262
brasileira buscada pela ditadura militar era semelhante à política
cultural do varguismo, época em que Portinari fora cooptado para
colocar sua arte a serviço do Estado.
Dois momentos políticos então se entrecruzam ao contemplarmos a
trajetória da casa de Portinari em Brodowski: os governos de Vargas
(1937-1945 e 1950-1954) e o governo ditatorial iniciado a partir do
golpe militar de 1964. O processo da constituição inicial de seu
acervo, passando por sua decadência, pelas tentativas de resgatá-la
enquanto portadora da memória do artista, até sua consolidação
como Museu é marcado pelas atuações dessas duas políticas – por
vezes análogas, mas também diversas em determinados pontos.
Como ressalta Renato Ortiz, tanto em 1937 quanto em 1964, a
política no país foi definida através de uma visão autoritária, que no
plano da cultura foi representada através da censura e também pelo
incentivo de determinadas ações culturais. O governo militar
desenvolveu atividades na esfera cultural, e Vargas criou uma série
de instituições como o Instituto Nacional do Livro, o Instituto Nacional
do Cinema Educativo, museus, bibliotecas, além de promover
profundas transformações na área da educação. No entanto, ao lado
dessas importantes realizações, o braço repressor do DIP não deixou
de se manifestar
238
.
No entanto, o autor faz questão de diferenciar a atuação dessas duas
políticas, chamando a atenção para os momentos econômicos
diferentes aos quais pertenceram. A atuação de Capanema em
relação à política cultural possuía “limites impostos pelo próprios
desenvolvimento da sociedade brasileira
239
”, sendo que o principal
ponto de diferenciação entre esses dois momentos é justamente a
conjuntura econômica na qual o Brasil se inseria nos anos pós-64,
que era completamente diversa da do Estado Novo. O que
diferenciaria esses dois momentos é que em 1964 o regime militar se
inseria dentro de um quadro econômico distinto. A relação que se
estabelece, portanto, entre o estado e os grupos empresariais é
diversa nesses dois momentos políticos, pois somente a partir da
década de 1960 é que esses grupos poderiam se assumir como
portadores de um capitalismo que aos poucos se desprende de sua
insipiência
240
.
Em relação às políticas de patrimônio cultural da época, algo de
continuidade ainda permanecida no ar. O SPHAN – Serviço do
Patrimônio Histórico Nacional – mesmo após o golpe de 1964, era
ainda dirigido por Rodrigo Melo Franco de Andrade, como já
mencionamos, que iria manter-se como diretor da entidade até 1968,
ano de sua morte, sendo então sucedido por Aloísio Magalhães. Esse
fato reflete que, mesmo que os militares tenham realizado profundas
mudanças no que toca à política cultural brasileira, criando e
extinguindo entidades e cargos, a essência do pensamento no que
toca ao patrimônio histórico surgida a partir da criação do SPHAN em
1937 pouco havia se alterado, ao ocupar Rodrigo M. F. Andrade o
mesmo cargo que assumira quase trinta anos antes.
Amigo de Cândido Portinari por longos anos, Rodrigo M. F. Andrade
havia testemunhado a fase na qual o artista realizou as pinturas da
casa de Brodowski, tendo trocado com o amigo algumas
correspondências contendo impressões sobre essas obras. Como já
apontamos anteriormente, o mesmo homem que, nos anos 1930, já
havia mencionado uma possível transformação da casa de Portinari
ideologias das esquerdas e transformaram tais representações em uma identidade harmônica,
esvaziada de tensões sociais.
238
ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense: 1991. p. 116.
239
Idem, ibidem.
240
Idem, p. 117.