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Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação
UNESP – FCT – Campus de Presidente Prudente
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Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Orientador: Rosângela Aparecida de Medeiros Hespanhol
Co-Orientador: Luís Antonio Barone
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DEDICO
À Rosângela, pelo carinho e cumplicidade em todos os
momentos. E a Natália e Emília, por tudo que temos
compartilhado
A todos os que buscam na solidariedade, na
ajuda-mútua, na cooperação, no
companheirismo uma forma de tornar seus
projetos de vida mais factíveis e melhores,
OFEREÇO
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Rosângela Aparecida de Medeiros Hespanhol, pela pronta
disposição na orientação deste trabalho, pelas inúmeras e valiosas sugestões
e recomendações apresentadas desde o ingresso na pós-graduação na FCT;
Aos amigos Rosângela e Nivaldo Hespanhol, pela acolhida, amizade,
incentivo, apoio e carinho inestimáveis oferecidos durante todo o tempo em
que permanecemos em Presidente Prudente;
Ao amigo, Prof. Dr. Luís Antonio Barone, pela disposição em dar continuidade
à orientação desta pesquisa, cujas contribuições foram de enorme valor ao
desde o momento da qualificação do presente trabalho, além do estímulo e
apoio dedicados;
Aos professores doutores Antonio Thomaz Júnior e Miguel Gimenez Benites
pelas valiosas contribuições e sugestões apresentadas por ocasião do exame
geral de qualificação, muitas das quais incorporadas ao texto da versão
definitiva;
Aos docentes do curso de pós-graduação em Geografia da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da UNESP / Campus de Presidente Prudente pelo
aprendizado propiciado durante a realização das disciplinas e demais
atividades do programa;
Aos colegas do curso de pós-graduação da FCT pelo convívio agradável e ao
mesmo tempo enriquecedor no aprendizado do ofício de ser geógrafo;
Aos colegas do GEDRA, Grupo de Estudos em Dinâmica Regional e
Agricultura, cujos encontros semanais foram de enorme importância para o
aprofundamento de questões teóricas sobre a geografia e a questão agrária;
Ao amigo e companheiro de mestrado Álvaro Barbosa, cujas contribuições
foram de grande valor para a definição dos rumos da presente pesquisa;
Ao Departamento de Fitotecnia, Tecnologia de Alimentos e Sócio-Economia
pelo oferecimento das condições necessárias para a conclusão desta etapa
de minha vida acadêmica, em especial pelo oferecimento de afastamento
integral para a conclusão do mesmo;
À Cidinha, companheira de pesquisas e projetos, mas acima de tudo, amiga
especial e singular cujo apoio, incentivo, e encorajamento constante sempre
foram e continuam sendo - imprescindíveis. A ela e ao Fernando que foi
quem me sugeriu realizar a pós-graduação em Presidente Prudente, o meu
carinho e gratidão pelas pessoas maravilhosas que são;
Ao amigo Lázaro, por muitos motivos e, em especial, pelo fundamental apoio
em assumir as disciplinas sob minha responsabilidade durante o período de
meu afastamento, com a dedicação e competência que lhe são peculiares;
Â amiga Silvia que, tanto como colega de trabalho como chefe de
departamento, o tem medido esforços para viabilizar a conclusão do
presente trabalho;
Ao amigo Ércio, por ter sido um elo de ligação com Ilha Solteira, nos tempos
em que convivemos na pós-graduação em Prudente, pela força e incentivo
que sempre me forneceu;
Ao amigo Irineu, pessoa de índole serena, aparentemente contrastante com a
prontidão e perfeição com que executa as tarefas que lhe são confiadas. Sua
ajuda foi fundamental para várias etapas da pesquisa bem como de nosso
trabalho cotidiano no departamento;
A Márcia, nossa secretária no Departamento, pelo apoio nas inumeráveis
atividades, por cujas mãos nossas vidas tramitam através de papéis e,
especialmente, pela imprescindível colaboração na impressão da versão final
desta dissertação;
Aos professores Hélio Ricardo Silva, Elizete Ap. Checon de Freitas Lima e ao
engenheiro agrônomo André Luiz Altimare, pela disponibilização do mapa
sobre o uso do solo em Ilha Solteira;
Ao João Josué Barbosa, bibliotecário de referência do Serviço Técnico de
Biblioteca e Documentação da FEIS, pela detalhada e minuciosa conferência
e correção das Referências na versão final desde trabalho;
Ao amigo Antonio Carlos da Silva, que como integrante do legislativo ilhense
não mediu esforços para conseguir vasta documentação sobre as patrulhas
agrícolas recebidas pela Associação, cujo auxílio foi de enorme valia para a
realização da presente pesquisa;
Às assistentes sociais, ex-funcionárias da Cesp, Marli de Oliveira, Neuza
Araujo da Silva Lima, e Rosilva Brito Rodrigues, meus profundos
agradecimentos pela colaboração como personagens cruciais da história da
Associação do Cinturão Verde;
À engenheira-agrônoma Charline Zaratin, pela cessão das fotos recentes
sobre a Associação do Projeto Roças Familiares;
Ao vereador Mitsuro Oda pelas informações prestadas sobre a história de Ilha
Solteira, Jupiá bem como pelas fotos de valor histórico cedidas para a
pesquisa;
Ao Prof. Dr. Vinício Martins do Nascimento pela entrevista concedida e por ter
possibilitado a obtenção de informações importantes de interesse da
pesquisa;
Ao meu literalmente grande amigo Osvaldão e sua querida esposa Maria
Izabel, pela manifestação permanente de uma amizade sem descrição;
Ao Prof. Dr. Eduardo de Almeida Navarro, especialista da USP sobre línguas
indígenas o qual, através da indicação de nosso comum amigo e seu ex-
professor Osvaldo Vincenzi, pela contribuição ao elucidar os significados de
algumas palavras tupi-guarani;
À bibliotecária Claudia Adriana Spíndola, supervisora da Seção Técnica de
Aquisição e Tratamento da Informação do Serviço Técnico de Biblioteca e
Documentação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, Campus
de Presidente Prudente pela elaboração da ficha catalográfica do presente
trabalho;
Aos integrantes da equipe técnica do Setor Agropastoril da Prefeitura
Municipal pelas informações oferecidas, ao longo de longos anos de trabalhos
desenvolvidos junto aos agricultores familiares do Cinturão Verde;
Aos integrantes da diretoria da Associação dos Pequenos Agricultores do
Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, nas gestões de 2001 até o presente,
pela absoluta confiança e desprendimento no tocante a informações
fornecidas, sem as quais este trabalho não poderia atingir seus objetivos; um
agradecimento especial à Soila cujo profissionalismo, dedicação à frente da
secretaria da associação, com certeza, contribuem para o bom andamento
daquela organização;
Aos meus familiares que, mesmo distantes, sempre torcem pelo meu
sucesso;
A todos os agricultores e suas famílias, em especial todos aqueles que me
atenderam em suas casas ou locais de trabalho, com perguntas e mais
perguntas, com o desejo que o resultado deste trabalho possa contribuir
minimamente para a melhoria da qualidade de vida que levam como
agricultores familiares;
E, a todos que de uma forma ou de outra contribuíram para que eu pudesse
alcançar esta etapa de minha vida.
RESUMO
Criado pela CESP em 1984 como um projeto de assentamento de trabalhadores
rurais em áreas remanescentes da construção da hidrelétrica de Ilha Solteira, o
Cinturão Verde de Ilha Solteira foi organizado em um total de 90 lotes, sendo 14
irrigados e 76 de sequeiro, com áreas que variam de 2,5 até 10 ha. Com o estímulo
dos profissionais responsáveis pela assistência técnica e social aos reassentados,
em 1987 foi criada a Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira tendo, desde o início, entre suas principais ações a
constituição de uma patrulha agrícola para viabilizar a realização dos trabalhos de
preparo do solo, cultivo, colheita e outros. Ao longo de sua existência a Associação
passa por diferentes momentos, sempre associados à presença e mediação de
agentes externos. A partir de 1998 - 2000, alguns fatores contribuem para a
recuperação da entidade, ao mesmo tempo em que se fortalece a articulação da
diretoria da associação com o poder público local, viabilizando o recebimento pela
mesma de uma frota de tratores, veículos e implementos diversos, através de
projetos de dois deputados federais ligados ao município. A administração dos
serviços prestados por esta patrulha, tanto para associados como para terceiros tem
sido a principal atividade desta entidade, configurando-a como uma Associação de
Máquinas. O trabalho destaca esta característica da Associação, na busca pela
consecução de seus objetivos sociais, econômicos e políticos, analisando estas
relações com base no referencial teórico do binômio autonomia–dependência.
Palavras-chave:
associações de produtores rurais, organização rural, autonomia-
dependência, mediadores, Cinturão Verde de Ilha Solteira.
ABSTRACT
Created by CESP in 1984 as a project of rural workers' establishment in remaining
areas of the construction of the Ilha Solteira Dam, the Ilha Solteira Green Belt Project
was organized in a total of 90 lots, being 14 irrigated and 76 of dried lands, with
areas that vary from 2,5 to 10 hectare. With the responsible professionals' incentive
for the technical and social attendance to the resettled, in 1987 the Association of the
Small Farmers of the Ilha Solteira Green Belt Project was created tends, since the
beginning, among its main actions the constitution of an agricultural patrol to make
possible the accomplishment of the works of soil preparation and cultivation. Along its
existence the Association goes by different moments, always associated to the
presence of external agents' mediation. Starting from 1998 - 2000, some factors
contribute to the recovery of the entity, at the same time in strengthens the
articulation of the management of the association with the local public power, making
possible the greeting for the same of a fleet of tractors, vehicles and several
implements, through two federal deputies' projects linked to the municipal district.
The administration of the services rendered by this patrol, so much for associated as
for third it has been the main activity of this entity, configuring it as an Association of
Machines. The work highlights this characteristic of the Association, in the search for
the attainment of its social, economic and political objectives, analyzing these
relationships with base in the theoretical referential of the binomial autonomy-
dependence.
Key-words: Rural farmers associations; rural organization, autonomy - dependence,
mediators, Ilha Solteira Green Belt.
SUMÁRIO
Pág.
ÍNDICE ii
LISTA DE TABELAS iv
LISTA DE FIGURAS v
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS vii
INTRODUÇÃO 01
DESENVOLVIMENTO 06
CONSIDERAÇÕES FINAIS 199
REFERÊNCIAS 206
ÍNDICE
Página
INTRODUÇÃO 01
1. ASPECTOS TEÓRICOS SOBRE ASSOCIAÇÕES DE
PRODUTORES RURAIS
06
Introdução 06
1.1 As Relações das Associações com a Sociedade 06
1.2 A Associação como Instituição Mediadora 15
1.3 A Associação e os Diversos Mediadores 17
1.4 As Diferentes Formas Organizativas 23
1.5 O Processo de Formação de Grupos 24
1.6 As Associações e a Captação de Recursos Externos 29
1.7 Assistência Técnica e Extensão Rural nas Associações 33
1.8 O Papel da Associação 38
1.9 Autonomia e Dependência nas Associações 39
1.10 A Questão da Coesão Social nas Associações 54
1.11 Um tipo particular de Associação: A Associação de Máquinas e a
questão da Patrulha Agrícola
58
2. A GÊNESE DE ILHA SOLTEIRA 64
Introdução 64
2.1 Antecedentes 64
2.2 A Implantação do Núcleo Urbano 69
3 O PROJETO CINTURÃO VERDE DE ILHA SOLTEIRA 84
Introdução 84
3.1 A concepção do projeto 84
3.2 O Processo de seleção dos assentados 86
3.3 Implantação do Projeto Cinturão Verde 95
3.4 Breve retrospectiva sobre o projeto 101
3.5 O Projeto Roças Familiares 116
4 A ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES DO
PROJETO CINTURÃO VERDE DE ILHA SOLTEIRA
121
Introdução 121
4.1 A Proposta de Organização Coletiva 121
4.2 O Processo de Grupalização da Comunidade 123
4.3 Grupos de Mulheres 130
4.4 Grupo de Jovens 131
4.5 Mutirões 133
4.6 A Criação da Associação 136
4.7 Aprendendo o que é uma Associação na Prática 138
4.8 Retomando o Controle: o “Trabalho da Tina” e o Diagnóstico Rural
Participativo
150
4.9 As Implicações do Diagnóstico Rural Participativo e do Projeto
Intervenção para o Desenvolvimento Humano com o Cinturão
Verde de Ilha Solteira
154
4.10 O Resgate de um mecanismo legal: o PRÓ-RURISA 159
5 A DINÂMICA DA ASSOCIAÇÃO NO PERÍODO 2001-2004 168
Introdução 168
5.1 A Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde como uma Associação de Máquinas
168
5.1.1
Patrulha Agrícola 168
5.1.2
Valores Cobrados pelos Serviços (Hora-máquina) 178
5.2 A Presença e Importância de Diversos Mediadores 182
5.3 A Relação entre a Associação e a Prefeitura Municipal de Ilha
Solteira
187
5.4 O Repasse de Subvenções da Prefeitura à Associação: uma
questão crucial
193
CONSIDERAÇÕES FINAIS 199
REFERÊNCIAS 206
6
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1:
Número de Selecionados por categoria e por município, no
processo seletivo para assentamento no Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira
93
Tabela 2:
Descrição da composição do Projeto Cinturão Verde de
Ilha Solteira e respectivas áreas.
98
Tabela 3: Descrição da distribuição dos lotes irrigados e de sequeiro
do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira e suas
respectivas áreas.
99
Tabela 4: Estrutura Agrária do Município de Ilha Solteira 161
Tabela 5:
Subvenções Recebidas da Prefeitura Municipal de Ilha
Solteira pela Associação dos Pequenos Agricultores do
Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira no Período de 2001
a 2004
194
6
LISTA DE FIGURAS
Página
Figura 01
Carta de Uso Atual e Ocupação da Terra – Ilha Solteira – SP
– 2003.
82
Figura 02
Imagem de satélite mostrando a Usina Hidrelétrica de Ilha
Solteira, a Ilha Solteira a jusante da barragem e a cidade de
Ilha Solteira na margem esquerda do rio Paraná.
83
Figura 03
Foto 1: Agricultores presentes ao processo de distribuição
dos lotes em cerimônia realizada na Casa da Cultura de Ilha
Solteira, aos 09 de outubro de 1984.
94
Figura 04
Foto 2: Da direita para a esquerda, vice-presidente da Cesp,
Miguel Kozma e Diretor Administrativo da empresa, Rubens
Naves, na cerimônia de distribuição dos lotes do Cinturão
Verde aos agricultores selecionados, realizada em 09 de
outubro de 1984.
94
Figura 05 Mapa: Cinturão Verde de Ilha Solteira – parcelamento da
área e lavras iniciais.
97
Figura 06
Quantidade de lotes com as principais culturas perenes
cultivadas no Cinturão Verde de Ilha Solteira - Área de
sequeiro.
106
Figura 07
Foto 3: Vista parcial dos implementos, carreta e trator
recebidos pela Associação das Roças Familiares em
dezembro de 2004.
118
Figura 08
Foto 4: Placa comemorativa à inauguração da Sede da
Associação do Projeto Roças Familiares, em outubro de
2003.
119
6
Figura 09 Foto 5: Agricultores presentes à cerimônia de entrega da
patrulha agrícola à Associação do Projeto Roças Familiares,
realizada em dezembro de 2004.
119
Figura 10 Mapa: Roças Familiares de Ilha Solteira parcelamento da
área
120
Figura 11
Foto 6: Grupo de Mulheres em Atividade de pintura em
tecido.
130
Figura 12
Foto 7: Casa construída em sistema de mutirão com material
recebido da Cesp pelos participantes de um dos sub-grupos
formados em 1986/87
134
Figura 13
Foto 8: Mulheres preparando o almoço comunitário para o
grupo que trabalhava na construção da casa.
134
Figura 14
Foto 9: Vista de um dos tratores agrícolas da Associação e
do tratorista da entidade
170
Figura 15
Foto 10: Vista do caminhão Ford Cargo, adquirido pela
Associação através de doação do Ministério da Agricultura.
171
Figura 16 Foto 11: Vista parcial do caminhão da Associação,
conduzido pelo técnico Robson Dourado.
171
Figura 17
Foto 12: Vista lateral do utilitário Ford Curier, posicionado ao
lado do barracão da Associação
172
Figura 18
Foto 13: Vista parcial do veículo utilitário Ford Curier,
conduzido pela secretária da Associação
173
Figura 19
Foto 14: Vista parcial de um dos tratores da Associação com
roçadeira acoplada e de alguns dos diversos implementados
em segundo plano, posicionados na lateral do barracão /
depósito da organização
176
Figura 20
Foto 15: Vista aérea das instalações da sede da Associação
dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha
Solteira
198
6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAIS – Administração do Núcleo Urbano de Ilha Solteira.
ALESP – Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais.
APAPCVIS Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de
Ilha Solteira.
APRONOR – Associação dos Produtores Rurais da Nova Reunidas.
ARC – Ação Regional Comunitária
AREIA – Associação Regional dos Engenheiros de Ilha Solteira e Adjacências.
ASAIS – Associação Amigos de Ilha Solteira.
ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural.
BANERJ – Banco do Estado do Rio de Janeiro S.A..
BANESPA – Banco de Estado de São Paulo S.A..
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
CATI / SAA Coordenadoria de Assistência Técnica Integral / Secretaria de
Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
CCCC – Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A..
CEASA – Central de Abastecimento S.A..
CELUSA – Centrais Elétricas de Urubupungá S.A..
CESP – Companhia Energética de São Paulo (ex Centrais Elétricas de São Paulo).
CGC – Cadastro Geral do Contribuinte.
CHERP – Companhia Hidrelétrica do Rio Pardo S.A..
CIBPU – Comissão Interestadual da Bacia Paraná Uruguai.
CMDR – Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural.
COMASIS – Conselho Municipal de Assistência Social de Ilha Solteira.
CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica.
COPAJOTA – Cooperativa Padre Josino Tavares.
6
CPT – Comissão Pastoral da Terra.
DRP – Diagnóstico Rural Participativo.
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
EMPAER – Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural.
ESPA I - Setor de Acompanhamento e Avaliação do Projeto Cinturão Verde de Ilha
Solteira
FAPIC – Feira Agropecuária Industrial e Comercial de Ilha Solteira.
FCO – Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste.
FEAP – Fundo de Expansão da Agropecuária e da Pesca.
FEBEM – Fundação para o Bem-Estar do Menor.
FEIS – Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira.
FETAESP – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo.
FINSOCIAL – Fundo de Investimento Social.
FUNDEC – Fundo de Desenvolvimento Comunitário (do Banco do Brasil)
FUNDECITRUS – Fundo de Defesa da Citricultura.
FUNSESP – Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo.
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços.
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo.
IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano.
ITESP Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da
Silva”.
KW – Kilowatt,
LBA – Legião Brasileira de Assistência.
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias.
LUPA – Levantamento das Unidades Produtivas Agrícolas.
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário.
MIRAD – Ministério da Reforma Agrária e Desenvolvimento.
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
MW – Megawatt.
<
PEMH – Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas.
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
PP – Partido Progressista (ex PPB).
PROCERA – Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária.
PRODISA – Programa de Desenvolvimento Industrial de Ilha Solteira.
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRÓ-RURISA Programa de Apoio ao Pequeno e dio Produtor Rural de Ilha
Solteira.
PT – Partido dos Trabalhadores.
SAI / SEBRAE Sistemas Agroindustriais Integrados do Serviço Brasileiro de Apoio
à Pequena e Microempresa.
SOS – Serviço de Obras Sociais.
STRs – Sindicatos de Trabalhadores Rurais.
UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
UNICAMP – Universidade de Campinas.
UPAF – Unidade de Produção Agrícola Familiar.
USELPA – Usinas Elétricas do Paranapanema S.A..
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo contribuir para a compreensão do Projeto
Cinturão Verde de Ilha Solteira sob várias perspectivas.
A primeira delas é de sua própria definição enquanto um projeto de
assentamento, diferente dos demais projetos implantados pela Cesp que tinham
como finalidade promover o reassentamento de populações, em geral, atingidas ou
impactadas pelos empreendimentos energéticos de responsabilidade da empresa. O
Projeto Cinturão Verde é de fato, sui generis, a começar pela forma como é
concebido e planejado, além de ter sido pensado como uma forma de arrendamento,
através da “concessão onerosa de uso”, como será relatado em detalhes no item 2.
Neste sentido, diferenciá-lo dos demais projetos de reassentamento consiste
numa contribuição.
Outra perspectiva é a de seu entendimento no contexto de uma localidade
Ilha Solteira criada para ser inicialmente acampamento de obra, porém, com a
missão de transformar-se em cidade. O Cinturão Verde é uma das medidas
concretas engendradas para viabilizar Ilha Solteira como cidade autônoma e auto-
suficiente, inclusive no que tange à produção de gêneros alimentícios.
O objetivo central, no entanto, é o de contribuir para a compreensão da
organização coletiva dos produtores rurais assentados no Cinturão Verde, através
da análise da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Vede de
Ilha Solteira.
A problemática da organização coletiva dos agricultores é, ao lado da
assistência técnica e extensão rural ATER, uma das áreas de estudo e atuação do
autor da pesquisa, de tal forma que foi um desafio entre tantos outros- isolar um
destes temas para aprofundamento.
A escolha do Cinturão Verde e da Associação como objetos de análise nesta
dissertação, deve-se ao fato do autor ser docente no curso de agronomia da Unesp /
#
Câmpus de Ilha Solteira desde seu início, em 1982. Ao longo de praticamente todo
esse tempo, dedicou-se em vários momentos ao acompanhamento da situação dos
agricultores familiares ali assentados. Algumas vezes de forma mais sistemática
(inclusive orientando alunos em atividades de extensão rural), outras em parceria
com outros docentes do departamento de Fitotecnia, Tecnologia de Alimentos e
Sócio-Economia do Curso de Agronomia, outras ainda como cidadão de Ilha
Solteira, acompanhando os trabalhos de diversos atores sociais.
O estudo sobre a Associação pretende ser uma contribuição para o
entendimento de sua gênese e de sua história ao longo dos quase 18 anos que
marcam sua existência formal. Informações sistematizadas sobre a mesma ainda
não existem, de maneira que esta é, também, uma tentativa de contribuição para o
histórico e problematização da mesma.
Para a realização desse trabalho foram utilizados diversos procedimentos
teórico-metodológicos. A leitura de obras tratando da temática das associações de
produtores rurais e do associativismo em geral, permitiu a seleção de aspectos,
conceitos e categorias analíticas diversas, dentre as quais algumas foram
priorizadas para o aprofundamento analítico e verificação na situação empírica da
Associação dos Pequenos Agricultores do Cinturão Verde de Ilha Solteira.
Um questionário contendo questões abertas foi aplicado junto a uma amostra
dos produtores rurais
1
, com o objetivo de apreensão de questões diversas sobre a
Associação, seu processo de criação, sua dinâmica, principais características,
conflitos e ainda uma avaliação subjetiva da mesma por parte dos entrevistados.
Uma atividade que demandou tempo considerável foi a análise de todas as
atas das assembléias realizadas pela Associação, desde o momento de sua criação
em 21 de novembro de 1987, até a última assembléia de 2003, realizada no dia 20
de dezembro. Da leitura das atas foram extraídos aspectos os mais diversos,
apontando para a própria dinâmica de sua atuação.
 
1
Foi definida como representativa, uma amostra de 12 agricultores, pertencente aos seis grupos – dois por grupo
que haviam sido formados na época do início das discussões no Cinturão Verde de Ilha Solteira, sobre a
possibilidade de criação de uma associação, processo este de iniciativa da equipe técnica da Cesp, como
detalhadamente tratado no capítulo 4.
C
A etapa seguinte à leitura foi a sistematização destes tópicos e sua
aglutinação, dando conta de uma série de questões que possibilitaram o
aprofundamento nas entrevistas. Deste processo de leitura e aglutinação dos
assuntos tratados nas atas das assembléias foi possível detectar, em última análise,
os principais objetivos da organização bem como seus principais problemas,
conflitos e sua dinâmica.
De modo a aprofundar a compreensão destes aspectos selecionados foram
realizadas entrevistas gravadas com dirigentes da Associação, atuais e ex-
intregrantes de diretoria, com ênfase nas figuras dos ex-presidentes, com o objetivo
de apreender as características da Associação em seus mandatos, além dos
principais problemas vivenciados, os conflitos enfrentados, a relação com
mediadores externos (em especial com a Cesp e a Prefeitura Municipal), o poder
legislativo e outros. Objetivou-se, aí, captar nestes depoimentos os aspectos que
legitimavam o referencial teórico selecionado, de modo a possibilitar a análise desta
problemática.
Entrevistas foram também efetuadas com integrantes da equipe técnica da
Cesp que atuaram junto ao Projeto Cinturão Verde e a Associação, sobretudo em
seu início, em especial três assistentes sociais envolvidas e contratadas
especialmente com a missão de promover a organização social da comunidade
assentada.
Outras entrevistas foram realizadas junto a representantes de organizações
como o legislativo de Ilha Solteira, ocupantes de cargos na Comissão de Seleção
dos Assentados do Cinturão Verde, do poder executivo municipal, entre outros, com
o propósito de possibilitar o entendimento do processo de mediação, bem como dos
mecanismos legais existentes que possibilitam o aporte de recursos financeiros para
a Associação, estímulos fundamentais à consecução de seus objetivos.
A busca de material tratando de Ilha Solteira e do Cinturão Verde foi outra
tarefa empreendida durante toda a pesquisa e possibilitou situar o foco da análise.
Grande parte deste material consiste em publicações e relatórios da própria Cesp,
embora alguns trabalhos acadêmicos sobre Ilha Solteira também foram analisados.
D
Quanto ao Projeto Cinturão Verde, cabe registrar que existem vários
trabalhos de pesquisa, inclusive desenvolvidos por docentes e alunos da
FEIS/UNESP alguns, inclusive, sendo realizados como teses de doutoramento
junto ao curso de agronomia dessa unidade universitária.
Mapas elaborados pela própria Cesp foram anexados ao trabalho, de modo a
permitir a visualização da organização territorial do Projeto Cinturão Verde e do
Projeto Roças Familiares. Aliás, o presente trabalho também consiste numa
contribuição acadêmica no sentido de ampliar a compreensão deste outro projeto,
originado simultaneamente e em decorrência do Projeto Cinturão Verde, revelando
as circunstâncias e motivos que o engendraram. Um mapa atual do município,
possibilitando a visualização do território de Ilha Solteira como um todo, também foi
inserido no trabalho.
A busca de instrumentos legais, que têm para a Associação dos Pequenos
Agricultores do Cinturão Verde de Ilha Solteira um papel fundamental na execução
de seus objetivos, foram analisados e constam do presente trabalho como anexos.
As fotos constantes no texto foram feitas pelo autor, como também representam o
resultado do levantamento de imagens junto a atores sociais e instituições que
acompanharam momentos da história do Cinturão Verde e da Associação dos
Pequenos Agricultores do Cinturão Verde de Ilha Solteira.
Do cruzamento entre a literatura analisada e o material colhido junto aos
agentes direta ou indiretamente envolvidos no Projeto do Cinturão e da Associação
(agricultores, dirigentes e demais atores sociais no conjunto do trabalho de campo),
foi possível selecionar alguns tópicos e aprofundar sobre eles a análise da
Associação. O item 5 é uma complementação ao item 4, na medida em que
apresenta as informações selecionadas a partir da leitura das atas das assembléias
da Associação.
Os depoimentos dos diversos atores citados são fundamentais para o
entendimento das relações e devem ser entendidos, neste trabalho, como papéis
desempenhados pelos atores sociais, enquanto mediadores daquelas relações, em
especial os atores políticos.
%
Assim, a Associação dos Pequenos Agricultores do Cinturão Verde de Ilha
Solteira é analisada à luz do referencial teórico como uma Associação de máquinas,
em virtude da preocupação que esta atividade demandou durante sua história,
assumindo, no período recente, este caráter de forma mais acentuada. Também
como instituição que atuou e atua bastante condicionada à ação de mediadores
externos, em função do que se analisa sua dinâmica com base no binômio
autonomia-dependência.
8
1: ASPECTOS TEÓRICOS SOBRE ASSOCIAÇÕES DE PRODUTORES RURAIS
Introdução
No presente item serão abordados diversos aspectos relacionados às
dinâmicas de constituição e de funcionamento das associações de produtores rurais,
segundo a abordagem de autores selecionados pela representatividade de seus
estudos de casos para o tema deste trabalho. Longe de esgotar essa bibliografia,
busca-se estabelecer parâmetros analíticos para o estudo da Associação dos
Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira objeto central
dessa investigação.
Cabe também mencionar que a temática do associativismo, embora tenha
muito em comum com a do cooperativismo, desta difere em vários aspectos formais,
institucionais e legais, podendo-se afirmar que as associações representam uma
forma mas simples e informal de organização coletiva, sendo mesmo compreendida
ou percebida por muitos, como um degrau intermediário das organizações, situada
entre os grupos informais e as cooperativas.
1.1. As Relações das Associações com a Sociedade
Analisar as associações de produtores assentados é uma rica oportunidade
de procurar entender este espaço social, como expressão real de existência dos
pequenos produtores dentro de um cenário maior, que é a realidade agrária
nacional. Estudar seu “papel” é, neste trabalho, conhecer sua dinâmica em prol dos
associados, bem como sua relação com os demais agentes presentes no cenário
local/regional e os dilemas e dificuldades que encontra no seu desenvolvimento.
Quanto aos procedimentos metodológicos desta tarefa, Berthome; Mercoiret,
(1999) propõem
G
Para analisar uma organização de agricultores é necessário
considerar, simultaneamente, os seguintes pontos: a sociedade
local, na qual foi instalada a organização, bem como as múltiplas
mudanças que ocorreram na mesma; a sociedade global e suas
evoluções; as dinâmicas próprias da organização dos agricultores e
os efeitos produzidos por ela sobre a sociedade local e a sociedade
global. Essa análise deve ser efetuada com o cuidado de não
colocar esses pontos em conflito, mas considerando-os em
permanente interação. Não é fácil isolar os componentes das
organizações dos agricultores e, sobretudo, estudá-los
separadamente. Em conseqüência, os temas propostos para análise
devem ser considerados como ângulos para observar um fenômeno
mais global. (BERTHOME e MERCOIRET, 1999, p. 16)
É preciso reconhecer a abrangência de tal proposta metodológica e, ao
mesmo tempo, sua grandiosidade ou o vulto do empreendimento analítico, o que
torna necessária a adoção de alguns recortes. O principal deles, para efeito deste
trabalho, é o recorte geográfico, priorizando a escala local.
Pensar e analisar a sociedade local significa, no caso desta pesquisa,
problematizar o município de Ilha Solteira, desde sua criação como Núcleo
Habitacional implantado pela CESP para atuar como base e suporte para a
população envolvida na construção dos empreendimentos energéticos de Ilha
Solteira e outros adjacentes (como Três Irmãos e, posteriormente, o Canal de
Pereira Barreto). Significa, ainda, pensar as diversas transformações pela qual
passa esta ‘sociedade local’, dentre as quais se destacam: o movimento pela
emancipação político-administrativa; a criação do município propriamente dita; as
vicissitudes decorrentes da diminuição da presença e importância da CESP como
principal gestora daquele território, e a crescente transmissão destas funções para a
administração pública municipal, ou seja, a prefeitura.
Além disso, a observação das dinâmicas inerentes à organização dos
agricultores, vale dizer neste caso, à Associação dos Pequenos Agricultores do
9
Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, que são capazes de produzir efeitos tanto na
sociedade local como, moduladamente, na dita “sociedade global”.
Ainda no tocante a esta orientação metodológica, os mesmos autores
detalham-na informando que
A organização dos agricultores é amplamente determinada (em seus
objetivos, funcionamento interno e programa de ação) pela
sociedade local e por seu meio externo. Não é, porém, um simples
produto das interações entre essas duas entidades. Enquanto
organização específica, possui dinâmica própria: por meio de sua
ação, pode contribuir para aumentar o potencial da sociedade local
(ecológico, econômico, social); ampliar sua margem de liberdade e
de escolha; aumentar sua capacidade de construir objetivos próprios
e de produzir os instrumentos de que necessita para alcançá-lo.
(BERTHOME e MERCOIRET, 1999, p. 15)
Vale dizer, a associação, se por um lado é determinada pela sociedade local
e pelo meio externo cujas condições a moldam, conforma-se de modo a estabelecer
um determinado conjunto de objetivos específicos e igualmente um programa de
ação para seu próprio funcionamento. Isto acaba por determinar mudanças nos
aspectos sociais, econômicos, culturais, ambientais e políticos da sociedade local e
da sociedade mais geral, uma vez que este é um processo essencialmente dialético.
Numa abordagem em que ilustram a aplicação da proposta analítica dos
autores acima, Sperry, Mercoiret, Ferraris (1999) apontam os elementos sócio-
políticos que antecederam a organização “...quando ocorreu a conjugação de
determinados fatores traduzidos pela predisposição dos agricultores para
começarem a atuação de forma coletiva.” (Sperry; Mercoiret; Ferraris, 1999: 19)
Quanto ao primeiro destes fatores, ou seja, a predisposição dos agricultores,
os autores relatam que
Ainda que os agricultores estejam de acordo sobre a questão de que
em suas comunidades não existe miséria, e que se sentem bem
J
vivendo no campo, estão conscientes dos efeitos e das barreiras
que, no passado, impediram seu desenvolvimento. O rádio e a
televisão parecem haver ajudado a situá-los no contexto. A
comparação com outras situações facilitou a diversificação de
aspirações tanto para (outras) atividades como para melhorar
ganhos e condições de vida. (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS,
1999, p. 19)
Neste trecho, o contato com o meio externo é representado pela televisão,
enquanto canal de comunicação que quebra ou reduz o isolamento das
comunidades rurais e as colocam em contato com os valores e significados que
transcendem o mundo rural propriamente dito.
Outro enfoque é o que considera a associação uma evolução qualitativa na
organização da própria comunidade rural, na medida em que é constituída para dar
conta de um leque maior de atividades e ações como resultado dos objetivos para
a qual é criada – constituindo-se como um fenômeno cultural e político.
Embora as associações sejam um tipo de organização que vem
sendo adotada mais recentemente pelos agricultores, não são novas
para eles, pois são uma evolução da organização local preexistente,
não substituem a organização anterior, apenas tornam-na mais
complexa e possibilitam realizar uma quantidade maior de atividades
do que antes. Pode-se afirmar, então, que o novo tipo de
organização é um fenômeno cultural, porque está baseado em uma
organização anterior e porque expressa a cultura do grupo que a
compõe. Ao mesmo tempo é um fenômeno político, porque passa a
administrar formas diferentes de poder. (SPERRY; MERCOIRET,
2003, p. 66)
Neste mesmo trabalho, Sperry e Mercoiret (2003) reforçam os elementos
apontados acima, remetendo para a importância da compreensão do processo de
criação de organizações coletivas dos produtores rurais através da análise de sua
história anterior num determinado território.
A$
Quando se fala nos atuais movimentos coletivos organizados pelos
produtores rurais, convém lembrar que, em matéria de organização,
seja qual for a região onde se manifestaram, sempre estiveram
vinculados a uma história anterior. A organização em associações é
uma prática coletiva instituída por valores e normas existentes em
espaços geográficos específicos e fundamenta-se na cultura e nos
saberes dos atores que dela participam. (SPERRY e MERCOIRET,
2003, p. 61)
Portanto, a associação surge como resultado de um processo histórico, em
determinado lugar, reunindo indivíduos em relações sociais entre si e com o meio,
configurando uma cultura que apresenta, entre seus diversos elementos, ‘os saberes
dos atores’. Tais saberes são, por sua vez, frutos de outras relações e trocas -
conforme será visto, ao se tratar dos diversos mediadores externos e também neste
outro excerto do artigo em questão.
Para compreender a evolução das organizações, criadas pelos
agricultores, é necessário analisar o fenômeno histórico de
socialização dos que fizeram parte do processo, pois essa
socialização costuma ocorrer ao longo de suas vidas. Para adaptar-se
ao ambiente, os agricultores acumulam e interiorizam os elementos do
meio em que vivem, integrando-os à sua personalidade (sob a
influência de experiências próprias ou provocadas por outros agentes
sociais significativos). Essas organizações podem estar ligadas a
interferências governamentais, a outros tipos de intervenções externas
ou resultarem de iniciativas próprias. (SPERRY e MERCOIRET, 2003,
p. 61)
Em vultoso trabalho de pesquisa, congregando uma equipe de pesquisadores
de instituições paulistas e baianas, a respeito do impacto da construção da
barragem de Sobradinho sobre as populações atingidas, Machado et al (1987)
AA
mostram com riqueza de detalhes o processo de formação de associações de
produtores rurais nos diversos municípios da ‘borda do lago’ de Sobradinho.
Para os autores,
A questão central que se coloca, portanto, é compreender a
associação como um espaço de participação do pequeno produtor.
Para isso, torna-se necessário apreender a dinâmica de participação
produzida por esta forma associativa e sua capacidade de afirmar
ou negar os interesses dos pequenos produtores na área.
(MACHADO et al., 1987, p.107)
Prosseguem os autores apontando os elementos que podem contribuir para
tal compreensão
...uma vez que comunidades aparentemente idênticas podem
apresentar problemas e potenciais distintos, a formalização das
associações não pode dar-se no mesmo ritmo em todos os núcleos,
visto que interferem neste processo fatores tais como: maior ou menor
mobilização, experiência de organização, identidade do grupo social,
existência de lideranças representativas na comunidade, nível de
politização de seus membros, etc. (MACHADO ET AL., 1987, p. 116)
Sobre esta questão do ritmo ou tempo necessário para que os produtores
rurais e suas famílias consigam apreender a essência e dinâmica da associação
enquanto instituição mediadora de um conjunto de relações, os autores apontam
que
A implementação de ações do Programa num tempo que não
atendia as necessidades de aprendizagem da comunidade
A#
comprometeu o próprio processo de organização e a qualidade da
participação dos pequenos produtores na associação. (MACHADO
ET AL., 1987, p. 116)
São tempos diferentes, o tempo das instituições do Estado responsáveis pelo
planejamento e implantação das ações, nem sempre compatíveis com o tempo da
apreensão e aprendizado dos produtores rurais sobre estas inovações, que
impactam as organizações e todas as implicações em seus modos de vida e
cotidiano.
O trecho a seguir evidencia as perspectivas em jogo, a do Estado e a dos
sujeitos sociais envolvidos na área:
Do ponto de vista dos interesses do Estado, pode-se dizer que a
formalização das associações como entidades jurídicas se deveu
tanto à necessidade de ter um instrumento legal para o repasse dos
recursos como à necessidade de construir um canal de intermediação
permanente com seu público-meta, que se mostrasse eficaz enquanto
instrumento de controle, garantindo os objetivos da intervenção
governamental na área. Por outro lado, do ponto de vista dos
interesses dos pequenos produtores, a associação se converteu no
principal instrumento para alcançar benefícios que, de outra forma,
não seriam obtidos, tornando-se pois, um meio para obtenção de
equipamentos comunitários, serviços e infra-estrutura produtiva que
lhes permitisse sobreviver enquanto grupo social. (MACHADO ET AL.,
1987, p.116-117)
Desta forma,
AC
A origem das associações da borda do lago pode, portanto, ser
compreendida, de modo dialético, a partir dos binômios indução /
autonomia, interesse do estado / interesse da pequena produção,
tempo do Programa / tempo da comunidade, controle político /
obtenção de serviços. (MACHADO ET AL., 1987:117)
Tratando, em outra seção, da prática organizativa, os autores acrescentam
novos elementos de análise que podem contribuir para a compreensão da
organização dos produtores em associações.
Para entender a prática organizativa que as Associações
desenvolvem, torna-se necessário questionar seus objetivos
enquanto organização, a significação que estes adquirem do ponto
de vista dos pequenos produtores e as expectativas que manifestam
a seu respeito. (MACHADO ET AL., 1987, p.118)
E complementam, mais à frente:
Apesar de ser um dado importante, não é o indicador numérico do
quadro de associados que determina a força ou fraqueza de uma
associação, sua representatividade, seu grau de autonomia ou de
dependência do Programa e, tampouco, sua capacidade de
negociar recursos e benefícios. Estes aspectos podem ser
compreendidos analisando-se a qualidade e a forma de
participação. Esta pode ser determinada pelo grau de
comparecimento dos associados às reuniões e assembléias, pela
regularidade com que estas ocorrem, pelo poder da decisão dos
AD
associados, pelo grau de legitimidade das lideranças, pelo grau de
coesão interna e mobilização. (MACHADO ET AL., 1987, p.121)
Mesmo sem especificar a forma como os autores apreenderam estes
elementos, os mesmos identificam, entre as oito associações analisadas, algumas
que se destacam, apontando características que podem ser tomadas como
importantes e significativos indicadores
A participação que se observa nessas [duas] associações é mais
intensa do que nas demais, verificando-se um processo de
participação coletiva nas decisões e atividades, como reuniões,
assembléias e trabalhos em grupos. (MACHADO ET AL., 1987,
p.122)
Provavelmente, a análise dos livros de presença e o registro das atas tenham
sido instrumentos utilizados para a captação destes níveis de participação acima
indicados.
Em uma delas, particularmente, se constata uma prática democrática na
ocupação dos cargos, existindo uma disposição coletiva para a alternância e
a renovação dos dirigentes. Essa prática viabiliza a ampliação do número de
lideranças no núcleo, através de socialização do exercício de direção. [...] Em
ambas, a participação dos membros nas distintas atividades não depende da
ação dos técnicos mas sim de fatores internos à constituição da própria
associação, tais como: origem da associação, formação do núcleo e
representatividade de suas lideranças. (MACHADO ET AL., 1987, p.122,
grifos nossos)
A%
Tais afirmações são ilustrativas ou indicativas de um grau de amadurecimento
da associação enquanto ente coletivo assim como revelador de uma autonomia,
como também será tratado em detalhes neste item.
Em seção (do livro) dedicada à discussão dos aspectos de organização
social, a partir da análise da experiência concreta ocorrida no Assentamento
Fazenda Reunidas, no município de Promissão, Estado de São Paulo,
particularmente no tocante à formação de uma cooperativa de produção
agropecuária nos moldes preconizados pelo MST, a Copajota, e da posterior
formação de uma associação - a Apronor - com dissidentes daquela cooperativa, os
autores encerram apontando para a necessidade de flexibilização nos modelos a
partir das experiências, anseios e necessidades dos assentados, alertando para a
“importância de pesquisas empíricas que apreendam em detalhes a construção
cotidiana das relações sociais nas organizações populares.” (BERGAMASCO e
NODER, 2003, p. 158)
1.2. A Associação como Instituição Mediadora
Uma perspectiva presente na literatura a respeito deste tema é a que se
refere à associação como uma instituição mediadora entre os seus associados e o
mundo exterior, entendido tanto aquele mais contíguo aos produtores rurais como os
inseridos na sociedade amplo senso. Berthome e Mercoiret (1999) explicitam esta
posição como segue:
As organizações dos pequenos agricultores são constituídas na
interface da sociedade global, como um meio para “regular as
relações” entre os indivíduos e os diferentes grupos sociais
(famílias, comunidades, cidade) que compõem a sociedade local, e
os múltiplos atores de seu meio externo (administração municipal,
serviços técnicos, ONGs, agências econômicas privadas, fontes de
financiamento, partidos políticos, sindicatos). (Berthome; Mercoiret,
1999: 11)
A8
Interessante perceber como outros autores revelam que a percepção da
necessidade da associação como instituição mediadora capaz de possibilitar o
alcance de objetivos concretos surge num encadeamento lógico cujos elos são o
aumento da produção, a modernização do processo produtivo, a obtenção de
recursos financeiros e, por fim, a constituição da organização coletiva, nesta
seqüência.
Esse conjunto de conhecimentos facilitou a percepção sobre o fato
de que apenas poderiam melhorar e aumentar a produção se
modernizassem seu processo de produção, mas isso seria
alcançado se tivessem acesso aos financiamentos bancários. Essa
realidade levou-os naturalmente a reconhecer que a organização
coletiva seria a única forma de acessar os financiamentos para se
equipar, produzir mais e melhor, e para comercializar seus produtos.
(SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 19-20)
Analisando duas associações do município de Trajano de Morais, no Estado
do Rio de Janeiro, Pinheiro (1999), revela que no caso da associação da localidade
de Maria Mendonça, enquanto instituição mediadora dos interesses do conjunto dos
associados sempre teve uma relação tensa com os atravessadores no tocante à
comercialização dos produtos desta comunidade, a mais expressiva e diversificada
do município apesar de situada a três horas de distância da sede do município. Tal
relação abalou a importância e significado da associação perante os associados em
virtude de fatores diversos sobre os quais muitas vezes não detinha controle.
Outra diferente perspectiva da associação como entidade mediadora é
apontada por Carvalho, no trecho abaixo
A associação é compreendida como uma mediação entre os
interesses, desejos e aspirações pessoais e familiares dos
trabalhadores rurais assentados e o seu ambiente social, este
expresso no conjunto das famílias do assentamento, no mercado de
AG
bens e serviços e nas políticas públicas. (CARVALHO, 1998, p. 5,
grifos do autor)
Para Machado et al., o papel de mediação é entendido como de meio,
ferramenta, instrumento para a consecução de determinados fins ou objetivos
Por outro lado, do ponto de vista dos interesses dos pequenos
produtores, a associação se converteu no principal instrumento para
alcançar benefícios que, de outra forma, não seriam obtidos,
tornando-se pois, um meio para obtenção de equipamentos
comunitários, serviços e infra-estrutura produtiva que lhes permitisse
sobreviver enquanto grupo social. (MACHADO ET AL., 1987, p.116-
117, grifos nossos)
1.3. A Associação e os Diversos Mediadores
A análise dos diversos trabalhos reunidos neste item aponta, invariavelmente,
em maior ou menor grau, para a presença de instituições e ou agentes sociais
diversos atuando como intervenientes, mediadores do processo de criação,
constituição e mesmo de gestão das associações de produtores rurais. O que se
procura realizar nesta seção é apontar situações em que a atuação dos
mediadores é revelada, na tentativa de apreender destes casos sua importância e
significado para a organização coletiva destes agricultores.
O trabalho desenvolvido por Zimmermann, no assentamento da Fazenda
Anoni, no Rio Grande do Sul revela a presença de distintos mediadores e suas
respectivas concepções, ideologias, visões de mundo sobre os rumos do
assentamento e dos trabalhadores rurais ali assentados.
Em reuniões freqüentes, o MST e a Igreja/CPT procuraram preparar
as famílias para o trabalho conjunto no assentamento. E, tendo
clareza de que muitos eram ‘novatos’ na luta e da tendência do
A9
‘individualismo’ de todo colono, passaram a monitorar o processo de
organização no assentamento. (Zimmermann, 1994, p. 208
2
)
Também sob denominações como ‘órgãos externos de apoio’ os mediadores
são relatados por outros autores com ações diversas e anteriores à criação das
associações que contribuíram para formar. Perceba-se também uma ação que é
registrada tanto antes da constituição, durante sua criação e depois de formada
numa revelação contraditória, uma vez que não se pode a priori perceber se esta
presença existe por ser necessária, coadjuvante ou imprescindível.
Os órgãos externos de apoio antecederam a constituição das
associações, apoiaram o movimento e continuam acompanhando e
prestando apoio técnico às ações dos agricultores e suas
organizações de diversas formas: apoio na criação de associações,
na elaboração de projetos para a demanda de financiamentos, na
organização de reuniões para o debate dos resultados das
fazendas-de-referência, no oferecimento de orientações técnicas e
em cursos e treinamentos. (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS,
1999: 21)
Pinheiro, analisando uma das duas associações de Trajano de Morais, no
caso a da localidade de Maria Mendonça cujos produtores situavam-se de forma
subordinada perante os atravessadores ali presentes, revela o papel desempenhado
pela agência local de assistência técnica e extensão rural.
Nesse caso, houve uma influência direta de técnicos da Emater e de
políticos locais sobre a associação, sendo que os últimos
procuraram utilizar a associação para reproduzir práticas
clientelistas, gerando desdobramentos igualmente ricos para a
análise. (PINHEIRO, 1999, p. 330)
 
