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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
CENTRALIDADE URBANA E COMÉRCIO
INFORMAL: OS NOVOS ESPAÇOS DE
CONSUMO NO CENTRO DE ANÁPOLIS-GO
CLÁUDIA CRISTINA LOPES MONTESSORO
PRESIDENTE PRUDENTE
2006
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
CENTRALIDADE URBANA E COMÉRCIO
INFORMAL: OS NOVOS ESPAÇOS DE
CONSUMO NO CENTRO DE ANÁPOLIS-GO
CLÁUDIA CRISTINA LOPES
MONTESSORO
Tese de Doutorado elaborada
junto ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia - Área de Concentração:
Produção do Espaço Geográfico, para
obtenção do título de Doutor em
Geografia.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito
PRESIDENTE PRUDENTE
2006
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Dedicatória
Ao “tio Zezinho” que partiu,
saudades...
À Letícia que chegou trazendo
alegria!
AGRADECIMENTOS
Este é o momento de agradecer a todos que contribuíram direta e indiretamente para
que este trabalho chegasse ao fim. São inúmeros agradecimentos que se o nome de alguém
não constar nesta singela lista é por causa das inquietudes deste momento, mas que no
fundo serão lembrados pelos gestos e atitudes que vão além das marcas no papel. Fazem
parte da amizade construída no cotidiano da Universidade e nos momentos dos nossos
encontros para o tradicional “cafezinho”, que sem dúvida, marcaram a minha trajetória na
Unesp.
Porém, gostaria de fazer alguns agradecimentos:
Primeiramente à minha família pelo apoio imprescindível à conclusão desta
pesquisa;
À Letícia, minha filha, que nasceu quando as idéias desta tese ainda não estavam no
papel, dificultando um pouco a atenção merecida a ambas;
ao Edgar pela cumplicidade, companheirismo e dedicação... Também sinto
saudades!
à Andréia que ajudou a cuidar da Letícia quando eu estava trabalhando no
computador e quando tinha que sair para resolver os problemas da “tese”;
à Universidade Estadual de Goiás pelo afastamento concedido durante quatro anos,
sem o qual não seria possível chegar até aqui;
ao CNPq pela bolsa concedida, também importante para a realização da pesquisa;
aos amigos do curso e aqueles que fazem parte de outras turmas pelo apoio,
amizade, pelas brincadeiras que foram fundamentais para alguns momentos de
descontração;
à Sílvia, sempre amiga, ao Marcelino (o doutor), Flávia, Denis, Márcio, Oscar, Liz,
Agda, Mariza, além de muitos outros que estiveram presentes nesta etapa da minha vida;
ao Arthur e ao Raul pelas considerações no exame de qualificação;
ao pessoal da Secretaria de Pós-Graduação em Geografia pelas recomendações e
avisos;
aos professores, pelo convívio na Universidade;
à Prof. Cidinha do curso de Estatística pelas orientações quanto à metodologia
utilizada para a realização do trabalho de campo;
à Juliana, ex-aluna do curso de Estatística pela tabulação dos dados e organização
das tabelas e gráficos;
ao Denis pela elaboração das figuras e troca de idéias;
ao Fernando da UEG pelas fotografias e os mapeamentos realizados quando eu não
estava em Anápolis;
às ex-alunas do curso de Geografia da UEG que também ajudaram na aplicação dos
questionários e enquetes;
ao pessoal do GAsPERR pelo contato;
e por falar em GAsPERR, gostaria de agradecer ao Eliseu, que é o coordenador do
grupo, pela orientação e pelos esclarecimentos, obrigada.
agradeço aos camelôs e ambulantes que pacientemente responderam nossas
questões com simplicidade, mas com receios;
a Prefeitura Municipal de Anápolis pelas informações cedidas;
à Janes, pela amizade e colaboração com relação aos materiais enviados;
aos professores do Departamento de Geografia da UEG pela paciência na espera do
retorno.
Enfim, agradeço a todos que colaboraram para que este trabalho fosse concluído e a
Deus por estar sempre ao meu lado.
OBRIGADA A TODOS!
RESUMO
Este trabalho visa a analisar os novos espaços de consumo na área central de Anápolis, no
Estado de Goiás a partir do comércio informal, uma vez que há uma interação entre os
diversos espaços produzidos no meio urbano, contribuindo assim, para uma interpretação
das práticas existentes na cidade. Nesta perspectiva, discutimos o uso e apropriação de
algumas ruas no centro pelos camelôs e ambulantes, além do camelódromo e de um
shopping popular que por sua vez comercializa produtos que são adquiridos pelas pessoas
que circulam nesses espaços, levando–se em consideração o consumo que cria e recria uma
realidade que vislumbra as formas e funções da e na cidade como o espetáculo da
(re)produção do capital e como elementos articulados ao processo de (re)produção do
espaço urbano em cidades de médio porte. Partimos da idéia de que o centro principal e
tradicional redefine seus usos tomando como base as estratégias de localização das
atividades ditas “informais” no seu interior, reafirmando a centralidade urbana expressa no
contexto de relações preexistentes, visto que as singularidades das funções envolvem uma
avaliação das novas formas de comercialização do setor terciário. Realizamos uma análise
desenvolvida mediante o levantamento e revisão bibliográficos, pesquisa de campo e
análise dos dados para a compreensão da dinâmica do centro da cidade de Anápolis a partir
da atuação do comércio informal.
Palavras-chaves: comércio informal, setor terciário, centralidade urbana, espaço urbano,
consumo, Anápolis.
ABSTRACT
This work seeks to analyze the new consumption spaces in the central area of Anápolis, in
the state of Goiás starting from the informal trade, once there is an interaction among the
several spaces produced in the urban way, so contributing, for an interpretation of the
existent practices in the city. In this perspective, we discussed the use and appropriation of
some streets in the center by the street-fakers and travelings besides the street-fakers place
and a popular shoppings that for its time markets products that are acquired by the people
that circulate in those spaces, being taken in consideration the consumption that creates and
(re)creates a reality that shimmers the forms and functions of the and in the city as the show
of the capital (re)production and as articulated elements to the process of (re)production of
the urban space in medium load cities. We started of the idea that the main and traditional
center redefine its uses, taking as base the location strategies of the said “informal”
activities in this interior, reaffirming the centrality expressed in the context of the
preexistents relationships, because the singularities of the functions involve an evaluation
of the new commercialization ways of the tertiary sector. We accomplished an analysis
developed by means of the rising and bibliographical revision, field research and data
analysis for the understanding of Anápolis downtown dynamics starting from the informal
trade performance.
Words-Key: informal trade, tertiary sector, urban centrality, urban spaces, consumption,
Anápolis.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Periodização da cidade de Anápolis apoiada nas atividades econômicas..
225
Quadro 2. Periodização da cidade de Anápolis apoiada nas atividades econômicas.. 226
Quadro 3. Proposta de periodização dac idade de Anápolis apoiada na expansão
urbana.........................................................................................................
227
Quadro 4. Atividades Formais na Rua General Joaquim Inácio................................. 266
Quadro 5. Atividades Informais na Rua General Joaquim Inácio.............................. 267
Quadro 6. Atividades Formais na Rua Engenheiro Portela........................................ 269
Quadro 7. Atividades Informais na Rua Engenheiro Portela 271
Quadro 8. Atividades Formais na rua 15 de Dezembro............................................. 272
Quadro 9. Atividades Informais na rua 15 de Dezembro......................................... 272
Quadro 10 Procedência das mercadorias................................................................... 318
Quadro 11 Procedência da clientela........................................................................... 319
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Quantidade de estrangeiros em alguns municípios goianos..................
229
Tabela 2. Evolução da população absoluta de Anápolis entre 1872 e 2000.......... 235
Tabela 3.
Taxa de crescimento da população de Anápolis entre 1872 e 2000......
236
Tabela 4. Arrecadação do ICMS por setor de atividade em Anápolis................... 242
Tabela 5.
Distribuição da população economicamente ativa de Anápolis............
243
Tabela 6.
Estado de Goiás: Flutuação do nível de emprego por faixa de salários
244
Tabela 7.
Estado de Goiás, Centro-Oeste e Brasil: Variação do emprego formal
1998 – 04.............................................................................................
246
Tabela 8. Pedidos de Licenciamento de Prédios em Anápolis.............................. 252
Tabela 9. Motivos pelos quais os entrevistados decidiram trabalhar como
camelôs e ambulantes............................................................................
302
Tabela 10. Grau de escolaridade dos entrevistados................................................. 307
Tabela 11. Condição de Proprietários das bancas.................................................... 309
Tabela 12. Cursos profissionalizantes...................................................................... 312
Tabela 13. Quantidade de familiares....................................................................... 312
Tabela 14. Tempo de Trabalho................................................................................ 313
Tabela 15. Motivo pelo qual montou o negócio na área central.............................. 314
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Localização da área de estudo.................................................................... 223
Figura 2. Localização do centro................................................................................. 258
Figura 3. Localização das ruas do centro delimitadas na pesquisa............................ 259
Figura 4. Mapeamento das atividades formais - junho de 2003................................. 263
Figura 5. Mapeamento das atividades informais - junho de 2003.............................. 277
Figura 6. Croqui do camelódromo.............................................................................. 280
Figura 7. Croqui do shopping popular........................................................................ 383
Figura 8. Mapeamento das atividades informais – novembro de 2004...................... 293
Figura 9. Mapeamento das atividades informais - dezembro de 2004....................... 294
Figura 10. Mapeamento das atividades informais - dezembro de 2005....................... 297
Figura 11. Sobreposição das atividades formais e informais – junho de 2003............. 333
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1.
Evolução demográfica de Anápolis............................................................. 230
Gráfico 2.
Motivos pelos quais os entrevistados decidiram trabalhar como
camelô e ambulante segundo a idade..........................................................
303
Gráfico 3 Motivos pelos quais decidiram trabalhar como camelôs e ambulantes
segundo o sexo.............................................................................................
305
Gráfico 4. Motivos pelos quais os entrevistados decidiram trabalhar como
camelô e ambulante segundo a condição de propriedade da banca............
306
Gráfico 5. Motivos pelos quais decidiram trabalhar como camelô e ambulante
segundo a quantidade de bancas..................................................................
311
Gráfico 6. Tipo de mercadoria comercializada............................................................ 315
Gráfico 7. Formas de aquisição das mercadorias pelos vendedores............................ 317
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1. Vista das primeiras construções de Anápolis................................................ 251
Foto 2. Vista do centro de Anápolis........................................................................... 251
Foto 3. Vista parcial do comércio formal................................................................... 272
Foto 4. Comércio formal e informal na Rua Engenheiro Portela............................... 273
Foto 5. Vista parcial do camelódromo após a reforma............................................... 279
Foto 6. Vista parcial interna do camelódromo............................................................ 279
Foto 7. Vista parcial do shopping popular.................................................................. 284
Foto 8. Vista interna do shopping popular................................................................. 285
Foto 9. Presença de bancas na Rua Engenheiro Portela............................................. 289
Foto 10 Variedade de Produtos nas Bancas Da Rua Engenheiro Portela.................... 295
Foto 11 Localização da banca na calçada.................................................................... 296
Foto 12 Variedade de Roupas Comercializadas na Rua Engenheiro Portela.............. 298
Foto 13 Variedade de produtos no final do ano na Rua General Joaquim Inácio....... 299
Foto 14 Proprietário da banca...................................................................................... 308
Foto 15 Mercadorias expostas na calçada da Rua Engenheiro Portela....................... 332
Foto 16 Mercadorias expostas na banca da Rua Engenheiro Portela.......................... 335
Foto 17 A mistura do formal com o informal na Rua Engenheiro Portela................. 336
Foto 18 Localização da banca na Rua Engenheiro Portela......................................... 336
Foto 19 Produtos eletrônicos infantis, na Rua General Joaquim Inácio..................... 337
LISTA DE ANEXOS
1. Modelo do questionário..........................................................................................
2. Modelo da enquete................................................................................................
3. Modelo da entrevista............................................................................................
4. Cópia do código de postura do município............................................................
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................................ 14
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 18
CAPÍTULO 1
1.
O CENTRO DA CIDADE E A (RE)PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS:
ESTRATÉGIAS COMERCIAIS, CONSUMO E APROPRIAÇÃO DAS
ÁREAS CENTRAIS POR CAMELÔS E
AMBULANTES.............................................................................................
34
1.1. O Surgimento e Apropriação do Centro das Cidades................................. 37
1.2 O Centro e a Constituição da Centralidade Urbana................................... 53
1.3 O centro, a dinâmica do uso do solo e as estratégias de localização dos
camelôs e ambulantes.....................................................................................
69
1.4 O Centro: Consumo do Espaço e o Espaço do Consumo............................ 90
CAPÍTULO 2
2.
O COMÉRCIO INFORMAL E AS PRÁTICAS COMERCIAIS NO
CENTRO DAS CIDADES: A CONSTITUIÇÃO DOS NOVOS
ESPAÇOS DE CONSUMO...........................................................................
112
2.1. Características da informalidade e do comércio informal ......................... 115
2.2. As primeiras experiências dos ambulantes e/ou camelôs no Brasil .......... 142
2.3. Os ambulantes e camelôs e os novos espaços de consumo: novos usos e
manifestações do/no centro............................................................................
165
2.4. O centro e a apropriação dos espaços públicos pelos camelôs e
ambulantes: transformações, persistências e resistências...........................
185
CAPÍTULO 3
3. O COMÉRCIO INFORMAL DE ANÁPOLIS E AS MUDANÇAS 212
NOS ESPAÇOS DE CONSUMO NA ÁREA CENTRAL: A
(RE)AFIRMAÇÃO DA CENTRALIDADE URBANA ............................
PARTE I
3.1. A Região Centro-Oeste e o surgimento de uma cidade média: Anápolis
e a relação com o centro principal.
217
3.1.1.
Posição Geográfica e Estratégia de Desenvolvimento Comercial....................
217
3.1.2. Anápolis no contexto das cidades médias......................................................... 238
3.1.3. A constituição do centro principal e o desenvolvimento das primeiras
atividades comerciais e de serviços..................................................................
247
3.2. PARTE II – As mudanças do centro: os novos espaços de consumo, os
novos usos e as estratégias comerciais..........................................................
255
3.3 O centro dos ambulantes e camelôs: novas formas de apropriação dos
espaços e novos usos......................................................................................
274
3.3.1 Entendendo processo de construção do camelódromo e do Shopping Popular 277
3.3.2 A rua como espaço de consumo 288
3.4 Entendendo os ambulantes e camelôs: realidades e possibilidades........... 300
3.5 A (re)afirmação da centralidade urbana...................................................... 321
4 REFLEXÕES FINAIS 343
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 351
ANEXOS
INTRODUÇÃO
A temática proposta para a realização deste trabalho está relacionada aos processos
que permeiam o comércio informal na área central de Anápolis, no Estado de Goiás, uma
vez que há uma interação entre os diversos espaços produzidos no meio urbano,
contribuindo, assim, para uma interpretação das práticas existentes na cidade. No Brasil, a
ampliação de formas capitalistas de produção tem provocado mudanças significativas nos
processos de (re)definição dos papéis urbanos, sobretudo a partir dos anos de 70, visto que
as cidades passaram a desempenhar um papel regional diferente do que haviam
desempenhado anteriormente.
A pesquisa urbana tornou-se um instrumento para a percepção da própria realidade
urbana numa tentativa de compreensão dos caminhos que levam às práticas de renovação
dos postulados e teorias que se inserem nessa discussão. Topalov (1980), nesse sentido,
afirma que:
Com efeito, a crise da pesquisa urbana francesa não é apenas o resultado
de condições institucionais, doravante desfavoráveis, é também uma crise
teórica, isto é, um questionamento dos objetos que ela havia construído. O
campo intelectual dos anos 70 permitia “ver certas coisas” e impedia de
ver outras, que depois passaram ao primeiro plano. Tais modificações da
visão erudita que uma sociedade adquire dela própria se produzem
periodicamente, e constituem, no fundo, a própria história das ciências
sociais. Para interpretá-las devemos tentar compreender como nasce um
objeto de ciência dentro da interação entre o mundo da pesquisa e o
mundo propriamente dito. (p. 15).
É nessa perspectiva que buscamos desenvolver um trabalho com base em dados
precisos para atingir os objetivos propostos, uma vez que analisar e interpretar as cidades
requer compreender as transformações nas dinâmicas de produção e crescimento das
mesmas, além do fato de que estudar e pesquisar sobre estas, consiste também em
compreender a própria transformação do cotidiano urbano, relacionado, ainda, às mudanças
nos processos de urbanização nesse novo século. Nessa perspectiva, Carlos (1994) discute
que:
Do ponto de vista teórico-metodológico, a maioria dos trabalhos
apresentados apóia-se no materialismo dialético a partir de sua concepção
materialista da história, partindo da produção material de vida mediata e
concebendo as formas de relação ligadas ao mundo da produção. Como
conseqüência tem-se uma nova concepção do homem, agora analisado
enquanto indivíduo que produz a si mesmo pelo trabalho. Tal postura traz
para a geografia a necessidade de compreensão do movimento das coisas
e das coisas em movimento, o que leva ao entendimento das contradições
e permite orientar o pensamento para a ação, bem como para pensar para
a transformação da sociedade. (p. 160).
Para Soares (1994):
Os estudos de geografia urbana, tendo em vista a complexidade das
cidades, especialmente das grandes metrópoles, tornam-se cada vez mais
necessários, sobretudo aqueles que indiquem caminhos e busquem
alternativas para os processos de transformações que estão em curso na
sociedade contemporânea. Numerosos são os trabalhos realizados no
Brasil para compreender a citada temática, no que diz respeito ao
processo de urbanização-industrialização, ao papel do Estado e à
distribuição de renda, a questão fundiária, ao crescimento urbano e à
metropolização, à expansão de periferias e implantação de serviços
essenciais e equipamentos coletivos, à qualidade de vida, entre outros. (p.
145)
Dessa forma, buscamos analisar as contradições que permeiam o objeto de análise
da nossa pesquisa, levando-se em consideração a ação e a transformação da cidade e da
sociedade a que se refere a autora, no contexto da centralidade e dos novos espaços de
consumo, mediante as estratégias de atuação dos comerciantes informais.
Nesse parâmetro, as atividades do comércio informal necessitam estar alocadas nas
áreas com maior intensidade de fluxos (veículos e pessoas). Por outro lado, é importante
destacar que as mercadorias e serviços, como os realizados porta a porta, também
contribuem de forma significativa para a sobrevivência de várias pessoas de um modo
geral, apesar das inconveniências tributárias e espaciais, ocasionadas pelo fato de que tais
atividades não se encontram regulamentadas, como também os constantes conflitos entre os
lojistas que se acham no direito de não permitirem que esses trabalhadores fiquem expostos
na frente de seus estabelecimentos comerciais. Isto pode ser observado pela presença dos
camelôs e ambulantes com suas barracas instaladas em alguns pontos centrais da cidade, o
que nos remete pensar nas novas formas de comercialização e estratégias locacionais diante
da (re)produção do espaço urbano em cidades de médio porte.
Se o mercado informal se desdobra na cidade não é possível desenvolver uma
análise sem destacar a ligação dessas novas formas comerciais com as atividades formais
expressas pela (re)produção do capital, visto que na atual conjuntura econômica, as relações
existentes entre a cidade, a informalidade e os processos que engendram a centralidade
urbana refletem uma dinâmica socioespacial que se desdobra nas relações cotidianas de
uma sociedade capitalista. Concordamos com Santos (1978) quando destaca que:
As análises econômicas, e os estudos sociológicos e geográficos, desde
seus primórdios, durante muito tempo confundiram o setor moderno da
economia urbana com a cidade como um todo. O resultado é que a
maioria dos estudos não se refere à cidade inteira e sim apenas a uma
parte da cidade, tomando-a como um ponto de partida até mesmo para a
formulação de teorias de urbanização e emprego pleno. (p. 35).
Esses apontamentos nos remetem a pensar que se temos um recorte territorial em
nossa pesquisa, que é o centro de Anápolis, não devemos pressupor que a cidade como um
todo comporte apenas funções ligadas ao setor moderno e, logicamente, formal da
economia, assim, como o próprio centro, visto que algumas teorias foram pensadas
considerando-se o geral, mas que na verdade contemplou apenas o específico e que não
podem ser tomadas como elementos de transformação da realidade reformulando
postulados e teorias. O que temos, então, são análises pensadas na teoria para o plano da
totalidade, enquanto os resultados empíricos fazem parte dos recortes delimitados no tecido
urbano. De acordo com a análise de Santos (1978), confundiram o setor moderno com a
cidade como um todo, cujos equívocos e avaliações que muitas vezes não condizem com a
realidade distorcem as informações e as análises acerca do objeto de estudo. Contudo, não
se pode desprezar a ligação dos setores formal e informal, uma vez que:
Cada circuito é um sistema, ou mais precisamente, um subsistema
urbano. Mas, que apesar de sua interdependência, o circuito inferior é
dependente do circuito superior. O circuito inferior não é informal,
conforme poderiam sugerir alguns autores; tem sua própria organização e
suas próprias leis operacionais e de evolução. (SANTOS, 1978, p. 38)
A cidade como materialização espacial das formas e expressão das funções
concentra atividades que caracterizam o movimento de uma sociedade imbricada nas
imagens dos objetos mediante relações sociais que fazem parte da vida cotidiana e que
Lefèbvre (1991) chama atenção quando discute aspectos do dia a dia, como a moda, a
culinária, a difusão do automóvel, até mesmo a questão do uso da escrita para nos lembrar
que esse movimento e esse conjunto de funções compõem a “sociedade de consumo
dirigido” e que é preciso resgatar o sentido original da vida, da festa e do desejo. Mas, por
outro lado, é na própria cidade que ocorre o processo de ampliação do capital, através das
respectivas atividades existentes e dos fluxos que se estabelecem entre elas através dos
diversos espaços produzidos no interior das cidades, como os espaços de produção,
consumo, lazer e os destinados à residência, contribuindo para a constituição de uma cidade
fragmentada. Apoiamo-nos em Carlos para explicitar melhor tais idéias, pois a
cidade tem
sido analisada como concentração de população, instrumentos de produção, necessidades,
atividades, serviços, infra-estrutura, reserva de mão-de-obra e (sobretudo) mercadorias.”
(1994, p. 84)
De qualquer forma a dominação dos objetos que caracterizam a cidade e a sociedade
urbana também pode ser compreendida na visão de Debord (1997) como o espetáculo da
mercadoria quando o mesmo aponta para a independência da própria mercadoria que
impera sobre a economia de um modo geral. Santos (1978) aponta que:
A sociedade urbana é dividida entre aqueles que têm acesso às
mercadorias e serviços numa base permanente e aqueles que, embora
tendo as mesmas necessidades, não estão em situação de satisfazê-las,
devido ao acesso esporádico ou insuficiente ao dinheiro. Isso cria
diferenças qualitativas e quantitativas de consumo. (p 37).
No entanto, mesmo havendo tais diferenças podemos enfatizar que o consumo é
uma prática imponente na cidade, levando-se em consideração a impossibilidade de análise
dos circuitos da economia urbana isoladamente, pois “a complementaridade é garantida à
custa da dependência do circuito inferior em relação ao circuito superior, sendo ambos
subordinados às mesmas leis gerais do desenvolvimento capitalista” (SANTOS, 1978, p.
51-2).
Contudo, ressalta que o consumismo está associado às manobras políticas e
oportunismos sofisticados cuja estrutura opressiva social e de poder está relacionada à
dominação, que por sua vez, também pode ser pensada no âmbito das mercadorias, pois a
população pobre vem adquirindo produtos, que é um indicativo de promoção social.
(SANTOS, 1978).
Relacionamos a isso produtos que passaram a fazer parte dos objetivos da classe
popular como a geladeira nova, a televisão com tela plana que pode se adquirida com
pagamentos em até 24 parcelas mesmo que não percebam que os juros já se encontram
embutidos no produto. Nessa ótica, Santos (1978) destaca que:
Alguns autores estão atualmente começando a defender o “consumismo”,
argumentando que as pessoas não tolerarão mais que lhes seja negado
aquilo que, a seu ver, é o próprio símbolo da promoção social. Assim,
para conquistá-las deve-se dar-lhes acesso aos produtos de consumo
básico. No entanto, há certa recusa em definir quais são as mercadorias
básicas e quais não são. (p. 71).
Realmente, não podemos definir o que é básico no sentido das mercadorias, pois o
que temos são produtos comercializados generalizadamente de acordo com os anseios dos
consumidores, pois o que difere um consumidor rico do pobre é o tipo e a marca daquilo
que se pretende comprar, visto que aqueles que não podem adquirir os melhores artigos, o
fazem mesmo que seja com produtos que imitam os de primeira linha, ou seja, no território
das mercadorias o que importa é o consumo, mas não significa uma forma de igualitarismo,
pois as divergências se concretizam no comportamento dos consumidores potenciais.
Destacamos tais apontamentos sobre a cidade, o comércio e o consumo, além dos
elementos que a compõem a organização das atividades ditas “informais”
1
e as estratégias
de localização destas como parte do processo de formação e consolidação da centralidade
urbana, pois a compreensão destes orienta e sustenta a produção do espaço urbano,
passando necessariamente pela análise da intensificação da divisão do trabalho,
concentração econômica, aglomeração de mão-de-obra e ampliação dos consumidores nas
cidades. Uma vez que as atividades se desenvolvem, as relações sociais se concretizam e se
diversificam mediante as próprias práticas exercidas por seus integrantes, ou seja, a cidade,
de acordo com Santos (1996):
[...] é objeto de um processo incessante de transformações que atingem
aquelas áreas necessárias à realização das atividades modernas de
produção e de circulação. Os novos objetos surgem para atender a
reclames precisos da produção material ou imaterial, criando espaços
exclusivos de certas funções. À cidade como um todo, teatro da
existência de todos os moradores, superpõe- se essa nova cidade moderna
seletiva, cidade técnico-científica-informacional, cheia das
intencionalidades do novo modo de produzir, criada na superfície e no
subsolo, nos objetos visíveis e nas infra-estruturas, ao sabor das
exigências sempre renovadas da ciência e da tecnologia. (1996, p. 76)
1
Consideramos aqui como atividades ligadas à informalidade aquelas que não estão regulamentadas pelo
poder público, como também aquelas realizadas “por conta própria”, uma vez que inserimos neste contexto as
atividades comerciais e de serviços instaladas nas ruas, avenidas e praças.
É nesse espaço da cidade que discutimos o papel da informalidade decorrente da
falta de empregos, nos setores secundário e terciário da economia, processo este que se dá e
/ou se apresenta em nível mundial. Não podemos considerar que a informalidade ocorre
somente por este fator, uma vez que muitos preferem atuar ou trabalhar no comércio
informal, o que possibilita, muitas vezes, uma fonte de renda maior, muitas vezes, do que
os empregos com carteiras assinadas e amparados pelas leis trabalhistas, embora o Brasil
esteja vivendo uma situação complexa diante dos problemas sociais imbricados pela
“profunda desestruturação produtiva e o recordes históricos de desemprego e precarização
das condições e relações de trabalho” (Mattoso, 1996, p. 9)
2
.
Santos (1978) aponta para a necessidade de se conhecer melhor o termo “setor
informal” para que não haja equívocos quanto à terminologia e seus significados, pois
afirma que há uma economia da pobreza ligada à “formalidade” e à alienação, uma vez que:
Para poder-se rotular uma ação humana de irracional, é preciso estar em
condições de provar que essa ação possui um objetivo permanente nem
um comportamento suficientemente firme para resultar em normas
efetivas. E no circuito inferior existem alguns relacionamentos que se
repetem em toda a parte e todo o tempo, entre agentes, entre agente e
clientes, no exercício da própria atividade e na sua significação global
dentro da sociedade. Por exemplo: os custos operacionais são
consideravelmente diminuídos no circuito inferior. Por outro lado, o que
dizer a respeito do papel do intermediário e do crédito pessoal? E a
respeito da formação de preços e pulverização da atividade? Até mesmo
a dependência em relação ao circuito superior é ditada por uma lógica.
Cada civilização ou classe se reserva a palavra como característica
superior de suas próprias ações. Mas a atividade econômica dos pobres
também funciona de acordo com uma lógica e, portanto, é racional.
(SANTOS, 1978, p. 54).
E prossegue argumentando que:
2
O referido autor considera que no Brasil, desde a década de 90, o saldo entre a destruição e a criação de
empresas, setores, produtos e empregos têm sido claramente favoráveis à primeira, resultando em um
processo de desestruturação produtiva. Destaca, ainda, que a “precarização das condições de trabalho”
significa o aumento do caráter precário destas, com a ampliação do trabalho assalariado sem carteira e do
trabalho independente (por conta própria). Pode ser identificada pelo aumento do trabalho por tempo
determinado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim pelo que se costuma chamar de bico. Em geral, a
precarização é identificada com a ausência de contribuição à Previdência Social e, portanto, sem direito à
aposentadoria. Pode ser entendida como sendo o processo de deterioração das relações de trabalho, com a
ampliação da desregulamentação, dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho, de contratos
por empresa ou mesmo unilaterais.
A deficiência dessas definições provém do fato de inverterem a realidade
social ao invés de analisá-la tal como é. A necessidade de quantificar ou
de levar em conta um único critério, o da produtividade do trabalho,
resulta na procura de um ponto limite que na realidade é impossível de
ser definido, porquanto a evolução social é assimétrica. Assim, os
aspectos qualitativos são afastados a priori, ao invés de serem antes
examinados para se elaborar, e eventualmente serem traduzidos em
variáveis quantificáveis. (SANTOS, 1978, p. 56).
A idéia de Santos está associada ao fato de que a adoção de critérios puramente
quantitativos levaria à argumentação de que “tudo se resolveria injetando maior
produtividade no circuito inferior, isto é, tornando-o mais capitalista” (SANTOS, 1978, p.
57). O que na verdade, não ocorre, pois explica que a função do circuito inferior (que é a
expressão que o autor prefere usar, ao invés, de setor informal) é a difusão do próprio modo
capitalista de produção entre os mais pobres impulsionando o consumo a “absorver para o
circuito superior a poupança e a mais-valia das unidades familiares
, por intermédio da
máquina financeira, de produção e de consumo” (SANTOS, 1978, p. 57)
. Sob esse prisma,
entendemos que o autor quer chamar nossa atenção para o fato de que a relação formal e
informal ou superior e inferior expressa situações e intenções que caracterizam o que
considera como canais de transmissão, ou seja, canais que representam A distribuição
desigual dos recursos e que podem ser pensados também com relação ao circuito inferior na
figura do comerciante da feira, dos motoristas de caminhão e outros. (SANTOS, 1978).
Contudo, o que buscamos em nossa pesquisa foi o levantamento de dados que
fundamentassem a proposta de uma tese baseada no comércio informal articulado e atrelado
às funções do centro como expressão de novos espaços de consumo frente à popularização
e generalização dos produtos, reafirmando e restabelecendo a centralidade intra-urbana.
Assim, não queremos enfatizar a viabilidade ou não das atividades do comércio informal,
pois são elementos que fazem parte do conteúdo que caracteriza o próprio centro como
“uma paisagem arquitetural e humana muito mais complexa” (SANTOS, 1981, p.181)
Para esclarecermos esse assunto, torna-se necessário traçarmos alguns comentários
sobre o significado do comércio informal e o perfil das pessoas envolvidas na atividade,
além de enfatizarmos a distribuição do mesmo na cidade de Anápolis, criando, assim,
novos e/ou velhos
3
espaços destinados ao consumo, ou seja, a constituição dessa nova e/ou
velha atividade econômica, cuja temática surgiu a partir da tentativa de se compreender a
dinâmica do comércio informal nas principais ruas comerciais do centro da cidade em
questão, como a Rua General Joaquim Inácio, Rua Engenheiro Portela, 15 de Dezembro e
partes das Ruas 7 de Setembro, Rui Barbosa e Praça Americano do Brasil, pois é preciso
discutir o centro como lugar de apropriação e uso pelos camelôs e ambulantes, além do
enfoque sobre o comércio e consumo do/no espaço, fato este que aponta o comércio
desenvolvido pela categoria como uma forma comercial que se articula no contexto das
funções exercidas no centro das cidades. Assim, decidimos analisar a centralidade urbana
como fator principal de constituição desses espaços de consumo, o que permite traçarmos
um paralelo entre o comércio informal, a própria centralidade e o consumo da/na cidade.
O espaço urbano é o locus da produção e reprodução das relações socioespaciais sob
as novas formas de comercialização e estratégias locacionais das atividades inseridas no
contexto da (re)produção do capital no interior das cidades, mais precisamente, na área
central. Assim sendo, a dinâmica da (re)produção dos espaços e as relações sociais
imbricadas pela lógica capitalista assume o papel que desencadeia novas e/ou velhas formas
espaciais com novos/velhos usos, o que significa novas/velhas formas comerciais.
Essa análise sobre a (re)produção espacial, tendo como base o consumo no/do
centro da cidade, envolve uma discussão sobre a questão da centralidade urbana expressa
pelos fluxos estabelecidos na área, como também as características do comércio popular e
do próprio comércio informal, com os chamados camelôs e ambulantes que apropriam
áreas, que por sua vez são na maioria das vezes públicas e acessíveis para a realização das
atividades. Assim, é importante avaliarmos tal dinâmica na cidade de Anápolis, que se
configura como uma cidade média, expressiva em Goiás.
É preciso compreender a estruturação de algumas ruas (as que foram selecionadas
para esta pesquisa) do centro da cidade que apresentam um dinamismo e a concentração em
maior escala dos camelôs e ambulantes, além da própria localização do camelódromo e do
Shopping Popular, podendo ser considerado um camelódromo novo, ou seja, uma extensão
3
O título da pesquisa aponta para as atividades do comércio informal como sendo novos espaços de
consumo, mas se levarmos em consideração que esta prática existe há milhares de anos, vemos que fazem
parte de um processo que vem se renovando constantemente e que não pára de crescer no interior das cidades
brasileiras, fato este que também se destaca em cidades de outros países.
do anterior, mas com um novo aspecto, visto que vivemos a chamada “era dos shopping
centers”, fato que propiciou o nome dado àquele espaço.
O que justifica e reforça a idéia do novo é a questão do público consumidor, a
generalização e o fetiche das mercadorias, o tempo de duração não somente dos produtos,
mas também das necessidades (a obsolescência), pois não são apenas as pessoas de baixa
renda que buscam os produtos que os camelôs e ambulantes comercializam, mas quem
precisa de alguma mercadoria que está contida nesses espaços. É como se fosse um
espetáculo realizado numa arena, onde uma multidão espera encontrar algo para se
satisfazer, portanto, é um imenso e eterno prazer o ato de consumir.
As formas espaciais estão associadas à produção e reprodução do espaço urbano,
que por sua vez podem ser interpretadas a partir das formas comerciais criadas para
satisfazer as necessidades do consumo, cujo centro tradicional, e muitas vezes principal das
cidades brasileiras, abriga formas e funções que se renovam para atender os anseios e
necessidades humanas. Nessa perspectiva, a mercadoria desencadeia uma função que faz
parte de um processo histórico e que está inserido no contexto da sociedade urbana que é a
prática do consumo, que por sua vez expressa a relação com o espaço. Por isso falamos em
consumo do e no espaço, além da reprodução do capital que permeia essas relações e a
questão da apropriação de uma dada parte desse espaço para que o círculo da
mercadoria/consumo/ lucro se concretize, visto que todos os cidadãos são consumidores de
algum produto e até mesmo do espaço.
Carreras (1992) aponta para a questão das mudanças no consumo que caracterizam
mudanças nos níveis de vida através do automóvel, da geladeira e da televisão, uma vez
que o tempo de cada indivíduo é diferente e depende das necessidades a serem suprimidas.
O automóvel como transporte individual facilitou a locomoção no interior das cidades, pois
é possível chegar onde se quer; a geladeira
4
permitiu armazenar os alimentos fazendo com
que o próprio tempo fosse também aproveitado para outras atividades, sem a necessidade
de ir ao mercado do bairro busca-los todos os dias, mesmo porque outros equipamentos
comerciais como os supermercados e, atualmente, os hipermercados e shopping centers
foram surgindo fora do centro das cidades, processo este caracterizado como suburbano.
4
RYBCZYNSKI, Witold em Vida nas Cidades: expectativas urbanas no novo mundo, de 1996, também
discute a questão da televisão e da geladeira terem transformado o modo de vida das pessoas nas cidades e
impulsionando o desenvolvimento urbano.
Contudo, tais equipamentos comerciais e de serviços (shopping centers e
hipermercados) podem ser considerados uma nova opção para as compras. E por fim, ainda
dentro das considerações elencadas sobre as mudanças nos padrões de consumo, a televisão
que facilitou o acesso às informações em tempo rápido, além de ser o “portal” de ligação
das mais variadas propagandas, além da internet que facilitou as compras sem que as
pessoas precisassem sair de casa, caracterizando novas formas de aquisição das
mercadorias e impulsionando o desejo e o próprio ato de consumir.
Com relação à realidade de Anápolis, o centro da cidade não deixou de exercer sua
função concentradora de atividades ligadas ao setor terciário, como o comércio e a
prestação de serviços, já que na maioria das cidades houve uma diminuição da importância
da área central em detrimento de novas áreas com um novo potencial concentrador.
5
Nesse
caso, o centro da respectiva cidade abriga inúmeras funções comerciais e de serviços e que
mesmo havendo estas funções em outras partes da cidade, a população procura realizar suas
necessidades no próprio centro. Temos o crescimento e o fortalecimento do comércio
popular que passa a ser diversificado, isto é, apresenta várias opções de consumo,
principalmente nos ramos de vestuário, calçados e produtos eletrônicos, o que acirra a
disputa entre os lojistas. Isto pode ser observado no camelódromo e no próprio comércio de
rua, onde encontramos as mercadorias que também estão à venda em outras lojas.
6
É importante destacarmos que o centro da maioria das cidades vem passando por
um processo de popularização das atividades, pois as atividades que podem ser agrupadas
como as mais sofisticadas estão se (re)alocando em áreas cujo padrão de consumo também
foi reestruturado mediante a presença dos novos aparelhos comerciais e de serviços, além
da presença marcante dos condomínios fechados que permite e favorece a localização de
atividades mais próximas destas novas formas de habitat (e porque não falar em habitar),
5
Isto não quer dizer que o centro tradicional e muitas vezes principal das cidades perdeu sua força, houve na
verdade, uma popularização do comércio a partir das lojas que vendem mercadorias a R$ 1,99, mas o centro,
ainda, é receptador de muitas pessoas, principalmente as que utilizam o transporte coletivo urbano, que na
maioria das vezes está localizado nesta área, até mesmo porque as pessoas que possuem veículo particular
podem se locomover para outras áreas fora das áreas centrais, buscando qualquer tipo de atividade que
necessitar. Esta questão está inserida na idéia desenvolvida por Gottdiener sobre o processo de
suburbanização no interior das cidades.
6
Em muitos casos, as pessoas de poder aquisitivo mais elevado consomem as mercadorias através do slogan
das marcas e por isso não buscam outras formas comerciais, mesmo porque fazem parte de uma clientela mais
segmentada, que por sua vez não se popularizou diante da própria popularização do comércio do centro e do
comércio de rua.
uma vez que o centro propriamente dito passa a ser o local em que as pessoas de baixa
renda freqüentam a fim de satisfazer alguma necessidade.
O centro, então, passa a vivenciar não somente a disputa e concorrência com relação
às mercadorias comercializadas, mas também uma disputa e concorrência mediante a
utilização do espaço, uma vez que este acaba sendo considerado uma mercadoria, pois o
uso potencializa a experiência humana numa sociedade complexa em que as ações
cotidianas caracterizam a cidade como o lugar do vivido. Ainda com base nessa idéia,
Lefèbvre (1999) considera que:
Em conseqüência, a cidade cobre bem a dupla acepção do termo
“produzir”. Obra ela mesma, é o lugar onde se produzem as obras
diversas, inclusive aquilo que faz o sentido da produção: necessidades e
prazeres. É também o lugar onde são produzidos e trocados os bens, onde
são consumidos. Reúnem essas realidades, essas modalidades do
“produzir”, umas imediatas e outras mediatas (indiretas). Essa unidade,
da qual é o suporte social, o “sujeito”, ela a concretiza e a data enquanto
continuaria abstrata e sem data. (p. 140).
Nessa perspectiva é que discutimos a questão da ocupação dos espaços pelos
camelôs e ambulantes em alguns pontos do centro da cidade em análise, no caso Anápolis,
considerando-se a centralidade intra-urbana para apreendermos as especificidades do
processo, uma vez que podemos considerar que é a partir da generalização da mercadoria
que esses espaços ditos centrais passaram a ter um significado expressivo, pois a cidade
também é o produto de todas as ações.
Assim, temos uma situação que envolve:
A relação entre os detentores de dinheiro ou de mercadorias, de um lado,
e os detentores somente de sua força de trabalho, de outro lado, não tem
nada de natural e nem é, também, uma relação comum a todos os
períodos da história. A cidade, como tal, faz parte dessas condições
históricas, implicadas no capitalismo. Ela resulta da destruição das
formações sociais anteriores e da acumulação primitiva do capital (que se
completa nela e por ela). Ela é coisa social, na qual são evidentes
(tornam-se sensíveis) relações sociais que, tomadas em si, não são
evidentes (cf.cap.I, p. 85), de sorte que é necessário concebê-las pelo
pensamento, a partir de sua realização concreta (prática). (LEFÈBVRE,
1999, p. 140-141)
Uma das hipóteses que norteia o nosso trabalho de pesquisa está pautada no fato de
que o comércio informal das ruas, o do camelódromo e do Shopping Popular, configura-se
como novo espaço de consumo atrelado à reafirmação da centralidade urbana, que pode ser
pensada da seguinte maneira: como uma centralidade múltipla, embora o centro continue
exercendo a função de centro potencializador,. Não podemos deixar de considerar que as
cidades apresentam uma diversificação e uma multiplicação de centros
(multipolicentralidade urbana); a centralidade cambiante pode ser avaliada no âmbito dos
fluxos que se manifestam no espaço e de sua conseqüente fluidez; a complexidade das
funções recentralizadas de forma segmentada e especializada (Whitacker, 2003) e uma
centralidade polinucleada com a inserção de novas áreas que se tornam centrais do ponto de
vista da funcionalidade e da socioespacialidade.
As tentativas do poder público em acabar com os informais que se instalaram nas
ruas e calçadas, se deu através da construção do próprio camelódromo e do Shopping
Popular, mas esta iniciativa não foi suficiente para contê-los, o que permitiu sua volta para
os locais públicos. Na verdade, temos um centro principal que comporta inúmeras funções
e que se fragmenta nas formas de organização das mesmas, isto é, o comércio formal e o
informal que competem entre si na disputa pelo espaço, pelo lugar como autores e atores de
uma história de representações entre os diversos grupos sociais, pois cada elemento desse
cenário e a importância do lugar no centro para qualquer atividade que se desenvolva têm
uma trajetória que envolve o cotidiano. Para tal, utilizamos uma investigação indireta com
base no levantamento bibliográfico para a preparação da fundamentação teórica, conceitos
trabalhados e discutidos na geografia, mais precisamente na geografia urbana, para
compreensão da produção e reprodução do espaço como locus da sociedade.
Santos, assim, avalia quando discute que “é o espaço, isto é, os lugares, que
realizam revelam o mundo, tornando-o historicizado e geografizado, isto é, empiricizado.”
(2001, p. 112).
A investigação direta está pautada na coleta de dados, nas informações obtidas com
o trabalho empírico mediante os questionários, enquetes e entrevistas para uma apreensão
da realidade levando-se em consideração a dinâmica socioeconômica. Assim sendo, o
método de investigação aplicado para análise dos dados é o método dialético com base na
historicidade, uma vez que é preciso enfocar a história da cidade de Anápolis, como
também, a história do comércio informal, a fim de construirmos um arcabouço teórico-
metodológico para o embasamento da tese, mas tendo como base o presente sem a
necessidade de uma volta intensa ao passado, pois é preciso entender a realidade num
determinado momento para alcançar os resultados e propor soluções ou mesmo tendências
para os problemas estudados e pesquisados, o que não quer dizer que a história dos fatos
não seja importante para se conhecer o objeto. A referida análise busca estabelecer e/ou
construir uma crítica diante do objeto de estudo, visto que, segundo Santos (1985):
O movimento dialético entre forma e conteúdo, a que o espaço, soma dos
dois, preside, é, igualmente, o movimento dialético do todo social,
apreendido na realidade geográfica. Cada localização é, pois, um
momento do imenso movimento do mundo, apreendido em um ponto
geográfico, um lugar. Por isso mesmo, cada lugar está sempre mudando
de significação, graças ao movimento social: a cada instante as frações da
sociedade que lhe cabem não são as mesmas. (p. 2).
Dentro dessa discussão é fundamental a análise histórica, uma vez que o referido
autor também considera o seguinte:
Como os circuitos produtivos se dão, no espaço, de forma desagregada,
embora não desarticulada, a importância que cada um daqueles processos
tem, a cada momento histórico e para cada caso particular, ajuda a
compreender a organização do espaço. Por exemplo, a tendência à
urbanização em nossos dias e, mesmo, o seu perfil, vai buscar explicação
na importância auferida pelo consumo, pela distribuição e pela
circulação, ao mesmo tempo em que o trabalho intelectual ganha uma
expressão cada vez maior, em detrimento do trabalho manual. Aliás, a
própria segmentação tradicional do processo produtivo
(produção
propriamente dita, circulação, distribuição, consumo) muito ganharia em
ser corrigida para incluirmos, em lugar de destaque, como ramos
automatizados do processo produtivo propriamente dito, a concepção
(pesquisa), o controle, a coordenação, a previsão, paralelamente à
mercadologia (marketing) e à propaganda. (SANTOS, 1985, p. 3).
Contudo, buscamos construir um referencial teórico partindo das discussões acerca
de conceitos ligados à Geografia, mais precisamente, à Geografia Urbana e à própria
geografia do comércio, já que tratamos do consumo imbricado na categoria de análise
“espaço”, sobretudo mediante aos processos que engendram estrutura, forma e função
articuladas por elementos sociais que interagem no urbano. Preparamos uma reflexão sobre
assuntos que muitas vezes surgem como novos, mas que já vêm de algum modo sendo
pesquisados ou mesmo apenas comentados, como é o caso da informalidade nos dias atuais,
e é nessa perspectiva que desenvolvemos a idéia de que o comércio informal se configura
como um espaço de consumo pela via do público consumidor e que se estrutura em função
do centro principal de Anápolis, tendo como fator primordial a “convergência” das
atividades para a respectiva área, o que nos remete discutir as estratégias do comércio de
rua e a estruturação dos camelódromos cuja própria dinâmica do processo está atrelada ao
sistema capitalista de produção, levando-se em consideração a precarização das condições
de trabalho e o perfil dos trabalhadores na informalidade.
A experiência na realização de uma pesquisa científica dessa natureza contribuiu
para que pudéssemos ter um contato direto com as pessoas que trabalham na informalidade,
mas o que é preciso ter clareza nessa situação é que não podemos considerá-los informais e
nem pensar que se a prefeitura municipal tem o conhecimento da atuação destes os
problemas estão amenizados, pois é uma questão que envolve relações entre indivíduos de
uma sociedade que expressa contradições entre as forças produtivas e as relações de
produção. Nessa perspectiva, é que tomamos como base para explicitar nosso pensamento
momentâneo as idéias de Damiani (2002) quando, assim, se refere ao dizer que:
De qualquer forma, o cotidiano, em relação ao econômico e ao político,
amplia o universo de análise para tantas outras relações entre os
indivíduos e grupos, inclusive particulares, locais. Inclui o vivido, a
subjetividade, as emoções, os hábitos e os comportamentos. A integração
na sociedade global industrial moderna coloca a questão da dissociação,
da contradição dos momentos da vida social. Contradição dolorosa-a vida
do trabalho esmagando a vida familiar-, o que garante que, entre os
momentos da vida social, não haja somente composição estrutural. Além
disso, nem tudo é programado, capturado, a cotidianidade, como resíduo,
dá lugar ao informal, ao espontâneo. (p. 163-4).
Na visão de Lefébvre quando destaca as idéias de Marx a respeito da redução do
homem a uma máquina de produção e consumo, “mais se prossegue o ataque fundamental
contra a propriedade privada tornada “poder histórico mundial”, mais se desenvolve a
crítica e se aprofunda o processo, mais o contexto urbano se torna evidente.” (LEFÈBVRE,
1999, p. 33-34).
As evidências do contexto urbano podem ser interpretadas a partir das
contradições de quem possui as condições necessárias de sobrevivência e aqueles que lutam
por algum espaço, pois cada vez mais, há relações que envolvem pedaços desse mesmo
espaço para a reprodução da vida. No entanto, queremos frisar que é importante tecermos
uma discussão que considere as práticas da/na cidade como elementos que se movimentam
no tempo e no próprio espaço, ou seja, as divergências entre os que usam o espaço tido
como público para desenvolver atividades mercantis e aqueles que procuram dominar as
ações e estratégias desses usos através da manipulação que envolve os atores políticos e a
população. Na verdade, é preciso ter clareza do direito à cidade que todos os cidadãos
buscam sem haver exclusividades, no caso a rua, que também é apropriada por quem
circula e pelos comerciantes do setor formal da economia urbana e não apenas pelos
considerados informais. Lefèbvre (1991) destaca que:
A centralidade lúdica tem suas implicações: restituir o sentido da obra
trazido pela arte e pela filosofia - dar ao tempo prioridade sobre o espaço,
não sem considerar que o tempo vem se inscrever num espaço – pôr a
apropriação acima do domínio. (p. 133).
Essas questões apontadas pelo autor permitem que façamos uma interpretação a
respeito do espaço no centro das cidades enquanto formas de apropriação que devem ser
tomadas enquanto ações que concebem os espaços sociais, ou seja, é preciso que as
estratégias de atuação nessa área não fiquem restritas apenas às idéias daqueles que
procuram transformar o centro numa área exclusiva. O direito à cidade no pensamento de
Lefèvbre (1991, p. 135) está pautado “como forma superior dos direitos”, com base na
liberdade, individualidade, socialização, direito de habitar e ao habitat, uma vez que os
espaços seguem a lógica do valor de troca em detrimento do valor de uso e os ambulantes e
camelôs podem ser avaliados como atores desse processo que combina as relações de troca
e os usos manifestados pelas ações desta categoria.
Para Sobarzo (2004, p. 144), que se baseia em Lefebvre é importante avaliar que há
uma relação entre “dominação e apropriação”, pois embora “a dominação no processo
histórico do capitalismo pareça ganhar força ou se impor à apropriação, esta última não
desaparece, continua sendo presente e importante.” (LEFEBVRE, 1991) Assim,
entendemos que a dinâmica do espaço urbano contém as experiências dos espaços
dominados e apropriados, ou seja, quando vemos os ambulantes e camelôs se fixando na
área central, cujo fluxo expressa o poder de atração dessa área, estamos diante de uma
situação que envolve o uso de um determinado espaço, que por sua vez é dominado pelo da
mercadoria, pelo consumo e pela superação das necessidades que são (re)criadas pelo
capitalismo. Nessa perspectiva, podemos entender que se buscamos o centro como um
espaço para o uso, também temos que considerar que este uso acaba sendo mascarado pela
dominação da mercadoria, que expressa o uso de um espaço para que a reprodução se
concretize, ou seja, a territorialização da mercadoria favorece a apropriação do próprio
espaço para o exercício da dominação, que por sua vez é a do capital, implícito na
generalização dos produtos comercializados. Seabra (2004, p. 183) discute que
há “um
processo de valorização do espaço, implícito nas relações sociais, o qual necessariamente,
tem que se territorializar para permitir alguma apropriação”.
Sobarzo (2004, p. 145) também aponta nessa análise que junto “à dominação existe
a apropriação no cotidiano e com ela as possibilidades de transformação, do novo” (A idéia
que o autor considera é a de que os usuários do espaço precisam superar a extrema
condição de consumidores, pois precisam aproveitar esses usos também para as práticas
sociais que envolvem a cultura. No caso da realidade dos camelôs e ambulantes que se
instalaram no centro de Anápolis queremos registrar que ao mesmo tempo em que
dominam esse espaço com a exposição das mercadorias que ficam espalhadas pelas bancas
ou em locais específicos há também a criatividade com que planejam o uso do espaço de
modo que combinam o trabalho com as mais variadas formas de atrair os consumidores
(muitas vezes encontramos ambulantes que fazem propaganda dos produtos com cartazes
colados no próprio corpo, ou seja, procuram fazer a propaganda dos produtos para
conquistar o cliente).
Podemos pensar, então, que a revitalização dos espaços centrais contribui para
agravar as diferenças no interior das cidades, gerando uma grande distinção entre os lojistas
e ambulantes, uma vez que o sentido da apropriação deveria ser pensado para neutralizar os
conflitos e não acirrá-los ainda mais. De qualquer forma, há uma disputa pelo “lugar”
dentro do próprio centro e da cidade como um todo, além da programação dos usos, pois
cada elemento presente no centro assume um papel diferenciado na apropriação do espaço e
como ressalta Sobarzo (2004, p 151) para cada usuário existem “pedaços” de cidade
apropriada.” E prossegue dizendo que:
A consideração da apropriação como uma privatização do espaço público
na escala do corpo dos usuários inter-relaciona as esferas do público e do
privado, mas também significa uma relação interescalar porque, embora
falamos que a apropriação é realizada na escala do corpo, na verdade, o
usuário, a partir do seu corpo, “conquista” uma outra escala representada
no espaço público do bairro, do centro da cidade ou num daqueles
“pedaços” de cidade definidos pelas suas trajetórias. (SOBARZO, 2004,
p. 151)
Assim, essa trajetória pode ser avaliada na figura do camelô e do ambulante que se
apropria do espaço na escala do próprio corpo e do espaço urbano, responsável por essa
reprodução, mas com a junção de outros níveis escalares que extrapolam o limite desse
corpo, a partir da rua, do bairro, do centro para onde convergem todos os dias, muitas vezes
empurrando as mercadorias num carrinho de mão. Por fim, queremos registrar que o intuito
desta pesquisa foi o de avaliar os novos espaços de consumo nas principais ruas do centro
de Anápolis através do comércio informal praticado pelos camelôs e ambulantes, mas sem
considerar as relações de trabalho no sistema capitalista, apenas buscando informações no
âmbito da articulação com as atividades formais ligadas ao movimento amplo de produção
e reprodução do capital. Assim, mais uma vez reforçamos que o objetivo principal de
nossa pesquisa é o de associar a dinâmica de atuação desses comerciantes com a questão da
centralidade urbana, que se restabelece no centro mediante os fluxos que se redimensionam
no território.
O primeiro capítulo foi estruturado contemplando as idéias que permeiam a gênese
das cidades e do centro urbano com destaque para os autores que discutem a questão
urbana, considerando-se a dinâmica das novas formas de comércio pautadas nos camelôs e
ambulantes, as novas práticas do consumo e a apropriação dos espaços centrais.
APRESENTAÇÃO
A oportunidade de trabalhar como docente na Universidade Estadual de Goiás, na
cidade de Anápolis nos permitiu elaborar um projeto de pesquisa que tivesse a intenção de
contribuir de forma científica para com os diversos assuntos ligados à geografia urbana e
que de certa forma pudesse trazer idéias ou questionamentos a respeito da realidade
anapolina. Contudo, o que mais chamou nossa atenção em meio a tantos universos que
poderiam ser pesquisados foram as diversas bancas de ambulantes e camelôs espalhadas em
algumas partes do centro como também a presença marcante de um camelódromo e de um
shopping popular, misturando os usos e (re)definindo os espaços.
Assim, procuramos nesta tese de doutorado discutir os novos (ou velhos) espaços de
consumo a partir das atividades ligadas ao comércio informal no centro da cidade, uma vez
que nos deparamos com uma realidade que permite apontarmos a centralidade urbana como
um fator indutor no que tange à instalação dessas atividades na referida área. É fundamental
avaliarmos que a questão da centralidade expressa a relação existente entre forma, função e
fluxos, redefinindo os papéis inerentes às cidades de médio porte no Brasil. Queremos
esclarecer que não foi nossa intenção nesta pesquisa discutirmos os problemas ligados à
categoria do trabalho informal, ou seja, nossa idéia está relacionada ao surgimento das
bancas dispostas nas ruas e calçadas, além da presença do camelódromo e do shopping
popular que associamos àquilo que chamamos de novos espaços de consumo no centro
expressando e reforçando a centralidade a partir das formas e funções.
Nossa investigação esteve pautada na observação dos fatos, na análise dos dados
coletados e nas informações obtidas nas diversas fases da pesquisa, visto que buscamos
compreender os fatores ligados à dinâmica da (re)produção dos espaços na área central,
levando-se em consideração que o comércio informal faz parte de um processo que também
está associado à (re)produção do capital, pois são elementos que interagem nos diversos
níveis de interpretação do espaço urbano.
Queremos ressaltar que durante as várias etapas do desenvolvimento da pesquisa,
novas idéias e questionamentos foram sendo incorporados ao esforço de síntese dos fatos
elencados e esperamos ter contribuído para o entendimento de alguns processos que
permeiam o urbano de um modo geral, porém sem esgotá-los.
O presente trabalho está estruturado a partir da introdução, cujas primeiras
manifestações do nosso pensamento sobre a cidade e, principalmente, sobre a temática
proposta compõem as páginas iniciais.
No primeiro capítulo apresentamos: O centro das cidades e a (re)produção dos
espaços: estratégias comerciais, consumo e apropriação das áreas centrais pelos
camelôs e ambulantes com vistas a analisar, de um modo geral, o centro das cidades com
base nas metrópoles brasileiras e a relação com a (re)produção do capital, uma vez que é
nessa parte da cidade que as atividades econômicas se realizam e o consumo se concretiza
de forma mais intensa. Assim, temos o surgimento e a apropriação do centro das cidades, a
questão da centralidade urbana, a dinâmica do uso do solo a partir das estratégias dos
camelôs e o consumo do e no espaço.
O segundo capítulo trata das questões referentes ao comércio informal e as
práticas comerciais no centro das cidades: a constituição dos novos espaços de
consumo com ênfase para as características do comércio informal e dos ambulantes no
contexto de relações sociais, as primeiras manifestações destes e as diversas formas de uso
e apropriação da área central. Buscamos também avaliar o consumo do espaço e o espaço
do consumo, cujo próprio espaço também deve ser entendido como uma mercadoria e como
força motriz das transformações pelas quais passam a sociedade.
O terceiro capítulo, O comércio informal de Anápolis e as mudanças nos espaços
de consumo na área central: a (re)afirmação da centralidade urbana está relacionado à
realidade da cidade de Anápolis, no Estado de Goiás, visto que algumas ruas do centro foi o
recorte
territorial estabelecido para o desenvolvimento da pesquisa e visa a discutir o
surgimento de uma cidade média e a constituição do centro principal, além dos ambulantes
e camelôs estabelecidos na área central, configurando formas de apropriação do espaço
atreladas aos novos usos, com enfoque para a rua como um espaço de consumo mediante a
localização das atividades comerciais, sendo estas ligadas ao setor formal e informal da
economia urbana.
O esforço de síntese é o momento no qual temos que finalizar nossas idéias, embora
elas não devam ser esgotadas, uma vez que a própria dinâmica do espaço urbano evidencia
constantes mudanças e colocam em discussão novos objetos e elementos que contemplam o
pensamento sobre a cidade. No entanto, as reflexões finais foram elaboradas através do que
apontamos como fundamentais apenas para o fechamento deste trabalho (que precisava
terminar), pois na verdade, as informações e a avaliação dos possíveis avanços relacionados
à temática não se esgotam com o que tentamos abordar, ou seja, outras análises surgirão
para complementar nossas idéias. Queremos ainda ressaltar que os obstáculos presentes no
desenvolvimento da pesquisa fazem parte da construção do conhecimento, pois não é uma
tarefa muito fácil coletar os dados para serem analisados e interpretados de acordo com
teorias que confirmem ou até mesmo discordem das proposições elencadas para cada
temática proposta. Buscamos, de fato, compreender os processos que contribuem para as
práticas existentes na cidade e, em particular, a realidade do centro de Anápolis apontando
sempre as possibilidades de descoberta e redescoberta dos elementos que caracterizam a
cidade e o urbano.
CAPÍTULO 1
O Centro da Cidade e a (Re)produção dos Espaços: estratégias comerciais, consumo e
apropriação das áreas centrais por camelôs e ambulantes
Neste capítulo tratam-se das questões que envolvem o centro das cidades com
destaque para a (re)produção dos espaços por meio das estratégias comerciais, para o
consumo e a apropriação desses espaços, uma vez que o setor terciário é o principal
responsável pela estruturação e reestruturação das áreas centrais, cuja dinâmica também
expressa a (re)produção do capital. Contudo, é necessário realizar uma análise a respeito da
origem do centro urbano buscando uma definição com base em autores que discutem a
temática das cidades, principalmente, as brasileiras.
É preciso compreendê-las do ponto de vista da sua formação histórica para
podermos avaliar os níveis de crescimento e desenvolvimento, cujo significado aponta para
a dinâmica socioespacial e para as práticas contemporâneas nas escalas intra-urbana e
interurbana, tomando como base os fenômenos urbanos que se complementam na relação
entre a cidade e o urbano. Precisamos enfocar, também, a questão da centralidade urbana
do e no centro, uma vez que nossa análise aponta para o fato de que em algumas cidades, o
centro ainda exerce o papel de centralidade expressiva sem perder sua função
concentradora dos fluxos no interior das mesmas.
Sob esse aspecto discutimos o papel dos camelôs e ambulantes mediante a
generalização da mercadoria e as estratégias comerciais, apontando para a apropriação dos
espaços centrais, visto que a presente pesquisa parte de uma avaliação geral para uma
avaliação específica quando tratamos de enfocar a localização da área de estudo e o recorte
territorial definido para a apreensão dos fatos contidos numa realidade, que acima de tudo,
é social. Nessa perspectiva, apontamos o consumo como um elemento importante para
discutirmos a própria estruturação do centro, cuja morfologia caracteriza uma apropriação
diferenciada dos espaços, com formas e funções que definem a cidade como o lugar das
manifestações da vida cotidiana, pois não podemos entendê-la apenas pelo nível das formas
a partir da configuração das ruas, praças, monumentos isolados, da vida social que é um
fator importante para avaliar a estrutura socioespacial da cidade, mais precisamente do
centro urbano, partindo de Lefèbvre (1991), que considera o espaço como isotopias e
heterotopias.
Analisar a cidade é uma tarefa árdua dentro da Geografia e das demais disciplinas
que buscam compreender este tema. Os conceitos e definições elencados por diversos
autores colocam em evidência as mais diversas correntes teóricas, que por sua vez
caracterizam o pensamento daqueles que em algum momento se propuseram a contribuir
para os questionamentos indagados em outros períodos. Sob esse aspecto, consideramos as
correntes do pensamento urbanista que se desenvolveram à margem das teorias ligadas ao
Estado em contrapartida aos postulados já existentes, buscando reformular as respostas
numa tentativa de se compreender a questão socioespacial numa relação que contempla o
espaço e a sociedade. A interpretação do espaço leva-nos a discutir as particularidades que
compõem cada movimento das ações desenvolvidas pelos diversos atores sociais segundo
combinações que representam as mais diversas atitudes contidas nas formas e conteúdos
atribuídos à dinâmica socioespacial. Portanto, destacamos a produção do espaço urbano que
contém as particularidades do centro através dos seus elementos, cujo movimento se traduz
na concretude das novas e velhas formas, contextualizados pelos novos e velhos usos
mediatizados pelo trabalho e pela técnica. Para Carlos (1996),
No lugar encontramos as mesmas determinações da totalidade sem com
isso eliminar-se as particularidades, pois cada sociedade produz seu
espaço, determina os ritmos da vida, dos modos de apropriação
expressando sua função social, seus projetos e desejos (p.17),
num ritmo
que contempla forma e conteúdo e que fazem parte das práticas
cotidianas ligadas à análise do fenômeno urbano. (grifo nosso).
Nessa lógica, quando falamos da cidade imaginamos como é o “centro” e que papel
ele exerce nela. Por isso, é comum todos dizerem: “Preciso ir ao centro”. Esta colocação é
constante devido ao fato da expressão “centro da cidade” ser para muitos o local em que se
concentram as funções
7
que visam a satisfazer as necessidades dos citadinos e até mesmo
daqueles que não residem nas áreas urbanas.
7
Atualmente assistimos mutações quanto ao centro das cidades, pois muitas passaram por um processo de
reestruturação que implica no surgimento e constituição de novos eixos no seu interior, o que caracteriza
mudanças quanto à própria localização e importância do centro.
Para muitas cidades o centro, postulado como principal e tradiciona, concentra e
condensa as atividades do setor terciário, fundamentais para caracterizar o dinamismo dessa
área num processo que coloca em evidência a própria produção do espaço urbano, produção
esta que vem mesclada por um conteúdo construído socialmente. Diante desses
apontamentos é que procuramos um sentido para compreender a dinâmica do centro urbano
de Anápolis, no Estado de Goiás, através do comércio informal. A nossa proposta de
trabalho foi entender a dinâmica do centro a partir das estratégias socioespaciais e das
novas formas de comercialização com base nos camelôs e ambulantes que se instalaram
nessa área.
Essa análise também se refere ao consumo como prática existente há milhares de
anos e que se fundamenta no sentido da existência do centro urbano, visto que a
expressividade da cidade como um produto de relações capitalistas é a própria (ou busca,
necessidade?) do consumo, que se apresenta como um elemento de grande relevância para
compreendermos a dinâmica atual.
A análise dos fatos não deve ser fragmentada, isto é, não podemos fazer um esforço
para entender apenas o centro da cidade ou os seus centros isolados do contexto em que se
inserem, pois é preciso olhar para “a cidade e o urbano - e toda sociedade - como uma
unidade aquém e além das fragmentações analíticas” (LEFÈBVRE, 1991, p. 35).
Com base nesses apontamentos, enfocamos algumas indagações para uma análise
mais pormenorizada da temática, isto é, como analisar a cidade, o centro e os centros a
partir do comércio informal? O camelódromo é uma iniciativa positiva? Pode ser entendido
como uma nova e/ou velha forma de comércio? O centro é indutor de uma centralidade
urbana já confirmada e reestabelecida em função do papel que desempenha na escala intra-
urbana? Enfim, tentar esclarecer esses questionamentos faz parte do processo que envolve a
construção do conhecimento na pesquisa e a incessante busca em desvendar as vicissitudes
do espaço, mais precisamente, o urbano.
1.1. O surgimento e apropriação do centro das cidades.
Buscamos, de forma sintética, analisar o centro das cidades na morfologia urbana de
acordo com a lógica do capital, uma vez que diversos autores têm realizado pesquisas numa
tentativa de entender o processo de consolidação do mesmo, pois há várias concepções
sobre essa categoria de análise inserida na produção e apropriação dos espaços urbanos.
O surgimento e a constituição do centro das cidades levantam algumas
considerações sobre os primeiros indícios do desenvolvimento político, econômico, social e
cultural sobre as cidades, pois se a urbanização é percebida enquanto um processo e a
cidade como forma, destacamos que ambos são os resultados históricos dos vários tipos de
cidades que, ao longo dos anos, foram se transformando de acordo com as relações
estabelecidas no tempo e no espaço. Contudo, foi necessário que o homem buscasse uma
identidade com o lugar, através da fixação em algum ponto do território, deixando de ser
nômade para que todas essas mudanças pudessem se concretizar, o que de fato possibilitou
uma organização social dos vários grupos que foram se formando no decorrer dos tempos.
Sobre os lugares, Carlos (1996) aponta que:
(...) imbricam uma série de acontecimentos simultâneos... mas que não
negaria também o fato de uma simultaneidade de eventos interligados
acontecendo em lugares diferentes...Aqui aponta-se para a co-presença,
para a simultaneidade, a convergência entre passado-presente-futuro,
entre o individual e o socializante. (p.32).
Assim, podemos considerar a aldeia como a primeira condição para o surgimento de
uma cidade
8
. Segundo Beltrão Sposito (1997):
A aldeia é, apenas, um aglomerado de agricultores... e que no neolítico já
havia se realizado a primeira condição para o surgimento das cidades,
qual seja a fixação do homem à terra através do desenvolvimento da
agricultura e da criação de animais, mas faltava a concretização das
segunda condição, que é uma organização social mais complexa. (p. 13).
De acordo com a referida autora, a origem das cidades também está ligada à
contraposição entre o rural e o urbano por causa da complexidade da organização social e
por meio da divisão do trabalho, uma vez que isso não se explica apenas pelo econômico,
mas principalmente pela condição social e política. Para Singer (1977):
(...) a constituição da cidade é, ao mesmo tempo, uma inovação na
técnica de dominação e na organização da produção. Ambos os aspectos
8
Baseado em Beltrão Sposito, 1997.
do fato urbano são analiticamente separáveis, mas na realidade soem ser
intrinsecamente interligados. A cidade, antes de mais nada, concentra
gente num ponto do espaço. (p.15).
E prossegue afirmando que:
Quando se pensa qualquer sociedade humana que tenha atingido o
estágio da civilização urbana - em que a produção e/ou a captura de um
excedente alimentar permite a uma parte da população viver de alimentos
- a divisão entre urbe e campo aparece claramente aos olhos. São também
aparentes as relações que se estabelecem entre os que vivem na zona
rural, mediante as quais os segundos fornecem aos primeiros parte da sua
produção, em troca de produtos da cidade ou de certos serviços reais ou
imaginários (governo, segurança, religião etc.). (SINGER, 1977, p. 11)
Para Benévolo:
A cidade, centro motor desta evolução, não só é maior do que a aldeia,
mas se transforma com uma velocidade muito superior. Ela assinala o
tempo da nova história civil: as lentas transformações do campo (onde é
produzido o excedente) documentam as mudanças mais raras da estrutura
econômica; as rápidas transformações da cidade (onde é distribuído o
excedente) mostram, ao contrário, as mudanças muito mais profundas da
composição e das atividades da classe dominante, que influem sobre a
sociedade. (1993, p. 26)
Mumford (2002) entende que, para definirmos a cidade:
Deveríamos procurar seu núcleo organizador, traçar suas fronteiras,
seguir suas linhas de força social, estabelecer seus centros subsidiários de
associação e comunicação e analisar a diferenciação e integração de seus
grupos e instituições. Enquanto uma cidade ajuntava e ligava, numa
unidade visível, aldeia, santuário, fortaleza, oficina e mercado, seu
caráter alterava de região para região, de época para época, enquanto que
um ou outro componente dominava e coloria o resto. Mas, sempre, como
uma célula viva, o núcleo organizador era essencial para dirigir o
crescimento e a diferenciação orgânica do todo. (p. 108
).
De acordo com os autores citados, podemos perceber que a condição primordial
para o surgimento das cidades está pautada na divisão social do trabalho que se fortaleceu,
ainda mais, com o processo de industrialização, favorecendo também uma especialização
funcional dos lugares com reflexos mediante a caracterização da rede urbana, privilegiando
a hierarquia das cidades e as estratégias de desenvolvimento do capitalismo. Sobre as
cidades, Beltrão Sposito (1997) esclarece que:
[...] como formas espaciais produzidas socialmente, mudam
efetivamente, recebendo reflexos e dando sustentação a essas
transformações estruturais que estavam
ocorrendo a nível do modo de
produção capitalista. A indústria provoca um impacto sobre o urbano. (p.
51).
É importante destacar, ainda, segundo a autora que:
Se tomamos a urbanização como processo de larga amplitude histórica,
devemos considerar que, mesmo tendo se iniciado na Antigüidade com a
origem das primeiras cidades, esse processo tomou novos rumos com o
desenvolvimento do capitalismo e seu padrão correlato de produção e
consumo - o industrialismo. (BELTRÃO SPOSITO, 1997, p. 86)
Tomamos a idéia que tratamos neste trabalho a partir da relação explícita entre
produção e consumo. Contudo, a cidade também é o palco das manifestações da vida e dos
problemas urbanos, cuja realidade social se insere na sociedade urbana, embora Lefèbvre
(1991) nos advirta para o fato de que:
As questões relativas à Cidade e à realidade urbana não são plenas
iniciativas do capitalismo bancário e comercial. A corporação não
regulamenta apenas uma profissão. Cada organização corporativa entra
num conjunto orgânico; o sistema corporativo regulamenta a divisão dos
atos e das atividades no espaço urbano (ruas e bairros) e no tempo urbano
(honorários, festas). Este conjunto tende a se fixar numa estrutura imóvel.
Disso resulta que a industrialização pressupõe a ruptura desse sistema
urbano preexistente; ela implica a desestruturação das estruturas
estabelecidas. (p. 6).
Todos esses apontamentos elencados constituem a idéia de que a origem, a
formação das cidades e a apropriação dos diferentes espaços por diferentes camadas sociais
passam por um processo histórico que determina a sua estruturação interna, o que significa
que há um acúmulo de formações sociais que foram se (re)produzindo e evoluindo
conforme as novas formas espaciais. Nessa perspectiva, Carlos considera que
“a reflexão
sobre a cidade é, fundamentalmente, uma reflexão sobre a prática socioespacial que diz
respeito ao modo pelo qual se realiza a vida na cidade, enquanto formas e momentos de
apropriação. Assim, o espaço urbano apresenta um sentido profundo, pois se revela
enquanto condição, meio e produto da ação humana - pelo uso ao longo do tempo”
(CARLOS, 2004, p. 7)
Considerando-se isto, podemos concluir, também, que todas as mudanças pelas
quais passaram e passam as cidades refletem a própria especialização funcional e a divisão
social e territorial do trabalho num processo que representa as relações produtivas no
contexto da estrutura urbana. Essas informações e discursos arrolados até o momento foram
elaborados para que tivéssemos um apoio teórico-metodológico a respeito da origem e
desenvolvimento das cidades mesmo que de forma sintética, passando pelas idéias de
alguns autores que analisam a questão urbana, mas que são fundamentais para resgatarmos
historicamente a idéia da sua formação, num movimento que representa relações complexas
entre as correntes teóricas num embate que não se esgota nesse momento.
Contudo, foi com base em diversos autores que buscamos uma discussão a respeito
da constituição do centro das cidades, cujo espaço acaba sendo o produto das relações
cotidianas numa tentativa de se compreender o sentido da apropriação e as características
da centralidade urbana.
Com relação ao centro propriamente dito das cidades podemos considerar que ele
tem sua origem a partir do desenvolvimento de um conjunto de formas e funções que
caracterizam sua própria existência, “será um conjunto vivo de instituições sociais e de
cruzamento de fluxos de uma cidade real” (VILLAÇA, 2001, p. 238). Pintaudi (1989)
considera que o ser humano e a realização das trocas fazem parte de um processo que
evidencia as relações sociais. Tal situação, como explica a autora, é um processo que não
pode ser considerado recente, ou seja,
Na Antigüidade o comércio permitiu acumular riquezas e deixou suas
marcas no espaço urbano. Os fori imperiais construídos em Roma não se
constituem apenas em locais públicos onde os imperadores edificavam
templos, monumentos, edifícios públicos e praças, mas também eram
locais onde se trocavam produtos. (PINTAUDI, 1989, p. 3).
E prossegue dizendo:
Apesar de ter sofrido uma grande redução, o comércio não desapareceu
durante toda a Idade Média, voltando a se expandir a partir do século X
e, segundo Lopez (1975, p. 110) se tornou “entre o século X e XIV o
setor mais dinâmico da economia em um número crescente de regiões, e
os mercadores foram os principais promotores desta transformação”. O
mesmo autor reconhece que as relações comerciais não se difundiram de
modo igualitário por todas as regiões e aponta hebreus e italianos como
os responsáveis pelo início do movimento que denomina de revolução
comercial da Idade Média, ao mesmo tempo que atribui às cidades o
papel de centros motores desta revolução. (PINTAUDI, 1989, p. 3).
De acordo com o referido autor, o centro faz surgir uma aglomeração e a disputa
pelo espaço a partir das localizações que impulsionam o desenvolvimento das atividades
terciárias. Surge então, o que chamamos de “centro”, embora haja controvérsias quando se
afirma que “o centro é centro porque ali estão o grande comércio e as sedes das grandes
instituições” (VILLAÇA, 2001, p. 237).
O centro não é apenas a concentração do grande comércio e das instituições, uma
vez que discutimos a idéia do centro como um ponto para a realização das necessidades
materiais e imateriais, justificando a idéia da constituição das atividades do comércio
informal que também estão inseridas na lógica da apropriação e reprodução dos espaços. O
centro reflete, então, as atitudes e os anseios do grupo através das práticas socioespaciais,
pois:
[...] a prática espacial é uma das forças sociais de produção que inclui a
terra como um meio (1979, p. 287).
9
Conseqüentemente, existem
múltiplas manifestações da articulação sociedade-espaço. (...). Por
conseguinte, as múltiplas manifestações do espaço se articulam de uma
maneira contingente com interesses sociais em muitos níveis.
(GOTTDIENER, 1993, p. 170).
Sobre a questão socioespacial das cidades é preciso fazer um resgate histórico a
respeito do centro, com enfoque para as primeiras manifestações quanto à forma, função e o
desenvolvimento da área. No caso das cidades européias, o centro tem uma relação
histórica, que evidentemente caracteriza a própria vida coletiva.
10
George (1983) traça um
paralelo sobre algumas cidades da Europa como as italianas, cujos centros tradicionais
surgiram a partir da simbologia das praças e basílicas, onde as pessoas se reuniam para as
práticas da vida social e urbana, como também as cidades espanholas, que tinham as praças
como pontos estratégicos para a vida coletiva. No caso da Alemanha e da Áustria, o autor
9
Gottdiener extraiu esta citação de Lefèbvre, “Space; Social Product and use value.” In: Freiberg (ed). Critical
Sociology: European Perspective. New York, Irvington Publishers.
10
Se levarmos em consideração o surgimento das cidades a partir dos excedentes que passaram a ser
comercializados em algum ponto do espaço, temos as primeiras necessidades de organização dessa área, uma
vez que passam a ser diferenciados os espaços destinados à moradia, ao trabalho e ao consumo, o que na
maioria das vezes se deu em função da localização de uma igreja ou praça, ponto este que favorecia a
concentração de pessoas, que buscavam vender ou comprar algum tipo de mercadoria.
destaca que a praça do antigo mercado, juntamente com a Prefeitura, é que caracterizavam
o centro.
Quando discutimos a origem do centro urbano buscamos compreender a sua
estruturação desde o núcleo inicial através do povoado que foi se organizando ao redor de
um ponto considerado estratégico e que se diversificou mediante as exigências impostas
pelas mudanças nas características daquele espaço, ou seja, foi necessário instituir o poder e
o controle sobre a população que estava se firmando no local. A partir disso advém a
atuação do poder público com as prefeituras e as instituições, além do desenvolvimento do
comércio e da prestação de serviços, prática existente no centro. Para George (1983):
A administração introduz nas grandes cidades, entre o bairro e a cidade
toda, uma divisão que é apenas administrativa: o distrito. Muito grande
para ser uma unidade concreta de vida coletiva, ele não se impõe
sociologicamente. O morador da cidade leva em conta o distrito em certas
circunstâncias, sem que constitua, contudo, um quadro tangível para a sua
vida. (p. 76).
O centro em sua essência concentra e ao mesmo tempo dispersa as atividades, pois
num primeiro momento tivemos a apropriação das áreas centrais pelas camadas mais
abastadas da sociedade que passaram a se instalar ao redor das praças e próximas às
instituições políticas e financeiras e, posteriormente, tivemos uma outra situação que
favoreceu a suburbanização com a transferência da função domiciliar para outras áreas e a
fixação das atividades comerciais e de serviços, visto que a cidade é o locus da vida urbana
ativa com conteúdos diferenciados entre si, uma vez que “qualquer forma de trabalho
concentrado provoca ou favorece a formação ou o desenvolvimento de uma cidade”
(GEORGE, 1983, p. 165).
Para Gottdiener (1993), a suburbanização pode ser compreendida pelo seguinte
processo:
A taxa mais rápida de crescimento de áreas afastadas, em comparação com
a do centro da cidade, foi um traço permanente de regiões urbanizadas
desde pelo menos a década de 1920. Todavia o início da década de 1970
presenciou esse crescimento ocorrer pela primeira vez em áreas fora das
fronteiras da metrópole, assinalando o que passou a ser conhecido como
turnaround de população. Pela primeira vez na história, as regiões externas
adjacentes a áreas urbanas constituem os receptáculos de migração às
custas do centro da cidade, invertendo assim o processo, há muito
existente, da implosão urbana. (p. 14).
Sobre a dinâmica das cidades podemos considerar que apresentam um conteúdo que
caracteriza as várias formações socioespaciais que foram se estruturando e criando
condições para que cada uma delas se apropriasse do espaço (re)agrupando as diferentes
funções que abriga num processo que é histórico, ou seja, a cidade comercial a partir da
organização do comércio local favorece a circulação da mercadoria, dos fluxos, da
propaganda concluindo o ciclo do capital. Para Derruau (1982, p. 204). “a cidade é um
aglomerado importante, ordenado para a vida coletiva (este ordenamento constitui o
urbanismo) e onde uma parte considerável da população vive de interesses não agrícolas ou
de atividades agrícolas”.
Essas considerações permitem refletir sobre a constituição do centro urbano, já que
as cidades da Ásia, do Oriente e da América apresentavam uma estrutura que compreendia
a localização da elite na área central, que era a mais importante em relação às demais áreas
da malha urbana e onde era possível encontrar as praças, os monumentos e que de certa
maneira “funcionava como incentivo ao progresso” (SJOBERG, 1977, p. 43). Contudo,
não podemos deixar de mencionar que a cidade e o(s) centro(s) devem ser entendidos como
elementos de transformação através das formas e funções econômicas, os espaços de
decisão, a população, enfim todas as relações que viabilizam a vida neste locus. Nessa
lógica, o centro (e os centros) desempenha um papel fundamental para as mesmas, pois
concentra uma multiplicidade de funções expressas pelos mais diversos usos do solo
urbano.
Fazendo uma análise dos autores que inicialmente pensaram a cidade através da
idéia da constituição de um centro temos: Christaller com a teoria sobre os lugares centrais,
visto que Berry considera esses lugares como sendo a base econômica onde se tem uma
aglomeração das outras atividades urbanas (Gottdiener, 1993). Nessa perspectiva, se
falamos de centro ou área central, também discutimos a própria estrutura urbana. Com
relação à realidade norte-americana, o centro das cidades recebe o nome de C.D.B. (Central
Business District), ou seja, “centro de negócios”, que se define como uma área com
predominância da distribuição de bens e serviços, como as atividades burocráticas do setor
privado.
11
11
Essa idéia foi extraída de JOHNSON, James. El centro de la ciudad. In: Geografia Urbana, 1974, p. 153.
As considerações de Burgess na Escola de Chicago, a partir da década de 1920,
juntamente com McKenzie e Park, estão pautadas na definição da forma urbana, com
análises sobre a relação centro-periferia. McKenzie aponta para o fato de que “as relações
espaciais eram dependentes das forças de competição econômica e seleção funcional”
(GOTTDIENER, 1993, p. 39). No caso, a idéia de Park é a de que a cidade é uma
aglomeração de indivíduos e equipamentos coletivos e deveria ser analisada sob a
perspectiva da Ecologia Humana. (VASCONCELOS, 1999).
Burgess
12
, então, propôs um modelo de zona concêntrica, cuja cidade deveria ser
dividida em círculos, tendo primeiramente o loop (centro de negócios), que podemos
associar ao C.D.B, seguido da zona de transição (comércio e manufatura leve), zona de
moradia de operários, zona residencial de prédios de apartamento de alta classe, bairros
com casas individuais e as áreas suburbanas e as cidades satélites (VASCONCELOS,
1999). Esse modelo também tinha como fundamento a competição pela melhor localização
para os usos residencial, industrial e comercial e ampliado pela idéia de centralidade, visto
que “todas as posições não são iguais em competição espacial - existe uma hierarquia por
força de sua localização central” (GOTTDIENER, 1993, p. 42).
Essa teoria também revela
a estrutura interna das cidades mediante os processos de centralização e descentralização
imbricados pela expansão e diferenciação dos lugares, o que também tem em comum com a
relação centro-periferia e que se justifica pela idéia de competição entre os diversos grupos
sociais e forças econômicas. (GOTTDIENER, 1993)
Em resposta a essa teoria elaborada por Burgess em 1923, Harris e Ullman lançam
uma crítica em 1945 de acordo com a teoria dos núcleos múltiplos que contemplava os
valores culturais como sendo importantes na “determinação de decisões sobre localização e
sua dependência da competição econômica como critério predominante em interação
social” (GOTTDIENER, 1993, p. 43).
Assim, para os respectivos autores, a cidade tem
uma estrutura celular, cujos diferentes tipos de usos do solo se desenvolvem ao redor dos
núcleos, localizados no interior da área urbana. (JOHNSON, 1974).
12
Esta idéia foi extraída de GOTTDIENER, Mark. A Produção Social do Espaço Urbano, 1993.
Claval considera a teoria da cidade como a dos lugares centrais, permitindo o
entendimento das cidades e procurando avançar mais sobre a teoria urbana. Mais
recentemente, apontamos os trabalhos de Roncayolo sobre as “Villes et Civilisation
Urbaine”, onde aponta que Harris e Ullmann enfatizaram as questões que envolviam uma
evolução dos centros e uma expansão setorial. Para Johnson, a teoria de Hoyt, que é de
1939, ligada à Economia Urbana se destaca mais pelo aperfeiçoamento da teoria
concêntrica de Burgess emanando de
uma especialização funcional e social da cidade a
partir de eixos radiocêntricos, considerando os transportes e as indústrias, o que não
ocorreu na teoria elaborada por Burgess” (PEREIRA, 2001, p. 43).
Podemos, então,
perceber o caráter segregativo dessa teoria, que se baseava na setorização, uma vez que
Johnson (1974) afirma que:
Los grupos menos acomodados, en cambio, están más limitados por su
situación economica, y por ello es más probable que se amolden a una
configuración repetitiva de la estructura urbana, basada en la acesibilidad
y los atractivos de cada paraje y en el precio de los alquileres.
13
(p. 239).
Para o mesmo autor
14
,
El centro de la ciudad moderna presenta características especiales en
cuanto a la utilización del suelo, y desempeña unas funciones
particulares que o convierten en la mejor conocida de las regiones
internas que se pueden distinguir en las áreas urbanas
15
.(JONSON, 1974,
p. 153)
Partindo da visão de Beaujeu-Garnier
16
(1970), em seu Tratado de Geografia Urbana
sobre o centro, entendemos que ele:
13
Os grupos menos acomodados estão mais limitados por sua situação econômica, e por isso é mais provável
que se adeqüem a uma configuração repetitiva da estrutura urbana, baseada na acessibilidade e nos atrativos
de cada lugar e no preço dos aluguéis. (Tradução do livro do autor)
14
O referido autor analisa o centro através de três elementos básicos para se entender o processo de
consolidação do mesmo, ou seja, apóia-se na acessibilidade, verticalização e não presença de moradores, o
que se justifica pela mudança quanto ao local de residência das pessoas, e mesmo aqueles que não possuem
alto poder aquisitivo ficaram à margem do centro e se encontram em bairros distantes e sem infra-estrutura,
além da falta de bens de consumo coletivo.
15
O centro da cidade moderna apresenta características especiais quanto à utilização do solo e desempenha
funções particulares que o transformam na melhor das regiões internas conhecidas que se pode distinguir nas
áreas urbanas. (Tradução do livro do autor)
16
Sobre a referida autora, Beltrão Sposito (1991) considera que o livro Geografia Urbana buscou considerar
as diferentes questões sobre a cidade com uma nova terminologia para poder modificar o tratamento
metodológico dos temas contidos em seu tratado que durante décadas serviu de base para os estudos urbanos
ligados à linha clássica francesa.
[...] constituye el sector de mayor actividad terciaria de la urbe: aquel en
que se encuentran los edificios administrativos, bancarios, los grandes
establecimientos, algunos edificios públicos, religiosos o culturales. Allí
es donde el alquiler de las tiendas alcanzan valores más altos, donde os
terrenos se venden a precios más elevados y, por tanto, donde según las
circunstancias, alternan el mayor hacinamiento con los edificios más
majestuosos. En efecto, según el tipo de ciudad considerada, los centros
urbanos ofrecen aspectos muy variables.
17
(p. 347).
Beaujeu-Garnier cita como exemplo de C.D.B., Manhattan, visto que muitas
pessoas de Nova York exerciam suas atividades no respectivo centro. Ainda sobre esse
aspecto, Whitacker (1997) aponta que:
Os comércios iam se especializando socioespacialmente, a fim de atender
às mudanças locacionais do setor residencial, embora majoritariamente
concentrados também no C.D.B. (p. 101).
Sobre a dinâmica do C.D.B. Johnson (1974) avalia que:
[...] se le ha definido como aquella área da la ciudad en la que
predominan absolutamente la distribución al por menor de bienes y
servicios, así como las diversas actividades burocráticas del sector
privado. Estas utilizaciones del suelo se encuentran cada vez con mayor
frecuencia en otras partes de las ciudades, pero no con el mismo nivel de
intensidad y sin ocupar el área extensa y compacta que se halla en el
centro.
18
(p. 153).
Murph destaca que no C.D.B. havia uma concentração de escritórios e lojas de
varejo, o que elevaria o preço do solo, além de refletir no foco do tráfego de pedestres e
automóveis (VASCONCELOS, 1999). Com relação ao centro, não podemos deixar de
mencionar o trabalho de Cordeiro (1980) quando assinala que, diante da ocupação
funcional deste, as atividades foram agrupadas da seguinte forma:
[...] as atividades e funções muito centrais são não somente as mais
típicas dos centros das grandes cidades, mas antes as que melhor refletem
a sua importância no nível metropolitano. As atividades funcionais
17
Constitui o setor de maior atividade terciária da urbe: aquele em que se encontram os edifícios
administrativos, bancários, os grandes estabelecimentos comerciais, alguns edifícios públicos, religiosos ou
culturais. Ali é onde os aluguéis das casas alcançam valores mais altos, onde segundo as circunstâncias,
alternam a maioria das aglomerações com os edifícios majestosos. Assim, conforme o tipo de cidade
considerada, os centros urbanos oferecem aspectos muito variáveis. (Tradução do livro do autor)
18
“O item definido como a área da cidade em que predominam absolutamente a distribuição pelo menos de
bens e serviços, assim como as diversas atividades burocráticas do setor privado. Estes usos do solo se
encontram cada vez com maior freqüência em outras partes da cidade, mas não com o mesmo nível de
intensidade e sem ocupar a área extensa e compacta que se tem no centro.” (Tradução do livro do autor)
centrais são as que refletem a caracterização dos núcleos centrais
urbanos, porém não são de caráter estritamente metropolitano. As
atividades funcionais de transição, já referidas, aparecem nas franjas do
núcleo urbano refletindo uma situação de mudança como área que
aguarda a expansão do Centro, onde se mantêm funções de baixa
rentabilidade, que complementam o seu funcionamento ou que estão
sendo invadidas pelo Centro em expansão. (p. 45).
Nesse contexto de relações, temos explicações que contemplam a dinâmica da
estruturação do centro das cidades, cuja localização estratégica das atividades possibilitou o
desenvolvimento e a expansão da área mediante os níveis de concentração e densidade das
mesmas. Beajeau-Garnier (1980) em seu livro Geografia Urbana destaca a reformulação
das próprias idéias e aponta para o seguinte fato:
Se algumas cidades não são segundo a expressão de Henri Pirenne
“filhas do comércio” (...) nenhuma, em todo caso, se pode vangloriar de
escapar à sua presença e à sua influência; nenhuma pode passar sem
intercâmbio, por vezes criador e motor de crescimento urbano. (p. 203).
Castells (1975, p.181) analisa o centro como sendo “[...] um certo tipo de ocupação
do espaço, um conjunto de atividades e funções e de grupos sociais localizados num lugar
de características mais ou menos específicas.”
Na visão de Santos (1981, p. 181),
o “centro” da cidade se caracteriza por uma
paisagem arquitetural e humana muito mais complexa que nos setores precedentes. Além
do mais, sua localização não é necessariamente central” . Para este autor, o centro pode ser
definido nos países subdesenvolvidos a partir da constituição de um nódulo principal
concentrando atividades comerciais e de serviços em todos os níveis. (SANTOS, 1981)
Tais considerações passam pela análise das questões sociais, pois não podemos
caracterizar o centro urbano apenas pelas formas que agrupa, pelas funções que se
desenvolvem de acordo com esses agrupamentos ou somente pela expressão da simbologia
que lhe dá o caráter de centro. È preciso analisar os grupos sociais e as relações entre a
própria cidade e a sociedade. Assim, o mesmo pode ser entendido como uma área de maior
acessibilidade no interior das cidades, que concentra e dispersa para se concentrar
novamente em outras áreas, uma vez que:
Quanto mais se acentua a divisão social do trabalho, mais capital se
concentra, o que quer dizer especialização dos lugares, mas também um
lugar de concentração que é o centro, um área no interior da cidade onde
a circulação e as trocas das mercadorias e do dinheiro vão se realizar
rapidamente, um lugar de estímulo ao próprio consumo de bens e
serviços. (BELTRÃO SPOSITO, 1991, p. 7).
Ainda para Beltrão Sposito (2004):
O centro constitui-se por meio de um processo de concentração de
atividades de comercialização de bens e serviços, de gestão pública e
privada, de lazer e valores materiais e simbólicos em uma área da cidade.
Embora essa dinâmica possa ser conhecida de cidades mais antigas, é por
meio do desenvolvimento capitalista que ela se acentua. (p. 274).
Na verdade, tem a função de concentrar funções que misturam usos e criam um
ambiente de imagens que desperta no cidadão a consciência e o sentimento de pertencer
àquele lugar, principalmente pela convergência de interesses que esta parte da cidade
desperta nos usuários. As
considerações arroladas por Castells (1982, p. 65) dizem respeito
aos centros como “a expressão desta coordenação necessária das atividades e categorias
sociais em sua dimensão espacial. Isto é, os centros urbanos são a organização espacial da
configuração, do intercâmbio e da coordenação, na sua relação com o processo da divisão
social do trabalho”. E prossegue dizendo que:
[...] a concentração e centralização do sistema conduz à concentração
econômica, social e espacial dos meios de produção e das unidades de
gestão, assim como da força de trabalho necessária ao seu
funcionamento. A concentração espacial dos trabalhadores em cidades e
áreas metropolitanas de dimensão cada vez maior determina, por sua vez,
a concentração e interdependência crescentes do conjunto de meios de
consumo que lhe são necessários. (CASTELLS, 1980, p.20).
Se levarmos em consideração todos esses apontamentos sobre a cidade e a
constituição do centro urbano, verificamos que se trata de uma situação que envolve uma
localização geográfica que apresenta conteúdos (re)produzidos sócio(espacialmente), pois o
centro é o local da realização das trocas e da apropriação dos espaços, destacando a idéia
de Castells (1983) quando o aponta como um local simbólico e ao mesmo tempo como
espaço das trocas e realização de todas as funções.
Isto pode ser compreendido quando vemos em algumas cidades o centro, que além
de exibir sua simbologia com as catedrais e igrejas, também agrupa as atividades do centro
comercial, administrativo, financeiro e o “núcleo lúdico”
19
fazendo referência à questão do
consumo através das diversas formas de induzir o cidadão a comprar algum produto. É o
que podemos chamar de “ambiente dos espetáculos” e, sobre isto, Debord (1997) afirma
que:
O princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por
“coisas supra-sensíveis, embora sensíveis”, se realiza completamente no
espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de
imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se faz reconhecer
como o sensível por excelência. (p. 36).
