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LARA JANEK BABBAR
CARACTERÍSTICAS, TRANSFORMAÇÕES E ADAPTAÇÕES DA MÚSICA
RELIGIOSA UCRANIANA NO PARANÁ
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
Música, Curso de Pós-Graduação em
Música, Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, Departamento de Artes,
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Rogério Budasz.
Curitiba
2008
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ii
TERMO DE APROVAÇÃO
LARA JANEK BABBAR
CARACTERÍSTICAS, TRANSFORMAÇÕES E ADAPTAÇÕES DA MÚSICA
RELIGIOSA UCRANIANA NO PARANÁ
Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre no
Curso de Pós-Graduação em Música, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Rogério Budasz
Departamento de Artes, UFPR
Prof. Dr. Paulo Castagna
Instituto de Artes, UNESP
Profa. Dra. Beatriz Ilari
Departamento de Artes, UFPR
Curitiba, 19 de agosto de 2008
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iii
Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Rogério
Budasz, pelo apoio, confiança e inspiração.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em
Música da UFPR.
Aos professores da Banca de Exame de Qualificação
e Banca de Defesa. Ao Prof. convidado Carlos
Alberto Balhana do Departamento de Antropologia,
da UFPR.
Às pessoas da comunidade ucraniana que me
confiaram depoimentos e colaboraram para a
realização da pesquisa. Ao Padre Domingos
Starepravo, Jonas Chupel, Padre Soter Schiller,
Meroslava Krevey, Profa. Olga Nadia Kalko,
Miguel Zubyk, Verônica Zubyk, Padre Atanásio
Kupitski, Lauro Preima, Leonardo Dabivida, Pedro
Kutchma, Melita Mudri-Zubacz, Dom Volodomer
Koubetch, Dom Efraim Krevey, Dom Jeremias
Ferens, Volodomyr Galat, Padre Elias Marinhuk,
Padre Edison Boiko.
À Olga Konkel e Karenina Kur.
À minha mãe, Leocádia e às minhas irmãs, Katia
Amrit e Karen Mankor, pelo amor, entusiasmo,
apoio, presença e carinho.
iv
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................ix
ABSTRACT.....................................................................................................................x
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................11
2 AS HISTÓRIAS E OS CONTEXTOS DA IMIGRAÇÃO UCRANIANA...........16
2.1 A IMIGRAÇÃO DO SÉCULO XIX NO BRASIL E NO PARANÁ.......................16
2.2 DESDE A RUS´DE KIEV ........................................................................................19
2.3 A RELIGIÃO NA UCRÂNIA..................................................................................22
2.4 NACIONALISMO UCRANIANO...........................................................................25
2.5 A EMIGRAÇÃO EUROPÉIA NO SÉCULO XIX E A VINDA DOS
UCRANIANOS PARA O BRASIL................................................................................27
2.5.1 Prudentópolis..........................................................................................................30
2.6 A RELIGIÃO E AS IGREJAS UCRANIANAS NO BRASIL.................................34
2.6.1 Rito ucraniano........................................................................................................37
3 MÚSICA E LITURGIA UCRANIANA...................................................................41
3.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................41
3.2 CANTOS LITÚRGICOS NAS TERRAS ESLAVAS E ANTIGAS NOTAÇÕES
MUSICAIS......................................................................................................................42
3.3 A MÚSICA LITÚRGICA “PRESCRITIVA”: O CALENDÁRIO, OS LIVROS E
CICLO MUSICAL..........................................................................................................46
3.3.1 Tipos de música religiosa: samoilkas, hlasy e cantos paralitúrgicos.....................48
3.3.2 Cantos fixos da Divina Liturgia: samoilkas...........................................................55
3.3.3 Cantos móveis: samoilkas e hlasy no ciclo musical...............................................59
3.3.3.1 Osmohlasy...........................................................................................................60
3.4 DIAK, O CANTOR DA IGREJA..............................................................................65
3.5 OS CANTOS RELIGIOSOS UCRANIANOS NO BRASIL...................................69
3.5.1 Cantos litúrgicos da Igreja Ortodoxa Ucraniana de Curitiba.................................72
3.5.1.1 Relato de observação..........................................................................................72
3.5.1.2 Características.....................................................................................................73
3.5.2 Música para a Semana Santa em Curitiba..............................................................74
3.5.2.1 Relato de observação...........................................................................................74
3.5.2.2 Características......................................................................................................75
v
3.5.3 Os cantos religiosos em comunidades ucranianas no interior do Paraná: uma
gravação de Divina Liturgia Ucraniana no Paraná, 1968................................................78
3.5.3.1 Descrição e análise..............................................................................................78
3.6 DISCUSSÃO.............................................................................................................79
4 A MÚSICA DOS IMIGRANTES E SEUS DESCENDENTES NO PARANÁ.....82
4.1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................82
4.2 PRÁTICAS MUSICAIS DOS IMIGRANTES NO BRASIL...................................83
4.2.1 Música não-litúrgica e atividade musical na comunidade ucraniana de Curitiba..88
4.2.2 Corais religiosos, gravações e compositores..........................................................94
4.3 OS PERSONAGENS..............................................................................................103
4.3.1 Padre Atanásio Kupitski.......................................................................................103
4.3.2 Miguel Zubyk.......................................................................................................108
4.4 TRANSFORMAÇÕES, RUPTURAS E CONTINUIDADES DAS TRADIÇÕES
MUSICAIS RELIGIOSAS............................................................................................118
4.4.1 Transformações por fatores externos à comunidade religiosa local.....................120
4.4.1.1 A adaptação do idioma para o vernáculo..........................................................123
4.4.1.2 A tradução para o português da Divina Liturgia...............................................124
4.4.1.3 A liturgia ucraniana em português: relato de observação.................................125
4.4.1.4 A adaptação do idioma na voz dos descendentes de ucranianos .....................126
4.4.2 Transformações por dinâmicas internas aos grupos............................................131
4.4.2.1 Quanto à duração das cerimônias.....................................................................131
4.4.2.2 Quanto ao diak..................................................................................................133
4.4.2.3 Os ucranianos e o idioma de sua religião..........................................................135
5 CONCLUSÃO..........................................................................................................137
GLOSSÁRIO...............................................................................................................140
REFERÊNCIAS..........................................................................................................144
ANEXOS .....................................................................................................................152
vi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIG. 2.1 - Região da Galícia...........................................................................................20
FIG. 2.2 - Mapa Político da Europa................................................................................21
FIG. 2.3 - Mapa de 1908 do Paraná com locais da instalação dos imigrantes
ucranianos........................................................................................................................29
FIG. 2.4 - Localização dos municípios paranaenses com presença de comunidades
ucranianas........................................................................................................................31
FIG. 2.5 - Fiéis se dirigindo à Igreja São Josafat, Prudentópolis...................................32
FIG. 2.6 - Foto atual do Seminário São José, Prudentópolis..........................................33
FIG. 2.7 - Mapa das igrejas ucranianas em Prudentópolis.............................................34
FIG. 2.8 - Cúpula metálica da Igreja da Transfiguração do Senhor, Linha Paraná,
Prudentópolis...................................................................................................................35
FIG. 3.1 - Exemplo de Notação Znamenny....................................................................42
FIG. 3.2 - Notação de Kiev (Kiev Známia).....................................................................46
FIG. 3.3 - Samoilka da Ektenia da Paz...........................................................................55
FIG. 3.4 - Variação do canto de resposta da Ektenia......................................................56
FIG. 3.5 - Samoilka da Antífona.....................................................................................57
FIG. 3.6 - Excerto da samoilka do Creio........................................................................58
FIG. 3.7 - Excerto do Hino dos Querubins.....................................................................59
FIG. 3.8 - Primeira variação da Ektenia das Matinas e Vésperas...................................59
FIG. 3.9 - Segunda variação da Ektenia da Matinas e Vésperas....................................60
FIG. 3.10 - Terceira variação da Ektenia das Matinas e Vésperas.................................60
FIG. 3.11 - Hlas (Tom) 1 Troparion..............................................................................62
FIG. 3.12 - Hlas (Tom) 4 Troparion..............................................................................63
FIG. 3.13 - Exemplo de frase introdutória do Hlas 1.....................................................64
FIG. 3.14 - Melodia correspondente ao Kanon 1 das Matinas de Jerusalém (1)............76
FIG. 3.15 - Melodia correspondente ao Kanon 2 das Matinas de Jerusalém (2)............77
FIG. 3.16 - Trecho musical correspondente ao Canto Znamenny..................................77
FIG. 3.17 - Melodia da Ektenia encontrada na gravação de 1968..................................79
FIG. 4.1 - Exemplo de Kolomeika da região da Pokutia................................................83
FIG. 4.2 - Haílka na Igreja Nossa Senhora do Patrocínio, Linha Esperança,
Prudentópolis...................................................................................................................84
vii
FIG. 4.3 - Trembita.........................................................................................................86
FIG. 4.4 - “Carroça de Tolda”, de Pedro Kutchma e letra de Helena Kolody...............91
FIG. 4.5 - Bandura..........................................................................................................93
FIG. 4.6 - Capa do disco “Liturgia da Igreja Oriental”, gravado em Pitanga.................95
FIG. 4.7 - Capa do cd lіityrgія, celebrada em Guarapuava, em 1979..........................96
FIG. 4.8 - Coral amador da década de 1940 de Prudentópolis, sob direção do Padre
Josafat Roga.....................................................................................................................98
FIG. 4.9 - Capa do cancioneiro popular ucraniano publicado em 1962 (2ª ed.),
Prudentópolis...................................................................................................................99
FIG. 4.10 - Parte de baixo da canção “strilhtzem iá buty rad!”, com a assinatura do
Padre Roga.....................................................................................................................100
FIG. 4.11 - Parte do baixo da oração a São Nicolau.....................................................101
FIG. 4.12 - Hino a São José, composto por Josafat Roga.............................................102
FIG. 4.13 - Padre Atanásio Kupitski e parte de seu acervo musical.............................104
FIG. 4.14 - O diak Miguel Zubyk, Linha Esperança, Prudentópolis............................108
FIG. 4.15 - Interior da casa de Miguel Zubyk..............................................................111
FIG. 4.16 - Excerto de “Iháu kózak z ukraíne”............................................................115
FIG. 4.17 - Samoilka da Ektenia em português e ucraniano........................................130
FIG. 4.18 - Samoilka do Hino dos Querubins em português e ucraniano....................131
viii
LISTA DE TABELAS
TABELA 3.1- Categorias de cantos encontrados na Divina Liturgia Ucraniana de São
João Crisóstomo............................................................................................................. 50
TABELA 3.2 - Principais diferenças entre cantos da Divina Liturgia e dos ofícios das
Matinas e Vésperas compiladas a partir das obras de Myron Fedoriv............................52
TABELA 3.3 - Partes da Divina Liturgia de São João Crisóstomo e cantos
correspondentes...............................................................................................................53
TABELA 4.1 - Programa do II Festival do Cancioneiro realizado em Curitiba............88
ix
RESUMO
A presente dissertação tem como tema o estudo da música religiosa ucraniana trazida
pelos imigrantes e presente no Paraná. O objetivo geral da pesquisa é estudar as
características, transformações e adaptações da música desta etnia na esfera religiosa.
Entre as preciosidades da cultura religiosa e musical ucraniana, reconhece-se o canto
comunitário chamado samoilka, entoado durante a Divina Liturgia; a coerência de uso
do hlas, vinculada ao ciclo dos Oito Tons; e a presença dos tradicionais diaky, os
cantores de igreja. Uma introdução ao contexto histórico ajuda a constatar a presença da
comunidade ucraniana e sua religião no Estado. A seguir, são abordados aspectos
históricos referentes aos cantos litúrgicos, alguns dos quais são descritos, analisados, e
identificados nas celebrações locais. No capítulo “A música dos imigrantes e seus
descendentes no Paraná” são levantados dados acerca das tradições e das atividades
praticadas por músicos locais, e a seguir, são destacados dois membros da comunidade
ucraniana que evidenciam seus esforços para a manutenção das tradições musicais e
religiosas vinculadas a suas origens. Por fim, são apresentadas e discutidas as
adaptações e mudanças que foram identificadas no decorrer da pesquisa.
Palavras-chave: Musicologia; Canto Religioso; Música Ucraniana; Imigrantes no
Paraná.
x
ABSTRACT
The subject of this dissertation is the study of the Ukrainian religious music brought by
immigrants and found in the state of Parana (Brazil). The purpose of this research is to
study the characteristics, transformations and adaptations of the music belonging to this
ethnicity within its religious context. Amongst the richness of the musical religious
Ukrainian culture are: the communion chant known as samoilka, sang during the Divine
Liturgy; the coherence of the use of hlas, linked to the system of the Eight Tones cycle;
and the presence of traditional diaky, the church singers. An introduction to the historic
context helps to state the presence of the Ukrainian community and its religion in this
region. This is followed by the history of the Ukrainian liturgical chants, some of which
are described, analysed and identified in local celebrations. In the course of the chapter
entitled “The music of the immigrants and their descendants in Parana”, a survey is
presented in order to describe the traditions and activities of local musicians. In
particular, the efforts of two local members within the Ukrainian community are
highlighted to keep the musical and religious traditions linked to their origin. Finally,
changes and adaptations undergone and identified during the course of the research are
presented and discussed.
Keywords: Musicology; Religious Chant; Ukrainian Music; Immigrants in Parana.
1 INTRODUÇÃO
Aquela atmosfera sui generis [...] que nos transportava violentamente
para as terras de onde tais criaturas são originárias, essa grinalda de
crianças, nascidas no Brasil, mas educadas por completo ainda à lei
dos seus pais, vestidas ao caráter de lá, ou com olhos, com expressões
por enquanto tão estrangeiras como se nunca houvessem respirado em
nossa atmosfera, isso e depois o trajar, a atitude, toda a ética das irmãs
que as ensinam e modelam, representam o quadro mais exótico e afinal
mais encantador com tais elementos se possa organizar ali assim –
Nestor Victor (apud MARTINS, 1989, p. 141)
A impressão sentida por Nestor Victor em 1912, ao visitar uma escola polonesa
no município de São José dos Pinhais, exemplifica o que Wilson Martins considera o
“espetáculo da diversidade” e complexidade oferecido pelo Paraná, local em que não
faz sentido falar em predomínio de uma ou outra etnia, mas sim em “pequenas regiões,
nitidamente delimitadas” (MARTINS, 1989, p. 135), verdadeiros concentrados de
riquezas culturais e tradicionais particulares, nas quais se encontram musicalidades
características de cada grupo. No intuito de conhecer e detalhar tais particularidades
musicais ainda presentes nas diferentes comunidades dos grupos de imigrantes locais,
surgiu o tema deste trabalho.
O recorte dado à investigação foi decorrente da etapa exploratória da pesquisa
(agosto a outubro de 2006), período em que se buscou identificar nas fontes
bibliográficas acerca das imigrações no Estado do Paraná, referências às atividades
musicais. Da sondagem realizada, verificou-se que os registros sobre a música trazida e
realizada pelos imigrantes não se encontram compilados e as referências sobre as
atividades musicais limitam-se às fontes não musicais propriamente ditas. Com a
necessidade de realizar o recorte da pesquisa a ser desenvolvida, decidi pesquisar a
música dos ucranianos que se estabeleceram no Paraná.
Um momento importante aconteceu ainda nesta primeira etapa, durante
observação de uma cerimônia da Divina Liturgia da Paróquia São Jorge, em Curitiba
vinculada à Arquidiocese Ortodoxa Antioquena do Brasil. A cerimônia cativou meu
interesse pelo rito oriental, que mantém parentesco com a tradição cultivada pelos
ucranianos em suas igrejas, o que resultou, deste modo, na opção pelos estudos do canto
religioso ucraniano.
O rito oriental empregado nas celebrações ucranianas tem raiz na tradição
bizantina e é praticado pelos imigrantes e descendentes nas comunidades ortodoxas e
greco-católicas. As cerimônias orientais trazem a característica notável de serem
integralmente cantadas e recitadas. A ausência de instrumentos musicais torna a voz
humana ferramenta primordial de efetivação e participação da experiência espiritual da
comunidade religiosa.
Alguns questionamentos iniciais promoveram a definição do problema da
pesquisa. Haveria propriedades musicais comuns nas liturgias praticadas pelos
ucranianos do Paraná? Seriam elas semelhantes às do país de origem? Teriam sofrido
mudanças ou adaptações em função de serem praticadas na realidade brasileira? Seria
possível reconhecer atividades musicais e músicos da comunidade ucraniana atuantes
nos municípios paranaenses?
O objetivo geral da pesquisa foi identificar as características da música
ucraniana religiosa praticada no Paraná, assim como observar suas adaptações e
transformações. Os objetivos específicos foram contextualizar a imigração ucraniana no
Estado; realizar levantamento de fontes, repertório e atividades musicais e músicos
envolvidos neste grupo; e analisar os elementos musicais dos cantos litúrgicos
empregados nas celebrações religiosas.
Realizou-se o Levantamento Documental Histórico e Comparativo,
1
com dados
obtidos a partir de fontes bibliográficas e documentais (partituras musicais, gravações
de celebrações religiosas, e circulares de igrejas), embora parte da dissertação apresente
descrições que visam fornecer especificidades do conteúdo investigado. As bibliotecas
dos Seminários Basilianos São José (Prudentópolis) e Studium São Basílio foram
percorridas, assim como da Representação Central Ucraniana, sediada em Curitiba e
acervo da Casa da Memória.
Na pesquisa de campo, foram realizadas sessões de observação não-participativa
de cerimônias religiosas, gravações em áudio, assim como, entrevistas informais e
focalizadas com membros da comunidade ucraniana de Curitiba e de Prudentópolis,
município a 207 Km da capital paranaense. Algumas cerimônias religiosas do rito
ucraíno-bizantino foram observadas em igrejas de Curitiba, entre as quais a Divina
Liturgia de Natal (janeiro de 2007), na Igreja Ortodoxa São Demétrio, a celebração das
Matinas de Jerusalém e Divina Liturgia em comemoração à Páscoa (março de 2008), na
Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, e ainda neste templo, a celebração da Divina Liturgia
Ucraniana traduzida para o português (abril de 2008). Na Eparquia São João Batista,
foram registrados em áudio momentos da cerimônia de posse do Bispo Dom Volodomer
como Eparca (fevereiro de 2007). Em Prudentópolis, foram acompanhadas cerimônias
da Divina Liturgia da Igreja São Josafat (janeiro de 2007) , e da Igreja Nossa Senhora
do Patrocínio, na Linha Esperança (fevereiro de 2008). Alguns excertos de cerimônias
foram disponibilizados no CD em anexo, e as informações correspondentes se
encontram no Anexo C do presente trabalho.
1
Método Comparativo “procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com vistas
a ressaltar as diferenças e similaridades entre eles. Sua ampla utilização nas ciências sociais deve-se ao
fato de possibilitar o estudo comparativo de grandes grupamentos sociais, separados pelo espaço e pelo
tempo. Assim, é que podem ser realizados estudos comparando diferentes culturas ou sistemas políticos.
Podem também ser efetivadas pesquisas envolvendo padrões de comportamento familiar ou religioso de
épocas diferentes” (GIL, 1994, p. 35).
Ao final da dissertação encontra-se um glossário que visa orientar o leitor quanto
aos termos ucranianos existentes no texto. O idioma ucraniano está estruturado no
alfabeto de mesmo nome, que é uma variação do alfabeto cirílico. possibilidades de
transliteração (representação do texto mediante adoção de outro sistema de escrita) do
alfabeto ucraniano para o alfabeto romano (ou latino) que atendem a propósitos
diferenciados. Há, por exemplo, aqueles destinados às publicações na área da lingüística
(primeiramente codificadas em 1898), ou destinados à organização de informações
bibliográficas (como a romanização usada pela Library of Congress e American Library
Association), empregadas pelas bibliotecas americanas e canadenses, e ainda, sistemas
de transliteração que visam padronizar nomes próprios nos passaportes (a partir de
junho de 2007).
Para a presente dissertação será adotado o padrão “Transliteração Nacional
Ucraniana” (ver Anexo A), codificado pelo Comitê em Assuntos de Terminologia Legal
em abril de 1996 (Decisão n. 9), que está baseada na ortografia inglesa. Portanto, as
transliterações que possuem o fonema ch (como child no inglês) serão lidas como
“tchê”, e aquelas que apresentam o fonema sh (como shopping”), como “ch”. O
termo “Shchedrivka”, por exemplo, é lido “Chtchêdríuka”.
Nos casos de citações serão empregadas as transliterações adotadas pelos
autores, as quais estarão disponibilizadas na coluna “Variações” do glossário que se
encontra em anexo. Ainda, serão adotadas as transliterações encontradas para textos e
cantos litúrgicos realizadas localmente (como a transliteração da Divina Liturgia de São
João Crisóstomo Bojéstvenna Liturhia”, de Atanásio Kupitski), principalmente nas
transliterações encontradas nas partituras do terceiro capítulo da dissertação. Em alguns
casos, para os termos empregados no plural, adotou-se o acréscimo do “s” no final de
palavras, em função do uso local. O uso de acentos (ausentes no ucraniano e no inglês)
foi outra opção feita para facilitar o reconhecimento da tônica do texto e do canto, visto
que o acento musical do canto litúrgico (música não mensurada), está vinculado à
acentuação das palavras cantadas e, portanto, seu emprego se torna fundamental.
Estruturalmente, a dissertação está dividida em cinco capítulos. No capítulo “As
histórias e os contextos da imigração ucraniana”, são apresentados os fatores que
motivaram a imigração ucraniana ao Brasil, e estão delineadas algumas características
da religião e do rito ucraniano, etapa fundamental para nortear a realidade vivida pelo
imigrante ucraniano e presente na memória de seus descendentes. A música é discutida
a partir do capítulo “Música e liturgia ucraniana”, no qual é realizado um estudo sobre
os cantos litúrgicos da cerimônia ucraniana, que inclui informações quanto às origens
dos cantos, o ciclo litúrgico e musical, o papel do cantor de igreja, e por último, são
apresentadas descrições e análises de algumas cerimônias assistidas, e de uma gravação
da Divina Liturgia realizada em 1968. No capítulo “A música dos imigrantes e seus
descendentes no Paraná”, são identificadas algumas tradições e atividades musicais
pertencentes ao universo ucraniano relacionados ao ambiente religioso e profano de
Curitiba e Prudentópolis, e são destacados dois personagens que informam traços das
opções religiosas, e das ações individuais em prol da manutenção das tradições musicais
e religiosas de suas origens. Na última seção do capítulo são apresentadas e discutidas
as mudanças dos cantos litúrgicos e religiosos ucranianos ao longo de mais de um
século de existência no Paraná.
2 AS HISTÓRIAS E OS CONTEXTOS DA IMIGRAÇÃO UCRANIANA
2.1 A IMIGRAÇÃO DO SÉCULO XIX NO BRASIL E NO PARANÁ
No Paraná do início do século XIX, território que correspondia à parte sul da
província de São Paulo, região tradicionalmente vinculada à mineração, à pecuária, às
indústrias extrativas e à lavoura de subsistência, a composição da população não diferia
muito do padrão encontrado nas províncias limítrofes, tanto ao norte como ao sul.
Evidenciava-se uma sociedade heterogênea, baseada na tríade europeu, ameríndio e
africano, também caracterizada pela escravidão (BALHANA, 2003a, p. 247).
Entretanto, durante o século XIX o quadro demográfico sofreu profundas modificações
devido a uma série de fatores que motivaram a vinda de grandes levas populacionais
provenientes da Europa. Em âmbito nacional, o estímulo geopolítico inicial ocorreu
com o decreto de 25 de novembro de 1808, assinado por D. João VI no Brasil que
concedia aos imigrantes porções de terras dentro do sistema português de sesmarias:
Sendo conveniente ao meu real serviço e ao bem público aumentar a lavoura
e a população que se acha muito diminuta neste Estado; e por motivos que
me foram presentes: Hei por bem, que aos estrangeiros residentes no Brasil
se possam conceder datas de terra por sesmarias pela mesma forma, com que
segundo minhas reais ordens se concedem aos meus vassalos, sem embargo
de quaisquer leis e disposições em contrário. A mesa do Desembargo do Paço
o tenha assim entendido e o faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, 25 de
novembro de 1808 ( BALHANA, 2003a, p. 247).
A efetivação da medida foi constatada com a instalação de alemães na Bahia, em
1818, e em Friburgo, no Rio de Janeiro, em 1819. Apenas na década seguinte as
primeiras colônias alemãs viriam se constituir na porção meridional brasileira.
A partir da Independência do Brasil as discussões entre políticos e intelectuais
acerca das medidas de incentivos da vinda de imigrantes se intensificaram. Um dos
principais interesses era a ocupação dos limites territoriais, que possibilitaria a garantia
da soberania nacional (MAROCHI, 2006, p. 25). Também, o Império preparava
medidas estruturais para a adoção da mão-de-obra livre, atendendo às vigentes
tendências iluministas européias.
2
Em 1850, mediante a Lei Eusébio de Queiroz, ocorre
proibição do tráfico negreiro, medida que provocou o encarecimento do valor do
escravo comercializado, e que levou os cafeicultores de São Paulo a comprar mão-de-
obra de outras regiões. Somada a esta conjuntura, algumas porções das elites brasileiras
demonstravam preocupações com a possibilidade de o Brasil vir a se tornar a maior
nação negra do planeta, tão expressivo era o número de africanos aportados no Brasil
desde o século XVI. Para estes intelectuais, além da necessidade de “branquear” o país
através da imigração, havia a necessidade de “selecionar os brancos”,
3
para que as
novas colônias fossem habitadas por católicos brancos (MAROCHI, 2006, p. 25).
Tratava-se da defesa da política de caiamento da população (WACHOWICZ, 2002, p.
146).
Em 1834, o Governo Imperial transferiu às províncias a competência de
promoção do estabelecimento de colônias, e estas também ocorreram por iniciativas
particulares. Em 1867, com a aprovação do “Regulamento das Colônias do Estado”, o
poder central discriminava fundação de colônias, anunciava condições, assim como
garantia o deslocamento dos imigrantes do porto do Rio de Janeiro até a região em que
se instalariam. Contrariamente aos interesses dos cafeicultores brasileiros, as colônias
2
O historiador Sérgio Odilon Nadalin afirma ser o século XVIII caracterizado por mudanças e
contradições: “Embora as idéias desse ‘Século de Luzes’ pudessem empolgar e comover a opinião
pública, à medida que avançava, não chegavam a mudar a práxis cotidiana”. Continua da seguinte forma
“Depois, veio a Revolução Francesa, que produziu constituintes capazes de redigirem uma Declaração
Universal dos Direitos sem se dar conta que com isso ameaçavam suas próprias colônias e um sistema
econômico colonial fundado ainda na mão-de-obra escrava” (NADALIN, 2001, p. 58-59).
3
Os sinais de preconceitos e interesses em moldar a sociedade com base em seleção dos imigrantes, com
base em medidas excludentes é visível também pela exigência de atestado de bons antecedentes, para
impedir a entrada de militantes e lideranças anarquistas durante o século XX.
do sul do Brasil se desenvolveram no sistema das pequenas propriedades agrícolas, com
finalidade primária de abastecimento da região através do consumo interno.
No Paraná, logo depois da instalação da Província (em dezembro de 1853), os
governantes iniciaram o processo de articulações para propiciar a instalação da
imigração européia. A Curitiba do início do século XIX, uma vila da então Comarca
da Província de São Paulo, caracterizava-se por um ambiente essencialmente rural, que
deveria sofrer transformações para atender às demandas administrativas oriundas da
promoção a capital da Província. A necessidade de suprir a mão-de-obra do meio rural
que migrava para as lavouras paulistas cafeeiras urgia, portanto, “a vinda de ‘colonos
morigerados e laboriosos’,
4
o que passou a ser considerado como único meio adequado
para solucionar o problema da crise de escassez e carestia de produtos agrícolas”
(BALHANA, 2003a, p. 249).
Dentre as primeiras atitudes do governo provincial, a Lei 29, assinada em 21
de março de 1855 pelo presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos estipulava regras e
provia recursos financeiros aos instalados. A lei priorizava a ocupação das terras da
recém nomeada província, mas não estabelecia uma política adequada à distribuição de
terras. A administração de Lamenha Lins (1875-1877) tinha como meta a questão da
imigração. David Carneiro afirma que Lins “cuidou da colonização, bastando para se
sentir essa realidade, os nomes dos núcleos coloniais instituídos durante seu governo:
Santa Felicidade, Orleans, Tomás Coelho, Lamenha Lins e Nova Itália” (CARNEIRO,
1994, p. 259). Entre as importantes medidas do linismo, uma delas determinava que, em
cada colônia distanciada da capital, seriam construídas uma escola e uma capela.
4
RELATÓRIO DO PRESIDENTE FRANCISCO LIBERATO DE MATTOS, 1858, In: MAROCHI,
2006, p. 34: “[...] e [que] só quando colonos laboriosos e morigerados [de bons costumes], vierem povoar
vossas terras vastas e fecundas, aparecerá a abastança dos gêneros alimentícios e abundantes sobras de
consumo irão dar nova vida ao comércio de exportação dos produtos agrícolas”.
De acordo com a pesquisadora Altiva Pilatti Balhana, a princípio a ação
colonizadora atingiu os arredores de Curitiba e o planalto curitibano, instaurando o
cinturão verde, erradicando a crise do abastecimento nos meados do século XX. Após
os primeiros resultados obtidos, o programa se estendeu para as regiões litorâneas e dos
campos do segundo planalto. Esta mesma estudiosa afirma que entre diversos grupos de
imigrantes que deram entrada no Paraná entre 1829 e 1934, constavam poloneses,
ucranianos, alemães, italianos, austríacos, russos, espanhóis, ingleses e suíços.
5
O
número captado pela pesquisadora referente à imigração ucraniana revela que naquele
período 19.272 ucranianos se instalaram na região. Por diversas razões divergência
entre pesquisadores quanto ao número de imigrantes ucranianos estabelecidos no Brasil.
Um dos motivos, segundo a mesma historiadora, deve-se às diversas alterações da carta
política européia. O povo ucraniano, sob o domínio austro-húngaro, possuía passaportes
escritos na língua polonesa, e o mesmo ocorria com outras nacionalidades ou grupos
étnicos. Assim, os números dispostos de eslavos entrados no Brasil, entre poloneses,
ucranianos, russos, russo-brancos, prussianos, alemães do Volga, letões, lituanos e
judeus, aproximam-se dos 110.129 (BALHANA, 2003b, p. 345). Atualmente, o Paraná
acolhe a grande maioria dos descendentes ucranianos, que somam aproximadamente
400.000 pessoas.
