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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ANA CLÁUDIA PEIXOTO DE CRISTO
CARTOGRAFIAS DA EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA RURAL RIBEIRINHA:
ESTUDO DO CURRÍCULO, IMAGENS, SABERES E IDENTIDADE EM UMA
ESCOLA DO MUNICÍPIO DE BREVES/ PARÁ
BELÉM-PA
2007
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1
ANA CLÁUDIA PEIXOTO DE CRISTO
CARTOGRAFIAS DA EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA RURAL RIBEIRINHA:
ESTUDO DO CURRÍCULO, IMAGENS, SABERES E IDENTIDADE EM UMA
ESCOLA DO MUNICÍPIO DE BREVES/ PARÁ
Dissertação apresentada como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação,
à Banca Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade
Federal do Pará. Sob a orientação do professor
doutor Salomão Antônio Mufarrej Hage.
Linha de Pesquisa: Currículo e Formação de
Professores
BELÉM - PA
2007
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ANA CLÁUDIA PEIXOTO DE CRISTO
CARTOGRAFIAS DA EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA RURAL RIBEIRINHA:
ESTUDO DO CURRÍCULO, IMAGENS, SABERES E IDENTIDADE EM UMA
ESCOLA DO MUNICÍPIO DE BREVES/ PARÁ
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação, à Banca
Examinadora do Programa de Pós-Graduação em
Educação, da Universidade Federal do Pará. Sob a
orientação do professor doutor Salomão Antônio
Mufarrej Hage.
Linha de Pesquisa: Currículo e Formação de
Professores
Data: 13/08/2007
Banca Examinadora
____________________________________________
Professor Doutor Salomão Antônio Mufarrej Hage
Orientador
Universidade Federal do Pará
____________________________________________
Professora Doutora Ivanilde Apoluceno de Oliveira
Examinadora
Universidade Estadual do Pará
____________________________________________
Professora Doutora Ivany Pinto Nascimento
Examinadora
Universidade Federal do Pará
3
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Biblioteca Profa. Elcy Rodrigues Lacerda/Instituto de Ciências da Educação/UFPA, Belém-PA
____________________________________________________________________________
Cristo, Ana Cláudia Peixoto de.
Cartografias da educação na Amazônia rural ribeirinha: estudo do curculo,
imagens, saberes e identidade em uma escola do Município de Breves/Pará;
orientador, Prof. Dr. Salomão Antônio Mufarref Hage. _ 2007.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Pará, Instituto
de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Belém, 2007.
1. Currículos – Planejamento Breves (PA). 2. Educação rural Breves
(PA). 3. Ensino Fundamental Breves (PA) . I. Título.
CDD - 21. ed.: 375.001098115
____________________________________________________________________________
4
No silêncio da ausência sei que sentiram à falta do colo, das
broncas, das exigências e da presença marcante de sua mãe, que
tem como maior incentivo à perspectiva de um dia poder retribuir
todo o sofrimento que causou, por não estar perto em alguns
momentos. Em reconhecimento ao carinho e a compreensão
daqueles que são a razão de minha existência meus filhos
queridos: Ronam, Ramon e Laís. DEDICO.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu esposo e companheiro Francisco Costa Leite Neto pelo amor, carinho,
compreensão e pela presença constante em todos os momentos, compartilhando as
angústias e alegrias. Como amazônida marajoara ribeirinho, contribuiu para que eu
pudesse entender melhor o modo de ser e de viver dos sujeitos socais da ilha de Marajó.
Hoje e sempre... vou ser grata.
Ao educador/amigo Salomão Hage, por todo o compromisso que tem com a educação das
populações do meio rural, pela orientação, pelos ensinamentos e por toda dedicação a este
trabalho.
Aos meus queridos familiares pelo incentivo constante e apoio nos momentos difíceis. Em
especial A MINHA QUERIDA MÃE Luiza Peixoto de Cristo, aos irmãos Jandira
Cristo dos Santos, Paulo Victor Cristo e Gabriel Cristo, deixo aqui o meu profundo
respeito e eterna gratidão. E aos irmãos que estiveram distantes geograficamente -
Trindade Cristo, Carlos Cristo, Francisco Cristo e Manoel Cristo, mas ligados pelo
coração torcem e se alegram com minhas vitórias e conquistas, expresso nestes escritos
meus agradecimentos.
A Maria Leite, Etiene, Élvio Paes, Hildemar, Marinho, Dema, Abílio, Iranete e
Regina pela acolhida nesta família a qual tenho um grande carinho.
In memoriam ao meu pai, Manoel Peixoto de Cristo, e ao meu sogro, Antonio Marinho
Leite, pelos ensinamentos e tudo de bom que me proporcionaram durante suas existências
neste mundo. Jamais irei esquecê-los.
Ao povo de Marajó, em especial aos pesquisandos Técnicos da SEMED, do Pró-rural,
pais, mães, alunos, educadores e gerente da empresa Global, etc., pela contribuição neste
trabalho, pelo compartilhar das experiências e do aprendizado.
As professoras Sônia Araújo, Ivanilde Oliveira, Ivany Pinto Nascimento e Arlete
Camargo pelas valiosas contribuições e sugestões a este trabalho.
A professora Joyce Otania Seixas Ribeiro, grande amiga que sempre me incentivou a
“voar” mais alto.
A Gleice Izaura Oliveira, amiga especial, companheira de viagem e da caminhada neste
mestrado.
Ao João Antonio Gaia Furtado, amigo de fé, irmão e camarada.
6
A Otoniel Nonato por toda a força e amizade que cultivamos nestes anos.
As amigas da pós-graduação, em especial: Lucineide, Karina e Amélia pelo incentivo e
companheirismo, que sem dúvida, nos momentos difíceis foram às pessoas que mais me
deram força.
A Hérica, Roseane, Sol, Marilene, Damião, Carlos, Solange e Joana pelo aprendizado
e convivência no curso.
Ao integrantes/amigos do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo da
Ilha de Marajó - GEPERIM, pela vivência e partilha dos idéias, que nos movem a
desejar uma educação de qualidade às populações que vivem no meio rural.
A todos os amigos que conquistei em Breves: Elza, Robertina, André, Marielson,
Fernando, Rita, Sines, Marlete, Fabiane, Luiz, Paulo, Geovane, Geane, Marcos,
Bárbara, Cleide, Jeovane, e tantos outros, que não foram citados, mas que têm igual
importância.
A Cleves Cavalcante pela persistência na luta por uma educação de qualidade no Marajó e
pela coerência com que tem defendido seus sonhos e ideais.
Aos meus ex-alunos e ex-companheiros trabalhos da UFPA-Campus de Breves, pela
confiança, amizade.
Aos amigos inesquecíveis da graduação em Cametá/PA: Emanuel Tocantins, Márcia
Reis, Vera Silva, Elisângela Silva, Josiane Pó, Rosa Lopes e Ivana Moreira.
A Corina Trindade, Emília Silva e Antonia Nunes pelo apoio, confiança e amizade que
cultivamos estes longos anos.
A do Socorro Borges Nunes e Lito Mateus amigos de Cametá, que me acolheram
durante a graduação e estiveram sempre torcendo por minhas conquistas.
A Gilmar e Odete Mendes, inesquecíveis professores, por todo o carinho, incentivo e
amizade que cultivamos desde a graduação em Cametá/PA.
A Maria da Conceição Sousa Mendes e Ana Cláudia da Silva Pereira, pela imensa
contribuição, pois e muito gratificante ter amigas com quem podemos contar. Valeu o
apoio!
A Pedro Brito de Oliveira e Arlete Rodrigues, pelas contribuições na revisão.
A CAPES, pela concessão da bolsa.
E a todos que contribuíram com a realização deste trabalho, mas que não foram citados,
sintam-se contemplados, pois esta conquista é um pouco de cada um de nós.
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RESUMO
Esta dissertação resulta de uma pesquisa realizada em Breves, localizado ao sul da ilha de
Marajó, no Estado do Pará, Brasil. Ela investiga o planejamento curricular da escola rural
ribeirinha da vila de madeireira “Ivo Mainardi” da rede municipal de Breves/PA, na
perspectiva das identidades e dos saberes da população ribeirinha marajoara de Breves. No
percurso metodológico investigativo foi utilizado a análise documental, a entrevista semi-
estruturada e a fotografia, com a perspectiva de possibilitar ao leitor uma melhor
compreensão sobre a Amazônia rural ribeirinha. A história de Breves tem início no Período
Colonial, com a chegada dos portugueses ao local, sua população é constituída de
ribeirinhos, muitos desses residem em pequenas comunidades, povoados e vilas de
madeireiras. Muitos ribeirinhos são atraídos às vilas de madeireiras pela oferta do emprego
na empresa madeireira e pela escola. Apesar do ribeirinho viver em um contexto em que a
produção material está relacionada à exploração da madeira os currículos escolares não
tratam desta questão, distanciando-se do que preconizam as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, que estabelece como princípio de qualidade do
currículo a ecologia e a sustentabilidade. O planejamento curricular das escolas do meio
rural é elaborado com a participação dos educadores rurais ribeirinhos, mas ainda não
expressa os saberes, a cultura, e a identidade dos ribeirinhos marajoaras da Vila Mainardi.
Assim, o desafio colocado aos gestores, os sujeitos sociais e os educadores é de vislumbrar
o compromisso com uma educação que construa e cultive identidades, valores, memória
coletiva e sinalize para a valorização e respeito dos povos que vivem na Amazônia
marajoara, rural e ribeirinha de Breves.
Palavras-chave: ribeirinhos - planejamento curricular – educação - vila de madeireira
8
ABSTRACT
This paper is a result of a research carried out in Breves, a town located in the south of the
Marajó Island, in the state of Pará, Brazil. It investigates the curricular planning of the
riverbank agricultural school of the villages which the main economic activity is timber,
called "Ivo Mainardi" of the municipal educational system of Breves, establishing a
relationship with what praises of quality defined by the Operational Guidelines for the
Basic Education in Schools located in the countryside, with focus on identities and
knowledge of the riverbank agricultural Marajó Amazon. In the investigation method
documentary analysis was used, the half structured interview and the photograph with the
perspective to make possible to the reader a better understanding on the riverbank
agricultural Amazon. The history of Breves has begun in the Colonial Period, with the
arrival of the Portuguese to the place, its population is made of riverbank people, many of
these inhabit in small communities, towns and villages which the main economic activity is
timber. In these communities the education is promoted considering the demand of the
company workers’ children who are attracted by the timber company job-offer and the
school. Although they live in a context where the material production is related to the
exploitation of timber, the school curriculum does not deal with this issue, they are from
what is praised by the Operational Guidelines for the Basic Education in Schools located in
the countryside, which establishes as quality principle the ecology and the sustainability.
Besides this point the curricular planning, although it counts on the participation of the
riverbank agricultural educators in its elaboration still does not express the knowledge, the
culture, and the identity of the Marajó riverbank population of the Mainardi Village. Thus,
the challenge placed to the managers, the social citizens and the educators is to see the
commitment with an education that constructs and cultivates identities, values, collective
memory and heads towards the valuation and respect of the peoples that live in the Marajó
agricultural and riverbank Amazon of Breves.
Key words: river bank communities - curricular planning - education - timber village
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Mapa da mesorregião Marajó.
Figura 02: Mapa da Ilha de Marajó indicando à heterogeneidade de produção da região e
localização estratégica com as capitais Belém (PA) Macapá (AP).
Figura 03: Mapa do Pará, com localização de Breves.
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LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 01: Vista aérea da cidade de Breves.
Fotografia 02: Floresta amazônica marajoara.
Fotografia 03: Fazenda de gado bovino em Cachoeira do Arari no Marajó.
Fotografia 04: Madeireira com o navio atracado no porto sendo carregado de madeira
Fotografia 05: Balsa transportando madeira.
Fotografia 06: Ribeirinho chegando à cidade trazendo farinha e açaí para comercializar.
Fotografia 07: Feira do Açaí em Breves
Fotografia 08: Morador de bairro periférico apanhando água.
Fotografia 09: Crianças e adultos tomando banho no rio.
Fotografia 10: Barco pequeno usado no transporte de pessoas, cargas e mercadorias.
Fotografia 11: Ribeirinho pilotando o casco.
Fotografia 12: Família ribeirinha transportada numa lanchinha e ao lado direito a
imagem de uma rabeta.
Fotografia 13: Embarcação utilizada para o transporte de pessoas, cargas e
mercadorias.
Fotografia 14: Vista panorâmica frontal da cidade de Breves/PA.
Fotografia 15: Paisagem ribeirinha de Breves destacando a cheia dos igarapés.
Fotografia 16: Residência ribeirinha do interior de Breves, feita em madeira e coberta
com palha.
Fotografia 17: Vila de Corcovado, no período de comercialização da borracha.
Fotografia 18: Vila de Corcovado atualmente.
Fotografia 19: Empilhamento de madeira no pátio da madeireira.
Fotografia 20: Trabalhadores da indústria madeireira.
Fotografia 21: Área desmatada para construção de casas.
Fotografia 22: Casas construídas na periferia.
Fotografia 23: Pontes sobre igarapé da periferia.
Fotografia 24: Lixo jogado próximo às margens do igarapé.
Fotografia 25: Mães e filhos pedindo esmolas ao lado das embarcações que viajam a
Belém.
11
Fotografia 24: Escola Municipal de Educação infantil “Coelhinho Feliz”.
Fotografia 25: Escola Municipal de Ensino Fundamental “Margarida de Azevedo Nemer”.
Fotografia 26: Campus Universitário de Breves - UFPA.
Fotografia 27: Escola da Rede Municipal de Ensino de Breves, quase invadida pela cheia
do rio.
Fotografia 28: Escola “João Pereira Seixas”, local de funcionamento do Projeto Troca do
Saber.
Fotografia 29: Manifestação dos educadores filiados ao SINTEPP-Breves.
Fotografia 30: Vila Mainardi.
Fotografia 31: Casas padronizadas da Vila Mainardi, localizadas às margens do Rio
Jaburu.
Fotografia 32: Casas da Vila Mainardi, localizadas às margens do Rio Jaburu.
Fotografia 33: Casas da Vila Mainardi, localizadas na área periférica da vila.
Fotografia 34: Porto alfandegário da Vila Mainardi.
Fotografia 35: Balsa sendo carregada de madeira no porto alfandegário.
Fotografia 36: Comercial Rio Jaburu LTDA. Cantina das Vilas Mainardi e Global.
Fotografia 37: Jogo de futebol.
Fotografia 38: Os sete pecados.
Fotografia 39: Pira pega.
Fotografia 40: Bandeirinha.
Fotografia 41: Adolescente jogando futebol.
Fotografia 42: Adolescente, jovens e alguns professores jogando vôlei.
Fotografia 43: Prédio da “Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo Mainardi”.
Fotografia 44: Discentes do ensino fundamental.
Fotografia 45: Ribeirinho pilotando uma canoa no rio, no início do anoitecer na Amazônia
marajoara brevenses.
Fotografia 46: As crianças tomando banho e apanhando água no rio.
Fotografia 47: Trabalhadores ribeirinhos retirando madeiras do rio, para serem utilizadas
na fabricação de cabo de vassouras.
Fotografia 48: Ribeirinho remando no rio ao entardecer marajoara.
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LISTA DE SIGLAS
GEPERUAZ – Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia.
GEPERIM – Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia.
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente.
BANPARA – Banco do Estado do Pará.
SEPOF – Secretaria Executiva de Planejamento, Orçamento e Finanças.
SEDUC – Secretaria Executiva de Educação.
SEMED- Secretaria Municipal de Educação.
SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Pará.
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
URE – Unidade Regional de Ensino.
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LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Indicadores geográficos e populacionais.
Tabela 02: Rendimento escolar do meio urbano de 2000 a 2005.
Tabela 03: Perfil dos docentes das séries iniciais do ensino fundamental de Breves.
Tabela 04: Rendimento escolar do meio rural de 2000 a 2005.
Tabela 05: Dados Estatísticos da Escola Ivo Mainardi, referente a 2006.
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO - “DESATRACAR O BARCO”.........................................................15
CAPITULO I: CARTOGRAFIAS DA AMAZÔNIA RURAL RIBEIRINHA:
IDENTIDADES, CULTURA, SABERES E EDUCAÇÃO.........................................34
1.1 - Ilha de Marajó: realidades multifaces da Amazônia rural ribeirinha.......................40
1.2 - O município de Breves: história, cultura e identidades dos ribeirinhos do
Marajó...............................................................................................................................59
CAPITULO II: RETRATOS DA EDUCAÇÃO RURAL NO MUNICÍPIO DE
BREVES............................................................................................................................83
2.1 - Configuração da Rede Municipal de Ensino de Breves............................................83
2.1.1 - Educação no meio rural em Breves........................................................................92
CAPITULO III: ESCOLA RURAL RIBEIRINHA DE VILA DE MADEIREIRA:
CURRÍCULO, IMAGENS, SABERES E IDENTIDADE .........................................105
3.1- A vila da madeireira Mainardi LTDA.......................................................................105
3.2- A Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo Mainardi”...............................114
3.2.1 - O planejamento curricular da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Ivo
Mainardi” ........................................................................................................................122
APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS: PARA DEIXAR DE “REMAR CONTRA A
MARÉ”...........................................................................................................................144
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................150
APÊNDICE....................................................................................................................157
15
INTRODUÇÃO: “DESATRACAR O BARCO”
Esta pesquisa aborda a temática “Cartografias da educação na Amazônia
rural ribeirinha: estudo do currículo, imagens, saberes e identidades em uma
escola do município de Breves/ Pará”. Estabelecer este diálogo foi um grande
desafio. Um exercício que tive que aprender. Para isso, foi necessário “desatracar o
barco”. Uso esta expressão, porque em 2003, quando viajava para Breves, onde fui
assumir o cargo de professora contratada para a disciplina Política Educacional, no
Campus de Breves -UFPA, por ignorância e/ou desconhecimento, não sabia que o
município localizava-se na Ilha de Marajó.
Na verdade, o conceito de Marajó que “aprendi” na geografia do mapa do Pará e
que possuía até, então, era equivocado. Um local longínquo, uma pequena porção de
terra, uma ilha localizada muito distante do continente, separada na parte superior do
mapa do Estado. Este era o conceito de ilha ensinado em muitos livros didáticos, na
minha época de estudante (anos iniciais), estava associado ao estudo das vogais. Era o
“i” da ilha, uma pequena porção de terra, rodeada por um imenso oceano azul, com um
nômade esfarrapado sob um coqueiro, se protegendo de um sol escaldante.
Certamente, sabia que o Marajó não era essa ilha dos livros didáticos, com esse
nômade, mas para mim o arquipélago marajoara continuava muito distante, possuía um
pequeno número de habitantes, praias e muitos búfalos, pois ao se tratar de Marajó,
quase sempre uma associação a este animal. E eu desconhecia a geografia e os
aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais do arquipélago.
Ainda durante a viagem obtive dados sobre o município e desfiz os primeiros
equívocos. Posteriormente a minha chegada, visitei à “Casa da Cultura de Breves”, para
adquirir outras informações. Descobri que o arquipélago era constituído de 12
municípios e que em Breves não havia praias ou búfalos, e somente em poucas
fazendas localizadas no meio rural do município, havia a criação desse animal.
Desconstruídos os equívocos e “conceitos” iniciais busquei mais informações
sobre o arquipélago e ainda hoje, a cada momento, continuo meu aprendizado. Porém,
este episódio me leva a alguns questionamentos: como a geografia tem sido entendida e
“mal - entendida”, em nossas escolas? Quantas crianças, jovens e adultos nas
instituições educacionais continuam a aprender e a desenhar o mapa do Pará sem saber
16
da geografia, da regionalidade, da cultura, dos saberes, dos aspectos sócio-políticos e
educacionais do Marajó? Quanta cultura, quantos saberes negados? Quantas vozes
silenciadas nos currículos escolares?
Por essas e tantas outras questões, que ainda me acompanham: ver, viver e sentir
o Marajó em suas múltiplas faces foi um grande desafio, um aprendizado, que me
exigiu muita habilidade e cuidado, tal qual, dos artesãos ribeirinhos do Marajó, ao
tecerem suas redes para pescar, ou quando constroem suas peneiras, paneiros e outros
instrumentos utilizados no seu fazer cotidiano. Qualquer descuido no ato de tecer os
fios e as talas pode comprometer a tessitura.
Como parte do aprendizado cotidiano sobre o que se constitui o Marajó e para
saber como a população do meio rural ribeirinho é atendida educacionalmente, aceitei
no mesmo ano de minha chegada, no município, o convite para participar da pesquisa
“Classes Multisseriadas Desafios da Educação Rural no Estado do Pará/Região
Amazônica”.
Essa investigação estava sendo realizada pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação Rural na Amazônia (GEPERUAZ) no biênio de 2002-2004, em seis
municípios paraenses; que possuíam as maiores incidências de classes multisseriadas,
neste período, a saber: Breves, Santarém, Cametá, Mojú, Marabá e Barcarena. O estudo
tinha como objetivo diagnosticar a realidade educacional do campo no Estado do Pará,
para enfatizar o contexto das escolas com classes multisseriadas e evidenciar as
dificuldades enfrentadas por educadores e educandos no processo de ensino-
aprendizagem.
Juntamente com um grupo de discentes e egressos do Campus de Breves,
coletamos dados para a pesquisa mencionada e tivemos a oportunidade de conhecer um
pouco do cotidiano da população ribeirinha marajoara local. Assim como algumas
instituições de ensino localizadas nos quatro distritos, que compõe o município:
Breves
1
, São Miguel dos Macacos, Antonio Lemos e Curumú. Em cada escola que
visitamos tivemos a oportunidade de refletir sobre as condições existenciais em que os
sujeitos do meio rural ribeirinho realizam sua escolarização.
Os relatos da população eram repletos de angústias, desesperanças e
dificuldades, por conta do descaso do Poder Público, para com as escolas e
1
Na Secretaria Municipal de Educação o Distrito de Breves é denominado Distrito Sede Rural.
17
comunidades. E por outro lado, havia a esperança, pois eles viam na escolarização a
oportunidade de melhorar sua condição de vida e trabalho, bem como a de seus filhos.
Constatamos que a população ribeirinha não se encontrava apenas às margens
dos rios, furos e igarapés, mas que também estava às margens das políticas públicas, de
saúde, assistência social e, principalmente, educacional, pois a escola, a ela destinada
enfrentava problemas de toda natureza. E em face às precárias condições sócio-
econômicas vivenciadas, muitas pessoas abandonaram suas comunidades, pela falta de
condições de trabalho e sobrevivência, vieram para o espaço urbano do município.
Alguns venderam suas terras para empresários do setor madeireiro, e passaram a
depender dos postos de trabalho oferecidos, por essa atividade produtiva.
A experiência com a pesquisa nos motivou a ter um maior envolvimento com a
educação do meio rural no Marajó, na medida em que passamos a compreender a
importância de discutir, pesquisar e problematizar as questões concernentes à educação
do campo na Universidade. Situação que resultou na criação do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação do Campo da Ilha de Marajó - GEPERIM, formado por
docentes, ex-docentes, discentes e egressos do Campus Universitário de Breves/UFPA.
O GEPERIM apresenta como objetivo desenvolver estudo e pesquisa sobre a
educação do campo na Ilha de Marajó, com a perspectiva de diagnosticar e
problematizar a realidade educacional da região, na perspectiva de envolver diversos
segmentos sociais, educacionais, governamentais e não-governamentais, na construção
coletiva de ações inclusivas, que proporcionem a melhoria da qualidade do ensino
ofertado na região marajoara.
A ampliação das discussões sobre educação do campo no âmbito do GEPERIM
e do GEPERUAZ levou-me a participar de inúmeros eventos e discussões que
envolveram essa temática. Além dessas atividades, a vivência com a pesquisa, no
contexto das escolas ribeirinhas com classes multisseriadas, contribuiu de maneira
significativa, para fortalecer o meu interesse em aprofundar os conhecimentos
referentes à educação nos espaços rurais.
O conhecimento da aprovação das Diretrizes Operacionais para Educação
Básica nas Escolas do Campo, documento formulado especificamente para legislar
sobre a educação das populações que vivem e são do campo, também influenciou
significativamente, minha decisão, em investigar sobre o universo da educação
18
ribeirinha no contexto da Ilha de Marajó. Uma vez que esse documento apresenta os
indicadores de qualidade para as escolas do campo.
O estudo também foi motivado pelo desejo de contribuir com ampliação das
pesquisas sobre a educação no meio rural no Estado, pois percebi que ainda são poucos
os/as pesquisadores/as que se dedicam a investigar o universo educacional dessas
populações. No Brasil, segundo Arroyo et al, um silenciamento e até um
desinteresse no que concerne ao espaço rural, pois “somente 2% das pesquisas dizem
respeito a questões do campo, não chegando a 1% as que tratam especificamente da
educação escolar no meio rural”. (2004, p.8). Este fato é preocupante porque os
menores rendimentos escolares estão no meio rural, e merecem a realização de
pesquisas, que coloquem estes dados em evidência e problematize-os.
Segundo o Ministério da Educação (2004) a partir da análise do capital
sociocultural, o nível educacional e o acesso à educação da população que vive no
campo, são importantes indicadores das condições de desigualdades existentes nas
áreas urbana e rural. Os dados obtidos na Secretaria Municipal de Educação de Breves,
referentes a 2005, apontam que no meio rural 43,19% das crianças matriculadas no
ensino fundamental de 1ª a séries foram reprovadas e 17,50% abandonaram a escola,
somando um total de 60,69%. Apenas 37,66% conseguiram aprovação nos estudos.
Estes índices contrastam com o que preconiza as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo - Resolução 01/2001, CNE/CEB. Essas se
constituem num conjunto de princípios e procedimentos, que visam adequar o projeto
institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais, em vigor.
Os artigos desta legislação estabelecem os indicadores de qualidade para as
escolas do campo e a necessidade de afirmação de sua identidade. Definem também,
como deve ser seu projeto institucional, suas propostas pedagógicas e curriculares, o
calendário escolar, os mecanismos de gestão democrática, o exercício da docência, a
política de formação profissional, o financiamento da educação e às atribuições do
Poder Público, para com a universalização do acesso educacional às populações do
meio rural.
Os diversos artigos que compõem as Diretrizes enfatizam que a escola deverá
considerar a heterogeneidade vivida por essas populações, a sua relação de
pertencimento, os seus saberes e a sua memória coletiva. Essa legislação visa também
contemplar a diversidade social, cultural, econômica, de geração, etnia e gênero, que se
19
inserem na dinâmica do campo, sob a égide do desenvolvimento dos sujeitos sociais,
cujo horizonte se constitui em assegurar a universalização do acesso à escola, inclusão
social e o empoderamento humano. E segundo o parecer da Resolução 01/02 do
CNE/CEB
a orientação estabelecida por essas diretrizes, no que se refere às
responsabilidades dos diversos sistemas de ensino com o
atendimento escolar sob a ótica do direito, implica no respeito às
diferenças e a política de igualdade, tratando a qualidade da
educação escolar na perspectiva da inclusão (2002, p.34).
Este documento também vem imbuído do compromisso de construir uma
política de educação, que contemple a diversidade cultural e as diferentes experiências
de educação, que são realizadas no país; e ainda direcionar os estudos através de um
currículo, que vise o desenvolvimento social e econômico das populações do campo,
baseado em pressupostos ecológicos e sustentáveis.
A denominação educação do campo, presente nas Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, é utilizada para definir a escolarização dos
sujeitos que vivem no campo: pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem terra,
ribeirinhos, extrativistas, atingidos por barragens, posseiros, indígenas, remanescentes
de quilombos, e outros grupos. Porém, optei em utilizar neste trabalho a denominação
educação rural ribeirinha e não a nomenclatura educação do campo, como é tratado no
documento, mencionado anteriormente.
A partir do conhecimento que possuo sobre a Amazônia considero que a
designação educação do campo não reflete o contexto educacional amazônico
marajoara ao qual descrevo e investigo. A Amazônia apresenta uma imensa pluralidade
econômica, social e cultural, em seu extenso território. E a população que habita esse
espaço, às vezes, recebe a mesma denominação, são incluídos categoricamente de
acordo com sua localização espacial e/ou com sua produção material de subsistência,
porém essa descrição nominal genérica esconde as singularidades da realidade
vivenciada por esses atores sociais, por exemplo, na Amazônia existe o pescador dos
lagos, dos rios e dos mares.
Apesar de todos terem como atividade produtiva a pesca; o espaço de vida, de
produção cultural, político e econômico de cada um é específico, assim também a
educação nestes locais, apresenta singularidades, pois temos diversas Amazônias, num
20
mesmo contexto amazônico, portanto, neste estudo dou visibilidade à educação da
Amazônia rural ribeirinha de Marajó.
A problemática que moveu o processo de construção desse exercício de escrita foi
investigar o planejamento curricular da escola rural ribeirinha da vila de
madeireira “Ivo Mainardi” da rede municipal de Breves/PA, na perspectiva das
identidades e dos saberes da população ribeirinha marajoara de Breves. Portanto, a
investigação focalizará, dentre as questões e proposições expressas nas Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, os indicadores de
qualidade referentes ao planejamento curricular.
O município de Breves, locus definido para ser o cenário deste estudo fica
localizado ao sul da Ilha de Marajó e faz parte da mesorregião Marajó, microrregião
dos Furos, no Estado do Pará. A figura 01, mostra o mapa da mesorregião, e localiza
geograficamente os 16 municípios, que fazem parte da mesma: Afuá, Anajás, Bagre,
Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de
Pedras, Portel, Salvaterra, São Sebastião da Boa Vista, Santa Cruz do Arari e Soure.
Figura 01: Mapa da mesorregião Marajó. Ao centro o município de Breves.
Fonte: www.dsr.inpe.br, 2007.
21
É possível visualizar também na figura 01, que o município de Breves tem uma
localização geográfica privilegiada, pois se encontra no centro da mesorregião. Este
fator contribui para que ele tenha destaque no cenário territorial do Marajó, nele estão
situados alguns órgãos importantes ligados à administração do Estado, tais como:
Delegacia Regional da Fazenda, 13ª Unidade Regional de Educação, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA, etc. Além das agências do Banco do Brasil, da
Caixa Econômica Federal e do Banco do Estado do Pará - BANPARÁ. Possui ainda
algumas instituições importantes para a região, como por exemplo: postos alfandegários
de despacho de madeira, agência do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS,
Estação Museu Emílio Goeldi. E ultimamente está sendo construído o Hospital
Regional, que visa atender os casos de doença de média e alta complexidade da região
marajoara.
Convêm mencionar ainda que a localização geográfica de Breves e a
concentração dos órgãos citados, anteriormente, no município oportunizam uma intensa
circulação de pessoas, dinheiro, mercadorias, etc., fator que contribui, para que ele
detenha o maior desenvolvimento econômico da região. A imagem a seguir, apresenta a
vista aérea da cidade de Breves e às margens do rio pode ser visualizada parte do centro
comercial.
22
Fotografia 01: Vista aérea da cidade de Breves, às margens do rio a rua Presidente Getúlio Vargas, na qual fica
concentrado grande parte do comércio local. Foto: TV Breves, 2006.
O referido município foi selecionado para a realização da pesquisa por vários
fatores, dentre os quais destaco que, segundo dados da Secretaria Executiva de
Planejamento, Orçamento e Finanças do Estado do Pará - SEPOF (2006), quase metade
de sua população (42.821 habitantes), estão em contato intenso com as florestas e rios,
espaços denominados nas documentações oficiais de zona rural, que neste estudo será
designado de meio rural.
A maioria desses habitantes são nativos da Ilha, vivem em pequenos povoados,
comunidades e vilas madeireiras, às margens dos rios, furos e igarapés que cortam a
região, sobrevivem da pesca de peixe e camarão, extração do fruto e palmito do
açaizeiro, da madeira e da agricultura familiar. Suas histórias, diversidade social,
cultural, econômica e étnica refletem o jeito próprio de ser e de viver das populações,
tipicamente, marajoaras amazônidas.
Além disso, o contexto educacional do município apresenta dados relevantes
sobre a educação do meio rural no Estado, pois Breves destaca-se, dentre os demais
municípios paraenses, por possuir o maior número de escolas multisseriadas. De acordo
23
com os dados da Secretaria Municipal de Educação do Município de Breves, em 2006
são contabilizadas 294 escolas no meio rural, dentre as quais 289 são ribeirinhas, o que
corresponde a 98,3% do total. Nos estabelecimentos municipais de ensino existem 472
turmas, sendo que 430 funcionam em regime escolar multisseriado, totalizam o
percentual de 91,1%, e apenas 42 são seriadas, ou seja, 8,9% do referido quantitativo.
O maior número das instituições de ensino funciona em locais improvisados,
sem infra-estrutura adequada, em espaços pequenos, sem banheiros e dependências
para preparar a merenda escolar. (GEPERUAZ, 2004). Uma grande parte delas
funciona na residência do professor, ou em prédio cedido por comunitários, madeireiros
e igrejas, o que de certa forma influencia na dinâmica educativa, pois eles tanto
interferem no processo de ensino aprendizagem, quanto na permanência ou não dos
educadores na escola e/ou na comunidade.
Contou ainda para que o município fosse selecionado como campo de estudos
nessa pesquisa, o fato de Breves ter sido locus da pesquisa desenvolvida pelo Grupo de
Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia GEPERUAZ “Classes
Multisseriadas: Desafios da Educação Rural no Estado do Pará/Região Amazônica”,
mencionada anteriormente; e porque hoje participa do programa “EDUCAmazônia:
Construindo Ações Inclusivas e Multiculturais no Campo”, que visa à efetivação de
ações de intervenção, que possam contribuir com a melhoria das condições de ensino
nas escolas do campo na Amazônia Paraense.
Essa intervenção se constitui num esforço coletivo de várias entidades, que
compõe e participam do Fórum Paraense de Educação do Campo
2
; e tem o apoio
financeiro do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF. A pesquisa e o
programa desenvolvidos no Município tratam especificamente de questões relacionadas
ao processo de escolarização das populações do campo: diagnóstico educacional e
intervenção na melhoria das condições de ensino.
Minha intenção com este estudo é retratar a educação na Amazônia rural
ribeirinha do município de Breves. Por isso, meu olhar investigativo será direcionado
2
O Movimento por uma Educação do Campo no Estado do Pará é constituído por várias entidades e
instituições: ARCAFA, AMUCAN, AMUT, CÁRITAS/CNBB, CEDENPA, FETAGRI, MST, Escola
Ativa/FNDE, INCRA, PRONERA, Museu Emilio Goeldi, SEDUC, UNICEF, UFRA, UEPA/NEP,
UFPA/Centro de Educação/GEPERUAZ, CAMPI de: Altamira, Bragança, Breves, Cametá, Castanhal,
Marabá e Santarém, entre outros. forum.educcampopa@grupos.com.br
24
para a escola ribeirinha “Ivo Mainardi”
3
, localizada às margens direita do Rio Jaburu,
na vila da Madeireira Mainardi LTDA, no Distrito de Antonio Lemos.
