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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
A Construção Social do Vadio e o Crime de Vadiagem
(1886-1906)
Cristiane Rodrigues
Rio de Janeiro
Julho de 2006
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2
Cristiane Rodrigues
A Construção Social do Vadio e o Crime de Vadiagem
(1886-1906)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em História
Social, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre
em História Social.
PROFESSOR ORIENTADOR
Prof. Dra. Ana Lugão Rios
Rio de Janeiro
Julho de 2006
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3
A CONSTRUÇAO SOCIAL DO VADIO E O CRIME DE VADIAGEM
(1886-1906)
Mestranda
Cristiane Rodrigues
Orientadora
Prof. Dra Ana Lugão Rios
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.
Banca Examinadora:
_________________________________________
Prof. Dra. Ana Lugão Rios (Orientadora)
__________________________________________
Prof. Dr. Marcos Luís Bretas
__________________________________________
Prof. Dra. Marilene Rosa Nogueira da Silva
Rio de Janeiro
Julho de 2006
4
RODRIGUES, Cristiane.
A Construção social do vadio e o crime de vadiagem (1886-
1906) / Cristiane Rodrigues. – Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2006.
Xi, 129f.; 31 cm.
Orientadora: Ana Lugão Rios
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
Graduação em História Social, 2006.
Referências Bibliográficas: f. 123-126.
1.Vadiagem; 2. Repressão social; 3. História; 4. Brasil; 5.
Império; 6. República. I. Celeste Zenha. II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Instituto de Pós-graduação em História Social.
III. Título.
5
Ao meu marido Adilson Benicio da Silva Junior,
colega de turma, namorado de faculdade, a pessoa
que eu amo e que me ama.
A minha família, meus pais, minha irmã, minhas
tias queridas e aos meus sobrinhos que enchem a
minha vida de alegria.
6
Qual deve ser o papel da polícia numa cidade civilizada?
Em todos os congressos penitenciários, até agora tão
úteis como o nosso último latino-americano, ficou
claramente determinado. A polícia é uma instituição
preventiva, agindo com o seu poder de intimidação, e o
Dr. Guillaume e o Dr.Baker, chegaram, em Estocolmo, às
conclusões de que uma boa polícia tem mais força que o
código penal e mais influência que a prisão.
João do Rio, 1881-1921.
7
RESUMO
A Construção Social do Vadio e o Crime de Vadiagem
(1886-1906)
Cristiane Rodrigues
Orientadora
Prof. Dra. Ana Lugão Rios
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em História Social, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.
O principal enfoque deste trabalho é analisar o perfil do vadio no período de
1886 a 1906, a fim de perceber as continuidades e os possíveis cortes na história da
vadiagem. Sabemos que nos últimos anos da escravidão houve por parte das
autoridades policiais uma forte repressão ao negro e as camadas mais pobres da
população, inclusive aos imigrantes que segundo o ideário republicano deveriam
representar um exemplo de trabalhador ideal.
No período que corresponde a reforma da Capital Federal e a inauguração da
Avenida Central houve um novo aumento no número de detenções por desordem e
vadiagem. Nosso objetivo, portanto é identificar qual foi a imagem construída pelos
agentes policiais visando enquadrar determinados indivíduos na contravenção da
vadiagem. Para tanto, fizemos um levantamento nos Livros de Matrículas da Casa
de Detenção do Rio de Janeiro para encontrar as características que serviam de
representação a figura do vagabundo: sexo, estado civil, idade, cor, traje, profissão e
moradia, buscando decifrar o enigma que havia por trás da detenção por vadiagem.
Palavras-chave: Vadiagem, repressão social e perfil do vadio.
Rio de Janeiro
Julho de 2006
8
Abstract
A Construção Social do Vadio e o Crime de Vadiagem
(1886-1906)
Cristiane Rodrigues
Orientadora
Prof. Dra. Ana Lugão Rios
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em História Social, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.
The main sense of this work is to analyze the vagrant’s out line during 1886 a
1906 to understand the continuity and the style in the vagrancy’s history. We Know
in the last days of slavery there was by police’s authority great suppression to the
black and to the lines poorest in the population inclusive the immigrant that was to
republican government the outline from the handworker’s ideal.
During the period Capital Federal’ s reform and Central Avenue’ s opening
was a new increase in the disorder and vagrancy’s arrest. Our principal focus is see
how was the image constructed by the police’ s agents to incriminate some people
vagrancy’ s violation. To as much, we had searched the registration’s books from
the Rio de Janeiro Detention’s House to find what was useful to represent the
vagrant’s figure: sex, civil condition, age, color, dress, profession and residence,
trying understand the enigma that was behind the vagrant’s arrest.
Key- words : Vagrancy, Social suppression, vagrant’s profile
Rio de Janeiro
Julho de 2006
9
Lista de gráficos e tabelas
Gráfico 1: Entrada de detentos entre 1886-1888.......................................................39
Gráfico 2: Entrada de detentos entre 1889-1890.......................................................40
Gráfico 3: Entrada de detentos entre 1895-1900.......................................................40
Gráfico 4: Entrada de detentos entre 1901-1903.......................................................41
Gráfico 5: Entrada de detentos entre 1904-1906.......................................................42
Gráfico 6: Relação entre a entrada de detentos por registros gerais e por vadiagem
(1886-1906)...............................................................................................................43
Tabela 1: Movimento de entradas da Casa de Detenção (homens).........................43
Tabela 2: Movimento de entradas da Casa de Detenção (mulheres).......................44
Gráfico 7: Entrada de detentos por sexo (1886-1888)..............................................49
Gráfico 8: Entrada de detentos por naturalidade (1886-1888)..................................50
Gráfico 9: Entrada de detentos por idade (1886-1888).............................................50
Gráfico 10: Entrada de detentos por faixa etária (1886-1888)...................................51
Gráfico 11: Entrada de detentos pelo estado civil (1886-1888).................................53
Gráfico 12: Entrada de detentos pela cor (1886-1888)..............................................54
Gráfico 13: População do Distrito Federal Censo de 1890........................................55
Tabela 3: Características físicas dos detentos (1886-1888)......................................56
Gráfico 14: Entrada de detentos pela profissão (1886-1888)....................................58
Gráfico 15: Entrada de detentos pela profissão (1886-1888)....................................62
Tabela 4: A vadiagem pela moradia (1886-1888)......................................................63
Gráfico 16: Região de moradia dos detentos por Freguesia......................................64
Gráfico 17: A indumentária masculina da vadiagem (1886-1888).............................65
Gráfico 18: A indumentária feminina da vadiagem (1886-1888)................................68
Gráfico 19: Razão da detenção (1886-1888).............................................................69
Gráfico 20: Principais subdelegacias responsáveis pelas detenções (1886-1888)...71
Gráfico 21: Tempo de detenção (1886-1888)............................................................72
Gráfico 22: Freguesias responsáveis pelas detenções..............................................94
Gráfico 23: Profissão dos detentos na República (1889-1906)..................................98
Gráfico 24: Profissão das detentas na República....................................................100
Tabela 5: Local de moradia dos detentos................................................................102
Gráfico 25: Local das detenções (1889-1906).........................................................103
Gráfico 26: Naturalidade dos detentos (1889-1906)................................................104
Gráfico 27: Nacionalidade dos detentos estrangeiros (1889-1906).........................105
Gráfico 28: Estado civil dos detentos (1889-1906)..................................................106
Gráfico 29: Instrução dos detentos (1889-1906)......................................................107
Gráfico 30: Entrada de detentos pela cor (1889-1906)............................................108
Gráfico 31: Entrada de detentos pelo sexo (1889-1906)..........................................109
Gráfico 32: Traje dos detentos do sexo masculino (1889-1906)..............................109
Gráfico 33: Traje das detentas do sexo feminino (1889-1906)................................110
Gráfico 34: Entrada de detentos pela idade (1889-1906)........................................111
Gráfico 35: Entrada de detentos pela faixa etária (1889-1906)...............................111
Gráfico 36: Principais motivos de detenção (1889-1906)........................................112
Gráfico 37: Destino tomado pelos detentos (1889-1906)........................................113
Gráfico 38: Tempo de detenção (1889-1906)..........................................................114
10
Lista de Figuras
Figura 1: Vendedora no Mercado. 1875-Foto Marc Ferrez........................................60
Figura 2: Vendedora Ambulante. Foto Marc Ferrez...................................................61
Figura 3: Vendedor de Tecidos. 1895-Foto Marc Ferrez...........................................66
Figura 4: Vendedores Ambulantes. 1895-Foto Marc Ferrez......................................67
Figura 5: As Fantasias do Zé Povo............................................................................78
Figura 6: A Revolta da Vacina....................................................................................79
Figura 7: A Rua do Ouvidor. 1890-Foto Marc Ferrez.................................................82
Figura 8: Avenida Central. 1906-Foto Augusto Malta................................................86
Figura 9: Baile dos Pobres.........................................................................................91
Figura 10: Mapa da Cidade do Rio de Janeiro.........................................................101
11
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS.................................................................................................12
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13
Capítulo I PENSAMENTO POLÍTICO E SOCIAL SOBRE A VADIAGEM NO
BRASIL
1.1 . Do ponto dos intelectuais....................................................................................22
1.2 . Através da legislação..........................................................................................29
1.3 . Através das Detenções.......................................................................................37
Capítulo II – O PERFIL DA VADIAGEM NOS ÚLTIMOS ANOS DO IMPÉRIO
2.1. A abolição da escravidão e o pavor da disseminação do ócio ...........................45
2.2. A vadiagem por sexo, naturalidade, nacionalidade e estado civil ......................48
2.3. A vadiagem por cor, profissão, moradia e traje...................................................53
2.4. A vadiagem pela razão da detenção, disposição e tempo de prisão..................69
Capítulo III – A VADIAGEM NA REPÚBLICA: CORTES E CONTINUIDADES
3.1. A modernidade da Capital Federal......................................................................73
3.1.1. Sanitarismo, habitação e controle Social.........................................................77
3.1.2. A vida social da elite na Belle Époque.............................................................82
3.2. Na República a vadiagem tornou –se coisa séria...............................................87
3.3. A polícia na caça a vadiagem.............................................................................93
3.4. Qual a imagem do vadio republicano?................................................................97
3.5. Razão da detenção, tempo de prisão e destino................................................112
CONCLUSÃO...........................................................................................................116
FONTES...................................................................................................................118
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................126
12
AGRADECIMENTOS
A Prof. Dra. Celeste Zenha que me incentivou a voltar ao APERJ e por ter
preparado todo o caminho.
A Prof. Dra. Ana Lugão Rios por ter aceitado este desafio.
A Prof. Dra. Marilene Rosa Nogueira da Silva que orientou este trabalho
quando ainda era um embrião.
Aos Professores Marcos Luís Bretas, Álvaro Pereira do Nascimento e José
Murilo de Carvalho, pelos seminários que tanto me ajudaram compor a parte teórica
desta pesquisa.
A Adilson Benicio da Silva Junior, que financiou a primeira etapa desta
pesquisa.
A equipe da sala de consulta do APERJ, especialmente: Joenir, Joyce e José
Paulo.
A Paula Correa Dantas, minha amiga, sem ela nada disso seria possível.
A Cláudia Alessandra Aiub, que mesmo na Áustria se dispôs a fazer as
planilhas do Excel quando ninguém aceitou fazer.
As queridas Tatiana, Alessandra, Camila e Geovanna que sempre me
perguntavam pelo meu “livro”.
A vocês, muito obrigada!
13
INTRODUÇÃO
Este trabalho teve como base a pesquisa nos Livros de Registros da Casa de
Detenção do Rio de Janeiro e procurou através das informações contidas nestes
registros recuperar a história das pessoas que foram detidas por vadiagem,
acreditando que possivelmente os agentes policiais cometeram equívocos, ou
mesmo usaram da arbitrariedade policial para deter pessoas que pudessem
representar a figura do vadio.
Nesse sentido, o vadio poderia ser alguém vestido de determinada maneira,
ou que tivesse uma postura inadequada, ou seja, alguém que não fosse
necessariamente vagabundo, mas se adequasse à idéia de representação deste tipo
de contraventor. Assim sendo, para tratar das questões relacionadas à
representação e ao simbólico, utilizamos o sentido da representação de
GOMBRICH, para quem esta idéia está ligada à função, ou ao uso de um
determinado objeto.
Representar, lemos ali, pode ser usada no sentido de invocar mediante
descrição ou retrato ou imaginação, figurar, similar na mente ou pelos
sentidos, servir de ou ter tido por aparência de, estar para, ser espécime
de, ocupar o lugar de, ser substituto de’. O retrato de um cavalo?
Certamente que o. O substituto para um cavalo? Sim, é isso. Talvez
haja nessa fórmula mais do que o olho pode ver.
1
A função de vadio seria ainda a de permitir a construção da imagem de
cidadão, com base na contraposição cidadão X vagabundo, a medida em que se
começava a buscar a representação do cidadão ideal relacionada à figura do
trabalhador.
Apesar das transformações da Capital, conviviam no seu interior duas
realidades: uma ligada à cidade elitizada e outra mantenedora das desigualdades
sociais. Por isso, o conceito de ARGAN de cidade real e de cidade ideal é bastante
1
GOMBRICH, E. H. Meditações sobre um cavalinho de pau. São Paulo, EDUSP, 1999.
14
válido, uma vez que a cidade idealizada pelos governantes não foi conquistada no
que tange as questões sociais.
A hipótese da cidade ideal implica o conceito de que a cidade é
representativa ou visualizadora de conceitos ou de valores, e que a
ordem urbanística não apenas reflete a ordem social, mas a razão
metafísica ou divina da instituição urbana. Daí se deduz que a cidade
moderna contrapõe-se à antiga exatamente na medida em que reflete o
conceito de uma cidade que não tendo uma instituição carismática, pode
continuar a mudar sem uma ordem providencial e que, portanto,
exatamente a sua mudança contínua é representativa, de modo que o
que resta do antigo é interpretado, sim, como pertencente à história, mas
a um ciclo histórico já encerrado.
2
As fontes historiográficas utilizadas para esta pesquisa têm abordagens
bastante convergentes, pois vêem a marginalização da vadiagem como forma de
controle sócio-político.
De acordo com a tese desenvolvida por CHALHOUB
3
, a partir do momento
em que se iniciavam as discussões que envolviam a abolição da escravidão, a
necessidade de empregar o negro para que este não se apresentasse como o
elemento causador da desordem representou uma das principais preocupações. No
entanto, o estudo de determinadas fontes primárias nos permite perceber que não
foram apenas os negros, os indivíduos detidos por vadiagem. Havia também
pessoas da classe menos favorecidos e muitos imigrantes pobres, que
representavam uma ameaça à ordem estabelecida.
Desde o Império havia uma preocupação com a empregabilidade, uma vez
que o ócio era visto como sinônimo da desordem. No entanto, o Código Penal de
1890 previa a determinação de uma punição mais rigorosa do que o Código Criminal
de 1830 para os ditos vadios, principalmente para os reincidentes.
2
ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1992,
pp. 74-75.
3
Ver Sidney Chalhoub, Trabalho, Lar & Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
Bélle Époque, 2ª ed., Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001, p. 75
15
CHALHOUB, diz que o conceito de vadiagem foi construído pelos
parlamentares do fim do Segundo Reinado uma vez que:
... a ociosidade é um estado de depravação de costumes que acaba
levando o indivíduo a cometer crimes contra a propriedade e a
segurança individual. Em outras palavras, a vadiagem é um ato
preparatório do crime, daí a necessidade de sua repressão.
4
Havia, portanto de acordo com o autor, uma política de proteção à
propriedade privada que levava a preocupação de controlar o povo nas ruas, desde
o período imperial.
FRAGA FILHO no seu estudo sobre mendigos, moleques e vadios na Bahia,
trabalhou com casos de vadiagem no período imperial, percebendo como a questão
da pobreza urbana representava um problema para as elites locais. Segundo esse
historiador, o Império não conseguiu erradicar este problema e desta forma, na
República os governantes empenhar-se-iam em solucioná-lo, o autor escreve na
conclusão de seu trabalho:
E mais do que isso, não se concretizou o projeto acalentado pelas elites
desde o início do século XIX de forjar um trabalhador ‘dócil’, ‘morigerado’
e, sobretudo, devotado ao trabalho agrícola. No final do Império, a
grande queixa das elites era ainda com a persistência da vadiagem. Por
sinal, reprimir e extinguir a vadiagem continuaria sendo uma das
bandeiras das autoridades baianas no alvorecer da República.
5
Esta preocupação com a ociosidade extrapolada na Primeira República foi
estudada por ARAÚJO que trabalhou a vadiagem como um inconveniente social. Em
suas palavras:
Na mentalidade republicana a ociosidade era uma ameaça constante à
ordem na capital do país, centro de ressonância que podia influenciar a
estabilidade do regime da nação como um todo.
6
4
Ver Sidney Chalhoub, op.cit., 2001, p. 75
5
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do século XIX. Bahia, EDUFBA,
1996.
6
Ver Rosa Maria Barbosa de Araújo, A Vocação do Prazer: a cidade e a família no Rio de Janeiro
Republicano. Rio de Janeiro: Rocco, 1993, p. 48
16
Vale ressaltar que nos trabalhos citados a vadiagem não se constitui no tema
central da obra dos historiadores, uma vez que até onde pude verificar não foi
estudada de forma isolada.
Para entendermos a dinâmica da modificação ocorrida no Rio de Janeiro a
partir de 1904, utilizamos a obra de BENCHIMOL que trabalha o processo de
modernização da cidade neste período. Ele destaca que:
Os objetivos ou ‘estratégias' subjacentes a essas medidas eram
variadas: entrelaçavam-se razões políticas ou puramente ideológicas,
ligadas a formas burguesas de desfrute do espaço urbano, razões
sanitárias, razões econômicas (inviabilizar, por exemplo, certas práticas
em benefício do grande capital) e fiscais... Isso significa que,
independentemente dos objetivos visados por essas medidas, elas
serviram para descarregar parte do ônus da ‘modernização” sobre a
heterogênea plebe carioca.
7
SEVCENKO também destacou o caráter ditatorial da reforma de Pereira
Passos uma vez que:
as autoridades conceberam um plano em três dimensões para enfrentar
todos esses problemas. Executar simultaneamente a modernização do
porto, o saneamento da cidade e a reforma urbana. Um time de técnicos
foi então nomeado pelo presidente Rodrigues Alves: o engenheiro Lauro
Müller para a reforma do porto, o médico sanitarista Oswaldo Cruz para o
saneamento e o engenheiro urbanista Pereira Passos, que havia
acompanhado a reforma urbana de Paris sob o barão de Alçam, para a
reurbanização. Aos três foram dados poderes ilimitados para executar
suas tarefas, tornando-os imunes a quaisquer ações judiciais, o que criou
uma situação de tripla ditadura na cidade do Rio.
8
Para trabalhar as questões ligadas ao controle da população urbana,
utilizamos a abordagem de BRETAS que estuda a atuação arbitrária da polícia no
período republicano. Sobre o papel dos organismos de repressão este autor
destaca:
A criação do aparelho policial vai exigir a transferência da defesa da
sociedade para o Estado que a representa, num processo que não é,
absolutamente, consensual. A extensão do poder policial na regulação e
fiscalização da ordem privada é objeto de constante conflito, que aparece
7
Ver Jaime Larry Benchimol, Pereira Passos: Um Haussmann Tropical: a renovação urbana da
cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura,
Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de
Editoração, 1990, p. 277.
8
Nicolau Sevcenko, O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso in História da
vida privada no Brasil,3. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p.22.
17
no momento e lugar e que nos interessam, como uma luta da polícia pela
centralização do comando e pela criação de uma carreira, quer dizer a
profissionalização da atividade policial.
9
Na visão da historiadora Rosa Maria Barboza de Araújo, na Primeira
República “a vadiagem transforma-se em crime para prevenir a desordem na capital
federal, especialmente aquela encetada pelos capoeiras”.
10
A desordem na capital federal durante a Primeira República estava associada
à massa da população pobre, àquelas pessoas que viviam do trabalho informal,
desconsiderado pela sociedade carioca da Bélle Époque por negarem a imagem de
progresso social e econômico.
Para banir do meio urbano o contingente de desempregados e
subempregados que a República insistia em esconder, no entender da autora foram
criados pelo governo republicano, principalmente pelo administrador da capital
federal, Pereira Passos uma série de decretos que ditavam as regras sociais a que
deviam se enquadrar os membros da arraia miúda.
Apesar da ociosidade ser vista como uma ameaça à ordem, o regime
republicano, afirma, Rosa Maria acreditava que os ares civilizadores da capital
federal seriam capazes de vencer a “preguiça dos desocupados”
11
, uma vez que
havia um aparente progresso econômico. No entanto, de acordo com BENCHIMOL o
rápido crescimento populacional causado pelo fim da escravidão e pela imigração,
impediu que o mercado de trabalho absorvesse parte desta abundante mão-de-
obra.
12
9
Ver Marcos Luiz Bretas, A Guerra das Ruas: Povo e Polícia na Cidade do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, 1997, p.36.
10
Rosa Araújo, op.cit., p.49.
11
Id. Ibid, p.48.
12
Ver Lúcio Kowarick. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo,
Brasiliense,1987.
18
Somado ao negro, o imigrante que não conseguia ser inserido no mercado de
trabalho também passava a ser visto de maneira bastante preconceituosa, pois na
visão da sociedade da época este deveria ser o exemplo a ser seguido pelos
trabalhadores da nação. Do que era esperado dos imigrantes escreveu CHALHOUB:
O imigrante e sua família deveriam estar sempre dispostos ao trabalho
árduo e às condições difíceis de vida, pelo menos nos primeiros tempos,
sendo que estes sofrimentos seriam mais tarde compensados pelo
acesso à pequena agricultura familiar. Dentro deste contexto, é fácil
entender o porq do rigor da pena do estrangeiro que era detido por
vadiagem: destinado a servir de exemplo, de protótipo do trabalhador
ideal na ordem capitalista que se anuncia, sua não adequação a estes
parâmetros era vista como ameaça à ordem social”.
13
No Rio de Janeiro da Bélle Époque, negros, imigrantes, mulatos, brancos
pobres engrossavam a massa de “vadios” do período republicano, devendo ser
legalmente reprimidos pelo uso da força policial. No Período Republicano a
vadiagem estava associada à desordem, por isso ao examinarmos os Livros de
Registros de Detentos no Fundo Casa de Detenção do Arquivo Púbico do Estado do
Rio de Janeiro entre os anos de 1889 e 1906 encontramos vários casos de prisão
associada, ou seja, preso por desordeiro e vagabundo”. Na realidade, havia uma
“massa formidável constituída pelos freqüentadores habituais das prisões” que era
formada pela grande parcela de desvalidos da República, fato que demonstra a
situação de miséria pela qual passava a grande parte da população.
O grande número de processos por vadiagem, desordem, furto e embriaguez
denotam que a classe mais baixa da população passou por um processo violento de
marginalização que incluía desapropriações de casas sem indenização, obrigação à
vacinação e condenações por contravenções que muitas vezes não cometia,
conforme observou SEVCENKO:
As oportunidades restritas que o crescimento do sistema oferecia eram
alvo de uma rude concorrência pelas amplas camadas urbanizadas,
13
Sidney Chalhoub, op.cit., p.77.
