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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
RENATA AMÉLIA ROOS
A CRIAÇÃO DE SI E OS ENCONTROS AMOROSOS NO CONTEMPORÂNEO
PORTO ALEGRE
2006
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RENATA AMÉLIA ROOS
A CRIAÇÃO DE SI E OS ENCONTROS AMOROSOS NO CONTEMPORÂNEO
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre
em Psicologia Social e Institucional.
Programa de Pós Graduação em
Psicologia Social e Institucional. Instituto
de Psicologia. Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
Orientadora: Marisa Faermann Eizirik
Porto Alegre
2006
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RENATA AMÉLIA ROOS
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação A criação de si e
os encontros amorosos no contemporâneo, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
Dissertação defendida e aprovada em: 12/01/2006
Comissão Examinadora:
_________________________________________________________________
Dra. Tânia Galli Fonseca, psicóloga, Doutora em Educação, professora titular do
Pós Graduação em Psicologia Social e Institucional - UFRGS
_________________________________________________________________
Dra. Nair Iracema Silveira dos Santos, psicóloga, Doutora em Educação, professora
titular do curso de psicologia da UFRGS
_________________________________________________________________
Dr. Alexandre Henz, psicólogo, Doutor em Psicologia Clínica –PUC-SP, professor
do curso de psicologia da UFSP
4
o amor comeu meu nome, minha identidade e meu
retrato; o amor comeu minha certidão de idade, minha
genealogia, meu endereço; o amor comeu meus cartões
de visita; o amor veio e comeu todos os papéis onde eu
escrevera meu nome; o amor comeu minhas roupas
meus lenços e minhas camisas; o amor comeu metros e
metros de gravatas; o amor comeu a medida de meus
ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus
chapéus; o amor comeu minha altura, meu peso, a cor
de meus olhos e de meus cabelos; o amor comeu minha
paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno
e meu verão; comeu meu silêncio, minha dor de cabeça,
meu medo da morte.
1
1
Dos três mal amados – música do Cordel do fogo encantado
5
Agradecimentos...
À Marisa
Nestor, Elizabeth, Rachel, Lule, Julia, Rúbia, Conrado,
Luciano, Isadora, Chico, Nair, Tânia, Alexandre,
Guilherme, Leandro, Fernanda, Laíssa, Débora, Arthur e
Dardane
RESUMO
É próprio do amor carregar as virtualidades que o renovam e transformam em cada
dobra do tempo-espaço. Essas se atualizam, mas não se esgotam, continuando a
provocar novos devires. A questão, aqui, é acompanhar alguns movimentos
subjetivos de uma garota que procura viver o amor no contemporâneo, tomando seus
desdobramentos como modos de viver esse tempo, como processos que afirmam uma
criação de si, e, porque não dizer, uma despersonalização.
A dificuldade se encontra em colocar o amor em relação às singularidades desse
tempo, sem que com isso se faça uma leitura nostálgica, dramática, claustrofóbica dos
movimentos que, hoje, se insinuam. O conceito escolhido para essa leitura foi o
conceito de Outrem em Deleuze. Com esse, busca-se garantir as transformações
subjetivas ocorridas por quem se aventura amorosamente no contemporâneo em seus
diferentes desdobramentos.
7
ABSTRACT
It is a property of love to carry on the virtualities that renew and transform itself in
every bend in time-space. These bends update themselves, but do not run out,
continuing to provoke new “devires”. The question, here, is following some subjective
movements of one girl that tries to live a love inside the contemporary, taking its
bending as a way of living in this time, as processes that state a creation of itself, and,
in other words, a depersonalization.
The difficulty is to put love in relation to singularities of this time, without doing a
nostalgic, dramatic, claustrophobic reading of the movements that insinuate
themselves today. The concept chosen for this reading was the “Outren” as defined by
Deleuze. With that, trying to assure the subjective transformations that happen with
those love adventurers of the contemporaneous time in its different outcomes.
8
ÍNDICE
Uma vaga para o amor......................p. 9
Paisagem em vaga..................p. 14
Desdobramentos do amor no contemporâneo e as fissuras em
outrem......................... p. 22
Uma garota e seus intoleráveis................p. 35
Como criar condições para uma nova paisagem............p. 49
Considerações...................................p. 58
Apêndice: Amor em gravidade...........p. 61
Pósfacio......p.79
Bibliografia......p. 89
9
UMA VAGA PARA O AMOR
afinal, aonde começa uma vaga?
Estando ela entre uma parede e outra,
num espaço que compactua com a
construção e com a sua falência.
Ainda na fase de projeto, falei sobre um estudo que via nas vagas
2
uma
potência fugidia, estudo que pretendia extrair-lhes suas contingências. Vagas como
aqueles espaços que escapam das construções, podendo estar entre paredes ou
pilares. A questão era, naquele momento, não dar a elas qualquer utilidade,
passando-as novamente para dentro, sob a lógica das ocupações. Mas aproveitar
2
Vaga em campo de rejeito livro da artista plástica Maria Helena Bernardes. Nele, ela expõe o processo de
construção de seu trabalho artístico, transpondo as angústias, expectativas, ânimos e desânimos com a proposta.
Desde as primeiras páginas, ela deixa explícita sua intenção de construir uma vaga em um campo vago. É claro
que a idéia em si já continha algo de inusitado e que, rapidamente, chama a atenção pelo caráter insólito: pensar o
impensável, invisível, vazio, sobra, rejeito.
10
algumas das suas propriedades para pensar o que seria uma proposta de pesquisa
sobre o amor. E assim, possibilitar o vagar do pensamento.
Entre uma construção e outra, a vaga desliza em múltiplas direções: quase
garagem, quase esquecida, quase invisível, quase parede, quase canto, quase lixo,
quase esconderijo, quase guarda entulho, quase outdoor, quase encosto. Sobras que
revelam uma má ocupação, um desperdício, um não aproveitamento. Restos de
terreno desocupado pela grande arquitetura.
O princípio era tomar a vaga pra pensar o amor em sua potencialidade de
desdobramentos, como um vazio que se preenche nas práticas, que ganha
visibilidade nos discursos, que ao mesmo tempo em que faz parte de uma arquitetura
organizada, também revela a falência de um regime que teima em cobrir todo o
espaço e que, por si mesmo, produz o que escapa.
As vagas são incômodas nas propostas que visam o aproveitamento total dos
espaços, nas pretensões de tomadas horizontais de território. Inconvenientes, pois
denunciam erros algébricos, imprevisibilidades, derrocadas de estratégias quando
surgem nas pontas das construções, saindo das medidas e se insinuando,
permanentemente, como resto de uma engenharia social sempre inacabada.
Cúmplices do descaminho, do desperdício, do descontrole, criam ambientações e
contaminam passantes, ambulantes, migrantes, habitantes.
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Elas animam o pensamento a formar uma paisagem conceitual que envolva, de
um lado, o plano das engenharias sociais compreendidas na produção de práticas
amorosas, ou seja, um plano que também chamo de gravitacional, das capturas e das
cristalizações, em que diferentes vetores compõem um organismo amoroso; e de
outro, traçar as zonas de distanciamento dessa arquitetura, desse aparelho de
captação, zonas que já não dizem somente de uma formação, mas de processos de
inquietação que se fazem mesmo dentro dessas estruturas, produzindo, a partir delas,
individuações.
***
Sim, ainda acreditamos em finais felizes e na salvação pelo amor; ainda aspiramos a
um amor arrebatador, irrealizável e sofrível. Perseguimos e repetimos mamãe e papai
a cada encontro; amamos a primeira vista e o primeiro que aparece; mergulhamos em
águas rasas atrás de nós mesmos; engastamo-nos, anos a fio, na esperança de
reencontrar um amor “perdido”. Ainda culpados, ressentidos e caridosos,
acreditamos que poderíamos ser o desejo cego, único e fiel de alguém. Sim, somos
esse punhado de tempos e formas tentando se firmar no espaço. Mas a cada golpe de
pulso, a cada dobra dos dedos, não nos tornamos apenas história. Somos também o
12
que passa entre os vãos e a impossibilidade de segurar aquele gesto com a mesma
firmeza e imobilidade.
Estamos no século XXI e uma garota busca compor-se amorosamente com as forças
desse mundo. Mundo das redes, conexões, das rupturas, da autonomia, dos
encontros fugazes, da intensidade, do desamparo, em que os limites foram borrados
em torno de um homem que passa a compor-se numa nova relação com a morte, com
o tempo, com a vida, com o espaço. Em que, principalmente, se insinuam os possíveis,
uma força vital que traz consigo a possibilidade da criação de novos modos de
existência.
Optei por não trabalhar com os estudos que apontam sobre as dificuldades de
encontrar, nesse tempo, os amores verdadeiros e duradouros de outras épocas. A
questão aqui não é criticar a fragilidade dos laços nem a caduquice da produção
romântica dessa época, mesmo que se considerem essas questões. Interessa pensar na
invenção de si num plano amoroso contemporâneo e, principalmente, de que
maneira pode-se abrir passagem a novas sensibilidades na criação de possíveis.
Isso para além de um recorte dramático, nostálgico ou de uma apologia ao presente.
Ao criar a garota e seus intoleráveis, busco um percurso, uma análise, livre das
dicotomias, afirmando a dimensão problemática de cada encontro amoroso. Detive-
me nas mudanças subjetivas que ela sofre durante a narrativa. Para isso, usei o
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paradoxo de Robinson e seu processo de desumanização na ilha de Speranza, colocando
ambos em um mesmo processo de invenção de possíveis num mundo que os joga na
desterritorialização permanentemente, e que os move a dar conta da criação de um
novo Outrem para si.
O conceito de outrem impede a tendência que se tem em lidar moralmente com as
mudanças nesse mundo. Com ele, busca-se uma perspectiva que garanta as
transformações subjetivas ocorridas por quem se aventura amorosamente num
contemporâneo. A garota se coloca entre as camadas intensivas de história que
traduzem o amor sempre de um mesmo modo, ao mesmo tempo em que encontra
com uma certa virtualidade - a possibilidade de ilimitados desdobramentos. Essa
força primeira ainda mais aguçada em um contemporâneo que destruiu suas certezas
e verdades. Uma força vaga que não direciona o movimento antecipadamente, mas
que permite que ele se produza singularmente para seguir suas individuações. Garota
e mundo em meio ao quase, em vaga, em um processo intensivo de construção de si
no amor.
14
PAISAGEM EM VAGA
Pode ocorrer que as forças do homem entrem na composição de
uma forma não-humana, mas animal, ou divina (...) Hoje é
comum dizermos que o homem enfrenta novas forças: o silício
e não mais simplesmente o carbono, o cosmos e não mais o
mundo (...) Se o homem foi uma maneira de aprisionar a vida,
não seria necessário que, sob uma outra forma, a vida se libere
no próprio homem? (Deleuze,1992: 114)
Nossa formação histórica nos colocou em jogo com forças do finito-ilimitado,
diz Deleuze. Finito-ilimitado é uma expressão usada por ele e que diz de um momento
em que, com a morte de Deus, as forças deixam de voltar-se para a transcendência,
infinitude, e passam a ser dobradas no homem. Com isso, a forma-homem
substituiria a forma-Deus. E a morte passa a estar dentro do homem, coextensiva à
vida.
15
A finitude, como constituinte, se produziria a partir da captura em si de forças
vindas do fora, e que trariam uma tríade (Vida, Trabalho e a Linguagem). Por todos
os campos, instaura-se a comparação, é uma nova dimensão da finitude que se desdobra e
que se torna então a finitude do próprio homem. Assim, a questão retomada é sempre esta:
se as forças no homem só compõem uma forma entrando em relação com as forças do lado de
fora, com quais novas forças elas correm o risco de entrar em relação agora, e que nova forma
poderia advir que não seja mais em Deus nem no homem? (Deleuze, 1988b: 140)
Quais seriam as forças em jogo, com as quais as forças do homem entrariam
em relação? Não seria mais a elevação ao infinito, nem a finitude, mas um finito-
ilimitado, se atribuirmos esse nome a toda situação de força em que um número finito
de componentes produz uma diversidade praticamente ilimitada de combinações.
Num tempo em que o organismo é atravessado pela revolução genética; a
linguagem é subvertida pelos agramaticais; a família é invadida pela multidão;
arbustos dão lugar a redes complexas de heterogêneos; o capital se expande e toma a
vida. Em que a proposta parece ser desafiar a materialidade, os espaços, as fronteiras,
com novas formações de vida, novas máquinas, novos modos de trabalho,
inteligências, capazes de abrirem brechas a inúmeros possíveis. Como pensar a
construção de paisagens existências em um território nômade? Se o contemporâneo
se inscreve como essa potência para o finito-ilimitado, colocando em jogo forças que
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trabalham pela multiplicidade, pelos ilimitados desdobramentos; como pensar a
produção de si e de mundo?
Afinal, parece que nossa briga não é mais contra o caos, mas sim contra a doxa.
Assumimos o paradoxo. A problemática dessa época seria como viver o impensado e
não mais a tranqüilidade das certezas e dogmas. O bom senso e seus caminhos já
colocados não suscitam mais, não interessam a um mundo que se coloca como
intensivo. Há uma desconfiança no ar quanto a qualquer determinismo que possa
frustrar a força do novo.
