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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SEMIÓTICA E LINGÜÍSTICA GERAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜISTICA
A criança e o ritmo em português brasileiro - análise fonética dos dados de
encontro acentual
Augusta de Magalhães Carvalho de Moraes
Dissertação apresentada ao
Curso de Semiótica e Lingüística
Geral da Universidade de São
Paulo como requisito para
obtenção do título de Mestre em
Lingüística.
Orientador: Prof. Dr. Raquel Santana Santos
São Paulo – SP
2006
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SEMIÓTICA E LINGÜÍSTICA GERAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜISTICA
A criança e o ritmo em português brasileiro - análise fonética dos dados de
encontro acentual
Augusta de Magalhães Carvalho de Moraes
São Paulo – SP
2006
2
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A José Narciso de M. C. de Moraes
(in memoriam)
E
A Luis Paulo Lindemberg Sette
(in memoriam)
3
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi muito incentivado por minha orientadora, prof. Dra. Raquel
Santana Santos, e é a ela a quem devo agradecer primeiro. Este agradecimento possui
alguns aspectos relevantes, pois ela me ajudou o por sua condução intelectual na
pesquisa, como também foi extremamente compreensiva com minha vida pessoal e
confiou todo tempo na minha capacidade, sempre me encorajando. No que tange o
primeiro aspecto, o intelectual, parti de uma linha teórica para depois seguir, na
verdade, outra posição teórica. Neste sentido, sua atuação foi fundamental porque
aprendi com minha orientadora a ter uma postura crítica e sempre investigativa com
relação a não importa com qual teoria estivesse trabalhando. Ela demonstrou sempre
muita segurança teórica e abertura intelectual para discordar ou não da minha posição, o
que foi extremamente saudável para minha formação. Não posso esquecer de que as
apresentações do meu trabalho em dois congressos no exterior foram moutivadas por
ela e pelo prof. Jairo Nunes que me ajudaram e ensinaram a realizar um resumo de
qualidade.
Um segundo agradecimento faço ao Prof. Dr. Plínio Barbosa que, além de me
ensinar uma disciplina fundamental para minha pesquisa, a fonética acústica, sempre foi
solícito às minhas dúvidas e questões. Outra pessoa importante foi o prof. Dr. Didier
Demolin com quem aprendi muito também no seu curso de Fonologia de Laboratório.
Igualmente agradeço aos professores Drs. Paulo Chagas de Souza e Beatriz Raposo que
deram valiosas contribuições para minha qualificação. Uma pessoa importante para
minha formação geral em Lingüística foi a prof. Dra. Evani Viotti com quem aprendi
muito sobre gramática gerativa durante os dois cursos dos quais participei.
A minha colega de mestrado na Unicamp, a fonoaudióloga Sandra Merlo, que
acabou tornando-se um amiga, deixo meus agradecimentos por toda ajuda na parte
operacional dos dados. Ao pessoal do LAFAPE, meus colegas dos cursos de pós que
assisti na Unicamp, também agradeço as horas que passamos juntos e ao coleguismo
demonstrado. Ao trio calafrio (Érica, Ben Hur e Robson) do departamento de
Lingüística agradeço todo o aluguel que proporcionei. Claro não posso esquecer dos
meus colegas de mestrado na pós da USP, Renatas (são duas), André, Carol, Nize, com
os quais tive uma troca muito rica nos cursos que freqüentamos juntos.
4
Faço mais um agradecimento, porém o menos importante que os outros, ao
meu marido Bruno, aos meus filhos Miguel e Luíza (esta, sujeito da minha pesquisa) e à
minha mãe, Cecília, que me apoiaram e tiveram tanta paciência nesta etapa final do
trabalho. Espero não ter esquecido de ninguém e, se o fiz, que me desculpem os
«esquecidos».
Por último, mas não menos importante, agradeço o CNPq pela bolsa concedida,
com a qual pude realizar minha pesquisa.
5
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi o de analisar como a criança lida com o encontro
acentual no português brasileiro da perspectiva fonético-acústica. Os parâmetros
analisados foram o da duração e da freqüência fundamental das vogais, que estes são
os principais correlatos acústicos para determinação do acento primário em português
brasileiro (cf. Moraes 1987; Massini-Cagliari 1992; Barbosa 1996).
A fonologia e a fonética apresentam diferentes comportamentos no português
brasileiro com relação à resolução do encontro acentual (stress-clash) na linguagem
adulta. Seguindo Nespor & Vogel (1986) para o italiano e Selkirk (1984) para o inglês,
Abousalh (1997) e Santos (2001) afirmam que no português brasileiro os falantes
utilizam-se das estratégias da retração acentual (stress-shift) e do alongamento para
desfazer o encontro acentual, e estas estratégias ocorrem dentro da frase fonológica.
Por outro lado, Barbosa (2002), em um estudo com linguagem adulta,
argumentou acusticamente que nem aparente, nem sistematicamente acontece retração
acentual com relação ao parâmetro acústico da duração em PB.
Este estudo trata de um estudo de caso no qual a criança analisada, minha filha,
então com 5 anos e 7 meses, foi gravada para a análise da possível estratégia de retração
acentual e alongamento na fala infantil. Para a elaboração do corpus, foram criadas 12
frases-alvo, 6 com encontro acentual e 6 sem o referido fenômeno, com o cuidado de
controlar o número de sílabas dos pares frasais para manter o mesmo tamanho das
sentenças a fim de não alterar a estrutura rítmica. Cada frase foi repetida 5 vezes de
forma aleatória, com um total de 60 frases para serem analisadas.
Os resultados da análise estatística mostram que, do ponto de vista da fonética
acústica não houve favorecimento para as estratégias de retração acentual e
alongamento de vogal, em contexto de encontro acentual na análise deste corpus. Isto é,
pode-se então sugerir, pois se trata da análise de um caso, que o encontro acentual, em
português brasileiro, é mais tolerado do que se supõe (cf. Barbosa 2002 e Madureira
2002).
Palavras-chave: Encontro acentual, Ritmo, Fonética Acústica, Aquisição da Linguagem.
6
ABSTRACT
The aim of this essay is to analyze the way children deal with stress-clash in
Brazilian Portuguese from the acoustic phonetic point of view. The analyzed parameters
were the duration and fundamental frequency of vowels since these are the main
acoustic parameters of primary stress in this language (cf. Moraes, 1987; Massini-
Cagliari, 1992).
In Brazilian Portuguese, adult language phonology and phonetics present
different behavior in relation to stress class resolution. In phonological terms, following
Nespor and Vogel (1986) for Italian and Selkirk (1984) for English, Abousalh (1997)
and Santos (2002) claim that Brazilian Portuguese speakers use the strategy of stress
shift in order to undo stress clash, and this strategy occurs inside the phonological
phrase level.
From a phonetic point of view, Barbosa (2002) has shown that stress shift occurs
neither apparently nor systematically, in relation to the acoustic parameter of duration in
Brazilian Portuguese, the main parameter for the duration of primary stress in this
Brazilian Portuguese (cf. Moraes, 1987; Massini-Cagliari,1992).
In this study, the child analyzed, my daughter, was recorded at age 5;7 in order
to examine the possibility of stress shift and duration strategy in children. For the
elaboration of the corpus, 12 target sentences were created. Six of them with stress clash
and another six without the referred phenomenon. Care was taken so as to control the
number of phrase pairs in such a way that same number of syllables of the sentences
and rhythmic structure were maintained. The child repeated each sentence of stress-
clash X non stress-clash conditions 5 times, for a total of 60 acoustically analyzed
sentences.
According to the results of the statistical analyses, from the phonetic acoustic
point of view the findings point to a trend of maintaining the stress-clash in the contexts
of “clash” and this trend is one for the maintenance of the duration of the vowels in the
control sentences contexts on the non stress-clashes in this corpus. That is, one can
suggest, since the case under analyses, even with the stress-shift representing an
optional strategy to undo the stress-clash in the PB, it is more tolerated than generally
assumed (cf. Barbosa 2002 and Madureira 2002).
7
Key words: Stress-clash, Rhythm, Acoustic, Language Acquisition.
8
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................... 6
ABSTRACT..................................................................................................7
Introdução.................................................................................................... 10
I. O acento e seus domínios: aspectos fonéticos e fonológicos do encontro
acentual........................................................................................................... 13
I.1. Acento Primário.......................................................................................... 13
I.1.1. Ritmo................................................................................................ 16
I.2. Encontro Acentual........................................................................................ 19
II. Como o adulto lida com o Encontro Acentual em PB: aspectos fonológicos e
fonéticos.............................................................................................................. 28
III. Estudos sobre aquisição de regras rítmicas e parâmetros acústicos: fonologia e
fonética................................................................................................................ 37
III.1. Aquisição dos parâmetros acústicos........................................................... 37
III.2. Aquisição das estratégias rítmicas.............................................................. 39
IV. A criança e o fenômeno do Encontro Acentual......................................... 42
IV.1.Introdução.................................................................................................... 42
IV.2. Materiais e Métodos................................................................................... 43
IV.3. Corpus........................................................................................................ 44
IV.4. A estratégia da retração acentual.............................................................. 46
IV.4.1. Duração................................................................................................... 46
IV.4.1.1. Análise descritiva do parâmetro da duração relativo às médias dos pares
frasais.................................................................................................................... 46
IV.4.1.2. Análise estatística descritiva e inferencial da
duração.................................................................................................................. 55
IV.4.2.A Freqüência Fundamental......................................................................... 58
IV.4.2.1.Análise descritiva do parâmetro da freqüência fundamental relativo às médias
dos pares frasais..................................................................................................... 58
IV.4.2.2. Análise estatística descritiva e inferencial da freqüência
fundamental........................................................................................................... 66
9
IV.4.3. Resultado da análise do retração acentual.................................................. 69
IV.5. A estratégia do alongamento........................................................................... 69
IV.5.1. Análise descritiva do parâmetro da duração................................................ 70
IV.5.2. Análise estatística descritiva e inferencial da duração....................................76
IV.5.3. Resultado da análise da estratégia de alongamento.......................................77
V. Conclusão........................................................................................................... 78
Bibliografia............................................................................................................. 82
Anexo dos espectogramas...................................................................................... 86
10
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo acreditou-se que o trabalho de aquisição da língua era
unicamente a aquisição da sintaxe, de um vocabulário e de um sistema fonológico. Por
fonologia entendia-se apenas o aspecto segmental da mesma, acreditando que a criança
teria a entonação e o ritmo prontos. No entanto, estudos mais recentes mostram que
os aspectos prosódicos também devem ser adquiridos (Dresher 1999, Demuth 1996,
entre outros).
Desta forma, investiguei como o encontro acentual é tratado na fala infantil, a
partir de um estudo de caso. Optei pela análise fonética com a fala infantil, começando
por um tratamento detalhado dos parâmetros fonéticos (duração e freqüência
fundamental) porque, até o presente momento, não encontrei estudos dessa natureza na
literatura.
1
pesquisas de cunho fonológico que haviam estudado estratégias utilizadas
pelos adultos para desfazer encontros acentuais, (cf. Nespor e Vogel (1986) para o
italiano, Selkirk (1984) para o inglês, Abousalh (1997) e Santos (2001) para o português
brasileiro). Abousalh aponta várias formas de resolução de encontros acentuais, como o
movimento do acento para uma posição imediatamente precedente (retração acentual),
diferença de tons ou apagamento do primeiro acento.
No âmbito da teoria fonológica prosódica, A.M.C Moraes (2000 e 2001)
realizou um estudo das estratégias utilizadas pelas crianças, observando se estas
utilizavam-nas ou não da mesma forma que os adultos. A pesquisadora baseou-se em
avaliação perceptual de outiva que indicavam as seguintes estratégias utilizadas pelas
crianças: pausa, alongamento de sílaba, alternância de tom, alternância de intensidade e
retração acentual.
No entanto, Barbosa (2002), em um estudo com fala adulta, provou
acusticamente que nem aparente, nem sistematicamente acontece retração acentual com
relação ao parâmetro acústico da duração em português brasileiro (doravante PB), o
principal correlato acústico para atribuição do acento em PB, segundo J.A Moraes
(1987); Massini Cagliari (1992); Barbosa (1999, 2001).
1
Conferir discussão no cap. I sobre os parâmetros relevantes para marcação do acento de palavra em
português brasileiro.
11
Madureira (2002) fez um estudo complementar, também fonético-acústico com
linguagem adulta, analisando o parâmetro da freqüência fundamental (F0) e provou que,
mesmo em relação a esse parâmetro, não indícios de que seus sujeitos realizaram
retração acentual.
Tendo em vista o aparente contraste entre as teorias fonológicas que apresentam
estudos mostrando a resolução do encontro acentual e os estudos fonético-acústicos,
evidenciando a manutenção do encontro acentual com relação ao padrão da duração em
PB, discuto como a criança, do ponto de vista acústico, comportou-se com relação ao
fenômeno do encontro acentual.
Como o encontro acentual é um fenômeno rítmico, e foi observado em contextos
frasais, para esta tese verifiquei se a criança utilizou as seguintes estratégias rítmicas: a
retração acentual (cf. Selkirk 1984, Nespor & Vogel 1986 - segundo Abousalh 1997, é a
estratégia mais freqüente do português brasileiro) e o alongamento da vogal tônica (cf.
Selkirk 1984). Para a estratégia da retração acentual, analisei os parâmetros acústicos da
duração e freqüência fundamental; e para verificação do alongamento, o parâmetro da
duração.
Neste trabalho, como analisei dados de produção, tento responder, do ponto de
vista acústico, às seguintes perguntas:
(1) As estratégias de retração acentual e alongamento:
i) Foram realizadas ou não?
ii) Houve alguma restrição?
No presente estudo analisei, sob o âmbito da fonética acústica, dados de
encontro acentual de uma criança de 5 anos e sete meses. Tal análise consistiu de um
experimento no qual a criança repetiu oralmente pequenas frases com encontro acentual
x frases sem encontro acentual, a partir de um modelo do interlocutor adulto (no caso, a
mãe).
Esta tese está organizada da seguinte maneira: no Capítulo 1 discuto as noções
de acento e resenho a teoria fonética que assumo para minha análise. No Capitulo 2,
apresento os resultados de trabalhos em fonologia sobre estratégias rítmicas em
português brasileiro na fala dos adultos. O Capítulo 3 traz os (poucos) resultados
12
conhecidos sobre uso de estratégias rítmicas por crianças e a aquisição de parâmetros
acústicos relevantes para a acentuação. No capítulo 4, apresento a análise fonética sobre
as estratégias de retração acentual e alongamento. Finalmente, o Capítulo 5 traz as
considerações finais desta pesquisa.
13
CAPÍTULO I
O acento e o ritmo: características fonético-fonológicas
I.1. Acento Primário
O objetivo deste trabalho é fazer uma análise dos encontros de acento primário
(acento de palavra) no domínio da frase fonológica; assim, torna-se necessário discutir a
unidade com que estou trabalhando.
De uma maneira geral, para a fonética, o acento lexical (stress) de palavra é uma
propriedade relacional entre sílabas, ou seja, uma alternância entre sílabas fortes/fracas.
Há vários estudos, deste ponto de vista, sobre a caracterização do acento primário.
Segundo Fry (1958), para o inglês, foneticamente o que entendemos por acento
lexical (stress) se na relação entre a freqüência fundamental, duração e intensidade,
sendo o primeiro o elemento mais importante. Para o PB, os estudos têm defendido que
a duração é o principal correlato do acento primário (Major 1985, J.A Moraes 1987,
Massini Cagliari 1992, Barbosa 1999, 2001).
Major (1985) trabalhou com três falantes brasileiros (Bahia, Minas Gerais e
Paraná), utilizando a palavra paroxítona “batata” inserida na frase “Repita a palavra
BATATA de novo” e, em seguida, a mesma frase era repetida, dessa vez com o
logatoma “lalala” (cf. Repita a palavra LALALA de novo”). A partir das medições do
parâmetro da duração verificou que a sílaba tônica é a mais longa, a pós-tônica mais
curta e a pré-tônica intermediária, concluindo também que este parâmetro acústico é o
mais importante para caracterização do acento primário em PB.
