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Adriana Galina Rovani
A construção dos sentidos no texto falado: o trabalho de seleção
lexical
Passo Fundo
2005
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO EM LETRAS
Campus I – Prédio B3, sala 106 – Bairro São José – Cep. 99001-970 - Passo Fundo/RS
Fone (54) 316
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Fax (54) 316
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2
Adriana Galina Rovani
A construção dos sentidos no texto falado: o trabalho de
seleção lexical
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade de Passo
Fundo, como requisito para obtenção do grau de
mestre em Letras, tendo como orientador o Prof.
Dr. José Gaston Hilgert.
Passo Fundo
2005
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3
Dedico este trabalho a minha mãe, que muito
torceu para que eu ingressasse no mestrado, e
hoje acompanha minha conquista, infelizmente
distante de meus olhos, mas eternamente ao meu
lado e dentro do meu coração.
4
—Agradeço especialmente ao Alexandre, que
foi paciente e compreensivo em adiar seu sonho
em função dos meus propósitos e sempre
acreditou em meu potencial.
—Aos meus irmãos que muito torceram por
mim e em momentos de desânimo, não deixaram
de oferecer palavras de conforto.
—Aos meus pais que me deram a vida e
ensinaram a humildade de viver.
As minhas colegas com as quais desfrutei
os bons momentos de estar em uma sala de aula,
não como professora, mas como aluna.
Aos professores, coordenação, secretária e
todos aqueles que tão gentilmente nos receberam
na primeira turma de Mestrado em Letras da
instituição.
—Ao meu orientador, professor doutor José
Gaston Hilgert, que sempre se mostrou prestativo
em orientar minhas reflexões e soube a forma
certa de apontar os equívocos, sempre proferindo
palavras fortalecedoras.
5
Falar, de certo modo, é reinventar a língua, já que
o que se diz estava por ser dito e, ao dizê-lo,
damos-lhe uma forma imprevisível a para nós
mesmos.
(GULLAR, Ferreira. A coisa está branca”.
Folha de São Paulo, 15 de maio de 2005.)
6
RESUMO
Este trabalho situa-se no âmbito dos estudos da ngua falada. Seu objeto de
investigação é, portanto, o texto falado, aqui concebido como o produto da interação entre
dois interlocutores, em situação face a face. Diferentemente do texto escrito, no qual a
maior parte dos procedimentos constitutivos vem apagada, o texto falado, por suas
condições de produção específicas, registra, passo a passo, praticamente todas as etapas de
sua constituição, ao menos no que se refere às atividades verbais. Isso implica dizer que a
análise do texto falado permite refazer em detalhes o caminho de sua enunciação. Sob essa
perspectiva, associando-nos aos trabalhos que buscam descrever e, conseqüentemente,
compreender os procedimentos de constituição do texto falado, quer-se, aqui,
especificamente focalizar o procedimento denominado de seleção lexical. O texto falado se
caracteriza pelo fato de ao menos dois interlocutores interagirem lingüisticamente em
situação face a face, sem planejamento prévio e numa seqüência que se desdobra na
alternância de turnos. Os interlocutores, portanto, planejam o texto à medida que o
constroem. Essas condições de produção, particularmente a da simultaneidade entre “o
que dizer” e “como dizer”, imprimem ao texto falado o traço da descontinuidade, o qual se
manifesta por meio de pausas, hesitações, interrupções, recomeços, repetições, paráfrases,
correções e outras atividades que, no conjunto, em em evidência o constante e
consciente trabalho realizado pelos falantes na formulação do texto. Nesse processo de
formulação marcado pela descontinuidade, destaca-se o trabalho de busca lexical para
definir determinada denominação no curso de um enunciado em construção. O falante com
freqüência sinaliza explicitamente, por meio de procedimentos diversos, que está, aqui e
agora, na enunciação, buscando a melhor formulação para precisar o sentido em
construção. É a essa busca que, neste trabalho, se dá o nome de seleção lexical. É objetivo
7
desta pesquisa, identificar quais são e descrever como se manifestam esses procedimentos
sinalizadores do trabalho de denominação. Depois de serem reunidos em diferentes
categorias, segundo critérios diversos, a análise se volta especificamente àquela categoria
de procedimentos em que o processo de seleção lexical se manifesta por meio de uma
sucessão de elementos lexicais, paradigmaticamente relacionados, numa determinada casa
da seqüência sintagmática do enunciado em construção. Pretende-se particularmente
focalizar os movimentos semânticos que se revelam nesse desdobramento lexical,
contribuindo, assim, com o desvelamento dos processos de construção dos sentidos no
texto e do texto.
Palavras-chave: construção do sentido, interação, movimentação semântica, seleção
lexical, texto falado, trabalho de denominação.
8
ABSTRACT
This paper is situated in the spoken language field.Then, its object of investigation
is, the spokent text, here conceived as the product of the interaction between two
interloctors in a face to face situation. Other than the written text, in which most of the
constitutive prosidures come extinguished, the spoken text, because of its own
productivecharacterístics, marks, step by step, almost all the stages of its contituition, at
least when we talk about the verbal activities.it means to say that the analysis of the spoken
text allows us redo detailed the way of its enunciation. Under this perspective, joining the
papers in which the main goal is describing and, consequently understanding the
procedures that build the spoken text, specially focusing the procedure called lexical
selection. The spoken text has as characteristic the fact that at least two interlocutors
interact linguistically in a face to face situation, without previous planning and in a
sequence that unfolds in the shift rotation. Therefore, the interlocutors plan the text as they
are producing it. These production situations, particularly the simultaneity of what to
say” and “how to say” give the spoken text the trace of discontinuity that can be
recognized through pauses, hesitations, interruptions, restarts, repetitions, paraphrases
corrections and other activities that, seen as a hole, focus the evidence the constant and
conscious work made for the speakers when making the text. In this process of building the
text marked for the discontinuity, we detach the lexical searching to define certain
denomination in the course of an enunciate in construction, the speaker often gives signals,
explicitly through different procedures, that it is, here and now, in the enunciation,
searching the best construction to define the meaning in construction and in this paper it is
named as lexical selection. It is the main goal of this research, to identify and describe how
the signals of the procedures manifest. After being organized in different categories,
9
according to different criteria, the analysis is focused mainly to the criteria of procedures in
which the process of lexical selection happens through a succession of lexical elements,
paradigmatically related, in a determinate place of the syntagmetic sequence of the
enunciate that has been built. It is believed focus on the semantic movements that are
unveiled in this lexical unfoldment , helping, then, to make the process building in the text
and of the text much more clear.
Key words- building the meaning, interaction, semantic movement, lexical selection,
spoken text, denomination process.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- fala e escrita no contínuo dos gêneros textuais.................................22
Figura 2-representação dos gêneros textuais no contínuo................................24
Figura 3- esquema sintagma e paradigma........................................................75
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................13
1 A RELAÇÃO FALA E ESCRITA ............................................................19
1.1 Fala e escrita numa perspectiva dicotômica............................................................. 19
1.2Fala e escrita na perspectiva de um continuum......................................................... 22
2 O TEXTO FALADO.................................................................................28
2.1 Natureza e características gerais.............................................................................. 28
2.2 Atividades de formulação do texto falado ............................................................... 29
2.2.1 Problemas prospectivos........................................................................................ 29
2.2.2 Problemas retrospectivos ..................................................................................... 30
2.3 Atividades de reformulação .................................................................................... 32
2.3.1 A repetição ......................................................................................................... 33
2.3.2 A Paráfrase ......................................................................................................... 35
2.3.3 Correção .............................................................................................................. 41
2.4 Atividades de qualificação...................................................................................... 45
3 A SELEÇÃO LEXICAL NO TEXTO FALADO...................................... 49
3.1 O texto e suas condições de produção ..................................................................... 50
3.2 Interação e construção de sentido............................................................................ 52
3.3 Compreensão responsiva ........................................................................................ 57
3.4 As escolhas lexicais e a questão valorativa............................................................. 58
4 O ESTUDO DOS TEXTOS ......................................................................62
4.1 O Corpus e a metodologia de trabalho .................................................................... 62
4.2Análise e interpretação dos dados ............................................................................ 64
12
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................ 102
ANEXOS ................................................................................................... 104
ANEXO A Segmentos com termos sinonímicos intercambiáveis................................ 105
ANEXO B Desdobramentos lexicais de natureza corretiva ......................................... 108
ANEXO C Desdobramentos lexicais do específico para o geral.................................. 109
ANEXO D Desdobramento lexical do geral para o específico..................................... 110
ANEXO E Normas para transcrição.............................................................................. 111
13
INTRODUÇÃO
Neste estudo, queremos analisar e descrever especificidades nos procedimentos de
seleção lexical no texto falado. Portanto, este trabalho situa-se no âmbito dos estudos da
conversação ou do diálogo. Esses termos são aqui assumidos como sinônimos, na medida
em que se entende por eles toda interação comunicativa entre, no mínimo, dois
interlocutores que presentes ao mesmo tempo e no mesmo lugar (ou em contato por
conversa telefônica)— abordam um tema por meio da alternância de turnos de fala.
Evidentemente que não analisaremos a interação viva, enquanto construção textual aqui e
agora, mas o produto dessa interação. Para tanto, utilizamo-nos de textos falados gravados
e transcritos para fins de análise.
Descrever o processo de construção do texto falado é, então, refazer o caminho de
sua enunciação. Isso, em princípio, parece não ser tarefa tão difícil, uma vez que as
condições de produção desse tipo de texto mantêm explícitas no enunciado (produto da
enunciação) as marcas de seu status nascendi, tais como pausas, alongamentos,
interrupções, recomeços, repetições, paráfrases, correções e hesitações em geral. Todas
essas marcas são inerentes ao próprio processo de construção dos sentidos
interacionalmente determinados, por força da necessidade de os interlocutores terem de
buscar constante intercompreensão.
A espontaneidade da interação em situação face a face implica que o texto, em
princípio, não venha provido de um planejamento prévio. No próprio desdobramento da
interação vai-se definindo o rumo do texto, a ponto de se poder admitir que “o dizer” e o
14
“o que dizer” determinam o “como dizer”, ou seja, a confluência entre formulação e
planejamento determina as características do texto falado.
Sendo este texto, portanto, construído e planejado à medida que a interação se
desdobra, nem sempre a sua formulação é fluente, ou seja, as palavras muitas vezes não
ocorrem pronta e precisamente ao falante no exato momento da construção do enunciado.
Ao contrário, com muita freqüência, revela-se um complexo trabalho de construção do
sentido que se realiza por meio de diferentes procedimentos de elaboração textual, dentre
as quais se destacam os da seleção lexical.
Para ilustrar esse fato, observemos o seguinte segmento interacional:
Doc. e e e os artistas?
Inf. os artistas eh:: também... acho fabuloso inclusive na estou vendo essa
Mulheres de areia porque são artistas muito bons e eles trabalham assim que
parece tem então o Gianfrancesco Guarnieri parece
um um débil mental mesmo
um louco... não é bem louco mas assim
um excepcional... e eu como lidei muito com isso quer dizer eu... eu há::...
eu apreciei mais a... personalidade que ele está fazendo por causa disso...
eu... ah:: indi/ ah como é que eu vou dizer eu... identifiquei ele com
pacientes ou com pessoas com com as quais eu trabalhei... e... por isso que
eu acho que ele está fazendo um papel excepcional...
(Hilgert, 1997, p. 34, linhas 433-447).
Nesse segmento, vários momentos em que ficam evidentes as marcas do status
nascendi do texto falado. Focalizemos, porém, somente a passagem em destaque. O
falante, condicionado pela situação de interação face a face, constrói o sentido no texto, na
medida em que, em determinado ponto da evolução do enunciado, busca definir a
alternativa lexical mais apropriada para seus propósitos comunicacionais. É esse trabalho
de busca lexical que, nesta pesquisa, chamamos de seleção lexical.
Na interação aqui em foco, o processo de busca é explicitado no texto
1
e se realiza
por procedimentos de natureza distinta, todos, em última instância, caracterizados por
deslocamentos semânticos. De “um débil mental mesmo” um movimento semântico
para o sinônimo “um louco”, termo que, apor ser de uso mais corrente, tem sentido mais
1
Na produção do texto escrito, conforme apontaremos adiante, essa busca também acontece, mas vem
apagada no produto da enunciação, isto é, na versão final do texto.
15
específico, carregado de um certo traço de agressividade. O falante se conta de que não
é esse o sentido adequado para qualificar o artista, o que o leva a um procedimento de
correção (“não é bem louco”), o qual resulta, finalmente, na formulação “assim um
excepcional”. Mesmo em relação esta última solução —de acepção mais genérica o
falante não tem certeza de que ela é a apropriada, já que a faz anteceder pelo termo
“assim”, um recorrente marcador de incerteza ou vaguidade.
Podemos afirmar, portanto, que o objetivo geral de nosso trabalho é contribuir na
descrição dos procedimentos de construção do texto falado. E o objetivo específico é,
dentre esses procedimentos, analisar e descrever o trabalho de seleção lexical
especificamente em ocorrências como a destacada na fala acima. Esta análise consiste,
principalmente, em identificar a natureza dos diferentes deslocamentos semânticos que
ocorrem na passagem de um termo a outro e, com a identificação dessa natureza, temos o
propósito de estabelecer categorias de deslocamentos mais recorrentes.
Buscaremos nossos objetivos por meio da análise de um corpus constituído por textos
falados, gravados e transcritos por pesquisadores do projeto NURC (Norma Urbana Culta).
Será analisado um conjunto de 8 inquéritos do tipo (DID), diálogos entre informante e
documentador, publicado em coletânea organizada por Hilgert (1997)
2
. Em cada um dos
inquéritos serão levantadas as ocorrências em que o trabalho de seleção lexical se
manifesta e, a seguir, cada ocorrência será analisada do ponto de vista da natureza do
movimento semântico que nele se realiza. Essa análise, como dissemos, possibilitará,
construir um quadro de categorias de movimentos semânticos mais recorrentes.
Apresentadas essas informações prévias sobre o contexto dos estudos lingüísticos
em que nosso trabalho se situa, sobre a natureza e delimitação específicas do objeto de
investigação, sobre os objetivos que, com a análise dos dados, queremos alcançar e sobre a
procedência desses dados, queremos agora apresentar, brevemente, a estrutura geral do
trabalho.
2
HILGERT, J. G. A linguagem falada culta na cidade de Porto Alegre: diálogos entre informante e
documentador. Passo Fundo / Porto Alegre: UPF / UFRGS, 1997.
16
No primeiro capítulo, com o objetivo de já dar início à configuração da identidade
do texto falado, desenvolvemos um estudo, baseado em Marcuschi (2003)
3
, no qual
discutimos a relação entre fala e escrita e, conseqüentemente, estabelecemos critérios que
identificam o texto falado em relação ao escrito. Nesse estudo situamos também o texto
falado no continuum dos gêneros textuais proposto por Marcuschi.
No segundo capítulo, focalizamos a natureza e as características do texto falado
determinadas pelas condições de sua produção. Dentre essas características, damos ênfase
às principais estratégias de formulação e reformulação a que os falantes recorrem para
construí-lo, a saber: a repetição, o parafraseamento, a correção e as atividades
metadiscursivas de qualificação. A importância dessas estratégias para a nossa pesquisa
reside no fato de que os movimentos semânticos, na seleção lexical, em geral se realizam
por meio de alguma delas, especialmente, por atividades parafrásticas e de correção.
O terceiro capítulo aborda especificamente a questão central de nosso estudo: o
trabalho da seleção lexical, que é uma instância de construção do sentido no texto. Para
entendermos esse processo, fundamentamo-nos, basicamente, na concepção de linguagem
de Bakhtin ( 2002, 2003)
4
, na qual o autor define a natureza da produção dos sentidos.
Segundo ele, todo sentido se origina, aqui e agora, na enunciação, que sempre acontece
numa relação comunicativa, necessariamente realizada num contexto sócio-histórico dos
interlocutores.
No quarto capítulo, apresentamos, num primeiro momento, o corpus da pesquisa e
descrevemos os procedimentos metodológicos do trabalho. A seguir, passamos à análise e
à interpretação dos dados e seu enquadramento em diferentes categorias, conforme o grau
de explicitude dos procedimentos de seleção lexical.
O último capítulo destina-se a considerações finais. Nele destacaremos as
conclusões do trabalho, apontando para seus alcances e limites e para o que elas podem
representar para uma melhor compreensão dos procedimentos de construção dos sentidos
em situações de interação lingüística face a face.
3
MARCUSCHI,L.A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4
a
.ed. São Paulo: Cortez, 2003.
4
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal.4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003; e BAKHTIN,
Mikhail. Marxismo e fisolosofia da linguagem. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
17
Por fim, para fechar este texto introdutório, gostaria
5
de registrar que o motivo que
me levou a desenvolver este estudo na área da conversação encontra-se, principalmente,
em minha experiência como bolsista de iniciação científica, durante a graduação em
Letras. Nessa experiência como bolsista, seguindo orientações do mesmo professor que
hoje orienta meu trabalho de mestrado, dediquei-me ao estudo da conversação em
interações mediadas pela internet.
6
Embora uma conversação (chat) na internet tenha
características específicas que a distinguem da conversação face a face, os fundamentos
teóricos para a explicação e compreensão dos fatos lingüístico-discursivos são similares,
quando não idênticos. O mesmo pode se dizer dos procedimentos metodológicos de análise
dos dados. Portanto, o presente trabalho foi, em boa parte, impulsionado por essa minha
primeira experiência em análise lingüística.
Além dessas considerações, minha prática docente, como professora de língua
portuguesa também foi relevante, uma vez que meu trabalho cotidiano volta-se à leitura e
interpretação de textos e, infelizmente, em geral - é preciso admitir - a escola maior
tempo e importância ao trabalho com o texto escrito. Não cabe aqui discutir se essa
prioridade se justifica ou o para um melhor desempenho dos alunos no que respeita ao
uso da linguagem em geral. Ao menos, com base na avaliação dos textos que os alunos
escrevem e na competência que revelam na compreensão das leituras que fazem, é difícil
argumentar contra a referida prioridade.
Mas, constata-se também, na escola, a quase total ausência do trabalho com o texto
falado. Muitos professores, entre os quais me incluo, têm consciência dessa lacuna, já que
é na fala que a linguagem se realiza por excelência, no entanto faltam-lhes elementos
teóricos e metodológicos para abordar textos dessa natureza.
Minha opção de trabalhar com esse tipo de texto, nesta dissertação, é determinada,
também, pelo interesse que tenho em conhecer melhor a natureza e as estratégias de
construção dos textos falados e, então, com o domínio desses conhecimentos, poder tanto
5
É intencional a mudança para a primeira pessoa.
6
Os resultados de meu trabalho apresentei nas Mostras de Iniciação Científica da Universidade de Passo
Fundo e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
18
planejar minhas próprias atividades, que incluam o texto falado no ensino da língua
portuguesa, quanto estimular e orientar colegas nesse sentido.
19
1 A RELAÇÃO FALA E ESCRITA
Ter como objeto de pesquisa o texto falado implica admitir que ele tem
características específicas que o distinguem do texto escrito. Por isso, consideramos
relevante, antes de restringirmos nossa atenção ao texto falado, discutir aspectos gerais que
o distinguem do escrito ou, mais amplamente, que distinguem a fala da escrita. Fazendo
essa abordagem, estamos dando o primeiro passo na configuração da identidade do texto
falado.
Trataremos desses dois modos de manifestação da ngua, contrapondo uma
concepção dicotômica ingênua da relação fala e escrita à noção de continuum, para
explicar essa relação, conforme propõe Marcuschi (2003). Em outras palavras,
pretendemos contrapor, no dizer desse autor, uma abordagem meramente medial a um
enfoque conceptual.
1.1 Fala e escrita numa perspectiva dicotômica
O homem, do ponto de vista de sua necessidade comunicativa, pode ser
caracterizado como um ser que fala e não como um ser que escreve. Apesar dessa
prioridade da fala, na constituição e realização das práticas sociais humanas, quem
tradicionalmente teve o privilégio da atenção dos estudos lingüísticos foram as
manifestações escritas. O texto falado tornou-se objeto da investigação lingüística mais
recentemente, na história da Lingüística.
20
A relação entre fala e escrita é, em geral, focalizada sob uma perspectiva
estritamente dicotômica. A escrita é identificada por sua natureza gráfica, e a fala, por sua
natureza fônica. Esse enfoque se limita, portanto, a distinguir essas manifestações da
linguagem, exclusivamente, do ponto de vista do meio da realização lingüística.
No âmbito dessa visão, a escrita é considerada monologada, estável, sem variação,
previamente planejada, normatizada, descontextualizada, complexa, abstrata,
tematicamente condensada, formal. A fala, por sua vez, caracteriza-se por ser dialogada,
marcada pela variação, não planejada, contextual, de estruturação sintático-lexical mais
simples, concreta, tematicamente descentrada, informal.
Em relação a essa comparação, Marcuschi (Ibid., p.37) faz a seguinte consideração:
Quando se olha para a escrita tem-se a impressão de que se está contemplando
algo naturalmente claro e definido. Tudo se passa como se,ao nos referirmos à
escrita, estivéssemos apontando para um fenômeno se não homogêneo, pelo
menos bastante estável e com pouca variação. O contrário ocorre com a
consciência espontânea que se desenvolveu a respeito da fala. Esta se apresenta
como variada e, curiosamente, não nos vem à mente em primeira o a fala
padrão.
