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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
RACHEL PELLIZZONI DA CRUZ
Carreiras de Estado e Cargos em Comissão no Brasil Pós-
1994 pela perspectiva teórica de Silberman:
a consolidação de uma burocracia do tipo profissional
SÃO PAULO
2008
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RACHEL PELLIZZONI DA CRUZ
Carreiras de Estado e Cargos em Comissão no Brasil Pós-
1994 pela perspectiva teórica de Silberman:
a consolidação de uma burocracia do tipo profissional
Dissertação apresentada à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas, em cumprimento aos
requisitos para obtenção do título de Mestre em
Administração Pública e Governo
Linha de pesquisa: Transformações do Estado e
Políticas Públicas
Orientadora: Profa. Dra. Maria Rita Loureiro
SÃO PAULO
2008
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CRUZ, Rachel Pellizzoni da.
CARREIRAS DE ESTADO E CARGOS EM COMISSÃO NO BRASIL PÓS-1994 PELA
PERSPECTIVA TEÓRICA DE SILBERMAN: a consolidação de uma burocracia do tipo
profissional. / Rachel Pellizzoni da Cruz. – 2008.
162 fls.
Orientadora: Maria Rita Garcia Loureiro.
Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.
1. Burocracia - Brasil. 2. Brasil – Servidores públicos. 3. Cargos em comissão. 4. Sistema
do mérito - Brasil. I. Loureiro, Maria Rita Garcia. II. Dissertação (mestrado) - Escola de
Administração de Empresas de São Paulo. III. Título.
CDU 35.08(81)
RACHEL PELLIZZONI DA CRUZ
Carreiras de Estado e Cargos em Comissão no Brasil Pós-
1994 pela perspectiva teórica de Silberman:
a consolidação de uma burocracia do tipo profissional
Dissertação apresentada à Escola de Administração de
Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, em
cumprimento aos requisitos para obtenção do título de
Mestre em Administração Pública e Governo
Linha de Pesquisa: Transformações do Estado e Políticas
Públicas
Orientadora: Profa. Dra. Maria Rita Loureiro
Data da Aprovação: ___/___/_____
Banca Examinadora:
_______________________________________
Profa. Dra. Maria Rita Garcia Loureiro (Orientadora) -
EAESP-FGV
_______________________________________
Profa. Dra. Regina Silvia Viotto Monteiro Pacheco
EAESP-FGV
_______________________________________
Professor Valeriano Mendes Ferreira Costa
UNICAMP – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Para o meu pai.
AGRADECIMENTOS
Comecei a me preparar para o ingresso no Mestrado em Administração Pública e
Governo no segundo semestre de 2004 e finalizei a dissertação em julho de 2008. Muitas
coisas aconteceram nesses quatro anos e, sem a colaboração de uma verdadeira rede de
pessoas, a realização deste curso não teria sido possível.
Registro aqui meus sinceros agradecimentos:
Aos Professores Belmiro Valverde Jobim Castor, José Carlos Vaz e ao José Mario
Carneiro Brasiliense, que ofereceram o apoio inicial para a realização do curso.
À Professora Regina Pacheco, meu primeiro contato na EAESP e membro na banca da
proposta de dissertação. Agradeço a disponibilidade em compartilhar sua experiência e trocar
idéias.
Ao Professor Clóvis Machado, que escrutinou a proposta inicial da dissertação,
permitindo que ela tomasse outros rumos.
Ao Professor Bresser Pereira, foi um privilégio ser sua aluna! Sua ousadia e
entusiasmo são uma verdadeira lição de vida.
À Professora Maria Rita, com quem cursei a excelente disciplina ‘Teoria Política’ em
2005 e que, gentilmente, aceitou me orientar. Muito obrigada por todas as observações, pelas
correções de rota que auxiliaram a encontrar o caminho deste trabalho e pela confiança
depositada.
À Cecília Olivieri, sempre disponível para conversar sobre o projeto de pesquisa e aos
colegas Eduardo Aranha, Otávio Prado e Daniel De Bonis, com quem discuti a concepção
inicial do trabalho.
À Sandra, do FSJ, e à Marcileni, Sheila e Gisele da SEPPG, que auxiliaram a resolver
à distância as inúmeras pendências burocráticas.
Ao Dr. Marco Antônio Prandini, que me liberou para as viagens a São Paulo a fim de
cursar os créditos. Foi um prazer e um grande aprendizado trabalhar com o Senhor, que é um
exemplo de liderança moral e profissional no setor público.
À Christiane Maranhão e equipe da SEAE-COGTL, que compreenderam a exigência
de tempo e atenção necessários para a realização do estudo. Essa tolerância foi crucial para a
conclusão do trabalho.
Ao Professor e amigo Gustavo Henrique Justino de Oliveira, que me ensinou os
primeiros passos no mundo do Direito, e a quem credito meu interesse pelo Direito
Administrativo e pelo estudo da Administração Pública. Muito obrigada por tudo, foram
tempos difíceis, mas de muita criatividade.
Uma série de pessoas se dispôs a relatar suas experiências na Administração Federal:
Giovanna de Sá, que desde a ENAP tem se mostrado uma grande amiga, Marcos Toscano,
Roberto Pojo, Ricardo Vidal, Marianne Nassuno, Marcelo Matos Ramos, Jadir Proença,
Fernando Ferreira, Elaine Bicalho, Manuel Augusto Alves Silva e Dr. Almério Cançado
Trindade. Essas conversas foram essenciais para eu entender o funcionamento das carreiras e
nomeações, mas a responsabilidade por eventuais incorreções são inteiramente minhas.
Aos meus pais, que sempre deram suporte as minhas iniciativas e viabilizaram a
realização deste curso. Não chegaria até aqui se não fosse por eles.
Ao Meu Flávio, que, com ternura, suportou minha impaciência e meu cansaço, não
tenho palavras para agradecer. Conviver com você é uma dádiva, pela qual serei eternamente
grata.
RESUMO
O trabalho procura identificar a variável que tem condicionando, desde 1994, o processo de
fortalecimento das carreiras de estado da Administração Direta do governo federal brasileiro.
Além disso, busca levantar as razões pelas quais a consolidação destas carreiras não estaria
ocorrendo no sentido de formar uma burocracia tipicamente weberiana. Para proceder esta
análise, recorreu-se à obra de Bernard Silberman intitulada Cages of Reason: the Rise of the
Rational State in France, Japan, the United States and Great Britain. Silberman parte do
pressuposto de que há dois tipos de burocracia: a profissional, presente nos Estados Unidos e
na Grã-Bretanha, e a organizacional, constituída em países como a França e o Japão. Sua
teoria sugere que a variável que teria propiciado o surgimento destes modelos burocráticos é o
tipo de incerteza enfrentado pelos governantes para assegurar sua permanência no poder. O
primeiro capítulo é dedicado à apresentação e crítica desta perspectiva teórica. O segundo
capítulo procura adaptar a teoria ao caso brasileiro, a fim de subsidiar o estudo de caso sobre
o processo de formação de uma burocracia meritocrática na Administração Direta do governo
federal. A hipótese considerada é a de que o presidencialismo de coalizão tem sido
determinante para o aumento da incerteza no Brasil a partir de 1994, o que estaria levando os
políticos a reavaliar a estratégia de montagem do governo por meio da patronagem. Para
verificar sua validade, tentou-se relacionar o contexto político com as medidas administrativas
relativas às carreiras de estado e ao provimento dos cargos em comissão desde a década de
1930 até o presente. Concluiu-se que a hipótese levantada não é inteiramente válida para
explicar o processo de fortalecimento das carreiras de estado. Contudo, há indícios de sua
coerência para justificar as medidas adotadas pelo governo do Presidente Lula para disciplinar
as nomeações dos cargos comissionados. Em relação ao formato das carreiras burocráticas,
constatou-se, a partir da teoria de Silberman, que a presença no Brasil do que ele denominou
de baixa incerteza, resultou na formação de uma burocracia mais assemelhada ao modelo
profissional.
Palavras-chave: burocracia, carreiras de estado, cargos em comissão, sistema de mérito,
servidores públicos.
ABSTRACT
This work attempts to identify the main conditioning variable of the reinforcement process of
the civil service careers that has been taking place at the Brazilian Federal Administration
since 1994. Additionally, it tries to figure out the reasons for which the consolidation of these
same careers has not led the Brazilian Administration to form a typically Weberian
bureaucracy. To proceed to such analysis, the theoretical reference adopted was Professor
Bernard Silberman’s, as formulated in his book Cages of Reason: the Rise of the Rational
State in France, Japan, the United States and Great Britain. According to Silberman’s theory,
there are two patterns of bureaucratic organizations: the professionally oriented – present in
the United States and Great Britain –, and the organizationally oriented – existing in countries
as France and Japan. His theory suggests the core variable that leads to the creation of these
two bureaucratic structures is the uncertainty that politicians face and must overcome to
guarantee their permanence in power. The first Chapter is dedicated to the presentation and
evaluation of such a theory. The second Chapter adapts the theory to the Brazilian case. It was
necessary in order to give the scientific framework to the study on the development of a
meritocratic bureaucracy for the Federal Administration. For this case study, the underlying
hypothesis is that the Brazilian coalition presidentialism has been fundamental to increase the
uncertainty in Brazil since 1994; this situation has probably led politicians to reconsider their
strategy to make appointments based on patronage. To check the validity of such a
hypothesis, we tried to establish a connection between the political environment with the rules
to discipline both the civil service careers and the appointment to commissioned positions,
since 1930 to the present. We have reached the conclusion that the above described
hypothesis is not fully applicable to explain the strengthening process of civil service careers.
Nevertheless, the hypothesis seems to be plausible to explain the measures adopted by
President Lula’s government in order to regulate the appointment to commissioned positions.
Regarding the orientation of the bureaucratic careers, we have verified that the low
uncertainty – as defined by Silberman’s theory – present in Brazil has led to a bureaucracy
whose characteristic are similar with professionally oriented pattern.
Key-words: public administration - Brazil, bureaucracy, civil service careers, commissioned
positions, meritocracy.
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................... 11
1. MARCO TEÓRICO: a teoria de Silberman sobre a formação das carreiras
burocráticas................................................................................................................................. 15
1.1 As duas formas de administração: a burocracia organizacional e a profissional................... 16
1.2 A incerteza como causa da racionalização ............................................................................ 28
1.2.1 As teorias sobre a incerteza.................................................................................... 28
1.2.2 Incerteza e sucessão política .................................................................................. 31
1.3 Os contextos de alta e baixa incerteza e as duas formas de burocracia ................................. 36
1.3.1 Estratégias de alta incerteza................................................................................... 37
1.3.2 Estratégicas de baixa incerteza ............................................................................. 45
1.4 Mais uma variável no modelo: a natureza da organização política ....................................... 58
1.5 Conclusões sobre a teoria de Silberman ............................................................................... 60
1.5.1 Limites e possibilidades da abordagem da escolha racional ................................. 60
1.5.2 O que a teoria nos diz sobre o caso do Brasil ....................................................... 66
2. ESTUDO DE CASO: carreiras de estado e cargos em comissão no Brasil pós-1994
pela perspectiva teórica de Silberman. .................................................................................... 72
2.1 Delimitação da hipótese do estudo de caso............................................................................ 72
2.2 Fundamentos do sistema de carreiras brasileiro: as bases do tipo profissional...................... 80
2.2.1 O contexto da reforma varguista: baixa incerteza e redes sociais.......................... 80
2.2.2 Reabertura democrática e regime militar............................................................... 85
2.3 A Reforma do Aparelho do Estado: o ponto de inflexão... .................................................... 92
2.4 A reforma errática do governo Lula....................................................................................... 111
2.4.1 O dilema dos políticos no atual governo................................................................ 111
2.4.2 A política de recursos humanos.............................................................................. 123
Conclusões .................................................................................................................................. 137
Referências Bibliográficas........................................................................................................ 141
Anexo .......................................................................................................................................... 151
11
INTRODUÇÃO
As carreiras burocráticas são um tema pouco estudado pela ciência política brasileira.
Em geral, tendo como referência a organização burocrática descrita por Weber, essa literatura
considera que não há de fato carreiras na Administração Pública brasileira, mas apenas cargos
isolados, e que a trajetória profissional é ditada pela ocupação dos cargos em comissão. Daí a
ênfase desses estudos nas regras informais que norteiam as nomeações.
1
Além disso, as freqüentes notícias da oferta de cargos em troca de apoio do
Legislativo e do preenchimento de cargos estratégicos por indivíduos sem a competência
técnica que seria desejável, exacerbadas no governo Lula, induzem à conclusão de que a
máquina administrativa como um todo opera sob as regras da patronagem, que seria inevitável
por conta do presidencialismo de coalizão.
2
Assim, apesar de não haver trabalhos específicos
relacionando as carreiras burocráticas com o sistema político, o senso comum é o de que o
predomínio do clientelismo e fisiologismo exclui a criação de uma burocracia profissional.
Esse entendimento – tanto o acadêmico quando o leigo - espelhava a realidade da
Administração brasileira ao longo do século XX, em que as carreiras burocráticas eram
assunto marginal, pois seus membros representavam parcela ínfima do total de servidores,
composta em sua maioria por celetistas e requisitados das entidades da Administração
Indireta. E, ainda que fossem denominadas ‘carreiras’ e sua regulamentação contivesse
diretrizes das organizações burocráticas tradicionais, a hierarquia dos cargos da carreira nunca
correspondeu ao organograma dos órgãos.
3
Por isso, a conclusão comum de que a
racionalização burocrática é falha ou inconclusa no Brasil.
O presente trabalho procura questionar essa perspectiva tradicional ao considerar que:
(i) este cenário parece estar em mutação desde a promulgação da Constituição Federal
de 1988 e, mais intensamente, após a Reforma Administrativa do Aparelho do Estado, de
1995. Tem-se observado que, pela primeira vez, a burocracia da Administração Direta
brasileira, em especial aquela que atua nas atividades estratégicas de planejamento, orçamento
1
São exemplos de estudos com este viés: MARTINS(1991), SCHNEIDER (1994), GOUVÊA (1994),
LOUREIRO & ABRUCIO (1999), HOCHMAN (1992),CHEIBUB (2003), MARIA (2001) e MACHADO
(2003), BARBOSA (1996).
2
São freqüentes manchetes como essas: “Governo libera cargos para aprovar CPMF” (ZANINI, 2007). e
Partidos aliados cobram nomeações”, (FRANCO, 2007).
E, do início do governo:Praga do Fisiologismo:
PT abre as portas dos cargos públicos para seus militantes e aliados, partidariza a burocracia federal e instala
um radical e voraz aparelhamento ideológico do Estado” (POLICARPO JR., 2003).
3
Vide o Anexo I em que consta a estrutura atual do Ministério da Fazenda. Nela se constata que o organograma
é constituído exclusivamente pelos cargos em comissão e funções gratificadas.
12
e controle, é composta por pessoal concursado, isto é, cujo ingresso se deu de forma
meritocrática. Ao lado disso, a realização periódica dos concursos tem aumentado o
contingente dessas carreiras e outros eventos pontuais observados também estariam
contribuindo para sua consolidação.
(ii) a referência ao tipo weberiano de burocracia, baseado em regras de hierarquia, na
metódica provisão de tarefas, no controle documental, e no comprometimento da carreira com
a organização, talvez não seja adequada ou suficiente para analisar a burocracia pública
brasileira.
A partir destas observações, este trabalho considera que está em curso um processo de
fortalecimento das carreiras de estado, mas que não coincide necessariamente com o ideal
weberiano de organização burocrática.
Por fortalecimento entende-se (i) o crescente monopólio de setores da Administração,
(ii) a instituição de regras que privilegiam a nomeação de membros das carreiras para os
cargos em comissão e (iii) o seu poder de obter vantagens salariais e outras não concedidas às
demais categorias.
Diante deste pressuposto, pretende-se analisar as seguintes questões:
Se de fato há este fortalecimento, quais suas condicionantes? Por que ele estaria
ocorrendo agora e o que impediu que ocorresse no passado?
Qual o formato destas carreiras? Há uma aderência ao tipo burocrático weberiano?
Em caso negativo, é possível afirmar que se trata de carreiras meritocráticas?
Vislumbrou-se uma resposta a estas indagações na teoria de Bernard Silberman. Para o
Professor da Universidade de Chicago, a consolidação das carreiras burocráticas é o próprio
processo de racionalização estatal, pois significa a substituição de critérios privados para o
provimento da função pública por critérios racionais, objetivos e, portanto, públicos.
Sua pergunta de pesquisa é por que esse processo não é necessariamente convergente.
A partir da observação de diferentes países desenvolvidos, o autor constatou que alguns
formaram suas carreiras de acordo com o padrão weberiano, caso da França e do Japão.
Outros, como os Estados Unidos e Inglaterra, criaram carreiras mais flexíveis, mas ainda
assim meritocráticas.
13
Nesta busca, o seu trabalho trata de identificar a variável que teria condicionado um
tipo e outro de carreira burocrática ao longo do século XIX. Utilizando-se da perspectiva da
escolha racional, o autor conclui que esta variável é o tipo de incerteza que os governantes
enfrentam para conquistar e manter seu poder. Diferentes contextos levariam a decisões
racionais distintas sobre como governar e sobre como formar seu aparato administrativo.
Assim, Silberman argumenta que o formato das carreiras é resultado de decisão
racional dos líderes em contextos de incerteza quanto à sucessão eleitoral que originariam
dois tipos de burocracias, a organizacional e a profissional. A primeira corresponde a
contextos de alta incerteza, ou de ruptura institucional, e o segundo, a contextos de baixa
incerteza, ou de existência de sistemas eleitorais estáveis.
Esta teoria foi utilizada como o referencial teórico deste trabalho, apresentado no
Capítulo 1
pois, em que pese ter sido elaborada para explicar o processo de racionalização dos
países desenvolvidos, constatou-se que ela oferece uma visão alternativa sobre o tema
carreiras burocráticas em geral, uma vez que:
(i) condiciona o formato das carreiras ao sistema político e;
(ii) defende a existência de um tipo alternativo de burocracia meritocrática que
parece ser uma referência mais adequada ao caso brasileiro.
Com o objetivo de responder às perguntas colocadas anteriormente, procurou-se
adaptar à teoria de Silberman ao caso brasileiro. Com este subsídio, no Capítulo 2
foi
realizado um estudo de caso sobre o processo de formação das carreiras burocráticas e das
regras de provimento dos cargos em comissão, em contraponto com o sistema político em
vigor da década de trinta até o presente.
A hipótese a ser testada é a de que o presidencialismo de coalizão é determinante para
o aumento da incerteza no Brasil a partir de 1994, o que teria levados os políticos a
reavaliarem a estratégia de montagem do governo por meio da patronagem. Como o Brasil
possuiria historicamente um contexto de baixa incerteza, as carreiras de estado que se
originaram a partir destas decisões políticas aproximam-se do modelo profissional descrito
por Silberman.
Para verificar a validade da hipótese, buscou-se relacionar as medidas administrativas
no que tange às carreiras e ao provimento dos cargos em comissão com o contexto político, de
1930 até o presente. A principal fonte utilizada é a legislação sobre carreiras e cargos em
comissão, que expressam o entendimento de cada governo sobre o tema. A partir da década de
14
noventa utilizou-se os relatórios e documentos sobre a Reforma Administrativa e os dados do
Boletim Estatístico de Pessoal, publicado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Para o período mais recente também foram realizadas entrevistas exploratórias com o
objetivo de levantar procedimentos informais sobre a matéria.
O estudo de caso proposto se justifica pela ausência de pesquisas que considerem os
impactos da Constituição Federal de 1988 e da Reforma Administrativa sobre as carreiras
burocráticas e sobre as formas de provimento do cargos em comissão. Além disso, em uma
perspectiva mais ampla, se a existência uma burocracia estatal meritocrática é um importante
indicador de desenvolvimento econômico, conforme verificaram EVANS e RAUCH (1999 e
2000), o tema merece permanente atenção.
15
1- MARCO TEÓRICO: A TEORIA DE SILBERMAN SOBRE A FORMAÇÃO DAS
CARREIRAS BUROCRÁTICAS.
Este capítulo apresenta uma síntese da teoria formulada por Bernard. S. Silberman na
obra Cages of Reason: the Rise of the Rational State in France, Japan, The United States and
Great Britain (1993). Com as devidas ressalvas e considerações a serem feitas ao longo deste
item, sua concepção do processo de racionalização da burocracia orientará a elaboração do
estudo de caso.
Uma primeira leitura de Silberman pode deixar a impressão de que o cerne de sua
teoria é a identificação de dois tipos distintos de carreiras burocráticas, a profissional e a
organizacional, uma vez que seu ponto de partida é a observação sobre a não convergência
dos processos de racionalização da burocracia nos países desenvolvidos, ao contrário do
previsto por Weber.
Contudo, os estudos de caso de Cages of Reason demonstram que menos importante
do que os tipos de organização burocrática é o processo político a partir do qual elas foram
deduzidas. Na busca da variável que conduziu a respostas diferentes para a definição das
carreiras burocráticas, Silberman acaba por propor um fundamento diferenciado para a
racionalização dos estados modernos. É este processo que se pretende ressaltar neste capítulo.
O autor parte da perspectiva da escolha racional associada aos constrangimentos
conjunturais para defender a tese de que a racionalização da administração - isto é, a criação
de normas sobre papel da burocracia - decorre das disputas políticas que redefiniram as
formas de governo e as regras de sucessão dos governantes com o objetivo de reduzir as
incertezas sobre o exercício do poder.
Logo, para Silberman, o processo de racionalização das burocracias estatais não
responde a um problema de eficiência, mas sim a uma questão de incerteza na sucessão
política. Essa é a hipótese que levanta para explicar porque nem sempre as organizações
burocráticas do setor público de diversos países adotam o formato organizacional descrito por
Weber. Ao lado da típica burocracia organizacional weberiana, cujo expoente é o modelo
francês, haveria uma burocracia do tipo ‘profissional’, mais flexível e com referências extra-
organizacionais. Exemplos deste segundo tipo encontram-se nos Estados Unidos e na Grã-
Bretanha.
De acordo com a teoria, a adoção de um modelo ou outro nos países desenvolvidos teria
sido condicionada pelas diferentes escolhas feitas pelos governantes em contextos de alta e
baixa incerteza na sucessão do poder. A alta incerteza é gerada pela ruptura da ordem vigente
16
através de revolução, com a conseqüente revogação das regras anteriores e a necessidade de
reconstrução das instituições. Na tentativa de legitimar-se no poder, o governante nesta
situação tenderia a constituir uma burocracia do tipo organizacional.
As situações de baixa incerteza são aquelas em que há um sistema eleitoral vigente e,
apesar da incerteza quanto aos resultados das eleições, tem-se confiança de que as regras serão
obedecidas na condução do pleito e mantidas pelo candidato que vencer as eleições. O desafio,
neste caso, é realizar o programa de governo, pelo que se prefere uma burocracia que responda
às diretrizes políticas do candidato eleito, que seria aquela do tipo profissional.
Estes modelos serão aprofundados adiante.
Nos países desenvolvidos, ao longo do século XIX, estas diversas respostas às
incertezas produziram uma situação de equilíbrio entre estado e sociedade. Parte desta
institucionalização foi a consolidação do formato das organizações burocráticas estatais, que
manteria seus contornos originais até o presente.
4
A teoria Silberman será apresentada pelas suas variáveis, quais sejam, (i) a burocracia
organizacional e a profissional e (ii) a incerteza como causa da racionalização.
Posteriormente, demonstrar-se-á como elas se combinam em contextos de alta e baixa
incerteza. Uma terceira variável ainda será considerada: a natureza da organização política,
que determinaria a forma de responsabilização dos burocratas.
1.1 As duas formas de administração: a burocracia organizacional e a profissional
O objetivo de Silberman é desvendar como a racionalização burocrática foi atingida, o
caminho que percorreu para adquirir as características do modelo racional-legal descrito por
Weber. Para tanto, parte do princípio de que o advento da organização racional-legal implicou
a transformação da relação do indivíduo com a função pública e do critério para ingressar e
progredir no exercício desta função. Assim, seus estudos de caso tratam do ínterim entre o
patrimonialismo e a consagração do modelo racional-legal. A questão chave é como a
patronagem
5
foi substituída por uma burocracia meritocrática.
4
O autor afirma em diversos momentos que o formato das carreiras definido no século XIX para os países
estudados permanece intacto. Contudo, a análise dos casos não avalia a atual situação das carreiras e tampouco o
efeito das reformas administrativas recentes sobre sua conformação. Assim, a prevalência do formato original
das carreiras burocráticas no presente é tema a ser discutido.
5
SILBERMAN utiliza o termo patronagem em sentido amplo. Nesse estudo será considerado o conceito de
Mainwaring: “o termo patronagem é usado na acepção da linguagem cotidiana para aludir ao uso ou distribuição
de recursos do Estado em bases não meritocráticas com a finalidade de obter vantagens políticas.” (SCOTT,
2001, p. 225).
17
A separação entre o administrador e os meios de administração demandou a criação de
regras sobre como a função pública deveria ser desempenhada. Em lugar da relação patrão-
cliente, o burocrata se torna responsável pelo cumprimento das regras da organização.
Essa mudança criou um novo problema, o da seleção dos burocratas. Se não vigorava
mais o sistema de benesses, haja vista a separação entre público e privado, como selecionar o
pessoal? E como assegurar que este mecanismo de seleção não induziria a busca de interesses
privados? A solução foi estabelecer um sistema baseado no conhecimento, cujo domínio
poderia ser mensurado. O corolário desta regra é que quanto mais exclusivo e elevado o custo
do conhecimento adquirido, maior a capacidade para exercer uma função pública.
Uma segunda demanda criada pela separação dos meios de administração foi a
definição de critérios sobre a continuidade e a sucessão do exercício da função pública. Isso
foi resolvido pela definição de níveis hierárquicos cuja ascensão é medida por critérios
objetivos, como a antiguidade. Com estas medidas, o exercício da função pública se
conformou em carreiras e criou-se um mercado de trabalho interno à organização, com regras
próprias de alocação de recursos e pessoas.
Ocorre que este processo, aparentemente universal, não teria ocorrido de forma similar
em todos os países.
Silberman analisa as várias justificativas teóricas para esta diferenciação, dentre as
quais se destacam as seguintes: (i) a da divisão do trabalho (ii) a da diferenciação econômica e
(iii) a da cultura política. Para ele, nenhuma destas teses explica o porquê da não convergência
das organizações burocráticas.
Em relação à explicação da divisão do trabalho, verifica que, enquanto a França, o
Japão e a Alemanha experimentaram a racionalização da burocracia no início do seu processo
de industrialização, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha sofreram este processo nos estágios
mais avançados da industrialização. Portanto, não haveria relação entre a racionalização da
burocracia e a divisão do trabalho ou a revolução industrial.
6
O mesmo pode ser dito do processo de diferenciação econômica para explicar as
variações nas organizações burocráticas. Para Weber, o capitalismo produziria uma
convergência de processos de racionalização em todas as áreas, mas enquanto nos Estados
Unidos e Grã-Bretanha a racionalização organizacional foi um epifenômeno do capitalismo
6
A conclusão de Silberman quanto à ausência de relação entre burocratização e industrialização é objeto de
crítica. Para Tilly, que elaborou uma resenha da obra de Silberman, a industrialização tardia ocorrida na França e
no Japão está relacionada com a formação de uma burocracia organizacional, pois ambos derivam da fraqueza
das relações contratuais nestes países, relação que foi ignorada. Argumenta ainda que para muitos historiadores
econômicos, a França não é caracterizada como país de industrialização tardia (TILLY, 1994).
18
industrial, na França, Japão e Alemanha, o capitalismo é que foi um epifenômeno da
racionalização da burocracia estatal. Para Silberman o argumento não é descartável, mas está
para ser comprovado que diferentes formas de capitalismo resultam em formatos
organizacionais diversos de burocracias estatais.
Também se defende que a diferença entre as estruturas organizacionais decorre da
cultura e, mais especificamente, da cultura política. Esta tese, igualmente, encontra
problemas, pois não explica como sociedades tão diferentes como a francesa, a japonesa e a
alemã possuem estruturas similares. É improvável que estas sociedades (e também a Espanha,
Itália, Noruega e Dinamarca) tenham compartilhado os mesmos construtos culturais para que
o processo de desenvolvimento político tenha ocorrido por isomorfismo.
Estas explicações recairiam no equívoco de considerar os tipos ideais como uma
escala, um continuum do menos racional – a autoridade carismática -, passando pela
autoridade tradicional, até alcançar a autoridade do tipo racional-legal. Por este raciocínio, os
tipos de autoridade são auto-excludentes. A França, o Japão e a Alemanha seriam exemplos
do tipo racional-legal. Na outra ponta da escala estão os casos mais próximos da autoridade
tradicional e sua correspondente estrutura patrimonial. Estes seriam os países em
desenvolvimento. Contudo, constata Silberman que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha
possuem traços patrimoniais e são países desenvolvidos, o que torna frágil as explicações
mencionadas.
Silberman propõe que, em lugar de utilizar o modelo weberiano como uma escala,
cada tipo deve ser entendido como um conjunto de características. Este entendimento permite
verificar se há outras formas de administração racional, além do tipo burocrático descrito por
Weber.
7
No que toca à formação da burocracia racional-legal, estas características seriam as
condições de elegibilidade, recrutamento, nomeação, promoção, carreira e limites da
discricionariedade.
A particularidade da teoria de Silberman é a restrição de sua análise ao alto escalão da
burocracia estatal (upper level civil servants). A razão da preferência pelo alto escalão está
implícita em sua teoria da racionalização, que teria ocorrido pela necessidade de os
7
Silberman cita a seguinte bibliografia sobre a tese de que há mais de um tipo de administração racional:
Stinchcombe (1959); Meyer (1968); Child (1973). O primeiro artigo será analisado a seguir, por ser a fonte
direta do autor. O trabalho de Child defende que as características da burocracia são determinadas pelo tamanho
e complexidade da organização. Já Meyer demonstra que nem sempre a burocracia é organizada de forma
hierárquica; organizações com uma grande divisão horizontal do trabalho tendem a ter poucos níveis
hierárquicos e um processo de tomada de decisão centralizada na autoridade máxima.
19
governantes controlarem a incerteza (diga-se, volatilidade eleitoral). Isto foi feito, em grande
parte, transferindo-se à administração uma série de matérias sob o argumento de que
mereceriam tratamento científico e isento para que fosse atendido o interesse público. Daí que
os governantes delimitaram estrategicamente quem seriam estes decisores administrativos e
qual a extensão de seus poderes, gerando diferentes tipos de organizações burocráticas no alto
escalão. Por este raciocínio a racionalização significou a conformação do alto escalão e o
processo pelo qual estes burocratas assumiram parcela das decisões governamentais com
fundamento na expertise e na imparcialidade.
Contudo,o autor não define a composição do alto escalão e nem delimita com clareza
as carreiras que o integram nos países estudados. Tal como analisado por Silberman o alto
escalão não se restringe ao estrato mais elevado da burocracia, em geral nomeado por critérios
políticos, mas abrange as carreiras cujo acesso é delimitado pelo mérito educacional.
Logo, deduz-se que pertencem ao alto escalão as carreiras da burocracia pública cujo
acesso é restrito àqueles que receberam uma formação que seria indicativa de capacidade para
tratar de matérias de interesse público. De modo geral, estes profissionais interferem na
tomada de decisões e são candidatos naturais aos postos mais elevados. Uma forma de se
referir a elas seria ‘carreiras de elite’, o que na Grã-Bretanha e na França é exatamente o caso.
O termo já não se aplica a países como os Estados Unidos. Silberman também utiliza com
freqüência o termo alto-escalão como referência ao trabalho intelectual em contraposição ao
baixo escalão, relacionado a atividades de mera execução.
Considerando ainda (i) que o processo de racionalização da burocracia não é unívoco e
que, portanto, os critérios de elegibilidade, recrutamento, nomeação, promoção, carreira e
limites da autonomia podem adotar mais de uma forma nas burocracias racionalizadas; e (ii)
que é no alto escalão que esta diferenciação se faz presente, Silberman defende, a partir da
literatura organizacional, que o processo de racionalização adotou duas formas distintas: uma
orientada para a organização (Organizational Orientation), e outra para a profissionalização
(Professional Orientation).
O tipo organizacional caracteriza-se pela presença de regras que determinam os
critérios de nomeação para os cargos mais elevados. Uma destas regras para a nomeação é o
prévio ingresso no serviço público. Neste modelo, é essencial o comprometimento antecipado
com a carreira, que é estimulado por severas restrições na elegibilidade e no recrutamento.
Dentre estas restrições figura a exigência de ingresso em cursos universitários específicos,
escolas para a formação de servidores públicos ou programa de treinamento antes do ingresso
20
na função pública. Em geral, os indivíduos que pretendem seguir carreira no serviço público
são levados a esta decisão ainda no início de sua formação superior.
Este comprometimento demanda incentivos que justifiquem o abandono de outras
alternativas profissionais. A recompensa, no caso, é a previsibilidade da carreira, que se
manifesta na promoção por antiguidade e na garantia de que o comprometimento antecipado
assegura a elegibilidade para os cargos mais elevados. É rara a nomeação de profissionais
externos à organização ou não pertencentes às carreiras de estado.
Esta estrutura de incentivos traz conseqüências para a organização. A primeira é a
especialização departamental, pois a movimentação entre ministérios é vista como negativa
pelos superiores e subordinados por diminuir a previsibilidade da carreira. Além disso, o
conhecimento adquirido em um departamento nem sempre é aplicável em outros. Forma-se
um monopólio por aqueles que se comprometeram com a carreira, o que dificulta a influência
externa sobre a organização. Estas características produzem uma grande uniformidade no
nível de ingresso dos servidores e de sua formação e experiência. O papel da carreira é
conscientemente definido pela organização. As restrições para ingresso nos altos postos, a
impermeabilidade organizacional, a especialização departamental e a estrutura de carreira
contribuem para a formação de uma burocracia em que o comprometimento organizacional é
crucial. Essa coesão do corpo burocrático assegura sua autonomia e o conseqüente respeito
pela sociedade. De acordo com Silberman, são exemplos de burocracias organizacionais o
Japão, a França, a Alemanha, Espanha, Itália e a União Soviética.
Já a burocracia orientada para a profissão caracteriza-se pelo treinamento profissional,
não necessariamente relacionado com o exercício de uma função pública, como condição para
a nomeação aos altos postos. Em lugar da prevalência das normas organizacionais, o valor da
profissão e seu status são considerados suficientes e, mesmo ainda, superiores para definir a
nomeação aos cargos diretivos. As organizações que possuem uma burocracia
profissionalmente orientada enfatizam a aquisição de um corpo de conhecimentos e técnicas,
havendo incentivos para que os indivíduos busquem esta formação. A expertise do
profissional é acompanhada por uma ética distintiva que justifica o privilégio da auto-
regulação e um status baseado na sua autonomia e prestígio.
Como os incentivos são externos à organização, não há necessidade de haver
comprometimento antecipado com a carreira. Esses incentivos reconhecem o status do
profissional através de salário, da flexibilidade de entrada e de atribuições, da grande
discricionariedade e da autonomia. Nesse arranjo, as carreiras são menos sistemáticas e
21
previsíveis e a antiguidade não é essencial para as promoções, pois podem ocorrer ‘fast-
tracks’. Especialização departamental e hierarquia também possuem menor valor.
No modelo profissionalmente orientado, o corpo de conhecimentos e técnicas é
definido por uma associação de práticos, que determina também os meios pelos quais a
informação é transmitida e como deve ser utilizada. A assimilação de habilidades e as normas
para seu uso pelos indivíduos tornam menos necessárias sua definição pela organização. Ao
mesmo tempo, conferem previsibilidade ao comportamento destes profissionais, o que
também dispensa a hierarquia como forma de limitar a discricionariedade. Este tipo de
estrutura também produz uma grande homogeneidade entre os burocratas, assegurada mais
pela identidade profissional que pelas regras organizacionais.
Como o modelo profissional é governado por regras extra-organizacionais, as
instituições são mais permeáveis do que no modelo organizacional, com trânsito entre as
burocracias públicas e privadas. Essa capacidade de transferência estimula a mobilidade
vertical e horizontal entre as organizações. São exemplos de burocracias profissionalmente
orientadas os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, o Canadá e a Suíça.
Tabela 1 - As duas formas de organização burocrática
8
Características Orientado para a Organização Orientado para a
Profissionalização
Organização
A organização controla e aloca
as informações e habilidades.
Cada organização tem um
papel bem definido e especializado de
forma a manter o controle sobre a
informação.
A carreira é definida pelas
regras organizacionais.
Monopólio da organização
pelos burocratas de carreira.
As habilidades e
informações estão alocadas no
indivíduo, através de sua formação
profissional.
Ênfase na aquisição de
conhecimentos e técnicas pelo
indivíduo.
As regras são internalizadas
pelos indivíduos em decorrência da
ética da profissão. Há menos
necessidade de regras formais.
É menor a ênfase na
especialização da organização e na
hierarquia.
Recrutamento
Origem educacional uniforme:
formação em escolas para a elite ou
de treinamento específico para o
serviço civil.
Ingresso restrito aos que
tem o acesso à educação
profissional de alto nível.
8
A divisão possui correspondência com a realidade dos países que integram a Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE, que atualmente reconhece a existência do sistema de carreira e de
emprego, que se assemelham aos tipos organizacional e profissional, respectivamente. (BRASIL. Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, Projeto EuroBrasil, 2005).
22
Recrutamento
Comprometimento antecipado
com a carreira; elevado custo de
oportunidade.
Não há necessidade de
comprometimento antecipado.
Valorização da competência
profissional de alto nível. Há
incentivos sociais e econômicos
para que se busque qualificação.
Corpo
burocrático
Homogêneo em função do
treinamento que antecede o ingresso e
da conformação às regras
organizacionais.
A hierarquia domina a
movimentação ao longo da carreira e a
forma de tomada de decisões.
Controle das informações pela
organização. A ética é conformada
pelas regras da organização.
Homogêneo em função do
nível de qualificação e da ética
profissional.
O comportamento é
previsível pelas regras da profissão,
o que torna a hierarquia menos
necessária.
Ênfase no controle pessoal
da informação e de uma ética
profissional. Esta ética distintiva
permite o privilégio da auto-
regulação e um status caracterizado
por autonomia e prestígio.
Incentivos
Previsibilidade da carreira:
promoção por antiguidade, hierarquia e
especialização.
Baixo incentivo à mobilidade;
Visam o comprometimento com
a organização.
Reconhecimento da
competência profissional por meio
de salário, flexibilidade de entrada e
de atribuições, grande
discricionariedade e autonomia.
Liberdade para construir a
careira, mobilidade interna, menor
ênfase na hierarquia.
Ascensão
funcional
Exige-se que seja membro da
carreira. O comprometimento
antecipado é decisivo para assegurar
a ascensão.
É a formação profissional de
alto nível que assegura o ingresso
nos níveis mais elevados da
burocracia. Possibilidade de
ascensão rápida.
A antiguidade tem um papel
menor.
Autonomia
Devido às restrições à entrada,
nomeação e promoção, a organização
tem grande capacidade de resistir à
intervenção externa. È pouco
permeável.
Essa autonomia confere uma
percepção positiva da burocracia.
Prevalecem regras extra-
organizacionais e a organização é
mais permeável.
maior intercâmbio com
o setor privado, e também maior
mobilidade horizontal e vertical nas
organizações.
O termo burocrata
desacompanhado do status
profissional é pejorativo.
Países
França, Japão, Alemanha, Espanha e
Itália
Estados Unidos, Grã-Bretanha,
Canadá.
Fonte: síntese realizada pela autora, conforme descrição em Cages of Reason.
23
Importa destacar que Silberman não demonstra como chegou a estes dois modelos.
Apenas refere-se vagamente à literatura sobre organizações e indica que sua fonte principal
foi Arthur Stinchcombe. Contudo, se os tipos burocráticos profissional e organizacional são
conceitos nucleares de sua teoria, considera-se relevante verificar sua coerência.
O principal artigo de Stinchcombe mencionado pelo autor é “Bureaucratic and Craft
Administration of Production: a comparative study”(1959), que levanta a hipótese de que ao
lado da administração burocrática descrita por Weber haveria uma alternativa funcional, a
administração profissional. O autor analisa o setor de construção civil, no qual a racionalidade
dos fatores de produção seria assegurada pelas associações profissionais, que determinam o
método de administração do trabalho.
Nas organizações burocráticas, como nas indústrias de produção de massa, há
centralização do planejamento e da forma como deverá ser executado o trabalho, bem como
um controle da comunicação através de documentos e da existência de vários níveis
hierárquicos. Já no setor de construção, o processo de trabalho é determinado pelo
trabalhador, e a comunicação é simplificada, sem muitos níveis hierárquicos. Em geral, no
setor de construção, a relação entre o administrador do projeto e os trabalhadores é contratual;
especifica-se o produto, o preço e o cronograma. A forma como será executado o trabalho não
é determinada pelo administrador do projeto, pois é parte da cultura profissional dos
trabalhadores, uma regra do mercado de trabalho, e não uma característica da organização.
Para Stinchcombe, a formação de uma burocracia tradicional é economicamente
inviável na construção civil porque sua adoção requer estabilidade do fluxo de trabalho, o que
não ocorre no setor, instável quanto ao volume de trabalho e à sazonalidade da demanda. De
acordo com o autor, o tipo ideal de burocracia descrito por Weber é, em essência, uma
estrutura estável de comunicação, que viabiliza a administração com base em documentos e a
contratação permanente de empregados. A instabilidade, portanto, diminuiria o grau de
burocratização e incentivaria a criação de uma administração do tipo profissional.
Estas considerações demonstram que os elementos do tipo ideal burocrático weberiano
não formam um conjunto de características inter-relacionadas. Por isso, Stinchcombe conclui
que a administração racional divide-se em dois tipos: a administração burocrática e a
profissional. Ambas seguem o princípio de competências fixas e ordenadas por regras, mas
enquanto na administração burocrática as regras são determinadas pela organização, no
modelo profissional do setor de construção, elas decorrem dos sindicatos, dos acordos
coletivos de trabalho e das regras de licenciamento para a construção. Em ambas as formas de
administração as tarefas são distribuídas de forma fixa para cada cargo, assim como a
24
autoridade para comandar, sendo que em um modelo as tarefas são pré-determinadas pela
organização e no outro, fixadas pelo contrato.