Essa escola foi selecionada, porque é a maior Unidade Educacional, em número
de alunos, do meio rural ribeirinho. Seu universo possui singularidades e diversidades
caracterizadas pela produção cultural dessa comunidade, pelo jeito de viver e produzir
seus espaços e sua vida material, bem como de se relacionar com as pessoas e com a
natureza, e também de educar e serem educados. E ainda porque até o presente
momento desconheço a existência de pesquisas que focalize o contexto educacional,
que envolve vilas de madeireira no Marajó, fato que contribuiu para a escolha do
referido estabelecimento de ensino.
Para compreender o percurso investigativo da pesquisa
Para realizar o percurso metodológico investigativo da pesquisa, dialoguei
inicialmente com Gatti (2002), que me remeteu a uma reflexão sobre a utilização do
método em uma pesquisa, ela faz a comparação entre os objetos de trabalho de um
marceneiro e de um pedreiro e os instrumentos de coleta de dados utilizados por um
pesquisador. Destaca que apenas o emprego de boas ferramentas não garante resultados
satisfatórios, é preciso que o artesão tenha habilidade no uso das mesmas, pois a
utilização do método, não é apenas uma questão de rotina, de passos e etapas de uma
receita, mas de vivência de um problema, com pertinência e consistência em termos de
perspectivas e metas. Assim, na compreensão da referida autora o “método não é algo
abstrato. Método é ato vivo, concreto que se revela nas nossas ações, na nossa
organização do trabalho investigativo, na maneira como olhamos as coisas no mundo”
(2002, p.43).
Ao falar de método estou me referindo à forma de produzir conhecimentos, que
precisa ser vivenciada em toda a sua extensão, numa experiência contínua de trocas,
tropeços, críticas e integração mediada pelo ser pesquisador, sujeito social, histórico e
cultural. Por isso “esse mesmo conhecimento vem sempre e, necessariamente, marcado
3
No terceiro capítulo irei tratar, especificamente, desta escola, quando farei à análise dos dados obtidos na
pesquisa de campo.
25
pelos sinais de seu tempo, comprometido, portanto com a realidade histórica e não
pairando acima dela como verdade absoluta”. (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.2).
Assim, nesta investigação optei pela utilização da abordagem qualitativa de
pesquisa, porque me possibilitou a compreensão da realidade da escola Municipal de
Ensino Fundamental Ivo Mainardi” de acordo com o contexto social, cultural,
econômico e político no qual a instituição de ensino está inserida, na busca de revelar
suas multiplicidades de dimensões.
Esse exercício foi importante, porque foi através dele pude capta as diversas
visões dos sujeitos a respeito do objeto, de modo a analisar os diversos pontos de vista
da pesquisa e as diferentes visões que possuem a respeito da escola, da educação, e
consequentemente, do planejamento curricular.
A pesquisa qualitativa também me permitiu a descoberta; a interpretação do
contexto que me oportunizou retratar a realidade dos pesquisandos, pois a descrição
qualitativa não se detém a reproduzir as falas ou descrever espaços físicos, mas situá-
las e contextualizá-las, para desvendar seus diversos significados. Bogdan e Bliklen
dizem que
[...] os investigadores qualitativos em educação estão continuamente
a questionar os sujeitos da investigação, com o objetivo de perceber
aquilo que eles exprimem, o modo como eles interpretam as
experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social
em que vivem (1994, p.51).
Triviños (1995) define duas modalidades de pesquisa que considera mais
importante na prática de investigação qualitativa: a de origem fenomenológica e a de
natureza histórico-estrutural, dialética. Nesta investigação optei por trabalhar com essa
última concepção, pois ela investiga o meio como uma realidade complexa e profunda,
que dialeticamente se relaciona, influencia-se e transforma-se mutuamente na evolução
do tempo.
Para o mesmo autor a pesquisa qualitativa busca captar a aparência, a essência e
as causas da existência dos fenômenos, procura explicar sua origem, suas relações, suas
mudanças e se esforça por intuir as conseqüências que terão para a vida humana. O
desenvolvimento do fenômeno não é buscado em sua visão atual, ou seja, no início da
análise, mas penetra em sua estrutura íntima, latente, inclusive não visível ou
observável à simples observação ou reflexão, pois o fenômeno é real e concreto.
26
E ainda à investigação qualitativa histórico-estrutural, dialética buscar as raízes
dos significados em que surgem determinados pressupostos, as causas de sua
existência, suas relações, num quadro amplo do sujeito como ser social e histórico, trata
de explicar e compreender o desenvolvimento da vida humana e de seus diferentes
significados no devir dos diversos meios culturais.(TRIVIÑOS, 1995).
Consoante a essa intenção me apoiei nas leituras de Romão et al, para destacar
que considero os participantes desta investigação pesquisandos, pois
[...] são sujeitos da pesquisa que, enquanto pesquisam são
pesquisados, e, enquanto são investigados, investigam [...]. Os (as)
pesquisandos (as) não são apenas objetos da pesquisa, alvo da análise
e da enunciação alheia, mas, também, sujeitos e lugares de análise e
enunciação.
(2005, p.5).
A minha condição de pesquisadora social coloca-me como produtora e
interlocutora de saberes, pois ao mesmo tempo em que busco um saber que é possuído
pelo pesquisando, o meu olhar se volta para a percepção de que o mesmo detém um
saber, pois o cientista pesquisador ainda ocupa no imaginário coletivo, o lugar de
possuidor do conhecimento. Porém “o que falta associar a essa imagem é o fato de que
ele [...] se apropriou de um conhecimento derivante da experiência do outro - o sujeito
pesquisando”. (idem, p.8).
Por isso, a razão da existência e a produção dos resultados desta pesquisa se
fundamentam na relação social em que tanto a pesquisadora, quanto os pesquisandos
produzem verdades parciais e provisórias devido ao inacabamento, inconclusão e
incompletude do ser humano, que como conhecedor de suas características limitadoras,
torna-se incansável explorador de suas possibilidades de conhecer, para ser e saber
mais. (ibidem, 2002).
Nesse sentido a investigação sobre os conhecimentos possuídos pelos
pesquisandos tem “o objetivo de perceber aquilo que eles exprimem, o modo como eles
interpretam as experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em
que vivem”. (BOGDAN; BLIKLEN, 1994, p.51).
Ludke e André mencionam que o pesquisador carrega as marcas de sua época,
de seu tempo e de sua sociedade, assim “a sua visão do mundo, os pontos de partida, os
fundamentos para a compreensão e explicação desse mundo irão influenciar a maneira
de como ele propõe suas pesquisas” (1986, p.3). Da mesma forma que “os pressupostos
que orientam seu pensamento vão também nortear sua abordagem de pesquisa”. (idem).
27
Nesse sentido escolhi como método de pesquisa o estudo de caso, pois ele
possibilitou-me retratar a realidade investigada através de suas múltiplas dimensões,
para representar os diversos pontos de vistas dos pesquisandos. Para Triviños o estudo
de caso “é uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa
profundamente”. (1995, p. 133).
Ludke e André (1986) destacam que, fundamentalmente, o estudo de caso se
caracteriza por: visar à descoberta; enfatizar a interpretação em contexto; buscar retratar
a realidade de forma completa e profunda; usar uma variedade de fontes de informação;
permite generalizações naturalísticas; procurar representar os diferentes e conflitantes
pontos de vistas, presentes numa situação social e seus os relatos utilizam uma
linguagem acessível ao leitor. Em educação o estudo de caso busca compreender uma
instância singular do contexto escolar.
Como opção metodológica para recolher informações, adotei como técnica de
coleta de dados a análise documental e também realizei um levantamento de
documentos na Secretaria Municipal de Educação, os quais me oportunizaram obter
dados referentes a estatísticas, ao planejamento curricular das escolas rurais ribeirinhas
da rede municipal de ensino e do Projeto Pró-rural. Busquei documentos também no
Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Pará (sub-sede de Breves). E
para subsidiar as reflexões sobre esses documentos utilizei as Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo (2002).
Estas informações me possibilitaram uma melhor compreensão do problema em
estudo, pois os elementos contidos nos documentos me revelaram dados significativos
sobre a realidade educacional das escolas ribeirinhas, constituindo-se como uma fonte
de onde foram retiradas evidências que fundamentaram minhas afirmações e
declarações. (LUDKE; ANDRÉ, 1986).
As análises dos documentos proporcionaram-me a compreensão dos dados
sobre o planejamento curricular das escolas rurais ribeirinhas da rede municipal de
ensino de Breves, e me possibilitaram desvelar às informações significativas sobre o
cotidiano das escolas ribeirinhas. Relacionei ainda essas informações obtidas com os
indicadores de qualidade do currículo expressos nas Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo.
Realizei, também, o levantamento e estudo de livros, dissertações e textos que
continham informações sobre os aspectos históricos, geográficos, populacionais e
28
culturais do município de Breves e da Ilha de Marajó, para fazer à caracterização sócio-
cultural, populacional e econômica da região. Este aporte teórico assumiu grande
importância, pois a compreensão do espaço da pesquisa e não se limitou ao domínio de
técnicas, foi preciso que ter uma base teórica, para olhar os dados dentro de um quadro
de referências, que me permitiu ir além do que, simplesmente, estava sendo mostrado
(NETO, 2003).
Utilizei ainda nessa pesquisa fotografias, que reunir durante a realização do
estudo, tratadas como uma forma de representação real da Amazônia rural ribeirinha,
não para substituir a realidade, mas para representá-las a partir de um dado contexto no
tempo e no espaço. As imagens fotográficas reunidas foram utilizadas como fonte
documental, para evidenciar o objeto, superar a condição, simplesmente, ilustrativa e
complementar o texto escrito com o visual, pois os mecanismos de percepção ampliam
à apreensão das imagens e constituem uma relação com o texto escrito.
O que não é possível narrar, pode ser demonstrado através da imagem visual,
por sua capacidade de reproduzir e sugerir, por meios expressivos e artísticos,
sentimentos, crenças e valores. As fotografias oferecem-nos recortes da realidade, de
acordo com as formas pelas quais as sociedades se permitiram representar, e minha
intenção é proporcionar ao leitor a maior compreensão possível do que é ser ribeirinho,
seu modo de viver, de sua educação, dentre outros aspectos cotidianos.
Será no oculto da imagem fotográfica, nos atos e nas circunstâncias à
sua volta, na própria forma como foi empregada que, talvez,
poderemos encontrar a senha para decifrar o seu significado.
“Resgatando o ausente da imagem compreendemos o sentido do
aparente, sua face visível” (ROSSOY, 1998, p.44).
A produção do registro fotográfico obedece ao universo simbólico de cada
grupo social e cultural, haja vista que a mesma é utilizada no decorrer dos séculos,
como um instrumento de registro histórico. (BORGES, 2005). Assim, a utilização da
fotografia neste trabalho busca registrar um mosaico de informações através de
imagens, é parte “da idéia de que imagem é narrativa”. (ALVES, 2004, p.127). Por isso,
elas apresentam as narrativas das feiras de açaí, das residências ribeirinhas, das
embarcações utilizadas pelos moradores da Ilha de Marajó, das indústrias madeireiras,
do jeito de ser e de viver da população ribeirinha. E ainda retrata a Vila de Madeireira
Mainardi LTDA e a Escola Ivo Mainardi.
29
Enfatizo ainda que nessa pesquisa ouvi e dialoguei com os pesquisandos, porque
para o pesquisador a participação dos sujeitos é essencial, ela é “um dos elementos de
seu fazer científico”. (TRIVIÑOS, 1995, p.138). Assim como Kramer, acredito que é
importante para o pesquisador em educação escutar/ouvir e observar/ver, considerar
tanto a racionalidade, como a sensibilidade, a fim de compreender a história e os
acontecimentos” (2003, p.61). É imprescindível também “deparar-se com diferentes
discursos que refletem e refratam a realidade da qual fazem parte construindo uma
verdadeira tessitura da vida social” (FREITAS, 2003, p.33).
Nesse diálogo e nessa escuta utilizei a entrevista, porque a mesma possui um
papel determinante na integração entre pesquisador e pesquisando, o que possibilitou “a
captação direta, imediata e corrente da informação desejada, praticamente com
qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”. (LUDKE; ANDRÉ,
1986, p.34).
A entrevista se constituiu a minha estratégia principal na coleta de dados, pois
com ela obtive informações através da linguagem dos próprios sujeitos, fatores que me
permitiu desenvolver uma idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos
do mundo. (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Usei a entrevista semi-estruturada, porque
além de valorizar “a presença do investigador, oferece todas as informações e
perspectivas possíveis, para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade
necessária enriquecendo a investigação” (TRIVIÑOS, 1997, p.146). Foram elaborados
roteiros de questões, para obter informações sobre planejamento curricular da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Ivo Mainardi e sobre a vila Mainardi.
Constituíram-se como sujeitos da investigação 16 pesquisandos: quatro alunos,
quatro pais, três professores da referida escola, um dos gerentes da madeireira Global
e quatro técnicos pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação, sendo três
integrantes do Projeto Pró-rural e a coordenadora do Distrito de Antonio Lemos.
Conforme a descrição de sujeitos na tabela a seguir:
30
TABELA Nº01
Sujeitos da Pesquisa
Categoria Identificação
Mãe de aluno Pesquisanda 01
Mãe de aluno Pesquisanda 02
Gerente da Empresa Pesquisando 03
Professor da Escola Pesquisando 04
Professora da Escola Pesquisanda 05
Professor da Escola Pesquisanda 06
Coordenadora do Distrito Antonio Lemos Pesquisanda 07
Integrante do Pró-rural Pesquisando 08
Integrante do Pró-rural Pesquisando 09
Integrante do Pró-rural Pesquisanda 10
Pai de aluno Pesquisando 11
Pai de aluno Pesquisando 12
Aluno da Escola Pesquisanda 13
Aluno da Escola Pesquisando 14
Aluno da Escola Pesquisando 15
Aluno da Escola Pesquisando 16
Foi importante ouvir os pesquisandos, porque o eles que vivenciam
concretamente, o contexto educativo do município. Essa escuta das vozes proporcionou
maior consistência à minha investigação, “considerar a pessoa investigada como sujeito
implica compreendê-la como possuidora de uma voz reveladora da capacidade de
construir um conhecimento sobre sua realidade que a torna co-participante do processo
de pesquisa” (FREITAS, 2003, p.29).
Para analisar e interpretar os dados parti da compreensão de que a educação
enquanto prática social e histórica se liga à vida objetiva e subjetiva dos pesquisandos
envolvidos na referida prática; por isso, somente ao oportunizar a discussão com os
sujeitos sociais, que atuam e compõem a dinâmica da vida no meio rural ribeirinho, foi
possível elaborar um referencial, que me possibilitou refletir, analisar e constituir uma
visão a cerca da contribuição desta pesquisa para a população Marajoara.
A análise das informações esteve presente nos vários estágios da investigação e
tornou-se mais sistemática e formal após o encerramento da coleta de dados. Segui
como indicativos as orientações formuladas por Ludke e André (1986): inicialmente,
organizei todo material, depois dividi em partes, relacionando-as e procurei identificar
31
nelas tendências e padrões relevantes. Num segundo momento, essas tendências e
padrões foram reavaliados, busquei relações e inferências num nível de abstração mais
elevado.
Concomitante a coleta de dados organizei as informações e estabeleci relações
entre os dados coletados, os pontos de divergência e convergências. E as informações
foram organizadas a partir dos eixos temáticos que compõem os capítulos do trabalho.
Foram selecionadas as falas mais significativas dos pesquisandos, os discursos
que expressaram visões de mundo, que possibilitaram perceber o conflito, a contradição
social e as situações significativas do ponto de vista da comunidade da Vila Mainardi,
para enriquecer à temática em estudo e para não se restringir a um aspecto ou pessoa,
mas para representar a realidade e envolver a coletividade, pois “as características do
ato de pesquisar constroem-se socialmente, num verdadeiro processo de socialização”
(GATTI, 2002, p.65). Uma vez que “o conhecimento não é algo acabado, mas uma
construção que se faz e refaz constantemente” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.18).
Assim, neste processo de produção de conhecimentos sempre busquei novas
respostas e indagações, pois o pesquisador é um ser social que marca e é marcado pelo
contexto em que vive. Sua inserção no campo de investigação significa de fato sua
penetração nessa realidade, a partir do diálogo concreto dele com os outros e com o
mundo, pois “a pesquisa deve sempre se constituir como um encontro entre sujeitos”
(GATTI, 2002, p.37).
A oportunidade de dialogar com os pesquisandos que vivenciam as situações
educacionais concretas da Amazônia ribeirinha fez parte da minha condição de
aprendiz e de estar no mundo com os outros. Portanto, construir esse referencial sobre a
educação rural ribeirinha a partir do contexto amazônico da Ilha de Marajó, requereu-
me um esforço teórico, para adentrar numa investigação profunda que me possibilitou
evidenciar às nuances que permeiam o planejamento curricular da escola rural
ribeirinha de vila de madeireira do município de Breves - “Ivo Mainardi”.
Para organizar melhor os resultados das narrativas desta pesquisa, as temáticas
que compõem este trabalho foram divididas em três capítulos.
No capítulo I, “CARTOGRAFIAS DA AMAZÔNIA RURAL RIBEIRINHA:
IDENTIDADES CULTURAIS, SABERES E EDUCAÇÃO” faço uma discussão sobre
a Amazônia rural, ressalto que a Amazônia possui uma imensa diversidade social,
cultural e populacional, fator que contribui para que este espaço possua diversas
32
Amazônias. Em seguida apresento a Ilha de Marajó e suas múltiplas faces, dentre as
quais abordo o município de Breves e trato da identidade e dos saberes das populações
ribeirinhas.
No capítulo II, “RETRATOS DA EDUCAÇÃO RURAL NO MUNICÍPIO DE
BREVES” apresento a investigação sobre a realidade educacional do município de
Breves, dou ênfase à educação rural ribeirinha. Ele traz, inicialmente, a configuração da
rede municipal de ensino, destaca os indicadores do atendimento educacional na
educação infantil, ensino fundamental, médio e superior, bem como os dados referentes
à formação dos profissionais docentes, que atuam no município. Em seguida trato da
oferta escolar no meio rural e menciono os indicadores de aproveitamento escolar dos
discentes.
Seguindo a problemática, no capítulo III, “ESCOLA RURAL RIBEIRINHA DE
VILA DE MADEIREIRA: CURRICULO, IMAGENS E IDENTIDADE” analiso o
planejamento curricular da “Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo Mainardi”
da rede municipal de ensino de Breves, estabeleço à relação com os indicadores de
qualidade definidos pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo. Assim, apresento os dados coletados na pesquisa de campo realizada na
comunidade da Vila Mainardi e destaco o modo de viver das pessoas residentes no
local. Em seguida, evidencio os aspectos educacionais da referida vila, e, finalmente,
focalizo as discussões concernentes ao planejamento curricular da referida instituição
de ensino.
As considerações finais destes escritos sinalizam para as mudanças que
ocorreram no âmbito educacional em Breves, a partir da realização da pesquisa
“Classes Multisseriadas: Desafios da Educação Rural no Estado do Pará/Região
Amazônica”, pois a mesma foi de importância impar, para as novas configurações que
vêm acontecendo no município. Apesar de saber que o caminho a ser percorrido ainda é
muito longo, Breves tem dado os primeiros passos, na busca por uma educação do meio
rural, que cultive valores e identidades das populações rurais marajoaras.
Narrar as Cartografias da educação na Amazônia rural ribeirinha: estudo
do currículo, imagens, saberes e identidade em uma escola do município de
Breves/ Pará” me possibilitou vislumbrar que as falas dos moradores do meio rural
ribeirinho não realizaram apenas o relato de vivências, mas me proporcionaram
33
entender e viver um pouco de suas experiências, pois à medida que narravam me
aproximavam de suas histórias, partilhavam suas angústias, desejos e emoções.
Por isso uso a expressão Cartografias como metáfora, para dizer que esta
investigação faz uma leitura e interpretação da educação na Amazônia rural ribeirinha
marajoara. E para mostra a diversidade cultural, econômica, política, geográfica da
Amazônia. Através de um olhar amazônico, que não pretende esgotar o tema, mas
ampliar a conexão de conhecimentos, suscitar novas pesquisas e proporcionar novas
leituras e releituras sobre a educação amazônica.
Portanto, esses escritos se tornam um instrumento que vislumbram expectativas
de dias melhores, se forem lidos e suscitarem inquietude e aproximarem mais as
pessoas, para que possam ver, sentir a Amazônia rural ribeirinha, especificamente, o
Marajó, e valorizar as culturas, saberes e identidades de seu povo. Porém, assim com
Freire, estarei satisfeita se dos possíveis leitores deste trabalho “surgirem críticas
capazes de retificar erros e equívocos, de aprofundar afirmações e de apontar o que não
vimos” (1987, p.184) e produzir novos saberes.
34
CAPITULO I: CARTOGRAFIAS DA AMAZÔNIA RURAL RIBEIRINHA:
IDENTIDADES, CULTURA, SABERES E EDUCAÇÃO
Vão destruir o Ver-o-Peso
E construir um shopping center
Vão derrubar o palacete Pinho
Pra fazer um condomínio
Coitada da Cidade Velha
Que foi vendida pra Hollywood
Prá ser usada como um albergue
No novo filme do Spielberg
Quem quiser venha ver
Mas só um de cada vez
Não queremos nossos jacarés tropeçando em vocês
A culpa é da mentalidade criada sobre a região
Por que tanta gente teme?
Norte não é como “m”
Nossos índios não comem ninguém
Agora é só hambúrguer.
Por que ninguém nos leva a sério
Só o nosso minério?
Quem quiser venha ver
Mas só um de cada vez
Não queremos nossos jacarés tropeçando em vocês.
Aqui a gente toma guaraná
Quando não tem coca-cola
Chega das coisas da terra
Que o que é bom vem de fora
Deformamos até a alma
Sem cultura e opinião
O nortista só queria fazer parte da nação
Ah!Chega de malfeituras
Ah! Chega de triste rima
Desenvolvam nossa cultura
Queremos o Norte lá em cima
Por que onde já se viu?
Isso é Belém
Isso é Pará
Isso é Brasil
4
A música “Belém-Pará-Brasil” expressa através dos versos de seus autores a visão
equivocada, que muitas pessoas têm da região Norte, por desconhecê-la e/ou ignorá-la.
É comum encontrar nos registros das narrativas, os feitos dos “grandes heróis” da
história do Brasil. Como nortista da Amazônia paraense também costumo perceber a
negação da história do povo cabano, heróis anônimos da historiografia do país.
É ausente também a história de líderes de movimentos sociais, que lutam em favor
da reforma agrária, para que as terras improdutivas, ocupadas por grileiros, agro-
pecuaristas, madeireiros, fazendeiros, etc., possam abrigar inúmeras famílias de
trabalhadores rurais sem terra.
4
Música de Edmar Rocha Jr. e Mosaico de Ravena.
35
As marcas do silenciamento das vozes amazônicas imprimem na vida desse povo
a violência, que mancha o solo dessa terra com a morte de trabalhadores rurais em
massacres, como aconteceu em Eldorado dos Carajás
5
e mais recentemente com execução
da missionária Dorothy Stang no município de Anapú
6
.
A história da população excluída socialmente, sejam por fatores econômicos,
sociais, políticos ou educacionais, ainda é pouco mencionada nos relatos que falam sobre
a Amazônia. Porém, precisa fazer parte das narrativas do país, para colocar em evidência
os mecanismos que produzem e/ou contribuem para com esta situação. São as pessoas
que vivem e convivem, existem e resistem neste contexto dinâmico e plural constituintes
das Amazônias, as reais protagonistas da historicidade dos povos amazônicos, que
habitam os diversos espaços deste vasto território cheio de contradições. Dentre as quais
destaco às populações tradicionais, que moram no meio rural ribeirinho da Ilha de
Marajó, mas, especificamente, no município de Breves, pois são elas que coexistem com
situações marginais de exclusão social, econômica e educacional, fatores que marcam
negativamente o imenso território de nossas Amazônias: Latina, Brasileira, Paraense e
Marajoara.
Na América Latina a Amazônia abrange uma grande, denominada de Amazônia
Internacional, no Brasil o espaço amazônico ocupa aproximadamente 61% do território
nacional, tem 250 milhões de hectares de floresta, e a mais rica biodiversidade do planeta.
Além de contar com a mais densa bacia fluvial do mundo composta por lagos, rios,
igarapés e mares. (HAGE, 2004).
Na região Norte do Brasil está situada 54% do território da Amazônia Brasileira,
mas apesar de sua imensidão continental, quase sempre passa despercebida, e é tratada
como periférica, nas narrativas sobre o país. A mesma, só é colocada em evidência
quando os chefes de Estados, ambientalistas e a imprensa, entre outros, a proclamam
“pulmão do mundo”, quando desperta a cobiça internacional, ou quando falam dos
5
O chamado massacre de Eldorado dos Carajás ocorreu durante o conflito de 17 de abril de 1996 em
Eldorado dos Carajá, no sul do Pará. Dezenove trabalhadores sem-terras foram mortos pela Polícia Militar. O
confronto ocorreu quando 1.500 trabalhadores sem-terras que estavam acampados na região decidiram fazer
uma marcha em protesto contra a demora da desapropriação de terras, principalmente, as da fazenda
Macaxeira. A polícia militar foi encarregada de tirá-los do local, pois estavam obstruindo a Rodovia PA-150,
que liga Belém ao Sul do Pará. (WIKIPÉDIA, 2007)
6
A Irmã Dorothy Stang foi assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005, com sete tiros, aos 73 anos de idade,
em uma estrada de terra, localizada a 53 quilômetros da sede do município de Anapú, no Estado do Pará. Foi
morta a mandado de fazendeiros porque lutava em favor da reforma agrária dentro de um projeto de
desenvolvimento sustentável para aquela região. (WIKIPÉDIA, 2007)
36
desmatamentos, das queimadas, de sua riqueza natural e mineral, dos problemas sociais
como: trabalho escravo, prostituição, etc.
Ao se tratar da Amazônia rural, principalmente, no Estado do Pará, as questões
mais evidentes são os conflitos de terra e a pobreza material, notícias de denunciam a
situação difícil vivida pelos amazônidas. Porém, faltam discussões sobre os fatores que
motivam esta situação e ainda sobre a ausência de contribuição, para com a solução das
mazelas sociais, políticas e econômicas, que atingem a região.
Os “grandes” projetos Zona Franca de Manaus, Construção da Hidrelétrica de
Tucuruí, o Programa Grande Carajás, entre outros, que foram implantados na Amazônia,
refletem uma representação construída sobre esse espaço, pois é negada a sua população
a participação na elaboração e usufruto dos mesmos. Desta forma, não há uma imagem
própria da região, uma vez que esses projetos trazem como marca também a expropriação
das comunidades nativas.
Como foi o caso da construção da hidrelétrica mencionada, que como o maior
empreendimento público da região, significou a expulsão de cerca de 30 mil pessoas
entre índios, caboclos, garimpeiros e pescadores daquelas terras. E ainda trouxe
conseqüências negativas às populações ribeirinhas atingidas pelas barragens ao longo rio
Tocantins, pois a construção da usina inviabilizou o potencial hidroviário da bacia do rio
Tocantins. (GUERRA, 2007). E também comprometeu a proliferação de inúmeras
espécies de peixes, que subiam o curso deste rio para fazer a desova nas cabeceiras.
Assim, é possível constatar que as tentativas de desenvolvimento da Amazônia se
mostraram ineficazes a região e ao seu povo, pois este não se beneficiou de fato dessas
ações. Lima menciona
[...] o desenvolvimento baseado no modelo fordista não foi um
paradigma frutífero no desenvolvimento da região. Na origem exógena
do modelo desenvolvimentista autoritário, ainda preexistente, está o
fracasso dos diversos planos para a região. (2005, p.59).
Segundo Bertha Becher (2006) ao contrário do que se preconizava durante a
implantação dos diversos projetos, o espaço amazônico foi marcado por conflitos sociais
e impactos ambientais: disputas pela posse das terras entre fazendeiros, trabalhadores,
posseiros, indígenas; desmatamento da floresta, para abertura da malha viária e expansão
agropecuária; poluição dos rios, etc. Este processo, de acordo com a autora mencionada,
nos possibilita a lição “de como não planejar uma região” (idem, p.27), pois as vantagens
37
obtidas por grandes grupos e o tratamento homogêneo atribuído ao espaço amazônico
desrespeitou às “diferenças sociais e ecológicas, e tiveram efeitos extremamente
perversos, destruindo inclusive, gêneros de vida e saberes locais historicamente
construídos”. (ibidem).
Estes são alguns dos fatores ocasionados pela desvalorização da riqueza cultural e
dos saberes da população amazônica, pois o olhar do colonizador que prevaleceu nesses
projetos e o destino dos habitantes da região é decidido a sua revelia. Assim, os discursos
integrar para não entregar e segurança nacional
7
são substituídos pela “defesa de
internacionalização da Amazônia”
8
, vista como alternativa de garantia e manutenção da
vida na terra, mas os legítimos protagonistas desta região, sequer foram consultados, para
dar sua opinião sobre o assunto.
Dessa forma a construção da Amazônia como reserva ecológica, futuro do mundo,
natureza exuberante, etc. vai sendo constituída, historicamente, a partir de um olhar
colonialista, para conformar o imaginário social. Admas et al diz que
[...] esta visão da Amazônia como domínio essencialmente natural
baseia-se em dois pressupostos básicos sobre as sociedades amazônicas.
O primeiro, de que durante o processo de dissolução das sociedades
indígenas e o surgimento das cablocas, a natureza foi o único fator que
se manteve constante. O segundo refere-se à ligação entre as estruturas
sociais indígenas pré e pós-coloniais com fatores ambientais
supostamente limitantes. Em outras palavras, apesar de haver fortes
evidências da existência de sociedades complexas no período colonial,
o estado atual destes grupos é visto sempre como limitado por fatores
naturais, e não por fatores históricos. (2006, p.15).
Em nível global a visão da Amazônia como uma fronteira a ser preservada, como
alternativa para a sobrevivência do planeta revela a coexistência dos interesses de grupos
ambientalistas legítimos, em defesa da preservação do território amazônico e também de
interesses econômicos e geopolíticos, que expressam um processo de mercantilização da
7
Os slogans de “integrar para não entregar” e “segurança nacional”, foram construídos pela ditadura militar
no Brasil, que incrementou o processo de ocupação da Amazônia Brasileira, tendo como base o discurso
nacionalista. Porém, na prática o que ocorreu foi a concessão e incentivo para empresas subsidiárias
estrangeiras como a Nippon, Honda, Orient, Kawasaki, Tec Toy, Estrela, entre outras que se instalaram em
Manaus para usufruírem de mão de obra barata. (GUERRA, 2007).
8
Nestas ultimas décadas os Estados Unidos e outros países m discutido e cogitado a possibilidade de
internacionalização da Amazônia, sobre a justificativa da ausência do Estado Brasileiro nos grandes “vazios
amazônicos” e em particular nas extensas faixas de fronteira da região. Porém, por trás deste discurso estão
os interesses na disputa por um imenso espaço, possuidor de vastas áreas de minérios, da maior bacia de água
doce do mundo e de uma rica biodiversidade. Com a destruição crescente do meio ambiente e com a
diminuição do volume de água doce no mundo as ameaças de internacionalização da Amazônia a cada dia
tornam-se mais freqüentes e visíveis.(GUERRA, 2007).
38
natureza. Bem como de apropriação do poder de decisão do Estado-Nação, sobre o
gerenciamento e uso de suas terras, por isso, tem sido negada ao povo dessa região a sua
condição histórica. Limitando-os aos fatores naturais, que desconsidera também as
especificidades culturais, econômicas e sociais, ignora a heterogeneidade que a Amazônia
possui, tanto em sua composição cultural, quanto humana e territorial. (BECKER, 2006).
Em contraposição a idéia de homogeneidade, enfatizo que a Amazônia possui
uma imensa diversidade rural, construída em contextos socioculturais variados,
vivenciados pelo povo amazônico em muitas Amazônias: Amazônia dos trabalhadores
rurais, Amazônia quilombola, Amazônia indígena, Amazônia ribeirinha, Amazônia dos
garimpos, Amazônia das comunidades extrativistas e coletoras, Amazônia dos atingidos
por barragens, Amazônia dos agricultores rurais, dentre outros espaços que constituem
esta região.
A heterogeneidade humana da Amazônia é uma de suas características marcantes,
pois a mesma é constituída por pessoas que vivem no espaço urbano e rural caboclos,
quilombolas, povos indígenas, pescadores, coletores, camponeses, ribeirinhos, povos das
florestas, trabalhadores sem terras, assentados, pequenos agricultores, colonos,
imigrantes, entre outros. Abriga diferentes povos, que apesar dos conflitos, constitui um
espaço de encontro entre diversas culturas, que formam e enriquecem a cultura
amazônica, que ao mesmo tempo é plural e singular.
Este território composto de diversas amazônias foi construído, historicamente, a
partir das matrizes étnica: nativa (indígena), branca e negra. De acordo Admas et al nesta
historicidade foi criado um tipo humano característico das sociedades amazônicas - o
cabloco - que é retratado no discurso antropológico
[...] como o “outro incompleto ou patológico”, que não serve como
objeto antropológico porque a própria existência da sociedade cabloca
subverte a distinção formal entre o “Outro” e o observador. Os cablocos
representam “Outros falsificados”, tanto porque são o resultado da
conquista européia e não das “sociedades locais”, como porque sua
existência é o testemunho da influência nociva da “civilização”. (2006,
p.16).
Esta mesma idéia está presente em nossos dicionários que apresentam o cabloco
como índios, mestiços e trabalhadores do meio rural, vistos pelo senso comum e descritos
pelos viajantes que passaram pela região, no período da colonização como apático e
39
indolente responsável pela própria pobreza. Portanto, o termo cabloco vem carregado de
uma grande carga de discriminação. A ideologia racista existente no Brasil desde o século
XIX contribuiu com a idéia de superioridade das “raças puras” e inferioridade dos
mestiços - cablocos. (FILHO, 1997).
Essa visão contribui para a construção de posturas preconceituosas, que atribuem
aos moradores da Amazônia o rótulo de atrasados, que tem uma cultura inferior, um povo
pobre - “cabloco”, que está nessa condição, porque é preguiçoso, e por este e outros
motivos precisa ser “socorrido” pela modernidade dos “Grandes” Projetos.
As populações nativas e tradicionais destas Amazônias não estão isoladas, pois é
possível o diálogo com as diversas culturas e saberes, tanto populares, quanto científicos.
Segundo Santana
A cultura popular [...] avessas às formalidades de escritas, encontrou em
elementos materiais do seu dia-a-dia índices para a construção de
medidas de tempo [...]. São significações e mediações de duração, fim e
início de algo que as novas gerações apreendiam de uma forma
necessariamente seletiva, e com a mediação de experiências de vida e
de luta incorporadas na e pela tradição, com “uma versão do passado
que se deve ligar ao presente e ratificá-lo”. (1998, p.94).
Através da cultura popular mediada por essas lutas, os conhecimentos sobre a
floresta, plantas aromáticas, cosméticas e medicinais, animais, misticismo, religiosidade e
tradições, expressões da cultura amazônica, oferecem resistência e, por isso, tem sido
transmitido através da história oral de geração em geração e da vivência cotidiana, se
perpetuando no tempo e espaço histórico.
