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no campo e no bosque, como erva e bago, como noz e cogumelo, como folha e grão. E
esse mundo primordial é o mundo do Grande Círculo e da Grande Mãe; ela é a
protetora, a mãe bondosa, que alimenta os homens com frutas, tubérculos e grãos, mas
que também os envenena e que, quando se afasta dos seres vivos, faz com que estes
passem sede e fome, nas épocas de escassez. (Ibid.: 55).
O Grande Feminino expressado pela figura da Grande Mãe também é representado
pela imagem do vaso, que abrange tudo e todos tanto em seu caráter elementar, como de
transformação. Em sua unidade, simboliza-se a totalidade da natureza de onde emerge a vida.
Contudo, expressa paradoxos:
Já encontramos nessa relação de oposição os sintomas do teor ambivalente do
arquétipo. Gerar e libertar pertencem ao lado positivo do caráter elementar; seu
símbolo típico é o símbolo da vegetação, em que a planta que está em crescimento
irrompe do escuro útero da Terra e vislumbra a “luz do mundo”. Essa libertação do
escuro para o claro caracteriza o caminho da vida, bem como o caminho da
consciência. Ambos os caminhos conduzem sempre, e basicamente, da noite para a
luz. Esse é um dos motivos para a conexão arquetípica entre simbolismo do
crescimento e a aquisição da consciência, enquanto que a terra, a noite, a escuridão e o
inconsciente são um conjunto em oposição à luz e a à consciência. Na medida em que
Feminino liberta para a vida e para a luz o que nele está contido, torna-se a Grande
Mãe e a Mãe Bondosa de toda a vida.
Por outro lado, a Grande Mãe torna-se perigosa em sua função de fixar, não
permitindo a libertação de um ser que aspira por sua independência e liberdade. Essa
situação constela fases essenciais da história da consciência e de seu conflito com o
Grande Feminino. Existe um símbolo que pertence a esse contexto e que desempenha
um papel de destaque nos mitos e nos contos de fada: o cativeiro. Subentende-se com
esse termo que o indivíduo, não se encontrando mais na situação natural e original da
criança que é contida, vivencia a postura do Grande Feminino como constrangedora e
hostil. Mais adiante, a função de aprisionar apresenta-se como uma tendência
agressiva que, como o simbolismo do cativeiro, pertence ao aspecto bruxa da mãe
negativa. A rede e o laço são, nesse caso, os símbolos adequados, bem como a aranha
e a lula, com suas presas e tentáculos captores. As vítimas dessa constelação já
dispõem de uma parcela de independência, mas que se encontra ameaçada, pois, para
elas, estarem contidas na Grande Mãe não é mais um fato compreensível. Ao
contrário, já são “renitentes”, de acordo com nossa terminologia. (Ibid.: 66)
Para Neumann (2001), o caráter de Transformação da Grande Mãe, a Anima, além de
projeção do Masculino no feminino, constitui também uma experiência autêntica do feminino,
gerador de inspiração e transformação espiritual à mulher, sendo na esfera religiosa, artística,
poética, imaterial, constituindo as mulheres como portadoras originais do mântico. Deste
modo, a gravidez e parto, concretamente, podem configurar um dos mistérios sanguíneos de
transformação para mulher, dando vida e morte, promovendo a sua individuação psicológica.