2.2 DESDE A RUS´DE KIEV
A denominação mais antiga da região hoje conhecida como Ucrânia é Rus de
Kiev, região que correspondia ao Principado de Kiev, estado eslavo existente entre
séculos IX e XII (WOUK, 1981, p. 27). No século XII, a organização estatal é
5
Conforme tabela fornecida pela autora (BALHANA, 2003e, p. 451).
transferida para o ocidente, para o Reino da Galícia (Fig. 2.1) e Lodomeria e durante os
séculos posteriores, a região foi alvo de dominações estrangeiras.
6
Fig. 2.1 - Região da Galícia (TRAVASSOS, 1997, p. 124).
Nos séculos XIII e XIV, os ucranianos estiveram sob o poder dos mongóis.
Posteriormente, poloneses e lituanos invadiram a mesma região, em uma época marcada
por intensas perseguições, e forneceu condições para o surgimento do grupo conhecido
como cossaco (kozak).
7
No século XVII, a região ucraniana foi dividida entre a Rússia e
a Polônia, ao leste e ao oeste do Rio Dnieper, respectivamente. No século posterior, a
6
De acordo com o lingüista Miguel Wouk, o documento que registra nome Rus é o tratado de paz
celebrado por Oleg, príncipe de Kiev, com o Império Bizantino, no ano de 911. Outras denominações
apontadas por este estudioso são Ucraína Oriental (sul da Rússia) da Ucraína Ocidental (Galícia, sul da
Polônia), Pequena Rússia e Rutena (WOUK, 1981, p. 27).
7
Os cossacos, no século XVI, eram constituídos de servos, escravos e camponeses que fugiam das
autoridades políticas e se organizavam em bandos armados. Viviam na região fronteiriça, e sobreviviam
da caça, pesca e apicultura. Segundo Paulo Guérios, os cossacos desenvolveram alto grau de ticas de
guerrilha, e por tal motivo, foram posteriormente requisitados pela nobreza lituano-polonesa,
denominados assim, de “cossacos ucraínos”, referindo-se a “guerreiro livre” e “junto à terra” (u: junto de,
krain: terra, país) (GUÉRIOS, 2007, p. 193).
Áustria se apossou da porção Ocidental da Ucrânia, e a Rússia ampliou seus domínios
na região oriental (BORUSZENKO, 1995, p. 4) .
Fig. 2.2 - Mapa Político da Europa (GEOATLAS, s/d).
No século XX os ucranianos proclamaram sua independência em 1918 que viria
a terminar em 1923, quando foi invadida pelos russos. Ao oferecer resistência,
conquistou certa autonomia (sob a forma de República Socialista Soviética), frustrando,
em parte, os planos do invasor de torná-la mais uma província russa. Seguiram-se
sanguinárias perseguições a nacionalistas e separatistas, religiosos, e ao povo ucraniano,
o que provocou profundas marcas na nação.
A independência política da Ucrânia ocorreu em 1991. O território possui
área de 603.700 quilômetros quadrados, e faz da Ucrânia o segundo maior país da
Europa, menor apenas do que a Rússia. O país faz fronteira com a Rússia, ao norte e a
leste, com a Bielorrússia, ao norte, com os mares Negro e Azov, ao sul. Os vizinhos do
oeste são Romênia, Moldava, Hungria e Polônia (Fig. 2.2). O país é atravessado pelos
rios Dnieper, Donets, Dnister. As cordilheiras dos Cárpatos estão localizadas na porção
ocidental do país, e ao sul está a península da Criméia.
2.3 A RELIGIÃO NA UCRÂNIA
A partir do século IX a influência do cristianismo ganha maior abrangência nas
terras eslavas, mediante o trabalho realizado pelos irmãos e missionários morávios
Cirilo (826-869) e Metódio (815-885). A oficialização da religião ocorreu em 988, pelo
príncipe Vladimir de Kiev (958-1015) que contraiu matrimônio com Anna, princesa
bizantina irmã dos imperadores Basílio II (976-1025) e Constantino VIII (1025-28).
Muitos sacerdotes bizantino-gregos foram levados para a região, a fim de realizar o
batismo do povo da Rus Kieviana,
8
e contribuir para a uma grande conquista cultural do
Império Bizantino: a Cristianização dos Eslavos (ROCCASALVO, 1990, p. 218).
9
Foi
neste período, portanto, que as tradições bizantinas iniciaram de modo mais enfático o
amálgama com a expressão cultural dos ucranianos, e as enculturações do rito bizantino
proporcionaram o surgimento do rito ucraíno-bizantino (SOUZA, 2005).
Após a morte de Iaroslav, o Sábio (978-1054), a Igreja Ortodoxa de Rus´de Kiev
tornou-se subordinada ao Patriarca Ecumênico de Constantinopla. Neste mesmo ano,
acontece o grande cisma da cristandade, na qual separam a Igreja em ocidentais (Igreja
Católica Apostólica Ocidental, com sede em Roma) e orientais (Igreja Católica
8
O batismo ocorreu na fé ortodoxa da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.
9
Na época, livros gregos foram traduzidos para o vernáculo e alguns livros eslavônicos tiveram cópias
acessíveis já pelo filho de Vladimir, Yaroslav o Sábio (1019-54) (ROCCASALVO, 1990, p. 218).
Apostólica Oriental, em Constantinopla).
10
As razões da ruptura envolveram
discrepâncias teológicas no tocante à trindade ontológica (Pai, Filho e Espírito Santo)
11
e dissabores concernentes à proibição da adoração de imagens, prática comum entre
cristãos do ocidente e do oriente, e que em Constantinopla permaneceu proibida por 120
anos. Ao finalizar, contudo, o período das perseguições aos ícones, contudo, há o
retorno ao culto das imagens bidimensionais, o que se torna importante forma de
expressão artística da ortodoxia e da tradição cristã oriental.
12
No século XV ocorre a queda do Império Bizantino, em 1453, após a invasão
otomana em Constantinopla. No mesmo período, em Moscou se inicia um movimento
para a instalação de uma “terceira Roma” com o intuito de preservar a tradição e a
pureza da ortodoxa. No século XVI, é criado, assim, o Patriarcado Ortodoxo Russo,
pela determinação do Patriarca Ecumênico Jeremias II.
13
Em 1569 ocorre a união da Polônia com a Lituânia e, mediante o tratado de
Lublin, as terras da Ucrânia ficaram sob o domínio Polonês. Até o século XVI, os
camponeses servos da Galícia permaneceram com suas tradições religiosas vinculadas à
Igreja Ortodoxa, apesar de estarem sob o comando político da nobreza polonesa, esta
pertencente ao catolicismo romano. Em 1596, o papa Urbano VII assinou o acordo
União de Brest com um estrato do clero ortodoxo ucraniano e proclamaram a união com
Roma. A Igreja Uniata se vinculou a Roma e se tornou, assim, subordinada à autoridade
10
O termo “católico”, é habitualmente empregado para fiéis da Igreja Ocidental (a palavra katholikós tem
origem grega e significa “universal”).
11
Os ortodoxos não reconhecem a autoridade Papal, mas a estrutura hierárquica e doutrinal é semelhante
à católica.
12
A partir do século VIII, a ação dos iconoclastas envolvia perseguições violentas em busca da supressão
do culto aos ícones. De acordo Volodemer Koubetch, as lutas podem ser divididas em dois períodos, o
primeiro entre 726 e 187 (terminado pelo II Concílio Ecumênico de Nicéia) e o segundo entre 814 e 843,
finalizado pela “Festa da Ortodoxia” (KOUBETCH, 2004, p. 188).
13
Durante os governos de Pedro, o Grande (1672-1725) e Nicolau II (1894-1917), a Igreja Ortodoxa
Russa foi administrada pelo Santo Sínodo.
e jurisdição do Papa e às decisões da hierarquia da Igreja Católica Romana, porém,
manteve sua autonomia quanto à prática do rito bizantino no eslavo antigo (eslavônico
ou paleo-eslavo) e à organização religiosa, inclusive no que diz respeito à permissão
concedida aos padres para contrair o matrimônio. A Igreja Ortodoxa Ucraniana
permanecia unida a Constantinopla sob a jurisdição do Patriarcado Ecumênico, mas em
1686, decisão do Patriarcado de Constantinopla, foi submetida à hierarquia da Igreja
Ortodoxa Russa.
Outro cisma religioso ocorreu durante o patriarcado de Nikon (1652-1666),
desta vez no âmbito da Igreja Ortodoxa Russa. Uma facção desta igreja se negou a
aceitar as reformas realizadas pelo patriarca que configurava os costumes ortodoxos
russos aos moldes gregos. Decididos a permanecer com os costumes antigos, surgiu o
grupo de ortodoxos russos designado “Velhos Crentes”.
14
Quanto à designação “Igreja Greco-Católica Ucraniana” para a Igreja Ucraniana
Unida a Roma, foi empregada pela primeira vez pela imperatriz Maria Teresa em 1774,
para tratar de igualar a importância com a Igreja Católica Romana, visto que o termo
“Uniata” era dotado de valor pejorativo. Na época, ademais, outras reformas forneceram
melhores condições econômicas e legais para o clero, que, antes disso, os sacerdotes
uniatistas que optassem por não seguir a carreira eclesiástica se tornavam servos. As
medidas eram coerentes às idéias iluministas e proporcionavam proteção contra os
ataques da nobreza polonesa, e, principalmente, promovia a imagem do imperador
como protetor dos rutenos (GUÉRIOS, 2007, p. 79).
No século XX, durante o período stalinista, ao qual a Ucrânia foi submetida ao
regime comunista russo, a manifestação religiosa da Igreja Católica Ucraniana fora
sufocada, e se manteve como “Igreja do Silêncio”. A perseguição aos sacerdotes foi
14
Na colônia Santa Cruz, em Ponta Grossa, no Paraná, uma comunidade russa que segue as tradições
religiosas pré-nikonianas.
grande e cruel, com casos de assassinatos de bispos em campos de concentração
(WOUK, 1981, p. 36).
2.4 NACIONALISMO UCRANIANO
Foi o século XIX determinante para a consolidação da identidade nacional
ucraniana. Congruente com o movimento nacionalista que abrangeu a Europa no
mesmo período, uma entidade denominada Prosvita (“iluminação”), surgida na Galícia,
viria atuar nas terras ucranianas e nas diversas comunidades ucranianas instaladas nas
Américas e Austrália. Os objetivos do organismo eram a alfabetização e a educação dos
colonos ucranianos. Os membros da Prosvita eram formados pela intelligentsia
15
ucraniana interessados em instaurar a identidade nacional, e para tal, percorriam
comunidades rurais que forneciam os ingredientes genuínos da expressão cultural do
povo, por meio das lendas, canções e artesanato. Com isto, além da possibilidade de se
aproximar das tradições e do imaginário popular, e se apropriar das fontes culturais, à
entidade cabia selecionar e amoldar os símbolos e repertórios que constituiriam o “ethos
nacional” (ANDREAZZA, 1996, p. 25).
O movimento nacionalista está enraizado entre os séculos XVI e XVII, quando
os cossacos conquistaram o controle político da região ucraniana, e “propiciaram seu
renascimento cultural” (GUÉRIOS, 1996, p. 192). Daí o papel simbólico do
nacionalismo ucraniano em relação aos cossacos, e razão pela qual a intelligentsia
adotara o termo Ukraina (região ocupada pelos cossacos) para referir-se ao território
15
Segundo Paulo Guérios, o termo intelligentsia tem origem eslava, e se refere aos pensadores, artistas e
cientistas que estavam em contato com a “cultura” (GUÉRIOS, 2007, p.109).
nacional. Os nacionalistas também tomaram como inspiração a obra de Taras
Shevchenko,
16
cuja produção literária é rica de heroísmo e aventuras dos kozaky.
A ação da Prosvita envolvia a produção de livros e jornais que eram ouvidos nos
clubes de leituras pelos camponeses ucranianos, a maioria analfabeta. A estes servos, a
rede de clubes de leitura também permitia uma ligação entre a intelligentsia urbana e os
camponeses, e a estes se tornava possível conhecer as realidades externas ao seu
povoado (GUÉRIOS, 2007, p. 195).
No século XIX a proteção da prática religiosa na Galícia foi intensificada pela
Prosvita. De acordo com Maria Luíza Andreazza, a Prosvita se manteve conjugada com
o clero greco-católico durante determinado período (ANDREAZZA, 1996, p. 27). O
rompimento entre clero e os membro da intelligentsia aconteceu antes dos imigrantes
chegarem ao Brasil, mas aqui os dois grupos permaneceram ainda consolidados nas
primeiras décadas. Os motivos da cisão foram desavenças decorridas do fato que ambas
as facções demonstravam interesse na liderança dos camponeses. Havia divergência
quanto ao discurso e conceito de “iluminação” empregado pelos religiosos
(fundamentada na educação dos valores cristãos) e pelos membros da intelligentsia.
Estes, apesar de não negarem a intimidade entre nacionalismo ucraniano e rito oriental,
buscavam promover um nacionalismo não atrelado à Igreja.
A primeira Prosvita da América do Sul foi fundada em 1898 na cidade de
Curitiba. Até 1914, houve diversas organizações educacionais a ela vinculadas e em
1922, tornou-se a União Ucraniana, e mais adiante, União da Educação Agrícola
(BORUSZENKO, 1995, p. 15). A ação da Prosvita atingia a criação de bibliotecas,
cursos de literatura, teatro, coral, escolas e clubes de leitura para agricultores que
difundia valores do país de origem.
16
Tarás Shevchenko (1814-1861) é conhecido como “o Poeta” e considerado o maior ícone das lutas
nacionalistas dos ucranianos.
Com todo o esforço do movimento nacional da Prosvita e as tensões com os
religiosos, a liderança do povo ucraniano permaneceu com o clero. Isto por um lado
confirma a intimidade entre valores étnicos e religiosos dos ucranianos, como também,
fornece a noção da abrangência da influência da Igreja nos indivíduos da comunidade.
O fator religioso é de fato preponderante na identidade étnica ucraniana, possível de
reconhecimento nos ambientes rurais e também nos contextos urbanos, como no caso da
Eparquia São João Batista, que possui seu próprio centro cultural que fomenta tradições
do folclore deste povo.
2.5 A EMIGRAÇÃO EUROPÉIA NO SÉCULO XIX E A VINDA DOS
UCRANIANOS PARA O BRASIL
No século XIX, o cenário europeu demonstrava sinais de renovações em setores
econômicos, demográficos, políticos e sociais que contribuíram para os movimentos
migratórios. As conseqüências das Revoluções Francesa e Industrial (1789-1799), do
desenvolvimento do capitalismo, do sistema de transportes, das transformações nas
relações agrícolas, acrescidas ao processo denominado de transição demográfica,
17
trouxeram significativo aumento na taxa de desemprego. Em busca de melhores
condições de vida cerca de sessenta milhões de pessoas deixaram a Europa e
atravessaram os mares até a primeira metade do século XX (NADALIN, 2001, p. 62).
Os emigrados buscavam trabalho, plantio, construção da fortuna e eram estimulados por
agências e campanhas publicitárias que alimentavam os sonhos da conquista da “terra
prometida”. Os agentes promoviam propagandas em jornais e revistas de boa
17
Sérgio Odilon Nadalin, em nota de rodapé, esclarece como “passagem de um sistema demográfico de
alta natalidade e alta mortalidade para um regime de baixa mortalidade e natalidade”. Mais adiante “a
transição demográfica européia: a população do Reino Unido, da Prússia e da Rússia européia quase
duplicou entre 1800 e 1850. No período maior entre 1750 e 1850 triplicou a população do Reino Unido, e
quase duplicaram as populações da Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda e grande parte da Itália.
Finalmente, as de Espanha e Portugal aumentaram em um terço no mesmo período de cem anos”.
(NADALIN, 2001, p. 16).
circulação, com o apoio de algumas igrejas, e com a distribuição de panfletos em
localidades estratégicas, onde a insatisfação se expressava com maior veemência.
O panorama social nos países da Europa Oriental era mais drástico. No leste
europeu a venda de grãos diminuíra em função da queda dos preços derivada da oferta
excessiva, decorrente da produtividade e circulação dos produtos agrícolas. Os
poloneses e ucranianos estavam submetidos a um sistema semelhante ao feudalismo
medieval, obedecendo ao regime senhorial. Conforme Ruy Wachowicz, “a Polônia, em
plena era mercantilista, era o paraíso da nobreza mas por isso não deixava de ser o
infernus rusticorum” ( WACHOWICZ, 1981, p. 10).
A maior província do Império Austro-Húngaro no século XIX era a Galícia,
região localizada atualmente na porção ocidental da Ucrânia (Fig. 2.1).
18
No oeste da
Galícia havia grande concentração de poloneses, sendo estes camponeses e donos de
terras, porém social e economicamente subjugados à nobreza polonesa. Na Galícia
oriental, por outro lado, os poloneses ocupavam os cargos burocráticos e as atividades
urbanas.
Os ucranianos camponeses que habitavam na província eram servos dos
poloneses, e até 1848 deveriam pagar altos impostos pela utilização das terras. A partir
de então, houve reformas que aboliram o sistema das relações servis, porém, não
estabeleciam aos camponeses garantias de direitos à propriedade (ANDREAZZA, 1996,
p. 20).
A resultante tensão econômica foi, portanto, uma das razões propulsoras da
primeira grande dispersão territorial do povo ucraniano. As emigrações ucranianas
ocorreram em três etapas. A primeira, no contexto acima referido, levou o
estabelecimento de colônias nos Estados Unidos, Canadá, Argentina e Brasil. De acordo
18
A capital atual da Galícia é Lviv (Lvov, em polonês).
com Oksana Boruszenko, as primeiras famílias que se estabeleceram no Paraná, em
1881 foram seguidas em 1895, 1896 e 1897 por 20.000 imigrantes, em sua maioria
agricultores provenientes da região da Galícia e Bukovina (BORUSZENKO, 1995, p.
9). No final do século XIX, famílias ucranianas se estabeleceram em Iracema e
Itaiópolis,
19
hoje pertencentes ao Estado de Santa Catarina, e em Prudentópolis, Mallet,
(Fig. 2.3) e na localidade de Santa Bárbara, próximo a Ponta Grossa (Fig. 2.4). Em
Curitiba desde 1895 se encontram os núcleos ucranianos nos Bairro do Bigorrilho e ao
longo da Avenida Cândido Hartmann.
Fig. 2.3 - Mapa de 1908 do Paraná com locais da instalação dos imigrantes ucranianos (Instituto de
Terras, Cartografia e Geociências. Planta de Viação do Estado do Paraná. In: Coletânea de Mapas
Históricos do Paraná)
19
Em Itaiópolis, na localidade de Moema (região atualmente inserida no território de Santa Catarina), o
início da instalação dos ucranianos apresentou grandes dificuldades visto que os imigrantes foram
destinados pelo governo a uma região pertencente aos índios Xokleng, situação que ocasionou grandes
controvérsias entre colonos e indígenas da região. A região não possuía estrutura alguma, apenas densa
vegetação que viria a ser desbravada pelos imigrantes para que se construíssem as primeiras instalações
(depoimento de Padre Soter Schiller). O contexto, encontrado também em outras colônias ucranianas
(vide ANDREAZZA, 2004), exemplifica indícios da falácia relacionada à política acolhedora aos
imigrantes, intensamente divulgada nos países europeus pelos agentes de imigração (vide MAROCHI,
2006), e aponta o descaso e desrespeito dos dirigentes quanto à população e ao território indígenas (vide
SANTOS, 1973).
Entre 1908 e 1914, os ucranianos que aportaram no Brasil vinham motivados
pela campanha de construção da estrada de ferro que conectava São Paulo ao Rio
Grande do Sul. As fases das emigrações posteriores ocorreram principalmente por
fatores políticos, uma após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e a outra durante e
posteriormente à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a qual acarretou a emigração
de 200 mil ucranianos às terras americanas. Nesta última etapa, um maior contingente
dirigiu-se para os Estados Unidos e Canadá. Numericamente menos expressivos foram
os deslocamentos para a Austrália, Argentina e Brasil.
20
Durante o período stanilista, os ucranianos sofreram a inesquecível Grande
Fome Artificial, ou Holodomor, também conhecido como “Holocausto Ucraniano”,
ocorrida entre 1932 e 1933, na qual morreram entre cinco e sete milhões de ucranianos.
Além do genocídio, houve numerosas deportações para a região da Sibéria.
21
O
genocídio é lembrado anualmente, no mês de novembro, nas comunidades ucranianas
espalhadas pelo mundo.
2.5.1 Prudentópolis
Em 1896 foram registradas as instalações de 1.500 famílias ucranianas na então
vila São João do Capanema, pertencente ao município de Guarapuava, a atual cidade de
Prudentópolis.
22
Inicialmente, aos imigrantes foram cedidos barracões, e em seguida
foram distribuídos lotes de terras a cada família em diversas Linhas (equivalentes a
20
LACHOVICZ, 2006.
21
Dom Dionísio Lachowicz, vinculado à Igreja Ucraniana Greco-Católica, responsável pela Pastoral dos
Ucranianos no Exterior afirma que na Rússia, em 2006 residiam mais de cinco milhões de ucranianos.
22
A fundação do povoamento se deveu à doação de terras feita por Firmo Mendes de Queiroz, em 1884.
Em 5 de março de 1906, o município de Prudentópolis foi criado pela Lei Estadual n.º 615.
colônias)
23
. O município de Prudentópolis está localizado no Centro Sul do Estado do
Paraná (Fig. 2.4), nas terras do segundo planalto, distante a 207 Km de Curitiba.
Fig. 2.4 - Localização dos municípios paranaenses com presença de comunidades ucranianas (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2008).
O período mais intenso da imigração em Prudentópolis, contudo, ocorreu até
1920, e contou com a instalação de poloneses, alemães e italianos. A Igreja de São
Josafat foi construída entre 1925 e 1928, e constitui uma fortaleza cultural da
comunidade ucraniana e paranaense (Fig. 2.5).
24
A arquitetura é em forma de cruz, cujas
pontas estão dispostas quatro abóbadas. Uma cúpula maior cobre a nave da Igreja.
23
Vide Anexo B.
24
A Igreja de São Josafat é patrimônio tombado pelo Estado, pelo processo 72/79, inscrição 71 do
Livro das Belas Artes, com data de 13/03/1979.
Fig. 2.5 - Fiéis se dirigindo à Igreja São Josafat, Prudentópolis (KUPITSKI in GUIL et al., 2006, p. 67).
Um belíssimo iconostás,
25
entalhado em 1912 e pintado neste mesmo ano na
Escola de Belas Artes de Munique, é orgulho da população da cidade. Ao lado da igreja
encontra-se o Seminário São José (Fig. 2.6), fundado em 1935 pelos Padres da Ordem
de São Basílio Magno, que teve como diretor fundador o músico e padre Josafat Roga
(1903-1975).
25
“Iconostase (grego): Colocação de imagens, nas Igrejas orientais, divisória de madeira ou de pedra,
ornada de ícones, que separa o presbitério da nave dos fiéis. O presbítero simboliza o céu; a nave, a terra;
porém ambos se encontram sob o mesmo teto, para indicar que na liturgia nós da terra estamos unidos
com o céu” (KOUBETCH, 2004, p. 189).
Fig. 2.6 - Foto atual do Seminário São José, Prudentópolis (Acervo pessoal, autoria própria)
No interior da cidade, cada localidade apresenta sua capela, freqüentada pelos
fiéis que periodicamente revitalizam sua fé mediante as melodias de origens centenárias
pertencentes à liturgia ucraniana. Nas diversas Linhas que estruturam a cidade, é
possível encontrar trinta e três templos religiosos ucranianos (GUIL et al., 2006, p. 73),
conforme é observado no mapa da Fig. 2.7.
A predominância da etnia ucraniana na cidade é intensa, pois constitui cerca de
setenta e cinco por cento da população, uma soma de 30.000 pessoas. Por tal motivo, na
região, é possível encontrar diversas referências à cultura ucraniana, como elementos
arquitetônicos, música e artesanatos como pessanky
26
e bordados.
26
As pesssanky” (ou pêssankas) são ovos coloridos desenhados e pintados à mão, que simbolizam a
Ressurreição de Cristo.
Fig. 2.7- Mapa das igrejas ucranianas em Prudentópolis (GUIL et al., 2006, p. 73).
2.6 A RELIGIÃO E AS IGREJAS UCRANIANAS NO BRASIL
Os imigrantes ucranianos que se instalaram a partir do último quartel do século
XIX no Brasil eram camponeses procedentes da Galícia, e por tal motivo, a maioria
deles vinculados à Igreja Greco-Católica Ucraniana. Ao contrário do que ocorre na
Ucrânia, é pequena a porcentagem de ucranianos no Brasil pertencentes à Igreja
Ortodoxa.
27
Os ortodoxos ucranianos do Paraná estão vinculados à Igreja Ortodoxa
Autocéfala Ucraniana, que se caracteriza por estar em comunhão com as demais Igrejas
Ortodoxas, porém, é independente administrativamente.
27
A religião predominante na Ucrânia é a ortodoxa. No país, as Igrejas Ortodoxas estão subdividas em
Igreja Ortodoxa Ucraniana (vinculada ao Patriarcado de Moscou); Igreja Ortodoxa Ucraniana (vinculada
ao Patriarcado de Kiev) e Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana.
Fig. 2.8 - Cúpula metálica da Igreja da Transfiguração do Senhor, Linha Paraná, Prudentópolis (Acervo
pessoal, autoria própria)
Em Curitiba, no ano de 1931 foi fundada a primeira igreja ucraniana ortodoxa, a
de São Miguel Arcanjo, localizada no bairro Portão (BORUSZENKO, 1995, p. 26). A
Paróquia Ortodoxa São Demétrio, localizada na Avenida Cândido Hartmann foi
fundada em 1933, e desde 1993 é administrado pelo Bispo Dom Jeremias Ferens (Ibid.).
No Paraná, conforme as medidas estipuladas no Governo Provincial de Lamenha
Lins, em cada colônia de imigrantes deveriam ser erigidas uma escola e uma igreja.
Entretanto, as igrejas que foram construídas nas colônias eram ministradas no rito
latino, muito contrastante em forma e conteúdo ao praticado pelos rutenos.
Ademais, inicialmente, a manifestação religiosa dos imigrantes sofreu
dificuldades devido à inexistência de sacerdotes ucranianos adequados aos regimentos
eclesiásticos nacionais, uma vez que os primeiros enviados eram casados. A partir do
relato encontrado no livro do padre Valdomiro Burko se constata a comoção dos
católicos na chegada do primeiro sacerdote habilitado a atuar no Brasil:
E eis que chega, em junho de 1897, o primeiro missionário da Ordem de São
Basílio, o Grande, o Rmo. Pe. Silvestre Kizyma. Parte ele de Leópolis aos 11
de maio de 1897 e chega ao Brasil, com o navio “Córdoba”, no mês seguinte.
Aos 21 de junho já se encontra em Curitiba, no Paraná, onde passa, como ele
mesmo escreve (1), nove dias confessando os fiéis, desde a madrugada até
alta noite. Estes acorriam, com grimas de alegria nos olhos, de todos os
recantos do município (BURKO, 1963, p. 61).
A pesquisadora Altiva Pilatti Balhana, no artigo “Religião e Imigração no Brasil
Meridional” afirma que a partir da ação do Padre Kizyma, houve o início do
atendimento de aproximadamente seis mil fiéis do rito católico oriental (BALHANA,
2003d, p. 301). A Paróquia Ucraniana Nossa Senhora Auxiliadora, localizada na Rua
Martim Afonso, é a primeira da capital paranaense e foi construída em madeira no ano
de 1902. Os padres da Ordem Basiliana que atendiam à paróquia vinham do município
de Prudentópolis e de Iracema, a cada dois meses (BORUSZENKO, 1995, p. 26).
Um período crítico para a manifestação da cultura ucraniana ocorreu durante o
Estado Novo (1937-1945), que instaurou perseguições aos estrangeiros que habitavam o
território brasileiro. No período, a língua estrangeira fora proibida em locais públicos,
inclusive durante as práticas religiosas. Assim, algumas cerimônias em Prudentópolis
foram realizadas em caráter sigiloso, por padres que arriscaram suas liberdades pela
fidelidade à religião (GUÉRIOS, 2007, p. 220).
28
É no ano de 1952 que iniciou a trajetória histórica da Eparquia
29
São João
Batista quando o Papa Pio XII criou o Ordinariato dos Católicos Orientais no Brasil.
30
Em 1958 foi nomeado Dom José Romão Martenetz, da ordem basiliana, o primeiro
Bispo da Igreja de Rito Bizantino-Ucraniano Católico no Brasil. A Eparquia de São
28
Na tese de Paulo Guérios, consta que o Padre Josafat Roga, músico e fundador do Seminário Basiliano
São José, chegou a ser preso por desobedecer regulamentações quanto ao idioma das celebrações (Ibid).
29
“Eparquia (grego): Província; no antigo império bizantino, circunscrição civil e eclesiástica, dirigida
por metropolita. Atualmente, nas Igrejas orientais católicas e ortodoxas, é uma circunscrição governada
por um bispo, que corresponde à diocese na Igreja latina” (KOUBETCH, 2004, p. 185).
30
Bula Cum Fidelium. Antes disso, os fiéis estavam sob a jurisdição dos bispos e dioceses de Curitiba,
Ponta Grossa e Jacarezinho (KREVEY e BOIKO, 2004).
João Batista foi erigida em 1971, pelo Papa Paulo VI, e nomeado como primeiro Eparca
Dom Martenetz e Bispo Coadjutor Dom Efraim Krevey (KREVEY e BOIKO, 2004).
Dom Efraim nasceu em 1928, na localidade de Saltinho, em Ivaí, no Paraná, e
em Prudentópolis estudou no Seminário São José, onde também exerceu o magistério e
o cargo de diretor na instituição. Na Igreja de São Josafat foi o pároco e maestro do
coral litúrgico, entre 1955 e 1959. Paralelamente às atividades religiosas, Dom Efraim
teve importante atuação na cidade, e contribuiu nas fundações do Centro Social Clube
XII de Novembro e do grupo folclórico Vesselka, em 1958. Em 1969 foi transferido
para Curitiba, onde recebeu a nomeação de Bispo Coadjutor da Eparquia São João
Batista, em 1971. Sete anos mais tarde se tornou o segundo Eparca da instituição,
exercendo a função até fevereiro de 2007.
31
Diversas obras de Dom Efraim marcam seu
mandato, dentre as quais, a fundação do Grupo Folclórico Poltava e o Clube Centro
Religioso Cultural Poltava, ambos importantes núcleos da cultura religiosa e popular
dos ucranianos de Curitiba e no Paraná.
Os dados de 2004 informam que a Eparquia no Brasil possuía 23 paróquias, e
atendia 209 comunidades. Participavam 150.000 fiéis. Havia 72 religiosos da Ordem de
São Basílio Magno e 350 religiosas missionárias. As organizações religiosas são
atuantes e representadas pelo Apostolado da Oração, que desde 1898 atua em
Prudentópolis e a Congregação das Marianas (BURKO, 1963, p. 67).