Assim sendo, quando abordamos o consumo
20
, verificamos que o centro é uma
categoria de análise dentro das cidades que não sobrevive sem a produção social do espaço
urbano, que é ressaltada “enquanto resultado de um processo social de organização do
espaço urbano, como a cidade, é produto: por conseguinte, ele exprime as forças sociais em
ação e a estrutura de sua dinâmica interna” (CASTELLS, 1982, p. 273).
Retornando à questão do centro como um local simbólico, lúdico e que representa a
(re)produção do capital pelas atividades que concentra e/ou dispersa, temos que o mesmo
nunca apresentou características homogêneas até mesmo pelas formas e funções que abriga,
já que velhos espaços são tomados por novas funções, caracterizando uma dinâmica que é
própria da acumulação. Mas o que precisa ficar esclarecido é que ele é o nó de ligação da
cidade com os seus moradores, é o ponto de ligação entre o próximo e o distante e é
identificado pelo seu caráter concentrador e dispersor das atividades, das pessoas e das
idéias, pois se um novo eixo se intensifica num determinado ponto do espaço, acaba
atraindo para si toda a característica que envolve a dinâmica econômica, social e cultural do
centro. Por isso, surgem expressões de centralidade urbana com as novas formas, novas
funções e novos usos, caracterizando um processo que nos remete pensar que o centro
nunca deixou de existir no imaginário das pessoas e que de fato dá vida à cidade, sendo o
ponto vital de sua estrutura e mais do que nunca, expressando uma centralidade que lhe é
própria através de “uma agregação de supervisores, um local primordial para o controle
19
Whitacker faz referência a esta concepção de centro extraída de Castells (1982) em sua dissertação de
mestrado intitulada “A Produção do Espaço Urbano em Presidente Prudente: uma discussão sobre a
centralidade urbana”, 1997.
20
Este assunto será tratado com maior ênfase no final deste capítulo.
social, a administração política, a codificação cultural, a vigilância ideológica e a
regionalização de sua hinterlândia próxima” (SOJA, 1993, p. 284).
Ainda sobre ele, Soja (1993) considera que dá consistência à especificidade do
urbano mediante um conteúdo social e singular em que a nodalidade (o centro)
contextualiza a sociedade urbana dando forma às relações sociais. Percebemos que os
autores contemporâneos apontam para uma discussão que canaliza o social e que podendo
ser incrementada por nós com uma análise que fundamenta também o espacial, numa
relação dialética entre espaço e sociedade, cujo próprio espaço é uma produção e uma
condição social. Assim, os diversos atores urbanos contribuíram para com processo de
evolução do centro urbano e, segundo Harvey (1980), tais atores são representados pelas
instituições financeiras e governamentais, os proprietários de imóveis e os moradores das
cidades, que atuam como elementos importantes na representação socioespacial, já que:
Usar os espaços para viver, ou apenas para sobreviver, é uma necessidade
incontestável, por mais variações que, ao longo da história, possa-se
inferir, pois as necessidades são históricas. Apesar das formas variadas
de utilização, o uso dos espaços é um pressuposto da vida. E exatamente
porque nem sempre as formas de uso foram as mesmas, é possível avaliar
que muitas delas se consolidaram no decorrer da história humana,
constituindo costumes e hábitos próprios dos diferentes povos e das
condições naturais e históricas que viviam e vivem. (DAMIANI, 2001, p.
48-49).
Nessa perspectiva, falamos até o presente momento de relações sociais que a cidade
estabelece não pelo individualismo e anonimato a que se refere Le Goff (1997), mas pela
necessidade de estar com o outro, pela presença do outro, pela sociabilidade contida nos
diversos espaços do contexto urbano, pois o centro como lugar de encontros e desencontros
manifesta esta situação.
O centro
21
da cidade pode ser entendido e caracterizado pela apropriação, no sentido
da dominação de um espaço que pode ser entendido como uma mercadoria, pois:
Com o crescimento do tecido urbano aliado à especulação imobiliária
que faz com que o preço do solo seja máximo nessas áreas e, ainda, com
o desenvolvimento dos transportes, ocorre uma substituição de usos, de
21
Estamos nos referindo ao centro principal das cidades, uma vez que este pode ser considerado também em
algumas destas como “centro tradicional” por caracterizar funções próprias dos mesmos, como a praça ou a
igreja como delimitação daquilo que entendemos como centro principal e tradicional.
acordo com o poder aquisitivo das diferentes camadas. (PEREIRA,
2001, p. 45)
É na área central, cuja dinâmica econômica estabelece uma relação entre a
mercadoria e o consumidor, contribuindo para a lógica da (re)produção do capital, que as
atividades se desenvolvem e os espaços se (re)produzem. Para tal é necessário traçarmos
algumas considerações sobre o surgimento das cidades brasileiras, do próprio fenômeno
urbano e da relação existente entre a cidade e o(s) centro(s) constituídos em cada período
da história. O sentido da apropriação dos espaços passa pela análise do valor de uso através
da própria vida que se estabelece entre os diversos atores desse cenário urbano, como
também, o valor de troca medido pelos espaços que são comprados e vendidos pelos
empresários do ramo que se concretizam nesses espaços e o consumo que se insere na
lógica capitalista, que é o papel exercido pela dominação.
Quando discutimos o surgimento das cidades e conseqüentemente, dos centros
urbanos, já embutimos uma análise que considera os espaços centrais, com suas funções
exemplificadas pelas atividades do setor terciário, como uma forma de apropriação. A
propriedade privada da terra acaba despontando, visto que quem pode pagar pelas melhores
localizações acaba sendo privilegiado pelas estratégias espaciais. Esta é a lógica da
apropriação capitalista num sentido bem diferenciado do pensamento de Lefèbvre (1991, p.
135) que avalia o direito à cidade “como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à
individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade
participante) e o direto à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão
implicados no direito à cidade”. Se interpretarmos a cidade como um espaço de dominação,
cuja estruturação reflete a dinâmica do capital e se tomarmos como parâmetro o uso desses
espaços verificaremos que não visam à erradicação da exclusão e sim à persistência nessa
ação. Assim, devemos construir uma cidade onde
o espaço da apropriação precisa ser
retomado para que a cidade possa ser o lugar do convívio, onde as diferenças sejam
respeitadas, onde não se produzam mais exclusões” (VIEIRA, 2002, p. 375)
. Este autor
também aponta para o seguinte:
O espaço produz e é produto de uma realidade social que resulta da
prática social e espacial. A primeira, entendida como que torna possível a
reprodução das relações sociais de produção, e a segunda como relação
entre forma, estrutura e função. A prática espacial é executada de
maneira a fazer com que o espaço seja capaz de melhor realizar a
reprodução do capital. É uma prática impetrada pelo poder estatal e pelos
grupos dominantes que executam estratégias para produzir um espaço
homogêneo, que melhor realize a tarefa da reprodutibilidade do capital e
das relações de produção. No entanto esta homogeneidade se manifesta
apenas enquanto tendência, que não se executa de forma absoluta porque
o espaço é também um produto social e como tal experimenta uma
diversidade de agentes constitutivos. Em função das diferenças de
interesse entre os agentes que o resulta, fatalmente, é um embate que
opõe a contradição já apontada entre a dominação e a apropriação.
(VIEIRA, 2002, p. 337).
Ainda sobre a apropriação, Seabra (1996) avalia que:
A história bem que poderia ser lida, contada, interpretada pelo
movimento conflituoso entre a apropriação e a propriedade. Esta questão
ocupou profundamente a filosofia, uma vez que a apropriação seria o fim
da alienação. Em Lefebvre, contudo, a questão do movimento dialético
entre a propriedade e a apropriação está formulada como momentos
ínfimos que implicam o âmbito do vivido, lugar dos embates entre os
diversos processos de institucionalização da vida, como princípios
lógicos-políticos. Esses embates se travam na textura fina da sociedade, e
têm de subverter formas de uso, revolver costumes. (p. 72).
Nessa ótica, Lefebvre (1991) afirma que os processos globais, que envolvem os
diversos grupos sociais como atores que perpassam as instâncias do econômico, social,
político e cultural, transformaram o espaço urbano, o que significa uma reestruturação da
cidade. Assim:
Com efeito, se eles influenciaram os tempos e os espaços urbanos, eles o
fizeram permitindo que grupos aí se introduzissem, que se encarregaram
deles, que se apropriaram deles; e isto inventando, esculpindo o espaço
(para empregar uma metáfora), atribuindo-lhe ritmos. (LEFÉVBRE,
1991, p. 52)
De acordo com essas proposições, Vieira (2002) chama atenção para o fato de que é
preciso conceber uma sociedade onde o capital possa conviver com a vida, ou seja, é
preciso entender que todos têm o direito à cidade e ao centro como lugar da sociabilidade,
uma vez que a melhor forma de interpretarmos a cidade atual é através da diferença e da
apropriação. Mas o que temos é justamente o contrário, uma cidade requalificada cada vez
mais, para atender à lógica da lucratividade de acordo com as estratégias da funcionalidade
do espaço urbano e a dinâmica do uso do solo. De certa forma, o sentido da apropriação
também faz parte de um processo que envolve, de um lado, as formas e funções que
(re)produzem o capital (a dominação), e por outro, as formas e funções que buscam a
(re)produção da vida mediante as estratégias de sobrevivência. Vieira (2002) discute que:
[...] as propostas se mostram em suas diferentes matizes no espaço. Uma
conduz as ações em direção a repetição do que está posto e vigente,
contribuindo para manter a dominação e a re-produção das relações
sociais capitalistas que servem para a sobrevivência do capitalismo, e
outra conduz para uma possibilidade de ação em direção a maior
liberdade do homem e à produção de um espaço que se coloque como um
resultado e condição da reprodutibilidade humana. As propostas
efetivadas pelo Estado, representado pelo poder público municipal,
apoiado pelas parcelas da sociedade que detêm o poder econômico e suas
representantes, valorizam o uso privado do espaço e impõem uma prática
com relação aos espaços públicos que faz deles muito mais um lugar da
norma e da regulamentação do sistema em favor do processo produtivo
do que um lugar de encontro e da reprodução da vida. (p. 373).
Essa questão sobre o surgimento do centro das cidades vislumbra uma discussão
que se apóia em autores que analisam o fenômeno da urbanização há décadas. É importante
frisarmos a questão da (re)estruturação dos espaços intra-urbanos e interurbanos numa
relação dialética, porque eles traduzem os efeitos da fragmentação, pois os vários grupos se
reúnem e se apropriam de acordo com seus interesses e necessidades. Contudo, o espaço
urbano tem o seu caráter funcional pelos diversos usos mediatizados pelas relações
socioespaciais. Assim, Santos avalia (2001) que:
A cidade ganha uma nova dimensão e um novo papel mediante uma vida
de relações também renovada, cuja densidade inclui as tarefas ligadas à
produção globalizada. Por isso, a cidade se torna o lugar onde melhor se
esclarecem as relações das pessoas, das empresas, das atividades e dos
“fragmentos” do território com o país e com o “mundo”. (p. 95).
De certa forma, contextualizar o centro das cidades e seus atores urbanos não é uma
tarefa muito fácil, pois requer um esforço de síntese das idéias elencadas pelos diversos
autores que discursam sobre o assunto. O que tentamos fazer neste primeiro item do
capítulo foi resgatar como os mesmos expuseram seus pensamentos de acordo com cada
momento histórico e com cada situação desencadeada pela conjuntura econômica. No item
seguinte, visto que buscamos até o momento traçar um paralelo entre o surgimento das
cidades e a constituição do centro que continua sendo analisado no nível da própria
centralidade urbana, a enfocaremos, por ser uma temática também presente em nossa
análise. Continuaremos discorrendo sobre o centro urbano, uma vez que não dá para
discutir centralidade sem levá-lo em consideração, já que esta se expressa através dos
vários nós de articulação do tecido urbano em função da circulação.
1.2.O centro e a constituição da centralidade urbana
Neste item discutimos a constituição da centralidade urbana a partir da análise do
centro, visto que no anterior tecemos algumas considerações quanto à origem e o
surgimento das cidades, com enfoque para os centros urbanos numa perspectiva que conduz
este trabalho a partir da visão dos vários autores da Geografia Urbana. Avaliamos como
foram elaborando as teorias com relação ao centro da cidade, cada um sob uma ótica
diferenciada ou até com a mesma idéia, mas que contribuíram para concretizar nosso
pensamento sobre as cidades. Assim, como nos diz Whitacher (2003):
Não existe cidade sem centralidade por isso, se compreende que a única
categoria que pode ser utilizada para definir a cidade em todos os tempos
é o centro. Mas deve-se procurar compreender o conteúdo da
centralidade nos diferentes momentos históricos e recortes empreendidos
para sua apreensão, na perspectiva de se entender como ela se realiza no
âmbito de diferentes formações sociais. (p. 127).
A partir da análise do centro, discutimos as expressões da centralidade de acordo
com os processos inseridos na estruturação e reestruturação urbana de acordo com o
crescimento e expansão das áreas através dos novos usos do solo. Assim, o próprio
processo de expansão, desdobramento e a constituição de subcentros são exemplos de como
podemos caracterizar a centralidade urbana. Mas não devemos considerar apenas como
expressão de centralidade as áreas que estão fora do centro tradicional, uma vez que o
mesmo foi e continua expressando uma centralidade, já que em muitas cidades, ele não
perdeu as características que o destacam como categoria de centro reafirmado pela própria
centralidade que se restabelece em função dos fluxos e da circulação.
Para tal é necessário traçarmos mais alguns comentários sobre a constituição do
centro da cidade, com um enfoque para a visão dos autores contemporâneos que analisam
essa questão. Contudo, no decorrer do desenvolvimento das idéias, tentamos de fato inserir
o tema da centralidade, (re)discutido e (re)avaliado pelos pesquisadores do assunto, mas
que temos certeza que não se esgotará somente nesta etapa do trabalho, já que em outras
partes estaremos (re)visitando a temática.
As discussões que permeiam a dinâmica do espaço urbano, compreendido nas
escalas intra e interurbana requer uma análise de suas áreas centrais, pois são fundamentais
na articulação entre os diferentes usos do solo no interior das cidades. O estudo dessas áreas
tornou-se um fator interessante, já que a diminuição da circulação de pessoas num
determinado ponto da cidade favoreceu a concentração em outras áreas, o que nos remete
pensar nos mecanismos de atração desses novos espaços, tornando-os atrativos mediante os
fluxos que se estabelecem na cidade e entre as cidades.
Sobre a área central Barthes (1989) afirma que:
[...] é sempre pleno, lugar marcado, e é nele que se congregam e se
condensam os valores da civilização: a espiritualidade (com as igrejas), o
poder (com as sedes das empresas), o dinheiro (com os bancos), a
mercadoria (com as grandes lojas), a palavra (com as ágoras: cafés e
calçadas): ir ao centro, é reencontrar a ‘verdade social’ , é participar da
plenitude suprema da ‘realidade’. (p. 424).
Para Salgueiro (1998):
O centro
22
perde especificidade regional e acolhe funções determinadas
por processos longínquos de caráter global e a continuidade com a
periferia é desafiada pela multiplicação das centralidades. As cidades
ligam-se em redes, sem atenção a distância nem a dimensão dos lugares,
nas quais buscam sinergias e identificação, muito mais do que no seu
‘hinterland’. Ao mesmo tempo em que nas urbes se multiplicam as áreas
funcionalmente equivalentes sem ligações hierárquicas, tendendo para
uma estrutura policêntrica e reticulada. Este processo é particularmente
visível na estrutura terciária com o declínio do centro tradicional e a
emergência de novas centralidades, pólos de comércio e serviços com
grande capacidade de atração que disputam clientelas, uma vez que os
novos padrões de mobilidade acabaram com a exclusividade das áreas de
22
Neste item estamos considerando o centro como fator importante para entendermos a dinâmica da
centralidade urbana, uma vez que esta surge em vários pontos fora da área central, mas o centro em si não
pode ser avaliado sem levar em consideração a própria centralidade que expressa. Assim sendo, sobre a
questão da centralidade ver Beltrão Sposito (1991, 1998, 2000) e Whitacker (1997, 2003)
mercado dos pontos de venda definidas pela distância aos consumidores.
(p. 41).
A idéia de reestruturação urbana também está relacionada à questão da redefinição
da centralidade urbana, visto que, atualmente, vivemos um processo de multiplicação de
áreas centrais, constituindo novas centralidades, como atestam os chamados subcentros,
que são organizados a partir da estruturação das atividades comerciais e de serviços, que
acabam gerando novos espaços atrelados ao consumo. Na verdade, a centralidade não pode
ser interpretada fora do contexto do consumo, uma vez que esta inter-relação promove um
(re)ordenamento e/ou a (re)localização de atividades que ficavam restritas apenas ao centro
principal
23
da cidade. Segundo Beltrão Sposito (2001):
Essa redefinição da lógica de reestruturação interna das cidades resulta,
ainda, de uma tendência de concentração econômica de empresas do setor
comercial e de serviços, o que leva a uma ampliação dos estabelecimentos
de médio e grande porte, ligados muitas vezes a empresas de porte
nacional e transnacional. (p. 236).
Sob o aspecto da centralidade urbana a referida autora, ainda, ressalta que:
Para a compreensão da estrutura interna das cidades, é necessário pensá-la
como processo em contínua transformação, por isso o uso do conceito
reestruturação urbana no ligar do conceito clássico de estrutura urbana.
Por outro lado, é fundamental não considerar apenas seus usos de solo,
mas também e, sobretudo, os fluxos gerados pelo arranjo resultante do que
está localizado no território urbano (na escala intra e inter urbana), eles
mesmos estruturadores do espaço urbano e da constituição de redes
urbanas. (BELTRÃO SPOSITO, 2001, p. 235)
A partir dessa perspectiva, podemos considerar que as transformações do comércio
e a necessidade de consumir os produtos associados às imagens impulsionaram as
mudanças no comércio, além da “globalização da economia que contribuiu para acelerar as
mudanças dos lugares, através da “expansão urbana e da explosão do consumo” (SANTOS,
1996, p. 15-6). Contudo, a própria aceleração do tempo permitiu a circulação das
mercadorias em nível global, além dos avanços tecnológicos, já que o “território regional
23
Na maioria das vezes, o centro principal não se apresenta como sendo o centro tradicional, uma vez que há
distinção entre ambos, pois o centro principal está ligado às funções comerciais e de serviços que foram se
fixando no local inicialmente, enquanto que o centro tradicional pode ser interpretado como o local de origem
da cidade, ou seja, o centro que expressa uma simbologia.
pode ser caracterizado, em primeiro lugar, como um espaço de comunicações para a
integração de know-how e produção cultural (BENKO, 1996, p. 79).
Consideramos que, atualmente, a economia dos serviços impulsiona as mudanças no
mercado, pois buscamos ter acesso aos serviços pessoais, educacionais e de lazer,
rompendo fronteiras com o deslocamento das indústrias, das empresas e do próprio setor
terciário, acirrando o processo de reestruturação dos espaços no interior das cidades. Os
novos centros comerciais, ao se localizarem em áreas onde ocorre uma ampliação do setor
comercial e de serviços, proporcionam a formação de novos pontos, e conseqüentemente, a
ampliação das respectivas atividades, ocasionando, de fato, um processo de valorização
dessas novas áreas através da constituição de novos eixos de circulação. Tal situação acaba
por interferir no mosaico da estrutura urbana com os novos fluxos que passam a redefinir a
própria (re)produção espacial e as novas relações sociais.
É preciso salientar que não verificamos mais na maioria das cidades a constituição
de um centro único, que monopoliza as estratégias do capital, ou seja, as mudanças na
estrutura interna urbana assinalam o processo de expansão das áreas centrais, e por
conseguinte, a multiplicação da centralidade, que se manifesta nos novos eixos que vão se
formando, em virtude principalmente, do crescimento das mesmas.
O afastamento das pessoas que residiam nas áreas consideradas centrais favoreceu o
que chamamos de expansão urbana, pois houve a absorção de novas áreas ao tecido urbano
e, próximas ao centro, que por sua vez, passou a ser ocupado pelas atividades do setor
terciário (comércio e serviços), enquanto que a população buscou se (re)alocar em outras
áreas consideradas suburbanas. Assim, o centro passou por um processo de reestruturação
de suas funções, com muitas sendo instaladas em locais onde havia residências, podendo
ser caracterizado como destacou Santos, (1996) de “espaço herdado”, cujas velhas formas
estavam sendo adaptadas por novas funções e outras sendo construídas para abrigar as
novas atividades num processo que revela o “novo” e o “velho” como parte integrante da
(re)estruturação dos espaços intra-urbanos num movimento em que as temporalidades e as
espacialidades refletem a dinâmica da sociedade. Sobre isto temos o seguinte:
É notória a definitiva inclusão do tempo, por parte da ciência geográfica,
como elemento importante na análise das formações urbanas. Nessa
perspectiva, a cidade passou a ser considerada não apenas uma simples
forma, mas, principalmente, uma forma-conteúdo, assim, como também,
a história tornou-se indispensável para a compreensão dos processos
responsáveis pela configuração do espaço urbano. Por outro lado, muitas
vezes, parecia estar presente, nessa nova possibilidade de análise, a
existência de um tempo hegemônico como único definidor da dinâmica
urbana. A insatisfação com essa perspectiva tem levado vários autores a
considerar a proposição de uma leitura do espaço urbano em que as
formas espaciais sejam interpretadas a partir da pluralidade de tempos.
(TRINDADE JR., 2004, p. 241)
Relacionando as idéias do autor com as de Beltrão Sposito (1991) fica evidente que:
Esta expansão do centro não foi um processo de absorção/transformação
linear e homogêneo das áreas justapostas a ele, mas revelou um
heterogeneidade que muitas vezes permitiu as áreas de degradação -
“vácuos” funcionais e, em outros casos, a rápida ou gradativa
transformação do uso residencial de padrão médio ou alto em uso
comercial e de serviços, permitindo convivência temporal destes usos. (p.
9)
Sob esse aspecto Salgueiro (1998) também aponta que:
[...] devemos referir o padrão aleatório destes novos acontecimentos
urbanos. Ora surgem no centro, ora na periferia, uns são fruto da
reabilitação de imóveis degradados, outros nascem com a renovação de
áreas obsoletas, outros ainda são construídos de raiz num local que
rapidamente ganhou acessibilidade. (p. 41).
Outra forma de crescimento da área central é o subcentro
24
, uma vez que é uma
região que se configura pela imagem do próprio centro por concentrar atividades
comerciais e de serviços numa proporção menor que o mesmo. De acordo com Beltrão
Sposito (1991):
Tais atividades voltadas para um público mais restrito, funcional ou
economicamente (como exemplo, livrarias especializadas, galerias de
arte, oficinas de confecção de calçados sob medida, etc.) estavam
localizadas predominantemente no centro principal; a partir da década de
80, estas atividades têm procurado novas localizações, ou em função do
aumento do preço da terra no centro e/ou porque o público ao qual se
destinam já não circula com tanta freqüência nesta área. (p. 10).
24
Estes podem ser visualizados em cidades de médio porte e nas metrópoles, uma vez que estas apresentam
inúmeros subcentros e podendo ser considerados muitas vezes como centros regionais por concentrarem um
número elevado de pessoas.
Já os desdobramentos da área central se justificam pela não contigüidade das áreas
centrais, pois há um caráter extremamente funcional e socioeconômico na procura seletiva
por áreas mais distantes do centro, além do fato de que se locomovem através do transporte
particular, fato este importante para expressar o grau diferenciador dessa forma de
crescimento da área central. (BELTRÃO SPOSITO, 1991). Isto acontece porque o centro
propriamente dito enfrenta problemas como a falta de estacionamentos, infra-estrutura para
abrigar a quantidade de veículos que circulam na área, o que leva ao difícil acesso às
atividades localizadas nestes espaços. Sobre a especialização e expansão do centro
Whitacker (1997) destaca que:
A análise das formas de concentração econômica e especialização
funcional no centro tradicional colocam para o debate duas dinâmicas
importantes: a expansão do centro tradicional e a “crise” dessa forma de
centralidade. Uma crise que não supõe a busca de um estado de
equilíbrio, mas que deve ser compreendida como parte integrante do
movimento contínuo de redefinição de papéis dentro da cidade e que já
traz dentro de si sua superação. (p.160).
De qualquer forma, a constituição de novas centralidades se deu em função da crise
pela qual passam o(s) centro(s), uma vez que deve ser analisada como um fator que
evidencia mudanças nas formas urbanas, ou seja, mudanças na forma e no conteúdo.
Assim, novas áreas entrarão em crise com novos conteúdos, o que justifica o caráter deste
processo de transformação da estrutura urbana, que também se associa à escala, já que
todas estas mudanças refletem o intra-urbano, como também as relações existentes entre as
demais cidades. Para entender melhor, o autor acima avalia que:
Um dos problemas dos centros tradicionais provém de uma diferença
escalar de transformações espaciais e temporais, onde ambos, tempo e
espaço, estão submetidos à ação histórico-social e por ela determinados.
O tempo por não estar cristalizado em formas, convive com
configurações espaciais que não mais respondem às
necessidades/imposições/desejos de uma dada estrutura social, o que
engendra as novas centralidades. (WHITACKER, 1997, p. 161).
Levantando esta questão da escala de abordagem, que também pode ser entendida
no âmbito das temporalidades, já que os fluxos são redefinidos constantemente pelas
modificações quanto aos vários usos do solo, Smith (1989) estima que:
Se a escala urbana enquanto tal é a expressão necessária da centralização
do capital produtivo, os limites geográficos à escala urbana (que não se
deve confundir com os limites administrativos de uma cidade) são
determinados, em primeiro lugar, pelo mercado de trabalho local e pelos
limites ao deslocamento diário para o trabalho. Com o desenvolvimento
da cidade capitalista, há uma diferenciação sistemática entre o local de
trabalho e o local de residência, entre o espaço da produção e o espaço da
reprodução. (p. 198).
Tomando como referência as considerações apontadas pelo referido autor, temos as
mudanças quanto à dinâmica da área central, uma vez que a separação entre os lugares
dentro da cidade e a acessibilidade caracterizam os fluxos estabelecidos, configurando as
estratégias do próprio capital, cujos “usos competitivos são geograficamente selecionados,
em primeiro lugar, através do sistema de renda do solo.” (SMITH, 1989, p. 200).
Dessa
forma, temos as contradições da/na cidade quanto à (re)estruturação dos espaços, visto que
quem pode pagar pelas melhores localizações acaba se beneficiando com as novas formas
comerciais e espaciais que surgem constantemente no interior dela.
Por outro lado, áreas suburbanas estão, essencialmente, relacionadas ao processo de
descentralização das atividades e à intensificação do uso do automóvel, visto que as
distâncias se relativizam e o fator tempo passa a compor o ritmo de vida das pessoas. Na
verdade, a descentralização das atividades do setor terciário está ligada às estratégias da
acumulação capitalista e às transformações do setor comercial, uma vez que na década de
80 temos as iniciativas do capital comercial em detrimento do próprio capital industrial.
Assim, há empreendimentos, como os shopping centers, que também podemos considerar
como expressão de uma nova centralidade e
[...] que se desenvolvem no Brasil no momento em que as condições de
desenvolvimento do capitalismo necessitam do monopólio do espaço, para
reprodução contínua e ampliada do capital, porque é através do poder de
mercado que são equacionados os problemas da acumulação do capital.
Não é por acaso que as grandes lojas ou grandes em presas estão presentes
neste espaço. Enquanto empresas de grande capital que necessitam
continuar sua acumulação, elas também necessitam deste espaço
comercial concentrado, que desenvolve toda uma estratégia para atrair
consumidores. (PINTAUDI, 1992, p. 16)
Dessa forma, a localização de atividades comerciais e de serviços no centro das
cidades e seu conseqüente inchaço causaram o que muitos creditam ser a “crise dos
centros”, embora autores como Villaça (2001) considerem que os shopping centers nas
regiões metropolitanas não foram responsáveis pelo esvaziamento da área central.
Destacamos, porém, que a expansão dos subcentros foi um processo expressivo que
desencadeou a formação de novas centralidades em função da própria dimensão dessas
áreas e sua zona de influência, como também de atração. Ainda, sobre a centralidade
Whitacker (2003) afirma que:
É também reflexo de divisões técnicas e sociais do trabalho. Seu
processo de constituição compreende também a sobreposição de
temporalidades diferentes que se materializam em formas urbanas e que
passam a assumir novos usos e funções, determinando novos conteúdos
àquelas formas pretéritas. O que Santos chama de “rugosidades
compreende a influência de formas naturais e construídas e sua relação
com os usos e representações atuais. (p. 194).
Mas podemos destacar que as novas estratégias do mercado e as estratégias de
localização dos grandes equipamentos comerciais e de serviços estão vinculadas à
territorialização do próprio capital. Tais estratégias implicam em mudanças no interior das
cidades, redefinindo o paradigma da centralidade urbana, visto que os interesses
imobiliários são considerados como determinantes na escolha de novas áreas e novos usos
do solo urbano, fatores que também contribuem para a redefinição dos processos de
reestruturação urbana.
Sobre esses apontamentos podemos avaliar que as novas centralidades e os novos
espaços de consumo
25
estão atrelados ao
[...] processo de concentração econômica dos grandes grupos, que atuam
no setor comercial e de serviços e daqueles que atuam no setor da
produção imobiliária, implica novas escolhas em termos de estratégias
econômicas e locacionais, que se expressam na estrutura urbana, mudando
as relações entre o centro, as áreas pericentrais e a periferia. (BELTRÃO
SPOSITO, 1998, p. 29).
25
Não podemos deixar de mencionar os novos espaços de consumo inseridos nesta lógica, uma vez que
ambos fazem parte de um processo que implica o surgimento de novas áreas como parte integrante do
processo de (re)estruturação urbana. Este assunto será melhor retratado no quarto item deste capítulo quando
discutiremos o consumo propriamente dito.
Dessa forma temos que:
A relação entre centro e centralidade é inexorável, como a distinção entre
esses conceitos faz-se necessária. Ambos se definem através de
dinâmicas propulsionadas por determinantes objetivas, como as
possibilidades de mercado dadas por uma localização qualquer, mas, por
outro lado, resultam também de determinantes subjetivas, definidas
através dos conteúdos simbólicos produzidos historicamente ou de signos
forjados pelas lógicas de mercado. A cada nova localização de atividades
que gera e exige concentração, há uma redefinição da centralidade que
resulta do que muda em relação com o que permanece, no plano
territorial e no plano das representações que se constroem sobre o espaço
urbano e suas áreas centrais. (BELTRÃO SPOSITO, 2001, p. 238).
É fundamental associarmos esses apontamentos a respeito das localizações que
geram concentração e que redefinem o paradigma da centralidade urbana no sentido das
mudanças e permanências em relação à área central, uma vez que há situações cujas
transformações se dão apenas nos usos evidenciados e marcados por uma condição que,
ainda, lhe é própria, ou seja, há cidades em que a área central expressa a centralidade que
permite afirmar que concentra formas e funções num processo histórico que gera e sustenta
esta condição através da combinação de fatores que caracterizam o que destacamos como
centralidade principal, embora, a cidade em si apresentar-se como um espaço descontínuo e
fragmentado, pois as diversas formas de uso do solo urbano estão marcadas pela própria
fragmentação, já que os espaços reservados ao uso residencial encontram-se afastados dos
espaços em que predominam as atividades econômicas cuja:
Principal característica que importa sublinhar na cidade fragmentada é a
existência de enclaves, o caráter pontual de implicações que introduzem
uma diferença brusca em relação ao tecido que as cerca, seja um centro
comercial numa periferia rural ou um condomínio de luxo no meio de um
bairro popular. Desta característica resulta a existência
de rupturas entre
tecidos justapostos as quais substituem a continuidade anterior.
(SALGUEIRO, 1998, p. 41).
Para analisarmos as mudanças no uso do solo urbano quanto à formação de novas
centralidades, discutimos também a questão da mobilidade e da acessibilidade nas cidades,
pois como afirma Gottdiener (1993),
“a vida tornou-se portátil”, ou seja, as formas de
deslocamento possibilitaram as pessoas se mobilizarem mediante tempos diferenciados e
formas de deslocamento também diferenciadas.
Para Gottdiener (1993), toda essa modificação na estrutura urbana está associada ao
fato de que possuímos hoj, uma forma de espaço de assentamento, que significa a própria
produção do espaço urbano, polinucleada e funcionalmente integrada pela matriz
tridimensional de organização social, embora este também faça menção ao fato de que não
podemos imaginar um novo modelo de desenvolvimento urbano, pois essas considerações
não fazem parte somente das relações de integração espacial enfatizadas por representações
de zonas concêntricas, mas também ds “ligações hierarquicamente estruturadas a processos
do sistema global, como acumulação de capital e a nova divisão internacional do trabalho”
(GOTTDIENER, 1993, p. 17).
Diante disso afirmamos que o processo de suburbanização está ligado à constituição
de uma nova centralidade urbana através da desconcentração de atividades terciárias para
outras áreas, pois:
[...] a desconcentração foi a conseqüência de muitos anos de crescimento
suburbano fora dos centros da cidade, a distâncias cada vez maiores. O
que mais surpreende a um observador desse fenômeno é a maneira pela
qual, no tempo, o subúrbio enquanto forma de espaço de assentamento
evoluiu mais depressa do que o conceito que temos dele. Está claro
atualmente, que os primeiros analistas especialmente aqueles que foram
afetados pela relativa singularidade de desenvolvimentos individuais.
Todavia podemos entender a suburbanização como parte de um processo
global de desenvolvimento que evoluiu através de uma série de estágios.
(GOTTDIENER, 1993, p. 20)
Assim, podemos, ainda, considerar que as novas formas comerciais e a redefinição
da centralidade urbana passam por um processo que é histórico quanto à localização das
atividades comerciais e de serviços e, dinâmico, pois devemos enfocar as mudanças nos
papéis das cidades estabelecidos pela rede urbana, como o próprio crescimento delas, a
questão da expansão do tecido urbano e a infra-estrutura para os transportes, pois o
deslocamento é de fundamental importância para essa redefinição, além dos investimentos
nos setores público e privado, que configuram como estratégias para o setor imobiliário
quanto aos diferentes usos do solo (residencial, comercial e de serviços). Beltrão Sposito
(2001) aponta que:
As áreas centrais estão se multiplicando e a observação dessa tendência
pode ser reconhecida como resultado de uma lógica que passou a orientar
a constante dinâmica de reestruturação das cidades brasileiras. A
multiplicação de áreas de concentração de atividades comerciais e de
serviços revela-se através de nova espacialização urbana, permitindo-nos
identificar o conceito de centro prevalentemente à dimensão espacial da
realidade. Em outras palavras, o reconhecimento da multiplicação de
áreas centrais de diferentes importâncias e papéis funcionais pode se dar
através da observação da localização das atividades comerciais e de
serviços. (p. 238).
Assim:
Se o centro pode ser delimitado, a partir de critérios que estabeleçam níveis
de densidade de atividades comerciais e de serviços, por exemplo, a
centralidade não está contida em limites, porque ela pode se expressar no
nível intra-urbano, não se define apenas pela escala e pode mudar, no
tempo e no espaço, de forma muito rápida. (BELTRÃO SPOSITO, 2004, p.
276-7).
De acordo com todas essas considerações devemos avaliar que enquanto o centro é
a manifestação das formas e funções, a centralidade se expressa pelos fluxos materiais e
imateriais
26
que condensa, pois esta pode ser identificada em áreas localizadas fora do
centro propriamente dito, mas também pode contribuir para que o próprio centro, ainda,
continue expressando uma centralidade, que outrora, foi um fator primordial de existência e
permanência dos fluxos nessa área. Na verdade, podemos associar essas idéias às de
Lefebvre (1999) quando ele destaca o seguinte:
O urbano reúne. O urbano enquanto forma, trans-forma aquilo que reúne
(concentra). Ele faz diferir de uma maneira refletida o que diferia sem o
saber: o que só era distinto, o que estava ligado ás particularidades no
terreno. Ele reúne tudo, inclusive os determinismos, as matérias e
conteúdos heterogêneos, a ordem e a desordem anteriores. (p. 159).
Sobre este assunto Beltrão Sposito (1991) avalia que:
[...] o centro pode ser qualificado como integrador e dispersor ao mesmo
tempo. Esta qualidade pressupõe, provoca e reforça o traço concentrador
desta área, permitindo dizer que a dimensão ou uma nova dinâmica da
divisão territorial do trabalho provoque a emergência de outros “centros”,
o principal e cada um deles desempenha um papel de concentricidade, ou
seja, para diferentes escalas de atuação/atração, é uma área de interesse
de convergência. (p. 6-7).
26
Sobre esse assunto ver dos fluxos materiais e imateriais ver Grzegorczyk (2000).
Se por um lado discutimos a centralidade, por outro temos várias formas que
caracterizam esta situação, visto que a idéia de centro único perdeu sua característica,
saindo da monofuncionalidade para a multifuncionalidade, embora as cidades pequenas não
estejam esquadradas nesse processo, pois o centro principal e tradicional desempenha o
papel concentrador de todas as manifestações socioespaciais, o que não encontramos mais
nas cidades grandes e médias, sem falar nas metrópoles, cuja proliferação dos centros e a
constituição de novas centralidades múltiplas e complexas evidenciam o processo de
difusão dos novos eixos de circulação. Ainda sobre o caráter da centralidade urbana,
Beltrão Sposito (2001) nos esclarece que:
Essa generalização da ocorrência de uma centralidade múltipla e
complexa em áreas urbanas não metropolitanas ocorreu em função de: -
entrada nessas cidades de capitais comerciais de grande porte, com novas
lógicas locacionais, - aumento do interesse dos capitais imobiliários na
construção de novos equipamentos comerciais e de serviços, de forma
associada ou não a esses capitais comerciais; - acelerada expansão
territorial urbana, gerando tecidos descontínuos e fragmentados; -
ampliação da diferenciação sócio-espacial, refletindo-se, muitas vezes,
em exclusão sócio-espacial; - melhoria das formas de transporte, com
destaque para o aumento do uso do transporte individual. (p. 237).
A centralidade pode ser entendida pelos fluxos estabelecidos nas diversas áreas que
compõem o tecido urbano, pois é uma justaposição de movimentos que assinalam as
constantes mudanças no tempo e no espaço em função da localização de atividades
comerciais e de serviços por toda a cidade, umas com densidade maior que outras, sendo
comum a cada nova localização das formas espaciais a constituição de nós de circulação e
articulação entre as pessoas, mercadorias, informações que fazem parte do todo social.
Assim, Beltrão Sposito (2001) destaca que a escala espacial pode ser apreendida pelo que
se manifesta no centro, seu conteúdo mediante as formas e funções que concentra, enquanto
que a centralidade se dá na dimensão temporal, uma vez que ocorrem mudanças nas
localizações. Por exemplo, as mudanças nas atividades comerciais e de serviços de uma
área para outra proporcionam uma redefinição dos novos eixos de circulação e de atração.
Podemos considerar que as cidades de médio porte representam bem essa situação,
já que em muitas delas, o centro deixou de ser o único local de convergência, passando para
outras áreas em função da localização de novas formas de comercialização, que podem ser
justificadas pelas estratégias locacionais, como já ressaltamos anteriormente. A
centralidade também pode ser interpretada pela relação entre cidades, cuja dependência de
umas com as outras acentua o papel da divisão social e territorial do trabalho. Contudo:
Essa complexidade acentua-se porque as relações entre as cidades da
rede não são, apenas, de dependência das menores em relação às maiores,
dinâmica essa para cuja compreensão se construiu o próprio conceito de
hierarquia urbana. Essas relações são, ao mesmo tempo, de competição e
cooperação entre cidades de mesmo porte e importância funcional em
uma rede, como entre cidades de diferentes portes e importâncias
funcionais dentro de uma rede ou de redes urbanas distintas. (BELTRÃO
SPOSITO, 2001, p. 240)
Sobre isto, Whitacker (2003) apresenta o seguinte:
Pode-se analisar o processo de constituição de novas formas urbanas que
possuem generalizações identificáveis, em várias escalas de análise. Os
determinantes desse processo estão não apenas num nível intra-urbano e
interurbano, como também desenvolvem nesses dois níveis suas
determinações. Constituem-se e são constituídos pelos níveis local,
nacional e mundial, à medida que se homogeneizam e se fragmentam,
tanto o espaço, quanto o território. (p. 142).
De acordo, ainda com esse autor, temos que:
O relativismo que se opera ao se compreender fenômenos em escalas de
ocorrência diferentes como idênticos pode levar a um grande nível de
imprecisão. Há, então, a necessidade de que, entre a excessiva
particularização (analisar as escalas intra-urbana e interurbana, a da rede
e a dos espaços urbanos separadamente) e a morfologia urbana a um
único indutor, como as formas atuais resumidas pelo modo capitalista de
produção, questionemos se os processos característicos de grandes
cidades se dão, também, nas chamadas cidades médias pelo rápido
processo de urbanização que se dissemina, segundo novas nuanças nas
economias periféricas, como uma das características do que alguns
economistas denominam como fordismo periférico. (WHITACKER,
2003, p. 140)
Na verdade, a idéia de centralidade urbana vem acompanhada da idéia de
reestruturação, pois:
Este processo de recomposição espacial produz-se a todas escalas
territoriais, da mundial à intra-urbana do bairro, não sem conflitos e, tal
como podemos falar de uma nova divisão do espaço em resposta à nova
divisão do espaço em resposta à nova divisão social do trabalho,
podemos falar de uma nova organização urbana que articula em
simultâneo processos de explosão das zonas tradicionais de actividades e
de implosão anteriormente separadas. (SALGUEIRO, 2001, p.116)
Essas considerações podem ser interpretadas a partir da relação entre forma e
processo que (re)definem os usos e práticas na/da cidade reestruturando os espaços. Nessa
perspectiva temos que:
A análise da relação entre forma e processo, tomando-se como referência
a perspectiva exposta, é possível, a nosso ver, através do estudo dos usos
do espaço, definidos pelas diferentes práticas. Sempre que observamos
diferentes frações do espaço urbano, seja uma rua, uma praça, um centro
comercial, estamos, segundo Lefebvre, descrevendo um espaço social, ao
qual corresponde uma prática espacial que se expressa através da forma
de uso deste espaço. (BELTRÃO SPOSITO, 2001, p. 87)
Considerando-se as singularidades de cada cidade no contexto da (re)produção do
espaço urbano, com destaque para as novas formas espaciais, que envolveM as novas
formas comerciais, temos a análise de Beltrão Sposito (2001) que sintetiza a relação do(s)
centro(s) e a constituição de novas centralidades tomando como referência que:
1) As cidades brasileiras de médio porte
27
apresentam uma dinâmica de
descentralização das atividades terciárias, que ocorre mediante uma recentralização e não
apenas pela dispersão destas no interior das mesmas. Na verdade, isto ocorre devido ao
aumento das áreas centrais, com destaque para as novas formas comerciais, que redefiniram
o paradigma da relação centro/centralidade, podendo esta ser considerada múltipla.
Tomando estas considerações como expressivas, inserimos a análise de Lefèbvre
(1972) quanto à centralidade, afirmando que:
La centralidad constituye para nosotros lo esencial del fenómeno
urbano, pero una centralidad considerada junto con el movimiento
dialéctico que la constituye y la destruye, que la crea o que la extingue.
27
Para nós são interessantes as análises referentes às cidades médias, já que a área de pesquisa, no caso a
cidade de Anápolis-GO, é considerada de porte médio não somente pelo número de habitantes, mas pelos
papéis que desempenha na rede urbana brasileira.
El hecho de que cualquier punto pueda ser tomado como centro, es lo que
caracteriza al espacio-tempo urbano.
28
(p. 122).
2)
A mudança dos fluxos e a intensificação do uso do automóvel permitiram maior
fluidez quanto à acessibilidade no interior das cidades, uma vez que o ritmo das formas de
comercialização oscila de acordo com os próprios fluxos, ou seja, durante o dia temos uma
concentração maior de pessoas, veículos, idéias, informações no centro, o que ocorre de
forma diferenciada com os demais estabelecimentos, cujo horário de funcionamento
ultrapassa o horário comercial. Isto pode ser avaliado pela presença dos shopping centers
em determinadas áreas da cidade e em outros eixos de circulação, contribuindo com, como
destacou Beltrão Spisito, uma centralidade cambiante com “suas variações no decorrer do
tempo.” (BELTRÃO SPOSITO, 2001, p. 251).
Ainda, de acordo com Lefèbvre,
29
(1972, p. 123) “la cuidad crea una situación, la
situación urbana, en la cual las cosas diferentes influyen las unas en las otras y no existen
distintamente, sino según las diferencias.” 3) De certa forma, ocorre uma recentralização
das atividades comerciais e de serviços e, novamente, a constituição da centralidade, o que
não implica na “diluição da centralização” (Beltrão Sposito, 2001, p. 251)
através de novas
áreas que visam a uma clientela procedente de inúmeras partes da cidade e, também, de
outras cidades criando uma centralidade complexa a partir dos fluxos e das escalas que se
interligam.
4) O surgimento dos novos equipamentos comerciais e de serviços, como os
shopping centers e hipermercados em algumas áreas proporcionaram uma centralidade
polinucleada do ponto de vista da funcionalidade e das questões sócio-espaciais, uma vez
que as áreas com uma densidade demográfica mais elevada não estão ligadas às de menor
densidade e o que justifica esta situação é justamente a acessibilidade e as formas de
deslocamento permitidas a quem possui veículo particular.
31
28
“A centralidade constitui para nós o essencial do fenômeno urbano, mas uma centralidade considerada
junto com o movimento dialético que a constitui e a destrói, que a cria e a extingue. O fato de que qualquer
ponto possa ser tomado como centro, é o que caracteriza o espaço-tempo urbano.”
29
“A cidade cria uma situação, a situação urbana, na qual as coisas diferentes influem umas nas outras e não
existem distintamente, senão segundo as diferenças”.
31
É importante salientar que muitas pessoas que vivem nas cidades grandes, metrópoles ou não e em cidades
médias, não freqüentam o centro principal e tradicional, preferindo outras áreas. Isto pode ser justificado pela
acessibilidade destas e, principalmente, pelas formas de deslocamento, visto que cada um tem um tempo
diferenciado para as práticas de consumo e lazer.
Se tomarmos como parâmetro todos esses apontamentos sobre os níveis de
constituição da centralidade urbana podemos perceber que todos estão relacionados, pois se
avaliarmos a centralidade múltipla, ela se confirma a partir do momento em que o centro
deixa de ser único e novas áreas aparecem como centrais. Essa centralidade múltipla
também pode ser cambiante, pois há atividades comerciais e de serviços que funcionam
durante o dia, enquanto que outras têm seu desfecho no período noturno. Contudo, se novas
áreas surgem no interior das cidades e concentram funções que várias pessoas buscam,
inclusive de outras cidades acabam por criar uma complexidade de relações entre os fluxos
que se estabelecem, além da dinâmica dos novos equipamentos comerciais e de serviços,
que procuram estar localizados em pontos de fácil acesso e pouco povoado
32
, favorecendo o
que podemos chamar de segmentação socioespacial quanto à clientela dessas áreas.
Para Lefebvre (1972):
A la policentralidad, a la omni-centralidad, a la ruptura del centro, a la
disgregación, tendencia orientable, ya sea hacia la constitución de
diferentes centros (aunque análogos, eventualmente complementarios),
ya sea hacia la dispersión y la segregación.
33
(p. 126).
Castells (1972) analisa essa situação do surgimento de novas áreas que imbricam a
centralidade urbana da seguinte maneira:
A problemática da centralidade coroa as utopias urbanísticas e teorias da
cidade. Ela conota a questão-chave das relações e articulações entre os
elementos da estrutura urbana, mas, investida inteiramente pela
ideologia, ela tende a tornar-se o revelador mais seguro da concepção das
relações cidade/sociedade subjacente à análise. (p. 271).
Buscamos elencar também a idéia de centralidade urbana na visão de Frúgoli Jr.
(2000) que avalia esse processo na metrópole de São Paulo dizendo que:
32
Isto acontece devido à falta de espaço no centro propriamente dito, pois esses aparelhos comerciais e de
serviços precisam de grandes áreas para se localizarem e em função também do preço do solo urbano, já que
muitos destes foram surgiram em áreas que passaram por um processo de valorização após a respectiva
instalação.
33
“A policentralidade, a centralidade, a ruptura do centro, a separação, tendência orientável, em direção à
constituição de diferentes centros (ainda que análogos, eventualmente complementários, em direção à
dispersão e à segregação).” (Tradução do texto do autor)
Numa metrópole cujo processo de expansão dotou os espaços de grande
complexidade, a fragmentação dessa centralidade acentuou-se ainda mais
a partir do surgimento dos shopping centers, espalhados em diversas
regiões, que passaram a se caracterizar como importantes espaços de
consumo, lazer e sociabilidade de crescentes segmentos da população,
inicialmente ligados às classes média e alta, e posteriormente também a
vários segmentos das classes populares (p. 38).
Assim, também é preciso ressaltar, segundo o referido, autor que:
Uma das indagações fundamentais é averiguar em que medida a criação
de vários centros passa por um processo social de disputa entre grupos e
instituições privadas, que têm um papel importante na redefinição e
recomposição da centralidade no contexto contemporâneo de São Paulo.
Em outras palavras, pretende-se desvendar quais são hoje os principais
grupos e instituições privados envolvidos na definição do que seja central
na metrópole de São Paulo e, em decorrência disso, analisar quais visões
e representações sobre o “Centro”- e, por conseguinte, sobre a cidade -
tais grupos são capazes de impor. (FRÚGOLI JR., 2000, p. 43)
Lefebvre, em sua obra, avalia que as formas e funções agregadas à cidade e ao
urbano, as relações com o território e com o Estado foram se transformando e novas
situações surgiram caracterizando um movimento histórico que serve de apoio para novas
transformações globais, mas que se manifestam no local, uma vez que “desestruturações e
reestruturações se sucedem no tempo e no espaço, sempre traduzidas para a prática,
inscritas no prático-sensível, escritas no texto urbano, mas provenientes de outro lugar: da
história, do devenir” (...) “lê-se a cidade porque ela se escreve, porque ela foi uma escrita”
(LEFEBVRE, 1991, p. 55)
Esses apontamentos sobre a constituição da centralidade urbana baseada nas várias
concepções diferenciadas dos autores contribuíram para expressar algumas idéias a respeito
da temática, uma vez que o assunto não se esgota neste item, já que estaremos partindo
dessas idéias para analisar a realidade da cidade de Anápolis num contexto de relações
entre os diversos atores sociais e a produção do espaço urbano. Assim sendo, o item a
seguir reflete algumas proposições sobre a dinâmica do uso do solo urbano no centro e as
estratégias locacionais dos camelôs na respectiva cidade.
1.3. O centro, a dinâmica do uso do solo e as estratégias de localização dos camelôs e
ambulantes
Como a própria temática assinala, temos uma dinâmica do uso do solo urbano na
área central das cidades, associada a um movimento que envolve a propriedade e muitas
vezes a apropriação dos espaços, uma vez que os vários grupos estabelecem uma relação de
identidade com o “lugar” para realizar as práticas da vida cotidiana, como morar, trabalhar,
consumir e se divertir. Para Beltrão Sposito (1991) essa situação pode ser entendida no
contexto da divisão social do trabalho, provocando a divisão territorial, que por sua vez,
não é homogênea do ponto de vista da acessibilidade destas no conjunto da estrutura
urbana. O solo urbano é considerado, então, como uma mercadoria, uma vez que quem
pode pagar o seu preço se beneficia das melhores localizações, sendo que no sistema
capitalista de produção as estratégias comerciais e as novas formas espaciais vislumbram
esse processo. Portanto:
[...] a necessidade da cidade e da vida urbana só se exprime livremente
nas perspectivas que tentam aqui se isolar e abrir os horizontes. As
necessidades urbanas específicas não seriam necessidades de lugares
qualificados, lugares de simultaneidade e de encontros, lugares onde a
troca não seria tomada pelo valor de troca, pelo comércio e pelo lucro?
Não seria também a necessidade de um tempo desses encontros, dessas
trocas? (LEFÈBRE, 1991, p. 104).
A cidade é palco das necessidades urbanas, é o lugar das trocas, dos encontros, dos
desejos, do consumo, que favorecem a dinâmica da (re)produção e da (re)estruturação dos
espaços intra-urbanos. Temos, então, o centro como uma mercadoria e o uso do solo
regulado pelo mecanismo de mercado, o que nos leva a pensar a cidade como espaços
divididos socialmente e economicamente no sentido da própria funcionalidade que assume
diante das formas que agrupa. O centro, nessa perspectiva, é considerado o lugar das trocas,
cujos espaços são (re)organizados de acordo com os interesses que visam ao lucro, uma vez
que a constante disputa pelo direito à cidade, passa antes de mais nada, pelo direito ao
espaço, que pode ser pensado no momento em que ambulantes e camelôs se apropriam das
áreas públicas do centro ao instalarem as bancas para que esse local seja convertido num
espaço de uso e de troca.
As ruas e calçadas passam a ser configuradas como parte da lógica da mercadoria
que envolve o centro, pois cada ponto é disputado de forma que os produtos possam
circular, misturando os usos que vão desde a necessidade de deslocamento dos pedestres à
satisfação do consumo. A proposta que destacamos neste trabalho passa pela análise do
centro com enfoque para os novos espaços de consumo que estão relacionados aos
ambulantes e camelôs que procuram as áreas centrais para se instalarem, (re)estabelecendo
o sentido da centralidade urbana. Assim, temos que:
Este processo é dinâmico, e no modo capitalista de produção tanto a
produção da cidade (crescimento horizontal e vertical) quanto o seu
consumo (localização dos diferentes usos de solo) estão subordinados às
leis de mercado e determinados pela instituição da propriedade privada
da terra, que lhe dá o caráter de mercadoria, e permite a realização da
renda da terra.
34
(BELTRÃO SPOSITO, 1991, p. 6).
O solo urbano é, na verdade, disputado pelos vários usos, uma vez que na cidade
temos diferentes atividades, o que justifica tais usos serem disputados por vários indivíduos
que se apropriam deste através da propriedade privada para obterem renda ligada ao capital
imobiliário. Devemos, considerar, porém que “o espaço é apenas uma condição necessária
a qualquer atividade, portanto também da produção, mas não constitui em si, meio de
produção entendido como emanação do trabalho humano que o potencia” (SINGER, 1980,
p. 77).
Isso gera lucros para quem detém as parcelas do solo urbano e que se beneficia desta
condição, já que estes podem ser diferenciados dependendo da localização no interior da
cidade, o que também nos permite avaliar o nível de valorização dos terrenos a partir da
localização, que de certa forma passa pela condição de monopólio do espaço que se
estabelece entre os atores urbanos.
Todavia, esse jogo de interesses que se associa às estratégias do uso do solo urbano
na economia capitalista passa por um processo que é preciso ser discutido, mesmo que de
forma sucinta, mas que nos ajudará a entender essa dinâmica. Singer (1980) avalia que:
O uso do solo na economia capitalista é regulado pelo mecanismo de
mercado, no qual se forma o preço desta mercadoria “sui-generis” que é
o acesso à utilização do espaço. Este acesso pode ser ganho mediante a
34
Consideramos que em se tratando da renda da terra é preciso enfocar a questão da renda absoluta, a renda
diferencial e a de monopólio.
compra de um direito de propriedade ou mediante o pagamento de um
aluguel periódico. (p. 78).
É fundamental inserirmos, na análise, que a cidade não é somente um acúmulo de
pessoas que disputam cada porção do espaço para exercerem suas atividades a fim de
garantir a sobrevivência, pois a dinâmica econômica que rege a lógica das localizações
urbanas num contexto de relações perpassa um conteúdo, que antes também é social e pode
ser associado à cidade como um “centro de gestão do território”
35
através das empresas que
se instalam, pela administração e controle desses espaços e, evidentemente, pelo jogo de
poder que interage entre os interesses e valores de uma sociedade capitalista. Portanto,
como afirma Souza (2003):
[...] uma cidade não é apenas um local em que se produzem bens e onde
esses bens são comercializados e consumidos, e onde as pessoas
trabalham; uma cidade é um local onde pessoas se organizam e interagem
com base em interesses e valores os mais diversos, formando grupos de
afinidade e de interesse, menos ou mais bem definidos territorialmente
com base na identificação entre certos recursos cobiçados e o espaço, ou
na base de identidades territoriais que os indivíduos buscam manter e
preservar. (p. 28).
Há uma estreita ligação entre os empresários que buscam investir em determinados
setores da economia e o Estado, que facilita a estruturação desta contribuindo para com a
infra-estrutura que se torna indispensável para que prosperem. As atividades comerciais e
de serviços precisam estar localizadas em pontos que sejam freqüentados assiduamente pela
clientela consumidora, pois é fundamental para que as vantagens sejam positivas no sentido
das estratégias do mercado imobiliário, que é a especulação favorecendo o crescimento e
desenvolvimento de algumas áreas da cidade. Assim, “o cotidiano e o vivido lhe escapam.
Ou melhor, programa-se o cotidiano. Lugares neutralizados, higiênicos e funcionais, como
as avenidas, voltadas para a circulação do automóvel. Toda a racionalidade econômica e
política pesam sobre o cotidiano, enquanto vivido” (DAMIANI, 2001, p. 52)
. Contudo:
35
Expressão extraída de SOUZA, Marcelo Lopes, ABC do Desenvolvimento Urbano, 2003, p. 28.
Quando um promotor imobiliário resolve agregar determinada área ao
espaço urbano, ele visa um preço que pouco ou nada tem a ver com o custo
imediato da operação. A “valorização” da gleba é antecipada em função de
mudanças na estrutura urbana que ainda não estão por acontecer e, por isso,
o especulador se dispõe a esperar um certo período, que pode ser bastante
longo, até que as condições propícias se tenham realizado. (SOUZA, 2003,
p.28).
Nessa perspectiva, a análise da área central, que é a que nos interessa neste
momento da reflexão, e a dinâmica do uso do solo urbano e as estratégias de localização do
comércio informal passam pela determinação da renda da terra, que enfoca o espaço urbano
como propriedade privada, pois de acordo com Singer (1980) qualquer localização por pior
que seja precisa ser alugada ou mesmo comprada, contribuindo para aumentar os lucros.
Sob essa ótica, temos a renda absoluta que se concretiza mediante o pagamento dos
aluguéis determinados “pela margem existente entre o preço de mercado dos produtos da
empresa que utiliza esta localização e o seu preço de produção” (SINGER, 1980, p. 81).
Para Beltrão Sposito (1991):
[...] morar próximo ao centro ainda se constitui uma situação
interessante, não permitindo a emergência de grandes interregnos de
tempo, onde se dariam simultaneamente processos de abandono pela
função residencial e não absorção pelas atividades centrais de padrão
médio e alto, provocando a deterioração das áreas imediatamente
próximas ao centro, devido à sua ocupação por atividades comerciais e
de serviços voltadas a uma clientela de menor poder aquisitivo ou
marginal (no sentido socioeconômico desta expressão. (p. 10).
Dessa forma, vemos a cidade como expressão dos interesses imobiliários e que
representa uma relação de lugares em que as estratégias espaciais se mantêm como
instrumentos de planejamento. Na visão de Damiani (2001) encontramos a seguinte
constatação:
O processo produtivo, entre outras razões, também, explica o avanço do
estruturalismo, no final dos anos 60, com o acento nas estruturas
inteligíveis, e o repúdio ao vivido. O império do lógico, das articulações
e descontinuidades, do entendimento analítico se dá em detrimento do
movimento dialético dos conteúdos. Lembrem-se do refúgio à
antropologia dos povos primitivos, os povos sem história, que viveriam,
em princípio, a eternidade de suas estruturas. Na prática, além de uma
dialética mumificada, o avanço da tecnocracia, de uma sociedade
burocrática, do planejamento estatista, justifica a afirmação desse
pensamento. Em geografia, recordemos o desenvolvimento da ciência
espacial, quantitativa, contestando as explicações de fenômenos únicos.
Definia-se como verdadeiramente científica, decifrando os padrões
espaciais e apoiando as atividades de planejamento. Quanto ao
estruturalismo, ele representa ideologicamente, a atividade dos
tecnocratas, que se ocupam de utilizar o saber para “estruturar” o espaço
na perspectiva de um crescimento ilimitado, com um meio de ação
particularmente poderoso e mesmo eficaz: a burocracia. (p. 53).
Analisando a constatação acima com relação à lógica das articulações no âmbito das
práticas estruturalistas, burocráticas e de monopólio existentes na maioria das cidades e
associando à renda de monopólio que Singer (1980) discute temos o seguinte:
[...] Decorre da existência de localizações que conferem aos que as
ocupam o monopólio do fornecimento de determinadas mercadorias. É o
caso, por exemplo, de bares e restaurantes localizados em escolas, clubes,
estádios de esportes, aeroportos e semelhantes, afastados de outros
estabelecimentos congêneres, que por isso dispõem de um público
“cativo”. Estão no mesmo caso os que têm lojas em “shopping centers”,
dispondo nestes a exclusividade de venda de determinadas mercadorias.
Nestas condições, os que dispõem do monopólio, graças à localização,
podem cobrar preços mais elevados pelos produtos que vendem, o que dá
lugar a uma renda de monopólio, que é, em geral, apropriada no todo ou
em parte pelo proprietário do imóvel. Quando o proprietário é uma
associação sem fins de lucro (escolas, clubes) pode ocorrer que ele abra
mão da renda de monopólio em troca de uma diminuição dos preços
cobrados pela empresa que arrenda o local. Mas estes casos constituem
exceções (p. 82).
Se levarmos em consideração tais apontamentos, concluiremos que o solo urbano
apresenta características que o tornam competitivo, principalmente do ponto de vista da
localização, uma vez que esta é primordial no que diz respeito às estratégias do mercado
imobiliário, que atua de acordo com as estratégias do sistema capitalista, já que o acesso a
certos serviços visa a privilegiar as localizações de acordo com a demanda e com os
recursos disponíveis. Isto serve tanto para quem usa o espaço para morar ou para trabalhar,
justificando a idéia de renda diferencial, que pode ser interpretada pelo superlucro que cada
localização específica proporciona no sentido da própria segmentação socioespacial.
Entretanto, Lipietz (1988) discute o seguinte:
[...] no nível das relações e das quantidades, a contradição social-privado
é resolvida pela lei do valor. Por ela, através da troca mercantil, a
alocação do trabalho social e a realocação do produto para os diversos
produtores privados se efetuam. Colocar-nos-emos a questão: existe uma
“lei do valor no espaço”, um mecanismo de alocação do espaço social
entre as diferentes atividades materiais privadas? Em todos os casos, este
espaço social aparecerá como uma realidade “dada”, autônoma e
independente, acima (ou ao redor) da sociedade, exatamente como o
Estado e o mercado (e pelas mesmas razões), para cada agente privado
que aí virá “inscrever” sua atividade. Essa é a base mais particular da
concepção empirista do espaço, tal como é sistematizada nas teorias
burguesas da localização. (p. 27-8).
Todas essas considerações sobre o uso do solo urbano remetem-nos a pensar na
dinâmica da área central, cujo processo de estruturação passa pela análise dos papéis
desempenhados com relação ao centro, uma vez que esta área sempre absorveu atividades
que expressam o movimento do capital por concentrar objetos e ações que caracterizam a
unicidade das trocas comerciais e a circulação no âmbito das práticas cotidianas
impulsionadas pelo consumo. Na verdade, a área central envolve a dimensão dos diversos
usos do solo que agrega e os vazios que organiza nas áreas ao seu redor através do
abandono, que por sua vez favorece os promotores imobiliários, pois:
Entendemos que a existência e a dimensão de áreas momentaneamente
deterioradas em volta do centro, à espera de um processo de
integração/valorização, terão relação direta com a dinâmica dos
processos de promoção imobiliária, que vão tomar em consideração, para
decidir sobre o “aproveitamento” dessas áreas, fatores tais como: preço
destes terrenos/localizações, - disponibilidade/acesso a outros
terrenos/localizações que possam cumprir os mesmos papéis a preços
menores, - possibilidade de que o Estado venha a realizar o investimento
para superar a obsolescência das construções (física e moral), e – a
capacidade do mercado de pagar e remunerar este “investimento”
realizado. (BELTRÃO SPOSITO, 1991, p.p 7-8).
Todavia, não podemos esquecer que a estruturação do centro das cidades passa por
um processo que envolve a própria expansão entendida, cuja população foi afastada para
outras áreas e o uso do solo urbano passou a ser definido pelas atividades do setor terciário,
que também estão relacionadas às estratégias de produção e circulação das próprias
mercadorias. De acordo com Beltrão Sposito, esse processo não foi homogêneo, ou seja,
nem todas as áreas que foram incorporadas tiveram suas formas ocupadas por funções, já
que “muitas vezes permitiram a existência de áreas de degradação-“vácuos” funcionais e,
em outros casos, a rápida ou gradativa transformação do uso residencial de padrão médio
ou alto em uso comercial e de serviços, permitindo a convivência temporal destes usos”
(BELTRÃO SPOSITO, 1991, p. 9). Contudo, o que realmente temos é que o centro das
cidades, principalmente as brasileiras, tiveram o seu uso do solo totalmente transformado
segundo as estratégias do sistema capitalista e da propriedade privada da terra como uma
mercadoria, o que contribuiu para a reestruturação dos espaços na área.
Singer (1980) destaca que em cada cidade há um centro principal e outros que vão
surgindo em detrimento deste, através do próprio crescimento da mesma, pois a
incorporação de novas áreas ao tecido urbano e o surgimento de novos bairros, além da
dinâmica desses espaços favorecem e valorizam outros pontos no interior das cidades
constituindo novos eixos de circulação. Essa expansão do centro faz com que os
promotores imobiliários busquem os meios necessários para a criação de novas áreas,
principalmente as residenciais, permitindo que a população que reside próximo ao centro se
desloque para outras, uma vez que as anteriores acabam sofrendo um processo de
desvalorização em detrimento das novas áreas, visto que:
O anel residencial que circunda o centro principal se desvaloriza e passa
a ser ocupado por serviços inferiores: locais de diversão noturna e
prostituição, hotéis de segunda classe, pensões e – em estágio mais
avançado de decadência por cortiços, marginais etc. O envolvimento do
centro principal por uma área em decomposição social cria condições
para que a especulação imobiliária ofereça aos serviços centrais da
cidade nova área de expansão. Surge assim um “centro novo” em
contraste com o “centro antigo”
(SINGER, 1980, p.p 84-5).
O que devemos tomar como importante nessa análise é que não podemos
generalizar as questões que envolvem o centro das cidades, uma vez que o “centro antigo”
muitas vezes é remodelado para que permaneça sua característica de área de convergência.
Nessa perspectiva, ainda, segundo o referido autor:
As grandes inversões feitas em construções-igrejas, edifícios
governamentais, prédios escolares e hospitalares - proporcionam ao
centro antigo considerável resistência. Enquanto coexistem dois centros
principais na mesma cidade, verificam-se também dois gradientes de
valores do solo que, em parte, podem-se superpor na medida em que os
serviços centrais não se encontram em ambos os centros principais, mas
estão divididos entre os dois. (SINGER, 1980, p. 85).
De qualquer forma, temos uma realidade que caracteriza o centro das cidades na
perspectiva da renovação urbana, pois esta área vem sofrendo profundas modificações em
decorrência do surgimento de novos eixos, o que determina nova valorização em
detrimento daquelas em que esse processo já vinha sido implementado via mercado
imobiliário ou mesmo pelo Estado, que também se aproveita das benfeitorias que promove
em conjunto com os próprios promotores. É claro que o problema da obsolescência
presente na área central permite que a classe mais abastada procure outros espaços para
morar e consumir, o que faz com que as atividades comerciais e de serviços também se
transfiram para outros locais para atender a demanda da nova clientela cada vez mais
exigente com relação aos produtos. Assim, vemos clínicas médicas e odontológicas, salões
de beleza, boutiques e outras atividades serem instaladas em locais preferenciais, não
atingidos pela problemática dos centros no que tange à falta de estacionamento, uma vez
que a difusão do automóvel permitiu um deslocamento em menor tempo, além do fato de
que a popularização dos veículos automotores exigiu que as construções se adequassem às
mudanças, isto é, foi preciso que as construções tivessem garagens para abrigar os veículos,
como também as modificações nos padrões de consumo dos imóveis e dos
eletrodomésticos, o que acaba interferindo no estilo de vida das pessoas. (Singer, 1980).
O que buscamos ressaltar quanto à estruturação da área central é que mesmo as
edificações sendo abandonadas pelas camadas pertencentes às classes média e alta quanto à
funcionalidade ligada ao uso residencial, como também pelo uso comercial e de serviços,
não são destinadas às pessoas que não possuem moradia, causando a deterioração dos
imóveis, já que não há a intenção de aproveitamento desses espaços pela população de
baixa renda, até mesmo porque o mercado imobiliário não tem o interesse que os mesmos
sejam ocupados por este segmento. Ainda, de acordo com Singer (1980, p. 86), “a cidade
capitalista não apresenta um tipo de demanda intermediária que permita o aproveitamento
racional dos investimentos, não só em edificações, mas também em serviços de infra-
estrutura realizada no passado”.
Com relação ao processo de renovação do centro podemos considerar, de fato, que
as idéias quanto à reestruturação dos espaços passam pela lógica de mercado, uma vez que
visam a recuperar áreas que possam servir às camadas média e alta tanto para usos
residenciais quanto comerciais, já que os promotores imobiliários intervêm para que as
atividades do setor terciário estejam próximas da zona onde a elite se estabelece. Na
verdade, a renovação favorece o mercado imobiliário, pois a camada de baixa renda não
consegue pagar o preço do uso do solo na área, seja esta central ou localizada em outro
ponto da cidade. Sobre esse aspecto, Singer (1980) avalia que:
[...] a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A propriedade
privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária seja
requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas, o
funcionamento normal da economia capitalista não assegura um mínimo
de renda a todos. Antes pelo contrário, este funcionamento tende a
manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que significa que
uma parte correspondente da população não tem meios para pagar pelo
direito de ocupar um pedaço do solo urbano. (p. 88).
A dinâmica do uso do espaço no interior das cidades e que intervém diretamente no
centro, também passa pela análise da atuação do Estado juntamente com os especuladores
que organizam os lugares para que possam abrigar formas e funções que muitas vezes
elevam o preço do solo. Enfim, a especulação imobiliária fica à espera da valorização dos
lotes, que por sua vez serão ocupados seja pela população mais rica ou mesmo pela mais
pobre, tornando-se explícito o caráter da propriedade privada do solo urbano. Contudo, é
interessante apontarmos que, diante dessas questões ressaltadas até o momento, é
importante consideramos que as modificações da área central também estão presentes nos
processos que desencadeiam os desdobramentos desta área e que melhor agrupam as
atividades. Isto reflete uma estrutura que está ligada a uma “tendência à localização de
atividades terciárias tipicamente centrais, ao longo de vias de maior circulação de veículos,
traduzindo-se na configuração de eixos comerciais e de serviços importantes” (BELTRÃO
SPOSITO, 1991, p. 10).
A paisagem do centro urbano é caracterizada pelas localizações das diversas formas
comerciais estruturadas nesse espaço com uma funcionalidade expressa pelas atividades
instaladas em cada ponto, (re)criando uma imagem que se insere na incessante renovação
do próprio processo de (re)produção do capital, que por sua vez se associa à (re)produção
dos espaços vivenciados pela cotidianidade e pela generalização da mercadoria, ou seja, o
próprio espaço é concebido como uma mercadoria que tem o seu uso definido pela
dinâmica do mercado, cuja “produção imobiliária é um forte indicador de áreas de
crescimento intra-urbano. Os investimentos do capital imobiliário refletem claramente as
tendências de localização das atividades na cidade. (VIEIRA, 2002, p. 274)
Ainda de acordo com o referido autor, o mercado imobiliário possui elementos
importantes no processo de produção das cidades associados à conjuntura econômica e
social, pois as mudanças no uso do solo urbano referentes à renda fundiária favorecem o
aumento dos lucros, embora a área central seja palco de constantes crises explicadas pelo
abandono do próprio centro em detrimento do surgimento de novas áreas, sendo esta
situação atribuída ao padrão das atividades que o centro canaliza no momento em que
novas áreas vão sendo consolidadas. Vieira aponta para o seguinte: “[...] a ação dos capitais
incorporadores produz uma estrutura urbana em que se configuram áreas com diferentes
estágios de ocupação” (2002, p. 277).
Até o presente momento estivemos analisando a dinâmica do uso do solo urbano,
com destaque para o centro das cidades numa tentativa de enfocar que esta área continua
absorvendo investimentos mediante novas tentativas e possibilidades, uma vez que:
[...] o capital imobiliário tem interesse explícito na revalorização da área
central. Trata-se mesmo de um investimento imobiliário que se destina à
alteração do padrão de ocupação da área. Como no caso não é possível
estabelecer um novo ponto de densificação-verticalização virtual, em
face das limitações objetivas estabelecidas pela legislação e pelas
próprias características objetivas da área, o que se faz é o
estabelecimento de um limite ótimo que leva em conta o potencial de
mudanças da região não em função da densificação e da verticalização
possível, mas sim em razão do potencial de utilização dado pelos
aspectos simbólicos presentes na região, baseados na idéia de
espetacularização da sociedade. Neste sentido o comércio será
espetáculo, os serviços deverão ser qualificados de modo a parecerem ter
características excepcionais (sobretudo adequados aos novos padrões
tecnológicos), e a paisagem como um todo deverá ter a aparência de um
espetáculo. (VIEIRA, 2002, p. 282)
A idéia que o autor faz de densificação - verticalização virtual está relacionada com
futuros investimentos que possam ser realizados numa determinada área através do que
considera como “ciclo de vida”
36
da mesma, embora esse processo seja complicado no que
36
Esta idéia foi extraída, pelo referido autor, de Abramo A Dinâmica Imobiliária: elementos para o
entendimento da espacialidade urbana, 1988, considerando-se que “Os capitais imobiliários, ao investirem em
tange a área central, pois há questões ligadas à legislação urbana. Também pelo próprio
papel que o centro vem desempenhando no conjunto da cidade no decorrer dos tempos,
introduzindo novas decisões, o que caracteriza mudanças na dinâmica do uso e ocupação do
solo urbano, pois:
Como a cidade é um campo de constante atuação dos capitais
incorporadores, que tem no ganho fundiário um componente importante
para a valorização de seus capitais, os investimentos são sempre dirigidos
para as áreas da cidade onde são maiores as possibilidades de realizarem
lucros.
(VIEIRA, 2002, p. 276).
É preciso considerar o que Carlos (2001) aponta com relação às contradições do
espaço, uma vez que o centro tem a função de integrar e dispersar mediante a articulação e
a diferenciação dos usos, que podem ser retratados nas ruas e calçadas pois:
A relação entre processo de produção-desenvolvimento das forças
produtivas, produzem no mundo moderno, novas possibilidades de
realizar a acumulação, que em sua fase atual, liga-se cada vez mais à
produção do espaço – produção que se coloca numa nova perspectiva,
onde novos lugares ganham valor de uso. O processo de reprodução do
espaço a partir do processo de reprodução da sociedade se realiza hoje,
produzindo novas contradições – suscitadas pela extensão do capitalismo,
o que nos coloca diante da necessidade de aprofundar o debate em torno
das contradições que nos coloca diante da necessidade de aprofundar o
debate em torno das contradições entre o espaço público e o privado,
espaço do consumo - consumo do espaço, abundância relativa da
produção - novas raridades, fragmentação – globalização do espaço.
Todavia a contradição entre o processo de contradição social do espaço e
sua apropriação privada está na base do entendimento da reprodução
espacial hoje. (p. 64).
De acordo com a autora, o processo de (re)produção do centro urbano se realiza
mediante as contradições do sistema capitalista destacando a relação entre o público e o
privado, o consumo do/no espaço, as novas centralidades, entendidas como mudanças nas
formas espaciais, que estão cada vez mais subordinadas ao mercado, gerando “um espaço
que se reproduz e é transformado em mercadoria” (Carlos, 2001, p. 64)
e que por sua vez
caracteriza a propriedade privada do solo urbano.
uma localidade, projetam para a área um novo padrão de ocupação no futuro e definem o uso dos lotes de
terreno - seus empreendimentos - segundo este padrão de ocupação virtual” (p.37-38).
Segundo Vieira, os lucros serão maiores nas áreas cujo padrão de ocupação vem se
alterando, já que nas áreas onde esse processo está completo, os lucros são menores se
comparados às outras, que vem passando por modificações, até mesmo porque os capitais
buscarão novas áreas para implementarem a dinâmica imobiliária. Contudo, podemos
extrair dessas considerações que com o movimento de (re)vitalização e suspostamente
(re)valorização de uma área ocorre o aumento dos preços do solo, pois há uma
(re)utilização dos imóveis com alterações nos usos contribuindo para o (re)estabelecimento
e a (re)afirmação da importância da área central, justificando também o surgimento de
novos eixos de circulação relacionados aos fluxos estabelecidos no interior das cidades.
Dentro dessa perspectiva, Campos Filho (1992, p. 45) afirma que “a concentração
de renda em poucas parcelas da população provocou a concentração espacial, em algumas
partes da cidade, especialmente naquelas mais centrais.” Para Seabra (2004, p. 185) “no
cotidiano urbano realizam-se todas as abstrações. Inclusive o processo de valorização do
espaço, que enquanto abstração da forma mercadoria, realiza-se como abstração concreta,
delimitando territórios”.
Sobre a estrutura do centro, Vieira (2002) avalia que com as possibilidades do
capital imobiliário ter maiores ganhos em outras áreas, diminui esta estratégia própria na
área central, mas que pode haver um caráter diferenciado quando há uma requalificação
funcional dos imóveis com:
[...] A utilização da imagem do centro como valor subjetivo agregado
objetivamente ao bem, funcionando como um ganho de inovação do
produto. Os investidores apenas se apropriam do valor agregado ao
imóvel como um produto diferenciado, autorizando a conclusão de que a
requalificação se traduz muito bem em um processo de resgate dos
ganhos imobiliários de uma área. (VIEIRA, 2002, p. 280).
Assim, temos que:
(...) A transformação do centro
37
em uma área espetáculo da cidade é
uma alternativa que eleva a potencialidade de ganhos fundiários
imobiliários na região. Já se falou demasiadamente da peculiaridade
existente neste processo que faz com que os valores subjetivos se colem
aos substratos materiais de modo aumentarem o seu valor objetivo. E é
37
Sobre este assunto podemos mencionar as estratégias de revitalização da área central a partir da
ASSOCIAÇÃO VIVA O CENTRO, que analisa a realidade da cidade de São Paulo, mas que na verdade,
apresenta idéias muitas vezes excludentes quanto aos usos do espaço nesta área.
assim que o valor imobiliário da região será elevado, por intermédio da
requalificação funcional (novos usos para velhos imóveis)
38
, da
adaptação para uso cultural (aumentando o valor simbólico da região),
enfim, aproveitando tudo que a aparência possa dar em termos de valor.
(VIEIRA, 2002, p. 282).
É importante destacarmos que essas estratégias quanto aos diversos usos do solo no
centro fazem parte de um movimento que por sua vez está ligado à diversificação das
atividades nessa área e atrelado à renda fundiária urbana
39
, que de acordo com Sposito
(1990) ocorre quando há a construção civil de imóveis; na relação de venda-aluguel dos
mesmos; locação de áreas para proprietários fundiários urbanos (fábricas ou áreas não
industriais) e até mesmo na locação de equipamentos coletivos urbanos, pois o interesse por
tais áreas evidencia a efetivação dos lucros. Portanto, “[...] existem lugares na cidade nos
quais a função de intercâmbio de mercadorias se desenvolve com maior eficiência”
(SPOSITO, 1990, p. 38).
Todavia, Marx
40
destacava o fator da localização para auferir renda do solo, pois “a
propriedade fundiária pressupõe que certas pessoas têm o poder monopolista de dispor de
determinadas porções do globo terrestre como esferas exclusivas de sua vontade privada,
com exclusão de todas as outras” (1974, p.124). Assim, Sposito (1990) salienta que:
A propriedade fundiária então, em sua forma capitalista como fonte e
realizadora de renda, entra nas relações de produção (não no processo
real de produção) como caminho de processo de parte da mais valia
produzida, desviada do capitalista para o proprietário fundiário se
completam, formando um só indivíduo em outros, como nos casos de
sublocação de terrenos ou de moradias urbanas, ou de agentes financeiros
que emprestam dinheiro a empresários da produção. Enfim, a terra todo
ano, proporciona renda ao proprietário. (p. 56).
38
Sobre este assunto já fizemos alguns comentários anteriormente, visto que as velhas formas com novas
funções e as novas formas com velhas funções fazem parte de uma realidade porque passam as cidades de um
modo geral e que se enquadram no que Santos avaliou como sendo um “espaço herdado”, que aqui pode ser
entendido através
das velhas construções que abrigam, na área, novas atividades comerciais e de serviços.
39
Sposito (1990) afirma que a renda fundiária pode ser analisada nas formas diferencial, absoluta e de
monopólio tanto para a terra agrícola quanto para o uso do solo urbano, lembrando que não é nossa intenção
detalhar estas questões.
40
Não estaremos desenvolvendo uma análise detalhada da obra de Marx, apenas citaremos pontos que
complementam o nosso raciocínio sobre o assunto.
Enfim, toda essa teorização foi elaborada para se enfocar as estratégias das
localizações, com destaque para os imóveis, mais precisamente no centro, além das
questões que apontam para a dinâmica do uso do solo urbano, levando-se em consideração
os interesses imobiliários a partir da valorização dos imóveis, uma vez que não podemos
compreender esse espaço sem considerar que ocorreram transformações que repercutiram
na estruturação urbana.
De fato, não é possível falar na área central sem considerar a imagem existente
quanto às funções que agrega caracterizando que o centro pode ser apontado como um local
cujas atividades comerciais e de serviços podem prosperar, mesmo havendo novos eixos no
interior da cidade que vêm crescendo e criando centralidades em virtude da circulação que
as áreas novas desencadeiam. Mas não podemos deixar de avaliar que se o centro não é
mais interessante a um determinado segmento da população tanto para comercializar como
para consumir devido a opção por novos espaços, pode ser de fundamental importância
para outras classes sociais, como no caso os camelôs e ambulantes
41
que precisam estar
localizados onde os fluxos são mais intensos, uma vez que as novas formas comerciais
também fazem parte das práticas cotidianas que envolvem a (re)produção do espaço
urbano.
A cidade também pode ser entendida na relação espaço-tempo, uma vez que “[...] a
aceleração do tempo torna as formas da cidade obsoletas sem que sequer tenham
envelhecido como decorrência do fato de que a relação espaço-tempo, na sociedade atual, é
marcada pela quantificação” (CARLOS, 2004, p. 80)
. Nessa perspectiva, os usos são
indefinidos mediante as mudanças nos estilos de vida e nos lugares da vida cujo:
Capitalismo invade a sociedade, o que significa dizer as condições de
rígido controle do tempo, que no processo de produção definem a
produtividade se estende à esfera da vida privada e, deste modo a
necessidade de um novo tempo de produção atinge as relações cotidianas.
41
Estamos nos referindo aos camelôs como sendo aqueles que já têm um ponto estratégico para trabalhar,
seja em bancas nas ruas ou mesmo no camelódromo e ambulantes para aqueles que precisam se locomover
para realizarem suas vendas, sem tomar esta separação como classificatória para qualquer análise a respeito.
Nesta condição transformam o espaço da vida através das mudanças no
tempo da apropriação e no fato de que os usos se tornam produtivos
eliminando-se tendencialmente, os espaços cuja apropriação se realiza
fora do mercado. Espaço e tempo são redefinidos pela possibilidade de
geração de lucros, logo quantificados; nesta condição realizam a
abstração. (CARLOS, 2004, p. 80)
Sob a ótica dos informais temos que a instalação destes nas calçadas e ruas da área
central ou em pontos de maior circulação se enquadra na categoria dos espaços apropriados
fora do mercado, pois não proporciona uma renda, diferente das atividades formais que
precisam pagar um aluguel ou efetivar a compra do imóvel ou terreno para instalarem suas
atividades. Esta é a lógica do capital, embora não devamos desconsiderar os primeiros, já
que fazem parte de um processo em que:
O espaço urbano enquanto produto social em constante processo de
reprodução nos obriga a pensar a ação humana enquanto obra continuada,
ação reprodutora que se refere aos usos do espaço onde tempos se sucedem
e se justapõem montando um mosaico que lhe dá forma e impõe
característica a cada momento. (CARLOS, 2004, p. 80).
De fato, as estratégias de localização dos camelôs e ambulantes passa pela análise
das mudanças na estrutura do centro e nas formas de consumo, deixando em evidência as
transformações dos usos, pois não há como separá-los da paisagem urbana marcada pela
dinâmica da reprodução, que mais uma vez não diria ser somente espacial, mas também
social, visto que forma e função se modificam rapidamente. Dessa maneira, a localização será
o fator principal no desenvolvimento da atividade, fazendo com que prospere num
determinado local atraindo consumidores para as mercadorias comercializadas, até mesmo
pelo fato de que esses trabalhadores (ambulantes e camelôs) fazem parte da diversidade de
agentes construtores desses espaços de consumo.
Para tal, é necessário interpretar que esses novos ou velhos espaços precisam ser
compreendidos no sentido da apropriação para se completar o ciclo de reprodução da vida, ao
mesmo tempo em que ocorrem as iniciativas por parte dos grupos dominantes que executam
as funções a partir do espaço da dominação (Vieira, 2002). Assim, de acordo com Alves
(1999):
Quando nos apropriamos de um espaço, não como propriedade privada,
mas como lugar onde se realiza o uso, reconhecemos a importância social
daquele local, não só o eu individual, mas o todo, ou o coletivo, e
enquanto espaço socialmente reconhecido como o “lugar de todos”. A
apropriação do espaço social, dessa forma o individualiza por seu uso, ao
mesmo tempo de todos e único, um lugar muito próprio, diferente de
outros, de modo quase que individual. Ele passa a ser desse modo ímpar,
mas não propriedade particular, privada, continuando a ter como
característica seu uso, ao mesmo tempo de todos e exclusivo. É o que
acontece quando estamos, por exemplo, nos espaços públicos, nas ruas,
junto à multidão. Fazemos parte de uma massa heterogênea, mas que se
torna homogênea quando ligada a um interesse comum. (p.7).
De acordo com a interpretação da referida autora, o centro como espaço de trabalho
para o segmento da sociedade que contempla os camelôs e ambulantes é o local onde se
realiza o uso do solo simbolizando a forma, a função e a estrutura do ponto de vista das
relações que se reproduzem num conjunto de estratégias que evidenciam a articulação entre
o lugar e as ações nas práticas comerciais e sociais. Assim, temos a apropriação do centro
que não é somente aquela da propriedade privada do solo, mas também aquela existente nas
diversas maneiras de se “estar na área central”, isto é, vivenciamos formas diferenciadas de
uso do centro, seja através do consumo ou mesmo pela passagem, caracterizando o que
Alves (1999) apontou como sendo uma área de uso exclusivo e de todos, uma vez o que
chamou de “massa heterogênea” estar ligado aos interesses particulares de cada indivíduo
que circula no centro, através da unicidade que o lugar adquire, apresentando também
interesses homogêneos que podem ser associados aos simples fato de convergirem para o
centro. Pintaudi (2001) destaca que vivemos a crise da cidade assegurando que:
O espaço social se realizaria plenamente enquanto apropriação do espaço
e do tempo e hoje inúmeras alienações obstruem essa apropriação. Se o
sentido da história coloca como possibilidade esta apropriação do espaço,
um pensamento sobre esta possibilidade deve reconhecer e decifrar não
somente a crise na cidade, mas a crise da cidade: o movimento de
produção e reprodução de centro(s) e periferia(s), com a extensão do
fenômeno urbano em termos críticos. (p. 129).
Embora a visão de Vieira (2002) aponte para o seguinte:
É necessário analisar as relações existentes entre o comércio (forma e
estrutura de distribuição, técnicas de venda, localização e hábitos de
consumo, por exemplo), e o espaço produzido para a realização desta
função para compreender a dinâmica das localizações de pessoas e
atividades no interior do espaço urbano. As mudanças que se
experimentam no presente provocam profundas alterações nas maneiras
de compreender esta relação. Tanto se verificam ações tendentes a
dinamizar o comércio do centro da cidade quanto ações que preconizam,
na verdade, o comércio do próprio centro. (p. 236).
O que devemos tomar como parâmetro nessas discussões é que o centro e o
comércio estão associados e fazem parte do conjunto de imagens que refletem a cidade e a
estruturação urbana. Mas falar sobre as novas formas comerciais nos remete à discussão
sobre o comércio considerado formal e tradicional e o próprio comércio informal, que de
certa forma envolve os vários padrões de consumo, pois como afirma Vieira (2002), o
consumo é um elemento importante para se compreender o centro. Isto pode ser
exemplificado pelos shopping centers instalados no interior das cidades que fornecem uma
imagem de comércio ligado ao espetáculo do imóvel, transformando aquele espaço em
mercadoria imbricada no imaginário da sociedade que externaliza suas necessidades
atreladas à dinâmica capitalista.
Ainda dentro dessas considerações, percebemos a área central como sendo o lugar
das trocas, que se renova no tocante à lógica da reprodução dos espaços mediante as
estratégias comerciais. Portanto, podemos incluir nessa abordagem os ambulantes e
camelôs que estão localizados em pontos estratégicos para atraírem a clientela
consumidora, que porventura, consome os produtos vendidos pelos camelôs e ambulantes
com preços mais acessíveis, contribuindo para o fato de que a área central, em algumas
cidades, tornou-se palco da instalação de atividades mais populares em detrimento de
outras áreas cuja localização de novos equipamentos comerciais e de serviços favoreceu a
transferência de funções que anteriormente eram centrais.
Contudo, é preciso salientar que o Brasil vem atravessando um período ligado ao
desemprego estrutural que justifica a explosão da chamada informalidade para resolver ou
amenizar a sobrevivência de milhares de pessoas no país. Segundo Costa (1993), já há
vários anos acompanhamos alguns problemas brasileiros, isto é:
A economia do Brasil em 1993 vivia uma crise econômica, política e
social. No campo do econômico, alguns dos sintomas da crise eram:
crescimento de apenas 3% da renda média “per capita” nos anos 80,
contra um crescimento de 76% na década de 70; inflação desenfreada;
transferência e concentração de renda em benefício dos banqueiros, das
grandes empresas e dos especuladores em geral; baixo índice de
investimentos nas atividades produtivas insuficientes para expandir a
produção, aumentar o número de empregos e proporcionar melhorias
salariais; a maioria da população economicamente ativa não estava
qualificada para o trabalho, comprometendo o seu desempenho como
profissionais e como cidadãos. Havia, portanto, um elevado nível de
desemprego, em grande parte disfarçado no subemprego e na economia
informal, numerosos, numerosos contingentes de miseráveis-desposados
e absolutamente marginalizados da vida brasileira. (p.139).
De acordo com o pensamento da referida autora, a problemática dos períodos em
que o país passou por crises desencadeou a busca por alternativas para os trabalhadores
superarem os problemas ligados ao desemprego. Embora o Brasil tenha apresentado índices
de superávit da balança comercial, nos últimos anos:
Quase sempre os que mais têm trabalhado, e nas atividades mais duras,
têm sido também os que têm recebido menor parcela da riqueza
produzida igualmente nunca fez parte das prioridades nacionais a
ampliação e eficiência dos serviços públicos na área social, uma forma
indireta de remuneração para a classe trabalhadora. Assim, o Brasil chega
ao final do século XX e início do século XXI, situado entre os países de
renda mais mal distribuídas do mundo, apesar do seu potencial
econômico. (COSTA, p. 140).
Para Lefèbvre (1999):
Os elementos da sociedade capitalista chegam na história, exteriores uns
aos outros: o solo, o proprietário, a natureza - o trabalho, os trabalhadores
desvinculados dos meios de produção – o capital, o dinheiro em busca do
lucro, o capitalista, a burguesia. Os trabalhadores? Foram inicialmente
vagabundos? O dinheiro? Ele provém do comércio. O proprietário? Ele
foi o senhor? A sociedade (burguesa) retoma esses elementos que ela
recebe separadamente; desenvolve-os, mede-os, reúne-os, numa unidade:
a produção ampliada, o sobretrabalho global, a mais-valia na escala da
sociedade inteira (e não naquela da empresa, do capitalista ou do
proprietário isolados). Mas as antigas diferenças reaparecem; elas se
tornam em parte ilusórias, em partes reais. As categorias de população,
classes e frações de classes, não sabem que participam da produção da
mais-valia, da sua realização, de sua distribuição; elas se vêm ainda como
distintas, o trabalhador recebendo o preço de seu trabalho (o salário), o
proprietário recebendo antecipadamente o aluguel da terra que lhe
pertence e o capitalista recebendo o fruto (lucro) de seu capital produtivo.
(p. 34-5).
Nessa perspectiva, ele argumenta que:
A separação de classes é ao mesmo tempo ilusória e muito real. Ilusória,
porque elas figuram na mesma sociedade, no mesmo “todo” que se
sistematiza; além disso, há somente uma fonte de riqueza social. Real,
porque elas existem socialmente e praticamente numa separação, mantida
como tal, que vai até o conflito. (1999, p. 35).
Assim, não há como negar que a informalidade veio suprimir as necessidades dos
desprovidos de trabalho
42
, mesmo sendo um subemprego ou emprego mascarado, que
enfatiza a precarização do trabalho embora haja resistências por parte dos trabalhadores
formais quanto à localização dos comerciantes informais em pontos da cidade que
consideram problemáticos, até mesmo pela concorrência que acaba criando entre as duas
categorias. Santos (1981) aponta que:
A essas diferenças der consumo correspondem diferenças de produção.
Aos dois níveis de consumo correspondem dois circuitos de produção.
Assim, existe um setor industrial moderno, ao lado de um setor
tradicional de pequenas indústrias, artesanato e comércio; os bens, apesar
de pertencerem à mesma categoria, não têm a mesma qualidade, não se
destinam às mesmas classes de consumidores, nem seguem os mesmos
circuitos de comercialização. (p. 41).
Contudo, associamos essas diferenças de produção e consumo às diferenças
espaciais, uma vez que refletem o processo de produção e reprodução do espaço urbano,
pois:
Nesse sentido, ao mesmo tempo que representa uma determinada forma
do processo de produção e reprodução de um sistema específico, a cidade
é também uma forma de apropriação do espaço urbano produzido. Como
materialização do trabalho social, instrumento na criação da mais-valia é
condição e meio para que se instituam relações sociais diversas. Como
tal, apresenta um modo determinado de apropriação que se expressa
através do solo urbano. O modo pelo qual esse uso se dará dependerá,
evidentemente, dos condicionantes do seu processo de produção. No caso
da sociedade capitalista estará determinado pelo processo de troca que se
efetua no mercado, visto que todo produto capitalista só pode ser
42
É preciso salientar que esta prática comercial já existe há milhares de anos, como já fora ressaltado em
outro momento deste trabalho.
realizado a partir do processo de apropriação, no caso específico, via
propriedade privada. (CARLOS, 1994, p. 84)
De certa forma, há uma relação com as estratégias de revalorização do espaço
urbano, uma vez que a imagem do lugar está agregada à realidade funcional que o próprio
centro canaliza, já que para muitos a presença dos ambulantes e camelôs na área central
favorece uma imagem que não agrada por considerar que a cidade fica com mau aspecto,
criando uma situação que exclui e segrega esse segmento da população, visto que sempre
foi combatido, já que o poder público também contribui para agravar as atitudes quanto às
práticas no que tange à organização das atividades no centro comercial.