19
reforçando comportamentos agressivos e desesperados de preconceitos
e discriminação. O controle pelo Estado da maioria quase absoluta dos
cargos técnicos e de múltiplos postos proveitosos estimulava o
patrimonialismo, o nepotismo, o clientelismo e toda forma de submissão
e dependência pessoal, desde seu foco central no Distrito Federal até
aos mais recôndidos esconsos da nação”.
14
Entendemos que a contravenção vadiagem foi supervalorizada, uma vez que
o Estado Brasileiro incapacitado de inserir econômica e socialmente os chamados
populares, procurava estabelecer desde o Império limites de inclusão e de contornos
para o comportamento do cidadão. O corte temporal (1886-1906) foi definido em
virtude de se poder perceber como a vadiagem era vista pela sociedade no final do
período da escravidão, passando pela instituição do Código Penal de 1890, até o
final do governo de Rodrigues Alves
15
.
Além disso, o presente trabalho procura definir a contravenção da vadiagem
como sendo uma das ações criadas pelo Estado no sentido de estabelecer limites
ao comportamento da população, ao mesmo tempo em que provocando a exclusão
de determinados indivíduos buscava a solução para a boa condução da “ordem
social”.
A documentação utilizada é bastante abrangente, compreendendo: processos
de vadiagem, Livros de Registros da Casa de Detenção, Relatórios do Chefe de
Polícia do Distrito Federal e Anais da Câmara dos Deputados. A partir da
documentação levantada procuramos definir os seguintes objetivos:
Traçar o perfil do vadio na cidade do Rio de Janeiro entre 1886 e 1906
através do estudo de sua moradia, de seu meio de vida, de seu traje, de sua cor e
de sua cultura.
14
Nicolau Sevcenko, Literatura como missão, op.cit., 50.
15
Alguns autores como veremos na discussão historiográfica, têm apontado a Reforma de Pereira
Passos, prefeito da Cidade do Rio de Janeiro no governo de Rodrigues Alves como a principal
causadora do aumento da vadiagem a partir de 1904.
20
Definir o significado e a imagem da vadiagem entre o final do Império e o
início da República, discutindo as relações de poder estabelecidas entre o Estado e
os populares.
Desmistificar a figura daqueles identificados como vadios pelos órgãos
estatais, vistos como desocupados, malandros e preguiçosos, mostrando que muitos
eram ocupados em atividades informais de trabalho.
Assim sendo, no capítulo I trabalharemos o pensamento político e social
sobre a vadiagem no Brasil, a fim de entender os discursos que embasavam a
prática da detenção por vadiagem.
No capítulo II, abordaremos o perfil da vadiagem nos últimos anos do Império,
visando compreender que mecanismos eram usados pelas autoridades policiais para
enquadrar determinados indivíduos na contravenção e quais os motivos que levaram
ao aumento do número de entradas por vadiagem no ano de 1888.
Finalmente no Capítulo III, trabalharemos os possíveis cortes e as
continuidades das práticas da vadiagem no início da República Velha.
21
CAPÍTULO I
PENSAMENTO POLÍTICO E SOCIAL SOBRE A VADIAGEM NO BRASIL
Este capítulo tem o objetivo de definir como os políticos, os juristas e os
médicos do período trataram a questão da vadiagem. Através do estudo de parte do
pensamento dos mesmos, extraído de anais da câmara, boletins e teses médicas
pudemos perceber que havia uma reflexão da elite intelectual da época encarando a
vadiagem ora como desvio comportamental, ora como doença, ou mesmo como
escolha de vida.
Para nos ajudar na compreensão do pensamento destes intelectuais nos
apoiamos em historiadores que têm trabalhado com a questão não apenas da
vadiagem, mas também da representação da criminalidade como: CHALHOUB,
CUNHA, SILVA e MARTINS.
Além do pensamento que legitimava a criminalização da vadiagem havia uma
legislação que definia o significado expressa no artigo 295 do Código Criminal de
1831 e também no artigo 399 do Código Penal de 1890. Desta forma, procuramos
entender a contravenção não apenas na visão dos intelectuais, mas também através
da legislação e da prática da lei que pode ser percebida, sobretudo no uso abusivo
que foi feito desta para levar a prisão os menos favorecidos.
O que nos surpreendeu como veremos é perceber que o medo que a elite
tinha de que a abolição levasse ao aumento da marginalização, da vadiagem e do
ócio não se efetivou, ou pelo menos não se refletiu na documentação da Casa de
Detenção, uma das mais importantes prisões do Brasil.
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1.1. Do ponto de vista dos intelectuais
A historiografia tem trabalhado com os discursos realizados nos anos que
antecederam à abolição, percebendo a preocupação dos contemporâneos no que
diz respeito a entrega do negro, ex-escravo à ociosidade.
No entanto, MORAES escrevendo sobre o projeto de extinção da escravidão
na Câmara enfatizava que o grande impasse para a aprovação do mesmo estava
ligado ao perigo que seria a recusa do liberto ao trabalho. Ele destaca que:
Buscava o projeto obter a emancipação completa da escravatura no
prazo máximo de quatorze anos, substituindo o trabalho escravo pelo
livre evitando a vadiagem dos libertos, reprimindo ao mesmo tempo os
desvios e açoitamentos de escravos.
16
Segundo o referido autor, o projeto assinado por Pádua Fleury, Franklin Dória,
Ulysses Vianna, Augusto Fleury, Ildefonso de Araújo e César Zama, previa a fixação
da moradia dos libertos e ainda que eles trabalhassem pelo menos dois anos para
seus antigos senhores, mediante a um pequeno salário.
De acordo com o projeto, os dois principais motivos que caracterizariam a
vadiagem: (falta de moradia e falta de trabalho ou meios de subsistência) estariam
suprimidos, uma vez que os ex-escravos continuariam trabalhando onde haviam sido
escravos e residindo no mesmo município em que haviam sido alforriados.“O projeto
previa a fixação do domicílio dos libertos que deveriam residir durante cinco anos no
município que tivessem sido alforriados”.
17
Por outro lado, percebemos que nas discussões sobre a Lei do Ventre
Livre, surgia por parte do poder legislativo a necessidade de se definir a função do
ex-escravo dentro da sociedade, uma vez que o que competia à ordem privada
16
Em a escravidão africana no Brasil: das origens a extinção, Evaristo de Moraes (1871-1933) relata
o projeto de abolição da Câmara dos Deputados, apresentado no dia 12/05/1885. P. 199. São
Paulo, Ed.Nacional, 1933
17
Id. Ibid. p. 200.
23
passaria a ser competência da ordem pública. No que toca especialmente à infância,
OTTONI observou em discurso na Câmara:
Sem dúvida foi essa a intenção do projeto para poupar ao Governo o
embaraço que lhe causaria um grande número de meninos de oito anos que
lhe fossem entregues”.
Qual será, porém, a sorte e condição desses libertos? Querer-se-á que o
fazendeiro lhes crie uma existência diversa da dos escravos, e análoga ao
tratamento que se dá aos colonos europeus?
18
Outro problema a ser encarado pelos parlamentares, no caso específico da lei
do ventre livre, era o fato de que o liberto permaneceria sob a tutela dos ex-senhores
até os vinte e um anos, o que além de causar choques entre libertos e cativos no
interior das propriedades, geraria o completo despreparo dos livres para o trabalho.
Mas uma tal distinção continuando no cativeiro os pais, as mães, os tios,
lançará nos ânimos de todos um fermento de ódio e de inveja, que pode ser
origem das maiores calamidades. A indústria agrícola exige dos seus
servidores várias perícias, que não se adquirem sem noviciado e
aprendizagem; com os mais velhos aprendizes os crioulos adolescentes.
Que influência terão os mestres cativos sobre os aprendizes livres? Mas a
conseqüência do exposto é que até os vinte e um anos a liberdade será
puramente nominal: os infelizes serão até a maioridade cativos de fato. E
aos vinte e um anos sairão das senzalas ignorantes, embrutecidos, inçados
de todos os vícios da escravidão, odiando o trabalho, porque até ali lhes foi
imposto; e virão exercer direitos políticos, eleger, serem eleitos, alistar-se no
número dos cidadãos! Que belo corpo eleitoral se nos prepara!
19
Tendo plena convicção de que os libertos não estariam preparados nem para
o trabalho nem para o pleno exercício da cidadania, alguns parlamentares como o
Visconde do Rio Branco não acreditavam na força das autoridades policiais para
compelir os mesmos ao trabalho.
Polícia, dizem as autoridades, prisões, coerção legal não sabem o que
dizem. Tive o trabalho de somar as turmas de nascidos cada ano,
calculadas pelo Sr. Teixeira Junior, e procurar, segundo as regras da
mortalidade que S. Ex. adotou, qual seria o estado das coisas em 1900 no
domínio da lei se votada esse ano...
Haveria então, segundo as estatísticas de S.EX. 73339 crianças livres de
um a dez anos, precisando da vigilância das autoridades para serem bem
18
OTTONI, C.B. A emancipação dos escravos: discurso na Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro,
Tipografia Perseverança, 1871, p.72.
19
Id. Ibid., p. 72-73.
24
tratadas; haveria 177.468 crioulos de onze a vinte anos para serem contidos
no trabalho forçado, haveria 193.118 emancipados de vinte e um a vinte e
oito anos que seria preciso policiar e obrigar a trabalhar. Tudo
simultaneamente, em 1900: descontei a mortalidade anterior.Que meios e
que polícia bastam para tanto?
20
Ainda assim a função das autoridades para com os libertos seria, a de policiar
e obrigar a trabalhar, principalmente no Rio de Janeiro onde a mão-de-obra que
havia sido liberada da zona rural para a zona urbana, acabou fazendo com que
houvesse um contingente maior do que o mercado de trabalho poderia absorver
21
.
Desde a fase de discussão do projeto de emancipação dos escravos na
Câmara em 1871 havia a discordância por parte dos parlamentares no que dizia
respeito à locação de serviços por parte do Governo. Uns, como o Visconde do Rio
Branco, acreditavam que os estabelecimentos públicos seriam capazes de absorver
a mão de obra recém-liberta. Outros como Duque-Estrada achavam ser isto uma
tarefa difícil já que não havia emprego nem para os cidadãos livres.
Duque Estrada referindo-se às observações do Visconde do Rio Branco diz:
“Eu sei quanto é difícil ao cidadão livre achar serviço nos arsenais, quanto mais o
liberto. Eu me tenho empenhado por alguns livres e não tenho conseguido trabalho
para eles”.
22
Neste processo de substituição do trabalho escravo para o livre, Duque
Estrada enfatizava a questão da falta de trabalho para a população negra, uma vez
que o discurso vigente era o da superioridade do trabalhador estrangeiro sobre o
trabalhador negro.
20
Id. Ibid., p.72-73.
21
Ver Lúcio KowaricK in Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo
Brasiliense, 1987.
22
BRASIL, Câmara dos Deputados. Discussão da Reforma do Estado Servil na Câmara dos
Deputados e no Senado. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1871. P.p.340-341.
25
De acordo com CHALHOUB
23
, o modelo de trabalhador ideal passou a ser o
imigrante, não sendo aceita a idéia de que este não se dedicasse à atividade do
trabalho. A defesa ao trabalhador imigrante começava a ser evidenciada no discurso
dos contemporâneos, Tavares Bastos, por exemplo, acreditava que era preciso
apenas um europeu para fazer o trabalho de três negros. Os discursos procuravam
demonstrar que além de serem superiores na qualidade do trabalho, os europeus
também pareciam ser superiores na quantidade do que produziam, como observou
TAVARES BASTOS em discurso proferido em 1867:
Mostrei, porém, que eram precisos três negros para conseguir a mesma
quantidade de trabalho produzido por um europeu. Donde concluí que
era, e continua a ser muito mais proveitosa a aquisição dos últimos. Resta-
me agora indicar que, além da desproporção quanto à quantidade, o
europeu é incomparavelmente superior ao africano quanto a quantidade dos
produtos e à variedade das indústrias e culturas que pode exercer. É um
fato que dispensa demonstração. A que deve o nosso café ser considerado
o pior do mercado na Europa, aonde o seu preço ínfimo é só o que pode
animar os compradores? Há, porém dentro do próprio país outro exemplo
mais frisante do que desejo mais assinalar. Faça-se um paralelo entre o
desenvolvimento da província da Bahia, que possui relativamente o maior
número de negros, e o do Rio Grande do Sul, que contém os maiores
núcleos de colonos europeus. Enquanto a agricultura, o comércio e as
rendas da primeira definham a olhos vistos, a outra prospera em tudo. No
Rio Grande a lavoura aperfeiçoa-se; as indústrias aparecem o povo contrai
os hábitos de trabalhador: derrama-se a abundância e tudo por diante.
24
Neste momento em que se pensava como o mundo do trabalho seria
reorganizado após a liberação da mão-de-obra escrava, a preocupação com a
vadiagem se tornou uma constante não apenas na Câmara dos Deputados, mas
também no discurso dos demais pensadores contemporâneos, mesmo no período
que antecede à promulgação do Código Penal de 1890, que no artigo 399
estabeleceria a vadiagem como contravenção.
Alega-se e que a abolição do regime escravocrata introduzirá na sociedade
uma massa de homens que, estando acostumados à escravidão, recusarão
trabalhar desde que forem livres e passarão a engrossar o número dos
23
Ver Sidney Chalhoub, Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro
da Bélle Èpoque, 2ª ed. Campinas, SP: editora da Unicamp, 2001, p.75.
24
Tavares Bastos apud Evaristo de Moraes Filho in As idéias fundamentais de Tavares Bastos. Rio
de Janeiro, Topbooks, 2001, p.144
26
vagabundos. Daí presumem que resultará a desorganização não só da
indústria agrícola, mas também do serviço doméstico. Para conjurar esses
males planeja-se então um regulamento que classifique a vagabundagem ,
ou antes a desocupação como um delito que ficará sob a alçada da
autoridade civil.
25
Pensadores positivistas como Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes
defendiam a idéia de que o ócio a ser combatido deveria ser o das classes
abastadas, no entanto o que vamos perceber com o passar do tempo é que apenas
os indivíduos das classes pobres eram presos por vadiagem, uma vez que se
acreditava que a periculosidade residia na falta de mecanismos para a
sustentabilidade econômica dessas pessoas.
Para desvanecer este tecido de sofismas importa reconhecer, em primeiro
lugar, que a vagabundagem, a recusa ao trabalho, não é um vício peculiar
às classes pobres. A contemplação da sociedade demonstra não que o
maior número de vagabundos é fornecido pela burguesia, mas ainda que
são esses os vagabundos mais prejudiciais. Porquanto os vadios que ela
fornece dispõem de um capital que falta aos outros e esses recursos os
colocam em estado de lesar a sociedade por modos inacessíveis aos
proletários.
26
Os positivistas defendiam a idéia da liberdade total do ser humano, inclusive a
liberdade de mendigar, apresentavam para a época um pensamento absolutamente
inovador e contrário aos contemporâneos.
Miguel Lemos faz uma série de críticas a lei de repressão à ociosidade
afirmando ser a mesma “atentatória da liberdade individual”. Para ele, a punição de
indivíduos pela acusação de vadiagem tinha a finalidade de fazer com que os
trabalhadores aceitassem qualquer remuneração pelos seus serviços para
escaparem do crime da vagabundagem.
Mas não param por aqui os perigos da medida projetada. Uma vez definida
a vagabundagem com um delito ao alcance do poder civil, o proletário fica
exposto a este dilema fatal, ou sujeita-se a trabalhar sob as condições
onezas de vagabundagem.
27
25
Ver Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, “A Liberdade Espiritual e a organização do
trabalho”. Rio de Janeiro: Igreja e Apostulado Positivista do Brasil, 1888, p. 15.
26
Id. Ibid. p. 15
27
Ver Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, A Repressão Legal da Ociosidade”. Rio de
Janeiro: Igreja e Apostulado Positivista do Brasil, 1902, p. 4.
27
A historiadora Olívia Maria Gomes da Cunha afirma que a problemática da
vadiagem pode ser explicada pelo questionamento de Miguel Lemos “como fazer
trabalhar pessoas que se viam desobrigadas do trabalho?”
28
. O fato é que o trabalho
escravo não dignificava o homem, ao contrário, o diminuía.
Por isso, os juristas começaram a pensar em como se educar os indivíduos,
principalmente os ex-escravos no que diz respeito ao trabalho. Desta forma, com o
Código de 1890, a vadiagem vai tomar uma proporção maior que a do Código
Criminal do Império, uma vez que no art.400 estabelece a reincidência, que deveria
ser combatida com mais rigor, através do aumento da pena como veremos adiante.
Vale ressaltar que a vadiagem, enquanto contravenção não se constituía no
crime propriamente dito, apenas poderia resultar no mesmo, daí a necessidade da
punição como mecanismo de contenção do que poderia se tornar crime, ou mesmo
como forma de preveni-lo.
Um outro aspecto a ser destacado ao observarmos as fontes processuais é
que parece haver uma certa tolerância dos juizes com relação à vadiagem primária,
que, no entanto tornava-se inadmissível em caso de reincidência, talvez porque aos
olhos dos magistrados esta inviabilizasse qualquer possibilidade de regeneração.
Com relação à regeneração, os juristas acreditavam que a mesma viria
através da educação voltada para a atividade do trabalho, defendiam a necessidade
da criação de presídios onde a pena pudesse ser cumprida através da ocupação dos
detentos.
Evaristo de Moraes na narrativa que faz sobre a Casa de Detenção, lamenta
o fato da inexistência de oficinas de trabalho para os presos, acreditando que a
28
Miguel Lemos apud Olívia Maria Gomes da Cunha in Intenção e Gesto: pessoa, cor e produção
cotidiana da (in) diferença no Rio de Janeiro, 1927-1942. RJ: Arquivo Nacional, 2002, p. 380.
28
ocupação poderia resultar na recuperação dos detentos. Com esta preocupação,
observou em 1900 na visita que fez à Casa de Detenção:
Antes de resumir algumas considerações motivadas pela manifesta
insuficiência da Casa de Detenção, convém recordar que o novo
Regulamento institui, ali, por maneira aceitável, o regime do trabalho
facultativo, que é sem dúvida o mais conveniente para uma prisão de
simples passagem. Ainda não estão montadas oficinas nas condições
marcadas na lei nova; mas com pequenos recursos, foram montadas
duas que fornecem o estabelecimento; são as de carpintaria e funilaria.
29
No que diz respeito às inovações legislativas sobre a vadiagem, uma das
mais interessantes reside no fato do vadio ser encarado como um doente, uma vez
que estando “apto o trabalho” se entregava à ociosidade, assim sendo os
vagabundos deveriam passar por tratamentos médicos, a fim de serem “curados”.
Leonídio Ribeiro, atentava para a necessidade de diagnóstico precoce de todo
desvio afirmando que:
Um indivíduo anormal não se intimida com penas, nem castigo, voltando
dois terços deles à prática de ações anti-sociais, dentro do prazo de cinco
anos no máximo. São criaturas predispostas à criminalidade, e que se
iniciam à vida criminal desde a juventude. É entre elas que se
desenvolvem, com mais freqüência, a vagabundagem e o vício que logo
acarretam a miséria e a ignorância, caldos de cultura onde se cria a massa
de criminosos reincidentes que enchem as prisões e pesam nos orçamentos
das sociedades civilizadas [...] bastava que procurássemos, por todos os
meios idôneos e científicos, descobrir, precocemente, tantos quanto no seio
da família, nas escolas e nas oficinas, apresentem desvios de conduta e
anomalias físicas e morais, revelando tendências anormais ou patológicas
latentes, ou declaradas, visíveis ou ocultas, para a prática repetida de
pequenos delitos ou reações criminosas. É preciso descobrir e reconhecer,
sem apelo, esse grupo perigoso de indivíduos considerados como pré-
delinqüentes.
30
O médico Álvaro Fernandes, por exemplo, acreditava que a educação seria
capaz de promover a regeneração do indivíduo e que deveria ser incutido no homem
o amor ao trabalho, a aspiração da família e o exemplo moral. FERNANDES
defendia a teoria do louco moral que seria o indivíduo que apresentasse ausência de
29
Ver Evaristo de Moraes, Reminiscências de um Rábula Criminalista, Rio de Janeiro- Belo
Horizonte, Editora Brigiet, 1989, p. 137.
30
Leonídio Ribeiro apud Olívia Maria Gomes da Cunha, op.cit., p. 422
29
caráter, aversão ao trabalho e demonstrasse pouca importância à família. Assim ele
descreve um indivíduo preso doze vezes por vadiagem:
J.G.S.F; branco, 27 anos, solteiro, brasileiro entrou para o hospício em II de
agosto de 1896.
É preso e acha-se a disposição do Juiz da terceira pretoria.
Declara ter determinado a sua entrada o fato de haver simulado na Casa de
Detenção ataques epilépticos, com o fim de se submetido a julgamento, ser
dado como irresponsável e posto em liberdade.
Não apresenta perturbação delirante ou alucinatória. A língua está isenta de
cicatrizes. Ferimentos na têmpora direita. foi preso doze vezes por
vagabundagem, ofensas físicas e roubo. Casado, há pouco tempo, sua
mulher abandonou-o seguindo para sua casa paterna. Seu casamento
efetuou-se por rapto, por se ter oposto tenazmente a ele a família da moça.
Na prisão aprendeu alguns artigos do Código Criminal e ocupa-se em fazer
habeas-corpus.
31
O estudo das fontes nos permite perceber que havia por parte das
autoridades policiais uma certa dificuldade em reconhecer ou mesmo identificar
quem era ou não delinqüente, por isso muitas vezes “a reorganização policial nas
suas afainas de dar caça a vadiagem não respeita qualquer que seja senão
cidadão”.
32
Passaremos agora, a punição dada aos vadios no Império e na Primeira
República.
1.2. Através da legislação
A vadiagem enquanto contravenção estava prevista no Código Criminal do
Império no artigo 295 como sendo a ação de:
Não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta e útil, de que possa
subsistir, depois de advertido pelo Juiz de Paz, não tendo renda suficiente.
Penas: de prisão com trabalho por oito a vinte dias.
33
31
FERNANDES, Álvaro. Moral Insanity: a questão da loucura moral, tratada sob o tríplice critério da
psicologia positiva, do diagnóstico clínico e da terapêutica jurídica. Tese de Doutoramento. Faculdade
de Medicina e Fermácia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tipografia Leuzinger, 1898, p. 297.
32
Transcrição do parecer de Defesa do réu Francisco Correia de Araújo, contido no processo do
Fundo 0R 5112 de 1907, Arquivo Nacional .
33
Ver art.295 do Código Criminal do Império do Brasil. Ouro Preto, Tipografia de Silva, 1831.
30
O Código de Posturas do Município do Rio de Janeiro de 1838 também previa
um tipo de punição para os indivíduos detidos por vadiagem, inclusive com
pagamento de multa.
Toda a pessoa, de qualquer cor, sexo ou idade que for encontrada vadia ou
como tal reconhecida, sem ocupação honesta ou suficiente para a sua
subsistência será multada em 10$000, e sofrerá oito dias de cadeia sendo
posta em custódia até a decisão do auto e depois remetida ao chefe de
polícia para lhe dar destino.
34
Com o Código Penal de 1890, procurou-se enfatizar a diferença entre
contravenção e criminalidade, a primeira embora passível de punição deveria ser
controlada no sentido de correção que se apresentava como reeducação do
indivíduo para que pudesse se adequar à sociedade, o segundo caso previa
punições mais rigorosas e eficazes
35
.