2.6.1 Rito ucraniano
O rito praticado nas igrejas greco-católica e ortodoxa ucranianas deriva da
liturgia bizantina, a qual tem origem na liturgia de Jerusalém (de São Tiago), que foi
31
Desde então, assumiu a administração o Bispo Eparca Dom Volodomer Koubetch.
reformada por São Basílio Magno
32
e abreviada por São João Crisóstomo (350- 407) no
século IV. A liturgia mais empregada pela Igreja Greco-Católica Ucraniana é a de São
João Crisóstomo, seguida da Liturgia São Basílio de Magno, porém, de acordo com o
calendário anual da Igreja, celebra-se também a Liturgia dos Pré-Santificados.
33
Oksana Boruszenko afirma que as origens orientais derivaram do Rito
Antioqueno e compreende os ritos Siríaco, o Caldaíno, o Armênio, o Maronita e o
Bizantino (BORUSZENKO, 1995, p. 25). O conjunto dos cânones vinculado ao
calendário litúrgico estabelece ciclos anuais, semanais e diários referentes e rege o
emprego apropriado dos textos e das melodias a serem entoadas nos ofícios e serviços
litúrgicos. No Brasil, o calendário seguido pelas Igrejas Ortodoxas e Greco-Católicas
Ucraniana diferem, pois a primeira segue o calendário juliano, e a segunda o calendário
gregoriano.
34
A principal cerimônia dos religiosos ucranianos ocorre usualmente aos
Domingos pela manhã, e corresponde à Divina Liturgia. Esta celebração é denominada
em ucraniano Bojéstvenna Liturhia”,
35
correspondente à missa do rito latino, e é o
principal serviço religioso no rito oriental. A estrutura desta missa é equivalente à
encontrada no rito romano, contudo, o modo de celebração difere uma da outra. A
experiência de observação da Divina Liturgia é peculiar, não somente pela sonoridade
encontrada na celebração, mas por outros estímulos visuais e olfativos que atingem a
32
São Basílio Magno (330-379) nasceu em Cesaréia da Capadócia, atual Turquia.
33
A Divina Liturgia de São Basílio Magno é celebrada no dia de Janeiro (correspondente à Festa de
São Basílio), na Véspera da Epifania, no Domingo da Quaresma, na Quinta-Feira e Sábado da Semana da
Paixão e na Véspera do Natal. A liturgia é semelhante à de São João Crisóstomo, contudo as orações da
Liturgia Eucarística são mais longas do que as que constituem aquelas. A Liturgia dos Dons Pré-
Santificados, por sua vez, ocorrem nas quartas e sextas-feiras durante o período da Quaresma, e se
distingue das duas anteriores por não haver a leitura do Evangelho, mas apenas do Antigo Testamento, e
o momento da consagração (SCHILLER, 2008, p. 36).
34
Na Ucrânia, ao contrário, ambas as Igrejas seguem o calendário juliano.
35
Transliteração de Atanásio Kupitski.
sensibilidade do indivíduo não habituado ao rito oriental. No plano visual, o primeiro
encantamento costuma ser a própria arquitetura das igrejas bizantinas, com cúpulas
metálicas, arredondadas que se destacam na paisagem (Fig. 2.8). Algumas igrejas
apresentam campanários que soam badaladas próprias às ocasiões de celebrações,
anúncio de falecimentos, casamentos, que acontecem na localidade.
36
Ao entrar num templo ucraniano, depara-se com a inexistência de esculturas ou
estátuas de Cristo, dos Santos, ou de Maria, mas é possível perceber os ícones (pinturas
religiosas), que são dotados de simbologias específicas dispostas nas posturas das mãos
das imagens, objetos e cores selecionados para significação diferenciada. Na maioria
das igrejas, tem-se o iconostás, uma grande divisória, rico em imagens de Cristo e
Apóstolos, que delimita o espaço da igreja reservado ao sagrado, o Santuário, e os fiéis.
Durante a cerimônia, momentos em que o sacerdote incensa o ambiente,
aromatizando passagens específicas da liturgia, esfumaçando o ambiente, possibilitando
também a alteração no campo da percepção visual.
Outras particularidades da liturgia ucraniana podem ser ressaltadas. O padre
celebra o serviço virado para o altar, de costas para a assembléia, em sinal de deferência
a Cristo, portando-se deste modo, como guia ou pastor da celebração. A quantidade de
vezes que os fiéis fazem o sinal da cruz também chama atenção, assim como o modo.
Para o sinal da cruz, os fiéis da liturgia oriental unem os dedos polegar, indicador e
médio da mão direita e apóiam os outros dois na palma da mão, como representação da
Santíssima Trindade e das duas dimensões humana e espiritual de Cristo. Ademais, o
sinal é realizado da direita para a esquerda.
37
36
O belo campanário da Igreja São Josafat (Prudentópolis), construído em 1946, possui seis sinos
dispostos de dois em dois em três arcos.
37
Este modo de fazer o sinal da cruz foi prática comum entre as igrejas universais até o século XIII,
conforme discrimina o livro “De Sacro Altaris Misterio”, do Papa Inocêncio III.
Quanto a questões de gênero, tradicionalmente durante a cerimônia religiosa, as
mulheres se posicionam do lado esquerdo da Igreja, e os homens sentam-se do lado
direito.
38
Isto influencia também na distribuição espacial dos cânticos. Na Ucrânia, de
acordo com o relato de Dom Efraim, tradicionalmente os cantos são conduzidos por
homens, e ademais, as mulheres são proibidas de adentrarem o Santuário.
O canto é alternado constantemente, entre o sacerdote, o diácono, os fiéis e os
cantores, o que possibilita a ruptura de homogeneidade sonora (ocasionado pela
diferença entre textura de vozes e timbres), ainda que a repetição das melodias
constitua-se uma propriedade particular da liturgia oriental ucraniana. Salvo o canto, na
dimensão sonora, há momentos em que o celebrante faz soar os sinos.
Na dimensão sonora, ainda, a nenhum serviço religioso é concedida permissão
de instrumentos musicais. De certa forma, a ausência dos sons dos instrumentos
musicais torna o momento mais focado na palavra, mas de modo mais abrangente, ao
som da voz a qual faz ecoar a milenar tradição religiosa do povo ucraniano que constitui
o objeto desta presente investigação.
Dessa forma, ao transitar pela terra acolhedora, a terra deixada e a esfera
religiosa, é possível compreender de modo mais efetivo que os aspectos históricos e
políticos vinculados à nação ucraniana se entrelaçam com a cultura e a religião
enraizada nas tradições cristãs orientais. Entre as riquezas culturais trazidas pelo
imigrante ucraniano, a partir do último quartel do século XIX, destacam-se os cantos
tradicionais religiosos. No capítulo seguinte procurarei, assim, concentrar um estudo
sobre tais cantos, que discorre quanto sua origem no território da Rus de Kiev, para
então tratar de demonstrar como a herança musical religiosa se encontra presente nos
núcleos ucranianos locais.
38
Nas cerimônias observadas em Curitiba isto não foi verificado, mas nas cerimônias assistidas em
Prudentópolis nas Igrejas São Josafat e a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Linha Esperança) este
comportamento foi evidenciado.
3 MÚSICA E LITURGIA UCRANIANA
3.1 INTRODUÇÃO
O canto religioso ucraniano é tão importante e precioso para nós
quanto o nosso canto folclórico, nossas invenções nacionais e nossa
arte primitiva –Metropolita Ohieko (FEDORIV, 1983, p. 222)
No âmbito religioso, a musicalidade do povo ucraniano se faz presente em
cantos paralitúrgicos religiosos e litúrgicos. Os primeiros se referem aos cantos
populares religiosos, usados em partes iniciais e finais da liturgia, assim como na
comunhão, ou em circunstâncias externas à celebração litúrgica. Estes cantos se
caracterizam por serem cantos devocionais a Maria, ou aos Santos, a Santa Cruz, entre
outros.
39
Os cantos litúrgicos, por sua vez, são aqueles entoados no decorrer da liturgia
ucraniana a qual, pertencente ao rito oriental, é manifestada essencialmente pelo canto,
e não rezada.
Os cantos religiosos e litúrgicos constituem importante tesouro da expressão
tradicional ucraniana, que orienta religião e a identidade cultural dos ucranianos locais.
A música litúrgica tem como principal instrumento a voz, visto a ausência dos
instrumentos musicais durante as celebrações.
40
Tradicionalmente, todos os ofícios
religiosos são celebrados por meio de cantos entoados por celebrantes, diáconos, coros,
cantores e fiéis. Diversos hinos trazidos pelos ucranianos encontram-se enraizados nas
tradições sírias, desenvolvidas em Bizâncio e que foram, empregadas na tradição cristã
39
Tais cantos religiosos são denominados “Tsércovni Pisni”.
40
A tradição do desuso de instrumentos musicais durante as cerimônias de rito oriental bizantino deve-se
ao fato de que os instrumentos musicais, no antigo Império Bizantino eram empregados nas cerimônias
públicas da corte do Império Bizantino, conforme o Livro de Cerimônias publicado pelo Imperador
Constantino VII Porphyrogennetus (905-59), o qual se refere aos usos de instrumentos musicais em
recepções e procissões imperiais (LEVY, 1980, p. 561). De acordo com lia Ramos, o órgão era um
instrumento pagão muito popular, usado nos circos e nas cortes, razão pela qual seu uso era impedido nos
cultos religiosos (RAMOS, 2003).
grega e atingiram então o território eslavo, que, mesmo sob domínio estrangeiro,
constituía a pátria ucraniana durante o século XIX.
Este capítulo é dedicado ao estudo do canto religioso ucraniano, e de modo mais
preciso, à música cantada nas celebrações litúrgicas. Primeiramente, realizo uma busca
quanto às raízes históricas dos cantos litúrgicos e da notação musical, encontrados nas
duas principais comunidades religiosas ucranianas brasileiras, a Igreja Ucraniana
Greco-Católica Ucraniana e a Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana. A seguir, parto
para o estudo das partes da Divina Liturgia de São João Crisóstomo, para então
discorrer acerca das estruturas das melodias trazidas pelos imigrantes, e entoadas nas
suas cerimônias.
3.2 CANTOS LITÚRGICOS NAS TERRAS ESLAVAS E ANTIGAS
NOTAÇÕES MUSICAIS
Fig. 3.1 - Exemplo de Notação Znamenny
41
(FEDORIV, 1983, p. 280).
De acordo com o que informam Roccasalvo (1990) e Fedoriv (1983), os cantos
litúrgicos eslavos têm início a partir do trabalho realizado pelos missionários Cirilo
(826-869) e Metódio (815-885) no século IX, os quais foram responsáveis pela tradução
41
O termo znamenny é o adjetivo de známia (sinal), e a transliteração adotada não pertence ao código
Nacional Ucraniano [znamenni (pl.) e znamennyi (sing.)], porém foi assim adotado em função da
presença na literatura estudada. Associado ao znamenny, conforme o exemplo da Fig. 3.1, encontra-se a
notação ecfonética, definida como “sistema de notação criado para facilitar o canto de um texto
litúrgico”, usado “em associações com textos bíblicos, na música das igrejas síria, armênia ou outras do
Oriente, bem como na sinagoga” (SADIE, 1994, p. 291).
dos livros litúrgicos gregos para o idioma eslavo litúrgico,
42
processo no qual, foram
mantidas as melodias greco-bizantinas.
43
Os cantos ucranianos possuem suas bases no Canto Znamenny. Segundo Alfred
Swan, estes cantos estão contidos em manuscritos litúrgicos do século XI ao XVII
escritos em notação znamenny, disposta sobre o texto litúrgico (Fig. 3.1). Até este
período, estes cantos eram os mesmos empregados na região norte (Novgorod e
Moscou) e sul (Kiev e Lviv),
44
e a partir de então, os cânticos destas regiões se
desenvolveram separadamente. De acordo com Vosnezensky:
A tradição do canto do Sudoeste da Rússia e da Grande Rússia tem suas
bases em uma principal fonte, o canto Znamenny transmitido pelos monges
gregos e eslavos de Mt. Athos. Até século XVII ambos os cantos do nordeste
e do sudoeste eram cantados com os mesmo sinais. Os cantos não eram
idênticos, mas melodicamente muito próximos.
45
Ainda que as marcas orientavam melodias de uma única voz, o Canto Znamenny
do século XI e XII não era entoado monodicamente, mas sim harmonicamente, a duas
ou três vozes (FEDORIV, 1983, p. 236). Neste período, nos cantos folclóricos e
religiosos era habitual o surgimento de improvisações populares polifônicas.
42
Os ucranianos brasileiros se referem ao “eslavônico” também com as designações “velho búlgaro” ou
“paleo-eslavo”. Ao desenvolver este idioma litúrgico, Cirilo criou o alfabeto com a ajuda de seu irmão
Metódio, que posteriormente se tornou comum aos povos eslavos, e ficou conhecido como o alfabeto
cirílico.
43
Este posicionamento não é compartilhado pelo teórico Smolensky que em 1901 afirmou que os russos
teriam seus próprios cânticos antes da adoção da cristã (SMOLIENSKY apud SWAN, 1940a, p.
233).
44
A ramificação do canto do norte (ou nordeste, a partir de Novgorod e Muscovite) é conhecida como a
tradição da Grande Rússia, que apresenta a partir do século XVII, diferenças com o canto empregado na
região sul (sudoeste, correspondente às regiões da Subcarpátia, Kiev e Lviv), atual região da Ucrânia
(ROCCASALVO, 1990, p. 218-219).
45
The chant tradition of southwest Russia and Great Russia has its basis one principal source, the
Znamenny chant transmitted through the Greek and Slavonic monks from Mt. Athos. Until the
seventeenth century both in the northeast and southwest the Znamenny chant was sung with the same
staffless signs. If the chants were not identical, then they were melodically very close” (VOSNEZENSKY
apud ROCCASALVO, 1990, p. 219).
Myron Fedoriv, contudo, aponta o século XVI como o início das diferenças
entre norte e sul, época em que o canto do sul é reconhecido como “Canto de Kiev” e o
norte como Canto Znamenny Menor (canto simplificado) (FEDORIV, 1983, p. 236).
Este estudioso afirma que o primeiro processo de “ucranização” teve origem no
monastério Pecherska Lavra,
46
em Kiev, local em que as notações znamenny teriam sido
dispostas sobre os textos litúrgicos, e que se distinguiram do canto cantado de memória,
também chamado de canto comum (obychnyi).
Joan Roccasalvo afirma que a região de Kiev e Lviv esteve entre duas ricas e
vastas divergentes fontes de música litúrgica, uma delas correspondente àquela
empregada nos monastérios orientais, que contribuiria para a assimilação de caracteres
búlgaros, gregos e servos no Canto Znamenny consolidado, e outra à rica música do
renascimento polonês (ROCCASALVO, 1990, p. 223), que representa, de modo mais
amplo a possibilidade de intercâmbios musicais com a Europa Ocidental. As tensões
entre ortodoxos e católicos motivaram a criação de irmandades que viriam a promover a
educação ortodoxa e o orgulho nacional ucraniano (Ibidem
). Ademais, em 1596, ocorre
a União de Brest-Litovsk, em que membros do Bispado Ortodoxo firmaram alianças
com Roma, muito embora tenham mantido o rito e a cultura orientais. Com isto, as
influências e o contato com fontes ocidentais foram cada vez mais freqüentes.
Um importante momento na história do canto religioso ucraniano e russo
ocorreu durante o Patriarcado de Nikon (1652-1666), que trouxe grandes reformas nos
cantos usados na liturgia.
47
A partir deste período:
46
Mosteiro fundado em 1052, também denominado como Monastério das Cavernas.
47
As reformas de Nikon, que permitiram mudança no estilo e a introdução de obras corais nas liturgias,
não foram aceitas por uma facção da Igreja Ortodoxa Russa e provocou o cisma entre Ortodoxos e Velhos
Ritualistas (Velhos Crentes).
melismas desapareceram, as melodias foram divididas em compassos e a elas
foram atribuídos ritmos simétricos. Em suma, os cantos perderam sua
identidade única, e o seu contorno original foi mutilado além do
reconhecível. Mas mesmo assim, continuaram a serem chamados de canto
Znamenny.
48
Com isto, o Canto Znamenny foi substituído por estrutura musical estrangeira,
com a adoção de composições corais, adaptadas para a harmonização, e a partir de
então, caíram em desuso melodias mais elaboradas dos stichiry, troparia [tropários] e
irmosy.
49
De acordo com Myron Fedoriv, na ambiência da Igreja Católica Ucraniana,
durante o período das reformas nikonianas, a influência dos cantos gregos foi
acentuada, visto a importação de livros gregos. Segundo este mesmo pesquisador, neste
mesmo período, os cantos da Galícia receberam também a influência dos cantos
búlgaros, que tem como características predominantes o canto ritmicamente flutuante.
50
Os cantos búlgaros estariam preservados nas Irmologia
51
ucranianas (FEDORIV, 1983,
p. 237).
A supremacia do Canto Znamenny
52
foi abalada com o avanço da Notação de
Kiev (Kiev Známia), denominação para a escrita musical que teria a base ocidental da
notação quadrática desenvolvida no Ocidente que foram introduzidas no universo
48
Melismas desappeared, melodies were divided into measures and given symmetrical rhythms. In short,
the chants lost their unique identity, and their original contour was mutilated beyond recognition. Yet
they continued to be called ‘Znamenny chant(ROCCASALVO, 1990, p. 230).
49
Ibid. Stichiry, troparia e irmosy correspondem à coleção de textos e cânticos usados nas cerimônias
orientais.
50
O canto grego se caracteriza por “vitalidade triunfante e sensibilidade religiosa alegre”. Tratam-se de
melodias leves, e de fácil acesso. Já os cantos búlgaros apresentam “caráter triste e solene”. (In:
KLYMASZ, 2000: The Forewords & Introduction to the Third Edition of ‘The Church Singer´s
Companion’, p. 160-161).
51
Roccasalvo designa Irmologia (do grego plural) para os livros de cantos litúrgicos, equivalentes ao
Liber Usualis no rito latino (ROCCASALVO, 1990, p. 224).
52
Paralelamente ao Canto Znamenny, havia o Canto Demestvenny. Originalmente o termo demestvenny
estava relacionado ao canto destinado às orações domésticas (SWAN, 1940a, p. 235).
eslavo através da Galícia (FEDORIV, 1983, p. 281 e SWAN, 1940a, p. 237). Deste
modo, a partir do século XVII, a notação neumática foi abandonada e substituída pela
notação quadrática escrita na pauta musical com cinco linhas (Fig. 3.2).
53
Fig. 3.2 - Notação de Kiev (Kiev Známia) (FEDORIV, 1989, p. 281).
De acordo com Alfred Swan entre os séculos XVIII e XIX, a influência da missa
napolitana passou a estar presente nas catedrais russas (SWAN, 1940a, p. 238). Nos
monastérios, no entanto, os antigos cantos eram mantidos, e, em trabalhos missionários
de monges e sacerdotes estes cantos eram levados até as aldeias. Nestas localidades, os
cantos comunitários prevaleceram sob lideranças dos diaky, os cantores locais que
conduziam os ofícios de acordo com os cânones eclesiásticos. No entanto, o modo de
conduzir e reproduzir a tradição religiosa era dotada de elementos pessoais.
3.3 A MÚSICA LITÚRGICA “PRESCRITIVA”: O CALENDÁRIO, OS
LIVROS E CICLO MUSICAL
O calendário litúrgico coordena níveis diferenciados de ciclos, possíveis de
classificar como ciclos diário, semanal e anual. O primeiro fornece instrução para as
orações dos ofícios diários como Matinas e Vésperas.
54
O ciclo semanal orienta a qual
memória se dedica cada dia da semana, e ademais, orienta a rotação do ciclo de oito
53
A escrita era semelhante à encontrada no canto gregoriano da Igreja Católica Romana, mas neste a
notação é escrita em quatro linhas (FEDORIV, 1983, p. 281).
54
Os serviços religiosos incluem Matinas, Vésperas, Típica, Horas Canônicas, Completas e Ofício da
Meia-Noite (FEDORIV, 1983, p. 260).
semanas, que regem a mudança dos oito tons ou hlasy”.
55
O ciclo anual estabelece o
período litúrgico (Pré-Quaresma, Quaresma, Tempo Pascal e Tempo de Pentecostes), as
festas fixas (ocasiões e santos) e móveis (de acordo com a Páscoa). A combinação
destes ciclos irá determinar as intenções e características das cerimônias, e portanto, dos
hinos, dos textos e leituras sagradas, com as correspondentes melodias.
Assim, nas cerimônias religiosas ucranianas, os livros litúrgicos fornecem
orientação aos sacerdotes, diáconos, cantores e regentes quanto ao emprego correto dos
textos e das melodias para cada ocasião e época litúrgica, segundo as regras do rito
ucraíno-bizantino. diversos livros que dimensionam a dinâmica de rotação melódica
e textual nas cerimônias religiosas ucranianas, entre os quais é possível destacar:
56
Obichod (corresponde ao Ordinário):
57
partes fixas das Matinas e Vésperas,
Ofícios das Horas (Primeira, Terceira, Sexta e Nona), Ofício do Meio-Dia,
Ofício da Meia-Noite, Pequeno e Grande Noturno, e Divina Liturgia;
58
Irmologion (Irmologia): contém coleção de Irmosy, que correspondem aos
cantos mais ornamentados (SWAN, 1990a, p. 141);
59
Osmohlasnyk (Octoechos ou Oktoikh): livro que contém partes móveis dos
serviços litúrgicos para cada dia da semana num ciclo de oito semanas
55
O termo hlasy é plural de hlas (Глас) que significa tom, que também é encontrado com o termo holos
(Голос), voz.
56
As fontes que basearam as diversas publicações das coleções dos cânticos sagrados possuem sua
procedência nas tradições do canto Znamenny:“The notaded staff ‘irmologia’ of eighteenth-century
Souwthwestern Rurepresent a written recorded of the Znamenny chant tradition that once belonged to
all the people of Rus´, of both the Northern and Southwest traditions(ROCCASALVO, 1990, p. 231).
57
Alfred Swan usa o termo Obikhod para esta coleção (SWAN, 1990a, p. 239).
58
Depoimento de Padre Soter Schiller.
59
O estudioso Alfred Swan emprega o termo Hirmologion para esta coleção, e hirmoi ou irmossy para os
cantos nela contidos (SWAN, 1990a, p. 241).
correspondentes a um dos oito tons (oito hlasy). O ciclo dos oito tons inicia
nas Vésperas do sábado posterior ao Domingo de Todos os Santos e termina
na Pré-Quaresma.
Menaion (Mineya): contém doze livros, um para cada mês do ano, orienta os
cânticos relacionados às festas fixas e aos santos;
Triod: fornece o Próprio para festas móveis da Quaresma e Páscoa;
Typik: fornece as regras e regulamentações para os serviços religiosos, assim
como detalhes segundo o ciclo anual.
É de fato muito grande a quantidade de normas quanto aos serviços litúrgicos e
ao uso apropriado das formas melódicas e dos textos sagrados que estruturam as
celebrações. Esta é a razão pela qual os celebrantes fazem uso diário das instruções.
60
3.3.1 Tipos de música religiosa: samoilkas,
61
hlasy e cantos paralitúrgicos
Dois tipos de cantos litúrgicos foram muito citados nos depoimentos e conversas
informais dos religiosos ucranianos que entrevistei nas comunidades de Curitiba e
Prudentópolis: as samoilkas e os hlasy. Entre os cantos litúrgicos da Igreja Católica
Ucraniana é possível reconhecer o que os fiéis chamam de samoilkas
como forma
melódica comum, ou ainda, o canto comunitário entoado durante as celebrações, e sobre
o qual se estrutura a celebração da Divina Liturgia. As samoilkas são usualmente
cantadas a duas vozes, com intervalos de terças. Tratam-se de melodias reconhecidas no
60
Depoimento de Jonas Chupel.
61
-se “samoílkas”. De acordo com o padrão de transliteração a adoção correta no plural é samoilky”
(lê-se “samolikê”). Para este termo adotou-se a inclusão do “s” para uso no plural. Algumas variações do
termo Самоїл ка são foneticamente encontrados no Paraná como samolíuka ou samílka (vide
glossário).
âmbito da música folclórica litúrgica,
62
ou seja, são melodias empregadas durante as
celebrações cantadas pelo povo e que constituem o cancioneiro litúrgico deste grupo
cultural.
63
Correspondem ao “Ordinário” da missa latina (Tabela 3.1). Apesar de
constituírem a parte fixa da estrutura litúrgica, podem apresentar variações melódicas.
Diferentes destes cantos, que são de domínio geral, ouvidos e cantados pelos
ucranianos de geração em geração, e transmitidos oralmente, é possível encontrar os
hlasy
64
(tons, ou holos), que se referem às formas melódicas móveis, aos textos e
melodias entoados de acordo com o calendário litúrgico, rememorados, sobretudo, em
seminários ou nos mosteiros. Diversos hlasy, contudo, são também conhecidos pelas
pessoas da comunidade ucraniana, e se inserem no conjunto musical tradicional
transmitido pelas gerações. Na Divina Liturgia estas melodias se fazem presentes
apenas em dois momentos, durante o troparion e o kondakion,
65
entoados
conjuntamente, e o prokímen que antecede o canto da Epístola. Texto e melodias dos
tonos variam a cada semana, até completar um ciclo de oito semanas.
Durante as cerimônias religiosas, existem os cantos paralitúrgicos, assim
chamados neste trabalho por não fazerem parte da estrutura da liturgia, e se constituem
62
O termo “liturgical-folk melody” (melodia folclórica litúrgica) aparece no índice de uma coletânea para
a celebração da Divina Liturgia, com arranjos para coro masculino, publicada 1960 pela Ordem
Ambrosiana, em Connecticut, EUA (ANDREA, 1960).
63
Não poucas vezes me deparei com membros da comunidade relembrando trechos de samoilkas para
exemplificar seus usos diferenciados, ou suas variações melódicas. O interessante é que isto ocorre com
uma sensação de recordação e compartilhamento musical espontâneo, no qual se reconhece um valor
afetivo entre os membros da comunidade.
64
Também os termos tom, tono e tão foram usados pelos membros da comunidade católica ucraniana de
Curitiba e Prudentópolis, para designar o padrão melódico não fixo das cerimônias.
65
Volodomer Kobetch afirma que tropário [troparion] “é um termo designado para poema litúrgico, uma
breve composição de métrica variável, cujo ritmo está baseado no acento nico. Ainda, os tropários
podem distinguir-se conforme seu conteúdo: da ressurreição, da Mãe de Deus, etc; ou conforme o lugar
em que se colocam dentro de um ofício divino: um tropário principal, ou do dia, às vezes dois,
repetido em horas canônicas e durante a liturgia eucarística” (KOUBETCH, 2004, p. 199). Trata-se de um
breve hino que, cantado aos Domingos, traz temas vinculados à ressurreição (SCHILLER, p. 2008, p. 85).
Já o kondakion, é cantado após o troparion trata-se de um hino em louvor ao santo ou à festa do dia (ibid,
p. 86).
em cantos religiosos muito populares entre os ucranianos. A quantidade de cantos é
grande, muitos deles são de autores desconhecidos, e transmitidos oralmente pelas
gerações, pertencentes, assim ao folclore religioso. O emprego engloba invocações aos
santos do dia, o serviço ao qual se está celebrando, os cânticos específicos de bênção,
que, somados às melodias litúrgicas, constituem um repertório musical vasto.
66
Os
cantos paralitúrgicos são cantados antes e após a Divina Liturgia, e durante a
Comunhão.
TABELA 3.1 - Categorias de cantos encontrados na Divina Liturgia Ucraniana de São João Crisóstomo
Categorias de Cantos
Partes da Divina
Liturgia
Origens
Observações
Samoilka
Ordinário
Monástica com
grande influência
do folclore
litúrgico
Melodia estrutural da
celebração litúrgica
Hlas (Tom)
Próprio
(Troparion,
Kondakion,Prokimen)
Osmohlasy
67
Melodia e texto
móveis de acordo com
calendário litúrgicos
Paralitúrgico
Início, Final e
Comunhão
Diversa
Canto popular
religioso com caráter
devocional
Fonte: sistematização da autora.
As duas categorias de canto litúrgico e a questão da participação coletiva dos
fiéis quanto aos cantos da samoilkas
e dos hlasy que aparecem nos relatos dos
66
Os temas dos cantos populares Ano Novo, Epifania, Apresentação do Senhor, Quaresma, aos Santos,
Sexta-Feira Santa, Ressurreição, à Virgem Maria, Pentecostes/ Eucaristia/ ao Sagrado Coração de Jesus.
Transfiguração do Senhor, Exaltação Santa Cruz (Relato de Jonas Chupel).
67
“Oito Tons”.
ucranianos brasileiros, coincidem com a distinção feita por Myron Fedoriv,
68
entre os
cantos empregados na Divina Liturgia e nos ofícios. Este autor publicou em dois
volumes os cantos sagrados e suas variações encontrados na Galícia, dedicou o
primeiro, àqueles entoados nas matinas e vésperas (publicado em Roma em 1961), e o
segundo, datado de 1983, foi publicado na Filadélfia, pela Ordem Basiliana americana,
traz as melodias que estruturam as celebrações da Divina Liturgia (samoilkas).
A coletânea dos cânticos usados nas Matinas e Vésperas (no primeiro volume)
traz a música dos Octoechos greco-bizantinos, búlgaros e greco-morávios, que na
Ucrânia teria sofrido adaptação pela influência do clero, dos corais dos monastérios e
dos diaky que a cantavam. A base destes cantos é o Osmohlasy (Oito Tons), e, de
acordo com Fedoriv, tais melodias não são usualmente cantadas pela comunidade, em
função do estilo de frase empregado, e da quantidade de variáveis que apenas poderiam
ser dominados por cantores treinados e experientes ou coros dos mosteiros.
Segundo este autor, o desencontro entre as duas categorias consiste nas
características de suas músicas, no propósito religioso e no local da origem destes
cantos. Fedoriv afirma que os cânticos estruturais da Divina Liturgia (samoilkas)
possuem elementos folclóricos e teriam sido influenciados pelos cantos do Ocidente.
Ainda, este autor afirma que as melodias são simétricas com cadências bem marcadas e
definidas, e a clareza da forma permite a participação dos fiéis (FEDORIV, 1983, p.
230). De acordo com o autor, portanto, torna-se possível estabelecer a seguinte
sistematização:
68
O período da coleta realizada na Galícia, ou os detalhamentos metodológicos, não se encontram
descritos no volume consultado. O primeiro volume não foi encontrado nos acervos dos seminários
percorridos, Studium São Basílio, em Curitiba, e Seminário São José em Prudentópolis. Exemplares do
segundo volume, entretanto, encontram-se disponíveis nas bibliotecas de ambas as instituições.