Não estamos estabelecendo uma comparação entre os shopping centers e as novas
formas comerciais que se criam à imagem destes, mas apenas tecendo um parâmetro de
análise entre os espaços do centro e as funções que compõem o cenário, que é a da
mercadoria sendo consumida e o dinamismo da respectiva área em absorver todos os tipos
de atividades, cuja dinâmica depende do público consumidor, embora haja uma
segmentação socioespacial tanto para quem vende a mercadoria, no caso dos informais,
como também para quem consome. O que precisa ficar claro é que mesmo havendo essa
segmentação, as pessoas também procuram consumir nos espaços dos camelódromos e
mesmo nas bancas instaladas nas ruas, favorecendo o entendimento das novas estratégias
desse setor na atual conjuntura econômica, implicando também nas novas condições de
produção da forma urbana (GAETA, 1988).
A dinamização do centro engloba as formas e funções que assinalam a
reestruturação do espaço socioeconômico, além das transformações que ocorreram com o
chamado comércio informal, que se atrelam às mudanças na economia de um modo geral,
pois há “uma estreita vinculação entre a maneira como uma sociedade capitalista orienta
sua produção e a maneira como o aparato comercial se estrutura, tendo em vista a
realização das mercadorias e, conseqüentemente, a acumulação do capital” (PINTAUDI,
1989, p. 72).
Contudo, os camelôs e ambulantes localizados no centro das cidades para
vender as mercadorias, que por sua vez, garantem o sustento da família num momento em
que o país não consegue absorver todos os desempregados no mercado de trabalho, além da
própria condição estrutural em que se inserem até mesmo pelas decisões no mercado
formal, também fazem parte das estratégias dos elementos que combinam mercadoria e
consumidor, pois:
A mercadoria é um destes elementos, que sofreu mutações desde sua
forma original, de modo a aparecer hoje não apenas como um bem
necessário à satisfação de necessidades, mas também como uma
necessidade criada para o consumo. O caráter essencial, relacionado ao
consumo, permanece presente; a mutação ocorrida lhe garante a
sobrevivência. A mercadoria tem de ser vista não apenas em sua versão
original, mas também naquilo em que se transmutou, pois permanece
mercadoria, mesmo não sendo o que era antes. (VIEIRA, 2002, p. 272)
Isso significa que, mesmo a mercadoria não sendo vendida num magnífico espaço
cênico que transforma o consumo em espetáculo que “domina os homens vivos quando a
economia já os dominou totalmente” (DEBORD, 1997, p. 17), também pode ser adquirida
em outros locais onde a prática se efetiva. Para tal entendimento é preciso olhar para o
contexto dos usuários da cidade como atores que fazem parte do processo de produção
social da riqueza, pois se antes a informalidade era percebida na base da marginalidade,
atualmente, deve ser repensada como sendo integrada e determinada pelas relações de
mercado, considerando o vínculo existente entre os formais e informais. (PIRES, 1995)
É preciso, de fato, um entendimento sobre as questões que envolvem o emprego,
desemprego e informalidade, pois estamos sempre ouvindo dizer nos meios de
comunicação que é preciso acabar com essa categoria e buscar inserir todos no setor formal
da economia, já que seria uma forma do governo conseguir mais pessoas para contribuir
com os impostos e, assim, camuflar a aplicação desses recursos. Temos, então, que os
camelôs e ambulantes acabam apropriando-se de um espaço (ruas e praças) que além de
público parece ser o palco ideal de atuação desses informais desempregados para obtenção
de renda. Em outras palavras há uma complexidade quanto à organização e planejamento
do lugar em que se articulam vários usos e que Ortigoza (2001) chama a atenção para o
seguinte:
(...) não poderemos ignorar a forte presença dos camelôs e ambulantes,
no cotidiano do centro, pois eles representam a outra face do comércio,
aquela que vem contra a concepção de “moderno” planejado para aquele
lugar. Refletir sobre a presença dos camelôs nas ruas significa
necessariamente considerar a tendência a uma popularização do consumo
no centro, ou seja, as pessoas com menor poder aquisitivo passam a
encontrar no comércio informal situado no centro da metrópole
mercadorias com preços menores, e acabam consumindo. O número de
consumidores que diariamente se utilizam desse tipo de comércio
(informal) é muito grande, o que acaba dando margem para que ele se
reproduza, sobreviva e resista ao policiamento e à legislação que proíbe
seu funcionamento naquele espaço. (p. 49).
Diante dessas considerações, entendemos que os ambulantes e os camelôs não
conseguem ficar enclausurados num espaço que segue a regra das atividades do comércio
formal, pois necessitam estar em áreas onde as pessoas possam visualizar as mercadorias, o
que impulsiona o consumo sem que tenha sido planejado, ou seja, muitas vezes passamos
por um local e, se a mercadoria estiver acessível, acabamos adquirindo. Isso justifica a
sociedade de consumo em que vivemos onde o tempo da mercadoria se renova em cada
relação de compra e venda podendo ser associado à demanda por tais produtos consumidos,
explicados pelo volume diário de consumidores.
A localização também está ligada às outras atividades como terminais urbanos para
onde convergem inúmeras pessoas e que destacam as ações espontâneas quanto às práticas
de consumo dos produtos oferecidos pelos ambulantes e camelôs, que podem ser inseridos
no sistema de relações de produção do e no espaço, cujos lugares são (re)produzidos e
permitem a circulação e consumo das mercadorias, pois o barateamento destas em relação
às demais é que permite completar o ciclo que envolve a produção, circulação e consumo,
como já salientamos em outro momento deste capítulo.
O que tomamos como parâmetro, nesta análise, são os preços barateados em relação
às lojas do comércio formal, o que permite ao consumidor obter os produtos sem perder
tempo para procurá-los e o fato das mercadorias estarem dispostas nas ruas e praças
facilitando e atendendo aos anseios do consumidor, ao mesmo tempo, em que garante a
venda por parte dos proprietários das bancas. Essa é a principal estratégia para traçarmos
algumas considerações sobre a dinâmica do uso do solo na área central e as estratégias de
localização dos camelôs, já que o centro pode ser considerado “o lugar de todos e para
todos” por abrigar e conviver com as mais variadas formas de comércio, que combinam
espaços cada vez mais elitizados em função dos processos de revalorização, como também
absorvem os pobres que trabalham nesses espaços caracterizando uma diversificação nas
relações de trabalho como nas próprias relações estabelecidas pelos diversos atores que
compõem a paisagem desses espaços e que dão forma, conteúdo e sobrevivência ao mesmo.
Cavalcanti (1980, p. 169), desde a década de 1980, avalia que o setor informal não deve ser
“encarado como abcesso da economia, como presença que incomoda.”
Ainda, de acordo com o referido autor, as atividades informais:
[...] com suas características de emprego autônomo e intermitente, de
diminutas unidades de produção (microempresas) e de ausência de
proteção jurídica e institucional, representam no fundo um recurso para
que trabalhadores urbanos sem outras alternativas possam sobreviver.
Isto não quer dizer, contudo, que o setor informal represente simples
apêndice periférico, insignificante, das atividades modernas. Se ele gera
baixas rendas, produz, no entanto, bens e serviços, que muitas vezes,
possuem função essencial. (CAVALCANTI, 1983, p 120-1).
Isto, contudo, esclarece o que vimos trabalhando no decorrer da elaboração das
idéias que permeiam a análise do comércio informal e a constituição dos novos espaços de
consumo mediante a apropriação na área central. Entretanto, é preciso citar em nossas
explanações sobre o assunto, uma avaliação de situações que nos revelam uma relação de
cumplicidade entre ambos os setores, no caso formal e informal, pois em alguns casos
temos uma funcionária pública que ajuda o marido que trabalha como camelô, como
também, o próprio esposo que trabalha numa empresa, mas que tem uma banca num ponto
estratégico da cidade para vender mercadorias. Para Malaguti (2000, p. 101) “a formalidade
e informalidade coexistem, subsidiam-se, interpenetram-se e são indissociáveis.”
Portanto,
devemos considerá-las no âmbito das práticas espaciais e sociais urbanas, destacando que a
cidade contemporânea desempenha vários papéis que proporcionam arranjos diferenciados
de acordo com a interação dos elementos que constituem a paisagem no centro das cidades.
No item seguinte, discutiremos a questão do centro como um espaço de consumo
atrelado ao consumo do espaço, uma vez que nossa análise está pautada na mercadoria, que
pode ser compreendida no sentido da sociedade como caracterizou Lefèbvre, uma
sociedade de consumo dirigido na visão dos autores que analisam a questão, além da
interpretação que fazemos acerca das idéias dos mesmos, contemplando a problemática dos
informais em relação ao centro com ênfase ao comércio e consumo.
1.4. O Centro: o espaço do consumo e o consumo do espaço
Centro, consumo e espaço são conceitos que não interessam apenas aos geógrafos
urbanos, mas às demais ciências que buscam o entendimento da cidade como uma esfera de
ações que expressam os mais variados modos de vida. Ortigoza (2001) neste sentido discute
que:
Nos últimos anos, a geografia brasileira tem se projetado de maneira
mais efetiva no plano nacional e mundial. Muito há que se investigar,
principalmente nas pesquisas ligadas ao comércio e consumo do e no
espaço, na vertente por nós escolhida: a da geografia crítica. Nesses
estudos deve-se partir da articulação dialética entre as relações sociais de
produção e a reprodução do espaço para se chegar à análise crítica do
urbano. O urbano de ser visto como um processo dinâmico, procurando-
se entender o seu conteúdo em seu movimento contraditório e, nesta
perspectiva de análise, muito ainda tem que ser feito. (p.1).
O centro, como já fora retratado anteriormente, é o lugar das trocas que integra e
dispersa gerando novos pontos com novas trocas, dando sentido à (des)organização do
espaço urbano. Para Lefèbvre (1969), o centro é uma concreta contradição, pois concentra e
dispersa, como também, permite o vazio e a escassez no que diz respeito às funções que
atrai para o seu entorno. Sobre a dispersão Santos (1981) aponta para a seguinte análise:
Fenômenos de dispersão podem ocorrer: se uma cidade atinge, em alguns
bairros centrais, uma densidade demográfica e econômica importante,
criam-se centros secundários para a distribuição de mercadorias ou de
serviços. (p. 181-2).
Aproveitando as considerações que o autor faz sobre o centro destacamos a
interpretação do espaço que é entendido pelo referido autor como:
Um “sistema de objetos e um sistema de ações” indissociável, solidário e
também contraditório constituindo um quadro único no qual a história se
dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais,
que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados,
objetos técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos, fazendo com que a
natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina” (SANTOS
2002, p. 61).
Entretanto, se falamos do centro como um lugar de trocas, símbolos e signos que
fundamentam as relações socioespaciais este deve, então, ser compreendido como “um
espaço de consumo” associado ao “consumo do espaço”, havendo uma interligação dessas
categorias através das práticas e do próprio papel que desempenha na morfologia do tecido
urbano, pois se ele é ponto de convergência significa que há um adensamento maior
relacionado ao número de pessoas que circulam na área, o que favorece o crescimento e
desenvolvimento do comércio e do consumo, que necessita de um público em expansão
para que essas práticas fundamentem as práticas cotidianas.
A relação existente entre a discussão que envolve o centro como espaço de
consumo passa pela abordagem sobre a sociedade de consumo, em que alguns autores
chamam a atenção para duas fases. George (1971, p. 45) descreve como sendo resultante da
Revolução Industrial que “transformou as relações de consumo nos países da Europa
Ocidental e Central e na América do Norte durante o século XIX e o início do século XX”.
Barbosa (2004, p.16) destaca em seu livro “Sociedade de Consumo” duas visões
que diferem entre si a partir da análise de alguns autores que avaliam essa sociedade sob o
aspecto produtivista e os que a consideram anterior à Revolução Industrial, levando em
conta“ou que as pessoas são, por definição, insaciáveis, ou que existe uma propensão
natural a consumir, o que faz com que qualquer aumento de renda ou salário seja alocado
sempre no consumo de mais bens e mercadorias.” A autora discute que a “insaciabilidade”
ligada à sociedade moderna faz parte de um processo histórico atribuído às mudanças desde
o século XVI conforme:
[...] o aparecimento de todo um conjunto de novas mercadorias no
cotidiano dos diversos segmentos sociais, fruto da expansão ocidental
para o oriente. Esse conjunto de novas mercadorias, consultado pelos
próprios observadores da época, dificilmente poderia ser considerado de
necessidade, pois tinha itens como alfinetes, botões, brinquedos, rendas,
fitas, veludos, louça para casa, fivelas de cinto, cadarços, jogos, plantas
ornamentais, novos itens de alimentação e bebida e produtos de beleza
entre outros. (BARBOSA, 2004, p. 19).
Para Baudrillard (2003):
O consumo surge como conduta activa e colectiva, como coacção e
moral, como instituição. Compõe todo um sistema de valores, com tudo o
que este termo implica enquanto função de integração do grupo e de
controle social. A sociedade de consumo é ainda a sociedade de
aprendizagem do consumo e de iniciação social ao consumo - isto é,
modo novo e específico de socialização em relação à emergência de
novas forças produtivas e à reestruturação monopolista de um sistema
económico de alta produtividade. (p. 81).
Mesmo havendo exageros na análise de Barbosa sobre o consumo, não podemos
deixar de apontar que a Revolução Industrial favoreceu o aprimoramento das técnicas e,
mais adiante com o meio técnico-científico informacional tomando como referência a
História Mundial, cada técnica pôde ser localizada no tempo. (SANTOS, 1996) e no espaço
além de que:
Nesta nova fase, o Mundo está marcado por novos signos, como: a
multinacionalização das firmas e a internacionalização da produção e do
produto; a generalização do fenômeno do crédito, que reforça as
características da economização da vida social: os novos papéis do
Estado em uma sociedade e uma economia mundializada; o frenesi de
uma circulação tornada fator essencial da transformação que liga
instantaneamente os lugares, graças aos progressos da informática.
(SANTOS, 1996, p. 123).
Tomando tais apontamentos temos na visão de Carlos (2002) o seguinte:
Nesse contexto de produção de aparências, a mundialização
restabelece/reforça o “mundo da mercadoria” e desenvolve os limites da
troca. As relações entre processo de produção e desenvolvimento das
forças produtivas produzem no mundo moderno novas possibilidades de
realizar a acumulação, que, em sua fase atual, liga-se cada vez mais á
produção do espaço-produção que se coloca numa perspectiva, onde
novos lugares ganham valor de uso. O processo de reprodução do espaço
a partir do processo reprodução da sociedade se realiza, produzindo
novas contradições, suscitadas pela extensão do capitalismo, o que nos
coloca diante das necessidades de aprofundar o debate em torno das
contradições entre o público e o privado; espaço do consumo e consumo
do espaço. (p. 178).
No entanto, Lefèbvre (1991) avalia que esse processo envolve:
[...] a integração da juventude no mercado, no consumo, procurando-se
para ela uma cotidianidade paralela. Tende-se a constituir uma essência,
a juvenilidade, dotada de atributos e de propriedades comercializáveis,
possuída por uma parte da população privilegiada, ou assim considerada,
justificando-se desse modo a produção e o consumo de objetos marcados
(roupas entre outras coisas, que resumem e simbolizam os blue jeans). (p.
182)
E prossegue dizendo que:
As mulheres consumidoras, orientam (em aparência) o consumo da
sociedade burocrática de consumo dirigido (em outras palavras, a
manipulação das necessidades se faz em função da Feminilidade, assim
como da Juvenilidade) (1991, p. 184).
Tomemos essa idéia a partir do fato de que a sociedade urbana é uma representação
de momentos, de fatos, idéias, gestos e características que foram sendo acumulados no
decorrer dos tempos e que nos fazem compartilhar de situações dominantes e dominadas do
ponto de vista da imagem dos objetos. A imagem da sociedade enquanto organismo vivo,
cujos anseios individuais tornam-se sociais através da generalização e da superficialidade
das “mercadorias” como parte integrante do processo que envolve os grupos humanos.
Debord (1997) analisa esta questão da seguinte maneira:
A economia toda tornou-se então o que a mercadoria tinha mostrado ser
durante essa conquista: um processo de desenvolvimento quantitativo.
Essa exibição incessante do poder econômico sob a forma de mercadoria,
que transfigurou o trabalho humano em trabalho-mercadoria, em
assalariado, resultou cumulativamente em uma abundância na qual a
questão primeira da sobrevivência está sem dúvida resolvida, mas
resolvida de um modo que faz com que ela sempre torne a aparecer; ela
se apresenta de novo num grau superior. O crescimento econômico libera
as sociedades da pressão natural, que exigia sua luta imediata pela
sobrevivência; mas, agora, é do libertador que elas não conseguem se
liberar. A independência da mercadoria estendeu-se ao conjunto da
economia, sobre a qual ela impera. (p. 29).
Se tomarmos como parâmetro para nossas proposições a idéia da independência da
mercadoria, verificaremos que tem fundamento, pois implica numa relação de produção e
consumo, “cuja alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de
sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos
vive” (DEBORD, 1997, p. 30). Isto se justifica de acordo com o que consideramos
necessário, quanto ao consumo, pois o tempo de duração de uma necessidade e outra,
coloca em evidência uma prática inconsciente, pois somos induzidos pelas diversas formas
de atrativos e propagandas que favorecem o ato de consumir. A contemplação se esgota a
partir do momento em que a mercadoria desejada é adquirida, e o período de vivência desta
termina quando novos anseios surgem para formalizar e efetivar o consumo. O que
realmente se dá é uma interligação da mercadoria e do consumidor numa relação de
complementaridade, pois as necessidades surgem a partir da imagem que, portanto, é
amenizada pela aquisição do produto. De acordo com Debord (1997):
O homem separado de seu produto produz, cada vez mais e com mais
força, todos os detalhes de seu mundo. Assim, vê-se cada vez mais
separado de seu mundo. Quanto mais sua vida se torna seu produto, tanto
mais ele se separa da vida. (p. 25).
Sobre esses apontamentos Lefèbvre (1991, p. 47) avalia que a cidade é “produção e
reprodução de seres humanos por seres humanos, mais do que uma produção de objetos.”
Na verdade, a cidade é o lugar das convergências e divergências, onde a mercadoria se
impõe única e inquestionavelmente, pois os espaços são concebidos com base na difusão
dos produtos que também são criados para atender ao mercado, base em que se configuram
as estratégias do sistema capitalista, representado pela venda da força de trabalho.
Mas não podemos esquecer que os que vendem a força de trabalho também são
consumidores, já que na fase da acumulação do capitalismo o proletariado era visto apenas
como “força de trabalho”, condição que se modifica à medida que a generalização da
mercadoria e as novas formas comerciais e espaciais passam a integrar o cotidiano dos
mesmos. Isso pode ser atribuído ao simples fato da necessidade de morar, alimentar, vestir
e outras formas de consumo que se atrelam à imagem dos objetos e que colocam o uso da
mercadoria como obsoleto num intervalo de tempo que muitas vezes se torna curto com “a
artificialidade das necessidades relacionadas a tais mercadorias”
(DEBORD, 1997, p. 32).
Sob essa ótica, Pintaudi (2002) faz a seguinte análise:
As formas do comércio varejista nas cidades e também os padrões de sua
localização urbana vêm sofrendo modificações através do tempo. A
análise das formas comerciais, cuja natureza é social, bem como a de
suas transformações, que têm durações desiguais, revelam-nos
contradições internas das categorias espaço e tempo materializados em
objetos sociais. (p.143).
É importante frisarmos que o setor terciário é o que mais cresce nas cidades a partir
de uma complexidade que envolve a sociedade como um todo e a dinâmica da
(re)utilização dos espaços com base no processo de valorização como parte integrante do
sistema capitalista, pois o próprio espaço passa a ser um elemento que articula as trocas no
contexto da conjuntura econômica, que por sua vez gera novas formas de comercialização.
Ainda, para Pintaudi (2002):
[...] as atividades comerciais e de serviços, embora com transformações,
permanecem ali, pois são constitutivas do modo de vida urbano e,
portanto, da forma urbana, mesmo quando aparecem em locais como as
rodovias. Assim, entendemos que a análise do comércio permite uma
melhor compreensão do espaço urbano, na medida em que comércio e
cidade são elementos indissociáveis, como podemos comprovar
historicamente. (p. 144).
Contudo, o espaço precisa ser compreendido como mercadoria que enfatiza os usos
através da apropriação
43
e que é um processo presente e marcante na cidade, uma vez que:
A apropriação do espaço ganha importância nesse processo, pois é uma
condição prévia e necessária à valorização. É por isso que podemos dizer
que a valorização do espaço se dá de diversas formas no decorrer da
história, dependendo, sobretudo dos avanços das forças produtivas e das
novas relações sociais que delas emergem. (ORTIGOZA, 2001, p. 2).
A visão de Carlo (2002) nos aponta que:
No contexto em que novas áreas adquirem valor de uso, o processo de
apropriação passa a ser determinado pelas leis do mercado, isto é,
definido pela sua trocabilidade. Nesse caso, as parcelas do espaço, sob a
forma de mercadoria, se encadeiam ao longo dos circuitos da troca – a
partir de uma estratégia e de uma lógica. Assim as particularidades dos
lugares do espaço se afirmam, potencializadas pela produção, pois o uso
só pode se realizar num determinado lugar, isto é, refere-se à escala local
(apesar de articulados cada vez mais ao global – pela constituição da
sociedade urbana). O espaço dominado, controlado, impõe não apenas
modos de apropriação, mas comportamentos, gestos, modelos de
construção que excluem/incluem. (p. 179).
De acordo com as considerações da referida autora podemos, ainda, avaliar que é no
espaço que a vida se concretiza, que as relações se fortalecem, sendo o resultado das várias
formas de apropriação deste com relação a cada período histórico, o que nos remete apontar
o consumo como fator primordial no processo de transformação da cidade como palco das
manifestações contínuas e, por que não dizer às vezes, ilimitadas, pois Lefèbvre (1991)
considera que tais mudanças ocorrem não apenas por processos globais, mas também:
[...] em função de modificações profundas no modo de produção, nas
relações “cidade-campo”, nas relações de classe e de propriedade. O
43
Sobre este assunto já fizemos algumas referências no primeiro item deste capítulo.
trabalho correto consiste aqui em ir dos conhecimentos mais gerais aos
conhecimentos que dizem respeito aos processos e descontinuidades
históricas, à sua projeção ou refração na cidade, e inversamente, dos
conhecimentos particulares e específicos referentes à realidade urbana
para o seu contexto global. (p. 53).
A cidade não pode ser tomada apenas pelas relações comerciais que se estabelecem
no cotidiano, mas também pelas relações imediatas que marcam o simples contato entre as
pessoas e que pode ser contemplado em conjunto através dos vários papéis que os
indivíduos desempenham, ou seja, a família, o trabalho, as relações de vizinhança e outras
formas de sociabilidade que são o resultado da apropriação e utilização dos espaços
tomados como uma mercadoria associada aos objetos comercializados, pois para Ortigoza
(2001, p. 2) “a mundialização e a globalização constituem o momento mais avançado do
processo de valorização do espaço”.
Esse espaço pode ser apreendido através das ações objetivas, que podemos
interpretar como sendo aquelas padronizadas que fundamentam o uso propriamente dito, a
exemplo disso temos as áreas destinadas ao comércio de mercadorias e a prestação de
serviços, “como continuidade e parte integrante do processo de produção” (ORTIGOZA,
2001, p. 3) e as subjetivas que podem ser identificadas pelas necessidades e práticas do
consumo. Assim, temos uma área que foi sendo moldada e reconfigurada para atender aos
anseios de uma sociedade que foi se interagindo às transformações da vida cotidiana com
base nas redefinições e estratégias comerciais associadas, ainda, às relações
socioeconômicas. Para a respectiva autora:
O comércio, como continuidade e parte integrante do processo de
produção, reproduz novas formas, cada qual dando margem para que
outras ainda mais padronizadas se estabeleçam. Nesse sentido, o espaço
passa a ser, cada vez mais, controlado e normatizado, criando uma
paisagem mundializada que contém um uso pré-determinado; tudo isso
acaba estabelecendo a programação do próprio cotidiano. (ORTIGOZA,
2001, p. 3).
Tais apontamentos nos fazem refletir sobre o espaço como meio pelo qual a
produção se realiza através da fluidez e da reprodução socioespacial que contém o novo e o
velho como elementos que interagem no espaço urbano mediatizados pelos usos, que
transformam os hábitos dos consumidores da cidade. Podemos assim pensar devido ao fato
de que:
[...] o desenvolvimento do processo de reprodução da sociedade produz
um novo espaço e novas formas de relação na sociedade e entre as
pessoas, a partir das trocas em todos os sentidos e da modificação dos
modos de apropriação e de uso do espaço, que, normatizado, redelimita
ações e atos, redefinindo as relações das pessoas entre si e com o lugar.
(CARLOS, 2001, p. 21).
Essa idéia passa pela análise entre o global e o local, pois o cotidiano envolve as
duas faces contribuindo para a reprodução do espaço urbano e das relações que permeiam a
sociedade e pode ser compreendido da seguinte maneira:
(...) reproduz-se como produto e condição geral do processo produtivo.
Do ponto de vista do capitalista, aparece como capital fixo. Sua
estruturação se dá de forma a permitir a circulação da mercadoria, da
matéria-prima e da mão-de-obra, bem como a viabilização do processo
produtivo. (CARLOS, 1994, p. 97)
Assim, Ortigoza (2001, p. 4) discute que “o cotidiano, por sua vez, é onde as
relações sociais de produção se estruturam na vida urbana em todos os sentidos e, portanto,
é através dele que as mudanças no tempo e no espaço conseguem se materializar.”
Diante disso, é preciso entender que:
Para sobreviver, o homem deve satisfazer uma série de necessidades,
algumas naturais, outras históricas; a relação que o homem manterá com
os outros homens e com a natureza vai ser condicionada pelas
necessidades cuja satisfação for imprescindível à manutenção da vida.
Como a necessidade também determinará a ação, através da qual a
necessidade poderá ser satisfeita, as relações entre os homens serão
determinadas no contexto mais amplo das relações vitais, de um lado, e
do outro pela capacidade de modificação da base natural, produzindo a si
próprio como ser humano. (CARLOS, 1994, p. 132).
O cotidiano se instaura a partir do vivido, do singular, que não pode ser medido sem
levarmos em consideração o uso social do espaço, que vem impregnado de símbolos e
signos, que por sua vez, cria uma imagem que evidencia novas relações de consumo na
sociedade urbana. De acordo ainda com Ortigoza (2001):
É necessário que nos esforcemos para entender como o cotidiano se
estrutura, pois somente olhando para dentro deste processo é que
podemos ver como é que esse tempo e esse espaço (que tem como ponto
de partida a quantidade e não o sentido dele) vão mudando seu conteúdo
e propiciando novas relações de consumo. Afinal essa perda do sentido
do tempo, de seus fundamentos, sua unidade e finalidade, é imposta por
um processo de produção que só pode se reproduzir reproduzindo a vida
na sociedade como um todo, isto é, produzindo o cotidiano. (p. 13).
A nossa análise se reporta ao cotidiano para que possamos entender a dinâmica do
centro como sendo um espaço do consumo que está ligado ao consumo do espaço
intermediado pela mercadoria, que por sua vez, incide sobre a (re)produção capitalista do
espaço numa relação de competitividade e de complementaridade, pois a necessidade de
consumir surge antes mesmo da mercadoria ser produzida. Santos discute isto a partir da
idéia de que “a produção do consumidor, hoje, precede à produção dos bens e serviços.
Então, na cadeia causal, a chamada autonomia da produção cede lugar ao despotismo do
consumo” (2001, p. 48). O respectivo autor chama a atenção para o fato de que a idéia de
“consumismo” anula o cidadão, impedindo que o mesmo enxergue a realidade além das
futilidades, por considerar que nem todos têm acesso aos bens produzidos, pois a prática do
consumo envolve a figura do cidadão até mesmo para reclamar pelos direitos. Afirmando
ainda que no caso brasileiro esta situação não é tão agravante, devido ao fato de que em
“nosso país jamais houve a figura do cidadão” (SANTOS, 2001, p. 49)
. Certeau (1994)
destaca o “enigma do consumidor-esfinge” , pois:
Na realidade, diante de uma produção racionalizada, expansionista,
centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção de tipo
totalmente diverso, qualificada como “consumo”, que tem como
característica suas astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as
ocasiões, suas “piratarias”, sua clandestinidade, seu murmúrio
incansável, sem suma, uma quase-invisibilidade, pois ela quase não se
faz notar por produtos próprios (onde teria o seu lugar?) mas por uma
arte de utilizar aqueles que lhe são impostos. (p. 94).
As associações podem ser esclarecidas do ponto de vista de que a cidade e o urbano
estão relacionados num contexto que caracteriza as atitudes e atividades que envolvem o
centro e as relações com o consumo e o consumidor, propiciando as imagens urbanas, ou
seja, a manifestação do consumo do e no espaço central afirma-se de acordo com a imagem
acerca do espaço que é (re)produzido de acordo com os interesses criando uma situação de
semelhança e diferença. A semelhança pode ser entendida sob a idéia de que todos têm um
objetivo comum que se explica pelo ato de consumir e a diferença se insere no contexto de
que esse consumo se manifesta de diversas formas e a partir de preferências e gostos que
dão o caráter da segmentação não somente pelas mercadorias, mas também pelos espaços
onde elas circulam. Como exemplo, podemos citar o consumo que ocorre nos shopping
centers e o consumo do centro que apontam para um perfil econômico diferenciado, já que
o espaço “é produto e condição das relações sociais de produção” (ORTIGOZA, 2001, p.
4).
Nessa perspectiva, podemos salientar, ainda, que essa experiência urbana pode ser
atribuída ao consumo que se efetiva no espaço, uma vez que o uso só se confirma mediante
a apropriação do mesmo numa relação que combina sujeito e objeto. Portanto, de acordo
com as considerações delineadas, podemos salientar que o processo de produção e
reprodução do espaço não é estático, uma vez que a complexidade das relações que se
redefinem toma como base o movimento do consumo para explicar a mercadoria como
indutora de um contexto que se insere
na transformação dos valores da sociedade como um
todo.
Para Berman (1986, p.108), a sociedade pode ser analisada e estruturada de acordo
com o “imenso poder do mercado na vida interior do homem moderno.” Sobre esta questão
podemos apontar que o espaço como mercadoria assume uma dimensão que não só se
reporta ao uso, mas também ao conteúdo expresso pela maneira como o mesmo é
apropriado. Carlos (2002), sob esse aspecto, avalia que:
Trata-se, portanto de um momento em que o espaço torna-se amplamente
mercadoria; os espaços antes fora do universo do mercado e da
mercadoria, destinados exclusivamente ao uso, se transformam em
mercadoria entrando na esfera da comercialização. Nesse contexto, o
valor de troca-impresso no espaço-mercadoria - se impõe ao uso do
espaço, na medida em que os modos de apropriação passam a ser
determinados pelo mercado. O consumo do espaço se analisa, assim, no
movimento da transformação do uso pela imposição do valor de troca,
acentuando o papel e a força da propriedade do solo. Tal fato traz
profundas mudanças nos modos de uso. No plano local a conseqüência
direta deste fato é o aprofundamento da separação, na vida do habitante,
entre espaço público/espaço privado. (p.192).
A autora faz uma interpretação do espaço como uma mercadoria a partir da
apropriação com base no mercado e na propriedade que se instaura no momento em que o
espaço propriamente dito é tomado como elemento de intervenção pela sociedade, ou seja,
os diversos usos do mesmo são transformados de acordo com as estratégias que convergem
para a valorização do lugar e pela “estruturação de um cotidiano capturado pelo processo de
produção” (ORTIGOZA, 2001, p. 20).
Dentro dessas informações, destacamos o centro das cidades como uma área que
apresenta um dinamismo no que tange ao espaço tido como uma mercadoria, pois podemos
perceber que os diferentes usos é que determinam a dinâmica imobiliária que (re)define o
tempo de duração da função num ponto específico. Esta idéia também nos leva a pensar a
reestrututação do próprio centro como um espaço de consumo a partir das estratégias de
renovação e revitalização da área, mas com um interesse que na maioria das vezes não
engloba todos os elementos da sociedade. Assim, Santos (2001) diz que:
Com a globalização, as técnicas se tornam mais eficazes, sua presença se
confunde com o ecúmeno, seu encadeamento praticamente espontâneo se
reforça e, ao mesmo tempo, o seu uso escapa, sob muitos aspectos, ao
domínio da política e se torna subordinado ao mercado. (p. 53).
Esses comentários são necessários para entendermos como funciona a dinâmica do
centro quanto à materialização das atividades do setor terciário, mais precisamente, o
comércio varejista e as transformações decorrentes da multiplicidade das relações que
caracterizam o ambiente urbano e a imagem (re)produzida através das singularidades que
permeiam os processos de produção, circulação e consumo, uma vez que:
As relações entre produção, comércio e consumo foram ganhando no
decorrer da história maior racionalidade, a atual organização do processo
produtivo tem cada vez mais o componente do terciário, já que não há
mais uma diferença rígida e profunda entre indústria e terciário. O
terciário passa a estar, cada vez mais, inserido na produção.
(ORTIGOZA, 2001, p. 23).
A autora prossegue dizendo que:
Analisar o comércio e o consumo, no contexto desta imbricação
produtiva é bastante difícil, pois esta relação está envolta em
contradições e conflitos no espaço, melhor dizendo, o espaço acaba
demonstrando o sentido da produção dessas relações contraditórias.
(ORTIGOZA, 2001, p. 23).
As relações acabam se transformando em contraditórias de acordo com o que foi
mencionado, isto é, quando os interesses divergem no tocante às ações pensadas do que
deveria ser o centro e a quem deveria estar submetido. Assim, a paisagem urbana é aquela
formada pelas atividades que levam a mercadoria ser a única imagem submetida ao ato do
consumo como uma prática imprescindível que tem como eixo de desenvolvimento os
atores urbanos, que entram em cena de acordo com as possibilidades e preferências de cada
um no contexto da atual conjuntura econômica, pois as condições de cada indivíduo é que
traduz o seu poder de compra numa sociedade que é desigual, visto que Santos (2001),
sobre este assunto, se reporta da seguinte maneira:
A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da
humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos
competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas
essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente
processo de globalização. (p. 20).
O que temos na verdade é um sujeito que é percebido pelas práticas do consumo, ou
seja, não vemos na cidade, e principalmente no centro, uma separação da mercadoria e do
consumidor, mas uma relação imediata que estabelece que não apenas as próprias formas
comerciais são mercadorias, mas também os espaços que as abrigam, envolvendo uma
clientela diversificada e marcada pela segmentação das necessidades, dos desejos e das
preferências. De acordo com Santos (1996):
Com a modernização contemporânea, todos os lugares se mundializam.
Mas há lugares globais simples e lugares globais complexos. Nos
primeiros apenas alguns vetores da modernidade atual se instalam. Nos
lugares complexos, que geralmente coincidem com as metrópoles, há
profusão de vetores: desde os que diretamente representam as lógicas
hegemônicas, até os que a elas se opõem. São vetores de todas as ordens,
buscando finalidades diversas, às vezes externas, mas entrelaçadas pelo
espaço comum. Por isso, a cidade grande é um enorme espaço banal, o
mais significativos dos lugares. Todos os capitais, todos os trabalhos,
todas as técnicas e formas de organização podem aí se instalar, conviver,
prosperar. Nos tempos de hoje, a cidade grande é o espaço onde os fracos
podem subsistir. (p. 258).
A proposição do autor sobre a “cidade ser também o espaço dos fracos” pode estar
associada à presença dos informais, uma vez que:
Há, de um lado, uma economia explicitamente globalizada, produzida de
cima, e um setor produzido de baixo, que nos países pobres, é um setor
popular e, nos países ricos, inclui os setores desprivilegiados da
sociedade, incluídos os imigrantes. Cada qual é responsável, dentro das
cidades, de divisões de trabalho típicas. Em todos os casos, a cidade é um
grande sistema, produto de superposição de subsistemas diversos de
cooperação, que criam outros tantos sistemas de solidariedade. Nas atuais
condições de globalização, todos esses subcírculos ou subsistemas de
solidariedade tendem a especializações que não tem a mesma natureza.
Pode-se, também, dizer que há uma especialização de atividades por
cima e uma especialização de atividades por baixo. Mas a primeira é
rígida, dependente de normas implacáveis, de cuja obediência depende a
sua eficácia. Diz-se destas normas que são complexas por causa do seu
conteúdo científico e tecnológico e de sua busca de precisão no processo
produtivo. Mas, também, pode-se dizer que, na economia mais pobre, as
divisões do trabalho consideradas mais simples pelo discurso dominante,
são, de fato, as mais complexas? (SANTOS, 1996, p. 259).
Para que o comércio de uma área específica se desenvolva é preciso que haja uma
concentração de pessoas e de elementos que justifiquem a iniciativa e isto pode ser
percebido pelas formas e funções que foram se agregando e colocando, à disposição dos
consumidores, atrativos para despertar a necessidade do consumo. Sobre a produção do
consumo, Baudrillard (1970) destaca que há uma manipulação dos signos a partir da
mercadoria e que muitos autores contestam que há uma distorção com relação à teoria
marxista por enfatizar uma linha mais culturalista, visto que “a sociedade de consumo
torna-se essencialmente cultural, na medida em que a vida social fica desregulada e as
relações sociais tornam-se mais variáveis e menos estruturadas por normas estáveis”
(FEATHERSTONE, 1995, p. 34). Também nessa ótica Jameson (1985) relaciona a cultura
pós-modernista à sociedade de consumo e que pode ser compreendida na visão de
Featherstone (1995) identificando três perspectivas para explicitar essa prática:
A primeira é a concepção de que a cultura de consumo tem como
premissa à expansão da produção capitalista de mercadorias, que deu
origem a uma vasta acumulação de cultura material na forma de bens e
locais de compra e consumo. Isto resultou na proeminência cada vez
maior do lazer e das atividades de consumo nas sociedades ocidentais
contemporâneas, fenômenos que embora sejam bem-vistos por alguns, na
medida em que teriam resultado em maior igualitarismo e liberdade
individual, são considerados por outros como alimentadores da
capacidade de manipulação ideológica e controle “sedutor” da população,
prevenindo qualquer alternativa “melhor” de organização das relações
sociais. Em segundo lugar, há a concepção mais estritamente sociológica
de que a relação entre a satisfação proporcionada pelos bens e seu acesso
socialmente estruturado é um jogo de soma zero, no qual a satisfação e o
status dependem da exibição e da conservação das diferenças em
condições de inflação. Em terceiro lugar, há a questão dos prazeres
emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário
cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem
diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos. (p. 31).
Para Pintaudi (1989):
No âmbito do consumo, é preciso destacar que a sociedade capitalista,
em seu desenvolvimento, passou a produzir um número tão grande de
objetos, cuja realização era necessária, que acabou transformando a
qualidade do consumo,
pois, (...) promove-se uma desarticulação no
consumo ou, ainda, uma nova articulação. Consumir um determinado
objeto, por exemplo, comprar um aparelho de televisão em cores com
controle remoto para substituir um aparelho de televisão em cores não
significa tanto a utilidade do objeto em si, mas a capacidade de consumo
que ele subentende. (p. 29).
É a chamada obsolescência
44
dos objetos, já que essa duração está ligada ao tempo
de nossa necessidade. A mídia e o marketing que ela assegura contribuem, ainda mais, para
aguçar nosso sentimento direcionado ao consumo, pois de acordo com Ortigoza (2001):
[...] com o desenvolvimento do capitalismo, passa a ocorrer uma forte
interdependência entre a indústria e o comércio. O comércio deixa de ser
uma etapa meramente distributiva dos produtos, pois o processo de
produção captura o consumo e passa a determiná-lo, e o comércio passa a
atender a novas e consecutivas demandas. A satisfação das necessidades,
que era a principal característica da produção, muda de sentido, ou seja,
vai ocorrendo a expansão do valor de troca, que sobressai ao valor de
uso. (p. 25) .
44
Este assunto já fora comentado anteriormente em outro item.
Na verdade, é preciso sempre estar renovando o “rol” de necessidades que se
associam aos modos de consumo, estratégia do capital para que a durabilidade da
necessidade seja finita e que novos desejos apareçam para dar continuidade ao sistema.
Debord (1997) coloca a mercadoria como espetáculo e dominação da sociedade que não
consegue se desenvolver. Assim, o quantitativo sobrevive e se sobressai ao qualitativo na
figura do consumidor, quando o referido autor coloca o seguinte questionamento:
Esse desenvolvimento que exclui o qualitativo também está sujeito, como
desenvolvimento, à passagem qualitativa: o espetáculo significa que ele
transpôs o limiar de sua própria abundância; isto só é verdade localmente
em alguns lugares, mas já é verdade em escala universal, que é a
referência original da mercadoria, referência que seu movimento prático
confirmou, ao unificar a Terra como mercado mundial. (DEBORD, 1997,
p. 28-9)
Sobre esse aspecto o quantitativo pode ser avaliado pela abundância das
mercadorias em função dos usos que evidenciam o lugar na categoria de análise do espaço,
e se levarmos isto à realidade da maioria das cidades, veremos que o centro está cada vez
mais abarrotado de funções desencadeadas pela manipulação dos objetos, que somos
induzidos a consumir, sendo esta prática considerada uma etapa que favorece a substituição
das necessidades.
O centro como espaço de consumo também pode ser analisado através das
manifestações que dão forma e conteúdo num processo que envolve o uso do espaço na
concepção de uma mercadoria, ou seja, não é apenas o que está sobre a calçada ou dentro
de uma loja que está sendo comercializado, mas também o lugar onde estas relações
ocorrem, principalmente no que tange à sociedade urbana ligada ao consumo.
Carlos (2001) considera que:
Se por um lado assistimos à tendência da produção de bens imateriais,
por outro vende - se cada vez mais o espaço, inaugurando um movimento
que vai do espaço de consumo (particularmente produtivo - aquele da
fábrica que cria o espaço enquanto condição da produção, distribuição,
circulação, troca e consumo de mercadorias) ao consumo do espaço, isto
é, cada vez mais se compram e se vendem pedaços do espaço para
reprodução da vida. (p. 174-5).
Assim, as novas formas comerciais voltadas às estratégias dos camelôs e
ambulantes estão inseridas nesse processo, cuja apropriação do espaço ocorre para que as
trocas sejam efetivadas, embora haja uma disputa acirrada, que também fundamenta as
contradições como se o espaço do centro fosse tomado por um recorte que divide os
usuários com as atividades formais e informais. Santos (1996), ainda, destaca que:
Essas metamorfoses do trabalho dos pobres nas grandes cidades criam o
que, em outro lugar denominamos de “flexibilidade tropical”. Há uma
variedade infinita de ofícios, uma multiplicidade de combinações em
movimento permanente, dotadas de grande capacidade de adaptação, e
sustentadas no seu próprio meio geográfico, este sendo tomado como
uma forma-conteúdo, um híbrido de materialidade e relações sociais.
Desse modo, as respectivas divisões proteiformes de trabalho, adaptáveis,
instáveis, plásticas, adaptam-se a si mesmas, mediante incitações
externas e internas. Sua solidariedade se cria e se recria ali mesmo,
enquanto a solidariedade imposta pela cooperação de tipo hegemônico é
comandada de forma do meio geográfico e do meio social em que incide.
(p. 260).
De acordo com Costa (2003) as contradições se renovam e apresentam novas
relações, novas formas de consumo das mercadorias e do espaço. Por outro lado, o que
realmente acontece é qu e essa visão de separação pode ser atribuída aos camelódromos que
são construídos para (re)alocarem essas pessoas, mas o que não podemos deixar de
caracterizar é que mesmo neste lugar há uma disputa pelo espaço, pois a localização da
banca é fundamental para a comercialização dos produtos. No caso das ruas, há uma
diversificação do e no uso do espaço, pois as atividades formais se misturam às informais
configurando novos espaços de consumo. Mas o que queremos deixar claro em nossa
proposta de trabalho é que em ambos os casos há o consumo do espaço pela localização da
função como também o consumo no espaço pelas trocas e relações que se entrelaçam no
cotidiano urbano. Para Lefèbvre (1991):
(...) não se verifica em nossos países um estudo aprofundado das
necessidades sociais e “culturais”, mas uma prospecção das necessidades
individuais (e, por conseguinte, apenas da demanda solvente). Nada mais
fácil mostrar como foram mal e tardiamente descobertas as necessidades
sociais próprias à vida urbana. (p. 63).
Entendemos que, para o autor, há um meio eficaz que cristaliza as necessidades de
maneira que as coloca como fundamentais e insaciáveis na figura do publicitário, da
propaganda que leva à abundância consumista, porém destaca que há privações a exemplo
“das necessidades pobres e escassas ao ‘homem’, das necessidades múltiplas e ricas (em
capacidade de ação e prazer)” (LEFÈBVRE, 1991, p. 64)
. Ainda, para o autor, há o que se
pode chamar de ideologia do consumo, que por um lado favoreceu a amplitude do sistema
capitalista já que permitiu a burguesia expressar suas vontades e vantagens atreladas ao
poder de compra, fato este que ignorou as idéias dos demais atores sociais. A imagem do
consumo passou a ser redefinida a partir das necessidades da classe dominante, pois sua
representação acirra amplamente a condição da obsolescência dos objetos, já citada,
criando novas necessidades e desejos. Assim:
Não é o consumidor nem tampouco o objeto consumido que têm
importância nesse mercado de imagens, é a representação do consumidor
e do ato de consumir, transformado em arte de consumir. Ao longo desse
processo de substituição e de deslocamento ideológicos, conseguiu-se
afastar e até apagar a consciência da alienação, acrescentando-se
alienações novas às antigas. (LEFÈBVRE, 1991, p. 64).
A visão de Alfredo (2001) sobre o assunto revela que:
A cidade com seu centro explodido ganha novos contornos. Temos o
lugar da moradia, do trabalho, do lazer e também o tempo do trajeto para
realizarmos cada um destes momentos de nossa existência. Isto se dá, ao
meu ver, pela ação política cuja estratégia é permitir a produção de
mercadorias, a reprodução ampliada do capital. (p. 139).
Pensando nessa tendência, verificamos que esse movimento passa pela análise do
desenvolvimento do capitalismo intensificando as relações e gerando uma interdependência
entre a necessidade, a produção dos objetos e o consumo numa escala global. Nesse
movimento Carlos (1996) destaca que:
O mundial que se entrevê no horizonte como possibilidade já
parcialmente realizada é um elemento indiscutível na elucidação do
mundo moderno, posto que o global e a globalidade, o total e a totalidade
apresentam-se sob a figura do mundial. (p. 122).
Para Trindade Jr. (2001) a correlação existente de forças entre os diversos agentes
do espaço urbano está associada ao fato de que:
É necessário que se perceba uma preocupação em enfatizar uma a
importância da abordagem espacial dos processos sociais, de uma
maneira dialeticamente articulada, e em todos os níveis da realidade
social, inclusive no âmbito local, onde a dimensão da espacialidade
parece ter sido muitas vezes negligenciada e até mesmo anulada. (p.
151).
Ainda, para o autor, a instrumentação do espaço na visão de Lefèbvre ocorre:
Não somente nas escalas relacionadas às macro-estruturas, como também
nos níveis mais singulares da vida humana; daí sua elaboração de que o
capitalismo só conseguiu sobreviver porque produziu um espaço para si,
um espaço abstrato que se reproduz em níveis diferenciados. Falar, então,
de uma economia política do espaço pressupõe considerar uma teoria
mais ampla, aquela da produção do espaço, em que se fala de um espaço
construído, produzido socialmente, e não deste ou daquele objeto no
espaço. Dessa forma, na instrumentalização da existência capitalista, os
elementos sociais, com suas dimensões espaciais inerentes, são prenhes
de valor de troca e de uso, e entram no circuito da mercadoria, a saber,
produção-distribuição-consumo. (TRINDADE JR., 2001, p. 152)
Entretanto, não podemos desvincular esses apontamentos da idéia central do
assunto que estamos discutindo e que se refere ao centro como um espaço, que além de ser
uma mercadoria, assegura, possibilita e desencadeia uma série de ações que podem ser
sentidas pela multifuncionalidade, pela presença marcante do comércio, dos serviços, da
oportunidade, do passeio, do ir e vir, dos encontros e desencontros. Na verdade, o cenário
que verificamos no centro é o da mercadoria como um mecanismo que dá forma aos
movimentos, cujo público e o privado interagem como espaços atrativos.
As práticas espaciais e sociais do e no centro revelam o tempo
45
de cada um, mas o
encontro ainda é possível na figura do consumidor que ao adquirir um objeto se relaciona
45
É possível talvez falarmos de um tempo diferenciado para aqueles que vivem na metrópole e aqueles que
vivem em cidades de médio porte onde estaremos desenvolvendo nossas análises de forma que essas
informações revelem a proposta de trabalho a que nos propusemos, visto que o tempo destinado ao consumo e
lazer é diferenciado quanto às formas de deslocamento e as preferências pelos locais onde consumir. Muitos
autores afirmam que nas cidades médias, o contato com o outro se dá de maneira mais superficial, o que não
acontece nas metrópoles, cujo próprio trânsito propicia o encontro mesmo que seja não haja o diálogo entre si.
com quem o vende. Assim, se associamos o centro às mercadorias e à centralidade urbana,
devemos considerar também, que a generalização das trocas e dos produtos possibilitou o
surgimento de centros comerciais desvinculados da realidade do lugar. É o que Vieira
aponta como sendo a espetacularização da mercadoria aliada a fetichização do espaço que
possibilita “o retorno do consumo (de comércio e serviços) para qualquer lugar, porque
qualquer lugar pode ser transformado em um não-lugar” (VIEIRA, 2002, p. 123). Esta idéia
também pode ser levada em consideração do ponto de vista da centralidade ser cambiante
46
,
ou seja, haver no interior das cidades locais em que o consumo do e no espaço ocorre em
horários diferenciados.
O que presenciamos são novos espaços de consumo (re)estruturados no interior das
cidades permitindo o acesso a outras áreas, caracterizando a fragmentação do tecido
urbano
47
, o que significa que novas formas de relacionamentos surgem a partir de novos
arranjos espaciais. No entanto, “o processo de reprodução do espaço é ao mesmo tempo
contínuo e descontínuo apresentando profundas rupturas provocadas pela intervenção do
estado em função das contradições decorrentes do próprio processo” (CARLOS, 2001, p.
63).
É fundamental analisarmos as considerações apresentadas até o presente momento,
uma vez que o espaço urbano é um produto social e o centro faz parte desse espaço
produzido e que dá forma e conteúdo à realidade urbana, do ponto de vista das trocas
comerciais. Mas não devemos deixar de lado a premissa de que os espaços (re)produzidos
contêm uma dinâmica que envolve a apropriação e que determina os usos diferenciados
com readaptações que convergem para o espaço da mercadoria.
Contudo:
A contradição entre o processo de produção social do espaço e sua
apropriação privada esta na base do entendimento da reprodução
espacial; isto porque numa sociedade fundada sobre a troca a apropriação
do espaço, ele próprio produzido, enquanto mercadoria, liga-se, cada vez
mais à forma mercadoria servindo as necessidades da acumulação através
das mudanças/readaptações de usos e funções dos lugares que também se
reproduzem sob a lei do reprodutível, a partir de estratégias da
46
Já mencionamos em outra parte deste trabalho algumas considerações sobre o papel da centralidade urbana
e como ela surge no espaço intra-urbano.
47
Não queremos aprofundar as idéias sobre a temática da fragmentação, apenas tecer alguns comentários.
reprodução, num determinado momento da história do capitalismo, que
se estende cada vez mais ao espaço global, criam novos setores de
atividade como extensão das atividades produtivas. Cada vez mais o
espaço, produzido enquanto mercadoria, entra no circuito da troca
atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro de
modo a viabilizar a reprodução. Nesse as possibilidades de ocupar o
espaço são sempre crescentes, o que explica a emergência de uma nova
lógica associada a uma nova forma de dominação do espaço que se
reproduz ordenando e direcionando a ocupação, fragmentando e tornando
os espaços trocáveis a partir de operações que se realizam no mercado.
Deste modo o espaço é produzido e reproduzido enquanto mercadoria
reprodutível. (CARLOS, 2001, p. 63).
Se o espaço é tido como uma mercadoria reprodutível, o centro passa por esse
processo por enquadrar o “consumo do espaço” e o “consumo no espaço” e que imbrica
numa outra relação que se dá pela efetivação do consumo do espaço e o espaço do
consumo, acirrando a competição entre os lugares, ou seja, o espaço além de ser o ponto de
apoio para que se efetivem as trocas comerciais também é objeto consumido, quando as
mercadorias são vendidas e compradas num determinado ponto da cidade, pois requer que
haja um lugar fixo para servir de apoio ou mesmo em alguns casos, o não-lugar fixo para
que essas trocas finalmente se realizem.
48
São movimentos que expressam a dinâmica do
espaço e do tempo e que vão (re)definindo a produção e a reprodução das relações
socioespaciais. Para Carlos (1996):
Espaço e tempo são cada vez mais, no contexto das transformações do
processo produtivo, dominados pela troca. O desenvolvimento do
capitalismo, no estágio atual, tende a reduzir as diferenças e
homogeneizar a sociedade, reduzindo-a a um mesmo modelo. Aqui
espaço e tempo entram numa ordem: o tempo associado ao ritmo do
processo de trabalho, preso a um calendário rígido e o espaço dominado
por fluxos de mercadorias, capitais, informações. (p. 65).
Na visão de Debord (1997):
O tempo geral do não-desenvolvimento humano existe também sob o
aspecto complementar de um tempo consumível, que volta para a vida
48
Chamamos a atenção para o fato de que o lugar fixo se refere à localização da função e o não-lugar fixo
pode ser tomado por aqueles que comercializam as mercadorias em vários pontos da cidade, como os
ambulantes que ficam em vários locais, mas que necessitam de um espaço de referência maior que extrapole
os limites da rua, ou seja, precisam estar inseridos na dinâmica do próprio centro.
cotidiana da sociedade, a partir dessa produção científica, como um
tempo pseudocíclico. O tempo pseudocíclico é o disfarce consumível do
tempo-mecadoria da produção. Contém os caracteres essenciais de
unidades homogêneas intercambiáveis e de supressão da dimensão
qualitativa. (p 148-9).
O(s) centro(s) das cidades pode ser tomado sob essa ótica, pois se o espaço é
dominado pelo tempo rígido que impõe os horários de funcionamento (esta análise nos
remete pensar na centralidade cambiante que se cria ao estabelecer o tempo do relógio para
que as funções se desenvolvam) e pelo tempo da fluidez das mercadorias, informações e
das relações estabelecidas. Ainda, assim, o espaço é condição determinante e determinada
para que o consumo se realize. Ortigoza (2001) afirma que:
Na sociedade atual, onde a ordem é o consumo, há um conjunto de sinais
que normatizam os espaços, normatização esta que serve também para
permitir a aceleração dos fluxos. Através delas os espaços tornam-se
coerentes comas novas formas de produção na sociedade capitalista
globalizada. Está claro que as relações de produção se materializam no
espaço, mas primeiramente operam uma transformação no cotidiano das
pessoas e sua principal marca é a aceleração do tempo. Para continuar se
desenvolvendo e permitir os fluxos no urbano o processo de produção
precisa de um espaço ordenador e regulador. (p. 161).
Isso implica na análise que Santos (2001) faz a respeito dos espaços da rapidez e da
lentidão através da:
[...] idéia de espaços da rapidez e espaços da lentidão também pode ser
cotejada com a noção de espaços do mandar e do fazer e de espaços do
mandar e do obedecer, admitindo-se que o fazer sem mandar e o
obedecer podem produzir a necessidade da existência de vias, sem
obrigatoriamente, ostentar a mesma presença que nos espaços do mandar.
(p. 263).
Essa noção também pode ser avaliada no sentido dos espaços intra-urbanos, uma
vez que há no interior das cidades espaços que se sobressaem e se justapõem aos demais,
revelando a dinâmica do processo que se insere na discussão do papel que o centro
desempenha com relação às demais áreas contextualizadas pelas mercadorias e pelos
consumidores. O consumo do centro se dá na qualidade da busca por este espaço para que a
atividade prospere, ou seja, é a disputa por um pedaço do espaço que pode estar “apto a
atrair atividades com maior conteúdo” (SANTOS, 2001, p. 264), como também o consumo
atrelado à imagem do centro, propriamente dito, já que o consumidor específico é o sujeito
das ações que estão atreladas a esses espaços. É um jogo de interesses que cria um
simulacro de situações, cujos objetos são apreciados a partir da ideologia do consumo a que
Lefèbvre (1991) se reporta no livro A vida cotidiana no mundo moderno .Contudo, para
Vieira (2002):
É evidente que a Geografia do Consumo tem se ocupado,
prioritariamente, do estudo do consumo enquanto relacionado com
mercadorias tradicionais, vale dizer que, aquelas que habitualmente se
voltam para a satisfação de necessidades ou desejos. O espaço visto
como produto, não guarda as mesmas características deste tipo de
mercadoria, no entanto, a análise teórica que se pretende fazer permite
utilizar os conhecimentos de pelo menos uma parte dos estudos nesta
área a fim de avançar para uma discussão nova: a mercantilização do
espaço. (p. 236).
O consumo do e no centro representa a idéia de uma prática que registra a imagem
que o lugar apresenta para o consumidor, pois algumas pesquisas vêm registrando que o
centro principal e tradicional agrupa um comércio menos sofisticado, se comparado às
novas áreas que foram surgindo e que comportam novos equipamentos comerciais e de
serviços relacionados, ainda, às novas estratégias de localização. Houve, de fato, uma
popularização das atividades e, isto, pode ser observado pela presença marcante das lojas
que vendem mercadorias com preços de R$1,99. É o quantitativo que se sobressai ao
qualitativo, uma vez que a emergência de atrativos que chamam a atenção do consumidor
faz parte das estratégias do consumo em massa. Essa análise não quer dizer que o centro
tornou-se estático quando da sua constituição como lugar potencializador da reprodução
das forças produtivas. O que buscamos apontar é que a elite de algumas cidades brasileiras
não deixou de consumir totalmente no centro, embora este assunto necessite de uma
investigação mais pormenorizada do perfil do consumidor da área central. Sobre esse
aspecto Ortigoza (2001) afirma que:
[...] nos anos 70 o mundo foi ofuscado por uma onda de fervor
mecanicista e tecnológico
49
que atingiu toda e qualquer atividade
49
Esta idéia do tecnológico também pode ser associada à ampliação do número de cartões de crédito
circulando pelos centros comerciais a fim de favorecer e incentivar o hábito do consumo, já que é uma
humana. Por isso, tornou-se necessário resgatar as transformações mais
profundas que o advento da máquina provocou na nossa vida pessoal e
em nossas relações sociais. Tudo isso com o objetivo de percebermos que
toda nossa sensibilidade e gosto passaram a ser cada vez mais filtrados
pelo poder da mecanicidade e do artifício, e o cotidiano passou a ser
altamente programado com base nessa ótica. ( p. 174).
Ainda sobre o papel do consumidor do e no centro podemos enfatizar o que
Ortigoza (2001) salienta, pois considera que:
A união dos fracos pode ser a solução para a criação de forças que
possibilitem uma economia com bases solidárias, capaz de criar
mecanismos de sobrevivência em um mundo altamente competitivo e
globalizado. (p. 174).
Para Santos (2000) há uma racionalidade do espaço mediante os usos pelos diversos
atores, já que:
A solidariedade orgânica resulta de uma interdependência entre ações e
atores que emana da sua existência no lugar. Na realidade, ela é fruto do
próprio dinamismo de atividades cuja definição se deve ao próprio lugar
enquanto território usado. (p. 306).
Devemos tomar como parâmetro de análise tais afirmações, visto que as mudanças
tecnológicas não são capazes de anular a apropriação do espaço para fundamentar a
autonomia das trocas no sentido da criatividade, como discute Ortigoza (2001):
Ao mesmo tempo que observamos que a nova formulação do gosto passa
necessariamente pela criação tecnológica, esta idéia é muito perigosa,
pois não podemos de modo algum afirmar que se tenha perdido a
possibilidade criativa e autônoma, fora do reino da tecnologia. É preciso
pensar como possibilidade o resgate de um tipo de criatividade que esteja
desvinculada da dependência da máquina e do artificialismo da
civilização de consumo. Trata-se de um novo modelo econômico baseado
em atitudes solidárias e, neste caso, muito mais inovadoras. (p. 174).
iniciativa que aparenta maior segurança no que se refere aos vários incidentes que ocorrem nessas áreas, como
os correntes furtos que também geram um mal estar.
Em nosso raciocínio, destacamos, ainda, que esse artificialismo associado à
civilização de consumo não está presente somente nos produtos que exigem tecnologia,
mas também naqueles em que a criatividade predomina, pois isso pode ser percebido nas
bancas de camelôs e ambulantes que comercializam produtos confeccionados em casa. Esta
é a idéia dos novos espaços de consumo proposta nessa pesquisa e que caminha para a
diversificação dos usos do e no espaço, além da mistura desses no contexto da localização
do comércio e serviços como lugares onde se dá o consumo. Para Carlos (2002), essa
discussão que envolve o consumo do espaço e o espaço do consumo:
[...] se analisa no movimento de generalização da transformação do
espaço em mercadoria, que impõe ao uso a existência da propriedade
privada das parcelas do espaço. Assim, o processo de reprodução do
espaço aponta para a tendência da predominância da troca sobre os
modos de uso, o que revela o movimento do espaço de consumo para o
consumo do espaço. (p. 186).
No entanto, é preciso deixar explícito que o que nos interessa é apontar para o
centro das cidades como sendo um espaço que é de fundamental importância para a difusão
do consumo, seja ele do espaço ou da mercadoria, pois devemos considerar o porte da
cidade, uma vez que as cidades médias, ainda, podem fazer referência ao centro como o
lugar simbólico das trocas e que Lefèbvre (1991) chama atenção quando aponta que é
preciso dar um novo sentido à obra sem “depreciar o produto” a partir do “valor de troca”.
No capítulo a seguir trataremos do comércio informal e das práticas comerciais no
centro das cidades com ênfase na constituição dos novos espaços de consumo, destacando a
renovação e/ou degradação dessas, analisando as características do comércio informal e dos
ambulantes e camelôs no contexto de relações com enfoque para as suas primeiras
experiências no Brasil, visto que discutimos, também, os novos usos do centro a partir da
presença desses trabalhadores e a relação entre o centro, o consumo e o consumidor.
CAPÍTULO 2
O comércio informal e as práticas comerciais no centro das cidades: a constituição dos
novos espaços de consumo
Ao analisarmos a situação do comércio informal na atual conjuntura econômica
verificamos, que o centro das cidades cria e é condição de um ambiente que permite a
constituição de novos espaços de consumo atrelados aos camelôs e ambulantes que se
instalam na respectiva área. Essa estratégia, como já fora comentado anteriormente, faz
parte do processo de reprodução socioespacial no contexto da apropriação dos espaços a
partir de novas formas e práticas comerciais. A idéia principal é a de que o comércio
informal
50
se configura como novos espaços de consumo, embora a presença de
comerciantes, principalmente no centro, não é um processo recente nas cidades, pois se nos
remetermos a um passado não remoto, verificaremos que bancas ou barracas com alguma
mercadoria para ser vendida já ocupavam os espaços centrais devido à intensidade dos
fluxos.
Essas colocações favorecem o levantamento de alguns questionamentos sobre as
mudanças nas formas de comércio e consumo, pois não é mais possível separar as
evidências de uma cidade com múltiplas faces quanto à estruturação do setor terciário, que
engloba os setores formal e informal. Como já ressaltamos no último item do primeiro
capítulo, a generalização da mercadoria com base na proliferação e difusão dos espaços de
consumo deu início às mais variadas maneiras de interpretação do centro como lugar da
multiplicidade de usos.
No entanto, queremos frisar que, na tese que está sendo proposta neste trabalho,
considera-se o centro como elemento importante para o estabelecimento de novas formas
comerciais e espaciais, com destaque para a (re)afirmação da centralidade urbana
decorrente dos usos do espaço pelas ações do setor terciário de um modo geral, englobando
50
O termo informal foi empregado para designar os comerciantes que trabalham como camelôs e ambulantes,
sem levar em consideração os que estão inseridos no quadro da informalidade, mas que são difíceis de serem
mapeados, pois todos que trabalham com mercadorias que são comercializadas porta a porta, ficam excluídos
da amostragem utilizada para se saber quantos informais existem nas várias cidades.
formais e informais, embora vários autores questionem que o comércio e o consumo
apresentam uma mobilidade que pode ser explicada pela constituição de novas
centralidades, que podem ser móveis, e que esses elementos independem do centro
principal e tradicional para se desenvolverem frente às novas estratégias do próprio setor
terciário, que se configuram a partir da construção de hipermercados e shopping centers .
Desejamos ressaltar outros elementos que permitem o uso do centro de forma cada
vez mais acirrada
51
, como os próprios ambulantes e camelôs que fazem uso desse espaço.
Cada vez mais essa categoria se apropria do centro das cidades para a comercialização de
mercadorias que ficam expostas nas ruas e calçadas ou em centros especializados e
espacializados, como os camelódromos e outros alternativos, para a (re)alocação dessa
categoria uma vez que:
O espaço produzido é um resultado da ação humana sobre a superfície
terrestre que expressa, a cada momento, as relações sociais que lhe deram
origem. Nesse sentido, a paisagem manifesta a historicidade do
desenvolvimento humano, associando objetos fixados ao solo e
geneticamente datados. Tais objetos exprimem a espacialidade de
organizações sócio - políticas específicas e se articulam sempre numa
funcionalidade do presente. (MORAES, 1996, p. 15)
Tal apropriação pode ser analisada pelas mudanças nos hábitos de consumo e pela
presença marcante das mercadorias nos pontos de maior fluxo no interior das cidades, o que
caracteriza, como já mencionamos, as estratégias de localização das atividades comerciais e
de serviços que estão inseridas na lógica da (re)produção dos espaços pelo capital que visa
também ao processo de (re)produção humana, pois:
O processo de (re)produção do espaço é, ao mesmo tempo, condição e
produto da (re)produção humana - considerado como meio de consumo-e
da (re)produção do capital, como condição geral de produção sob a forma
de capital fixo. O que está em questão é o fato de que o processo de
produção do espaço urbano ocorre, hoje, a partir de um processo de
universalização da divisão do trabalho e das trocas, em função das
51
É interessante tocarmos num ponto estratégico para fundamentação da nossa análise que se insere nos usos
dos espaços centrais a partir de uma cidade que surge com a propriedade privada da terra, mas que precisa ser
entendida do ponto de vista das novas formas de comércio e consumo, pois o espaço urbano é condição para a
produção e reprodução da vida cotidiana.
estratégias gerais no nível da formação econômica da sociedade
capitalista. (CARLOS, 1994, p. 98)
Este capítulo também tem por finalidade avaliar se as práticas existentes no centro
das cidades a partir das estratégias dos ambulantes e camelôs podem ser discutidas no
contexto da (re)novação ou da degradação do ambiente urbano, já que está se tornando cada
vez mais freqüente o consumo do e no espaço da área central através das mercadorias
comercializadas no âmbito da chamada: informalidade ou setor informal?
52
Não é mais
possível imaginarmos o centro das cidades sem levarmos em consideração as mudanças nas
formas de comercialização das próprias mercadorias e dos espaços. Se tomarmos como
parâmetro para nossa análise o fato de que as pessoas que circulam na área central de
algumas cidades consomem, inclusive os produtos que ficam expostos nas bancas, veremos
que esta área engloba o formal e o informal, cujos movimentos se misturam, criando uma
relação de complementaridade.
Respondendo ao questionamento acima entendemos que a informalidade pode ser
atribuída a uma amplitude maior do conceito. Para Malaguti (2000):
O setor informal expressa apenas um aspecto da informalidade, mas sem
esgotá-lo: a segunda engloba o primeiro. Numerosos casos de
informalidade podem ser observados nos setores chamados,
impropriamente, de formais: o funcionário público que durante o
expediente vende peças de roupas, perfumes e sabonetes; o assalariado de
uma empresa multinacional que faz horas extras sem recebê-las; o mestre
de obras de uma grande empreiteira da construção civil que trabalha sem
utensílios e proteção etc. (p. 99).
Para nós a nomenclatura mais adequada à realidade da pesquisa que efetuamos está
ligada ao setor informal, que por sinal se insere na temática mais geral, que é a da
informalidade, embora nos pautemos em autores para discutirmos o referencial teórico da
52
Mais uma vez, queremos deixar claro que não estamos nos referindo ao trabalho informal de forma
generalizada, ou seja, não estamos inserindo todos aqueles que vivem nesta situação, uma vez que nossa
proposta está ligada à dinâmica dos camelôs, que podem ser interpretados por aqueles que trabalham nos
chamados camelódromos, como também, os que trabalham como ambulantes nas ruas, vendendo as
mercadorias em pontos estratégicos da cidade.
mesma, visto que o comércio informal que se dá no centro das cidades apresenta suas
singularidades e deve ser avaliado mediante a realidade dos fatos observados.
Assim, no decorrer do texto que compreende este capítulo, estaremos discutindo a
cidade, a apropriação do centro pelo viés do setor informal e as implicações sobre o
comércio propriamente dito, uma vez que buscaremos avaliar as primeiras experiências da
categoria no Brasil como o contexto de relações em que estão inseridos, mas precisamos
avaliar que esse conhecimento está em constante renovação na busca de um sentido.
2.1. Características da informalidade e do comércio informal
O termo “setor informal” foi elaborado de acordo com a OIT (Organização
Internacional do Trabalho) “e utilizado pela primeira vez em 1972, nos relatórios sobre
Gana e Quênia, elaborados no âmbito do Programa Mundial de Emprego” (JAKOBSEN,
2001, p. 13). Porém, desde os anos sessenta já havia discussões sobre os trabalhos instáveis
e o próprio trabalho informal era visto como sinônimo de pobreza, já que o modelo de
modernização era o assalariado (Silva, 2003). Sobre este assunto Jakobsen (2000) aponta
que:
Segundo o Programa Regional de Emprego para a América Latina e
Caribe (PREALC) da OIT, o setor informal é composto por pequenas
atividades urbanas, geradoras de renda, que se desenvolvem fora do
âmbito normativo oficial, em mercados desregulados e competitivos, em
que é difícil distinguir a diferença entre capital e trabalho. Estas
atividades se utilizam de pouco capital, técnicas rudimentares e mão-de-
obra pouco qualificada, que proporcionam emprego instável de reduzida
produtividade e baixa renda. O setor também se caracteriza pela falta de
acesso aos financiamentos e créditos normalmente disponíveis ao setor
formal e pela baixa capacidade de acumular de capital e riqueza. (p. 13-
14).
Silva (2003) destaca que durante a década de setenta, autores como Machado de
Souza apontaram que a idéia desses trabalhadores informais incorporarem as relações
capitalistas passou a ser alvo de profundas críticas, em virtude, da baixa produtividade.
Para Santos (1978), no final da década de setenta, o termo empregado para designar
a distinção existente entre o comércio formal e informal está baseado na idéia da formação
de circuitos econômicos, isto é, o circuito superior e o inferior, uma vez que é preciso ter
clareza do que cada um desempenha na estrutura social, pois:
O circuito superior inclui bancos, comércio de exportação e importação,
indústria urbana, comércio e serviços modernos, bem como comércio
atacadista e transportes. Esses dois últimos elementos formam os elos
que ligam os dois circuitos, o atacadista operando também no topo do
circuito inferior. O circuito inferior é formado essencialmente de
diferentes tipos de pequeno comércio, e da produção de bens
manufaturados de capital não intensivo, constituída em grande parte de
artesanato e também de toda uma gama de serviços não modernos. Mas,
os circuitos não são definidos pela mera enumeração desses elementos.
Cada circuito é explicado, primeiro, pela combinação de atividades
desempenhadas dentro de um certo contexto; e, segundo, pelo setor da
população a ele vinculado através, principalmente, da atividade e do
consumo. A definição não é rígida. Todas as classes da sociedade podem
consumir fora do circuito ao qual estão mais ligadas, ainda que seja
apenas ocasional ou parcialmente. (SANTOS, 1978, p. 39).
Esses apontamentos reforçam a idéia que apresentamos sobre o fato de que não são
apenas os desprovidos de renda que consomem os produtos comercializados pelos
ambulantes e camelôs, ou seja, o fato de estarem localizados no centro facilita o acesso às
mercadorias, mesmo havendo as peculiaridades de cada circuito no entendimento da
dinâmica econômica. Ainda, de acordo com Santos, o termo informalidade vem
acompanhado da noção de organização informal, em oposição à de organização formal, que
se origina, principalmente, do conceito de racionalidade introduzido por Max Weber.
(SANTOS, 1978)
. O autor comenta que se levarmos em consideração o termo
informalidade ou “irracionalidade”, de acordo com as idéias de Weber, estaremos
afirmando que somente a organização formal seria eficaz. (SANTOS, 1978). Assim:
Quando se referem a países subdesenvolvidos, os dualistas crêem numa
oposição entre o setor desenvolvido e o não-desenvolvido, um contraste
entre um todo coerente de ações eficientes e racionais e um conjunto
inarticulado de ações arcaicas, irracionais e ineficientes. Uma ação
irracional seria aquela que não tem motivo ou causa racional; mas nesse
caso seria suficiente passar de um subsistema para o outro a fim de que um
mesmo agente deixe de ser irracional e se torne racional. E o que dizer
também daqueles que participam alternativamente das atividades de ambos
os circuitos, sem contudo mudar de situação sócio-econômica? O caráter
ideológico e etnocêntrico da distinção é obvio. A noção de racionalidade
que se procura aplicar como gabarito às sociedades pré-industriais é um
caso típico de arrogância cultural na opinião de Wilkinson (1973, p. 198),
que acrescenta: “se alguém de outra sociedade toma uma decisão diferente
da nossa, é porque provavelmente tem uma hierarquia de valores e
prioridades diferentes e não porque o seu comportamento é irracional ou
errado”. Realmente, conforme realçou Godelier (1967, p. 298) não existe
apenas uma racionalidade econômica, mas diversas. (SANTOS, 1978, p.
53)
As considerações de Santos (1978, p. 54) apontam para o fato de que
as atividades
econômicas dos pobres também funcionam de acordo com uma lógica e, portanto, é
racional”
, negando a irracionalidade e a informalidade com que alguns autores tratam o
assunto. Para ele:
O circuito inferior na economia urbana constitui um mecanismo
permanente de integração que oferece um número máximo de
oportunidades de emprego com um volume máximo de capital. Esse
circuito corresponde exatamente às condições gerais de emprego e
disponibilidade de dinheiro, assim como às necessidades de consumo de
uma importante fração da população. (SANTOS, 1978, p. 55).
Há autores que usam o termo informal baseado nas irregularidades das despesas,
como o não pagamento dos impostos, a não contribuição com a Previdência Social e outros
encargos, uma vez que Santos chama a atenção para o fato de que estas atitudes é que
constituem “o indício da racionalidade desse circuito econômico que encontra os princípios
que governam seu mecanismo dentro de um sistema capitalista global cuja lógica
permanece a mesma embora apareça sob diferentes formas em cada subsistema”
(SANTOS, 1978, p. 55).
Dessa forma, para o referido, o termo informalidade teria significado se estivesse
ligado à noção de racionalidade e não irracionalidade, como propõem certos autores. Ainda,
considera negativa a visão de Singer quando destaca que o ‘setor informal’ “representa uma
parte vital da economia do país, e sua existência reflete uma adaptação necessária, e
benéfica no conjunto, às limitações impostas pela situação econômica predominante”
(SANTOS, 1978, p. 57).
Na verdade, o que o autor aponta é o problema da dependência do circuito inferior
em relação ao circuito superior, afirmando que o ideal seria que o circuito inferior se
tornasse menos inferior e o superior menos superior, uma vez que mesmo o circuito inferior
apresentando um dinamismo, ainda, é considerado dependente. (SANTOS, 1978).
O que precisa ficar esclarecido é que Santos aponta para o fato de que a explicação
para as desigualdades está pautada na pobreza, visto que:
Muitos são os estratagemas usados para fugir do problema da pobreza.
Primeiro, esse problema é tratado como um tema de estudo á parte; a
sociedade é analisada como se não tivesse classes. Essa forma grosseira
de ocultar a realidade pode ser substituída por métodos mais elaborados.
Por exemplo, a pobreza pode ser considerada uma situação de transição,
uma fase apenas, uma etapa necessária na mobilidade ascendente... Essa
atitude é semelhante àquela que admite que as pessoas podem mudar de
condição, através de soluções isoladas, como por exemplo uma iniciativa
individual bem orientada, educação ou capacidade empresarial. Isso faz
com que as pessoas não percam as esperanças, e ao mesmo tempo
constitui a base de uma sociedade competitiva, impedindo assim que a
idéia de mudança conquiste terreno. (SANTOS, 1978, p. 66).
O que vemos cada vez mais é que o empobrecimento das camadas populares em
função da chamada economia moderna, uma vez que “as teorias do desenvolvimento têm
sido apresentadas como soluções para corrigir as desigualdades entre indivíduos, regiões e
países” (SANTOS, 1978, p. 65).
Devemos então, considerar que o comércio informal pode
ser entendido em relação às pessoas que ficam nas ruas e calçadas vendendo alguma
mercadoria ou mesmo àqueles que possuem uma banca no camelódromo da cidade e que
não estão inseridos na lógica da formalidade quanto à organização das mercadorias e do
lugar onde são comercializadas. Porém não podemos desconsiderar que o “setor informal”
é mais amplo e heterogêneo, embora apresente suas singularidades. Assim, este pode ser
caracterizado como aqueles que:
[...] exercem sua atividade em bancas ou barracas instaladas em diversos
pontos da cidade, sobretudo nos locais de grande trânsito de pessoas,
como estações de metrô ou trens (ou seus arredores, terminais
rodoviários ou regiões centrais da cidade por onde passa, diariamente,
um grande contingente de pessoas). (MARTINS, DOMBROWSKI, 2000,
p. 43).
Na visão de Santos (1978) quanto à realidade que envolve o circuito inferior, temos
que a idéia de maior produtividade, tornando-o mais capitalista, não resolveria as
deficiências do sistema em que uns enriquecem e outros se tornam ainda mais pobres. De
acordo com o autor:
Quando um mercado monopolista ou oligopolista se impõe, torna-se mais
difícil absorver o trabalho excedente do que em condições competitivas.
De acordo com Sylos-Labini (1969, p. 159), o problema do desemprego
nesses casos é dinâmico e não estático, visto que a organização
monopolista tem uma capacidade reduzida de proporcionar emprego e
desvia trabalhadores potenciais para setores da economia, em geral
incapazes de oferecer salários e empregos permanentes. Não resta dúvida
que outros fatores além dos puramente técnicos estão em jogo. As
empresas maiores, principalmente as corporações multinacionais, não
estão interessadas em usar técnicas de trabalho intensivo, porque as
massas operárias, com suas reivindicações e poder político, representam
uma ameaça. (SANTOS, 1978, p. 68).
Para muitos adeptos do discurso neoliberal e individualista, os ambulantes e
camelôs quando apresentam sucesso nas atividades são tidos como aqueles que não
necessitam de proteção por parte do Estado, já que a sociedade surge com posições
ambíguas no que tange às atividades informais, pois existem os que consideram um tipo de
empreendimento perante a economia capitalista, pelo fato de alguns serem autônomos, e há
aqueles que consideram uma anomalia, e portanto, criam uma imagem estereotipada
associando esses trabalhadores à marginalidade, uma vez que os problemas ligados à
precariedade tanto do trabalho quanto dos níveis social e legal da informalidade estão
presentes no cotidiano dessa categoria. (SILVA, 2003)
Amadeo e Estevão (1984) discutem a partir da visão de Marglin o seguinte:
As dificuldades para garantir a sobrevivência fora do setor capitalista
sugerem que, no curto prazo pelo menos, não é preciso haver um
reservation wage absoluto, ao menos não para a classe trabalhadora
como um todo. Ou então, na falta de benefícios para desempregados e
riqueza familiar acumulada, o reservation wage para a classe como um
todo pode ser pensado como sendo zero: trabalhadores e suas famílias
precisam comer, e qualquer salário é melhor que nenhum. (p. 104).
De qualquer forma, encontramos várias explicações para as causas da
informalidade, uma vez que podem ser atribuídas à situação de proteção e não-proteção dos
trabalhadores quanto à regularização frente às políticas do Estado, além das diferenças
quanto aos níveis salariais. Outra questão apontada refere-se aos elevados índices de
superpopulação, que por sua vez, geram o desemprego por não conseguirem absorver toda
a mão-de-obra disponível, o excedente tecnológico e a inclusão da mulher no mercado de
trabalho, a composição da força de trabalho informal, a multiplicidade do emprego do setor
informal e também a ligação dos informais com a pobreza (SILVA, 2003).
É importante destacar que para todos esses apontamentos há uma explicação, visto
que os trabalhadores informais ficam desprotegidos no que tange à irregularidade perante o
sistema econômico. Como entender os espaços públicos com infra-estrutura que são
cedidos aos ambulantes para trabalharem? Na visão de Silva (2003), isto faz parte do
esquema de proteção, além do fato de que muitos informais ganham mais que um salário
mínimo, o que não justifica dizer que o valor acumulado no final de cada mês é irrisório.
Com relação ao desemprego e à superpopulação, uma vez que muitos autores
apontam esses fatores como causa da informalidade, Silva (2003) considera que no caso
brasileiro a taxa de crescimento demográfico diminuiu em relação aos outros períodos que
antecedem à década de noventa, além da queda na taxa de fecundidade, pois aponta que as
mulheres apresentavam na década de setenta, 5,4 filhos, e em 2001, 2,18, de acordo com
informações do IBGE de 1999. Silva ainda ressalta que é complicado falar em precarização
das condições do trabalho associada ao desemprego, pois houve um crescimento da própria
economia nesse período.
A saída da mulher para o mercado de trabalho, não pode de acordo com este, ser a
causa do elevado índice de desemprego, pois a modernização produtiva imposta pelo Plano
Real em 1994 favoreceu o aumento do desemprego em função do neoliberalismo, acirrando
as desigualdades sociais aliadas à baixa qualificação profissional, visto que as mulheres
ingressaram no mundo do trabalho devido aos baixos salários recebidos pelos maridos ou
outros parentes (SILVA, 2003).
As questões que envolvem a permanência ou não dos trabalhadores na
informalidade, segundo Silva, citando outros autores, fazem parte de um processo que
envolve uma situação que não é transitória e nem um trampolim para se chegar à
formalidade, visto que o setor informal tornou-se um ponto de apoio para a resolução de
parte dos problemas ligados ao desemprego. (SILVA, 2003). No que tange à pobreza e ao
desenvolvimento do setor informal, a autora avalia que o próprio governo cria condições
para que a informalidade continue existindo, uma vez que utiliza espaços públicos, onde
são construídos os camelódromos para alocarem essas pessoas, e cobra taxas como se
fossem espaços privados, o que faz com que essa economia chamada por diversos adjetivos
faça parte do sistema que visa ao lucro. Contudo, Silva (2003), ainda considera que:
[...] los trabajos flexibles a tiempo parcial, informal o formal,
autoempleo, teletrabajo, comercio callejero, entre otros, más allá de
representar las fracciones que el capital impone a los/las trabajadores, son
categorías construidas culturalmente, y, debido a esto, no se las puede
concebir y estudiar sólo a través de la economía. Son categorías
contextuales y culturalmente localizadas que producen y reproducen
significados culturales.
53
(p. 56).
Entretanto, queremos frisar que o comércio informal está contido numa extensão
maior, pois é apenas uma fração de tudo o que pode ser enquadrado na economia informal,
ou seja, além do comércio, temos os serviços informais, os autônomos e outros que
integram esse circuito econômico. Decidimos analisá-los de forma conjunta levando-se em
consideração que aqueles que trabalham nos camelódromos estejam organizados do ponto
de vista da estrutura do local, como também, mediante as estratégias comerciais. Já os que
ficam expostos nas ruas e calçadas apresentam situações conflitantes por estarem nos
espaços públicos e que muitas vezes são obrigados a procurar outros locais para venderem
os produtos.
Na verdade, imaginamos que o local adequado para que possamos adquirir alguma
mercadoria deve ser limpo e bem estruturado, como a aparência dos grandes centros
comerciais atuais (os shopping centers e hipermercados), uma vez que vivemos a “era da
shoppinização”, cuja prática do comércio de mercadorias não é um processo recente em
nossa sociedade e que remonta às civilizações mais antigas a partir mesmo da imagem das
feiras
54
que se formavam na área principal para que o excedente fosse comercializado,
53
Os trabalhos flexíveis em tempo parcial, informal ou formal, auto-emprego, teletrabalho, comércio
ambulante, entre outros, além de representarem as frações que o capital impõe aos trabalhadores, são
categorias construídas culturalmente e, devido a isto, não se pode concebê-las e estudá-las só através da
economia. São categorias contextuais e culturalmente localizadas que produzem e reproduzem significados
culturais. (Tradução da autora)
54
Não é nosso objetivo aprofundar a análise quanto à origem das feiras livres ou qualquer tipo de organização
que esteja ligada às feiras de um modo geral.
embora não seja a única explicação para o fato. Beltrão Sposito (1997, p. 17) nos lembra
bem esta questão quando afirma que “a cidade não é por excelência o lugar de produção,
mas o da dominação.”
Inicialmente tínhamos as pessoas reunidas num determinado ponto para
comercializarem as mercadorias, visto que “embora muitas tivessem surgido ao redor do
mercado, não se pode dizer que fossem cidades comerciais. O mercado era apenas o sítio
no qual se localizava a cidade. Sua origem era política e religiosa” (BELTRÃO SPOSITO,
1997, p. 17)
. Mesmo assim, devemos considerar que:
O processo de absorção da atividade mercantil e sua transformação deu-
se paulatinamente nesses aglomerados e decorreu do fato de que mesmo
durante o período de predomínio do modo de produção feudal os
mercadores e, portanto, o comércio, subsistiram, ainda, que eventuais e
restritos [...]. (BELTRÃO SPOSITO, 1997, p. 31)
Yázigi (2000, p. 184) destaca que “por ser uma economia de rua, depende, como é
natural, exclusivamente do espaço público.”
Essas colocações nos fazem pensar nos
mercados que polarizavam e atraíam as pessoas favorecendo o contato, que podendo ser
considerado “o lugar das trocas”, evidenciava os usos. Atualmente, temos esses “lugares”
transformados de acordo com as exigências do sistema capitalista, já que:
As transformações, que historicamente se deram, permitindo a
estruturação do modo de produção capitalista, constituem conseqüências
contundentes do próprio processo de urbanização. A cidade nunca fora
um espaço tão importante, e nem um processo tão expressivo e extenso a
nível mundial, como a partir do capitalismo. (BELTRÃO SPOSITO,
1997, p 30).
A primeira organização das atividades comerciais se deu a partir dos mercadores nas
cidades, seguida de uma reestruturação imposta pelo capitalismo, que permitiu a
(re)produção dos espaços e das mercadorias de um modo geral. Esta análise dá ênfase às
formas e funções mediatizadas pela lógica do lucro no que tange à constituição e
organização da cidade para o consumo, que como já frisamos, é uma estratégia que surge
antes mesmo da própria mercadoria ser destacada como um “suposto” espetáculo da
sociedade urbana. Debord (1997) assim, afirma que:
A sociedade portadora do espetáculo não domina as regiões
subdesenvolvidas apenas pela hegemonia econômica. Domina-as como
sociedade do espetáculo. Nos lugares onde a base material ainda está
ausente, em cada continente, a sociedade moderna já invadiu
espetacularmente a superfície social. Ela define o programa de uma
classe dirigente e preside sua formação. (p. 39).
O que presenciamos em nossos dias é que essa organização que o capitalismo impôs
ressalta um novo tipo de caracterização da cidade e do centro como locus da (re)produção
do espaço, da mercadoria, do consumo e das relações sociais, cuja dinâmica do setor
informal está cada vez mais presente no cotidiano urbano em decorrência das mudanças nas
formas de comercialização, face também às mudanças na conjuntura econômica. Costa
destaca que:
[...] as relações sociais de produção são o resultado incessantemente
renovado do processo de produção. A reprodução é também reprodução
das relações sociais. Vai além da generalização da mercadoria num
mundo da mercadoria em que o capital se reproduz a si mesmo. (2003, p.
83)
Lefebvre (1991) considera, de um modo geral, que o que se repete induz às
diferenças no contexto de novas relações desencadeadas pelas contradições. Tais mudanças
estão presentes no entendimento que podemos fazer das contradições presentes no centro
das cidades onde o presente convive com o passado no sentido das práticas urbanas. Há um
conjunto de situações que se movimentam no tempo e no espaço a partir das velhas e novas
formas comerciais, movimento este contraditório, pois o que é velho se renova e o novo
cria um ambiente que envelhece tendo como parâmetro a multiplicidade das relações de
troca. Santos (2002), nessa perspectiva, considera que:
A evolução que marca as etapas do processo de trabalho e das relações
sociais marca, também, as mudanças verificadas no espaço geográfico,
tanto morfologicamente, quanto do ponto de vista das funções e dos
processos. É assim que as épocas se distinguem umas das outras. (p. 96).
E prossegue dizendo que:
Como um lugar se define como um ponto onde se reúnem feixes de
relações, o novo padrão espacial pode dar-se sem que as coisas sejam
outras ou mudem de lugar. É que cada padrão espacial não é apenas
morfológico, mas, também, funcional. Em outras palavras, quando há
mudança morfológica, junto aos novos objetos, criados para atender a
novas funções, velhos objetos permanecem e mudam de função.
(SANTOS, 2002, p. 96)
Com relação ao comércio informal e às características que dão sustentabilidade às
práticas que o articulam ao processo das novas e/ou velhas formas comerciais e espaciais,
podemos enfatizar que o ponto cuja localização é fundamental para que a atividade
prospere produz determinadas relações, e o padrão espacial do centro não engloba apenas a
morfologia, mas sim, as funções que podem variar no tempo e no espaço. (SANTOS,
2002). Essa análise também pode ser atribuída à junção das atividades que remodelaram a
área, cuja dinâmica do centro é caracterizada pela junção das práticas socioespaciais, que
porventura, extrapolam a convivência do próprio centro de acordo com as relações que
caracterizam o público e o privado, assunto do qual trataremos mais adiante.
O queremos dizer é que não é possível separar as relações complementares desse
processo, uma vez que os setores formal e informal não podem ser vistos separadamente da
realidade atual. Malaguti (2000), com base nessas considerações chegou à seguinte
conclusão na década de noventa:
Como poderíamos caracterizar a funcionária pública, esposa do
ambulante, que trabalha na rua ao seu lado e financia a compra das
mercadorias expostas? Seria ela uma trabalhadora informal?
Dificilmente, dado que ela é também funcionária pública. Seria então,
uma trabalhadora formal? Dificilmente, dado que também trabalha
na
rua vendendo mercadorias de sua propriedade. (p. 103).
Então, a partir de todas essas considerações destacadas, como definir as
características do comércio informal?
Num primeiro momento se torna fundamental elencar as considerações tecidas por
alguns autores para que possamos expressar nossa análise a respeito, mas podemos a
princípio apontar que o comércio informal está inserido num processo mais amplo de
relações cuja dinâmica está atrelada ao setor informal, que aqui pode ser entendido numa
extensão maior, ou seja, a segunda contém a organização da primeira e que, ainda, devemos
interpretar no contexto da economia informal de um modo geral, pois, essa categoria
trabalha sem registros na carteira de trabalho e fica desprovida dos direitos legais. Assim,
para Malaguti (2000) é preciso haver um esclarecimento mais detalhado sobre o assunto,
visto que:
Um primeiro passo para a apreensão teórica da “informalidade” implica
uma clara distinção entre “informalidade” e “setor informal”. Em geral,
os especialistas em Economia e Sociologia do Trabalho utilizam
indistintamente os dois conceitos. No entanto, a “informalidade” é um
conceito muito mais amplo do que o de “setor informal”. O setor
informal expressa apenas um aspecto da informalidade, mas sem esgotá-
lo. (p. 99).
Santos, como já salientamos, apresenta a terminologia ligada aos circuitos da
economia para caracterizar os setores formal e informal dizendo que:
Não se poderia caracterizar os dois circuitos da economia urbana através
de variáveis isoladas. Antes, é necessário considerar o conjunto dessas
atividades. Mas pode-se dizer, desde já, que a diferença fundamental
entre as atividades do circuito inferior está baseado nas diferenças de
tecnologia e organização. (SANTOS, 1979, p.33)
Para aprofundar melhor o que vem a ser a informalidade e por que ela se faz
presente em nosso cotidiano, Malaguti (2000) expressa a seguinte argumentação:
[...] a informalidade é, hoje, o “arrimo” da maior parte da população
brasileira. Portanto, constitui a regra nacional de pertencimento ao
mundo do trabalho. O problema é, pois, o de encontrar-se novos
instrumentos teóricos que permitam detectar e compreender esta nova
padronização do mercado e da legislação do trabalho, em toda sua
complexidade, desvendando sua lógica, suas formas de reprodução, as
redes de sociabilidade que engendra, suas ligações com a pequena
marginalidade e com o crime. Além, é claro, de sua estreita colaboração
com o grande capital e seu papel na crise estrutural do capitalismo
mundial. (p. 81).
As colocações do respectivo autor são relevantes de acordo com a análise que
fazemos a respeito do comércio informal, pois está relacionada com o fato da informalidade
ter sido a “solução” encontrada para enfrentar os problemas com a suposta falta de
“empregos” (MALAGUTI, 2000), mas é necessário considerar que há outros fatores que
contribuem para essa questão, pois os trabalhadores das pequenas empresas tiveram os
salários degradados, fato que o autor lança como crítica às questões que implementaram a
valorização da pequena empresa e aponta para o seguinte:
É bom ressaltar, porém, que as remunerações, salários e condições de
trabalho degradantes são indispensáveis ao funcionamento dos pequenos
empreendimentos. É uma característica intrínseca e irrevogável, sua
forma necessária de sobrevivência. Exigir a abolição dessas condições de
negócios e de boa parte das situações de informalidade. A exigência é
radical, sendo, por isso, dificilmente realizável sem mudanças sociais e
políticas estruturais. (MALAGUTI, 2000, p. 83).
Esse autor coloca em evidência se é possível falar de um setor informal ou mesmo
da oposição entre formalidade e informalidade, reforçando que ambas se entrelaçam e são
inseparáveis e avalia que é preciso “criar” novos conceitos, uma vez que “a clara
impossibilidade de separação dos processos sociais deve levar à análises críticas que
questionem a ‘parte’ e o ‘todo’ sob um prisma único e integrado: sistêmico.”
(MALAGUTI, 2000, p. 105).
Precisamos considerar, então, que há muitos casos em que os salários são maiores
para quem trabalha como ambulante ou camelô do que o próprio salário mínimo, pois de
acordo com Silva (2003):
Observamos que, en Brasil, muchos/as trabajadores del sector informal y
particularmente los dueños/as de puesto en el comercio callejero ganan
mucho más que un salario mínimo. Eso significa mucho en un país en
que cuatro millones de familias con niños hasta seis años de edad, viven
con menos de medio salario mínimo mensual per capita.
55
(IBGE, 1999).
(p. 62).