2
– os termos entre aspas são de Benincá, 1987, citado pela autora
AJ
Este mesmo autor revela ainda que
Os diversos mediadores que atuavam junto aos agricultores
familiares tiveram um papel fundamental na difusão da proposta
associativa na década de 1980. No entanto, a convergência de
mediadores estimulando a fundação de associações não deve ser
confundida com um consenso existente sobre as funções dessas
entidades. Portanto, é importante distinguir as diferentes matrizes
ideológicas que informaram a atuação de cada um deles, bem como
as práticas desenvolvidas no bojo de disputas de posições, o que
levou a que as associações misturassem influências diversas e,
muitas vezes, contraditórias. (PINHEIRO, 1999, p. 336)
Aspecto que o mesmo autor reforça a seguir, revelando a importância dos
profissionais da extensão rural, ao lado de outros agentes, neste processo de
difusão desta inovação organizacional.
Os principais agentes envolvidos na fundação de associações foram
os técnicos de extensão rural, assessores de pastoral e
sindicalistas. A pergunta que surge é: o que levou a que mediadores
com inserções tão diversas identificassem no associativismo uma
saída para a agricultura familiar na década de 1980? É evidente
que, a resposta não é uma só, nem é a mesma para cada um deles,
pois está relacionada com as diferentes visões que possuíam sobre
as possibilidades e limitações da agricultura familiar. (PINHEIRO,
1999, 336-337)
Pinheiro também aponta apropriadamente que a aceitação pelos produtores
rurais do assentamento da Fazenda Santo Inácio da proposta associativista estava
muito mais relacionada com o reconhecimento da credibilidade dos mediadores
proponentes do que numa correta e total compreensão do significado desta forma de
organização pelos mesmos.
#$
Os assentados, por sua vez, tinham pouca capacidade de
intervenção nessa discussão porque, a rigor, havia uma grande
indefinição sobre qual era o papel da associação. A rápida aceitação
dessa proposta estava ligada à legitimidade daqueles que a
defendiam, isto é, assessores e lideranças que tinham demonstrado
competência no encaminhamento da luta pela desapropriação da
área. (PINHEIRO, 1999, p. 342)
Interessante observar, segundo exposição de Pinheiro (1999), que à medida
que as pessoas começaram a se reunir, outras questões foram sendo acrescentadas
como demandas ou necessidades da população local, como a melhoria das estradas
vicinais e a instalação na localidade de um telefone público, o por acaso dois
elementos necessários para a redução do isolamento da comunidade.
Como algumas destas demandas acabavam por direcionar-se às
competências do poder público “foi proposta uma parceria entre a comunidade e a
prefeitura, por meio da qual o auxílio para a compra dos equipamentos seria pago
através da entrega de parte da produção da associação, destinando-a para a
merenda escolar, o asilo e hospital municipal.” (Pinheiro, 1999: 347)
Apesar da proposta apresentada, não houve um retorno por parte da
administração municipal o que levou a um certo arrefecimento da idéia e da
motivação dos produtores levando a uma interrupção temporária do processo de
organização que estava gestando na comunidade.
No final de 1988, relata o autor, “um pequeno grupo voltou a se organizar,
estimulado, novamente, pelo técnico da Emater, que agora era também vereador.”
(Pinheiro, 1999: 347)
É perceptível a importância deste mediador, pelos conhecimentos e iniciativas
que vem outorgando à criação da associação o qual agora passaria a agregar a
função política ao seu papel de mediador técnico. Talvez, em função desta
mediação, os produtores tenham passado a adotar uma estratégia mais agressiva
com relação ao poder público municipal, passando “a efetuar visitas constantes à
prefeitura para cobrar as melhorias básicas na localidade, independentemente da
aprovação do projeto de cooperação proposto”, evoluindo em seguida para a
#A
redação e distribuição de panfletos que denunciavam o abandono da região por
parte do pode público”, ultrapassando inclusive os problemas mais afetos aos
produtores e chegando a questões ligadas a outras políticas públicas como
educação e saúde, numa demonstração de amadurecimento político dos produtores
envolvidos que não eram todos - através do uso de diferentes mecanismos de
pressão. (Pinheiro, 1999: 347-348)
Nesta perspectiva de busca de soluções e ampliação do leque de
mediadores, o grupo que participava deste processo buscou viabilizar a superação
de um de seus maiores problemas, senão o maior, o da comercialização de sua
produção, através de duas tentativas de comercialização conjunta por meio de um
caminhão fretado. Além de contar com as dificuldades inerentes a todo processo de
criação de uma atividade coletiva, em que pesam fatores como incerteza, risco e
desconfiança, os produtores contaram com a ação dos atravessadores oferecendo
valores superiores aos pagos pelo caminhão dos associados, levando a seguidas
desistências e culminando com o abandono da experiência.
Tal grupo volta a se articular mediante a possibilidade de aquisição de um
caminhão próprio e de um Box para comercialização no Ceasa da cidade do Rio de
Janeiro, via financiamento do BNDES.
Quanto à presença de mediadores no processo de criação, acompanhamento
e consultoria de associações, Dantas (2004) aparentemente atribui um papel de
protagonista às associações, em cujas tarefas recebem o apoio de inúmeras
instituições, como revela o trecho abaixo:
A organização dos produtores se constitui como um conjunto de iniciativas
tomadas pela categoria com mediação de movimentos sociais, instituições
governamentais, técnicos e outros profissionais, visando inicialmente a
somação de esforços individuais para a realização de atividades em
conjunto, diante de necessidades concretas de sobrevivência e de mudanças
de ordem sócio-econômica e cultural no campo. (DANTAS, 2004, p. 01)
##
A presença e importância de instituições mediadoras também é apontada no
trabalho de Bergamasco, revelando hegemonia dos critérios produtivos ou
econômicos como determinantes do processo.
A proposta de criação dessas associações teve forte determinação
dos órgãos institucionais, através da vinculação à possibilidade de
obtenção de financiamento, coordenada pelos técnicos do Instituto
de Assuntos Fundiários. Na realidade, esse processo organizativo
se deu dentro de um contexto de viabilidade econômica dos
projetos, tendo em vista a recomendação institucional por uma
tecnologia intensiva em capital. (BERGAMASCO, 1994, p. 228)
A análise de Matos é ainda mais abrangente ao considerar que as instituições
mediadoras mesmo quando movidas pelos mais nobres propósitos, não podem
incorrer em tutoria política das entidades ou outras formas de alienação.
Numa análise mais detalhada do quadro político, observa-se que o
processo histórico de dominação das oligarquias rurais e de
alienação política, econômica e ideológica das populações
excluídas, cristaliza-se na inibição da cidadania e da capacidade de
estabelecer reflexões críticas sobre sua condição de dependência.
Mas, a alienação e dependência não podem justificar uma tutoria
política, uma doutrinação ideológica, mesmo tratando-se de
vanguardas políticas comprometidas com causas populares, sob
pena de reproduzir a dependência e a submissão a outros senhores,
por mais éticos e identificados com os destinos da comunidade local
que sejam. (MATOS, 2002, p. 365)
A afirmação de Matos é de tal forma pertinente que encontra eco no passado,
isto é, no relato de Machado et al. (1987) sobre associações tuteladas a tal ponto de
delegarem as tarefas mais essenciais e intransferíveis aos mediadores locais, como
mostrado a seguir:
#C
Em face dessa situação, a associação atribui aos técnicos do
Programa a responsabilidade de representá-los diante das
instituições, encaminhando suas reivindicações. (MACHADO ET
AL., 1987, p. 125)
1.4. As Diferentes Formas Organizativas
Uma evidência da presença de uma variedade de formas organizativas é o
que relata Zimmermann em trabalho abordando ‘a dinâmica interna do processo de
organização social e produtiva de um assentamento de reforma agrária, no Rio
Grande do Sul’ (Zimmermann, 1994: 205), em que detalha a estrutura organizacional
do assentamento, como se pode ver no texto a seguir:
A primeira forma organizativa assumida pelas famílias surge no
acampamento da [Fazenda] Anoni. Ela é resultado de três
preocupações convergentes: a das famílias acampadas, que
desejavam atender aos critérios estabelecidos pelo Mirad para a
seleção; a do MST, que buscava um trabalho comunitário
progressivo de cunho econômico e político, através de experiências
grupais; e a do Incra/RS que estimulava a participação dos
‘parceleiros’, desde as primeiras ações no assentamento, de
maneira ‘organizada e responsável’. Na formulação de sua política
de assentamento, o Estado postula a integração de esforços
institucionais e dos beneficiários, a evoluir-se de uma gestão co-
participada para a emancipação gradativa’ (Mirad/Incra, 1987,
p.8).... No acampamento provisório instalado na fazenda
desapropriada, entretanto, nova configuração de grupos se
estabelece. A formação passa a refletir o momento político da
reforma agrária no Rio Grande do Sul. Tendo tomado posse um
assessor da CPT na Superintendência Regional do Mirad, a ênfase
para a organização do assentamento em moldes coletivos do MST é
reforçada na prática. (ZIMMERMANN, 1994, p 209)
#D
A autora faz referência, entre outras, a uma modalidade de organização de
interesse no presente trabalho que é a associação de máquinas, como revela o
trecho a seguir:
As formas modelares concebidas pelo MST e adotadas pelo Mirad
são então buscadas, a saber: Coletiva caracterizada pelo espaço
físico produtivo e doméstico de domínio e responsabilidade da
coletividade; Semicoletiva organiza coletivamente as relações
econômicas, sendo individualizado o espaço doméstico e parte do
produtivo; Associação de Máquinas reúne interessados na
otimização da capacidade produtiva das famílias e da terra, pela
associação de capital (principalmente para aquisição de máquinas e
equipamentos); Associação de Vizinhança reúne o trabalho de
famílias para a realização de mutirões na fase de plantio, colheita e
em outras ações produtivas. (ZIMMERMANN, 1994, p. 210, grifos
nossos)
Com base nesta categorização, a autora efetua uma caracterização das vinte
e quatro famílias que compõem o assentamento, em cinco grupos bem como das
interações entre os mesmos:
1.5. O Processo de Formação de Grupos
Em seu trabalho de doutorado, Hespanhol analisou as organizações coletivas
de quatro municípios da região de Presidente Prudente (Alfredo Marcondes, Álvares
Machado, Emilianópolis e Presidente Bernardes), destacando a importância e
expressão das associações ali presentes.
...na percepção dos produtores entrevistados, as associações
assumem importância pelo fato de, ao valorizarem a experiência dos
mesmos, procuram definir coletivamente objetivos bem claros para
[a] mesma, tentando resolver ou pelo menos ‘atacar’ os problemas
enfrentados no dia-a-dia como a falta de máquinas e implementos
#%
agrícolas mais potentes, os altos preços dos insumos industriais, a
intermediação comercial, a falta de qualificação para a aplicação de
determinadas técnicas, etc. Apesar das vantagens das associações
em relação às cooperativas e sindicatos, alguns produtores
ressaltam o fato de que para elas funcionarem plenamente a
necessidade do envolvimento da comunidade e de recursos
econômicos para a solução dos problemas detectados, bem como a
não participação de pessoas que ocupem cargos políticos, como
vereadores ou assessores, na diretoria das associações.
(HESPANHOL, 2000, p. 314)
As recomendações de Dantas (2004) abarcando aspectos sociais e políticos
podem ser acrescentadas às acima apontadas.
Na concepção da organização dos produtores devem-se contemplar aspectos
sociais e políticos, com destaque para o fortalecimento da solidariedade,
procurando romper com individualismo, personalismo, comodismo,
sectarismo etc. Deve ainda contribuir para o desenvolvimento da
consciência crítica e organizativa com vistas à participação desses
produtores em outras formas de luta. (DANTAS, 2004, p. 01)
Zimmermann acrescenta outros indicadores que podem explicar a
composição dos grupos sociais
São os elementos estruturais das famílias (capacidade produtiva,
parentesco) e conjunturais (trajetórias de vida, de trabalho e as
condições naturais do lote recebido no assentamento) que explicam
a efetivação e viabilidade dos arranjos grupais. (ZIMMERMANN,
1994, p. 214)
#8
Referindo-se à associação do assentamento da Fazenda Santo Inácio, que
por diversos motivos acabou por extinguir-se na prática, Pinheiro (1999) destaca a
importância da associação sentida pelos produtores como um elemento didático
para os mesmos, na medida em que comparam a situação vivenciada antes, durante
e depois da existência da associação. Tanto que, informa o autor,
A saída buscada pelos lavradores tem sido a tentativa de recompor
um grupo mínimo de associados interessados em desenvolver
alguns projetos em conjunto e a troca de experiências com outras
associações que também enfrentaram dificuldades, repensando as
experiências acumuladas e buscando novos caminhos. (PINHEIRO,
1999, p 352)
Tal fato reforça a iniciativa de formação de pequenos grupos ou grupos
informais, a exemplo do que acontece em várias associações e na Associação dos
Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, como mecanismo
de aglutinação de associados com maior proximidade e identificação, o que acaba
por conferir maior coesão social entre seus integrantes.
A referência ao estudo desenvolvido por Carvalho (1999) é pertinente no
sentido de evidenciar fatores pelos quais são constituídos os grupos, não apenas em
projetos de assentamento, os quais por sua vez, são importantes para o
entendimento da dinâmica de atuação de organizações coletivas como as
associações de produtores que requerem pessoas afinadas, ligadas por atitudes e
comportamentos alicerçados na confiança mútua, na solidariedade, no
companheirismo e no respeito para citar alguns.
O trecho a seguir também é revelador da apreensão por um grupo da
importância e necessidade de organização coletiva,
...as famílias perceberam a necessidade de organização social do
grupo, uma vez que as iniciativas até então colocadas não eram
suficientes para atenuar os efeitos sociais da crise econômica em
curso no País. Assim, convenceram-se de que a luta pela reforma
#G
agrária representava uma das poucas alternativas para os que
tinham suas origens de vida e de trabalho fortemente ligadas à
terra, enquanto morada e local de trabalho, capaz de integrá-los
ao processo produtivo e possibilitar melhores condições de vida.
(BERGAMASCO; NORDER, 2003, p.119)
Após o que, uma vez instalados na área e com vistas a aumentar sua
capacidade produtiva e ampliar suas potencialidades, partem com a mediação de
técnicos da UNICAMP para a formação de grupos específicos, no caso voltados,
respectivamente, para a produção de feijão irrigado e de criação de suínos.
A partir de 1988 algumas famílias começaram a avaliar a
possibilidade de intensificação da produção através da irrigação. A
inviabilidade de aquisição individual dos equipamentos necessários
para implantação do sistema de irrigação exigiu dos assentados
uma longa discussão e aprendizado, bem como a delimitação de
uma área comum a ser irrigada e a escolha da cultura a ser
implementada. Sete famílias organizaram-se para compra dos
equipamentos, após a obtenção de recursos do Procera
3
. Em 1989
e 1990 passaram a plantar feijão em uma área contígua de três
hectares obtida mediante permutas de pequenas áreas nos lotes
das famílias envolvidas no projeto. (BERGAMASCO; NORDER,
2003, p. 121)
Em outra obra, Bergamasco (1994) aborda as formas de organização dos
agricultores assentados em grupos, associações e cooperativas que resultam na
melhor organização do espaço produtivo.
A observação de sua existência concreta nos leva a examinar a
proposta de organização de grupos, de associações e, até mesmo,
de cooperativas como forma de sobrevivência. A viabilidade dessas
 
3
Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária, que acabou sendo extinto e dando lugar a partir de
meados da década de 1990, ao Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
#9
propostas resultou em rearranjos no espaço produtivo e em formas
outras de socialização dos agentes envolvidos. (BERGAMASCO,
1994, p. 227)
E prossegue evidenciando as estratégias utilizadas pelos produtores rurais
Essa decisão vem sendo tomada por diversos assentados nos
núcleos estudados. Usufruindo apenas do maquinário coletivo e, às
vezes, da compra conjunta de insumos, cerca de 26 % dos
assentados trabalham de forma individualizada em seus lotes de
produção. O restante se estrutura nos chamados grupos de
produção, onde o sistema é totalmente, ou em parte, coletivizado.
[...] No entanto, novas estratégias de permanência na terra foram
montadas por meio da estruturação de
grupos de produção
, onde,
através da busca de novas tecnologias, registraram-se tentativas de
construção de espaços de sociabilidade. (BERGAMASCO, 1994, p.
229-230, grifos nossos)
Dentre as diversas estratégias, o trabalho da autora revela ainda como as
culturas ou atividades produtivas escolhidas pelos assentados também têm uma
relação direta com a forma de organização que vai se estabelecer nestes locais
A escolha da cultura a ser plantada foi o feijão (irrigado), num
primeiro momento, por se tratar de uma cultura, segundo os
assentados, fácil de ser manuseada. Na verdade, uma cultura mais
identificada com o seu cotidiano, além, é claro, de lhes garantir
subsistência. [...] A idéia de criar suínos, de maneira a se obter uma
produção comercial, foi também resultado de discussões entre os
assentados e os técnicos da UNICAMP. Embora essa discussão
tenha tido a participação de todos os produtores do assentamento,
apenas dez deles concordaram em entrar no projeto, que deveria
ser, por princípio, coletivizado (BERGAMASCO, 1994, p. 231-232)
#J
1.6. As Associações e a Captação de Recursos Externos
A captação de recursos pelas organizações coletivas é apontada nas diversas
obras analisadas como um dos mais importante senão o principal estímulo para a
constituição ou criação de associações. Aliás, continua sendo e cada vez mais em
um cenário que aponta para o crescimento do chamado terceiro setor, com o leque
de organizações não governamentais entre as quais as associações se enquadram.
Como visto, no estudo das associações de Silvânia e região, a
organização coletiva seria a única forma de acessar os financiamentos para se
equipar, produzir mais e melhor, e para comercializar seus produtos.” (Sperry;
Mercoiret; Ferraris, 1999: 20)
Naquela situação e momento, outro fator decisivo que atuou como forte
estímulo foi a existência do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste
(FCO), possibilitando
...que as idéias, talvez ainda teóricas e gerais, do projeto político e
do projeto técnico-econômico, convergissem e concretizassem as
aspirações dos agricultores. O crédito do FCO funcionou como
desencadeador da dinâmica de organização das associações e, ao
mesmo tempo, uniu o grupo e estimulou seu processo de
organização em virtude da necessidade de lutar para conseguir
financiamento em melhores condições. (SPERRY; MERCOIRET;
FERRARIS, 1999, p. 22)
Quanto à finalidade destes recursos, cujos investimentos centralizaram as
atenções e continuam se configurando como a principal preocupação dos
associados, os autores informam que os mesmos “foram destinados a quatro
setores: financiamento a explorações familiares; criação de serviços coletivos;
criação de atividades na área agroalimentar; e construção de instalações para a
sede da associação.” (Sperry; Mercoiret; Ferraris, 1999: 24)
C$
Na seqüência, os autores comentam sobre o processo de endividamento pelo
qual algumas das associações têm passado e a decorrente desmotivação e
desinteresse gerado entre os produtores. Através da análise das atas das
assembléias e reuniões da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto
Cinturão Verde de Ilha Solteira, desde o início da criação da associação, como se
pode ver no item 5 deste trabalho, é possível perceber como a questão do
pagamento das mensalidades sempre foi irregular, com constantes e recorrentes
discussões sobre o pagamento das mesmas, atualização de valores; questões
ligadas a dificuldades de caixa; de dificuldades de pagamento de funcionários
(notadamente a secretária); questões trabalhistas; dificuldades de manutenção e
conservação do patrimônio, sobretudo os tratores e implementos; problemas daí
decorrentes, como a desconfiança da gestão de algumas das diretorias passadas e
do uso que deram a estes recursos; entre outras que aparecem nas atas, fazem
deste material um rico e interessante instrumento de análise e compreensão do que
estes autores estão denominando de “evolução da associação
Em artigo recente, Neves (2005) tendo como preocupação o debate sobre a
impossibilidade das associações em construírem um projeto durável, aborda 14
associações do Estado do Rio de Janeiro, efetuando, além de entrevistas com
dirigentes e associados, leitura e análise das atas das assembléias ordinárias e
extraordinárias, recurso que considera fundamental para a apreensão da dinâmica
daquelas organizações.
Sobre as facilidades alcançadas após a criação das associações, apreendida
a partir dos relatos / depoimentos dos associados, os autores que estudaram as
organizações coletivas dos agricultores de Silvânia e região, no estado de Goiás,
revelam que
É indiscutível o papel mobilizador desempenhado pelo Fundo
Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste FCO para as
associações de Silvânia mas, para a maioria, esse foi apenas um
começo a partir do qual novas formas de trabalho foram sendo
descobertas e praticadas. Pode-se dizer que o movimento
associativo desses pequenos produtores desencadeou o surgimento
CA
de pequenas empresas econômicas coletivas que têm investido no
setor produtivo, produzindo bens e serviços, inseridas na lógica da
modernização e da acumulação coletiva, que também permite a
acumulação individual. (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999:
31)
O trecho reproduzido abaixo referente ao trabalho de Pinheiro (1999) com
associações de Trajano de Morais, no Estado do Rio de Janeiro, revela em detalhes
a perspectiva das agências de fomento e financiamento como mediadoras e
interlocutoras legais, isto é, detentoras de personalidade jurídica ao mesmo tempo
com uma estrutura organizativa mais flexível e menos burocratizada do que as
cooperativas o que lhes conferem esta condição considerada ideal na perspectiva de
tais agentes.
...as entidades financiadoras, [...] viam no formato associativo a
solução ideal para a organização dos trabalhadores a serem
beneficiados. Apesar de não ser uma norma imposta oficialmente,
os requisitos legais e as avaliações de projetos pressupunham a
existência de uma organização prévia que contasse com CGC
[Cadastro Geral do Contribuinte, hoje, CNPJ – Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica], representação, capacidade comprovada de
aplicação dos recursos e prestação de contas. Essas premissas
passaram a orientar tanto os beneficiários de recursos oriundos do
governo federal destinados às áreas de reforma agrária (Procera)
quanto as comunidades que buscavam ter acesso a outras linhas de
crédito, como o Fundec [Banco do Brasil], LBA, BNDES, etc. Dessa
forma, a organização em associações representava, certamente,
uma diferenciação positiva em meio a uma disputa envolvendo
grande número de lavradores e recursos escassos. (PINHEIRO,
1999, p 339)
O mesmo autor reitera que uma característica ou perfil destes produtores foi o
outro fator que se somou à influência dos mediadores e das agências financiadoras
C#
uma vez que “boa parte não possuía recursos suficientes para promover melhorias
técnicas nos seus cultivos, nem dispunha de capacidade para a colocação de seus
produtos no mercado.” (Pinheiro, 1999: 339)
Ao longo de sua existência, revela o autor, a associação do assentamento
contou com recursos oriundos de diversas organizações governamentais, tendo sido
o principal projeto aquele desenvolvido com o apoio técnico da Emater local, com
financiamento do BNDES e do BANERJ. A finalidade deste projeto foi promover a
reforma das culturas existentes, principalmente a banana, com diversificação das
culturas através de outras frutíferas, aquisição de insumos e ainda a construção de
um galpão comunitário para a estocagem da produção. Também foram obtidos
recursos junto à LBA para a instalação de uma unidade de beneficiamento em
moldes de manufatura de banana para doce. Relata ainda o autor que uma primeira
parcela do PROCERA foi utilizada para a aquisição de um caminhão, um boi e um
microtrator Tobata para serviços de preparo do solo. A prefeitura, na fase inicial do
projeto, firmou um convênio com o Ministério do Interior para a construção de mais
dois galpões comunitários e recuperação das estradas no interior do assentamento.
(Pinheiro: 1999: 342-343)
Como observa Pinheiro, (1999) ao perceber que os recursos obtidos com as
contribuições seriam insuficientes para a realização dos objetivos pretendidos pela
organização, a mesma passa a buscar recursos junto a diversas fontes externas,
não apenas na prefeitura municipal mas outros órgãos do governo estadual, federal
e outras instituições.
No trabalho desenvolvido na área de Sobradinho, os autores também
evidenciaram a centralidade da questão dos recursos como estímulos à criação das
associações de pequenos produtores.
Em síntese, o Programa Especial de Sobradinho surgiu tendo, como
um de seus principais mecanismos, o repasse de recursos às
comunidades, como forma de sanar parte das dificuldades
produtivas criadas pelo Estado com a construção da barragem e a
conseqüente desapropriação das terras dos pequenos produtores.
CC
Esse repasse de recursos justifica-se pela perspectiva de ampliar a
participação dos pequenos produtores locais, através da
transferência progressiva das decisões para o âmbito destes
produtores, desde que organizados em associações. (MACHADO
ET AL., 1987, p. 114)
E destacam, quase que para o conjunto das diversas associações criadas,
à exceção da Associação Agrícola São Joaquim, criada com
orientação da Igreja, as demais surgiram por influência direta ou
indireta do Programa, que contava como móvel de atração a
proposta de repassar recursos diretamente às comunidades através
das associações formalizadas. (MACHADO ET AL., 1987, p. 115,
grifos dos autores)
1.7. Assistência Técnica e Extensão Rural nas Associações
A propósito do papel dos técnicos como atores importantes no processo de
constituição de associações, atuando num paradigma de totalidade ou holístico
4
,
Sperry; Mercoiret; Ferraris (1999) apontam que
Sem dúvida, a ação desenvolvida pelos órgãos do Governo com os
agricultores, durante o exercício do Programa Convivência com os
Cerrados, reforçou a aproximação entre os membros das
comunidades e funcionou como base para o movimento associativo
de Silvânia. O Programa enfocava a propriedade agropecuária como
um todo e apoiava-se tanto nas práticas geradas pelos próprios
agricultores como nas produzidas pela pesquisa. Suas atividades
 
