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CARLOS A. LOIOLA DE SOUZA
CARL SAGAN: A EXPLORAÇÃO E COLONIZAÇÃO
DE PLANETAS
Ficção científica, ciência e divulgação
Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência
São Paulo
2006
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CARLOS A. LOIOLA DE SOUZA
CARL SAGAN: A EXPLORAÇÃO E COLONIZAÇÃO
DE PLANETAS
Ficção científica, ciência e divulgação
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em História da Ciência, sob a
orientação do Prof. Dr. Eduardo Cruz.
São Paulo
2006
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BANCA EXAMINADORA
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, ao meu orientador, Prof. Dr.
Eduardo Cruz, pela paciência que teve diante dos
percalços profissionais que enfrentei.
E a todos os professores, funcionários e colegas do
Programa de História da Ciência da PUC-SP.
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Dedico este trabalho àqueles que sentem uma
necessidade inexprimível de espiar o que em
nosso sistema solar e no vasto universo que nos
cerca e a todas as sucessivas gerações que estão por
vir, e que tenham um mundo melhor.
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ÍNDICE
Introdução 11
Capitulo I Carl Sagan e a ficção cientifica................................................................................13
1.1 A ficção cientifica antes de Carl Sagan...............................................................................14
1.2 O Contexto da ficção cientifica e a divulgação pelas revistas............................................15
1.3 Isaac Asimov, Arthur Charles Clarke…………………………………………………….17
1.4 A influencia da ficção cientifica.........................................................................................20
A educação cientifica................................................................................................................26
Capitulo II Carl Sagan e o Complexo Militar Industrial...........................................................27
2.1 Carl Sagan e seu relacionamento com o “complexo militar industrial”.............................30
2.2 O vôo interestelar................................................................................................................36
2.3 Marte e a ficção cientifica...................................................................................................37
2.4 Civilizações extraterrenas...................................................................................................38
2.5 Astrobiologia.......................................................................................................................40
2.6 Das conjecturas aos paradigmas.........................................................................................44
Capitulo III Sagan, O divulgador do vôo interestelar...............................................................48
3.1 Razões do vôo interestelar..................................................................................................48
3.2 Efeito estufa e inverno nuclear............................................................................................53
3.3 O conhecimento do espaço e a sobrevivência da espécie humana......................................55
3.4 As perspectivas cósmicas....................................................................................................59
3.5 O circulo se fecha: a extrapolação da ciência e ficção cientifica........................................61
Considerações Finais.................................................................................................................68
Bibliografia...............................................................................................................................79
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RESUMO
Obras de ficção científica podem, dependendo de como estiverem estruturadas por
seus autores, em nosso caso, o astrônomo Carl Sagan, ser usadas como textos de referência
em História da Ciência por sua interdisciplinaridade. O caso específico das viagens
interplanetárias, pensadas e teorizadas cientificamente e divulgadas sob a linguagem da ficção
científica nos livros de Carl Sagan, é o de que se ocupa esta dissertação.
Os autores de textos de ficção, como os colegas de Sagan Arthur Charles Clarke e
Isaac Asimov, procuram, como acontece com textos teóricos acadêmicos, assim como
também eram alguns dos textos de Sagan, fundamentar suas extrapolações em observações
cuidadosas de tendências em ação na sociedade e na ciência e desenvolver sua (narração, no
caso de Asimov e Clarke) implementação ou divulgação com rigor e consistência. Ou seja,
parte da literatura futurística seria um instrumento importante de análise de História da
Ciência para que esta possa pensar em propostas alternativas para uma política científica e de
ensino científico que tenha um alcance social. Uma espécie de experimento ou exercício
imaginário.
Em outras palavras, o que aqui se estuda é a relação entre ficção científica e ciência
que fale das viagens interplanetárias e como elas estão expressas nas obras de Sagan.
Portanto, a dissertação delimita o que, em primeiro lugar, deve-se considerar sobre as viagens
interplanetárias, sua disseminação nos anos de 1930 a 1960 e sua divulgação através de dois
dos melhores escritores de ficção científica do século XX, que se empenharam em divulgar
idéias científicas ou de Astronáutica para uma melhor compreensão da ciência, do papel da
ciência e do impacto da ciência e tecnologia numa sociedade com uma velocidade em
movimento rápido, mas sem muitos detalhes. Depois, como foi a realização primordial de
algumas dessas fantasias realizadas pelo envolvimento de Carl Sagan, inicialmente, com o
complexo militar industrial dos Estados Unidos da América durante a Guerra Fria com a
URSS e depois pela NASA. E o que se aprendeu, cientificamente, com a exploração de nosso
sistema solar e de nossos planetas mais próximos, de maneira que esses resultados da
exploração espacial pudessem ser divulgados com a ajuda da literatura de ficção em forma de
alerta sobre os problemas que teremos de enfrentar num futuro bem próximo.
E, por último, o destino da humanidade imaginado por Sagan numa espécie de
manifesto divulgado por ele mesmo em seus principais livros e aqui analisado para que se
pudesse manter o paralelismo de conteúdo e tendências entre as obras de ficção e a literatura
acadêmica sobre o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e o destino da humanidade e
dos indivíduos que a compõem.
Isto nos leva a concluir que o estudante de História da Ciência, tendo uma formação
inicial ou complementar em humanidades, poderá encontrar na estante de História da Ciência
um valioso manifesto para uma reflexão despretensiosa ou para a militância.
Palavras chave: ficção científica, ciência, viagens interplanetárias, divulgação,
complexo militar industrial, Carl Sagan, Arthur Clarke, Isaac Asimov.
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ABSTRACT
Sci - fi books depending on how they are structured by their authors, might be in our
case, the astronomer Carl Sagan, be used as reference texts in Science History by his
indisciplinity. The specific case of interplanetary trips, theorized and thought scientificaly and
advertised under a sci - fi language in books of Carl Sagan, is what this dissertation talks
about.The authors of fiction texts, such as Sagan Arthur Charles Clarke and Issac Asimov, try
to found their extrpolate in careful notes of trends that happen in society and science, and
develop the ( narration, in Asmov and Clarke´s case ) implication or advertising with rigidity
and consistency.On the other hand, part of the futuristic literature would be an important
History of Science analysis instrument, for it to be possible of thinking in alternative
proposals for a scientific policy and taught which may have a social reach. A kind of
experiment or imaginary exercise.
In other words, what is studied here, is the relation between sci - fi and science, which
talks about interplanetary trips, and how they are explained in Sagan´s books. However, the
dissertation, delimitates, in the first instance, must be considered about interplanetary trips,
its dissimilation from the 30´s to the 60´s and the adverstising through two of the best sci - fi
writers of the twentieth century, whose work was to advertise scientific ideas or Astronautic
for a better understanding of the science, its role and the impact of science and technology, in
a society which moves really fast, but without many details. After all, as it was a relevant
realization of some of these realized fantasies by Carl Sagan´s commitment, initially, with the
American industial military complexduring the Cold War against USSR, and after that by
NASA.And what we have learned scientifically from the exploration of the Solar Sistem and
the nearest planets, in a way that the results of this spacial exploration could be advertised
with the help from literature and fiction, in a type of alert about the problems that we will
have to face in a near future.
At last, the mankind destiny, imagined by Sagan in a kind of manifest advertised by
himself in his main books and analysed here for it to be possible to keep its parallelism of
contents and trends between sci - fi books and the academic literatureabout the development
of science and technology and the destiny of mankind and the individuals that make itself.
This is a conclusion that History students having a beginning or complementary graduation in
humanities, will be able to find on the shelves of science history, a worthy manifest for an
unexpective reflection or for a militancy.
Key words: Sci - fi, science, interplanetary trips, advertising, industrial military complex,
Carl Sagan, Arthur Clarke, Isaac Asmov.
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INTRODUÇÃO
muitas gerações, cientistas vêm se empolgando diante da possibilidade de um dia
desvendarmos os mistérios que cercam os planetas mais próximos do nosso sistema solar e,
futuramente, os sistemas solares mais próximos através da exploração humana do espaço.
Parte destes mistérios foi desvendada e outros foram reformulados, pois, em A
estrutura das revoluções científicas, Khun sugeriu que a ciência se desenvolve por meio de
mudanças em seus paradigmas. Uma vez aceitos, os paradigmas enquadram todas as questões
e direcionam todas as pesquisas, até que o próximo paradigma apareça e derrube as premissas
existentes.
Darwin estabeleceu um paradigma duradouro, tal como Einstein, mas paradigmas
conhecidos surgem no campo da ciência o tempo todo. A mudança não é necessariamente
ordeira ou agradável; freqüentemente grandes discussões, à medida que os cientistas lutam
para proteger ou firmar suas reputações. Pois até os cientistas podem resistir às implicações de
dados novos ou desordenados; os velhos paradigmas custam a morrer. Dentre os paradigmas
reformulados, está a questão da exploração espacial através de viagens interplanetárias, tendo
como seu maior defensor o cientista Carl Sagan.
O sucesso de Sagan na popularização do cosmo deixou em segundo plano suas
verdadeiras conquistas como cientista, pensador e escritor. Cientista produtivo carismático,
ganhador do Prêmio Pulitzer e astrônomo por formação, dava a impressão de sentir-se à
vontade com disciplinas que iam da Matemática à História. Seu fascínio pelo espaço oferecia
segurança, mas também uma sensação de assombro do desconhecido. Ele desenvolveu uma
visão benigna do universo como sendo a última fronteira, um horizonte infinito, onde a
humanidade poderia refugiar-se após arruinar este planeta e possivelmente destruir-se durante
este processo.
O espaço sideral de Sagan oferecia campo suficiente para aliviar os males humanos.
Ele via com pessimismo o futuro da humanidade, caso nos confinássemos na Terra por muito
tempo. Tinha quase certeza de que, cedo ou tarde, iríamos nos destruir. A única fuga possível
desse sentimento de desesperança era a vastidão do espaço e a promessa de planetas distantes,
onde a humanidade poderia recomeçar do zero. Essa visão de espaço como uma nova
11
11
fronteira influenciou a NASA desde os seus primórdios, ao fornecer-lhe um rumo; além disso,
inspirou os cientistas mais jovens, ao ampliar o contexto de suas pesquisas. Em meio a todos
os atrasos burocráticos e batalhas orçamentárias, Sagan sempre soube o que estava em jogo na
exploração espacial: em curto prazo, informação, e, longo prazo, a sobrevivência da
humanidade.
Ao longo de sua carreira, Sagan cultivou um fascínio especial por Marte. Instigou a
NASA a explorar o planeta. E tinha fortes esperanças de que houvesse vida em Marte. Em
1966, desanimada diante das áridas fotografias enviadas pelas naves Mariner, a comunidade
científica concluiu que a chance de existir vida em Marte era nula, mas Sagan, quase sozinho
entre os cientistas mais importantes, já especulava que tal fenômeno talvez ainda fosse
possível. Apesar dessa crença na possibilidade de vida extraterrestre, cientificamente ele
sempre manteve um dos pés plantados em terra firme. Insistia que conclusões extraordinárias,
tais como a existência de vida em Marte, exigem provas extraordinárias e, na sua opinião, os
tentadores indícios de que a vida poderia existir em Marte não preenchiam esses critérios. Ele
escreveu sobre Marte para os cientistas e os leitores em geral, misturando engenhosamente
especulações e fatos científicos.
Da mesma maneira como fazem os bons escritores de ficção científica, Sagan
influenciou toda uma geração de jovens cientistas, os quais têm em suas mãos as alavancas do
futuro e acreditam fervorosamente que chegou a hora de mudar o pensamento científico
acerca da natureza do universo e de nosso papel dentro dele. Esses mesmos cientistas de hoje
continuam seus trabalhos por muitas razões: porque simplesmente não podem viver sem ele;
porque a NASA lhes os meios de fazer aquilo que desejam desde quando eram crianças e
acompanhavam as notícias da corrida espacial, vendo John Glenn entrar em órbita; porque
a NASA tem bons foguetes, as bases de lançamento e a infra-estrutura para fazer enviar
sondas e homens ao espaço interplanetário; porque um dia a NASA lhes permitirá enviar algo
projetado por eles ao espaço; porque são entusiastas da exploração, colonização e das viagens
interplanetárias. Porque, em termos de exploração planetária, Sagan teve seu trabalho
validado pela NASA aos olhos da comunidade científica do mundo.
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CAPÍTULO I - CARL SAGAN E A FICÇÃO CIENTÍFICA
Qual a importância da exploração planetária para a História da Ciência quando
estudamos os artigos e livros de Carl Sagan, nos quais ele manifesta suas opiniões sobre essas
explorações através de vôos interestelares inspirados e divulgados na ficção científica?
Para nós, é de vital importância saber que as influências que Carl Sagan recebeu ao
longo de sua vida, orientaram, e a outros também, no desenvolvimento de propostas que
tinham como objetivo a exploração através das viagens espaciais ou interplanetárias. Estes
projetos e estes pesquisadores viveram num contexto histórico distinto da humanidade.
A chamada era espacial, assim como a era atômica, são dois fatos que ocorreram no
século XX, e produtos da Guerra Fria e suas implicações para a ciência e a ficção científica,
mas ambos os fatores são inigualáveis nos acontecimentos da História da Ciência recente; por
isso estes fatores, e seus desdobramentos, estavam popularizados pela chamada (nos anos
30) ficção científica.
Nosso objetivo é: 1º) como a influência da ficção científica, no que diz respeito ao
desenvolvimento das viagens espaciais ou interestelares, teve uma importância no processo de
formação, não apenas de escritores de ficção científica, mas de pesquisadores que puderam
estar diante da possibilidade de realizar tamanho progresso científico; e 2º) os mesmos
pesquisadores e suas pesquisas a respeito deste progresso, também inspiraram uma nova
geração de escritores e cientistas, como é o caso em questão de Carl Sagan.
Ele é importante neste aspecto porque reúne alguns atributos especiais. Primeiro, foi
um leitor de ficção científica, e mais tarde um cientista com idéias arrojadas. Segundo,
trabalhou como um dos pioneiros da chamada era espacial, fazendo parte da indústria bélica
americana, com propostas como a possibilidade de vida em outros planetas e a pesquisa em
inteligência extraterrestre. Por fim, divulgou, seja pela literatura, bem como pela televisão,
numa linguagem bem próxima da ficção científica, suas descobertas sobre a importância da
pesquisa espacial e as preocupações acerca do mundo em que vivemos, para justificar nestes
termos a importância da viagem espacial e o estabelecimento de colônias em outros corpos
celestes.
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1.1 A ficção antes de Carl Sagan
Muito antes de Carl Sagan escrever seus livros, a questão das viagens interplanetárias
ou interestelares já era comentada nos primeiros escritos comprovados na História da Ciência.
No século II AC, já era sabido que os “errantes” eram realmente mundos. A partir da
observação da própria Lua, chegou-se a fazer estimativas de suas dimensões e distância da
Terra, obtendo valores que estavam próximos da verdade. Feito isso, era natural especular
sobre a natureza da Lua e imaginar se ela seria habitada. Também era natural, ou assim nos
parece, que escrevessem estórias sobre viagens inicialmente a esse mundo misterioso e
romântico.
No alvorecer do século XIX, a história da viagem pelo espaço ainda encontrava
obstáculos. Muito se sabia acerca das dificuldades e objeções do vôo interplanetário; a ciência
não avançava o suficiente para sugerir como vencê-las. A invenção do balão (em 1783)
distraía a atenção para a viagem pelo ar e mostrava convincentemente que o homem não
poderia viver, sem certas precauções, a grandes alturas.
Esta atitude transparece na famosa história de Júlio Verne, Da Terra à Lua
1
(1865).
Embora grande parte da obra seja uma sátira aos americanos, este livro foi, segundo Clarke, o
primeiro trabalho importante de ficção científica porque foi o primeiro baseado em princípios
científicos sólidos. Ele sabia que um corpo projetado da Terra, desde que com velocidade
suficiente, alcançaria a Lua. Em conseqüência, limitou-se a construir um canhão enorme e a
disparar um projétil especialmente equipado em cujo interior estavam os protagonistas. Todos
os cálculos, o tempo gasto e as velocidades da viagem foram efetuados com detalhe pelo
cunhado de Verne, que era professor de astronomia; o próprio projétil era descrito
pormenorizadamente. Um dos aspectos mais interessantes era o de possuir foguetes que o
impulsionariam quando alcançassem o espaço vazio. Verne compreendeu perfeitamente ao
contrário de tantos que o sucederam muito depois que o foguete podia funcionar no vácuo,
no espaço onde não havia atmosfera. Para alguns, o livro de Júlio Verne foi o primeiro
baseado em trabalhos científicos.
Mesmo antes que a era moderna de trabalhos experimentais em larga escala viesse
comprovar a precisão das predições desses homens, o foguete havia sido aceito como motor
1
Júlio Verne apud: CLARKE, A. Charles.; BRADBURY, R. A exploração do espaço. São Paulo:
Melhoramentos. 1959, p.43-4.
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das astronaves na maioria das histórias de viagens interplanetárias. No início do século XX,
dizia Tsiolkovsky, o fundador da moderna pesquisa sobre viagens espaciais, na recém criada
URSS, que, em princípio, surgem a idéia, a fantasia e o conto, depois deles, olculo
científico e, então, os homens práticos tornam a idéia realidade! Tsiolkovsky disse isso um
ano depois do nascimento de Carl Sagan
2
.
1.2 O contexto da ficção científica e a divulgação pelas revistas
Em 1926, a “ficção científica” ingressou em uma nova fase quando Hugo Gernsback
publicou Amazing Stories The magazine of science fiction, a primeira revista dedicada à
ficção científica, dando, assim, o nome ao gênero literário. Como sempre, as histórias eram
por vezes pessimistas e outras vezes otimistas. De modo geral, porém, apesar da experiência
da Primeira Guerra Mundial, a ficção científica que surgiu nas revistas inaugurou uma nova
era de otimismo nesse campo. Há razões que explicam isso.
Os Estados Unidos, onde a nova ficção científica foi publicada em revistas, alcançou
um nível eminente; tinham sofrido menos com a Primeira Guerra Mundial e haviam levado a
Revolução Industrial ao seu ponto culminante, e se tornando o centro do capitalismo. Agora,
mais do que nunca, eles são capazes de exercer a hegemonia sobre o mundo, modelando-o à
sua própria imagem enquanto processo civilizador. Parecia não haver alguma coisa que os
norte-americanos não pudessem realizar nos anos 20, daí se originaram os contos de super
ciência. Mas sobreveio a Grande Depressão no início do ano de 1929, e o otimismo reduziu-se
drasticamente no mundo em geral e, de maneira especial, nos Estados Unidos. O novo
pessimismo refletiu-se mais ou menos no livro Admirável mundo novo, do escritor britânico
Aldous Huxley, publicado em 1932, durante a fase mais profunda da Grande Depressão.
Nesse livro, a ciência era retratada como agente desumanizador.
Em 1938, John W. Campbelll Jr. passou a assumir o controle editorial de Astounding
Stories, que era, na época, a revista de ficção científica de maior êxito. Imediatamente mudou
o nome dessa publicação, passando a chamá-la de Astounding Science Fiction, revista que iria
exercer forte influência em Sagan, modificando a sua perspectiva de ver o mundo. Note-se
bem esta relação social entre ciência e ficção científica. Campbelll, que havia se especializado
em Física, começou a procurar novos escritores, versados em ciência, como também buscou
2
A CONQUISTA da lua: de Galileu até hoje. Edição Especial Veja. São Paulo: Abril, s.d., (??????), p.10.
15
15
autores capazes de escrever de maneira convincente a respeito da matéria. Durante esse
processo, descobriu muitos escritores de ficção científica e contribuiu para sua formação, os
quais, naqueles dias, passada uma geração, ainda eram figuras dominantes nesse campo.
Exceto Ray Bradbury, na verdade ele não fora descoberto por Campbelll.
De um lado, embora revistas de ficção científica tivessem uma circulação
relativamente reduzida, os jovens que as liam nos anos 20 e 30 eram, em sua maioria,
entusiastas da ciência, dotados de imaginação e ardentemente interessados por ela. Poderiam
não constituir mais do que 1% da população do país, mas tornaram-se adultos e vieram a
formar muito mais de 1% dos cientistas e engenheiros e, de modo geral, da liderança
intelectual do país, dentre eles, o próprio Sagan.
Mais tarde aconteceu uma espécie de efeito dominó. Surgiram as estórias em
quadrinhos que proporcionavam uma forma diluída de ficção científica a todas as camadas da
população, incluindo as mais pobres. O conceito de progresso da ciência tornou-se uma
parcela, embora meio confusa, da consciência de muita gente. É certo que a ficção científica
dos anos 20, por ser relativamente nova e considerada leitura de segunda categoria, fora
estigmatizada por aqueles com falta de conhecimento científico prévio mínimo e que a
consideravam literatura infantil e de evasão. Para os mais severos críticos, essa evasão seria,
em muitos casos, uma fuga da realidade. As histórias da ficção científica da década de 20
tratavam da grave crise energética, da superpopulação, da energia atômica e também da
televisão e dos computadores, das mutações e dos transplantes de órgãos.
Sob a liderança de John Campbelll, durante os anos 30 a 50, a Astounding começou a
descrever sociedades que eram extrapoladas de maneira plausível e precisa a partir das novas
descobertas. Logo que foi obtida a fissão do urânio, em 1939, surgiram, pela primeira vez,
escritos sobre a bomba atômica, alguns deles impregnados de ciência. Mas o primeiro indício
de que as pessoas que liam e as que escreviam sobre ficção científica viviam num mundo real
e de que muitas das demais viviam, de certa forma, no domínio da fantasia ocorreu no dia 6
de agosto de 1945, quando o mundo ficou sabendo que explodira uma bomba atômica em
Hiroshima. Em matéria de ficção científica, é importante, até mesmo fundamental, aquilo que
efetivamente a fez surgir, ou seja, a percepção das mudanças produzidas pela tecnologia
3
.
Transformações contínuas e inevitáveis constituem o fator dominante na nossa
sociedade. Nenhuma decisão sensata poderá ser tomada sem levar em conta não o mundo
como ele é, mas também como ele será. Naturalmente, isso importa haver uma percepção
3
ASIMOV, I. No mundo da ficção científica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984, p. 117-32.
16
16
exata do mundo como ele de ser, o que significa que homens comuns deverão assumir,
voluntariamente ou não, um modo condizente ao estilo da ficção científica, quer tenham
consciência disso ou não, pois assim poderão ser resolvidos os angustiantes problemas da
atualidade de que Sagan tanto falava em seus livros de divulgação sobre a importância de
viagens espaciais de exploração e colonização planetária.
Em conseqüência disso, parte do que havia sido ficção científica tornou-se
“futurologia”, uma especialidade tida na mais alta conta pelos homens ligados ao governo e à
indústria e que deviam, a cada dia, tomar decisões prevendo o futuro, as quais afetariam
milhões de pessoas e envolveriam bilhões de dólares.
1.3 Isaac Asimov, Arthur Charles Clarke
Vamos dedicar este pequeno subcapítulo a esses dois escritores de ficção e sua
importância nos anos 50 e 60, além da de Carl Sagan para o vôo espacial e o estabelecimento
de colônias em outros mundos.
Vimos anteriormente que Carl Sagan julgava importante a oportunidade de divulgar
ciência através da ficção e que isso era necessário em nossa sociedade. Percebendo quase que
ao mesmo tempo a importância da divulgação científica, esses dois escritores, que eram de
certa forma reconhecidos como os maiores escritores de ficção científica até então,
propuseram, mas não de comum acordo e sim cada um a seu tempo, a fazê-la da melhor
maneira possível.