As populações amazônicas produzem conhecimentos e culturas, ligando-as ao
passado para ratificá-la no presente, através de seus viveres e de suas memórias coletivas,
que são fortes marcas das populações amazônidas nativas tradicionais.
Portanto, a compreensão tanto dos fatores históricos quanto culturais é essencial
para falar de Amazônia ribeirinha, foco desta pesquisa, pois precisamos, inicialmente,
entendê-la a partir de sua pluralidade e de seus múltiplos contextos. Os ribeirinhos da
Amazônia paraense ocupam tanto espaços urbanos quanto rurais, na capital Belém, por
exemplo, temos a presença da população ribeirinha, que vive nas periferias urbanas, e
residem em palafitas às margens dos rios e da Baia de Guajará; e os moradores das ilhas
em seu entorno, que m características, modo de ser e de viver rural ribeirinho. Cabe
mencionar também que muitas cidades do Estado ficam localizadas às margens dos rios,
40
constituindo núcleos urbanos. Mas, é sem dúvida, a população ribeirinha do interior do
Estado, que apresenta os aspectos mais marcantes e peculiares da cultura amazônica.
As especificidades desta população exigem um olhar que possa contribuir, para
que tanto os fatores históricos e sócio-culturais, quanto os educacionais, reflitam os
contextos heterogêneos da Amazônia. Destarte, compreender a educação no meio rural
ribeirinho na Amazônia paraense implica em primeiro plano, uma reflexão sobre a
dinâmica pela qual a mesma perpassa, em vista das disputas pelo espaço preconizado por
vários atores. Bem como na lógica que se estabelece nas políticas educacionais destinadas
ao atendimento dos direitos de educação aos sujeitos da Amazônia que vive no meio
rural, pois estrategicamente, se configura como meio de dominação, uma vez que,
[...] o rural sempre foi visto como lugar que não precisa de grandes
investimentos, pois para trabalhar a terra, cuidar de animais, pescar, tirar
os produtos da floresta, não envolve muitos investimentos. A educação a
ser dada não requer muita preparação, nem muitos recursos, nem muita
qualidade, e atenção (SOUZA, 2005, p.7).
Por isso, trago a cena um olhar amazônico, que dentre as diversas Amazônias
focaliza a Amazônia paraense rural ribeirinha, evidencia seus múltiplos contextos,
identidades culturais, saberes e educação. Assim, para dar continuidade a narrativa
apresento a Ilha de Marajó com suas múltiplas faces da Amazônia das águas.
1.1 - Ilha de Marajó: realidades multifaces da Amazônia rural ribeirinha
A Amazônia abriga, em seu vasto território, a Ilha de Marajó, a maior ilha flúvio-
marinha do mundo, que se apresenta enquanto um cenário encantador pela sua
biodiversidade e pela riqueza cultural de seu povo e constitui uma das mais ricas regiões
do país em termos de recursos dricos e biológicos. O conjunto de ilhas que compõem o
arquipélago marajoara possui uma rica biodiversidade, composta por variadas espécies de
peixes, mariscos e por uma grande multiplicidade de árvores e plantas, que abrigam uma
imensa diversidade de pássaros e insetos.
Seus cenários, sua história, seus aspectos sociais, econômicos e políticos; a cultura
e a educação de seu povo conferem ao arquipélago marajoara, múltiplas faces, como
denomino neste trabalho, para enfatizar que esta região não é homogênea e possui uma
41
imensa pluralidade em suas práticas culturais e sociais, expressão tanto de riquezas
quanto de pobreza.
Olhar o Marajó apenas através de suas belezas e/ou como fornecedor de matérias
primas ao mercado nacional e internacional, deixa escapar os traços marcantes das
relações de exploração e de exclusão social ao qual o povo marajoara está submetido;
ocasionadas pela falta de políticas públicas, que contribui para que essa população viva
em condição de intensa pobreza material, conseqüência da colonização de exploração ao
qual o arquipélago foi submetido desde o início de sua historicidade e que tem se
perpetuado até a atualidade, porém de outras maneiras.
A história das múltiplas faces desse Marajó é demarcada desde 1499 e 1500,
quando Vicente Yañes Pinzon e Américo Vespúcio em suas viagens pela Amazônia,
faziam alusão a Ilha em suas narrativas falando da hostilidade dos índios Aruãs. Quando
os reinos de Portugal e Espanha se separam, em 1640, a Ilha de Marajó, chamada pelos
espanhóis de Ilha Grande de Joanes, já constava em seus mapas de navegação. O lugar
seguiu com essa terminologia, até o século XVIII. Posteriormente, foi chamada de Ilha de
Marajó, associada ao topônimo indígena tupi, imbara-yo, que significa “barreiras do
mar”. No vocabulário do Aurélio (1988), Marajó quer dizer “vento que sopra pela tarde
sobre a baía do Guajará”. Aliás, aos olhos dos antigos colonizadores, a ilha parecia servir
como uma muralha erguida pela natureza para conter as tormentas oceânicas
(BARBOSA, 2005).
Geograficamente, o arquipélago do Marajó está situado no extremo norte do
Estado do Pará, na foz do rio Amazonas denominado também de Foz do Rio-Mar. É
considerado em sua totalidade o maior complexo de ilhas fluviais do mundo, com 49.606
Km², distribuídos em 12 municípios. Araújo descreve as duas regiões existentes no
Marajó e diz
À leste, parte mais elevada, fica a região dos campos, onde estão
localizados os municípios de Cachoeira do Arari, Chaves, Soure,
Salvaterra, Ponta de Pedra e Santa Cruz do Arari. Posicionados entre a
faixa de quatro metros acima do nível do mar, alguns destes municípios
ficam com sua maior parte acima das cheias do rio Amazonas. À oeste
da Ilha situa-se a região de furos, devido aos inúmeros canais formados
pela foz do rio Amazonas. estão situados os municípios de Afuá,
Curralinho, São Sebastião da Boa Vista, Breves, Muaná, Anajás e
pequenas ilhas. (2002, p.66-67.)
42
Além desses municípios, politicamente, compõem a mesorregião do Marajó,os
municípios de Bagre, Gurupá, Melgaço, e Portel. O Marajó apresenta face baixa e
relativamente plana, onde se encontra os tesos
9
, as baixas, as várzeas e os igapós. É
caracterizado, ainda, por um dualismo geográfico que pode ser evidenciado por meio da
divisão do mesmo em duas grandes áreas:
[...] de um lado, os campos, oferecendo um modo de vida próprio com
suas fazendas, a pecuária e seus fenômenos sociais e econômicos,
idiossincráticos; de outro lado, a zona da mata, parte ocidental da ilha
completamente distinta, onde homem e meio se interpenetram,
resultando daí condições sazonais [...] deste lado o rio domina a vida
(NETO, 2005, p.77.
).
Esse dualismo proporciona ao Marajó vários cenários, e assim múltiplas faces:
florestas, campos, matas de igapó, praias, rios, furos e igarapés. A parte litorânea que fica
na costa leste da ilha é banhada pelo Oceano Atlântico, que compõem belíssimas praias.
A região dos campos é revestida por uma vegetação rasteira, inundada no período das
chuvas e que sofre secas durante o verão. Nessa parte da ilha, concentram-se a maioria
das fazendas de bovinos, especialmente, de búfalos. A região lacustre é composta por
muitos lagos alimentados pelo curso d’água dos igarapés e enchentes o maior e mais
importante deles é o Lago Arari, localizado no município de Santa Cruz do Arari (idem,
2005).
A floresta Amazônica na Ilha de Marajó é formada por árvores imensas e
produtivas, entrelaçadas umas às outras por imensos cipós e plantas aéreas, que cobrem a
mata tornando-a mais fechada.
9
Porções de terras altas que normalmente não são inundadas pelas cheias.
43
Fotografia 02: Na imagem pode ser vista a floresta Amazônica marajoara, constituindo o
cenário uma residência ribeirinha às margens do rio, esse por sua vez traz inúmeras plantas
aquáticas sobre o seu leito. Fonte: TV Breves, 2006.
As espécies vegetais que mais se distinguem na mata densa são: a seringueira, as
palmeiras de açaí e miriti, a samaumeira, as embaubeiras, virola e as madeiras nobres
angelim, jatobá, cedro, andiroba, castanheira, pau mulato, sucuúba, etc.
As florestas marajoaras são povoadas por uma admirável variedade de pássaros
andorinha, tucano, japiim, bem-te-vi, periquito, papagaio, beija-flor, curió, gavião, garça,
flamingo, etc. E também por inúmeras espécies de insetos formigas, besouros,
borboletas, aranhas, pernilongos, abelhas, entre outros. A região também possui diversos
animais: onça pintada, maracajás, jabuti, paca, tatu, macacos, cotia, veado, mucura,
preguiça, jacaré, etc.
O clima é constituído por períodos de sol e chuva. Esta tem a duração de 5 a 6
meses, que vai de janeiro a junho, nos três primeiros meses o tempo chuvoso é mais
rigoroso. O verão é basicamente seco, ocorre de julho a dezembro, porém caem algumas
chuvas nessa ocasião.
A maior parte da ilha é banhada pelo Rio Amazonas, a água escura e/ou barrenta
dos seus braços confere uma aparência característica ao solo de suas margens constituem
a exuberante mata de terra firme, várzea e igapó. A região ribeirinha é formada por vários
44
rios, com o volume de água que varia de acordo com a estação
10
e com as marés. Os rios,
igarapés, paranás e furos recortam o Marajó em todas as direções.
A fauna pesqueira também é outra grande riqueza do arquipélago, os peixes mais
conhecidos são: o tucunaré, o poraquê ou peixe-elétrico, a pescada, a dourada, o filhote, o
pirarucu, as piranhas e o tamuatá. Os rios também possuem uma grande quantidade de
camarões e outros mariscos.
A paisagem humana constituiu-se, inicialmente dos nativos foram os primeiros
habitantes do Marajó, padre Antonio Vieira, por meio de cartas à coroa portuguesa, relata
suas missões na Amazônia e afirma em uma de suas mensagens que a ilha era “habitada
por várias tribos de índios, que pela dificuldade e diversidade de suas linguagens, são
denominados pelo nome genérico de Nheengaibas”. (BRAGA, 2000, p.9). Aruans,
Mapuãs, Anajás, Guajarás, Manayanás, Sacarás, Jurunas, Muanás, eram algumas das
inúmeras populações nativas, que habitavam o Marajó no período da colonização.
Segundo Barbosa (2005) os índios Nuaruaques foram os primeiros habitantes,
sendo que esses teriam vindo dos Andes, pelo Amazonas. Os povos nativos que
ocupavam o Marajó foram dizimados ao longo da ocupação portuguesa, a partir das
primeiras expedições militares e religiosas, que datam de 1632 e 1659, respectivamente,
através da evangelização e escravidão.
Dentre os aspectos culturais ganha destaque a Cerâmica Marajoara, os nativos
moradores do arquipélago eram exímios na produção de artefatos cerâmicos, tais como:
urnas funerárias, estátuas, potes, vasos, panelas, tangas, etc. Após cinco séculos de
colonização ocidental, não existem mais índios, nem a fabricação da cerâmica desses
povos na ilha de Marajó.
Suas marcas resistem no decorrer do tempo por meio da cerâmica marajoara que,
ainda hoje, pode ser encontrada na região em museus, como por exemplo, o Museu do
Marajó “Pe. Giovanni Gallo”
11
, em Cachoeira do Arari; e em escavações arqueológicas,
que recebem a atenção de arqueólogos do Brasil e de vários países do mundo. Ainda
existem no arquipélago sítios arqueológicos localizados e catalogados, mas têm outros
que ainda não foram registrados.
10
De acordo com minha vivência na Amazônia é possível afirmar que a região não possui as quatro estações
do ano definidas, temos apenas o período de secas e de chuvas.
11
O Museu do Marajó “Padre Giovanni Gallo”, fica localizado no município de Cachoeira do Arari. Nele
estão expostas várias peças da cerâmica marajoara encontrada em sítios arqueológicos da Ilha de Marajó.
45
As manifestações culturais também são expressas pelo folclore, lendas e tradições,
que fazem parte da vivência cotidiana dos moradores da ilha, imprimem características
peculiares ao modo de ser e de viver do povo marajoara, que tem sua constituição oriunda
de nativos, portugueses e africanos. Foram os colonizadores que trouxeram os negros à
região ainda no período colonial, para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar e na
produção de cachaça. Assim, a composição étnica marajoara resulta da miscigenação
branca-índia, branca-negra, negra-índia originando “o marajoara”.
As especificidades amazônicas tais como: chuvas e florestas favoráveis foram aos
nativos, e a genética negra contribuíram, para que os caracteres de ambos marcassem com
maior intensidade os caracteres físicos da população do Marajó. A constante migração
para a ilha de pessoas oriunda de outras regiões colaborou, para que a dinâmica
populacional fosse marcada pela inter-etinicidade. Porém, os tipos humanos mais
característicos do Marajó são: o vaqueiro marajoara e o pescador. O vaqueiro é um
trabalhador rural das fazendas de gado bovino. De acordo com Araújo (2002, p.64), “este
homem em relação com o fazendeiro e outros grupos, foi constituindo práticas,
consolidando novas instituições e conformam um modo de vida que lhe é muito próprio”.
Neto (2005) destaca os dois tipos de pescadores da ilha de Marajó: no litoral, o pescador
é marinho e, na região dos rios, o pescador é ribeirinho.
A população da mesorregião do Marajó é estimada no ano de 2006, em 425.163
habitantes
12
, que sobrevivem de inúmeras atividades, produzidas no cotidiano, para
adquirir seus bens materiais. A produção agrícola não é muito desenvolvida, pois a
agricultura de subsistência mostra-se bastante incipiente. O produto de maior cultivo é a
mandioca. O arroz, milho e feijão apresentam um volume inexpressivo em sua produção.
As atividades agrícolas são desenvolvidas em pequena escala devido o solo ser bastante
alagado, sofre inundações no inverno nas regiões ribeirinhas; e nos campos o chão fica
argiloso, com bastante lama. Dessa forma nesse período o transporte pode ser
realizado por animais. Na região dos campos, no período do verão a terra fica muito dura,
formam porções de argila e areia conhecidas como terroadas.
Na figura 02, pode ser visualizada várias características de Marajó, ela apresenta
os principais rios, as ilhas de Gurupá, Caviana e Mexiana, e ainda a localização
estratégica do Marajó entre as capitais Belém (PA) e Macapá (AP). Mostra também a
12
Disponível em http//www.pt.wikipedia.org
46
posição geográfica dos municípios de Breves, Soure e Salvaterra, pois no arquipélago são
os que mais se destacam, por seus aspectos econômicos, populacionais e turísticos.
Figura 2: Mapa da Ilha de Marajó indicando à heterogeneidade de produção da região bem como os
principais rios, a localização estratégica com as capitais Belém (PA) e Macapá (AP). E o município de
Breves (PA). Fonte: Matias e Battaglin, 1989.
Pode ser visualizada ainda na figura 02, que o Marajó possui aspectos produtivos
diversificados, dentre os quais se destacam: a borracha, a pecuária bovina e bubalina, a
indústria madeireira e de fabricação de cabos de vassoura, o turismo, entre outras.
Dentre os aspectos produtivos a atividade pecuária bovina e bubalina têm uma
maior expressão na economia local dos municípios de Soure, Salvaterra, Cachoeira do
Arari e Santa Cruz do Arari, nos últimos anos apresentam um decréscimo. A razão
principal da decadência pecuarista na região decorre do atraso cnico da atividade
(BARBOSA, 2005).
47
Fotografia 03: Fazenda de gado bovino em Cachoeira do Arari no Marajó. Fonte: Barbosa,
2005.
As fazendas de gado do Marajó, em sua grande maioria, necessitam de
modernização tecnológica e gerencial. Associado a este fator está à inexistência de
frigoríficos de abate de gado na região, fazendo com que o escoamento da produção se dê
na forma do gado em pé, fator que reduz a competitividade do produto local em relação a
outras regiões produtoras do Estado do Pará. (idem).
Dentre as atividades econômicas regionais, as extrativistas são as que apresentam
maior importância atualmente, pois são elas que garantem o emprego e renda para grande
parte da população. A indústria madeireira é muito comum na região, desde meados de
1900, a exploração e beneficiamento da madeira, para produzir tábuas, esteios, vigas,
pranchas, perna-mancas, estacas, etc. já ocorria no arquipélago (BRAGA, 1911).
E devido à intensa exploração que aconteceu nas últimas décadas às áreas onde se
encontra uma maior quantidade de espécies valiosas, para o mercado ficam cada vez mais
distantes das margens dos rios, dificultam o acesso e o transporte das toras. Para diminuir
este problema, os ribeirinhos cortam as madeiras no verão e no período chuvoso elas são
transportadas por dentro d’agua, quando os rios e igarapés estão cheios, o que lhes facilita
o transporte. Assim, a extração e comercialização da madeira também têm como
característica a sazonalidade.
As fotografias 04 e 05, demonstram o transporte da madeira cerrada do Marajó,
que é escoada pelos rios da região, rumo ao mercado externo em grandes navios
cargueiros e balsas.
48
Fotografia 04: Madeireira com o navio atracado no porto sendo carregado de madeira. Fonte: TV
Breves, 2006.
Ainda na fotografia 04, pode ser visualizado o pátio de uma grande madeireira, os
inúmeros galpões, mostrados do lado esquerdo e na parte inferior da imagem,
oportunizando-nos uma idéia da quantidade de madeira que a mesma comporta e
armazena. Ainda na mesma fotografia pode ser observado um navio atracado no porto,
para ser carregado de madeira.
na fotografia 05 a seguir, é possível observar o transporte da madeira realizado
em balsas.
Fotografia 05: Balsa transportando madeira. Fonte: TV Breves, 2006.
49
A exploração da madeira não é feita somente pelos ribeirinhos, às diversas
indústrias madeireiras são as responsáveis por grande parte do desmatamento no Marajó.
Os empresários, em sua maioria de outras regiões do Brasil, principalmente, do sul e do
exterior, esses compram ou alugam imensas áreas de terra dos moradores ribeirinhos e
contratam trabalhadores temporários que passam a explorá-las.
Ao utilizar o sistema de arrastão, tratores são atrelados às correntes com a
intenção de arrancar as árvores maiores e/ou de maior valor comercial, porém centenas de
espécies vegetais são arrancadas, para que apenas uma seja aproveitada. Assim a extração
abusiva da madeira além do desmatamento da flora regional também contribui, para que
o habitat natural de muitos animais seja destruído neste processo.
Segundo Edson Brasil (2007) os ambientalistas fazem o cálculo de que a extração
ilegal da madeira e do palmito sacrifica, aproximadamente, cem mil árvores, por ano no
Marajó. As árvores são vendidas aos grandes madeireiros por um preço insignificante,
uma tora colocada na beira do rio custa oito reais em média. Dessa forma, os ribeirinhos
vêem através de suas janelas sua riqueza passar empilhada em navios cargueiros e balsa,
com destino ao mercado externo de vários países do mundo, porém a maioria deles
continua na mais extrema pobreza. Hermoso e Rivato destacam que a devastação florestal
no Marajó é intensa
[....] nos municípios continentais de Portel e Melgaço e nos insulares
florestais, principalmente de Breves. Sua prática se faz, sobretudo, pela
exploração da madeira sem licenciamento das autoridades responsáveis
pelo controle ambiental [...]. As denúncias feitas sobre esse tipo de
abuso, não têm qualquer implicação, pois essas entidades alegam que
não tem capacidade institucional para a indispensável regressão desses
crimes ambientais, perpetrados ostensiva e rotineiramente, agravando as
condições de pobreza do povo. (1999, p.24-25. Grifos dos autores).
Convêm destacar ainda que a exploração desordenada desse produto traz
conseqüências prejudiciais ao meio ambiente e a população, pois as matas são exploradas
sem plano de manejo florestal ou reflorestamento. Além de que a destruição da
biodiversidade contribui para com o desaparecimento progressivo de inúmeras espécies
vegetais e animais.
O desmatamento também contribui com o aumento da incidência de malária,
principalmente, no município de Anajás. E de casos de raiva animal, no município de
Portel, que causou pânico na população, em 2004. Com a destruição dos ecossistemas os
50
mosquitos e morcegos migram para as comunidades e vilas, vitimando à população mais
próxima de seu habitat.
Um outro produto que tem uma grande importância para a economia da região é a
coleta do açaí, esta tem sido realizada de geração após geração pelas populações
ribeirinhas, é fonte de alimentação e renda de muitas famílias no Marajó, parte da
produção do açaí é vendida e parte é consumida pela própria população local.
Ao amanhecer no Marajó os ribeirinhos chegam à cidade em suas embarcações
trazendo vários produtos, para serem comercializados: açaí, farinha, frutas, etc., conforme
pode ser visualizado na imagem abaixo.
Fotografia 06: Ribeirinho chegando à cidade trazendo farinha e açaí para comercializar. Na imagem
pode ser vista as duas variações de cor do fruto do aí: o paneiro nas mãos do homem contém o
açaí branco e o paneiro sobre o barco, possui o açaí preto. Fonte: Francisco Neto, 20/06/07.
Na fotografia 07, pode ser evidenciado o comércio do açaí. Durante as manhãs, as
feiras dos municípios de Marajó recebem um grande número de pessoas, para vender e
comprar este produto, pois ele é o prato preferido da culinária paraense, principalmente
dos ribeirinhos.
As feiras são pontos de encontro entre parentes e amigos, inúmeros diálogos são
estabelecidos nesses espaços, onde se discute sobre os parentes que se encontram no
interior e informa-se sobre aqueles que estão na cidade, conversam sobre os
acontecimentos mais recentes do município, do Estado, do país e do mundo.
51
São comuns ainda as rodas de conversas sobre o time preferido e também dos
mexericos. Marin et al (2005) diz que diversos acontecimentos são divulgados através
desta informalidade, sem o uso de tecnologia sofisticada. A palavra, o face a face, tem
mais confiabilidade que aquelas produzidas e mediadas por instrumento de comunicação
moderno.
Fotografia 07: Feira do Açaí em Breves, ao redor dos paneiros com o fruto do açaí, muitos pessoas se
juntam, tanto para vender quanto para comprar o produto. Fonte TV Breves, 2006.
Silva et al afirma que as feiras “envolvem a troca de experiências, de vivências,
de narrativas, de estórias e de histórias, consagradas cotidianamente nesses espaços”.
(2005, p.76). Faz-se presente nas feiras de açaí o jeito característico de comercializar os
produtos, de conversar, de agir e interagir que refletem o viver da população marajoara
local.
Este espaço é demarcado culturalmente por estas pessoas e fazem parte do
cotidiano da grande maioria das cidades ribeirinhas do Marajó. Marin et al (2005, p.141)
afirma “o cosmopolitismo cede passagem às tradições. As redes são alargadas e adquirem
novas significações nesse ir e vir de histórias, de indivíduos, de pequenas coletividades
que se interpenetram com a cidade”.
O açaí se constitui como um componente básico da alimentação dos ribeirinhos,
ultimamente este produto tem sido exportado para diversas partes do país, e isso tem
encarecido o produto, sobretudo no período da entressafra, quando fica mais escasso e,
52
consequentemente, o preço fica mais elevado. Destarte, não é tão comum ver o açaí na
mesa da população marajoara, especialmente, daquelas que vivem nas cidades, porém no
meio rural, às vezes, é o único alimento da família pobre.
Da palmeira do açaí também é produzido o palmito e a extração deste produto tem
se tornado um fator preocupante que poderá ocasionar a sua falta no futuro próximo. Os
ribeirinhos recebem em média um real por unidade do palmito com toda casca, porém um
vidro deste produto beneficiado e vendido no comércio com o peso bruto de 550g e peso
drenado de 300g - sem o líquido de conserva – tem o custo médio de R$ 2,50 (dois reais e
cinqüenta centavos) a R$ 5,00 (cinco reais) dependendo do tipo do palmito A, B ou C. O
preço também pode variar e/ou aumentar se for vendido para outras regiões do país.
Outra atividade que tem grandes possibilidades de se expandir na região é o
turismo, pois todos os municípios do Marajó possuem suas particularidades e riquezas
naturais, que se constituem com uma possibilidade imensa de atrair turistas de várias
partes do país e do mundo. No entanto, somente nas cidades de Soure e Salvaterra o
turismo é mais desenvolvido, nos demais lugares necessidade de investimentos na
infra-estrutura e maior divulgação de seus atrativos, pois quando se fala de Ilha de Marajó
apenas SOURE tem o maior destaque, é conhecida nacional e internacionalmente como
“CAPITAL DO MARAJÓ”. O turismo ecológico no arquipélago desponta como um dos
grandes potenciais a ser desenvolvido na região, para viabilizar a melhoria das condições
de vida dos habitantes da ilha, pois o modo como à população local interage na produção
e reprodução, reflete diretamente na organização familiar e em suas estratégias de
sobrevivência.
O comércio complementa a economia da ilha. Convêm mencionar também que os
serviços públicos e as aposentadorias são fontes de geração de renda de parte significativa
da população do município de Breves e de toda ilha de Marajó.
Outras atividades econômicas industriais, praticamente, são inexistentes, este fator
deriva da falta de infra-estrutura, e por se tratar de uma ilha todos os materiais e insumos
necessários à execução de obras, precisam ser trazidos do continente via fluvial, seja
areia, cimento, pedra, brita ou asfalto.
Por todos esses fatores, fazer com que a ilha possa se desenvolver,
economicamente, é um grande desafio, que requer a presença efetiva do Estado, pois o
Marajó tem uma enorme insuficiência e precariedade em termos de infra-estrutura
53
econômica, em todos os seus componentes: transportes, energia, telecomunicações e
armazenagem, etc.
A oferta de energia no Marajó é bastante precária, praticamente, resumindo-se às
sedes dos municípios. A geração da eletricidade se em pequenas usinas térmicas
movidas a diesel, pois não um abastecimento através de usina hidrelétrica. Algumas
pessoas que vivem no meio rural e ribeirinho utilizam geradores de energia movidos a
diesel, ou baterias. A população mais pobre ainda usa como iluminação a lamparina
13
.
O programa Luz no Campo” do Governo Federal ainda não conseguiu atender
muitas famílias que vivem no meio rural. Deste modo, as fontes de energia mais
utilizadas são: o querosene para iluminar a casa, a lenha e o gás para cozinhar. Devido ao
tipo de energia disponível e o baixo poder aquisitivo de consumo não aparelhos ou
utensílios domésticos mais sofisticados nas residências da população do meio rural. O
rádio à pilha ou à bateria é o eletrodoméstico mais comum de ser encontrado nos
domicílios do meio rural ribeirinho.
As condições de moradia são muito precárias, principalmente, das pessoas que
vivem no meio rural, sendo que, nos núcleos urbanos, também existem muitas pessoas
pobres. As habitações das populações ribeirinhas são, normalmente, de madeira, que é
retirada do próprio terreno das famílias ou comprada em serrarias localizadas nas
proximidades. Geralmente, a cobertura das casas é feita de palha de bussú, palmeira
típica da região.
A pobreza material da população da região também pode se evidenciar pelo Índice
de Desenvolvimento Humano no Marajó que é muito baixo e figura como um dos piores
do país, apresentando o índice de 0,627
14
. Aliado às variáveis: educação, longevidade e
renda, os indicadores demonstram que a população marajoara enfrenta inúmeras
dificuldades de sobrevivência.
A ação mais efetiva do Governo Federal de combate à pobreza e ao analfabetismo
é o Programa Bolsa Família”, que está presente em todos os municípios do arquipélago,
atinge um pequeno número de famílias, principalmente da cidade, sendo que no meio
rural a população é pouco atendida pelo programa. Hermoso e Rivato ao falar sobre a
situação de vida da população mencionam
13
Lamparina é um objeto de iluminação feito de ferro ou vidro, contendo um pavio de algodão que conduz
o combustível- querosene- até a parte externa superior, que quando é aceso proporciona a claridade.
14
Disponível em http//www.pt.wikipedia.org
54
[...] as condições de pobreza do povo vêm se agravando nas últimas
décadas. Certamente mais de 90% da população é pobre, muito pobre,
muitos em situação de miséria absoluta. Além disso, no contexto da
política econômica dos governos federal e estadual o se consegue
detectar medidas que permitam visualizar no horizonte o combate
direto à pobreza desse povo, o que permite concluir que essas
populações estão condenadas à marginalização social por tempo
indeterminado. (1999, p.9. Grifos dos autores).
Na região marajoara a mortalidade infantil, a desnutrição, malária e mortes
causadas por doenças parasitárias, são comuns. Existe uma enorme carência de obras de
infra-estrutura para saneamento e tratamento mais abrangente dos serviços de saúde
pública, estes investimentos poderiam minimizar alguns dos problemas citados
anteriormente.
Na fotografia 08, pode ser visto um morador retirando água para consumo, de um
recipiente enterrado no solo com um cano da rede de abastecimento de água. Como essa
não chega às casas é comum em muitos bairros periféricos, os moradores escavarem o
solo e colocarem recipientes para depositar o referido líquido. Devido o depósito ficar
próximos da sarjeta, quando chove forte a água que passa pelas valas entra nesses
depósitos, que acumulam muita sujeira, limo e microorganismos bactericidas.
Fotografia 08: Morador de bairro periférico de Breves apanhando água. Fonte: Francisco Neto
,
20/06/2007.
Muitas doenças que atingem a população marajoara estão relacionadas à falta de
um sistema de fornecimento de água, este ocorre somente na sede dos municípios, porém
nem toda a população urbana é atendida pelo mesmo.
55
No meio rural ribeirinho o consumo de água da população advém do próprio rio,
sendo que apenas uma proporção muito pequena realiza algum tratamento na água, o
mais comum é o uso de hipoclorito ou água sanitária. Os rios do Marajó têm diversas
utilidades para a população, na imagem a seguir pode ser visto crianças e adultos que
tomam banho no rio, barcos e canoas em seu leito, pois o rio muitas vezes é a rua dos
ribeirinhos.
Fotografia 09: Crianças e adultos tomando banho no rio. Fonte: Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
É necessário ressaltar que o rio serve tanto de via de transporte, de fornecedor de
alimentos e água, para as necessidades básicas (beber, cozinhar, lavar roupas, banhos,
etc.); quanto de depósito de dejetos fecais, uma vez que a maioria das casas que ficam às
margens dos rios não possui fossas sanitárias e a enchente da maré, termina por alagar os
quintais e chega aos sanitários das residências e contaminando a água. Fator que contribui
para a existência de doenças parasitárias. Esta situação foi constatada nas diversas
viagens em que realizei, ao coletar dados para a pesquisa do GEPERUAZ, citada no
início deste trabalho.
Já o sistema de transporte limita-se ao marítimo e hidroviário que é utilizado tanto
para a condução dos moradores, quanto para o escoamento da produção, usando-se o
barco, conforme pode ser visualizado na fotografia 10; ou o casco, pequena canoa de
madeira movida com a força humana através do remo, usada pelos ribeirinhos para o
transporte de pessoas e mercadorias (fotografia 11), e também a rabeta, canoa de madeira
movida a motor, para o transporte de pessoas e pequena quantidade de cargas e
mercadorias, conforme nos mostra a fotografia 12.
56
Fotografia 10: Barco pequeno usado no transporte de pessoas, cargas e mercadorias. Fonte: TV Breves, 2006.
Fotografia 11: Ribeirinho pilotando o casco. Fonte: TV Breves, 2006.
57
Fotografia 12: Família ribeirinha transportada numa lanchinha, denominada de catraia e ao lado direito a
imagem de uma rabeta. Fonte: TV Breves, 2006.
O transporte de pessoas e cargas de um Município ou de um Estado para outro é
realizado, especialmente, através de navios, balsas e por linha de barcos, como pode ser
visualizado na fotografia 13.
Fotografia 13: Embarcação utilizada para o transporte de pessoas, cargas e mercadorias.
Fonte: TV Breves, 2006.
A população do Marajó das cidades localizadas às margens dos rios utiliza,
diariamente, as embarcações apresentadas, anteriormente, uma vez que quase inexistem
58
rodovias na ilha, e as poucas vicinais existentes são intransitáveis no período com chuvas
mais intensas.
No tocante ao transporte aéreo, inexistem linhas regulares no Arquipélago e o
deslocamento para algumas cidades é feito através de vôos de empresas e de táxi aéreo.
Este serviço é utilizado apenas por uma pequena parcela da população e por visitantes,
que se deslocam para a ilha a passeio ou a negócios. A maioria da população não utiliza
este meio de transporte, porque não tem condições de pagar o valor da passagem aérea.
Com relação ao aspecto educacional o arquipélago ainda apresenta uma grande
dificuldade no que se refere à oferta escolar, a necessidade de investimentos
educacionais, em face da baixa escolaridade materializada pela elevada taxa de
analfabetismo. Segundo Hermoso e Rivato (1999, p.17) no “campo da educação
reproduz-se um dos aspectos mais dolorosos da pobreza da região [...] pois a evasão e a
repetência vai afastando as crianças do sistema educacional, relegando-as a uma vida
improdutiva”.
Aliado a esses fatores convêm destacar que a maioria das escolas existentes no
meio rural é muito precária, funcionam em locais improvisados e são tão diversificadas
quanto os contextos locais existentes na ilha, podem ser encontradas em seu vasto
território escolas-de-fazenda
15
, escolas de vilas de madeireiras
16
, escolas que funcionam
nas casas de comunitários e professores, nos salões de festas, nas igrejas-católicas e
evangélicas, etc. Existem também os estabelecimentos de ensino construídos conforme a
arquitetura exigida aos prédios escolares
17
e os modelos variam de um lugar para outro.
Grande parte das escolas do Marajó localizadas no meio rural são multisseriadas, onde
um professor ensina crianças de várias séries, em uma única turma (CRISTO et al, 2005).
Muitos educadores do Marajó enfrentam enormes dificuldades para ensinar as
crianças, pois pouco investimento em formação, os recursos didáticos são limitados,
há falta de merenda nos estabelecimentos escolares e muitos outros problemas, que
contribuem para o baixo índice educacional das populações locais.
Educação, cultura, desenvolvimento sócio-econômico e ambiental são condições
essenciais para garantir a elevação da qualidade de vida das populações marajoaras, que
15
A tese de doutorado “Cultura e escolas-de-fazenda na Ilha de Marajó: um estudo com base em Raymond
Willians” da profª Dra.da UFPa, Sônia Maria Araújo da Silva, apresenta um estudo detalhado sobre as
escolas-de-fazenda.
16
No terceiro capítulo ao tratar da educação no Município de Breves descrevo este tipo de escola.
17
Estes prédios muitas vezes contêm uma ou mais salas de aula, banheiros, copa, sala de professores e
secretaria.
59
deve estar voltada para a valorização dos diversos espaços e particularidades que
constituem o Marajó, sem ignorar a pluralidade amazônica, dentro desse contexto de
múltiplas faces.
Nesse sentido, entender e analisar a região marajoara como homogênea, implica
na desvalorização da “multiculturalidade e sócio-diversidade, desconsiderando-se
inclusive, a identidade de cada povo que vive e convive nesse espaço amplo e diverso”
(NETO; RODRIGUES, 2003, p.23).