A vadiagem caracterizada como uma das contravenções do Código Penal era
punida porque representava a ação do indivíduo que estando apto ao trabalho se
entregava ao ócio, o que significava que estava pessoa havia esquecido sua
obrigação para com a sociedade. Assim era definida no art.399 a vadiagem:
Art.399. Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que
ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em
que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou
manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes.
36
A lei previa ainda que o infrator vadio ou vagabundo fosse obrigado a assinar
termo para tomar ocupação dentro de um prazo de quinze dias e que os maiores de
34
Código de Posturas: Leis, decretos, editais e resoluções da Intendência Municipal do Distrito
Federal: Compilação feita por ordem da Prefeitura pela repartição do Arquivo Geral. Rio de Janeiro,
1894.
35
Ver Marilene Rosa Nogueira da Silva, O lazer a contraface do dever: as lionguagens do poder na
cidade do Rio de Janeiro na Primeira República. São Paulo: USP Tese (doutorado), 1995. Para a
autora definia-se a criminalidade como a violação imputável e culposa da lei penal e, a contravenção,
como fato voluntário punível, que consistia unicamente da violação ou falta de observância das
disposições preventivas das leis e dos regulamentos (fato que se impunha como essencial no código
de 1890).
36
Código Penal dos Estados Unidos do Brasil: anotado segundo a legislação vigente para uso dos
Juizes e Jurados com a graduação das penas por Manuel Godofredo de Alencastro. Rio de Janeiro,
Laemmert e Cia. Editores, 1898.
31
quatorze anos fossem recolhidos a estabelecimentos disciplinares de caráter
industrial, podendo ser mantidos nesses locais até os vinte e um anos de idade.
O artigo 399 do Código Penal de 1890 difere do artigo 295 do Código Criminal
do Império ainda por definir como vadio aquele que além de não ter ocupação não
tinha domicílio certo ou moradia fixa, (o art.295 apenas caracterizava a questão da
falta de trabalho).
Como a segurança das ruas era feita por policiais militares ou pela guarda
civil, cabia a estes a condução dos suspeitos à delegacia onde eram feitas as
perguntas de praxe que se resumiam em qual o seu nome, onde se encontrava no
momento da prisão, qual a sua profissão ou meios de vida, onde mora, conhece as
testemunhas, tem algo a alegar a favor da sua inocência?
Havia por parte das autoridades públicas uma preocupação constante com a
ordem das ruas, por isso os indivíduos que se encontrassem parados na porta de
algum estabelecimento sem dar as devidas explicações poderiam ser
encaminhados às delegacias de polícia, estas autoridades acreditavam que a ação
de estar parado nas ruas demonstrava sinal de desocupação, vagabundagem ou a
perspectiva de uma futura desordem. Por isso havia a preocupação policial em
identificar os indivíduos aparentemente desocupados que pudessem praticar algum
tipo de crime. A historiadora Zanirato destacou a relação que havia entre a
contravenção da vadiagem e um possível passo dos indivíduos ao crime.
A vadiagem, como aprendizado inicial na escalada do crime era realmente
preocupante e, como tal precisava ser contida. Os sujeitos vadios eram tão
perigosos quanto os criminosos ativos, e sua contenção era necessária para
impedir que continuassem na escalada rumo ao crime.
37
Em um dos livros da Casa de Detenção, encontramos o caso de um indivíduo
que havia sido preso pela alegação de estar “constantemente parado na Rua do
32
Ouvidor” e em 67 processos encontramos o termo “preso por vagar sem destino
pelas ruas”. Assim, tais prisões acabaram se constituindo nas principais causas da
superlotação do presídio. Sobre a superlotação, escreveu em 1900 Evaristo de
Moraes:
Imaginem que, em uma célula de quatro a cinco metros, se aglomeram
trinta e cinco presos. Parados em frente, mal nos podíamos manter em pé,
tais eram o calor e o mau cheiro que nos sufocavam. Corpos e roupas
sujas, respirações tresandando a álcool e o tabaco eis o que é próprio
para formar uma atmosfera assassina; eis o que asfixiava naquela ocasião...
Agora, façam idéia do que pode gerar uma prisão dessas mantida em
relação a alguns detentos, por meses. Simples corrupção de corpos,
simples corrupção de caracteres.
38
A condenação por vadiagem incluía a prisão temporária na Casa de
Detenção, na Ilha das Cobras e a prisões mais longas na Colônia Correcional Dois
Rios, podendo ocorrer a deportação no caso dos estrangeiros e até mesmo em caso
de reincidência, o envio para o Acre para a extração da borracha, como relata o
Chefe de Polícia do Distrito Federal:
Está aí, a natureza da gente que o Governo fez transportar para o Acre.
Era preciso limpar a cidade, e, como se tratasse de contraventores
provadamente reincidentes, a remessa dos mesmos para um território de
fronteira, longe de ser uma violência, estava compreendida entre as
faculdades que a própria Constituição concede ao Poder Executivo durante
o sitio, e, o que mais, achava-se de perfeita harmonia com o espírito do
art.400 do Código Penal e constituía uma providencia salutar, não para a
população como para os próprios vagabundos, os quais desse modo se
ofereceu um largo campo, onde o trabalho, pela necessidade de
subsistência se torna por assim dizer obrigatório.
39
Importante ressaltarmos que embora a cidade passasse por uma série de
mudanças ligadas à urbanização e ao saneamento, o termo limpar a cidade
utilizado pelo Chefe de Polícia no citado relatório referia-se à população, ou seja,
àquela parcela entendida pelas autoridades policiais como um inconveniente.
37
MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Artífices do ócio: mendigos e vadios em São Paulo (1933-1942).
Londrina, Editora UEL, 1997 p.185.
38
Ver Evaristo de Moraes, Reminiscências de um bula criminalista, op.cit, p.135.
39
Relatório de Antônio Augusto Cardoso, Chefe de Polícia do Distrito Federal ao Ministro da Justiça
J.J. Seabra, 1905.
33
Como vimos, a simples ação de estar parado nas ruas poderia levar à
punição em um dos presídios referidos e a perda do indivíduo de sua liberdade, o
que pode ser entendido como uma arbitrariedade, uma vez que muitas prisões eram
desnecessárias e criadas por falsos motivos, o que se percebe nos processos em
que as testemunhas eram os próprios agentes policiais. A utilização excessiva da
vadiagem pela polícia foi assinalada na obra historiográfica de DIAS.
Seria o vagabundo, o desordeiro, o vadio. Assim o Código Penal de 1890
legitimava a punição da vagabundagem, favorecendo a sua aplicação em
larga escala na virada do século na capital federal. Esta circunstância, no
entanto, não impede a observação de que a repressão citada, como toda a
forma de punição legal, é um recurso extremo, e como tal, deve ser
entendido como o ponto mais alto de uma escala.
40
Na República, as penas variavam entre quinze dias e três anos de prisão,
geralmente as penas menores eram cumpridas na Casa de Detenção e as maiores
eram cumpridas pelos reincidentes em colônias penais, conforme previsto no
art.400:
Se o termo for quebrado, o que importará reincidência, o infrator será
recolhido por um a três anos a colônias penais, que se fundarem em ilhas
marítimas, ou nas fronteiras do território nacional, podendo para esse fim
ser aproveitados os presídios existentes.
41
O regulamento da Colônia Correcional Dois Rios estabelecido pelo Decreto
nº. 4753 de 28 de janeiro de 1903 determinava quem deveria ser internado neste
presídio e definia precisamente quem eram os vadios.
Art.1088 A internação na Colônia é estabelecida para os vadios ou
vagabundos, mendigos válidos, capoeiras, ébrios habituais, jogadores,
ladrões e para os que praticam lenocínio.
§ Os indivíduos de qualquer idade que não estando sujeitos ao poder
paterno ou sob a direção de tutores ou curadores, sem meios de
subsistência por fortuna própria, ou profissão, arte, ofício, ocupação legal e
honesta em que ganhe a vida, vagarem pela cidade na ociosidade.
40
Luiz Sergio Dias, Quem tem medo de capoeira? Rio de Janeiro, 1890-1904. Rio de Janeiro,
Secretária Municipal das Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural,
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Divisão de Pesquisa, 2001., p. 155.
41
Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, op.cit., 1891.
34
§ Os que tendo quebrado os termos de bem - viver em que se acharem
obrigados a trabalhar, manifestam a intenção de viver no ócio, ou exercendo
indústria ilícita, imoral ou vedada pelas leis.
§ Os que mendigarem tendo saúde e aptidão para trabalhar, ou finjam
enfermidade ou simulem motivo para armar a comiseração.
§ 5º Os que habitualmente se apresentarem em público em estado de
embriaguez manifesta.
42
O decreto estabelecia ainda que durante o tempo de cumprimento da pena na
Colônia, o detento fosse compelido ao trabalho, a fim de que a ocupação pudesse
restituir a sua moral, para que quando livre da prisão o mesmo viesse a exercer a
liberdade imbuída da responsabilidade que o trabalho poderia trazer-lhe. É o que
se depreende da leitura do art.1093:
O chefe de polícia submeterá à aprovação do Ministro o Regimento interno
da Colônia, na qual se observará o seguinte:
O trabalho imposto ao detento deverá ser adequado à sua reabilitação
moral, convindo não contrariar, mas aproveitar inteligentemente dirigidas as
próprias tendências do internado de modo a despertar-lhe o sentimento da
liberdade e os hábitos de autocoerção.
43
Apesar da lei prever o seu caráter educativo, a pena que deveria ter caráter
disciplinar na Colônia Correcional Dois Rios adquiriu um caráter de violência, uma
vez que a força passou a ser usada para constranger ou obrigar os detentos ao
trabalho durante o período de cumprimento da pena. CUNHA enfatizou o fato da
violência ter sido utilizada para despertar nos detentos a disciplina do trabalho:
Além das críticas relacionadas ao descumprimento do seu regulamento de
fundação e do próprio Código Penal, a Colônia também era criticada pelo
que não havia se comprometido a ser: um modelo exemplar de estudo e
observação de presos. Ao contrário, a manutenção de um regime
semidoméstico e de vínculos paternalistas entre alguns presos e a direção,
aliados a uma extrema e constante violência por parte dos guardas e
‘feitores’, parecem ter caracterizado seu ‘estilo disciplinar’.
44
A cidade do Rio de Janeiro era considerada perigosa não apenas pela elite,
mas também pelas autoridades policiais, fato que levava a uma forte tensão social,
42
Consolidação das Leis e Posturas Municipais. Rio de Janeiro, Tipografia Paula Souza e Cia., 1905.
43
Id. Ibid.
44
Ver Olívia Maria Gomes da Cunha, op.cit., pp. 432-433.
35
fazendo com que a sociedade de elite e as autoridades policiais mantivessem para
com os populares um sentimento de desprezo e de distanciamento, acreditando que
apenas a repressão seria capaz de manter a disciplina social
45
. Isto fica claro no
relatório do chefe de polícia da Capital Federal, Antônio Augusto Cardoso de Castro
de 1905:
Disse que o meio é altamente propício à fermentação desses maus
elementos, e acredito com isso ter enunciado uma verdade, que devem
estar na consciência de todos os homens desapaixonados.
O Rio de Janeiro é uma cidade de crimes e de criminosos, quero dizer,
ninguém imagina o regime de impunidade em que vivemos. A massa
formidável constituída pelos freqüentadores habituais das prisões aumenta
dia a dia e não há castigo nem repressão para essa gente.
Com os dados seguros fornecidos pelo serviço de identificação, pode-se
afirmar que existem no Rio de Janeiro cerca de 2.000 homens vagabundos
recalcitrantes, presos e processados com diferentes nomes pela polícia,
uma, duas, três, quatro, cinco e adez e mais vezes por ano, e que voltam
de novo à liberdade, sem correção prontos sempre a fingir de povo, a
promover desordens e quebrar lampiões, incitados naturalmente pelos
demagogos, cujo programa político é o escândalo, a discórdia, o
desassossego, a revolta.
46
O fato é que constantemente o número de ocorrências policiais elevava-se,
tanto é que em 1905 devido, ao aumento de prisões femininas, o chefe de Polícia da
Capital Federal viu a necessidade de se criar uma prisão separada para mulheres na
Casa de Detenção, uma vez que esta segundo seu próprio relatório ao contrário da
Colônia Correcional Dois Rios tinha boas condições.
A Casa de Detenção que encontrei em muito boas condições de ordem e
asseio, carece de uma terceira galeria para melhor acomodação dos presos,
que em grande número são recolhidos aquele estabelecimento. Uma das
necessidades que ali se faziam sentir, era a de prisões separadas para
mulheres...
A Colônia Correcional Dois Rios não tem prestado os serviços que dela se
esperavam, e antes de tudo urge dar-lhe melhor administração do que até
agora tem tido.
47
Todavia, as boas condições da Casa de Detenção a que se refere Manoel
Espínola devem estar ligadas a questões do ponto de vista puramente arquitetônico,
45
Ver Rosa Maria Barboza de Araújo, op.cit.
46
Relatório de Antônio Augusto de Castro ao Ministro da Justiça J.J.Seabra, 1905, p.4.
36
uma vez que os presos eram freqüentemente amotinados, preocupando juristas
como Evaristo de Moraes que temiam a contaminação moral dos presos:
No entanto, olhando para o íntimo da prisão, lendo-lhe a vida inteira no
aspecto dos presos, na colocação deles, nas suas vestes, nas suas
moléstias e nas suas queixas, estudando o registro de entradas e saídas,
examinando o proceder das autoridades que decretam as prisões,
passando pelos cubículos destinados a menores e pelos destinados a
‘presos sem processo’ a observação do observador imparcial é
dolorosíssima, dessas impressões que sufocam, oprimem, sacodem todo o
ser, no que ele tem de mais afetivo e humano. Então se compreendem os
nossos casos de reincidência, que fazem o tormento da Polícia e da
Magistratura, então se vê, ao claro, porque tão depressa o menor
vagabundo fica sendo, aqui, o batedor de carteiras e o arrombador de
portas.
48
Preocupados com a educação moral através do trabalho os agentes policiais
saíam a procura daqueles que vagavam sem destino pelas ruas, procurando
provavelmente pessoas que pudessem se enquadrar no perfil de vadios ainda que
não fossem. A escola Positiva de Direito Penal sustentava a teoria de que os
criminosos tinham características próprias, sugerindo alguns traços semelhantes
entre os mesmos. A escola lombrosiana afirmava que havia um tipo físico específico
de criminoso e seu pensamento sobre a delinqüência impregnava a polícia da
época. Isto fica claro no seguinte trecho da obra historiográfica de MARTINS:
Lombroso afirmava que o criminoso nato possuía características físicas e
psíquicas peculiares: forma da calota craniana, maxilar inferior procedente,
sobrancelhas fartas, malares salientes, orelhas grandes, corpo assimétrico,
sensibilidade dolorosa diminuída, crueldade, leviandade, aversão ao
trabalho, despertar precoce do instinto sexual, etc. Assim, a maior parte dos
criminosos formava um tipo unitário, capaz de ser detectado no meio social.
Sustentava Lombroso: ‘o criminoso verdadeiro nasce como tal, a
sociedade dá-lhe apenas a possibilidade e motivos para a manifestação de
sua disposição’.
49
47
Relatório de Manoel José Espínola, Chefe de Polícia do Distrito Federal ao Sr. Dr. J.J Seabra,
1905.
48
Evaristo de Moraes descreve as suas tristes impressões da Casa de Detenção em suas
reminiscências, op.cit. p.132
49
MARTINS, op. cit, p.181
37
1.3. Através das detenções
Passaremos agora a destacar a relação da vadiagem com outros crimes e
contravenções, não apenas a partir da quantificação feita nos Livros de Registros da
Casa de Detenção, mas também com base no Resumo estatístico geral do
movimento de entradas e saídas da Casa de Detenção dos indivíduos processados
por contravenções e crimes.
A Casa de Detenção foi criada em 1856 e instalada nas dependências da
Casa de Correção, sendo administrada pelo diretor deste estabelecimento, e
subordinada ao Chefe de Polícia da Corte. Era destinada à reclusão dos indiciados
pelas autoridades policiais e judiciárias. A reorganização do Serviço Policial do
Distrito Federal, em 1900, estabeleceu a Casa de Detenção como órgão integrante
do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
50
Nos Livros de Registros eram
descritos as características físicas e também os dados pessoais dos detentos. Assim
com base nesses registros quantificamos as entradas dos detentos por vadiagem e
também por outras contravenções e crimes diversos.
51
Destacamos que além da vadiagem, foram encontrados cerca de 200 crimes
e contravenções, ou simplesmente infrações que levaram os indivíduos à reclusão
na Casa de Detenção. O presídio abrigava detidos pelos mais diversos motivos, não
sendo possível quantificar item por item, uma vez que para seguiam detidos por
diferentes classificações, pois segundo o próprio regulamento da Casa:
A Casa de Detenção ocupa um raio da Casa de Correção construído para
ensaio do sistema pensilvânico e cedido em 1856 para prisão dos
indiciados. Está, pois aí provisoriamente estabelecida desde aquele ano, em
que pelo decreto nº 1774 de dois de julho teve regulamento modificado com
50
Fonte: Guia de Fundos do Arquivo Publico do Estado do Rio de Janeiro.
51
Queremos ressaltar a possível imprecisão desta quantificação devido ao péssimo estado de
conservação de alguns livros.
38
ligeiras alterações pelo decreto 8010 de 26 de fevereiro de 1881. Os
detentos devem ter as seguintes classificações:
Os presos por infrações de posturas municipais, de regulamentos
policiais, de infração de contrato, de dívidas civis ou comerciais ou que
sendo súbditos estrangeiros tiverem sido detentos à requisição dos seus
cônsules.
2ª Os indiciados de qualquer crime.
3ª Os pronunciados por crimes afiançáveis.
4ª Os pronunciados por crimes inafiançáveis.
52
Desta forma, encontramos detentos por contravenções diversas: embriaguez,
jogo, tavolagem, uso de armas, capoeiragem, favorecimento à embriaguez e
algumas aparentes infrações como: encontrar-se em batuque, estar em casa de
zungu, não saber declarar a casa, desordem, algazarra e turbulento e tantas outras.
Os crimes encontram-se em menor escala que as contravenções e estão
divididos em: crimes contra a segurança de pessoa e vida (homicídio), crimes contra
a propriedade pública e particular (furto), crimes contra a pessoa e a propriedade
(roubo) e crimes de ultraje público ao pudor e contra a segurança da honra e
honestidade das famílias (atentado ao pudor, defloramento, estupro, tentativa de
estupro e ultraje ao pudor). Entre os anos de 1886 e 1888 foram encontrados 7110
registros por diversos crimes e contravenções e 4630 por vadiagem de um total de
11740 registros. A vadiagem correspondeu a 39% das matrículas da Casa de
Detenção (Gráfico 1).
Podemos observar que no período em que o processo de abolição era
concretizado o índice de prisões por vadiagem foi bastante elevado, principalmente
se levarmos em consideração que existiam vários outros motivos de prisão, como
mencionamos aqui.
52
Relatório da Repartição dos Negócios da Justiça. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886; p.125.
39
Gráfico 1
Entrada de Detentos entre 1886-1888
Fonte: APERJ
Entre os anos de 1889 e 1894 foram registrados 19714, sendo 4542 por
vadiagem e 15172 por registros diversos, observando-se que nesses anos a entrada
de detentos por vadiagem correspondeu a 23%.
Percebemos uma queda no índice das entradas por vadiagem de 16%, mas
não podemos afirmar se isto corresponde a uma queda real, ou se a diminuição do
número de registros deve-se a lacunas existentes na documentação, principalmente
nos anos de 1889 e 1894. Veja gráfico 2:
Outros
61%
Vadiagem
39%
Outros
Vadiagem
40
Gráfico 2
Entrada de Detentos entre 1889-1890
Outros
77%
Vadiagem
23%
Outros
Vadiagem
Fonte: APERJ
Baseados nos livros de matrícula da Casa de Detenção, observamos uma
nova queda (Gráfico 3) entre os anos de 1895 e 1900, período onde foram
levantados 6987registros gerais, sendo 1291 por vadiagem e 5696 por registros
diversos. Ressaltamos ainda que não há livros correspondentes ao ano de 1900.
Gráfico 3
Entrada de Detentos entre 1895-1900
Outros
82%
Vadiagem
18%
Outros
Vadiagem
Fonte: APERJ
41
Entre os anos de 1901 e 1903 observamos uma queda de 2% em relação aos
anos anteriores, dessa forma a vadiagem correspondeu a um total de 1324. Os
registros gerais corresponderam a 8044, sendo 6720 por registros diversos,
conforme nos mostra o gráfico 4.
Gráfico 4
Entrada de Detentos entre 1901-1903
84%
16%
Outros
Vadiagem
Fonte: APERJ
No período de 1904 a 1906 percebemos que o número de entradas por
vadiagem voltou a crescer. Assim sendo, observamos que de um total de 2966
registros gerais, 1067 estavam relacionados à vadiagem e 1899 a registros diversos,
como podemos observar no gráfico 5.
42
Gráfico 5
Entrada de Detentos entre 1904-1906
Outros
64%
Vadiagem
36%
Outros
Vadiagem
Fonte: APERJ
Como já foi dito algumas lacunas na documentação da Casa de Detenção,
assim sendo existem períodos em que há uma maior regularidade dos livros do que
em outros. Como por exemplo, nos anos de 1886 e 1902 os livros estão completos,
nos anos de 1900 e 1905 a documentação apresenta uma grande irregularidade,
conforme nos mostra o gráfico 6.
43
Gráfico 6
Relação entre a Entrada de Detentos por Registros Gerais e por Vadiagem
(1886-1906)
Registros Gerais X Registros por Vadiagem (1886-1906)
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 1 2 3 4 5 6 7
Anos
Fonte: APERJ
No ano de 1904, observamos que a contravenção de vadiagem correspondeu
a um total de 1458 entradas para os detentos do sexo masculino, constituindo-se no
principal motivo das detenções não apenas no que diz respeito a entrada por
contravenções, mas também por crimes, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1
Movimento de Entradas da Casa de Detenção
(Homens)
Razão da Detenção Total
Contravenção
Jogo
Tavolagem
Uso de armas
Embriaguez e vadiagem
Embriaguez
Favorecer a embriaguez
Vadiagem
Vadiagem reincidente
Capoeiragem
Embriaguez, vadiagem e capoeiragem
Vadiagem e capoeiragem
Uso de armas e vadiagem
30
37
67
97
109
02
1458
11
80
03
08
07
44
Crime
Homicídio
Furto
Ofensas físicas leves
Roubo
Atentado ao pudor
Defloramento
Estupro
Tentativa de estupro
Ultraje público
15
100
541
05
05
07
03
02
10
Fonte: Gabinete de identificação e Estatística, 1904.
No que diz respeito ao número de entradas na Casa de Detenção pelo sexo
feminino, a vadiagem também é apresentada como principal motivo de detenção,
como nos mostra a tabela 2.
Tabela 2
Movimento de Entradas da Casa de Detenção
(Mulheres)
Razão da Detenção Total
Contravenção
Vadiagem
Embriaguez e vadiagem
Embriaguez
Uso de armas
Vadiagem reincidente
Capoeiragem
565
58
45
01
08
03
Total geral 680
Fonte: Gabinete de identificação e Estatística, 1904.
