. Numa outra função considerada essencial para uma cadeia de
inovação, a da instituição intermediária (CASTELLS; HALL, 2001; DODGSON, 2005) se
destaca o CESAR, ligando regularmente o trabalho de pesquisa da Universidade com as
necessidades das empresas-cliente e terceirizando para pequenas e médias empresas locais
parte das atividades dos contratos por ele firmados.
No entanto, a cadeia de inovação de per si não é suficiente para apreender todas as
relações fundamentais do campo de
software
em Pernambuco, pois não captura outras
relações essenciais à existência do campo como um todo. Fazem parte também desse campo
organizacional, agentes organizacionais que foram decisivos na estruturação do próprio
campo. Uma dessas organizações é o próprio CESAR que, na qualidade de associação
profissional, promoveu o empreendedorismo como uma das possíveis atribuições de um
professor universitário de “dedicação exclusiva”, estabelecendo condições para o surgimento
de empresas inovadoras de TI na região. Numa segunda fase, o Governo do Estado passa a
patrocinar e participar ativamente de uma campanha promocional do parque tecnológico do
Porto Digital junto aos principais centros compradores nacionais, que vai contribuir para
reverter o preconceito existente contra empresas de TI do Estado, em especial as que lidam
com tecnologia avançada. Participam também como estruturadores do campo tanto a
Prefeitura do Recife que concede incentivos fiscais para instalação das empresas no Porto
Digital, quanto o Governo Federal que, com a Lei da Informática, concede incentivos fiscais
maiores às empresas que contratem serviços de centros de pesquisa do Norte ou do Nordeste.
Portanto, é a articulação, ao longo da cadeia da inovação, entre organizações do contexto
periférico local e organizações do contexto semiperiférico nacional que viabiliza a formação e
o funcionamento regular do campo organizacional de
software
de que participam, na parte
produtiva, organizações de Pernambuco.
218
Quando se analisam relações internacionais estabelecidas por organizações
importantes do campo de
software
em Pernambuco, percebe-se que ele situa-se na periferia do
campo global da TI. Essa diferenciação interna a um campo encontra paralelo no campo
organizacional estudado por Leblebici et al (1991) que tem como fonte de inovação das
práticas do respectivo setor, pequenas e pouco poderosas organizações situadas na “margem”
do campo. Mas enquanto esses autores mencionam a situação marginal que essas
organizações ocupam isoladamente, no nosso caso é um sub-campo funcional relativamente
completo, com sua própria cadeia de inovação e suas próprias organizações estatais e
profissionais, que conjuntamente constituem uma complexa unidade organizacional
periférica.
7.2 A natureza relacional da criação institucional
Parte da constituição do campo de inovação em
software
em Pernambuco pode ser
descrito como o desdobramento de um projeto profissional dos professores do CIn que
resultou na criação do CESAR. Esse projeto pode ser interpretado como uma modificação
local das prescrições, difundidas globalmente, de aproximação entre a Universidade e as
empresas. No caso de uma região periférica cujas empresas não absorviam os graduados
numa universidade com currículo de conteúdo avançado, a promoção da relação
Universidade-Empresa significou, antes do estabelecimento da relação, a própria criação das
empresas e, antes delas ainda, a preparação dos próprios empreendedores, a maioria deles
professores ou alunos.
A articulação entre os professores e o Governo do Estado local teve como solução
organizacional a adoção mimética do modelo de parque tecnológico mundialmente difundido.
Diante da carência, na região, de outro tipo de empresa fundamental à existência do campo, as
219
empresas compradoras; a principal modificação local adotada nesse modelo foi uma
intervenção junto ao mercado comprador existente no sentido de desencadear um processo de
legitimação cognitiva das empresas locais, antes mesmo da existência efetiva do parque.