Asimov, quando se tornou professor da Universidade de Boston, em 1952, escreveu
um pequeno livro de bioquímica (ele era escritor consagrado) para adolescentes,
descobrindo que era mais fácil, para ele, escrever sobre ciência do que sobre ficção,
resolvendo, dessa maneira, ensinar ciência. Ele notou que as pessoas tinham uma atitude
paradoxal com relação às ciências, uma reverência irracional acompanhada de um medo
igualmente irracional. E ele sabia o porquê. Em lugar de ser vista como um conjunto de
atividades que leva às hipóteses e as refina, as ciências são consideradas provedoras de
verdades. Daí a atitude equivocada: acredita-se demais e, quando não funciona, perde-se a
crença e nada fica em seu lugar.
Asimov tomou para si a tarefa de mostrar que as ciências são acessíveis, belas e
humanas. Desde que se evite qualquer absolutismo, tudo estará bem. Empenhou-se tanto nisso
17
17
que só voltaria a escrever 14 anos depois, em 1972, por acaso um ano antes de Sagan terminar
o livro Conexões cósmicas
4
, onde Sagan discute tópicos da astrofísica e da ciência do Sistema
Solar até a colonização de outros mundos. Por acaso Sagan receberia o prêmio John W.
Campbell Memorial de melhor livro de ciência de 1974. Foi considerando este potencial
mercado de leitores de ficção científica para este tipo específico de trabalho que o escritor
preparou um artigo voltado somente para a publicação em revistas de ficção científica da
época, ou seja, submetendo o artigo a J. Campbell, que o publicou na Astounding, o que lhe
abriu a possibilidade de escrever sobre ciências de uma forma simples e compreensível,
personalizada e livre do estilo e da linguagem característica das publicações científicas. Uma
das razões que tornariam Asimov ainda mais prolífico como autor de não ficção era que em
ficção cada história tem que ser única e diferente; no artigo sobre ciência escrito para um
jornal científico, ele pode ser ampliado e passado para uma linguagem popular a fim de ser
publicado na Analog, e em seguida, resumido e simplificado para publicação no Science
World
5
. Mas foi de sua terra natal, a URSS, que veio a inspiração para se dedicar com afinco
ainda maior à literatura de divulgação científica. Em 1957, com o lançamento do Sputnik,
Asimov viu outro país tomando a dianteira da conquista espacial. Cidadão americano desde
1928, o escritor acreditava na ciência sendo colocada em beneficio do seu povo. Então a partir
de 1958, Asimov decidiu contribuir para a popularização da ciência. Foi daí que surgiu sua
coluna no Magazine of Fantasy and Science Fiction, publicada sem interrupção desde
novembro de 1958. Esse trabalho lhe garantiu em 1963, um prêmio de melhor escritor e
divulgador de ciência de ficção científica chamado “Hugo Especial”, uma homenagem feita
por ele levar ciência à ficção científica. Inicialmente, a temática era voltada a ciências como
astronomia, química, física, biologia e matemática. Em um de seus livros de divulgação,
Civilizações extraterrenas , Asimov faz uma declaração simples e objetiva sobre a exploração
espacial, segundo Asimov:
Se a chave do paradoxo da existência de muitas civilizações, num Universo
em que, para todos os efeitos, estamos sozinhos, reside na provável dificuldade da
exploração espacial, vamos examinar mais detidamente o problema. Afinal, os seres
humanos conseguirão colocar a primeira psula em órbita, iniciando assim a era
espacial, somente em 4 de outubro de 1957. Antes que a era espacial completasse
uma dúzia de anos, os homens pisaram na Lua. É um começo bastante promissor.
Certamente, agora podemos ir mais longe... Enquanto escrevo, sondas a caminho
de Saturno, e para mais além. Essa distante penetração de instrumentos humanos
4
CARL, S, Conexões Cósmicas: um perspectiva extraterrestre. Portugal: Gradiva, 2001.
5
ASIMOV, I. Antologia I 1958-1974 e II 1974-1989. Introdução. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p.1.
18
18
sem o envolvimento do homem não reúne, porém, a gloriosa auréola de façanhas
que associamos com a mística da exploração.
6
Para Carl Sagan, Asimov era um dos grandes mestres de sua era justamente porque,
segundo ele, conseguiu levar para milhões de pessoas a importância da ciência de forma
simples e objetiva, influenciando positivamente a vida delas. Por sua vez, Sagan recebeu de
Asimov uma dedicatória, publicada em um de seus livros sobre astronomia e cosmologia.
Arthur Charles Clarke, cidadão emérito do Sri Lanka e mais conhecido pelo seu livro
que deu origem ao antológico filme 2001: uma odisséia no espaço,estava envolvido com a
questão das viagens espaciais antes de Asimov e bem antes de Sagan. Em 1933, era criada a
British Interplanetary Society e em 1934, Clarke tornou-se membro, o que seria muito
importante para sua carreira nesta época, pois poucas pessoas ligadas ao estudo de foguetes
eram levadas a sério, mesmo aquelas com diploma, como era o caso de Robert Hutchins
Goddard, assim como Konstantin Tsiolkovsky e Werner Von Braun, na Alemanha. Os
membros desta sociedade eram leigos atraídos sobre conhecimentos de foguetes devido á
literatura de ficção científica. Eram como Clarke, alunos do secundário, curiosos, pequenos
inventores e professores aposentados.
À parte do interesse puramente científico, lançar foguetes seria um bom negócio,
especialmente militar. Foguetes para esse uso não precisariam pousar, bastaria que caíssem no
local exato e, assim, seria economizado dinheiro com treinamento e pilotos e as Forças Aéreas
não precisariam se preocupar mais com a perda de aeronaves e pilotos. Os anos 30 foram
essenciais a esse tipo de pesquisa. Enquanto a British Interplanetary Society pensava em
pousos lunares, na Alemanha, Werner Von Braun, o primeiro empregado profissional civil do
exército alemão de Hitler, fazia progressos com foguetes.
Clarke, como outros membros da BIS, sabiam que de nada adiantaria mandar foguetes
para a Lua se não fosse possível rastreá-los, pegar informações e passá-las para os centros de
pesquisa na Terra. Assim, a idéia de exploração e comunicação sempre esteve ligada nas
reuniões e boletins dessa sociedade. Para Clarke, tudo estava unido em uma mesma idéia:
satélites de comunicação mundial, educação, possível governo mundial, paz e ciência. Tendo
ciência e tendo construído veículos lançadores para satélites, o próximo passo seria alcançar a
Lua, depois Marte e assim por diante. Com essa visão de um futuro de vocação cósmica e,
mais ainda, visão de curto prazo, pois Clarke defendia que tudo isso era factível com a
tecnologia disponível na década de 1940, ele encantava a audiência e foi assim que se
6
Id., ibid. apud ASIMOV, I. Exploradores do futuro. In: Scientific American Brasil. n.3. São Paulo: Duetto,
2005, p.22.
19
19
aventurou na divulgação científica, primeiro como autor e, depois, como palestrante. Em maio
de 1951, Clarke escreveu A exploração do espaço, um livro que sob muitos aspectos pode ser
considerado precursor porque as idéias nele contidas eram possíveis de realização e, em
alguns casos, realmente foram realizadas, exatamente no momento em que Sagan começava a
trabalhar com a indústria militar aeroespacial.
O futuro mostraria que Clarke não estava errado, mesmo em termos políticos. Se é
verdade que não existe um governo mundial, é verdade que os satélites de comunicação foram
lançados apenas 20 anos depois desses artigos de Clarke e que o veículo lançador veio da
tecnologia alemã usada na construção do V2, levada para os Estados Unidos junto com Von
Braun. Apesar das diferenças ideológicas, o fato é que o programa espacial começou
realmente quando as equipes americanas, inspiradas no trabalho de Goddard, aproveitaram a
tecnologia trazida da Alemanha. Foi por essa presciência que a Unesco deu a Clarke o prêmio
“Kalinga”, ao expor assuntos com clareza para o público leigo, e que, por sua vez, chamaria
atenção do diretor de cinema americano Stanley Kubrick.
Uma vez que os futuros engenheiros e físicos são atraídos para essas carreiras em parte
por serem entusiastas da ficção científica, é natural que o nome Clarke circule amplamente
nos meios acadêmicos, mesmo não sendo ele um pesquisador de carreira. Essa circulação de
palestras, audiências e encontros sobre a exploração espacial e os satélites é que lhe garantiu
um nome permanente no espaço: a órbita geoestacionária é chamada oficialmente de órbita de
Clarke.
E é neste momento que Carl Sagan, a convite de Clarke, vai a um jantar na casa de
Stanley Kubrick para resolver um problema, o de como mostrar os alienígenas no filme que se
chamaria 2001: uma odisséia no espaço. Sagan, muito educadamente, argumentou que o
número de acontecimentos individualmente improváveis da história evolucionária do homem
era tão grande que não era possível que, em algum lugar do universo, alguém semelhante a
nós pudesse alguma vez ter evoluído de novo. E que qualquer representação explícita de um
ser extraterrestre avançado teria necessariamente de ter pelo menos um elemento de falsidade
e que a melhor solução seria sugerir e não mostrar explicitamente os extraterrestres
7
.
1.4 A influência da ficção científica
7
SAGAN, C. As conexões cósmicas: uma perspectiva extraterrestre. Portugal: Gradiva, 2001, p. 215.
20
20
Enfim, foi neste clima que, segundo Davidson, no livro Carl Sagan - a life, “as
revistas de ficção científica começaram a descrever astronautas que viajavam pelo cosmos
transportados por foguetes movidos a energia atômica. Sagan deixou as fantasias de viagens
para Marte de lado e começou a pensar em foguetes”
8
.
Quando ainda estudante na escola, Sagan tornou-se presidente do clube de química do
Liceu em Rahway; ele tinha seu próprio laboratório de química em casa e usava recortes de
cartão de átomos para aprender, sozinho, os estados das valências atômicas. Graças aos
recortes, poderiam de fato construir moléculas em duas dimensões, e achava isso quase tão
interessante como fazer experiências (químicas). Segundo Davidson, no livro acima citado,
isto foi uma indicação precoce de que haveria de inclinar-se para o trabalho teórico e não para
a experimentação laboratorial. Apesar disso, a pergunta de seu avô sobre como iria “ganhar a
vida” aterrorizou Sagan e, mais que isso, recusava-se a trabalhar na fábrica de seu pai.
Mas foi em fins da década de 30 que Sagan começou a se aprofundar em suas leituras
de ficção científica e descobriu na revista Astounding Science Fiction, de Campbell, o livro
Pete can fix it, de Raymond Jones, que procurava educar as pessoas a respeito da guerra
nuclear. Segundo ainda seu biógrafo Davidson: “Sagan escreveu mais tarde que, quando
rapaz, nos finais da década de 40, Pete can fix it lhe abriu os olhos para as implicações sociais
das armas nucleares. Fazia pensar. Tornou-se fanático da ficção científica”
9
.
No livro Broca’s brain
10
, Sagan dedicou um capítulo inteiro à ficção científica em
uma visão pessoal, confirmando o comentário de seu biógrafo sobre o livro de Raymond.
Depois, leu as antologias de Júlio Verne e H. G. Wells sobre viagens a Lua, seguido de vários
outros autores que trataram do mesmo assunto, a viagem interplanetária. Mas com o tempo,
Sagan tornou-se mais crítico de algumas histórias de ficção, quando seu conhecimento sobre
ciência lhe dizia não serem possíveis algumas soluções para determinados tipos de problemas,
tais como ser lançado ao espaço por um canhão (Verne), ir ao espaço pintando uma cápsula
com material que anula os efeitos da gravidade (Wells), espaçonaves construídas milhões de
anos no passado e cuja técnica foi esquecida, como no romance de Larry Niven, Neutron
star, ou a de Douglas Trumbull, Silent Running, em que se aborda a questão de uma cidade
interplanetária agonizante, onde os jardins e plantações criados no espaço e ecologicamente
fechados estão morrendo pela falta de luz solar, mas até chegar a uma distância do Sol tudo
estaria perdido e a solução do problema é curiosamente encontrada nos anéis de Saturno!
8
DAVIDSON, K. Carl Sagan - a life. Nova York: John Wiley & Sons, 1999, p. 51-2.
9
Id., ibid., p. 52-3.
10
SAGAN, C. Broca's brain: reflections on the romance of science. New York: Ballantine Books, 1974, p.162-
72.
21
21
Em Jornada nas estrelas (1966-1969), por mais que seus colegas lhe dissessem que
aquilo era uma alegoria e que não deveria ser levada ao pé da letra, não houve jeito, Sagan foi
um crítico severo de Jornada nas estrelas: para começar, não havia outros seres humanos no
espaço, somente os da Terra; em segundo lugar, em uma frota de 20 ou 15 espaçonaves, duas
ou três teriam nomes anglo-saxões, assim como seus oficiais; e terceiro, o cruzamento de um
“vulcano” e um ser humano ignoraria o conhecimento de biologia molecular, sendo tão
impossível quanto cruzar o ser humano e uma alcachofra
11
.
Foi então neste momento dos anos 60 que Sagan começou se relacionar muito mais do
que antes com as bibliotecas, os astrônomos, os biólogos e os engenheiros em busca de
respostas para suas perguntas cada vez mais complexas sobre origem da vida, inteligência
extraterrestre, planetas habitados ou habitáveis, discos voadores, naves espaciais, enfim, tudo
que fosse relacionado a esses assuntos, mas ligados à viagem espacial.
Quando entrou para a Universidade de Chicago em 1951 , Sagan foi um dos últimos a
entrar para uma faculdade com um currículo escolar do chamado “programa Hutchinsde
educação e orientação básica. Segundo Davidson:
Embora excessivamente masculino e branco, o ensino era
fundamentalmente histórico. Se tivesse de estudar física newtoniana,começava a ler
os escritos originais de Newton. (...) Era inconcebível que um aspirante físico de
Chicago não conhecesse Platão, Aristóteles, Bach, Shakespeare, Gibbon, Malinovski
e Freud, entre muitos outros. (...) O programa transmitia uma sabedoria crucial: a
longa saga da ciência não é a marcha contínua e dramática para a verdade tal como é
descrita no ensino secundário e nos documentários televisivos. Pelo contrário, essa
saga inclui muitos episódios em que investigadores vaguearam por becos sem saída,
totalmente confusos ou pior ainda, perigosamente confiantes à medida que se
aproximavam do desastre. Os nossos antepassados não eram idiotas; tinham boas
razões para acreditar naquilo que agora reconhecemos como um absurdo.
12
Para os Historiadores da Ciência, este fato é importante para a compreensão de como
se faz ciência no cotidiano, seja no laboratório ou na teoria.
Uma das mais importantes constantes em ficção científica é que ela preocupa-se com
as conseqüências de mudança em seres humanos. Esta mudança pode ser ocasionada pela
pura extrapolação de conhecimento científico corrente para seu desenvolvimento lógico no
futuro próximo. Pode ser causada por novos fatores que estão relacionados de alguma maneira
à ciência corrente. Embora não possamos predizê-los coerentemente neste momento,
podemos, em outras palavras, especular sobre desenvolvimentos futuros das ciências. Seja o
que for que ocasione uma mudança nas condições da vida, do ambiente ou da mente, a ficção
11
SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.363.
12
DAVIDSON, op. cit., p.61.
22
22
científica está principalmente preocupada em examinar as conseqüências humanas dessa
mudança.
Outra constante que é básica tanto para a ciência como para a ficção científica é a
pressuposição de que vivemos num universo ordenado. Esta idéia é importante, que
significa que as causas da mudança de condições podem ser descobertas e explicadas e que as
conseqüências serão normais e, dentro de certos limites, previsíveis.
Finalmente alguém poderia observar que em ficção científica estas duas constantes
estão normalmente equilibradas, isto é, recebem ênfase aproximadamente igual no decorrer da
História da Ciência. Explicar a mudança e suas causas e conseqüências é para a ficção
científica pelo menos tão importante quanto a própria mudança, mesmo porque nesse
momento trata-se mais de um experimento imaginário de cunho sociológico.
E é por isso que Sagan acreditava que uma de suas primeiras descobertas foi com a
ficção científica, que acabaria levando-o naturalmente à ciência, e que um pouco de
informação era importante para mostrar o mundo como ele é. Através da leitura de ficção
científica, ele chegou à ciência e com esta ele aprendeu que a ciência é muito mais sutil, mais
intrincada, mais profunda do que a primeira. Diante de tudo isso, muitas das idéias que
formavam um padrão da ficção científica pareciam como um limite por comparação à própria
ciência. Também via uma falta relativa a algumas coisas e distorções do pensamento
científico e muitas vezes encontrou na ficção científica um terrível desperdício de
oportunidades
13
. A ciência verdadeira é responsável por estimular, empolgar e absorver a
ficção com fatos científicos, e também isso é importante para se utilizar em todas as
oportunidades para divulgar as idéias científicas numa civilização em que ambas estão
baseadas na ciência a ponto de assegurar o seu entendimento.
Mais adiante, Sagan, apesar de criticar as imperfeições da ficção científica, também
indicou bons romances acompanhados de comentários que ele mesmo fez ou iria fazer sobre
determinados temas. Para Sagan, as estórias eram bem construídas, ricas em acomodar
detalhes de sociedades não familiares que arrebatavam para longe antes mesmo que pudesse
criticá-las. No livro(Broca’s brain), ele cita os autores e livros de ficção que estamos
comentando, uma vez que faz parte de nosso objetivo, fazer um “cruzamento” de idéias entre
o cientista que leu os livros dos escritores de ficção com formação científica nas três áreas do
conhecimento, humanas, exatas e biológicas, e por isso entendemos a importância
multidisciplinar desse contexto, em particular para a História da Ciência.
13
SAGAN, 1974, op. cit., p.166.
23
23
Para Sagan, muitas dessas estórias em que os leitores poderiam pensar a respeito,
incluíam os seguintes autores e suas obras: Robert Heinlein, The door into summer; Alfred
Bester, The stars my destination and the demolished man; Jack Finney, Time and again; e
Frank Hebert Duna e Walter M. Miller, Um cântico para Leibowitz.
Heinlein parte da possibilidade de utilização social de robôs domésticos que duravam
bem ao longo dos anos (ao contrário do capital, em que as coisas não devem durar muito para
que se possa consumir sempre). A percepção de uma ecologia fornecida por uma hipotética
ecologia extraterrestre (bem marciana, por sinal), em Duna, que prestava um grande serviço
social sobre a nascente ecologia de nosso mundo. outras obras mais especulativas sobre o
universo, como He who shrank, de Harry Hasse, em que somos introduzidos em uma
especulação cosmológica, revivida nos anos 60, sobre a idéia de regresso infinito do universo,
em que cada uma de nossas partículas elementares é um universo um nível abaixo e cuja
partícula elementar em que nós estamos é o próximo universo acima
14
.
Outros romances de ficção que tratavam profundamente bem a sensibilidade humana
com temas padrão da ficção científica, também citados por ele, foram Rogue moon, de Algis
Budrys, e To here and easel, de Ray Bradbury e Theodore Sturgeon, uma estonteante
descrição da esquizofrenia compreendida a partir de dentro, bem como uma provocativa
introdução de Orlando Furioso de Ariosto. Havia também outras histórias sutis do astrônomo
Robert S. Richardson sobre a contínua criação dos raios cósmicos. Isaac Asimov, em
Breathes There a Man, proporcionou uma comovente percepção de stress e do senso de
isolamento de alguns dos melhores cientistas teóricos. Arthur C. Clarke , em Nine billion
names of God apresentou para os leitores ocidentais uma intrigante especulação sobre a
religião oriental
15
. Sagan achava que um grande benefício da ficção científica é exprimir
informações aos poucos, sugeridas em frases de um conhecimento pouco entendido ou
inacessível para o leitor. Por exemplo, os robôs de Asimov eram “positrônicos” porque o
pósitron havia sido recentemente descoberto.
Asimov nunca deu uma explicação sobre o funcionamento de seus robôs, mas seus
leitores já tinham ouvido a palavra pósitron. Mas a ficção nunca se limitou a apenas as
ciências exatas e biológicas. Outro livro de Asimov, Trilogia da fundação, explicou o autor
em outros livros, foi escrito baseado na dinâmica histórica do Império Romano, da Idade
Média e da Idade Contemporânea.
14
Ibid., p.167.
15
Ibid.
24
24
Para Sagan, outro grande valor da moderna ficção científica é a sutil forma da arte de
dedução nos livros de ficção. Hoje (naquela época), as idéias da ficção científica são
generalizações e especulações de vários fatos científicos tornados corriqueiros nos livros. Os
escritores Isaac Asimov e Arthur Clarke ambos, amigos de Sagan, forneceram, segundo ele,
argumentos convincentes e brilhantes, além de sumários, resenhas e artigos não ficcionais de
muitos aspectos da ciência e da sociedade. Alguns dos cientistas contemporâneos faziam parte
de um grande público de leitores de ficção científica.
Mas havia também o outro lado da moeda, pois Sagan era um crítico bem cáustico de
algumas formas de ficção científica disfarçadas de ciência; e, de fato, havia uma grande
proliferação de escritos, considerados por Sagan como pseudocientíficos, que acreditavam em
sistemas e organizações. Sagan viu e viveu não a proliferação, mas também a
institucionalização e o recrudescimento de filmes e livros sobre idéias de objetos voadores
não identificados, os óvnis (em inglês, unidentified flying objects - UFOs), e de antigos
astronautas, como nos livros de Von Däniken.
casos em que a arte da ficção científica imita a vida e produz resultados curiosos.
Por exemplo, Kurt Vonnegut Jr. escreveu um livro chamado The sirens of titan
16
, o qual
Sagan chamou de um soberbo romance epistemológico, em que um meio ambiente não muito
inclemente é pressuposto na maior lua de Saturno: Titã. Quando alguns cientistas planetários,
dentre eles o próprio Sagan, perceberam a evidência de que Titã tinha uma densa atmosfera e
que talvez altas temperaturas fossem esperadas, comentaram com Sagan a respeito da
presciência de Vonnegut. Mas Sagan, de certa forma, esperava por isso, pois Vonnegut era
seu colega na Universidade de Cornell e, naturalmente, um conhecedor das últimas
descobertas em astronomia.
Sagan sabia do grande interesse dos jovens pela ficção científica refletida e veiculada
em filmes, programas de televisão e livros e da demanda por cursos de ficção científica nas
escolas (Ensino Médio, antigo Colegial) e faculdades. Pela sua experiência, alguns cursos
poderiam resultar em boas experiências educacionais ou verdadeiros desastres, dependendo de
como isso seria feito. Seriam perdidas grandes oportunidades em cursos em que as leituras
selecionadas por estudantes não fossem oportunas para eles sem o conhecimento do conteúdo
básico de algumas disciplinas ou em cursos em que a ficção científica não estivesse em
compasso apropriado com a ciência. Mas cursos propriamente planejados de ficção científica,
16
Id., ibid., p.170.
25
25
em que a ciência ou a política fosse um componente integral, poderiam ter, segundo Sagan,
uma longa vida nos currículos escolares
17
.