Compreendo o Marajó como parte desse contexto multicultural amazônico, por
isso darei destaque ao município de Breves, dedico especial atenção a partir deste
momento, pois o mesmo é o locus de investigação da pesquisa de campo que constitui
este estudo.
1.2 - O município de Breves: história, cultura e identidade dos ribeirinhos do
Marajó
O município de BREVES, também conhecido como “A CAPITAL DAS
ILHAS”, encontra-se localizado ao sul da Ilha de Marajó, a uma altitude de 01º40’56”
Sul e a uma longitude 50º28’49” oeste, a uma altitude de 40 metros, às margens do Rio
Parauaú. Ele possui uma área de, aproximadamente, 9.527,60 Km² e faz parte da
mesorregião Marajó e da microrregião do Furo de Breves, estabelece limites com os
municípios de Afe Anajás (ao norte); Melgaço e Bagre (ao sul); Anajás, Curralinho e
São Sebastião da Boa Vista (a leste) e Melgaço e Gurupá (a oeste) (COSTA, 2000;
FERREIRA, 2003; NETO, 2005).
Na figura 03, pode ser observada a localização geográfica do município de
Breves, no mapa do Estado do Pará. Ao lado podemos obter suas características
geográficas mais gerais: área, população, densidade e clima; e os indicadores
populacionais: Índice de Desenvolvimento Humano, Produto Interno Bruto e PIB per
capita. Estes indicativos possibilitam uma maior compreensão do município em termos
geográficos e populacionais.
60
Figura 03: Mapa do Pará, com localização de
Breves. Fonte: Wikipedia, 2007.
Tabela 01: Indicadores geográficos e
populacionais.
Fonte:
Wikipedia, 2007.
O município de Breves distancia-se 160 km, em linha reta, da capital do Estado
do Pará. A principal forma de acesso à região se por via fluvial. A viagem de Belém a
cidade de Breves tem duração média de 12h de barco. O mesmo percurso pode ser feito
de avião em até 45 minutos.
Na fotografia 14, apresento a vista panorâmica da frente de Breves com destaque
para o Rio Parauaú que banha a cidade. Na orla desse rio pode ser encontrada a igreja
matriz e a estátua em homenagem à padroeira do município, Nossa Senhora Santana,
prédios comerciais e alguns casarões antigos, que sobreviveram às mudanças
arquitetônicas atuais e rememoram à arquitetura do período da colonização da Amazônia.
01° 40' 55" S 50° 28' 48" O
Estado
Pará
Mesorregião
Marajó
Microrregião
Furos de Breves
Características geográficas
Área
9.550,454 km²
População
86.084 hab. est. 2006
Densidade
9,0 hab./km²
Clima
Equatorial úmido
Indicadores
IDH
0,630 PNUD/2000
PIB
R$ 160.953.769,00 IBGE/2003
PIB per capita
R$ 1.930,69 IBGE/2003
61
Vista panorâmica da frente
Fotografia 14: Vista panorâmica frontal da cidade de Breves/PA. Fonte: TV Breves, 2006.
O início da história do município de Breves é datado do Período Colonial, a
descrição do mesmo e de seus primeiros habitantes aparecem nos relatos das expedições
científicas realizadas na região Amazônica pelo naturalista inglês Henri Walter Bates, em
1848, pelo naturalista suíço Louis Agassiz, nos anos de 1865 e 1866 e por CH. F. Hartt,
no período de 1875 a 1878.
Na obra intitulada “O Município de Breves” pode ser encontrado os relatos sobre
as viagens pela Amazônia de Henri W. Bates, onde o autor realiza uma descrição de
Breves e afirma que “toda essa região de terra firme e ilhas, é inteiramente coberta de
floresta [...] entramos nos estreitos rios de Breves, que [...] dão começo ao extenso e
intricado labyrinto de cannaes que ligam os rios Pará e Amazonas
18
”. (1911, p.63). Nestes
mesmos escritos o naturalista também destaca que a “Villa de Breves” consiste
[...] em umas 400 casas pouco mais ou menos das quase ocupadas por
commerciantes portuguezes. Algumas famílias de índios ahi residem,
occupando-se na manufatura de cerâmica ornamentada e cuias
pintadas, que elles vendes aos passageiros ou negociante; essas cuias
são muitas vezes, ornadas com um certo gosto. (idem, p.64. Grifos
meus).
18
Esta citação e as demais que versam sobre as obras referentes aos primeiros escritos sobre o município de
Breves mantêm a escrita original, preservando o texto dos próprios autores.
62
Por outro lado, nos relatos do naturalista Louis Agassiz encontrados na obra
“Terra dos Breves” uma descrição sobre os nativos de Breves, sobre o comércio de
animais e a respeito da cerâmica marajoara, conforme ele mesmo afirma:
Na primeira casa que entramos havia somente uma velha índia
mestiça, em pé, na larga porta aberta de sua palhoça, onde parecia estar
cercada com sua provisão viva de papagaios e periquitos de todas as
espécies e tamanhos, que ella guardava para vender. Após ter visto
muitas casas, ter comprado um ou dois macacos, alguns papagaios e
alguns artigos de cerâmica local, tão feia quanto curiosa, vagueamos
pela matta a fim de apanhar plantas para seccar e preparar. (2000, p.35-
36. Grifos meus).
Ao
estabelecer uma comparação entre a descrição de Bates e Agassiz, identifiquei
que a visão que os mesmos possuem acerca da cerâmica e pinturas produzidas pelos
nativos são diferentes. O primeiro diz que, os habitantes possuíam “bom gosto” para
pintar as cuias e o segundo as considera a cerâmica “feia e curiosa”, manifestando a visão
do colonizador que inferioriza a arte e a cultura nativa. Considera “arte de menor valor”,
o que demonstra a concepção eurocêntrica de arte e de cultura, imbuída em padrões
culturais que direcionam o foco sobre o produtor da arte e não sobre o objeto. Mas,
apesar do segundo criticar a arte dos nativos do local, atualmente, as cerâmicas
marajoaras constituem-se como mbolos da expressão artística e cultural do Marajó,
sendo reconhecida, mundialmente.
A postura eurocêntrica não se limitava às expressões artísticas dos marajoaras,
pois estava presente, também, nas relações sociais e econômicas estabelecidas no período
da colonização e povoação do município, realizada pelos europeus. Ao descrever a
população que habitava a cidade de Breves, Louis Agassiz, afirmava que ela
[...] é composta de um amálgama de raças diferentes. Vêem-se um
rosto regular e a bella pelle de um homem branco combinando
com o preto e grosseiro, cabello carapinha; e em meio d’essas
combinações apparece o tipo do puro índio com suas sobrancelhas
baixas, sua face quadrada, e as linhas rectas do hombros. Nas
mulheres, especialmente os hombros são ainda mais altos (2000,
p.35-36. Grifos meus).
Na opinião do autor, ser de raça diferente confere um tom de superioridade dos
europeus sobre a identidade dos nativos, evidencia a diferença que se estabelece a partir
do padrão europeu de homem, e conforme nos adverte Silva (2004, p.97) “a identidade
63
está ligada a estruturas discursivas e narrativas [...] a sistemas de representação. A
identidade tem estreitas conexões com relações de poder”.
São os portugueses que intensificam o processo de povoação de Breves através da
colonização. Na primeira metade do século XVIII, os irmãos Manoel Maria Fernandes e
Ângelo Fernandes de Breves e sua esposa, Inês Breves, ao chegarem de Portugal, se
instalaram na “Missão dos Bocas”, sesmaria com duas léguas de frente e uma de
fundo,concedida aos mesmos pelo capitão-general João de Abreu Castelo Branco, em 19
de novembro de 1738 e confirmada em 30 de março de 1740, pelo rei de Portugal Dom
João V (COSTA, 2000; FERREIRA, 2003; NETO, 2005). Sobre essa questão, Braga
relata que
Breves, a 50 ou 60 annos, era um logarejo em que morava uma família
de índios domésticos; dois portuguezes irmãos que tinham o
sobrenome de Breves foram alli negociar e se estabeleceram com uma
pequena casa de commercio. O logar aumentou-se pouco a pouco e
ficou conhecido com o nome dos dois portuguzes. (1911, p.11)
Manoel Maria Fernandes de Breves construiu o engenho de Sant’Ana que deu
origem ao local conhecido como Lugar de Breves”. Atualmente, o município tem como
padroeira “Nossa Senhora Santana” demarcam culturalmente e historicamente a memória
do povo com a homenagem ao nome do engenho onde iniciou a povoação do município.
Em 1781, Manoel Fernandes de Breves e outras famílias solicitaram ao Intendente
Geral José Nápoles Tello de Meneses que concedesse ao sítio a condição de Lugar e em
20 de outubro do mesmo ano, passou-se a chamar “Santana de Breves”. Segundo Ferreira
“reconhecido como povoado Lugar de Santana dos Breves, a localidade desenvolveu-se
no Período Colonial indo até o provincial, em território pertencente aos municípios de
Melgaço e Portel”. (2003, p.425)
Pela Lei Provincial 190, a localidade teve à elevação de Freguesia, com a
denominação de “Nossa Senhora Santana de Breves”, em 30 de novembro de 1850.
Posteriormente, foi elevada à condição de Vila e somente em 25 de outubro de 1851, por
meio da resolução 200, tornou-se município e recebeu o nome de Breves em
homenagem aos seus pioneiros do período da colonização.
O Conselho Municipal de Breves, no período de 1903 a 1906, com a Lei
Municipal 190 de 22 de dezembro de 1905, autorizou o intendente municipal Coronel
Lourenço de Mattos Borges a transferir a sede do município a um povoado, que foi
64
elevado à condição de Vila através da Lei 1.l22 de 10 de novembro de 1909, que
obteve a denominação de Antonio Lemos e, posteriormente, passou à condição de cidade.
Porém, o mesmo não conseguiu conservar-se como sede do município e, em 18 de março
de l912, a Lei Municipal 240, extinguiu à cidade de Antonio Lemos, que foi rebaixada
à condição de Vila. (COSTA, 2000).
Atualmente, o município de Breves é, politicamente, composto pelos distritos de
Antonio Lemos, Breves, São Miguel dos Macacos e Curumú.
Segundo Neto e Rodrigues
(2003, p.27) “a história do lugar está diretamente ligada à prática social cotidiana, que são
repassados de geração para geração, estando imbricados na cultura destes atores e grupos
sociais [...] tomando características peculiares”.
Os atores sociais que compõem esta região do Marajó - em um contexto regional
decorrente de especificidades locais e diferentes inter-relações: homens, mulheres,
natureza, economia e política; constroem e reconstroem, pluralizam e organizam as
histórias, as culturas e as identidades desta parte da região que é caracterizada por dois
tipos de ecossistemas tipicamente amazônicos: as terras firmes e as terras de várzea.
As terras firme são áreas, relativamente, altas não sujeitas aos alagamentos
estacionais; várzeas são áreas baixas próximas às margens dos rios, que sofrem
inundações periódicas ocasionadas pela cheia dos mesmos, principalmente, no período de
intensas chuvas, quando um aumento do volume de água na bacia Amazônica,
conforme pode ser visto na fotografia 15. Como conseqüência deste fator, uma grande
parte do território de Breves sofre inundações durante a época de cheias dos rios e
igarapés que recortam o município.
65
Fotografia 15: Paisagem ribeirinha de Breves destacando a cheia dos igarapés. Fonte TV Breves, 2006.
Nesse mosaico de terra e água vivem as populações ribeirinhas, denominadas,
também, de Povos das Águas. Ribeirinhos/as são homens, mulheres, jovens e crianças
que nascem, vivem, convivem e se criam, existem e resistem às margens dos rios,
denominados também por algumas pessoas de cablocos. (CORRÊA, 2003). Segundo
Gonçalves, o
[...] ribeirinho é sem dúvida, o mais característico personagem
amazônico. Em suas práticas estão presentes as culturas mais diversas
que vêm dos mais diferentes povos indígenas, do imigrante português,
de imigrantes nordestinos e de populações negras. Habitando as
várzeas desenvolveu todo um saber na convivência com os rios e com a
floresta. (2005, p.154).
Os ribeirinhos do meio rural vivem em pequenas comunidades e vilas de
madeireiras e, em sua maioria, habitam residências localizadas as margens dos rios, dos
igarapés, furos e igapós que compõem o vasto e complexo estuário brevense. Conforme,
pode ser visto na fotografia 16, lugar que ao mesmo tempo em que são produzidos por
homens e mulheres, estes sofrem a influência de sua ação, numa relação sucessiva e
conflitante com os rios, matas, animais; criam e recriam o cenário e constroem novos
ambientes. Elementos que constituem a elaboração desta identidade em que “se faz
66
presente um determinado tempo que se constitui a partir de um vínculo tênue existente
entre o ribeirinho e o tempo da natureza”. (SILVA; MALHEIRO, 2005, p.151).
Fotografia 16: Residência ribeirinha do interior de Breves, feita em madeira e coberta com palha. Na
janela da casa encontram-se uma pessoa, ao lado daquela, roupas estendidas no varal, ao redor a
paisagem da floresta amazônica, constituída de muitas árvores, palmeiras de buriti, etc. e o rio de águas
barrentas. Fonte: TV Breves, 2006.
Suas residências são edificadas, certa distância do chão para não alagarem no
período da maré alta e para proteger da entrada de animais peçonhentos, que possam vir
da maré e das matas, como pode se observado também na fotografia 10.
De acordo com a situação financeira dos ribeirinhos, suas moradias se diferenciam
e alguns deles vivem em melhores condições com suas casas construídas em madeira,
cobertas com telha de amianto (conhecida como brasilit) ou barro, e possui em seu
interior, móveis, eletrodomésticos, motor de energia, etc.
Para se comunicarem os ribeirinhos utilizam o rádio de comunicação de longo
alcance, conhecido na região como funia, ou o rádio amador, que possui uma freqüência
de menor alcance. Através destes meios de comunicação os ribeirinhos se comunicam
com parentes e amigos, enviam as notícias e recebem as informações, principalmente,
através de mensagens. O rádio também é usado para chamar os barcos que trafegam pela
região embarcando passageiros e cargas. Assim, posso dizer que o rádio amador é o
“telefone” do meio rural, pois tem a mesma utilidade deste aparelho - a comunicação.
67
Como a grande maioria da população que vive no meio rural é muito pobre, suas
casas são pequenas, construídas em madeiras ou de açaizeiro (estas são habitadas,
sobretudo, por pessoas, extremamente, carentes); e geralmente, o aparelho eletrônico mais
comum utilizado por esses moradores é o radinho à pilha, por meio dos quais os mesmos
sabem das notícias da região e mandam suas mensagens para os parentes, amigos e
vizinhos, uma vez que não possuem o rádio amador ou a funia e o serviço dos correios
não é disponibilizado a todas essas pessoas.
A sobrevivência dos ribeirinhos depende tanto do trabalho na terra para as
atividades de agricultura de subsistência, quanto do seu acesso às águas onde
desenvolvem atividades de pesca artesanal – principal fonte de alimentação dos mesmos.
Esses amazônidas têm uma visão e uma prática nas quais os solos,
florestas e rios se apresentam como interligados, um dependendo do
outro, dos quais todo um modo de vida e de produção foi sendo tecido,
combinando essas diferentes partes dos ecossistemas amazônicos com
a agricultura, o extrativismo e a pesca. (GONÇALVES, 2005 p.155).
Os ciclos sazonais interferem e ditam a dinâmica de realização das atividades de
agricultura, da pesca, da caça e a lida na criação de animais, bem como da extração de
madeira, do fruto e palmito do açaí. Durante o período das chuvas, os povos da águas
enfrentam inúmeras dificuldades financeiras e muitas famílias chegam a passar fome,
pois o pouco dinheiro adquirido no período do verão não é suficiente para que os mesmos
possam se manter no período do inverno; principalmente, quando é rigoroso, tendo mais
tempo de duração e com chuvas em maior intensidade, impossibilitando a caça, a pesca e
o desenvolvimento de inúmeras atividades necessárias a sua sobrevivência.
Assim sendo, o modo de vida das populações ribeirinhas está condicionado aos
ciclos naturais, pois o fenômeno das enchentes e vazantes, determinadas também pelas
fases da lua, regula parte do cotidiano dos mesmos, de modo que o trabalho obedece ao
ciclo sazonal. Aos olhos de quem desconhece a região e não sabe que a vida do ribeirinho
está diretamente relacionada aos ciclos da natureza, ver o mesmo como preguiçoso ou
acomodado.
As atividades de pesca, por fazerem parte da garantia de sobrevivência dos
ribeirinhos, são aprendidas desde muito cedo, o peixe é considerado uma das principais
fontes de alimentação dos mesmos. Na pesca são utilizados diversos utensílios e
68
instrumentos tais como: a linha, a malhadeira, o pari
19
, o timbó
20
, a tarrafa, o caniço, o
arpão, o arco, a flecha etc. Com a escassez do pescado fica cada vez mais difícil a
sobrevivência dessas pessoas e, às vezes, elas necessitam dedicar-se muitas horas diárias
nessa atividade para adquirir os alimentos.
A economia ribeirinha em Breves é voltada basicamente para a produção dos
alimentos necessários à manutenção da família. A pesca se configura como uma
atividade, cuja condição social de produção não está voltada para o mercado, porque o
peixe na maioria das vezes, não é transformado em mercadoria, pois é consumido, pela
própria família.
Vale mencionar que as preocupações presentes na vida cotidiana dos ribeirinhos
são determinadas pelas cheias e vazantes dos rios e pela posição do sol e da lua. O tempo
é definido pela natureza e pela cultura, pelos mitos e tradições. A crença em diversos
entes sobrenaturais tem grande influência sobre as atividades de caça e da pesca
ribeirinha.
O trabalho na roça é desenvolvido por todas as pessoas da família, desde a
infância, sendo incorporado no cotidiano e aprendido através da luta diária pela
sobrevivência e/ou pela sua própria subsistência ou ainda para contribuir com a renda
familiar. O aprendizado do trabalho faz parte da constituição do sujeito ribeirinho e de
sua formação para a vida no presente e no futuro, consequentemente, adquire uma
conotação cultural. A reprodução dos modos de vida e trabalho é assegurada pela história
oral transmitida de geração em geração, às técnicas de manejo dos recursos naturais, as
lendas, os rituais religiosos, o modo de construção das casas e outros costumes.
Um outro aspecto bastante característico das relações sociais do cotidiano
ribeirinho é a fé. É comum nas comunidades ribeirinhas existirem igrejas católicas e/ou
evangélicas. Quando não existe o prédio próprio para o funcionamento das igrejas, são
utilizadas escolas, salões comunitários ou áreas particulares para a realização das missas,
cultos e festas das comunidades.
As comunidades ribeirinhas possuem traços peculiares afins e heterogêneos, que
realizam em suas paisagens identitárias sociais, culturais, políticas, econômicas,
religiosas, ambientais que caracterizam as sociedades amazônidas pela sua diversidade,
multiculturalidade e historicidade. (CORRÊA, 2003). As igrejas também são cedidas ao
19
Armadilha feita de tala para tapar os igarapés e prender os peixes na vazante.
20
Raiz venenosa que depois de amassada é colocada em igarapés e rios para matar os peixes, esta prática
prejudica inúmeras espécies de animais e peixes por matar de forma indiscriminada.
69
poder público, para que funcionem as escolas, quando essas não possuem prédio próprio
na comunidade.
A história de Breves é construída diariamente pelos sujeitos sociais que
dinamizam o lugar através de sua cultura, de seu modo de produzir, viver e de ser,
identitariamente, o amazônida, ribeirinho, marajoara; que tem suas raízes inter-étnicas
das misturas que compuseram o espaço amazônico índios, brancos e negros. As
migrações de muitas pessoas oriundas de todo o país e de várias cidades paraenses,
favoreceram a introdução de novos tipos humanos na dinâmica populacional, o que
proporcionou uma maior diversificação da população, principalmente, com a exploração
do látex na região.
Durante o “ciclo da borracha” na Amazônia, Breves teve um grande destaque no
cenário paraense, foi o maior exportador de látex. Nesse período as atividades comerciais
eram muito intensas no município e a borracha o produto de maior destaque. Na
fotografia 17, pode ser vista a vila do Corcovado, que durante muito tempo constituiu-se
num porto comercial de compra e venda de borracha, seus proprietários eram
comerciantes estrangeiros atraídos pelas concessões e incentivos oferecidos às empresas.
A importância da borracha para a economia regional era tão grande que o Governo
oferecia vantagens para as empresas nacionais e estrangeiras, que plantasse seringueira.
(BRAGA, 1911).
Fotografia 17: Vila de Corcovado, no período de comercialização da borracha. Fonte TV Breves, 2006.
70
Muitas empresas contratavam inúmeros trabalhadores para fazer o extrativismo do
látex e os mesmos vinham iludidos pelas promessas de enriquecer e realizar a atividade
de extração do referido produto, sobre isso, Braga também afirma:
Breves precisa de gente, de braços, de trabalhadores que, garantidos
pela lei do Estado, e pela justiça local, possam enriquecer o município
com o seu comércio e, implicitamente, enriquecer-se na mesma
proporção crescente de seu trabalho e de sua atividade. (idem, p.248).
O discurso da época evidenciava que a extração da borracha era um trabalho mais
rentável do que a produção agrícola, porque aquela possibilitava ao trabalhador
“comprar” todas as mercadorias necessárias a sua sobrevivência.
Gonçalves (2005) explica que era através do sistema de aviamento, espécie de
crédito sem dinheiro, e que se sustentava com base em relações clientelistas em toda a
Amazônia, que muitos trabalhadores ficavam endividados nos armazéns dos seringalistas.
Devido aos débitos contraídos com seu transporte para os locais de extração da seringa e
da inexperiência em dominar às técnicas de retirar o látex muitos migrantes nordestinos
não conseguiam inclusive apresentar uma boa produção. Além de que precisavam pagar
os utensílios que utilizavam e as mercadorias necessárias a sua subsistência.
Outro fator que contribuía com o endividamento era o fato de muitos serem
analfabetos e a contabilidade da produção ficava por conta do patrão, de gerentes ou do
“guarda-livro”, funcionário com a função de anotar os créditos e os débitos dos
seringueiros. Dessa forma as dívidas permanentes destes com os seringalistas eram
determinantes para a manutenção desse sistema de dominação. Convêm destacar também
que para produzir mais borracha os seringueiros eram proibidos de cultivar produtos
agrícolas, pois tudo teria que ser comprado nos armazéns e casas aviadoras, que
compravam borracha e vendiam além dos alimentos, produtos supérfluos, para manter
endividados os seringueiros que tinham boa produção. (idem).
Este tipo de produção comercial e material permanece até o período em que houve
a desvalorização da borracha no mercado nacional e internacional, a coleta do látex deixa
de despertar o interesse dos industriais, e a extração da borracha no município assim
como no Brasil entra em decadência. Na fotografia 18, pode ser vista a Vila de
Corcovado hoje, pois com o declínio do látex brasileiro, muitas empresas que
comercializavam o produto foram desativadas e as vilas que outrora eram
economicamente ativas já não existem.
71
Fotografia 18: Vila de Corcovado atualmente. Fonte TV Breves, 2006.
Podemos visualizar através da fotografia 18, que, atualmente, na vila de
Corcovado restam apenas os resquícios de um projeto de desenvolvimento que não
beneficiou à população que vivia no meio rural, mas, somente, a elite.
Por esse motivo, era necessário explorar um novo produto para substituir a
borracha, iniciando-se assim, um novo ciclo econômico do extrativismo, tendo como
principal produto a madeira. Inúmeras madeireiras nacionais e internacionais se
instalaram na região, sendo que a atividade também era desenvolvida por pequenos
produtores em serrarias, localizadas em suas propriedades. Na fotografia 19, é possível
ver como as madeiras eram empilhadas nos pátios das madeireiras às margens dos rios.
72
Fotografia 19: Empilhamento de madeira no pátio da madeireira. Fonte: TV Breves, 2006.
Com a emergência desse novo ciclo econômico a população do meio rural ainda
conseguia permanecer no seu local de origem, pois assim como no tempo da borracha os
mesmos viviam um período áureo, porque as madeireiras exigiam um grande número de
trabalhadores braçais. Conforme é possível perceber na fotografia 20, na qual aparecem
os trabalhadores beneficiando a madeira, que vinha para os galpões ainda em toras.
Fotografia 20: Trabalhadores da indústria madeireira. Fonte: TV Breves, 2006.
Como a população do meio rural possuía emprego e salário não havia a
preocupação em desenvolver outras atividades de subsistência, tanto por parte dos
agricultores, quanto por parte do poder público local. Nas vilas e povoados onde os
73
agricultores produziam arroz essa atividade agrícola foi aos poucos deixada de ser
cultivada, pois a maior geração de renda vinha da madeira.
Assim, como no armazém seringalista as vilas de madeireiras possuem seu
sistema de aviamento, agora revigorado sob um novo rótulo - as cantinas -, são nelas que
os trabalhadores dessas empresas são obrigados a comprar seus alimentos e objetos
necessários ao dia-a-dia. Em algumas madeireiras existentes no meio rural ribeirinho do
Município de Breves ainda hoje é vedada o comércio de gêneros alimentícios a
comerciantes, que não sejam ligados aos proprietários das madeireiras.
Também é exercido um forte poder de coerção sobre o trabalhador, que ameaçado
de perder o emprego e a casa onde mora na vila é obrigado a comprar na cantina da
madeireira, que vende às mercadorias com os preços mais elevados que o existente no
mercado local. Assim o pequeno salário que o empregado recebe fica na mão do próprio
empresário, pois quase toda madeireira tem sua cantina.
Hermoso e Rivato afirmam sobre essa questão que no Marajó:
A oferta de emprego nunca atinge a demanda social, existente.
Certamente, por isso, é possível aos patrões inescrupulosos pagar,
apenas, um quarto ou metade do salário mínimo. Além disso, é
importante denunciar a prática generalizada na região da escravidão
por dívidas [...] pela qual o empregado, segundo os “registros”
contábeis do patrão, sempre têm dívidas a pagar e por isso fica,
indefinidamente, obrigado de trabalhar para amortizar uma vida que
nunca consegue pagar. (1999, p.25).
Grande parte da mão de obra empregada nas madeireiras é constituída de
ribeirinhos, trabalhadores assalariados, que participam das atividades produtivas da
indústria da madeira existentes na região. Muitas empresas não oferecem às condições de
segurança necessárias ao trabalhador, por isso, ocorrem acidentes de trabalho. Corrêa, ao
se referir à vida e ao trabalho ribeirinho, afirma
[...] as condições precárias de vida e de trabalho dessas comunidades
encontram sua causa histórica, sendo intensificada nos tempos
contemporâneos, principalmente, de um lado, pela omissão e
negligência dos poderes públicos em não implementarem políticas
públicas estruturais, pois a irresponsabilidade desses poderes reflete na
desordenação social dessas comunidades; de outro, pela perversidade
da lógica do mercado, pois, inúmeras empresas nacionais e
estrangeiras, com seu objetivo de acumulação de capital na região
amazônica, tornam-se verdadeiros instrumentos de segregação social e
de impactos sócio-ambientais. (2003, p.46)
74
Até a década de 80, a indústria madeireira ainda era muito forte na região, mas o
setor madeireiro começa a dar sinais de crise com a progressiva diminuição das madeiras
nobres no município. A partir de 1990, uma retração no setor madeireiro no município
e inúmeras madeireiras começaram a fechar e diminuir os postos de emprego para a
população.
As grandes madeireiras ao se instalarem numa vila para garantir a mão de obra
dos trabalhadores constroem algumas casas para os mesmos residirem e com o
fechamento das empresas as residências são abandonadas e as vilas e povoados onde as
firmas estavam instaladas, acabam entrando em decadência.
Os trabalhadores aos poucos se deslocam para outras vilas e povoados onde ainda
existem madeireiras em busca de emprego. Quando não conseguem trabalho abandonam
o meio rural com suas famílias a procura de emprego na sede do município, porque não
tem condição de sobreviver no meio rural. Assim sendo, passa a ser comum no meio rural
ribeirinho do município, atualmente, a existência de várias vilas de madeireiras
“fantasmas”, que se encontram sem moradores e atividade produtiva
21
.
Os fatores mencionados, anteriormente estão diretamente ligados ao movimento
de migração interno da população. Ao realizar uma breve análise sobre o contingente
populacional do município, foi possível constatar que em 1991, a população urbana era
constituída de 28.719 habitantes e a do meio rural contabilizava 43.421 pessoas.
Atualmente, o município tem uma população de aproximadamente 86.084
habitantes
22
, sendo o mais populoso dentre os municípios que compõem o arquipélago
marajoara, e desse total, 43.263 pessoas residem na sede do município e 42.821 vivem
em inúmeras vilas, povoados e comunidades rurais, principalmente, ribeirinhas. É
possível constatar, a partir dos dados apresentados que houve um aumento significativo
do número de munícipes e uma inversão com relação aos espaços ocupados pelos
mesmos. Este fator é decorrente da forte migração que ocorre no meio rural do
município, provocado pelas situações produtivas explicitadas, anteriormente.
Em busca de melhores condições de sobrevivência, de trabalho e de possibilitar
aos filhos uma melhor educação, grande parte da população migram para as periferias da
cidade, onde existiam matas, o terreno é limpo e o espaço ocupado desordenadamente e
21
No capítulo III trataremos deste assunto, com mais detalhes.
22
Dados referentes a 2006, obtidos Secretaria Executiva de Planejamento, Orçamento e Finanças - SEPOF.
Estatística Municipal de Breves. Disponível em: http//www.sepof.pa-gov.br. Capturado em 2006.
75
aos poucos surgem casas de madeira, com cobertura de palha, conforme pode ser visto
nas fotografias 21 e 22.
Fotografia 21: Área desmatada para construção de casas. Fonte: TV Breves, 2006.
Fotografia 22: Casas construídas na periferia. Fonte: TV Breves, 2006.
Pelo tipo de moradia visualizado na fotografia 22, é possível perceber que as casa
são muito pequenas. Agora as famílias vindas, principalmente, do meio rural precisam se
habituar a um novo estilo de vida, pois antes, elas conviviam com seus pares: parentes,
amigos, compadres, comadres, etc.. E agora, aos poucos, os seus valores culturais são
redefinidos com base nos novos grupos de vizinhos e amigos compostos pelos seus
76
“iguais” e, também pelos “não iguais” que estão fora do seu círculo de relação.
(CARDIA, 1998).
A mudança não se apenas nas relações sociais, mas também na modificação do
espaço físico, pois os igarapés existentes no terreno são aterrados ou são construídas
pontes de madeira sobre os mesmos, conforme pode ser evidenciado na fotografia 23.
Quando chove o terreno alaga e os resíduos fecais e o lixo vão para os igarapés. Como
conseqüência, a água do mesmo fica imprópria para o consumo devido à poluição, e o
mesmo morre por causa do assoreamento de suas margens e acúmulo de lixo em seu
leito.
Conforme pode ser visualizado nas imagens abaixo.
Fotografia 23: Pontes sobre igarapé da periferia. Fonte: TV Breves, 2006.
77
Fotografia 24: Lixo jogado próximo às margens do igarapé. Fonte: TV Breves, 2006.
Portanto, mudar do meio rural para morar na periferia da cidade significa conviver
com inúmeros problemas sociais, tais como: falta de infra-estrutura, de esgoto, de
saneamento básico, de energia, de água tratada, de coleta de lixo, de acordo como pode
ser visto na fotografia 24. Esta alteração significa, além das transformações nos códigos
sócio-culturais, mudanças de ordem econômica.
A transposição de um espaço físico para outro, acarreta o rompimento com os
laços sociais e desgastes psicológicos motivados pelas novas exigências de adaptação ao
novo convívio social. Esse ajustamento inclui a obtenção de nova identidade, de outras
formas de sociabilidade intra e extra familiar e a reformulação dos laços interpessoais.
(idem).
O sonho de viver em melhores condições na sede do município se acaba e os
novos cenários com que passam a conviver são o da violência, da criminalidade, da
prostituição, da mendicância, etc. Na cidade, é possível presenciar alguns adultos reviram
às caixas de lixos, que ficam próximas de comércios, em busca de alimentos, que muitas
vezes são jogados nesses locais por estarem vencidos, estragados e impróprios para o
consumo humano, porém, possivelmente, servirão de alimento na casa de pais e mães de
família.
É possível ver ainda, a presença de algumas crianças em situação de risco,
perambulando pela rua e esmolando nos comércios, nos bares, na orla e no terminal
78
hidroviário e/ou permanecendo em horários impróprios nas ruas. Alguns menores fazem
vendas de chopp
23
, amendoim, pastéis, etc.
Os adultos e as crianças também pedem esmolas, conforme pode ser visto na
fotografia19, no final da tarde quando os barcos estão atracados, aguardam passageiros,
para viajar a Belém. As mulheres ribeirinhas moradoras das proximidades da cidade
acompanhadas de seus filhos se aproximam das embarcações em suas canoas, para
esmolar. Esta cena para muitas pessoas é comum, passou a ser normal, que não lhes causa
a mínima indignação.
A fisionomia triste e o aspecto doente das crianças que mendigam com suas mães
demonstram a face mais cruel do Marajó, a pobreza, a fome e a exclusão social do
atendimento a saúde, bem como de ter uma vida com dignidade, em que seus direitos
sejam assegurados.
Conforme pode ser visualizado na imagem a seguir.
Fotografia 25: Mães e filhos que pedem esmolas ao lado das embarcações que viajam a Belém. Fonte: TV
Breves, 2006.
23
Aqui na região a denominação chopp além de se tratar de cerveja é utilizada para nomear o suco de fruta
natural ou artificial, congelado e acondicionado em pequenos sacos, que são vendidos para aliviar a sede.
Neste texto se refere ao suco.
79
Mas, a mendicância não ocorre somente na cidade, no interior esta prática tem se
tornado mais freqüente, especialmente, nos rios onde trafegam embarcações que
carregam passageiros de Belém do Pará para Macapá, no Amapá e navios de turistas
estrangeiros, que passam pela região. Sobre essa situação, Silva afirma:
A idéia do cabloco ribeirinho pescador, cultivador de quintais ou
roçados e criador de pequenos animais está sendo ultrapassada por uma
nova categoria muito tempo conhecida, o ribeirinho apanhador de
esmolas em embarcações. Uma verdadeira “mendicânica ribeirinha”
nos rios da Amazônia. Atividade que é reflexo da falta de
oportunidades para a geração de renda satisfatória e digna, negada à
grande maioria dos habitantes da região. (2003, p.1)
Além da mendicância a prostituição infanto-juvenil no meio rural ribeirinho
mancha os rios de Marajó, em busca da sobrevivência, meninas, adolescentes e jovens,
denominadas de balseiras, devido as mesma serem prostituídas, sobretudo em balsas.
Perdem a infância e abandonam à escola para passar semanas viajando e se prostituir nas
embarcações que trafegam e carregam cargas para Macapá, Manaus, Belém, etc.,
principalmente, nos rios Tajapuru e Buissú.