TABELA 3.2 - Principais diferenças entre cantos da Divina Liturgia e dos Ofícios das Matinas e
Vésperas compiladas a partir das obras de Myron Fedoriv
Cantos das Matinas Vésperas
Cantos da Divina Liturgia
Origens nos Octoechos bizantinos, morávios e
búlgaros
Adaptados na Ucrânia pelo clero, diaky e
coros de mosteiros
Frases mais elaboradas
Grande número de variáveis
Caráter eclesiástico
Cantados nos monastérios, ou por cantores
treinados
Elementos folclóricos
Influência do ocidente
Melodias simétricas
Cadências marcadas
Caráter popular
Canto comunitário
Fonte: sistematização da autora baseada em FEDORIV, 1983, p. 230.
A Divina Liturgia corresponde ao principal ofício religioso, e a mais celebrada
durante o ano é a de São João Crisóstomo.
69
Com base no livro “Nossa Liturgia” (2008)
do padre basiliano Soter Schiller, publicado em Curitiba pela Eparquia São João Batista,
é possível estabelecer os momentos desta celebração. Após a Proskomídia (Preparação
das Ofertas), a cerimônia é dividida em dois momentos: Liturgia da Palavra, e Liturgia
Eucarística (Liturgia dos Fiéis) (Tabela 3.3). É válido ressaltar que a estrutura de cada
parte da liturgia, identifica momentos musicais diferenciados da cerimônia. A tabela
abaixo busca fornecer as diferenças entre os tipos de músicas ouvidas e a quem compete
o canto durante a celebração da Divina Liturgia Ucraniana de São João Crisóstomo.
69
Outras duas liturgias são menos usadas durante o ano, a Liturgia de São Basílio o Grande, celebrada
nos Domingos da Quaresma (Quinta-Feira Santa e Sábado de Aleluia), na Festa de São Basílio, Véspera
do Natal e Epifania; Liturgia dos Pré-Santificados (Quarta-Feira e Sexta-Feira da Quaresma) que é um
serviço sem a consagração (FEDORIV, 1983, p. 259).
TABELA 3.3 - Partes da Divina Liturgia de São João Crisóstomo e cantos correspondentes.
Liturgia da Palavra
Tipo de canto
Quem canta
Doxologia Inicial
70
Ektenia
71
da Paz ou Grande Ektenia
Antífonas
Hino “Unigênito”
Tropário do dia -------------------
Ektenia Tripla
Samoilkas
Hlas
Samoilka
Celebrante
Celebrante e Fiéis
Celebrante e Fiéis
Fiéis
Fiéis
Celebrante e Fiéis
Pequena Entrada
72
Troparion, Kondakion------------
Hino Triságion
Prokimen
73
-------------------------
1ª Leitura: Epístola
Aleluia
2ª Leitura: Evangelho
Ektenia Tripla ou Ektenia
Insistente
74
Hlas
Samoilka
Hlas
Samoilkas
Samoilka
Fiéis
Fiéis
Diak (leitor)
Diak
Fiéis
Celebrante
Celebrante e Fiéis
70
Doxologia significa “dar glórias” e inicia com “Bendito seja o reino...” (SCHILLER, 2008, p. 54).
71
Ektenia é uma palavra grega que designa o adjetivo “ardoroso” (Ibid, p. 56). O termo foi traduzido pela
Comissão Eparquial, em 1999, como Litania (ladainha).
72
Procissão em torno do altar feita pelo celebrante com o livro do Evangelho, que finaliza diante da porta
central do iconostás, quando é erguido o Evangelho e pronunciadas as palavras: “Sabedoria, em pé!”
(Ibid, p. 83).
73
Prokimen (“o canto que antecede”) anuncia a leitura da Sagrada Escritura, originalmente canto dos
Salmos, e hoje reduzido ao canto de dois versículos apenas, o primeiro é o refrão que se repete após a
leitura do segundo (Ibid, p. 95).
74
Após a Ektenia Tripla ocorre a Ektenia aos Mortos, ou seja pela intenção dos falecidos. Na tradição
bizantina, seguida à Ektenia dos Mortos, havia a Ektenia dos catecúmenos, que se tratava da última
sessão da liturgia da Palavra, mantida pela Igreja Ucraniana até os anos 60 do último século quando foi
autorizada sua omissão. De acordo com Padre Soter, o catecumenato como instituição desapareceu por
volta do século VII quando se difundiu a prática de batizar crianças após o nascimento. Tradicionalmente,
os catecúmenos não eram autorizados a participar da celebração da Eucaristia pois esta era reservada aos
batizados. Assim, após a Liturgia da Palavra, os eram convidados a se retirarem da igreja, que
posteriormente tinha suas portas fechadas à chave (Ibid, p. 105).
TABELA 3.3 - Partes da Divina Liturgia de São João Crisóstomo e cantos correspondentes. (Cont.)
Liturgia Eucarística
Tipo de canto
Quem canta
Pré-Anáfora:
Orações Introdutórias
Hino dos Querubins
Procissão dos dons
75
(Grande
Entrada)
Ektenia
Oração ao Espírito Santo
Creio
Oração em voz baixa
Samoilka
Samoilka
Samoilka
Celebrante
Fiéis
Fiéis
Celebrante
Fiéis, solo ou alternado
Anáfora
Diálogo inicial
Oração de ação de graça
“Santo, Santo, Santo”
Oração eucarística
Anamnese
Epiclese (invocação ao Espírito
Santo)
Memorial
76
Doxologia final
Samoilkas
Celebrante
Celebrante
Fiéis
Celebrante
Celebrante
Preparação à Comunhão
Ektenia Petitória
Pai Nosso
Samoilka
Samoilka
Fiéis
Fiéis
Rito da Comunhão
Canto paralitúrgico
Fiéis
Rito de Ação de Graças
Ektenia
Samoilka
Celebrante
Fiéis
Despedida
Canto paralitúrgico
Celebrante
Fiéis
Fonte: sistematização da autora baseada em SCHILLER, 2008.
75
O Hino dos Querubins e a Procissão com os dons da Proskomidia até o altar correspondem ao Ofertório
da Missa do Rito Latino (Ibid, p.105).
76
Antes do Memorial, também há um canto coletivo a Nossa Senhora denominado Dostóino (“É
digno”). De acordo com o Padre Soter Schiller, nas Grandes Festas, este canto é substituído por um
Irmos, que traz melodia mais elaborada.
É possível perceber que a alternância das partes de celebrantes e fiéis é
constante, o que compõe diferentes texturas sonoras ao longo da liturgia. Nota-se que
apenas no momento compreendido entre o tropário correspondente ao dia da semana e o
Prokímen, é possível ouvir o hlas (tom) da semana.
3.3.2 Cantos fixos da Divina Liturgia: samoilkas
A primeira samoilka da Divina Liturgia é o canto de resposta chamado Ektenia
77
ou Litania
78
(conforme tradução da Eparquia São João Batista, 1999) e é, ao lado da
samoilkas da Antífona, a mais recorrente durante a Divina Liturgia. A melodia da
Ektenia da Paz
79
(Fig. 3.3) é entoada por toda a assembléia, possui estrutura simples,
formada por graus conjuntos, e entoada de modo silábico
80
:
Fig. 3.3- Samoilka da Ektenia da Paz (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 73. Transliteração: KUPITSKI,
2002, p. 5).
77
A Ektenia (do grego ekteneia significa uma extensa oração) é um grupo de invocações e petições
exposto pelo diácono ou padre, a quem os fiéis respondem (Hóspode Pomêlui). A Ektenia pode ser curta
ou longa, com respostas únicas ou triplas (SCHILLER, 2008, p. 58).
78
Segundo Padre Soter Schiller, a tradução para “Litania”, sinônimo de “ladainha”, como respostas
breves, não corresponde ao sentido do termo Ektenia, cuja origem grega remete ao adjetivo “ardoroso”,
“insistente” (Ibid p. 56).
79
Parte inicial da celebração da Divina Liturgia.
80
Faixa 1 do CD em anexo.
As palavras correspondentes são “Senhor, atendei-nos” (em ucraniano Hóspodi
Pomêlui, correspondente ao Kyrie Eleison), “a Vós, Senhor” (Tobi, Hóspode) e
“Amém”. Entre cada uma das células melódicas, separadas pela barra dupla, são
inseridas as invocações do sacerdote. As respostas da comunidade também podem
apresentar pequenas variações quanto ao ritmo, às alturas, e aos ornamentos adotados,
estes encarados aqui como a exploração do canto melismático, ou por uso de apojaturas.
As variações, contudo, são também de domínio coletivo, e de acordo com as escolhas
do cantor, ou das irmãs, os fiéis conhecem o modo como irão entoar a Ektenia, em cada
ocasião durante a liturgia.
81
Abaixo, alguns exemplos correspondentes às variações:
Fig. 3.4 - Variação do canto de resposta da Ektenia (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 73. Transliteração:
KUPITSKI, 2002, p. 4).
O segundo canto recorrente na celebração basiliana diz respeito à melodia da
Antífona (Fig. 3.5), que também se caracteriza por duas notas, separadas em intervalos
conjuntos:
81
Ektenia da Paz (Grande Ektenia), Ektenia Insistente, Pequena Ektenia.
Fig. 3.5 - Samoilka da Antífona (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 75. Transliteração: KUPITSKI, 2002,
p. 6).
Esta mesma samoilka é encontrada em diversos momentos da Divina Liturgia
ucraniana, como “Santo, Santo, Santo”.
A melodia do Creio (“Símbolo Niceno-Constantinopolitano”)
82
(Fig. 3.6) é
entoada comunitariamente ou na forma alternada entre homens e mulheres ou entre
solista e coro
83
.
82
Padre Soter Schiller esclarece que Símbolo Niceno-Constantinopolitano resume a cristã professada
pela cristã, e presente nas tradições orientais e ocidentais, porém, na Igreja latina, é possível encontrar
o símbolo de fé mais breve denominado “Símbolo Apostólico” (SCHILLER, 2008, p. 128).
83
Faixa 4 do CD em anexo.
Fig. 3.6 - Excerto da samoilka do Creio (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 128. Transliteração: KUPITSKI,
2002, p. 18).
Um momento importante da Divina Liturgia é o correspondente ao Hino dos
Querubins, um canto entoado durante a solene procissão com os dons da mesa da
Proskomídia até o altar, ritual parcialmente correspondente ao Ofertório da missa de
rito latino (SCHILLER, 2008, p. 111). Trata-se de um hino solene, que traz inicialmente
as palavras “nós representamos misticamente os querubins”, que muito inspirou
compositores, além “de se tornar objeto de especial reverência na piedade popular”
(Ibid, p. 112). A idéia central do hino é a união entre a liturgia terrestre e celestial, no
sentido do esforço humano para se elevar à comunidade celeste e oferecer o sacrifício
de Cristo ao Pai (Ibidem
). Musicalmente, pode-se encontrar diversas variações. O
exemplo abaixo (Fig. 3.7) traz uma linha ascendente da melodia que expressa de modo
claro a sugestão de elevação.
Fig. 3.7 - Excerto do Hino dos Querubins (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 102. Transliteração: KUPITSKI,
2002, p. 16).
3.3.3 Cantos móveis: samoilkas e hlasy no ciclo musical
A primeira observação que é possível de realizar quanto ao ciclo musical da
liturgia ucraniana refere-se ao canto de resposta da Ektenia do ciclo diário, ou seja,
aqueles inseridos nos ofícios das Matinas e Vésperas, e distintos dos encontrados nas
Divinas Liturgias. O atual dirigente do coro dos seminaristas do Studium São Basílio de
Curitiba, Jonas Chupel, afirma que três melodias mais empregadas nestes ofícios, as
quais se encontram ilustradas nos exemplos abaixo
84
.
Fig. 3.8 - Primeira variação da Ektenia das Matinas e Vésperas (Melodia fornecida por Jonas Chupel em
entrevista, transcrição da autora. Transliteração: KUPITSKI, 2002, p. 4).
84
Faixas 9 (Fig. 3.8) e 6 (Fig. 3.9) do CD em anexo.
Fig. 3.9 - Segunda variação da Ektenia das Matinas e Vésperas (Melodia fornecida por Jonas Chupel em
entrevista, transcrição da autora. Transliteração: KUPITSKI, 2002, p. 4).
Fig. 3.10 - Terceira variação da Ektenia das Matinas e Vésperas (Melodia fornecida por Jonas Chupel em
entrevista, transcrição da autora. Transliteração: KUPITSKI, 2002, p. 4).
Esta última variação corresponde à empregada nas celebrações mais solenes, as
outras duas são as usadas habitualmente. As Ektenias entoadas na cerimônia de funeral
ou em memória aos mortos (rituais denominados Panakhyda e Parastas) possuem
também melodias diferenciadas. A celebração da Panakhyda, por sua vez, também se
submete ao ciclo anual, visto que as músicas cantadas durante o Tempo Pascal possuem
caráter mais “alegre” do que as entoadas nas outras épocas do ano litúrgico.
85
3.3.3.1 Osmohlasy
Na Divina Liturgia, semanalmente são modificados os hlasy (“tons”)
correspondentes ao troparion, kondakion e prokimen até completar o ciclo de oito
semanas. Tais partes são entoadas seguidamente durante a Liturgia da Palavra, entre a
Pequena Entrada e o Hino Triságion, e em cada semana, modificam-se em letra e
melodia, visto que são entoados sob um dos oito padrões melódicos (hlasy). Abaixo,
ilustram-se os hlasy 1 e 4 do troparion.
85
Depoimento de Jonas Chupel.
A melodia empregada no Kondakion Hlas 1 é a mesma do Troparion Hlas 1
(Fig. 3.11), em função da melodia daquele ter sido perdida ao longo do tempo. os
Hlasy 4 para ambos os cânticos são diferentes. Acima, apresentam-se os Troparia
correspondentes aos Hlasy 1 e 4, dos quais se distinguem melodicamente frases iniciais,
intermediárias e as finais. Os cantos apresentam uso de graus conjuntos, em sua maior
parte silábicos, salvo em inícios e terminações de frases. Trata-se de um canto
monofônico, não mensurado, inexistindo tônicas ou pulsos periódicos, mas sim,
obedecendo à estrutura de cada frase. A dinâmica constitui importante mecanismo de
expressão, a qual pode fornecer a ênfase em palavras e passagens consideradas mais
importantes pelo cantor, coro, ou comunidade. Ritmicamente, há predominância de
mínimas, semínimas, e o uso de colcheias decorre da necessidade textual. Nestes
exemplos de tonos o canto silábico é predominante, ainda que as finalizações favorecem
a articulação. Estas melodias podem ser ouvidas nas cerimônias ucranianas católicas do
Paraná.
86
86
Depoimento de Jonas Chupel.
Fig. 3.11 - Hlas (Tom) 1 Troparion (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 160. Transliteração da autora).
Fig. 3.12 - Hlas (Tom) 4 Troparion (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 163. Transliteração da autora).
O reconhecimento do hlas a ser cantado ocorre na frase introdutória,
87
ou ainda,
nos primeiros intervalos da melodia. Na melodia do hlas 1 do troparion (Fig. 3.11), o
hlas (tom) é identificado na célula melódica da nota Sol3 até Ré4, trazendo a seqüência
1 ½ tom ascendente; ½ tom descendente; ½ tom ascendente; 1 tom ascendente; 1 tom
ascendente, até chegar às notas repetidas, em que flui o texto do troparion (e fornece a
acentuação) até a incidência do Dó4, que direciona a melodia para o Mi4, para então
retornar à nota Ré4, na qual se articula novamente o texto, até a finalização da frase,
coincidente no caso com a ligadura (Fig. 3.13). Na prática, assim que a estrutura do hlas
é reconhecida, pelas notas iniciais, parte dos fiéis também começa a cantar .
87
FEDORIV, 1983, p. 257. O autor Fedoriv aponta se refere ao termo Pypiv (“entonação”), para a frase
inicial do Kondakion, o qual parece ser adequado ao exemplo de frase introdutória do troparion acima
descrita.
Fig. 3.13 - Exemplo de frase introdutória do Hlas 1 (Melodia: FEDORIV, 1983, p. 160. Transliteração
da autora).
É válido esclarecer que o sistema de melodias móveis em ciclos de oito semanas
tem origem no século IV, momento em que se inicia um esforço no combate ao avanço
da heresia, e no qual a Igreja parte para a adoção de estratégias de catequização das
massas de maneira mais efetiva. Dentre os recursos usados para seduzir novos fiéis
estavam os hinos, cujas melodias e letras auxiliavam a disseminação dos dogmas
eclesiásticos para o povo (SWAN, 1940b, p. 370) e (FEDORIV, 1983, p. 235). O
desenvolvimento e a criação dos cânticos foi crescente até o século VIII, quando o uso
das melodias sofreu reestruturação por São João Damasceno (675-749) no padrão de
oito tons ou echos (grego), correspondentes aos oktoikhou osmohlasyucranianos.
Firmou-se, desta forma, o sistema conhecido por Octoechos (FEDORIV, 1983, p. 235).
Contudo, não apenas Fedoriv mas também Swan afirmam que os cantos
litúrgicos ucranianos que tem base nos hlasy, com base nos “Oito Tons”, tratam-se dos
eclesiásticos Oito Tons de São João Damasceno (século VIII), os quais, segundo o
primeiro autor, são construídos não apenas em tonalidades ou modos (sistemas de
escalas), mas sobre frases melódicas individuais (FEDORIV, 1983, p. 233); (SWAN,
1940b, p. 370). Swan, por sua vez, também afirma que este sistema, junto com aquele
correspondente ao sistema sírio, não corresponde a uma escala principal como na
música antiga grega, mas está associado a um número de fórmulas melódicas típicas e
predominantes.
88
De acordo com este autor, o equívoco entre os dois sistemas (escalas e
padrões melódicos) ocorreu predominantemente durante o século XIX, período em que
alguns teóricos,
89
absorvidos pela redescoberta dos modos gregos, trabalharam no
sentido de definir em cada tono russo as notas final e dominante.
90
O domínio do uso apropriado dos textos e melodias contidas no Osmohlasnyk e
dos demais livros musicados litúrgicos é o que torna fundamental a existência do cantor
durante a celebração dos ofícios ucranianos, visto a existência de numerosa quantidade
de possibilidades de combinações e a complexidade de seu uso.
3.4 DIAK, O CANTOR DA IGREJA
Diak é cantor, ele puxa, ele começa e o povo continua [...] Este diak
existia na Ucrânia há séculos [...] É uma característica importante.
– Dom Efraim Krevey
Nos primeiros anos da imigração, os religiosos chegados ao Brasil, à parte das
dificuldades referentes à língua, à cultura, à convivência com imigrantes provenientes
de outras porções da Europa, entre eles históricos dominadores do povo ucraniano,
sofreram nos primeiros anos a inexistência de Igrejas que praticavam o rito ao qual
estavam habituados. Embora a grande massa de imigrantes pertencesse à Igreja
Católica, o fato de celebrarem sua por meio do rito oriental causava estranhamento
entre brasileiros e outras comunidades de imigrantes.
88
[...] the Russian system belongs together with the Syrian and Bizantine systems, in which each of the 8
echoi, or modes, or tonalities, are determined, not according to a scale principle (as in ancient Greek
music), but according to a number of melodic formulae typical of and prevalent in each of them”
(SWAN, 1940a, p. 241).
89
Entre os quais Razumovsky, Arnold, Voznessensky.
90
SWAN, 1940b, p. 371.
Contudo, muitas vezes a circunstância não impedia os fiéis de realizar suas
práticas, e as cerimônias eram lideradas pelos cantores, conhecidos como diaky
91
(ou
diakê), leigos que assumiam não apenas as celebrações litúrgicas, mas também orações
comunitárias e as rezas em ocasiões de funeral.
92
Andreazza revela esta conjuntura ao se
referir aos leigos da comunidade religiosa de Antônio Olinto (Paraná):
Em Antônio Olinto, os ucranianos reproduziram essa divisão
religiosa/cultural presente na Galícia. Passaram a usar a religião que
professavam como símbolo que os distinguia dos outros grupos. A diferença
cultural, principalmente quanto aos poloneses, serviu para os ucranianos
elegerem valores que demarcaram seu próprio círculo de pertença étnico.
Vale frisar, porém, que esse movimento foi orquestrado por leigos, pois a
comunidade teve roco fixo a partir de 1911
(ANDREAZZA, 2004, p.
53).
Tal liderança da prática religiosa e da demarcação de pertencimento étnico-
cultural, conforme contextualizado por Andreazza, são funções não apenas decorrentes
do processo imigratório, visto que, historicamente, dentre as diversas funções dos
cantores ucranianos, consta sua influência quanto ao desenvolvimento da consciência
nacional local ( MEDWIDSKY, 2000, p. 110).
Diversos estudos dos primórdios do canto litúrgico eslavo, canto ucraniano e do
Canto Znamenny apontam para a importância e o papel desempenhado pelos cantores
das igrejas e catedrais. O domínio do canto e da escrita znamenny e da entonação
apropriada era da incumbência do cantor treinado, que, “não contente em reproduzir
estrangeirismos, gradualmente iniciavam por introduzir novidades, moldados de acordo
91
De acordo com Onats´kyi, “um cantor (diak) é um cantor e leitor de igreja; o termo é derivado da
abreviação da palavra diácono”. No original: “a CANTOR [diak] is a church singer and reader; the term
is derived from the abbreviation of the word deacon [diakon] (ONATS´KYI apud MEDWIDSKY, 2000,
p. 114). Outras designações para o cantor são diakês , em português (GUÉRIOS, 2007); djak, kantor,
psalter (ou salmista), precentor, khazan, chantre.
92
Depoimento de Padre Domingos Starepravo.
com seu próprio gosto e a sua disposição musical”.
93
Fora do âmbito litúrgico, mas
ainda vinculado ao canto religioso, encontrava-se o Canto Deméstvenny, originalmente
associado ao kantor bizantino
94
ou ao cantor da corte imperial, no entanto, na Rússia, tal
canto era preferencialmente entoado em momentos não-litúrgicos, como nas orações
domésticas. Alfred Swan afirma que existe, contudo, referência do emprego deste canto
nos livros de regulamentos da Catedral Santa Sophia (Kiev) do século XVII (SWAN,
1940a, p. 236). É interessante notar que este canto também era usado nas Igrejas
associado às ocasiões festivas, de cunho não litúrgicas, como nas glorificações dos
czares (VELICHÁNIYA apud SWAN, 1940a, p. 236).
Nos ensaios e artigos coletados por Robert Klymasz no livro From chantre to
djak: cantorial traditions in Canada”, são apontados e analisados diversos aspectos do
ofício do cantor e do seu canto, entre os quais se destacam mecanismos técnicos e de
ornamentação característicos (KLYMASZ, 2000). Nas igrejas que seguem o rito
oriental, o papel do cantor é fundamental, em função da existência de diversos textos e
melodias móveis cujo emprego deve seguir coerentemente o calendário litúrgico.
Portanto, dominar o uso correto dos cantos é a primeira tarefa do cantor. Ademais,
momentos específicos da Divina Liturgia (missa) que cabem ao cantor, como a leitura
da Epístola.
Uma segunda função do cantor é associada à possibilidade de instaurar ou
modificar atmosferas da celebração, mediante seu modo de cantar. Segundo a estudiosa
Kononenko “o cantor é a pessoa com uma bela voz, com o conhecimento de música”,
95
93
In other words, the Russian singers were trained on the Bizantine chant, but, not content to rear a
foreign importation, gradually began to introduce into it novel traits, mould it in accordance with their
own taste and musical disposition” (SWAN, 1940a, p. 232).
94
A designação original para este cantor é deméstvennik ou doméstik (doméstikós) (SWAN, 1940a, p.
235).
95
The cantor is the person with the beautiful voice, with knowledge of music(KONONENKO, 2000, p.
5).
cujo papel contribui para estabelecer a atmosfera misteriosa e introspectiva, da liturgia
oriental, e ele é “um intermediário entre o clero e os fiéis, adaptando e modificando
conforme as necessidades da congregação”.
96
Tal incumbência torna o diak uma figura
mística que canaliza o mundo celestial e o universo humano, o que pode justificar suas
numerosas referências na literatura e no folclore ucraniano.
97
É fundamental a presença do diak nos ritos de passagem, como no caso de
funerais
98
visto que nestas ocasiões, os cânticos dos salmos ocorrem ao longo da vigília.
Andrij Makuch, estudioso da história da Igreja Ucraniana Católica de Buczacz, em
Alberta, Canadá, cita que nestas situações, o diak também poderia interceder para
manter os participantes atentos durante o luto, e para isto, por vezes, deveria imprimir
pequenas doses de humor (MAKUCH, 1989, p. 90).
99
Não é raro encontrar pessoas na comunidade ucraniana, cujos avós, pais, tios
tenham atuado como diak nas comunidades brasileiras. Em entrevista, Dom Efraim
Krevey, ao se lembrar de seu avô Miguel Baran, que atou como diak no município de
Ivaí no Paraná entre 1908 e 1958, conta que:
Ele começava [a cantar], ele cantava e a gente olhava, e...[eu pensava
admirado] “um dia vou cantar assim!” [...] Era uma equipe. Tinha
mais 2 ou 3 que eram inferiores. Ele era “xerife”. Ele levava em
frente! [...] Interessante...da família “dele”, todos são cantores, todos
têm voz, têm esta facilidade de cantar... – Dom Efraim Krevey
96
(…) the cantor is an intermediary between the clergy and the people, adapting and changing as the
needs of the congregation change” (ibid, p. 7).
97
Como na obras de Nikolai Gogol (1809-1852) e Tarás Shevchenko (1814-1861).
98
Durante o luto, e na memória pelos mortos são realizados os serviços panakhyda e parastas. Durante o
enterro, ocorre o pokhoron, este é apenas recitado e não cantado (Depoimento de Jonas Chupel).
99
Neste estudo Makuch também comenta sobre um aspecto chocante das práticas de vigília dos
ucranianos que consiste em entoar gemidos lamuriantes (conhecidos como holosinnia) entorno do corpo
velado, realizado usualmente pelas mulheres mais idosas. Este costume não foi identificado ao longo da
presente pesquisa.
A admiração pelo ofício do cantor, e a importância dada a esta função parece ter
sido também preponderante às decisões quanto ao caminho sacerdotal do recém
ordenado Bispo Dom Volodomer Koubetch, que por meio de sua atuação como diak na
comunidade católica do município de Roncador, a partir dos doze anos de idade,
descobriu a vocação religiosa que o levaria ao cargo da autoridade máxima da
comunidade católica ucraniana do Brasil.
100
Em relação à vocação sacerdotal e ao valor dado ao cantor competente, Dom
Jeremias (Bispo da Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana do Brasil) declara que “no
Brasil, é muito difícil achar o salmista [o diak] [...] é mais fácil [achar] vocacionados ao
sacerdócio do que gente competente para ser salmista”. Para o bispo ortodoxo, “[o
salmista, diak] tem que ter o Dom, que se manifesta pelo amor à liturgia”, e nem o
domínio da leitura musical, possibilita a eficiência do cantor, pois, segundo ele, “não é o
profissionalismo que garante...”
101
Quanto ao enfoque do profissionalismo do cantor eclesial, é válido dispor que no
decorrer da pesquisa, não foram encontrados documentos com referência quanto a
pagamentos destinados aos serviços realizados pelos diaky que atuaram no Brasil.
3.5 OS CANTOS RELIGIOSOS UCRANIANOS NO BRASIL
Embora de origem comum, na época da grande emigração ucraniana (século
XIX), os cantos religiosos apresentavam variações que dimensionavam
predominantemente os regionalismos característicos de cada província, e de modo mais
particular, de cada aldeia ucraniana. Assim, em primeira instância, a música trazida
pelos imigrantes disponibiliza particularidades de sua procedência. Conforme o Bispo
100
Depoimento de Dom Volodomer Koubetch.
101
Depoimento de Dom Jeremias Ferens.
Dom Jeremias Ferens relata, os imigrantes ortodoxos que se instalaram no Paraná em
sua maioria eram procedentes de Kiev, diferentemente dos imigrantes católicos
orientais, em sua maior parte vinda da Galícia. Por tal motivo, mesmo os cantos fixos da
liturgia das duas igrejas, apresentam-se distintos.
102
Com os testemunhos dos bispos de ambas as instituições religiosas, Dom Efraim
Krevey (Bispo Emérito da Igreja Greco-Católica Ucraniana) e Dom Jeremias Ferens
(Bispo da Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana), foi possível clarificar pontos de
coincidência quanto às dificuldades de celebrações das missas no início da imigração
ucraniana no Brasil, como a situação da inexistência de sacerdotes que atendesse às
primeiras organizações comunitárias. Isto motivou o surgimento de líderes comunitários
que assumiram as celebrações religiosas, mantendo vivas, assim, as tradições litúrgicas
ucraíno-bizantinas, e portanto, seus cantos sagrados.
A este respeito se refere Dom Jeremias à comunidade ortodoxa ucraniana
existente em União da Vitória, no Paraná, que como outras semelhantes no Brasil, foi
mantida graças à ação de leigos autorizados pelos bispos para celebrar, e mesmo,
abençoar a comunidade local não assistida por sacerdotes:
A liturgia oriental é muito complexa, mas pessoas que sabem de
cor, cantam as cerimônias todas, os ofícios, as bênçãos, os batismos
[...] em Jangada do Sul, União da Vitória e Porto União, por muito
tempo não havia sacerdotes, a comunidade abençoava no lugar do
padre, tinham consentimento do bispo, e [por isto] a comunidade não
se extinguiu – Dom Jeremias Ferens
Na mesma circunstância se depararam diversas comunidades greco-católicas
ucranianas, conforme relatos do Bispo Dom Efraim, com exemplo de seu próprio avô
102
Mais adiante, na entrevista, Dom Jeremias afirma que essencialmente na Igreja Ortodoxa se celebram
os cantos da Galícia e de Kiev.
que atuava como cantor-celebrante em cerimônias religiosas no município de Ivaí, no
Paraná, nas primeiras décadas do século XX.
O incentivo ao canto coletivo, com a participação de toda a assembléia
apresenta-se como uma preocupação constante da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Isto
é observado nos relatos do Bispo Emérito, que comenta com entusiasmo acerca da
tradição de cantores de igreja e da participação dos fiéis nas cerimônias: “não apenas os
diaky [cantores], mas todos cantavam, participavam, cantavam as samoilky!”
103
Ademais, a atuação das congregações e irmandades religiosas católicas
ucranianas desde o final do século XIX contribuiu para a manutenção das tradições
religiosas e culturais.
104
Essas instituições fornecem até os dias de hoje, cursos de
catequese, ensinam canto, ofertam cursos de artesanatos, pintura, bordados ucranianos,
fomentando as tradições deste povo sob a motivação e o interesse religioso. O canto
coletivo é ensinado na catequese e nos cursos anuais que promovem ensino da liturgia,
com suas respectivas melodias, e dos cantos populares religiosos.