A diferença entre as duas formas de administração reside na metodologia para regular
a contínua execução das tarefas, característica exclusiva da administração burocrática. Desta
regularidade derivam os demais atributos do modelo burocrático. Em primeiro lugar, figura a
hierarquia e a conseqüente idéia de controle por meio da supervisão hierárquica. No setor de
construção não há níveis de supervisão, pois não haveria meios de apelar da decisão do
subcontratado para o administrador do projeto ou para seu cliente. Os objetivos do
subcontratado são determinados pela autoridade superior via contrato, mas seu trabalho não é
supervisionado e nem suas decisões podem ser contestadas quanto à forma de execução. Da
estabilidade do empreendimento, também, decorre a característica de controle por meio da
documentação. Verifica-se que estas três características são inter-relacionadas: continuidade,
hierarquia e documentação. Elas estão presentes na indústria de produção em massa, mas não
no setor de construção.
Logo, algumas das características do tipo ideal referem-se à burocracia em si e outras
derivam de postulados gerais de racionalidade. É o caso (i) da separação do profissional da
posse do cargo, (ii) da alocação do pessoal por critério de competência (a diferença entre o
setor público e privado é que no primeiro exigem-se exames e no segundo a competência é
constatada no próprio mercado de trabalho), (iii) pagamento de salário (enquanto no modelo
burocrático o pagamento é compatível ao lugar na hierarquia, no tipo profissional a
remuneração é dada pela performance).
Uma característica restrita ao modelo burocrático é a ocupação permanente do cargo,
que também decorre da estabilidade do negócio. Ainda, as regras têm fontes diversas;
enquanto no modelo burocrático há regulação pela organização, no profissional o status vem
do mercado de trabalho. Estas diferenças também marcariam a distinção entre público e
privado, mas Stinchcombe não se aprofunda nesta diferenciação.
25
Tabela 2
As duas formas de administração racional segundo Stinchcombe
ADMINISTRAÇÃO RACIONAL
Separação entre cargo e funcionário
Jurisdição fixa e oficial ordenada de acordo com regulamentos.
Autoridade estável.
Carreiras: alocação por competência e pagamento de salário
Administração Burocrática Administração Profissional
Metódica provisão das tarefas. Segue as
características weberianas de continuidade,
supervisão hierárquica, controle documental,
comprometimento da carreira com a
organização. Estas características objetivam
conferir estabilidade à comunicação em
organizações perenes.
As relações são determinadas por contrato,
para períodos determinados, com poucos níveis
hierárquicos, supervisão pelo contrato,
comprometimento do profissional em função do
mercado de trabalho. Estas características
visam a assegurar eficiência da organização
em contextos de instabilidade.
Fonte: sistematização das características mencionadas em Stinchcombe (1959).
Assim, para Stinchcombe, quando Weber menciona na obra “Ensaios de Sociologia”
(2002, p. 138) os pressupostos e causas da burocracia, ele refere-se à administração racional.
Estes pressupostos são condições que facilitam a continuidade das organizações e a
institucionalização de sua legitimidade e de seu status. Na administração profissional essa
continuidade decorre das instituições profissionais que controlam determinado mercado de
trabalho e determinam as regras de competência, de disciplina e de status profissional.
A abordagem de Stinchcombe sobre as duas formas de administração racional elucida
algumas questões sobre a burocracia ‘Profissionalmente Orientada’, mas também indica as
limitações do modelo de Silberman.
Primeiro, Silberman não dialoga com o tipo ideal weberiano, como faz Stinchcombe.
Limita-se a identificar que o processo de burocratização sofreu variações conforme o país; em
alguns, a burocracia seguiu o modelo weberiano e, em outros, haveria uma mescla de
administração patrimonial com a racional-legal. Neste ponto parece haver uma sobreposição
de teses que deve ser esclarecida.
Silberman sugere que a burocracia profissional possui traços patrimonialistas, o que
fica evidente no estudo de caso sobre os Estados Unidos, a ser apresentado no item 1.3.2. Esta
burocracia profissional seria um tipo específico de administração racional. Ocorre que este
argumento não encontra respaldo em Stinchcombe, para quem a administração do tipo
26
profissional é puramente racional-legal. Não há no seu artigo menção à discussão sobre os
tipos de autoridade ou sobre a permanência de traços patrimonialistas nesta modalidade de
administração.
Falta clareza à perspectiva adotada por Silberman, pois o autor não aprofunda a idéia
de que uma administração com traços patrimonialistas pode ser racional, mas também não
adota explicitamente a tese de Stinchcombe quanto ao modelo profissional. Daí a falta de
precisão do modelo. Para Stinchcombe, a administração racional divide-se em burocrática e
profissional. Silberman não esclarece a matriz do que denomina tipos de burocracia, uma de
orientação organizacional, que nada mais é que o tipo ideal de Weber, e outra profissional. O
que é certo é que a burocracia profissionalmente orientada não tem como referência o diálogo
com o tipo ideal de burocracia descrito por Weber.
Um segundo questionamento apresenta-se quanto à adaptação da administração
profissional de Stinchcombe para o setor público. Silberman adotou sua característica
principal, o papel da associação profissional na determinação das regras de exercício da
profissão, em lugar da organização tipicamente burocrática. Entretanto, não faz referência ao
fato de o modelo original ter sido deduzido do setor privado (especificamente, do setor de
construção civil) e, mais que isso, do pressuposto de instabilidade econômica para seu
desenvolvimento. Se, para Stinchcombe, o modelo profissional surge em situações de
instabilidade, como justificar sua existência na administração pública que é perene por
natureza? E qual o fundamento de Silberman para associar a burocracia profissional a
contextos de baixa incerteza, como será apresentado a seguir? Estes pontos não são
esclarecidos pelo autor de modo explícito, mas é possível identificar as adaptações que foram
realizadas, o que será feito quando forem examinadas as burocracias constituídas em
contextos de baixa incerteza.
Uma terceira crítica impõe-se com relação às diferentes características da
administração profissional de Stinchcombe e da burocracia profissional de Silberman. No
primeiro modelo há um mercado de trabalho regulado pela associação profissional e uma
forma de organização da produção baseada em relações contratuais e com poucos níveis
hierárquicos. No segundo, ainda que possa haver uma ascendência de associações
profissionais (Silberman não esclarece em que medida isto ocorre), o trabalho é executado
dentro de uma organização pública, que em geral segue as regras de documentação e de
supervisão hierárquica. Os dois autores tratam de tipos distintos em contextos idem e,
novamente, não é possível verificar como foi deduzida por Silberman a burocracia
profissionalmente orientada.
27
Ao contrário da bibliografia de estudos organizacionais que menciona, Silberman não
relaciona as variações do tipo de burocracia com a estrutura das organizações. Não é possível
identificar as diferenças entre a organização onde prevalece a burocracia profissional daquela
organizacional. Aparentemente, as organizações seguem o tipo ideal de Weber para a
burocracia, variando no modelo profissional apenas a mobilidade interna e de entrada e saída.
Contudo, esta não seria uma lacuna da análise do autor, pois sua opção teórica restringe-se a
demonstrar a existência de duas formas de burocracia no setor público, as quais seriam
decorrentes de decisões racionais dos políticos em contextos de alta e baixa incerteza.
Necessário ponderar que a discussão sobre a existência de um modelo de burocracia
profissional, como alternativa ao tipo ideal burocrático, remonta à Parsons, para quem Weber
teria consolidado no tipo ideal a autoridade burocrática, fundamentada na hierarquia, e a
profissional, assentada na especialização técnica. A partir daí começaram as pesquisas sobre
a ausência de conexão entre os elementos do tipo ideal burocrático e sobre a crescente
profissionalização da administração pública, debate que Silberman não aborda.
9
Feitas estas considerações, verifica-se que Silberman adota o modelo de
Stinchcombe, mas o insere em outro contexto, o da formação do Estado Moderno, e sob outra
premissa: a de que o tipo de burocracia é conseqüência de decisões racionais dos governantes
no sentido de superar as incertezas da sucessão política. Nestes termos, o mérito de Silberman
não foi identificar os dois modelos, mas levantar a tese de que a variável chave são as
escolhas racionais dos governantes feitas em contextos de incerteza para assegurar sua
permanência no poder.
Como ressalta o próprio autor, a burocracia profissional e a organizacional não se
referem a eventos históricos e não foram deduzidas dos países estudados. Seus estudos de
caso irão demonstrar que nem sempre a burocracia se encaixa com precisão em um dos
modelos, embora Silberman se esforce para demonstrar a validade da fórmula. Essas
incongruências serão mencionadas na discussão sobre a incerteza, no item 1.3.
Na seqüência, será analisado como Silberman relaciona as decisões dos governantes
em contextos de alta e baixa incerteza com a formação de burocracias do tipo organizacional e
9
Sobre o assunto, vide Toren (1976). No artigo “Bureaucracy and Professionalism: a reconsideration of Weber's
thesis” a autora sintetiza as discussões sobre a matéria e conclui, considerando o resultado de outros estudos, que
as autoridades hierárquica e profissional ocorrem conjuntamente nas burocracias racionais. Afirma que a relação
entre competências administrativas e técnicas é mais eficiente do que cada uma delas isoladamente. Desta forma,
não haveria a antinomia entre burocracia profissional e organizacional da forma mencionada por Stinchcombe
(1959) e Silberman (1993).
28
profissional. Sua tese é a de que a racionalização burocrática é antes de tudo uma resposta
para problemas políticos, mais do que econômicos ou sociais.
1.2 A incerteza como causa da racionalização
1.2.1 As teorias sobre a incerteza
SILBERMAN revisa a literatura sobre o processo de racionalização a fim de
demonstrar que as diversas correntes não conseguem justificar as diferenças entre as
organizações. A seu ver, há três grandes grupos de explicações sobre o processo de
racionalização: (i) necessidade de coordenação, (ii) incerteza ou racionalidade limitada e (iii)
seleção natural.
Para o primeiro, a burocratização é uma resposta aos custos da descoordenação
decorrentes do tamanho da organização, da complexidade social e econômica, da inovação
tecnológica, da guerra, entre outros. Segundo esta teoria, a burocracia estatal seria resultado
das demandas de coordenação do sistema sócio-econômico pelas elites e grupos econômicos.
A burocratização asseguraria maior informação, melhor alocação de recursos e redução do
oportunismo, além de conferir maior eficiência para a tomada de decisões e permitir o
controle organizacional. São representantes desta vertente, conforme menção de Silberman
(1993, p. 19), Dahl (1963), Blau (1970), Parsons (1964) Coase (1960), dentre muitos outros.
Esta explicação não analisa a organização burocrática, mas restringe-se a identificar os
fatores que acarretam problemas de coordenação. Isto conduz à suposição de que o aumento
da complexidade produz automaticamente a organizações mais racionais, o que nem sempre
se verifica na realidade. Além disso, ao considerar que as organizações surgem apenas pela
necessidade de coordenação, são descartados outros fatores sociais que também podem
interferir na sua formatação.
Por esta razão, Silberman reitera o exemplo da França e Japão, onde a questão da
coordenação econômica decorrente da divisão do trabalho era consideravelmente menor e
menos intensa em 1870 e 1880, quando o processo de racionalização foi institucionalizado, do
que aquela observada nos Estados Unidos e Grã-Bretanha, em que a industrialização já estava
mais avançada. Assim, a racionalização naqueles países não parece ter ocorrido em função do
aumento da complexidade.
Portanto, o autor defende que os problemas de coordenação governamental podem não
decorrer simplesmente de falhas de mercado ou problemas de coordenação. Estes problemas
podem ser resultados de decisões conscientes tomadas por organizações burocráticas para
29
atingir objetivos politicamente determinados: “Nesta situação, problemas de coordenação não
são a causa da burocratização, mas um sintoma do próprio processo”. (SILBERMAN, 1993,
p. 29)
A segunda explicação, baseada na incerteza e na racionalidade limitada, entende que a
burocracia seria a forma de maximizar os resultados, seja ele o lucro e a eficiência econômica,
seja o poder político. Em relação à questão política, a incerteza está relacionada a uma
mudança de liderança nas organizações em um contexto em que não haja regras claras para a
sucessão ou as regras que existem sejam revogadas. Nestas condições, a racionalidade
limitada dos líderes faz com que eles tentem manter seu poder e status recorrendo a regras de
decisão que sejam objetivas e não personalistas. Por isso, Silberman relaciona os contextos de
incerteza com a ascensão da expertise como garantia de legitimidade das decisões. A posse de
determinado conjunto de conhecimentos sobre a organização e sobre os meios de atingir os
objetivos tornou-se quase uma ideologia da ação administrativa. A burocratização seria um
produto das elites para manter o poder em face da incerteza, maximizando a segurança de sua
posição. Dentre os autores que seguem esta corrente figuram Crozier (1964), Selznick (1949),
Habermas (1975). (SILBERMAN, 1993, p. 21)
Outra perspectiva teórica sobre a incerteza afirma que a burocratização pretende
maximizar a utilidade da organização. Uma das formas de superar os custos de transação é
internalizar as atividades na própria organização, o que promove maior informação, controle e
previsibilidade, afastando o oportunismo. A versão da ciência política para esta vertente é a
teoria da agência, segundo a qual a burocratização seria uma forma de superar externalidades
negativas. Esta literatura tende justificar o formato das organizações ora com base nas
decisões dos agentes, ora em função dos constrangimentos conjunturais. Em geral, a
burocracia é funcional para diminuir os custos de transação e aumentar a previsibilidade do
comportamento.
A terceira explicação para o processo de racionalização é a da seleção natural. A teoria
defende que a necessidade de sobrevivência faz com que sejam selecionadas algumas formas
de organização em detrimento de outras. Para uma primeira vertente, a burocratização
resultaria de condições históricas e aspectos culturais estruturais. De acordo com Silberman,
esta seria a tese de Weber, segundo a qual alguns sistemas teriam se desenvolvido no sentido
de formar valores e uma estrutura social que tornaram possível a emergência da burocracia
racional-legal. Assim, contextos de grande incerteza providenciariam soluções variáveis,
algumas das quais seriam bem sucedidas e, por esta razão, reproduzidas em muitas outras
organizações. Outros estudos complementam que a adaptação das organizações é resultado da
30
interdependência entre as escolhas individuais, as escolhas estratégicas e os constrangimentos
externos.
Observa-se que as explicações da seleção natural e da racionalidade limitada
aproximam-se ao considerarem que as variações da burocracia são resultado da incerteza
sobre a autoridade, poder e estabilidade.
A seleção natural reconhece que há mais de um tipo de burocracia, mas é falha por não
explicitar os critérios que determinam a escolha de determinadas organizações e por não
demonstrar porque as decisões organizacionais podem ser ou não convergentes. Mencionam-
se como representantes desta explicação Weber, Bendiz (1964), Stinchcombe (1965).
(SILBERMAN, 1993, p. 26 e segs.)
A partir destas observações Silberman conclui que estas teorias não explicam o
processo de burocratização e a razão pela qual as instituições adotaram formas distintas.
De toda a literatura sobre o processo de burocratização, o autor identifica três temas
comuns. Primeiro, o da incerteza sobre a disponibilidade e adequada utilização dos recursos,
sobre a legitimidade da autoridade, custos de transação, ambiente organizacional,
estabilidade, poder ou status. Segundo a racionalidade limitada (informação imperfeita),
relacionada à disponibilidade da informação e capacidade de encontrar a melhor solução.
Terceiro, a internalização, que é a forma processual pela qual a burocratização ocorre,
incorporando tanto as externalidades positivas quanto os custos de transação, as informações e
os recursos. A internalização também pode ser entendida como a responsável pela emergência
da hierarquia, especialização e diferenciação e estruturas de carreira.
Este três temas recaem nos fatores que constrangem as decisões: as escolhas racionais
dos decisores para maximizar seus interesses e os da organização e fatores conjunturais, aos
quais a organização responde de forma a assegurar sua sobrevivência e maximizar seu
crescimento.
Segundo o autor, os dois fatores devem ser considerados, pois se apoiar apenas na
escolha racional é ignorar as diferenças na institucionalização das burocracias. No outro
extremo, depender apenas das macro-explicações leva à conclusão óbvia de que diferentes
ambientes produzem modos diferentes de institucionalização, mas não explica quais os fatores
condicionantes para cada modo. As macro-explicações apenas permitem distinções genéricas
entre contextos de maior ou menor incerteza e ajudam a explicar, como fez Weber, as
diferenças entre os tipos tradicional e racional de burocracias.
Os três temas - incerteza, racionalidade limitada e internalização - estariam
relacionados, no processo de desenvolvimento dos Estados, à questão da sucessão política,
31
que seria determinante para a forma adotada pelas organizações burocráticas do setor público.
Este item procurou demonstrar que, de acordo com Silberman, as teorias sobre o
processo de racionalização não investigam por que as organizações podem adotar formatos
distintos, contentando-se em apontar as causas da burocratização. Embora considere estas
explicações insuficientes, o autor identifica que há três temas recorrentes (incerteza,
racionalidade limitada e internalização) que dizem respeito a decisões tomadas pelos agentes
e aos constrangimentos do ambiente. No processo de formação dos Estados estes três temas
referem-se ao processo de sucessão política, conforme será analisado na seqüência.
1.2.2 Incerteza e sucessão política
Em sua análise, Silberman qualifica a incerteza como a maior ou menor presença de
regras governando o comportamento dos agentes, e a conseqüente capacidade de prever com
maior ou menor exatidão o resultado das escolhas. É similar ao conceito de risco – um estado
em que a informação completa não está disponível, mas há informação suficiente para
determinar as probabilidades e, então, selecionar a melhor solução.
Dadas estas premissas, o autor procura demonstrar que a burocratização ocorre em um
contexto de incerteza persistente ou risco no ambiente, revelando a inadequação das regras
vigentes para tomar decisões, e provocando iniciativas para que sejam criadas novas regras
que produzam maior previsibilidade. Em outras palavras, a burocratização nasce das escolhas
racionais feitas em um contexto em que o processo de decisão tem sido problemático. A
solução para estes problemas é determinada pelo ambiente ou contexto institucional, cujas
estruturas orientam as decisões. (SILBERMAN, 1993, p.34).
Logo, a mudança estrutural é moldada pela interação entre as escolhas individuais e os
constrangimentos ambientais. O argumento do autor é o de que as formas profissional e
organizacional de burocratização representam duas estratégias para lidar com os mesmos
problemas em ambientes distintos.
Esta abordagem exige esclarecer quem determina as escolhas sobre a alocação de
recursos escassos e sobre o desenvolvimento das instituições. Para Silberman, o alto escalão
do serviço público (upper-level civil servant) seria o responsável pelas decisões que
condicionaram o formato das burocracias. Como já dito, não há uma definição precisa de
quem integra este alto escalão. Da descrição dos estudos de caso, verifica-se que a referência
é ao poder executivo, abrangendo tanto as nomeações políticas quanto funcionários de
32
carreira. A pretensão do autor, ao que parece, é destacar que o tipo de burocracia constituído
é conseqüência de decisões do executivo.
10
A questão a ser analisada é o caminho que os governantes tomam para criar estruturas
que perpetuem os processos de tomada de decisão. O pressuposto é o de que estas decisões
visam a sustentar ou aumentar seu status, poder e bem-estar pessoal, isto é, o de que as
escolhas sociais significativas são feitas de forma auto-interessada, de forma que indivíduos
tentarão dedicar consideráveis recursos para manter-se no poder. Assume-se ainda que os
indivíduos não façam escolhas excêntricas. Indivíduos na mesma condição tenderão a adotar
escolhas semelhantes, sendo que o leque de escolha é sempre limitado em algum grau pela
estrutura institucional e suas normas.
A partir destes pressupostos o autor pretende descobrir a variável independente que
conduz a um tipo ou outro de organização burocrática. Para isso, ele procurou situações
históricas que se ajustassem em um modelo ou outro. Na análise dos casos, Silberman
verificou que no modelo profissional as reformas administrativas e a existência de uma
oposição política são elementos centrais do processo. Já no modelo organizacional, o processo
de racionalização parece mais influenciado pela diferenciação institucional e pela busca de
especialização e autonomia. Haveria, portanto, diferenças sistemáticas entre os dois modelos.
Diante destas premissas, compete identificar o problema recorrente em uma larga
variedade de estados no século dezenove que produziu a racionalização da administração
como solução.
Para Silberman no caso das burocracias estatais, é duvidoso que o problema central
tenha sido a eficiência alocativa, porque não há mercado para testar a eficiência em termos de
preço. Ainda que o governo decida sobre a redistribuição de recursos, não há razão para serem
consideradas eficientes, ainda que haja objetivos especificados. Como o Estado é um
monopólio e na administração estatal não há competição, a eficiência de suas operações não é
um problema recorrente, a não ser para os membros da oposição.
Tanto a hierarquia quanto os critérios de recrutamento da burocracia estatal não
parecem estar relacionados à questão da eficiência da distribuição dos recursos estatais. Bem
ao contrário, muitas vezes as características da administração racional-legal produzem
ineficiência e conflito. Além disso, se a eficiência organizacional fosse o problema recorrente,
seria razoável esperar que variáveis relacionadas à eficiência operacional resultassem em
organizações muito similares.
10
Entretanto, nos estudos de caso, nem sempre é esclarecido o papel do governante, da burocracia e do
legislativo.
33
Como o problema recorrente da vida organizacional do Estado não é nem a eficiência
alocativa, nem a operacional, Silberman coloca que uma possibilidade é o contexto histórico
em que cada tipo de burocracia institucionalizou-se, com destaque para as crises de sucessão
de lideranças ocorridas no período.
Supõe-se que o processo de sucessão de liderança (quando total ou parcial) não é
apenas a substituição mecânica das elites. Ele pode implicar a substituição dos meios e
critérios para selecionar os líderes. Quando esta substituição é feita, deve haver novos arranjos
institucionais para o processo de seleção, que alteram também a forma como as decisões são
tomadas.
As regras sobre a sucessão de lideranças estão intimamente ligadas ao tipo de
informação considerada apropriada para a tomada de decisão, como já demonstrara Weber.
Por exemplo, a relação entre autoridade tradicional e costume como processo de decisão não é
gratuito. O costume foi o meio adotado para tornar as decisões previsíveis. O conhecimento
dos costumes não era confiado a qualquer um, mas àquele que o aplicava e que tinha sido
treinado para fazê-lo. Daí o nascimento como meio de assegurar que os costumes não fossem
contestados. No modelo racional-legal, a nova base para as decisões tornou-se a educação em
lugar da origem, a publicidade do conhecimento e não sua ocultação. O resultado foi que o
processo de sucessão política passou a ser relacionado a um novo critério de elegibilidade.
Logo, a mudança na estrutura da liderança pressiona pela reconstrução do processo decisório.
A substituição de lideranças ou crise na sucessão também oferece oportunidade para a
reconstrução da relação entre estado e sociedade civil. Nos Estados Unidos, por exemplo,
havia, já no século XIX, regras bem definidas, orientando a sucessão política, mas mesmo
assim permaneceria o problema da incerteza dos resultados das eleições. Logo, a volatilidade
eleitoral foi um dos primeiros incentivos para promover reformas administrativas que
procuraram regular as opções dos cidadãos e remover algumas destas escolhas da arena
pública para colocá-las nas mãos dos administradores, reduzindo as fontes de contestação. A
oposição partidária também oferece oportunidades para a mudança de regras, mas não na
mesma dimensão de uma substituição total da liderança.
Isto sugere que o problema recorrente dos estados nos séculos dezenove e vinte era o
dilema da sucessão política e o nível de incerteza quanto ao exercício do poder.
Silberman distingue situações de alta incerteza daquelas de baixa incerteza. As
primeiras são aquelas em que há pouca informação sobre as regras decisórias, mas suficiente
para avaliar a probabilidade de algumas escolhas. A incerteza é elevada quando as regras para
selecionar os líderes políticos foram suspensas ou dissolvidas, com substituição total ou
34
parcial das lideranças. Situações de baixa incerteza caracterizam-se pela existência de regras
vigentes que permitem estimar os resultados das escolhas. Pressupõe-se que há um sistema de
seleção de líderes bem articulado e que o sistema eleitoral é altamente previsível, embora o
vencedor não o seja.
Pode-se argumentar que a sucessão política sempre significou risco em qualquer época
e sociedade e, nem por isso, originou administrações burocráticas. Qual a diferença do
contexto do século XIX em que a incerteza sobre as regras que governam a sucessão política
foi suficientemente alta para produzir a transformação da estrutura organizacional?
Para Silberman esse fator foi a institucionalização da igualdade, que aumentou
sobremaneira a incerteza. Observa-se, nos Estados Unidos e Grã-Bretanha, que o risco da
sucessão política cresceu por conta da extensão do direito ao voto e expansão do número de
cargos eletivos. O resultado das eleições se tornou incerto, mas a legitimidade dos resultados
do processo é que torna o sistema eleitoral, em si, de baixa incerteza. Outra razão para a baixa
incerteza é o fato de as liberdades políticas e civis não serem afetadas pelo resultado das
eleições. Os perdedores não sofrem risco de vida ou de afastamento definitivo da vida
política. Logo, as liberdades civis e políticas reduzem os riscos para a liderança.
Nos países em que houve mudança da liderança política através de revolução a
igualdade acarretou a revogação da liderança por nascimento ou classe e abriu a oportunidade
para que vários demandassem o poder. Como os critérios anteriores estavam relacionados à
busca de objetivos privados, a saída teria sido incorporar a igualdade como meio de perseguir
o interesse público.
A estratégia, neste caso, foi dividir a igualdade em política e técnica. Na primeira
vigora a noção de liberdades políticas, que permite a qualquer indivíduo a chance de perseguir
seus interesses ou ser selecionado como representante de interesses. A segunda baseou-se na
idéia de que a representação pública deve basear-se no mérito, determinado como algo
objetivo – a idéia de que o público é importante demais para ser deixado ao público. Na
igualdade administrativa, os indivíduos têm, em tese, igual chance de alcançar o que se
entende por mérito, que deixa de estar relacionado ao nascimento para residir na certificação
educacional.
Assim, observam-se duas situações. Nos casos britânico e americano, a igualdade
decorre do direito civil, como o direito de celebrar contratos, sendo vista como forma de
limitar a atuação estatal. Já na França e no Japão, a igualdade emerge como escolha
estratégica dos líderes para estabelecer seu direito de tomar decisões. O fato de ser uma
igualdade não regulada produziu altos níveis de incerteza por aqueles em disputa de poder,
35
muito mais alto que nas situações em que a igualdade estava mediada e mantida em canais
bem estabelecidos do direito civil e das liberdades civis.
Logo, no século dezenove, observou-se a emergência da equidade, o que aumentou os
níveis de incerteza sobre a sucessão política a níveis mais elevados do que já teria sido no
passado. Esta igualdade foi resultado de dois contextos distintos: condição revolucionária e
expansão da igualdade econômica para o campo político. Estas duas condições criaram os
ambientes de alta e baixa incerteza, cujos resultados, respectivamente, são a formação de uma
burocracia organizacional e profissional.
Outro fator que teria contribuído para aumentar a incerteza no século XIX foi, segundo
Silberman, a necessidade de distinguir a sociedade do Estado, o público do privado, que teria
gerado dois problemas. O primeiro foi a disparidade entre a igualdade civil dos indivíduos e a
continuidade da desigualdade política, o que tornou imperativo redefinir as fronteiras entre
igualdade social, econômica e política. O outro desafio foi estabelecer o caráter público do
Estado em substituição ao princípio absolutista de legitimidade política. Para o autor, a
demonstração do caráter público não decorreu da necessidade de convencer a sociedade de
que o Estado teria o direito de exercer o monopólio da violência, mas para diminuir as
incertezas de uma administração dependente da lealdade pessoal como fundamento de
obediência.
11
Sobre a publicidade, observe-se que ela não está diretamente relacionada à questão da
sucessão política, mas aos meios de administração. Conforme será apresentado na seqüência,
a necessidade de imprimir um caráter público ao Estado é mais decisiva para a formação da
burocracia que a institucionalização da igualdade. Note-se também a incongruência do
argumento: Silberman reconhece que o caráter público do Estado era uma demanda social,
seja porque contrastava com a igualdade civil, seja porque se tornou o novo fundamento de
legitimidade política (quem governa, o faz em nome do povo e para o povo). Sendo assim, ao
contrário do que afirma o autor, não se tratou apenas de uma escolha racional dos governantes
para substituir uma administração baseada em lealdades e, portanto, imprevisível, por outra
que possuiria uma ética específica para o serviço público. No histórico dos países estudados,
em várias ocasiões o autor se contradiz ao mencionar a publicidade como uma aspiração
social à qual os líderes políticos devem aceder para legitimar seu governo.
11
Essa observação sobre a tensão entre o público e privado como fator que aumentou a incerteza no século XIX
nos países desenvolvidos, só aparece nas conclusões do trabalho de Silberman. Ao longo da obra, o autor
menciona que os critérios de recrutamento e de atuação da burocracia são alterados com o objetivo de se conferir
publicidade à atuação do Estado, mas apenas no final do texto é que o autor explicita o lugar da tensão entre o
público e o privado na sua teoria. (SILBERMAN, 1993, p. 418).
36
Outrossim, a definição dos contextos de alta e baixa incerteza suscita
questionamentos. A associação entre as incertezas quanto à sucessão política e decisões
estratégicas de configuração da burocracia constitui a contribuição do autor, diferenciando sua
tese das explicações vigentes sobre o processo de racionalização. Contudo, parece haver uma
imprecisão em distinguir os dois contextos pelo grau de incerteza, conceito subjetivo. A
diferença fundamental entre ambos é a existência ou não de regras sobre a sucessão eleitoral,
que suscitariam incertezas diferentes, não necessariamente qualificáveis como maior ou
menor. É possível que a volatilidade eleitoral e as próprias regras sobre as eleições acarretem
uma grande incerteza, ao passo que uma ruptura institucional pode contar com relativo apoio
para se legitimar. Logo, não é automática a relação entre revolução e alta incerteza e sistema
eleitoral e baixa incerteza. A incerteza é maior ou menor conforme a força da oposição ao
governante, que pode variar tanto em situações de revolução quanto em sistemas eleitorais
estáveis.
12
Entende-se que seria mais adequado afirmar, em lugar do termo alta/baixa incerteza,
que os dois tipos de burocracia foram constituídas a partir de decisões racionais dos
governantes em dois contextos, o revolucionário ou de ruptura institucional e o de sistemas
eleitorais estáveis, que trazem riscos (e não incertezas) distintas.
De acordo com Baert (1997), na abordagem da escolha racional entende-se que o risco
é mensurável, o que permite calcular os resultados das possíveis soluções ao passo que a
incerteza seria a situação em que não é possível fazer cálculos racionais. Por essa razão,
embora se trate apenas da terminologia, entende-se que ‘risco’ seria mais apropriado.
13
1.3 Os contextos de alta e baixa incerteza e as duas formas de burocracia
O objetivo deste capítulo é demonstrar como Silberman combinou a variável da
alta/baixa incerteza com os dois tipos de burocracia. Conforme será demonstrado, o autor
considera os constrangimentos ambientais ou institucionais que geram a incerteza como o
12
Definir contextos históricos como de alta ou baixa incerteza dificulta a aplicação da teoria a outros países. Na
análise do caso brasileiro demonstrar-se-á que a Revolução de Trinta e o golpe de 1937, apesar de
interromperem o regime democrático, em função do uso da força e do apoio de vários segmentos da sociedade,
resultou em um ambiente de ‘baixa incerteza’. O argumento será apresentado no item 2.2.1.
13
De acordo com BAERT (1997): “Os teóricos da escolha racional conceituam informação imperfeita por meio
da distinção entre ‘incerteza’ e ‘risco’[...]. Enfrentando risco, as pessoas são capazes de atribuir probabilidades
aos vários resultados, ao passo que, confrontadas com situações de incerteza, não são capazes de fazê-lo. Os
teóricos da escolha racional tendem a se concentrar em situações de risco por duas razões: eles podem afirmar
que as situações de incerteza não existem; ou podem sustentar que se elas existissem a teoria da escolha racional
seria incapaz de dar conta da ação dos indivíduos. A teoria da escolha racional, enfim, assume que as pessoas são
capazes de calcular a ‘utilidade esperada’ ou o ‘valor esperado’ de cada ação quando enfrentam risco.”
37
contexto no qual membros do Poder Executivo tomam decisões racionais no intuito de
assegurar sua permanência no poder.
De acordo com o autor, a escolha racional nunca ocorre de forma isolada ou
independente, mas é condicionada pela cadeia de escolhas a qual pertence. Um problema
exige dos políticos determinada resolução que, por sua vez, cria novos problemas
demandando novas soluções. Este processo continua até que haja uma coleção razoável de
soluções, ou um equilíbrio estrutural.
Além disso, considera que as incertezas são internalizadas pelas instituições, de forma
que as escolhas estratégicas feitas pelos antecessores são consideradas apropriadas pelos seus
sucessores. Sucessivas gerações de políticos consideram elevados os custos que produziram
as soluções passadas, de modo que evitam alterá-las. Por isso, constroem sobre a estrutura
que já existe. O processo se encerra quando ocorre o fechamento da estrutura, isto é, quando
a accountability do alto escalão está assegurada. Uma vez que isso tenha ocorrido, a incerteza
política exógena – perturbações no ambiente político – tende a ser subsumida com pouco
efeito sobre a estrutura burocrática. O equilíbrio da burocracia racional torna-se
institucionalizado a ponto de transformar-se num valor social.
14
Este processo ficará mais claro a partir da descrição do processo de racionalização da
França, como exemplo de alta incerteza e Estados Unidos e Grã-Bretanha para ilustrar
contextos de baixa incerteza, que serão sucintamente apresentados. Considera-se relevante
mencionar como foram construídos os casos porque será empregada análise semelhante para
o contexto brasileiro.
1.3.1 Estratégias de alta incerteza:
Em contextos de alta incerteza, os líderes enfrentam problemas de legitimidade, pois
não está claro quem decide as regras e quais são elas. Seu desafio é manter-se no poder, e a
solução é elaborar um sistema decisório que, combinado com uma nova estrutura de seleção
de líderes, torne as decisões mais previsíveis. A revolução também traz o problema da
equidade, eis que a origem ou classe deixa de ser o critério para a elegibilidade. A questão,
então, é elaborar um novo critério de legitimidade que justifique o mando por aqueles que
assumiram o poder.
14
Essas considerações são feitas ao final da exposição da teoria por Silberman, e não como um pressuposto para
enunciá-la, como seria de se esperar. As observações do autor sobre escolha racional e sobre a tendência de
equilíbrio do sistema se resumem ao descrito neste parágrafo e no anterior. (SILBERMAN, 1993, p. 81).
38
Silberman supõe que, para o novo governo legitimar-se no poder, são necessárias duas
medidas iniciais: (i) a criação de um sistema eleitoral que permita a manifestação das
maiorias, de forma a satisfazer a comunidade e (ii) a divulgação do ideário da revolução,
associado à noção de progresso e à solução para os problemas sociais então existentes.
Feito isso, compete ao governante decidir como irá governar, isto é, como construirá
uma estrutura administrativa que viabilize o exercício do poder e diminua as incertezas. Uma
primeira hipótese é o uso da força. Contudo, esta alternativa não prescinde da definição de um
quadro administrativo, ainda que a opção seja pelo isolamento do governo em relação à
sociedade. Uma segunda hipótese é apostar em uma estrutura administrativa como forma de
controle do governo.
Quem escolher para integrar esta estrutura administrativa? Quais os critérios e a forma
de seleção? Esta questão é estratégica para o governante manter-se no poder e, por esta razão,
procurará fazer escolhas que afastem as incertezas.
Uma primeira opção é nomear todos os cargos pelo critério de lealdade, seja pela
substituição de todos os líderes do regime anterior, seja pela centralização de funções no
núcleo central do governo, mantendo os líderes anteriores à revolução. Ocorre que a lealdade
é uma estratégia de curto prazo, pois acarreta falta de imparcialidade e de continuidade e tem
pouca legitimidade em função da mistura entre interesses públicos e privados. Ainda, a
patronagem dificulta a uniformidade, a publicidade e a previsibilidade das decisões e gera
disputas internas pelas nomeações. Em suma, não constitui a decisão mais racional para o
longo prazo.
A estratégia para o longo prazo é a criação de um quadro de líderes homogêneo e
comprometido com a organização por meio de uma estrutura de carreiras. Elas têm a
vantagem de conferir previsibilidade e uniformidade às decisões, o que significa maior
controle do governo, mas, principalmente, lhe asseguram legitimidade ao associá-lo à
satisfação do interesse público. Para tanto, segue-se a configuração do tipo burocrático
weberiano quanto à separação do funcionário do cargo e à noção de expertise. A prevalência
do conhecimento técnico afasta uma série de matérias da política, blindando o líder da
responsabilidade sobre assuntos controversos. Neste esquema, a ciência substitui o auto-
interesse, e a administração, a política. Soluciona-se também a questão da equidade, pois o
mérito passa a ser aferido pela aplicação de critérios objetivos de inteligência e habilidades.
Esta estrutura administrativa possui o papel de manter a integridade das instituições e
protegê-las de interesses externos, o que é feito através da homogeneidade das lideranças e do
comprometimento organizacional. A homogeneidade é alcançada pela definição de padrões
39
elevados de elegibilidade, a fim de que a elaboração e implementação de políticas sejam uma
tarefa para aqueles que possuem uma formação educacional muito específica e diretamente
controlada pelo Estado. O risco da adoção desta estratégia é o surgimento de um monopólio
da função pública por burocratas de carreira, o que pode limitar o papel dos políticos e
permitir a busca de interesses privados. Esta ameaça pode ser controlada por incentivos para o
comprometimento organizacional, como a estabilidade, salário, previsibilidade da carreira e
prestígio social.
As carreiras criadas em contextos de alta incerteza são, portanto, do tipo
organizacional. Dentre suas outras características figuram o controle da informação, pois os
indivíduos aprendem seu ofício no próprio exercício da função e as informações são
específicas para cada organização, o que é um incentivo para a lealdade. A promoção por
antiguidade é outro atributo que visa a conferir estabilidade à organização, mas pode também
tornar a ascensão vagarosa. Isso pode ser equacionado pela estruturas de carreiras com
ascensão rápida e aposentadoria precoce e pelo aumento do número de postos para tornar
mais previsível e possível a ascensão.
Um dos desafios é a nomeação para os cargos mais elevados, que acaba ocorrendo por
critérios políticos, contrariando a seleção por mérito. Aqueles não beneficiados pela promoção
podem criar facções para derrubar o líder nomeado, o que afeta a previsibilidade da carreira.
Volta-se ao problema da sobreposição de interesse privados sobre públicos.
Esta é a forma como Silberman descreve as estratégias possíveis dos líderes em
contextos de alta incerteza. Note-se que a racionalização, no seu entender, não ocorre por
questões de eficiência, mas para conferir autonomia à administração, a fim de salvaguardar a
liderança política da volatilidade da opinião pública. Este objetivo é atingido através da
criação de uma administração dominada e protegida pelas regras organizacionais. Ela isola a
organização dos riscos do ambiente, assegurando aos governantes a continuidade no poder, a
autoridade e a legitimidade. Neste contexto, a administração torna-se a promotora do interesse
público, que deixa de ser um problema político. E se as falhas estão na administração, cumpre
reformá-la para atingir os objetivos propostos.
É pertinente verificar como o autor aplica a teoria na análise do processo de
racionalização do estado francês. O contexto da França dos séculos XVIII e XIX é
considerado por Silberman como de alta incerteza, decorrente sobretudo da Revolução de
1789, que instituiu uma nova ordem política. Os líderes que tomaram o poder se confrontaram
com a dificuldade de centralizar e integrar a liderança, pois apesar do caráter de quase partido
dos Jacobinos, a França continuou a ser governada por notáveis, organizados por status e
40
riqueza. Os laços familiares, comunitários e religiosos dificultavam a criação de uma estrutura
de liderança nacional.
Do período entre a Revolução e a ascensão de Napoleão, Silberman destaca a
prevalência da lealdade como critério de nomeação para os cargos administrativos. Entretanto,
como a patronagem gerava divergências entre os ministérios e impedia a uniformidade das
decisões, começou a tornar-se um problema, agravado pela expansão da máquina
administrativa. A instabilidade política deste período teria sido compensada pela crescente
confiança nos regulamentos formais e pela valorização da antiguidade nos escalões mais
baixos, aspectos que conferiam alguma estabilidade e asseguravam a continuidade
administrativa.
Outro desafio enfrentado pelos novos líderes foi a institucionalização da igualdade
que, segundo Silberman, não era desejada pelos políticos por aumentar a incerteza sobre a
sucessão política. A igualdade teria sido incorporada ao sistema político como única
alternativa para substituir o critério de legitimidade do Antigo Regime. Por essa razão, a
igualdade prevista pela Constituição de 1791 foi sendo restrita a determinados estratos sociais,
o que também gerava instabilidade política, na medida em que era entendida como uma
arbitrariedade dos políticos. A organização de um sistema eleitoral envolvia ainda a disputa
entre centralização administrativa e as assembléias locais, cujos membros eram eleitos. Em
princípio, imaginou-se que a integração administrativa poderia ocorrer pela via eleitoral, mas
os Jacobinos não conseguiram construir uma estrutura partidária que alcançasse as
localidades. A solução foi retirar das assembléias a questão da integração para entregá-la a um
Comitê de Segurança Pública.
Napoleão deparou-se com o mesmo dilema da equidade versus a incerteza que ela
acarretava. Contudo, o voto limitado demonstrou não resolver o problema e a criação de
partidos trazia a ameaça do retorno dos jacobinos. Também, permanecia a questão da
integração administrativa, que não foi resolvida pela via eleitoral.
Nessas circunstâncias, a inovação de Napoleão, segundo Silberman, foi criar uma
estrutura administrativa legítima para definir o que é o interesse público, de tal forma que não
se trataria mais de uma imposição dos políticos aos governados e sim de decisões emanadas
de um ‘administrador ideal’, capaz de identificar as preferências individuais e organizá-las
conforme sua prioridade. O princípio era o de que o interesse público era importante demais
para ser delegado a um grupo de representantes e seus interesses particulares. Criou-se um
estado em que a igualdade é definida pela organização administrativa, superando-se o elevado
risco de mediar as escolhas individuais e coletivas por meio do voto e dos partidos. Esta
41
estratégia permitiu o fortalecimento do Poder Executivo e a almejada centralização
administrativa.
O pressuposto era o de que o interesse público não emerge das maiorias, mas da
mediação entre as escolhas individuais e as estatais. Assim, em lugar da criação de partidos,
optou-se pela saída plebiscitária. Tentou-se resolver o problema da sucessão pela criação do
Império.
Para superar a questão das lealdades locais, Napoleão criou um sistema centralizado
de seleção de lideranças, no qual inclusive os prefeitos e subprefeitos eram apontados pelo
governo central. Os prefeitos tinham grandes poderes, subordinando os subprefeitos, relação
que permitia a Napoleão compor com as lideranças locais. Criou-se uma hierarquia de poder e
lealdade emanada de Paris.