A prostituição é de conhecimento das famílias e permitida pelos pais. As irmãs
mais velhas levam as meninas mais novas e, posteriormente, estas também entram no
mundo da prostituição, muitas vezes, é a exploração sexual que garante parte do sustento
da família, pois assim elas adquirem dinheiro, roupas, alimentos, combustível para
embarcações, etc.,
Esse fato foi divulgado no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, através da
reportagem “As margens da Pobreza” como parte da série “Povos das Águas” em 20 de
janeiro de 2005, feita pelo repórter Marcelo Canelas. A matéria mostrava como as
meninas atracam as canoas nas balsas para se prostituir, essa atividade que requer muita
habilidade, pois as ondas causadas pela maresia são fortes, e a criança que, geralmente,
pilota o casco precisa fazer muita força e ter equilíbrio e coragem. Nas palavras do
próprio repórter, “uma canoa espera o momento exato. Em um golpe certeiro, um garoto
prende o gancho. Depois do solavanco, a canoa fica a reboque. Mas, os meninos esperam
e as meninas vão para o convés das balsas”. (CANELAS, p.1, 2005).
A reportagem também tornou pública à situação de pobreza, violência e
mendicância das crianças e adolescentes marajoaras, que buscam saciar sua fome
dirigindo-se aos barcos e balsas. A prostituição infanto-juvenil encontra no silêncio das
80
pessoas e das autoridades o álibi perfeito para que se perpetuem nos rios marajoaras as
práticas de violência, sofrimento e miséria.
Muitas pessoas que desconhecem a realidade do Marajó têm idéia de que os sujeitos
que residem no arquipélago desfrutam de um cenário idílico, encantador, de exuberância e
beleza, em que homem e natureza vivem em perfeita harmonia. Além de que na vida no
meio rural, reina a fartura, o sossego e a felicidade e desconstruídas quando vem à tona a
denúncia que apresentam as contradições existentes, como é o caso da prostituição.
Segundo o repórter “De acordo com Prelazia do Marajó, em Breves, 39% das
meninas entre 12 e 17 anos se prostituem”. (idem, p.4). No ano de 2006, a prostituição no
referido município e em Portel (município que faz parte da mesorregião Marajó) foi
noticiada em rede nacional. Através imprensa televisiva, várias denúncias foram feitas e
Breves teve um expressivo destaque, por estar inserido no tráfico internacional de
mulheres, com fins para a prostituição, inclusive a Polícia Federal realizou a prisão de um
aliciador do tráfico de mulheres. (CRISTO et al, 2005). Porém, no município impera o
silêncio das autoridades e pouco se faz, para que esse problema de cunho social e
econômico seja enfrentado é necessário ainda
[...] que os governos despertem para esta realidade garantindo que a
integridade de crianças e adolescentes seja assegurada, conforme versa
em seu estatuto. Escola, família e sociedade também precisam discutir
esta problemática e exigir do poder público o dever de garantir que todas
as crianças, adolescentes e jovens possam viver cada etapa de sua vida
de forma sadia e com dignidade, sem que sua infância e juventude sejam
violentadas.
(idem, p.124).
Pois o problema tem aumentado na mesma proporção em que cresce a pobreza no
Marajó e na Amazônia ribeirinha. A Comissão Parlamentar de Inquérito da exploração
sexual destaca que a região norte apresenta o maior índice de rotas de tráfico com fins
sexuais, dentre as quais 76 têm como percurso Belém-Macapá. (GOMES, 2004). Este
itinerário coloca os rios de Breves como palco deste cenário de violação dos direitos de
crianças, jovens e adolescentes.
Convém destacar ainda, que a prostituição infanto-juvenil no meio rural é tão
alarmante quanto no meio urbano, mas é silenciosa, pois passa “despercebida”, no meio
rural ribeirinho nele “não existem bordéis, casas específicas e nem mulheres que se
arrumam para festas. O que são embarcações, homens mal intencionados e os rios em
81
que as meninas se deslocam cotidianamente rumo à prostituição” (CRISTO et al, 2005,
p.123).
E também porque não existe interesse em solucionar este problema, que demanda
investimentos em políticas sociais e de geração de renda, para as famílias que vivem no
meio rural e urbano. Torna-se mais cômodo mascarar a violência sexual que se torna
cotidiana e é fruto das desigualdades sociais e econômicas, e das exclusões políticas e
culturais, que deixam de aparecer violentas, para serem consideradas por muitas pessoas
como naturais e normais, pois não as causam indignação nem revolta.
Todos esses problemas e outros mais decorrentes da pobreza dos cidadãos
brevenses são evidentes através do Índice de Desenvolvimento Humano do município, que
segundo o PNUD é de 0,63
24
e a expectativa de vida dos munícipes é em média de 67 anos.
(IBGE, 2007). Estes meros são muitos baixos e traduzem às conseqüências da falta de
investimentos sociais, políticos e econômicos, que refletem, diretamente, na qualidade de
vida da população.
O fenômeno da pobreza é fruto de consequências oriundas de uma política
econômica concentradora de renda, que forma uma sociedade baseada em desigualdade e
penaliza os desprivilegiados, produzidos por essa mesma sociedade. Assim, os efeitos da
pobreza se reproduzem por diversas gerações, se multiplicam e muitas vezes se perpetuam
e se materializam nas formas de vida que as famílias pobres assumem.
O cenário aqui descrito evidencia a violência social que domina a existência das
famílias pobres do Marajó, pois muitos de seus direitos básicos lhes são cerceados, tais
consequências têm raízes na estrutura socioeconômica, seja pela violência da exploração ou
da exclusão.
Devido à população carente não ter acesso aos benefícios que a sociedade produz,
uma camada de privilegiados se apropria dessa produção e condena os pobres a uma vida à
margem da sobrevivência com dignidade, representada pela pobreza absoluta e pelos
baixos índices de sobrevivência, lhes é negada a cidadania e o direito de ter uma vida
duradoura, digna e feliz.
Essa violência que aniquila os direitos da população pobre é determinante para que
os cidadãos marajoaras não tenham também o acesso à educação de qualidade, com uma
escola voltada para os princípios da inclusão social, da participação e da afirmação da
24
Disponível em http//www.pt. wikipedia.org/wiki/breves
82
aprendizagem para todos. Pois além da carência material é negada a população de Breves o
direito a educação de qualidade, que vitimada pela baixa qualidade de ensino,
principalmente, no meio rural, conforme apresentarei a seguir a partir do retrato da
educação no município de Breves, e mais especificamente, do meio rural ribeirinho.
83
CAPITULO II: RETRATOS DA EDUCAÇÃO RURAL NO MUNICÍPIO DE
BREVES
Este capítulo retrata aspectos da realidade educacional do meio rural do município
de Breves, traz inicialmente a configuração da rede municipal de ensino, aponta os
indicadores do atendimento da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior,
bem como os dados referentes à formação dos profissionais docentes que atuam no
município. Em seguida, trata da oferta escolar no meio rural aponta às condições
estruturais das escolas e os indicadores de aproveitamento escolar dos discentes.
2.1 - Configuração da Rede Municipal de Ensino de Breves
A população de Breves é atendida, educacionalmente, com Educação Infantil,
Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos, Ensino Médio e Ensino Superior.
Porém, o município convive com inúmeros problemas educacionais. Segundo dados da
Secretaria Executiva de Planejamento, Orçamento e Finanças do Estado do Pará (2006)
34,65% da população com mais de 10 anos de idade, não tem instrução ou possuem
apenas um ano de estudo, portanto, esse número corresponde a analfabetos e analfabetos
funcionais. Estes últimos conhecem as letras e palavras, porém não conseguem fazer uma
leitura do mundo. ainda um contingente populacional constituído de 34,27% que
possui em média 1 a 3 anos de estudos. No município de Breves de acordo com dados do
IBGE, a taxa de alfabetização é de apenas 0,642
25
.
É possível verificar houve um aumento do acesso à escolaridade nos últimos anos
em nosso país, porém ainda existem inúmeros problemas educacionais a serem superados,
principalmente, nos municípios mais pobres, que apresentam baixos indicadores de
escolarização, ainda enfrenta limitações com relação ao atendimento da terceira etapa da
educação básica, como é o caso do município de Breves.
25
Os dados apresentados ainda são de 2000, porque a pesquisa IBGE/PNAD não aponta os indicadores por
municípios, à próxima contagem por município está prevista para 2007.
84
A Educação Infantil
26
na rede pública em 2006 atendeu na cidade de Breves 3.329
alunos, com a faixa etária de 03 a 05 anos de idade, em várias escolas, porém estas são
anexos
27
de três escolas: Adventista, Pingo de Gente e Santa Mônica. Estes
estabelecimentos não conseguem atender a demanda municipal, pois muitas crianças estão
foras dessas escolas, principalmente, aquelas da primeira fase da Educação Infantil, com
idade de 0 a 3 anos, pois não há atendimento no município para essa fase escolar.
Na fotografia abaixo pode ser vista a Escola Municipal de Educação Infantil
“Coelhinho Feliz”, localizada no bairro Cidade Nova, esta é uma das escolas anexos
existentes no município.
Fotografia 24: Escola Municipal de Educação infantil “Coelhinho Feliz”. A maioria das escolas de
educação infantil tem o prédio construído em madeira, são pequenas e dispõem de pouco espaço físico
nas salas de aulas e para recreação. Fonte; Francisco Neto, 20/06/2007.
o Ensino Fundamental de a série da rede municipal de ensino no meio
urbano é ofertado em 16 escolas, com 14.638 alunos, no ano de 2006
28
. Os índices de
aproveitamento nas escolas da cidade ainda são muito baixos, pois em 2005, nas séries
26
Dados obtidos na Secretaria Municipal de Educação/ Departamento de Estatística.
27
As escolas denominadas de anexos não são constituídas legalmente, por isso, todos os dados e documentos
referentes a educação infantil são disponibilizados e expedidos pelas escolas Adventista, Pingo de Gente e
Santa Mônica.
28
Dados obtidos na Secretaria Municipal de Educação/ Departamento de Estatística.
85
iniciais do Ensino Fundamental a aprovação foi de apenas 52,59% e a reprovação atingiu
o percentual de 26,48% . O abandono contabilizou o índice de 16,03% dos discentes
29
.
Estes dois últimos indicadores totalizam um percentual de 42,51% de insucesso escolar.
Conforme pode ser observado no quadro abaixo, no período de 2000 a 2002, a
aprovação aumentou no município, mas no ano de 2003, houve uma diminuição
significativa na quantidade de discentes aprovados. E o índice volta a aumentar em 2004,
porém em 2005, reduz novamente. Assim, pode ser constatado que não uma
regularidade com relação ao aumento ou diminuição de aprovação e reprovação, pois os
indicares oscila constantemente. A reprovação nestes anos aparece sempre superior a
20%, e em 2005, alcançou a maior porcentagem, 26,48%.
Ensino Fundamental 1ª a 4ª Séries
Zona Urbana
RENDIMENTO ESCOLAR ( %)
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Aprovados
55.15%
55.54%
58.59%
54.97%
58.88%
52.59%
Reprovados
22.75%
23.68%
24.79%
25.42%
23.07%
26.48%
Abandono
18.50%
17.59%
13.43%
16.07%
15.27%
16.03%
Transferidos
3.60%
3.19%
3.19%
3.54%
2.78%
4.90%
Tabela 02: Rendimento escolar do meio urbano de 2000 a 2005.
Inúmeros fatores são condicionantes para o baixo desempenho discente no
município, dentre tantos citamos: turmas superlotadas, faltam escolas e por este fator se
a permanência do turno
30
, não existem políticas efetivas de formação continuada
docente, desvalorização salarial e falta diálogo entre docentes e SEMED, pois ações
acontecem através de imposição, sem a participação dos mesmos, bem como dos pais e
do Sindicato da categoria docente-SINTEPP.
Na fotografia a seguir pode ser visto as crianças no horário de entrada na Escola
Municipal de Ensino Fundamental “Margarida Azevedo Nemer”, localizada num bairro
Cidade Nova, seus discentes são oriundos de famílias de baixa renda, muitas delas vindas
do meio rural ribeirinho. Nessa unidade educacional, assim como em outras escolas da
Rede ainda persiste a existência do 2º turno, por isso a mesma não atende a quantidade de
29
Dados obtidos na Secretaria Municipal de Educação/ Departamento de Estatística, referentes ao período
de 2000 a 2005. Os dados de 2006 ainda não foram disponibilizados, pois estão sendo contabilizados pelo
departamento de estatística da SEMEC.
30
O 2º turno compreende o horário de 11:00h às 14:45h., é conhecido na região como turno intermediário.
86
horas de aulas previstas na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional- LDB
9394/96, que estabelece em seu Art 34 “a jornada escolar no ensino fundamental incluirá
pelo menos 4 horas de trabalho efetivo em sala de aula,” (BRASIL, 2006, p.254).
Fotografia 25: Escola Municipal de Ensino Fundamental “Margarida de Azevedo Nemer”. Fonte:
Francisco Neto, 20/06/2007.
O Ensino Médio no município é de responsabilidade da Secretaria Executiva de
Educação do Estado. Segundo dados obtidos na 13ª Unidade Regional de
Educação/SEDUC
31
esta rede atendeu 2.613 alunos, em 2006, nas escolas: Elizete Fona
Nunes e Gerson Peres, na modalidade de educação geral, e Maria mara Paes, que
disponibiliza os cursos de educação geral e modalidade normal.
Este curso está em processo de extinção, pois estão se formando às últimas turmas,
seguindo à exigência da LDB 9394/96, com relação à formação de docentes, para atuar na
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.
Convêm mencionar a grande importância dessas escolas para com a educação dos
brevenses, principalmente, daquelas que durante seus anos de existência contribuíram
com a formação de profissionais, para atuarem no magistério no município.
31
13ª Unidade Regional de Ensino. Quantitativo de Escolas e de Alunos. Breves, 2007: em mímeo.
87
Vale ressaltar ainda que inexiste a oferta do ensino médio no meio rural do
município, dessa forma o Estado se exime do atendimento educacional aos jovens e
adultos do meio rural aptos a cursar esse nível educacional.
o ensino superior público é ofertado pela Universidade Federal do Pará, através
do Campus Universitário de Breves, que iniciou suas atividades no ano de 1990, como
núcleo do Campus de Soure e, posteriormente se constituiu como Campus. Este,
atualmente, atende 514 graduandos em quatro cursos de licenciatura: Letras, Ciências,
Matemática (modalidade à distância) e Pedagogia, que recebem pessoas oriundas de
diversos municípios paraenses: Breves, Bagre, Portel, Melgaço, Anajás, São Sebastião da
Boa Vista, Altamira, Capanema e outros, e contribui com a formação de profissionais da
educação no Estado e na região marajoara.
Esta instituição de ensino também promove encontros, eventos, oficinas, jornadas
pedagógicas, palestras, minicursos, atividades de extensão, etc, destinada à comunidade e
a professores da rede municipal de ensino. São ofertados ainda os cursos de pós-
graduação, em determinadas áreas do conhecimento em parceria com alguns centros da
UFPA/Belém. Atualmente, ocorre o curso de especialização em Matemática e Arte
Educação, esses cursos não são gratuitos.
O Campus tem como atual coordenador o professor Carlos Élvio das Neves Paes.
O corpo docente é constituído por seis professores (4 efetivos e 3 substitutos). E o quadro
técnico é composto por 6 funcionários efetivos federais e outros disponibilizados pela
Prefeitura Municipal de Breves.
O Projeto Político Pedagógico do Campus ainda encontra-se em processo de
discussão e elaboração. Mas, no decorrer desses 16 anos o mesmo busca se consolidar e
se fortalecer através de diversas atividades desenvolvidas pela coordenação, docentes e
discentes, que fizeram ou fazem parte da história do mesmo, em parceria com a Prefeitura
Municipal, Secretaria de Educação, empresariado local, entre outros.
São inúmeras às dificuldades que os Campi da UFPA enfrentam para se
consolidarem no interior do Estado, dentre os quais destaco: quadro de docentes reduzido,
rotatividade de professores substitutos, que desenvolvem apenas o ensino e,
principalmente, a falta de investimentos e políticas de fomentação à pesquisa científica.
Mas, apesar destas dificuldades o Campus de Breves disponibiliza o curso de Licenciatura
Plena em Pedagogia desde o ano de 1995 e durante este período tem proporcionado à
88
formação de inúmeros profissionais de educação, o que contribuiu com a elevação do
quadro de docentes graduados no município. Cabe mencionar ainda que outras
licenciaturas foram ofertadas no Campus, tais como: História, Geografia e Matemática
(modalidade presencial).
Na imagem abaixo pode ser visto o Campus de Breves, o mesmo possui várias
dependências, tais como: salas de aulas, da coordenação do campus, do colegiado de
pedagogia e dos professores. Além de laboratórios de Ciências e informática, biblioteca,
auditório, maloca para realização de eventos e estudos e uma pequena pracinha, conforme
pode ser visto na fotografia 26.
Fotografia 26: Campus Universitário de Breves - UFPA. Fonte: Francisco Neto, 20/06/07.
Além do Campus da UFPA no município a oferta da graduação é realizada através
de duas instituições privadas: Universidade do Vale do Acaraú, que possui 164 alunos,
que estudam no período de férias escolares nos cursos de Licenciatura em História,
Biologia e Pedagogia, e a EDUCON - Educação Superior Com Alta Tecnologia - que
89
atende 138 discentes nos cursos de Administração de Empresas, Contabilidade e Serviço
Social na modalidade de educação a distancia
32
.
O Campus de Breves, especialmente, por se tratar de uma instituição pública, a
Universidade do Vale do Acaraú e a EDUCOM
33
são de fundamental importância para o
Marajó e, sobretudo para este município, pois contribui de maneira impar com a formação
do seu quadro de profissionais de educação e com a formação de profissionais para atuar
em outras profissões.
Entretanto, apesar da presença da Universidade Federal do Pará e de outras
Universidades, em Breves, a rede municipal de ensino ainda possui em seu quadro
funcional, professores sem a habilitação necessária para desenvolver a atividade
educativa. O município possui 906 docentes que atuam nas séries iniciais. O quadro
abaixo apresenta o perfil dos educadores da rede municipal de ensino e indica que não
existem professores atuando nas séries iniciais do ensino fundamental na sede do
município sem a formação nima do magistério, de pedagogia ou que não cursam a
Educação Superior.
Perfil dos Docentes das Séries Iniciais do Ensino Fundamental de Breves
Local/atuação Mag.
E.Médio
Pedagogia C.Ped.
E.Sup.
34
E.Fund. Total
URBANO
35
154 --- 85 131 --- ---- 539
RURAL
36
282 71 07 ----- 07 02 369
Tabela 03: Perfil dos docentes das séries iniciais do ensino fundamental de Breves
Porém, se for observado o perfil de formação de professores da rede municipal de
ensino de Breves é evidenciado que o município ainda possui um número expressivo de
profissionais leigos, que totaliza 211, nas séries iniciais das escolas do meio rural. A
32
Os números de discentes da Universidade do Vale do Acaraú e da EDUCOM foram fornecidos pelos
coordenadores das referidas instituições de ensino superior.
33
A EDUCOM é uma Instituição de Ensino Superior constituída pela Faculdade Educacional da Lapa -
FAEL, Fundação Universidade do Tocantins - UNITINS, Fundação Universidade do Vale do Itajaí
UNIVALE.
34
No relatório do Distrito do Curumú não a especificação da área de formação de nível superior destes
docentes
35
Dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação/Diretoria de Ensino/Divisão de Lotação,
referentes 2006.
36
Dados obtidos na Secretaria Municipal de Educação/ Quadro Demonstrativo/Coordenação dos Distritos
de Antonio Lemos, Sede Rural, São Miguel e Curumú/, referentes 2006.
90
situação fica mais difícil porque, 80 não possuem o ensino médio em magistério, nem
graduação em pedagogia. E 02 professores só possuem o Ensino Fundamental.
37
Assim a formação de grande parte dos educadores não atende os requisitos
exigidos, para a formação docente expressa no artigo 62 da LDB 9394/96. Contraria
também as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, uma
vez que em seu artigo 12, esta legislação reafirma o proclamado na LDB. Ambos
os documentos prevêem que a formação para atuar na educação básica será a formação
em curso de licenciatura, de graduação plena. Realizado em Universidades e Institutos
Superiores de Educação e admitem como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro séries do ensino fundamental, a qualificação
ofertada em nível médio, na modalidade de ensino Normal (antigo magistério). As
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do Campo e a LDB
estabelecem ainda que os sistemas de ensino devam desenvolver políticas de formação
inicial e continuada, para habilitar todos os professores leigos e promover o
aperfeiçoamento dos docentes. Diante dos números apresentados anteriormente, é
possível constatar que o Sistema Municipal de Ensino ainda não conseguiu cumprir às
determinações legais com relação à formação inicial.
No início dos anos 90 o Projeto Gavião foi implantado no Município através de
um convênio da Prefeitura de Breves, com a Universidade Federal do Pará e a Secretaria
Executiva do Estado, para a formação de professores da Rede. Neste período muitos
educadores, sobretudo, do meio rural, foram atendidos com o projeto. O Gavião I era
ofertado aos docentes que ainda não tinham concluído o ensino fundamental; e o Gavião
II disponibilizado aos educadores que cursavam o Ensino Médio.
Para suprir a demanda do município com relação à carência de professores
licenciados em Ciência e Matemática a Secretaria Municipal de Educação fez um
convênio com a UFPA/Campus de Breves, para realizar a 100 educadores, as
licenciaturas citadas anteriormente. Após a conclusão destes cursos a Secretaria
Municipal de Educação, através da Associação dos Municípios do Marajó fez um
convênio com UFPA/Centro de Educação/Belém e 55 educadores do município cursam
37
Dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação/Diretoria de Ensino/Divisão de Lotação,
referentes 2006.
91
no período intervalar
38
, a licenciatura em Pedagogia, Letras, Geografia e História na
Universidade Federal do Pará/Campus do Guamá.
Esta ação faz parte da política de formação inicial da Secretaria Municipal de
Educação; porém, apesar da importância da mesma, para a formação de um quadro de
profissionais licenciados no município, a maioria dos professores que cursam as
licenciaturas, mencionadas não eram concursados quando iniciaram os referidos cursos.
Em 2006 e 2007 foram realizados dois concursos públicos e os educadores que
participam do convênio, não puderam se inscrever para os cargos de nível superior,
devido não terem concluído os cursos. Dessa forma, a Secretaria Municipal de Educação
promoveu a formação inicial a alguns educadores que, atualmente, não fazem parte de seu
quadro funcional. Ou seja, investiu os recursos públicos destinados à formação inicial em
profissionais que não são concursados nas áreas em que estão sendo licenciados, alguns
desses profissionais foram aprovados nos concursos blicos, para atuarem nas séries
iniciais do ensino fundamental.
Ao se tratar de formação continuada às únicas ações do Poder Público Municipal,
através da Secretaria Municipal de Educação são: a realização de cursos de formação
docente, ofertados para os professores na maioria das vezes no início do ano letivo ou no
começo do segundo semestre anual. Para a formação continuada dos docentes do meio
rural a referida Secretaria desenvolve o “Projeto Pró-rural”, iniciado em 2005.
O projeto é constituído por uma equipe pedagógica, que está dividida em 12 pólos
de formação, que atende 294 escolas, dos quatro distritos do município e desenvolve
cursos aos docentes das escolas do meio rural, além de buscar promover o
desenvolvimento das atividades pedagógicas, com o intuito de minimizar os problemas
enfrentados pelos docentes das classes multisseriadas. (PRÓ-RURAL, 2006). Esse Projeto
tem como objetivo:
[...] proporcionar aos professores e professoras da zona rural do
município de Breves momentos de formação, bem como
acompanhamento pedagógico regular, afim de que os mesmo possam
ter mais subsídios teórico-metodológicos para o melhor
desenvolvimento de sua prática pedagógica. (idem, p.9, 2005)
38
Período que compreende às férias escolares e o recesso dos docentes no município.
92
O referido projeto surgiu a partir das discussões sobre a educação no meio rural,
em que as escolas com classes multisseriadas, passaram a ser colocadas em evidência, por
meio da pesquisa “Classes Multisseriadas Desafios da Educação Rural no Pará/Região
Amazônica”, mencionada, anteriormente, neste trabalho. Outro fator que motivou o
surgimento do Pró-rural foi à análise dos dados que evidenciavam o grande percentual de
baixo rendimento escolar, no meio rural do município.
Apesar da existência do projeto de formação continuada para os docentes do meio
rural, ainda não se tem um diagnóstico ou avaliação, que possa confirmar até que ponto
ele tem contribuído com a elevação da qualidade do ensino no meio rural, pois as escolas
da rede municipal de ensino enfrentam inúmeros problemas. E compreendo que um ano é
muito pouco para reverter-lhos. E, além disso, não será apenas com formação continuada,
que todas as mazelas educacionais serão superadas.
Para continuar a investigação focalizarei a partir do próximo tópico à realidade da
educação no meio rural e ribeirinho do Município de Breves, onde a educação enfrenta os
maiores problemas, conforme evidenciarei a seguir.
2.1.1 - Educação no meio rural do Município de Breves
No Estado do Pará, o município de Breves destaca-se por apresentar o maior
número de escolas com classes multisseriadas, todas localizadas no meio rural, conforme
citado neste trabalho. Este fator torna-se preocupante por conta das dificuldades, que
são vivenciadas nesse tipo de escolarização, adotado no município, pois as escolas rurais e
ribeirinhas apresentam vários problemas: a infra - estrutura física da maioria dos prédios
escolares é precária, as escolas dispõem de poucos recursos didáticos, a oferta de merenda
é irregular, pois não é suficiente para durar o mês inteiro, entre outros problemas.
As escolas multisseriadas do meio rural de Breves em sua maioria apresentam
grandes precariedades de infra-estrutura, de um total de 294 instituições escolares, 210,
(71,43%) funcionam em locais cedidos por comunitários, igrejas, professores, capelas,
salões de festa, etc., em vista da inexistência de prédios públicos destinados para tal fim.
Alguns são cobertos por palhas e, às vezes, por estarem velhas quando chove, molham os
alunos. Outras são apertadas, quentes e pequenas comportando um número expressivo de
alunos (CRISTO et al, 2005).
93
Na fotografia 27 pode ser vista uma das escolas do meio rural ribeirinho, a
cobertura mal feita, utiliza palhas e a proximidade das águas dos rios demonstra às
condições precárias e de vulnerabilidade pelas quais professores e alunos são submetidos,
para participar do processo de ensino aprendizagem.
Fotografia 27: Escola da Rede Municipal de Ensino de Breves no meio rural ribeirinho, quase
invadida pela cheia do rio. Fonte:
Leão e Farias, 12/01/2007.
Apenas 84 escolas são padronizadas (28,57%), ou seja, foram construídas pela
gestão municipal e possuem uma ou mais salas de aula, tem banheiro, despensa e local
para preparar a merenda. Este tipo de unidade escolar existe em poucas comunidades. A
edificação desses prédios padronizados faz parte da política de intervenção do poder
público municipal, para com as classes multisseriadas, tentando alcançar às reivindicações
sociais e superar as mazelas e ausência de prédios escolares na maioria das comunidades
rurais ribeirinhas (idem).
Acrescenta-se a esses problemas a própria condição de vida e trabalho dos
discentes do meio rural e a ausência de políticas públicas e sociais eficazes, para
proporcionar a melhoria das condições de vida e de trabalho das populações que vivem no
meio rural, fatores que contribuem de maneira significativa para precarização do ensino e
insucesso dos discentes.
94
A falta de políticas sociais justas de distribuição de renda e de sustentabilidade
para a Amazônia rural prejudica o rendimento e a freqüência dos alunos ribeirinhos a
escola, dificulta o interesse dos mesmos pelo estudo. Fator que se torna mais agravante se
for levado em consideração às precárias condições de vida enfrentadas por esses sujeitos,
que desde cedo começam a trabalhar, às vezes, encontram-se mal alimentados, sem tempo
para o descanso e lazer. Nestas condições não há como manter a população nas escolas.
As escolas do meio rural de Breves em 2005 atenderam 13.274 discentes no
Ensino Fundamental, sendo 6.778 (51,06%) matriculados na série, 2.881 (21,70%) na
série, 2.044 (15,40%) na 3ªsérie e 1.571 (11,84%) na série (SEMEC, 2006). Como
pode ser constatado o número de crianças diminui com o avançar das séries, este
fenômeno é reflexo do baixo aproveitamento discentes, das desistências e da reprovação.
Os indicadores são muito elevados, 3.187 alunos, possuem mais de 14 anos e
ainda cursam as ries iniciais do Ensino Fundamental. Nos distritos de Curumú, Sede
Rural e Antonio Lemos 1.066 jovens e adultos, cursam o Ensino Fundamental com idade
superior a 18 anos
39
. (SEMEC - Relatório dos Distritos, 2006).
Um aspecto chama atenção com relação à quantidade de crianças matriculadas em
2006, no meio rural, 13.292 alunos foram matriculados, para cursar as quatro séries
iniciais do ensino fundamental, e na sede do município 14.638 discentes ingressaram no
mesmo ano, para freqüentar o ensino fundamental de 1ª a 8ª séries. Estes números
demonstram a elevada quantidade de crianças do meio rural cursando a primeira fase do
ensino fundamental. Se a maioria delas pudesse concluir este período, a demanda para as
séries seguintes seria elevada, porém, grande parte delas fica pelo meio do caminho, por
inúmeros fatores: evasão, reprovação, etc.
De acordo com a análise dos dados da Secretaria Municipal de Educação referente
a 2005, foi possível constatar que a reprovação nos quatro distritos também é muito alta,
43.19% discentes foram reprovados. Somando este número a 17.50% de abandono da
escola, contabilizando um índice de 60,69% de desempenho insatisfatório.
Conforme pode ser evidenciado no quadro abaixo, nos anos de 2000 a 2004, é
possível constatar que os fatores mais marcantes correspondem aos índices de pouco
aproveitamento educacional, abandono e reprovação. Apenas nos anos de 2001 e 2002, o
número de aprovados foi um pouco maior que a quantidade de reprovados, nos demais
anos a reprovação é sempre superior.
39
Não obtivemos os dados dos alunos com idade superior a 18 anos do distrito de São Miguel.
95
Ensino Fundamental 1ª a 4ª Séries
Zona Rural
RENDIMENTO ESCOLAR (%)
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Aprovados
37.31%
43.30%
40.24%
38.30%
37.99%
37.67%
Reprovados
38.10%
35.45%
38.02%
40.59%
42.79%
43.19%
Abandono
24.38%
20.09%
20.54%
20.32%
18.14%
17.50%
Transferidos
0.21%
1.16%
1.20%
0.79%
1.08%
1.64%
Tabela 04: Rendimento escolar do meio rural de 2000 a 2005.
Este universo representado pelo baixo rendimento escolar revela que as crianças e
jovens ribeirinhos, anualmente, recebem o título de incapazes, fazendo-as repetir no ano
seguinte à mesma série, assim esses círculo vicioso e excludente, que de certa forma
banaliza a reprovação, passa a parecer natural e não causa indignação. Dessa forma os
discentes freqüentam a escola, até quando as famílias podem mantê-los nela. Porém,
quando elas não podem mais prescindir da sua força de trabalho, para sua manutenção,
os discentes são chamados a contribuir com o rendimento familiar e a instituição escolar
não tem a mesma prioridade.
Até mesmo, porque é uma pequena minoria de crianças, jovens e adultos do meio
rural ribeirinho de Breves, que tem a possibilidade de dar continuidade ao ensino
fundamental de a 8ª série. Para atender a esta etapa do Ensino Fundamental o município
criou o Projeto Troca do Saber, que teve início em 2000, na administração do prefeito
“Gervásio Bandeira” e tem continuidade na atual administração – “Luis Furtado Rebelo”.
O referido projeto funciona no período intervalar, período de rias e recesso
escolar da cidade, pois este tem o seu quadro docente constituído, em sua grande maioria,
de professores que trabalham com estas séries, na rede municipal de ensino da sede do
município, e por esse motivo só estão disponíveis para trabalhar no meio rural nesse
período. Os educadores são contratados, temporariamente, para trabalhar no referido
projeto, e não é disponibilizado o apoio logístico necessário aos mesmos, por isso, muitos
ficam alojados na casa de comunitários e em escolas, sem a mínima condição de
privacidade, comodidade e segurança.
Os discentes também enfrentam dificuldades para freqüentar o projeto, pois
precisam passar dias, foras de suas comunidades, para estudar. No início do projeto a
Secretaria Municipal de Educação fazia doações de cestas básicas, para que os estudantes
96
pudessem se alimentar, no período em que estavam fora de casa, porém, para diminuir os
gastos com o projeto, a mantenedora parou de distribuir os alimentos e com isso muitos
estudantes abandonaram o Projeto.
Ao longo de sua existência o Projeto Troca do Saber atendeu alunos das
comunidades rurais ribeirinhas nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental: Intel,
Bela Vista, Vila Mainardi, João Pereira Seixas, Rio Jaburuzinho, Santa Lúcia e Curumú,
funcionando com seis turmas. No entanto, neste ano funciona apenas com uma turma na
escola João Pereira Seixas, que está concluindo a série do ensino fundamental,
visualizada na imagem abaixo.
Fotografia 28: Escola João Pereira Seixas, local de funcionamento do Projeto Troca do Saber.
Fonte:
Leão e Farias em 21/03/2007.
De acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação em 2005, o Projeto
Troca do Saber atendeu 5.650 discentes, e desses, 1.097 abandonaram a escola, 573 foram
reprovados, totalizando 1.067 alunos excluídos do sistema educacional por reprovação e
abandono. Apenas 3.119 foram aprovados, concluindo assim, o Ensino Fundamental.
O Projeto Troca do Saber aos poucos está sendo extinto e em seu lugar ficará o
“Projeto Circuito do Conhecimento”, que atenderá 36 localidades e se diferencia do
primeiro, porque funcionará, regularmente, em sistema modular.
97
De fato, se o Ensino Fundamental enfrenta todos esses problemas com relação a
sua oferta, no Ensino Médio à situação se agrava ainda mais, em face dele não ser
ofertado no meio rural. Somente um número muito pequeno de jovens e adultos consegue
chegar a este nível da educação básica, e dos que concluíram o ensino fundamental na
cidade, poucos retornam ao meio rural.
Hermoso e Rivato (1999) afirmam que a política educacional adotada está voltada
para a migração dos estudantes para a cidade, pois lhes restam duas alternativas: migrar
para os centros educacionais, para concluir os estudos ou evadir das escolas e permanecer
no meio rural desenvolvendo atividades ligadas à pesca, ao extrativismo do açaí, etc. Em
contra partida a escola não lhes proporciona uma qualificação profissional ou técnica que
os habilite a trabalhar e produzir melhor.
A Secretaria Municipal de Educação de Breves, administrativamente, dividiu o
município em distritos, para atender e organizar a demanda educacional nas áreas rurais e
ribeirinhas. Assim os setores administrativos e pedagógicos, atendem os distritos: 1) Sede
rural; 2) São Miguel dos Macacos; 3) Antonio Lemos e 4) Curumú.