Na bibliografia estudada, nacional e estrangeira, não clareza quanto às
características particulares dos cantos ucranianos católicos e ortodoxos, salvo na obra de
Fedoriv, publicada pela ordem basiliana estadunidense, que trata particularmente dos
cânticos procedentes da Galícia, e por tal motivo privilegia observações a seu respeito.
O autor, entretanto, ao explicitar a diferença do canto ortodoxo, não esclarece se faz
referência ao canto ortodoxo da grande ramificação de canto do norte (Moscou/
Novgorod) e do sul (Kiev/ Lviv), ou da própria região da Galícia, o que tornam incertas
as informações fornecidas a este respeito. Contudo, algumas inferências foram
comentadas quanto ao canto da Galícia. Em um dos momentos Fedoriv, aponta que
103
Depoimento de Dom Efraim Krevey. As samoilkas são formas melódicas simples e comunitárias da
Divina Liturgia.
104
Em Prudentópolis a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus foi fundada em 1899 (BORUSZENKO et
al., 1969, p. 6).
dentre as diversas variações de cantos litúrgicos da Galícia, o mais usado e padronizado
foi o canto basiliano, em função de ser oriundo de uma ordem monástica ucraniana
(FEDORIV, 1983, p. 232).
Como anteriormente comentado, de acordo ainda com Fedoriv, os cantos da
Galícia, e assim predominantemente os cantos católicos, teriam maior influência dos
cantos búlgaros (caracterizados como mais movidos e flexíveis, menos austeros). O
autor ressalta a contribuição das impressões basilianas dos livros litúrgicos, que de certa
maneira, permitiram acesso e divulgação de cânticos vinculados às tradições basilianas.
Acrescenta-se, ainda, que número de santos da Igreja Católica é superior ao da Igreja
Ortodoxa, e para cada um deles, existe o canto específico.
105
3.5.1 Cantos litúrgicos da Igreja Ortodoxa Ucraniana de Curitiba
3.5.1.1 Relato de Observação
No dia 7 de janeiro de 2007, dirigi-me à Igreja Ortodoxa Ucraniana São
Demétrio, para observar a Divina Liturgia Solene que celebrou o Natal,
106
visto que os
ortodoxos seguem o calendário juliano. Os fiéis lotaram este templo religioso localizado
na R. Cândido Hartmann, n. 1278, no bairro Bigorrilho, em Curitiba, e durante as duas
horas de celebração permaneceram em pé, eventualmente sendo os bancos das laterais
da igreja ocupados, por idosos e crianças. O coro, formado por 14 cantores, entoava a
quatro vozes as partes cabidas aos fiéis intercalados ao canto e recitações de Dom
Jeremias Ferens (o celebrante). O solista Alexandre Czeczco, um baixo profundo
105
Depoimento de Padre Atanásio. Kupitski.
106
Os católicos romanos adotaram o calendário gregoriano a partir de 1582, por decisão do Papa
Gregório XIII. Na Ucrânia, a Igreja Greco-Católica Ucraniana segue o calendário juliano, assim como os
ortodoxos. No Brasil, contudo, a Igreja Greco-Católica Ucraniana segue o calendário gregoriano.
preenchia o espaço sagrado ao entoar as partes da Epístola. Sua voz se destacava no
coro, e trazia gravidade e contrabalanceava as lamuriantes vozes dos sopranos. O grupo
é regido pelo maestro Lauro Preima, músico vinculado ao grupo Folclórico Barvinok,
onde é maestro do coral Haydamaky.
Uma segunda oportunidade de observação do coral da Igreja São Demétrio
ocorreu no dia 21 de abril de 2008, na oportunidade em que entrevistei o bispo Eparca
da Igreja Ortodoxa Ucraniana na América do Sul, Dom Jeremias Ferens, e quando,
simultaneamente à minha conversa com o bispo, ocorria o ensaio de preparação para a
cerimônia da Páscoa. As partes litúrgicas, assim como os textos e o idioma, são os
mesmos da Igreja Católica Ucraniana, mas as melodias apresentavam-se diversas das
encontradas numa celebração habitual católica, por serem preparadas para a solenidade
pascal, e estarem sendo estudadas a quatro vozes.
3.5.1.2 Características
A distinção entre os cantos das cerimônias católicas e ortodoxas ucranianas não
foi identificada de modo claro pelos relatos entre os sacerdotes de ambas as Igrejas. Em
entrevista, o Bispo Dom Jeremias afirmou que grande parte dos cânticos entoados nas
Igrejas Ortodoxas Ucranianas do Brasil é derivada de Kiev, enquanto que os cânticos
católicos são oriundos da região da Galícia, o que justifica em parte as diferenças entre
as melodias dos dois grupos. As celebrações de ambas, entretanto, seguem as mesmas
estruturas e liturgias, mas respeita-se cada qual seu calendário, e a hierarquia de Santos.
Bispo Dom Jeremias faz alusão aos Octoechos, quanto à existência das oito melodias
alternadas em ciclos de oito semanas, que, afirma, constituir um grande tesouro cultural
ucraniano. Segundo esta autoridade, a predominância de cantos a cappella nas igrejas
ortodoxas é regra, e os regimentos não aprovam a celebração da missa “abreviada”, ou
seja, recitada apenas, sendo estritamente recomendado o canto.
3.5.2 Música para a Semana Santa em Curitiba
De acordo com Jonas Chupel, seminarista que coordena o coro do Seminário
Studium São Basílio, durante a Semana Santa, uma grande variação de melodias
específicas, ouvidas apenas neste período do ano, e algumas delas marcadas por serem
longos, como o Tebé”
107
(com duração de aproximadamente quinze minutos) entoado
durante as Vésperas do Santo Sudário, e ricos em melismas e tessitura. A cerimônia
acontece durante a manhã e inclui uma procissão entorno da Igreja, realizada pelos fiéis
e sacerdotes, e para este momento, também se entoam cantos próprios.
3.5.2.1 Relato de observação
Na tradição eclesiástica, na Quinta-Feira e Sexta-Feira Santa, as Matinas são
celebradas à noite e se denominam Matinas da Paixão e Matinas de Jerusalém,
respectivamente. Um exemplo de evento litúrgico em Curitiba em que é possível ouvir
cânticos próprios tradicionais ucranianos que pertencem ao ciclo anual móvel ocorre
durante a Semana Santa e a Páscoa, fundamental período religioso para os ucranianos.
Na Sexta-Feira Santa de 2008, dia 21 de março, acompanhei a celebração das Matinas
de Jerusalém, na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, em Curitiba, celebrada pelo Padre
Elias Marinhuk. A cerimônia se inicia com orações recitadas em terças paralelas
108
. Os
cantos desta celebração são extremamente belos, e na ocasião foram cantados pelo coro
107
Em português significa “A Ti”.
108
Faixa 5 do CD em anexo.
do Seminário Studium São Basílio e pelas irmãs da Congregação Servas da Imaculada
Virgem Maria. Durante o ofício, pouca foi a participação dos fiéis na entoação dos
cânticos, salvo nas melodias de respostas, embora cópias de folhetos dotados de
partituras dos cânticos e das partes estruturais da cerimônia estivessem sendo
acompanhadas ao longo da celebração pela maior parte da assembléia.
3.5.2.2 Características
A melodia da Ektenia ouvida durante a cerimônia de Matinas de Jerusalém, na
Sexta-Feira Santa de 2008, celebrada na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora corresponde
à segunda variação (Fig. 3.9). A nota inicial, entretanto, adotada foi Si3, mais aguda
daquela do exemplo, o que ocorreu devido ao fato da Ektenia ser um canto de resposta,
a primeira nota será de acordo com altura do canto realizado pelo celebrante (ou
diácono) antes da entrada da comunidade. A celebração observada foi iniciada com uma
oração, recitada com intervalos de terça maior. Durante a cerimônia assistida, dois coros
cantaram as estrofes na forma de antífonas das partes conhecidas como “estações”, o
grupo das irmãs e o grupo dos seminaristas. Ambos alternavam as estrofes com o canto
dos sacerdotes.
O primeiro exemplo traz o Kanon 1 (Fig. 3.14),
109
entretanto, assim como no
exemplo da melodia da Ektenia, nesta ocasião os cantos foram entoados um tom acima
do encontrado na partitura disponibilizada na igreja, e que se encontra transcrito. O
canto foi entoado na forma antifonal e executado inteiramente primeiro pelos
seminaristas, intercalado com pequeno refrão entoado pelos sacerdotes (celebrante e
diácono), e depois pelas irmãs, até que o texto se concluísse. Pequenas variações
109
Kanon (Канон) se trata de uma sucessão de tropários que seguem regras precisas e estão inseridos nas
Matinas.
melódicas foram identificadas em função da prosódia. Este canto se iniciou aos onze
minutos da celebração (11’47”) e finalizou aos dezoito minutos (18’05”)
110
.
Fig. 3.14 - Melodia correspondente ao Kanon 1 das Matinas de Jerusalém (1)
111
(Circular da Igreja Nossa
Senhora Auxiliadora. Transliteração da autora).
Quanto à estrutura musical este cântico faz uso de intervalos de quarta justa,
com uma predominância de graus conjuntos, e finalização de quinta justa descendente.
O próximo canto (Fig. 3.15) se inicia aos dezenove minutos (19´17”) e dura oito
minutos (finaliza aos 27’)
112
. Também se apresenta de modo intercalado, entre irmãs,
seminaristas e sacerdotes, apresenta intervalo de quarta justa (na frase intermediária) e
110
Faixa 8 do CD em anexo.
111
Este exemplo é uma transcrição da circular encontrada na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora,
disponibilizada a todos os participantes, com transliteração da autora.
112
Faixa 7 do CD em anexo.
de quinta justa (na finalização), e traz pequenas elaborações melismáticas, como na
articulação da sílaba inicial.
Fig. 3.15 - Melodia correspondente ao Kanon 2 das Matinas de Jerusalém (2)
113
(Circular da Igreja Nossa
Senhora Auxiliadora. Transliteração da autora).
A melodia acima se encontra muito próxima ao exemplo trazido por Alfred
Swan (SWAN, 1940b, p. 368) cuja origem remonta ao Canto Znamenny, embora o
ritmo deste tenha como base apenas em mínimas e semínimas (Fig. 3.16):
Fig. 3.16 -Trecho musical correspondente ao Canto Znamenny (SWAN, 1940b, p. 368).
Na entrevista realizada em fevereiro de 2008 com o Padre Domingos, então
diretor do Seminário São José, de Prudentópolis, estes mesmos cantos foram citados
113
Este exemplo é uma transcrição da circular encontrada na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora,
disponibilizada a todos os participantes, com tansliteração da autora.
como exemplo de melodias dotadas de elementos da música judaica, embora isso não
tenha sido detalhado.
3.5.3 Os cantos religiosos em comunidades ucranianas no interior do Paraná:
uma gravação de Divina Liturgia Ucraniana no Paraná, 1968
3.5.3.1 Descrição e análise
Durante a pesquisa de campo, encontrei uma gravação da década de 1960
realizada em Ivaí, no Paraná. Apesar da música apresentar distorções e ruídos, foi
possível observar algumas particularidades interessantes, que serão tratadas a seguir.
A gravação mais antiga encontrada da celebração da Divina Liturgia ucraniana
no Paraná se refere a uma cerimônia ocorrida em 26 de maio de 1968 na cidade de Ivaí,
celebrada pelo Padre Inocêncio Baran. Apresenta o coro masculino dos seminaristas
basilianos, o qual canta partes harmonizadas e com polifonias simples, e a regência é do
Padre Valdomiro Burko. Não é conhecida a autoria das músicas. A gravação original foi
feita pelo Padre Atanásio Kupitski com a utilização de gravador de fita magnética de
rolo marca Gründig, porém, a cópia fornecida encontra-se em fita cassete. Esta
apresenta ruídos, chiados, cortes, que representam a qualidade técnica do registro
fonográfico na época e ao vivo. Apesar da qualidade da gravação, foi possível
identificar trechos musicais, entre os quais melodias de Ektenias, apresentadas a quatro
vozes, como os demais trechos da liturgia. Uma delas (Fig. 3.17) apresenta articulação
na sílaba inicial de Hóspode pomêlui (25´00)
114
:
114
Faixa 3 do CD em anexo.
Fig. 3.17 - Melodia da Ektenia encontrada na gravação de 1968 (Transcrição da autora. Transliteração:
KUPITSKI, 2002).
A melodia correspondente ao Creio é cantado pelo solista, e tem uma base
harmonizada de fundo a vozes (34´15), trazia na melodia principal a samoilka
correspondente à exemplificada (Fig. 3.6)
115
. A samoilka da Antífona (Fig. 3.5) também
se reconhece com terças paralelas (52´30).
Diversas partes da liturgia se encontram em partes polifônicas, com harmonia
tonal, e cadências perfeitas (V-I), evidenciadas pela progressão melódica dos baixos,
estes com vozes encorpadas e equilibradas (55´). O cuidado com a dinâmica também é
constatado ao longo da gravação.
O coro de seminaristas, bem treinado a meu ver, apresentou segurança no ataque
e afinação de notas e frases, equilíbrio entre as vozes, cuidado com a dinâmica e
expressão. A participação da comunidade não foi claramente evidenciada em nenhum
momento da gravação.
3.6 DISCUSSÃO
Os exemplos musicais fornecidos acima remetem à realidade musical encontrada
nos âmbitos da liturgia ucraniana católica oriental. Algumas características
115
Faixa 4 do CD em anexo.
discriminadas a partir das fontes bibliográficas foram constatadas nas práticas locais,
como a intercalação dos cantos entre o celebrante, o diácono, a comunidade, o cantor, e
o coro. Os cantos basilianos que correspondem às samoilkas são entoados na Divina
Liturgia em sua maior parte homofonicamente, com intervalos de terças paralelas, e por
vezes dotadas de linha melódica grave que corresponde à base da harmonia familiar aos
cantos corais ocidentais.
116
De um modo geral, os cantos coletivos ucranianos trazem atmosfera solene,
contudo, leve à cerimônia. As elaborações melismáticas
117
, não foram proeminentes nos
cantos coletivos ouvidos, por serem em sua maioria silábicos e destinados à
participação coletiva. Os intervalos predominantes são os graus conjuntos e intervalos
de terças, não se evidenciando intervalos que extrapolam a distância de uma oitava.
Pequenas bordaduras puderam ser vistas nas variações das melodias básicas dos
cantos, como nos exemplos da melodia da Ektenia da Paz (Fig. 3.3-3.4, e 3.8-3.10). Os
trechos melódicos que foram caracterizados como recorrentes (Ektenias e Antífonas)
durante a Divina Liturgia, por se tratarem de cantos de respostas, são dotados de
simplicidade estrutural. Mesmo nas ocasiões em que os corais se encarregam de cantar
durante a cerimônia, é possível ouvir a assembléia entoar a melodia principal.
Nota-se que o uso de portamento nos cantos comunitários é recorrente, e fornece
uma sonoridade até certo ponto lamuriante, principalmente nas vozes femininas e nos
cantos de respostas, por exemplo. Em certa medida, é possível supor que isto seria uma
espécie de “abrasileiramento”, um sinal de confluências culturais, visto que a incidência
116
A presença da linha do baixo nos cantos de respostas foi encontrada nas cerimônias em que
participaram corais, entre as quais, nas Matinas de Jerusalém, Vésperas do Santo Sudário (Coro do
Seminário Studium São Basílio e das Irmãs Servas de Maria) e Páscoa (Coral da Igreja Nossa Senhora
Auxiliadora), realizado na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, em março de 2008.
117
Os recursos melismáticos foram ouvidos durante as Divinas Liturgias das Igrejas Ortodoxas Grega
(assistida em 2007) e Antioquena de Curitiba (assistidas em 2006), respectivamente Igreja o Savas e
São Jorge.
do portamento também é bastante presente no repertório vocal brasileiro, por exemplo.
Também se pode cogitar a questão de e religiosidade com uma postura ou atitude de
clemência exagerada, suplicante que por vezes se reconhece no som do portamento.
118
Quanto aos cânticos móveis, foi possível discriminar que os tons (hlasy)
referentes à Divina Liturgia, possuem seções correspondentes às frases iniciais,
intermediárias e finais, que, mesmo em textos distintos (como no caso do Hlas 1, em
que troparion e kondakion compartilham as mesmas melodias), são mantidos os
desenhos melódicos correspondentes. As oito melodias correspondentes a cada poema
mutável da Divina Liturgia estão armazenadas na memória coletiva das comunidades
ucranianas visitadas, apenas legadas ao cantor, ou às irmãs, a tarefa de “puxar” o hlas
apropriado da semana, o que se refere a entoar corretamente a “entonação” (frase
introdutória) de cada hlas.
Mediante a literatura estudada, foi constatado que o cantor de igreja desde os
primórdios do cristianismo ucraniano exerceu importante papel nas celebrações, visto a
necessidade de domínio da leitura e decodificação dos sinais ecfonéticos Znamenny. O
reconhecimento do diak como pessoa respeitada pela comunidade pareceu se evidenciar
não apenas nas fontes bibliográficas consultadas, como também, nos testemunhos
coletados de pessoas da comunidade ucraniana do Paraná. Cabe a ele ser mediador entre
música e preceitos religiosos e comunidade. Por tal razão, passa-se para a discussão
seguinte, a qual permeia as temáticas música e imigrantes.
118
Um problema polêmico e atual enfrentado pela Igreja Católica Ucraniana é a tradução da Divina
Liturgia, como a de Ektenia, pois o termo “Litania” (oficializado e sinônimo de ladainha), traz um sentido
de “Rogai por nós” ao texto Hóspode Pomêlui, que por sua vez foi traduzido para “Senhor, atendei-
nos”. O caráter da tradução se distancia do sentido original da Ektenia, que se ambienta no termo
“Ardoroso”, que sugere vitalidade, mais quente e ativo do que o sentido de uma ladainha. É importante
notar que existe um tipo de canto entoado nas cerimônias e serviços fúnebres ucraniano, denominado
holosinnia, que apresenta a característica de ser lamuriante, que sugere, em certa medida, o emprego do
portamento.
4 A MÚSICA DOS IMIGRANTES E SEUS DESCENDENTES NO
PARANÁ
4.1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo busco apresentar algumas atividades musicais no âmbito secular e
religioso das comunidades ucranianas pesquisadas. Primeiramente, abordo algumas
tradições trazidas pelos imigrantes que permanecem vivas no território paranaense,
algumas das quais com origens pré-cristãs que sofreram adequações e se encontram
relacionadas à religião ucraniana,
119
e em seguida, tento exemplificar a intensidade e
rica atividade musical dos ucranianos em contextos urbanos de Curitiba e outras cidades
do Paraná.
Num segundo momento, descrevo dois personagens da comunidade ucraniana de
Prudentópolis vinculados à religião e à música e pertencentes a estruturas sociais
diversas, que possibilitam identificar posicionamentos ideológicos, estima pelos
costumes legados pelos seus antepassados, e, principalmente, os esforços individuais
para que as tradições ucranianas e religiosas, e nestas se inserem a tradição dos cantos
religiosos, prevaleçam na sociedade em que estão inseridos. No terceiro momento do
capítulo, relaciono algumas transformações que tangem a música religiosa ucraniana no
decorrer da instalação deste grupo no Brasil, que foram levantadas a partir dos relatos e
testemunhos dos membros da comunidade e do confronto com as fontes documentais e
bibliográficas consultadas.
119
É válido lembrar que diversas tradições mantidas pelos ucranianos são também cultivadas pelos outros
povos eslavos, como a tradição de Ivan Kupalo, a prática das koliadê, além da culinária, artesanato, etc.
4.2 PRÁTICAS MUSICAIS DOS IMIGRANTES UCRANIANOS NO BRASIL
O cancioneiro ucraniano é associado, em grande parte, às danças típicas, que por
vezes são realizadas em grupo, derivadas das cerimônias antigas, aos pares,
relacionadas às expressões dos sentimentos ou ocorrências do cotidiano, ou danças
individuais, vinculadas às antigas práticas de desafios e competições (BORUSZENKO,
1995, p. 34).
Entre as categorias das manifestações folclóricas encontram-se as canções e
danças conhecidas como kolomeiky, que de acordo com Maria Luiza Andreazza
designam “cantigas irreverentes”,
120
e estão presentes nos encontros e festividades do
grupo ucraniano. Esta autora afirma que kolomeika (Fig. 4.1) é um gênero de canção
popular que possui um refrão fixo e versos jocosos, muitas vezes improvisados”,
ademais, “o tema da kolomeika é associado ao motivo da festa e no mais das vezes se
canta os amores” ( ANDREAZZA, 1996, p. 140).
Fig. 4.1 - Exemplo de Kolomeika da região Pokutia
121
(LYSEKO, 1964, n. 36. Transliteração da autora).
120
O termo kolomeika também é empregado para danças folclóricas ucranianas (NAHACHEWSKY,
1992).
121
A letra traz o seguinte significado: “Eu amo esta menina que é branca como o gansinho, e ela me beija
tão logo eu dou uma volta” (Tradução do imigrante Volodymyr Galat). As letras dispostas acima da
melodia c” e “g” sinalizam observações do organizador do livro quanto às possibilidades de variação
rítmica e melódica.
Já as canções entoadas após a Páscoa, também dançadas, são denominadas
haílky,
122
possuem tradição na Ucrânia anterior ao cristianismo, onde estão associadas
ao advento da primavera (BORUSZENKO, 1995, p. 37). O ritual pagão das haílky
significava o “momento de ressurreição após a grande temporada de inverno”
(RAMOS, 2006, p. 69), e após o cristianismo, passaram a significar a ressurreição de
Cristo. De acordo com o suplemento escrito em 1973 pela Organização Feminina junto
à União Agrícola Instrutiva, as haílky são “essencialmente canções acompanhadas de
bailado, assemelhando-se em parte às cantigas de roda. As figuras geométricas
formadas, o caráter e o ritmo dos movimentos variam de acordo com os da canção”.
123
Fig. 4.2 - Haílka na Igreja Nossa Senhora do Patrocínio, Linha Esperança, Prudentópolis (KUPITSKI In:
GUIL et al., 2006, p. 72).
Após a Páscoa, durante o mês de junho, ocorre o ritual de Ivan Kupalo, com
origens também anteriores ao cristianismo, originalmente associado à temática agrícola
122
De acordo com GUÉRIOS (2007, p. 261) a tradição das haílky atualmente ocorre em apenas algumas
comunidades do interior.
123
União Agrícola Instrutiva. Vesniankas e Haiwkas, 1973, p. 1.
e familiar, e relacionava elementos de prosperidade, fertilidade e matrimônio
(ANDREAZZA, 1998, p. 1131). O ritual é rico de elementos eróticos, observáveis pelos
personagens recorrentes das canções tradicionais de Kupalo, Ivanko e Marusia
(BILETEZKEI apud ANDREAZZA, ibidem
)
- De quem é o trigal da colina?
É do Iwanka [sic] esse trigal.
Tão carregado que brilha como a Lua.
- Venha, Marusia, colher o trigal.
- Isso Iwanku [sic], eu sei fazer mal,
Mas no brilho da Lua serei sua.
A tradição de Kupalo, assim como o cancioneiro correspondente é encontrada
nas comunidades paranaenses.
124
As canções populares entoadas na época do Natal,
denominadas koliady, também são de raízes pré-cristãs (ZSMULIK 1991).
Originalmente, estas melodias eram cantadas em festas pagãs em tributos ao Deus-Sol,
e enalteciam o fortalecimento do astro-rei. Com a conversão ao cristianismo, os temas
das koliady foram adaptados para o louvor ao nascimento de Cristo, e com este sentido,
nas comunidades paranaenses este ritual se faz presente (GUÉRIOS, 2007; WOUK,
1981). Entre a noite de Natal e o dia de Reis (Jordan, batismo de Cristo) os ucranianos
mantêm a tradição anual de se reunirem na igreja local, de onde percorrem as casas da
comunidade desejando paz, prosperidade e bons augúrios. Como retribuição, os
participantes (grupos denominados koliadnyky) colhem donativos para a igreja e são
presenteados com comidas típicas natalinas ucranianas.
125
Quanto aos cantos natalinos ucranianos, a publicação da Sociedade dos Amigos
da Cultura Ucraniana intitulada “Cancioneiro de Natal”, de Wira Selanski, datada de
124
Em matéria do portal eletrônico “Trembita online”, com data de 6 de junho de 2008.
125
No Boletim Paroquial da Paróquia São Josafat, de fevereiro de 2007, estão discriminados 26 grupos de
kolhadá [sic] que atuaram no Natal de 2006, o que resultou na soma de R$4.008,15. Abaixo dos valores,
constam agradecimentos aos coordenadores, grupos e cantores que participaram das visitas às famílias
(Boletim Paroquial São Josafat, n. 7, 2007) .
1988 traz em prefácio a seguinte explanação sobre a tradição dos koliady na terra de
origem :
Um grupo de pessoas, principalmente de rapazes, mas em algumas partes da
Ucrânia também moças, iam através das ruas cobertas de neve cantar em
frente às janelas de casa em casa as “koliady”, os cânticos natalinos. As
moças carregavam uma lanterna acesa atada à ponta de uma vara. À cantora,
ou ao cantor principal, chamavam “bereza” (bétula)(....) Além da “bereza”, o
chefe, havia entre eles o violinista, o cimbalista, o tocador de “trembita” (só
nos Cárpatos)...
126
Fig. 4.3Trembita (MYZYNEC, 1987, p. 31).
De acordo com esta autora, as koliady eram cantadas principalmente por
rapazes, e as shchedrivky (canções do Ano Novo e Epifania) pelas mulheres e crianças.
Selenski também afirma que “a origem do termo koladá [sic] é disposta como
uma corruptela do grego, uma vez que kalandai significa o Ano Novo, como o calendae
126
De acordo com MYZYNEC (1987, p. 30), trembita (Fig. 4.3) é um instrumento de sopro ucraniano
que possui cerca de 3 metros de comprimento, e costumava ser empregado nas montanhas ucranianas
para anunciar a chegada de visitantes, inimigos, ou mortes. O autor também afirma que este instrumento
acompanhava as canções natalinas ucranianas.
januarinae em latim”. Entretanto, a autora salienta que outra hipótese relacionada à
origem do termo:
também uma suposição de ter existido uma divindade eslava com este
nome, ou talvez, uma festa de solstício e dos mortos, na antiga Ucrânia. Os
cânticos que se formaram entre o IV e IX século [sic] tematicamente
possuem elementos arcaicos, recuando até o período matriarcal, onde a
mulher é comparada com o sol brilhante e seu esposo com a lua prateada (a
lua, em Ucraniano, é de gênero masculino). Mais tarde, em “kolady” e
“Shchedrivky”, nota-se nitidamente a estrutura patriarcal da sociedade:
primeiro é louvado o dono da casa, depois sua esposa, em seguida seus filhos
(SELANSKI, 1989, p. 7).
A referência à festa dos mortos remete aos costumes natalinos atuais, pois entre
os ucranianos, acredita-se que na noite de Natal, os antepassados falecidos se unem à
família durante a ceia. Ainda pela citação acima, observa-se que anteriormente ao
sistema patriarcal ainda vigente na sociedade ucraniana, descrita pela explicitada ordem
de homenagear o pai da família, a mulher e os filhos, predominava o sistema matriarcal
sustentado na relação e valores dados à natureza. Abaixo um exemplo do cântico
shchedrivky que remete a esta disposição social hierárquica:
É cor de cinza o cuco pequeno
Que foi voando pelos pomares,
Só que não viu o mais famoso,
O qual tem no meio três castelos:
Lá, no primeiro, o sol desponta
E no segundo brilha a lua,
Mas no terceiro luzem estrelas.
A lua clara é o senhor dono,
O sol brilhante – sua esposa,
As estrelinhas são os seus filhos.
Boa noite, noite generosa! (Ibid, p. 8)
Salvo a esta mudança de valores referentes ao gênero do período pré-cristão, as
incursões à natureza, representadas pelas simbologias ao sol, às estrelas, à terra, às
plantas, aos rios se mantiveram nos costumes ucranianos e se costuraram à temática
cristã posteriormente fixadas no cancioneiro natalino e pascal. Não apenas haílky e
koliady, mas também as kolomeiky, constituem-se em ricas manifestações culturais e
importantes veículos da expressão musical dos ucranianos, presentes nas famílias e nas
comunidades representantes deste povo no Paraná.
4.2.1 Música não-litúrgica e atividade musical na comunidade ucraniana de
Curitiba
Na comunidade ucraniana de Curitiba existe um movimento musical bastante
dinâmico, com diversos músicos individuais e grupos folclóricos atuantes. Embora não
seja o enfoque primordial da presente investigação, uma breve análise desse movimento
pode contribuir para contextualizar as práticas musicais ucranianas em um ambiente
urbano e, quando relevante, compará-las com as práticas das comunidades do interior
do Estado do Paraná.
Em março de 1997 foi realizado o II Festival do Cancioneiro, em Curitiba, no
Auditório Maria José de Andrade Vieira (Teatro do Palácio Avenida), uma realização e
promoção da Representação Central Ucraniano-Brasileira, com direção geral de José
Welgacz Junior. O programa oferece interessantes informações sobre canções, músicos
(compositores, arranjadores, maestros, cantores, e pianistas, corais), grupos de danças, e
temática das canções entoadas na ocasião.
TABELA 4.1 - Programa do II Festival do Cancioneiro realizado em Curitiba.
Músicos
Música
Autor
Tema
Parte I
Trio Yavir
Svitlya
Desconhecido
Mãe para o Filho:
“Filho, onde quer que
estejas, nunca te
esqueças da tua origem”
Oi Tam U Lvovi
Desconhecido
Amor e rouxinol.....
Jeroslau Volochtchuk
(solista)
Tcheremehena
B. Mechailiuka e M.
Iurtchuka
Pastor, amor, beleza da
árvore, e da flor.
Coral Máster do
Folclore Ucraniano
Barvinok / Maestro
Lauro Cezar Preima
Oi Nach Tcho Vê Slavni
Bratê Haidamake
C. Tcherka Senka
Soldados em luta contra
opressor polonês.
Homenagem aos
revolucionários.
Alexandre Cseczco
Taká II Dolha
Letra: Taras
Chevtchenko
Arranjo: Ivan Wouk
Moça apaixonada pede
compaixão a Deus
Tchumak Hulha
Desconhecido
Arranjo: Ivan Wouk
Tchumak se diverte
bêbado, perde seus
pertences e parte para
Moldávia.
Grupo Folclórico
Poltava (dança)
(dança) Holubka
Pombinha
Dança da região de
fronteira com Montes
Cárpatos.