Mesmo centralizando as nomeações locais, havia a questão da seleção dos aspirantes.
O sistema de lealdades era incompatível com a administração impessoal, razão pela qual foi
sendo substituído por uma estrutura de recrutamento e treinamento definidos por critérios
objetivos que refletissem seu caráter público. O primeiro passo neste processo foi a criação do
cargo de auditor, responsável pelo assessoramento na elaboração das leis. Em pouco tempo,
esta função passou a ser pré-requisito para a carreira diplomática e administrativa, e a maioria
dos prefeitos passou a ser nomeada entre os auditores.
Além disso, passou-se a considerar o cargo de auditor como uma entrada para as
carreiras do alto escalão burocrático. Inicialmente Napoleão utilizou os auditores para cooptar
a aristocracia, escolhendo-os pelo seu status social, mas o elevado número de cargos tornou
difícil a tarefa de escolher os auditores sem suscitar questionamentos quanto ao critério
utilizado. A partir de 1813, passou-se a exigir uma licença em direito ou ciências e, em
seguida, foi estruturada a carreira, com ingresso por meio de exame, previsão da distribuição
dos auditores nos diversos ministérios e níveis hierárquicos. Estas medidas resolveram
também o problema da uniformidade da formação educacional, que facilitaria o consenso
sobre a interpretação das regras.
Logo, a igualdade passou a ser entendida como mérito educacional, o que garantiria o
suporte da aristocracia. A estratégia foi complementada pelo monopólio da educação pelo
estado, que difundiu a mensuração do conhecimento através de exames, universalizou o
mérito como igualdade e permitiu a mobilidade social. Ao mesmo tempo, criou-se um sistema
de concursos e obtenção de títulos que exigia um grande investimento de tempo e recursos,
que seria compensado pela carreira pública. Esta foi a regra instituída para o alto escalão
francês, os grands corps.
42
A estrutura departamental criada pelo governo napoleônico foi utilizada pelos
governos subseqüentes para estabelecer o controle sobre o nível local. Napoleão também
passou a controlar as profissões pela definição dos certificados e do currículo das profissões
de engenharia, medicina, direito e pedagogia.
Para Silberman, Napoleão foi bem sucedido em estabelecer o estado como grande
determinante da vida social e econômica, mas falhou na determinação da sucessão da
liderança. A restauração da Monarquia em 1814 procurou resolver o problema da sucessão,
mas enfraqueceu-se em função do restabelecimento da patronagem e de conflitos com o
parlamento. Deste modo, teve continuidade o contexto de incerteza gerado pela Revolução,
pois apenas Napoleão centrou-se em uma estratégia organizacional para conferir alguma
previsibilidade a seu governo.
Mesmo sendo insignificante o papel dos partidos neste período, Silberman entende que
a patronagem prevaleceu devido à ausência de instituições que intermediassem a relação entre
o governante e a administração para subordiná-la a sua vontade. A nomeação por critérios de
lealdade também continuou após Napoleão porque a formação de uma burocracia impessoal
não oferecia benefícios no curto prazo, ao contrário, aumentava o risco de insubordinação dos
funcionários às determinações dos governantes.
Apesar disso, o autor defende que a patronagem teria produzido alguma racionalidade
administrativa, pois mesmo as nomeações políticas passaram a demandar o atendimento de
pré-requisitos educacionais. Essa exigência foi estabelecida para: (i) conferir uniformidade às
decisões, (ii) evitar o desgaste do governante quanto à seleção dos servidores; e,
principalmente; (iii) para demonstrar que a administração representava o interesse público.
À medida que se consolidavam os critérios de formação educacional, estimulou-se a
autonomia dos corpos mais especializados, como o Conselho de Estado e a Corte de Contas e
a conseqüente formação de uma burocracia do tipo organizacional, que em 1850 já possuía
suas feições básicas. Mesmo nos corpos da administração central, em que vigorava a
patronagem, houve um movimento firme em direção aos concursos, o que limitou o poder de
nomeação dos ministros. Estes resistiam também em cederem seu poder de nomeação para
uma organização que centralizasse todas as contratações. Chegou-se a uma solução
intermediária de realizar os exames por ministério, sem a elaboração de um estatuto
administrativo unificado. Como cada Ministério passou a fazer seus próprios concursos, a
carreira burocrática tornou-se restrita à vivência naquela organização.
Com o objetivo de superar a falta de continuidade e uniformidade decorrentes das
nomeações políticas, os governantes colocaram algumas nomeações nas mãos dos grands
43
corps. O autor defende que na metade do século XIX já estavam presentes as duas principais
características das carreiras organizacionais: o comprometimento antecipado e a
especialização organizacional. Além disso, a similaridade de formação e origem social aliada
às restrições de entrada deu origem a uma comunidade burocrática que passou demandar
restrições em diversos assuntos funcionais, especialmente quanto às regras para demissão e
ascensão funcional. Em 1853, promulgou-se um estatuto sobre aposentadoria e pensão que
valorizou ainda mais a antiguidade. Disso teriam resultado carreiras com considerável status e
previsibilidade.
As carreiras da administração central tiveram destino diferente, pois as tentativas de
racionalizá-las foram vistas como interferência do legislativo sobre o executivo. A
conseqüência foi a diminuição do seu status em comparação aos grands corps, pois nestas
carreiras os burocratas concorriam com as nomeações políticas. Assim, entre 1815 e 1870
definiram-se dois tipos de carreiras, a dos grands corps e a da administração central, que
passou a ser a opção para os que falharam no ingresso da primeira.
Ainda de acordo com Silberman, durante o período da restauração da monarquia até o
governo de Napoleão III, continuou presente o dilema de dosar patronagem com o sistema
impessoal de recrutamento da burocracia. Excesso de patronagem colocava em risco a
legitimidade do governo e dificultava seu funcionamento, ao passo que era necessário algum
controle das nomeações pelos governantes a fim de submeter a burocracia. Logo, a estrutura
que emergiu em 1870 era crescentemente racionalizada, mas de maneira fragmentada, em que
o princípio central era conceder ao executivo certa discricionariedade entre um grupo de
elegíveis que tiveram acesso a elevado nível educacional.
O período entre 1871 e 1900 caracteriza-se pela emergência de partidos políticos
organizados. A ascensão dos Republicanos viria a resolver o problema da sucessão política,
pois seu alcance nacional o legitimou a representar o interesse público, transcendendo as
diferenças entre as classes sociais. No poder, os Republicanos reduziram os poderes do
executivo, o que foi feito, em parte, conferindo-se autonomia ao Conselho de Estado. Assim,
assuntos administrativos tornaram-se questões jurisdicionais, o que limitou os poderes dos
ministros. O Conselho de Estado passou a regular também a vida funcional dos servidores,
interferindo nos concursos, promoções e aposentadorias. Manteve, contudo, o caráter
fragmentado da administração francesa, ao não permitir a criação de um estatuto geral.
Silberman entende que a estratégia adotada pelo partido foi a de fortalecer seu controle
eleitoral pela manutenção da patronagem no nível local, institucionalizando definitivamente
os concursos para os ministérios e o alto escalão burocrático. Essa prática liberaria o partido
44
de se manifestar sobre estas nomeações. Os membros do partido Republicano foram
responsáveis pela criação da École Libre des Science Politique, que se tornaria a principal
escola para o ingresso nos grands corps. A institucionalização dos concursos, a autonomia do
Conselho de Estado e a emergência da Science Politique criaram uma estrutura de carreira
intocável, cujos incentivos eram a possibilidade de ser nomeado para cargos elevados, a
previsibilidade e segurança, a aposentadoria precoce e a permissão para alternar períodos em
outros serviços e empresas privadas.
Em 1890, as carreiras já tinham a feição atual, mas o caminho foi longo. Passou-se
mais de um século entre a revolução que eliminou o serviço público como propriedade
privada até a consolidação da sua prestação como conseqüência do mérito educacional.
Como as carreiras foram construídas em torno de organizações e não de profissões, o
conhecimento organizacional era mais valorizado do que a certificação profissional. Por essa
razão, e também pelo controle estatal das ocupações, não foi concedido espaço para os
profissionais se mobilizarem. A especialização das organizações e a conseqüente permanência
dos profissionais ao longo de sua carreira teria sido a causa da prevalência da hierarquia
funcional e das promoções por antiguidade.
Em 1945, a École National d’Administration veio a substituir a École Libre des
Science Politique, centralizando a elegibilidade e o treinamento dos servidores. Esta mudança
colocou sob controle estatal o único aspecto da estrutura de carreira que estava fora de sua
esfera, uma grande école para os administradores de estado. Também nesta época foi
promulgado um estatuto geral dos funcionários públicos, que trouxe uniformidade e reduziu
as preocupações dos servidores com arbitrariedades dos ministérios na determinação das
carreiras. No mais, prevaleceu para o alto escalão burocrático a estrutura definida no século
XIX: ingresso por concurso no primeiro nível da carreira, ascensão por antiguidade,
especialização ministerial, hierarquia, definição das atribuições pela unidade de trabalho e não
pela especialização funcional.
Essa formatação das carreiras burocráticas seria resultado das escolhas dos
governantes para reduzir a incerteza, o que só se atingiu ao final do século XIX. A explanação
leva à conclusão de que o fator preponderante não é a incerteza, mas a institucionalização da
igualdade. Em última instância, Silberman descreve como foi criada uma estrutura
administrativa para operar na democracia.
Silberman apóia-se em vasta bibliografia para elaborar esta versão do processo de
racionalização francês, mas deixa antever que alguns fatos são preteridos em sua análise. Para
encaixar o caso ao modelo de burocracia organizacional, o autor confere pouca importância
45
ao intercâmbio com a iniciativa privada e à mobilidade interna dos burocratas franceses.
Sabe-se que pelo menos a carreira dos administradores civis possui vocação interministerial,
com rodízio periódico dos membros entre os ministérios.
(ROUANET, 2005, p. 58 e segs.).
O sistema administrativo francês parece ser causa da estabilidade do Estado para um
observador estrangeiro. Assim, um membro da diplomacia brasileira que conhece o sistema
francês afirma que “o sistema de carreiras, desde as de nível subalterno até as mais elevadas,
assegura a seus integrantes uma total estabilidade e ao Estado uma reserva sempre disponível
de experiência acumulada; responsável pela extraordinária continuidade da administração, por
meio de todas as crises políticas e mudanças de regime”. ( ROUANET, 2005, p.60).
1.3.2 Estratégias de baixa incerteza:
Neste caso, há regras para determinar a tomada de decisão e a sucessão política. A
partir do século dezenove, estas regras passaram a ser os sistemas eleitorais. Portanto, nas
estratégias de baixa incerteza os partidos políticos são um condicionante para a definição da
burocracia.
Silberman sugere que os partidos surgiram para diminuir a incerteza por meio da
organização dos votantes, como uma resposta a uma falha de mercado. O problema é que o
sistema de partidos não elimina todas as incertezas, pois sua relação com os eleitores continua
a ser um contrato bastante vago e incapaz de cobrir todas as contingências de domínio
público. Para evitar contestação, a tendência é que os partidos prometam a distribuição de
bens, criando expectativas no eleitorado. Por isso, a vitória traz consigo o desafio de fazer
com que a organização administrativa cumpra as promessas do partido. Neste caso, uma
burocracia autônoma não parece ser a solução.
Comparando os contextos de alta incerteza com os de baixa incerteza tal como
descritos pelo autor, verifica-se que, no primeiro, o líder assume o poder sem as expectativas
geradas durante o processo eleitoral. Sua única promessa é estabelecer a equidade como o
novo critério de legitimidade para o exercício do poder. Nesse sentido, uma organização
burocrática autônoma blinda o líder contra às possíveis contestações, eis que os assuntos
controversos passam a receber tratamento administrativo. Nos contextos de baixa incerteza, o
governante chega ao poder com um encargo perante os eleitores, o que o obriga a controlar os
resultados da atividade administrativa. Enquanto na alta incerteza a busca do interesse público
é uma estratégia para legitimar o governante, na baixa incerteza, a satisfação do interesse
público já é um pressuposto e um desafio para o governante.
46
De acordo com Silberman, também na baixa incerteza a tendência inicial é preencher
os cargos pelo critério da lealdade, que tem aqui dupla função de premiar os membros do
partido e diminuir a incerteza de implementação das promessas eleitorais. E da mesma forma,
a lealdade também é um problema por conta da impossibilidade de verificar se os objetivos
buscados são públicos, privados ou do partido e pela imprevisibilidade das decisões,
colocando em risco os objetivos alardeados na campanha eleitoral. Outra dificuldade é
determinar quais são os mais leais, o que produz competição e conflito intrapartidário. Ainda
se poderia argumentar que em um sistema de regras bem definidas não haveria porque os
líderes abandonarem a patronagem, mas a possibilidade de corrupção e a oposição partidária
aumentam os riscos desta prática. A oposição contribui para a racionalização ao forçar os
líderes eleitos a diferenciarem entre os interesses individuais, partidários e públicos.
Outro fator a ser considerado em contextos de baixa incerteza é a imprevisibilidade
dos eleitores, tanto pelas mudanças bruscas nas suas preferências quanto pela expansão do seu
número. Para aqueles que assumem o poder como conseqüência da mudança de opinião do
eleitorado, a vitória traz consigo a dúvida quanto à verdadeira pretensão dos votantes. Esta
incerteza se aproxima ‘do momento revolucionário’, observado nos contextos de alta
incerteza, pois torna incerto o resultado das eleições e difícil a compreensão pelo governante
eleito da origem da mudança. Para Silberman, este contexto pode sugerir uma estratégia para
uma maior racionalização da administração, pois o governante não tem certeza quanto à
aceitabilidade das práticas de patronagem pelo eleitorado, o que leva a evitá-la sob pena de
impopularidade.
Portanto, assim como na alta incerteza, a constituição de uma burocracia em contextos
de baixa incerteza que fundamente a legitimidade do governo no interesse público é a solução
mais racional. A diferença é que as regras deverão estabelecer uma estrutura aberta e flexível,
apta a atender às demandas dos líderes políticos.
Observe-se que, nos contextos de alta e baixa incerteza, as diferentes fontes do poder
(revolução e eleição) originam diferentes compromissos e problemas. Por essa razão, talvez
não se trate tanto de níveis de incerteza, mas dos meios de tomada do poder e dos critérios de
legitimidade que os sustentam, acarretando diferentes riscos.
Para Silberman, em contextos de baixa incerteza, as regras devem abordar: (i) a
seleção de servidores que saibam distinguir de forma sistemática a racionalidade objetiva e
subjetiva; (ii) a elegibilidade em função da expertise, (iii) regras de accountability que
governem os servidores administrativos e os eleitos. Estas normas já restringem o
47
contingente de interessados nos cargos e estabelecem alguma uniformidade ao determinar
qual o conhecimento válido.
Assim como nos contextos de alta incerteza, outra característica da racionalização na
baixa incerteza é a movimentação de questões da arena do debate político para a
‘administração científica’. Essa transferência diminuiria a volatilidade eleitoral, uma vez que
as escolhas eleitorais passam a ser mais sobre líderes que sobre políticas públicas. Como o
interesse público passa a ser atendido pela administração, é de se esperar que momentos de
maior mudança eleitoral sejam acompanhados de tentativas de reforma administrativa.
Delegar a administração a um corpo homogêneo de oficiais cujos papéis são
autônomos e comprometidos com a organização pode privar os políticos eleitos dos meios de
organizar votos. Essa perda de discricionariedade enfraqueceria a estrutura dos partidos.
Apesar disso, confrontado com contínuos problemas de homogeneidade da liderança,
publicidade e accountability da administração, o partido ou o líder eleito ver-se-ia obrigado a
adotar alguma forma de racionalização.
Assim, nos contextos de baixa incerteza, a questão central é como criar uma
administração que não seja ancorada na organização controlada pelos burocratas. A única
estratégia possível seria utilizar alguns papéis sociais pré-existentes que já possuem elementos
de publicidade e expertise, mas não estão enraizados em estruturas organizacionais públicas.
Estas ocupações formam comunidades, cujos membros compartilham a filiação à
associação de classe, a identidade profissional, interesses específicos e lealdades. O
comprometimento é com a comunidade de status, que possui um código de ética auto-
administrado. Silberman afirma que neste contexto o profissionalismo é considerado em
sentido amplo, pois não é definido quão longo, teórico ou quão especializado deve ser o
treinamento para qualificar alguém como profissional em determinada área. A vagueza do
conceito permite aos políticos eleitos a liberdade de alterar as funções administrativas
conforme as condições.
A grande diferença entre esta estratégia e aquela adotada em contextos de alta
incerteza é que o papel profissional, mais do que a organização burocrática, seria o
representante do interesse público. Isto é, a identidade seria extra-organizacional. Ao enfatizar
a aquisição de expertise por cada indivíduo, e não pela organização, os líderes políticos
impedem que as organizações burocráticas e seus líderes reclamem o monopólio do
conhecimento.
Além disso, os líderes eleitos também podem possuir este status profissional, o que
lhes conferiria legitimidade para intervir no governo e nos processos administrativos. Na
48
medida em que burocratas e políticos eleitos compartilham o mesmo status profissional,
podem ter visões comuns sobre as políticas. Esta estrutura permitiria aos governantes eleitos
uma grande discricionariedade sobre a administração.
O status profissional demanda incentivos orientados para a autonomia individual,
entendida como auto-regulação (no sentido de que os profissionais coletivamente definem a
natureza da sua prática). A ênfase na capacidade individual e na discricionariedade faz da
flexibilidade da carreira um atributo das estruturas administrativas resultantes de contextos de
baixa incerteza. Esta flexibilidade se apresenta na possibilidade de entrada lateral, mobilidade
interdepartamental e entre o setor público e o privado. A discricionariedade e a flexibilidade
significam o reconhecimento do status profissional - a capacidade do indivíduo utilizar seu
treinamento e expertise numa variedade de funções
Neste modelo, é menor a ênfase na previsibilidade da carreira, pois ela está ligada ao
papel profissional e não à organização. Os indivíduos desenvolvem suas carreiras como
médicos, advogados, engenheiros e estas podem tomar lugar em várias funções públicas.
Capacidades profissionais que não estão estreitamente orientadas para uma organização
específica, mas são generalizáveis, significam que o indivíduo tem várias alternativas ao
longo da sua carreira. Significa também que a administração não precisa se preocupar em
manter estruturas rígidas nos departamentos.
Ao mesmo tempo, o desejo dos políticos eleitos de evitar uma estrutura burocrática
que controle os critérios de elegibilidade e nomeação os levaria a encorajar o
profissionalismo. Por esta razão, os políticos eleitos concedem subsídios para universidades e
escolas profissionais e garantem o poder de auto-regulação e monopólio sobre a provisão
destes serviços. Desta forma eles providenciariam a base institucional das carreiras. A
recompensa para o indivíduo é a admissão para uma função profissional e apenas
secundariamente a nomeação para uma função organizacional.
De acordo com Silberman, o reconhecimento do status profissional demandaria a
entrada diretamente em níveis mais elevados da estrutura administrativa. Segue-se que as
distinções no nível de entrada serão orientadas pela posse de certas credenciais profissionais.
Além disso, ao acentuar a certificação profissional, podem ser especificadas as qualificações
necessárias para cada função, o que legitima as entradas laterais. Os indivíduos são nomeados
em posições para as quais estão profissionalmente preparados, o que resulta na menor
importância conferida à antiguidade e à hierarquia. É a variação dos níveis de experiência e
certificação que define as promoções e o status, e não a hierarquia, como na burocracia
organizacional.
49
Pode-se dizer, então, que o modelo profissionalmente orientado emerge dos problemas
com que os líderes eleitos se deparam para alcançar as promessas de campanha. A reação
imediata para estruturar a administração é utilizar a patronagem, aqui incentivada pelo
partido. Entretanto, o critério de lealdade possui uma série de desvantagens que dificulta a
estabilidade do governo, o que pode ser exacerbado pelas mudanças nas preferências dos
eleitores. Por estas razões os líderes políticos teriam se engajado em estratégias de
racionalização da administração, mas de forma a limitar sua autonomia para permanecer no
controle sobre a alocação de recursos. O resultado seria a criação de uma administração
organizada em torno de papéis profissionais.
Neste modelo de burocracia, os funcionários teriam pouca capacidade para buscar seus
interesses dentro da organização. A pouca ênfase no comprometimento organizacional, o
destaque à autonomia individual e a referência da associação profissional evitaria a perda
pelos políticos do controle sobre a administração.
Contextos de baixa incerteza produziriam uma organização com poucas barreiras e
alta permeabilidade. A organização seria facilmente penetrável porque compartilha toda uma
estrutura encontrada pronta na sociedade e, portanto, não possuiria e nem demandaria o
monopólio da representação do interesse público.
O controle da burocracia profissional seria feito, em parte, pela ética profissional
internalizada pelos burocratas e, também, pela homogeneidade da educação, que alinharia sua
atuação com a dos líderes políticos. Cria-se um consenso baseado na homogeneidade da
educação, o que também reduziria o número de elegíveis.
No item 1.1, quando foi apresentado o modelo profissional de burocracia, mencionou-
se o argumento de Stinchcombe, para quem este tipo de organização surge como a solução
mais econômica para empreendimentos temporários ou instáveis. Após a dedução da
burocracia profissional em contextos de baixa incerteza, é possível perceber como Silberman
adaptou a tese de Stinchcombe.
Supõe-se que Silberman transformou o argumento da instabilidade econômica em
incerteza política. Assim, no modelo profissional, embora a administração seja perene,
admite-se que o governante eleito substitua as lideranças nas diversas organizações. A
existência de uma burocracia profissionalmente orientada concede esta flexibilidade aos
governantes, que podem alinhar as lideranças a sua política de governo. Esta manobra não se
confundiria com o patrimonialismo, uma vez que os selecionados possuiriam as credenciais
técnicas que os habilitam aos cargos. Pode-se afirmar, também, que a relação entre o político
e o profissional nomeado possui características contratuais, como a duração determinada pelo
50
prazo do mandato e o compromisso com o programa de governo, o que aproxima a burocracia
profissional do modelo de Stinchcombe e afasta-o da noção weberiana de emprego vitalício.
Nas burocracias organizacionais, decorrentes de contextos de alta incerteza, as
nomeações políticas teriam menor alcance e seriam restritas aos burocratas que fizeram
carreira na organização.
As características da burocracia profissional são evidenciadas no processo de
racionalização dos Estados Unidos. Tendo Weber como parâmetro, a conclusão corriqueira é
a de que os norte-americanos não tiveram sucesso no seu processo de racionalização, o que se
deveria em parte à interferência dos partidos na administração. Para Silberman houve
racionalização, mas com resultados diferentes daqueles preconizados por Weber. A seu ver, a
formação da burocracia nos Estados Unidos ocorreu em um contexto de baixa incerteza, pois
desde 1830 já havia um sistema eleitoral estabelecido.
Nessa circunstância, o desafio dos governantes passou a ser como lidar com a
volatilidade eleitoral, ao que a resposta inicial foi a patronagem, entendida como manifestação
da vontade da maioria e como ligação entre partido majoritário e administração pública. A
patronagem auxiliava a organizar os votos e a reduzir a incerteza eleitoral, além de contribuir
para o financiamento dos partidos. Assim, a racionalização estatal teria sido promovida pelos
partidos no intuito de institucionalizar seu controle sobre a administração a fim de diminuir a
incerteza eleitoral. O partido seria o mediador da racionalização do Estado norte-americano.
Esse processo de racionalização teve início no governo de Jackson (1828-1832),
ocasião em que se formaram os partidos nacionais e se instituiu o sistema de convenções para
a seleção dos candidatos pelos partidos. A reforma do sistema eleitoral fez dos partidos o
centro das eleições e profissionalizou a política. Até então, as nomeações para funções
públicas eram vitalícias. O presidente Jackson limitou sua duração para quatro anos e
legitimou as nomeações partidárias, o que asseguraria o atendimento do interesse público. Na
prática, a duração determinada do mandato visava também conferir alguma previsibilidade às
nomeações e um maior controle pelo partido ganhador das eleições.
Silberman enfatiza a pressão exercida pela patronagem sobre o governo, que ficava
refém das nomeações para definir o cenário eleitoral e assegurar a reeleição do presidente A
patronagem também tornava as nomeações contingentes e impedia a uniformidade das
decisões administrativas. Neste contexto, cada departamento foi criando suas próprias regras,
o que originou um sistema descentralizado. O mínimo de estabilidade ficava por conta do
médio e baixo escalão, que asseguravam a continuidade da administração. Em 1853, para
diminuir o número de elegíveis, são estabelecidos exames para o ingresso nos cargos
51
públicos. Não havia, contudo, uma concepção de carreira. Ao término da Guerra Civil, os
partidos estavam ainda mais fortalecidos e a burocracia tinha pouca autonomia.
A patronagem só começou a ser superada em 1865 por uma demanda inicialmente do
Partido Republicano. Logo a proposta da reforma do serviço civil foi abraçada também pelos
Democratas em função dos problemas gerados pela patronagem. A proposta era limitar o
papel dos partidos pela restrição da patronagem aos cargos necessários para governar,
limitando-a nos níveis mais baixo, justamente a fonte de receita das agremiações partidárias.
Assim, a reforma do serviço civil fazia parte de um pacote para redefinir o papel dos partidos
no sentido de restringir seu acesso aos recursos públicos para organizar e mobilizar eleitores.
Daí as mudanças na forma de eleição, que passou a contar com primárias diretas, maior poder
para as cidades, obrigação do registro dos eleitores e outras formas de regulação do voto, que
visavam limitar não a patronagem em si, mas aquela praticada pelos Democratas então no
poder. Ao mesmo tempo, os próprios partidos almejavam a limitação da patronagem, que
gerava conflitos internos e impedia o controle da administração.
Para os republicanos, estava em questão o sistema partidário e a natureza da liderança
política. Defendiam que o interesse público deveria ser atendido por indivíduos que tivessem
internalizado uma ética profissional, em contraponto à ética organizacional dos partidos. Esta
contestação à prevalência dos partidos coincidiu, a partir de 1870, com a formação das
organizações profissionais.
A reforma do serviço civil foi consolidada no Pendentlon Act, em 1883, que
estabeleceu as seguintes diretrizes: (i) o Poder Executivo determinaria as nomeações e
demissões e uma Comissão do Serviço Civil regulamentaria a matéria; (ii) exames para o
ingresso no baixo nível, com ênfase em habilidades práticas; (iii) ingresso em qualquer nível,
preenchidos os requisitos dos exames e ausência do critério de antiguidade para o
preenchimento dos cargos (a proposta de lei apresentava uma estrutura de carreira que não foi
aprovada); (iv) as nomeações teriam como critério as notas obtidas nos exames; e (v) foram
proibidos o emprego de familiares e a recomendação escrita de candidatos.
Para Silberman, o Pendentlon Act deixa claro que os políticos não desejavam uma
burocracia autônoma e insulada. Suas medidas determinam o formato da burocracia
americana: (i) recrutamento para o cargo, e não para uma carreira; e (ii) baixo custo de
oportunidade para o ingresso no serviço público, pois o indivíduo prepara-se
profissionalmente por interesse próprio, sem a expectativa de permanência no serviço público.
Assim, a lei apenas teria formalizado a estrutura existente desde o governo Jackson e
52
racionalizado o modo de entrada no serviço público; afastou-se o pior da patronagem sem
afetar o poder de nomeação do Executivo para os cargos mais elevados.
Em síntese, o Pendentlon Act formalizou a orientação do serviço civil americano,
enfatizando o papel individual dos servidores e respondendo a crítica de que as nomeações
buscavam interesses privados. Para Silberman, os liberais Republicanos transformaram a
reforma do serviço público em um bem público, que estabeleceu a seleção de liderança a
partir das competências profissionais.
O Republicano Theodore Roosevelt, no início do século XX, procurou retirar matérias
da arena política, colocando-as sob a competência das agências a fim de afastar o risco
eleitoral. A facilidade de ingresso nos diversos níveis, por sua vez, facilitou a multiplicação
das agências e acentuou a fragmentação da administração. Outra estratégia do presidente foi
concentrar as nomeações no executivo pelo escrutínio dos requisitos para ocupar os cargos, o
que diminuiu a patronagem conduzida pelo congresso. Neutralidade da burocracia significava
aqui a não interferência de partidos políticos. Desta forma, o executivo saiu fortalecido e com
maior independência frente ao congresso.
Roosevelt fortaleceu as medidas do Pendentlon Act, mas não houve esforços para a
criação de carreiras. Procurou-se racionalizar a administração através de uma Comissão de
Métodos de Departamentos (Comission on Departament Methods) que elaborou a
classificação de cargos. Para Silberman, chegou-se ao seguinte acordo: os políticos aceitaram
a noção de um serviço minimamente politizado e reformadores se contentaram em aceitar a
noção de um serviço permeável e não autônomo. Os partidos continuaram com a patronagem
nos níveis mais elevados e os reformadores afastaram a patronagem nos níveis mais baixos,
onde era obtido o financiamento partidário.
As regras estabelecidas pelo Pendentlon Act incentivaram o ingresso de profissionais
na administração pública, resolvendo também o problema de demonstrar que os interesses
buscados pelo governo são de ordem pública. A reforma, em suma, não seria conseqüência de
uma demanda por maior eficiência da administração, mas uma combinação entre seu apelo
eleitoral, especialmente entre a emergente classe média profissional, e a necessidade de
diminuir os conflitos intrapartidários e a tensão entre executivo e legislativo, decorrentes da
disputa do poder de nomeação para os cargos públicos.
Já no século XX, intensificaram-se as demandas sindicais por aposentadoria e pensão
e institui-se o sistema previdenciário através do Classification Act de 1923. Contudo, o valor
da pensão estabelecida não compensava a permanência no serviço público por toda a vida
produtiva, de modo que o sistema incentivava a saída do serviço público no momento em que
53
se adquiriam habilidades valiosas no mercado, desencorajando a formação de carreiras. A
norma também confirmou a orientação profissional do serviço civil ao estabelecer classes
(descrição horizontal dos cargos, cada qual com suas habilidades específicas) e grades (níveis
hierárquicos), sem uma relação de carreira entre elas. Seu objetivo era organizar a anarquia
em que se encontravam os cargos e salários e conferir uniformidade ao sistema.
15
Destaque-se
que a maior parte dos cargos classificados pertencia aos níveis mais baixos da burocracia; os
cargos do alto escalão continuaram sujeitos à patronagem associada às exigências informais
de qualificação profissional.
Dessa confluência de fatores emergiram nos Estados Unidos organizações públicas
caracterizadas: (i) pela ênfase na aquisição de habilidades pelo indivíduo e não
necessariamente na própria organização; (ii) pela permeabilidade entre as instituições públicas
e privadas; (iii) pelo acesso em níveis variados conforme a competência profissional do
candidato e a filiação partidária (para os cargos diretivos), diminuindo o valor da antiguidade
e da hierarquia; (iv) pelo ingresso em um cargo, que pode dar acesso a promoções, mas não
obrigatoriamente; (v) pela prestação do serviço em um mesmo departamento, mas este não é a
fonte de formação, que é adquirida previamente; e (vi) pelo tempo de permanência no cargo
ser definido pela forma de ingresso, os que ingressaram por exame tendem a permanecer mais
tempo na função que os nomeados políticos, que constroem carreiras baseadas no seu status
profissional, mais que em uma organização específica. O sistema consolidou-se no sentido de
impedir a autonomia da burocracia, fazendo predominar a patronagem de profissionais no alto
escalão e o mérito profissional desassociado de careiras nos demais níveis.
Com esta narrativa, Silberman pretendeu demonstrar que a burocracia estatal norte-
americana emergiu das crises de liderança dos partidos, em especial aqueles gerados pela
patronagem e pelo surgimento de novas lideranças. Esta crise pressionou os líderes a
considerarem a patronagem o alvo da reforma administrativa. Ao mesmo tempo, a formação
profissional surgia como modo de vida moral para a classe média, e eram constituídas as
associações profissionais. A primeira vitória foi o Pendentlon Act, de 1883, em que se chegou
a um equilíbrio entre nomeação por lealdade e profissionalismo. Roosevelt foi o líder da
reforma, por meio da qual obteve controle do partido Republicano pelo Executivo e colocou
uma barreira entre o Congresso e o serviço civil. Os partidos se adaptaram a esta situação e
15
Verificar-se-á no capítulo 2.2.1 que a reforma administrativa do governo Vargas também tinha como
prioridade a padronização da denominação, da competência e do salário dos diversos cargos, mais do que
estabelecer carreiras. E também como na reforma americana, não atingiu o alto escalão, que continuou sujeito à
patronagem.
54
passaram a organizar interesses como fonte de recursos financeiros, substituindo a prática do
espólio pela defesa e promoção de políticas públicas.
Se nos Estados Unidos é perceptível a presença de profissionais, o mesmo não se pode
dizer da Grã-Bretanha, a qual Silberman atribui também um contexto de baixa incerteza e a
correspondente burocracia do tipo profissional. O próprio autor entende que, aparentemente,
trata-se de um caso de burocracia organizacional em um contexto de baixa incerteza, o que
seria uma exceção à sua teoria. Isto porque os burocratas ingleses são freqüentemente
caracterizados como generalistas e a formação para o serviço público é restrita à elite,
aproximando-se do caso Francês.
Apesar destas evidências, o autor entende que a burocracia inglesa é profissional no
sentido de que sua formação é exterior à organização pública em que atuará. Ele releva o fato
desta formação ser generalista e focada em um preparo intelectual para a tomada de decisões,
sem a preocupação de formar profissionais desta ou daquela especialidade. Seu argumento é o
de que essa formação é pré-requisito para a posterior aquisição do status profissional, que é
adquirido dentro da organização. Logo, a burocracia inglesa seria do tipo profissional
estritamente pelo fato de o indivíduo ser o centro das informações e de deter os instrumentos
de tomada de decisão, que neste caso seriam exteriores à organização.
Ao que parece, esta noção contraria a idéia de profissionalismo descrita pela sua
própria teoria e por aquela que a fundamenta, como o multicitado Stinchcombe (1959). O
profissional não é apenas aquele que traz em si o domínio do processo de tomada de decisões,
mas sim quem possui conhecimento especializado, baseado em uma educação e num campo
de trabalho controlados por uma associação. A associação profissional possui um papel
central ao organizar o mercado de trabalho, difundir o conhecimento, validar a experiência
profissional e determinar o código de ética da profissão.
16
Mais uma vez, resta evidenciada a
imprecisão do conceito de burocracia profissional, reforçando o exposto no item 1.1.
Para Silberman, o problema enfrentado pelos líderes políticos ingleses no início do
século XIX foi a integração entre gabinete e administração, à medida que o espaço político foi
sendo tomado pelo parlamento em detrimento da monarquia.
17
Enquanto a Coroa britânica
detinha maior poder político, a patronagem lhe permitia estabelecer maiorias no parlamento.
Entre 1780 e 1820 o parlamento começou a questionar o poder de nomeação da coroa em
16
Há uma vasta bibliografia norte-americana sobre profissionalismo, especialmente sobre a medicina, sendo um
dos expoentes Eliot Freidson (1970 e 1986), citado na bibliografia de Silberman (1993). As características do
profissionalismo citadas foram mencionadas em White (2004).
17
Tal como exposto por Silberman, constata-se que o problema dos governos no século XIX foi criar um Poder
Executivo em uma democracia. Na França, o desafio foi a institucionalização da igualdade; nos Estados Unidos,
a limitação do poder dos partidos e na Inglaterra, a integração entre legislativo e executivo.
55
função da distinção entre interesse público e privado e conseguiu assumir as nomeações. Isto
criou um novo problema, pois a patronagem ficou descentralizada e sem qualquer controle,
atendendo ora a interesses individuais, ora a corporativos, o que desestimulava a formação de
partidos. A patronagem era então a causa da fragmentação do sistema representativo e do
conseqüente aumento da incerteza.
Por meio das nomeações, o Parlamento passou a controlar o Executivo, mas de forma
desordenada, pois não havia regras sobre a duração dos mandatos e sobre os critérios de
indicação, feitas individualmente por cada parlamentar. Essa fragmentação permitia à
oposição (os backbenchers) também fazer uso das nomeações. Um mínimo de
homogeneidade era inicialmente assegurada pela origem social dos candidatos, mas a
ampliação do voto a partir da reforma de 1832 obrigou os políticos a afrouxar os critérios de
nomeação, fragilizando o controle pela origem social e instaurando a discussão sobre o mérito
para o exercício da função pública. Além disso, a definição dos requisitos para a ocupação dos
cargos e realização de exames era dificultada pela ausência de uniformidade do sistema
educacional.
De acordo com Silberman, a ausência de organização da patronagem pelos partidos
pode ser explicada pelo dilema do prisioneiro. Embora fosse melhor para todos que as
nomeações fossem centralizadas e passassem a contar com regras claras, seria difícil que cada
indivíduo abandonasse seu poder de nomeação, uma vez que não teria certeza se outros iriam
fazê-lo também.
Desde 1810, há registro de tentativas de centralizar o serviço civil no Tesouro. A
fixação dos salários e pensões integra sua esfera de competências desde esta data, mas as
nomeações continuaram descentralizadas, sendo muitas vezes realizadas pela oposição. A
solução seria eliminar as nomeações políticas para que o gabinete pudesse governar, o que foi
proposto pelos Northcote-Trevelyan Reports de 1853-54. O objetivo dos Reports era
centralizar a administração de forma que os nomeados fossem responsabilizáveis perante a
liderança política.
Dentre suas propostas constavam a criação de divisões hierárquicas no serviço
público, distinguindo o trabalho intelectual do mecânico; o recrutamento por critérios
objetivos; a definição do mérito como critério para a promoção; a limitação da idade de
ingresso e a determinação das condições de aposentadoria. Além disso, os Reports associaram
o interesse público à educação de elite, legitimando as redes sociais pré-existentes.
As orientações dos Reports foram paulatinamente incorporadas pela administração. A
partir de 1855, foi aprofundada a centralização do serviço civil nas mãos do Tesouro, que
56
passou a aprovar as nomeações, submetendo os demais departamentos às suas orientações.
Em 1870, os Orders of Council definiram a estrutura básica do serviço civil inglês, tal como
previsto nos Reports. E, em 1876, além das carreiras intelectuais e mecânicas, identificou-se a
existência de profissionais que não possuíam carreira nem promoções, e aos quais não se
aplicavam os exames tradicionais. Silberman destaca que o desenho de carreiras era previsível
quanto à mobilidade e os incentivos sinalizavam a permanência no serviço público durante a
vida produtiva. Por outro lado, não foi realizada uma definição precisa dos papéis
administrativos, o que permitia discricionariedade nas promoções e a formação de carreiras
departamentais. A antiguidade era importante até certo ponto; especialmente, no alto escalão
manteve-se a discricionariedade para nomeação.
A reforma educacional, também impulsionada pelos Reports, implicou a intervenção
estatal na padronização dos currículos e no funcionamento das escolas. A reforma marcou
nitidamente a divisão do ensino conforme a classe social e manteve as universidades restritas
à elite por conta das barreiras para a entrada. Oxford e Cambridge tornaram-se as
responsáveis pelo treinamento pré-profissional preparatório para o alto escalão do serviço
público.
Conforme Silberman, a educação liberal ministrada nestas universidades permitia ao
indivíduo incorporar os valores e a ética necessários ao exercício da função pública, o que
tornaria menos relevantes as regras organizacionais para determinar o comportamento. Além
disso, o preparo uniforme da elite inglesa viabilizaria uma espécie de controle social
decorrente do compartilhamento de valores e evitaria a excessiva autonomia da burocracia.
18
Eliminou-se a patronagem, mas não sua base social.
Diante destas alterações, o alto escalão da burocracia inglesa institucionalizada em
1890 tinha como características: (i) a educação liberal como critério de elegibilidade para os
cargos mais elevados
19
; (ii) exames para o ingresso, com clivagem entre o baixo e o alto
escalão; (iii) carreiras estabelecidas e previsíveis, com promoção por antiguidade e mérito; e
18
A tese de SILBERMAN de que a homogeneidade social do alto escalão permitiria o controle da burocracia na
França e na Inglaterra parece não corresponder à realidade. Em ambos países, há críticas ao insulamento
burocrático. Em relação à Grã-Bretanha, destaque-se o artigo de Wilson e Barker (2003). Os autores descrevem
o domínio dos burocratas no Poder Executivo a ponto de impedir a realização da política de governo. As
nomeações políticas ocorrem em apenas 83 cargos e os políticos não interferem na carreira dos burocratas, o que
dificulta sua submissão. O desafio, na Inglaterra, segundo o artigo, é recuperar o espaço da política dentro da
administração. Este olhar sobre a situação presente da burocracia permite questionar o suposto equilíbrio
institucional que se teria alcançado ao término do século XIX, conforme Silberman.
19
Neste único caso, Silberman discrimina o que entende por cargos de alto escalão. Entre outros, no sistema
inglês, considera-se os níveis mais elevados da carreira administrativa: permanent secretary, under secretary e
deputy secretary. Nos demais países, não esclareceu quais carreiras e cargos compõem o alto escalão.
(SILBERMAN, 1993, p. 291).
57
(iv) mobilidade entre os departamentos restrita ao alto escalão. Ainda, o ingresso no serviço
público não demandaria um comprometimento antecipado dos candidatos, que podem optar
por estas carreiras após a conclusão do curso universitário.
A centralização administrativa e a reforma educacional foram concomitantes à
redefinição dos partidos, que agora não poderiam mais contar com a patronagem para formar
sua base eleitoral. Também a ampliação do voto contribuiu para a organização dos partidos.
Para Silberman, a reforma do serviço civil na Grã-Bretanha foi a solução para o problema da
integração da administração como o Gabinete, e teve como finalidade racionalizar a estrutura
de poder parlamentar.
Considera-se importante mencionar o caso inglês pela dificuldade em aceitar que se
trata de uma burocracia profissional, apesar do esforço do autor em demonstrá-lo. Falta à
administração da Grã-Bretanha o elemento profissional, uma vez que a identidade dos
burocratas não é sua profissão e sim sua origem social e a educação que ela viabiliza. Parece
haver aqui características da burocracia que Silberman descreve como organizacional, como a
previsão de uma educação generalista para o ingresso no alto escalão, em oposição à
preparação profissional específica para os cargos nos Estados Unidos e a existência de
carreiras tradicionais. Não é fundamentado por Silberman porque uma única característica
supostamente atribuída à burocracia profissional – o indivíduo como processador de
informações – sobrepõe-se a todos os atributos das carreiras organizacionais.