Para a autora, (2003), o comércio ambulante pode conter elementos formais e
informais, uma vez que aquele trabalhador que se fixa no camelódromo precisa ter um
registro como microempresário ou se trabalha num emprego formal é cobrado o seguro
social como autônomo, mas recebendo um salário fixo. Há também as questões dos que
55
Os trabalhos flexíveis em tempo parcial, informal ou formal, auto-emprego, teletrabalho, comércio
ambulante, entre outros, além de representarem as frações que o capital impõe aos trabalhadores, são
categorias construídas culturalmente e, devido a isto, não se pode concebê-las e estudá-las só através da
economia. São categorias contextuais e culturalmente localizadas que produzem e reproduzem significados
culturais. (Tradução da autora).
vendem as mercadorias por contrabando e que não têm nenhum tipo de proteção, aqueles
que ocupam os espaços públicos das ruas e praças. Dessa forma, vemos que as idéias de
Silva (2003) são condizentes com as que Malaguti (2000) aponta, discutindo o fato de que
fica complicado separar o que é informal do formal, pois, ainda, destaca que as políticas de
modernização do governo aumentaram os problemas sociais em função da redução dos
salários, despontando todas as iniciativas ao livre exercício das forças do mercado.
A condição de integração pode ser interpretada no que se refere justamente à
situação de não separação da evidente realidade que envolve o trabalhador e as formas de
organização do espaço de trabalho, ou seja, “a criação de um espaço da ordem” (COSTA,
2003, p. 97). Santos (1979), por sua vez ressalta que:
O problema de uma sociedade econômica não pode ser estudado de um
modo fragmentário. Ao lado dos aspectos da produção, é indispensável
considerar e analisar os da distribuição e do consumo, assim como os do
emprego, quer dizer, trata-se do sistema por inteiro. Na realidade, o que
encontramos em cada caso concreto, são formas diferentes e combinação
entre um novo modelo de produção, distribuição e consumo, e a situação
preexistente, e isso em função das condições históricas da introdução das
modernizações. (p. 42).
Na verdade, essa é a estratégia que considera correta para os usos do espaço e para
manter a operacionalidade quanto aos que o consomem, seja a partir da efetivação do
consumo do espaço no sentido da apropriação para a implantação das formas comerciais ou
no sentido do consumo no espaço pelo objetivo da mercadoria exposta no cotidiano das
ruas e praças. Para Lefèbvre (1991), a rua torna-se o espaço da vitrine e para Costa (2003):
O valor de troca e a troca prevalecem sobre o uso. Em todo tempo, os
consumidores são instigados a consumir as mercadorias que se lançam
para fora das lojas, em tabuleiros de promoções, apregoadas pelos
vendedores ambulantes em microfone. (p. 97).
Para Yázigi (2000), em seu trabalho “O mundo das calçadas”, temos a seguinte
explanação:
Desde que penso a calçada, nela vejo um retrato claro do Brasil. Não só
em seu piso fragmentado, como em toda a categoria de conflitos que nele
tem mediação. Procurei a territorialidade dos conflitos e, entre estes, não
podia esquivar-me dos que se apresentam por si mesmos: foi mais
constatação do que escolha. Algumas categorias de conflito me
pareceram gritantes: a da economia de rua; o emuralhamento da cidade
em microcosmos de residência, trabalho ou lazer; o lúmpen; a
“impossível” unidade da pavimentação das calçadas, o produto do
conflito da administração citadina e suas concessionárias. (p. 167).
Associamos a idéia dos ambulantes e camelôs às ruas e praças por serem estes os
lugares onde permanecem oferecendo a mercadoria para ser consumida, uma vez que essas
colocações são importantes para evidenciarmos a realidade das características quanto ao
setor informal, pois seu desfecho se dá na cidade, e como afirma Yázigi (2000):
A história mostra, como desde remotos tempos, não só São Paulo, como
outras partes, conheceu uma economia que acontecia nas ruas. O que
hoje chama a atenção é o desenvolvimento que ela vem conhecendo, não
só em extensão, como no grau de formação de redes. (p. 169).
Mas, é preciso tomar alguns cuidados, já que não podemos usar a terminologia
“informal” para todas as categorias ligadas a esse tipo de comércio, pois a economia
informal é mais abrangente, já que engloba as atividades que são realizadas no fundo de
casa e até mesmo, as operações ilícitas, no caso, as negociações sem nota fiscal ou o
funcionário que trabalha sem receber as horas extras a que tem direito. Assim, nosso
propósito também é enfocar os ambulantes e os camelôs que apresentam certa diferenciação
entre si, mas que fazem parte da estruturação dessa categoria presente na atual conjuntura
econômica brasileira. Pintaudi (2002) considera que sobre o comércio ambulante:
[...] é perigoso classificar todos com o mesmo rótulo, tendo em vista que
há uma enorme variação entre esses comerciantes, que se diferenciam
não só pela forma de propriedade das mercadorias e do ramo de comércio
(chegando mesmo a existir ruas especializadas), como também pela
“propriedade do ponto”, na rua em que se estabelecem, o que os
diferencia de uma parte dos ambulantes que efetivamente deambulam,
carregando nos braços os produtos que oferecem. Trata-se de uma
atividade extremamente hierarquizada e que, numa sociedade em que
grande número de pessoas não encontra emprego, se torna um meio de
garantir a sobrevivência, esta também muito diferenciada entre eles. (p.
149-150).
Tais justificativas nos levam a enfocar a dinâmica do próprio setor no que tange à
organização e composição, uma vez que se utilizarmos o termo comércio ambulante,
reduziremos apenas àqueles que carregam as mercadorias para serem comercializadas nos
mais variados pontos da cidade, inclusive no centro. Devemos ter claro que o comércio
informal também abrange aqueles que trabalham nos camelódromos e shopping populares
ou sob qualquer outra denominação, pois apesar de estarem instalados num espaço
programado, comercializam mercadorias que são as mesmas daqueles que trabalham nas
bancas das ruas e que também podem ser caracterizados como camelôs, visto que o que os
diferencia é o ambiente em que estão alocados. Assim, presenciamos atitudes que se
equiparam ao comércio formal, pois entendemos que o que separa uma categoria da outra é,
justamente, a falta de formalidade quanto à organização das mercadorias e dos impostos
pagos, como também a própria Previdência Social, que para quem trabalha com registro em
carteira, é uma seguridade que se destaca como um benefício, embora saibamos que ela não
atende às necessidades dos cidadãos.
56
Nesses termos, há uma relação a partir das particularidades das ações quanto ao
espaço, uma vez que:
[...] as particularidades dos lugares do espaço se afirmam, potencializadas
pela produção, pois o uso só pode se realizar num determinado lugar, isto
é, refere-se à escala local (apesar de articulados cada vez mais ao global
pela constituição da sociedade urbana). O espaço dominado, controlado,
impõe não apenas modos de apropriação, mas comportamentos, gestos,
modelos de construção que excluem/incluem. Produz a especialização
dos lugares, determina e direciona fluxos, originando centralidades
novas. (CARLOS, 2002, p. 179)
De acordo com as considerações de Carlos, podemos destacar que o uso do espaço
pelos camelôs e ambulantes revela, através do consumo, comportamentos que se associam a
uma segmentação socioespacial, pois uma grande maioria não consome os produtos que são
comercializados nos shopping centers, o que evidencia uma diferenciação ligada ao padrão
do consumo que se estabelece nesses empreendimentos em relação ao que é praticado na
esfera dos chamados informais, principalmente se levarmos em consideração a crise
econômica do nosso país na década de 1990, que pode ser entendida a partir da seguinte
constatação:
56
Não queremos aqui, aprofundar este assunto, pois as questões que envolvem a Previdência Social como as
leis trabalhistas precisam estar amparadas por autores que tratam diretamente o assunto.
A economia do Brasil, em 1993, vivia uma crise econômica, política e
social. No campo econômico, alguns dos sintomas da crise eram:
crescimento de apenas 3% da renda média “per capita” nos anos 80,
contra um crescimento de 76% na década de 70; inflação desenfreada,
transferência e concentração de renda em benefício dos banqueiros, das
grandes empresas e dos especuladores em geral; baixo índice de
investimentos nas atividades produtivas insuficientes para expandir a
produção, aumentar o número de empregos e proporcionar melhorias
salariais; a maioria da população economicamente ativa não estava
qualificada para o trabalho, comprometendo o seu desempenho como
profissionais e como cidadãos. Havia, portanto, um elevado nível de
desemprego, em grande parte disfarçado no subemprego e na economia
informal, numerosos contingentes de miseráveis - desposados e
absolutamente marginalizados da vida brasileira. (COSTA, 2003, p. 139)
Tomando essa avaliação como ponto de partida para entender a questão do
desemprego, não podemos desconsiderar que o subemprego e a economia informal são
estratégias lançadas para combater o problema, mesmo havendo a precarização das
condições de trabalho, já que:
Estas e outras características se inserem no interior de um modelo
econômico capitalista altamente monopolista e oligopolista em que,
menos de 300 grandes grupos econômicos nacionais e multinacionais têm
o poder de comandar a economia do país, através do controle de seus
setores básicos, discriminando e subordinando a pequena e média
empresa, geralmente relegada para a periferia do processo produtivo.
(COSTA, 2003, p. 140)
A discriminação e a subordinação aqui elencadas podem ser associadas à idéia de
Carlos (2002) sobre um espaço que é dominado e controlado pelas grandes empresas e que
reforçam a exclusão do sistema, pois:
Quase sempre os que têm trabalhado, e nas atividades mais duras, têm
sido também os que tem recebido a menor parcela da riqueza produzida
igualmente, nunca fez parte das prioridades nacionais a ampliação e
eficiência dos serviços públicos na área social, uma forma indireta de
remuneração para a classe trabalhadora. Assim, o Brasil chega o final do
século XX e início do século XXI, situado entre os países de renda mais
mal distribuídas do mundo, apesar do seu potencial econômico. (COSTA,
2003, p. 140)
Malaguti (2000) destaca que muitas vezes foi dado um tratamento prioritário à
constituição da pequena empresa e isto permitiu que muitas agissem em determinados
pontos como informais, reforçando a questão que apontamos sobre a economia informal e
seus artifícios quanto à sonegação dos impostos (as notas fiscais que não são distribuídas
aos consumidores), lembrando que isto acontece freqüentemente com os grandes
empresários, pois acabam enriquecendo suas contas bancárias no exterior.
De acordo com ele:
Aceitando esse caráter societário (econômico, político e ideológico) da
informalidade, fica difícil admitir, por exemplo, que os pequenos
negócios escapem “mais facilmente ao controle e à fiscalização do
Estado”. De fato, as pequenas empresas sofrem uma menor vigilância
estatal. Mas isso não implica que elas escapem à fiscalização. Para que
elas possam propriamente “escapar” do controle público, faz-se
imprescindível a existência de uma real disposição fiscalizadora por parte
do Estado. O que nos parece, no mínimo, uma hipótese pouco provável:
dada a importância da pequena empresa na legitimação ideológica e
política das desigualdades sociais, acreditamos muito mais em uma
política de consentimento estatal da ilegalidade do que em uma
fragilidade da fiscalização do Estado. (MALAGUTI, 2000, p. 84).
O que temos é que a crise existente nos centros urbanos levou a população
desprovida de recursos a se encaixar numa outra perspectiva, a da informalidade,
“chegando a absorver milhares de pessoas em torno dessa economia” (COSTA, 2003, p.
141). A respeito da proliferação dos camelôs e ambulantes, principalmente no centro das
cidades, colocamos em discussão a idéia da concorrência existente entre os lojistas e os
informais no sentido das estratégias quanto aos benefícios de se adquirir uma mercadoria na
própria loja, destacando as facilidades quanto ao pagamento, o uso de cartões de crédito,
cheques pré-datados cada vez mais freqüentes na realização das compras. Para Costa
(2003):
Além da centralidade dos camelódromos, os urbanistas devem buscar
alternativas para minimizar a concorrência entre lojistas e camelôs,
analisando que um dos conflitos de maior relevância reside na
generalização da mercadoria. Em nossa pesquisa detectamos que os
lojistas do Centro vêm praticando estratégias de venda de mercadoria a
preços iguais ou menores que os comercializados nos camelódromos,
com mais uma desvantagem para os camelôs: facilidade de pagamento.
Todas as lojas recebem cartão de crédito e/ou possuem crediário próprio,
enquanto os camelódromos exigem pagamento à vista, em dinheiro.
(COSTA, 2003, p. 151).
A idéia da generalização também pode estar associada a uma maior variedade de
produtos expostos com o propósito de atrair os consumidores, o que reforça uma disputa
pelo próprio cliente colocando em evidência todas as estratégias comerciais. Uma grande
variedade de mercadorias pode ser encontrada nas lojas ou mesmo nas bancas das ruas e
dos camelódromos, fato este que justifica o sentido da generalização e o que podemos
avaliar desta análise é a quantidade dos objetos comercializados.
Sobre esse assunto, consideramos que muitas pessoas consomem os produtos dos
camelôs e ambulantes até mesmo pela questão do preço, sendo este um fator importante nos
dias atuais mediante a crise econômica, com destaque para as mudanças no sistema
produtivo que envolvem a passagem do fordismo para a acumulação flexível. Benko (1996)
destaca que:
A crise econômica, a reestruturação da indústria, o surto das atividades
de serviços e, sobretudo, a expansão espetacular da produção de alta
tecnologia modificaram largamente a organização territorial do
capitalismo contemporâneo. (p. 13).
Santos (2001) avalia, nesta perspectiva, que:
Foi nos últimos vinte anos que o Brasil conheceu uma extraordinária
expansão dos consumos materiais e imateriais. Essa difusão não se faria
sem a cooperação do crédito. Em 1999, havia 24 milhões de cartões de
crédito no Brasil, detidos por pessoas que recebem mais de cinco salários
mínimos. Amplas camadas da população abaixo desse umbral e não
tendo acesso a cheques constituem um alvo novo para um grupo de
bancos, financeiras e supermercados que decidiram financeirizar essas
faixas da população. Criou-se o cartão de crédito popular, que funciona
como um crédito pré-aprovado, proporcional à renda e que pode ser
usado numa rede comercial credenciada. (p. 223).
A generalização da mercadoria mediante a variação dos produtos leva a uma disputa
por espaço na economia e na cidade, perante as incessantes formas de apropriação, estando
a rua numa escala de análise em que as experiências revelam várias facetas da sociedade.
Assim, Carlos (2001) discorre o seguinte sobre as ruas:
No panorama das ruas se pode ler a vida quotidiana: seu ritmo, seus
conflitos, os sentimentos de estranhamento, o modo como a solidão
desponta, a arte da sobrevivência, as vitrines onde o ritual da mercadoria
inebria pelo contraste das construções, de suas fachadas, comandando os
passos, os usos e as cores. (p. 56).
Nelas, realmente encontramos aqueles que buscam a “arte da sobrevivência”, como
destaca a respectiva autora, quando nos deparamos com os ambulantes e camelôs vendendo
suas mercadorias. Para eles é o espaço da apropriação, da sobrevivência, dos conflitos e dos
encontros, mesmo que este seja apenas superficial. É o lugar dos movimentos. A autora
ainda ressalta que:
A aceleração contemporânea produz uma morfologia sempre cambiante.
As ruas, as praças, o centro ou o mercado, que são referências da cidade,
marcada por formas de uso que se engendram na prática social,
produzem certa ordem que se liga à capacidade técnica e científica de
transformação da natureza, que transforma radicalmente espaço-tempo, e
com isso redefine o uso. (CARLOS, 2001, p. 57)
De acordo com Santos (2001) podemos dar ênfase às atividades que se concentram
na cidade e que fazem parte de um processo que produz novas formas, estando estas ligadas
aos ambulantes e camelôs, uma vez que (re)criam o ambiente onde atuam permitindo um
novo sentido ao uso, mesmo que este cause um estranhamento, ou seja, o mal-estar que
envolve trabalhadores formais e informais. De fato:
Cada atividade constitui, no conjunto, um processo para as demais, um
elo importante no sistema produtivo criado em determinado lugar ou
área, constituindo a base socioespacial sobre a qual assenta uma
determinada equação do emprego, uma determinada massa salarial, um
determinado movimento dos agentes, dos produtos, das mercadorias, do
dinheiro e da informação, uma determinada estrutura de ordens e um
determinado sistema de poder fundado na economia e na política.
(SANTOS, 2001, p. 300)
Essas características que criam a base da produção e da circulação das mercadorias
também permitem criar novas formas de comercialização nas quais deparamos com a figura
dos próprios camelôs e dos ambulantes (estaremos sempre fazendo referência a esta
questão, afinal é o objeto de estudo desta tese). São atores sociais que não podemos
desvencilhar da realidade pela qual passa a maioria das cidades brasileiras. Por outro lado,
será que todos querem mudar de ramo, de atividade?
Esta questão poderá ser respondida no decorrer das considerações que serão
apresentadas de acordo com o trabalho empírico proposto nessa pesquisa e que evidencia
que o comércio informal, por enquanto, ainda é uma saída para aqueles que precisam
sobreviver na chamada “selva de pedra”. De fato, é preciso avaliar se aquele trabalhador
ambulante realmente faz parte da esfera dos considerados miseráveis, pois se levarmos em
consideração que nem todos têm acesso à saúde, educação, moradia e outros benefícios
imprescindíveis à sobrevivência, estaremos enquadrando nessa categoria não somente os
camelôs e ambulantes, mas os que vivem nas ruas pedindo esmola, e até mesmo, os
“mendigos”.
Singer (2000) avalia que:
O impacto da globalização está se fazendo sentir de forma cada vez mais
forte e difusa. A sua recepção inicial foi marcada pelo entusiasmo
otimista, mas com o correr do tempo este foi sendo substituído pelo
temor e pelo desencanto. O mundo globalizado tornou-se mais aberto e
receptivo, mas, além das novidades consumíveis, o exterior está nos
mandando quebra de empresas, corte de postos de trabalho e crises
financeiras. (p 7).
Não podemos considerar que, mesmo sendo categorizados como “informais”,
conseguem sobreviver? O problema para a sociedade, como já mencionamos, é a questão
referente à dualidade: empresas formais e informais, que acabam criando uma situação de
disputa entre os espaços num cotidiano que é marcado por dúvidas e contradições. Mas,
como expressar essas idéias de forma clara e precisa? Singer (2000) afirma que é necessário
estabelecer parâmetros quanto às terminologias sobre emprego e trabalho, pois o primeiro
envolve o fato de que ocupação não significa que estar empregado, pois:
O emprego resulta de um contrato pelo qual o empregador compra a
força de trabalho ou a capacidade de produzir do empregado. Os
empresários gostam de falar de oferta de emprego, como se o emprego
fosse alguma dádiva que a firma faz ao empregado. Na realidade, é o
contrário: é o trabalhador que oferece, ele que é o vendedor, e a
mercadoria não é o emprego mas a capacidade de produzir do
trabalhador. A firma empregadora é o comprador, o demandante e, como
tal, paga o preço da mercadoria - o salário. (SINGER, 2000, p. 12)
O referido autor nos lembra que alguns problemas estruturais no sistema capitalista
estão contribuindo para uma transformação radical a partir das análises quanto à exclusão
social e às taxas de desemprego, já que:
O fundamental, do ponto de vista do desemprego e da exclusão social,
que nos interessa aqui, é que muitas atividades desconectadas do grande
capital monopolista passam a ser exercidas por pequenos empresários,
trabalhadores autônomos, cooperativas de produção etc., o que
transforma um certo número de postos de trabalho de “empregos”
formais em ocupações que deixam de oferecer as garantias e os direitos
habituais e de carregar os custos correspondentes. (SINGER, 2000, p.18)
Na perspectiva do autor, o termo melhor empregado para designar o próprio
desemprego seria a precarização do trabalho que é o que acontece no mundo da
informalidade, uma vez que esta “inclui tanto a exclusão de uma crescente massa de
trabalhadores do gozo de seus direitos legais como a consolidação de um ponderável
exército de reserva e o agravamento de suas condições” (SINGER, 2000, p. 29)
. A
precarização também envolve aqueles que trabalham por salários cada vez mais declinantes
e os que não conseguem trabalhar. Assim, segundo o autor:
Isso pode ser observado diretamente nos momentos de recessão, quando
aumenta o número dos que vão às ruas tentar ganhar a vida como
vendedor ou prestador ambulante de serviços. Piora a proporção entre os
que podem comprar e os que precisam vender e cresce a parcela dos que
acabam alijados até mesmo dos mercados informais. (SINGER, 2000, p.
30)
Tais colocações apontam para uma problemática ainda maior, pois existem pessoas
que se encontram fora até mesmo do comércio informal, cuja situação acaba se
complicando num cenário com os mais variados problemas sociais urbanos, como o
aumento da prostituição, daqueles que vivem vagando pelas ruas e de todos que estão à
margem da sociedade. É interessante que o próprio trabalhador acaba sendo cúmplice nesse
jogo entre formalidade e informalidade, pois se as pessoas estão inseridas num contexto
cada vez maior de desempregados, é natural que aceitem o fato de trabalharem na
informalidade, havendo uma substituição de funções, pois quem era funcionário de uma
empresa com algum nível de qualificação passa a integrar o conjunto de trabalhadores que
desfilam nas ruas com suas mercadorias expostas em bancas ou carregadas nos ombros.
Singer (2000) destaca duas saídas para amenizar aqueles que se encontram na
categoria dos desempregados, sendo a primeira, pautada na idéia de oferecer aos mesmos
um treinamento profissional e financiamentos para que possam ter um negócio próprio mas
ressalta que “a maior qualificação dos trabalhadores, insistentemente reclamada pelos
empregadores, não é solução para o desemprego” ( SINGER, 2000, p. 119). Indica também
que há uma forma de sair desse impasse entre os desempregados através do que chama de
“economia solidária” que compreende a formação de cooperativas de produção e consumo
defendendo a idéia de que “a economia sofreria uma expansão sem risco de superprodução,
a não ser que as novas pequenas empresas se concentrassem em apenas um ou poucos
ramos (SINGER, 2000, p. 120)”. Mas, sobre esse assunto, aponta uma solução estratégica
no sentido de se buscar:
Uma maneira de criar o novo setor de reinserção produtiva é fundar uma
cooperativa de produção e de consumo, à qual se associarão a massa dos
sem-trabalho e dos que sobrevivem precariamente com trabalho incerto.
Quanto maior o número de empresas da cooperativa, tanto melhores suas
chances de sucesso. (SINGER, 2002, p. 122).
E prossegue com a seguinte análise:
O compromisso básico dos cooperados seria o de dar preferência aos
produtos da própria cooperativa e os gastos da receita obtidos da venda
de seus produtos a outros cooperados deveriam ser feitos com uma
moeda própria, diferente da moeda geral do país, digamos um “Sol” (de
solidariedade) em vez de Real. O uso desta moeda, que só terá validade
para pagar produtos do novo setor, dará a proteção de mercado que as
pequenas empresas precisam para poder se viabilizar.(SINGER, 2000, p.
123)
De acordo com esses apontamentos o próprio autor ressalta que é preciso haver uma
estratégia para absorver os desempregados de forma específica sem deixar de lado parcelas
dessa população, uma vez que as tentativas de produção simples das mercadorias não
atingem o sucesso esperado por todos, considerando também os mercados limitados quanto
aos produtos que são fabricados pelos mesmos, podendo ser incluídos os seguintes:
hortaliças, frutas, pequenos animais, confecção de roupas, vendas de produtos em
joalherias, butiques, antiquários, serviços de saúde, educação, entretenimento dentre outros
(SINGER, 2000).
Para as demais mercadorias que ficam à margem e que vivem na quase ilegalidade
aponta o setor informal, “composto por atividades extremamente precárias e que deixa seus
produtores numa penumbra entre a marginalidade social e a superexploração do trabalho
familiar em domicílio” (SINGER, 2000, p. 130)
. A idéia que o autor desenvolve a respeito
de uma cooperativa é interessante do ponto de vista da organização das pessoas que
trabalham por conta própria e que vivem nas esquinas buscando a sobrevivência, pois ainda
conseguem ter um lucro com as mercadorias comercializadas. Mas, temos que considerar
que um grande número de trabalhadores informais vive sem orientação e é por isso que
Singer (2000) propõe a formação de uma cooperativa, informando que todos devem estar
(re)unidos para que a mesma funcione na perspectiva da solidariedade, embora seja preciso
lembrar mais uma vez que o poder público com a intervenção de capitais pode ser a base
para em conjunto com esses trabalhadores estabelecerem padrões organizacionais da
atividade informal.
Realmente se não houver uma organização, muitos continuarão excluídos mesmo
estando inseridos na categoria dos informais, com destaque para os ambulantes e camelôs,
já que entre estes também existem divergências quanto às estratégias de comercialização, o
local de atuação, a clientela que atendem e outros elementos que se associam à
informalidade. Contudo, veremos se esta alternativa se aplica à pesquisa proposta no
decorrer da análise dos dados que contemplam a temática do comércio informal, além dos
demais autores que discorrem sobre o assunto.
Assim, para Tomé (2003) essas questões da informalidade podem ser
compreendidas pelo fato de que:
[...] os graus de instrução e qualificação profissional, o nível de capital
aplicado e, portanto, os graus de precariedade variam muito, e nem todas
essas ocupações são necessariamente estratégias de necessidades básicas
como alimentação, saúde, moradia. Vê-se, por exemplo, que em algumas
das atividades, como em uma micro-empresa prestadora de serviços na
área de micro informática, que não esteja devidamente legalizada, ou
mesmo em pequenas empresas que assumiram parte da produção
terceirizada e contratam de forma ilegal seus funcionários, o rendimento
monetário pode ser maior do que aquele auferido no mercado de trabalho
formal, proporcionando um nível de lucratividade que deixa esse
trabalhador em uma situação financeira confortável. (p. 275).
Contudo, precisamos de fato estabelecer parâmetros quanto a quem interessa essa
situação ligada aos informais e a diferenciação quanto aos vários níveis de atuação dos
mesmos, pois uma grande maioria vive em condições de exploração da força de trabalho,
principalmente se não for proprietário da banca ou do negócio, embora muitas atividades
que se fundamentam na informalidade acabam tirando proveito de alguns benefícios
ligados à lucratividade. Ainda, de acordo com a respectiva autora,
A “margem de manobra” desses indivíduos, frente às alternativas postas
pela forma de sociabilidade orientada pela acumulação do capital, é
mínima. A histórica formação socioeconômica altamente precária destes
trabalhadores, lhes impõe sérios limites e não lhes dá muitas alternativas,
a não ser a tentativa de se aventurarem em busca e novos ambientes, que
lhes possibilitem utilizar novas ou antigas estratégias de sobrevivência,
sem lhes dar margem ao planejamento de uma carreira profissional.
(TOMÉ, 2003, p. 283)
E prossegue afirmando que:
[...] acredita-se que estes trabalhadores ditos “informais”, assim como
qualquer outro homem e mulher fazem escolhas, decidem entre as
alternativas existentes, mas não podem mudar os efeitos dessas crises.
Não podem antever em conformidade com as suas intenções iniciais. Por
isso, estes homens e mulheres, indivíduos singulares, com experiências
múltiplas, não podem ser vistos simplesmente como vítimas inertes de
um sistema que os subjuga. Essas decisões são orientadas por certos
valores, hábitos, concepções de mundo, ou seja, por ideologias que são
expressas dessa forma de organização social extremamente injusta.
(TOMÉ, 2003, p. 289)
Na visão de Santos (1979), a divisão do trabalho no circuito inferior constitui:
Um elemento multiplicador. Antes de mais nada, ela estimula a utilização
produtiva do capital. A freqüência das trocas aumenta a rapidez das
transações e, por isso mesmo, multiplica a formação dos lucros, qualquer
que seja seu volume. De outro lado, a multiplicidade dos atos de
comércio age como acelerador da circulação da moeda. (p. 197).
A realidade do comércio informal aponta para uma precarização das condições de
trabalho de algumas pessoas, principalmente daquelas que ficam nas ruas e que precisam
enfrentar todos os tipos de problemas, mas preferem estar naquela localização pelos fluxos
intensos e a possibilidade das vendas serem maiores do que se estivessem instalados em
outro local. A precarização ocorre porque os trabalhadores ficam à margem dos benefícios
que poderiam ter se trabalhassem com carteira assinada. Cavalcanti (1980) já discutiu a
temática dos informais na região nordestina sob o prisma de sua viabilização a partir de:
Iniciativas amplas que tencionem prover assistência ao setor informal -
quer seja ele o de Fortaleza, quer o de qualquer outra cidade nordestina -
têm que guiar-se por tríplice objetivo. Em primeiro lugar, é mister não
causar transtornos à capacidade de geração de empregos das atividades
informais. De fato, seria irônico, e também uma estupidez, que o apoio a
microempresas trouxesse como resultado destruição líquida de empregos.
Em segundo lugar, a intervenção não deve ficar distante de desejos,
aspirações e perspectivas da população que labuta nas atividades
informais. Para isso, é indispensável que se tomem providências capazes
de levar a um mapeamento de tais desejos, aspirações e perspectivas,
tarefa que pode ter como ponto de partida o trabalho ora concluído,
dando-lhe assim continuidade prática. Finalmente, é preciso considerar
que os consumidores de produtos informais ligam-se ao setor que os
fornece por razões que penetram fortemente nas escalas de previdências
da população. Essas escalas são condicionadas em parte por valores
extra-econômicos, que não podem ser descartados do cálculo da política.
Afinal de contas, os consumidores sabem o que querem, e é na direção de
seu bem-estar que a produção se orienta. (p. 168).
Tais considerações podem ser tomadas com base nas idéias destacadas por Singer
(2000) com a possibilidade de uma organização em cooperativas, ou seja, a criação de um
sindicato não convencional, pois estariam correndo riscos de serem pressionados, como
acontece, em alguns casos, nos sindicatos regulares. Cavalcanti (1980) destaca, ainda, que
levar essas atividades para o caminho da formalização a partir da “expansão da escala de
negócios”, pode trazer problemas que denomina de “armadilha de mercado” com produtos
que poderiam ter os preços reduzidos se a oferta aumentasse, “levando a renda dos
fabricantes” a diminuir. Esta realidade se reporta ao nordeste que tem uma característica
explícita de mercadorias que são confeccionadas manualmente e que têm aceitação no
mercado, principalmente quanto aos gostos e desejos ligados ao consumo. Podemos citar,
como exemplo, as rendas que são confeccionadas manualmente e que atraem os olhares de
muitos consumidores, revelando a simplicidade e o comprometimento para com o trabalho
desempenhado.
Muitos autores consideram que vivemos a era do “fim do trabalho” como assinala
Rifkin (1995) com a diminuição dos empregos face à:
Uma nova geração de sofisticadas tecnologias de informação e de
comunicação que estão sendo introduzidas aceleradamente nas mais
diversas situações de trabalho. Máquinas inteligentes estão substituindo
seres humanos em incontáveis tarefas, forçando milhões de trabalhadores
de escritório e operários irem para as filas do desemprego ou, pior, para
as filas do auxílio desemprego.
(p. 3).
Para Antunes não podemos falar no fim do trabalho, já que considera “que a
sociedade contemporânea presencia um cenário crítico, que atinge também os países
capitalistas centrais (...) e que tem gerado uma imensa sociedade dos excluídos e
precarizados (ANTUNES, 1995, p. 165-6).” Na verdade, como podemos afirmar o fim do
trabalho numa sociedade que diante do desemprego e da própria precarização das condições
de trabalho busca formas de sobrevivência a partir do próprio trabalho autônomo, mesmo
que ligado à dinâmica da informalidade, que é a base da nossa discussão? Entretanto, para
Mattoso (1999, p. 42), a retomada do crescimento econômico só ocorrerá com a “criação
de empregos e distribuição de renda mais igualitária”. Nessa perspectiva, o autor salienta
que:
Em outras palavras, trata-se de reinserir de outra maneira a economia
brasileira no plano internacional, redimensionando as aberturas comercial
e financeira e revalorizando a produção e o emprego nacionais.
(MATTOSO, 1999, p.43).
Ainda, para Mattoso (1999):
Estas condições de trabalho tornaram-se crescentemente informais,
precárias, com trabalhos e salários descontínuos, de curta duração e sem
contribuir para a Previdência. (p. 15-6).
As considerações elencadas até o momento revelam a preocupação com a situação
atual dos trabalhadores que não estão inseridos na lógica das leis trabalhistas, porém
ressaltamos que as pessoas que estão contidas no trabalho informal, muitas vezes estão por
uma opção, discorrendo sempre a respeito de que trabalhando como autônomos não
dependem das decisões dos patrões e são auto-suficientes para resolver os problemas.
É preciso avaliar que aparentemente a preocupação do Estado e da sociedade para
com a formalização das atividades que se despontam na informalidade passa pela idéia dos
interesses pelo pagamento de mais impostos, que na verdade, não são convertidos para
solucionar alguns dos mais variados problemas sociais, visto que a classe dominante exerce
poder sobre as decisões nos campos político, econômico e social. Mas, se tomarmos como
parâmetro que a reestruturação do sistema capitalista permite que a informalidade seja uma
alternativa para que não haja vínculos entre a empresa e o trabalhador, contribuindo para a
fragilização e precarização das condições de trabalho, verificaremos a dualidade e a
dialética desse processo.
O que podemos apontar são as disparidades dentro da categoria dos que sobrevivem
das atividades informais, pois uma parcela é proprietária da banca, que muitas vezes inclui
mais de uma, enquanto que muitos também trabalham como empregados informais dos
empregadores informais. É preciso avaliar que consideram que as pessoas que vivem na
informalidade trazem consigo a idéia de que não querem trabalhar com a carteira assinada,
pois não gostam de receber ordens. Kowarick (1994) discute a origem do trabalho livre no
Brasil, apontando para o seguinte:
O antigo andarilho serve para ir aonde dele se necessitar, o gosto por
aventuras e brigas transforma-se em destemor, coragem para realizar
serviços arriscados, e a desconfiança é atributo para rejeitar idéias
espúrias, tão em voga nessa época, em que se produz a conversão do
elemento nacional, cuja indolência não advém da preguiça ou vadiagem,
mas da falta de oportunidade para trabalhar, enquanto sérios vícios
passam a ser encarados como provenientes da miséria, na qual por
séculos, esteve atolado e da qual é preciso retirá-lo. (p. 112).
Tais apontamentos a respeito daqueles que vivem com suas mercadorias espalhadas
pelas bancas nas ruas refletem a idéia dos que buscam a sobrevivência e que não tiveram
muitas oportunidades para poderem ter uma vida estável e garantir melhores condições de
vida no período que envolve a chamada “terceira idade”. Assim, podemos, ainda, reforçar o
fato de que as discussões que permeiam a categoria de análise que enfocam o trabalho se
inserem na discussão abaixo:
A venda da força de trabalho na sociedade capitalista torna-se um ponto
central na vida de todos os trabalhadores, posto que estar vendendo a sua
força de trabalho, estar empregado, é a condição para que se possa
assegurar a sobrevivência e ter acesso em alguns
casos a serviços e a
outros tipos de mercadorias que possam ser entendidas fora daquilo que
se considera culturalmente como básico. (GONÇALVES, 2000, p. 24).
Esses apontamentos nos levam a concluir que a atividade informal, que aqui
buscamos enfocar diante do comércio propriamente dito também está inserida no
movimento da economia, mesmo estando fora dos parâmetros da formalidade. Contudo,
Gonçalves (2000) assinala que:
Se considerarmos os parâmetros legais e organizacionais das atividades
econômicas como definidores, passaremos então a definir de forma
equivocada, dois “mundos econômicos” diferentes. O primeiro, se
revelaria à expressão eficiente do processo de reprodução ampliada do
capital, formado pelos setores que compõem a economia de ponta, e o
segundo, o das atividades e atores econômicos sem grande importância,
marcados pela informalidade e pela baixa produção, entendidos enquanto
uma anomalia na forma de organização de produção capitalista e não
como subproduto desta, tornando-se campo de concentração de tudo o
que se revela inoperante e economicamente insignificante. (p. 45).
No entanto, o que precisamos ter como elemento elucidativo sobre as questões da
informalidade é que, atualmente, vêm apresentando certa relevância econômica, pois não
podemos desconsiderá-la do conjunto que apresenta a economia formal como principal no
contexto da produtividade. O que temos no presente momento são evidências que registram
mudanças quanto às atividades informais, pois estas não podem mais ser analisadas fora da
dinâmica capitalista, uma vez que têm como seu fator
criador e determinante, as relações
sociais e de produção estabelecidas sob a égide do capitalismo”. (GONÇALVES, 2000, p.
47).
Isto pode ser avaliado de acordo as estratégias dos trabalhadores que são
configurados como camelôs e ambulantes quando conseguem extrair no final do mês
valores que sobressaem os salários de uma maioria que trabalha na formalidade,
principalmente se estes estiverem alocados nas grandes cidades. Assim, a realidade de
inúmeros trabalhadores que sobrevivem do comércio informal está pautada no panorama do
desemprego. Para a maioria dos autores que pesquisam o assunto, a retomada do
crescimento econômico resolveria os problemas sociais urbanos, sendo esta uma avaliação
ideológica da realidade, pois o comércio informal tem sua origem muito antes da procura
pela sobrevivência daqueles que se encontram desempregados, fato este que se justifica
pelos produtos que eram comercializados nas cidades da antigüidade. Portanto:
O trabalho e a economia informal são na realidade resultados de
processos mais amplos, que envolvem a transformação e a reestruturação
capitalista em âmbito mundial após a segunda guerra, que leva a
industrialização de vários países de base econômica produtiva agrícola,
desencadeando vários outros processos nesses países, como a
urbanização acelerada, que se revela a transposição de uma enorme
massa populacional do campo para a cidade afim de explorá-la como
força de trabalho. (GONÇALVES, 2000, p. 124)
Assim, entendemos que a dinâmica do comércio informal revela as estratégias de
reestruturação capitalista no âmbito da economia urbana em função de mudanças
tecnológicas e da própria organização da produção relacionada ao toyotismo, que determina
modificações nas relações de circulação e consumo, a questão da utilização do tempo no
que diz respeito ao just-in-time, além da passagem do sistema fordista para o de
acumulação flexível, como já fora comentado anteriormente.
Essas colocações evidenciam que os trabalhadores informais também estão
inseridos nesse contexto, se considerarmos que fazem parte da economia urbana de um
modo geral e que não podem ser visualizados separadamente da conjuntura econômica
atual. Então, o discurso político que enfoca o neoliberalismo não enquadraria tais atividades
e suas formas de organização, sejam elas em cooperativas ou mesmo separadamente. Mas
estas são colocações que destacamos num exercício de entendimento do processo de forma
geral, com particularidades, porém contextualizadas de maneira mais ampla, que na visão
de Santos se revela na discussão que ele faz sobre a relação entre os dois circuitos, uma vez
que não os considera isoladamente, pois há uma interação dos usos, principalmente no que
tange às práticas do consumo, promovendo o que chama de “comunicação entre atividades
dos dois circuitos”. (SANTOS, 1979, p. 204).
Queremos deixar claro que este assunto não se esgota neste item, já que no decorrer
do trabalho estaremos fazendo referência aos autores elencados para expressar as idéias que
consideramos importantes no contexto da informalidade, além do fato de que o assunto a
seguir enfoca a questão das primeiras experiências dos camelôs e ambulantes no Brasil.
2.2. As primeiras experiências dos ambulantes e camelôs no Brasil.
Entendemos que a formação da categoria dos trabalhadores informais que envolvem
os ambulantes e camelôs faz parte de um processo que precisa ser analisado desde as
primeiras experiências ocorridas no Brasil para que possamos estabelecer um panorama
para a avaliação que faremos no capítulo seguinte, quando discutiremos essa realidade na
cidade de Anápolis, em Goiás. O que traçamos, para este momento, são os esclarecimentos
quanto ao início da atividade para, em seguida, buscarmos a compreensão de maneira
integrada no contexto da atual conjuntura econômica. Para tal, recorremos a alguns autores
que tratam a questão, apontando as idéias de cada um para chegarmos a um consenso sobre
o papel que esses trabalhadores desempenham na sociedade urbana.
Como já foi ressaltado, o fenômeno da informalidade surgiu com a comercialização
de pequenos excedentes para complementar a renda familiar, já que os salários recebidos
por aqueles que estavam engendrados no movimento da venda da força de trabalho nunca
acompanharam as despesas com as necessidades humanas consideradas básicas. Para
Santos (1979):
A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou
vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas
muito elevadas, cria na sociedade urbana uma divisão entre aqueles que
podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e
aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não têm condições de
satisfazê-las. Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e
qualitativas no consumo. Essas diferenças são a causa e o efeito da
existência, ou seja, da criação ou da manutenção, nessas cidades, de dois
circuitos de produção, distribuição e consumo dos bens e serviços. (p.
29).
Esse autor prossegue dizendo que “o circuito inferior constitui uma estrutura de
abrigo para os citadinos antigos ou novos, desprovidos de capital e de qualificação
profissional” (SANTOS, 1979, p. 189). O que surge, para nós, como resposta a todas as
colocações presentes sobre a questão dos trabalhadores informais, sejam eles ambulantes ou
camelôs (depende do adjetivo que se emprega para designar a terminologia), autônomos e
outros é o fato já assinalado em outro ponto sobre a relação existente entre a formalidade e
a informalidade, já que as mercadorias que os camelôs e ambulantes comercializam estão
inseridas num processo que envolve os proprietários dos meios de produção e os que
vendem unicamente a força de trabalho, lembrando que em muitos casos os vendedores
ambulantes e camelôs não são os donos das bancas, são funcionários dos donos das bancas.
De fato há uma relação conjugada entre a formalidade e a informalidade, cuja
dinâmica dos informais, mais precisamente os do comércio ambulante, apresenta-se
modificada estruturalmente, isto é, não podemos pensar que essas pessoas estão fora do
circuito econômico urbano.
No Brasil, as primeiras experiências relacionadas aos vendedores ambulantes,
segundo alguns autores como Ramires (2001), apontam para os mascates, personagens
brasileiros presentes na literatura do país, que viviam levando ao alcance de algumas
pessoas, as mercadorias porta a porta, personagem brasileiro presente na literatura do país.
Muitos concebem esta realidade discutindo que:
Várias são as iconografias em que é possível ver pessoas vendendo
mercadorias nas ruas (ou trilhas, quando estas eram mais freqüentes que
aquelas) e os mais velhos se recordam de ambulantes, que negociavam
camisas, gravatas etc., e de deficientes físicos, que comercializavam
bilhetes de loteria. Contudo, a forma que o comércio informal de rua
possui atualmente (inúmeras barracas fixas nas ruas), com o aumento do
desemprego, ganhou um grande impulso no final da década de 80.
(RAMIRES, 2001, p. 26).
Entretanto, o autor considera que é preciso separar as visões sobre os mascates e os
atuais camelôs e ambulantes, pois não são os mesmos, já que os mascates eram sinônimos
de alguma ascensão social, enquanto que os camelôs, na atualidade, não podem ser mais
vistos como aqueles que fazem parte de uma economia de subsistência e não-capitalista,
pois:
Em muitos casos, o dinheiro empregado na aquisição das barracas e das
mercadorias provém dos momentos de formalidade, de poupanças
acumuladas enquanto os entrevistados estavam empregados. Assim, as
condições materiais que servem de alavanca para a iniciativa da
implantação do mercado informal nas ruas são produzidas pelo sistema
produtivo como um todo. Aliás, é o mesmo sistema que produz as
pessoas que passam a se dedicar a esses tipo de atividade, pois
praticamente todos os entrevistados, em determinados momentos,
fizeram parte das relações ‘formais” de trabalho (mesmo que sem
registro em carteira). (RAMIRES, 2001, p. 211).
As mudanças ocorridas na esfera desse tipo de comercialização de mercadorias
podem ser compreendidas no contexto da migração campo-cidade, que resultou num
contingente elevado de pessoas desprovidas de trabalho e que precisavam sobreviver. Se
antes tínhamos as pessoas que vendiam as mercadorias passando de casa em casa,
atualmente o contexto é outro, aquele das bancas expostas nas ruas e calçadas, o que nos
leva pensar no processo de formação da sociedade brasileira. Vimos as pessoas percorrerem
um trajeto que envolve os espaços ligados a casa, à rua e ao trabalho e no qual intermediam
os fluxos, o que permitiu a fixação dos comerciantes informais nessas áreas, cuja
intensidade de pessoas e veículos é maior. Quando falamos de comércio informal acabamos
discutindo a realidade do trabalho informal, uma vez que esta temática tornou-se
interessante para vários campos da pesquisa humana. Alguns autores também enfocam que
a abolição da escravidão é o ponto principal para entendermos a origem do trabalho livre no
Brasil, já que apontam que os trabalhadores autônomos estão ligados à dinâmica
propriamente dita. Kowarick (1994) sobre isto:
Analisa a constituição do mercado da mão-de-obra livre num contexto
histórico em que a escravidão foi a forma dominante de trabalho até
épocas tardias do século XIX. Em vez de se processar sobre a destruição
de um campesinato e artesanatos solidamente enraizados, a
universalização do trabalho no Brasil encontrou enorme contingente, no
qual quem não tivesse sido escravo nem senhor não havia passado pela
“escola do trabalho”. Mais ainda, como os parâmetros materiais e
ideológicos essenciais à sociedade sempre estiveram intimamente
conectados ao espectro do cativeiro, para os livres e pobres trabalhar para
alguém significava a forma mais aviltada de existência. Isso fez com que,
no percorrer dos séculos, se avolumasse uma massa de indivíduos de
várias origens e matizes sociais que não se transformaram em força de
trabalho, já que a produção disciplinada e regular era levada adiante por
escravos. (p. 12).
É importante levarmos em consideração que as transformações nas relações entre o
campo e a cidade também contribuíram para as mudanças nas formas de organização da
produção, passando da condição de agrário e exportador para urbano e industrial. Com
relação à estruturação dos trabalhadores na cidade não são recentes as estratégias de
sobrevivência que muitos buscaram para os problemas ligados à falta de empregos, como
os engraxates, as empregadas domésticas e todos aqueles que desenvolvem atividades que
também estão enquadradas no rol das necessidades humanas. Contudo, também salientamos
a questão que envolve os sindicatos no mundo do trabalho que, atualmente, se apresentam
desestruturados, de acordo com as mudanças nas formas de organização para a produção.
O que temos é uma nova visão do trabalho, pois é necessário incorporar, nessa
análise, as respectivas mudanças que vêm ocorrendo continuamente com a proliferação da
categoria dos ambulantes e camelôs, que têm uma organização pautada na precarização,
visto que os próprios sindicatos precisam (re)pensar a dinâmica de atuação perante uma
economia que busca alternativas mesmo que marginais para sobrevivência no sistema
capitalista. Dessa maneira:
No que diz respeito ao mundo do trabalho, as respostas são complexas e
envolvem múltiplas processualidades, que aqui somente podemos
indicar, de modo a tentar configurar um esboço explicativo para a crise
que assola a classe trabalhadora (nela incluindo o proletariado) e em
particular o movimento sindical. É visível a redução do operariado fabril,
industrial, gerado pela grande indústria comandada pelo binômio
taylorismo-fordismo, especialmente nos países capitalistas avançados.
Porém, paralelamente a este processo, verifica-se uma crescente
subproletarização do trabalho, através da incorporação do trabalho
precário, temporário, parcial etc. A presença imigrante no Primeiro
Mundo cobre fatias dessa subproletarização. (ANTUNES, 2000, p. 151)
Gonçalves aponta o seguinte sobre o assunto relacionado aos ambulantes e camelôs
diante dessa proliferação crescente e que se acentua entre as cidades de um modo geral,
com enfoque para os índices de desemprego, que por sua vez também são crescentes nos
centro urbanos.
A atividade econômica informal, sobretudo, a da comercialização de
mercadorias industrializadas, importadas, contrabandeadas ou não,
realizada em barracas fixas geralmente nas áreas centrais das cidades,
caracterizada como ramo de trabalho do camelô, e que há algumas
décadas atrás esteve presente com mais ênfase nos grandes centros
urbanos, hoje apresenta-se em franca expansão nas cidades de médio e
até mesmo de pequeno porte, crescendo conjuntamente com a crise
econômica e social pela qual passa o Brasil, com aumento da miséria e da
pobreza, que tem como agravante os altos índices de desemprego que,
como a maioria da população brasileira, concentra-se nas cidades.
(GONÇALVES, 2000, p. 143)
Isto nos leva a pensar que tais atividades são importantes no cotidiano de acordo
como são concebidas e praticadas, ou seja, as funções desenvolvidas pelos engraxates,
pelas empregadas domésticas, as costureiras, as doceiras e outras, acabam sendo realizadas
por pessoas de forma simplificada, se comparada aos demais, pois os grandes empresários
se encarregam de outras atividades que não são as realizadas pelos trabalhadores simples, o
que justifica a existência dos dois circuitos econômicos que apresentam uma interligação no
processo de constituição de uma sociedade capitalista.
A análise de Santos (1987) está pautada no fato de que:
Em nenhum outro país foram assim contemporâneos e concomitantes
processos como a desruralização, as migrações brutais desenraizadoras, a
urbanização galopante e concentradora, a expansão do consumo de
massa, o crescimento econômico delirante, a concentração da mídia
escrita, falada e televisionada, a degradação das escolas, a instalação de
um regime repressivo com a supressão dos direitos elementares dos
indivíduos, a substituição rápida e brutal, o triunfo, ainda que superficial,
de uma filosofia de vida que privilegia os meios materiais esse
despreocupa com os aspectos finalistas da existência e entroniza o
egoísmo como lei superior, porque é o instrumento da buscada ascensão
social. Em lugar do cidadão formou-se um consumidor que aceita ser
chamado de usuário. (p. 12-13).
Ainda, nessa perspectiva, o autor ressalta que:
Criava-se, assim, uma sociedade multitudinária - seria, já, uma sociedade
de massas ou um seu arremedo? Sem o concomitante de um real
consumo de massa, pois o poder aquisitivo faltava cruelmente a uma
grande parcela dos novos urbanos. O consumo de massa é multiforme e
abrangente. O que se deu no Brasil foi um consumo exclusivo e mesmo,
para os estratos sociais beneficiados, mais se referiu a alguns bens
imateriais, que facilitam o acesso a uma vida não apenas mais
confortável, como, também, mais digna. (SANTOS, 1987, p. 15).
Essas considerações são importantes para compreendermos a existência dos dois
circuitos econômicos e o fato de um ser moderno e o outro estar encarregado de atividades
mais simplificadas do ponto de vista das técnicas, cuja realidade expressa muitas vezes a
arte da realização dos produtos e da conquista do freguês. De acordo com a interpretação de
Santos (1987), Ramires (2001), assim, se reporta a tal situação quando aponta que:
Dedicando-se a tarefas que exigiam baixa aplicação de capital e
envolviam membros da família, pois não havia dinheiro (salvo raras
exceções) para contratar empregados; tendo suas atividades facilmente
rotuladas como atividades de malandros e vagabundos, praticamente
impossibilitando a formação de qualquer poupança, os ambulantes, de
certa forma, representavam a expressão mais extrema do pauperismo
melhor apenas que a situação dos mendicantes. (p. 28).
Ao analisarmos os comentários do autor, destacamos que depende da condição em
que se encontram, pois se a pessoa for proprietária da banca e se dispuser da ajuda familiar
nos negócios, os lucros acabam sendo maiores diferentemente das pessoas que trabalham
como empregados e que recebem salários inferiores. É preciso entender que algumas
pessoas que trabalham como ambulantes e camelôs têm mais de uma banca para
comercializar os produtos, cuja soma dos rendimentos no final do mês, na maioria das
vezes, supera os salários recebidos por muitos funcionários que trabalham na formalidade.
Sobre a questão salarial no início da industrialização, Kowarick (1994) destaca o seguinte:
Ao êxodo rural para as cidades, agravado pela crise cafeeira, iriam se
adicionar os trabalhadores que não passaram pelo campo. Tal
contingente, acrescido ao trabalho feminino e infantil, largamente
utilizado nos primeiros decênios da industrialização, forjou ampla reserva
de trabalhadores, que, historicamente, pressionou para baixo os níveis
salariais. (p. 94).
Isso também nos remete a pensar, mais uma vez, nas questões que levam as pessoas
a se engajarem nas atividades informais e o que interessa para nós, neste momento, são
aqueles que se destacam como camelôs e ambulantes num processo que combina
sobrevivência e apropriação dos espaços, principalmente quando se trata de ruas, praças e
calçadas, destacando que há semelhanças com relação às idéias de se tornarem
trabalhadores engajados na informalidade e o que ocorre atualmente, pois o que temos são
posturas que parecem ser momentâneas, por parte de alguns, como a necessidade de se
firmar em algum trabalho na busca por melhores condições de vida, como também, a
permanência nas vias públicas, cuja estrutura desse tipo de atividade tenha avançado e se
tornado algo que é mais permanente do que provisório, porém mais presente no cotidiano
das cidades do que uma situação passageira. Portanto, Ramires (2001) aponta que:
Aqueles que migram em busca de uma vida melhor, quando chegam em
outras cidades, precisam providenciar moradia e trabalho. Alguns
conseguem empregos formais na indústria, no comércio ou mesmo no
setor de serviços. Mesmo antes, não raro, acabam se deparando com o
desemprego. Em meio a buscas constantes, por meio de parentes e
amigos, acabam vendo a rua como possibilidade de sobreviver (ainda que
provisória na cabeça de muitos). Os anos se passam e o provisório vai
assumindo ares de algo que é permanente. (p. 30).
O autor levanta questões que são interessantes para aguçar a temática que está sendo
desenvolvida nesse trabalho, uma vez que as pessoas que tiveram que buscar uma atividade
para sobreviver em meio à crise dos centros urbanos e que se enquadraram na categoria dos
ambulantes e camelôs preferem que os filhos não se engajem nesse ramo de trabalho, pois
acham que devem se dedicar aos estudos para que possam ter outras chances e
possibilidades que eles próprios não tiveram, não que a atividade não esteja garantindo o
sustento, mas o objetivo principal é o orgulho do filho (a) poder ter um diploma
universitário.
Na verdade, ao mesmo tempo em que estão nessa função, consideram que é um
caminho difícil, pois precisam trabalhar inúmeras horas por dia, embora para muitos pareça
ser melhor do que trabalhar no comércio formal. Mas para outros não é algo que se
vislumbrou para a própria vida, até mesmo porque existe o problema da fiscalização por
parte do poder público, já que se esses trabalhadores não tiverem licença para
permanecerem no local, os fiscais acabam intervindo nesses espaços, diferentemente do que
ocorre nos camelódromos, visto que são espaços públicos, mas comercializados como
privados do ponto de vista do sistema capitalista. É preciso salientar, ainda, que há
situações em que o camelódromo é organizado a partir da mistura de boxes que são cedidos
pela prefeitura e aqueles que são administrados por empreendedores, donos de imobiliárias.
Mas, o que muitas vezes acontece é que a localização desse espaço destinado aos
ambulantes e camelôs está fora do circuito dos fluxos e, por isso estes preferem as ruas,
visto que uma grande maioria trabalha de forma clandestina, sem que haja um controle por
parte da Prefeitura Municipal. A relação estabelecida por essas ações passa pela estratégia
da apropriação que ocorre nas áreas cujo interesse maior se dá, geralmente, no centro das
cidades e cujo sentido da apropriação está direcionado ao fato de que:
Na extensão do mundo da mercadoria, nem tudo é submetido à lógica da
troca. Há lugares onde é possível traduzir a diferença imanente no
processo de reprodução do espaço. Lugares de passagem, de consumo,
mas também de encontro. Lugares onde é possível fugir da passividade
(pelos atos determinados pela troca), onde a atividade subversiva latente
no suo se imponha, posto que sempre está prestes a se estabelecer nos
interstícios do cotidiano programado e repetitivo. (CARLOS, 2001, p.
73)
As colocações de Alves (1999) assinalam que:
A existência de camelôs no centro expõe o problema do desemprego na
cidade, bem como uma das soluções encontradas pelas pessoas que por
ele são atingidas. Mas aí temos, novamente, a instalação da luta pelo uso
dos espaços públicos centrais. Enquanto os camelôs, os pedintes, os
mendigos, as crianças de rua usam o centro em sua estratégia de
sobrevivência, a tentativa de retirada de todos estes das ruas da área
central faz parte da estratégia de “limpeza populacional” da área, levada
a cabo pelo poder estatal, ainda que essa população seja o retrato das
condições sócio-econômicas de parte da população paulista hoje. (p.
133).
De acordo com as colocações acima podemos enfatizar que os interesses pelas vias
públicas, no que tange à disposição espacial dos trabalhadores ambulantes, estão pautados
nas estratégias que envolvem a troca e que passam pela lógica do uso do espaço como
também do encontro, visto que quando as pessoas circulam pelo centro das cidades mesmo
que de forma superficial, há possibilidade do contato enfocada pela simples passagem e
onde a passividade se impõe justamente pelo contato entre vendedor e consumidor. Isto de
fato favorece o entendimento da relação existente entre a apropriação em busca da
sobrevivência e a reprodução dos espaços, no caso em cidades de médio porte a que nos
referimos, através do que Carlos (2001) considera quando afirma que:
O fio condutor da análise reside na tese segundo a qual, ao produzir sua
vida (sua história, a realidade), a sociedade produz, concomitantemente,
o espaço geográfico. Tais condições são produzidas pelo trabalho como
atividade humana, logo, o desvendamento da atividade do trabalho
considerado como processo produtor do espaço geográfico é o ponto de
partida e permite discutir, de um lado, a articulação entre as atividades
produtivas e não-produtivas no conjunto da sociedade, e de outro, a
materialização espacial deste processo, cujo movimento fundamenta-se
na contradição entre produção espacial coletiva e apropriação privada. (p.
63).
De acordo com as considerações acima podemos enfatizar que sempre houve uma
articulação entre as atividades formais e informais no contexto das formas e funções que
estão contidas na cidade e que também podem estar associadas às questões que se referem
ao início das atividades ligadas aos ambulantes e camelôs com enfoque para a dinâmica do
trabalho, como nos coloca Ramires (2001):
Uma abordagem histórica prévia, nos termos aqui mencionados,
representa uma construção teórica que oferece subsídios a partir dos
quais é possível obter respostas que dêem conta dos seguintes aspectos:
(1) uma espécie de luta travada pelos ambulantes não apenas pela
sobrevivência, mas pela capacidade de conferir solidez à imagem do
trabalhador, no plano das representações que criam para si mesmos e
para a sociedade; (2) além disso, é necessário verificar em que medida
suas contradições precárias de trabalho abalam o mundo das
representações, de modo que a própria identidade do trabalhador muitas
vezes não resiste e ameaça soçobrar. Digamos que quando falamos em
formas débeis de trabalho, devemos levar em conta as carências materiais
e também as subjetivas. Isso sem falar que procuramos identificar um
conjunto de referências que permitam lançar luz às transformações pelas
quais o comércio ambulante passou, desde que a ordem social calcada no
trabalho livre tornou-se dominante. (p. 37-8).
Esta solidez de que fala o autor pode ser associada ao fato de que as pessoas que
saíram do campo e migraram para as cidades tiveram que se adaptar às mudanças, pois
necessitavam de uma ocupação, visto que muitos que chegaram aos centros urbanos foram
imediatamente trabalhar como pedreiros na construção civil, como simples comerciantes, e
até mesmo, oferecendo mercadorias nas ruas, o que caracteriza a idéia do mascate,
“ajudando, assim, a constituir a classe proletária” (RAMIRES, 2001, p. 41
). Alguns autores
consideravam o comércio ambulante como algo provisório, momentâneo, mas o que vem
ocorrendo na sociedade de forma geral, é justamente o contrário, pois cada vez mais nos
deparamos com uma realidade que atesta para uma diversificação das atividades ligadas aos
ambulantes.
Na verdade, o que se tinha eram mercadorias comestíveis vendidas sem nenhuma
higiene e misturadas às outras, o que deixava dúvidas quanto ao seu consumo, embora esta
situação não tenha sido excluída da realidade atual, pois ainda encontramos as mercadorias
comercializadas em conjunto, misturadas, apontando para o sentido da generalização, já
que são encontradas em vários pontos da cidade, principalmente no centro. De acordo com
Ramires (2001), temos que:
A sobrevivência de cada integrante da sociedade fica limitada, única e
exclusivamente, no âmbito do privado. Em outras palavras, a
sobrevivência e o trabalho das pessoas dizem respeito somente a elas.
Quando a sociedade abre mão do contrato, muitos indivíduos são
lançados à sua própria sorte e os demais, melhor posicionados,
simplesmente lavam as mãos. Mesmo ocupando as vias públicas, os
camelôs estão restritos ao âmbito privado (...). Qualquer referência a
direitos não faz sentido para os ambulantes. Ao invés de serem tratados
como membros pertencentes à sociedade e, como tais, merecedores da
participação digna na partilha da produção social, no sentido mais amplo
do termo, são vistos como um estorvo: atrapalham a circulação de
pessoas e veículos, e contribuem para a degradação da beleza da
metrópole. Em suam, perdem qualquer reconhecimento. (p. 92).
Sobre essas questões apontamos que a relação existente entre o comércio informal e
o centro é algo que não é recente e não está ligado somente às metrópoles, principalmente
quando discutimos o início das atividades ligadas aos ambulantes e camelôs no que
concerne à construção de camelódromos, pois foi algo que sempre preocupou as
autoridades ligadas ao poder público, e principalmente, à classe burguesa com o fato das
pessoas ficarem com suas mercadorias expostas nas vias públicas, já que o intuito era ter
essas áreas para o lazer, para o passeio, tomando como parâmetro as praças, embora o que
precisa ser ressaltado sobre esse aspecto é que as mercadorias comercializadas pelos
camelôs e ambulantes representam uma situação imediata que assinala contradições, pois
apresentam um panorama que combina rejeição e aceitação simultaneamente do processo.
É o consumo das mercadorias prevalecendo sobre o direito à cidade, pois pessoas
das mais variadas classes sociais vêm adquirindo os produtos dessa categoria, e o lugar
onde estão localizados é o que menos importa na hora de consumir, ficando explícito que os
preços e a acessibilidade das mercadorias é que são as principais causas desse consumo.
Assim, Ramires (2001) aponta que é:
[...] curioso como o princípio que norteia hoje a construção de
camelódromos já se fazia notar naquela época, pois todo o aparato
repressivo agia no sentido de impedir a circulação das mulheres e fixá-las
em locais demarcados (DIAS, 1995, p. 74), ou mesmo tornar
praticamente impossível sua atividade. Atualmente, os ambulantes, indo
de encontro ao que o nome sugere, não reprimidos, justamente por se
fixarem nas ruas. No máximo, podem ficar em locais apropriados,
definidos pelo poder público. No fundo, o que está em jogo é a luta pela
apropriação do espaço. Luta que envolve interesses distintos e na qual
aqueles que não possuem voz no tratamento das questões sociais
envolvidas, podem muito bem ser simplesmente banidos para longe do
olhar, assim como o corre com o lixo. (p. 51-2).
Atualmente, temos uma situação que destaca uma integração das funções, pois
como já ressaltamos não é possível separar as atividades no contexto da cidade. Os usos se
misturam e não há como olhar para o ambiente do centro separadamente, colocando de um
lado os formais e de outro os informais, mesmo porque a relação entre público e privado,
no sentido da apropriação, requer uma análise crítica e aprofundada, pois os comerciantes
formais também colocam nas calçadas suas mercadorias para serem consumidas, o que
reforça a apropriação como propriedade do espaço, que é a calçada. Então, por que as
criticas aos informais?
Ainda, com referência a Ramires (2001), temos como resposta à nossa indagação
que:
Os próprios lojistas crêem-se no direito de deixar parte de suas
mercadorias do lado de fora de seus estabelecimentos; várias pessoas
distribuem informes publicitários a respeito dos mais variados serviços
(comércio de lojas, cursos de informática, empréstimos financeiros,
cartas de motorista, consultórios odontológicos, serviços de advocacia,
enfim); homens de idade ficam sentados nas ruas e calçadões com o
corpo coberto de anúncios de emprego, expostos ao olhar dos que os
cercam (e são muitos) em busca de alguma alternativa de trabalho; há
modernos “quiosques” das mais variadas loterias [...]. Ocupar as ruas,
longe de ser uma atitude exclusiva de camelôs, dos artistas de rua, parece
fazer parte da lógica urbana brasileira. (p.92-3).
No entanto, temos que a lógica da apropriação dos espaços abrange as atividades
que estão nos níveis da formalidade como também da informalidade na atual conjuntura
econômica, que coloca a própria comercialização da força de trabalho como alternativa
única, frente às mudanças da sociedade capitalista. Portanto:
Os efeitos deste processo de precarização do trabalho não podem ser
entendidos como sendo de retração do desenvolvimento do capitalismo
nestes países, e sim como efeitos de uma crise que surge intrinsecamente
às novas transformações do processo produtivo capitalista, e procuram
mais uma vez sacrificar aqueles que pela lógica de funcionamento da
sociedade capitalista, não tem outra forma de garantir a sua
sobrevivência, que não seja a comercialização de suas potencialidades
produtivas e criativas enquanto mercadoria. (GONÇALVES, 2000, p.
69).
O autor destaca a importância da força de trabalho enquanto único instrumento que
potencializa a produção das mercadorias, já que é interessante frisarmos que os
trabalhadores informais estão inseridos no contexto da produção, “atuando no escoamento
de produtos de todo tipo, realizado pelos vendedores ambulantes e de ponto fixo”
(JAKOBSEN, 2000, p. 9). Mas, o que é contestado por vários autores é que essas
atividades não promovem a geração de renda e, por isso, são analisadas sob o prisma da
desigualdade que se instaura entre aqueles que estão no mercado formal e os que se
encontram no informal, levando-se em consideração o panorama do rendimento médio, que
é tido como baixo, se comparado aos demais.
Dentro dessa perspectiva, é que apontamos as estratégias de revalorização da área
central que vêm ocorrendo nas grandes cidades, uma vez que há interesses convergentes
entre os grandes grupos empreendedores para a determinação de um espaço a ser
transformado de acordo com as leis do mercado, pois asseguram que o poder público não
consegue acabar com a proliferação dos comerciantes de rua face à sua anomalia. Ramires
(2001), assim, se reporta a tal situação:
Um aspecto muito evidente é a capacidade de apresentar os interesses
que movem todo o processo de revalorização, como representando
interesses gerais. É preciso convencer a sociedade a fim de que ela
legitime ou, no mínimo, não crie nenhum obstáculo à concretização dos
projetos concebidos. (p. 107).
De acordo com Gonçalves (2000, p. 145), a proliferação e a difusão do comércio
informal pautado na figura dos camelôs e ambulantes “se dá com mais força na década de
90, em plena era Collor, começando a apresentar um crescimento acentuado e
diversificado, ocupando o centro da cidade, as praças públicas e as calçadas”. Entretanto, as
variedades de produtos comercializados apontam para a generalização não apenas das
mercadorias, mas da própria condição “ser um camelô ou um vendedor de rua”, isto é, não
foram somente os produtos que começaram a despontar em grande quantidade, mas
também os trabalhadores.
Segundo Martins e Dombrowski (2000), o setor informal, desde as primeiras
experiências, pode ser identificado pelo baixo tempo de permanência nesta categoria por
parte dos trabalhadores, pois colocam que as incertezas sempre estiveram presentes no que
tange ao agravamento da situação econômica e social, já que não contribuem com a
Previdência Social, sendo este o principal motivo que leva todos a crer que esse setor seja
um problema para a economia urbana. Ramires (2001) destaca as idéias da ASSOCIAÇÃO
VIVA O CENTRO, que faz parte das estratégias de revalorização da área central na cidade
de São Paulo e avalia o seguinte:
Retomando a análise sobre a concepção de cidade presente no discurso
da Associação Viva o Centro, toda noção de planejamento da cidade
implica a constituição de um poder urbano, formado por um rol de
mecanismos econômicos, ideológicos e políticos que reprimam tudo o
que seja considerado uma afronta a um determinado padrão de ordem
social. Não há cidade sem o seu correlato, ou seja, um poder que a
constitua, organize e faça perdurar, e que defina um padrão que oriente o
tipo de apropriação, socialmente aceitável (e rentável), do espaço, além
de produzir um discurso a respeito da cidade e do cidadão. (p. 121).
Percebemos, com clareza, que as estratégias da suposta revalorização do centro
contém um teor de pulverização das funções que devem fazer parte do centro da cidade,
destacando a intenção primordial da reprodução do espaço urbano através da apropriação
com base na propriedade privada, por isso, o caráter rentável, que por sua vez expressa a
funcionalidade e as possibilidades, além de vantagens do crescimento econômico da área.
Por outro lado, temos uma situação que aponta para o crescimento dessas
atividades, pois o comércio ambulante, segundo Ramires (2001, p. 212), “está entrando no
processo produtivo”
, fato que interessa ao Estado, até mesmo pelo controle que tem sobre
os lucros na forma de impostos, visto que o que precisa ser avaliado é que não há uma
separação entre aqueles que se encontram inseridos no contexto dos informais para os que
estão formalizados quando falamos da (re)produção do capital.
A existência dessa categoria “se coloca como fato inegável da sua vinculação a esta
forma social de organização para a produção” (GONÇALVES, 2000, p. 92)
, ou seja, há
uma intermediação entre ambas e o que um não abrange, o outro se encarrega; este é o
sentido da relação. Assim, Santos (1979) aponta que:
[...] a existência na cidade de um circuito moderno forte não é
[companhada automaticamente de sua presença nos campos circundantes.
Em várias hipóteses, o circuito moderno é incapaz de prolongar
diretamente sua influência sobre a região. É assim, por exemplo, quando
sua atividade tem uma forma monopolística e fixa preços elevados para a
produção; quando internaliza as economias externas de que necessita e
impede o crescimento econômico local; quando exerce uma política
salarial sem repercussão sobre o mercado de trabalho. Nesses casos, entre
outros, o circuito superior, apesar de sua força em valor absoluto, não
tem efeito em cadeia sobre o campo, que ele pode até contribuir para
empobrecer. É ao circuito inferior que cabe a tarefa de manter relações
constantes com o campo. (p. 282).
Esta posição do referido autor pode ser associada aos informais que encontramos
comercializando produtos que vêm diretamente do campo, pois se o circuito inferior se
encarrega dessa relação por apresentar uma organização primitiva e em pequena
quantidade, com preços que são discutidos na hora da compra, é provável que as relações
sejam constantes entre estes e o campo, fato que vem desde sua origem como uma função
ligada às atividades urbanas na esfera do consumo com o que consideramos novas formas
de produção e de comércio em pequenas dimensões. Contudo, entendemos que:
Um dos dois circuitos é o resultado direto da modernização tecnológica.
Consiste nas atividades criadas em função dos progressos tecnológicos e
das pessoas que se beneficiam deles. O outro é igualmente um resultado
da mesma modernização, mas um resultado indireto, que se dirige aos
indivíduos que só se beneficiam parcialmente dos progressos técnicos
recentes e das atividades a eles ligadas. (SANTOS, 1979, p. 29).
Ainda, para Ramires (2001):
Tudo o que é comercializado nas ruas de São Paulo provém do setor
formal da economia. Pilhas, chocolates, fitas cassetes, aparelhos
eletrônicos, ferramentas, latas de refrigerantes e cerveja, enfim, revelam
que os ambulantes contribuem para a venda e circulação das mercadorias.
Além disso, estacionamentos, residências e até mesmo consultórios
odontológicos cobram mensalidades para o pernoite das mercadorias e
barracas; empresas colocam barracas nas ruas para negociar parte de sua
produção. Assim, o setor formal aufere lucros fazendo uso da presença
dos ambulantes nas ruas. E como é pela renda obtida nas ruas que esses
trabalhadores custeiam todas as suas despesas (alimentação, vestimentas,
moradia etc), não há como afirmar a inexistência de vínculos funcionais
entre os setores formal e informal da economia. (p. 212).
O que queremos destacar é que essas atividades não surgiram na mesma época nos
diferentes países, pois muitos vêm experimentando essa condição recentemente, Santos
avalia o seguinte sobre este propósito:
Sem dúvida, é necessário distinguir os países de velha tecnologia urbana
daqueles, que só conheceram esse fenômeno recentemente ou mesmo
muito recentemente. Nos primeiros, o fenômeno da modernização
tecnológica cria estruturas novas que impõem às estruturas preexistentes
nas cidades, provocando sua modificação ao contato com novas
realidades. Nos outros, a modernização tecnológica cria de um só golpe
as duas formas integradas de organização econômica urbana. Mas, em
todos os casos, o fenômeno dos dois circuitos está presente. (SANTOS,
1979, p. 29).
No entanto, o que percebemos é que o fenômeno da informalidade apresenta suas
singularidades no contexto das práticas socioespaciais, uma vez que as formais também têm
suas próprias formas de organização do espaço, mas que se complementam na medida em
que se difundem novas formas de comércio e consumo. Santos (1979, p. 28) alerta que “o
erro maior é, portanto, reutilizar seus argumentos numa época histórica diferente e em que
os fenômenos são melhor conhecidos.” Isto pode ser justificado pelas mudanças quanto à
estruturação das atividades informais que estão organizadas atualmente de maneira
diferenciada se comparada ao surgimento, pois se ela se revela amplamente presente e não
provisoriamente, como muitos consideravam é importante tomarmos como parâmetro de
análise as mudanças recentes para não generalizarmos o fenômeno da informalidade.
Retrocedendo um pouco no tempo, temos algumas explicações para o termo camelô
ou mesmo ambulante e que para Ramires (2001) se diferenciam do mascate. Assim:
O tipo social do mascate está associado ao momento em que, com o fim
do trabalho escravo, muitos imigrantes passaram a vir para o Brasil,
movidos pelo sonho de novas (e boas) possibilidades de trabalho. Nessa
época, (1) a ausência de uma rede nacional de estabelecimentos
comerciais, sobretudo que abrangesse as pequenas e médias localidades
do interior, fez com que a figura do mercador viajante fosse fundamental
para a circulação de mercadorias; além do mais, as possibilidades de
ascensão social abertas aos que se dispusessem a ser mascates,
configuravam essa atividade como uma alternativa deliberada, sobretudo
para os estrangeiros (italianos, sírio-libaneses etc). (p. 213).
Ramires (2001), nessa análise, faz menção à origem da palavra camelô, que por sua
vez está ligada ao termo francês camelot e destaca que o pensamento social brasileiro tem
ligação com a França, uma vez que há críticas quanto às idéias de muitos por associar o
Brasil aos países europeus e americanos, tomando como referência a realidade de outros
países para buscar soluções e, até mesmo, explicar os problemas socias, políticos e
econômicos brasileiros.
Para Gonçalves (2000):
O acirramento das condições sociais e econômicas que levam ao
crescimento e à multiplicação das atividades econômicas e de trabalho
informal, que poderia ter como símbolo as barracas de camelôs, permite-
nos dizer que das atividades informais existentes, a comercial por eles
realizada é, sem dúvida, aquela que permite a melhor visualização da sua
dimensão, já que ao se territorializar de forma concentrada, mais do que
denunciar as determinações que compõem o processo que as gera,
estabelecem, nesse movimento, outros conflitos, que envolvem desde os
comerciantes formalizados até o poder público municipal. (p. 144).
Contudo, é preciso ressaltar que o que vem sendo debatido desde o surgimento
dessas atividades é a localização destas no sentido da ocupação de áreas que são
consideradas públicas, como as ruas, calçadas e praças, sem apontar para o problema maior
que é econômico e político, e que envolve o mercado de trabalho a recessão da economia
brasileira nos últimos anos que contribui para reforçar os problemas sociais.
Na verdade, o que precisa ser levado em consideração são as escalas em que essa
atividade passa a ser analisada, pois se tomarmos como referência a conjuntura econômica
atual, veremos que o fenômeno tem suas implicações no âmbito global, nacional e local,
visto que é preciso apontar para as mudanças nas formas de interpretação da mesma, pois
num determinado período as pessoas que estavam diretamente envolvidas no setor informal
eram aquelas que comercializam as mercadorias ou prestavam algum tipo de serviço sem
uma especialização técnica e que buscavam fugir do desemprego existente na economia
urbana.
Essa situação muda a partir do momento em que as pessoas inseridas nesse contexto
apresentam características que as colocam num patamar de instrução que não é mais aquele
de anos atrás, ou seja, aquelas que hoje são tidas como informais têm curso superior além
de outros elementos que destacam a diversificação e a complexidade do fenômeno, que já
não pode ser mais avaliado sob o prisma da falta de qualificação profissional, mas sim
mediante os problemas estruturais e conjunturais da economia do país, já que Santos (2001)
destaca o seguinte:
A pobreza atual resulta da convergência de causas que se dão em
diversos níveis, existindo como vasos comunicantes e como algo
racional, um resultado necessário do presente processo, um fenômeno
inevitável, considerado até mesmo um fato natural. Alcançamos, assim,
uma espécie de naturalização da pobreza, que seria politicamente
produzida pelos atores globais com a colaboração consciente até dos
governos nacionais e, contraditoriamente às situações precedentes, coma
convergência de intelectuais contratados - ou apenas contratados - para
legitimar essa naturalização. (p. 72).
A discussão enfatizada acima pode ser interpretada no contexto das relações
existentes entre as atividades formais e informais e não numa visão de dualidade em que
surgem separadamente na economia de um modo geral, pois muitos trabalhadores que estão
na condição de informais apresentam um perfil que os colocam próximos dos formais, isto
é muitos são donos do próprio negócio e possuem empregados, evidenciando o caráter da
relação estabelecida a partir das relações informais entre patrão e empregado, pois os lucros
acabam sendo maiores dadas as condições dos trabalhadores que não trabalham com
carteira assinada. Esta situação também se repete entre as atividades formais, pois muitos
trabalhadores são informais perante a legislação trabalhista, pois:
Os pobres, isto é, aqueles que são o objeto da dívida social, foram já
incluídos e, depois, marginalizados, e acabam por ser o que hoje são, isto
é, excluídos. Esta exclusão atual, com a produção de dívidas sociais,
obedece a um processo racional, uma racionalidade sem razão, mas que
comanda as ações hegemônicas e arrasta as demais ações. Os excluídos
são o fruto dessa racionalidade. Por aí se vê que a questão capital é o
entendimento do nosso tempo, sem o qual será impossível construir o
discurso da libertação. Este, desde que seja simples e veraz, poderá ser a
base intelectual da política. E isso é central no mundo de hoje, um mundo
no qual nada de importante se faz sem discurso. (SANTOS, 2001, p. 74)
Para Martins (1997) todos os apontamentos sobre a chamada exclusão social são
equivocados, porque:
De certo modo, a palavra exclusão está desmistificando a palavra pobre.
Através deste pseudoconceito, não revelador, que acoberta de algum
modo, o que seria o pobre na fase anterior, nós estamos tentando
relativizar a concepção de pobre e estamos tentando revelar a nossa
desconfiança em relação à antigamente suposta abrangência explicativa
das palavras pobre e pobreza. (p. 28).
Esse discurso passa pela análise das questões que apontam a realidade das relações
econômica, até mesmo porque, dentro do nível da informalidade há diferenciações que
confirmam as estratégias e a própria dinâmica desse setor, no que diz respeito à
organização dos camelôs e ambulantes nas áreas centrais como integrantes do processo de
(re)produção não só do capital, mas consideravelmente dos espaços intra-urbanos. Assim se
reporta Gonçalves (2000):
Se por um lado, podemos diferenciar as relações econômicas e de
trabalho tendo como parâmetro a situação de formalidade ou de
informalidade das atividades, por outro parece improvável a
desarticulação das atividades informais do movimento, amplo, de
produção e reprodução do capital. (p. 215).
De acordo com Corrêa (2003):
No longo e infindável processo de organização do espaço o Homem
estabeleceu um conjunto de práticas através das quais são criadas,
mantidas, desfeitas e refeitas as formas e as interações espaciais. São as
práticas espaciais, isto é, um conjunto de ações espacialmente localizadas
que impactam diretamente sobre o espaço, alterando-o no todo ou em
parte ou preservando-o em suas formas e interações espaciais. (p.35).
O autor destaca as questões ligadas às práticas espaciais, enquanto nossa tarefa
também tem sido a de enfocar as práticas sociais, embora tenhamos dado preferência ao
termo “práticas socioespaciais” que envolvem as relações dos indivíduos na sociedade. No
entanto, além de traçarmos alguns comentários sobre as primeiras experiências dos camelôs
e ambulantes, tomamos como imprescindível para esse assunto as relações existentes entre
estes e a apropriação dos espaços, que será detalhada num outro item, já que a
territorialização dessa atividade também faz parte do entendimento da lógica que se insere
na (re)produção socioespacial através das mudanças no tempo e no espaço. A apropriação
de um espaço por meio da ocupação de uma determinada área permite novas relações em
função de novos objetos modelados por valores que configuram a sociedade urbana. Tais
considerações refletem que:
O tempo e o espaço da vida cotidiana vão sendo invadidos por
exigências, organizando-se na repetição e nesta direção o uso do espaço
que comporta um emprego de tempo vais se explicitar enquanto tempo
homogêneo, medida abstrata que passa a comandar a vida social e que
aparece para Lefèbvre como aquele uso do transporte, da utilização dos
equipamentos; podemos acrescentar a estes, aquele do flanar, isto porque
no cotidiano há muitas modalidades de tempo social, como aquele do
trabalho, do lazer, do não-trabalho (que anima a economia porque faz
parte do tempo de consumo). Aqui o emprego do tempo explicita-o
enquanto homogêneo, medida abstrata do tempo que comanda a vida
social. (CARLOS, 2004, p. 63)
É a partir desses apontamentos que inserimos a discussão dos novos espaços de
consumo ligados ao comércio informal com enfoque para o uso do espaço como
mercadoria imprescindível à (re)produção que se dá nos níveis social e espacial, cuja
dinâmica expressa o valor de uso e de troca numa relação em que o homem aparece como
elemento principal nesse processo de reprodução que contempla uma variedade de fatores
que apresentam contradições próprias ao capitalismo com base na produção, uma vez que:
A simples sobrevivência da economia capitalista estaria comprometida,
sem falar em outras tantas conseqüências sociais e políticas explosivas
que adviriam dessa situação. Tudo isso evidencia que é um equívoco
pensar na desaparição ou fim do trabalho enquanto perdurar a
sociedade capitalista produtora de mercadorias e - o que é fundamental -
também não é possível prever nenhuma possibilidade de eliminação da
classe-que-vive-do-trabalho, enquanto forem vigentes os pilares
constitutivos do modo de produção do capital. (ANTUNES, 2000, p.
186)
Essas considerações nos fazem refletir sobre as novas ou velhas formas de comércio
a partir da informalidade, que se tomada pela sua origem não pode ser considerada uma
nova alternativa, mas se avaliarmos a relação existente entre os dois circuitos a que Santos
se refere, veremos uma situação que surge como alternativa para aqueles que não
conseguem fazer parte do mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente, cuja
“divisão do trabalho era, até recentemente, algo mais ou menos espontâneo. Agora não.
Hoje, ela obedece a cânones científicos”. (SANTOS, 2001, p. 72-3).
Mas a dinâmica do setor informal, do qual fazem parte o comércio de todos os tipos
de produtos, sejam alimentares, eletrônicos, roupas ou acessórios, como também os
serviços prestados à população, pode ser associada às novas estratégias de comercialização
e de consumo, como já mencionamos anteriormente, além da sobrevivência que advém do
desemprego, que deve ser encarado como um problema estrutural relacionado, ainda, à
apropriação dos espaços para realização dessas funções. Voltando à esfera da apropriação
temos que:
En efecto, todos los ciudadanos son/somos consumidores, del tiempo, del
espacio y de sus objetos y productos, y cada uno de nosotros, cada
individuo puede desarollar diversos patrones de consumo a lo largo de
los diversos tiempos (ELIAS, 1987). Por esta razón, hoy siempre se está
consumiendo, en todo lugar y en todo momento, lo que lleva a una
continuidad nueva en los empleos urbanos. (CARRERAS, 2003, p.
189).
57
Essa apropriação pode ser avaliada do ponto de vista do próprio espaço e, aqui,
tratamos do urbano, como valor de uso que passa a ser destinado ao consumo por meio das
trocas e o interessante é que o sentido da apropriação passa pela análise das estratégias do
comércio informal atrelado ao formal, que também se apropria de uma determinada área
que é pública para realizar suas atividades. Como exemplo, temos os comerciantes que
utilizam as calçadas para expor as mercadorias a fim de atrair o consumidor.
58
O uso
estabelece uma relação entre o espaço e os atores que fazem parte dessa paisagem
contemplando as diversidades de cada função, pois na rua ocorre mais do que a passagem
de um lugar ao outro, a contradição da sociedade entre aqueles que reivindicam o seu
próprio espaço, já que ela em si:
[...] não é só o lugar do espetáculo urbano, trajetos se recobrem de
sentido, a rua se transforma em testemunho coletivo das formas - um
modo e um movimento de apropriação. A rua aqui vai ganhando sentido
no ritmo da vida cotidiana, do tempo determinando o uso pelos estratos
da sociedade que vão determinando o uso que marca o ritmo da rua.
(CARLOS, 2004, p. 55)
Esse posicionamento se liga aos comerciantes e prestadores de serviços informais
no ritmo da relação existente entre estes e os consumidores em que a experiência surge
enquanto conteúdo social, “marcando a simultaneidade do cheio e do vazio, dos sons e dos
ruídos; das temporalidades diferenciadas.” (CARLOS, 2004, p. 55)
Santos (2002) aponta sobre a realidade dos informais nas cidades que:
Há, de um lado, uma economia explicitamente globalizada, produzida de
cima, e um setor produzido de baixo, que, nos países pobres, é um setor
popular e, nos ricos, inclui os setores desprivilegiados da sociedade,
incluídos os imigrantes. Cada qual é responsável pela instalação, dentro
das cidades, de divisões de trabalho típicas. Em todos os casos, a cidade é
57
“Todos os cidadãos são/somos consumidores, do tempo, do espaço e de seus objetos e produtos, e cada um
de nós, cada indivíduo pode desenvolver diversos padrões de consumo ao longo dos diversos tempos. Por esta
razão, hoje e sempre se está consumindo, em todo lugar e em todo momento.”
58
Sobre esse assunto, consultar Ramires (2001).
um grande sistema, produto de superposição de subsistemas diversos de
cooperação, que criam outros tantos sistemas de solidariedade. (p. 323).
Relacionar a (re)produção dos espaços às atividades ligadas ao setor informal indica
as mutações que os trabalhadores incorporam para realizar suas atividades, mesmo as
ocupações a que se destinam não sendo fixas, pois há uma mobilidade não só de formas,
mas de funções, ou seja, o comerciante, que também é um trabalhador, se estiver alocado
nas ruas apresenta uma mobilidade que é natural dessa ocupação, enquanto que as funções
são móveis do ponto de vista da própria generalização dos produtos, o que indica a
flexibilidade do processo. Ainda, de acordo com Santos (2001), temos:
Essas metamorfoses do trabalho dos pobres nas grandes cidades criam o
que, em outro lugar (Santos, 1991), denominamos de “flexibilidade
tropical”. Há uma variedade infinita de ofícios, uma multiplicidade de
combinações em movimento permanente, dotadas de grande capacidade
de adaptação e, sustentadas no seu próprio meio geográfico, este sendo
tomado como uma forma-conteúdo, um híbrido de materialidade e
relações sociais. Desse modo, as respectivas proteiformes de trabalho,
adaptáveis, instáveis, plásticas, adaptam-se a si mesmas, mediante
incitações externas e internas. Sua solidariedade se cria e se recria ali
mesmo, enquanto a solidariedade imposta pela cooperação de tipo
hegemônico é comandada de fora do meio geográfico e do meio social
em que incide. (p. 324).
A multiplicidade a que se refere o autor pode ser interpretada de acordo com a
diversidade de atuações que o setor informal abriga ao encontramos várias formas de
trabalho que se encaixam nessa condição estabelecendo combinações e (re)arranjos que
identificam sua estrutura e esta solidariedade aponta para as relações existentes entre si e as
ligadas pela hegemonia da globalização, mas que evidencia as singularidades no contexto
da própria especialização que as atividades impõem, pois se já mencionamos a relação
entre os setores da economia, é natural que apresentem as particularidades de cada processo
num movimento que abrange espaço e tempo, uma vez que “os lugares se diferenciam, seja
qual for o período histórico, pelo fato de que são diversamente alcançados,
seja
quantitativo, seja qualitativamente por esses tempos do mundo” (SANTOS, 2002, p. 138).
Buscamos, nesse aspecto, fazer referência ao que Santos apontou como sendo os
“sistemas de objetos” e “sistemas de ações que podem ser identificados no comércio
informal a partir do que chamou de “novos modos de produzir contemporâneos.”
(SANTOS, 2002, p. 68)
, pois destaca a própria difusão dos objetos como sendo um
processo de imitações rápidas que levam à generalização, no caso, dos produtos
comercializados. (SANTOS, 2002). Entretanto, sabemos que:
Toda criação de objetos responde a condições sociais e técnicas presentes
num dado momento histórico. Sua reprodução também obedece a
condições sociais. Algumas pessoas adotam a novidade em breve espaço
de tempo, enquanto outras não reúnem as condições para fazê-lo, ou
preferem recusá-la, permanecendo com modelos anteriores. Se cada
época cria novos modelos, o seu uso porém não é geral. Mas o fato
central é a produção de réplicas, mais ou menos fiéis, a partir do objeto
original. (SANTOS, 2002, p. 68)
Santos (2002) ainda traça um paralelo a respeito dos objetos hoje, afirmando que a
distinção entre o passado e o presente está fundamentada no fato de que antes, estes não
eram numerosos e estavam subordinados ao consumidor, diferentemente do que acontece
atualmente em função da alienação que sua variedade e quantidade impõe ao cidadão.
Se levarmos essa análise ao campo do comércio informal, verificaremos que a
categoria dos trabalhadores dessa atividade foi se transformando no decorrer do tempo
correspondendo também às mudanças sociais e estruturais da própria condição de
existência, pois como afirma Ramires (2001):
Se os movimentos migratórios são um dos traços mais significativos da
história do trabalho; se o comércio ambulante está presente em vários
momentos da história do Brasil, isso não nos permite fazer
generalizações para longos períodos de tempo. No que diz respeito ao
Brasil, queremos dizer que o camelô de hoje não é a continuação do
mascate de outrora [...]. O mascate e o camelô correspondem a momentos
históricos distintos, a tipos sociais que não se confundem. (p. 204).
Sobre a questão dos pobres na cidade, com enfoque para o comerciante de rua (aqui
considerado os camelôs e ambulantes) destaca a transformação dos pobres no sentido da
metamorfose, e por que não falar, então, da “metamorfose ambulante”
59
que combina o
trabalhador informal em seu próprio movimento? Assim:
59
Termo extraído de uma letra da música do cantor Raul Seixas.
Nas grandes cidades, sobretudo no Terceiro Mundo, a precariedade da
existência de uma parcela importante (às vezes, a maioria) da população
não exclui a produção de necessidades, calcadas no consumo das classes
mais abastadas. Como resposta, uma divisão do trabalho imitativa, talvez
caricatural, encontra as razões para se instalar e se reproduzir. Mas aqui o
quadro ocupacional não é fixo: cada ator é muito móvel podendo sem
trauma exercer atividades diversas ao sabor da conjuntura. Essas
metamorfoses do trabalho dos pobres nas grandes cidades criam o que,
em um outro lugar (Santos, 1991), denominamos de “flexibilidade
tropical”. Há uma variedade infinita de ofícios, uma multiplicidade de
combinações em movimento permanente, dotadas de grande capacidade
de adaptação, e sustentadas no seu próprio meio geográfico, este sendo
tomado como uma forma-conteúdo, um híbrido de materialidade e
relações sociais. Sua solidariedade se cria e se recria ali mesmo, enquanto
a solidariedade imposta pela cooperação de tipo hegemônico é
comandada de fora do meio geográfico e do meio social em que incide.
(SANTOS, 2002, p. 324)
Buscamos de fato analisar que a ligação dos comerciantes informais com a pobreza
urbana é algo presente nas conclusões que Milton Santos apontou em toda sua obra e já que
este capítulo trata do que vem a ser a informalidade, no qual enquadramos o comércio
informal e as primeiras experiências desses trabalhadores no Brasil, foi imprescindível
tocar em alguns pontos cuja semelhança de idéias foram tomadas de acordo com cada
questão a ser discutida. Na visão de Yázigi (2000) percebemos que sua opinião está pautada
no fato do comércio ambulante ou de rua ser um problema estrutural, pois acredita que se
essas pessoas ligadas à informalidade de um modo geral tivessem condições mínimas de
integrarem os “estatutos da micro-empresa” haveria um equilíbrio das funções comerciais,
principalmente no centro das cidades, levando–se em consideração os conflitos e a exclusão
socioespacial. Portanto:
Quer dizer que o comércio de rua, pelo menos destes que são produto da
exclusão social – fará parte inevitável da paisagem urbana do futuro
próximo, até que melhorem as condições gerias do país e se promovam
mais facilidades às iniciativas da pequena e micro-empresa. (YÁZIGI,
2000, p. 388).
E prossegue dizendo que:
O desemprego que sempre existiu, somado aos quadros recessivos,
sugere que a justiça social está justamente em dar maiores oportunidades
espaciais. As análises revelaram a presença de redes poderosas,
monopólios restritos, ilegalidade de muitos perante o fisco etc. Um
diagnóstico informatizado e absolutamente honesto revelaria a busca de
nova hierarquização prioridades dos permissionários. É preciso
desmantelar os poderosos para dar lugar aos que estão sem possibilidades
reais de sobrevivência . (YÁZIGI, 2002, p. 391).
Nessa perspectiva, associamos estas colocações com as de Malaguti (2000), pois os
problemas estruturais a que se referem os autores é que criam essas situações cujos
problemas vão além daqueles que buscam a sobrevivência nas ruas vendendo suas
mercadorias. O risco maior está presente nas organizações que buscam se infiltrar na
informalidade com vistas à ilegalidade das ações. Por isso é que enfocamos a relação do
informal com o formal não somente pela presença marcante nos centros ou pelo uso do
espaço urbano, mas principalmente pela relação existente no jogo de poder que envolve os
grandes grupos, as grandes redes e a possibilidade cada vez maior do capital prevalecer
mediante as ações dos poderosos.
O sentido da possibilidade real estaria pautado na organização desses trabalhadores
de rua a partir de seu próprio empreendimento sem incorporar as burocracias exigidas pelo
governo, o que na visão de Yázigi (2000) faz com que os camelôs e ambulantes prefiram
continuar na informalidade, até mesmo pelo trabalho que precisa ser dispensado à
organização dos documentos.
60
É preciso lembrar que em países da Europa e dos Estados
Unidos existe a presença do camelô, pois vivemos uma recessão econômica acirrada pela
globalização, porém com um controle exercido rigidamente para que não haja conflitos e
que todos tenham clareza dos direitos e liberdades individuais. (YÁZIGI, 2000). Sobre a
globalização, Santos (2002) ressalta o seguinte:
Pode-se, então, pensar numa globalização do “espaço” no sentido de que
seu manejamento e atualização incumbam ao “mundo”. S e o
“mundo”, hoje, torna-se ativo sobretudo por via das empresas gigantes,
essas empresas globais produzem privatisticamente suas normas
particulares, cuja vigência é, geralmente e sob muitos aspectos,
“indiferente” aos contextos em que vêm inserir-se. Por sua vez, os
60
É preciso que fique claro que nossa intenção não é discutir o que há por detrás do comércio ambulante ou
de rua, além daquele que é praticado no camelódromo, mas sim enfocar que são espaços de consumo
atrelados à dinâmica comercial do centro principal das cidades.
governos ‘globais”, por exemplo, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional, cuidam de interesses “globais”. As demais empresas e
instituições raramente têm uma força ‘global”. (p. 335).
Dessa forma, as pessoas que sobrevivem do comércio ambulante (o das ruas e
camelódromos) estão totalmente fora dessa força global a que se refere o autor. A respeito
do comércio de rua voltaremos a discutir no item a seguir que trata das questões que
envolvem os ambulantes e camelôs e os novos espaços de consumo, a relação existente
entre as manifestações no/do espaço e as temporalidades presentes na ação humana.