4
Perspectiva de atuação da extensão rural em que a abordagem e a intervenção compreendem a propriedade
como uma totalidade complexa e sistêmica, neste sentido, constituindo um paradigma mais condizente com a
questão da sustentabilidade em todos os seus aspectos.
CD
uniam a tecnologia agropecuária ao gerenciamento das fazendas,
ao associativismo e ao crédito rural. (SPERRY; MERCOIRET;
FERRARIS, 1999, p. 20-21)
Defensor de uma atuação mais autônoma e protagonista dos agricultores,
sobretudo os pequenos, e suas famílias, Lacki (1997) propõe um conjunto de três
‘pilares’ como fundamentais para conferir sustentabilidade a estes sistemas de
produção, a saber: tecnologia adequada e que seja apropriável pelos pequenos
produtores, capacitação permanente e organização para a atuação de forma
coletiva.
Sobre os desafios dos órgãos externos de apoio daqui para frente, os autores
que estudaram as associações de Silvânia e região, consideram que
No momento, os grandes desafios que se colocam aos órgãos
externos de apoio são: adequar as estratégias de ação para tornar
os agricultores ainda mais independentes do apoio técnico;
multiplicar a idéia de fazer nascer a disposição em reproduzir em
outras localidades as práticas bem-sucedidas em Silvânia; e
continuar contribuindo para aumentar a produtividade das culturas e
dos rebanhos, sem comprometer a sustentabilidade da região.
Esses desafios podem ser representados por um conjunto de
perguntas, que deverão ser respondidas pelos órgãos de apoio:
como as informações produzidas pela pesquisa poderão ser mais
bem aproveitadas pelos agricultores? Como poderão eles contribuir
para o processo de captação e divulgação dessas informações?
Qual será a utilidade dessas informações para os componentes de
cada associação? Qual será a utilidade dessas informões para a
sociedade em geral? (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p.
41)
A preocupação com o papel da assistência técnica e extensão rural, o papel
dos técnicos como mediadores do processo de constituição de associações de
C%
produtores rurais está presente na obra de Pinheiro (1999) como se pode perceber
no trecho seguinte:
Os principais agentes envolvidos na fundação de associações foram
os técnicos de extensão rural, assessores de pastoral e
sindicalistas. A pergunta que surge é: o que levou a que mediadores
com inserções tão diversas identificassem no associativismo uma
saída para a agricultura familiar na década de 1980? É evidente que
a resposta não é uma só, nem é a mesma para cada um deles, pois
está relacionada com as diferentes visões que possuíam sobre as
possibilidades e limitações da agricultura familiar. (PINHEIRO, 1999,
p. 336-337)
O autor reforça a opção feita em dado momento pelos integrantes dos órgãos
oficiais de assistência técnica por determinado público decorrente de um processo
de reavaliação da finalidade e importância da extensão rural como política pública
No caso dos extensionistas, verificou-se, desde o início da década
de 1980, um processo de reavaliação do trabalho junto à então
chamada pequena produção. Esse processo iniciou-se a partir da
constatação de que o modelo de extensão baseado na utilização
massiva de insumos e defensivos industriais, vigente na década de
1970, tinha uma reduzida penetração entre os pequenos produtores.
(PINHEIRO, 1999, p. 336, grifos do autor)
No mesmo sentido, diz o autor citando o trabalho de Musumeci (1987)
As transformações decorrentes da escassez de recursos decorrente
das reformulações da política de crédito agrícola na década de
1980, levou o sistema oficial de extensão a buscar novas formas
possíveis para a continuidade de suas atividades, concentrando
seus esforços no desenvolvimento do ‘trabalho social’ e na
‘organização comunitária’.” (Pinheiro, 1999: 336-337)
C8
Desta forma, continua o autor, a extensão rural
“resgatou o aspecto mais humanista da extensão que, segundo
avaliações dos extensionistas, havia sido substituído por uma visão
excessivamente tecnicista. A influência dos extensionistas se deu na
maior parte das associações fundadas na década de 1980 e foi
importante principalmente na tentativa de encontrar soluções
adequadas para a escala de produção das pequenas propriedades.
Porém, o trabalho dos extensionistas não se limitava apenas à parte
técnica; vinha acompanhado, também, do desempenho de um papel
de ‘animadores culturais’, isto é, promovendo reuniões e outras
atividades que estimulassem a participação dos lavradores.”
(Pinheiro, 1999: 337)
No caso do Estado de São Paulo, o trabalho desenvolvido pelos profissionais
do ITESP Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo, órgão
responsável no Estado pelas ações de ATER (Assistência Técnica e Extensão
Rural) são representativos desta estratégia, através da priorização do trabalho e do
atendimento a demandas coletivas, ou seja, de grupos de produtores. Por um lado,
tal definição visa a atender aos grupos organizados ao mesmo tempo em que
pretende suprir tais serviços de forma mais racionalizada, otimizando os recursos
materiais e humanos do Instituto.
Também por parte da CATI, o motivador de uma ação nesta linha foi e tem
sido o PEMH Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas, com seus
estímulos diversos oferecidos para as comunidades que se organizarem em
associações, que foca os agricultores familiares e suas organizações num
determinado território compartilhado, sobre o qual se pretende promover ações com
vistas ao desenvolvimento sustentável.
Tais aspectos estão presentes no trabalho de Bergamasco e Norder (2003),
como se pode ver abaixo:
CG
Outro componente fundamental do projeto foi a busca de
alternativas que pudessem garantir a sustentabilidade do
assentamento, não apenas no sentido do uso racional e
conservacionista dos recursos naturais, mas também da
organização sócio-econômica e cultural em construção pelos
assentados. Estes pressupostos garantiram a prática da extensão
rural enquanto processo educativo, onde o saber
técnico/teórico/acadêmico e o saber popular/prático/cotidiano
puderam interagir e realimentar o trabalho conjunto.
(BERGAMASCO; NORDER, 2003, p.122)
Matos (2002), entretanto, é bastante crítico no que diz respeito ao volume de
recursos destinados pelo Estado para que as ações cabidas à extensão rural
possam ser exercidas. Não se pode perder de vista a diminuição do papel do Estado
no contexto do neo-liberalismo e do processo de globalização acelerado a partir dos
anos 90.
...além de insuficientes, uma grande parte desses recursos
(destinados pelo MDA à agricultura familiar e à reforma agrária) fica
comprometida por falta de orientação técnica, tanto no que diz
respeito às tecnologias adequadas às condições do quadro natural e
à dimensão familiar da produção, quanto a todos os aspectos
organizacionais e gerenciais envolvidos na produção e na
comercialização. No conjunto, os recursos destinados à capacitação
e à assistência técnica, não chegam a 2% do total, caracterizando o
pouco caso com essas questões, que nos parecem vitais para o
sucesso das políticas que envolvem mudanças de hábitos culturais,
particularmente de baixa escolaridade, como é o caso. (MATOS,
2002: 362)
O autor, a exemplo de outros autores já referidos, também questiona a própria
capacidade de intervenção dos extensionistas na realidade, face às diversas tarefas
de que precisam dar conta, em especial a de incrementar e fortalecer a organização
C9
coletiva dos agricultores, em virtude de uma deficiência de capacitação dos mesmos
para tais missões.
A questão que se coloca é sobre as possibilidades reais de uma
ajuda externa aos processos de organização e à construção da
autonomia comunitária. [...] Até que ponto nossos profissionais de
assistência técnica, extensão rural e a militância dos movimentos da
sociedade civil são formados nessa perspectiva? qual a capacidade
de incorporar a análise crítica da realidade nos nossos currículos de
formação profissional, promovendo o conflito criativo na dinâmica da
aprendizagem, no lugar da conformação ao saber inquestionável
das elites dominantes? (MATOS, 2002, 366)
1.8. O Papel da Associação
Esta questão é contemplada em outras seções deste trabalho. No entanto,
como surge na literatura exatamente com esta redação, considerou-se interessante
apresentar as referências sobre a organização e o funcionamento das associações.
Referindo-se ao conjunto de associações criadas na região de Silvânia,
Goiás, os autores destacam o papel destas organizações sobretudo no âmbito da
produção e como canal para incorporação de inovações tecnológicas nos sistemas
de produção.
As associações têm desempenhado atividades essencialmente na
área econômica, contribuído para melhorar as explorações agrícolas
e facilitado a adoção de novas tecnologias agrícolas. (SPERRY;
MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 23)
Já, no caso do estudo desenvolvido durante a década de 90, em um
município da região serrana do Rio de Janeiro, o autor confere a estas organizações
um leque mais amplo de atribuições, contemplando questões relacionadas à própria
sociabilidade como se vê a seguir:
CJ
Dentro dos assentamentos, as associações de produtores tiveram
um papel fundamental não só para o encaminhamento de demandas
ligadas à produção e à comercialização, que eram vitais para a
viabilização econômica desses núcleos, mas também para o
desenvolvimento de novas formas de relacionamento social,
construção de identidades, formação de novas lideranças políticas e
colocação de novos problemas na pauta de reivindicações dos
agricultores familiares. (PINHEIRO, 1999, p. 329-330)
1.9. Autonomia e Dependência nas Associações
Um dos aspectos centrais no estudo de associações refere-se à forma como
as mesmas desenvolvem suas ações de forma autônoma e independente. Por sua
vez, tal aspecto tem desdobramentos importantíssimos sobre a própria dinâmica de
funcionamento, a forma como são realizadas as decisões, o controle do patrimônio
pelos próprios associados, entre outras, capazes de conferir a estas organizações
um caráter de instituições representativas, democráticas e assim se constituindo em
importantes espaços de consolidação da cidadania ativa.
Há, na literatura utilizada neste trabalho, diversas referências a este binômio
polarizado, conforme se ilustra a seguir.
Provavelmente, o sucesso do movimento [associativista em Silvânia]
pode estar ligado à sua origem e à forma independente de
organização que adotou, pois, como disse com orgulho um dos
agricultores: ‘melhoramos economicamente, mas nada nos foi dado’.
Ou seja, receberam apoio de líderes políticos e de técnicos de
empresas de pesquisa e extensão rural, parceiros de seu
desenvolvimento, e assumiram compromissos bancários, mas nunca
estiveram vinculados a formas externas de gerenciamento ou
subordinação. São unânimes em atribuir seu desenvolvimento à
combinação financiamento + informações técnicas. (SPERRY;
MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 32)
D$
O trecho acima ilustra que a ação dos mediadores que atuaram no processo
de formação das associações e continuaram atuando como profissionais de
assistência técnica e extensão rural, parecem tê-lo feito sem interferir no processo
de condução das mesmas, uma vez que a percepção do agricultor referido atribui
independência à forma como as mesmas têm sido conduzidas. Também se podem
perceber os limites da atuação dos mediadores colocados como responsáveis pelo
oferecimento de informações e orientações, inclusive aquelas relacionadas à
obtenção de financiamentos, outro dos pilares do desenvolvimento destas
organizações.
Se isto é verdadeiro, o trecho seguinte destes mesmos autores parece
contradizer ou minimizar a noção de autonomia e independência que os mesmos
pareceram alcançar. Se, de fato, a informação tem sido considerada importante para
o alcance do desenvolvimento, a mesma é apontada como muito incipiente e
reduzida tanto entre os próprios integrantes da sociedade local como em relação a
contatos externos.
Os pequenos agricultores de Silvânia costumam procurar pouca
informação fora da comunidade e, menos ainda, no interior do
grupo. Se fizessem investimentos neles mesmos (procurando
pessoas e efetuando treinamentos especializados), além de
aumentar seus conhecimentos, cresceriam perante a sociedade
onde estão inseridos e teriam mais facilidade para expressar
demandas e formular projetos coletivos de trabalho. A
despreocupação em buscar informações técnicas desde a criação
das associações (esperam que ‘os de fora’ venham explicar como e
o que fazer) pode ter sido um dos motivos que levou algum a se
desmotivar, pode ter contribuído para aumentar o desinteresse de
outros [e] para dificultar a expressão de demandas e a construção
de objetivos mais motivadores. (SPERRY; MERCOIRET;
FERRARIS, 1999, p. 39)
DA
Este limite de informações refere-se a questões basais como o
desconhecimento do que significa este novo sujeito social denominado associação,
suas potencialidades e características, conforme revelam os autores, com base no
depoimento de um dos integrantes de uma associação de Silvânia. A propósito, tal
desconhecimento não é exclusivo destes associados e é perceptível na maioria
integrantes de associações que, na maior parte das vezes, limitam-se à
compreensão parcial e limitada da associação como uma ferramenta de acesso a
determinados benefícios.
Adicionalmente, o trecho acima é revelador da dependência com respeito às
decisões de fora, externas à comunidade, numa referência ao papel dos técnicos da
extensão rural como mediadores mais assíduos nestas associações.
Na opinião dos próprios agricultores, o que está faltando para o
grupo é saber com clareza o que é o associativismo, porque ‘até
agora, muitos não se deram conta de que eles é que são a
associação, e que o patrimônio coletivo, adquirido em conjunto, é
dele!’. (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 39)
Quanto à afirmação do produtor rural apontada acima, cabe reforçar que um
dos principais desafios no tocante à capacitação de agricultores para a constituição
de associações ou cooperativas é conseguir que os mesmos incorporem a
compreensão de que, nestas organizações, eles devem ser ao mesmo tempo três
pessoas: o dono, o cliente e o próprio fiscal ou gerente da entidade, condição que
permite, através do exercício da empatia, situar-se em pólos antagônicos ao mesmo
tempo. Além disso, ao participar de uma organização coletiva como uma associação,
deve haver por parte de seu integrante uma renúncia ao individualismo em favor da
coletividade o que equivale a assumir novas atitudes e comportamentos, o que é, em
nossa sociedade, um enorme desafio.
Em obra recente, dois dos três autores do texto acima, enfatizam aspectos
importantes para o processo de busca da autonomia das organizações, que passa
necessariamente por uma mudança de atitudes que, por sua vez, decorre da
conscientização coletiva.
D#
Para os agricultores, provavelmente, o resultado mais importante
das associações seja o de contribuir para o processo de
conscientização coletiva sobre a necessidade de se organizarem
para buscar soluções para seus problemas e atrair para si a
responsabilidade dessa busca. Por meio da associação, são
praticamente ‘empurrados’ em direção à evolução e à diversificação,
pois se dão conta de que, se não fizerem alguma coisa por eles
mesmos, será muito difícil encontrar quem o faça. (SPERRY;
MERCOIRET, 2003, p. 65)
Analisando os mecanismos sociais internos presentes nos rearranjos grupais
vivenciados pelas 24 famílias que integraram a primeira fase do Assentamento da
Fazenda Anoni, sobretudo no que diz respeito à constituição de modelos de
produção coletiva propostos por distintos mediadores, Zimmermann (1994)
considera que a potencialização da capacidade produtiva do trabalho e a
concentração adequada dos meios de produção não conseguem se dar
simplesmente pela compreensão teórica de sua importância e significação, sendo
necessário considerar o respeito ao ritmo de apreensão dos novos conhecimentos e
da formação da nova coletividade.
As contradições internas surgidas no processo de coletivização e
homogeneização de segmentos de trabalhadores com aspirações
camponesas explicitam e reforçam a necessidade de respeito ao
ritmo do aprendizado diário, o que não se consegue apenas com o
trabalho político-ideológico. Para a consecução dos objetivos
econômicos e políticos, impõe-se um tempo de gestação onde
ocorrerá o descobrir-se, o reconhecer-se e o fazer-se enquanto
identidade coletiva. (ZIMMERMANN, 1994, p. 221)
E, de modo a ilustrar um processo de construção desta identidade coletiva, de
forma autônoma pelo próprio grupo negando e superando as orientações e modelos
propostos pelos mediadores, a autora refere-se à percepção da comercialização
DC
como instância percebida por todos como ponto de estrangulamento comum e
propiciadora de tal coesão.
O não-entendimento dessas questões levou a um acirrado embate
de forças entre os assentados que, reconhecendo a dificuldade de
solucionar as suas contradições internas, buscam um novo caminho
para se homogeneizarem, por intermédio da comercializarão direta,
ou seja, pela tentativa de eliminação de intermediários no circuito
mercantil. Tal posicionamento evidencia que, dentre as contradições
vivenciadas pelas famílias, é a subordinação ao capital comercial a
que mais concretamente aparece com possibilidade de superação.
É pela eliminação da apropriação do sobretrabalho, cristalizado no
produto das unidades produtivas familiares e grupais, via relações
de mercado, que efetivamente acreditam poder iniciar o aprendizado
político desejado. (ZIMMERMANN, 1994, p. 221)
E, continua a autora, explicando o sentido deste comportamento
Ou seja, nesse jogo de forças onde a apropriação de sobretrabalho
pode se dar por vários agentes sociais, as famílias procuram ir
minimizando as variantes da subordinação, e se aglutinam em torno
daquela que lhes é mais conhecida. O enfrentamento conjunto aos
agentes do capital comercial auxilia no resgate da identidade coletiva
perdida em meio às contradições geradas no processo organizativo do
assentamento e dilui os efeitos do inter-relacionamento assimétrico.
(ZIMMERMANN, 1994, p. 222)
Desta forma, ao considerar a necessidade e importância de, nas
organizações coletivas, construir-se uma identidade coletiva e resgatando a
importância do respeito ao ritmo de aprendizado dos próprios atores sociais – muitas
vezes colocados de forma compulsória em condições de convivência, a autora
conclui:
DD
O primado do ‘coletivo’ e de outras formas modelares acaba por
desrespeitar o ritmo de aprendizagem e a conduta democrática de
convivência que, juntamente com o trabalho de formação teórica,
atuam como sustentáculos do crescimento conjunto da consciência
política. A adoção de formas mais complexas, comprovadamente
mais eficazes à potencialização da produtividade do trabalho e
aumento dos investimentos produtivos, terá de se dar em meio à
prática democrática do autofazer-se na diversidade de formas
associativas que as especificidades das famílias determinam. [...] O
ideal de auto-suficiência e autonomia dos colonos assentados
poderá ser alcançado enquanto um ser coletivo mas eles assim
precisam se entender, para terem espaço no contexto geral gaúcho
e brasileiro. (ZIMMERMANN, 1994, p. 223, grifos da autora)
A situação, analisada por Pinheiro (1999) quanto à Associação dos
produtores rurais de Maria Mendonça, no município fluminense de Trajano de
Morais, no que diz respeito às dificuldades de manutenção do caminhão da
entidade, permite refletir sobre a relativa autonomia da mesma bem como sobre o
papel dos associados tanto no controle e administração desta organização coletiva e
ainda sobre a constituição de um fundo de manutenção de máquinas e do caminhão
de modo a minimizar os efeitos inevitáveis das freqüentes avarias sofridas pelo
mesmo, nas péssimas condições das estradas locais.
Concretamente a associação solicitava apoio para o conserto e manutenção
do caminhão, aquisição de embalagens, pneus e até mesmo de ajudantes,
configurando uma relação de dependência que limitava sua autonomia. Da parte da
prefeitura, o atendimento aos pedidos da associação configurou uma política
clientelista, sobretudo porque aquela comunidade por suas características étnicas e
culturais a configurava como promissora base eleitoral.
Esta relação com a prefeitura teve um caráter contraditório, pois, se de um
lado permitia que a associação pudesse evitar a ação dos atravessadores, por outro,
impedia que se formalizasse um acordo ou parceria de maior vulto, corroborando a
relação de dependência e de reduzida autonomia por parte da associação enquanto
D%
os apoios concedidos pela prefeitura eram veiculados no município como
propaganda do executivo local e seu apoio à agricultura familiar local.
Como esta relação é essencialmente dialética, acabou por contribuir para o
aumento da capacidade de organização da associação, por sua vez decorrente “do
crescimento econômico da mesma e também da ampliação do contato desses
produtores com outras entidades financiadoras” inviabilizando “as pretensões da
prefeitura em se constituir o interlocutor básico da comunidade em um sistema
clientelista.” (Pinheiro, 1999: 350)
Esta constatação reforça a noção de pobreza política tão comum em nossa
sociedade, em que um detentor do poder público inverte seu papel de representante
eleito para realizar a vontade coletiva, age colocando seus interesses eleitorais
acima da vontade de uma coletividade, legitimamente organizada. De meio para a
consecução do bem comum, a política passa à condição de fim em si mesma.
Um dos desafios permanentes para as associações em Trajano de
Morais tem sido a capacidade de manterem os seus objetivos
básicos, isto é, de se firmarem como organizações autônomas, com
altos índices de participação e aptidão para o encaminhamento das
demandas dos agricultores familiares da região. (PINHEIRO, 1999,
p. 351)
Não apenas em Trajano de Morais como em todas as associações estes
desafios o centrais. Aliás, uma associação dinâmica e exitosa é exatamente
aquela que funciona com o máximo de participação de seus associados, o que por
sua vez, é condição para o alcance da pretendida autonomia.
Na prática, contudo, entende-se que esta autonomia seja sempre uma
autonomia relativa, em virtude da natureza das relações que a mesma estabelece
com os demais atores sociais. Mas de fato, como diz o autor pensar a possibilidade
de continuidade das associações implica considerar a capacidade que elas vêm
demonstrando de impor, em alguma medida, os seus pontos de vista.” (Pinheiro,
1999: 351)
D8
No caso da associação do assentamento, o autor revela que uma
percepção clara e nítida da falta que a mesma faz, o que é avaliado por indicadores
como as dificuldades de relacionamento com o Estado e com as entidades
financiadoras, sem a figura de uma personalidade coletiva, e até mesmo com os
técnicos da extensão rural, visto que o declínio da associação representou uma
diminuição do poder de barganha que possuíam.” (Pinheiro, 1999: 352)
A questão da autonomia e dependência também pode ser apreendida pela
forma como a organização estabelece, em seu interior, as deliberações e decisões.
O exemplo citado abaixo também é observado na Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira e pode ser indicativo dos
limites de atuação dos mediadores junto às organizações coletivas.
A direção das associações foi confiada a uma diretoria e a um
conselho fiscal, eleitos pelos assentados, tendo como órgão
deliberativo a assembléia, na qual participavam (e ainda participam)
os técnicos, no sentido de contribuírem na tomada de decisões.
(BERGAMASCO, 1994, p.228)
A formação de uma identidade coletiva é fundamental para o amadurecimento
da noção de autonomia. Neste sentido, Matos (2002) chama a atenção para o
conceito de sujeito social, como um requisito anterior à obtenção do crédito, da infra-
estrutura produtiva e da tecnologia, como tendo significado objetivo para o momento
de organização da coletividade quanto à tomada de decisões próprias, podendo
inclusive influenciar as políticas públicas para o setor.
Não precede do ponto de vista temporal, justificando que os
programas devessem esperar primeiro que se formassem sujeitos
sociais autônomos para então serem implementados. Não, a
população se organiza para superar suas próprias dificuldades
aproveitando as oportunidades oferecidas pelas políticas públicas.
São processos interdependentes à medida que a própria
comunidade pode influenciar na formulação das políticas, desde que
DG
os órgãos públicos tenham sensibilidade para respeitar a autonomia
desses sujeitos sociais, eles florescem e se organizam sem desvios.
(MATOS, 2002, p. 364)
Ainda segundo este autor
Essa mudança de atitude das instituições públicas com relação ao
respeito à autonomia comunitária produz uma transformação
substancial nas relações políticas entre o Estado e as comunidades,
à medida que as transforma de objeto em sujeito de seu próprio
desenvolvimento, conferindo não apenas maior efetividade ao
processo, mas, sobretudo, a tão desejada sustentabilidade,
subsidiária direta da autonomia. (MATOS, 2002, p. 364)
O autor fundamenta sua argumentação na constatação de que, na prática
atual os agricultores familiares têm sido objeto das pesquisas universitárias, da
assistência técnica e dos componentes dos programas de desenvolvimento, mas
nunca sendo tratados como sujeitos autônomos. Tanto para os agentes da extensão
rural como para todos os demais interessados em conferirem apoio a este segmento
social, inclusive as próprias organizações destes trabalhadores, por mais que se fale
de processos participativos, a questão da autonomia local é raramente posta como
premissa fundamental do trabalho, revelando uma tendência assistencialista,
paternalista desses processos sociais em que está presente uma concepção de
incapacidade de racionalidade e de discernimento e crítica por parte dos atores
sociais que careceriam de ações catequizadoras para se tornarem emancipadas.
Numa análise mais detalhada do quadro político, observa-se que o
processo histórico de dominação das oligarquias rurais e de
alienação política, econômica e ideológica das populações
excluídas, cristaliza-se na inibição da cidadania e da capacidade de
estabelecer reflexões críticas sobre sua condição de dependência.
Mas, a alienação e dependência não podem justificar uma tutoria
política, uma doutrinação ideológica, mesmo tratando-se de
D9
vanguardas políticas comprometidas com causas populares, sob
pena de reproduzir a dependência e a submissão a outros senhores,
por mais éticos e identificados com os destinos da comunidade
local que sejam. (MATOS, 2002, p. 365)
O autor preconiza que a maior contribuição que se pode dedicar a estas
comunidades seria a facilitação da constituição e desenvolvimento do que ele
denomina “coletivos auto-regulados com base na capacidade de análise crítica do
contexto político-econômico, numa linha orientada pela filosofia da práxis, com uma
metodologia que não enseje apenas a participação nos processos decisórios, mas
que invista também na subjetividade das relações sociais” (Matos, 2002: 365)
Defende ainda a necessidade de se “ultrapassar os limites da racionalidade
instrumental dos diagnósticos e planejamentos participativos para compreender os
mecanismos de dominação que se estabelecem nas relações sociais internas e
externas à comunidade, considerando que o objetivo é subverter os processos de
dominação e construir a autonomia política e o desenvolvimento da comunidade.”
(Matos, 2002: 364-365)
Tal artigo é dirigido aos profissionais da chamada ATER assistência técnica
e extensão rural assim como às instituições formadoras destes profissionais e das
instituições que elaboram ou executam políticas públicas para este setor da
sociedade. Neste sentido, aponta os limites da capacitação e saberes dos atuais
técnicos para a tarefa de superação dos níveis de dependência observados nas
organizações coletivas dos produtores rurais e de promoção, por conseguinte, da
autonomia como princípio, como um valor fundamental a nortear as ações destas
entidades.
Sobre a questão da autonomia, o autor considera que
O complexo processo de construção da autonomia social de uma
comunidade completa-se com [a] capacidade de se apropriar da
própria história, o que compreende o domínio sobre os processos de
organização social e de relações interpares, sobre a análise e
interpretação das instituições que regulam sua vida, o que significa
DJ
apropriar-se do saber, da tecnologia, dos meios de produção e dos
recursos necessários à garantia de condições de vida com cidadania
e dignidade. Tudo começa com o controle do próprio processo de
desenvolvimento da organização, freqüentemente controlado por
especialistas externos à comunidade baseados num ‘suposto saber’
que conduz o método passo a passo, sem questionamento dos
participantes que seguem procedimentos sistemáticos, nos quais
não espaço para as reflexões sobre os mecanismos de poder
embutidos no próprio método. (MATOS, 2002, p. 365)
Embora a afirmação anterior faça uma homogeneização total, é preciso
reconhecer que há, certamente, casos e casos em que esta relação se apresente de
forma ora mais autoritária ora mais democrática. Melhor explicitando, não se pode
negar a presença de questionamentos por parte dos produtores rurais, o que
equivaleria atribuir-lhes um papel quase que exclusivamente de sujeitos totalmente
passivos neste processo. Contudo, níveis ou graus em que isto se manifesta na
realidade, conferindo diferentes graus de autonomia a suas distintas organizações.
A forma dialética como Machado et al (1987) analisam o processo de
formação das associações em decorrência da construção da barragem e formação
do reservatório de Sobradinho, ilustram a questão da autonomia contraposta à
noção de indução provocado pelo Estado através do Programa Especial de
Sobradinho.
Isso faz com que o processo organizativo da borda do lago
apresente, em sua origem, um caráter de dupla identidade: é, ao
mesmo tempo, produto da comunidade e de um Programa que
procura uma estrutura organizacional capaz de realizar uma
proposta de planejamento, centrada na reestruturação do processo
produtivo e no resgate ou recuperação da imagem desgastada do
Estado na área. Desta forma, autonomia e indução das
organizações se fundem nos momentos iniciais do processo,
%$
possibilitando ao Programa ajustar-se à realidade social da área.
(MACHADO ET AL., 1987, p. 111-114)
A indução, presente claramente neste caso, assim como em inúmeras
situações registradas na literatura inclusive algumas apresentadas ao longo
deste trabalho é evidenciada no fato da liberação de verbas para a reorganização
produtiva das comunidades impactadas estar condicionada à constituição formal de
associações, instrumento jurídico necessário nesta relação entre o Estado e as
populações reassentadas “determinando o caráter induzido do modelo associativo.”
(MACHADO et al., 1987: 115).
A estratégia dos mediadores do Programa aponta para uma tática de quase
cooptação, interpretada pelas comunidades locais como autonomia resultando do
próprio processo de luta e mobilização, conforme registram os autores.
...a proposta metodológica foi viabilizada, basicamente, a partir da
utilização das lideranças mais politizadas e expressivas dos núcleos
[que] após o reassentamento, procuraram alternativas sócio-
econômicas para o difícil processo de readaptação e reestruturação
de suas atividades, sob as novas condições impostas. Isso facilita a
compreensão do discurso de autonomia das associações que, em
muitos casos, são consideradas pelos associados como fruto de sua
própria mobilização. (MACHADO ET AL., 1987, p. 115)
Estes mesmos autores também apontam o nível e a qualidade da participação
dos integrantes das organizações coletivas como pressuposto fundamental para o
amadurecimento do conceito de autonomia e conseqüente redução da dependência.
%A
A participação que se observa nessas [duas] associações é mais
intensa do que nas demais, verificando-se um processo de
participação coletiva nas decisões e atividades, como reuniões,
assembléias e trabalhos em grupos. Em uma delas, particularmente,
se constata uma prática democrática na ocupação dos cargos,
existindo uma disposição coletiva para a alternância e a renovação
dos dirigentes. Essa prática viabiliza a ampliação do número de
lideranças no núcleo, através de socialização do exercício de
direção. (...) Em ambas, a participação dos membros nas distintas
atividades não depende da ação dos técnicos mas sim de fatores
internos à constituição da própria associação, tais como: origem da
associação, formação do núcleo e representatividade de suas
lideranças. (MACHADO ET AL., 1987, p.122, grifos nossos)
Os autores elencam os elementos explicativos básicos que propiciam, nas
associações consideradas com relativa autonomia, o caráter dinâmico da
participação consolidando o modelo associativo proposto pelo Programa e ao
mesmo tempo possibilitando a representação dos interesses dos pequenos
produtores, a saber: “a identidade do grupo social, a experiência e mobilização, a
existência de lideranças atuantes e politizadas na condução das organizações.”
(MACHADO et al., 1987:124)
Por outro lado,
Em algumas das associações, a não participação dos associados nas
decisões acentua a centralização das ações na diretoria e gera, ao
mesmo tempo, uma maior dependência em relação ao Programa. Isto
ocorre, em parte, devido ao próprio processo de criação destas
associações, que obedeceu a um ritmo muito superior ao que a
%#
comunidade necessitaria para compreender
o papel da associação
como canal de expressão coletiva. (MACHADO ET AL., 1987,
p.124, grifos nossos)
Desta forma a conclusão destes autores sobre o processo participativo
naquela região conta da articulação de elementos contraditórios conformando
uma totalidade própria.
Como se observa pela análise dos elementos que configuram a
participação e organização na borda do lago, a explicação do
processo participativo desencadeado pelo Programa apresenta
aspectos contraditórios que se articulam conformando uma
dinâmica social onde participação e centralização, autonomia e
dependência são fatores que se articulam num só movimento.
(MACHADO ET AL., 1987, p.127, grifos nossos)
O trecho a seguir revela, como apontado em outra seção, a questão dos
recursos próprios como ingrediente propiciador da autonomia e decorrente
diminuição de dependência externa. É preciso pensar em formas de promoção desta
noção de autonomia no longo prazo, uma vez que tais programas sempre têm um
horizonte temporal definido. Além disso, tal necessidade remete necessariamente
para a noção de sustentabilidade econômica e social que as organizações devem
buscar.
Diferente de outras sociedades civis [como as associações
profissionais] que dependem, fundamentalmente, da contribuição
dos seus membros e, por isso, têm interesse em recrutar
crescentemente novos sócios, as associações de pequenos
produtores da borda do lago são mantidas com recursos
governamentais, o que torna secundário a ampliação do seu
%C
quadro de associados. (MACHADO ET AL., 1987, p.117, grifos
nossos)
É interessante observar na obra de Machado et al (1987) a referência a um
processo de diferenciação social dos atingidos em que acabam se colocando em
situação bipolar e, desta maneira, comprometendo conceitos e noções caríssimas
para as organizações coletivas como a de identidade social e de solidariedade,
como se pode verificar no trecho seguinte:
As justificativas dadas pelos associados e não associados para os
limites da participação nas associações que hoje detêm um maior
patrimônio, dão conta da existência de uma barreira intransponível
entre ‘nós’ membros e ‘eles’ não membros. As restrições ao uso dos
benefícios não resultam apenas de uma decisão da diretoria,
originando-se entre os próprios sócios que estão convencidos de
possuírem um ‘direito’ diferente daqueles não sócios. De modo
geral, os associados consideram que aqueles que acreditaram
desde o início na constituição da associação, empenhando-se e
lutando para conseguir terras e recursos, são os que legitimamente
podem desfrutar os diretos daquela. [...] Desta forma, a relação
entre sócios e não sócios apresenta características de tensão e
polarização, que podem ser descritos em termos dos binômios
nós/eles, dentro/fora, recebedores/não recebedores de benefícios,
etc. (MACHADO ET AL., 1987, p. 120-121)
Machado et al. (1987) concluem enfatizando o papel indutor da formação de
associações que o Programa teve, sobretudo através do aporte de recursos às
comunidades formalmente organizadas.
%D
Na medida em que condicionou a liberação de verbas à existência
formal de associações, o fornecimento de recursos se converteu no
principal móvel indutor da organização dos pequenos produtores,
determinando o caráter induzido do modelo associativo. (MACHADO
ET AL., 1987, p. 115)
1.10. A Questão da Coesão Social nas Associações
O fenômeno da coesão social, assim como o de identidade social, formação
de sujeitos sociais – todos intimamente relacionados – é apontado na literatura
analisada como um dos responsáveis pela dinâmica de atuação das organizações
coletivas, de tal forma que a qualidade com que a mesma se expressa nestas
entidades pode contribuir para seu sucesso ou fracasso, dois extremos de uma linha
imaginária em que se pode perceber uma variedade de situações concretas.
Os autores que se dedicaram à compreensão do movimento organizativo dos
pequenos produtores da região de Silvânia em Goiás, apontam um processo de
diferenciação social presente em algumas associações, como resultado do acúmulo
de recursos e de capital e também da maior participação nas instâncias decisórias
da organização.
Nas associações de Silvânia, em relação à tomada de decisões,
observam-se dois fenômenos: nas reuniões mensais, onde os
sócios têm o direito de votar, discutir e tomar decisões, em geral,
são sempre os mesmos que tomam a palavra e as decisões,
formando-se grupos opostos com opiniões divergentes: o grupo dos
que possuem mais terras, utilizam maior quantidade de
equipamentos coletivos e detêm os cargos de diretoria, e o grupo
dos sócios mais jovens, das mulheres e dos que possuem menos
terras e mão-de-obra reduzida. (SPERRY; MERCOIRET;
FERRARIS, 1999, p. 23)
Como resultado desta diferenciação interna, relatam os autores que
%%
O fenômeno tem interferido na coesão interna do grupo e dificultado
o exercício da democracia na tomada das decisões. Em
conseqüência, os agricultores mais jovens e as mulheres muito
raramente falam nas reuniões, acham normal não participar, não
manifestam muito interesse pelas questões tratadas e concordam
com a decisão dos demais, apesar de não se sentirem satisfeitos
com a situação. (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999: 23-24)
Aliás, como resultado da análise deste trabalho, as conclusões a que chegam
os autores, sobre os problemas advindos após a criação das associações, segundo
depoimentos dos próprios agricultores, podem ser agrupadas em três grandes temas
ou “áreas inter-relacionadas e complementares: a da coesão social, a do
desenvolvimento individual ou coletivo e a do planejamento, organização e
administração das associações.” (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 33)
Quando as associações são formadas com os integrantes de uma mesma
comunidade, reunindo indivíduos com laços de parentesco ou de vizinhança Sperry;
Mercoiret (2003) atribuem aos agricultores “uma importância soberana, pois, no
interior dessa sociedade, existem poucos outros grupos funcionando, a vida flui ao
longo de canais tradicionais, e um vigoroso sentimento de solidariedade congrega o
todo.” (SPERRY; MERCOIRET, 2003, p. 66)
nas condições de um projeto de assentamento, como é o caso de nossa
realidade de análise, o Cinturão Verde de Ilha Solteira, Zimmermann considera que
A homogeneização resultante das condições de existência e
disposições semelhantes para a luta, presentes no acampamento da
Anoni, desfaz-se no assentamento. Nesse novo ‘espaço social’ de
relações buscam construir mecanismos associativos que
possibilitem a sua reprodução simples e como força econômica e
política, capaz de enfrentar seus ‘inimigos de classe’. Como uma
padronização proposta pelo MST, com hierarquização dos diferentes
modelos sugeridos, são as características das famílias que
conseguem se estabelecer nessas formas organizacionais
convencionadas que acabam por dar a configuração do ‘capital
%8
específico’ que movimenta o ‘capital social’ em questão capital
entendido como a capacidade de organização social, econômica e
política das famílias (ZIMMERMANN, 1994, p. 215-216)
Também a associação do assentamento analisada por Pinheiro (1999) revela
a importância da coesão social como elemento presente.
A associação do assentamento Fazenda Santo Inácio foi fundada
em 1988, em vista da necessidade de obtenção de recursos para
promover a diversificação de cultivos, já que a área desapropriada
era marcada pela monocultura da banana; também como meio de
manter a coesão dos assentados após a instalação das famílias nos
lotes. (PINHEIRO, 1999, p. 341)
Carvalho (1998) empreende um estudo em que são analisados
assentamentos de trabalhadores de vários estados do Brasil, constatando a
diversidade e complexidade de formas de associativismo, buscando compreender o
grau de coesão social de um determinado grupo social, além de identificar os
diferentes planos sociais que proporcionaram possibilidades de convivência entre
grupos sociais com identidades sociais distintas entre si dentro de um mesmo
assentamento.
Ou seja, sua preocupação reside em verificar como se estabelecem as formas
de associativismo ou de cooperação dentro de um mesmo assentamento, muitas
vezes, constituído a partir da reunião de indivíduos desprovidos de um convívio
anterior, de laços de parentesco, amizade ou outros. A temática da coesão social
está, portanto, presente nesta pesquisa.
Para Carvalho,
A associação é compreendida como uma mediação entre os
interesses, desejos e aspirações pessoais e familiares dos
trabalhadores rurais assentados e o seu ambiente social, este
%G
expresso no conjunto das famílias do assentamento, no mercado de
bens e serviços e nas políticas públicas. (CARVALHO, 1998, p. 5)
Em outro estudo, Carvalho (1999) trata especificamente de aspectos como a
interação social, a coesão e formação de identidades sociais como determinantes
dos grupos que se estabelecem nas condições de assentamentos de trabalhadores
rurais, como é o caso do Cinturão Verde de Ilha Solteira.
Afirma o autor que
Muitas dessas pessoas e famílias acabam por identificarem-se entre
si em função das afinidades que supõem (subjetividade) existirem
entre elas, num determinado plano social de suas vidas, seja este o
econômico, o de parentesco, o religioso, o de vizinhança o de lazer,
etc. Tais identidades sociais, neste contexto, são consideradas
como fenômenos sociais e, portanto, passíveis de observação.
(CARVALHO, 1999, p. 23)
Reiterando que no interior dos assentamentos formam-se ou reproduzem-se
diversos grupos sociais, o autor enumera três tipos de identidades sociais que o
mesmo constatou neste estudo, presentes nos diversos assentamentos, a saber:
identidade social por rede de relações sociais consolidadas historicamente;
identidade social pela origem (ou procedência das pessoas), e ainda a identidade
social pela política, notadamente em situações que envolveram o processo de luta
pela terra, de realização de acampamento.
Cabe destacar que a preocupação do autor, em última análise está em
identificar a existência de atores ou sujeitos sociais, a partir daquelas três
possibilidades de identidades por ele elencadas.
A perspectiva de análise com base na sociometria também tem sido
empregada para se apreender as interações, as relações interpessoais entre os
integrantes dos grupos, enfim a coesão social, basicamente segundo três
possibilidades de interação: técnica, afetiva e política. Embora não seja objetivo
especifico deste trabalho, um aprofundamento nesta perspectiva teórico-
%9
metodológica a referência à mesma revela autores e equipes multidisciplinares
atendo-se a tais estudos, como Spérry (1999), Rocha et al (2003) e Spérry et al
(2003).
A construção ou ampliação da coesão social é algo buscado pelas
comunidades como o atestam o caso relatado por Zimmermann (1994) visto e o
de Bergamasco (1994) como segue:
Estratégias tecnológicas, estratégias coletivas que perpassam
estratégias em nível do próprio grupo familiar resultam em tentativas
vivenciadas de construção de espaços de sociabilidade.
(BERGAMASCO, 1994, p.234)
1.11. Um tipo particular de Associação: A Associação de Máquinas e a questão
da Patrulha Agrícola
Uma das principais características da Associação dos Pequenos Agricultores
do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira é ser uma associação de máquinas,
conforme se registra na literatura, embora ela mesma não se apresente como tal.
Isto porque o oferecimento a seus associados e também a outros interessados
externos de serviços de preparo de solo, colheita e transporte da produção é um
dos senão o mais forte eixo de atuação daquela associação.
Em função disto, nesta seção procura-se contemplar aspectos relacionados à
aquisição pelas associações das chamadas patrulhas agrícolas, entendida como o
conjunto de máquinas e implementos agrícolas destinados aos serviços acima
descritos.
Ao elencar as diferentes possibilidades ou formas organizativas existentes no
assentamento da Fazenda Anoni, Zimmermann destaca a ‘Associação de máquinas’
entre outras possibilidades.
As formas modelares concebidas pelo MST e adotadas pelo Mirad
são então buscadas, a saber: Coletiva caracterizada pelo espaço
físico produtivo e doméstico de domínio e responsabilidade da
%J
coletividade; Semicoletiva organiza coletivamente as relações
econômicas, sendo individualizado o espaço doméstico e parte do
produtivo; Associação de Máquinas reúne interessados na
otimização da capacidade produtiva das famílias e da terra, pela
associação de capital (principalmente para aquisição de máquinas e
equipamentos); Associação de Vizinhança reúne o trabalho de
famílias para a realização de mutirões na fase de plantio, colheita e
em outras ações produtivas. (ZIMMERMANN, 1994: 210)
Os autores que se dedicaram ao estudo do processo de constituição de
diversas associações em Silvânia e outros municípios vizinhos, no estado de Goiás,
informam como isto foi importante naquela região.
Por intermédio da associação, os produtores adquiriram
individualmente equipamentos, animais e insumos que, somados à
utilização das máquinas coletivas, permitiram a exploração intensiva
de suas áreas e a formação de pastagens cultivadas, o que
contribuiu para aceitarem com naturalidade a nova forma de
organização (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 25)
Em outro trecho, a alusão à aquisição da patrulha agrícola, possibilitada
mediante a obtenção pelas associações de financiamentos expressivos é mais
específica e detalhada, possibilitando àquelas associações o oferecimento de
serviços coletivos aos seus integrantes. Observe-se que, além de possibilitar a
melhoria dos processos produtivos e de comercialização, a aquisição de tais bens
acabam por contemplar outras demandas das comunidades a que pertencem os
produtores como na questão do lazer e da educação, por exemplo.
A maior parte dos recursos obtidos por meio dos financiamentos
destinou-se à aquisição de tratores, equipamentos para o preparo
do solo e veículos para o transporte dos produtos, o que demonstrou
a preocupação em criar serviços coletivos para facilitar as
produções individuais e as lavouras coletivas mantidas pelas
8$
associações. A aquisição de veículos facilitou o transporte do leite e
de outros produtos para a cidade. A entrega do leite em veículo
próprio permitiu a redução de aproximadamente 30 % no custo do
frete. Esse meio de transporte é utilizado também para cumprir
atividades sociais, pois conduz os sócios e os membros de suas
famílias. Isso estimulou a educação de crianças e jovens, facilitando
a ida e a volta no veículo da associação e sua permanência no
campo, após as aulas, para ajudar os pais na lavoura. (SPERRY;
MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 25)
Outro exemplo é a aquisição de um veículo para transporte da produção e de
insumos que também é relatado com outros usos, atendendo necessidades
legítimas da comunidade local, que por sinal deveriam ser atendidas por políticas
públicas direcionadas para a população rural.
Com o transporte, cedido pela prefeitura ou adquirido pela própria
associação, ofereceram aos filhos melhores condições para estudo
e locomoção para os familiares, seja para comprar ou vender
produtos. (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999 p. 28)
Ainda referindo-se à realidade das associações criadas em Goiânia, os
autores revelam com detalhes a composição das patrulhas agrícolas, ressaltando
inclusive a importância do trator para o conjunto dos associados. De fato, pensando-
se no valor deste bem ou melhor em seu alto custo para um agricultor familiar, assim
como pensando-se na ociosidade que o mesmo teria ficando apenas restrito aos
trabalhos necessários dentro da propriedade individual, não se justifica nem é
plausível o investimento em tal componente tecnológico, razão pela qual sua
aquisição pelas associações é sempre desejada, almejada e buscada.
Grande parte das associações tem um patrimônio comunitário que
inclui a maioria dos implementos necessários para desenvolver as
lavouras e as criações: grade niveladora, plantadeira, pulverizador,
roçadeira, arado, ensiladeira, batedeira de cereais e misturador de
8A
rações. Na opinião dos agricultores, o trator foi o equipamento mais
importante adquirido pela associação, mas tem sido também o
motivo mais aparente das discussões e conflitos no interior do
grupo. (SPERRY; MERCOIRET; FERRARIS, 1999, p. 25)
Entre os motivos ou objetivos almejados pelos então participantes das longas
discussões acerca da possibilidade de criação da Associação do Assentamento da
Fazenda Santo Inácio, no município fluminense de Trajano de Morais, Pinheiro
(1999) relata especialmente os componentes da chamada patrulha agrícola,
corroborando o apontado por outros autores, ou seja, que uma frota de máquinas,
equipamentos e caminhão são itens importantes para a viabilização das unidades
produtivas dos agricultores familiares, seja em condição de um assentamento ou
qualquer outra onde se apresenta esta modalidade de agricultores.
A proposta inicial era que a associação servisse para a aquisição de
equipamentos em conjunto, como um caminhão, um trator, um trator
Tobata, adubos e defensivos, enfim um conjunto de melhorias que
somente seria possível com a repartição dos custos entre um grande
número de produtores. (PINHEIRO, 1999, p. 347)
Cabe reforçar, neste caso, que o grupo pretendia viabilizar tal aquisição com
recursos próprios, o que levou a certa desmobilização dos interessados. Mas,
registra o autor, este grupo volta a se articular mediante a possibilidade de aquisição
de um caminhão próprio e de um Box para comercialização no Ceasa da cidade do
Rio de Janeiro (conforme citado), quando uma possibilidade de obtenção de um
financiamento através do BNDES se apresenta concretamente.
Esta foi também a preocupação da Associação dos Pequenos Agricultores do
Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, ao longo dos anos, em que várias iniciativas
foram empreendidas no sentido de dotar a entidade de máquinas e equipamentos
que pudessem realizar ou contribuir na realização dos serviços de preparo do solo,
plantio, colheita e outros.
8#
No estudo de caso sobre a organização social existente no Assentamento
Reunidas, em Promissão, estado de São Paulo, Bergamasco e Norder (2003)
resgatam a formação da APRONOR, como fruto de uma redefinição de forças e
interesses, configurando novas e distintas relações sociais gestadas na dinâmica do
processo produtivo e de convivência.
Das dezenove famílias que deixaram a Copajota, dezessete
formaram a Associação dos Pequenos Produtores da Nova
Reunidas (Apronor). Saíram de uma Cooperativa de Produção
Agropecuária para organizar uma Associação de Máquinas.
(BERGAMASCO; NORDER, 2003, p.154, grifos nossos)
De modo a exemplificar uma forma de gestão da patrulha agrícola
interessante e reveladora do sentido de autonomia do grupo, reproduz-se abaixo o
depoimento de um entrevistado pelos autores acima. Trata-se, sem dúvida de
procedimento radicalmente oposto aos das associações que permanecem sob a
tutela de instituições externas, como é o caso da Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, que, inclusive confere
importância secundária aos recursos obtidos a partir de fontes próprias, como as
mensalidades dos associados.
A produção agrícola entre os associados da Apronor era
exclusivamente familiar, apesar da sociabilidade, da troca de
experiências, da ajuda mútua existente entre eles. O que havia de
coletivo era apenas um trator e alguns poucos implementos que
foram obtidos, após intensas discussões, quando estas famílias
estavam deixando a Copajota. Houve uma grande preocupação em
fazer com que sua utilização fosse de fato eqüitativa e para isso foi
estabelecida uma determinada modalidade de gestão dos
equipamentos coletivos: ‘o maquinário que trabalha em nossa
associação a gente paga 100 % pra ele como se a gente tivesse
pagando 100 % para qualquer maquinário de fora. Por que essa
maneira de trabalhar? Porque nós entendemos o seguinte: que se o
8C
maquinário da organização não atender a todos, e ele tem que
pagar os 100 %, ele pode pegar o maquinário lá fora e ele não está
levando prejuízo...Todo o dinheiro que a gente paga, no caso, os
100 % pra associação, o dinheiro ao invés de ir para o bolso de
alguém fora, fica dentro da própria associação, de forma que nós
estamos passando da associação para a cooperativa e estamos
operando em verde com 1,5 ou 1,6 mil reais no positivo.
(BERGAMASCO; NORDER, 2003, p. 155-156, grifos nossos)
Em outro trabalho, Bergamasco (1994) ressalta que “desde o início, todos os
maquinários são de propriedade coletiva, isto é, pertencem à associação.
(BERGAMASCO, 1994, p.228)
8D
2: A GÊNESE DE ILHA SOLTEIRA
Introdução
De modo a permitir a contextualização da Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, o objetivo deste item é situar
Ilha Solteira desde seu surgimento como projeto da usina hidrelétrica de mesmo
nome, passando pelo núcleo urbano criado para dar suporte à edificação daquele
empreendimento energético e demarcando os principais elementos que caracterizam
sua passagem à condição de cidade e de município autônomo.
2.1 Antecedentes
A cidade de Ilha Solteira tem sua origem e evolução histórica relacionada com
a questão da implantação no Brasil de empreendimentos energéticos, e no Estado
de São Paulo, em particular, graças ao chamado Complexo Urubupungá
5
. Neste
Complexo, a relação de Ilha Solteira é ainda mais estreita com a usina de mesmo
nome que viria a ser edificada a partir da metade da década de 1960. A
compreensão de seu surgimento como cidade tem que ser buscada no
entendimento da situação energética brasileira das décadas de 50 e 60.
De acordo com Barreto (1983) foi a partir de 1950 que os governos estaduais
e federais começaram a se preocupar e assumir a responsabilidade pela promoção
do desenvolvimento elétrico do país.
De acordo com esta autora
 
5
Conjunto formado pelas usinas hidrelétricas de Jupiá e de Ilha Solteira, construídas no leito do rio Paraná, a
partir do aproveitamento do potencial hidráulico próximo aos Saltos de Itapura e de Urubupungá. O nome
Urubupungá significa urubu inchado, em tupi-guarani.
8%
No Estado de São Paulo, durante o governo do Prof. Lucas
Nogueira Garcez (1950-1954) o Departamento de Águas e Energia
Elétrica do Estado de São Paulo promoveu uma planificação
completa do desenvolvimento hidrelétrico do Estado, e promoveu os
projetos das Usinas do Rio Pardo e do Paranapanema. Em 1950 foi
iniciada a construção da Usina de Salto Grande sobre o
Paranapanema. Para sua realização foi organizada a USELPA
Usinas Elétricas do Paranapanema S.A., em 1951. Para o projeto e
a construção das usinas do Rio Pardo foi organizada a Companhia
Hidrelétrica do Rio Pardo S.A. CHERP, em 1956. (BARRETO,
1983, p. 35-36)
Como registra Froelich (2001), a condição de professor da Escola Politécnica,
especialista em hidráulica, ex-secretário de Viação e Obras Públicas do governo de
Adhemar de Barros (1947-1950), tornou o Governador Lucas Garcez
“potencialmente preparado pra pensar uma política de energia para São Paulo
calcada em grandes usinas hidrelétricas”, política, aliás, totalmente compatível com
a levada a cabo pelo Governo de Getúlio Vargas, que buscava a consolidação de
grandes obras de infra-estrutura no país.
Ainda no Estado de São Paulo estava prevista, dentro do Plano Estadual de
Eletrificação, a edificação de quatro usinas no rio Tietê, cuja construção foi atribuída
à CHERP em 1960.
Evidenciando a importância do potencial hidrelétrico da região dos Saltos de
Itapura e Urubupun e de que a energia gerada interessaria a uma enorme e
expressiva região do país e, objetivando ainda, assegurar um planejamento
integrado do processo de instalação dos futuros empreendimentos energéticos, foi
criada em 1952, a Comissão Interestadual da Bacia Paraná Uruguai CIBPU. Tal
comissão reunia representantes dos governos dos estados de Goiás, Mato Grosso,
Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo e seu
propósito era a promoção do desenvolvimento econômico e social desta região, a
partir do componente energético, ou mais especificamente, hidrelétrico.
88
Froelich (2001) aponta a lei estadual 2018 de 23/12/1952, como o instrumento
jurídico responsável pela criação da CIBPU, voltada à realização de estudos
regionais, especialmente no campo hidrelétrico, ressaltando que a ênfase dedicada
à região de Urubupungá fez surgir a idéia de Ilha Solteira. (FROELICH, 2001, p. 55)
Além de contemplar a região do complexo Urubupungá, “a CIBPU elaborou o
Plano de Aproveitamento Integral do Alto Paraná, que incluía, além de estudos
sócio-econômicos de produção, consumo e transporte, os estudos para o
aproveitamento das quedas do canal de São Simão, Urubupungá e Sete Quedas.“
(BARRETO, 1983, p. 36)
Uma empresa italiana, a Societá Edison, de Milão, foi contatada pela CIBPU,
em 1955 à qual encomendou estudo sobre o aproveitamento hidrelétrico das quedas
de Urubupungá, que culminaram em 1957 em projetos apontando a factibilidade e
possibilidade técnica da construção de uma barragem em Jupiá, na cota 279
6
e
outra em Ilha Solteira, na cota 315.
Em 24 de abril de 1958 esse projeto foi aprovado pelo Governo
Federal, e em 1960 a Societá Edison apresentou um projeto para a
Usina de Jupiá. Em setembro de 1960 a CIBPU assumiu a
responsabilidade de construção da primeira ensecadeira prevista
para Jupiá, e com este ato marcou definitivamente a construção da
obra. (BARRETO, 1983, p. 36)
De modo a assegurar a realização desta obra foi constituída, em janeiro de
1961, uma sociedade de economia mista integrada pelos estados membros da
Comissão, na qualidade de acionistas, sob a coordenação majoritária do governo do
Estado de São Paulo. Cria-se assim a Centrais Elétricas de Urubupungá S.A.
CELUSA cujo objetivo era o de realizar o aproveitamento hidrelétrico do Salto de
Urubupungá, sobre o Rio Paraná, por meio da construção das usinas de Jupiá e de
Ilha Solteira. (BARRETO, 1983, p. 36)
 
6
Refere-se às altitudes de 279 metros e de 315 metros acima do nível do mar, respectivamente para as usinas de
Jupiá e de Ilha Solteira.
8G
A segunda metade da década de 1950 corresponde ao governo de Juscelino
Kubitschek, tendo como marcas a promoção do desenvolvimento através da
ampliação do parque industrial e da nacionalização destas indústrias.
Com o deliberado intento de que esta fosse uma obra essencialmente
brasileira, a diretoria da CELUSA convocou cinco dos antigos consultores que
tinham assessorado a CHERP e a USELPA na construção das usinas do Rio Pardo,
Tietê e Paranapanema, e convidou-os a se reunirem para formar uma firma de
engenharia eminentemente nacional e independente de qualquer grupo interessado
comercialmente nas obras. Formou-se assim a THEMAG ENGENHARIA LTDA., que
foi, em novembro de 1961, encarregada do detalhamento do projeto EDISON.
(BARRETO, 1983, p. 36)
Apesar de, desde 1960, terem sido iniciados os trabalhos de escavação da
ensecadeira no leito do Rio Paraná, somente em maio de 1962 foi aberta uma
concorrência pública para a construção de Jupiá, a qual foi ganha pela empresa
Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A. – CCCC, como revelam Barreto
(1983) e Hespanhol (1993), acrescentando este autor que
No mês de maio de 1962 teve início a construção da Usina
Hidrelétrica de Jupiá, atual Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza
Dias, localizada em áreas do município de Castilho, Estado de São
Paulo e do município de Três Lagoas, pertencente ao então Estado
de Mato Groso (em áreas do atual Mato Grosso do Sul), que possui
uma potência final de 1.400.000 kW. (HESPANHOL, 1993, p.14)
Para se compreender o vulto desta obra, o ineditismo do empreendimento no
Brasil até então, e toda a problemática envolvida é preciso situar Urubupungá no
contexto da época em que foi implantado o projeto.
Como resultado do conjunto das duas usinas hidrelétricas, o Complexo
Urubupungá, em 1966, colocava-se entre os maiores aproveitamentos hidráulicos do
mundo, superado apenas pelas usinas soviéticas de Krasnoyarsk (6000 MW, em
construção na época) e de Bratsk (5000 MW). Até então, as usinas hidrelétricas
construídas no país e mesmo no Estado de São Paulo eram de capacidade
89
geradora muito inferior às de Jupiá, projetada para gerar 1.400 Megawatts (MW) e
de Ilha Solteira, para gerar 3.200 MW.
Neste sentido, conforme revela Barreto (1983), Urubupungá podia ser
considerada como verdadeiro pólo de desenvolvimento, gerador de inúmeras outras
atividades, sendo indispensável uma política que permitisse a propagação de seus
efeitos motores. (BARRETO, 1983, p. 37)
Mas, a própria autora pondera que a elaboração e a execução desta política
fugiam às responsabilidades diretas da CESP, destacando que apenas órgãos
estaduais e federais poderiam transformar Urubupun num pólo de
desenvolvimento nacional.
De modo a abrigar o contingente de mão-de-obra necessário para a
construção da obra de Jupiá, calculada em 4000 operários e seus familiares (no
caso dos casados), a CELUSA montou um acampamento de obras, denominado Vila
Piloto. Em meados da década de 1960, momento que caracterizou o auge da
construção desta usina, a população chegou à cifra de 15000 habitantes, dos quais
4000 eram operários solteiros, residentes em alojamentos.
Em 1966, as concessionárias de energia elétrica regionais, inclusive a
CELUSA, foram fundidas, dando origem à empresa Centrais Elétricas de São Paulo
S/A - atual Companhia Energética de São Paulo S/A (CESP
7
) - que deu continuidade
aos trabalhos do Complexo de Urubupungá. A usina de Jupiá começou a operar em
1969, sendo que suas obras foram concluídas no ano de 1974.
Com o término da obra, a Vila Piloto foi totalmente destruída, conforme
previsto desde o início, sendo implantado um pequeno cleo habitacional no lado
paulista (Vila dos Operadores, no município de Castilho) para abrigar a mão-de-obra
de maior qualificação profissional, diretamente envolvida na operação da usina.
 
7
Referindo-se à série de fatores que antecederam a criação desta empresa, Froelich (2001, pág. 54) destaca a
antiga usina hidrelétrica Eloy Chaves, instalada no Salto de Itapura: “A constituição da Cesp – Centrais Elétricas
do Estado de São Paulo S.A., foi precedida por uma série de iniciativas dos governos federal e estadual. Em
30/11/1944 deu-se a constituição da S.A. Empresa Elétrica do Itapura (autorizada a funcionar como empresa de
energia hidráulica pelo decreto 19.156, de julho de 1945) com escritório em Três Lagoas e sede social em Rio
Claro, por iniciativa do empresário Eloy Chaves, objetivando a construção de usina no Salto de Itapura.”
8J
Em 03 de abril de 1966 o Presidente da República, Marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco, marcou o início dos trabalhos da usina hidrelétrica de Ilha
Solteira, sendo nesta data iniciados os trabalhos de escavação da ensecadeira.
Hespanhol (1993) revela que, a partir deste momento, sem a realização de
licitação prévia, a CELUSA delegou à empresa Construções e Comércio Camargo
Corrêa S/A a responsabilidade pelo início das obras da usina hidrelétrica de Ilha
Solteira, “localizada nos municípios de Pereira Barreto (em área do atual município
de Ilha Solteira) do lado paulista e de Três Lagoas (em área do atual município de
Selvíria) no então Estado de Mato Grosso (em área do atual Estado de Mato Grosso
do Sul).” (HESPANHOL, 1993, p. 16)
Tratando-se de um empreendimento ainda mais vultoso, sem precedentes até
o momento na história da engenharia nacional, a capacidade final de geração de
energia pela Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira (3.430.000 KW) equivale a quase três
vezes à produzida por Jupiá, o que demandaria para a sua construção mais de
10.000 operários. A região escolhida para a implantação da usina apresentava uma
grande escassez populacional, não contando com qualquer centro urbano
significativo que pudesse atender tal demanda de mão–de-obra.
Os maiores centros populacionais situavam-se a um mínimo de 170 km de
distância, como Araçatuba, ou a 225 km, como São José do Rio Preto e cidades de
porte menor, distavam 75 km, como Andradina e 40 km, como Pereira Barreto.
Diferentemente das condições do alojamento que fora implantado em Jupiá,
Ilha Solteira demandou um tipo de solução mais abrangente e complexa, em termos
da acomodação da população trabalhadora, conforme será apontado a seguir.
2.2 A Implantação do Núcleo Urbano
A partir do momento em que fosse levada em conta a importância do papel da
CESP no desenvolvimento regional, a implantação de um núcleo residencial em Ilha
Solteira passava a assumir uma dimensão que transcendia a de mero acampamento
provisório, útil apenas para a satisfação das necessidades primárias de mão-de-obra
durante um tempo limitado.
G$
Desta forma, o núcleo residencial de Ilha Solteira surgiu em função do
problema específico de uma empresa (a CELUSA na época), a saber: oferecer
condições de moradia, num local desprovido de qualquer centro urbano de porte nas
proximidades, a um elevado contingente de mão-de-obra necessário para a
construção da usina hidrelétrica de Ilha Solteira, o que representava uma população
próxima de 40.000
8
pessoas, constituída por cerca de 12000 trabalhadores e suas
famílias.
A realização de obras de engenharia de vulto, longe de grandes centros
urbanos, envolve sempre o problema do alojamento da mão-de-obra necessária.
Este problema está intimamente ligado a uma série de condicionantes tais como as
características geográficas e sócio-econômicas da região, a estrutura urbana local, o
tempo previsto para a realização da obra e o contingente de mão-de-obra envolvida.
Em Jupiá, a CELUSA optou pela realização de um núcleo residencial provido
de todo o equipamento necessário ao atendimento das necessidades básicas da
população (habitação, saúde, educação, abastecimento, lazer, segurança) dotando-
o de uma infraestrutura complexa em termos de água, energia e pavimentação, e
ficando a seu cargo a solução de todos os problemas de ensino, assistência médico-
hospitalar, policiamento, abastecimento, entre outros, que a vida em uma
coletividade demanda.
A Vila Piloto, ou seja, o núcleo residencial edificado em Jupiá foi, portanto,
concebido e projetado como típico acampamento de obra, idealizado como
provisório, sendo sua subsistência inteiramente dependente do tempo de duração da
construção da usina hidrelétrica, e sendo, desde o início previsto seu desmonte por
ocasião do término da obra. Não por outra razão, o material utilizado foi mais
simples, predominando as construções de madeira com menor vida útil.
Para o equacionamento da problemática relativa ao núcleo residencial
destinado a abrigar a mão de obra requerida para a realização da segunda etapa de
Urubupungá a usina hidrelétrica de Ilha Solteira fatores diferentes deveriam ser
considerados.
 
8
Apesar desta estimativa por parte da empresa, o pico da obra foi alcançado em 1971, quando a população
chegou a 31.341 habitantes. (CESP. Informações sobre a Cidade de Ilha Solteira. Setembro / 1979.)
GA
A localização das barragens (Jupiá a 5 km da cidade de Três
Lagoas e a 35 km de Andradina; Ilha Solteira a 40 km da cidade
mais próxima Pereira Barreto), o contigente populacional a ser
abrigado (aproximadamente 15000 pessoas em Jupiá e 40000 em
Ilha Solteira) e o tempo previsto para a construção desta última (de
10 a 12 anos), contribuíram decisivamente para uma mudança de
orientação e para definir a política de implantação do núcleo urbano
de Ilha Solteira. (BARRETO, 1983, p. 41)
Tendo sido iniciados os trabalhos da construção da Usina de Ilha Solteira,
oficialmente a partir de 3 de abril de 1966, em junho do mesmo ano um documento
interno da CELUSA, enviado pela Superintendência Técnica à Diretoria da Empresa,
submetia àquela a necessidade de equacionar a problemática envolvida pela
construção do núcleo residencial operário.
Iniciada a construção da usina em 1966, somente em 1980, isto é,
13 anos depois estará a obra completamente terminada. Este
argumento, ao contrário do que ocorreu em Jupiá, é determinante
para a escolha do tipo de construção em materiais sólidos que
permitam sua utilização pelo menos durante o período de
construção. O número de pessoas que ali habitarão durante o
período de construção deverá atingir cerca de 40000 habitantes, daí
decorrendo uma série de problemas humanos e sociais cuja
perspectiva salta aos olhos de qualquer observador [...] Nessas
condições a questão toda irá residir no que fazer desta cidade
depois de terminada a construção da usina e para responder a esta
pergunta é fundamental que se cuide da solução urbanística.
9
Em dezembro de 1966, a CELUSA foi integrada, junto com outras dez
empresas concessionárias de energia elétrica do Estado de São Paulo, nas Centrais
Elétricas de São Paulo S.A. CESP, à qual foram transferidas, em janeiro de 1967,
 
9
CENTRAIS ELÉTRICAS DE URUBUPUNGÁ S.A. Superintendência Técnica. Correspondência Interna
SPT/203/66. São Paulo, 3 jun.1966, p. 5 e 6.
G#
todas as concessões das empresas fusionadas, assumindo, portanto, a
responsabilidade de dar prosseguimento aos trabalhos de Urubupungá.
A construção de Ilha Solteira foi, por sua vez, confiada à firma Construções e
Comércio Camargo Corrêa S.A. que em maio de 1962 havia se encarregado da
construção de Jupiá, e à qual, como empreiteira, caberia o recrutamento, seleção,
administração e controle da mão de obra encarregada da execução das obras,
tendo, portanto, grande peso na definição da política para o núcleo urbano que
deveria abrigá-la.
Barreto (1983) explicita o que seriam os objetivos da empresa, no tocante à
definição do núcleo urbano de Ilha Solteira:
Instalar um volumoso contingente de mão-de-obra por um longo período de
tempo numa região desprovida de infraestrutura urbana suficientemente
próxima capaz de suportar este impacto;
Dotar o núcleo residencial de todos os equipamentos necessários ao
suprimento das necessidades de seus habitantes em termos de saúde,
educação, abastecimento e lazer, criando estruturas próprias a uma cidade
comum;
Exercer algum controle sobre a mão-de-obra visando manter, até o declínio
da população necessária à obra, um regime de vida urbana orientado no
sentido de atender as exigências do ritmo de trabalho;
Considerar a conveniência de se dar melhor aproveitamento ao investimento
a ser realizado concebendo, desde o início, o núcleo urbano a ser implantado
como passível de ser tornar uma cidade permanente, e
Levar em conta o impacto que a criação de um núcleo deste porte teria na
região e suas responsabilidades frente a esta questão.
Estes imperativos da empresa foram determinantes para a concepção do
plano urbano da cidade e da estrutura administrativa criada para o seu
funcionamento.
O núcleo foi pensado em função de três etapas distintas de desenvolvimento,
com relação às obras da Usina:
GC
Fase acampamento: compreendida do início da construção até o momento de
mobilização do máximo de mão-de-obra;
Fase cidade-acampamento: iniciada no momento da máxima mobilização e
mão-de-obra, compreendendo a fase de declínio dessa ocupação, até o
encerramento dos trabalhos de construção da Usina, e
Fase cidade: que se inicia com o encerramento das obras e o
desvinculamento quase total da Empresa.
Com tais características, não resta dúvidas que se tratava de um
acampamento com peculiaridades excepcionais: muito grande, exigindo
investimento vultoso, distante de outros centros urbanos e ainda mais dos grandes
centros regionais como Araçatuba e São José do Rio Preto - portanto, isolado,
demandando todos os serviços de uma cidade comum, bastante populoso e
complexo, apresentando-se como um enorme desafio à empresa no que
necessitaria de controle e em termos de sua própria gestão.
Pelo decreto estadual n
o
43.603, de 27 de julho de 1964, as Centrais Elétricas
de Urubupungá CELUSA tinham desapropriado judicialmente aproximadamente
933 alqueires no Município de Pereira Barreto, destinados à construção da usina
Hidrelétrica de Ilha Solteira, compreendendo o canteiro de obras, áreas de
empréstimo, etc. (BARRETO, 1893, p. 46)
Já na fase de execução da sentença, a CESP, sucessora nos direitos e
obrigações daquela ex-concessionária de serviços públicos de energia elétrica, após
compor-se amigavelmente com a expropriada, senhora Maria Reiff Junqueira
Franco, requereu em Juízo a expedição da carta de adjudicação da área em apreço,
que foi transcrita em 11 de março de 1968, sob o n
o
7878 no Registro de Imóveis da
Comarca de Pereira Barreto. O núcleo urbano de Ilha Solteira, ocupa
aproximadamente 815,51 ha, equivalentes a 36% da totalidade da área do canteiro
de obras, fazendo, portanto, parte da área territorial do Município de Pereira Barreto
(BARRETO, 1983, p. 46).
Ilha Solteira foi fundada oficialmente em 15/10/1968, data em que os
primeiros trabalhadores ocuparam suas casas. Nessa data, curiosamente, o núcleo
habitacional foi alvo de ato público especial, no qual foi mencionado como futura
GD
cidade de Ilha Solteira: foi erigido um monumento, uma estrela-símbolo da cidade de
Ilha Solteira, contendo 20 pontas representativas das 20 turbinas que compõem a
Usina (FROELICH, 2001, p. 122).
Como dito anteriormente, o acampamento de Jupiá (Vila Piloto) foi
construído com a finalidade específica de atender às obras relacionadas à usina,
sem qualquer pretensão de permanecer como núcleo independente no futuro. o
acampamento de Ilha Solteira foi planejado e construído com a dupla finalidade de
atender às obras da usina e, após seu término, emancipar-se como cidade da região
de Urubupungá. Marcas desse caráter definitivo são tanto a construção de casas de
alvenaria como a montagem de uma infra-estrutura urbana de qualidade bastante
superior à encontrada na região, manifestada pela excelência dos serviços de
educação, transportes, comunicações, saneamento básico, energia elétrica, e,
sobretudo, saúde.
Em 1971 houve a consolidação de Ilha Solteira, cuja população atingiu o pico
de quase 32 mil habitantes. A obra prosseguiu sua marcha, superando metas, mas a
euforia diminuiu, sendo substituída por preocupação com o futuro, expressa na
realização, pela Cesp, de um seminário interno envolvendo todas as áreas da
empresa, a fim de buscar um rumo com respeito ao futuro de Ilha Solteira.
Entre as diversas considerações efetuadas, pode-se destacar o que apontava
“que o elevado custo operacional do núcleo, hoje sob responsabilidade da empresa,
será progressivamente onerado por despesas que não mais deverão caber à Cesp”
e entre as diversas recomendações propostas, salienta-se “que se início à
elaboração de um ‘Projeto de Desmobilização’ da idéia e do núcleo de Ilha Solteira-
cidade definitiva”.
10
Apesar do apelo das recomendações e considerações emanadas deste
Seminário, a Administração Especial de Ilha Solteira, órgão responsável pela gestão
do núcleo urbano, sempre tratou Ilha Solteira na condição de permanente e, neste
sentido, antepondo-se frontalmente, sobretudo, à questão da redução dos gastos
efetuados na direção da cidade definitiva. Ou seja, a definição do acampamento de
Ilha Solteira como uma futura cidade que estava pensada desde a concepção do
 
10
CESP. Seminário sobre o Núcleo Urbano de Ilha Solteira, 3 v., 41 documentos. São Paulo, Cesp / Setor de
Economia Regional. 1971, pág. 14 e 21.
G%
projeto, nos tempos da CELUSA, fora incorporado pela Cesp e, nesta perspectiva,
implantada pela empreiteira responsável pela sua construção, a Camargo Corrêa, de
forma que não mudaria - nem mesmo a partir de recomendações de um fórum
representativo, como foi o referido Seminário Interno de 1971.
Em 29 de dezembro de 1971, o núcleo residencial de Ilha Solteira foi
transformado em vila, que, por seu turno, converteu-se em sede do distrito de Bela
Floresta
11
(Resolução n
o
1, capítulo I, seção IV, artigo 10, parágrafo único do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo). Mesmo assim, a Administração
Especial de Ilha Solteira foi mantida dentro da estrutura interna da Cesp. Sob a
administração de Sérgio Sampaio Laffranchi, teve início a política de desvinculação
12
da Cesp com relação ao núcleo urbano. Duas medidas apontam nesta direção, a
saber: 1) a inauguração do Cemitério Municipal de Ilha Solteira, em 18/02/1972, o
que possibilitou às pessoas residentes trazerem os restos mortais de seus familiares
para a cidade (a ausência de cemitério não deixa de ser um significativo indicador da
transitoriedade de um lugar, reforçando seu aspecto de acampamento, que tem,
nesta perspectiva, um tempo pré-definido de duração); 2) outra medida adotada foi a
transferência da responsabilidade sobre as três escolas de educação infantil de Ilha
Solteira da Cesp para a União de Pais e Professores das Escolas Infantis, com
colaboração de empresas comerciais da cidade (FROELICH, 2001, p. 156).
O ano de 1972 é fundamental para Ilha Solteira porque assinala o seu
processo de esvaziamento. A população local decresce de 32.211 habitantes em
janeiro para 24.338 em dezembro, o que corresponde a uma redução da ordem de
11% (em onze meses), sendo o grosso dessa diminuição verificada na população
dos alojamentos. Este dado por si é revelador do caráter de desmobilização dos
alojamentos e da permanência da grande maioria da população que habitava as
casas, revelando o caráter transitório de grande parte da população masculina (e,
em sua maior parte, solteira).
 