O maior significado humano para a ficção científica, segundo o pensamento de Sagan,
pode ser os experimentos no futuro, as explorações, os destinos alternativos, os esforços para
minimizar o choque com o futuro. Esta é em parte a razão da ficção científica ser tão ampla e
atraente por entre os jovens: é que eles vão viver no futuro. Era uma visão de Sagan que a
Terra de hoje está tão bem adaptada para a Terra daqui talvez um ou dois séculos (isto é, se
conseguiremos ter sorte em viver tanto tempo)
18
.
1.5 A educação científica
Sempre foi uma preocupação primordial da comunidade científica estabelecer e
manter padrões de pesquisa. A disposição de obedecer a esses padrões é instilada no cientista
por sua educação e mantida daí em diante por vários mecanismos sociais. A educação do
cientista familiariza-o com uma série de conhecimentos e técnicas consagradas. Parte dessa
informação é tácita e informal, e pode ser aprendida através da experiência e do estímulo
de profissionais qualificados. O conhecimento científico formal é altamente organizado e
apresentado normalmente de um modo mais rígido do que o conteúdo de outras disciplinas.
Um conformismo intelectual mais severo é imposto ao estudante. Quando ele não está
absorvendo conhecimentos básicos, está procurando respostas corretas para problemas
precisos, equacionados a partir do ponto de vista de uma tradição de pesquisa estabelecida.
Tanto os conhecimentos como os problemas são apresentados por compêndios que podem
diferir em profundidade e detalhe, mas não, usualmente, no enfoque intelectual.
A educação científica é uma poderosa força modeladora ainda por outras razões.
Absorve a maior parte do tempo e energia do estudante. Torna os estudantes de ciência mais
dependentes de seus professores para a ajuda técnica e, finalmente, para um emprego. O
recrutamento é altamente seletivo. Os estudantes são examinados regularmente e aqueles que
não podem compreender ou não aceitam o corpo sancionado de conhecimentos podem ser
rapidamente excluídos. Em suma, como disse Kuhn, não há nada melhor para produzir
17
Id., ibid., p.171.
18
Id., ibid., p.171.
26
26
“disposições mentais” que encaixem a natureza em recipientes devidamente prescritos do que
o método atual de educação científica
19
.
19
KUHN, T.S. The essential tension: tradition and innovation in scientific research. In: TAYLOR, C. W.;
BARRON, F. (Orgs.). Scientific creativity. Nova York: Wiley, 1963.
27
27
CAPÍTULO II - SAGAN E O COMPLEXO MILITAR INDUSTRIAL
Quando Sagan entrou para a Universidade de Chicago, seu interesse, devido à sua
formação escolar e a suas curiosidades pessoais, era interdisciplinar, envolvendo áreas como
astronomia, biologia, química, geologia etc., e tudo isso era uma coisa muito diferente para
uma era de extrema especialização nas ciências, pois ele estava nos anos 50.
É importante notar que este período é marcado pela ascendência daquilo que o ex-
general e então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, apelidou de “o
complexo”. Eisenhower viu o nascimento desta corporação durante a Primeira Guerra
Mundial, quando os Estados Unidos, em 1917, decidiram entrar no esforço de guerra.
A indústria de guerra dos Estados Unidos cresceu em fins do século XIX e se
desenvolveu ao longo do período entre as duas guerras mundiais do século XX. Através de
contratos exclusivos com o governo, e sem uma fiscalização pública, e por se tratar de um
órgão ligado ao Departamento de Defesa, a ciência passou a ficar à sombra do complexo
militar industrial.
O mundo que emergiu da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial
intimamente ligada à Depressão – defrontou-se com uma situação nova, com tensões e
limitações de um tipo diferente, em comparação com o período entre as duas guerras. O
“isolamento” dos Estados Unidos fora irrevogavelmente relegado ao passado e a intervenção
ativa do país mais poderoso do mundo capitalista nos assuntos internacionais se tornou a
política oficial vigorosamente praticada, ao mesmo tempo em que os ex-impérios britânico e
francês foram substituídos por novas formas de domínio neocolonial.
Ao mesmo tempo, em seguida à Segunda Guerra Mundial, também a União Soviética
apareceu no palco internacional como uma potência mundial incomparavelmente mais ativa
do que antes da guerra. Depois, em 1949, houve a vitória da revolução chinesa. Estes fatos
alteraram significativamente a antiga correlação de forças.
Compreensivelmente, na euforia da reconstrução e expansão do pós-guerra, prestou-se
pouca atenção aos problemas e contradições internos do sistema capitalista. Com tamanho
poder econômico e político de algumas empresas industriais, que conseguiram uma posição
imensamente forte na economia norte americana com produção militar durante a guerra,
precisou-se encontrar um modo de salvaguardar a continuidade de seu lucro e de sua
expansão nas novas circunstâncias, utilizando-se os bons serviços do Estado tanto na
28
28
economia interna como na criação de tipos de relações internacionais que favorecessem a
consolidação e o crescimento de tais forças.
Na economia interna, o Estado garantia o pleno apoio, a manutenção e a sustentação
financeira do mais alto nível de atividade econômica através da política do pleno emprego,
racionalizando e legitimando a audácia da intervenção do Estado no idealizado sistema de
livre empresa e insistindo que, em uma época de ruptura ou mudança tecnológica, era
necessário suplementar o sistema do mercado pela ação política, para que se assegurasse a
alocação racional de recursos e a satisfação da necessidade pública. Resumindo, nada mais
seria que um aprofundamento titânico das idéias de Keynes, ou seja, a intervenção do Estado
na economia, enquanto na sociedade ampliava-se um Estado de bem-estar social” (Welfare
State), daí o porquê do otimismo dos anos 50.
Durante o pós-guerra, a economia foi silenciosa, mas radicalmente reestruturada, de
forma a satisfazer as necessidades das forças socioeconômicas dominantes. Naturalmente, a
ciência desempenhou um papel importante nestas transformações. Dada a amplitude das
forças produtivas envolvidas, assim como a sua articulação tecnológica que envolvia intensa
aplicação de capital, o sucesso desse empreendimento teria sido inconcebível sem a
participação ativa da ciência.
Ao mesmo tempo, em vista da natureza de tal tarefa, a própria ciência teve de sofrer
conseqüências dos desenvolvimentos para os quais tanto contribuiu. Como resultado, o
controle da ciência pelo Estado cresceu a tal ponto que a sua situação contemporânea não
comporta, neste ponto, comparações com estágios passados do desenvolvimento histórico.
Ironicamente, entretanto, a ideologia do “cientificismo” e as ilusões relacionadas à pretensa
autonomia e objetividade da atividade científica, proposta como modelo para tudo, nunca
floresceram mais do que sob o clima do “fim da ideologia” do pós-guerra. Na realidade,
porém, testemunhamos transformações extremamente problemáticas, com implicações de
longo alcance tanto para a ciência quanto para a sociedade como um todo. E foi aí que o então
presidente norte americano, general Eisenhower, em 1961, preveniu contra a crescente
influência do que chamou, adequadamente, de complexo militar industrial. Também
reconheceu que a operação desse complexo era inseparável de uma “elite científico-
tecnológica” vinculada aos interesses autônomos do complexo militar industrial, e expressou
seu medo de que a política pública como um todo pudesse se tornar prisioneira das forças cuja
influência perniciosa ele declarou ser visível em cada cidade, em cada departamento de estado
e em cada gabinete do governo federal.
29
29
De fato, é muito incômodo pensar que a “saúde” de um importante campo de pesquisa
tenha de depender de um questionável financiamento militar. Mas é ainda mais incômodo que
a subordinação do conhecimento às necessidades e aos interesses do complexo militar
industrial seja relacionada e legitimada pela prática instituída de empresas comerciais que
pegam lucrativas caronas em sucessos e fracassos militares potencialmente apocalípticos. Por
isso, uma das ilusões mais resistentes em relação às ciências naturais refere-se às suas
pretensas “objetividade” e “neutralidade”, que lhes são atribuídas em virtude de seu caráter
experimental e instrumental, em contraste com o caráter socialmente mais envolvido e
comprometido das “ciências humanas”. Entretanto, um exame mais cuidadoso mostra que
estas objetividade e neutralidade não passam de lenda, pois na realidade o que ocorre é o
oposto.
Mas a razão pela qual podem escapar mais facilmente desta forma particular de auto-
ilusão é a mesma pela qual não podem se permitir ficarem tão desligados das estruturas
produtivas dominantes de sua sociedade.
O que está em questão aqui é que como cientistas, como Sagan, precisam trabalhar
dentro da estrutura de apoio e de complexos instrumentais tangíveis (além de dispendiosos),
necessitam assegurar recursos materiais incomparavelmente maiores, como condição
elementar de sua atividade, do que seus colegas do setor de “humanas” nas universidades e na
sociedade em geral.
É de conhecimento comum que é muito mais dispendioso criar e conservar faculdades
de ciências exatas nas universidades do que um número equivalente de faculdades de ciências
humanas, discrepância que por mais digna de nota que seja, revela uma pequena parte do
total de recursos destinado à ciência. Assim, os cientistas são até menos “livres” do que seus
colegas nas ciências humanas e sociais. Sociólogos e filósofos podem continuar a escrever
livros críticos à ordem social estabelecida mesmo que tenham sido colocados em “listas
negras”. É claro que o mesmo não se aplica totalmente aos cientistas naturais, os quais
perdem as condições instrumentais e institucionais indispensáveis a sua atividade se ousarem
criticar a ameaça à sobrevivência humana representada pelo complexo militar industrial, fato
que é comprovado pelas declarações de figuras notáveis como Oppenheimer, Einstein e
outros.
Sem dúvida, tal diferença nas condições objetivas da produção intelectual põe em
relevo a medida da dívida da sociedade para com os cientistas que se levantam contra os
perigos que eles percebem, desafiando as conseqüências. Ao mesmo tempo, também, ajuda a
explicar porque, em média, nas universidades e em toda parte, os cientistas assumem uma
30
30
posição consideravelmente mais conservadora do que seus colegas do setor de humanas, em
vez de serem mais objetivos, mais neutros, mais independentes e, portanto, potencialmente
mais críticos, como sugere a lenda.
Albert Einstein chegou a fazer propaganda do antimilitarismo nos anos 50, mas a
fragilidade de sua posição não foi resultado de uma fraqueza pessoal, seja no sentido das
limitações teóricas ou por conta de alguma pretensa “neutralidade” política e moral. Além do
que, o físico mais célebre e aclamado do século teve acesso sem paralelo aos chefes de
governo e aos meios de comunicação em massa. Mas com toda essa “abertura”, é mais
significativo por suas implicações sobre a posição da ciência e dos cientistas, sob o domínio
do complexo militar industrial, que ele se sentisse não apenas ameaçado, em meio a
agressivas denúncias políticas, mas também intelectual e politicamente traído, isolado e tão
absolutamente impotente que não pôde deixar de lamentar, em uma resignação angustiada:
“No fim, os homens terão o que merecem”
20
.
Esse é o contexto dos anos 50-60, em que muito do fermento ideológico da Guerra
Fria e do macartismo iriam marcar seriamente a geração de Sagan; é o mesmo momento
também em que seus colegas Isaac Asimov e Arthur Clarke estão produzindo, literalmente em
série como numa linha de produção, a popularização da ciência através de idéias com um
cunho político mais contundente, conforme dissemos na primeira parte de nosso trabalho. É
com este contexto da história dos Estados Unidos na questão dos direitos civis que Sagan se
sentiria impelido a fazer algo anos depois.
2.1 Carl Sagan e seu relacionamento com o “complexo”
Ainda adolescente, Sagan escreveu uma carta perguntando a alguns dos engenheiros
responsáveis sobre construção e motores de foguetes para a corporação RAND. Esta era uma
empresa ligada (ao complexo militar industrial) à aeronáutica e ao exército que trabalhava no
desenvolvimento de foguetes inspirados nos V2 capturados junto com os cientistas alemães
após o fim da Segunda Guerra. Na ocasião, recebeu como resposta que os engenheiros não
poderiam responder à sua pergunta por se tratar de um projeto secreto. Mesmo assim, Sagan
não desistiria.
20
EINSTEIN apud MÉSZAROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Ensaio, 1996, p.274-90.
31
31
Anos mais tarde, na faculdade, tornou-se amigo de pessoas bem influentes, tais
como Harold Urey, além de passar as férias trabalhando para alguns destes, como Muller,
Gerard Kuiper e George Gamow. Todos estes cientistas eram pessoas chave para a futura
geração de cientistas, que, como Sagan, iriam ter uma influência decisiva no nascimento da
era espacial, cuja mãe era a Guerra Fria e o pai era o complexo militar industrial. Sagan e
Muller tornaram-se amigos e ambos tinham uma paixão em comum, a ficção científica.
Muller apoiava os “vôos imaginários” de Sagan, ambos trocavam correspondência e, mesmo
Muller sendo um homem ocupado com as suas pesquisas e a de seus alunos, além das aulas,
ele se dava ao trabalho de ler as cartas de Sagan e enviar respostas, além de apoiar o
entusiasmo de Sagan, um fator importante para o futuro divulgador das viagens
interplanetárias.
Em 1958, Sagan escreveu a H. J. Muller recomendando a leitura de um livro de ficção
científica, The black cloud, de Fred Hoyle. O mais interessante nesta carta era um projeto em
que Sagan havia se envolvido, mas que não declarava para qual organização estava
trabalhando, se era a Fundação para a Investigação Armour, o Laboratório de Propulsão a Jato
do Caltech, a NASA, a Força Aérea ou a corporação RAND, pois é neste momento que Sagan
se insere dentre os projetistas do espaço para dar uma resposta aos russos por causa do
lançamento do Sputnik.
Suas pesquisas e interesses, além de seus contatos, levaram-no a trabalhar sob sigilo
militar na Força Aérea, com um financiamento garantido pelo Pentágono e bolsas generosas.
Em uma dessas ocasiões, foi convidado por Gerard Kuiper para que trabalhasse num projeto
relacionado à Força Aérea de uma fundação chamada Armour. Sagan sabia que para ter seus
interesses atendidos teria que trabalhar sob sigilo da pesquisa militar classificada. Em Yerkes,
Sagan, com ajuda de Kuiper, recebeu quantias substanciais da Força Aérea, incluindo uma ou
duas bolsas do Pentágono. Sagan manteria em segredo a natureza exata de seu trabalho na
Fundação durante toda a sua vida
21
.
Conforme havíamos dito acima, quem quer que trabalhe no “complexo” tem que fazer
suas pesquisas em sigilo absoluto; entretanto, anos mais tarde Sagan confidenciou que, dentre
suas pesquisas, uma delas era saber sobre os efeitos da explosão nuclear na Lua a pedido dos
militares, para que os mesmos pudessem fazer testes nucleares na Lua longe das vistas dos
russos e de quem quer que fosse.
21
KEAY Davidson: Carl Sagan a life: John Willey & Sons, Inc New York 1999.
32
32
Por outro lado, segundo o historiador espacial Willian E. Burrows (This new ocean,
1998)
22
informes secretos obtidos por espionagem revelavam que os russos também queriam
fazer testes nucleares na Lua com bombas que poderiam ser facilmente visíveis da Terra.
Muito provavelmente, os oficiais do Pentágono temiam uma pressão cada vez maior da
opinião pública politicamente correta contra os testes nucleares na Terra e queriam transferir
para a Lua as detonações nucleares, afinal, qual a melhor maneira de testar a precisão de
foguetes tendo como alvo a Lua, para lembrar a URSS da eficiente ciência americana?
Estava claro para o governo norte americano que a nação que dominasse o progresso material
poderia ser a primeira a atingir êxito significativo nas viagens espaciais e ser reconhecida
como líder mundial tanto das técnicas militares quanto científicas. Lembremos que uma das
razões que citamos acima é que o esforço civil para desenvolvimento da pesquisa planetária
ainda não tinha verbas consistentes e quem quisesse fazer parte da pesquisa militar, tinha de
se subordinar às altas patentes militares. Foi assim que Sagan, quando nos seus últimos anos
de doutoramento, ficou deslumbrado com um salário que poucos de seus pares poderiam
sequer almejar, a menos que se comprometessem com a indústria militar, e, até então, era o
único lugar em que ele poderia dar asas à sua imaginação dos tempos de leitor de ficção
científica e concretizar talvez alguns deles.
Permitiram-lhe fazer um desenvolvimento alargado da teoria do escape das atmosferas
planetárias desde que ele apresentasse relatórios em que se justificasse tal pesquisa. Em
retrospectiva, Sagan, que mais tarde viria a ser um ativista da paz, aceitou dinheiro do
Pentágono. Mas o dinheiro ali era fácil de conseguir exatamente num tempo em que a ciência
aeroespacial e astrobiológica não dispunha de apoio crescente. E, neste caso, lembremos do
início da parte II, a respeito do complexo militar industrial dos Estados Unidos, sobre a
condição do cientista numa época em que antes do esforço espacial civil estar inteiramente
operacional, o programa espacial dos Estados Unidos era uma operação militar. Quem quer
quisesse fazer parte do programa espacial, tinha de se relacionar ao setor militar. Sem revelar
a natureza de seu trabalho para a Fundação, Sagan comentou mais tarde, depois dos seus anos
de licenciatura, que era feliz por receber apoio militar
23
.
Em 1961, Kennedy, depois de uma série de desastres da sua política em relação a
Cuba e de os americanos serem os segundos depois de Gagárin no espaço, fez um apelo à
nação para lançar um americano para a Lua e trazê-lo de volta em segurança no fim da
22
BURROWS apud DAVIDSON, op. cit., p.125-6.
23
KEAY Davidson: idem pp125. Sagan declarou que: “ Não sei se a fundação deu o dinheiro por bem, mas
adorei(...) Não faço a menor idéia de como isso se relacionava com sua missão patrocinada pela força aérea, mas
contanto que eu apresentasse relatórios... eles ficaram felizes”.
33
33
década, dando-se a esse apelo o nome de nova fronteira, que obviamente era o espaço
exterior.
Carl Sagan sabia que a exploração do espaço era inevitável, lera ficção científica
demais para não pensar desta forma. Imaginava a exploração espacial humana com base em
argumentos políticos totalmente simplórios, achava que o motivo da guerra era falta de uma
sociedade descarregar energia. Assim, ele imaginava que a exploração espacial era uma coisa
boa porque as dificuldades em se realizar tal façanha evitariam a probabilidade de guerra.
A idéia de substituir a Guerra Fria por uma colaboração científica é muito ingênua e
Sagan cometeria esse mesmo erro no seu último livro, Bilhões e bilhões
24
. De certa forma,
Sagan é uma espécie de herdeiro do positivismo otimista ou do entusiasmo cientifico centrado
na idéia de progresso do fim do século XIX. Este ideal de progresso era baseado na crença do
aumento da eficiência da indústria através da relação com a ciência e da multiplicação das
ferramentas e da maquinaria. Era quase certo que a capacidade de produção, os meios de
transporte e os avanços da medicina e da agricultura eram tais que toda raça humana poderia
confortavelmente ser abrigada, vestida e bem alimentada, e muito da imprensa e da literatura
de ficção científica contribuíram para isso. É exatamente neste sentido que Sagan acreditava
que a ciência podia servir aos ideais liberais. Embora fosse nobre de caráter, tinha uma noção
de como a ciência deveria servir a humanidade e que a exploração espacial era o seu sonho de
uma ciência aplicada para fins humanitários ou até mesmo de sobrevivência da espécie.
O escritor e amigo de Sagan, Arthur Clarke, escreveu no início dos anos de 1950, no
romance Areias de Marte, sobre a concepção da terraformação, ou seja, a transformação de
um planeta com o objetivo de adaptá-lo às condições terrestres. Mas a idéia da terraformação,
segundo Carl Sagan, apareceu pela primeira vez publicada na Astounding Science Fiction de
julho de 1942 com o título Órbita de colisão, de Jack Williamson, que, por sua vez, inspirou-
se em um livro de Konstantin Tsiolkovsky que imaginou habitats transparentes na superfície
de asteróides.
Em compensação, em março de 1961, na revista Science, Sagan publicou seu primeiro
artigo importante para uma revista científica, no qual propôs deliberadamente a terraformação
de Vênus! Sua proposta de terraformação espelhava uma confiança na tecnologia de seu
tempo; entretanto, funcionários do governo, leitores ou não de ficção científica, começaram a
24
CARL Sagan: Bilhões e Bilhões: reflexões sobre a vida e a morte na virada do milênio. Cia das Letras S.P.
1998 pp.176 “Vamos aprender um com o outro. Há um século, o capitalismo e o socialismo têm tomado
emprestado métodos e doutrinas um do outro em plágios bastante reconhecidos(...). Vamos começar com alguns
projetos de grande alcance e visão, na diminuição da fome na Etiópia, na rivalidade das superpotências na
identificação e desarme das catástrofes ambientais de longo prazo, na física de fusão, na exploração conjunta de
Marte, culminando no primeiro pouso de seres humanos russos e norte americanos num outro planeta”.
34
34
falar em controle do tempo atmosférico da Terra, fazendo com que as nuvens fossem
semeadas e levassem chuva ao deserto, e mais uma vez o complexo militar industrial também
resolveu dar suas opiniões. Estavam considerando colocar o tempo atmosférico na lista do
armamento de guerra! Talvez os furacões pudessem ser redirecionados ou dissipados
25
. os
engenheiros imaginaram soluções técnicas para os maiores problemas do mundo: pobreza,
fome, subdesenvolvimento econômico. Muito mais do que fazer frente a questões radicais de
uma Cepal, como as barreiras de classe e a distribuição de riqueza. Mais que isso,
imaginavam mega reparações de engenharia para os males da sociedade, como a construção
de mega barragens hidroelétricas, que transformariam vastas áreas em terra de cultivo. Armas
nucleares poderiam ser usadas para cavar” canais na América Central e portos no Alasca.
Tempestades de chuva provocadas pelo homem iriam levar a poluição e o nevoeiro dos céus
de Los Angeles. Construiriam barragens no estreito de Bering e bombeariam a água fria do
Ártico para o sul do Pacífico e do Atlântico; bombeariam água morna para onde estava a do
Ártico, transformando o clima polar em temperado.
A década de 60 foi para Sagan a melhor época para suas realizações pessoais porque
os Estados Unidos estavam perdendo para a URSS na corrida espacial: o primeiro animal no
espaço, a cadela Laika; a primeira sonda a pousar em outro mundo, a Lunik II; o primeiro
astronauta, Gagárin; as primeiras fotos do lado oculto da Lua; a primeira mulher no espaço,
Valentina Tereshkova. Assim, muitos americanos receavam que as conquistas espaciais
soviéticas fossem prenúncios de futuras conquistas espaciais e os mais pessimistas achavam
que até 1975 os Estados Unidos seriam um país-membro da URSS. Nesse sentido é que Sagan
se sairia muito bem, porque a NASA estava desesperada por conseguir ser a primeira em
qualquer coisa no que dizia a respeito do espaço.
Foi pensando exatamente em Vênus que a NASA apressou-se em construir a Mariner
2. Diferentes equipes tinham que trabalhar em conjunto para que o foguete fosse bem
sucedido e Sagan sabia que chegara a hora em que sua credibilidade como cientista estava
baseada em seus trabalhos sobre Vênus e sua teoria sobre a terraformação, pois até este
momento, Sagan era um pesquisador da RAND, que era o cérebro da estratégia das armas
nucleares dos Estados Unidos. O papel desta Fundação na verdade era o de escolher alvos
soviéticos, como indústrias, estações de trem, pontes, bases de bombardeios e cidades, além
de guerras nucleares em pequena escala, uma espécie de guerra para que houvesse tempo de
negociar uma trégua antes de desencadear um holocausto nuclear. Oficialmente, os Estados
25
DAVIDSON, op. cit., p.148.