O ser humano contemporâneo é fundamentalmente
desterritorializado. Com isso quero dizer que seus territórios
etológicos originários – corpo, clã, aldeia, culto, corporação... –
não estão mais dispostos em um ponto preciso da terra, mas se
incrustam, no essencial, em universos incorporais. A
subjetividade entrou no reino de um nomadismo -generalizado
(Guattari, 1992:169).
A modernidade trouxe consigo as críticas às instituições. Foucault, na aula de
7 de Janeiro de 1976, diz que a ele parece que houve nos últimos dez ou quinze anos, a
imensa e prolífera criticabilidade das coisas, das instituições, das práticas, dos discursos; uma
espécie de friabilidade geral dos solos, mesmo talvez sobretudo, os mais familiares, os mais
sólidos e mais próximos de nós, de nosso corpo, de nossos gestos de todos os dias. (Foucault,
1999: 10). E Harvey (1989: 22) completa dizendo que a maioria dos escritores
modernos reconheceu que a única coisa segura na modernidade é a insegurança, e
17
sua inclinação para o caos totalizante. E cita Baudelaire quando esse diz que a
modernidade seria o transitório, o fugidio e o contingente.
O projeto moderno equivaleria a um extraordinário esforço intelectual dos
pensadores iluministas – formas racionais de organização social e de modos racionais
de pensamento visavam à libertação do mito, da religião, da superstição, do uso
arbitrário do poder. Com a pós-modernidade, a questão era se contrapor ao
positivismo, racionalismo e ao tecnocentrismo moderno, rompendo com a crença no
progresso linear e se caracterizando pela fragmentação, indeterminação e intensa
desconfiança de todos os discursos universais ou totalizantes. Especialmente,
distanciando-se dos metarrelatos.
Nietzsche já falava dessa desconfiança quanto às instituições:
Nossas instituições não prestam mais pra nada: quanto a isto se
é unânime. Isto não reside contudo nelas mesmas, mas em nós.
(...) Para que haja instituições, é preciso que haja uma espécie
de vontade, de instinto, de imperativo, antiliberal até as raias
da maldade: a vontade de tradição, de autoridade, de
responsabilidade por séculos além, de solidariedade pelas
correntes das gerações tanto para adiante quanto para trás in
infinitum. Esta vontade está presente?! (...) Todo o ocidente não
possui mais aqueles instintos, a partir dos quais crescem as
instituições, a partir dos quais cresce o futuro: nada talvez seja
mais incongruente com o “espírito moderno” do que estes
instintos. Se vive em função do hoje, se vive muito rapidamente
– se vive de maneira muito irresponsável: isto justamente
denomina-se como ‘liberdade’ (Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos:
96).
18
A problematização do social, das instituições, dos ritos, das formas socialmente
legitimadas, foi importante para que alguns modos existenciais tivessem outra
visibilidade. O indivíduo caminha para libertar-se das imposições da religião, da
família, da comunidade. As mulheres se apropriam da pílula anticoncepcional, do
mercado de trabalho, do voto, dos esportes, do corpo e dos prazeres sexuais.
Concomitantemente à produção de uma insatisfação constante.
A sensação de defasagem diante da velocidade com que o mundo se reinventa
também produz corpos agitados, que se debatem permanentemente a fim de não se
tornarem obsoletos. Sibilia (2002), fala que o upgrade se tornou a palavra de ordem, o
que quer dizer que cada vez mais o sujeito procura estar compatível com esse mundo.
Mundo que se revela como uma potência que visa ultrapassar o humano, em suas
condições e capacidades.
A força das mudanças tecnológicas teria superado as biológicas, colocando o
homem aquém de seu tempo. A pós-humanidade, como propõe Sibilia (2002), seria o
momento no qual estaríamos vivendo, quando a criatura humana torna-se um gestor de
si mesmo na administração do seu próprio capital financeiro e na escolha das opções
disponíveis no mercado para modelar seu corpo e alma (Sibilia, 2002: 16).
19
Todas essas mudanças ocorrem numa sociedade que tomou a vida como bem
maior
3
. E isso quer dizer que, sutilmente, por uma série de tecnologias, a preocupação
do poder foi se voltando para a criação, dominação ou imposição de modos de vida.
O controle passa a ser o dispositivo do nosso tempo. Sorrateiro, como uma serpente,
adentra-se na vida e toma as resistências em seu proveito; seus anéis parecem não
oferecer chance de saída. Dessa forma, se antes tínhamos uma sociedade disciplinar,
que colocava os indivíduos em setores bem segmentados de adestramento, o
contemporâneo se caracteriza por essa dissolução dos espaços de subjetivação e pela
incorporação de seu olhar panóptico.
Criar-se, nesse mundo, não diz mais de uma resistência a setores e práticas
demarcadas. Com o capitalismo em rede, não há mais como localizar suas
explorações e exclusões. Mesmo a resistência é tomada como fonte de energia para a
renovação dos estoques de formas de vida. E isso significa dizer que o capital se
apropria da plasticidade subjetiva para reverter suas criações em produtos.
Consumimos possíveis modos de ser, pensar, fazer
4
.
3
Sobre essa questão Michel Foucault trabalha no texto: Direito de morrer e poder sobre a vida.
Presente no livro História da sexualidade I: vontade de poder. Já Gilles Deleuze pensa essa questão em:
Post-scriptum sobre as sociedades de controle, último texto em Conversações.
4
Um exemplo clássico: Bill Gates vende mais do que produtos de informática, ele vende uma forma de
vida. Em suas palestras, fala de um homem que não conserva vínculos que possam impedi-lo de seguir
seus ideais; em um sujeito livre pra ir para onde as ofertas lhe pareçam melhores. Sem raízes fixas, ele
deve procurar estar atento e se colocar na rede de interesses.
20
Pelo medo do desligamento, da desconexão, e pela incorporação da lógica do
consumo, a subjetividade é agenciada de tal forma a compactuar com esse mundo e
adotar para si o que ele oferece como pacotes subjetivos. Porque o mercado não pára
de aglutinar para si as transformações que ocorrem em suas redes, oferecendo-as,
como modelos, a uma multidão que ainda sofre os efeitos de uma orfandade, sedenta
de estabilidade e novidade.
A fragilidade, o individualismo e a busca por prazeres prontos trazem uma
mudança no modo de viver o contingente, o múltiplo, o perecível. Que não só diz de
um cenário no qual os sujeitos são convidados aos descartáveis, aos encontros
virtuais, ao prêt-à-porter, ao self service, entre outros ícones da banalização do
consumo. Mas que, com a cara enterrada na instabilidade, o contemporâneo parece
não mais se fechar para a tragicidade da existência. Aspecto que por muito tempo foi
negado por um pensamento que buscava pilares, fundamentos e verdades.
A questão mais difícil é criar-se nessa paisagem-fluxo. Ou melhor, é criar a si
mesmo no meio e com as possibilidades que essa nova postura frente ao caos traz.
Assim, ao mesmo tempo em que se percebe, de um lado, uma saturação de possíveis,
em meio a uma obesidade paralisante de identidades prontas para o consumo, e,
desse modo, a produção de subjetividades um tanto depressivas e apáticas pelas
pseudo-experiências que consomem. Há, em meio a tudo, e em primeira ordem, a
possibilidade de viver o intolerável como uma força viva que impulsiona para
21
ilimitados desdobramentos subjetivos, capazes de abrir passagem a novas
sensibilidades.
22
DESDOBRAMENTOS DO AMOR NO CONTEMPORÂNEO E AS FISSURAS EM
OUTREM
A época moderna se caracteriza, indubitavelmente, por um
déficit de vontade, por uma certa “má vontade”, embora o mal
de que sofra seja de uma outra natureza. Não acreditamos mais
no possível, perdemos o gosto e a vontade de realizá-lo: eis
nosso tédio. Mas se perdemos a fé, é porque nossos esquemas
sensório-motores nos aparecem, agora, como são – como
clichês. Tudo o que vemos, dizemos, vivemos, e até mesmo
imaginamos e sentimos já está, definitivamente, reconhecido;
carrega, por antecipação, a marca da recognição, a forma do já
visto e do já ouvido (Zourabichvili, 2000:349).
Num mundo tão febril e urgente, em que se consome, acima de tudo,
subjetividades; clichês são abominados e o tradicional perde seu status. Num mundo
em constante dissolução, em que nada resiste à força do deserto, ao solo de ninguém,
23
em que tudo está por fazer; criam-se zonas de inquietação para aqueles que procuram
viver esse tempo. E isso significa dizer que a subjetividade se transforma em um
mundo que a coloca em relação com o paradoxo e com a criação de possíveis e não
mais somente com a realização desses.
Para pensar essa configuração, entra em cena o conceito de outrem trabalhado
por Gilles Deleuze em Diferença e Repetição e Lógica do Sentido e que mais tarde é
retomado em seus estudos em O que é a filosofia. A trajetória parte da conceitualização
proposta por Gilles Deleuze em Lógica do sentido, quanto ao paradoxo de Robinson, o
mundo sem Outrem, no qual Deleuze trabalha com a idéia de Outrem, discutindo-a
através da transfiguração de Robinson na ilha Speranza. A ilha com seus códigos, sua
estrangeirice, desumaniza Robinson que lá se encontra, sem Outrem, tentando, por
muito tempo, transpor para lá seus valores, tempo, ritmo; visando reproduzir o
mundo que tinha, insistindo na força do hábito.
Para Deleuze (1998), Outrem introduz o signo do não percebido no que eu percebo.
Ele pode ser pensado como aquilo que atribui sentido, organiza, estrutura o que
acontece. Toda experiência de reconhecimento só é possível na presença de Outrem.
Ele é a estrutura que condiciona o conjunto do campo e o funcionamento deste conjunto,
tornando possível a constituição e a aplicação das categorias precedentes. Não é o eu, é outrem
como estrutura que torna a percepção possível (Deleuze, 1998: 318).
24
Pensar em Outrem como estrutura é pensar em mundos possíveis que não
existiriam fora de sua expressão. Porque, como nos diz Deleuze (1998), ao vermos um
rosto assustado não estamos dizendo que há uma relação de identidade entre esse
rosto e o real, mas que essa expressão nos traz um sentido, nos rearranja uma
possibilidade, um possível se esboça.
Estrutura, mas longe de uma forma fixa ou identitária, diz de uma composição
de elementos que não têm por si só forma, significação, conteúdo, realidade empírica,
sendo processual e não genética, que permite o funcionamento assim como a
“categorização” deste campo. Deleuze vai dizer que a estrutura é a realidade do
virtual. (Deleuze, 1988: 336)
Ou, ainda, outrem é o expresso apreendido como não existindo ainda fora do que o
exprime. (...) É a existência do possível envolvido. A linguagem é a realidade do possível
enquanto tal. O eu é o desenvolvimento, a explicação dos possíveis, seu processo de realização
no atual (Deleuze, 1998: 317).
E, nesse sentido, há duas formas de pensar o possível: como criação e como
realização. Pensar na criação de possível é entender que o possível não pode ser
pensado antes dos acontecimentos – que desarrumam, revolucionam o mundo e
colocam novas possibilidades de vida. Diferente da utopia que é a imagem de uma nova
situação pela qual se pretende, brutamente, substituir a atual, esperando alcançar o real a
25
partir do imaginário: operação, sobre o real, e não do próprio real (Zourabichvili, 2000: 333);
as revoluções abrem possibilidades de possíveis e não dizem da realização de um
possível a priori. Porque realizar projetos não diz da criação de possíveis, não é uma
meta a ser alcançada, não diz de esperanças. Já que a invenção de novas
possibilidades de vida diz de uma nova forma de ser afetado e afetar. É da criação de
outrem que se fala, do se colocar com, no entre das fissuras, no campo perceptivo
capaz de transformar o modo de existência. Essas mutações afetivas levam a uma nova
distribuição entre bom e mau, o deleitável e o insuportável, ora em uma mesma pessoa (que a
partir de então, mal pode identificar o passado que viveu como seu passado), ora em uma
coletividade (Zourabichvili, 2000: 339).
Essas fissuras silenciosas, efeitos de imperceptíveis, são por onde passam os
acontecimentos e por onde toda uma organização é posta em risco. São onde os
pratos trincam. Já não se suporta o que se suportava antes, ontem ainda; a repartição dos
desejos mudou em nós, nossas relações de velocidade e de lentidão se modificaram, um novo
tipo de angústia surge, mas também uma nova serenidade (Deleuze e Parnet, 1998: 147).
Ruptura, num campo de afectos, pode trazer a criação de possíveis e, nesse sentido,
não é apenas você ter se tornado como todo mundo, mas ter feito de todo mundo um
devir (Deleuze e Parnet, 1998: 148).
Já, diferente da criação de possível é a realização desse. A realização não fala
da diferença de regimes no campo existencial. A realização só vai acrescentar
26
existência ou realidade ao possível que já carrega consigo a imagem do real. Assim,
ao se falar em realização de um possível não se está falando em um processo
criativo, uma vez que este implica sempre uma imprevisibilidade de um arranjo
original, a criação inovadora de um novo ser que não dispõe de nenhuma ordem
pré-formada para guiar a sua constituição.