11
Curioso constatar que, com o processo de emancipação de Ilha Solteira e seu desmembramento do município-
sede, Bela Floresta acabará permanecendo no território de Pereira Barreto.
12
Entende-se por desvinculação a política adotada pela Cesp para transferir a gestão de Ilha Solteira a outras
entidades públicas e privadas e, em última instância, à sua população. A transferência de quase todo o serviço de
educação teve início em 1977. (FROELICH, 2001, pág 166)
G8
Ao chegar o ano de 1973, o esvaziamento de Ilha Solteira acentuava-se, mas
a Cesp mantinha sua atenção unicamente para a usina, cujos quatro primeiros
geradores começavam a ser operados, antecipando o cronograma de obras em
cerca de um ano. As perspectivas da cidade de Ilha Solteira eram então sombrias,
como mostrou a imprensa da época, que a via como cidade-fantasma, cidade sem
empregos, cidade sem esperança - o que contrastava com a postura de dois anos
antes, que colocava Ilha Solteira na condição de cidade-pólo, cidade permanente,
cidade símbolo do “Brasil-Potência” (FROELICH, 2001, p. 168).
Tomando-se como referência os anos de 1971 e 1973, a população de Ilha
Solteira caiu de 32 mil para 26 mil habitantes, cifras estas respectivamente
correspondentes aos momentos de “pico” e de finalização da obra. Em 1973, de um
total de 5.144 casas, 3.264 referiam-se aos níveis 1 e 2, 1.536 aos níveis 3 e 4 e
344, aos níveis 5 e 6, mantendo aproximadamente as mesmas proporções de 1970.
Cerca de 5.276 casas estavam ocupadas em dezembro de 1973, mas a perspectiva
era de substancial diminuição nos anos seguintes, em razão da falta de um plano de
viabilização do núcleo urbano (FROELICH, 2001, p. 170).
Uma das características de Ilha Solteira em seu aspecto de cidade planejada,
refere-se às residências de acordo com os níveis sócio-econômicos, cujo padrão era
determinado pelos cargos ocupados e salários recebidos da empresa e das
empreiteiras. Quanto maior nível o nível melhor é a posição do funcionário na
empresa assim como seu salário e status social. E, nesta mesma ordem, melhor é o
tipo de residência. Este padrão, definido no próprio projeto urbanístico e plano
diretor do núcleo urbano, também previa a disposição dos chamados equipamentos
urbanos, sobretudo escolas e clubes, de acordo com a distribuição dos conjuntos de
residências chamados em Ilha Solteira de Passeios também em níveis. Esta
disposição arquitetônica representou claramente a divisão da sociedade em classes
com conseqüências que perduraram por muito tempo, mesmo após o processo de
emancipação e o aparecimento de novos bairros, quebrando a monotonia
arquitetônica da cidade planejada.
A Cesp continuou a implantar os projetos anteriormente estabelecidos,
centrando-se então na construção da usina de Água Vermelha. Cerca de 1.500 das
GG
5.276 casas de Ilha Solteira (quase 30%) foram reservadas para essa obra, pelo
menos até 1977 - transformando em realidade uma política que a diretoria de
Engenharia e Planejamento antecipara pelo menos dois anos antes, no Seminário
Interno realizado em 1971, apesar dos problemas sociais previstos.
Localizada a menos de 170 km de Ilha Solteira, a usina de Água Vermelha
(hoje José Ermírio de Moraes) teve um papel crucial nesta fase de transição de Ilha
Solteira, de acampamento para cidade definitiva, como revela Froelich (2001):
Resolvia-se, assim, o problema das novas obras, que puderam
valer-se de um reservatório de mão-de-obra barrageira, parte da
qual treinada e especializada, mas não o problema de Ilha Solteira,
que se transformava em cidade-dormitório. A contradição
acampamento versus cidade resolvia-se, nesse primeiro momento,
em favor do acampamento: Ilha Solteira tornava-se acampamento
parcial de Água Vermelha, complementando a opção da empresa no
sentido da utilização da infraestrutura de cidades vizinhas, como
Fernandópolis e Votuporanga, em São Paulo, e Iturama, em Minas
Gerais. (FROELICH, 2001, p. 171-172).
Em 19/02/1974 deu-se a inauguração da usina de Ilha Solteira, em solenidade
que contou com a presença do então presidente Garrastazu Médici. A festa de
inauguração, na verdade, escondia o que estava para acontecer: a imprensa, que
até então tanta simpatia tivera pelo núcleo urbano, começou a ver Ilha Solteira como
uma cidade de privilégios porque seus moradores o pagavam contas de água,
luz, esgoto, telefone e até mesmo aluguel - mas, ao mesmo tempo, como cidade
cheia de problemas e sem perspectivas.
Coincidentemente, o fim da “obra” é também o período do fim do “milagre
econômico” (1974), transformando, rapidamente, Ilha Solteira de solução para o
desenvolvimento de uma região pobre em problema de considerável vulto. A Cesp,
por sua vez, começou a aprofundar a política de desvinculação a partir de estudos
realizados em conjunto com o governo do estado, que iniciara a assumir os setores
de segurança e educação em Ilha Solteira.
G9
Aproximando-se o final da década de 1970 - e com o término da construção
de Água Vermelha - a empresa decidiu que o núcleo urbano iria apoiar as obras da
barragem de Três Irmãos (localizada no baixo Tietê) e do Canal de Pereira Barreto,
ambas no município de Pereira Barreto. Com isto, a Cesp prorroga a condição de
cidade-dormitório de Ilha Solteira, embora com apreciável redução da distância, de
168 para 40 quilômetros. O movimento diário da população trabalhadora, em vários
turnos, é facilmente perceptível aos moradores de Ilha Solteira, através da circulação
na cidade dos chamados “papa-filas”, grandes carretas adaptadas, com carrocerias
parecidas com enormes containeres, voltadas para o transporte de passageiros.
A partir de 1980, a Cesp adota uma política de desvinculação mais agressiva,
marcada, principalmente, pela venda das casas do antigo acampamento aos
moradores - ensaiada nos anos de 1978 e 1979. A pressão interna que a própria
Cesp passa a exercer para uma solução, aliada a um quadro de escassez de
recursos no nível mais geral faz com que a ênfase nas questões atinentes à cidade
provoque uma inversão de prioridades, que coloca a condição de acampamento em
segundo plano.
A função acampamento materializou-se nas obras de Três Irmãos e do Canal
de Pereira Barreto, às quais foram destinadas 1.300 casas de Ilha Solteira, já a partir
de 1979. Essa decisão, tomada por uma diretoria “obreirapor excelência, protelou a
emancipação do núcleo urbano por um período de, no mínimo, 8 anos - duração
prevista daquelas obras (FROELICH, 2001, pág. 192).
A Unesp, cujo campus havia sido criado ainda no governo de Paulo Egydio
Martins, em 1976, tendo iniciado suas atividades em 1977, consolidou sua
presença em Ilha, com os cursos de engenharia civil, elétrica e mecânica e
posteriormente o de agronomia - enquanto a cidade começava a descobrir sua
presumível vocação turística, pensando em formas de explorar seu potencial.
A Cesp funde os Centros de Treinamento que mantinha em Botucatu e em
Rio Claro e os transfere para Ilha Solteira, fazendo da cidade um polo de
treinamento para trabalhadores do setor hidroenergético do país e da América
Latina. Faz parte desta estrutura, além do local para a realização dos cursos
propriamente ditos, as instalações no núcleo urbano para acomodação e refeições
GJ
dos treinandos. Ainda em 1976, a Cesp instala em Ilha Solteira o Laboratório Central
de Engenharia Civil, que mais tarde seria também utilizado em parceira pela Unesp.
Por outro lado, a política de desvinculação da Cesp, centrada principalmente
na venda das casas de Ilha Solteira aos moradores, foi muito bem sucedida,
revelando, em julho de 1982, cerca de 1.200 imóveis vendidos. Essa ação de
emancipação de Ilha Solteira, então, prosseguiu.
Em 1984, foi implantado o Cinturão Verde de Ilha Solteira, velha idéia dos
técnicos do Setor de Economia Regional da CESP, da qual Miguel Kozma, naquele
momento diretor de contato de Ilha Solteira, era também entusiástico defensor.
Foram criadas a AAIS Administração do Núcleo Urbano de Ilha Solteira -
subordinada à Diretoria Administrativa, e a Coordenadoria de Participação
Comunitária
13
, para tentar envolver a comunidade no processo de institucionalização
político-administrativa e socioeconômica do núcleo urbano. As vendas de casas
prosseguiram em ritmo impressionante, com a venda de 2.500 casas em três meses.
A implantação decisiva da política de desvinculação deu-se ainda no ano de
1984. Começou a cobrança de impostos, em especial do IPTU, e taxas,
principalmente de água e esgoto. Miguel Kozma ampliou seu poder, assumindo a
vice-presidência Executiva da empresa. Não raras vezes, o novo vice-presidente
conduziu pessoalmente a política da empresa em Ilha, como no Projeto Cinturão
Verde, que assentou 90 agricultores nos lotes econômicos e 400 famílias de baixa
renda nos lotes de roças familiares, como será visto em detalhes no item 3.
Em 14/3/1986 a Cesp e o governo estadual apresentaram à administração
especial e à comunidade de Ilha Solteira, uma proposta de transformação do distrito-
acampamento em subprefeitura do município de Pereira Barreto. A população
rejeitou a idéia porque entendeu que a prefeitura de Pereira Barreto teria menos
condições que a Cesp para administrar Ilha Solteira. Segundo Froelich, igual ponto
de vista foi adotado pelo então prefeito de Pereira Barreto, Oswaldo Esperança, que
considerou a subprefeitura um encargo que sua prefeitura seria incapaz de assumir.
Até mesmo o então administrador especial de Ilha Solteira, Telésforo de Paula Prata,
 
13
A criação desta coordenadoria tem sua raiz no Governo Democrático do Estado de São Paulo, de André
Franco Montoro, eleito em 1983, assim como o próprio projeto de assentamento Cinturão Verde, das Roças
Familiares e da Horta Comunitária como será visto adiante.
9$
considerou preferível o prosseguimento da luta pela emancipação à aceitação da
condição de subprefeitura.
A comunidade de Ilha Solteira criou um grupo provisório de emancipação,
presidido pelo empresário Alcides de Aquino Garcia, alinhado politicamente ao
PMDB. (FROELICH, 2001, p.. 205).
Em Ilha Solteira cresciam as iniciativas em direção à emancipação: foi eleita a
Comissão de Emancipação do Distrito de Bela Floresta, em maio de 1987. Neste
mesmo ano teve início a tramitação do processo de emancipação de Ilha Solteira na
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (FROELICH, 2001, p. 208).
Ilha Solteira contava então com 25 mil habitantes, mas 8 mil estavam ligados
às obras de Três Irmãos e Canal de Pereira Barreto, enquanto a Unesp atendia mais
de 500 alunos matriculados. O processo tramitou durante cinco anos. Nesse meio
tempo, em 1988, foi promulgada a nova Constituição, fortemente influenciada pelo
retorno à normalidade democrática e à descentralização municipalista (FROELICH,
2001, p. 210).
O cleo urbano de Ilha Solteira completou oficialmente 20 anos em 1988 e
aguardava a emancipação, ancorado nos pareceres favoráveis dentro da Alesp
14
e
no sucesso da política de desvinculação. Um balanço da venda de imóveis, até
21/7/1988, revela que foram quase todos vendidos: 3.963 casas, 114 prédios
comerciais e 965 terrenos, totalizando 5.200 imóveis
15
. No entanto, Ilha Solteira
ainda era extremamente dependente da Cesp, que detinha diretamente 34,7% da
população empregada e indiretamente, através das empreiteiras, acumulava mais
26,5 % desta população, ou seja, mais de 61% do total (FROELICH, 2001, p. 210).
Na política municipal, a população do “distrito” de Ilha Solteira influiu
decisivamente na escolha do prefeito de Pereira Barreto: Edson Gomes para o
período de 1989 a 1992, enquanto a Cesp, dando seqüência à política de
desvinculação, decidia (ainda em 1989) doar o patrimônio do Hospital e Maternidade
 
14
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
15
A venda dos imóveis em Ilha Solteira ocorreu de forma facilitada a valores abaixo dos de mercado (até porque
inexistia um mercado de venda de imóveis no ainda acampamento) com longos prazos de pagamento, de modo a
garantir aos seus moradores, as condições de aquisição, afinal tratava-se exatamente de promover uma política
de facilitação de compra e, indiretamente, de encampação pelos moradores da idéia de Ilha Solteira como cidade.
9A
de Ilha Solteira para a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, fato
efetivamente concretizado em 1992 (FROELICH, 2001, pág. 211).
Em 30/12/1991, pela lei estadual 7664, embasada em plebiscito, Ilha Solteira
transformou-se em município, embora, formalmente, primeiro tenha sido
transformado o distrito de Bela Floresta em distrito de Ilha Solteira que, a seguir,
transformou-se no município de Ilha Solteira (FROELICH, 2001, pág. 213).
Em 27/04/2005 Ilha Solteira se transforma em Comarca, processo que marca
o último passo no processo de emancipação político-administrativa.
O mapa 1, elaborado por Freitas Lima (2004) permite a visualização do
município de Ilha Solteira, conforme ficou definido a partir do processo de
emancipação, mostrando que a área onde se situa o Cinturão Verde é classificada
como área urbano-rural.
9#
9C
9D
3: O PROJETO CINTURÃO VERDE DE ILHA SOLTEIRA
Introdução
Concebido para ser um dos elementos de suporte da cidade, com a missão
de produzir alimentos e de gerar empregos, o Cinturão Verde surge na prática, como
resultado de demanda por terra que se apresenta no início da década de 1980, num
momento de redução do nível de empregos no país e em Ilha Solteira. A distância
entre a pretensões do projeto e sua empírica é marcada por vissicitudes de várias
ordens, as quais são apresentadas neste item.
3.1 A concepção do Projeto
Conforme foi considerado no item anterior, em 1972, quando teve início o
processo de esvaziamento de Ilha Solteira enquanto acampamento da construção
da usina, surgem os problemas relacionados à oferta cada vez menor de empregos.
Diversas alternativas começaram a ser aventadas para o desenvolvimento e
emancipação do Núcleo Urbano, concebido e planejado para se tornar uma futura
cidade. Uma dessas alternativas “seria a instalação de um pólo de produção
agrícola, visando ao abastecimento do Núcleo Urbano e região, contribuindo para a
economia local com a criação de empregos diretos e indiretos, para o aumento da
arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), para a
criação de agroindústrias, etc” (CESP, 1992, pág. 1 e 2)
16
.
Nascia, assim, a idéia da instalação, nos arredores do núcleo urbano, de um
Cinturão Verde, aproveitando terras remanescentes da construção da barragem e da
cidade de Ilha Solteira. Para fundamentar e justificar a viabilidade técnica e
 
16
De acordo com relatos de moradores que trabalhavam na Administração do Núcleo Urbano, naquele momento,
esta idéia já era cogitada pelo então administrador Guilherme Monteiro Junqueira, como uma das formas de dar
vida própria ao ainda acampamento da obra de Ilha Solteira.
9%
econômica de tal empreendimento, no ano de 1983 a Cesp encomendou ao Instituto
de Pesquisas Tecnológicas IPT a realização de estudos detalhados, reunidos
sob o título de “Proposta DMGA-3677/83 - Projeto básico de assentamento rural em
área irrigada e de sequeiro e recuperação de áreas degradadas nas proximidades
da cidade de Ilha Solteira” (IPT, 1985, pág. 1).
O primeiro volume deste relatório refere-se à análise de viabilidade técnico-
econômica do Projeto de Assentamento Populacional, ao passo que os três demais
volumes detalham os estudos mais propriamente técnicos sobre a questão dos
solos, do projeto de irrigação, da recuperação das áreas degradadas, inclusive com
inúmeros mapas e desenhos da área.
Portanto, antes de prosseguir, cabe deixar claro que o Projeto Cinturão Verde
de Ilha Solteira foi pensado e planejado como um projeto de assentamento. E este
assentamento dar-se-ia na área de agricultura de sequeiro, como será detalhado na
descrição do projeto. Tal esclarecimento justifica-se porque a referência ao Projeto
Cinturão Verde de Ilha Solteira como um projeto de reassentamento é comum,
inclusive na própria cidade - e até mesmo em textos acadêmicos
17
.
Os documentos da Cesp referem-se a esta iniciativa, implantado em 1984,
como tendo um “duplo objetivo: de contribuir para a auto-suficiência do Núcleo
Urbano de Ilha Solteira, e de assentar pequenos agricultores, os quais se
caracterizam como posseiros, arrendatários, meeiros, diaristas, etc, do município de
Pereira Barreto, contribuindo assim para o fortalecimento da economia rural local e o
desenvolvimento econômico social de parte de sua população.” (CESP, 1988, p. 1)
Documento posterior (CESP, 1992), esclarece que o projeto foi elaborado
visando atender esta população de duas formas:
a) agricultores profissionais cujas terras foram cedidas a títulos onerosos por meio
de um contrato com um prazo inicial de 05 anos (de outubro de 1984 a setembro de
1989), e
 
17
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((((: 1&07AJJJ(AC(
98
b) ex-ocupantes inscritos, desempregados e indivíduos de baixa renda. A área
destinada a eles corresponde a lotes de 2500 m
2
cada, cedidos através de
concessão de uso por tempo indeterminado para a constituição de roças familiares,
com vistas a ajudar na complementação alimentar dessas famílias beneficiadas
(CESP, 1992, p. 2).
O item a
,
acima citado, reforça o fato do Cinturão Verde estar sendo
concebido num quadro mais amplo, de se tornar um importante elemento de
sustentação da cidade, de gerar produção, empregos e renda e, desta forma,
contribuir para a fixação da cidade. Não se tratava, portanto, de reassentar uma
população impactada, ou melhor dizendo, esta não era a tônica da concepção do
projeto, em função do qual procurou-se assentar agricultores adequados para a
missão de produzir “para o abastecimento da cidade e região em gêneros
alimentícios diversos”. Mais uma vez, a ênfase é de promover um assentamento de
agricultores profissionais, ou seja, com experiência na atividade agrícola os quais
poderiam, em tese, arcar com a proposta de concessão onerosa de uso.
18
O Termo de Compromisso de concessão onerosa, emitido pela CESP,
estabelecia para o agricultor assentado, entre outras, as seguintes exigências:
1 – zelar pela área, impedindo a permanência e / ou fixação de terceiros;
2 ter no mínimo 80% (oitenta por cento) da área a ser concedida, cultivada com
culturas temporárias e/ou permanentes no final do terceiro ano de concessão,
mantendo-a desta forma até a rescisão ou término deste contrato.
O item b refere-se aos selecionados para o Projeto Roças Familiares,
conforme será tratado mais à frente.
3.2 O Processo de Seleção dos Assentados
Para o processo de análise dos candidatos, classificação e seleção dos
agricultores a serem assentados, constituiu-se uma comissão de seleção, com
representantes das seguintes instituições:
 
18
Apesar disto, sabe-se que os valores previstos no Termo de Compromisso que cada agricultor selecionado
assinou ao adentrar em seu lote, jamais foram pagos. A proposta de concessão onerosa de uso na prática nunca
vigorou.
9G
a) Prefeitura Municipal de Pereira Barreto;
b) Instituto de Assuntos Fundiários, à época pertencente à Secretaria de
Assuntos Fundiários do Estado de São Paulo;
c) Conselho Comunitário de Ilha Solteira;
d) Câmara Municipal de Pereira Barreto;
e) Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pereira Barreto, ligado à Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo – FETAESP;
f) Coordenadoria de Participação Comunitária de Ilha Solteira/;
g) Administração do Núcleo Urbano de Ilha Solteira;
h) Associação Regional dos Engenheiros de Ilha Solteira e Adjacências – AREIA
i) CESP Companhia Energética de São Paulo, a quem coube a coordenação
dos trabalhos.
Os trabalhos desta comissão estenderam-se de 29 de junho de 1984, ocasião
de sua instalação, até 03 de agosto do mesmo ano. Através da realização de 47
reuniões retrata-se, em detalhes, como foram selecionados os agricultores, tanto
para a ocupação como assentados no Cinturão Verde de Ilha Solteira como os
contemplados com as áreas das Roças Familiares - ou simplesmente “rocinhas”,
como são conhecidas em Ilha Solteira. A ênfase dada à seleção de candidatos
exclusivamente de Pereira Barreto, por um lado, eliminou uma grande quantidade de
interessados de municípios vizinhos e por outro, frustrou as expectativas daqueles
que já vinham ocupando a área onde seria instalado o projeto.
19
Do universo de 2.485 candidatos inscritos e com questionários aplicados, a
Comissão, norteada pelos critérios básicos da CESP, teve por objetivo selecionar,
pontuar e classificar 120 (cento e vinte) candidatos, dos quais 90 (noventa) seriam
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99
assentados no Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, distribuídos em áreas de
cultivo irrigado e de sequeiro, para produção em escala comercial.
Dentre os demais candidatos, dando-se prioridade absoluta para os
residentes em Ilha Solteira, a Comissão recebeu a incumbência de selecionar cerca
de 400 (quatrocentos) que se beneficiariam com área para cultivos, em nível de
subsistência, no Projeto das Roças Familiares, direcionado, basicamente, aos ex-
ocupantes das áreas do Cinturão Verde, detentores de baixa renda familiar.
Para a seleção dos 120 candidatos, dos quais 90 seriam beneficiários, e os
outros 30 aguardariam na condição de suplentes, a Comissão adotou o critério de
separação, por exclusão, daqueles que não preenchiam os requisitos básicos
expostos no documento CESP ANEXO I (Documento da Vice-Presidência
Executiva da CESP à Comissão de Seleção dos Agricultores, de 29/06/1984).
Assim sendo, os candidatos detentores de atividades principais divergentes
da agrícola ou, ainda, aqueles com uma experiência na agricultura por tempo inferior
a 5 anos foram excluídos na seleção, enquadrando-se nas seguintes categorias, em
função de suas características básicas:
- empregados CESP;
- proprietários e co-proprietários rurais;
- empregados de empreiteiras de obras;
- empregados urbanos;
- comerciantes;
- aposentados (urbanos e rurais)
- profissionais diversos, liberais e/ou autônomos, de atividades não agrícolas;
- desempregados urbanos (ocupantes de áreas do Cinturão Verde menos de 01
ano e dia (sic); ou não ocupantes), com experiência agrícola inferior a 5 anos;
- pecuaristas, peões-de-boiadeiro e retireiros;
- arrendatários, meeiros e parceiros, com áreas de cultivo superior a 20,00 ha (vinte
hectares);
- candidatos com uma força-de-trabalho igual a 01 equivalente-homem e sem
experiência em irrigação.
9J
Por outro lado, uma vez enfocada a prioridade de seleção dos candidatos do
município de Pereira Barreto e tendo em vista o grande número de agricultores
inscritos, não foram considerados os dos outros municípios, fazendo com que, o
universo inicial de 2.485 candidatos ficasse reduzido a um total de 226, que recebeu
pontuação para fins de classificação em função dos critérios básicos da CESP e dos
adotados pela Comissão. Esse número ficou assim compreendido:
Arrendatários: 36
Meeiros e parceiros: 13
Posseiros em situação de iminente despejo: 01
Ocupantes de área do Cinturão Verde, há mais de 1 ano e dia: 01
Empregados rurais: 12
Desempregados rurais (diaristas, volantes e bóias-frias): 47
Ocupantes de área do Cinturão Verde, desempregados urbanos,com mais de 05
anos de experiência agrícola: 43
Desempregados urbanos, não ocupantes, com mais de 05 anos de experiência
agrícola: 73.
Total = 226
Quando a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira começou a ser construída, assim
como a de Jupiá, inexistia a necessidade de realização de Estudos de Impacto
Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente, os EIA / RIMA. Tais
documentos viriam a tornar-se obrigatórios para a realização de
empreendimentos como as barragens, reservatórios, usinas a partir da edição da
Resolução de n
o
001 do CONAMA, de janeiro de 1986, acompanhando as
mudanças planetárias envolvendo a questão do desenvolvimento e da concomitante
necessidade de conservação e recuperação dos recursos naturais. Por outro lado, a
atuação da Cesp em estudos sobre os impactos negativos gerados pelos
empreendimentos energéticos, tanto sociais como econômicos e ambientais,
somente começaram a ser efetuados a partir da década de 1970. Esta consideração
está sendo apontada para reforçar o fato do Cinturão Verde não ter tido o caráter de
reassentamento, o que, se fosse o caso, poderia ter resultado no estabelecimento
J$
de um diferente perfil para os agricultores selecionados e, por conseguinte, de
critérios de seleção, ao menos em parte, distintos dos que foram utilizados.
O engenheiro agrônomo Miguel Carlos Fontoura da Silva Kozma, então
recém-eleito para ocupar a Vice-presidência executiva da Cesp - e acumulando
também o cargo de diretor administrativo -, participou da reunião de instalação dos
trabalhos da comissão de seleção dos agricultores a serem assentados no Cinturão
Verde de Ilha Solteira, realizada em Ilha Solteira, em junho de 1984. Kozma
apresentou um documento com um rápido retrospecto sobre o início difícil dos
estudos do Cinturão Vede e também um balanço do primeiro ano da administração
local. Nele, afirmava que, em razão da situação econômica que vivia o país, foi
criado um projeto emergencial na área destinada ao Cinturão Verde, que perdurou
até o início de 1984 e que teria sido capaz de solucionar alguns problemas
emergentes, trazendo grande quantidade de riquezas adicionais à economia da
cidade. O texto a seguir refere-se à integra daquele documento:
“1. A Diretoria Administrativa da CESP, desde o início da atual gestão, colocou
como uma questão prioritária a adoção de medidas que pudessem, de forma
segura e eficaz, levar o núcleo de Ilha Solteira à plena consolidação e
conseqüente auto-determinação. Dentre essas medidas, sempre emergiu como
uma das mais relevantes a criação de um cinturão verde, equacionado de forma
a compatibilizar a necessidade cada vez maior de produção de alimentos, a
custos mais acessíveis para a população local, com o imperativo social de criar-
se uma fonte de trabalho capaz de atenuar o sério problema de desemprego
que se verifica na comunidade.
2. A partir desse enfoque, a CESP optou pelo aproveitamento de parte das
terras remanescentes do canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Ilha
Solteira. Em se tratando de terras inaproveitadas, situação esta que perdura
muitos anos, a Diretoria Administrativa entendeu que não haveria nenhuma
forma de utilização mais adequada para as mesmas do que a implantação de
um núcleo de produção agrícola, capaz de gerar quantidades expressivas de
alimentos e absorver um elevado número de empregos permanentes.
JA
3. Hoje, com o projeto técnico praticamente concluído e os trabalhos de
implantação em pleno desenvolvimento, pode-se afirmar que o Cinturão Verde
de Ilha Solteira, constitui uma realidade irreversível, apesar do descrédito de
muitos.
4. Trata, este documento, de estabelecer os critérios básicos que deverão
nortear o processo de seleção dos agricultores a serem assentados. A partir da
posição da CESP, devidamente confrontada com as sugestões emitidas por
algumas das instituições que representam a comunidade (Câmara Municipal de
Pereira Barreto, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pereira Barreto e
Universidade Estadual Paulista UNESP), resultaram os seguintes critérios,
que expressam o consenso da maioria das opiniões consultadas:
a) os lotes agrícolas do Cinturão Verde destinam-se, única e exclusivamente, a
agricultores profissionais e comprovadamente não proprietários, a saber:
parceiros e arrendatários de pequenas áreas;
empregados rurais;
desempregados rurais;
posseiros em situação de iminente despejo.
b) a prioridade de seleção, entre as categorias acima estabelecidas, fica para os
agricultores residentes no Município de Pereira Barreto. Uma vez esgotado esse
contingente, a preferência passa para os candidatos residentes nos municípios
vizinhos a Pereira Barreto.
c) o processo de seleção deverá ser dirigido para separar, em primeiro lugar,
todos os agricultores que atendam as condições estabelecidas em a) e b) e que
possuam, complementarmente, experiência em agricultura irrigada.
d) a comissão deverá elaborar tabelas de avaliação que considerem,
basicamente, os seguintes elementos:
força de trabalho familiar
experiência em atividades agrícolas
renda familiar
capacidade gerencial
J#
e) todas as decisões da comissão deverão ser tomadas pelo critério de maioria
simples de seus membros, cabendo à coordenação da CESP o voto de
desempate.
f) admitindo que estarão disponíveis cerca de 90 (noventa) lotes agrícolas,
considera-se suficiente que a comissão selecione um mero não superior a
120 (cento e vinte) agricultores, estabelecendo-se, assim, a folga necessária
para o preenchimento imediato das vagas surgidas por motivos diversos, como
desistência, impossibilidade de localizado do candidato, etc. A Diretoria
Administrativa da CESP deseja aos senhores membros da comissão um
profícuo trabalho, norteado essencialmente pelo espírito de justiça e isenção
20
.”
O item II. 1.1 do relatório evidencia em detalhes os critérios:Força-de-trabalho
familiar; Constelação Familiar; Renda ‘per capita’ da Família; Experiência e tradição
em atividades agrícolas; Capacidade gerencial - que, por sua vez, levava em
consideração os quesitos: nível educacional; finalidade (destino) da produção
agrícola; (uso de) crédito agrícola; tipos de culturas; utilização de insumos agrícolas;
utilização de máquinas e equipamentos agrícolas; e (domínio da) irrigação, assim
como os respectivos pesos atribuídos pela comissão aos diversos fatores
analisados. A Tabulação geral dos resultados resultou na seleção dos 120 melhor
pontuados, conforme revela a tabela 1:
Os dados desta tabela permitem observar que mais da metade (53,3 %) dos
selecionados vieram de Pereira Barreto, seguidos pelos de Ilha Solteira que
totalizaram quase um terço do total (31,1 %). Outra constatação é que quase a
metade dos selecionados (47,8 %) pertencia à categoria de arrendatários e parceiros
/ meeiros, num total de 43 agricultores. No que diz respeito aos arrendatários,
pegando-se a quantidade de pré-selecionados para o projeto (36) percebe-se que
83,3% dos mesmos foram selecionados, ao passo que, que dos 13 parceiros ou
meeiros pré-selecionados 77% foi confirmada no processo seletivo. Por outro lado,
exatos 30 % dos assentados enquadrava-se na categoria de desempregados rurais.
 
20
CESP. Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, 1992 (s.n.t)
JC
Tabela 1: Selecionados por categoria e por município, no processo seletivo
para assentamento no Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira.
DISTRIBUIÇÃO
21
Ilha Solteira Bela Floresta Suzanápolis Per. Barreto
TOTAIS
CATEGO
RIAS*
- 90º
Sup
- 90º
Sup
- 90º
Sup
- 90º
Sup.
- 90º
Sup
A
8 - 1 - 5 - 19 - 33 -
B 4 1 1 - 1 1 4 - 10 2
C
1 - - - - - - - 1 -
D
2 1 - - 1 - 4 1 7 2
E
2 1 1 - 4 1 20 2 27 4
F
7 11 -- - - - - - 7 11
G 4 6 - - - - 1 5 5 11
TOTAIS
28 20 3 11 2 48 8 90 30
*Sendo A = Arrendatários; B = Meeiros / Parceiros; C = Posseiros em situação de
iminente despejo; D = Empregados Rurais; E = Desempregados Rurais; F =
Ocupantes da área do Cinturão Verde com mais de 5 anos de experiência agrícola,
G
= Desempregados urbanos com mais de 5 anos de experiência agrícola; Sup =
Suplentes.
Fonte: CESP, 1992, adaptado pelo autor.
 
21
Na época da seleção e da implantação do Cinturão Verde de Ilha Solteira, o município de Pereira Barreto, era
composto, além da sede propriamente dita onde ficava a cidade de Pereira Barreto, do Distrito de Bela Floresta,
do núcleo urbano de Ilha Solteira e ainda do distrito de Suzanápolis. Atualmente, Suzanápolis, a exemplo de Ilha
Solteira, é um município autônomo.
JD
Foto 1: Agricultores presentes ao processo de distribuição dos lotes em cerimônia realizada
na Casa da Cultura de Ilha Solteira, aos 09 de outubro de 1984.
Foto 2: Da direita para a esquerda, vice-presidente da Cesp, Miguel Kozma e Diretor
Administrativo da empresa, Rubens Naves, na cerimônia de distribuição dos lotes
do Cinturão Verde aos agricultores selecionados, realizada em 09.10.1984.
J%
3.3 Implantação do Projeto Cinturão Verde
O Projeto Cinturão Verde foi planejado para promover o aproveitamento de
recursos de solo e água das proximidades de Ilha Solteira, viabilizando técnica e
economicamente a agricultura através do assentamento. A área foi selecionada
após levantamento de trabalhos dos condicionantes do meio físico, apresentando
solos agricultáveis em relevo compatível com atividades agrícolas, possuindo
classes II, III e IV de capacidade de uso do solo, com predominância dos solos
Latossolo Vermelho Escuro (43,5%) e Podzólico Vermelho Escuro (29,0%) com um
bom índice de fertilidade natural, conforme análises de solo realizado pela UNESP
em 1986. (CESP, 1992, pág.12)
Para os idealizadores de um pólo de produção que pudesse abastecer o
núcleo urbano e a própria região, contribuindo para o enfrentamento do
esvaziamento do então acampamento e a consolidação da cidade, a implantação do
Projeto Cinturão Verde, em outubro de 1984, representaria esta concretização.
No componente “Agroeconomia” do Relatório do IPT, registra-se que:
O objetivo desse projeto seria ocupar de forma racional, do ponto de
vista agronômico, uma área da ordem de 1147,02 hectares
adjacente ao povoado, 100 hectares dos quais serão irrigados e
557,55 hectares em condições de sequeiro. Dessa forma, a cidade
de Ilha Solteira será suprida com gêneros alimentícios de primeira
necessidade, gerando excedentes que serão comercializados em
outras localidades. (IPT, 1985, pág. 97)
O Projeto Cinturão Verde está situado em boa parte do entorno ou área
perimetral do Núcleo Urbano de Ilha Solteira, a jusante da Usina Hidrelétrica de Ilha
Solteira, com lotes distribuídos ao longo dos quadrantes de leste até nor-noroeste da
cidade. (ver mapa 1)
O arranjo físico e espacial do Cinturão Verde, elaborado de acordo com a
metodologia adotada, isto é, considerando um matriz resultante da combinação de
critérios como classes de capacidade de uso dos solos, tamanho e composição das
J8
famílias e da força-de-trabalho familiar, em termos de equivalentes-homens/dia,
resultou na definição dos seguintes tipos de Unidades de Produção Agrícola Familiar
UPAFs:
a) unidade de produção agrícola tipo I (UPAF 1): caracterizada por terras de classe
II de capacidade de uso com 5 ha de área e utilizadas por famílias com força de
trabalho disponível de 2 a 2,5 equivalentes homens/dia;
b) unidade de produção agrícola tipo II (UPAF 2): compreende as terras de classe III
de capacidade de uso com 7,5 ha de área e utilizadas por famílias com força de
trabalho disponível de 3 a 3,5 equivalentes homens/dia;
c) unidade de produção agrícola tipo III (UPAF 3): engloba as terras de classe IV de
capacidade de uso com 10 ha de área e utilizadas por famílias com força de
trabalho disponível de 4 a 5 equivalentes homens/dia;
d) Unidades de produção agrícola familiar isoladas: consiste de 3 módulos de 2,5 ha
que pela sua posição na área em estudo, não são contíguos;
e) Áreas degradadas: compreende as antigas áreas de empréstimos, onde os
horizontes superficiais foram removidos, e por terras de classe VI de capacidade
de uso. Na época dos estudos (1983-4) estas áreas encontravam-se cobertas por
capim colonião, indicando uma recuperação inicial. Podem ser submetidas a
processos mais intensivos de recuperação, tendo em vista sua utilização para
pastagens ou reflorestamento.
O mapa 2,. elaborado pela Cesp por ocasião da implantação do Projeto,
mostra em detalhes a localização do Cinturão Verde, no entorno de Ilha Solteira, e a
distribuição dos 90 lotes que o compõem.
JG
J9
Para se compreender a lógica da determinação do tamanho dos lotes basta
perceber que quanto pior as características agricultáveis do solo, maior deveria ser a
área a ser cultivada, requerendo, por conseguinte, uma família com maior força de
trabalho. (IPT, 1985, pág. 149)
A tabela 2, permite a visualização da composição total da área e da
distribuição destas terras de acordo com suas finalidades diversas:
Tabela 2: Descrição da composição do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira
e respectivas áreas.
Descrição Área (ha)
Lotes agrícolas de sequeiro 521,00
Lotes agrícolas irrigados 35,00
Lotes de roças familiares 156,00
Talvegues 45,00
Reserva Florestal 41,00
Estradas 15,00
Área de Empréstimo 247,00
Diversos 30,00
Área Total 1090,00
Fonte: IPT, 1985.
A área irrigada, planejada para chegar a 100,0 ha, tem início com 35,0 ha e -
como poderá ser visto ao longo deste texto sequer esta área será totalmente
ocupada. A extensão de cada lote agrícola destinado aos agricultores profissionais
foi definida de acordo com a força de trabalho de cada família, ficando distribuídos
de acordo com os dados da tabela 3.
JJ
Tabela 3: Descrição da distribuição dos lotes irrigados e de sequeiro do
Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira e suas respectivas áreas.
Número de Lotes Tipo de Cultura Área (ha)
14 Cultura irrigada 2,50
35 Cultura de Sequeiro 5,00
27 Cultura de Sequeiro 7,50
14 Cultura de Sequeiro 10,00
Desta forma, o Projeto previu a instalação de 92 (noventa e dois) lotes, sendo
14 (catorze) lotes irrigados, cuja área é de 2,5 ha cada um e 76 (setenta e seis) lotes
de agricultura de sequeiro, variando suas áreas entre 5,0 ha, 7,5 ha e 10,0 ha
conforme a tipologia descrita acima. Dos 02 (dois) lotes restantes, um é utilizado
como centro de equipamentos e outro como pastagem comunitária, o que perfaz um
total de 560 ha de área agricultável (sequeiro + irrigado).
Paralelamente ao Projeto Cinturão Verde foi efetuado o Projeto das Roças
Familiares. Porém, o que se constata é que, em nenhum momento, foi solicitado ao
IPT pela CESP a elaboração de um projeto de roças familiares. Percebe-se que esta
foi uma saída política para incluir o enorme contingente de pessoas da própria
cidade de Ilha Solteira que, apesar de terem participado do processo de seleção,
não foram contempladas com lotes no Cinturão Verde. Deve ser considerado
também, o fato de ter havido uma ocupação da área onde seria instalado o
assentamento, o que reforça o caráter das roças familiares como fruto de uma
negociação da Cesp e da Administração Especial de Ilha Solteira com os
interessados não contemplados nos lotes do Cinturão Verde.
Não se pode perder de vista, ainda, o fato de que em 1984, outros dois
fatores importantes concorrem para tal ação: o governo democraticamente eleito de
Franco Montoro propiciava condições para a expressão de demandas por direitos e
benefícios de várias naturezas, o que, em Ilha Solteira, contou com instrumentos
oficiais de expressão, como o Conselho Comunitário e a Coordenadoria de
Participação Comunitária - órgãos diretamente ligados à administração do núcleo
urbano e ao PMDB, partido da situação naquele momento, a cujos quadros
A$$
pertencia o próprio vice-presidente da Cesp e um dos idealizadores do Cinturão
Verde, Miguel Kozma. O outro fator, refere-se ao agravamento da crise econômica
que atravessava o país, desde o final da década de 1970, fazendo com que a idéia
de um espaço para a produção de auto-consumo das famílias mais pobres do
núcleo urbano seria também uma forma de promoção de justiça e inclusão social
22
.
Quando implantou o projeto, a Cesp também garantiu equipamentos de Infra-
estrutura em apenas uma das áreas ou lotes comunitários, o qual, no futuro, acabou
por se constituir na sede da Associação. Dentre estes equipamentos destaca-se o
Armazém de Cereais, que consiste em uma construção de alvenaria (blocos de
concreto e telhas de cimento amianto nas laterais, esteios roliços de aroeira, piso
cimentado rústico, cobertura de telhas de cimento amianto, vigamento de madeira
serrada, sem energia elétrica nem instalação hidráulica), ainda em bom estado de
conservação. É hoje utilizado como depósito de insumos e implementos agrícolas e
tem uma área construída de 300 m
2
.
Outra instalação importante é o centro comunitário, que consiste de uma parte
de construção aberta e outra fechada, em alvenaria de blocos de concreto, reboco e
pintura externa e interna, esteios roliços de aroeira, piso cimentado rústico (na área
aberta) e cimento queimado (na área fechada), cobertura de telhas de cimento
amianto, vigamento de madeira serrada, com energia elétrica e hidráulica, hoje em
bom estado de conservação e com uma área construída de 238 m
2
.
A malha viária que a Cesp abriu no projeto Cinturão Verde conta com 37 km
de estradas, das quais 14,67 km estão localizados nos lotes econômicos e 10,34 km
nas roças familiares, sendo 25 km abertos pela Cesp por ocasião da implantação do
projeto, contra 12 km de estradas asfaltadas existentes quando da construção da
usina e do núcleo urbano.
Toda esta estrutura, com o processo de emancipação de Ilha Solteira e a
saída da CESP da cidade é repassada à Prefeitura Municipal e à própria Associação
dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, constituindo-
se, assim, num importante patrimônio desta entidade.
 
22
Um outro projeto poderia ser incluído neste conjunto que foi o da criação da Horta Comunitária de Ilha
Solteira, que teve na pessoa do presidente do Centro de Convivência da Terceira Idade, Sr. Aloysio Francisco da
Silva, um de seus mais expressivos protagonistas.
A$A
3.4 Breve Retrospectiva sobre o Projeto Cinturão Verde
Dos 90 lotes destinados aos agricultores selecionados, somente 76 (7
irrigados e 69 de sequeiro) estavam ocupados em 1992, na ocasião em que
precedeu a saída definitiva da Cesp de Ilha Solteira e a passagem do Cinturão
Verde ao domínio da prefeitura municipal de Ilha Solteira. Nos lotes irrigados houve
evasão de uns e exclusão de outros, restando somente 5 dos 13 agricultores
selecionados inicialmente, permanecendo um lote de propriedade da própria CESP.
Segundo os integrantes da equipe técnica da Cesp, responsável pelo
acompanhamento das atividades de assistência técnica aos agricultores, o motivo
das evasões e das exclusões está relacionado com uma falta de verificação mais
criteriosa, inclusive “in loco”, das informações que foram prestadas nos questionários
pelos inscritos por ocasião da seleção, resultando no assentamento de agricultores
sem tradição e conhecimento em agricultura e - principalmente - em irrigação, fator
agravado ainda mais pela baixíssima disponibilidade de capital para inversão na
atividade produtiva irrigada por parte dos mesmos.
Desse fator advém um baixo nível de exploração e, conseqüentemente, uma
produção aquém do esperado para um lote irrigado, contrariando os objetivos
propostos inicialmente, que seria a produção de olerícolas, proporcionando cultivos
intensivos condizentes com a necessidade de consumo da população regional.
Após cinco anos de instalação dos lotes, foi possível perceber dois
fenômenos interessantes. Houve, por um lado, uma queda na produção das safras
de 1988/89, 1989/90 e 1990/91, o que pode ser explicado pelo esgotamento da
fertilidade natural dos solos - e da dificuldade financeira para a reposição desta
fertilidade através da adição de adubos químicos e também pelas dificuldades de
ordem climática. Por outro lado, constata-se melhoria nas condições de moradia e
nas instalações de manejo das criações. Na safra 91/92, 80% haviam utilizado
financiamento de custeio da produção, obtido junto à Caixa Econômica Estadual e o
Banespa, quando as 71 famílias ocupantes dos lotes de sequeiro encontravam-se
com suas áreas totalmente abertas e cultivadas. (CESP, 1992, p. 14)
A$#
Um dos pilares de sustentação do projeto Cinturão Verde, preconizado pelos
estudos do IPT (1985), foi o referente ao oferecimento de Assistência Técnica ao
Produtor (pág. 187-8). O documento, ao sondar a estrutura institucional existente
para este fim, tanto em Ilha Solteira como na região, detectou a presença da
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral CATI, através da Casa da
Agricultura de Pereira Barreto no mesmo local onde uma cooperativa, integrada
em sua grande maioria pelos descendentes de japoneses (Cooperativa Agrícola da
Fazenda Tietê), também atuava, em especial com os produtores de frangos e ovos.
Ambas as instituições manifestaram-se dispostas e disponíveis para prestar
assistência técnica aos futuros produtores familiares do Cinturão Verde de Ilha
Solteira.
nesta época, também a UNESP, que iniciara seus cursos de engenharia
em 1976 e o de agronomia em 1982, ”foi também contatada no sentido de se avaliar
que tipo de assistência poderia prestar aos agricultores do Cinturão Verde. Após
uma reunião com a diretoria da UNESP e com o chefe do Departamento de
Agricultura constatou-se que em ‘tese’ a UNESP poderá dar toda a assistência
técnica, dede que acertada a sua participação, via convênios ou outros
entendimentos com a CESP. Foi enfatizado nessa reunião que o papel da UNESP é
o ensino, a pesquisa e o atendimento à comunidade. Com relação ao atendimento à
comunidade, este seria realizado via palestras, cursos rápidos e eventualmente
alguma orientação ao produtor” (IPT, 1985, pág. 188).
Entretanto, desde que implantou o Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, a
Cesp dotou-o de uma equipe constituída de um engenheiro agrônomo, dois a três
técnicos agrícolas, uma assistente social, uma agente de enfermagem e quatro
agentes administrativos. Esta equipe, com o passar do tempo, ampliou sua atuação
para outros projetos surgidos na região (Selvíria, Três Irmãos, Hortifrutigranjeiros de
Pereira Barreto e Jupiá), o que fez com que seu efetivo se alterasse. Para que se
tenha uma idéia desta rotatividade, no setor de assistência e promoção social da
comunidade assentada, três profissionais chegaram a atuar, ao passo que na
coordenação do projeto também se alternaram vários técnicos, entre engenheiros
agrônomos e técnicos agrícolas.
A$C
Dentre as atividades técnicas desenvolvidas destacam-se: controle de erosão,
plantio em faixa e em nível, uso de sementes selecionadas, adubação de acordo
com análise de solo, uso correto e com segurança de defensivos, introdução de
culturas alternativas (alho, mandioca, abóbora), formação de hortas e pomar,
orientação sobre crédito agrícola, orientação e acompanhamento da
comercialização.
Face às dificuldades da CATI em efetivamente acompanhar os agricultores do
município, tanto por falta de profissionais em número suficiente para o atendimento
do extenso município de Pereira Barreto, bem como em virtude das dificuldades de
transporte e demais recursos, a assistência técnica que os agricultores do projeto
recebiam era a prestada pela equipe técnica da CESP e por iniciativas de projetos
de extensão de alguns docentes do curso de agronomia da Unesp, na maior parte
das vezes, limitadas ao período letivo
23
.
A contratação de mão-de-obra, no Projeto, ocorre de forma temporária,
através de diaristas, com maior índice de absorção nas épocas de desbaste e
colheita do algodão e colheita de milho, havendo também considerável utilização de
mão-de-obra contratada para cultivos diversos (capinas, tratamento fitossanitário,
adubação de cobertura, etc.). Na cultura do algodão, especificamente, houve
necessidade de 50 homens/dia durante os 2 meses de colheita, para colher 28.0000
kg de algodão (média do projeto), absorvendo ainda cerca de 20 homens/dia para o
desbaste durante 20 a 30 dias. No caso do milho, o desenvolvimento da cultura é
conduzido basicamente por mão-de-obra familiar, necessitando, porém, de cerca de
10 a 15 homens/dia para efetuar a colheita, que se estende por volta de 2 meses.
O Projeto Cinturão Verde participa no abastecimento de gêneros alimentícios
através de uma produção diversificada oferecida à população: milho verde, arroz,
feijão, mandioca, farinha, tubérculos em geral, hortaliças folhosas, abóbora,
legumes, frutas diversas (com destaque para manga e banana), aves, ovos, suínos,
leite, etc. São alimentos de excelente qualidade, por se tratarem de produtos frescos
 
23
Quando, na verdade, seria o ideal que os alunos pudessem permanecer nas atividades de extensão junto aos
agricultores em suas férias escolares, que corresponde ao momento de maior atividade agrícola, que é o período
das chuvas, de novembro a março de cada ano. Uma tentativa de institucionalização destas atividades foi feita
por este autor junto à CESP e com intermediação da FUNDUNESP, e chegou a durar por seis meses, mas
mudanças na diretoria daquela empresa inviabilizaram sua continuidade.
A$D
e que contêm menos agrotóxicos do que os produtos oriundos de outras praças, tal
como o CEASA.
Pesquisa realizada em julho de 1992, revelou que 32% dos produtos
consumidos pela população de Ilha Solteira tinham procedência no Cinturão Verde.
O mesmo estudo revela, contudo, que este percentual concentrava-se em apenas
nove produtos, havendo uma enorme lacuna na produção de frutas e olerícolas,
principalmente provenientes dos lotes irrigados. (PRETTO; ARAUJO, 1992, pág. 19)
Desde a época de implantação do Projeto e mesmo não possuindo o título
das terras, vários produtores venderam seus lotes, no todo ou em parte, enquanto
outros os dividiram por motivo de herança e separação de casais. Do total de
produtores assentados no início do Projeto, 66% permanecem hoje nos lotes; cerca
de 15%, porém, têm menos de dois anos na área - o que indica um possível
recrudescimento da situação de vida dos assentados, levando à intensificação da
venda/divisão dos lotes
24
.
Também ocorreram pequenas incorporações, pois dentre os lotes de
sequeiro, em torno de 10% possuem área maior que 10 ha, sendo que em um dos
casos constatou-se que houve troca de área com a CESP.
Um novo diagnóstico realizado em 1998/99
25
, 15 anos após a sua instalação,
permite observar que as mudanças ocorridas neste período foram importantes, mas
não resultaram em redução da população assentada. Residem no Cinturão Verde
mais de 400 pessoas, embora um número significativo destas pessoas não trabalha
e, em alguns casos, nem tem sequer relações de parentesco com os produtores (na
maior parte, pagam aluguel ao titular do lote). Há casos extremos, onde o número de
moradores não envolvidos com a produção é bastante elevado: em apenas três
lotes, por exemplo, moram 60 pessoas (25; 23 e 12), das quais somente 9 compõem
a força de trabalho agrícola para o Cinturão. Nos dois primeiros lotes, menos da
metade das pessoas dependem da renda do lote e, no último, em novembro de
1998, todos dependiam de outras rendas (aposentadorias basicamente), que o
lote não vinha gerando nenhuma renda monetária. Embora existam casas alugadas,
 
24
A proximidade da data em que deverão receber o título definitivo deu maior “liquidez” ao investimento (quem
compra tem perspectiva de vender com maior facilidade, se necessário).
25
Projeto Piloto de Agricultura Irrigada em Ilha Solteira – SP (Relatório Técnico)
A$%
a maioria destes residentes que não dependem da atividade agrícola são filhos dos
titulares dos lotes.
A pesquisa realizada em 1998/99 nos lotes de sequeiro indicou que a grande
maioria dos produtores reside na propriedade (81%). Em relação à faixa etária
constatou-se que ¼ da população possui mais de 50 anos e são estes, na maioria
dos casos, a força de trabalho principal da propriedade. Na faixa de 25 a 50 anos
encontra-se outro ¼ da população, mas observações de campo indicam que um
maior percentual relativo destes, estão entre os que residem no lote, mas
trabalham em outras atividades. O mesmo ocorre com os jovens de 15 a 25 anos,
que representam 30% da população, pois estes encontram maior facilidade relativa
para conseguir trabalho na zona urbana, em função do maior nível de escolaridade.
Devido às dimensões do lote e exploração predominante, estes jovens, quando se
casam, deixam a área ou constroem casas, usando o lote apenas como local de
moradia.
Esta combinação de fatores tem como resultado a carência de mão-de-obra
em alguns lotes. Cria-se um círculo vicioso, pois a baixa renda auferida não é
suficiente para manter mais de um núcleo familiar ou mesmo um número grande de
jovens; por sua vez, a falta de mão-de-obra dificulta a instalação de novas
alternativas agropecuárias, supostamente capazes de gerar maior renda.
O levantamento realizado nos lotes de sequeiro, que representam mais de
90% da área total, constatou que 44,3% da área estão ocupados com pastagens,
34,8% com culturas anuais e somente 10% com culturas perenes. O crescimento da
área de pastagem é relativamente recente, pois a CESP impunha restrições à
pecuária, exigindo que no mínimo 80% da área de cada lote fossem ocupados com
culturas (nos primeiros anos eram apenas culturas anuais, pois os assentados não
tinham recursos para implantação de culturas perenes). Posteriormente, a Prefeitura
iniciou a distribuição de mudas frutíferas que foram plantadas na maioria dos lotes,
mas como não se buscou ou não foi possível articular a comercialização conjunta
(pois as pequenas quantidades individuais dificultam o transporte e a colocação no
mercado), estas culturas não se tornaram uma fonte de renda para os assentados,
salvo algumas exceções.
A$8
o número de vacas (matrizes) cresceu em relação ao período de 90/94,
época em que variou de 89 a 153 matrizes, tendo chegado a 286. Nota-se que
houve uma substituição das culturas anuais pela pecuária leiteira
26
como atividade
principal na maioria dos lotes, fenômeno que ocorreu com os produtores familiares
na região Noroeste como um todo. Tem aumentado, também, a importância das
culturas perenes e das olerícolas. Em alguns lotes estas já representam parte
significativa da renda. A Figura 05 traz as principais culturas perenes cultivadas no
Cinturão Verde.
Coqueiro Mangueira Limoeiro Tangerineira Bananeira Café Pupunheira
22
19
18
11
10 10
9
00
05
10
15
20
25
L
o
t
e
s
Coqueiro Mangueira Limoeiro Tangerineira Bananeira Café Pupunheira
Figura 06
. Quantidade de lotes com as principais culturas perenes cultivadas no
Cinturão Verde de Ilha Solteira - Área de sequeiro.
Fonte
: Projeto Piloto de Agricultura Irrigada em Ilha Solteira /SP (Relatório Técnico)
Observa-se que uma preocupação com a busca de culturas que venham
representar fontes de renda mais consistentes, pois embora exista na maioria dos
lotes uma diversidade de culturas instaladas, muitas vezes não diversidade de
fonte de renda.
O levantamento feito através do DRP Diagnóstico Rural Participativo -
indicou que as alternativas que estão sendo desenvolvidas pelos produtores são
complexas e incluem diversas culturas e/ou atividades. Em alguns lotes, ao lado do
leite, a principal fonte de renda tem sido a mandioca, vendida ou usada ali mesmo
para fabricar farinha. Embora a maioria plante o milho para o consumo da
propriedade, em outros casos objetiva-se, em primeira instância, a venda do milho
 
26
Como será visto a seguir, o Procera relativo a investimentos de 1996 foi utilizado basicamente na compra
matrizes e infra-estrutura para esta atividade
A$G
verde, especialmente nos lotes irrigados - onde tem sido usado o escalonamento da
produção.
Alguns produtores dos lotes irrigados e outros que instalaram irrigação e/ou
estufa têm vendido sua produção para intermediários que fornecem aos principais
supermercados da cidade. Não comercializam diretamente pois não conseguem
garantir estabilidade da produção durante todo o ano. casos em que o produtor
deixou de utilizar a estufa por não conseguir comercializar a produção.
Para outros, a minhocultura (venda direta a pescadores) e a criação e venda
de frangos caipiras e porcos (alguns entregam limpos) diretamente ao consumidor
têm sido importantes fontes de renda, constituindo nichos alternativos de mercado.
Ainda em relação à venda direta aos consumidores, tem-se o caso de
produtores de leite que produzem queijo e requeijão. aqueles que vendem
hortaliças/frutas direto ao consumidor, através da feira ou de casa em casa. Estes
conseguem uma remuneração diferenciada de seus produtos e uma renda superior
à média de outros assentados
27
.
A maioria destas culturas (olerícolas e fruticultura) depende de irrigação, daí o
fato de que mais de 90% dos produtores mostram-se receptivos à idéia de ter
irrigação no lote.
Outras rendas também têm sido obtidas através do trabalho com animal para
outros produtores, do trabalho de servente/carpinteiro/pedreiro por parte do titular do
lote e/ou filhos; do aluguel de pastos para o Clube do Laço de Ilha Solteira e do
trabalho de filhos/esposas no comércio/serviços no setor urbano de Ilha Solteira.
Em função da avançada idade de um número significativo dos moradores, a
aposentadoria tem sido uma fonte de renda importante para as famílias, sendo esta
renda, em alguns casos, maior que a renda monetária auferida pelo trabalho no lote.
A pesquisa nos lotes de sequeiro mostrou que 48 lotes têm algum membro da
família que recebe a aposentadoria. a renda média do trabalho não agrícola de
membros da família era de 419 reais por mês e dos 74 lotes pesquisados, 29
possuem pessoas que exercem essas atividades.
 