Silberman sugere, mas não aprofunda, a idéia de que o serviço público seria uma
profissão cuja identidade estaria na educação liberal e nas habilidades adquiridas na
organização.
20
Ora, o serviço civil inglês é uma profissão tanto quanto o serviço público
francês, o que torna frágil o argumento para enquadrar a burocracia inglesa no tipo
profissional.
Pode-se atribuir a dificuldade de entender o caso da burocracia inglesa ao fato de a
teoria de Silberman ignorar a relação entre formato da burocracia e sistema de governo,
focando apenas a existência ou não de um sistema eleitoral estável. Talvez os sistemas
parlamentaristas tendam a formar carreiras do alto escalão de acordo com o modelo
organizacional, pois uma burocracia estável seria desejável em função da incerteza quanto à
duração do mandato (apesar da baixa incerteza em relação às regras sucessórias). Assim, não
20
A idéia do serviço público como uma profissão é mais recente nos Estados Unidos e parece decorrer da
crescente autonomia da administração pública como campo de estudo e à disseminação do Master in Public
Administration como requisito de entrada. Em outras palavras, o serviço público só passa a ser entendido como
profissão na medida em que adquire características das demais profissões (especialidade técnica, autonomia
cientifica, associação profissional etc.). Sobre o assunto vide Kearney (1988).
58
haveria nos governos parlamentaristas o pretexto da criação de uma burocracia profissional,
qual seja, viabilizar a rotatividade dos membros do alto escalão a fim de alinhar a burocracia
ao governo. A variável ‘sistema de governo’ é considerada relevante para entender o caso
brasileiro, conforme se demonstrará na seqüência.
1.4 Mais uma variável no modelo: a natureza da organização política
Após associar a baixa e alta incerteza à formação de uma burocracia profissional e
organizacional, Silberman acrescenta outra variável à teoria, a natureza da organização
política, que pode ser mais ou menos institucionalizada. No primeiro caso, há partidos
políticos constituídos e no segundo, redes sociais. A natureza da organização política
determinaria a forma de responsabilização ou accountability dos dirigentes (entendida
estritamente como controle da sua atividade pelos políticos) e, portanto, acarretaria variações
em cada um dos tipos de burocracias, como esquematizado a seguir:
1) Quando a alta incerteza é combinada com a ausência de uma liderança formal, as
estratégias são elaboradas por redes sociais. Estes grupos tentam remover seus opositores por
meio da criação de regras formais sobre a liderança e sucessão, sobre as quais eles têm
domínio. Autonomia e insulamento dos líderes políticos é o objetivo central, o que produz
uma série de escolhas sobre modelo organizacional no sentido de monopolizar o exercício do
poder. Com o controle dos critérios de liderança e de sucessão política, os políticos
transformam uma rede social privada em uma estrutura burocrática pública, o que dispensaria
a criação de partidos políticos. A conseqüência seria a formação de uma burocracia
organizacional, com elevada autonomia burocrática e, portanto, responsável pelas suas
decisões. Essa autonomia é aceita pelos políticos em função da rede social comum, que
permite aos burocratas alcançar posições de liderança política. Este seria o modelo do Japão
até a Segunda Guerra.
2) Quando a alta incerteza soma-se a uma estrutura formal de liderança, como os
partidos, a estratégia de racionalização é similar. A diferença é que são os partidos que
controlam as nomeações administrativas. Para remover os obstáculos ao poder, procuram
fortalecer as organizações como lócus da informação, em substituição ao próprio partido e às
redes sociais. Pela da dominância de um único partido sobre a administração, os líderes
políticos criam carreiras administrativas nas quais partido e liderança administrativa são
sinônimos. Logo, alta incerteza, combinada com liderança organizada em partido produziria
59
uma burocracia ‘organizacional’ dominada por um único partido. O exemplo seria a União
Soviética e a França pós-revolucionária.
3) Quando a incerteza é baixa, pois há regras para determinar a sucessão, e a liderança
é baseada em redes sociais, a estratégia dos líderes políticos é reduzir a incerteza criada pela
volatilidade dos eleitores retirando as matérias mais conflituosas da arena pública. Isto é
obtido pela racionalização da estrutura administrativa baseada em um treinamento
profissional. Tanto os políticos eleitos quanto os administradores são vistos como
profissionais, diferenciados apenas pelo processo seletivo. A estratégia dos políticos é criar
uma organização que não seja autônoma, mas também não seja facilmente permeável. Neste
caso, o partido é utilizado apenas para organizar votos, mas não para determinar as lideranças
políticas. A educação comum dos líderes nomeados e eleitos forma a base da accountability,
alcançada mais pelo consenso que pelo controle. O resultado é a emergência de uma
burocracia profissional dominada pelo consenso burocrático. Os exemplos são a Grã-Bretanha
e o Canadá.
4) Finalmente, há a baixa incerteza característica dos sistemas eleitorais abertos
combinados com a presença de estruturas formais de liderança como os partidos políticos. A
estratégia dos líderes políticos, quando confrontados com problemas de oposição partidária é
direcionada, como no caso anterior, para a racionalização da administração como forma de
dissipar o conflito sobre o interesse público. A estratégia inicial é subordinar a administração
à liderança política. Todavia, a impossibilidade de determinar a elegibilidade para postos
administrativos através do partido leva os políticos a utilizarem as profissões pré-existentes
como critério de elegibilidade. O resultado é uma administração centrada na especificação dos
cargos em lugar da organização de carreiras, constituindo uma burocracia do tipo profissional
dominada pelo sistema partidário. A accountability é assegurada pelo partido pelas
nomeações de administradores filiados ao partido para os postos superiores. Os Estados
Unidos entre o final do século dezenove e início do século XX são um exemplo.
60
Tabela 3 – Tipos de liderança política
ESTRUTURA DE LIDERANÇA PROCESSO DE SUCESSÃO
POLÍTICA
Rede Social Partido
Alta Incerteza Liderança social
Orientação organizacional
Dominação Burocrática
Liderança partidária
Orientação organizacional
Dominação por um único
partido das nomeações
Baixa Incerteza Liderança Social
Orientação profissional
Consenso burocrático
Liderança multipartidária
Orientação profissional
Dominação pelos partidos das
nomeações
Fonte: SILBERMAN, Bernard. Cages of Reason. The Rise of the Rational State in France, Japan, The
United States and Great Britain. Chicago, University Press, 1993. p. 82, tradução nossa.
Em síntese, quando a estrutura da liderança é baseada em redes sociais informais os
critérios de elegibilidade derivam do status social, de modo que a accountability seria
assegurada pelo compartilhamento da rede social e experiência comum dos líderes políticos e
administrativos. Se há uma estrutura formal de liderança, os partidos, o critério de
elegibilidade é público e bem definido e a accountability seria realizada pela presença de
líderes partidários na administração, de acordo com regras pré-estabelecidas.
Em resenha à obra de Silberman, Charles Tilly (1994) observa que a variável redes
organizacionais/partidos não é devidamente articulada com a da incerteza, como também não
é trabalhada em profundidade nos estudos de caso.
De fato, a variável ‘estrutura de liderança’
sequer é mencionada na conclusão de Cages of Reason. De toda forma, nos países estudados
por Silberman, parece haver alguma relação entre o formato da burocracia e a prevalência de
redes sociais ou partidos.
Observe-se que accountability neste contexto significa o controle dos burocratas do
alto escalão pelos políticos, controle este que, quando alcançado resultaria no equilíbrio das
instituições. Silberman não é explícito, mas deixa antever que o objetivo da racionalização,
que ocorre pela constituição das carreiras burocráticas, é criar um alto escalão responsivo à
vontade política.
1.5 Conclusões sobre a teoria de Silberman
1.5.1. Limites e possibilidades da abordagem da escolha racional
As duas formas pelas quais a administração pode ser institucionalizada podem ser
vistas como resultado de estratégias para responder a dois problemas centrais da política no
século XIX: a sucessão do governante e a definição da liderança na organização. Em ambas
estratégias a equidade teve um papel catalisador. As diferentes estruturas administrativas do
61
alto escalão burocrático são resultados da variação do nível de incerteza sobre a sucessão
política. Esta variação no começo do processo resulta em formas diversas de integrar a
administração à política. O argumento pode ser sintetizado pelo seguinte esquema:
Figura 1 -PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ALTO ESCALÃO BUROCRÁTICO
SEGUNDO SILBERMAN
Fonte: produção própria.
CONSTRANGIMENTOS ‘AMBIENTAIS’/INSTITUCIONAIS
(definem o grau de incerteza da sucessão política)
Ruptura
institucional/Revolução
= alta intecerteza
afetam afetam
Evolução política sem
rupturas e criação de
sistemas eleitorais =
Baixa incerteza
Institucionaliza
ção da
igualdade
CONSEQUÊNCIA:
Inviabilidade ou esgotamento da
patronagem como meio de governar
RESPOSTA RACIONAL DOS LÍDERES POLÍTICOS NO
Poder Executivo:
Reformas Administrativas que tornem a administração mais
controlável.
RESULTADOS DAS REFORMAS ADMINISTRATIVAS
PROMOVEM O EQUILÍBRIO INSTITUCIONAL
Burocracia
Organizacional
Burocracia
Profissional
Tensão entre
público e
p
rivado
62
Conforme analisado ao longo deste capítulo, entende-se que a teoria é imprecisa
quanto: (i) ao conceito de alto escalão, pois, mesmo nos estudos de caso, o autor não
identifica as carreiras e cargos para atestar seu formato organizacional ou profissional em
cada país; (ii) ao modelo de burocracia profissional, que não dialoga com suas referências na
literatura e à (iii) à definição de alta e baixa incerteza.
Ao lado desses problemas, podem ser levantados outros inerentes à metodologia da
escolha racional. Silberman não explicita qual a sua abordagem da escolha racional, mas é
possível deduzir que se aproxima do neoinstitucionalismo
21
da escolha racional, na medida
em que se pressupõe que os agentes atuam de forma racional no sentido de maximizar a
satisfação dos seus interesses e que esse cálculo racional é condicionado pela capacidade
maior ou menor de as instituições diminuírem a incerteza.
22
No caso, o autor denomina de
‘constrangimentos ambientais’ as instituições que determinam as regras do jogo sobre
sucessão dos governantes.
De acordo com Hall e Taylor, podem ser destacados os seguintes pontos em comum
entre os estudos que utilizam a perspectiva do institucionalismo da escolha racional: (i) os
atores pertinentes compartilham um conjunto de preferências e comportam-se de modo
inteiramente utilitário; (ii) consideram que a vida política é uma série de dilemas de ação
coletiva, definidos como situações em que os indivíduos agem de modo a maximizar sua
satisfação, com o risco de produzir um resultado sub-ótimo para a coletividade; (iii) enfatizam
o papel da interação estratégica na determinação das situações políticas. O comportamento é
determinado por cálculos fortemente influenciados pelas expectativas do ator ao
comportamento provável de outros atores.
A teoria de Silberman parece atender ao primeiro e segundo pontos, mas não tanto o
terceiro. Apenas em alguns momentos, demonstra que os líderes políticos tomam decisões
para afastar ou controlar a oposição
23
, pois em geral o autor considera que as decisões são
21
O neoinstitucionalismo, de acordo com Marques (1997), é uma abordagem que procura incorporar as
particularidades de cada situação histórica, em contraposição ao institucionalismo, que realizava comparações
estáticas das estruturas instituticionais. Mas Hall e Taylor (2001) e também Nielsen (2001) descrevem a mesma
metodologia pela denominação de institucionalismo da escolha racional, razão pela qual os dois termos serão
utilizados de forma intercambiável.
22
“Que fazem as instituições, segundo a perspectiva ‘calculadora’? Elas afetam os comportamentos em primeiro
lugar ao oferecerem aos atores uma certeza mais ou menos grande (SIC) quanto ao comportamento presente e
vindouro dos outros atores.... o ponto central é que elas afetam o comportamento dos indivíduos ao incidirem
sobre as expectativas de um ator dado no tocante às ações que os outros atores são suscetíveis de realizar em
reação às suas próprias ações ou ao mesmo tempo que elas.” (HALL e TAYLOR, 2001).
23
No caso britânico, por exemplo, as restrições à patronagem foram um meio de impedir que os backbenchers
utilizassem as nomeações. No caso norte-americano, um dos fatores que contribuiu para a decisão de formar uma
burocracia profissional foi a pressão das organizações profissionais.
63
uma reação às ‘incertezas’, nem sempre bem delimitadas. Logo, não é explicitado o cálculo
dos líderes em termos de teoria dos jogos, por exemplo.
Também Tilly (1994) ressalta que não é clara na teoria de Silberman a relação entre os
problemas enfrentados pelos líderes políticos e suas respostas no sentido de gerar uma
estrutura estável. Para ele, Silberman refere-se sempre a questões abstratas, como igualdade e
comunidade, em lugar de mencionar questões do dia-a-dia das organizações para mencionar
as decisões tomadas pelos governantes.
Verifica-se que Silberman atendeu aos quesitos descritos por Hall e Taylor (2001) para
os estudos que utilizam a abordagem do institucionalismo da escolha racional, quais sejam: i)
uso da dedução para chegar a uma classificação estilizada das funções desempenhadas por
uma instituição; ii) pressuposição de que as instituições são criadas para realizar um
determinado valor de interesses dos atores considerados; e iii) se a instituição está submetida
a alguma processo de seleção competitiva, ela desde logo deve sua sobrevivência ao fato de
oferecer mais benefícios aos atores interessados.
No caso, Silberman deduziu que a burocracia profissional está associada a um nível
menor de autonomia funcional e a burocracia organizacional a uma elevada autonomia,
determinando assim a tipologia das instituições cuja formação pretende analisar. O valor
buscado aqui é a estabilidade política, que em contextos diferentes produz escolhas
institucionais distintas para o formato da burocracia.
O fato de tratar-se de uma teoria de médio alcance, baseada em afirmações provisórias
a serem testadas e alteradas em estudos históricos também indica que o autor adotou o
neoinstitucionalismo da escolha racional. Silberman não pretende elaborar uma teoria geral do
processo de racionalização, mas uma explicação para os diferentes formatos de burocracia
constituídos para os países desenvolvidos no final do século XIX.
Outro atributo desta abordagem é considerar que as instituições orientam as
estratégias a serem adotadas pelos indivíduos apenas no sentido de constrangê-las, mas não
formar ou alterar suas preferências. Por isso, Hall e Taylor destacam que para a escolha
racional pressupõe-se que as preferências são exógenas em relação às instituições, estáveis e
imutáveis. Silberman explicita o atendimento deste quesito ao pressupor que indivíduos na
mesma condição tenderão a fazer escolhas semelhantes.
24
Hall e Taylor reconhecem que o neoinstitucionalismo da escolha racional possui uma
imagem simplista das motivações humanas e a especificação das preferências de modo
24
Vide item 1.2.2, sobre incerteza e sucessão política.
64
exógeno pode consistir em limitação quando elas forem múltiplas, ambíguas ou difíceis de
identificar. Mesmo assim, os autores reconhecem que a abordagem é útil para a análise da
vida política por chamar a atenção ao fato de que a ação política envolve a gestão da incerteza
e a intencionalidade humana na determinação das situações políticas, sob a forma de cálculo
estratégico, sem deixar de reservar um papel para as variáveis estruturais sob a forma das
instituições. Assim, seu valor estaria menos na exatidão dos seus postulados e mais na
capacidade de predição dos seus modelos.
Przeworski constata que são frágeis os pressupostos da escolha racional, pois as
preferências não são universais nem estáveis, mas contingentes e alteráveis historicamente.
Além disso, não se resumem à satisfação do próprio interesse (as preferências podem ser
altruísticas, por exemplo) e nem sempre são possíveis ações racionais. Todavia, reconhece
que são essas restrições que “permitem ignorar todas as complicações que impeçam a
obtenção de respostas para questões centrais.”
25
(PRZEWORSKI, 1988)
Para o neoinstitucionalismo da escolha racional, a hierarquia dos fatores mais
importantes para o estudo de cada caso é dada a posteriori segundo as conjunturas
encontradas. Esta é outra característica evidente em Silberman que, ao final de sua análise,
‘descobre’ que o tipo de organização das lideranças políticas (redes sociais ou partidos
políticos) também interfere no formato da burocracia, conforme descrito no item 1.4.
Também, a criação das instituições é tratada de forma retrospectiva; sua origem é
explicada pelos efeitos de sua existência, as funções que cumprem e as vantagens que
propiciam. Conforme explicam Hall e Taylor:
Em outros termos, ela tende a postular que o processo de criação de uma
instituição é fortemente intencional, sob amplo domínio pelos atores, que
têm uma percepção correta dos efeitos das instituições que criam, e que eles
as criam justamente com o objetivo de obter esses efeitos. Ainda que a
existência de um elemento de intencionalidade na gênese das instituições
esteja fora de dúvida, tais análises envolvem amiúde postulados históricos
relativos à presciência dos atores históricos e sua capacidade de controle
sobre os eventos. Em certos casos, essas análises imputam intenções
excessivamente simples aos atores históricos, que, vistos mais de perto,
parecem agir conforme um conjunto de motivações muito mais
complexas.(HALL e TAYLOR, 2001, p. 216).
25
. Destaque-se que o autor não se refere ao neoinstitucionalismo, mas à escolha racional, entendida como uma
abordagem economicista dos fenômenos sociais.
65
Segundo Baert, os teóricos da escolha racional consideram que sua tarefa é demonstrar
que as práticas sociais que são irracionais prima facie são na verdade racionais. Essa postura
acarreta riscos, como afirma o autor:
Neste sentido, há problemas sérios relacionados com esta teorização feita a
posteriori. O simples fato de que as práticas possam ser agrupadas sob um
comportamento racional não representa a comprovação ou validação da teoria
da escolha racional. A maioria das práticas, se não a sua totalidade, pode ser
reconstruída desta forma, especialmente porque os teóricos da escolha
racional tendem a atribuir preferências e convicções que fazem encaixar a sua
teoria nos seus projetos de pesquisa.(BAERT, 1997)
.
Este encaixe entre fatores institucionais e preferências é bastante visível na teoria de
Silberman e ocorre no sentido de confirmar a ligação direta entre a decisão racional e seu
resultado. Por exemplo, o autor alega que a common law influiu para que os cargos públicos
passassem a receber tratamento contratual em lugar de serem dados como sinecuras na Grã-
Bretanha. Todavia, não considera este fato decisivo para essa transformação, enfatizando
apenas as decisões políticas que teriam contribuído para a formação de uma burocracia
racional. Em relação aos Estados Unidos, reconhece que ao final do século XIX, a demanda
por regulação em alguns setores da economia teria estimulado a criação de uma burocracia
técnica. Do mesmo modo, este fator não é considerado para a decisão de profissionalizar o
serviço público.
Em relação à fixação das preferências, verifica-se que, em diversas passagens dos
estudos de caso, Silberman desacredita que a busca de eficiência seja um dos objetivos dos
governantes. Entretanto, ao mesmo tempo defende que as reformas são uma reação à
ineficiência da patronagem para o processo de formulação e execução de políticas, o que torna
contraditório seu argumento. O que se pretende destacar é que, no intuito de manter a pureza
da abordagem da escolha racional, as preferências são restritas à permanência do governante
no poder e são descartados diversos fatores institucionais que o próprio autor menciona como
intervenientes sem, contudo, precisar seu peso no resultado final.
Interessante observar também que a igualdade é tratada como um dado, um fator
institucional a ser obrigatoriamente considerado pelos líderes políticos, e não uma preferência.
Essa suposição leva Silberman a afirmar que na França os revolucionários estabeleceram a
igualdade “não como algo que eles acreditavam ou desejavam”
26
, mas como o único
fundamento de legitimidade possível para um governo revolucionário.
26
Vide item 1.3.1, sobre os casos de alta incerteza.
66
O problema das explicações a posteriori, de acordo com Baert, é que elas se apóiam
em premissas também fixadas a posteriori e, portanto, não podem ser validadas
empiricamente. Isto é, não se pode precisar as motivações reais dos atores no contexto
estudado. Baert alinha-se a Przeworski e Taylor e Hall ao entender que escolha racional
também peca por ignorar ou igualar a diversidade cultural, todavia é mais incisivo na crítica:
[...]o absurdo deste argumento [da estabilidade das preferências] é óbvio: a
fragilidade da abordagem (sua inabilidade em considerar como as
preferências são formadas) é usada na sua justificativa. Uma razão mais
convincente para considerar as preferências fixas é que esta premissa
contribui para a simplicidade do modelo. ... No entanto, apesar de se poder
sustentar que a simplicidade é desejável, esta não deve ser obtida a qualquer
custo, especialmente se para isto for necessário adotar premissas
empiricamente insustentáveis ou até falsas. Este é freqüentemente o caso
com a teoria da escolha racional. Em algumas áreas da economia as
preferências podem ser relativamente constantes, mas em muitas outras elas
não o são. Assumir simplesmente que elas são constantes (e em alguns casos
desprezar as evidências empíricas em contrário) representa falta de
honestidade intelectual.
(BAERT, 1997).
Em que pesem estas críticas ao neoinstitucionalismo da escolha racional e da forma
como Silberman o utilizou, considera-se que sua teoria é uma alternativa às macro-
explicações sobre a racionalização
27
, sobretudo por reconhecer que esse processo não é
obrigatoriamente convergente em todos os países e por relacionar o processo de
racionalização do Estado à ação política, em lugar da crescente complexidade econômica e
social. Além disso, ainda que se entenda que a teoria não possa ser integralmente transposta
para outros contextos, não deixa de ser um referencial válido por conjugar a ação racional dos
líderes políticos com as incertezas em relação à sucessão política, o que pode sugerir uma
interpretação diferenciada sobre as razões que conduzem às reformas administrativas e seus
resultados.
1.5.2. O que a teoria nos diz sobre o caso do Brasil
Não parece viável transpor para o caso brasileiro os marcos decisórios que
racionalizaram a burocracia estatal e eliminaram a patronagem nos países estudados por
27
No Brasil, as análises sociais e históricas, em geral amparadas em Weber, destacam a permanência do
patrimonialismo para justificar o insucesso do processo de racionalização. Dentre os expoentes desta
interpretação estão Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Hollanda, que inauguraram, uma vasta literatura sobre
o tema. Para Campante, essa explicação teria uma ascendência tão marcante “que influencia o senso comum e a
imagem que o brasileiro tem de si, cuja característica principal é enxergar o Brasil como uma alteridade
atrasada e patrimonialista em relação, especialmente, ao modelo norte-americano.” (CAMPANTE, 2003, p.
175).
67
Silberman. Como será exposto na seqüência, as reformas administrativas realizadas no
governo federal até a década de noventa não romperam com a prática da livre nomeação para
os Cargos de Direção e Assessoramento (DAS) e tampouco criaram de forma consistente
carreiras meritocráticas na Administração Direta.
O próprio Silberman trata de aplacar eventual pretensão de aplicar a teoria a países em
desenvolvimento. A seu ver, estes países em geral não sofreram grandes rupturas,
prevalecendo um contexto de baixa incerteza na sucessão eleitoral e de ênfase no
igualitarismo decorrente da declaração de independência desses Estados.
Para o autor, na América Latina do século XIX, havia o predomínio de redes sociais
restritas sustentadas pela rede econômica, propiciando o surgimento de partidos assentados na
patronagem. Esta serviu e continuaria a servir como meio de reduzir a incerteza em relação
aos partidos de oposição ou outras redes sociais que venham a questionar o poder constituído.
Também contribuiria para a permanência da patronagem o sistema presidencialista,
em função da dissociação entre as eleições presidenciais e parlamento. Essa separação
acarreta dois efeitos: o do controle das nomeações pelo presidente, fortalecendo a base social
do partido governista, e o da comunicação direta entre presidente e eleitorado, que enfraquece
a atuação partidária. Por essas razões, assim como nos Estados Unidos, a patronagem se torna
fonte de constante insatisfação e criação de facções, pois os cargos do Poder Executivo nunca
são suficientes para atender a todos os interesses. Neste país, a reforma burocrática teria sido
possível pela conjunção entre oposição partidária, reforma educacional e prevalência da
concepção de interesse público. Na América Latina a oposição não teria força para pressionar
por reformas administrativas, bem como não haveria uma classe profissional ou social que
demandasse por seu lugar no governo em função do seu preparo educacional, fatores que
impediriam a superação da patronagem.
Considerando que a teoria de Silberman será utilizada na elaboração do estudo de
caso, cumpre destacar suas diferenças em relação à análise proposta por Bárbara Geddes
(1996), que também procura explicar o fracasso das reformas administrativas na América
Latina a partir do sistema político.
Silberman e Geddes publicaram suas obras no mesmo período, 1993 e 1994,
respectivamente, e ambos utilizaram a abordagem da escolha racional. As semelhanças param
por aí, pois a autora analisa a reforma administrativa como um problema de ação coletiva, em
que a maioria dos membros da sociedade estaria melhor se cooperasse. Entretanto, essa
cooperação requer sacrifícios que os indivíduos não estariam dispostos a fazer, pois podem
ser beneficiados independentemente de cooperarem. Estes custos são especialmente elevados
68
para os políticos e sua clientela, na medida em que a aprovação de reformas que fixem o
mérito como parâmetro das contratações implica a abdicação dos recursos utilizados na
patronagem. (GEDDES, 1996, p. 28).
O Chefe do Executivo enfrenta dilema semelhante na escolha dos nomeados, que
podem não corresponder à realização de seus três objetivos: sobrevivência política,
governança e obtenção de lealdade política.
Nenhum partido que sacrificar a vantagem
política de colocar seus próprios nomeados, mas se todos os dirigentes forem escolhidos por
critérios partidários, aumenta a probabilidade de má administração e do conseqüente risco de
fracasso da coalizão. (GEDDES, 1996, p. 142).
Geddes parte do pressuposto de que uma burocracia competente é um objetivo
universalmente desejável. Assim, trata de investigar a conjuntura política que teria impedido a
aprovação das reformas na América Latina. Conclui que dois fatores determinam a aprovação
da reforma: a distribuição equilibrada dos recursos da patronagem aos maiores partidos e a
pressão dos eleitores para sua realização. O Chefe do Executivo, por sua vez, tende a nomear
por critérios técnicos quando estiver seguro no cargo, contar com partidos disciplinados e não
sofrer ameaça dos militares.
Apesar de tratarem de problemas de pesquisas distintos, o estudo de Silberman e
Geddes analisam o mesmo processo – a superação da patronagem – o que torna a comparação
entre ambos útil, como segue:
Tabela 4 - Comparação entre a análise de Silberman e Geddes
Silberman Geddes
Obra
Cages of Reason, 1993 Politician’s Dilemma. Building State
Capacity in Latin América, 1994.
Pergunta de
pesquisa
Por que as organizações seguem
processos de racionalização distintos
Em que condições as reformas
ocorrem.
Processo
analisado:
superação da
patronagem
Como a patronagem foi substituída
por uma burocracia meritocrática em
contextos de alta e baixa incerteza
nos países desenvolvidos.
Como a patronagem não foi
substituída por uma burocracia
meritocrática no contexto político da
América Latina.
Patronagem
Deixa de ser a escolha racional dos
governantes em um contexto de
incerteza marcado pelo aumento da
volatilidade eleitoral e pelo imperativo
da equidade.
Só deixará de ser a escolha
racional dos políticos no caso da
aprovação da reforma significar o
mesmo custo para todos e houver
pressão dos eleitores pela sua
realização.
Visão de reforma
administrativa
Reformas significam a fixação de
princípios meritocráticos e asseguram
um maior controle do governo.
Reformas significam a fixação de
princípios meritocráticos e
aumentam a capacidade estatal.
69
Visão de reforma
administrativa
Insulamento
Não visam aumentar a eficiência
estatal.
A criação de uma burocracia
meritocrática é uma decisão racional
do governante para diminuir a
incerteza em relação à sucessão
eleitoral. É um meio para governar
melhor.
Visão etapista/incrementalista da
reforma, que se consolida ao longo
de vários governos, com diferentes
resultados ,conforme haja baixa ou
alta incerteza.
Por esta interpretação, pode-se inferir
que a estratégia de insular setores da
Administração por meio de uma
burocracia meritocrática pode ser
parte do processo consolidação da
reforma.
28
A criação de uma burocracia
meritocrática é um bem coletivo
almejado por todos, mas depende
da conjuntura em que se encontra o
presidente e de sua interação com
o Legislativo. Essa conjuntura
determina o custo da reforma e o
conseqüente interesse dos políticos
em aprová-la.
Rejeita a visão etapista; a reforma
depende de uma conjuntura
específica.
Não considera a meritocracia
gerada pelo insulamento um marco
consistente de reforma, mas uma
prova do seu fracasso.
Dilemas:
quem
nomear
custo da
reforma
A nomeação por critérios políticos
dificulta a governança, pois (i) cria
atrito intra-partidário e entre partidos,
(ii) a heterogeneidade dos nomeados
dificulta o controle do governo, (iii)
fere o critério da equidade e do
caráter público do Estado, resultando
na perda de legitimidade.
O problema não é capacidade técnica
dos nomeados políticos, mas sua
heterogeneidade de classe e
interesses.
A reforma não é vista como um custo
político para o governante, mas como
a solução para um problema de
governança.
A nomeação por critérios políticos
ou técnicos gera o dilema de
escolher entre suporte político
imediato e o incremento dos
resultados das políticas públicas no
médio prazo.
O apoio à reforma implica a perda
de recursos políticos vitais para a
participação na competição política.
Fracasso das
reformas na
América Latina
Baixa incerteza + partidos
assentados na patronagem + regime
presidencialista + oposição fraca +
ausência de classes profissionais
pressionando por representação no
governo.
Distribuição desigual da
patronagem entre os maiores
partidos + presidentes com base
de apoio fraca ou indisciplinada +
ausência de pressão popular pela
reforma + oposição fraca (não é
explícita).
Fonte: elaboração própria.
28
A tese de que o insulamento de organizações burocráticas indicam uma consolidação do sistema de carreiras
do tipo profissional será adotada na interpretação do caso brasileiro.
70
A abordagem de Geddes joga luzes sobre algumas fraquezas do trabalho de Silberman,
como a ausência de identificação dos atores responsáveis pelas reformas. A autora fixa com
precisão o papel do governante, que contribui para o fortalecimento da burocracia por meio
das nomeações, e do legislativo, responsável pela aprovação das reformas. Em Silberman, o
pressuposto é o de que as carreiras são resultado de ações racionais dos governantes, mas em
vários momentos dos estudos de caso consta a descrição de toda uma conjuntura que teria
contribuído para a consolidação da burocracia. No caso britânico, por exemplo, chega-se a
mencionar os custos da reforma para o parlamento inglês em termos da teoria dos jogos, em
particular, o dilema do prisioneiro, aproximando-se da perspectiva de Geddes.
Por outro lado, o dilema de Geddes entre nomeação política e técnica e entre
aprovação da reforma e perda de recursos da patronagem simplifica demasiadamente as
nuances das nomeações e o alcance das reformas. Esse processo é captado em maior
amplitude por Silberman.
Observe-se que os dois autores coincidem em parte no diagnóstico do fracasso das
reformas na América Latina ao considerar o regime de governo presidencialista como um
empecilho, mas por razões diferentes. Para Silberman, o regime dificulta a consolidação do
sistema partidário, ao passo que Geddes verifica a dificuldade de o presidente formar uma
sólida base de apoio. Entretanto, ambos reconhecem que a ausência de uma oposição forte
dificulta a aprovação da reformas.
Ressalte-se que, apenas no caso da América Latina, Silberman reconhece a
importância do regime de governo para a configuração da burocracia, fator desconsiderado
nos seus estudos de caso. Quer dizer, a seu ver,o regime não foi determinante para o sucesso
das reformas nos países desenvolvidos, mas o é para inviabilizá-la nos países em
desenvolvimento.
Para a construção do estudo de caso no capítulo seguinte, considerar-se-á que a
explicação de Silberman é válida para o Brasil até o início da década de noventa, ocasião em
que se preparava no governo federal a Reforma do Aparelho do Estado, na qual figurou, pela
primeira vez, a proposta de fortalecer o ‘núcleo estratégico’ da administração direta federal.
Aparentemente, deu-se início ao processo de criação e consolidação de carreiras do alto
escalão que permanece até o presente, ainda que a patronagem não tenha sido superada nos
moldes dos países desenvolvidos. Pode-se dizer que esta reforma alterou o cenário descrito
por Silberman? Em caso positivo, qual a conjunção de forças políticas que vem possibilitando
esta transformação? E como ele narraria as mudanças que foram empreendidas por esta
71
reforma? É o que se pretende analisar no estudo de caso a ser apresentado no próximo
capítulo.
72
2- ESTUDO DE CASO: carreiras de estado e cargos em comissão no Brasil pós-1994 a
partir da teoria de Silberman
2.1 Delimitação da hipótese do estudo de caso
Conforme Silberman, as reformas administrativas que redundaram na criação de um
alto escalão meritocrático nos países desenvolvidos são resultado de decisões racionais dos
líderes políticos em contextos de incerteza, nos quais a formação do governo pela via da
patronagem tornou-se inviável ou indesejável.
Na América Latina, de acordo com o próprio autor, tem prevalecido o que ele
denomina de baixa incerteza, em função da existência de sistemas eleitorais que conferem
alguma previsibilidade à sucessão eleitoral, associados a redes sociais fechadas e regimes
presidencialistas, que dificultariam a atuação da oposição em prol das reformas. Assim, a
baixa incerteza resultante deste contexto não seria suficiente para inviabilizar a patronagem
ou, em outras palavras, a patronagem continuaria sendo uma solução pertinente para a
composição do governo. Por essa razão, as reformas administrativas da América Latina não
lograram formar carreiras de estado meritocráticas,
29
bem como não alteraram o provimento
livre dos cargos do alto escalão do Poder Executivo.
30
Em relação ao Brasil, supõe-se que o argumento é razoável para explicar o alcance das
duas principais reformas administrativas: aquela realizada pelo governo Vargas durante o
Estado Novo e a promovida pelo governo militar em 1967, ambas idealizadas em contextos de
suspensão do sistema eleitoral. Procurar-se-á demonstrar no item seguinte que estas reformas,
por razões diferentes, procuraram racionalizar a administração sem tocar na forma do
provimento do alto escalão e sem constituir carreiras meritocráticas consistentes na
administração direta do Poder Executivo federal.
29
Adota-se aqui o sentido mais comum e amplo de carreira: “profissão que oferece oportunidades de progresso
ou em que há promoção” (HOUAISS, 2001), que abrange tanto o tipo de burocracia profissional quanto o
organizacional. Quando se afirma que as carreiras não são meritocráticas, quer-se dizer que, apesar de haver
regulamento jurídico, estes não prevêem, ou prevêem mas não aplicadas regras objetivas para a ocupação dos
cargos.
30
No Brasil, podem ser considerados cargos de alto escalão do Poder Executivo os Cargos de Direção e
Assessoramento Superior – DAS nos níveis 4, 5 e 6, critério já adotado por Loureiro e Abrucio (1999). Contudo,
ao longo do trabalho, tratar-se-á das regras de provimento dos cargos DAS em geral, por não ser possível
diferenciá-los neste quesito. A definição do Decreto nº 77336/76 permite enquadrar os DAS como cargos de alto
escalão, mas o fato é que, na prática, nem sempre estão associados a estas atividades: “Art. 1º O Grupo-Direção
e Assessoramento Superiores, previsto no artigo 2º da Lei número 5.645, de 10 de dezembro de 1970,
compreende atividades de fiança, abrangendo planejamento, supervisão, coordenação, orientação e controle, no
mais alto nível da hierarquia dos órgãos da Administração Federal direta e Autarquias federais, com vistas à
formulação de programas, normas e critérios que deverão ser observados pelos demais escalões hierárquicos”.
(grifo nosso)
73
Questiona-se, contudo, se este raciocínio é válido para o período que vai de 1994 até o
presente, pois pela primeira vez parece haver um esforço concentrado em criar e fortalecer
carreiras meritocráticas para atuar em questões estratégicas da administração. Embora sejam
tímidas as iniciativas para restringir diretamente a livre nomeação, pode-se argüir que a
disponibilidade crescente de burocratas de carreira, interessados também em ocupar cargos de
confiança, restringe um espaço que antes era aberto ao alvitre dos políticos. Por este
raciocínio, mais carreiras meritocráticas implicaria menos patronagem.
31
Se assim for, seguindo a teoria de Silberman, é possível supor que a partir de 1994
teria havido um aumento da incerteza dos governantes no exercício do poder a ponto de tornar
a patronagem irrestrita um recurso indesejável ou inoportuno para a constituição do governo,
mas não dispensável.
A demonstração de moralidade na Administração não parece ser decisiva neste
processo, uma vez que a reforma administrativa não se apresenta como uma demanda do
eleitorado brasileiro e tampouco da oposição. Critica-se o aparelhamento do Estado quando há
suspeita de corrupção, mas em geral há leniência em relação à matéria. Mesmo quando se
divulgou a criação de novos cargos em comissão, e a imprensa criticou o aparelhamento da
máquina administrativa pelo governo Lula, não houve clamor popular ou uma reação da
oposição.
32
Mesmo assim, é possível que os sucessivos escândalos envolvendo o atual governo
tenham demandado medidas no sentido de mostrar à população que há preocupação com o
preparo técnico dos nomeados. Tentar-se-á levantar estas evidências no item 2.4.
Do mesmo modo, as regras de publicidade e impessoalidade do novo marco
constitucional de 1988 podem ter contribuído para a retomada dos concursos públicos, todavia
não parecem ser determinantes para o conteúdo das reformas e seus resultados.
Se o caráter público do governo - um dos fatores centrais na teoria de Silberman para
explicar o aumento da incerteza - não é suficiente para justificar o processo de consolidação
das carreiras burocráticas, o que tem condicionado o caso brasileiro? Tomando do próprio
31
Não se pretende cair na dicotomia de que a nomeação política ocorre sempre em detrimento do preparo técnico
e que a nomeação de burocratas de carreira sempre privilegia o mérito. Pressupõe-se, apenas, que havendo
vários candidatos dentro da administração, que em tese possuam os requisitos profissionais adequados ao cargo,
torna-se mais difícil trazer profissionais de fora sem que se demonstre sua capacidade técnica. Pressupõe-se,
também, que os burocratas de carreira tentarão demarcar seu espaço pela elaboração de regras que restrinjam a
liberdade de nomeação.
32
Coincidência ou não, no governo Lula as iniciativas legislativas para limitar o provimento dos cargos em
comissão aos servidores ou diminuir o número desses cargos foram propostas exatamente em 2003, ocasião em
que se noticiou a distribuição de cargos aos simpatizantes do PT (PEC 063/2005-PMDB, PEC 193/2003-PPS e
PL 1887/2003-PSDB) e em 2005, na crise do mensalão (PEC 428/2005 –PMDB, PL 5403/2005 ), o que pode
sugerir que são projetos de ocasião.
74
autor que o regime presidencialista é um fator de relevo para a compreensão do quadro
institucional na América Latina, pode-se acrescentar que no Brasil ele é ainda mais
importante quando se considera que se trata de um presidencialismo de coalizão. Loureiro e
Abrucio destacam que “a estrutura da alta burocracia de qualquer país depende, em grande
medida, da relação entre o sistema político e a administração pública...” e que “no Brasil, a
variável político-institucional mais relevante é o presidencialismo.(LOUREIRO e ABRUCIO,
1999)
Assim, a necessidade de formar a coalizão para assegurar a disciplina do Poder
Legislativo dificulta a governança
33
do Poder Executivo, na medida em que (i) gera disputa
intra e inter partidária por cargos, e (ii) a falta de homogeneidade do quadro administrativo
pode prejudicar a execução do programa de governo. O dilema da governabilidade decorrente
do presidencialismo de coalizão já foi bem retratado pela literatura, especialmente por
Loureiro e Abrucio. Segundo eles:
[...] para ganhar autonomia ante os compromissos políticos assumidos num
sistema consociativo, o presidente cria estruturas paralelas de poder, e
fortalece determinados nichos de insulamento burocráticos. É como se o
presidente, por um lado, distribuísse poder para obter apoio político e, por
outro, tivesse também que reconcentrar outra parcela de poder para
conseguir de fato reduzir ao máximo a dispersão causada pela barganha de
cargos e, assim, ‘controlar’ os aliados e realizar suas políticas prioritárias.
(LOUREIRO e ABRUCIO, 1999, p. 73)
Ainda, presume-se que a tensão decorrente do presidencialismo de coalizão teria sido
exacerbada após a redemocratização, devido ao aumento do número de partidos e à variedade
de interesses que passaram a representar (AMORIM NETO, 1994).
Supõe-se também que a
governança, entendida como a capacidade de implementar o programa de governo, define o
grau de incerteza em relação à sucessão eleitoral. Deste modo, o presidencialismo de coalizão
seria uma condição específica do Brasil a aumentar o grau de incerteza em relação à sucessão
eleitoral. Isto porque determina o melhor ou pior resultado dos governos tanto em relação à
execução das políticas quanto ao apoio do Poder Legislativo.
33
Governança ou governabilidade? Opta-se pelo primeiro termo, considerando-se que governança é a capacidade
para formular e implementar as políticas e governabilidade “refere-se às próprias condições substantivas
materiais do exercício do poder e de legitimidade do Estado e do seu governo derivadas da sua postura diante
da sociedade civil e do mercado.” É, também, “a autoridade política do Estado em si, entendida como a
capacidade que este tem para agregar os múltiplos interesses dispersos pela sociedade e apresentar-lhes um
objetivo comum para o curto, médio e longo prazos.” (CARVALHO, 2002). De acordo com Bresser Pereira
“....governabilidade é uma capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade do Estado e do
seu governo com a sociedade; governança é a capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um
governo implementar políticas.” (BRESSER PEREIRA, 1998a).
75
Portanto, a hipótese é a de que o presidencialismo de coalizão, associado ao
multipartidarismo, é determinante para o aumento da incerteza no Brasil a partir de 1994, o
que teria levado os políticos a rever a estratégia de montagem do governo através da
patronagem. Dito de outro modo, as decisões dos governantes em relação às nomeações e,
indiretamente às carreiras de estado, visaram a limitar o alcance da coalizão no governo e a
aumentar a presença de um corpo burocrático, disciplinado e previsível, de forma a diminuir
as incertezas sobre a governança.