A coadjuvação, como parte da criação institucional (DIMAGGIO, 1988), foi
sucessivamente adotada por várias organizações individuais e pela própria entidade do Porto
Digital, tanto no que tange à cessão de recursos, quanto no que se refere à legitimação. Assim,
a coadjuvação da Universidade contribuiu para a criação do CESAR que, reciprocamente,
veio a repassar recursos financeiros para o CIn. A constituição do Porto Digital é outro caso
de coadjuvação, com o CESAR sendo favorecido com recursos e obtendo maior aceitação por
participar de um parque tecnológico, enquanto o próprio Porto Digital se beneficiou da
condição de âncora” do CESAR. Verifica-se também uma peculiar coadjuvação simbólica
entre campos organizacionais, pelo fato de o Porto Digital vincular sua imagem ao tradicional
setor açucareiro. Essas evidências comprovam a importância da coadjuvação na
institucionalização tanto das organizações individuais participantes de um novo campo
organizacional, como do campo em si mesmo.
Pôde-se perceber que, enquanto meio de obter legitimidade, a coadjuvação pode ser
entendida como uma construção social particularmente adequada às organizações nascentes,
estando presentes nessa construção não apenas A” e “B” (BERGER; LUCKMANN, 2001).
Numa espécie de construção social triangular, a presença da terceira entidade, previamente
legitimada, abre caminho para viabilizar a mudança de uma organização novata em
instituição.
No desenvolvimento desta pesquisa, recorreu-se ao trabalho de Oliver (1991) para
identificar variadas respostas institucionais incidentes no campo. Inclusive as mais poderosas
dessas respostas, como a manipulação, incorrem entre organizações existentes. Portanto,
elas não chegam a alterar o ambiente a ponto de modificar a sua composição. Esta última
220
possibilidade está contida nas concepções de Schumpeter sobre inovação e, em particular, na
resposta criadora.
A tipologia ampliada de respostas, incluindo a resposta criadora, mostra-se útil na
identificação do amplo leque de relações institucionais que uma organização pode estabelecer
com o ambiente. No entanto, a abordagem das respostas estratégicas, pela natureza
intrinsecamente unilateral destas e por enfatizar os resultados, não se presta a elucidar
processos de institucionalização, como o da criação institucional ou o da modificação local, as
quais envolvem continuidade e ruptura. As especificidades da criação institucional, por
exemplo, parece poderem ser adequadamente captadas através de um exame das relações
interorganizacionais técnicas e institucionais em que a própria unidade organizacional novata
toma parte. A mudança institucional no nível do campo organizacional precisa considerar a
evolução do conjunto das organizações e das suas relações.
7.3 Importância dos díspares contextos do campo
Vários condicionantes técnicos, ambientais, ou históricos, ou o entrecruzamento entre
eles, constituem elementos que contribuem com a explicação da incidência de um campo de
inovação em
software
em Pernambuco. Observa-se, inicialmente, que uma
complementaridade entre as características dos ambientes periférico e semiperiférico em que
se situam as organizações do campo. O ambiente semiperiférico, caracterizado por uma
condição econômica superior ao da região periférica, facilita o aporte de recursos
indispensáveis à cadeia de inovação através da universidade semiperiférica e das encomendas
das empresas compradoras. o ambiente periférico, em que se
a intermediação entre as
ordens de atividade dos dois extremos da cadeia de inovação tem características de
maleabilidade institucional que favorecem o desempenho dessa função empreendedora.
221
A intermediação entre as duas ordens de atividade dos extremos da cadeia de inovação
foi favorecida pela concentração singular de funções observadas num determinado momento
histórico da principal unidade acadêmica; bem como pela escassa presença na região de
instituições de inovação associadas ao velho paradigma tecnológico. Tanto essa concentração
de funções numa mesma organização acadêmica, quanto o “vazio institucional” local da
inovação podem ser atribuídos ao ambiente periférico em que se constitui o campo. Reforça
esta conclusão a comparação com algumas unidades acadêmicas de nível técnico comparável,
ou até superior, situadas em centros economicamente mais avançados do país, mas que não
lograram desenvolver o lado empresarial.
Uma convergência de condicionantes ambientais, históricos e técnicos do campo
organizacional em estudo também parece ter favorecido o seu desenvolvimento. A
relativamente baixa necessidade de investimento de capital na atividade
software
não impede
a inserção competitiva de uma região periférica no setor, desde que se disponha do
conhecimento e dos recursos humanos necessários. Por outro lado, parece haver uma
afinidade entre as concepções holísticas mais fáceis de se encontrar numa sociedade periférica
e o modo de inovação praticado modernamente, em que menor diferenciação entre
atividades de pesquisa básica e pesquisa aplicada.