J.A. Moraes (1987) é contrário à concepção clássica da literatura vigente da
época, que considerava a principal característica do acento ser um acento dinâmico,
intensivo (= intensidade). Segundo Moraes, este tipo de análise partia de um julgamento
impressionista. A partir de estudo instrumental, o autor afirma que “estudando a
realização do acento em vocábulos inseridos em frases assertivas, concluí que suas
marcas são, em ordem decrescente de importância, a duração, a freqüência e a
intensidade.” (p. 3). O mesmo pesquisador afirma, em seguida, que o parâmetro mais
importante para caracterização do acento é o da duração vocálica.
14
Massini-Cagliari (1992) compartilha da visão de Major (1985) e conclui que o
acento lexical em português brasileiro é caracterizado por uma duração maior da sílaba
tônica, acompanhada de uma queda de intensidade nas sílabas pós-tônicas, e
influenciado também pela qualidade vocálica.
Barbosa (2001), em uma linha distinta dos autores anteriores, pois trabalha com
uma proposta ligada a sistemas dinâmicos, determinou a caracterização do acento
primário da seguinte forma:
"A atribuição de duração na síntese do PB para a implementação do
acento se a partir de informação lingüística e de taxa de elocução.
Fundamentados em pesquisa fonético-acústica em francês e PB e em
propostas teóricas ligadas a sistemas dinâmicos, consideramos o acento
como a culminação de um movimento subjacente de acentuação que vai
aumentando progressivamente a duração de unidades do tamanho da
sílaba até o acento." (p. 81)
Resumidamente, este modelo apresentado por Barbosa apresenta a segmentação
das unidades por meio de unidade V-V, ou seja, a duração de uma unidade entre dois
onsets de vogal consecutivos. Neste mesmo artigo, o autor observa que uma proposta
teórica fundamentada na fonologia métrica consideraria os seguintes pesos para a
representação métrica do sintagma inicial
2
Ele guarda na frase:
3 1 4 1
(2) “Ele guarda a sela do cavalo numa prateleira de uma antiga cela.”
em que os pesos maiores corresponderiam aos valores maiores de duração para as
sílabas. Porém, a verificação dos valores de duração dessas sílabas na frase pronunciada
por um locutor em três taxas de elocução demonstrou uma situação mais complexa:
2
O autor utilizou essa denominação para o que se considera frase fonológica, tal como definida por
Nespor & Vogel 1986. A divisão em frases fonológicas da sentença (1) é a seguinte:
[Ele guarda] [a sela do cavalo] [numa prateleira] [de uma antiga cela]
Cf. cap. II para discussão sobre a divisão das sentenças em frases fonológicas.
15
“à medida que a taxa de elocução aumenta (de lenta para normal e para
rápida), a duração da sílaba na posição 2 (pós-tônica “–le”) se torna maior
que a da tônica “-e” (posição 1), invertendo o padrão esperado pela
representação métrica. Isso decorre devido à interação entre um sistema
lingüístico abstrato e um mecanismo de produção sujeito a leis da física
(como a inércia).” (p. 82)
A solução para o impasse entre a fonologia métrica e o modelo aqui apresentado
é dar maior autonomia ao sistema de produção e considerá-lo apto a realizar tarefas
lingüísticas. Sendo assim, a especificação de pontos em que culminância do acento
frasal (sempre coincidente com um acento lexical primário) e da taxa de elocução é
suficiente para a produção do ponto de vista prosódico. Os acentos primários não frasais
seriam realizados localmente, a partir da especificação de contrastes do item lexical
(Barbosa, 2002).
Assim, resumidamente as definições dos parâmetros acústicos mais importantes
para a marcação do acento primário em PB, podem, então, ser definidas como:
3
a) tempo/duração (length) – "corresponde ao intervalo de tempo entre o início e o final
de um segmento fonético. Cada segmento possui uma duração média que varia de
acordo com o contexto prosódico em que este está inserido". (Barbosa, 2000 p. 73)
b) freqüência fundamental (F0, pitch) um valor instantâneo que está diretamente
associado à taxa de vibração das pregas vocais. Quanto mais agudo um som, maior o
valor de Fo. (Barbosa, id, ibid)."
Uma vez que o acento em português brasileiro tem como um dos principais
correlatos acústicos a duração, um outro aspecto importante para ser considerado é a
duração intrínseca dos segmentos vocálicos e consonantais, pois a variação dos mesmos
(ou o não controle desse fator) pode afetar as medidas de duração da sílaba.
Barbosa (1996), a partir de um corpus de 1195 logatomas com todos os fones do
PB, fez um estudo das vogais em posição tônica e pós-tônica, das vogais em ambientes
3
Vale lembrar que trabalharei somente com a duração e a freqüência fundamental e por isso só menciono
estes parâmetros.
16
distintos (oral X nasal) e das consoantes para determinar a duração intrínseca destes
segmentos e concluiu que:
a) das vogais anteriores para as vogais posteriores, quanto mais alta for a vogal, menor é
sua duração;
b) vogais pós-tônicas (/ ,ι,Υ/) têm duração menor do que as mesmas tônicas (/ a, i, u/);
c) vogais nasais têm duração maior do que as correspondentes orais;
d) consoantes surdas têm duração maior do que consoantes sonoras.
Em um outro artigo também de 2001, o autor faz uma distinção clara entre um
tempo intrínseco e um extrínseco, como fica evidente nesse trecho (Barbosa 2001):
“...gestos reduzidos, como as vogais pós-tônicas em PB e consoantes de
coda como /r/ e /s/, que têm uma duração curta quando não seguidas de
pausa silenciosa, são reduzidas devidas ao seu tempo intrínseco na pauta
gestual lexical e não por uma suposta aceleração local da taxa de
elocução.”(p. 36)
I.1.1. Ritmo
Como estou tratando de um fenômeno de natureza rítmica, o encontro acentual,
apresentarei, nesta seção, a visão de alguns autores sobre a caracterização rítmica das
línguas e algumas classificações propostas para uma tipologia rítmica.
Allen (1975) destaca a tendência de se ouvir um ritmo onde não há, ou seja, a
questão da ritmização subjetiva (perceptiva) que traduz a habilidade do falante/ouvinte
em impor um ritmo a uma seqüência segmental quando “perceptualmente comprime”
longos intervalos de tempo ou quando perceptualmente expande” intervalos curtos, de
modo que se tornem mais isócronos. Nesse sentido, para entender-se os correlatos
rítmicos, do ponto de vista fonológico, deve-se levar em conta a tendência à eurritmia
que favorece a isocronia do enunciado. Neste mesmo artigo, o autor distingue duas
maneiras de se olhar para o ritmo:
17
1) o ritmo como um padrão de qualquer seqüência, na qual o tempo não tem relevância
(olha outros aspectos que não os lingüísticos, mais geral).
2) o ritmo como um padrão de uma seqüência temporal (mais importante
lingüisticamente);
A segunda maneira de se olhar para o ritmo, ou seja, o ritmo como uma
seqüência temporal que trata de alternâncias (relação forte/fraco, etc.), e por isso
lingüístico, é que vai ser explorada aqui para entender-se a questão rítmica do encontro
acentual.
Lehiste (1977), assim como Allen (1975), também concorda que a isocronia é
um fenômeno subjetivo e que, em termos de produção, não isocronismo perfeito;
com relação à percepção, a autora afirma que:
"Clearly there exist differences in the size of the inter stress intervals in
production.(...) If the differences are indeed below the perceptual
threshold, they are perceptually irrelevant and from the point of the view
of perception, the rhythm of the sentences must be considered
isochronous."(p. 256)
A pesquisadora descreve a importância de as línguas possuírem padrões rítmicos
distintos, ou seja, o fato de as línguas serem de ritmo silábico (isocronia das sílabas) ou
serem de ritmo acentual (isocronia das sílabas acentuadas), e chama a atenção para o
fato de que as regras sintáticas influenciam o ritmo da língua, como no inglês, língua
que tende a alternar palavras funcionais desacentuadas (os clíticos) com palavras de
conteúdo acentuadas.
A mesma distinção é assumida por vários outros autores, como por exemplo
Abercombrie (1967), que define os tipos rítmicos como:
- ritmo acentual - sucessão de alternância entre sílabas acentuadas e não acentuadas,
em que as primeiras parecem ocorrer a intervalos regulares de tempo (isocronismo
acentual). Ex: inglês, russo e árabe.
18
- ritmo silábico - sucessão de sílabas igualmente espaçadas no tempo (isocronismo
silábico). Ex: espanhol, francês e iorubá.
Pike (1945) utilizava a denominação de syllable-timed (línguas de ritmo
silábico) e de stress-timed (línguas de ritmo acentual) para determinar a tendência
rítmica das línguas. O autor classifica o inglês como uma língua stress-timed e observa
que outras línguas como, por exemplo, o espanhol, tendem a utilizar o ritmo mais
relacionado com a sílaba, ou seja, são as sílabas que determinam o espaçamento mais ou
menos regular dos intervalos (syllable-timed), e não o acento. Contudo, em condições
singulares (estilo de fala cantada), o autor aponta que o inglês apresenta características
de syllable-timed como no exemplo:
(3) ‘Susie ‘is a ‘tattle ‘tale (cantada com rítmo silábico).
Major (1985) cita seus resultados de 1981 e conclui que, pelo menos
preliminarmente, o PB é uma língua predominantemente de ritmo acentual, à medida
que o estilo torna-se mais casual (informal), que a diferença entre sílabas pré-tônicas
e pós-tônicas é menor à medida que o estilo muda de citação para normal e desta para
casual. Para sua análise, o autor dividiu o estilo em três categorias, definidas como:
Citação – estilo cuidadoso da fala típica de leitura de uma lista de palavras ou sentenças
pronunciadas de forma lenta;
Normal – fala natural utilizada em configurações que variam do informal para o formal,
tais como uma leitura, uma notícia de jornal.
Casual fala muito informal, casual, por exemplo, uma conversa entre amigos ou
namorados.
Barbosa (2000) critica a visão de Roy Major sobre o PB ser uma língua de ritmo
acentual (stress-timed) ou tendendo para tal, e argumenta que, ao analisar os dados
segundo o processo metodológico da teoria de sistemas dinâmicos de dois osciladores
acoplados (acentual e silábico), o autor ilustrou que havia alto grau de "syllable-timing"
19
no PB. Assim, o autor defende que o PB é uma língua do tipo misto, ou seja, oscila
entre o ritmo silábico e o acentual.
As conclusões de Barbosa confirmam o que a literatura havia observado;
autores como Moraes & Leite (1992), Cagliari & Abaure (1986) e Abaurre - Gnerre
(1981) também avaliaram a tipologia rítmica do português chegando à conclusão de que
o PB é do tipo misto, ressaltando que esta composição sofre de variabilidade intra e
intersujeito presente nos dados, conforme o estilo utilizado e a taxa de elocução (lenta,
normal, rápida).
Segundo Barbosa (2001), na literatura fonética, a busca por isocronismo
absoluto em produção de fala foi alvo de muitas críticas e debates (Lea 1974,
Nooteboom, 1991). Assim, pode-se falar somente em uma tendência à
isocronia/eurritmia com relação à percepção (Allen, 1975; Lehiste, 1977).
I.2.Encontro Acentual
As pesquisas fonológicas não lineares (métrica e prosódica) discutiram
principalmente questões métricas e entre elas, claro, o encontro acentual. Apresentarei a
visão fonológica sobre o fenômeno e, em seguida, retornarei à investigação feita pelos
foneticistas em resposta às análises fonológicas.
Inicialmente deve-se conceituar o que é o encontro acentual entre acentos
primários do ponto de vista fonológico. O encontro acentual se define como dois
acentos que se seguem, sem que haja qualquer posição não–acentuada entre eles em um
determinado nível da grade métrica (Liberman & Prince 1977, doravante L&P). É a essa
seqüência de acentos que nos referimos como encontro ou choque de acentos.
Exemplificamos em (4):
4
(4) x level 3
x x level 2 x ● x
x x x level 1
x x x level 0
thirteen men thirteen men
4
Marquei com um X as sílabas acentuadas.
20
L&P, no âmbito da fonologia métrica, elaboraram a primeira tentativa de
descrever e representar o fenômeno do encontro acentual (ou choque acentual),
encontro acentual) por meio de uma regra de ritmo, a Rhythm Rule. De acordo com os
autores, a regra rítmica procura manter um padrão alternante na distribuição de sílabas
acentuadas e não-acentuadas.
Segundo esta regra, casos como a seqüência thirteen men têm o acento primário
teen da primeira palavra deslocado para sílaba anterior, a fim de evitar a adjacência à
sílaba acentuada men, na tentativa de manter um padrão alternante, quebrando a
seqüência de sílabas acentuadas adjacentes. Porém, caso de encontro acentual se
os acentos adjacentes estiverem em uma mesma linha da grade métrica, ou seja, no
exemplo acima houve encontro acentual no nível 2 da grade métrica, entre teen e men.
Nespor & Vogel (1979), em um estudo sobre o fenômeno para o italiano,
também fazem uma análise baseada na grade métrica proposta por L&P. A diferença é
que as autoras elaboram uma estrutura de grade métrica relacionando-a com a estrutura
sintática como uma condição importante para que se possa ou não desfazer os encontros
acentuais. A condição sintática é que a primeira palavra do encontro acentual esteja ao
lado esquerdo de um mesmo XP. Exemplificando:
(5) Non fermati [a [me pórta]]
DP
. >> a ta pórta
Selkirk (1984) também concorda que a noção de constituição sintática é
importante para a caracterização do encontro acentual na determinação da estrutura
rítmica de um enunciado. Na sua proposta, a grade métrica, além de representar as
proeminências acentuais, possui uma série de batidas silenciosas (silent demibeats) que
marcam as fronteiras dos constituintes sintáticos. Essas batidas silenciosas
correspondem aos lugares em que é possível alongar segmentos ou inserir pausas em
uma dada seqüência.
Tanto Nespor & Vogel como Selkirk, por defenderem que a organização métrica
do enunciado (e que também outros fenômenos fonológicos) ocorre em determinados
domínios constituídos pela interação da fonologia com outros componentes gramaticais,
afastam-se de L&P que olha para a organização métrica em favor de uma teoria
21
prosódica da fonologia. As autoras defendem que as línguas tendem a evitar os
encontros acentuais devido à tendência à eurritmia (Selkirk 1984; Nespor & Vogel
1986). Selkirk formula a regra de Princípio de Alternância Rítmica (PAR), segundo a
qual a permissão de encontro acentual varia em nível para cada língua. Abousalh
(1997), por exemplo, afirma que, para o PB o encontro acentual não é permitido a partir
do nível da frase fonológica para os níveis superiores. Então, de acordo com o Princípio
de Alternância Rítmica (PAR):
5
(6) (a) Toda sílaba forte num nível métrico n deve ser seguida por, pelo menos, uma
posição fraca naquele nível;
(b) Qualquer posição fraca num nível métrico n pode ser precedida por, no máximo,
uma posição fraca naquele nível.
(Selkirk 1984:52)
No entanto, do ponto de vista fonético, os estudos de Grabe & Warren (1995)
apontam problemas no quadro teórico da fonologia métrico-prosódica com relação à
atribuição da relação de proeminência entre as sílabas. Para tanto, os autores citam a
prosódia lexical, teoria segundo a qual as palavras são consideradas como frases
prosódicas simples e conseqüentemente portadoras do acento nuclear. Palavras como
explanation recebem três níveis de proeminência: o acento primário na terceira sílaba, o
acento secundário na primeira sílaba e nenhum acento na segunda e quarta sílabas,
como analisadas por Ladefoged (1993). Os correlatos fonéticos da proeminência de tais
formas incluem um aumento na inflexão de F0 nos núcleos relativos ao movimento de
F0 nas sílabas pré ou pós-nucleares e uma duração maior da sílaba nuclear relativa às
sílabas adjacentes.
Segundo Grabe & Warren, por outro lado, a fonologia métrica permite somente
dois níveis de proeminência: forte e fraco. Na fala contínua, dão o exemplo da palavra
balloon que, dependendo da posição na frase entonacional, pode estar na posição
nuclear, pré-nuclear ou pós-nuclear. Em todas as posições, do ponto de vista métrico,
balloon mantém a relação de proeminência fraco/forte mas os correlatos fonéticos
desta relação (fraco/forte), contudo, variam. Na posição nuclear, um aumento na
5
Tradução minha.