É certo que as condições do sistema eleitoral já se encontravam presentes desde o
governo Sarney. Considera-se, entretanto, que até 1994, questões prementes como a situação
hiperinflacionária e a indefinição do quadro político, especialmente quanto à estabilidade da
democracia e à sucessão eleitoral, colocaram como desafio aos governantes manter-se no
poder, mais do que realizar um programa de governo. Ou, como sintetizou Mainwaring:
Entre 1985 e 1994, os presidentes brasileiros tiveram dificuldade para
realizar a estabilização e a reforma do Estado, em parte devido à combinação
de um sistema partidário altamente fragmentado, partidos indisciplinados e
federalismo. Essa combinação tornou difícil para os presidentes obter apoio
legislativo para a estabilização econômica e para a reforma do Estado. Os
presidentes enfrentaram problemas para superar a oposição no Congresso e
para implementar as reformas mais importantes quando sua popularidade já
havia se dissipado. Eis porque a ausência de base majoritária confiável no
Congresso apresentava problemas para a eficácia governamental. E essa é a
razão pela qual Sarney, Collor e Franco encontraram dificuldade para
implementar suas agendas, a despeito das amplas prerrogativas
constitucionais de que estavam investidos. No período 1985-94, a
consistência da política pública foi muitas vezes prejudicada em decorrência
dos esforços presidenciais para obter apoio no Congresso e entre
governadores.(MAINWARING, 1997, apud LIMONGI, 1998)
No caso do Presidente Sarney, a queda de sua popularidade após o fracasso do Plano
Cruzado, levou à exacerbação do uso do poder de nomeação em troca de apoio no Congresso,
que teve como preço a perda do controle do Executivo (SCHNEIDER, 1993, p. 235 e
MAINWARING, 2001, p. 245-247). Fernando Collor, que assumiu em 1990, sofre o
impeachment em 1992, e o país é novamente governando por um Vice-Presidente até 1994.
Mainwaring expõe que, já no governo Sarney e Collor, a patronagem mostra seus
limites como recurso de governo:
Vários acontecimentos ao longo da década de 80 demonstraram que a
patronagem e o fisiologismo nem sempre garantiram a sustentação política
do governo. Os fracassos de Sarney e Collor mostraram os limites da
patronagem e das redes de clientela. Sarney pôde cooptar um número
76
suficientemente grande de pessoas, porque dispunha de mecanismos para
retaliar seus adversários políticos, mas quando perdeu força e prestígio, seus
defensores o abandonaram. Collor não conseguiu apoio suficiente nem para
evitar seu impeachment, e encontrou muita oposição ao seu programa
neoliberal.(MAINWARING, 2001, p. 247)
Logo, considerar-se-á que o presidencialismo de coalizão é a principal variável
independente que interfere na formação das carreiras de estado, variável dependente. Diante
destas afirmações, a teoria de Silberman adaptada para o caso brasileiro pode ser representada
da seguinte forma:
77
Figura 2- PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS CARREIRAS DE ESTADO NO BRASIL
APÓS 1994
Fonte: produção própria.
CONSTRANGIMENTOS ‘AMBIENTAIS’/INSTITUCIONAIS
(definem o grau de incerteza da sucessão política)
Evolução política sem
rupturas e criação de
sistemas eleitorais =
Baixa incerteza
CONSEQUÊNCIA:
Crescente tensão gerada pela patronagem.
RESPOSTA RACIONAL DOS LÍDERES POLÍTICOS NO
Poder Executivo FEDERAL:
Reformas Administrativas que tornem a administração mais
controlável a partir de regras que disciplinem as nomeações e
fortaleçam a meritocracia.
RESULTADO DA REFORMA ADMINISTRATIVA
Burocracia predominantemente
profissional
A fim de inserir princípios
meritocráticos mantendo a
flexibilidade das nomeações.
Tensão entre público
e privado (Regras de
publicidade da
CF/88 e demanda
por moralização
)
Volatilidade eleitoral
acentuada pelo fato
dos resultados do
governo dependerem
do sucesso da
coalizão.
78
Esclareça-se que reforma administrativa neste esquema não se restringe às iniciativas
de grandes reformas empreendidas pelo Poder Executivo, mas abrange o as modificações
pontuais das carreiras ao longo do tempo. Conforme os estudos de caso realizados por
Silberman, o marco reformista em geral é o ápice de um processo político e social que se
desenrolou ao longo de um século. Assim foi o com os Northcote-Trevelyan Reports, na Grã-
Bretanha e com Pendentlon Act nos Estados Unidos. Logo, o paradigma aqui não é o estudo
do sucesso ou fracasso de determinada iniciativa reformista. Embora elas sejam consideradas,
isoladamente não são decisivas para explicar o formato das carreiras burocráticas.
Ainda sobre o esquema acima, à semelhança do que ocorre com os estudos de caso de
Silberman, não é possível estabelecer uma relação direta e inequívoca entre as incertezas que
constrangem as decisões racionais e seus resultados. Até porque não se pode desvendar com
precisão o que norteou o processo decisório. Por isso, seguir-se-ão os mesmos pressupostos
da escolha racional utilizados na teoria original, já analisados no item 1.5.1, ciente dos riscos
e limitações da abordagem especialmente quanto à verificação das causas a partir de suas
conseqüências. Outrossim, em relação à questão metodológica, deve-se esclarecer que a
aplicação da teoria pressupõe que esteja em curso um processo de racionalização no Brasil.
Seguindo esta linha, o estudo de caso propõe levantar evidências de que está em curso
um processo gradual de fortalecimento das carreiras de estado na administração direta federal
a partir de 1994. Isso se dá, de um lado, pelas iniciativas explícitas de reforçar a capacidade
administrativa do Estado e, de outro, por regras pontuais que exigem competência técnica ou
privilegiam servidores de carreira para as nomeações dos cargos em comissão. Conforme o
esquema acima, a previsão é que as carreiras de Estado estejam mais próximas do modelo
profissional de burocracia, haja vista o histórico de baixa incerteza em que ocorreu sua
formação.
Caso haja evidências de que o presidencialismo de coalizão condiciona de alguma
forma este processo, poder-se-á afirmar que acaba sendo uma força racionalizante, na medida
em que obriga os governantes a restringirem os espaços de atuação da coalizão em detrimento
de uma burocracia de carreira, de forma a assegurar a governança.
Note-se que a ‘incerteza’ de Silberman aproxima-se do ‘dilema dos políticos’ de
Barbara Geddes, mas o enforque é completamente distinto. Enquanto para Geddes o dilema
entre nomear por critérios técnicos ou políticos impede a aprovação das reformas
administrativas que instituam a meritocracia, para o Professor de Chicago, ele acaba sendo o
motor da gradual criação de regras que disciplinem as nomeações pelo Executivo.
79
Para validar a tese de que no Brasil as regras institucionais do presidencialismo de
coalizão após 1994 condicionam as estratégias administrativas dos governantes para
diminuírem as incertezas em relação à sucessão, resultando na consolidação de uma
burocracia mais ao tipo profissional, será obedecida a seguinte seqüência:
(i) histórico das reformas anteriores no intuito de demonstrar que a burocracia
brasileira sugere aderência ao tipo profissional;
(ii) análise do papel da Reforma Administrativa de 1995 em relação ao
fortalecimento das carreiras de Estado;
(iii) levantamento e análise das medidas do atual governo em relação às carreiras de
Estado e aos cargos em comissão;
A proposta do estudo de caso, em síntese, é contar, a partir da teoria de Silberman, a
história da consolidação recente das carreiras de Estado desde 1994 com base no pressuposto
da racionalidade da ação política e do interesse das lideranças políticas em assegurar sua
permanência no poder. Trata-se, portanto, de um estudo de caso do tipo interpretativo, em que
uma teoria estabelecida é utilizada para jogar luz a um caso concreto, conferindo-lhe alguma
racionalidade ou explicitando-a. Ainda, este tipo de estudo pode comprovar a validade da
teoria e propor seu refinamento. (LIJPHART, 1971).
A principal evidência utilizada é a legislação sobre carreiras e provimento dos cargos
em comissão, que sintetiza o entendimento de cada governo sobre a matéria. A partir da
década de noventa, utilizou-se a documentação disponível sobre a Reforma do Aparelho do
Estado e os dados do Boletim Estatístico de Pessoal publicado pelo Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG.
Contou-se, também, com entrevistas de servidores que trabalharam no Ministério da
Administração e Reforma do Estado, na área de carreiras e estrutura administrativa, e com
servidores que exercem estas funções atualmente no MPOG. Para subsidiar a análise das
carreiras, foram contatados dirigentes ex-dirigentes das divisões de recursos humanos do
Órgão Gestor de cada uma delas, a fim de levantar as regras formais e informais para a
nomeação dos cargos em comissão. Um servidor que esteve em exercício no gabinete da
Secretaria de Relações Institucionais da Presidência entre 2003 e 2005 esclareceu o
procedimento de controle e distribuição dos cargos em comissão no atual governo. Dos
entrevistados serão identificados o cargo e o período em que o ocupou.
80
Deve ser ponderado que se está transpondo a teoria para um país em desenvolvimento
e para uma época à qual se pode atribuir maior complexidade política e social. Apesar destas
diferenças, acredita-se que essa perspectiva pode contribuir para elucidar alguns dos fatores
que condicionam a formação de uma burocracia meritocrática.
2.2 Fundamentos do sistema de carreiras brasileiro: as bases do tipo profissional.
2.2.1 O contexto da reforma varguista: baixa incerteza e redes sociais
Considera-se que a reforma administrativa realizada pelo governo de Getúlio Vargas é
o marco inicial das carreiras burocráticas, uma vez que o desenho das carreiras estruturadas
nessa ocasião condicionou as escolhas posteriores e, em linhas gerais, suas características
permanecem até o presente.
Seguindo o raciocínio de Silberman, cumpre verificar o tipo de carreiras formadas nessa
ocasião e se o contexto político da época configura-se como um período de baixa ou alta
incerteza. À primeira vista, a impressão é que havia alta incerteza no Governo Vargas, pois o
período 1930-1945 foi marcado por grande insegurança: ocorreu a Revolução de Trinta, com a
destituição do presidente eleito, o fechamento do Congresso e, por fim, o golpe de 1937. Deste
modo, a própria ascensão de Getúlio Vargas poderia ser creditada à tentativa de controlar esta
alta incerteza por meio da introdução de um governo autoritário.
Contudo, a literatura sobre o período enfatiza a composição entre os diversos atores sob
a condução de Vargas e a não prevalência de um único grupo sobre os demais, o que leva a
crer que não houve substituição das elites governantes. O entendimento comum é que a solução
para as crises da década de trinta evitaram, de um lado, a escalada ao poder das pequenas e
diversificadas facções (tenentes, comunistas, integralistas), e de outro, aproveitaram-se da
grande dispersão de forças para transformar o Estado em um coordenador político por
excelência, com o aval de parte destas mesmas facções e das oligarquias estaduais.
34
34
De acordo com Eli Diniz (1978), “é correta a conclusão de que a Revolução de 30 não afetou de forma
substancial a estrutura de dominação, como também não atingiu certas prerrogativas básicas das elites
tradicionais.” Também para Nunes (2003, p. 48) “...em muitos aspectos, o movimento de 1930 pode ser
considerado uma revolução que nunca existiu. Na ausência de uma facção burguesa hegemônica, o pós-trinta deu
lugar no Brasil a um “Estado de Compromisso”, caracterizado pela tentativa, da parte do governo, de agradar a
muitos interesses diferentes – e mesmo antagônicos”. No mesmo sentido, manifesta-se Campello de Souza
(1990, p. 80): “...dadas as características sociais do movimento de trinta, e dado o quadro internacional de
crescente polarização do entre - guerras, a almejada implantação de um Estado forte e centralizado significou, de
fato, não a marginalização dos interesses econômicos dominantes do período anterior, mas sim uma redefinição
dos canais de acesso e influência para a articulação de todos os interesses, velhos ou novos, com o poder
central.”
81
Assim, é defensável argumentar que a Revolução de Trinta e o Estado Novo foram, em
verdade, as formas encontradas para a manutenção do poder destas mesmas elites, com nova
distribuição de poder entre elas (não mais a prevalência de São Paulo e Minas Gerais), e para a
acomodação das elites emergentes urbanas.
Após a vigência do Código Eleitoral de 1932, que instituiu o voto universal e secreto e a
representação proporcional no Congresso, a suspensão das regras eleitorais pode ser creditada à
tentativa de conter a incerteza resultante das eleições, evitando que outros interesses passassem
a ser representados.
35
Convergem para frear o avanço das massas as medidas de inclusão
controlada pelo governo, como os sindicatos.
Nestes termos, a literatura sobre o tema sugere que não se deve entender a década de
trinta como uma grande ruptura institucional; o mais provável é que seus eventos políticos
tenham ocorrido para evitar sua ocorrência.
Portanto, a par das profundas mudanças institucionais ocorridas na estrutura
administrativa do Estado, tratou-se de período de baixa incerteza quanto à sucessão, já que a
manutenção do poder por Getúlio Vargas era garantia de estabilidade política. Esta baixa
incerteza teria sido assegurada pela função de coordenação de interesses assumida pelo
governo Vargas.
Contudo, se de fato a era Vargas foi marcada pela baixa incerteza, há de convir que o foi
de forma totalmente atípica. Para Silberman, os contextos de baixa incerteza são aqueles de
regular sucessão no poder através de sistemas eleitorais. Como falar em sistema eleitoral
brasileiro, quando sequer havia partidos de alcance nacional?
36
Prevaleciam aqui as
denominadas redes sociais, definidas pelo autor como ligações e acordos entre as elites, isto é,
uma forma de organização política pouco institucionalizada.
35
Foram realizadas eleições para a Assembléia Constituinte em 1933, mas as eleições presidenciais foram
indiretas, o que pode ter sido uma estratégia para afastar a volatilidade eleitoral decorrente do voto irrestrito.
Conforme levantou Campello de Souza (1990, p. 80), tenentes, civis, militares, comunistas e futuros membros da
Aliança Nacional Libertadora, integralistas, oligarquias regionais e a política paulista, chegaram a um consenso
sobre a necessidade de um regime autoritário: “Temerosos, por um lado, de uma crescente marginalização face
às medidas centralizadoras do governo, e perplexos, por outro, em face dos primeiros sinais de participação
política das camadas médias e populares urbanas, mesmo os liberais mais convictos parecem incapazes de
visualizar uma nova etapa de desenvolvimento político, fundada em partidos de base social mais extensa.” A
aquiescência do Congresso ao golpe de 1937 a ponto de apresentar suas congratulações ao Presidente Vargas,
também ilustra a opção deliberada por um governo autoritário, e que uma solução continuísta estava disseminada
entre as elites políticas e militares.
(SKIDMORE, 1982, p. 46).
36
Durante a República Velha, os partidos eram estaduais e o Presidente era eleito a partir de um acordo entre os
caciques de cada estado. Em 1937, ainda não havia partidos nacionais, à exceção do integralista e comunista. O
próprio Presidente Vargas não organizou um partido político para nele assentar seu regime. Os partidos modernos
só surgiram no Brasil após 1945. (STARLING, 2007, FAUSTO, 1995, MAINWARING,2001, p. 100-102).
82
Por conta disso, as regras de sucessão eleitoral eram pouco institucionalizadas. À
exemplo da República Velha, a determinação de quem seria o Presidente da República
continuou sendo resultado de um acordo entre as elites. A diferença é que não havia mais um
sistema eleitoral fictício, que não mais se sustentava a partir de 1932, com a promulgação do
Código Eleitoral, partindo-se diretamente para regimes de exceção. De acordo com Silberman,
a combinação de baixa incerteza com organizações políticas do tipo redes sociais conduz os
líderes eleitos a utilizarem o partido apenas para organizar os votos e não para definir as
lideranças políticas. Este parece ser o cenário eleitoral dos anos trinta, e talvez explique a
inexistência de partidos de alcance nacional. Construiu-se um estado moderno, no que toca ao
seu aparelho administrativo, sobre uma estrutura política sem meios de representação formal.
Ainda, quando baixa incerteza e a liderança é baseada em redes sociais, os líderes
políticos procuram reduzir a incerteza criada pela volatilidade dos eleitores retirando as
matérias mais conflituosas da arena pública. A excessiva centralização de funções
administrativas no Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, criado em 1938,
ilustra a adoção desta estratégia por Vargas. Seu governo teria internalizado uma série de
funções antes exercidas pelos estados, conferindo à gestão maior uniformidade e
previsibilidade.
O que parece evidenciar a validade da teoria para o caso brasileiro, confirmando-se a tese
da baixa incerteza na sucessão eleitoral para o período, é o fato de a burocracia idealizada pelo
DASP não ser do tipo organizacional. Em outras palavras, Getúlio Vargas não criou uma
burocracia autônoma e impermeável aos interesses privados, como seria de esperar em um
contexto de alta incerteza. Bem ao contrário, ao lado da criação de carreiras e ingresso por
mérito, manteve livre a nomeação para os cargos de direção, que poderiam ou não ser
ocupados por burocratas da carreira. Optou por uma estrutura administrativa flexível, mais
assemelhada ao modelo profissional.
A Lei nº 284, de 1936, procurou racionalizar a estrutura de cargos e salários do
governo federal brasileiro, a exemplo do Classification Act de 1923 nos Estados Unidos. A Lei
aprovou o primeiro plano federal de classificação de cargos e institucionalizou o sistema de
mérito, previsto na Constituição de 1934. Foram criadas carreiras divididas em classes e foi
definida a promoção por critério de antiguidade e merecimento. No entanto, o agrupamento dos
cargos em carreiras não foi acompanhado da gradação por dificuldade e responsabilidade
dentro de cada classe, base da concepção racionalista de organização da administração de
pessoal:
83
Na Lei nº 284 ‘a divisão do trabalho de acordo com a diferenciação entre
espécie ou natureza do trabalho’ produziu as carreiras; mas as classes não
representavam ‘a divisão do trabalho de acordo com a gradação por
autoridade e responsabilidade, e sim apenas oportunidade para acesso
salarial em função da antiguidade e do merecimento
. (WAHRLICH, 1983, p.
106-107).
Deste modo, a Lei de Reajustamento estabeleceu uma situação que até hoje perdura na
Administração Direta brasileira: a ausência de correspondência entre hierarquia salarial e
responsabilidades no exercício do cargo. O entendimento de que a divisão da carreira em
classes servia apenas para obter elevação de vencimentos foi expressamente defendido pelo
Conselho do Serviço Público Civil, criado pela mesma Lei, e pelo Estatuto de Funcionalismo
Público Civil da União, de 1939.
37
Na prática, as carreiras eram ‘classes únicas’, com degraus
salariais que davam direito à promoção horizontal.
Além disso, a Lei n. 284 estipulou o provimento em comissão de todos os cargos de
direção, contrariando o projeto original de Maurício Nabuco, que previa a ocupação dessas
funções por meio de uma carreira de diretor e pela nomeação de funcionários, que passariam a
receber uma gratificação. Houve, assim, uma opção deliberada pelo livre acesso aos cargos
diretivos. Também, foram mantidos os extranumerários para funções intermediárias e para a
absorção de mão de obra não qualificada, o que conferiu ao Executivo Federal enormes
possibilidades de empreguismo, considerando a expansão da máquina estatal. (SKIDMORE,
1982, p. 57)
Em determinadas ocasiões, utilizou-se do insulamento burocrático, em lugar da
criação de carreiras fortes e fechadas. A opção pelo insulamento se manteria nos governos
subseqüentes e reforça a opção por estruturas de carreira do tipo profissional.
Para Wahrlich (1983), a reforma administrativa do governo Vargas inspirou-se parte
em Max Weber e parte na experiência norte-americana do serviço civil. A preocupação com a
uniformidade dos critérios de classificação dos cargos, a criação de um sistema de mérito,
consagrado nos concursos e na avaliação de desempenho funcional, e a criação de um
programa de aperfeiçoamento de servidores exemplificam estas orientações. Ficou, contudo, a
brecha à flexibilidade no preenchimento livre dos cargos em comissão, o que torna a Lei n.
284/36 muito semelhante ao Classification Act de 1923, indicando uma incipiente orientação
para o sistema profissional de carreiras.
37
Dispunha o Estatuto: “Art. 4° Os cargos são de carreira ou isolados. Parágrafo único. São de carreira os que se
integram em classes e correspondem a uma profissão; isolados, os que não se podem integrar em classes e
correspondem a certa e determinada função. Art. 5° Classe é um agrupamento de cargos da mesma profissão, e
de igual padrão de vencimento. Art. 6° Carreira é um conjunto de classes da mesma profissão, escalonadas
segundo os padrões de vencimentos.”
84
Ressalte-se que a reforma administrativa da era Vargas não estabeleceu um sistema de
carreiras profissional tal como descrito por Silberman. Apesar da ausência de carreiras
estruturadas e da maior flexibilidade para a contratação e ascensão funcional, o sistema
profissional é meritocrático, prevendo a nomeação com base numa concepção precisa das
atribuições do cargo e na formação profissional do candidato. Essa meritocracia não foi
instituída para os cargos de provimento em comissão, parcela dos quais correspondem às
funções diretivas e de assessoria ao alto escalão.
Para Nunes (2003, p. 49), as medidas adotadas por Vargas representaram tendências
contraditórias. De um lado, o universalismo de procedimentos por meio da reforma do serviço
público e do estabelecimento de um sistema de mérito. De outro, o insulamento burocrático das
autarquias e a manutenção do clientelismo, agora concentrado na esfera federal. Para ele, o
próprio DASP combinava o universalismo de procedimentos para a contratação e promoção de
servidores com o insulamento. Pelo primeiro, logrou-se modernizar a administração e, do
segundo, promoveu-se uma centralização excessiva, o que acabou identificando o DASP com a
ditadura. Assim, a racionalização da administração pública não eliminou as práticas
clientelistas, ao contrário, institucionalizou estas trocas, centralizando-as no governo
federal.(FAUSTO, 1995, p. 327 e NUNES, 2003, p. 49-53)
Utilizando-se da teoria de Silberman, a contradição entre universalismo de
procedimentos e a opção pelo insulamento é explicada pelo contexto de baixa incerteza e pela
prevalência de redes sociais. Estes elementos tornam desnecessário ao governante criar
organizações públicas impermeáveis, como ocorreu no caso francês. A decisão mais racional é
estabelecer critérios de nomeação que confiram autonomia ao governante para montar seu
governo e compor sua base aliada.
Note-se que, a partir do Estado Novo, o Presidente Vargas poderia ter instituído
organizações burocráticas com grande autonomia e impermeabilidade. Por que não o fez?
Seguindo a teoria de Silberman, a explicação é que não haveria motivo para tamanho
isolamento, haja vista que a ditadura era sustentada por diversos interesses, cuja representação
deveria ser assegurada no governo, se não pelo Legislativo, diretamente no Executivo. Getúlio
Vargas contava com sólida base de apoio, o que se mostra na sua opção por construir uma
administração ao mesmo tempo centralizada, mas também permeável.
Outra explicação de Silberman é que as redes sociais produziriam uma unidade entre as
elites políticas e burocráticas em razão da origem e formação comum (por exemplo, a
faculdade de direito). Isto dispensaria a criação de carreiras rígidas e fechadas, uma vez que o
controle da burocracia ocorreria pelo consenso entre a elite burocrática e a política.
85
Apesar de não abordado por Silberman, o caráter consociativo do sistema político
brasileiro também é decisivo para explicar por que, no Brasil, a burocracia do Poder Executivo
não foi conformada à moda organizacional. No Governo Vargas, adicionou-se ao federalismo,
bicameralismo e mandato presidencial de quatro anos sem reeleição, a representação
proporcional. A estes elementos se agregariam depois o multipartidarismo e a necessidade de
formação de coalizões para assegurar a governabilidade. Com esta diversidade de centros de
poder e o conseqüente poder de veto das minorias, a estratégia dos governantes foi, seguindo a
herança de Vargas, criar uma Administração Pública apta a acomodar interesses diversos.
Com base no histórico do período, é defensável a hipótese de que o Governo Vargas teria
determinado a conformação de uma burocracia mais ao tipo profissional, o que se evidencia
pelos seguintes fatores: (i) apesar da suspensão das regras eleitorais, o período foi marcado
pela ausência de ruptura drástica e pela manutenção das elites no poder; (ii) inexistência de
partidos políticos de alcance nacional e prevalência de redes sociais como organizações de
liderança política; (iii) criação de carreiras burocráticas sem acesso assegurado aos cargos
diretivos, que permaneceram de livre nomeação.
2.2.2 Reabertura Democrática e Regime Militar: permanência da patronagem e insulamento
confirmam orientação profissional
Se analisadas isoladamente, as normas da década de 1950 e 1960 sobre servidores
públicos induzem à conclusão de que no Brasil prevaleceram nesta época, carreiras do tipo
organizacional. O Estatuto dos Servidores Civis da União, Lei nº 1711/1952, fixou a
progressão por critério de mérito e antiguidade em percentagens definidas, criando carreiras
de formato piramidal.
38
Uma década mais tarde, é aprovada a proposta do DASP, consolidada na Lei nº
3780/1960, que dispõe sobre a classificação de cargos do Poder Executivo. Esta norma
também determinou a diferenciação de atribuições entre as classes e a promoção
meritocrática.
39
Contudo, a exemplo do Estatuto de Funcionalismo Público Civil da União, de
38
Art. 39. A promoção obedecerá ao critério de antiguidade de classe e ao de merecimento, alternadamente,
salvo quanto à classe final de carreira, em que será feita à razão de um terço por antiguidade e dois terços por
merecimento.....
Art. 41. À promoção por merecimento a classe intermediária de qualquer carreira, só poderão
concorrer os funcionários colocados, por ordem de antiguidade, nos dois primeiros terços da classe
imediatamente inferior.
39
Art. 6º As atribuições, responsabilidades e demais características pertinentes a cada classe serão especificadas
em regulamento. Parágrafo único. As especificações de classe compreenderão, para cada classe, além de outros,
os seguintes elementos: denominação, código, descrição sintética das atribuições e responsabilidades, exemplos
típicos de tarefas, características especiais, qualificações exigidas, forma de recrutamento, linhas de promoção e
de acesso. Até o presente, a legislação sobre as carreiras prevê a diferenciação de atribuições entre as classes,
mas a matéria nunca é regulamentada.
86
1939, permanece na Lei nº 3780/1960 a preocupação estrita com a definição das atribuições
dos cargos, que são organizados em classes mais para estabelecer um mínimo de
padronização das funções públicas e menos para determinar a trajetória dos funcionários no
serviço público.
40
Tanto é assim que esta Lei sequer se refere à carreira; as classes foram
reunidas em Grupos Ocupacionais, que poderiam conter níveis distintos de escolaridade.
Além disso, foi permitida a ascensão do servidor para o primeiro nível da classe seguinte ou
para outro grupo ocupacional independente de concurso, o que ressalta a ausência de
organicidade das carreiras.
A efetividade da Lei nº 1711/1952 e da Lei nº 3780/1960 dependia da elaboração de
um plano de classificação de cargos onde constasse o grau de responsabilidade de cada classe,
exemplos típicos de tarefas e qualificações exigidas. Não há registro de que este esforço de
classificação tenha sido concretizado a contento, apesar das diversas comissões criadas para
este fim.
Na prática, todos estes regramentos tinham pouco impacto na organização
administrativa, pois as carreiras compunham uma parcela pequena das funções públicas. Para
ilustrar esse fato, observa-se que, entre a década de quarenta e sessenta houve aumento de
apenas 8% dos funcionários concursados em relação ao total de funcionários civis da União,
evolução que está distante de significar a consolidação do sistema de mérito:
Tabela 5- Percentual da burocracia federal
que ingressou por concurso
Ano %
1943 4
1952 9
1960 12
1966 13
LAFER, 2001, p. 107.
41
40
Art. 4º Para os efeitos desta lei: I - Cargo é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um
funcionário, mantidas as características de criação por lei, denominação própria, número certo e pagamento pelos
cofres da União. II - Classe é o agrupamento de cargos da mesma denominação e com iguais atribuições e
responsabilidades. III - Série de classes é o conjunto de classes da mesma natureza de trabalho, dispostas
hierarquicamente, de acordo com o grau de dificuldade das atribuições e nível de responsabilidades, e constituem
a linha natural de promoção do funcionário.
41
NUNES (2003, p. 67) também estima 12% de todo funcionalismo público para 1960, ao passo que para
WAHRLICH (1983, p. 459) os concursados correspondiam a 17,8%da Administração Direta e Indireta neste
ano.
87
Em lugar de fortalecer as carreiras e realizar os concursos previstos pela Lei, os
governos desses períodos mantiveram as nomeações para cargos e empregos públicos
atreladas a patronagem e optaram pelo insulamento como meio de assegurar eficiência em
setores estratégicos da Administração.
A continuidade destas práticas sugere que a transição para a democracia ocorreu em
um contexto de baixa incerteza. Apesar da inclusão de dez milhões de eleitores, entre 1945 e
1962 (SOARES, 2001, p. 61), e do conseqüente aumento da volatilidade eleitoral, alguns
fatores explicam a estabilidade eleitoral do período.
O primeiro deles é a fragmentação da estrutura de classes, que fez com que nenhum
partido se tornasse hegemônico. Este fato, associado ao multipartidarismo e ao aumento da
volatilidade eleitoral, estimulou a formação de coligações eleitorais. De acordo com Soares,
estas coligações tiveram constância no período. (SOARES, 2001, p. 61-63).
Um segundo fator reside no controle dos recursos de patronagem pelos partidos PSD e
PTB, que se originaram dentro do governo Vargas, ao lado da oposição fraca da UND, que
acabou aderindo às coalizões e ao uso do fisiologismo para integrar o poder. Conforme
Nunes, PSD, PTB e UND constituíram uma união de fato para a patronagem.
O mesmo autor
observa que a ausência de um partido oposicionista forte retirou da pauta de discussão a
defesa do universalismo de procedimentos, pois o tema é sempre defendido pela oposição fora
do governo.(NUNES, 2003, p. 69-80). Este argumento é relevante para justificar o baixo
incentivo à reforma administrativa e à instituição de carreiras meritocráticas. Silberman
também destaca o papel da oposição política no processo de racionalização, conforme já
apontado nos estudos de caso.
Para Lafer, o populismo também teria conferido estabilidade ao sistema político após a
abertura democrática, pois a relação pessoal do governante com a massa permitiu ao
Executivo tornar-se um árbitro dos grupos que atuavam no sistema político. A seu ver, “como
os interesses dos diferentes membros não eram conflitantes, o estilo conciliatório pôde ser
eficientemente exercido, caracterizando, nesse período uma coalizão de forças políticas que
poderia ser interpretada, por analogia, como um jogo de soma não zero”. Por essa razão,
conclui que “essa política de conciliação, cujas raízes alicerçam a tradição política brasileira,
enfrentou eficientemente os problemas gerados pelo acréscimo de participação política.”
(LAFER, 2002, p. 46).
Se esta estabilidade estava calcada na distribuição de recursos públicos à coalizão, é de
se ver que não havia incentivos para restringir seu acesso pelos políticos. De acordo com a
teoria de Silberman, baixa incerteza combinada com liderança política exercida por partidos
88
resulta no controle das nomeações pelo próprio partido. Lafer ilustra esse fato a partir do
esvaziamento do DASP e da interferência do Congresso em matéria de pessoal a fim de
enfraquecer o sistema de mérito. Dentre outras medidas, foi conferida estabilidade a todos os
servidores há mais de cinco anos no cargo, os extranumerários foram elevados à categoria de
funcionários pela própria Lei nº 3780/1960, que estabelecia o Plano de Cargos, e os salários
de funcionários e extranumerários foram igualados por meio da Lei nº 284/1948.
42
Estas medidas são em tudo opostas à consolidação das carreiras e à substituição da
hierarquia definida pelos cargos de livre provimento por outra em que estes cargos sejam
ocupados por servidores efetivos. Consta que “Juscelino impediu que o DASP realizasse
concursos para o serviço público, com a justificativa de que era um processo muito caro, mas
ele próprio é acusado de ter feito perto de sete mil nomeações políticas, apenas no primeiro
ano de governo”. (NUNES, 2003, p. 112; vide também LAFER, 2002, p. 107).
Pode-se argumentar, portanto, que (i) a ausência de hegemonia de um único partido e a
necessidade de formar coligações eleitorais, (ii) o controle de recursos da patronagem pelos
partidos governistas PSD e PTB e a ausência de uma oposição consistente que demandasse a
realização de reformas administrativas e (iii) o populismo como tática de controle das massas
no período 1946-1960, desestimularam a implementação das Leis nº 1711/1952 e nº
3780/1960 no sentido de criar um sistema meritocrático e aumentar o contingente de pessoal
concursado. Permaneceu o esboço de carreiras do tipo profissional fixado na Era Vargas.
O golpe militar não mudou este esquema, a não ser pelo maior peso conferido ao
insulamento em detrimento do clientelismo (pelo menos no início do regime). O próprio
Silberman oferece uma interpretação sobre os governos autoritários em países em
desenvolvimento. A seu ver, nesses países, apenas as Forças Armadas se tornaram
racionalizadas, identificando-se com o interesse público, o que teria propiciado sua atuação
oposicionista aos partidos no poder. Concretizado o golpe, surgiu o desafio de os militares
consolidarem sua liderança política. Logo, passaram a enfrentar o dilema de assumir ou não
uma postura política. Uma alternativa seria assimilar os civis e passar a selecionar as
lideranças de acordo com as regras da burocracia civil, o que poderia resultar na perda da
identidade militar. Por outro lado, a construção de uma burocracia civil nos moldes militares
poderia resultar em uma nova instituição relativamente autônoma, ameaçando o poder das
Forças Armadas. Uma terceira saída seria a nomeação de um civil, o que também fomentaria
42
A Constituição de 1946 tornou estáveis os interinos e os extranumerários e, em 1962, a Lei n. 4069, chamada
de Lei de Favor determinou o enquadramento como servidor público de todos que tivessem cinco anos de
serviço público. Vide Lafer (2002, p. 180).
89
a patronagem e demandaria o afastamento dos militares da atuação direta no governo.
(SILBERMAN, 1993, p. 422-423).
De acordo com Silberman, na impossibilidade de superar o dilema, os militares
firmaram sua liderança adaptando-se à burocracia civil e à formação do governo por meio da
patronagem. Essa estratégia teria impossibilitado a reforma da administração, acarretado a
perda de legitimidade dos militares e a fomentado o surgimento de facções na sua estrutura.
O raciocínio é válido para justificar no Brasil a ausência de formação de carreiras
weberianas mesmo em um regime de exceção, o que evidencia que o regime militar também
ocorreu em um contexto de baixa incerteza. De acordo com Schneider, após o fechamento do
Congresso, o Executivo tornou-se o espaço de representação, o que fez das nomeações um
dos mecanismos-chave para a representação de interesses da elite pró-regime durante o
governo militar.(SCHNEIDER, 1993, p. 330). Mesmo assim, ao contrário do defendido por
Silberman, não houve uma completa politização da estrutura militar, pois as nomeações e
exonerações de oficiais consideravam a hierarquia, não possuindo a mesma flexibilidade da
nomeação de civis. Era difícil, por exemplo, destituir um general, de forma que, “tirar da
relação de nomeação o poder de demitir significa que aqueles que são promovidos são menos
dependentes de quem os promoveu e que os fortes laços da hierarquia informal que
estruturam a burocracia civil são superados pela hierarquia militar formal.” (SCHNEIDER,
1993, p. 332).
A isto se acrescenta a continuidade das eleições presidenciais, que permitiu a
rotatividade e a renovação da elite política. A possibilidade de uma futura participação no
governo teria desestimulado as elites de fazer uma oposição aberta ao regime, o que teria
aumentando a estabilidade no período. (SCHNEIDER, 1993, p. 332-336).
Considerando que se tratou de um período de baixa incerteza,
43
não surpreende que as
normas promulgadas durante o governo tenham flexibilizado ainda mais as contratações. O
Decreto-Lei 200/1967, ao mesmo tempo em que previa o fortalecimento do sistema de mérito
para ingresso na função pública, para o acesso à função superior e para a escolha do ocupante
43
Baixa incerteza no sentido estrito de que o regime militar contou com o apoio de segmentos importantes da
elite, o que evitou seu isolamento.
90
de funções de direção e assessoramento e a constituição de quadros dirigentes capacitados,
44
permitiu a expansão da Administração Indireta e a contratação via regime celetista.
45
Além disso, no governo do Presidente Geisel, é revogada a Lei nº 3780/1960, que foi
substituída pela de nº 5645/1970, que estabelece o Plano de Classificação de Cargos - PCC.
Essa Lei desestrutura ainda mais a noção de carreira weberiana ao substituir o conceito de
série de classes, presente na Lei anterior, pelo de Categoria Funcional, que poderia abranger
ocupações distintas, inclusive quanto à exigência de escolaridade. A reunião de várias
carreiras dentro da mesma Categorial Funcional também comprometeu a promoção por
mérito, substituída pela simples progressão funcional e pelo acesso às carreiras superiores.
(SANTOS, 1995, p. 20).
A possibilidade de contratar funcionários pelo regime celetista enfraqueceu o PCC ao
que se soma o insulamento de alguns núcleos de competência. Neste contexto, firmou-se uma
meritocracia associada à formação profissional do indivíduo e desvinculada do pertencimento
a uma carreira de estado. Esse cenário explica a trajetória dos burocratas ser definida por
“uma mistura de reconhecimento de talentos, afinidades sociais e lealdades pessoais”,
conforme estudos sobre o período.(MARTINS, 1991, p. 134 e 200). A opção pelo
insulamento revela que nem a demanda por eficiência em alguns setores da Administração
conduziu à formação de carreiras organizacionais, preferindo os governantes uma solução
com maior mobilidade.
Ao longo da década de oitenta, há um movimento de saída de algumas carreiras do
PCC com o objetivo de estabelecer regulamentação e salários diferenciados. Foi o caso da
carreira do Tesouro Nacional (Decreto-Lei n. 2225, de 1985), Finanças e Controle (Decreto-
Lei n. 2346, de 1987) e de Orçamento (Decreto-Lei n. 2347, de 1987). (OLIVEIRA, 1994, p.
171-183). A diferenciação destas carreiras pode ser considerada o início da formação de um
núcleo de carreiras estratégicas para o funcionamento do Estado, conforme se demonstrará na
seqüência.
Interessante que, no momento da abertura democrática e de enfraquecimento da
Administração Direta, tenha sido fixada a reserva de 50% dos Cargos de Direção e
44
Decreto – Lei 200/1967, art. 94. A verificação do mérito para a nomeação dos cargos em comissão chegou a
ser prevista no Decreto nº 67326/1970, segundo o qual incumbe ao DASP colaborar na avaliação das condições
de capacidade dos indicados ao provimento de cargos ou funções de dirigentes dos Órgãos Setoriais e
Seccionais. Não se conseguiu levantar se esta norma foi observada.
45
A Lei nº 6185/1974 restringiu o regime estatutário às atividades inerentes ao Estado, abrangidas a Segurança
Pública, Diplomacia, Tributação e Ministério Público. Em 1980, foram inseridas a Procuradoria da Fazenda
Nacional e o Controle Interno. Para todas as demais atividades deveriam ser admitidos empregados celetistas.
Observe-se que atividades hoje consideradas essenciais ao Estado, como a advocacia e a elaboração do
planejamento e orçamento não eram consideradas ‘inerentes ao Estado’.
91
Assessoramento Superior- DAS 1 e 2 para ocupante de cargo efetivo do PCC pelo Decreto-
Lei nº 1660, de 24 de janeiro de 1979.
46
Como o objeto do referido Decreto-Lei é o reajuste
do salário dos servidores, é possível que a pretensão fosse assegurar, por meio dos cargos em
comissão, remuneração melhor para a categoria.
Na mesma esteira, o Decreto n° 84669/1980 regulamentou a progressão funcional dos
servidores do PCC por mérito ou antiguidade, estabelecendo uma estrutura de pirâmide. A
passagem de uma classe para outra, na redação inicial do Decreto, previa a existência de cargo
vago, mas uma alteração realizada em 1984 retirou esta exigência, permitindo que todos os
servidores progredissem para a classe seguinte.
47
Não há notícia de que estas regras sobre o provimento de cargos em comissão por
servidores e de ascensão a cargos hierarquicamente superiores por promoção tenham sido
atendidas. São recorrentes as tentativas de estabelecer a progressão nos moldes de carreiras
organizacionais ou weberianas, como já demonstrado ao longo deste trabalho, sem que se
tivesse sucesso. A dificuldade reside na falta de correspondência entre os cargos de carreira e
o organograma dos órgãos públicos, que é estruturado apenas com base nos cargos em
comissão.
Se, no governo Vargas, a legislação ainda propunha carreiras mais à moda
organizacional – o que desde aquele momento já confrontava com a livre nomeação para os
cargos diretivos –, ao final da década de setenta, a idéia de carreira nos moldes weberianos
aparece em tentativas tímidas de regulamentar a progressão funcional. A heterogeneidade era
46
Art 10 - A partir de 1º de junho de 1979, a designação para função classificada nos níveis 1 e 2 do Grupo
Direção e Assessoramento Superiores, observado o limite de 50% (cinqüenta por cento) do número de funções,
desses níveis, existente em cada órgão ou entidade, somente poderá recair em servidor da Administração Federal
direta ou Autarquia federal, ocupante de cargo efetivo ou emprego permanente incluído no Plano de
Classificação instituído pela Lei número 5.645, de 1970. Parágrafo único - Na hipótese deste artigo, não se
permitida, a partir da publicação deste decreto-lei, designação de pessoa estranha ao Serviço Público, quando
alcançado o limite percentual fixado, com vistas a atingir-se a quantificação estabelecida até 1º de junho de
1979. O Decreto-Lei nº 1660/79 não foi revogado expressamente.
47
Decreto n° 84669/1980. Art. 1º - Aos servidores incluídos no Plano de Classificação de Cargos, instituído pela
Lei nº 5.645, de 10 dezembro de 1970, aplicar-se-á o instituto da progressão funcional, observadas as normas
constantes deste Regulamento.
Art. 2º - A progressão funcional consiste na mudança do servidor da referência em que se encontra para a
imediatamente superior.
Parágrafo único
- quando a mudança ocorrer dentro da mesma classe, denominar-se-á progressão horizontal e
quando implicar mudança de classe, progressão vertical, que dependerá da existência de vaga ou vago.
Parágrafo único. Quando a mudança ocorrer dentro da mesma classe, denominar-se-á progressão horizontal e
quando implicar mudança de classe, progressão vertical. (Redação dada pelo Decreto nº 89.310, de 1984)
Art. 3º - Far-se-á a progressão horizontal nos percentuais de 50% (cinqüenta por cento) por merecimento e 50%
(cinqüenta por cento) por antigüidade.....
Art. 4º - A progressão horizontal decorrerá da avaliação de desempenho, expressa em conceitos que
determinarão o interstício a ser cumprido pelo servidor.
Art. 5º - Concorrerão à progressão vertical os servidores localizados na última referência das classes iniciais e
intermediárias.