Devem ser considerados, ainda, condicionantes históricos oriundos das prescrições
neoliberais emanadas dos países cêntricos. Tratam-se pressões tanto de ordem cultural,
incluindo o incentivo ao empreendedorismo, quanto de ordem político-econômica. Estas
últimas se traduzem em pressões coercitivas diretas e indiretas sobre o campo que se refletem
na maior influência que o nível governamental local passou a ter nas políticas de
desenvolvimento regional e de C&T. A reforma neoliberal do Estado e a conseqüente crise
provocada nas universidades brasileiras pode ser apontada como um dos fatores para o
acirramento de interesses materiais complementares em muitos professores.
222
Embora as prescrições neoliberais tenham atingido o país como um todo, o enfático
discurso pró-mercado e os ataques à universidade da parte de alguns acadêmicos
empreendedores locais parecem indicar maior pré-disposição na região mais periférica em
favor de um “regime de rígidos propósitos pragmáticos” para a universidade (VEBLEN,
2005, p. 27). Essas inclinações podem estar associadas a características culturais dessa região
periférica, mais susceptível de conter elementos de uma “cultura bárbara” semelhante á
existente na Idade Média quando surgiram as primeiras universidades européias (VEBLEN,
2005).
Com a mudança do CESAR para o Porto Digital, a influência do contexto periférico
passa a ser maior sobre o campo organizacional do
software
em Pernambuco. Isso significa
maior exposição às mudanças locais de orientação política no Governo local que às vezes
pode levar a comportamentos predatórios contra projetos de longo prazo iniciados por
adversários políticos.
Os processos e respostas tratados na seção anterior incidem já no interior do campo em
formação. Em superposição a eles, o estudo revelou a presença de elementos histórico-sociais
adicionais que podem ser considerados pré-existentes ao campo, ou, ao menos, de existência
própria. Esses elementos mostram-se importantes, pois contribuem para explicar
características fundamentais do campo e, com isso, ajudam também a compreender como
tornou-se possível a existência do próprio campo. Assim, uma contribuição teórica que se
extrai deste trabalho reside em resgatar a influência que a perspectiva institucional atribui às
profundas forças históricas e culturais sobre uma unidade organizacional que, no nosso caso, é
um campo organizacional. Defendemos que na análise de um campo organizacional, em
especial quando ele atravessa contextos díspares; além das interações institucionais internas
ao campo, é indispensável compreender influências “externas” que os respectivos ambientes
das organizações que o compõem exercem sobre ele.
223
7.4 Reflexões finais
Esse estudo ilustra que a análise de processos de globalização de uma região
periférica, situada no interior de um país semiperiférico, aumenta em complexidade. Para
essas condições, a adequada compreensão de um campo funcional precisa ir além da
costumeira dualidade “global-local”, sendo indispensável a consideração dos três contextos
global, semiperiférico e periférico.
Compreender um campo organizacional, através da teoria institucional, assumindo um
ponto de vista alinhado com amplos interesses sociais de uma região periférica, envolve uma
espécie de modificação local na ênfase que tem sido dada nessa teoria. Um enfoque
desenvolvimentista justifica que, na ordem de valores, a preocupação com a estabilidade, tão
cara às abordagens da
Mainstream
, se subordine à priorização da mudança institucional.