22
inflexão de F0 da sílaba tônica é a característica mais saliente para uma forte
proeminência. Na posição pré-nuclear a sílaba tônica exibe menor inflexão de F0 do que
na posição nuclear; e na posição pós-nuclear, o parâmetro de F0 não é uma
característica marcante para distinção de proeminência nesta relação (forte/fraco), mas
contrastes na qualidade vocálica podem ser relevantes. Seguem os exemplos das
posições da palavra em questão, de acordo com a visão da fonologia métrica, segundo
os autores:
(7) Nuclear (forma de citação) (8) Pré-nuclear
[ba ‘lloon] [The balloon ‘burst]
W S W S
(9) Pós-nuclear
[Anna ‘hates balloons]
W S
Cabe ressaltar que, no exemplo de posição pré-nuclear (The balloon burst),
encontro acentual entre as sílabas -llonn e burst- mas os autores nada comentam. E o
fato de afirmarem que a sílaba forte (no caso, -lloon) exibe menor inflexão de F0 do que
na posição nuclear poderia ser interpretado como um aumento progressivo, que inclui os
itens na condição de encontro acentual, em direção à próxima sílaba do encontro
acentual burst que culmina com o acento frasal.
Para os autores, as distinções de proeminência existentes na fala contínua não
necessariamente resultam nas mesmas distinções das formas de citação. Desta forma,
os pesquisadores criticam a mesma “nomeação” (denominação forte/fraco para as
sílabas) que a fonologia métrica atribui para as palavras, estejam elas em forma de
citação ou inseridas em um contexto maior (fala contínua). Segundo os pesquisadores,
na fonologia métrica nãouma correlação entre os parâmetros acústicos duração, F0 e
amplitude e as proeminências forte/fraco, por isso assumem que a visão entonacional,
que leva em conta fatores acústicos, é mais adequada para tratar do fenômeno de
encontro acentual e da estratégia de retração acentual.
23
Os mesmos autores elaboraram um experimento a fim de verificar os parâmetros
acústicos (duração, F0 e amplitude). Nele, utilizaram 42 pares de sentenças que foram
lidos por 4 mulheres e 4 homens (idade entre 20 e 30 anos), todos nativos do inglês
britânico do Sul. Segue um exemplo de contraste de frases do experimento:
(10) When John watches TV soaps, he is happy.
(11) When John watches TV, soaps are his favorite.
Segundo os pesquisadores, se forem ignoradas as marcações prosódicas
assinaladas pela pontuação, ambas as frases são iguais até a palavra “soaps que
funciona como “disparadora” (“trigger”) para a retração acentual. A hipótese inicial,
prevista pelo modelo da fonologia métrica, é de que ocorra retração acentual no
exemplo (10) e de que não ocorra a mesma estratégia no exemplo (11), devido à
fronteira prosódica (assinalada pela vírgula).
Do ponto de vista acústico, foram verificados os parâmetros de duração, F0 e
amplitude para a seqüência de palavras envolvidas no encontro acentual. Os resultados
revelaram que não houve diferenças significativas destes parâmetros a favor da
estratégia de retração acentual. Ao contrário, houve um aumento no valor desses
parâmetros em direção ao encontro acentual, ou seja, na segunda palavra do encontro
(evidências que são confirmadas mais tarde por Barbosa, 2002).
Vogel, Bunnell & Hoskins (1995) examinam a regra do ritmo (Rhythm rule) dos
dois pontos de vista: o fonético e o fonológico. Os pesquisadores, por meio de
investigações com dados de produção e percepção, mostram como a análise fonética de
uma regra fonológica pode prover “insight” quando a análise fonológica, por si só, seria
inconclusiva.
Do ponto de vista fonológico, os autores descrevem que há dois tratamentos para
a regra do ritmo que têm recebido larga aceitação: a Reversal Analysis (RA, ou seja, a
estratégia de retração acentual) e a Deletion analysis (DA, ou seja, a estratégia de
apagamento). De acordo com a RA, quando um choque entre acentos primários de
palavras adjacentes, aplica-se a regra rítmica de modo a aliviar o choque pela retração
do acento da primeira palavra. A DA (a regra de apagamento) somente requer que o
acento da sílaba final da primeira palavra seja reduzido para minimizar o efeito do
24
encontro acentual, sem relacionar essa redução com efeitos na sílaba adjacente (fato
importante para o caráter relacional do acento) ou levantar outros problemas rítmicos.
Estes autores concordam que a percepção da retração acentual deve ser explicada pelo
caráter relacional do acento, ou seja, o reforço do acento da primeira palavra em
seqüências como thirtèen mén (situação de encontro acentual), reforçando os
parâmetros fonéticos da primeira sílaba da primeira palavra e diminuir a proeminência
da segunda sílaba da mesma palavra de modo a favorecer a percepção de um troqueu
(Rule of Iambic Reversal).
Do ponto de vista fonético, os autores fizeram uma análise tanto da produção
como da percepção dos dados de forma a determinar como os correlatos acústicos da
Regra do Ritmo são interpretados pelos ouvintes. Vogel et al. (1995) mostram que o
efeito da duração está condicionado à rima (fato também atestado em outros estudos,
por ex. Vaissière 1983). Contudo, testes de percepção elaborados pelos mesmos autores
mostraram que o fenômeno da retração acentual também ocorreu em palavras dentro de
contexto sem encontro acentual. Os autores reportam outros estudos (Beckman et al.,
1987 ; Shattuck-Hufnagel, 1991,1992) que haviam observado que o acento percebido
na primeira sílaba de palavras tais como Chinese e thirteen mais freqüentemente do que
na segunda sílaba - independentemente do padrão acentual da palavra seguinte - levam a
concluir que outros fatores, além do ritmo, podem afetar a percepção.
Vogel, Bunnell & Hoskins (1995) apontam que outra questão importante com
relação à Regra Rítmica é como ela interage com toda a estrutura rítmica da frase. Então
consideraram o efeito do contexto precedente à palavra-alvo envolvida no encontro
acentual e compararam: a) ausência de qualquer material; b) a presença de uma sílaba
fraca antes do ambiente de análise; c) presença de uma sílaba forte antes do ambiente de
análise. Seguem alguns exemplos do experimento dos autores:
6
(12) a. ausência de qualquer material
i. Thirteen clients called at noon. (ambiente de encontro acentual)
ii. Chinese colleagues work the most. (ambiente de não encontro acentual)
(13) b. presença de uma sílaba fraca antes do ambiente de análise
6
Marco em negrito o ambiente de encontro acentual; em itálico a sílaba fraca anterior ao ambiente; e
sublinhado a sílaba forte anterior ao ambiente.
25
i. The thirteen clients paid their bills. (ambiente de encontro acentual)
ii. The Chinese colleagues came on Monday. (ambiente de não encontro acentual)
(14) c. presença de uma sílaba forte antes do ambiente de análise
i. Jack’s thirteen clients rode their bicycles. (ambiente de encontro acentual)
ii. Jack´s Chinese colleagues speak with accents. (ambiente de não encontro
acentual)
Uma observação que faço ao trabalho destes pesquisadores é em relação à
constituição do corpus. No corpus dos autores, estes nem sempre contrastaram palavras
em ambiente de encontro acentual com as mesmas em ambiente de o encontro
acentual, sendo as frases comparadas muitas vezes diferentes, o que influencia para
resultados de dados distintos.
Descreverei somente os resultados dos dados de produção, pois estou
trabalhando com essa perspectiva em minha pesquisa. Mesmo tendo uma constituição
de corpus heterogênea, os resultados dos dados de produção revelaram que o efeito do
encontro acentual não foi observado entre rimas adjacentes (os pesquisadores
trabalharam com o vel da rima), demonstrando, acusticamente, que não houve
evidências para a estratégia da retração acentual.
Apesar de ser consenso geral de que os principais correlatos acústicos do acento
são a duração, o F0 (pitch) e a amplitude, não está claro quais destes fatores influenciam
no exame da Regra Rítmica, isto é, qual parâmetro acústico seria mais importante na
determinação da regra rítmica, que para determinação do acento, em inglês o
parâmetro mais importante é o F0, e para o PB, o parâmetro da duração vem em
primeiro lugar.
Mas bem antes da emergência das teorias do acento baseadas em grades e
árvores, que davam conta da aparente retração acentual em termos de regularidade
rítmica, vários modelos do fenômeno de proeminência inicial na palavra foram
propostos, baseados na entonação. Bolinger (1965) fez uso do conceito de acento de
altura (pitch accent) ou prominence-lending F0 marker (freqüência fundamental como
parâmetro acústico para marcar o acento de altura). O pesquisador sugere que uma frase
pode conter somente dois acentos de altura (pitch accents), por isso não prevê múltiplos
26
acentos (accents) pré-nucleares na frase. Ele propôs dois “marcadores” entonacionais
principais para a proeminência frasal:
1. acento de altura inicial (pitch accent early) – themic accent;
2. acento de altura final (ou seja, outro acento de altura final) – rhemic accent.
Beckman, Swora, Rauschenberg, & DeJong (1991) também sugerem que o lugar do
acento de altura (pitch accent) deve ser responsável pela percepção da proeminência
inicial na palavra, e notam que os falantes tendem a colocar o acento de altura (pitch
accent) na primeira sílaba acentuada de uma frase entonacional.
Olhando para a frase, Bolinger (1965) observou que o falante prefere colocar o
primeiro acento (first accent) da frase entonacional o mais distante possível do último
acento (late accent) da mesma frase. Como resultado, uma palavra alvo como
Mississipi
7
que tem uma sílaba pré-tônica (full vowel syllable) à esquerda da sílaba
acentuada principal (main lexical stress), deve receber um acento inicial (early accent)
na sílaba pré-tônica se este acento (accent) é o primeiro de uma nova frase. Um fator
observado por Bolinger é de que o falante é propenso a marcar o onset de uma nova
frase entonacional colocando o primeiro acento de altura (pitch accent) o mais cedo
possível, o que leva muitas vezes a coincidir com o acento frasal dentro da palavra.
É interessante observar que as teorias entonacionais de cunho fonético
contemplam o fenômeno do encontro acentual de forma diversa do que as teorias
fonológicas. As primeiras consideram que o sujeito pode colocar uma proeminência
inicial na frase, prominence-lending F0 marker (pitch accent), por outros motivos que
não o reajuste rítmico conseqüente do encontro acentual, visto que mesmo em contexto
de não encontro acentual isso acontecia. as segundas justificam essa proeminência
inicial dentro da própria palavra no contexto de encontro acentual, ou seja, a sílaba pré-
tônica aumenta sua duração ou recebe maior inflexão de F0 como conseqüência do
choque acentual para melhorar o ritmo da frase.
Barbosa (2002) e Madureira (2002) investigaram se as estratégias defendidas
pela fonologia para desfazer o encontro acentual em PB, mesmo tendo um caráter
opcional, aconteciam do ponto de vista fonético-acústico. Para tanto, os pesquisadores
7
Apesar de o autor falar do nível da frase, o exemplo apresenta uma só palavra.
27
trabalharam com o fenômeno da retração acentual medindo a duração e o F0 dos
segmentos vocálicos envolvidos. Como eles tratam especificamente das estratégias de
desfazimento de encontro acentual por adultos falantes do PB, seus resultados serão
detalhados no próximo capítulo.
28
CAPÍTULO II
Como o adulto lida com o Encontro Acentual em PB: aspectos fonológicos e
fonéticos
Abousalh (1997), em seu trabalho sobre o encontro acentual em PB com relação
à linguagem adulta, trabalha com a teoria prosódica de Nespor & Vogel (1986,
doravante N&V). Essas pesquisadoras propõem que qualquer enunciado é mapeado
numa estrutura prosódica que constrói uma grade métrica. Essa estrutura prosódica é
constituída pelos seguintes níveis: enunciado fonológico, frase entonacional, frase
fonológica, grupo clítico, palavra fonológica, e sílaba. A construção da grade
seguindo esta hierarquia prosódica obedece a dois princípios principais:
Strict Layer Hypothesis segundo a qual os elementos de um dado nível podem ser
formados por elementos do nível imediatamente inferior (por exemplo, o grupo clítico
só pode ser formado por palavras fonológicas);
Regra de Projeção segundo a qual, para uma sílaba ser acentuada num determinado
nível, ela também o deve ser no nível imediatamente inferior.
Segue o modelo de N&V da hierarquia prosódica citada (adaptada em estrutura
arbórea por Bisol, 1986) como em (15), com um exemplo de sua aplicação no português
brasileiro num enunciado de fala adulta em (16):
(15) U enunciado fonológico
I (I) frase entonacional
φ (φ) frase fonológica
C (C) grupo clítico
ω (ω) palavra fonológica
Σ (Σ)
σ (σ) sílaba
29
(16) ( x) U
( x) I
( x ) ( x) φ
8
( x ) ( x) ( x) C
(x) (x ) ( x) ( x) ω
(x) (x ) ( x) ( x) Σ
(x) (x) (x) (x) (x) (x)(x) σ
Exemplo: O Marcos comeu caqui
Segundo N&V, cada língua varia de acordo com o vel em que os encontros
acentuais são tolerados. Conforme Abousalh (1997), em PB os encontros acentuais não
são tolerados a partir do vel da frase fonológica. Assim, em uma sentença como em
(17), os encontros entre [o mar] e [meu bo] tanto no nível do como no nível da
palavra fonológica são tolerados.
(17) ( x ) U
( x ) I
9
# ( x ) ( x x ) φ→( x ) (x x )φ
( x ) ( x) (x ) C→( x ) (x ) (x )C
(x) (x ) (x x) (x ) ω
(x) (x ) (x x) (x ) Σ
(x) (x) (x) (x) (x) (x)(x) σ
O Marcos comeu bolo >> O Marcus comeu bolo
8
Trata-se de uma frase fonológica (φ) reestruturada.
9
Saliento que cada domínio só permite uma proeminência. Deixei marcados os dois acentos de C no 2º φ
para ilustrar o encontro acentual. No exemplo em questão, a proeminência a ser considerada para o
domínio é a da direita.
30
No entanto, o encontro entre [meu bo], no nível da frase fonológica não é
tolerado e precisa ser desfeito. Em (17), represento o desfazimento via retração acentual
em φ. A retração acentual obriga a reestruturação em C, devido à regra de projeção.
Assim é importante citar a regra de formação e de reestruturação de φ para estes casos:
(18) Phonological Phrase Formation:
I. φ domain
The domain of φ consists of a C which contains a lexical head (X) and all Cs on
its non recursive side up to the C that contains another head outside of the maximal
projection of X.
II. φ construction
Join into an n-ary branching φ all Cs included in a string delimited by the
definition of the domain of φ.
III. φ restructuring (optional)
A nonbranching φ which is the first complement of X on its recursive side is
joined into the φ that contains X.
(pp. 168,173 N&V 1986)
Abousalh afirma que várias são as formas de resolução (aqui no sentido de
“desfazimento”) de encontros de acento, como movimento do acento para uma posição
imediatamente precedente (retração acentual); diferença nos tons das sílabas
acentuadas; alongamento da primeira vogal do encontro acentual;
enfraquecimento/apagamento do primeiro acento.
Para nós, interessa-nos, além do caso de retração acentual - exemplificado em
(17) -, a estratégia do alongamento. Segundo Abousalh, pela regra de alongamento, a
primeira sílaba do encontro acentual é alongada de forma a ocupar duas posições na
grade métrica, desfazendo, então, o encontro acentual. Veja, por exemplo, em (19)
como fica o “desfazimento” do encontro acentual de “café quente” pela estratégia do
alongamento:
(19) . * . * .
[ka´fE: ´kejtSi]
31
Como é possível observar, a sílaba [fé] passa a ocupar duas posições na grade
métrica, o que, pelas propostas métricas, “afastaria” o encontro acentual criado com a
sílaba [kej].