Como pudemos observar ao longo deste capítulo, a questão da vadiagem não
se restringia apenas aos discursos dos juristas, mas atingia também os mais
diversos setores da sociedade tanto de fins de império, quanto da república,
constituindo-se assim na principal razão de detenção. Passaremos agora a tratar da
construção das personagens envolvidas por vadiagem tanto no período imperial
como no republicano.
45
CAPÍTULO II
O PERFIL DA VADIAGEM NOS ÚLTIMOS ANOS DO IMPÉRIO
O objetivo desse capítulo é analisar em que medida a preocupação dos
parlamentares, estudada no capítulo anterior, se refletia nas detenções ocorridas por
vadiagem. Para tanto, trabalharemos não apenas com o número das detenções,
mas também com os dados estatísticos da Casa de Detenção: cor, sexo, idade,
naturalidade, moradia dentre outros.
2.1. A Abolição da escravidão e o pavor da disseminação do ócio
Pensar o ex-escravo representava um grande problema para as autoridades
imperiais que estavam neste momento interessadas na manutenção da ordem, pois
vistos como “classe perigosa”
53
, os negros seriam uma ameaça constante a
estabilidade social. Segundo Rosa Araújo:
Até 1888, o mundo do trabalho estava circunscrito à esfera mais ampla
da ordem social do sistema escravista, que consagrava o princípio da
propriedade da mão-de-obra escrava. Com a Abolição, a Câmara dos
Deputados votou um projeto de repressão à ociosidade no próprio ano de
1888, com o objetivo de educar o liberto criando a obrigatoriedade legal
do trabalho. O conceito de vadiagem desde então equivale a uma
ameaça à moral e aos bons costumes. Nesse projeto, o ocioso é visto
como um pervertido moral capaz de cometer crimes contra a propriedade
e a segurança individual.
54
A imagem do negro liberto era associada à desordem, à ociosidade, a
capoeiragem, enfim a do elemento dinamizador do conflito social, que passou a
existir a medida em que o negro antes visto como mercadoria deixava a condição de
escravo para entrar no mundo social.
Mesmo no Rio de Janeiro, onde a população escrava era bastante
reduzida, percebemos nos discursos dos parlamentares o pavor de que a abolição
53
O conceito foi trabalhado por três autores estudados: Sidney Chalhoub, op. cit., p. 76; Rosa Araújo,
op.cit., p.49 e José Murilo de Carvalho, Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo, Cia. das Letras, 1997, p, 18. Os três autores acreditam que o conceito foi importado do
pensamento francês do século XIX, sendo aplicado às camadas pobres da sociedade carioca,
principalmente a partir de 1890 quando o rápido crescimento populacional produziu o acúmulo de
pessoas sem ocupação fixa, ou em ocupação mal remunerada.
46
pudesse provocar motins ou pela falta de trabalho, ou pela falta de vontade do ex-
escravo de querer trabalhar. No discurso do deputado Mac-Dowell a cerca do projeto
elaborado pelo ministro da Justiça Ferreira Vianna, que propunha resolver a questão
do ócio, percebemos a visão negativa da figura do negro e o preconceito ainda
mantido com a promulgação da Lei Áurea:
Votei pela utilidade do projeto, convencido, como todos estamos, de que
até hoje, mais do que nunca, é preciso reprimir a vadiação, a mendicidade
desnecessária[...] o dever imperioso por parte do Estado de reprimir e
opor um dique a todos os vícios que o liberto trouxe de seu antigo estado, e
que não podia o efeito miraculoso de uma lei fazer desaparecer, porque a
lei não pode de um momento para o outro transformar o que está na
natureza.
[...] a lei produzirá os desejados efeitos compelindo-se a população ociosa
ao trabalho honesto, minorando-se o efeito desastroso que fatalmente se
prevê como conseqüência da libertação de uma massa enorme de
escravos, atirada no meio da sociedade civilizada, escravos sem estímulos
para o bem, sem educação, sem os sentimentos nobres que só pode
adquirir uma população livre e finalmente será regulada a educação dos
menores, que se tornarão instrumentos do trabalho inteligente, cidadãos
morigerados, [...] servindo de exemplo e edificação aos outros da mesma
classe social.
55
A presença ameaçadora do negro na sociedade, só poderia na visão da
época ser atenuada com a substituição da ociosidade pelo mundo do trabalho.
Nesse sentido o trabalho adquiriu uma função educadora, por se constituir na
principal forma de enquadramento do ex-escravo à vida em sociedade. Segundo
CHALHOUB:
Mais do que isto, a lei de 13 de maio era percebida como uma ameaça à
ordem porque nivelava todas as classes de um dia para o outro,
provocando um deslocamento de profissões e de hábitos de
conseqüências imprevisíveis. Para concluir, os interpelantes citavam
diversos casos de crimes que teriam sido cometidos por libertos nos dias
anteriores, provando assim o caos social que reinava especialmente nas
províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
56
54
Rosa Araújo, op.cit., p. 48.
55
Discurso do deputado Mac-Dowell, Anais da Câmara dos Deputados, 1888, vol.7, pp.259-260 apud
Sidney Chalhoub, op.cit., pp. 68-69.
56
Sidney Chalhoub, Id.Ibid, p.66.
47
Em fins do Império, portanto, o significado de vadiagem esteve ligado a figura
do liberto, pelo temor que a sociedade tinha do negro que iria abandonar a sua
condição servil.
Este fato pode explicar o aumento no número de registros por vadiagem no
ano de 1888. Entre os meses de março e abril deste ano foram registradas 432
entradas por vadiagem e no período de agosto a novembro do mesmo ano 481
entradas. LÍBANO, no estudo que faz da capoeiragem também destacou o número
de prisões pela contravenção, defendendo a tese de que a presença de um maior
número de negros livres na capital contribuiu para um aumento da repressão policial.
Segundo ele:
O ano de 1888 foi de intensas movimentações. A vitória da idéia
abolicionista, depois de uma árdua campanha, transforma a cidade num
caldeirão político em ebulição. O grande volume de prisões na Casa, numa
quantidade antes não vista, nos primeiros meses do ano, testemunham, de
um lado, a efervescência política, e a presença cada vez maior de libertos
vindos do interior, e de outro, a atividade frenética da polícia naqueles dias
tão inquietos. Somente do final de abril ao início de julho entraram na Casa
de Detenção 65 capoeiras. Mesmo levando em conta as várias prisões de
um indivíduo, é um número considerável para pouco mais de três
meses.
57
Associado ao fim da escravidão o pensamento cientificista gerava a idéia de
que o Brasil era um país propício à ociosidade, pois era visto como o lugar de
abundância de vegetais, frutas e animais, que garantiriam a subsistência do
indivíduo.
Sendo assim, a nossa população não precisa ter hábitos ativos de trabalho,
pois tem facilidade em obter a carne, o peixe, o fruto, e, além disso, a
amenidade do clima permite ao brasileiro passar perfeitamente ao relento,
sem cobrir o corpo com vestes pesadas e caras. Em nosso país, portanto,
é preciso obrigar o indivíduo ao trabalho, pois a tentação da ociosidade é
irresistível.
58
57
Líbano, Carlos Eugênio, A negregada instituição: os capoeiras na Corte Imperial, 1850-1890. Rio
de Janeiro: Access, 1999., p. 140.
58
Discurso de deputado, Anais da Câmara dos Deputados, vol.6, p.68 apud Sidney Chalhoub, op.cit.,
p.74.
48
Por isso mesmo começava a atrair para cá imigrantes que ao lado dos libertos
e dos mestiços dariam à vadiagem um perfil multifacetado, como veremos adiante, a
mediada em que formos descrevendo quem eram os indivíduos envolvidos pela
contravenção.
2.2. A vadiagem por sexo, naturalidade, nacionalidade, idade e estado civil
Interessa-nos aqui descrever o perfil dos indivíduos detidos por vadiagem no
momento em que a escravidão e o próprio Império chegavam ao fim. Para tanto,
selecionamos a partir da amostragem de um para cada sete registros, os dados
referentes a 699 detentos de um universo de 4549 registros relacionados à
vadiagem.
A partir da tese desenvolvida por ZENHA de que um juiz precisa se deparar
com uma verdade para poder julgar ou condenar determinados réus, trabalharemos
com a idéia de que a polícia procurou produzir a verdade da vadiagem em
determinados sujeitos sociais. Segundo a historiadora:
É necessário que aquele que julga se encontre diante de uma verdade e
não de uma mentira. Para tanto, foram estabelecidos os critérios que
avaliam um discurso como verdadeiro ou falso, um certo número de regras
para a produção da verdade...
Logo, a verdade que condena ou absolve não pode ser identificada,
imediatamente, como um fato do passado, mas se erige alicerçada sobre
um mundo concreto, em que se movem os seus construtores e é para
servi-los que é confeccionada.
59
Nosso objetivo é identificar qual a imagem que as autoridades policiais
construíam do vadio e que categorias eram usadas para enquadrar determinados
indivíduos na contravenção.
59
Zenha, Celeste. As práticas da Justiça no cotidiano da pobreza in Revista Brasileira de História.
São Paulo: Marco Zero, 1985, p. 126.
49
A começar pelo sexo percebemos que a vadiagem adquiriu uma característica
masculina (observe o gráfico 7), já que 598 dos registros analisados correspondem à
matrícula de homens e apenas 101 a de mulheres.
60
Gráfico 7
Entrada de Detentos por Sexo
(1886-1888)
86%
14%
Homens
Mulheres
Fonte: APERJ
Como a maioria dos registros de estrangeiros não menciona a naturalidade,
apenas a nacionalidade, optamos por trabalhar com as categorias agrupadas, pois
neste período a presença de estrangeiros na documentação é pouco diversificada
havendo uma maior freqüência de portugueses e italianos.
A maior parte das detenções são de nascidos no estado do Rio de Janeiro
(37,1%) e de portugueses (20,4%) respectivamente, seguidos de pernambucanos
(4,1%), baianos (4,1%) e também de italianos (4,1%), conforme podemos observar
no gráfico 8.
60
Fonte: APERJ, Livros de Matrículas de Detentos da Casa de Detenção.
50
Gráfico 8
Entrada de Detentos por Naturalidade
(1886-1888)
260
180
34
29 29
16
15
14
13 13
96
0
50
100
150
200
250
300
RJ Portugal PE BA Italia RS MG CE SP EUA Outros
Fonte: APERJ
No que diz respeito à idade observamos uma pequena quantidade de
menores detidos com relação aos maiores (Gráfico 9), principalmente se levarmos
em consideração que até então não havia separação de registros de menores e
maiores como passaria a existir na República.
Gráfico 9
Entrada de Detentos por Idade
(1886-1888)
89%
11%
0%
Maior
Menor
Ignora
Fonte: APERJ
51
Assim sendo, dos 699 registros levantados 624 eram maiores de idade e 74
menores, havendo ainda uma mulher que ignorava a idade, bem como a filiação.
Destacamos ainda que deste universo 95,9% declararam ter filiação conhecida e
apenas 4,1% desconheciam a filiação.
Quanto aos menores de idade uma proporção maior de mulheres menores
detidas por vadiagem do que de homens. De um universo de 101 mulheres, 17,8%
eram menores de idade, dos 598 detentos do sexo masculino 13,7% eram
menores.
No que diz respeito a faixa etária, os indivíduos entre os 31 e 40 anos de
idade representam a maior parte das detenções (22%), seguidos dos que têm entre
21 e 25 anos (19%) e ainda dos que apresentam idade entre 26 e 30 anos(18,9%),
os menores entre 12 e 17 anos representam 8,0 % das detenções (ver gráfico
10), ressaltando que as mulheres atingiam a maioridade aos 21 anos, daí
somarem mais 3% a essa categoria.
Gráfico 10
Entrada de Detentos por Faixa Etária
(1886-1888)
154
136
132
107
75
56
24
13
1 1
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
31 a
40
21 a
25
26 a
30
18 a
20
41 a
50
12 a
17
51 a
60
61 a
70
71 a
80
Ignora
Idade
Valores
Fonte: APERJ
52
Apesar dos menores representarem a minoria, podemos perceber que havia
por parte das autoridades policiais uma certa preocupação em fazê-los tomar
ocupação, desta forma em 699 casos analisados, apenas 25 constam o destino
tomado pelos detentos. Dos 25 casos, 11 estão relacionados aos menores que ou
foram remetidos para o Juiz de Órfãos (7), ou foram enviados ao General da Armada
(4).
Havia a preocupação de educar os menores no sentido do trabalho, para que
através da ocupação profissional pudessem ser disciplinados.
A necessidade de educar e de estimular beneficamente os menores
desvalidos ou viciosos acostumá-los ao trabalho profissional, e reprimir-
lhes os maus instintos por meio de medidas disciplinares não se impõe
somente pelos sentimentos filantrópicos, mas como preciosa condição de
garantia social.
61
Neste relatório, Joaquim Ribeiro da Luz enfatiza que incentivar os menores ao
trabalho o era apenas uma questão humanidade, mas, sobretudo um meio
preventivo, ou uma forma de manutenção da ordem social. Quanto a isso escreve
FRAGA FILHO:
O termo vadio comportava condenação moral, advinha do fato de
estarem fora do domicilio familiar e produtivo. O menino vadio atentava
contra a ordem familiar ao trocar o ambiente doméstico pelo mundo da rua.
Era inevitável que fossem vistos como ameaça à ordem social, porque esta
era vista em grande parte como decorrência da ordem familiar.
62
Assim como os menores, os solteiros também eram uma ameaça à ordem
social, pois a ausência da família representava um certo descompromisso social, daí
a necessidade das autoridades policiais em vigia-los. Desta forma dos 699 registros
analisados 643 eram de pessoas solteiras, 49 de casadas e 7 de viúvas, assim
sendo o percentual de solteiros corresponde a 93%, conforme nos mostra o gráfico
11.
61
Fonte: APERJ. Relatório da Repartição dos Negócios da Justiça. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1886, p.156.
53
Gráfico 11
Entrada de Detentos pelo Estado Civil
(1886-1888)
93%
7%
0%
Solteiro
Casado
Viúvo
Fonte: APERJ
2.3. A vadiagem por cor, profissão, moradia e pelo traje
Na questão da vadiagem um problema que nos chama atenção é o
relacionado à cor. Percebemos que se agregarmos por cor, a cor branca se
apresenta individualmente na maioria dos casos (Gráfico 12), no entanto se
agregarmos ao negro, as cores: parda, fula e acaboclada, ou seja, os considerados
mestiços, poderemos observar que juntos representam a maioria das entradas da
Casa de Detenção.
Assim sendo, dos 699 registros levantados, 272 são de brancos, 177 de
pretos, 135 de pardos, 67 de morenos, 35 de fulos, 8 de acaboclados e 5 de pardo
escuros.
62
Ver Walter Fraga Filho. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. SP: HUCITEC,
54
Gráfico 12
Entrada de Detentos pela Cor
(1886-1888)
39%
25%
19%
10%
5%
1%
1%
Branca
Preta
Parda
Morena
Fula
Acaboclada
Parda Escura
Fonte: APERJ
Ao analisarmos o censo de 1890, verificamos que foram trabalhadas no
mesmo quatro categorias de cor: branca, preta, cabocla e mestiça. Na cidade do Rio
de Janeiro existiam 327789 brancos; 64538 pretos; 17445 caboclos e 112879
mestiços numa população de 522651. Esses dados nos levam a seguinte proporção
populacional (gráfico 13):
1996, p 119.
55
Gráfico 13
População do Distrito Federal
Censo de 1890
Proporção da População Pela Cor na Cidade do Rio
de Janeiro pelo Censo de 1890
63%
12%
3%
22%
Branca
Preta
Cabocla
Mestiça
Fonte: IBGE
O gráfico nos mostra que o número de brancos na cidade do Rio de Janeiro
correspondia a 63% da população total, o que nos leva a perceber que desta forma
a população branca não estava sobrerepresentada no número de detidos por
vadiagem da Casa de Detenção que o número de detentos de cor branca
correspondeu a 39%.
Os mestiços representavam 23% da população e na Casa de Detenção,
corresponderam a um total de 26%, os negros que segundo o censo
correspondiam a apenas 12% da população representaram 25% das detenções por
vadiagem, o que mostra que estes sim estavam sobrerepresentados nas entradas
por vadiagem e que muito possivelmente a repressão sobre os mesmos fosse maior.
Consta nos Livros de Matrícula da Casa de Detenção a característica física
dos indivíduos, mas uma certa homogeneidade na descrição dos detentos de
cada cor no que diz respeito à descrição do biótipo, assim sendo pela cor os
indivíduos aparecem descritos conforme nos mostra a tabela 3.
56
Tabela 3
Características Físicas dos Detentos
(1886-1888)
Cor Características
Branca
Olhos: Pardos ou Escuros
Nariz: Regular
Boca: Regular
Lábios: Regular
Barba ou Bigode
Cabelos: Castanhos
Semblante: Regular
Rosto: Comprido
Altura
Preta Olhos: Escuros
Nariz: Grande ou Achatado
Boca: Grande ou Regular
Lábios: Grande ou Regular
Barba ou Bigode
Cabelos: Carapinhos
Semblante: Regular ou Carregado
Rosto: Comprido
Altura
Parda Olhos: Escuros
Nariz: Regular
Boca: Regular
Lábios: Regular
Barba ou Bigode
Cabelos: Carapinhos
Semblante: Regular
Rosto: Comprido
Altura
Morena Olhos: Escuros ou Pretos
Nariz: Regular
Boca: Regular
Lábios: Regular
Barba ou Bigode
Cabelos: Castanhos
Semblante: Regular
Rosto: Comprido
Altura
Fula Olhos: Escuros
Nariz: Regular
Boca: Regular
Lábios:Regular
Barba ou Bigode
Cabelos: Carapinhos
Semblante: Regular
Rosto: Comprido
Altura
Acaboclada Olhos: Escuros
Nariz: Regular
Boca: Regular
Lábios: Regular
Barba ou Bigode
Cabelos: Crespos
Semblante: Regular
Rosto: Comprido
Altura
Fonte: APERJ
57
Dentre os 67 morenos detidos por vadiagem encontramos: 10 portugueses, 2
italianos, 2 chilenos, 1 argentino, 2 paraguaios e 1 espanhol. Desta forma,
entendemos que pelo menos 18 deles não podem ser classificados como
afrodescendentes, fato que explica em parte a semelhança entre as descrições dos
brancos e dos morenos.
Os portugueses no censo de 1890 somavam 106461, correspondendo a 17%
da população total, na Casa de Detenção, os nascidos em Portugal como
dissemos ao analisarmos a nacionalidade dos detentos, representaram 20,4% das
detenções por vadiagem fator que pode ter contribuído para o elevado número de
detidos da cor branca.
Ao analisarmos a questão das características físicas, notamos em alguns
casos a categoria do “semblante carregado” e percebemos que havia um tipo
idealizado que levava as pessoas a sentir medo, ou quem sabe alguns puramente
pela própria cor serviam às representações do perigo social. De acordo com
PECHMAN:
Na cidade, portanto, o negro funciona como a metáfora do mal, ajudando a
socializar o medo e constituindo uma referência a partir da qual se irá
instituir a exclusão urbana dos outros ‘males’ da cidade. E se o negro é a
encarnação do mal, as gradações de cores que têm origem nele pardo,
mulato, moreno etc. hão de apontar, também, para os graus de
periculosidade. Nem mesmo o branco (pobre) escapará, identificado como
em seus ‘vícios’ à malignidade negra.
63
Neste período, constam nos registros de vadiagem aproximadamente 90 tipos
de profissões diferentes dentro do universo selecionado. As mais comuns no caso
dos homens são as de: carregador, marítimo, cozinheiro, caixeiro, pedreiro, serviço
doméstico, marinheiro, carpinteiro, pintor, carroceiro, servente, estivador, cocheiro e
lavrador que juntas somam 326 de um total de 598 registros masculinos. Dentre as
profissões que aparecem em menor escala estão as de: açougueiro, barbeiro,
58
bilheteiro, calafate, jardineiro, ferreiro, quitandeiro, doceiro e outras que juntas
somam 123.
A maior evidência, no entanto, é para a ocupação genérica, indefinida de
trabalhador que aparece em 149 casos analisados. Em apenas 12 registros os
detentos afirmam não ter profissão. Veja o gráfico14:
Gráfico 14
Entrada de Detentos pela Profissão
(1886-1888)
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Trabalhador
Carregador
Cozin
h
e
ir
o
C
a
ixe
ir
o
Pe
d
r
e
ir
o
C
o
p
e
ir
o
C
ig
a
r
r
e
ir
o
Ma
r
in
h
e
ir
o
Ca
r
p
in
te
ir
o
Pad
e
ir
o
Pint
o
r
Ca
r
r
o
ceiro
Sapat
e
ir
o
Serve
n
te
Estivad
o
r
Cocheiro
Lavrad
o
r
Outros
Ocupação
Valores
Fonte: APERJ
As pessoas que exerciam profissões em que a ocupação era considerada
temporária, como: as dos empregados do porto, dos marítimos e dos caixeiros eram
constantemente envolvidas na vadiagem que supostamente não tinham um lugar
fixo em que pudessem ser controladas pelas forças policiais e pela própria
sociedade. Conforme assinala FRAGA FILHO:
A vida em trânsito resultava, no entanto, de diversidade muito grande de
situações. A grande maioria não possuía nenhum ofício. Para ela era
mesmo difícil ter vida estável, vez que sofria mais de perto a instabilidade
do mercado de trabalho. Talvez por isso se visse na necessidade de se
deslocar constantemente em busca de novas oportunidades de emprego.
Poucos (27%) declararam possuir domínio de pelo menos um ofício. Eram
63
PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista. RJ: Casa da
Palavra, 2002, p.311.
59
marinheiros, pescadores, tanoeiros, carreiros, alfaiates, pedreiros,
sapateiros, carpinteiros que, sem condição de exercer suas profissões, se
entregavam à vida de andarilho, quem sabe na esperança de se
estabelecerem em locais mais prósperos.
64
No caso feminino, das 101 mulheres analisadas a exceção de três (duas que
não tinham profissão e uma que se declarou trabalhadora), as demais apresentam
profissões bem definidas: lavadeira (40,6%); cozinheira (25,8%); serviço doméstico
(17,8%); costureira (7,9%); seguidas de engomadeira (2,0%), quitandeira (1,0%);
doceira (1,0%) e ama seca (1,0%), como nos mostra o gráfico 15.
Era comum mulheres trabalharem como vendedoras ambulantes, como
vendedoras de mercado (vide as figuras I e II), ou como quitandeiras, estas últimas
além de vender seus legumes, hortaliças, frutas, aves e ovos, também vendiam
ervas e rezavam, exercendo assim a função de benzedeiras. Como nos descreve
ALAMBERT:
As quitandeiras e vendedoras tinham um grande prestígio na comunidade
sendo valorizadas por seus conhecimentos e experiências...
Nas últimas décadas do século XIX, quando o movimento, agora
abolicionista, chegou as ruas, quitandeiras e vendedoras ambulantes
tempo atuavam, como foi o caso de Adelina Charuteira no Maranhão. Ela
fabricava charutos e informava os abolicionistas dos planos dos
escravocratas, ajudando dessa forma na fuga dos escravos.
65
64
Op.cit., p.82.
65
Alambert, Zuleika. A história da mulher: a mulher na história brasileira. Brasília: Fundação
Astrogildo Pereira/FAP; Aboré, 2004., p. 83.
60
FIGURA 1
Vendedora no Mercado
1875: Foto Marc Ferrez. In: diversao.uol.com.br.marcferrez.album.jhtm.