27
A comercialização direta destes produtos ao consumidor não é legal, mas é prática ainda comum na região.
A$9
O trabalho de Lima et al. (1994) mostrou que os recursos tanto de custeio
como de investimento destinados aos produtores do Cinturão Verde foram muito
irregulares desde a implantação do Projeto, em 1984. O maior volume de recursos
de custeio concentrou-se no período de 1985/88 e foram provenientes da CESP;
os recursos de investimento foram obtidos apenas nos anos de 1986/89/93 e 1994 e
tiveram diversas fontes (Finsocial, LBA, Prefeitura e Procera). Em 1996, parte dos
produtores recebeu recursos de investimento do PROCERA, que foram utilizados
basicamente na melhoria do rebanho leiteiro (compra de matrizes mais produtivas) e
em alguns investimentos relacionados a esta atividade (compra de triturador, arame
para cerca, etc.). Nos lotes irrigados, esses recurso foi utilizado também na
construção de estufas. A quantia recebida variou bastante, mas a maioria recebeu
em torno de 7 mil reais, com 2 anos de carência e rebate de 50% do principal da
dívida na época do pagamento.
Na safra 1997/98 a pesquisa constatou que 33 produtores dos lotes de
sequeiro obtiveram financiamento de custeio, dos quais 85% plantaram milho e 12%
mandioca. Na safra anterior (1996/97), apenas 22 produtores haviam financiado
parte de suas lavouras.
As pesquisas realizadas, tanto aquela ligada ao projeto de irrigação, como o
DRP, dão indicações da complexidade dos problemas enfrentados pelos produtores
do Cinturão Verde de Ilha Solteira, mas também mostram que mudanças
importantes estão ocorrendo ou começam a ser esboçadas, visando enfrentar
estas dificuldades.
Observa-se que se tem buscado, sobretudo no período mais recente, cada
vez de forma mais criteriosa, a diversificação da produção. Este esforço tem tido
uma participação ativa do corpo técnico do Setor Agropastoril da Prefeitura de Ilha
Solteira, responsável pela assistência técnica. Mas também os produtores têm
criado e, em alguns casos, demandado estas alternativas. A articulação de alguns
grupos, como o formado pelos produtores que estão plantando uva niagara e os que
estão plantando quiabo, são exemplos destas iniciativas. Nestes dois casos, nota-se
uma preocupação com todas as fases do empreendimento, da escolha da variedade
à comercialização do produto final. Têm-se ampliado, também, as estratégias
A$J
individuais de busca de alternativas de renda e de comercialização diferenciada.
Uma parcela significativa dos produtores, no entanto, ainda espera uma solução
pronta e de caráter paternalista.
A equipe técnica da Prefeitura com o apoio da diretoria da Associação dos
Pequenos Agricultores do Cinturão Verde tem buscado, no período recente,
contribuir para uma formação mais ampla do produtor/família, trabalhando não
apenas conteúdos técnicos, mas trazendo profissionais que atuam com a motivação
e recuperação da auto-confiança das pessoas
28
e com o incentivo à participação
mais ativa. São exemplos deste novo enfoque, o trabalho de grupo com a psicóloga
Maria Aparecida Junqueira Zampieri, com o assessor da Fetaesp, eng. agrônomo
Tetsuo Nohara e o DRP, coordenado pelos professores da Unesp.
Mas persistem algumas dificuldades e obstáculos, ao mesmo tempo em que
estão surgindo novos desafios. Cabe discutir alguns destes problemas e indicar
possíveis caminhos que podem resolvê-los ou amenizá-los, supondo que não
haverá, no curto prazo, mudanças significativas nas políticas públicas de caráter
geral dirigidas a este setor.
Houve, no período de 1992 a 1998, a implantação de várias atividades
alternativas, inclusive com introdução de frutas nos lotes. No entanto, a maioria dos
produtores que possuem diversas frutíferas no lote não tem conseguido
comercializá-las. Foram plantados de 20 a 50 pés de limão, manga, tangerina,
banana, acerola e outras frutas que não têm se transformado em renda por ausência
de articulação na comercialização. Poderia se argumentar que estas mudas foram
doadas sem critério e algumaso têm mesmo viabilidade ecomica, mas este
problema também tem ocorrido, em menor escala, com a produção de olecolas em
estufas e poderá se repetir com o coco e a pupunha, pois estes produtores o m se
organizado visando a comercialização destes produtos.
A Associação tem tido dificuldade de liderar e/ou promover a comercialização
conjunta e a compra de insumos. Em parte, isto pode estar ocorrendo porque, em
alguns casos, contradição entre o interesse individual do membro da diretoria e
 
28
Nas reuniões de elaboração do DRP vários produtores mencionaram que são tratados de forma preconceituosa,
são taxados como vagabundos ou coitados pela população urbana /entidades do munipio por não terem
alcançado um nível de produção/produtividade elevado.
AA$
uma possível solução grupal, que membros da diretoria atuando como
intermediários para o escoamento da produção.
A pesquisa revelou que 35 produtores dizem não receber nenhuma
assistência técnica e, possivelmente, não se sentem incluídos em nenhum projeto. E
um número muito expressivo destes são os que têm auferido pouca ou nenhuma
renda proveniente da produção do lote. Em alguns casos, o desejo/necessidade de
vender a área prevalecerá, mas é possível que vários tenham interesse em
continuar, desde que vejam uma perspectiva de melhorar suas vidas.
A faixa etária da população que trabalha no lote pode ser um fator limitante
das atividades a serem desenvolvidas. Vários produtores com mais de 60 anos e
que estão sozinhos no trabalho, embora mostrem disposição para a instalação de
novas culturas/atividades, podem ter dificuldades posteriores em conduzir estes
novos empreendimentos.
Uma avaliação preliminar em relação às alternativas de produção indica que
seria mais adequado, aos produtores do Cinturão Verde, investirem em fruticultura e
olericultura. A irrigação é um instrumento fundamental para desenvolver a maioria
destas atividades, seja pela exigência diária de água de algumas culturas, seja para
elevar a produtividade e/ou produzir fora da época de pico da produção. Quaisquer
que sejam as opções escolhidas, estas devem ser pensadas de forma integral,
discutindo-se com os produtores desde as variedades mais adequadas, a exigência
mínima de tecnificação, até as formas de comercialização.
Esta última tem se mostrado particularmente deficiente: ao se iniciar os novos
projetos, de modo geral, não se tem perguntado qual o destino da produção (muitas
vezes, destaca-se apenas o preço de venda vantajoso). Se os produtores optarem
pela venda individual, é necessário ter claro onde isto pode ser feito e qual o módulo
mínimo para o transporte. Se a idéia é atrair uma agroindústria ou compradores de
outras regiões, quantos produtores devem estar engajados no projeto? Se a venda
for em conjunto, os produtores serão preparados, através de cursos e observação de
outras experiências, para este tipo de negociação?
Cabe aos produtores dar a última palavra nestas questões, mas parece-nos
que a articulação dos diversos trabalhos/projetos (os grupos técnicos por cultura, os
AAA
responsáveis pelo Projeto de Irrigação, o grupo que participa do trabalho com a
psicóloga, a diretoria da Associação e aqueles que estão realizando o DRP) é que
poderá ser capaz de dotar os produtores das ferramentas (concretização das obras
de infra-estrutura do projeto de irrigação, por ex.) e informações necessárias para
que estes tomem as decisões mais adequadas para a melhoria da produção de seus
lotes e elevação da qualidade de suas vidas.
A articulação destes diversos grupos o significa unificação de propostas,
mas um esforço de compatibilização das mesmas e uma maneira de propiciar uma
participação ativa do maior número possível de produtores na definição dos
caminhos que devem ser tomados.
Outras medidas extrapolam o âmbito dos produtores, embora estes também
devam colaborar nestas decisões. Primeiro: é necessário definir claramente quais
atividades devem ser incentivadas no Cinturão Verde e quais devem ser proibidas
ou desencorajadas. Neste caso, deve-se considerar as tendências atuais, de modo a
não cercear a obtenção de rendas não estritamente agrícolas, mas também deve-se
procurar evitar a transformação deste núcleo em chácaras de recreio. Segundo:
cabe buscar viabilizar/incentivar a criação de outras áreas com pequenos e médios
produtores no município, pois o isolamento de um assentamento em meio a grandes
propriedades tem sido relatado pela literatura especializada como prejudicial (a
Prefeitura, através do Conselho de Desenvolvimento Rural, tem discutido uma
proposta com esse teor, elaborada pelos docentes da área de economia/sociologia
rural da Unesp de Ilha Solteira).
Embora as várias estratégias individuais diferenciadas de produção e
comercialização tenham significado uma melhoria da renda do produtor, nota-se um
certo saturamento deste mercado, considerando o núcleo urbano de Ilha Solteira. A
ampliação destas alternativas dependeria do sucesso de ações da Prefeitura e de
outros órgãos que têm, por exemplo, buscado incrementar o turismo.
Todas as iniciativas propostas não devem visar, em um primeiro momento,
prejudicar as estratégias individuais desenvolvidas pelos produtores, seja na
produção ou comercialização, mas buscar novas alternativas para aqueles
produtores e/ou aquelas atividades que estão sem perspectivas. Se, eventualmente,
AA#
uma estratégia individual começar a prejudicar a articulação de um grupo, isto deve
ser tratado, resolvido em favor do grupo. Quanto às atividades de intermediação de
membros da diretoria, os produtores devem observar apenas se não uso da infra-
estrutura da Associação ou da influência do cargo para cercear outras alternativas
que estejam em construção.
29
Os diagnósticos realizados indicaram que diversos obstáculos a serem
superados para que os produtores do Cinturão Verde aumentem a
produção/produtividade de seus lotes e melhorem suas condições de vida. Estas
barreiras estão relacionadas ao baixo nível de renda das atividades empreendidas
(tamanho do lote/tipo de atividade desenvolvida); à dificuldade de comercialização; à
reduzida cooperação existente entre os produtores; à faixa etária da mão-de-obra
disponível para as atividades agropecuárias; à relativa dispersão de esforços das
entidades/grupos envolvidos com algum trabalho no Cinturão Verde; tudo isso,
dentro de uma conjuntura de recuo das políticas blicas de caráter social, com o
governo diminuindo os subsídios como no caso do PROCERA - e apostando na
livre competição como forma de melhoria da eficiência dos agentes econômicos.
A avaliação dos resultados da pesquisa permitiu sugerir que as ações devem
ser direcionadas em um primeiro momento para a articulação dos trabalhos/projetos
visando enfrentar tanto os obstáculos externos, como a pressão da especulação
imobiliária para que o Cinturão Verde se torne um loteamento de chácaras de
recreio, a escassez de financiamento e as dificuldades de comercialização, como os
fatores internos, representados pela reduzida cooperação e autoconfiança, e pela
prevalência dos interesses individuais, em alguns casos, prejudicando os anseios
coletivos e/ou grupais.
O estudo mostrou que há, também, uma enorme diversidade de atividades
que estão sendo desenvolvidas no Cinturão Verde, sendo necessário redefinir quais
atividades devem ser permitidas, quais devem ser incentivadas e aquelas que
 
29
A intermediação nem sempre é negativa, pois se os produtores não podem ou o querem comercializar
diretamente com os consumidores, o intermediário (produtor ou não) constitui-se em um canal de
comercialização. No caso do leite, por ex., os produtores intermediários pagam um valor maior que os
laticínios. Se houvesse um intermediário que comprasse as frutas que os produtores não estão conseguindo
vender, também seria uma renda adicional.
AAC
devem ser vedadas aos produtores desta área, considerando os objetivos atuais do
projeto. Esta decisão, evidentemente, deve ter a participação dos produtores.
Medidas adicionais como a criação de outras áreas com predominância de
pequenos e médios produtores, embora possam ter um efeito inicial de acirrar a
competição no mercado local, pode abrir novas perspectivas de comercialização
com outros centros, em função do crescimento das quantidades produzidas.
Nos últimos anos, especialmente após os produtores terem recebido a
titulação definitiva da propriedade, intensificou-se no Cinturão Verde de Ilha Solteira,
o desmembramento dos lotes. As famílias que ali moram estão dividindo as áreas
entre seus membros e outras estão se desfazendo dos lotes, vendendo parte deles
ou a totalidade, resultando na modificação das áreas originais das propriedades. Em
2003, a Prefeitura abriu licitação para concessão de lotes que se encontravam
desocupados e de outros que mesmo tendo produtores na área ainda não estavam
com situação cadastral regular (como se tratava de licitação pública, outras pessoas
podiam apresentar projeto de exploração da área).
A disponibilidade de irrigação representa um importante fator dentro da escala
produtiva, uma vez que trata-se de um mecanismo que possibilita maior agregação
de valor ao produto, propiciando uma renda maior e mais estável aos produtores,
além de uma exploração mais intensiva da terra (HERNANDEZ et al, 2000, p.01). O
fornecimento da irrigação para essa área foi de caráter social, ou seja, no momento
da implantação dos lotes, os técnicos da CESP levaram em consideração os
benefícios (qualidade da produção e aumento da renda) que tal prática traria para os
trabalhadores assentados. Além disso, a distribuição de chuvas, as alternativas
de explorações limitadas e o desequilíbrio na utilização de mão-de-obra ao longo do
ano, os estimularam a proporem que pelo menos uma parte da área assentada fosse
irrigada.
Segundo dados fornecidos pela Casa da Agricultura de Ilha Solteira, a
reestruturação dos lotes da área irrigada ocorreu a partir de 1994, com o objetivo de
se oferecer oportunidade para mais famílias serem assentadas. Dos 14 lotes
originais com área de 2,5 ha, originaram-se 25 lotes, sendo a maioria com área de
0,8 ha.
AAD
No início da pesquisa, dos 25 lotes irrigados, seis eram cultivados com
hortaliças em ambiente protegido, porém, no decorrer da pesquisa metade desses
produtores desistiu da atividade sendo as razões as mais diversas possíveis, entre
elas pode-se destacar, fortes ventos que destruíram várias estufas (são muitas as
dificuldades para novos investimentos), abertura de processos de licitação (questão
que já há algum tempo vinha sendo discutida pelo poder público municipal), os
produtores ficavam com receio de realizar novos investimentos e não terem o seu
projeto aprovado para a renovação do contrato de concessão do uso da terra. Outro
fator considerado limitante para a atividade foi o conjunto de dificuldades
relacionadas à comercialização da produção, principalmente no período de safra.
Atualmente, apenas três famílias apresentam-se na atividade, produzindo
hortaliças diversas, com qualidade o ano todo. As mais significativas são: alface,
cheiro verde, (salsinha, cebolinha e coentro) almeirão e rúcula, na época de verão,
sendo no inverno acrescidas de couve-flor e couve-brócolos. Os outros lotes
destinam-se principalmente ao cultivo de frutíferas: coco verde, uva de mesa
Niagara e, mais recentemente, o projeto da produção de caju anão precoce (in
natura e para processamento da castanha por uma empresa da região de
Mirandópolis), além de outras frutíferas, da pupunha e do feijão.
Do total de lotes (25), existem seis nos quais as famílias foram originalmente
assentadas pela CESP; essas famílias possuíam o contrato de sua propriedade,
não havendo, portanto, a necessidade de passarem por processo de licitação. Os 19
lotes restantes pertencentes à prefeitura municipal apresentavam-se ocupados de
forma lícita ou ilícita, ou seja, existiam famílias produzindo de forma intensiva e
outras que ocuparam o lote de forma ilegal e não estavam produzindo. Além disso,
existiam lotes que estavam abandonados. Esta questão foi considerada de forma
definitiva pelo poder público municipal, que em 2003 realizou o processo de licitação
para esses 19 lotes.
Os produtores rurais interessados em participar dos processos de licitação,
assim como os produtores que ocupavam os lotes, tinham que apresentar um
projeto que comprovasse a viabilidade das atividades propostas, além de outros
requisitos. Alguns produtores familiares ocupantes dos lotes pertencentes à
AA%
prefeitura, que moravam e produziam diversas culturas, viveram um período muito
difícil com a angústia e preocupação de virem a perder tudo o que tinham, por
competirem com algum outro projeto que pudesse ser julgado melhor pelos técnicos
responsáveis pelo processo.
O resultado final do processo foi considerado, no entanto, satisfatório. Os
produtores familiares que ocupavam os lotes de forma racional, isto é, produzindo
para o seu sustento e/ou para o mercado, tiveram seus projetos aprovados e outros
novos agricultores foram contemplados, com aprovação de seus projetos de
ocupação.
A situação das famílias é desigual, com vários lotes apresentando uma
produção incipiente, mas no conjunto das propriedades do Cinturão Verde são
produzidos grãos, hortaliças, frutas, leite e também pequenas criações. A
produção em parte é para subsistência, e em parte vendida na cidade. Alguns
produtores têm diversificado sua produção, tendo sido introduzidas recentemente
algumas culturas como a uva, o caju, o quiabo e a pupunha (esta última
apresentando dificuldade de comercialização - um problema constatado em
propostas de diversificação anteriores) (SOUZA, 2004, pág 1).
Atualmente, decorridos 20 anos do início do projeto Cinturão Verde de Ilha
Solteira, a área encontra-se dividida em 77 lotes de sequeiro e 25 lotes irrigados,
sendo a área total de 549,23 ha, composta por 514,07 ha de sequeiro e 35,16 ha de
lotes irrigados. (BORGES, 2004, pág. 5).
Os 25 produtores dos lotes irrigados são considerados Concessionários da
terra, isto é, possuem a concessão para o uso da terra (Contrato de Concessão
Onerosa de Uso de um bem Imóvel Municipal de Ilha Solteira) por 10 anos.
Considerando o número de projetos aprovados com produção de hortaliças, a
tendência é de que haja aumento da participação de produtores na atividade.
Percebe-se que esta foi a forma que o poder público municipal engendrou para
tentar conferir aos lotes irrigados uma característica de lotes propriamente
econômicos, na perspectiva em que foram concebidos por ocasião da implantação
do projeto e de acordo com as recomendações expressas nos relatórios do IPT
(1985).
AA8
3.4 O Projeto Roças Familiares:
Com um enfoque em que a condicionante social assume vital importância, a
Diretoria Administrativa da CESP decidiu implantar um projeto de roças familiares
em Ilha Solteira, mediante o parcelamento de terras de sua propriedade que se
encontravam sem uso definido. Esse plano é complementar ao Projeto Cinturão
Verde e os lotes destinam-se exclusivamente a agricultores profissionais sem-terra,
cuja exploração visa unicamente o sustento familiar, desenvolvendo cultivos
diversos, atendendo-se às restrições estabelecidas para agricultura sob linhas de
transmissão.
Para a exploração dessas terras, foram selecionados candidatos, que
ocuparam a área do Cinturão Verde até fins de março de 1984 e que incluem
funcionários da CESP, empregados de empreiteiras que prestaram serviços à
empresa e mesmo trabalhadores de outros setores, como indústria, comércio,
repartições públicas. “A propósito, vale salientar que são pontos favoráveis no
processo de seleção, além da condição de desempregado ou de empregado de
baixa renda, o cumprimento do compromisso assumido de desocupação da área até
30 de março passado” (Ilha Solteira Boletim Informativo Ano I, no. 3, agosto /
1984, pág. 3).
O Projeto Roças Familiares foi implantado em duas áreas: a primeira, com
cerca de 70 hectares, situada entre os fundos do Laboratório Central de Engenharia
Civil e o rio Paraná, sendo delimitada, de um lado, pela estrada de acesso ao
matadouro e, do outro, pela estrada que acesso ao Centro de Treinamento; a
outra, com aproximadamente 10 hectares, está localizada na margem da estrada
asfaltada que leva à barragem, mais precisamente entre a rotatória frontal à entrada
da Barragem e o antigo Posto de Fiscalização Animal e Vegetal (mapa na pág. 118).
No que diz respeito à seleção dos 400 (quatrocentos) candidatos inscritos que
seriam beneficiados com áreas para cultivo de subsistência neste projeto, a
Comissão estabeleceu, para enquadramento dos ex-ocupantes da área do Cinturão,
o critério de renda “per capita” na família do candidato, adotando um teto máximo de
AAG
Cr$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil cruzeiros), quantia esta equivalente a 78,78 %
do salário mínimo vigente à época de aplicação do questionário. O critério adotado
buscou enfatizar o aspecto social, convergido a uma adequada atenção aos
detentores de baixa renda, chefes de família, com força-de-trabalho acima de 01
equivalente-homem.
Do universo de 517 ex-ocupantes inscritos foram classificados 379, assim
distribuídos:
Desempregados urbanos: 106 (27,9%)
Empregados CESP: 44 (11,6%)
Empregados diversos: 14 (3,7%) (não especificando a que setores pertencem)
Empregados das Empreiteiras: 184 (48,5%)
Aposentados: 29 (7,6%)
Autônomos: 02 (0,5%)
Total: 379
Para se preencher o restante dos lotes desse Projeto, a Comissão resolveu
destiná-los aos desempregados urbanos inscritos, não-ocupantes, tendo como
principal critério o atendimento ao aspecto social, num total de 21 candidatos.
Com relação aos números acima chama a atenção o fato de praticamente
metade dos selecionados serem empregados das empreiteiras, o que, ao lado dos
desempregados urbanos, totalizam três quartos do total de agricultores das roças
familiares. Os dados existentes, entretanto, não permitem saber detalhes sobre
estas informações numéricas.
Apesar de terem sido selecionados 400 candidatos, a planta do Projeto Roças
Familiares, talvez exatamente pelo fato de ser destinado à população de baixa renda
do Núcleo Urbano, previu a demarcação de um total de 510 lotes, dos quais 477
agricultáveis, com área de 2500 m
2
cada, situados em área não propícia ao cultivo
de culturas perenes e não permitindo a implantação de construções, inclusive
moradia, de acordo com o próprio Termo de Compromisso que o beneficiado deveria
assinar.
AA9
O número de 90 lotes agrícolas de uma área de 1100 ha viáveis
econômica e tecnicamente é capaz de absorver apenas uma
pequena parte dos candidatos que se propõem a explorar a
agricultura em toda a cidade. Para equacionar o problema dos
excedentes de baixa renda, está sendo elaborado um projeto de
roças familiares e hortas comunitárias, que não procurar dar uma
independência econômica para aqueles que se dedicam a esta
atividade, mas propiciar uma melhoria das condições de vida, uma
complementação de recursos alimentares e de salários insuficientes.
(Ilha Solteira – Boletim Informativo – Ano I, no. 2, julho de 1984, pág.
4. Instalada Comissão de Seleção do Cinturão Verde)
A Associação das Roças Familiares recebeu em dezembro de 2004, uma
patrulha agrícola, por intermédio do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP),
como revelam as fotos a seguir:
Foto 3: Vista parcial dos implementos, carreta e trator recebidos pela Associação das Roças
Familiares em dezembro de 2004.
AAJ
Foto 4: Placa comemorativa à inauguração da Sede da Associação do Projeto Roças
Familiares, construída pela Administração Municipal de Ilha Solteira, em outubro de
2003.
Foto 5: Agricultores presentes à cerimônia de entrega da patrulha agrícola à Associação do
Projeto Roças Familiares, realizada em dezembro de 2004.
A#$
A#A
4: A ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES DO PROJETO
CINTURÃO VERDE DE ILHA SOLTEIRA
Introdução
Pensada para ser a instituição representativa dos agricultores assentados no
Projeto Cinturão Verde e ao mesmo tempo ferramenta habilitada para a captação de
recursos externos, mediadora dos interesses desta nova coletividade a Associação
passa por distintos momentos, revelando crises e suas superações que, analisadas
à luz do binômio autonomia-dependência revelam sua natureza e principais
características ao longo de quase duas décadas de existência.
4.1 A Proposta de Organização Coletiva
Com a implantação do Projeto Cinturão Verde e com a distribuição dos lotes
aos titulares e suas famílias
30
, a Cesp constituiu uma equipe para os trabalhos de
assistência técnica, orientação e apoio aos agricultores do projeto, composta pelos
técnicos agrícolas Antonio Luiz Rodrigues (Pepe), Milton Nascimento e Nei de
Oliveira Mendonça.
Em maio de 1986, incorpora-se à Equipe Técnica, a assistente social Neuza
Araujo da Silva Lima, uma personagem importante no processo que resultou na
criação da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha
Solteira. Neuza foi contratada pela FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do
Menor - e através de um convênio existente entre a CESP, a FEBEM e a Secretaria
de Promoção Social do Estado de São Paulo, foi cedida para a CESP. Na época, o
atendimento às demandas de caráter social da comunidade do Cinturão Verde,
 
C$
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A##
assim como da população do núcleo urbano como um todo, eram de
responsabilidade da Prefeitura Municipal de Pereira Barreto, por meio da assistente
social Roseli Cubo, que trabalhava em Ilha Solteira.
A contratação de uma assistente social especificamente para o projeto de
assentamento, além de contribuir para a contemplação das especificidades desta
população, teve como principal propósito o de promover a organização social dos
agricultores.
Esta intenção por parte da Cesp estava bem definida, até porque, naquela
época existiam quatro projetos da mesma natureza, acontecendo em áreas de
responsabilidade da empresa: o Projeto de Reassentamento Agrícola de Lagoa São
Paulo, localizado nos municípios de Presidente Epitácio e Caiuá, o Projeto de
Reassentamento Agrícola Emergencial de Jupiá, em Castilho - a cerca de 50 km de
Ilha Solteira; o Projeto de Reassentamento Agrícola de Rosana Gleba Rosanela; e
o Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira. A coordenação da Cesp objetivava,
portanto, a organização social dos agricultores, através da criação de associações
em cada um desses projetos.
A assistente social Marli de Oliveira, contratada para trabalhar no Projeto de
Jupiá, assim como Neuza, foi contratada em 1986 através do convênio da Secretaria
de Promoção Social, FEBEM e CESP, passando pelo mesmo processo seletivo.
Quando Marli começou a trabalhar em Jupiá, a Associação daquele projeto de
reassentamento existia, uma vez que aquele projeto antecedeu o de Ilha Solteira
em mais de um ano. Seu depoimento revela a preocupação da Cesp com a
constituição de organizações formais naquele projeto.
Nós fomos contratadas com este compromisso de promover a
organização social da comunidade. havia em Jupiá, duas
assistentes sociais que trabalhavam com o pessoal de Jupiá, a
Sineire (Aparecida Buzachero Ferreira) e a Eni Brandão, que a
Cesp queria ter uma ação maior dela mesmo dentro do projeto. Foi
dito que nós trabalharíamos com a população e com as
organizações deles. (Marli de Oliveira, março / 2005)
A#C
Apesar da determinação da empresa de que a assistente social deveria, como
uma das ações prioritárias, montar uma associação no Cinturão Verde, a assistente
social percebeu
que o pessoal do Cinturão Verde ainda estava muito cru, muito
pouco amadurecido enquanto grupo, havendo a necessidade de
realizar uma sensibilização do grupo. Afinal isto tinha que surgir a
partir de uma necessidade. Então começamos a cadastrar todos os
moradores e a trabalhar com pequenos grupos. (Neuza A. Silva,
assistente social, março / 2005)
4.2 O Processo de Grupalização da Comunidade:
Diante dessa dificuldade inicial, optou-se por uma estratégia intermediária: o
agrupamento por vizinhança. A área do Cinturão Verde foi dividida em sub-áreas
menores, de modo a permitir a formação de seis grupos com cerca de 15 lotes cada.
Assim, os grupos foram montados pelo critério de localização geográfica, pela sua
distribuição no território. Cabe destacar que os assentados o tinham, antes de
virem para o Cinturão Verde, uma necessária relação de proximidade entre si, pelo
fato de terem vindo de diferentes locais do município de Pereira Barreto.
Mesmo no começo a gente não colocava a questão da associação.
Nós começamos levantando a problemática que havia em relação à
venda dos produtos. Os agricultores estavam no final da segunda
safra e a comercialização era um dos pontos de estrangulamento
sentido pela comunidade. A presença de atravessadores,
intermediários fazia com que eles sentissem no bolso que
estavam sendo prejudicados. Assim, a proposta que a gente colocou
foi de construir com eles a idéia de associação, bem mesmo na linha
construtivista, pensando primeiro o que era necessidade do grupo
para depois então pensar o que fazer para resolver estes
problemas. (Neuza A. Silva, março / 2005)
A#D
A opção de trabalhar segmentando os agricultores em grupos, que os
técnicos denominavam de ‘grupalização’ da comunidade, foi uma estratégia que
visava também a atender os interesses dos técnicos que cuidavam das questões de
agricultura. Aqueles profissionais perceberam que a discussão em pequenos grupos
tornava-se mais produtiva para detectar, por exemplo, as razões da falta de
planejamento diversificado da produção
31
, possibilitando a discussão e reflexão das
razões da superprodução ofertada, bem como sobre outras formas de
aproveitamento desta produção como seu processamento com agregação de valor.
A estratégia de amadurecer os assentados, através da realização de reuniões
nos pequenos grupos foi várias vezes questionada, segundo a assistente social, nas
reuniões de coordenação dos projetos de assentamento e reassentamento da Cesp,
realizadas em Ilha Solteira, sobretudo a partir da argumentação de que todos os
outros projetos já estavam com associações formadas e em pleno funcionamento.
Ainda na visão desta importante agente, a forma como em Jupiá, por exemplo,
montou-se a associação foi totalmente oposta à forma como o processo de
organização da comunidade estava sendo concebido e planejado em Ilha Solteira.
Ali, segundo seu relato, o modelo adotado de constituição da associação fez com
que o processo decisório ficasse reduzido à diretoria, não tendo demorado muito
tempo para gerar questionamentos por parte da comunidade assentada e, por
conseguinte, problemas futuros que tiveram que ser trabalhados pelas colegas
assistentes sociais que ali atuaram, justamente em função de não ter havido “um
processo de amadurecimento da idéia de associação”.
Neuza complementa este pensamento, afirmando que
No nosso caso nós estávamos direcionando para a criação de uma
associação, mas, em nenhum momento impondo. O pessoal do
Cinturão Verde levou um tempo para amadurecer. Tinha grupo
[dentre os seis grupos] que pegava esta idéia dizendo ‘olha, se a
gente tivesse uma associação’, ‘se a gente tivesse um grupo
 
31
Que pode ser ilustrado com casos, não raros, de produção de grande quantidade de apenas um produto,
inclusive na área dos lotes irrigados.
A#%
formado’, o que era uma sinalização [no sentido] de uma forma
grupal de atuação. (Neuza A. Silva, março / 2005)
Uma outra comparação entre as diferenças ocorridas no processo de criação
da Associação em Ilha Solteira, em comparação com Jupiá foi revelado pela
assistente social Marli de Oliveira:
Em Ilha Solteira aconteceram as discussões nos vários grupos, a
discussão do estatuto, a discussão dos objetivos da associação. Os
grandes temas ou problemas em Ilha Solteira eram a falta de água
nos lotes de sequeiro, a necessidade de eletrificação, obtenção de
máquinas e equipamentos, a questão da fertilidade dos solos. Em
Jupiá como o projeto era emergencial
32
, o que significa que eles,
naquele momento, ainda não tinham a área definitiva, a demarcação
definitiva de seus lotes, era um reassentamento, diferente do de
Ilha Solteira que era um assentamento. Então, era tudo muito
provisório, as moradias eram provisórias. Assim, a grande discussão
era essa: a habitação, a questão da terra definitiva, a eletrificação
também, porque uma coisa puxa a outra, né. Tanto é que depois,
quanto à demarcação definitiva dos lotes, houve toda uma
remarcação da área, incorporando mais uma área próxima ao
aeroporto
33
para contemplar esta demanda do pessoal. (Marli de
Oliveira, março / 2005)
As necessidades concretas manifestadas pelos entrevistados, referindo-se
aos motivos de criarem uma associação são várias. Mas a necessidade de terem o
seu próprio caminhão era um dos mais fortes motivos apresentados. Isto era
verbalizado em expressões como: ‘se nós tivéssemos um transporte que não
 
32
O Projeto Agrícola de Reassentamento Emergencial de Jupiá surgiu a partir das enchentes provocadas pelas
intensas chuvas do verão de 1983 que inundaram as ilhas e as margens do rio Paraná, impactando a população de
ribeirinhos e ilhéus que viviam a montante da barragem de Jupiá. Para atendê-los em caráter de urgência, a Cesp
instalou-os em terras do lado paulista, no município de Castilho, em lotes emergenciais, isto é, não definitivos,
os quais foram depois ampliados de modo a contemplar todos os impactados.
33
Marli refere-se ao Aeroporto Ernesto Pichler, localizado na margem esquerda do Rio Paraná, próximo à
barragem de Jupiá.
A#8
precisasse mais da presença do intermediário para levar nossa produção pro
CEASA, mesmo que a gente também mande pra lá, nosso lucro seria 100%’.
Os depoimentos revelam que havia intermediários de diversos lugares, que
atuavam de maneira individual, isto é, procurando um a um os produtores rurais. A
falta de organização dos produtores neste momento, revelava-se tanto em aspectos
diretamente ligados à produção como também na comercialização, constatando-se
que o era o agricultor do Cinturão Verde que vendia na ponta do circuito
comercial - mesmo na feira de Ilha Solteira - e sim que sua produção era
comercializada por outros agentes econômicos.
Foi necessário um período de três a quatro meses até que o conjunto dos
agricultores tivesse amadurecido, no sentido de perceber a necessidade de se
fortalecer através da organização coletiva. E isto foi feito, de acordo com os relatos
dos depoentes, através da realização de diversas reuniões nos grupos menores.
Eu lembro que a gente trabalhou muito pra fazer a associação.
Tinha vez que a gente ficava de 4 a 5 dias [seguidos] em reuniões
pra organizar, pra fazer a associação. Quem organizava estas
reuniões eram o Nei e o Pepe, para discutir o jeito, como que ia ser
esta associação. As reuniões aconteciam nos grupos. Tinha o grupo
1, grupo 2, grupo 3, grupo 4, grupo 5 e grupo 6. Aqui é o grupo 6,
então reunia o pessoal de cada grupo, a turminha que tava por
volta e discutia entre nós aqui, depois vinha a turma da Cesp e
pegava junto. As reuniões eram do jeito que eles organizavam, às
vezes era à noite às vezes era de dia. Eles falavam, ‘tal dia vai ter
reunião no grupo 6 e vai ser tal hora.’ Estas reuniões aconteceram
por muito tempo, mais ou menos um ano. Naquele tempo era bão
por causa disto mesmo, nós reuníamos pouca gente e eles punham
mais atenção, né. Aqui tinha mais ou menos umas 10 pessoas, as
mulheres iam também e participavam, os jovens também, ia a
família toda. (A. C. M., agricultor assentado, fevereiro / 2005)
O Milton [um dos integrantes da equipe técnica da Cesp], então ele
pegava e falava assim: “Óia, nós temos que fazer uma associação
A#G
porque enquanto tiver nós da Cesp aqui vai ser fácil nós estarmos
movimentando e vocês irem junto com a gente, mas depois vocês
vão ter que caminhar sozinhos. Porque uma hora nós iremos
embora e vocês vão ficar sozinhos. Então vai ter que ter uma
Associação pra vocês lutarem juntos.” (A. S., agricultor, fevereiro /
2005)
Muitas destas reuniões eram realizadas à noite, de modo a não prejudicar o
horário de trabalho dos agricultores, principalmente no período da safra. As reuniões
começavam às 18:00 horas e dependendo dos assuntos estendiam-se até as 22:00
horas.
Nestes três, quatro meses apareceu bem claro para eles, a força
que o grupo tinha. A gente conseguiu colocar, neste processo de
grupalização, que entre um intermediário puxando a corda e 90
agricultores puxando do outro lado, eles tinham uma força muito
grande. E esta força era representada não pelo individual, mas da
coletividade e daí surgiu então a necessidade de se formar uma
associação. (Neuza A. Silva, março /2005)
Este processo foi lento, porque a elaboração de um estatuto, por exemplo, era
algo novo, tanto para os agricultores como para a própria equipe técnica, com o qual
os diversos atores não estavam familiarizados. Apesar de contarem com um modelo
de estatuto de uma das associações que havia sito criada em um dos demais
projetos da Cesp, havia uma recusa em simplesmente reproduzir ou copiar para a
realidade do Cinturão Verde.
Quanto à elaboração do estatuto, tarefa densa e exaustiva, ainda mais
considerando a baixa escolaridade da maior parte dos assentados e sua não
familiaridade com esta temática, a assistente social detalha este processo,
afirmando que:
A gente discutia capítulo por capítulo, discutia como é que a gente ia
fazer constar no estatuto as coisas que deveriam. E este processo
A#9
demorou quase um ano e meio. Foi longo, porque no fechamento de
cada capítulo os grupos [portanto, o conjunto dos agricultores] iam
para uma assembléia, em que a gente lia o que estabelecia, discutia
os pontos que não tinham consenso e resolvia como ia ficar na
assembléia. E como eles não tinham uma convivência [prévia] de
grupo, eles não tinham vivência grupal eles tiveram que aprender.
Então ocorriam as assembléias, [nas quais] as idéias divergiam.
(Neuza A. Silva, março / 2005)
Ainda é bastante expressiva, no Cinturão Verde, a presença dos agricultores
que estão lá desde a sua implantação. E a constatação de que estas reuniões eram
freqüentes e congregavam uma grande quantidade de participantes é corroborada
por todos. Além disso, eram momentos em que compareciam, também, os demais
membros da família, as mulheres e os filhos. Para a assistente social, este foi um
dos fatores que demonstram um aspecto que diferencia esta Associação de outras
formadas de forma diferente.
É por isto que eu digo, ela [a associação] só funcionou porque eles
estavam discutindo, participando, sugerindo, dando idéias. Porque
se ela [a associação] tivesse sido colocada “goela abaixo” eles não
iriam [às assembléias e às reuniões dos grupos]. Nestas
assembléias e nas reuniões dos grupos, iam além dos agricultores,
as mulheres e os filhos, a presença dos jovens era muito expressiva.
Porque às vezes o pai não tinha entendimento de um determinado
ponto ou assunto e o filho ajudava o pai a pensar. Então foi uma
coisa assim muito interessante. (Neuza A. Silva, março / 2005)
Em face deste longo período de gestação da associação no Cinturão Verde,
era evidente a ansiedade do pessoal da coordenação dos projetos, ávidos por
resultados concretos e tendo como meta a emancipação dos mesmos, inclusive o
Cinturão Verde de Ilha Solteira. No entanto, a equipe Cesp responsável pelo apoio e
A#J
orientação ao projeto, estava afinada e com plena convicção de que deveria investir
no processo de preparação dos agricultores no que tange a sua organização social.
Como todos os integrantes da equipe técnica participavam das reuniões, havia um
consenso de que dali saíam propostas interessantes. A equipe lidava com esta
tensão entre diferentes ritmos, o ritmo do processo de gestação da organização
coletiva, do amadurecimento do grupo, do surgimento da idéia de associação e o
ritmo colocado pelo cumprimento das determinações, metas e resultados
pretendidos pela empresa.
Como sistemática de acompanhamento das equipes de campo, a
coordenação promovia encontros trimestrais de avaliação e planejamento, algumas
delas realizadas em Presidente Epitácio. Nestas ocasiões, relatavam-se os diversos
aspectos dos projetos, inclusive os relacionados à questão das associações e dos
grupos. Se, de um lado, nestes momentos eram freqüentes as cobranças pela
agilização do processo de constituição da associação, por outro evidenciavam
problemas que estavam ocorrendo onde estas estavam constituídas e em
atividade. Um destes relatos evidenciava que, em uma das associações, a diretoria
estava tomando decisões sem consultar a assembléia dos sócios e isto estava
causando sérios problemas o que mostrava que o processo em desenvolvimento no
Cinturão Verde, confirmava a importância do amadurecimento do grupo e que era
acertada a decisão de passar por este processo.
Olhando pela ótica da Cesp, quando esta anunciava que não ia ficar muito
tempo à frente do Projeto, que seu objetivo era promover a emancipação dos
assentados não apenas os de Ilha Solteira, mas do conjunto de reassentamentos
sob sua responsabilidade a equipe técnica trabalhava a idéia de criação da
associação para dar continuidade aos trabalhos que esta desenvolvia.
A estratégia adotada pela equipe técnica da Cesp, através da estratégia de
grupalização, problematizando a vida no assentamento através da realização de
reuniões freqüentes nos seis grupos formados, contando com a presença de todos
os membros da família, ao mesmo tempo em que gestava a idéia de associação,
originou também a formação de outros grupos, aglutinados com base em critérios de
identificação de gênero e faixa etária, além do reconhecimento e construção de
AC$
interesses e objetivos semelhantes para os diversos segmentos das famílias
assentadas.
4.3 Grupos de Mulheres
Foto 6: Grupo de Mulheres em atividade de pintura em tecido(
Além de estarem contribuindo com a criação de uma associação, mas
entendendo que esta viria a dedicar-se mais fortemente às atividades produtivas e
de comercialização, as mulheres buscaram uma forma de desenvolver atividades
que pudessem melhorar sua qualidade de vida e lhes propiciar alternativas de renda.
Elas queriam fazer trabalhos manuais, artesanato, aproveitamento dos alimentos de
forma saudável, adquirir conhecimentos sobre cuidados com a saúde, etc.. A equipe
técnica procurou concretizar várias destas aspirações, a partir de projetos que
pudessem contribuir para a geração alternativa de renda para os lotes, por meio das
atividades das mulheres. Uma demonstração de alguma destas tentativas é relatada
pela assistente social Neuza, no trecho abaixo:
ACA
Nós levamos representantes de cada um dos seis grupos de
mulheres até a cidade de Dolcinópolis
34
para conhecer um projeto
de elaboração de doces caseiros. Elas conheceram o projeto, se
entusiasmaram muito só que não chegaram a concretizar esta idéia.
A gente não tinha o material, os equipamentos necessários para a
produção e, através da LBA (Legião Brasileira de Assistência) eu
consegui [a aprovação de] um outro projeto. Trouxemos também
alguém da Pastoral da Saúde de Lins para ministrar um curso sobre
cultivo de ervas medicinais e preparação de remédios caseiros e
elas passaram a utilizar isto. No curso foram, inclusive, distribuídas
apostilas sobre estas informações. Algumas dessas mulheres eram
lideranças importantes, que compreendiam e passavam para as
outras. Estes grupos de mulheres tinham sua heterogeneidade,
havendo até mesmo algumas mulheres que por conta da religião
35
,
não participavam muito ativamente. (Neuza A. Silva, março / 2005)
4.4 Grupo de Jovens
Além do grupo de mulheres e de agricultores interessados na criação da
associação, a equipe técnica, desde o início das reuniões, trabalhou com o grupo de
jovens, que era bastante dinâmico, representava uma força expressiva e com
enorme potencial, revelando algumas lideranças que se destacavam, inclusive no
núcleo urbano de Ilha Solteira. A estratégia de fortalecer o grupo dos jovens estava
fundamentada na convicção de que eles, futuramente, poderiam vir a assumir o
lugar dos pais. Por isso, a presença dos jovens nas assembléias era importante para
ajudar os mais velhos na compreensão dos assuntos, até pelo nível de escolaridade
um pouco maior que apresentavam. Outro fator era o entendimento comum de que
 