Entretanto, os resultados de Abousalh apontam somente para a estratégia da
retração acentual (resultante da combinação de duas regras, a de apagamento com a
regra de adição de batidas) e da pausa. Os resultados de Abousalh são:
Clash desfeito por apagamento 7 (total)
Inserção de pausa 3 (total)
Clash mantidos 19 (total)
Essas resoluções acontecem sempre obedecendo à grade construída a partir da
hierarquia prosódica, tal como proposta em N&V. Seguem os exemplos de formas de
resolução observados por Abousalh:
10
(20) “por ter feito o bem” → “por ter feito o bem” (retração acentual)
(21) “mas não seguem” → “mas não seguem” (apagamento de acento)
Minha principal observação aos experimentos feitos pelas teorias fonológicas é
quanto à elaboração do corpus. Abousalh trabalhou com dados naturalísticos - a leitura
de uma missa - enquanto trabalhei com um experimento. A pesquisadora descreveu os
dados de outiva, enquanto fiz uma análise acústica. Nesse sentido, até que ponto a
autora pôde afirmar que o encontro acentual foi desfeito, exclusivamente, por uma
questão rítmica? Isto é, como ela lida com dados naturalísticos, não é possível o
controle de todas variáveis de modo a garantir que o ritmo é o único responsável pela
retração acentual.
Como a própria autora afirma, ela não pôde verificar o exemplo de diferenças
nos tons porque sua análise limitou-se à transcrição auditiva dos dados. Abousalh ainda
afirma que, para verificar uma outra possibilidade de resolução dos encontros acentuais
(aventada por N&V), a inserção de batidas entre os acentos em choque, ou seja, o
10
Exemplos (20) e (21) de Abousalh 1997.
32
alongamento da sílaba tônica da palavra do encontro acentual, não foi possível
porque: “...nossas análises somente levam em conta uma transcrição auditiva dos dados.
Seria necessária uma medição instrumental para determinar com certeza se houve ou
não alongamento de segmentos para desfazer clashes.” (p. 98).
outras considerações relevantes levantadas pela teoria fonológica acerca do
fenômeno do encontro acentual, como o tamanho das frases fonológicas e implicações
sintáticas, que serão descritas a seguir.
Sândalo & Truckenbrodt (2002) afirmam que o fato de o encontro acentual estar
na mesma frase fonológica não é condição suficiente para se aplicar a estratégia da
retração acentual. Eles propõem que a frase fonológica em PB é determinada pela
interação do alinhamento à direita das frases sintáticas e fonológicas, levando-se em
conta o "fator eurrítmico da uniformidade" que favorece frases fonológicas com o
mesmo tamanho prosódico, ou seja, com o mesmo número de palavras fonológicas.
Segundo os autores, a retração acentual ocorre quando as frases fonológicas têm o
mesmo tamanho. O exemplo (22) ilustra frases fonológicas com o mesmo número de
palavras fonológicas após a reestruturação, no qual a retração acentual é permitida,
enquanto o exemplo (23) ilustra frases fonológicas com tamanhos diferentes, no qual a
retração acentual não é permitida:
11, 12
(22)[Ca quente]φ [queima a boca]φ [Caquente]φ [queima a boca]φ
(23)[Ca quente]φ [queima]φ #[Caquente]φ [queima]φ
No entanto, Santos (2003) apresenta dois exemplos de frases fonológicas com o
mesmo tamanho, nos quais o segundo exemplo não permite a estratégia da retração
acentual:
(24) [O José Maria] [cantou hoje] [O José Maria]φ [cantou hoje]φ
(25) [O José Maria]φ [contou pro hoje]φ #[O José Maria]φ [contou pro hoje]φ
11
Exemplos (22) e (23) de Sândalo & Truckenbrodt 2002
12
A agramaticalidade prosódica está assinalada com #.
33
Segundo a autora, a não gramaticalidade de (25) não pode ser atribuída ao fator
eurrítmico apresentado por Sândalo & Truckenbrodt, que as duas frases fonológicas
em que o encontro acentual ocorre são iguais, mas por razões sintático-semânticas, no
caso, a categoria de objeto nulo. A intenção de Santos é chamar a atenção para outros
fatores que justificam a não aplicação da estratégia da retração acentual, além de
características prosódicas; ou seja, questões de ordem sintático-semânticas também são
importantes e podem influenciar características fonético-fonológicas no nível da frase
fonológica.
Do ponto de vista fonético, os trabalhos sobre PB de Barbosa (2001, 2002) e
Madureira (2002) discutem especificamente a questão da retração acentual. Barbosa
(2001, 2002) implementa um modelo de osciladores acoplados de produção do ritmo da
fala para analisar os padrões de duração de unidades do tamanho da sílaba em PB,
examinando os casos de encontro acentual para investigar se havia algum indício da
estratégia da retração acentual.
No modelo proposto por Barbosa, o ritmo da fala é entendido como uma
conseqüência de variação da duração percebida ao longo de uma frase. Ao adotar o
parâmetro da duração no modelo de produção de ritmo da fala, foram considerados dois
níveis de duração: um intrínseco e um extrínseco. O primeiro se refere ao nível quase
isomórfico com relação ao fonema e considera contrastes duracionais de segmentos
plenos e reduzidos no nível lexical de especificação da duração, enquanto o segundo age
no nível rítmico do controle de duração, implementado pelo modelo de dois osciladores
acoplados (modificado a partir do modelo de Devin Mc. Auley, 1995).
Então, com esse tipo de estrutura, a duração acústica é a superfície de
manifestação dos dois níveis de tempo: um nível extrínseco (propriamente rítmico)
implementado pelo modelo de osciladores acoplados, e um nível intrínseco,
especificado pelo léxico gestual (gestural lexicon).
Segundo Barbosa, os níveis lingüísticos mais abstratos (higher linguistics levels)
que interagem com as restrições eurrítmicas (eurhythmic constraints) determinam a
localização e a magnitude dos pulsos oscilatórios do acento frasal, especificando
respectivamente a posição e o grau de proeminência do acento frasal ao longo do
enunciado.
34
O pesquisador elaborou um corpus de 36 sentenças lidas, gravadas com três
taxas de elocução (lenta, normal e rápida) por falantes nativos do PB, repetidas no
mínimo 5 vezes por cada sujeito. Segue um exemplo de par de sentenças, no qual as
palavras em negrito são as palavras-alvo (com relação ao fenômeno da retração
acentual), o acento frasal está indicado com um sinal diacrítico e os segmento medidos
estão sublinhados. Em todas as sentenças, a seqüência dissílabo oxítona/paroxítona
representa o contexto de encontro acentual (cf.(26)) e a seqüência dissílabo
oxítona/oxítona representa o contexto de não encontro acentual(cf.(27)):
(26)Não poderia tomar ca fri o de novo.
(27)Não poderia tomar ca pi lão de novo.
O pesquisador mediu as durações da rima, da sílaba e de unidades de onset de
vogal à vogal (VV) para as duas posições das palavras alvo. Foi utilizado o teste
estatístico ANOVA (one-way analysis of variance) com um nível de significância de
5% para comparar as sentenças em contexto de não-encontro acentual e as sentenças em
contexto de encontro acentual.
Os resultados mostraram que não houve favorecimento para o fenômeno da
retração acentual na situação de encontro acentual, ao contrário, houve um aumento da
duração da sílaba oxítona da primeira palavra do encontro acentual nesta situação. O
mesmo acontece com as sentenças do contexto de não encontro acentual, havendo um
aumento da duração em direção ao acento frasal. Em outras palavras, isso significa que
um favorecimento para situação de choque acentual, ou seja, da manutenção de
encontro acentual.
Madureira (2002), assim como Barbosa (2002), questiona o fenômeno da
retração acentual em PB como postulado pela Regra do Ritmo, baseando-se em
evidências acústicas provenientes da análise de contornos de freqüência fundamental
(F0) de sintagmas fonológicos contendo seqüências de palavras de contexto ou não de
encontro acentual.
Segundo a autora, ao investigar o correlato acústico da freqüência fundamental
(F0) com relação ao fenômeno da retração acentual, a expectativa é a de que a sílaba
pré-tônica tenha maior duração, maior amplitude ou maior inflexão de F0. Outra
35
possibilidade seria a de verificar se a segunda sílaba na seqüência de acentos primários
de sílabas acentuadas (contexto de encontro acentual) teria a menor proeminência, dada
a propriedade relacional do acento.
A pesquisadora lembra que em inglês os estudos de Grabe & Warren (1995),
Vogel et al. (1995) e Shattuck-Hufnagel (1995) descrevem esta língua como uma língua
a favor da retração acentual, do ponto de vista entonacional, apesar de Monaghan
(1990) chamar a atenção para exceções referentes às diferentes taxas de elocução e
estilos de fala.
Madureira considera que o PB se comporta de maneira diferente do inglês com
relação ao referido fenômeno. Segundo a autora, apesar de o principal correlato acústico
em PB para os acentos frasal e lexical ser o da duração (Massini 1991; Barbosa 2000), a
verificação de F0 é um correlato importante para os acentos (accents) da frase e do
enunciado.
Três corpora foram elaborados pela autora: o primeiro com 21 sentenças, o
segundo com 10 sentenças e o terceiro com 15 sentenças. As sentenças foram gravadas
em estúdio por três falantes que as repetiram 5 vezes (1º e corpus) e por 1 falante
com 10 repetições (2º corpus).
Para o mesmo par de sentenças analisados por Barbosa (2002), Madureira
checou a F0 do 2º corpus :
(28)Não poderia tomar ca fri o de novo.
(29)Não poderia tomar ca pi lão de novo.
Neste par de sentenças, os pares "café pilão" e "café frio", nos quais a sílaba "fé"
e a adjacente à sua direita obtiveram F0 altos, apresentaram um aumento da freqüência
fundamental em direção ao grupo acentual.
Segundo a autora, os pares foram submetidos às análises estatísticas (ANOVA, e
testes Post Hoc, Scheffé e Bonferroni) com a variável dependente (valor médio de F0 na
rima da sílaba), e o mesmo padrão ocorreu em todas as sentenças: o F0 aumenta em
direção à sílaba acentuada no mesmo domínio de frase fonológica.
36
A autora conclui que seus resultados corroboram a análise de Barbosa com
relação ao parâmetro da duração, que também apresentou um aumento da duração em
direção ao encontro acentual.
Finalmente, cumpre observar que não estudos, de meu conhecimento, que
discutam a estratégia do alongamento por adultos falantes do PB.
Na introdução propus duas questões a partir das quais pretendo responder com
os resultados da análise do corpus infantil. A primeira é saber se a retração acentual e o
alongamento são realizados. A segunda é saber se alguma restrição para a aplicação
dessas estratégias. Antes de responder a essas questões sobre a fala infantil, abaixo
respondo-as a partir dos estudos aqui reportados sobre a fala adulta em PB. No entanto,
como não trabalhos sobre a estratégia do alongamento, as respostas dizem respeito
apenas à estratégia da retração acentual.
Como a realização rítmica durante a produção é inerente, mas tende à
isocronia e à eurritmia (Allen 1975, Lehiste 1977), os estudos fonéticos da língua adulta
realizados em PB (Barbosa 2002, Madureira 2002) mostraram a permanência do
encontro acentual, evidenciando que esta tendência não tem, necessariamente, um
caráter binário.
A segunda questão precisa ser refraseada para os estudos que reportamos. Os
estudos em fonologia mostram que a aplicação da estratégia de retração acentual
também leva em conta o tamanho dos constituintes prosódicos da sentença (Sândalo &
Truckenbrodt 2001) e a interação com a sintaxe (Santos 2001). Os estudos em fonética
apontam que mesmo dentro de um grupo acentual (equivalente a uma frase fonológica)
o encontro acentual, pelo menos em PB, é tolerado, não havendo necessidade de
retração acentual.
Nesse sentido, a visão fonética é distinta da fonológica e provou que, mesmo
sabendo que o ritmo se caracteriza por alternância entre sílabas fortes e fracas, no nível
lexical, as sílabas pré-tônicas e tônicas, em um contexto maior, o da frase, apresentaram
um aumento tanto da duração como da inflexão de F0 em direção ao encontro acentual
(Barbosa 2002, Madureira 2002).
37
CAPÍTULO III
Estudos sobre aquisição de regras rítmicas e parâmetros acústicos:
fonologia e fonética
poucos estudos, pelo menos para o PB, sobre a aquisição de regras rítmicas
por crianças. Do ponto de vista fonológico, Scarpa (1997, 2000) que aborda a
questão da aquisição das regras de degeminação e elisão; Moraes (2001) que fez uma
primeira verificação do fenômeno do encontro acentual na fala infantil; Komatsu &
Santos (2005) e Santos (2005) que tratam da variação na aquisição de regras de sândi
externo em PB.
Do ponto de vista fonético, o estudo de Aglael Gama-Rossi (1999) que
discute como a criança adquire o parâmetro acústico da duração.
Apresentarei inicialmente o trabalho de Gama Rossi sobre a aquisição dos
parâmetros acústicos e, em seguida, os estudos realizados sob a ótica fonológica.
III.1. Aquisição dos parâmetros acústicos
Como apontado no capítulo I, os principais parâmetros para as estratégias de
retração acentual e alongamento o duração e freqüência fundamental. Para que se
possa discutir se as crianças usam essas estratégias, é interessante determinar quando
elas passam a controlar esses parâmetros. Não nenhum estudo sobre PB que trate do
domínio da freqüência fundamental. Para a duração, por outro lado, o trabalho de Gama
Rossi (1999) trata justamente da aquisição deste parâmetro na fala infantil. Em sua tese,
a autora compara três pares formados por: criança de 4 anos e 1 mês (M) e
pesquisadora; criança de 4 anos e 9 meses (E) e pesquisadora; e a professora delas (S) e
a pesquisadora, analisando a aquisição da duração em diferentes posições do enunciado.
O corpus elaborado pela pesquisadora foi constituído por frases e por
apresentação de figuras relativas a estas frases. Seguem três exemplos de frases que
foram repetidas 3 vezes tanto pelas crianças como por seus respectivos pares adultos:
13
13
A autora trabalhou também com a duração de sílabas e da relação entre as durações entre sílabas
acentuadas e não-acentuadas. Para a minha pesquisa, interessou-me destacar a questão da sílaba, mais
especificamente, da vogal da sílaba tônica das palavras devido ao fenômeno com o qual trabalhei, no qual
centrei a análise no encontro acentual entre sílabas tônicas.
38
(30) A palhaçada dá muita risada.
14
(31) O macaquinho anda de bicicleta.
(32) O macaco segura a banana.
Em (30)-(32), estão destacadas as posições do acento lexical primário
(denominada posição 4) e as posições das sílabas pré-tônicas. O domínio do parâmetro
de duração nestas duas posições é importante porque, no que diz respeito à sílaba
tônica, mostra que a criança domina, como o adulto, o principal responsável pela
proeminência lexical (isto é, a criança “acentua” o item lexical como o adulto) e,
portanto, poderia diminuir (no caso da retração acentual) ou aumentar (no caso do
alongamento) esta proeminência. No que diz respeito à sílaba átona, é necessário saber
quando a criança domina o parâmetro da duração nestas sílabas porque, na estratégia da
retração acentual, esta sílaba deve ser alongada.
Segundo a autora, a criança mais nova, M (4;1), havia adquirido a
implementação do parâmetro de duração para a realização do acento (menor média das
diferenças de duração, média = 10ms) apesar de ainda não tê-lo adquirido para os
elementos não-acentuados (segmentos pré-tônicos e pós-tônicos), principalmente com
relação aos segmentos pós-tônicos que apresentam maior variabilidade tanto na fala
infantil como na fala adulta. Nesta posição (denominada posição 5) a criança M
apresenta os maiores valores de duração na comparação com seu par (pesquisadora,
média de diferença de duração = 44ms). Já a criança E (4; 9) esteve muito mais próxima
do padrão adulto para duração dos segmentos vocálicos, mas não para a duração de
consoantes, sílabas e palavras. No que diz respeito às vogais, a autora conclui não haver
diferenças significativas entre a média das diferenças de duração entre tônicas (média =
10ms, desvio-padrão 51) e as pré-tônicas (posições 1 e 2 respectivamente, médias 30 e
36ms, desvios-padrão 28 e 33) importante para a estratégia de retração acentual e de
alongamento. Segundo a autora, nesta idade a criança ainda não domina a duração nas
pós-tônicas finais (média= 44ms e desvio-padrão 37), mas tal fato não altera a pesquisa
por nós conduzida.