O possível que carrega o Outrem de Robinson é um possível imagem do real.
Mas, como todo possível, ele traz a mistura de elementos atuais e virtuais, incapaz
de se esgotar em seu todo, já que cada encontro carrega infinitas possibilidades de
desdobramentos. Realizável somente em parte, enquanto uma porção de outras
tantas potencialidades virtuais escapam, ou seja, tem-se a precipitação de uma
determinada parcela do virtual, nunca de sua totalidade.
Outrem era o que toda a educação havia inculcado a Robinson, mas que ele
esquecera durante todos os anos que passou em Speranza, perguntando-se se
chegaria, algum dia, a retomar os antigos hábitos. A essa inadequação existente entre
os significantes e os significados, principalmente quando se trata de atribuir um
significado a algo desconhecido, também foi chamada de paradoxo de Robinson. Deve-
se entender a criação de si a partir de Outrem não como a pessoa do outro, o outro
em geral, mas como o acontecimento que se configura no encontro, neste caso,
amoroso e contemporâneo. Assim, a individuação não poderia ser pensada sobre um
mimetismo – relação na qual se abdica de si para acolher os princípios do outro,
27
novamente sobre a lógica da identidade. O outro não ocuparia um lugar da verdade, de
quem se deveria seguir. Não é isso. Não é substituindo uma lei por outra. Não é nesse sentido
que pensamos o outro. Mas de modo a criar, a querer editar (Onfray, 1995: 58).
O efeito fundamental é a distinção de minha consciência e de
seu objeto. Esta distinção decorre com efeito da estrutura
Outrem. Povoando o mundo de possibilidades, de fundos, de
franjas, de transições, - inscrevendo a possibilidade de um
mundo espantoso quando ainda não estou espantado ou então,
ao contrário, a possibilidade de um mundo tranqüilizante
quando, eu, me encontro realmente assustado com o mundo
(...) a partir daí, outrem faz com que minha consciência caia
necessariamente em um “eu era”, em um passado que não
coincide mais com o objeto (Deleuze, 1998: 319).
Mas por que convocar essa passagem na obra de Deleuze? No que o conceito
de Outrem pode ajudar nesta tentativa de pensar o amor no contemporâneo e a
criação de si nos encontros amorosos?
O paradoxo apresentado em Robinson interessou-me pelo desmoronamento de
uma lógica trazida a priori no encontro com a diferença e pela tentativa da
personagem em dar conta de um mundo que ultrapassa seus códigos, mundo sem
Outrem, e que apela para que ela construa novas formas de habitá-lo. Pois, é evidente
que Robinson em sua ilha deserta não pode construir um análogo da sociedade a não ser que dê
a si mesmo, de uma só vez, todas as regras e leis que se implicam reciprocamente, mesmo
quando ainda não possuem objetos (Deleuze, 1998: 51).
28
A idéia de paradoxo é trabalhada por Deleuze em Lógica do sentido (1998). O
autor procura opô-lo à doxa, em seus dois aspectos: bom senso e senso comum. Bom
senso e senso comum, um remetendo ao outro. Bom senso como sentido único e
senso comum como designação de identidades fixas (Deleuze, 1998: 3).
Pensar em senso comum é pensar em uma faculdade de identificação,
reconhecimento, recognição, formadora de universais. Subjetivamente, se definiria
pela pretensão de identidade, de um eu como unidade e fundamento de todas as
faculdades. Subjetivamente, o senso comum subsume faculdades diversas da alma ou órgão
diferenciados do corpo e os refere a uma unidade capaz de dizer Eu: é um só e mesmo eu que
percebe, imagina, lembra-se, sabe, etc; e que respira, que dorme, que anda, que come...
(Deleuze, 1998: 80).
Já o bom senso, bom sentido, não se preocupa em agir, mas em prever. Vai do
particular ao geral. Com isso, ele não nega a diferença, mas anula, adota uma
uniformização, identifica, atribui e fixa seja uma qualidade, uma medida, uma ordem,
etc.
Subjetivamente, o paradoxo quebra o exercício comum e leva
cada faculdade diante de seu próprio limite, diante de seu
incomparável, o pensamento diante do esquecimento, que é
também seu imemorial, a sensibilidade diante do insensível,
que se confunde com seu intensivo (Deleuze, 1998: 364).
29
O paradoxo seguiria a direção de um campo menos diferenciado ao mais
diferenciado, exatamente o contrário do que a doxa propõe. Seria a partir dele que
ocorreria a produção de sentido. Alice, de Lewis Carroll, é aquela que perde a identidade,
a sua, e das coisas do mundo
(Deleuze, 1998: 81).
Paradoxo e virtual andam juntos e se referem ao não qualificável, impessoal,
plano a partir do qual o sentido e as possibilidades emanam em direção à
diferenciação. Sendo que qualquer desdobramento a partir dele, acaba carregando
consigo essa potência instável de continuar se diferindo, criando, em devir. Plano
intensivo de forças tecido nos agenciamentos díspares dos quais emergem resoluções
parciais capazes de por em questão modos de ser.
Outro fator que faz com que me aproxime do conceito de outrem é Deleuze ter
mencionado a íntima relação desse com o amor: Não há amor que não comece pela
revelação de um mundo possível como tal, enrolado em outrem que o exprime (Deleuze, 1988:
414). Assim como o desejo e o amor, tal como concebe Deleuze, não poderia ser
imaginado fora do campo que o possibilita, cria, dá sentido e efetua. A ele está ligada
toda uma história que coloca enquanto um campo de possibilidades que preexistem.
Campo de virtualidades e de potencialidades capazes de se atualizarem. O que não
descarta a chance de acontecimentos abrirem para novas possibilidades até então não
imaginadas. Mas aí teríamos que pensar em acontecimentos que decretam falência ao
Outrem em funcionamento, forçando para que crie novas percepções.
30
O amor parece estar relacionado com o abrir e fechar campos, de enxurradas
de possíveis, com os territórios e com a desterritorialização. Os encontros são
processos de mistura, devires. Um contágio de multiplicidades, que forma um campo
intensivo. Amores põem em relação heterogêneos, em um campo problemático,
paradoxal, que impõe resoluções mesmo que parciais.
E, nesse sentido, procuro pensar os encontros amorosos como um campo capaz
de colocar em jogo modos cristalizados de ser, provocando devires. Vive-se no
interstício, no espaço problemático, capaz de agenciar e criar novas possibilidades de
vida para o que não encontra paragem, mas provoca; e de convocar forças, em suas
velocidades e intensidades para perturbar toda a série de resoluções até então
experimentadas.
Em Deleuze (2003), vamos encontrar que toda individuação corresponde a
uma organização de uma solução, de uma “resolução” para um sistema objetivamente
problemático (Deleuze, 2003:122). Nos termos de Simondon (2003), ainda veremos que
a individuação não esgota de uma única vez toda a possibilidade de singularidades
que comporta o plano pré-individual, plano de forças e intensidades. Dessa forma, ele
vai nos dizer que o que a individuação faz aparecer não seria apenas o indivíduo,
mas o par indivíduo-meio, e que ela consistiria em uma resolução (que pode ser
desfeita dependendo das relações que estabelece), num sistema metaestável, na qual
participam potenciais numa relação de incompatibilidade em relação a si próprio,
31
incompatibilidade feita tanto de forças de tensão quanto de impossibilidade de uma interação
entre termos extremos das dimensões (Simondon, 2003: 101).
Nessa perspectiva, a ontogênese é pensada desde a lógica da metaestabilidade,
regulada pelo devir. Todo o vivo, toda forma constituinte, põe uma resolução a partir
de um conjunto ilimitado de forças em tensão e que prospera em contínuos
desdobramentos no tempo.
Em Diferença e Repetição, Deleuze afirma que os problemas não estão
prontos, assim como também não acabam nas soluções que disparam. São da
ordem dos acontecimentos, já que as próprias condições dos problemas implicam
acontecimentos. Há toda uma virtualidade que constitui os seres, sua probletica,
o nó de tensões, de coerções e de projetos que o animam, as questões que o movem, e
que são uma parte essencial de sua determinação. Um acontecimento reorganiza uma
problemática anterior e abre para novos problemas, sempre em devires (Lévy, 1996:
16).
Há maneiras de apreender o ser, de apreender a vida. Parmênides, Platão,
Aristóteles, entre outros, tinham uma forma própria de dizer do mundo. Uma forma
fixa de ver as coisas. O ser é, seja por modelos, seja por finalidades. Mas há uma
forma que acompanha o movimento, é uma forma em transformação. É um ser em
acontecimento, um ser em devir, um ser em ato se modificando, um ser em verbo.
32
Porque os corpos não são, eles estão. Os corpos se interpenetram. As misturas que se
efetuam causam modificações no corpo. Tudo que existe são acidentes e conjunturas.
Pode-se dizer que dessas misturas algumas seriam boas outras más, isso
depende da composição que constroem. Umas fortalecem o corpo outras
enfraquecem-no. Mas, do acontecimento, não se poderá dizer se é bom ou mau, nem
se é verdadeiro ou falso – o acontecimento é impassível e neutro, ele simplesmente
emerge.
O problema diz de um campo virtual em vias de atualização. A palavra
virtual vem de do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência
(Lévy, 1996: 15). Interessa aqui entender que o virtual não está constituído, mas dele
emana um processo de resolução: a atualização. O virtual é o nó de tendências ou de
forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer
(Lévy, 1996: 16). Enquanto que a atualização seria a resolução desse campo
temporariamente. A atualização é criação de uma forma a partir de uma
configuração dinâmica de forças e de finalidades.
Acontece algo mais que a dotação de realidade a um possível ou que uma
escolha entre um conjunto predeterminado: uma produção de qualidades novas,
uma transformação das idéias, devir que alimenta de volta o virtual. O atual
responde ao virtual (Lévy, 1996: 17).
33
Só se barra um problema quando se está comprometido com alguma moral
que acaba impedindo esse encontro. Senão o que ocorre é uma involução, uma
afirmação do acontecimento, uma conexão ou uma composição. E, nesse sentido,
não há o que temer. Temer a um acontecimento é tomá-lo de acordo com um
território, codificado. Para esse território, esse acontecimento poderia significar a
liberdade dessa terra, a sua desterritorialização.
Ao tomarmos as transformações no campo amoroso no que concerne ao desejo,
à subjetividade, ao prazer, vemos que configurações se estabelecem e produzem
modos de perceber e agir no mundo. Mesmo hoje, o amor encontra todo um campo
de virtualidade do mundo grego que o coloca diante de problemáticas com a política,
com o corpo, com a submissão, com a boa amizade; encontra a Corte e uma nova
direção para os afetos, quando a mulher ganha lugar nas relações amorosas que não
se estabelecem mais apenas entre homens, e onde a impossibilidade de realização do
desejo faz dele maior e ainda mais valorizado; encontra o romantismo e suas taras
por intimidade, introspectivismo e sentimentalismo. E, mesmo assumindo gravidades
políticas, com suas finalidades, condutos e canais que irrigam práticas, o amor não
deixa de ser atravessado por forças do fora. Multiplicidades, que alteram
silenciosamente cada configuração, convocando a novos arranjos e criações de
possíveis. Sendo assim, o Outrem amoroso contemporâneo comportaria tanto os
possíveis já inventados e experimentados ao longo da sua história, em regimes
34
afetivos específicos, quanto os possíveis que pedem passagem num mundo que não é
mais o mesmo e por isso já não vibra, como antes, nas resoluções propostas.
A questão é pensar a tensão que o sujeito se encontra ao colocar-se
amorosamente nesse mundo, pois precisa dar conta de uma educação e da falência
dessa. Pensar nesse campo problemático, paradoxal, no qual novas intensidades
colocam uma série de resoluções em perigo ao pedirem passagem, ao forçarem o
sujeito à criação de novos modos existenciais no amor.
Pois aprender evolui inteiramente na compreensão dos
problemas enquanto tais, na apreensão e condensação das
singularidades, na composição dos corpos e acontecimentos
ideais. Aprender a nadar, aprender uma língua estrangeira,
significa compor os pontos singulares de seu corpo ou de sua
própria língua com os de uma outra figura, de um outro
elemento que nos desmembra, que nos leva a penetrar num
mundo de problemas até então desconhecidos, inauditos. E a
que estaríamos destinados senão a problemas que existem até
mesmo à transformação de nosso corpo e de nossa língua
(Deleuze, 1988: 310).
35
UMA GAROTA E SEUS INTOLERÁVEIS
Ainda querendo pensar a questão da paisagem, pergunto: Poderíamos dizer de
uma potência inventiva, uma criação de si na tentativa de criar possíveis para esse
mundo? Ou andamos longe da invenção, colocando-nos como numa sobre-vida, uma
vontade de nada diante da proliferação de clichês, de caminhos já experimentados,
que tomam conta do campo amoroso?
36
Chegou o dia em que se viu em casa sozinha num final de semana.
Procurou ligar para o namorado, mas onde ele estava o celular não
pegava. Mesmo com dois DVD´S, voltou a pensar em algo pra comer.