2.3. Os ambulantes e os camelôs: novos espaços de consumo, novos usos e
manifestações do/no centro.
O que queremos discutir neste item são as relações existentes entre os ambulantes e
camelôs que estão localizados no centro das cidades a partir da configuração de um novo
espaço de consumo que retrata os novos usos e manifestações das práticas socioespaciais.
Assim, tomamos como análise em todo nosso discurso a realidade da respectiva categoria,
uma vez que apontamos o local onde instalam suas bancas nas ruas e calçadas como um
novo ou até mesmo um velho espaço de consumo.
Como já ressaltamos em outro momento, o “novo” se dá pelos novos hábitos e
práticas do consumo, enquanto que a referência que fazemos ao “velho” é do ponto de vista
do início dessa função de modo geral. O que buscamos entender são as estratégias lançadas
por esses trabalhadores para garantir a sobrevivência como também, o uso de um espaço
que contempla todas as formas e funções presentes. O centro está repleto de atividades que
criam um ambiente de situações diferenciadas umas das outras, com singularidades que
caracterizam a dinâmica dos espaços intra-urbanos, pois temos o encontro da formas e o
conteúdo, que por sua vez também caracterizam as atitudes das pessoas que ali
permanecem para realizar qualquer atividade, principalmente as que concernem ao
consumo, já que a cidade e o centro propriamente dito são os lugares das possibilidades.
Entretanto, é preciso considerar que os centros de algumas cidades são tidos como
“lugares de consumo” atrelados ao “consumo dos lugares”, visto que Carlos (2004) destaca
que o que considera como passagem de um espaço de consumo para o consumo do espaço
diz respeito aos novos espaços que produzem a segregação e que articulam novas
centralidades (ou que reafirmam a já existente) a partir de diferenciações sociais. Nessa
perspectiva:
É assim que os novos lugares de consumo se referem, ao mesmo tempo,
ao consumo do lugar; reunião de lojas, bares, mercadorias expostas em
vitrines; terreno do encontro a partir da reunião das coisas no lugar, como
extensão, no espaço, do valor de troca; estes lugares se tornam razão e
pretexto das reuniões de segmentos diferenciados da população.
(CARLOS, 2004, p. 72)
Os usos expressam a dinâmica das atividades econômicas que no centro mantêm-se
concentradas, embora os cidadãos estejam fragmentados no espaço urbano através da lógica
dos valores de uso diferenciados, isto é, temos o lugar da residência, do trabalho, do lazer e
que se enquadram nas estratégias imobiliárias aprofundando as contradições, pois uma
grande maioria dirige-se ao centro para desenvolver qualquer atividade mesmo que seja a
de perambular pelo local. Então, quando falamos dos espaços destinados ao “morar”
percebemos as mudanças nos padrões desse consumo, ou seja:
Os conteúdos do processo de urbanização, hoje revelam o momento da
reprodução num outro patamar implicando num processo espacial
diferenciado - produzindo um espaço segregado, homogêneo,
fragmentado. A extensão da troca, a expansão do mundo das mercadorias
se realiza no seio da constituição da sociedade urbana produzindo um
cotidiano normatizado, cooptado como condição-atual-da reprodução.
Assim o que está em jogo no período atual é o conjunto de novas
contradições que marcam/emanam das práticas sociais num momento
precípuo do processo de reprodução. Portanto, o cerne da questão é este
momento de realização da reprodução, onde a indústria muda de
sentido, na medida em que os processos que envolvem sua reprodução se
transformam se deslocando no espaço – cedendo lugar para novas
atividades agora voltadas para o desenvolvimento de novos setores da
economia exigindo uma nova relação entre o econômico e o político-
principalmente no que se refere aos modos de planejar e espaço enquanto
condição da reprodução destes novos setores econômicos. (CARLOS,
2004, p. 74)
Com base nessas informações podemos, de fato, avaliar o desenvolvimento de
novos setores da economia através das atividades informais que surgem nas cidades e que
também estão inseridas na lógica da (re)produção socioespacial como parte integrante da
manifestação dos usos. Esta proposição permite uma discussão na qual apontamos os
camelôs e ambulantes nesse contexto para expressar as novas formas de apropriação e os
novos usos. Quando falamos em uso do espaço enfocamos as formas e funções que
(re)criam a paisagem urbana. Assim, temos um panorama de atividades que se misturam e
que apresentam várias interfácies combinadas na (re)produção do capital. A (re)produção
do espaço urbano requer um análise do que vem ocorrendo na área central de muitas
cidades brasileiras, principalmente as de porte médio em que há uma apropriação das áreas
centrais para a organização do comércio e da prestação de serviços reforçando a
centralidade urbana a partir do que consideramos novos usos atrelados aos demais
componentes desse espaço.
Se por outro lado nas grandes cidades a centralidade expressa pelo centro
apresenta-se como “raridade” já que a expansão do setor moderno da economia necessita de
um novo espaço para fixar as atividades, no caso das atividades consideradas marginais
como as do setor informal não é preciso criar um ambiente em expansão para que possam
se desenvolver, pois o que ocorre é um aproveitamento de áreas cuja existência já expressa
um dinamismo. Isto ocorre, de fato, com os camelôs e ambulantes que procuram se fixar no
centro, nas ruas e praças; e quando esta localização é realizada por meio da construção de
espaços especializados como os camelódromos, caracterizam a importância de estarem
localizados no centro. São as formas da cidade que retratam o seu conteúdo, pois:
O espaço urbano enquanto produto social em constante processo de
reprodução nos obriga a pensar a ação humana enquanto obra continuada,
ação reprodutora que se refere aos usos do espaço onde tempos se
sucedem e se justapõe montando um mosaico que lhe dá forma e impõe
característica a cada momento. (CARLOS, 2004, p. 80).
Esses apontamentos revelam a dinâmica urbana já que o próprio espaço urbano
também é dinâmico e apresenta formas e funções que se transformam a cada momento. A
cada período as atividades mudam e se diluem no espaço deixando referências das relações
estabelecidas criando condições para que a reprodução ocorra havendo uma relação com o
lugar. Carlos (2004) levanta a questão de como o homogêneo se impõe e como se
sobressaem as forças que sobrevivem e resistem. Nessa perspectiva, destacamos o centro
como força que se impõe de forma homogênea pelas funções que agrega, isto é, tem um
caráter de funcionalidade, que por sua vez se coloca de forma homogênea se comparado às
demais áreas da cidade, uma vez que é o lugar onde as pessoas buscam algo em comum,
porém apresenta uma heterogeneidade do ponto de vista da estrutura e organização dessas
funções. A esta heterogeneidade acrescentamos o comércio informal desempenhado pelos
camelôs e ambulantes que estão alocados nessa área, tendo como base o espaço onde se
realiza a vida.
O centro é compreendido por muitos sob a ótica do “planejamento urbano” cuja
postura dos urbanistas representada na figura dos engenheiros e arquitetos concebem a
cidade de forma organizada e conveniente do ponto de vista da lógica capitalista. A respeito
disso, Carlos (2004) discute que:
Na morfologia, encontramos as marcas daquilo que resiste e daquilo que
traz a marca da transformação, marcas da mudança radical feitas pelas
operações cirúrgicas impostas pelo planejamento funcionalista, que visa a
realização da acumulação continuada, uma sincronia quebrada por
rupturas que aparecem nas formas que revelam as estratégias as mais
diversas dos agentes que produzem a cidade - voltadas a reprodução das
frações do capital. (p. 81).
Assim, temos as estratégias dos camelôs e ambulantes que se inserem nessa
discussão apontada pela autora revelando a (re)produção de novos espaços no centro
atrelados ao consumo e que também contribuem para com o circuito da (re)produção do
capital, já que “o uso liga-se à idéia de identidade, que se constrói, no lugar, através das
relações que permitem o desenrolar da vida cotidiana.” (CARLOS, 2004, p. 86). Para
Lefèbvre (1991, p. 193), a vida cotidiana também se refere “às formas, que
simultaneamente organizam o cotidiano e se projetam sobre a cotidianidade”.
Entendemos que a disposição espacial dos ambulantes e camelôs no centro da
cidade levantam uma discussão que destaca a idéia da apropriação dos espaços e da
propriedade privada que tem ligação com os promotores imobiliários. Estes concebem o
espaço a partir da mercadoria, visto que entendem que cada parcela utilizada para abrigar
uma forma que, conseqüentemente abrigará uma função, deve estar pautada na lógica
capitalista, ou seja, deve auferir lucros mediante os aluguéis pagos ou à aquisição dos
imóveis. A visão que se constrói a partir da apropriação que os camelôs e ambulantes fazem
dos espaços públicos no centro das cidades com enfoque para as ruas e calçadas, descreve
um ambiente que aponta para “o conflito pelo uso do espaço revelando a essência do
processo social: a propriedade lutando contra a apropriação” (SEABRA, 1996, p. 79).
Ainda, para Seabra (2004), num outro momento:
[...] a espacialidade específica do capitalismo, discutida e interrogada por
volta das questões de segregação socioespacial (década de 1970), ganhou
graus de complexidade, mas torna-se mais clara, se examinada a partir da
vida cotidiana, porque o cotidiano não pode passar sem espaços e tempos
apropriados (territórios do uso), sejam quais forem as separações ou, o
grau de exclusão social que comporta. São os fundamentos desiguais
desta sociedade que explicam a sua própria espacialidade. Sejam,
quarteirões bem equipados com alto valor imobiliário ou as áreas
precariamente urbanizadas. (p. 183).
No entanto, vivenciamos experiências que colocam o comércio informal cada vez
mais presente no contexto da cidade com estratégias que atraem consumidores de várias
classes sociais e que dão forma e conteúdo à função no sentido de não ser atividades que se
constituem fora do sistema econômico, uma vez que buscamos sempre trabalhar com a
proposta de uma alternativa encontrada para solucionar, mesmo que de forma imediata, os
problemas estruturais do desemprego. É preciso compreender que o “uso está sempre
guardado no costume, fundando modos de ser” (SEABRA, 1996, p. 81).
De fato, buscamos o sentido da atuação dessa forma de comércio que também cria e
recria novos espaços de consumo a partir das bancas expostas nas vias públicas que
emergem de acordo com as estratégias que configuram e articulam os usos do espaço e do
tempo, que é diferenciado entre cada indivíduo e, mesmo, dos costumes que engendram as
manifestações do/no centro. Sobre esse assunto discutimos que o sentido da manifestação
está atrelado aos signos e símbolos que congregam o centro das cidades numa perspectiva
que caracteriza o próprio uso do espaço mediante os elementos novos e às imagens novas.
Ferrara (2000) assim se reporta à idéia:
A sintaxe da imagem urbana é um desafio visual da percepção que a
registra, flagrando-a nos seus elementos distintivos: cores, formas,
texturas, volumes, localização, tempo histórico. Essa visualidade é
proporcional à familiaridade com que se desenvolve a relação diária do
usuário urbano com aqueles elementos, ou seja, é mais ou menos distinta
e percebida quanto mais é distinguida pelo olhar habituado ao cotidiano
das suas características visuais. Percebe-se a imagem à medida que é
reconhecida, descrita e identificada. Ao lado dessa percepção visual e
como característica que qualifica a cidade, a imagem manifesta, na sua
sintaxe, um encadeamento de qualificações e, ao mesmo tempo em que
as ordena, vai se tornando mais complexa. (p. 119).
A complexidade também pode ser interpretada de acordo com as misturas dos usos
que convergem para o entendimento da cidade enquanto um cenário vivo e que manifesta
as ações dos diversos atores no contexto do lugar enquanto identidade para as práticas
sociais, portanto, “a apropriação é o espaço da cidade qualificado, informado pelo uso;
cidade como espaço habitado, vivido, qualificado, modificado: espaço socializado, espaço
social” (FERRARA, 2000, p. 123). Contudo, como retrata a autora, essa apropriação não
ocorre de forma homogênea, pois aponta para uma diversificação das experiências dos
próprios usuários da cidade e isto pode ser verificado com relação à heterogeneidade de
formas e funções presentes nos centros das cidades, como também a heterogeneidade das
necessidades desses usuários que manifestam intenções diferenciadas quanto às atividades
que consomem, principalmente do ponto de vista da classe social a que pertence. Mas, por
outro lado, as intenções daqueles que buscam o centro para realizar qualquer função podem
ser consideradas homogêneas do ponto de vista da convergência para o mesmo lugar.
Entretanto, Santos (2002) aponta que:
A totalidade (que é uma) se realiza por impactos seletivos, nos quais
algumas de suas possibilidades se tornam realidade. Pessoas,
coletividades, classes, empresas, instituições se caracterizam, assim, por
tais efeitos de especialização. O mesmo se dá com os lugares, definidos
em virtude dos impactos que acolhem. Essa seletividade tanto se dá no
nível das formas, como no nível do conteúdo. O movimento da totalidade
para existir objetivamente é um movimento dirigido à sua espacialização,
que é também particularização. (p. 124-5).
Na verdade, podemos afirmar que em algumas cidades, no caso as de médio porte, a
convergência para o centro em detrimento da relação forma-conteúdo é possível a partir da
relação existente entre o próprio centro e o consumidor, fato este que nas grandes cidades, e
principalmente nas metrópoles, não ocorre, uma vez que:
O plano das ruas revela a nova ordem da cidade imposta pela nova ordem
urbana. A cidade se segrega, se esvazia, a sociedade urbana com seus
novos valores vai compondo uma nova identidade em espaços semi-
públicos (particularmente os shoppings), a partir de valores impostos pela
sociedade de consumo, sob a lei da troca de mercadorias. (CARLOS,
2004, p. 85)
O centro de muitas cidades pode ser compreendido sob a ótica da propriedade de
que nos fala Seabra (1996) a partir das atividades formais que compõem a paisagem da área
como também do sentimento de apropriação por parte daqueles que realizam as atividades
informais ligadas ao comércio ambulante, pois o uso fundamenta o espaço como
experiência das trocas no âmbito do concebido e do vivido. Portanto, “é nesse âmbito do
vivido que a luta pelo uso se estabelece” (SEABRA, 1996, p. 81). O centro, assim, expressa
os desejos e ações de um espaço com múltiplas faces imbricado pela subjetividade de cada
usuário consumidor e que recria novas práticas a partir dos novos espaços que surgem em
meio ao cenário urbano. Vieira avalia que o espaço, enquanto uso na perspectiva da
propriedade que expressa a dominação, “será um uso regulamentado, limitado, preconizado
apenas para garantir uma função: a realização do consumo” (VIEIRA, 2002, p. 341). Dessa
forma, ainda, considera que:
[...] o uso será um elemento definidor nesta questão, pois por mais
explícita que seja a intenção contida no projeto ou na sua execução o
virtual sempre será a possibilidade coloca da para a sociedade que, no
final das contas pode transformar uma praça, originalmente vinculada ao
ócio, ao lazer e, portanto à reprodução da vida, à apropriação, em um
instrumento de dominação. (VIEIRA, 2002, p. 342).
A relação dominação-consumo é interpretada pelo autor no sentido da propriedade e
não da apropriação, pois há a intenção do lucro, cuja mercadoria é o enfoque central desta
dominação. A questão que o autor destaca tem sentido quando discute as possibilidades da
praça não ser realmente o lugar da reprodução da vida, sendo esta proposição justificada
pelas ações que os políticos e os empreendedores imobiliários implantam em vários
projetos para tornar o centro revitalizado, ou seja, o centro precisa estar adequado aos usos
que consideram importantes e necessários à reprodução do capital. De acordo com Serpa
(2004):
Os discursos oficiais colocam sempre em primeiro plano as virtudes
encarnadas por esse tipo de equipamento sem, no entanto, excluir seu
valor econômico, menos redutor do ponto de vista ideológico, mas
determinante para a realização desse tipo de operação urbana. (p. 112).
Se analisarmos a realidade dos camelôs e ambulantes, verificaremos que os mesmos
estão inseridos no processo que também permite essa reprodução a qual nos referimos, mas
que não são contemplados nos projetos que apontam par a revitalização, uma vez que
destacam que o espaço apresenta níveis diferenciados de acesso e consumo. Assim sendo,
os formais e informais podem ser inseridos nesses níveis através de ideologias que
mascaram as verdadeiras intenções quanto às pretensões da utilização dos espaços para a
realização de determinadas funções, pois não fica explícita “a revalorização imobiliária, a
inversão de capital que busca o lucro ou a especulação imobiliária propriamente dita”
(VIEIRA, 2002, p. 384).
Exemplos disso são as intervenções que o poder público realiza para atrair a atenção
dos investidores ao centro, como recuperar uma praça para que no entorno dela possam ser
criadas novas áreas de atuação do setor terciário com vistas à lucratividade. Nesse contexto,
procuram sempre deixar de fora os camelôs e ambulantes por considerarem que tais
atividades não se enquadram na dinâmica do aumento dos lucros desses espaços. Mas
queremos ressaltar que mesmo os agentes imobiliários e o poder público tomando
iniciativas na busca de uma nova ordem para o centro, o uso de espaços públicos está
inserido numa discussão que Vieira (2002) assinala como importante para mudarmos o
pensamento sobre os espaços de dominação, que também podem ser discutidos do ponto de
vista da propriedade privada favorecendo os espaços da apropriação para a reprodução da
vida. Assim, avalia que:
Se não subverter esta lógica da produção socializada do espaço para
apropriação privada o Poder Público continuará subserviente dos
interesses das parcelas da classe de investidores que tem seus negócios
no centro, em detrimento da grande maioria que poderia se apropriar do
espaço social. (VIEIRA, 2002, p. 384-5)
Esses comentários são importantes para compreendermos os embates existentes
acerca da problemática, pois se o centro é tido como lugar de convergência e divergência,
as práticas socioespaciais caracterizam o movimento das obras, dos produtos, dos objetos,
dos símbolos e signos. A esse respeito podemos analisar também que os embates sobre a
instalação das bancas dos ambulantes e camelôs nas vias públicas devem ser pensados na
perspectiva do uso de um espaço que é coletivo e, portanto, social, ou seja, todos nós
fazemos uso dessas áreas até mesmo para o deslocamento, visto que em muitos pontos da
área central a fluidez ocorre de forma menos congestionada. Isto que é dar sentido à
apropriação, pois se refere à maneira como o espaço vem sendo concebido através das
práticas, manifestando contradições quanto aos interesses, mas que por sua vez permite as
trocas coletivas.
De acordo com Ferrara (2000):
Queremos entender que o indivíduo não é tragado pelo coletivo e,
portanto, um não se opõe ao outro, mas o primeiro se esconde no
segundo, porque, na cidade da multidão, o espaço é dominado por
sensações, sentimentos e comportamentos que pertencem ao conjunto, ao
padrão coletivo. Assim, sendo, ainda não temos uma oposição entre o
privado e o público, simplesmente porque o coletivo e o público não se
confundem e, sobretudo, porque o indivíduo não colide com o coletivo,
mas nele se dilui e dispersa, sentindo-se na própria casa, como se a rua
fosse o lugar capaz de reunir, sem tensões, o geral e o particular. (p. 82).
A proposição da autora com relação à rua como espaço de reunião que envolve o
geral e o particular pode ser avaliada no âmbito da sociedade urbana, pois o geral se dá pela
circulação, pelos fluxos e o particular de acordo com interesses de cada indivíduo num
processo que combina a produção e reprodução socioespacial da cidade por intermédio dos
usos. A propósito, Damiani (2001) destaca que a cidade é:
(...) objeto de uso herdado do passado, é transformada em objeto de troca
e de consumo, do mesmo modo que as “coisas” negociáveis. Esta
construção lefebvriana desvenda a potência da economia de mercado,
que avassaladora atinge as cidades e determina um outro lugar para a
cidade na história humana, não porque a cidade contenha fenômenos
econômicos, na forma de receptáculo primordial, mas porque ela é
determinante para o seu desenvolvimento; transformada, tragicamente,
em limite e centro de potência da acumulação do capital. O que significa
que reina amplamente, o econômico. (p. 119-120).
Tomando como base para entendimento das novas práticas socioespaciais os fixos e
fluxos que se relacionam temos que a cidade apresenta-se como um espaço que é dominado
“pela propriedade privada – e a satisfação de necessidades elementares” (DAMIANI, 2001,
p. 120). Assim, consideramos que o centro de algumas cidades está contido nessa análise,
pois é um espaço que combina elementos que estão diretamente associados e submetidos ao
mercado imobiliário, além de ser uma área que se identifica com a busca pela satisfação das
necessidades humanas. Contudo, a respectiva autora comenta que:
Produções, investimentos traduzem o espaço tornado mercadoria,
mercadoria que entra no mercado, para ser vendida e comprada, que
carrega a realização de interesses econômicos cada vez mais atuantes e
significativos, e que realiza além de lucros, rendas, enquanto repasse de
riquezas nacionais, regionais e locais. Cedo, a relação com o público
aparece estreita e grande. A troca ganha lugar, em detrimento do uso, que
cada vez mais ela absorve. (DAMIANI, 2001, p. 122)
Com base na explanação de Carlos (2001), temos a seguinte análise sobre a
reprodução socioespacial:
Todavia, o processo de reprodução espacial se articula no plano da
reprodução da vida, o que significa levar em consideração o ponto de
vista do habitante, para quem o espaço se reproduz enquanto lugar onde
se desenrola a vida em todas as suas dimensões – o habitar e tudo que ele
implica e/ou revela. Refere-se àquilo que inclui, mas também àquilo que
foge à racionalidade homogeneizante (imposta pela sociedade de
consumo), acentuando o diferente – que tem capacidade de engendrar
formas a partir de conteúdos diferenciados e que se liga à idéia do espaço
apropriado à realização dos desejos, lugares reapropriados para um outro
uso, cujo caso mais marcante é aquele da rua. (p. 65).
A racionalidade homogeneizante a que se refere a autora pode ser avaliada sob o
aspecto do consumo de massa e que associamos também aos novos usos do espaço, cuja
diferença se faz presente na figura do comerciante “ambulante” com formas diferenciadas
de manifestação de conteúdos que qualificam e singularizam a atividade que se liga ao
espaço apropriado a partir da imagem da rua.
Na verdade, o que perturba as pessoas de um modo geral quando se fala de
comércio informal é justamente sua incapacidade de fazer com que aquele espaço que
ocupa para desenvolver sua atividade produza lucros, pois a rua, a praça ou mesmo a
calçada contextualizam a imagem do público, diferentemente das atividades produtivas que
se inserem no circuito da troca mediante o pagamento pelo uso do espaço. Assim,
Tendencialmente o espaço produzido enquanto mercadoria entra no
circuito da troca, atrai capitais que migram de um setor da economia para
outro de modo a viabilizar a reprodução. Nesse contexto, o espaço é
banalizado, explorado, e as possibilidades de ocupá-lo são sempre
crescentes, o que explica a emergência de uma nova lógica associada a
uma nova forma de organização, fragmentando o espaço vendido em
pedaços e, com isso, tornando os espaços trocáveis a partir de operações
que se realizam através e no mercado. Deste modo, o espaço é produzido
e reproduzido enquanto mercadoria reprodutível. (CARLOS, 2001, p. 66)
Esta é a lógica da revitalização dos espaços centrais tornando-os espaços
apropriados pelas leis do mercado imobiliário e que beneficiam os capitalistas “urbanos”,
pois “impõe não apenas modos de apropriação, mas comportamentos, gestos, modelos de
construção que excluem-incluem. Produz a especialização dos lugares, determina e
direciona os fluxos” (CARLOS, 2001, p. 67)
Ainda, para Carlos (2001),
O ritmo da mudança marca a duração das formas da cidade (sua
morfologia), como conseqüência do desenvolvimento da técnica, deve
ser relativizado. A técnica em si não explica a duração das formas; esta
deve ser analisada em função do ritmo do processo de reprodução do
espaço urbano, preso às dimensões sociais de persistências, resistências
e mudanças promovidas pelo processo de reprodução da cidade, pelas
mudanças nas funções e nos modos de apropriação, vinculadas à divisão
social e ao movimento das estratégias dos agentes produtores do espaço.
(p. 49).
Essa absorção do uso pela troca revela a intensidade das novas formas comerciais
que geram novas modalidades de trabalho que podem ser remetidas à análise da criação das
diferenças e da complexidade que caracteriza o centro como espaço das contradições
através dos diversos interesses manifestados no tempo e no espaço. Santos (2002) nos
mostra que:
Todavia, o objeto existe geograficamente em um lugar e, no momento em
que nele se instala, ganha uma outra certidão de idade. O fato da inserção
em um determinado meio é diferente do fato de existir de forma absoluta
como possibilidade de geografização ainda não realizada. Por exemplo,
um edifício de quarenta andares tem uma idade, que é a idade do
primeiro objeto de quarenta andares construído no mundo ou país. Mas
esse edifício também terá uma idade num lugar A ou B, exatamente em
função do momento em que foi construído nesse meio. Na realidade,
haveria diversas idades para cada um e para todos os objetos: o momento
dos modos de produção quando, no mundo, aparece a possibilidade de
criar tal ou qual objeto; o momento da formação social quando esse
objeto é inserido num país; e um terceiro momento, em que o objeto é
localizado num lugar preciso. (p. 157).
Também coloca em discussão o fato de que
A forma e o conteúdo somente existem separadamente como “verdades
parciais”, abstrações que somente reencontram seu valor quando vistos
em conjunto. (R. Ledrut, 1984, p. 32) A relação entre o continente e o
conteúdo, entre a forma e o fundo, é muito mais ampla do que uma
simples relação funcional. Pois o fundo é o sistema das virtualidades, do
potencial, das forças em movimento, enquanto as formas são o sistema da
atualidade. Nós sabemos que, se as formas constituem o sistema da
atualidade, é somente porque as ações nelas existentes são sempre atuais,
e desse modo as renovam. O enfoque do espaço geográfico, como o
resultado da conjugação entre sistemas de objetos e sistemas de ações,
permite transitar do passado ao futuro, mediante a consideração do
presente. (SANTOS, 2002, p. 100)
É preciso ter clareza de que forma e função são inseparáveis até mesmo nas ruas e
praças no que tange aos usos do espaço interpretados sob a lógica da reprodução espacial
da cidade, pois:
No panorama das ruas se pode ler a vida cotidiana: seu ritmo, seus
conflitos, os sentimentos de estranhamento, o modo como a solidão
desponta, a arte da sobrevivência, as vitrines onde o ritual da mercadoria
inebria pelo contraste das construções, de suas fachadas, comandando os
passos, os usos e as cores. (SANTOS, 2001, p.56)
A rua surge em nossas análises como um espaço que não é só o de passagem, mas
também da continuidade e ruptura de que nos fala Carlos (2001), da sincronia e diacronia,
que podem ser relacionados às atividades comerciais e de serviços, mais precisamente ao
formal e informal, uma vez que:
As formas mais características da cidade parecem sofrer de um duplo
mal: congestão e degradação (principalmente o centro), renovação e
remodelagem, de um lado, e tentativas para criar novos nós urbanos, de
outro, suscitam mais críticas que satisfação, como se nossa
sociedade
houvesse perdido o sentido da cidade. (CARLOS, 2001, p. 57)
As formas a que se refere a autora estão associadas ao centro da cidade que se
degrada e se renova num duplo sentido destacando as críticas dos usuários do espaço, que
procuram sempre intervir na dinâmica da área central. A imagem dos camelôs e ambulantes
reflete tais críticas do ponto de vista da insatisfação e da perda do sentido da cidade como o
lugar das possibilidades com diferentes temporalidades manifestadas pelas ações que
marcam “as formas de usos da rua” (CARLOS, 1996, p. 86).
Dessa forma, temos que:
O tema da “rua” nos coloca diante do fato de que na análise do espaço
urbano o lugar aparece com significados múltiplos. A cidade, em si, só
pode ser determinada como lugar à medida que a análise incorpore as
dimensões que se referem à constituição, de um lado, do espaço urbano, e
de outro, aquela da sociedade urbana. Todavia a cidade é produzida a
partir da articulação de áreas diferenciadas com temporalidades
diferenciais que se produzem, fundamentalmente, da constituição de uma
forma de apropriação para uso que envolve especificidades que dizem
respeito à cultura, aos hábitos, costumes, etc., que produzem
singularidades espaciais que criam lugares na cidade das quais a rua
aparece como elemento importante de análise. (CARLOS, 1996, p. 86)
Os usos que envolvem a especificidade por serem apontados, na visão daqueles que
interpretam os comerciantes informais (de rua) como o diferente, diz respeito às diferenças
reproduzidas no âmbito dos hábitos culturais que por sua vez, explicitam a realidade dos
camelôs e ambulantes, pois de fato há uma forma de apropriação do espaço da rua para uma
prática que não se refere apenas ao ato de passar por ela, mas significa mais que isto: o
momento que marca o seu uso em cada período do dia, pois “os usos da cidade vistos
através da rua permitem perceber os tempos simultâneos. Ela guarda múltiplas dimensões”
(CARLOS, 1996, p.88).
Nessa perspectiva, a rua marca a manifestação de múltiplas funções que se
misturam aos pedestres e aos veículos que trafegam por entre os que tentam vender alguma
mercadoria. É o jogo da oferta tentando atrair a procura. Assim:
A rua pode ter o sentido de passagem, apenas enquanto meio – de manhã
o que vemos pelas ruas desde as primeiras horas do dia é um grande
fluxo de trabalhadores, que meio acordados, meio sonolentos, se dirigem
ao trabalho. A rua pode ter o sentido de fim em si mesma quando seu uso
se volta para, por exemplo, a realização da mercadoria. No caso de São
Paulo há os camelôs que se instalam no espaço público da rua,
apropriando-se dela privadamente. Há também o comércio de semáforo
nas esquinas mais movimentadas da metrópole onde se vende um pouco
de tudo, dependendo da estação e do calendário de festas e atividades.
Em dias de jogos de futebol abundam bandeiras, camisas, bonés, fitas,
dos times envolvidos. Quando o Brasil está na final de algum evento
esportivo são bandeiras brasileiras que estão em todos os pontos
movimentados da cidade. No dia das mães, dos namorados, das
secretárias, de finados, há flores por todos os lados. Durante os dias da
semana e nos finais de semana a freqüência é diferenciada por tratar-se
de atividade sensível ao fluxo de pessoas. E este é variável em função das
24 horas do dia entre dias da semana e finais de semana. A rua pode ter o
sentido do mercado/ aquele vinculado à troca com destino – aqui é o
lugar da feira que reúne pessoas, a rua ocupada pelos camelôs, como
podemos ver nom caso do centro de São Paulo. A rua pode ter o sentido
da festa ao final dos campeonatos esportivos mundiais de que o Brasil
participa, ou mesmo nas finais do campeonato paulista ou brasileiro de
futebol, quando os torcedores tomam as ruas para comemorar. A rua
pode ter o sentido da reivindicação – é na cidade que emergem as lutas
que se manifestam enquanto movimentos que ganham visibilidade
quando tomam os espaços públicos, principalmente os pontos de
centralidade. (CARLOS, 1996, p. 89).
Essas considerações destacadas pela autora fazem parte do perfil da metrópole
paulistana, mas servem para enfocar nossas proposições sobre as manifestações que
ocorrem na rua, uma vez que não é preciso viver na metrópole para identificar os
movimentos que caracterizam a vida nas cidades. Mais uma vez, Carlos (1996) considera
que:
Aqui o tempo é o tempo da sociedade capitalista, é o ritmo do trabalho, e
o contato é aquele imposto pela troca que seduz, tenta e transforma a
cidade em vitrine, luzes coloridas de néon, em imagens. (p. 92).
A imposição da troca também está presente no comércio informal, uma vez que a
rua viabiliza o contato entre quem vende a mercadoria e quem a compra, não constituindo
um grupo, mas sim, mediações que se manifestam a partir da mercadoria. Mais uma vez, a
relação da dominação se estabelece no cotidiano das ruas imposto pelo valor de troca.
Precisamos levar em consideração as lutas que se travam nesse espaço, já que se falamos de
consumo do espaço e espaço do consumo, se apontamos novos usos da área central, se
enfocamos atividades formais e informais na organização ou desorganização do centro das
cidades, é preciso avaliar que:
A cidade, objeto de uso herdado do passado, é transformada em objeto de
roca e de consumo, do mesmo modo que as “coisas” negociáveis. Esta
construção lefebvriana desvenda a potência da economia de mercado,
que avassaladora atinge as cidades e determina um outro lugar para a
cidade na história humana, não porque a cidade contenha fenômenos
econômicos, na forma de receptáculo primordial, mas porque ela é
determinante para o seu desenvolvimento; transformada, tragicamente,
em limite e centro da potência da acumulação do capital. O que significa
que reina, amplamente, o econômico. (DAMIANI, 2001, p. 119-20).
Nessa perspectiva, Ortigoza (2001) também destaca que:
Para os geógrafos que, como nós, concebem a cidade como materialidade
social e por isso como um conjunto de forças, onde ricos e pobres devem
ser considerados, as lutas que se travam nesse espaço são muito
importantes a serem avaliadas, pois, acima de tudo, são lutas de classes.
Mas como ficam os pobres nessa luta? Eles têm algum poder nesse
espaço articulado para o capital mundial? Eles não são excluídos do
lugar? (p. 49).
Com relação ao que a autora questiona, inserimos na discussão as estratégias do
comércio informal que por sua vez, retrata a imagem dos que vivem num espaço de luta
constante pela sobrevivência e que se inserem, sem deixar dúvidas, no contexto das lutas de
classes, embora não seja nosso propósito aqui avançar no conceito do termo, mas
consideramos fundamental a idéia proposta sobre o assunto que contempla a realidade dos
pobres na/da cidade e o centro acaba sendo o receptáculo dessas situações que envolvem os
novos usos do espaço e a problemática dessa apropriação por parte dos informais.
Se levarmos adiante o questionamento que Ortigoza faz a respeito da exclusão do
lugar, percebemos que é uma indagação que se concretiza nas intenções e decisões que são
tomadas para que essas pessoas não utilizem os espaços que consideram impróprios para
tais atuações, como as ruas, praças e calçadas, o que justifica o embate entre as atividades
formais e informais, pois as ruas do centro:
[...] transformaram-se em uma grandiosa feira, onde vemos um
emaranhado de mercadorias espalhadas pelas barracas ou mesmo pelo
chão: de pentes a CDs, de bolsas a cachorro quente. No dizer de um
camelô vendedor de codornas; “Aqui você encontra até o que não quer
comprá!” Nas frases cantadas pelos camelôs e elaboradas especialmente
para chamar a atenção e despertar o consumo, notamos diversos sotaques
e variações lingüísticas de diversas regiões brasileiras e, mesmo de outros
países, demonstrando a forte presença do imigrante. (ORTIGOZA, 2001,
p. 49)
Tais afirmações nos remetem pensar no que já foi comentado anteriormente sobre o
crescimento vertiginoso das cidades mediante o processo de migração campo-cidade que
também levou à migração entre as cidades. A figura do camelô e ambulante é específica de
alguém que quer chamar a atenção dos consumidores para vender suas mercadorias e
muitos até se fantasiam para atrair as pessoas, manifestando novos usos do espaço,
representando uma outra face do comércio, como destaca Ortigoza (2001). Dentro desse
quadro não podemos ignorar a presença forte e marcante dessa categoria no e do centro e é
neste contexto que inserimos a dinâmica desses trabalhadores na área central a partir de
novos usos e manifestações do e no espaço. Assim, quando se questiona a exclusão do
lugar podemos apontar a idéia que se faz do centro ou do que deveria ser feito na opinião de
muitos, que é aquela que destaca o planejamento da área para que não ocorra a apropriação
por parte dos próprios camelôs e ambulantes. Assim:
Muitas vezes os pobres sujeitam-se às normas globais, mas em outras
eles reagem invadindo prédios, executando saques, realizando
manifestações. Outras vezes ainda eles se articulam ao processo global,
criando mecanismos de sobrevivência. É esse o cotidiano do centro.
(ORTIGOZA, 2001, p. 49).
A articulação a que se refere a autora pode ser compreendida no contexto da
manifestação dos novos usos do espaço atrelados aos comerciantes informais, pois a sua
presença nas vias públicas é que faz o diferente, é o que podemos apontar como um novo
espaço de consumo, embora autores como Martins (2003) ressaltem que essa categoria de
trabalhadores faz parte de um cenário que envolve o falso problema da exclusão social e a
inclusão marginal, uma vez que:
Está se criando de novo no mundo uma espécie de sociedade de tipo
feudal: as pessoas estão separadas por estamentos, categorias sociais
rígidas que não oferecem alternativas de saída. O estamento dos
excluídos reproduz, degradadas, as formas próprias, conspícuas, do outro
estamento; o tênis de qualidade inferior do adolescente pobre reproduz o
tênis sofisticado do adolescente rico. Faz do mundo do excluído um
mundo mimético, de forma que ganham vida no lugar da substância. É o
mundo do imaginário, da consciência fantasiosa e manipulável. Engana.
Mas não engana sempre, como revelam os assassínios de adolescentes
por adolescentes para o roubo de tênis de grife. Pertencem a conjuntos
sociais heterogêneos, isto é, que não são uma classe só, reciprocamente
excludentes. (p. 36).
Não podemos pensar que a sociedade capitalista produz classes sociais homogêneas,
já que a problemática está na complexidade do fenômeno e, portanto, na rede que comanda
a camelotagem e a pirataria. Por outro lado, segundo as idéias de Ortigoza (2001):
Como o nível de desemprego atinge taxas bastante altas, as pessoas
procuram diversas maneiras de sobrevivência e trocam o emprego por
trabalho. Nesse caso, temos no centro de São Paulo muitas pessoas
vendendo lanches, salgados e outras iguarias, a preço baixo. É o que
denominamos de comércio de rua. (p. 41).
A partir disso poderíamos incluir as estratégias de construção de camelódromos para
retirá-los do centro, uma vez que representam atuações que são contraditórias aos interesses
dos poderes público e privado, que se beneficiam das ações realizadas na cidade de um
modo geral. Mesmo havendo uma tendência à popularização do comércio com relação aos
preços baixos das mercadorias no centro e mediante a presença dos camelôs e ambulantes,
destacamos que não é somente a população de baixa renda que consome os produtos
comercializados pelos mesmos, há uma busca de mercadorias por parte também dos que
pertencem às classes mais abastadas, justificando os novos usos do espaço a partir da esfera
do consumo. Ortigoza (2001), ainda, afirma que:
O número de consumidores que diariamente se utilizam desse tipo de
comércio (informal) é muito grande, o que acaba dando margem para que
ele se reproduza, sobreviva e resista ao policiamento e à legislação que
proíbe seu funcionamento naquele espaço. ( p. 49).
Conforme os apontamentos elencados, podemos avançar nossa discussão
concordando com a autora sobre o crescente número de consumidores que buscam as
mercadorias comercializadas por esse segmento da sociedade, contribuindo para fomentar a
(re)produção dos espaços, como também sua própria reprodução, sobrevivendo e resistindo
aos impasses colocados sobre a existência e a condição dessa categoria. Ainda, de acordo
com Ortigoza (2001):
O que importa aos consumidores destes produtos é que são vendidos por
um preço mais baixo do que o oferecido pelo mercado formal, sendo
então possível afirmar que no circuito produtivo das atividades
econômicas sempre existirão diferentes mercadorias a serem vendidas e
diversos consumidores para comprá-las. Com isso os anteriormente
excluídos do comércio local são reincluídos, em outro nível, com novos
modos de vida, de trabalho, de consumo. (p. 50).
Aproveitamos tais considerações para enfatizar que os novos modos de consumo
estão relacionados aos novos espaços reproduzidos, recriados no centro das cidades e que
apresentam características particulares, pois a mercadoria está disponível onde quer que o
consumidor esteja através da variedade e da generalização destacada por alguns autores,
sendo que a principal característica que encontramos no comércio de rua é justamente a sua
disposição espacial pelas calçadas e, até mesmo, em outros espaços (públicos) cuja
estratégia é abordar o consumidor. Conforme ressalta Ortigoza (2001) é através da arte da
conquista, narrando os mais variados tipos de produtos, induzindo e seduzindo o
consumidor a entrar no cenário das mercadorias que os camelôs e ambulantes fazem a
diferença. Carlos (2004), assim, se reporta:
No plano da vida cotidiana – no lugar – como produto direto da
reprodução do capital, cria-se o mundo da mercadoria que se generaliza
invadindo e colonizando a vida cotidiana mediando as relações sociais,
redefinindo-as a partir da criação de modelos e padrões invadidos pelo
consumo da mercadoria enquanto símbolo definidor das novas relações.
Se a sociedade urbana aproxima homens e lugares, cada um com sua
especificidade, cadência, unidade e ritmos; cada vez mais esse nível, se
acha influenciado e determinado por padrões outros que se impõem de
“fora para dentro”, pelo poder da constituição da sociedade de consumo
criando modelos de comportamento, valores (que se pretendem
universais), impostos pelo desenvolvimento da mídia que tem papel
central na imposição de padrões e parâmetros para a realização da vida,
enquanto constituição do cotidiano enquanto lugar onde se realiza, agora,
a reprodução. Esta por sua vez vai revelar a lógica da acumulação (p.49).
No caso das grandes cidades, principalmente numa metrópole como São Paulo há
uma mistura de vários tipos de comércio, inclusive os informais, que aproveitam o fluxo
contínuo de pessoas na área que envolve o centro para oferecerem os produtos, gerando
conflitos quanto aos problemas causados pelo congestionamento das próprias pessoas que
circulam nesses espaços atreladas às mercadorias que ficam expostas nas vias dos
pedestres. (Ortigoza, 2001).
Todos poderiam pensar o por quê dos camelôs e ambulantes não se fixarem de vez
nos espaços que são construídos para eles, no caso estamos falando dos camelódromos e
também dos shopping populares, ao contrário, buscarem os espaços públicos. A resposta
imediata para a indagação está no fato do potencial gerador de fluxos que as ruas centrais
possuem quanto aos atrativos necessários para que as mercadorias sejam comercializadas
rapidamente, visto que muitas vezes a localização dos respectivos camelódromos e outras
formas destinadas a estes segmentos não contempla as aspirações daqueles que precisam
garantir a sobrevivência na cidade grande.
É preciso questionar também que as medidas que são tomadas de forma
generalizada para sanar os problemas ligados ao fenômeno do comércio informal de rua
não podem ser aplicadas a toda e qualquer realidade, pois cada lugar expressa uma
singularidade que precisa ser levada em consideração, até mesmo por ser necessário avaliar
as experiências contidas nesses espaços, que vai além do vivido e que toma como ponto as
relações socioespaciais. Carlos (1996), mais uma vez, aponta para o seguinte sobre a rua:
Podemos afirmar que a vida aí é inesgotavelmente rica e plena de energia
- é o nível do vivido. Na rua encontra-se não só a vida mas os fragmentos
de vida, é o lugar onde o homem comum aparece como vítima, ora como
figura intransigente e subversiva. (p. 85).
E prossegue dizendo:
Finalmente na rua se tornam claras as formas de apropriação do lugar e
da cidade, e é aí que afloram as diferenças, e as contradições que
permeiam a vida cotidiana, bem como as tendências de homogeneização
e normatização impostas pela estratégia do poder que subordina o social.
(CARLOS, 1996, p. 86).
Os apontamentos levantados pela autora podem ser relacionados às práticas
realizadas pelos camelôs e ambulantes no contexto da atuação nas ruas, pois há uma
tendência por parte do poder público e privado em estabelecer normas para os espaços
centrais que acabam comprimindo e subordinando não somente as práticas sociais, mas as
espaciais. Eis novamente o sentido do espaço da dominação subordinado ao capital.
Assim, percebemos que:
As análises referentes às transformações espaciais hoje devem levar em
conta as novas tendências presentes no processo de reprodução social que
tem levado a uma nova redistribuição das atividades e com isso mudando
estruturas urbanas regionais e nacionais. (CARLOS, 1996, p. 52).
A condição atual dos trabalhadores do comércio informal revela novas formas
comerciais a partir de uma redistribuição das atividades na cidade que caracteriza o centro
como força motriz, nesse processo, por concentrar vários papéis mudando, assim, as
estruturas já existentes, visto que a rua apresenta uma multiplicidade de significados
organizados e desorganizados ao mesmo tempo, pois “organizar supõe estabelecer um
sistema entre elementos que, naturalmente, apresentam-se dispersos, desordenados.”
(FERRARA, 2000, p. 153).
Nesse sentido, a organização que tanto buscam para o centro das cidades contém
elementos que são constituídos de forma desorganizada, pois estes apresentam
temporalidades diferenciadas que evidenciam novas formas de apropriação dos espaços
com especificidades que são associadas à cidade e ao processo de reprodução social. Na
análise de Santos há um esclarecimento revelando que:
A multiplicidade de situações regionais e municipais, trazida com a
globalização, instala uma enorme variedade de quadros de vida, cuja
realidade preside o cotidiano das pessoas e deve ser a base para uma vida
civilizada em comum. (SANTOS, 2001, p. 113).
Podemos, então, associar a colocação de Santos no que se refere à vida civilizada
em comum, destacando a relação com a vida cotidiana, pois a urbanização aponta para as
mudanças dos usos e do tempo mediante a generalização dos modos de vida relacionados,
ainda, à própria vida em sociedade. (Seabra, 2004). De acordo com a autora:
[...] a cidade tornava-se o lugar do encontro da vida privada com a vida
pública e a sociedade civil começava a ganhar visibilidade histórica e
social. A cidade entrou num processo de acumulação de riquezas,
lastreado por um ideário de progresso e de ordem pública que eram
princípios de civilidade. Sobre os recém-egressos do campo se exerceu o
fascínio da cidade, tanto pela materialidade que guarda todos os tempos,
(as catedrais, os mosteiros, jardins e praças públicas) como pelas idéias
tornadas ideais em circulação. A literatura faz crer que a cidade chegou a
ser promessa de um mundo melhor porque dela foi veiculada para a
sociedade inteira uma imagem de mundo com novas possibilidades,
principalmente para os migrantes rurais que deixavam os arados e as
enxadas. (SEABRA, 2004, p. 187).
Essas evidências que são lançadas pela autora colocam em discussão os primeiros
passos a respeito da vida em sociedade e, conseqüentemente, a difusão dos modos de vida e
dos usos com ênfase para a cotidianidade. Nesse ponto, discute que:
A vida cotidiana tende a erigir-se em sistema sobre os desencontros dos
modos de vida com os meios de vida (suportes materiais da existência),
face uma equação de valores que totaliza o tempo como momentos: de
trabalho, de lazer e da família. Na vida cotidiana, o viver corresponde à
dimensão objetiva das práticas, enquanto o vivido, muito mais amplo
integra a subjetividade, sendo perpassado por retórica e por estetismos. A
relação entre esses dois níveis forma a vida cotidiana. Esta que, como
conceito, permite discutir os diferentes níveis que encerram a
problemática da reprodução social. (SEABRA, 2004, p. 191).
A visão da autora pode ser compreendida quanto aos desencontros dos modos de
vida e dos meios de vida numa relação com os usos no/do espaço mediante as atividades do
comércio formal e informal que integram a subjetividade no contexto da reprodução
socioespacial. Assim, os usos do espaço no centro das cidades revelam as contradições
organizadas ou desorganizadas de um processo ímpar de reprodução capitalista da
sociedade.
A desorganização a que nos referimos pode estar ligada à multiplicidade de formas
e funções que são características do centro, pois uma “vida civilizada em comum” a que se
refere Santos passa pela análise dos embates que se formam nessa área dentre aqueles que
procuram espaço na economia urbana para sobreviverem e aqueles que se consideram
estruturados do ponto de vista da organização da atividade que desempenha. Assim,
concordamos com Ortigoza (2001) quando afirma que:
Não podemos igualar o trabalho do camelô à criminalidade. Há, no
mínimo, dois fatores que diferem o camelô dos ladrões ou traficantes e
que devem ser considerados. O primeiro é o caminho pelo qual o
informal se desenvolve, ou seja, é através do trabalho e isso independe
da ilegalidade; o segundo é a violência e o desrespeito ao ser humano,
pois o camelô, ao despertar o consumo (modo pelo qual consegue manter
seu negócio), não pratica nenhum ato de violência. Ao contrário, ajuda a
circulação de grande quantidade de mercadorias. (p. 55).
Essas considerações também podem ser relacionadas à dinâmica dos comerciantes
informais e à relação destes com a rua no sentido dos hábitos e costumes que permeiam as
atitudes que “produzem singularidades espaciais que criam lugares na cidade dos quais a
rua aparece como elemento importante de análise” (CARLOS, 1996, p. 86). No entanto,
salientamos que esse assunto não se esgota nessas poucas avaliações sobre a questão dos
ambulantes e camelôs no centro das cidades com enfoque para os novos usos e
manifestações do/no espaço, já que a cidade se transforma de forma contínua, uma vez que
“a sociedade existe no uso” (CARLOS, 1996, p. 87). De qualquer forma esse assunto será
retomado num outro ponto desse trabalho, pois estaremos sempre nos referindo ao centro e
aos novos espaços de consumo a partir da atuação dos comerciantes informais.
2.4. O centro e a apropriação dos espaços públicos pelos camelôs e ambulantes:
transformações, persistências e resistências.
Em todo momento deste trabalho, falamos dos camelôs e ambulantes, até porque é
nosso objeto de reflexão e, portanto, devemos enfatizar neste item a relação do público e do
privado na esfera da apropriação dos espaços centrais pelos comerciantes apontados como
informais e que fazem parte do contexto que envolve as cidades de um modo geral. As
muitas repetições sobre o assunto merecem um cuidado especial, pois buscamos enfatiza-lo
desde o surgimento das cidades e, por conseguinte, do centro. Foi apontada por nós,
também, a questão da centralidade intra-urbana, que foi se constituindo ao longo dos anos e
que, atualmente, não pode ser classificada como única no interior das cidades, uma vez que
novos eixos vão surgindo dando ênfase às novas articulações do tecido urbano, destacando
os novos espaços de consumo e a dinâmica do uso do solo pelos trabalhadores que vivem
na/da informalidade (ou será uma formalidade camuflada?).
Temos realmente condições de defini-la nos padrões em que vem sendo explicada?
A partir desta indagação é que começaremos a expor nossas idéias a respeito da apropriação
dos espaços públicos pelos camelôs e ambulantes com apontamentos sobre o papel
fundamental que a “rua” tem nesta situação, já que a imagem do centro de várias cidades
vivencia e experimenta todos os dias a dinâmica e as estratégias de comercialização dos
mais variados produtos e prestação de serviços que se inserem no rol de atividades que
estão sob o domínio dessas pessoas. Para Martins (1997),
É certamente difícil explicar os acontecimentos recentes sem o recurso à
história da relação entre o público e o privado na formação do Estado
brasileiro. Basicamente, porque no Brasil a distinção entre o público e o
privado nunca chegou a se constituir, na consciência popular, como
distinção de direitos relativos à pessoa, ao cidadão. (p. 21-2).
Como interpretar a prática do comércio informal na área central das cidades? Qual o
verdadeiro sentido dessa apropriação?
De qualquer forma, é preciso destacar que o comércio informal das ruas existe e
continuará se expandindo, principalmente no que diz respeito à área central das cidades,
pois a incidência dos fluxos permite uma circulação mais acirrada, se comparada às outras
áreas do tecido urbano, embora seja considerável afirmarmos que nas grandes cidades e nas
metrópoles, o surgimento de novas centralidades faz com que o centro principal deixe de
exercer seu poder concentrador dispersando as funções para outras áreas. Por outro lado, a
tese que estamos tentando apresentar e comprovar neste trabalho está pautada na idéia de
que o centro da cidade de Anápolis tem sua centralidade reafirmada diante das formas e
funções que foram se estabelecendo no local reforçando os fluxos, uma vez que a junção
das atividades formais e informais contribui para tal concentração, o que nos remete pensar
na dinâmica da reprodução dos espaços a partir dos novos usos que se manifestam nas ruas,
praças e calçadas.
Essa apropriação que visa a utilizar um espaço considerado público ocorre devido às
práticas exacerbadas do consumo, pois a generalização e o fetiche da própria mercadoria
criam condições para que todos os lugares sejam convertidos em “espaços de consumo”.
Falar da apropriação ligada à presença de camelôs e ambulantes nas vias públicas tem uma
relação de “causa e efeito” que nos remete pensar na figura destes trabalhadores associada
ao desemprego ou à falta de melhores condições de vida. Mas, será que todos que se
encontram nesse patamar fazem parte de um mesmo esquema? Por isso é que levantamos o
questionamento do “verdadeiro sentido” da categoria dos informais, pois o processo é
amplo e envolve inúmeras interpretações sobre o assunto. Mesmo assim, fazem parte da
chamada “crise da cidade” que vários autores vêm destacando nas pesquisas e conclusões
que surgem com os debates acerca da questão, pois:
Qualquer cidadão que olhar com um pouco de atenção as cidades deste
planeta seguramente poderá constatar que elas atravessam sérios
problemas, entre os quais o da fome, da falta de saneamento, das
enfermidades, da falta de segurança, da circulação difícil, dos massacres
encomendados ou não-encomendados, das redes de abastecimento
deficitárias, das sangrais em cofres públicos, do desemprego e trabalho
informal, dos migrantes em busca de vida melhor, da poluição de todos
os níveis, da falta de educação formal, da falta de moradia, da
segregação, da falta de cidadania, da falta de urbanidade, muita
corrupção, entre outros. São problemas críticos e crônicos que não ser
constituem exclusividade de nenhum país. (PINTAUDI, 2001, p. 132).
A crise da cidade é algo que pode ser percebido por qualquer cidadão que tenha
buscado uma vida melhor nos últimos anos mediante as mudanças estruturais dos governos,
que também afetam o plano econômico, e principalmente o social, lembrando que os
valores da sociedade urbana estão embasados numa sociedade denominada pelo “consumo”
que impõe padrões universais com a ajuda da própria mídia, aprofundando assim as
contradições socioespaciais. Carlos (2004) aponta para o seguinte:
No plano da reprodução de mercadorias, o processo envolve o
reprodutível e o repetitivo, referindo-se, diretamente, à atividade
produtiva (bens materiais e imateriais), que realiza coisas no espaço
(criando as condições para a realização das atividades) ao mesmo tempo
em que produz o espaço como mercadoria. Nesse nível a cidade é
condição geral da reprodução, o que impõe determinada configuração
espacial que aparece como justaposição de unidades produtivas,
formando uma cadeia (em função da articulação e das necessidades do
processo produtivo, por meio da correlação entre os capitais individuais e
a circulação geral) que integra os diversos processos produtivos, os
centros de intercâmbio, os serviços e o mercado, além da mão-de-obra.
(p. 14).
E prossegue dizendo que:
A contradição entre o processo de produção social do espaço e sua
apropriação privada está na base do entendimento do processo de
reprodução espacial. Isto porque, em uma sociedade fundada sobre a
troca, a apropriação do espaço, ele próprio produzido como mercadoria,
liga-se cada vez mais à forma de mercadoria, servindo às necessidades da
acumulação por meio das mudanças/readaptações de usos e funções dos
lugares, que também se reproduzem sob a lei do reprodutível, a partir de
estratégias da reprodução em determinado momento da história do
capitalismo. Este se estende cada vez mais ao espaço global, criando
novos setores de atividade, extensão das atividades produtivas. Cada vez
mais o espaço, produzido como mercadoria, entra no circuito da troca,
atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro de
modo a viabilizar a reprodução. As possibilidades de ocupar o espaço são
sempre crescentes, o que explica a emergência de uma lógica associada a
uma nova forma de dominação do espaço que se reproduz ordenando e
direcionando a ocupação, fragmentação e tornando os espaços trocáveis a
partir de operações que se realizam no mercado. Desse modo o espaço é
produzido e reproduzido como mercadoria reprodutível. (CARLOS,
2001, p. 16).
Analisando o que foi destacado pela autora, embora faça menção à realidade da
metrópole paulistana, temos que o espaço é uma mercadoria que permite uma apropriação
privada e que, portanto, está associado à dominação, isto é, o espaço vigiado e reprodutível
e tomado desigualmente pelas camadas sociais com o apoio do Estado que age de forma
estratégica para dar continuidade ao processo de acumulação e reprodução do capital
através das contradições que caracterizam seus diversos usos. O que temos são duas
situações divergentes e conflitantes que travam um embate sobre a seguinte questão: de
quem é o espaço na cidade?
De um lado, há uma reprodução que se lança à produção dos espaços dominados, e
conseqüentemente subordinados à lógica capitalista, e de outro, temos os usos que
objetivam a reprodução da vida, o que enfatiza as contradições acerca das práticas
socioespaciais. Para Carlos (2001), o que ocorre são forças expressivas que de um lado
apresentam interesses econômicos e políticos ao mesmo tempo em que há uma reprodução
do espaço da vida social fundamentada na análise do vivido. Ainda, para ela:
No primeiro caso a reprodução do espaço se dá pela imposição de uma
racionalidade técnica assentada nas necessidades impostas pelo
desenvolvimento da cumulação que produz o espaço como condição/
produto da produção, revelando as contradições que o capitalismo suscita
em seu desenvolvimento, o que impõe limites e barreiras a sua
reprodução. No segundo caso a reprodução da vida se realiza na relação
contraditória entre necessidade e desejo, uso e troca, identidade e não-
identidade, estranhamento e reconhecimento, que permeiam a prática
socioespacial. (CARLOS, 2001, p. 18).
De acordo com estas colocações podemos tirar algumas conclusões sobre a
apropriação dos espaços públicos pelos camelôs e ambulantes, pois os usos que evidenciam
os espaços das ruas, praças e calçadas não apresentam uma estratégia ligada ao sistema
capitalista, pois não são espaços alugados ou comprados para exercer atividade, seja
comercial ou de prestação de serviços. No caso dos camelódromos, os espaços, chamados
de boxes são comprados ou mesmo alugados, quando não são cedidos pela Prefeitura
Municipal. Isto depende da condição do próprio camelódromo, se é do poder público ou se
tem alguma ligação com empresas privadas que porventura poderão cobrar pelo uso deste.
Nessa perspectiva:
A acumulação tende produzir uma racionalidade homogeneizante
inerente ao processo, que não se realiza apenas produzindo objetos/
mercadorias, mas a divisão e organização do trabalho, modelos de
comportamento e valores que induzem ao consumo, revelando-se como
norteadores da vida cotidiana. Desse modo, esta se apresenta,
tendencialmente, invadida por um sistema regulador, em todos os níveis,
que formaliza e fixa as relações sociais, reduzindo-a a formas abstratas.
(CARLOS, 2001, p. 18)
É com base nos “valores que induzem ao consumo”, apontados por Carlos (2001)
que destacamos os novos espaços ligados às práticas dos camelôs e ambulantes revelando a
dinâmica do processo de uso e ocupação dos espaços públicos, o que também nos remete
pensar nas relações sociais que permeiam a vida cotidiana. O espaço do centro das cidades
revela uma intensidade de usos que se voltam ao processo de reprodução do capital, pois
como devemos interpretar o comerciante informal que também trabalha com carteira
assinada num outro emprego? Isto já foi ressaltado anteriormente, mas no momento,
achamos conveniente relembrar esta passagem, pois o que queremos demonstrar é que
todas as funções que estão presentes na área central constituem um processo de interligação
das atividades com valores que “fazem do espaço condição e produto, ao mesmo tempo, da
acumulação” (CARLOS, 2001, p. 21).
Para Carlos (2001):
O desenvolvimento do processo de reprodução da sociedade produz um
novo espaço e novas formas de relação na sociedade e entre as pessoas, a
partir das trocas em todos os sentidos e da modificação dos modos de
apropriação e de uso do espaço, que, normatizado, redelimita ações e
atos, redefinindo as relações das pessoas entre si e com o lugar. A análise
do urbano engloba, portanto, um universo complexo de relações em
constituição, das quais não se exclui a idéia de projeto. Para Lefèbvre,
esse projeto deve ser capaz de “pensar” a cidade como lugar onde grupos
podem reencontrar-se, onde haja conflitos, mas também alianças, onde
eles concorram a uma obra coletiva, onde o direito à cidade se coloque
como participação de todos no controle e na gestão da cidade e na plena
participação social, onde a diferença se realize na obra como atividade
criadora. (p. 21).
A relação de troca em todos os sentidos também enfoca os comerciantes de rua
modificando os usos do espaço numa relação complexa entre indivíduos de uma sociedade
que está fundamentada na base do consumo, ou seja, o que queremos deixar esclarecido em
nossos questionamentos é que mesmo havendo uma relação de troca com base no sistema
de mercado, é possível estabelecer contatos entre as pessoas e com o lugar onde estão
alocadas. Assim, quando vemos alguém consumir um produto comercializado por camelôs
e ambulantes, pressupomos que o contato baseado na relação de compra e venda da
mercadoria cria uma imagem da pessoa com o lugar em que se encontra, mesmo sendo um
espaço público e coletivo, apropriado de forma privada para vender objetos e extrair lucros,
que podemos também chamar de “espaço-mercadoria”, uma vez que é a partir da
mercadoria que as relações se concretizam no espaço delimitando ações superficiais, mas
que não impedem o contato entre os indivíduos. De qualquer maneira:
Não é preciso especular muito para descobrir que temos espaços
concebidos como eternos e transitórios, legais e mágicos,
individualizados e coletivos. Tudo o que diz respeito ao poder político é,
na nossa sociedade, conotado como duradouro ou eterno e marcado pelos
monumentos e palácios. O poder como ordenador supremo de um mundo
penetrado por todo tipo de conflito situa-se naqueles espaços de
confluência do tempo e de unidades contraditórias ou problemáticas.
Assim, nas cidades ocidentais, as praças e adros (que configuram espaços
abertos e necessariamente públicos) servem de foco para a relação
estrutural entre o indivíduo (o líder, o santo, o messias, o chefe da igreja
ou do governo) e o “povo”, a “massa”, a coletividade que lhe é imposta e
o complementa. Servem também como ponto de encontro entre alguém
que interpreta (ou inventa) uma mensagem e a multidão que a recebe e
cristaliza em um drama que sugere ser a sociedade algo inventado pelo
indivíduo que, nestes momentos, passa sua verdade para a massa. (DA
MATTA, 1997, p. 43-4).
A apropriação que os camelôs e ambulantes fazem com as praças, ruas e calçadas
para a comercialização de mercadorias passa pela análise que Da Matta (1997) faz dos
espaços abertos que servem de base para a relação entre os indivíduos que concebem estes
espaços como receptáculos de manifestações e anseios da massa. Então, o sentido da
apropriação se fundamenta na imagem que o lugar representa para quem o freqüenta com
significados que levam ao reconhecimento e ao estranhamento, já que:
O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido
por relações sociais, que se realizam no plano do vivido, o que garante a
construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela
história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que
o homem se reconhece porque é o lugar da vida. O sujeito pertence ao
lugar como este a ele, pois a produção do lugar liga-se
indissociavelmente à produção da vida. “No lugar emerge a vida, pois é
aí que se dá a unidade da vida social. Cada sujeito se situa num espaço
concreto e real onde se reconhece ou se perde, usufrui e modifica, posto
que o lugar tem usos e sentidos em si.” (CARLOS, 1996, p. 29).
As discussões que levam ao reconhecimento e ao estranhamento são situações que
ocorrem, na maioria das vezes, nas grandes cidades e nas metrópoles, onde as pessoas mal
se olham em qualquer movimento. No caso das cidades de médio porte, que é a realidade
que buscamos avaliar, ainda é possível estabelecer laços nos contatos que fundamentam as
relações sociais. Enfocamos esses questionamentos para chegarmos às considerações que
apontamos como elementares neste momento, pois se falamos do contato entre indivíduos,
se buscamos compreender as relações socioespaciais no contexto dos usos que envolvem o
espaço, torna-se imprescindível destacarmos o significado da apropriação das áreas centrais
para entendermos a dinâmica do uso do solo urbano.
Para esclarecermos o que acabamos de apontar, baseamos nossa idéia da seguinte
maneira: primeiramente, as relações se concretizam num determinado espaço devido à
condição de mercadoria reprodutível (CARLOS, 2001), isto é, os espaços do centro das
cidades são cada vez mais concebidos como uma mercadoria definida pela relação de troca,
cuja intenção é a fragmentação, e também, a mercantilização com “operações que se
realizam através e no mercado” (CARLOS, 2001, p. 66).
Seguindo este raciocínio podemos
indagar que se o espaço também adquire valor de uso que só pode ser realizado no lugar (na
escala local), porém articulado ao processo global (CARLOS, 2001), significa avaliar de
fato que há um controle e uma rigidez sobre as formas espaciais, e porque não falar nas
comerciais, que impõem ritmos e movimentos que na maioria das vezes são excludentes?
Carlos, ( 2001, p. 67), assim, se reporta dizendo que “o espaço dominado, controlado,
impõe não apenas modos de apropriação, mas comportamentos, gestos, modelos de
construção que excluem-incluem”. Podemos então associar os comerciantes informais a tal
exclusão mencionada que evidencia a apropriação privada dos espaços (públicos neste
caso)? Pensamos que é necessário buscarmos a origem do termo público para tentarmos
compreender o processo de forma ampla e não somente as facetas. Primeiramente, Yázigi
(2000, p. 303) traça alguns comentários a respeito da ênfase dada aos espaços públicos nas
principais teorias, uma vez que certamente
, ele “é tão antigo quanto as cidades, mas nos
termos em que colocamos, como o mais importante segmento do direito ao entorno, suas
teorias mais consistentes são recentes”. Desta forma temos que:
O domínio geográfico do espaço público é extenso: todo sistema de
arruamento para circulação local e regional; as vias férreas; os edifícios e
terrenos afetados diretamente ao público ou a um serviço público; as
servidões; os domínios públicos marítimo, aéreo, fluvial, mobiliário...
Muitos dos quais, ainda, que de administração terceirizada não deixam de
pertencer ao Estado. Todavia, neste trabalho estou considerando tão
somente o espaço público urbano das calçadas enquanto sistema do
pedestre. (YÁZIGI, 2000, p. 303).
Nossa intenção também é analisar algumas premissas sobre o espaço público urbano
que engloba as ruas e calçadas, uma vez que Yázigi (2000) apresenta uma relação de
autores que apontam considerações a respeito do público e do privado, como Mumford,
Strauss, Richardson e outros, embora destaque a importância do pensamento de Sitte,
Choay, Le Corbusier e Habermas que contemplam uma sistematização pormenorizada do
conceito de espaço público, uma vez que:
Seu enfoque principal não é precisamente o do espaço urbanístico - que
obviamente ele não negligencia. É muito mais amplo, é todo processo de
publicização da vida no ocidente, sem o quê não entenderia o significado
maior deste fragmento de cidade. Então, mesmo não sendo um teórico
específico de cidades, torna-se indispensável considerar suas colocações
históricas e conceituais. Para ele, as autoridades privadas e públicas são
de uma unidade indissociável, pois derivam de um poder hegemônico.
(YÁZIGI, 2000, p. 307).
De acordo com as interpretações de Yázigi (2000), Ledrut atenta para o fato de que
a oposição entre público e privado não pode ser considerada no nível do individual e social,
“pois usualmente a sociologia tem levado a considerar o privado como social” (YÁZIGI,
2000, p. 309).
Ainda, para esse autor:
[...] seria errado considerar as reivindicações da vida privada como
‘individualistas, do mesmo modo que tornar as coisas ‘públicas” seria
mais “social”. A reciprocidade público-privado depende do tipo de
civilização e de sua história. Um contém o outro. A origem latina do
termo privatus significa, justamente, separado do Estado. O Estado se
privavas de um bem mas, por ato sempre passível de revisão. Este, então,
se afigura como algo exterior, marcado de negatividade; o de fora que
ameaça o de dentro, no sentido também colocado por Da Matta – e que
no mundo hispano-americano é chamado de viveza criolla ou cultura da
esperteza. Mas o Estado é também o que reivindica ordem na
comunidade. Por isto, a propriedade privada não precede o Estado, ela
se estabelece no mesmo tempo que ele (Ledrut, 1991: 152). O Estado,
conclui Marilena Chauí (1993: 277) é a passagem do interesse particular
para o interesse geral, das vontades individuais para a vontade geral,
dos bens particulares para o bem comum. (YÁZIGI, 2000, p. 309)
De acordo com a visão dos teóricos americanos, e principalmente de Jane Jacobs, os
espaços da rua podem ser interpretados no nível da segurança, pois é necessário haver uma
demarcação do que é público e do que é privado para que não haja confusão a respeito da
apropriação. Contudo, a autora destaca que é preciso conceber a rua em seu movimento,
enfatizando os contatos, e recrimina aqueles que buscam construir uma “cidade entre
muros”. Assim:
Em seu raciocínio entre o público e o privado, Jane Jacobs é levada a
resguardar a intimidade, difícil de ser mantida nos lugares em que todo
mundo sabe da vida de todo mundo. Na cidade grande, a intimidade é um
de seus tesouros para a maioria da população. Sua crítica é que a
literatura arquitetônica e urbanística trata este problema em termos de
janelas ou visuais, como se a intimidade se resguardasse apenas com o
evitar as espiadas para os interiores. Não é com janelas que se resolve o
problema do privado. (YÁZIGI, 2000, p. 311)
Entendemos sobre esse prisma que a rua é o limite entre o que pode ser considerado
público e o que é tido como privado. O pensamento brasileiro através de pesquisas a
respeito desses matizes traduz a relação da calçada como sendo muitas vezes, uma extensão
da própria casa. Assim, as análises extraídas dessas pesquisas:
Revelaram que o sistema de espaços existe apenas em conexão com o
sistema de valores – ambos impensáveis sem correlação com o sistema
de atividades do grupo social. Assim, distinguem um conjunto de
espaços, associado a um conjunto articulado de valores: os recortes da
casa e da rua com as categorias que lhe são homólogas; o segundo
conjunto refere-se ás nuances entre público e privado; formalidade-
informalidade; visibilidade - invisibilidade aplicáveis ao primeiro
conjunto. (YÁZIGI, 2000, p. 325)
Todavia, Carlos (2001) fundamenta uma discussão que traz a seguinte constatação:
Uma primeira aproximação alude à idéia de que o espaço público volta-
se a uma pluralidade de usos, mas fundamentalmente este espaço da
cidade é aquele do encontro de pessoas – direta ou indiretamente -, é
aquele da visibilidade de ações. Não se trata de opor o público ao
privado, na realidade o espaço público tem uma multiplicidade de
sentidos para a sociedade em função da cultura, hábitos, costumes. Em
muitos trabalhos, os espaços públicos se referem àquele dos
equipamentos coletivos, mas estes espaços têm um sentido outro
enquanto possibilidades de apropriações múltiplas, funcionando como
lugar de encontros - desencontros - são também o lugar da comunicação,
do diálogo, de morar, de brincar, de namorar, de se expor, de conversar,
de reivindicar, por isso referem-se a usadores e não a usuários de
equipamentos coletivos, uma diferença fundamental. (p. 65-6).
A diferença reside no fato de que se cria uma imagem do espaço público associado
ao sentimento de pertencer àquele espaço, ou seja, produz-se uma identidade ligada ao uso,
mas que se converte em valor de troca quando as relações no espaço tido como público
ocorrem por meio da comercialização de mercadorias, como é o caso dos camelôs e
ambulantes que podemos associar à multiplicidade de sentidos relacionados, ainda, à
cultura e aos costumes a que a autora se refere. Em várias cidades, as mercadorias ficam
dispostas nas bancas para serem comercializadas, refletindo uma imagem que se assemelha
às feiras, porém com singularidades que estão ligadas às mudanças nas formas de acesso
aos espaços públicos, pois:
Constata-se, hoje, a tendência segundo a qual, cada vez mais, os espaços
urbanos são destinados à troca – o que significa que a apropriação e os
modos de uso tendem a se subordinar cada vez mais ao mercado. Em
última instância, significa que existe uma tendência à diminuição dos
espaços – onde o uso não se reduz à esfera da mercadoria e o acesso não
se associa à compra e à venda de um “direito de uso temporário.”
(CARLOS, 2001, p. 64).
A apropriação e a subordinação do espaço público no plano do econômico ressalta a
idéia do espaço-mercadoria, uma vez que os ambulantes e camelôs utilizam o espaço
público das ruas, calçadas e praças para vender os produtos, mas sem transformar a idéia do
espaço público em privado, pois não compram os pedaços do chão e nem pagam um
aluguel por se alocarem nessas áreas. Poderíamos pensar que esses espaços fazem parte das
estratégias de reprodução da vida? Ou não?
Há uma demonstração indicada por Yázigi (2000), em que faz menção ao fato de
que nas ruas acontecem todos os tipos de transações, as legais, mas que no fundo são ilegais
e vice-versa. A referência deste autor está baseada na realidade de São Paulo, mas, no
entanto, podemos associar os fatos com outras situações, uma vez que:
Como em outras formas de economia, o comércio de rua apresenta
estabelecimentos legais e ilegais, com preponderância dos segundos: isto
é, não possuem o termo de permissionários. Além disto, incluem outras
ilegalidades banidas pelo Código Penal (drogas, prostituição,
contrabando, etc) - donde, também, a clandestinidade. Trata-se de um
cenário que comercializa quase que só bens produzidos em outros
lugares, salvo casos particulares. Aí torna-se cada vez maior o volume de
produtos originários do circuito superior, repassados clandestinamente,
sem notas ou recolhimento dos devidos impostos. (YÁZIGI, 2000, p.
183).
Tais considerações são esclarecimentos sobre o funcionamento não só das
atividades que se desenrolam nas ruas, mas de todas que fazem parte do esquema de
aquisição de lucro, pois para analisá-lo é preciso avaliar o conjunto em que se insere a
economia urbana, já que “a busca de formas eficazes de possíveis regulamentações do
comércio de rua terá de ter por base o repensamento de todo o processo produtivo”
(YÁZIGI, 2000, p. 182).
Ainda, segundo o autor, não podemos interpretar o informal como
uma dualidade, pois há relações entre a formalidade e a informalidade apontadas neste
trabalho por autores que demonstraram que não é possível haver uma separação entre
ambas, pois elas estão contidas na amplitude do processo produtivo. (YÁZIGI, 2000).
A economia de rua que tem como elemento principal a figura dos camelôs e
ambulantes é dependente de espaços que são públicos, mas que se tornam privados quando
alguém que se encontra nessa condição vende o lugar que lhe foi concedido para trabalhar.
A exemplo disto temos situações em que venderam ou alugaram o boxe (ou a banca) para
outros, o que significa a dominação através da propriedade privada de um espaço que é
público. Assim, por fazer uso desses espaços:
Não pagam aluguéis mas apenas taxas municipais praticamente
simbólicas, quando são legalizados. Nesta territorialidade, caracteriza-se
ainda, em variados casos, por nomadismos conforme o calendário de
eventos, deslocam-se para onde há concentração de pessoas, conforme o
horário de entrada-saída: jogos de futebol, escolas, cultos, etc. Em alguns
casos há continuidade noturna. Estes são os genuínos ambulantes.
(YÁZIGI, 2000, p. 184).
Para muitos que vivem do comércio dito formal, nem sempre retirá-los das vias
públicas é a melhor solução para a questão, pois atraem uma clientela que por ser
diversificada também permite que o consumo se diversifique na imagem do diferente,
daquilo que vimos discorrendo como sendo “novos espaço de consumo”. Na verdade,
quando levantamos o questionamento sobre o que é formal e informal na relação do público
com o privado, buscamos tecer uma análise que contempla a constatação de que a
organização e a apropriação dos espaços são controladas por redes que os comandam e
dominam, isto é, são mais uma vez espaços de dominação para a reprodução do capital.
Para Yázigi (2000) ocorre o seguinte:
Sabe-se que mesmo a distribuição legal de pontos passa, grandemente,
pelo controle dos grupos organizados. Pelo tipo de permissão que têm,
não fornecem notas fiscais ou garantias de produto por escrito. Entre os
clandestinos a garantia é mais impensável ainda. Apenas alguns
ambulantes, por serem considerados um tipo de comércio tradicional,
emitem notas e pagam ICMS. Seus preços são normalmente mais baixos
e seus produtos considerados de segunda linha, isto é, usualmente falsos.
(p. 184).
As administrações públicas, por sua vez, sabem e reconhecem que o comércio de
rua é uma situação que não tende a desaparecer, portanto, algumas soluções como a
construção de camelódromos e mais freqüentemente, os shopping populares foram criadas
para amenizar os problemas. Sobre o espaço público Yázigi (2000) destaca que:
O Código Civil reparte os bens em públicos e privados. Entende-se por
bem público todos aqueles que pertencem à União, Estado, Município,
Autarquias, Fundações públicas e ainda os que pertencem a pessoas
jurídicas, mas usados para bens públicos: esses têm regime diferente. Os
bens públicos possuem três características fundamentais em seu regime
jurídico: são inalienáveis, isto é, soa as Câmaras podem desafetá-los; são
impenhoráveis, devido ao Artigo 100 da Constituição e são
imprescritíveis, isto é, não são passíveis de usucapião. Chama-se de
domínio eminente o poder pelo qual o Estado submete todo o território a
seu arbítrio. Dentre as classificações, a mais importante se apóia no
Artigo 66 do Código Civil, que os reparte conforme sua destinação: bens
de uso comum do povo, bens de uso especial e bens de uso dominal ou
dominical. (p. 187).
E prossegue dizendo:
Bens de uso comum do povo podem ser usados sem qualquer
autorização comunitária ou igualitária. É o caso dos mares, rios, estradas,
ruas e praças. São tanto gratuitos como onerosos (pedágios). Às vezes
podem ter destinação exclusiva, mas, neste caso, dependem de um ato
administrativo. (YÁZIGI, 2000, p. 188)
O autor, ainda, aproveita os comentários de Meirelles (1992) para ressaltar que nos
espaços de uso comum do povo há o anonimato dos usuários e os bens são utilizados de
forma coletiva (uti universi), fato este que impede o direito ao uso exclusivo do próprio
bem. (Yázigi, 2000). Dentro dessas exigências compreendemos como ocorre a apropriação
por parte dos comerciantes de rua que precisam de autorização da administração do
município para exercerem a atividade de camelô ou ambulante. Assim:
Das hipóteses de permissão de uso, em São Paulo, a mais importante é a
dos ambulantes. De acordo com a Lei 11 0 39, de 23.8.1991, que
disciplina o exercício do comércio ou a prestação de serviços ambulantes
na vias de logradouros públicos, por ambulante entende-se o vendedor ou
prestador de serviços, aí se incluindo formas de comércio, lazer, e
publicidade comuns. O jargão popular de marreteiro é usado para os que
não têm licença. No caso dos camelôs, que são os mais comuns, os
termos de permissão mais importantes são destinados a três tipos de
candidatos: deficientes físicos de natureza grave; deficientes físicos
de capacidade reduzida; idosos com mais de sessenta anos e
deficientes incapazes. (YÁZIGI, 2000, p. 189).
Essas considerações são condizentes com a realidade da cidade de São Paulo, uma
vez que podemos notar que tais imposições também se repetem em cidades, como no caso
específico de Anápolis, que tem o “Código de Postura do Município” e que apresenta
restrições quanto à atuação dos comerciantes de rua. Da Matta (1997) descreve uma
passagem interessante apontando que:
No mundo social brasileiro, o que sempre se espera em qualquer situação
de conflito ou disputa é o ritual do reconhecimento, que humaniza e
personaliza as situações formais, ajudando todos a hierarquizar as
pessoas
implicadas na situação. Quando isso pode ser feito de modo
imediato, tudo se resolve com grande facilidade, não havendo nem
mesmo o conflito. Pertence à nossa consciência social a distinção do
tratamento por meio da regra geral (e dos seus respectivos papéis sociais)
como um modo de negar ou inferiorizar alguma coisa ou alguém. Assim,
invocar a lei universal é quase que um eufemismo para a negativa que
jamais é dada, utilizando-se como foco a justificativa pessoal. Deste
modo, é comum ouvir-se o seguinte: “Bem... eu por mim até que poderia
aceitar suas explicações, mas a lei determina este tipo de procedimento e
eu não tenho escolha senão prendê-lo (ou multá-lo)!” (p. 81).
Ao interpretarmos as considerações do autor, compreendemos que as questões
relacionadas à apropriação do espaço público apresentam uma situação de conflitos
baseados na disputa e que colaboram para que a formalidade apareça como humanizadora
do ponto de vista dos privilégios. Em virtude disto, há situações que envolvem os
comerciantes informais quando agem fora das regras legais levando à repreensão em função
das justificativas pessoais que estão associadas, principalmente ao direito de permanecer ou
não num determinado lugar ou mesmo se têm contribuído com o pagamento de impostos.
Há sempre um motivo para uma apreensão ou aplicação de multas no que tange à atuação
dos camelôs e ambulantes.
Assim, de acordo com a determinação do “Código de Postura do Município” de
Anápolis:
O exercício do comércio ambulante, por conta própria ou de terceiros,
dependerá sempre de licença especial e prévia da Prefeitura. A licença a
que se refere o presente artigo será concedida em conformidade com as
prescrições deste código e as da legislação fiscal deste Município. A
licença será para o interessado em exercer o comércio ambulante nos
logradouros públicos ou em lugares de acesso franqueado ao público, não
lhe dando direito ao estacionamento. A licença de vendedor ambulante só
será concebida pela Prefeitura mediante o atendimento pelo interessado
das seguintes formalidades: I-requerimento ao órgão competente da
Prefeitura, mencionada a idade, nacionalidade e residência; II-
apresentação de carteira de saúde ou atestado fornecido pelo Centro de
Saúde provando que o pretendente foi vacinado, não sofre moléstia
contagiosa, infecto-contagiosa ou repugnante; III- adoção de veículo
segundo modelos oficiais da Prefeitura; IV- vistoria do veículo a ser
utilizado no comércio de gêneros alimentícios; V- pagamento da taxa
devida pela licença; VI- pagamento da taxa correspondente ao veículo a
ser utilizado; VII- pagamento da taxa de auferição de balanças, pesos e
medidas, quando for o caso. (CÓDIGO DE POSTURA, CAPÍTULO V,
Art. 331-332)
De acordo com os apontamentos descritos no Código de Postura percebemos as
restrições que são impostas àqueles que dependem dos espaços públicos para realizarem as
atividades, visto que as exigências ligadas ao estado de saúde ocorrem devido aos diversos
produtos naturais comercializados, como frutas e verduras, e que necessitam de higiene,
pois a aparência do lugar é um aspecto a ser considerado nesta situação. Em se tratando do
comércio ambulante não há ruas especializadas para a compra e venda dos produtos, elas
ocorrem no ambiente do centro e na dimensão das atividades do setor terciário, sem haver
uma separação por setor ou por tipo. De fato, estão misturadas umas às outras,
caracterizando a proliferação e a disputa pelo consumidor. Aos promotores imobiliários (os
verdadeiros donos dos pedaços da cidade) a localização do comércio de rua no centro cria
uma imagem de degradação, cujas estratégias de renovação urbana passam pela lógica da
camuflagem, ou seja, capitalistas e poder público buscam alternativas para transformar a
área central num espaço reprodutivo do ponto de vista do capital e não da reprodução da
vida, mas que não contempla a todos os que tentam ser usuários do centro.
A visão de Alves (1999) destaca que a disputa pelos usos dos espaços públicos
centrais está ligada à dimensão do consumo associado, ainda, ao que Carlos (2002) apontou
como sendo “espaços do consumo” e o “consumo dos espaços” tomados enquanto valor de
troca em detrimento do próprio uso. Desta forma, temos que:
O urbano hoje não pode ser limitado a esse território, já que a vida
urbana se apresenta (mesmo que parcialmente colocada) e se difunde por
outros locais, criando espaços, que, embora tenham uma dimensão
natural, afastam-se da idéia de natureza (primitiva), principalmente pela
presença marcante de um de seus aspectos: o consumo. Na vida moderna
consome-se tudo ou somos levados a tudo consumir; o tempo é o do
relógio, ainda que não trabalhemos numa indústria; as modificações
tecnológicas e do ritmo de vida aceleram-se. Enfim, fazemos parte da
atual sociedade urbana que tendeu a localizar, pontuar, focalizar,
intensificar e concentrar alguns de seus elementos, entre eles e o da
possibilidade do exercício da liberdade e do uso do espaço num lugar: a
cidade. (ALVES, 1999, p. 62).
A autora aponta uma discussão que associa a vida moderna ao ato de consumir, cujo
individualismo apresenta-se incorporado ao cotidiano fazendo com que as pessoas fiquem
preocupadas mais em consumir do que ter outros propósitos, fato este afirmado por Sennett
(1997), uma vez, que o surgimento dos locais específicos para o consumo se torna “parte do
processo de expansão e afirmação da centralidade” (ALVES, 1999, p. 66).
No caso de
Anápolis, a tese que apresentamos está pautada na (re)afirmação da centralidade intra-
urbana no e do centro mediante as atividades comerciais e de serviços formais e informais
presentes na área, o que nos permite apontar a apropriação dos espaços públicos como um
fator primordial na disseminação do fenômeno que compreende os camelôs e ambulantes.
Diante disto temos que há:
[...] uma estratégia urbanística, proposta por grupos organizados como a
Associação “Viva o Centro” e em parte implementados pelo Estado, que
dissimula os projetos na tentativa de se evitar os uso dos lugares públicos
centrais pelas mais diversas camadas sociais, levando a uma anulação ou
restrição da prática socioespacial, que no extremo pode acabar limitada à
aceitação, sem contestação, das normas pré-estipuladas, de forma que
nenhum espaço escape à dominação. Nesse sentido, as restrições
impostas ao uso da rua, das praças, dos lugares públicos, pressupõem que
estes percam sua dimensão pública e democrática. Isso pode ser
conseguido com a valorização do que é privado (pago) em detrimento do
que é público. O que é público passa a ser visto como não pago, logo de
pobre, precário, com mau funcionamento e deteriorado. A deterioração
dos espaços públicos aparece na sociedade e são divulgados na mídia,
quando o assunto é, por exemplo, o ensino e a saúde públicos. (...) Numa
sociedade em que tudo, tendencialmente, se transforma em mercadoria, o
próprio espaço e sua produção apontam para a homogeneização, a
equivalência, a semelhança dos lugares enfim, à priorização do privado,
em detrimento do que é público. (ALVES, 1999, p. 66)
Nessa perspectiva concluímos que:
[...] os espaços públicos fazem parte do processo de reprodução do
capital e, no caso da cidade de São Paulo, te grande concentração no
centro histórico ou tradicional. A concentração dos espaços trabalhados
urbanisticamente com a intenção de serem públicos, no centro da cidade,
do comércio varejista, repartições públicas, estabelecimentos de crédito,
e a possibilidade da tentativa do exercício da cidadania no lugar de todos,
faz com que as pessoas criem uma idéia do centro como a imagem da
cidade enquanto um espaço de liberdade e das possibilidades. (ALVES,
1999, 66-7).
Se os espaços públicos fazem parte das estratégias do capital e de sua reprodução,
isto quer dizer que o lugar das possibilidades se viabiliza por intermédio das atividades que
fomentam o consumo e o lucro. No entanto, quando os camelôs e ambulantes se apropriam
de um espaço público, na atual circunstância em que é uma incógnita definir o que é o
“informal”, entendemos que esse espaço se encontra disponível às práticas capitalistas de
circulação e consumo dos produtos e serviços. O próprio sentido da aglomeração de formas
comerciais e funções permite ao indivíduo criar uma imagem que caracteriza o centro como
o “espaço de todos”. Contudo:
O centro se revela, assim, como lugar da produção e do conflito
permanente. Para melhor entender esse processo, faz-se necessário
analisar as ações que se realizam nesse espaço, e que são concebidas
como estratégias, principalmente pelo Estado e pelos grupos detentores
de poder econômico, para que, depois possamos apresentar as formas de
luta e tentativas de apropriação desse espaço pelos habitantes de nossa
cidade, que, muitas vezes, acontecem sem que necessariamente se
concebam enquanto uma estratégia consciente de luta. (ALVES, 1999, p.
67).
As tentativas de retirada dos comerciantes informais do centro das cidades fazem
parte das ações realizadas no espaço de acordo com os interesses dos grupos que detém o
poder econômico, reformulando as estratégias de atração da própria área central em virtude
do processo de centralização das formas e funções, como destaca Alves (1999) quando
afirma que:
O centro tradicional passa a ter uma alta densidade populacional durante
o dia, resultado do fluxo de pessoas que circulam pelo centro, seja a
trabalho, para consumo nas lojas e/ou marreteiros, para encontros, para
satisfação de necessidades e resolução de problemas ligados ao setor
público. Á noite, o centro fica praticamente “vazio”. O número de
empresas que funcionam nesse período é pequeno. Quanto aos
moradores, pessoas que residem na área central, alguns vivem em
kitchnetes e outro em grandes apartamentos, em edifícios construídos nos
anos 50 e 60. Mas, há muitos que residem em antigos casarões e vilas,
transformados em cortiços, onde pagam aluguel. Esses fatores
caracterizam a área central como de baixa qualidade para o uso do solo
residencial, já que o aumento de habitações coletivas, que oferecem uma
baixa qualidade de vida, é visto como um fator que favorece o grau de
degradação ambiental e social do lugar. Deste modo, todo um
equipamento público (água, luz, esgoto, telefonia, sistema de transportes,
gás, etc) fica ocioso no período noturno. De lugar de encontro, das
possibilidades durante o dia, passa a interdito e perigoso à noite. Mas
não estamos só falando da vida social do centro. Economicamente, o
centro começa a demonstrar sinais de decadência. Empresas deixam de
investir na área central. A redução de investimentos indica para o
descrédito do desenvolvimento da área, bem como a existência de
obstáculos e problemas. São elencados, pelas empresas, motivos para não
investimento, dos quais destacamos: a depredação ambiental, a redução
na segurança pessoal, a dificuldade de acesso veicular e uma legislação
inibidora para edificações que não permitem o maior adensamento da
área. (p. 69).
As cidades de médio porte apresentam características diferenciadas quanto à
dinâmica do centro, uma vez que há uma concentração de atividades e, por isso, alta
densidade populacional a partir dos fluxos canalizados na respectiva área decorrentes do
comércio e serviços direcionados à área. O que difere tais cidades das metrópoles é a
expansão e o surgimento de novas áreas com expressões de novas centralidades que atraem
os fluxos e transformam o centro num local decadente.
A realidade das cidades médias pode ser avaliada a partir da importância que a área
central tem no processo de concentração do próprio capital, pois continua exercendo seu
poder concentrador e, na maioria das vezes, sem que ocorra a degradação moral e social
desse espaço. Quanto a ter uma vitalidade durante o dia e que não se repete no período
noturno, entendemos que há uma centralidade cambiante que se movimenta no tempo e no
espaço, pois à noite outros lugares é que surgem como atrativos, enquanto que ao centro
principal e tradicional cabe a simples tarefa de abrigar aqueles que se apropriam dos
espaços simplesmente para dormirem, são os chamados sem-teto.
Diante disso, o centro passa a ter uma imagem inferior em relação às demais áreas
que vêm se constituindo como novas, uma vez que os investimentos passam a integrar os
interesses dos grupos empreendedores que o associam aos problemas que impedem o seu
dinamismo, interpretados de acordo com o que Alves (1999) destacou ao apontar a
depredação física e, ao nosso entender, também moral, falta de segurança, se comparado
aos espaços dos shopping centers, dificuldades de acesso e estacionamento devido à grande
quantidade de veículos que circulam na área, além da legislação que inibe e impede as
ações desses empreendedores, que buscam novas áreas para atuarem.
Nessa perspectiva, é que surgem os grupos privados que procuram intervir no centro
a fim de extraírem lucros com a transformação dos espaços degradados em espaços
organizados mediante as estratégias de acumulação. Esta é uma condição primordial das
metrópoles, uma vez que Carlos (2001) faz a seguinte referência com relação a São Paulo:
O espaço urbano da metrópole de São Paulo, em seu processo
reprodutivo, apresenta-se com profundas mudanças, algumas muito
bruscas, outras mais lentas, redefinindo usos e funções dos lugares, o que
se traduz pela divisão das atividades no espaço urbano, produzindo
rupturas. O espaço urbano ganha materialidade, inicialmente, por
intermédio da morfologia urbana. Todavia, o adensamento da área
construída, as mudanças nos usos e a redefinição das funções dos lugares
da cidade de São Paulo, gestadas no bojo das transformações, revelam
novas práticas socioespaciais, produzindo novas contradições. (p. 86).
Buscamos traçar um paralelo entre a realidade metropolitana para explicitarmos o
que vem ocorrendo nas cidades médias, principalmente em Anápolis, que apresenta um
centro principal com poder de concentração das formas e funções existentes na área, o que
redefine sua expressividade diante das demais porções da cidade, reafirmando a
centralidade intra-urbana. Esta reafirmação está associada à atividades do setor terciário
que compreende os formais e informais que se instalam de acordo com “o desenvolvimento
do ciclo capitalista” (CARLOS, 2001, p. 86).
A própria dinâmica do centro é que impõe restrições e possibilidades quanto aos
usos e funções dos lugares com base na propriedade privada que acelera as contradições
disseminadas pela “generalização do mundo da mercadoria” (Carlos, 2001, p. 214)
. Nessa
perspectiva, temos novamente a discussão sobre a apropriação dos espaços públicos pelos
comerciantes de rua que a transformam num ambiente de troca, cujo mundo das calçadas
revela a presença dessa categoria no universo da vida cotidiana. De acordo com algumas
entrevistas realizadas por Carlos (2001) podemos perceber a não satisfação com a presença
dos camelôs e ambulantes pelos espaços públicos revelando insatisfações quanto aos modos
de uso desses. Assim, um entrevistado apontou que:
Ficou horrível, com ambulantes e pontos de ônibus. Não tem como andar
na calçada–uns camelôs ficam na beira da calçada e em frente encostados
na parede ficam bancas menores – não há espaço na calçada para andar.
(CARLOS, 2001, p. 224).
Carlos (2001), por sua vez, destaca que:
Negócios inteiros se baseiam na forma improvisada, para a qual a rua é
apropriada, marcando as condições que permeiam a vida cotidiana e a
produção do espaço na metrópole. Isso não ocorre apenas em Pinheiros;
o que se vê agora na Vila Olímpia é a presença de ambulantes nas ruas do
bairro, barracas que vendem de forma improvisada lanches e bebidas,
tomando as ruas e esquinas. A economia informal vai aumentando
diariamente como conseqüência dos níveis de desemprego na metrópole.
(p. 224)
O exemplo que vimos demonstrando se refere à metrópole de São Paulo, mas
queremos enfocar que essa realidade dos espaços públicos apropriados pelos camelôs e
ambulantes é uma situação que não foge à regra, pois são tipos de apropriação que ocorrem
de maneira generalizada pelas cidades. Como pensar os espaços públicos no sentido da
apropriação para a reprodução da vida se vivemos numa sociedade cujos interesses estão
voltados à especulação imobiliária modificando os usos e os sentidos?
Uma vez que:
O espaço como objeto a ser vendido muda o sentido do habitar, visto ele
também como mercadoria: casa e espaço viram e são vistos apenas em
sua dimensão de mercadoria trocável por um preço, entendida como
investimento – esse raciocínio desconsidera o sentido primeiro da casa,
habitar um lugar. Há aqui dupla redução: o plano do vivido a sua
dimensão econômica e o sentido do cidadão reduzido a dimensão de
consumidor de um lugar. A mercadoria não tem história; o seu processo
de produção é cada vez mais impessoal. Nessa dimensão o bairro é ele
próprio um lugar como outro qualquer, sem especificidade ou sentido
outro que “um pedaço da cidade”: à disposição dos instrumentos do
planejamento, palco de estratégias imobiliárias. (CARLOS, 2001, p. 233-
4).