35
35
Unidos nunca se empenharam em fazer guerras nucleares limitadas, mas nos bastidores sabe-
se muito bem que a histeria daqueles tempos revela que as coisas não eram bem assim
26
.
Muitos deles acreditavam que a guerra pudesse ser feita racionalmente, mesmo
cientificamente. Este tipo de guerra perseguiu o pensamento de Sagan durante a cada de 80
do século XX, quando se tornara um ativista antinuclear importante, sugerindo que tal coisa
poderia levar a uma mudança climática global que aniquilaria tudo, o inverno nuclear. Essas
conclusões sobre o inverno nuclear são resultado direto das investigações de Sagan sobre
Vênus e o efeito estufa deste planeta com a Mariner 2.
Na Fundação RAND, a principal investigação de Sagan era a ciência espacial e ele
próprio era um consultor de ciências planetárias, estudando as atmosferas de Vênus e Marte.
Era de interesse dos oficiais militares que numa possível guerra com a URSS, os
bombardeiros armados com armas nucleares e mísseis intercontinentais nucleares fossem para
além da atmosfera, mas como o espaço era desconhecido, especulava-se que ventos de grande
atividade na ionosfera ou a aurora boreal pudessem atrapalhar as comunicações terra-ar,
alterando a navegação. Para se precaverem, os oficiais do Pentágono queriam saber tudo a
respeito da atmosfera. Astrônomos planetários achavam que mudanças na atmosfera desses
dois planetas poderiam ser importantes para o entendimento do nosso planeta.
Em 1972, Sagan sabia a respeito de Vênus que: tinha uma atmosfera espessa,
superfície muito quente e nuvens de enxofre e ácido sulfúrico, temperaturas escaldantes,
pressões esmagadoras, gases tóxicos e corrosivos, cheiros sulfurosos e uma paisagem escura.
Durante os anos de 1970, tanto os Estados Unidos quanto a URSS enviaram com êxito sondas
que penetraram na atmosfera de Vênus e aterrisaram na superfície. A Venera 8, da URSS,
realizou a primeira análise química do solo em 1972, e em 1975, a Venera 10 obteve as
primeiras fotografias. A Pioneer Vênus, dos Estados Unidos, lançou em 1978,
simultaneamente, quatro sondas atmosféricas, e em 1980, a Pioneer Vênus Orbiter obteve
com radar um mapa grosseiro da superfície. Os resultados dessas análises foram que Vênus é
uma espécie de gêmeo geológico da Terra. A sua superfície foi moldada por duas das mesmas
forças que criaram as paisagens da Terra, o vulcanismo e a tectônica de placas. Em 1994,
quando Sagan publicou Pálido ponto azul, dedicou um capítulo inteiro aos resultados dessas
explorações sobre Vênus e Marte, sobre seus vulcões terremotos e, principalmente, o clima
27
.
Voltaremos a falar sobre estas conclusões quando Sagan passa a divulgar como um alerta o
resultado destes estudos.
26
DAVIDSON, Keay :Carl Sagan a life: op cit. pp 180.
27
CARL Sagan: Pálido ponto azul. pp214.
36
36
2.2 O vôo interestelar
Quanto ao vôo interestelar, Sagan foi o primeiro cientista americano a defender
publicamente, e em pormenores, a possibilidade de viagens interestelares num artigo sobre
Contatos diretos entre civilizações galácticas por vôo interestelar relativista
28
em 1963, em
que declarou a sua preferência por viagens espaciais relativísticas a comunicação via rádio.
Em outros artigos, discutiu possíveis naves estelares baseadas em algumas das idéias da
Sociedade Interplanetária Britânica de Clarke. Sagan escreveu: “Acredito que o vôo espacial
interestelar a velocidades relativísticas até os mais distantes confins da galáxia é um objetivo
exeqüível para a humanidade”
29
.
Em outros projetos, como o da Sociedade Interplanetária Britânica chamado projeto
Daedalus, desenvolveu-se na década de 1970, um minucioso estudo de um engenho para
viagens espaciais. Projetado para atingir a estrela de Barnard (a segundo mais próxima depois
da Alfa Centauro), o veículo seria propelido pelo processo da fusão nuclear. A Daedalus
atingiria velocidades superiores a um cimo da luz. Outra idéia audaciosa era a de um
veleiro estelar. Uma nave acoplada a uma superfície coletora “à vela” poderia ser acelerada
pela luz solar através do impacto das partículas luminosas, os fótons, uma alternativa para
aumentar a utilização de um feixe de raio laser para a impulsão do veleiro. O foguete a laser,
em lugar de uma imensa superfície refletora, como no caso anterior, carregaria uma massa de
fluído combustível, acionado por um lazer estacionário, localizado no sistema solar. As naves-
mundo, gigantescos veículos, abrigariam, em ambientes ecologicamente controlados,
sucessivas gerações humanas. Tais máquinas atravessariam o espaço a um centésimo da
velocidade da luz, com um tempo estimado de viagem de um milênio. Uma das propostas
idealizaria uma nave de 20 quilômetros de diâmetro e 114 quilômetros de comprimento,
girando ao redor de seu eixo para gerar gravidade. E por fim, o foguete Bussard, chamado
também de “ramjet”, sugerido em 1960, que consistiria numa nave que obtém seu
combustível no próprio meio interestelar, através de uma superfície coletora com campo
magnético. A renovação contínua do suprimento de combustível, no caso o hidrogênio,
permitiria, através de um motor a fusão nuclear, sua aceleração uniforme e, em conseqüência,
a obtenção de altas velocidades finais. Apesar dos esquemas imaginados estarem, no entanto,
com vários entraves de natureza técnica e econômica, servem, por outro lado, como
indicadores de possíveis rumos à primeira exploração humana extra solar.
28
CARL Sagan: Cosmos.pp 203-207
37
37
Outra influência da ficção científica que aparece em seus trabalhos de divulgação
científica é a questão da compreensão de Sagan e de seus colegas sobre outros planetas que
estavam mudando mais rapidamente do que a ficção científica poderia representar. Mesmo
assim, muitos jovens leitores tornaram-se adultos (assim como Sagan) profundamente
envolvidos com a exploração do sistema solar e se tornariam os primeiros a tomar aquela
direção da ficção científica na era espacial. Sagan também não acreditava na viagem ao tempo
em direção ao passado; os problemas deste tipo de viagem o tornaram cético. Mas havia
aqueles dentre seus colegas que pensavam seriamente a respeito disso. Igualmente, a ficção
científica encontrava em alternativas culturais características que poderiam desempenhar
importante papel em fundamentar mudanças sociais.
2.3 Marte e a ficção científica
Em, As conexões cósmicas (1973), Sagan lembra-se de um fato: que as Luas de Marte
atormentaram sua adolescência até 1971, quando do lançamento da Mariner 9. Até 1971,
Sagan procurou saber tudo a respeito das Luas de Marte, Deimos e Fobos, em toda a literatura
disponível. Segundo ele, as referências sobre as Luas de Marte começam em Kepler, o
descobridor das leis do movimento planetário e fazedor de horóscopos, cuja opinião a respeito
do porquê de Marte ter duas Luas estava mais ligada com horóscopo do que com astronomia.
Outro autor que Sagan levantou foi Voltaire, em Micrômegas, em que um cidadão sírio notou
casualmente, enquanto passeava pelo nosso sistema solar, que Marte tinha duas Luas. E mais
um terceiro, Jonathan Swift, em As viagens de Gulliver, anunciou, casualmente, que os
astrônomos de Laputa descobriram duas Luas de Marte.
Quando da chegada da espaçonave Mariner 9 em Marte e o envio de imagens do
planeta, foram reunidos no Caltech (Universidade Tecnológica da Califórnia) os seguintes
convidados: Ray Bradbury, autor de Crônicas marcianas; Arthur Charles Clarke, autor de
2001: uma odisséia no espaço; Carl Sagan, diretor do Laboratório de Estudos Planetários da
Universidade de Cornell; o organizador do evento, Bruce Murray (geólogo e professor de
ciência planetária no Caltech); e o jornalista e mediador do debate, Walter Sullivan (editor de
ciências do New York Times). Excetuando o mediador, somente Bruce Murray declarou não
ter sido influenciado pelas estórias de ficção de Marte escritas por Burroughs, enquanto os
38
38
outros três participantes declararam ter sido influenciados pelas estórias sobre Marte, o que de
certa forma conduziu cada um a uma determinada especialidade científica e literária.
O Marte revelado pela Mariner 9 correspondia a algumas poucas visões globais do
planeta imaginado antes de sua viagem. A Mariner 9 examinou Marte com uma resolução
suficientemente grande para excluir a possibilidade de existência de uma civilização no nível
terrestre de desenvolvimento e extensão. Tampouco Marte é semelhante à Lua. É verdade que
áreas com inúmeras crateras, mas existem também imensas regiões diferentes das
encontradas na Lua.
Quando da aproximação das sondas, as duas Luas de Marte mostraram pormenores do
tamanho de um automóvel. Além de muitas crateras, as luas mostram vales com crateras.
Provavelmente, são o produto de uma ou mais colisões que fizeram rachar a sua superfície e
as fragmentaram. Para muitos cientistas, Phobos e Deimos tornaram-se os protótipos das
pequenas Luas fragmentárias e asteróides que estão espalhados por todo o sistema solar.
Marte e suas Luas foram para Sagan uma pequena amostra dos planetas Luas e inúmeros
asteróides conhecidos até então.
2.4 Civilizações extraterrenas
Desde os anos 50 e 60, Carl Sagan sempre foi levando e atualizando suas idéias acerca
de UFOS, viagens espaciais, vida extraterrena, biologia planetária. Sua participação em
corporações e laboratórios militares e civis possibilitou especular enormemente acerca destes
assuntos. Ele pode ser considerado um dos responsáveis pela criação da exobiologia e da
planetologia, ou seja, o estudo sobre a vida em outros planetas, e sobre os planetas. Também
ajudou em programas de radioastronomia para detectar a existência de sinais extraterrestres,
procurando satisfazer seu interesse em procurar a existência de outros seres inteligentes no
universo.
Em 1973, Sagan começa a escrever uma série de livros que reúnem alguns de seus
artigos, entrevistas e idéias acerca do universo e do mundo. Cada um deles é quase como um
manual inspirador para futuros escritores de ficção científica. Seu primeiro livro, Conexões
cósmicas que era, para a época, um livro de divulgação bastante ousado, tornar-se-ia um livro
clássico e inspiraria a nova geração de cientistas e entusiastas dos anos 80. Neste livro, Sagan
comenta sobre muitos picos da astrofísica da ciência do sistema solar até a colonização de
39
39
outros mundos, formação do solo e procura por extraterrestres. Por exemplo, no terceiro
capítulo ele diz que a primeira tentativa séria de comunicação com civilizações extraterrestres
começou em 3 de março de 1972, com o lançamento da Pioneer 10, mas meses antes do
lançamento chamaram-lhe a atenção sobre a possibilidade de se enviar algum tipo de
mensagem; então, prontamente Sagan entrou em contato com o responsável chefe da missão,
que aceitou seu pedido. A idéia consistia em basicamente colocar do lado de fora da nave uma
placa de ouro de 15 x 23 centímetros contendo informações sobre ciência, além de comunicar
o local, a época e qualquer coisa sobre a natureza dos construtores da nave espacial. As
maiores críticas que recebeu não foram em relação a algum dado científico, embora houvesse
céticos a respeito dessa mensagem ser encontrada casualmente no espaço, mas Sagan teve que
se defrontar com a reclamação do público através de jornais conservadores sobre a
representação da mulher e do homem na placa das Pioneer 10 e 11.
Em outro capítulo, Sagan avalia a possibilidade de existirem civilizações tecnicamente
avançadas em algum lugar da galáxia, considerando como um dado mais importante, e sobre
o qual pouco se sabe, o tempo de vida de uma tal civilização. Se as civilizações se destroem
rapidamente a si mesmas após atingirem a fase tecnológica, num dado momento (muito
parecido com o da Guerra Fria), poderia haver muito poucas civilizações para se ter um
contato. Por outro lado, se uma pequena fração das civilizações aprender a viver com armas
de destruição coletiva e evitar catástrofes, quer naturais ou espontâneas, esse número de
civilizações pode ser muito grande. Isto de certa forma não deixa de ser uma espécie de
interpretação sociológica a respeito da nossa própria civilização em relação a possíveis outras
comunidades galáticas.
Esta idéia das civilizações foi estipulada por Freeman Dyson em 1960. Dyson supõe a
existência de ETs em estágios de desenvolvimento tecnológico situados milhões de anos à
nossa frente. Os limites de expansão e controle do meio dessas superinteligências derivariam
apenas da disponibilidade local de matéria e energia. Para tais civilizações, seria possível,
num prazo curto, o controle e utilização de uma massa da magnitude de Júpiter. Essa
atividade em larga escala, motivada pelo crescimento populacional, estimularia as espécies
inteligentes à formação de biosferas artificiais ao redor de suas estrelas. A abordagem de
Dyson parte de uma teoria sobre a natureza e a evolução de sociedades tecnológicas, com
base numa análise histórica (nós) e uma projeção futurológica (eles). Extrapolando a partir do
ritmo de desenvolvimento industrial em sua época, projeta velocidades de transformação e,
logo, a expansão rumo ao espaço exterior como saída para necessidades impostas pelo
crescimento econômico populacional. Essa tese futurológica remete à natureza e evolução da
40
40
própria sociedade, marcada pelo crescimento industrial acelerado e expansão planetária, num
movimento que caracterizou a história do ocidente nos dois últimos culos. No núcleo da
teoria de Dyson verifica-se a presença de uma forma particular de conceber as civilizações,
seus ritmos e necessidades. A projeção daí decorrente é construída como uma extrapolação
linear de certas peculiaridades locais e temporais (a história ocidental moderna), que, todavia,
almejaria a universalidade tecnológica.
Shlokovskii e Sagan, alguns anos depois, consideravam que o atual fluxo de ondas via
rádio, que é diferente das emissões naturais e a colocação em órbita de satélites artificiais,
poderiam ser sinais da vida inteligente na escala cósmica
29
. Também especularam sobre a
constituição de uma sociedade galáctica intercomunicante, com uma Enciclopédia e um
Codex para regular as suas relações, pois a riqueza, a diversidade e o esplendor desse
comércio, o intercâmbio da mercadoria e das informações, de argumentos e artefatos, de
conceitos e conflitos, devem continuamente estimular a curiosidade e ampliar a vitalidade das
sociedades participantes
30
. A colonização da galáxia é, assim, imaginada como uma trajetória
bastante plausível para sociedades tecnológicas. aqui uma perspectiva que confere ao
comportamento de hipotéticos seres um fenômeno marcante da cultura ocidental e, em
especial, a moderna, a expansão e o controle crescente sobre a natureza e outras sociedades.
2.5 Astrobiologia
Constrangidos pelo estágio então existente de tecnologia telescópica e pela
impossibilidade de concretizar explorações exobiológicas in loco, os estudos dos cientistas
voltaram-se até o início da era espacial para a interpretação das observações dos planetas. O
conhecimento planetário acumulado até as primeiras décadas do século XX levou os
astrônomos a algumas conclusões gerais, como a inexistência de formas de vida inteligente e
a possibilidade de vida vegetal ou microscópica em alguns desses corpos. Nos anos de 1970,
Sagan declarava que a disciplina que tinha mais a ganhar com a exploração espacial era a
biologia. Ele foi o orientador dos esforços científicos para infundir uma perspectiva biológica
às missões interplanetárias da NASA. Mais do qualquer outro cientista, ele considerou como
nova disciplina científica a exobiologia e esforçou-se para a sua união com as disciplinas mais
tradicionais da astronomia, geologia e ciência planetária.
29
DAVIDSON Keay op.cit pp. 235-239.
30
CARL Sagan Cosmos Francisco Alves R.J.1982 pp291-315.
41
41
Alvo central da astrobiologia planetária, Marte, quando do início da era espacial,
permanecia como o local privilegiado para a esperada transição do pluralismo de uma
hipótese para uma disciplina científica. Dependente sobremaneira das variadas interpretações
de sua mutável superfície, Marte detinha o que mais próximo havia de um consenso sobre a
possibilidade de vida extraterrestre.
O ponto mais alto dos esforços de Sagan foi alcançado com a missão Viking a Marte,
que enviou, em 1976, dois veículos e duas sondas orbitais ao planeta vermelho. Esta missão
adotou os objetivos da exobiologia e fez da busca de vida a sua primeira prioridade. Notáveis
laboratórios biológicos miniaturizados foram enviados para a superfície de Marte, e ambos os
veículos da Viking aterrissaram sem dificuldades. Cumpriram a sua missão sem quaisquer
falhas, mas não encontraram vida. Em vez disso, revelaram uma superfície seca e desprovida
de matéria orgânica. Aparentemente, a radiação ultravioleta que banha a superfície de Marte
esteriliza o solo. Não apenas não havia testemunhos de vida na superfície do solo, como
também não se encontrou qualquer coisa de que um organismo pudesse se alimentar
Como disciplina a astrobiologia (1996) é multidisciplinar e integradora. No seu
trabalho, um astrobiólogo atua como químico, biólogo, engenheiro, matemático e filósofo. Ao
longo dos anos, a controvérsia sobre as experiências para detecção de formas de vida pela
expedição Viking aumentou, em vez de diminuir. Apesar de todas as discussões, pouca
concordância quanto ao sentido final das experiências, principalmente entre os cientistas que
as projetaram e analisaram os dados. nos estágios de planejamento, essas experiências
fizeram nascer controvérsias entre os pesquisadores participantes. Carl Sagan estimulava seus
colegas a procurar qualquer forma de vida, micro ou macro. Ele quase levou seus colegas a
loucura, ao propor que a espaçonave levasse iscas a Marte para atrair “macróbios”, ou formas
de vida maiores, que na sua teoria viriam a espaçonave e talvez se deliciassem com a comida
alienígena.
Desses debates surgiu um novo paradigma da vida extraterrestre, graças em grande
parte a irreprimível imaginação de Sagan e sua recusa a ser limitado por categorias.Enquanto
outros se perguntavam como encontrar formas de vida ele se indagava: o que é a vida? As
antigas definições de vida não serviam mais e a comunidade cientifica deveria renova-las
ou admitir que não tem uma definição. Sagan forneceu uma resposta engenhosa alegando que
os micróbios poderiam extrair água das rochas marcianas.
Por mais preconcebidas que fossem suas visões, os pesquisadores concordavam que
era notável a possibilidade de fazerem o primeiro teste em busca de vida em outro planeta;
42
42
apenas 20 anos antes (1976), a idéia teria sido considerada como pertencente ao reino da
ficção cientifica.
Uma das condições tidas como essenciais para a origem da vida é a presença de
oceanos de água em estado líquido; como planeta gêmeo da Terra, Vênus tem quase o mesmo
tamanho que nosso planeta com propriedades físicas semelhantes. Mas mesmo antes de a era
da exploração planetária ter início, em 1962, Carl Sagan alertava para o fato de que a
superfície de Vênus era simplesmente quente demais para a água líquida. Apesar de as
investigações revelarem isso em 1970, os cientistas planetários continuavam a considerar a
possibilidade de existência de gelo de água nas nuvens de Vênus, que bloqueariam a vista de
sua superfície. No entanto, em poucos anos, novos dados sugeriram que as nuvens venusianas
são compostas de ácido sulfúrico.
O interesse pela água na superfície de Vênus foi restabelecido no fim da década de
1970, pela missão Pioneer Vênus, que descobriu um excesso de deutério, ou hidrogênio
pesado, na atmosfera de Vênus. Essa descoberta sugeriu que já houvera muita água na
superfície de Vênus, mas um efeito estufa incontrolável conseqüentemente eliminara a água
por meio da evaporação e depois pela perda de hidrogênio na atmosfera. Este fato nos ensinou
na verdade que se um mundo muito parecido com a Terra estivesse um pouco mais próximo
do Sol, as condições planetárias se tornariam inadequadas para a vida.
Por outro lado, onde mais podemos procurar evidências de um oceano? Ainda na
década de 1970, Sagan, e outros cientistas planetários voltaram sua atenção novamente para o
Planeta Marte. evidências que 3 bilhões de anos havia muita água na superfície de
Marte por tempo bastante para que a vida primitiva se desenvolvesse. Infelizmente, em 1976,
quando duas naves Viking aterrissaram em Marte, cuja escolha Sagan influenciou muito, não
foram encontradas provas de resíduo orgânico na superfície. Então era hora de partir para os
planetas mais distantes.
Na década de 1980, as sondas foram além no sistema solar: aos planetas gigantes. No
primeiro deles, Júpiter, as sondas passaram perto de dois dos seus vários satélites: Io e
Europa. Os dois planetas têm aproximadamente o mesmo tamanho de nossa própria Lua e
orbitam Júpiter. Por causa da interação gravitacional desses dois satélites no imenso campo
gravitacional de Júpiter, a crosta de Io é flexionada por forças de maré. Essa tensão gera calor
o bastante para causar uma atividade vulcânica intensa, resultando em uma superfície
constantemente renovada que não é marcada por crateras de impacto.
Quando a Voyager 2 se aproximou de Europa, revelou a superfície mais lisa vista até
então no sistema solar. Os relevos mais altos nessa superfície de gelo são estreitas riscas
43
43
brancas no centro das riscas mais escuras. Não montanhas e muito pouca crateras de
impacto, indicando uma superfície congelada muito nova. É possível que haja um oceano de
água líquida embaixo dessa superfície. O aquecimento pelas forças de marés que esmagam Io
também podem produzir calor o bastante para manter um oceano de água líquida sob a crosta
congelada de Europa. Na época Sagan fez uma analogia entre a Terra e Europa porque
quando vemos a superfície de Europa, percebe-se que é ativa, irregular, e, portanto, jovem.
Europa tem calor interno, de modo que a água é quente, pelo menos no fundo, e talvez morna
no resto. Na Terra os estremófilos que vivem próximos às fontes termais no fundo do mar. É
possível que semelhante ambiente, como uma fonte de energia e água em estado líquido,
exista atualmente em Europa. Caso exista, sua exploração seria uma das maiores realizações
da vida humana.
Apesar de a presença de um oceano poder ter sido essencial para o surgimento da vida,
os processos de colisão também podem afetar a evolução no sistema solar. Esses processos
passaram a ser entendidos quando a Voyager 2 passou por Mimas, um mundo pequeno,
congelado, cerca de 400 quilômetros de diâmetro, em órbita ao redor de Saturno. Sua
superfície cheia de crateras é um indicativo dos efeitos esperados das colisões. Pensava-se que
os processos de colisão produziam marcas indicativas da idade da superfície, mas sem muita
importância. As pesquisas revelaram que Mimas foi atingido diversas vezes por grandes
corpos e quebrou-se várias em delas, portanto, os processos de colisão são fundamentais para
a evolução física desse mundo em particular. Outro mundo congelado, mas ao redor de Urano,
Miranda, possui a superfície mais complexa observada do sistema solar, sugerindo que os
processos de colisão podem bem ter contribuído para sua evolução física. Os resultados
dessas pesquisas comparando outros planetas ou luas em relação à Terra é que tanto a água
em estado líquido quanto os processos de colisão são muito importantes para a evolução física
dos corpos no sistema solar, bem como no caso da Terra, em que se acredita que a Lua da
Terra foi, provavelmente, o resultado da colisão com um objeto do tamanho de Marte.