92
a regra na Administração Direta; servidores concursados conviviam com celetistas e cedidos
da Administração Indireta. A trajetória profissional dependia menos do pertencimento a uma
carreira e mais da oportunidade de ocupar cargos em comissão. As decisões que conduziram a
este desenho foram mais ligadas à racionalidade política, originando soluções como o
insulamento, e menos a orientações teóricas sobre como deveriam ser as carreiras
burocráticas. Deve ser ponderado, também, que à medida que este sistema se consolidou no
sentido profissional, aumentaram os custos de oportunidade de alterá-lo em direção a uma
burocracia organizacional, se conveniente fosse.
2.3 A Reforma Administrativa do Aparelho do Estado: o ponto de inflexão
A respeito das carreiras, pode-se considerar que a contribuição mais relevante da
Constituição Federal de 1988 foi a universalização do concurso público como forma de acesso
para os todos os cargos públicos, exceto aqueles em comissão. Uma segunda previsão
importante foi a proibição do acesso e da transferência de cargos, que permitia aos servidores
galgarem posições de outras carreiras ou ascender a níveis mais elevados do mesmo Grupo
Funcional. A aplicação destas regras não foi espontânea; sua consolidação foi realizada pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União. (GUERZONI
FILHO, 1996, p. 49-52).
A obrigatoriedade do concurso forçou a organização de carreiras, pois ao contrário dos
cargos celetistas, que permitiam relação mais flexível e instável entre administração e
funcionário, a ocupação dos cargos efetivos passou a demandar a programação da vida
funcional para um período de vinte a trinta anos. Ora, se o novo contingente de servidores
seria regido pelo regime jurídico único com todos os seus incentivos para a permanência no
serviço público até a aposentadoria, tornou-se premente definir suas atribuições e oferecer
perspectivas de desenvolvimento profissional. Ao lado disso, a vedação do acesso e da
transferência delimitou a fronteira entre as carreiras de nível intermediário e as de nível
superior. O resultado foi a maior homogeneidade dos membros das carreiras e, por
conseguinte, uma identidade mais nítida para cada uma delas.
Segundo a análise de Silberman, essas restrições de entrada às carreiras de estado
fortalecem a criação de um alto escalão profissionalizado. Isto se verifica porque o ingresso
meritocrático, que sugere o domínio do conhecimento necessário para lidar com as questões
de Estado, permite que estes servidores usem essa legitimidade para expandir sua presença na
administração.
93
Cabe notar, entretanto, que a mesma Constituição que prescreveu a criação de uma
burocracia profissionalizada, também, conferiu estabilidade a todos os servidores admitidos
sem concurso que tivessem cinco anos de serviço público, repetindo a previsão das
Constituições de 1967, 1946 e de 1934.
48
(GUERZONI FILHO, 1996, p. 55).
A falta de coerência sobre tema também restou patente no fracasso da reforma
administrativa intentada no governo Sarney. Nesse caso, a pauta política – baseada no
loteamento da Administração para assegurar um mínimo de governança – era em tudo
divergente da reforma proposta pelos burocratas da Secretaria de Planejamento e
Coordenação da Presidência – SEPLAN, que propunham fortalecer a Administração Direta
com um alto escalão inspirado no modelo francês (PETRUCCI, 1995, p. 91 e segs., e
SANTOS,1995). A criação tumultuada da Escola Nacional de Administração Pública e da
carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental sintetizam essa
disputa.
O descompasso entre burocratas e políticos também é visível na rejeição do Congresso
Nacional ao Decreto-Lei n.º 2.403, de 21 de dezembro de 1987. A norma, que estabelecia as
diretrizes do Sistema de Carreira do Serviço Civil da União, previa, no seu Artigo 2.º, o
“exercício dos cargos em comissão exclusivamente por funcionários integrantes das carreiras,
ressalvados os casos expressos neste decreto-lei.” A idéia era vincular parte dos cargos em
comissão às carreiras, de modo que seria condição para a nomeação pertencer à determinada
classe. Além disso, a proposta contemplava a substituição gradativa da nomeação por
confiança por aquela vinculada às carreiras e a exoneração dos ocupantes de cargo em
comissão, se houvesse servidor efetivo com os requisitos necessários para seu exercício.
Apesar da pouca disposição do Poder Legislativo para alterar o provimento dos cargos
em comissão, dois anos após a rejeição do Decreto-Lei n.º 2.403/87, burocratas da Secretaria
de Planejamento da Presidência lançaram Anteprojeto de Lei com dispositivo semelhante
:
Art. 7. Integrarão os planos de carreira, as funções de direção, chefia,
assessoramento e assistência, em correlação com os cargos das carreiras,
correspondendo:
I – as de direção, aos cargos situados nos níveis hierárquicos superiores;
II – as de chefia, aos cargos situados nos níveis intermediários e iniciais;
III – as de assessoramento, aos cargos que exijam desempenho de atividades
qualificadas e complexas, nos níveis superior e intermediário; e
IV – as de assistência, aos cargos que exijam desempenho atividades simples
e auxiliares, em todos os níveis.
48
Vide na Constituição de 1988 o art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Também o
Presidente Collor concedeu estabilidade aos celetistas através da Lei n. 8112/90, art. 243.
94
§1. As funções de que trata este artigo serão exercidas pelos ocupantes dos
cargos de carreira, mediante designação por acesso observados os processo
seletivo, critérios de rotatividade e sistema de avaliação específico.
(PROPOSTA DE ANTEPROJETO DE LEI que institui o Sistema de
Carreira do Servidor Civil da União, fixa as suas diretrizes e dá outras
providências,1989)
Tais propostas não encontraram apoio político, pois, como narrado no início do
capítulo, o governo Sarney caracterizou-se pela intensa distribuição de cargos a fim de
assegurar um mínimo de governança. Nos anos seguintes, também não se conseguiria
regulamentar os arts. 37 e 39 da Constituição, que tratam do regime dos servidores públicos.
O Projeto de Lei 4.407/94, que dispunha sobre o sistema de planos de carreira dos servidores
civis dos três poderes da União, propôs, sem sucesso, a reserva de 60% dos DAS para
preenchimento exclusivo por servidores de carreira.
Desta época, também, é a Lei n.º 8.460, de 17 de setembro de 1992, que contém a
seguinte determinação:
Art. 14. Os dirigentes dos órgãos do Poder Executivo deverão destinar, no
mínimo, 50% (cinqüenta por cento) dos cargos de Direção e Assessoramento
Superior de níveis DAS-1, DAS-2 e DAS-3 a ocupantes de cargo efetivo
lotados e em exercício nos respectivos órgãos.
Também sobre esta norma, não há registro de que tenha sido observada. De acordo
com um servidor que foi Diretor de Articulação Institucional do Ministério da Reforma do
Estado e que era responsável pela distribuição dos cargos em comissão, a Lei era
desconsiderada. Uma das possíveis razões é o fato de os cargos em comissão DAS-1, 2 e 3
serem, em regra, ocupados por servidores públicos em percentual geralmente superior a
50%.
49
Outro motivo para o não cumprimento da Lei é a exigência de que o cargo efetivo seja
lotado no órgão. Ora, é sabido que os quadros dos Ministérios contam com grande número de
funcionários requisitados de outros órgãos e da Administração Indireta, de modo que nem
sempre há servidores com cargo efetivo lotado no órgão em número suficiente para atender a
regra. O mesmo se diga dos novos órgãos que são criados sem quadro de pessoal.
O Poder Legislativo tampouco se mobilizou para regulamentar o art. 37, V (“os cargos
em comissão e as funções de confiança serão exercidos, preferencialmente, por servidores
ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em
lei”), apesar de ter havido várias iniciativas logo após a promulgação da Constituição.
49
Vide Boletim Estatístico de Pessoal n. 1, de 1995, disponível em www.planejamento.gov.br. Supõe-se que nos
anos anteriores a situação não tenha variado substancialmente.
95
Destaque-se o PL 3.442/1992, do PMDB-SP, que determinava a reserva de 70% dos cargos
em comissão para servidores, o PL 3.460/1989, também do PMDB-SP, que estabelecia
requisitos para ocupação dos DAS, o PL 1.835/1989, de César Maia, PDT-RJ, que propunha o
agrupamento dos cargos em comissão em dois blocos, o político e o técnico, este último
restrito a servidores estáveis.
50
Nenhum desses projetos logrou ser aprovado. Contudo, é
interessante observar que, antes de 1988, não foram encontradas propostas de lei sobre os
critérios de ocupação dos cargos em comissão. No período que antecede a Constituição em
vigor, a preocupação era com o nepotismo.
51
Evidente, portanto, que a Constituição não transformou de imediato o perfil da
burocracia do Poder Executivo brasileiro. Ao prever garantias de estabilidade e pensão e a
regra do concurso, além de outras normas, que seriam tão criticadas pelos arautos da reforma
administrativa do governo FHC, a Constituição sugere o modelo organizacional de burocracia
e a necessidade de atribuir eqüidade e impessoalidade no provimento dos cargos. Entretanto,
procurar-se-á demonstrar que este arcabouço legal significa apenas um filtro para o ingresso
no ‘mercado interno’ da Administração e diz pouco sobre o lugar destes servidores
concursados na hierarquia dos órgãos e sua trajetória profissional. Deste modo, a exigência do
concurso e a vedação dos institutos do acesso e da transferência estimularam a criação das
carreiras, mas seu funcionamento seria condicionado pela regulamentação e pela dinâmica da
administração direta.
Considera-se, desta forma, que a Constituição Federal de 1988 instituiu balizas
relevantes para a criação de uma burocracia meritocrática, mas a conjuntura política não
tornou propícia a aplicação de seus dispositivos. A conseqüência foi que, entre 1989 e 1993,
foram realizados apenas 19 concursos, com 3.600 novos ingressos, isto é, não houve alteração
do contexto anterior, de maciça presença de funcionários que não ingressaram por meio de
concurso público. (MARTINS, 1995).
Esse cenário começaria a ser alterado em 1995 em função de duas ocorrências: (i) o
advento da estabilidade econômica, que se reflete em maior estabilidade política; e (ii) o fato
de o partido vencedor das eleições, o PSDB, dispor-se a elaborar uma alternativa de reforma
da administração, algo inusitado no cenário político brasileiro, caracterizado por partidos sem
projeto para estruturar a administração pública.
50
E ainda: PL 2535-1989, do PSDB-SP, PL 1650/1989 (PFL/MA), PL 1627/1989 (PDT-RJ), PL 160/1989, do
PMDB/SP, conforme consultado nos sites www.camara.gov.br e www.senado.gov.br.
51
Por exemplo, vide PL 5966/1985 – PMDB-SP.
96
Com relação ao primeiro ponto, o sucesso da política anti-inflacionária foi recurso
importante para facilitar a construção da coalizão após a vitória. A aliança inicial, formada
pelos PSDB, PFL, PTB, PMDB e PPB, proporcionou ao Executivo uma sustentação
parlamentar próxima de 75% das cadeiras da Câmara e do Senado.(ABRUCIO, 2003). De
acordo com Limongi (1999, p. 50), a participação na coalizão aumentou o acesso a recursos,
influência e, portanto, o interesse dos partidos no sucesso do governo; garantindo, por outro
lado, seu apoio a suas propostas legislativas. Este apoio foi forte e estável, mas proporcional à
participação de cada partido no governo.
52
Para Roma (2002, p. 86), a coalizão de sustentação legislativa ao presidente é a mais
ampla desde a redemocratização brasileira, de modo que “as coligações estabelecidas tanto
em 1994 quanto em 1998 foram transpostas ao Congresso Nacional como uma coalizão de
governo amplamente majoritária, garantindo elevado grau de governabilidade. Assim, desde
1994, o país é governado por uma coalizão envolvendo PSDB/PFL/PMDB/PPB e PTB, cujo
padrão de interação e de votação mantém-se praticamente inalterado e com considerável grau
de coesão.”
Livre do peso e da urgência da inflação na agenda, e amparado por uma ampla
coalizão, o governo de Fernando Henrique Cardoso tratou de priorizar reformas com maior
alcance. Quando se perdeu o apoio parlamentar no segundo governo, as mudanças essenciais
referentes à reforma administrativa já haviam sido desencadeadas.
Quanto à segunda questão, o que se pretende destacar é que, pela primeira vez em um
governo democrático, o modelo de burocracia é pensado por pessoas externas à
Administração. Talvez seja possível afirmar que a Reforma do Aparelho do Estado foi, à
exceção daquela realizada no governo militar, a única idealizada por lideranças políticas,
imaginando o sistema que seria desejável para o governante.
53
52
Sobre a estabilidade da coalizão nos oito anos do governo FHC também se manifestou Fabiano Santos (2006,
p. 65): “durante aquele período havia condições propícias à formação e operação de uma maioria governamental
consistente: pequeno número de parceiros, homogeneidade ideológica e uma agenda de convergência.” Eli
Diniz, entende no mesmo sentido. Para a autora a coalizão majoritária não dispensava as negociações com o
Legislativo e era intensa a troca de postos por apoio parlamentar, além de ter havido denúncias sobre a compra
de votos para a aprovação da emenda da reeleição. Mesmo assim, “à frente de uma ampla e sólida coalizão de
apoio parlamentar, Fernando Henrique chefiou o mais estável governo democrático em toda a história do país.”
(DINIZ, s/d,“Instituições, Crise Política e Governabilidade: considerações sobre a conjuntura brasileira”.
Disponível em www.iuperj.org.br.)
53
Apesar das divergências entre a Casa Civil e o MARE sobre ‘como’ fazer a reforma, retratadas por Humberto
Martins, parece haver um consenso sobre a necessidade de flexibilizar as regras da Constituição. O autor destaca
a falta de apoio do presidente à proposta de reforma e o embate com seus Assessores Eduardo Jorge e Clóvis
Carvalho para quem era possível superar as disfunções burocráticas sem mexer na Constituição, “tendo em vista
as contrapartidas fisiológicas e a complexidade do processo de tramitação e negociação parlamentar”.
(MARTINS, 2003b, p. 21)
97
A argumentação do Ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos
Bresser Pereira, deixava clara a preferência pela burocracia profissional, na terminologia de
Silberman. Bresser Pereira enfatizava a necessidade de flexibilizar regras da Constituição
Federal que teriam enrijecido o sistema, como a estabilidade dos servidores, o regime jurídico
único e a exigência universal de concurso, que impossibilitava a promoção interna de
funcionários. O argumento central era que carreiras no molde weberiano não seriam
apropriadas para o Estado gerencial a ser implantado, que tinha como princípios a delegação
de autoridade, a responsabilização e o controle de desempenho.
(BRESSER-PEREIRA, 1998,
p. 246 e segs.).
Nesses termos, a preocupação implícita da Reforma era criar uma burocracia
responsiva ao governante, o que é condição para governar dentro das regras eleitorais. Assim,
ao contrário das várias propostas de organização da burocracia feitas desde a década de trinta
do século passado, que previam carreiras do tipo organizacional, com ascensão linear e
gradativo controle dos cargos diretivos pelos burocratas estatais, Bresser Pereira propôs uma
burocracia permeável, cujo mérito não repousava apenas na aprovação no concurso de
ingresso, mas dependia do desempenho ao longo da vida funcional. Com relação a este ponto,
o Ministro do MARE legitimou o que sempre foi a prática na Administração: não é o
concurso ou o pertencimento a uma carreira que determina o lugar no organograma, mas sim
a habilidade pessoal ou o mérito profissional que asseguram a nomeação para os cargos em
comissão. Destaque-se, especialmente, o contraste entre as propostas do final da década de
oitenta, que previam uma assimilação dos cargos diretivos pelas carreiras, com a idéia de
desempenho como fundamento de legitimidade para a ocupação do cargo trazida pela
Reforma de 1995.
Pode-se argumentar que houve mera reprodução da receita de reforma dos países
desenvolvidos, mas o fato é que a tendência de estabelecer corpos burocráticos mais flexíveis
e responsivos corresponde à consolidação dos sistemas eleitorais em todo o mundo. Países
que já possuíam burocracias do tipo profissional aprofundaram o perfil pela ênfase no
desempenho, e os Estados que originalmente constituíram uma burocracia do tipo
organizacional, como a França, também estão assimilando traços do tipo profissional. Logo,
orientando-se pela teoria de Silberman, conclui-se que Bresser transpôs uma tendência que era
adequada ao contexto brasileiro: uma burocracia do tipo profissional para um sistema eleitoral
estável.
54
54
Pelo menos esta é a orientação da OCDE, segundo a qual sistemas baseados em carreiras, com tradição em
recrutamento, formação e treinamento de forma centralizada, estão introduzindo reformas tais como concursos
98
Bresser Pereira contou, é claro, com o aval de experiências internacionais, que
conferiram suporte a suas pretensões. Mesmo assim, foi ousado ao descartar o modelo de
burocracia almejado desde a era Vargas pelos burocratas do Estado, o que lhe valeria alguns
conflitos com algumas carreiras, especialmente a de Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental.
Não se sabe se por intuição política, inspiração nas experiências estrangeiras ou
conscientemente, o Ministro do MARE idealizou um modelo de burocracia meritocrática
compatível com a flexibilidade de nomeação que sempre caracterizou a administração
brasileira. Para isso, utilizou o conceito de Núcleo Estratégico do Estado, entendido como o
“o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra seu cumprimento. No Poder
Executivo, corresponde ao Presidente da República, aos ministros e seus auxiliares e
assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação de políticas públicas.” No
Núcleo Estratégico, previu-se a existência de carreiras e de um regime que assegurasse a
estabilidade de forma mais flexível. Estas carreiras deveriam desempenhar atribuições
“voltadas para as atividades exclusivas de Estado relacionadas com a formulação, controle e
avaliação de políticas públicas e com a realização de atividades que pressupõem o poder de
Estado.” (BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997, págs. 12,18 e
24).
A noção de que no Estado há um núcleo duro a demandar pessoal com qualificação de
alto nível foi determinante para o fortalecimento das carreiras de estado. Isto porque, ainda
que não haja identificação plena entre núcleo estratégico e alto escalão, o aumento do
quantitativo de burocratas de carreira no núcleo estratégico, que detêm expertise, torna-os
candidatos naturais, ou concorrentes, aos cargos em comissão. Essa já era a pretensão do
MARE:
A participação de servidores efetivos nos cargos de direção e assessoramento
deverá crescer nos próximos anos, na medida em que a administração
pública se beneficie do recrutamento contínuo de novos quadros
qualificados, inclusive reduzindo a dependência da administração indireta,
autárquica e fundacional, da requisição de quadros das empresas estatais
para a composição de equipes nos Ministérios e Secretarias.
(BRASIL.
Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1998).
abertos aos candidatos em geral. (BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2006). Nesse
sentido, a orientação das reformas administrativas em todo o mundo para o tipo profissional de burocracia
confirma a teoria de Silberman de que a existência de sistemas eleitorais estáveis cria um ambiente de baixa
incerteza, ao qual corresponde uma burocracia mais permeável e responsiva. Assim, ele acertou ao vincular a
existência de regras eleitorais previsíveis com burocracia do tipo profissional, mas não considerou que ao longo
do tempo, países que formaram burocracias do tipo organizacional também poderiam assimilar características do
outro modelo.
99
Além disso, a idéia de que o núcleo estratégico demandaria carreiras específicas
transforma uma discussão genérica, sobre a necessidade de alcançar um padrão de burocracia
weberiano na Administração como um todo, em uma demanda focalizada, o que também foi
um diferencial da reforma empreendida pelo MARE. O fortalecimento do núcleo estratégico
do Estado seria realizado por meio da organização dos seus quadros de pessoal, da
reorganização e criação de carreiras, da melhoria das condições de remuneração e progressão
e da renovação do quadro de servidores e de sua capacitação. (BRASIL. Ministério da
Administração e Reforma do Estado, 1998, p. 35).
Segundo a política de recursos humanos do governo FHC, as carreiras do núcleo
estratégico deveriam possuir atribuições amplas. De acordo com o então Diretor de Carreiras
e Remuneração do MARE, deveriam ser estabelecidas carreiras horizontais, em lugar das
carreiras por órgão ou verticalizadas, pois
a definição restritiva dos cargos, associada à limitação de seu exercício a um
determinado nicho, isto é, a um órgão específico, enrijece sobremaneira a
mobilidade imprescindível para uma administração baseada em princípios
gerenciais, pois uma pessoa que apresenta condições de desempenhar
múltiplas tarefas é mais qualificada e produtiva e, certamente, agregará mais
valor ao resultado do órgão.(MARCONI, 1999, p. 251)
Além disso, procurou-se atrair um “perfil generalista, tanto no que tange à formação
quanto à experiência profissional, exigindo-se alto nível de conhecimentos (formação superior
em nível de pós-graduação) e capacidade de aprendizado e versatilidade de inserção
profissional do candidato, disseminar e aperfeiçoar as avaliações de desempenho.” Os cursos
que seriam oferecidos pela Administração visariam mais a atualização e a homogeneização do
conhecimento, pois a formação deveria ocorrer previamente ao concurso público. (BRASIL.
Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1998, p. 14).
Note-se que o desenho proposto aponta para o modelo de burocracia profissional de
Silberman. A menção ao perfil generalista pode gerar alguma confusão se for considerada a
referência ao sistema francês, em que a formação é abrangente e o aprendizado específico
acontece no exercício do cargo. Parece que o ‘generalista’ citado pelo MARE refere-se à
capacidade de aprendizado e adaptação, pois quando se exige do profissional conhecimentos
‘em nível de pós-graduação’, é porque a formação profissional não só já foi obtida, como foi
aprofundada em campo de estudo específico. Tanto é assim que os concursos passaram a ser
divididos em áreas de especialização, apesar de a atribuição do cargo ser em regra genérica.
100
O termo ‘carreira’ foi definido nos documentos da Reforma Administrativa como um
conjunto de cargos que se submetem a regras comuns em relação ao ingresso, promoção,
lotação, movimentação e remuneração. Seus integrantes se caracterizam por possuir um
repertório comum de qualificações e habilidades e exercem atividades típicas de Estado, razão
pela qual compõem o quadro de pessoal permanente. (BRASIL. Ministério da Administração e
Reforma do Estado, 1998, p. 17).
Portanto, o conceito mantém a noção de carreiras como um agrupamento de cargos,
aproximando-se da noção de Grupo Ocupacional estabelecido pela Lei n.º 5.645/1970, e
descartando definitivamente sua vinculação com o organograma dos órgãos públicos. As
carreiras passam a ser caracterizadas mais pelas competências dos seus membros e cada vez
menos pelas atribuições dos órgãos.
O seguinte extrato do documento “A nova política de recursos humanos” elaborado
pelo MARE também sintetiza a idéia do modelo profissional:
A premência para dotar o Estado de um sistema de administração de
recursos humanos dinâmico para acomodar as permanentes mudanças nas
demandas cria a necessidade de se redefinir o conceito de carreira, uma vez
que o conceito tradicional, que associa à carreira uma estrutura de classes
ordenadas segundo a natureza e complexidade das tarefas, é passível de
aplicação apenas em contextos estáveis e em organizações altamente
hierarquizadas. (BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do
Estado, 1998, p. 17, grifo nosso).
A associação entre carreira no sentido weberiano e sistemas estáveis coincide com o
achado de Stinchcombe, feito em 1959, conforme já mencionado no marco teórico deste
trabalho. O trecho do relatório do MARE reforça que sistemas eleitorais demandam uma
burocracia que possa ser adaptada rapidamente aos propósitos do governante que assume o
poder. Em artigo posterior, Bresser volta a manifestar essa idéia ao afirmar que o modelo de
carreira burocrática com grande amplitude entre o salário inicial e o final e com longo prazo
de ascensão “estaria superado em uma sociedade tecnologicamente dinâmica, em Plena
Terceira Revolução Industrial” Para ele, a diminuição da amplitude da remuneração das
carreiras mediante o acréscimo das gratificações de desempenho ocorreu por que:
[...] em um mundo em transformação tecnológica acelerada, em que a
competência técnica não tem qualquer relação com a idade dos profissionais,
os servidores jovens não estão dispostos a esperar 20 anos para chegar ao
topo da carreira. Como, por outro lado, não é possível eliminar as etapas e as
correspondentes carências de tempo para se chegar ao topo das carreiras,
nem se pode aumentar facilmente o nível de remuneração de cada carreira, o
101
mais prático é reduzir sua amplitude, aumentando a remuneração dos níveis
inferiores
.(BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 254-258)
Abordou-se acima a maneira como a Reforma do Aparelho do Estado idealizou as
carreiras do núcleo estratégico e promoveu seu fortalecimento. Resta verificar como a
renovação desses quadros foi compatibilizada com a livre nomeação dos cargos em comissão.
O Plano Diretor da Reforma do Estado sintetiza o entendimento sobre a matéria.
Neste quadro, a existência da gratificação por ocupação de cargos em
comissão - DAS -, que geralmente é entendida como um grave desvio do
modelo burocrático, na medida em que permite a contratação de pessoal
externo ao serviço público, na verdade é um elemento positivo a dar
alguma racionalidade ao sistema de remuneração e ao estabelecer um
sistema de incentivo para os servidores mais competentes.
[...]
Em primeiro lugar, apenas uma minoria dos cargos são ocupados por não-
servidores. Conforme podemos ver pela Tabela 9, 75,5% dos ocupantes de
DAS são servidores estatutários ou das empresas públicas federais. Em
segundo lugar, a remuneração global dos detentores de DAS obedece a uma
escala crescente, aproximando-se de um sistema de carreira.
[...]
Na verdade, o sistema de DASs, ao flexibilizar a estrutura rígida e
distorcida do sistema remuneratório brasileiro, é um passo na direção
de uma administração pública gerencial. Os DASs são ocupados a partir
de um verdadeiro mercado, no qual os ministros e dirigentes públicos
que dispõem de DASs disputam entre si os melhores quadros do serviço
federal. Desta forma se premiam os mais competentes. Certamente existem
distorções no sistema, derivadas da consignação de DAS para pessoas sem
mérito, geralmente provenientes de fora do serviço público. Estas distorções,
entretanto, são a exceção e não a regra. Uma exceção cuja ocorrência será
cada vez mais rara à medida que um número alto e crescente de DASs
seja reservado por lei a servidores. (BRASIL. Ministério da
Administração e Reforma do Estado, 1995, p. 41, grifo nosso)
Em remissão à Silberman, verifica-se que esta é uma descrição bastante exata da
burocracia do tipo profissional. Parcela dos cargos em comissão até poderiam ser reservados
aos servidores, mas não havia previsão de vinculá-los à estrutura de carreira. A Emenda
Constitucional 19/98, resultado da Proposta de Emenda n.º 173/1995 proposta pelo Poder
Executivo promoveu alterações na matéria:
Art. 37. [...]
V - os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos,
preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou
profissional, nos casos e condições previstos em lei;
102
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos
por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos
previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º
19, de 1998)
Com a nova redação, as funções de confiança passaram a ser exclusivas de servidores.
Em relação aos cargos em comissão foi excluído o termo ‘preferencialmente’, que em futura
regulamentação poderia conduzir a interpretação de que a nomeação para os DAS deveria
privilegiar sempre os servidores. A EC n.º 19/98 segue outra orientação, a de separar cargos
que permitem nomeação de pessoas externas à administração e outros exclusivos de
servidores, de forma a manter a permeabilidade da Administração.
Interessante que a regulamentação do inciso V do art. 37 não tenha sido proposta pelo
governo Fernando Henrique, o que contrasta com o discurso do Plano Diretor e com o teor da
Emenda defendida pelo governo.
55
Procurou-se esclarecer o entendimento dos dirigentes do
governo quanto a esta questão. De acordo com dois servidores que trabalharam no MARE, o
entendimento do Ministro era que o acesso aos cargos em comissão deveria permanecer livre
para a nomeação de não servidores, pois o controle seria feito a posteriori, pelo seu
desempenho. Assim, a regulamentação do dispositivo seria matéria de menor importância.
Contudo, o então Diretor de Articulação Institucional do MARE, que tratava
diretamente do controle dos DAS, informou que chegou a ser apresentado pelo MARE à Casa
Civil projeto de lei que, inspirado nas Funções Comissionadas do Banco Central, propôs que
os DAS 1 a 4 fossem reservados a servidores públicos. Segundo informou, o projeto de lei
não foi adiante por determinação da Casa Civil.
Se observado o contingente de nomeados para os cargos em comissão sem vínculo
com Administração, é compreensível a dificuldade de o governo alterar as regras vigentes,
especialmente em relação ao DAS 4:
Tabela 6 – Percentual de ocupantes de DAS sem vínculo
NÍVEL
1997 1998 1999 2000
DAS-1 23,9 16,7 17,5 17
DAS-2 26,1 17,7 19,3 18,9
DAS-3 30 16,1 16,9 16,1
DAS-4 39,9 27,3 28,7 29,5
55
A regulamentação do art. 37, V também não foi objeto de atenção no Congresso Nacional.Durante todo o
governo FHC encontrou-se apenas duas propostas sobre a matéria: a PEC 1997-1995 do Deputado Jerônimo
Reis, PMN-SE, que propunha a reserva de 60% dos cargos em comissão para servidores e a PEC 558-1997 do
Deputado Carlos Nelson, PMDB-SP. Após a EC 19/98 não houve outra iniciativa nesse sentido. Foram
consultados os sites
www.camara.gov.br e www.senado.gov.br.
103
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 1998, 2001.
56
Nota: Sem vínculo significa sem cargo público nas três esferas federativas.
Outra medida que consolidou a idéia de uma administração com maior mobilidade foi
a criação do DAS unitário, por meio do Decreto n.º 1.515/95 que trata da criação,
transformação e transferência dos cargos em comissão. A idéia era permitir que cada órgão
tivesse liberdade para propor sua estrutura organizacional, desde que observado o teto da
despesa total. O quadro abaixo ilustra a equivalência entre os cargos nos termos da norma
vigente:
Tabela 7 – Quadro de Custos Unitários de Remuneração e Quantitativo
Equivalente de DAS-Unitário de Acordo com o Decreto n.º 6.133/2007
CÓDIGO CUSTO UNITÁRIO (R$) DAS-UNITÁRIO
Cargo de Natureza Especial 10.684,00 5,40
DAS 101.6 e 102.6 10.448,00 5,28
DAS 101.5 e 102.5 8.400,00 4,25
DAS 101.4 e 102.4 6.396,04 3,23
DAS 101.3 e 102.3 3.777,63 1,91
DAS 101.2 e 102.2 2.518,42 1,27
DAS 101.1 e 102.1 1.977,31 1,00
Fonte: Decreto nº 6133/2007
O DAS unitário, que continuou a ser utilizado no governo Lula, consolida a
desvinculação entre os cargos em comissão e carreira, pois tanto a distribuição dos cargos
pelo órgão quanto o número de cargos de um determinado nível pode ser alterada mediante
decreto. Neste esquema, não há espaço para propostas que relacionam a hierarquia dos cargos
em comissão com a hierarquia da carreira, conforme sugerido pela SEPLAN ao final da
década de oitenta.
Ressalve-se que a previsão do MARE de que o recrutamento de novos quadros levaria a
um aumento do contingente de servidores efetivos ocupantes de DAS não registrou grande avanço
no governo Fernando Henrique. Houve um pequeno crescimento nos DAS 2, 3 e 4 e, entre 1999 e
2000, nos DAS 1, mas, por outro lado, houve uma queda nas nomeações de servidores para o
DAS 6. Contudo, esse dados são muito genéricos para captar o crescimento ou não de servidores
das carreiras de Estado ocupantes de DAS. De todo modo, é possível que a ênfase nos concursos
para pessoal com nível superior tenha repercutido no preparo profissional dos ocupantes dos
cargos em comissão.
56
Foi consultado o Boletim de janeiro de cada ano, que consolida os dados do ano anterior. A exceção é o
Boletim de 1996, que foi publicado em maio, e o de 2008, cuja última edição data de maio deste ano.
104
Gráfico 1
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 1998-2003.
Nota: Servidor requisitado abrange administração direta, autarquias e fundações.
Gráfico 2
Percentual de ocupantes de DAS com nível
superior
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1995 1997 1998 1999 2000 2001 2002
%
DAS-1
DAS-2
DAS-3
DAS-4
DAS-5
DAS-6
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 1996-2003.
Percentual de servidores efetivos e requisitados
ocupantes de DAS
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1998 1999 2000 2001 2002
%
DAS-1
DAS-2
DAS-3
DAS-4
DAS-5
DAS-6
105
Gráfico 3
Percentual de ocupantes de DAS 1 a 3 com pós-
graduação
0
5
10
15
1997 1998 1999 2000 2001 2002
Ano
%
DAS-1
DAS-2
DAS-3
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 1998-2003.
Ao término do segundo mandato do governo FHC, o próprio Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão tratou de divulgar os resultados da política de recursos
humanos, notadamente quanto à recomposição da força de trabalho da Administração Direta e
ao aumento de servidores com nível superior. Dentre estes também houve um crescimento de
pessoas com pós-graduação.
Contudo, do total de 16.790 novos servidores que ingressaram por concurso de nível
superior, entre 1995-2002, excluídos os docentes, apenas 1.182 pertenciam às carreiras de
Gestão (Analista de Comércio Exterior, Analista de Finanças e Controle - AFC, Analista de
Planejamento e Orçamento - APO e Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental - EPPGG). O maior ingresso ocorreu no PCC (6.840 novos servidores) e na
área de auditoria (6.615 ingressos).
106
Gráfico 4
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 1996-2003.
Gráfico 5
Percentual de servidores com pós-graduação
0
2
4
6
8
10
12
1995 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Especializão
Mestado
Doutorado
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 1996-2003.
Percentual de servidores públicos federais civis
ativos com nível superior
0
10
20
30
40
50
60
1995 1997 1998 1999 2000 2001 2002
107
Gráfico 6
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 1996-2003.
Observe-se que o contingente do grupo de Gestão é pequeno, se comparado ao de
servidores federais com nível superior. As carreiras de Analistas de Finanças e Controle,
Analista de Planejamento e Orçamento e Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental somavam 2.125 servidores em um universo de 182.963, em 2002 (MPOG,
Boletim Estatístico de Pessoal, jan. 2003).
Como já dito, esse fortalecimento pode ser creditado, em parte, ao isolamento destas
carreiras no conceito de núcleo estratégico e, mais tarde, na idéia de Ciclo de Gestão, trazida
pela Medida Provisória n.º 2.229-43/2001, que transformou a Gratificação de Desempenho e
Produtividade (GDP) em Gratificação de Atividade do Ciclo de Gestão (GCG). O Ciclo de
Gestão inicialmente abrangeu as carreiras de Finanças e Controle, Planejamento o Orçamento,
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Técnico de Planejamento e
Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Analista de Comércio Exterior.
57
De acordo com um servidor que atuou na Secretaria de Recursos Humanos do MARE,
o Ciclo de Gestão foi apenas uma ficção criada para defender a gratificação de desempenho
para determinadas carreiras. Entretanto, ainda que nem todas as carreiras do Ciclo participem
diretamente das atividades de planejamento, orçamento, gestão e controle e que talvez sequer
se possa falar da existência de um ‘ciclo de gestão’ integrado, o termo confere identidade
própria ao grupo de Gestão, que assume seu lugar ao lado de carreiras como a de Auditoria e a
Jurídica. Pela primeira vez, as carreiras relacionadas à gestão são reconhecidas como um
grupo relevante na Administração. Assim, o discurso do MARE associado aos conceitos de
57
Não foram encontrados registros sobre quando surgiu a expressão ‘Ciclo de Gestão’, ou sobre seu uso em
governos anteriores. O fato é que a criação da Gratificação do Ciclo de Gestão consolidou o uso da expressão e
identificou as carreiras que o integram.
T
otal de ingressos em carreiras de nível
superior entre 1995 e 2002
7%
39%
11%
41%
2%
Gestão
Auditoria
Juridica
PCC Nível Superior
Outros
108
Núcleo Estratégico e Ciclo de Gestão, legitimaram os membros dessas carreiras a pleitearem
tratamento paritário às carreiras de Estado.
Isto pode ser verificado, por exemplo, na crescente aproximação da remuneração do
Ciclo de Gestão com a carreira dos Auditores e da Advocacia Geral da União, que se tornará
ainda mais acentuada no governo Lula, conforme se demonstrará na seqüência.
Tabela 8 - Relação Percentual entre a Remuneração do Ciclo de Gestão e as
Carreiras de Auditor e Advogado-Geral da União.
1999 2000 2002
inicial final Inicial final inicial final
% Auditor 79,97261 54,45366 91,60527 95,12841 65,35395 94,49837
% AGU 55,09169 74,64136 83,26945 95,12841 70,8677 95,12844
Fonte: MPOG. Boletim Estatístico de Pessoal, 2000-2003.
Ao mesmo tempo em que se aproximou de outras carreiras, a remuneração do Ciclo de
Gestão ganhou em amplitude no governo FHC. Se, em 1995, a diferença entre o salário inicial
e o final era de apenas 26%, em 1999 passou para 54% e em 2001 já alcançava 135%.
(MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, 1996-2002). No governo do Presidente Lula, os
reajustes privilegiaram o aumento do salário inicial, o que comprimiu a amplitude para os
atuais 39%. Essas variações sugerem que ainda não há uma concepção precisa sobre a
estrutura remuneratória destas carreiras e, em certa medida, revelam o eterno dilema da
Administração de criar carreiras de fato ou mantê-las próximas à noção de cargo.
A melhoria da remuneração também pode ser creditada às gratificações por
desempenho, que viabilizaram a equiparação destas carreiras com o setor privado e, por conta
disso, incentivaram a permanência no serviço público e evitaram a armadilha da equiparação.
Segundo um servidor que foi Coordenador Geral de Recursos Humanos no MARE e outro,
que foi Diretor da Coordenação de Desenvolvimento Institucional da Secretaria do Tesouro
Nacional (STN) na gestão FHC, a proposta da gratificação surgiu nesta Secretaria e depois foi
abraçada pelo MARE. Ambos ressaltaram que a gratificação teve impacto pelo valor
monetário agregado aos salários dos servidores, mas não pelo fato de contribuírem para criar
estímulos ao desempenho do funcionalismo público.
As carreiras do Ciclo de Gestão também se diferenciam do Plano de Cargos e Salários-
PCC por serem regidas por um Órgão Supervisor, que em regra é o órgão de lotação:
Ministério do Planejamento, para a carreira de Analista de Planejamento e Orçamento e
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, e Ministério da Fazenda, para os
109
Analistas de Finanças e Controle. O Órgão Supervisor tem competência para (i) distribuir os
cargos providos em cada concurso público; (ii) definir o local de exercício; (iii) definir os
requisitos para a investidura no cargo, os termos do edital do concurso e do curso de
formação; (iv) formular os programas de desenvolvimento profissional; (v) supervisionar os
procedimentos de promoção e progressão; e (vi) propor aperfeiçoamentos às regras sobre a
organização da carreira.( Lei n.º 9.625/98, art. 3 e 4º).
Essas atribuições conferem ao Órgão Supervisor grande autonomia em relação à
Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Além
disso, a Lei n.º 9.625/98 determina que o Supervisor deverá ser assessorado por um Comitê
Consultivo composto por integrantes da carreira. A isto se acresce o fato de que, em regra, são
servidores da própria carreira supervisionada que estão em exercício no órgão. Logo,
evidencia-se que a Lei n.º 9.625/98 concede aos servidores do Ciclo de Gestão a prerrogativa
de administrar sua própria carreira.
Em alguns casos, o Órgão Gestor utiliza suas competências para fortalecer a carreira;
em outros, ainda há uma indefinição sobre como exercer estas atribuições. Apesar dessas
diferenças, a possibilidade de estes servidores interferirem nos rumos de sua carreira torna
vívido o debate sobre o tema e pode facilitar a aprovação de regras que lhes sejam de
interesse.
Um exemplo de Órgão Gestor bem estruturado é a Secretaria do Tesouro Nacional-
STN, responsável pela carreira de Analista de Finanças e Controle. Desde 1995, um grupo de
servidores que atua na Coordenação-Geral de Desenvolvimento Institucional - CODIN/STN,
tendo como referência a experiência de empresas privadas, vêm adotando uma série de
medidas para fortalecer para melhorar o clima da organização e integrar o fortalecimento da
carreira ao planejamento estratégico da instituição. Verificou-se que há políticas de
capacitação, de mobilidade interna e de divisão do concurso em áreas de especialização, todas
regulamentadas em portarias e divulgadas na intranet da instituição.
A experiência da STN está sendo disseminada na Secretaria de Orçamento Federal
SOF-MPOG, que já instituiu uma política de capacitação e mobilidade interna e criou um
Comitê de Gestão de Pessoas, composto pela Diretoria, com o objetivo de discutir os assuntos
relativos à matéria de pessoal. A Coordenadora de Gestão de Pessoas da SOF informou que as
mudanças em relação ao papel da SOF como Órgão Gestor são possíveis porque a atual
Secretária pertence à carreira de Analista de Orçamento e Planejamento e está diretamente
envolvida no projeto.
110
Os entrevistados enfatizaram que estas iniciativas para criar uma gestão da carreira
‘vieram de baixo’, dos próprios servidores, que aos poucos conquistaram alguns dos Diretores
da STN. Logo, o fato do órgão de exercício dos servidores ser também o gestor da carreira,
permite-lhes fortalecer sua presença na instituição.
Mencionou-se, no início deste item, que a Reforma Administrativa do Aparelho do
Estado seria um ponto de inflexão no histórico brasileiro de tentativas frustradas de criação de
carreiras de estado. Pelas razões expostas ao longo deste item, entende-se que a hipótese foi
confirmada, pois (i) a política de reposicionar a remuneração de forma competitiva com o
setor privado; (ii) a criação das gratificações de desempenho; (iii) a realização de concursos
com regularidade e; (iv) a criação de carreiras com atribuições amplas, iniciaram um processo
de fortalecimento das carreiras de Estado que mesmo a orientação fiscalista do segundo
governo – que acarretou a suspensão temporária dos concursos e dos reajustes salariais – não
foi capaz de estancar.