Raphael Semchechen
Filho (tenor)
Oi Ne Harazd
Nar. Pisnia
127
Tristeza de valentes
dominados pelo
inimigo, com razão à
vontade de viver
Larissa Boruszenko
(pianista)
Prelúdios N. 2, 3, 5
Wassyl Barwinskyj
Coral Máster Folclore
Ucraniano Barvinok
/Maestro Lauro Preima
Iháu Kozak Z
Ukraine
128
Desconhecido
Cossaco canta a procura
de um amor
PARTE II
Capela de Banduristas
FIALKA /infantil e
juvenil
Ó Ukraína
Canção Popular
Arranjo: Pedro
Kutchma
Canta a saudade da
Pátria dos avós, com
promessa de fidelidade
e amor.
Soprou o Vento pelo
Estepe
Canção Popular
Arranjo: Ariana
Onofreichuk
Jovem soldado deixa
família e amada para
lutar pela liberdade da
Pátria
Jeroslau (solista)
Volochtchuk
Rospriamaite, Khopisi,
Koni
Desconhecido
Rapazes que
desencilham cavalos e
vão descansar
Coral do Folclore
Ucraniano Barvinok
Oi Tchorna ia se
Tchorna
A. Avdievskei
Jovem morena de
aparência cigana se
apaixona por João, que
possuía uma covinha no
queixo, marca pessoal
que encantava todas as
moças da aldeia
Maria Aprecida
Pankievicz (solista)
Rafael Herman
(teclado)
Lessia Ukraínka
Letra: Lessia Ucraínka
Música: Pedro Kutchma
Luta interior da autora
em disputa de idéias
sinistras por otimistas
Folclore Ucraniano
Barvinok (dança)
Volenska Polka
Dança da região da
fronteira com Polônia
Raphael Semchechen
Filho
Revê Ta Stohne
T. Chevtchenko e V.
Kocenko
O Rio Dnipró lamenta a
“Má sorte” do povo e da
terra por onde correm
suas águas .
Sonia Sysak e Lauro
Cezar Preima
Oi Haio! Mii Haio!
Desconhecido
Irmãos separados que se
comunicam, por meio
de cartas
Coral Ucraniano
Barvinok / Maestro
Adão Baran
Stoit Ho´ra
E. Kozak
Beleza natural da
Ucrânia, suas
montanhas, vales,
campos e riachos, e a
mocidade que não
retorna mais.
Fonte: Programa do II Festival do Cancioneiro.
127
Significa canção popular, autor desconhecido [nota da autora].
128
Um excerto desta melodia é encontrado adiante, na Fig. 4.16.
A listagem de músicas apresentadas no programa permite traçar algumas
conclusões no que tange à temática do cancioneiro ucraniano, que recorre no início à
fidelidade às origens, mediante a canção “Svitlya”. Os temas nacionalistas, patrióticos e
de heróis são enaltecidos nas músicas Oi Nach Tcho Slavni Bratê Haidamak. São
recorrentes também invocações às belezas naturais da Ucrânia, e os temas relacionados
ao amor, perdas, saudades, assim como os temas pastoris.
A realização deste Festival é um exemplo do esforço da comunidade quanto à
manutenção das suas tradições musicais, e permite verificar a parceria dos dois grupos
folclóricos ucranianos de Curitiba, Barvinok
129
e Poltava.
130
Músicos e grupos musicais
pertencentes aos dois grupos estavam presentes na ocasião. Primeiramente, ligados à
comunidade Poltava, atuou o grupo de dança assim como o trio vocal Yavir,
131
do qual
participava o atual maestro do coral Dunai, Leonardo Dabivida. O músico Pedro
Kutchma, destaque neste grupo cultural, nasceu em Dorizon, próximo à comunidade da
Serra do Tigre, no ano de 1910. Kutchma foi o maestro fundador da Orquestra Poltava,
na qual atuava como arranjador e compositor. Uma de suas composições coral misto é
“Carroça de Tolda” (Fig. 4.4 e 4.5), uma obra com a poesia de Helena Kolody (1912-
2004), poetisa paranaense filha de imigrantes ucranianos. Abaixo, o trecho inicial da
peça, que se encontra no final de seu livro “Poesias Escolhidas” (1983), publicado pela
Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraína:
129
O folclore Barvinok foi fundado em 1930. Vinculados a este grupo estão os músicos Adão Baran e
Lauro Preima.
130
O Centro Cultural e Religioso Poltava foi fundado em 1981 e está vinculado à Eparquia São João
Batista.
131
O trio masculino Yavir atuou nas Divinas Liturgias celebradas em diversas igrejas do Paraná durante o
no final da cada de 1990. Cantavam cânticos litúrgicos a 3 vozes, e possuíam no repertório também
canções folclóricas ucranianas. O trio realizou uma gravação de músicas folclóricas ucranianas que foram
levadas à Ucrânia e apreciadas pelas pessoas das comunidades do interior e das cidades ucranianas
(Depoimento de Leonardo Dabivida).
Fig. 4.4 - “Carroça de Tolda”, de Pedro Kutchma e letra de Helena Kolody (KOLODY, 1983, p. 31-32).
Também integrado ao Centro Cultural e Religioso Poltava se encontra o grupo
de banduras Fialka, formado por crianças e jovens, sob a coordenação de Isabel Krevey.
A bandura (Fig. 4.5) é um importante instrumento musical do grupo cultural ucraniano,
e é encontrada nas principais festas das comunidades.
132
A sonoridade do instrumento é
peculiar, e traz significativa emoção ao ucraniano.
133
132
De acordo com MIZYNEC (1987), a bandura é um instrumento de cordas (55 ao total), surgida a partir
da kobza, encontrada em Rus’ entre os séculos X e XI, instrumento este popular entre os cossacos
Fig. 4.5 – Bandura (MYZYNEC, 1987, p. 14).
Por ser a bandura um instrumento profano, os grupos de banduristas não atuam
durante as celebrações religiosas ucranianas, mas podem participar antes ou depois da
celebração, em ocasiões solenes. Isto ocorreu em fevereiro de 2006 durante a cerimônia
religiosa de nomeação do atual Bispo-Eparca da Igreja Católica Ucraniana Brasileira,
Dom Volodemer Koubetch na Eparquia São João Batista, em Curitiba, na qual atuou o
grupo Fialka.
ucranianos e camponeses. Segundo este autor, a bandura clássica se desenvolveu entre os séculos XIV e
XV, e a partir de 1441, foi recorrentemente mencionada na literatura ucraniana. A bandura foi adotada
pelos cossacos ucranianos e era frequentemente tocado nas cortes da Polônia e Rússia.
133
Depoimentos de Pedro Kutchma e Meroslava Krevey.
na esfera do folclore Barvinok, estiveram atuantes no II Festival do
Cancioneiro Ucraniano dois corais, sob a regência de Lauro Preima,
134
e de Adão
Baran.
135
O trânsito dos músicos ucranianos em ambientes religiosos diversos é verificado
em Curitiba. Como exemplo, é possível apontar que em 2008, o maestro Lauro Preima,
regente do Coral Barvinok, esteve presente na celebração de Páscoa da Igreja Greco-
Católica Ucraniana Nossa Senhora Auxiliadora, ocasião em que integrou o naipe dos
baixos, embora ele seja participante da Igreja Ortodoxa São Demétrio e maestro do
coral desta igreja.
4.2.2 Corais religiosos, gravações e compositores
Ao longo do século XX, diversas comunidades religiosas católicas ucranianas
organizaram-se para a formação de corais e grupos vocais que atuaram nas Divinas
Liturgias em cidades paranaenses, e nas festividades principais dos ucranianos.
Assim, como registro fonográfico do coro masculino de seminaristas de Ivaí,
encontrou-se a gravação caseira mais remota da cerimônia, datada de maio de 1968, e
disponibilizada pelo colecionador Padre Atanásio Kupitski. Esta gravação da Divina
Liturgia celebrada no Paraná, traz melodias conhecidas harmonizadas a quatro vozes e
correspondem às atuais bases musicais, porém transferidas à realidade de um coral
masculino.
134
Atualmente o maestro Lauro Preima é maestro do Coral Barvinok e do Coral da Igreja Ortodoxa
Ucraniana São Demétrio.
135
O maestro Adão Baran recebeu homenagem pelos 50 anos de atuação na comunidade ucraniana,
durante o 46º Festival de Etnias, ocorrido em julho de 2007 no Teatro Guaíra. Adão Baran é regente do
Coral da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora.
Um long play gravado da Divina Liturgia celebrada no dia 18 de março de 1979
na cidade de Guarapuava, no Paraná, celebrada por Padre Atanásio Kupitski, encontra-
se atualmente comercializada na forma de compact disc (Fig. 4.7). Outro long play
registra uma cerimônia em Pitanga. Foi lançado como parte da comemoração do
milênio do cristianismo ucraniano, e intitula-se “Liturgia da Igreja Oriental Rito
Ucraniano Slu`ba Bo`a” (Fig. 4.6) .
Fig. 4.6 - Capa do disco “Liturgia da Igreja Oriental”, gravado em Pitanga (Acervo Museu do Milênio).
Fig. 4.7 - Capa do cd lіityrgія, celebrada em Guarapuava, em 1979 (Acervo pessoal da autora).
Outra gravação, disponibilizada na secretaria da Eparquia São João Batista, em
Curitiba, traz em áudio a Divina Liturgia celebrada pelo então Bispo Dom Efraim, com
participação do atual Dom Volodomer Koubetch como diácono, e do Coral da Catedral
Ucraniana de São João Batista, sob a regência do maestro Leonardo Dabivida, com
obras dos compositores Dmitry Bortniansky (1751-1825), Olexander Koshetz (1875-
1944), Andrij Hnatyshyn (1906-1995), Mykhailo Verbytsky (1815-1870), Kyrylo
Stetsenko (1882-1922).
Durante as cerimônias solenes das Igrejas Nossa Senhora Auxiliadora e São
João Batista, correspondentes à Páscoa (2008) e ordenação do Bispo da Igreja Católica
Ucraniana do Brasil, Dom Volodomer Koubetch (2007), atuaram os corais mistos
destas paróquias, liderados pelos músicos Adão Baran e Leonardo Dabivida,
respectivamente. Ambas realizam também apresentações externas às situações
litúrgicas, atuando em diversas cidades do Paraná, em que se fazem presentes as
comunidades ucranianas. É interessante notar que estes corais ucranianos não são
apenas compostos por descendentes de ucranianos, mas também por aqueles que se
sentiram atraídos pela religião e pela música desta nação, mesmo sendo de outra origem
étnica.
Em Prudentópolis, conforme descrito em documento assinado por Meroslava
Krevey, atual diretora do Museu do Milênio, o coral da Paróquia São Josafat foi
organizado a partir de 1898, quando o Padre Martenhuk iniciou seu trabalho pastoral na
comunidade ucraniana local. De acordo com a diretora, os componentes eram pessoas
voluntárias que cantavam repertório religioso e profano. Os dados dispostos pela
pesquisadora Oksana Boruszenko, no boletim n. 13 intitulado “Arquivos de
Prudentópolis” (1971) apresenta o ano da fundação deste coral em 1902, que
corresponderia “ao primeiro coral ucraniano”, e deixa, com a expressão usada, a dúvida
se este corresponderia, então, ao primeiro coral ucraniano em terras brasileiras. O livro
“Prudentópolis 100 Anos” (2006) indica a origem do coral vinculada ao do grupo
folclórico Vesselka(em ucraniano “arco-íris”), fundado oficialmente em 1958 (GUIL
et al., 2006).
No Museu do Milênio estão disponíveis fotografias do Coral da Igreja São
Josafat e respectivos regentes. Entre os músicos religiosos que exerceram intensas
atividades musicais no decorrer do século passado encontram-se, de acordo com Dom
Efraim, Clemente Preima e Frei Lorenzo. Um importante músico destacado em
entrevista por Meroslava Krevey foi Padre Josafat Roga nascido na Linha Guarapuava,
em outubro de 1903.
136
Durante a década de 1940, Padre Roga desempenhou intensa
atividade musical na cidade atuando no Coral da Paróquia São Josafat, no Coro do
Seminário São José, e no Coral do Grupo Amador Olécia Ucrainka(Fig. 4.8).
137
De
136
Durante a juventude, Padre Roga obteve formação sacerdotal na Europa e exerceu o ministério na
Ucrânia Carpática. No ano de 1935 retorna da Europa e se torna o primeiro diretor do Seminário
Basiliano São José. Consta que no primeiro dia de aula do Seminário, dia 4 de junho de 1935, o Padre
Roga, após a primeira aula de religião ministrada na instituição, dedicou parte daquela tarde para ouvir as
vozes dos sete alunos que compuseram a primeira turma do juvenato sacerdotal. Padre Roga permaneceu
na direção do Seminário nos nove primeiros anos de sua fundação, e retornou a partir de 1945 como
Superior do Mosteiro.
137
O nome do coral amador faz referência à escritora ucraniana Lessia Ukrainka (1871-1913).
acordo com uma fotografia datada de 1947 e exposta no Museu do Milênio, este último
grupo era formado por vinte integrantes, distribuídos em oito mulheres e doze homens.
.
Fig. 4.8 - Coral amador da década de 1940 de Prudentópolis, sob direção do Padre Josafat Roga (Acervo
Museu do Milênio, Prudentópolis).
As atividades musicais desempenhadas pelo Padre Roga incluíam, além da
regência dos grupos aulas de música, arranjos e composições de obras profanas e sacras.
A canção intitulada Strilhtzem buty rad!”, que significa “Gostaria de ser
guerreiro!”,
138
é encontrada no cancioneiro popular publicado em Prudentópolis (Fig.
4.9), no ano 1962
139
(Ukraínski Narodni Pisni), e traz a informação de que o arranjo é
do padre basiliano Josafat Roga.
138
Depoimento de Padre Domingos Sarepravo.
139
Ukraїnsьkі Narodnі Pіsnі”, 1962, p. 42.
Fig. 4.9 - Capa do cancioneiro popular ucraniano publicado em 1962 (2ª ed.), Prudentópolis
140
(Acervo
pessoal de Jonas Chupel).
Um manuscrito da parte do baixo (Fig. 4.10) deste arranjo foi encontrado no
Seminário São José, pelo Padre Domingos.
140
Nota-se que a capa do cancioneiro popular apresenta uma moça com vestimenta típica ucraniana, com
saia florida, bordado, e uma coroa de flores sobre a cabeça. A mão direita segura o brasão com tridente,
importante símbolo ucraniano que representa a força de seu povo. A mão esquerda sustenta a bandura.
Atrás da menina, na altura do tórax, há um pentagrama com clave de sol e notas musicais.
100
Fig. 4.10 - Parte de baixo da canção “Strilhtzem iá buty rad!”, com a assinatura do Padre Roga (Acervo
Seminário São José, Prudentópolis).
No verso deste manuscrito assinado pelo Padre Roga, consta a parte de baixo da
composição dedicada a São Nicolau, com autoria atribuída a Padre Roga (Fig. 4.11).
141
141
De acordo com Padre Domingos.
101
Fig. 4.11 - Parte do baixo da Oração a São Nicolau (Acervo Seminário São José, Prudentópolis).
Contudo, a composição mais conhecida de Padre Roga é o Hino a São José (Fig.
4.12), dedicada ao Seminário Menor São José, de Prudentópolis. É possível afirmar que,
em certa medida, a composição de Padre Roga “Hino a São José” (Ó khtó khtó) (Fig.
4.12), apresenta elementos musicais que remetem a liturgia ucraniana, como as terças
paralelas das vozes femininas, no início e no final da obra, e a exploração de intervalos
em graus conjuntos ou terças ao longo da obra, propriedades presentes nas samoílkas
ucranianas. Entretanto, outros elementos como a presença da sensível, não habitual nas
melodias estruturais religiosas, e o uso de harmonia tradicional parecem não fazer
alusões diretas ao canto tradicional litúrgico ucraniano. Pode-se dizer que a música traz
uma harmonização padrão, o que em certa medida pode estar relacionado à formação e
atuação do padre na Europa, porém também apresenta incursão aos elementos que
caracterizam a sonoridade dos cânticos religiosos ucranianos.
102
Fig. 4.12 - Hino a São José, composto por Josafat Roga (Arquivo Seminário Studium São Basílio).
Observa-se, desta forma, que as atuações dos músicos ucranianos nas regiões
paranaenses, assim como as atividades por eles desenvolvidas, intercalam esferas
103
religiosas e seculares. De forma mais abrangente, a intimidade entre religião e valores
tradicionais para a comunidade ucraniana, na sua expressão musical profana, parece
estar presente ainda em contextos urbanos e rurais, quando se observa a atuação dos
músicos ucranianos de Curitiba e Prudentópolis em clubes folclóricos, orquestras,
grupos de banduras e corais, e seu envolvimento com a atividade religiosa. Por esta
razão, prossegue-se a investigação no domínio litúrgico do ucraniano destas localidades.
4.3 OS PERSONAGENS
Na tentativa de perceber as confluências entre religião, canto religioso e
descendente ucraniano presentes na sociedade brasileira, e perceber os traços simbólicos
da tradição e identidade ucraniana, observo e descrevo dois personagens representantes
da comunidade de Prudentópolis, pertencentes a estruturas sociais diferentes. Assim,
nas páginas seguintes, o padre basiliano Atanásio Kupitski e o agricultor e cantor
Miguel Zubyk serão os protagonistas que irão contribuir para a percepção de alguns
traços das relações sociais, ideológicos, folclóricos e tradicionais intrínsecos na
expressão e ação destes descendentes de imigrantes.
4.3.1 Padre Atanásio Kupitski
No primeiro encontro com Padre Atanásio, ocorrido em fevereiro de 2008, na
ante-sala do Seminário São José, sua residência, o padre discorreu sobre temas
vinculados à imigração e religião ucraniana, assim como acerca da importância da
música nas celebrações. Trata-se de uma personalidade atuante dentro do contexto local,
defensor da cultura e da história dos ucranianos.
104
Fig. 4.13 - Padre Atanásio Kupitski e parte do seu acervo musical (Acervo pessoal, autoria própria).
Foi ao fim da entrevista que Padre Atanásio forneceu uma fita cassete contendo
uma gravação datada de 1968, celebrada na ocasião do Domingo de Ramos, na cidade
de Ivaí, em que atou o coro masculino do Seminário de Ivaí. A fita foi trazida no
interior de uma caixa de madeira, em que se encontravam outras cinqüenta e seis
gravações, enumeradas organizadamente. A alma de colecionador o levou a acumular
um rico arquivo histórico, que inclui outras cinco caixas de fitas cassetes, com músicas
ucranianas populares, religiosas, festas da comunidade ucraniana, música polonesa,
alemã e brasileira. O arquivo particular deste curioso padre ucraniano também contém
registros fotográficos de pessoas, da cidade e de eventos locais.
105
Após a entrevista, Padre Atanásio me conduziu ao edifício da Gráfica
Prudentópolis, localizado em frente ao seminário, onde ele atua como revisor e escritor.
A gráfica existe desde 1911 e fornece jornais em ucraniano para a região, superando
momentos de dificuldades políticas como o período do Estado Novo (1937-1945) em
que a comunicação em idioma estrangeiro era proibida. O padre não poupou tempo e
entusiasmo para mostrar as antigas máquinas tipográficas (uma delas modelo
Heidelberg, com data de 1965), o funcionamento e as etapas da criação do jornal.
142
Atanásio Antônio Kupitski nasceu na localidade de Moema, em Itaiópolis, Santa
Catarina, em agosto de 1931. Obrigado a partir de sua terra natal onde sofria com a
miséria no final do século XIX, seu avô Lucas Vortchaguin chegou em 1896 com
documentos austríacos ao Brasil e aqui iniciou a nova vida e tirando da terra o provento
principal da família. A religião cultivada pela família em grande parte forneceu o
estímulo pela escolha à vida sacerdotal de Atanásio, embora na família Kupitski não
houvesse pessoas diretamente vinculadas à vida eclesiástica, ainda que seu avô fosse
líder comunitário e diak.
Freqüentou o seminário menor em Ivaí, e posteriormente o Seminário São José,
em Prudentópolis. Ao iniciar seus estudos, contudo, Atanásio conhecia os cantos
sagrados, visto o estímulo e a educação recebida em casa, e na instituição tornou-se
um motivador dos cantos e atuou como regente de corais. Foi ordenado padre em Roma,
no ano de 1957, e entre as funções sacerdotais que exerce, como pregação, confissões,
pastoral, exorcismo, estão atividades de professor e orientador espiritual.
Na sua visão, o canto religioso é um incentivo à fé e à devoção. Lembra o padre
que como todas as igrejas que praticam o rito oriental, o papel do canto é fundamental.
142
A Gráfica Prudentópolis mantém dois jornais em circulação, um deles é o “Micionar(“Missionário”),
desde 1911, é editado pelos Padres Basilianos, é periódico mensal com caráter religioso. o periódico
quinzenal Pracia (“Trabalho”), existe desde 1912 e trata de assuntos político-sociais.
(BORUSZENKO, 1995, p. 24).
106
Não apenas o canto do padre, ou do diak, mas também o canto da comunidade religiosa
tem fundamento na celebração católica, que aproxima a dimensão devocional do fiel, e
o aproxima a Deus. Por esta razão, Atanásio demonstra discordância com a postura,
segundo ele, mantida pela Igreja Ortodoxa, a qual favorece e estimula a existência de
grandes corais, e não prima pela participação do povo nas celebrações.
Os ortodoxos têm “os cantores”, o “coral”
– Padre Atanásio Kupitski
Segundo Atanásio, na ortodoxia, uma grande preocupação com a forma do
rito, então a existência de corais contribui para que o rito se mantenha formatado.
Diferentemente é sua visão acerca da Igreja Católica Ucraniana, que segundo ele, prima
pelo canto comunitário, massivo dos fiéis: “O povo participa e canta, do jeito que sabe,
vai!”
A postura religiosa é inflexível: o padre é católico, e seu discurso traz
veementemente distanciamento com a ideologia e os costumes cultivados pela Igreja
Ortodoxa mesmo que as origens, no caso da Ortodoxia Ucraniana, sejam comuns. as
relações com a igreja católica latina parecem fluir naturalmente, prevalecendo por estas
vias, possibilidades de intercâmbios e influências culturais (entre brasileiros com outras
descendências), mais evidentes.
A visão de Atanásio acerca das traduções para o português parece não ser tão
favorável, uma vez que afirma que com a tradução os cantos ucranianos sofreram
“decadência”. Ao contrário da aceitação passiva ao movimento de “abrasileiramento”
da celebração e dos cânticos litúrgicos, Atanásio confeccionou uma circular que fornece
a transliteração da Divina Liturgia de São João Crisóstomo, a mais usada ao longo do
ano litúrgico. A transliteração ainda não foi oficializada pela Eparquia brasileira, mas
107
fornece grande ajuda àqueles que desconhecem o alfabeto cirílico e o idioma ucraniano,
permitindo localizar os momentos da celebração, e cantar a cerimônia integralmente.
Esta providência, de acordo com Atanásio, tem contribuído para atrair os jovens
descendentes dos imigrantes e mesmo pessoas de outras descendências, e preserva de
modo mais efetivo a tradição religiosa.
No exercício do sacerdócio, ao percorrer as comunidades afastadas, Padre
Atanásio afirma que, quando possível, busca conversar com os cantores locais, e muitas
vezes, estes decidem a forma pela qual a missa acontece. Segundo ele, os cantores
locais conhecem o modo que os fiéis da região celebram a liturgia, e portanto, é
necessário que os padres, e os demais religiosos migrantes, adaptem-se ao modo em que
a comunidade pratica a religião.
No cotidiano deste padre, a cultura ucraniana se faz presente, no modo de
comunicar com os demais sacerdotes que moram no seminário, na culinária apreciada
pelo padre, nas participações em encontros da comunidade ucraniana, em que participa
das kolomeiky, nas discussões sobre a atualidade e história ucraniana, e na música
ouvida em casa (clássica e religiosa). Entretanto, Padre Atanásio cultiva amizades que
extrapola o grupo ucraniano, e mantém laços com pessoas de diversas origens, entre as
quais, poloneses, alemães, italianos e “brasileiros”. Para ele, a religiosidade é
importante valor ucraniano, e religião, e portanto seu trabalho, exerce, por sua vez,
importante papel na manutenção dos valores culturais deste povo. Ao ser questionado
sobre seu amor patriótico, o padre é transparente ao evidenciar que ao Brasil e à
Ucrânia, este sentimento se faz presente.
108
4.3.2 Miguel Zubyk
Aquilo que a gente aprendeu desde criança, a gente tá continuando, sempre.
Miguel Zubyk
Fig. 4.14 - Diak Miguel Zubyk, Linha Esperança, Prudentópolis (Acervo pessoal, autoria própria).
Ao buscar informações sobre cantores das igrejas católicas ucranianas, desde os
primeiros encontros com padres de Curitiba, em 2006, e posteriormente em
Prudentópolis, soube que na Linha Esperança, a doze quilômetros do centro de
Prudentópolis, seria possível encontrar um cantor que anos se dedica aos serviços
religiosos da paróquia e às ocasiões de batizados, casamentos e funerais da comunidade.
Em janeiro de 2008 estive em contato com o padre Josafat, residente do Seminário São
109
José, e responsável pelas celebrações quinzenais da Igreja Nossa Senhora do Patrocínio,
para que me informasse das próximas cerimônias e me autorizasse o registro em áudio
da Divina Liturgia. Assim, no domingo de carnaval de 2008 (4 de fevereiro), às oito e
meia da manhã eu me aproximava de Prudentópolis com o mapa da região que
discriminava a estrada até a Linha Esperança. Na grande igreja, as famílias ucranianas
chegavam e, ao adentrarem no espaço religioso, dispersavam-se obedecendo à tradição
de mulheres e homens disporem-se lateralmente opostos, respectivamente no lado
esquerdo e direito da construção. Dirigi-me ao coro e busquei o cantor Miguel Zubyk,
responsável pelos cantos da cerimônia, para me apresentar, e pedir a autorização para a
gravação e combinar uma breve entrevista ao final da cerimônia. Miguel já tinha
conhecimento que eu estaria visitando a comunidade.
Assim, às nove horas iniciei o registro do início das orações e da Proskomídia.
A cerimônia durou uma hora e meia, com a inclusão da Bênção das Velas, ritual que
ocorreu ao final da Divina Liturgia, com bases melódicas próprias desta cerimônia. A
comunidade religiosa católica ucraniana da Linha Esperança é composta por trezentas e
cinqüenta famílias, e, na oportunidade, a cerimônia contava com cerca de duzentos fiéis.
O grupo de fiéis e cantores que se concentravam no coro, liderados pelo diak Miguel
compunham a maior parte da massa sonora ouvida nas partes coletivas da Divina
Liturgia, mas foi possível perceber o envolvimento de toda a comunidade durante a
execução dos cânticos. As vozes femininas se destacavam, mas em algumas partes o
timbre de Miguel se sobressaía no conjunto, e atingia em primeiro plano a escuta dos
fiéis.
Após a cerimônia, realizei a primeira entrevista com Miguel, na qual obtive
dados sobre seu envolvimento com a Igreja e sobre o ofício de coordenador dos cânticos
realizados na comunidade Esperança. Desde criança, Miguel tem se envolvido nas
110
preparações das cerimônias religiosas, participando das celebrações, quando pequeno,
em família. Foi com a catequese e a prática que Miguel aprendeu a cantar as melodias
sagradas ucranianas, não tendo tido a oportunidade durante sua vida, de estudar em
escolas específicas ou realizar cursos direcionados a essa prática musical. Seu
encantamento pelas melodias religiosas é visível, assim como o é sua dedicação na
preparação semanal das músicas. Após a breve entrevista, combinamos um futuro
contato para que eu pudesse apreender maiores detalhes sobre seu engajamento com a
música nesta pequena localidade paranaense.
O segundo contato com Miguel ocorreu quando minha mãe e eu visitamos a
residência da família Zubyk, num domingo de maio de 2008. Na casa acolhedora, pode-
se obter, ao longo do dia, testemunhos e relatos acerca da história da família, dos
antepassados imigrantes, do relacionamento com vizinhos ucranianos e poloneses, sobre
as preferências musicais de Miguel, seu trabalho e sua fé.
Na comunidade da Linha Esperança, região localizada a doze quilômetros do
centro do município de Prudentópolis, nasceu o cantor religioso Miguel Zubyk, no dia
17 de fevereiro de 1955, o quarto filho de Vlademiro Zubyk e Paranka Semchechen
Zubyk. Os avós paternos de Miguel chegaram nas terras do Paraná no fim do século
XIX, o pai de Miguel era filho caçula de Maria e Miguel Zubyk, e nasceu no Brasil
durante a primeira década do século XX.
111
Fig. 4.15 - Interior da casa de Miguel Zubyk
143
(Acervo pessoal, autoria própria).
Miguel conta que ao chegar em Prudentópolis, seu dido e sua baba
144
tiveram
grandes dificuldades para estabelecer a nova vida. As autoridades locais os
encaminharam até a Linha Ivaí, na época, uma região dotada de matas muito fechadas,
altos pinheiros, sem estrada de acesso, que exigiu um trabalho pesado até a construção
da primeira habitação do casal, um barraco feito de palha de palmeira, madeira e pau-a-
pique. O alimento da família era feito com o encontrado na região. Sua baba cozinhava
com uma panela improvisada o borshch a sopa típica, com “palmeira”,
145
e cogumelo
silvestre assado em prepitchok, uma espécie de forno à lenha, feito de barro.
Dido e baba Zubyk sofreram muita hostilidade pelos ditos “brasileiros”
146
que
habitavam em Prudentópolis, e não aceitavam a convivência com os imigrantes. Sua
143
Foto de autoria própria em fevereiro de 2008.
144
Em ucraniano, respectivamente avô e avó.
145
Uma espécie de palmito encontrada nas matas da região.
146
“Brasileiros” se referem às pessoas que habitavam Prudentópolis antes da chegada dos imigrantes
ucranianos e poloneses (RAMOS, 2006, p. 39)
112
avó muitas vezes preferia permanecer em casa com suas crianças pequenas, para evitar
que fossem intimidados e agredidos. Ele, o avô chegou a ser atacado e gravemente
ferido em conflitos que o levaram às autoridades locais.
Nestes primeiros anos da família Zubyk, a prática religiosa e as orações eram
feitas no interior do rancho, visto a dificuldade de acesso às localidades vizinhas, e a
ausência das paróquias. Com o passar do tempo, houve a ocupação das áreas pelas
famílias de imigrantes ucranianos mais próximas à casa dos Zubyk, que motivou, então,
a organização comunitária da prática religiosa.
Assim como seus avós e seus pais, Miguel e Verônica Zubyk, sua esposa, são
agricultores, lidam diariamente com a terra, no cultivo de milho, feijão, batata e
amendoim. O terreno é em declive, razão pela qual se deve a dificuldade em utilizar
máquinas, ou cavalos, e motivo pelo qual nestas descidas, utilizam-se tocos de madeiras
para amparar a colheita manual. Miguel relata que as três gerações da família
dedicaram-se à lavoura, e tinham como alicerce da vida a fé e a prática religiosa.