Os resultados ilustrados pela autora sugerem fortemente que, no meu corpus, a
criança (5 anos e 7 meses) domina o parâmetro da duração da sílaba tônica, podendo,
em princípio, utilizar a estratégia da retração acentual. Sugere, também, que crianças
14
O acento lexical está marcado em negrito e a sílaba pré-tônica está assinalada em itálico.
39
com 4 anos poderiam ser testadas quanto à estratégia do alongamento, mas não
quanto à estratégia da retração acentual, pois ainda o dominam a duração das sílabas
átonas. A variabilidade demonstrada reflete tanto uma característica natural do falante
na hora da produção quanto as possibilidades neuromotoras ainda em período de
“maturação”, principalmente com relação às vogais pós-tônicas (previsto pela literatura
também para linguagem adulta) e a produção de certas consoantes.
A pesquisadora contesta as previsões mais gerais da literatura “de que as
crianças abaixo de 6 anos apresentam durações maiores e mais variáveis que os adultos
e de que diferenças entre as atuações de crianças pertencentes à mesma faixa etária”
(Gama-Rossi, p. 158). O que seus dados mostram é que as duas crianças estudadas,
com menos de 6 anos, produzem o contorno duracional do PB, apesar de o
implementarem dentro de suas possibilidades neuromotoras.
III.2. Aquisição das estratégias rítmicas
poucos trabalhos sobre a aquisição de estratégias que se aplicam entre
palavras, menos ainda os que discutem estratégias rítmicas
15
. Há, no entanto, alguns
estudos em PB sobre a questão da aquisição de estratégias rítmicas (Scarpa 1997, 2000;
Moraes 2001 e Komatsu & Santos 2005, Santos 2005). Destes, porém, apenas Morais
(2001) aponta para a questão das estratégias da retração acentual e alongamento.
Em seu estudo, Scarpa (1997) aponta que a produção de duas crianças entre 2 e
2;6 anos apresenta muita variação e alguns exemplos de super-aplicação e sub-aplicação
das regras de sândi externo (degeminação e elisão). Contudo, a autora observa que as
crianças nunca aplicam a regra de sândi se uma das sílabas envolvidas no contexto
carrega o acento frasal (acento entonacional).
Komatsu & Santos (2005) observam que estes erros não se limitam
simplesmente a sub-aplicação e super-aplicação de regras, mas trata-se de uma
utilização diferente do adulto. Segundo as autoras um desenvolvimento no processo
de aquisição das regras de sândi externo. Elas corroboram Scarpa de que o acento
entonacional é dominado desde muito cedo, logo nos primeiros enunciados de duas
15
Cf. Stemberger 1988, Matthei 1989, Newton & Wells 2001 para o inglês. No entanto, tratam de
processos fonológicos que ocorrem entre palavras (elisão, ressilabificação, assimilação de nasal, entre
outros), discutindo apenas como estes afetam a sequência segmental, sem discutir a influência no ritmo
das sentenças.
40
palavras (pois as crianças obedecem ao bloqueio das regras de sândi quando este acento
aparece no contexto), mas discordam de Scarpa ao defender que não sub-aplicação
das regras pelas crianças. Segundo as autoras, as crianças usam elisão como estratégias
default, e as propriedades prosódicas das regras são adquiridas antes das propriedades
segmentais. Finalmente, e mais importante para este trabalho, elas argumentam que
essas estratégias não são utilizadas para otimização rítmica no começo do processo de
aquisição, mas somente por volta dos 3 anos.
Embora as regras discutidas sejam diferentes, as autoras assumem que as
crianças trabalham com o ritmo por volta dos 3 anos. Assim, em nossa pesquisa que
analisa a fala de uma criança aos 5 anos as crianças podem ser testadas quanto às
regras rítmicas.
Moraes (2001) verificou que o fenômeno do encontro acentual na linguagem
infantil podia ser desfeito pela retração acentual e outras estratégias, no entanto também
constatou que o encontro acentual se mantinha em um grande número de exemplos dos
dados analisados. Seus resultados foram baseados em análise de outiva, não foram
submetidos à análise estatística e apontaram que as estratégias surgiram aos poucos e
houve preferência por algumas delas, tais como: pausa, alongamento de sílaba e
alternância de tom, numa ordem decrescente de utilização, ou seja, a pausa foi a
estratégia privilegiada para desfazer encontros acentuais.
No entanto, a o obrigatoriedade do uso de determinada estratégia para os
fenômenos rítmicos em questão (degeminação, elisão, retração acentual e alongamento)
explica a variação encontrada nos dados e também sugere que haja uma investigação
maior no sentido de entender os outros parâmetros (além dos prosódicos) que possam
agir sobre um fenômeno rítmico.
16
Os trabalhos mencionados nesta subseção focalizaram a análise do ponto de
vista perceptual e apontam que, por volta dos 5 anos período por nós investigado, a
criança já trabalha com questões prosódicas que otimizam o ritmo.
16
Infelizmente, essa investigação foge aos propósitos desta tese. Ficará para pesquisas futuras.
41
CAPÍTULO IV
A criança e o fenômeno do Encontro Acentual – Análise dos Dados
IV.1. Introdução
Este capítulo apresenta os resultados da análise acústica dos fenômenos
indicados do ponto de vista fonológico em Abousalh (1997) e Moraes (2001) como
sendo utilizados em PB para desfazer a retração acentual, na fala de adultos e crianças,
respectivamente.
Como dito, a questão do choque acentual, na linguagem adulta, tem sido
abordada por diversos autores, em línguas distintas, como um fenômeno que pode ser
desfeito por várias estratégias. Esta visão, de cunho fonológico, foi contestada por
Barbosa (2002) e Madureira (2002), em um estudo de base fonética com linguagem
adulta, provando acusticamente a não retração acentual em situação de encontro
acentual.
O objetivo desta pesquisa foi analisar duas estratégias para desfazimento do
encontro acentual segundo Abousalh e Moraes: stress-shift e alongamento, que têm em
comum a duração como principal parâmetro acústico. A escolha por essas estratégias se
deve ao fato de que é possível discutir estratégias prosódicas que levem em conta o
parâmetro da duração dado que existem trabalhos (cf. Gama-Rossi 1999) que
descreveram a aquisição desse parâmetro acústico para o português brasileiro. Isto é, o
fato de que crianças com 5 anos dominam o parâmetro da duração (Gama-Rossi
1999) permite-nos analisar se esse parâmetro é usado para estratégias tmicas como o
desfazimento de encontro acentual.
A estratégia da retração acentual é apontada pela fonologia prosódica como a
mais freqüente. O parâmetro analisado foi a duração das vogais pré-tônicas e tônicas da
palavra-alvo (cf. comi bolo/comi bolacha). As frases-controle (ambiente de não
encontro acentual) são bem homogêneas com relação às frases-alvo (ambiente de
encontro acentual) para que os pares contrastados (cf. bebi toddy/bebi todinho)
mantenham sempre a mesma palavra inicial (o principal foco de análise para o
fenômeno da retração acentual) nos dois contextos e para que a palavra disparadora
42
(“trigger”) também tenha a sílaba inicial da palavra igual a da palavra da frase no
contexto de encontro acentual (cf. bolo x bolacha, bala x batata, toddy x todinho, etc.).
Para complementar a análise da estratégia da retração acentual, o parâmetro da
freqüência fundamental também foi verificado (de modo a checar a análise de
Madureira 2002). Se a vogal pré-tônica, em contexto de encontro acentual,
apresentasse maior inflexão de F0 do que a mesma vogal em contexto de não encontro
acentual, este fato evidenciaria a aplicação da estratégia da retração acentual. Se a vogal
tônica, em contexto de encontro acentual, apresentasse menor inflexão de F0 do que a
mesma vogal em contexto de não encontro acentual, este fato também evidenciaria a
aplicação da estratégia da retração acentual. Foram analisados o F0 (início e meio da
vogal da palavra) e o F0 (início e meio da vogal da palavra) para garantir a
estabilidade do parâmetro analisado, por isso a necessidade de medir os valores do
início e do meio da vogal.
A outra estratégia analisada foi a de alongamento de vogal, previsto pela teoria
fonológica (Selkirk, 1984) e existente em PB, segundo Abousalh e Moraes. Neste caso
verificou-se o parâmetro da duração da primeira vogal tônica em ambos os contextos
(encontro acentual X o encontro acentual). Se esta vogal tônica tivesse maior
duração em ambiente de encontro acentual do que a mesma em contexto de não
encontro acentual, esse fato evidenciaria a aplicação da estratégia de alongamento.
IV.2. Metodologia
Nesta seção descrevo os materiais e métodos utilizados, bem como a
constituição do corpus analisado.
Foram utilizados 1 mini gravador RQ-L 319, 1 microfone MD 195 e fita cassete
TDK (type I). Trata-se de um estudo de caso no qual a criança analisada, minha filha,
então com 5 anos e 7 meses, foi gravada em 3 sessões na cabine acústica da USP
(26/08/03 a 30/08/03), repetindo cada uma de 12 frases 5 vezes, num total de 60 frases
para serem analisadas. Em seguida, as frases foram digitalizadas no software Praat 4.1.2
(Boersma & Weenink, 1992-2003), com som mono, taxa de amostragem a 22.500Hz e
taxa de quantização de 16 bits.
17
17
Agradeço a colaboração da fonoaudióloga Sandra Merlo pelo empréstimo de material, digitalização dos
dados e pelas informações teóricas e assessoria na utilização do Praat.
43
As medidas de duração das vogais foram feitas com base em critérios
estabelecidos a partir da forma da onda e da análise espectral para determinar o início e
fim do segmento vocálico. Para facilitar esta tarefa, escolhi, na medida do possível,
consoantes plosivas para anteceder as vogais (cf. bolo/bolacha, papel dele/papel
delicado, etc.), pois este tipo de consoante facilita o trabalho de segmentação das
palavras. Os dois tipos de análise, a espectral e a forma de onda foram verificados
auditivamente para cada segmento etiquetado.
No anexo, encontram-se espectogramas de um exemplo de cada par analisado.
IV.3. Corpus
Foram elaboradas 12 frases-alvo, 6 com encontro acentual e 6 sem o referido
fenômeno, de modo que as palavras disparadoras a palavra do encontro acentual -
formaram pares bem uniformes (ex. bolo/bolacha). Estas frases foram misturadas
aleatoriamente a 15 frases que funcionaram como “fillers”, ou seja, distratoras em
relação ao alvo para que a tarefa não fosse percebida pelo sujeito-alvo, tornando o
experimento o mais natural possível.
18
As sílabas em negrito representam os acentos primários em ambos os contextos
(encontro acentual X não encontro acentual). O vocabulário das sentenças era conhecido
pela criança e referia-se, de um modo geral, a atividades do seu cotidiano. Todos os
pares frasais do corpus obedeceram ao nível da frase fonológica, ou seja, tanto as
palavras em situação de encontro acentual como as palavras em situação de o
encontro acentual estavam dentro do domínio da frase fonológica.
19
O número de
sílabas dos pares frasais também foi controlado com o objetivo de manter o mesmo
tamanho das sentenças para não alterar a estrutura rítmica.
Assumindo a visão de que o PB é do tipo misto, orientei meu sujeito (uma
criança) para que pronunciasse as frases da forma mais natural possível. Pronunciei as
sentenças com uma taxa de elocução normal para que L. fizesse o mesmo.
18
Agradeço a colaboração da Profa. Dra. Aglael Gama Rossi (PUC-SP) pelas informações teóricas com
relação à elaboração das frases-alvo.
19
Cabe observar que nem sempre as frases fonológicas corresponderam estritamente às frases fonológicas
prescritas pela teoria prosódica como no par 2a/2e (Eu comi bolo de chocolate/Eu comi bolacha de
morango), no qual a frase fonológica foi reestruturada como previsto pela regra de reestruturação da
teoria na qual o termo "bolo" se junta ao verbo "comi", pois a frase fonológica "de chocolate"é
ramificada, não permitindo a reestruturação.
44
As sentenças - 1a), 2a), 3a), 4a), 5a) e 6a)- são sentenças com encontro acentual.
As sentenças (b, c, d) de todos os pares frasais são as sentenças distratoras (fillers-
sounds). As sentenças - 1e), 2e), 3e), 4e), 5e) e 6e) são sentenças sem encontro
acentual, denominadas sentenças de controle.
1a) Eu (comi bala)φ do potinho.
1b) Ele dançou tango em Buenos Aires.
1c) Eles cantaram música ao vivo.
1d) A casa da barbie é bonita.
1e) Eu (comi batata)φ do prato.
2a) Eu (comi bolo)φ de chocolate.
2b) Ela comeu morango com creme.
2c) Mamãe contou estória de bruxa.
2d) A professora cantou cantiga de roda.
2e) Eu (comi bolacha)φ de morango.
3a) Eu (bebi toddy)φ no lanchinho.
3b) Papai bebeu cerveja no almoço.
3c) A Rosa cozinhou milho pra mim.
3d) Ela regou a flor do jardim.
3e) Eu (bebi todinho)φ no lanche. .
4a) Eu vou colocar o (papel dele)φ na minha cabeça.
4b) Ele vai tomar sorvete na padaria.
4c) O Miguel vai colocar o livro na estante.
4d) Eu vou comer pipoca no quarto.
4e) Eu vou colocar o (papel delicado)φ na minha cabeça.
5a) Eu vou (botar brinco)φ na mulher.
5b) A Laura vai brincar comigo no parque.
5c) Eu vou contar estória de fada.
45
5d) Eu vou dançar balé na academia.
5e) Eu vou (botar brinquedo)φ na sacola.
6a) A Maria Emília vai (catar coco)φ no mato.
6b) Mamãe contou estória de bruxa.
6c) A Rosa cozinhou milho pra mim.
6d) O Miguel vai colocar o livro na estante.
6e) A Maria Emília vai (catar coquinho)φ no mato.
IV.4. A estratégia de retração acentual
Nesta seção apresentarei os resultados deste corpus, do ponto de vista acústico,
enfatizando que os parâmetros analisados foram o da duração e da freqüência
fundamental das vogais. O processo do trabalho passou por duas etapas importantes: a
primeira na qual analisei os pares frasais (com suas respectivas médias e desvios-
padrão) para verificar se haveria alguma diferença significativa entre os pares frasais; e
uma segunda na qual os pares foram submetidos a testes estatísticos, para averiguar o
comportamento do corpus de uma forma mais geral, que os pares foram submetidos
todos juntos ao teste estatístico. Começarei apresentando os resultados pelos pares
frasais e, em seguida, apresentarei a análise estatística mais geral.
IV.4.1. Duração
IV.4.1.1. Análise descritiva do parâmetro da duração relativo às médias dos pares
frasais
A análise acústica do parâmetro da duração centrou-se na observação da
primeira vogal da primeira palavra nos dois contextos (cf.: “A Maria Emília vai catar
coco no mato” e “A Maria Emilia vai catar coquinho no mato”) para verificar a
estratégia da retração acentual. Se a vogal pré-tônica ocorreu em um contexto de
encontro acentual e mostrou maior duração do que a mesma vogal em contexto de não
encontro acentual, este fato demonstrou a aplicação da estratégia da retração acentual.
46
A segunda vogal da primeira palavra também foi analisada, dado o caráter
relacional do acento. Se a vogal tônica ocorreu em um contexto de encontro acentual e
mostrou menor duração do que a mesma vogal em contexto de não encontro acentual,
este fato também sugeriu a aplicação da estratégia da retração acentual. Iniciando pela
análise que destacou os pares frasais, apresentarei as médias e os desvios padrões de
cada par com o intuito de verificar se alguma diferença singular em um determinado
par.