Essas distinções vêm ainda reforçadas pelo senso comum de que a escrita é
adquirida basicamente na escola, tratando-se de um bem cultural desejável. Já em relação à
fala, constrói-se uma consciência espontânea que a considera como variada e sem prestígio
social, visto que é adquirida naturalmente, em contextos informais. De acordo com o autor,
a fala é considerada o lugar do erro e do caos gramatical; já a escrita, o lugar da norma e do
bom uso da língua. Essas caracterizações levaram as manifestações lingüísticas por meio
da escrita a serem avaliadas positivamente, e as outras, negativamente.
Essa valorização positiva da escrita foi, em grande parte, responsável pelo lugar de
evidência que foi dado aos estudos dos aspectos normativos da língua e, em decorrência,
pela constante preocupação em definir normas de bom uso da língua, identificadas com o
padrão culto desse uso. As manifestações faladas, evidentemente, não receberam esse
destaque. Pelo contrário, nem era de interesse dos gramáticos abordar questões referentes
ao uso da língua nessa modalidade, até porque, para eles, o havia distinção entre falar e
escrever bem. Defendiam o ideal utópico de que fala bem aquele que fala como escreve.
21
Por essas razões, os estudos lingüísticos centraram-se, historicamente, nas
manifestações escritas, abordando, particularmente, a ngua enquanto sistema. A maioria
das gramáticas normativas ainda hoje em uso, nas escolas, descreve a língua e orienta o seu
uso somente na perspectiva da escrita. Em decorrência, o ensino da língua, na prática
escolar, também é predominantemente voltado a esse modo de realização da língua,
quando o se reduz ao ensino de regras gramaticais que, pretensamente, deveriam levar
ao bom uso da língua.
De acordo com Marcuschi, a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas,
nem possui a escrita propriedades intrínsecas que a tornem superior. Ambas, fala e escrita,
são modos de representação cognitiva e social que se manifestam em práticas específicas.
Postular qualquer espécie de supremacia de uma sobre a outra é, sem dúvida, do ponto de
vista das ciências da linguagem, atitude equivocada.
Mas, se a mencionada visão dicotômica, unicamente baseada no meio da
manifestação lingüística, é ingênua, qual seria o outro critério para distinguir a escrita da
fala? Esse outro critério se desenvolve a partir de uma observação empírica muito simples:
com base na visão dicotômica comentada, um bilhete, escrito por uma pessoa semi-
analfabeta, por exemplo, e um texto de caráter científico são incluídos numa mesma
categoria, simplesmente por serem escritos. O mesmo ocorre com uma conversa informal
na rua e um discurso proferido por um jurista, uma vez que são medialmente orais.
No entanto, muito mais relevantes do que essas distinções de ordem gráfica e
fônica são, sem dúvida, as diferenças que se apresentam, no plano da escrita, entre o
bilhete e o artigo científico, e, no plano da fala, entre a conversa informal e o discurso
jurídico. Ainda no contexto dessa observação empírica, facilmente se constata que
maior identidade entre o bilhete (escrito) e a conversa (falada), e entre o artigo (escrito) e o
discurso jurídico (falado) do que entre as duas manifestações faladas e entre as duas
escritas.
Considerando essas observações, podemos dizer que as manifestações lingüísticas
evidentemente se distinguem pelo meio em que se realizam, mas se distinguem
principalmente por outros fatores que são muito mais pertinentes do ponto de vista do uso
22
da língua, nas variadas práticas sociais dos falantes. É nessa perspectiva que Marcuschi
(2003) contrapõe à distinção dicotômica medial uma distinção conceptual que se manifesta
no desdobramento de um continuum.
1.2 Fala e escrita na perspectiva de um continnum
De acordo com o autor, do ponto de vista conceptual, a distinção entre texto escrito
e texto falado baseia-se nas condições de comunicação e de produção do texto e,
conseqüentemente, leva em conta as estratégias de formulação específicas. Nesse sentido,
podemos admitir, então, que o referido bilhete e a conversa informal são, conceptualmente,
textos de natureza da fala, e o artigo científico e o discurso jurídico, textos de natureza da
escrita. Ou seja, redefine-se a noção de fala e escrita. É de caráter falado toda a
manifestação lingüística (fonética ou gráfica) produzida em condições de interação e com
estratégias de formulação próprias ao uso da linguagem na realização de determinadas
práticas sociais. Em outras práticas sociais, circularão manifestações lingüísticas realizadas
em diferentes condições de comunicação e com estratégias de formulação específicas, as
quais terão o caráter da escrita.
Um texto conceptualmente falado prototípico apresenta, então, do ponto de vista
das condições de comunicação, um alto grau de dependência situacional, de privacidade,
de intimidade, de envolvimento emocional, de mútua referencialidade, de cooperação, de
dialogicidade, de espontaneidade entre os interlocutores, além de marcas de formulação
próprias dessas condições de produção. Essas condições também serão responsáveis por
um baixo grau de centração temática desse tipo de texto.
O texto conceptualmente escrito prototípico, por sua vez, caracteriza-se por sua
produção autônoma, pela interação não imediata entre os interlocutores, por sua
explicitude, por sua densidade informativa, pelo predomínio da norma culta em sua
formulação, pelo apagamento de muitas marcas de formulação e, ainda, pelo alto grau de
centração temática. O texto falado e o texto escrito passam a ser definidos, então, a partir
23
de um conjunto de características não apenas relativas ao ponto de vista do meio de
produção, mas especialmente a partir de sua concepção discursiva.
Como se explica agora a noção de continuum, que Marchuschi propõe para se
entender a relação fala e escrita segundo o ponto de vista conceptual? Para melhor ilustrá-
la, Marcuschi (Ibid., p. 38) apresenta o seguinte esquema:
Gêneros da escrita
...TEn, TE2
•TE1
ESCRITA
FALA •TF 1
Gêneros da fala
TF1, TF2.... TFn
figura 1. fala e escrita no contínuo dos gêneros textuais
Como podemos observar, o esquema se divide em dois planos: o superior
representa as manifestações escritas, no sentido de manifestações gráficas; o inferior, as
manifestações faladas, assim identificadas em razão de seu caráter fônico. A distinção
entre ambas é, portanto, de natureza medial. Observemos, ainda, que esses dois domínios
discursivos (fala e escrita) são divididos por traços verticais, que definem uma sucessão de
planos do pólo da esquerda para o da direita ou vice-versa. Cada um desses planos
estabelece um recorte que pode englobar os dois planos de caráter medial (superior e
inferior), estabelecendo, de um pólo a outro, a distribuição dos diferentes gêneros textuais.
Tomemos, como exemplo, TE1, que se encontra à extrema direita do plano
superior. Ele se caracteriza como um texto escrito prototípico, pois representa um gênero
textual de caráter gráfico e, levando-se em conta as condições de comunicação e as
estratégias de formulação, também se enquadra conceptualmente no domínio discursivo da
escrita. Para concretizar essa exemplificação, consideremos TE1 como um artigo
científico. Ele vai se situar, evidentemente, no plano superior, que corresponde às
manifestações escritas e, no plano dos recortes verticais, estará posicionado à extrema
24
direita, ou seja, trata-se de um texto que praticamente não apresenta nenhuma característica
que o relacione ao gênero falado, nem do ponto de vista conceptual, nem do ponto de vista
medial. Por isso o consideramos um protótipo da escrita.
No entanto, à medida que os textos se colocam mais à esquerda do plano superior, o
grau de formalidade da escrita vai diminuindo e, gradativamente, elementos da fala vão se
incorporando aos textos, ou seja, eles vão adquirindo características do texto falado, mas
não deixam de ser, medialmente, textos escritos. Tomemos, como exemplo, os textos de
conversações na internet, mais especificamente os chats. Este gênero textual, se
considerado no esquema acima, ocuparia a extrema esquerda do plano superior do gráfico,
juntamente com outros textos escritos que apresentam afinidade, em termos de concepção,
com o texto propriamente falado. Essa afinidade ocorre porque o chat, embora seja uma
manifestação medialmente escrita, se identifica pela condição de produção on-line. A
possibilidade de os interlocutores interagirem alternadamente, em seqüência de turnos,
como se estivessem falando, acaba imprimindo, a esse gênero textual, características
típicas da fala, a ponto de os interactantes considerarem-se falando e não escrevendo,
embora seja este o meio pelo qual se realize a manifestação lingüística.
O mesmo ocorre no plano inferior do gráfico 1. TF1 representa o texto falado
prototípico, que é assim definido por ter, do ponto de vista do meio, caráter fônico e, em
termos das condições de comunicação e estratégias de formulação, ser identificado,
conceptualmente, como falado. Exemplos de TF1 são as conversas espontâneas em geral.
A partir de TF1, dispõem-se, no gráfico, os textos falados de forma tal que quanto mais à
esquerda estiver um texto, maior sua semelhança com o protótipo da fala. Em
contrapartida, os textos que forem, gradativamente se distanciando da esquerda, continuam
sendo medialmente compreendidos como falados, todavia, em termos de concepção,
aproximam-se das características das manifestações escritas. Exemplo disso são as
exposições acadêmicas, os discursos oficiais, as conferências, que são textos marcados pela
formalidade e outras características dos textos escritos.
A partir dessa nova concepção da relação fala e escrita,
Marcuschi
(2003)
propõe a
disposição dos diversos gêneros textuais em
um continuum tipológico. Os gêneros vão se
distribuindo de um pólo a outro, ou seja, do pólo dos textos prototipicamente falados ao
pólo dos prototipicamente escritos ou vice-versa, e se distinguindo entre si com base em
25
seus traços conceptuais, ou seja, levando-se em conta as condições de sua produção e
comunicação e as estratégias de formulação daí decorrentes.
Ainda, no dizer de Marcuschi (2003,p.42):
O contínuo de neros textuais distingue e correlaciona os textos de cada
modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que determinam
o contínuo das características que produzem as variações das estruturas textuais-
discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num
continuo de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de
contínuos sobrepostos.
Com o objetivo de visualizar concretamente a sua proposta, o autor (Ibid.,42)
apresenta os gêneros textuais de uso mais freqüente no gráfico que segue:
Comunicações
pessoais
Comunicações
públicas
Textos instrucionais Textos acadêmicos
• textos acadêmicos
• divulgação científica • artigos científicos
• textos profissionais • leis
notícias de jornal
• editoriais de jornais • documentos oficiais
• cartas do leitor • manuais escolares • relatórios técnicos
• cartas pessoais • formulários • instruções de uso • pareceres em processos
• bilhetes • entrevistas • bulas
• outdoors • volantes de rua • receitas em geral
• inscrições em paredes
• avisos
• chats7 • anúncios classificados
• noticiário de rádio • noticiário de tv
• exposição acadêmica
• explicações técn • conferências
• inquéritos • discursos festivos •aulas • discursos oficiais
• reportagens ao vivo • noticiários de tv ao vivo • relatos
• entrevistas pessoais • noticiários de rádio ao vivo • narrativas
• entrevistas no rádio/tv • exposições informais • piadas
• debates
• discussões no rádio e tv
• conversas públicas
• conversa telefônica
• conversa espontânea
Conversações Constelação de Apresentações e Exposições acadêmicas
entrevistas reportagens
Figura 2-Representação dos gêneros textuais no contínuo
7 Este gênero textual foi inserido nesse continuum por nossa iniciativa.
• convocações
•comunicados
•anúncios classificados
• noticiário de rádio • noticiário de tv
• explicações técnicas
26
Segundo este novo gráfico, percebemos que o continuum não distingue os textos
de acordo com o meio em que se realizam, mas também os identifica com base nas
condições de produção e nas estratégias de formulação.
Segundo Marcuschi, momentos em que, como mostra o gráfico, os textos se
entrecruzam e dão origem a um domínio misto, ou seja, a um conjunto de gêneros textuais
que se caracterizam por apresentarem um certo equilíbrio entre marcas da fala e marcas da
escrita. Seria o caso dos gêneros que se localizam no centro do gráfico. O noticiário de
televisão, por exemplo, que é um gênero textual que se em meio fônico. Essa condição
faz dele um texto falado, do ponto de vista medial, entretanto, do ponto de vista
conceptual, ele incorpora tanto características da produção falada quanto da escrita. Por
exemplo, de um lado o noticiário costuma ser um texto planejado, produzido com cuidados
em relação à linguagem padrão, o que o caracterizaria como escrito; de outro, ele se realiza
numa situação de interação, em que o narrador sabe estar falando para telespectadores.
Mesmo que estes não possam tomar o turno, o simples fato de o narrador ter consciência
da presença on-line de destinatários para a sua fala, imprime nesta traços caracterizadores
do texto falado, como é o caso, por exemplo, de um vocabulário de uso mais corrente e de
uma sintaxe menos complexa.
Em síntese, através da perspectiva conceptual, fala e escrita deixam de referir
textos dicotomicamente antagônicos e passam a identificar textos agrupados em função de
maior ou menor grau de proximidade com a oralidade ou com a escrita. As diferenças entre
fala e escrita, nessa perspectiva, dão-se dentro de um continuum tipológico que se constitui
segundo as condições de produção do texto, determinadas pelas práticas sociais que o
geram e, ao mesmo tempo, por ele são constituídas.
Por fim, essas considerações sobre fala e escrita são pertinentes a nosso trabalho,
pois elas possibilitam, em primeiro lugar, introduzir a concepção de texto falado em
relação à de texto escrito— Mais adiante focalizaremos de forma mais detalhada essa
distinção—. Em segundo lugar, a abordagem que fizemos permite situar o nosso corpus de
pesquisa no continuum acima definido. Como se trata de textos do Projeto NURC, do tipo
“diálogos entre informante e documentador” o entrevistas, portanto -, eles
evidentemente não se identificam com interações absolutamente informais como conversas
27
de corredor ou de mesa de bar, que exemplificariam textos falados prototípicos. Situam-se,
contudo, no referido continuum, no plano inferior do pólo esquerdo. Ou seja, são textos
medial e conceptualmente falados, apesar de poderem incorporar alguns traços da
produção escrita, quando, por exemplo, as perguntas feitas pelo documentador são, ao
menos em parte, previamente planejadas. Muitas dessas perguntas, porém, são, no decorrer
da interação, desencadeadas pela resposta do informante, o que evidencia o caráter
especificamente falado das entrevistas.
28
2 O TEXTO FALADO
2.1 Natureza e características gerais
A interação no texto conversacional se dá por meio da alternância de turnos.
Denomina-se turno cada intervenção do falante na seqüência da interação. Os turnos não
são unidades conversacionais autônomas e monologadas que independem do ouvinte. Pelo
contrário, falante e ouvinte determinam mutuamente seus turnos no desdobramento
conversacional. Segundo Antos (apud HILGERT,2003,p.76), ao enunciar, o falante elabora
uma “proposta de compreensão” para seu interlocutor. Nesse sentido, no enunciado
produzido, o ouvinte precisa reconhecer o propósito comunicativo do falante e identificar a
orientação da resposta a ser dada no turno subseqüente, quando ele será o falante.
A condição principal de produção do texto falado consiste no fato de falante e
ouvinte se encontrarem em situação face a face para interagir lingüisticamente, tendo uma
breve noção do tema a ser discutido ou, até mesmo, sem que tenha havido preparação
prévia do tema a ser abordado. Tal condição impõe que o texto que os interlocutores vão
interativamente construindo seja planejado na medida em que vai sendo formulado e por
essa especificidade é comum que ele venha marcado por descontinuidades decorrentes de
“problemas” de formulação.
No dizer de Schegloff, Jefferson e Sacks (apud HILGERT,1989), o
desenvolvimento de uma conversação é, por sua natureza, uma “fonte de problemas”
(trouble source). “Problema” o designa apenas a ocorrência de “erros” ou falhas” na
formulação, mas refere também toda e qualquer situação que leva o falante, por exemplo,
29
durante a interação, a buscar um termo mais adequado, a corrigir um enunciado, a repetir,
parafrasear ou até mesmo reconstruir a sua fala ou a do interlocutor. Segundo Hilgert
(1993, p. 108), “às vezes, a suposta possibilidade de o ouvinte o vir a compreender
algum enunciado também pode se revelar como um problema ao falante, impelindo-o a
reformulações preventivas”. E, resumindo com Antos (apud HILGERT, 1989, p. 152),
“sempre que, no processo da formulação textual, o enunciador não encontra uma
alternativa de formulação imediata e definitiva, caracteriza-se a ocorrência de um problema
de formulação”.
Em síntese, podemos admitir que a construção do texto falado, em razão das
condições em que ela acontece, é marcadamente caracterizada por problemas de
formulação. Esse fato autoriza afirmar que formular a conversação consiste em buscar
alternativas de solução para os problemas que vão surgindo durante seu desdobramento.
2.2 Atividades de formulação do texto falado
São denominadas atividades de formulação todas e quaisquer manifestações
lingüístico-discursivas produzidas pelos falantes na produção de seus enunciados. No
desenvolvimento da interação, como se viu, freqüentemente o falante se depara com
problemas de formulação, os quais se manifestam em descontinuidades do fluxo
formulativo, lingüística ou paralingüisticamente explicitadas. Essas descontinuidades,
inerentes à construção do texto falado, apontam para dois tipos de problemas de
formulação: os problemas prospectivos e os problemas retrospectivos.
2.2.1 Problemas prospectivos
Caracterizam-se como problemas prospectivos todos aqueles que são constatados
pelo falante antes mesmo de serem verbalizados. O falante explicita a dificuldade de
formulação por meio de interrupções do fluxo formulativo (descontinuidades) que, em
geral, se manifesta na forma de pausas, alongamentos e elementos paralingüísticos.
30
Vejamos este exemplo:
(1)
Doc. O que que você mais aprecia na TV Educativa?
Inf. Olha::...
(1)
eu aprecio tudo viu porque eles...
(2)
trazem desde música...
trazem eh eh::
(3)
línguas ah
(4)
matemática e trazem::...
(5)
uhn::...
(6)
como é
que eu vou dizer...
(7)
ah e assim eh ehn::...
(8)
reportagens...(...)
(Hilgert, 1997, p.23, linhas 82-86)
8
Conforme mostra o segmento (1), o texto falado apresenta diversas marcas que
identificam descontinuidades, traduzindo hesitações do falante na evolução formulativa.
Essas hesitações explicitam-se de diferentes maneiras: em
(1)
, por meio de um alongamento
vocálico seguido de pausa; em
(2)
, somente por uma
pausa; em
(3)
, ocorre a repetição de um
elemento paralingüístico seguido de alongamento; em
(4)
, a hesitação é marcada por outro
elemento paralingüístico; em
(5)
, pelo alongamento da semivogal nasal seguido de pausa;
em
(6)
, pelo elemento paralingüístico alongado seguido de pausa; em
(7)
, por meio de uma
expressão metalingüística manifestando busca de termo seguida de pausa; e em
(8)
,
novamente por elemento paralingüístico seguido de alongamento e pausa.
Como vemos, as descontinuidades apontadas revelam hesitações que, geralmente,
se caracterizam assim: o falante se depara com um problema e, antes de explicitá-lo,
interrompe o fluxo da formulação. Essa interrupção desencadeia manifestações como as
acima exemplificadas, visando, quase sempre, ao preenchimento de pausas mais longas, as
quais, se fossem feitas, levariam o falante a correr o risco de perder o turno.
2.2.2 Problemas retrospectivos
Os problemas retrospectivos igualmente são marcados por descontinuidades no
texto. No entanto, consistem em enunciados verbalizados que, na avaliação ou
impressão do falante ou a mesmo do ouvinte, geram problema de alguma ordem na
evolução da interação. Ao contrário do que ocorre com os problemas prospectivos, um
retrospectivo é percebido quando ele está parcial ou totalmente inserido no texto em
8
Como a maioria dos segmentos conversacionais analisados neste capítulo são extraídos de Hilgert (1997),
na referência aos próximos, somente serão assinaladas a página e as linhas em que se encontram. Quando a
fonte do exemplo for outra, será ela identificada com todos os dados.
31
construção, isto é, depois que ele foi lingüisticamente elaborado. Cabe, então, ao
falante ou ao ouvinte retomar o enunciado “fonte de problema” e trabalhá-lo, isto é,
submetê-lo a um tratamento” (cf. HILGERT, 2001), com vista aos propósitos da
comunicação em andamento.
Tomemos o segmento abaixo, em que se verificam problemas retrospectivos:
(2)
Inf. [...] em:: alguns países tem se estabelecido com esse tipo de pessoal uma::
espécie assim do que se chama:: mercado de de trocas de trabalho
(1)
assim
o pessoal fica parado numa praça... e os melhores são recrutados
imediatamente pelas firmas
(2)
estabelece-se assim um mercado de
trabalho...
(p.67, linhas 611-617)
No segmento (2), o falante produz, inicialmente, um enunciado (“
uma:: espécie assim
do que se chama:: mercado de de trocas de trabalho”)
que, em termos de informação, está
completo. O falante, no entanto, parece não ter certeza de que o ouvinte o entendeu, o que
o leva a formular uma explicação mais detalhada. Para isso, interrompe o fluxo
formulativo e retoma o enunciado (
1
), por meio da paráfrase exemplificadora (
2
), a fim de
que seu propósito comunicativo seja garantido. Supondo ter garantido a compreensão a seu
interlocutor, continua, então, a formulação.