Cada um deles possui uma coordenadora e auxiliares administrativos que
desenvolvem as atividades administrativas, institucionais e pedagógicas. O número
reduzido destes funcionários não consegue atender e acompanhar de maneira satisfatória
aos anseios dos educadores, com relação ao acompanhamento pedagógico, reduzindo sua
intervenção a atividades burocráticas de verificação de preenchimento de cadernetas,
assinatura de livros de ponto, freqüência e assiduidade dos alunos.
Um aspecto que marca negativamente a educação no município é a interferência
das relações político–partidárias, que as escolas e os educadores sofrem e ficam a mercê
de conveniências dos grupos de poder local. Assim, não são os interesses e as
necessidades das populações do meio rural que orientam às políticas e práticas educativas
existentes, mas as conveniências dos grupos de maior decisão a nível local.
Devido a essa situação, as escolas são construídas na maioria das vezes em
localidades onde os políticos do município foram bem votados, a pedido do líder da
comunidade ou de uma família influente de uma referida localidade. A construção do
prédio é viabilizada, geralmente, através do requerimento de um vereador, que controla os
destinos daquela comunidade específica e isolam os demais de uma relação mais
aproximada com a comunidade.
98
Se em pleitos eleitorais seguintes, um grupo ou uma família adversária
politicamente, se sair vitoriosa para conduzir a gestão municipal, alguns re-arranjos são
efetivados no sentido de transferir às escolas de um local para outro, utilizando-se de
mecanismos como a nucleação de escolas com localização aproximadas e a oferta do
transporte escolar. Essas situações podem ser comprovadas através do documento a seguir
apresentado, oriundo da Câmara Municipal
40
A boa educação é moeda de ouro, em toda parte tem valor [...] É
com esse pensamento que requeiro após (sic) cumpridos os tramites
regimentais, seja enviado ofício, manifestando a necessidade e o desejo
da Comunidade (sic) dos Rios Japú e Companhia no sentido de unificar
essas escolas através do trabalho de nucleação. Para tal, se faz
necessário que seja construída uma Escola Padrão com duas (02) salas
de aulas e disponibilizar a (sic) esta escola um barco para o transporte
escolar, assim, estaríamos atendendo as necessidades de grande parcela
de nossa comunidade rural que hoje freqüentam as Escolas Luz de Sião
e São José, ambas com mais de 40 alunos. (Requerimento, nº 112/2005.
Grifos do autor. Itálicos meus).
Conforme pode se observado no requerimento do legislador a educação é
entendida enquanto uma moeda de ouro”, e utilizada, algumas vezes, como troca de
favores políticos, sem que se leve em conta às conseqüências que a nucleação e o
transporte escolar possam trazer para as comunidades rurais ribeirinhas do município.
A política de nucleação
41
tem sido utilizada por vários municípios paraenses,
contribuem assim, para com a ruptura das relações de pertencimento e valorização do
espaço comunitário, a partir de sua efetivação. Com a retirada dos alunos de suas
comunidades de origem fica inviável a efetivação do preceito constitucional, da
orientação da LDB e das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo (2002), que prevêem a gestão democrática da escola pública, pois não se não
instituições educacionais nas localidades onde as crianças residem, não haverá a
participação dos pais. Uma vez que os alunos são matriculados e conduzidos para fora de
suas comunidades.
Vitor Paro (2000) em seus estudos sobre a gestão democrática da escola pública
nos adverte sobre a importância da participação para a construção de uma escola
verdadeiramente universal e de boa qualidade, que atenda os interesses de sua população
40
O nome do vereador autor do requerimento será omitido por questões éticas.
41
A nucleação é a junção de rias escolas pequenas, que são desativadas, para constituir apenas uma maior.
Consiste em uma política utilizada em vários municípios do interior do Pará, que visa diminuir os gastos e
proporcionar a seriação, uma vez que as pequenas escolas funcionam em regime escolar multisseriado.
99
usuária. O autor afirma que “democratização se faz na prática” (p.18), por isso, retirar às
escolas das comunidades onde as crianças residem inviabiliza a efetiva prática de
participação dos pais nas decisões concernentes a educação de seus filhos, bem como da
comunidade.
Cabe destacar que a situação agrava-se, porque em alguns municípios, muitas
vezes as crianças são transportadas em barcos super lotados, sem a mínima segurança
necessária, o que pode provocar acidentes e mortes indesejadas, além do que, os discentes
percorrem longas distâncias até chegar às escolas e em geral, são mal alimentados.
Outro aspecto evidenciado em Breves que reflete os mandos e desmandos dos
políticos locais, no que concerne à educação do meio rural no município é a grande
rotatividade que sofrem os educadores e educadoras que atuam nessas escolas. De fato,
muitos docentes são enviados para as escolas multisseriadas do meio rural, como punição
por não terem apoiado o grupo que assumiu a condução da gestão do Município. Assim,
como eles podem ser transferidos para a sede do município, como premiação, pelo apoio
manifestado ao gestor e/ou vereador vencedores de um pleito eleitoral. A rotatividade do
professor se torna, por esse motivo e por outros, muito comum no município de Breves.
Técnicos que atuam no projeto Pró-rural
42
(2005) informam que é intensa a
rotatividade de professores nas escolas rurais ribeirinhas, justamente, pelo fato dos
mesmos não serem da localidade onde trabalham, e buscarem, constantemente, a
mudança de local de trabalho com vistas a estarem mais próximos da sede do município.
Muitos professores do meio rural querem voltar para a sede do município, porque
às condições de trabalho e de alojamento são muito difíceis nas escolas rurais, onde eles
são submetidos a ficar, por não possuir um lugar para morar. Assim, às vezes,
permanecem alojados na casa de comunitários, ou moram na própria escola, sem conforto
algum.
No entanto, é a interferência político-partidária que constitui a primazia das
justificativas para que a rotatividade dos educadores seja tão intensa no município de
Breves. E fortalece ainda mais a política de “voto de cabresto” em que, para
permanecerem no emprego, os educadores e educadoras e toda a sua família precisam
votar nos políticos que comandam as questões na localidade ou nos candidatos por eles
indicados.
42
Projeto Pró-rural: a construção de um novo projeto de educação é possível. Breves: em mímeo, 2005.
100
Assim submetidos aos favores e à vontade política dos gestores e/ou dos
vereadores, os professores percorrem as escolas, sem conseguir realizar um trabalho mais
efetivo e duradouro, como tão bem nos adverte Hermoso e Rivato
[...] a interferência de interesses políticos [...] se manifesta pela
substituição arbitrária de professores, sempre que mudam os comandos
políticos do município: novo deputado ou novo prefeito
principalmente. Esse procedimento leva à degradação da educação que
fica ao sabor do ódio e da perseguição política. (1999, p.38. Grifos dos
autores).
De acordo com a Divisão de Lotação da Secretaria Municipal de Breves, em
2006, existiam 369 professores no meio rural, destes 260 (70,46%) docentes eram
contratados, temporariamente, e apenas 109
43
(25,54%) são concursados, fator este,
facilitador da rotatividade dos docentes no município, e situação que se tornou
estratégia dos Gestores municipais, ao contratar os educadores por temporada, e dispensá-
los no final do ano letivo, sendo recontratados no ano seguinte, sem que sejam
remunerados no período de recesso escolar.
Até o ano de 2006, essa era uma situação muito freqüente no município, pois a
grande maioria dos docentes era contratada, no entanto, com a realização de concursos
públicos, tem aumentado a efetividade no cargo, e após o estágio probatório, os
educadores devem gozar de maior estabilidade no emprego.
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município (SINTEPP-sub sede
Breves) tem feito várias denúncias junto ao Ministério Público contra atitudes arbitrárias
que ocorrem no município, como também, por causa do não cumprimento dos 200 dias
letivos e das quatro horas de aula, ocasionado muitas vezes pela contração tardia de
professores, atrasos no início do ano letivo. Conforme pode ser constatado no documento
enviado ao Ministério Público, por esse sindicato e que aguarda providências.
A partir do ano de 2001, com a posse do gestor municipal [...] a
administração municipal, numa visão estreita e totalmente economicista
de educação, tendo servidores temporários formando a grande maioria
do quadro dos trabalhadores da educação do município, instituiu a
demissão destes servidores todo dia 31 de dezembro, voltando a
recontratá-los, a seu critério e conveniência, no final do mês de
fevereiro ou início de março do ano subseqüente, em total
descumprimento da legislação vigente. [...]. As verbas do FUNDEF, ao
longo dos anos, continuaram a cair nas contas da Prefeitura, sem que
43
Dados obtidos na Secretaria Municipal de Educação/ Quadro Demonstrativo/Coordenação dos Distritos de
Antonio Lemos, Sede Rural, São Miguel e Curumú/, referentes 2006.
101
fosse informado à sociedade o destino dos recursos recebidos em
janeiro e fevereiro, apesar do questionamento deste sindicato em
relação à falta de transparência da aplicação dos mesmos, uma vez que
a maioria dos servidores da educação estavam (sic) demitidos. Com as
demissões acima mencionadas, o ano letivo passou a ficar
compreendido entre a quinzena de fevereiro ou o início do mês de
março e o final do mês de dezembro, tendo que comportar no
calendário escolar os duzentos dias letivos previstos na Lei 9394/1996
(Lei de Diretrizes a Bases da Educação Nacional –LDB).
Contabilizando, no caso de 2006, todos os dias de março a dezembro,
exceto julho (férias escolares), de segunda a sexta-feira, inclusive os
feriados, serão totalizados 199 dias. Se os feriados forem excluídos,
ficarão apenas 186 dias para o cumprimento do calendário escolar.
Dessa forma, a única alternativa encontrada pela administração para
compensar a contração do ano letivo causada pelas demissões, foi
instituir os sábados como dias letivos, impondo aos profissionais da
educação o trabalho além da carga horária prevista na Lei Municipal
2023/2003, que institui o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração do
Magistério Público municipal. No caso de 2006, o calendário escolar da
Secretaria Municipal de Educação, incluiu 25 sábados como dias
letivos, o que corresponde à, no mínimo, um mês de trabalho não
remunerado, o que, no caso dos professores, denominamos de
trabalho escravo intelectual. (SINTEPP, 2006, p.2-3. Grifos do
autor).
44
Este documento demonstra que existem resistências entre os educadores do
Marajó contra o autoritarismo e desmandos políticos que afetam a todos os servidores
municipais em Breves; sobretudo entre os que atuam no meio rural, que em sua maioria
são contratados, a filiação no sindicato constitui uma das estratégias para se contrapor a
essas questões e de luta por seus direitos.
De fato, esse contingente constitui a maioria dos filiados do sindicato, fator que
desperta a atenção, pois sempre se espera que as pessoas com maior grau de instrução
tenham maior entendimento da luta pela conquista de seus direitos. E no caso de Breves,
são os educadores e educadoras do meio rural dão uma lição a parte dos educadores da
sede do município, sobre a importância de se organizar e lutar pela conquista de seus
direitos.
Convêm mencionar que na cidade de Breves muitos educadores têm participado
mais, efetivamente, nas manifestações em busca de seus direitos e alguns têm destaque
nas atividades promovidas pelo Sindicato dos profissionais da educação, durante muitos
anos resistem e lutam pela conquista de seus direitos e têm uma postura coerente com os
ideais que defendem.
44
Esse trecho do documento revela apenas uma parte da denúncia que foi enviada ao Ministério Público pelo
SINTEPP.
102
É possível perceber, atualmente, uma maior adesão ao Sindicato dos educadores
da sede do município, principalmente, após a realização do concurso público. Na
fotografia abaixo, pode ser vista um dos momentos de manifestação dos educadores de
Breves.
Fotografia 29: Manifestação dos educadores reivindicando reajuste salarial, a convocatória dos
educadores concursados, transparência na aplicação dos recursos do FUNDEB, etc. Fonte: SINTEPP,
2007.
Como bem afirma Gonh (2001) nos Movimentos Sociais à educação é
autoconstruída, através da aprendizagem fruto da experiência, da desmistificação da
autoridade, como sinônimo de competência, porque o saber popular politizado, sintetizado
em práticas políticas participativas, torna-se uma ameaça às classes dominantes à medida
que ele reivindica espaços nos aparelhos estatais.
Esta organização social é imprescindível para lutar em favor de uma educação de
qualidade. E para se contrapor aos discursos equivocados e/ou dissimulados, que se
tornam eloqüentes ao anunciar que a educação no Brasil vai muito bem, que o número de
crianças nas escolas aumentou e o Ensino Fundamental agora é um direito público
subjetivo de cada cidadão, deste imenso país. Bem como a afirmação de alguns estudiosos
como Silva Junior que diz: “atualmente, o problema crucial da educação no Brasil não é
mais o da oferta insuficiente, mas o da baixa qualidade em seus diferentes veis de
ensino”. (2006, p.30).
103
Talvez se Silva Junior conhecesse a realidade educacional do meio rural na
Amazônica, e mais, especificamente, a realidade educacional do município de Breves, com
certeza, não cometeria tal equivoco, pois, infelizmente, nesses espaços, a grande maioria
das crianças do meio rural não é atendida pela educação infantil. O atendimento no ensino
fundamental é precário e insuficiente para atender a toda a demanda e o ensino médio não é
assegurado aos estudantes que vivem nessas comunidades.
Até o tipo de prédios escolares contribui para que a negação da escolarização seja
evidente, pois sem as condições adequadas para estudar muitas crianças ficam fadadas ao
fracasso escolar.
As escolas rurais ribeirinhas do município de Breves possuem
características peculiares, por meio das quais, podem assim ser
definidas:
1. Escola padrão: escola construída em madeira, com sala(s) de aula,
banheiro e copa, são as que apresentam as melhores condições
estruturais;
2. Escola de centros comunitários: funciona no espaço cedido pela
comunidade, além das crianças estudarem neste local, acontecem
também em outros momentos reuniões comunitárias e vários eventos;
3. Escola de salões de festas: funciona em locais cedidos por
particulares para as crianças estudarem, geralmente são utilizadas nos
finais de semana, para realização das diversas festas da comunidade e do
proprietário do local;
4. Escola na casa do professor (a): o/a professor (a) utiliza a sala ou
outra dependência de sua casa para que os alunos possam estudar;
5. Escola na casa do líder da comunidade: o comunitário cede a sala
de sua residência para funcionar a escola, às vezes o processo de ensino-
aprendizagem é dificultado pelo trafego de pessoas no local e pela
interferência do líder da comunidade nos assuntos escolares, quando os
conteúdos divergem dos seus valores e concepções;
6. Escola nas capelas ou igrejas: funcionam em locais onde são
realizadas missas e cultos, as mesmas o pertencentes à igreja católica
ou evangélica;
Outras escolas funcionam em locais que possuem uma sala de
tamanho médio ou muito pequeno, sem banheiros ou copa, para preparar
a merenda, algumas se encontram bastante deterioradas pelo tempo,
pela falta de manutenção e abandono, outras estão com as tábuas das
paredes estragadas ou até mesmo não possuem paredes. (CRISTO et al,
2005, p.118-119)
Nesse contexto merece destaque mencionar a forma como é oferecida essa
escolarização, de acordo com Cristo et al (idem 119) “o processo de ensino aprendizagem é
realizado em sua grande maioria em classes multisseriadas” sem a estrutura física adequada
e muitos comunitários por desconhecimento de que “a educação se constitui como um
104
direito e, que o poder público é responsável pelo seu provimento, garantindo as condições
necessárias para que a escolarização se efetive, faz com que os comunitários se sintam
responsáveis pela construção e manutenção das escolas”(idem, 120).
Diante dessa evidência considero pertinente afirmar que uma escolarização no meio
rural ribeirinho da Amazônia marajoara brevense tanto é negada a muitos alunos que
concluem as quatro ries iniciais do ensino fundamental, quanto aos discentes que
precisam cursar o ensino médio. E também não oferece qualidade necessária para que os
estudantes possam ter um bom aproveitamento escolar.
Silva Junior, mesmo ao se referir a problemática educacional contemporânea,
admite que a “universalização da escola em todas as modalidades de ensino torna-se difícil
quando deparamo-nos com altas taxas de reprovação e evasão, principalmente, entre os
alunos das séries iniciais do ensino fundamental”. (idem, p.30).
Todos os aspectos sociais, políticos, econômicos e educacionais, bem como os
modos de vida e da cultura local, são imprescindíveis, para que possamos entender o
contexto das escolas ribeirinhas, que possuem características peculiares, assim, para
apresentar alguns aspectos da diversidade da vida ribeirinha trago a cena o contexto
educacional da comunidade que vive na Vila Ivo Mainardi.
105
CAPITULO III: ESCOLA RURAL RIBEIRINHA DE VILA DE MADEIREIRA:
CURRÍCULO, IMAGENS, SABERES E IDENTIDADE
Este capítulo apresenta os dados coletados na pesquisa de campo realizada na
comunidade da “Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo Mainardi”. Inicialmente
mostra à caracterização da Vila Mainardi LTDA, enfatiza o modo de viver das pessoas
residentes no local. Em seguida destaca os aspectos educacionais da referida vila, e
finalmente, focaliza as discussões concernentes ao planejamento curricular, da referida
instituição de ensino.
3.1 - A Vila da Madeireira Mainardi LTDA
Fotografia 30: Vila Mainardi, ao centro a igreja católica, posto dos correios ao lado esquerdo da igreja, o posto
de atendimento médico (em amarelo) e ao lado destes as casas da vila. Foto: Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
A “Vila Mainardi” visualizada na fotografia 30, localiza-se às margens direita do
Rio Jaburu, no Distrito de Antonio Lemos, distante da sede do município de Breves 2h e
106
30m. pela via fluvial, através de uma embarcação de médio porte. A comunidade surgiu a
partir da implantação da indústria madeireira “Mainardi LTDA”. Atualmente, a empresa
Mainardi é denominada de Global, Mainardi é o nome do posto alfandegário de despacho
de madeira. A vila é constituída por dois núcleos populacionais: moradores das vilas
Mainardi e Global.
De acordo com as informações obtidas em entrevista com um dos gerentes da
empresa, a madeireira Global emprega, atualmente, 569 trabalhadores, possui
aproximadamente 1600 moradores, empregados e familiares destes, dentre os quais em
média 300 são pais de alunos. A comunidade ribeirinha é constituída de quase 2500
moradores ligados direta ou indiretamente à empresa, ribeirinhos do entorno e moradores
das vilas Mainardi e Global.
As residências dos moradores da Vila Mainardi são construídas pela empresa e
cedidas para os funcionários, que pagam uma taxa pela utilização da mesma. Os tipos das
casas variam, e o valor do salário recebido pelos funcionários determina que tipo de
residência que os mesmos podem pagar.
Na moradia com um cômodo o funcionário paga R$ 5,00 (cinco reais), esta
geralmente, é ocupada por pessoas sem família, que residem na vila e, por isso, é
denominada “casa dos solteiros”. O imóvel com dois quartos, sala e cozinha, custa o valor
é de R$ 15,00 (quinze reais); e a com três quartos, sala e cozinha, custa R$ 20,00 (vinte
reais). Nas duas primeiras o fornecimento da energia ocorre, parcialmente, durante a noite
e final de semana, dia e noite; na última esse serviço é oferecido, diariamente, sem
interrupção.
Nas fotografias 31 e 32, podem ser vistas as residências, que se localizam na
frente da vila, às margens do Rio Jaburu. São construídas em madeiras, cobertas com
telhas de amianto, barro ou palha. É possível perceber na imagem 31, que as casas da vila
obedecem a certo padrão com relação aos modelos e aos estilos.
107
Fotografia 31: Casas padronizadas da Vila Mainardi, localizadas as margens do Rio Jaburu. Na frente de um
dos imóveis a antena parabólica, símbolo da comunicação televisiva presente na vila. Esse equipamento é
bastante comum em muitas residências.
Muitos homens e mulheres são trabalhadores da indústria madeireira,
por isso as casas ficam fechadas durante o dia, uma vez que seus moradores estão no trabalho. As ruas, às
margens do rio são aterradas com pedaços de madeiras e de madeira moída, chamado na região de muinha.
Foto: Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
Fotografia 32: Casas da Vila Mainardi, localizadas às margens do Rio Jaburu. As residências são interligadas
por inúmeras pontes, que neste caso exerce a função de ruas. Ainda pode ser visto nesta imagem crianças
tomando banho no rio. Este tem muitas utilidades na vida dos moradores locais, além de prover alimentos, é
utilizado na higiene pessoal: banho e para lavar roupas, conforme podem ser observados os diversos varais
com roupas, que com o verde das árvores dos quintais, principalmente, das palmeiras de açaí, colorem o
cenário. Foto: Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
108
A divisão de classes sociais na vila pode ser identificada através dos tipos de
residências ocupadas pelos trabalhadores da empresa. Os que recebem melhores salários
(dois ou mais salários mínimos, denominados de primeira e segunda faixa) ocupam as
melhores casas, as residências mais simples são das famílias mais pobres, em que os
funcionários recebem apenas um salário mínimo. O local em que residem pessoas mais
pobres é denominado por alguns moradores de “Vila Urubu”, conforme pode ser visto na
imagem 33, o núcleo populacional mais periférico.
Fotografia 33: Casas da Vila Mainardi, localizadas na área periférica da vila,
porém não tão diferente dos demais
lugares, é comum a presença das antenas parabólicas e principalmente de crianças, estas se fazem presentes em quase
todos os espaços. Foto: Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
O funcionamento e organização da referida vila possui regime semelhante a um
condomínio. Um síndico indicado pela empresa administra às verbas para manutenção da
mesma (coleta de lixo, limpeza de ruas e manutenção de pontes e casas) arrecadadas dos
moradores, através dos descontos mensalmente dos salários, no contracheque. É descontado
também dos funcionários a quantia R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) destinados a
Associação dos funcionários da vila, denominada “Vida Nova”.
A Vila Mainardi é bastante movimentada, pois exporta madeira para diversos países.
Para despachar este produto, localiza-se na mesma um porto alfandegário, conforme pode
se visto na fotografia 34. O referido porto também recebe, mensalmente, vários cargueiros
do exterior, que embarcam a madeira vinda de muitas madeireiras de Breves e de outros
109
municípios vizinhos. O carregamento deste produto cerrado ratifica a indicação de que a
Amazônia ocupa no cenário internacional a função de fornecedora de matéria-prima.
Fotografia 34: Porto alfandegário da Vila Mainardi. Foto: Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
No porto alfandegário são despachados carregamentos de madeiras para algumas
regiões do país e para diversos países, em navios e balsas, conforme pode ser visto na
imagem 35, a seguir
110
Fotografia 35: Balsa sendo carregada de madeira no porto alfandegário. Foto: Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
Além do núcleo populacional e do porto alfandegário outro componente que
dinamiza as atividades da vila é o comércio, basicamente, constituído de uma padaria e da
cantina. Para comprar nesse estabelecimento comercial os trabalhadores da empresa
recebem, semanalmente, vales, com o valor que varia de acordo com o salário recebido
pelos empregados. De posse desta autorização eles podem fazer suas compras na cantina
local, que tem diversos gêneros alimentícios, produtos de higiene, limpeza, utensílios
domésticos, etc.
A cantina funciona a semana inteira, porém as compras com o vale ocorrem somente
segunda, quarta e sexta-feira. Os demais dias ficam reservados para a aquisição de
mercadoria a dinheiro. A pesquisanda 01, mãe de aluno e moradora da vila afirma: as
mercadorias vendidas na cantina são muito caras, mas não tem outra saída, a gente tem
que se acabar lá, tem gente que trabalha para pagar dívidas”. Se acabar lá, quer dizer
que não tem outra opção para comprar, pois a cantina é o único comércio existente na vila,
para atender todos os moradores da mesma. Além de que o crédito oferecido é válido
apenas nesse estabelecimento de comércio, que pode ser visualizado na fotografia a seguir.
111
Fotografia 36: Comercial Rio Jaburu LTDA. Cantina das Vilas Mainardi e Global. Por estar no horário do almoço
à cantina encontra-se fechada. Foto: Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
O débito contraído na cantina é descontado do salário do funcionário que, às vezes,
recebe o contracheque com um valor irrisório, pois o dinheiro para pagar as despesas
adquiridas nesse comércio, na padaria, as taxas de manutenção da vila e da associação.
A prática de compra de crédito e débito no comércio gera o endividamento,
contraído com a compra de alimentos e outros produtos. Essa atividade assemelha-se ao
sistema de aviamento, realizado na época da exploração da borracha, intensificada no
século XIX com o processo de vulcanização. Neste século (XXI) o mesmo sistema continua
a existir, porém, recebe um novo rótulo, “cantina”, que tem quase a mesma função dos
armazéns nos seringais daquela época.
A pesquisanda 02, que também é mãe de aluno e moradora da vila diz quando o
empregado é demitido tem que saldar todas as vidas, para depois deixar a vila”. Fica
evidente nessa fala que a empresa não perde nada, pois o dinheiro pago aos funcionários
volta à mesma. O comércio das vilas que possuem madeireiras é quase sempre gerenciado
por um parente do proprietário ou por uma pessoa de sua confiança, ligada à madeireira. A
cantina da vila - Comercial Jaburu- fica sobre a responsabilidade da irmã do proprietário da
Global.
Apesar das inúmeras dificuldades que os moradores da vila enfrentam com relação à
instabilidade no emprego, às altas taxas pagas e o endividamento no comércio local, o que
mais impressiona na vila é a animação das crianças. Elas dão um colorido existencial ao
112
local e podem ser encontradas em muitos lugares, sobretudo, aos finais de tarde, quando
estão nas ruas envolvidas em diversas brincadeiras: futebol, os sete pecados, pira pega,
bandeirinha, etc, conforme pode ser visto nas fotografias abaixo.
Fotografia 37: Jogo de futebol. Foto: Ana Cláudia Fotografia 38: Os sete pecados. Foto: Ana Cláudia
Cristo, 27/04/2007. Cristo, 27/04/2007.
Fotografia 39: Pira pega. Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
113
Fotografia 40: Bandeirinha. Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
Os adolescentes, jovens e professores também jogam futebol e vôlei, nos finais de
tarde. De acordo com a imagem 41 e 42. Estas são as duas atividades que mais atraem os
jovens no entardecer, porém alguns destinam às horas vagas ao alcoolismo, às drogas, ao
tabagismo e jogo de cartas, algumas vezes fazem pequenas aposta em dinheiro.
Algumas crianças e adolescentes da comunidade também consomem bebidas
alcoólicas e cigarros. Estes vícios muitas vezes são adquiridos pela ausência de atividades
que possibilite aos jovens uma perspectiva de vida, por isso, acabam vítimas da ociosidade.
Fotografia 41: Adolescente jogando futebol. Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
114
Fotografia 42: Adolescente, jovens e alguns professores jogando vôlei. Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
Após as atividades na escola da vila os professores, ao final da tarde, costumam
jogar vôlei com os jovens da comunidade, é uma das formas interagirem com a comunidade
e de preencher o tempo livre dos docentes e dos jovens.
A escola é uma das poucas instituições mantidas pelo poder público municipal que
presta atendimento às crianças, adolescentes, jovens e adultos da Vila, como destacarei a
seguir.
3.2- A Escola Municipal de Ensino Fundamental “Ivo Mainardi”
Para atender, educacionalmente, as crianças, adolescentes, jovens e adultos da
comunidade a empresa madeireira Mainardi ao se instalar na referida localidade construiu a
Escola “Ivo Mainardi”. No início à instituição de ensino era privada (mantida com recursos
oriundos da empresa), mas, posteriormente, passou a ser administrada pela Rede Municipal
de Ensino de Breves. Na fotografia 43, pode ser visto o prédio da Instituição de Ensino. Na
imagem, que compõe o cenário, estão presentes elementos característicos da paisagem
ribeirinha: o rio, a ponte, e as palmeiras de açaí.
115
Fotografia 43: Prédio da “Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo Mainardi”. Na frente da escola uma faixa em
homenagem ao proprietário da empresa madeireira e faz referência ao aniversário do mesmo, diz: “Wilson a SEMED
agradece o apoio e comprometimento dispensado à educação brevense. Parabéns!”. Foto: Ana Cláudia Cristo,
20/04/2007.
O gerente da empresa
45
.
afirma que a relação da madeireira com a escola se em
forma de cooperação e a esse respeito menciona:
A empresa tenta apoiar. Ela não é responsável pela escola, ela é uma
escola municipal. No início ela foi criada como uma escola privada e
depois passou a ser administração do município. A empresa não tem um
vínculo com a escola. O vínculo dela é mais de responsabilidade social.
A escola leva o nome do pai do fundador desta empresa e ele tenta
cooperar. Sem assumir a responsabilidade que é do município.
(Pesquisando 03).
De acordo com Schommer (2002) os interesses privados transformam-se em
públicos, nas inter-relações desses espaços públicos, novos padrões de comportamentos
levam as organizações a diferentes estratégias de atuação, termos como: filantropia,
cidadania empresarial, cooperação, parcerias, ética e responsabilidade social são absorvidos
pelo discurso empresarial brasileiro. A ação do empresariado na área social tem sido
associada a questões estratégicas “a empresa tem responsabilidade com seu entorno, sua
45
A empresa tem vários gerentes, não irei citar a gerencia que o pesquisando assume, para manter o sigilo da
fonte.
116
cadeia produtiva, com a comunidade em que está inserida e com o ambiente como um todo,
já que depende de todos eles para sobreviver”. (idem, p.92).
Esta cooperação oculta os benefícios provenientes de tal ação: a cultura de confiança
da comunidade local, a isenção de impostos, a visão de empresas responsável com a
população na qual está inserida, etc. Cabe mencionar ainda o marketing social que a
empresas utiliza como estratégia para demonstrar que está preocupada com a comunidade,
com a pobreza, com as desigualdades sociais e com o meio ambiente.
Assim, desvirtuam também a atenção dos efeitos causados aos ecossistemas devido
à devastação ambiental, bem como a exploração do trabalhador e os baixos salários pagos
aos empregados. Como parte da estratégia de marketing social da empresa Mainardi foi
fundada na vila a “Associação Vida Nova”. Associações “são entidades de direito privado e
constituem reunião de várias pessoas pra realização de objetivos e ideais” (ibidem, p.97).
De acordo com o gerente da empresa a associação está registrada e agora a
madeireira vai buscar o apoio da Universidade para desenvolver projetos e pesquisas, que
possam beneficiar a população ribeirinha. Ele menciona
[...] nós planejamos contratar a Universidade Federal para conseguir
projeto que possam vir a beneficiar esta comunidade, porque a gente sabe
que existem projetos destinados à melhoria de vida da população
ribeirinha. E através da Universidade talvez a gente possa conseguir
pesquisas, numa perspectiva de sustentabilidade, para a própria vila,
porque essa dependência total da empresa também é prejudicial à vila.
(Pesquisando 03).
Apesar da existência da “Associação Vida Nova” é a escola que possibilita a
empresa maiores vantagens, pois apesar do gerente da empregadora dizer que ela mantém
apenas um vínculo de responsabilidade social, posteriormente, ele ratifica a importância da
instituição escolar, para atrair e manter as famílias na vila. Além de que ela prepara uma
mão de obra qualificada, para trabalhar na fábrica.
A escola é essencial, primeiro porque ela prende a família aqui. É
preciso que a gente tenha essa escola aqui, porque as famílias vêm pra cá.
Elas não teriam como estudar em Breves ou se deslocar para uma escola
mais distante. Muitos funcionários estão estudando e retornam como mão
de obra mais qualificada que os pais. E agora a gente está correndo
atrás, ajudando na medida do possível, para que tenha o Ensino
Médio, para que a mão de obra seja mais qualificada, para que a gente
não tenha que procurar em outro lugar. (Pesquisando 03).
117
Quando perguntei ao gerente quais os maiores ganhos que a empresa obtém com a
contratação da mão de obra local, ele afirmou:
A empresa sobrevive dessa mão de obra, a tentativa da gente é
justamente qualificar essa mão de obra, para que o retorno seja
melhor, a gente está tentado iniciar eles com produtividade, devido
justamente a falta de conhecimento por atitude do funcionário. É difícil
para ele acompanhar uma tabela, um estudo de metas, alguma coisa
nesse sentido, quando ele mal sabe ler e escrever. (idem)
Como é possível perceber a partir das falas anteriores do gerente, a escola tem uma
grande função para a empresa madeireira, serve como instituição formadora de mão de obra
qualificada para a mesma. Um trabalhador que consegue ler e escrever tem mais facilidade
em aprender determinados serviços, e consequentemente, desempenhá-lo melhor, o que
gera maior produtividade para firma.
Assim, para a empresa a escola tem um papel fundamental na melhoria da produção,
o interesse é tão grande que faz parte da estratégia da mesma a implantação do Ensino
Médio na vila, pois a lógica que se estabelece é quanto maior a qualificação, maior e melhor
a produtividade. Porém, como menciona Souza
Não nascemos, todos e cada um de nós, para o exercício imposto do
trabalho, sobretudo do trabalho alienado pelo poder e pela atribuição de
sentido de um outro, um outro distante, patrão ou opressor direto.
Nascemos para a realização pessoal e solidária do plano pleno do destino
presente e futuro da pessoa que somos. (2005, p.34).
A formação dos discentes, moradores da vila, que são mostrados na fotografia 44,
precisa está comprometida com uma formação humanizadora, de cidadão pleno, capaz de
(re) criar ou modificar o mundo em que vivem. Não deve está apenas a serviço da lógica
desumana do capital, para torná-lo, verdadeiramente, humanizado e não apenas para está a
serviço da lógica desumana do capital.
118
Fotografia 44: Discentes do ensino fundamental. Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
É na Escola “Ivo Mainardi” que acontece a formação de grande parte dos educandos
do meio rural ribeirinho, pois ela é a maior unidade educacional em números de alunos no
município, atende atualmente 762 discentes da Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Segundo informações da secretaria da escola, ela possui 07 salas de aula, 18 funcionários,
dentre os quais 13 são professores. A maioria destes reside em Breves e passam apenas
parte da semana na vila, retornando à sede do município nos finais de semana.
Como a escola funciona apenas com o Ensino Fundamental, os jovens que concluem
este nível de ensino não tem como dar continuidade aos estudos na própria vila, por isso,
muitos vão morar em Breves ou ficam sem estudar. Este fato produz efeitos desastrosos na
vida deles, pois sem ter atividades para desempenharem, ficam na ociosidade. O gerente da
empresa afirma:
A juventude é um problema sério, porque ela não tem muitas
perspectivas. Os jovens a partir dos 13 e 14 anos, principalmente, com a
falta do Ensino Médio aqui, eles se deparam com um dilema: parar de
estudar, esperando que não se separe da família, contando com um
emprego que vai surgir talvez aos 19 anos de idade, ou então largar a
família, separar de todo mundo para ir viver em Breves, com um
parente, um amigo, com uma pessoa, para poder continuar os estudos. Os
que ficam aqui ficam na ociosidade completa. Não existe nenhum
119
trabalho aqui na vila, na comunidade para essa juventude, fora trabalhos
isolados como dos movimentos de jovens das igrejas católicas e
evangélicas. Não tem um tipo de perspectiva para essa juventude, que
vive num completo ócio. (Pesquisando, 03).
De acordo com a fala do pesquisando 03, ou o jovem se separa da família e deixa o
meio rural para estudar, ou fica com os pais e irmãos sem perspectiva de vida, num
completo ócio, pois na vila existem poucas atividades para serem realizadas além do
trabalho na madeireira.