34
Localizada na região de Jales-SP a cerca de 100 km de Ilha Solteira.
35
A propósito da religião, vale registrar que quando as reuniões aconteciam no sábado, vários agricultores e suas
famílias não compareciam. Este fator, a religião, ou a diversidade de religiões vai se constituir em determinados
momentos da existência do assentamento e da associação em fator desagregador. Na verdade, o problema não
está na diversidade ou sincretismo religioso e sim na dificuldade das pessoas em conviverem e respeitarem as
diferenças religiosas existentes.
AC#
agricultores eram todos os membros da família, o que incluía, além do chefe da
família a mulher e os filhos.
No período que trabalhou em Jupiá e pôde acompanhar os trabalhos de Ilha
Solteira, Marli de Oliveira revela como era importante o trabalho com os jovens,
ressaltando que “através das associações a gente promovia um intercâmbio na área
recreativa e para discussão de problemas dos projetos.” Com o apoio das
instituições presentes na chamada área de influência do assentamento, foi possível
promover, no ano de 1987, um encontro de representantes de todos os jovens dos
assentamentos implantados pela Cesp na região, realizado em Presidente Epitácio.
Este teve como ponto alto a realização de um campeonato de futebol.
O grupo de jovens do Cinturão Verde tinha basicamente dois eixos de
atuação: o aspecto religioso e o de lazer, com ênfase para o futebol e para a
realização de festas no Barracão do Projeto
36
. Além do processo de “grupalização”
promovido pela equipe técnica da Cesp, o grupo de jovens também contava com
parte de seus integrantes participando da Pastoral da Juventude da igreja católica,
responsável pela discussão de temas políticos da atualidade, como a questão da
democracia, da abertura política, da questão agrária - o que acabou contribuindo
para uma integração entre os jovens do Cinturão Verde e os do Núcleo Urbano.
Segundo relatos de alguns de seus integrantes, o grupo de jovens do Cinturão
Verde reuniu mais de quarenta pessoas do projeto. Quando o grupo ia participar de
algum torneio de futebol fora da cidade, seus integrantes se mobilizavam e
pleiteavam o transporte junto à Prefeitura Municipal de Pereira Barreto ou à
Administração do Núcleo Urbano, não sendo raras as vezes em que foram
necessários dois ônibus, de modo a comportar os times e todo o pessoal que
acompanhava o grupo, inclusive meninas.
Quanto à questão da produção agrícola propriamente dita, houve uma
experiência que o grupo de jovens efetuou na área irrigada, através de um projeto
de produção de melão, relativamente bem sucedida. Durante o período de 1987 a
1991, todo final de semana acontecia alguma atividade do grupo. Já existia o espaço
 
36
O termo Barracão é usado até hoje pelos moradores do projeto, de todas as faixas etárias. Trata-se de parte da
estrutura construída e instalada pela Cesp, planejada para ser uma área de uso coletivo ou comunitário e que
passou a ser parte da sede da Associação.
ACC
destinado para o campo de futebol naquela época, embora ele tenha sido
construído como tal em 1993, momento em que Ilha Solteira se tornara município,
momento que, paradoxalmente, coincide com o da dispersão do grupo de jovens.
Aparentemente, a matriz que faz surgir os grupos de mulheres, o grupo de
jovens e a própria associação no seio do Cinturão Verde é a mesma. No entanto,
algumas peculiaridades podem se percebidas mostrando as especificidades de cada
grupo. No grupo de jovens, o reconhecimento hoje, por parte de alguns de seus
integrantes da década de 1990, de que poderia ter havido uma ação sinérgica entre
eles e a própria associação, o que talvez fortaleceria as ações e objetivos de ambos,
como se pode ler no depoimento a seguir:
Numa coisa a gente, nós do grupo de jovens, pecávamos muito. A
gente não tinha muito contato com a Associação. Era o grupo de
jovens aqui e a Associação lá. Nos últimos anos de nosso grupo, a
associação estava formada. As festas que a gente fazia, a gente
usava o espaço da associação, a sede, o barracão mas a gente não
tinha esse contato, até por conta de alguns presidentes que
acabaram desmotivando o grupo. O grupo de jovens era
praticamente da igreja católica e, por conta disso, entraram algumas
pessoas [na diretoria da Associação] de outras religiões e acabaram
abafando aquela coisa das festas. (V. S, agricultor, fevereiro /2005)
4.5 Mutirões
Entendido como um processo de sensibilização e mobilização de vontades e
de forças na busca da consecução de objetivos comuns, o processo de discussões
nos pequenos grupos produziu também a manifestação de experiências muito
valiosas, neste período que precede a criação da associação: os mutirões. Vários
depoimentos revelam que a prática de mutirões era relativamente comum no
momento de implantação do projeto e nos primeiros anos de existência desta
coletividade - e que esta prática era estimulada pela equipe técnica da Cesp. Um
ACD
destes mutirões ilustrado na foto 11 era realizado para construir a casa de alguém
que estava morando numa situação muito precária, em barracos feitos de sucata.
Foto 7: Casa construída em sistema de mutirão pelos participantes de um dos sub-grupos
formados em 1986/87, com material recebido da Cesp.
Fonte: Arquivo Neuza A. Silva Lima
Foto 8: Mulheres preparando o almoço comunitário para o grupo que trabalha na construção
da casa mostrada na foto anterior. Fonte: Arquivo Neuza A. Silva Lima
AC%
Afinal, diferentemente dos diversos projetos de reassentamento
empreendidos pela Cesp, em que a empresa se responsabilizava pela entrega de
uma casa no lote do reassentado, no Cinturão Verde isto não ocorreu. Além disso,
as pessoas selecionadas entraram nos lotes com diferentes disponibilidades de
recursos materiais e financeiros, com distintos níveis de capitalização.
Uma mescla de fatores, como a ação mediadora dos técnicos da Cesp
fazendo gestões junto a outros setores da própria empresa, aliada ao paternalismo
da Cesp
37
, possibilitava que materiais de construção fossem doados aos lotes do
Cinturão Verde. Na verdade eram, não raras vezes, doadas madeiras em ótimo
estado, tábuas inteiras e devidamente aparelhadas - como revelam as fotos. O
mutirão consistia no trabalho dos homens envolvidos nesta construção e as
mulheres preparando o almoço comunitário (foto 12).
Os relatos dos que participavam destes momentos demonstram que eles
ficavam ansiosos para se encontrar de novo. Outra experiência de trabalho coletivo
direcionado para a melhoria das condições das habitações foi a de construção, com
tijolos de solo-cimento, experiência que contou com o envolvimento de docentes da
Unesp, do curso de engenharia civil e com estagiários do curso de agronomia.
No começo, até uns três, quatro anos do projeto era uma benção,
era um povo que se gostava, gostava um do outro, era um povo
unido, havia mutirão, ajudava o outro a plantar, a fazer uma colheita,
se um tinha (produzido) um arroz primeiro dava pro outro, repartia
um insumo que sobrava como semente que alguém tinha comprado
para um plantio. E esta comunidade ficou se conhecendo aqui no
projeto. A gente fazia aquelas festinhas lá, aqueles binguinhos, fazia
muita coisa pra arrecadar dinheiro e todo mundo ia ajudar. Ia de
mamando a caducando
38
(A. S. M., agricultora, março / 2005)
 
37
Em Ilha Solteira, ainda é comum até hoje referir-se aos tempos da Administração Especial de Ilha Solteira, sob
responsabilidade da empresa, como a época da mãe CESP, numa nítida e clara alusão ao seu caráter paternalista.
(apesar de parecer haver uma contradição nos termos: paternalismo - mãe Cesp).
38
Expressão popular bastante usada pelas pessoas do campo, para significar a inclusão de todos os membros da
família e da comunidade, desde crianças de colo até os mais idosos.
AC8
Ainda de modo a diferenciar os dois grupos específicos formados, cabe
destacar que, em cada um dos seis grupos que se reuniam para tratar dos diversos
problemas e da criação de uma associação, foi constituído um Grupo de Mulheres
não formalizado, que se unia apenas no espaço das trocas de experiências e
contatos entre os diversos grupos.
com relação ao Grupo de Jovens, este foi apenas um, mesmo que seus
representantes estivessem nas reuniões dos seis grupos. Ou seja, em cada um dos
seis grupos de discussão não foi constituído um pequeno grupo de jovens (como no
caso das mulheres), apesar da equipe técnica também trabalhar com o grupo de
jovens com o objetivo de se montar uma associação. Isto talvez ajude a explicar uma
distância entre os interesses e ações desencadeadas pelos jovens e pelos
agricultores propriamente ditos.
4.6 A criação da Associação
Um ano e meio é o tempo decorrido desde o momento em que a assistente
social passa a integrar a equipe técnica da Cesp (maio de 1986) até a assembléia
de constituição da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde
de Ilha Solteira, ocorrida em 21 de novembro de 1987, no Barracão da área
comunitária do Projeto futura sede da Associação. No entanto, esta assembléia
havia sido preparada pelos agricultores e equipe técnica da Cesp, numa pré-
assembléia, realizada em uma das salas de aulas do prédio central da UNESP de
Ilha Solteira, dias antes, onde foi montada, de forma participativa, a chapa única que
participaria do processo de eleição.
Segundo um dos agricultores entrevistados, que por sinal viria a ocupar um
cargo diretivo em um mandato futuro da Associação, os técnicos da Cesp
“explicaram que nesta eleição não vai poder ter duas chapas porque vocês ainda
estão no começo e aí foram falando os nomes e os cargos”.
À primeira vista este relato parece denotar uma prática autoritária. No entanto,
o depoente esclareceu que os nomes sugeridos eram submetidos a um referendo da
plenária, do conjunto dos participantes da assembléia. Segundo ele, foram
ACG
apresentados nomes para evitar uma disputa logo na primeira gestão, logo na
criação da organização. A estratégia, segundo os entrevistados pela pesquisa, foi a
melhor forma de escolha naquele momento.
O primeiro presidente eleito era alguém que ocupava, na época, uma posição
de liderança no Projeto, por participar como representante do assentamento nas
reuniões do MST
39
, ou seja, quase um delegado desta organização no Cinturão
Verde. Além disso, este presidente era reconhecido como liderança expressiva e
representativa dos agricultores.
A formalização da organização ocorre praticamente
três meses depois da assembléia de constituição, em fevereiro de 1988.
O trabalho dos atores sociais da equipe técnica da Cesp foi importante para
gestar, no seio do Projeto Cinturão Verde, a idéia do associativismo enquanto forma
de organização coletiva, bem como na sua materialização, a Associação dos
Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira - e continuaram a
sê-lo depois da constituição da entidade; muitas oportunidades se abriam em Ilha
Solteira para o Cinturão Verde e para a Associação, a partir desse trabalho dos
técnicos como mediadores de diversos interesses e relações.
Mesmo assim, o investimento na politização, na conscientização dos
agricultores, revelava resultados como quando a assistente social relatou o caso
em que
“os produtores foram falar com o Administrador de Ilha Solteira,
e falaram em nome da Associação. [Naquele momento] deu pra
perceber como este fato teve um impacto diferente do que se
falassem como agricultores, ou cada um individualmente. Até
nisso a gente trabalhava com eles, no sentido do fortalecimento
político do grupo”. (Neuza A. Silva, março / 2005)
Outro aspecto a ser ressaltado era a concepção, dos integrantes da equipe
técnica da Associação de que isso era uma etapa, um degrau rumo a uma
organização percebida pelos mesmos como mais consistente e com maior poder
 
39
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, através da representação sediada na cidade de São Paulo.
AC9
(frente ao mercado, frente aos órgãos públicos, etc), como o depoimento a seguir
ilustra:
E a gente também tinha um sonho de tornar a Associação uma
Cooperativa [pensamento compartilhado por vários agricultores]. A
idéia é que eles entendessem o que era a Associação, formassem a
Associação, trabalhassem e passassem a sentir a necessidade de
formação de uma cooperativa. (Neuza A. Silva, março / 2005)
4.7 Aprendendo o que é uma Associação na Prática
Pouco depois de criada a Associação, a assistente social retornou ao seu
trabalho na instituição de origem, a FEBEM - sub-posto de Andradina, por conta da
não renovação do convênio existente entre aquela instituição, a Cesp e a Secretaria
de Promoção Social do Estado. Com isto, Neuza avaliou como brusca e inesperada
a forma como deixou de trabalhar junto à população do Cinturão Verde, o que
resultou na sensação de perda tanto para si como para os agricultores, para os
grupos e para a própria recém-criada Associação. Seu depoimento é uma mostra da
preocupação com a capacidade de autogestão da associação, de autonomia e do
receio que a falta de sua mediação como técnica social poderia vir a comprometer
os trabalhos até ali desenvolvidos.
A minha preocupação era, quando mudasse esta diretoria e eu não
mais estivesse presente. Não é que eu queira estrelismo, não é isso.
É que eu fazia o contrapeso ali. Tinha conflito, a gente sentava,
resolvia. (Neuza A. Silva, março / 2005)
Mesmo alguém comprometida com o desenvolvimento de um trabalho de
sensibilização, problematização, amadurecimento do grupo, de construção participativa dos
objetivos, não deixa de apresentar um comportamento contraditório que mais se parece com o
de alguém tutelando seus assistidos. Enfim, o depoimento é uma evidência dos limites tênues
ACJ
entre os pólos autonomia e dependência, no caso, tendo como protagonistas os agricultores
familiares do Cinturão Verde de Ilha Solteira e sua organização formal.
O depoimento seguinte, da mesma assistente social, também é revelador
destes aspectos:
Eles não tinham capital, tinham que pagar as mensalidades, aí tinha
a questão do controle destes pagamentos, quer dizer, toda esta
parte burocrática eu fazia com eles, e eu não queria deixar. Na
época foi contratada uma secretária pra ficar na sede. (Neuza A.
Silva, março / 2005)
Por outro lado, da parte dos assentados associados, vários depoimentos
revelam que os mesmos agiam movidos pelo imediatismo, como se as coisas
tivessem que acontecer da noite pro dia. Uma vez formada a associação, já teria que
conseguir o caminhão para a resolução dos problemas de transporte da produção. O
mesmo se aplica ao trator, pois estavam cansados de ficar “pagando hora para
particulares”.
A seguir, pode-se perceber, através de um depoimento exemplar, indicativos
desta relação de dependência entre mediadores e a comunidade, através da
Associação:
O que eu senti muito foi, a retirada dos técnicos pois logo depois
retiraram também os técnicos agrícolas, da área agrícola mais
propriamente – então eles ficaram sem mãe e sem pai. [curioso que
Neuza coloque nessa ordem, perdem primeiro a mãe (Neuza ?) e
depois o pai (técnicos ?)] Porque não adianta dizer que a partir da
nossa saída a prefeitura ia colocar alguém para acompanhar. Não
adianta nem pensar isto porque eu trabalho na Ilha uma vez por
semana, pela FEBEM, e vejo o acúmulo de atividades que o setor
de Promoção e Assistência Social tem. Não tem como atender o
pessoal do Cinturão Verde. Eu acho que foi muito prematura esta
nossa retirada do Cinturão Verde. Na época que eu saí eu fiquei
AD$
preocupada se a Associação sobreviveria. A gente não fez um
trabalho assistencialista nem paternalista, muito pelo contrário, mas
o receio existia. No entanto, ela continuou e continua o que prova
que o trabalho que a gente fez naquela época foi o correto. (Neuza
A. Silva, março /2005)
A assistente social Marli, que trabalhou em Jupiá de 1986 a 1989, passou, a
partir de 1989 a trabalhar com os reassentados do Projeto Emergencial de Três
Irmãos. E revela que era comum a troca de informações e experiências entre as
técnicas da área social e uma técnica da área de saúde, a Natalina
40
- aliás, a única
funcionária que continua na equipe até hoje trabalhando.
Com a Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde
criada, suas demandas junto à Cesp persistiram, como a questão da titulação da
terra, que se prolongou em todos os projetos de responsabilidade da empresa.
Então, através das associações, as técnicas procuravam trabalhar as mais diversas
questões, desde o preparo do solo, até os convênios que se buscava para captação
de recursos, compra de trator, entre tantas outras.
Acho que a grande dificuldade nos projetos, em termos de
associações, era a participação. No caso de Jupiá eles eram
acostumados a viver na beira do rio, viviam isolados, e tinham esta
grande dificuldade de entender o associativismo. (Marli de Oliveira,
março /2005)
Outra assistente social que também atuou junto ao Projeto Cinturão Verde e à
Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira foi
Rosilva Brito Rodrigues, atualmente no Itesp – Fundação Instituto de Terras do
Estado de São Paulo - Grupo Técnico de Campo de Andradina. “Rosi”, como é
conhecida, iniciou sua carreira profissional trabalhando como assistente social na
Empaer Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do Estado de Mato
 
40
A técnica de enfermagem Natalina Conceição Sebastiane Perez, acompanha atualmente dois projetos de
assentamento da Cesp, um localizado no município de Pereira Barreto, denominado Fazenda Nossa Senhora de
Fátima e outro no município de Brasilândia, no Mato Grosso do Sul.
ADA
Grosso do Sul, assumindo no município de Bonito em 1982 e transferindo-se em
1983 para Paranaíba. A partir de 1984 passa a atuar no município de Selvíria
41
,
residindo desde então em Ilha Solteira. Nesta condição, começou a atuar com os
agricultores do Projeto de Reassentamento Populacional de Selvíria, implantado
pela Cesp nos anos de 1987 e 1988. Com base nesta experiência, foi solicitada pela
Cesp para integrar a equipe de trabalho que acompanhava o Projeto Cinturão Verde,
vindo em 1988 para Ilha Solteira, em substituição a Neuza.
Apesar de não ter acompanhado pessoalmente os trabalhos iniciais, reitera
que o trabalho de constituição da associação teve início com a realização das
reuniões dos grupos, os quais culminaram com a formação dos grupos de mulheres
e do grupo de jovens. Dentro da perspectiva de emancipação do projeto, Rosi ficou
responsável, junto com a equipe técnica, pela elaboração de projetos de
desenvolvimento sócio-econômico da comunidade. Tais projetos visavam a dotar o
cinturão de instalações e equipamentos que eram demandados pela população, por
exemplo, a construção de um campo de futebol para o grupo de jovens e campos de
areia para prática de vôlei pelas meninas. Tais projetos eram encaminhados à
Secretaria de Promoção Social do Estado.
A Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde, recebeu
em 1990 recursos do Projeto ARC (Ação Regional Comunitária) por intermédio do
SOS (Serviços de Obras Sociais) de Pereira Barreto, para a contratação de um
agente administrativo que possibilitou o melhor controle das atividades
administrativas da entidade (CESP, 1991, pág. 39). Desta forma, a preocupação que
Neuza manifestara em 1988, por ocasião de sua saída como técnica social junto ao
Projeto, de que havia necessidade de alguém capacitada para os trabalhos
administrativos junto à associação, somente acaba tendo uma solução em 1990.
De acordo com documento de avaliação do Projeto Cinturão Verde, elaborado
em 1991, a situação econômica dos produtores encontrava-se comprometida desde
a safra 1989/90, devido à falta de financiamento de custeio da produção. Os
produtores, bastante descapitalizados, utilizaram recursos próprios, implicando na
não aquisição de sementes selecionadas, não adubação, o que, por sua vez,
 
41
O município de Selvíria situa-se na margem direita do rio Paraná, no lado sulmatogrossense da barragem de
Ilha Solteira e dista cerca de 18 km do centro de Ilha Solteira.
AD#
resultou em uma produtividade aquém da esperada, agravando ainda mais a
descapitalização dos mesmos.
Em 1990, através de um convênio firmado entre a Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde e a LBA Legião Brasileira de Assistência -
adquiriu-se dois tratores usados, com o objetivo de atender a população do projeto.
Entretanto, logo no primeiro ano de sua utilização, apareceram problemas tanto
concernentes à qualidade das máquinas, como ligados à gestão destes recursos
pela própria comunidade, via associação. Isto é discutido no já citado relatório:
Sendo os tratores maquinários antigos, não corresponderam às
expectativas previstas, uma vez que geraram despesas maiores que
sua receita, além dos associados não cumprirem com o
compromisso assumido, frente às normas de utilização dos
maquinários. O resultado obtido foi comprometido em função da
falta de conhecimento técnico por parte dos beneficiários em lidar
com os tratores, além de não apresentarem experiências de
dividirem responsabilidades em grupo. (CESP, 1991, p. 38)
O relato de Alceu Cardoso de Moraes, 74 anos, presidente eleito para o
período de 1990 a 1992, confirma as informações acima:
Na segunda diretoria eu fiquei como presidente. As dificuldades
eram muito grandes porque a gente não tinha maquinário e a
atividade que a gente tinha que fazer era de roça, produzir lavoura,
não podia ter criação de gado, nem pasto, nem nada
42
. Era tudo
roça, era muito trabalhoso, nós tínhamos que lutar para dar conta.
Naquele tempo nós compramos dois tratores velhos. Foi o Pedrão
43
que comprou os tratores com dinheiro que vinha aos pouquinhos do
Estado. Então foi guardando e foi comprando. Estes tratores foram
comprados em Pereira Barreto, eram usados porque também o
 
42
nem culturas perenes, conforme estabelecia o Termo de Compromisso da Concessão Onerosa de Uso das
terras efetuado pela Cesp com os Assentados
43
O presidente anterior, Pedro Alves Silva.
ADC
dinheiro era pouco, eram tratores Valmet, daqueles bem antigos.
(Alceu Cardos de Moraes, ex-presidente da Associação, fevereiro /
2005)
Além de confirmar a avaliação contida no documento da Cesp, o depoimento
acima também permite apreender a forma como um agricultor, no exercício da
presidência de uma associação, decodificava os mecanismos burocráticos da
captação de recursos pelo Estado.
Face às dificuldades enfrentadas neste momento, alguns produtores
buscaram uma alternativa para aumentar sua renda familiar, através da
comercialização dos produtos de fundo de quintal, montando bancas na feira e em
pontos estratégicos da cidade, revelando tratar-se de experiências isoladas e o
coordenadas pela Associação.
Ainda em 1990, a avaliação efetuada pelos técnicos da Cesp apontava que os
grupos existentes na comunidade tiveram fortalecimento através do desenvolvimento
de atividades diversas como: cursos, palestras, visitas, ações recreativas e outras.
“Com estas ações uma parcela da comunidade teve um avanço no que se refere ao
associativismo, trabalho grupal, bem como tomou consciência da sua situação,
enquanto assentado do Projeto Cinturão Verde, surgindo assim uma busca
constante de informações e questionamentos no que se refere ao futuro do Projeto
Cinturão Verde, considerando vencido o “Termo de Compromisso” assinado por eles
na época da implantação do projeto” (CESP, 1991, pág. 37). O termo de
compromisso referido é o que possibilitava aos assentados a cessão onerosa de
uso, pelo prazo de cinco anos, que findara em setembro de 1989
44
.
As atividades como: promover o intercâmbio dos membros da
Associação com entidades similares e promover encontros em datas
comemorativas para apresentação de palestras técnicas, áudio-
 
44
Apesar do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira ter previsto uma forma singular de assentamento, e
estabelecido valores a serem pagos pelos produtores por esta concessão da terra, a CESP, segundo relatos de
técnicos, de assentados e de pessoas da própria Cesp que trabalharam em outras áreas da empresa, não teve
mecanismos legais para efetuar a cobrança e o recebimento de tais valores, de forma que, na realidade, esta
cobrança nunca foi efetuada.
ADD
visual, dia de campo e intercâmbios, etc. deram-se de uma forma
isolada, não alcançando 100% dos objetivos propostos. (CESP,
1991, p. 37)
Apesar de, nas linhas anteriores, o documento ter registrado que para uma
parcela da comunidade houve avanços no sentido da organização grupal, sua
síntese para o conjunto da coletividade revela que “torna-se evidente que a
população necessita de uma atuação intensiva visando o amadurecimento e
[crescimento da] consciência associativista” (CESP, 1991, pág. 37). Talvez, os
setores aludidos tenham sido os grupos de mulheres, que conseguiram cursos de
capacitação em artesanato, trabalhos manuais, cursos de pintura em tecido,
preparação de alimentos, além de noções sobre seus direitos trabalhistas e
aposentadoria rural.
O processo de emancipação política de Ilha Solteira estava então em
andamento, o que acentuava por parte da Cesp sua preocupação quanto à
necessidade de emancipação do próprio Projeto Cinturão Verde. A equipe técnica,
durante o ano de 1990, empreendeu uma série de reuniões com grupos,
assembléias e visitas, abrangendo a população do assentamento, ao cabo das quais
foi possível detectar um conjunto de expectativas a serem resolvidas, a saber:
eletrificação rural; administração da Associação; água encanada nos lotes
abastecidos por caminhão-pipa; documentação da terra; formação de lagoa para
estabilização da água, e as implicações para o projeto da emancipação de Ilha
Solteira.
Conforme revelado pelos entrevistados, quando perguntados sobre os
principais problemas da época que a associação poderia ajudar a resolver, surgem
questões de infra-estrutura, como a necessidade de água e de energia elétrica.
Merece destaque a questão da gestão da associação ser uma expectativa da
comunidade, revelando que esta é uma tarefa que tem que ser aprendida pelos
associados e dirigentes, não a partir exclusivamente da prática, mas, certamente,
com a contribuição de capacitação específica para isto.
O problema da lagoa de estabilização refere-se ao fato de que a mesma seria
como de fato foi instalada em uma área próxima aos lotes e, mesmo tratando-se
AD%
de uma benfeitoria para a cidade, em termos de saneamento básico, não o é
necessariamente para aqueles que se situam na proximidade da mesma, em virtude
dos odores exalados pela mesma.
De acordo com a perspectiva de emancipação da cidade e do projeto e de
modo a fortalecer a organização coletiva do Cinturão Verde, “todos os contatos
mantidos com a comunidade fizeram com que os técnicos ESPA I
45
procurassem
canalizar as questões via Associação, tendo como ponto de partida a
representatividade dessa entidade. Dessas ações conclui-se que a população teve
um sensível avanço que resultou em uma parcela dessa comunidade na resolução
de problemas através da união dos seus companheiros, implicando no
fortalecimento da Associação”. (CESP, 1991: pág. 40)
Em documento preparado pela equipe técnica da Cesp, em 1992, compondo
um Plano de Metas para um próximo período, a ser marcado pela emancipação de
Ilha Solteira que acabara de ocorrer - e também com a ênfase na necessidade de
emancipação do Cinturão Verde - dá-se particular importância à Associação como
instância gestora do próprio assentamento. Em função disto - e conforme havia
sido diagnosticado nas atividades desenvolvidas no ano anterior - foi proposta uma
atividade de Assessoria ao gerenciamento da Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira (CESP. Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira: Plano de Metas. São Paulo; julho/ 1991 – julho / 1992).
O objetivo desta assessoria era o de intensificar e melhorar os benefícios
oferecidos aos associados através do encaminhamento de Projetos específicos para
obtenção de verbas, a serem buscadas em fontes como LBA, PROCERA,
BANESPA, Secretarias de Estado, etc., como também se preconizava que, “através
do crescimento patrimonial e da prestação de serviços, seria dirigida uma atividade
específica de consolidação da experiência comunitária”, sem especificar que
atividade específica seria essa.
A justificativa dessa proposta previa que “com a consolidação estrutural
(patrimonial e conceitual) a Associação estaria apta a assumir a representação
jurídica e administrativa dos associados frente às diversas situações, que venham a
 
45
Sigla que designava o Setor de Acompanhamento e Avaliação do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira
(Cada projeto era acompanhado e avaliado por um ESPA)
AD8
interferir na comunidade, como exemplo o processo de emancipação de Ilha
Solteira”. Tais objetivos e justificativas reforçam o entendimento de que a Cesp
pretendia habilitar a Associação para uma missão de vulto, talvez se incumbindo até
mesmo dos aspectos ligados à questão da titulação e emissão de escrituras dos
lotes aos seus titulares.
A metodologia desta assessoria estabelecia o desenvolvimento das seguintes
atividades: encaminhamento de projetos na busca de recursos; conscientização
comunitária do papel associativista; aprimoramento técnico e psicológico dos
membros dirigentes da Associação; organização de intercâmbios entre associações
congêneres; organização de festas, assembléias, reuniões, etc.; aulio no
gerenciamento contábil e administrativo; abertura de espaço para melhoria do
relacionamento entre a Associação e órgãos públicos e civis de Ilha Solteira e região
(CESP, 1992).
Não registros de que os recursos necessários para tal assessoria tenham
sido conseguidos, o que determinou que a situação de pendências e carências que
se apresentavam em 1991, por ocasião da elaboração deste conjunto de metas,
não apenas persistisse como, na verdade, se acentuasse ainda mais. As três
gestões seguintes foram marcadas por dificuldades de diversas naturezas, sem
dúvida, oriundas da não solução dos problemas acima detectados.
O Grupo de Mulheres do Projeto Cinturão Verde, surgido no início do
processo de problematização em pequenos grupos, ainda em agosto de 1986,
empreendeu várias ações com vistas à autopromoção das mulheres enquanto
segmento dinâmico dentro do projeto, além de possibilitar atividades de
complementação da renda familiar. Na implantação dos cursos de pintura, bordado,
crochê e corte e costura, o grupo contou com a colaboração da Prefeitura Municipal
de Pereira Barreto, remunerando uma monitora, que deu origem aos sub-grupos de
produção de confecções. Contribuiu para a realização dos cursos, a liberação de
recursos por parte do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo
(FUNSESP) e da LBA (Legião Brasileira de Assistência), via Centro Social de
Araçatuba.
ADG
O Fundo Social de Solidariedade de Pereira Barreto, no ano de 1992,
contemplou a Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde com
3 máquinas de costura industrial, o que permitiu a estruturação do Grupo de
Produção, dando início a uma pequena indústria de confecção de roupas, que tanto
visava ao atendimento das necessidades dos próprios assentados, como também
gerar uma renda com a comercialização de parte da produção.
A desarticulação e dispersão do Grupo de Jovens podem ser atribuídas a
vários motivos, de acordo com os relatos de alguns dos jovens atuantes daquele
período compreendido entre a entrada das famílias nos lotes em 1984 e 1992.
Alguns se casaram, vários saíram dos lotes e do próprio Cinturão, mudando-se para
empregos na cidade de Ilha Solteira ou para outras cidades; e também porque
passaram a ocupar a diretoria da Associação pessoas que manifestaram
divergências algumas de ordem religiosa com as ações do grupo de jovens,
sobretudo no tocante à realização de festas nas instalações da sede da Associação.
Para estes entrevistados, a não aceitação das festas e do futebol coincide com as
três gestões compreendidas no período de 1992 a 1997. Os mesmos reconhecem
que não houve um confronto aberto, um enfrentamento declarado entre diretoria e o
Grupo, mas a apresentação de impedimentos e empecilhos “por parte daquelas
diretorias, quando a gente queria utilizar as instalações da sede para a realização de
nossas festas. Criou-se assim um vácuo, num período de seis anos que seria onde a
geração que estava vindo deveria assumir o nosso papel”.
O Grupo de Jovens era responsável pela realização de algumas festas,
“inclusive a festa junina no Cinturão Verde que hoje poderia ser uma tradição pra
levar a cidade inteira lá”. Também para fazer justiça às razões apresentadas pelos
integrantes das referidas diretorias, preocupadas com algumas questões como a
venda e consumo - por seus filhos, inclusive - de bebidas alcoólicas e com a própria
organização dos eventos festivos, vale a pena verificar como, talvez, sem se dar
conta, os depoimentos de alguns daqueles jovens revelam a veracidade de alguns
argumentos dos dirigentes.
AD9
Na verdade, nossa festa não era tão bem organizada, do ponto de
vista do controle, mas a gente contratava um grupo musical caro,
como o Brancão, a Banda Clave de Sol. Nós vendíamos lá 50 caixas
de cerveja à noite num ambiente aberto, e no final da noite o
pessoal carregava 8 caixas de casco embora, mesmo a gente
colocando gente pra vigiar. O grupo de jovens se preocupava em
organizar a festa, [mas] na hora que sentava pra fazer as contas, na
maior parte das vezes, empatava. A nossa mentalidade naquela
época era arrecadar recursos pro grupo não pra Associação. No
final, nós nos preocupávamos em pagar as contas. Nós
ganhávamos muita prenda, o pessoal do Cinturão Verde sempre
participou, do comércio também e no comando do grupo existia só
quatro pessoas. (V. S., agricultor, fevereiro / 2005)
O grupo das mulheres que, com a ajuda da equipe técnica havia percorrido
importantes etapas até a organização da confecção e havia se capacitado para a
produção, inclusive conseguindo os equipamentos, desarticula-se pouco tempo
depois, a partir de problemas que se pode chamar da gestão social ou coletiva da
própria associação e dos grupos formados. Os relatos de várias das mulheres que
haviam participado deste importante processo revelam ressentimentos,
desconfianças, enfim, sentimentos que apenas contribuem para minar qualquer
esforço de organização coletiva. Até hoje, pairam dúvidas, em muitas das
participantes, sobre o destino da produção, dos utensílios e outros itens. O que
interessa registrar é que acontecimentos desta natureza haviam acontecido, mas,
a partir desse momento, contam cada vez menos com o papel de amortecedores de
conflitos exercidos pelos integrantes da equipe técnica e outros mediadores
externos, mostrando ao mesmo tempo a imaturidade do grupo com relação a um
projeto autônomo capaz de empreender a gestão social de seu patrimônio.
A associação passa por momentos críticos, endividada no comércio local e
com a inclusão de seu CGC (hoje CNPJ) no Serviço de Proteção ao Crédito e na
ADJ
SERASA
46
, fatos que tiveram um papel altamente desmobilizador da comunidade.
Mesmo não se tratando de fatos que tenham tido como origem comportamentos
ilícitos ou propositadamente de má fé, muitos nem mesmo quiseram buscar
explicações. As citadas desconfianças se repetem quanto à aplicação de recursos
financeiros e, por outro lado, com o distanciamento dos associados, que não
exerceram seu papel de co-gestores da entidade que, afinal, pertence a todos.
Contextualizando tais acontecimentos, não se pode perder de vista que ocorreram
em um período de inflações altíssimas, logo depois do congelamento decretado pelo
governo Collor - ou seja, não se pode desprezar o peso de fatores macroeconômicos
no desencadeamento destas crises.
Também relatos que evidenciam diretorias pouco representativas,
composta por seis membros mas, levadas “nas costas” por apenas três diretores.
Ainda citam-se decisões tomadas nas reuniões prévias da diretoria e alteradas em
seguida, com a apresentação para a assembléia de algo totalmente diferente do
“combinado na reunião da diretoria”. Episódios que levantaram suspeitas sobre a
interferência externa de agentes diversos, prejudicando a Associação e a
comunidade.
Esta sucessão de acontecimentos, ao longo do tempo, fez minar o sentimento
e a disposição inicial de solidariedade, de ajuda-mútua, de desprendimento que era
representado por diversos fenômenos, como os mutirões, as festas para
arrecadação de fundos para o grupo todo. À medida que acontecimentos desta
natureza ocorrem, desgastam-se os associados, abalados em sua confiança mútua.
A necessária empatia e o próprio respeito entre os associados diminuem, afetando,
inevitavelmente, a Associação. Tamanha é a percepção desse desgaste emocional
que, em determinado momento (1998), o COMASIS Conselho Municipal de
Assistência Social de Ilha Solteira, conselho responsável pelo acompanhamento de
várias entidades da cidade - propõe a realização de um trabalho de intervenção
psicodramática junto aos agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira.
 
46
O nome desta instituição é SERASA S.A. e não expressa um sigla, conforme informação obtida diretamente
junto ao serviço de atendimento da mesma. Nos anos 70 SERASA significava Serviços e Assessoria S.A., na
década seguinte passou a significar, Centralização e Serviços de Apoio aos Bancos S.A. e mais recentemente
passou a ser apenas uma marca e nome de fantasia da instituição.
A%$
4.8 Retomando o Controle: o “Trabalho da Tina” e o Diagnóstico Rural
Participativo.
A “Intervenção em Desenvolvimento Humano com o Grupo Cinturão Verde
em Ilha Solteira” é o nome da proposta de trabalho proposto pelo COMASIS e pela
Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira.
Coordenado pela psicóloga Maria Aparecida Junqueira Zampieri, conhecida como
Tina, a intervenção foi popularizada como “o trabalho da Tina”. Para sua efetivação,
a mediação do engenheiro agrônomo Francisco Sérgio de Lima
47
foi de grande
importância, assim como da assistente social Roseli Cubo
48
, nessa época (1998)
atuando como coordenadora do COMASIS e responsável pelo Departamento de
Promoção Social da Prefeitura Municipal de Ilha Solteira.
A situação das relações interpessoais entre os integrantes do Cinturão Verde
e dos associados chegou a um estado tão crítico que pode ser captado em detalhes
no diagnóstico inicial elaborado pela equipe da Escola Ciclo de Mutação
49
:
Constituído por 75 famílias, o perfil diagnóstico do grupo vem sendo
elaborado conjuntamente com os participantes ao longo de uma
série de sociodramas, na sede da Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, à qual a
maioria está vinculada. Este é um grupo que, em estágio inicial
apresentou-se indiferenciado e desvinculado enquanto membros de
sua Associação. Apresentou-se ainda com baixo nível de auto-
percepção, quanto ao próprio vel de amadurecimento e
 
47
Contratado desde o inicio de 1993 como agrônomo do Setor Agropastoril da Prefeitura Municipal, Sérgio
permaneceu neste setor até o final de 2004, quando ingressou, via concurso público no INCRA – Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária, em Campo Grande – MS.
48
Roseli havia participado em Ilha Solteira, durante o ano de 1998, de um curso de Especialização em
Psicodrama e, reconhecendo a importância que um trabalho dessa natureza, poderia trazer para a comunidade
assentada, contribuiu para a viabilização da aprovação da proposta no âmbito do COMASIS, a quem cabia a
liberação dos recursos necessários para sua realização, A partir de janeiro de 1999, a assistente social Rosei
Carneiro passa a ser a diretora do Departamento de Promoção Social da Prefeitura de Ilha Solteira e, assim como
sua colega, com formação em psicodrama, contribuiu para a continuidade deste trabalho.
49
Clínica-Escola Ciclo de Mutação: cibernética, psicodrama e psicoterapia, instituição dirigida por Cristina
Zampieri e seu marido Roberto Zampieri, localizada em São José do Rio Preto – SP.
A%A
autonomia. Apresentou-se também indiferenciado quanto ao
propósito de subsistência ou meta de organização, seja individual ou
grupal, quanto ao uso da terra e engajamento dos descendentes na
mesma. Mostraram-se bastante desanimados com seu futuro, sem
argumentos para vincular os filhos que, em boa parte não moram
com eles. Apresentaram descrédito quanto à possibilidade de êxito e
quanto à subsistência pela terra própria e descrédito quanto à
Associação a que pertencem, que buscam quando necessitam
utilizar o trator. Boa parte das famílias nem mesmo fazem os acertos
mensais. Mostraram também descrédito, insatisfação e
desinformação quanto aos critérios utilizados para os
escalonamentos de serviços do referido trator. Ao longo do trabalho
identificaram sua situação de longevidade, 15 anos de existência
como membros do Cinturão Verde, cronologicamente adolescente,
porém perceberam-se como defasada do nível de amadurecimento
e autonomia esperado por eles próprios, comparando com o seu
nível de amadurecimento individual nesta faixa etária. Verbalizaram
perceber-se como um grupo infantilizado filhos pequenos à espera
da mãe Cesp”, seguida depois da mãe Prefeitura Municipal. Destas
fontes proviam o suprimento de necessidades, por vezes básicas, as
iniciativas, fossem elas para novos investimentos agrícolas fossem
para orientação e cursos, que habitualmente receberam prontos e
isentos. Nesta vinculação a Prefeitura Municipal complementava e
fortalecia esta relação oferecendo “toda condição” àquela
população, contribuindo para a auto-regulação homeostática e em
conseqüência, para o rótulo de dependente.
50
No mesmo momento em que o trabalho da psicóloga estava sendo
desenvolvido, um outro era iniciado por docentes da área de sociologia e extensão
rural da Unesp de Ilha Solteira, denominado Diagnóstico Rural Participativo ou DRP.
Sua condução foi realizada através de uma parceira entre a Associação dos
Pequenos Agricultores do Cinturão Verde de Ilha Solteira, através de sua diretoria, a
 
50
Documento entregue pela coordenadora do Trabalho “Intervenção em Desenvolvimento Humano” aos
responsáveis pela condução do Diagnóstico Rural Participativo. Ver também Zampieri (2004).
A%#
Equipe Técnica do Setor Agropastoril da Diretoria de Planejamento e
Desenvolvimento da Prefeitura Municipal de Ilha Solteira e os docentes envolvidos.
Na reunião realizada na Sala 17 da Prefeitura Municipal, no dia 10 de dezembro de
1998, foram apontados como principais problemas da Associação, a falta de confiança entre
as pessoas; a falta de Interesse, e falta de motivação dos associados para a transformação do
estado em que a mesma se encontrava - ou seja, um quadro repleto de problemas de diversas
naturezas.
No momento da realização desta reunião, acabara de ser realizada no dia 15
de novembro, a eleição da nova diretoria da Associação dos Pequenos Agricultores
do Cinturão Verde de Ilha Solteira, implicando na substituição de vários diretores e
na necessidade de atualizá-los sobre o trabalho do DRP em desenvolvimento, desde
o final de agosto de 1998.
Nesta mesma reunião, foram apresentadas diversas propostas como: a realização de
Termo de Compromisso Escrito entre os envolvidos; realização de Mutirões, Trocas de
Serviços, adaptando estas práticas à realidade atual; formação de Grupos menores através de
critérios como o de afinidade entre os membros ou o interesse por assuntos, temas, problemas
e necessidades comuns; demonstração de resultados concretos, palpáveis, visíveis; elaboração
de projetos com os grupos de interesse que se formarem; construção de parcerias que
possibilitem sinergia de forças (como o caso do Trabalho da Tina e o DRP); elaboração de
um diagnóstico da situação financeira lote a lote; intensificação do trabalho com os jovens;
priorização de trabalhos com os interessados e indecisos, isolando inicialmente os queo
contra; intensificar as ações de extensão rural propriamente ditas, ampliar os relacionamentos
e intensificar a comunicação; abranger todos os aspectos da agricultura (“antes, dentro e
depois da porteira
51
”), e associar as ações que já estão sendo feitas (pela Associação, pelos
técnicos, por grupos de agricultores, etc.) com as novas ações a serem desenvolvidas. Como
se pode perceber, um leque razoavelmente amplo de propostas, revelando tanto o estado em
que se encontrava o Cinturão Verde naquele momento, como também a disposição dos
envolvidos em modificarem esta situação.
 