A mãe de Miguel é Paranka Semchechen Zubyk, nascida em Prudentópolis em
1916, que antes morava com o seu filho mais velho, e agora vive alguns meses na
casa de Miguel. Quando visitei a família Zubyk, a mãe do cantor havia recentemente
retornado do hospital, onde se recuperava de uma queda ocorrida na varanda. Eu a
encontrei no quarto com o lenço envolto da cabeça, um vestido florido, e sentada na
cama para a breve conversa visto a sua necessidade de recuperação. Cumprimentou-me
em ucraniano, a língua falada em casa, mensagem traduzida pela filha de Miguel. Dona
Paranka mostrou-me o ferimento da cabeça, falou um pouco de sua infância, sempre na
localidade. alguns anos, a senhora Paranka deixou de freqüentar a igreja ucraniana
local, dada sua dificuldade de locomoção. Foi na Igreja Ucraniana Nossa Senhora do
Patrocínio, construção atual datada de 18 de outubro de 1959, que Miguel foi batizado,
113
fez a catequese sob a orientação das irmãs Servas de Maria, quando tinha nove anos de
idade. Neste mesmo templo, casou-se com Verônica Ochoski, também descendente de
ucranianos. Desde a infância conviviam Verônica e Miguel na linha Esperança,
freqüentaram a escola local (onde ambos estudaram até a quarta série, e recentemente
complementaram a formação até a oitava série), a igreja onde cursaram catequese, e
fizeram primeira comunhão. Ali participavam das haílky juvenis, das festas da
comunidade, e onde cultivaram e cultivam décadas a terra que provê o sustento da
família.
Verônica e Miguel tiveram quatro filhos, apenas a caçula, Ana Cristina, com
dezoito anos de idade, mora com os pais, e durante o dia cuida da avó, da casa, do
almoço e da criação (galinhas, cachorros, porcos e vacas), enquanto Verônica e Miguel
estão na lavoura. Uma vez por semana, Ana Cristina vai à faculdade, no centro de
Prudentópolis, onde cursa pedagogia. Marcos, outro filho do casal, vive em Curitiba,
habita e estuda no Seminário Studium São Basílio, em Curitiba. O filho mais velho de
Miguel se chama José, casou-se na Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, e é pai da
neta do casal Zubyk, Gabrielly, cinco anos de idade.
dez anos, a segunda filha do casal, uma bela jovem de dezoito anos, falecera
vítima de escapamento de gás numa residência no bairro Água Verde, em Curitiba,
onde trabalhava de doméstica. Na época, também Miguel se encontrava nesta cidade, e
também trabalhava em serviços domésticos em outra residência, no bairro italiano de
Santa Felicidade. Pai e filha vieram à capital paranaense em busca de remuneração que
auxiliasse no pagamento da casa de material recém construída, uma realização do antigo
sonho da família. Verônica, durante os quatro anos em que Miguel permaneceu em
Curitiba, tocou sozinha o trabalho na lavoura, na companhia dos outros dois filhos. A
triste tragédia com a filha aconteceu na véspera do aniversário de Verônica, e o velório
114
foi realizado na sala da casa, como é de costume nas localidades rurais do sul do Brasil.
No meio da entrevista com Miguel, quando me contava este triste episódio da família,
pediu à sua caçula para mostrar-me as fotografias do velório. Dezenas de pessoas da
comunidade reuniram-se na casa dos Zubyk e participaram da cerimônia de funeral
conhecidos como Panakhyda, na qual são entoados os cânticos específicos. Miguel
exercia vinte e cinco anos a liderança dos cantos religiosos na igreja e na
comunidade da linha Esperança, e naquela ocasião, defronte ao corpo da filha, mais
uma vez puxava os cantos sagrados que, usualmente, têm função de confortar os
familiares e amigos, segundo o próprio Miguel. Ao narrar o momento vivido, Miguel
transpareceu muita comoção à fatalidade ocorrida, ao mesmo tempo em que demonstrou
quão intensa se manifesta sua fé e seu compromisso com a música religiosa.
Pelas imagens, observei que no ambiente das orações as paredes possuíam as
inúmeras imagens de Santos, de Maria e de Cristo, além dos retratos antigos da família,
que verifiquei na visita ao domicílio, em maio de 2008. A adoração às imagens
religiosas é característica marcante dos ucranianos, fato que também notei durante a
explicação pormenorizada de Miguel quanto aos santos de devoção da família. Defronte
à parede, um altar sustentava os livros sagrados, e nos cantos da sala, estavam dispostas
cadeiras, que denota o espaço da casa em que a família Zubyk e pessoas da comunidade
se encontram para praticar orações. Em relato, Miguel afirma que as orações domésticas
são recitadas na língua ucraniana, porém não cantadas, e ocorrem diariamente às sete
horas da noite.
É interessante que a língua falada pela família é o ucraniano, e por esta razão,
Verônica e Miguel apresentaram algumas dificuldades em conversar integralmente em
português comigo, e diversas vezes, a filha auxiliou a exprimir palavras e complementar
115
algumas frases. Na conversa com dona Paranka, Verônica e Ana Cristina auxiliaram na
tradução.
Na vida dos Zubyk, a música ucraniana é predominantemente apreciada, porém,
Miguel revelou seu gosto particular para as músicas cantadas em décadas passadas pela
dupla Tonico e Tinoco.
147
Entre os cantos tradicionais lembrados na entrevista, um
conta a história de um “jovem que foi da Ucrânia para longe, visitar uma moça e o pai
da moça não quis receber...e... coitado, foi muito magoado, ele veio lá de longe e os pais
não quiseram receber” (Fig. 4.17). A canção popular (narodna pisnia) que se intitula
Iháu Kózak Z Ukraíne” traz a seguinte melodia:
Fig. 4.16 - Excerto de “Iháu Kózak Z Ukraíne (Transcrição e transliteração da autora).
Outra melodia preferida de Miguel, pertence ao canto paralitúrgico Levadov
Dolenov”, um canto mariano, no qual uma homenagem à Virgem é feita através de uma
guirlanda de flores que se eleva aos céus, em agradecimento ou pedido de ajuda a Nossa
Senhora.
A terra em que trabalha o casal Zubyk é benzida com os ramos abençoados pelo
pároco da Igreja Nossa Senhora do Patrocínio no Domingo de Ramos, que antecede a
147
A dupla sertaneja paulista Tonico, João Salvador Pérez (1919-1994), e Tinoco, José Pérez (1920- )
atingiu grande popularidade a partir da década de 40 do século passado, e deixou inúmeras gravações de
músicas brasileiras (número superior a setecentas) (MARCONDES, p. 779-780).
116
Semana Santa. É curioso que no costume ucraniano, são benzidos apenas três cantos do
lote de terra, sendo que o quarto é propositalmente deixado para que o “mal” possa sair.
Outro costume que envolve o trabalho na terra, trata-se da saudação Dai Bózhe
Shchástia”, pronunciado entre os ucranianos que significa “Que Deus (nos)
felicidade” ou “Bom trabalho com a Bênção de Deus”. Ao ser questionado se ele entoa
cantos de lavoura, Miguel aponta sua preferência em temáticas religiosas, e conta que
durante o trabalho com a terra, entoa internamente os cânticos da próxima celebração
que se responsabiliza, num ensaio individual e silencioso. Deste modo, terra, fé e
música preenchem a vida e a rotina de Miguel.
O trabalho religioso inclui outras atividades, como o ensino semanal da
catequese. Atualmente Miguel assiste a cerca de trinta crianças, às quais ensina canções
religiosas e cânticos litúrgicos em idioma ucraniano. Conteúdos religiosos são
transmitidos em língua portuguesa e ucraniana. Após o falecimento de sua filha, e o
retorno a Prudentópolis, dez anos atrás, decidiu envolver-se com mais afinco à vida
religiosa, e a partir de então se dedicou ao ensino da catequese e ainda mais
assiduamente ao trabalho com o Apostolado da Oração, assumindo sua coordenação na
comunidade.
trinta e cinco anos, Miguel assumiu-se como cantor da comunidade da Linha
Esperança. cerca de alguns anos faleceu o antigo diak da região, Paulo Dohan.
Segundo Miguel, o diak Paulo também realizava serviços religiosos externos à
paróquia, porém, cobrava por serviços, diferentemente de Miguel.
148
Anteriormente ao
Paulo, havia na Linha Esperança, o cantor Danilo, que conhecia profundamente a
liturgia e os cantos ucranianos.
148
De acordo com a literatura estudada, a cobrança pelos serviços realizados pelo cantor não se constitui
prática incomum em comunidades ucranianas canadenses e estadunidenses. Makuch explicita o valor
pago ao padre em cerimônia de funeral na década de 50 era aproximadamente $15,00, enquanto que o
valor pago ao diak nas mesmas cerimônias era entre $3,00 e $5,00 (MAKUCH, 1989, p. 92);
117
O grupo de cantores liderados por Miguel é formado por vinte pessoas, e de
acordo com Miguel, as vozes femininas são mais numerosas e participativas. O grupo
não realiza ensaios semanais, mas sim nas vésperas de cerimônias religiosas anuais,
como Páscoa ou Natal. Não há, por enquanto, nenhuma pessoa sendo treinada
especificamente para o papel desempenhado por Miguel, entretanto, este afirma que na
comunidade, um grupo de jovens que estão se mobilizando para cantar nas
cerimônias e as músicas cantadas por este grupo são os mesmos cantados pelo grupo de
Miguel. Por meio das informações obtidas na entrevista, o coro de jovens não busca
intercâmbios com Miguel e o grupo mais experiente. A manutenção dos cantos
tradicionais religiosos, entretanto, é sustentada por ambos os grupos.
A aparente indiferença quanto à liderança e ao conhecimento do diak Miguel
pelos jovens parece não ocorrer entre os sacerdotes e as irmãs missionárias.
Quinzenalmente, quando as cerimônias da Linha Esperança são celebradas, o padre
Josafat e as irmãs procuram Miguel para combinar como será direcionada a celebração,
quais serão os cantos, e de que maneira deverão ser entoados. Há, portanto, uma
tendência a respeitar o modo como a comunidade local, representada pelo líder Miguel,
é acostumada a praticar seu rito.
Por se tratar de uma localidade rural, diversos aspectos tradicionais são mantidos
na comunidade, porém outros são modificados de modo natural. Um dos exemplos é
verificado em experiências ocorridas no rito, especificamente com os cantos, que em
certas cerimônias desta comunidade já se constatou o uso de acompanhamento de
teclado nos cantos das samoilkas, em partes como Creio, Pai Nosso, Hino dos
Querubins e Santo. Esta inovação foi primeiramente narrada pelo Bispo Dom
Volodemer, e na visita que realizei a família Zubyk foi confirmada por Miguel, que foi,
segundo ele, muito bem recebida, e mesmo elogiada pelos fiéis locais. Contudo, o uso
118
do instrumento musical não ocorre em todas as cerimônias, e parece se tratar de
experiências esporádicas que, ademais, não ganharam a antipatia por parte da Igreja.
As amizades cultivadas por Miguel incluem membros de outras comunidades
culturais, como poloneses, alemães, assim como com católicos latinos. Na entrevista
cedida, ele lastima a extinção de costumes e tradições observados durante sua infância,
na comunidade polonesa vizinha da Linha Esperança. Lembra Miguel que na Igreja
latina (com arquitetura distinta àquela freqüentada por Miguel, poucos metros) os
poloneses se reuniam com suas vestimentas típicas e em polonês celebravam missas,
com cantos trazidos de seu país de origem, analogamente ao que hoje ainda ocorre nas
comunidades ucranianas de Prudentópolis, e que se extinguiram gradativamente. Pelo
ocorrido com a comunidade polonesa, Miguel demonstra preocupação e age, portanto,
em prol da manutenção das tradições ucranianas. Por esta razão, ao se tratar das
melodias religiosas ucranianas Miguel sem rodeios afirma que “os cantos são os
mesmos de antigamente, e vão continuar, para sempre...”
4.4 TRANSFORMAÇÕES, RUPTURAS E CONTINUIDADES DAS
TRADIÇÕES MUSICAIS RELIGIOSAS
Ao longo de completos 110 anos desde a chegada dos primeiros imigrantes
ucranianos em terras brasileiras, observam-se algumas modificações e adaptações no
tocante à liturgia e seus cânticos nos domínios da religião predominante deste grupo no
Brasil, a católica ucraniana de rito bizantino. É possível apontar algumas características
do canto litúrgico que sofreram readequações no decorrer da permanência dos
ucranianos no Brasil, para atender às condições da realidade locais, outras que se
manifestam reflexos do dinamismo da vida contemporânea, e também, as específicas do
contexto brasileiro atual.
119
Ao focalizar os cantos comunitários da liturgia (samoilkas), e os cantos
populares religiosos é importante dispor que ambos integram o arsenal cultural dos
ucranianos, cuja transmissão pelas gerações ocorre oralmente e pela prática. Sob
diversos aspectos, sua continuidade e presença na cultura ucraniana do Brasil sinalizam
uma tradição viva, atual. A maior parte das pessoas entrevistadas (Dom Efraim, Dom
Volodomer, Joans Chupel, Miguel Zubyk, Dom Jeremias) afirma que os cantos
litúrgicos são os mesmos e todos confirmaram as transformações do idioma como
momentos significativos de ruptura do rito, embora haja um movimento para a
oficialização das samoilkas tradicionais adaptadas para a liturgia em português.
A ausência, entretanto, da tradução dos cantos populares, que soam uma grande
quantidade de cantos devocionais, de santos e festas, estimulou a adoção dos cantos
religiosos populares (paralitúrgicos) ocidentais, não pertencentes à tradição ucraniana,
mas usualmente entoados nas igrejas católicas de rito latino. Isto denota, em certa
medida, sinais de “sincretismo” ou fusões estilísticas, musicais, e culturais. Quanto a
este fenômeno de aculturação, fruto da adaptação ao entorno latinizado brasileiro,
considera Padre Atanásio que o canto litúrgico é mantido, entretanto “certa
decadência em função deste abrasileiramento”.
Por outro lado, as necessidades decorrentes da contemporaneidade também
afetaram o modo pelo qual ocorre a celebração religiosa. A falta de tempo dos fiéis para
seu cultivo espiritual tratou de conceber formatos de celebrar a Divina Liturgia em
diversas formas “simplificadas”. Os ofícios religiosos como as Matinas e Vésperas, que
costumavam ser cantadas com várias melodias diferentes, hoje são realizadas em sua
grande parte na forma rezada.
As mudanças e continuidades apontadas acima intercalam a dinâmica de síntese
cultural e disponibilizam comparação com a “circularidade cultural”, que dimensiona
120
que as transformações culturais de uma camada social, ou determinado grupo,
provocam reações em grupos diversos, dominantes e dominados. A seguir, serão
discutidas as principais mudanças e continuidade da esfera musical litúrgica dos
ucranianos católicos locais.
4.4.1 Transformações por fatores externos à comunidade religiosa local
Ao se considerar os fatores externos que contribuíram para as transformações
ocorridas no universo religioso católico dos ucranianos merece algum destaque o
Concílio Vaticano II, ocorrido entre 1962 e 1965, no qual se discutiu a renovação da
atuação da Igreja em diversos setores. Além do fato deste encontro ser citado nos
relatos fornecidos pelos padres ucranianos entrevistados como um marco de
transformação do canto e da liturgia, os documentos derivados deste concílio
apresentam determinações a serem seguidas pelas igrejas católicas romanas assim como
pelas igrejas orientais unidas a Roma. Dentre os documentos derivados deste Concílio,
encontra-se o decreto Orientalium Ecclesiarum, assinada pelo Papa Paulo VI em 1962,
que traz as instruções às igrejas orientais católicas,
149
que explicita a estima à
diversidade cultural e litúrgica, defende a conservação das tradições e preserva a
comunhão entre as igrejas separadas. A ênfase ao respeito e à dignidade das igrejas
unidas é evidenciada neste mesmo documento: “A Igreja Católica tem em alta estima as
instituições, os ritos litúrgicos, as tradições eclesiásticas e a disciplina da vida cristã das
Igrejas Orientais (Orientalium Ecclesiarum, 1962, n. 1).
149
Anterior ao Concílio Vaticano II, foi elaborado o Código Canônico Oriental, em 1943, sob o
pontificado de Pio XII.
121
Quanto à submissão ao governo de Roma, o parágrafo terceiro do decreto
especifica que as igrejas unidas, à qual pertence a Igreja Greco-Católica Ucraniana
gozam de direitos e deveres equivalente às igrejas católicas romanas:
Tais igrejas particulares, tanto do Oriente como do Ocidente, embora difiram
parcialmente entre si em virtude dos ritos, isto é, pela liturgia, disciplina
eclesiástica e património espiritual, são, todavia, de igual modo confiadas o
governo pastoral do Pontífice Romano, que por instituição divina sucede ao
bem-aventurado Pedro no primado sobre a Igreja universal. Por isso, elas
gozam de dignidade igual, de modo que nenhuma delas precede as outras em
razão do rito; gozam dos mesmos direitos e têm as mesmas obrigações,
mesmo no que diz respeito à pregação do Evangelho em todo o mundo (cfr.
Mc. 16,15), sob a direcção do Pontífice Romano (Ibid,n. 3)
Outra importante referência decorrente do II Concílio do Vaticano se trata da
constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, de 1963. No que tange às práticas
comunitárias, enfatiza-se a importância à participação comunitária:
Sempre que os ritos comportam, segundo a natureza particular de cada um,
uma celebração comunitária, caracterizada pela presença e ativa participação
dos fiéis, inculque-se que esta deve preferir-se, na medida do possível, à
celebração individual e como que privada (Sacrosantum Concilium, 1963, n.
27)
A determinação acima descrita respalda o modo em que tradicionalmente as
celebrações católicas ucranianas ocorrem, visto que sua organização interna é, conforme
antes comentado, estruturalmente formada pelas partes destinadas ao sacerdote, ao
diácono, ao coro, ao cantor e aos fiéis. Os cânticos de resposta comunitária e as
samoilkas pela estrutura simples permitem estimular a participação da assembléia
constantemente, o que pôde ser verificado nas cerimônias observadas em Curitiba e
Prudentópolis.
É válido acrescentar, ademais, que a participação coletiva dos ucranianos
católicos nas cerimônias católicas é em grande parte estimulada pela ação missionária
122
das irmãs catequistas que atuam no Brasil desde o final do século XIX, décadas
anteriores ao Concílio Vaticano II, portanto. Até os dias atuais, as irmãs percorrem as
comunidades no interior de Santa Catarina e Paraná para o ensino do rito e dos cantos
religiosos.
Neste aspecto também converge a constituição:
Para fomentar a participação ativa, promovam-se as aclamações dos fiéis, as
respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as ões, gestos e
atitudes corporais. Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um silêncio
sagrado (Sacrosantum Concilium, 1963, n. 30).
A rotatividade das melodias nas quais se estrutura a cerimônia religiosa
ucraniana, que aclama participação coletiva, contudo, estrutura-se num espaço sonoro
característico, que se associa em parte, ao “silêncio sagrado”, também recomendado
pelo Concílio Vaticano. Por esta razão, é possível perceber que o rito oriental ucraniano
sustenta uma solenidade muito peculiar, que, somados ao emprego de incensos, dos
sinos, das melodias sagradas que se repetem no decorrer da cerimônia movidas
exclusivamente ao som das vozes, permitem florescer um misticismo atraente. Esta
propriedade encontra-se em harmonia com o pensamento conciliar: “A ação litúrgica
reveste-se de maior nobreza quando é celebrada de modo solene com canto, com a
presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo (Sacrosanctum
Concilium, 1963, n. 113)
Somada às partes referentes à prática religiosa, a constituição conciliar de 1963
sustenta relevada importância à música sacra, ao afirmar que:
A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede
todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado,
intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da
Liturgia solene (Ibid).
123
As determinações do Sacrosanctum Concilium discriminadas acima, contidas
nos documentos derivados do Concílio Vaticano II, condicionam a prática dos católicos
ucranianos do Paraná e fornecem alicerces para a integração com a igreja latina, assim
como provê a preservação dos valores e tradições dos ritos particulares das igrejas
unidas a Roma. Demonstram, ainda especial estímulo à participação coletiva das
cerimônias litúrgicas, o que, para a prática do rito ucraniano, direciona atenção e
importância às melodias comunitárias samoilkas, assim como os cantos religiosos
paralitúrgicos. A seguir, focaliza-se um aspecto de transformação relevante do rito
ucraniano ocorrida após o Concílio Vaticano II, que, para as comunidades brasileiras
não tardou a efetivar-se, a adoção da língua materna na prática litúrgica.
4.4.1.1 A adaptação do idioma para o vernáculo
Anteriormente ao Concílio Vaticano II, a música litúrgica do catolicismo
ucraniano era cantada sobre o texto sagrado em antigo eslavo, ou paleo-eslavo, a língua
sagrada comum aos eslavos, elaborada por Cirilo e Metódio e empregada por mais de
um milênio.
150
Ao final da década de 60, a celebração passa a ocorrer na língua
vernácula, ou seja, a ucraniana. Assim como na realidade das igrejas de rito romano, a
missa passa do latim para o idioma local, nas comunidades ucranianas o antigo eslavo é
substituído pelo canto em ucraniano. No Brasil, não tardou para que a igreja ucraniana
adotasse as novas recomendações conciliares.
151
150
Porém na ocasião da conquista da independência da Igreja Ortodoxa Ucraniana, que se tornou Igreja
Ortodoxa Autocéfala, aconteceu a primeira celebração da Divina Liturgia em ucraniano em 1919, na
Catedral de São Nicolau, em Kiev.
151
A gravação da Divina Liturgia de São João Crisóstomo de 1968, disponibilizada por Padre Atanásio
apresenta-se em ucraniano.
124
A língua vernácula pode dar-se, nas missas celebradas com o povo, um lugar
conveniente, sobretudo nas leituras e na «oração comum» e, segundo as
diversas circunstâncias dos lugares, nas partes que pertencem ao povo,
conforme o estabelecido no art. 36 desta Constituição. Tomem-se
providências para que os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as
partes do Ordinário da missa que lhes competem (Sacrosanctum Concilium,
1963, n. 54)
O artigo acima referido (36º) determina a competência da aprovação da tradução
do rito:
Trata-se da questão referente à tradução do rito assim como da competência
da aprovação da Apostólica. Ao Patriarca com o Sínodo, ou à suprema
autoridade de cada igreja com o conselho dos hierarcas compete o direito de
regular o uso das línguas nas cerimónias litúrgicas, bem como, depois de
comunicar à Apostólica, aprovar as versões dos textos em língua
vernácula (Idem, n. 36).
Em relação a esta determinação é válido acrescentar que a tradução ucraniana da
liturgia atualmente usada foi aprovada pelo Sínodo dos Bispos Ucranianos Católicos
realizado em 1985 sob a direção do Arcebispo Maior e Cardeal Miroslau
Lubachivski.
152
Esta liturgia na língua ucraniana, é a usada em todas as comunidades
católicas ucranianas de rito oriental, do Brasil e do mundo.
153
4.4.1.2 A tradução para o português da Divina Liturgia
Atualmente a celebração ucraniana encontra-se num terceiro momento sob a
perspectiva do idioma usado, pois somadas às celebrações em ucraniano, é possível
encontrar celebrações em português da Divina Liturgia ucraniana. Em outubro de 1998
foi apresentada à comunidade católica a tradução para o português da liturgia realizada
152
Depoimentos de Jonas Chupel e Dom Volodomer Koubetch.
153
Depoimento de Jonas Chupel.
125
pela Comissão Eparquial de Liturgia que traz a assinatura do Bispo Eparca Dom Efraim
Krevey.
A medida veio favorecer a urgência em cativar as novas gerações de
descendentes de ucranianos para a igreja. Isto se confirma pelas palavras do Bispo
Eparca, conforme documento registrado no livro tombo II-414/98, contida no prefácio
da circular:
Sentindo a obrigação de providenciarmos aos Fiéis desta Eparquia o
necessário e mais profundo conhecimento dos valores e das riquezas da nossa
Liturgia, bem como a conseqüente participação nela, preservando-se e
mantendo-se fidelidade às suas origens e sua identidade, com grande alegria
apresentamos a tradução da mesma para a língua portuguesa, destinada
principalmente aos fiéis que têm dificuldade em entender a língua ucraniana
(KREVEY
in COMISSÃO EPARQUIAL DE LITURGIA, 1999).
Nas igrejas católicas ucranianas de Curitiba, Nossa Senhora Auxiliadora e na
Eparquia São João Batista, as celebrações em português ocorrem semanalmente, e
atraem também fiéis que não são de origem ucraniana. As celebrações em ucraniano
são, por sua vez, realizadas aos domingos e ainda se constituem as principais
cerimônias da comunidade.
4.4.1.3 A liturgia ucraniana em português: relato de observação
No dia 24 de maio de 2008 assisti à missa ucraniana em português celebrada na
Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora pelo Padre Elias. A missa traduzida foi celebrada
na forma recitada, salvo momentos em que a melodia da antífona sustentava algumas
poucas passagens. Estavam presentes as irmãs Servas de Maria Imaculada, que
lideravam as respostas cabidas pelos fiéis, os quais também se somavam as vozes. A
participação coletiva era expressiva, fato colaborado em parte pela disponibilidade de
cadernos que informavam o roteiro da missa.
126
Ao longo da liturgia, percebi que apenas a melodia ucraniana correspondente à
Antífona (Fig. 3.13 encontrada no terceiro capítulo), fora entoada, e ainda em poucos
momentos. Os cantos paralitúrgicos entoados na comunhão e no final da liturgia foram
cantos religiosos frequentemente cantados durante missas católicas latinas de Curitiba,
como “Minha Vida tem Sentido” (antes do “Hino dos Querubinos”) e o “Pão da Vida”
(Canto de Comunhão). Os textos destes e de outros cantos religiosos
154
latinos se
encontravam nas últimas páginas do livro guia da missa. Por não existir até o presente
momento traduções dos cantos paralitúrgicos ucranianos, os cantos usados são os cantos
católicos entoados nas igrejas romanas de Curitiba.
155
Estas músicas, nas igrejas
católicas latinas são freqüentemente entoadas pelos fiéis e usualmente apresentam o
acompanhamento de violão ou teclado elétrico.
4.4.1.4 A adaptação do idioma na voz dos descendentes de ucranianos
A mudança do texto religioso do paleo-eslavo para o ucraniano permitiu aos
rutenos do Brasil a adoção do idioma usualmente falado nas comunidades durante sua
prática religiosa, o que possibilitou maior compreensão do sentido das palavras. O
conteúdo textual se tornava mais claro para os fiéis, principalmente para aqueles
nascidos no Brasil que tratavam de articular sua realidade na região paranaense, quanto
ao emprego dos idiomas português e ucraniano.
Isto foi verificado mediante as entrevistas feitas pelos membros da comunidade,
visto que a adaptação da liturgia para o ucraniano, assim como sua tradução, foram
temas recorrentes. Padre Domingos Starepravo e Miguel Zubyk apontam que a
154
Como “Buscai Primeiro o Reino de Deus”; “A Ti Meu Deus”; “Pelos Prados”.
155
No depoimento de Jonas Chupel, a inserção de cantos latinos nas cerimônias ucranianas traduzidas foi
comentada como um sinal evidente de latinização da cerimônia oriental.
127
mudança do texto litúrgico para o ucraniano no final da década de 60, colaborou para
tornar mais compreensível a celebração religiosa:
Eu sempre fui ucraniano... sei falar bem o ucraniano, entendo
bem...para nós, o paleo-eslavo não entendíamos, nós cantávamos antes
do Concílio, rezávamos todos os dias, mas não entendíamos tudo. Era
que nem os brasileiros para o latim – Padre Domingos Starepravo
Muitas palavras mudaram, antes era mais difícil. Agora [usa-se] um
ucraniano mais fácil. A língua foi mudada, tinha palavras difíceis,
agora as palavras ficaram mais fáceis – Miguel Zubyk
De acordo ainda com o depoimento de Padre Domingos, verifica-se que nos dias
atuais, o uso do paleo-eslavo é mantido por algumas famílias, e usado nas orações
domésticas. O depoimento do Padre Domingos explicita a coexistência das línguas, e o
modo como o qual age quando se depara numa destas situações:
Mas o interessante: pessoas principalmente as nossas babusias”
[avozinhas] como nós dizemos, eles rezam, por exemplo, o Pai Nosso,
e misturam este Pai Nosso com palavras em paleo-eslavo com o
ucraniano, etc. Eu noto, em Curitiba, então pessoas assim...que
são...(que são...) importantes (né), no cenário nacional...,como
procuradores da República, (não sei o que, não sei o que...)
engenheiros, eles quando rezam, rezam em paleo-eslavo. Aprenderam
aquilo quando eram crianças, decerto, e mantêm... Se você vai rezar
na casa deles, abençoar o alimento, (sei lá o que...) quando é tempo de
Páscoa (sei o que), começam a rezar um Pai Nosso (alguma coisa
lá), e eu começo bem devagarzinho, pouco tímido, e pouco quieto,
para deixar que eles..., para deixar que eles rezem do jeito deles, senão
você atrapalha a oração deles... – Padre Domingos Starepravo
O depoimento acima deste sacerdote revela que mesmo após a oficialização do
ucraniano na prática religiosa, é possível encontrar o paleo-eslavo assimilado nas
famílias paranaenses, e também que há, por parte deste evangelizador, um cuidado
especial para que o núcleo ucraniano em questão mantenha o modo particular que
cultiva a tradição religiosa.
Quanto à tradução para o português, a mudança objetiva era atrair maior
participação dos descendentes de ucranianos, frutos da quarta e quinta geração, os quais,
128
apresentam desinteresse pela língua ucraniana. Contudo, ainda jovens que
participam da cerimônia em ucraniano de acordo com a orientação religiosa obtida em
casa:
E é interessante que eles não falam o ucraniano, mas a missa eles
sabem cantar. Aprenderam desde pequenos os cantos, as melodias,
mas se pergunta o que significa, não sabem. Então agora, para os
jovens atuais, o ucraniano é um latim, um paleo-eslavo, eles não
entendem. Mas participam, para aqueles que os pais têm liderança na
casa, e fazem questão que eles aprendam...
O relato enfatiza o envolvimento das novas gerações nas missas em ucraniano,
algo que é em parte determinado pelo estímulo dos genitores e pela própria autoridade
exercida pelos pais para que o costume religioso permaneça.
Padre Atanásio, residente do seminário São José, em Prudentópolis, sugere
que as traduções da liturgia ucraniana para o português, apesar de conservar o canto
tradicional, afetaram negativamente o costume religioso ucraniano: “O canto litúrgico é
mantido, mas com muita decadência, pois em muitos lugares, traduções” (Padre
Atanásio Kupitski).