Essa breve análise nos permite dizer que os problemas retrospectivos situam-se
num enunciado de origem (EO) representado, no segmento acima, pelo enunciado (
1
)
ao qual segue um enunciado reformulador (ER), representado por (
2
). Além disso, é
comum enunciados reformuladores serem introduzidos por um termo ou uma expressão,
cuja função é servir de marcador de reformulação (MR). Essa função, no segmento
analisado, é exercida pelo termo “assim”.
A retomada de um segmento formulado, portanto, revela: (a) uma
descontinuidade no fluxo formulativo, uma vez que o interrompe; (b) um problema de
formulação, pois a interrupção se dá porque o falante entende necessária uma
qualificação de seu discurso; (c) um problema retrospectivo, uma vez que sua constatação
ocorre depois de já estar instalado no texto em construção. Problemas desse tipo dão
origem às atividades de reformulação.
32
2.3 Atividades de reformulação
O fato de o falante retomar, no desdobramento da fala, um enunciado com a
intenção de reformulá-lo ou até mesmo repeti-lo, constitui uma atividade de reformulação.
Essa atividade, como já dissemos, tem escopo retrospectivo, uma vez que oferece um
tratamento lingüístico-discursivo a um segmento já verbalizado no texto.
As razões que levam a essas reformulações o as mais diversas—para não dizer
únicas— para cada atividade de reformulação, se considerado que toda situação de fala
constitui um cenário enunciativo novo para a emergência de sentidos ainda o
produzidos. Podemos, no entanto, dizer, ao menos a essa altura das reflexões, que todos os
procedimentos de reformulação concorrem para a progressividade textual, convergem para
a garantia da intercompreensão e, em decorrência, visam a levar a bom termo o evento
comunicativo.
Os procedimentos de reformulação apresentam, em princípio, uma estrutura
tricotômica
9
: um enunciado-origem (EO); um marcador de reformulação (MR); e um
enunciado-reformulador (ER), conforme mostra o segmento (3):
(3)
Inf. aliás... foi uma coisa muito interessante... comovente até... nós fomos
convidados por um ... pelo padre para assistirmos à missa...
(EO) nós...
(MR) eu digo
(ER) a equipe...
era uma equipe da Secretaria de Saúde que ministrava curso de Educação
Sanitária em São Francisco em:: Bom Jesus...
(p.215, linhas 744-750)
Nesse segmento, revela-se uma atividade de reformulação com todos os seus
constituintes bem explícitos. Inicialmente, o falante, no decorrer da construção do
enunciado, tinha feito opção pelo termo “nós” (EO). Todavia, como percebeu
imediatamente a inadequação da referência em questão, corrigiu-a por “a equipe” (ER). A
expressão “eu digo” é o marcador de reformulação (MR) no caso, um recorrente
9
Com exceção das repetições, que, como veremos adiante, vêm caracterizadas pela estrutura dicotômica.
33
marcador de correção -servindo como índice de que haverá uma reformulação na seqüência
do texto.
A estrutura de uma atividade de reformulação, no entanto, nem sempre apresenta
um marcador de reformulação verbalmente explícito. Há casos em que ele se manifesta por
meio de alterações entonacionais e rítmicas da fala, por paralelismos sintáticos, por pausas
e outros recursos paralingüísticos.
Vejamos este exemplo:
(4)
Inf. [...] e não é tão natural o papel a gente sente inclusive
(EO) a gente não conse
1
/
(ER) EU não consigo vibrar não sei
2
...
(p. 35, linhas 456-457)
Observamos que o enunciado reformulador não vem anunciado por um marcador
verbal, mas sim pela abrupta interrupção do verbo no enunciado-origem, seguida de uma
alteração entonacional no enunciado reformulador especialmente sinalizada pelas
maiúsculas na transcrição de “EU”.
Cabe ainda acrescentar, no que se refere à realização geral das atividades de
reformulação, dois aspectos importantes: as reformulações podem ser realizadas pelo
próprio autor do enunciado-origem, o que caracteriza uma auto-reformulação. Por outro
lado, uma reformulação do enunciado do falante pode também ser realizada pelo ouvinte, o
que constitui uma heterorreformulação. Além disso, podemos também fazer uma distinção
entre reformulações autodesencadeadas, que são aquelas desencadeadas pelo próprio autor
da reformulação e as heterodesencadeadas, que são aquelas desencadeadas por um dos
interlocutores da interação, mas realizadas por outro. No processo de construção do texto,
as atividades de reformulação mais recorrentes são: a repetição, a paráfrase e a correção.
2.3.1 A repetição
A repetição é uma das estratégias de reformulação mais empregadas na construção
do texto falado. Para que essa afirmação não caracterize um paradoxo, cabe de imediato
34
registrar que tratamos aqui de repetição meramente do ponto de vista formal. Do ponto de
vista do sentido, porém, a repetição necessariamente concorre com o movimento
progressivo do texto, razão pela qual ela também é uma atividade reformuladora. Portanto,
a repetição se caracteriza por ter identidade formal com o enunciado anterior, mas essa
equivalência formal não significa equivalência de sentido. A esse propósito afirma
Marcuschi (2002, p. 106): uma grande diferença entre repetir elementos lingüísticos e
repetir o mesmo conteúdo, portanto repetir as mesmas palavras num evento comunicativo
não equivale a dizer a mesma coisa.”
De acordo com Marcuschi, as repetições se manifestam de muitas maneiras e são
multifuncionais. No que respeita às formas de manifestação das repetições, elas podem se
apresentar nos diversos veis da análise lingüística. repetições fonológicas, de
morfemas, de itens lexicais e de construções sintáticas de dimensão e complexidade
variada.
A estrutura geral dos procedimentos de repetição é, em geral, dicotômica,
constituída de matriz
10
(M) e repetição (R). O segmento (5) ilustra exatamente esse caráter
da repetição:
( 5 )
Inf. olhe eu acho muito boa a TV Educativa apesar que MUIta gente não
assiste... eu não sei o horário mas... devia ser um horário mais
tarde...domin/domingo de manhã por exemplo às
(M) nove dez ho/dez horas da manhã
(R) nove dez horas quase ninguém liga a televisão nesse horário
(Hilgert, 1997, p.23)
Notemos que a repetição concorre para a progressão textual. A retomada envolve
sentidos que estabelecem a continuidade tópica, por meio da reprodução de termos.
Quanto à produção, as repetições podem ser classificadas em auto-repetições,
quando a iniciativa de repetir é do próprio falante; ou em heterorrepetições, quando a
repetição é realizada pelo interlocutor. Também podem se observar repetições
10
Daqui para frente, chamaremos o enunciado-origem (EO) de matriz (M) da estrutura de reformulação, e os
enunciados reformuladores (ER) serão identificados de acordo com a natureza da reformulação, a saber:
repetição (R), paráfrase (P) e correção (C).
35
autodesencadeadas ou heterodesencadeadas. Quanto à distribuição, as repetições podem
ser adjacentes, quando a repetição segue imediatamente a matriz; ou não-adjacentes,
quando entre a matriz e a repetição houver um segmento conversacional. A repetição ainda
pode ser integral, quando a matriz é exatamente reproduzida ou ocorrer repetição com
variação.
Do ponto de vista das funções, de acordo com Marcuschi (2002) as repetições agem
tanto no plano da composição do texto, em sua materialização e seqüenciação das cadeias
lingüísticas (relações co-textuais), quanto no plano discursivo, relacionado aos aspectos
interacionais, cognitivos e pragmáticos (relações sócio-contextuais).
A função sica das repetições, no plano da composição textual, é a coesividade
(sequenciação, referenciação, correção, expansão, parentetização, enquadramento). É no
plano discursivo, no entanto, que a repetição desempenha maior número de funções,
colaborando para a compreensão, por meio da intensificação e do esclarecimento; para a
continuidade tópica, garantindo a introdução, a reintrodução, a delimitação e a
“amarração” dos tópicos; para argumentatividade, sugerindo reafirmação, contraste e
contestação; e para a interatividade, através da monitoração da tomada de turno e da
ratificação do papel de ouvinte.
Em resumo, a repetição constitui-se numa eficiente estratégia de composição do
texto falado, particularmente do tópico discursivo, além de concorrer, decisivamente, para
o processamento textual-interativo, como facilitador de informatividade e
argumentatividade.
2.3.2 A Paráfrase
A paráfrase é uma atividade lingüístico-discursiva de reformulação, através da qual
um novo enunciado retoma, no curso da fala, um enunciado verbalizado, promovendo
sempre, em algum grau, por menor que seja, um deslocamento semântico. Portanto, por
meio da paráfrase (P) estabelece-se com a matriz (M) - enunciado-origem - uma relação de
equivalência semântica, isto é, constitui-se entre os dois enunciados um parentesco
36
semântico que pode se manifestar em um grau maior ou menor, mas nunca haverá
equivalência semântica total entre eles, uma vez que essa não ocorre nem mesmo na
relação de repetição, como já foi visto.
Observemos o seguinte segmento:
(6)
Inf. E os que não:: os que não têm condições maiores de aptidão
(M) eles passam a fazer biscates
(P) ficam assim fazendo ou:: uma sub-empreitada de um trabalho fazendo as
coisas assim mais leves ou que não tenham assim tanta significação
(p.67, linhas 530-532)
Em (6), a relação parafrástica estabelecida entre os enunciados (M) e (P) demonstra
claramente a preocupação do falante em construir a compreensão do termo “biscates” para
o ouvinte. A paráfrase retoma o conteúdo informacional da matriz, na medida em que o
explicita, ocorrendo, então, nesse sentido, um deslocamento semântico do primeiro para o
segundo termo. Mantém-se, contudo, entre os dois termos, uma relação de equivalência
semântica em grau tal que até permite dizer que há entre eles uma relação de definição.
As relações parafrásticas podem ser enquadradas em diversas categorias, de acordo
com as características que apresentam e as funções que desempenham. Hilgert (1993, p.
115), por exemplo, classifica-as a partir de três aspectos: o distribucional, o operacional e
o semântico.
Quanto à distribuição dos enunciados na relação parafrástica, a paráfrase pode
situar-se imediatamente após a matriz (M) ou manifestar-se mais adiante no texto, depois
de uma seqüência intercalada. No primeiro caso, identificam-se as paráfrases adjacentes e,
no segundo, as não-adjacentes. Umas e outras atuam em diferentes planos da estruturação
textual, exercendo, por isso, funções distintas.
As paráfrases adjacentes relacionam-se à microestruturação do texto. Geralmente,
esse tipo de paráfrase realiza a aproximação lexical no trabalho de busca de um termo mais
preciso e adequado ao propósito comunicativo do falante. A aproximação lexical ocorre
por meio de deslocamentos semânticos entre a matriz e a paráfrase, o que vem brevemente
exemplificado neste segmento de fala:
37
(7)
Doc. qual é na sua opinião o tipo de dente que causa maiores complicações?...
Inf. geralmente são: os que chamam (M) trituradores são os (P) molares... tanto
superior como inferiores
( p. 86, linhas 371-375).
De “trituradores” para “molares” ocorre uma adequação para a linguagem técnica,
mais adequada ao contexto, uma vez que o informante é um dentista.
11
As paráfrases não adjacentes referem-se à macroestrutura de um tópico
conversacional, uma vez que elas, em geral, têm a função de garantir a centração temática.
A paráfrase não adjacente faz a demarcação das diferentes etapas do desenvolvimento do
tópico, podendo, no caso de paráfrases resumidoras, fazer-lhe o fechamento. Nesse
sentido, podemos dizer que esse tipo de paráfrase concorre para a coesão tópica e, à
medida que interrompe uma progressão indevida do texto, retomando-lhe o tópico,
garante-lhe o desdobramento coerente.
Vejamos o segmento abaixo:
(8)
Inf. ah (M) eu fico...POssessa se eu entro começ/eh se eu entro
começou...inclusive eu sou...a::pelidada pelas minhas colegas de
apressadinha de:: (como) é ah::...maNÍaca porque eu tenho que entrar no...
pode ser no jornal mas se o filme já começou eu fico em pânico porque (P)
eu não gosto de entrar no no escuro assim quando o filme já começou...
(p.44, linhas 760-768)
Ainda que o enunciado-matriz apresente um certo truncamento sintático e mesmo
uma incompletude semântica ocorrências, aliás, muito comuns em interações faladas -,
pelo contexto ele é perfeitamente compreensível. Seu parafraseamento, por meio de uma
paráfrase o-adjacente, além de propor um enunciado sintaticamente mais fluente e
semanticamente concluído, concorre para o fechamento do tópico.
O caráter operacional diz respeito a como a paráfrase é instalada no texto.
Observando-se a atuação dos interlocutores no ato de parafrasear, destacam-se dois
aspectos: (a) a realização da paráfrase em si; e (b) a iniciativa de seu desencadeamento.
11
Exemplos como este são bem característicos do corpus, objeto de nossa pesquisa.
38
Do ponto de vista da realização da paráfrase, quando é o falante que a produz em
relação a seu próprio enunciado, trata-se de uma autoparáfrase; no caso de um enunciado
do falante ser parafraseado pelo interlocutor, ocorre uma heteroparáfrase.
No que diz respeito ao desencadeamento, se a iniciativa do parafraseamento for do
próprio autor do enunciado-matriz, caracteriza-se uma paráfrase auto-iniciada, e, se ela for
provocada pelo ouvinte, mas realizada pelo falante, identifica-se uma paráfrase
heteroiniciada.
Esses diferentes aspectos da operacionalização parafrástica na construção do texto
falado sugerem a seguinte classificação:
a) autoparáfrases auto-iniciadas (F parafraseia F, por iniciativa de F)
12
;
b) autoparáfrases heteroiniciadas (F parafraseia F, por iniciativa de O);
c) heteroparáfrases auto-iniciadas (F é parafraseado por O, por iniciativa de O);
d) heteroparáfrases heteroiniciadas (F é parafraseado por O, por iniciativa de F).
Descrições de textos em língua portuguesa (cf. Hilgert, 2005, p. 9)
13
revelam que,
em sua construção, predominam, de forma absoluta, as autoparáfrases auto-iniciadas. Elas
têm incidência particularmente destacada em turnos longos, com pouco ou nenhum
feedback por parte do ouvinte. Segundo Hilgert,
A ausência de feedback, seja pela ausência de sinais do ouvinte ou de sinalização
mímico-gestual, priva o falante da certeza de estar sendo compreendido e de
assim ver alcançados seus propósitos comunicativos. Essa insegurança se reflete
num texto mais denso de auto-reformulações auto-iniciadas, particularmente de
paráfrases (op. cit., p. 9).
No que respeita às funções mais recorrentes dos demais tipos de paráfrases acima
identificados, cabe registrar que as autoparáfrases heteroiniciadas costumam assegurar ao
ouvinte a compreensão do enunciado-matriz, já que elas são, em geral, desencadeadas
12 F = falante, e O = ouvinte.
13 Tivemos acesso a uma cópia dos originais deste texto da qual também tiramos a referência da
paginação– , que faz parte de uma obra (ainda no prelo da editora da UNICAMP), organizada por Ingedore
G. V. Koch e Clélia C. A. S. Jubran, com o título A construção do texto falado. Trata-se do volume I de
uma série de outros que abordam a Gramática do português falado.
39
precisamente pelo fato de o ouvinte sinalizar explicitamente que está diante de algum
problema de compreensão; as heteroparáfrases auto-iniciadas também asseguram a
intercompreensão entre os interlocutores, mas promovem especialmente a solidariedade
discursiva entre eles. Segundo Wahmhoff (apud HILGERT, 2005, p. 11), “O interlocutor,
cujo enunciado é parafraseado, percebe que sua idéia é acolhida e nisso sentirá, em muitos
casos, um convite a precisá-la, diferenciá-la, corrigi-la ou completá-la mais uma vez”.
Finalmente, as heteroparáfrases heteroiniciadas costumam ocorrer em contextos em que o
falante busca resolver problemas de denominação. Por meio de procedimentos
metadiscursivos a entender ao ouvinte que não lhe ocorre uma determinada
denominação, para a qual somente encontra soluções aproximativas. Este, então, o socorre
por meio de uma formulação parafrástica.
No que respeita à semântica das relações parafrásticas, cabe, de início, relembrar
que a natureza dessa relação é semântica. As paráfrases constituem deslocamentos de
sentido em relação à matriz, mantendo, porém, sempre com esta uma relação de um certo
grau de equivalência semântica. Segundo Hilgert,
Essa relação não é simplesmente dada pela estrutura proposicional entre M e P,
nem estabelecida por movimento semântico pré-definido e constante, mas sim,
que resulta de uma predicação de identidade entre M e P. Mesmo que,
lingüisticamente, nenhum parentesco semântico seja reconhecível ente dois
enunciados, discursivamente ele pode ser predicado por força de um marcador
parafrástico verbal, dentro de um contexto de conhecimentos extra-textuais
prévios comuns aos interlocutores (op. cit., p. 12).
Quando, então, a identidade semântica entre paráfrase e matriz for reduzida, é
provável que ela seja explicitada por meio de marcadores parafrásticos verbais do tipo,
“em outras palavras”, “com isso se quer dizer”, “isso significa”. A necessidade de um
marcador anunciar a relação parafrástica vai deixando de existir, à medida que aumenta o
grau de parentesco semântico entre os dois enunciados, uma vez que, nesses casos, a
relação entre ambos pode ser anunciada por alterações entonacionais, paralelismos
sintáticos e recursos paralingüísticos.
No deslocamento de sentido da matriz para a paráfrase, verificam-se dois
movimentos semânticos sicos. O primeiro se caracteriza pela passagem do geral para o
específico. Neste caso, tem a matriz abrangência semântica maior do que a paráfrase,
40
consistindo o parafraseamento num processo de decomposição semântica, na medida em
que um ou mais traços semânticos da matriz são contemplados na paráfrase, o que leva esta
a especificar ou explicitar o que foi dito na matriz. O segundo movimento vai do
específico para o geral, o que significa dizer que a matriz tem abrangência semântica
menor do que a paráfrase. O parafraseamento consiste, então, numa recomposição
semântica, que os traços semânticos da matriz são, de certa forma, retomados por um
enunciado semanticamente mais amplo, composto por esses e outros traços. Tal
procedimento leva a paráfrase a ter um caráter definidor ou resumidor.
A esses movimentos estão vinculadas características formais dos enunciados
parafrásticos. Quando um movimento de sentido do geral para o específico que é o
caso mais recorrente - verifica-se uma tendência de a paráfrase ser, do ponto de vista
sintático-lexical, mais expandida que a matriz. O movimento semântico em sentido
contrário leva a constituir paráfrases sintático-lexicalmente menos complexas do que a
matriz. No primeiro caso, ocorrem paráfrases expansivas e, no segundo, paráfrases
redutoras.
Observemos este segmento:
(9)
L1 hoje:: fazer pesquisa é viver de poesia...
(M) não dá
Doc. ((riu)) é verdade
L1 (P) quer dizer...o pessoal não teria nem nem para a subsistência...
(Castilho e Preti, 1987,p. 167)
No segmento (9), se compararmos com a matriz, a paráfrase mostra-se um
enunciado bem mais expandido lexical e sintaticamente, precisamente pelo fato de ter de
explicar ou explicitar o sentido de seu enunciado-origem.
Já, no segmento (10),
L2 (M) que eu acho que também existe um pouquinho do...do
relacionamento...da pessoa...da apresentação do indivíduo dentro de
determinada organização...isso você não sei se...se você prestar atenção
você::...notará às vezes você possui determinadas...qualidades superiores a
um competidor seu e você não é aproveitado...
L1 (P) é são as cartas de recomendação né?
(ibid., p.169)
41
A paráfrase, no segmento acima, vem formalmente bem mais reduzida do que a
matriz, o que corresponde a seu papel de apresentar uma informação mais condensada e de
sentido geral.
Nem sempre, porém, uma assimetria sintático-lexical entre matriz e paráfrase.
Muitas vezes ocorre um paralelismo sintático entre os dois enunciados em relação,
identificando-se, nestes casos, as paráfrases paralelas, nas quais se torna mais sutil a
percepção de deslocamento de sentido, mas ele necessariamente ocorre. A paráfrase, nestes
casos, tende a promover uma aproximação lexical, por meio dos mesmos movimentos
semânticos já comentados.
Essas considerações deixam evidente que o parafraseamento é uma das estratégias
mais produtivas na construção dos sentidos do texto, e os procedimentos de seleção lexical
de que trataremos especificamente nesta pesquisa terão acentuado caráter parafrástico,
como veremos.
2.3.3 Correção
Na medida em que as repetições e as paráfrases mantêm com a matriz uma relação
de equivalência semântica, elas realizam, segundo Kohler-Chesny (apud HILGERT, 1989,
p. 185), uma duplicação discursiva”, isto é, de alguma forma endossam ou confirmam o
sentido do enunciado-origem. Na correção, acontece o contrário, pois esse enunciado é
total ou parcialmente anulado pelo enunciado- reformulador.
A correção, segundo Barros (1993, p.139) deve ser compreendida como um
procedimento de reelaboração do discurso, com a finalidade de torná-lo mais adequado,
segundo determinação do falante ou de ambos os participantes do diálogo. Esse
procedimento visa, por meio de formulações adequadas (corretas), a garantir ao ouvinte a
compreensão do enunciado do falante a fim de levar a bons termos os propósitos
comunicativos deste.