Quem sabe chamar uma amiga? Mas não, ajeitou a saia no espelho,
olhou a barriga. Mais um copo de suco de limão, nos braços algumas
apostilas moles de calor. O telefone em punho a atrapalha na hora de
encher o copo. Ao passar pela sala, devolve alguns papéis à prateleira,
copos à pia, procura organizar o silêncio. Na verdade, há uma música
tocando em um dos apartamentos. Deixa o cigarro queimando e vai
tomar outro banho. Parece que o desafio é fazer algo com aquele dia.
Procura uma música, coloca roupa de ginástica e deita na cama. Dormir
nunca foi uma tarefa difícil. Televisão ligada, ela quer o nada, mas isso
quase lhe tira a vida. Ou a forma que sabia vivê-la. Não é bem um
sofrimento, só não consegue nenhum acoplamento, nada que a coloque
de outra forma naquele espaço. Todas as possibilidades são
percorridas, mexe em armários e começa pequenas faxinas. A questão
é exatamente não ter nenhuma idéia fixa. Nada colocando seu desejo.
Quem sabe se ela começasse a pensar que seu namorado está traindo-
a, mas isso ela já fez da outra vez que se sentiu assim. E sair também
não foi a melhor opção, já ligou chorando pra sua mãe falando de uma
insatisfação qualquer. Mas hoje estava especialmente convencida de
que não sabia viver.
37
Até então, suas respostas tinham o efeito que esperava naquele cotidiano. Algo
acontece com o mundo e com ela, algo torna sem efeito seus modos e ritmos.
Fazendo-na acelerar, fazer círculos, cair na cama. Não pára de propor. Mundo e
garota se estranham. Ninguém por perto para suavizar. A solidão tem dessas coisas,
pode nos colocar de cara com as fissuras.
Mesmo Robinson desespera-se ao ver que seu Outrem não faz mais sentido
naquela ilha, onde seus hábitos, modos, parecem não afetar o real, mas mesmo assim
mantém-se tentando imprimir, naquele território, sua marca. Ainda se está muito
arraigado em seu mundo de possíveis, em que sua estrutura Outrem ainda sobrevive
e funciona. Corroendo-se e ressentindo-se com as tentativas frustradas. Robinson
sente-se rejeitado, mas não é ele que é rejeitado, é seu mundo inteiro que não
consegue a resposta esperada daquele encontro.
Diante desse impasse, muitas vezes, o que se vê é a recusa que se configura
como vitimização ou mesmo como banalização. Aos sujeitos, adere-se a figura do
excluído, rejeitado, ressentido, porque o mundo os decepciona, os inquieta,
provocando novas resoluções. Tudo, a primeira vista lhes parece injusto, perigoso,
incerto.
Quantas dificuldades foram necessárias para se chegar até aí,
quantas aventuras romanescas. Pois a primeira reação de
Robinson foi o desespero. Ele exprime exatamente este
38
momento da neurose em que a estrutura Outrem funciona
ainda, embora não haja mais ninguém para preenchê-la, efetuá-
la (Deleuze, 1998: 323).
Sua solidão nesse mundo sem outrem ainda não transformou sua forma de ser,
o modo como percebe a si e as coisas. Sua aventura vai ser a de perceber-se como um
campo de intensidades que não mais rejeita e se impõe ao campo da ilha, mas
experimenta-se com ela, faz dessa atmosfera uma zona inventiva de si.
39
A solidão já se tornava menos insuportável. E nesse instante, quando
ficar só naquele espaço de tempo já não a atormentava
antecipadamente, começou a sentir-se bem pra sair de casa. Não
resolvera sua primeira questão, a de aprender a viver o intolerável,
mas especialmente naquele dia saiu porque não esperava encontrá-lo.
Terminaram há algumas semanas. Não que estivessem prontos, apenas
não agüentavam a falta de apetite em que se transformaram. E isso
depois de terem tentado de tudo, filmes, comidas, sair com amigos.
Perguntaram sobre tudo, vasculharam um ao outro, inventaram
personagens, criaram desejos secretos, esforçando-se por encontrar
a fagulha que já não eram. No começo, riam das mentiras que
contavam ao desejo. Mas a alegria foi sendo substituída por um riso
desconcertante e depois pela evitação. Estavam cansados. Sentiram-
se tão esvaziados que passaram a se ver cada vez menos. Como quando
alguém está morrendo, no começo todos acham que irão salvá-lo, mas
depois, vão se afastando e deixando que algo dê cabo daquilo que só
trazia a impossibilidade de fazer algo. Mas sim, ainda se amam.
40
Quando tudo que aprendemos perde seu poder de efeito, estranha-se o que se
tem, suspeita-se dessa assustadora derrocada de clichês. Não somos mais nós mesmos,
nessas condições, e é penoso não ser mais você mesmo, ainda mais penoso do que sê-lo, apesar
do que dizem. Pois quando somos, sabemos o que temos que fazer para sê-lo menos, ao passo
que quando não o somos mais somos qualquer um, não há mais como nos apagar (Beckett,
2004: s/p).
Em A Paixão segundo GH, a protagonista vive inquietações dessa ordem, na
qual se passa por uma metamorfose, mas que a partir de então se vive uma tentativa
de dar sentido ao que se passou. A falência de um sistema que dá ao eu a sensação de
uma consistência, de um contorno familiar que organizava a vida e um modo de
vivê-la. E, enquanto não se habita o que acontece, não ocorre a transformação
necessária para a invenção de novos planos.
Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi
minha formação humana. Não sei se terei uma outra para
substituir a perdida. Sei que precisarei tomar cuidado para não
usar sub-repticiamente uma nova terceira perna que em mim
renasce fácil como capim, e a essa perna protetora chamar de
“uma verdade” (Lispector, 1979: 10).
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei
depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de
novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma
idéia de pessoa e nela me engastar: Nessa pessoa organizada eu
me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de
construção que era viver. A idéia que eu fazia de pessoa vinha
de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão.
Mas e agora? (Lispector, 1979: 8).
41
Um dos movimentos possíveis que a ilha “sem Outrem” oferece é a
possibilidade de transpor com alguns valores que se trazia da formação. Compor,
nesse encontro, transformando o que parecia assustador pela impossibilidade de
reconhecimento. Mesmo que num primeiro momento a tendência pareça ser de impor
a esse mundo um jeito, um hábito.
Robinson, na ilha, conquista uma nova sexualidade, uma sexualidade
desértica. Sua desumanização faz com que sua sexualidade difira completamente e
divergentemente do mundo antes da ilha. Descobre energias que seu campo
perceptivo, outrem, não permitiam a passagem. Somente a ilha e as metamorfoses de
Robinson possibilitaram que ele não se assustasse, pois aos poucos ele percebe que o
que perturbava o mundo era o outrem.
outrem é quem aprisionava os elementos no limite dos corpos
e, mais ao longe, nos limites da terra. Pois a terra nada mais é
do que ao grande corpo que retém os elementos. A terra não é
terra a não ser povoada de outrem. Outrem é quem fabrica os
corpos com elementos, objetos com corpos, assim como fabrica
seu próprio semblante com os mundos que exprime (Deleuze,
1998: 321-322).
No percurso da aprendizagem, dessa transmutação necessária, há ainda um
outro movimento resultante desse encontro com a “ilha”. Neste caso, temos os que
ora sentem que estão rígidos demais, ora jogam-se para os encontros com voracidade,
urgência e imprudência. Esses sofrem com o retorno, porque não se reconhecem
42
naquela figura outrora “sua” e nem no jorro que enfrentam quando procuram
descolar-se de si, a velocidade acaba despersonalizando também, já que se vive a
experiência, o encontro com o fora.
Uma nova relação com o que não se explica, com os códigos que se têm (mas
afeta mesmo assim e não apenas paralisando, mas também pela possibilidade de
transformação que possibilita) requer que se invente um agenciamento capaz de
atualizar as novas possibilidades de vida, ao invés de sufocá-las sobre o Outrem que
se fazia. Uma rede que acolha sem se fechar em si mesmo, que concentre sem
absolutismos e dicotomias, que consagre na experimentação e não na transcendência.
O que não tem, em absoluto, nada a ver com uma tomada de consciência, mas antes
com uma eclosão de novas sensibilidades. São novas relações com o corpo, com a
sexualidade, com o desejo, com o outro, com o trabalho. A questão não seria mais
preencher o espaço-tempo como antes se buscava, mas de operar em num espaço e
num tempo intensivos, não previamente projetados.
tudo é possível, mas nada ainda está dado, segundo a nova
definição de possível, já que ele precisa ser criado: o possível é
o que devém, e a potência ou potencialidade merece o nome de
possível na medida em que abre o campo de criação (a partir
daí tudo está por se fazer) (Zourabichbili, 2000: 343).
É neste momento que a estrutura Outrem de Robinson começa a se esboroar.
Libertando-se do chiqueiro, Robinson procura um substituto de outrem, capaz de manter,
43
apesar de tudo, o hábito que outrem dava às coisas: a ordem, o trabalho (Deleuze, 1998: 323).
44
Haviam criado um território que quase existia por si mesmo, insistia,
mesmo sem estarem juntos. E era o mais difícil de romper. A memória
recolocava cada agenciamento de outra forma, diferente do que
realmente estava acontecendo naqueles últimos meses. Afinal, ele nem
ia mais esperá-la depois dos treinos, nem a apanhava aos sábados à
noite pra saírem depois do trabalho. Já haviam mexido em tudo que
lhes parecia adoecido e sem valor. Mas bastava acabar o treino que
seu olhar continuava voltando-se para terceira fila da arquibancada.
Colocaram-se um na história do outro até aderirem ao cenário. Sem
falar nos contextos que só começaram a existir a partir daquele
encontro. Agora, ela queria limpar todos esses vincos, esses vícios que
havia ficado, para poder aceitar que a arquibancada não é a única
direção naquele estádio.
Naquele sábado, alguém a esperava pra sair. E por falta de opção,
propôs um dos lugares que costumavam ir. Ainda buscava a
familiaridade. Mas precisou de vários copos de vinho pra manter-se
ali. Sentia que ainda não estava solta. Ele se aproximou e ela quis
trocar de cadeira. Queria achar um jeito de ir embora sem magoar o
rapaz. E foi exatamente quando ele pagava a conta que ela viu uma de
suas tatuagens apontando para fora da camiseta na parte posterior
do braço...
“Puxei conversa dizendo que adorava tatuagens. Ele mostrou várias.
Passei as pontas dos dedos. Deve ter começado com isso... Subimos
umas escadas. Eu ria alto, enquanto tirava os sapatos. Ele só por
gentileza. Percebi seu olhar reto. Ele trouxe uma certa medida. Um
outro tom. Ele não tava muito a fim de filme. Isso deu a ele um certo
charme. Mas o que eu poderia oferecer senão um mundo métrico? Já
fazia uns cinco anos que seguia quase sempre os mesmos passos. Acho
que se divertiu, ou será que achou patético? Afinal, pensei, pensei
diversas vezes, tentando me fazer instintiva, desejável, com um ar
inconseqüente. Eu devo ter sido patética mesmo, não há nada de
selvagem em mim há muito tempo. Ai meu deus, to enjoada”.
45
Eles continuam se encontrando. Ele a pega, jantam e vão pro motel. Ela ainda
não sabe nada sobre aquela tinta toda, ainda está curiosa, mas nem tenta. Não
combinam, não dizem nada, apenas gemem e se estranham toda vez que se
encontram. Ela tem seus receios, mas não quer arriscar. Às vezes, promete a si mesma
que não irá atender seu chamado, que não irá ligar, que vão conversar que irão
estabelecer alguns acordos, mas nada disso acontece. Aquele encontro não pede nada
a não ser a febre e o presente.
Um hábito e um território a chamam. Lá, ela acha que saberia como se
comportar, o que sentir, por mais que o mesmo hábito e território tenham rachado e
feito com que ela partisse. Gostaria de poder, de súbito, livrar-se da consciência que a
sanciona, avaliando seus encontros, enchendo-a de dúvidas. Está no entre movesse
com tanta intensidade que o mundo parece imóvel, procura compor uma zona mais
habitável para poder viver seu desejo.
Sentia-se uma farsante quando lembrava dele em uma sala de cinema
qualquer. Quando sentia vontade de vê-lo entre seus amigos. Nesses momentos,
sentia-se abandonada novamente. E voltava a arbitrar sobre o que era ou não
permitido fazer e sentir. De alguma forma queria poder mantê-lo fora de tudo que já
existia antes. Levá-lo para além daqueles encontros, perturbava-a. Pensava que ou era
casual o que tinham ou não era. E se não era precisariam conversar.
46
Acontece que ela não sabe viver esse entre. Precisa colocar pontos e
amarrações sobre os afetos que circulam. Para ela este é só um estágio que irá se
desdobrar para o esquecimento ou para o apego. Continuar nesse meio é
insuportável. Precisa definições que a façam saber como agir. Essas prerrogativas são
sociais, são modelos de comportamentos que a levam a viver de uma determinada
forma de acordo com convenções e padrões. Viver a instabilidade, o quase, é
praticamente não viver para ela. Seria preciso uma desconstrução de si e de tudo que
sabe e crê.
Enquanto cria-se uma zona de indiscernibilidade, o acontecimento pede
passagem para a criação de novos sentidos para o intolerável, esse novo sentido exige
uma transformação, uma morada, que acolha essa mutação. Criar o possível é o único
modo de fazer com que um agenciamento coletivo e inédito possa atualizar essas
novas intensidades.