Na opinião pessoal de Padre Domingos, com a tradução para o português da
missa ucraniana, perde-se em parte a riqueza da celebração, por tornar o discurso
religioso muito direto, menos misterioso, possivelmente pela clareza na interpretação
textual e o distanciamento com a língua que na geração anterior, como a deste padre
tem um significado atrelado à cultura ucraniana vivida ao longo de sua vida. O relato de
Padre Domingos ademais, revela que na Argentina, local em que o castelhano é
predominante mesmo nas comunidades ucranianas, o processo de assimilação da língua
local nas cerimônias ucranianas ocorreu de modo a não descaracterizar os cantos
tradicionais, que se mantiveram, segundo ele, reconhecidamente ucranianos:
129
Se você vai na Argentina, se assimilou completamente [o idioma
local], você vai a uma missa cantada em espanhol... se falar em
ucraniano, não entendem. Mas eles têm mais profissionais ali, que
sabem transmitir os cantos litúrgicos, marianos, ou de santos,
conseguem transmitir melhor – Padre Domingos Starepravo.
As autoridades eclesiásticas priorizam a manutenção das melodias e dos cantos
religiosos, mesmo que haja necessidade da tradução: “O nosso Cardeal disse assim, se
nós estamos com problemas de entendimento, não é preciso insistir no idioma, mas,
manter o rito, manter a melodia, manter tudo, e tentar adaptar para o português” (Padre
Domingos Starepravo).
Assim, para a manutenção da religião ucraniana, o canto parece ocupar uma
posição menos sujeita a mudanças, enquanto o texto pode ser traduzido a fim de
garantir a inteligibilidade e, conseqüentemente, agir como elemento unificador da
comunidade.
O discurso das autoridades eclesiásticas ucranianas entrevistadas (Dom Efraim,
Dom Volodomer, Padre Atanásio e Padre Domingos) é semelhante, uma vez que, os
cantos litúrgicos e religiosos são apresentados como os mesmos desde a chegada dos
primeiros ucranianos, ocorrendo apenas variações decorrentes de “regionalismos”,
156
ou
seja, particularidades encontradas nas diversas comunidades que não interferem nas
estruturas básicas de cada melodia.
157
Apesar de algumas manifestações já insurgidas no
intuito de transformação por parte dos jovens,
158
o uso de instrumentos musicais durante
os serviços litúrgicos não é autorizado pela entidade eclesiástica, o que se mantém,
neste aspecto fiel ao código de rito oriental.
156
Este termo foi usado por Dom Efraim em entrevista cedida.
157
Isto também foi verificado na Ucrânia, onde variações de samoilkas foram encontradas em diversas
aldeias da Galícia e compiladas em obra de Fedoriv Ritual Chants of the Ukrainian Church of Western
Ukraine” (1983), explorada no capítulo anterior.
158
Depoimento de Padre Domingos Starepravo.
130
Numerosas melodias que sustentam as cerimônias religiosas da Igreja Greco-
Católica Ucraniana (samoilkas e hlasy), assim como seu uso apropriado, são ensinadas
nos âmbitos institucionais como nos seminários e nas catequeses, assim como nos
cursos e encontros promovidos pela Eparquia São João Batista. Com a tradução da
Divina Liturgia ucraniana, cuja edição em partitura se encontra em processo de
elaboração, as melodias sofreram adaptações em função do texto. Contudo, o uso destes
cantos ocorre nas celebrações em português, inclusive nas celebrações no formato
simplificado (com substituições do canto por rezas faladas ou recitações).
Do ponto de vista melódico, são observadas as semelhanças entre os cantos em
ucraniano e português. Os exemplos abaixo (Fig. 4.18 e 4.20) foram transcritos a partir
de uma partitura manuscrita cedida por Jonas Chupel intitulada “Divina Liturgia de São
João Crisóstomo”, que vem sendo provisoriamente utilizada pela comunidade
159
.
Fig. 4.17 - Samoilka da Ektenia em português e ucraniano
160
(Acervo de Jonas Chupel. Transliteração:
KUPITSKI, 2002, p. 4).
159
Esta mesma melodia foi entoada na cerimônia assistida na Linha Esperança, durante a Ektenia da Paz,
e está disponível no CD em anexo, na faixa 1.
160
A fonte deste exemplo é uma coletânea das melodias da Divina Liturgia de São João Crisóstomo em
português cedida por Jonas Chupel. As barras de compassos se encontram no original, porém, na edição
final será mantida a notação não mensurada.
131
Fig. 4.18 - Samoilka do Hino dos Querubins em português e ucraniano
161
(Acervo de Jonas Chupel.
Transliteração: KUPITSKI, 2002, p. 16).
Note-se que o exemplo da samoilkas do Hino dos Querubins (Fig. 4.19) aponta
notas na região de Fá4, que ademais, correspondem às mais agudas do exemplar
consultado.
4.4.2 Transformações por dinâmicas internas aos grupos
4.4.2.1 Quanto à duração das cerimônias
Alguns aspectos de transformação das liturgias ucranianas católicas no Brasil
podem ser citados como resultantes das necessidades internas da comunidade religiosa
local. A primeira mudança que se destaca refere-se ao tempo de celebração, pois as
cerimônias se tornaram mais breves.
162
Neste sentido, se destacam as missas “rezadas”,
que se constituem de celebrações com a supressão do canto (apenas rezadas e, por
161
A fonte deste exemplo é uma coletânea de melodias da Divina Liturgia de São João Crisóstomo em
português cedida por Jonas Chupel. As barras de compassos se encontram no original, porém, na edição
final será mantida a notação não mensurada.
162
De acordo com depoimentos de Padre Atanásio e Dom Efraim.
132
vezes, sem o sermão), e as missas “simplificadas”, que correspondem àquelas em que
alguns trechos se tornam rezados e não cantados.
163
Em relação ao culto com canto
ausente, encontra-se a celebração de Domingo da Igreja São Josafat das 6h00, rezada
em ucraniano, que não possui a seção correspondente ao sermão, e também por ser
desprovida de melodias, atrai pela objetividade da celebração.
164
As celebrações populares dos ofícios das Matinas (Utrenya) e Vésperas
(Vechirnya) nas igrejas de Curitiba e Prudentópolis caíram em desuso,
165
apenas
ocorrendo em seminários basilianos de Curitiba e de Ivaí e algumas congregações
religiosas,
166
e nas celebrações da Semana Santa. Nestas instituições, os citados ofícios
religiosos são cantados todos os dias, como era destinado a acontecer originalmente,
com melodias próprias e consonantes ao calendário litúrgico. No seminário menor São
José, em Prudentópolis, os cantos correspondentes a estes ofícios não são entoados, pois
são realizados por recitações apenas, e, portanto no modo “simplificado”. Padre
Atanásio aponta dois principais motivos da mudança sonora da prática dos ofícios, uma
das quais se refere à economia do tempo, que torna a cerimônia mais curta, e à
inexistência de cantores competentes ou interessados em estudar e liderar as melodias
apropriadas destes ofícios.
167
A simplificação das cerimônias ucranianas é um fenômeno também apontado na
bibliografia canadense consultada, que aponta a redução de melismas por parte do diak,
163
Este formato foi observado na cerimônia que assisti na Linha Esperança (no dia 4 de Fevereiro de
2008), ocasião em que as partes “Creio” e “Pai Nossoforam rezados ao invés de serem entoadas as
samoílkas correspondentes.
164
Em entrevista, Padre Atanásio alcunha esta cerimônia como “missa da elite”.
165
Meroslava Krevey em relato afirma que na Igreja São Josafat, Prudentópolis, estes ofícios diários eram
celebrados com a participação da comunidade até a década de 80 do século XX.
166
Como das Irmãs Servas de Maria Imaculada, em Curitiba.
167
O autor Fedoriv sugere que a perda das melodias “majestosas” das Vésperas e Matinas também
ocorreu nos Estados Unidos da América (FEDORIV, 1983, p. 275).
133
assim como a substituição de trechos musicais por falados como sinal evidente de
transformação e exigências da vida moderna e urbana, referindo-se ao tempo em que as
pessoas destinam para a prática espiritual tende a ser mais reduzidos do que há algumas
décadas anteriores.
168
Por outro lado, a duração das celebrações no território ucraniano,
de acordo com Dom Efraim, usualmente costuma ser superior a duas horas de
celebração, o que no Brasil apenas pode ocorrer nas cerimônias solenes.
4.4.2.2 Quanto ao diak
O diak é uma espécie de mestre nas comunidades, ele canta. Aqui no
Brasil ultimamente têm poucos. Na Europa, cada aldeia tem dois ou
três diaky, e na Europa têm escolas especiais. – Dom Efraim Krevey
Conforme visto no capítulo anterior, o cantor eclesial, o diak, na história da
música religiosa ucraniana desempenhou importante função para a transmissão dos
cantos tradicionais. Ao reproduzir as melodias litúrgicas prescritivas do rito ucraniano,
o diak em sua performance empregava particularidades que tornava sua interpretação
única, fato também verificado na comunidade religiosa ucraniana brasileira tanto nos
relatos das pessoas entrevistadas (por depoimentos do Bispo Dom Efraim e Dom
Volodomer), quanto na observação de cerimônias atuais.
Como exemplo no tocante à interpretação musical do diak, Miguel Zubyk, na
Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio (Linha Esperança, em Prudentópolis)
eventualmente insere teclado eletrônico nas celebrações ucranianas, e rompe, assim,
com a tradição milenar da prática do rito exclusivamente movido pelas vozes dos
participantes. A naturalidade, porém da inclusão do instrumento dimensiona a idéia de
que mesmo em âmbito rural, os grupos ucranianos não são apáticos ao mundo que os
168
BERTHIAUME-ZAVADA, 2000, p. 96.
134
circundam, mas sim, permitem-se viver com intervenções particulares da comunidade,
que quase evidencia o domínio e intimidade com sua prática religiosa.
Contudo, em relação ao diak é válido destacar que, sob a perspectiva do gênero,
no Brasil se encontram em diversas comunidades, liderança dos cantos litúrgicos ao
encargo das mulheres, as diakechas”. Dom Efraim acerca do diak, lembra que “O
Miguel ali [Linha Esperança, Prudentópolis]... tem lugares que mulheres... elas cantam
muito bem ... [em] Irati...[há] 3 mulheres [que] cantam...” (Dom Efraim Krevey).
A ação das catequistas justifica em parte a existência de diak do sexo feminino,
ou seja o papel do cantor líder comunitário sendo executado por mulheres das
comunidades. Na igreja São Josafat, em Prudentópolis, o canto é liderado pelas irmãs, e
não por uma figura masculina. De acordo com relato de Dom Efraim, na Ucrânia, a
função da diak é predominantemente executada por homens, e mesmo o trânsito das
mulheres no espaço das igrejas possui limitações, pois não é oficialmente autorizada a
entrada dela no Santuário (parte interna do iconostás). Esta mudança, contudo, aponta
ser uma fusão entre a dinâmica interna e externa, que a necessidade de catequizar os
grupos para a sustentação da tradição religiosa (incentivada, portanto, pelas entidades
eclesiásticas) e dos valores culturais do grupo dos imigrantes e descendentes prevaleceu
à idéia de que a tarefa devesse ser executada pelos homens.
Padre Atanásio afirma, porém, que muitas vezes, apresenta-se a parte do canto
da Epístola (parte solo executada pelo diak) suprimida, apenas na forma de leitura
(“simplificada”), ou seja, recitada. Como no caso da extinção da prática popular dos
ofícios das Matinas e Vésperas, o sacerdote atribuiu a transformação à inexistência de
cantores treinados e competentes.
135
4.4.2.3 Os ucranianos e o idioma de sua religião
Também são notadas as transformações ocorridas do canto litúrgico a partir das
dinâmicas internas das comunidades ucranianas do Brasil no que se refere ao emprego
do idioma, por apresentar por vezes fusão entre o paleo-eslavo, o ucraniano e o
português. Isto é apontado por Padre Atanásio ao relatar o fenômeno de
“abrasileiramento dos cantos”, fator que estaria contribuindo para o esquecimento das
melodias e letras de cantos religiosos populares (cantos paralitúrgicos).
Na primeira etapa da mudança de idioma na celebração, a adoção do ucraniano,
a partir da década de 60, veio contribuir pela participação coletiva dos fiéis, conforme já
percebido mediante os relatos em sub-capítulo anterior, uma vez que o paleo-eslavo
uma língua distanciada da realidade dos ucranianos do Brasil, que transitavam entre o
português, o ucraniano habitualmente nos círculos sociais e familiares para a
comunicação interna em solo brasileiro. Também a adoção do vernáculo nos cantos
viria a atender a necessidade de transmissão e aprendizagem da língua ucraniana,
importante fator de consolidação cultural no território brasileiro, e constituir sentimento
nacional quanto às origens, fortificando a noção de pertença ao grupo.
No segundo momento de transformação, referente às missas ucranianas
traduzidas ao português, foi registrada a adoção de cantos católicos usualmente
entoados nas cerimônias latinas, que resulta em drástica modificação do espaço sonoro
da celebração religiosa ucraniana e aproxima à prática católica latina brasileira.
169
Assim, a estrutura litúrgica, embora mantida pelas samoilkas ucranianas, é entrelaçada
pelos cantos católicos latinos brasileiros. Esta latinização ou o abrasileiramento fornece
indícios da dinâmica de fusão das culturas religiosas existentes na mesma realidade
169
De acordo com Jonas Chupel, isto vem ocorrendo em função da carência de traduções para o
português dos cantos populares religiosos ucranianos (que na presente dissertação foram denominadas
paralitúrgicos).
136
católica, inseridas no contexto brasileiro, que, por um lado preocupa àqueles
empenhados em enfatizar a manutenção das tradições ucranianas, por outro, evidencia
esforços de dinâmicas de validação destas mesmas tradições na realidade em que estão
inseridas.
Assim, na procura por sinais de “abrasileiramento” foi realizado um
levantamento acerca das mudanças e continuidades das cerimônias religiosas, mediante
observações realizadas em campo, relatos dos entrevistados e as fontes documentais e
bibliográficas encontradas, e comparações. Os entrevistados apontaram recorrentemente
mudanças que se encontram no âmbito idiomático da celebração religiosa, ao modo
cantado, ou rezado em função da necessidade de realizar missas mais curtas, e também
pelo gradativo desaparecimento do cantor tradicional de igreja. Pelas necessidades
destas adaptações e transformações ocorridas, os entrevistados apontaram preocupações
quanto ao rumo do legado musical religioso ucraniano trazido pelos imigrantes, que
podem estar no processo de gradativo desuso e esquecimento.
No que tange ao canto litúrgico propriamente dito, elementos da música
brasileira não foram constatados nas gravações ou nas cerimônias assistidas, salvo o uso
de recursos de expressão como portamentos, presentes na música vocal brasileira, que
entretanto, parecem também estar presentes nas cerimônias fúnebres ucranianas, por
exemplo, como no canto de lamentação holosinniaentoado nestas ocasiões. Assim,
ao longo do capítulo, foram tecidos os enlaces entre música dos imigrantes e
descendentes de ucranianos, religião e dinâmicas de transformação dos cantos religiosos
na perspectiva de constatar seu movimento histórico e atual dentro das comunidades
ucranianas e da sociedade paranaense.
137
5 CONCLUSÃO
O estudo realizado trouxe à tona aspectos relacionados à música religiosa
ucraniana a partir da tomada de depoimentos e da assistência a cerimônias religiosas em
Curitiba e Prudentópolis, um importante local de concentração de imigrantes
ucranianos, de descendentes e da história desta comunidade ucraniana. A trajetória
percorrida envolveu o estudo da imigração ucraniana para o Brasil, traços da prática
religiosa, a descrição histórica dos cantos tradicionais da liturgia ucraniana, alguns dos
quais identificados nas práticas ucranianas locais, e então, detalhados. Nesse estudo foi
dada atenção e ênfase à voz dos descendentes, suas opiniões quanto ao dinamismo de
suas atividades num contexto distante do país de origem.
A complexidade estrutural do rito ucraniano e a intrínseca sustentação por meio
dos cânticos paralitúrgicos e litúrgicos, dos cânticos móveis (como dos hlasy) e
comunitários estruturais (exemplificados pelas samoilkas) dão indícios de uma grande
riqueza cultural que serve não apenas como veículo de sua religiosidade particular,
como também funciona como elemento identificador, um símbolo do que é ser
ucraniano perante outros grupos étnicos do Estado do Paraná. A participação massiva
intercalada com o celebrante dimensiona solenidade e beleza constante durante as
celebrações. As semelhanças estruturais da liturgia das Igrejas Católica e Ortodoxa
Ucranianas, assim como sua raiz comum, permitem afirmar que proximidade entre
os cantos entoados em ambas, contudo, por se tratarem de cantos tradicionais, cada uma
apresenta “sotaques” próprios que refletem região de origem que, neste trabalho, não foi
detalhado.
Quanto às transformações locais e o impacto no grupo ucraniano, pode-se
considerar que a cerimônia em português da missa ucraniana assistida, apesar de ser
138
celebrada na forma “simplificada”, foi entrelaçada com cantos não pertencentes ao
reconhecido universo litúrgico ucraniano, embora fossem músicas da esfera católica.
Ainda, o fato de ser inserida apenas uma única melodia ucraniana litúrgica (samoilka da
Antífona) cantada, demonstra uma tentativa de manter o elemento musical possível de
ser identificado como ucraniano, que pode contribuir para a sensação da manutenção
das tradições religiosas, ou mesmo de rotular a cerimônia, emblematicamente como
originária da cultura ucraniana.
Em busca de constatar outras permanências ou mudanças relacionadas à música
ucraniana religiosa e perspectivas particulares de descendentes de ucranianos atuantes
da religião católica ucraniana, envolvidos com a história do canto litúrgico ucraniano no
Brasil, aproximei-me de dois personagens, o primeiro vinculado ao sacerdócio, e o
segundo um cantor e líder comunitário de uma localidade no interior de Prudentópolis.
Os dois personagens demonstraram preocupações com a manutenção dos valores
religiosos e tradicionais vinculadas às suas origens, e dentro da sociedade que estão
inseridos.
Padre Atanásio, um senhor de caráter forte, dotado de um humor também
expressivo, está envolvido intensamente com a religião católica e os registros
documentais, vista sua prática de colecionador. Miguel Zubyk, o cantor religioso da
Linha Esperança, envolve fé, devoção com sua prática e compromisso com a música
religiosa, observado em seu trabalho com a terra, na vida familiar e nas atividades com
a comunidade. Nos relatos e ações destes personagens puderam ser observadas
preocupações quanto às modificações e gradativo “abrasileiramento” que sinaliza o
processo de transformação dos costumes religiosos e musicais dos ucranianos.
Algumas iniciativas musicais e religiosas presentes nos núcleos ucranianos
brasileiros que foram “exportadas” para Ucrânia, como uma gravação de cantos
139
folclóricos realizados pelo trio Yavir (atuante em Curitiba durante a década de 1990),
cujas músicas chegaram a ser ouvidas e apreciadas nas comunidades do interior e
cidades ucranianas.
170
No campo religioso, a devoção da Via Sacra (Via Dolorosa) aqui
praticada pelos católicos ucranianos, por exemplo, não é originalmente vinculada do
catolicismo ucraniano (mas sim do latino) porém sua tradução, realizada pelo Padre
Atanásio Kupitski, encontra-se publicada na Ucrânia.
171
Em certa medida, alguns sinais de “circularidade cultural”, compreendida pelo
dinamismo entre classes populares e dominantes, podem ser observados na trajetória
dos cantos litúrgicos, que, se por um lado, incluem o uso de cantos “prescritivos”
(hlasy, tons), ao encargo de pessoas conhecedoras da linguagem musical e do ciclo
litúrgico, por outro incluem as samoilkas, pertencentes ao universo do folclore litúrgico.
Ademais, também convergentes para essa perspectiva estão as “exportações” musicais e
religiosas entre comunidades ucranianas do Brasil e o país de origem.
Por fim, o campo de investigação sobre música dos imigrantes e seus
descendentes buscou abrir possibilidades de estudos e conexões interessantes e válidas
para reconhecer o grupo cultural. As pesquisas na área da Musicologia se fazem
necessárias para rastrear, as “musicalidades” que estiveram presentes e atualmente
compõem quadro local. A partir disso, é possível de fato conhecer, identificar e, ainda,
exercitar o gosto e o respeito pelas diversidades musicais que concorrem e se
configuram no espaço sonoro paranaense.
170
Depoimento de Leonardo Dabivida.
171
Depoimento de Jonas Chupel.
140
GLOSSÁRIO
A primeira coluna apresenta os empregados no decorrer do trabalho, sendo que
as transliterações do ucraniano estão baseadas no sistema de Transliteração Nacional
Ucraniana. As abreviaturas indicam:
Feminino (fem.)
Grego (gr.)
Masculino (masc.)
Plural (pl.)
Singular (sing.)
Termo ou transliteração encontrada no Brasil (br.)
Termos
Significado
Ucraniano
Variações
Baba
Avó
Баба
Babusia
Avozinha
Бабуся
Babusias (pl. br)
Bandura
Instrumento de cordas
Бандура
Banduras (pl. br)
Bojéstvenna
Liturhia
Divina Liturgia,
corresponde à missa latina
Божественна
Літургія
Borshch
Sopa típica
Борщ
Canto
Demestvenny
*
Canto destinado às orações
domésticas
Демественні
Canto
Znamenny
*
Canto litúrgico com sinais
ecfonéticos. Primeiro
sistema de notação musical
do canto litúrgico ucraniano
Знаменні
Canto Znamennyi (sing.)
Canto Znamenni (pl.)
“Dai Bózhe
Shchástia”
“Que Deus (nos)
felicidade” ou ainda “Bom
trabalho com a Bênção de
Deus”
Дай Боже
щастя
Diak
Cantor religioso ucraniano
ou salmista; equivalente ao
kantor, psalter (ou
salmista), precentor,
khazan, chantre
Дяк
Djak
Dyak
Salmista
Diakê (pl.)
Diaky (pl.)
Diaks (masc. pl. br)
Diakechas (fem. pl. br.)
Dido
Avô
Дідо
Ektenia
Litania, grupo de
invocações e respostas
feitas pelo sacerdote ou
diácono e congregação
Єктенія
Ектенія
Ectenia
Ektenias (pl. br.)
141
Galícia
Região histórica entre a
Ucrânia e a Polônia, e
província ucraniana situada
na porção ocidental do país
Галичина
Haletchená
Haly(t)chyná
Haílka
Canção ou ciranda brincada
pelos jovens no período
pascal
Гаїлка
Гаївка
Гагілка
Haiwka
Haílky (pl.)
Haiwky (pl.)
Haílkas (pl. br.)
Halytch
Antiga capital da Galícia
Галич
Hlas
Tom, forma melódica
litúrgica móvel, voz,
melodia
Глас=Голос
Hlasy (pl.)
Holos
Holosy (pl.)
Tom (br.)
Holodomor
Grande Fome Artificial,
genocídio
Голодомор
Holosinnia
Lamentação ou voz
lamuriante
Голосіння
Iconostás
Divisória de madeira
ornada de imagens santas
Іконостас
Ikonostas
Iconostase (gr.)
Irmologion (gr.)
Coleção de cantos
litúrgicos ornamentados
Ірмолой
Irmologia (pl.)
Hirmologion
Irmos
Primeiro tropário das nove
Odes do Cânon das Matinas
Ірмос
Irmosy (pl.)
Hirmoi (pl.)
Irmossy (pl.)
Ivan Kupalo
Ritual eslavo pagão de
fertilidade
Іван Купало
Iwan Kupalo
Jordan
Epifania, corresponde ao
dia de Batismo de Cristo
Йордан
Yordan
Iordan
Jordão
Kiev Znamia
Sistema de notação
quadrática, “Sinal de Kiev”
Київ Знам`я
Kiev Znammia
Kyiv Znamia
Notação de Kiev
Kliros
Coro ou espaço da Igreja
destinada ao coro
Клирос
Kleros
Koliadá
Canção de Natal
Коляда
Kolhadá
Kolady (pl.)
Koliady (pl.)
Koliadê (pl.)
Koliadnyky
Pessoas que cantam as
koliadê
Колядники
Kolomуika
Cantiga popular com
temática irreverente
Коломийка
Kolomeika
Kolomeikas (pl. br.)
Kolomyiky (pl.)
Kondakion (gr.)
Hino litúrgico referente ao
santo ou à festa do dia,
cantado após o Tropário
Кондак
Kondak
Kondakia (pl.)
Kozak
Cossaco
Козак
Kozaky (pl.)
Lviv
Capital da Galícia
Львів
L’viv
Lvov
Lhviv
Leópolis
Narodna Pisnia
Canção Popular
Народна Пісня
Narodni Pisni (pl.)
142
Obychnуi
Canto litúrgico simples,
cantado de memória
Обичний
Osmohlasnyk
Livro dos Oito Tons
Осмогласник
Oktoikh, Octoechos
Osmohlasy
Oito Tons
Осмогласи
Oktoikh, Octoechos
Panakhyda
Serviço religioso cantado
em memória aos mortos;
réquiem
Панахида
Parastas
Serviço religioso cantado
em memória aos mortos;
cerimônia própria pelos
defuntos onde há oferenda
de pão
Парастас
Pêssanka
Ovo pintado manualmente
Писанка
Pyssanka
Pêssankas (pl. br.)
Pessanky (pl.)
Pisnia
Canção
Пісня
Pisni (pl.)
Pokhoron
Serviço religioso de funeral
Похорон
Prepitchok
Parte superior do forno
usada também como cama
no inverno
Припічок
Prokymen
Versículo de salmo cantado
que anuncia a Epístola
Прокимен
Prokimenon
Proquímeno
Proskomуdia
Ritual de preparação das
ofertas; ofertório; oração de
oferecimento antes da
missa
Проскомидія
Proscomídia
Prosvita
Iluminação, sociedade
promotora da educação e
dos valores nacionais
ucranianos
Просвіта
Shchedrivka
Canto de Ano Novo ou
Epifania
Щедрівка
Chtchedríuka
Shchedrivky (pl.)
Chtchedriuky (pl.)
Samoilka
Tipo de canto litúrgico que
pertence às partes fixas dos
ofícios religiosos, cantado
em uníssono ou em terças
paralelas pela comunidade
Самоїлка
Samolíukas (pl. br.)
Samolivka
Samoílka
Samuílka
Samoivka
Samílka
Samoílky (pl.)
Stichiry
Estrofes de hinos litúrgicos
poéticos
Стихи
Stichira (sing.)
Stikherion
Stikheria
Trembita
Instrumento de sopro
Трембіта
Troparion (gr.)
Breve hino litúrgico que
segue o ciclo dos
Osmohlasy
Тропар
Tropário
Troparion (gr.)
Troparia (gr. pl.)
Tropar (br)
Tsércovni Pisni
Cantos religiosos populares
não litúrgicos
(paralitúrgicos)
Церковні Пісні
Utrenya
Matinas
Утриня
Utrenha
Vechirnya
Vésperas
Вечірня
Vetchirnha
143
Znamenny
*
Adjetivo de známia
Sinalizado, Sinalizados
Знаменні
Znameni (pl.)
Znamennyi (sing.)
Znamenni (pl.)
Známia
Sinal, notação
Знам`я
Znamena (pl.)
*
As transliterações de Znamenny e Demestvenny não se inserem no padrão Nacional Ucraniano [Znameni
(pl.) e Znamennyi (sing.)], contudo foram adotados em função da recorrência na literatura estudada. No
trabalho, ambos podem ser encontrados para indicar o adjetivo plural ou singular.
144
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33rpm.
CORAL DA CATEDRAL UCRANIANA DE SÃO JOÃO BATISTA; DABIVIDA, L.
Divina Liturgia de São João Crisóstomo no Rito Ucraíno-Católico. 1 CD
CORO DOS IRMÃOS FILÓSOFOS E ESCOLÁSTICOS; VALDOMIRO, B. (regente);
BARAN, I. (celebrante). Divina Liturgia. Ivaí: 1968 (26 de maio), fita cassete.
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KUPITSKI, A. (celebrante). Lityriя. Divina Liturgia. Guarapuava: 1979. 1 CD.
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PADRE ATANÁSIO KUPITSKI . Entrevista concedida à autora, 03/02/2008.
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PEDRO KUTCHMA. Entrevista concedida à autora. 24/01/2007. Curitiba.
152
ANEXO A –TRANSLITERAÇÃO
Alfabeto Cirílico
Transliteração Nacional Ucraniana
Variações locais
А а
a
Б б
b
В в
v
Г г
H, gh
Ґ ґ
g
gu
Д д
d
Е е
e
é
Є є
Ie, ye
Ж ж
zh
j
З з
z
И и
y
ê
І і
i
Ї ї
I, yi
Й й
i, y
К к
k
Л л
l
М м
m
Н н
n
О о
o
П п
p
Р р
r
С с
s
Т т
y
У у
u
Ф ф
f
Х х
kh
Ц ц
ts
tz
Ч ч
ch
tch
Ш ш
sh
ch
Щ щ
sch
chtch
Ю ю
Iu, yu
Я я
Ia, ya
Ia
*
Ь ь
∗∗
O acento é usado para informar que se trata de ditongo.
∗∗
A letra “Ь” pode exercer a função do “h” da língua portuguesa, quando combinada com as letras
correspondentes a “n” ou “l”.
153
ANEXO B –MAPA DAS LINHAS DE PRUDENTÓPOLIS
154
ANEXO C – REGISTROS EM ÁUDIO
Faixas
1. Ektenia da Paz.
Igreja Nossa Senhora do Patrocínio, Linha Esperança, Prudentópolis, 4 de fevereiro
de 2008.
2. Ektenia da Paz.
Coro dos Irmãos Filosóficos e Escolásticos, Ivaí, 26 de maio de 1968.
3. Ektenia Insistente.
Coro dos Irmãos Filosóficos e Escolásticos, Ivaí, 26 de maio de 1968.
4. Variações Ektenia
Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, Matinas de Jerusalém, Curitiba, 21 de março de
2008.
5. Creio
Coro dos Irmãos Filosóficos e Escolásticos, Ivaí, 26 de maio de 1968.
6. Rezas iniciais.
Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, Matinas de Jerusalém, Curitiba, 21 de março de
2008.
7. Variações Ektenia
Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, Matinas de Jerusalém, Curitiba, 21 de março de
2008.
8. Kanon 1
Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, Matinas de Jerusalém, Curitiba, 21 de março de
2008.
9. Kanon 2
Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, Matinas de Jerusalém, Curitiba, 21 de março de
2008.
155
ANEXO D – CAPA DA COLETÂNIA DE CANTOS DA DIVINA LITURGIA
UCRANIANA
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