42
Observemos este exemplo:
(11)
Doc o que tu achas da publicidade em nosso rádio?
Inf olha eu acho que tanto no rádio como na televisão de vez em quando...tem
(M)publicidade demais (C) propaganda demais...era era propaganda sim
e::... ma/MAS como É necessário isso sabe sem a propaganda eles não
podem funcionar... (Hilgert, 1997,p.25, linhas139-145)
Em (11), o informante considera, por alguma razão, “publicidade” um termo
inadequado. Corrige-o, então, por propaganda”. Com esta precisão vocabular, assegura
compreensão para o que diz e, em conseqüência, estabelece condições para uma
comunicação bem sucedida. Em síntese, a correção é uma atividade reformuladora, cujo
objetivo é assegurar a intercompreensão no diálogo.
As correções podem ser classificadas quanto à produção, quanto ao conteúdo e
quanto ao segmento lingüístico corrigido. Quanto à produção, como também se
observou na classificação das paráfrases, a correção acontece por autocorreção e por
heterocorreção. No primeiro caso, o falante que comete o erro também o corrige. No
outro, o erro de um interlocutor é corrigido por seu parceiro de interação. Nas
conversações em geral, as heterocorreções são menos freqüentes. Elas caracterizam
particularmente discursos polêmicos, em que, muitas vezes, os laços interativos são tensos.
As mais comuns nas interações cotidianas são as autocorreções. Elas vêm, em geral,
adjacentes ao erro formulado, com vistas a corrigi-lo imediatamente, a fim de evitar as
conseqüências do erro no desdobramento da interação.
Esses dois procedimentos corretivos podem ainda ser subclassificados do ponto de
vista de quem é a iniciativa de os desencadear. Se a iniciativa é do falante que faz a
correção têm-se correções auto-iniciadas e, se as correções forem desencadeadas pelo outro
interlocutor, têm-se correções heteroiniciadas.
Os segmentos de fala (12) e (13) ilustram, ao menos em parte, esses procedimentos:
(12)
Inf. [...] e de:: de uma orientação como... utilizar... meios pra que se previna
(M) a cárie...
(MC) a cárie desculpe ((risos))
a:: a:: queda do cabelo... calvície... precocemente...
(p. 78, linhas 90-93)
43
(13)
Doc. poderia dizer quais os (M) sintomas de velhice no rosto?...
Inf. (MC) sintomas ou sinais? sintomas? eu acho que é sinais né?
Doc. (C) sinais...
Inf. sinais... primeiro aparecem as rugas... éh:: as pessoas.. mais ou menos
obesas... aparece o famoso Papo que els chamam por baixo do queixo...
apele torna-se mais flácida...
(p.83, linhas265-273)
O primeiro desses segmentos, (12), registra uma autocorreção auto-iniciada e o
outro, (13), uma autocorreção heteroiniciada. Esta última é praticamente uma
heterocorreção, uma vez que no terceiro turno, o documentador nada mais faz do que
referendar uma correção feita (ainda que em forma de um questionamento) pelo
informante, no segundo turno.
Esses dois segmentos também revelam a estrutura-padrão dos procedimentos
corretivos: a matriz (M), constituindo o erro inserido na fala; o marcador de correção
(MC), anunciando ao ouvinte tanto o erro quanto o propósito ou a necessidade de corrigi-
lo; e, finalmente, a correção (C). Muitas vezes, porém, por razões várias, como a dimensão
sintático-lexical do enunciado errado ou o próprio ritmo (velocidade) em que a fala
acontece, o marcador não vem verbalmente explicitado, conforme revela este segmento:
(14)
Inf. [...] procurando fazer com ela utiliza o... a:: os pés... pra:: .. fazer a::...
aquilo que uma pessoa normal faria escovar os dentes... éh:: acender
(M) uma caixa de fósforo
(C) um palito de fósforo... escrever... bater à máquina... qualquer coisa que
uma pessoa normal faria
(p. 92, linhas 542-557)
Os exemplos apresentados acima também ilustram a classificação das correções do
ponto de vista do conteúdo. Considera-se, nesse sentido, por um lado a correção parcial,
quando o elemento corrigido não é negado, mas ocorre apenas uma ampliação ou restrição.
Trata-se de uma correção atenuada, muitas vezes confundida com a paráfrase (há quem
fale, nestes casos, de uma correção parafrástica). Por outro lado, tem-se a correção total.
Nesses casos a correção nega o que se afirma no segmento corrigido, como mostram os
três exemplos acima. A correção total envolve uma relação de falso e verdadeiro e é
especialmente freqüente, segundo Barros (1993), em heterrocorreções.
44
E, finalmente, as correções, quanto ao segmento lingüístico que corrigem, podem
se dar tanto no nível formal (fonético-fonológico, morfológico, sintático), envolvendo,
nesses casos, quase sempre, problemas de regência e concordância, quanto no nível
pragmático-semântico. As correções neste último vel devem-se, em geral, a
impropriedades de informação e de uso e a imprecisões de sentido capazes de prejudicar a
intercompreensão. Os três últimos exemplos enquadram-se nessa categoria.
Os objetivos das correções, de acordo com Barros e Melo (1990) podem ser
resumidos nos seguintes:
a) garantir a adequação informativa, uma vez que o falante que corrige tem a
intenção de levar o ouvinte a compreender suas informações, para isso é
necessária a precisão referencial;
b) assegurar a boa compreensão do posicionamento do falante, ou seja, as
funções enunciativas ou pragmáticas da correção garantem a compreensão das
opiniões, crenças e sentimentos do locutor e o reconhecimento de seu papel
social;
c) estimular a cooperação e participação na conversação, garantindo assim a
interação e o estabelecimento de relações em que haja envolvimento emocional,
pois é no corrigir que, muitas vezes, o interlocutor encontra um meio de se
inserir na conversa.
Em resumo, o ato de corrigir é definido basicamente como um procedimento de
reelaboração que conserta as inadequações que eventualmente ocorrem no decorrer do
processo de formulação. Sua função essencial é promover a interação através do
monitoramento da conversa, controle da fala do parceiro, discussão de posicionamentos
distintos acerca de um mesmo tema e, acima de tudo, assegurar a intercompreensão entre
os interlocutores.
As atividades de reformulação em geral são caracterizadas, portanto, como
procedimentos que de certo modo trabalham enunciados anteriores e asseguram, por meio
de uma nova construção, que haja êxito na comunicação em andamento. À medida que tais
atividades buscam dar um tratamento lingüístico-discursivo a outros enunciados, explicita-
se sua principal finalidade que é a de garantir a compreensão durante a interação.
45
2.4 Atividades de qualificação
Além das atividades reformuladoras da repetição, da paráfrase e da correção,
também têm ocorrência particularmente freqüente, na construção dos textos falados, as
atividades qualificadoras ou de qualificação discursiva. Se aquelas tinham caráter
reformulador, estas se identificam por serem especificamente metadiscursivas, pois
consistem num dizer sobre o dizer, ou mais precisamente sobre o modo de dizer do que, no
desenvolvimento do texto, já foi dito ou espor ser dito
14
. Comumente, realizam-se estas
últimas atividades por meio de comentários e avaliações que, de alguma forma, qualificam
o uso de uma palavra ou expressão no desdobramento da interação.
Vejamos os seguintes segmentos, nos quais o comentário e a avaliação são
identificados pelo algarismo
(1)
sobrescrito, e a fala comentada e avaliada pelo algarismo
(2)
também sobrescrito.
(15)
Inf. até que nos indicaram o Hotel Chile... hotel que como diz a minha esposa
(1)
deve ter sido feito pra receber o Pedro Álvares Cabral
(2)
...((risos da
documentadora)) de TÃO velho que é...
(Preti & Urbano, 1988, p. 95-96).
(16)
Inf. isso não quer dizer:: de vez em quando vou a uma missa ou outra... mas não
assim como à missa dominiCAL... isso eu não vou nunca
(2)
... assisto outras
missas... o aliás não vou nunca é força de expressão
(1)
(Hilgert, 1997,p.215,linhas 724-726).
No primeiro desses dois segmentos (15), o falante, com a expressão “como diz a
minha esposa” faz um comentário a propósito do dizer subseqüente. Por meio do
comentário, é esse dizer atribuído a outro falante, no caso, a esposa. No outro segmento
(16), a afirmação eu não vou nunca” vem avaliada pela expressão “não vou nunca é força
de expressão”. Vemos que, em ambos os casos, a atitude qualificadora do falante revela
14
Em sentido lato, as atividades reformuladoras também são metadiscursivas, na medida em que incidem
sobre outras formulações do enunciado. Sua metadiscursividade, porém, não evoca o “modo de dizer” e
sim o que foi dito de um certo modo. As atividades reformuladoras constituem um metadiscurso de
conteúdo, enquanto que as atividades de qualificação consistem num metadiscurso de expressão.
46
que ele toma um certo distanciamento em relação ao processo de construção de seu próprio
discurso, como se ele fosse um outro a observar a evolução desse processo. Com esse
procedimento, fica evidente que o falante monitora, conscientemente, o processo de
construção do texto.
Nem sempre a manifestação metadiscursiva é explicitamente identificada como
avaliadora ou como um comentário. Muitas vezes o caráter metadiscursivo se revela em
formas estandardizadas do tipo “uma espécie de”, “um certo”, uma certa”, assim”,
digamos” e outras. Traduzem da parte do falante uma certa incerteza ou restrição quanto a
uma determinada formulação, por esta lhe parecer aleatória, vaga ou indeterminada (cf.
HILGERT, 2001, p. 77), conforme atestam estes segmentos:
(17)
Inf. e:: ... antes deve-se fazer a:: fazer a vaca descer o leite... como se diz esse descer o
leite é uma espécie de preparação... psíquica da vaca ((risos))
(Preti & Urbano, 1988, p. 30).
(18)
Doc. o senhor considera que a:: sua escola era uma escola bem aparelhada assim
em matéria de departamen::tos... digamos de... não esporTIvos... mas
outros bibliote::ca talvez ou outros departamentos assim?
(Ibid.,linhas 319-323)
Cabe ainda registrar que as atividades qualificadoras não ocorrem necessariamente
isoladas das atividades reformuladoras. Muitas vezes aquelas entram como constituintes
destas. Isso quer dizer que, por exemplo, na construção de uma paráfrase ou de uma
correção pode o falante recorrer a procedimentos metadiscursivos de função qualificadora.
Finalmente, no que respeita às funções das atividades de qualificação discursiva,
elas podem ter caráter geral e específico. A primeira das funções gerais consiste em elas
contribuírem para o cumprimento dos propósitos comunicativos dos falantes, na medida
em que garantem a intercompreensão de suas falas. Além dessa função, por meio das
atividades de qualificação, o falante monitora cognitivamente o processo de construção do
texto. Esse monitoramento, dependendo do tipo de relação que entre os interlocutores e
do grau de domínio que ambos têm sobre o tópico abordado na interação, pode provocar
outras conseqüências, como as que aponta Hilgert:
47
Numa conversação, por exemplo, em que L1 domina um discurso especializado
sobre um tema, e L2 só tem conhecimentos vagos sobre o assunto, uma avaliação
ou um comentário deste último falante a respeito de alguma formulação sua pode
prevenir uma crítica, um repúdio por parte do primeiro ou dele até obter uma
certa benevolência relativa a formulações imprecisas ou inadequadas. As
qualificações discursivas de L1, por sua vez, podem realçar sua especialização,
mas, ao mesmo tempo, prevenir o interlocutor de constrangimentos decorrentes
da eventual não-compreensão do texto ou de passagens dele(2001,.p79).
Convergindo para essas funções mais gerais, as atividades de qualificação
apresentam também funções específicas para cada momento da interação em que o recurso
a elas se faz necessário. Podem, por exemplo, identificar determinados segmentos do
discurso como pertencentes a uma variedade lingüística diferente daquela em que a
interação vem se desenvolvendo; sinalizar certas passagens como sendo discurso alheio;
chamar atenção para a maior eficácia de sentido no uso de algumas formulações em
relação a outras; alertar o ouvinte das razões de incluir ou excluir certas informações na
fala; manifestar, por um lado, incerteza quanto à adequação de palavras ou expressões em
determinado contexto e para determinados fins comunicativos, e, por outro lado, afirmar
plena certeza quanto à propriedade ou impropriedade de seu uso e outras situações e para
outras finalidades.
Para concluir essas considerações sobre a natureza e as características do texto
falado, cabe destacar que interação conversacional é essencialmente identificada pela
construção cooperativa do texto, pelos interlocutores que se encontram em situação face a
face. É essa condição que, ao menos em grande parte, determina as mais variadas
estratégias na perseguição de seus objetivos comunicacionais. Dadas as condições de
produção do texto falado, todos os procedimentos nesse sentido adotados pelo falante
tornam-se explícitos no texto. São essas marcas que especificamente evidenciam ser o
texto conversacional um processo, um texto em desenvolvimento. Esse caráter processual
se manifesta na realização de todas essas atividades reformuladoras ou qualificadoras -
que focalizamos, dentre as quais, como se verá, situam-se, também, os procedimentos de
seleção e definição lexical.
É, na verdade, impossível e nem é o propósito aqui apresentar uma relação
completa de funções específicas das atividades de qualificação, pois, em tese, elas podem
48
ser tantas quantos são os motivos que as desencadeiam. As que aqui são apontadas
parecem ser as mais recorrentes, segundo o estudo que foi feito.
49
3 A SELEÇÃO LEXICAL NO TEXTO FALADO
No capítulo anterior, apresentamos as principais estratégias de construção do texto
falado. Destacaram-se, nomeadamente, as repetições, as paráfrases, as correções, as
avaliações e os comentários como procedimentos recorrentes, por meio dos quais os
interlocutores buscam soluções para os problemas” de naturezas diversas, inerentes ao
desenvolvimento da interação face a face e, dessa forma, garantem a progressividade
temático-argumentativa do texto em construção.
A solução de problemas na acepção que se a esse termo aqui através
dessas estratégias, visava principalmente a assegurar a intercompreensão. Mas o que
efetivamente está em jogo quando, seja na interação falada seja na escrita, o destinador se
empenha em garantir a compreensão de seu enunciado a seu destinatário é a construção de
sentido no texto e do texto, pois construir o texto é construir sentidos. E é no texto que
eles emergem. Portanto, os procedimentos acima referidos são estratégias de construção do
sentido, e o processo de solução de problemas corresponde à gradativa superação de etapas
na definição de sentidos. É sob essa perspectiva que se quer focalizar teoricamente a
questão específica deste trabalho: a seleção lexical.
O processo de seleção lexical é, portanto, inerente às estratégias que, no capítulo
anterior, foram descritas. Mais adiante, na análise dos dados, ficará mais evidente essa
relação, que, geralmente, tem natureza parafrástica e corretiva, revelando, dessa forma,
procedimentos de construção de sentido na produção do texto.
50
3.1 O texto e suas condições de produção
Enfocar a seleção lexical na perspectiva da produção de sentido exige que,
inicialmente, seja posto em evidência um aspecto específico que é responsável pela
principal distinção entre texto falado e texto escrito: as condições de produção.
Para melhor explicitar essa relação, sirvam de exemplo as considerações feitas
sobre os dois segmentos de texto que seguem:
(19)
Maio, s das borboletas noivas flutuando em brancos véus. Sua
exclamação talvez tivesse sido um prenúncio do que ia acontecer no final
da tarde desse mesmo dia: no meio da chuva abundante encontrou
(explosão) a primeira espécie de namorado de sua vida, o coração batendo
como se ela tivesse englutido um passarinho esvoaçante e preso.
(Lispector, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.p.42-3)
O texto escrito chega ao leitor como um produto acabado, cujas idéias são
apresentadas linearmente, sugerindo que sua produção se deu de forma fluente, e que as
palavras surgiram prontamente ao produtor sem que ele tivesse dificuldades em definir as
escolhas e sentidos. Sabemos, contudo, como foi explicitado no capítulo anterior, que,
até chegar a um texto definitivo, o produtor certamente precisou fazer escolhas entre um ou
outro termo, reformular idéias, corrigir enunciados, enfim, recorrer a procedimentos rios
que, em sua avaliação, resultassem num enunciado coerente.
No texto (19), ao optar, por exemplo, pela metáfora “englutido um passarinho
esvoaçante e preso”, a autora conseguiu representar a sensação de euforia sugerida pelo
contexto do primeiro encontro entre a personagem e o homem pelo qual se apaixonou.
Igualmente a decisão por a primeira espécie de namorado de sua vida” contribui para o
estabelecimento de sentido de não correspondência entre o sentimento de ambos.
Certamente, muitas formulações e reformulações foram anteriormente feitas pela autora,
possivelmente até registradas em seus rascunhos, até que ela chegasse a uma versão
definitiva e satisfatória de seu texto, no que respeita ao sentido pretendido. A esse
propósito, Rey-Debove (apud HILGERT, 2003,P.70) faz a seguinte observação:
Os discursos optimais são, quase sempre, não o produto de uma atividade
espontânea, mas de uma pesquisa, de um trabalho de codificação. Um texto de
51
lei, um texto publicitário exigem semanas de trabalho, de supressões, de ajustes,
de reestruturação, de reescrituras..
Com certeza não é diferente o processo para a construção de textos literários, como
é o caso do segmento acima.
no segmento abaixo, caracterizado como um texto falado, encontramos algumas
distinções:
(20)
doc. Mas em geral as pessoas às vezes não consideram algumas profissões...
inf. NÃO ah::o que há::é que::é que::normalmente sempre um
certo::resquício assim uma::uma certa...eu eu diria assim assim uma falta de
integração um problema assim de::ah::...como é que eu diria para
vocês...como existe discriminação racial discriminação de credo de cor
existe uma certa discriminação em termos de profissão também...
(Hilgert, 1997,p.59, linhas 363-369)
Observemos, nesse segmento de texto falado, os procedimentos lingüístico-
discursivos do falante até ele chegar à expressão final “discriminação em termos de
profissão”. O processo começa desde o início do turno, em que o falante, por uma série de
hesitações demonstra estar em busca de uma solução lexical. Apresenta uma primeira
opção, quando usa certo resquício”. Não satisfeito com ela, depois de sucessivas
repetições, chega a uma falta de integração”. Contudo, como essa escolha
não contempla
o sentido em construção, o falante, metadiscursivamente, explicita sua dificuldade na
seleção (“como é que eu diria”) e tenta, por meio de recursos comparativos (“
como existe
discriminação racial discriminação de credo de cor”)
, chegar a uma formulação mais adequada,
que vai se traduzir em uma certa discriminação em termos de profissão”. Mas, ao
empregar uma expressão indicadora de incerteza (“uma certa”) revela que talvez essa ainda
não seja a alternativa mais apropriada.
Essa breve comparação entre um texto escrito e um texto falado mostra que o
processo de enunciação de ambos é similar, na medida em que as escolhas o
acontecendo conforme o texto vai sendo produzido. Do ponto de vista do fazer
enunciativo, portanto, o texto falado e o texto escrito num certo sentido se identificam, ou
seja, o texto vai se construindo a partir das escolhas do sujeito da enunciação, as quais o
resultam de uma simples seleção de um conjunto de possibilidades. As escolhas, na
52
verdade, o definidas por meio de um minucioso e complexo trabalho de construção do
sentido, conduzido pelo próprio desdobramento da enunciação.
Mas, se o texto falado e o escrito se identificam do ponto de vista da enunciação,
eles se distinguem claramente entre si do ponto de vista do enunciado, do texto, ou seja, do
produto da enunciação. O texto falado registra praticamente todas as operações
enunciativas que, uma vez projetadas no enunciado, se tornam elementos constitutivos do
texto e definidores de sua identidade. No texto escrito, ao contrário, as operações
enunciativas vêm em grande parte apagadas, tornando impossível de se refazer o caminho
percorrido pelo enunciador na construção do enunciado.
Se ambas as manifestações textuais exigem de seu produtor um procedimento
similar em termos de formulação, o que determina, então, a distinção entre os produtos? A
resposta está na diferença entre as condições de produção de um e de outro, conforme
vimos no capítulo 1 deste estudo.
Em síntese, essa retomada teve dupla finalidade: em primeiro lugar, instalou
também neste capítulo a noção de que a distinção entre o texto falado e o escrito deve-se,
essencialmente, às condições e ao processo específico de construção de um e outro; e, em
segundo lugar, destacou a possibilidade de, no texto falado, recuperar o percurso da
enunciação de forma muito mais detalhada, que os procedimentos nela adotados estão
explícitos no enunciado, e isso, particularmente no que diz respeito à seleção lexical, torna
mais fácil a constatação dos efeitos de sentido produzidos por meio das escolhas do sujeito
da enunciação.
3.2 Interação e construção de sentido
Para se falar em produção de sentido, é preciso partir de uma concepção de
linguagem. Para tanto, buscamos fundamentação nas idéias de Bakhtin (2002), mesmo
porque as grandes discussões teóricas da Lingüística dos últimos anos centram-se nas
idéias desse autor.
53
Bakhtin (2002) elabora uma concepção de linguagem a partir da sua já clássica
crítica a duas orientações do pensamento filosófico-lingüístico: o objetivismo abstrato e o
subjetivismo individualista. Segundo ele, a primeira orientação concebe a língua como
“sistema lingüístico, a saber, o sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da
língua” (Ibid., p. 77). a segunda define-a “como a expressão da consciência do
indivíduo, de seus desejos, suas intenções, seus impulsos criadores, seus gostos, etc.”