O atendimento educacional do Ensino Médio poderia minimizar este problema. Os
jovens do meio rural têm o direito de estudar no lugar onde vivem, as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, versam no Artigo 3º
O Poder Público, considerando a magnitude da importância da educação
escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de
um país cujo paradigma tenha como referências a justiça social, a
solidariedade e o diálogo entre todos, independentemente de sua inserção
em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a universalização do acesso
da população do campo à Educação Básica e à Educação Profissional de
Nível Técnico. (2002, p.42)
Este artigo descreve com precisão que é o Poder Público deverá garantir a
universalização do acesso à educação a população do meio rural, com a oferta da Educação
Básica e da Educação Profissional, referencia a educação na justiça social, na solidariedade
e diálogo entre todos. Porém, o Estado ignora suas responsabilidades e a juventude sofre
todas às conseqüências ocasionadas pela negação do direito à educação.
Por outro lado, as crianças, adolescentes e jovens que são atendidas pelo Ensino
Fundamental em sua própria comunidade, através da escola “Ivo Mainardisão vítimas da
falta de instabilidade dos seus pais na empresa madeireira, fator que contribui com o
número de crianças que não obtém sucesso na aprovação escolar. Conforme, pode ser
observado nos dados estatísticos, explicitados na tabela a seguir.
120
Estatística do Ano Letivo de 2006 da “Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo
Mainardi” - 1
ª a 4ª Série do Ensino Fundamental.
Número %
Matrícula Inicial
394
-
Transferências Expedidas
39 9,9
Matrícula Final
365
-
Alunos Aprovados
196
53,70
Alunos Reprovados
109
29,86
Alunos Desistentes
50
13,70
Transferências Recebidas
10
2,74
Tabela 05: Dados Estatísticos da Escola Ivo Mainardi, referentes a 2006.
Nos dados estatísticos escolares apresentados, o fator que mais chama a atenção
correspondem às transferências expedidas, 9,9% do total de 394 discentes matriculados,
inicialmente, na escola. E se for observado à “desistência”
46
dos alunos e transferências
recebidas somam um percentual de 16,44% do quantitativo de 365 pessoas registradas no
final do ano. Se for adicionado o número de educandos que saíram e chegaram à instituição
de ensino e ainda aqueles que a abandonaram, serão contabilizados 99 discentes.
Segundo os professores entrevistados o grande problema enfrentado pela unidade
educacional refere-se a constante entrada e saída dos educandos na mesma. O professor
afirmou em seu depoimento:
Se eu fosse prefeito e se fosse possível eu faria uma lei para que a
empresa não pudesse demitir nenhum pai de aluno no meio do ano, para
evitar, porque acontece isso aqui. De repente o aluno deixa de vir para a
escola, à gente procura saber e o pai foi demitido. foi embora e a
gente nem sabe, só fica sabendo depois. (P
esquisando 04
)
Na declaração do docente a vontade de ser gestor e proibir à demissão dos pais
durante o andamento do ano letivo, se justifica pela preocupação do educador, com a saída
das crianças da escola, que está relacionada, sobretudo, à demissão do pai, da empresa
madeireira. E afirma que para não prejudicar o trabalho dos educadores e diminuir o
46
A palavra foi colocada entre aspas, para indicar conforme constatado na entrevista com os professores que
as crianças não desistem, as mesma são afastadas da escola, por conta das condições materiais dos seus pais
(falta de trabalho).
121
número de transferências e de desistência dos discentes na escola, seria necessária a
garantia de que a madeireira não demitisse o pai de aluno no decorrer do ano letivo.
Porém se a empregadora demite o funcionário, esse deverá deixar a casa da empresa
em um pequeno espaço de tempo. O mesmo professor ainda menciona “demitiu [empresa]
num dia, dois, três dias tem que desocupar a casa, tem que sair mesmo e isso prejudica
muito o nosso trabalho”. (idem)
Quando os pais chegam à vila, matriculam as crianças e depois de um tempo que, às
vezes, não chegam a ser muito prolongado, os discentes são retirados da instituição de
ensino, sem que esta e os professores sejam sequer informados. Ao serem demitidos da
madeireira, os pais deixam de ter vínculo com a empresa, consequentemente, precisam
desocupar à casa da vila, conforme afirma o professor.
Sobre essa mesma questão, a professora afirma:
Às vezes, as crianças estudam um, dois meses, o pai é demitido da
empresa e aquela criança vai embora. Às vezes a mesma criança fica um
ou dois meses fora da escola, às vezes vai para outra escola, às vezes
não, e volta novamente. E a gente encontra dificuldade porque ela
perdeu um, dois meses e no final do ano não tem um bom rendimento.
Outro problema é que tem casais que trabalham o homem e a mulher na
empresa o dia todo e, às vezes, os filhos ficam sós e isso influência
muito, para que as crianças fiquem distante da escola.
(Pesquisanda 05)
O fato se torna mais agravante, porque muitos pais viajam sem levar o documento
de transferência das crianças, o que pode ser constatado através do número de
“desistentes”, assim os discentes ficam impossibilitados de continuar os estudos, em outras
unidades escolares.
Além deste problema, os docentes afirmam que não conseguem fazer um trabalho
contínuo e duradouro com os alunos, que passam pouco tempo na escola. O professor da
escola, diz “quando a gente faz o diagnóstico da situação de aprendizagem do aluno e
começa a trabalhar, ele vai embora. E vem outro, e isso dura o ano inteiro”.
(Pesquisando, 06)
Ao refletir sobre essa problemática, busquei fundamentação em Arroyo (1986) ao
afirmar que a pedagogia fala de alunos evadidos, em nosso caso, desistentes, mas nunca
trata de alunos excluídos. Falar em evasão (desistência) supõe que o discente deixa um
espaço e uma oportunidade que lhe era oferecida por motivos pessoais ou familiares. Ele é
responsável pela sua desistência e pelos efeitos sociais, que sua ignorância lhe acarretará ao
122
longo da sua luta pela sua sobrevivência. Porém, o educando que aparece como
“desistente” nas estatísticas escolares é tão vítima quanto seu pai, trabalhador da indústria
madeireira, que tem os seus direitos básicos de cidadão usurpado, bem como o acesso e
usufruto dos bens de produção e da riqueza que produziu.
Assim, é possível compreender como os efeitos sociais do capitalismo influenciam
na exclusão escolar dos estudantes das classes populares e nesse caso, das famílias
ribeirinhas do município de Breves. Fator esse que se tornam mais complexos quando o
currículo escolar, em ação nas instituições educacionais exclui os saberes dos educandos, a
cultura local, as vivências e os desafios em relação à sobrevivência enfrentados pelos
sujeitos, que residem nas pequenas comunidades ribeirinhas da Amazônia.
“É preciso reconhecer que a inclusão ou exclusão no currículo tem conexões diretas
com a inclusão ou exclusão na sociedade” (SILVA, 2005, p.10. Itálicos do autor). A partir
dessa afirmação darei inicio às reflexões sobre o planejamento curricular que se efetiva na
“Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo Mainardi”, pois ela tem relação direta com
a situação evidenciada no planejamento curricular da referida escola ribeirinha.
3.2.1 - O planejamento curricular da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Ivo
Mainardi”
Os integrantes da equipe pedagógica do Pró-rural
47
são responsáveis pelo
acompanhamento e assessoramento pedagógico dos docentes das escolas rurais ribeirinhas
no município de Breves, que atuam no ensino fundamental de a série
48
. São eles que
coordenam e realizam diversas ações no âmbito pedagógico: preparação do calendário
escolar, realização de mini-cursos e oficinas para os educadores ribeirinhos e conduzem
47
O Projeto Pró-rural já foi descrito no capítulo II.
48
As turmas de 5ª a 8ª série não são atendidas pelo Projeto Pró-rural, por isso, o planejamento destas turmas
é realizado pela divisão de ensino da SEMED.
48
Na introdução deste trabalho já citamos os motivos pelos quais Breves foi escolhido, para fazer parte desta
pesquisa, bem como a importância da mesma para a realização deste trabalho.
123
elaboração do planejamento curricular. De acordo com a pesquisanda 07, antes da
existência do Pró-rural
[...] o planejamento era realizado pelos coordenadores dos distritos e
por coordenadores da cidade. que no meu ponto de vista, não era
voltado, realmente, para a realidade ribeirinha, devido os
coordenadores vêem mais o ponto de vista urbano. (Técnica da
SEMED).
Portanto, como informa a pesquisanda o planejamento curricular estava baseado
na visão urbana de educação, uma vez que as pessoas envolvidas na elaboração do
documento não faziam parte do contexto ribeirinho, os educadores, alunos, pais e
comunitários das escolas ribeirinhas eram excluídos do processo de construção do
mesmo.
A inclusão dos docentes no processo de construção da afirmação da identidade
das escolas do meio rural ocorreu a partir de uma nova concepção de educação rural
ribeirinha, que começou a se constituir em função da realização da pesquisa “Classes
Multisseriadas Desafios da Educação Rural no Pará/Região Amazônica”
49
. Essa pesquisa
foi um marco significativo para o município, ela apontava Breves como o município do
Pará com o maior número de classes multisseriadas. A partir dela algumas medidas foram
tomadas, com vistas a melhorar à condição de ensino/aprendizagem da rede municipal de
ensino. E consoante a este fator, a rede municipal de ensino apresentava dados alarmantes
de baixo rendimento educacional nas escolas rurais.
A própria implantação do Projeto Pró-rural se deu em função dos resultados da
referida pesquisa. Conforme indica o trecho de um documento produzido pelos seus
integrantes em 2007
50
:
O Projeto Pró-rural, que existe desde 2005, surgiu das discussões
inseridas neste município acerca de educação do campo, promovidas,
principalmente, pela pesquisa “Classes Multisseriadas Desafios da
Educação Rural no Pará/Região Amazônica”.
Além do diagnóstico sobre as classes multisseriadas do município, foram
realizadas diversas atividades durante a pesquisa: seminários, reuniões, jornadas
pedagógicas, etc. que envolveram a equipe pedagógica do Projeto Pró-rural, a
50
Documento produzido para apresentar para o programa EDUCAmazônia, denominado: Questões
importantes a serem consideradas para a realização das ões previstas pelo Programa EDUCAmazônia no
ano de 2007, no município de Breves.
124
Universidade Federal do Pará/Campus de Breves - GEPERIM, os educadores rurais
ribeirinhos e entidades ligadas ao meio rural.
Nesses eventos foram inseridas discussões sobre as “Diretrizes Operacionais para
a Educação sica nas Escolas do Campo” o que contribuiu, para que uma nova
concepção de educação ribeirinha começasse a ser discutida e a se disseminar no
município. Segundo o documento já mencionado
[...] em 2006, a partir das reflexões geradas [...] a luz das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, um
conjunto de medidas foram anunciadas pela SEMED/Breves, para
serem desenvolvidas objetivando, gradativamente, possibilitar
melhorias na oferta de educação para as escolas rurais. E como
carro chefe das mudanças, foi apresentado à construção de um Projeto
Político Pedagógico para fundamentar os principais anseios da
educação nas escolas rurais. (Idem, 2007).
Dessa forma, é importante ressaltar que a atuação do Grupo de Estudo e Pesquisa
em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ), no município de Breves, foi
fundamental, para que se constituísse uma série de medidas voltadas a um melhor
atendimento educacional as populações do meio rural. O início da construção do Projeto
Político Pedagógico das escolas rurais ribeirinhas foi uma das significativas ações neste
âmbito, porém ele ainda não está sendo colocado em prática, porque está passando pelas
revisões finais.
As Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo (2001)
determinam que o projeto político pedagógico das escolas do campo deve ser expressão
ativa da participação da comunidade, dos movimentos sociais, dos órgãos normativos do
sistema de ensino e dos demais setores da sociedade. Para garantir a gestão democrática,
a qual constituirá um dos mecanismos de controle de qualidade da educação escolar.
Assim sendo, o Projeto Político Pedagógico das escolas rurais de Breves deveria
fundamentar-se nesses princípios.
Convêm ressaltar que a instituição do rum de Paraense de Educação do Campo
também contribuiu com as mudanças ocorridas em Breves, pois o Fórum assumiu como
um de seus objetivos articular com diversas instituições do Estado a divulgação da
Resolução 01/2001CNE/CEB, para construir um projeto educativo específico para a
população do meio rural e assegurar à educação como um direito fundamental do
cidadão. Esta nova dinâmica se configura a partir da busca pela afirmação da identidade
125
dos povos do meio rural, pela valorização dessas populações, como sujeitos de direitos a
políticas diferenciadas e, ao mesmo tempo, articuladas com os contextos regional e
global.
Todos estes aspectos tem sido foco de um amplo debate a nível nacional,
realizado em diversos eventos e encontros a nível estadual, regional e municipal, que tem
como intenção discutir um projeto educacional que, de fato, tenha como marca a
participação coletiva, procura romper com a alienação do território, construindo
conhecimentos a partir da relação local-global-local”. (MOLINA; FERNANDES, 2004,
p.68). Para reafirmar o compromisso com uma educação que construa e cultive
identidades, valores, memória coletiva e sinalize para a valorização e respeito dos povos
que vivenciam experiências no meio rural.
As Diretrizes também ratificam a importância da educação como forma de se
garantir o exercício pleno da cidadania. Por conta disso, o Poder Público é requerido para
assegurar a universalização do acesso educacional à população do campo. Além deste, os
Sistemas de Ensino, por meio de órgãos normativos, deverão regulamentar estratégias
específicas de atendimento escolar no campo, para flexibilizar e organizar o calendário
escolar, para garantir os direitos à educação nos diversos espaços escolares. E, ainda, para
que seja respeitado o tempo de aprendizagem discente, princípios fundamentais da
política de igualdade e inclusão. É responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios assegurarem o atendimento escolar em todas as etapas e
modalidades da Educação Básica, bem como o devido financiamento da educação escolar
do meio rural.
Assim, a partir da inserção, mesmo que inicial, do município nas discussões sobre
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, de acordo com
pesquisando 08, o planejamento curricular passou a ser realizado com a participação dos
educadores das escolas rurais ribeirinhas, através da promoção de
[...] encontros com professores, reuniões, para que pudessem estar
discutindo as questões no âmbito do ensino, planejamento anual dos
professores, com relação à escolha do conteúdo programático.
(
I
ntegrante do Pró-rural).
Nos encontros para realizar o planejamento os professores rurais ribeirinhos são
convocados pela Secretaria Municipal de Educação, para participar do planejamento
curricular, de palestras, cursos e mini-cursos. Nesses eventos é destinado um momento
126
para a realização do planejamento curricular. Os professores são reunidos em grupos para
elaborar o currículo das escolas ribeirinhas e nesse processo definem os conteúdos. De
acordo com o pesquisando 09, o planejamento educacional curricular é realizado:
[...] com professores que tem certa experiência com classes
multisseriadas e professores que já passaram pela Academia, por
exemplo, professores de Língua Portuguesa, Ciências, Matemática, que
tem todo um arcabouço teórico e estão atuando diretamente com a
educação rural. (Integrante do Pró-rural).
Apesar de haver uma maior intervenção dos educadores das escolas rurais
ribeirinhas no planejamento, a seleção dos conteúdos que irão compor o currículo escolar
ainda tem como referência principal os conteúdos da realidade urbana. Quando perguntei
ao pesquisando 08, como é feita a seleção dos conteúdos que fazem parte do currículo da
escola rural ribeirinha? Ele respondeu:
O conteúdo de fato hoje, até agora no inicio deste ano letivo ainda é
o mesmo conteúdo das escolas da zona urbana. Eles foram
escolhidos no ano de 2004, por um grupo de professores da zona
urbana de áreas especificas do conhecimento Letras, Artes, História,
geografia reuniram-se aqui e fizeram esse planejamento para as escolas
da zona urbana e como é uma prática que vem acontecendo há
muito tempo eles, simplesmente, pegaram esses conteúdos e
transferiram para as escolas rurais.
A prática contínua de selecionar conteúdos a partir da vivência e conteúdos
urbanos, o que contribui como destaca Knijnik (2001), para que milhões de crianças
vejam seu mundo ocultado na escola, seja através do que consta no livro didático ou dos
conteúdos que são trabalhados na sala de aula, conteúdos da cidade. Ao falar sobre a
seleção dos conteúdos curriculares, a pesquisanda 10, afirma:
[...] durante o planejamento reúne, faz a divisão em grupo. Em cada
grupo fica um coordenador pedagógico. A gente tem um problema ai
porque os professores pelo fato de não ter uma preparação eles
acabam se apropriando do livro didático, para fazer a seleção
desses conteúdos. (Integrante do Pró-Rural)
A questão não está propriamente em desconsiderar ou negar o livro didático, pois
considero que ele pode constituir-se num recurso pedagógico importante para os
educadores. Contudo, é percebível neste instrumento educativo, que o currículo nele
contido não aborda a cultura, a identidade do aluno ribeirinho, pois nos livros didáticos
127
existentes na atualidade pouquíssimos conteúdos que tratam das questões inerentes ao
cotidiano das comunidades ribeirinhas. Santomé menciona que as realidades do mundo
rural e ribeirinho
[...] costumam ser apresentadas como reinos da natureza incontaminada,
uma vida tranqüila e relaxada, sem ruídos nem poluição e sem maiores
problemas [...] paraíso onde tudo é paz e sossego ao contrário do que
costuma ser a vida nas grandes cidades [...] assim raramente um livro-
texto nos fala das dificuldades enfrentadas pelas pessoas, [...] das
menores oportunidades culturais de que vivem nos núcleos rurais.
(1980,
p. 145).
Essa visão ilusória do meio rural ribeirinho esconde às contradições entre o
fantástico, mostrado através dos livros, e o real, os problemas existenciais, as dificuldades
enfrentadas por esses sujeitos. Assim como a cultura e a identidade ribeirinha, o que
contribui com o silenciamento de suas vidas. Costa (2001) diz que esse silenciamento nos
livros didáticos é intencional, pois a escola e o currículo estão imbricados de relações de
poder, constituem-se territórios, que produzem uma política cultural, materializada nos
currículos, espaços privilegiados de consolidação da política identitária. Quem tem o
poder de interferir nessa política confere ao mundo suas representações e o universo
peculiar de sua cultura.
Porém na justificativa da pesquisanda 10, com relação à inexistência dos
conhecimentos e os saberes da cultura ribeirinha no currículo, os professores são
responsáveis por essa situação, pois, segundo ela, esse fator ocorre
[...] porque em primeiro lugar os professores não deixam explícito no
planejamento do currículo, no momento da construção. Nós
procuramos fazer o mínimo de intervenção, e eles acabam colocando
aquilo que eles acham mais importante. (Integrante do Pró-Rural).
Para ela a não intervenção da equipe pedagógica do Pró-rural proporciona a
autonomia necessária, para que os educadores façam suas escolhas no que concerne ao
conteúdo curricular mais adequado. E ainda, conforme o depoimento da pesquisanda os
saberes da cultura ribeirinha não ficam explícitos no planejamento curricular.
Segundo Apple (1982) o oculto, implícito confere um silenciamento ao currículo,
de uma cultura e identidade peculiar dos sujeitos. E na dimensão oculta, prevalecem os
rituais de conformação, que impedem a participação consciente e a resistência ativa dos
sujeitos, na busca pela transformação da realidade.
128
Assim, são registradas entre os educadores atitudes isoladas de inclusão dos saberes
ribeirinhos, se apresenta como uma resistência amorfa e não chega a atingir uma dimensão
coletiva, portanto, um caráter transformador. Essa acomodação de que Apple (1982) fala se
traduz na postura dos docentes, descrita pelo discurso da pesquisanda 10, que diz
[...] alguns professores, um mero pequeno, conseguem fazer a
síntese entre o saber desse planejamento e o saber que o ribeirinho traz.
E os demais acabam mesmo pautando à aula numa prática bem
tradicional, mesmo no livro
(
Integrante do Pró-rural).
O conhecimento que se constitui no currículo é resultado de interesses, por isso é
importante descobrir os conhecimentos que são tidos como verdadeiros, a forma como eles
são legitimados, em detrimento dos demais considerados ilegítimos, para evidenciar os
interesses e interessados na seleção do conhecimento feita através do planejamento
curricular (SILVA, 2001). O pesquisando 08, em seu depoimento afirma:
O currículo atual não contempla praticamente nada [...]. A
matriz curricular anterior feita pelos professores foi respaldada
segundo os Parâmetros Curriculares, que tem as orientações,
para que o professor, as unidades e as instituições responsáveis
pelo ensino possam fazer essas adequações a realidade, a cultura e
a vivência dos alunos. Mas hoje eu percebo nas viagens que eu
faço e com as pessoas que eu converso que é praticamente
inexistente (Integrante do Pró-Rural).
A escola como espaço socializante, guarda determinado grau de unidade entre todos
os sujeitos que nela interagem, uma vez que mediado pelo currículo encontram-se
comprometidos com o percurso que as pessoas e as instituições fazem. “O currículo passa
a ser considerado com uma invenção social que reflete escolhas sociais conscientes e
inconscientes, que concordam com os valores e crenças dos grupos dominantes da
sociedade” (SACRISTAM, 2000, p.19).
Por isso acredito que tomar às orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais
como referência, para evidenciar a cultura e a identidade rural ribeirinha não garante à
inclusão dos seus saberes. Segundo Moreira (1996) o referido documento tem sido
relacionado à visão neoliberal de educação, pois deseja formar um tipo de sujeito que tenha
uma mentalidade econômica e pragmática, orientada para a produtividade, para o lucro e
para o consumo. Além de que existe a preocupação dominante de colocar o currículo a
serviço da homogeneização cultural e visar à construção e a preservação de uma cultura
129
comum, que privilegia os discursos dominantes e exclui as vozes dos grupos sociais
oprimidos. Por isso o ideal de escola dos Parâmetros Curriculares Nacionais não tem o
compromisso de construir uma instituição educacional, verdadeiramente, democrática em
nosso país, que esteja comprometida com a emancipação dos indivíduos e grupos
oprimidos.
Se quisermos construir uma escola inclusiva e democrática é necessário que os
conhecimentos da cultura dos diversos grupos que compõem nossa sociedade estejam
presentes nos currículos.
Apesar do planejamento curricular não contemplar os saberes e a identidade da
cultura ribeirinha, o integrante do Pró-rural afirma que nesse currículo
[...] as prática sociais ribeirinha deveriam estar contempladas.
Tudo aquilo que faz parte da vivência, tudo aquilo que é
significativo para eles. Isso envolve cultura, o saber diário do
trabalho, relações sociais e políticas, que de fato se inserem ali,
diretamente, e também relações extra-comunidade. [...] Acho que
isso poderia ser interessante trabalhar dentro do currículo.
(Pesquisando 09).
Apesar da Vila Mainardi constituir-se de moradores ribeirinhos algumas
característica e práticas sociais cotidianas, por eles vivenciadas são diferentes dos demais
ribeirinhos de Breves, pois o modo de produção da vida material desses sujeitos se
relaciona ao trabalho na indústria madeireira. Esse fator é determinante, para constituição
do espaço e das relações sociais ali estabelecidas, pois algumas peculiaridades presentes
na vivência dos ribeirinhos, que moram em comunidades, que vivem da caça, da pesca,
da coleta de frutos e da agricultura familiar, são diferentes dos moradores ribeirinhos de
vila de madeireiras, uma vez que eles vivem, basicamente, do trabalho assalariado.
Contudo, elementos marcantes persistem na constituição do viver dos moradores
da referida vila Mainardi que afirmam sua identidade ribeirinha. Quando perguntei o que
significa ser ribeirinho, os pesquisando/as pais e alunos respondem com grande
convicção, significa morar na beira do rio”. A relação com o rio é uma das marcas
essencial da identidade ribeirinha, pois ele é um dos elementos que mais influencia na
identidade ribeirinha. (SILVA; MALHEIRO, 2005). Na fotografia a seguir pode ser visto
um ribeirinho que retorna de canoa a sua residência, ao final da tarde, após um dia de
trabalho na Madeireira Global.
130
Fotografia 45: Ribeirinho pilota uma canoa no rio, no início do anoitecer na Amazônia marajoara brevense
retorna a sua residência após um dia de trabalho. Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
Além do rio os/as pesquisandos/as disseram que as casas na beira do rio, os
barcos, os cascos, o sentimento de orgulho e gosto em morar na beira do rio, fazem parte
de sua identidade ribeirinha. O barco é um objeto/símbolo, da identidade ribeirinha é o
elo na relação entre homens, mulheres, crianças ribeirinhas e o rio. (idem). “O barco é
como gente. Tem nome, número e domicílio. Sendo como gente [...] tem também vida,
com direito a batismo, padrinho, enredo, romance e drama” (BECHIMOL apud SILVA;
MALHEIRO, 2005, p.159).
Ao investigar os aspectos que mais caracterizam o modo de ser e de viver
ribeirinho, o rio aparece, novamente, nas respostas dos pais e alunos, o rio, porque é o
nosso caminho a gente trafega de uma cidade para outra, porque ele contribui com o
alimento, peixe, camarão, a água”, afirma o pesquisando 11
51
.
As florestas, também têm um grande destaque na descrição dos sujeitos, o
pesquisando 12
52
afirma “as florestas são muito importantes, porque é da mata, em
primeiro lugar, que tiramos o açaí, e depois a madeira, para construir um barco, uma
casa. O açaí, principalmente, para o paraense, que não pode ficar sem ele.
Um outro elemento identificador da cultura ribeirinha é sua alimentação. A casa e
o barco são importantes, porém o açaí, para o pesquisando 12 é essencial. Para
51
Pai de aluno da escola Ivo Mainardi.
52
Pai de aluno da escola Ivo Mainardi.
131
Woodward (2000) a cozinha constitui uma identidade entre as pessoas e a cultura.
Comida é natureza, o meio universal, pelo qual a natureza é transformada em cultura.
Para ele a culinária é uma linguagem através da qual falamos” sobre nós e de nossos
lugares no mundo, porque o que comemos pode dizer sobre nossa cultura, quem somos. E
ainda possibilita às pessoas fazerem afirmações sobre si. Na narrativa mencionada,
anteriormente, a afirmação que aparece na fala do pesquisando 12, a respeito de sua
identidade é que o paraense não pode ficar sem o açaí. O consumo desse alimento
pela população paraense é uma referência da culinária, o vinho do açaí pode ser tomado
acompanhado de farinha de mandioca, peixe, charque, camarão etc; ou em forma de
mingau de açaí.
“A identidade é marcada por meio de símbolos” (WOODWARD, 2000, p.9), é
através da marcação simbólica, que as relações sociais definem quem é excluído e quem é
incluído. Se o rio, as casas, os barcos, morar na beira do rio são marcas simbólicas do
viver ribeirinho, por isso os currículos das escolas ribeirinhos deveriam incluí-los e fazer
a mediação entre valores, conhecimentos populares e saberes científicos. Entretanto, as
práticas sociais são excluídas e os valores cotidianos são reelaborados e metamorfoseados
“contraditoriamente em constante relação com a cidade que a exclui. Exclui porque a
‘enxerga cegamente’, como se ela e seus sujeitos lhe estivessem distantes” (SILVA;
MALHEIRO, 2005, p.146).
Por isso com o intuito de responder às aspirações de um projeto educacional
includente, que visibilidade as comunidades do meio rural as Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo, expressa no Art. 2º § Único estabelece:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação as
questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza
futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções
exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.
Deste modo, a educação da população do meio rural deve compreender que os
sujeitos têm história, participam de lutas sociais e tem suas identidades de neros, raças,
etnias e gerações diferenciadas, o que significa que a educação precisa considerar as
pessoas e os conhecimentos que estas possuem. A diversidade dos povos do meio rural
exige um processo educativo que afirme a educação como um processo ao longo da vida,
132
por isso é necessário que se ratifiquem as práticas sociais e culturais das comunidades
amazônicas.
Este mesmo documento proclama que o projeto institucional das escolas do
campo “constituir-se-á num espaço público de investigação e articulação de experiências
e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento
social, economicamente justo e ecologicamente sustentável”. (RESOLUÇÃO 01/02,
Art.4º, p.42. Grifos meus
53
). O mesmo documento expressa que as parcerias estabelecidas
para o desenvolvimento de escolarização básica observarão o: “direcionamento das
atividades curriculares e pedagógicas para um projeto de desenvolvimento
sustentável” (idem, p.44. Grifos meus).
Portanto, esta legislação prevê que os indicadores de qualidade do currículo das
escolas do meio rural devem ancorar-se nos princípios da sustentabilidade, e em vista
disso, investiguei os pesquisandos se a na escola “Ivo Mainardi” são tratados temas
relacionados à preservação ambiental e a sustentabilidade; e os pesquisandos em resposta
as minhas indagações garantiram que sim. Os professores investigados fizeram as
seguintes afirmações:
Nós tratamos sim, o ano passado nós fizemos uma campanha. Um
movimento para tratar do lixo, tanto que nós conseguimos que a
gerência mandasse construir coletores de lixo e colocar nas pontes. E
também contratou um rapaz para recolher o lixo e levar para o lixão.
(Pesquisando, 05).
Geralmente, na disciplina estudos amazônicos se trata dessa questão. E
este ano nós fizemos um seminário com os alunos de e e a .
(Pesquisanda, 06)
As respostas dos educadores evidenciam que o tratamento dado ao tema restringe-
se a realização de atividades esporádicas, tais como: campanhas e seminários que tratam
de questões relacionadas ao tratamento do lixo. O pesquisando 04 informa a questão se
restringe a teoria.
Com certeza, às vezes, a gente fica na parte teórica, às vezes, a gente
tenta mobilizar para orientar as pessoas, para a questão da preservação,
mas o povo precisa ter consciência que isso é uma obrigação de todos.
(Professor)
53
A expressão grifos meus é utilizada para destacar o texto.
133
A fala do docente entrevistado também demonstra que o mesmo percebe que
todos deveriam estar imbuídos com o compromisso de preservar o meio ambiente. Para
Fleuri (1999) o currículo na perspectiva ambiental, mais do que ter um caráter lógico, tem
uma função ecológica, não terá a tarefa de configurar um referencial teórico e repasse
hierárquico de informações. Mas, de prever e de preparar recursos capazes de ativar a
elaboração e circulação de informações entre sujeitos, de modo que se auto-organizem
com relação à reciprocidade entre si e com o próprio ambiente. Assim os currículos como
instrumento de transmissão de conhecimentos assume um papel primordial na construção
de uma aprendizagem ambiental.
Na falas dos discentes, podemos identificar a ênfase dada pelos professores, com
relação ao tratamento da temática referente a não poluição da água dos rios:
O professor diz para sempre termos cuidado, para não jogar lixo nos
rios e da limpeza de ruas também. (Pesquisando, 13)
Os professores falam que não podemos poluir o ar e jogar lixo na água.
(Pesquisando, 14)
Não pode jogar lixo na água, porque se a gente joga o lixo e ele vai
poluindo a água, depois a gente bebe e adoece. (Pesquisando, 15)
Os professores dizem que não devemos poluir o rio, porque causa
muitas doenças. (Pesquisando, 16)
Os professores compreendem a importância que o rio tem para as comunidades
ribeirinhas e as crianças que vivem na Vila Mainardi também tem essa percepção, pois
reconhecem as inúmeras utilidades do rio no seu dia a dia. Na imagem a seguir podem ser
visualizadas crianças que tomam banho no rio e enchem água e alguns barcos que
trafegam pelo seu leito.
134
Fotografia 46: As crianças tomando banho e apanhando água no rio. Ana Cláudia Cristo, 20/04/2007.
o integrante da equipe pedagógica do Pró-rural ao ser interrogado se as escolas
abordam da questão da sustentabilidade e da ecologia afirma não porque é complicado
tratar sobre o assunto, mas admite no depoimento a seguir que as questões ambientais são
evidentes no meio rural:
Não, é muito complicado. A não ser se por um acaso os professores
seguirem algumas orientação dos documentos oficiais ou então ações
esporádicas. Mas, hoje as ações se configuram de caráter muito
esporádicos, a não ser que os professores realizem um projeto de
ensino ou tenha essa preocupação na cabeça, abordando os próprios
aspectos da realidade, uma vez que a gente que as questões
ambientais são muito preponderantes no meio rural. Existe a
exploração desordenada dos recursos, desde o pescado até a
questão mesmo da extração do palmito, da madeira, a gente da
utilização do solo. Essas questões a gente percebe quando a gente
visita às escolas, mas a gente não de certa forma no professor e na
comunidade ainda esse tipo de ação disseminada pela escola.
(Pesquisando, 08)
O pesquisando 08 destaca dentre as questões preponderantes no meio rural: a
exploração do palmito, da madeira e a utilização do solo, porém no planejamento
curricular estes problemas não têm o destaque necessário.
Ao analisar o planejamento curricular das escolas rurais ribeirinhas da rede
municipal de ensino constatei que ao se tratar das questões ambientais no conteúdo
unificado de a série da disciplina de Ciências, dentre os assuntos que constituem a
unidade IV podem ser encontrados: a importância da água, a água na higiene e na saúde,
tipos de água, contaminação e tratamento d’água e estados físicos da água. E ainda na
unidade I de Ciências de e 4ª séries os assuntos são: interação dos seres com o ambiente,
135
a matéria no ecossistema, cadeia e teia alimentar, relações ecológicas homem/natureza e a
riqueza do meio ambiente
54
.
No planejamento curricular é evidente a preocupação com a água, esta tem uma
grande importância na vida do ribeirinho, pois a sobrevivência humana depende deste
recurso, à medida que eles utilizam o rio para a pesca, higiene, etc. Além disso, ele serve
para navegar, o rio é a rua dos moradores ribeirinhos. A educação como direito social se
liga a vida concreta e desempenha um papel fundamental na construção de um modelo de
desenvolvimento sustentável, por isso, são exigidos da escola novos enfoques pedagógicos,
metodológicos, curriculares e novas estruturas institucionais, para atender às necessidades
que se apresentam.
Esses novos enfoques segundo Leff (2003) passam a serem discutidos desde a
década de 70, em especial após a Conferência Intergovernamental sobre Educação
Ambiental realizada em Tbilisi, inicia-se um processo mundial visando construir uma nova
consciência sobre o valor da natureza. Conseqüentemente, a orientação à produção de
conhecimentos sobre o assunto e o campo educativo foram fertilizados por esse paradigma,
na busca de colocar em prática os princípios da educação ambiental. “No entanto, faltou a
este processo uma reflexão sobre os fundamentos do saber ambiental e suas implicações
nas práticas educativas, para fundamentar uma pedagogia ambiental(2003, p.7). O autor
destaca ainda que
a pedagogia ambiental implica no enlaçamento de práticas, identidades e
saberes, de conhecimentos científicos e saberes populares [...] nasce de
uma nova ética e de uma nova epistemologia na qual se fundem
conhecimentos, se projetam valores e se internalizam saberes.