Dessas pesquisas, Sagan deduziu que a relação entre colisão e origem da vida na Terra
está diretamente relacionada à estabilização do eixo da Terra pela órbita da Lua, criando
assim condições climáticas necessárias para a evolução de formas complexas de vida
31
. Da
mesma maneira, as colisões podem afetar a vida negativamente. Muitos como Sagan
acabaram acreditando que há 65 milhões de anos o impacto de um objeto com a Terra levou a
extinção dos dinossauros e de muitas outras espécies. Os processos de colisão, segundo
31
CARL Sagan: Pálido Ponto Azul;Cia. Das Letras. S.P. 1996. pp 350.
44
44
Sagan, afetariam a vida na Terra de forma que talvez tenham criado as condições para os
mamíferos se desenvolverem, levando ao surgimento do homo sapiens. Este dados seriam
seriamente repensados quando o cometa Shoemaker-Levy 9 chocou-se com Júpiter em julho
de 1994.
Além da presença de oceano, movimentos tectônicos e vulcanismo, a química
orgânica dos planetas também desempenha um papel importante para a origem da vida e
Sagan tinha grande interesse nisso. Uma das Luas de Saturno, Titã, foi objeto de atenção
redobrada de Sagan ao longo dos anos 80. Titã é uma Lua com dimensões planetárias,
aproximadamente do mesmo tamanho que Mercúrio e difere dele e de alguns dos outros
planetas porque tem uma atmosfera substancial: a pressão atmosférica de sua superfície é 1,6
vezes maior que a da Terra e tem uma atmosfera que contém aproximadamente 80% de
nitrogênio; e ao contrário da Terra, que contém oxigênio, Titã contém metano.
Um dos principais desafios no encontro da Voyager com Titã, em 1980, foi procurar fissuras
na camada nebulosa, de forma que pudesse examinar a superfície. Sagan achou que esse era
um objetivo muito importante, apesar de a possibilidade ser mínima. Infelizmente tiveram que
confiar em outros dados para inferir o que estivesse abaixo da atmosfera. O que se descobriu
foi que Titã tem uma fina cerração, uma camada opaca de polímeros orgânicos complexos
cuja composição era desconhecida; várias outras dessas camadas tinham uma composição
química não entendida naquela época, mas que sugeriam que esses processos químico-
orgânicos podem ter ocorrido na jovem Terra antes dela evoluir.
2.6 Das conjecturas aos paradigmas
A Ciência evolui através de atos de homens e mulheres, tais como inventar hipóteses,
realizar experimentos, ponderar provas e publicar resultados. A finalidade desses atos é
produzir, se possível, um conhecimento verificado; um conhecimento que mereça a aceitação
da comunidade científica. No entendimento de Sagan para produzir tal conhecimento, a
ciência deve ser racional, pois se as alegações do conhecimento não forem racionalmente
fundamentadas, faltarão argumentos para que elas sejam preferidas e referidas às pretensões
de gurus e adivinhos, aos quais Sagan dedicou vários capítulos em O Mundo Assombrado
Pelos Demônios
32
. Portanto para Sagan, se quisermos entender o empreendimento científico,
devemos apurar não só como a ciência evolui, mas, também até que ponto o faz
32
SAGAN, 1997, op. cit.
45
45
racionalmente. Para ser racional, portanto, a ciência deve procurar a concordância universal,
pelo menos dentro da disciplina ou especialidade, como é o caso da astrobiologia. Não
obstante, a universalidade, neste sentido, é apenas a forma da racionalidade científica, não a
substância, entretanto as pessoas podem ser coletivamente irracionais, e os cientistas podem
pensar que estão agindo racionalmente quando não estão. O acordo coletivo é uma condição
necessária, mas, não suficiente para a racionalidade em ciência. Se uma solução de um
problema científico é proposta como logicamente correta e verdadeira (como no caso das
pesquisas sobre o efeito estufa venusiano, levaram a outras pesquisas sobre o clima da Terra e
sua relação com a poluição), ela deve ser verificável por todos os cientistas que trabalham
nesse campo. Isto não quer dizer que eles cheguem a um acordo imediatamente isso pode
levar uma década, uma geração ou mais. Por exemplo, Kuhn
33
sustenta que a ciência progride
quando os cientistas são treinados numa tradição intelectual comum e usam essa tradição para
resolver os problemas que ela suscita, Kuhn a história de uma ciência “madura” como
sendo, essencialmente, uma sucessão de tradições (no caso da astrobiologia, essa tradição
segundo alguns vem de Giordano Bruno, Fontenelle, Kant, etc.), cada uma das quais com sua
própria teoria e seus próprios métodos de pesquisa, cada uma guiando uma comunidade de
cientistas durante um certo período de tempo e sendo finalmente abandonada.
Kuhn começou por chamar as idéias de uma tradição científica um “paradigma”. O
paradigma como um todo, determina que problemas são investigados (ex. vida em Marte),
que dados são considerados pertinentes (as observações por telescópio), que técnicas de
investigação são usadas e que tipos de solução se admitem (os experimentos da Viking ).
Revoluções como as de Copérnico, Newton, Darwin, Einstein e Sagan não são
freqüentes, dizia Kuhn, e são deflagradas por crises. Uma crise ocorre quando os cientistas
são incapazes de resolver muitos problemas se longa data com que o paradigma se defronta
(os canais marcianos). O acúmulo de anomalias é então considerado um escândalo (os canais
marcianos, os mares e pântanos de vênus...) e os cientistas começam a testar o paradigma e
procurar alternativas baseadas em diferentes pressupostos metafísicos. Finalmente, uma
alternativa ganha apoio da maioria dos cientistas nesse campo e é aceita como novo
paradigma (o estudo dos “extremófilos”, criaturas que conseguem viver em ambientes
extremos como desertos, secos, frios e quentes, alta temperatura e pressão no fundo do
oceano, radiações intensas, etc são resultados da pesquisa por busca de vida extraterrestre) Os
conhecimentos anteriores são repensados ou descartados; compêndios são reescritos; os
33
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1994.
46
46
cursos alterados; e os cientistas encaram o mundo de modo diferente. De certa forma é
exatamente isso que aconteceu quando Asimov, Bradbury, Clarke declararam que seus livros
de popularização da ciência e de ficção científica se espelhavam nas teorias mais modernas da
época e que com o advento da exploração do espaço na competição EUA X URSS cada nova
informação recebida era um “choque” que suas, e de outros também, mais obstinadas
antevisões não se concretizaram, mas tomaram um novo rumo, não foi encontrado vida em
Marte, mas se aprendeu sobre a importância da camada de ozônio, não se encontrou seres pré-
históricos, pântanos ou mares em Vênus, mas se aprendeu sobre o efeito estufa e com isso
surgiu uma nova disciplina na astrobiologia, a planetologia comparativa.
Por outro lado Paul Feyerabend acreditava que o cientista deve ter liberdade para
tentar qualquer procedimento que lhe agrade. Isso porque uma vez aceita uma teoria
abrangente, isso encorajava os cientistas a proporem teorias que se compatibilizem com
aquela que produzam previsões coerentes, em nosso estudo sabemos que Sagan fez isso
propondo teorias mais arrojadas, fosse por influências da ficção científica ou do programa
Hutchins da escola. Feyerabend chama a essas teorias subsquentes e os campos de pesquisa
que elas regem “ciências auxiliares” (astrobiologia, planetologia comparativa,
radioastronomia, astronáutica, etc....) Por quanto mais tempo uma teoria for aceita, tanto mais
ela e suas ciências auxiliares se reforçarão mutuamente. Segundo Feyerabend, uma nova
teoria é testada não em face dos dados reunidos para verificar suas próprias previsões, mas
também em comparação com os dados fornecidos por ciências auxiliares, baseados em
pressupostos semelhantes aos da teoria estabelecida. No caso das descobertas feitas por Sagan
sobre Vênus e Marte e depois Titan a planetologia comparativa usava de “ciências auxiliares”
como a climatologia, atmosfera, relevo, aerofotogrametria, geologia, biologia, físico-química
e química orgânica para os estudos comparativos entre esses corpos celestes a Terra. Por isso,
em princípio, Feyerabend, dizia que o cientista pode fazer aquilo que lhe agrade mais. Não
existe regra de pesquisa que não tenha sido violada alguma vez nos superiores interesses da
ciência; por conseguinte, não se pode insistir para que, numa dada situação, o cientista adote
obrigatoriamente um certo rumo. Sagan fez isso mais de uma vez, e em todas as vezes que,
um novo tópico, um assunto, uma dúvida de um orientando fizesse com que ele mesmo
mudasse os rumos de suas pesquisas. No fim das contas pode ser justamente essa a situação
em que a regra deve ser violada. Nas palavras de Feyerabend não existe uma regra única, por
mais plausível que seja e por mais firmemente alicerçada que esteja na epistemologia, que não
possa ser violada de um momento para o outro. Tais violações não seriam eventos isolados
nem acidentais, mas necessários ao progresso e que, portanto, só existe um princípio que pode
47
47
ser defendido em todas as circunstâncias e em todos os estágios do desenvolvimento humano;
é o princípio de que qualquer coisa serve
34
. A nova teoria (astrobiologia, planetologia
comparada) poderá predizer novos fatos, alguns dos quais podem ser confirmados, embora
não de imediato, necessariamente (vida extraterrena). A teoria também será acompanhada por
hipóteses subordinadas, as quais poderão converter-se com o tempo em ciências auxiliares
capazes de predizer mais fatos. Assim, de um modo diferente, procedeu Carl Sagan
integrando duas culturas a científica e a humanista. Até 1985, seu talento literário havia
sido exercido em obras como Os Dragões do Éden, onde discute a evolução humana. No
mesmo ano, lançou sua única obra de ficção, Contato. Nesse livro, Sagan desenvolve seu
tema predileto, a possibilidade da existência de formas de vida inteligentes extraterrestres.
Como maior comunicador social da pluralidade dos mundos, exerceu um papel, com novos
instrumentos como a televisão. A popularização da astronomia conjuga-se a uma visão quase
religiosa da multiplicidade de inteligências cósmicas. Flammarion via a pluralidade dos
mundos habitados como uma doutrina cuja verdade impõe-se intuitivamente, pois a existência
da vida justificaria o mundo material. Um dos primeiros cientistas a se interessar por
programas detecção de sinais de rádio extraterrestres, ainda nos anos 1960, Sagan escreveu
com pleno conhecimento de causa. O envolvimento científico de Contato não impediu Sagan
de discutir as possíveis implicações religiosas da SETI. A ficção científica de melhor
qualidade, alias sempre teve tais preocupações, como em 2001 Uma Odisséia no Espaço, de
Arthur Clarke. Assim, segundo Feyerabend, cada previsão bem sucedida que é gerada pela
nova teoria encoraja os cientistas a trabalharem mais com as incipientes ciências auxiliares da
teoria e vice versa. Deste modo Sagan, “o inovador”, persuade outros cientistas (quando não
apenas seus orientandos) a considerarem seriamente os novos fatos, usando hipóteses e
bastante propaganda. Suas hipóteses explicariam provisoriamente fatos que de outro modo
não teriam explicação. O cientista (Sagan) espera que estas hipóteses sejam finalmente
confirmadas e forneçam, pois, o núcleo teórico das ciências auxiliares que ele procura.
34
FEYERABEND, P. K. Contra o método. São Paulo: Francisco Alves, 1978.
48
48
CAPÍTULOIII– SAGAN: O DIVULGADOR DO VÔO INTERESTELAR
3.1 Razões do vôo interestelar
Durante os anos de 60 e 70, era quase certo que estaríamos em Marte antes do ano
2000. Expedições robóticas à parte, houve um recuo no programa de viagens aos planetas e as
estrelas. Desde que os EUA venceram a URSS na corrida à Lua, pareceu ter desaparecido
uma justificativa coerente, amplamente reconhecida, para levar seres humanos ao espaço. Os
presidentes e as comissões do congresso não sabiam o que fazer com o programa espacial que
emprega tripulações humanas. Para que servia tal programa? Desistir do vôo espacial
tripulado seria uma rejeição da realização norte-americana. Que presidente ou congresso teria
desejaria ser o responsável pelo fim dom programa espacial? Na ex URSS a estória é a
mesma.
Wernher Von Braun em seu livro Das MarsProjekt de 1952, imaginava uma primeira
missão com dez naves espaciais interplanetárias, setenta tripulantes e três naves de pouso.
Seus requisitos lógicos, não seriam maiores do que aqueles necessários para uma operação
militar de pequeno porte que se espalharia por um limitado teatro de guerra. Von Braun tinha
ódio pela visão do foguete solitário e seu pequeno grupo de aventureiros interplanetários
audaciosos; em seu lugar invocava a viagem de Cristóvão Colombo.
Sagan examinou sua “lista” de prioridades que se colocaram entre o vôo
interplanetário e as demandas da sociedade e propôs a seguinte sugestão: realizar projetos e
pesquisa e desenvolvimento que possam ser justificados por seus próprios méritos ou pela sua
importância para outros objetivos, mas que também possam contribuir para missões humanas
a Marte, se mais tarde devêssemos partir. Sagan imaginou para isso uma “agenda” que
incluiria os seguintes tópicos
35
:
Astronautas norte americanos na estação Mir para vôos conjuntos de duração
gradativamente mais longa, procurando chegar a um ou dois anos, o tempo de viagem a
Marte.
49
49
Configuração da estação espacial internacional de modo que sua função
principal seja estudar os efeitos, em longo prazo, do meio ambiente espacial sobre seres
humanos.
Na estação espacial a implementação de um modulo de “gravidade artificial”
giratório, para animais e, depois, para seres humanos.
Estudos intensivos do Sol, inclusive um conjunto distribuído de sondas
robóticas em órbita ao redor do Sol, para monitorar a atividade solar e alertar os astronautas o
mais cedo possível, sobre os perigosos “clarões solares”.
Desenvolvimento norte americano/russo e multilateral da tecnologia dos
foguetes Energyia e Proton para os programas espaciais norte-americanos e internacionais.
Embora não seja provável que os EUA dependam basicamente de um propulsor auxiliar
soviético, o Energyia tem, aproximadamente, a mesma potencia do Saturno V, que enviou os
astronautas da Apollo à Lua. Os EUA deixaram a linha de montagem do Saturno V morrer, e
ela não pode ser ressuscitada de imediato. Próton é um dos grandes propulsores auxiliares ora
disponíveis, o mais confiável. A Rússia esta ansiosa por vender sua tecnologia em troca de
moeda forte.
Projetos conjuntos com a NASDA (agencia espacial japonesa) e a
Universidade de Tóquio, Agência Espacial Européia e a Agência Espacial Russa, junto com o
Canadá e outras nações. Na maioria dos casos, os projetos deveriam ser parcerias em de
igualdade, sem que os EUA insistissem em ditar as regras. Para exploração robótica de Marte,
esses programas já estão sendo desenvolvidos. Para o vôo tripulado, a principal dessas
atividades é claramente, a estação espacial internacional. Por fim, poderíamos realizar em
conjunto missões planetárias simuladas em órbitas inferiores da Terra. Um dos principais
objetivos desses programas deve se criar uma tradição de excelência técnica e cooperativa.
Desenvolvimento tecnológico usando a robótica e a inteligência artificial mais
avançada de veículos, balões e aviões para a exploração de Marte, e implementação da
primeira missão internacional de coleta de amostras. Espaçonaves robóticas capazes de trazer
amostras de Marte podem ser testadas em asteróides próximos da Terra e na Lua. Amostras
coletadas em regiões cuidadosamente selecionadas da Lua podem ter suas idades
determinadas e contribuir de modo fundamental para nossa compreensão da história primitiva
da Terra.
Desenvolvimento adicional de tecnologias para fabricar combustíveis e
oxidantes com materiais marcianos. Numa estimativa, com base num protótipo de Robert
Zubrin e colegas em Martin Marietta Corporation, vários quilos do solo marciano podem ser,
50
50
automaticamente, enviados a Terra por meio de um modesto e confiável veículo de
lançamento Delta, tudo apenas por uma ninharia (em termos relativos)
Simulações, na Terra, de viagens de longa duração a Marte, concentrando-se
em problemas psicológicos e sociais potenciais.
Busca vigorosa de novas tecnologias, como propulsão de aceleração constante,
para nos levar a Marte rapidamente; isto poderá ser essencial, se os perigos da radiação e da
microgravidade tornarem o tempo de vôo de um ano (ou mais) demasiado arriscado.
Estudo intensivo dos asteróides próximos da Terra, que podem fornecer, em
escalas de tempo intermediários, objetivos superiores aos oferecidos pela Lua no que diz
respeito à exploração humana.
Maior ênfase dada á ciência inclusive as ciências básicas por trás da exploração
espacial e a analise completa dos dados já obtidos pela NASA e outras agencias espaciais.
Essas recomendações de Sagan descrevem apenas uma fração do custo total de uma
missão humana a Marte e se distribuídas por mais ou menos uma década e realizadas em
conjunto com outras nações em uma fração dos orçamentos espaciais atuais. Se fossem
implementadas, elas nos ajudariam a fazer estimativas de custos precisas e uma avaliação
mais realista dos perigos e benefícios. Elas nos permitiram manter um progresso mais robusto
na direção das expedições humanas a Marte, sem compromissos prematuros com nenhum
hardware especifico para a missão. A maioria, talvez a totalidade, das recomendações tem
outras razões de ser, mesmo que tivéssemos certeza de não poder enviar seres humanos a
qualquer outro mundo nas próximas décadas. E um ritmo constante de realizações que
aumentam a possibilidade de viagens humanas a Marte combateria, segundo Sagan, na mente
de muitos, pelo menos o pessimismo muito difundido sobre o futuro. Sagan acreditava
plenamente no que dizia e sua qualidade como comunicador em palestras para o público mais
amplo possível. Nessas palestras ele enfatizava outras questões inerentes ao vôo espacial ele
argumentava que havia uma série de outros argumentos menos tangíveis, muito dos quais, ele
admitia com franqueza, atraentes e vibrantes. O o espacial falaria alguma coisa profunda
dentro de nós, de muitos de nós, se não todos. Uma emergente perspectiva cósmica, uma
compreensão aperfeiçoada de nosso lugar no Universo, um programa altamente visível que
influenciasse nossa visão de nos mesmos esclareceriam a fragilidade de nosso meio ambiente
planetário, o perigo comum e a responsabilidade de todas as nações e de todos os povos da
51
51
Terra
36
. E as missões humanas a Marte forneceriam perspectivas esperançosas, ricas em
aventura, para os errantes entre nós, especialmente os jovens. Até a exploração tem utilidade
social acreditava Sagan. Nessas palestras em Universidades, grupos de militares e de
comerciantes, organizações profissionais Sagan se entusiasmava junto com seu público de
entusiastas do espaço que segundo ele tem menos paciência com os obstáculos práticos e
queriam reaver os dias gloriosos da Vostok e Apollo e seguir adiante e pisar em outros
mundos.
Para Sagan o vôo de exploração espacial divulga as idéias científicas, o pensamento
científico e o vocabulário científico. Eleva o nível geral da investigação intelectual. A idéia de
que agora compreendemos algo, que ninguém entendeu antes essa satisfação, especialmente
intensa para os cientistas envolvidos, mas perceptível para quase todo mundo, propaga-se pela
sociedade, ricocheteia nas paredes e retorna para nos. Aumenta o senso geral de otimismo na
sociedade. Faz circular pensamentos críticos, do tipo urgentemente necessário, para resolver
questões sociais até então intratáveis. Ajuda a estimular uma nova geração de cientistas.
Quanto mais a ciência é divulgada pela mídia especialmente se os métodos também são
descritos, além das conclusões e implicações, tanto mais saudável é a sociedade (na opinião
de Sagan). Por toda parte, as pessoas sentem um enorme desejo de compreender.
Em Broca’s Brain (1974) Sagan já falava da importância necessária desesperadamente
de uma exploração de futuros alternativos, ambos experimentais e conceituais, pois, os livros
de ficção científica tratavam deste ponto, principalmente, dentro daquele contexto dos anos
60-70 discutindo sistemas econômicos alternativos ou uma resistência passiva para se ocupar
o poder. Mas Sagan era muito inocente quanto à política, não compreendia muito bem que, as
sociedades têm vida própria. As sociedades são organizadas de modo a conservar a forma
particular a que se adaptaram. Normalmente os homens em toda sociedade acreditam ser
natural e inevitável o modo pelo qual vivem. Não vêem outras possibilidades e tendem a crer
que qualquer modificação essencial em sua forma de existência levaria ao caos e a destruição.
Não obstante, as sociedades se modificam. Outros fatores, como as novas forças
produtivas, descobertas científicas, conquistas políticas, crescimento da população, e assim
por diante, levam á modificação. Alem desses fatores objetivos, a consciência cada vez maior
que tem o homem de suas necessidades, de si mesmo e, acima de tudo,a crescente necessidade
de liberdade e independência provocam modificações constantes nas situações históricas,
36
SAGAN, C. lido ponto azul: uma visão do futuro da humanidade no espaço. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996, p.329-31.
52
52
levando-as da existência do homem das cavernas até o viajante espacial do futuro próximo.
Eis o porque de todas as catástrofes imaginadas por Sagan, talvez seja essa a que tem mais
probabilidade de acontecer. A maioria das transformações surgem de forma violenta e
catastróficas. A maioria das sociedades foi incapaz de adaptar-se de forma pacifica e
voluntária às condições fundamentalmente novas, mesmo prevendo as modificações
necessárias. Sua tendência foi continuar procurando conservar o padrão básico de suas vidas
sociais, apenas com pequenas transformações e modificações. Mesmo quando surgiram
circunstâncias em completa e flagrante contradição com a estrutura total dessas sociedades,
elas continuaram tentando conservar cegamente seu modo de vida, até que isso não fosse mais
possível.
Tendo pelo menos uma idéia dessas possíveis catástrofes que passarão ao longo dos
anos setenta até o início dos anos oitenta, é quando Sagan procurado para dirigir uma série
televisiva sobre a história da astronomia que viria a ser a conhecida série de tv “Cosmos” esta
série vista por milhões de pessoas em todo mundo elevou Carl Sagan a categoria de pop star
da media. Entretanto, o conteúdo do programa, depois de uma série de disputas internas entre
os produtores, era um misto de mitologia, religião disfarçada de história, história da ciência e
ficção científica, claro, porque a série precisava vender, e Sagan era o garoto propaganda que
poderia vender ciência. Em todas estas ocasiões, Sagan enquanto divulgador de ciência
sempre deixou levar-se pelo seu lado da ficção científica imaginando um mundo que sabia
que não estaríamos vivos para ver, mas, sobretudo acreditava no potencial criativo, apesar de
seus mais profundo medos, acerca da humanidade, sua obra mesmo que tendo algumas
críticas de outros cientistas é merecedora de inspiração para as novas gerações de
pesquisadores que sempre irão utilizar destas mesmas idéias para desenvolver novas idéias
sobre o mesmo tema, por isso é interessante que o ensino de História da Ciência nas escolas,
especialmente no Brasil também leve em consideração a importância da ficção científica.
Sagan era muito otimista nas previsões de missões espaciais no século XX.
Infelizmente, muitas das previsões de missões espaciais acabaram não acontecendo. Nos
desistimos da exploração humana do espaço para além de órbitas baixas em torno da Terra,
pelo menos por enquanto.