(Ibid.,p. 110-111), entendendo-se por expressão “tudo aquilo que, tendo se formado e
determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente
para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores” (Ibid. p. 111).
À primeira orientação o autor contrapõe que o falante se utiliza da língua para
satisfazer suas necessidades enunciativas e estabelecer contato com alguém. Quando se
utiliza do sistema lingüístico, sua consciência subjetiva não o faz, concebendo a língua
simplesmente como um sistema de formas normativas. “Tal sistema é mera abstração,
produzida com dificuldade por procedimentos cognitivos bem determinados”(Ibid.,p.92).
Ao contrário de ser fixo e determinado pela consciência do falante, o sistema lingüístico
provém de uma reflexão sobre a língua. A relação que o falante estabelece com a língua
não se resume à adequação que determinada forma lingüística deve apresentar quanto à
norma, mas se fundamenta na nova significação que ela adquire nos mais variados
contextos. Nesse sentido, de acordo com o autor, para o falante, “a forma lingüística não
tem importância enquanto sinal sempre estável e sempre igual a si mesmo” (Ibid.,p.93). O
que lhe interessa é a adequação dessa forma ao contexto da enunciação.
Nem mesmo na interação entre indivíduos que compartilham de conhecimentos
normativos da língua, a forma lingüística se reduz a um signo sempre estável. No processo
de descodificação, necessário para que o receptor reconheça o significado das formas
lingüísticas, o que ocorre não é simplesmente a identificação da forma utilizada, mas a sua
compreensão num determinado contexto, em situação enunciativa concreta.
Bakhtin, em relação a esse processo de descodificação, distingue signo de sinal: “O
signo pode ser descodificado, enquanto o sinal, por ser uma entidade de conteúdo imutável,
é apenas identificado” (Ibid., p.93). O processo de compreensão, então, não pode ser
confundido com o processo de identificação. Tratar uma forma lingüística apenas como um
sinal, é ignorar o valor lingüístico que essa forma apresenta, uma vez que o sinal não tem
54
competência para refletir nem refratar algo. Qualquer forma lingüística é, antes de tudo,
um signo, portanto não pode ser compreendida como sinal, uma vez que seu sentido será
determinado pela orientação fornecida pelo contexto.
Sob esse enfoque, o que torna uma forma lingüística um signo é a possibilidade de
descodificar seu sentido particular, e esse processo de identificação se concretiza na
interação verbal, ou seja, o sentido de uma forma lingüística é determinado pelo contexto
em que ela é empregada em uma determinada situação, envolvendo, ao menos, duas
pessoas. No caso da interação falada, esse processo interativo corresponde à própria
enunciação.
a crítica à segunda orientação centra-se no fato de que ela distingue o interior do
exterior, admitindo que o conteúdo que se exprime se constitui fora da expressão.
Bakhtin(2002) contrapõe-se a esse ponto de vista, afirmando que “não existe atividade
mental sem expressão semiótica” e que “não é a atividade mental que organiza a
expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela
e determina sua orientação”(Ibid., p. 112). E sendo essa expressão a própria realização
lingüística em situação concreta de interação, ou seja, social e historicamente determinada,
o mundo interior do usuário da língua é também socialmente configurado.
Uma outra crítica a essa segunda orientação explicativa da linguagem refere-se ao
fato de ela somente considerar ativo, no ato de fala, o falante, restando ao ouvinte uma
postura passiva de decodificador, desconsiderando-se, nessa perspectiva, o papel do
ouvinte na constituição do enunciado do falante. Para o autor,“na realidade, toda palavra
comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como
pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte” (Ibid., p. 113).
A partir dessas críticas, Bakhtin(2002)elabora o seu conceito de língua:
A verdadeira substância da ngua o é constituída por um sistema abstrato de
formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal,
realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui
assim a realidade fundamental da língua(p. 123).
55
E esta concepção se complementa quando define o que é enunciação:
A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de
um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo
que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade
lingüística (Ibid., p. 121).
A enunciação é, portanto, o produto da interação entre dois indivíduos socialmente
organizados. Assim, a verdadeira substância da língua não reside em um sistema abstrato
de formas lingüísticas, nem na enunciação monologada, mas sim na ocorrência do
fenômeno social da interação verbal. Nesse aspecto, o diálogo, no sentido estrito desse
termo, constitui a principal forma de interação verbal e “o processo da fala, compreendida
no sentido amplo como processo de atividade da linguagem é tanto exterior como interior,
é ininterrupto, não tem começo nem fim”.(Bakhtin, 2002, p. 125)
Ainda, nas palavras de Bakhtin (Ibid., p.125), a enunciação “é como uma ilha
emergindo de um oceano sem limites, o discurso interior. As dimensões e formas dessa
ilha são determinadas pela situação de enunciação e por seu auditório.” A situação e o
auditório obrigam o discurso interior a manifestar-se através de uma expressão exterior
definida, que se insere em dado contexto, podendo, conseqüentemente, ser ampliado por
meio da relação que o outro— que de enunciatário pode se converter a enunciador—
estabelecer com aquilo que lhe é fornecido naquele enunciado constituído por palavra em
co-relação em termos de significação.
Se o sentido de um texto se constrói na interação, quem seria considerado o sujeito
da enunciação? A alternância dos sujeitos do discurso revela o processo de co-enunciação,
em que enunciador e enunciatário constituem o sujeito da enunciação, e é a partir dessa
interação entre eles que as escolhas vão sendo feitas e o sentido do texto, bem como a
forma de enunciação, vão se construindo. “É a situação e os participantes que determinam
a forma e o estilo ocasionais da enunciação” (Ibid.,p.114)
Essa relação de mútua construção, segundo Bakhtin (2003,p.271) pressupõe atitude
responsiva por parte dos interactantes, já que são eles que constroem, colaborativamente, o
enunciado. O ouvinte, após receber e descodificar um enunciado, simultaneamente,
estabelece com ele uma ativa posição responsiva, ou seja, concorda ou discorda dele,
56
completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, e outras atitudes que lhe sejam permitidas.
Essa posição responsiva do ouvinte se instala desde o início do processo de audição e
compreensão, em muitos casos, inicia-se a partir da primeira palavra proferida pelo falante.
O próprio falante, segundo Bakhtin, pressupõe essa compreensão ativamente
responsiva, uma vez que seu objetivo não é unicamente transferir seu pensamento ao
ouvinte. Ao contrário, ele espera de seu interlocutor uma resposta positiva ou negativa,
uma contribuição, uma avaliação. Ele quer muito mais que a simples compreensão de sua
fala, espera uma resposta, algo a mais. Assim como ele o é o primeiro falante e seu
enunciado remete a outros enunciados anteriores, ele espera que o ouvinte, motivado por
seu enunciado, dê continuidade a essa relação.
Conceber o falante, portanto, como único responsável pelo fazer atribuidor de
sentido e atribuir ao ouvinte a mera interpretação e aceitação do enunciado caracteriza um
equívoco, pois é na atuação interativa de ambos que as escolhas para a construção dos
sentidos no texto são negociadas. Nesse sentido contribui Fiorin (2003) ao dizer que “o
enunciador, como filtro e instância pressuposta no ato de enunciar, é também sujeito
produtor do discurso, pois o enunciador, ao produzir um enunciado, leva em conta o
enunciatário a quem ele se dirige”(p.163).
Para Bakhtin, é na palavra que se encontra um território comum entre locutor e
interlocutor. Ela constitui a forma de expressão a um em relação ao outro, servindo como
ponte que os interliga em busca da interação. Nesse processo, a posse da palavra é
intercambiável: ora é do falante, ora do ouvinte—que, nesse momento, assume posição de
falante—, e a materialização dessa palavra como signo social se dará na enunciação e
será determinada pelas relações sociais.
Toda palavra, portanto, dirige-se a um enunciatário, e, mesmo que não esteja em
contato direto, o enunciador pode constituí-lo em função de um grupo social ao qual
pretende se dirigir. Tendo em vista o destinatário, serão definidas as escolhas do produtor,
sempre levando em conta seus propósitos. Isso não quer dizer que o fazer atribuidor de
sentidos seja tarefa exclusiva do enunciador, tampouco que caberia ao enunciatário
unicamente interpretá-lo. A produção de sentido é, pois, resultado de um trabalho
colaborativo entre os participantes da interação, na medida em que o texto resulta das
57
sucessivas trocas de conhecimento entre enunciador e enunciatário, e é, em função dessa
relação, que pode ser de maior proximidade com ele, como no caso dos textos falados, ou
de menor proximidade com o destinatário, em interações mediadas pela escrita, que o
produtor de texto faz suas escolhas.
3.3 Compreensão responsiva
Compreender um enunciado, então, é mais que meramente traduzir formas
lingüísticas com sentido pré-determinado num quadro normativo. Isso o ocorre nem
mesmo quando se trata de interação entre falantes cujo idioma é diferente, pois, mesmo
que se busque a compreensão de um enunciado por meio de uma tradução literal, são
necessários arranjos que permitam estabelecer o sentido preciso naquela comunicação. A
compreensão de um enunciado ocorre, portanto, na e pela interação. É a partir do momento
da enunciação, em função de todos os fatores que configuram esse momento como único,
que o enunciador, preocupado em assegurar a compreensão de seu enunciado, faz uma
série de escolhas por meio das quais ele cria e apresenta ao enunciatário, conforme afirma
Antos (apud HILGERT, 2003, p.76) uma “proposta de compreensão”.
Podemos dizer, então, que a compreensão, a exemplo do próprio enunciado,
também é co-construída e, portanto, falante e ouvinte são também sujeitos da compreensão
e, por estarem em contato, em situação cronologicamente real, também compartilham a
tarefa de, quando expostos a problemas, conjuntamente trabalhar para solucioná-los.
Tendo o falante e ouvinte uma posição responsiva perante o enunciado, mais
facilmente são constatados os problemas que podem comprometer a compreensão. Em
alguns casos, eles nem sequer são metadiscursivamente revelados, pois, o falante está
freqüentemente monitorando seu texto e, assim, reconhece, no próprio desdobramento da
ação comunicativa, a possibilidade de “turbulências” de interpretação e compreensão.
Constatando isso, adota, como ação preventiva, certas estratégias para evitar que esses
problemas de compreensão realmente ocorram na interação, conforme Schegloff, Jefferson
e Sacks (apud HIlGERT,1989).
58
Esse procedimento, de ordem preventiva, é um meio que o falante encontra para
evitar a instalação de um problema de compreensão no enunciado. Entre essas atividades
“profiláticas”
15
destaca-se o trabalho de seleção lexical, caracterizado pela busca de uma
formulação adequada, que se pode manifestar, como veremos na análise a seguir, em
diferentes formas, particularmente em seqüências de termos que revelam deslocamentos
semânticos de múltipla natureza.
Esse processo de seleção lexical não consiste, contudo, em relacionar um conceito,
uma idéia, enfim, um conteúdo a um termo, a uma expressão disponível num repertório.
Na realidade, esse “trabalho de denominação”, como denomina Blanche-Benveniste, (apud
HILGERT, 2003, p.73) está intrinsecamente ligado à relação de cumplicidade entre os
interlocutores que, seja por meio da interação falada, seja por uma manifestação escrita,
assumem a responsabilidade mútua de construir os sentidos do texto. Como a palavra o
tem significado fixo, imutável, é nas interações que se constroem novas possibilidades de
sentido e onde se verifica que o trabalho de seleção lexical o é um processo
automatizado, mas sim um dos mais complexos procedimentos para garantir a eficácia da
comunicação.
3.4 As escolhas lexicais e a questão valorativa
“A aquisição da língua materna—sua composição vocabular e sua estrutura
gramatical— não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas
de enunciações concretas que nós ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação
discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam”(Bakhtin, 2003,p.282). Aprender a falar,
portanto, corresponde a aprender a construir enunciados, uma vez que a fala não se
manifesta por orações desvinculadas de um contexto, nem por palavras isoladas.
A cada enunciado, a vontade discursiva do falante é claramente percebida, pois se
torna verbalizada através das escolhas tanto do objeto quanto do gênero no qual se
construirá o enunciado. Essas escolhas são determinadas em função da situação concreta
da comunicação, de seu conteúdo temático, das características de seus participantes, etc. É
15
Conforme denomina FIEHLER (apud HILGERT 2002, p.9).
59
a intencionalidade
16
discursiva do falante que determinará a forma de nero na qual será
desenvolvido o enunciado e é em função desse gênero que as formas da língua (lexicais e
gramaticais) são selecionadas.
Em função da necessidade de co-relacionar o enunciado a um contexto, podemos
dizer que todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e se caracteriza, de
acordo com Bakhtin (Ibid, p.296), através de dois elementos: o conteúdo semântico-
objetal, a idéia do falante centrada no objeto e no sentido determina a escolha dos meios
lingüísticos e dos gêneros de discurso; o segundo elemento, determinante de sua
composição e estilo, é o elemento expressivo, a relação emocionalmente valorativa do
falante com o conteúdo do objeto e do sentido de seu enunciado. Não existe um enunciado
desprovido desse elemento. É a relação valorativa do falante com o objeto de seu discurso
que determinará as escolhas lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado.
A expressão valorativa do falante pode ser manifestar por meio dos próprios
recursos oferecidos pela língua— lexicais, morfológicos e sintáticos— os quais são
aparentemente neutros quando não inseridos em uma realidade. Uma palavra, distante de
qualquer situação real, é apenas uma forma lingüística que, em si mesma, nada valoriza. É
no contexto que ela ganha valoração.
Um dos meios de expressar essa valoração do falante em relação com o objeto da
fala, no caso específico da oralidade, é através da entonação expressiva, que pode ser vista
como um traço constitutivo do enunciado, uma vez que, no sistema da língua, ela deixa de
existir. A palavra originalmente é desprovida de entonação expressiva. A partir do
momento em que ela é pronunciada com alguma entonação, deixa de ser uma simples
palavra, e passa a ser um enunciado. Quando nessa situação, as palavras adotam uma
significação indexada a uma determinada realidade concreta, ou seja, em condições reais
de comunicação discursiva.
16
Fiorin (1996, p. 57, nota 13) diz que “Greimas não admite dizer, como fazem muitos autores, que o ato de
comunicação repousa sobre uma ‘intenção de comunicar’, pois considera que o termo ‘intenção’ implica
uma dimensão consciente que elimina, por exemplo, o sonho do âmbito do discurso. Por isso, ele prefere o
termo ‘intencionalidade’ ”.
60
Através da entonação expressiva o falante estabelece com a palavra uma ativa
posição responsiva de simpatia, acordo ou desacordo, estímulo para a ação. Mas essa
entonação provém do enunciado e não da palavra. Pensava-se, até então, que cada palavra,
teria um tom emocional, “uma entonação expressiva inerente a ela enquanto palavra” (Ibid,
p.291) e, quando se escolhessem as palavras para o enunciado, seria como se algo guiasse
o falante pelo tom emocional próprio dessa palavra isolada: selecionariam-se, portanto,
aquelas que, pelo tom emocional, correspondessem à expressão adequada ao enunciado e
se rejeitariam as outras.
Na verdade, quando as palavras são escolhidas, o falante as seleciona em função de
um conjunto projetado no enunciado, representando uma prévia do todo da enunciação, e
esse conjunto é sempre expressivo e contagia essa palavra com sua expressão. A emoção,
o juízo de valor e a expressão, portanto, são estranhos à palavra da língua, mas surgem no
processo de seu emprego vivo em um enunciado concreto” (Ibid, p.292). Por fim, no
processo de construção do enunciado, as palavras o são escolhidas partindo-se do
sistema da língua na sua forma lexicográfica. Elas são provenientes de outros enunciados
que mantêm correspondência na sua especificação de gênero.
A significação neutra da palavra da língua é garantia de identidade e de
compreensão mútua dos falantes, mas seu emprego na comunicação discursiva viva é de
caráter individual-contextual. A palavra, segundo Bakhtin (Ibid,p.294) se apresenta para o
falante em três aspectos: 1) como palavra da língua neutra e não vinculada a alguém; 2)
como palavra do outro, constituída a partir de ecos de enunciados anteriores; 3) como
posse do falante, com intenção discursiva determinada e compenetrada de expressão. Na
realidade, toda palavra comporta duas faces: ela é determinada pelo fato de proceder de
alguém, mas também se dirige a alguém.
Se é somente quando inserida num contexto que a palavra ganha expressão, é
também nessa situação que o sentido lhe é conferido. A cada nova utilização, portanto,
renova-se o sentido da palavra. A significação, segundo Bakhtin (2002, p. 132), pertence a
uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela se realiza no
processo de compreensão ativa e responsiva. Ela o está na alma nem do falante nem do
interlocutor, mas na interação.
61
Também a Etnometodologia considera o valor trans-situacional das palavras.
Coulon (1995) afirma, através do princípio da indicialidade, que uma palavra, além de ter
uma significação trans-situacional, igualmente teria um novo significado a cada situação
particular de uso, ou seja, todas as determinações que se ligam a uma palavra em um
determinado contexto nem sempre a acompanharão nas demais situações de uso.
Isso revela a incompletude natural das palavras, que determina que o sentido se
concretize no contexto da produção, isto é, quando forem indexadas a uma situação de
intercâmbio lingüístico. Mesmo com essa indexação, a integralidade dos sentidos nunca
será esgotada, que, apesar da significação que uma palavra recebe em um determinado
contexto, do ponto de vista semântico, ela permanecerá aberta e sem limites definidos.
Isso significa dizer que o falante, a cada situação de uso de uma palavra é impelido
a avaliar-lhe o sentido e redefini-lo, quando necessário. E essa tarefa, ao contrário de
representar um problema para os falantes, revela as possibilidades, cada vez maiores, de se
acrescentar sentido a um termo ou expressão.
Tendo esse propósito em mente, os interlocutores tentam reduzir ao máximo a
vaguidade dos termos, a fim de garantir a intercompreensão. Chegam, como veremos a
recorrer a procedimentos metalingüísticos que explicitam essa preocupação e revelam os
problemas de compreensão que vão surgindo no desdobramento da interação.
Nessa perspectiva, a escolha do enunciador não precisa se apresentar
necessariamente definida, numa formulação pronta e acabada, mas pode manter-se aberta
em relação ao seu sentido, cabendo ao interlocutor completar a construção desse sentido.
Assim vista, a seleção lexical passa a revelar o caráter interativo da construção da
compreensão, ou seja, da instalação do sentido no texto.
A seleção lexical, ou o“trabalho de denominação”, no dizer de Blanche-Benveniste,
tem, portanto, a mesma natureza de qualquer outro procedimento típico da interação
falada. Ela ocorre ad hoc, no momento da enunciação, situada num contexto histórico-
social determinado, com finalidade de construir os sentidos no texto, o que resultará na
construção do sentido do texto.
62
4 O ESTUDO DOS TEXTOS
Antes de nos voltarmos à análise e à interpretação propriamente dita dos
procedimentos de seleção lexical na construção dos textos falados, apresentaremos o
corpus de nosso trabalho e os passos que seguimos para analisá-lo.
4.1 O Corpus e a metodologia de trabalho
Como já informamos na introdução, o corpus dessa pesquisa é constituído por
textos falados transcritos do Projeto NURC. Os dados do Projeto NURC foram coletados
em cinco cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador),
para serem objeto de descrição para o estabelecimento da norma objetiva do português
falado culto do Brasil.
Para ser informante do projeto, o falante teria de satisfazer às seguintes exigências:
ser brasileiro; ter formação universitária completa; ser filho de luso-falantes; ter nascido na
cidade do registro da gravação da fala; e, finalmente, ser morador desta cidade no mínimo
há cinco anos. Reuniram-se os informantes em três grupos, segundo diferentes faixas
etárias: de 25 a 35 anos; de 36 a 55 anos e de 56 anos ou mais).
Cada um desses grupos forneceu dados(falas) de três tipos: elocuções formais
EF— (aulas, palestras, conferências ou manifestações similares); diálogos entre
63
informante e documentador —DID— (o documentador entrevista o informante sobre os
mais diversos temas); e diálogos entre dois informantes —D2— (dois informantes
conversam entre si, sobre diversos temas, na presença do documentador, que conduz ou,
eventualmente, estimula a interação.)
Em nossa pesquisa, analisamos apenas falas do tipo DID, colhidas no arquivo
sonoro do Projeto NURC/POA, cuja transcrição
17
foi publicada em coletânea organizada
por Hilgert (1997). Essa coletânea é composta de oito inquéritos —numerados de acordo
com critérios estabelecidos pelos documentadores— com as seguintes características do
ponto de vista da duração das entrevistas, do sexo, da idade e da profissão dos informantes:
DID 121- 45 minutos; mulher, 27 anos, psicóloga.
DID 08- 40 minutos; homem, entre 25 e 35 anos, advogado.
DID 09- 35 minutos; homem, entre 25 e 35 anos, dentista.
DID 45- 35 minutos; mulher, entre 36 e 45 anos, professora.
DID 48- 35 minutos; homem, 53 anos, médico.
DID 341- 40 minutos; mulher, 60 anos, advogada e professora.
DID 344- 40 minutos; mulher, 68 anos, bibliotecária-chefe.