A relação do centro com as demais áreas da cidade enfatizam sua dimensão como
uma mercadoria ligada aos investimentos. Contudo, as mudanças e estratégias de renovação
consideram o econômico e não o social no sentido da impessoalidade. A dimensão do
bairro também pode ser pensada na visão do centro, visto que os papéis desempenhados
apontam para os usos determinados por relações espaço-temporais (Carlos, 2001). No
entanto, temos que:
A rua, domínio do espaço público, por excelência, constrói-se a partir de
experiências vividas, em que os laços que unem as pessoas são cada vez
mais tênues, em que os trajetos se organizam como tempo imposto,
capturado pelo consumo. As ruas, transformadas em lugares de comércio,
pontuadas por vitrines ou ocupadas pelo comércio ambulante, reorientam
os passos e marcam o emprego do tempo na metrópole. (CARLOS, 2001,
p. 240).
Diríamos que não é só na metrópole que isso ocorre, já que a rua moldada em
função do comércio é uma situação que faz parte da normatização imposta pelo sistema
capitalista em que predomina a racionalidade na esfera do lucro. Ainda para Carlos (2001):
(...) a rua regula o tempo além do tempo de trabalho com sua extensão
natural, se submetendo à mesma racionalidade, aquela do rendimento e
do lucro, o que revela o predomínio do econômico levado ao extremo
pelo modo em que as ruas e avenidas rasgam os bairros, afastam o
flaneur, as donas de casa, as crianças e os velhos, e onde a eliminação
dos símbolos se dá de forma inequívoca em proveito dos espaços que
normatizam o comportamento, organizam o tempo e o uso do espaço,
coordenando as relações sociais medidas pelas mercadorias. (p. 243).
A rua por sua vez, expressa o movimento das proibições/restrições/coações imposto
pelo poder público, além da condição de ter se transformado num “lugar de passagem”, de
comércio, cujo o próprio espaço tornou-se expressão da troca. Assim, a apropriação
também favorece a troca, uma vez que “ao sentido do uso prático se superpõe o consumo
do signo, e a mercadoria passa a ser produtora de uma realidade
, pois se transforma em
objeto valorizado e desejado em si mesmo”. (CARLOS, 2001, p. 250)
. Contudo, a rua,
como um objeto desejado, é caracterizada como interesse advindo tanto dos gestores quanto
da população, que contraditória em suas ações critica a atuação dos comerciantes de rua ao
mesmo tempo em que consome os produtos vendidos por estes. Assim, em qualquer
situação:
As compras e os lugares de compras são importantes para pensar as
relações entre as pessoas no bairro e as transformações que o bairro sofre,
no aspecto do uso, da função, mas também no relacionamento das
pessoas com o bairro e com as outras. O que se observa é que há
profundas transformações no comércio, que se torna cada vez mais
impessoal e massificado, em nome da diminuição dos preços dos mais
variados produtos. (CARLOS, 2001, p. 259).
A discussão que a autora aponta a respeito dos lugares destinados às compras e as
relações estabelecidas no contexto do bairro refletem a função do centro urbano no aspecto
dos usos, uma vez que esta área também é considerada um bairro e apresenta situações que
expressam a dinâmica da reprodução dos espaços diante dos conflitos e das estratégias.
Contudo, as ações que retiram do centro das cidades os camelôs e ambulantes fazem parte
das atitudes e anseios de uma sociedade que tem como característica as necessidades
diferenciadas que contextualizam a dinâmica socioespacial.
Por outro lado, as mudanças no comércio vêm ocorrendo por meio do acesso à
internet incentivando o comércio eletrônico, tornando-o impessoal, de forma que as pessoas
não precisam mais sair de casa para realizar as compras, visto que o contato entre o
vendedor e o comprador se dá pela tela do próprio computador. Já o consumo de massa
pode ser entendido a partir da generalização e do fetiche das mercadorias associados às
estratégias do sistema capitalista, embora haja uma ligação entre as pessoas que buscam os
preços mais baixos para os produtos que procuram, pois não há contatos mais profundos
entre as pessoas como antigamente ocorria quando alguém entrava num mercado e acabava
fazendo amizade com o proprietário.
O que vem acontecendo, atualmente, é que o tempo de cada um é diferente e as
exigências e satisfações são realizadas de acordo com as possibilidades econômicas e
sociais, já que o contato daqueles que fazem uso das mercadorias dos comerciantes de rua,
ainda é possível na figura do consumidor, que é algo expressivo na atual conjuntura
econômica, mesmo com restrições às atuações, levando-se em consideração que a
persistência dessas atividades no centro cria o ambiente das trocas mediante a simples
ocupação do espaço público. Desta forma:
[...] através do Estado, o espaço é um elemento de dominação em
contradição ao espaço da apropriação revelado, claramente, nas lutas que
se realizam no espaço questionando as contradições geradas no processo
(como por exemplo, a necessidade de uma renovação urbana em
detrimento de uma outra melhoria, na cidade, como escola ou saúde).
Assim, sob a forma da renovação urbana as transformações
necessárias a reprodução do capital aparecem travestidas de necessidade
social imposta pelo Estado enquanto de “interesse público” criando a
representação necessária, capaz de dissimular os conflitos de interesses,
com o discurso da “modernização necessária ao crescimento; com esse
objetivo deslocam-se favelas expulsa-se a população residente; destroem-
se bairros inteiros. É assim que o processo de mercantilização do espaço,
enquanto condição da reprodução do capital, só pode se realizar, num
determinado momento do processo de urbanização, pela mediação do
Estado; com isso, através de mecanismos de gestão, o Estado interfere na
reprodução espacial, não apenas redefinindo usos e função do espaço,
mas alterando, substancialmente, a prática espaço-temporal.. (CARLOS,
2004, p. 93).
Carlos (2004) prossegue dizendo que:
Convém sublinhar que as estratégias que percorrem o processo de
reprodução espacial são estratégias de classe, referem-se a grupos sociais
diferenciados, com objetivos desejos e necessidades diferenciadas, o que
tornam as estratégias conflitantes; o Estado, por sua vez, desenvolve
estratégias que orientam e asseguram a reprodução das relações no
espaço inteiro (elemento que se encontra na base da construção da sua
racionalidade). Assim o espaço se revela enquanto instrumento político
intencionalmente organizado, e manipulado pelo estado; é portanto um
meio e um poder nas mãos de uma classe dominante que diz representar a
sociedade, sem abdicar de objetivos próprios de dominação. Nessa
perspectiva, o estado, através de renovações urbanas, reorganiza as
relações sociais e de produção. A renovação urbana se inscreve, assim,
num conjunto de estratégias políticas, imobiliárias e financeiras com
orientação significativa no processo de reprodução espacial que converge
para o aprofundamento da segregação e hierarquização espacial a partir
da destruição da morfologia de uma área da metrópole que ameaça e
transforma a vida urbana reorientando usos e funções dos lugares da
cidade, expulsando a população para a periferia ou, para quem pode
pagar, para bairros próximos ao centro. (p. 94).
A renovação urbana contempla uma visão de dominação dos espaços que ligados
aos setores econômicos realizam intervenções nestes de acordo com interesses da minoria,
que atua como elemento controlador das decisões em benefício dos grandes grupos
financeiros contribuindo para a condição do espaço na forma de uma mercadoria apoiada
no valor de troca. Para Sobarzo (2004), a dominação e a apropriação não devem ser
compreendidas como termos excludentes e dicotômicos, uma vez que ambas se
complementam para atingir o significado da própria oposição dos conceitos. No entanto:
A apropriação dá significado ao espaço público, interligando as esferas
do privado e do público. A apropriação constitui, assim, um
prolongamento do privado no público, efetuado mediante o uso, tratando-
se, desse modo, de uma “privatização corporal” porque feita pelo corpo
do habitante que sai do espaço privado da casa (dentro) e vai
“conquistando” para seu uso, para sua vida e, em último termo, para a
sua reprodução uma parcela do espaço público (fora) definida pelas suas
trajetórias. (SOBARZO, 2004, p. 148).
De acordo com o autor percebemos que a apropriação dos espaços é uma condição
que ocorre mesmo quando estamos circulando pelas ruas e calçadas que são vias públicas,
fato este caracterizado como “privatização corporal”. Nestas circunstâncias, apontar que
somente os camelôs e ambulantes é que se apropriam dos espaços é uma situação que
exclui os atos dos demais cidadãos no contexto da vida nas cidades. Contudo, Sobarzo
(2004) avalia que:
É importante destacar que a apropriação relacionada ao uso dos espaços
públicos também apresenta o que temos chamado anteriormente de uma
dimensão restrita, ou seja, quando a apropriação consiste não numa
privatização que não permite o uso e a apropriação para os demais
usuários. (p. 148).
A apropriação relacionada ao comércio de rua se configura numa atitude que vai
além da corporal, uma vez que permite o uso dos espaços aos demais usuários no contexto
da dominação da mercadoria, pois se o ambulante caminha até o local onde instala sua
banca, já é uma expressão dessa apropriação corporal a que se refere Sobarzo (2004), no
âmbito restrito, enquanto que os usuários de um modo geral também se apropriam dos
espaços no momento em que estão consumindo algum tipo de produto, constituindo uma
apropriação mais ampla, pois envolve várias pessoas. Nesta perspectiva é que devemos
traçar um caminho para a superação da dicotomia entre o público e o privado, visto que
todos nós fazemos apropriações de vários espaços e em vários momentos cujas atitudes
expressam o movimento da vida cotidiana.
É interessante a análise que ao autor faz sobre a apropriação dos espaços levando-se
em consideração três tipos: o primeiro, que já comentamos que é a apropriação corporal
através da caminhada, o uso do transporte coletivo e o uso de veículos particulares, que
juntos combinam formas diferenciadas de apropriação caracterizando “diferentes cidades
numa mesma cidade” (SOBARZO, 2004, p. 151). De fato, o que nos interessa sobre tais
apontamentos, é o movimento que envolve o centro da cidade, pois a forma como os
cidadãos se apropriam da área central reflete a importância quanto aos usos para cada
indivíduo. Assim:
No centro da cidade, é preciso caminhar e se apropriar das ruas até o
destino: novamente a apropriação pelo corpo, trajetórias que se cruzam
na praça ou no calçadão, público ou privado interagindo, as pessoas
como seres individuais conformando um público, privatizando-o por
meio do seu uso. (SOBARZO, 2004, p. 153).
Essa análise revela que a dinâmica do centro das cidades destaca uma apropriação
que se manifesta nas intenções e na maneira como cada indivíduo concebe esta área, uma
vez que é uma apropriação de movimentos “lentos” que possibilita o conhecimento e o
reconhecimento na e da cidade, pois “a apropriação pelo corpo, no uso cotidiano, permite a
superação do espaço abstrato, porque no uso se manifesta a vida, a necessidade de produção
e reprodução dos habitantes” (SOBARZO, 2004, p. 153)
Ainda, para Sobarzo, com relação ao centro das cidades, “é comum ouvir falar sobre
a decadência ou até morte destes, assim como sobre as iniciativas para sua revitalização”
(2004, p. 156).
Entretanto, buscamos enfatizar que em algumas cidades o centro deixou de
expressar sua força em relação às demais áreas devido ao surgimento de novos eixos, novos
nós de circulação, mas há uma população que porventura, faz uso dos espaços centrais
mediante as necessidades e interesses que a orientam no sentido da identidade da referida
área. Sobarzo (2004, p. 202) destaca que “é justamente essa população que se apropria do
centro e que no seu uso cotidiano o enche de movimento e vida, transformando-o num
lugar que cria identidade e permite o reconhecimento”.
Na verdade, o reconhecimento do centro ocorre para todos os seus usuários na
perspectiva do conteúdo expressivo no movimento das ações e possibilidades, uma vez que
a objetividade dada pelo sistema capitalista produzindo e reproduzindo o espaço da
dominação apresenta relações subjetivas que permitem a apropriação no plano do vivido, já
que é na “apropriação cotidiana que o espaço se abre às possibilidades”. (SOBARZO, 2004,
p. 179).
A apropriação do centro, então, com suas resistências e persistências caracteriza
um conjunto prático de forças que controlam e comandam o espaço atrelado à modificação
da abstração pela vida cotidiana pelo viés da luta pelos usos dos espaços públicos. Alves
(1999), assim, se reporta à situação quando afirma que:
A existência de camelôs no centro expõe o problema do desemprego na
cidade, bem como uma das soluções encontradas pelas pessoas que por
ele são atingidas. Mas aí temos, novamente, a instalação da luta pelos
usos dos espaços públicos centrais. Enquanto os camelôs, os pedintes, os
mendigos, as crianças de rua usam o centro em sua estratégia de
sobrevivência, a tentativa da retirada de todos estes das ruas da área
central (tanto do chamado centro velho, como do expandido) faz parte da
estratégia de “limpeza populacional” da área, levada a cabo pelo poder
estatal, ainda que essa população seja o retrato das condições sócio-
econômicas de parte da população paulista hoje. (p. 133).
Tal retrato não condiz somente com as condições socioeconômicas da cidade de
São Paulo, mas apresenta um panorama que indica a realidade do país de um modo geral,
além da própria organização da categoria dos informais que pode ser associada às
estratégias capitalistas em função do sistema da camelotagem e pirataria, embora uma
quantidade suficiente de pessoas que vivem do comércio de rua se enquadra nessa condição
por uma questão de sobrevivência. Alves (1999) avalia, segundo algumas entrevistas
realizadas na pesquisa, que no caso específico da metrópole paulista há lugares no centro
que poderiam ser destinados aos camelôs e ambulantes sem que fossem totalmente retirados
da área com as famosas operações urbanas com intuito de revitalizar os espaços centrais, já
que:
A feira, hoje, existe pela iniciativa e necessidade de sobrevivência de
pessoas que, como camelôs, organizaram todo o viaduto de forma que em
um dos lados se instalaram as barracas e de outro está livre para a
circulação dos pedestres. Mas, os que nele trabalham o fazem com medo,
não dos possíveis assaltos, visto que para garantir seus trabalhos possuem
e pagam segurança particular no viaduto; além da propina paga aos
fiscais da prefeitura que cobram para fingir que não os vêem e assim não
os autuam. Os que afirmavam estar desempregados, mas que não haviam
desistido de procurar empregos, dizem cada vez mais ser difícil uma
colocação, já que o mercado parece estar requisitando uma qualificação
cada vez melhor, até para a função de balconistas, exigindo-se para isso
2
O
grau completo. Isso dá indicações do novo perfil de trabalhador que se
exige. Reduz-se o número de ofertas de emprego, não só pela recessão
econômica, mas também pelo aumento de tecnologia, em algumas áreas,
o que leva as empresas, altamente sofisticadas, a trabalharem com um
número reduzido de funcionários. Quando se divulga que empresas como
a Fotótica voltam ao centro após dez anos de afastamento, ressalta-se que
isso foi possível devido à incorporação de alta tecnologia, o que reduziu a
necessidade de grandes espaços e de um grande número de trabalhadores.
Mas ainda, assim, o centro, ou pela presença ou pela crença continua a
ser procurado como local de possível oferta de trabalho, graças à
diversidade de atividades que ainda encontra e pelo seu acesso. (ALVES,
1999, p. 133-4)
O centro é o lugar das tentativas e das possibilidades, onde o diferente acontece e os
desafios contestam a imagem da diversidade das formas e funções com conteúdos que
descrevem “a possibilidade do encontro com desconhecidos, com a garantia do anonimato”
(ALVES, 1999, p. 134). Ainda para Alves (1999):
Os lugares públicos do centro, além de marcarem a existência do poder,
também se apresentam como possibilidade para o exercício da liberdade.
Os lugares públicos caracterizam-se por serem locais onde é possível
discutir-se livremente, estabelecendo relações entre diferentes, mesmo
que permeadas pela compra e aquisição de produtos. Esses lugares
tornam-se os espaços da liberdade, do anonimato que possibilitam o livre
trânsito pela cidade, sendo, portanto, uma derivação do movimento, hoje
quase totalmente ligado ao ato do consumo normatizado, o que tende a
levar o isolamento das pessoas que acabam por se sentirem vigiadas. (p.
172).
O que buscamos destacar neste item sobre a relação da apropriação dos espaços
públicos pelos camelôs e ambulantes são as estratégias que fazem do centro uma área
imprópria para as funções que buscam o convívio na experiência do vivido, na literatura
das festas, pois o centro em si precisa estar planejado de acordo com as estratégias do
sistema econômico revelando a racionalidade do lugar. Mas como pensar nos espaços
centrais sem a presença dos comerciantes de rua? A idéia do centro não é para aqueles que
o planejam, do ponto de vista da normatização, como uma área que deve servir ao uso
atrelado ao consumo? Portanto, a informalidade apresenta-se como uso e consumo ligada à
formalidade racional do centro pela via do público interagindo no privado, isto é, as
atividades se complementam numa realidade em que não é mais possível separá-las do
contexto que compreende a área central, embora por outro lado, hajam iniciativas que
procuram transformar todos os espaços na esfera dessa normatização, “impedindo a
apropriação do espaço, através da propriedade privada” (ALVES, 1999, p. 187).
Ao impedir os usos através das coações que condenam a presença de comerciantes
informais cria-se uma situação em que as opressões se tornam marcantes, já que os fiscais
perpetuam a condição de ilegalidade das atividades, pois o pagamento de propina revela o
lado doloroso dessa categoria muito mais do que a falta de benefícios. Não seria uma forma
de contornar o problema se o poder público e os grupos dominantes organizassem os
espaços para também atendê-los, já que a apropriação também se dá no nível do caminhar
pelas ruas e calçadas, assunto este mencionado anteriormente? E como nos falou Santos
(1979), o circuito inferior não é capaz de gerar renda sozinho, depende do superior para que
continue existindo em sua concretude. Contudo, mesmo com os espaços do comércio de
rua, assim como todos os que estão ligados à dinâmica do consumo associado ao valor de
troca configurando na imagem de um centro ligado “na imitação de um modelo de
felicidade forjado na posse de bens; na propriedade privada; na importância da instituição e
do mercado; do poder repressivo que induz à passividade pelo desaparecimento das
particularidades” [...] (CARLOS, 2004, p. 150), há diversas formas de apropriação dos
espaços com base na propriedade, mas que estão associados aos usos na escala do corpo, ou
seja, é mais freqüente ocorrer este tipo de apropriação no sentido restrito do que as que
beneficiam uma sociedade inteira, pois o sistema capitalista não permite a união de todos.
Para Santos (1996):
Os homens “lentos”, por seu turno, para quem essas imagens são
miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse
imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações. A lentidão dos
corpos constataria então com a celeridade dos espíritos? (p. 84).
Os novos espaços de consumo atrelados às estratégias de apropriação dos espaços
públicos centrais revelam uma situação que mascara a realidade e a objetividade do próprio
centro, uma vez que as pessoas procuram esta área na cidade para realizar alguma
satisfação ou necessidade que esteja ligada, em sua maior parte, a algum tipo de consumo,
uma vez que raramente vemos as pessoas privilegiarem esses espaços no âmbito da
sociabilidade, já que esta se encontra segmentada em função do processo de fragmentação
socioespacial. No entanto, por mais que haja discussões que fundamentem o centro como
uma área de encontros, estes ocorrem por meio da ligação com a mera condição explícita da
mercadoria levando-se em consideração que:
O que se ignora é que o motor do processo de produção espacial da
cidade é determinado pelo conflito a partir das contradições inerentes às
diferenças de necessidades e de pontos de vista de uma sociedade de
classes, manifesta na propriedade privada do solo e, conseqüentemente,
no seu uso. (CARLOS, 2004, p. 144).
Podemos concluir, então, que não só os espaços normatizados dão um conteúdo
puramente econômico ao centro, mas também, aqueles que enfatizam os espaços públicos
descritos a partir das ruas e calçadas que se transformaram em pontos comerciais em função
da dinâmica da reprodução dos espaços na esfera do poder. Da Matta (1997) por sua vez
ressalta que o espaço da rua pode servir de apoio para atividades patrocinadas pelo Estado
Nacional.
No capítulo a seguir buscamos concretizar a teoria exposta até o presente momento
com a prática vivenciada pelas experiências que fundamentam o comércio informal na
cidade de Anápolis, caracterizando o que vimos apontando como sendo os novos espaços
de consumo no centro da respectiva cidade. Assim, associamos a teoria com a prática tendo
como parâmetro a compreensão da própria realidade.
CAPÍTULO 3
O comércio informal de Anápolis e as mudanças nos espaços de consumo do centro: a
(re)afirmação da centralidade urbana.
Parte I
Este capítulo foi organizado em duas partes contemplando a dinâmica do comércio
informal existente na cidade de Anápolis, no Estado de Goiás, com destaque para as
atividades praticadas pelos camelôs e ambulantes no centro, analisando e discutindo as
novas formas e os novos usos que se concretizam no espaço urbano. A primeira parte
destaca o período histórico de surgimento e estruturação da cidade, enquanto que a segunda
engloba aspectos atuais de configuração do próprio centro.
A decisão de escolher esta cidade está no fato de já conhecermos um pouco a sua
realidade e queremos compreender mais sobre as formas e funções que compõem o
ambiente urbano. As imagens das ruas, praças e calçadas mediante a atuação dos
comerciantes informais, chamaram nossa atenção para a questão da apropriação dessas
áreas, uma vez que é a opção que vem garantindo a sobrevivência dentro do problema
estrutural do desemprego, como também as mudanças nas formas de consumo, já que o
centro tornou-se um lugar de espaços mistos quanto aos usos, por abrigar novas atividades
que foram sendo articuladas ao processo de circulação das mercadorias de um modo geral.
Assim, temos a combinação dos espaços mediatizados por conteúdos sociais e que
podem ser compreendidos a partir das atividades formais e informais no contexto da
(re)produção dos espaços, pois não podemos eliminar a realidade que permeia os
personagens que compõem esse cenário, ou seja, não podemos ver a cidade separadamente
de suas formas e funções que implica o próprio centro, visto que as atividades dos setor
terciário dinamizam e permitem a (re)criação de novas estratégias comerciais. Buscamos
reunir neste capítulo informações que caracterizam a cidade de Anápolis desde o
surgimento até a constituição como uma cidade média, que está localizada num eixo
importante economicamente, pois fica situada entre Goiânia, que é a capital do Estado de
Goiás e Brasília que é a capital Federal.
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Para maiores detalhes ver o mapa da localização de Anápolis em relação a Goiânia e Brasília.
Esse eixo expressa a relação existente entre os fluxos que se redimensionam e se
redirecionam no território, um a vez que a localização de Anápolis e mesmo do Estado de
Goiás permite o acesso aos demais estados e destaca a importância da área no que tange à
integração do território nacional quanto à questão do desenvolvimento econômico. Assim:
A partir de 1932 a redução das barreiras alfandegárias
através da eliminação gradual dos impostos de exportação
cobrados no comércio interestadual que foram substituídos
por impostos territoriais, permitiu uma maior integração
comercial do estado de Goiás com o país. (LUZ, 2001, p.
6).
No entanto, frisamos que essa integração é fundamental para compreendermos o
crescimento e o desenvolvimento econômico do Estado de Goiás, já que algumas mudanças
nos últimos anos apontam um crescente dinamismo mediante a ampliação das relações
comerciais e a articulação com os outros estados e países no contexto da economia atual.
Contudo, pautamos nossa análise na cidade de Anápolis a partir dos novos espaços de
consumo que foram se reestruturando mediante as novas formas de comércio apontando a
questão da atuação dos ambulantes e camelôs no centro, destacando a dinâmica do setor. A
temática instiga a investigação dos processos que orientam e permitem a (re)produção
socioespacial das cidades contemporâneas atestando para a racionalidade dos movimentos
que engendram as relações capitalistas e sociais nos níveis local e global. Portanto,
conforme revela Benko (1996):
A possibilidade de uma cidade exercer sua supremacia sobre os
processos de valorização do capital depende da organização do seu setor
industrial e comercial. A que consegue operar uma concentração bastante
significativa de poderio financeiro e de sedes de grandes empresas a fim
de que as decisões tomadas por essas diferentes instâncias possam
contribuir para o declínio ou a propriedade do setor
industrial e comercial
de outras cidades vê reconhecida uma posição de líder. (p. 73).
Não estamos propondo avaliar a dinâmica da cidade de Anápolis tomando como
parâmetro uma posição que a destaque como importante no contexto das demais cidades,
em relação à hierarquia urbana, mas apenas considerando alguns aspectos que caracterizam
a mesma, como também o próprio Estado. Assim:
O início do desenvolvimento econômico do Estado de Goiás
ligado às atividades primárias, agricultura, pecuária e
exploração mineral, foi marcado pelo isolamento. Por outro
lado, o Estado de Goiás possui um localização privilegiada
dentro do espaço nacional, estando em contato com as
regiões da Amazônia, Nordeste e Centro-Sul, na qual se
insere. A ocupação mais efetiva do território inicia-se a
partir do ciclo da mineração quando se formaram os
primeiros núcleos urbanos. (LUZ, 2001, p. 8)
No que diz respeito à temática proposta, decidimos abarcar as questões que
esclarecem o surgimento de Anápolis, sua constituição como cidade média e a relação com
o centro principal, pois pautamo-nos na análise que envolve essa área e as novas formas de
comércio e consumo. Entretanto, nossa avaliação se estende aos comerciantes informais, na
figura dos ambulantes e camelôs que usam as vias públicas, além daqueles que se
concentram no camelódromo e no Shopping Popular. Buscamos retratar a organização dos
mesmos e tentar inseri-los no contexto da história da cidade em relação à história do
comércio informal, apontando as estratégias de estruturação do setor, uma vez que
queremos deixar claro que nossa intenção não é aprofundar a discussão que enfoca o
trabalho na categoria dos informais, mas sim, abordar, como já ressaltamos anteriormente,
os novos usos do espaço mediante as novas estratégias comerciais e de consumo que
revelam a dinâmica daqueles que comercializam produtos nos locais considerados “não
formais”.
Dessa forma, destacamos alguns itens abordados neste capítulo que registram a
localização desse segmento no centro da cidade de Anápolis, destacando a apropriação
desses espaços mediante novos usos. Assim, tornou-se imprescindível avaliarmos a
construção do camelódromo e do Shopping Popular, a fim de identificarmos a rua como um
espaço que também atende ao consumo, pois esta era vista apenas como um lugar de
passagem que foi sendo transformado de acordo com as mudanças na economia do país
que por sua vez também podem ser associadas às transformações econômicas globais, ou
seja, a passagem do sistema fordista para a acumulação flexível criou um período de crise a
que Santos (2001) se refere enfocando que:
O processo da crise é permanente, o que temos são crises sucessivas. Na
verdade, trata-se de uma crise global, cuja evidência tanto se faz por
meio de fenômenos globais como de manifestações particulares, neste ou
naquele país, neste ou naquele momento, mas para produzir o novo
estágio da crise. (p. 35).
Podemos, então, afirmar que os comerciantes informais fazem parte dessas
manifestações particulares que Santos descreve acima e que também podem estar ligados à
reprodução dessa categoria, reforçando “o novo estágio da crise”, pois para muitos a
informalidade se desponta como anomalia do sistema, mas que entendemos ser uma saída
perante os próprios avanços dessa crise, embora esse fenômeno não se explique somente
por esta vertente. Nesse sentido, apontamos como relevante o entendimento das questões
que inserem a atuação dos ambulantes e camelôs na discussão do centro relacionando à
centralidade urbana como reafirmação das práticas socioespaciais que ocorrem em função
dos fluxos estabelecidos.
A discussão sobre a centralidade está relacionada à própria condição que o centro
designa como área atrativa e de convergência pelo direcionamento não só das pessoas, mas
de várias funções que concretizam o conteúdo da área central, uma vez que também
significa a divergência quando todos se deslocam para outras áreas. É considerável avaliar
que a região Centro-Oeste é atualmente uma região dinâmica a partir das atividades
econômicas que concentra em função do “agronegócio” e da expansão do setor terciário
(SEPLAN, 2003), visto que o “efeito desse crescimento econômico tem reflexo imediato
nas mobilidades horizontal e vertical da população, que busca novas oportunidades de
sobrevivência e melhoria da qualidade de vida.” (FREITAS, 2004, p. 1).
Freitas (2004), ainda comenta que, embora a cidade de Anápolis apareça na terceira
posição em relação à cidade de Aparecida de Goiânia, no Estado de Goiás, em termos
populacionais, sua importância econômica e regional expressa uma centralidade interurbana
em escala nacional que a eleva para o segundo lugar no que tange aos fatores crescimento e
desenvolvimento. Assim, podemos perceber que o município de Aparecida de Goiânia
apresenta uma ligação imediata com a capital, Goiânia, o que a coloca nessa posição com
relação ao número de habitantes. Nessa perspectiva:
A cidade de Anápolis, nosso espaço de pesquisa, firmou-se como um
centro de importância regional bastante significativo, no qual podemos
encontrar basicamente os mesmos problemas das regiões metropolitanas.
Nesse sentido, a caracterização da demanda por redes básicas de infra-
estruturas, tais como: asfaltamento, saneamento básico, água e esgoto,
escolas, postos de saúde, transporte coletivo, entre outros, observados
principalmente nos vetores de expansão urbana, que ocorre nos trevos
para saída de Goiânia, Brasília e Corumbá, é elemento fundamental para
a análise da realidade de Anápolis. (FREITAS, 2004, p. 3).
Ainda, para o autor, com relação à região Centro-Oeste, onde a cidade de Anápolis
está inserida, avalia que:
O diferencial desta região em relação ao conjunto das cidades ou regiões
brasileiras que justifica a presente pesquisa pode ser evidenciado no
registro de um crescimento na taxa média geométrica anual na ordem de
5,2 % para toda a Região Metropolitana de Goiânia entre 1991 e 1996,
exceto Goiânia, ao passo que esse mesmo crescimento para o Brasil foi
de 1,38%, contribuindo muito para o processo de intensificação da
produção do espaço intra-urbano. (FREITAS, 2004, p. 4).
Ressaltamos que a cidade de Anápolis não pertence à Região Metropolitana de
Goiânia, mas recebe um fluxo migratório intenso que justifica as transformações recentes
quanto à dinâmica da reprodução do espaço urbano com dimensões em níveis interurbano e
inter-regional. De acordo com tais considerações é que a atividade comercial se destaca
como imponente na cidade desde sua formação, uma vez que é preciso compreender:
O papel do setor comercial de Anápolis para a dinâmica urbana, sua
capacidade de adaptação ao processo de modernização que a emergência
das redes técnica impõe sobre as atividades econômicas, induzindo a
especialização do setor e produzindo novas relações espaciais entre os
centros urbanos. Trata-se da valorização do contexto atual da
modernização do setor atacadista que redimensiona a perspectiva da
integração do desenvolvimento econômico local em uma perspectiva
regional. Uma realidade possível no contexto das relações de
complementaridade econômica e espacial que a proximidade entre
Goiânia e Anápolis sugere, estimulando a formação de uma região
articulada e bipolarizada, na qual os dois centros se fortaleceriam através
da expansão da capacidade competitiva que passariam a dispor no setor
comercial atacadista. (LUZ, 2001, p. 13)
As informações que a autora destaca são fundamentais para o entendimento da
dinâmica da cidade de Anápolis, uma vez que há, de um lado, uma adaptação ao processo
modernizador imposto às atividades econômicas favorecendo a especialização do setor
comercial e, de outro, as mudanças nos padrões e formas de consumo que indicam as novas
relações associadas ao paradigma das cidades e seus centros. O que temos, então, são
formas e funções que convivem num ambiente que combina a técnica e a “arte do saber
fazer”, já que as bancas expostas nas ruas e calçadas convivem com os padrões impostos às
empresas que atuam no setor terciário. No entanto, é preciso conhecer a região Centro-
Oeste destacando a realidade de Anápolis e a relação com o centro principal e tradicional.
3.1. A Região Centro-Oeste e o surgimento de uma cidade média: Anápolis e a relação
com o centro principal
3.1.1. Posição Geográfica e Estratégia de Desenvolvimento Comercial
Para compreendermos a urbanização brasileira devemos avaliar o processo a partir
das periodizações elencadas por diversos autores que a dividem em três momentos básicos
para o entendimento da ocupação do território brasileiro. (FREITAS, 2004)
De acordo com Freitas (2004), autores como Chaffun (1995) consideram que:
O momento que antecede o primeiro período foi marcado pela
distribuição da população sobre o território brasileiro determinada pelos
ciclos econômicos constituídos no Brasil. Esse momento foi
caracterizado por uma sociedade rural, com os sítios urbanos isolados e
desconectados entre si. As cidades eram pequenas, e a grande maioria
estava concentrada no litoral, muitas servindo de porto empório para as
exportações de produtos primários. A taxa de urbanização brasileira,
representavam apenas 30% da população total até 1940. A crise
econômica mundial de 1929 atingiu o Brasil, provocando um dinamismo
urbano, demográfico e econômico. A crise da cafeicultura intensifica a
fuga de populações do campo para as cidades e também contribui para
alargar o horizonte de ocupação do espaço
brasileiro, principalmente pela
mobilidade da população em direção ao Centro-Oeste. (FREITAS, 2004,
p. 12)
E prossegue dizendo, conforme Chaffun (1995) que:
O período de 1945 até 1980 foi caracterizado pela grande transformação
na base produtiva com fortes impactos na urbanização. Isso decorreu,
principalmente, como conseqüência da 2ª Guerra Mundial, que acelerou a
atividade industrial, promovendo reforma estruturantes na base produtiva
e nas relações de trabalho, aumentando a empregabilidade nas cidades o
que alimentou uma intensa mobilidade de populações do campo para as
cidades, acelerando o processo de urbanização. Neste mesmo período, a
partir de 1965, “a combinação do crescimento demográfico intenso com a
modernização dos setores produtivos, acelerou o movimento migratório,
facilitado pelos fortes investimentos na melhoria da infra-estrutura,
especialmente no sistema de transporte e comunicação” (Chaffun.1995:
19). Registra-se ainda que o grande dinamismo na mobilidade
demográfica ocorreu preferencialmente para as regiões de maior
dinamismo econômico, redundando num adensamento da população
urbana na região sudeste, alimentando o fluxo migratório intra e inter-
regional. (FREITAS, 2004, p. 13).
É preciso ressaltar que a construção da capital do Estado, Goiânia, na década de 30,
e da capital Federal, Brasília, na década de 50, impulsionou a mobilidade populacional na
região. A estrutura da ocupação urbana nessa região, principalmente no que se refere à
região metropolitana de Goiânia, divide-se em quatro períodos.” (FREITAS, 2004, p. 13).
Os dados da Secretaria de Planejamento de Goiás, Seplan, (1999) destacam o primeiro
período que pode ser compreendido de 1933 a 1945, cuja intenção estava baseada nos
interesses políticos quanto ao processo de interiorização, uma vez que o Estado de Goiás
experimentou um intenso progresso que permitiu a construção da nova capital, sendo
transferida da Cidade de Goiás ou “Goiás Velho” para Goiânia, constituindo mais adiante,
sua Região Metropolitana. (SEPLAN,1999).
O período de 1946 a 1964 marca mudanças significativas para o Brasil, pois a
construção da capital Federal favoreceu os eixos de integração do país com algumas
rodovias que interligavam as regiões brasileiras, ou seja, “a rodovia BR-153, também
conhecida, como Belém–Brasília, o plano de metas do governo 1956-1960 e, sobretudo, o
intenso aporte de recursos externos financiando um novo modelo de industrialização do
país, de caráter internacionalista” (SEPLAN, 1999, p. 5)
. Assim, Freitas (2004, p. 14)
destaca que “em Goiás, esse movimento foi marcado pela criação de estruturas viária e
energética, entre outras”. De acordo ainda com o autor, “de 1964 a 1982, o período da
centralização do poder foi marcado pelo esforço de recomposição do planejamento
territorial, porém sem a articulação necessária entre os municípios de Goiânia e
adjacências” (FREITAS, 2004, p. 14).
O quarto e último período, que vai de 1983 até os nossos dias corresponde aos
impulsos do neoliberalismo atrelado à democratização e à globalização. (SEPLAN, 1999).
Para Freitas apud Rolnik (1994):
Essa globalização, também citada como mundialização, apresenta se a
partir de um processo de reconversão industrial denominado de pós-
fordista, que tem como características básicas: a automação, a
flexibilidade e a terceirização dos processos de trabalho, o que, do ponto
de vista espacial, resulta na eliminação progressiva das grandes plantas
industriais e na disseminação de uma enorme cadeia de subempreiteiros e
prestadores de serviços (p. 354).
E ainda:
Os problemas registrados neste período foram o endividamento
crescente, externo e interno, a asfixia do processo produtivo, com
estagnação das taxas de crescimento econômico, e o aparecimento de um
verdadeiro exército de excluídos configurando uma nova paisagem
urbana para o território brasileiro. (FREITAS, 2004, p. 15)
Dessa maneira:
A formação do corredor metropolitano entre Goiânia e Brasília, com
visível estruturação de um eixo, necessariamente leva à inclusão de
Anápolis como cidade que merece uma atenção especial, tendo em vista
a sua posição geográfica associada a seu papel de cidade média no
Estado de Goiás desempenhando uma importante função na dinâmica
econômica do estado. Nesse sentido, redimensiona a importância
da
cidade supra citada para a compreensão do tecido urbano regional.
(FREITAS, 2004, p. 8)
Porém, segundo o autor, Anápolis exerceu uma função estratégica ao consolidar as
demais cidades recém-criadas, deixando, por outro lado, de atrair a população que buscava
novas oportunidades, pois a consolidação das novas capitais, tinha o papel de “exercer
maior centralidade do ponto de vista de atração de populações e atividades produtivas.
Nesse contexto, Anápolis acabou assumindo um papel secundário nas atividades regionais.”
(FREITAS, 2004, p. 15)
A intenção da pesquisa de Freitas (2004) relacionada à segregação socioespacial
revela uma ligação com a proposta que lançamos sobre o comércio informal na imagem das
bancas expostas nas ruas e calçadas, além dos espaços programados na figura dos
camelódromos e outros, serem aquilo que vimos destacando como os novos espaços de
consumo, já que a cidade é “atualmente uma região receptora de populações oriundas de
centros urbanos considerados saturados, como é o caso das regiões metropolitanas de
Goiânia e Brasília, bem como de outros centros urbanos do estado” (FREITAS, 2004, p.
15), caracterizando os vários problemas que a cidade de Anápolis apresenta em função da
sobrecarga de pessoas, inclusive com relação à questão do desemprego, além de outros que
fazem parte do contexto social e urbano em que vivemos.
É necessário também avaliarmos a história da formação das principais cidades para
compreender o processo de formação e constituição da cidade de Anápolis, que segundo
Freitas apud Ferreira (1974):
É marcado pela penetração de populações atraídas pelas atividades
garimpeiras, especialmente de ouro. Quase todas as cidades antigas do
dessa região foram criadas no início do século XVIII, estimuladas pelo
ciclo do ouro, que atraía populações oriundas da Capitania de São Paulo.
Cabe lembrar que a província de Goiás pertencia à Capitania de São
Paulo naquele período, sendo desanexada apenas em 1749. (p. 17).
No período em que predominava a mineração, o trabalho nas fazendas era proibido,
mas “com o aumento populacional na região, tornou-se imperiosa a necessidade de
produção de alimentos para o abastecimento na mineração” (FREITAS, 2004, p. 16).
O que
mais tarde despertaria
o interesse pela propriedade da terra e os esforços do Conde de São
Miguel (1755-1759) levaram grande número de posseiros a requererem o registro de sua
propriedade” (Freitas apud Salles, 1992, p. 64).
Alguns autores destacam que esse período:
Marca as primeiras manifestações da nova configuração no processo de
ocupação humana no estado, havendo mudança no eixo de concentração
populacional. Anápolis, definitivamente, não teve esta origem. Sua
ocupação inicial foi realizada por pessoas vindas do sul que se dirigiam à
província de Jaraguá, ao norte (FREITAS APUD ANÁPOLIS EM
DADOS,1998: 9).
Ainda, para Freitas (2004) isto representa diretamente o novo estágio das atividades
econômicas que se evidencia no Estado de Goiás, uma vez que:
Alguns viajantes fixaram residência na região onde hoje se localiza
Anápolis, principalmente nas cabeceiras do córrego das Antas, em seu
terraço da margem esquerda, na época fazendas. Aos poucos foram
surgindo pequenos povoados na região, e, para reduzir as dificuldades de
contato entre os moradores, uma vez que os povoados eram distantes uns
dos outros, estes desenvolveram a prática de realização de novenas
e
orações, típicas atividades culturais da região. (FREITAS, 2004, p. 16-7).
Há uma outra versão a respeito da ocupação de Anápolis em que Freitas (2004)
explica o seguinte:
Admite-se que dona Ana das Dores Almeida, viajando de Jaraguá para
Bonfim, hoje Silvânia, viu se desgarrar de sua comitiva, na Fazenda das
Antas, um de seus animais, que conduzia entre outros pertences a
imagem de Nossa Senhora de Santana. Ao encontrar, o muar, este estava
deitado e não conseguia levantar-se por causa do cansaço. Dona Ana das
Dores interpretou como sendo o desejo de a imagem fixar-se naquele
local e prometeu à santa a primeira igreja daquela localidade, dando
origem assim ao povoado de Santana em 1870. (p. 17).
É preciso ressaltar que o movimento migratório possibilitou a vinda de pessoas de
vários estados como Minas Gerais, Bahia, Maranhão e outros favorecendo a formação dos
primeiros povoados na região. Portanto, considera-se que a cidade de Anápolis surgiu
mediante a construção da capela de Sant’ana, podendo ser considerada o núcleo de
formação da própria cidade associada à construção da Estrada de Ferro Goiás.
Gonçalves (2000) destaca que o ponto de partida para a construção da estrada de
ferro foi a cidade de Araguari, em Minas Gerais, que configurava na época como um
importante centro econômico do Triângulo Mineiro. Assim, em setembro de 1911 deu-se a
inauguração da Estação de Araguari e, nos anos seguintes, a Estrada atravessou o Rio
Parnaíba e chegou até Roncador, localizada a uma distância de 200 quilômetros de
Araguari e quase à mesma distância de Anápolis. Já posteriormente a esta primeira
organização do território goiano, verificamos as transformações econômicas, sociais,
políticas e culturais que o próprio Estado e a cidade de Anápolis vivenciaram nas primeiras
décadas do século passado, pois era chamada de “Ribeirão Preto Goiana” e de “Manchester
Goiana” (POLONIAL, 2000).
Podemos ainda destacar alguns dados que fazem parte da história de consolidação
do município de Anápolis, pois “em 6 de agosto de 1873, foi criada a freguesia de Santana
dos Campos Ricos, de acordo com a Resolução Provincial nº 695, de 19 de julho do mesmo
ano” (ANÁPOLIS EM DADOS, 1998, p. 9).
No entanto, com a revogação da lei de sua
criação em 1886 voltou a se chamar Santana das Antas, e com essa denominação foi
elevada à categoria de vila, conforme Resolução Provincial nº 811 de 15 de setembro de
1887. (FREITAS, 2004). Assim:
A instalação do município de Santana das Antas ocorreu em 1
o
de março
de 1892, e em 1893 foi realizada a primeira eleição para Chefe do
Executivo, denominado de intendente, que hoje representa a categoria
política de prefeito, com mandato de dois anos. (p. 17).
De acordo com o autor a elevação à categoria de cidade só ocorreu “em 31 de julho
de 1907 com o nome de Anápolis e duração da gestão municipal de quatro anos. Este fato
ocorreu pelo desmembramento de Pirenópolis, município ao qual ela pertencia” (FREITAS,
2004, p. 17)
A localização do sítio urbano de Anápolis está às margens do Córrego das Antas em
uma área de vale que se caracteriza por apresentar: um relevo de ondulações suaves,
perfazendo 54% de seu território e 43% de áreas planas; pelo clima tropical com
temperaturas amenizadas pela altitude de cerca de 1.017 metros acima do nível do mar;
pela vegetação original composta por: matas ciliares e cerrado.
A figura 1 ilustra a localização geográfica do município de Anápolis em relação ao
Estado de Goiás e ao Brasil.
As condições favoráveis do sítio urbano atraíram os primeiros moradores para a
área, o que possibilitou a formação do município propriamente dito em 1907, após se
emancipar do município de Pirenópolis (LUZ, 2001). Para sermos mais precisos a quanto à
posição estratégica do município de Anápolis, destacamos as informações da referida
autora:
O marco principal da Anápolis tem como coordenadas 16
o
19’36” de
latitude sul e 48
o
57’10” de longitude oeste, posicionando-se na
Mesorregião do Centro Goiano
62
que envolve as microrregiões de Ceres,
Anápolis, Iporá, Anicuns e Goiânia. A denominada Microrregião de
Anápolis é composta pelos municípios de Anápolis, Araçu, Brazabrantes,
Caturaí, Damolândia, Heitoraí, Inhumas, Itaberaí, Itaguari, Itaguaçu,
Itauçu, Jaraguá, Jesúpolis, Nova Veneza, Ouro Verde, Petrolina, Santa
Rosa, São Francisco de Goiás, Taquaral. Conforme o Anuário Estatístico
de Goiás, elaborado pelo IBGE em 1996. (LUZ, 2001, p. 10)
Contudo:
62
De acordo com informações do IBGE, a partir dos dados do Censo 2000 que divide o estado de Goiás em
cinco mesorregiões, subdivididas em microrregiões compostas por diversos municípios.
O núcleo urbano que formou a cidade de Anápolis surgiu no final do
século XIX de forma espontânea, quando tropeiros que faziam a ligação
entre as áreas mineradoras do interior goiano com o Sudeste e Sul
utilizavam as margens do Córrego das Antas para descansar, pois
encontravam no local: disponibilidade de água e de pastagens para os
animais que faziam o transporte de mercadorias e pessoas.
Transformando o local em entreposto comercial, um fato que marcaria o
desenvolvimento econômico, social e político da cidade ao longo de sua
história. (LUZ, 2001, p..9).
Entendemos que a formação do núcleo urbano não pode ser considerada uma forma
espontânea, pois várias situações enfatizam um movimento para a região que caracteriza
um interesse não só das pessoas que se dirigiam para a área, como também dos próprios
políticos.
Na visão de Luz (2001) sobre a formação do núcleo urbano de Anápolis percebemos
alguns apontamentos sobre a questão comercial, fator de desenvolvimento da cidade através
do setor atacadista, que será retomado mais à frente das discussões, mas que reforçam 22//a
idéia sobre a análise das novas formas de comércio em função das estratégias do setor
terciário da economia. As considerações de Freitas (2004) sobre a cidade de Anápolis
apontam que:
Observa-se, portanto, que o referido município é bastante antigo na
região e desempenhou papel significativo no processo de ocupação de
Goiás, na construção de Goiânia em 1932 e na de Brasília em 1956.
Terminado o Ciclo do Ouro, o Estado de Goiás foi guiado por outras
alternativas econômicas, mais precisamente vinculadas à pecuária
extensiva. Por apresentar terras contínuas extensas e clima tropical,
adaptado ao gado zebuíno, cuja origem no Brasil é de 1870, e ao taurino,
adaptado desde a penetração dos portugueses no território brasileiro, o
estado passou a vivenciar um novo ciclo econômico. (p. 20).
Para uma análise mais profunda sobre a organização das atividades terciárias de
Anápolis, é preciso uma compreensão a respeito do processo de formação desta não só pelo
processo histórico, mas também em relação ao econômico, uma vez que vários autores por
serem historiadores buscaram privilegiar esse lado da formação da cidade.
Entretanto:
São vários os estudos sobre a cidade de Anápolis que procuram
compreender a sua formação. Entretanto, esses estudos são concentrados
nos aspectos históricos, (Freitas, 1988,1995; Polonial, 1995). Deve-se
registrar que a contribuição valiosa foi a de periodizar a ocupação da
cidade articulada às atividades econômicas vivenciadas em cada época
(França, 1974; Luz, 2001). Nosso propósito também será de trabalhar
uma periodização enfocando outros aspectos, naturalmente inspirados
nestes já prontos. A proposta de periodização desenvolvida por Luz
(2001) aponta três períodos que caracterizam o processo evolutivo da
cidade desde o momento de sua fundação em 1907. (FREITAS, 2004, p.
20)
Assim, apresentaremos as proposições destacadas em cada período para realizarmos
uma apreensão pormenorizada dos fatos que caracterizam a evolução, o crescimento e o
desenvolvimento de Anápolis no contexto de uma cidade média.
Quadro 1- Periodização da Cidade de Anápolis Apoiada nas Atividades Econômicas
Periodização Fato histórico-
geográfico
Características
1870-1910 Fundação da Vila Santana
das Antas; início do
povoamento.
Fazendas agropastoris.
1910-1935/ 2ª fase da
história do Município
Conquista do benefício do
transporte ferroviário
Interiorização da lavoura
cafeeira no Brasil Central
1935-1950 Expansão da frente
agrícola; crescimento da
população; perda de
território para a construção
de Goiânia; consolidação
como ponto de apoio e
prestação de serviços à
população no processo
recente de colonização do
vale do São Patrício;
Advento do transporte
ferroviário na fronteira
agrícola; marca do papel da
função regional da cidade de
Anápolis;
1950-1970 Período de expansão
urbana
Consolidação da cidade
como pólo atacadista e
industrial no Estado de Goiás
Fonte: Maria França, 1974.
Reelaboração: Juvair Fernandes de Freitas
Extraído de Freitas, 2004, p. 22.
O que Freitas (2004) destaca nessas considerações pode ser interpretado no quadro
1 que demonstra a periodização da cidade de Anápolis com base nas funções econômicas
no período de 1870 a 1970 elencando alguns fatores que permitiram traçar elementos que
foram importantes para o dinamismo de Anápolis. Encontramos um período cujas
manifestações estão associadas aos momentos históricos a partir da fundação do povoado,
da expansão da frente agrícola, o transporte ferroviário e a função regional da cidade
mediante a prestação de serviços à população, além da construção de Goiânia. É preciso
enfatizar que neste período houve um processo de expansão urbana em Anápolis e sua
consolidação como pólo atacadista regional caracterizando um papel expressivo para o
Estado de Goiás e para o Brasil.
Quadro 2- Periodização da Cidade de Anápolis Apoiada nas Atividades Econômicas
Período Fato histórico ocorrido Características
Três primeiras décadas 1907-
1934
Valorização da economia local;
inserção da região no espaço
produtivo nacional;
Período de maior
adensamento relativo
De 1935 até a década de 1960 Chegada da ferrovia –1935;
Conclusão da ligação telegráfica
entre Goiânia e Anápolis;
inauguração da rodovia Brasília
Anápolis;
Atividade comercial intensa
De 1960 até 2000 Criação da base aérea de
Anápolis; criação do Daia;
Criação da EAA
Função estratégica de defesa
nacional;
Formação da zona industrial;
Criação do porto seco
Fonte: Dissertação de Mestrado - Departamento de Geografia/UnB. Luz, 2001.
Reelaboração:, Juvair F. Freitas.
Extraído de Freitas, 2004, p. 21.
A análise do quadro 2 revela que em relação ao quadro 1 temos uma periodização
que chega até o ano 2000 e que apresenta componentes importantes para entendermos a
cidade de Anápolis, uma vez que fatores como: a valorização da economia local e a
inserção da própria região centro-oeste no cenário da economia nacional revela um período
marcado por mudanças que refletem as estratégias de desenvolvimento local, porém há o
registro de um período em que se inicia uma dominação do próprio território brasileiro,
pois se dá a criação da Base Aérea de Anápolis seguida também da criação da zona
industrial e do “porto seco”.
No quadro 3 podemos perceber que a periodização foi realizada com base na
expansão urbana, fator que também ocorre em Anápolis, uma vez que não foram apenas as
questões econômicas privilegiadas para a compreensão da dinâmica do crescimento e
desenvolvimento da respectiva cidade. A transformação da Faculdade de Ciências
Econômicas de Anápolis em Universidade Estadual de Goiás, a expansão dos loteamentos
periféricos e o surgimento dos primeiros conjuntos habitacionais, além dos condomínios
fechados, retratam a imagem de uma cidade que vem sofrendo mudanças em função das
atividades que compõem o cenário do Estado de Goiás. Contudo, é necessário avaliarmos
que alguns períodos são fundamentais para compreendermos as transformações atuais de
Anápolis, mas com enfoques que estão apoiados em momentos fundamentais para o
período atual, como é o caso da construção da Estrada de Ferro Goiás.
Quadro 3- Proposta de Periodização da Cidade de Anápolis Apoiada na Expansão
Urbana
Periodização Fato geográfico Característica marcante
1870-1935 Fundação da Vila Santana
das Antas; início do
povoamento; Chegada da
ferrovia – 1935; Maior
crescimento da população
em número relativo.
Fazenda agro-pastoris; expansão da
cidade relativa ao contexto regional
1935-1970 Expansão da frente agrícola;
Crescimento da população;
A ascendência do
rodoviarismo.
Fundação da Faculdade
Ciências Econômicas de
Anápolis;
Advento do transporte ferroviário
na fronteira agrícola;
Marca o papel da função regional
da cidade de Anápolis,
caracterizando como uma
interlândia
63
;
Expansão dos loteamentos
periféricos
1970-2004 Expansão urbana;
implantação da Base Aérea
de Anápolis; declaração do
município de Anápolis
como Área de Segurança
Nacional;
Revitalização da estrutura
ferroviária-EAA;
Construção da Ferrovia
Norte-Sul (em curso);
Transformação da
Faculdade de Ciências
Econômicas de Anápolis em
Universidade Estadual de
Goiás
Novo papel desempenhado pela
cidade de Anápolis no contexto
regional;
Expansão dos loteamentos
periféricos;
Surgimento dos primeiros
conjuntos habitacionais;
Surgimento dos condomínios
horizontais.
63
Área geográfica relacionada com um sítio urbano que exerce papel nodal para o desenvolvimento ou
exploração de outros sub-centros geográficos regionais.
Fonte: Juvair Fernandes de Freitas.
Orientador: Prof. Dr. Rafael Sanzio de Araújo dos Anjos/Extraído de Freitas, 2004, p. 23.
Assim, destacamos que a construção da ferrovia proporcionou o desenvolvimento
do comércio local até mesmo pela condição atrativa que se tornou mediante a migração de
pessoas de outros estados e até mesmo de outros países, lembrando que Anápolis possui
muitos moradores sírios, libaneses e árabes identificando a expressão desse processo, sobre
o qual Luz (2001) assinala a seguinte constatação:
Com a implantação da ferrovia, o Mato Grosso Goiano que representava
a área de fronteira entre as áreas mais povoadas e o interior do país,
passou a receber migrantes de várias partes do país, provocando a
colonização do estado de Goiás. Nessa região a cidade de Anápolis
representava o principal centro econômico, justificando a escolha da
cidade para sediar a base da política de “Marcha para o Oeste” do
Governo Vargas que se dinamizaria a partir da década de trinta. Com a
Revolução de Trinta, o Governo Vargas e seu
interventor em Goiás
implementaram uma política de modernização, que caracterizaria a
formação do Estado Novo
. (p. 17).
A respectiva autora, ainda, ressalta três aspectos ligados ao Governo Vargas os
quais influenciaram no desenvolvimento de Anápolis: a instalação da Delegacia Nacional
do Café; o planejamento e construção de Goiânia; e a implantação da Colônia Agrícola
Nacional de Goiás, com base na cidade de Anápolis. (LUZ, 2001), destacando também que:
O desenvolvimento cafeeiro incentivou a implantação em Anápolis, no
ano de 1934, do Serviço Técnico do Café, ligado ao Departamento
Nacional do Café, mas a crise de 1929 afetou a produção local do café e
incentivou o cultivo do arroz, produto que desempenharia um papel
relevante para a economia local e da região do Mato Grosso Goiano. Os
comerciantes anapolinos passaram a aglutinar as funções de
armazenamento e beneficiamento do arroz, a partir da década de trinta,
fortalecendo economicamente a cidade de Anápolis. (LUZ, 2001, p. 18)
Para Luz (2001), a construção de Goiânia também proporcionou um novo
dinamismo para o Estado de Goiás através de novos padrões identificados pela
modernidade que aos poucos transformava o ritmo de vida das pessoas. No mais:
A década de trinta representou, para Goiás, a chegada da
modernidade, expressa na construção de Goiânia para ser a
nova capital do Estado e na expansão da ferrovia até
Anápolis. A ferrovia dinamizou o comércio local e
possibilitou a entrada de imigrantes que ajudaram povoar o
interior do Estado. (p.8).
Contudo, o município de Anápolis era o que mais recebia imigrantes, uma vez que
“entre os cinco primeiros municípios que recebiam imigrantes, 41, 7% do total deslocava-se
para a região da estrada de ferro” (POLONIAL, 2000, p. 54). A tabela a seguir esclarece
tais informações. Não há como contestar o fato de que a chegada dos trilhos no Estado de
Goiás, mais precisamente na cidade de Anápolis, contribuiu para ampliar o dinamismo da
região, uma vez que a produção era transportada com maior rapidez, além da unificação dos
mercados.
Tabela 1-Quantidade de estrangeiros em alguns
municípios goianos em 1940
Municípios Estrangeiros % No Estado
Anápolis
422 22,76
Goiânia
306 16,50
Ipameri
207 11,16
Catalão
140 7,55
Cidade de Goiás
97 5,23
Outras Cidades
682 36,80
Estado
1854 100,00
Fonte: Censo do IBGE, 1940.
Extraído de Polonial, 2000, p. 54.
Nessa perspectiva, Polonial (2000) faz a seguinte afirmação sobre a integração de
Goiás com o país:
Antes dos trilhos, predominava uma pecuária extensiva e as terras em
Goiás eram uma das mais desvalorizadas do país. A escassez de
população, o isolamento geográfico e a administração pública sem
recursos completavam o quadro de penúria da região. Desta maneira,
dois fatores de integração de Goiás ao Sudeste, como a Ferrovia e a I
Guerra Mundial, impulsionaram a exportação de grãos e de gado e deram
um caráter mais racional á economia do Estado. (p. 20).
O gráfico 1 destaca a evolução demográfica da cidade de Anápolis no período de
1872 a 2000, justificando as mudanças a que nos referimos anteriormente, pois podemos
notar que a partir da década de a população aumentou significativamente em função de
fatos e características que também são primordiais para explicitar tal situação.
Gráfico 1- Evolução demográfica de Anápolis 1872-2000
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
1872 1900 1910 1920 1935 1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000
Anos
Fonte: Dados censitários_IBGE.
Elaboração: Juvair Fernandes de Freitas.
Extraído de Freitas, 2004, p. 25.
O papel da Universidade Estadual de Goiás é expressivo na atração de pessoas que
migram para a cidade para estudar, impulsionando o setor terciário. Esse aumento
progressivo da população também faz com que novas áreas sejam incorporadas ao tecido
urbano, causando o fenômeno da expansão urbana com ênfase para os loteamentos e
conjuntos habitacionais podendo ser analisados sob o prisma da relação centro-periferia,
além do próprio surgimento dos condomínios fechados, reestruturando os espaços intra-
urbanos.
Mesmo Anápolis estando próxima de Goiânia, que é um centro maior, na visão de
Luz (2001), é preciso criar entre ambas uma situação de complementaridade e não apenas
de competição. Nessa perspectiva, temos que:
Ao considerar a possibilidade de interação mediante a existência de
condições desiguais, acreditamos que é possível a interação mediada pelo
interesse de complementar uma determinada função, pois assim, ambos
os centros envolvidos sairiam ganhando, pois se fortaleceriam e
conseguiriam ampliar sua área de influência. Por isso julgamos
importante a contribuição deste trabalho inserida nas considerações finais
de que poderá ocorrer a consolidação de uma região dinâmica e
articulada, Anápolis-Goiânia, através do desenvolvimento do setor
atacadista; e que é possível partir de uma relação básica de dependência e
competitividade, cidade-capital, para outra mais complexa na qual se
estabeleçam relações de complementaridade entre dois centros urbanos
dinâmicos, Anápolis e Goiânia. O aspecto locacional, também, apresenta-
se como elemento que influencia na formação de relações de
complementaridade. (p. 26-7).
No entanto, a Estrada de Ferro Goiás foi seguramente o maior sinônimo do
progresso na primeira metade do século XX, contribuindo também para as práticas
comerciais ligadas ao setor atacadista, sendo esta a única via férrea do mesmo. A idéia da
construção dessa para muitos era a solução para acabar com a letargia das várias cidades
que estavam sem uma ligação que permitisse a integração dos “lugares”, embora o ideal
político que se constituía na época tinha como prioridade a construção das vias férreas para
escoar a produção para outros países e não para promover o desenvolvimento e o
crescimento interno do país. Nessa perspectiva Singer (1986) destaca que:
[...] a penetração ferroviária no Brasil não estava voltada para o
desenvolvimento da nossa economia, mas buscava facilitar o escoamento
dos nossos produtos primários para atender as necessidades dos países
imperialistas. A ferrovia estava sempre ligada aos portos, com o objetivo
de exportar a nossa produção. (p. 215).
Mesmo tendo sido confirmadas outras intenções quanto à construção das vias
férreas, Anápolis se beneficiou com a idéia, pois a chegada dos trilhos foi fundamental para
impulsionar a economia da área, assim como do próprio Estado. De acordo com Luz
(2001):
O crescimento econômico de Goiânia no setor comercial, nas décadas de
1930 e 1940, representava uma concorrência direta para os comerciantes
anapolinos, no entanto, a monopolização do transporte ferroviário por
Anápolis possibilitava a manutenção de um setor comercial dinâmico. (p.
7).
A confirmação da inauguração dos trilhos na cidade de Anápolis, que ocorreu no dia
7 de setembro de 1935 (POLONIAL, 2000) deixou as pessoas eufóricas podendo sentir que
isto seria imprescindível para o progresso da mesma. Esse momento que a cidade
vivenciava foi importante também para a organização dos espaços intra-urbanos, tendo as
primeiras iniciativas quanto ao planejamento da cidade. Sob esse aspecto Polonial (2000)
assinala que:
A valorização do novo, do moderno, não ficou restrita à construção da
estação ferroviária. A cidade toda foi influenciada por essas idéias de
modernização. Sucediam-se prédios novos, com a instalação “[...] de um
moderno bar e café, de rádio, fábrica de sorvete, de gelo de cervejaria...”,
bem como melhoramentos nas ruas e nas “[...] estradas que são vias de
acesso do município...”, paralelamente também, ocorria a reconstrução
das velhas casas. (p. 68).
O que verificamos com essas afirmações elencadas pelo autor é que nessa época já
estavam se constituindo os primeiros indícios de um comércio com padrões formais e
também havia uma preocupação com a questão da obsolescência dos objetos a que Carlos
(2004) se refere quando destaca que:
[...] assistimos a significação de uma nova ordem de troca, novas formas
de uso dos lugares da cidade, um novo modelo de vida que se impõe pelo
efêmero onde a imagem pela imagem aparece enquanto reino do
espetáculo e como simulacro. O novo engole, incessantemente, as formas
onde se escreve o passado e, com ele, seu estilo. Sem referencial, o
mundo, na busca incessante do novo, se transforma no instantâneo. (p.
40).
Mas o que precisa ficar explícito nessa abordagem sobre a construção da estada de
ferro é que ela não ocorreu rapidamente, já que:
De 1914, quando foi inaugurada a estação de Roncador, até 1935, quando
a ferrovia chegou a Anápolis, foram vinte anos de lutas pelo
prolongamento dos trilhos. Somente em 1924 a ferrovia chegou a
Vianápolis, e em 1931 a Leopoldo de Bulhões. Mais 4 anos seriam
necessários para a construção de 50 KM que separavam Leopoldo de
Bulhões de Anápolis. A paralização dos trabalhos de construção da
ferrovia, por vários anos, obrigou os produtores rurais e comerciantes da
região de Anápolis a buscarem, como alternativa, uma ligação rodoviária
coma estação de Roncador, em 1920. (POLONIAL, 2000, p. 64)
De acordo com as afirmações do autor, percebemos que paralelamente à construção
da ferrovia também foi necessária uma outra providência para amenizar a situação dos
comerciantes da região, que foi a construção de rodovias para interligar o território e
facilitar o deslocamento dos produtos sem causar prejuízos, embora segundo o respectivo
autor, a construção das rodovias foi uma situação intermediária, pois “a exportação e
importação de produtos, dos mais variados tipos, deveriam ser efetivadas pela ferrovia”.
(POLONIAL, 2000, p. 64),
até mesmo porque era uma alternativa barata se comparada à
construção de estradas de rodagem, lembrando que isto foi na década de 30 e 40, pois
conforme aponta Luz (2001) em 1950 e 1960, a construção das rodovias contribuiu para
aumentar o crescimento e o desenvolvimento de Anápolis.
No entanto, o advento do transporte rodoviário, nas décadas de 1950 e
1960, favoreceu o setor comercial de Goiânia que passou a competir com
o comércio anapolino, principalmente no setor varejista, enquanto no
setor atacadista a complementaridade entre os dois centros permitiu que
as fronteiras estaduais fossem ultrapassadas concorrendo com as cidades
de Araguari e Uberlândia, os principais centros comerciais do Triângulo
Mineiro que, ainda hoje, possuem fortes relações comerciais com o
estado de Goiás. Segundo ESTEVAM “o eixo Goiânia-Anápolis
representou um genuíno complexo mercantil liderando a aplicação de
capitais a nível estadual, chegando a sediar 70,0 % das sociedades
anônimas do estado em 1960” (1998:137). (LUZ, 2001, p. 10)
E prossegue dizendo que:
As décadas de 1970 e 1980 são marcadas pela crise política e econômica
que atingiu o país com a entrada do militares no poder. Um fato que
repercutiu diretamente sobre a realidade econômica e política de
Anápolis que sob a intervenção militar transformou-se em área de
segurança nacional, fase na qual a economia direciona-se para o
desenvolvimento da atividade industrial, construindo o Distrito Agro-
Industrial de Anápolis (DAIA). Um processo que, se por um lado
reduziu a capacidade competitiva comercial, gerou nos atacadista, na
década de 1990, em contrapartida, provocou a iniciativa de modernização
do setor com a especialização, transformando-os em atacadistas -
distribuidores, segundo a Associação Brasileira dos Atacadistas e
Distribuidores (ABAD) ou em atacadistas - transportadores modernos,
como consideramos nesse trabalho. (LUZ, 2001, p 10).
A constatação a que se refere Estevam (1998) sobre o eixo Goiânia-Anápolis reforça
a questão que apontamos sobre a posição estratégica da própria cidade em relação à capital
do Estado de Goiás e à capital Federal, mas segundo as proposições de Luz (2001), de sua
origem no final do século XIX, quando fazia parte do Município de Pirenópolis, à
atualidade, podem ser identificados três períodos que caracterizam a evolução da cidade de
Anápolis: o primeiro compreende as três primeiras décadas do século XX; o segundo
inicia-se com a chegada da ferrovia em 1935 e encerra-se na década de 1960 com a
construção de Brasília e o terceiro desenvolve-se a partir da década de 1960 até os dias
atuais. Assim, temos uma evolução no quadro de desenvolvimento e crescimento do Estado
de Goiás no que tange aos seguintes aspectos:
Destacamos a importância da análise do primeiro período, pois se trata de
uma abordagem que valoriza a economia local e abre novas perspectivas
de análise, porque foi nesse período que, com o desenvolvimento da
cultura cafeeira no município de Anápolis, ocorreu a entrada da região
no espaço produtivo nacional, antes da chegada da ferrovia em 1935.
Apesar do segundo período ser utilizado como referência por diversos
historiadores goianos
64
para identificar o período de inserção econômica
de Anápolis e do Estado de Goiás no cenário nacional. (LUZ, 2001, p.
11)
Portanto, ainda, de acordo com Luz (2001), o cultivo do café, nas áreas tradicionais
dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, desenvolveu-se em solos favoráveis como
massapé e terra roxa. No estado de Goiás, onde predomina um solo pobre em nutrientes e
pouco profundo, típico das áreas de cerrado, suas condições não favoreciam ao cultivo do
café. No entanto, na região do Mato Grosso de Goiás
65
, os aspectos naturais do solo são
64
FRANÇA (1974), CHAUL (1988), FREITAS (1988), BORGES (1990), POLONIAL (1995, 2000), por
exemplo.
65
A região do “Mato Grosso de Goiás”, de acordo com MELLO (1950), corresponde a Microrregião do Mato
Grosso Goiano, denominação utilizada nessa análise.
diferenciados. Assim, o solo fértil do Mato Grosso goiano foi importante para o
desenvolvimento econômico do estado de Goiás e do município de Anápolis.
De acordo com os dados das Tabelas 2 e 3, de 1901 a 1935, Anápolis apresentava
elevados percentuais de crescimento demográfico, um crescimento que ocorreu em função
de fatores internos: disponibilidade de solos férteis e baixos preço das terras; atraindo o
interesse de agricultores e comerciantes de todo o país e transformando a cidade em um
ponto de convergência dos fluxos migratórios e de investimentos. (LUZ, 2001). Isto
favoreceu a ampliação do mercado consumidor e o fortaleceu as relações comerciais que
formaram um espaço articulado através da rede urbana e dos fluxos comerciais, apontando
para a constituição do que viria a ser uma cidade média de grande expressão no contexto da
economia regional. Essa condição foi possível com
A introdução do cultivo do café transformou áreas agrícolas voltadas
para a subsistência em áreas de produção comercial. O cultivo do café
contribuiu para o crescimento demográfico de Anápolis, destacado na
tabela, além de ampliar a valorização da terra favorecendo a especulação
fundiária e para o estabelecimento de fluxos comerciais contínuos com
os estados do Sudeste, atraindo e concretizando a chegada da ferrovia.
Os dados abaixo exemplificam o impacto sobre o valor das terras. No
município de Anápolis, por exemplo, de 1898 a 1911 o valor do alqueire
de campo passou de 2$500 a 10-15$000. De mata, de 10$000 a 20-
30$000. Em 1918 vendia-se ali, de campo até 100$000 e de mata até
200$000. (BERTRAN apud SILVA, 1997, p. 47). (LUZ, 2001, p. 11).
Tabela 2- Evolução da população absoluta de Anápolis entre 1872 e 2000*
Ano População
1872
1900
1910
1920
1935
1940
1950
1960
1970
1980
1996
1
2000
2
3.000
6.296
8.476
16.037
33.375
39.148
50.338
68.732
105.121
179.973
264.975
287.666
FONTES: POLONIAL (1995:37), trabalhados pelo autor com base em dados
censitários do IBGE para o período 1872 / 1980.
1
Censo Demográfico do IBGE, 1980.
2
Dados preliminares do Censo Demográfico do IBGE, 2000.
Extraído de LUZ, 2001, p. 13.
A evolução da população anapolina também é um fator importante para
compreendermos a dinâmica econômica, principalmente relacionada ao setor terciário e o
potencial consumidor, pois revelam as relações mediatizadas entre o capital e a
(re)produção da cidade propriamente dita, além de proporcionar as condições necessárias à
constituição de uma cidade de porte médio. A seguir temos a tabela 3 que indica a taxa de
crescimento da população de Anápolis num período que aponta para os avanços
econômicos do local. Nessa perspectiva:
[...] o período que antecedeu a chegada da ferrovia presenciou o
incremento do mercado consumidor que possibilitou a capitalização
interna dos comerciantes. Estes desempenhavam a função de
fornecedores das mercadorias, ferramentas e dos créditos necessários, ao
mesmo tempo em que se encarregavam do beneficiamento,
armazenagem, transporte e comercialização da produção agrícola. Para
colocar esta cadeia produtiva em movimento, os comerciantes anapolinos
transformaram-se em empreendedores e políticos, investindo de modo
direto e indireto em várias atividades. (LUZ, 2001, p. 15)
Tabela 3- A Taxa de crescimento da população de Anápolis entre 1872 e 2000*
Período %Ano
_
1872 – 1900
1901 – 1910
1911 – 1920
1921 – 1935
1936 – 1940
1941 – 1950
1951 – 1960
1961 – 1970
1971 – 1980
1981 – 1996
1
1997 – 2000
2
_
2,96
3,02
6,58
5,61
3,24
2,02
3,16
4,34
5,52
2,12
2,08
FONTE: POLONIAL (1995:37), trabalhados pelo autor com base em dados censitários
do IBGE para o período 1872/1980.
1
Censo Demográfico do IBGE, 1980.
2
Dados preliminares do Censo Demográfico do IBGE, 2000.
Extraído de LUZ, 2001, p. 15.
As informações destacadas revelam o primeiro período da história do
desenvolvimento econômico anapolino mediante a importância do processo de “expansão
das fronteiras agrícolas e das frentes pioneiras que transformaram Anápolis em um centro
econômico dinâmico, influenciando na dinamização do povoamento e no desenvolvimento
econômico do estado de Goiás” (LUZ, 2001, p. 16).
O período seguinte evidencia aspectos fundamentais para o entendimento da
evolução do crescimento de Anápolis e a ligação com o Estado de Goiás, pois a construção
da ferrovia permitiu o acesso aos centros econômicos do país, como São Paulo, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro, favorecendo o comércio local que se transformou em centro de
abastecimento do interior do estado e provocando transformações que ampliaram o espaço
urbano e promoveram o desenvolvimento das atividades comerciais. (LUZ, 2001). Dessa
forma:
Nas proximidades da estação ferroviária implantaram-se os armazéns
atacadistas e varejistas, que permanecem ainda hoje no local. Com a
ampliação da demanda a ferrovia não foi capaz de atender a demanda,
além da demora para realizar as baldeações de cargas, pois muitas vezes
os vagões eram retidos ou extraviados, com o prejuízo dos comerciantes
e consumidores anapolinos
. (LUZ, 2001, p. 17)
De acordo com as considerações de Luz (2001), a partir da década de 40, a ferrovia
que era um sinal de progresso foi perdendo prestígio em função do racionamento de
combustíveis gerados pela Segunda Guerra Mundial. Em 1975 os trilhos foram retirados do
centro da cidade, atingindo, na atualidade, o Distrito Agroindustrial de Anápolis (DAIA)
onde se localiza o Porto Seco
66
. Enfim, todas essas afirmações elencadas até o momento
revelam o dinamismo que a cidade de Anápolis experimentou nas décadas que se seguiram
após a construção da Estada de Ferro Goiás, uma vez que todas essas iniciativas geraram o
fortalecimento da função comercial da cidade, com a maior concentração de
estabelecimentos comerciais no Estado em 1940, conforme informações do IBGE, embora:
[...] os finais das décadas de 1950 e 1960 marcam o período de declínio
da influência econômica que Anápolis possuía em função do
fortalecimento econômico de Goiânia; da crise no setor energético que
não conseguia suprir o aumento da demanda; da alteração no sistema de
arrecadação de impostos, que geraram tarifas mais elevadas à saída de
produtos agrícolas para outros estados, produtos agrícolas como, por
exemplo, o café e o arroz; além da falta de novos investimentos no
transporte ferroviário. (LUZ, 2001, p. 21)
Por outro lado, todos esses problemas que a economia anapolina passou a enfrentar
foram minimizados pelo fato da cidade já haver se estruturado como centro econômico
regional, no entanto a ampliação da concorrência gerada pela consolidação de Goiânia
reduziu os investimentos no setor comercial da cidade, o que reforça nossa idéia sobre as
novas formas espaciais mediante novas estratégias de comércio e consumo, pois até o
momento já tomamos conhecimento da força expressiva da cidade enquanto potencial
66
Este porto é o lugar onde ocorre a chegada e saída dos produtos em Anápolis e sua nomenclatura “Porto
Seco” se deu pelo fato de não haver mar, como ocorre com os porto de um modo geral.
consumidor. Com relação a isto temos que o primeiro banco instalado na cidade, em 1934,
foi o Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais (LUZ, 2001) e de acordo com a autora:
Em 1940, comerciantes locais inauguraram, “com capitais próprios” o
que seria o “primeiro banco genuinamente goiano” SILVA (1997:86), o
Banco Indústria e Comércio de Goiás. Anápolis representava, no
primeiro período, o centro econômico do estado de Goiás. (LUZ, 2001,
p.19)
Para ela, desde o início as relações de competitividade comercial e política
instalaram-se entre Anápolis e Goiânia, aspecto que foi ilustrado na discussão sobre o
melhor local para a instalação da capital visto que alguns autores destacam a importância de
Anápolis por exercer a função pioneira no Estado quanto à infra-estrutura ligada às
necessidades administrativas, identificando mais uma vez seu destaque no contexto urbano
regional e nacional. No entanto, Luz levanta algumas informações fundamentais para
entendermos o momento em que Anápolis passa a perder importância no contexto regional
e até mesmo nacional em relação à capital do Estado, ou seja:
[...] a construção de Goiânia possuía um caráter simbólico de ruptura
com as “velhas” práticas oligárquicas dos grandes proprietários rurais e a
chegada do “novo”, representado pelo Governo Vargas, através de seu
representante o Interventor Pedro Ludovico Teixeira. Em síntese, o
processo de construção de Goiânia gerou para Anápolis: em um primeiro
momento, o aumento da demanda por materiais de construção e esse fato
impulsionou as indústrias cerâmicas da cidade; depois, o processo de
drenagem da renda local através dos impostos e desenvolvimento do
comércio na capital, provocando a redução da influência regional de
Anápolis. (LUZ, 2001, p.19)
Se por um lado a intervenção política do governo estadual contribuiu para a
construção de Goiânia, provocando a competitividade comercial com Anápolis, por outro
lado, a política de expansão e integração desenvolvida pelo Governo Vargas favoreceu o
desenvolvimento de novas áreas de influência para Anápolis, na direção do interior do
Estado de Goiás, no Vale do Rio São Patrício, onde se instalou a Colônia Agrícola
Nacional de Goiás (CANG) em 1941, com base na cidade de Anápolis. (LUZ, 2001).
3.1.2. Anápolis no contexto das cidades médias
O que faz com que classifiquemos Anápolis como uma cidade de médio porte?
Podemos considerar apenas o número de habitantes? De acordo com Santos (1994)
[...] as cidades de médio porte passam a acolher maiores contingentes de
classes médias, um número crescente de letrados, indispensáveis a uma
produção material, industrial e agrícola, que se intelectualiza. Por isso
assistimos, no Brasil, a um fenômeno paralelo de metropolização e de
desmetropolização, pois ao mesmo tempo crescem cidades grandes e
cidades médias, ostentando ambas as categorias incremento demográfico
parecido, por causa em grande parte do jogo dialético entre a criação de
riqueza e de pobreza sobre o mesmo território. As cidades entre 20.000 e
500.000 habitantes vêem sua população total passar de cerca de sete
milhões em 1950 para perto de 38.000.000 em 1980, enquanto as cidades
com mais de um milhão de habitantes passam de seis milhões e meio em
1950 para 29.000.000 de residentes em 1980. (p. 55).
O autor prossegue dizendo que:
Os decênios mais recentes marcam uma aceleração no crescimento das
taxas de urbanização em todas as regiões, mas sobretudo no Centro-
Oeste, que em 1980 (com cerca de 68%) ultrapassa de muito o índice
nacional de urbanização (55, 9%), situação que é, também, a das Regiões
Sudeste (sempre na dianteira) e Sul. Tanto o Norte quanto o Nordeste
têm uma urbanização menor que o País como um todo. A distância entre
os índices regionais de urbanização, mínima em 1940, vai acentuando-se
a partir do pós-guerra, para se tornar bem marcada com a modernização
do território nacional (sobretudo após 1970). O caso do Centro-Oeste
merece uma observação particular. Essa, era em 1940, 1950 e 1960, a
região menos urbanizada do País e a partir de 1970 ganha o segundo
lugar nessa classificação, precedida apenas pelo Sudeste. Quanto ao Sul,
que nesses termos ainda era ligeiramente ultrapassado pelo Norte em
1960, conhece, a aceleração do seu crescimento urbano nos dois decênios
seguintes. Considerando o volume de população urbana, o crescimento
relativo entre 1960 e 1980 é maior no Centro-Oeste e no Norte que nas
outras três Grandes Regiões, sendo que no Nordeste e no Sudeste esse
crescimento é menor que no País considerado em conjunto. (SANTOS,
1994, p.58).
Destacando que:
Em 1940, apenas seis Estados dispunham de cidades com população
entre 100 mil e 200 mil moradores; em 1980, elas existem em 15
unidades da Federação, e, em 1996, em vinte Estados. Tomando-se as
localidades com população entre 200 mil e 500 mil habitantes, elas
estavam presentes em apenas três estados em 1940 e se encontram em
1980 em 16 estados e em 17 em 1996. (SANTOS, 2001, p. 205)
Todos esses apontamentos levantados até o momento revelam o crescimento da
cidade e sua relação com outras do Estado, principalmente com a capital, Goiânia, como
também com outras do país desempenhando novos papéis urbanos cuja dinâmica se insere
na discussão das cidades médias, uma vez que estas também desempenham novos papéis na
rede, colocando em discussão o conceito de hierarquia urbana, através de novas estratégias
de desenvolvimento. A primeira teoria ligada à hierarquia urbana considera que “[...] por
mais que seja humilde o lugarejo, um local urbano sempre é o centro de uma periferia...
numa rede mais fina” (BENKO, 1996, p. 52).
De acordo com tais afirmações destacamos, ainda, algumas considerações do
respectivo autor, segundo o qual:
[...] a possibilidade de uma cidade de exercer sua supremacia sobre os
processos de valorização do capital depende da organização de seu setor
industrial e comercial. A que consegue operar uma concentração bastante
significativa de poderio financeiro e de sedes de grandes empresas a fim
de que as decisões tomadas por essas diferentes instâncias possam
contribuir para o declínio ou a prosperidade do setor industrial e
comercial de outras cidades vê reconhecida sua posição de líder.
(BENKO, 1996, p. 73)
Diante desses apontamentos é que inserimos a questão da relação das cidades
médias em relação às metrópoles e às capitais a partir de uma renovação na hierarquização
do sistema urbano, pois as cidades que compõem este sistema desempenham novas
funções, assim, analisar a nova rede urbana mediante os efeitos da globalização requer
alguns comentários a respeito das cidades globais, visto que as mesmas fazem parte de um
processo de reestruturação do sistema capitalista que se encontra relacionado à própria
revolução tecnológica. (BENKO, 1996).
Essas considerações interessam à compreensão de algumas dinâmicas sobre a
reestruturação econômica das cidades médias em função das novas estratégias do setor
terciário, com enfoque para as novas estratégias comerciais e socioespaciais. No entanto,
não podemos avaliar uma cidade média apenas com base no número de habitantes que
possui, pois o que vem caracterizando esse tipo de cidade são as relações que mantém com
a rede de cidades, expressando o que Santos (1994) denominou de fluidez do território
mediante os progressos nos transportes e os avanços nas comunicações.
A essas considerações destacamos o terceiro período que marca o processo
evolutivo de Anápolis, assim como as características que a apontam como uma cidade de
porte médio, expressiva no Estado de Goiás. Dessa forma temos que a análise desse período
foi realizada a partir da subdivisão em dois momentos de acordo com Luz (2001) quando
afirma que o primeiro inicia-se na década de 60 e encerra-se na década de 70, abrangendo
os impactos da construção de Brasília e também da construção da rodovia Belém-Brasília;
enquanto que o segundo momento corresponde à fase que marca o início do ano de 1979
até o ano 2000, “momento da pós-modernização agrícola no qual a atuação dos governos
local, estadual e federal, através das intervenções na organização espacial de Anápolis
contribuiu para desenvolver a dinâmica urbana e regional” (LUZ, 2001, p. 22-3). Ainda,
conforme a respectiva autora:
O primeiro momento marca a opção pelo modelo rodoviário, expresso no
Plano de Metas do Governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-
1961), no qual, 30% dos investimentos foram destinados a ampliação da
rede rodoviária em mais 42%, além da pavimentação, com um
incremento de 305% na malha rodoviária nacional, conforme ressaltam
ALMEIDA e RIBEIRO (1988:185). (LUZ, 2001, p. 23)
Diante disso, entendemos que o Plano de Metas estabelecia também como
prioridade, a construção de Brasília, uma vez que Anápolis, através de sua rede de serviços
e comércio, funcionava como base de abastecimento e apoio para os trabalhadores,
técnicos, e demais pessoas envolvidas no projeto. (LUZ, 2001). Isto, contudo, nos remete a
discutir a importância que a cidade de Anápolis passa a expressar no contexto da economia
regional nesse primeiro período mediante a estruturação do setor terciário que já anunciava
sua dinâmica como imprescindível ao desenvolvimento e crescimento da mesma.
Na verdade, para Anápolis, a construção de Brasília representou a entrada de novos
investimentos, ao mesmo tempo em que passou a representar uma fonte de concorrência
para os produtos produzidos no local, associando este fato ao que ocorreu também com a
construção de Goiânia, acirrando a competitividade. Assim:
Em conseqüência do fortalecimento das áreas metropolitanas de Goiânia
e Brasília, a cidade buscou novos caminhos para retomar o seu
crescimento; esses caminhos e as dificuldades que surgiram marcam a
segunda parte do último período, iniciada na década de 1970. (LUZ,
2001, p. 23-4)
Ainda, conforme aponta a autora:
O segundo momento, iniciou-se após a década de 1970 com a
modernização da agricultura que influenciou no desenvolvimento
industrial na cidade de Anápolis, pois em 1974, foi implantado o Distrito
Agro-Industrial de Anápolis (DAIA) que, na atualidade, conta com 64
empresas funcionando e gerando cerca de 4.800 empregos diretos, além
de centenas indiretos, segundo dados da Associação Comercial e
Industrial de Anápolis (ACIA). Os investimentos no setor industrial
transformaram a cidade em um dos mais importantes centros industriais
do Estado de Goiás. Um processo gradativo que se acelerou com
incremento demográfico nas áreas metropolitanas de Goiânia e Brasília,
principalmente, após os anos 70 e 80. (LUZ, 2001, p. 24)
Na atualidade, a projeção do setor industrial resulta dos incentivos fiscais e de infra-
estrutura que foram colocados à disposição dos empresários, como por exemplo, o Fundo
de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás
(FOMENTAR/PRODUZIR) que financiava até 70% do Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), a ser recolhido pelas empresas por um período variável de
5 a 15 anos.
67
(LUZ, 2001).
Tabela 4-
ARRECADAÇÃO DO ICMS POR SETOR DE ATIVIDADE EM ANÁPOLIS- FEVEREIRO/ 2000
S
ETOR
ARRECADAÇÃO (%)
Indústria
Atacado
Varejo
Serviços
Produção rural
Mineração e outros
59,94
23,95
12.66
2,38
0,96
0,12
TOTAL
100,00
67
De acordo com informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Fundação do Desenvolvimento
Administrativo analisando “Aspectos da guerra fiscal no Brasil” 1998.
Fonte: Delegacia Fiscal de Anápolis.
Extraído de LUZ, 2001, p. 25.
O que é importante ressaltarmos com relação a isto é que os incentivos fiscais não
foram oferecidos na mesma proporção para o setor comercial, fato que favoreceu a
valorização do setor industrial, após a década de 70, provocando um desenvolvimento
desigual das atividades econômicas em Anápolis, entre o próprio setor industrial e o
terciário, que engloba o comércio e a prestação de serviços.
Conforme a tabela 4 verificamos que o setor industrial canalizou a arrecadação dos
impostos em detrimento do setor terciário, uma vez que a partir dessas informações
verificamos os primeiros indícios das mudanças nas formas de comércio e consumo que
retratam as mudanças na área central da referida cidade, levando-se em consideração as
estratégias do próprio comércio informal, já que, embora o setor terciário não seja o que
mais arrecada impostos, fica evidente o caráter expressivo do mesmo com relação à
organização dessas atividades em Anápolis.
Luz (2001) destaca que “a valorização do setor industrial alterou a dinâmica da
economia urbana reduzindo a influência exercida, até então, pela atividade comercial
(p.
26)
. Todavia, com base na análise da referida autora, a comparação dos indicadores locais
da distribuição da PEA com os indicadores nacionais, no qual o setor terciário concentra
54% da PEA
68
, demonstra que a realidade anapolina assemelha-se à nacional.
Portanto, mais que a projeção gerada pela arrecadação de impostos que a tabela 4
apresenta é a importância para o mercado de trabalho, cujos dados são apontados na tabela
5 que justifica a importância do próprio setor terciário no que tange à distribuição da
população economicamente ativa de Anápolis, cujo setor terciário apresenta um percentual
considerável se comparado ao secundário e primário, ou seja, 65,44%.
Os dados da
Tabela 5 são referentes à distribuição da População Economicamente
Ativa (PEA) pelos setores da economia anapolina, nos quais se verifica a importância que o
setor terciário possui ao agregar a maioria da PEA, mesmo não sendo o setor que mais
68
De acordo com dados do Banco Mundial, Development Data, 1999.
arrecada impostos (ICMS), é o setor que mais gera empregos absorvendo a maioria da
PEA. (LUZ, 2001).
Tabela 5- Distribuição da População Economicamente Ativa de Anápolis –1998
Setor de Atividade População %
Primário
8.490 8,0
Secundário
29.369 28,0
Terciário
65.443 64,0
Total
103.302 100,0
Fonte: SEPLAN – Prefeitura Municipal de Anápolis.
Extraído de LUZ, 2001, p. 27.
É preciso compreender que algumas pessoas que trabalham como camelôs e que
possuem mais de uma banca conseguem extrair um lucro que ultrapassa os valores ligados
às referências da tabela 6, ou seja, 0,5 a 1,5 salário, lembrando que há uma mistura de
intenções mascaradas nos valores que são informados nessa tabela, pois levando em
consideração as informações de Malaguti (2000), verificamos que é difícil separar a
informalidade da formalidade já que várias micro-empresas não agem de acordo com a
legislação trabalhista, pagando salários irrisórios por afirmarem que os funcionários estão
sob experiência como também a própria realidade daqueles que trabalham nas bancas como
empregados e que não recebem nem o piso salarial mínimo, estando de maneira informal
não só pela condição de ser um empregado não formalizado, mas também por não receber o
que deveria.
Analisando os dados da tabela 6 percebemos que no Estado de Goiás, a flutuação do
nível de emprego por faixa de salários ocorreu da seguinte maneira: para quem recebe de
0,5 a 1,5 salário houve um número maior de admitidos se comparado aos desligados, uma
vez que podemos classificar esses empregados na categoria do setor terciário atuando no
comércio e na prestação de serviços, já que a faixa salarial dos mesmos está na margem do
1,5 salário pago a quem trabalha no próprio comércio.
Verificamos também que os números de desligamentos são menores nas faixas
salariais mais baixas, enquanto que acima de dois salários mínimos o número de
desligamentos é maior em relação ao admitidos, justificando a procura por outras atividades
para aumentar a renda.
Tabela 6 -ESTADO DE GOIÁS: Flutuação do nível de emprego por faixa de salários -
2000 - 04.
2002 2003 2004
SALÁRIOS
Admitidos Desligados Admitidos Desligados Admitidos Desligados
Até 0,5
3.288 2.903 3.642 2.636 2.502 2.813
0,51 - 1,0
64.386 37.826 67.510 40.850 73.350 42.050
1,01 - 1,5
132.538 118.239 140.218 126.153 165.320 140.248
1,51 - 2,0
47.704 51.631 48.303 52.784 57.178 61.176
2,01 - 3,0
32.760 40.984 25.383 32.756 29.022 37.286
3,01 - 4,0
7.546 11.018 6.606 10.334 8.458 11.214
4,01 - 5,0
3.253 5.342 2.965 5.010 3.040 4.819
5,01 - 7,0
2.733 4.916 2.453 4.566 2.657 4.141
7,01 - 10,0
1.755 2.868 1.455 2.366 1.694 2.463
10,01 - 15,0
682 1.377 596 1.050 576 926
15,01 - 20,0
237 424 151 355 240 310
Mais de 20,0
267 589 240 498 228 370
Ignorado
1.456 1.225 1.825 1.210 2.333 1.529
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego.
Elaboração: SEPLAN-GO / SEPIN / Gerência de Estatística Socioeconômica – 2005
Conforme esses dados, podemos ainda avaliar que o saldo da flutuação em nível de
emprego em Anápolis no período de 2000 a 2004 com índices elevados para as atividades
comerciais pode estar relacionado às admissões no período de 2002 a 2004 com índices
salariais que caracterizam o emprego no próprio comércio.
Na verdade, o que queremos destacar é que mesmo havendo um crescimento na
variação do emprego formal e admissões para aqueles que ganham uma média salarial entre
0,5 a 1,5 salário mínimo há uma difusão de comerciantes informais que trabalham como
camelôs e ambulantes e que acabam recebendo mais do que aqueles que trabalham no
comércio formal, isto é, há uma mistura de situações que envolvem não somente o lado
trabalhista, mas também a dinâmica espacial do processo.
A importância da posição geográfica e estratégica de Anápolis para o
desenvolvimento comercial é enfatizada, através de dois estudos apresentados,
respectivamente, em 1973 e 1999. O primeiro corresponde a uma análise empreendida pela
Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) e Fundação
Universidade de Brasília (FAU) a partir de resultados de uma pesquisa envolvendo a área
da Região Geoeconômica de Brasília.
69
Os centros urbanos foram classificados de acordo
com a capacidade polarizadora, considerando elementos como: os equipamentos urbanos, a
atividade industrial, a localização espacial da cidade e a taxa de urbanização, apresentando,
portanto, de acordo com a SUDECO/FAU os melhores indicadores de centralidade urbana
depois de Goiânia e Brasília.
O segundo trabalho é mais recente, foi apresentado pelo IPEA/IBGE/UNICAMP em
1999, caracterizando a rede urbana brasileira e considerando aspectos como: padrões de
articulação, recortes territoriais, novas espacialidades e mobilidade espacial da população.
Nessa pesquisa a influência exercida por Anápolis é reconhecida, principalmente, sobre os
municípios próximos, e apesar do crescimento metropolitano das capitais próximas,
mantém-se como um centro dinâmico com uma área de influência própria formada pela
Microrregião de Anápolis. (LUZ, 2001, p. 28). Assim, para Luz (2001),
O posicionamento estratégico de Anápolis também ocorre com relação à
região Metropolitana de Goiânia, sendo possível verificar a expansão
desta sobre a área de influência de Anápolis, direcionando para a futura
absorção de Anápolis pela Região Metropolitana de Goiânia. (p. 29).
Ainda para a respectiva autora, tal aspecto ganha relevância, na atualidade, com a
possibilidade de criação da Região Metropolitana Ampliada de Goiânia, em discussão
desde 1999, para agregar as cidades de Anápolis e Terezópolis. Contudo, mediante a
justificativa das Diretrizes para o Planejamento Urbano da Região Metropolitana de
Goiânia, a inclusão de Anápolis e Terezópolis está atrelada à existência dos seguintes
69
A criação dessa região foi prevista pelo Plano Nacional de Desenvolvimento. A pesquisa apresentava os
subsídios necessários para a compreensão dessa área na qual estão inseridas as cidades de Anápolis e Goiânia
com as respectivas áreas de influência.
aspectos: existência das nascentes dos principais mananciais de abastecimento de água que
servem Goiânia; Anápolis possuir o maior distrito industrial da região e manter um
significativo intercâmbio comercial e de serviços com a capital, além de sediar a Estação
Aduaneira do Interior (EADI-Centro-Oeste ) denominada de “Porto Seco”.
70
(LUZ, 2001).
Sobre a questão do distrito industrial (DAIA), ainda, podemos apontar uma
ampliação das indústrias em função do pólo farmoquímico que se formou na área, com
destaque para os vários laboratórios farmacêuticos como: TEUTO, NEOQUÍMICA,
VITAPAN e outros, levando em consideração também os que serão implantados de acordo
com projetos que vêm sendo elaborados, tornando Anápolis expressiva na produção de
remédios genéricos.
Tabela 7 - ESTADO DE GOIÁS, Centro-Oeste e Brasil: Variação do emprego formal
- 1998 - 04.