A escolha pela comparação paradigmática entre as vogais, ou seja, pré-tônica
(contexto de encontro acentual) X pré-tônica (contexto de não encontro acentual) e
tônica (contexto de encontro acentual) X tônica (contexto de não encontro acentual) foi
feita porque eram sempre as mesmas vogais comparadas com relação à posição na
palavra (pré-tônica ou tônica), dentro da mesma palavra-alvo. Desta forma, não foi feita
uma comparação sintagmática entre as vogais (pré-tônica X tônica), devido à posição da
vogal na palavra (pré-tônica X tônica) e à natureza distinta das mesmas (ex. comi,
duração intrínseca diferente).
As tabelas abaixo, relativas às medidas de duração em segundos (média e
desvio-padrão) das vogais, refletem a variabilidade do falante na hora da produção.
Par 1a)/1e):
1a) Eu (comi bala)φ do potinho.
Média
(C)O
0,113
(M)I
0,075
Desvio
padrão 0,029 0,019
1e) Eu (comi batata)φ do prato.
média
(C)O
0,078
(M)I
0,096
Desvio
padrão 0,031 0,028
47
A sentença (1a) Eu comi bala do potinho (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de duração:
113ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
75 ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (1e) Eu comi batata do prato (situação de não encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de duração:
78ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
96ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: ao compararmos a média da duração da vogal pré-tônica /o/ da
sentença (1a) com a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (1e), verificamos que a
diferença das médias é de 35ms a favor de uma duração maior da vogal pré-tônica /o/
no contexto de encontro acentual (sentença 1a). Isoladamente, esta diferença pode
apresentar um favorecimento para estratégia de retração acentual, que a dia da
duração da vogal pré-tônica /o/ foi maior no contexto de encontro acentual
20
.
Vogal tônica: ao compararmos a média da duração da vogal tônica /i/ da sentença (1a)
com a média da vogal tônica /i/ da sentença (1e), verificamos que a diferença das
médias é de 21 ms a favor de uma duração maior da vogal tônica /i/ no contexto de não
encontro acentual (sentença 1e). Isoladamente, esta diferença pode apresentar um
favorecimento para estratégia de retração acentual, já que a média de duração da vogal
tônica /i/ foi maior no contexto de não encontro acentual
21
.
Par 2a)/2e):
2a) Eu (comi bolo)φ de chocolate.
Média
(C)O (M)I
20
No entanto, do ponto de vista perceptual, o falante não produziu a palavra oxítona como paroxítona.
21
Perceptualmente não houve diferença na pronúncia da palavra, que continuou a ser produzida como
oxítona (comI).
48
0,096 0,101
Desvio
padrão 0,014 0,016
2e) Eu (comi bolacha)φ de morango.
Média
(C)O
0,077
(M)I
0,107
Desvio
padrão 0,005 0,019
A sentença (2a) Eu comi bolo de chocolate (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de duração:
96ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
101ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (2e) Eu comi bolacha de morango (situação de não encontro
acentual) apresentou as seguintes médias de duração:
77ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
107 ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: ao compararmos a média da duração da vogal pré-tônica /o/ da
sentença (2a) com a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (2e), verificamos que a
diferença das médias é de 19ms a favor de uma duração maior da vogal pré-tônica /o/
no contexto de encontro acentual (sentença 2a). Isoladamente, esta diferença pode
apresentar um favorecimento para estratégia de retração acentual, que a dia da
duração da vogal pré-tônica /o/ foi maior no contexto de encontro acentual
22
.
Vogal tônica: ao compararmos a média da duração da vogal tônica /i/ da sentença (2a)
com a média da vogal tônica /i/ da sentença (2e), verificamos que a diferença das
22
Mesma observação da nota n. 15.
49
médias é de 6ms a favor de uma duração maior da vogal tônica /i/ no contexto de não
encontro acentual (sentença 2e), o que não representa uma diferença significativa.
Par 3a)/3e):
3a) Eu (bebi toddy)φ no lanchinho.
Média
(B)E
0,101
(B)I
0,074
Desvio
padrão 0,020 0,012
3e) Eu (bebi todinho)φ no lanche.
Média
(B)E
0,111
(B)I
0,075
Desvio
padrão 0,019 0,004
A sentença (3a) Eu bebi toddy no lanchinho (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de duração:
101ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /e/)
74ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (3e) Eu bebi todinho no lanche (situação de não encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de duração:
111ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /e/)
75ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: ao compararmos a média da duração da vogal pré-tônica /e/ da
sentença (3a) com a média da vogal pré-tônica /e/ da sentença (3e), verificamos que a
diferença das médias é de 10ms a favor de uma duração maior da vogal pré-tônica /e/ no
contexto de não encontro acentual (sentença 3e), não favorecendo uma aplicação da
50
estratégia de retração acentual em contexto de encontro acentual, pois apresentou uma
duração menor neste contexto.
Vogal tônica: ao compararmos a média da duração da vogal tônica /i/ da sentença (3a)
com a média da vogal tônica /i/ da sentença (3e), verificamos que as médias são as
mesmas, não favorecendo a aplicação da estratégia de retração acentual em contexto de
encontro acentual, pois a duração da vogal não foi menor neste contexto
23
.
Par 4a)/4e):
4a) Eu vou colocar o (papel dele)φ na minha cabeça.
Média
(P)A
0,081
(P)EW
0,100
Desvio
padrão 0,011 0,018
4e) Eu vou colocar o (papel delicado)φ na minha cabeça.
Média
(P)A
0,092
(P)EW
0,096
Desvio
padrão 0,009 0,020
A sentença (4a) Eu vou colocar o papel dele na minha cabeça (situação de
encontro acentual) apresentou as seguintes médias de duração:
81ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /a/)
100ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /e/)
A sentença (4e) Eu vou colocar o papel delicado na minha cabeça (situação de
não encontro acentual) apresentou as seguintes médias de duração:
92ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /a/)
23
Este par apresenta uma propriedade relacional entre as sílabas pré-tônica (maior duração) e tônica
(menor duração) sempre constante; porém, perceptualmente, a pronúncia da palavra em ambos os
contextos foi sempre oxítona (bebI).
51
96ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /e/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: ao compararmos a média da duração da vogal pré-tônica /a/ da
sentença (4a) com a média da vogal pré-tônica /a/ da sentença (4e), verificamos que a
diferença das médias é de 11ms a favor de uma duração maior da vogal pré-tônica /a/ no
contexto de não encontro acentual (sentença 4e), evidenciando o não favorecimento da
estratégia de retração acentual em contexto de encontro acentual.
Vogal tônica: ao compararmos a média da duração da vogal tônica /e/ da sentença (4a)
com a média da vogal tônica /e/ da sentença (4e), verificamos que as médias são as
mesmas (diferença de 4ms não é significativa), isto evidencia que a estratégia de
retração acentual não foi aplicada no contexto de encontro acentual, pois a vogal tônica
não teve duração menor neste contexto.
Par 5a)/5e):
5a) Eu vou (botar brinco)φ na mulher.
Média
(B)O
0,082
(T)Á
0,111
Desvio
padrão 0,019 0,033
5e) Eu vou (botar brinquedo)φ na sacola.
Média
(B)O
0,093
(T)Á
0,118
Desvio
padrão 0,009 0,030
A sentença (5a) Eu vou botar brinco na mulher (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de duração:
82ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
52
111ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
A sentença (5e) Eu vou botar brinquedo na sacola (situação de não encontro
acentual) apresentou as seguintes médias de duração:
93ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
118ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: ao compararmos a média da duração da vogal pré-tônica /o/ da
sentença (5a) com a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (5e), verificamos que a
diferença das médias é de 11ms a favor de uma duração maior no contexto de o
encontro acentual. Neste caso podemos sugerir que não houve aplicação da estratégia
de retração acentual no contexto de encontro acentual, pois a duração da vogal foi
menor neste ambiente.
Vogal tônica: ao compararmos a média da duração da vogal tônica /a/ da sentença (5a)
com a média da vogal tônica /a/ da sentença (5e), verificamos que a diferença das
médias não é significativa (7ms), então podemos considerar que não houve aplicação da
estratégia de retração acentual em contexto de encontro acentual, pois a duração da
vogal permaneceu inalterada em ambos os contextos.
Par 6a)/6e):
6a) A Maria Emília vai (catar coco)φ no mato.
Média
(C)A
0,056
(T)Á
0,082
Desvio
padrão 0,019 0,011
6e) A Maria Emilia vai (catar coquinho)φ no mato.
Média
(C)A
0,057
(T)Á
0,070
53
Desvio
padrão 0,009 0,014
A sentença (6a) A Maria Emília vai catar coco no mato (situação de encontro
acentual) apresentou as seguintes médias de duração:
56ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /a /)
82ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
A sentença (6e) A Maria Emília vai catar coquinho no mato (situação de não
encontro acentual) apresentou as seguintes médias de duração:
57ms - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
70ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: ao compararmos a média da duração da vogal pré-tônica /a/ da
sentença (6a) com a média da vogal pré-tônica /a/ da sentença (6e), verificamos que a
média é a mesma, não sugerindo aplicação da estratégia de retração acentual, pois a
duração da vogal não foi maior em contexto de encontro acentual.
Vogal tônica: ao compararmos a média da duração da vogal tônica /a/ da sentença (6a)
com a média da vogal tônica /a/ da sentença (6e), verificamos que a diferença das
médias é de 12ms a favor de uma duração maior no contexto de encontro acentual.
Neste caso podemos sugerir que não houve aplicação da estratégia de retração acentual
no contexto de encontro acentual, pois a duração da vogal foi maior neste ambiente.
A análise dos pares frasais ilustrou algumas diferenças interessantes, às vezes
favorecendo uma possível aplicação da estratégia de retração acentual, dada a diferença
entre as medidas de duração, como, por exemplo, no par 2a) comi bolo X 2e) comi
bolacha (cf. também os pares (1) e (3)). Isoladamente, esta diferença pode apresentar
um favorecimento para estratégia de retração acentual, que a média da duração da
vogal pré-tônica /o/ (par 2a/2e) foi maior no contexto de encontro acentual. Na próxima
seção, apresentarei os dados analisados do ponto de vista estatístico para verificar se tais
54
diferenças, apontadas nesta análise descritiva dos pares frasais, foram relevantes no
conjunto geral dos dados.
IV.4.1.2. Análise estatística descritiva e inferencial da duração
Levando em conta os resultados apresentados na seção anterior, o processo do
trabalho passou por duas etapas: a primeira na qual fiz uma análise estatística descritiva
(ou seja, neste momento da análise é verificado se os dados tendem à curva normal
24
ou
não) e um teste estatístico inferencial, que é escolhido dependendo do resultado da
primeira etapa: no caso de os dados tenderem à curva normal, aplica-se um teste
paramétrico, mas se os dados não tendem à curva normal, aplica-se um teste não-
paramétrico.
Como dito, a análise estatística foi estruturada em duas fases. Inicialmente
realizou-se uma análise estatística descritiva para coletar medidas de centralidade
(média e mediana), dispersão (desvio padrão, variança, mínimo e máximo) e o
histograma. No contexto de encontro acentual, os dados de duração da vogal pré-
tônica apresentaram uma média de 88 ms, desvio-padrão 26 ms e a distribuicão das
amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk
25
, aderiu à curva de normalidade com
uma probabilidade de 99,6%. No contexto de não encontro acentual os mesmos dados
apresentaram uma média de 85 ms, desvio-padrão de 23 ms e a distribuição das
amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, aderiu à curva de normalidade com
uma probabilidade de 34,1%.
No contexto de encontro acentual, os dados de duração da vogal tônica
apresentaram uma média de 90 ms, desvio-padrão de 24 ms e a distribuição das
amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, aderiu à curva de normalidade com
uma probabilidade de 15,02%. No contexto de não encontro acentual os mesmos dados
24
O fato de aderir ou não à curva de normalidade define que categoria de testes estatísticos devem ser
utilizados, a saber: paramétricos ou não-paramétricos. Quando os dados aderem à curva normal significa
que a maior parte das observações estão concentradas em torno da média e quanto mais distante da média,
menor o número de observações. Este fato não prejudica a observação dos dados, ou seja, o fato de aderir
ou não à curva de normalidade é tanto para ter o conhecimento da amostra como para definir que tipo de
teste será utilizado posteriormente.
25
Este é um teste estatístico descritivo que foi aplicado para verificar se a distribuição das amostras é
normal.
55
apresentaram uma média de 94 ms, desvio-padrão de 26 ms e a distribuição das
amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, aderiu à curva de normalidade com
uma probabilidade de 24,37%.
A análise estatística inferencial resultou da análise estatística descritiva. O teste
Shapiro-Wilk confirmou a aderência dos dados de duração à curva de normalidade,
então foi aplicado o teste ANOVA
26
(analyses of variance) com α < 5%. A hipótese nula
(H
0
) estabelece que não haveria diferença significativa das durações das vogais pré-
tônicas e tônicas entre os contextos de encontro acentual e não encontro acentual. A
hipótese alternativa (H
A
) estabelece que haveria diferença significativa das durações das
vogais pré-tônicas e tônicas entre os dois contextos. Olhando para a duração da vogal
pré-tônica, os resultados confirmaram a H
0
com um p =
63.85% (F[1, 58] = 0,223)
como pode ser visto no gráfico 1. Então, de acordo com a H
0
a estratégia de retração
acentual não ocorreu que a diferença entre a duração das vogais nos dois contextos
não foi significativa:
Graphic 1
Pre-tonic Vowel Duration
ANOVA 1-way: F(1, 58)=,22307, p=63,85%
alpha < 5%
Stress-clash No stress-clash
Condition
0,070
0,075
0,080
0,085
0,090
0,095
0,100
Pre-tonic Vowel duration
Olhando para a duração da vogal tônica, os resultados confirmaram a H
0
com
um p = 62.78% (F[1, 58] = 0,238) como pode ser visto no gráfico 2. Então, de acordo
26
Este é um teste estatístico inferencial aplicado para comparar a variança dos dados de duração dos
grupos de encontro acentual X grupos de não encontro acentual.
56
com a hipótese nula (H
0
) a estratégia de retração acentual não ocorreu já que não houve
diferença significativa entre a duração das vogais em ambos os contextos:
Graphic 2
Tonic Vowel Duration
ANOVA 1-way: F(1, 58)=,23761, p=62,78%
alpha < 5%
Stress-clash No stress-clash
Condition
0,075
0,080
0,085
0,090
0,095
0,100
0,105
Tonic vowel duration
Após ter feito uma análise estatística que confirmou a hipótese nula (H0), ou
seja, não houve diferenças significativas com relação ao parâmetro da duração referente
à estratégia de retração acentual, confirmou-se que, mesmo havendo algumas diferenças
na análise dos pares frasais, estas não foram determinantes, do ponto de vista estatístico,
no conjunto geral de dados. Dito de outra maneira, não houve estratégia de retração
acentual em relação ao parâmetro de duração.
IV.4.2. A Freqüência Fundamental
Como dito, dado que Madureira (2002) apontou que a freqüência fundamental
poderia ser utilizada para a estratégia de retração acentual, complementamos nossa
análise do fenômeno analisando a freqüência fundamental em nossos dados de modo a
observar se a criança poderia estar se utilizando deste parâmetro para desfazer encontros
acentuais. Para análise da freqüência fundamental procedi da mesma forma que para a
análise da duração. Essa análise passou por duas etapas importantes: a primeira na qual
analisei os pares frasais (com suas respectivas médias e desvios-padrão) para verificar
57
se haveria alguma diferença significativa entre eles; e uma segunda a qual os pares
foram submetidos todos juntos a testes estatísticos, para averiguar o comportamento do
corpus de uma forma mais geral. Começarei apresentando os resultados pelos pares
frasais e, em seguida, apresentarei a análise estatística mais geral.
IV.4.2.1. Análise descritiva do parâmetro da freqüência fundamental relativa às
médias dos pares frasais
A análise acústica do parâmetro da freqüência fundamental centrou-se na
observação da primeira vogal da primeira palavra nos dois contextos (cf.:“A Maria
Emília vai catar coco no mato” e A Maria Emilia vai catar coquinho no mato”) para
verificar a estratégia de retração acentual. Se a vogal pré-tônica ocorreu em um
contexto de encontro acentual e mostrou maior inflexão de F0 do que a mesma vogal
em contexto de não encontro acentual, este fato demonstraria a aplicação da estratégia
de retração acentual. A segunda vogal da primeira palavra também foi analisada, dado o
caráter relacional do acento. Se a vogal tônica ocorreu em um contexto de encontro
acentual e mostrou menor inflexão de F0 do que a mesma vogal em contexto de não
encontro acentual, este fato sugeriu a aplicação da estratégia de retração acentual.
