55
MÃE: ele vem falando assim, que o pessoal comenta como a Carla está,
se está fazendo tratamento, assim curiosidade das pessoas.
PESQUISADORA: Quais são essas curiosidades?
MÃE: porque que ela nasceu deste jeito, acabaram até tendo umas
besteiras lá, mas ele (meu marido) não levou em conta porque a genética já falou,
descartou, não tem nada haver por causa da bebida (por parte do marido), que a
bebida poderia ter influenciado o feto e de ter prejudicado. Mas, eu acho que não
tem nada a ver não. O pessoal comentava mesmo.
PESQUISADORA: alguma vez que falaram isto você estava junto?
MÃE: não, não estava, aliás, falaram para o irmão dele e o comentário se
espalhou, e ele veio falar para mim. Como pode uma pessoa falar uma coisa
destas, não sabe o aconteceu e fica falando por aí. Você sabe, né? A vizinhança
como é que é. (risos) (Mãe da Carla)
É interessante que as explicações para o estigma passam por várias
situações cotidianas para oferecer uma justificativa que dê conta de explicar o
porque certo indivíduo foge da norma. Ou ainda, uma tendência a explicar como
algo de horrível, uma justificativa como um castigo divino para tal situação:
MÃE: Ah! então, eles sabiam que a menina tem não é um problema, ela é
especial. Então ela sai direto para fazer tratamento. Sempre me vêem saindo e
eles dizem, aí coitadinha da Maria. “Toda vez eu vejo ela saindo, sai cedo e volta
à noite sempre coitada” e perguntam como ela está. Eu acho que não! Não tem
nada a ver, não é coitado. Deus me deu essa filha, agora a minha obrigação é
cuidar dela. Para mim não é esforço nenhum, é o maior prazer ajudar minha filha
a se desenvolver.
PESQUISADORA: eles falam que é esforço?
MÃE: eles falam que é sacrifício, tem alguns que até falam que uma cruz
que eu tenho e que estou carregando. Não estou carregando cruz nenhuma. Ela
é minha filha. Tanto poderia ter acontecido comigo como poderia ter acontecido
com eles. Essas pessoas que estão falando besteira que não sabem das coisas
né! Entendeu? (Mãe da Carla)
MÃE: Em relação à família, por exemplo, a minha mãe sempre foi uma
pessoa que me apoiou bastante, meus pais estavam lá todos os dias da UTI, dos
156 dias da UTI, meus pais não deixaram de ir nenhum dia. Meu pai foi uma
pessoa, que não que não me apoio nem nada, mas ele ficou muito revoltado. Nós
somos judeus, ele até teve uma vez que ele falou que não acreditava em Deus,
porque nós só acreditamos em Deus, não tem santo nem nada. Nós não somos
religiosos, mas temos uma fé que é Deus, Deus, e ele veio uma vez e falou que
não acreditava. (Mãe de Camila)
PESQUISADORA: Porque isto?
MÃE: Porque ele achava que eu não merecia. Nós somos em três filhas, eu sou a
mais velha, e sabe quando assim, ninguém diz, mas eu e meu pai temos uma
ligação muito grande, trabalhe com ele muito tempo, nós temos uma afinidade
muito grande eu e meu pai, acho que mais do que ele tem com meus outros
irmãos. Ele não acreditava que Deus pudesse ter mandado uma filha assim, eu
via que ele sentia pena, pena de mim, do meu marido, porque nós estávamos lá
no hospital. Teve épocas que ela estava muito grave, um julho ela nasceu em
maio, nós quase perdemos ela, porque ela estava em uma situação bem grave e
aí o sofrimento grande, não agüentava ver, porque era um sofrimento grande,
revoltado com Deus, e teve uma hora que eu falei, se Deus quiser, ele ficou muito
55