61
FIGURA 2
Vendedora Ambulante
.
Coleção Gilberto Ferrez. Foto: Marc Ferrez. In: PARENTE, José Inácio e MONTE-MÓR, Patrícia. Rio de Janeiro: Retratos de
Cidade. Rio de Janeiro: Interior Produções, c.1994. 176p.
62
Com base nestes dados é possível acreditar que as mulheres das classes
menos favorecidas tinham que trabalhar para ajudar no sustento das famílias,
ocupando diferentes profissões, mas todas elas ligadas a um universo restrito ao
sexo feminino.
Gráfico 15
Entrada de Detentas pela Profissão
(1886-1888)
41
26
18
8
2 2
1 1 1 1
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Lavadeira
Coz
i
nheira
Cos
t
ureira
E
ng
omadei
r
a
Trabal
hador
a
Qui
t
andeira
Doc
e
ir
a
A
m
a
S
eca
Ocupação
Valores
Fonte: APERJ
Na categoria da moradia foram levantados cerca de 180 logradouros
diferentes, a grande maioria pelo entorno da Capital da Corte. Assim sendo, as ruas
que aparecem com maior freqüência são: Rua da Misericórdia (5,4%); Rua da
Imperatriz (2,7%); Rua da Saúde (2,7%) e Largo da Prainha (2,6%), como nos
mostra a tabela 4. Houve ainda alguns casos em que os detentos declararam morar
a bordo, possivelmente confirmando o fato de serem marítimos, marinheiros e
caldeireiros. Em apenas 20 dos 699 registros os detentos afirmaram não ter
moradia, já que a falta de domicílio certo poderia levar os indivíduos a serem
considerados culpados.
63
Tabela 4
A vadiagem pela moradia
(1886-1888)
Logradouro Total
R: da Misericórdia 38
R: da Imperatriz 19
R: da Saúde 19
A bordo 19
Largo da Prainha 18
Beco dos Ferreiros 17
Trav. Bom Jardim 17
R: São Pedro 17
R: General Pedra 14
R: Formosa 14
R: do Sabão 14
R: da Princesa 13
R: de São Diogo 12
R: do Livramento 12
R: do Costa Velho 12
R: Santa Luzia 11
R: do Príncipe 11
R: da Alfândega 10
R: São José 9
R: Sete de Setembro 9
R: São Leopoldo 9
R: da Gamboa 8
R: do Cotovelo 8
R: Engenho Novo 7
R: da Conceição 7
R: do Catete 7
Largo de São Francisco 7
R: Conde d'Eu
R: dos Inválidos
6
6
R: do Senado 6
R: d'Ajuda 6
R: do Hospício 5
R: Estreita 5
R: Larga de S.Joaquim 5
R: do Alcântara 5
R: dos Andradas 5
R: do Regente 5
R: do Areal 5
Não tem 20
Outros 262
Fonte: APERJ
64
Como podemos perceber a maior parte dos detentos afirmou morar nas áreas
centrais da cidade do Rio de Janeiro, habitava nas ruas próximas ao Morro do
Castelo, na região da Gamboa, Saúde, Morro da Conceição e Largo da Prainha.
Assim sendo, como nos mostra o gráfico 16, a maior parte dos detentos
habitava nas freguesias de Santa Rita, São José, Santana e Candelária.
Gráfico 16
Região de Moradia dos Detentos por Freguesia
(1886-1888)
24%
18%
11%
7%
7%
5%
4%
3%
2%
2%
1%
1%
0%
0%0%0%
13%
Santa Rita
o José
Santana
Candelária
Sacramento
Gria
Santo Antônio
Espirito Santo
Engenho Novo
Engenho Velho
Lagoa
o Cristovão
Inhaúma
Irajá
Guaratiba
Jacarepaguá
Outros
Fonte: APERJ
Quanto ao traje dos 598 registros masculinos, 236 vestiam camisa, calça,
paletó e chapéu; 96, camisa, calça e chapéu; 83, camisa, calça, paletó, colete e
chapéu; 62, camisa, calça e paletó; 17, camisa, calça, colete e chapéu; 13, camisa,
calça, colete e paletó; 10, camisa, calça, paletó e boné; outros 10, camisa, calça e
boné e 5 camisa, calça e colete, conforme nos mostra o gráfico 17.
65
Gráfico 17
A indumentária masculina da vadiagem
(1886-1888)
39%
16%
14%
10%
9%
3%
2%
2%
2%
1%
2%
Camisa,calça,paletó e
chapéu
Camisa,calça e chapéu
Paletó,camisa,calça,colet
e e chapéu
Camisa,calça e paletó
Camisa e calça
Calça,camisa,colete e
chapéu
Camisa,calça,colete e
paletó
Camisa,calça,calça e
bonet
Camisa,calça,paletó e
bonet
Camisa,calça e colete
Outros
Fonte: APERJ
Cerca de 39% dos detentos aparentemente trajavam uma roupa elegante:
camisa, calça, paletó e chapéu (ver figura 3), no entanto, vez por outra aparece nos
registros a ressalva, “tudo velho”, fato que serve de comprovação de que os vadios
saíam mesmo das classes mais pobres da sociedade. No romance O Cortiço,
publicado em 1890, Aluísio Azevedo assim descreve o tipo de vestimenta
característico dos pobres, trabalhadores e vadios:
A respeito de barba, nada mais com bigodinho crespo, petulante, onde
reluzia cheirosa a brilhantina do barbeiro; grande cabeleira
encaracolada, negra e bem negra, dividida ao meio da cabeça,
escondendo parte da testa e estufando em grande gaforina por debaixo
da aba do chapéu de palha que ele punha de banda, derreado sobre a
orelha esquerda.
Vestia, como de costume, um paletó de lustrina preta já bastante usado,
calças apertadas no joelho, mas tão larga na bainha que lhe engoliam os
pezinhos secos e ligeiros. Não trazia gravata, nem colete, sim uma
camisa de chita nova e ao pescoço, resguardando o colarinho, um lenço
alvo e perfumado...
Era oficial de torneiro, oficial perito e vadio; ganhava uma semana para
gastar no dia, às vezes, porém, os dados ou a roleta multiplicavam-lhe o
dinheiro e então, ele fazia como naqueles últimos três meses: afogava-
se numa boa pândega com a Rita Baiana.
66
66
Ver Aluísio Azevedo, O Cortiço. São Paulo, Ed. Círculo do Livro, p. 60.
66
FIGURA 3
Vendedor de Tecidos
Foto de Marc Ferrez, Rio de Janeiro, 1895. In: PARENTE, José Inácio e MONTE-MÓR, Patrícia. Rio de Janeiro: Retratos de
Cidade. Rio de Janeiro: Interior Produções, c.1994. 176p.
Outro traje que aparece com freqüência é que reúne o conjunto: camisa, calça
e chapéu, ou simplesmente camisa e calça (ver figura 4) que Aluísio Azevedo narra
ao fazer referência ao traje usado pelos trabalhadores no seu dia de descanso, que
era o domingo.
À porta de diversos cômodos, trabalhadores descansavam, de calça
limpa e camisa-de-meia lavada, assentados em cadeira, lendo e
soletrando jornais ou livros; um declamava em voz alta versos de Os
lusíadas, com um empenho feroz, que lhe punha rouco.
67
67
Id.Ibid., pp.53-54.
67
FIGURA 4
Vendedores ambulantes
C.1895. Coleção Gilberto Ferrez. Foto: Marc Ferrez. In: PARENTE, José Inácio e MONTE-MÓR, Patrícia. Rio de
Janeiro: Retratos de Cidade. Rio de Janeiro: Interior Produções, c.1994. 176p
As mulheres se apresentavam com 4 tipos de trajes diferentes (ver gráfico
18): saia e paletó (75); saia, xale e paletó (16); saia, blusa e xale (5), vestido (4) e
68
saia e blusa (1). Através da narrativa do mesmo autor, podemos supor que saia e
paletó não formavam um conjunto de traje elegante. Assim descreve Aluísio
Azevedo:
Rita havia parado em meio do pátio...
Não vinha em trajo de domingo; trazia casaquinho branco, uma saia que
lhe deixava ver o pé sem meia num chinelo de polimento com enfeites de
marroquim de diversas cores.
68
A indumentária apresenta-se como um dos principais elementos de distinção
social, talvez porque seja a característica que ao lado da cor esteja ligada a
aparência, ou seja, através do traje era possível identificar claramente a classe
social a qual uma pessoa pertencia. Isto nos leva a supor que a construção da
imagem do vadio passava também pela roupa que o mesmo trajava.
Gráfico 18
A indumentária feminina da vadiagem
(1886-1888)
74%
5%
1%
16%
4%
Saia e paletó
Saia,blusa e xale
Saia e blusa
Saia,paletó e xale
Vestido
Fonte: APERJ
Tendo trabalhado as categorias que poderiam levar os indivíduos a serem
detidos por vadiagem, passaremos a relatar os motivos que levavam à prisão, quais
as regiões em que ocorriam a maior parte das detenções e qual o tempo em que
uma pessoa detida por vadiagem permanecia na prisão.
68
Id. Ibid., p.55.
69
2.4. A vadiagem pela razão da detenção, disposição e tempo de prisão
Foram identificados neste período cerca de 30 motivos diferentes de detenção
associados a questão da vadiagem alguns curiosos como: “vagabundo e intitular-se
capitão do exército”; “vagabundo e perseguição a transeuntes”; “vagabundo e
curandeiro e vagabundo” e “vagabundo e estar em casa de zungu”(conforme
expressões encontradas na documentação da Casa de Detenção).
No entanto, a maior parte das detenções ocorria pelo motivo de um indivíduo
ser considerado vagabundo e desordeiro (36,4%), apenas vagabundo (26,9%);
vagabundo e ébrio (9,4%); vagabundo, desordeiro e ébrio (5,4%); vagabundo e
capoeira (4,0%); vagabundo e gatuno (3,7%); vagabundo e ratoneiro (3,6%); por ser
vagabundo e praticar atos imorais (2,6%) e por outros motivos associados à
vadiagem (8,0%), conforme nos mostra o gráfico 19.
Gráfico 19
Razão da Detenção
(1886-1888)
255
188
66
38
28
26
25
18
55
Vagabundo e desordeiro
Vagabundo
Vagabundo e ébrio
Vagabundo, desordeiro e ébrio
Vagabundo e capoeira
Vagabundo e Gatuno
Vagabundo e ratoneiro
Vagabundo e prática de atos imorais
Outros
Fonte: APERJ
Como pudemos ver no gráfico 19, a maior parte das detenções ocorreu por
vadiagem e desordem, o que evidencia a preocupação que esta sociedade tinha
com a ordem.
70
Talvez o bastasse puramente a acusação de desordeiro, por essa razão
muito provavelmente as forças policiais somassem à desordem a inculpação da
vadiagem. Isto porque percebemos pela documentação que a acusação de
desordem freqüentemente se segue a de vadio, conforme observou PECHMAN:
Vigiar no sentido de prevenir é o novo conceito que a polícia elabora para
controlar a desordem na cidade e que deveria recair sobre os dois grupos
que, potencialmente, poderiam ameaçar a sociedade: os escravos e os
vadios. Se levarmos em conta uma relativa fixidez e vigilância sobre os
escravos pelos seus próprios donos ou seus ‘empregadores’ (no caso de
escravos alugados), podemos concluir que aqueles classificados como
vadios é que causam espécie e mobilizam a autoridade.
69
O Código Criminal do Império não estabelecia a falta de domicílio como
precedente da vadiagem, como faria o Código de 1890, mesmo assim encontramos
8 pessoas (cerca de 1%), detidas pelo fato de não terem domicílio ou por declararem
ignorar a moradia, este fato demonstra que já havia por parte das autoridades
policiais uma preocupação em saber qual o lugar daquele que desarticulava a “boa
sociedade”.
Na documentação aparece também as subdelegacias responsáveis pela
prisão dos detidos por vadiagem. Verificamos que as subdelegacias das freguesias
de Santana
70
(20%), do Sacramento (19%), de Santa Rita (13%), de Santo Antônio
(13%) e de o Joforam as principais responsáveis pela detenção por vadiagem,
conforme nos mostra o gráfico 20.
69
PECHMAN, op.cit., p. 99.
70
Ressaltamos que os distritos policiais foram reunidos na Freguesia a que pertenciam.
71
Gráfico 20
Principais subdelegacias responsáveis pelas Detenções
(1886-1888)
143
130
88
75
92
50
29
29
32
31
Sub.de Santana
Sub.do Sacramento
Sub. Santo Antônio
Sub.São José
Sub. Santa Rita
Sub. Glória
Sub. Engenho
Chefe de Polícia
Candelária
Outros
Fonte: APERJ
As subdelegacias de Santana e do Sacramento foram as que mais
executaram prisões por vadiagem. Encontrando-se em áreas de grandes
aglomerações da cidade tinham, portanto, a necessidade de prevenir possíveis
desordens e turbulências dos menos favorecidos. Sendo assim muito provavelmente
nestas freguesias, mais do que em quaisquer outros lugares, a acusação por
desordem e vadiagem tenha sido um poderoso instrumento de controle social.
Quanto ao tempo da detenção foi observado que em 42,3% dos casos, os
detentos permaneceram na prisão por um período de 1 a 5 dias; em 15,3% de 11 a
15 dias; em 15,1% de 8 a 10 dias em 11,9%, permaneceram de 6 a 7 dias, como nos
mostra o gráfico 21. Assim sendo, nos chama a atenção o fato de em mais da
metade dos casos (54,2%), os detentos terem permanecido na prisão por um
período inferior ao que o Código Criminal estabelecia como pena, que era a de
72
prisão com trabalho por oito a vinte dias. Isto nos leva a entender que a detenção
por vadiagem tinha mesmo um caráter preventivo, ou disciplinar.
Gráfico 21
Tempo de Detenção
(1886-1888)
296
107
106
83
39
27
25
16
1 a 5 dias
11a 15 dias
8 a 10 dias
6 a 7 dias
16 a 20 dias
21 a 29 dias
Não Consta
Outros
FONTE: APERJ
Passaremos agora a tratar da vadiagem durante o período de 1889 até o ano
de 1906 da República Velha, e muito particularmente das questões que envolveram
a problemática da referida contravenção no período em que pareceu ser tão
necessária a reforma da Capital Federal.
Procuraremos identificar os possíveis cortes e continuidades nos motivos que
não pararam de produzir detenções por vadiagem no decorrer do período
republicano, uma vez que combater a vadiagem continuaria sendo uma das
bandeiras das autoridades no alvorecer da República”.
71
71
A citação é de FRAGA FILHO, op.cit.p., 181, no entanto, o referido autor utiliza na frase o termo
“autoridades baianas”, já que seu objeto de estudo é a vadiagem na Bahia do século XIX.
73
CAPÍTULO III
A VADIAGEM NA REPÚBLICA: CORTES E CONTINUIDADES
Neste capítulo trabalharemos a relação existente entre a reforma da Capital
Federal e o aumento do número de processos ocorrido no ano de 1904 na Freguesia
de Santana, bem como o aumento na porcentagem de entradas por vadiagem no
mesmo ano. Acreditamos que a transformação da cidade num grande cenário,
contribuiu para aumentar o índice das ocorrências por vadiagem neste período, fator
que reflete que a construção da cidade civilizada envolveu a marginalização
daqueles que por motivos diversos não se adaptaram ao cenário.
Além dos registros e dos processos utilizaremos para este capitulo registros
de época como os de Lima Barreto, João do Rio e Rui Barbosa.
3.1. A Modernização da Capital Federal
Com Pereira Passos a cidade ganhou ares de modernização. Era preciso
apagar a antiga imagem da cidade colonial, com ruas irregulares, acessos difíceis,
colocando no lugar uma avenida regular com um comércio sofisticado, cafés e
praças. A cidade moderna era fruto da necessidade de quebrar vínculos com o
passado colonial e criar uma metrópole ao gosto europeu, ou melhor, aos moldes
parisienses, como se fosse possível através da substituição da arquitetura apagar da
realidade social os resquícios da desigualdade que este mesmo passado havia
deixado. Como observou Marilene Rosa:
Substituir os modelos da arquitetura colonial, que delimitava a convivência
do trabalho e da família na casa que se fechava para a rua. Redimir o
espaço da rua representava higienizá-lo. Destruir os labirintos da cidade
colonial, com suas ruelas estreitas, com suas ausências de calçadas e
calçamentos, feita para a escravaria transportadora das coisas, das
pessoas, enfim da própria cidade. Modificar a forma da cidade, servindo a
uma nova função para a qual se destinaria os edifícios. Essa modificação
tece uma relação dialética na qual a forma serve a função, mas a função
reflete-se, por sua vez, na forma para nela tornar-se manifesta.
72
72
Marilene Rosa Nogueira da Silva, O lazer a contraface do dever: as linguagens do poder na cidade
do Rio de Janeiro na Primeira República. São Paulo: USP. Tese (Doutorado), 1995, p.121.
74
O aumento da importação havia levado à modernização do porto, uma vez
que a Capital Federal recebia constantemente a visita de estrangeiros.
A modificação da cidade refletiu o momento em que a sociedade havia se
transformado, uma vez que a elite oligárquica criava hábitos burgueses e o gosto do
carioca aos poucos ia passando por um processo de afrancesamento.
Com o advento da República a sociedade passou por um processo de
reajustamento social, uma vez que era preciso manter a ordem, assim sendo a
reconstrução da cidade era a evidência desse processo de transformação política.
Já na época, Lima Barreto atentava para o aspecto cenográfico da reforma:
De uma hora para outra, a antiga cidade (do Rio de Janeiro)
desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por uma mutação de
teatro. Havia mesmo na cousa muito de cenografia.
73
É interessante a observação de Lima Barreto comparando a transformação da
cidade a uma mudança de cena teatral, que de fato a cidade havia adquirido um
aspecto cenográfico, uma vez que a base da sociedade não tinha se transformado e
o luxo dos cafés era contrário a situação das ruas.
Por ser o maior centro comercial do país, possuía a maior rede de ferrovia
nacional, a sede do Banco do Brasil, a Bolsa de Valores, casas bancárias nacionais
e estrangeiras, atraindo assim um forte contingente de imigrantes, o que acabava
gerando o desemprego e a marginalização da população.
Embora a cidade do Rio de Janeiro passasse por uma fase promissora, uma
vez que tinha um papel privilegiado servindo de intermediadora no comércio do café
e também por ser o centro político do país, havia uma massa que estava alheia a
esses processos de mudança. É o que nos aponta SEVCENKO:
75
Quatro princípios fundamentais regeneravam o transcurso dessa
metamorfose, conforme veremos adiante: a condenação dos hábitos e
costumes ligados pela memória à sociedade tradicional; à negação de todo
e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem
civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa de expulsão dos
grupos populares da área central da cidade, que será praticamente isolada
para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; e um
cosmopolitismo agressivo profundamente identificado com a vida
parisiense.
74
No período da chamada Belle Époque surgiu a necessidade de afastar da
zona central da cidade todo o indivíduo que pudesse comprometer a imagem elitista
que a mesma havia alcançado, surgindo leis municipais, dais quais trataremos mais
à frente, que agiam sobre o indivíduo intervindo nos seus hábitos, no seu vestuário,
enfim na sua vida privada. Desta forma, podemos classificar a Reforma de Pereira
Passos como elitista, de exclusão e repressora, uma vez que a população tornava-
se atingida na sua vida privada e, às vezes sem entender o porque das medidas
reformistas, se rebelava contra o governo.
O Rio de Janeiro do “bota-abaixo” se caracterizou pelo afastamento cada vez
maior da população de baixa renda que se viu privada de sua habitação, de seu
trabalho e principalmente de seu mundo, uma vez que a cada dia a intervenção do
Estado na sua vida cotidiana tornava-se mais intensa. Sobre isto escreve
SEVCENKO:
Como era de se prever, os três (Lauro Müller, Oswaldo Cruz e Pereira
Passos) se voltaram contra os casarões da área central, que congregavam
o grosso da população pobre. Porque eles cerceavam a cesso ao porto,
porque comprometiam a segurança sanitária, porque bloqueavam o livre
fluxo indispensável para a circulação numa cidade moderna. Iniciou-se
então o processo de demolição das residências da área central, que a
grande imprensa saudou denominando-o com simpatia de a
‘Regeneração’. Para os atingidos pelo ato era a ditadura do bota-abaixo’,
que não estavam previstas quaisquer indenizações para os despejados
e suas famílias, nem se tomou qualquer providência para recolocá-los.
lhes cabia arrebanhar suas famílias, juntar os parcos bens que possuíam e
desaparecer de cena. Na inexistência de alternativas, essas multidões
73
Lima Barreto apud Nicolau Sevcenko, Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1985, 2ª edição, p.25.
74
SEVCENKO, Ib.Ibid., p.30.
76
juntaram restos de madeira dos caixotes de mercadorias descartados no
porto e se puseram a montar com eles toscos barracões nas encostas
íngremes dos morros que cercam a cidade, cobrindo-os com folhas-de-
flandres de latões de querosene desdobrados. Era a disseminação das
favelas.
75
Iniciavam-se então as contradições de uma cidade moderna, em volta do
cenário da Avenida central, surgiam favelas, disseminavam-se os cortiços, a
população estava à margem das mudanças e o governo preocupado com a
aparência da cenografia. A chamada Belle Époque tinha muito de teatral, conviviam
de lado opostos da cidade as personagens da elite e de outra as das classes
pobres. No entanto, o medo de um confronto entre os atores era uma constante,
fazendo com que a polícia se tornasse cada vez mais agressiva no sentido de
manter a permanência dos segundos no seu cenário de humilhação, de
constrangimento e de pobreza, afastando-os do rico cenário que havia sido montado
por Pereira Passos.
A intervenção do Estado na vida da população era necessária para manter o
controle sobre a higiene, sobre a saúde e também sobre a habitação, uma vez que o
pobre era visto como o portador e disseminador das doenças infecto-contagiosas
que com freqüência tornavam-se epidemias
76
. Por isso veremos que a polícia atuou
nesse momento ao lado dos interventores da saúde pública para que o controle
sanitário atingisse a proporção que se pretendia atingir.
A política sanitarista apesar de ter revelado um grande progresso, tornou-se
arbitrária e a população viu-se invadida na sua privacidade, até porque não havia
propagandas de esclarecimento sobre os novos procedimentos tomados pelos
75
SEVCENKO, O Prelúdio Republicano, op.cit., p.23.d. Ibid.
76
Ver Paulo César Garcez Marins. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras in História da Vida Privada no Brasil 3, op.cit., pp.131-215.
77
agentes de saúde, que viam no pobre o principal veículo da doença, combatendo-o
com a mesma veemência que combatiam a infecção
77
.
Passaremos a analisar as etapas do projeto de sanitarismo, sua ação e a
reação que foi feita a mesma, uma vez que apesar de necessária não foi entendida
pela população.
3.1.1. Sanitarismo, habitação e controle social.
Ao lado da reforma urbana que teve como ícone o nome de Pereira Passos,
houve uma reforma sanitária liderada por Oswaldo Cruz visando solucionar os
problemas de saúde que a falta de higiene causava à população. Para isso a “visita”
dos agentes de saúde se tornou uma constante principalmente nas habitações de
baixa renda que se sentia agredida e diminuída pelas medidas sanitaristas que
invadiam o interior de suas casas. A população pobre que havia feito seus barracos,
principalmente no morro da Providência (Favela) e no morro de Santo Antônio não
era tão perseguida pelos agentes de saúde quanto àqueles que habitavam os
cortiços e as casas de cômodos, talvez por isso rapidamente tenha se disseminado
este tipo de moradia
78
.