Especificação 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Goiás -2,11 -0,96 4,83 4,27 3,80 3,73 6,30
Centro-Oeste -1,18 -0,90 3,75 4,14 4,26 3,83 6,92
Brasil -2,80 -0,53 3,20 2,72 3,59 2,89 6,55
Fonte: MTE / CAGED.
Elaboração: SEPLAN-GO / SEPIN / Gerência de Estatística Socioeconômica – 2005.
Ao analisarmos os dados da tabela 7 podemos associá-los à tabela 6 no que tange à
variação da taxa de emprego formal no período de 1998 a 2004 com destaque para a região
Centro-Oeste que teve um aumento em 2002, seguido de queda em 2003, e novamente um
aumento em 2004, com 6,92%, se comparado ao Estado de Goiás, que teve um crescimento
de 6,30% e ao Brasil, com 6,55%. No caso do Centro-Oeste é preciso enfatizar tais
crescimentos com relação à expansão da fronteira agrícola e da agroindústria e mesmo o
Estado de Goiás tendo apresentado uma variação menor, ainda assim, teve um crescimento
no ano de 2004 que não pode ser desprezado em função do pólo farmoquímico instalado na
cidade de Anápolis, justificando o saldo no nível de emprego da indústria de transformação
que foi de 1509 em 2004, além do saldo também com relação às atividades comerciais para
o mesmo ano, ou seja, de 286 em 2002 para 801 em 2004. No caso da prestação de
serviços, a flutuação do nível de emprego teve uma redução brusca, pois em 2000 foi de
1520, caindo para 823 em 2002 e para 384 em 2004. (SEPLAN, 2005).
70
Sobre este porto já fizemos alguns comentários anteriormente.
Mediante esses apontamentos, Luz (2001) destaca que:
Efetivamente, a localização estratégica de Anápolis contribui para o
desenvolvimento da atividade comercial atacadista, uma vez que as
empresas anapolinas alcançam os dois centros urbanos mais populosos da
região Centro-Oeste e que apresentam um ritmo acelerado de
urbanização que amplia a demanda e acirra a competitividade intra-
urbana e interregional, já que a melhoria das redes técnicas favorece a
organização e da rede de transportes a distribuição, possibilitando que a
atividade
comercial realize-se com áreas mais distantes. (p.30).
E prossegue dizendo:
Assim, a hipótese que destaca a importância da localização estratégica
de Anápolis para o desenvolvimento da atividade comercial é reafirmada
ao consideramos a articulação, atual, da cidade que proporciona a
existência de um eixo dinâmico interligando Brasília-Anápolis-Goiânia.
Assim, Anápolis ao mesmo tempo em que se integra na dinâmica urbana
interregional mantém um comércio atacadista competitivo e um setor
industrial em crescimento, além de permitir que as empresas, situadas no
espaço intra-urbano, usufruam da localização privilegiada e estratégica
da cidade através dos investimentos e contingentes populacionais
atraídos pelas metrópoles próximas. (LUZ, 2000, p.30)
Considerando as informações que foram arroladas sobre a constituição de Anápolis
como cidade média em relação ao eixo de desenvolvimento que contempla Brasília-
Anápolis-Goiânia, temos que a organização das atividades econômicas também reflete a
estruturação interna dos espaços com destaque para a própria organização do setor terciário,
abrangendo as estratégias dos atacadistas e varejistas. Contudo, a seguir estaremos
enfocando a constituição do centro principal de Anápolis de acordo com o surgimento das
primeiras atividades que foram se instalando na referida área permitindo traçarmos um
paralelo sobre as primeiras formas de organização das formas e funções aliadas às novas
estratégias de uso e apropriação dos espaços centrais a partir da atuação dos camelôs e/ou
ambulantes, que é a nossa proposta para o presente trabalho.
3.1.3. A constituição do centro principal e o desenvolvimento das primeiras
atividades comerciais e de serviços
O desenvolvimento e crescimento da cidade de Anápolis também requerem uma
análise na escala intra-urbana das transformações pelas quais vêm passando no decorrer das
décadas. Até o momento estivemos discutindo a inserção da cidade em nível regional e
nacional de acordo com as dinâmicas que propiciaram o surgimento da mesma enquanto
cidade de porte médio e de grande expressão frente às mudanças econômicas do próprio
país.
Assim, decidimos apontar algumas características com relação à estruturação e
reestruturação do centro principal a partir das modificações nos usos dos espaços. De
acordo com a análise do Plano Diretor (1996), a respeito da economia urbana, temos que:
O setor de comércio de mercadorias já foi mais importante em termos de
arrecadação de ICMS, no entanto continua absorvendo bastante mão-de-
obra e crescendo com o surgimento de novos estabelecimentos para fazer
frente ao crescimento do mercado consumidor local e à expectativa de
aumento da demanda proporcionada pelo grande número de
consumidores do Distrito Federal e das cidades do seu entorno. (p. 10).
Esses apontamentos são fundamentais para compreendermos a dinâmica do centro
em relação às atividades que condensa, pois ao levarmos em consideração o surgimento da
área, verificamos que foi propícia para que o setor terciário se desenvolvesse até mesmo em
função dos fluxos que passaram a configurar os espaços na época do próprio surgimento,
como também, no período atual.
Para estabelecermos um parâmetro sobre a dinâmica do centro urbano de Anápolis,
precisamos avaliar como este se originou e como foi se estruturando economicamente para
que possamos abordar o contexto atual das estratégias comerciais e espaciais. Portanto,
tomando como referência o lugar onde foi construída, a capela de Sant’ana, temos as
primeiras manifestações da formação do núcleo urbano e os primeiros indícios da
organização dos espaços destinados às residências, ao comércio e ao lazer, pois as pessoas
buscavam se reunir na igreja, tendo assim, se constituído um ponto de encontros.
O setor terciário foi se constituindo aos poucos na cidade em função da migração
que impulsionou o desenvolvimento do comércio, já que “para o setor urbano migravam,
principalmente, os sírios, 30,13% do total de imigrantes, para trabalhar, principalmente, no
setor terciário” (POLONIAL, 2000, p. 57). Isso indica a forte presença da colônia sírio-
libanesa na cidade, apontando, assim, a dinâmica comercial que envolve a origem de
Anápolis com relação às questões ligadas ao planejamento urbano e à idéia que levantamos,
anteriormente, sobre os urbanistas com relação à organização do espaço urbano.
Por outro lado, temos também a questão da dinâmica imobiliária no que diz respeito
aos vazios urbanos, já que os promotores imobiliários ficam à espera de áreas a serem
valorizadas para poderem colocar em prática os projetos, que por sua vez, vão beneficiar
aqueles que podem pagar pelo uso do solo, seja para morar ou trabalhar, sendo este sob a
condição do pagamento de um aluguel ou a compra do imóvel.
Contudo:
A forma como a cidade de Anápolis cresceu, organicamente e sem
controle ao longo de sua história, acabou por gerar uma grande dispersão
das atividades urbanas-comerciais, industriais, habitacionais,
institucionais e de lazer. Esta ocupação espraiada, com grandes vazios
urbanos, prejudica significativamente a compatibilização entre as formas
de produção, distribuição e consumo e as atividades de habitar e crescer.
(PLANO DIRETOR, 1996, p. 17)
Tais afirmações, elencadas mediante à análise do Plano Diretor (1996) estâo
associadas à análise que Castells (1982) faz a respeito do centro urbano, destacando que há
distintos níveis ligados às distintas atividades, contribuindo para uma espacialização e,
conseqüentemente uma diferenciação socioespacial. Quando Polonial (2000) revelou as
primeiras mudanças na cidade para proporcionar melhorias para aqueles que migrassem
para o Estado, e mais precisamente para Anápolis, ficaram explícitas as primeiras formas e
funções que foram sendo instaladas na área central, mudando os hábitos dos citadinos. Vale
ressaltar que:
[...] as mudanças foram inevitáveis, até mesmo no aspecto dos costumes
e da mentalidade. A preocupação com a educação dos anapolinos para
enfrentar a nova era de progresso, bem como a preocupação com o
aumento da produção, passam a ser discutidas nos jornais, pois Anápolis
logo seria uma cidade ligada aos grandes centros do país e perderia a sua
característica de localidade pacata e sertaneja. (POLONIAL, 2000, p. 70)
Dessa forma, já era possível falar nas primeiras mudanças na organização espacial
do que havia se constituído como apenas um núcleo urbano, pois as transformações
estavam, de fato, ocorrendo com a chegada dos trilhos. Segundo Polonial (2000),
As transformações davam-se no aspecto físico, com as construções; no
aspecto social, com o aparecimento de uma vida noturna, com o
crescimento populacional, coma chegada dos imigrantes e com o
surgimento dos problemas sociais, com o aumento da criminalidade; no
aspecto econômico, com a valorização das terras, a construção de novos
estabelecimentos e a dinamização do comércio em geral. (p. 69).
Aos poucos, a cidade vai se transformando e os espaços vão ganhando novas formas
com os arruamentos que vão dando um novo sentido às vias que a contornam, como
também as estradas que dão acesso permitindo a entrada e saída das pessoas, registrando os
primeiros indícios dos fluxos que passariam a fazer parte da dinâmica urbana. Foram sendo
construídos os imóveis que passaram a compor a área central, além da preocupação com o
saneamento básico (rede de água e esgoto), iluminação e outras benfeitorias necessárias
para acirrar o processo de urbanização na cidade de Anápolis.
As atividades do setor terciário foram sendo implementadas com a atuação dos
imigrantes que chegavam à cidade pela via férrea. A foto 1 demonstra as primeiras
manifestações dos usos do espaço, com a construção de residências, as calçadas como vias
de circulação dos pedestres e que podemos relacionar com o período atual, enfatizando os
novos usos destes espaços em função das novas estratégias comerciais na figura dos
camelôs e ambulantes, assunto este do qual trataremos mais adiante. Já na foto 2,
verificamos essa intensificação dos fluxos a que nos referimos em função também da
intensificação dos usos apontando para as mudanças na área central com estratégias de
comércio e consumo que transformaram o cotidiano urbano dos moradores atrelados à
dinâmica capitalista. Polonial (2000), nessa perspectiva, destaca o seguinte:
Após a chegada dos trilhos a Anápolis, a economia local experimentou
mudanças significativas. O comércio, que já vinha se destacando como
principal gerador de riquezas do município, torna-se mais dinâmico, com
o crescimento significativo do número de estabelecimentos comerciais. O
setor atacadista cresceu 1.533,34% no período de 1935 a 1948, enquanto
as máquinas de beneficiamento tiveram um crescimento de 212,50% no
mesmo período. (p. 75).
O deslocamento das pessoas para o município para fixarem residência ou para
promoverem transações comerciais evidenciou a construção de imóveis para abrigar estas
funções, apontando a forte presença do setor terciário com destaque para a prestação de
serviços que também foi crescendo à medida que as pessoas chegavam, como as agências
bancárias, fato este que já foi destacado com a construção de alguns bancos na cidade, os
serviços médico-hospitalares, educacionais, uma vez que o próprio crescimento
populacional exigiu uma diversificação das atividades para atender as exigências dos
moradores, havendo “um crescimento de 539,62% no número dos estabelecimentos
varejistas entre 1935 e 1948” (POLONIAL, 2000, p. 76). Ainda, para Polonial (2000):
A supremacia dos estabelecimentos comerciais, sejam varejistas ou
atacadistas, sobre as máquinas de beneficiamento de arroz e café, reforça
a nossa proposição anterior de que o setor terciário passa a ser mais
dinâmico do que o setor primário. Isto contribuiu, sobremaneira, para a
maior urbanização da cidade, pois cada vez mais as pessoas deslocavam-
se para a sede do município, tanto para fixar residência, quanto para
promover transações comerciais. A construção de casas residenciais e
comerciais
foi uma constante. (p. 75).
Foto 1- Vista das primeiras construções em Anápolis
Fonte: Revista da Cidade.
Foto 2- Vista do Centro de Anápolis
Fonte: Revista da Cidade
A tabela 8 informa os motivos que levaram a esse aumento na construção de
imóveis para abrigar os mais diversos tipos de atividades comerciais na cidade, já que
apresenta o número de pedidos de licenciamento de prédios no ano de 1941.
Tabela 8
Pedidos de licenciamento de prédios em Anápolis-1941
Tipo 1941 1942 1943 Variação-%
Residencial 5 29 36 620
Comercial 5 15 70 1.300
Fonte: Arquivo da Prefeitura
Extraído de POLONIAL, 2000, p. 76.
De acordo com Polonial (2000) esses pedidos indicavam uma variação nos tipos de
atividades comerciais que foram se fixando, afirmando a idéia dos usos mistos no centro
por ser o local para onde todos se direcionam, ou seja, é o ponto de convergência das
formas e funções reproduzidas no espaço. Essa diversificação a que se refere o respectivo
autor engloba estabelecimentos de perfumaria, alfaiataria, ferragens, sapataria, padaria,
hotel, lanchonetes, beneficiamento de arroz e café, tecidos, alimentos, secos e molhados,
botequins, oficina mecânica, móveis, agência de bicicleta, couros e peles, autopeças,
açougue, roupas, diversões e consultório odontológico.
Enfim, todas essas atividades contribuem para entendermos a dinâmica econômica
do centro, pois a arrecadação dos impostos também aumentou na cidade e o que buscamos
ressaltar também mediante tais afirmações, é que já havia uma tendência do centro em
expressar uma centralidade intra-urbana, que já era sentida em nível regional e nacional,
mas que estava mostrando indícios na escala interna com significativa importância o que
fundamenta nossa hipótese de que, na atualidade, o centro ainda reafirma sua centralidade
em relação ao contexto da cidade como um conjunto de elementos interagindo no urbano.
Nessa época, o centro era a área mais procurada e também a que exigia melhoria
quanto aos imóveis, pois “as construções eram de alvenaria, com 62,57% do total. E mais,
dos pedidos de construção para prédios comerciais, apenas três localizavam-se em distritos”
(POLONIAL, 2000, p. 77), sendo que os demais se restringiam à cidade.
Todos esses sinais de avanços na economia urbana de Anápolis entraram em choque
com a situação de abandono das ferrovias no Brasil, o que também ocorreu na cidade em
questão, havendo uma incompatibilidade dos trilhos à dinâmica da cidade que passava a
utilizar os automóveis para facilitar o deslocamento, já que o aumento da população
intensificava os usos no centro. Assim, os trilhos foram retirados dessa área no ano de
1976, mas já na década de 50 ocorreram as primeiras manifestações para que o símbolo que
havia trazido o desenvolvimento à cidade fosse eliminado, dado a incompatibilidade com a
vida urbana que se reestruturava face aos novos interesses que se despontavam na época.
Todavia, se levarmos em consideração a periodização que foi estabelecida para demonstrar
o processo evolutivo de Anápolis, verificaremos que o processo de modernização agrícola
promoveu intervenções na organização espacial em função do desenvolvimento do setor
industrial.
As mudanças que foram sendo efetivadas no âmbito regional e nacional também
ocorreram internamente com a imagem do centro cada vez mais sendo modificada por
diversos usos, intensificados de acordo com as exigências da sociedade de consumo ligadas
ao “mito da abundância e do bem-estar” (BAUDRILLARD, 2003, p. 52). O centro
continuou agrupando o setor terciário com destaque para as atividades comerciais e de
serviços que foram se (re)alocando na área, sendo os espaços cada vez mais disputados de
acordo com os interesses do capital, constituindo um nó de ligação, lugar para onde se
converge e, ao mesmo tempo, o local de partida para outras áreas.
A dinâmica do centro envolve uma mistura de usos que podem ser compreendidos a
partir do consumo de mercadorias, já que a idéia de “ir ao centro” está relacionada à
satisfação ou aquisição de algo, além de ser o lugar da prática cotidiana, que para Carlos
(2004, p. 47) “se liga de modo inexorável à realização da vida enquanto condição e produto
de relações reais. Mas a produção da vida e do lugar revela sua necessidade de reprodução
continuada”O que Carlos discute nestas palavras pode ser interpretado de acordo com as
relações estabelecidas no centro em função dos usos que caracterizam a convergência dos
fluxos revelada por uma reprodução que sistematiza um conjunto de ações e atitudes que
transformam os espaços da cidade em mercadorias. No entanto, entendemos que as
atividades formais e informais discutidas até o momento no âmbito das estratégias
comerciais podem ser analisadas sob o prisma das práticas socioespaciais.
No caso de Anápolis, o centro continua exercendo um poder concentrador, até
mesmo porque há uma mistura de formas e funções que são características deste, pois a
maior parte do que as pessoas precisam com relação às atividades comerciais e de serviços
pode ser encontrada como: os serviços bancários, médico-hospitalares, odontológicos,
farmácias, a sede do INSS, serviços de hotelaria, bares e restaurantes, lojas de calçados e
confecções, além de outras atividades indispensáveis no dia a dia das pessoas.
O centro, portanto, é dinâmico e apresenta uma organização que remete à própria
desorganização no sentido dos papéis que desempenha na estrutura urbana. O ritmo dessa
área expressa o movimento intenso e contínuo de pessoas, como também dos veículos,
revelando o potencial concentrador desse espaço em relação às demais áreas da cidade.
Assim, a temática que envolve o comércio de rua contém elementos que fazem parte da
trajetória de constituição do centro da cidade de Anápolis, uma vez que:
[...] a atividade comercial possui uma importância histórica para
Anápolis e áreas próximas. Nas primeiras décadas do século XX, não
existia uma divisão clara do setor comercial anapolino, os comerciantes
realizavam a distribuição local de grandes e pequenos volumes atendendo
a demanda interna e regional. Mas, com a dinamização da economia,
após a implantação da ferrovia, os comerciantes passaram a se
especializar, os atacadistas foram se encarregando da distribuição e
estocagem das mercadorias oriundas de São Paulo, ao mesmo tempo em
que armazenavam os produtos locais e distribuía-os para o mercado
paulista e mineiro. (LUZ, 2001, p. 78)
A autora faz referência à atividade atacadista, que porventura tem uma importância
fundamental na estruturação do setor comercial da cidade, além do comércio que era
praticado por mascates no início do povoado revelando a dinâmica do processo que integra
a paisagem do centro, associando atividades formais e informais no contexto da articulação
e apropriação dos espaços. Ainda, para Luz (2000):
Em Anápolis as empresas atacadistas diferenciam-se,
também, pelo aspecto espacial no qual é possível verificar a
importância do centro
71
para a atividade comercial. É
possível acompanhar o deslocamento das empresas dentro
da cidade na medida em que um novo espaço passa a
exercer a função de centralidade. Identificamos três locais
que detiveram a função de centro em Anápolis, além do
centro atual. O primeiro local corresponde à área em que
ocorreu a fundação da Vila de Sant’Ana, nas proximidades
da Praça Santana; o segundo corresponde à área da Avenida
Miguel João um local em que se concentram os armazéns de
café e arroz; o terceiro formou-se nas proximidades da
estação ferroviária que atraíram inúmeros comerciantes e,
ainda, na atualidade concentra o setor atacadista
tradicional. No caso do desenvolvimento comercial
atacadista, o terceiro centro caracterizou-se como local de
convergência que concentrou as atividades de comércio e
serviços. (p. 79).
Outrossim, a autora ainda ressalta que:
Na etapa inicial do desenvolvimento comercial anapolino,
varejo e atacado possuíam o mesmo sentido, mas, com a
ampliação da demanda interna e regional surgiram as
empresas encarregadas de realizar um comércio mais
especializado que intermediasse as relações entre o
fornecedor e o consumidor final. Uma função assumida pelo
atacadista que ao dispor de crédito junto ao fornecedor,
conseguia os melhores preços, além disso, o transporte das
mercadorias até a cidade demandava um investimento
71
Trata-se do centro tradicional, local de convergência de população e no qual se concentram os serviços
públicos, bancos, etc..
inicial que onerava o pequeno comerciante a empresa
expandiu-se para as proximidades da estação ferroviária e
ampliou o volume de mercadorias comercializadas. (LUZ,
2001, p. 79-80)
A partir de tais considerações de Luz percebemos que a atividade comercial em
Anápolis tem um caráter expressivo com relação ao setor atacadista, que por sua vez reflete
o varejo, já que o centro da cidade apresenta uma diversificação quanto às atividades
comerciais e de serviços, uma vez que formais e informais convivem juntos nesses espaços,
que por sua vez apontam para usos diferenciados e apropriações que justificam a mistura de
funções que o próprio centro comporta. Assim, o que buscamos enfatizar é que seja o
comércio atacadista ou qualquer outra expressão do setor terciário, o centro em si apresenta
um poder atrativo e concentrador que se manifesta nas ações e atuações dos usuários.
O item a seguir apresenta informações que contemplam a segunda parte deste
capítulo a respeito dos usos do centro a partir dos comerciantes de rua, com ênfase para os
camelôs e ambulantes que também fazem parte da realidade de uma grande parte das
cidades brasileiras, que embora seja uma prática combatida e discriminada compõe o
cenário urbano de um modo geral.
Parte II
3.2. As mudanças do centro: os novos espaços de consumo, os novos usos e as
estratégias comerciais.
Em nosso trabalho buscamos enfatizar algumas áreas que são fundamentais para
discutirmos os novos espaços de consumo mediatizados por novos usos, tomando como
parâmetro o comércio informal; assim, nossa análise a respeito das dinâmicas e estratégias
comerciais passa pelo entendimento do que se constitui o próprio centro na atualidade.
Todavia, as ruas General Joaquim Inácio, Engenheiro Portela, 15 de Dezembro, 7 de
Setembro, Manoel da Abadia e a Avenida Goiás, uma das principais da cidade
72
concentram atividades do setor terciário e apresentam um fluxo contínuo de pessoas
consumindo os mais diversos produtos. De acordo com a figura 2 podemos verificar a
dimensão da área que compreende o centro, enquanto a figura 3 apresenta as ruas que
compõem o trajeto do trabalho de campo.
Inicialmente foi realizado um mapeamento das atividades ligadas ao comércio
informal na área central, com destaque para os ambulantes localizados nas ruas General
Joaquim Inácio, Engenheiro Portela, 15 de Dezembro e partes das ruas 7 de Setembro, Rui
Barbosa e Praça Americano do Brasil, como também os camelôs instalados no
camelódromo municipal e no Shopping Popular, totalizando 850 bancas, sendo que 430
pertencem ao Shopping Popular
73
, 240 estão no camelódromo e 180 nas ruas referentes ao
mapeamento. Segundo informações, o total de bancas no Shopping Popular é de 246, o que
nos remete a pensar que esse número está relacionado somente às bancas da área
administrada pela Prefeitura que concentra um número maior de boxes, visto que a
estatística aplicada para se obter o total de questionários aplicados foi baseada no
referencial de 430 para o respectivo Shopping, envolvendo a área privada, embora haja um
número significativo de pessoas que não quiseram responder as questões.
72
As avenidas Goiás e Brasil são importantes para a cidade por serem vias que se entrecruzam e que
permitem o acesso à cidade.
73
Este número foi fornecido por um proprietário que tem uma banca no Shopping Popular. Mas diante de um
novo mapeamento realizado após o primeiro, que se deu em junho de 2003, e o segundo em outubro do
respectivo ano, percebemos que este número equivalente a 430 bancas inclui as bancas que estão fechadas,
pois muitos camelôs saíram do próprio Shopping Popular para se fixarem nas ruas, já que não queriam pagar
as taxas necessárias para continuarem no respectivo shopping, além de incluir uma área que é administrada
pela Prefeitura Municipal e outra que está sendo administrada pela imobiliária Rio Branco, ou seja, dentro de
um mesmo espaço destinado ao consumo temos o controle do poder público e privado ao mesmo tempo. Foi
possível observar que há um controle da área privada, pois todos os dias tem uma pessoa de plantão que é
funcionária da própria imobiliária, o que não acontece com a área da Prefeitura, cuja preocupação em
controlar e/ou fiscalizar o local não existe, contribuindo para a desistência de muitos em trabalhar naquele
espaço, procurando se instalar nas ruas. Isto nos remete a pensar na contradição que este assunto aponta, pois
se de um lado há críticas por parte da Prefeitura quanto à ilegalidade de muitos trabalhadores que estão na
informalidade, então por que não há o fiscal que deveria estar designado para ocupar tal função, já que o local
onde deveria permanecer se encontra sempre fechado e abandonado? Estas são algumas considerações que
envolvem uma discussão mais profunda sobre as causas da informalidade e seus impactos positivos por ser
uma opção para quem não tem um emprego garantido e os impactos negativos pela condição de descaso pela
sociedade de um modo geral.
Levando–se em consideração o referencial de 850 bancas, incluindo as das ruas, do
camelódromo e Shopping Popular, foram elaboradas 36 perguntas (como se pode observar
no anexo 1) direcionadas aos ambulantes das três categorias elencadas nas ruas, Shopping
Popular e camelódromo municipal com questões que variam desde a idade do vendedor,
rendimento mensal, quantidade de bancas que possui, horas trabalhadas por dia, como
também as causas que levaram a buscar a informalidade, o por quê da localização, uma vez
que esta questão é importante para discutirmos a importância do centro e a reafirmação da
centralidade urbana, já que este é o local que condensa as funções comerciais e de serviços
e evidentemente que o comércio informal também busca se beneficiar dessa situação.
Diante da quantidade de bancas mapeadas e das questões elaboradas para a
realização do trabalho de campo, na tentativa de extrair informações que fundamentassem a
temática proposta para a tese, foi necessário um profissional da área da Estatística para
indicar uma dinâmica que melhor se adequasse à situação. Assim, foi utilizada uma
fórmula
74
para se chegar ao número exato de questionários aplicados, uma vez que esta
metodologia não poderia ser direcionada aos 430 proprietários, visto que vários boxes se
encontravam fechados e muitos não quiseram responder ao questionário em si.
74
A fórmula foi aplicada com base na proporção de proprietários de bancas entre p^- 0,05; p^- 0,05, com
95% de certeza para mais ou para menos. Assim, temos:
N e% α% Zx/2 P^ n
850 3 5 1,96 0,80 479
5 5 1,96 0,81 191
De acordo com a fórmula representada, podemos avaliar que o número 850
representa o total de proprietários, enquanto o número 191 demonstra o total de
questionários aplicados de acordo com o esquema acima.
75
Contudo, foi necessário também
fazer a distribuição desses questionários para sabermos quanto aplicar em cada categoria
analisada; isto, é foi preciso fazer a operação de divisão para se ter uma base de quantos
seriam aplicados nas ruas, camelódromos e no Shopping Popular. Assim, pegamos o total
de questionários que deveriam ser aplicados (191), dividimos pelo total geral de
proprietários das bancas (850) e multiplicamos pelo total separado de cada segmento, ou
seja, 430, 240 e 180, o que resultou numa amostragem de quantos questionários deveriam
ser aplicados, ou seja, 98 para o Shopping Popular, 55 para o camelódromo e 38 para as
bancas das ruas em que a pesquisa foi realizada, visto que houve um grande número de
pessoas que não quiseram responder ao questionário por terem um sentimento de medo
quando se trata de alguém que quer saber sobre a atividade que estão desenvolvendo, já que
quando se fala em “camelô” ou “ambulante” todos pensam em mercadorias
contrabandeadas, pessoas que trabalham sem pagarem os impostos.
Enfim, há uma certa discriminação, e isto de certa forma, acabou comprometendo
um pouco a metodologia adotada para a coleta dos dados. Mas a quantidade extraída do
trabalho de campo, ou seja, 144 questionários aplicados revela que as atividades podem ser
consideradas expressivas na cidade de Anápolis, uma vez que o consumo de todos os tipos
de mercadorias mostra a própria dinâmica do centro da respectiva cidade e suas formas
comerciais mediadas pela complexidade das relações sociais.
Os questionários não foram aplicados aleatoriamente, pois foi considerado o número
“4” a partir de cálculos efetuados, seguido da realização de um sorteio com os números do
1 ao 4, cujo resultado obtido foi somado ao respectivo número 4 (extraído do cálculo) para
sabermos quais bancas seriam escolhidas para a aplicação do questionário.
Ainda, conforme a metodologia adotada para realização da pesquisa, aplicamos
enquetes com o público consumidor das ruas principais do centro onde está localizada a
75
Não estaremos detalhando como foi realizado o cálculo, uma vez que foi uma tarefa desenvolvida pela
professora do Curso de Estatística Aparecida Donizete, da FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente, S.P
ficando a cargo dela aplicar a referida fórmula.
maior parte das bancas dos camelôs e onde estão o camelódromo, o Shopping Popular e o
terminal de ônibus intra-urbano, fato este que explica o fluxo intenso de pessoas durante o
dia, pois há uma mobilidade muito grande de pessoas de outros bairros em direção à área.
Dessa forma, seria impossível calcular qual o número de pessoas que circulam nessa área,
e foi portanto, através de uma amostragem, que foi extraído um número equivalente à
quantidade de enquetes aplicada.
76
A escolha desses horários justifica-se pelo fato de ser horário normal de trabalho, o
que não é diferente com as bancas por ser horário comercial, atraindo inúmeras pessoas ao
centro das cidades que buscam satisfazer as necessidades que se realizam nesses horários.
Diante disso, foram aplicadas enquetes com pessoas de todas as faixas etárias, menos
crianças abaixo de 10 anos, o que favoreceu uma abordagem mais ampla quanto à dinâmica
dos consumidores.
Também foi realizada uma entrevista com o ex-prefeito, o Sr. Ademar Santillo, que
por dois mandatos realizou obras na cidade de Anápolis, inclusive a construção do próprio
camelódromo e do Shopping Popular, sendo considerável para a pesquisa proposta as
informações concedidas para esclarecimentos quanto à organização dos referidos centros
comerciais, como a data de inauguração e outras questões relevantes à temática. Foram
realizadas conversas informais com alguns camelôs e ambulantes, o que enriqueceu a
pesquisa de campo e nos proporcionou extrair mais informações que não estavam contidas
na organização dos questionários e enquetes, uma vez que este tipo de metodologia permite
76
A fórmula,
N e% α% Zα/2 P^ n
90.000 5 5 1,96 0,5 384
esclarece melhor tais afirmações, uma vez que o número 384 aponta para o total de enquetes aplicadas, já que
o número 90.000 significa o maior número de pessoas que circulam na área pesquisada e a amostra referente a
este número é de aproximadamente 384. Na verdade, foram aplicadas mais de 440, já que foi selecionada
uma semana para a realização das mesmas. Um grupo de cinco pessoas permaneceu das 8:00 horas da manhã
até às 18:00 da tarde de Segunda à Sábado durante uma semana circulando pelas ruas General Joaquim
Inácio, Engenheiro Portela, 15 de Dezembro e, principalmente, onde está localizado o camelódromo e o
Shopping Popular para poder aplicar as referidas enquetes com as pessoas que estavam circulando naqueles
espaços, o que resultou num total de 64 enquetes por dia, mas que no total teve esse número acrescido devido
a quantidade de enquetes aplicadas ter sido um número maior que o estimado.
obter dados que são imprescindíveis à pesquisa, que tem como recorte territorial uma parte
do centro principal da cidade que combina elementos que reforçam e reafirmam a
centralidade intra-urbana.
Desse modo, é interessante compreendermos que a praça da Igreja Sant’anna foi o
ponto de partida para a formação do núcleo urbano, mas atualmente, não é o lugar de
convergência das atividades, e principalmente das pessoas que circulam no centro.
Essa convergência a que estamos nos referindo envolve as ruas citadas e a praça
Bom Jesus, ou seja, o dinamismo da cidade foi sendo transferido para próximo dos lugares
cujo comércio e a prestação de serviços foram sendo instalados, reestruturando os espaços
centrais. Contudo, a presença do terminal urbano também é um elemento fundamental na
paisagem do centro, pois é o responsável pelo deslocamento de inúmeras pessoas por dia e
que fazem uso do transporte coletivo para usufruir da potencialidade do centro representada
pelo conjunto de funções que servem para satisfazer uma grande parte das necessidades
básicas humanas.
Ressaltamos, então, que a paisagem urbana de Anápolis revela a manifestação dos
elementos que a compõe, pois representa um papel fundamental para a análise do espaço.
Entretanto, para Carlos (1994):
A paisagem urbana é a expressão da “ordem” e do “caos”, manifestação
formal do processo de produção do espaço urbano, colocando-se no nível
do aparente e do imediato. O que importa considerar é como essa forma
será compreendida e, conseqüentemente, analisada. (p. 44).
O imediato a que a autora está se referindo no contexto da realidade de Anápolis
pode ser atribuído às mudanças no uso do solo, à intensificação dos anseios ligados ao
consumo que evidencia o consumo do espaço e o espaço do consumo a partir das formas e
funções que foram se constituindo no centro, levando-se em consideração que há uma
interação quanto ao tipo de atividades que compõem a paisagem do centro, pois temos uma
junção de tipos de comércio e serviços que vai além das primeiras formas de organização
econômica e espacial.
Na verdade, quando houve o aumento da arrecadação dos impostos por parte da
intensificação do comércio e dos serviços em Anápolis, entendemos que estava se
concretizando de forma plena o início de um comércio formal, organizado de acordo com
os pretextos do poder público.
77
77
Queremos deixar claro que nessa época também existiam os vendedores ambulantes e os camelôs que
ficavam nos pontos de maior circulação para poderem vender as mercadorias, embora essa característica tenha
se ampliado diante da falta de empregos para absorver a demanda e da própria escolha frente à precarização
do trabalho.
De acordo com a figura 4 podemos avaliar que as ruas General Joaquim Inácio,
Engenheiro Portela e 15 de Dezembro
82
apresentam uma ocupação do solo urbano acirrada,
com destaque para os mais variados tipos de comércio e serviços formais, visto que a
maioria das atividades destacadas na figura está ligada ao comércio, propriamente dito,
como as lojas de confecções e calçados, lojas de móveis, lojas de R$1,99 e outras. No caso
dos serviços, destacamos os que fazem parte dos médico-hospitalares, odontológicos,
farmacêuticos, bancários e outras funções do tipo, registrando uma produção e reprodução
do espaço urbano em função da formalidade.
Assim, os quadros que vão do número 4 ao 11 fazem parte desse procedimento para
que possamos compreender a dinâmica comercial do centro e suas implicações no contexto
daquilo que chamamos de novos espaços de consumo. O quadro 4 informa a descrição das
atividades formais na Rua General Joaquim Inácio de acordo com o mapeamento realizado
para verificar o tipo de atividade existente nas principais ruas, cujo dinamismo evidencia os
fluxos que interagem na paisagem do centro, (re)definindo e muitas vezes (re)afirmando a
expressão de uma centralidade urbana.
Conforme os produtos elencados no quadro 4, percebemos uma variação dos
mesmos e uma generalização, que já apontamos anteriormente em relação às mercadorias,
uma vez que o centro pode ser caracterizado como uma área que abrange inúmeras formas
e funções, embora as mudanças sejam bruscas e não compreendam uma uniformidade,
justificando a variedade dos próprios produtos, pois “com a mudança da morfologia há
também uma mudança da função. Com isso redefinem-se, constantemente, os lugares
dentro da cidade” (CARLOS, 2004, p. 84). Esses apontamentos também podem ser
aplicados para os demais quadros que representam os tipos de mercadorias comercializadas
na área central.
Decidimos descrever as atividades existentes no percurso em que delimitamos para
o trajeto do trabalho de campo, uma vez que o mapeamento das funções comerciais e de
serviços corresponde à organização do setor formal e informal, com base no uso do solo
urbano. No entanto, os novos espaços de consumo podem ser atribuídos aos novos usos que
82
Escolhemos estas ruas por serem as que mais possuem camelôs e ambulantes atuando com a venda das
mercadorias que disponibilizam nas calçadas, uma vez que a nossa pesquisa enfatiza a dinâmica do comércio
informal na cidade de Anápolis.
contextualizam a dinâmica do centro, visto que a rua também se transformou num espaço
destinado à comercialização de mercadorias que por sua vez enfatiza as transformações na
paisagem urbana. Dessa forma, os quadros a seguir descrevem o tipo de atividade existente
na área mapeada com destaque para o comércio formal, e principalmente o informal para
uma possível comparação e compreensão da realidade que permeia as relações
socioespaciais. A partir da idéia que caracteriza o consumo como uma força que comanda a
cidade é que buscamos classificar as atividades comerciais e de serviços, formais e
informais, de acordo com a própria classificação do IBGE (2000) quanto à organização do
setor terciário, com base nos agrupamentos relacionados no Censo comercial e de serviços,
além do recorte estabelecido no trabalho de campo.
Para os quadros que identificam as atividades do setor terciário formais há a
seguinte classificação: comércio varejista e reparação de objetos pessoais e domésticos;
comércio varejista não especializado, com destaque para produtos alimentícios; comércio
varejista de produtos alimentícios, bebidas e fumo, em lojas especializadas (padaria,
laticínios, doces, balas, carnes e bebidas); comércio varejista de tecidos, artigos de
armarinho, vestuário, calçados, em lojas especializadas (tecidos e artigos de armarinhos,
vestuário, calçados, couro e viagens); comércio varejista de outros produtos, em lojas
especializadas (produtos farmacêuticos, médicos, perfumaria e cosméticos, máquinas e
aparelhos de uso doméstico, instrumentos musicais, móveis, material de construção,
ferragens, equipamentos para escritório, livros, jornais e revistas); comércio varejista de
artigos usados, em lojas.
As atividades informais estão classificadas de acordo com o comércio varejista não
realizado em lojas (comércio varejista de artigos em geral, por catálogo ou pedido pelo
correio e
comércio varejista realizado em vias públicas, postos moveis, através de máquinas
automáticas e a domicílio).
Foi realizado um mapeamento também em outras ruas, cujos quadros não foram
inseridos no texto por serem inferiores em relação aos demais que estão destacados no texto
em si. Ruas estas paralelas às principais, as quais pautamos nossa análise, até mesmo
porque a observação das atividades que estão localizadas nessa área reforça a idéia da
multiplicidade de funções e uma variedade de produtos que são colocados à disposição dos
consumidores, portanto, temos a imagem dessas mercadorias que impulsionam o consumo
e que por sua vez, se torna mutável de acordo com aquilo que o consumidor procura para
satisfazer sua necessidade e também com relação ao lugar onde a mercadoria é
comercializada, uma vez que o espaço urbano é dinâmico e as mudanças são freqüentes,
caracterizando novos usos adequados às velhas formas como também novas formas que
passam a abrigar novas funções.
Quadro 4- Atividades Formais na Rua General Joaquim Inácio-2003
Tipo de
atividade
Tipo de atividade Tipo de atividade Tipo de atividade
Salão paroquial Roupas
Livraria Farmácia
Estacionamento Calçados Roupas Moda íntima
Roupas Farmácia Loja de R$ 1,99 Equipamentos
escritórios
Relojoaria Com/distr. Tucano Bicicletas Farmácia
Relojoaria Enxovais Escritório Consórcio
Foto Peças para eletrodomésticos Panificadora Relojoaria
Armarinhos Bolsas Papelaria Loja de móveis
Camisaria Roupas Artigos religiosos Roupas
Relojoaria Móveis Imobiliária Pregão
Material escolar Decorações Auto-escola Loja de R$ 1,99
Armarinhos Calçados Bar Igreja Universal
Calçados Roupas Copiadora Calçados
Relojoaria Loja de R$ 1,00 Farmácia Móveis
Funerária Farmácia Plano de saúde Uniformes
Móveis Salão de beleza Hotel Roupas femininas
Dentista Farmácia Lotérica Roupas femininas
Pesca, camping Fotos Farmácia Roupas femininas
Dentista Comércio de R$ 1,00 Sorveteria Sapatos
Enxovais Roupas Escola de música Estacionamento
Relojoaria Móveis para bebês Foto Móveis
Roupas Fábrica de móveis Bar Loja de aviamentos
Hotel Enxovais Roupas esportivas Ferragens
Materiais
elétricos
Galeria Brasil Comércio de
móveis
Lotérica
Loja de móveis Roupas estacionamento bar
Casa de carnes Calçados Calçados Malhas
Supermercado - - -
Fonte: Trabalho de Campo
83
83
A legenda do mapa 3 indica cada atividade destacada nos quadros que compõem as informações do
trabalho de campo nas ruas pesquisadas e que fazem parte do recorte territorial.
Comparando os quadros 4 e 5 verificamos que as atividades formais e informais
fazem parte da dinâmica do centro de Anápolis com destaque para o comércio formal de
mercadorias representado por lojas de calçados, roupas, móveis, decorações, lojas de
artefatos vendidos a R$ 1,00 e a R$ 1,99, indicando também uma popularização da área
com relação ao comércio de luxo, que na maioria das cidades foi transferido para outros
eixos, favorecendo a constituição de novas centralidades intra-urbanas.
Quadro 5-Atividades Informais na Rua General Joaquim Inácio- 2003
Tipo de atividade Tipo de atividade Tipo de atividade
Comércio de mochilas Acessórios Brinquedos
Banca jornal Roupas
Frutas
Jogo do bicho
Acessórios Frutas
Ervas medicinais Acessórios Isqueiro
CDs Acessórios CDs
Roupas Óculos Óculos
Artigos em geral Cigarros e cadeados Alho
Óculos Acessórios Frutas
Óculos Roupas Acessórios para fogão
Artigos em geral Frutas Alho
Óculos Acessórios Jornal
Pilhas, baterias Plantas medicinais Alho
Roupas Roupas Acessórios para fogão
Frutas Frutas Óculos
Frutas CDs Plantas medicinais
Ervas medicinais Brinquedos Jornal
Brinquedos acessórios acessórios
Fonte: Trabalho de Campo
De acordo com Santos (2002), isto pode ser analisado da seguinte maneira:
Em realidade, não há apenas novos objetos, novos padrões, mas,
igualmente, novas formas de ação. Como um lugar se define como um
ponto onde se reúnem feixes de relações, o novo padrão espacial pode
dar-se sem que as coisas sejam outras ou mudem de lugar. É que cada
padrão espacial não é apenas morfológico, mas, também, funcional. Em
outras palavras, quando há mudança morfológica, junto aos novos
objetos, criados para atender a novas funções, velhos objetos
permanecem e mudam de função. (p. 96).
No caso das atividades informais percebemos que há uma mistura de produtos que
fazem parte das estratégias para atrair o público consumidor, uma vez que a estratégia desse
setor é justamente diversificar as mercadorias para que possam ter uma clientela fixa em
virtude dos preços baixos serem a principal, mas não somente esta, a explicação para o
dinamismo do comércio informal. Isto pode ser compreendido de acordo com o que
Ortigoza (2001) apontou diante do fato de que “o que importa aos consumidores destes
produtos é que são vendidos por um preço mais baixo do que o oferecido pelo mercado
formal” (p. 50).
Temos, então, uma situação de exclusão e inclusão, pois se vários consumidores
ficam de fora do circuito das mercadorias do comércio formal, acabam se direcionando para
o comércio informal apresentando “novos modos de vida, de trabalho, de consumo”
(ORTIGOZA, 2001, p. 50). Contudo, se há uma inclusão dessas pessoas ao circuito
econômico é devido à forte presença dos camelôs e ambulantes, principalmente no centro
das cidades se reproduzindo, sobrevivendo e resistindo a todo tipo de pressão,
popularizando os hábitos e costumes através dos tipos de produtos comercializados e
incentivando as demais pessoas ao consumo.
As novas formas de
ação podem ser avaliadas de acordo com as mudanças que o
centro da cidade vem sofrendo mediante as mudanças nos padrões de consumo associadas,
ainda, às estratégias de comercialização que caracterizam novos usos atrelados às velhas
formas. Contudo, quando falamos no comércio dos camelôs e ambulantes entendemos que
há mudanças nos padrões espaciais e funcionais do centro, de modo que áreas que não eram
utilizadas para as práticas comerciais passam a integrar a organização ou desorganização
dessa parte da cidade, como as ruas, praças e calçadas, e também os camelódromos
construídos em determinados pontos que simbolizam a popularização das atividades
comerciais, que embora apareçam como populares indica o que Carlos (2001) chama de
sociabilidade possível.
Essa sociabilidade pode ser sentida pelo movimento das ruas com expressões de um
espaço-tempo programado, diferenciado e fragmentado que se insere na lógica dos usos que
caracterizam a sociedade de consumo. Assim, as ruas e praças também assumem uma
característica que as colocam como um espaço destinado ao consumo de mercadorias
através da generalização do próprio espaço como uma mercadoria (CARLOS, 2001) e não a
apropriação de um espaço-tempo destinado à realização e a reprodução da vida cotidiana.
Seguindo os quadros 6 e 7 verificaremos a mesma dinâmica em relação ao 4 e 5, já que o
tipo de atividade formal e informal aponta uma generalização e uma mistura de funções que
fazem parte do dinamismo do centro principal de Anápolis como uma cidade
média.
Quadro 6- Atividades Formais na Rua Engenheiro Portela- 2003
Tipo de atividade Tipo de atividade Tipo de atividade
Correios Bazar Relojoaria
Casas Bahia
Rival calçados
Fujidak
Livraria catedral MIG BCN
Lojas MIG Príncipe hotel Têxtil abril
Casa de saúde Estacionamento Grupo Casa América
Padaria Savan calçados
Uniformes
Farmácia Itaú Advocacia
Clínica médica Estacionamento Real tecidos
Fininvest Dentista Restaurante
MIG Restaurante Lunar diversão eletrônica
Santana box Restaurante, pamonharia Lojão das fábricas
Salão cabeleireiro Supermercado dos tecidos Mundo animal
Artigos do lar
Ponto frio
Farmácia
Bazar
Fujioka Galeria Brasil
Clínica dentária Novo mundo Photomania
Art foto Ultra farma Roupas
Comércio de 1,99 - -
Fonte: Trabalho de Campo
Ao falarmos de formas e funções da cidade é necessário incluir a própria noção de
cidade neste questionamento, pois:
A noção de cidade e de seu processo contínuo de reprodução revela uma
potencialidade para o entendimento do mundo moderno, em sua
dimensão teórica e prática. A cidade passa por uma crise cujo sentido
está em seu processo de reprodução (e não fora dele). (CARLOS, 2001,
p. 360)
A crise existente na cidade pode ser compreendida a partir dos sérios e graves
problemas que enfrenta e um deles está pautado na reprodução dos espaços de modo
fragmentário, como aponta Pintaudi (2001), ou seja, é possível, ainda, falarmos em cidade,
devido a essa fragmentação, à dispersão, aos novos modos de vida. Assim, para Lefebvre,
nos dizeres de Pintaudi (2001):
A cidade de origem histórica não desaparece (enquanto momento
histórico) com as transformações que a modernidade implanta (e impõe),
mas, com as novas centralidades, se condensa e se dispersa, ou, ainda, se
concentra e se estende. Essas noções indicam, para o autor, a dupla
tendência do espaço social, o que significa que a cidade é englobada pelo
urbano. (p. 135).
De acordo com essas informações que envolvem a chamada crise, apontamos a
precarização das formas de trabalho juntamente com o desemprego estrutural que remetem
às estratégias de apropriação do centro em virtude da generalização da mercadoria e das
relações socioespaciais. Os quadros que apontam as atividades informais apresentam uma
uniformidade dos produtos com variedades que vão desde eletrônicos até frutas e verduras.
Essa demonstração foi realizada com base nas bancas das ruas, uma vez que decidimos
fazer uma comparação entre as mercadorias do comércio formal e informal do trajeto
mapeado para a coleta dos dados, levando em consideração que os produtos do
camelódromo e do shopping popular estão alocados num espaço construído para abrigá-los.
Assim, de acordo com Lynch (1997):
Existem, porém, algumas funções fundamentais, que as formas da cidade
podem expressar, circulação, usos principais do espaço urbano, pontos
focais chaves. As esperanças, os prazeres e o senso comunitário podem
concretizar-se. Acima de tudo, se o ambiente for visivelmente organizado
e nitidamente identificado, o cidadão poderá impregná-los de seus
próprios significados e relações. Então se tornará o verdadeiro lugar,
notável e inconfundível. (p. 101-2).
Quadro 7- Atividades Informais na Rua Engenheiro Portela-2003
Tipo de atividade Tipo de atividade Tipo de atividade
Banca de jornal Desenhista de quadros Acessórios
Doces Acessórios Frutas
Água de côco CDs Doces
Pastel/caldo de cana Frutas Canetas
Cartão telefônico Frutas Capas para celulares
Churros Frutas Acessórios
Água de côco Pilhas, carteiras Frutas
Chaveiro Mel Acessórios
Doces Frutas Óculos
Doces Frutas Acessórios
Revista Roupas íntimas CDs
Lanches Acessórios Roupas
Acessórios em geral Acessórios Chaveiros, carteiras
Acessórios em geral Acessórios CDs
Acessórios em geral Roupas Óculos
Relógios, CDs Roupas CDs
Óculos CDs Calculadoras
CDs Roupas Frutas
Frutas CDs Meias
Canetas Frutas Frutas
Acessórios Frutas Frutas
Frutas Acessórios para cozinha Frutas
Roupas em geral Sorvetes Acessórios
Fonte: Trabalho de Campo.
No caso, especificamente das ruas, estas expressam o movimento da circulação e as
calçadas, dos usos, acirrando o que o autor assinala como o senso comunitário. O ambiente
identificado pode ser associado às práticas de consumo que envolvem todos os cidadãos
que freqüentam o centro, independente do local onde consomem.
Queremos registrar que tais mercadorias comercializadas e que estão presentes nos
quadros destacados apontam também para a questão da disputa pelo cliente, pois as das
lojas também ficam expostas nas calçadas, demonstrando uma relação que é complexa,
porém, existente no centro das cidades.
Quadro 8- Atividades Formais na Rua 15 de Dezembro -2003
Tipo de atividade Tipo de atividade Tipo de atividade
Roupas
Dentista Bijuterias
Roupas
Galeria Sudameris
Estacionamento Empréstimo pessoal Banco
Banco HSBC Clínica médica Comércio de quadros
Móveis Empresa aérea Estacionamento
Calçados Casa de jogos Banco
Bar Galeria central Lanchonete
Estacionamento Cafeteria Comércio de colchões
Roupas infantis Empresa aérea Clube de lazer
Roupas Art foto Banco
Roupas masculinas Artigos para casa Artigos infantis
Móveis Dentista Relojoaria
Lanchonete Estacionamento Acessórios femininos
Ótica Banco Hotel
Roupas Lotérica Roupas
Estacionamento Cosméticos Calçados
Lanchonete Lanchonete Hospital
INSS Dentista Lanchonete
Cartuchos Xerox Cabeleireiro
Dentista Imobiliária Losango (consórcio)
Banco Imobiliária Farmácia
Fonte: Trabalho de Campo
Quadro 9- Atividades Informais na Rua 15 de Dezembro
2003
Tipo de atividade Tipo de atividade
Plantas medicinais C Ds
Acessórios para fogão
Acessórios
Acessórios em geral
Acessórios
Plantas medicinais
Plantas medicinais
Água de coco
Roupas
Brinquedos Sapatos
Roupas Frutas
Roupas Churros
Doces Frutas
Acessórios Acessórios
Fonte: Trabalho de Campo
Foto 3. Vista Parcial do Comércio Formal-2004
Fonte: Trabalho de Campo
Na foto 3 verificamos alguns pontos do comércio formal na Rua Engenheiro Portela
que também destacam produtos que foram ilustrados nos quadros referentes à atividade do
referido comércio, revelando estratégias para atrair os consumidores conforme o anúncio do
cartaz que indica as condições de pagamento. Isto justifica o que já foi salientado num
outro momento sobre a concorrência dos lojistas, principalmente quando se trata do
comércio formal e informal, já que o primeiro dispõe de artifícios para atrair a clientela
através das facilidades com os cheques pré-datados e cartões de créditos, como informa
Santos (2001, p. 223) pois “se o número de cartões de crédito dobrou entre 1991 e 1996, o
número de vezes em que os cartões foram utilizados em transações cresceu 2,5 vezes e o
valor dessas transações aumentou mais de três vezes”
É interessante que dentro da dinâmica dos comerciantes informais existem algumas
situações, como as dos proprietários das bancas que possuem aparelhos celulares indicando
que não são desprovidos por trabalharem nessas condições, além dos cartões de crédito que
são utilizados por tais proprietários para uso pessoal, não fazendo parte das estratégias de
venda das mercadorias comercializadas nas bancas.
No caso da foto 4 verificamos uma outra parte do comércio formal da Rua
Engenheiro Portela e as pessoas transitando pelas calçadas, o que revela a dinâmica desses
espaços na área central.
Foto 4. Comércio Formal e Informal na Rua Engenheiro Portela-2004
Fonte: Trabalho de Campo
Com relação à Rua 15 de Dezembro, temos as mesmas características do comércio
formal das outras ruas pesquisadas com a generalização dos produtos comercializados,
revelando o potencial da mesma como um espaço atrativo para as atividades terciárias.
Quanto às demais ruas que compreendem ao centro, conforme a figura 3, pautamos
nossa investigação nas que foram elencadas de acordo com os mapas que destacam as
atividades formais e informais por apresentarem um dinamismo maior em relação às outras,
uma vez que entender o processo de reestruturação do centro das cidades, atualmente,
requer traçar um paralelo entre as formas e funções que proporcionam novos usos e
manifestações presentes no espaço. Assim, ao enfocarmos o centro, não podemos
desconsiderar as novas estratégias de apropriação frente à atuação dos camelôs e
ambulantes, já que configuram como espaços de consumo numa conjuntura econômica que
retrata a precarização das condições de trabalho frente aos problemas estruturais da falta de
empregos e que revelam uma dinâmica que contribui para a (re)produção dos espaços e do
próprio capital.
O item a seguir buscará enfocar o papel dos que trabalham como ambulantes e
camelôs no centro de Anápolis a partir da análise que contempla as novas formas de
apropriação dos espaços públicos, ou seja, as ruas, calçadas e praças que são utilizadas
como ponto estratégico da comercialização das mercadorias (re)criando novas formas de
consumo e de usos.
3.3. O centro dos ambulantes e camelôs: novas formas de apropriação dos espaços e
novos usos
Destacamos o centro como uma área que se constituiu e se desenvolveu a partir dos
vários usos que foram dando forma e conteúdo ao lugar, especificamente, pelas atividades
diversificadas e pelos fluxos que foram sendo estabelecidos permitindo a constituição de
uma centralidade urbana que se tornou cambiante.
Podemos, então, apontar duas situações que caracterizam a dinâmica da área, isto é,
podemos avaliar que o centro passou a abrigar um comércio mais popular em detrimento de
outras áreas que foram surgindo no interior das cidades, cujos espaços foram modificados
pela instalação de novos equipamentos comerciais e de serviços a exemplo dos shopping
centers e hipermercados que passaram a expressar uma nova centralidade, reforçando a
idéia desta ser cambiante em função dos deslocamentos e dos horários diferenciados, pois o
próprio centro tem um dinamismo durante o dia decorrente do horário de funcionamento do
comércio tradicional, enquanto que os shopping passam a ser mais freqüentados em
horários noturnos, até mesmo pelas constantes práticas de consumo e lazer, ligadas ao que
Beltrão Sposito (2001) apontou como sendo as variações no decorrer do tempo e que
associadas aos usos do espaço.
Por outro lado, temos uma realidade diferenciada em algumas cidades, como é o caso
de Anápolis que possui um shopping center mas que não expressa uma centralidade como
podemos observar em outras cidades, reforçando a idéia de que o centro principal
desempenha um papel considerável na estrutura urbana em função dos fluxos que
interagem no espaço. A cidade em questão apresenta uma característica que contribui para
com a nossa proposta de que há uma (re)afirmação da centralidade urbana que envolve o
centro, pois há uma interação das atividades imbricadas pela multiplicidade dos usos.
Compondo essa paisagem a que nos referimos, destacamos a atuação dos camelôs e
ambulantes que constituem os novos espaços de consumo atrelados aos novos usos que
compõem as estratégias de comercialização presentes na maioria das cidades com base na
apropriação dos espaços, principalmente os públicos como as ruas, praças e calçadas para a
realização de atividades do setor terciário que não são em sua maioria formalizadas, mas
que não podemos separá-las da imagem do centro, uma vez que surgem como atores de um
processo que envolve as relações mediatizadas pelos espaços em que ocorre a busca pela
satisfação das necessidades, evidenciando que a cidade se manifesta mais em função do
próprio consumo expressivo também fora dos padrões estabelecidos como formais e
normais. Assim, o que destacamos sobre o uso é que:
[...] não se altera no tempo, mas conserva vestígios do passado, que
freqüentemente, apontam para a incessante transformação espacial e
assinala o progresso tecnológico gerador de outros hábitos e reações: o
lazer, a praça, a rua, o transporte, o equipamento, o ruído, a
horizontalidade ou a verticalidade da cidade de ontem e de hoje; as
dimensões, as exigências, os objetos, os compartimentos da moradia de
hoje e de ontem. (FERRARA, 1988, p. 26)
A proposição da autora sobre o uso não se alterar no tempo diz respeito ao fato de
não se perderem totalmente as mudanças quanto às formas e funções, fato este já
mencionado em outro momento, pois o que temos é uma transformação dos espaços que
envolvem uma interação entre o velho e o novo, uma relação entre o passado e o presente
que são presenciados nos imóveis que abrigam as funções, podendo ser estes adaptados
para novos usos ou mesmo aqueles que são construídos para as novas funções. Isto explica
o que Santos destacou como “espaço herdado”, ou seja, aquilo que vimos apontando como
sendo os novos usos associados aos velhos espaços e os novos usos ligados aos novos
espaços. Nessa perspectiva temos que:
[...] as formas envelhecem por inadequação física, quando, por exemplo,
ocorre o desgaste dos materiais. Já o envelhecimento social corresponde
ao desuso ou desvalorização, pela preferência social de outras formas
permite que haja uma mudança brutal de uso-grandes casas viram
cortiços, mudam de moradias ricas para pobres. O envelhecimento moral
não é tão visível, muda de acordo com o padrão político, econômico,
social e cultural. (SANTOS, 1991, p. 70)
As considerações apontadas sobre a obsolescência das formas e funções destacam o
processo dinâmico que redefine as práticas socioespaciais do/no centro mediante a
complexidade dos aspectos que interagem nesses espaços, uma vez que “a associação entre
cidade e centro, e a idéia do centro da cidade como sua expressão maior, estão presentes de
forma marcante na sociedade ocidental” (BELTRÃO SPOSITO, 1996, p. 116). Esta
associação se faz presente nas cidades grandes e nas de médio porte, já que apresentam
elementos que caracterizam as mudanças externas, e principalmente internas. Isto nos leva
pensar na apropriação dos espaços centrais de Anápolis a partir das estratégias dos
ambulantes e camelôs num contexto que revela novos espaços ligados aos novos usos.
Falamos dessa relação entre novos espaços e novos usos diante da estruturação
dessa categoria de trabalhadores que não comercializam os produtos nas lojas como ocorre
com a lógica do comércio formalizado. As mercadorias ficam expostas nas calçadas,
combinando uma paisagem que mistura usos e formas, disponibilizando os mais variados
produtos que as pessoas precisam para satisfazer suas necessidades e permitindo haver uma
disputa pelo cliente, pois fazem de tudo para chamar a atenção dos fregueses, carregam as
mercadorias nos ombros, revelando a apropriação do espaço que Sobarzo (2004) discute
com base na escala do corpo percebida apenas pelo deslocamento das pessoas de um ponto
ao outro.
O que verificamos, atualmente, é que cada vez mais as calçadas serem apropriadas
por esse tipo de comerciante como se estivessem inventando uma nova maneira de vender
os seus produtos. As mercadorias ficam expostas nos locais onde circulam os pedestres,
uma vez que também fazem parte da atual condição de reprodução dos espaços destinados
ao consumo. No caso de Anápolis, nas principais ruas do centro, onde foi realizada a
pesquisa de campo, apontam um uso do espaço de forma que a mercadoria acaba entrando
em choque com as lojas que também utilizam as calçadas, revelando a dinâmica do uso e,
que portanto, é o "sustentáculo das várias relações sociais contraditórias" (ORTIGOZA,
2001, p. 62) e que vão surgindo na cidade.
A figura 5 destaca o mapeamento das atividades informais nas ruas: General
Joaquim Inácio, Engenheiro Portela, 15 de Dezembro e 7 de Setembro, apontando o uso
acirrado do espaço, visto que todas essas bancas encontram-se localizadas nas calçadas,
cuja mercadoria fica ao alcance de quem passa pela área. De acordo com Ortigoza (2001)
"as pessoas vivem esse espaço de maneiras diferentes, se chocam e podem ou não se
relacionar, mas por estarem juntas ajudam a reproduzi-lo", (p. 62) num momento cujas
práticas do consumo nos ajudam a compreender a reprodução do espaço urbano.
Na verdade, para entendermos melhor todo o processo de constituição do comércio
informal na cidade de Anápolis é preciso avaliar o conjunto em que se encontram
estruturados, pois temos camelôs e ambulantes que atuam no camelódromo, outros que
estão localizados no Shopping Popular Municipal e aqueles que ficam expostos nas ruas,
identificando a complexidade do processo. Assim, buscamos destacar algumas informações
através de uma entrevista realizada com o ex-prefeito, o Senhor Adhemar Santillo, no mês
de novembro de 2004, que administrou a cidade por dois mandatos.
3.3.1- Entendendo o processo de construção do camelódromo e do Shopping Popular
O camelódromo ou centro comercial dos ambulantes não teve um projeto idealizado
segundo o ex-prefeito, pois não fazia parte das obras a serem realizadas pela prefeitura. Foi
construído em 1987 com uma capacidade para pouco mais de 90 bancas, e atualmente conta
com aproximadamente 242 . Para que essa iniciativa se concretizasse foi preciso realizar
um levantamento de quantos camelôs e ambulantes estavam instalados no centro,
principalmente nas ruas General Joaquim Inácio e Engenheiro Portela que convergem para
o terminal urbano. As fotos 5 e 6 identificam as informações destacadas e a figura 6
demonstra um croqui da área para um entendimento detalhado dos espaços internos do
empreendimento, cuja foto 5 destaca, o camelódromo, que foi reestruturado recentemente a
pedido da própria Prefeitura por haver irregularidades quanto às instalações elétricas,
enquanto que a foto 6 aponta para a área do respectivo terminal urbano.
Foto 5 –Vista Parcial do Camelódromo Após a Reforma-2003
Fonte: Trabalho de Campo
Foto 6- Vista Parcial Interna do Camelódromo-2003
Fonte: Trabalho de Campo
Nessa perspectiva, o ex-prefeito afirma na entrevista concedida que:
"Foi uma iniciativa tomada por mim para amenizar os problemas causados pelos camelôs que
estavam se acomodando nas calçadas. Foi feito um levantamento de quantos haviam se instalado
no centro, nas ruas que são as mais movimentadas dessa área, as ruas General Joaquim Inácio e
Engenheiro Portela e que hoje convergem para o terminal urbano. Assim, foi construído este centro
comercial para abrigar esses trabalhadores com registro na própria Prefeitura para que pudessem
trabalhar e garantir o sustento." (Adhemar Santillo)
A decisão de construir um camelódromo partiu dos problemas que os camelôs e
ambulantes traziam para a cidade por ficarem nas vias públicas, como as praças e calçadas
e também pela questão da organização, pois sempre foram vistos como uma anomalia do
ponto de vista do planejamento, embora o desemprego tenha sido um problema constante
desde quando Anápolis perdeu sua hegemonia no Estado devido à construção de Goiânia e
Brasília. No momento busca uma redefinição da sua posição em função do eixo de
desenvolvimento que vem sendo discutido por muitos e que engloba Goiânia-Anápolis-
Brasília, ou seja, temos uma cidade de porte médio, interligada à duas capitais, sendo uma
estadual e outra federal, além das novas estratégias de desenvolvimento para a cidade
devido à instalação de laboratórios farmoquímicos revitalizando a dinâmica do município,
embora saibamos que isto não eliminará o comércio informal, pois é uma situação que faz
parte do contexto e do ambiente urbano das cidades.
Uma outra discussão que ocorre acerca da questão dos informais, é que eles não
pagam os impostos que os lojistas do comércio formal são obrigados a pagar, gerando
inúmeros conflitos. Para o ex-prefeito:
"Os problemas, ainda, vão de encontro com os formais que pagam seus impostos e acabam tendo
na frente de suas lojas esses informais, que causam prejuízo ao município e a si próprios, pois não
pagam nem sequer a contribuição ao INSS para terem uma aposentadoria no futuro." (Ademar
Santillo)
Assim, o poder público via que era uma situação complicada, uma vez que o
camelódromo havia sido construído numa tentativa de acabar com os problemas nas vias
públicas, mas o que realmente aconteceu foi um novo registro de pessoas trabalhando no
comércio de rua, avaliado através de um novo levantamento realizado pela Prefeitura,
registrando mais de 300 camelôs e ambulantes nas ruas do centro, pois:
"Não dá para levá-los para outros bairros da cidade, o movimento é no centro e é aqui também que
está o terminal de ônibus, TCA -Transporte Coletivo de Anápolis. Então buscamos uma outra
solução. Eu tinha um terreno próximo ao primeiro camelódromo e um conhecido tinha um outro
terreno, fato que nos levou a pensar numa estratégia e, então resolvemos construir um local para
esses camelôs que estavam nas ruas. A parte que eu construí, abriguei mais de 400 informais e a
parte que esse conhecido construiu, deixou para ser alugada para quem quisesse ter um lugar
mais organizado para trabalhar, pois o Shopping Popular tem capacidade para abrigar mais de
800 comerciantes no total." (Adhemar Santillo).
Mediante o que o prefeito destacou queremos esclarecer alguns pontos. Após a
construção do camelódromo foi necessário que houvesse uma outra área para abrigar os
camelôs e ambulantes que continuaram a surgir nas ruas, praças e calçadas, o que levou à
construção de um outro local, denominado de shopping popular numa área que envolvia um
terreno que era de propriedade do mesmo, juntamente com um outro proprietário que tinha
um terreno ao lado.
A decisão de construir um espaço para abrigar esses trabalhadores foi algo que não
devemos entender como uma simples atitude bondosa, pois a parte que foi construída junto
com a que o senhor Adhemar destinou para a construção do shopping é administrada por
uma imobiliária, a Rio Branco e, portanto, é através de um aluguel que as pessoas podem
ter um boxe no local, enquanto que na parte que cabe ao poder público, os boxes foram
doados para aqueles que quisessem se fixar no local, mas sendo necessário pagar os tributos
à Prefeitura.
A foto 7 indica a entrada do shopping popular e a exposição de alguns produtos
ligados ao vestuário. A foto 8 revela uma visão interna do local, uma vez que há o
predomínio dos artigos ligados ao vestuário em função da proximidade com Goiânia que se
destaca no setor de confecções.
A figura 7 apresenta um croqui do shopping popular com destaque para os boxes
construídos internamente.
Foto 7- Vista Parcial do Shopping Popular-2004
Fonte: Trabalho de Campo
Nessa perspectiva, alguns trabalhadores da parte administrada pela própria
Prefeitura afirmam que não receberam os boxes totalmente com a construção concluída e
apontam que tiveram que realizar algumas benfeitorias no local, como o telhado, o piso e
outras. No entanto, a opinião que o Senhor Adhemar Santillo tem sobre os informais é a
seguinte:
"Os informais hoje não são um problema novo, já vem desde muito tempo e com o desemprego que
estamos enfrentando é uma forma de poderem ter algo para fazer. Esta questão também tem
relação com a situação em que se encontra o país e, muitas vezes o próprio camelô quer estar
naquela condição por não ter um patrão e por ser ele mesmo o dono. Mas tem o problema da
maioria das mercadorias serem contrabandeadas, o que acaba prejudicando a si mesmo e ao
município. (Adhemar Santillo).
Foto 8- Vista Interna do Shopping Popular-2004
Fonte: Trabalho de Campo
Percebemos que a realidade de Anápolis não é diferente da realidade do país, até
mesmo no que se refere à questão das migrações que ocorreram e que já mencionamos
anteriormente, principalmente os nordestinos, como no caso de São Paulo. No entanto, para
o ex-prefeito:
"Na verdade, a organização deles em um espaço como o camelódromo faria com que estivessem
mais protegidos do que viverem nas ruas. Muitos foram tirados das ruas e, hoje, já contam com
várias barracas podendo desenvolver seu trabalho." (Adhemar Santillo).
A situação atual desses trabalhadores permanece a mesma de quando houve a
tentativa de (re)alocá-los nos espaços construídos com esse propósito, pois continuam a se
propagar pelas ruas, praças e calçadas, reforçando nossa idéia de que fazem parte do
processo de reprodução dos espaços e das novas formas de consumo, embora a opinião do
ex-prefeito é a de que devem ser retirados das vias públicas a partir de um novo
levantamento para que pudessem tomar algumas providências afirmando que o surgimento
desse segmento da sociedade não deixará de existir e destacando com clareza que o centro é
uma área vital para que a atividade que desempenham prospere. Assim, aponta que:
"É no centro que eles conseguem vender o que tem para ser vendido, desde um pedaço de bolo,
uma banana até um aparelho eletrônico. E não é só a camada de baixa renda que compra,
qualquer
pessoa pára e busca algum produto. Acho que precisam de um local para se instalar.
Penso que a saída para acabar com esses informais instalados nas vias públicas seria retirar o
Terminal Urbano e levá-lo para outra parte da cidade, pois ali vêm pessoas de todos os bairros, o
que acaba atraindo esses trabalhadores levando-se em consideração que as ruas General Joaquim
Inácio e Engenheiro Portela são as mais movimentadas do centro. (Adhemar Santillo).
Analisando o discurso que o ex-prefeito apresenta, percebemos que está a favor da
classe dos trabalhadores formais e também que há uma busca pela organização para essa
atividade do ponto de vista do planejamento de áreas que possam servir de lugar apropriado
para a mesma, além da questão dos impostos que é o maior interesse que aparece por trás
da análise, já que o poder público, nas mais variadas instâncias, considera que os camelôs e
ambulantes, precisam pagar os tributos devidos, assim, como os formais, para que haja um
equilíbrio entre ambos e conseqüentemente um aumento da arrecadação.
Entretanto, o que ficou explícito é que todos que estão no poder acham que o
problema se resolve apenas com a construção de um lugar apropriado, pois identificam os
espaços públicos associados ao uso, se este for interessante do ponto de vista da reprodução
do capital. Para o Senhor Adhemar Santillo, o problema do comércio ambulante parecia
resolvido, deixando claro que não havia encontrado uma solução apenas para os produtos
perecíveis que são encontrados nas bancas, pois é preciso ter o máximo de higiene, fato este
que está contido no Código de Postura do Município, levando em consideração “quaisquer
artigos que ofereçam perigo à saúde e à segurança pública” (CÓDIGO DE POSTURA,
CAP. V, art. 345))
O que na verdade discutimos é que esses espaços também fazem parte dos próprios
espaços reproduzidos no interior da cidade e que têm um conteúdo social. Para Carlos
(2004):
O aprofundamento da divisão social e espacial do trabalho se baseia
numa nova racionalidade onde a gestão aponta a supremacia de um poder
político que tende a homogeneizar, produzindo o espaço através do
controle e da vigilância. Por outro lado, há movimentos sociais que se
confrontam questionando a existência da propriedade da terra urbana, a
lógica da gestão e da realização do lucro. (p. 126).
Assim sendo, temos a vigilância que tenta se impor ao comércio informal, uma vez
que esta não ocorre somente no âmbito do nível político, pois quando nos reportamos a
esses trabalhadores estamos exercendo o poder de vigiar a apropriação que fazem do
espaço ficando explícito que o interesse do poder público se dá pela propriedade privada do
solo visando o lucro e não pela apropriação que busca a reprodução humana, de que nos
falou Vieira (2002).
Camacho (1994) aponta para o seguinte:
Ao cotejar a observação da apropriação do espaço da praça, com a
legislação que regulamenta essa ocupação pela atividade ambulante e as
entrevistas das entidades representativas envolvidas, pode-se perceber,
sem tirar o peso que os indivíduos enquanto agentes sociais e
subjetividades em luta por existir, possuem, um ambulante necessário ao
processo produtivo – escoando mercadorias com rapidez e maior alcance
social vertical, portanto bom ledor do “script” que a ordem social vigente
produz - não sendo nem um pouco revolucionário (“front” social etc) em
sua essência, pois tudo que faz, é engrossar as fileiras dos que procuram
maior remuneração para seu trabalho, com o máximo de opção possível.
O que não quer dizer que não gere e acelere mudanças na sociedade,
somente reproduzindo-ª (p. 73).
Alves (1999) aponta a questão da realidade que envolve a Associação VIVA O
CENTRO, de São Paulo, uma vez que busca eliminar toda e qualquer atividade que seja
praticada pelos camelôs e ambulantes em função do discurso de revitalização da área em
detrimento da acumulação capitalista, uma vez que:
A recuperação do centro depende, em boa parte, da manutenção do poder
financeiro e de serviços, ou seja, a concentração de atividades
interligadas que se beneficiam da estrutura existente para continuar
crescendo. Por estrutura chamamos aqui, não só os sistemas básicos de
alimentação funcional da cidade (água, luz, esgoto, telefonia, transportes)
como também a segurança pessoal e patrimonial dos que aí mantêm suas
empresas e empregados. Segundo as propostas, o item segurança pode
ser melhor garantido, não só com o aumento do policiamento local, como
também pelo uso do centro, em todos os horários e não apenas no
trabalho. Para isso apontam para duas estratégias: A área central
incrementada pelo uso residencial e o desenvolvimento de atividades
noturnas, de entretenimento e turismo. A multifuncionalidade necessária
para a valorização do local é essencial para que setores especializados do
terciário possam também se instalar. (ALVES, 1999, p. 89)
Mesmo essa situação fazendo parte da realidade de uma cidade como São Paulo,
sabemos que a proposta de adensamento da área não beneficia a todos, característica esta
que faz parte da dinâmica de muitas cidades cujo centro representa uma área atrativa do
ponto de vista das relações comerciais, uma vez que a figura do comerciante de rua está
ligada à própria desvalorização representada pelo uso e acesso aos espaços públicos através
das ruas, praças e calçadas. Para Alves (1999):
Embora os espaços públicos tenham uma importância simbólica, estes
passam a ser analisados apenas peã sua funcionalidade econômica, a
ponto de ser sugerido que, em algumas situações, como na proposta de
implantação de um sistema de tráfego seletivo na área central, que uma
das formas de controle do tráfego seletivo poderia ser através da
cobrança, “variando de cobrança de tarifa ao controle de horário”, ou
seja, o acesso e permanência no espaço público seriam dados através de
um tipo de pagamento. Deste modo, tende-se à privatização do público.
Com isso, seria alterado o perfil dos usuários do local, que pelo
pagamento, pareceriam os usuários de lugares semelhantes espalhados
por todo o mundo. (p. 96).
Assim, não haveria lugar para os camelôs e ambulantes no contexto da cidade, uma
vez que somente a elite poderia ter o direito a ela de maneira clara e explícita, condição esta
que já é visível numa cidade marcada pela dinâmica funcional dos espaços, tendendo “a
acentuar a segregação urbana” e escondendo “a retirada da população que hoje usa o local”
(ALVES, 1999, p. 96). De fato, precisamos conhecer a realidade desses trabalhadores que
integram o processo de constituição dos novos espaços de consumo a partir da apropriação
das ruas, embora os alocados nos camelódromos também façam parte do mesmo processo
que tem como causa e efeito as mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que, no
entanto, apontam para uma situação que, de um lado favorece o sistema capitalista e de
outro não combina com a idéia que os empreendedores buscam para o próprio centro,
enquanto uma área potencial para novos investimentos.
Buscaremos discutir um pouco sobre os ambulantes e camelôs das ruas com base
nas informações extraídas do trabalho de pesquisa.
3.3.2. A Rua como Espaço de Consumo
Discutimos a rua como um espaço de consumo com base nas bancas que ficam
expostas, estando estas muitas vezes na própria rua, nas calçadas e até mesmo nas praças
com mercadorias que são consumidas pelas pessoas que circulam nesses espaços, visto que
são vias que condensam os fluxos na cidade.
A foto de número 9 retrata bem a questão quando falamos da apropriação das ruas e
calçadas, pois em alguns casos esta se dá nos dois sentidos, apontando a complexidade da
situação. Assim, quando falamos da rua, logo a associamos aos pedestres e aos veículos,
deixando de lado a figura do comerciante que se aproveita da dinâmica desses espaços
como os camelôs e ambulantes.
Foto 9- A Presença de Bancas na Rua Engenheiro Portela-2004
Fonte: Trabalho de Campo.
Indica também as mercadorias que são comercializadas nas ruas revelando a
dinâmica da apropriação dos espaços e a variedade de produtos que passam a ser oferecidos
em vários pontos do centro, sejam em lojas ou nas bancas.
Para Yázigi (2000):
Desde que se considere o valor de uso da cidade, fica muito difícil
sustentar qualquer teoria que não coloque o pedestre num papel central.
Como se não bastasse a inferioridade psicológica e social com que é tido;
como se insuficientes não fossem os buracos e obstruções automotoras e
não-automotoras das mais diversas naturezas, desponta a pior delas, o
risco do acidente e da morte. (p. 279).
O que o autor aponta é que a figura do pedestre diante do automóvel fica
inferiorizada mesmo não sendo possível pensar ou planejar a rua sem “a possibilidade de
nela circular a pé” (YÁZIGI, 2000, p. 265). Diante disso, a figura do comerciante de rua
também passa a ser vista no âmbito da imagem degradada e cheia de anomalias, mas que
depende “exclusivamente do espaço público” (YÁZIGI, 2000, p. 184).
Através do conteúdo da foto percebemos a mistura das funções em alguns pontos do
centro, apontando a convivência dos formais e dos comerciantes de rua e também a
dependência de que nos fala Yázigi. No entanto, podemos pensar também na idéia central
de Lefebvre com relação ao livro “O direito à cidade” em que esta foi “solapada pela
racionalidade limitada, o produtivismo” (DUARTE, 2001, p. 78-9), mas que:
No entanto, sobre essa base abalada, a sociedade urbana e o urbano
persistem e mesmo se intensificam. As relações sociais continuam a se
tornar mais complexas, a se multiplicar, a se
intensificar, através das
contradições mais dolorosas. (LEFEBVRE, 1991, p. 76-7)
As contradições a que se refere Lefebvre podem ser identificadas de acordo com as
possibilidades de apropriação dos espaços, uma vez que a cidade reflete a dinâmica da
reprodução desses espaços no sentido da acumulação, reforçando as práticas capitalistas
que se sobrepõem às práticas humanas. Assim, as relações se tornam complexas e intensas
quando o centro concentra formas e funções que se multiplicam e se contradizem do ponto
de vista das práticas socioespaciais, visto que o exemplo da atuação dos camelôs e
ambulantes associados aos conflitos que geram frente aos formais refletem as mudanças
estruturais no mundo do trabalho. Então o que fazer com o comerciante de rua?
Sobre essa questão Yázigi (2000) afirma que:
Em lugares onde eram costumeiramente inexpressivos, o aparecimento
de algumas centenas deles, por questão de escala, gera polêmicas. A
globalização, com sua divisão internacional do trabalho, suas tecnologias
e outras formas de dominância entende que não há trabalho para todos
com essas premissas: pouco vêem além de soluções paliativas. (p. 383).
No entanto, ainda, ressalta que:
Ao comparar certas categorias de ordenação jurídica do espaço público
de alguns países, percebi muitas semelhanças de intenções. Passarei
informações de lugares que obtive de fontes secundárias, mas que
procurei pelo menos auferir com algumas observações e campo -
Santiago, Nova Iorque, Paris, Cingapura. Há legislação estruturalmente
semelhante. O que diverge muito são seus contextos sócio-políticos que
derivam para ações diversas. A maioria já não questiona a permanência
de ambulantes, mas uma regulação de sua quantidade e de sua
localização, segundo critérios do que seria mais justo. (YÁZIGI, 2000, p.
384)
O autor apresenta algumas considerações a respeito da visão sobre o comércio de
rua a partir da realidade de outros países, destacando que não se preocupam mais com a
permanência dos ambulantes em determinados locais, uma vez que o questionamento agora
está ligado à quantidade e à localização. Tal questionamento associa-se à idéia da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) que destaca os prós sobre a atividade, ou seja,
surgem como favoráveis por apresentar melhores preços ao consumidor e “funcionam
como promotores de atração, tanto pelo produto como pelo lado pitoresco,” (YÁZIGI,
2000, p. 386), além de representar:
Fontes de ingressos mínimos para potenciais de crescimento; permitem
desempenho de pessoas com dificuldade de inserção normal no mercado
de trabalho, asseguram sustento, para a maioria das famílias, diminuindo
a delinqüência. (YÁZIGI, 2000, p. 386)
Os questionamentos contra os comerciantes de rua estão baseados à estética do
lugar, atrapalhando a circulação dos pedestres, como também os problemas de higiene,
“redução do espaço físico das ruas; prejuízo parcial ao comércio estabelecido; perda de
tributos pela administração e pelo fisco” (YÁZIGI, 2000, p. 385). Na verdade, o vendedor
ambulante, designado por muitos como camelô, faz parte de uma realidade excludente em
que há jogos de interesses mesmo entre os que sobrevivem das ruas, isto é, há proprietários
de bancas que possuem mais de uma, impedindo que outras pessoas também tenham sua
sobrevivência garantida, assegurando a proliferação de redes e monopólios que Yázigi
(2000) apontou, destacando algumas alternativas para isso como:
Tanto a idéia de uma espacialidade e de uma priorização social,
merecedoras do devido respeito, parece-me igualmente importante que se
use também do expediente de turnos temporais. Os termos de permissão
deveriam comportar diferentes turnos, três ou quatro, a fim de que mais
beneficiários tenham sua sobrevivência assegurada, no mesmo lugar.
Esta posição remete a uma outra idéia: de que além de um certo nível de
lucro, ninguém mais deva ser tolerado no espaço no espaço público,
legitimamente pago com impostos e de atribuição de todos, não deveria
comportar qualquer uso que não os coerentes com sua nobreza. No
entanto, nem nos países mais ricos estão conseguindo esquivar-se da
tolerância humana que supera qualquer pureza em teoria urbanística ou
em conceitos de higiene. (YÁZIGI, 2000, p. 391)
Esses apontamentos são para esclarecer que não há como negar de fato, que a rua
transformou-se num espaço de consumo a partir das estratégias dos camelôs e ambulantes e
não há como eliminá-los do contexto político, econômico e social das cidades, uma vez que
“o desemprego que sempre existiu, somado aos quadros recessivos, sugere que a justiça
social está justamente em dar maiores oportunidades espaciais” (YÁZIGI, 2000, p. 391).
Estas oportunidades poderiam ser pensadas levando em consideração as esferas que
permeiam o local com suas singularidades, e a estrutural marcada por contextos políticos
que marcam a organização do país.
Temos, de um lado, uma discussão que está ligada à busca de soluções para os
comerciantes de rua, afirmando que não há como impedi-los de continuar existindo e se
proliferando e, de outro, a questão dos espaços públicos estarem se transformando num
palco de espetáculos generalizado pela mercadoria, pela apropriação do espaço que
combina necessidade e consumo.
Para Carlos (2001), a rua tem uma dimensão lúdica e de contatos contínuos
baseados nos intercâmbios e na troca , assim, “ruas vazias nas áreas centrais ou regiões de
renda média ou alta, ruas cheias nas periferias vão marcando o modo como se realizam os
atos de apropriação” (CARLOS, 2004, p. 141). O que a autora destaca pode ser
interpretado a partir do que consideramos como sendo uma centralidade cambiante de
acordo com as estratégias do capital, já que as pessoas de classe média ou alta se apropriam
dos espaços cujos fluxos se redimensionam no tempo e no espaço, pois determinadas áreas
no interior das cidades apresentam fluxos diferenciados entre si.
O centro pode ser visto como um exemplo de ruas cheias a que se refere Carlos,
pois tais fluxos são intensos no período do dia, enquanto que à noite é a fluidez que
comanda essa área em função de outras áreas atrativas que também são apropriadas por
facetas diferenciadas, dando ênfase à segmentação socioespacial. Como exemplo disso
podemos considerar os shopping centers à noite, que passam a atrair a população que
durante o dia estava no centro influenciada pelo horário comercial, enquanto que a área
central torna-se atrativa para o encontro de gangs, e principalmente, para a prática da
prostituição.
Os novos eixos de circulação permitem a constituição de novas centralidades
urbanas, porém no caso de Anápolis o centro, mesmo apresentando formas de apropriação
diferenciadas em virtude do tempo e da condição social de cada indivíduo permite o
restabelecimento da centralidade de acordo com os fluxos que expressam a importância da
área no contexto da relação centro-periferia.
Ele, como destaca Ortigoza, (2001, (p. 57) associa formas comerciais populares
criando “neste espaço padrões e normas de consumo bastante específicas”. Porém se
vivemos numa sociedade de classes cujo espaço é tido como produto social, as reproduções
ocorrerão de “maneira complexa e desigual, reafirmando a contradição da sociedade
(ORTIGOZA, 2001, p. 57). Assim, a dinâmica do comércio de rua é lançar à disposição dos
consumidores as mercadorias pelos caminhos que contêm uma intensidade de fluxos.
No caso de Anápolis, de acordo com a figura 8 podemos verificar que não houve
mudanças quanto à localização das bancas no mês de novembro de 2004, se comparado ao
mapeamento realizado em junho de 2003, mas sim um, pequeno aumento e um
deslocamento das mesmas, pois podemos associá-las a um movimento que é cambiante,
embora o prefeito tenha permitido a fixação desses trabalhadores nas ruas de acordo com
uma padronização e uma numeração estabelecida pela fiscalização, já que não pagam
nenhuma contribuição à Prefeitura.
A figura 9 demonstra o mapeamento realizado no mês de dezembro de 2004
registrando um aumento das mercadorias comercializadas em função das festividades de
fim de ano, diferentemente do que havia acontecido nos meses anteriores quando houve um
aumento do número de bancas. A iniciativa do poder público em conter o respectivo
aumento foi para amenizar problemas que geralmente ocorrem, como o congestionamento
das vias públicas, justificando também o aumento dos fluxos na área.
Foto 10- Variedade de Produtos nas Bancas Da Rua Engenheiro Portela-2004
Fonte: Trabalho de Campo
Assim:
Apesar das intensas tentativas de “limpar” o centro e transformá-lo em
um lugar moderno e global, elitizando-o, percebe-se que ele ainda pode
ser considerado um lugar que abriga grande quantidade de pobres e com
isso acaba mantendo relações de trabalho bastante diversas. Por isso o
centro é, muitas vezes considerado um lugar de todos. (ORTIGOZA,
2001, p. 58)
Então, se o centro é o lugar de todos, segundo a autora, não devemos estranhar as
mais diversas formas comerciais, além da diversificação da mercadoria, como podemos
observar pela foto 10, que revela uma junção de produtos num mesmo lugar, mesmo que
este seja a banca localizada na rua. Esta situação ainda é mais presente quando chegam as
festividades de final do ano, principalmente o Natal, impulsionando o consumo e revelando
que os espaços públicos fazem parte das novas estratégias comerciais. A figura 10
demonstra um mapeamento das bancas no mês de dezembro de 2005 para verificarmos a
dinâmica da organização espacial no centro, pois de acordo com Debord (1997) “o domínio
aparente do dinheiro se apresenta como o de um emissário munido de plenos poderes que
fala em nome de uma potência desconhecida” (p. 30).
Foto 11- Localização da banca na calçada-2005
Trabalho de campo
A partir da imagem da foto 11, que corresponde à Rua General Joaquim Inácio,
verificamos uma banca localizada na calçada em que circulam pedestres, cuja intenção é
abordar o consumidor. Há uma convivência, contraditoriamente social, que combina um
comércio normatizado e formalizado com ambulantes e camelôs, visto que isto pode ser
pensado sob a ótica que destacou Ortigoza (2001) que as pessoas de classe média também
passaram a comprar dessa categoria.
As mercadorias podem ser associadas à variedade e diversidade dos produtos num
mesmo lugar, isto é, numa mesma banca, impulsionando e dinamizando o consumo que
vem imbricado pela necessidade. Esta situação é comum no final de ano quando começam
os preparativos para as festas; e como o Natal é sinônimo de presente, as pessoas buscam as
mais diversas mercadorias dentro de cada condição social, assim, os camelôs e ambulantes
aproveitam para se fixar em locais cujo fluxo permite vender além do esperado, sem contar
que vão atrás dos seus fregueses, abordando e oferecendo todo tipo de objeto.
Foto 12- Variedade de Roupas Comercializadas na Rua Engenheiro Portela-2004
Trabalho de Campo.
Ainda, de acordo com a respectiva foto, podemos observar que a apropriação dos
espaços no centro de Anápolis é uma iniciativa constante, pois aponta para a imagem do
lugar, que engloba usos diferenciados onde as pessoas acabam desenvolvendo ligações
fortes com as formas e funções que caracterizam o ambiente urbano.
As fotos 11 e 12 indicam o que chamamos de variedade de mercadorias para
conduzir ao consumo em massa, já que as pessoas podem adquirir diferentes produtos no
mesmo local, sem precisar sair à procura, ou seja, a mercadoria vai ao encontro do
consumidor. Precisamos compreender como estão organizados esses trabalhadores para
entender a dinâmica da apropriação dos espaços. Para Debord (1997, p. 30) o fetiche da
mercadoria associada à generalização produz e reproduz os espetáculos da imagem dos
objetos em que ocorre “a dominação da mercadoria sobre a economia”.
Foto 13- Variedade de produtos no final do ano na Rua General Joaquim Inácio-2005
Trabalho de campo
A foto 13 também destaca uma variedade de produtos comercializados em 2005,
apontando a diversificação, pois nas fotos 11 e 12 verificamos outros tipos de mercadorias
ligadas ao vestuário, isto é, tudo se mistura nesses espaços indicando que o processo é
amplo e complexo, baseado nas estratégias de comércio e consumo, cujas pessoas são
abordadas em todas as direções. A busca pelo dinheiro na figura do camelô e do ambulante
tem a ver com a questão de abordar as pessoas para qual Yázigi (2000) aponta o seguinte:
Uma política que pense na cidade como lugar de todos e seus respectivos
direitos não pode, em princípio, limitar-se às opiniões exclusivas dos
comerciantes, estabelecidos ou não. Um gesto assim significa entregar a
cidade ao capital. Por simples que pareça, a condução da discussão tem
se limitado ao confronto comércio legal/ comércio ambulante, excluindo
outros agentes com igual direito ao entorno. Como foi lembrado
anteriormente, é cada vez mais comum um único ambulante ocupar a
parte coberta de um abrigo de ônibus, sujeitando milhares de usuários
diários à intempéries. (p. 389).
É importante lembrar que a rua tendo se transformado num espaço de consumo
apresenta uma situação que coloca a reprodução do capital acima da reprodução humana,
mesmo que a categoria dos comerciantes de rua seja vista como explorada e fora dos
padrões normais das atividades terciárias. O que ocorre é que o comércio formal e o
informal representam a sociedade de consumo colocada acima do direito à cidade sob
outros níveis.
A seguir, buscamos traçar algumas considerações a respeito da organização dos
ambulantes e camelôs a partir das informações que foram identificadas nos questionários
aplicados na pesquisa de campo.
3.4. Entendendo os ambulantes e camelôs: realidades e possibilidades
Nesta etapa da elaboração da tese, buscamos apresentar alguns dados a respeito dos
ambulantes, a partir da pesquisa de campo e de acordo com o mapeamento envolvendo os
comerciantes que ficam expostos nas ruas, como também aqueles que estão organizados
nos espaços planejados como o camelódromo e o shopping popular.
Em Recife, de acordo com a pesquisa de Costa (2003), foram criadas áreas para a
retirada dos camelôs e ambulantes do centro como uma possibilidade dos negócios
prosperarem, o que de fato não ocorreu em alguns pontos, visto que a área que compreende
o centro em todas as cidades é alvo de interesse e disputa, principalmente no que tange à
comercialização de mercadorias, pois é uma área própria para que tais atividades possam
prosperar. Isto é o que todos pensam diante do sistema capitalista, uma vez que é o
consumidor que faz a diferença.
Para compreendermos um pouco mais a realidade dessa categoria, os questionários
aplicados foram os mesmos para as ruas, o camelódromo e o shopping popular, não
havendo uma separação das informações obtidas, pois há situações que se repetem nos três
espaços.
No entanto, em vários níveis, os motivos que levaram as pessoas a se enquadrarem
nessa situação estão ligados à falta de empregos e outras opções, seguidas pela necessidade
de ajudar a família, e muitas vezes, aumentar a renda, o que também podemos associar ao
que Malaguti (2000) apontou quando afirmou que muitas pessoas trabalham em atividades
formais, mas nas horas vagas desenvolvem alguma função ligada à informalidade.
Para Martins (2003):
No chamado neoliberalismo, o Estado se torna o estado mínimo, que abre
mão de suas responsabilidades sociais; a sociedade civil é que tem de
resolver os seus problemas. (...) Quando pensamos no alternatismo,
podemos ver que a população mesma está construindo a alternativa, uma
alternativa includente, não uma alternativa que aprofunde o abismo com
o existente, não a recusa das contradições da sociedade atual. Uma
alternativa includente provoca a necessidade de resolver, de criticar, de
recusar a excludência desta nossa sociedade; a recusa, sobretudo da dupla
sociedade, uma sociedade daqueles que só tem obrigações de trabalho e
não têm absolutamente mais nada, e uma sociedade daqueles que te em
princípio absolutamente tudo e nenhuma responsabilidade pelo destino
dos demais. (p 37).
De acordo com a idade dos que trabalham como camelôs e ambulantes, temos que
há 44, ou seja, 30,56% ligados à faixa estaria de 11 a 20 anos
75
, embora o que buscamos
destacar de fato, são as pessoas que têm entre 31 a 40 anos, 29,17% , justificando o fato de
que nesta faixa etária há a responsabilidade de aumentar a renda para garantir o sustento da
família, já que 43,75% dos entrevistados são casados e possuem de 1 a 4 filhos. Os que têm
de 1 a 2 correspondem ao percentual de 37,50%, enquanto que a categoria de 3 a 4 filhos é
responsável por 18,06%, e mesmo que o número de pessoas que não possuem filhos tenha
sido maior, ou seja, 55% do total, não significa que não tenham responsabilidades, pois as
pessoas estão procurando constituir uma família quando a situação financeira apresentar-se
um pouco mais estabilizada.
Ainda com relação àqueles que têm de 41 a 50 anos, destacamos que 29 pessoas,
(20,14%) do total trabalham nessa condição por não terem mais idade para serem
contratados pelas empresas, já que após os 40 anos fica difícil se enquadrar no mercado de
trabalho. O gráfico 2 e a tabela 9 destacam os motivos que levaram as pessoas a se
inserirem no mercado como camelô e ambulante, de acordo com a idade.
75
Esta categoria aponta para as pessoas que trabalham na atividade para ajudar a família, embora haja aqueles
que trabalham como camelôs, e a idade que representa 11 anos foi escolhida para categorizar o gabarito de
respostas.
Santos (2001, p. 219), nessa perspectiva destaca que “segundo dados de 1999, o
desemprego aumenta em todo o país” e, ainda, afirma que:
Para o mesmo ano havia, no entanto, índices de desemprego ainda mais
elevados que o da metrópole paulistana, como é o caso das regiões
metropolitanas de Salvador (24,5) e Recife (21, 4%. Eram mais de 300
mil pessoas desempregadas nas regiões metropolitanas de Salvador, Belo
Horizonte, Recife, seguidas por Porto Alegre (295 mil), Brasília (166
mil) e Curitiba (132 mil). (SANTOS, 2001, p. 219)
Seguindo essa análise, temos que:
Cerca de 17 milhões de contribuintes viviam na região Sudeste, seguida
da região Sul (5,5 milhões), pela região Nordeste (4,8 milhões), pela
região Centro-Oeste (1,8 milhões) e pela região Norte (cerca de 1
milhão). Num Estado como Tocantins, em 1995, apenas 20% da massa
de trabalhadores participavam da Previdência, enquanto no Pará 26,3% e
no Amazonas 42%. O retrato nos Estados do Centro-Oeste não é muito
diferente, uma vez que em Goiás e em Mato Grosso cerca de 32% do
total de trabalhadores são contribuintes. A ocupação periférica moderna
parece realizar-se, em parte, com base em relações trabalhistas “fluidas”.
