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A Construção/Interpretação do Referente “Espetáculo Político”
simultaneamente a indeterminação e a vocação concernente ao significado, e de atualizar-se,
conquistando existência como objeto único somente na e pela enunciação
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A “não-pessoa” surge, desse modo, como uma noção que guarda latente o incessante
movimento da (re)criação e da (re)invenção, o qual só adquire existência a partir da
subjetividade, ou, melhor dizendo, a partir da manifestação do “eu, a pessoa que enuncia a
presente instância de discurso que contém ‘eu’” (BENVENISTE, 1995: 278). Segundo esse
prisma singular, a "não-pessoa" é dotada de significado a cada vez que referencia a relação
‘eu/tu’ no exercício da linguagem, o que representa dizer que ‘eu’, ‘tu’ e ‘ele’ formam, juntos,
o “triângulo enunciativo”, embora constituam pólos distintos desse mesmo triângulo. O
conceito benvenistiano de “não-pessoa” remete, pois, ao fenômeno da dêixis, ao eixo de
coordenadas “eu-aqui-agora” do falante, compreendido como um ponto de orientação
subjetiva, conforme observado por Bühler
.
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‘Eu’ e ‘tu’, por sua vez, não podem ser definidos em termos de objeto, já que a
“realidade” à qual se referem é uma “realidade de discurso”, que só se institui pela relação
‘eu/tu’ (enunciador/enunciatário). ‘Eu’ e ‘tu’ são, portanto, co-referenciados pelo ‘ele’ e co-
referenciam o ‘ele’. Dito de outra forma, ‘eu’ só adquire existência, e unicamente só, na
instância na qual se produz, como ser singular, instituindo ‘tu’, como parceiro enunciativo,
para, mudando alternativamente de estado, “co-referirem”. ‘Eu’ e ‘tu’ são, pois, “signos
vazios", não referenciais com relação à "realidade", sempre disponíveis e que se tornam
"plenos" assim que um locutor os assume em cada instância do seu discurso”
(BENVENISTE, 1995: 280). Considerando que são signos, íntima e inteiramente, vinculados
ao exercício da linguagem, não podem existir como signos virtuais, isto é, não carregam
consigo a potência, o vir a ser, uma vez que só existem na atualização; logo, na instância do
discurso. Só existem, pois, na atualização, porque existem como signos virtuais. Pode-se
assim inferir que “as instâncias de eu não constituem uma classe de referência [...]”,
considerando-se que “eu só pode se definir em termos de ‘locução’, não em termos de objetos,
.
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Gostaríamos de suscitar aqui uma reflexão acerca dessa reduplicação enfática feita por Benveniste (na e pela
enunciação), pois será lícito considerar que algo possa ser construído, refletido, referido pela enunciação, sem
estar indiciado, de alguma forma, na enunciação?
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Ao defender que a dêixis se circunscreve à organização de determinadas expressões lingüísticas em relação a
uma origem de coordenadas expressa por meio do “eu-aqui-agora” do falante, Bühler (apud MATEU, 1994: 48)
lança luzes sobre essa questão, introduzindo a noção de egocentrismo, que representa a orientação subjetiva em
torno da qual se organizam as expressões dêiticas. Institui-se, assim, o falante, o seu aqui e o seu agora como o
ponto dêitico, o eixo de coordenadas, a origem (“origo”) desse processo. O “origo” constitui, pois, segundo o
ponto de vista bühleriano, o eixo central para a compreensão do fenômeno dêitico. É importante, porém,
destacar que o fato de se considerar o eixo de coordenadas “eu-aqui-agora” do falante como um ponto de
orientação subjetiva não determina
que todo e qualquer traço relacionado com o sujeito seja dêitico.