Par 1a)/1e):
1a) Eu (comi bala)φ do potinho.
média
(C)O
315 hz
(M)I
305 hz
Desvio
padrão 19,36 29,89
1e) Eu (comi batata)φ do prato.
média
(C)O
256 hz
(M)I
255 hz
Desvio
padrão 68,76 67,40
58
A sentença (1a) Eu comi bala do potinho (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de F0:
315hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
305hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (1e) Eu comi batata do prato (situação de não encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de F0:
256hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
255hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: ao compararmos a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (1a)
com a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (1e), verificamos que a diferença das
médias é de 59hz a favor de uma inflexão maior da vogal pré-tônica /o/ no contexto de
encontro acentual (sentença 1a), fato que pode sugerir a aplicação da estratégia de
retração acentual neste contexto.
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /i/ da sentença (1a) com a
média da vogal tônica /i/ da sentença (1e), verificamos que a diferença das médias é de
50hz a favor de uma inflexão maior da vogal tônica /i/ no contexto de encontro
acentual (sentença 1a), fato que indica a não aplicação de retração acentual neste
contexto.
Par 2a)/2e):
2a) Eu (comi bolo)φ de chocolate.
Média
(C)O
288 hz
(M)I
276 hz
Desvio 10,83 14,71
59
padrão
2e) Eu (comi bolacha)φ de morango.
Média
(C)O
274 hz
(M)I
223 hz
Desvio
padrão 8,35 82,79
A sentença (2a) Eu comi bolo de chocolate (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de F0:
288hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
276hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (2e) Eu comi bolacha de morango (situação de não encontro
acentual) apresentou as seguintes médias de F0:
274 hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
223 hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: Ao compararmos a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (2a)
com a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (2e), verificamos que a diferença das
médias é de 14hz a favor de uma inflexão maior da vogal pré-tônica /o/ no contexto de
encontro acentual (sentença 2a), fato que pode sugerir a aplicação da estratégia de
retração acentual neste contexto.
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /i/ da sentença (2a) com a
média da vogal tônica /i/ da sentença (2e), verificamos que a diferença das médias é de
53hz a favor de uma inflexão maior da vogal tônica /i/ no contexto de encontro
acentual (sentença 1a), fato que indica a não aplicação de retração acentual neste
contexto.
Par 3a)/3e):
60
3a) Eu (bebi toddy)φ no lanchinho.
Média
(B)E
236 hz
(B)I
267 hz
Desvio
padrão 85,89 70,91
3e) Eu (bebi todinho)φ no lanche.
Média
(B)E
279 hz
(B)I
271 hz
Desvio
padrão 6,35 79,93
A sentença (3a) Eu bebi toddy no lanchinho (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de F0:
236hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /e/)
267hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (3e) Eu bebi todinho no lanche (situação de não encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de F0:
279hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /e/)
271hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: Ao compararmos a média da vogal pré-tônica /e/ da sentença (3a)
com a média da vogal pré-tônica /e/ da sentença (3e), verificamos que a diferença das
médias é de 43hz a favor de uma maior inflexão da vogal pré-tônica em contexto de não
encontro acentual.
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /i/ da sentença (3a) com a
média da vogal tônica /i/ da sentença (3e), verificamos que a diferença das médias é de
4hz a favor de uma inflexão maior da vogal tônica /i/ no contexto de não encontro
61
acentual (sentença 3e), fato que indica a não aplicação de retração acentual no contexto
de encontro acentual.
Par 4a)/4e):
4a) Eu vou colocar o (papel dele)φ na minha cabeça.
Média
(P)A
267 hz
(P)EW
219 hz
Desvio
padrão 16,15 82,65
4e) Eu vou colocar o (papel delicado)φ na minha cabeça.
Média
(P)A
237 hz
(P)EW
249 hz
Desvio
padrão 82,62 70,77
A sentença (4a) Eu vou colocar o papel dele na minha cabeça (situação de
encontro acentual) apresentou as seguintes médias de F0:
267hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /a/)
219hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /e/)
A sentença (4e) Eu vou colocar o papel delicado na minha cabeça (situação de
não encontro acentual) apresentou as seguintes médias de F0:
237hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /a/)
249hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /e/)
Comparação paradigmática
62
Vogal pré-tônica: Ao compararmos a média da vogal pré-tônica /a/ da sentença (4a)
com a média da vogal pré-tônica /a/ da sentença (4e), verificamos que a diferença das
médias é de 30hz a favor de uma inflexão maior da vogal pré-tônica /a/ no contexto de
encontro acentual (sentença 4a). Isoladamente, este fato indicaria a aplicação de
retração acentual neste contexto.
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /e/ da sentença (4a) com a
média da vogal tônica /e/ da sentença (4e), verificamos que a diferença das médias é de
30hz a favor de uma inflexão maior da vogal tônica /e/ no contexto de não encontro
acentual (sentença 4e), fato que indica a não aplicação de retração acentual no contexto
de encontro acentual.
Par 5a)/5e):
5a) Eu vou (botar brinco)φ na mulher.
Média
(B)O
258 hz
(T)Á
264 hz
Desvio
padrão 71,31 7,69
5e) Eu vou (botar brinquedo)φ na sacola.
Média
(B)O
248 hz
(T)Á
268 hz
Desvio
padrão 58,73 7,30
A sentença (5a) Eu vou botar brinco na mulher (situação de encontro acentual)
apresentou as seguintes médias de F0:
258hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
264hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
63
A sentença (5e) Eu vou botar brinquedo na mulher (situação de não encontro
acentual) apresentou as seguintes médias de duração:
248hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
268hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: Ao compararmos a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (5a)
com a média da vogal pré-tônica /o/ da sentença (5e), verificamos que a diferença das
médias é de 10hz a favor de uma inflexão maior da vogal pré-tônica /o/ no contexto de
encontro acentual (sentença 5a). Separadamente, este valor poderia indicar a aplicação
da retração acentual no contexto de encontro acentual.
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /a/ da sentença (5a) com a
média da vogal tônica /a/ da sentença (5e), verificamos que a diferença das médias é de
4hz a favor de uma inflexão maior da vogal tônica /a/ no contexto de não encontro
acentual (sentença 5e), fato que indica a não aplicação da retração acentual no contexto
de encontro acentual.
Par 6a)/6e):
6a) A Maria Emília vai (catar coco)φ no mato.
Média
(C)A
131 hz
(T)Á
152 hz
Desvio
padrão 5,45 57,81
6e) A Maria Emilia vai (catar coquinho)φ no mato.
Média
(C)A
158 hz
(T)Á
151 hz
Desvio 64,52 65,76
64
padrão
A sentença (6a) A Maria Emília vai catar coco no mato (situação de encontro
acentual) apresentou as seguintes médias de F0:
131hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /a /)
152hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
A sentença (6e) A Maria Emília vai catar coquinho no mato (situação de não
encontro acentual) apresentou as seguintes médias de F0:
158hz - 1ª vogal da 1ª palavra (vogal pré-tônica /o/)
151hz - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
Comparação paradigmática
Vogal pré-tônica: Ao compararmos a média da vogal pré-tônica /a/ da sentença (6a)
com a média da vogal pré-tônica /a/ da sentença (6e), verificamos que a diferença das
médias é de 27hz a favor de uma inflexão maior da vogal pré-tônica /a/ no contexto de
não encontro acentual (sentença 6e), sugerindo a não aplicação da retração acentual no
contexto de encontro acentual.
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /a/ da sentença (6a) com a
média da vogal tônica /a/ da sentença (6e), verificamos que a diferença das médias é de
1hz, valor considerado insignificante, ou seja, a média foi a mesma, não havendo
alteração deste parâmetro nos dois contextos fato que indica a não aplicação da retração
acentual no contexto de encontro acentual.
Os resultados parciais do parâmetro do F0 apresentaram também algumas
diferenças interessantes, às vezes favorecendo uma possível aplicação da estratégia da
retração acentual, dada a diferença entre as medidas de F0, como, por exemplo, no par
1a) comi bala X 1e) comi batata. Isoladamente, esta diferença pode apresentar um
favorecimento para estratégia da retração acentual, que a média de F0 da vogal pré-
tônica /o/ foi maior no contexto de encontro acentual
27
.
27
Porém, isso não fez com que a criança pronunciasse a palavra como paroxítona. Aliás, todos os outros
pares, independentemente de alguns deles apresentarem diferenças de F0, favorecendo uma possível
aplicação da estratégia da retração acentual, também mantiveram a pronúncia da primeira palavra do
65
Na próxima seção, apresentarei os dados analisados do ponto de vista estatístico
para verificar se tais diferenças, apontadas nesta análise descritiva dos pares frasais,
foram relevantes no conjunto geral dos dados.
IV.4.2.2. Análise estatística descritiva e inferencial da freqüência fundamental
Para análise estatística da freqüência fundamental procedi da mesma forma que
para a análise da duração. O processo do trabalho passou por duas etapas: a primeira na
qual fiz uma análise descritiva dos dados para, então, determinar o teste estatísitico
inferencial mais adequado para os dados.
De acordo com a análise descritiva, para a freqüência fundamental (F0), em
contexto de encontro acentual, os dados de inflexão da vogal pré-tônica apresentaram
uma média de 247 Hz, desvio-padrão de 78 Hz e a distribuição das amostras que, de
acordo com o teste Shapiro-Wilk, não aderiu à curva de normalidade com uma
probabilidade de ≤10
-5
. No contexto de não encontro acentual os mesmos dados
apresentaram uma dia de 246 Hz, desvio-padrão de 69 Hz e a distribuição das
amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, não aderiu à curva de normalidade
com uma probabilidade de ≤10
-5
. No contexto de encontro acentual, os dados de
inflexão da vogal tônica apresentaram uma média de 252 Hz, desvio-padrão de 69 Hz e
a distribuição das amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, não aderiu à curva
de normalidade com uma probabilidade de ≤10
-5
. No contexto de não encontro acentual
os mesmos dados apresentaram uma média de 240 Hz, desvio-padrão de 74 Hz e a
distribuição das amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, não aderiu à curva
de normalidade com uma probabilidade de ≤10
-5
.
A análise estatística inferencial resultou da análise estatística descritiva. O teste
Shapiro-Wilk confirmou a aderência dos dados de freqüência fundamental à curva não
normal, então o teste não-paramétrico Kruskal-Wallis
28
foi aplicado com α <5%. A
hipótese nula (H
0
) estabelece que não haveria diferença significativa entre as inflexões
das vogais pré-tônicas e tônicas nos contextos de encontro acentual e não encontro
encontro acentual como oxítona.
28
Este é um teste inferencial não-paramétrico que verifica se há diferença estatística significante na soma
de postos nos valores de F0 das vogais.
66
acentual. A hipótese alternativa (H
A
) estabelece que haveria diferença entre as inflexões
das vogais pré-tônicas e tônicas nos contextos de encontro acentual e não encontro
acentual. Olhando para a inflexão da vogal pré-tônica, os resultados confirmaram a H
0
com um p = 28% H (3, N=120) = 3,82 como pode ser visto no gráfico 3. Por isso, de
acordo com a H
0
a estratégia de retração acentual não ocorreu, que a inflexão das
vogais em ambos os contextos não diferiu:
Graphic 3
F0 Pre-tonic vowel
Kruskal-Wallis: H (3, n = 120) = 3.82, p = 28%
alpha < 5%
Mean
±SD
±1,96*SD
Clash - beg
Clash - mid
Nonclash - beg
Nonclash - mid
Groups
50
100
150
200
250
300
350
400
450
F0 Values (Hz)
Olhando para a inflexão da vogal tônica, os resultados confirmaram a H
0
com
um p = 27% H (3, N=120) = 3,95 como pode ser visto no gráfico 4. Por isso, de acordo
com a hipótese nula (H
0
) a estratégia de retração acentual não ocorreu, já que a inflexão
das vogais em ambos os contextos não diferiu:
Graphic 4
67
F0 Tonic vowel
Kruskal-Wallis: H (3, n = 120) = 3.95, p = 27%
alpha < 5%
Mean
±SD
±1,96*SD
Clash - beg
Clash - mid
Nonclash - beg
Nonclash - mid
Groups
50
100
150
200
250
300
350
400
450
F0 Values (Hz)
IV.4.3 Resultado da análise de retração acentual
Como o resultado geral das análises estatísticas demonstrou que a hipótese nula
(H0) foi confirmada, isto é, não houve diferença significativa com relação aos dois
parâmetros analisados, duração e F0 relativos à estratégia da retração acentual, não foi
necessário recorrer a um teste post hoc para verificar os pares frasais separadamente.
29
Apesar de ter feito uma análise descritiva dos pares frasais que refletiu, em um
primeiro momento, algumas hipóteses distintas dos resultados estatísticos, a análise em
questão fez parte do processo de observação do fenômeno do encontro acentual com
relação à estratégia da retração acentual. Cabe salientar que, na análise descritiva inicial,
as palavras-alvo não apresentaram alterações relativas à acentuação da palavra (sempre
oxítona). Soma-se a isso o fato de na análise estatística, uma possível diferença
detectada na análise descritiva dos pares frasais, o ter sido relevante para o conjunto
de dados, confirmando a não aplicação da estratégia da retração acentual com relação
aos dois parâmetros, a duração e o F0.
IV.5. A estratégia de alongamento
29
Qualquer teste post hoc que seja aplicado após um teste geral, só é feito quando aparece uma diferença
significativa, para verificar onde se encontra esta diferença.
68
A estratégia de alongamento é outra estratégia utilizada, segundo Abousalh
(1997) e Moraes (2001) para desfazer encontros acentuais e também leva em conta o
parâmetro da duração. No entanto, uma significante diferença entre a estratégia de
retração acentual e a de alongamento. Na estratégia de retração acentual a hipótese é
que a primeira vogal do encontro acentual tenha a duração diminuída e a vogal da sílaba
anterior ‘aumente’ em termos de duração. Desse modo, o acento (cujo principal
correlato é a duração) move-se para a sílaba anterior e o encontro acentual se desfaz.
Na estratégia de alongamento a hipótese é oposta: assumindo que sílabas podem
preencher mais de um tempo na grade métrica, se a primeira vogal do encontro acentual
é alongada (portanto tem maior duração), ela preenche dois tempos na grade métrica e
desfaz o encontro acentual (cf. Cap II).
30
Assim, se a vogal tônica ocorreu em um
contexto de encontro acentual e mostrou maior duração do que a mesma vogal em
contexto de não encontro acentual, este fato sugeriu a aplicação da estratégia de
alongamento. Iniciando pela análise que destacou os pares frasais, apresentarei as
médias e os desvios padrões de cada par com o intuito de verificar se alguma
diferença singular em um determinado par.
IV.5.1. Análise descritiva do parâmetro da duração
De modo a facilitar a discussão, nesta seção repito os dados de duração das
vogais relativas à primeira sílaba tônica da primeira palavra do encontro acentual em
contexto de encontro acentual X não encontro acentual apresentadas na seção IV.4.1.1.
Par 1a)/1e):
1a) Eu (comi bala)φ do potinho.
média
(M)I
0,075
Desvio
padrão 0,019
1e) Eu (comi batata)φ do prato.
30
Cf. cap II para discussão sobre o português brasileiro e preenchimento da grade métrica.
69
média
(M)I
0,096
Desvio
padrão 0,028
A sentença (1a) Eu comi bala do potinho (situação de encontro acentual)
apresentou a seguinte média de duração:
75 ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (1e) Eu comi batata do prato (situação de não encontro acentual)
apresentou a seguinte médiasde duração:
96ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /i/ da sentença (1a) com a
média da vogal tônica /i/ da sentença (1e), verificamos que a diferença das médias é de
21 ms a favor de uma duração maior da vogal tônica /i/ no contexto de não encontro
acentual (sentença 1e). Em princípio pode-se interpretar essa diferença a favor do
alongamento da vogal em contexto de não encontro acentual.
Par 2a)/2e):
2a) Eu (comi bolo)φ de chocolate.