Tudo perdeu sentido, tudo se torna simulacro e vestígio,
mesmo o objeto do trabalho, mesmo o ser amado, mesmo o
mundo em si e o eu no mundo... A menos, contudo, que haja
uma salvação de Robinson. A menos que Robinson invente
uma nova dimensão ou um terceiro sentido para a expressão
“perda de outrem” (Deleuze, 1998: 324).
Não é a razão de Robinson que diz a ele que é melhor mudar, ele simplesmente
não tem escolha, por isso também sua metamorfose é feliz. Ele conquista uma relação
47
com a ilha que só foi possível, pois também tinha uma aprendizagem de si mesmo,
ele pôde selecionar as coisas e as idéias que lhe faziam potente.
Talvez nossa personagem não esteja completando seu movimento, porque,
nesse mundo, ela encontre outros substitutos para outrem que não a potencializam,
podendo até fazê-la retornar para a antiga forma, tornando-na ainda mais viscosa.
São encontros que não transformam suas lógicas e, dessa forma, continuam as antigas
codificações.
Tem-se sempre quem ofereça conselhos e palpites sobre os modos como
proceder amorosamente nesse mundo. Talvez a solidão de Robinson e sua amizade
com Sexta-feira tenham sido cruciais para que ele criasse para si uma outra relação
com a liberdade que o fizesse ficar de pé em relação aos elementos da ilha.
Como prosseguir a viagem nessa desconstrução de si? Que dispositivos
invocar para a produção de zonas menos saturadas ou assustadoras? Já que ela lida,
ao mesmo tempo, com a falência de clichês e com a possibilidade de se fazer na
liberdade.
Não existe amor que não seja um exercício de
despersonalização sobre um corpo sem órgãos a ser formado; e
é no ponto mais elevado desta despersonalização que alguém
pode ser nomeado, recebe seu nome ou seu prenome, adquire a
discernibilidade mais intensa na apreensão instantânea dos
48
múltiplos que lhe pertencem e aos quais ele pertence (Deleuze e
Guattari; 1995: 49).
49
COMO CRIAR CONDIÇÕES PARA A NOVA PAISAGEM?
Exercer a liberdade trata-se de saber acolher e produzir a multiplicidade.
Escolher os possíveis que potencializam a vida, é o que se espera da liberdade. Um
modo de criar a si e o mundo a partir do caos. Paramos a viagem de nossa
personagem exatamente quando ela arriscava-se nos encontros, sem ainda estar
aderida a qualquer figura, e ao mesmo tempo, sem voltar aos antigos padrões. Ela
ainda hesitava. O que seria importante nesse momento da sua aventura?
Para Deleuze, a única forma de criarmos seria esgotando o possível. Afinal, a
própria “criatividade” já se tornou um clichê, quase uma necessidade, que precisa
deixar de ser uma palavra de ordem e ser uma verdadeira forma de se colocar no
impensável. O que não corresponde a um esvaziamento do plano intensivo, mas
50
antes construção de um Corpo sem Órgãos. Esse sim, capaz de abrir passagem para
novas intensidades.
Estratos são organizações específicas, que dizem de uma tomada do corpo sem
órgão. Estas organizações podem estar impedindo a passagem dos afectos, sempre os
codificando de uma mesma forma. Voltar ao corpo sem órgãos é abrir brechas,
investindo no entre, nas formas de agenciar a vida, o desejo, para a composição de
novas paisagens.
Para que as intensidades possam passar, possam criar agenciamentos, seria
interessante se instalar sobre um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece,
buscar aí um lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga
possíveis, vivenciá-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmento por
segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra
(Deleuze e Guattari,1996: 24).
E, assim, a relação com a paisagem não seria descomprometida, mas implicada
com a liberação na sua desterritorialização para, a partir dela, construir outra
paisagem. Diferentemente de pensar em uma quebra total com todos os estratos - que
seria o mesmo que a morte, o buraco negro, uma desestruturação que não permite
nada.
51
A subjetividade coloca-se então neste interstício entre um campo saturado e a
caoticidade. E agora o que interessa é não estar sob um tribunal onde se denunciam
os desejos, mas, no desejo, distinguir o que remete à proliferação de estratos, ou bem à
desestruturação demasiada violenta, e o que remete à construção do plano de consistência
(vigiar inclusive em nós mesmos o fascista, e também o suicida e o demente) (Deleuze e
Guattari, 1996: 29).
Deleuze (1998) diz que Lewis Carroll inventa jogos que não compactuam com
as regras dos jogos por nós conhecidos. Estes jogos têm em comum o seguinte: são muito
movimentados, parecem não ter nenhuma regra precisa e não comportar nem vencedor nem
vencido (Deleuze, 1998: 61). Normalmente, o que se têm são jogos que admitem uma
série de regras pré-estabelecidas, que determinam o que é ganhar ou perder e estão
atreladas a algumas determinações fixas.
Esses jogos não são feitos para os objetivos desse mundo, ninguém se divertiria
num jogo tão inocente, sem responsabilidade, sem vencedor e vencido. Mas a idéia
parece ser inspiradora, tratando-se da construção de uma paisagem amorosa que leve
em conta alegria e movimento. Jogo que se refere, apenas, a ele próprio, a sua
manutenção e ritmo.
Com essa idéia de jogo ideal, propor uma estética para a criação de si e de
mundo. De modo algum pessoal, mas numa composição com o Outrem. Ser e amar,
52
no contemporâneo, com a mesma proposta estética: a de afirmar os acontecimentos e,
a partir de suas novas sensibilidades, propor a si mesmo uma nova existência.
Afirmando o devir e o e ser do devir.
Superação das identificações, pensando em algo a ser vivido quase sem sujeito,
sem objeto, sem fantasmas. “Numa palavra, o deserto...” (Dumoul, 2005: 225). O
deserto deixa tudo por fazer, não há nele lugares prontos pra ocupar. Tudo é
provisório, já que suas areias arrastam com seu movimento incessante o que tenta se
instalar em seu plano. Atento às forças, o nômade se territorializa nesse plano caótico.
Mas precisa criar condições para isso. O desejo cria o deserto em cada um, no mais
corriqueiro dia-a-dia, segundo as ocasiões mais banais da vida. (...) Trata-se agora de inventar
outros caminhos, outras alegrias, outros desastres (Dumoulié, 2005: 299).
Nós somos desertos, mas povoados de tribos, a dispô-las de
outro modo, a eliminar algumas delas, a fazer prosperar outras.
E todos esses povoados, todas essas multidões não impedem o
deserto, que é nossa própria ascese; ao contrário, elas o
habitam, passam por ele. (...) o deserto, a experimentação sobre
si mesmo é nossa única identidade, nossa única chance para
todas as combinações que nos habitam (...) (Deleuze e Parnet,
1998: 19).
Trata-se de tornar-se sóbrio, simples e cada vez mais povoado pela matilha,
pelo bando, voltar à superfície. Libertar os elementos que ficavam sem lugar no
mundo, aprisionados pela tradição, e que são invocados agora em toda sua
multiplicidade para dar conta de um mundo que se tornou outro.
53
Para tanto, talvez seja exigida uma aprendizagem que leve a uma certa
desatenção, distração de si e dos hábitos que formaram esse si. Para que se possa
habitar essa cidade estrangeira, que chamamos amor no contemporâneo, contamos
com a destituição de um eu, de modos subjetivos, exigências e práticas. Desfazer do
amor conjugal. Extrair do amor toda posse, toda a identificação, para nos tornarmos capazes
de amar (Deleuze e Parnet, 1998: 67). Uma aprendizagem que levaria a morte de
sujeito e de uma maneira de viver. Em jogo: o plano de imanência, a construção de
um homem livre, capaz de fugir da peste, organizar os encontros, aumentar a potência de
agir, afetar-se de alegria, multiplicar os afetos que exprimem ou envolvem um máximo de
afirmação (Deleuze e Parnet, 1998: 75). E a criação de um plano de consistência no
lugar das estruturas apriorísticas. Plano que diz de uma multiplicidade, de uma
pluralidade de sentidos, de velocidades, que atravessam os corpos e reconquistam o
acontecimento.
Não é sem energia que se faz isso, nem sem uma boa avaliação do que se
deseja e suporta em cada movimento. Ninguém sabe antecipadamente os afetos de que é
capaz; é uma longa história de experimentação, uma demorada prudência. (...) não sabeis do
que sois capazes, no bom como no mau, não sabeis antecipadamente o que pode um corpo ou
uma alma, num encontro, num agenciamento, numa combinação (Deleuze, 2002: 130).
No encontro com o devir, a consistência faz o contraponto necessário para nos
tornarmos acontecimento. Se não entramos em devir, se não acontecemos, se não
54
experimentamos, jamais vamos conquistar a consistência, porque a consistência
precisa ser produzida. Experimentar no sentido de estar na relação intensivamente, e
não na forma do consumo.
Para a consistência ser produzida, entra em cena a idéia de imanência. Porque
ela devolve ao fluxo sua potência engendradora e caótica. Na imanência, acabamos
com o que dirige os encontros previamente, com o que separa a vida do que ela pode.
Afirmando a potência do que não fixa para, com isso, ser capaz de amar o que se
passa entre os corpos, e não qualquer idéia que possa ser amar, porque nesses
encontros há muita dissolução, mas há também a criação de novas paisagens.
Tornar-se imperceptível, ter desfeito o amor para se tornar
capaz de amar. Ter desfeito o seu próprio eu para estar enfim
sozinho, e encontrar o verdadeiro duplo no outro extremo da
linha. Passageiro clandestino de uma viagem imóvel (Deleuze e
Guattari, 1996: 70.).
Proposta essa que não despreza o que funciona ainda no contemporâneo como
clichês amorosos, que codificam os afectos e toda a multiplicidade com sentimentos
prontos, novamente sob os ditos do “ou”. Mas que aposta que, de alguma forma, há
mais incômodo a ser nomeado que a capacidade de formatá-lo é capaz de dar conta. E
que, entre as construções, há brechas, imperceptíveis, que a racham por dentro. Isso
porque, tomamos o amor como acontecimento, envolvendo-o nas virtualidades, em
55
um tempo que não é cronológico, mas que diz de efeitos incorporais, garantindo que
haja sempre a possibilidade de transformações nos estratos.
Uma vaga para o amor seria a possibilidade de pensar na positividade dos vãos,
apontando para sua relação com as construções, que não estão prontos de antemão;
precisando ser criados. As fissuras mostram o caminho por onde se deve apostar na
rachadura daquele espaço. A vaga nos mostra que uma organização não captura todo
o espaço e, desse modo, suas pontas podem conduzir a desterritorializações.
Não se entende que seja algo de uma escolha de um eu anterior que diz sobre
as transformações que se pretende, mas de um processo que se desencadeia no
cotidiano, em que se tem toda uma torção das forças fazendo-nas cumprir roteiros
amorosos. Com suas lutas identitárias, lutas fragmentárias, lutas parasitárias, lutas de
gênero, lutas esvaziadas. Já que, ao colocar-se em processo, lutas, misturas,
movimentos, está-se também abrindo passagem para componentes indomáveis, a
uma exterioridade que é puro movimento.
Para alguns, o amor é a fixação do desejo em uma imagem, um clichê, que lhe
põe um limite e que em primeiro lugar estaria ligado ao apego edipiano. Sendo
transferência, o amor seria retrógrado (resgate do protótipo parental); deslocado
(visando apenas de maneira indireta a pessoa amada); fixo (repetindo clics, sempre
na mesma direção, mesmas situações, mesmo modelo de pessoa) e imaginário.
56
Enquanto que o desejo seria um impulso, um apetite anterior ao aparecimento do
objeto. (Dumoulié, 2005: 208)
Este talvez seja o solo com que tenhamos que lidar. Mas a proposta é
desmontá-lo por um amor que não está a procura de, mas com. Não sendo formado
apenas por linha de segmentaridade, capaz de triunfar a partir de um princípio de
permanência, de finalidade, de identidade, ou seja, todo um jogo de territórios bem
determinados, planejados (Deleuze e Guattari, 1996: 67), mas de linhas que arruínam
esses solos.
Mesmo quando figuras como as de casal eterno, mãe, pai, homem, mulher,
heterossexual, homossexual, esfarelam, os sujeitos podem imaginar que tudo não
passa de achar a pessoa certa pra enfim vivê-las. Sempre jogando esse estranhamento
para o plano individual, sem entender o tempo de vida desses estereótipos.
A conjugalidade é apenas uma experiência afetiva possível que pode
acompanhar tantas outras a serem criadas. Sempre procurando pensar a experiência
amorosa ampliando as suas possibilidades de desdobramentos subjetivos; o amor
como acontecimento marcado pela produção de novos outrem e devires.
Ora o nome próprio não designa um indivíduo: ao contrário,
quando o indivíduo se abre às multiplicidades que o atravessa
de lado a lado, ao fim do mais severo exercício de
despersonalização, é que ele adquire seu verdadeiro nome
57
próprio. O nome próprio é a apreensão instantânea de uma
multiplicidade. O nome próprio é o sujeito de um puro
infinitivo compreendido como tal num campo de intensidade
(Deleuze; 1995: 51).