O Código Sanitário editado ainda em 1894, proibia a criação de novos
cortiços e as normas sanitárias de 1896 e 1906 procuraram reaparelhar os
dispositivos de fiscalização sanitária.
As medidas sanitárias estabeleceram o combate a pobreza e ao pobre. Por
isto surgiram então na Primeira República críticas e reações que podem ser
observadas nas figuras caricaturais como o Povo e Jeca Tatu, numa das
caricaturas expostas na série “Fantasias do Povo” (ver figura 5), aparecem oito
77
Id.Ibid.
78
Ibidem.
78
itens: “ser livre, ser civilizado, ser rico, ser distinto, ser respeitado, ser conhecido, ser
grande e não ser...limpo”.
79
FIGURA 5
As Fantasias do Zé Povo
Revista Fon-Fon in História da vida privada no Brasil 3; pag.295
O povo era caracterizado como sujo, preguiçoso e doente. Assim sendo,
iniciou-se uma política violenta de combate à pobreza e às doenças. É curioso
observar que ainda neste período se acreditava na teoria miasmática, por isso
muitos habitantes de posse, deixaram seus casarões nas zonas centrais, preferindo
lugares mais retirados uma vez que as epidemias e as desordens tomavam conta do
centro da cidade. Nessas casas abandonadas passaram a residir as famílias das
79
Fantasias do do Povo, desenho, in Fon-Fon,! Rio de Janeiro 1910, apud Elias Thomé Saliba, A
79
classes pobres que davam aos casarões suntuosos um aspecto popular, cotidiano e
por isso real. No entanto, esta nova realidade era vista como doença, como um
elemento ameaçador à ordem e a saúde da elite. Por isso, escreve WISSENBACH:
conjuntamente com os projetos de remodelação urbanística e as
demolições que dariam lugar à nova paisagem, os códigos sanitários
elaborados nos inícios da República se voltam contra as formas coletivas
de moradia, configuradas como centros irradiadores de epidemias, além de
assegurar ao poder público o direito de intervenção no cotidiano de seus
moradores e nos moldes de sua sobrevivência. Conferindo aos agentes
sanitários, médicos, fiscais e caça-mosquitos um poder desmesurado em
nome da saúde pública, as campanhas contra as epidemias se defrontaram
com entraves provenientes de características inerentes à organização das
classes populares”.
80
A política sanitarista sofreu por parte da população uma forte reação (ver
figura 6) quando em 1904, se quis obrigar a mesma à vacinação contra a varíola. A
chamada Revolta da Vacina deixava claro que o povo não estava satisfeito por ter
sua privacidade invadida e muito menos pela coação que sofria por parte dos
agentes sanitários
81
.
FIGURA 6
A Revolta da Vacina
Leônidas, Guerra Vaccino-Obrigatiza..., 1904 in História da vida privada no Brasil 3; pag.350
dimensão Cômica da Vida Privada na República in História da Vida Privada no Brasil 3, op.cit., p. 295.
80
Maria Cristina Cortez Wissenbach, Da escravidão à liberdade: dimensões de uma privacidade
possível in História da Vida Privada no Brasil, ib.Ibid., p.106.
81
Ver José Murilo de Carvalho in Cidadania: tipos e percursos.
80
A reforma sanitarista como a reforma urbana era cheia de contradições, uma
vez que se combatia a pobreza através dos indivíduos que faziam parte dela, mas
em nenhum momento procurou combater a sua causa, ou mesmo dar a estes
indivíduos uma forma mais digna de vida, de habitação e de saúde.
No relatório de 1904 do chefe de polícia do Distrito Federal, fica evidente a
ligação existente entre saúde pública e controle social:
Devo recordar que trouxe para o cargo o entusiasmo de quem ia servir com
um Governo novo, cujo programa era construir e melhorar e cujo maior
empenho estava em fazer do Rio uma cidade moderna, limpa, higiênica,
digna, em suma, de ser a capital de um país como o nosso. A minha
administração não podia ser estranha a esse plano, porque a boa policia é
o complemento lógico da boa Municipalidade e da boa saúde publica. É’
ela quem vigia o que a segunda embeleza e o que a terceira saneia. Os
três ramos devem ser acordes no levantamento e na reabilitação moral da
urbes. De que servirão as largas avenidas, os jardins floridos, os palácios
magníficos, os grandes desembarcadouros movimentados, sem uma
policia que dê ao estrangeiro a convicção de que, a par de tudo isso, existe
também a segurança perfeita, a vigilância imprescindível, a ordem?
82
A repressão à Revolta da Vacina foi descrita pelo chefe de polícia no mesmo
relatório, servindo de prova do tratamento policial que era dado à população
considerada vadia da época:
O povo também foi estranho aos crimes de novembro.
Quem tem família e paga impostos, sabendo que vive num país onde
tribunais e juizes, evidentemente não vai confiar sua sorte e o seu destino
ao tumulto das ruas, nem ás incertezas de um movimento subversivo.
Os principais autores das depredações cometidas foram os desocupados
que infestam o Rio de Janeiro e contra os quais a policia não podia deixar
de ser exemplarmente rigorosa.
Mandei recolher á Ilha das Cobras esses indivíduos, presos por assim dizer
em flagrante nos próprios lugares onde foram achados danificando as
cousas publicas.
O Governo deliberou depois transporta-los para o Acre.
Levantou-se forte oposição contra essa medida, como se o Poder Executivo
houvesse exercido alguma violência contra gente séria, que fosse
merecedora de defesa tão calorosa.
83
82
Relatório de Antônio Augusto Cardoso de Castro ao Ministro da Justiça J.J Seabra, 1904 e 1905-1,
A-G- VI.
83
Ib.Ibid., p.5
81
Para evitar futuras desordens na Capital Federal como a Revolta da Vacina,
os desordeiros foram mandados para o Acre a fim de não mais representarem uma
ameaça à ordem estabelecida.
O fato foi que a população estava cansada da presença da intervenção
sanitária no seu cotidiano, pois desde que Oswaldo Cruz foi nomeado diretor-geral
do Instituto de Manguinhos em 1902, decretou uma série de reformas que agiriam
diretamente sobre os menos favorecidos.
Era necessário o combate às doenças que atacavam a população como: a
peste bubônica, a febre amarela, a varíola e outras, uma vez que estas se faziam
repercutir no exterior e produziam uma imagem negativa da cidade. Quanto a isto
escreve WISSENBACH:
Aproximadamente entre os anos de 1890 e 1920, surtos de febre amarela,
de febre tifóide, de varíola, de peste bubônica e da terrível influenza, a
gripe espanhola, apareceram, expandiram-se e dizimaram parcelas dos
moradores citadinos, atingindo seus setores mais pobres, mas não
exclusivamente a eles.
A ocorrência das epidemias evidenciava, a um tempo, o anacronismo das
estruturas urbanas em face do adensamento populacional e as precárias
condições de vida de uma população que não parava de crescer, os quais,
juntos, transformavam as doenças em endemias quase inextirpáveis.
84
Para combater a peste bubônica Oswaldo Cruz lançou à caça aos ratos, cada
roedor passou a valer o equivalente a trezentos réis. Mais tarde convencido de que o
vetor da doença era o mosquito, fez com que fosse travada uma luta contra o inseto.
Outra ação do sanitarista foi a criação da política de focos responsável pela
interdição de mocambos e pela pulverização das casas e quintais, além da
intervenção na vida pública a qual nos já nos referimos
85
.
84
WISSENBACH, op.cit., p.104.
85
Id.Ibid.
82
Havia uma contradição entre o mundo da “rua” e o mundo da elite, esta
participava de um outro cenário do qual faziam parte os cafés, os salões e as lojas
de souvenires.
Passaremos agora a falar do aburguesamento dos hábitos e da elite que
estava alheia a vida da população, pois muitas vezes pensava viver como os
parisienses.
3.1.2. A vida social da elite na Belle Époque
A vida social da cidade era mais ativa na Avenida Central, na Rua do Ouvidor
(ver figura 8), na Avenida Beira-Mar e na Rua do Passeio. Se da Avenida Beira-Mar,
era possível observar a beleza natural da cidade que é contornada por morros e pelo
mar na avenida Central e na Rua do Ouvidor era possível satisfazer o desejo de
consumo, uma vez que estavam os produtos da moda, principalmente os
importados da França e da Inglaterra.
FIGURA 7
A Rua do Ouvidor
1890 : Foto Marc Ferrez, Albúmen. Museu de Arte Moderna (Rio de Janeiro, RJ)
83
As famílias da elite começavam a descobrir o mundo da rua, a medida que a
mesma foi remodelada para ela. Surgiram novas confeitarias, novas lojas, teatros e
o bonde foi aperfeiçoado, o que levou as mesmas a circularem pelas novas vias da
cidade, conforme observou Rosa Araújo:
Essas duas ruas (Avenida Central e Rua do Ouvidor) e a Avenida Beira-
Mar eram as mais concorridas para o lazer, sendo que a última substituía a
atração das lojas e cafés pelo prazer de admirar a natureza...
Aos domingos, principalmente, o movimento nas ruas era intenso. A Rua do
Passeio, por exemplo, devido à afluência de gente aos jardins do Passeio
Público, enchia-se de transeuntes à noite, procurando distrações antes de
se iniciar a semana de trabalho.
86
A sociedade de elite sentia a necessidade de remodelar seus hábitos e
costumes de acordo com desenvolvimento econômico pelo qual passava a cidade,
assim sendo a elite sofria de uma febre de consumo, a medida em que o comércio
de produtos europeus também se acentuava. Este movimento e a moda nos
primeiros anos da República foram assinalados por TAUNAY:
A afluência era enorme. Dobrara, senão triplicara, desde os primeiros
meses da República, e nas esquinas das ruas da Quitanda e dos Ourives
havia muita gente parada, sem poder circular. Bem raras cartolas, e
também pouco freqüentes chapéus moles e desabados (modelos típicos do
2.º Reinado), quase todos com chapéus baixos, de muitas cores, no geral
pretos. Lojas atapetadas, atulhadas de fregueses, sobretudo casas de
jóias; a clientela diária de senhoras luxuosamente vestidas, com mais
aparato do que gosto, trazia a caixeirada numa roda viva”.
87
Com a inauguração da Avenida Central em 1905, surgiu um sentimento
cosmopolita, fortemente identificado com a vida parisiense. O próprio Pereira
Passos, considerado o Haussmann tropical”, contribuiu para isto uma vez que
importou da França desde o estilo eclético dos prédios da Avenida Central até os
pardais, pássaros europeus que não existiam no Brasil para que a nova avenida
lembrasse até no canto dos pássaros as ruas da capital francesa.
86
Rosa Araújo, op.cit., 328.
87
Taunay apud Nicolau Sevcenko, literatura como missão, op.cit., p.28.
84
O Rio de Janeiro civilizado exigia mudanças nos hábitos e no vestuário, por
isso foi criada pelo referido prefeito uma lei que tornava obrigatório o uso do paletó e
de sapatos, afastando das ruas os descalços e os que usavam as chamadas
mangas-de-camisa:
Também com relação à vestimenta verifica-se a passagem da tradicional
sobrecasaca e cartola, ambos pretos, símbolos da austeridade da
sociedade patriarcal e aristocrática do Império, para a moda mais leve e
democrática do paletó de casemira clara e chapéu de palha. O
importante é ser chic ou smart conforme a procedência do tecido ou do
modelo.
88
A cidade havia se afrancesado de tal forma que até as prostitutas mais
requisitadas pelos homens da elite eram aquelas do chamado alto meretrício, de
origem européia eram consideradas as mais higiênicas, que as do baixo
meretrício eram consideradas portadoras de doenças.
Finalmente cabe observar o papel da prostituta de luxo, para consumo
dos setores de elite. A maioria delas estava inserida no meio artístico,
sendo atrizes, cantoras, dançarinas. Outro tipo era o das cortesanes,
lorettes ou coccotes, mulheres geralmente de origem burguesa muitas
delas estrangeiras, algumas com certo nível de instrução, que eram
sustentadas pelos homens da elite. Este tipo de prostituição era ignorado
pela imprensa carioca e raramente objeto da repressão do objeto
republicano civilizado.
89
A transformação da cidade havia gerado bons frutos, no lugar dos hábitos
consumistas de produtos fúteis e de prostituição, criava-se o gosto pelo teatro e pelo
cinema.Com a abertura da Avenida Central foram criadas a Escola de Belas Artes, o
Teatro Municipal e a Biblioteca Nacional. Ao lado do consumismo puro e simples
havia lugar para o desenvolvimento de uma cultura sofisticada.
A cidade começava a sofrer os problemas de uma cidade moderna,
atropelamento de pessoas pelos bondes e pelos recém-chegados automóveis,
mendicância, furtos e marginalização social. Contudo, a cidade havia passado por
88
SEVCENKO, Id.Ibid., p. 31.
89
Rosa Araújo, op.cit., p.308
85
um processo de embelezamento que atraía as pessoas para as ruas, a fim de
participarem de “um desfile ostensivo da nova sociedade”.
90
Os membros das elites estavam nas ruas, ainda que do lado nobre da cidade,
onde era preciso um traje adequado, um comportamento regrado e a boa ordem.
Para manter a ordem a polícia se fazia presente reprimindo qualquer ameaça
a tranqüilidade urbana com arbitrariedade e abuso de poder. Era preciso garantir a
segurança dos membros das classes média e alta que utilizavam, o espaço urbano.
A Avenida Central (ver figura 9) se apresentava como o maior símbolo das
mudanças culturais e sociais, seus prédios ecléticos representavam a modernidade
e a riqueza da Capital federal que havia rasgado a imagem de cidade colonial para
ganhar status de uma cidade civilizada.
Graças a essa intensificação dos laços neocoloniais e ao prodigioso afluxo
de riquezas decorrente, alguns subiam na escala social e outros,
literalmente subiam expulsos para os morros da cidade. Esse contraste de
destinos foi exemplarmente figurado no decurso do célebre processo de
‘Regeneração’ a febre reformadora do bota-abaixo.
91
90
SEVCENKO, A Capital Irradiante: Técnica, Ritmos e Ritos do Rio in História da Vida Privada no Brasil 3,
op.cit., p. 545.
91
Id.Ibid., p. 541.
86
FIGURA 8
Avenida Central
O cenário da Reforma, como vimos, havia separado os atores sociais: de um
lado estavam os membros das elites e de outro os das classes menos privilegiadas
pelo governo republicano.
Os conflitos cada vez mais aprofundavam o abismo social e o conceito de
vadiagem que existia desde o período colonial foi supervalorizado, sobretudo a
partir da reforma para banir do perímetro urbano dito “civilizado”, o indivíduo que
comprometesse a imagem da cidade moderna e progressista.
87
3.2. Na República a vadiagem tornou-se coisa séria
O Código Penal Republicano de 1890 estabeleceu uma punição mais rigorosa
que a do Império, até mesmo prevendo a criação de presídios específicos para os
vadios numa tentativa de reprimir com mais eficácia a vagabundagem.
A desordem na capital federal durante a Primeira República estava associada a
massa da população pobre, não apenas ao negro, mas também ao pardo, ao
português, ao italiano, ao austríaco, ao nordestino, enfim aquelas pessoas que
viviam do trabalho informal, desconsiderados pela sociedade carioca da lle
Époque por negarem a imagem de progresso social e econômico.
Para banir do meio urbano o contingente de desempregados e subempregados
que a República insistia em esconder, foram criados pelo governo republicano,
principalmente pelo administrador da capital federal, Pereira Passos, uma série de
decretos que ditavam as regras sociais a que deviam se enquadrar os membros da
arraia miúda.
O digo Penal de 1890 no Livro 3, Capítulo 13 e artigo 399 previa a punição
por vadiagem, caracterizando-a por ser a ação do indivíduo que se entregava
habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe
assegurasse meios de subsistência, que não fossem ilícitos. As atividades ilícitas
incluíam principalmente: prostituição, furto, jogo-do-bicho e capoeiragem que eram
punidos em artigos próprios de acordo com o Código Penal.
Além das leis federais que puniam as contravenções e crimes, surgiram uma
série de leis municipais na cidade do Rio de Janeiro, que buscavam impedir que os
“desclassificados” transitassem pela cidade mal vestidos, “em bando”, ou mesmo
provocando desordem.
88
Como os desocupados urbanos representavam “um inconveniente social à
sociedade que compulsoriamente se inseria na Bélle Époque”
92
, a necessidade de
enquadrá-los no cenário que se montava nessa cidade era muito grande, por isso
passou-se a interferir nos hábitos e costumes desses senhores de forma mais
rigorosa.
De acordo com o Regulamento da Guarda Municipal de 1903 ficava determinado
que:
os guardas devem conduzir às sedes das seções ou postos de vigilância,
por intermédio dos guardas mais próximos ou das patrulhas de cavalaria
os indivíduos que estiverem parados junto de alguma porta, muro ou
cerca e não derem explicação necessária, de modo a desfazer
suspeita.
93
A orientação que se dava aos guardas municipais para conduzirem à cadeia,
os indivíduos que estivessem parados em diferentes lugares públicos, permite-nos
entender o medo que havia de motins populares que pudessem prejudicar o bom
andamento da ordem. Esta preocupação excessiva pela manutenção da paz social
se deveu ao fato da crise social existente na cidade do Rio de Janeiro e que foi de
certa forma estendida desde a colônia até a Primeira República, quanto a isso
escreve CHAULHOUB:
assim sabemos que o processo histórico por que passou a cidade do Rio
de Janeiro na Primeira república apresentou um traço continuísta
fundamental em relação aos tempos coloniais e imperiais: a continuação
da subordinação social dos brasileiros de cor, ou seja, o negro passou
de escravo a trabalhador livre, sem mudar, contudo, sua posição relativa
na estrutura social. Isso significa que, no desenrolar das rivalidades
nacionais e raciais que, como sugerimos e veremos adiante, foi a
expressão mais comum das tensões provenientes da competição pela
sobrevivência na cidade do Rio de Janeiro da Primeira República, os
brasileiros de cor foram, ou continuaram a ser, os grandes perdedores.
94
92
SEVCENKO, op.cit.
93
Consolidação das Leis Municipais, 1905 apud Luiz Sérgio Dias, Quem tem medo de capoeira? Rio
de Janeiro, 1890-1904. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal das Culturas, Departamento Geral de
Documentação e Informação Cultural, Arquivo Geral da Cidade do rio de Janeiro, Divisão de
Pesquisa, 2001, p. 157.
94
Sidney Chalhoub, op.cit., pp.88-89.
89
Somado ao negro, o imigrante que não conseguia ser inserido no mercado de
trabalho também passava a ser visto de maneira bastante preconceituosa, pois na
visão da sociedade da época este deveria dar o exemplo de disciplina a ser seguido
pelos demais trabalhadores da nação.
O imigrante e sua família deveriam estar sempre dispostos ao trabalho
árduo e às condições difíceis de vida, pelo menos nos primeiros tempos,
sendo que estes sofrimentos seriam mais tarde compensados pelo
acesso à pequena agricultura familiar. Dentro deste contexto, é fácil
entender o porq do rigor da pena do estrangeiro que era detido por
vadiagem: destinado a servir de exemplo, de protótipo do trabalhador
ideal na ordem capitalista que se anuncia, sua não adequação a estes
parâmetros era vista como ameaça à ordem social.
95
No Rio de Janeiro da Bélle Époque, negros, imigrantes, mulatos, brancos
pobres engrossavam a massa de “vadios” do período republicano, devendo ser
legalmente reprimidos pelo uso da força policial. Nesse momento, criava-se para a
cidade uma imagem associada a higienização, a modernidade e ao desenvolvimento
cultural, onde a inserção das classes pobres constituiria um desafio.
A lei criada no Município Neutro quanto à obrigatoriedade do uso de paletó e
de sapatos para todas as pessoas, parece-nos uma aberração uma vez que a
maioria da população sofria por problemas de habitação e alimentação.
O objetivo do regulamento era pôr ‘termo à vergonha e à imundície
injustificáveis dos em mangas-de-camisa e descalços nas ruas da
cidade’. O projeto de lei chegou a passar em segunda discussão no
Conselho Municipal e um cidadão, para o assombro dos mais céticos,
chegou a ser preso pelo crime de andar sem colarinho.
96
A Regeneração parecia estar presente em todos os setores da vida social da
época, até o violão, passou a ser visto como o “sinônimo da vadiagem”
97
, uma vez
que estava associado à boemia e à cultura popular.
95
Id.Ibid., p.77.
96
Nicolau Sevcenko, Literatura como missão, op.cit., p.33.
97
Ib.Ibid., p.32.
90
O fenômeno da regeneração por qual passou a Capital Federal só foi possível
com o aparato da força policial que coibia cidadãos, tornando possíveis o
cumprimento de decretos que restringiam a capacidade de escolha da população. A
sociedade da Primeira República pode ser caracterizada como a sociedade da
norma. Havia regra para se vestir, havia determinações sobre o local onde se podia
ficar parado e também para a higiene habitacional e pessoal.
No sentido de garantir a norma a atuação da polícia foi repressora e arbitrária,
extrapolando a legalidade, a fim de punir a população que estava à margem da
sociedade. Além disto, a polícia não conseguia definir com clareza sua execução,
pois como observou BRETAS:
O Estado brasileiro republicano vai se revelar – por diversas razões
incapaz de definir um agente específico para a ação coercitiva na cidade
do Rio de Janeiro e assim de precisar suas tarefas, o que contribuirá para
a constante indefinição do limite entre ação policial e arbitrariedade,
criando uma zona cinzenta mal regulada, onde se movem policiais e
marginais em confrontos que se definem em si, de forma extralegal.
98
Na sociedade carioca no período, houve um confronto social e a repressão à
vadiagem surgiu como forma de amenizar o confronto, pois permitiu que alguns
elementos provenientes da camada social mais baixa fossem punidos já que a
pobreza não combinava com o luxo inventado na avenida Central, na rua do Ouvidor
e na Avenida Beira-Mar.
A discriminação ao pobre neste período era intensa. Havia uma imprensa
elitizada que contribuía para a degradação da imagem da classe menos favorecida,
assim sendo foram produzidas charges que ironizavam o baile dos pobres (ver figura
10), bem como sobre a degradação das casas da classe baixa e principalmente
sobre a não higienização das mesmas.
91
FIGURA 9
O Baile dos Pobres
Seth, Cena de Gafieira in História da vida privada no Brasil 3, pág.21
A tensão social foi marcada então pela ojeriza da sociedade de elite a esse
grupo e também das próprias autoridades que a representaram, isto fica evidente em
um outro trecho do relatório do Chefe de Polícia de 1905:
Disse que o meio é altamente propicio á fermentação desses maus
elementos, e acredito com isso ter enunciado uma verdade, que deve
estar na consciência de todos os homens desapaixonados.
O Rio de Janeiro é uma cidade de crimes e de criminosos, quero dizer,
ninguém imagina o regime de impunidade em que vivemos. A massa
formidável constituída pelos freqüentadores habituais das prisões
aumenta dia a dia e não há castigo nem repressão para essa gente.