224
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234
Apêndice A – Lista das entrevistas
Entrevistas exploratórias
Entrevistado
Ocupação
Data
Eduardo Paiva
Coordenador Executivo do SOFTEX Recife
22/12/04
Pier Carlo Sola Presidente do Núcleo de Gestão do Porto Digital 04/01/05
Décio Fonseca Ex-chefe do Departamento de Informática da UFPE 27/01/05
José Carlos Cavalcanti Secretário Executivo de Tecnologia, Inovação e
Ensino Superior da SECTMA de Pernambuco
07/10/05
Entrevistas semi-estruturadas
Gerino Xavier
Empresário e Diretor da ASSESPRO-PE
16/08/06
Paulo Cunha Diretor do Centro de Informática da UFPE 14/09/06
Lúcia Melo Presidenta do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos 15/09/06
Merval Jurema Sócio do ITECI e professor do CIn 05/10/06
Francisco Tenório Coord. da Pós-Grad. em Ciência da Computação do
CIn
10/10/06
Ana Carolina Salgado Professora do CIn e fundadora do CESAR 07/09/06
Cláudio Marinho Secretário da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do
Estado de Pernambuco
10/11/06
Silvio Meira Cientista-Chefe do CESAR 30/11/06
Ruy Queiroz Professor do CIn e Editor Executivo do
Logic Journal
of the Interest Group in Pure and Applied Logics
21/12/06
Fred Vasconcelos Sócio da JYNX Playware 23/01/07
Valério Veloso Presidente do Núcleo de Gestão do Porto Digital 31/01/07
Evandro Hora Diretor da Tempest – Security Tecnologies 02/02/07
Questionário com respostas escritas
Matheus Rodrigues e
Rosana Jamal Fernandes
Gerentes da Motorola - Campinas 26/02/07
Entrevista concedida a Sueli Goulart
Silvio Meira Cientista-Chefe do CESAR Maio/05
235
Apêndice B – Cronologia dos principais eventos
Evento
Ano
Fonte
Implantação do CPD da UFPE
1970
Cunha (2000)
Criação do Depto. de Estatística e Informática
1974
Goulart (2005)
Início do Curso de Mestrado em Informática
1975
Goulart (2005)
Criação do Departamento de Informática
1981
1983
Salgado (2006)
Goulart (2005)
Formação do Primeiro Grupo de Pesquisas do DI
1981
Jurema (2006)
Mudança do Currículo da Graduação do DI
1985
Meira (2006)
Debate público em que Silvio Meira “apostou” na
extinção do Banorte
~1991
Meira (2005)
Início do Curso de Doutorado em Informática
1992
Goulart (2005)
Cunha (2006)
Emigração de quase 70% de Graduados de uma
Turma do DI
1993
ou
1994
Cunha (2006)
Criação do CESAR
1996
CESAR (2004)
Criação do Centro de Informática da UFPE (CIn)
1999
Salgado (2006)
Venda da Celpe
2000
Cavalcanti (2005)
236
Criação do Porto Digital
2000
Porto Digital (2007)
Sanção da “Lei da Informática”
2001
Lei Nº 10.176
Promulgação da Lei de Incentivos da PCR
2001
JC, 07/07/2004
Regulamentação da “Lei da Informática”
2002
Salgado (2006)
Lançamento da marca “Porto Digital”
2003
Veloso (2007)
Nova Regulamentação da Lei de Incentivos da
PCR
2004
JC, 07/07/2004
237
Anexo A
Abula da galinha dos ovos de ouro
A expressão “galinha dos ovos de ouro”, a exemplo do que ocorre com “a lebre e a
tartaruga” ou “a cigarra e a formiga” se inscreve entre os lugares comuns deixados pelas
fábulas de Esopo. Segundo Ash (1994), o conteúdo dessas expressões representa uma
“taquigrafia simbólica” da cultura universal.
Não existe uma versão definitiva para as fábulas, sendo que cada escritor reescreve sua
própria seleção, adaptando-as a seu próprio estilo (ASH, 1994). Aqui reproduzimos a versão
de “A gansa dos ovos de ouro”, conforme apresentada por Ash e Higton (1994), incluindo a
moral que, como acontece em geral com as fábulas de Esopo, é acrescida como um
pensamento
a posteriori.
Fonte: Esopo (1994)
Fonte: Esopo (1994)
A
G
ANSA DOS
O
VOS DE
O
URO
Um homem e sua mulher tinham a sorte de possuir uma gansa
que todo dia punha um ovo de ouro. Mesmo com toda essa sorte, eles
acharam que estavam enriquecendo muito devagar, que assim não dava.
Imaginando que a gansa devia ser de ouro por dentro, resolveram matá-la
e pegar aquela fortuna toda de uma vez. Só que, quando abriram a
barriga da gansa, viram que por dentro ela era igualzinha a todas as
outras. Foi assim que os dois não ficaram ricos de uma vez só, como
tinham imaginado, nem puderam continuar recebendo o ovo de ouro que
todos os dias aumentava um pouquinho sua fortuna.
Moral: Não tente forçar demais a sorte.
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