DID 06- 50 minutos; homem, 56 anos, médico.
Procedendo à análise e interpretação de dados, familiarizamo-nos, inicialmente,
com os inquéritos. Simultaneamente, fomos destacando as passagens em que, de alguma
forma, se revelava o trabalho de seleção lexical.
De imediato, chamou-nos a atenção a quantidade de ocorrências em que a busca
lexical se manifestava por meio de pausas mais longas, pausas preenchidas por repetições,
por alongamentos vocálicos, manifestações metadiscursivas sinalizadoras de seleção
lexical. Em menor número, embora freqüentes, eram as ocorrências em que a busca lexical
se realizava por meio de desdobramentos lexicais num determinado ponto da construção de
um enunciado.
17
As normas seguidas para sua transcrição encontram-se no anexo E.
64
Em relação ao primeiro caso, destacamos no corpus passagens, que fomos reunindo
em categorias, seguindo o critério da gradativa explicitude e complexidade verbal das
manifestações de busca lexical. Assim, definimos a seguinte seqüência: segmentos
plenamente fluentes, isto é, sem aparente quebra de continuidade para um trabalho pontual
de busca lexical; segmentos com sinalização de busca lexical por meio de hesitações em
geral; segmentos com marcação metadiscursiva do trabalho de seleção lexical; segmentos
com marcadores de incerteza quanto à definição do termo selecionado. Como nosso
trabalho não tinha finalidades quantitativas e estatísticas, não submetemos à análise todas
as ocorrências do corpus, mas aquelas que identificassem cada categoria de forma mais
evidente.
Quanto à seleção lexical, que envolvia desdobramentos lexicais, reunimos as
ocorrências na seguinte ordem: segmentos com interrupção de palavras em pleno curso de
sua formulação e desdobramentos lexicais plenos num eixo paradigmático de um
enunciado em construção.
Como tínhamos um objetivo específico de descrever a construção do sentido no
texto, por meio da análise dos movimentos semânticos entre os desdobramentos lexicais
pleno, tentamos transcrever, do corpus, todas as passagens que contivessem esse tipo de
desdobramento. Sempre tomamos o cuidado para que as passagens transcritas fornecessem
ao leitor um contexto mínimo para que ele pudesse perceber a natureza do movimento de
busca lexical. É possível que, nessa tentativa de transcrição exaustiva, nos tenham
escapado alguns casos, fato que, a nosso ver, não é relevante, que nosso objetivo não é
apresentar resultados quantitativos e, sim, descrever os fenômenos, do ponto de vista de
sua natureza semântica. Para a análise a seguir, trouxemos para o corpo do texto alguns
desses exemplos. Outros incluímos em anexos, organizados segundo a natureza comum
dos dados.
4.2 Análise e interpretação dos dados
A construção do sentido do enunciado, como vimos em Bakhtin, é um trabalho de
colaboração mútua entre enunciador e enunciatário, e é essa cumplicidade que determina
65
as escolhas do falante. Portanto, é em função de seu ouvinte e do contexto enunciativo que
o falante vai definindo o caminho a ser percorrido para a construção do enunciado, de
modo que seja garantida, da melhor maneira possível, a intercompreensão. Nesse sentido, o
trabalho de denominação não pode ser concebido como uma mera atividade de etiquetação
de termos em um enunciado.
O falante, na formulação do enunciado, empenha-se em encontrar alternativas
lexicais que contemplem, com a maior precisão possível, aquilo que pretende dizer a seu
interlocutor e, para isso, recorre às mais variadas estratégias. Ocorre, porém, que nem
sempre a formulação se desdobra de maneira fluente. o raro, o falante sinaliza
explicitamente, por procedimentos diversos, que está, aqui e agora, na enunciação,
buscando a melhor formulação para precisar o sentido em construção.
É nosso propósito, nesta pesquisa, observar quais são e como se manifestam esses
procedimentos sinalizadores do trabalho de denominação. Reunimos esses procedimentos
em diferentes categorias, por critérios explicitados, e voltamos nossa análise
especialmente àquela categoria em que o processo de seleção lexical se manifesta por meio
de uma sucessão de elementos lexicais, paradigmaticamente relacionados, a ocuparem
determinada casa da seqüência sintagmática do enunciado em construção. Queremos
particularmente focalizar os movimentos semânticos que se revelam nesse desdobramento
lexical, contribuindo, assim, com o desvelamento dos processos de construção dos sentidos
no texto e do texto.
Observamos, então, que o trabalho de seleção lexical se manifesta por meio de
procedimentos diversos que podem ser identificados e classificados de acordo com o
crescente grau de sua explicitação lingüística. Como categoria de referência inicial, pode-
se, então, considerar uma fala inteiramente fluente, na qual não se manifeste,
aparentemente, nenhuma sinalização do trabalho de busca lexical. A identificação das
outras categorias ocorre com base nas seguintes características: o trabalho de busca lexical
sinalizado por hesitações; por procedimentos metadiscursivos; por marcadores de incerteza
e imprecisão dos termos selecionados; pela interrupção de uma palavra em pleno curso de
sua formulação; e, finalmente, pelo desdobramento lexical num determinado eixo
paradigmático.
66
Apresentaremos, a seguir, os resultados de nossa pesquisa, sempre abonados pela
análise de segmentos representativos de cada categoria que definimos.
Categoria 1- Ausência de marcas de sinalização explícita do trabalho de busca lexical
Para darmos maior evidência às sinalizações de busca lexical, começamos com uma
primeira categoria em que elas estão aparentemente ausentes. Trata-se das falas percebidas
como plenamente fluentes. O falante faz, no máximo, pequenas pausas exigidas pela
respiração ou decorrentes do ritmo de sua fala. Aparentemente, porém, elas não sinalizam
para um trabalho de reflexão com vistas à formulação do texto, como mostra este segmento
de fala:
(21)
Doc. por que você escolhe estas estações?
Inf. bom pra mim é porque elas são as melhores têm mais variedades de
música as outras repetem muito têm muita propaganda eu não gosto de
muita propaganda no meio...é eu acho por causa...por causa disso mesmo.
(p. 22, linhas 42-47)
(22)
Doc. [...] barateia muito o transporte pluvial né? inclusive trazer até Porto
Alegre e descer até o porto de Rio Grande e fazer esse transporte?que sai
baratíssimo não de cereais como por exemplo de minérios enfim
material pesado isto eu acho que será uma grande coisa para o país...
(p. 134, linhas 514-520)
Percebemos, nos segmentos (21) e (22), que a formulação do enunciado ocorreu de
forma fluente, como se o falante já estivesse com a resposta previamente elaborada.
Percebemos que a praticamente ausência de interrupções sugere que o texto não foi
elaborado de improviso ou que o falante não teve tanta dificuldade em selecionar os termos
para sua formulação. Ao menos não demonstrou essa dificuldade por meio de
descontinuidade. Esse tipo de ocorrências, no entanto, não é tão comum em interações sem
prévia definição do tema.
Categoria 2- Sinalização de busca lexical por meio de hesitações
É característica do texto falado a presença de descontinuidade no fluxo formulativo,
ocasionadas, principalmente, pelas condições aqui e agora de sua produção. Essas
descontinuidades vêm seguidamente marcadas no enunciado, por meio da presença de
67
elementos característicos de hesitação como pausas, manifestações sonoras de natureza
paralingüística, alongamentos vocálicos, repetições de formas átonas.
Observemos os exemplos a seguir:
(23)
Doc e o que que você vê na televisão?
Inf ah eu vejo novelas... e o Repórter Nacional... depois eu vejo
também::ah
(1)
filmes assim no no dez......até estou ah de vez em
quando assistindo às aulas também de tarde ((risos)) na televisão.
(p.23, linhas 64-68)
(24)
Inf [...] reportagens...de de estrangeiro daqui que ilustram...eu não tenho
preferência assim porque eu GOSto mais entende eu acho tudo sempre
novidade acho muito bacana isso
(p.24, linhas 86-90)
(25)
Inf. [...] conforme pode-se observar...raspam...depois pintam com...acho
com::lápis ou::...ou ou material adequado para isso mesmo...
(p. 81, linhas 190-193)
No segmento (23), (24) e (25), percebemos que a fala não é mais tão fluente
quanto no exemplo anterior. Há, claramente, presença de pausas, todavia, são mais longas
e, em geral, se associam a alongamentos vocálicos (como em também::, com::, ou::”), a
formas paralingüísticas (como “ah”) e repetições de monossílabos átonos como “no no”
em( 23) e “ de de” em ( 24) e “com...acho com::”, ou::...ou ou” em (25).
Muitas vezes, esses alongamentos e repetições não m outra função a não ser a de
preencher pausas mais longas, necessárias para o processamento verbal. Esses
procedimentos de preenchimento de pausas também se destinam a evitar uma interrupção
demasiadamente longa do fluxo da fala, tornando-se assim um recurso do falante para
impedir que o ouvinte lhe tome o turno.
Categoria 3- Marcação metadiscursiva do trabalho de seleção lexical
Nessa categoria, o trabalho de seleção lexical se explicita por meio de estruturas
sintagmáticas mais complexas, com freqüência construídas em torno de um verbo dicendi
e, por isso, de natureza metadiscursiva.
68
Observemos o segmento:
(26)
Doc.o que você mais aprecia na TV educativa?
Inf. olha eu::...eu aprecio tudo viu porque eles...trazem desde música...trazem
eh eh::línguas (ah) matemática e trazem
(1)
::...uhn::...como é que eu vou
dizer...ah e assim eh ehn::...reportagens...(...)
(p.23, linhas 81-86)
(27)
Inf. [...] eu apreciei mais a... personalidade que ele está fazendo por causa
disso...eu...ah::indi/ah como é que eu vou dizer eu... identifiquei ele com
pacientes ou com pessoas com com as quais eu trabalhei...e por isso que eu
acho que ele está fazendo um papel excepcional.
(p.34, linhas 441-446)
Em (26) e (27), com a expressão “como é que eu vou dizer”, o falante deixa bem
explícito o trabalho de busca de um elemento lexical para aquele ponto do desdobramento
sintagmático. No primeiro segmento, esse trabalho resulta no termo “reportagens” e, no
segundo, na forma verbal “identifiquei”. A natureza metadiscursiva desse recurso está
centrada no verbo dicendi, já que, por meio dele, explicita-se um dizer sobre o dizer, ou,
mais precisamente, um dizer sobre a dificuldade de dizer. Esse procedimento
metadiscursivo não se manifesta de forma isolada. Ele vem, em quase que todas as
ocorrências, associados aos sinalizadores do processamento verbal que já apontamos
anteriormente. Como é o caso de pausas, alongamentos vocálicos e formas
paralingüísticas.
Ainda, nessa mesma categoria, identificamos casos em que a manifestação de busca
lexical é constituída a partir de uma estrutura em que o verbo dicendi fica implícito,
conforme mostra este segmento:
(28)
Inf. [...] eu sai de lá impressionada (eu disse) poxa (me con/) que troço genial
(isso)...((risos)) filmar agora sair na mesma hora e por pra passar por esse
aparelho e tem essa mara e aquela câmara ali então... aquele microfone
depende desse som dessa pessoa aquele é da outra sai pro outro...ah::
como é...amplificador parece que eles chamam sei lá não sei...
(p.38, linhas 571-577)
Fica evidente que, na seqüência “como é”, está subentendido o verbo “dizer” (como
é que se diz...). Esse exemplo também mostra que, nem sempre, o falante, no trabalho
metadiscursivo de busca lexical, chega ao termo que o satisfaz. No caso, depois de
69
verbalizar “amplificador”, a incerteza quanto à adequação do termo fica explícita nas
palavras subseqüentes “parece que eles chamam” e “sei lá não sei”.
Nessas situações de fala, em que o falante, por longo tempo, fica
metadiscursivamente sinalizando a dificuldade em encontrar uma formulação adequada ou
quando anuncia que não está satisfeito com determinada forma, é comum ocorrer uma
ajuda do ouvinte, que, com base na sua compreensão da evolução da fala, sugere, a seu
interlocutor, uma alternativa, que pode por esse ser aceita ou não. Faremos referência a
essa possibilidade mais adiante, quando tratarmos das diferentes formas de realização do
desdobramento lexical.
Categoria 4- Sinalização de incerteza quanto à adequação do termo selecionado
Outra forma de manifestação do trabalho de seleção lexical é aquela em que o
falante, explicitamente, por recursos verbais, mostra que não tem certeza quanto à
adequação, à precisão semântica do termo que está por usar. Esse procedimento é
identificado por palavras ou expressões do tipo “digamos”, “do tipo”, “assim”, “uma
certa”, “vamos dizer assim” e outras.
Inicialmente, ficamos em dúvida se ocorrências desse tipo não seriam variações da
categoria anterior, pois elas também se caracterizam pela metadiscursividade, já que vêm,
muitas vezes, introduzidas por verbos dicendi, como é o caso de digamos e vamos dizer
assim. Outras vezes, o verbo dicendi parece estar implícito. Decidimos, no entanto,
constituir uma nova categoria com essas ocorrências porque nelas o falante dispõe de um
termo para aquele ponto de seu enunciado, mas manifesta certa incerteza quanto a sua
precisão ou adequação no contexto da enunciação em curso. Já, na categoria anterior, o
procedimento metadiscursivo aponta para a busca de um termo que, naquele momento da
enunciação, o falante ainda não dispõe para formular.
Observemos, então, os seguintes segmentos dessa nova categoria:
(29)
Inf. então eh desde o momento em que eu tirei o curso de Direito sempre me
despertou...assim::ah::uma certa curiosiDAde...
(p. 52, linhas 101-104)
70
(30)
Inf. [...]há também o campo de empresa privada na parte
de::consultoria...há::magistratura...promotoria...enfim existe pode haver
uma certa competição profissional pelo número eleVAdo de pessoas e
pela a a::profusão de faculdades
(p. 51, linhas 71-77)
Nos segmentos (29) e (30), verificamos que o falante demonstra certa restrição
quanto ao uso de “curiosidade” e competição profissional”, não apresentando, porém, na
seqüência, outros termos que lhe pareçam melhores, nem dando explicações sobre a
vaguidade semântica das escolhas feitas. Tem-se a impressão de que o falante propõe ao
ouvinte termos aproximados do que quer dizer, mas deixa ao fazer compreensivo e
interpretativo deste a definição de seus sentidos, dentro do contexto comunicacional em
que eles ocorrem.
Cabe aqui destacar dois aspectos relevantes na constituição dos sentidos do texto.
Em primeiro lugar, fica explícito, no fato de o ouvinte ser chamado a participar na
definição do sentido dos termos o processo de co-enunciação do discurso. E, em segundo
lugar, mostra-se que a eficiência da comunicação não fica necessariamente comprometida
com o uso de termos semanticamente vagos. Nesse sentido, Bühler (apud HILGERT,
2003,p.77) fala em “omissão constitutiva”: falar bem é ser econômico e deixar muito a
responsabilidade do ouvinte, especialmente uma ampla liberdade em seu pensar co-
construtivo”. No que respeita à vaguidade semântica das palavras usadas nas interações
cotidianas, Hilgert (2003,p.76) também cita Brinker e Sager: pois precisamente nessa
‘fértil imprecisão é que se tornam visíveis a riqueza e as possibilidades quase que
ilimitadas de uma linguagem usada para o diálogo”.
É evidente que os interlocutores, em sua interação, estão sempre e conscientemente
empenhados em reduzir ou desfazer essa imprecisão em favor da mútua compreensão e dos
objetivos da comunicação. Com essa finalidade, o falante, em geral, faz seguir, depois da
introdução do termo considerado vago ou impreciso, um ou mais termos especificadores
ou até uma breve explicação nesse sentido.
Vejamos estes exemplos:
(31)
Inf. olha...a psiquiatria é uma que::eu tenho a impressão que traz assim eh::além
de:: de uma::... de condições financeiras assim:: boas de de de uma...
71
realização profissional em termos econômicos também uma
realização profissional...
(p.52, linhas117-121)
(32)
Doc. de que e de que meios uma emissora dispõe pra realizar uma reportagem
externa você tem... idéia?
Inf. [...] conforme a reportagem eles levam esses caminhões...e:: senão eles
levam essas (pro/) essas maquinazinhas pequenas... com com gravador... e
eles filmam se é uma se é m/ maior vamos dizer assim uma reportagem
um acontecimento então vai o caminhão de externa...
( p.33, linhas 400-409)
(33)
Inf. um certo:: resquício assim uma:: uma certa...eu diria assim assim uma
falta de integração um problema assim de:: ah::... como é que eu diria
pra vocês... como existe discriminação racial discriminação de credo
de cor existe uma certa discriminação em termos de profissão
também...
(p.59, linhas 363-369)
No segmento (31), as condições financeiras imprecisamente consideradas boas
(“assim:: boas”) passam a ser, na seqüência, definidas com mais precisão como “uma
realização profissional em termos econômicos”. No segmento (32), fica evidente a
impropriedade do uso de reportagem”, sendo esse uso, na seqüência, praticamente
corrigido por “um acontecimento”.
O segmento (33) é modelar para explicitar o complexo trabalho de busca lexical na
interação face a face. Além dos fatos que aqui estamos descrevendo, ele registra
praticamente todos os procedimentos que anteriormente descrevemos e, também, outros
que ainda serão analisados adiante. No início, o falante revela sua insegurança quanto ao
uso da palavra resquício”, ao introduzi-la por meio do marcador de incerteza um certo”.
Para resolver este problema, sugere, a seguir, a expressão “uma falta de integração” e
inicia uma outra com “um problema”, para a qual não encontra, porém, uma continuidade
imediata. A busca dessa formulação se realiza por meio de uma nova sinalização de
incerteza (“assim”) passando por elementos paralingüísticos de hesitação (“de”,“ ah”),
procedimentos metadiscursivos de busca lexical (“como é que eu diria para vocês”),
comparações (“como existe discriminação racial discriminação de credo de cor”) até
chegar finalmente à solução que satisfaz o falante (“ existe uma certa discriminação em
termos de profissão também”).
Observemos que esta solução final perfeita seqüência ao sintagma inicial do
segmento de fala (33):“ NÃO ah::o que há::é que::normalmente sempre [...] existe um
72
certa discriminação em termos de profissão também... Todo o resto que se interpõe entre
esses dois segmentos, conforme indicam os colchetes, revela o trabalho de busca lexical na
formulação do enunciado e na construção de seus sentidos.
Categoria 5 - Interrupção de uma palavra em pleno curso de sua formulação
Essa categoria reúne ocorrências cujas características apresentam algumas
distinções, que nos levaram a estabelecer duas subcategorias. Na primeira delas, o falante,
depois de definir uma solução lexical, interrompe-a em pleno curso de sua formulação,
mas, em seguida, a confirma. Na segunda, depois da interrupção, o falante faz uma outra
escolha lexical.
Analisemos estes exemplos da primeira subcategoria:
(34)
Inf. (...) volta e meia também aparece aqui em casa... pra eles fazendo aqueles
entrevi::stas pra saber o o o pro/ programa que eu escuto a rádio que eu
escuto o tipo de programa que eu gosto eles fazem uma enquete
assim...então... a partir dessa... enquete fazem os programas...
(p. 24, linhas 111-125)
(35)
Inf. olha...depende né?... há:: por exemplo:: aspectos posso trazer assim
depoimento da minha família por exemplo:: os meus avós
morreram...ah::com MAIS de setenta anos...
normalmen/ah::normalmente o pessoal assim da idade deles
da...contemporâneos esse pessoal que foi contemporâneo a eles...
(p. 71, linhas 766-772)
(36)
Inf. doenças pulmonares...ah:: doenças::ah::...de ah:: derm/eh
derma/dermatologistas...acho também que a medicina está caminhando
rapidamente... para um entrosamento entre o computador...
(p.177, linhas 397-401)
Nas passagens destacadas dos exemplos verificamos, portanto, no início, a
suspensão dos termos em formulação e sua imediata retomada para confirmação. Em
princípio, podemos admitir que o procedimento de formulação aqui descrito se deve a uma
hesitação do falante diante da adequação ou da propriedade da palavra para o enunciado
em construção. Se essa for a razão, podemos, então, identificar esse procedimento como
sinalizador de busca lexical. Com muita freqüência, conforme registram os três exemplos,
73
esse processo também se realiza associado a marcadores de hesitação que já comentamos
anteriormente. Nem sempre, porém, podemos afirmar com certeza que o procedimento
aqui focalizado consiste num trabalho de seleção lexical. Eventualmente ele ocorre por
outros motivos, como, por exemplo, por problemas de articulação ou outros.
As ocorrências da segunda subcategoria se assemelham às da anterior, uma vez que
nelas o falante também interrompe a palavra antes de concluir a sua formulação.
Distinguem-se, porém, daquelas pelo fato de ele, depois da interrupção, não confirmar a
palavra interrompida, e sim, decidir-se por uma outra. Esta pode tanto apresentar um grau
de equivalência semântica com a abandonada, quanto constituir uma correção, verbalmente
marcada ou não.
Observemos estes segmentos de fala:
(37)
Inf. [...] os artistas são estranhos eu não (a) conheço mas eu vou assim pela
crônica também ou os comentários que eu ouç/ que eu ouvi...