Com os dados seguros fornecidos pelo serviço de identificação, pode-se
afirmar que existem no Rio de Janeiro cerca de 2.000 homens
vagabundos recalcitrantes, presos e processados com diferentes nomes
pela policia, uma, duas, três, quatro, cinco e até 10 e mais vezes por
ano, e que voltam de novo à liberdade, sem correção, prontos sempre a
fingir de povo, a promover desordens e quebrar lampiões, incitados
naturalmente pelos demagogos, cujo programa político é o escândalo, a
discórdia, o desassossego, a revolta.
99
Havia no período republicano uma “massa formidável constituída pelos
freqüentadores habituais das prisões” que era formada pela grande parcela de
desvalidos da República, fato que demonstra a situação de miséria pela qual
passava a grande parte da população.
98
Marcos Luis Bretas, A guerra das ruas, op.cit., p.36.
99
Relatório de Antônio Augusto de Castro ao Ministro da Justiça J.J Seabra, 1905, p.4.
92
O grande número de processos por vadiagem, desordem, furto e embriaguez
denotam que a classe mais baixa da população passou por um processo violento de
marginalização que incluía desapropriações de casas sem indenização, obrigação à
vacinação e condenações por contravenções que muitas vezes não cometia. Como
observou SEVCENKO:
As oportunidades restritas que o crescimento do sistema oferecia eram
alvo de uma rude concorrência pelas amplas camadas urbanizadas,
reforçando comportamentos agressivos e desesperados de preconceitos
e discriminação. O controle pelo Estado da maioria quase absoluta dos
cargos técnicos e de múltiplos postos proveitosos estimulava o
patrimonialismo, o nepotismo, o clientelismo e toda forma de submissão
e dependência pessoal, desde seu foco central no Distrito Federal até
aos mais recôndidos esconsos da nação”.
100
No mundo social imaginado pelo poder republicano não havia espaço para a
classe menos privilegiada, uma vez que o sistema oligárquico era semifechado e
não tinha um projeto eficiente de melhoria de vida das classes populares, assim
sendo, o trabalho passou a ser uma das principais formas de inserção dos populares
na sociedade. Dessa forma, o governo republicano adotou o modelo francês de
lazer, ao mesmo tempo em que importava o modelo de trabalho inglês, acreditando
que o mundo da rua apenas seria controlado através da ocupação. Como observou
Marilene Rosa:
Dessa maneira, me parece peculiar e complexa a tarefa da república no
seu projeto de inserção do país não apenas em uma, mas em duas noções
de modernidade. Uma à francesa, marcada pela cultura do lazer, a outra à
inglesa definida pelos rigores da valorização do trabalho.
101
No entanto, o lazer permitido nos dias de folga ainda estava fora do alcance
das massas, a não ser o lazer institucionalizado e controlado pelo Estado, como: as
festas religiosas, o carnaval da Batalha das Flores e as festas oriundas dos rituais
nacionais, como o dia da Pátria que corresponde a data da independência do Brasil
100
Nicolau Sevcenko, Literatura como missão, op.cit., 50.
101
Marilene Rosa, op.cit., p.166.
93
e também o dia em que se comemora a Proclamação da República. Nestas festas,
procurava-se mascarar a realidade social, através da união ilusória e provisória das
classes diferentes, de acordo com Rosa Araújo:
O carnaval de rua oferece oportunidade de interação social de famílias
de classes diferentes. Ainda que o espaço urbano esteja dividido entre
áreas nobres, como a avenida Central, e áreas populares, como a Praça
Onze, a separação não é rígida. As elites certamente não penetravam na
Pequena África, mas as famílias dos setores médios e pobres também
assistiam os desfiles das grandes sociedades. O centro da cidade era o
coração da festa. Num pequeno espaço físico, pobres e ricos
compartilhavam da folia. O movimento das famílias, nas ruas,
discretamente protegidas das massas, era intenso. O cosmopolitismo
implicava a interação, disfarçando a desigualdade.
102
Apresentado o significado da vadiagem e a sua aproximação quase sinônima
com a população de baixa renda passaremos a tratar do universo dos vadios,
procurando responder aos seguintes questionamentos: quem eram, onde moravam
e em que trabalhavam. Desconstruída enfim, a imagem da vadiagem associada
apenas ao ócio e à vagabundagem, uma vez que muitos vadios tinham profissão ou
meios de vida.
3.3. A polícia na caça ao vadio
A atuação da polícia na Capital Federal durante os dezesseis primeiros anos
da República foi bastante intensa, o que pode ser comprovado com a farta
documentação de crimes e contravenções encontrados no Fundo que corresponde à
Pretoria do Rio de Janeiro que engloba a freguesia de Santana. Por ser a área de
passagem, dos encontros, das batucadas do samba, da prostituição e da boemia, a
Freguesia de Santana tornou-se a zona de maior ocorrência criminal, sendo muito
visada pela polícia republicana. Sobre esta região nos fala Rosa Araújo:
O distrito ocupava a área para além do Campo de Santana, conquistada
aos mangues para dar lugar à Cidade Nova. A freguesia foi criada em
1814, quando a cidade se deslocava em direção a São Cristóvão.
Provavelmente, a maior preocupação da polícia do distrito era com a
estação final da Estrada de Ferro Central do Brasil, que servia aos
102
Rosa Araújo, op.cit., pp. 383-384.
94
subúrbios da cidade e ao interior. Era o ponto de entrada de muitos
migrantes que chegavam à cidade para engrossar as fileiras dos
desempregados, dos subempregados e desocupados, e também dos que
chegavam com dinheiro para gastar, atraídos pelas luzes da cidade
grande, e objeto da atenção dos batedores de carteira e passadores do
conto do vigário”.
103
No que diz respeito a vadiagem a freguesia de Santana também foi a principal
responsável pelas detenções cerca de 233 das 1108, seguidas de Santa Rita (171) e
São José (167), conforme nos mostra o gráfico 22:
Gráfico 22
Freguesias responsáveis pelas Detenções
22%
15%
15%
13%
11%
7%
4%
4%
2%
2%
2%
2%
1%0%
0%
Santana
Santa Rita
o José
Sacramento
Canderia
Chefe de Polícia
Glória
Espírito Santo
Engenho Velho
Lagoa
Engenho Novo
Santo Antônio
o Cristóvão
Gávea
Inhaúma
Fonte: APERJ
Com o crescimento populacional ocorrido na cidade do Rio de Janeiro,
principalmente a partir de 1889, houve a necessidade de se ampliar o quadro da
Brigada Policial, além disso, o patrulhamento das ruas passou a ser feito pela polícia
militar e pela guarda civil
104
.
103
Ver Marcos Luiz Bretas, Ordem na Cidade: o exercício da autoridade policial no Rio de Janeiro:
1907-1930 Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p.28-29.
104
Ver Marcos Luiz Bretas. A Guerra das ruas., op.cit.
95
No entanto, o aumento quantitativo, não correspondeu a um aumento
qualitativo, uma vez que os policiais eram mal remunerados e pouco qualificados,
sendo assim verificamos apenas a ampliação dos distritos e com estes o
alargamento do controle social e do poder policial. As autoras NEDER E NARO
destacaram que o aumento populacional iria exigir a criação de novos distritos
policiais:
O surgimento destas novas freguesias pelo desmembramento de antigas
freguesias liga-se ao aumento da população segundo informação contida
no Recenseamento de 1906, exigindo a criação de novos distritos
policiais.
105
Percebemos então que a polícia a partir de 1890 adquiriu duas atribuições: a
de controle social e a do controle da criminalidade. No que diz respeito a primeira,
acabou por cometer uma série de equívocos, de desmandos e de abusos de
autoridade, chegando com sua atuação arbitrária a incomodar a mesmo Ruy
Barbosa que escreveu:
Nunca se tolerou à polícia, nesta terra, o que nestes dois meses se tem
revelado a atualidade. Também nunca o arbítrio oficial, aproveitando a
complacência dos órgãos da opinião, se mostrou mais resoluto em por as
manguinhas de fora.
Quando uma autoridade se aventura a tão lastimáveis excessos, e não
acha quem ouse contra desmandos tamanhos a reação legal, por bem feliz
se deve dar.
As mais antigas leis desta terra, aquelas que mais nos honram, as que
estadistas de um molde perdido entre nós foram buscar outrora à grande
matriz das instituições livres, adotando o habeas-corpus, impuseram aos
nossos tribunais o dever de responsabilizar os agentes de autoridade, por
cuja conta corressem os abusos contra a liberdade individual, as prisões
exorbitantes, as prisões retardadas além dos termos processuais.
106
Devido ao fato da cidade do Rio de Janeiro ser a sede do Distrito Federal, o
principal centro político e comercial e também o principal pólo cultural, o governo
105
Ver Gizlene Neder e Nancy Priscilla Naro, A Instituição Policial na cidade do Rio de Janeiro e a
construção da ordem burguesa no Brasil in A Polícia na Corte e no Distrito Federal 1831-1930. Rio de
Janeiro, PUC, 1981, p.230.
106
Rui Barbosa, “Polícias e tribunais”, pp.150-153, apud Marcos Luiz Bretas, A Guerra das Ruas:
Povo e Polícia na Cidade do rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
96
republicano viu aqui a necessidade de se criar uma polícia organizada, exemplar,
que pudesse servir de modelo às outras capitais. Segundo Gizlene Neder:
O fato de localizar-se na cidade do Rio de Janeiro a sede do governo
central, levava a organização da instituição policial a obedecer uma
exigência de exemplaridade. Não somente porque a questão da ‘ordem’ e
da ‘segurança’ colocava esta exigência em evidência, por tratar-se da sede
do governo central, quanto também porque as manifestações ocorridas na
cidade do Rio de Janeiro atuavam como ressonância e alerta para o resto
do país.
107
No entanto, a exemplaridade da polícia carioca apenas se fazia perceptível no
que diz respeito à ação do poder coercitivo que os policiais pareciam exercer sobre a
população pobre. Em muitos dos processos estudados o parecer de defesa
relacionava a prisão dos ditos vadios ao fato de algumas testemunhas serem
agentes policiais. Desta forma, uma pessoa podia ser presa por sua aparência, pelo
vestuário modesto e por sua baixa condição social, uma vez que a atribuição de
controle social dada a polícia, significava a não aceitação dos grupos de origem
popular no novo mapa social do Rio de Janeiro.
A polícia contribuiu para a construção da ordem burguesa na sociedade
carioca, caçando aleatoriamente desordeiros, vadios e ébrios, uma vez que qualquer
indivíduo tornava-se suspeito, de acordo com o conceito das chamadas “classes
perigosas”. Desta forma, os populares passaram a ter a sua imagem associada a da
contravenção, pois “a reorganização policial nas suas afainas de dar caça a
vadiagem não respeita qualquer quem seja senão cidadão”.
108
A violência e a preocupação com a aparência do cidadão por parte da polícia
da Capital parece evidente em um dos processos estudados, onde consta o parecer
da defesa, denunciando a atuação de tirania dos agentes policiais.
A garantia da liberdade do acusado, está nas mãos de V.Ex, que como Juiz
imparcial como é , inimigo como já tem demonstrado, da violência e da
107
Gizlene Neder e Nancy Priscilla Naro, op.cit., p. 233.
108
Transcrição de parecer de Defesa contido no Processo do Fundo 0R 5112 de Francisco Correia de Araújo,
1907, Arquivo Nacional.
97
tirania policial, que infelizmente assoberba de modo extraordinário nesta
Capital, tem provado de modo eloqüente, em sabias sentenças que
considera o direito do acusado – como elemento sagrado!
O presente processo, oriundo da tenaz perseguição, que desenvolve a
policia da Circunscrição a todo o indivíduo pobre que aparência de seu
modesto vestuário, possa parecer vagabundo.
109
Muitos indivíduos presos por vadiagem eram pessoas comuns, gente de baixa
renda, que muitas vezes sem defesa tinham sua sorte entregue aos agentes
policiais. Discutiremos agora a imagem do vadio na República.
3.4. Qual a imagem do vadio republicano?
A partir da amostragem de um em sete registros, que corresponde a um total
de 1108 registros, observamos que em 1082, os indivíduos descritos nos mesmos
exerciam algum tipo de atividade.
Havia, portanto, por parte dos policiais uma certa dificuldade em diferenciar
trabalhadores de desordeiros e desocupados, talvez pelo preconceito gerado à
parcela pobre da população que acabava sendo constantemente alvo das
ocorrências policiais. Como escreveu BRETAS:
A dificuldade em criar demarcações eficientes entre trabalhadores e
vagabundos e desordeiros gerava equívocos de identificação que
repercutiam na imprensa ou em ofícios de protesto dos atarefados
consulados, numa cidade onde boa parte da população era estrangeira.
110
Ao observarmos os registros, constatamos que as personagens envolvidas no
universo selecionado desenvolviam atividades ligadas ao trabalho informal:
marítimos, catraieiros, estivadores, sapateiros, pedreiros, trapeiros, comerciantes,
cocheiros, motorneiros, dentre outros, conforme nos mostra o gráfico 23.
109
Transcrição de parecer de Defesa contido no Processo do fundo 0R 3256 de Manoel Cantediano das Neves,
1904, Arquivo Nacional.
110
Marcos Luiz Bretas, A Guerra das Ruas, op. cit., p.101.
98
Gráfico 23
Profissão dos Detentos na República
(1889-1906)
246
71
43
42
41
39
35
33
25
24 24
23
21
19
18
280
0
50
100
150
200
250
300
Valores
Trabalhador Cozinheiro Carregador Pedreiro
Marítimo Padeiro Estivador Caixeiro
Comerciante Copeiro Carpinteiro o tem
Ajudante de Pedreiro Sapateiro Pintor Outros
Fonte: APERJ
Este fato demonstra que havia na Primeira República uma identificação da
atividade informal, ou do trabalho temporário com a vadiagem, talvez por estes
serem associados à pobreza.
As profissões de gente humilde que foram chamadas por João do Rio de
pequenas profissões, indignas, cruéis e até mesmo insalubres marcaram o abismo
social existente no período republicano, pondo em xeque a modernidade da Capital.
Todos esses pobres seres vivos tristes vivem do cisco, do que cai nas
sarjetas, dos ratos, dos magros gatos dos telhados, são os heróis da
utilidade, os que apanham o inútil para viver, os inconscientes aplicadores
à vida das cidades daquele axioma de Lavoisier: nada se perde na
natureza. A polícia não os prende, e, na boemia das ruas, os desgraçados
são ainda explorados pelos adelos, pelos ferros-velhos, pelos proprietários
das fábricas...
As pequenas profissões!... É curioso!
As profissões ignoradas. Decerto não conheces os trapeiros sabidos, os
apanha-rótulos, os selistas, os caçadores, as ledoras de buena dicha. Se
não fosse o nosso horror, a Diretoria de Higiene e as blagues das revistas
de ano, nem os ratoeiros seriam conhecidos.
Mas, senhor Deus! É uma infinidade, uma infinidade de profissões sem
academia! Até parece que não estamos no Rio de Janeiro...
Coitados! Andam todos na dolorosa academia da miséria, e, tu, até
nisso vocações! Os trapeiros, por exemplo, dividem-se em duas
especialidades: a dos trapos limpos e a de todos os trapos. Ainda os
cursos suplementares dos apanhadores de papéis, de cavacos e de
chumbo. Alguns envergonham-se de contar a existência esforçada. Outros
99
abundam em pormenores e são um mundo de velhos desiludidos, de
mulheres gastas, de garotos e de crianças, filhos de família, que saem por
ordem dos pais, com um saco às costas, para cavar a vida nas horas da
limpeza das ruas.
De todas essas pequenas profissões a mais rara e a mais parisiense é a
dos caçadores, que formam o sindicato das goteiras e dos jardins. São os
apanhadores de gatos para matar e levar aos restaurants, sem pele,
onde passam por coelho. Cada gato vale dez tostões no máximo. Uma
das costelas que os fregueses rendosos trincam, à noite, nas salas
iluminadas dos hotéis, vale muito mais. As outras profissões são comuns.
Os trapeiros existem desde que nós possuímos fábricas de papel e
fábricas de móveis. Os primeiros apanham trapos, todos os trapos
encontrados na rua, remexem o lixo, arrancam da poeira e do esterco os
pedaços de pano, que serão em pouco alvo papel; os outros têm o serviço
mais especial de procurar panos limpos, trapos em perfeito estado, para
vender aos lustradores das fábricas de móveis. As grandes casas desse
gênero compram em porção a traparia limpa. A uns não prejudica a
intempérie, aos segundos a chuva causa prejuízos enormes. Imagina essa
pobre gente, quando chove, quando o sol, com o céu aberto em
cataratas e, em cada rua, uma inundação!
111
João do Rio afirma que a polícia não prendia “esses pobres seres vivos”
112
,
no entanto, as entradas da Casa de Detenção nos permitem discordar do cronista,
ao perceber que a polícia atuava como agente repressor, mesmo que existissem
maneiras de driblar as pressões policiais.
As pequenas profissões narradas pelo cronista eram fruto da falta de trabalho
e moradia, ocorrida na Primeira República, no entanto é curioso notar na
amostragem dos registros que o subemprego era garantia de moradia, pois quando
os detentos tinham algum tipo de ocupação, também apresentavam endereço fixo.
As mulheres, assim como no Império, continuaram se ocupando como:
lavadeiras, cozinheiras, empregadas domésticas, costureiras (ver figura XI),
engomadeiras, assim como nos mostra o gráfico 24.
111
João do Rio, A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Departamento
Geral de Documentação e Informação Cultural, 1987, p. 24-25.
112
Id.Ibid., p.24.
100
Gráfico 24
Profissão das Detentas na República
60
39
9
5
3 3 3
1 1
0
10
20
30
40
50
60
70
Valores
Lavadeira Cozinheira Serviço Doméstico
Costureira Engomadeira Ama Seca
Não tem Copeira Cigarreira
Fonte: APERJ
Percebemos ainda que o repúdio às profissões mecânicas que havia desde o
período colonial foi no período republicano estendido àqueles que as exerciam,
assim sendo estes foram tratados com desprezo, sendo extremamente
discriminados e afastados do convívio social. Como assinalou Emanuel Araújo:
assinalei o quão era tido por vergonhoso, mesmo no correr do século
XIX, o exercer determinadas profissões mecânicas e até carregar pelas
ruas qualquer coisa com as próprias mãos. Ora, isso constituía, em
última análise, o efeito visível de uma sociedade de escassa mobilidade,
de subordinações praticamente irremovíveis, de papéis bem marcados, e
isso do nível familiar ao profissional.
113
Por outro lado, havia uma relação entre trabalho e moradia, uma vez que em
1078 registros de vadiagem que possuíam algum tipo de trabalho, 1031 tinham
moradia e habitavam principalmente a rua da Misericórdia, a rua Frei Caneca, a rua
da Gamboa, a rua da Saúde, o Morro da Favela, o Morro da Providência, a rua da
Prainha, dentre outras (ver figura 11).
113
Emanuel Araújo, op.cit., 95.
101
FIGURA 10
Mapa da Cidade do Rio de Janeiro
Mapa da Cidade do Rio de Janeiro, Rio Antigo In: www.jornaloglobo.com.br
102
Assim sendo, percebemos que os quadros da moradia, assim como os das
profissões não são muito diferentes do Império. O principal diferencial nos registros é
o surgimento de residências em alguns bairros do subúrbio, com maior incidência
para: Engenho Novo, Cascadura e Piedade, como nos mostra a tabela 5:
Tabela 5
Local de Moradia dos Detentos
Local da Moradia Total
Rua e Ladeira da
Misericórdia
79
Não tem 60
R: da Saúde 28
R: de São Diogo 22
Largo da Prainha 20
R: Barão de São Félix 19
R: da Imperatriz
(Camerino)
17
Não Consta 17
R: Senador Pompeu 16
R: do Riachuelo 15
A bordo 15
R: Formosa 14
R: da Ajuda 14
R: Senador Eusébio 14
Beco dos Ferreiros 13
R: do Livramento 13
R: Dom Manuel 13
R: São Pedro 13
R: Costa Velho 13
R: Senhor dos Passos 12
R: da Gamboa 12
R: do Cotovelo 11
R: da Conceição 11
R: da Alfândega 11
Morro da Providência 11
R: São Cristóvão 11
Cascadura 11
R: do Lavradio 10
R: Santa Luzia 10
R: Larga de São Joaquim
10
R: Visconde de Itaúna 10
Outros 548
Fonte: APERJ
De igual modo, as freguesias em que habitavam a maior parte dos detentos
era: Santa Rita (22,7%), São José (16,3%), Santana (6,9%) e Sacramento (5,8%).
Como observou BACKHEUSER:
São as ruas da Cidade Nova, da Gamboa, de Frei Caneca, que sempre
foram a habitual residência de gente pobre, as que hoje continuam a ser
103
procuradas e por isso se enchem ainda mais os cômodos que o
minguados vencimentos dos operários permitem pagar.
E, assim reunida aglomerada, essa gente trabalhadores, carroceiros,
homens ao ganho, catraieros, caixeiros de bodegas, lavadeiras,
costureiras de baixa freguesia, mulheres de vida reles entopem as casas
de cômodos, velhos casarões de muitos andares, divididos e
subdivididos por um sem-número de tapumes de madeira, até nos vãos
de telhados entre a cobertura carcumida e o forro carrunchoso.
114
Constituindo-se na área de maior concentração popular, a Freguesia de
Santana representava ao mesmo tempo o espaço da repressão social e também o
principal lugar de festa da camada excluída das diversões de elite.
Sendo a principal estação ferroviária, ela se tornou uma das mais
movimentadas encruzilhadas da cidade, onde as pessoas trocavam os
trens suburbanos pelos bondes urbanos. A Praça 11 de Junho tornou-se
um dos principais pontos de concentração popular, e o centro indiscutível
do carnaval de rua.
115
Desta forma, a maior parte das ocorrências acontecia nas suas
intermediações: Praça da República, Senador Pompeu, Camerino e Estação
Ferroviária, conforme nos mostra o gráfico 25.
Gráfico 25
Local das Detenções
(1889-1906)
41%
14%
9%
8%
6%
4%
3%
3%
3%
3%
2%
2%
2%
Outros
Praça da República
Praça Tiradentes
Praça dos Marinhas
R: da Saúde
Largo doo Francisco
R: General Pedra
R: Visconde de Itaúna
R: do Regente
R: Senador Pompeu
Beco dos Ferreiros
R: Conde d'Eu
Ladeira da Gria
Fonte: APERJ
114
E. BACKHEUSER, Onde moram os pobres, Renascença, 1905, vol.2, 13, p.89 apud Paulo
César Garcez Marins, Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles
brasileiras in História da vida privada no Brasil 3, Nicolau Sevcenko (org.), São Paulo: Cia. das Letras,
1998. p. 153.
115
Marcos Luiz Bretas, Ordem na Cidade, op.cit., p. 28.
104
Na proporção que a população crescia, aumentava-se a vigilância policial, de
forma que em 1905, o Rio de Janeiro contava com 58 policiais para dez mil
habitantes
116
, enquanto em 1889 o efetivo da Brigada Policial era de 29 praças por
dez mil habitantes. A repressão social ao imigrante pobre também se tornou uma
constante, que por não serem mão-de-obra qualificada, engrossavam a massa de
desempregados, subempregados e perseguidos, sendo alvo dos agentes policiais
responsáveis pelo controle social.