Sagan acreditava que a mesma geração a que ele pertencia, e que cresceu antes da
idade do espaço, e estava em meados da sua vida quando os astronautas caminharam sobre a
superfície da Lua, veria, quando mais idosa, humanos em Marte. Todavia, os vôos para Marte
parecem mais remotos hoje do que durante a era Apollo. Tais vôos são tão tecnologicamente
possíveis como economicamente viáveis. Previu que quando todo nosso planeta tivesse sido
53
53
explorado, o tribalismo e o nacionalismo se dissipariam. Os conflitos do final do século XX,
muitos deles por motivos tribais ou religiosos, contradisseram essa esperança. O êxito
alcançado em fins do século na exploração científica do Sistema Solar aumentou, mas ainda
assim está longe das esperanças de Sagan. Analisou-se a atmosfera de Júpiter. A Voyager
voou para alem de Netuno, mas nenhum veículo espacial voou até Plutão até o fim dos anos
80. A Galileu forneceu imagens próximas das grandes Luas de Júpiter, mas nenhuma sonda
(naquela época) foi planejada para descer nestas Luas.
3.2 Efeito estufa e inverno nuclear
Mas com todas essas informações, Sagan pode fazer alguns alertas sobre o futuro da
humanidade. Sagan explicou para o público leigo ao comparar Vênus com a Terra e usar seus
argumentos para demonstrar o que é o efeito estufa. Mas a descoberta dos CFCs e sua relação
efeito estufa e camada de ozônio foram pesquisados por Rowland e Molina que faziam
cálculos de reações químicas envolvendo cloro e flúor usando os dados da atmosfera de
Vênus. O trabalho teórico sobre o papel dos CFCs na diminuição da camada de ozônio foi
confirmada por outros cientistas em Harvard. Portanto o estudo da atmosfera de Vênus
proporcionou e ajudou a confirmar a descoberta de que a camada de ozônio da Terra estaria
em perigo. Uma conexão inteiramente inesperada foi encontrada entre as comparações entre
dois planetas. Um resultado importante proveio daquilo que poderia parecer a pesquisa menos
realista, mais abstrata e menos prática, compreender a química de outros planetas.
também uma conexão com Marte. Com o auxílio da Viking descobriram que a
superfície de Marte aparentemente não tem vida, sendo muito deficiente até em moléculas
orgânicas simples. Essa deficiência é amplamente atribuída à falta de ozônio em Marte. As
experiências de microbiologia realizadas pela Viking mostraram a matéria orgânica
transportada da Terra para Marte e borrifada sobre a poeira da superfície marciana é
rapidamente oxidada e destruída. A luz ultravioleta do Sol atinge a superfície de Marte sem
encontrar o obstáculo da camada de ozônio; se ali houvesse alguma matéria orgânica, seria
rapidamente destruída pela própria luz ultravioleta e pela química oxidante natural de Marte.
Assim, parte da razão para camadas superiores do solo marciano serem anti-sépticas é que
Marte tem um buraco na camada de ozônio de dimensão planetária. Portanto as conclusões a
que chegaram é que o aquecimento global é previsto como uma conseqüência do crescente
54
54
efeito estufa, causado, em grande parte, pelo dióxido de carbono gerado pela queima de
combustíveis fosseis, mas também pela formação de outros gases que absorvem os raios
infravermelhos.
Na década de 1980 os maiores emissores de dióxido de carbono eram os Estados
Unidos e em segundo a URSS e em terceiro os países em desenvolvimento. Esse fato muito
importante colocou no mesmo patamar as nações ricas e pobres, porque o efeito estufa não era
apenas um problema da tecnologia, pois, as queimadas para aumentar áreas agricultáveis, o
uso do carvão mineral, e assim por diante, os países em desenvolvimento também estariam
dando uma contribuição para o aquecimento global. E para piorar os países em
desenvolvimento tem a maior taxa de natalidade do mundo, e mesmo que conseguissem
atingir o padrão de vida europeu eles constituiriam uma parte cada vez maior do problema.
Seguindo a ordem de emissores vem a China e a Europa e o Japão. Sagan alertava que os
interesses industriais investidos eram poderosos e a resistência dos consumidores era fraca
demais para que ocorresse alguma mudança significativa no atual modo de viver, ou que
talvez a transição para uma civilização não dependente de combustíveis fósseis pressionasse a
economia mundial viesse a causar o caos econômico.
Outras informações também puderam ser obtidas através de observações climáticas de
Vênus e Marte, com base nos princípios fundamentais da física. Os modelos de computador
usados para entender o clima de Vênus e Marte também foram usados para conhecer melhor o
clima da Terra, para tanto foram utilizados dados sobre o clima dos séculos XIX e XX e
acrescentados a história geológica do planeta, o resultado novamente é o efeito estufa. Sagan
estava ciente, de outros exemplos, de cientistas que estavam fazendo descobertas praticas
sobre a Terra ao estudarem as atmosferas de outros mundos, por causa desses estudos foi
criada uma nova área dentro da astrobiologia, conhecida como Planetologia Comparativa.
O inverno nuclear foi calculado e nomeado pela primeira vez em 1982/83 por um
grupo de cinco cientistas, ao qual Sagan fazia parte. A equipe apelidada de TTAPS que
correspondia aos nomes de Richard P. Turco, Owen B. Toon, Thomas Ackerman, James
Pollack e Carl Sagan, desta equipe dois eram cientista planetários e os outros três haviam
publicados muitos artigos sobre ciência planetária. O primeiro indício de inverno nuclear
surgiu durante a missão Mariner 9 para Marte, quando houve uma tempestade de areia global
que os impediu de ver a superfície do planeta; o espectômetro da nave constatou que a
atmosfera superior estava mais quente e a superfície mais fria do que deveriam. Nos doze
meses seguintes Pollack e Sagan calcularam como poderia ser uma tempestade dessa
magnetude, e isso os levou aos aerosóis vulcânicos da Terra, á possível extinção dos
55
55
dinossauros pela poeira do impacto e ao inverno nuclear. O inverno nuclear é o escurecimento
e esfriamento da Terra devidos, principalmente, ás finas partículas de fumaça lançadas na
atmosfera pela queima de cidades e instalações de petróleo que segundo se acredita, deverá
ser a conseqüência de uma guerra termonuclear global. Houve na ocasião um intenso debate
científico sobre qual seria exatamente a gravidade de um inverno nuclear. O consenso geral a
que se chegou foi que as temperaturas globais resultantes de um inverno nuclear em todo
mundo seriam mais baixas que a das eras glaciais. As implicações para a civilização
planetária, especialmente devido ao colapso da agricultura seriam um verdadeiro desastre de
proporções nunca imaginadas. É uma conseqüência da guerra nuclear que foram, de certo
modo, negligenciadas pelas autoridades civis e militares dos EUA, URSS, Inglaterra, França e
China, quando decidiram acumular bem mais de 60 mil armas nucleares. Embora fosse difícil
ter certeza sobre o assunto, argumentou-se que a hipótese do inverno nuclear desempenhou
um papel construtivo na tarefa de conter a corrida armamentista
37
.
Enfim, se estivesse vivo Sagan reafirmaria suas idéias de que, em toda a história da
humanidade nunca houve antes uma época em que tantas mudanças significativas ocorreram.
Acomodar-se às mudanças é a chave de um pensamento de futuros alternativos a ser
perseguido para a sobrevivência da civilização e talvez da própria espécie. Essa é uma
geração em que cresceu com a relação ciência e ficção científica e sempre soube que muitos
jovens que irão naturalmente se interessar e não ficarão assustados se receberem uma
mensagem de uma civilização extraterrestre, pois eles já estarão acostumados com o futuro. E
não seria exagero dizer que se sobrevivêssemos, a ficção científica terá uma vital contribuição
para a continuação da evolução da nossa civilização.
3.3 O conhecimento do espaço e a sobrevivência da espécie humana
A ciência planetária foi para Sagan um aprendizado e ajudou a formação de um amplo
ponto de vista interdisciplinar, extremamente útil para descobrir e tentar reduzir o perigo
dessas ameaçadoras catástrofes ambientais. Quando se começa a conhecer outros mundos,
como ele conheceu, ganha-se uma perspectiva sobre a fragilidade dos meios ambientes
planetários e sobre outros meios ambientes, bem diversos, são possíveis. É plausível,
acreditava Sagan, que haja catástrofes globais potenciais ainda por descobrir. Se estas se
37
CARL Sagan: Cosmos. op cit. Pp 318-333.
56
56
confirmarem Sagan apostava que os mesmos cientistas planetários desempenhassem um papel
central nesta questão.
De todas as áreas da matemática, da tecnologia e da ciência, a que tem maior
cooperação internacional, pela freqüência de artigos de pesquisa, é a área (que após a morte
de Sagan passou a se chamar planetologia comparada) chamada a Terra e as Ciências
Espaciais. O estudo deste mundo e de outros, pela sua própria natureza, tenderia a não ser
local ou nacionalista. As pesquisas por serem internacionalistas permitem que se descubram
outros trabalhos que complementem os de outros pesquisadores de outras nações; ou que para
resolver um problema, precisam de dados ou de outras perspectivas não disponíveis em
alguns países. E quando acontecia essa cooperação os seres humanos (como diria Sagan), de
diferentes partes do planeta, trabalhando, como parceiros, em questões de interesse comum,
por meio de uma linguagem científica mutuamente inteligível, e também, acreditava, o
mesmo acontecendo em outras questões não científicas, o que é bem mais difícil porque na
política o interesse não é comum. Mas Sagan avaliando os fatos, da utilidade da exploração do
espaço parecia-lhe extremamente prático e urgente para os habitantes da Terra. Mesmo que a
perspectiva de explorar outros mundos não despertasse o menor interesse, mesmo que não
tivessem um mínimo de espírito aventureiro, mesmo que só se preocupassem consigo mesmos
e de maneira bem limitada, ainda assim a exploração planetária constituiria um grande
investimento, e para isso Sagan justificou a exploração espacial através de algumas das
catástrofes.
Naturalmente, o Sistema Solar nem sempre foi tão ordenado com o é agora. Quando os
planetas estavam começando a se formar, uma nuvem de poeira e gás nas regiões periféricas
do Sol se condensou em fragmentos de diversos tamanhos. Os fragmentos maiores cresceram
às custas dos menores, até que grandes núcleos de tamanho planetário se formaram, porém,
restaram objetos menores, mas de tamanhos ainda consideráveis. Alguns deles se
transformaram em satélites, circundando os planetas, vindo a ter órbitas estáveis.
É bem possível que os cometas sejam resíduos inalterados oriundos das regiões mais
extensas da nuvem original de poeira e gás da qual se formou o Sistema Solar.
Provavelmente, são compostos por complexos químico-orgânicos. De vez em quando, um
cometa dessa camada distante pode ser perturbado pela influência gravitacional de alguma
estrela próxima e modificar a sua órbita, aproximando-se mais do Sol. Se, ao passar através de
um sistema planetário, o cometa for atraído pela força gravitacional de algum dos planetas
maiores, sua órbita, senovamente alterada e ele poderá permanecer nesse sistema até que
57
57
outra perturbação planetária o expulse de novo. O estoque de pequenos mundos recebeu
vários nomes: asteróides, cometas, pequenas luas.
Em 1993, um grupo de caçadores de asteróides e cometas, Carolyn e Eugene
Shoemaker e David Levy descobriram um que estava muito próximo de Júpiter. A órbita
desse cometa foi, então, determinada com alta precisão. Entre 16 e 22 de julho de 1994, todos
os fragmentos cometários, um depois do outro, colidiram com Júpiter. Seus impactos com
Júpiter foram espetaculares. Alguns militares na época influenciados talvez por alguns filmes
propunham a deflexão de asteróides e cometas empregando novas armas nucleares ou motores
de fusão nucleares.
Na época em que Sagan escreveu Pálido Ponto Azul havia uma estimativa de 2000
asteróides maiores de um quilometro dentre um numero de aproximadamente 200 mil com
diâmetro maior que cem metros. Sagan propunha a exploração desses asteróides maiores de 1
km alegando que alguns astronautas já estiveram por tempo maiores que toda a viagem de ida
e volta a alguns desses corpos celestes. Também existia a tecnologia de foguetes para chegar
até lá. Seria um passo muito menor do que ir a Marte ou, até mesmo sob vários aspectos, que
voltar á Lua, entretanto se algo desse errado a dificuldade em voltar para casa seria a mesma
que estar num desses planetas.
Sagan propunha, por exemplo, uma visita ao asteróide Nereu. Esta viagem levaria dez
meses para ir passar trinta dias e voltar com robôs ou seres humanos. Com essa expedição
poderiam examinar a forma, constituição, o interior, a história passada, a química orgânica, a
evolução cósmica e a possível ligação com os cometas desse pequeno mundo. Poderiam trazer
de volta amostras para serem examinadas com calma nos laboratórios da Terra. Poderiam
investigar se existem, de fato recursos de valor comercial, metais ou minerais no asteróide. Se
algum dia enviarmos seres humanos a Marte os asteróides próximos da Terra forneceriam
uma meta intermediaria conveniente e apropriada: testar o equipamento e os planos de
exploração, enquanto se estuda um pequeno mundo quase totalmente desconhecido. Esta
expedição seria, segundo Sagan, para adquirir uma experiência necessária.
Sagan sempre esteve ciente dos riscos da exploração espacial e não escondia isso de
ninguém porque enviar pessoas ao espaço exige uma razão muito boa e a compreensão
realista de que, é quase certo, que iremos perder vidas. Os astronautas e os cosmonautas
sempre compreenderam essa realidade. Ainda assim, nunca houve, nem vai haver falta de
voluntários.
Sagan dizia que outros sistemas planetários deveriam enfrentar seus próprios riscos de
impacto porque depois que os planetas se formam, muitos desses planetesimais se tornam
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58
sobras. Segundo seus cálculos os impactos que ameaçam a nossa civilização seriam de talvez
200 mil anos. E se existirem, as civilizações extraterrestres poderiam ter tempos de espera
muito diferentes, dependendo de fatores como características físicas e químicas dos planetas e
sua biosfera, natureza biológica e social da civilização, alem da taxa de colisão. Sagan conclui
dizendo que se no caso de ser comum o aparecimento de civilizações nos planetas por toda
galáxia, poucas serão, ao mesmo tempo, duradouras e não tecnológicas. Como o perigo dos
asteróides e cometas deve se aplicar a todos os planetas habitados da galáxia, se é que eles
existem, por toda parte os seres inteligentes deveriam unificar politicamente seus mundos
natais, abandonar seus planetas e deslocar os pequenos mundos próximos. E que sua opção
definitiva, como a nossa, seria o vôo espacial ou a extinção
38
.
Eis as justificativas de Sagan para se realizar o vôo espacial
39
;
Temos queimado combustíveis fósseis por centenas de milhares de anos.
Nos anos 60, havia tantos queimado madeira, carvão, petróleo e gás natural, em tão grande
escala, que os cientistas começaram a se preocupar com o crescente efeito estufa; os perigos
do aquecimento global começaram lentamente, a se introduzir na consciência política.
Os CFCs foram inventados nos anos 20 e 30; em 1974, descobriu-se que
atacavam acamada protetora de ozônio. Quinze anos mais tarde, entrou em vigor a proibição
de sua produção em todo mundo.
3º As armas nucleares foram inventadas em 1945. Só em 1983 é que as
conseqüências globais da guerra termonuclear foram compreendias. Em 1992, inúmeras
ogivas nucleares estavam sendo desmontadas.
O primeiro asteróide foi descoberto em 1801. Propostas mais ou menos
sérias para desloca-los foram imaginadas no início dos anos 80. O reconhecimento dos
perigos potenciais da tecnologia de deflexão dos asteróides veio pouco depois.
A guerra biológica nos acompanha séculos, mas seu casamento mortal
com a biologia molecular só ocorreu recentemente.
Nós, seres humanos, já provocamos extinções de espécies numa escala sem
precedentes desde o final do período cretáceo. na ultima década, no entanto, a magnitude
dessas extinções se tornou clara e se levantou a possibilidade de que, em nossa ignorância das
inter-relações da vida na Terra, poderíamos estar pondo em perigo o nosso próprio futuro.
Se observássemos as datas nessa lista e considerassem a serie de novas tecnologias
atualmente (naquela época) em desenvolvimento. Devido a ação ou inação, e ao mau emprego
38
CARL Sagan Pálido Ponto Azul.pp 339-385.
39
Idem pp 432
59
59
de nossa tecnologia, vivemos um momento extraordinário em que a nossa espécie poderia
destruir a si mesma, entretanto, a mesma espécie tornou-se capaz de viajar para os planetas e
estrelas. Sagan justifica esse momento dando uma sensação de uma história linear e
inexorável. Para Sagan a história da humanidade começaria com o desenvolvimento do
planeta seguido da evolução da vida, a sobrevivência no meio ambiente, o surgimento da
inteligência, e a invenção da tecnologia a compreensão das leis da natureza, que elas podem
ser reveladas por experiências e que o seu conhecimento pode ser usado tanto para salvar
quanto para destruir vidas, em ambos os casos, em escalas sem precedentes. Num lampejo,
criam dispositivos que alteram mundos. Algumas civilizações planetárias compreendem seu
caminho, estabelecem limites para o que pode e o que não deve ser feito e, em segurança,
passam pelo tempo dos perigos.
Como, afinal de contas, toda sociedade planetária será ameaçada pelos impactos
vindos do espaço, toda civilização sobrevivente é obrigada a empreender a viagem espacial.
Não por um entusiasmo exploratório ou romântico, mas pela mais prática das razões
imagináveis: manter-se viva. E, uma vez no espaço, durante séculos e milênios, deslocando
pequenos mundos e promovendo a engenharia de planetas, a espécie se desprende de seu
berço. Se existem, muitas outras civilizações acabarão por se aventurar muito longe de casa.
3.4 As perspectivas cósmicas
As piores perspectivas não deveriam, pelo menos para Sagan, serem causa para
desespero, e nem as melhores, para complacência. Se pudéssemos acreditava Sagan
agarrarmos o destino pela mão, poderíamos, talvez redireciona-lo, modifica-lo ou evita-lo.
Sagan explicava que, deveríamos manter habitável com urgência, numa escala de décadas ou
até anos. Isso implicaria segundo ele em mudanças no governo, na indústria, na ética, na
economia e na religião. Sagan tinha receio pelo fato de nunca termos feito isso antes ainda
mais em escala global e por ser difícil ainda mais pelas tecnologias perigosas estarem muito
difundidas e a corrupção muito disseminada. Os grandes líderes estão mais preocupados com
o curto prazo e não o longo. Os conflitos entre grupos étnicos, nações estado e ideologias
impediam (e impedem) que o tipo correto de mudança global seja instituído. Sagan também
tinha duvidas quanto a perceber se realmente compreendia o perigo de forma clara, ou que
60
60
grande parte do que se ouve a respeito daqueles que tem interesse pessoal em minimizar as
mudanças fundamentais.
Sua maior esperança era que acreditava nas mudanças sociais feitas pelos próprios
homens e que são duradouras, desde tempos imemoriais, trabalhamos não apenas em proveito
próprio, mas para nossos filhos e netos. E qual seria a solução? Seguindo a linha de raciocínio
de Sagan, a resposta seria assim. Se estivéssemos no espaço, entre os planetas, se houvesse
comunidades humanas auto-suficientes em muitos mundos, nossa espécie ficaria imune á
catástrofe. A diminuição da camada de ozônio em um mundo seria, pelo menos, um aviso
para se ter cuidados especiais com essa camada protetora em outro. Um impacto cataclísmico
num mundo deixaria, provavelmente, todos os outros ilesos. Quanto maior for o numero de
humanos fora da Terra, quanto maior a diversidade de mundos que habitarmos, quanto mais
variada a engenharia planetária, quanto maior o alcance de padrões e valores sociais, mais
segura estará a espécie humana.
Se alguém crescesse nos subterrâneos de um mundo com um centésimo da gravidade
da Terra e vendo os céus pretos pelas janelas, não teria o mesmo conjunto de percepções,
interesses, preconceitos e predisposições de um habitante da superfície do planeta natal. O
mesmo aconteceria se a pessoa vivesse na superfície de Marte, em plena convulsão da
“terraformação” de Vênus, ou em Titã. Essa estratégia imaginada por Sagan tinha um
propósito: dividir a população em grupos menores que se auto-propagam, cada um com forças
e preocupações diferentes, mas todos marcados pelo orgulho local, isto segundo Sagan
poderia ser a chave de nosso próprio entendimento. Esta também era uma das justificativas
que faltava para uma presença no espaço: melhorar a nossas chances de sobrevivência não
apenas ás catástrofes que se poderiam prever, mas, também aquelas em que não poderíamos
prever. Prosseguindo em seu raciocínio Sagan argumentava que não era dispendioso para uma
escala de longo prazo para se realizar as coisas na Terra. Não era necessário dobrar os
orçamentos das nações que exploram o espaço, e que se considerasse o mesmo gasto com os
orçamentos militares, este seria apenas uma fração deles. Tão logo fosse possível estaríamos
assentando humanos em asteróides próximos da Terra e estabelecendo bases em Marte.
Mesmo com a tecnologia do fim do século XX era possível faze-lo, num espaço de tempo de
uma vida humana. E as tecnologias iriam se aperfeiçoar rapidamente, tornando-nos mais
competentes em viagens espaciais.
Um esforço sério para enviar seres humanos a outros mundos é relativamente tão
barato numa base por ano que não poderia na realidade, competir com as agendas sociais mais
urgentes na Terra. Se tomássemos esse caminho a participação na ajuda na recuperação
61
61
climática do planeta seria muito mais real que em qualquer época anterior de exploração e
descoberta.
Sagan rememorando a história pensou que, sem dúvida, a exploração e colonização
deveriam ser esclarecidas, pautadas por um respeito aos ambientes planetários e ao
conhecimento científico que eles encerram. E seria correto que a exploração e a colonização
deveriam ser feitas eqüitativamente e transnacionalmente, por representantes de toda espécie
humana. E nossa história colonial passada não é encorajadora nesse sentido; mas desta vez, o
que nos moveria não seria o ouro, as especiarias, os escravos, nem a paixão de converter o
indígena para uma única verdadeira, como aconteceu com os exploradores europeus dos
séculos XV e XVI.
3.5 O círculo se fecha: extrapolação da ciência e ficção científica
Na primeira e segunda parte deste projeto nos referimos a um conceito de alteração de
mundos de maneira que estes se tornassem habitáveis de acordo com os padrões da Terra. O
termo em questão era a “terraformação” e tinha sido cunhado por Jack Williamson durante a
Segunda Guerra Mundial num livro chamado “Órbita de Colisão”
40
. Sagan lera este livro e
desenvolveu o raciocínio contido nele em relação aos planetas de nosso Sistema Solar. Sagan
recorreu ao que tinha sido imaginado antes por Konstantin Tsiolkovsky que vislumbrou
habitats transparentes, coberto por cúpulas, nas superfícies dos asteróides, ou comunidades
estabelecidas no interior dos asteróides, como havia também sugerido o cientista britânico J.
D. Bernal nos anos 20. Como os asteróides são pequenos e tem baixa gravidade, até mesmo,
construções subterrâneas de grande porte podem ser de execução relativamente fácil. Se um
túnel fosse cavado em toda a extensão de um asteróide, poderíamos entrar numa extremidade
e emergir na outra. Dentro deste asteróide, um mundo carbonado, é possível encontrar
materiais para fabricar metal, e, estruturas plásticas, alem de muita água, tudo que se precisa
para construir, no subsolo, um sistema ecológico fechado, um jardim subterrâneo. A
implementação exigiria um passo significativo além de nossos conhecimentos atuais.