Média
(M)I
0,101
Desvio
padrão 0,016
2e) Eu (comi bolacha)φ de morango.
Média
(M)I
70
0,107
Desvio
padrão 0,019
A sentença (2a) Eu comi bolo de chocolate (situação de encontro acentual)
apresentou a seguinte média de duração:
101ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (2e) Eu comi bolacha de morango (situação de não encontro
acentual) apresentou a seguinte média de duração:
107 ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /i/ da sentença (2a) com a
média da vogal tônica /i/ da sentença (2e), verificamos que a diferença das médias é de
6ms, o que não representa uma diferença significativa.
Par 3a)/3e):
3a) Eu (bebi toddy)φ no lanchinho.
Média
(B)I
0,074
Desvio
padrão 0,012
3e) Eu (bebi todinho)φ no lanche.
Média
(B)I
0,075
Desvio
padrão 0,004
71
A sentença (3a) Eu bebi toddy no lanchinho (situação de encontro acentual)
apresentou a seguinte média de duração:
74ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
A sentença (3e) Eu bebi todinho no lanche (situação de não encontro acentual)
apresentou a seguinte média de duração:
75ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /i/)
Comparação paradigmática
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /i/ da sentença (3a) com a
média da vogal tônica /i/ da sentença (3e), verificamos que as médias são as mesmas,
não favorecendo a aplicação da estratégia do alongamento em contexto de encontro
acentual, pois a duração da vogal não foi maior neste contexto.
Par 4a)/4e):
4a) Eu vou colocar o (papel dele)φ na minha cabeça.
Média
(P)EW
0,100
Desvio
padrão 0,018
4e) Eu vou colocar o (papel delicado)φ na minha cabeça.
Média
(P)EW
0,096
Desvio
padrão 0,020
A sentença (4a) Eu vou colocar o papel dele na minha cabeça (situação de
encontro acentual) apresentou a seguinte média de duração:
100ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /e/)
72
A sentença (4e) Eu vou colocar o papel delicado na minha cabeça (situação de
não encontro acentual) apresentou a seguinte média de duração:
96ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /e/)
Comparação paradigmática
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /e/ da sentença (4a) com a
média da vogal tônica /e/ da sentença (4e), verificamos que as médias são as mesmas
(diferença de 4ms não é significativa), isto evidencia que a estratégia do alongamento
não foi aplicada no contexto de encontro acentual, pois a vogal tônicao teve duração
significativamente maior neste contexto.
Par 5a)/5e):
5a) Eu vou (botar brinco)φ na mulher.
Média
(T)Á
0,111
Desvio
padrão 0,033
5e) Eu vou (botar brinquedo)φ na sacola.
Média
(T)Á
0,118
Desvio
padrão 0,030
A sentença (5a) Eu vou botar brinco na mulher (situação de encontro acentual)
apresentou a seguinte média de duração:
111ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
A sentença (5e) Eu vou botar brinquedo na sacola (situação de não encontro
acentual) apresentou a seguinte média de duração:
73
118ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
Comparação paradigmática
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /a/ da sentença (5a) com a
média da vogal tônica /a/ da sentença (5e), verificamos que a diferença das médias não é
significativa (7ms), então podemos considerar que não houve aplicação da estratégia do
alongamento em contexto de encontro acentual.
Par 6a)/6e):
6a) A Maria Emília vai (catar coco)φ no mato.
Média
(T)Á
0,082
Desvio
padrão 0,011
6e) A Maria Emilia vai (catar coquinho)φ no mato.
Média
(T)Á
0,070
Desvio
padrão 0,014
A sentença (6a) A Maria Emília vai catar coco no mato (situação de encontro
acentual) apresentou a seguinte média de duração:
82ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
A sentença (6e) A Maria Emília vai catar coquinho no mato (situação de não
encontro acentual) apresentou a seguinte média de duração:
70ms - 2ª vogal da 1ª palavra (vogal tônica /a/)
Comparação paradigmática
Vogal tônica: ao compararmos a média da vogal tônica /a/ da sentença (6a) com a
média da vogal tônica /a/ da sentença (6e), verificamos que a diferença das médias é de
74
12ms a favor de uma duração maior no contexto de encontro acentual. Neste caso
podemos sugerir que houve aplicação da estratégia do alongamento, pois a duração da
vogal foi maior neste ambiente.
Com exceção dos pares 1a)/1e) e 6a)/6e), que apresentaram alguma alteração a
favor da estratégia do alongamento de vogal em ambiente de não encontro acentual e de
encontro acentual, respectivamente, os outros pares não apresentaram nenhuma
diferença significativa.
Na próxima seção, apresentarei os dados analisados do ponto de vista estatístico
para verificar se tais diferenças, apontadas nesta análise descritiva dos pares frasais,
foram relevantes no conjunto geral dos dados.
IV.5.2. Análise estatística descritiva e inferencial da duração
Nesta seção repito os dados de duração da primeira vogal tônica nos dois
ambientes (encontro acentual X não encontro acentual) apresentados em II.4.2 para
verificar se a estratégia de alongamento foi utilizado pela criança. Embora os dados
sejam os mesmos analisados na estratégia de retração acentual, volto a salientar que
aqui a hipótese é diferente: na estratégia de retração acentual procurávamos por um
‘encurtamento’ na primeira vogal do encontro acentual (vogal tônica). Para a estratégia
de alongamento o que interessa é um alongamento desta vogal.
No contexto de encontro acentual, os dados de duração da vogal tônica
apresentaram uma média de 90 ms, desvio-padrão de 24 ms e a distribuição das
amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, aderiu à curva de normalidade com
uma probabilidade de 15,02%. No contexto de não encontro acentual os mesmos dados
apresentaram uma média de 94 ms, desvio-padrão de 26 ms e a distribuição das
amostras que, de acordo com o teste Shapiro-Wilk, aderiu à curva de normalidade com
uma probabilidade de 24,37%.
A análise estatística inferencial resultou da análise estatística descritiva. O teste
Shapiro-Wilk confirmou a aderência dos dados de duração à curva de normalidade,
então foi aplicado o teste ANOVA (analyses of variance) com α < 5%. A hipótese nula
(H
0
) estabelece que não haveria diferença significativa das durações das vogais tônicas
75
entre os contextos de encontro acentual e não encontro acentual. A hipótese alternativa
(H
A
) estabelece que haveria diferença significativa das durações das vogais tônicas entre
os dois contextos. Olhando para a duração da vogal tônica, os resultados confirmaram
a H
0
com um p = 62.78% (F[1, 58] = 0,238) como pode ser visto no gráfico 5. Então, de
acordo com a hipótese nula (H
0
) a estratégia do alongamento não ocorreu que não
houve diferença significativa entre a duração das vogais em ambos os contextos.
Graphic 5
Tonic Vowel Duration
ANOVA 1-way: F(1, 58)=,23761, p=62,78%
alpha < 5%
Stress-clash No stress-clash
Condition
0,075
0,080
0,085
0,090
0,095
0,100
0,105
Tonic vowel duration
IV. 5.3. Resultado da análise da estratégia de alongamento
Como o resultado geral das análises estatísticas demonstrou que a hipótese nula
(H0) foi confirmada, isto é, não houve diferença significativa com relação ao parâmetro
analisado, a duração relativa à estratégia de alongamento, não foi necessário recorrer a
um teste post hoc para verificar os pares frasais separadamente.
Apesar de ter feito uma análise descritiva dos pares frasais que refletiu, em um
primeiro momento, somente duas hipóteses distintas dos resultados estatísticos, a
análise em questão fez parte do processo de observação do fenômeno do encontro
acentual com relação à estratégia do alongamento. Cabe salientar que, na análise
descritiva inicial, as palavras-alvo não apresentaram alterações relativas à acentuação da
76
palavra (sempre oxítona). Soma-se a isso o fato de na análise estatística, uma possível
diferença detectada na análise descritiva dos pares frasais, não ter sido relevante para o
conjunto de dados, confirmando a não aplicação da estratégia do alongamento com
relação ao parâmetro da duração.
77
V. CONCLUSÃO
Na introdução desta dissertação, disse que pretendia responder a duas questões
sobre as estratégias de retração acentual e alongamento na fala de uma criança
adquirindo português brasileiro: se eram ou não realizadas e se havia alguma restrição
nesta aplicação.
De acordo com os resultados da análise estatística, do ponto de vista da fonética
acústica, os dados apontaram para a manutenção do encontro acentual em contexto de
encontro acentual e esta tendência de manutenção da duração e da freqüência
fundamental das vogais também se deu nos contextos das frases-controle onde não
havia encontro acentual. Meus resultados corroboram as análises de Barbosa (2002) e
Madureira (2002) de que a retração acentual não é uma estratégia freqüentemente
utilizada no português brasileiro para desfazer encontros acentuais. Como os trabalhos
de Barbosa e Madureira trataram de 3 falantes, e o meu foi um estudo de caso, pôde-se
somente constatar que a estratégia de retração acentual não foi utilizada nestes casos.
A estratégia de alongamento de vogal também não foi utilizada por meu sujeito.
Infelizmente, faltam estudos sobre a fala de adultos para que possamos observar se esta
estratégia existe em PB mas ainda não foi adquirida, ou se também não existe na língua
em questão.
Assim, a partir dos dados analisados nesta dissertação, podemos responder à
primeira questão na negativa: as estratégias de retração acentual e alongamento não
foram utilizadas.
A resposta negativa para a primeira questão torna a segunda delas sem razão de
ser, pois a restrição a uma estratégia faz sentido se essa estratégia ocorreu. Ainda
assim, chamo a atenção para os cuidados que tive na elaboração do corpus experimental
deste trabalho, que em princípio não bloqueariam a aplicação das regras se essas
fizessem, efetivamente, parte do sistema rítmico do português brasileiro.
Para esse trabalho, o corpus foi montado levando em conta os resultados das
análises da fala adulta existentes sobre o português brasileiro. Desse modo é que todas
as sentenças tinham contextos para encontro acentual dentro da frase fonológica (o
locus de desfazimento da estratégia de retração acentual, segundo Abousalh 1997), as
78
frases fonológicas tinham o mesmo tamanho (Sândalo & Truckenbrodt) e não
envolviam objetos nulos (Santos 2001). As sentenças também tinham diversas
combinações de vogais envolvidas, para garantir que a duração intrínseca das vogais
não afetaria os resultados (Barbosa 2002).
Os contextos prosódicos criados não impediriam a retração acentual, que mesmo
assim não ocorreu. Também não houve nenhuma restrição quanto ao tipo de vogal
envolvida. Analisei diferentes vogais (que têm diferentes durações intrínsecas), mas não
houve nenhuma diferença para as estratégias, visto que a comparação entre as vogais era
idêntica, pois pertenciam ao mesmo ambiente fonético.
Tendo em vista os resultados de minha pesquisa, volto-me aos estudos fonéticos
e fonológicos que discutem regras rítmicas.
Uma diferença foi encontrada entre os meus resultados e os de Barbosa. Meus
resultados apontaram que as sílabas pré-tônicas e tônicas mantiveram tanto a duração
como a inflexão de F0 inalteradas diante do encontro acentual. Este detalhe é importante
com relação aos resultados dos trabalhos de Barbosa e Madureira, pois neles tanto a
duração como a inflexão aumentavam em direção à sílaba tônica, evidenciando que a
duração em PB cresce em direção ao acento frasal. Essa diferença entre a fala infantil e
os resultados na fala adulta merece ser pesquisada.
Como trabalhei com dados de produção infantil de uma criança e, a partir desta
análise, não encontrei as estratégias de desfazimento apontadas pela literatura
fonológica, este fato poderia simplesmente apontar para o caráter opcional das
estratégias para desfazer o encontro acentual, mas não quer dizer que elas não operem
em algum momento. No entanto, neste caso mesmo sendo este um estudo de caso o
esperado seria encontrar ao menos algumas instâncias das estratégias rítmicas estudadas
(alongamento e retração acentual), o que não ocorreu.
As pesquisas fonológicas descritas neste trabalho apresentam um favorecimento
para a estratégia de retração acentual, assim como outras (alongamento, pausa), em
inglês, italiano e PB. Minha observação a tais trabalhos centra, principalmente, na
elaboração do corpus. No trabalho de Abousalh para o PB, por exemplo, o corpus
escolhido foi a leitura de uma missa, sem haver um corpus de controle para confrontar
com os ambientes de choque acentual e sem uma análise acústica que permita observar
o que estava ocorrendo com os parâmetros da duração e da frequência fundamental. Um
79
outro fato importante é que os resultados da pesquisadora apontam para um grande
número de manutenções do encontro acentual. Embora, como dito acima, isso possa ser
devido ao caráter opcional das regras, faltou um trabalho estatístico que discutisse a
relevância das manutenções do encontro acentual.
O trabalho de AMC Moraes (2000, 2001) verificou que houve um grande
número de manutenção do encontro acentual nos dados, mas careceu de elaborar os
dados do ponto de vista estatístico para poder afirmar a importância dos mesmos.
Meu trabalho atual investigou, do ponto de vista fonético, o fenômeno do
encontro acentual e a aplicação ou não de estratégias como a retração acentual e o
alongamento para desfazer tais encontros. Contrariamente aos resultados encontrados na
minha pesquisa de iniciação científica (Moraes, 2001), na qual trabalhei do ponto de
vista fonológico, os dados desta pesquisa mostraram que não houve desfazimento” do
encontro acentual em nenhum contexto. A questão que se coloca é, ao elaborar um
corpus controlado por um grande número de variáveis estáveis (número de sílabas,
mesmo ambiente fonético, frases-controle) tem-se uma garantia maior de outros
parâmetros lingüísticos não interferirem. Além disso, sabe-se do caráter opcional da
aplicação de tais regras e, principalmente, o que foi apontado no trabalho de Scarpa
(1997) e Komatsu & Santos (2005), uma “submissão” do acento lexical ao acento
entonacional na hierarquia prosódica, anulando a possibilidade de aplicação de regras
rítmicas.
Ao ter formulado um corpus controlado, observando o número de sílabas, a
necessidade de elaborar frases-controle para contrapor às frases-alvo, além de ter o
cuidado de utilizar uma cabine acústica para, quando digitalizar, ter o menor número de
ruídos possível, consegui garantir um processo de elaboração para obter uma análise o
mais acurada possível, isto é, garantindo a análise do fenômeno rítmico sem
interferências para-lingüísticas. Claro que sabemos que não uma análise
completamente isenta da interferência de outros fenômenos (contexto situacional,
emocional, etc.) mesmo nas condições de um corpus controlado, mas, pelo menos,
um controle maior dada a elaboração do corpus.
É importante pensar que, com os resultados desta pesquisa, poderemos cotejá-la
com os dados da fala espontânea deste mesmo sujeito. Neste caso, deverão ser levados
em conta todos os outros fatores (paralingüísticos) em questão que, certamente,
80
influenciarão na elaboração rítmica da frase. Talvez esteja a razão das diferenças
entre os resultados dos estudos fonéticos e fonológicos.
Em pesquisas futuras, é interessante trabalhar na interação produção/percepção
de um corpus controlado para um número maior de sujeitos e, na medida do possível,
comparar esses dados com a fala espontânea dos mesmos. Desta forma, pode-se garantir
um maior rigor com relação aos dados e ao fenômeno estudado.
81
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VI. Anexo dos espectogramas
Nesta seção estão os espectogramas dos pares analisados devidamente
etiquetados com a segmentação da duração das vogais referentes aos encontros
acentuais. Foram escolhidos um exemplo de cada par a fim de ilustrar as análises.
Par 1a)/1e):
1a) Eu comi bala do potinho.
1e) Eu comi batata do prato.
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2a) Eu comi bolo de chocolate.
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2e) Eu comi bolacha de morango.
3a) Eu bebi toddy no lanchinho.
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3e) Eu bebi todinho no lanche.
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4a) Eu vou colocar o papel dele na minha cabeça.
4e) Eu vou colocar o papel delicado na minha cabeça.
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5a) Eu vou botar brinco na mulher.
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5e) Eu vou botar brinquedo na sacola.
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6a) A Maria Emília vai catar coco no mato.
6e) A Maria Emília vai catar coquinho no mato.
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