Desta forma, dos 1108 registros pesquisados, 676 eram brasileiros e 432
eram imigrantes. Dentre os brasileiros encontram-se em maior proporção os
nascidos no estado do Rio de Janeiro (50,4%); em Pernambuco (8,7%), na Bahia
(8,4%) em Minas Gerais (6,6%), conforme nos mostra o gráfico 26.
Gráfico 26
Naturalidade dos Detentos
(1889-1906)
341
59
57
45
35
32
17
15
13 13
12
9 9
7
6
4
1 1
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Naturalidade
Valores
Rio de Janeiro
Pernanbuco
Bahia
Minas Gerais
Rio Grande do Sul
São Paulo
Cea
Sergipe
Alagoas
Maranhão
Paraíba
Rio Grade do Norte
Pará
Espírito Santo
Para
Santa Catarina
Amazonas
Goiás
Fonte: APERJ
116
Ver Marcos Luiz Bretas, A Guerra das ruas, op.cit., p. 48.
105
Curioso notar, que o estudo da vadiagem acabou por refletir a realidade da
sociedade como um todo, pois permitiu a verificação, por exemplo, de que o maior
índice de imigrantes era de portugueses (45%), seguidos dos espanhóis (15,5%) e
italianos (13,2%), como podemos observar no gráfico 27.
Gráfico 27
Nacionalidade dos Detentos Estrangeiros
(1889-1906)
196
67
57
17
16
14
13
7
6 6
4 4 4
3
2 2 2 2 2 2 2
1 1 1 1
0
50
100
150
200
250
Nacionalidade dos Detentos Estrangeiros
Valores
Portugal
Espanha
Itália
Inglaterra
Estados Unidos
Alemanha
França
Argentina
Áustria
Cabo Verde
Chile
África
lgica
China
Ilha da Madeira
Paraguai
Uruguai
Rússia
Ponia
Macau
Cuba
Fonte: APERJ
Com base nos registros, observamos que:
Em 1906, pelo recenseamento nacional, dentro de um total de 810.943
habitantes da cidade, 600.928 (74.3%) eram brasileiros e 195.394 (24.9%)
eram estrangeiros. Dos brasileiros, mais de 60% nasceram no Distrito
Federal, enquanto 40% vieram de outros estados, incluindo o Estado do rio
de Janeiro e Minas Gerais.
O crescente mercado de trabalho atraiu um número grande de imigrantes,
a maioria de origem portuguesa, que se alocaram em empregos
qualificados e semiqualificados, no setor comercial ou industrial.
117
No que diz respeito ao estado civil, o estudo mostrou que dos 1108 indivíduos
detidos por vadiagem, 930 eram solteiros, 138 eram casados e 39 eram viúvos, o
que reflete que havia um grande número de solteiros na Capital Federal, conforme
nos mostra o gráfico 28.
106
Gráfico 28
Estado Civil dos Detentos
(1889-1906)
84%
12%
4%
0%
Solteiro
Casado
Viúvo
Não Consta
Fonte: APERJ
Um fator que pode ser indicativo do desequilíbrio entre o número de solteiros
e o número de casados é o aumento da imigração, pois como assinalou
CARVALHO:
Outro resultado importante da intensa imigração era o desequilíbrio entre
os sexos. Em 1890, entre os estrangeiros, os homens eram mais que o
dobro das mulheres. Na população total, a predominância do sexo
masculino girava em torno de 56%. O desequilíbrio refletia-se no índice de
nupcialidade, que era apenas de 26% entre os homens brancos e caía para
12,5% entre os negros em 1890.
118
Outro fator estudado que demonstra a ausência de uma política de governo
quanto à inserção das classes populares na vida sócio-econômica, está relacionado
ao nível de escolaridade das personagens estudadas. A maior parte tinha instrução
nula (analfabeta), ou rudimentar e muito poucos apenas sabiam ler e escrever.
Constam a instrução em 527 registros, destes 323 eram analfabetos e 204
sabiam ler escrever, conforme nos mostra o gráfico 29:
117
Gizlene Neder e Nancy Priscilla Naro, op.cit., p. 232.
107
Gráfico 29
Instrução dos Detentos
(1889-1906)
53%
29%
18%
Não Consta
Analfabeto
Sabe Ler e escrever
Fonte: APERJ
Assim sendo, o analfabetismo se tornava mais um estigma a pesar sobre as
classes pobres, como aponta Marta Carvalho:
O analfabetismo passava a ser a marca da inaptidão para o Progresso. Era
ele a causa da existência das populações que ‘mourejavam no Estado,
sem ambições, indiferentes, de todo em todo, às cousas às cousas e
homens do Brasil’. Produz-se assim, um deslocamento no discurso
educacional: um novo personagem irrompe, um brasileiro doente e
improdutivo, peso morto a frear o Progresso, substitui a figura do Cidadão
abstrato, alvo das luzes escolares. O novo cidadão não é mais invocado
para oficiar no augusto templo da Ciência. Basta-lhe agora o manejo cívico
do alfabeto.
119
PECHMAN escreve que o analfabetismo seria uma das maiores decepções
dos intelectuais republicanos, uma vez que almejavam incluir o país na imagem da
civilização, do racionalismo e da ciência.
A incapacidade da República de construir a nação e remodelar o Estado
provocaria, nesses intelectuais, forte decepção quanto à competência de se
tirar o país do analfabetismo e impor uma forma de pensar racionalista e
científica. Porque era disso que se tratava para a geração de 1870, pois
acreditavam que tirando o povo de sua mesmice e elevando-o à
condição de nação poderiam atingir a civilização sonhada.
120
118
Ver José Murilo de Carvalho, op.cit., p.17.
119
Marta M.Chagas de Carvalho, A Escola e a República, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1989, p. 40.
120
PECHMAN, op.cit., pp 257-258.
108
No que diz respeito às características visuais dos indivíduos percebemos que
não há diferenças nos dados do período imperial. Na questão da cor, por exemplo, a
maior parte das detenções continuou sendo de brancos (505), seguidos de pretos
(243), pardos (225), morenos (80) e fulos (32).
Mais uma vez se somarmos o grupo que compunha os mestiços, juntamente
com os negros formaram a maioria, (ver gráfico 30).
Gráfico 30
Entrada de Detentos pela Cor
(1889-1906)
Cor
46%
22%
20%
7%
3%
1%1%0%
0%
Branca
Preta
Parda
Morena
Fula
Acaboclada
Parda Escura
Amarela
Não Consta
Fonte: APERJ
Quanto ao sexo, a amostragem, assim como o censo de 1906 apontou para
uma maioria masculina, 984 registros contra 124 matrículas de mulheres, conforme
nos mostra o gráfico 31.
109
Gráfico 31
Entrada de Detentos pelo Sexo
(1889-1906)
89%
11%
Homens
Mulheres
Fonte: APERJ
A maior parte dos detidos por vadiagem do sexo masculino usava: camisa,
calça, paletó e chapéu (ver anexo X), seguidos de calça, camisa e chapéu (ver
anexo 2) e paletó, camisa, calça, colete e chapéu, que eram trajes característicos
dos homens das classes menos abastadas da época. Veja o gráfico 32:
Gráfico 32
Traje dos Detentos do Sexo Masculino
(1889-1906)
434
198
157
45
37
33
20
18
10
32
0
100
200
300
400
500
Camisa, calça, paletó e chapéu Camisa,calça e chapéu
Camisa, calça, colete,paletó e chapéu Camisa, calça e paletó
Camisa e calça Camisa, calça,paletó e bonet
Camisa, calça, colete e chapéu Camisa, calça e bonet
Camisa,calça,colete e paletó Outros
Fonte: APERJ
110
Quanto às mulheres usavam saia e paletó, saia blusa e xale e apenas uma
usava vestido, conforme nos mostra o gráfico 33.
Gráfico 33
Traje das Detentas do Sexo Feminino
(1889-1906)
108
14
1
1
Saia e pale
Saia,xale e paletó
Vestido
o Consta
Fonte: APERJ
No que diz respeito a idade, a pesquisa mostrou que a maior parte dos
detentos era maior de idade (1060), ressaltando que no período republicano os
menores contraventores tinham destino específico, como por exemplo a Colônia 15
de Novembro que era destinada a disciplinar os menores para o trabalho. Ver
gráfico 34:
111
Gráfico 34
Entrada de Detentos pela Idade
(1889-1906)
96%
3%
1%0%
Maior
Menor
Ignora
Não Consta
Fonte: APERJ
Na questão da faixa etária, percebemos que o maior número de entradas na
Casa de Detenção foi de indivíduos entre os 18 e 20 anos de idade (22,1%),
seguidos daqueles entre os 21 e 25 anos (21,9%) e ainda dos 30 aos 40 anos
(21,1%), conforme nos mostra o gráfico 35.
Gráfico 35
Entrada de Detentos pela Faixa Etária
(1889-1906)
1%
23%
22%
16%
21%
11%
4%
1%
1%0%
12_17
18-20
21-25
26-30
31-40
40-50
50-60
60-70
Ignora
Não Consta
Fonte: APERJ
112
Como foi observado, na maioria dos registros estudados as condições
necessárias para o enquadramento de indivíduos no artigo 399 do Código Penal,
que correspondia à contravenção vadiagem, que eram não ter moradia e o ter
nenhum tipo de ocupação não refletiam à realidade. Por isso em alguns registros
encontramos a observação “não consta nota de culpa”, ou seja isto nos mostra que
os indivíduos eram inocentados da acusação, por não se enquadrarem na
contravenção.
Passaremos agora a conhecer a razão da detenção, o tempo da detenção e o
destino tomado pelos vadios.
3.5. Principais razões de detenção, destino e tempo de prisão
Na maior parte dos registros (440), os indivíduos foram detidos pela acusação
de vagabundo, seguidos de vagabundo e desordeiro (288), além de vagabundo e
gatuno (125), como podemos ver no gráfico 36.
Gráfico 36
Principais Motivos de Detenção
(1889-1906)
43%
27%
12%
6%
6%
1%
1%
1%
1%
1%1%
Vagabundo Vagabundo e desordeiro
Vagabundo e gatuno Vagabundo, desordeiro e ébrio
Vagabundo e ébrio Vagabundo e jogador
Vagabundo e sem domicílio Vagabundo e furto
Reincidência à vadiagem Vagabundo e prática de atos imorais
Outros
Fonte: APERJ
113
Dos 1108 registros analisados, apenas em 263 constavam os destinos
tomados pelos detentos, sendo que destes 129 receberam nota de culpa, sendo
considerados culpados pela contravenção e 113 não receberam.
Ainda dentro deste universo 9 seguiram para a Colônia Correcional Dois Rios,
4 foram deportados, 3 foram enviados à Casa de Correção, 2 foram para o Hospício
Nacional de Alienados e ainda 1 menor foi remetido ao General da Armada, outro foi
enviado para o Juiz de Órfãos e ainda um terceiro que foi enviado à Colônia XV de
Novembro, conforme nos mostra o gráfico 37.
Gráfico 37
Destino tomado pelos Detentos
(1889-1906)
845
129
113
9 4
3 2 1 1 1
0
200
400
600
800
1000
Não Consta Recebeu nota de culpa
Não recebeu nota de culpa Colônia Correcional Dois Rios
Deportação Casa de Corrão
Hoscio Nacional de Alienados Remetido ao Juiz de Órfãos
Colônia Correcional 15 de Novembro Remetido ao General da Armada
Fonte: APERJ
Quanto ao tempo de detenção, assim como no Império, a maior parte dos
detentos, permaneceu na prisão de 1 a 5 dias (306), seguidos de 8 a 10 dias de
detenção (151) e ainda de 11 a 15 dias (122), como podemos observar no gráfico
38.
114
Gráfico 38
Tempo de Detenção
(1889-1906)
28%
14%
11%
11%
11%
9%
7%
7%
1%1%
0%0%0%0%0%0%
1 a 5 dias
8 a 10 dias
11 a 15 dias
6 a 7 dias
o Consta
21 a 29 dias
1 a 2 meses
16 a 20 dias
30 dias
2 a 3 meses
4 meses
2 aons e 2 meses
7 a 10 meses
5 a 6 meses
11 a 12 meses
3 anos
Fonte: APERJ
Como destacamos, a principal diferença entre o Império e a República no
que diz respeito a vadiagem era a questão da punição, assim sendo mesmo
constatando que no maior número de registros o tempo de prisão era de 1 a 5 dias,
percebemos que a proporção da República para este período caiu de 42,3% para
27,6%.
De igual modo, no Império, o tempo de prio não ultrapassou os 29 dias,
enquanto na República o tempo de detenção foi de até três anos, fato que
demonstra que as autoridades republicanas estavam mais imbuídas da vontade de
dar “caça a vadiagem”.
Percebemos ainda que as prisões do período final do Império no que diz
respeito aos de indivíduos de cor preta representaram 25% e na República 22%,
este fator nos leva a acreditar que a repressão não se deu apenas sobre o liberto,
mas que a vadiagem que incluía uma pena ainda maior, foi usada para forçar os
115
populares ao trabalho que passou a ser apresentado como um dos componentes
necessários a manutenção da ordem.
116
CONCLUSÃO
As fontes historiográficas utilizadas para este trabalho a princípio nos
encaminharam para tratar da contravenção de vadiagem como fruto de um receio
dos parlamentares do Império que acreditavam que o liberto se entregaria à
ociosidade. Assim sendo, de acordo com a historiografia, eles temiam que o liberto
optasse pelo não trabalho, uma vez que o sistema escravista havia compelido o
negro ao trabalho forçado, o que de acordo com esses políticos, poderia causar no
ex-escravo a aversão ao trabalho.
Como pudemos observar avaliando o critério da cor, o negro esteve
sobrerepresentado nas detenções por vadiagem, mas ao lado dele houve um
número bastante expressivo de detenções de indivíduos da cor branca, o que nos
leva a entender que a contravenção foi utilizada para reprimir os pobres e impedir
possíveis desordens populares.
Alguns historiadores como Rosa Araújo apontam para uma supervalorização
da contravenção de vadiagem no período republicano, mas como pudemos perceber
as autoridades do Império também não hesitaram em fazer uso da mesma, para
forçar os recém-libertos ao trabalho, havendo um pico de detenções por vadiagem
entre os anos de 1886 e 1888.
Por outro lado, percebemos que um novo aumento no número de detenções
por vadiagem, ocorreu no ano de 1904, quando a reforma da Capital Federal
transformou a cidade do Rio de Janeiro num grande cenário, passando a existir uma
cidade real e uma cidade imaginada onde a aparição dos populares no espetáculo
era muito complicada, uma vez que comprometiam a imagem do progresso da nova
metrópole.
117
Embora não tenha havido grandes alterações no quantitativo das detenções,
percebemos que as prisões foram tratadas com mais rigor, não apenas porque o
governo republicano criou as prisões correcionais específicas para os vadios a fim
de coibir a ociosidade, educando-os através do trabalho, mas também porque o
Código Penal de 1890 estabeleceu penas maiores para os contraventores e
reincidentes.
Dada a natureza da documentação utilizada (registros dos Livros da Casa de
Detenção), optamos em alguns momentos por fazer análises estatísticas, embora
nosso objetivo principal fosse o de percorrer as trilhas deixadas pelos personagens:
cor, moradia, traje, idade, nacionalidade, estado civil, dentre outros. E, talvez, esta
tenha sido a maior dificuldade desta pesquisa, pois nos forçou a recorrer ao auxílio
de cronistas, aos censos e a imagens de época, a fim de decodificar os dados
contidos nos registros.
Concluímos ao fazer esta análise que a maioria dos detentos era ocupada em
algum tipo de atividade informal e que esta forma de atividade lhes assegurava
algum tipo de moradia, na sua maioria em lugares junto ao centro da cidade que era
o palco dos principais acontecimentos e movimentos sociais.
O estudo dos detidos por vadiagem representou em primeiro lugar uma forma
de se estudar uma parcela da massa popular, pois refletiu as características culturais
e sociais de parte desse grupo. Em segundo lugar contribuiu para que os muitos
registros dos Livros da Casa de Detenção que se encontram em péssimo estado de
conservação, fossem em parte preservados através dessa pesquisa que conseguiu,
com muita dificuldade, recuperar os dados contidos na documentação.
118
FONTES
Manuscritas
Série Livro de Registro de Detentos, Fundo Casa de Detenção, Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro.
N.º do Livro Período
CD 3971
Jan./Fev. 1886
CD 3978 Maio/Jun. 1886
CD 3984
Set./ Out. 1886
CD 4319 Jun./Ago. 1886
CD 3958 Ago. /Set. 1886
CD 3968 Fev. Abr. 1887
CD 3996 Jun. /Jul. 1887
CD 3963
Ago./
Out. 1887
CD 3995
Jun./ Jul. 1887
CD 4057
Ago./ Nov. 1888
CD 4311
Mar./Abr. 1888
CD 3957 Maio /Ago. 1888
CD 4056 Jul. / Ago. 1899
CD 5453 Ago. 1889 a
Fev. 1890
CD 4000 Out./ Nov. 1889
CD 4285 Nov./Dez. 1890
CD 3960
Maio/Jun.1890
CD 3982 Jun./Set. 1890
CD 4048 Set. Nov. 1890
CD 4322 Mar./Abril 1890
CD 3976 Dez.1890/
Jan. 1891
CD 3970 Jan. /Mar.1891
CD 3972 Maio/Jul.1891
CD 4317 Set./Out.1891
CD 3985 Ago. Set. 1891
CD 3977 Dez.1891 a
Jan.1892
CD 4281 Nov.1891 a
Mar. 1892
CD 5624 Set.Out.1892
042 Abril/Maio 1892
033 Jan.Fev.1892
035 Maio. Jun. 1892
119
317 Nov. Dez. 1892
42 Abril Maio 1892
5414 Fev. Jun. 1893
5625 Nov. Dez. 1893
063 Set. Out. 1893
067 Fev. Mar. 1893
022 Dez.1893 /Fev.
1894
5622 Dez. 1894 a
Fev. 1895
1894 Maio/Jun. 1894
5628 Jun. Set. 1894
038 Nov.1895/ Jan.
1896
S/ n.º Jun. /Set. 1895
S/ n.º Dez. / Nov.1895
S/ n.º
Fev. /Abril 1895
S/ n.º Abril. /Jun. 1895
6333 Jan. Mar.1896
S/ n.º Ag./Set. 1897
S/n.º Abril/Jun.1897
S/n.º Out.1898/Maio
1899
S.n.º
Jan./Fev.1898
S.n.º Jun./Jul.1901
S.n.º Abril/Jun.1902
084 Fev./Mar.1902
S.n.º
Jun./Jul.1902
S.n.º Dez.1902./Jan.
1903
S. n.º Set/Out.1902
S. n.º
Nov./Dez.1902
109 Maio/Jun.1903
6329 Jul./Set.1903
059 Fev. Mar.1903
CD 5613 Fev.1903
CD 6321 Jan. Fev. 1904
S. n. º Jun. Out.1904
S. n. º Dez.1905 a
Fev.1906
023 Fev.1906 a
Jul.1907
120
Processos de vadiagem, art.399 da Pretoria do Rio de Janeiro, Seção de
Documentos do Judiciário e do Extra-Judiciário, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,
Fundo 0R, Freguesia de Santana.
Ano 1898
0R. 822
Ano 1899
0R. 1102
Ano 1901
0R. 1905
Ano 1902
0R. 2290
0R. 2313
0R. 2446
Ano 1903
0R. 2706
0R. 2825
0R. 2830
0R. 2898
0R. 2917
0R. 2933
0R 2968
Ano 1904
0R. 3256
0R. 3261
0R. 3235
0R. 3239
0R. 3280
0R. 3292
0R 3268
0R. 3273
0R. 3311
0R. 3445
0R. 3511
0R. 3464
121
0R. 3554
0R. 3569
0R. 3570
0R. 3596
0R. 3573
0R. 3572
0R. 3783.
0R. 3778
0R. 3721
0R. 3725
0R. 3668
Ano 1905
0R. 3891
0R. 3873
0R. 3875
0R. 3885
0R. 3949
0R. 3967
0R. 4027
0R. 4l47
0R. 4179
0R. 4327
0R. 4323
0R. 4334
0R. 4339
0R. 4350
0R. 4354
0R. 4360
0R. 4366
0R. 4371
0R. 4374
Ano 1906
0R. 4567
0R. 4576
122
0R. 4584
0R. 4740
0R. 4752
0R. 4768
0R. 4782
0R. 4880
0R. 4891
0R. 4906
0R. 4911
Ano 1907
0R. 5093
0R. 5095
0R. 5112
0R. 5120
0R. 5128
0R. 5131
0R. 5137
0R. 5148
0R. 5217
0R. 5221
0R. 5223
0R. 5240
0R. 5260
0R. 5265
0R. 6897
0R. 5285
0R. 5380
0R. 5400
0R. 5413
0R. 5425
0R. 5426
0R. 5431
0R. 5455
0R. 5467
123
0R. 5473
0R. 5475
0R. 5492
0R. 5575
0R. 5579
0R. 5623
0R.5676
0R. 5733
0R. 5827
0R. 5830
0R. 5835
0R. 5844
0R. 5870
0R. 5885
0R. 5910
0R. 5920
0R. 5937
0R. 5940
0R. 5933
0R. 5935
0R. 5938
0R. 5944
0R. 6000
0R. 5993
0R. 6039
0R. 6040
0R. 6050
0R. 6070
0R. 6075
0R. 6082
0R. 6088
0R. 5760
0R. 5765
0R. 5810
124
0R. 5813
Obs. Não foi encontrado neste fundo nenhum processo referente ao ano 1900.
Impressas
Código Criminal. Império do Brasil. Ouro Preto, Tipografia de Silva, 1831. BN
Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Anotado segundo a legislação vigente
para uso dos Juizes e Jurados com a graduação das penas por Manuel Godofredo
de Alencastro. Laemmert e Cia. Edidores, Rio de Janeiro, 1898. BN
Código de Posturas: Leis, decretos, editais e resoluções da Intendência Municipal do
Distrito Federal: Compilação feita por ordem da Prefeitura pela repartição do Arquivo
Geral. Rio de Janeiro, 1894. BN
Consolidação das Leis e Posturas Municipais. Rio de Janeiro, Tipografia Paula
Souza e Cia., 1905. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
Discussão da Reforma do Estado Servil na Câmara dos Deputados e no Senado.
Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1871. BN
Extinção da escravidão no Brasil (Lei N.º 3353 de 13 de maio de 1888): desde da
apresentação da proposta do Governo até sua sanção. Rio de Janeiro, Imprensa
Nacional, 1889. BN
Anais da Câmara dos Deputados, 1888, vol. 7, pp. 259-260 apud Sidney Chalhoub,
Trabalho, lar e botequim, pp. 68-69.
Anais da Câmara dos Deputados, 1888, vol. 6, p. 68 apud Sidney Chalhoub,
Trabalho, lar e botequim, p.74.
Relatórios da Repartição dos Negócios da Justiça.
Anos: 1886, 1887, 1888 e 1904
Fonte: APERJ
Relatório do Chefe de Polícia do Distrito Federal, Antônio Augusto Cardoso de
Castro ao Ministro da Justiça J. J. Seabra, anexado ao Relatório Ministerial, 1904.
Fonte digitalizada e disponível no site : wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil/pindex.htm
Relatório do Chefe de Polícia do Distrito Federal, Manoel Jose Espínola ao Ministro
da Justiça J. J. Seabra, anexado ao Relatório Ministerial, 1905. Fonte digitalizada e
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República.
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social. Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1926. Biblioteca do Museu da
República.
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