Para além da política de recursos humanos, verifica-se que, em relação ao Ciclo de
Gestão, o discurso de valorização da administração como área estratégica, a possibilidade de
auto-regulamentação da carreira e a inserção privilegiada no núcleo do Poder Executivo
também facilitaram o processo de consolidação dessa burocracia. De acordo com Gaetani:
La política de recursos humanos del periodo claramente favoreció a los
miembros de las carreras del ciclo de gestión. Sus asociaciones profesionales
tuvieron éxito al posicionarles en el núcleo de poder ejecutivo. Esto les
permitió recibir un tratamiento especial en términos de salarios, bonos,
formación y perspectivas de carrera. Los sindicatos fueron sustituidos
progresivamente por las asociaciones profesionales, que frente al fracaso de
los sindicatos a la hora de negociar, lograron sus objetivos ejerciendo no
presión selectiva de carácter no confrontacional. Pode-se concluir, ademais,
que o próximo governo terá um quadro mais favorável devido à melhor
adequação entre as atividade-atividade e os setores encarregados da
elaboração ou execução das políticas. (GAETANI e HEREDIA, s/d)
Os resultados não teriam sido os mesmos se, no bojo da estratégia, não houvesse a
percepção dos governantes de que a burocracia a ser formada deveria possuir características
do tipo profissional de modo a não confrontar a permeabilidade do sistema administrativo
brasileiro.
Contudo, não foram levantadas evidências de que as nomeações demandadas pela
coalizão tenham gerado restrições à ocupação dos cargos comissionados na Administração
111
Direta.
58
É possível que a estabilidade da coalizão construída no primeiro governo e a
existência de quadros do próprio partido tenham desestimulado a adoção desse tipo de
medida, embora estivesse prevista no programa da Reforma do Aparelho do Estado. Já no
governo Lula, como se demonstrará a seguir, é visível a preocupação em disciplinar as
nomeações de membros da coalizão.
2.4 A reforma errática do governo Lula
O governo Lula é de difícil interpretação, pois reúne diretrizes aparentemente
contraditórias. De um lado, o fisiologismo e a partidarização da máquina administrativa,
amplamente noticiada no início do primeiro mandato. De outro, uma política de recursos
humanos fundamentada nos ideais estatistas e assembleístas do partido e da Central Única dos
Trabalhadores, que vem concedendo um grande espaço às entidades associativas dos
servidores públicos e suas demandas.
Corporativismo estatal e fisiologisimo político parecem colidir quando se trata de
fortalecer as carreiras burocráticas e de restringir a ocupação dos cargos em comissão. Este
capítulo procura entender o caminho seguido por estas duas linhas de ação, como elas se
influenciam mutuamente e qual seu impacto para a burocracia estatal.
2.4.1 O dilema dos políticos no atual governo
Ao contrário do primeiro governo FHC, o Presidente Lula iniciou seu governo com
uma bancada minoritária, formada pelo PT, PSB, PCB, PCdoB e PL. Para alargar sua base,
aliou-se a partidos mais à direita, como o PP, o PTB e parcela do PMDB. Essa coalizão
heterogênea e fragmentada acarretou um alto custo político, especialmente com partidos como
o PP, o PL e o PTB, tradicionalmente clientelistas e sem identificação com o programa de
governo do PT. (DINIZ, s/d, disponível em www.iuperj.org.br). A falta de coesão ideológica
vem sendo apontada por analistas como uma causa do aumento da instabilidade no primeiro
governo Lula, ao que se acresce a própria dissidência interna do PT. (COSTA, 2006 e
SANTOS, Fabiano, 2006).
58
Verificou-se que, na Administração Indireta, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Embrapa e
Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA, instituíram processo seletivo para a profissionalização de suas
gerências regionais, cujos cargos despertam grande interesse político pela possibilidade de distribuição de
recursos. A Embrapa, desde 2000, possui uma norma técnica sobre o “Recrutamento e Avaliação da Habilitação
de Candidatos aos cargos de Chefe-Geral e Gerente-Geral de Unidade Descentralizada”. A existência desses
casos é um achado casual deste estudo que mereceria uma pesquisa à parte.
112
Nesse contexto, o controle dos cargos comissionados parece assumir maior destaque
do que no governo anterior, como indicam os Decretos que distribuem a competência para sua
nomeação.
No primeiro governo FHC, foi editado apenas um Decreto sobre a matéria, de n.º
1.362, de 1.º de janeiro de 1995. Por este ato, os Ministros nomeavam diretamente os DAS
101, correspondente aos cargos de Direção, nos níveis 1 e 2 e, mediante prévia consulta à
Casa Civil, os DAS 101-3 e 101-4. Os DAS 102 nos níveis 1 a 4, que são os cargos de
Assessoramento, poderiam ser livremente nomeados pelos Ministros.
Ao longo do segundo governo Fernando Henrique, a nomeação dos DAS 101 de nível
3 e 4, nos termos do Decreto n.º 2.947, de 26 de janeiro de 1999, passou a depender da
aprovação da Secretaria de Estado de Relações Institucionais da Presidência. Outros três
Decretos, de n.º 3.362/2000 e n.º 4.232/2002 e n.º 4.408/2002, efetuaram alterações pontuais,
destacando-se o último por conferir aos Ministros a competência para nomear os cargos
jurídicos.
No mandato de Lula, observa-se a tendência oposta, de centralização das nomeações
na Casa Civil,
59
o que pode ser uma tentativa de compensar a fragmentação da coalizão. No
primeiro ano de governo, as regras de competência sobre a nomeação dos DAS foram
alteradas três vezes, conforme a tabela abaixo.
No primeiro Decreto, de janeiro de 2003, manteve-se a disciplina do governo FHC. A
partir de junho de 2003, por meio do Decreto n.º 4.734/2003, a Casa Civil recebeu a
competência de nomear todos os cargos em comissão. Os Ministros, por sua vez, recebem
uma subdelegação da Casa Civil, por meio da Portaria n.º 1.065, da mesma data, que os
autorizavam nomear os DAS 101 e 102 nos níveis 1 a 4.
A diferença sutil entre receber uma delegação direta do Presidente da República e uma
subdelegação da Casa Civil é a possibilidade de esta intervir diretamente nas nomeações
ministeriais sempre que lhe aprouver, bastando para isso editar outra Portaria cancelando a
subdelegação para aquele caso. Significa que, na prática, os Ministros só têm plena liberdade
de nomeação dos DAS 1 e 2, já que o 3 e o 4 dependem do crivo da Casa Civil e o 5 e 6 são
de sua competência exclusiva.
A nomeação para os cargos jurídicos merece comentário à parte. No Decreto n.º 4.579,
de janeiro de 2003, a nomeação para os cargos judicos manteve-se na esfera de competência
dos Ministros. No Decreto seguinte, n.º 4.676, de abril de 2003, a Casa Civil assume a
59
Essa constatação também foi feita por D’Araújo (2007).
113
nomeação dos titulares de órgãos jurídicos, que no Decreto posterior é abarcada pela
competência genérica para nomear todos os cargos em comissão.
Tabela 9 – Competência para nomeação de DAS no Governo Lula
Competência Decreto 4579/2003 Decreto 4676/2003 Decreto 4734/2003
Casa Civil
Praticar os atos de
provimento de cargos em
comissão do Grupo-
Direção e
Assessoramento
Superiores, níveis DAS 5
e 6, e de cargos de Chefe
de Assessoria
Parlamentar, código DAS
101.4.
Praticar os atos de
provimento de cargos
em comissão do Grupo-
Direção e
Assessoramento
Superiores, níveis DAS
5 e 6, de cargos de
Chefe de Assessoria
Parlamentar, código
DAS 101.4, e de
titulares de órgãos
jurídicos da
Procuradoria-Geral
Federal instalados
junto às autarquias,
de qualquer natureza,
e fundações públicas
federais.
Praticar os atos de
provimento de cargos
em comissão do Grupo-
Direção e
Assessoramento
Superiores - DAS no
âmbito da Administração
Pública Federal.
Os Ministros de
Estado encaminharão
à Casa Civil da
Presidência da
República, as
propostas para o
provimento de cargos.
Ministros
Dar provimento de
cargos em comissão do
Grupo-Direção e
Assessoramento
Superiores - DAS, níveis
1 a 4.
Dar provimento de
cargos em comissão, de
órgãos jurídicos
integrantes da
Procuradoria-Geral
Federal instalados em
autarquia, de qualquer
natureza, ou fundação
pública vinculada ao
respectivo Ministério.
A indicação para
provimento dos cargos de
que tratam os incisos I e
V, código DAS 101,
níveis 3 e 4, e
equivalentes, deverá ser
encaminhada à
apreciação prévia da
Presidência da
República, por intermédio
da Casa Civil.
Dar provimento de
cargos em comissão do
Grupo-Direção e
Assessoramento
Superiores - DAS,
níveis 1 a 4.
Dar provimento de
cargos em comissão,
de órgãos jurídicos
integrantes da
Procuradoria-Geral
Federal instalados em
autarquia, de qualquer
natureza, ou fundação
pública vinculada ao
respectivo Ministério, à
exceção de seus
titulares.
A indicação para
provimento dos cargos
de que tratam os
incisos I e V, código
DAS 101, níveis 3 e 4,
e equivalentes, deverá
ser encaminhada à
apreciação prévia da
Presidência da
República, por
intermédio da Casa
Civil.
As nomeações dos
DAS 1 a 4 passam a
ser subdelegadas aos
Ministros de Estado,
pela Portaria n. 1065
de 11 de junho de
2003, mas de acordo
com seu art 1, inciso
IV, os DAS 101, 3 e 4
devem passar pela
Casa Civil
Fonte: Decretos nº 4579/2003, 4676/2003, 4734/2003, grifo nosso.
114
Concomitante ao controle efetuado pela Casa Civil, há aquele da Secretaria de
Relações Institucionais da Presidência (SRI), que assumiu a coordenação política do governo
a partir de 2004, pela Lei n.º 10.869/2004. Dentre suas atribuições, conforme referida norma,
figura a “condução do relacionamento do Governo com o Congresso Nacional e os Partidos
Políticos,” que dentre outras coisas, implica a negociação dos cargos em comissão.
A atuação da SRI no processo de nomeação não está formalizada em ato normativo.
Soube-se por um servidor que trabalhou na Assessoria do Gabinete da Secretaria entre 2003 e
2005, que ela centraliza a distribuição dos cargos entre os partidos a analisa as solicitações de
nomeação feitas pelos congressistas. Os Ministros possuem algum poder de veto, mas é nessa
instância que os cargos são negociados. De acordo com este servidor, existe a preocupação
em barrar candidatos que não apresentam um currículo compatível com a responsabilidade do
cargo que pretendem assumir.
A Casa Civil exerce controle mais de ordem administrativa sobre o provimento dos
cargos em comissão, especialmente quando se trata de não servidor. Neste caso, é feita uma
consulta ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que informa se há cargos
disponíveis para não servidores, de acordo com o teto estabelecido pelo Decreto n.º
5.497/2005. Quando se trata de DAS 5 e 6, além de todos estes procedimentos, é consultada a
Agência Brasileira de Inteligências- ABIN.
Desde a crise do mensalão, o governo tem procurado estabelecer uma relação mais
transparente com a coalizão. Uma das iniciativas é a negociação por bancada, que obriga os
partidos a alcançarem um consenso interno sobre os nomes a serem indicados para cada
cargo. Conforme notícia da época, o Presidente, “Em reunião com a comissão política do PT,
avisou que não tratará da composição do governo no varejo, mas fará as nomeações dos
cargos sob os ministros a partir das indicações partidárias.” (FONTES, 2006).
Outra medida foi a criação do Conselho Político para assegurar a governança no
segundo mandato. O Conselho tem por objetivo formalizar as relações com os partidos da
coalizão, que abrange o PT, PMDB, PRB, PCdoB, PSB, PP, PR, PTB, PV, PDT, PSC e PAN.
Na primeira reunião, realizada em 13 de dezembro de 2006, divulgou-se que o “Presidente se
comprometeu a jamais surpreender a base, consultando-a sempre antes de tomar uma
medida.” (MATAIS, 2006). Por outro lado, para fazer parte do Conselho, o acordo é que os
partidos se comprometam a colaborar com as prioridades do governo Lula.
A crise do mensalão também reforçou a preocupação do governo em afastar a
acusação de aparelhamento político da Administração. Em 16 de novembro de 2005, foi
editado o Decreto n.º 5.497 determinando que 75% dos DAS 1,2 e 3, e 50% dos DAS 4,
115
deveriam ser ocupados por servidores públicos. De acordo com o comunicado do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, sua principal finalidade é profissionalizar o serviço
público, “limitando as indicações políticas aos cargos superiores como Secretários Executivos
ou Secretários Nacionais dos Ministérios”. (MPOG, Boletim Contato, set. 2005).
Entretanto, o conceito de ‘servidor de carreira’ adotado Decreto n.º 5.497 abrange os
inativos, os servidores do Legislativo e do Judiciário e de outras esferas federativas e também
aqueles que ingressaram no serviço público antes de 1988 sem passar por concurso público.
60
Além disso, a comprovação do percentual de cargos ocupados por servidores seria aferida
para a Administração Direta, Autárquica e Fundacional como um todo, e não para cada um de
seus órgãos isoladamente
61
.
Assim, verifica-se que o Decreto estabeleceu critérios confortáveis, que não demandam a
alteração dos quantitativos vigentes de servidores de carreira e externos à Administração
ocupantes de DAS.
GRÁFICO 7
Percentual de Servidores Efetivos e Requisitados
ocupantes de DAS
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
%
DAS-1
DAS-2
DAS-3
DAS-4
DAS-5
DAS-6
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, MPOG. Vários.
Nota: Servidores requisitados abrange pessoal da Autarquias e Fundações.
60
Art. 2
o
Para os fins deste Decreto, considera-se como servidor de carreira os servidores, ativos ou inativos,
oriundos de órgão ou entidade de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, suas empresas públicas e sociedades de economia mista, ocupante de cargo ou emprego permanente
no qual ingressou mediante concurso público ou, se em data anterior a 5 de outubro de 1988, mediante forma de
provimento permitida pelo ordenamento da época de ingresso.
61
Art 1... § 4
o
A nomeação de não servidores de carreira somente poderá ser efetivada mediante a comprovação
de que o percentual de cargos providos por servidores de carreira, aferido para o conjunto dos órgãos e entidades
sujeitos ao disposto no caput, é igual ou superior aos percentuais ali estabelecidos na data da consulta. (grifo
nosso)
116
GRÁFICO 8
Percentual de servidores semnculo ocupantes
de DAS
0
10
20
30
40
50
60
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
%
DAS-1
DAS-2
DAS-3
DAS-4
DAS-5
DAS-6
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, MPOG, vários.
Nota: servidor sem vínculo é aquele que não possui cargo público em
nenhuma esfera federativa ou no Poder Legislativo e Judiciário.
Observe-se que o Gráfico 7 não inclui os servidores de outros poderes e esferas e,
ainda assim, os DAS 1, 2 e 3 se mantém muito próximos de 70% de ocupação por servidores
efetivos. Ao lado disso, verifica-se que os DAS 3 e 4 tiveram um crescimento quase linear
desde 2003, estabilizando a partir de 2006 e que a ocupação dos DAS-5, que não é
regulamentada pelo Decreto, continuou em crescimento. Assim, não é possível estabelecer
uma relação entre o Decreto e a ocupação dos cargos em comissão por servidores efetivos.
O Gráfico 7 também permite questionar a hipótese de que o suposto aparelhamento
político da Administração do início do governo Lula tenha ocorrido em detrimento dos
servidores de carreira. Isto porque, mesmo com a criação de 1.879 cargos em comissão entre
2003 e 2007,
62
não diminuiu o percentual de servidores ocupantes de DAS. Ao contrário,
observa-se um pequeno aumento da nomeação de servidores efetivos.
Comparando os Gráficos 7 e 8, verifica-se que o pico da contratação de ‘não
servidores’ em 2003 corresponde a uma pequena queda no número de ‘servidores de carreira’
neste mesmo ano. A única situação anômala é a dos DAS 1, que chegou a 35% de ocupação
de não servidores em 2004, o que obrigou a uma correção no provimento dos cargos após a
edição do Decreto nº 5497/2005.
Referido Decreto também parece não ter afetado a ocupação de servidores requisitados
dos Estados, Municípios e de outros poderes. O maior crescimento ocorreu nos DAS 5 e 6,
62
De acordo com o Boletim Estatístico de Pessoal de Janeiro de 2008, em dezembro de 2002 eram 18374 cargos
e em janeiro de 2008 são 20253 cargos em comissão.
117
que não possuem limites de ocupação por ‘servidor de carreira’, e portanto não teriam razão
para ter seu quantitativo aumentado em razão do Decreto.
GRÁFICO 9
Percentual de Servidores Requisitados de outros
órgãos e esferas federativas
0
5
10
15
20
25
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
%
DAS-1
DAS-2
DAS-3
DAS-4
DAS-5
DAS-6
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, vários.
Em que pese não demandar alterações no quadro de nomeados para os cargos
comissionados, os limites do Decreto vêm sendo acompanhados com rigor pela Secretaria de
Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SEGES/MPOG, que
mensalmente elabora um balanço da ocupação dos cargos para verificar se os limites foram
atingidos e quantos ‘não servidores’ ainda podem ser nomeados. Atualmente, todas as
nomeações de ‘não servidores’ passam pela SEGES/MPOG para efeito de monitoramento do
quantitativo.
O servidor responsável por este controle informou que os limites do Decreto – 75%
dos DAS 1 a 3 e 50% dos DAS 4 - nunca foram atingidos, pois há muitos cargos vagos.
Logo, o Decreto em si não é uma novidade, pois ao longo deste trabalho foram citadas
outras normas com o mesmo objetivo. Tampouco seus critérios impõem a substituição de
‘não-servidores’ por ‘servidores de carreira’. A grande diferença em relação às iniciativas
passadas é a preocupação em efetivamente monitorar seu cumprimento e divulgar seus
resultados, conforme comunicado veiculado no sítio do MPOG:
118
CARGOS DE CONFIANÇA NO GOVERNO ESTÃO DENTRO DAS
NORMAS
Brasília, 08/02/2006 – A utilização dos cargos em comissão do Grupo-Direção
e Assessoramento Superiores (DAS), níveis 1 a 4, por servidores de
carreira no âmbito do Governo Federal está rigorosamente dentro das
normas. Somente alguns ajustes foram necessários para cumprir o
quantitativo de ocupação por servidores estabelecido pelo Decreto 5.497,
de julho de 2005, de 75% para os DAS 1,2 e 3 e 50% para os DAS nível
4. A afirmação é do secretário de Gestão do Ministério do Planejamento,
Valter Correia da Silva.
O secretário disse que os atuais 21.197 cargos e eventuais novos cargos
que sejam criados entram nos percentuais previstos no decreto. Ao tomar
por parâmetro os percentuais de 25% de DAS 1,2 e 3 e 50% para DAS 4
destinados pela legislação ao servidor sem vínculo a situação hoje é a
seguinte:
• DAS nível 1 - 24,5%
• DAS nível 2 - 21,88%
• DAS nível 3 - 18,95%
• DAS nível 4 - 30,28%
Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Notícias. Disponível em
http://www.planejamento.gov.br/noticia.
asp?p=not&cod=1907&cat=264&sec=29.
Acesso em 10 maio 2008.
Embora o objetivo do Decreto seja oferecer uma resposta às críticas sobre as
nomeações do governo Lula, verifica-se que os limites ali estabelecidos estão se tornando um
parâmetro geral do quantitativo aceitável de nomeação de ‘não servidores’. Assim, a norma é
uma espécie de consolidação do espaço mínimo a ser ocupado por ‘servidores de carreira’ na
Administração. Assumido o compromisso deste governo em cumprir o Decreto - ainda que
isso não implique sacrifícios – ele servirá de referência para os governos subseqüentes.
Ademais, o Decreto sinaliza para os partidos da coalizão os limites do governo em
relação à nomeação de ‘não servidores’, o que estabelece parâmetros para a negociação de
cargos. Como é mais fácil aprovar candidatos que sejam ‘servidores de carreira’, a norma é
um incentivo para que estes sejam privilegiados nas indicações dos partidos.
Nesse ponto, pode-se argumentar que a teoria de Silberman é confirmada no que tange
à relação entre incerteza e demanda pela restrição à patronagem. O Decreto nº 5497/2005 foi
editado justamente durante um governo que não possui um plano claro de reforma
administrativa, mas que passou por sérios problemas de coordenação política. O governo
FHC, apesar de ter aprovado na Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou o art. 37, V,
para determinar que fosse editada lei com percentuais mínimos de ocupação de DAS por
servidores de carreira, não regulamentou o dispositivo.
119
Outra proposta que se situa no limite entre controle das nomeações e política de
recursos humanos é o Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados sob o número
3429/2008. O Projeto, que foi proposto pelo Poder Executivo em 15 de maio de 2008, dispõe
sobre a criação das Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE, que serão restritas a
servidores de cargo efetivo dos Poderes da União. Trata-se de extinguir um determinado
número de DAS para, no mesmo ato, criar seu correspondente em FCPE, com os mesmos
níveis e remuneração equivalente.
A tabela a seguir demonstra o número de FCPEs a serem criadas e sua
correspondência com os DAS:
Tabela 10- Quantitativo das Funções Comissionadas do Poder Executivo
Cargos em Comissão Função Comissionada Quantitativo
DAS-5 FCPE-5 46
DAS-4 FCPE-4 165
DAS-3 FCPE-3 396
DAS-2 FCPE-2 933
DAS-1 FCPE-1 937
TOTAL 2477
Fonte: Projeto de Lei nº 3429/2008.
Conforme divulgado no site do MPOG, o objetivo do Projeto de Lei é reduzir o
número de cargos em comissão do Poder Executivo e melhorar o nível de profissionalização
do setor público, aumentando a capacidade técnica do Estado na condução de políticas
públicas.
63
(MPOG, Notícias, 08 abr. 2008)
Ainda de acordo com o Projeto de Lei, o quantitativo de cargos a ser transformados
em FCPE corresponde a 50% dos DAS-4 e 75% do DAS 1 a 3 alocados nos seguintes órgãos:
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão:
o Secretaria de Gestão,
o Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos,
o Secretaria de Orçamento Federal.
Ministério da Fazenda:
o Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
o Secretaria da Receita Federal
o Secretaria do Tesouro Nacional
63
Enquanto o governo destaca o aspecto da profissionalização, a imprensa entendeu que a iniciativa visa limitar
as nomeações políticas, como na manchete do Estado de São Paulo: “Governo promete pacote contra a
nomeação política.” (GOBETTI, 2007).
120
Ministério da Justiça:
o Departamento de Polícia Federal
o Departamento de Polícia Rodoviária Federal
Controladoria-Geral da União
Advocacia-Geral da União
Todos estes órgãos possuem carreiras estruturadas e, por demandarem conhecimento
especializado, seus cargos em comissão já são majoritariamente ocupados por servidores
efetivos. Logo, assim como o Decreto n. nº 5497/2005, não se trata de alterar a situação
vigente, mas de consolidar o espaço do servidor de carreira. No entanto, o PL vai além,
porque propõe o fechamento da organização à nomeação de pessoas externas à administração
federal, que só poderão ocupar o posto de Secretário, DAS-6. Por outro lado, observa-se que a
proposta não restringe a circulação dos servidores federais entre os órgãos, o que sinaliza a
prevalência de um modelo de burocracia mais próximo do profissional.
Trata-se apenas de um Projeto de Lei, que talvez não seja aprovado, mas levantou-se
que é a primeira vez que o Poder Executivo sugere, ele próprio, a restrição das nomeações.
Em pesquisa dos projetos de lei sobre cargos em comissão que já tramitaram na Câmara dos
Deputados e no Senado, foram localizados vários projetos propostos tanto pela oposição
quanto por partidos da situação para restringir o uso político das nomeações, vedar o
nepotismo e assegurar o preparo profissional dos nomeados.
64
Destas iniciativas, destaque-se o PL 1887/2003 do Deputado Eduardo Paes, do PSDB,
cuja idéia se aproxima do PL das Funções Comissionadas. A proposta é que os cargos em
comissão da Procuradoria da Receita Federal, da Polícia Federal, e da Receita Federal,
Orçamento e o Controle e Tesouro Nacional sejam de ocupação exclusiva de servidores de
carreira. Para os demais cargos em comissão estabelece um limite de 20% de não servidores.
Em 2005, por meio do PL 5403/2005, o Deputado propôs o mesmo projeto acrescentando
outros órgãos.
64
Durante o governo Lula foram propostas os seguintes projetos de lei e emendas constitucionais que tratam de
cargos em comissão: PEC 063/2005 (PMDB), que propõe que os cargos em comissão sejam no máximo 1% do
total de cargos públicos. Este foi a única proposta em tramitação no Senado. PEC 140/2007 (PDT), que
estabelece um máximo de 20% dos cargos em comissão do total do quadro efetivo de cada órgão e a reserva de
50% dos cargos em comissão para servidores concursados; PEC 193/2003 (PPS), que determina a qualificação
técnica para a ocupação de DAS e a reserva de cargos de terceiro escalão para servidores de carreira. PEC
428/2005 (PMDB), reserva todos os cargos em comissão para servidores, excetuado os de assessoramento direto
do Presidente e Ministros de Estado, PL 5354/2007 (PMDB), que reduz o número de cargos em comissão.
Foram levantados também várias Requisições de Informações sobre o número de DAS e os critérios de
nomeação, que se concentraram entre os anos de 2003 e 2005. Conforme consulta nos sites www.camara.gov.br
e www.senado.gov.br.
121
No governo Fernando Henrique, partindo das declarações do Ministro de
Administração e Reforma de Estado, é provável que fossem consideradas excessivas as
restrições do PL às Funções Comissionadas, que alcançam até o DAS-5. Novamente, é no
governo atual, em que se destaca o fisiologismo, que se reforçam as medidas restritivas às
nomeações. A diretriz estatista parece ter sua influência, já que neste governo a burocracia
tem conquistado mais espaço para colocar suas pretensões.
Outra tendência que se observa, pelo menos no caso do Instituto Nacional do Seguro
Social - INSS, é a revisão da estratégia de nomeação estritamente política para os cargos em
comissão. No início do governo Lula divulgou-se que as nomeações para entidades como a
FUNASA, Correios, Embrapa, INCRA, além do INSS, desconsideraram os processos
seletivos em vigor para alguns cargos, especialmente os da gerência regional.
65
(POLICARPO
JR. et. al., 2003b).
No INSS esse processo foi revertido, pois desde 2006 vem sendo realizado processo
seletivo interno para a escolha das Gerências Executivas, organizado pela Universidade
Católica de Brasília, que inclui provas objetivas e de títulos. De acordo com a associação de
classe – ANASP - 24% dos gerentes executivos em atuação em 2006 haviam sido escolhidos
pelo processo de seleção interna.
66
Ainda sobre o controle das nomeações, foi localizada na Administração Direta a
Portaria nº 111, de 09 de junho de 2008, que institui “processo seletivo interno para
elaboração de lista de servidores efetivos do Ministério da Fazenda para ocupar cargo em
comissão de Gerente Regional de Administração da Subsecretaria de Planejamento,
Orçamento e Administração.” O processo seletivo será realizado pela Escola de
Administração Fazendária em todas as capitais, com provas objetiva e discursiva e análise de
títulos.
67
Um servidor do gabinete do Ministério da Fazenda que participou da elaboração da
norma reconheceu que seu objetivo é afastar as indicações políticas para o cargo de Gerente
Regional, pois se trata de função que demanda conhecimento técnico. Destaque-se que a
nomeação não depende apenas da aprovação no processo seletivo. O Secretário-Executivo do
Ministério da Fazenda poderá escolher um dos cinco melhor classificados independente da
65
Na Fundação Nacional de Saúde - FUNASA o Decreto nº 3450/2000 havia estabelecido que os cargos em
comissão e funções gratificadas da FUNASA seriam providos por pessoal do quadro permanente. Em março de
2003, o Decreto nº 4615, alterou a regra para que os servidores efetivos fossem apenas ‘preferencialmente’
nomeados, a critério do Ministro da Saúde.
66
Conforme notícias divulgadas em www.previdencia.gov.br e www.anasp.org.br.
67
O edital e demais informações do processo seletivo estão disponíveis no site www.fazenda.esaf.gov.br . As
provas serão realizadas em 31 de agosto de 2008.
122
ordem de classificação, o que mantém a flexibilidade das nomeações. A Portaria não veda a
nomeação de ‘não servidores’, mas o processo seletivo acaba sendo tão específico, que essa
alternativa se torna impossível.
Esses dois achados – retomada do processo seletivo no INSS e a Portaria do Ministério
da Fazenda – foram casuais e fogem ao escopo deste trabalho, que é analisar a Administração
Direta centralizada. Contudo, a definição dos critérios para ocupar as chefias na
Administração Indireta e órgãos regionais mereceria estudo à parte, já que é indício de que há
um esforço para blindar as nomeações estritamente políticas e privilegiar servidores.
A Administração Direta ainda ensaia seus passos para profissionalizar a ocupação dos
DAS. Em setembro de 2007 a Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão – SPU, abriu um processo seletivo para servidores e não
servidores, com vistas à possível contratação em cargos de confiança do grupo Direção e
Assessoramento Superior – DAS. Seriam 107 cargos no Distrito Federal e nos estados
abrangendo DAS 1, 2 3 e 4. A seleção consistiria na triagem de até três até três currículos por
vaga, entrevistas e dinâmicas de grupo. Na ocasião, a SPU anunciou a criação de uma nova
cultura no preenchimento destes cargos, norteada por princípios de eficiência, transparência e
melhoria de gestão. (MPOG. Notícias. 14 set. 2007).
Logo após a divulgação do edital de
convocação, o processo seletivo foi repentinamente sustado. No site do MPOG não constam
justificativas do cancelamento da seleção, a não ser a informação de que, no dia 21 de
setembro de 2007, as inscrições estavam encerradas. .(MPOG. Notícias. 21 set. 2007)
A preocupação em centralizar as nomeações, o Decreto nº 5497/2005 e o Projeto de
Lei das Funções Comissionadas do Poder Executivo, somadas às duas normas pontuais de
seleção para as chefias, evidenciam que a racionalização burocrática não ocorre apenas em
razão de uma grande reforma administrativa a depender de aprovação do Poder Legislativo,
como supôs Barbara Geddes. A perspectiva teórica de Silberman se mostra mais adequada ao
compreender que a meritocracia pode se instalar gradualmente, a partir de iniciativas isoladas
e dispersas ao longo do tempo.
68
Observe-se que todas essas normas que visam estabelecer critérios meritocráticos de
ocupação dos cargos em comissão tendem para o tipo profissional ao permitir aos superiores
uma flexibilidade na escolha do nomeado.
68
Meritocracia ou corporativismo dos burocratas? Onde termina a meritocracia e começa o corporativismo? É
possível uma meritocracia que não estimule o corporativismo? Estas questões não são abordada pela teoria de
Silberman e fogem ao escopo deste trabalho, mas mereceriam um estudo específico.
123
2.4.2 A política de recursos humanos:
O atual governo tem como um dos eixos de atuação o fortalecimento da função
pública que, de acordo com seu programa, abrange a melhoria da remuneração, a
recomposição da força de trabalho por meio da realização de concursos, e o aprofundamento
do modelo de negociação coletiva.
69
Essas diretrizes vêm sendo trabalhadas pela Secretaria de Recursos Humanos do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - SRH/MPO, que desde o primeiro mandato
do Presidente Lula é comandada por Secretários ligados à Central Única dos Trabalhadores.
70
Sob essa condução, a negociação salarial foi elevada à principal política de recursos humanos.
Ainda em junho 2003 foi instituída formalmente a ‘Mesa de Negociação Permanente’,
cujos membros são, de um lado, a bancada governamental, composta por vários Ministérios e,
de outro, a bancada sindical, em que atuam as entidades representativas dos servidores
públicos civis da União. Seu propósito, segundo noticiado, é “criar canais participativos,
sistemáticos e resolutivos, de interlocução permanente como eixo central da democratização
das relações de trabalho.” Consta também que a finalidade da Mesa é encontrar soluções
negociadas para os interesses de cada uma das partes e que possui caráter deliberativo,
contando-se um voto por bancada.(MPOG, 2003). Embora trate de diversos temas, tais como
seguridade social, direitos sindicais, planos de carreiras, o maior destaque é conferido às
negociações salariais.
Ao contrário do governo anterior, em que nem sempre havia espaço para as demandas
classistas (CHEIBUB, 2000, p. 127), na atual gestão as entidades que representam as diversas
carreiras de servidores tem participado ativamente da Mesa de Negociação, intervindo
diretamente na fixação da sua remuneração. Como os salários são determinados pela
capacidade de negociar, foi abandonada a comparação com os salários do setor privado
buscada pelo governo FHC. Do mesmo modo, a estrutura das carreiras também tem sido
objeto de acordo com as associações de servidores.
As diretrizes de fortalecimento via concursos e remuneração não constam detalhadas
em documento de acesso público, e alguns analistas entendem pela ausência de uma política
69
Vide: Lula Presidente. Programa de Governo 2007-2010, e notícias disponíveis em www.planejamento.gov.br.
70
De acordo com os currículos divulgados no site www.planejamento.gov.br, no primeiro mandato, o Secretário
foi o economista Sérgio Mendonça, que foi Diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Sócio-Econômicos-DIEESE. O atual Secretário, Duvanier Ferreira, foi chefe de gabinete da Secretaria de Gestão
no governo Marta Suplicy, assessor político da executiva da CUT e secretário de formação da CUT estadual em
São Paulo.
124
de gestão no governo Lula (PACHECO, 2004 e GAETANI, 2006). De acordo com
NOGUEIRA, no atual governo:
a expansão e reorganização dos quadros de pessoal obedece a decisões
políticas e estratégicas que não têm sido explicitadas, de forma ampla, em
objetivos e diretrizes. Aparentemente, o Governo Lula está buscando superar
uma série de problemas que se acumularam na última década em relação às
características educais, laborais e administrativas da força de trabalho do
setor público no Brasil.(NOGUEIRA, 2005).
A dinâmica da Mesa de Negociação sugere que, em lugar de o governo propor as
medidas que julga adequadas, estas surgem das conversas entre as bancadas governamental e
sindical e da capacidade que cada uma possui de pressionar a tomada de decisão. Assim, uma
característica que vem sendo apontada na política de Lula “é a captura da política de recursos
humanos para o setor público por setores ligados aos interesses corporativistas do
funcionalismo público” (GAETANI, 2006, p. 21)
O exemplo mais recente desta política é a possível transformação em subsídio da
remuneração das carreiras do Ciclo de Gestão. O subsídio é a remuneração em parcela única,
sem gratificações adicionais e outras verbas, e foi inicialmente previsto para os detentores de
mandato político e para os Ministros de Estado com o objetivo de tornar mais transparente a
fixação dos seus vencimentos.
Para os servidores de carreira, a proposta do MARE era a vinculação da remuneração
ao desempenho, razão pela qual foram criadas a Gratificação de Desempenho e Produtividade
e, posteriormente, a Gratificação do Ciclo de Gestão. Contudo, na versão aprovada da PEC nº
173/195, foi inserida a possibilidade de transformar em subsídio a remuneração dos servidores
organizados m carreira (art. 39, § 8º). Como a previsão legal não se enquadrava na política do
MARE, não foi aplicada.
No segundo governo Lula, feitas as contas pela Secretaria de Recursos Humanos do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, concluiu-se que o subsídio seria mais
econômico para o governo e, por essa razão, o assunto entrou na agenda para os reajustes a
serem concedidos em 2008 para as carreiras do Ciclo de Gestão
71
. Não foi mencionada outra
71
A informação foi confirmada por vários servidores entrevistados e, o fato da Secretaria de Recursos Humanos
não ter divulgado as razões da mudança para o subsídio, reforça que a proposta surgiu de forma circunstancial. O
subsídio é interessante para o governo porque ao fixar de forma fechada o salário de cada padrão da carreira,
estabelece um teto único, ceifando as gratificações já incorporadas, como os quintos. As carreiras jurídicas e a
Polícia federal são remunerados por subsídio desde 2006 (Lei n, 11358, de 19/10/2006). Algumas carreiras da
Agência Brasileira de Inteligências -ABIN passaram a receber por subsídio este ano, através da MP n. 434, de
04/06/2008. Até o final de julho de 2008, a Medida Provisória que concede o reajuste para as carreira do Ciclo
estava em discussão na Casa Civil.
125
justificativa além da financeira para a alteração, que tem como uma das conseqüências a
extinção da remuneração por desempenho.
Destaque-se, além disso, que a mudança para o subsídio não foi imposta pelo governo,
mas negociada com as associações de classe das carreiras do Ciclo de Gestão na Mesa de
Negociação.
72
Para os membros das carreiras do Ciclo, o subsídio implica a consolidação do
patamar remuneratório conquistado no governo Lula, pois os reajustes futuros e a
aposentadoria serão calculados sobre seu valor total. O fim da Gratificação do Ciclo de
Gestão, por sua vez, resolve o problema das avaliações de desempenho, cuja regulamentação
recebia muitas críticas. Com o subsídio, o desempenho do servidor será avaliado para efeito
de promoção e progressão na carreira em conjunto com outros aspectos a serem definidos em
regulamento próprio para cada carreira.
O subsídio também poderá ter como conseqüência a transformação da estrutura das
carreiras em pirâmide, com um número de cargos definido para cada classe. Significa dizer
que nem todos os servidores alcançarão o topo da carreira, como ocorre atualmente.
Entretanto, como todas as propostas são negociadas com as respectivas associações de classe,
estas já informaram que não simpatizam com a carreira piramidal.
A mudança para subsídio deixa nítida a diferença entre os dois governos federais. No
mandato de FHC havia a preocupação de criar uma burocracia accountable, o que se fez pela
tentativa de criar uma cultura de desempenho. Já o atual governo prioriza a participação, em
detrimento do controle. O resultado é que os próprios burocratas ditam a agenda sobre as
carreiras e remuneração.
A diretriz estatista deste governo não ajuda à comprovar a hipótese de pesquisa – de
que o fortalecimento das carreiras é uma externalidade positiva da tensão ou dilema gerado
pela patronagem – mas não poderia deixar de ser mencionada porque, indiscutivelmente, tem
propiciado o fortalecimento das carreiras de estado e seus burocratas. O Ciclo de Gestão sairá
deste governo mais bem remunerado e com maior número de membros.
O atual governo não privilegia as carreiras do núcleo estratégico ou do Ciclo de
Gestão. As políticas de remuneração e concursos se estendem a todas as categorias,
indistintamente, inclusive àquelas de nível médio, como demonstram os percentuais de
ingresso por nível de escolaridade.
72
Vide notícias da negociação salarial nos sites da www.assecor.org.br, www.unacom.org.br e
www.anesp.org.br.
126
GRÁFICO 10
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2008.
O Gráfico acima demonstra a grande elevação do número de concursos no governo
atual e a concentração no nível superior. Contudo, dentre estes ingressos de nível superior
verifica-se uma dispersão entre diversas carreiras da Administração Direta, Autarquias e
Fundações, de modo que os ingressos nas carreiras do núcleo estratégico é pouco expressiva
quando comparada ao total de contratações. Uma mudança importante é a ênfase deste
governo na contratação de quadros de carreira em lugar de contratar para o Plano Geral de
Cargos e Salários – PCC.
GRÁFICO 11
Ingressos em carreiras de nível superior entre
2003 e 2008
2%
5%
3%
3%
87%
Gestão
Auditoria
Jurídica
PCC Nível Superior
Outros
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2008
127
GRÁFICO 12
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2008.
Em relação ao nível de escolaridade, verifica-se que o atual governo rompeu em parte
com a política anterior de ênfase nos concursos para o nível superior. O número de servidores
de nível intermediário tem se mantido estável, suspendendo a queda observada na gestão
FHC. Mesmo assim, o elevado quantitativo de ingressos assegurou o crescimento do número
de servidores de nível superior.
GRÁFICO 13
Percentual de Servidores Civis Ativos comvel
superior e intermediário
0
10
20
30
40
50
60
1997 2002 2008
%
Superior
Intermediário
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2008.
T
Total de ingressos em carreiras de nível
superior entre 1995-2002
7%
39%
11%
41%
2%
Gestão
Auditoria
Juridica
PCC nível
su
p
erio
r
Outros
128
GRÁFICO 14
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2008.
Observe-se que o aumento do nível de escolaridade dos servidores em geral não
implicou o aumento da escolaridade dos ocupantes de DAS no período 1997-2002. O
percentual de ocupantes de DAS com nível superior tem se mantido relativamente estável.
GRÁFICO 15
Quantitativos de servidores com DAS - Nível
Superior 1997-2007
0
20
40
60
80
100
120
1997
19
98
19
99
2000
2001
20
02
2003
2004
2
005
2
006
200
7
DAS-1
DAS-2
DAS-3
DAS-4
DAS-5
DAS-6
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2008.
Em relação ao modelo de carreira defendido pelo Governo Lula, constata-se que foi
mantida do governo anterior a estratégia de criar carreiras transversais, que possam atuar em
vários órgãos. Um exemplo é carreira de Analista e Especialista em infra-estrutura, criada pela Lei
nº 11539/2007 para atender ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC nos setores de
Percentual de Servidores Federais por nível de
escolaridade
0
10
20
30
40
50
97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07
%
Superior
Especializ
Mestrado
Doutorado
129
infra-estrutura viária, de saneamento, de energia, de produção mineral, de comunicações e de
desenvolvimento regional e urbano.
Os Analistas em infra-estrutura possuem uma carreira com apenas três classes, o que
significa uma trajetória rápida ao patamar mais elevado. Já os Especialistas em infra-estrutura
não possuem carreira, mas apenas um cargo isolado, correspondente ao nível mais elevado da
carreira de Analista. Esta solução tem por objetivo recrutar profissionais ‘prontos’, razão pela
qual é pré-requisito para ingresso no cargo de Especialista em Infra-Estrutura doze anos de
experiência no exercício de atividades de nível superior, correspondentes ao exercício de
atribuições equivalentes às do cargo. Para os dois níveis, Especialista e Analista, o concurso
foi divido em várias áreas de especialização.
É de se ver que a estrutura desta carreira possui uma grande aderência ao modelo
profissional de burocracia: o indivíduo ingressa para um cargo específico e já traz a bagagem
profissional para exercer sua função. Mais que isso, no caso dos Especialistas, o alto nível de
experiência exigido os coloca em posição de liderança, pelo menos em tese. A questão é como
ele exercerá se papel sem a garantia de ocupação de DAS. É possível que, a exemplo dos
Especialistas em Políticas Públicas, se crie uma espécie de mercado interno da carreira na
Administração, em que a demanda por estes profissionais faz com que recebam ofertas de
cargos em comissão para atuarem em determinados órgãos.
Está em trâmite no Congresso Nacional, também para atender ao PAC, a criação dos
Analistas Sociais, que também terão atuação transversal nos órgãos da Administração Direta
com atuação na área social.
Em relação às carreiras do Ciclo de Gestão, observa-se seu fortalecimento, tanto em
relação ao se quantitativo quanto no que toca à remuneração. O gráfico abaixo ilustra o
número de ingressos por concurso no último decênio. No segundo governo Fernando
Henrique, a política de ajuste fiscal resultou na suspensão dos concursos, que foram
retomados no governo Lula.