Porque pintamos o mundo sobre nós e não a nós sobre o mundo (Deleuze e Guattari,
1996: 70). De forma a usar as forças do mundo em nós e não de maneira a trabalhar
pra persistirem, no mundo e em nós, forças que já não permitem o devir.
Assim, nesta paisagem em vaga a possibilidade de uma vaga para o amor.
Amor desviante, depravado e vagabundo. Nele não há organismo que não esteja em
desarticulação consigo, nem nada que não seja experimentação. E, finalmente, a
subjetividade nômade, sem lugar fixo, dessubjetivada, sempre recriando-se.
Meus territórios estão fora de alcance, e não porque sejam
imaginários; ao contrário, porque eu os estou traçando.
Terminadas as grandes ou as pequenas guerras. Terminadas as
viagens, sempre a reboque de algo. Não tenho mais qualquer
segredo por ter perdido o rosto, forma e matéria. Não sou mais
do que uma linha. Tornei-me capaz de amar, não de um amor
universal abstrato, mas aquele que escolherei, e que me
escolherá, às cegas, meu duplo, que não tem mais eu do que eu.
Salvamo-nos por amor e para o amor, abandonando o amor e o
eu (Deleuze e Guattari, 1996: 72-73.).
58
CONSIDERAÇÕES
Começo esse trabalho preocupada com a possibilidade de pensar o amor no
contemporâneo para além das críticas e exaltações. Mesmo sabendo que as primeiras
são mais comuns, pois se referem, principalmente, ao egoísmo, a falta de vínculo, à
fragilidade dos laços
5
.
Preocupação que me levou a perguntar se não poderíamos pensar na criação de si nos
encontros amorosos no contemporâneo. Levando em conta a problemática dessa
época, que seria lidar com o caos, fugidio, com o paradoxo.
5
Bauman (2004), autor da expressão amores líquidos, diz que vivemos um momento em que os
envolvimentos e os cuidados são poucos, que todos estariam submersos em seus mundos privados,
sendo que na era da Internet nada mais cômodo do que esses vínculos fugazes com a facilidade de
uma tecla delete para por fim ao que já não entusiasma.
59
Essa argumentação colocou a subjetividade num entre. Um tanto depressivo e
apático, o sujeito tomou sua vida, mas continua sem saber o que fazer com ela. Ao
colocar-se em suas experiências amorosas, procura a felicidade, mas acaba
encontrando pelo caminho enlatados que impedem a sua metamorfose. Clichês e
condutas que trazem-no a solos estéreis, sem efeitos na composição de forças com o
caos.
Acompanhando o movimento de uma menina e sua luta com sua estrutura outrem,
com a sua maneira de se colocar em cena, vejo a dificuldade de criar a si e a um
agenciamento capaz de deixar passar o intolerável.
E então, pergunto: como seria ultrapassar essa paisagem cristalizada, de que maneira
pode-se abrir passagem a novas sensibilidades na criação de possíveis? Como afirmar
o caos, a instabilidade, o devir que o contemporâneo também propõe? Que estética
seria interessante nesse processo de construção de si no amor?
Para isso, retorno às vagas, inspiradoras, e que sugerem a desterritorialização em
estratos. Não prevendo nada para além do que há nesse mundo, afirmando sua
composição para fazê-lo vagar. Dizendo que construir uma nova forma de viver os
encontros obedece a uma prudência e a uma aprendizagem, a uma alegria e a um
esgotamento, a um deserto povoado de multiplicidades. Seja no amor, seja no
pensamento, seja na vida, a questão seria abrir-se sem se deixar arrastar; firmar-se
60
para nomadizar; desacelerar para intensificar e potencializar. Atentos ao que nos
torna mais exuberantes e alegres e ao que nos enfraquece numa incessante e
permanente construção de si.
61
APÊNDICE:
AMOR EM GRAVIDADE
Sempre agenciado em um social específico, o amor pode ser chamado de
cavalheiresco, cortês, romântico, podendo ser entre mestre e aluno, na Grécia; entre
jovem e dama, na Corte; entre cônjuges, no Romantismo. Em cada época, configura-se
uma paisagem, um recorte, uma problemática, um cenário associado a um
agenciamento amoroso. E, nesse sentido, não são apenas os interlocutores que
mudam, mas toda uma política de afectos, que implica desterritorialização,
reterritorialização e territorialização do desejo.
Nesse espaço, traço a história dos comportamentos e costumes, propondo
apresentar as diferenças no modo de proceder do sujeito diante do desejo, de si
mesmo e do mundo no amor cortês e romântico. Em cada época, uma problemática,
62
uma subjetividade procurando dar conta de um acontecimento amoroso
6
.
Entendendo aqui o acontecimento como uma distribuição especial dos afetos, uma
nova circulação do intolerável.
Amor cortês: e a questão da entrega
Uma nova política do desejo se estabelece na Corte com o que passou a ser
chamado amor delicado ou cortês. A vida na corte exigia dos nobres rurais, para que
esses se transformassem em cortesãos, um maior autocontrole dos seus desejos. A
necessidade de permanecerem próximos do rei levou-os a não manifestarem o que
sentiam e pensavam, contando com novas condutas que ajudavam na obtenção de
favores reais e na manutenção de uma posição diferenciada de prestígio em relação
aos outros.
Os códigos morais que envolviam o amor paixão, amor delicado ou cortês
estavam atrelados com os objetivos do reino. Visavam à regulação, a um processo de
civilização e à ordenação. Sob um aspecto, ele ajudava a “domesticar a juventude”
6
Quanto à formação de problemáticas, deve-se entender que - mesmo levando em conta o esforço em
destacar as especificidades de cada tempo - não há apenas uma problemática em funcionamento, mas
modos de operar que privilegiam uma questão, uma produção hegemônica, um modo de se conduzir
subjetivamente no amor.
63
pela medida, pela incitação da servidão, afinal, ganharia a dama aquele que a servisse
melhor. Nesse sentido, era solicitado ao cavalheiro que se submetesse, fosse fiel e
esquecesse de si. Desejar o bem do outro mais do que o seu próprio, era isso que o senhor
esperava de seu homem (Duby, 1989: 65).
Os códigos empregados no amor cortês dirigiam o desejo e tinham o propósito
de acabar com uma certa frustração existente naquela estrutura social em relação a
uma insatisfação presente nos casamentos e, sobretudo, a uma inquietante multidão
de homens turbulentos que os costumes familiares forçavam ao celibato. Isso porque,
nessa época, o casamento e o amor ainda não estavam destinados um ao outro.
Nos séculos X, XI e XII, tratando-se de patrimônio familiar, teremos um
modelo que privilegia a masculinidade e a primogenitura. Para evitar a fragmentação
da herança, na partilha, as filhas receberão apenas um dote, podendo ser dinheiro ou
móveis, o que as permitirá arranjar um marido; já os filhos mais jovens serão expulsos
das casas paternas, correndo atrás de prostitutas, sonhando com uma boa herdeira,
uma casa que os acolha.
Os acordos de casamento não levavam em conta os sentimentos dos noivos –
que geralmente só se conheciam na noite de núpcias –, uma criança jovem demais apenas
púbere, era entregue a um rapaz violento que ela jamais vira (Duby, 1989: 62). Tudo fazia
com que se estabelecesse, entre os cônjuges, não uma relação calorosa, comparável ao
que é para nós o amor conjugal, mas uma ligação fria de desigualdade.
64
Assim, se de um lado os casamentos eram contratos infelizes para os
primogênitos, de outro os jovens rapazes, destinados ao celibato por não terem
garantias econômicas, aumentavam a corrente dos não casados, que invejavam os que
tinham uma esposa. A frustração que traziam não era sexual, já que sexualmente os
rapazes poderiam encontrar formas de realização, mas traziam a vontade de se
apossar de uma companheira legítima, a fim de fundar sua própria casa e de se
estabelecer.
Nessa estrutura social, nota-se a importância dos códigos estabelecidos pelo
amor cortês. Uma resolução, um entretenimento, um jogo capaz de distrair e conduzir
o desejo naquela sociedade. Como um jogo educativo, o amor cortês envolvia um
homem efetivamente jovem, porque solteiro e ainda em formação, que assediava uma
dama (uma mulher casada) que deveria conduzir-se de forma a não ser tomada por
esse rapaz. De alguma forma, o desejo estava ligado ao perigo, já que tal sociedade
considerava o adultério da esposa como a pior das subversões e ameaçava com
castigos severos seu cúmplice. Quanto mais perigosa a relação, maior seria o desejo e
a luta contra suas investidas.
André Lázaro (1996) faz uma análise das forças que se atualizam em cada
época, chamando-as de eróticas. Ao pensar a erótica e seus momentos, ele desenvolve
o que seria o corpo amoroso, e a dinâmica dos valores em torno dos quais a prática amorosa se
orienta. A rigor, não podemos falar em uma evolução da erótica, mas em
65
transformações no modo de perceber o corpo em sua luta com o desejo. O autor traça
quatro procedimentos quanto ao reconhecimento do amor e a eleição dos modos
pelos quais, e em nome de que, este amor se realiza: a erótica do prazer; a erótica do
desejo; a erótica do sentimento e a erótica da intensidade
7
.
Durante o amor cortês teríamos a erótica do desejo. Nessa erótica, a atenção está
na intensidade do desejo e seu controle. Há uma crescente incorporação do amor no
quadro da vida social ao estimular o jogo que se desenrola em torno da excitação e
controle da satisfação. Um grande desejo significa um grande valor, pois o controle
do desejo é também uma luta pelo controle de si mesmo. Apesar destas lutas consigo
mesmo já acompanharem os cidadãos do mundo grego na erótica do prazer, na erótica
do desejo elas serão valorizadas. Se antes o modelo de cidadão estava calcado numa
certa naturalidade e soberania com que o indivíduo lidava com estas forças
perturbadoras de seu equilíbrio e de seu autocontrole, na erótica do desejo, observa-se
uma multiplicação das provas de amor, ou seja, o trabalho sobre si passa a ser
visualizado e adquire outro valor.
7
Cabe ressaltar que essas eróticas coexistem, não estão separadas, de forma que quando termina uma
começa a outra, mas de maneira que cada uma possua a primazia em um determinado momento
histórico. E, é claro que não estão esgotadas, podendo haver ainda outras não analisadas.
66
Amor romântico: e a questão do íntimo
Se na época medieval existia, em relação a si mesmo, um imperativo que
julgava o amor pela sua impossibilidade e pela contenção do desejo, com as
mudanças ocorridas na sociedade a partir do século XVIII, novos valores entram em
cena e com eles um novo modo de se conduzir no amor.
O romantismo amoroso é uma invenção cultural européia que recebeu sua
mais refinada expressão no pensamento de Rousseau e, depois dele, no romantismo
filosófico e literário da Alemanha, Inglaterra e França. A emoção amorosa
característica do romantismo foi lentamente fabricada por experiências culturais
heterogêneas, das quais as mais importantes foram: as práticas de vida monástica e a
linguagem da mística cristã; as práticas de vida das Sociedades Cavaleirescas e a
linguagem do Amor Cortês; a filosofia materialista, que sustentava as teorias políticas
dos séculos XVII e XVIII; as práticas de contenção e interiorização sentimental das
Sociedades de Corte do Antigo Regime e, por fim, as teses do Romantismo filosófico,
literário e artístico do século XX. (Costa, 1998)
O romantismo amoroso convinha, basicamente, por três motivos: 1) por
favorecer a formação da família nuclear e suas conseqüências sócio-afetivas como o
67
cuidado das crianças, a conversão das mulheres em mães, a conversão dos homens
em pais, com o casamento por amor; 2) por incentivar o aprendizado da autonomia e
da independência burguesa e utilitarista, diante dos interesses grupais das linhagens
e casas aristocráticas e 3) por oferecer ao burguês recém-nascido uma experiência de
êxtase físico-sentimental que veio a substituir outras experiências culturais extáticas
como o êxtase religioso, os êxtases da violência das guerras, os êxtases dos rituais
orgiásticos etc.
O surgimento da idéia do amor romântico tem de ser compreendido em
relação a um conjunto de fatores que coexistiram a partir do século XVIII e que
afetaram, principalmente, a mulher. Conforme Giddens (1993), um deles foi a criação
do lar; um segundo, foi a modificação nas relações entre pais e filhos e, um terceiro, a
invenção da maternidade. Gerados ao mesmo tempo em que modificações nas
alianças matrimoniais e nas relações sexuais se projetam. Afinal, nessa época pelo
menos duas importantes uniões são realizadas: a do casamento e do amor e a do sexo
e do amor.
Lázaro (1996) trata esse momento chamando-o de erótica do sentimento.
Segundo ele, a erótica do sentimento diz de um mundo que passa a legitimar o amor –
séculos XVIII e XIX. O amor passa a ser justificado a partir de dentro da interioridade
do sujeito amante. A escolha do amado fará aparecer a singularidade. A partir do
interior e por um trabalho próprio, o amante admite-se como ser singular e identifica
68
em seu objeto a mesma singularidade que o torna uno e incomparável. A erótica do
sentimento inaugura experiência amorosa no íntimo do sujeito. O verdadeiro amor
nasce do coração, elege seu objeto por critérios pessoais e singulares e pode, portanto,
ser acessível a qualquer um a partir de sua própria interioridade.