(p.43, linhas 733-735)
(38)
Inf. [...] Garganta do Diabo esta pedra de um lado corre também água cai
também faz quedas d’água...grandes também e a gente pra chegar nessa
pedra...a gente tem que tomar...DOIS barcos o primeiro vai-se da
beira...da parte terri/ vamos dizer...da parte firme terra até uma
ilha...depois se toma uma barquinha um pouco menor para ir DESta ilha
até a pedra...
(p. 129, linhas 353-360)
(39)
Inf. [...] tem filmes por exemplo que eu já assisti e que eu lembro certas partes
então eu estou vendo que a a dublagem não é a mesma que foi feita no
cinema e na televisão mas outros eu não::não pra notar porque eu não
conhe/não não assisti o filme...
(p.28, linhas 233-242)
(40)
Inf. a administração pública::hoje parte pro/ após a refor/ após o decreto-lei
duzentos...de sessenta e sete que foi a reforma administrativa....
(p.51, linhas 56-59)
(41)
Inf. [...] antigamente...o vestibular era diferente...nós estu/ fazíamos...doze
cad/ doze matérias ...e dividíamos geralmente fazendo quatro matérias
para o por ano...
(p.193, linhas 6-12)
74
Como podemos observar, nas ocorrências apresentadas, o falante faz uma primeira
escolha lexical, mas interrompe-a em plena formulação, substituindo-a, a seguir, por outra.
Por meio dessa substituição verificamos, em (37), uma modalização temporal do verbo; em
(38), ocorre uma adequação vocabular, na medida em que se passa de uma expressão de
significação ambígua para outra mais precisa para o contexto do enunciado; em (39),
também ocorre uma adequação vocabular, estabelecendo-se, de um lado, uma distinção
entre conhecer e assistir, pois podemos conhecer um filme sem ter assistido a ele
(conhecê-lo de ouvir falar, de ter lido sobre ele); de outro lado, porém, mantém-se entre
esse dois verbos, no contexto em que aparecem, uma relação de equivalência, que
assistir ao filme é uma forma de conhecê-lo; em (40), com a interrupção da palavra
reforma, tem-se a impressão de que o falante interrompe um segmento mais longo (por
exemplo, após a reforma da lei) e se antecipa com o termo adequado (decreto-lei);
finalmente, em (41), a busca da adequação lexical (estudar por fazer e cadeiras por
matérias) é determinada pela adequação da relação sintática entre fazer cadeiras e estudar
matérias.
O procedimento dessa segunda subcategoria revela, de forma mais explícita, o
constante monitoramento que o falante exerce sobre a construção de seu texto.
Considerando a natureza semântica dos desdobramentos lexicais dessa categoria,
podemos identificar em todas elas, em grau maior ou menor, uma equivalência semântica
e, dentro dessas relações de equivalência, um processo de correção. Esta correção, no
presente caso, não consiste na total anulação do sentido da formulação interrompida, mas
em sua adequação ao contexto, por meio de outra formulação. Aliás, este propósito
corretivo da interrupção parece ser indiciado pelo fato de que a forma substitutiva segue
imediatamente após a interrupção, sem haver, portanto, entre esta e a seqüência uma
hesitação do tipo que ocorre nos segmentos (35) e (36) da primeira subcategoria.
Por fim, cabe registrar ainda que esta última subcategoria já é uma forma de
desdobramento lexical de dois termos no mesmo eixo paradigmático, ocorrendo entre eles
algum tipo de deslocamento, conforme mostram estes dois segmentos:
75
(42)
Inf. [...] quando são metabolizadas...o produto final é...açúcar glicose mas isso
vai ser met/ (mas )esse produto vai ser::éh absorvido pelo organismo...
(p. 86, linhas 358-360)
(43)
Inf. [...] e as construções em firmas que é::referente a...demolições
batidas...e (/s) apitam mesmo quando os func/ os empregados da da
obra...
(p. 87, linhas 393-397)
Fica evidente que, no segmento (42), ocorre um desdobramento lexical de
“metabolizado” para “absorvido”, manifestando-se um deslocamento semântico de um
termo de uso técnico para outro de circulação corrente. No segmento (43), o deslocamento
semântico acontece de “funcionários” para “empregados”, caracterizando a busca de termo
adequado para denominar o trabalhador da área da construção. Casos como esses
poderiam, então, ser incluídos na análise do tópico seguinte, mas, por suas características
formais, não os incluiremos.
Categoria 6 - Desdobramento lexicais no eixo paradigmático
Como dissemos, é a descrição dessa categoria que constitui o objetivo específico de
nossa pesquisa. O trabalho de seleção lexical que a identifica assim se caracteriza: o
falante, no fluxo do sintagma, faz suceder, após certa opção lexical, uma segunda
possibilidade e, eventualmente uma terceira. Esse trabalho instala um desdobramento
lexical de natureza paradigmática numa determinada casa do sintagma em construção.
A configuração dessa categoria de procedimentos de busca lexical vem explicitada
nesta passagem:
(44)
Doc. e e e os artistas?
Inf. os artistas eh:: também... acho fabuloso inclusive na estou vendo essa
Mulheres de areia porque são artistas muito bons e eles trabalham assim
que parece tem então o Gianfrancesco Guarnieri parece
um um débil mental mesmo
um louco... não é bem louco mas
assim um excepcional... e eu como lidei muito com isso quer dizer eu...
(p.34, linhas 433-443).
76
O falante, após fazer a opção lexical “um débil mental”, vê-se, por algum motivo,
compelido a buscar nova formulação, e a encontra em “um louco”. Através da passagem de
um termo a outro, ele promove no texto um deslocamento semântico, que vai de um
sentido mais específico da primeira escolha para um sentido mais geral, revelado pela
segunda.
Além da amplitude semântica, a expressão “um louco” confere ao enunciado um
certo grau de agressividade. O falante, talvez querendo evitar esse efeito, faz uma correção,
explicitamente marcada por “não é bem louco”, para um excepcional”. Mesmo com todo
esse trabalho, a definição lexical não foi definitiva, uma vez que ficou evidente no
enunciado uma incerteza quanto à precisão do último termo, na medida em que ele vem
precedido da expressão “assim”, a qual, como vimos nas categorias anteriores, serve de
índice de imprecisão terminológica.
Percebemos, então, que a seleção lexical que se evidencia no desdobramento “um
débil mental mesmo”, “um louco” e “assim um excepcional” é um trabalho que se realiza
no eixo paradigmático de uma casa do sintagma.
O esquema seguinte ajuda a compreender a natureza desse procedimento:
eixo sintagmático (X) eixo paradigmático (Y)
X Y X
Y’
Figura 3- esquema sintagma e paradigma
X representa o eixo sintagmático no qual os termos se sucedem e se relacionam na
construção do enunciado. Y e Y’ representam o desdobramento lexical no eixo
paradigmático de uma casa do sintagma, com vistas a uma definição lexical mais adequada
para a comunicação em andamento.
O que acontece, nesse processo, não é a substituição de um termo por outro. Pelo
contrário, os elementos, na medida em que vão se sucedendo, estabelecem, entre si,
relações semânticas responsáveis pelos mais diversos movimentos de sentido. O que
77
importa, nesse processo, não é a última opção lexical definida, mas o sentido que vai sendo
construído colaborativamente no conjunto do desdobramento. O sentido produzido resulta,
portanto, da relação entre os termos, estabelecida no e em função do contexto em seus
diferentes níveis —da interação em desenvolvimento.
Queremos chamar atenção para o fato de que nosso interesse de investigação se
restringe ao trabalho de busca lexical explicitado por um desdobramento lexical, no qual se
revela uma gradativa aproximação lexical. Não focalizaremos, portanto, mesmo que
apresentem certa semelhança, as ocorrências nas quais os falantes fazem suceder a uma
formulação lexical uma paráfrase, a qual, geralmente se estruturando sintaticamente em
torno de um núcleo verbal, tem quase sempre uma função explicativa, conforme mostra o
segmento a seguir:
(45)
Inf. bom normalmente ainda predominaria a Medicina (que) normalmente
o problema da Medicina assim ainda é um campo
assim um pouco obscuro
com::diversas coisas ainda::a serem descobertas como por exemplo o
problema relativo ao câncer cardiologia...
(p. 65, linhas 564-569)
Em (45), o falante, depois de dizer um pouco obscuro”, para caracterizar o campo
da medicina, acrescenta, na seqüência, uma paráfrase que explica o sentido dessa
expressão no contexto. Casos como esses não serão objeto de nossa análise, embora, como
veremos, o desdobramento lexical estabelece, entre os termos, movimentos semânticos que
também caracterizam as relações parafrásticas.
Cabe observar, ainda, que o desdobramento lexical no paradigma muitas vezes não
se apresenta de forma exclusiva. Ele vem, muitas vezes, acompanhado de outras
manifestações que sinalizam a busca lexical. Encontramos, em nosso corpus, inúmeras
ocorrências em que a sucessão de termos vem acompanhada de pausas, marcadores de
hesitação, expressões metadiscursivas e correções, enfim, de outros elementos que marcam
o trabalho de busca lexical.
Os segmentos (46) e (47) ilustram esse caso:
78
(46)
Inf. na praia jogos... bom o que eu vejo lá:: na na praia
o pessoal joga muito aquelas... raQUEtes assim...
jogam vôlei...
é tênis de praia que se chama aquele com a raquete
é tênis de praia
vôlei isso que eu vejo na praia...
(p.102, linha 242-245)
Nesse segmento, a sucessão “raquetes”, “vôlei”, tênis de praia” insere-se num
contexto de hesitações - traduzidas por pausas, pequenas repetições e alongamentos -, de
índices de incerteza (“assim”), de elementos metadiscursivos (“que se chama”).
Em contexto similar ocorre o desdobramento lexical na passagem seguinte:
(47)
Inf. NÃO ah::o que há::é que::normalmente sempre há um certo::resquício
assim uma::uma certa...eu diria assim assim uma falta de integração um
problema assim de::ah::..como é que eu diria pra vocês...como existe
discriminação racial discriminação de credo de cor existe uma certa
discriminação em termos de profissão também...
(p.59, linhas 363-369)
A seqüência “um certo:: resquício”, “uma falta de integração”, “um problema” vem
acompanhada de pausas, alongamentos, repetições, marcadores de incerteza (“certo”,
“certa”, “assim”) e recursos metadiscursivos (“eu diria”, “como é que eu diria pra vocês”).
Também a correção é um procedimento associado a essa busca lexical.
Observemos este segmento:
(48)
Inf. impressão de saúdecor de pele...seria a co::r...moreno assim...claro o
é bem moreno...um bronzeAdo...
(p. 80, linhas 154-156)
Em (48), o que diferencia esse tipo de procedimento de outros analisados é o
evidente caráter corretivo de bronzeado” em relação a “moreno assim... claro”. Mesmo
nesse caso, embora a validade do primeiro termo seja total ou parcialmente anulada pelo
segundo, o sentido deste, no texto, é construído na relação com o primeiro. Isso implica
79
dizer que, também no caso das correções, é no conjunto do desdobramento que se
configura o sentido da definição lexical no texto.
1. A atuação dos interlocutores na atividade de seleção lexical
dissemos que o processo de seleção lexical é um procedimento de construção do
sentido, em situação de interação, o que implica dizer que, em qualquer instância, esse
sentido é construído com a participação do interlocutor. É o princípio da co-enunciação
constitutiva do texto. Há, no entanto, inúmeras ocorrências em que essa participação se
manifesta explicitamente, como mostraremos a seguir.
A exemplo de outros procedimentos de construção do texto falado que
estudamos (cf. cap.II), como a repetição, a paráfrase e a correção, a seleção lexical é uma
atividade que pode ser desencadeada e realizada pelo falante ou pelo ouvinte. A
intervenção deste último o precisa, necessariamente, ser de natureza verbal, podendo a
reelaboração lexical ser desencadeada por gestos, mímicas, expressões faciais e outros
recursos paraverbais ou o verbais. Como, no entanto, o nosso corpus não registra dados
não-verbais, abordaremos, na seqüência, a atuação dos interlocutores no trabalho de
seleção lexical somente com base nas intervenções verbais.
Nesse sentido, dois aspectos podem ser observados: a) a realização do
desdobramento lexical; b) a iniciativa de desencadeá-lo. Para a análise que segue,
consideramos interações entre dois falantes, F1 e F2, nas quais, obviamente, ambos
alternam os papéis de falante e ouvinte.
Se qualquer um dos falantes produzir um enunciado e, por algum motivo, em
determinado momento de sua evolução, proceder a um desdobramento lexical nesse
próprio enunciado, faum autodesdobramento. Se, no entanto, um deles proceder a um
desdobramento lexical de um elemento do enunciado em construção pelo outro, produzirá
um heterodesdobramento.
No que se refere ao desencadeamento do desdobramento lexical, se a iniciativa for
de quem produziu o enunciado, teremos um desdobramento auto-iniciado; mas, se ela for
do ouvinte, teremos um desdobramento héteroiniciado.
80
Combinando realização e iniciativa, pode o trabalho de seleção lexical ser:
a) um autodesdobramento auto-iniciado: quando F (F1 ou F2) desdobra seu
próprio enunciado por iniciativa própria;
b) um autodesdobramento heteroiniciado: quando F (F1 ou F2) desdobra
seu enunciado por iniciativa do ouvinte;
c) um heterodesdobramento auto-iniciado: quando F (F1 ou F2) tem seu
enunciado desdobrado pelo ouvinte, por iniciativa deste;
d) um heterodesdobramento heteroiniciado: quando F (F1 ou F2) tem seu
enunciado desdobrado pelo ouvinte, por iniciativa de F.
Exemplificaremos, a seguir, cada uma dessas atuações dos interlocutores no
trabalho de seleção lexical, por meio da análise de segmentos interacionais de nosso
corpus.
a) Autodesdobramento auto-iniciado
(49)
(F2) Inf. [...] desde que se estuda o trabalho desde o momento em que o trabalho
até o momento em que:: se tem
por uma concepção moderna
por uma concepção nova de que o trabalho por uma vontade de de
realizar alguma coisa de criar de fazer alguma coisa...
(p. 59, linhas 348-353)
(50)
(F2) Inf. então ah::esse pessoal que normalmente ingressa na empresa
como estagiário
como bolsista tem ah::noventa por cento de chances de se aprovar como
empregado posteriormente quando formado...
(p.55, linhas 216-220)
Nos segmentos (49) e (50), os desdobramentos lexicais em destaque são realizados
pelo falante e por iniciativa deste. Ao menos não há nenhum fator verbalmente explícito
um problema de compreensão, por exemplo - que denuncie a intervenção do ouvinte.
81
b) Autodesdobramento heteroiniciado
Devido às especificidades do corpus analisado em nossa pesquisa, nele não
ocorreram autodesdobramentos heteroiniciados. Isso se justifica, a nosso ver, pelas
condições de produção dos inquéritos. A tarefa atribuída ao documentador era a de
simplesmente conduzir a conversa, através de perguntas e inserção de novos tópicos a
serem comentados pelo informante, e não interferir significativamente no enunciado
produzido por ele. Certamente, se a conversação fosse oriunda de uma interação entre dois
informantes, teríamos ocorrências desse tipo de atuação, visto que ambos estariam em
igual relação de comunicação. Buscamos, então, um segmento de fala em Castilho e Preti
(1987):
(51)
(F2) L2- então tanto que quando eh chega a ponto de até às vezes ele éh éh
ele::escrever para a faculdade...pedindo...os melho/ah os nomes dos
melhores alunos...dos últimos anos para poder eh poder procurar
[
(F1) L1- localizar
(F2) L2- para poder localizar...porque realmente a dificuldade é grande
(p.160)
O enunciado formulado por F2 poder procurar” é alterado para “poder localizar”
devido à iniciativa do ouvinte (F1) em sugerir uma nova formulação.
c) Heterodesdobramento auto-iniciado
(52)
(F1) L1-não inclusive eu estava respondendo para você::colega...o o o:: fato de
eu ter escolhido a profissão do do...
(F2) L2- economista...
(F1) L1- economista né?...então realmente eu fiz o ginásio estava fazendo o
ginásio...
(Castilho e Preti, 1987,p.70)
(53)
(F2)Inf. [...] eu disse vice-presidente ainda agora né? Mas não vice-presidente é
o outro...ele FOI no ano passado...ele é::como é que se diz a pessoa que
cuida do CLUbe...que toma::não é ecônomo é o que toma conta assim
do::...dessa parte::que ele tem que cuidar da das obras tudo
(F1) Doc. diretor patrimonial...
(F2) Inf. di/diretor::do patrimônio...é isso...né?....
(p.98, linhas 100-108)
82
Observemos que, em ambos os segmentos, o ouvinte (F2), por sua iniciativa,
prosseguimento a uma definição lexical proposta pelo falante (F1), cuja intervenção, por
sua vez, também constitui um heterodesdobramento auto-iniciado.
d) Heterodesdobramento heteroiniciado
(54)
(F1)Doc. quais seriam as causas do problema de colocação de formandos em
escolas superiores?
(F2)Inf. qual seria?
(F1) Doc. os problemas as causas de problemas de colocação de formandos...
(F2) Inf. isso referente a:: o problema dos::... dos excedentes de vestibular
a::ausência de vagas ou::eu não entendi bem
(p.53-54, linhas 156-164)
(55)
L1- sei lá estão falando muito nisso viu? poluição do ar agora
(F2) L2- é:: o tema do momento né?
(F1) L1- é a moda mesmo...
L2- é...é a moda...
(Castilho e Preti, 1987, p.66)
Em (54), denuncia-se um problema de compreensão no segundo turno, por meio da
pergunta do informante “qual seria?”. Em decorrência, F1 retoma seu enunciado anterior
sem, no entanto, resolver o problema para F2. Este, então, na tentativa de buscar a
compreensão, reelabora duplamente o enunciado de F1, buscando formular o que este quer
dizer por “as causas de problemas de colocação de formandos”. Portanto, é F2 que busca
uma formulação lexical para o enunciado de F1, levado a isso pelo fato de este não
conseguir definir um termo ou uma expressão que solucione o problema de compreensão
para o primeiro. Trata-se, portanto, de um heterodesdobramento hetero-iniciado.
Procedimento de natureza idêntica se verifica em (55), em que F1, por meio de “a
moda”, prossegue especificando a definição lexical de F2, o tema do momento”. E a
iniciativa dessa especificação pode-se atribuir a F1, que, por meio de “né?”, de alguma
forma interpela seu interlocutor a uma intervenção.
Verificamos o comprometimento mútuo dos interactantes com a construção dos
sentidos do texto em ambos os segmentos analisados, mantendo eles, para tanto, constante
83
posição ativa e responsiva, com o objetivo último de garantirem a intercompreensão e, por
conseguinte, de levarem a bom termo a interação em desenvolvimento.
Embora não queiramos argumentar com base em dados estatísticos, pudemos
constatar a absoluta predominância das autodesdobramentos auto-iniciados no corpus
analisado. Isso, com certeza, se deve ao tipo de inquéritos analisados. Todos eles são
entrevistas em que o documentador (entrevistador), depois de fazer a sua pergunta (em
geral previamente preparada), deixa o informante (entrevistado) falar sem, em princípio,
intervir na resposta. A intervenção eventualmente ocorre, quando o informante não ao
documentador a resposta esperada, fato que é geralmente determinado por problemas de
compreensão da pergunta deste último ou de aspectos inerentes a ela. Nestes casos,
desencadeia-se uma seqüência interativa, não planejada, com o objetivo de solucionar o
problema de compreensão. É nesse contexto que as negociações lexicais assumem, então,
com mais freqüência, características explicitamente interativas.
2- A construção do sentido entre os termos desdobrados
Como dissemos, o processo de construção do sentido se no conjunto da
enunciação, isto é, ele se constrói na totalidade do enunciado, o que nos faz considerar que,
mesmo procedendo a desdobramentos lexicais, cada nova alternativa acrescenta e constrói
sentidos.
A relação semântica estabelecida entre os termos do paradigma pode apresentar
naturezas diferentes, embora, na grande maioria dos casos, ela possa ser caracterizada
como uma relação de equivalência semântica, isto é, como dissemos, quando
focalizamos as relações parafrásticas, entre os termos em relação existe um certo grau de
identidade semântica. Esta gradação de equivalência pode se estender desde um grau
máximo, expressa numa repetição denotativo-referencial, até um grau mínimo, quando é
aparentemente imperceptível, mas identificável pelo contexto.
Analisando as ocorrências de desdobramentos lexicais do corpus, do ponto de vista
da relação de equivalência semântica entre os termos, podemos enquadrá-las, num
primeiro momento, em três grandes categorias: a) desdobramentos cujos termos
apresentam entre si um grau forte de equivalência semântica, a ponto de poderem ser
84
percebidos como sinônimos intercambiáveis entre si no contexto em que se encontram; b)
desdobramentos em que os termos não são intercambiáveis, mas explicitamente revelam
deslocamentos semânticos de diferentes tipos, com diferentes funções; c) desdobramentos
que se caracterizam pela relação de correção entre os termos, manifestando-se, neste caso,
não um grau de equivalência semântica entre os termos, mas sim uma relação de contraste
semântico total ou parcial entre eles.
Apresentaremos, a seguir, a análise de ocorrências dessas três categorias. Primeiro
focalizaremos os desdobramentos do tipo (a) e (c). Por último, os do tipo (b), aos quais,
queremos dar atenção especial, já que são eles os que ocorrem em maior número no corpus
e pelo fato de neles podermos identificar vários tipos de movimentos semânticos que
correspondem a diferentes formas de produção do sentido no processo de seleção lexical
que estamos aqui investigando.