Gadotti (2001) em seus estudos nos fala sobre a ecopedagogia. Uma pedagogia
ética, estética, voltada para a construção de uma sociedade sustentável, que promove a
aprendizagem significativa atribuindo sentido às ações cotidianas. Uma pedagogia da
pergunta, democrática e solidária que convida educadores e educandos, a garantir a
sustentabilidade de cada um de nossos atos cotidianos como seres humanos que
compartilham com outros seres a aventura de viver neste planeta. O currículo escolar na
perspectiva da ecopedagogia, defendida por autores que comungam desses referenciais
“valoriza e respeita a diferença cultural [...]. Trata-se de um currículo vivo, que busca a
construção de uma escola mais alegre e aprendente”. (PADILHA, 2004, p.90). Para Vargas,
54
Dados obtidos no planejamento de ensino da educação rural. Pró-rural - Divisão de Ensino/SEMED, 2005.
136
[...] as questões ambientais estão intimamente relacionadas com a
dialética cultura-poder e saber, que é o centro da reflexão da pedagogia
crítica e da educação na atualidade. A aprendizagem ambiental
também supõe à educação como mecanismo político ligado às relações
de saber, poder, negociação e autonomia, ao mesmo tempo em que
questionam todas aquelas formas de ensino ambiental que são
reduzidas ao uso funcionalista de técnicas informativas sem estabelecer
as bases pedagógicas de sustentação e políticas de cada intervenção
educativa. A aprendizagem ambiental é também uma prática cultural
através da qual se desenvolvem criticamente os diversos discursos
políticos, culturais e técnicos, que configuram a agenda sócio-
ambiental global e os modos dominantes de socializá-la e debatê-la na
cidadania. (2003, p.122).
Tendo como referência as discussões proporcionadas por Fleuri (1999), Gadotti
(2001), Leff (2003), Vargas (2003) e Padilha (2004) é possível perceber que o
planejamento curricular trata às questões ambientais como se estivessem distantes da
realidade das populações ribeirinhas. Na vila Mainardi a exploração da madeira é latente. E
em todo o município ocorre de forma desordenada e indiscriminada. Fato que tinge
diretamente, a vida dos moradores, mas não aparece nos conteúdos curriculares, apesar das
relações ecológicas homem/natureza ser um dos temas que compõem o currículo das
escolas do meio rural. As relações ecológicas destacam o cuidado para a não poluição dos
rios.
Se a devastação e o desmatamento são preponderantes o currículo deveria
problematizar essas questões, no entanto, as relações de poder que se estabelecem entre a
escola e os proprietários das vilas de madeireiras não permitem a efetivação de uma prática
educativa voltada para a discussão de problemas sócio-ambientais.
Assim ação pedagógica e curricular fica comprometida em função dos interesses
das elites que comandam as vilas de madeireiras, uma vez que a escola fica localizada na
propriedade da empresa. Caso a instituição educacional contrarie os propósitos dos
empresários, provavelmente, sofrerá sansões, que poderão se efetivar através da
transferência de funcionários, da não contribuição com a manutenção da escola.
Outro fator é o prestígio que o madeireiro detém junto ao poder público local, que
pode se traduzir em votos nas eleições e apoio político e econômico nas campanhas
eleitorais dos gestores municipais, pois o proprietário da madeireira tem forte influência
sobre a comunidade, que se constitui, basicamente, de pessoas que dependem direta ou
indiretamente, da empresa. Qualquer ação, dentro do estabelecimento de ensino, que não
137
esteja de acordo com os objetivos dos empregadores locais, poderá se constituir em ameaça
aos seus interesses.
Dessa forma, é necessário que às instituições de ensino discutam às questões
ambientais, a partir de uma perspectiva em que a sustentabilidade não seja apenas
ambiental, mas que também aborde às questões sociais, culturais, econômicas e políticas.
A questão ambiental da devastação e exploração da floresta ribeirinha atinge tanto
os grandes empresários, quanto pequenos empreendedores, pois além das maiores
madeireiras fazerem a exploração das áreas autorizadas pelo Governo do estado via
projetos. Muitas pequenas e médias empresas realizam a extração sem autorização da
Secretaria Executiva de Meio Ambiente do Estado, pois, nem todas as empresas
madeireiras existentes no município são cadastradas na Agência da Fazenda do Estado.
Muitas madeireiras pequenas e fabricas de cabo de vassouras, chamadas de empresas de
fundo de quintal
55
, funcionam clandestinamente, por isso, não possuem licença e isso as
impossibilita de fazerem projetos para a exploração de madeira.
Fotografia 47: Trabalhadores ribeirinhos, retirando madeiras do rio para serem utilizadas na fabricação de cabo
de vassouras. Ana Cláudia Cristo, 27/04/2007.
Na imagem 47 pode ser visto uma pequena fábrica de cabo de vassoura, conforme
pode ser visto as árvores que estão sendo retiradas da jangada no rio são bem finas, as
maiores já não existem mais. A intensiva retirada da madeira contribui para que o
ecossistema não consiga se recuperar da devastação. As árvores grandes são cortadas
55
As empresas que ficam próximas à casa dos ribeirinhos, nos quintais, e funcionam em pequenos galpões.
138
pelas grandes empresas. E as menores são retiradas pelos pequenos empreendedores, que
as utilizam nas inúmeras fábricas de cabos de vassoura existente na região.
Diante do exposto é possível afirmar que as questões educacionais e curriculares no
meio rural ribeirinho abrangem questões econômicas, sociais, políticas e ambientais. Por
isso é necessário que haja um engajamento de diversos setores para que possam ser
discutidas todas essas questões que envolvem o contexto ribeirinho.
Porém, convém destacar também a participação dos educadores do meio rural no
planejamento curricular. Hoje é possível encontrar nesse documento indícios de
valorização do espaço em que o estudante está inserido. Conforme versa a justificativa das
disciplinas História e Geografia
56
,
[...] estas disciplinas são importantes, por abranger vários temas que
fazem parte do cotidiano do alunado de forma geral e centralizada,
pois vivemos em uma sociedade onde todos nós somos cidadãos, temos
direitos de conhecer nossas raízes, ou seja, nossa história e as culturas de
todos os povos do mundo e o espaço que cada um ocupa em seu meio
ambiente. (
Planejamento Curricular, 2005, p.01. Grifos meus)
No planejamento da disciplina Matemática, a justificativa do plano menciona o
seguinte
As atividades de ensino apresentadas neste plano são voltadas para as
turmas multisseriadas da zona rural. Portanto, o programa proposto
tem por finalidade atender o aluno de forma integrada e de acordo
com o seu contexto social, englobando as áreas do conhecimento
humano. (2005, p.1.Grifos meus)
Esse mesmo documento, ao tratar da disciplina de Ciências, assim se posiciona
[...] considerando a importância dos conhecimentos científicos e
tecnológicos que possam garantir ao alunado ribeirinho uma visão e
compreensão do meio, do mundo e da própria vida de forma que
atenda às necessidades mais reais e urgentes do “homem rural”, sem
com isso desvalorizar o “conhecimento popular” e sim relacioná-lo
com o conhecimento científico que, indiscutivelmente contribuirá para
o processo de formação e valorização do homem nesse meio. (2005, p.1.
Grifos meus)
Os trechos destacados da justificativa contida nos planos das disciplinas História,
Geografia, Matemática e Ciências revelam que apesar do município encontrar-se numa
caminhada inicial de elaboração de um planejamento curricular que reflita a realidade
56
Planejamento Curricular das disciplinas de 1ª a 4ª série da educação rural, Município de Breves.
139
rural ribeirinha, tem-se buscado inserir reflexões acerca do cotidiano ribeirinho e das
classes multisseriadas. Além destas proposições estarem descritas no planejamento
curricular é fundamental que sejam de fato colocadas em prática e se façam presente
através de um currículo vivo como parte do cotidiano das escolas ribeirinhas.
A proposta de um planejamento curricular democrático implica em perceber essas
relações, respeitar as especificidades, em que se faça dele um campo aberto à produção
de significados. Para abrir espaço a pluralidade de saberes e expressões culturais, pois a
escola está revestida da influência dos significados específicos da comunidade em que se
insere. E dos elementos culturais que a fazem singular, porque ao mesmo tempo em que
apresenta elementos característicos do contexto amazônico rural ribeirinho é também
plural devido à necessidade de dialogar com os conhecimentos e saberes
local/regional/global.
Motivo pelo qual o seu planejamento curricular deve afirmar sua identidade, para
que em diálogo contínuo articulem os aspectos externos do conhecimento da sociedade e
a sua própria cultura e história imprimindo as marcas das comunidades do Marajó.
O grande desafio que se coloca na atualidade ao ribeirinho amazônico é a
necessidade de que ele seja sujeito construtor de sua própria história, para se contrapor à
forma exógena de desenvolvimento que é construída, historicamente, por pessoas
oriundas de outras regiões ou países, que vêem e utilizam a região a partir da perspectiva
colonialista de exploração das riquezas naturais e do conhecimento dos próprios
ribeirinhos.
Assim, vejo à instituição escolar como uma das instâncias importantes para
fomentar a construção de práticas sociais e culturais de existência. Para que se possibilite
o desenvolvimento sustentável ambiental, social, cultural e econômico, pois a cultura
como uma enorme teia constituída de sistemas entrelaçados de signos e significados, com
as quais “os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seus conhecimentos e
atividades em relação à vida” (GERTZ, 1989, p.23-24). Cultura é plural, heterogênea,
dinâmica, todo ser humano a produz, ela não é privilégio de determinados grupos sociais
e nem pode ser restringida a escolarização formal, portanto, considero indispensável à
participação das populações rurais ribeirinhas nas discussões de programas e políticas de
desenvolvimento da região amazônica.
O diálogo, o respeito, o reconhecimento e a valorização dos diferentes grupos
socioculturais que compõem as diversas amazônias, são essenciais para a afirmação das
140
particularidades e identidades culturais locais, para visar um equilíbrio entre estruturas
econômicas e os sistemas político-culturais.
Apesar das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo apresentar a sustentabilidade e a ecologia como princípios norteadores do
currículo, esta discussão acontece de maneira muito tímida na escola Ivo Mainardi”,
como pode ser verificado através dos depoimentos explicitados, anteriormente, e as
questões que emergiram com maior preponderância referiram-se a água, numa situação
em que a exploração da madeira é determinante na existência das pessoas que vivem
nessa vila.
Uma explicação possível para esse silenciamento também pode se encontrada na
justificativa na crença entre os moradores de que este recurso jamais se acabará, situação
fácil de ser contestada à medida que muitas outras vilas madeiras que existiam no
município fecharam e transformaram-se em “vilas fantasmas”, em face do
esgotamentos dos recursos existentes nas proximidades.
Utilizo a expressão “vilas fantasmas” para definir as ruínas de antigas vilas que já
foram, economicamente, ativas pelo comércio da madeira, e atualmente existem os
resquícios das mesmas, em face de um desenvolvimento insustentado, baseado em um
modelo exógeno de exploração, que beneficiou apenas os empresários vindos de regiões
do centro-sul do país e de alguns países exterior.
Podem ser citadas como exemplo, as vilas da Lawtom e de São Miguel. A
primeira aos poucos perdeu seus moradores, que migraram, sobretudo, para a sede do
município de Breves, e os que ficaram dependem do trabalho nas fábricas de cabo de
vassoura, em face da inexistência de madeira com as especificidades requeridas pela
exploração madeireira.
No tocante a segunda vila mencionada, ela possuía uma grande empresa
madeireira e no tempo do auge da produção havia muitos moradores, grandes comércios,
posto de atendimento telefônico e até uma pista de pouso de aviões. Hoje, esgotado os
recursos naturais, só restam poucas casas e um pequeno número de moradores, que
tentam recriar o espaço e tem que resgatar os modos de vida e cultura ribeirinha, pois
com a economia dependente do emprego na madeireira, deixaram de produzir a
agricultura familiar, pescar, caçar para a subsistência. Situação que se sustenta no
depoimento do pesquisando 03, que afirma
141
Essa dependência total da empresa também é prejudicial à vila, a
empresa, como já aconteceu em outras comunidades, como em
Corcovado, na Lawton, nos Furtados, em várias empresas aqui no
município, a qual as vilas sobreviviam da empresa. Quando a
empresa parou, as pessoas passaram fome. Tiveram que mudar todas
para a cidade, quem não se mudou para a sede do município, acabou
numa situação precária, nem de sobrevivência, mas uma situação
sub-humana [...]. Se a comunidade ribeirinha da Vila Mainardi, da Vila
Global não buscarem uma perspectiva de sustento pode ter certeza que
elas podem também vir a ser prejudicada futuramente. (Gerente da
empresa).
A situação de pobreza presente nas vilas onde as madeireiras foram extintas, é a
expressão da face mais cruel de um desenvolvimento que explorou, indiscriminadamente,
a madeira da região, enriqueceu poucos indivíduos e como conseqüência, muitas pessoas,
atualmente, vivem em condições miseráveis de existência. Em algumas vilas do interior
onde existem as madeireiras, essa situação continua a se repetir, conforme podemos
visualizar no depoimento da pesquisanda 10:
Nas viagens que a gente faz percebemos que está havendo uma
urbanização total nesses locais. Eles não pescam, não caçam, não
tecem mais as talas [...] poucas comunidades ainda praticam o
extrativismo animal e vegetal, mas eles estão deixando isso de lado, e
por outro lado vindo pra cidade, pela falta de um projeto voltado para a
sustentabilidade local. (Técnica do Pró-rural).
Ao mudarem para a cidade muitos ribeirinhos assimilam hábitos característicos do
meio urbano e conseqüentemente, a perda dos valores, dos modos de vida e de trabalho,
tipicamente, ribeirinho o que contribui para que esses sujeitos, e principalmente, os jovens,
não se aceitarem como ribeirinho. Porque morar as margens dos rios tem uma conotação
identitária negativa e pejorativa, significar pobreza, ignorância e está às margens das
políticas públicas das políticas. Além de que a idéia construída e disseminada no meio
urbano é que a cultura ribeirinha é “inferior” à cultura urbana.
Quando investiguei através da pesquisa acerca de que conhecimentos a escola rural
ribeirinha deveria ensinar, a pesquisanda 9, integrante do Pró-Rural, afirmou ser “as
questões relacionadas as identidade rural ribeirinha, pois os alunos não querem se ver
como ribeirinho, por sentirem-se desvalorizado”. O pesquisando 16 reafirma esse
entendimento ao manifestar que seria bom saber mais coisas da cidade, o ensino é
melhor, o que a escola ensina aqui é bom, mas da cidade é melhor”. (Estudante da escola).
142
A valorização e preferência pelos saberes produzido na cidade se dão pelo fato de
que a sua maneira de viver, de lidar com a natureza, as músicas que admiram, as comidas
de sua preferência e seus saberes, comumente, não estão presentes nos currículos, enquanto
saberes dignos de serem considerados saberes escolares.
E quando tais saberes são trazidos para o cotidiano da escola, são vistos como algo
folclórico, exótico, analisado de modo simplificado, até mesmo ingênuo, pois a
complexidade para muitos, está muito distante, nos centros urbanos. Os saberes produzidos
nas comunidades do meio rural ribeirinho são vistos como distintos dos saberes produzidos
e vivenciado na cidade, que é aceito como padrão cultural. (KNIJNIK, 2001). Este fator
alia-se às péssimas condições de sobrevivência que causam a expulsão dos sujeitos do
meio rural ribeirinho.
o pesquisando 03, manifesta opinião contrária a do entrevistado 16, e indica que
a escola rural ribeirinha “tem que educar para aquela comunidade [...] ensinar os saberes,
a questão do trabalho, a maneira como eles trabalham, as suas crenças, sua religião, a
gente tem que mostrar e procurar organizar para que não tenha discriminação”.
(Professor). O pesquisando 08, amplia a visão do anterior, ao compreender que a escola
deve ensinar
[...] além dos conhecimentos práticos da vida, mas também não se pode
negar o conhecimento científico, porque ele pode possibilitar o
aprimoramento do conhecimento prático. Os conhecimentos práticos, a
vivência, aquilo que o aluno sabe. O que ele traz e o que as
comunidades produziram no decorrer de sua existência e aquilo que o
mundo e a produção científica oferece, vincular esses dos fatores.
(Integrante do Pró-rural).
O pesquisando 09, expõem suas idéias aborda a necessidade de realizarmos a
interlocução dos saberes o local está interligando diretamente ao global [...] o local
precisa ser expandido para o global é esse conhecimento a ser ensinado na escola
ribeirinha”. A educação, e consequentemente, o currículo não poderá ser deslocado da
realidade loco-regional, porém esta preocupação não poderá perder de vista o
conhecimento global, mas tratá-lo de modo contextualizado em diálogo com o regional e
o local e vice-versa.
A grande preocupação incide em estar atento às peculiaridades históricas, sociais,
culturais, ético-políticas e ecológicas da Amazônia marajoara ribeirinho de Breves,
ambiente no qual a aprendizagem acontece, cotidianamente. Por isso entender essa
143
realidade de forma relacional, sem descolar de um cenário mais amplo, marcado por
conflitos, poder e possibilidades é essencial para que a educação marajoara possa
contribuir com a construção de um Marajó em que a sua população possa ter uma vida
digna e feliz.
144
APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS: PARA DEIXAR DE “REMAR CONTRA A
MARÉ”
Ao final deste estudo continuo a refletir sobre os muitos amazônidas ribeirinhos da
ilha de Marajó que foram excluídos da escola, porque não conseguiram aprender o “i” da
ilha, o “u” da uva e tantos outros conhecimentos. Tão próximos e ao mesmo tempo
distantes da população marajora, perdidos no espaço e no tempo.
Crianças e jovens, alguns hoje adultos, que tiveram que carregar água na
peneira”; como bem utiliza Esteban (2004) para descrever os esforços que vão por água
abaixo, quando os alunos e as alunas não conseguem alcançar a aprendizagem. Em se
tratando da educação ribeirinha utilizo a metáfora e posso dizer “remar contra a maré”.
O ato de carregar água na peneira”, por ela descrito, também poderia ser
encantador e surpreendente, se fosse visto por pessoas atentas, que observassem o
movimento da água caindo da peneira, os desenhos que a água faz ao cair no chão, os
ruídos produzidos e as expressões das crianças ao se indagar sobre o desaparecimento da
água. Seria fascinante e admirável também a ação de remar contra maré”, nos rios do
Marajó, se as pessoas refletissem a respeito do movimento que os remos produzem, sobre
as ondas, que se espalham com a passagem da canoa e ainda, a propósito da importância
que o rio tem para a população ribeirinha: rio-rua, rio-alimento, rio-espaço de vida e de
morte.
O processo de Carregar água na peneira” ou de remar contra maré” pode ser
privilegiado, na medida em que se buscar compreender, nos alunos, indícios de quem
percorre o longo caminho, para aprender. Reflexões necessárias a quem se aventura
entender o quanto a educação quase sempre oferece um único horizonte de possibilidades.
O percurso único, o resultado homogêneo e o processo linear se tornam fragmentos
descontextualizados de conhecimentos gerados pela diferença e negação das identidades,
das culturas e dos saberes dos sujeitos, a qual ela se destina, que legitima alguns saberes,
exclui e emudecem outros. Porém, ambos os atos tornam-se sacrificantes e penosos, pois
muitas vezes para se escolarizar no Marajó, as crianças e jovens precisam enfrentar
inúmeras dificuldades, e muitas ficam pelo meio do caminho, abandonam à escola sem
145
condição de concluir sequer o Ensino Fundamental que é obrigatório segundo a atual
Constituição Federal.
Além desta situação, os saberes aprendidos nas escolas está dissociado do contexto
e da vida dos estudantes ribeirinhos, pois é mais modo calar e negar suas culturas, assim
à produção cultural continua a produzir e (de)formando suas realidades, sem refletir e
dialogar com os seus saberes, pois “o poder de narrar o outro, dizendo como está
constituído, como funciona, que atributos possui (sic), é quem estabelece o que tem ou não
tem estatuto de “realidade”. (COSTA, 2001, p.10).
As narrativas construídas desde a colonização, por viajantes, como Agasiz,
apresentadas no capitulo I deste trabalho, sobre os amazônidas e suas identidades, lhe
colocava em posição de superioridade racial e cultural, em relação à população marajoara
brevense, desconhece e ao mesmo tempo desvaloriza os ribeirinhos amazônidas da Ilha de
Marajó como possuidores de saberes, cultura e identidades próprias.
Hoje os amazônidas não são mais descritos daquela forma pelos viajantes
colonizadores, porém, a didatização dos livros e materiais didático-pedagógicos continua a
colocá-los distantes de seu mundo, ignora suas culturas e seus saberes, deforma-os. Sobre
essa questão Costa afirma “esta face de ‘o outro’, o inferior na escala social, o marginal,
não os “cablocos”, mas tantas outras identidades que passaram a integrar as disciplinas,
os saberes escolares e o currículo” (2001, p.11). uma vez que as narrativas recorrentes no
processo de escolarização têm sido um terreno fecundo da política cultural, que produz
discriminação, exclusão e desigualdade.
Em vista disso, é preciso inundar o mundo de histórias que falem das identidades,
que contestam as descrições formuladas do ponto de vista colonizador, pois é
imprescindível desvendar os relatos de negação dos grupos marginalizados, marcados pela
privação material e pela subordinação simbólica. Para que as populações da Amazônia
rural ribeirinhas deixem de ser vistas como pessoas sem história e identidades, subtraídas
das relações que ocorrem nos seus espaços-temporais.
São as formas excludentes de como o poder é utilizado que transformam pessoas
iguais a nós em “outrosexóticos e inferiores. A falta de um espaço de convivência e
diálogo entre as culturas subtrai a ampliação de conhecimentos, é necessário refletir o
quanto uma criança do meio rural tem a ensinar à criança que sempre viveu na cidade. O
inverso também é verdadeiro, a criança do meio urbano também possui saberes que
poderiam ser compartilhados. Acontece que, frequentemente, essas duas crianças
146
encontram na escola uma escala desigual de valorização de seus conhecimentos e
capacidades. Valoriza-se a experiência urbana em detrimento da rural e o planejamento
curricular acaba por refletir e afirmar uma visão urbana de educação, não há interlocução e
diálogo entre os saberes.
“A escola do meio rural, assim, é uma escola que, estando lá, está fora dali”.
(KNIJNIK, 2001, p.142). Esse quadro descrito delineia para a necessidade da educação o
desafio de estabelecer à relação entre currículo e a vida. Sinaliza também para a
importância de estudos e de práticas educativas sobre a diversidade sociocultural, para
reafirmar o diálogo entre saberes e culturas, entre cotidiano, práticas sociais e experiências
globais, para contribuir com a formação de sujeitos críticos e participativos na sociedade. É
necessário, um outro olhar sobre a construção curricular, para pensar a produção de
sentidos e práticas significantes no tratamento das diferenças e das identidades, partindo da
compreensão do planejamento curricular como lugar de formação identitária, espaço que
permite o confronto e a resistência. Assim, o currículo não será apenas um espaço de
seleção cultural, mas um terreno e espaço performático, cuja negociação viabiliza a
produção de identidades e de resistência contra os mecanismos de exclusão social.
(COSTA, 2001)
A escola enquanto espaço de prática política deve proporcionar aos sujeitos
históricos condições para intervir de maneira consciente na construção de políticas
identitárias. Assim, o estudo ora desenvolvido revelou que o desafio colocado à educação
amazônica é construir um planejamento curricular que se configure como um instrumento
de construção coletiva, que privilegie o respeito às diferenças culturais e investigue os
mecanismos que as produzem. Isso é um dos requisito para promover o saber social
historicamente construído à maioria da sociedade, para reconhecer e valorizar,
democraticamente, a riqueza da diversidade, e possibilitar que os diversos tipos de saberes
dos povos da região Amazônica e marajoara sejam incluídos e valorizados.
Dessa forma, o planejamento curricular estará definindo não apenas o
que ensinar, mas, sobretudo, o porquê da seleção dessa ou daquela
informação ou utilização de metodologias determinadas [...]
desenvolvendo competências e habilidades que são consideras básicas,
não somente para a continuidade de seu percurso curricular, mas,
sobretudo para estruturar e conduzir suas atitudes na vida social
(SANTIAGO, 2006, p.163. Itálicos da autora).
147
Neste processo, constato ainda a partir do estudo realizado que é imprescindível a
criação de mecanismos e estratégias de combate aos baixos índices dos indicadores
educacionais: evasão, repetência, reprovação, que tem colocado o município de Breves em
destaque no Estado pela baixa qualidade educacional ofertada pela rede municipal de
ensino. Fato que se discute no município desde a execução da pesquisa “Classes
Multisseriadas: Desafio da Educação rural Região/Amazônica” (2002), pois foi o marco
mais recente que provocou um maior envolvimento da Secretaria Municipal de Educação,
da Universidade Federal do Pará/ Campus de Breves, movimentos sociais e outras
entidades imbuídas de refletir sobre as possibilidades de melhorias educacionais para o
meio rural ribeirinho.
Como parte das mudanças mais recentes pode ser mencionada a construção coletiva
do Projeto Político Pedagógico das Escolas do meio rural. É oportuna a discussão do tema,
porque a existência deste documento representa um desafio em busca de novos caminhos
para as escolas do meio rural ribeirinho.
É necessário também considerar que esse percurso, é essencial para que as
instituições educacionais possam projetar uma ão intencional, sistematizada, de acordo
com os seus princípios filosóficos, epistemológicos e pedagógicos, para reafirmar a
pertinência da reflexão sobre as expectativas de todos os envolvidos no contexto escolar,
pois segundo Vasconcellos não é o planejamento que dá vida a uma escola “são as pessoas,
os sujeitos que historicamente assumem a construção de uma prática transformadora. Antes
de mais nada precisamos de uma ‘matéria prima fundamental’: as pessoas que buscam, que
sonham, pensam, interrogam, desejam. (2006, p.37).
Estas mudanças que ocorreram no planejamento curricular do Município de Breves,
têm a marca do Projeto Pró-rural, que realiza inúmeras tentativas no âmbito da formação
continuada dos educadores e desenvolve o acompanhamento pedagógico nas escolas do
meio rural, conforme constatamos nesse estudo. Apesar do número de integrantes do
projeto ser reduzido um grande esforço da equipe em busca de ações que possam
minimizar os baixos índices de rendimento escolar.
É notório também que a organização do Sindicato dos trabalhadores em Educação
de Breves tem contribuído para pressionar o Poder Público municipal com relação a
garantir os direitos educacionais dos trabalhadores. E uma conquista vitoriosa dos
educadores através desse movimento foi à realização de dois concursos públicos no
município, fato que deve contribuir com a diminuição da rotatividade docente e a
148
dependência político partidária dos mesmos, principalmente, no meio rural que possui o
maior número de professores contratados.
O estudo realizado indicou a necessidade de entender a educação como
fundamental ao desenvolvimento do Marajó, caso contrário, essa região continuará a
assumir um papel de “colônia” voltada para a exploração do mercado nacional e
internacional, e a exploração de seus recursos naturais, principalmente, a madeira,
continuará a proporcionar a riqueza de poucos em detrimento da marginalização de muitos.
Os investimentos educacionais são fundamentais para que a população possa se organizar e
construir propostas e projetos que contemplem os interesses da coletividade marajoara.
O desenvolvimento ecologicamente justo e sustentado proposto para nortear as
atividades curriculares e pedagógicas das escolas do meio rural, conforme recomendado
nas Diretrizes Operacionais para as Escolas Básicas do Campo deverá, inicialmente,
priorizar o ser humano, pois não é possível pensar em preservar as florestas se os
ribeirinhos que delas dependem para sobreviver, continuarem em sub-empregos nas
madeireiras, como é o caso dos moradores da vila Mainardi em Breves/PA, locus de
investigação desse estudo. Não para se pensar na sustentabilidade da terra sem pensar
na sobrevivência do ser humano, que habita este planeta.
Assim, com a realização desse estudo, denominado “Cartografias da educação na
Amazônia rural ribeirinha: estudo do currículo, imagens, saberes e identidade em
uma escola do município de Breves/ Pará” pude compreender de forma mais sistemática
e abrangente, que as populações da Amazônia, do Marajó e do município de Breves,
precisam com urgência ter suas especificidades, singularidades e diversidades afirmadas
nas políticas e práticas educacionais vigentes, pois apesar da existência as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, estabelecer as referências de
indicadores de qualidade para a educação no meio rural, ainda se faz necessário uma série
de medidas para assegurar o cumprimento e o sucesso dos conteúdos dos artigos previstos
neste documento.
Os homens, mulheres e crianças do Marajó têm direito a usufruir de uma sociedade
que lhes possibilite deixar de “remar contra maré”, e para tanto é necessário, que os
mentores das políticas, dos programas e das ações possam “desatracar o barco”, ver, sentir
e viver a Amazônia e o Marajó em suas múltiplas faces e contradições: riqueza/pobreza,
exuberância/marginalização, educação/exclusão, global/local, identidade/diferença,
diversidade/singularidade.
149
Ainda se faz necessário “cartografar”, “mapear” os estudos sobre educação
ribeirinha, para contribuir com a interlocução dos campos de conhecimento, sem esgotar a
temática e buscar novas perspectivas e contribuições. E após a leitura desses escritos “se
nada ficar destas ginas, algo pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no
povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil de amar”.
(FREIRE, 1987, p.184) e que possibilite os homens mulheres e crianças do Marajó
deixarem de “remar contra a maré”.
Fotografia 49: Ribeirinho remando no entardecer marajoara.
150
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157
APÊNDICE
158
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
TÍTULO: Cartografias da educação na Amazônia rural ribeirinha: currículo, imagens,
saberes e identidade cultural.
QUESTÕES NORTEADORAS DA PESQUISA:
O planejamento educacional e curricular das escolas ribeirinhas da Rede Municipal de
Breves/PA se orienta a partir das identidades e os saberes da população ribeirinha
marajoara de Breves?
OBJETIVOS DA PESQUISA:
GERAL: investigar o planejamento educacional e curricular das escolas ribeirinhas da
rede municipal de Breves/PA, na perspectiva das identidades e dos saberes da população
ribeirinha marajoara de Breves.
OBJETIVOS ESPECÌFICOS:
1) Caracterizar a Amazônia rural, focalizando a Ilha de Marajó, a identidade cultural e os
saberes das populações ribeirinhas de Breves;
2) Discutir sobre a realidade educacional do município de Breves, com ênfase na
educação rural ribeirinha;
3) Analisar o planejamento educacional e curricular da Escola Municipal Mainardi, a
partir da perspectiva das identidades e dos saberes da população ribeirinha marajoara do
meio rural que vive em vila de madeireira.
TIPO DE ENTREVISTA: Semi-estruturada e individual
SUJEITOS DA PESQUISA: técnicos administrativos da Secretaria Municipal de Breves,
professores, pais e alunos e comunitários da Vila da Madeireira Mainard LTDA.
159
TEMPO DE ENTREVISTA: aproximadamente 45 mim.
160
ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL “IVO MAINARD”
ROTEIRO DA ENTREVISTA (alunos)
Dados de identificação
Nome: ....................................................................................................................
Idade:.................. Série:.........................
1- O que significa ser ribeirinho?
2- Como é realizado o planejamento curricular?
3- Como é feita a seleção dos conteúdos que fazem parte do currículo da escola?
4- Quais as características mais marcantes da cultura ribeirinha?
5- Os conhecimentos e os saberes da cultura dos ribeirinhos estão presentes no currículo
da escola?
6- Que conhecimentos e saberes da cultura ribeirinha devem estar presentes no currículo
das escolas?
7- Em sua opinião como deveria ser a escola ribeirinha?
8- Que conhecimentos a escola ribeirinha deveria estar ensinando?
9- O que significa ser um educando numa comunidade ribeirinha, situada em uma vila de
madeireira?
10- A escola trata de temas relacionados à sustentabilidade ambiental e a ecologia? Se a
reposta for afirmativa, como?
161
ROTEIRO DA ENTREVISTA (professores)
Dados de identificação
Nome: ........................................................................................................................
Idade:.................. Localidade:.................................. Formação:...................................
Tempo de serviço em magistério:............................ Série de atuação:.........................
1- O que significa ser educador numa comunidade ribeirinha, situada em uma vila de
madeireira?
2- Como é realizado o planejamento curricular?
3- Como é feita a seleção dos conteúdos que fazem parte do currículo da escola?
4- Quais as características mais marcantes da cultura ribeirinha?
5- Os conhecimentos e os saberes da cultura dos ribeirinhos estão presentes no currículo
da escola?
6- Que conhecimentos e saberes da cultura ribeirinha devem estar presentes no currículo
das escolas?
7- Que conhecimentos a escola ribeirinha deveria estar ensinando?
8- A escola trata de temas relacionados à sustentabilidade ambiental e da ecologia?
9- Os educadores no meio rural ribeirinho enfrentam dificuldades para educar em uma
vila de madeireira? Se a resposta afirmativa, quais?
162
ROTEIRO DA ENTREVISTA (pais)
Dados de identificação
Nome:...................................................................................................................
Idade:.................. Formação:....................................
Profissão:.................................................................
1- O que significa ser ribeirinho de uma vila de madeireira?
2- Qual a importância dos rios para a vida de um ribeirinho?
3- Qual a importância da floresta para a vida de um ribeirinho?
4- Quais os aspectos que mais caracterizam o modo de ser e de viver de um ribeirinho de
vila de madeireira?
5- Que conhecimentos e saberes da vida cotidiana dos ribeirinhos deveriam fazer parte
dos conteúdos escolares?
6- Os pais participam do planejamento curricular da escola?
7- Em sua opinião como deveria ser a escola rural ribeirinha?
8- Que conhecimentos a escola rural ribeirinha deveria estar ensinando?
163
ROTEIRO DA ENTREVISTA (Técnicos da SEMED e Pró-rural)
Dados de identificação
Nome:...................................................................................................................
Formação:.................................... Profissão:.......................................................
1-Como é realizado o planejamento curricular?
2- Como é feita a seleção dos conteúdos que fazem parte do currículo da escola?
3- Os conhecimentos e os saberes da cultura dos ribeirinhos estão presentes no currículo
da escola?
4- Que conhecimentos e saberes da cultura ribeirinha devem estar presentes no currículo
das escolas?
5- Que conhecimentos a escola rural ribeirinha deveria estar ensinando?
6- A escola trata de temas relacionados à sustentabilidade ambiental e ecologia?
7- Quem mudanças econômicas têm ocorrido com a diminuição da madeira no
município? Este fator interfere na oferta escolar das populações das Vilas de madeireiras?
8- A escola do meio rural possui projeto político pedagógico?
9- Vocês estão satisfeitos com a educação que tem sido oferecida no município?
10- Em sua opinião como deveria ser a escola rural ribeirinha?
164
ROTEIRO DA ENTREVISTA (gerente da madeireira)
Dados de identificação
Nome: .....................................................................................................................
Idade:..................Formação:...................................Profissão:.......................................
1- Como é o funcionamento da vila Mainardi?
2- Como escola foi implantada na vila?
3- Qual a importância da escola para a vila?
4- Como se dá a relação do proprietário da indústria com a escola?
5- Quais os maiores problemas enfrentados na vila?
6- A empresa tem projeto de preservação ambiental
7- Quais os maiores ganhos que a empresa obtém com a contratação da mão de obra
local?
8- Que atividades são oferecidas aos jovens da vila?
9- Quantos moradores a vila possui?
10- Quantos trabalhadores a empresa emprega, destes quantos são pais de alunos?
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