Eles precisariam, é certo, de uma fonte de energia, não só para se sustentar, mas, como
sugeriu Bernal, para deslocar seus lares asteróides. Se uma atmosfera de oxigênio fosse
gerada, a partir de água ligada quimicamente, a matéria orgânica poderia ser queimada para
gerar energia, assim como os combustíveis fósseis são queimados, hoje, na Terra. A energia
40
WILLIANSON apud Sagan, Carl: op. cit. Pp 388-408.
62
62
solar poderia ser considerada, embora a intensidade dessa fonte de luz nos asteróides do
cinturão seja apenas uns 10% do que é na Terra. Ainda assim, podemos imaginar imensos
campos de painéis solares cobrindo as superfícies de asteróides habitados e convertendo a luz
solar em eletricidade. A tecnologia fotovoltaica, usada, rotineiramente, nas espaçonaves que
giram ao redor da Terra, esta sendo cada vez mais empregada na superfície terrestre. Embora
isso possa ser o bastante para aquecer e iluminar as casas dos habitantes dos asteróides, não
parece adequado para mudar as órbitas dos asteróides.
Para esse fim Williamson em seu livro propunha uma propulsão com base na
antimateria. Desde aquela época a antimatéria não era uma invenção resultante de
elocubrações apaixonadas de escritores de ficção científica ou físicos teóricos. A antimatéria
existe. Os físicos a produzem em aceleradores nucleares; pode ser encontrada em raios
cósmicos de alta energia. Williamson imaginava que, no século XXII, os seres humanos
saberiam deslocar asteróides pela induzida aniquilação mútua de matéria antimatéria. Os raios
gama resultantes, somados, produziriam uma potente descarga de foguete. A antimatéria
poderia ser encontrada no cinturão de asteróides, porque esta era a explicação de Williamson
para a existência do cinturão de asteróides. No passado remoto, segundo sua proposição, um
antigo intruso composto de antimatéria chegara ao Sistema Solar vindo das profundezas do
espaço, chocara-se com o que era, então um planeta semelhante á Terra, o quinto a partir do
Sol, e o aniquilara. Os fragmentos dessa poderosa colisão eram os asteróides, alguns dos quais
ainda compostos de antimatéria
41
.
Devemos considerar que a possibilidade da conquista do espaço é um assunto sobre o
qual não se pode ter nenhuma duvida seria. Evidentemente ainda há possibilidade de enorme
variedade de opiniões sobre os detalhes. Deve-se, mais uma vez, chamar a atenção a que
muitas idéias apontadas neste trabalho devem ser vistas apenas como soluções possíveis, e
não inevitáveis, do problema do vôo espacial. Caso não venham a ser adotadas, no entanto,
assim acontecerá por ter surgido solução melhor nesse meio tempo.
Não se devem, contudo, exagerar as dificuldades. O progresso continuado do
conhecimento técnico tem vencido obstáculos de tal modo que aquilo que parecia impossível
a uma geração se torna fato comum para outra. Se Santos Dumont pensasse sobre as
necessidades de um sistema de transporte mundial de transporte aéreo ficaria por certo,
desanimado, embora não incluísse entre elas a instalação de radio e radar, sobre as quais nem
se sonhava em sua época. No entanto todas estas instalações, e, mais as industrias novas que
41
CARL Sagan: Pálido Ponto Azul. op cit. Pp 388-408.
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63
com elas se relacionam e o exercito de técnicos por elas empregados, de tal modo se integram
em nossas vidas que dificilmente podemos perceber ao menos a sua presença.
O espírito de empresa, o treinamento e a decisão empregados para construir nosso
mundo moderno serão suficientes para atingir todos os objetivos descritos por Sagan, como
também muitos outros que ainda se encontram além do alcance de nossa imaginação hoje.
Sendo-lhe apresentado um motivo bastante poderoso, não parece haver limite à capacidade de
realização da raça humana. A historia esta cheia de exemplos de realizações, das pirâmides do
Egito ao projeto Apollo, cuja dificuldade e magnitude chegavam a tal monta que eram poucos
os que os poderiam considerar possíveis.
O fator importante era para Sagan a motivação. As pirâmides do Egito foram
construídas graças á força da religião; o projeto Apollo, sob a pressão da guerra fria. Quais
serão os motivos capazes de lançar o homem no espaço, de envia-lo a outros mundos, a
maioria dos quais é tão hostil a vida humana?
vimos que é possível apresentar muitas razões praticas pelas quase a humanidade
deve conquistar o espaço. A libertação da energia atômica acrescentou nova urgência a
algumas delas. Alem disso são limitados os recursos da Terra: mais cedo ou mais tarde a
necessidade absoluta forçaria o homem a viajar para outros planetas. Pode ser que ainda passe
muito tempo até tornar-se mais fácil, por exemplo, obter urânio da Lua do que da Terra.
Eventualmente chegará esse dia.
Também se tem sugerido que a pressão crescente do aumento da população pode levar
a conquista dos planetas. Talvez houvesse base neste argumento se os outros planetas
pudessem ser colonizados imediatamente; vimos, porém, que se o contrário. É claro que,
durante muito tempo ainda, será muito mais simples e econômico explorar as regiões não
desenvolvidas do globo, para atender ao problema do consumo de massa”. Seria muito mais
fácil fazer florescer a Antártida do que estabelecer colônias grandes e autônomas na Lua ou
em Marte. Algum dia, entretanto, todas as áreas do nosso mundo estarão desérticas. Nessa
ocasião e certamente muito antes dela, o homem estará olhando para os planetas; começará o
seu desenvolvimento em larga escala.
Não é fundamentalmente importante para a população do restante do sistema solar seja
de 6 bilhões ou de 15 bilhões. Não seria caso de preocupação, se, após e somente após alguns
séculos de progressos técnicos prodigiosos, permitíssemos que dez vezes a população humana
atual vivesse em doze mundos diferentes.
Somente mentalidades humildes se impressionam pelas dimensões e pelo numero. A
importância da colonização planetária residirá na variedade e diversificação de culturas que
64
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serão possíveis. Haverá, com certeza, uma coisa em comum: todas se apoiarão numa
tecnologia bastante avançada. Embora o interior de uma colônia em Marte possa ser
exatamente igual ao de uma colônia na Lua, os ambientes externos diferentes modificariam a
mente e o aspecto dos seus habitantes. Será fascinante observar os efeitos que resultarão no
caráter humano, no pensamento e na criação artística como bem imaginava Sagan.
Tais fatos incluem-se entre os grandes da astronáutica. Em longo prazo, eles podem
apresentar muito maior importância que seus benefícios puramente materiais, por mais
consideráveis que estes venham a ser. Tem se dito muitas vezes, que somente graças ao vôo
espacial poderá a humanidade encontrar uma saída para seus instintos agressivos e pioneiros.
O desejo de atingir os demais planetas seria apenas uma extensão do desejo de ver o que se
encontra “do outro lado da montanha”.
Talvez algum dia o homem não tenha mais interesse pelo desconhecido, nem se
atormente de desejos pelo mistério. Embora isto possa ocorrer, quando o homem perder a sua
curiosidade, perderá também a maior parte daquilo que o faz humano. Se não houvesse boas
razões cientificas para ir aos planetas, o homem desejaria assim chegar até lá.
De fato, como vimos, o advento do vôo espacial produzirá uma expansão do
conhecimento humano talvez sem paralelo na História. Embora o saber seja sempre desejável,
e neste sentido um bem, o saber insuficiente, ou a ignorância, pode ser um mal. Pior ainda é
ser ignorante da nossa própria ignorância. Todos conhecemos um tipo de mentalidade estreita,
que em nada se interessa além de sua aldeia ou vila, baseando seus julgamentos nesses
padrões paroquiais. Estamos evoluindo lentamente, talvez lentamente demais dessa
mentalidade para uma visão mundial. Poucas coisas contribuirão mais para acelerar tal
evolução que a conquista do espaço. Não é fácil admitir que as formas mais extremadas do
nacionalismo possam sobreviver quando o homem tiver percebido a verdadeira situação da
Terra: um pequeno e pálido ponto azul em presença de uma imensidão de estrelas.
Existe, naturalmente, a possibilidade de que todas as grandes potências, assim que se
comece a cruzar o espaço, passem a reclamar todo território que possa ser atingido pelas suas
naves. Alguns militares norte-americanos encastelados em fundações como RAND, a qual
Sagan trabalhou, sugeriram como vimos que os Estados Unidos deveriam ocupar a Lua para
que esta fosse usada como uma plataforma de lançamento de foguetes atômicos.
Este argumento reflete tão bem a paranóia política do século XX que não resiste a um
exame sério. O problema do suprimento que normalmente apresenta tantas dificuldades nas
questões militares terrestres seria de tal modo fabuloso que anularia quaisquer vantagens
estratégicas que a Lua poderia oferecer. Se alguém desejar lançar uma bomba atômica de um
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ponto a outro, ambos na superfície terrestre, leva-la primeira para a Lua constituiria um
procedimento ineficiente. Além disso, um míssil lançado da Lua poderia ser interceptado
muito mais facilmente do que outro enviado do lado oposto do planeta. Já um satélite posto
em órbita a alguns milhares de quilômetros de altura talvez possuísse todas as vantagens
militares da Lua e nenhuma de suas desvantagens, e esse foi o pensamento que norteou o
programa de iniciativa de defesa estratégica de Ronald Reagan nos anos de 1980, conhecido
popularmente como guerra nas estrelas. Alem disso, seria muito difícil localiza-lo, a não ser
que fosse coberto com uma camada absorvente da luz e das ondas de radar, e este pode estar
em desenvolvimento pelo governo de George W. Bush.
É uma das ironias trágicas de nossa era que o foguete, capaz de transformar-se no
símbolo da aspiração humana de atingir as estrelas, se tenha transformado numa das armas
que ameaçam destruir a civilização. Este estado de coisas apresentou um difícil dilema de
ordem moral para todos aqueles que desejam tomar parte na ativa no desenvolvimento da
astronáutica: quase toda a pesquisa sobre foguetes é feita por organizações militares e
protegida por diversas classificações de segurança. Os problemas técnicos relativos ao projeto
de mísseis guiados de longo alcance são praticamente idênticos aos que são encontrados na
construção e foguetes de reconhecimento para outros planetas. Porém separar as aplicações
militares das aplicações cientificas dos foguetes é, portanto, uma tarefa mais difícil ainda.
É claro que este problema particular não é peculiar a pesquisa sobre foguetes. Ele se
encontra hoje em qualquer campo de atividade cientifica, (conforme havíamos dito sobre a
influencia direta do complexo militar industrial) mesmo na medicina o mesmo poder de cura é
o mesmo que pode matar. No entanto esse problema é mais sensível para o engenheiro de
foguetes do que para qualquer outro técnico, excetuando talvez o físico nuclear. Ele pode ter
apenas esperanças de que os resultados de seus trabalhos, seja eventualmente publicado e
empregado para fins pacíficos. Não é certo, porém, que ele pense em tais assuntos. Devemos
lembrar que aqueles que trabalham em ciência não são nem melhores nem piores que nós os
outros, quanto a desconsiderar fatos desagradáveis.
Veja por exemplo o caso do radar. Durante o período entre guerras o radar era algo
estritamente secreto; agora é empregado em todo mundo para aumentar a segurança no mar e
no ar. É fato que o foguete não tem característica nenhuma que se assemelhe ao uso civil, que
se apresentou o radar quase que imediatamente. No momento, certamente, ele apresenta
somente duas aplicações não militares: pesquisas a grandes altitudes e para a decolagem de
aviões especiais, mesmo assim alguns desses aviões “especiais” são como o SR 71 Blackbird
66
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que foi fundamental na crise dos mísseis cubanos. O emprego último do foguete sempre será
ligado á astronáutica, ainda que num futuro distante.
Reconhece-se que um grande numero, de cientistas e engenheiros, apenas interessados
nos foguetes como meio de atravessar o espaço, se viram envolvidos em pesquisas militares
porque não encontrariam, de outro modo o apoio que lhes era necessário. Isso nós havíamos
discutido no capitulo II.
Muito embora ainda possa parecer utópico, no momento presente, esperar por um
apoio em larga escala á pesquisa de foguetes com fins puramente científicos, sem nenhuma
exigência militar, não é impossível que algo assim possa ocorrer no futuro. Quando a situação
política se estabilizar, se isto ocorrer, e quando recomeçar pr valer a cooperação internacional
no terreno cientifico, as sociedades astronáuticas, que se desenvolvem rapidamente em muitas
partes do mundo, tal como a Sociedade Planetária fundada por Sagan, poderão atuar como
catalisadores, por seus esforços combinados, e conduzir á situação desejada, desde que os
cientistas aprendam com os sociólogos e cientistas políticos, a não ficar esperando de
instituições e de presidentes das mesmas nem de comissões cientificas que estes façam este
trabalho sem estar sofrendo pressão de grupos econômicos e políticos. É necessário a
mobilização antes de se consumar o fato e não depois!
Deve-se dizer claramente que nenhuma sociedade como essas pode realizar um
trabalho eficiente, de grandes planos, sobre foguetes. A própria Sociedade Planetária é um
exemplo disso. O custo de um grande programa de desenvolvimento de foguetes é de milhões
de dólares. Mesmo o simples modelo de um míssil de combustível liquido de tamanho médio
é extremamente caro. A função das sociedades astronáutica ou planetárias não é pois
dedicar-se às pesquisas nem à fabricação, excetuados talvez problemas secundários que
podem ser investigados sem grandes orçamentos. As sociedades interplanetárias não
construirão astronaves, serão as organizações especializadas de cientistas e engenheiros que
trabalharão neste ramo.
Tem se dito algumas vezes que os maiores obstáculos ao vôo interplanetário não o
técnicos, mas políticos e econômicos. Sempre se apresenta uma resistência imensa a qualquer
mudança; há sempre um desejo de que mantenha a situação.
Ao longo de sua vida Sagan ouviu de todas as pessoas a seguinte pergunta: “Porque
não dedicar todo esforço para o desenvolvimento do nosso mundo, antes de ir a outros”.
demos diferentes respostas a esta pergunta. Adiantamos numerosas conseqüências
indiretas da viagem pelo espaço que contribuirão realmente para o desenvolvimento do nosso
67
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próprio mundo, provavelmente de um modo tão imprevisível como a maneira segundo a qual
os campos petrolíferos deram um impulso ao desenvolvimento dos EUA e do resto do mundo.
De um modo geral, a expectativa de se encontrarem outras formas de inteligência
talvez seja a mais emocionante de todas as possibilidades reveladas pela astronáutica. Uma
das questões supremas de filosofia é saber se o homem esta, ou não, sozinho no Universo. É
difícil imaginar que alguém possa estar desinteressado em obter a resposta. poderemos ter
certeza de obtê-la por meio do vôo interestelar.
Vimos como pequena probabilidade de se encontrarem seres inteligentes em
qualquer outra parte do Sistema Solar. Esse contato talvez tenha de esperar pelo dia em que
possamos alcançar as estrelas: talvez daqui a algumas centenas de anos, mas cedo ou tarde,
deverá realizar-se.
Têm aparecido na literatura, diversas imagens sobre esses encontros bem sucedidos. Por outro
lado muitos escritores de ficção cientifica, usaram como pretexto de historias de conflitos e
violências indistinguíveis daquelas que mancham as páginas de nossa História. Quaisquer
raças que venhamos a encontrar certamente super-humanas ou sub humanas tais como os
micróbios, veremos que esta historia de conquista é improvável. Mas o que aconteceria, então,
se encontrarmos raças avançadas cientificamente, embora perversas? Embora tal hipótese não
possa ser excluída, parece altamente improvável. Parece improvável que qualquer cultura
possa avançar mais de alguns séculos, apenas numa frente tecnológica. A moral e a ética não
andam para trás da ciência, porque senão o sistema social é capaz de se autodestruir. As raças
de outros mundos possuirão sentidos completamente diferentes dos nossos. Também suas
filosofias serão diferentes dos nossos. Também suas filosofias serão diferentes. Para relembrar
a famosa analogia de Platão, somos prisioneiros de uma caverna, procurando deduzir nossas
impressões do mundo pelas sombras projetadas na parede. Talvez nunca possamos escapar
para perceber a realidade exterior, mas algum dia poderemos alcançar outros prisioneiros em
cavernas vizinhas, onde poderemos aprender muito mais do que faríamos graças aos nossos
esforços isolados.
A viagem espacial não destruiria, como muitos receiam, o mistério do Universo. Ao
contrario, poderia aumenta-lo. Embora diversos problemas específicos fossem resolvidos e
muitas duvidas sanadas, nossa área de contato com o desconhecido seria grandemente
aumentada. Assim tem sempre ocorrido com a pesquisa cientifica. Não devemos esquecer
que, a despeito de todos os nossos conhecimentos, vivemos num mundo ainda mais
maravilhos e misterioso que nossos ancestrais. Não poderemos exaurir todas as maravilhas do
Universo físico até que tenhamos explorado todo o Cosmos; este projeto ainda é, para dizer o
68
68
mínimo, de solução agradavelmente remota, se chegar a ser teoricamente possível. Esta
viagem pode não ter fim!
Em alguma parte, nesta jornada, poderemos chegar a compreender a finalidade da vida
no universo, se é que existe alguma. Não poderemos, com certeza, compreendê-la estudando
somente a Terra.
Não estamos alheios ao fato de que, daqui a alguns anos, em vez de se prepararem
para a conquista dos planetas, talvez nossos netos sejam apenas selvagens despojados de
quaisquer bens, agarrados aos oásis férteis em meio a um deserto radioativo. Devemos
conservar os problemas de hoje em suas proporções verdadeiras; eles são importantes, sem
duvida porque nossa civilização pode ser destruída e as esperanças enterradas antes do seu
nascimento. Se, porém, sobrevivermos a tais problemas, eles passarão à História. O vôo
espacial pode contribuir muito para levar a mente humana além de suas presentes disputas
tribais. Neste sentido o foguete, longe de ser um dos destruidores da civilização, pode mesmo
fornecer a válvula de segurança, para preservá-la. Não é nem mesmo necessário atingir a
etapa do vôo espacial para que isto ocorra. Assim que haja uma crença geral na possibilidade,
essa crença começará a abrir um novo panorama na historia da humanidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tecnologia é o empreendimento historicamente em desenvolvimento que consiste
em construir artefatos e organizar o trabalho para satisfazer necessidades humanas. Tem
afinidade com a ação pratica e a arte. Para consecução desse objetivo, a tecnologia apóia-se
em conhecimentos práticos e teóricos, e calcula os meios mais eficazes para determinados
fins.Hoje, ciência e tecnologia são interdependentes. A ciência e a tecnologia interatuam no
domínio da ciência aplicada, que é a investigação de problemas cujas soluções se espera
sejam tecnologicamente aplicáveis. A tecnologia expressa e desenvolve os valores culturais
existentes. Padroniza até as vidas e os valores de seus usuários, como no caso do relógio, da
maquina a vapor, da linha de montagem e do computador. Através de sua dinâmica interna, a
tecnologia faz exigências aos que a desenvolvem. Para a organização de seus maiores projetos
69
69
cria burocracias. A tecnologia habilita as pessoas a fazerem coisas que elas não poderiam ter
feito de outro modo, embora certas escolhas tecnológicas excluam inevitavelmente outras.
Não obstante, a tecnologia não é autônoma; ela é criada por seres humanos e esta subordinada
essencialmente aos valores culturais e decisões governamentais.
Ao mesmo tempo, as muitas conseqüências de novas tecnologias precisam ser
criticamente avaliadas antes de sua introdução e devem ser constantemente vigiadas daí em
diante. Muitos projetos tecnicamente brilhantes terão que ser rejeitados porque, em longo
prazo, parecem suscetíveis de causar mais danos do que beneficio. Alguns terão que ser
cancelados na fase de pesquisa antes de projetos piloto começarem a funcionar, para que não
se acumulem fortes pressões no sentido de lhes dar completa execução. A tecnologia não
ficará sob controle social enquanto a comunidade acadêmica não propuser diretrizes
especificas para tal. Com vistas à aceleração deste processo, deverá haver o debate mais
amplo possível e a difusão de informações. Toda e qualquer faculdade humana pode ser mal
usada. A tecnologia pode criar ou destruir, tornar o homem mais humano ou menos. Mas as
civilizações, como os indivíduos, devem correr riscos se quiserem progredir. Se exercermos
prudência para minimizar os danos da tecnologia e incentivar ao Maximo seus benefícios,
certamente valerá a pena aceitar o risco. Isto é basicamente o que Sagan disse ao longo de
aproximadamente 40 anos. O que Sagan aprendeu sobre outros mundos graças a ciência e
tecnologia ele a divulgou sob a forma de ficção cientifica, e que forneceu o “alimento
imaginário” de outros engenheiros e cientistas planetários que iniciaram suas carreiras antes
de Sagan falecer. A tecnologia é, digamos, a parte mais concreta da relação ciência–ficção
cientifica. Foi ela quem nos legou os problemas climáticos que inicialmente era para ser
resolver alguns problemas econômicos, mas é a mesma tecnologia e a mesma ciência e a
mesma ficção imaginativa que nos legará a um ou a vários mundos diferentes. Portanto é
desejável e inevitável um certo controle democrático da ciência. Os cientistas podem educar o
grande publico para entender a natureza da ciência e participar em sua administração. Podem
faze-lo da melhor maneira debatendo abertamente as finalidades e limitações da atividade
cientifica. O cientista pode e deve explicar o seu trabalho de um modo que o publico possa
entender. Todos os veículos de comunicação em massa estão a seu alcance: radio, televisão,
internet, publicações de toda espécie. Como cientista, usualmente ele tem uma audiência
garantida. Também deve neutralizar os equívocos e representações errôneas dos veículos de
comunicação em massa, trabalhando no próprio interesse. Somente um público
cientificamente informado pode debater as múltiplas ramificações da ciência e da tecnologia
na vida cotidiana, sem ceder a um otimismo superficial ou a hostilidade frenética. Os
70
70
cientistas também deveriam interessar-se mais pelo ensino da ciência, discutindo seus
trabalhos com professores, e explicando-os pessoalmente aos estudantes se possível através da
literatura de ficção cientifica. Os jovens podem entender melhor a natureza da ciência se um
cientista os encorajar a realizar pesquisas por conta própria, formulando e resolvendo
problemas dentro dos limites da sua experiência e compreensão. O cientista deve também
apresentar a ciência como atividade humana e falível que ela é. Deve encorajar o professor a
cultivar um espírito critico e inquiridor nos jovens. Isto deve ser considerado uma virtude, não
um luxo.
Finalmente, cumpre ao cientista formar ou aderir a organizações dedicadas a
influenciar governos, empresas e outras entidades que usam os conhecimentos científicos. Em
anos recentes os cientistas, como Sagan, têm desempenhado um papel muito mais ativo no
apoio ou oposição a diferentes políticas e projetos que envolvem ciência aplicada e
tecnologia. Alternativamente, o cientista pode colocar seus conhecimentos ao serviço de
grupos leigos que trabalham para objetivos políticos e sociais específicos. Isto é inteiramente
certo; as conseqüências sociais da ciência tornam-se mais importantes de ano para ano, e cabe
a todos nos enfrenta-las mais eficazmente.