(SANTOS, 2001, p. 218)
Tais considerações convergem para o que Malaguti (2000) aponta sobre a questão
da degradação dos salários e das remunerações, destacando o fato de que o IBGE chama a
atenção para os salários baixos pagos pelas pequenas empresas, cuja maioria da população
ocupada é sub-remunerada, o que faz com que estas pessoas busquem novas opções de
trabalho, fato este que pode ter como exemplos muitos daqueles que vivem do comércio
informal com bancas em camelódromos ou nas ruas. A tabela 9 retrata os motivos que
levaram as pessoas a trabalharem como camelôs e ambulantes.
Tabela 9-Motivos pelos quais os entrevistados decidiram trabalhar
como camelôs e ambulantes-2003
Motivos Freqüência %
Falta de Emprego e Opções 67 46,53
Ajudar a Família e Aumentar a Renda 23 15,97
Ter Autonomia 17 11,81
Problemas com a Idade 4 2,78
Outros 33 22,92
Total 144 100,00
Fonte: Trabalho de Campo.
Há uma realidade explícita na categoria dos comerciantes de rua que faz parte das
estratégias para auferir lucros e acirrar a corrupção, o que torna a atividade interessante
para quem a comanda. Assim, Yázigi (2000) destaca que:
Muitos comércios de rua são verdadeiras micro ou pequenas empresas.
Estas e outras, de nível até inferior, podem muito bem instalar-se em
lotes e espaços construídos privados, pagando o devido aluguel. Não
interessariam nem com um retorno maior, dado pelo termo de permissão
de uso, hoje hilaricamente baixo. A prefeitura não pode e não deve
autorizar temos de permissão além de certos limites. E acontece que hoje
a tendência é liberar cada vez mais para auferir lucros (e corrupção), que
se distanciam muito dos fins regimentais e das finalidades dos impostos
pagos. (p. 395).
Na verdade, o que ocorre é que algumas micro ou pequenas empresas beneficiam-se
de uma condição que é permitida àqueles que não têm outras formas de garantir a
sobrevivência para fugir dos impostos e das exigências que são cobradas para se constituir
uma atividade formalizada, pois são inúmeros documentos que acabam desestimulando tais
iniciativas.
Gráfico 2-Motivos pelos quais decidiram trabalhar como camelôs e ambulantes
segundo a idade-2003
76
76
Os gráficos apresentam os resultados referentes à cada questão, seguindo a ordem crescente, lembrando que
os questionários foram elaborados com 35 perguntas, sendo que estão cruzadas com a de número 19 por
apresentar os motivos que levaram as pessoas a trabalharem como camelôs e ambulantes e por ser a que mais
nos interessa do ponto de vista da importância que apresenta sob as demais questões.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Porcentagem
Falta de Emprego e
Opções
Aumentar a Renda Ter Autonomia Idade Outros
Motivos
11 a 20 anos
21 a 30 anos
31 a 40 anos
41 a 50 anos
51 a 60 anos
61 a 70 anos
Mais de 70 anos
Fonte: Trabalho de Campo.
Apontamos que na faixa de 11 a 20 anos, os motivos estão relacionados à falta de
empregos e opções, como também ao aumenta da renda, pois geralmente, ajudam os pais
em casa. A categoria entre 31 a 40 anos, e 41 a 50 anos, busca ter autonomia nos negócios e
também apresenta problemas quanto à questão da idade, por não conseguirem mais
empregos nos setores formais da economia, enquanto que a categoria outros se encontra
dividida entre as faixas de 11 a 20 anos e 31 a 40 anos, ou seja, também fazem parte do
processo relacionado ao comércio informal. Assim,
É bom ressaltar, porém, que remunerações, salários e condições de
trabalho degradantes são indispensáveis ao funcionamento dos pequenos
empreendimentos. É uma característica intrínseca e irrevogável, sua
forma necessária de sobrevivência. Exigir a abolição dessas condições de
trabalho implica, na realidade, a supressão dos pequenos negócios e de
boa parte das situações de informalidade. A exigência é radical, sendo,
por isso, dificilmente realizável sem mudanças sociais e políticas
estruturais. (MALAGUTI, 2000, p. 83)
O gráfico 3 destaca que com relação ao sexo dos entrevistados temos que 86,59
(72%) das pessoas são mulheres que trabalham como camelôs e ambulantes para terem uma
independência financeira, uma vez que buscam ter autonomia, pois estão cada vez mais
integrando o mercado de trabalho, enquanto que os homens buscam aumentar a renda, pois
se sentem responsáveis pela família.
A condição da mulher se dá também pela falta de empregos, o que nos faz pensar
realmente nas estratégias do próprio mercado. Da Matta (1997) ressalta que:
Essas mudanças certamente correspondem a uma dinâmica dos grupos
sociais que estão implicados em cada forma de temporalidade. Pode-se
até mesmo dizer que as temporalidades e as “especialidades” diversas
corresponde a atuação de unidades sociais diferentes e até mesmo
opostas. (p. 38).
Isto quer dizer que a mulher não ocupa mais apenas a função de dona de casa, uma
vez que vem se destacando no mercado de trabalho, ocupando na maioria das vezes, cargos
mais valorizados que os do homem em função das temporalidades e especialidades
diferenciadas que marcam os momentos cotidianos.
Gráfico 3-Motivos pelos quais decidiram trabalhar como camelôs e ambulantes
segundo o sexo-2003
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Porcentagem
Falta de Emprego e
Opções
Aumentar a Renda Ter Autonomia Idade Outros
Motivos
Masculino
Feminino
Fonte: Trabalho e Campo.
Ainda de acordo com os dados do gráfico 3, temos que aproximadamente 60% dos
homens buscam meios para aumentar a renda, pois sentem-se responsáveis pela família. A
questão da idade também apresenta um percentual maior para os homens em relação às
mulheres, com mais de 70%. O item “outros” demonstra que tanto os homens quanto as
mulheres apresentam vários motivos para estarem inseridos no comércio informal.
Associando os dados referentes à questão da idade com o sexo dos trabalhadores,
temos que os homens na faixa etária de 31 a 40 anos e de 41 a 50 anos estão trabalhando
como camelôs e ambulantes devido à idade, além da busca por uma autonomia que
significa ter condições de sustentar uma família. É uma situação que se assemelha aos que
têm de 11 a 20 anos e que complementam a renda familiar, ou muitas vezes até mesmo
sustentam a casa.
Gráfico 4-Motivos pelos quais decidiram trabalhar segundo a condição de
propriedade da banca-2003
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Porcentagem
Falta de Emprego e
Opções
Aumentar a Renda Ter Autonomia Idade Outros
Motivos
Sim
Não
Em Branco
Fonte: Trabalho de Campo.
Porém, é preciso salientar que em alguns casos, os comerciantes de rua também têm
uma atividade no âmbito da formalidade, ou seja:
[...] constatamos que o trabalho assalariado e o trabalho “informal”
coexistem ou, mais genericamente, que o “trabalho informal” pode
coexistir com o “formal” no próprio espaço deste último. [...] em resumo,
a sobrevivência do trabalhador parece depender da multiplicidade de suas
atividades, de sua atuação simultânea como “assalariado” e
“independente”. Tudo leva a crer, então, que procedimentos e atividades
“informais” são indispensáveis à obtenção do “Rendimento Mínimo
Necessário” à sua sobrevivência. (MALAGUTI, 2000, p. 131-2)
O gráfico 4 demonstra os motivos que levaram as pessoas a trabalharem como
camelôs e ambulantes de acordo com a condição de proprietário da banca, revelando que
mais de 60% não são os proprietários e que estão trabalhando nessa atividade pela falta de
empregos e opções, justificando a informalidade não só pelo lado comercial, mas também
trabalhista. É interessante que os proprietários e os não proprietários das bancas estão
inseridos nessa função para aumentarem a renda, pois a condição de trabalharem como
camelô e ambulante pode também estar ligada à idade, dificultando arrumar um outro
emprego. Santos (2001), por sua vez, apresenta a seguinte constatação:
O setor comercial torna-se importante contratador de mão-de-obra nas
grandes cidades, mostrando um crescimento em números absolutos e
relativos nas regiões metropolitanas citadas. Mas não podemos esquecer
o papel fundamental do circuito inferior da economia urbana, criador de
trabalho e não inteiramente computado pelas estatísticas. (p. 217)
A questão da autonomia revelada pelo gráfico demonstra que os que estão nessa
atividade são, em sua maior parte, os funcionários, visto que a autonomia ocorre devido ao
fato de poder trabalhar e ajudar nas despesas da família.
Seguindo a análise da tabela 10, o grau de escolaridade dos entrevistados destaca
que 46 ou 31,94 %, possuem o ensino fundamental incompleto, os que têm ensino médio
incompleto e completo estão respectivamente na mesma situação, isto é, 25,0 % e 25,69 %.
Apenas duas pessoas afirmaram que possuem curso superior completo, e incompleto,
quatro pessoas. A condição de analfabetos é de 3,47%, ou seja, cinco pessoas.
Tabela 10-Grau de escolaridade dos entrevistados-2003
Escolaridade
Freqüência %
Analfabeto
5 3,47
Ensino fundamental incompleto
46 31,94
Ensino fundamental completo
14 9,72
Ensino médio incompleto
36 25,00
Ensino médio completo
37 25,69
Superior incompleto
4 2,78
Superior completo
2 1,39
Total
144 100,00
Fonte: Trabalho de Campo.
Nessa perspectiva, para Martins (1997):
Quando pensamos no alternativo, podemos ver que a população mesma
está construindo a alternativa, uma alternativa includente, não uma
alternativa que aprofunde o abismo com o existente, não a recusa das
contradições da sociedade atual. Uma alternativa includente provoca a
necessidade de resolver, de criticar, de recusar a excludência desta nossa
sociedade; a recusa, sobretudo da dupla sociedade, uma sociedade
daqueles que só têm obrigações de trabalho e não têm absolutamente
mais nada, e uma sociedade daqueles que têm em princípio
absolutamente e nenhuma responsabilidade pelo destino dos demais. (p.
37).
De acordo com a foto 14, podemos também verificar que a condição de proprietário
da banca através da autonomia permite o dono estabeleça os horários, visto que o normal
é funcionar oito horas por dia ou até mais, dependendo do movimento e da ocasião. Mas
se for um período de festividades as bancas ficam expostas nas ruas até mais tarde, assim
como na época do Natal em que o comércio formal funciona até às 22:00 e os fluxos se
tornam mais intensos no centro. A foto também destaca que, muitas vezes, o comerciante
de rua carrega suas mercadorias em bicicletas, podendo estar em vários pontos.
Foto 14- Proprietário da Banca- 2004
Fonte: Trabalho de Campo.
Para Singer (2000):
Uma das características do trabalho informal é que ele se restringe a
poucos ramos de atividade. A grande maioria deles se dedica ao pequeno
comércio e a serviços de baixa qualificação, inclusive o doméstico. Estes
serviços muitas vezes exigem experiência e conhecimentos, mas não
escolaridade elevada. (p. 12).
Para o autor, é preciso que o trabalho informal seja organizado para ser resgatado da
pobreza, pois os mercados do trabalho informal “são o desaguadouro de toda a força de
trabalhq o que desistiu de procurar emprego ou deixou de contar com suporte material para
fazê-lo” (SINGER, 2000, p. 12).
Tabela 11- Condição de proprietários das bancas-2003
Proprietário Freqüência %
Sim 87 60,42
Não 56 38,89
Em Branco 1 0,69
Total 144 100,00
Fonte: Trabalho de Campo.
No caso, a tabela 11 revela que 87 pessoas são proprietárias das bancas, isto é, 60,42
% enquanto que 56 não são, ou seja, 38,89 % , o que justifica que as pessoas estão cada vez
mais buscando alternativas para garantirem a sobrevivência. Seguindo a condição de
proprietário ou não das bancas, buscamos inserir também nesse contexto a quantidade
delas, que pode apontar para a satisfação ou não da atividade, do negócio. Assim, de acordo
com a tabela 12, temos que há uma pequena variação entre aqueles que têm 1 ou 2 bancas,
35,42 % e 36,81 %, isto é, 51 e 53 bancas. Os que possuem 26 bancas apresentam um
percentual de 18,06 % do total, conforme podemos observar.
Esses apontamentos sobre a organização dos comerciantes informais refletem a
questão da má distribuição de renda e, conseqüentemente, o desemprego. Assim, para
Mattoso (1996):
Embora no pós-Segunda Guerra o emprego tivesse crescido intensamente,
ele não se refletiu em uma maior regulação institucional e em um perfil
menos regressivo da distribuição de renda. Três fatores favoreceram este
processo. Primeiro, a intensa concorrência entre trabalhadores pouco
qualificados, resultante das pressões advindas de um processo
extremamente rápido de urbanização e de acentuados movimentos
migratórios. A oferta ilimitada de trabalho representa até hoje um elemento
favorável à preservação de salários baixos. Em segundo lugar, em grande
parte do período se bloqueou a ação sindical com a repressão político-
militar e o poder normativo da Justiça do Trabalho. Em terceiro lugar,
houve um significativo rebaixamento do salário mínimo desde os anos 60.
(p. 39).
A realidade do perfil socioeconômico dos trabalhadores informais para Singer
(2000) é discutida da seguinte maneira:
Os trabalhadores informais já desistiram de procurar emprego. Eles saem
à luta, tentando ganhar a vida de qualquer jeito. Em segundo lugar,
trabalham longas jornadas para ganhar um mínimo. Mostra a pesquisa
que “normalmente os vendedores em ponto fixo trabalham de segunda à
sábado, descansando aos domingos, mas em muitos casos trabalham sem
folga, de segunda a domingo.” A jornada semanal média de trabalho dos
vendedores em trens é de 62 horas a dos vendedores me semáforos é de
54 horas e a dos catadores de material reciclável é de 44 horas. Os
ganhos são incertos e muito variáveis nestas profissões. Os vendedores
em ponto fixo, certamente uma das maiores categorias de trabalhadores
informais ganham em média R$ 927 por mês, mas “com uma grande
distância entre o menor ganho, que é de R$ 150,00 e o maior, de R$
4000, 00”. A grande maioria dos informais ex erce atividades precárias,
quase todas sujeitas a repressão policial, o que torna os ganhos
extremamente instáveis e incertos. (p. 12).
Para aqueles que trabalham nos espaços programados dos camelódromos e shopping
populares, como é o caso de uma parte dos trabalhadores informais de Anápolis, as
vantagens contribuem para aumentar os ganhos relativos às mercadorias que
comercializam, uma vez que aqueles que estão localizados nas ruas, que por sua vez são em
números menores, apresentam uma realidade inferior aos demais, e ficam sujeitos às
intempéries, o que torna os ganhos se tornam menores. Para os que freqüentam todos os
tipos de eventos, como feiras, exposições e outras festividades, a possibilidade de aumentar
as vendas é algo que contribui também para aumentar os lucros, chegando aos R$ 4000, 00,
citados por Singer (2000).
Jakobsen (2000) destaca que os trabalhadores informais também estão inseridos na
produção de acordo com o escoamento dos produtos advindos de toda parte ou na
reciclagem e apropriação daquilo que é destinado como lixo, através dos catadores de
papel, papelão, metais e outros. Porém são avaliados como uma categoria que não contribui
para gerar renda, ao contrário, são atividades precárias que excluem “o acesso aos direitos
sociais e trabalhistas básicos. (JAKOBSEN, 2000, p. 9).
No entanto, há pessoas que possuem mais de uma banca, o que garante uma
lucratividade maior e a condição de serem consideradas microempresárias, mas continuam
na condição de informal para não pagarem os devidos impostos, além de não cumprirem
com as obrigações trabalhistas referentes aos empregados que possuem.
O gráfico 5 revela que por falta de empregos e opções as pessoas possuem uma
banca, pois muitas vezes estão começando no negócio e precisam de um tempo maior para
que a atividade prospere. O percentual daqueles que querem aumentar a renda também é
considerável com destaque para quem possui de 1 a 2 bancas. Já com relação à autonomia
nos negócios tivemos mais de 50 % de respostas entre aqueles que têm 2 bancas visto que a
questão da idade está ligada ao fato de uma grande maioria não conseguir empregos
formais, o que os leva a se inserirem e a prosperarem nos negócios, mesmo porque a
experiência também é um fator importante, e como não conseguem outra forma de trabalho
preferem investir no número de bancas.
Gráfico 5- Motivos pelos quais decidiram trabalhar como camelôs e ambulantes
segundo a quantidade de bancas-2003
Fonte: Trabalho de Campo.
Jakobsen (2000), que realizou uma pesquisa sobre o trabalho informal acabou
constatando que:
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Porcentagem
Falta de Emprego e
Opções
Aumentar a Renda Ter Autonomia Idade Outros
Motivos
Uma
Duas
Três
Quatro
Sete
Oito
Em Branco
[...] o crescimento da informalidade é acompanhado pelo declínio do
número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e pelo
crescimento dos que trabalham sem registro tanto nas pequenas empresas
Se compararmos as
possuem cursos profissionalizantes, uma vez que esse tipo de comércio não necessita de
apli
como nas empresas com mais de cinco empregados. Mas isto é
insuficiente para explicar o fenômeno da informalidade. (p. 9-10).
tabelas 12 e 13, verificaremos que 81 entrevistados (56,25 %) não
cação de técnicas sofisticadas. Santos (1979) destacou que nesse setor, discutido por ele
como sendo um circuito, as relações ocorrem de forma simplificada, diferentemente do
circuito superior, que aponta para o que chamou de meio técnico científico informacional.
Tabela 12-Cursos profissionalizantes-2003
Cursos Profissionalizantes Total Freqüência
Sim 61 42,36
Não 81 56,25
Em Branco 2 1,39
Total 1144 00,00
Fonte: Trabalho de Campo.
essoas que trabalham nas bancas e que fazem parte da família
ode ser verificada na tabela 13, com destaque para 52 pessoas que ajudam na atividade,
respect
m como camelôs e ambulantes-2003
A quantidade de p
p
ivamente, 36,1 % . Contudo, 91 pessoas não fazem parte da família, justificando que
muitos estão inseridos nesse contexto da informalidade, não somente porque não pagam os
impostos, mas também pelas condições de trabalho mediante o problema do desemprego,
que para muitos não é a principal causa de terem buscado o comércio informal para
trabalharem. Quando o aumento de pessoas que trabalham nas bancas é superior ou igual a
cinco, podemos pensar em duas interpretações: 1) a atividade vem prosperando
significativamente ou 2) a família ajuda de forma incessante, o que nos leva a pensar que
quando o negócio é entre os familiares, pais e filhos, as condições de obterem um lucro
maior são possíveis, uma vez que não precisam pagar salários aos funcionários, apenas os
gratificam. Mas em nossa pesquisa detectamos que os empregados do comércio informal
em sua na maioria não têm relações de parentesco.
Tabela 13-Quantidade de familiares que trabalha
Resposta Freqüência %
Sim 52 36,11
Não 91 63,19
Em ,69 Branco 1 0
Total 1144 00,00
Fonte: Trabalho de Cam
As pessoas que trabalham geralmente duas, somam 66, ou seja, 45,83%.
as, ou seja, 22,22 %. Nessa perspectiva, mais de 60,0% decidiram
negócio ou de uma
iva ou em sociedade com parentes e
ue nunca trabalha sozinho. Normalmente, neste tipo de negócio, só
O fato de ser pa
como camelô e ambula , respectivamente 86 pessoas
trabalh
empo de trabalho na atividade como camelô
-2003
Tempo de Trabalho Freqüência Porcentagem
po.
nas bancas,
Entre uma e três, 32 pesso
trabalhar como camelô e ambulante sem que tenham realizado algum curso
profissionalizante. Podemos fazer referência àqueles que precisam aumentar a renda e não
conseguem reservar dinheiro para pagar os curso, além do fato de que a condição de
propriedade da banca aponta para a falta de tempo
por trabalharem mais do que se fossem
empregados, mesmo no meio da informalidade.
Nessa perspectiva, Jakobsen (2000) destaca que:
Dono de negócio familiar é o indivíduo dono de um
empresa de sua propriedade exclus
q
trabalham parentes que não recebem remuneração salarial, podendo,
porém, haver situações nas quais trabalham um ou dois empregados de
forma permanente e remunerada. (p. 8).
rente ou não desperta uma outra situação, a do tempo de trabalho
te. A tabela 14 indica que a maioria
n
am no comércio informal há mais de dois anos e 25, ou seja, 17,36% dos
entrevistados estão no ramo da informalidade como ambulante e camelô há menos de 6
meses. Levou-se em consideração que a faixa etária dos trabalhadores está ligada aos que
estão na experiência do primeiro trabalho frente à falta de oportunidades, como também os
que foram demitidos dos empregos e que por estarem próximos dos 40 anos não
conseguem trabalhar facilmente, pois as empresas preferem os mais jovens para poderem
explorá-los.
Tabela 14-T
e ambulante
Menos de 6 Meses 25 17,36
Seis Meses 9 6,25
Um Ano 16 11,11
Dois Anos 7 4,86
Mais de Dois Anos 86 59,72
Em Branco 1 0,69
Total 144 100,00
Fonte: Trabalho de Campo
os os motivos que levaram os comerciantes desse
o centro, principalmente nas ruas com elevados fluxos, sendo
foi o fato de ser o local mais movimentado da área, apontando também para
as 24 p
üência %
Com relação à tabela 15, tem
segmento a se instalarem n
que o principal
essoas que não responderam por pensar que tínhamos a intenção de organizar algum
movimento para retirá-los do lugar, enquanto que 27, isto é 18,75%, se enquadram na
categoria denominada de “outros” .
Tabela 15-Motivo pelo qual montou o negócio na área central-2003
Motivo Freq
Opção 17
11,81
Aluguel Mais Barato 9
6,25
Localização e Fluxo 62
43,06
Outros 27
18,75
Não Sabe 5
3,47
Em Branco 24
16,67
Total 144 100,00
Fonte: Trab
alho de Campo, 2003
ordo com todas as considerações apontadas até o momento sobre o perfil dos
m ssante para avaliarmos nossa proposta de tese
stá relacionada aos motivos que levaram esses trabalhadores a se instalarem no centro de
eletrônicos que representam um percentual de 19,44 %, enquanto que as roupas apontam
De ac
comerciantes informais, a questão ais intere
e
Anápolis, já que o fator da localização em função dos fluxos foi decisivo para iniciarem a
atividade, isto é, 62 (43,06 %) das pessoas que responderam os questionários fizeram esta
afirmação. Contudo, queremos ressaltar que mesmo os informais sendo considerados um
problema do ponto de vista das relações trabalhistas e fiscais, não há como negar que vêm
aumentando consideravelmente seu número devido aos preços de suas mercadorias serem
mais acessíveis, além do fator generalizante que é a variedade das mercadorias, apontado
inúmeras vezes nesse trabalho.
Os dados do gráfico 6 revelam que há mesmo essa variedade de produtos, como os
para maiores números, ou seja, 40,28 %. Podemos, também, encontrar produtos
diversificados numa mesma banca, identificando o processo da generalização do comércio
ráfico 6-Tipos de produtos comercializados-2003
Fonte: Trabalho de campo
Isto pode ser pensado da maneira como Debord (1997) apontou:
local em que há disputas entre os espaços de comercialização que envolve os proprietários
dos negócios e uma disputa pelos espaços que se ligam aos usos e circulação das pessoas.
G
2,08%
2,78%
7,64%
19,44%
40,28%
0,69%
26,39%
0,69%
Eletro-eletrônicos
Eletro-eletrônicos e Variados
Alimentos
Roupas
Roupas e Outros
Variados
Outros
Em Branco
O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a
vida social. Não apenas a relação coma mercadoria é visível, mas não se
consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo. A
produção econômica moderna espalha, extensa e intensivamente, sua
ditadura. Nos lugares menos industrializados, seu reino já está presente
em algumas mercadoria célebres e sob a forma de dominação
imperialista pelas zonas que lideram o desenvolvimento da
produtividade. Nessas zonas avançadas, o espaço social é invadido pela
superposição contínua de camadas geológicas de mercadorias. Nesse
ponto da “segunda revolução industrial”, o consumo alienado torna-se
para as massas um dever suplementar à produção alienada. (p. 30-1).
Assim, os produtos comercializados pelos camelôs e ambulantes fazem parte do
contexto da satisfação mesmo que de forma popularizada fundamentada pelo princípio da
sobrevivência do consumo ligado à sociedade urbana e que reflete também o urbano, que
para Lefebvre (2002) poderia:
[...] como lugar da expressão dos conflitos, invertendo a separação dos
o silêncio, onde se
os signos da separação. O urbano poderia também ser
De acordo com
consumo, que porventu
da generalização, artific
stratégias do sistema capitalista de produção.
do
s
a
encontrada, em qualquer lugar do centro, seja no comércio
formal ou informal. Se
complexa que (re)cria o
espaços vêm sendo subm
O gráfico 7 ide
ambulantes que as com
lugares onde a expressão desaparece, onde reina
estabelecem
definido como lugar do desejo, onde o desejo emerge das necessidades,
onde ele se concentra porque se reconhece... A natureza (o desejo) e a
cultura (as necessidades classificadas e as artificialidades induzidas) aí se
reencontram, no curso de uma autocrítica mútua que mantém diálogos
apaixonados. (p. 160).
o autor, as necessidades associadas aos desejos induzem ao
ra mantém diálogos “apaixonados”, conforme Lefebvre em função
ialidade e do fetiche das mercadorias que têm como parâmetro as
e
De fato, isto justifica que nossa proposta de pesquisa vai se confirmando a partir
momento em que vão sendo esclarecidas as formas de organização dos trabalhadore
(camelôs e ambulantes) apontando para o tipo de mercadoria comercializada, pois
generalização faz com que seja
gundo Ortigoza (2001), temos uma multifuncionalidade bastante
lugar, porém destacamos uma ligação às várias funções a que os
etidos quando nos referimos à dinâmica do comércio e consumo.
ntifica as formas de aquisição das mercadorias pelos camelôs e
pram com preços à vista, ou seja, 63% do total, embora 15%
adquiram a prazos menores de 60 dias para o pagamento. Ortigoza (2001), na perspectiva
ruas do centro, os quais vêm atendendo a um
idores diariamente. Isso é demonstrado
trabalh
das mercadorias pelos vendedores-2003
do que discutimos, avalia que:
As idéias aqui lançadas demonstram uma popularização do comércio e
do consumo no centro da metrópole, pelo crescimento do número de
vendedores ambulantes nas
enorme volume de consum
também através do movimento diário desse tipo de comércio e pelo
aumento dos novos paulistanos que vêm se inserindo no setor informal.
(p. 53).
Embora a autora faça menção à realidade de São Paulo, enfatizamos que o
crescimento e o surgimento dos vendedores de rua é uma realidade que faz parte do
contexto da maioria das cidades não só brasileiras, mas também mundiais. A migração é
uma das conseqüências desse aumento considerável, mas as informações destacadas nesse
o revelam que uma parte significativa desses trabalhadores está nessa condição
devido à informalidade que justifica a não contribuição para com os impostos e INSS,
mesmo havendo recursos para isso.
Gráfico 7-Formas de aquisição
63%
15%
3%
3%
13%
1%
2%
À Vista
À Prazo com Menos de 60 dias
À prazo com Mais de 60 dias
Outros
À Vista e à Prazo com Menos de 60 dias
À Prazo com Menos ou Mais de 60 dias
Não Sabe
Fonte: Trabalho de Campo.
Observamos também que há vendedores que adquirem à vista e a prazos menores
de 60 dias, pois compram em grandes quantidades, caso o vendedor já esteja consolidado
no negócio, uma vez que encontramos aqueles que não têm condições de comprar muitas
peças, buscando apenas o que será comercializado em poucos dias. No caso da aquisição
das mercadorias pelos consumidores, a negociação ocorre na maioria das vezes à vista,
diferente do comércio formal que dispõe de várias opções de pagamento.
Assim, associamos o quadro 10 ao referido gráfico apresentando a procedência das
mercadorias, com 62 pessoas respondendo que elas são do Paraguai, já que todos que
comercializam eletro-eletrônicos os adquirem deste país. No caso de Anápolis temos um
percentual de 13, 19 %, pelo fato delas serem são fabricadas ou produzidas no próprio
local, com destaque para os alimentos que também compõem esse quadro.
Por outro lado, há trabalhadores (camelôs e ambulantes), que vendendo os produtos
piratas e a preços mais baixos conseguem extrair lucros; assim, já estão se organizando para
contribuir com a previdência, no intuito de receberem os benefícios, além de terem
empregados que são registrados e com carteira de trabalho, o que nos remete refletir sobre
as práticas do setor informal com base nas relações de expropriação, cuja dinâmica não se atém
a um setor ou circuito específico, até porque a
mobilidade do trabalhador se distribui onde for mais viável a rentabilidade do capital.
Quadro 10-Procedência das Mercadorias-2003
Procedência Freqüência %
Anápolis 19 13,19
Anápolis e Estado de São Paulo 1 0,69
Anápolis e outros países 4 2,78
Anápolis e região 2 1,39
Anápolis, Goiânia via Paraguai e outros países 1 0,69
Campinas 1 0,69
CEASA 1 0,69
Estado de São Paulo 5 3,47
Estado de São Paulo e outros estados 1 0,69
Estado de São Paulo e outros países 1 0,69
Fabricação própria 8 5,56
Goiânia via Paraguai 10 6,94
Goiânia via Paraguai e Estado de São Paulo 1 0,69
Goiânia via Paraguai e outros países 5 3,47
Goiânia via Paraguai e Região de Anápolis 1 0,69
Outros estados 3 2,08
Outros estados e países 1 0,69
Outros países 62 43,06
Outros países e região de Anápolis 1 0,69
Paraguai 1 0,69
Região de Anápolis 8 5,56
Não sabe 7 4,86
Total 144 100,00
Fonte: Trabalho de Campo.
Contudo, podemos associar esses dados ao que Ortigoza (2001) retratou em sua
pesquisa, pois:
Além do preço, o comércio de rua oferece outra vantagem ao consumidor
diretamente relacionado ao tempo [...], ou seja, o consumidor não precisa
ir ao encontro da mercadoria, ela é que vai ao seu encontro. (p. 36).
O quadro 11 representa a origem das pessoas que consomem os produtos vendidos
pelos camelôs e ambulantes, com destaque para Anápolis que tem o maior percentual em
relação aos demais locais, ou seja, 47,53% confirmando os apontamentos que levantamos
sobre os novos espaços de consumo e as novas estratégias de comercialização, visto que a
região de Anápolis também consome nesses espaços, acentuando um dinamismo que
compreende apenas o comércio informal desta cidade e que se articula ao processo global.
A taxa dos que não souberam responder, pois são funcionários, ficou aproximadamente
entre 28% do total.
Quadro 11-Procedência da Clientela-2003
Procedência
Freqüência %
Anápolis 67 46,53
Região de Anápolis 14 9,72
Outras cidades 6 4,17
Outros estados 1 0,69
Anápolis e região 15 10,42
Anápolis, região de Anápolis e outras cidades 1 0,69
Não sabe 40 27,78
Total 144 100,00
Fonte: Trabalho de Campo.
Destacamos que as formas de aquisição das mercadorias pelos clientes são na maior
parte à vista, com 84,72% do total de questionários aplicados, enquanto que apenas 4,17%
compram a prazo com menos de 60 dias para pagar. Do total, 9,72% adquirem os produtos
à vista e a prazo, uma vez que se comparando com as formas da aquisição das mercadorias
pelos vendedores verificamos que a clientela compra os produtos e os paga à vista, pois não
há estratégias como no comércio formal, ligadas aos cartões de crédito e cheques pré-
datados a que Santos (2001) faz referência, pois os ambulantes e camelôs necessitam do
dinheiro para adquirirem outros produtos para sempre completarem o círculo da produção-
circulação-consumo.
Nessa perspectiva, também buscamos maiores informações sobre a forma como
estão organizados, uma vez que 126 pessoas não contribuem com a previdência, o INSS,
sendo este o principal motivo que destacam quando perguntamos se querem deixar esta
atividade. Acreditam que se estivessem trabalhando num emprego fixo teriam como pensar
numa aposentadoria, mas não levam em consideração que seriam explorados pelo sistema.
Nossa observação de campo permitiu verificar que alguns não têm como contribuir como
autônomos, pois ficam expostos num ponto, esperando que alguém compre, de repente,
alguma mercadoria, para terem o que comer.
A organização daqueles que estão no camelódromo e no Shopping Popular é um
pouco mais privilegiada, pois há pessoas que têm vários funcionários que também acabam
ficando na marginalidade. Isto é, que completa o círculo da precarização das condições dE
trabalho de que nos falam Antunes (2000), Alves (1999) e outros autores.
A realidade dos informais, sejam os camelôs dos espaços programados e
normatizados, sejam os vendedores de rua, ou os que mascaram sua condição se
escondendo atrás dos que vivem marginalizados pelo sistema, faz parte de um processo
amplo e contraditório, cuja:
[...] presença de pobres e a correspondente depressão do mercado de
trabalho e dos salários projetam-se no empobrecimento das respectivas
municipalidades. Esse problema, aliás, é agravado com o crescente
desmantelamento do estado de bem-estar, o que contribui para um
empobrecimento ainda maior da população. (SANTOS, 2001, p. 286-7)
Nessa perspectiva, há possibilidades para que os problemas estruturais não
permitam ainda mais o acúmulo de pobreza. É preciso anular as concorrências e a
corrupção que tornaM a atividade informal banida e descartada do contexto da dinâmica
econômica. Assim, para Singer (2000), a possibilidade de resgatar os comerciantes de rua
da pobreza (e que não atinge a todos os informais) seria a organização em cooperativas,
pois salienta que:
Para resgatar o trabalho informal da pobreza é necessário organizá-lo.
Mas a forma de organização não pode ser o sindicato clássico porque os
trabalhadores informais não têm emprego regular, não são explorados por
empresas em termos permanentes, sendo antes vítimas da espoliação de
intermediários, usuários, fiscais e policiais corruptos. Uma forma que se
mostrou eficaz é a cooperativa, à qual pertence parte dos catadores de
material reciclável. A cooperativa tem por base a solidariedade entre os
trabalhadores, que impede a concorrência entre eles. No caso dos
catadores, por exemplo, ela lhes permite barganhar de igual para igual
com os recicladores e eventualmente até substituí-los pela própria
cooperativa. Uma cooperativa que reunisse todos ou a maioria dos
vendedores ambulantes poderia distribuí-los de forma racional pelos
espaços da cidade, sem impedir a circulação dos clientes potenciais,
organizar em parceria com o poder público shopping populares e até
desenvolver novas atividades para ocupar os excedentes. (p. 12).
Porém, ressalta algumas dificuldades que poderiam existir, pois:
A dificuldade provavelmente reside no receio do trabalhador de abrir
mão de sua autonomia para compartilhar o destino dos outros, de cujo
caráter e integridade ele não tem provas. Este receio é superado, no
entanto, se alguma cooperativa puder ser formada e o seu êxito
demonstrar que trabalhadores informais são capazes de criar
empreendimentos competitivos no mercado e que remuneram o trabalho
melhor e de modo mais sistemático do que a atividade individual. A
experiência nacional e internacional indica que a organização cooperativa
requer apoio constante, ao menos em sua fase inicial, para ajudar os
novos cooperadores a ganhar cultura solidária e capacitação gerencial.
(SINGER, 2000, p. 13)
Singer (2000, p. 13) avalia que uma suposta solidariedade entre os sindicatos com
os trabalhadores informais tem ampla aplicação, uma vez que se houvesse o estreitamento
dos laços entre formais e informais estariam estes unidos na luta contra a “hegemonia do
grande capital”.
Para Martins, caímos num erro quando usamos o termo “exclusão” para designar os
problemas ligados ao projeto neoliberalista tomando como análise a pobreza. Assim:
Certamente, um sério erro de interpretação, que todos podemos cometer,
é o de trabalhar a possivelmente “nova” cara da pobreza, utilizando uma
dicotomia interpretativa: existe exclusão e a exclusão é produto do
“projeto” neoliberal (como se fosse possível numa economia capitalista
que tem como lógica a expansão e o crescimento, expandir-se e crescer
sem mercado, sem compradores, sem incluídos, somente com
excluídos!). (MARTINS, 1997, p. 28-9)
De acordo com o autor, é complicado dizer que há uma massa de excluídos num
sistema cujo mercado é que regulamenta as decisões e que tem como base fundamental os
compradores, e aqueles que configuram como excluídos não poderiam compor as
estratégias ligadas ao comércio e consumo. Portanto, utilizar o termo pobre para designar
os camelôs ambulantes seria adequado do ponto de vista do próprio poder de compra, uma
vez que o centro das cidades comporta funções que se misturam aos seus usuários de
acordo com a classe social e a renda, porém a dinâmica comercial atual associa vários tipos
de atividades aos vários tipos de consumidores, podendo inclusive haver opções que
envolvam pobres e ricos na esfera do consumo, principalmente quando vemos a rua
também ser transformada num espaço de compra e venda, como nos afirma Carlos (1996)
ao dizer que esta tem o sentido do mercado com valor de troca.
3.5. O centro e a (re)afirmação da centralidade urbana.
De acordo com o título que propusemos para este capítulo (o comércio informal e as
mudanças nos espaços de consumo, com destaque para a área central) reafirmamos a
centralidade urbana, e salientamos o papel dos camelôs e ambulantes, uma vez que as
mudanças na área central podem ser interpretadas pela junção de formas e funções que
caracterizam a atual realidade contida no centro de Anápolis. É aquilo que vimos discutindo
no decorrer deste trabalho sobre as formas comerciais que permitem e consolidam a
dinâmica das cidades, porém não apenas sob as estratégias do setor terciário formal, já que
o comércio de rua também faz parte da paisagem urbana central, pois se tornou comum a
instalação de bancas com mercadorias nas ruas da cidade, ou seja, é a apropriação dos
espaços públicos na figura do camelô, do ambulante, com metamorfoses que misturam os
produtos e os consumidores numa mesma área de acordo com as estratégias de atração.
Nessa perspectiva, não podemos separar o centro da cidade de Anápolis de acordo
com as funções que abriga, isto é, não há um centro para comerciantes formais,
regularizados, apoiados pelas leis trabalhistas e outro para os informais, considerados
marginalizados, em plena precarização e sem espaço de atuação tendo que se apropriar das
ruas, praças e calçadas para comercializarem os produtos generalizados pelo consumo. Na
verdade, o centro de Anápolis é único do ponto de vista das atividades e dos fluxos que nos
permite considerar que há um restabelecimento da centralidade intra-urbana do ponto de
vista dos fluxos que se redimensionam nessa área, e por causa da própria característica de
ser considerada uma cidade de porte médio.
No entanto, não estamos admitindo que todas as cidades médias possuem um único
centro que monopoliza suas funções, mas é preciso salientar que no caso específico da
cidade de Anápolis, o centro principal e tradicional, ainda, tem um poder atrativo e
concentrador no que tange às atividades terciárias fundamentando e reconstituindo
novamente a centralidade, que já existe por ser uma área central e que se reafirma quando
os fluxos não são transferidos para outros locais, que porventura, podem expressar novos
eixos de centralidade, como ocorre nas grandes cidades e nas metrópoles, cuja expansão do
tecido urbano e o conseqüente surgimento de novos equipamentos comerciais e de serviços
permite criar e recriar novos nós de circulação em decorrência dos novos papéis urbanos.
Assim, para Beltrão Sposito (2001) há:
[...] um debate sobre a natureza das dinâmicas que engendram a
urbanização na atualidade, colocando em pauta as novas formas espaciais
que se constituem e o conteúdo social e cultural desse processo. O duplo
movimento de ampliação dos papéis urbanos e de extensão dos tecidos
urbanos redimensiona o par cidade-urbanização. (p. 83).
E prossegue dizendo que:
Não temos mais, apenas, um processo de difusão da urbanização pelo
aumento do número e tamanho das cidades e dos papéis que
desempenham na divisão social do trabalho, mas temos uma urbanização
que se reconstrói, também, como espacialidade que se redesenha a partir
da fragmentação do tecido urbano e da intensificação da circulação de
pessoas, mercadorias, informação, idéias e símbolos. A urbanização da
sociedade não compreende, portanto, apenas a dinâmica demográfica de
concentração dos homens, ou a dinâmica econômica de concentração das
riquezas, nem as formas concretas que expressam ou determinam essas
dinâmicas, mas seu conteúdo social e cultural. A urbanização que se
expressava pelas localizações, pelos adensamentos, pelas concentrações,
colocava para a reflexão os pares interior/exterior, centro/periferia,
aquém/além das cidades. A urbanização que se constitui pelo movimento,
pelos fluxos que articulam as localizações, pela territorialidade que é
expansão mas também extensão, propõe a reconstituição da geometria
objetiva e subjetiva desses pares dialéticos. (BELTRÃO SPOSITO, 2001,
p. 84)
Precisamos compreender que a relação do centro com as demais áreas da cidade
refletem a dinâmica das localizações, que não podem ser desprezadas, mas que carregam
um conteúdo social, e ao mesmo tempo, simbólico do ponto de vista das relações
estabelecidas e do conjunto de contextos que se materializam na cidade. Contudo:
A cidade, como materialidade concreta é também um conceito
interpretativo que evoca um conjunto de funções sociais diversas. Remy
e Voye destacam a importância de se fazer, contudo, a distinção entre um
modo de composição espacial e a relação desse plano, o da materialidade,
com um tipo único de interdependência entre funções ou uma única
forma de vida. Se não há distinção entre a forma urbana e seu conteúdo
definido por múltiplos processos, dinâmicas e práticas, é difícil perceber
as intensas relações entre esses dois níveis da realidade. (BELTRÃO
SPOSITO, 2001, p. 84).
Se a cidade, então, é materializada nas formas e funções que dinamizam o espaço e
apresenta conteúdos diferenciados, temos uma articulação múltipla entre os diversos atores
caracterizando “a articulação múltipla das relações sociais estratificadas com o espaço”
(GOTTDIENER, 1993, p. 130). Essa articulação contempla a relação entre formalidade e
informalidade na dimensão dos papéis que o centro desempenha na relação com as demais
porções da cidade. Dessa forma, “essa explosão de distinções espaciais muito bem afinadas
entre pessoas e grupos da sociedade resulta num caos de espaços contraditórios que
proliferam as fronteiras em que aparece o conflito sócio-espacial” (GOTTDIENER, 1993,
p. 130).
A centralidade intra-urbana associada aos espaços internos caracteriza uma
dinâmica que permeia a própria dinâmica do espaço urbano, compreendido nas escalas
intra e interurbana requerendo uma análise de suas áreas centrais, pois são fundamentais
na articulação entre os diferentes usos do solo no interior das cidades.
O estudo dessas áreas tornou-se fundamental para entendermos a dinâmica do centro,
já que a diminuição da circulação de pessoas num determinado ponto da cidade favoreceu a
concentração em outras áreas, o que nos remete pensar nos mecanismos de atração desses
novos espaços, tornando-os atrativos mediante os fluxos que se estabelecem na cidade e
entre as cidades.
A idéia de reestruturação urbana também está relacionada à questão da redefinição
da centralidade urbana, visto que, atualmente, vivemos um processo de multiplicação de
áreas centrais, constituindo novas centralidades, como também os chamados subcentros,
que são organizados com a estruturação das atividades comerciais e de serviços, e que
acabam gerando novos espaços atrelados ao consumo. Na verdade, a centralidade não pode
ser interpretada fora do contexto do consumo, uma vez que esta interrelação promove um
(re)ordenamento e/ou a (re)localização de atividades que ficavam restritas apenas ao centro
principal
30
da cidade. Segundo Beltrão Sposito (2001):
Essa redefinição da lógica de reestruturação interna das cidades resulta,
ainda, de uma tendência de concentração econômica de empresas do setor
comercial e de serviços, o que leva a uma ampliação dos estabelecimentos
30
Na maioria das vezes, o centro principal não se apresenta como sendo o centro tradicional, uma vez que há
distinção entre ambos, pois o centro principal está ligado às funções comerciais e de serviços que foram se
fixando no local inicialmente, enquanto que o centro tradicional pode ser interpretado como o local de origem
da cidade, ou seja, o centro que expressa uma simbologia.
de médio e grande porte, ligados muitas vezes a empresas de porte
nacional e transnacional. (p. 236).
Assim, podemos ainda destacar que as novas formas comerciais e a redefinição da
centralidade urbana passam por um processo que é histórico quanto à localização das
atividades comerciais e de serviços e dinâmicos, pois devemos enfocar as mudanças nos
papéis das cidades estabelecidas pela rede urbana, o próprio crescimento das cidades, a
questão da expansão do tecido urbano, infra-estrutura para os transportes, pois o
deslocamento é de fundamental importância para essa redefinição, além dos investimentos
nos setores público e privado, que configuram como estratégias para o setor imobiliário
quanto aos diferentes usos do solo (residencial, comercial e de serviços). Beltrão Sposito
aponta que:
As áreas centrais estão se multiplicando e a observação dessa tendência
pode ser reconhecida como resultado de uma lógica que passou a orientar
a constante dinâmica de reestruturação das cidades brasileiras. A
multiplicação de áreas de concentração de atividades comerciais e de
serviços revela-se através de nova espacialização urbana, permitindo-nos
identificar o conceito de centro prevalentemente à dimensão espacial da
realidade. Em outras palavras, o reconhecimento da multiplicação de
áreas centrais de diferentes importâncias e papéis funcionais pode se dar
através da observação da localização das atividades comerciais e de
serviços. (p. 238).
Todos esses apontamentos revelam que a centralidade é definida pelos fluxos intra e
interurbanos expressos pelos nós de circulação ligados à localização das atividades
comerciais e de serviços. A autora também considera que:
O que é central é redefinido em escalas temporais de médio e longo prazo
pela mudança na localização territorial de atividades. A centralidade é
redefinida continuamente, inclusive em escalas temporais de curto prazo,
pelos fluxos que se desenham através da circulação das pessoas, das
mercadorias, das informações, das idéias e dos valores. (Beltrão Sposito,
2001, p. 238)
As mudanças no comércio e, também, nas formas de consumo estão ligadas à
independência do próprio comércio em relação à indústria, já que de acordo com Pintaudi
(1992):
O comércio foi, por muito tempo, considerado atividade dependente da
indústria. Hoje não podemos afirmar a mesma coisa. Nesse setor da
economia, o processo de concentração e de centralização do capital está
presente e, cada vez mais, as grandes redes monopolizam a distribuição
de mercadorias, ditando preços e dando ‘ordens’ aos produtores. A
penetração do capital financeiro no comércio contribui para a instalação
de grandes empresas. (p. 27).
E prossegue dizendo que toda essa transformação no âmbito do comércio foi
possível “graças à produção em massa, à concentração crescente de pessoas nas cidades, ao
aumento quantitativo e qualitativo do consumo e à generalização do uso do automóvel”
(PINTAUDI, 1992, p. 27).
As mudanças no uso do solo urbano quanto à formação de
novas centralidades também precisam ser discutidas de acordo com a mobilidade e a
acessibilidade, pois como afirma Gottdiener (1993), a vida tornou-se portátil, ou seja, as
formas de deslocamento possibilitaram que as pessoas se desloquem mediante tempos
diferenciados.
Para o referido autor, toda essa modificação na estrutura urbana está associada ao
fato de que possuímos hoje uma forma de espaço de assentamento, que é polinucleada e
funcionalmente integrada pela matriz tridimensional de organização social (1993), embora
este também faça menção ao fato de que não podemos imaginar um novo modelo de
desenvolvimento urbano, pois estas considerações não fazem parte somente das relações de
“integração espacial enfatizadas por representações de zonas concêntricas, mas também às
ligações hierarquicamente estruturadas a processos do sistema global, como acumulação de
capital e a nova divisão internacional do trabalho” (GOTTDIENER, 1993, p. 17).
Assim, inserimos também nesse parâmetro de análise as questões referentes à
dinâmica do comércio informal que aproveita as condições que reafirmam a centralidade
urbana para se desenvolver e se proliferar. No entanto, é preciso salientar que o centro
apresenta uma centralidade cambiante devido ao horário de funcionamento das atividades
comerciais e de serviços, visto que Ortigoza (2001, p. 62) acrescenta que ele é o “lugar
onde acontecem várias relações sociais contraditórias, cuja vivência entre as pessoas ocorre
no espaço que é produto da própria sociedade”. Para Ruiz (2004):
Todo esse dinamismo e articulação das áreas centrais extrapolam o que é
material, pois ali além das edificações, das pessoas, da circulação de
veículos automotores, das praças, do comércio, dos serviços, da grande
circulação de capital, da poluição sonora, visual e do ar, circulam idéias,
informações, pensamentos. Enfim, o centro é muito mais complexo do
que imaginamos, tanto que para analisá-lo necessitamos de estabelecer
algum tipo de recorte, priorizar certos elementos, “abstrair” outros,
tamanha a diversidade nele existente. (p. 17)
Ainda, para o autor, discutir sobre o centro das cidades médias é perceber que o
mesmo não perdeu sua força e que, no entanto:
O item preço e variedade ainda parecem ser pontos importantes na
decisão sobre os deslocamentos de diversos segmentos, para adquirir
mercadorias e serviços no centro tradicional dessas cidades. Assim, não
podemos dizer que, nas cidades médias, na atualidade, o centro
tradicional perdeu importância. Ele é parte de um todo que articula e
dispersa, que concentra e desconcentra, em um curto período de tempo –
o dia. Terminando o horário de pico, os pedestres se vão, lá permanece o
que é imóvel, fixo. Os carros trafegam no período noturno passando pelo
centro, sem nele estacionarem ou sem que seus motoristas o freqüentem.
Nele permanecem as pessoas que fixam moradia, algo que confere, ainda,
algum status àqueles que podem pagar pelo preço de um imóvel nessa
área da cidade. (RUIZ, 2004, p. 23-4)
Partindo da explanação do autor, destacamos a questão da centralidade cambiante
apontada por Beltrão Sposito (2001) e concordamos quando afirma que o centro possui
uma característica que o destaca como uma área atrativa, pois os inúmeros acontecimentos
diários é que podem ser tomados como referências para afirmarmos o reforço da
centralidade do próprio centro, uma vez que cada cidade tem uma especificidade que a
aponta como elemento importante de discussão e de compreensão.
Nessa perspectiva, segundo a autora:
A circulação intra-urbana vem sofrendo modificações, pois a ampliação
do acesso aos veículos automotores permite a ampliação dos fluxos intra
e interurbanos, através do aumento da mobilidade da fluidez. Há ritmos
diferenciados desses fluxos, pois há diferenças entre os dias e horários de
funcionamento dos estabelecimentos comerciais e de serviços localizados
no centro principal e em sues eixos de desdobramentos e nos shopping
centers, revelando-se a expressão de uma centralidade cambiante,
porque não resulta apenas das relações entre localizações e fluxos
espaciais, mas de suas variações no decorrer do tempo. (BELTRÃO
SPOSITO, 2001, p. 251)
Entretanto, a associação que fazemos do centro de Anápolis não é somente sua
relação com as atividades que condensa e concentra não enfocando somente o comércio
formal, mas também todas as práticas que reúne e dispersa, que cria e recria o diferente, o
singular, no contexto das estratégias de atração que estão interligadas por relações espaciais
e temporais diferenciadas.
Assim, Ruiz (2004) aponta que:
O centro das cidades, normalmente, é bem servido de infra-estrutura, nele
as condições de água, esgoto, rede elétrica, asfalto, transporte coletivo,
calçamento, coleta de lixo, entre outros, não são problemas, fato que não
é, comumente, verificado nas porções periféricas pobres dessas mesmas
cidades. Assim, valorizam-se essas porções em detrimento de outras. (p.
26).
Tomando como base as considerações que Ruiz apontou, verificamos que o centro
de Anápolis apresenta uma dinâmica que contempla essa idéia da infra-estrutura, uma vez
que é uma área propícia para a localização das atividades comerciais, como também no que
tange ao uso residencial, embora muitas pessoas já tenham deixado de morar na área central
a partir de duas vertentes, ou seja, quem possui melhores condições de vida vêm optando
por morar nos condomínios fechados, auto-segregando-se dos problemas sociais presentes
nas cidades, que por sua vez também constituem uma realidade nestas.
Por outro lado, aqueles que não puderam mais pagar pelos preços dos aluguéis
devido à dinâmica do mercado imobiliário tiveram que escolher ou foram escolhidos por
outros lugares. Assim, a pesquisa de Freitas (2004) sobre a segregação socioespacial,
revelou que o centro pode ser avaliado como uma área concentradora de renda, podendo
para os que nele residem manter o status de viver ali e dispor dos bens de consumo
coletivo, que geralmente, não estão na periferia.
Sobre o centro, Freitas (2004) discorre que:
Embora seja a área que apresenta o menor quantitativo populacional, sua
densidade demográfica é a mais elevada. Há poucos lotes vagos nessa
área. Dadas as características da formação da cidade, que seguiu a forma
tradicional, seu núcleo foi adensado pela elite e a sua periferia, num
primeiro momento, foi sendo ocupada, naturalmente, por seu crescimento
vegetativo e pessoas que migraram para a cidade, num processo de
autoconstrução. (p. 75).
O que buscamos avaliar, nesse caso, são as condições atrativas que o centro agrega,
uma vez que é uma área dotada de infra-estrutura que fundamenta as relações contraditórias
e possíveis do ponto de vista da concentração e do contato entre os seus usuários. A
centralidade que se manifesta é cambiante na figura dos que durante o dia transitam a pé ou
de veículo particular, revelando que as formas de apropriação dos espaços centrais variam
no tempo e no espaço; pois se durante os horários de funcionamento das atividades
comerciais, o centro é repleto de gente circulando, à noite, esse movimento é transferido
para outros pontos da cidade. Para os que dispõem de veículos automotores particulares, o
deslocamento é possível a qualquer parte, independente do horário. Nesse contexto, é que
compreendemos a centralidade de acordo com os níveis escalares a curto, médio e longo
prazos, apontados por Beltrão Sposito (2001).
De acordo com Freitas (2004),
O rendimento por pessoas em domicílios e, conseqüentemente, a
qualidade de vida da população, aumenta nas áreas centrais da cidade.
Por outro lado, as pessoas em domicílios com renda que varia de 10 a 20
salários mínimos se concentram basicamente na AED
31
do Setor Central,
em especial no seu núcleo. Mais de 20% da população percebe esse
rendimento, caracterizando um padrão de vida mais elevado, com
atendimentos por todos os equipamentos sociais que a cidade oferece. (p.
86).
Dessa maneira:
As pessoas que vivem com renda acima de 20 salários mínimos ocupam
a região central da cidade, totalizando acima de 20% das residências.
Esse fato mostra que a cidade de Anápolis ainda apresenta uma
característica bastante tradicional do ponto de vista da valorização do
lugar de moradia. Entretanto, ressalvamos que somente nos últimos anos
vêm ocorrendo mudanças nesse padrão de ocupação das áreas
residenciais. Constata-se assim que está havendo ocupação em áreas
intermediárias, que foram reservadas no passado como estoques de lotes.
Sua ocupação está se dando pela construção de condomínios horizontais
fechados. (FREITAS, 2004, p. 91-2)
Embora as observações do autor apontem para o surgimento de novas áreas
residenciais nas porções intermediárias ao centro, destacamos que este, ainda contém
elementos que fundamentam sua posição de destaque sobre as demais áreas, já que o
dinamismo extrapolado pelas relações estabelecidas entre os usuários e a variedade de
características confere ao próprio centro, o lugar das possibilidades, tamanha diversidade,
de que nos fala Ruiz (2004) através das formas fixas e funções que variam entre o visível
31
AED significa Área de Expansão dos Domicílios elaborada segundo o IBGE em 2000.
na figura da mercadoria e do invisível pautado nas idéias, nos gestos e na heterogeneidade
de ações e reações. Beltrão Sposito (2001) assinala que:
A descentralização que se observa não corresponde a uma diluição da
centralização, mas a uma recentralização e reforço da centralidade
urbana, pois a emergência de novas áreas centrais não se dá apenas
através do aparecimento de novos subcentros, mas de outras áreas
centrais que atendem clientelas que vêm de diferentes parcelas da cidade
e, cada vez mais, de outras cidades de menor porte, gerando uma
centralidade complexa, do ponto de vista das escalas que se articulam e
dos fluxos que se entrecruzam. (p. 252).
A autora faz referência à questão da descentralização no sentido de recentralizar e
reforçar os aspectos da centralidade em outras áreas distantes do centro tradicional, porém o
que buscamos identificar é a dinâmica existente na área central de Anápolis a partir dos
fluxos que se entrecruzam em função da clientela não só da própria cidade, mas das cidades
vizinhas. Isto pode ser analisado mediante a procedência dos consumidores de adquirirem
mercadorias comercializadas pelos camelôs e ambulantes demonstradas no item anterior.
Salgueiro (2001) aponta que:
Os movimentos de recentralização com maior visibilidade privilegiam
edifícios ou sítios notáveis, pelo valor patrimonial ou pelas vistas, ou,
pelo contrário, constituem-se em operação de reconversão emblemática
como sucede com a zona oriental centrada na Expo, mas também com
outras transformações da zona ribeirinha, e com a construção de novos
edifícios de prestígio, não apenas ligados ao poder político, mas também,
e cada vez mais, às empresas (sedes de bancos e não só), e mesmo as
residências em co-propriedade. (p. 62).
Os argumentos da autora são direcionados à realidade de Portugal, mas podemos
apreender aspectos que estejam relacionados à dinâmica brasileira, uma vez que a idéia de
recentralização também nos remete pensar na configuração do centro. Como nosso objetivo
é destacar a figura dos novos atores, porém usuários, no contexto das estratégias comerciais
imbricadas pela generalização das mercadorias e do consumo, associamos aos comerciantes
informais a existência da condição de centralidade que envolve o centro em si, já que todos
aqueles que usam essa área também usufruem dessa característica. No caso de Anápolis,
Freitas detectou, com base na figura 12, algumas considerações fundamentais para
concretizar nossa idéia do reforço da centralidade urbana nessa porção da cidade.
Contudo:
O grupo com renda familiar per capita entre 10 e 20 salários mínimos
também estão concentradas no Centro da cidade e no Bairro Jundiaí e
representa um número acima de 6% da população. Todos os setores
adjacentes à região central compreende um percentual que varia de 2% a
6% da população, com exceção da área sul, saída para Brasília e da
porção norte, ambas varia de 1% a 2% percebendo este rendimento por
domicílios per capita. (FREITAS, 2004, P. 110)
Ainda, conforme o autor:
Se agruparmos os dados das pessoas que recebem acima de 5 salários
mínimos por domicílio, teremos um número correspondente a 27% por
cento de todas as unidades domiciliares da área central e do Bairro
Jundiaí, mostrando, portanto, uma nítida concentração de renda nessa
localidade. Observamos nesses mapas sociais que a renda familiar está
diretamente ligada ao local de domicílio das pessoas. Assim, quanto mais
elevada for a renda, mais próxima do centro vai estar o domicílio dessas
pessoas. Esse fato está relacionado diretamente com as primeiras áreas de
ocupação da cidade. (FREITAS, 2004, p. 112)
Essa concentração de renda por parte daqueles que podem pagar pelo uso do solo no
centro, seja comercial ou residencial, também pode ser relacionada aos fatores “preço” e
“variedade” para aqueles que não têm uma renda familiar que permita consumir em outros
centros comerciais como os shopping centers.
Percebemos uma relação intrínseca que envolve uma elite que ainda vive na área, e
aqueles que buscam alguma satisfação ligada ao consumo, mesmo que de artigos populares,
visto que há uma mistura de usos que convergem e divergem quanto aos gostos e
possibilidades de acesso às mercadorias. É a convivência de ações e momentos que
caracterizam o ambiente urbano do centro e que contêm os elementos necessários para
reafirmar a centralidade intra-urbana.
A presença dos camelôs e ambulantes retrata bem a questão das ações variadas, uma
vez que a mistura de usos e a busca por produtos que identificam as estratégias e a
dinâmica comercial dessa categoria também (re)afirma sua existência em meio à
multifuncionalidade que predomina no centro. No entanto, de acordo com o que relevamos,
a presença dos comerciantes informais retrata não somente a diversificação das formas e
funções características ao centro, mas também as opções, os gostos e os desejos expressos
pelas atitudes dos que buscam essa área para as mais diversas finalidades.
É o espetáculo da mercadoria e do dinheiro sobressaindo dentre as opções e os
gostos que simbolizam o consumo. Debord (1997) assim, aponta que:
O espetáculo é a outra face do dinheiro: o equivalente geral abstrato de
todas as mercadorias. O dinheiro dominou a sociedade como
representação da equivalência geral, isto é, do caráter intercambiável dos
bens múltiplos, cujo uso permanecia incomparável. O espetáculo é seu
complemento moderno desenvolvido, no qual a totalidade do mundo
mercantil aparece em bloco, como uma equivalência geral àquilo que o
conjunto da sociedade pode ser e fazer. (p. 34).
Essa idéia do ser e fazer representa o próprio poder de compra das pessoas
embasadas pelo dinheiro e pela dominação da mercadoria, como também a dominação que
embute no cidadão a falsa aparência da busca por algo novo. É a busca por satisfazer aquilo
que não se satisfaz, ou seja, para quem é visto como um consumista implacável não há
objetos ou mesmo idéias, às vezes ilusões, que não sejam passíveis de acesso, de compra.
Ainda, para ele:
[...] se a sobrevivência consumível é algo que deve aumentar sempre, é
porque ela não dá para conter em si a privação. Se não há nada além da
sobrevivência ampliada, nada que possa frear seu crescimento, é porque
essa sobrevivência não se situa além da privação: é a privação tornada
mais rica. (DEBORD, 1997, p. 32)
O centro de Anápolis pode ser compreendido a partir das atividades que concentra,
do movimento daqueles que circulam pelas vias públicas em direção àquilo que satisfaça
seu interesse em estar na respectiva área, cada um em sua forma específica e espontânea de
apropriação individual do espaço. Poderíamos associar as mercadorias comercializadas por
formais e informais no contexto da “banalidade quantitativa”, de que nos fala Debord
(1997, p. 41), já que o consumo dos produtos faz parte da própria dinâmica central, com
diversidades e complexidades que surgem de acordo com a amplitude de articulações e
dinamismos que não podem ser excluídos do papel do centro.
Com relação aos comerciantes informais que estão localizados na área central, mais
precisamente nas ruas em que ocorreu o mapeamento, a instalação das bancas se dá em
função dos fluxos que se direcionam nessa porção evidenciando o caráter concentrador que
pode ser identificado e associado através das mercadorias e dos bens de consumo coletivo.
A presença dos camelôs e ambulantes demonstra que também estão inseridos na lógica do
consumo, uma vez que o próprio centro apresenta características que segregam, pois o
comércio popular está misturado aos demais, mas com diferenças entre os estabelecimentos
comerciais e de serviços que estão associados às grifes e à elite.
O interessante é que não foi preciso que essas atividades fossem (re)alocadas para
outras áreas, o que reforça a centralidade, como acontece em outras cidades médias, cujas
mudanças na área central impulsionaram e transferiram o setor terciário para novas
porções. A foto 15 revela a presença de mercadorias que também fazem parte dos novos
espaços de consumo.
A foto destaca o que apontamos como a mistura de usos e funções, pois ao mesmo
tempo em que a calçada é apropriada pelos que circulam, há aqueles que aproveitam esse
fluxo para atrair os consumidores com as mercadorias que ficam expostas. É como se a
calçada fosse o palco da feira. Sobre isto Carlos (2004) considera que:
Os semáforos (na sua cadência programada entre o pare, atenção, ande),
que estão em toda parte ordenam o trânsito, determinam a cadência dos
passos, o tempo da troca (do comércio de ambulantes que se estabelece
nas esquinas movimentadas de muitos semáforos). (p. 114).
Foto 15-Mercadorias expostas na calçada da Rua Engenheiro Portela, 2005
Fonte: Trabalho de campo.
A figura 11 destaca uma sobreposição de usos formais e informais que caracteriza a
multifuncionalidade dos espaços, uma vez que o público e o privado se inter-relacionam
nos aspectos da mercadoria e do consumo. São as contradições do espaço que colocam a
cidade reduzida ao âmbito da realização da atividade econômica. Contudo, é nesse sentido
que apontamos as ruas, praças e calçadas sob “novos olhares”, que extrapolam o uso na
condição da circulação, pois também se transformaram em pontos comerciais, não que já
não fossem vistos desta maneira, pois o comércio formal (as lojas) também se apropria dos
espaços públicos para expor os produtos, porém os que são chamados de informais se
apropriam do que é tido como público para transformá-lo em ponto de comercialização.
Para Salgueiro (2001), que analisa a realidade de Portugal, temos o seguinte com
relação às atividades comerciais:
Ao tecido comercial fixo da cidade deve ainda acrescentar-se a
importante actividade não sedentária formada por mais de 1750 feirantes
e um número significativo de vendedores ambulantes que exercem
actividade em feiras de regularidade semanal ou inferior, como a do
Relógio e a da Ladra, ou ocupam os corredores do metropolitano, os
espaços próximos dos mercados, dos interfaces de transporte ou os
passeios fronteiros ás principais concentrações comerciais. (p. 159).
No entanto:
Ao contrário dos serviços, a actividade comercial apresenta-se
geograficamente mais dispersa pois acompanha os consumidores, mas a
nível micro identificam-se concentrações porque os estabelecimentos têm
fortes tendências para a agregação. Assim, apesar da densidade comercial
nas freguesias ser no geral relativamente elevada, podem identificar-se
áreas de maior concentração de estabelecimentos, desenhando os centros
principais, quer em resultado da presença do comércio de rua, quer pela
localização de um centro comercial. (SALGUEIRO, 2001, p. 159)
As mercadorias expostas nas bancas da rua Engenheiro Portela (meias, que podem
ser associadas à classificação do IBGE sobre as atividades comerciais e de serviços quanto
aos artigos para vestuário) revelam um pouco da popularização desse comércio que
associado a outros produtos criam e recriam o ambiente dos novos espaços de consumo no
centro. A foto 16 destaca que a localização das bancas nas ruas onde o movimento é maior
atrai os consumidores que circulam na área em meio às outras atividades presentes que
contribuem para com a questão da concentração, articulação e complexidade. Assim, temos
o que Martins e Dombrowsk (2000) consideram como camelôs e ambulantes em ponto fixo,
pois:
Também conhecidos como ambulantes ou camelôs, são trabalhadores que
exercem sua atividade me bancas ou barracas instaladas em diversos
pontos da cidade, sobretudo nos locais de grande trânsito de pessoas,
como estações de metrô ou trens (ou seus arredores), terminais
rodoviários ou regiões centrais da cidade por onde passa, diariamente,
um grande contingente de pessoas. (
p. 43).
O centro de Anápolis reflete essa concentração de pessoas, veículos, informações,
gestos e gostos que se misturam aos prédios, às mercadorias e que fazem da referida área
um lugar estritamente comercial, atendendo à reprodução do capital, mesmo com um
comércio popularizado, o que indica que o centro das cidades atende às necessidades
econômicas. Porém a visão de Carlos (2004, p. 115) tem como parâmetro “a construção de
um pensamento sobre a cidade na dimensão de uma prática socioespacial de forma ampla,
com aberturas aos modos de apropriação que reproduzam a vida humana”.
Essas informações tecidas até o momento nos remetem a inserir na discussão a
questão dos fluxos que se estabelecem na área central em decorrência das atividades
desenvolvidas pelos comerciantes informais. Com relação às enquetes que foram aplicadas
nas ruas mapeadas, conforme anexo 1, tivemos um percentual de 60%, ou seja, 87 dos 145
entrevistados na rua General Joaquim Inácio responderam que os motivos que levam a
consumir os produtos comercializados pelos camelôs e ambulantes são os preços mais
baixos, enquanto que 33 (22,75%) apontaram que a localização das bancas no centro é o
principal motivo que leva ao consumo desses produtos. As demais respostas ficaram
divididas entre as outras perguntas que compõem a enquete, não apresentando números
significativos, pois o que interessa para quem consome é realmente o fator preço e a
acessibilidade para os que dependem do transporte coletivo.
Foto 16- Mercadorias expostas na banca da Rua Engenheiro Portela, 2005
Fonte: Trabalho de campo
Foto 17- A mistura do formal com o informal na Rua Engenheiro Portela, 2005
Trabalho de campo
Foto 18-Localização da banca na Rua Engenheiro Portela, 2005
Fonte: Trabalho de campo.
Com relação às enquetes da rua 15 de dezembro, tivemos percentual de 57,3%, isto
é, 86 pessoas responderam que buscam comprar os produtos vendidos pelos camelôs e
ambulantes em função dos preços baixos, já 24%, ou seja, 36 pessoas, afirmam que a
aquisição das mercadorias ocorre por causa da localização central, pois se estivessem em
outros locais não se deslocariam até os mesmos. As demais informações não foram
significantes para a pesquisa, uma vez que apenas 6% das pessoas responderam que os
motivos se dão pelas facilidades para encontrar o que necessitam.
A foto 19 destaca produtos infantis que variam dos mais simplificados aos
eletrônicos, podendo ser associada ao gráfico 6 que apresenta o tipo de mercadoria
comercializada tanto nas ruas, como no camelódromo e no shopping popular, pois como já
ressaltamos num outro momento, não fizemos uma separação entre os que trabalham nas
ruas dos que estão nos espaços programados.
Foto 19-Produtos eletrônicos infantis, na Rua General Joaquim Inácio, 2005
Fonte: Trabalho de campo.
Na rua Engenheiro Portela, 57,8% dos entrevistados, ou seja, 85 pessoas, disseram
que o motivo que levou a consumir os produtos dos comerciantes informais foi realmente, a
questão dos baixos preços, uma vez que a generalização da mercadoria faz com que esta
seja imitada em todos os sentidos, mesmo que de maneira inferiorizada do ponto de vista da
qualidade, mas que venha garantir as vendas de um lado e, do outro, a satisfação para quem
as consome, constituindo a relação entre a produção, circulação e consumo.
Nessa perspectiva, 41 pessoas, ou seja, 27,8% afirmaram que a localização do
comércio informal nas principais ruas do centro contribui para o consumo dessas
mercadorias; assim, é fundamental a relação entre a localização central e seus preços, uma
vez que aqueles que se deslocam de transporte coletivo e vão ao centro para realizar
qualquer atividade acabam consumindo produtos que sejam mais baratos, pois para os que
possuem veículos automotores particulares, o deslocamento e a preferência pode ocorrer
em direção a outros pontos da cidade ou mesmo fora dela, é o consumo na escala intra e
interurbana.
Os números que evidenciam os percentuais foram calculados separadamente de
acordo com cada rua delimitada para aplicação das enquetes, visto que do total geral, que é
de 442, 258 pessoas, ou seja, 58,37% afirmaram que os preços baixos é que motivam a
comprar dos camelôs e ambulantes. Também do total geral, 24, 8% responderam que a
localização das bancas nas ruas do centro, além do camelódromo e do shopping popular é
um atrativo para quem já está circulando pela área central, seja de Anápolis ou cidades
vizinhas.
Para Beltrão Sposito (2001):
[...] a emergência de novas áreas centrais não se dá apenas através do
aparecimento de novos subcentros, mas de outras áreas centrais que
atendem clientelas que vêm de diferentes parcelas da cidade e, cada vez
mas, de outras cidades de menor porte, gerando uma centralidade
complexa, do ponto de vista das escalas que se articulam e dos fluxos
que se entrecruzam. (
p. 252).
Até o momento enfocamos a relação do centro com suas formas e funções,
concentrando e dispersando, unindo e reunindo de acordo com objetivos e significados
diferenciados, pois a racionalidade produtiva caracteriza e consolida essa área em
detrimento da dominação que a mercadoria exerce sobre as pessoas, associando o próprio
centro ao consumo único e particular, cujas necessidades coletivas passam despercebidas
dos políticos e administradores, que agem de acordo com os interesses privados. Assim:
É a prática sócio-espacial existente que acaba por diferenciar as pessoas e
lugares, impedindo o uso do espaço, expulsando-as para lugares distantes
e pouco valorizados, justamente pela escassez de trabalho socialmente
produtivo no lugar. É na inter-relação entre riqueza e pobreza que o
centro se reafirma enquanto lugar da possibilidade, enquanto as periferias
se confirmam como lugares da penúria, da falta de oportunidades, do
sacrifício...(ALVES, 1999, p. 20)
As palavras da autora estão ligadas à realidade da maioria dos comerciantes
informais que diante da pobreza estabelecem uma relação com as áreas cuja riqueza se faz
presente, como é o caso do centro, lugar de possibilidades representado pela funcionalidade
que garante lucros ao capital e empobrece a vida. Entretanto, buscamos avaliar os motivos
que levam esses comerciantes de rua a escolherem o centro para se instalarem, uma vez que
a relação é recíproca no sentido de que o centro atrai e é atraído pelas atividades, pelos
fluxos e pelas ações que confirmam a centralidade.
O interessante é que ao perguntarmos se pensam em ter outra atividade, 55,56% (80
pessoas) disseram que sim e 38,89% , ou seja, 56, apontaram que não, embora as respostas
para a pergunta elaborada para sabermos quais as perspectivas futuras revelam que 29%
pensam em ampliar o número de bancas, enquanto que 15% pensam em arrumar outra
atividade. Essas discrepâncias entre as respostas podem ser atribuídas ao fato das pessoas
sentirem receio para responderem ao questionário, pois ficam acuadas achando que alguém
tomará alguma atitude contrária à existência e localização das bancas ou pontos no centro.
Outrossim, ressaltamos que as questões que compõem o questionário, assim como
as que estão presentes na enquête, foram elaboradas para que pudéssemos apresentar
algumas informações a respeito da relação existente entre os comerciantes informais e o
centro da cidade de Anápolis, visto que associar os elementos que fazem parte das
estratégias comerciais e espaciais apontando as características do que vimos destacando
como sendo os novos espaços de consumo, requer a compreensão do centro, a organização
e o perfil daqueles que estão inseridos na dinâmica da reprodução da cidade no sentido
econômico, apropriando os espaços centrais transformando-os em pontos comerciais em
função da combinação de variáveis que determinam os papéis que caracterizam o próprio
centro gerando (re)arranjos funcionais decorrentes das novas lógicas que produzem e
reproduzem os espaços, pois as bancas dos camelôs e ambulantes também têm uma
localização no território que identifica a dimensão espacial do processo. Contudo, as
cidades médias, como é o caso de Anápolis “têm suas formas espaciais marcadas pela
formação de pequenas aglomerações de mais de uma cidade, ou mesmo pela ausência
dessas formas de aglutinação espacial” (BELTRÃO SPOSITO, 2001, p. 238).
Diríamos, ainda, que as cidades, além das formas espaciais, desenvolvem formas
comerciais que, sobretudo, são consideradas inoperantes, mas que agregam consumidores e
generalizam de maneira acirrada as mercadorias na área denominada de “core”, cuja
vitalidade revela dinâmicas comuns ao centro e que constituem o que chamamos de
centralidade, pois:
[...] enquanto a localização, sob a forma de concentração de atividades
comerciais e de serviços revela o que se considera como central, o que se
movimenta institui o que se mostra como centralidade. Duas expressões
da realidade urbana que articulam com pesos diferenciados as dimensões
espacial e temporal desse espaço. (BELTRÃO SPOSITO, 2001, p. 239)
Para Santos (2002):
Tudo se passa como se a economia dominante devesse, incansavelmente,
entregar-se a uma base desatinada de fluidez. Aqueles que reúnem as
condições para subsistir, num mundo marcado por uma inovação
galopante e uma concorrência selvagem, são os mais velozes. Daí essa
vontade de suprimir todo obstáculo à livre circulação das mercadorias, da
informação e do dinheiro, a pretexto de garantir a livre-concorrência e
assegurar a primazia do mercado, tornado um mercado global.
(SANTOS, 2002, p. 275)
Nossa análise também está pautada no que Carlos (1996) aponta quando revela que:
Apesar da forma fantasmagórica de uma relação entre coisas, a
mercadoria é uma relação social determinada por homens, socialmente. A
mercadoria parece assim como figura autônoma dotada de vida própria e
em relação aos homens. No mundo moderno essa situação atingiu o seu
limite. A mercadoria se autonomizou ante o sujeito determinando as
relações entre as pessoas uma vez que o processo de reprodução das
relações sociais dá-se cada vez mais fora da fábrica, na cidade
englobando a sociedade e o espaço inteiros, invadindo o cotidiano e
reproduzindo o que Granou chamou de reino da mercadoria. Nesse
contexto o mundo da mercadoria generalizou-se, mas não sem
conseqüências. Na sociedade de consumo passa-se definitivamente da
cultura da escassez-alicerçada na limitação das necessidades-para a da
abundância, esta constituída pela multiplicação dos objetos e na
amplitude do consumo, onde o homem passa a ser visto e pensado
enquanto simples consumidor, apagando a idéia do homem criativo
substituído pela imagem do consumidor, isto é, homens dominados pelo
valor de troca. Isto porque o alargamento da base econômica da
sociedade requer a multiplicidade dos objetos produzidos com um tempo
de vida cada vez menor. (p. 136).
Tomando como parâmetro as considerações da autora é que relacionamos os
comerciante informais à multiplicação dos objetos e à amplitude do consumo, o que explica
a busca incessante por “coisas” que possam suprimir a intensa necessidade de alcançar o
novo, porém com novas necessidades que surgem a cada instante. Assim, traçar um
paralelo entre os camelôs e ambulantes e o próprio centro da cidade de Anápolis passa pela
idéia e análise do próprio consumo, explicado pela sociedade capitalista que impõe
dinâmicas e estratégias no mundo da objetividade, pois “certos espaços da produção,
circulação e do consumo são a área de exercício dos atores racionais, enquanto os demais
atores se contentam com as frações urbanas menos equipadas.” (SANTOS, 2002, p. 306)
O que buscamos explicitar em nossas análises são as dinâmicas existentes no centro
da cidade, no caso Anápolis, que associadas às diversas ações fundamentam um conjunto
de atividades que combinam formas modernas e arcaicas, simbolizando o momento da
circulação, e conseqüentemente do consumo. Na verdade, o retrato das ruas do centro
exemplifica a momentaneidade diante do diferente, pois “o convívio na rua exige um
aprendizado” (ALVES, 1999, p, 55). Na visão da autora, nas ruas do centro:
[...] coexistem os sem-teto, os moradores de rua, os trabalhadores não
qualificados, os desempregados, os trabalhadores qualificados e
altamente especializados, além dos dirigentes de grandes instituições
financeiras. As ruas do centro são, para quem nelas transita, trabalha ou
mora, uma possibilidade para a reflexão de nossa sociedade. As ruas são
um jornal vivo de nossa época. As desigualdades sociais, que se
generalizam na vida urbana de nosso tempo, podem ser vistas,
apresentando-se como um risco para muitos, servindo como um
instrumento para a reflexão de nossa sociedade. É nessa região que
protestos ligados ao mundo do trabalho (como passeatas a atos por
melhores salários), as injustiças sociais, as questões ambientais ou até
mesmo comemorações (aniversário da cidade, campeonato mundial de
futebol) ou grandes eventos culturais (shows musicais) podem ser
acompanhados por milhares de participantes e daí
veiculados para o
resto do país. A área central aparece como um lugar de acesso mais
democrático, onde vozes são ouvidas e podem permitir um
repensar de fatos e situações. (ALVES, 1999, p. 55)
Segundo a visão de Freitas (2004), a concentração de renda ainda continua presente
no centro, evidenciando o caráter segregativo do ponto de vista da habitação, já que as
formas comerciais predominam difundindo novos espaços atrelados ao consumo, isto é, o
centro vem sendo cada vez mais submisso às estratégias capitalistas embutindo uma
configuração que exclui e inclui. Entretanto, queremos chamar a atenção para um fator que
contribui para com nossa idéia, fundamentada pelo fato do centro ser uma área em que a
circulação do dinheiro permite sua reprodução numa escala ampla, se comparada à periferia
e que é atrativa para o desenvolvimento de atividades comerciais, uma vez que uma
minoria reside na área central, mas que tem esse poder concentrador da renda em função da
mudança do próprio centro como área dinâmica para se prosperarem atividades econômicas
e não de residência. Apenas aqueles que podem pagar pelo uso do solo urbano é que têm
condições de permanecerem nessa porção da cidade, porém mesmo os que não residem
nessa área marcam presença todos os dias contribuindo para transformá-lo num ambiente
propício ao comércio e à prestação de serviços, esquecendo um pouco da sua localização
pelo tecido da cidade ou para além dela. Assim, Freitas salienta ainda que as autoridades
administrativas municipais devem criar mecanismos para que o centro seja mais solidário
em relação aos que estão e são segregados, pois os bens de consumo coletivo estão
instalados no centro e se beneficiam deles quem têm uma mobilidade que permita o seu
acesso.
No mais, outros autores, como Carlos (2004), afirmam que a cidade precisa ser
pensada e repensada para atender a todos, deixando de ter esse caráter economicista, com
uma reprodução socioespacial embasada nas relações capitalistas para que possa apresentar
formas de apropriação do espaço para a reprodução da vida.
4. REFLEXÕES FINAIS
Diante do que foi proposto para o desenvolvimento desta tese buscamos destacar
algumas considerações que possam ajudar a esclarecer e a explicitar o que realmente
tentamos realizar no decorrer de toda a trajetória que envolveu as partes teórica e empírica,
visto que muitas vezes esse processo não se completa da forma como esperamos. Assim,
Santos (1993) afirmou que um trabalho científico deve contemplar fontes seguras, ou seja,
não devemos utilizar qualquer informação para que cheguemos às conclusões que
convençam apenas superficialmente, pois é preciso revelar o que está por trás daquilo que
não conseguimos perceber ou mesmo enxergar. Portanto, o que vimos demonstrando são
situações que refletem as dúvidas e incertezas que estiveram presentes nos momentos que
se seguiram para que este trabalho fosse finalizado, embora a temática não se esgote aqui,
já que são inúmeras as indagações que permeiam o conhecimento científico, mas que
servem de estímulos para que novas idéias surjam para serem colocadas em prática de no
contexto da geografia, mais precisamente, a urbana.
Foi pensando dessa maneira que o trabalho que desenvolvemos esteve diretamente
ligado ao objeto de estudo fazendo parte da temática escolhida que tem como principal
objetivo compreender a dinâmica do centro das cidades associada às estratégias comerciais
dos camelôs e ambulantes, visto que não podemos considerá-los inertes diante da imagem
que a área central adquire no contexto urbano e na ligação com os indivíduos que
freqüentam esses espaços centrais em função do consumo. Por outro lado, nossa intenção
não foi a de estudar a questão trabalhista dos comerciantes informais, embora tenhamos
tocado em pontos que salientam a necessidade de se repensar essa categoria no âmbito das
relações socioespaciais.
Assim, buscamos relacionar o centro, a centralidade urbana, que é um fator
existente em Anápolis e os comerciantes informais que ficam nas ruas, no camelódromo e
no shopping popular, tomando como parâmetro de análise o consumo das mercadorias
comercializadas pelos camelôs e ambulantes, embora associar esses elementos não tenha
sido algo simples e momentâneo. Nessa perspectiva, decidimos abordar o surgimento das
cidades e as primeiras manifestações do centro urbano, como também, a relação com a
centralidade intra-urbana, a dinâmica do uso do solo com enfoques para o consumo no e do
espaço. Além disso, também foi imprescindível traçarmos um perfil dos comerciantes
informais e a ligação com a questão da apropriação dos espaços públicos, já que nem todos
os camelôs e ambulantes estão instalados em locais organizados e normatizados.
No mais, a reafirmação da centralidade urbana se faz presente no contexto da
dinâmica comercial da cidade, uma vez que o centro tradicional concentra inúmeras
atividades terciárias, que por sua vez, permitem atrair pessoas de vários bairros da cidade.
Contudo, algumas indagações chamaram nossa atenção, no que diz respeito às bancas dos
comerciantes de rua em meio às lojas e à circulação não só de gente, mas de veículos
automotores, idéias, dinheiro e outros fatores que conferem ao próprio centro o lugar das
possibilidades, de que nos fala Ortigoza (2001), assim como Ruiz (2004) quando destaca
que a área central é a articuladora dos fluxos que interagem e convergem e que
redimensionam as relações, ainda que superficiais, entre a mercadoria e o consumidor.
Essa relação externaliza nosso entendimento de que os camelôs e os ambulantes são
figuras que fazem parte da paisagem urbana existente no centro da cidade de Anápolis, pois
há uma relação específica entre forma e conteúdo que condiz com a realidade dessa área,
cujo fato pode ser atribuído ao que Santos (2002) revelou no sentido de que o evento torna-
se fixo para que as funções se realizem.
Tomando a análise do autor, ressaltamos que o centro de Anápolis também é
portador do comércio informal e, portanto, revela-se nos mais variados eventos que
convivem simultaneamente e que são visíveis através dos objetos e dos sujeitos que
interagem na sociedade, isto é, aquilo que Santos (2002) destacou afirmando que os objetos
não mudam de lugar, mas mudam de função. Dessa forma, falar do que se constitui o
centro, atualmente, em Anápolis, como em várias outras cidades do país requer incluir,
mesmo que excluindo, as estratégias dos camelôs e ambulantes na dinâmica econômica e
socioespacial.
Assim, entendemos que tais estratégias podem ser incorporadas ao que vimos
afirmando sobre os novos espaços de consumo ligados aos comerciantes informais
referindo-se ao fato de que estão cada vez mais presentes no contexto do ambiente urbano
das cidades, visto que se eram considerados insignificantes em relação aos consumidores,
atualmente, já não podem mais ser desprezados, pois atendem a uma clientela diversificada
e que não é composta apenas pela população de baixa renda, uma vez que a realidade de
Anápolis destaca que a área central apresenta grande concentração de renda se comparada
às outras áreas da cidade.
Assim, é possível que a circulação de pessoas de várias classes sociais contribua e
até induza o consumo de produtos que não são encontrados numa grife, como é o caso dos
que freqüentam os shopping centers.
A mistura de usos no centro também caracteriza a mistura das classes sociais através
dos fluxos e das atividades localizadas nas ruas de maior circulação e que concentram as
sedes dos bancos, um setor terciário misto com variedades que coloca em evidência as
características de uma sociedade de consumo atrelada, ainda, ao fetiche da mercadoria e às
estratégias de reprodução do capital. Entretanto, gostaríamos de destacar um aspecto que
contribui para explicitar a idéia do (re)estabelecimento da centralidade urbana que se apóia
no fato de que o centro tradicional das cidades médias, em geral, concentra grande parte das
atividades econômicas, políticas, culturais e sociais que em alguns momentos vão se
disseminando por outras áreas, mas em escala menor, concedendo ao próprio centro o
poder concentrador, o que é diferente numa metrópole em que há vários centros específicos
e cada um destaca elementos que os diferenciam entre si. Como exemplos, podemos citar: o
centro financeiro, o do comércio popular, o do comércio sofisticado, além de outros.
No caso de Anápolis, a junção das atividades presentes no centro e os fluxos que
desencadeiam novas ações revelam o dinamismo da respectiva área em relação aos outros
bairros, refletindo um processo que combina forma e função, destacando um conteúdo que
se associa ao que Santos (2002) propôs como sendo um sistema de objetos e um sistema de
ações. No entanto, após a realização da revisão bibliográfica e da concretização do trabalho
de campo, percebemos algumas incertezas por parte das pessoas que expressam o desejo da
eliminação das bancas, mas são consumidoras dos produtos comercializados pelos
informais, em decorrência dos preços baixos e da localização permitindo o acesso rápido à
mercadoria. Por esse motivo, alguns erros de interpretação podem ocorrer levando à
generalização de situações que não são comuns em todas as cidades, mas que refletem as
atuais dinâmicas econômicas da sociedade urbana.
Estamos sempre ouvindo dizer que os camelôs e ambulantes não deviam ficar
expostos nas vias públicas. De acordo com Yázigi (2000), o que fazer com essas pessoas,
tornou-se uma das principais questões do espaço público.
As ligações dos camelôs e ambulantes com o espaço público são vitais e reflete
também a relação com o centro, uma vez que a busca por melhores localizações é que
determina e é determinante no que tange à circulação das mercadorias, uma vez que o
consumo se concretiza de maneira acirrada onde a clientela se faz presente. Nesses termos,
a apropriação existe em vários sentidos, seja em nível do corpo, como aponta Sobarzo
(2004), seja em função das dinâmicas e estratégias capitalistas, cujo espaço é reproduzido
em detrimento dos lucros que confirmam essa relação do centro com as atividades
econômicas.
Dessa forma, se percebemos a área central como um lugar que exerce influência
sobre as demais áreas no interior das cidades é evidente que a instalação e a criação de
novas estratégias para induzir o cidadão a consumir os produtos dos mais variados níveis,
sejam os do comércio formal ou informal, estejam inseridas no contexto de uma cidade que
está pautada nas relações capitalistas e atrelada aos aspectos da disseminação da mercadoria
de acordo com as imagens que os objetos adquirem diante das necessidades criadas e
recriadas como um fetiche, o que para Santos (2002), é entendido como sendo uma guerra
entre os lugares.
Essa guerra a que se refere o autor também pode ser percebida em nível intra-
urbano, não havendo uma disputa apenas entre os países e as cidades, pois existem áreas
internas ao tecido urbano que se distinguem em relação às outras oferecendo uma
capacidade na rentabilidade dos investimentos que assegura a eficácia mercantil de que nos
fala Santos (2002). Nessa perspectiva é que Carlos (2004) discute a possibilidade de se
construir uma cidade mais solidária e que contemple a todos, uma vez que a reprodução
socioespacial baseia-se na própria reprodução do capital conflitante e limitada à dinâmica
do espaço-mercadoria em detrimento da reprodução dos espaços para a realização da vida.
Assim, os espaços da cidade acabam se transformando em mera mercadoria e a rua
apropriada pelos camelôs e ambulantes também reflete o dinamismo de uma área cujos
lugares referentes à circulação também passam a ser vistos sob a ótica do consumo, como
acontece com as ruas, praças e calçadas apropriadas para a comercialização de mercadorias.
Ainda, para Carlos (2004), o que realmente temos é um movimento de realização da cidade
capitalista, cuja vida urbana manifesta-se na propriedade privada e no mundo da
mercadoria. E esse mundo da mercadoria é que expressa o próprio movimento do centro de
Anápolis através da função econômica e homogênea que transforma os espaços em
mercadoria de acordo com as diferenças e necessidades, como afirma Carlos (2004, p. 144).
Como já dissemos anteriormente, a relação que estabelecemos entre a centralidade
urbana e o comércio informal do centro de Anápolis está pautada no dinamismo da área,
cujos fluxos reafirmam a intencionalidade dos objetos, apontada por Santos (2002). Não
consideramos que somente as atividades classificadas como informais é que contribuem
para a (re)afirmação dessa centralidade a que nos referimos quando associamos o centro e a
dinâmica dos espaços centrais às funções, sejam comerciais, políticas ou mesmo culturais.
Na verdade o que ocorre é a junção de um conjunto de formas e funções que permitem
destacar a supremacia do próprio centro no cotidiano de cada usuário, uma vez que para
cada um, ele se apresenta de maneira diferenciada.
Os que vêem o centro como o local das compras, do consumo, têm a imagem da
área sob a ótica da mercadoria; aqueles que buscam vender algum produto percebem que o
contingente de pessoas que circulam a pé ou de veículo particular favorece as vendas.
Outros buscam os serviços como: bancos, médicos etc, que também não deixam de estar
ligados ao setor terciário, sem falar nos hotéis e na própria condição simbólica expressa
através das igrejas. Assim, a sociedade urbana destacada por Lefebvre tem, como
parâmetro, as questões socioespaciais que também podem ser atribuídas ao centro, uma vez
que as relações se complementam no sentido da troca, o que tende às estratégias unitárias e,
muitas vezes, redutoras.
No entanto, o centro pode ser avaliado também de acordo com o que Lefebvre
(2002) apontou como sendo um sistema absoluto do próprio valor de troca cuja unicidade
ocorre de acordo com a busca pelo centro, isto é, a necessidade que induz as pessoas a se
deslocarem para essa área, enquanto que o subsistema ou a parcialidade pode ser entendido
sob o aspecto da singularidade, do próprio significado que o centro tem para cada
indivíduo. Esta situação é visível diante das mais variadas circunstâncias que levam a
concentração no e do centro.
A homogeneidade pode ser atribuída às atividades que evidenciam as estratégias
comerciais no contexto da lógica capitalista e que impõe ao centro a idéia de local de
consumo a partir do fetiche e generalização da mercadoria no âmbito do quantitativo.
Assim, o mal-estar surge em decorrência da transformação dos espaços em mercadoria;
excluindo a reprodução da vida, pois é o valor de troca que se sobressai ao valor de uso.
Atribuir apenas aos camelôs e ambulantes os prejuízos fiscais referentes ao
município quanto à sonegação dos impostos, requer avaliar a totalidade do processo que
associa trabalho e sociedade, pois como vimos não são apenas os comerciantes informais
que agem dessa forma, não são somente os que comercializam as mercadorias nas ruas,
praças e calçadas que expõem as mercadorias nas vias de circulação. São todos aqueles que
fazem da área central um espaço ligado à comercialização de produtos. É por isso que
apontamos a rua como um espaço de consumo, pois se o centro é atrativo no que diz
respeito à proliferação das atividades comerciais e de serviços, também o é com relação às
estratégias que caracterizam os espaços da troca inseridos na organização para o mercado.
A cidade, em si, é o resultado das ações que estão ligadas aos seus usuários devido à
dinâmica socioespacial. Dessa maneira, Lefebvre (2002) faz um comentário a respeito da
troca em detrimento do uso, no sentido da usura, uma vez que a substituição da mercadoria
é que torna possível essa relação entre o usuário e o produto obsoleto, que na visão do
próprio autor, ocorre quando há a substituição de uma “coisa” por outra.
De acordo com as reflexões de Lefebvre, compreendemos os personagens que
formam o centro no sentido da mercadoria e do valor de troca, cuja obsolescência dos
produtos se associa às novas necessidades e impõe o valor de troca sob qualquer condição
(comerciantes formais e informais), nas lojas ou nas ruas, nos camelódromos ou nos
shopping centers. Os problemas enfrentados pelos moradores das grandes cidades, e
mesmo pelo sistema capitalista de produção, ou seja, vêem a cidade de acordo com a
dinâmica da mercadoria que transforma a necessidade do usuário em usura.
Assim, o centro para Lefbvre seria representado por várias funções e interesses que
culminam numa visão da área sob o aspecto do valor de troca embasado pelas estratégias
comerciais; enfim, pela usura que realmente consolida as cidades ocidentais, conforme
retratou Beltrão Sposito (1996). Entretanto, a cidade para Carlos (2004) adquire uma
identidade a partir dos usos que revelam o cotidiano das pessoas diante dos objetos.
Portanto ainda para a referida autora, a percepção urbana manifesta-se diante da imagem
expressa pelos elementos que constituem o lugar, ou seja, os elementos do próprio centro.
Os camelôs e ambulantes constituem parte dos elementos característicos do centro,
uma vez que, inseridos no contexto urbano, de acordo com as atividades econômicas, fazem
parte da cidade como uma mercadoria, mesmo enquadrados numa categoria que apresenta
as diferenciações socioeconômicas que, por sua vez, contêm as diferenciações
socioespaciais desveladas pelo que se localiza no território.
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