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Reflexões prévias e argumentos
Os sucessos do Brasil não mereciam menos um Poema que os da Índia.
Incitou-me a escrever este o amor da Pátria. Sei que a minha profissão exigiria de
mim outros estudos; mas estes não são indignos de um religioso, porque o não
foram de bispos, e bispos santos; e, o que mais é, de Santos Padres, como S.
Gregório Nazianzeno, S. Paulino, e outros; maiormente, sendo este poema
ordenado a pôr diante dos olhos aos libertinos o que a natureza inspirou a homens
que viviam tão remotos das que eles chamam preocupações de espírito débeis.
Oportunamente o insinuamos em algumas notas; usamos sem escrúpulo de nomes
tão bárbaros; os Alemães, Ingleses, e semelhantes, não parecem menos duros aos
nossos ouvidos, e os nossos aos seus. Não faço mais apologias da obra, porque
espero as repreensões, para, se for possível, emendar os defeitos, que me
envergonho menos de cometer que de desculpar.
A ação do poema é o descobrimento da Bahia, feito quase no meio do século
XVI por Diogo ÁIvares Correia, nobre Vianês, compreendendo em vários episódios
a história do Brasil, os ritos, tradições, milícias dos seus indígenas, como também a
natural, e política das colônias.
Diogo Álvares passava ao novo descobrimento da capitania de São Vicente,
quando naufragou nos baixos de Boipebá, vizinhos à Bahia. Salvaram-se com ele
seis dos seus companheiros, e foram devorados pelos gentios antropófagos, e ele
esperado, por vir enfermo, para melhor nutrido servir-lhes de mais gostoso pasto.
Encalhada a nau, deixaram-no tirar dela pólvora, bala, armas, e outras espécies, de
que ignoravam o uso. Com uma espingarda matou ele caçando certa ave, de que
espantados, os bárbaros o aclamaram Filho do trovão, e Caramuru, isto é, Dragão
do mar. Combatendo com os gentios do sertão, venceu-os, e fez-se dar obediência
daquelas nações bárbaras. Ofereceram-lhe os principais do Brasil as suas filhas por
mulheres; mas de todas escolheu Paraguassu, que depois conduziu consigo à
França, ocasião em que outras cinco Brasilianas, seguiram a nau francesa a nado,
por acompanhá-lo, até que uma se afogou, e, intimidadas, as outras se retiraram.
Salvou um navio de Espanhóis, que naufragaram, com o que mereceu que
Ihe agradecesse o Imperador Carlos V com uma honrosa carta. Passou à França em
nau que ali abordou daquele reino, e foi ouvido com admiração de Henrique II, que o
convidava para em seu nome fazer aquela conquista. Repugnou ele, dando aviso ao
Senhor D. João III por meio de Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo da Bahia.
Cometeu o Monarca a empresa a Francisco Pereira Coutinho, fazendo-o donatário
daquela Capitania. Mas êste, não podendo amansar os Tupinambás, que habitavam
o Recôncavo, retirou-se à Capitania dos ilhéus; e, pacificando depois com os
Tupinanbás, tornava à Bahia, quando ali infaustamente pereceu em um naufrágio.
Entanto Diogo Álvares assistiu em Paris ao batismo de Paraguassu sua esposa,
nomeada nele Catarina, por Catarina de Médicis, Rainha Cristianíssima, que Ihe foi
madrinha, e tornou com ela para a Bahia, onde foi reconhecida dos Tupinanbás
como herdeira do seu Principal, e Diogo recebido com o antigo respeito. Teve
Catarina Álvares uma visão famosa, em que a Virgem Santíssima, manifestando-se
lhe cheia de glória, Ihe disse que fizesse restituir uma imagem sua roubada por um
Selvagem. Achou-se esta nas mãos de um Bárbaro; e Catarina Álvares com
exclamações de júbilo se lançou a abraçá-la, clamando ser aquela a imagem mesma
que lhe aparecera: foi colocada com o título de Virgem Santíssima da Graça em uma
igreja, que é hoje Mosteiro de S. Bento, celebre por esta tradição. Chegou entanto
de Portugal Tomé de Sousa com algumas naus, famílias e tropas para povoar a