51
Expressão que denota os vários elos existentes na chamada cadeia de produção, envolvendo os aspectos
prévios à produção (necessidade de aquisição de insumos, por exemplo) a produção propriamente dita, e todas as
atividades após a colheita até chegar ao consumidor final.
A%C
Para tanto foi definida uma estratégia de ação, que preconizava a promoção
de maior envolvimento dos diretores da Associação; uma participação ativa dos
diretores e dos assentados; e o estabelecimento de um planejamento mínimo
apontando o que fazer, como fazer e quando fazer, além de um inventário junto à
comunidade do Projeto sobre os erros e acertos ocorridos até então no Cinturão
Verde, com a busca da compreensão de seus motivos ou causas e conseqüências.
Apesar do sucesso das etapas em evidenciar a situação dos lotes e os
problemas enquanto diagnóstico propriamente dito de uma situação real, problemas
de ordem pessoal, do relacionamento interpessoal, que remontam a toda uma
história de vida, desde o início do projeto em 1984, ainda foram considerados os
principais problemas nesta reunião, como apontado acima.
A síntese desta reunião representou o ponto de partida para os próximos
passos a serem dados em 1999. Aos 21 de dezembro, na última reunião ocorrida no
ano, deliberou-se pela realização de um curso de 16 horas, a ser ministrado em dois
dias, pelo engenheiro agrônomo Tetsuo Nohara, da FETAESP SP, sobre
Desenvolvimento Local Sustentável e Diagnóstico Rural Participativo, dirigido ao
grupo coordenador do DRP de Ilha Solteira e a um grupo de produtores rurais do
próprio Cinturão Verde num total de 25 participantes
52
.
Na quinta-feira, dia 14 de janeiro de 1.999, também na sala 17 da Prefeitura
Municipal ocorreu uma reunião com a participação da psicóloga Maria Aparecida
Junqueira Zampieri (“Tina”), o engenheiro civil Roberto Zampieri - ambos do Ciclo de
Mutação: cibernética, psicodrama e psicoterapia - do engenheiro agrônomo
Francisco Sérgio de Lima, dos técnicos em agropecuária Antônio Eugênio Guidorissi
e Fernando Martins, integrantes da equipe técnica do Setor Agropastoril da
Prefeitura Municipal de Ilha Solteira, da assistente Social Roseli Carneiro, nova
presidente do COMASIS e responsável pela Diretoria de Serviço Social da Prefeitura
e deste docente para uma avaliação do Projeto Intervenção para Desenvolvimento
Humano com o Grupo Cinturão Verde de Ilha Solteira.
O documento apresentado por Tina e Roberto na ocasião, fazia uma síntese
do trabalho até então realizado, apontando as diretrizes para o próximo período,
 
52
Este curso foi realizado nos dais 20 e 21 de fevereiro de 1.999, das 08 às 18 horas nas dependências do Centro
Odontológico da Prefeitura Municipal de Ilha Solteira
A%D
além de fazer menção ao “Perfil Diagnóstico”, descrito. Os rumos definidos para a
continuidade do Projeto coordenado pela Tina apontaram para uma perspectiva
convergente com os objetivos buscados pelo DRP, ou seja, de se trabalhar
exatamente sobre aqueles principais problemas identificados na reunião de
10.12.98, além de se efetuar um trabalho de valorização das atribuições e
responsabilidades dos membros da diretoria, contemplando a questão da
comercialização, inclusive com a realização de pesquisa de mercado iniciada pelo
engenheiro agrônomo Valdivino Gomes, membro da diretoria da Associação, além
de abranger os projetos também aprovados pelo COMASIS, a saber: lavoura
comunitária; processamento de frutas e legumes, e oficina de costura.
A confluência de contribuições de distintos órgãos ou organizações em torno
de uma problemática é também reveladora de uma proposta de intervenção numa
perspectiva de totalidade, como a que se verificou em torno do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira, em que a Prefeitura Municipal enquanto poder público se
apresenta através do Setor de Agricultura e da Diretoria de Serviço Social, ao lado
de organizações do hoje chamado terceiro setor, como o COMASIS, o Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Pereira Barreto, a própria Associação dos Pequenos
Agricultores do Cinturão Verde e ainda o curso de agronomia da Faculdade de
Engenharia da FEIS / UNESP, emergindo como parceiros na busca de um objetivo
comum: o desenvolvimento social e econômico da população que ali vive e trabalha.
4.9 As Implicações do Diagnóstico Rural Participativo e do Projeto Intervenção
para o Desenvolvimento Humano com o Cinturão Verde de Ilha Solteira
.
De acordo com a percepção dos próprios agricultores e suas famílias, dos
integrantes da diretoria da Associação dos Pequenos Agricultores do Cinturão Verde
de Ilha Solteira neste período e da equipe técnica do Setor Agropastoril da Prefeitura
Municipal de Ilha Solteira, ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, muitas e
significativas foram as transformações havidas no tocante à realidade destes
agricultores e do próprio Projeto Cinturão Verde. Tal percepção dá conta também de
A%%
que foram estes dois instrumentos, a saber, o DRP e o trabalho levado a efeito pela
psicóloga Tina, os principais alavancadores, catalisadores de tais vicissitudes.
A primeira e mais importante alteração pode ser verificada na forma de
participação dos integrantes do projeto, sendo clara a constatação de que tal
participação tornou-se mais qualitativa. Ou seja, apesar da quantidade de
participantes ainda ser inferior ao potencial número de participantes das reuniões ou
encontros para os quais são chamados, mudou a qualidade de tal presença, por ser
mais comprometida, com as pessoas sabendo que tinham que contribuir de forma
ativa e não meramente passiva, sem esperar por soluções prontas. Houve uma
compreensão de que as mudanças desejadas dependiam do comprometimento e
empenho de cada um, fazendo a sua parte para o alcance dos objetivos diversos.
Sintoma desta nova postura e representativa do comprometimento dos
diversos atores foi a própria composição da diretoria da Associação, pela primeira
vez reunindo mulheres (duas), jovens (seis, ao todo), além da grande renovação de
seu quadro, num total de doze membros. Isto efetivamente representou que os
jovens, até o início destes dois trabalhos afastados das atividades dos lotes,
direcionando seu foco para a cidade, mudaram de postura, tornando-se - no dizer
dos próprios integrantes da equipe técnica do Setor Agropastoril - “o carro chefe das
mudanças que estão ocorrendo nos lotes”.
Cabe destacar que grande parte dos jovens, filhos dos produtores rurais
titulares dos lotes, estava em sua maioria estudando ou já haviam concluído o
terceiro ano do ensino médio, não sendo raros os que se encontravam freqüentando
cursos superiores. Sem dúvida, o trabalho de resgate de sua auto-estima, aliado ao
de valorização da própria atividade agropecuária, conseguiram reverter todo um
estado de ânimo, colocando este segmento na vanguarda das transformações.
Uma das medidas concretas implementadas como resultado do DRP e de
todo este processo, foi a Feira do Produtor, na qual os produtores rurais do Cinturão
Verde comercializavam sua produção, uma vez por semana (aos sábados), na
cidade de Ilha Solteira, diretamente no Recinto da Feira Municipal. O retorno
concreto em termos de renda, através deste contato direto, reforçou a importância
A%8
desta forma de comercialização, além de provocar o aumento da quantidade de
estufas implantadas no Projeto Cinturão Verde, sobretudo para produção de
verduras (folhas), como também de outros itens, como legumes e frutas.
Em 1999, existiam no Projeto 12 produtores com estufas implantadas,
algumas com sistema de irrigação por microaspersão e outros com irrigação por
gotejamento, havendo agricultores com até 10 estufas, tanto com sombrite como
cobertas com plástico. Isto significa que aumentou a demanda por verduras na
cidade, sendo este um mercado aberto para os agricultores, que têm, por sua vez,
procurado se capacitar e investir em tecnologia necessária para tal produção. Em
função disto, a orientação a estes produtores representou um dos mais intensos
trabalhos desenvolvidos pela equipe técnica do Setor Agropastoril da Prefeitura
Municipal.
A aprovação de linhas de crédito do FEAP Fundo de Expansão da
Agropecuária - especialmente voltadas para o cultivo protegido ou plasticultura e
também para a fruticultura irrigada, foram importantes fatores de estímulo aos
produtores do Cinturão Verde de Ilha Solteira, tendo beneficiado, naquela época, 5
(cinco) produtores.
A melhoria na própria forma de organização dos agricultores desencadeou a
cessão, por parte da Prefeitura Municipal, de um caminhão para transporte de seus
excedentes semanalmente para as cidades de Andradina e Três Lagoas, com itens
como quiabo, mandioca, abobrinha e outros. Esta forma de comercialização atingiu
regularidade e escala a tal ponto que o caminhão da Prefeitura tornou-se
dispensável, sendo os produtos buscados diretamente nos lotes pelos compradores
daquelas cidades.
Outra significativa mudança oriunda dos trabalhos realizados, foi a gestação
de diversos grupos, como preconizado pela metodologia do DRP e reforçado pelo
trabalho coordenado pela psicóloga Tina. Destacam-se, dentre estes, os grupos
organizados por afinidade de produtos, a saber:
Grupo de Pupunha, composto por 6 (seis) produtores que se encontravam
produzindo e comercializando a palmeira in natura, através da Feira do Produtor
A%G
ou via venda direta no próprio lote para os consumidores que a procuram; seu
desafio era o de viabilizar o processamento mínimo da pupunha, de forma
coletiva, para oferecimento do produto envasado em recipientes de vidro, e com
qualidade, mesmo que inicialmente sem qualquer tipo de certificação;
Grupo de Piscicultura ou “Grupo dos Tanques”: em número de 10 (dez)
produtores que, na época, encontrava-se em fase inicial de implantação e
definição de atividades coletivas;
Grupo de Viticultura, reunindo 10 (dez) produtores rurais trabalhando de forma
coletiva para atividades diversas desde a obtenção das mudas até a
comercialização da produção;
Grupo de Quiabo, reunindo 11 (onze) produtores, trabalhando de forma coletiva
sobretudo a comercialização e a adoção dos procedimentos técnicos necessários
à condução desta cultura;
Grupo de Manga, congregando 8 produtores que vêem tentando otimizar esta
atividade frutícola através do trabalho organizado de forma coletiva, em especial
com respeito à comercialização.
Outros tipos de grupos foram constituídos ou rearticulados de acordo com
critérios como faixa etária (como o Grupo de Jovens), gênero (Grupo de Mulheres
dos titulares dos lotes) e atividades como lazer e recreação (Grupo de Eventos).
Detalham-se, a seguir, suas características:
Grupo de Mulheres: algumas mulheres participaram de um curso de artesanato
oferecido em convênio com a FETAESP e organizaram-se enquanto grupo para a
produção de artigos diversos, com o propósito de geração de uma fonte alternativa
de renda e de lazer, produzindo a partir de matérias primas diversas cestos, balaios
e outros artefatos; este grupo teve a importante contribuição da Diretoria de
Promoção Social do município agregando 5 mulheres;
Grupo de Eventos:
o resgate da diversão, do lazer e, em especial, de um time de
futebol que outrora havia sido bastante conhecido na cidade, foi um dos expressivos
e significativos resultados da pesquisa desenvolvida, de tal forma que,
semanalmente, aos domingos, são programadas atividades como jogos e
recreações, caracterizando-se como momento de confraternização e integração
A%9
sobretudo dos jovens, mas também dos adultos. O time de futebol tem-se
apresentado semanalmente tanto no campo da futebol localizado na sede da
Associação reformado recentemente pela prefeitura municipal - como em outros
locais para partidas amistosas diversas.
Grupo de Jovens:
tal grupo, como foi dito, foi o principal articulador das ações
realizadas neste período e suas reuniões congregavam em torno de 50 participantes
para discussão dos assuntos mais diversos. Dele participam integrantes de diversos
outros grupos de culturas ou produtos, o que reforçou sua importância para a própria
extensão rural levada a efeito no Projeto Cinturão Verde como um todo, pela equipe
técnica da Prefeitura Municipal. De modo especial, este segmento introjetou a
importância do trabalho conjunto, da necessidade de estabelecimento de parcerias
para efetivação de resultados, bem como manifestava em suas ações a necessidade
do resgate da auto-estima, do auto-respeito e auto-imagem, revalorizando a própria
atividade agropecuária e o fato de residirem no Cinturão Verde, antes motivos de
depreciação e preconceitos diversos. Os integrantes do Grupo de Jovens passaram
a manifestar uma visão mais aberta para o conhecimento, para a auto-qualificação,
mais sensíveis às recomendações técnicas bem como à busca do aprendizado
constante, discutindo em grupo os problemas e a busca de soluções.
A melhoria nas instalações da própria sede da Associação em termos das
atividades administrativas e da dotação material da mesma são também expressão
deste conjunto de mudanças. No período compreendido pela realização da
pesquisa, a associação investiu na capacitação e profissionalização de seu pessoal
administrativo, com a perspectiva de melhor atender a seus associados.
Outro importante aspecto a considerar refere-se ao aumento significativo da
população residente no Cinturão Verde, da ordem de 200 famílias em seus 74 lotes,
na época. Ocorreram vários desmembramentos de lotes, seja por partilha ou
subdivisão dos mesmos pelos descendentes (filhos, filhas, genros, noras), venda
para terceiros e até mesmo uso irregular. Tal fato provocou a diminuição das áreas
cultivadas por família, sendo mais um fator de busca por melhor utilização da terra e
dos demais recursos produtivos.
A%J
Talvez em função deste fato - e do significativo aumento da população infantil
- dois projetos foram implantados pela equipe técnica em parceria com outros
departamentos municipais, como o de saúde e promoção social, que são o de Horta
Caseira, objetivando a implantação de 10 m
2
(dez metros quadrados) de horta por
família residente no Cinturão Verde, de modo a propiciar melhoria na qualidade da
alimentação dos residentes e o Projeto de Produção de Ovos e Frangos Caipiras,
com o mesmo objetivo, projetos que contaram com a parceira da Pastoral da
Criança da Igreja Católica local.
A constatação de que a equipe técnica do Setor Agropastoril é pequena para
dar conta de um trabalho mais freqüente e efetivo junto à população do Cinturão
Verde, aliado ao crescimento da população, através da subdivisão dos lotes
reforçam a necessidade de um trabalho de extensão rural, através do DRP e outras
ferramentas promotoras de participação ativa dos sujeitos. Cientes de que não
sabem ao certo a situação atual do Projeto, de seus integrantes e problemas, a
equipe técnica efetuou um Levantamento de Informações por meio da aplicação de
um formulário, intitulado de “Pesquisa Sócio-econômica dos Produtores Rurais do
Cinturão Verde de Ilha Solteira”.
4.10 O Resgate de um mecanismo legal, o PRÓ-RURISA
A relação do engenheiro agrônomo Vinício Martins do Nascimento com o
Cinturão Verde e com a Associação intensificou-se quando este veio a ocupar o
cargo de vice-prefeito municipal, em 1993
53
. constituído o município de Ilha
Solteira, uma das primeiras ações que o poder executivo tomou no sentido de
fortalecer a Associação, foi torná-la uma entidade de utilidade pública do município,
através da Lei no 035/93, de 29 de março de 1993 (anexo 1). Esta é a condição
necessária para que uma entidade possa receber recursos materiais e em espécie
da Prefeitura Municipal. Como havia sido constatada a necessidade de organização,
 
53
Além do cargo eletivo, Vinício ocupou a Diretoria de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, abarcando
vários setores da Prefeitura, inclusive o Setor Agropastoril, responsável pela assessoria e acompanhamento aos
produtores do Cinturão Verde de Ilha Solteira.
A8$
de regularização do repasse de recursos, a criação desta lei foi o primeiro passo que
possibilitou ao município repassar subvenções para o Projeto Cinturão Verde,
através de sua Associação.
A partir da promulgação desta lei, reconhecendo a associação como de
utilidade pública municipal, foi criado um programa que definiu o repasse de
recursos e materiais e estabeleceu outras providências. Trata-se de outra lei, a
074/93, conhecida como Pró-Rurisa, ou seja, o Programa de Apoio ao Pequeno e
Médio Produtor Rural de Ilha Solteira (anexo 2).
De acordo com Vinício, havia inicialmente uma pretensão de que o programa
pudesse financiar as atividades dos agricultores, mas o que aconteceu, de fato, foi a
viabilização de repasse de alguns recursos como máquinas, implementos e mudas
vegetais. Aliás, o primeiro passo do Programa foi a doação de mudas compradas ou
recebidas em doação da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo.
Tudo estava por ser feito na cidade, desde sua Lei Orgânica até a criação de
mecanismos diversos que visassem à promoção do desenvolvimento local. Nesta
perspectiva, foram elaborados dois grandes projetos. Um foi o PRODISA - Programa
de Desenvolvimento Industrial de Ilha Solteira, com foco principalmente no
desenvolvimento industrial e comercial de Ilha Solteira. Consistia na doação de
terrenos, cessão de prédios
54
, ajuda nos serviços de terraplanagem e até materiais.
O outro programa foi o Pró-Rurisa, com foco eminentemente rural que visava
dotar aquele setor (sobretudo através da Associação dos Pequenos Agricultores do
Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira) de uma estrutura mínima, uma vez que
tinha autorização para receber repasse de recursos, pois figurava como entidade de
utilidade pública. O projeto de lei do Pró-Rurisa foi elaborado juntamente com o
pessoal administrativo e jurídico da prefeitura, encaminhado à Câmara, onde foi feita
uma reunião prévia dos representantes do executivo Vinício inclusive - com os
nove vereadores daquela época, no sentido de mostrar sua importância.
Por outro lado, o vice-prefeito relata que havia cobranças, por parte dos
membros do Cinturão Verde, quanto à necessidade de criação de mecanismos de
 
54
Foi através deste programa que foram construídas as incubadoras de empresas em alguns setores da cidade.
A8A
apoio ao Cinturão Verde, de forma que não foi difícil a sua aprovação, apesar de, no
seu texto, terem sido estabelecidas atribuições que não foram possíveis cumprir.
A população a ser atendida pelo Programa restringe-se à do Cinturão Verde,
porque o restante do município está resumido a cerca de 60 propriedades, o que
mostrava que, em 1993, do total do território de Ilha Solteira, praticamente apenas o
Cinturão Verde compunha a área de agricultura familiar ou de pequenas
propriedades. Uma percepção da estrutura agrária do município pode ser observada
pela tabela 4 e, complementarmente, pelo mapa de uso do solo do município
(página 81) que revela a expressiva das pastagens, indicativa por sua vez, da
atividade pecuária extensiva como sistema produtivo predominante.
Tabela 4 : Estrutura Agrária do Município de Ilha Solteira
Estrato de Área (ha) Quantidade
Até 5,0 43
De 5,1 a 10,0 47
De 10,1 a 20,0 09
De 20,1 a 50,0 03
De 50,1 a 100,0 03
De 100,1 a 200,0 06
De 200,1 a 500,0 16
De 500,1 a 1.000,0 06
Acima de 1000,0 18
TOTAL 151
Fonte: Levantamento das Unidades Produtivas Agrícolas, 2002.
No primeiro ano houve necessidade de ser alocado um recurso extra-
orçamentário, como consta da própria lei, exatamente porque Ilha Solteira estava em
seu primeiro ano como município autônomo.
Nos anos seguintes, de 94 a 96 não foram previstos recursos em
espécie para o Pró-Rurisa, mas em termos materiais foram
A8#
repassados recursos ao Cinturão Verde, através da Associação. (V.
M. N., ex-vice-prefeito municipal no período 1993-1996, março /
2005)
Os recursos em espécie foram repassados através de decretos, com o fim de
auxiliar na manutenção da entidade. Era o tal repasse de recursos que acontecia de
vez em quando, para compra de insumos ou para atendimento de alguma
necessidade esporádica, não sistemática. Vinício afirma, também, que a discussão
deste programa havia sido feita em assembléia dos (e com) os agricultores, assim
como a própria implantação do programa em que se definiam as prioridades.
Entretanto, nas entrevistas e abordagens efetuadas junto aos agricultores e
dirigentes da associação, questionando-os sobre o conhecimento deste Programa e
da lei que o embasa, sistematicamente as respostas foram negativas, revelando total
desconhecimento do mesmo.
Foi com base neste Programa, segundo o vice-prefeito, que foi desenvolvido
um projeto com alguns produtores da área irrigada do Cinturão Verde, com a cultura
do alho, em que uma câmara fria foi instalada na sede da Associação. Apesar de
desconhecer se esta câmara ainda estaria em funcionamento, o vice-prefeito
recorda-se da mesma ter sido montada para o processo de vernalização
55
do alho.
Apesar das expectativas e do relativo sucesso dessa iniciativa, o mesmo não
teve continuidade, face à não adaptação da cultura às temperaturas vigentes na
região, em sua fase de produção no campo, fato que provocou a desativação
daquela câmara.
Vinício registra que, a partir da promulgação desta lei, era bastante comum o
presidente da Associação procurar o gabinete do prefeito com algum tipo de pedido,
reivindicações diversas que, segundo ele, passaram a ser mais efetivas, por conta
da existência de um instrumento que amparava a solicitação e repasse de recursos
à entidade.
 
55
Consiste na permanência dos bullbos de alho por um período de cerca de 60 dias em baixas temperaturas, após
o que o plantio resulta em maior uniformidade na germinação e, conseqüentemente em maior homogeneidade da
produção.
A8C
Os dirigentes diversos, sobretudo os ex-presidentes da associação
entrevistados, de fato declararam que recorriam ao poder público municipal para
solicitar recursos para a gestão da instituição. No entanto, nenhum deles alegou que
o faziam munidos da lei 074/93, o Pró-Rurisa como argumento nesta busca por
recursos. As ações destes dirigentes muito mais se caracterizaram como pedidos de
favores ao chefe do executivo do que a reivindicação de um direito amparado por
um instrumento legal.
Talvez, exatamente em função disto, o vice-prefeito relativize o volume dos
recursos repassados à associação, naquele período, afirmando que “evidentemente
que nem sempre se repassava aquilo que eles queriam, mas sempre se fazia
alguma coisa.”
Um dos integrantes da diretoria da Associação atual, que desde o final de
1999, tem tido uma participação mais ativa junto à Associação, sintetiza o que talvez
seja o percebido pela grande maioria dos agricultores com respeito ao Pró-Rurisa.
Olha, eu sei pouco sobre o Pró-Rurisa, o que eu sei é através do
presidente. Eu sei que ela foi criada em 1993 como uma lei pra dar
subsídio à Associação, que ela ficou na gaveta. Nunca foi usada,
pelos outros presidentes, nunca. Foi o Domingão
56
que acabou
desenterrando ela em 1998, ainda na época do Romão
57
de quem
ele era vice-presidente. Ele começou a cavucar informações, aí ficou
sabendo da existência dessa lei. Até então ele lutou junto com ‘Seu’
Romão por dois anos, mesmo com a lei na mão ele não conseguiu
receber o subsídio, era o período do Sebastião de Paula
58
como
prefeito (V. S., agricultor, fevereiro / 2005).
Relativizando a fala deste entrevistado, a forma de destinar recursos à
Associação não mudou, ou seja, eventualmente o próprio prefeito Sebastião de
Paula repassou recursos à Associação inclusive através de recursos materiais que
 
56
Codinome pelo qual é mais conhecido o presidente da Associação, Domingos Luiz de Oliveira.
57
Na gestão 1998 /1999, Manoel Romão de Santana foi o presidente da Associação tendo como vice-presidente,
Domingos Luiz de Oliveira, o Domingão.
58
Sebastião de Paula, pertencente à mesma coligação partidária de Edson Gomes, sucedeu a este na prefeitura de
Ilha Solteira, no período de 1997 a 2000.
A8D
permitiram a realização do DRP, referido neste trabalho. No entanto, a destinação de
recursos de forma sistemática e mensal como pretendiam os dirigentes da
Associação, isto de fato, não foi alcançado naquele momento.
Prossegue este interlocutor revelando as condições que resultariam em
compromisso do executivo local em repassar recursos para a Associação.
Já na eleição em 2000, quando a gente já era candidato a assumir a
diretoria [para o próximo biênio: 2001-2002] ele [Domingos]
começou a insistir diretamente com os então candidatos, mostrando
que havia uma lei que possibilitava o repasse de recursos para o
Cinturão Verde, através da Associação. Os diversos candidatos de
então fizeram reuniões com a comunidade do Cinturão Verde e
assumiram compromisso de aplicarem a lei 074/93, o Pró-Rurisa.
Isto foi inclusive colocado nas atas destas reuniões do período de
campanha eleitoral. (V. S., fevereiro / 2005)
No processo de articulação e definição destes compromissos, foi constatada
apenas a ausência de uma das candidaturas, recusando-se a assumir tal
compromisso. O fato curioso deste episódio é que a candidata ausente é esposa do
deputado Edson Gomes, autor da lei que instituiu o Pró-Rurisa, resultando num
aparente paradoxo, pois afinal, “eles criaram a lei e eles se recusam a assumir o
compromisso de aplicá-la” - conforme expressam vários dirigentes, ex-dirigentes da
associação e agricultores do Cinturão Verde.
Na eleição seguinte, em 2004, novamente Odília Gomes se candidata, sendo
então eleita. E, repetindo a estratégia utilizada em 2000, de não firmar
compromissos com a diretoria da Associação, a candidata não compareceu à
reunião marcada pela diretoria e, portanto, não se comprometeu com a mesma no
que diz respeito ao repasse dos subsídios. Corrobora este raciocínio a constatação
de que decorridos quatro meses de 2005, o subsídio ainda não foi repassado à
Associação.
E eu particularmente acho que é richa [política] pelo fato da diretoria
não estar identificada com eles e o fato do próprio Domingos estar
A8%
mais afinado com o PT, o Domingos, querendo ou não era filiado ao
PT. E também porque ele [Domingos] acabou tendo uma discussão
com ela [a atual prefeita] quando ela foi no Cinturão Verde como
candidata. Ela fez a reunião em uma chácara ao lado da sede da
Associação alegando que a lei eleitoral a impedia de utilizar aquele
espaço, que eles não tiveram esta preocupação ao fazer a
reunião com o pessoal das rocinhas. Eu particularmente acho que a
política deles é aplicar a política deles nos sem-terra, como se trata
de um grupo novo, porque eles sabem que no Cinturão eles não
conseguem enganar mais ninguém. Hoje o Setor agrícola da
prefeitura está direcionado para os sem-terra. Serão assentadas 200
famílias aqui na Fazenda São José da Barra e 50 famílias na
Fazenda Santa Maria da Lagoa. Numa conversa com o deputado
[Edson Gomes] ele deixou bem claro que não vai repassar o
subsídio. Nossa diretoria tomou a decisão de não mais pedir. Nós
fizemos nestes últimos quatro meses uma média de 3 a 4 pedidos
[por ofício] por mês, que não foram respondidos, Nós enviamos toda
documentação que eles pediram, inclusive número de horas-
máquina realizadas.
O professor Vinício, participou, no ano 2000, da coligação que elegeu os
mandatários do poder executivo para o período 2001-2004, bem como pôde ocupar,
por um período de seis meses, no final deste mandato, o cargo de secretário de
governo da administração do prefeito Dílson Cesar Moreira Jacobucci. Em seu
relato, percebe-se a forma como este mesmo instrumento veio a ser aplicado e
utilizado pela diretoria da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira.
Em função exatamente da articulação política que foi feita, ficou
evidente que este setor [Cinturão Verde e Rocinhas Familiares] foi
extremamente bem aquinhoado, através do recebimento das
patrulhas agrícolas e do repasse de recursos. Domingos [presidente
da Associação] era um freqüentador assíduo do gabinete do
A88
prefeito, embora o setor dele estivesse subordinado a uma outra
secretaria
59
e não a que eu estava dirigindo. Estou relatando isto
para mostrar o quanto o Domingos freqüentava a prefeitura e
sempre num nível muito bom, de uma forma diferente, de modo que
a ação dele contribuiu muito pelas suas características de ser bem
articulado, reivindicador, esclarecido. Por isso eu afirmo que a
Associação nunca recebeu tanto, nem em termos materiais como
em espécie o que não acontecia muito no passado que era mais em
termos materiais. Tinha alguns repasses de recursos mas não dessa
forma sistemática como foi neste período, que era mandado para
eles arcarem com a folha de pagamento ou outros serviços. (V. M.
N., ex-vice-prefeito municipal, março / 2005).
Para se saber exatamente quanto recebeu a associação, ao longo do período
de vigência do Pró-Rurisa, o ideal seria poder ter acesso aos diversos decretos que
repassaram os recursos à entidade. Estando o recurso previsto no orçamento e
existindo a lei que permite o repasse do mesmo, é preciso que cada vez que o
recurso para aquela entidade seja baixado um decreto do poder executivo. Isto é
feito todo mês para as diversas entidades habilitadas para receber recursos ou
subvenções, como é o caso da APAE Associação dos Pais e Amigos dos
Excepcionais- a ASAIS Associação Amigos de Ilha Solteira (uma instituição
dirigida a crianças e adolescentes de famílias de baixa renda), a Associação dos
Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Vede de Ilha Solteira, etc.. Mesmo
quando acaba a verba para aquela rubrica, antes de terminar o exercício fiscal (o
ano), é possível efetuar o remanejamento de recursos ou solicitar novos recursos
(recursos extra-orçamentários).
Vinício reitera que o fato da Associação ter recebido, quase que de maneira
sistemática, os repasses da Prefeitura deve-se ao compromisso de campanha
estabelecido entre a comunidade do Cinturão Verde, por intermédio da Associação,
e os então candidatos Dílson e Zailton.
 
59
Vinício se refere á Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Econômico, cujo diretor era Valdecir Vieira,
o ‘Jarrão” ao passo que ele viera nos últimos meses da gestão Dílson César para ocupar a Secretaria de Governo,
liberada por Antonio Carlos da Silva, após a ruptura do PT com o prefeito.
A8G
Sabendo que na atual gestão (2005-2008), os recursos não estão sendo
repassados e que, provavelmente, um dos impeditivos resida nas diferenças
partidárias entre os atuais mandatários do executivo local e a presidência da
Associação, Vinício revela a complexidade das relações que caracterizam o poder
local.
A existência da lei (Pró-Rurisa) simplesmente não garante que os
recursos sejam repassados. É preciso gestões dos interessados,
articulação e pressão para que isto ocorra. É preciso fazer barulho,
eu acho, eu não vejo outro caminho que não seja o da mobilização,
a organização dos interessados e a sensibilização de quem está no
governo para a importância deste instrumento para o Cinturão
Verde. (V. M. N., ex vice-prefeito municipal, março / 2005)
A89
5. A DINÂMICA DA ASSOCIAÇÃO NO PERÍODO 2001-2004
Introdução
Apresentam-se neste capítulo diversos aspectos da dinâmica de atuação da
APAPCVIS, no tocante a sua organização, à interação social existente entre os
associados, ao seu papel como instituição mediadora entre os associados e as
instituições da sociedade mais ampla, numa tentativa de caracterizar a sua
importância para o desenvolvimento da comunidade do Projeto Cinturão Verde de
Ilha Solteira.
Os eventos referidos no capítulo anterior, a Intervenção em Desenvolvimento
Humano e o DRP, marcam um período de transição da Associação, como visto,
no sentido de sua recuperação em vários sentidos. Para compreender a qualidade
das transformações ocorridas, foram analisadas as atas de todas as assembléias da
Associação dos Pequenos Agricultores do Cinturão Verde de Ilha Solteira, desde a
eleição de Domingos Luis de Oliveira, presidente para o biênio 2000/2001, até o final
de sua segunda gestão como presidente da entidade, em dezembro de 2003.
51 A Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde como
uma Associação de Máquinas
5.1.1 Patrulha Agrícola
Os principais serviços prestados pela Associação aos seus associados – e
também para outros agricultores do município - referem-se à realização de trabalho
mecânico nas diversas operações dos ciclos das culturas, sobretudo as anuais,
compreendendo desde o preparo do solo até a colheita. Para isso, a Associação
canalizou seus esforços, desde o princípio de sua criação, mas de forma mais
A8J
intensa a partir das gestões mais recentes, visando uma patrulha agrícola
60
, objetivo
alcançado recentemente.
A expectativa em torno da chegada ao Cinturão Verde da Patrulha
Agrícola foi enorme e, como se pode perceber pela leitura das atas, havia uma
grande preocupação por parte dos produtores e da Associação, como legítima
representante destes, de que a mesma pudesse realizar os serviços de preparo do
solo para a safra 2001/2002, o que é perfeitamente compreensível. Mas, o
calendário dos procedimentos legais e burocráticos infelizmente não coincidiu com o
calendário agrícola e muito menos com o das expectativas dos produtores rurais do
Cinturão Verde.
O assunto é discutido na assembléia de 11 de novembro de 2001, quando
o presidente fornece explicações sobre a aprovação da verba pelo Ministério da
Agricultura, através do Programa de Desenvolvimento do Setor Agrícola dos
Municípios, para a compra da patrulha agrícola, do processo de licitação realizado
pela prefeitura, esclarecendo que “no momento do pagamento o dinheiro ainda não
estava liberado”, solicitando paciência por parte dos associados.
A ansiedade dos associados é compreensível face à chegada do período
da safra, em que a maioria se dedica ao plantio de culturas anuais, com destaque
para o milho. Novamente, na assembléia seguinte, de 09.12.2001, o presidente
comenta a demora na liberação da verba para aquisição da patrulha mecânica,
informando o empenho do prefeito municipal e seus contatos com as instâncias do
governo federal, visando a liberação dos recursos.
A esta altura, os produtores haviam realizado ou estavam realizando os
serviços com as máquinas e implementos existentes na Associação, enfrentando o
problema de não serem atendidos com a presteza que gostariam, dado o grande
número de demandantes. O que significa que alguns, como confirmado em
entrevistas realizadas, tiveram que arcar com o pagamento destes serviços para
particulares.
O dinheiro, por fim, é repassado pelo governo federal ao poder municipal e
a aquisição é efetuada, de tal forma que na primeira assembléia de 2002, realizada
 
60
O termo designa um conjunto de máquinas (tratores, principalmente) e implementos agrícolas (arado, grade,
roçadeira, cultivador, ensiladeira, carreta e outros)
AG$
no dia 06 de janeiro, a diretoria comunica “a chegada da Patrulha Agrícola,
praticamente toda, no pátio da prefeitura”, revelando, com esta afirmação, que
alguns dos componentes previstos ainda não haviam sido entregues.
A Patrulha Agrícola da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto
Cinturão Verde de Ilha Solteira é constituída atualmente de 05 Tratores, 01
terraceador, 03 grades niveladoras, 03 grades Rome, 01 calcareadeira, 03
roçadeiras, 03 tombadores, 02 cultivadores, 02 sulcadores, 02 plantadeiras, 01
colhedeira de milho, 01 debulhadeira de feijão, 01 subsolador, 02 carretas, 01
ensiladeira, 01 conjunto de acoplamento constituído de e lâmina, 01 pulverizador
de defensivos químicos, 01 caminhão Ford Cargo 1217, 01 veículo utilitário Ford
Courier, 02 compressores de ar, 01 máquina de solda e 01 tanque de combustível
de 2000 litros.
As fotos seguintes mostram alguns dos itens que compõem esta patrulha
agrícola:
Foto 9: Vista de um dos tratores agrícolas da Associação e do tratorista da entidade.
(Foto do autor, janeiro de 2004)
AGA
Foto 10: Vista do caminhão Ford Cargo. (Foto do autor, janeiro de 2004)
Foto 11: Vista parcial do caminhão da Associação, conduzido pelo técnico Robson Dourado.
(Foto do autor, janeiro de 2004)
AG#
A esta altura, janeiro, a necessidade por parte dos associados no que se
refere aos serviços de preparo do solo, havia diminuído, permitindo, da
perspectiva do poder público municipal, adiar a entrega das máquinas, veículos e
implementos para uma ocasião que permitisse fazer deste ato de entrega um
acontecimento político. Desta forma, o chefe do executivo municipal propõe que a
patrulha agrícola fosse entregue em evento solene a realizar-se no dia 22.02.2002,
quando estaria em Ilha Solteira o senador Rames Tebet, então presidente do
Senado, para o lançamento oficial do Projeto “Circuito das Águas”
61
. Tal proposta é
apresentada pelo presidente da Associação na assembléia de 01 de fevereiro de
2002, e aceita pelos presentes.
Foto 12: Vista lateral do utilitário Ford Curier, posicionado ao lado do barracão da
Associação. (Foto do autor, janeiro de 2004)
 
61
Projeto arquitetônico que objetivava transformar Ilha Solteira num pólo turístico conhecido regional e
nacionalmente, aproveitando os lagos formados à margem da cidade, através de investimentos vultosos, via
captação de recursos junto à iniciativa privada, e vislumbrando uma transformação vultosa na paisagem local.
AGC
Foto 13: Vista parcial do veículo utilitário Ford Curier, conduzido pela secretária da
Associação. (Foto do autor, janeiro de 2004)
O presidente comporta-se como um interlocutor entre o prefeito municipal
e o conjunto de associados. Apesar de aprovada pela assembléia, a data sugerida
pelo chefe do executivo, mas sentindo resistências e desconfianças por parte dos
associados e temendo, também, que eventos imprevisíveis pudessem provocar uma
mudança na data firmada, o presidente, em nova assembléia, realizada em
17.02.2002, efetua a leitura do ofício encaminhado ao prefeito solicitando que a
patrulha seja entregue no dia 22 de fevereiro. Este comportamento do presidente da
Associação é revelador da tensão permanente entre os dois pólos do binômio
autonomia-dependência que caracteriza, em grande medida, a relação com o poder
e a relação com os diversos mediadores e aqueles que representa, os associados.
A vinda do senador aconteceu, o Projeto foi oficialmente lançado e a
patrulha agrícola foi entregue na data de 22.02.2002, mas não qualquer
referência a este evento nas atas das assembléias futuras, evidenciando o que
realmente importava: a concreta entrega das máquinas e implementos .
A Associação havia recebido tratores anteriormente, inclusive aqueles
dois primeiros tratores conseguidos através de projeto elaborado pela equipe técnica
AGD
da Cesp, com recursos da LBA. Como aqueles tratores comprados eram usados e,
logo no primeiro ano de uso, apresentaram graves problemas de manutenção, vários
associados ficaram com a impressão de que teriam sido trocados. Ou seja,
associados que, desconhecendo a totalidade do processo que permitiu a aquisição
daqueles tratores, acreditaram e acreditam até hoje que o Estado havia
repassado tratores novos que, teriam sido trocados por tratores velhos os quais
foram destinados para a Associação.
Estes depoimentos revelam rios e significativos conteúdos. Um é o da
alienação de vários associados quanto ao que de fato acontece em sua associação.
Bastante próximo deste conteúdo é o da desconfiança remetida aos colegas
dirigentes, aos mediadores externos, aos representantes dos poderes constituídos.
Outro ainda é um sentimento de baixa auto-estima expressando que “aqui pra gente
vem sucata”, o que já não serve para os outros, e afirmações do gênero,
igualmente preocupantes, conteúdos que foram trabalhados intensamente na
proposta de Intervenção para o Desenvolvimento Humano, como também
abordado.
O depoimento a seguir traz alguns destes conteúdos:
Estas máquinas, as patrulhas agrícolas vêm para o município, mas
elas são direcionadas à agricultura. Inclusive tem uma história um
tanto mal contada aí. Antes de entregar a primeira patrulha que veio
pra Associação, a prefeitura ficou mais de ano trabalhando com os
tratores e quando foi entregue já estava sucateada. A que nós
recebemos agora, que foi na gestão 2001-2004, eles também
quiseram fazer a mesma coisa. Ela foi passada imediatamente para
nós porque nós ficamos acompanhando em cima todo o processo.
Tais afirmações, porém, não deixam de ter alguma procedência, quando um
entrevistado revela uma situação que aconteceu recentemente, com uma das
máquinas que não fora entregue junto com o restante da patrulha agrícola. Apesar
das condições do adiamento da entrega terem sido acordadas pela associação e
AG%
prefeitura, a situação revela a fundamentação das desconfianças e preocupações
por parte dos associados.
Inclusive nós temos o trator Ford 6600 que está apresentando
problemas agora porque foi amaciado pela prefeitura com
roçadeira
62
, fazendo serviço leve. Se ele tivesse sido amaciado num
tombador, por exemplo, hoje ele não estaria dando problema não. O
motor deste trator prestes a estourar e aí serão [necessários] uns
R$ 10.000,00 (dez mil reais) pra consertar.
Na última assembléia do ano de 2002, ocasião em que o atual presidente
se candidata com sua chapa a um novo biênio à frente da Associação, o mesmo
resgata a situação em que se encontrava a Associação no início de 2001,
comparando-a com o período de então e revelando os investimentos feitos, a venda
de equipamentos e máquinas sucateadas, as reformas, a retirada do nome da
Associação do SERASA; o resgate da saúde financeira da entidade; a aquisição de
alguns implementos e móveis novos; a patrulha agrícola recebida; a forma de
trabalhar em termos trabalhistas com tudo regularizado, destacando a importância
do subsídio mensal recebido da prefeitura para este quadro atual, pois
se não fosse
por ele não poderíamos nos manter desse jeito”.
 
62
O entrevistado refere-se á necessidade do amaciamento do motor de um trator destinado a trabalho pesado ter
que ser feito em condições de trabalho pesado, como aração de solo, por exemplo. Um trator amaciado fora
dessas condições pode vir a apresentar problemas posteriories quando for submetido ao esforço deste tipo de
trabalho.
AG8
Foto 14: Vista parcial de um dos tratores da Associação com roçadeira acoplada e de alguns
dos diversos implementados em segundo plano, posicionados na lateral do
barracão / depósito da organização. (Foto do autor, janeiro de 2004)
Em entrevista concedida em 07.07.2003, o presidente considerou que
A principal ação realizada na presente gestão foi conseguir junto ao
poder público municipal um repasse de verba mensal, cujo valor
permitiu a redução do valor cobrado pelos serviços de máquinas
(hora-máquina) que a associação presta aos seus associados. Tal
valor também possibilitou a reforma e colocação em atividade de
toda a patrulha mecânica da associação. (Domingos Luis de
Oliveira, presidente da Associação, entrevista realizada em
07/07/2003)
Depoimento que revela a grande articulação entre o recebimento das
subvenções mensais da prefeitura e a realização de serviços aos associados através
da patrulha agrícola.
AGG
E o presidente, sem a necessidade de leitura de qualquer documento,
detalha a composição da patrulha agrícola da Associação.
A Associação possui hoje 5 tratores, três grades Rome, duas grades
niveladoras hidráulicas, três tombadores, três roçadeiras, um
subsolador, uma colhedeira de uma linha, duas plantadeiras, sendo
uma de uma linha e outra de três linhas, um veículo utilitário (Ford
Curier), um caminhão Ford Cargo
63
. (Domingos Luis de Oliveira,
presidente da Associação, entrevista realizada em 07/07/2003)
Foram efetuadas doações de duas patrulhas agrícolas em dois momentos
recentes, através dos deputados federais Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Vadão Gomes
(PP-SP). Tais doações são destinadas à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira, para
utilização pela Associação.
De acordo com o presidente, a entrega desta segunda patrulha ocorreu
mesmo no período diurno do dia 22 de fevereiro, durante solenidade realizada na
Sede da Associação, caracterizando-se como evento político. Esta patrulha foi a
maior e o processo de sua destinação teve como origem um pedido formulado pelo
deputado Vadão Gomes (PP).
Em 1998, uma patrulha agrícola, constituída de um trator, uma roçadeira, um
sulcador, uma grade niveladora hidráulica foi recebida pela Associação dos
Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, através de um
pedido de autoria do deputado Arlindo Chinaglia (PT). Quando esta patrulha foi
recebida em Ilha Solteira, a prefeitura municipal estava sob administração de
Sebastião de Paula, aliado do Deputado estadual Edson Gomes e irmão do
deputado federal Vadão Gomes.
A patrulha, segundo relatos de inúmeros agricultores e dirigentes, foi entregue
para a Associação como tendo sido conseguida através das gestões de Vadão
Gomes e não de seu autor o deputado Arlindo Chinaglia. Este fato teve vários
 
63
Um veículo Ford Fiesta também compõe esta patrulha recebida. No entanto, um acorde entre a Associação e o
executivo municipal, resultou na sua destinação aos técnicos do Setor Agropastoril da Prefeitura Municipal sob a
alegação de que tal veículo contribuiria para uma presença mais efetiva dos técnicos junto aos produtores.
AG9
desdobramentos, tendo como protagonistas os dois vereadores do PT ilhense,
mediadores que foram neste pedido formulado pelo deputado Chinaglia.
De tal forma que, esta segunda patrulha recebida em fevereiro de 2002, é em
grande medida fruto daquele episódio ligado ao recebimento da primeira em 1998, o
que, em última instância foi uma aspecto positivo para a Associação que, desta
maneira, consolidou-se como uma Associação de Máquinas.
5.1.2 Valores Cobrados pelos Serviços (Hora-máquina)
De modo a corroborar a importância da Associação como prestadora de
serviços de máquinas e implementos a seus associados, reproduz-se neste tópico, a
questão dos valores cobrados por tais serviços, comumente denominado de Valor
Hora-Máquina, procurando mostrar como tais valores flutuam de acordo com a
variação da liquidez em que a Associação se encontra.
A entrevista concedida pelo presidente da entidade, em 07 de julho de
2003, fornece uma síntese desta questão.
O valor cobrado do associado pelo serviço de hora-máquina era de
R$ 20,00 (no final de 1999, início de 2000) e a patrulha estava toda
desfalcada, deteriorada, necessitando de manutenção e consertos.
Com o recebimento do subsídio (leia-se subvenções
64
) este valor
pode ser baixado para a metade, ou seja, R$ 10,00. Hoje [julho de
2003] o valor é de R$ 12,00 para o associado e de R$ 35,00 para o
particular, que é o que ajuda a viabilizar o valor mais baixo cobrado
do associado. A procura de serviços por particulares é até razoável,
inclusive por clientes como o FUNDECITRUS
65
. (D. L. O, julho /
2003)
Mesmo não tendo sito colocado de forma explícita pelo entrevistado,
também uma forma de subsídio ao associado no valor pago pelos não associados.
 
64
Assunto que será tratado em detalhes nas páginas seguintes.
65
Fundo de Defesa da Citricultura, entidade criada em 1977, inicialmente para combate do cancro cítrico nos
pomares paulistas e que ampliou o seu leque de atuação.
AGJ
O início da gestão 2001 / 2002, também coincide como mostrado
com o recebimento pela Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira, das chamadas subvenções, através da Lei n
o
. 074/93, o
PRÓ-RURISA.
Desta forma, a entrada de recursos financeiros, praticamente mensais, no
caixa da organização e o acompanhamento pelos sócios da evolução destes
recursos, através da adoção da leitura em todas as assembléias dos balancetes
mensais, mostrando um saldo positivo nas contas da organização, faz com que, na
assembléia de 15.07.2001, fosse solicitada pelos associados a redução dos valores
da hora-máquina para a utilização dos diversos implementos. Foi definida, nesta
ocasião, uma tabela com a seguinte especificação: roçadeira: R$ 15,00; grade rome
e tombador: R$ 12,00, demais implementos: R$ 10,00. Ou seja, aparentemente
apenas com base no volume de recursos recebidos pela entidade como subvenções
e não com embasamento em uma planilha de custos dos serviços, os associados
reivindicaram um benefício que seguramente é legítimo mas, não necessariamente
embasado em informações racionais, como custos
66
.
Da mesma maneira, na assembléia seguinte, realizada no dia 05.08.2001,
a ata registra que é “comunicado [aos associados] sobre a redução do valor do
serviço de debulha de feijão, ficando em R$ 5,00 / saca até 5 sacas e acima desta
quantidade para R$ 2,50 / saca.” Observe-se que, desta vez, nem sequer houve
uma solicitação para tal redução por parte dos associados e sim, conforme apurado
junto à diretoria, ocorreu uma percepção de que tais custos poderiam ser reduzidos
de modo a beneficiar os produtores.
por ocasião da assembléia final de 2001, quando a diretoria apresentou
à assembléia de sócios um balanço comparativo entre a situação da Associação em
janeiro do corrente ano, início da gestão desta diretoria e a situação em que a
mesma se encontrava após um ano de mandato, foi apresentado também um
“balancete sobre cada um dos tratores, revelando que somente o trator 985 – Valmet
- apresentou resultado positivo”. A ata não permite saber o que exatamente isto
 
88
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A9$
significa, mas deixa indicações de que, diferentemente do que ocorrera em julho de
2001, nesta oportunidade apresenta-se aos sócios um indicativo de custos,
elaborado com base na apresentação de receitas e despesas por máquina, o que
ainda está longe de se configurar como uma planilha de custos.
Lembrando que a partir de março de 2002, com a chegada da patrulha
agrícola, a Associação passou a contar com o caminhão, na assembléia de
09.06.2002, foi decidido sobre a alteração do valor do transporte cobrado para
associados e não associados de R$ 0,30 / km para 0,35 / km e de 0,60 / km para
0,70 / km, respectivamente. Também nesta mesma assembléia decidiu-se cobrar, do
usuário dos serviços de transporte do caminhão, as tarifas de pedágio quando estas
existirem no percurso utilizado para a realização destes serviços de carga ou frete.
Ainda sobre os custos de transporte, na assembléia seguinte, realizada em
14.07.2002, deliberou-se pelo aumento do valor do frete do caminhão para uso de
terceiros, não informando, contudo os novos valores.
A elaboração de balancetes, a prestação sistemática das contas e as
decisões ligadas à alteração de valores dos serviços são alguns sinais da
administração efetuada com base em critérios tanto de transparência administrativa
como da gestão dos recursos com base em custos reais. São mudanças que não
eram práticas comuns nas gestões anteriores, principalmente como ações
sistemáticas, mensais. No entanto, não encontram por parte dos associados, a
disposição para um acompanhamento freqüente, tanto no sentido de atuarem como
parceiros, colaboradores de quem está no exercício da gestão social da entidade,
como também na perspectiva de fiscalização, o que é um dever e um direito de
qualquer associado.
Sem revelar os motivos ou justificativas pelo que a ata revela - o
presidente comenta, na assembléia de 10.11.2002, sobre o aumento das taxas de
serviços de máquinas e de transporte, fazendo parecer que seja uma necessidade
que está se colocando para a diretoria e ao mesmo tempo preparando os
associados para tal aumento em seus custos.
Posteriormente, em conversa com os dirigentes, foi possível compreender
que tal medida teve por objetivo preparar os agricultores quanto aos gastos que
A9A
estes deveriam efetuar, a partir daquele momento, com a utilização dos serviços de
máquinas. Vale lembrar que novembro coincide com o momento em que as
máquinas são mais requeridas e os serviços se acumulam, formando uma fila de
atendimento por ordem de solicitação.
O aumento cogitado na assembléia de novembro de 2002, somente vem a
se consumar na assembléia de 09 de fevereiro de 2003. E apenas em parte, quando
o valor da hora-máquina cobrado de particulares sofreria um reajuste de 10%,
passando de R$ 30,00 para R$ 33,00.
Os valores cobrados pelos serviços de transporte pelo caminhão da
entidade, sofrem alteração a partir da assembléia de 06.04.2003, passando para R$
0,40 / km rodado para transporte de produtos, mudanças 0,70 / km para sócios,
quando se tratar de carreto de mudanças
67
, o valor da hora-máquina de roçadeira
passa de R$ 33,00 para R$ 35,00 para particulares.
Prosseguindo nesta tendência de reajuste dos valores cobrados pelos
serviços, na assembléia de 11.05.2003, a assembléia decide sobre a alteração dos
preços cobrados pela hora-máquina de trator: sócio R$ 12,00, roçadeira: R$ 15,00,
caminhão: R$ 0,40 para escoamento de produtos, R$ 0,70 para outros fins; Trator e
carreta: R$ 12,00 + 3,00 /hora. Associados: R$ 15,00 / lote; R$ 20,00 roçadeira; não
conveniado: R$ 24,00 / lote; roçadeira: conveniados, não associados: R$ 35,00 /
hora trator, e R$ 37,00 / hora, roçadeira, revelando que uma tabela com tais valores
fora elaborada. Uma análise sobre o recebimento das subvenções, ou melhor, a
freqüência com que a mesma tem sido destinada, bem como sobre o volume de
recursos repassados à Associação e, sobretudo, se houve interrupções nos
repasses e / ou queda no montante destinado, podem ser muito úteis para a
compreensão dos reajustes efetuados.
De fato, em meados de 2003, houve interrupção e diminuição dos valores
repassados à Associação e, quase que, sintomaticamente, a necessidade de
cobertura dos custos é repassada aos associados.
 