Destaque-se, no atual governo, o grande quantitativo de ingressos na carreira de
Analistas de Finanças e Controle - AFC, que está relacionado à diretriz de fortalecimento dos
órgãos de controle, que consta no programa de governo
73
. A carreira de Analista de
Planejamento e Orçamento sofreu uma redução no número de cargos em 1995, o que justifica
a ausência de crescimento do número de membros da carreira.
73
Lula Presidente.Programa de Governo 2007-2010. No item Reforma Administra o programa menciona
exclusivamente o fortalecimento dos órgãos de controle. Lula Presidente.Programa de Governo 2007-2010
130
GRAFICO 16
Ingressos de servidores nas carreiras de AFC,
APO e EPPGG entre 1995 e 2000
0
50
100
150
200
250
300
199
5
19
9
6
19
9
7
199
8
199
9
20
0
0
2
00
1
2002
200
3
200
4
20
0
5
20
0
6
200
7
APO
AFC
EPPGG
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal,1996-2008.
Do mesmo modo, observe-se o crescimento do número de Analistas de Finanças e
Controle e, em menor escala, dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental
- EPPGG. Novamente, resta clara a ênfase na carreira ligada ao controle.
GRAFICO 17
Quantitativo de servidores das carreiras de AFC,
APO e EPPGG entre 2000 e 2007
0
500
1000
1500
2000
2500
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
APO
AFC
EPPGG
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal,1996-2008.
Em relação à remuneração, no período houve uma aproximação do patamar
remuneratório do Ciclo de Gestão com as carreiras jurídicas e de auditoria, o que pode
significar uma consolidação da importância de carreiras relacionadas à gestão, orçamento e
controle. O que se observa é que há uma corrida por remuneração, em que as carreiras do
131
Ciclo de Gestão estão sempre atrás do próximo reajuste e da equiparação com aquelas que já
conseguiram melhorar sua remuneração. Em regra, o Ciclo de Gestão pleiteia 95% da
remuneração.
74
Tabela 11 - Relação Percentual entre a remuneração do Ciclo de Gestão e as
carreiras de Auditor e Advogado-Geral da União
.
Governo LULA
2003 2004 2005 2006
inicial final Inicial final inicial final inicial final
%
Auditor
95,09944 95,16613 78,7407 84,52033 90,42948 95,15769 80,3569 84,62763
% AGU 101,5437 98,31287 96,21536 105,3988 86,5043 96,17932 85,9 95,57038
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal,2000-2007.
A carreiras do Ciclo de Gestão vem se consolidando em uma estrutura mais próxima
da burocracia profissional, isto é, não se observa um fechamento da organização para pessoas
de fora, e mantém-se a característica de liberdade de nomeação e a circulação de seus
membros para os cargos em comissão.
A carreira dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental-EPPGG
espelha esta tendência. Em sua concepção, ainda na década de oitenta, pretendia-se criar uma
carreira de dirigentes públicos, inspirada no modelo francês, o que, como já se demonstrou ao
longo deste trabalho, é incompatível com o sistema político e administrativo brasileiro.
Assim, em que pese a aspiração dos seus membros de fixar o lócus da carreira na hierarquia
dos órgãos através da reserva de cargos em comissão
75
, ela adotou contornos nitidamente
profissionais em que, após o ingresso por meio do concurso, o servidor constrói sua trajetória
a partir de suas competências profissionais e da oferta de cargos em comissão.
74
Vide www.anesp.org.br; www.unacom.org.br e www.assecor.org.br .
75
É intenso o debate sobre o papel da carreira na Administração Pública, quais são ou deveriam ser suas
atribuições, e como deveria ser estruturada a carreira. Vide: MARIA (2001), MACHADO (2003), CHEIBUB
(2002), e também o site da entidade de classe, www.anesp.gov.br.
Governo FHC
1999 2000 2002
inicial final Inicial final inicial final
%
Auditor
79,97261 54,45366 91,60527 95,12841 65,35395 94,49837
% AGU 55,09169 74,64136 83,26945 95,12841 70,8677 95,12844
132
No Decreto nº 5176/2004, que regulamenta a carreira, consta que o Órgão Supervisor,
a Secretaria de Gestão do MPOG, definirá as competências e atribuições de cada classe da
carreira. O dispositivo nunca foi regulamentado, pois implicaria a criação de uma hierarquia
interna à carreira, bem como interferiria no organograma dos Ministérios. Trata-se de mais
uma tentativa de criar carreiras do tipo organizacional por imposição legal, que nunca logrou
sucesso na Administração brasileira.
O Órgão Gestor não possui dados precisos sobre o acesso dos EPPGG aos cargos em
comissão. Contudo, estudos feitos sobre a carreira indicam que seu preparo profissional tem
assegurado a ocupação destes cargos (PETRUCCI, 1995). Os EPPGG possuem exercício
descentralizado, e estão espalhados nos diversos Ministérios e em entidades da Administração
Indireta. Alguns órgãos concentram um maior número de membros: na Presidência são 99, no
MPOG, são 126 e no Ministério da Fazenda são 72 EPPGG. No Ministério da Educação são
48 gestores, da Justiça são 57, da Saúde, 35 e de Minas e Energia, 45.
76
A ausência de um lócus específico da carreira e a dispersão dos seus membros nos
diversos órgãos é compensada pela rede de contatos, especialmente pela existência de um
grupo virtual de discussões. Através dele, são divulgadas ofertas de vagas, em que geralmente
consta a formação e experiência demandadas. Do período de setembro de 2007 a julho de
2008 foram ofertadas na lista 51 vagas, a maioria sem DAS, e algumas com DAS 2 e 3. Ao
lado destas, há as vagas divulgadas informalmente entre o círculo de gestores que se
conhecem ou pertenceram à mesma turma do concurso de ingresso, e que podem incluir DAS
de níveis mais elevados. Abaixo, um exemplo das vagas ofertadas:
Tabela 12- Demonstrativo de vagas ofertadas
VAGA ÓRGÃO
SEM DAS
Monitor Ministério da Saúde
Integrar a equipe da
Assessoria
A Assessoria Internacional e de Promoção Comercial do Ministério
do Desenvolvimento Agrário – AIPC/MDA, do Gabinete do Ministro
de Estado
Integrar a equipe Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério do Meio
Ambiente.
Assessor de Tratados e
Foros
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional, do Ministério da Justiça
Integrar a equipe (2 vagas) Assessoria Internacional (Gabinete do Ministro de Estado) -
Ministério de Minas e Energia
DAS 1
Participar da equipe Coordenação-Geral de Alfabetização (CGA) da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC).
76
Dados de junho de 2008 cedidos pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão- SEGES/MPOG.
133
Integrar equipe Departamento do Patrimônio Imaterial – DPI do IPHAN
Chefe do Serviço de
Desenvolvimento de
Ministério da Saúde
DAS 2
Assistente técnico em
gestão de pessoas
Ministério da Justiça
Chefe de Divisão de
Suporte ao Usuário
Ministério da Previdência Social
Chefe de Divisão de
Suporte à Rede e Banco
de Dados
Ministério da Previdência Social
Chefe de Divisão de
Desenvolvimento de
Sistemas
Ministério da Previdência Social
Chefe da Divisão de
Tramitação de
Cooperação em Matéria
Penal
Ministério da Justiça
Integrar a equipe Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis -
SPG. Ministério e Minas e Energia.
Chefe da Divisão de
Referência
Ministério da Saúde
DAS 3
Coordenador de Infra-
Estrutura de Informática
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira - CGSI/Inep
Coordenador de
Classificação Indicativa
Ministério da Justiça
Coordenador de
Planejamento
Ministério do Trabalho e Emprego
2 Vagas para Assessor
Técnico
Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap/PR),
Coordenador de
Acompanhamento da
Execução da Cooperação
Jurídica Internacional
Ministério da Justiça
Coordenação-Geral de
Avaliação e
Monitoramento de
Demanda
Departamento de Avaliação e Monitoramento, do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Fonte: elaboração própria a partir das vagas ofertadas em lista de discussão dos gestores.
Deste modo, o provimento dos cargos em comissão pode considerar as relações
pessoais, mas há uma tendência em privilegiar a busca de currículos adequados ao perfil da
vaga.
Já os Analistas de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional - AFC
possuem um lócus de atuação restrito, que é a Secretaria do Tesouro Nacional, cujas
competências demandam habilitação técnica específica. Por essa razão, a própria legislação da
carreira tratou de privilegiar seus servidores. Conforme o Decreto nº 95076/1987, “as funções
confiança, pertencentes à estrutura da Secretaria do Tesouro Nacional e dos órgãos setoriais
134
do Sistema de Controle Interno, serão exercidas, preferencialmente, por funcionários
integrantes da Carreira de Finanças e Controle”.
77
Apesar da preferência do provimento dos cargos por membros da carreira de AFC, o
que assegurou o crescente acesso aos cargos em comissão foi, de um lado, o aumento do
quantitativo de servidores, que permitiu a gradual substituição de servidores vindos da
Administração Indireta, especialmente do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. De outro,
o programa de capacitação, que preparou estes quadros para assumirem funções de chefia.
Assim, pelo menos na Secretaria do Tesouro Nacional, é claro o processo de fortalecimento
da carreira:
Gráfico 18 - Percentual de DAS da Secretaria do Tesouro Nacional ocupados
por Analistas de Finanças e Controle
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, setembro/2007
77
O mesmo ocorreu na Secretaria Federal de Controle com a criação da Controladoria-Geral da União. A Lei nº
1180/2001 estabeleceu que: “Art. 32. Os cargos em comissão, no âmbito da Secretaria Federal de Controle
Interno da Corregedoria-Geral da União, assim como os cargos de Assessor Especial de Ministro de Estado
incumbido de funções de Controle Interno, serão providos, preferencialmente, por ocupantes dos cargos efetivos
da carreira de Finanças e Controle.(Redação dada pelo Decreto nº 4.427, de 17.10.2002); § 1º
Na hipótese de
provimento dos cargos de que trata este artigo por não integrantes da carreira de Finanças e Controle, será
exigida a comprovação de experiência de, no mínimo, cinco anos em atividades de auditoria, de finanças
públicas ou de contabilidade pública. (Redação dada pelo Decreto nº 4.427, de 17.10.2002);§ 2
o
A indicação
para o cargo de Assessor Especial de Ministro de Estado incumbido de funções de Controle Interno será
submetida previamente à apreciação do órgão central do Sistema.”
45%
59%
27%
14%
98%
94%
94%
67%
80%
43%
0%
92%
DAS 1 DAS 2 DAS 3 DAS 4 DAS 5 Total
1995 2007
1995
2007
135
A prevalência de AFCs na Secretaria do Tesourom conforme o gráfico acima, não
resultou no fechamento da organização, que conta com servidores de outras carreiras. Além
disso, a atual gestão da Coordenação de Desenvolvimento Institucional – CODIN/STN
estabeleceu um processo seletivo para a seleção dos cargos em comissão. Por conta da
especialização técnica, a tendência é que o processo seletivo venha a confirmar candidatos
que já atuam na Coordenação em que o cargo está vago. Contudo, já houve casos em que o
servidor escolhido não obedeceu a esta regra.
Logo, de forma ainda incipiente, a presença de pessoal de carreira na Administração,
vem alterando a cultura de recrutamento para os cargos em comissão.
Fonte: SECRETRIA DO TESOURO NACIONAL. Disponível em www.
http://www.intra.tesouro/instituicao/rh/
carreira/Download/QUANTITATIVO.pdf. Acesso em 01 jul. 2008.
A partir deste panorama que se procurou traçar da política de recursos humanos do
governo Lula, verifica-se que, apesar de errática, o conjunto de suas medidas resulta em um
fortalecimento das carreiras de estado.
136
Para o Ciclo de Gestão, a conjuntura política de (i) disponibilidade de receita, que
permitiu a consolidação de um patamar remuneratório próximo àquele das demais carreiras de
estado; (ii) espaço de interlocução por meio da Mesa de Negociação e (iii) realização de
concursos de ingresso, resultou na consolidação seu status na Administração. Outro aspecto
de relevo é a ausência de uma proposta específica para as carreiras, como havia no governo
FHC, o que tem permitido aos burocratas apresentar suas propostas quanto à modelagem
desejada e definir as políticas de interesse de seus membros nos Órgãos Gestores das
carreiras.
Ressalte-se que o Ciclo de Gestão tem colhido os frutos desta conjuntura porque veio
do governo anterior razoavelmente organizado. Tendo em vista que, no presente, não há uma
política de diferenciação das carreiras do núcleo estratégico, é pouco provável que suas
carreiras conseguissem se destacar das demais de nível superior se estivessem na mesma
situação remuneratória e de quantitativo de 1995.
Cabe, ainda, mencionar que esse fortalecimento não é acompanhado por uma
preocupação dos membros do governo com o desempenho dos servidores. Parece haver um
pressuposto implícito de que ser servidor concursado é garantia de profissionalismo e solução
para a patronagem. Isto também explica as iniciativas deste governo que reservam a ocupação
de DAS ao pessoal de carreira.
137
CONCLUSÕES
Este trabalho procurou entender o recente fortalecimento das carreiras de estado no
Brasil e o que tem condicionado este processo. A análise recorreu à perspectiva de Silberman
sobre a formação das carreiras burocráticas. Segundo a interpretação que se fez de sua obra,
as carreiras burocráticas se formam quando a incerteza sobre a sucessão do governante o
obriga a rever a estratégia de montagem do seu governo através da patronagem, induzindo a
formação de uma burocracia meritocrática no alto escalão das organizações estatais.
Ponderou-se que a teoria de Silberman é imprecisa quanto: (i) ao conceito de alto
escalão, pois, mesmo nos estudos de caso, o autor não identifica as carreiras e cargos para
atestar seu formato organizacional ou profissional em cada país; (ii) ao modelo de burocracia
profissional, que não dialoga com suas referências na literatura, (iii) à definição de alta e
baixa incerteza. Além disso, nos estudos de caso da França, Inglaterra e Estados Unidos, o
autor procurou enquadrar suas burocracias em um único tipo – o burocrático ou o
organizacional – quando há evidências de que as carreiras podem possuir características
híbridas.
Apesar destas ressalvas, considerou-se que a teoria traz uma explicação diferenciada
para a formação das carreiras burocráticas, ao relacionar seu formato com o contexto político
em que o governante toma as decisões fundamentais sobre sua estrutura. Por essa razão,
procurou-se adaptar a perspectiva teórica ao caso brasileiro.
Para entender as razões da não consolidação de um sistema meritocrático no Brasil,
levantou-se que entre a década de trinta até o início da década de noventa prevaleceu no
Brasil o que Silberman denomina de baixa incerteza. Esta incerteza não foi tão intensa a ponto
de tornar a patronagem um recurso inadequado, mas orientou os governantes a tomarem
decisões sobre o formato de carreira que a direcionaram para o tipo profissional. Para
comprovar o argumento, demonstrou-se que a legislação sobre carreiras não restringiu o
acesso aos cargos em comissão para membros de carreiras, como também não se conseguiu
aplicar o instituto da promoção. Verificou-se que, desde esta época, a meritocracia estava
relacionada ao preparo profissional do indivíduo, e não ao pertencimento a uma carreira. Este
fato se evidencia na opção dos governantes subseqüentes, inclusive durante o período
autoritário, pelo insulamento em lugar da criação de carreiras.
Os primeiros governos pós-redemocratização tiveram de lidar com outras incertezas
prementes, como a situação hiperinflacionária, de modo que contavam com a patronagem
para se manter no poder. Neste período houve tentativas infrutíferas, deflagradas pelos
138
próprios servidores de carreira, de constituir uma burocracia do tipo weberiano, o que não
encontrou apoio político.
Entretanto, a partir de 1995, a estabilidade da aliança firmada pelo Presidente FHC,
autorizou o seu governo a lançar uma estratégia de reconstrução da capacidade administrativa.
Um dos diferenciais dessa reforma foi o fato de ter sido proposta por membros externos ao
governo, e não por burocratas de carreira, o que conferiu liberdade para definir uma estrutura
de carreira desejável para o governo de então. Este modelo manteve a flexibilidade nas
nomeações, mas entendeu que ela deveria coexistir com carreiras de elevada competência
técnica no núcleo do governo. Essa tática resultou em uma diferenciação destas carreiras que,
dentro dos limites financeiros do governo FHC, tiveram prioridade na realização de concursos
e aumentos salariais.
Embora seja evidente que houve um fortalecimento das carreiras de estado no governo
FHC, não se conseguiu identificar com precisão as razões. A hipótese inicialmente levantada,
de que a tensão gerada pelo presidencialismo de coalizão teria aumentado a incerteza no
Brasil a partir de 1994, levando os políticos a restringir as nomeações por critérios políticos,
não se verificou neste período. Não foram levantados indícios, neste governo, de que a troca
de cargos por apoio político tenha ameaçado a governança e, assim, motivado a adoção de
medidas restritivas à nomeação dos cargos em comissão. Bem ao contrário, primou-se pela
defesa da liberdade das nomeações e pelo seu controle através do desempenho do nomeado.
Contudo, a hipótese de que a tensão da coalizão governista leva à gradual imposição
de restrições as nomeações para os cargos em comissão se ajusta com precisão ao governo
atual. A fragmentação da coalizão e a falta de identidade de alguns dos seus partidos com o
programa de governo, acarretou um elevado custo político em termos de nomeações. Esse
dilema dos políticos já foi analisado por Bárbara Geddes para explicar o insucesso das
reformas administrativas. Na adaptação que se fez da teoria de Silberman, ele assume
contornos distintos, pois em lugar de dificultar a reforma, é motivo para que os governantes
tentem limitar a nomeação por critérios políticos para assegurar a governança. Essa limitação
se faz, de um lado, pela restrição do acesso aos cargos em comissão a quem não é de carreira
ou não possui certas credenciais profissionais e, de outro, pelo aumento do contingente das
carreiras.
No governo Lula é nítida a preocupação em controlar o número e a qualidade dos
nomeados externos à administração, o que leva à adoção de medidas que estão na fronteira
entre o controle político da coalizão e a política de recursos humanos. A pretexto de valorizar
o servidor, reserva-se a ocupação dos cargos em comissão aos servidores de carreira, o que
139
acaba por delimitar o espaço das nomeações políticas. Ao lado disso, privilegiar servidores
concursados nas nomeações, legitima a opção do governante e afasta as críticas sobre a
suposta falta de capacitação do candidato.
Pode-se criticar esta dicotomia entre pertencer ou não a uma carreira de estado, e sua
associação com o mérito. Contudo, o fato é que ela fortalece as carreiras de estado e, segundo
Silberman, foi o caminho trilhado na racionalização da burocracia nos países desenvolvidos.
Contudo, mesmo no governo Lula, a incerteza resultante do presidencialismo de
coalizão é insuficiente para explicar o fortalecimento das carreiras de Estado. A diretriz
estatista do Partido dos Trabalhadores, aliada ao bom momento econômico, tem orientado a
realização de pesados investimentos na contratação de pessoal, a melhoria de sua
remuneração e a criação de espaços de negociação com os servidores no governo. Assim,
pode-se afirmar que o fortalecimento iniciado na gestão FHC está sendo maximizado no atual
governo. E, apesar de não haver uma política específica para as carreiras do núcleo
estratégico, seus membros têm se beneficiado desta conjuntura para consolidar seu espaço na
Administração.
Deste modo, a hipótese de que o presidencialismo de coalizão tem propiciado o
fortalecimento das carreiras não é inteiramente consistente; as tensões geradas pela coalizão
contribuem de modo indireto e não podem ser utilizadas para justificar o processo como um
todo. Contudo, ainda que não se tenha identificado com precisão a causa da consolidação das
carreiras de estado, parece claro que seu resultado é uma burocracia mais ao tipo profissional.
Nesse caso, a teoria de Silberman parece correta, pois a as carreiras brasileiras foram
constituídas em um contexto de baixa incerteza.
Verifica-se que as carreiras de estado guardam algumas características do modelo
organizacional de burocracia no que tange ao ingresso no serviço público – concurso para a
carreira e não para o cargo – , à estabilidade, e à aposentadoria diferenciada do setor privado,
que é um incentivo para permanecer por toda a vida funcional no Estado.
Entretanto, estas regras são uma espécie de moldura legal da carreira. O concurso
marca o ingresso no ‘mercado interno’ da Administração Pública, de modo que a trajetória do
servidor, conforme a carreira a que pertença, poderá oferecer maior ou menor mobilidade e
acesso aos cargos em comissão, mas nunca é previsível. Essa característica vem sendo
mantida pelas normas que privilegiam servidores nas nomeações ou estabelecem alguma
espécie de seleção para os cargos comissionados, pois nenhuma delas restringe à nomeação ao
pertencimento a uma carreira específica. Em geral, exigem apenas a condição de servidor,
ficando a decisão por conta da demonstração da experiência profissional.
140
Mais relevante que classificação das carreiras de estado, é a constatação de que há
diversas iniciativas no sentido de assegurar o mérito nas nomeações dos cargos em comissão,
seja pelo lado de restringir nomeações políticas, seja por iniciativa dos Órgãos Supervisores
das carreiras. Logo, este estudo levantou indícios de que a meritocracia não é viável apenas no
modelo weberiano de administração.
Assim, talvez a conclusão mais importante seja a de que não é adequado analisar as
carreiras de estado brasileiras a partir do modelo weberiano. Para compreendê-las, é
necessário inseri-las no contexto político em que foram estruturadas. Por este prisma, é
possível antever que está em curso um processo de consolidação das carreiras de estado e que
a tendência é a crescente exigência de mérito nas nomeações para os cargos em comissão.
141
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151
ANEXO I
DECRETO N. 6313, DE 19/12/2007
ANEXO II
a) QUADRO DEMONSTRATIVO DOS CARGOS EM COMISSÃO E DAS FUNÇÕES
GRATIFICADAS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
7 Assessor Especial 102.5
1 Assessor Especial de Controle Interno 102.5
2 Assessor 102.4
1 Assessor Técnico 102.3
GABINETE
1 Chefe de Gabinete 101.5
Assessoria Técnica e Administrativa 1 Chefe de Assessoria 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 2 Chefe 101.2
Serviço 5 Chefe 101.1
4 Assistente 102.2
25 Assistente Técnico 102.1
14 FG-1
4 FG-3
Assessoria para Assuntos
Parlamentares 1 Chefe de Assessoria 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Assessoria de Comunicação Social 1 Chefe de Assessoria 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Assessoria de Atendimento Especial 1 Chefe de Assessoria 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
SECRETARIA-EXECUTIVA
1 Secretário-Executivo NE
1 Secretário-Executivo Adjunto 101.6
2 Diretor de Programa 101.5
2 Assessor 102.4
Gabinete 1 Chefe 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 3 Chefe 101.2
Serviço 4 Chefe 101.1
Ouvidoria-Geral 1 Ouvidor-Geral 101.4
1 Assessor Técnico 102.3
1 Assistente 102.2
SUBSECRETARIA PARA
ASSUNTOS ECONÔMICOS
1 Subsecretário 101.5
5 Assessor 102.4
2 Assessor Técnico 102.3
3 Assistente 102.2
11 Assistente Técnico 102.1
12 FG-1
1 FG-3
DIRETORIA DE GESTÃO
ESTRATÉGICA
1 Diretor 101.5
Coordenação-Geral de Integração de
Sistemas de Informação
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de
Desenvolvimento Institucional e
Programas de Gestão
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Análise
Administrativa e Financeira da Unidade
de Coordenação de Programas
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral Técnica da
Unidade de Coordenação de
Programas
1 Coordenador-Geral 101.4
SUBSECRETARIA DE
PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E
ADMINISTRÃO
1 Subsecretário 101.5
1 Subsecretário-Adjunto 101.4
152
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
1 Assessor Técnico 102.3
1 Assistente 102.2
1 Assistente Técnico 102.1
38 FG-1
34 FG-3
Corregedoria 1 Corregedor 101.3
Divisão 1 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Planejamento e
Projetos Organizacionais 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
2 Assistente 102.2
3 Assistente Técnico 102.1
Coordenação-Geral de Orçamento,
Finanças e Análise Contábil
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 3 Coordenador 101.3
Divisão 5 Chefe 101.2
Serviço 2 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Recursos
Humanos 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 5 Chefe 101.2
Serviço 7 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Tecnologia da
Informação 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Divisão 1 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Recursos
Logísticos 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 4 Coordenador 101.3
Divisão 5 Chefe 101.2
Serviço 5 Chefe 101.1
Gerências Regionais de Administração
do Ministério da Fazenda nos Estados
a) do RJ 1 Gerente Regional 101.4
3 Assistente 102.2
Gerência 3 Gerente 101.3
Serviço 4 Chefe 101.1
8 FG-1
b) de MG, PE, PR, RS e SP 5 Gerente Regional 101.4
10 Assistente Técnico 102.1
Divisão 15 Gerente 101.2
Serviço 20 Chefe 101.1
40 FG-1
c) da BA, CE e PA 3 Gerente Regional 101.4
3 Assistente Técnico 102.1
Divisão 9 Gerente 101.2
Serviço 12 Chefe 101.1
24 FG-1
d) do AM e MT 2 Gerente Regional 101.3
Divisão 6 Gerente 101.2
Serviço 6 Chefe 101.1
14 FG-1
2 FG-3
e) do AC, AP, RO e RR 4 Gerente Regional 101.3
4 Assistente Técnico 102.1
Divisão 4 Gerente 101.2
4 FG-1
12 FG-3
153
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
f) de AL, ES, GO, MA, MS, PB, PI, RN,
SC e SE
10 Gerente Regional 101.3
10 Assistente Técnico 102.1
10 FG-1
50 FG-3
PROCURADORIA-GERAL DA
FAZENDA NACIONAL
1 Procurador-Geral NE
4 Procurador-Geral Adjunto 101.5
8 Assistente 102.2
7 Assistente Técnico 102.1
8 FG-1
2 FG-3
Divisão 12 Chefe 101.2
Serviço 5 Chefe 101.1
Coordenação-Geral da Representação
Extrajudicial da Fazenda Nacional
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral da Representação
Judicial da Fazenda Nacional 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 1 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral da Dívida Ativa da
União 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 1 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Operações
Financeiras da União 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Assuntos
Tributários 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral Jurídica 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 3 Coordenador 101.3
Divisão 1 Chefe 101.2
Serviço 2 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Assuntos
Financeiros
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Administração
e Planejamento 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Divisão 5 Chefe 101.2
Serviço 7 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Grandes
Devedores 1 Coordenador-Geral 101.4
Divisão 1 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Tecnologia da
Informação
1 Coordenador-Geral 101.4
Divisão 1 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Procuradorias Regionais da Fazenda
Nacional no DF, PE, RJ, RS e SP
5 Procurador Regional 101.4
Divisão 5 Chefe 101.2
Serviço 5 Chefe 101.1
7 FG-1
Procuradorias da Fazenda Nacional
154
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
a) em SP e RJ 2 Procurador-Chefe 101.3
2 Subprocurador-Chefe 101.2
Divisão 17 Chefe 101.2
Serviço 17 Chefe 101.1
7 FG-1
9 FG-2
b) no DF, MG e RS 3 Procurador-Chefe 101.3
3 Subprocurador-Chefe 101.2
Divisão 12 Chefe 101.2
Serviço 7 Chefe 101.1
6 FG-1
8 FG-2
7 FG-3
c) na BA, CE, GO, PR, PE e SC 6 Procurador-Chefe 101.3
6 Subprocurador-Chefe 101.2
Divisão 4 Chefe 101.2
Serviço 12 Chefe 101.1
12 FG-1
8 FG-2
12 FG-3
d) no AC, AL, AM, AP, ES, MA, MT,
MS, PA, PB, PI, RN, RO, RR, SE e TO 16 Procurador-Chefe 101.3
Serviço 16 Chefe 101.1
9 FG-1
5 FG-2
7 FG-3
Procuradorias Seccionais da Fazenda
Nacional 101 Procurador-Seccional 101.2
Serviço 110 Chefe 101.1
37 FG-3
SECRETARIA DA RECEITA
FEDERAL DO BRASIL
1 Secretário NE
6 Secretário-Adjunto 101.5
Gabinete 1 Chefe 101.4
6 Assessor 102.4
11 Assessor Técnico 102.3
4 Assistente 102.2
6 AssistenteTécnico 102.1
Divisão 1 Chefe 101.2
Equipe 7 Chefe FG-1
Assessoria Especial 1 Chefe 101.4
2 Assistente 102.2
2 Assistente Técnico 102.1
Assessoria de Assuntos Internacionais 1 Chefe 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 4 Chefe 101.2
Seção 1 Chefe FG-1
Assessoria de Comunicação Social 1 Chefe 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Divisão 2 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Seção 2 Chefe FG-1
Corregedoria-Geral 1 Corregedor-Geral 101.4
1 Corregedor-Geral Adjunto 101.3
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Divisão 3 Chefe 101.2
Escritório de Corregedoria 10 Chefe 101.2
Núcleo de Corregedoria 1 Chefe 101.1
Serviço 2 Chefe 101.1
Seção 2 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Auditoria
Interna
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Divisão 4 Chefe 101.2
Seção 1 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Planejamento, 1 Coordenador-Geral 101.4
155
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
Organização e Avaliação Institucional
Gerência 3 Gerente 101.2
Seção 1 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Gestão de
Riscos 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Divisão 4 Chefe 101.2
Seção 1 Chefe FG-1
Coordenação Especial de Articulação
Parlamentar 1 Coordenador 101.3
Divisão 2 Chefe 101.2
Coordenação-Geral de Pesquisa e
Investigação 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 3 Chefe 101.2
Escritório de Pesquisa e Investigação 10 Chefe 101.2
Núcleo 5 Chefe 101.1
Serviço 1 Chefe 101.1
Seção 2 Chefe FG-1
Coordenação Especial de Operações
Aéreas 1 Coordenador 101.3
Divisão 2 Chefe 101.2
Coordenação-Geral de Contencioso
Administrativo e Judicial 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 3 Chefe 101.2
Gerência de Projetos 1 Gerente 101.1
Seção 2 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Tributação 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 4 Coordenador 101.3
Divisão 13 Chefe 101.2
Seção 3 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Previsão e
Análise
1 Coordenador-Geral 101.4
Divisão 2 Chefe 101.2
Gerência 1 Gerente 101.2
Seção 1 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Política
Tributária
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Gerência 3 Gerente 101.2
Seção 1 Chefe FG-1
Coordenação Especial de Gestão de
Cadastros 1 Coordenador 101.3
Divisão 2 Chefe 101.2
Coordenação-Geral de Interação com
o Cidadão 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 5 Chefe 101.2
Gerência 1 Gerente 101.2
Seção 2 Chefe FG-1
Coordenação Especial de
Acompanhamento dos Maiores
Contribuintes
1 Coordenador 101.3
Divisão 2 Chefe 101.2
Coordenação-Geral de Arrecadação e
Cobrança
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 3 Coordenador 101.3
Divisão 11 Chefe 101.2
Gerência de Projetos 1 Gerente 101.1
Seção 3 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Fiscalização 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 4 Coordenador 101.3
Divisão 12 Chefe 101.2
156
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
Gerência de Projetos 1 Gerente 101.1
Seção 2 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Administração
Aduaneira 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 3 Coordenador 101.3
Divisão 6 Chefe 101.2
Gerência 1 Gerente 101.2
Seção 2 Chefe FG-1
Coordenação Especial de Vigilância e
Repressão 1 Coordenador 101.3
Divisão 2 Chefe 101.2
Coordenação-Geral de Gestão de
Pessoas 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 8 Chefe 101.2
Seção 1 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Tecnologia da
Informação
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 3 Coordenador 101.3
Divisão 10 Chefe 101.2
Seção 2 Chefe FG-1
Coordenação-Geral de Programação e
Logística 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Divisão 9 Chefe 101.2
Seção 3 Chefe FG-1
139 FG-1
Unidades Descentralizadas da Receita
Federal do Brasil
Superintendência, Delegacia,
Inspetoria, Alfândega e Agência 10 Superintendente 101.4
73
Superintendente-Adjunto, Delegado e
Inspetor
101.3
249
Delegado, Delegado-Adjunto, Inspetor-
Chefe, Inspetor-Chefe-Adjunto e Chefe
de Divisão
101.2
532
Delegado, Delegado-Adjunto, Inspetor-
Chefe, Agente, Chefe de Centro de
Atendimento ao Contribuinte, de
Serviço e de Equipe
101.1
19 Assistente Técnico 102.1
1892
Delegado-Adjunto, Inspetor-Chefe,
Agente, Chefe de Seção, de Centro de
Atendimento ao Contribuinte e de
Equipe e Assistente
FG-1
570
Agente, Chefe de Centro de
Atendimento ao Contribuinte, de Setor
e de Equipe e Assistente FG-2
623
Agente, Chefe de Centro de
Atendimento ao Contribuinte, de
Equipe, de Núcleo e Assistente
FG-3
Delegacia da Receita Federal do Brasil
de Julgamento 18 Delegado 101.3
Turma 124 Presidente 101.2
Serviço 48 Chefe 101.1
SECRETARIA DO TESOURO
NACIONAL
1 Secretário 101.6
5 Secretário-Adjunto 101.5
1 Assessor 102.4
1 Assessor Técnico 102.3
3 Assistente 102.2
3 Assistente Técnico 102.1
26 FG-1
17 FG-3
Gabinete 1 Chefe 101.4
157
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
Coordenação-Geral de Estudos
Econômico-Fiscais
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
1 Assessor Técnico 102.3
1 Assistente 102.2
Coordenação-Geral de Análise
Econômico-Fiscal de Projetos de
Investimento Público
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
Coordenação-Geral de
Desenvolvimento Institucional 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Controle da
Dívida Pública 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Planejamento
Estratégico da Dívida Pública
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Operações da
Dívida Pública 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Programação
Financeira 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de
Responsabilidades Financeiras e
Haveres Mobiliários
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Haveres
Financeiros 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral das Operações de
Crédito do Tesouro Nacional 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Normas e
Avaliação da Execução da Despesa
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Sistemas e
Tecnologia de Informação
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Contabilidade 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
158
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
Coordenação-Geral das Relações e
Análise Financeira dos Estados e
Municípios 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
6 Gerente 101.2
6 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Gerenciamento
de Fundos e Operações Fiscais 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
3 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
Coordenação-Geral de Operações de
Créditos de Estados e Municípios 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
4 Gerente 101.2
4 Gerente de Projeto 101.1
SECRETARIA DE POLÍTICA
ECONÔMICA
1 Secretário 101.6
2 Secretário-Adjunto 101.5
1 Assessor 102.4
1 Assessor Técnico 102.3
1 Assistente 102.2
9 FG-1
2 FG-2
3 FG-3
Gabinete 1 Chefe 101.4
4 Assistente Técnico 102.1
Coordenação de Atividades
Administrativas 1 Coordenador 101.3
Divisão 5 Chefe 101.2
Serviço 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Políticas
Públicas 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Política Fiscal 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Coordenação-Geral de Política
Monetária
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Coordenação-Geral de Política
Financeira, Mercado de Capitais e
Previdência
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Coordenação-Geral de Conjuntura
Econômica 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Assuntos
Institucionais 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Política
Agrícola 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
1 Assistente Técnico 102.1
Coordenação-Geral de Área de Preços 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Coordenação-Geral de Área Industrial 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
Coordenação-Geral de Política Social 1 Coordenador-Geral 101.4
SECRETARIA DE
ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO
1
Secretário 101.6
2 Secretário-Adjunto 101.5
15 Assessor Técnico 102.3
37 Assistente 102.2
159
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
13 Assistente Técnico 102.1
3 FG-1
11 FG-2
3 FG-3
Gabinete 1 Chefe 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Gerência 5 Gerente 101.2
Núcleo 6 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Concorrência
Internacional 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Economia da
Saúde
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Comunicação e
Mídia
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Defesa da
Concorrência
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Energia 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de
Competitividade e Análise Setorial
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Análise de
Promoções Comerciais 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação-Geral de Transportes e
Logística 1 Coordenador-Geral 101.4
Unidades Descentralizadas nos
Estados
a) do RJ
Gerência 1 Gerente 101.2
Núcleo 3 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Controle de
Estruturas de Mercado 1 Coordenador-Geral 101.4
b) de SP
Representação da Secretaria de
Acompanhamento Econômico
1 Coordenador 101.3
SECRETARIA DE ASSUNTOS
INTERNACIONAIS
1 Secretário 101.6
2 Secretário-Adjunto 101.5
3 Assessor 102.4
1 Assessor Técnico 102.3
2 Assistente 102.2
Gabinete 1 Chefe 101.4
1 Assistente 102.2
3 Chefe de Divisão 101.2
2 FG-1
1 FG-2
5 FG-3
Coordenação-Geral de Assuntos
Econômicos
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
3 Assistente 102.2
Núcleo de Trabalho/RJ 1 Chefe 101.1
Coordenação-Geral de Assuntos
Financeiros
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 3 Coordenador 101.3
1 Assistente 102.2
Coordenação-Geral de Integração
Comercial 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
1 Assistente 102.2
160
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
Coordenação-Geral de Políticas
Comerciais
1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 1 Coordenador 101.3
1 Assistente 102.2
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
FAZENDÁRIA
1 Diretor-Geral 101.5
2 Diretor-Geral Adjunto 101.4
3 Assessor Técnico 102.3
2 Assistente 102.2
4 Assistente Técnico 102.1
Gerência 2 Gerente 101.2
Serviço 5 Chefe 101.1
Centro Estratégico de Formação e
Educação Permanente 1 Coordenador 101.3
Diretoria de Recrutamento e Seleção 1 Diretor 101.3
Diretoria de Cooperação e Pesquisa 1 Diretor 101.3
Diretoria de Atendimento e
Coordenação de Programas 1 Diretor 101.3
Diretoria de Educação 1 Diretor 101.3
Diretoria de Administração 1 Diretor 101.3
Divisão 1 Chefe 101.2
1 Prefeito 101.1
Centros Regionais de Treinamento 10 Diretor Regional 101.2
CONSELHOS DE CONTRIBUINTES
1
o
Conselho de Contribuintes 1 Presidente 101.4
7 Presidente de Câmara 101.2
1 Secretário-Executivo 101.1
3 FG-1
7 FG-3
2
o
Conselho de Contribuintes 1 Presidente 101.4
5 Presidente de Câmara 101.2
1 Secretário-Executivo 101.1
1 Chefe de Serviço 101.1
8 FG-1
3
o
Conselho de Contribuintes 1 Presidente 101.4
2 Presidente de Câmara 101.2
1 Secretário-Executivo 101.1
2 FG-1
3 FG-3
Câmara Superior de Recursos Fiscais 1 FG-1
1 FG-2
CONSELHO DE CONTROLE DE
ATIVIDADES FINANCEIRAS
1 Presidente 101.6
1 Assessor Técnico 102.3
1 Assistente 102.2
Gabinete 1 Chefe 101.4
Divisão 2 Chefe 101.2
Serviço 2 Chefe 101.1
Secretaria-Executiva 1 Secretário-Executivo 101.5
9 Assessor 102.4
1 Assessor Técnico 102.3
Diretoria de Análise e Fiscalização 1 Diretor 101.5
Coordenação-Geral de Análise 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
Coordenação-Geral de Fiscalização 1 Coordenador-Geral 101.4
Coordenação 2 Coordenador 101.3
5 FG-1
1 FG-2
161
UNIDADE
CARGO/
FUNÇÃO
N
o
DENOMINAÇÃO CARGO/FUNÇÃO
NE/DAS/
FG
ANEXO II
b) QUADRO RESUMO DE CUSTOS DE CARGOS EM COMISSÃO E
FUNÇÕES GRATIFICADAS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA
SITUAÇÃO ATUAL SITUAÇÃO NOVA
CÓDIGO DAS UNITÁRIO
QTDE VALOR TOTAL QTDE VALOR TOTAL
NE 5,40 3 16,20 3 16,20
DAS 101.6 5,28 6 31,68 6 31,68
DAS 101.5 4,25 30 127,50 30 127,50
DAS 101.4 3,23 115 371,45 121 390,83
DAS 101.3 1,91 258 492,78 259 494,69
DAS 101.2 1,27 842 1.069,34 844 1.071,88
DAS 101.1 1,00 927 927,00 930 930,00
DAS 102.5 4,25 8 34,00 8 34,00
DAS 102.4 3,23 35 113,05 29 93,67
DAS 102.3 1,91 41 78,31 40 76,40
DAS 102.2 1,27 82 104,14 82 104,14
DAS 102.1 1,00 128 128,00 126 126,00
SUBTOTAL 1 2.475 3.493,45 2.478 3.496,99
FG-1 0,20 2.334 466,80 2.342 468,40
FG-2 0,15 616 92,40 616 92,40
FG-3 0,12 834 100,08 829 99,48
SUBTOTAL 2 3.784 659,28 3.787 660,28
TOTAL 6.259 4.152,73 6.265 4.157,27
ANEXO III
REMANEJAMENTO DE CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES
GRATIFICADAS
DA SEGES/MP P/ MF (a) DO MF P/ SEGES/MP (b)
CÓDIGO DAS UNITÁRIO
QTDE
VALOR
TOTAL
QTDE
VALOR
TOTAL
DAS 101.4 3,23 6 19,38 0 0,00
DAS 101.3 1,91 1 1,91 0 0,00
162
DAS 101.2 1,27 2 2,54 0 0,00
DAS 101.1 1,00 3 3,00 0 0,00
DAS 102.4 3,23 0 0,00 6 19,38
DAS 102.3 1,91 0 0,00 1 1,91
DAS 102.1 1,00 0 0,00 2 2,00
SUBTOTAL 1 12 26,83 9 23,29
FG-1 0,20 8 1,60 0 0,00
FG-3 0,12 0 0,00 5 0,60
SUBTOTAL 2 8 1,60 5 0,60
TOTAL 20 28,43 14 23,89
SALDO DO REMANEJAMENTO (a-b) 6 4,54
ANEXO IV
REMANEJAMENTO DE CARGOS
DO MPS P/ SEGES/MP
CÓDIGO DAS UNITÁRIO
QTDE VALOR TOTAL
DAS 101.2 1,27 2
2,54
DAS 101.1 1,00 2
2,00
TOTAL
4
4,54
ANEXO V
TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES GRATIFICADAS
(art. 14 da Lei n
o
11.457, de 16 de março de 2007)
CÓDIGO DAS-UNITÁRIO QTDE TOTAL
DAS-1 1,00 1 1,00
FG-3 0,12 5 0,60
TOTAL
6
1,60
FG-1 0,20 8 1,60
TOTAL 8 1,60
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