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organizada no que diz respeito a um programa permanente de ações que
conduzam a uma convivência harmônica e de desenvolvimento do semi-árido
brasileiro"
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. Na Declaração do Semi-Árido, é chamada atenção para como o Brasil
trata uma parte do seu território e da sua população:
Cerca de 900 mil km
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, imensa, porém invisível, a não ser quando a seca
castiga a região e as câmeras começam a mostrar as eternas imagens
de chão rachado, água turva e crianças passando fome. São imagens
verdadeiras, enquanto sinais de alerta para uma situação de
emergência. Mas são, também, imagens redutoras, caricaturas de um
povo que é dono de uma cultura riquíssima, capaz de inspirar
movimentos sociais do porte de Canudos e obras de arte de dimensão
universal – do clássico Grande Sertão: Veredas, do escritor Guimarães
Rosa, até o recente Central do Brasil, do cineasta Walter Salles.
É, ainda, na Declaração do Semi-Árido aonde é feita uma crítica às
freqüentes ações adotadas pelo poder público com relação aos problemas
naturais e sociais do semi-árido brasileiro. Defendendo assim a viabilidade do
nosso sertão, sem negar, contudo, toda a sua complexidade e diversidade.
O semi-árido brasileiro é um território imenso, com duas vezes mais
habitantes que Portugal, um território no qual caberiam a França e a
Alemanha reunidas. Essa imensidão não é uniforme: trata-se de um
verdadeiro mosaico de ambientes naturais e grupos humanos. Dentro
desse quadro bastante diversificado, vamos encontrar problemáticas
próprias à região (o acesso à água, por exemplo) e, outras, universais (a
desigualdade entre homens e mulheres). Vamos ser confrontados com o
esvaziamento de espaços rurais e à ocupação desordenada do espaço
urbano nas cidades de médio porte. Encontraremos, ainda, agricultores
familiares que plantam no sequeiro, colonos e grandes empresas de
agricultura irrigada, famílias sem terra, famílias assentadas, muita gente
com pouca terra, pouca gente com muita terra, assalariados, parceiros,
meeiros, extrativistas, comunidades indígenas, remanescentes de
quilombos, comerciantes, funcionários públicos, professores, agentes de
saúde... O que pretendemos com essa longa lista é deixar claro que a
problemática é intrincada e que uma visão sistêmica, que leve em
consideração os mais diversos aspectos e suas inter-relações, impõe-se
mais que nunca.
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Trecho retirado da Declaração do Semi-Árido assinada pelas entidades que posteriormente
vieram compor a Articulação no Semi-Árido Brasileiro, ASA-Brasil.