Enfim, entramos no século XXI, muitas coisas aconteceram nesse intervalo de tempo,
especialmente na investigação do Sistema Solar por sondas robóticas. Imaginava-se na década
de 1970 que iríamos vivenciar o inicio da exploração espacial com as missões da Viking,
Pioneer, Voyager, Magellan, Galileu e dos telescópios espaciais o Hubble e o telescópio
infravermelho Spitzer a missão a Marte pela Mars Global Surveyor, Mars Polar Lander e
Mars Climate Orbiter e a Mars Odissey; recentemente pela a missão Cassini-Huygens a
Saturno e Titã e a mais recente missão a Plutão que terá previsão de chegada em 2010. Até a
missão Galileu, Sagan foi um participante central dessas missões. A sua visão influenciou a
direção da ciência planetária, especialmente na procura de informações sobre a origem e
distribuição da vida. Mas com todos esse avanços logo no fim da vida de Sagan não foram
como ele imaginava. Depois de alcançar e pousar na Lua os homens não se aventuraram em
nenhum outro corpo celeste nem mesmo um pequeno asteróide, o máximo foi ficar em uma
órbita baixa na estação espacial Mir da ex URSS e na atual Estação Espacial Internacional.
Com o final da guerra fria, os orçamentos para a exploração do espaço foram reduzidos. Mais
perturbador é o fato de que a superstição e a pseudociência tem recrudescido muito mais nos
EUA do que em qualquer lugar do mundo ainda mais depois de 11 de Setembro.
Mesmo assim a ciência nos deu o beneficio da duvida porque hoje a origem da vida na
Terra permanece um dos grandes mistérios científicos tanto agora, quanto nos anos de 1970.
71
71
Na verdade, não estamos certos de que a vida na Terra se originou em nosso planeta. Pode ter
chegado à Terra vindo de Marte.
Outro dado importante é que não prova de que a Terra antiga tivesse alguma vez
uma atmosfera rica em hidrogênio. Mas o nosso conhecimento das rochas mais velhas da
Terra e a nossa compreensão dos processos com os quais o nosso planeta acumulou a sua
atmosfera primitiva sugerem que o ar primitivo deste planeta era principalmente dióxido de
carbono com algum azoto, argônio e, possivelmente, monóxido de carbono. Esta mistura é
bem menos ativa quimicamente do que uma que contenha hidrogênio, metano e amônia. A
síntese clássica de Urey-Miller de moléculas orgânicas complexas, tais como aminoácidos,
não funciona numa tal mistura de gases.
Isto não quer dizer que não haja muitas vias químicas para a formação de compostos
orgânicos. Encontramos muitas dessas substancias químicas, incluindo aminoácidos, numa
classe de pedras chamadas meteoritos carbonáceos que são fragmentos de asteróides ou
cometas que sobraram da formação do sistema solar. A chuva primitiva de projéteis
meteoríticos na Terra poderia ter transportado os blocos básicos constituintes da vida para o
nosso planeta. Não sabemos, mas é possível que a vida tenha vindo de longe.
Hoje supõe-se que a Terra primitiva era como Sagan descreveu e que a vida se
originou nos mares primitivos numa altura em que eram relativamente ricos em matéria
orgânica proveniente de alguma fonte interna ou externa. Como Sagan descreve este processo
o passo importante foi o desenvolvimento de moléculas auto-replicadoras precursoras das
moléculas de DNA que codificam os planos de construção de toda vida terrestre. Ninguém
discorda que este passo foi crítico, pois que a capacidade para transmitir características a
futuras gerações é uma propriedade essencial da vida na Terra. Todavia, uma exigência
ainda mais crítica, pois a vida deve também extrair energia do seu ambiente. Muito cedo na
historia da Terra, o metabolismo primitivo foi certamente baseado na utilização de produtos
químicos que ocorriam naturalmente, muitos envolvendo compostos de enxofre que resultam
da interação da água e rochas a altas temperaturas. Existe vida na Terra que ainda utiliza um
tal processo: um exemplo é, naturalmente, a rica flora que rodeia fontes termais (ou chaminés
hidrotérmicas) no fundo do oceano. Estes ecossistemas que florescem nas profundezas do
oceano, independentes da luz do Sol ou da química da atmosfera, não tinham sido descobertos
ainda no inicio dos anos 80.
Os cientistas, hoje, consideram a possibilidade de que a vida poderia ter começado em
tais meios extremos em vez de naqueles mares pouco profundos ricos em substancias
orgânicas que Sagan tinha em mente. um vivo debate acerca do que teria surgido em
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primeiro lugar; o processo químico do metabolismo com o qual a vida primitiva tinha extraído
energia do seu meio ambiente ou os sistemas de armazenamento de informação que tornaram
possível a evolução.
Nos anos de 1970 parecia a Sagan, e a muitos dos seus contemporâneos, que a origem
da vida em breve seria compreendida. A experiência de Urey e Miller tinha mostrado caminho
e esperavam que experiências laboratoriais de complexidade crescente preencheriam os
vazios do conhecimento, permitindo sínteses de moléculas orgânicas de complexidade
sucessivamente crescente a partir da sopa orgânica rica em hidrogênio dos mares primitivos.
Na realidade, a ciência não progrediu de forma tão direta. Parece haver hoje mais opções para
a origem da vida do que as que se consideravam nos primeiros anos de 1970, e o problema é,
ao mesmo tempo, mais rico e mais complexo do que Sagan imaginava na época
42
.
Sagan perguntou: “o que é a vida como a conhecemos
43
?” Respondeu explicando que,
mesmo na Terra, a vida existe em muitos ambientes que nós acharíamos muito
desconfortáveis. No fim do século XX floresceu o estudo da variedade dos ambientes
habitáveis. Os habitantes de alguns ambientes são chamados extremófilos, aqueles habitantes
que nos referimos acima que “moram” em fontes hidrotérmicas a pressões extremas, mas, o
que pode ser extremo para uns pode parecer perfeitamente confortável para outras criaturas
que evoluíram de forma a viverem em condições que nos parecem bizarras. Sagan era otimista
que antecipava a vida numa grande variedade de ambientes (mesmo as nuvens de Júpiter e
Vênus). Embora não tenhamos (por enquanto) encontrado qualquer vida além da Terra, é
notável, realmente, a tolerância da vida terrestre a condições extremas.
Muitas formas de vida microbianas na Terra, hoje, que parecem muito primitivas a
julgar pela sua constituição genética, dão se perfeitamente em água próxima do seu ponto de
ebulição. Estes extremofilos são encontrados, em nascentes quentes de áreas vulcanicamente
ativas. Já outros vivem nas profundidades dos oceanos, onde elevadas pressões permitem que
a água continue líquida a temperaturas superiores a 100ºc, o ponto de ebulição ao nível do
mar. Muitas criaturas exóticas habitam as águas ricas em nutrientes próximo das fontes
hidrotérmicas, no solo oceânico. Até agora, a temperatura mais elevada da água que ainda
sustenta a vida é de 113ºc. Provavelmente, há ainda micróbios desconhecidos com uma
tolerância ainda maior, embora deva haver um limite acima do qual a temperatura seja tão
42
GRINSPOON, David: Planetas Solitários: filosofia Natural da vida Alienígena . Editora Globo S.P. 2005 pp
300-325
43
BERGREEN, Laurence: Viagem á Marte: A busca da Nasa por vida fora da Terra. Objetiva R.J. 2002. pp
199-203.
73
73
elevada que os complexos químicos orgânicos da vida se destruam, assim como um ser
humano pode morrer por desidratação causada por insolação.
Um outro ambiente extremo é o da radioatividade. alguns anos encontrou-se um
extraordinário micróbio florescendo na água de arrefecimento de reatores nucleares onde se
pensava que a radiação tornasse a vida impossível. Chamado radiodurans, este organismo
pode suportar níveis de radiação mais de cem vezes a dose letal para maioria das formas de
vida. Para níveis tão elevados, as partículas subatômicas emitidas pelos materiais radioativos
destroem os produtos químico-orgânicos mais complexos. Os radiodurans muito
provavelmente não podem evitar essas lesões químicas: não tem uma blindagem como a asa
da barata ou outras formas de proteção como Sagan imaginou para proteger possíveis
organismos marcianos da radiação ultravioleta. Ao invés disso desenvolveram formas de
reparar o DNA lesado e outras moléculas, que deve fazer parte do sistema imunológico do
micróbio. Ninguém sabe como é que este mecanismo de reparação evoluiu, mas ele existe,
mostrando-nos uma outra forma de evolução da vida capaz de ocupar um exótico nicho
ecológico, a água dos reatores nucleares, que julgávamos não haver formas de vida.
As formas de vida mais primitivas da Terra não necessitam de luz do Sol. A
fotossíntese, os meios pelos quais as plantas verdes podem extrair energia diretamente da luz
do Sol. A fotossíntese, os meios pelos quais as plantas verdes podem extrair energia
diretamente da luz do Sol, evoluíram mais tarde. Quase toda a vida que observamos próximo
da superfície da Terra depende da fotossíntese. As criaturas que não possuem o equipamento
químico para usarem a luz do Sol diretamente tal como fungos e animais alimentam-se dos
que tem como as plantas e bactérias. Mas estamos encontrando cada vez mais formas de vida
que ainda obtêm sua energia e nutrientes pela forma antiga, independente da fotossíntese. Já
falamos da vida nas fontes hidrotermicas marítimas que conseguem viver a partir de produtos
químicos dissolvidos na água quente que circula nesses locais vulcânicos quentes. Nos anos
de 1990 começaram a acumular informações de que a vida também existe em alguns
quilômetros abaixo da superfície da Terra. Essas formas de vida são chamados de
ecossistemas microbianos litosféricos subterrâneos. Há algas que vivem no interior das rochas
dos vales secos da Antártida e nos lagos cobertos de gelo da Sibéria. Alguns organismos
gostam de áreas de alta salinidade, concentrados em pântanos e lagos salgados. Micróbios
foram descongelados e regressaram a vida. Mesmo criaturas mais velhas foram revitalizadas
no âmbar em que estavam sepultadas. Foram encontrados também organismos que se dão
74
74
bem em soluções acidas ou alcalinas extremas. Todos os locais onde a vida na Terra possa
existir parecem estar povoados
44
.
Sendo assim, quais são, então, os limites da vida como a conhecemos? Sagan defendia
a presença de carbono com sua única capacidade de formar ligações moleculares complexas e
um intervalo de temperaturas onde as moléculas orgânicas são estáveis, não demasiado
elevadas, nem demasiado baixas. Tanto quanto sabemos, não existe vida na Terra sem água
liquida. Não importa que a temperatura chegue abaixo de 0ºc, mas apenas se estão presentes o
sal ou outro anticongelante para evitar que a água gele. Tão pouco importa que se alcancem
temperaturas superiores a 100º C, tais como nas fontes hidrotérmicas, onde as elevadas
pressões evitam que a água vaporize. Quando os cientistas discutem hoje a variedade de
ambientes que possam ser hospitaleiros á vida, geralmente equacionam a habitabilidade com a
presença da água liquida. Dessa forma estaremos julgando o resto do universo pela nossa
experiência aqui na Terra. Mas uma base prática para esta definição de habitabilidade. As
únicas formas de vida que sabemos reconhecer são as semelhantes as que vemos na Terra.
Com exceção de um sinal de rádio de uma inteligência extraterrestre, provavelmente não
reconheceríamos uma forma de vida radicalmente diferente como viva.
Quanto aos motivos da exploração espacial, Sagan havia divulgado desde As
Perspectivas Cósmicas até Pálido Ponto Azul os motivos que seriam o interesse cientifico, o
histórico e o econômico. No primeiro caso a famosa frase de Sagan de que a disciplina que
teria mais a ganhar com a exploração espacial seria a biologia, fez dele o orientador de vários
alunos na faculdade e o coordenador dos esforços científicos para infundir uma perspectiva
biológica ás missões interplanetárias da NASA. Mais do qualquer outro cientista, ele
considerou como disciplina cientifica a exobiologia e esforçou-se para sua união com as
disciplinas mais tradicionais da astronomia, geologia e ciência planetária.
O ponto mais alto dos esforços de Sagan alcança-se com a missão Viking a Marte, que
enviou em 1976, dois veículos e duas sondas orbitais para o planeta vermelho. Esta missão
adotou os objetivos da exobiologia e fez da busca de vida a sua primeira prioridade. Notáveis
laboratórios biológicos miniaturizados foram enviados para superfície de Marte. Infelizmente
não havia testemunho de vida na superfície do solo. Apesar de Sagan, e muitos outros,
observarem que não podemos desistir da idéia de Marte como um planeta biológico, baseados
em duas tentativas levadas a cabo em apenas em dois lugares, e envolvendo apenas solo
44
GRINSPOON, David. Idem pp 178-200
75
75
superficial irradiado, os resultados da Viking foram profundamente desencorajadores para os
defensores da exobiologia.
A seguir a Viking, a NASA abandonou Marte durante mais de uma década. Até 1997,
nenhum outro veiculo pousou na sua superfície, mas o Mars Pathfinder, que se deslocou na
superfície de Marte, não tinha instrumentos para pesquisa de vida. Mais sondas foram
enviadas para explorar partes mais distantes do Sistema Solar com grande êxito, mas nenhum
local se revelou, até agora, de grande interesse para os biólogos como Marte.
Sabemos hoje que Marte teve, no passado, um clima como o da Terra, com água
liquida abundante. Não razão para pensar que a vida não pudesse ter ocorrido da mesma
forma que na Terra. Esta perspectiva recebeu um forte apoio publico quando, em 1996, um
grupo de cientistas da NASA anunciou evidencia de vida microbiana fóssil num meteorito
marciano encontrado na Antártida, (o ALH 84001) depositado numa rocha,
aproximadamente 4 bilhões de anos. Esta descoberta foi anunciada quando Sagan lutava
contra a sua doença terminal, e fez uma declaração louvando o trabalho e salientando a
importância das ligações entre a biologia e exploração espacial.
Outros cientistas disputaram a evidencia da vida fóssil de Marte e passados dez anos
continua a ser um problema sem solução. Provavelmente, acabaremos por ir a Marte recolher,
para análise, amostras de locais biologicamente interessantes em vez de confiar na pesquisa
de uma rocha de Marte. Mas a analise da rocha ajudou a reascender o interesse pela
exobiologia, tanto na comunidade cientifica como entre o publico em geral. Surgiu quando
investigamos a diversidade da vida na Terra e desenvolvemos instrumentos poderosos para
analise genética. Também coincidiu com a descoberta de planetas em órbita de outras estrelas,
que desejamos examinar como possíveis zonas onde pode existir vida. Hoje a nova síntese da
biologia, astronomia, e, ciência planetária é chamada astrobiologia. Uma vez mais estamos
percorrendo o caminho anunciado por Sagan, investigando a natureza fundamental da vida na
Terra e começando a busca de vida em qualquer outra parte do Sistema Solar, e para além
dele.
Já a exploração do espaço por exploradores robóticos, assim como astronautas e
cosmonautas, foi indiscutivelmente, o grande êxito do final do século XX. Sagan foi,
provavelmente, o advogado mais articulado da exploração espacial, assim como um dos seus
mais otimistas defensores. Porque embarcamos nessa aventura? E, mais especificamente,
porque apoiariam os governos e o publico nesses esforços? Sagan reconheceu a motivação
publica por trás da Apollo, mas neste capitulo defendeu também a exploração do espaço
76
76
baseada na curiosidade cientifica, desenvolvimento de tecnologias novas, a aventura e,
mesmo, o valor do espetáculo. Advogava a procura de uma visão partilhada do Universo.
Historiadores recentes e comentadores políticos estão de acordo quanto as motivações
políticas para o florescimento da exploração do espaço nos anos de 1960, 1970 e 1980. Tom
Wolfe articulou esta perspectiva, em 1970, na sua história do programa Mercury em The
Right Stuff (Os Eleitos). Neste livro, Wolfe escreveu o papel mítico dos cosmonautas dos
Estados Unidos e da URSS como protagonistas da guerra fria, representando um combate
simbólico entre o comunismo e o capitalismo em feitos heróicos no espaço. A decisão de John
F. Kennedy de enviar astronautas á Lua é agora largamente interpretada como uma estratégia
cuidadosamente planejada para definir um campo de batalha no espaço onde os EUA
pudessem derrotar a URSS, onde os conhecimentos técnicos e a força econômica se poderiam
sobrepor aos avanços iniciais em foguetes russos. Com o fim da Guerra Fria em 1991, esta
competição das superpotências perdeu o significado e a implosão econômica da URSS,
durante os anos de 1990, limitou severamente o papel da Rússia na exploração do espaço.
O fim da Guerra Fria minou, assim, as razões fundamentais para a exploração do
espaço. Enquanto as descobertas de missões populares como Telescópio Espacial Hubble e o
Mars Pathfinder, fez progredir a NASA, o seu orçamento declinou constantemente de 1991 a
2000. Os assuntos levantados por Sagan sobre a exploração têm maior relevância hoje do que
quando foram escritos. Nos anos de 1970, a exploração espacial era motivada em grande parte
por considerações geopolíticas, sendo o apoio publico menos critico. Mas, para se ter um forte
programa espacial, ele terá que ser continuado e alargado, pois, a exploração espacial não é
barata e terá de ter apoio do público para continuar.
Durante o auge do programa Apollo Sagan imaginou que os resultados da exploração
espacial permeariam a nossa sociedade. Mas, isso aconteceu realmente? É certo que as
tecnologias que nos rodeiam e vão desde as comunicações globais a previsões do tempo e do
sistema de posicionamento global, realmente permeiam a nossa sociedade? No livro O Mundo
Assombrado Pelos Demônios
45
publicado antes de sua morte, Sagan revelou as suas
preocupações acerca das atitudes do publico para com a ciência:
Sei que as conseqüências da ilíterância científica são de longe mais perigosas no nosso tempo do que
em qualquer outra época passada. É perigos e insensato que o cidadão médio permaneça ignorante sobre o
aquecimento global, digamos, ou a destruição da camada de ozônio, poluição do ar, resíduos tóxicos e
radioativos, erosão do solo superficial, deflorestação tropical e crescimento exponencial da população... Com o
45
CARL Sagan: O Mundo Assombrado pelos Demônios. Cia das Letras S.P. 1997.Cap 2 pp.: 38-53
77
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podemos influenciar a política nacional, ou mesmo tomar decisões inteligentes na nossa própria vida se não
compreendermos os problemas subjacentes?... Evidentemente, não se pode voltar. Quer gostemos ou não,
estamos ligados à ciência. Será preferível tirar o melhor partido disso. Quando, finalmente, reconhecermos esse
fato e contemplarmos completamente a sua beleza e poder, acharemos, em assuntos espirituais, taql como nos
materiais, ter feito um bom negocio que nos favorece. (...) Um ser extraterrestre, que tenha chegado à Terra pela
primeira vez escutando o que principalmente mostramos as nossas crianças na televisão, radio, jornais e revistas
pode concluir facilmente que é nosso objetivo ensinar-lhes os assassinatos, violações, crueldade, superstição,
credulidade e consumismo. Insistimos nisso, e com uma repetição constante, muitas delas, finalmente, aceitando.
Que espécie de sociedade poderíamos esperar criar se, em vez disso, insistíssemos na ciência e num sentido de
esperança”?
Muitas sociedades no mundo inteiro e não apenas nos EUA voltaram as costas ao
racionalismo e a ciência (em parte como manutenção do controle social via ideologia
dominante ) desde os anos 70 a superstição e o cinismo tem crescido realmente. O livro O
Mundo Assombrado Pelos Demônios é um documento profundamente sentido que fala dessa
irracionalidade, discutindo assuntos que profundamente afetaram Sagan durante sua vida. O
portal da internet do veiculo Mars Pathfinder, em 1997, recebeu mais visitantes do que em
qualquer outro até então. A procura renovada de vida no universo tem sido celebrada em
artigos de capa da Time e Newsweek. A exploração do espaço continua, mas é difícil estar
otimista quanto ao apoio do publico, como estava Sagan nos primeiros anos de 1970.
Historicamente Sagan é sujeito de sorte porque sua vida coincidiu exatamente com o
período da geração que foi a primeira a explorar o Sistema Solar, uma geração para quem, na
infância, os planetas eram discos distantes, indistintos, movendo-se no céu noturno e para
quem, na idade avançada, os planetas são locais, novos e variados mundos, a serem
explorados. Ele foi um dos arquitetos da exploração inicial do sistema solar e talvez o maior
defensor publico.
Muitos historiadores sociais e da ciência concordarão que Sagan, que as primeiras
imagens da Terra vistas da Lua, transmitidas da Apollo 8, no Natal de 1968, tiveram um
impacto profundo na nossa imagem do lugar que ocupamos no Universo. A preocupação
generalizada pela saúde de nosso planeta data, em parte, da imagem partilhada de um pequeno
disco azul no espaço. Sagan fez a maior contribuição para esta perspectiva global, em 1989,
quando persuadiu a NASA a usar as câmaras especiais da Voyager para fotografar o sistema
solar, da sua localização próxima da fronteira do sistema solar. Desta perspectiva, cada
planeta, incluindo a Terra, fica reduzido a um ponto minúsculo indistinto; todo este
78
78
acontecimento é celebrado no livro Pálido Ponto Azul, o ultimo de uma série iniciada com as
Conexões Cósmicas.
Pode acontecer que a Era Espacial tenha outros efeitos benéficos previstos por Sagan
não surgirão facilmente. O ressurgimento de conflitos religiosos e étnicos no inicio do século
XXI, por exemplo pareceu ser um passo atrás do futuro que Sagan tinha antecipado. Apesar
do fato de vivermos num planeta, as fronteiras nacionais parecem ser mais importantes no
começo do século XXI do que eram em 1970. A exploração do espaço transformará nossa
sociedade? Esta é uma questão em aberto, tal como era quando Sagan ainda estava na
faculdade nos anos de 1950. Sagan acreditava que quando o nosso planeta tivesse sido
explorado, o tribalismo e o nacionalismo se dissipariam. Os conflitos do final do século XX,
muitos deles por motivos tribais ou religiosos, contradisseram essa esperança.
O nosso êxito na exploração cientifica do Sistema Solar aumentou, mas ainda assim
esta longe das esperanças de Sagan. Analisamos a atmosfera de Júpiter em 1995 e agora a de
Titã e Saturno na missão Cassini-Huygens. A Voyager voou para além de Urano e Netuno e
agora (2006) uma missão esta sendo planejada com destino a Plutão. A Galileu forneceu
imagens próximas das grandes Luas de Júpiter, mas nenhuma sonda foi projetada para
aterrisar nas luas dos planetas gigantes.
Parte do problema foi de não se terem desenvolvido, fundamentalmente, novos
sistemas de propulsão ou de suporte de vida. A maioria dos foguetes são modificações de
mísseis balísticos dos anos de 1960, como os Delta dos EUA ou Próton da Rússia. O ônibus
espacial dos EUA representa a tecnologia dos anos 70 e sua operação é dispendiosa e mesmo
assim em seu ultimo livro, Bilhões e Bilhões Sagan escreveu como sempre com maestria e
entusiasmo, mas, não se atreveu a prever a expansão humana do Sistema Solar. Teria sido isso
um sinal dos tempos obscuros de emburrecimento e de ignorância e mercantilização os quais
ele denunciou em O Mundo Assobrado Pelos Demônios?
79
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Brasília, 2001.
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