67
Embora não seja possível precisar a freqüência com que tais eventos de mudanças de familiares dos produtores
para outros locais aconteçam, o fato é que não se trata de acontecimento raro, tanto que originou a taxação do
serviço pela Associação. Verificar sua freqüência seria algo revelador e indicativo de outras questões, como por
exemplo, a dificuldade de reprodução social da família no limitado espaço do lote, considerando que lotes
com várias famílias residindo.
A9#
A ata da assembléia de 07.09.2003, revela que um controle de custos com
os serviços de máquinas está sendo realizado pela diretoria a partir das
informações repassadas pelos motoristas e pelo consumo efetivamente praticado -
uma vez que nesta ocasião é informado aos presentes que “a média de gasto diário
por trator com óleo diesel é de 10 litros, o que leva a novos reajustes dos valores
pagos pela hora-máquina: R$ 15,00 (sócios), permanecendo os valores de R$ 37,00
para particulares (roçadeira) e de R$ 35,00 para os demais implementos para
particulares, tendo sido tais reajustes aprovados por unanimidade.” Entre os clientes
chamados particulares da Associação estão produtores rurais do próprio município e
de municípios vizinhos, os microprodutores das rocinhas familiares, além de
instituições como a Fundecitrus, já referida.
Um aspecto que, reiteradas vezes, pode ser observado nas atas das
assembléias diz respeito à necessidade de identificação dos lotes por seus
proprietários, sobretudo para facilitar o acesso aos mesmos pelos tratoristas da
Associação por ocasião da prestação de serviços efetuados com máquinas e
implementos diversos. O que pode ser constatado é que, como revela a ata da
assembléia de 05.01.2003, as placas de identificação dos lotes foram
confeccionadas e afixadas.
5.2 A Presença e Importância de Diversos Mediadores
Como revela a leitura das atas das assembléias da Associação, na
assembléia do dia 04.01.2001, por ocasião da cerimônia de transmissão de cargos
do então presidente Manoel Romão de Santana para a diretoria e conselho eleitos,
observa-se a presença do prefeito municipal, do presidente da Câmara Municipal, de
três vereadores da base de sustentação do governo municipal e com maior
proximidade com a diretoria da Associação (Antonio Carlos da Silva, Cícero
Aparecido da Silva e Itamar Vasconcelos), da psicóloga Maria Aparecida Pereira
Pinto e do engenheiro agrônomo Francisco Sérgio de Lima, coordenador do Setor
Agropastoril da Prefeitura Municipal de Ilha Solteira.
A9C
uma coincidência entre o mandato desta nova diretoria da Associação
com o mandato do novo prefeito eleito para o período de 2001 a 2004, assim como o
dos integrantes do poder legislativo local. Merece destaque o expressivo contingente
de eleitores presentes no Cinturão Verde, sobretudo considerando-se que a eleição
realizada em 01.10.2000 em Ilha Solteira foi decidida por apenas 413 votos, cifra
que corresponde a cerca de 3 % do total de eleitores do município.
Ou seja, o Cinturão Verde foi também importante para o alcance deste
resultado e a própria presença do prefeito eleito e de expressiva representação dos
vereadores de sua base política são sintomáticos de uma aliança, mesmo que
velada, de interesses e de vontades que reforçam o papel destes atores públicos
como importantes mediadores da Associação e de seus projetos.
Da mesma forma, a presença de técnicos que diretamente, como no caso
do engenheiro agrônomo Francisco Sérgio de Lima, mais de 10 anos integrante
da equipe técnica do Setor Agropastoril da Prefeitura Municipal responsável pelo
acompanhamento e apoio ao Cinturão Verde, bem como da psicóloga M. A. Pinto,
colaboradora da comunidade de agricultores do Cinturão Verde em projetos de
desenvolvimento humano na linha psicodramatista
68
, são exemplos concretos da
importância dos agentes técnicos e sociais como mediadores externos – junto a este
território específico.
Uma das bandeiras ou propostas do programa de governo dessa nova
administração municipal, composta pela coligação dos partidos PMDB, PPS, PSDB
e PT, foi a implantação do Orçamento Participativo, pressupondo a escolha de
representantes dos mais diversos segmentos e setores da sociedade local.
Com o propósito de informar sobre este processo e de desencadear um
processo de definição de representantes, os vereadores Antonio Carlos da Silva
(PT), Ademir Zagato (PSDB), o vice-prefeito Zailton Pescarolli (PT) - responsável
pela coordenação do Orçamento Participativo e o próprio prefeito Dílson César M.
Jacobucci, estiveram no barracão da Associação no dia 25.03.2001. Na
oportunidade, o vice-prefeito apontou o aumento do percentual destinado à
 
68
Vertente da psicologia que trabalha com psicodrama, elaboração de sociogramas e com dinâmicas de grupo
com o objetivo de captar as dinâmicas de comunicação interpessoal, a existência de conflitos e as interações
entre os integrantes de grupos.
A9D
agricultura no orçamento do ano de 2002, aliás, o primeiro a ser elaborado pela atual
administração municipal.
O prefeito Dílson César, além de relatar a situação em que encontrou a
prefeitura, reforçou seu compromisso em aumentar a dotação de recursos à
agricultura e ao Projeto Cinturão Verde, abordando também a questão da titulação
das terras que estaria sendo providenciada para que os agricultores do Cinturão
Verde possam alcançar uma antiga aspiração, que é a obtenção das escrituras
definitivas de seus lotes.
Apesar de pertencer a outro partido e compor a base política do ex-
prefeito e atual deputado estadual Edson Gomes, o então presidente da Câmara,
vereador João de Oliveira Machado (PPB) tem na agricultura uma de suas
plataformas de ação. Presente à assembléia da Associação, realizada no dia
15.07.2001, convidou os associados presentes e demais agricultores interessados, a
participar de uma palestra sobre cultivo de espécies frutíferas para produção de
polpa, que ocorrerá no mês de julho na Câmara Municipal de Ilha Solteira. Na
verdade, tratava-se de uma palestra a ser ministrada pelo proprietário e técnicos da
ASADA Empreendimentos Agroindustriais, de Mirandópolis, interessada na
expansão da cultura do caju na região.
Em outra ocasião, na assembléia de 02.09.2001, o mesmo presidente da
Câmara, atuou como mediador junto aos agricultores interessados em adquirirem
uma linha telefônica, informando-os que para a obtenção de tal serviço, deveriam
dirigir-se aos Correios e preencher um formulário próprio para isto.
Na assembléia da Associação realizada no dia 07.10.2001, dois dos três
vereadores petistas falaram aos associados presentes sobre o andamento do
processo do Orçamento Participativo, sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal e de
modo especial, sobre a Lei no. 74/93, conhecida como PRÓ-RURISA, que permite à
Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, o
recebimento de subvenções.
Segundo depoimentos colhidos junto a agricultores que participaram desta
assembléia, o desconhecimento desta lei era compartilhado pela maioria. E apesar
da referência a esse assunto, o Pró-Rurisa, quando interpelados sobre o que seria, a
A9%
quase totalidade não soube dizer o que seria. Interrogando os mesmo sobre a
existência de uma lei que “permitiria à Prefeitura repassar recursos à Associação”,
vários sabiam que existiam tal lei. Ou seja, estes depoimentos reiteram e confirmam
a hipótese de que apenas os mais afetos às lides cotidianas da Associação estão
familiarizados com os procedimentos, argumentos, mecanismos burocráticos e
conhecimentos de mecanismos legais, como a referida lei. O que, por sua vez, é
revelador da concentração do poder decisório, nas Associações e Sindicatos, em
uma pequena parcela de seus quadros, haja vista a continuidade, às vezes de forma
vitalícia, de vários dirigentes destas agremiações.
Interessante ressaltar que tal instrumento, embora implantado desde junho
de 1993, pelo então prefeito Edson Gomes, não vinha sendo aplicado e o resgate
deste instrumento legal pela atual diretoria nesta gestão municipal faz destes atores
públicos mediadores essenciais para a consecução dos objetivos da Associação.
Por força do que estabelecem a Constituição de República, a Constituição
do Estado de São Paulo e a Lei Orgânica Municipal, Ilha Solteira tem constituído o
seu Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e o atual presidente da
Associação tem acesso às suas reuniões. No entanto, não foi possível ainda captar
e apreender a importância deste colegiado para com as aspirações e demandas da
agricultura familiar presente no projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira. Não há
registro nas atas das assembléias de assuntos ou temas abordados que sejam do
interesse da Associação.
Entendendo o papel dos mediadores como catalisadores de processos
sociais e econômicos, como facilitadores das ações e atividades diversas, tanto
técnicas como culturais e outras, o processo de participação no Programa Estadual
de Microbacias Hidrográficas, também presente no município, através do Setor
Agropastoril da Prefeitura Municipal e sua parceria / convênio com a Secretaria de
Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo / Coordenadoria de Assistência
Técnica Integral (SAA/CATI), revela a importância dessa interlocução. Aliás, este
programa, na medida em que prevê ações e benefícios que podem chegar a mais de
R$ 61.000,00 (em valores de julho de 2003), para as associações constituídas e
organizadas em atividades de conservação dos recursos naturais, capacitação e uso
A98
adequado de tecnologia, é um mediador privilegiado no que diz respeito ao alcance
dos objetivos almejados pela Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto
Cinturão Verde de Ilha Solteira. Na assembléia da Associação, realizada no dia
09.06.2002, foi indicado um associado como representante da mesma junto ao
Programa em desenvolvimento na Microbacia do Bairro Cinturão Verde de Ilha
Solteira.
Em várias oportunidades, ao longo da existência do Projeto Cinturão
Verde, a participação da UNESP, campus de Ilha Solteira, tem se verificado, seja
através de atividades pontuais de docentes e de alunos, em projetos de pesquisa,
de extensão ou de estágio de caráter formal e informal. Um exemplo é o citado
DRP e outro, mencionado nos documentos da equipe técnica da Cesp, foi o
desenvolvido como estágio extracurricular no ano de 1987, sob a coordenação deste
autor
69
.
A ata da assembléia de 14.07.2002 revela a presença de alunos,
envolvidos em um projeto de extensão, com o propósito de fornecerem orientação
aos produtores sobre que culturas produzirem, de acordo com as épocas do ano.
Os alunos retornam na assembléia de 17.08.2003 e apresentam um
projeto de extensão
70
, que prevê a edição e distribuição de um boletim informativo
mensal sobre a agricultura em geral e a agricultura familiar, em particular. Também
na assembléia de 05.10.2003, os alunos e a docente comparecem, distribuem o
Informativo, falam da agricultura familiar e sua importância social e econômica. O
mesmo acontece na assembléia de 07.12.2003, com a distribuição de exemplares
do informativo e a preleção pelos alunos de um tema de interesse da comunidade
local, em linguagem simples e clara, preocupação do próprio projeto de extensão.
As assembléias da Associação também constituem momentos de propiciar
informação e capacitação sobre assuntos diversos. Na assembléia realizada em
09.02.2003, a representante local do Banco do Povo fez uma breve exposição sobre
o funcionamento desta instituição de microcrédito, seus requisitos e condições,
 
69
ARAUJO, C. A. M. Relatório do Projeto Assistência Técnica e Extensão Rural no Projeto Cinturão Verde de
Ilha Solteira e no Projeto de Reassentamento Populacional de Selvíria”, referente ao período de julho a setembro
de 1988. Ilha Solteira, 1988, 21p.
70
Sob orientação da docente Silvia Maria Almeida Lima Costa.
A9G
caracterizando-se como mais uma instituição mediadora na consecução de objetivos
buscados pelos associados. E, por outro lado, a própria associação também, neste
caso se revela como instituição de mediação entre os interesses dos associados e a
instituição creditícia.
Nesta mesma perspectiva, na assembléia realizada no domingo, dia
09.11.2003, professores e professoras da Escola Municipal de Ensino Fundamental
“Aparecida Benedita B. Silva” fazem uma breve exposição sobre o Projeto
“Analfabetismo Zero”, convidando todos os interessados e interessadas a
participarem das aulas, a partir de fevereiro de 2004. As aulas seriam ministradas no
período noturno, no Barracão da Sede da Associação e é possível que seja
oferecido transporte coletivo para as aulas, além de uma merenda no local. Durante
a realização do trabalho de campo junto aos agricultores do Cinturão Verde, por
várias vezes foi possível constatar pessoas idosas, de ambos os sexos, dispostas a
participar das aulas deste programa.
Também nesta data, 09.02.2003, o presidente apresenta o técnico do
Programa SAI - Sistemas Agroindustriais Integrados / SEBRAE
71
, José Reinaldo que
vai permanecer toda terça e quinta-feira na Casa da Agricultura / CATI para prestar
orientações e esclarecer dúvidas diversas, o qual comprometeu-se a marcar uma
reunião com os produtores para tratar especificamente das ações e propostas do
Programa.
A exemplo do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, do
Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas, da UNESP, o SAI / SEBRAE, além
de instituição mediadora, representa mais um componente de um rol de instituições,
programas, que podem contribuir para as transformações buscadas pela Associação
dos Pequenos Agricultores do Cinturão Verde de Ilha Solteira.
5.3 A Relação entre a Associação e a Prefeitura Municipal de Ilha Solteira
O poder público, como já apontado no tópico sobre os mediadores da
associação, é um dos principais interlocutores, parceiros e agentes de
 
71
Sistema Brasileiro de Apoio à Pequena e Microempresa.
A99
desenvolvimento presentes na relação com a Associação dos Pequenos Agricultores
do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira. Pela proximidade desta relação,
caracterizando-se, na maior parte das vezes, como uma relação de dependência da
Associação para com o poder público, torna-se a compreensão da mesma crucial no
presente trabalho.
Da análise da atas, sobretudo do período mais recente, que corresponde à
gestão de Domingos à frente da organização por dois mandatos consecutivos, foi
possível extrair diversos excertos em que tal relação se manifesta. Esta relação
também pode ser apreendida pela análise dos inúmeros ofícios trocados entre a
associação e a prefeitura municipal, bem como pela análise das atas da diretoria em
que os assuntos tratados entre ambas as instituições figuram.
Na assembléia de 22.04.2001, o presidente relatou aos associados
presentes os termos do ofício do prefeito, no qual manifesta a disposição da
Prefeitura Municipal em reformar as sedes das diversas entidades do município. É
efetuada, na assembléia de 20.05.2001, a leitura do termo de isenção do IPTU
72
aos
moradores do Cinturão Verde, assim como é anunciada a possibilidade de aquisição
de esterco de curral pelos produtores através da Prefeitura.
Ligado a esta questão de enquadramento como urbano-rural, o presidente
informa aos associados, na assembléia de 15.07.2001, a respeito da consulta feita
ao prefeito municipal a respeito da não cobrança de taxa de projeto para construção
civil, à qual o chefe do executivo respondeu informando que, como o Cinturão Verde
é enquadrado como área urbana, toda construção deverá ter projeto
necessariamente assinado por engenheiro civil.
A prefeitura, conforme apontado linhas atrás, havia se comprometido a
efetuar reformas nas entidades sociais do município, entre elas a sede da
Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira.
Para tanto efetuou uma licitação orçada em R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais)
suficientes para a reforma das instalações da cozinha, escritório, banheiros, sala de
reuniões, sala do técnico, enfim toda a área fechada do Barracão, como é conhecida
a sede da entidade.
 
72
O Cinturão Verde está inserido na área urbano-rural do município, daí a incidência deste imposto na área,
conforme demonstra o mapa do município localizado à página 81.
A9J
Também nesta mesma ocasião o presidente informa os associados
presentes sobre a definição de transporte coletivo para o Cinturão Verde e a
instalação de um ramal de telefone exclusivo para a Associação, uma vez que até
então o mesmo era compartilhado com a Unidade de Captação e Recalque de Água,
localizada ao lado da sede da Associação.
O presidente fez constar, na ata da assembléia de 07.10.2001, sua
intenção de solicitar a compra de um tanque pipa pela prefeitura municipal para
atendimento das necessidades da comunidade do Cinturão Verde. Apesar da ata
não especificar, é compreensível a finalidade da requisição pelo fato da falta de
água nos lotes ser um problema antigo e persistente, bem como pela possibilidade
concreta que tem a Associação, com seus tratores, de fazer chegar água aos lotes
com maior autonomia e independência deste serviço prestado pela própria
Prefeitura, desde que venha a ter o tal tanque pipa. Registre-se também neste
episódio, o comportamento da diretoria em ter na Prefeitura uma solucionadora de
diversos de seus problemas, e não uma atitude protagonista e empreendedora com
relação a questões que ela talvez pudesse resolver.
O presidente relatou aos associados os assuntos discutidos em reunião
com o prefeito municipal, na qual, entre outros assuntos, cobrou do chefe do
executivo local, providências para a melhoria das condições das estradas rurais que
dão acesso aos lotes.
O interessante da análise das atas é perceber a recorrência de certos
assuntos, permitindo verificar os assuntos ou problemas que continuam pendentes e
aqueles que vão sendo sanados ou resolvidos. A questão da necessidade de
conservação das estradas havia sido assunto registrado em ata desde a
assembléia de fevereiro do mesmo ano e, decorridos seis meses daquele momento,
nenhuma providência havia sido desencadeada pelo executivo municipal. Ainda
nesta assembléia, o presidente relatou a oficialização ao prefeito do pedido de um
tanque pipa, assunto abordado como intenção na assembléia de outubro de 2001.
A prefeitura municipal, atendendo solicitação da Associação, passa a
oferecer os serviços de um guarda-noturno na sede nos finais de semana, conforme
comunicou à comunidade o presidente, na assembléia de 01.02.2002. Percebe-se,
AJ$
neste exemplo, que uma empresa autônoma, contrataria os serviços de um
profissional de segurança. O recurso à prefeitura para a solução deste problema
está embasado, segundo argumentos da diretoria, de que outras entidades da
cidade receberiam tais serviços, o que se caracterizaria como um pretexto para a
solicitação. Mas, não descarta a atitude ou o paradigma clientelista, paternalista
nesta relação associação – prefeitura.
Na assembléia realizada em 10.03.2002, como se verá mais à frente,
momento imediatamente posterior à chegada da patrulha agrícola na Associação, o
presidente anunciou aos presentes, que teve oportunidade de efetuar uma volta pelo
Cinturão Verde em companhia do prefeito municipal, com a finalidade de mostrar ao
chefe do executivo as condições das estradas que dão acesso aos lotes e de
reforçar a importância da patrulha para os produtores, associados ou não.
Nesta oportunidade o presidente comunicou os associados presentes que
“a Associação vem prestando serviços de máquinas à Prefeitura Municipal com a
promessa de que o repasse de recursos aumente e assegurou que tal fato não
afetará o atendimento dos associados”.
O que chama a atenção é o fato de, nesta relação entre a prefeitura e a
associação, um acordo entre as partes ter sido feito, no sentido de possibilitar que a
prefeitura também possa utilizar os serviços da patrulha agrícola da Associação.
Nesta relação entre a Associação e a Prefeitura, a patrulha agrícola, pelo menos
nesta ocasião, atua como objeto de barganha. Na tentativa de averiguar em que
medida esta troca de favores comprometem o atendimento aos sócios e as
prioridades da Associação, talvez o ideal seria efetuar uma enquete com todos os
associados e terceiros. O que foi realizado, uma coleta de depoimentos, demonstra
que opiniões a este respeito variam em função da proximidade que têm os
entrevistados com relação à diretoria e à própria Associação. Alguns entendem
como forma necessária para assegurar os recursos (subvenções), ao passo que
outros a tomam como prejudiciais à entidade.
As informações colhidas com alguns dos entrevistados dão conta de que
isto de fato ocorre, mas que não chega a comprometer os associados. No entanto,
este é um problema ainda persistente e inquietante, que remete para a questão da
AJA
própria forma como a patrulha agrícola foi obtida. Uma investigação mais profunda
dessa questão aponta para a necessidade de compreensão dos trâmites legais que
possibilitaram a vinda das máquinas e equipamentos para a Associação, tendo como
interveniente legal, a Prefeitura Municipal de Ilha Solteira.
Não escapa à análise, a percepção de que uma troca de favores entre
associação e prefeitura, tendo como instrumentos a concessão das subvenções
mensais e a própria patrulha agrícola. Sem dúvida, é uma relação de poder a que se
verifica nesta situação e, do ponto de vista deste trabalho, interessa compreendê-la
como possível fonte de conflitos que afetem a atuação e os objetivos da própria
Associação.
se aproximando o final do ano de 2002, mais precisamente na
assembléia de 10.11.2002, que coincide também com o final do mandato da diretoria
cujas eleições ocorrerão em dezembro o presidente relata os assuntos tratados
com o prefeito municipal em reunião realizada no dia 06 de novembro. Disse que foi
discutido e deliberado sobre a permanência do técnico agrícola prestando orientação
na sede da entidade. A propósito existe na sede uma sala destinada a este serviço
de atendimento dos associados, denominada “Sala do Técnico”. Também foi tratado
sobre a questão do ramal do telefone que, apesar de deliberado, desde agosto de
2001, ainda não fora implantado decorridos mais de 15 meses.
Foi relatado pelo presidente, na assembléia de 09.03.2003, sobre o
péssimo estado de conservação das estradas internas do projeto e que já foi
encaminhado pedido de recuperação das mesmas ao responsável pelo setor de
obras da prefeitura, Sr. Flávio Rocha, o qual prometeu a realização do mesmo nos
meses de junho e julho daquele ano.
Nesta assembléia falou-se também da coleta seletiva de lixo, que
implantada na cidade com coleta semanal por um caminhão próprio para a
finalidade, também será feita nos lotes do Cinturão Verde, desde que haja interesse
e colaboração por parte dos produtores. Seria interessante investigar em que
medida, o Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas, presente no Cinturão
Verde e também os projetos de extensão da UNESP, Campus de Ilha Solteira, têm
contribuído para reforçar a própria necessidade e implantação da coleta seletiva no
AJ#
Cinturão Verde. Outro dado a questionar mais diretamente com os integrantes da
equipe técnica do Setor Agropastoril, no que respeita à assistência técnica e
extensão rural, é a elaboração pelos próprios produtores - e talvez com a mediação
da Associação de composto orgânico que, por várias razões, seria extremamente
útil e interessante. A começar pela possibilidade de aquisição, a custos bem
reduzidos, de um importante insumo necessário para recuperação da fertilidade dos
solos, passando pela questão do uso racional e reaproveitamento de resíduos
orgânicos e com as implicações ambientais daí decorrentes. Ainda mais porque,
conforme registrado na ata da assembléia de 05.10.2003, “sobre a coleta seletiva foi
constatado que muita gente está enviando material orgânico junto, ou seja, não
fazendo a correta separação deste lixo.”
Também a última assembléia de 2003, realizada em 20.12.2003 refere-se
a este tema, manifestando sua “preocupação com o destino do lixo e o meio
ambiente, [pois] os danos ambientais estão aumentando e podem ser vistos em
vários lotes problemas como assoreamento de córregos, desmatamento, destino
inadequado do lixo, erosão do solo, etc”.
Ainda nesta assembléia, o presidente comunicou a intenção da diretoria
em adquirir um pulverizador, “mas isto no momento não é possível, pois o custo do
implemento novo é de R$ 12.000,00”. Afirmou, também, que tentaria, junto com o
técnico agrícola Robson Dourado, conseguir a doação de um pulverizador da
prefeitura que estaria ocioso. Mesmo não havendo, informações nas atas futuras, se
tal intento foi concretizado, o que chama a atenção é a prefeitura ser, mais uma vez,
procurada como possível solucionadora de mais esta questão.
O presidente comunicou aos presentes, na assembléia de 17.08.2003, a
intenção da prefeitura municipal em instalar telefones públicos em alguns pontos do
Cinturão Verde, como um benefício tempos demandado pela população local,
aspecto que mostra a resposta do executivo a uma, entre várias outras, demandas
do Cinturão Verde, através da Associação. Apesar dos esforços envidados e do
ofício do prefeito, na assembléia de outubro, realizada no dia 05.10.2003, o
presidente comunicou a todos o teor do ofício recebido da prefeitura no qual a
AJC
Telefónica informa que o Cinturão Verde não se enquadra nas condições da
empresa, para instalação dos telefones públicos.
Ainda nesta mesma assembléia, o presidente se pronunciou relatando os
“benefícios que a prefeitura tem propiciado ao Cinturão Verde, tais como: instalação
de um telefone público (orelhão) na sede; melhoramento da energia elétrica, com
destaque para a questão das escrituras definitivas dos lotes, que estavam ‘há tanto
tempo enroladas’ entre outros.”
Relevante nesta ata é a referência à questão das escrituras definitivas dos
lotes, uma antiga aspiração dos produtores. Aliás, esta é ao mesmo tempo uma
questão preocupante porque pode levar à venda dos lotes pelos seus proprietários,
ainda mais daqueles situados mais próximos à avenida Atlântica, mais conhecida
como perimetral, dada a pressão imobiliária dos moradores de Ilha Solteira.
5.4 O Repasse de Subvenções da Prefeitura à Associação: uma questão
crucial
Pode-se afirmar, que este é um dos temas centrais da análise do papel da
associação e de seu desempenho como articuladora e mediadora dos diversos
serviços que presta aos associados. A importância dos valores recebidos pela
Associação, através do mecanismo legal que torna isto possível, é um dos mais
fortes – senão o mais expressivo – pilar de sustentação financeira da organização.
Neste tópico pretende-se evidenciar tal importância e os desdobramentos
diversos que o mesmo acaba desencadeando na entidade. Imediatamente após sua
posse para a direção da Associação, na assembléia de 11.02.2001, o tema das
subvenções outorgadas pela Prefeitura Municipal, entra em pauta com o presidente
afirmando que “o valor do repasse de verba da prefeitura para a Associação não
foi maior porque não estava previsto no orçamento anterior”.
O volume de recursos recebidos pela Associação dos Pequenos Agricultores
do Projeto Cinturão Verde, pela Prefeitura Municipal de Ilha Solteira ao longo dos
quatro anos da na gestão do prefeito Dílson César – período 2001 a 2004 – pode ser
visualizado a partir da tabela 4.
AJD
Tabela 5: Subvenções Recebidas da Prefeitura Municipal de Ilha Solteira
pela Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira no Período de 2001 a 2004
DATA VALOR (R$)
01/02/2001 5.000,00
06/03/2001 5.000,00
09/05/2001 3.000,00
12/06/2001 3.500,00
07/08/2001 3.500,00
02/10/2001 2.000,00
16/11/2001 2.500,00
28/12/2001 2.320,00
Sub-total 2001
26.820,00
28/02/2002 5.000,00
28/03/2002 4.250,00
10/05/2002 6.000,00
12/07/2002 5.750,00
20/08/2002 6.000,00
24/09/2002 4.500,00
11/10/2002 6.000,00
29/10/2002 6.000,00
Sub-total 2002 43.500,00
17/;01/2003 6.500,00
20/02/2003 12.000,00
16/04/2003 4.500,00
16/04/2003 1.934,00
15/072003 5.500,00
29/08/2003 4.000,00
17/10/2003 4.000,00
17/102003 4.000,00
22/12/2003 2.800,00
Sub-total 2003
45.234,00
24/01/2004 2.800,00
26/03/2004 8.409,00
14/05/2004 4.000,00
07/07/2004 3.500,00
26/07/2004 2.000,00
24/08/2004 3.000,00
16/09/2004 3.000,00
10/11/2004 3.000,00
08/12/2004 4.000,00
08/12/2004 4.000,00
Sub-total 2004
37.709,00
TOTAL 153.263,00
Fonte: Arquivos da Secretaria da APAPCVIS, adaptado pelo autor.
AJ%
O total de recursos recebidos pela Associação através do repasse das
subvenções totalizou R$ 153.263,00 durante os quatro anos da gestão 2001-2004, o
que corresponde a uma média de R$ 3.192,98 ao mês. Pode-se perceber que não
houve uma regularidade mensal no repasse dos recursos
73
, de tal forma que em
alguns momentos são efetuados repasses, na mesma data, de duas importâncias.
As explicações fornecidas revelam que se referem a momentos em que houve
interrupção no repasse, sendo efetuados dois decretos distintos pelo chefe do
executivo municipal emitidos na mesma data. Também é possível constatar que
houve uma diminuição no volume de recursos repassados à Associação em 2004.
Além destes valores, a Prefeitura Municipal repassou ainda à APAPCVIS, um
valor de R$ 3.180,00, proveniente ao COMASIS. Este valor se refere a três parcelas
de R$ 1.060,00, devidas pela prefeitura municipal (gestão 1997 a 2000), através
daquele conselho pelos serviços do trabalho “Intervenção em desenvolvimento
humano”, concluído em dezembro de 2000. Segundo informações colhidas junto à
tesouraria da Associação, tal valor foi totalmente repassado à psicóloga Cristina
Zampieri, responsável pela condução do trabalho.
As informações sobre valores e custos dos investimentos, aplicações,
destinos dados aos recursos são muito vagos nas Atas, como se pode perceber
através das informações constantes na ata da assembléia de 25.03.2001, que
registra que “com o valor repassado pela prefeitura em fevereiro a Associação pode
consertar os tratores 985, 275 e Ford” e que “com este subsídio também foi possível
acertar as contas dos funcionários não registrados.”
O tema das subvenções volta à pauta da assembléia realizada no dia
20.05.2001, em que é lida pelo presidente a íntegra da Lei 074/93 que criou o
Programa de Apoio ao Pequeno e Médio Produtor Rural de Ilha Solteira - PRO-
RURISA, que, entre outras medidas, prevê a destinação de recursos à Associação.
A ata da assembléia de 15.07.2001 o registra se houve por parte dos
associados, uma cobrança quanto a informações sobre os destinos dados às
subvenções recebidas, mas a mesma registra que nesta assembléia foram
“apresentadas todas as prestações de contas, desde o início desta gestão para que
 
73
Em 2001, foram efetuados 8 repasses, em 2002, 8 repasses, em 2003, 9 repasses e em 2004, 10 transferências
de recursos à Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira.
AJ8
todos pudessem ver e examiná-las, sobretudo para que pudessem verificar a
destinação das subvenções recebidas da prefeitura”. Da mesma forma, a própria ata
também não apresenta um resumo ou síntese dos valores, o que seria muito útil e
perfeitamente cabível de registro.
Como se pode apreender da leitura da lei que criou o PRÓ-RURISA,
“fornecer mudas e sementes para a melhoria da produção agrícola” levada a cabo
pelos pequenos e médios produtores rurais do município é um de seus objetivos e
finalidades, como expressa o inciso III, do artigo 4º desta lei.
Na assembléia de 07.10.2001, o presidente comunica aos presentes a
deliberação da Prefeitura de efetuar o “repasse de verba para a compra das mudas
de caju, lembrando que os associados inadimplentes não poderão usufruir deste
benefício.” Nesta assembléia compareceram os vereadores petistas Antonio Carlos
da Silva e Cícero A. Silva, falando aos presentes sobre o andamento do Orçamento
Participativo, sobre a Lei de responsabilidade Fiscal e ainda para apresentação da
Lei no. 074/93 (PRO RURISA), que trata das subvenções repassadas à Associação.
Na assembléia de 07.04.2002, o repasse de verbas foi tema de pauta,
inclusive tendo o presidente se referido ao instrumento legal que propicia tais
subvenções.
Ao apresentar para os associados presentes, na assembléia de
10.11.2002, o demonstrativo / balancete do mês de outubro, o presidente aproveitou
para efetuar pedido de aumento da verba destinada à Associação. Como a ata não
revela os números deste balanço, não é possível apreender as razões da solicitação
efetuada pelo presidente de aumento do volume de recursos transferidos à
Associação.
A este mesmo tema, o presidente retorna na assembléia de 05.01.2003
74
,
“falando da necessidade de aumentar a subvenção da prefeitura, com o que
pretende construir um lavador com rampa , uma garagem (leia-se: almoxarifado)
para guardar os implementos e tratores e para a aquisição de acessórios de cozinha
e banheiros”.
 
74
A diretoria, com algumas modificações de cargos, sob a presidência de Domingos Luis de Oliveira, entra em
seu segundo mandato, aparentemente num processo natural de recondução em que não houve chapa concorrente
e com expressiva votação.
AJG
Na assembléia realizada no dia 06.04.2003, “o presidente comunicou a
intenção da diretoria em adquirir um pulverizador, mas isto no momento não é
possível pois o custo do implemento novo é de R$ 12.000,00. Afirmou que vai tentar
junto, com o técnico agrícola Robson Dourado, conseguir (a doação de) um da
prefeitura que estaria ocioso, e disponível no pátio da mesma”.
Em assembléia do dia 08.06.2003, durante a discussão da necessidade
dos associados acertarem suas dívidas para com a Associação, o presidente
informou que houve uma redução em 20 % no valor repassado pela prefeitura para
todas as entidades do município e que este valor está fazendo falta no caixa da
Associação.
Conforme informam os diretores Domingos e Eva, em entrevista
concedida aos 07.07.2003, com a redução da arrecadação do ICMS no primeiro
semestre de 2003, decorrente por sua vez, da queda da atividade econômica como
um todo neste período, a Associação está desde março sem receber o repasse das
subvenções pelo poder público municipal, valor este que lhe estava permitindo
subsidiar atividades como a redução do custo da hora de serviço de máquinas e
implementos e também efetuar a aquisição de insumos necessários aos produtores
e recebendo destes sem cobrança de juros em até três vezes.
O repasse das subvenções da prefeitura é decorrente da citada Lei
074/1993. Apesar de sua existência tanto tempo, ela não estava sendo aplicada e
somente a partir da gestão do atual prefeito municipal ela começou a se
efetivamente praticada. O subsídio é orçado anualmente na LDO Lei de Diretrizes
Orçamentárias que neste ano de 2003 foi de R$ 42.000,00 para todo o ano. A
liberação vai ocorrendo de acordo com a solicitação da Associação, mas três
meses não está sendo repassada. Pode se dizer, sem sombra de vidas, que se
ela está sendo executada hoje deve-se ao trabalho da atual diretoria que procurou
saber sobre a existência de mecanismos desta natureza junto à Câmara e
Prefeitura. E, de modo particular, a visita a outras associações da própria região,
notadamente de Castilho que tem mecanismo semelhante e em execução
algum tempo.
AJ9
Em virtude desta interrupção no repasse deste auxílio, o presidente
revela uma séria preocupação com a possibilidade de perda definitiva do mesmo
hoje concedido pela prefeitura, e além da idéia de arrendamento de uma área para
produção de milho, não tem outras opções ou idéias de como poderá aumentar as
receitas da Associação.
Na penúltima assembléia realizada em 2003, mais precisamente aos
07.12.2003, foi efetuada a leitura do demonstrativo de novembro e o presidente
comentou as dificuldades que a Associação estaria enfrentando.
Nesta mesma assembléia, o vereador Itamar Vasconcelos, um dos
mediadores do poder legislativo local mais freqüentes às assembléias da
Associação, teceu comentários sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2004 e,
em especial, sobre as subvenções para 2004.
Foto 15: Vista aérea das instalações da sede da Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira.
AJJ
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora na redação deste trabalho não se tenha adotado a estratégia de ligar
a apresentação dos resultados à teoria que a sustenta, pretendeu-se aplicar, em
parte, o modelo preconizado pelos autores Berthome e Mercoiret (1999), analisando
a Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira
a partir de sua inserção e implicações na sociedade local e, mais do que isto, no que
diz respeito às diversas mudanças que aconteceram com a mesma, ao longo de
seus quase 18 anos de existência. Esta perspectiva de análise permitiu selecionar
alguns dentre vários aspectos observados na situação empírica analisada.
A ordem em que foram expostos estes aspectos é puramente um recurso
formal de apresentação, dado que ocorrem de forma imbricada à realidade, no
processo temporal de seu desenvolvimento.
A Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha
Solteira esteve, desde o seu princípio, ligada à existência de mediadores externos.
Seu surgimento não é fruto de um processo autônomo dos assentados, os quais,
aliás, pela própria natureza do processo de seleção e, por conseguinte, da não
existência prévia de uma organização dos futuros assentados ou qualquer forma de
luta pela terra propriamente dita, chegam ao novo território com um mínimo de
coesão social, de convivência enquanto grupo e de perspectiva coletiva para seu
desenvolvimento.
Neste sentido, a Cesp, através de sua equipe técnica, formaliza o primeiro
conjunto de mediadores, cujo trabalho será canalizado para a criação de uma
organização formal. Para dar conta de tal missão, a empresa se vale da agregação à
equipe de técnicos em ciências agrárias, de profissionais da área do serviço social,
devidamente preparadas ad hoc.
Há, neste processo, um amadurecimento do grupo de assentados como um
todo, e a gestação de novos grupos no seio do Projeto, como os de mulheres e o
#$$
grupo de jovens, com diferentes graus de mobilização. O conflito entre o tempo da
comunidade e o tempo estabelecido pelos cronogramas burocráticos, em parte, se
torna evidente pela citada ansiedade do pessoal da coordenação dos projetos da
Cesp, ávidos por resultados concretos e tendo como meta a emancipação do
Cinturão Verde e a postura mais pedagógica da equipe técnica responsável pela
organização interna do Projeto.
Como indicador marcante dessa dependência externa, cita-se, também, a postura
pessoal da assistente social – contraditoriamente, a figura que mais lutou pela organização “a
seu tempo” dos assentados, mas também portadora de um comportamento de tutela frente aos
seus “assistidos”.
A partir do momento em que a Cesp vai diminuindo sua presença junto ao
assentamento e aos agricultores, o poder público municipal, através da Prefeitura,
vai assumindo a função de instituição mediadora, vale dizer, solucionadora de
problemas de diversas naturezas. Esta mudança acompanha as vicissitudes que
estão acontecendo na sociedade local, através da emancipação político-
administrativa de Ilha Solteira e sua transformação em município autônomo.
O pode público municipal cria um serviço voltado ao desenvolvimento de seu
setor agropecuário, constituindo uma equipe técnica que tem, entre suas
atribuições, a tarefa de orientar, acompanhar, assistir a comunidade do Cinturão
Verde e cria mecanismos legais que habilitam a Associação a receber recursos do
poder público, na condição de entidade de utilidade pública municipal.
A existência dos mecanismos apontados acima, não impede que a
Associação passe por períodos de crises e dificuldades diversas, num período
sucessivo de três gestões, que têm como principal resultado o enfraquecimento das
relações interpessoais, dando lugar ao afloramento de manifestações de
desconfiança, baixa participação e comprometimento por parte dos associados,
motivados por dificuldades e problemas na gestão social do patrimônio coletivo.
Duas experiências, ocorridas a partir de 1998, demarcam um período de
transição na Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de
Ilha Solteira: o chamado “trabalho da Tina”, uma intervenção de caráter psico-social,
e o Diagnóstico Rural Participativo.
#$A
A viabilização destes trabalhos foi fruto da ação de mediação externa da
equipe técnica do Setor Agropastoril da Prefeitura Municipal, dos integrantes do
Conselho Municipal de Assistência Social do município, dos profissionais envolvidos
naqueles trabalhos, sempre a partir da busca de superação daquele status quo
vivenciado, por todos estes atores e pela diretoria naquele momento à frente da
entidade.
Há, a partir destas iniciativas, uma mudança na forma de gestão da entidade,
com a incorporação de mulheres e jovens na diretoria e adoção de uma forma de
gestão qualitativamente distinta em vários sentidos: do aumento da participação dos
associados nas assembléias, da adoção de procedimentos de gestão com maior
controle muitas vezes inexistente em momentos anteriores com
acompanhamento da situação financeira da entidade de forma regular e permanente
por escritório de contabilidade.
Tais mudanças se acentuam no período de 2001 a 2004, quando a
organização passa a contar, de maneira mais assídua e sistemática, com os
recursos do poder público municipal, através do repasse de recursos que, conferem
maior liquidez à Associação. Para que tal fato ocorresse, foi fundamental a ação de
articulação e definição de compromissos por parte da diretoria da Associação, junto
aos candidatos que disputavam no ano 2000, as eleições para o próximo quadriênio.
Essa atuação pode apontar para uma inflexão nessa relação de dependência,
valorizando o pólo da autonomia. É um momento em que a Associação cobra uma
definição política do Poder Municipal.
Desse fato decorre que o prefeito eleito manifestou-se, através do
compromisso de campanha, de efetuar o repasse de recursos à Associação dos
Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, valendo-se do
Pró-Rurisa. Neste processo, os dois vereadores petistas no legislativo ilhense desde
1996, foram mediadores importantes, ao lado de outros mediadores agregados à
causa da Associação, na condição ainda de candidatos.
No ano de 2004, através do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas,
a Associação, que também é a Associação dos produtores familiares da Microbacia
#$#
do Bairro Cinturão Verde, recebeu, recursos de informática para a sua sede, através
do Programa de Fortalecimento Institucional, mediado pelos técnicos da CATI /SAA.
Outro aspecto selecionado da análise da Associação - e que merece ser
destacado - é seu papel como Associação de Máquinas, conforme referido em
diversos trabalhos dentre os autores pesquisados.
Analisando as informações sistematizadas nos documentos da Cesp, relativos
aos momentos iniciais da ‘grupalização dos assentados, confirmadas por
depoimentos dos atores que viveram aquele momento, surge como objetivo concreto
da criação da Associação, a necessidade de obterem um caminhão para
escoamento da produção e de um trator para a realização dos trabalhos mecânicos
com a terra. Estes objetivos continuam a ser perseguidos e, via mediação da equipe
técnica da Cesp, dois tratores são destinados ao Projeto em 1990, através da
Associação, por meio de um projeto viabilizado com recursos da LBA.
Oito anos se passam, grande parte dos quais coincidindo com o período de
ampliação dos problemas na Associação - que cai em descrédito perante grande
parte de seus associados, os quais não contam com a mesma para os serviços de
preparo da terra, ou contam muito pouco com isto. Aos problemas de gestão, se
acrescentam o de reduzida participação dos sócios e o sentimento de que ela muito
pouco pode fazer para ajudar os assentados.
No contexto de redinamização da entidade, o trabalho dos dois vereadores
petistas já referidos, mobilizados pela diretoria empossada em 1998, viabiliza a
apresentação de uma emenda ao orçamento da União, pelo deputado federal
Arlindo Chinaglia (PT-SP) que culmina com a destinação de verba para a aquisição
de uma patrulha agrícola pela Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto
Cinturão Verde de Ilha Solteira, constituída de um trator e vários implementos.
O caráter da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira como uma Associação de quinas se acentua e vem a se
confirmar, em 2002, quando a mesma recebe, através de emenda constitucional ao
Orçamento da União formulada pelo deputado federal Vadão Gomes (PP-SP),
destinando à Associação recursos para aquisição de uma patrulha agrícola ainda
#$C
maior, composta de três tratores, um caminhão, vários implementos, um veículo
utilitário e um veículo de passeio.
A partir de então, dotada de uma frota invejável de máquinas, veículos e
implementos agrícolas - e com a garantia de recebimento de subvenções
praticamente mensais, da ordem de R$ 3.200,00 mensais (em média) - a
Associação além de poder contar com a Patrulha Agrícola, passa a contar também
com recursos necessários para o pagamento dos quatro tratoristas contratados e
para a efetuação das despesas de manutenção desta patrulha.
Outro indicador da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira, como uma Associação de Máquinas pode ser apreendido
através do depoimento da secretária da entidade, que registra dedicar 80% de seu
tempo aos assuntos ligados às máquinas, veículos e implementos. De fato, o volume
de informações rotineiras, controles de uso de cada uma das máquinas, relatórios de
serviços executados, fichas de inscrição dos associados (e de terceiros) para
serviços de máquinas, é significativo, corroborando as informações da secretária e,
ao mesmo tempo, revelando os cuidados com a gestão dos serviços pela
associação
75
. A elaboração de balancetes, a prestação sistemática das contas e as
decisões ligadas à alteração de valores dos serviços são alguns sinais da
administração efetuada com base em critérios tanto da transparência administrativa
como da gestão dos recursos com base em custos reais. São mudanças que não
eram práticas comuns nas gestões anteriores, principalmente como ações
sistemáticas, mensais.
Um exame da contabilidade da Associação, aponta os gastos com
manutenção como indicativo deste caráter de Associação de Máquinas da
APAPCVIS. Outro referencial, neste sentido, é a ocorrência de clientes não
associados que recorrem à Associação para realização de serviços, os quais por sua
vez, transformam-se em receitas para a Associação.
A questão teórica central escolhida para a análise da Associação dos
Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira, através de sua
 
G%
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#$D
dinâmica de atuação e de sua retrospectiva histórica, é a do binômio autonomia-
dependência.
Ao mesmo tempo em que a Associação consegue se municiar de melhores
instalações, equipamentos e de procedimentos administrativos, máquinas e veículos,
etc., percebe-se que tais inovações dependem, para sua manutenção, de recursos
cuja origem é externa, ou seja, canalizados para a Associação, por meio dos
repasses de recursos feitos pelo poder público. A Associação dos Pequenos
Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha Solteira tem um papel fundamental na
mediação da relação entre os assentados e o poder público (seja ele a Prefeitura ou
a Cesp). Se as relações se dão de forma clientelista, reforçando o pólo da
dependência, não se exclui a possibilidade de reverter essa situação, como foi nas
negociações com o titular da administração anterior, fazendo transitar a relação
numa dialética entre autonomia e dependência.
Tais repasses, por sua vez, estão condicionados à vontade política e aos
entendimentos e compromissos efetuados entre a Associação, através de sua
diretoria, e o chefe do executivo municipal, não havendo uma garantia de que sejam
alocados à Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão Verde de Ilha
Solteira, simplesmente porque existe um mecanismo legal que o ampara, no caso, o
Pró-Rurisa. Este instrumento, realmente interessante e que não necessariamente
significa dependência, mas acaba sendo utilizado como instrumento de barganha,
reforçando o clientelismo e, indiretamente, a dependência.
Como até o momento, maio de 2005 não houve qualquer repasse de recursos
pela prefeitura à Associação, a entidade vem desde o início do ano, cortando custos,
precarizando as condições de trabalho de alguns de seus funcionários, isto é,
transformando dois dos quatro tratoristas de contratados em diaristas, que um
deles se aposentou.
Tal situação, revela os limites de autonomia da Associação ao mesmo tempo
em que aponta a necessidade da mesma estabelecer novas relações com o poder
público local, através da sensibilização de novos mediadores, uma vez que a
situação política atual não se manifesta favorável à Associação, conforme relatos de
vários membros de sua diretoria.
#$%
Os limites da autonomia da Associação estão claramente colocados no que
diz respeito à gestão com recursos próprios de um patrimônio conseguido através
das ações da diretoria em parceria com seus distintos mediadores.
Apesar da gestão efetuada de modo racional, baseada no controle de custos
e receitas, mês a mês, com a contratação dos serviços contábeis, com
equipamentos modernos de informática, não por parte da grande maioria dos
associados um envolvimento participativo na gestão compartilhada da mesma. Ou
seja, o poder ainda está bastante concentrado na diretoria que, segundo relatos dos
associados, vem conduzindo os trabalhos de forma democrática. No entanto, não
parece haver uma preparação de quadros que possam vir a substituir a atual
presidência, talvez uma das razões da permanência do atual por três mandatos
consecutivos.
Há um aparente paradoxo vivenciado pela Associação que se apresenta,
enquanto Associação de Máquinas, como detentora de uma patrulha agrícola de
vulto, com uma estrutura administrativa igualmente consistente, associação esta que
congrega agricultores familiares em situação muito diversa. Através dos Grupos de
Produção, os agricultores têm tentado se viabilizar como produtores mercantis,
embora o maior número subsista com base na produção de leite de forma rústica,
com baixa utilização de tecnologia e de capital, enquanto outros ainda
complementem suas rendas familiares com recursos de aposentadoria.
A autonomia da Associação dos Pequenos Agricultores do Projeto Cinturão
Verde de Ilha Solteira, ainda está longe de vir a ser alcançada e, mercê da
dependência de recursos externos para sua atuação, e condicionada às
instabilidades das políticas locais, não está isenta da possibilidade de vir a sofrer
reveses.
É inegável, contudo, que a Associação hoje tem condições de se articular de
forma mais contundente no cenário local, bem como de ampliar o processo
participativo de seus associados, movida pelas necessidades que os momentos de
crise revelam.
#$8
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COMEÇA a implantação do Cinturão Verde de Ilha Solteira.
Ilha Solteira
Boletim
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#$9
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uma visão multidisciplinar.
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A N E X O S
A N E X O 1
A N E X O 2
Lei n
o
. 074/93
“Cria o Programa de Apoio ao Pequeno e Médio Produtor Rural de Ilha Solteira e dá
outras providências”
Dr. EDSON GOMES, Prefeito Municipal de Ilha Solteira , Estado de São Paulo, no
uso de suas atribuições legais FAZ SABER que a Câmara Municipal aprovou e ele
sanciona e promulga nos termos do Autógrafo de Lei n
o
. 077/93:
ARTIGO 1
o
.
Fica criado, junto ao Gabinete do Prefeito Municipal o PROGRAMA DE APOIO AO
PEQUENO E MÉDIO PRODUTOR RURAL DE ILHA SOLTEIRA denominado “PRÓ-
RURISA”, objetivando o apoio, produção, promoção de assistência técnica e
extensão rural, implantação de serviço de máquinas agrícolas, criação de Bolsa
Municipal de Arrendamento, implantação de serviço municipal de informação ao
produtor rural.
PARÁGRAFO ÚNICO: - O “PRÓ-RURISA” objetiva, para a consecução de seus fins,
oferecer assistência técnica, apoio na aquisição de insumos e outros serviços aos
pequenos e médios produtores rurais, podendo, para tanto, promover parcerias e
outros ajustes que possibilitem fomentar a diversificação agrícola, especialmente a
produção de gêneros hortifrutigranjeiros, melhorando assim as condições de vida e
fixação do homem no campo.
ARTIGO 2
o
.
Fica criado, junto ao Gabinete do Prefeito Municipal, o CONSELHO DIRETOR DO
PROGRAMA DE APOIO AO PEQUENO E MÉDIO PRODUTOR RURAL DE ILHA
SOLTEIRA (Conselho Diretor do “PRÓ-RURISA”), composto de 5 (cinco) membros,
sendo um indicado pela Câmara Municipal, um indicado por entidade representativa
da classe, um eleito pelos pequenos e médios produtores rurais, em eleição a ser
realizada na Câmara Municipal, em dia e horário a ser fixado pelo Senhor Presidente
da Câmara , em Edital publicado com, pelo menos, cinco dias de antecedência, e
dois indicados pelo Senhor Prefeito Municipal, sendo um, obrigatoriamente, o Diretor
Municipal de Planejamento e Desenvolvimento, a quem cabe a presidência do
Conselho.
PARÁGRAFO ÚNICO O mandato dos membros do Conselho Diretor do “PRÓ-
RURISA” será de dois anos, tem caráter único e seu exercício será gratuito, sendo
suas funções consideradas serviço público relevante para o Município.
ARTIGO 3
o
.
Ao Conselho Diretor do “PRÓ-RURISA”, incumbe:
I assessorar o Prefeito Municipal na aplicação e desenvolvimento do “PRÓ-
RURISA”;
II elaborar parecer sobre os pedidos de ajuda financeira e outros benefícios
solicitados pelos beneficiários do programa;
III – acompanhar e fiscalizar a aplicação do “PRÓ-RURISA”;
IV – exercer outras atribuições inerentes e atribuídas pelo Prefeito Municipal.
ARTIGO 4
o
.
Para a consecução dos objetivos desta Lei, fica o Chefe do Poder Executivo
autorizado, ouvido o Conselho Diretor do “PRÓ-RURISA”, a:
I – conceder ajuda e apoio financeiro aos pequenos e médios produtores rurais;
II oferecer assistência técnica aos produtores rurais, com servidores contratados
pela Prefeitura Municipal, ou pertencentes ao seu quadro de pessoal;
III – fornecer mudas e sementes para a melhoria da produção agrícola;
IV conceder outros benecios estabelecidos em regulamento, aprovado por
Decreto do Poder Executivo;
V – implantar os serviços previstos no artigo 1
o
. desta Lei.
ARTIGO 5
o
.
Para fins desta Lei:
I pequeno produtor rural, é aquele que, no conjunto familiar, explora área rural,
com a finalidade de produção agrícola, não superior a 15 (quinze) hectares;
II médio produtor rural, é aquele que, no conjunto familiar, explora área rural, com
a finalidade de produção agrícola, não superior a 30 (trinta) hectares;
ARTIGO 6
o
.
Para o cumprimento do disposto na presente Lei, fica o Chefe do Poder Executivo,
no corrente exercício, autorizado a proceder a abertura de um crédito adicional
especial, na importância de até Cr$ 5.000.000.000,00 (cinco bilhões de cruzeiros),
que correrão por conta do excesso de arrecadação, a verificar-se, de acordo com a
tendência do exercício.
ARTIGO 7
o
.
Os orçamentos futuros consignarão, obrigatoriamente, dotações específicas,
destinadas ao atendimento do programa previsto na presente Lei.
ARTIGO 8
o
.
Revogam-se as disposições contrárias.
Prefeitura Municipal de Ilha Solteira, 21 de junho de 1993.
Dr. EDSON GOMES
PREFEITO MUNICIPAL
Registrada e Publicada nesta Secretaria na data supra.
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