Para o romantismo, o amor será a experiência privilegiada para
a procura do ‘eu’, o interior de si como um ponto fixo e
singular, distinto de todos os outros, mas cujo acesso é vedado
pela convivência social, pelo medo, pela superficialidade. O
amor recebe o valor de uma experiência mágica, por quanto
capaz de conduzir ao paraíso: o encontro de duas
interioridades absolutamente singulares, contra o mundo
(Costa, 1998: 176).
O amor romântico se apresenta como a possibilidade de viver uma realidade
interior do indivíduo, experimentar uma ‘naturalidade’ original e tida como anterior
à vida social (Costa, 1998: 171). Há algo de extraordinário no amor capaz de
desqualificar a sexualidade por ela mesma, relacionando-a somente com o amor. A
união entre casamento e amor se dá também no romantismo e na luta desse por
circunscrever a sexualidade em seus domínios.
No século XX, o amor estará atrelado à experiência de intimidade, à idéia de
singularidade do indivíduo, uma vez que quanto mais o homem moderno vai se
concebendo como unidade autônoma, o amor como meio a partir do qual se
restabelece uma unidade interior, mediada pela experiência do outro – vai
adquirindo maior importância.
69
Assim, o romantismo se consolida como esse modo de conduzir-se que está
atrelado aos procedimentos de introspecção e à exaltação dos sentimentos íntimos
inerentes à formação de uma interioridade. Complexo que se constitui através de
técnicas de confissão, transformações econômicas, sociais e jurídicas, análises clínicas,
psicoterapias.
A constituição do íntimo
Algumas práticas conduziram o sujeito pelas ruas congestionadas da
interioridade. Do cuidado de si, passando por uma dúzia de discursos que se
interessaram em construir uma geografia introspectiva. A partir do mapeamento dos
sentimentos, vontades e desejos, pretendia-se muito mais do que um domínio de si,
mas a produção de um modo de si. Um tipo de indivíduo configurou-se e com ele
modos de habitar o social.
A interioridade vai se formando, segundo Vernant (1988), a partir de
mudanças no plano do social, religioso e espiritual. Com a importância dada à
consciência de si, a uma introspecção implacável e prolongada, ao exame da vontade,
do livre arbítrio, uma nova forma de identidade começa a se desenhar. O indivíduo
passa a ser definido em seus mais íntimos pensamentos, das suas imaginações secretas,
dos seus sonhos noturnos, das suas pulsões cheias de pecados, da presença constante,
obsessiva, no seu foro íntimo, de todas as formas de tentação (Vernant, 1988: 43).
70
A confissão tornou-se uma tecnologia geral. Através dela, os prazeres mais
particulares do indivíduo eram solicitados, conhecidos, medidos e regulados. O
principal movimento de colocação da confissão, especialmente da confissão sexual,
numa relação de poder, ocorreu no século XIX, quando o indivíduo foi persuadido a
se confessar não mais apenas para os padres, mas agora para os médicos, psiquiatras
e cientistas sociais.
E isso só foi possível, segundo Foucault, porque as normas científicas e o
discurso médico tomaram o lugar de poder e o sujeito ocupou o centro das
preocupações destas ciências, oferecendo a verdade. No momento em que o sujeito
pronuncia a cerca de si mesmo, torna-se um objeto que fala a verdade sobre si
mesmo, a fim de se conhecer e ser conhecido; um objeto que aprende a operar
transformações em si. Essas são as técnicas que ligam o discurso científico às
tecnologias do eu. Produz-se uma tecnologia pautada na crença de que, com a ajuda
de peritos, o sujeito pode falar a verdade sobre si mesmo.
Este é o princípio fundamental, não somente nas ciências
psiquiátricas e na medicina, como também na lei, na educação,
no amor. A convicção de que a verdade pode ser descoberta
através do exame de consciência e da confissão dos
pensamentos e atos aparece, agora, como tão natural, tão
constrangedora, realmente tão evidente, que pode parecer
pouco razoável pressupor que tal exame seja um componente
central numa estratégia de poder (Rabinow, 1995: 192-193).
71
Ainda outros fatores corroboraram para a formação do indivíduo tal como o
conhecemos, são eles: o liberalismo econômico; a expansão das idéias iluministas; a
própria valorização dos sentimentos (romantismo); a ampliação da ação do Estado; a
separação das esferas pública e privada; o crescimento da vida nas cidades com o
esvaziamento da vida rural; modificações na instituição escolar; o cuidado com a
infância; e a instalação das políticas médicas voltadas ao indivíduo e à população, etc.
Para Sennett (1988), com o advento da psicologia moderna e em especial da
psicanálise, multidões de pessoas estariam cada vez mais preocupadas apenas com as
histórias de suas próprias vidas e com suas emoções particulares. Tratando as
questões públicas com base em sentimentos pessoais, e não em códigos de significado
impessoal. Ou seja, as pessoas estariam medindo toda a vida social em termos de
sentimento pessoal.
Essa relação com o fora, produziria uma nova relação consigo. Os valores
seriam produzidos pelo interesse próprio, pelas vantagens e desvantagens que uma
ação traria. O cuidado de si não estaria mais voltado para a exterioridade, mas se
fechando sobre si mesmo. O conhecimento de si torna-se um fim em vez de ser um meio
para agir no mundo. Sendo assim, o espaço público vai se tornando desprovido de sentido
enquanto espaço de implicação do sujeito e vai se desenvolvendo uma perspectiva cada vez
mais intimista (Silva, 2003: 133).
72
Haveria ainda, para Sennett, uma certa ansiedade diante daquilo que se sente
relacionada com a difusão e vulgarização da ‘busca da personalidade’ romântica. Tal
busca romântica de auto-realização tem se produzido devido às condições da vida
cotidiana. As pessoas insistem em se perguntar o que a pessoa ou acontecimento
significa para elas. Este movimento ele chama de narcisismo (preocupação consigo
mesmo que borra as zonas do que diz respeito ao eu e da autogratificação e o que não
lhe é inerente).
Quanto ao amor, o que ocorreria seria um afastamento de qualquer
compromisso, pessoal ou social. Qualquer compromisso parece limitar as
oportunidades de viver outras experiências que poderiam levar o sujeito a saber
quem realmente é e encontrar a pessoa “certa” para se sentir completo. Buscando
apaziguar qualquer sentimento inerente ao novo momento econômico e que acaba
sendo fruto do processo de individuação, como: vulnerabilidade, sem sentido,
abandono, descolamento do mundo, já que se acreditaria nessa metade que não só
faria emergir o verdadeiro eu, mas o inundaria de sentido.
Isso porque, ao mesmo tempo em que o processo de individualização
produziu sentimentos como de fragilidade, impotência, dando nuances da
grandiosidade do mundo para além desse si, o amor tornou-se o lugar propício para
apaziguar essas dores. Acontece que, dessa forma, o amor seria apenas descanso, no
73
imaginário social. Dele seriam abolidas todas as dores de uma existência. Afinal,
quem ama vive a plenitude, não sofre.
A forma mais comum do narcisismo seria um processo de inversão: se ao
menos eu pudesse sentir mais, ou se eu pudesse realmente sentir, então eu poderia
me relacionar com os outros ou ter relações “reais” com eles. Mas, a cada momento
de contato, parece que nunca sinto o bastante. O conteúdo óbvio dessa inversão é a
auto-acusação, mas enterrada debaixo dele se acha a sensação de que o mundo está o
decepcionando (Sennett, 1988: 23).
Assim, a “tirania da intimidade” é esse movimento do sujeito que se preocupa
em se fazer sentir tudo que o social lhe propõe como felicidade. Numa relação, com o
público, de extrema privacidade, já que do público só quer aquilo que lhe leve a
atingir a si próprio. O outro se torna importante na medida em que é um meio capaz
de despertar sensações neste “desconhecido” íntimo que se tornou o próprio sujeito.
Sujeito ao conhecimento, o sujeito aprendeu a se voltar cada vez mais para si,
entendendo como seus os desejos e atos que deveriam ser examinados, confessados,
redirecionados ou, ainda, controlados, na busca por sentimentos mais genuínos,
capazes de sanar a tragicidade da vida.
74
Enfim, o romantismo parece ter se tornado a solução para uma cultura que se
configurava como individualista, já que livrou o sujeito da culpa de estar se afastando
das preocupações com o mundo ao se voltar para outra pessoa. Mesmo que saibamos
que dessa pessoa só pretende seu prazer e felicidade. O que ocorre é que, mesmo
aquele sujeito indiferente a tudo a sua volta, alheio à miséria e à dor dos outros,
sente-se sensível, generoso, especial, porque consegue se apaixonar e fazer tudo por
amor!
Essa troca de prazeres torna-se uma economia como qualquer outra. A questão
seria o valor cultural e psicológico a ela atribuído. Sendo necessária a construção de
outros valores para nossas vidas paralisadas e anestesiadas pela atmosfera de
indiferença, desigualdade, injustiça e desprezo que nutrimos, quase indistintamente,
uns pelos outros.
Casamento
Vainfas (1986) diz que, como lugar de companhia e amor, o casamento só se
constituirá a partir do século XVIII, juntamente com a valorização do amor
75
individual, presente na ideologia burguesa, com predomínio do erotismo na relação
conjugal. Antes disso, era comum o casal dormir, comer, caminhar separado, além de
os cônjuges serem jovens demais para saberem o que estavam fazendo; ocorrendo,
em muitos casos, de se detestarem mutuamente. As cerimônias se davam no privado,
sem interferência da Igreja – essa só passou a se interessar pelo matrimônio mais
tarde. Na época, ainda estava preocupada com a virgindade e o ascetismo.
Amar, na França do século XII, era estar em ardente desejo. Tratava-se de um
sentimento voltado para fora do casamento, já que falar em casamento consistia falar
em obrigações e dívidas e não, em aventuras da liberdade. Porque era no casamento
que se assentava a ordem social, sistema jurídico que liga, aliena, obriga enfim a que seja
assegurada a reprodução da sociedade as suas estruturas, especialmente na estabilidade dos
poderes e das fortunas, não lhe convém acolher a frivolidade, a paixão, a fantasia, o prazer (...)
O casamento impõe o sério, a compostura (Duby, 1989: 37). Prazer e instituição não
estavam vinculados até antes do romantismo. O casamento preocupava-se
principalmente com a transmissão de heranças, títulos e alianças políticas.
Foi Malthus que propôs um casamento centrado no afeto, na amizade e no
companheirismo entre os cônjuges, no qual a procriação não seria mais a razão
principal da união. As mudanças difundidas por ele eram extremamente
revolucionárias para a época. Ele propunha uma relação mais igualitária entre marido
e mulher, quando na maioria das sociedades prevalecia a dominação masculina. O
76
casamento centrado no vínculo conjugal, e não nos filhos ou na família, também era
uma mudança radical. Ao valorizar o afeto, a amizade e o companheirismo, o
casamento se configuraria como um refúgio dentro de um mundo competitivo e
individualista.
A discussão sobre o casamento não é por acaso, exemplo de territorialidade
começa a perder sua legitimidade no contemporâneo. Béjin (1987) trabalha com esta
questão, preocupando-se com os por quês que fizeram os jovens optar por outro tipo
de união que não o casamento, a “coabitação juvenil” por exemplo. Isso de acordo
com uma pesquisa realizada pela INED em 1977, na França, com jovens de 18 a 29
anos, a qual revelou que cerca de 10% dos membros dessa faixa etária viviam, na
época, em coabitação. Ainda nesse grupo, três em cada dez casados tinham coabitado
antes do casamento. Para este autor, esta tendência se dá pela obsessão moderna de
ganhar de todos os lados, ao mesmo tempo, sem nada sacrificar de suas possibilidades. E,
também, pela preocupação em se proteger contra as desgraças modernas: a solidão e o tédio
(Béjin, 1985: 186). Mas, para chegar a este entendimento, o autor procurou comparar a
proposta da coabitação com o casamento e as relações ditas extraconjugais,
observando as conquistas e os acordos que essa forma de relação trariam.
Esta realidade não está tão distante da nossa. Dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que de 1991 para 2000, quanto ao
estado conjugal das pessoas, o Censo revelou que houve queda no total de
77
casamentos legais (de 57,8% passou para 50,1%), enquanto a proporção de pessoas
em união consensual cresceu significativamente, passando de 18,3% para 28,3%.
Entre os mais jovens, as proporções de pessoas em união consensual são maiores.
Mas tudo isso não garante que as pessoas estejam optando por não casar por
estarem certas de que essa instituição está falida, apostando, assim, em outras
práticas. Acompanhamos cada vez mais empresas, marcas, corporações, que se
oferecem para financiar casamentos de celebridades, visando à publicidade
envolvida. São cerimônias de casamento milionárias e espetaculares. Sem mencionar
que entre a camada mais desfavorecida da população o desejo por formalizar as
uniões possa estar sendo postergado por dificuldades financeiras. Assim, esses dados
não nos garantem que nossa população que está realmente optando por não casar.
O que talvez tenhamos de efetivo quanto a isso seriam as mudanças ocorridas
no código civil. Hoje, os casais em relações ditas estáveis possuem os mesmos direitos
que os que vivem matrimonialmente. O código civil revela o reconhecimento e a
incorporação de um novo hábito que nas malhas sociais anteriores não poderia ser
sonhado sem reprimendas.
Talvez essa nova modalidade de relacionamento, a qual Béjin se refere, seja
uma forma de se lidar com a instabilidade mais concretamente, ou seja, no cerne das
relações ditas duráveis, assinala-se o passageiro, o presente, o contingente. Em um
78
tempo em que o ideal seria estar junto, não por comodismo, pressões sociais ou
financeiras, mas por um tipo de relação que vise à felicidade do casal. E felicidade,
nesse caso, seria estabelecer um relacionamento baseado no presente; e,
principalmente, que dure, mas não perca a intensidade; que conjugue desejo com
estabilidade; paixão com intimidade; segurança com vertigens de liberdade. Ou seja,
um chão mínimo onde se possa proteger da palidez do cotidiano, da solidão imposta,
da indiferença, e que, ao mesmo tempo, não aprisione, não cobre, não sufoque.
79
PÓSFACIO
8
entre 05 e 06 de janeiro 2006
Renata,
voltei da leitura do texto com os olhos vermelhos. percebi que tinha em mãos
uma máquina que me arrastou, e, após um período de tempo em mergulho, quase
sem respirar, jogou-me à tona e, então, pude compreender que essa máquina me
comia, atirava-me às ondas.
me sentia tornar-me o texto. seriam os efeitos das contaminações de outrem
que invadiram minha pequena ilha? que inundação seria essa, de lufadas de ar puro
que tonteiam, expandem nossa potência e dilatam nossas molduras?
8
Este pósfacio foi incluído após a defesa. Trata-se da peça de argüição e comentário à sessão de
defesa produzidos pela professora Dra. Tânia Galli Fonseca.
80
iniciei a leitura pelo meio. mais detalhadamente percorri as partes referidas à
garota-personagem, onde ela se faz com folhas coloridas e palavras literárias.
julgava, pois, que por ali, faria verter o que dera vida ao teu olhar: buscava
apreender o ângulo de visão que tivesse te propiciado problematizar e
argumentar sobre o amor dessa maneira como o colocas em teu texto. sobretudo,
buscava colar a garota a ti própria, estreitando-me em uma hipótese de
familiarizações, hipótese sempre fraca e comum, sobre estares problematizando
a partir de tua própria implicação. e, poderia ser diferente?
de início, em nossas primeiras conversas durante o curso, admito até que tenha
pensado que somente alguém muito jovem e inexperiente no amor pudesse tomá-lo
como problema de estudo. pois, os mais velhos como é o meu caso, sabem que
antes de estudo, o amor constitui-se em problema.
li tudo em uma sentada, mas admito que durou uma tarde inteira, bem menos,
entretanto, do que dura essa minha afecção pós-leitura. mais do que extensão das
horas, uma duração de intensidades que se encontram presentes em teu texto e
que, por circunstâncias singulares, encontraram em mim certas passagens. temo
81
não ter o que argüir, como é de praxe em uma sessão de defesa de dissertação.
minhas colocações seguirão, inevitavelmente, esse turbilhão despertado e, se
elevarão e descerão - oscilantes -, tal como recolhos que se fazem em águas
agitadas.
sabemos que muito deixaremos passar, pois não nos situamos em margens firmes:
estamos em alto mar, em nosso barquinho - subindo e baixando -, consoante o
movimento daquilo que produz nosso espanto, nossa confiança e também nosso
desamparo.
uma vaga para o amor ou uma vaga para amar? para fazer marear o amor,
precisamos salvarmo-nos dele, abandoná-lo e ao jardim de nosso eu. precisamos
desertar de nós mesmos. assim como Deleuze já nos dizia sobre o pensar sem
imagem, fala-se de um amor livre do amor, da posse e das identificações. fala-
se da libertação do pensamento e do amor da história, do desamarrar as pontas
do tempo para deixar ondulante sua linha, livre e solto apenas o seu meio,por
onde passamos e por onde tudo quer passar.
82
aqui poderíamos mais uma vez dizer que estamos no melhor estilo deleuziano: essa
exigência impiedosa que se nos impõe de termos de prosseguir para além de nós
mesmos, para além daquilo que temos sido, operários de um construtivismo
radical, cuja produção conta com o paradoxo de ter de desobrar para criar, de
ter de morrer para seguir rumo ao ilimitado. tempos da criação e da memória,
construtivismo depersonalizador e desfigurador que relança formas evoluídas no
plano nevoento das forças de sua criação; devolve-as ao acontecimento de sua
emergência e abre-se aos futuros que nela germinam e que se fazem anteriores
ao presente e ao passado,este, solo primeiro onde a flecha reta de um tempo
linear e seqüenciado cai num sem sentido, pois, nesta terra tudo se mistura, em
uma evolução a-paralela e elementar. nesta terra, na qual pisamos descalços e
andamos nus, insistem e subsistem os possíveis e, os apalpamos, às escuras, os
escutamos em seus sussurros fugidios e até mesmo em seu silêncio e mudez.
sabemos que há uma membrana entre o nosso atual mundo e esse, do quase, do
vago, mas, contudo, real e pulsante. nesse entre os dois - entre o que já é e o que
será -, no intermezzo, pensamos que há vaga para a vida, para a linguagem, para o
amor. “há vagas para moços e moças”, como nos avisam os anúncios das pensões
familiares, seja para o bem seja para o mal ...
83
percebemos a vaga, esse espaço baldio e vagabundo, vacúolo ainda não dobrado e
inabitado, pertencente a uma zona inóspita, sempre que somos transportados pelo
desejo de mudar de casa. mudar de ilha em direção a outra, estranha,
arrebatadora e surpreendente. sair de casa, - universo civilizado e prometedor -
em direção à estrangeirice, ao incômodo, àquele ponto fincado no meio do nada,
ilha-deserto, onde antevemos serpentes que nos podem picar mortalmente. caso
isso venha a acontecer, podemos voltar mortos, ou melhor, algo de nós morre
nesta andança, porque ao sermos picados, de sopetão, sentimos fortemente que
algo nos atingiu com a força de um projétil, e uma ferida se abriu na superfície
de nosso corpo e dele verteu um sangue, negro, vindo de um sem-fundo, porque
nosso fundo foi rasgado e, nos sentimos trêmulos à beira de um abismo jorrante.
experimentamos medo dessa ferida incurável e nos percebemos abertos e
vulneráveis ao contágio do Fora, um tanto desamparados, e já não sabemos o que
é pior: não sermos mais o que temos sido ou continuar a sê-lo e, também, sabemos
que já não podemos voltar para apagar os vestígios das possíveis paisagens que se
esboçaram em nosso delírio ofídico.
84
ou, de um outro modo, nossa viagem pode ocorrer diferentemente. estamos
tensos e remamos e remamos nas águas incessantes e o mar não está para
calmarias. a agitação de nosso movimento também eleva, de nosso fundo,
sedimentos que ali foram depositados pelo tempo, criando um solo, porque sob a
água, sempre há terra, como também há ar e fogo e, talvez, então, possamos vir a
traçar uma linha de desconversa, estender um fio ao lado dos distúrbios e,
deixar-nos contornar por ele e, a partir dessa tênue fronteira sussurrante e
quase dissipativa, , nos distrairmos com aqueles ínfimos elementos dançantes que
carregam, em sua indefinição, elementos para compor todas as possíveis
paisagens. então, entendemos que pior que as correntezas, são águas paradas
daquele lago brilhante, e nos deixaremos levar, sem atrito, sem resistir,
deslizantes, autorizamo-nos a deixar-nos ir embora nas costas de nosso próprio
desejo. e, quem sabe, mas, sobretudo se quisermos, nunca mais voltaremos.
torna-se importante saber, contudo, que esses modos viajar não correspondem a
uma decisão que se toma como se arruma uma mala ou se escolhe a praia do
verão. neste particular, há mais complicação, uma vez que as escolhas também nos
escolhem e, então, também compreendemos que somos mar e embarcação, que
estamos embarcados em uma viagem de nós próprios, que nos fazemos a própria
85
passagem e que, mesmo imóveis, podemos vir a produzir estranhamentos naquilo
que nos é tão familiar e que, ao nos jogar para o fundo de nosso dentro, nos faz
rastejar num mar estranho, nunca visto e sentido, em latência, fundo para além
do homem em que nos tornamos. um Fora nos habita como primeiro termo, olha-
nos e filtra paisagens de mundo que identificamos, acopla-se ponto a ponto com
o nosso dentro, confere espessura à superfície, fazendo-nos imaginá-la como
dotada de um outro lado invisível, constituído de drapeados, que podem vir a ser
desdobrados. superfície profunda, como a de um espelho, em cujo fundo sempre
podemos perceber algo ou alguém estranho que nos olha com olhos do fora, olhos
inimigos ao que pensamos ser, olhos pretendentes a uma luta contra aquilo em
estamos nos tornando, olhos amigos do devir e, por isso, inimigos do presente.
estranha inimizade que pode se transformar em amizade, necessário incômodo
que, contudo, pode igualmente nos indicar como se constrói uma casa para os
afectos com vaga para o amor. e, o labirinto se esparrama e expande quanto
mais nadamos ou rastejamos em busca de saídas, de um tesouro ou quem sabe de
nossa maldição. nesse movimento com o intensivo, nos olhamos como se
estivéssemos fora de nós e, apreciando-nos desde as angulações de outros
possíveis horizontes, instauramos nossa própria profundidade que se amplia em
86
novas dobras produzindo-nos como terra, cujos tempos de formação são
coexistentes e não podem, jamais, se caracterizarem como seta reta e
unidirecionada.
nosso corpo todo se alerta e, tal como acontece na superfície de um prato de
porcelana que racha, espreitamos o ponto exato onde a mistura que nos constitui
se faz mais frouxa e relaxada, onde nos fazemos menos duros, onde podemos
vislumbrar, na carne, uma certa zona de passagem, ali, no ponto em que houve
distração do artesão, onde falhou a unificação, onde vacilou a mistura identitária
e, onde, enfim, a memória não foi vencida pelas lembranças do já vivido.
pois, entendemos que a memória deve operar como um pano amassado, enrugado
que, como, plissê oferece suas dobras para aninhar o ovo de nossa criação. torna-
se importante experimentar o real, antes do que querer norteá-lo e supor
dominá-lo. viajar sem o eu, viajar com outrem. não que eu e outrem sejam de uma
ordem binária e em oposição. adotamos o paradoxo. e, nele, “eu” e outrem se
fazem coexistentes, um, o lado visível, a paisagem atual e, o outrem, que lhe é
colado, se manifestando como um atributo do corpo, um afecto com potência de
outramento.
87
deixar passar em nós as forças de uma involução, para nos desumanizar a ponto
de ultrapassarmos aquilo em que estamos nos tornando. da lógica do sentido, para
a lógica da sensação, para nos deixarmos encharcar pelo olho d’água que verte em
nosso deserto e, então, virmos a amar e a ser pretendentes daquilo que
desconhecemos e que, como os personagens de Pirandello, encontra-se à espera
de autoria, de agenciamento carnal. fala-se de outrem como presença sem ainda
se fazer presente, como percepto sem se fazer percepção, como afecto sem se
fazer afecção. outrem como campo de potências, inumanidades, duplos e avessos
do eu, colados ao outro lado do visível, reguladores da abertura da lente grande
angular do espírito, porque em seu domínio não se vê com os olhos, sendo que
todo o corpo que é chamado a ver e a converter o que vê em afecção e sensação.
outrem que se constitui como um impessoal, como um estrurante do campo
perceptivo, que corresponde a um reservatório onde tudo coexiste virtualmente e
no qual as atualizações se fazem seguindo direções exclusivas, implicando
combinações parciais e escolhas inconscientes. outrem que ao “desobrar”,
constrói, que ao desolidificar, compõe, e faz fugir algo de nossos mundos
carregados pela ânsia das buscas. outrem produtor de fissuras e extrator de
força da impotência, atuando ali mesmo onde algo pode ceder e desmoronar, onde
88
algum ponto pode virar saída que, logo, como viremos a saber, poderá ser
transformada em expansão de impulsos vitais, operação de desobstrução de
edificações já realizadas, como se arrebentássemos algum tubo para fazer passar
o ar em compressão.
dos furos, dos tubos arrebentados, dos saberes arruinados, abrimos brechas no
escuro e penetramos o nevoeiro de nossa profundidade como se nos buscássemos
no outro extremo da linha onde nos encontramos. Genet diria, que se trata de um
querer passar para o outro lado, cruzamento da linha, de onde podemos perceber
que somos o próprio mar e que precisamos também levar conosco um pouco de
nossa terra, para não corrermos os muitos perigos dos desvios que nos confundem
e nos fazem perdidos para sempre.
Sós, mas não perdidos, tampouco sabedores do destino que virá. apenas com
menos medo do intolerável, tendo nas mãos o espelho em que se reflete a imagem
daquilo em que estamos nos tornando e do que estamos fazendo por nós.
com meu abc, tgf
89
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