2.1- Desdobramentos sinonímicos intercambiáveis no contexto
Observemos estes segmentos de fala:
(56)
Inf. desde o trabalho escravo desde o trabalho em que o homem trabalhava
para:: assim:: para:: vamos dizer assim trocar a sua vida pelo trabalho
desde que o trabalho é um:: era uma coisa existencial que ele necessitava
de trabalhar
para manter a sua existência
pra manter a sua vida... não sobreviver vamos dizer assim ah::no
sentido de:: de se manter vivo mas também no sentido de trabalho
esCRAvo (que) se ele não trabalhasse ele era morto...
(p.59, linhas 336-345)
(57)
Inf. não...eu acho que deviam dar a eles mais condições entendee reconhecer
não éporque são serviços...
primordiais...
essenciais...
indispensáveis... ah já viu já imaginou quando há uma greve entende...
(p. 185, linhas 649-654)
Os segmentos que exemplificam essa primeira categoria
18
mostram o propósito do
falante em definir uma forma lexical que garanta a compreensão ao ouvinte. Podemos
18
No Anexo A, apresentamos outros segmentos do corpus nos quais aparecem, a nosso ver, desdobramentos
lexicais de mesma natureza.
85
perceber que o fato de o falante propor um novo termo parece não promover um
deslocamento semântico evidente, uma vez que as formas lexicais são intercambiáveis
entre si. Há, por assim dizer, entre “manter a sua existência” e “manter a sua vida”; entre
“primordiais”, “essenciais” e “indispensáveis” uma relação sinonímica perfeita, o que
permitiria admitir que são dispensáveis, do ponto de vista da produção do sentido, os
termos que sucedem ao primeiro ou que estes poderiam com igual dimensão semântica
substituir o primeiro.
Na verdade, como dissemos no segundo capítulo, essa equivalência semântica
extrema entre dois termos ou enunciados no desenvolvimento da interação conflita com o
princípio da progressividade textual. Na seqüência da interação, qualquer iniciativa do
falante, mesmo que seja uma repetição na forma, sempre é um avanço na construção
interativa do texto. Segundo Catherine Fuchs (apud HILGERT 1991, p. 38), “tudo a que
se possa recorrer, no estrito sentido lingüístico, para estabelecer uma identidade de sentido,
funciona sempre, na prática discursiva concreta, como um avanço, como um
desdobramento de sentido. sempre progressão discursiva, argumentativa, jamais real
repetição ou tautologia, ou simples decalque de sentido”.
Portanto, podem os desdobramentos aqui analisados não revelar deslocamentos
semânticos entre os termos, no contexto em que se encontram, mas o sentido que eles
propõem em conjunto tem outra dimensão do que a ocorrência de somente um deles.
Segundo Hilgert (2003,p.92), a presença dos dois termos parece ampliar o horizonte
semântico daquele eixo paradigmático, atestando, de um lado, a vaguidade semântica das
palavras no uso conversacional e, de outro, oferecendo ao ouvinte elementos para a
construção do sentido”. Aliás, aqui cabe relembrar que o desdobramento lexical não pode
ser focalizado somente na perspectiva do falante, mas também na do ouvinte. Com a
seqüência sinonímica do segmento (57), por exemplo, o falante de certa forma supre um
trabalho de seu interlocutor na construção da compreensão, na medida em que lhe explicita
essa construção.
2.2 Desdobramentos de natureza corretiva
Em muitas ocorrências, o trabalho de seleção lexical se realiza por meio de
procedimentos de correção, conforme mostram as seguintes passagens:
86
(58)
Inf. [...] também o campo de empresa privada na parte de::consultoria...há::
magistratura... promotoria... enfim
existe
pode haver uma certa competição profissional pelo número eleVAdo de
pessoas e pela a a::profusão de faculdades.
(p. 51, linhas 71-77)
(59)
Doc. e antes da televisão tu costumavas ouvir mais rádio?
Inf. não... eu não ouvia muit/
quer dizer sempre::em casa quand/quando estava em casa eu ouvia muito
porque eu gosto de música entende não...
(p.22, linhas 48-52)
(60)
Inf. nunca entrei... nunca desci para:: para ver o:: o trabalho no... embaixo da
mina dentro da mina e:: ... visitar aquelas galerias... embora tivesse::
curiosidade de ver mas nunca tive oportunidade...
(p. 133, linhas 484-488)
(61)
Inf. uhn uhn...e hoje de manhã ele ainda se comunicou com o Flávio Alcaraz
Gomes...através do rádio da sua casa dele Érico...com::o Flávio na
China...em Pequim...sabe...e eu assisti o:: ouvi o programa pelo rádio por
acaso...
(p. 180, linhas 488-492)
Como observamos, após a formulação do primeiro termo, o falante, por alguma
razão, considera seu uso errado, inadequado ou impreciso para o sentido a ser produzido
para aquele momento da interação, em função de seus propósitos na comunicação.
Procede, então, a uma correção parcial ou total, estabelecendo na construção do texto um
contraste semântico em maior ou menor grau. Mesmo que o procedimento corretivo anule
totalmente a validade do termo anterior, não é somente a nova palavra que importa, mas
sim a sua inclusão contraposta ao termo corrigido. Em outras palavras, é o processo de
explicitar o contraste semântico que gera o sentido na evolução da interação.
Os procedimentos de correção mais explícitos são os marcados, isto é, os
introduzidos por um marcador de correção como é o caso de “quer dizer”, no segmento (59
). Comumente, porém, os desdobramentos corretivos não vêm marcados. Do ponto de vista
de sua natureza, as correções podem ser conceituais ou modalizadoras. As conceituais
anulam a validade do primeiro termo, podendo essa anulação ser total ou parcial. Uma
anulação total se verifica, por exemplo, na passagem de “assisti” para ouvi” (61), já que a
programa de rádio não se assiste, mas a gente o ouve. Anulação parcial, no entanto, pode
ser considerada a passagem de “entrei” para desci” (60), uma vez que o último termo
87
precisa o deslocamento do alto para a profundidade e não somente a entrada na mina,
movimento que, porém, não fica descartado em relação ao de descida. Há, de certa forma,
uma relação complementar entre os dois movimentos. Por correções modalizadoras
entendemos aquelas que ocorrem com formas verbais como a do segmento (58). Na
passagem de “há / existe” para “pode haver” não está em jogo o aspecto conceitual, mas o
fato de se buscar a atenuação de uma afirmação categórica.
Por fim, cabe ainda registrar que nem sempre podemos identificar com clareza, nem
mesmo pelo contexto, se uma relação de correção
19
entre os dois termos, especialmente
nos casos de busca de adequação denominativa. Por isso, identificamos de natureza
corretiva os desdobramentos em que este caráter é claramente perceptível, como ocorre nas
anulações totais por erro conceitual e nas parciais, quando o contexto não deixa dúvidas
quanto a isso.
2.3 Desdobramentos com deslocamentos de sentido evidentes
A passagem de um termo para outro no processo de seleção lexical, como já
dissemos, é, necessariamente, um fator de progressividade textual. A relação de
equivalência semântica predominante nessa relação se realiza, portanto, em diferentes
graus, desde um grau mínimo, em que somente algum traço semântico é comum entre os
termos, até um grau ximo, em que eles se relacionam por força de uma relação próxima
da sinonímia absoluta. Isso nos permite falar de uma gradação que vai de uma relação de
equivalência fraca a uma forte. Em graus extremos, poderíamos dizer que, no primeiro
desses pólos, situa-se o contraste semântico, revelado pela ausência de uma relação de
equivalência semântica, que é o caso da correção analisada; e, no segundo, a relação
entre sinônimos perfeitos, também comentada anteriormente, ou até a relação entre
termos repetidos.
No que respeita às relações de equivalência semântica com evidentes
deslocamentos de sentido, predomina, em nossos dados, a tendência para uma relação de
19
Outros segmentos de natureza corretiva podem ser encontrados no Anexo B.
88
equivalência forte, ou seja, há uma evidente relação sinonímica entre os termos, e o
deslocamento semântico entre eles vai na busca da construção de um sentido mais preciso
para os propósitos da comunicação em curso. Do ponto de vista do propósito da
comunicação, o sentido mais preciso pode se definir por meio de movimentos semânticos
de especificação e generalização: nos primeiros, ocorre uma passagem de um termo
semanticamente mais abrangente para outro mais específico; nos outros, a passagem vai de
um termo semanticamente mais restrito para um mais geral. Portanto, entendemos por
sentido mais preciso para os propósitos da comunicação aquele que melhor garante a
intercompreensão entre os interlocutores.
Os desdobramentos lexicais que se caracterizam por esses dois movimentos
semânticos mais recorrentes constituem as duas primeiras subcategorias que a seguir
definimos. As demais reúnem desdobramentos com outras características semânticas,
podendo alguns até ser simultaneamente enquadrados numa das duas primeiras categorias.
a) Desdobramentos lexicais com movimento semântico do específico para o geral
Este movimento geral pode-se apresentar, em cada contexto, por meio de relações
que se caracterizam por operações semânticas de naturezas diversas, como mostram
ocorrências do corpus
20
:
—Relações de denominação
(62)
Inf. geralmente são::os que chamam trituradores são os molares...tanto
superiores quanto inferiores....
(p. 86, linhas 373-375)
(63)
Inf. [...] procurando assistência com um técnico ou com uma técnica que
entende do assunto...e de::de uma orientação como... utilizar... meios para
que se... previna a cárie...a cárie desculpe ((risos)) a:: a:: queda de
cabelo... calvície... precocemente...
(p. 78, linhas 88-93)
(64)
20
Outros exemplos de segmentos com desdobramentos lexicais do específico para o geral eso no Anexo C.
89
Inf. [...] devo confessar que realmente NÃO vi ainda um um pôr-do-sol
um crepúsculo TÃO bonito como esse colorido assim meio
avermelhado avermelhado dourado Tão bonito como em Porto Alegre...
(p. 120, linhas 25-28)
Entendemos que, nesses desdobramentos lexicais, ocorre um movimento semântico
do específico para o geral, na medida em que neles verificamos a passagem de um termo
de uso corrente para outro de uso, digamos, cnico. Podemos então considerar o primeiro
termo como sendo uma espécie de explicação do segundo, ou seja, um procedimento de
definição ao inverso, em que primeiramente é dada a definição e, na seqüência, o termo
definido. Por isso constatamos nessas relações acima um procedimento de denominação.
Adiante, quando falarmos do movimento semântico de especificação, destacaremos o
processo de definição, em que, no desdobramento lexical se parte de um termo geral para,
a seguir, defini-lo.
Também no exemplo seguinte (65), verificamos um procedimento de denominação,
porém, com características um pouco diferentes. O falante chega à denominação (nariz de
pugilista) por meio da apresentação de aspectos descritivos do objeto que busca
denominar.
(65)
Inf. [...] o nariz...do branco...de::modo geral ele é...éh alongado...sem::nenhum
achatamento...em contra a face agora com a raça negra é o contrário...ele
não é muito alongado e ele é mais achatado o que eles chamam...como é
que é...nariz de pugilista...
(p. 84, linhas 298-303)
Em nossa percepção, os segmentos a seguir apresentam características similares a
este último. O falante, partindo de um ou mais traços característicos, conclui o
desdobramento lexical num termo que, de alguma forma, pode ser identificado a partir
desses traços.
(66)
Inf. [...] gosto de música popular...clássica...música leve assim música
orquestrada
(p. 57, linhas 292-294)
90
(67)
Inf. [...] eu sempre gostei MUIto da campanha eu gostei muito de ter visto
assim na campanha aquele aquela ondulação::leve discreta né?...de
coxilhas pouco quebradas como diz o gaúcho aí no interior...
(p.124, linhas 177-181)
—Relações hiponímico-hiperonímicas:
(68)
Inf. [...] conforme pode-se observar... raspam... depois pintam com...acho
com:: lápis ou::... ou ou material adequado para isso mesmo...
(p. 81, linhas 190-193)
(69)
Inf. [...]ah:: jovens... apresentavam esse problema...atualmente não a prática
de esportes... de ginástica... enfim...esportes em geral...essa posição dos
ombros são...acompanham...uma linha NORmal do corpo...
(p. 90, linhas 499-503)
(70)
Inf. na aula enquanto todos brinCAvam jogavam futebol estavam se
divertindo... nós ficávamos presos... quem se comportava mal ficava
dentro da sala... era era assim...
(p. 202, linhas 294-297)
(71)
Inf. diga-se de passagem...ENTÃO... os padres davam um::um livrinho...eu
agora nem nem me lembro mais o nome dele...com contas pra serem
feitas...de:: de somar:: diminuir:: de multiplicar:: de dividir das
quatro operações...
(p. 207, linhas 485-489)
(72)
Inf. ele deixou um nome bonito na escola...e tem nome muito bonito na sua
congregação...o outro chama-se Gustavo Pereira Filho...ele esteve depois
em Pelotas... dirigin::do:: auxiliando muito a instalação da faculdade
católica de Pelotas...
(p. 200, linhas 231-236)
Em todos esses segmentos verificamos um movimento semântico de generalização,
na medida em que um termo semanticamente mais restrito- um hipônimo- é incorporado
por outro mais abrangente- um hiperônimo. É o que verificamos na passagem de lápis”
para “material adequado para isso” em (68); de “ginástica” para “esportes em geral”em
(69); de “jogavam futebol” para estavam se divertindo”em (70); de “de somar”,
“diminuir”, multiplicar”, “dividir” para “as quatro operações” em (71); de “dirigindo”
para “auxiliando” em (72). Talvez, no último exemplo, essa relação hiponímico-
hiperonímica seja um pouco sutil, podendo-se admitir que ambos os termos possam ser
usados um pelo outro. Em todo caso, resta a possibilidade de entender que dirigir seja uma
forma específica de auxiliar, o que identificaria a natureza semântica aqui proposta.
91
—Relações metonímicas
(73)
Inf. na praia jogos...bom o que eu vejo lá::na na praia o pessoal joga muito
aquelas...raQUEtes assim... jogam vôlei... é tênis de praia que se chama
aquele com a raquete é tênis de praia vôlei isso que eu vejo na praia
...
(p.102, linha 242-245)
(74)
Inf. [...] com ele meu PAI não quis mais...aí depois com professor...-que é
hem?-( )...como é que se chama naquele tempo DENtro do::do próprio rio
fizeram cerCAdos...assim com FUNdo...uma espécie de piscina né?
(p. 106, linhas 364-368)
(75)
Inf. [...] para me recorDAR das coisas de infância assim que a gente parece que
(se) lembra até do CHEIro certas coisas aquele carama/caramanchão
de...como é que se chama aquelas florzinhas branquinhas bem
cheirosas?...eu acho que é já/jasmin não é?umas
pequeninas?...branquinhas?...eu acho que é que é jasmin...
( p.109, linhas 460-467)
No primeiro desses segmentos (73), o falante vai em busca do nome do jogo
praticado na praia por meio da menção de instrumentos próprios para a sua prática, no caso
“raquetes” e “aquele com a raquete”. Ou seja, é a partir da formulação das partes que
compõe o todo (o jogo) que o falante chega à denominação deste último. Em (74) e (75), o
falante procede à busca lexical partindo da menção de termos que identificam objetos que
também são partes de um todo, cuja denominação é o objetivo final do falante. Trata-se,
então, nos três exemplos, de um movimento de seleção lexical que vai das partes para o
todo o que caracteriza um movimento semântico de generalização por meio de um
processo de natureza metonímica.
Os dados do corpus registram poucas ocorrências desse tipo. Isso é perfeitamente
coerente, se considerarmos que os desdobramentos semânticos na seleção lexical têm o
primeiro objetivo de garantir a intercompreensão entre os interlocutores o que se realiza,
em princípio, mais comumente por processos especificadores e explicativos, como
veremos a seguir.
92
b) Desdobramentos lexicais com movimento semântico do geral para o específico.
Também este movimento semântico pode se realizar por meio de operações
semânticas específicas diversas, em diferentes contextos:
— Relações explicativo-definidoras
(76)
Inf. bom... de DIA as horas passam muito ligeiro né? Quando a gente já::já
está terminando o dia está entrando a noite e as::das horas demoram a
passar de noite quando a gente tem insônia quando a gente perde o
sono senão elas passam ligeiro também...
(p.73, linhas 831-835)
(77)
Inf. na garganta...ah amigdaleptomia... ou seja a extirpação das amig/das
amígdalas...
(p. 90, linhas 481-482)
(78)
Inf. [...] uma circulação...pode ocasionar... éh falta de sangue...no centro
superior ou seja...cérebro...ou levar a pessoa muitas vezes a:: ( )
...bom...pode...ocasionar...o que se chama normalmente de:: nervo
dormente ou seja falta...de:: irrigação...que possa manter esse::qualquer
uma:: das partes do corpo...
(p. 91, linhas 526-532)
(79)
Inf. éh pode causar o vulgarmente conhecido joanetes... éh...apinhamento dos
dedos... quando são muito apertados na parte superior...
(p. 94, linhas 612-614)
(80)
Inf. [...] Porto Alegre é a minha terra natal...tanto aqui sempre vivi...eh::...
gosto muito dela... é uma cidade que tem uma topografia muito
interessante... um promontório... partes altas...
(p.119, linhas 3-10)
(81)
Inf. nós entrávamos de fila... fila indiana... um atrás do outro...(agora)
entrávamos no no:: no pátio sim cada um naturalmente ia chegando e
entrando ia:: fazendo o que quisesse agora depois que tocavam uma
sineta...o irmão tocava uma sineta...
(p. 204, linhas 373-378)
(82)
Inf. o lábio do branco normalmente é...proporcional às feições do rosto...
enquanto que...na::negra ah o lábio sempre é mais... digamos... polpudo
ele é mais... consistente... unh:: tanto na parte superior como inferior...
(p. 85, linhas 312-315)
93
Observamos em todos esses segmentos
21
um desdobramento lexical em que ao
primeiro termo - de natureza mais técnica ou de uso mais especializado ou menos corrente-
segue um outro de natureza explicativa, explicitadora ou, em síntese, de natureza
definidora. Mesmo quando, em alguns desses segmentos, o primeiro termo é de uso
corrente como é o caso de “insônia” “joanetes” e “fila indiana” o desdobramento lexical
tem características explicativas. No último segmento (82), o segundo termo define o uso
metafórico de “polpudo”. Todos esses exemplos em que o desdobramento lexical termina
numa definição caracteriza-se por um movimento semântico inverso do que descrevemos
acima no tópico “relações de denominação”.
algumas ocorrências no corpus que têm características similares a essas aqui
descritas, embora não tenham natureza definidora, mas esclarecedora. São passagens em
que o falante a entender que o primeiro termo o é uma formulação adequada ou
suficientemente precisa e que, portanto, necessita de uma seqüência esclarecedora para
garantir ao ouvinte a compreensão esperada.
É o que mostram estes segmentos:
(83)
Inf. olha eu não acredito...só ouço falar quer dizer que eu não posso afirmar
uma coisa agora dizem que as pessoas baixas...de estatura baixa...éh
testa mais ou menos larga...são mais propensas a ser inteligentes...do que
os::longe::/longelíneos né
(p.81, linhas 182-187)
(84)
Inf. música popular eu também já não...eu gosto de alGUmas mas essas BEM
modernas muito gritadas ou MUIto faladas assim...eu não aprecio...têm
mesmo as modernas têm muitas bonitas eu vejo as minhas gurias tocando
às vezes nos di/uns discos...e digo olha essa está passável essa para
se ouvir...mas essas outras muito gritadas assim::elas não sei vêm na moda
e...
(p. 114, linhas 627-635)
21
Outros segmentos dessa mesma natureza estão listados no Anexo D.
94
(85)
Inf. [...] Garganta do Diabo esta pedra de um lado corre também água cai
também faz quedas d’água...grandes também e a gente pra chegar nessa
pedra...a gente tem que tomar...DOIS barcos o primeiro vai-se da beira...da
parte terri/ vamos dizer...da parte firme terra até uma ilha...depois se toma
uma barquinha um pouco menor para ir DESta ilha até a pedra...
(p. 129, linhas 353-360)
No primeiro desses segmentos, (83), ocorre uma desambigüização já que por
“pessoas baixas” poderia o ouvinte entender metaforicamente pessoas desqualificadas. Em
(84), a tradução de uma expressão de sentido genérico “está passável” para um sentido
específico no contexto desfaz uma possível ambigüidade. E, finalmente, no terceiro
segmento, (85), o segundo termo especifica a forma como a água corre, isto é, “faz quedas
d’água”.
— Relações metonímicas
(86)
Inf. [...] a televisão por exemplo...televisão...tem uma::distância
limite...que...nos::raios que são projetados sobre o...o vídeo...não
prejudicam os olhos...agora...se a pessoa não tem conhecimento disso
não lê sobre isso...fatalmente vem a ser prejudicada...
(p. 82, linhas 223-228)
(87)
Inf. [...] procurando fazer com que ela utiliza o...a::os pés...pra::...fazer
a::...aquilo que uma pessoa normal faria escovar os dentes...éh::acender
uma caixa de fósforo...um palito de fósforo...escrever...bater à
máquina...
(p. 92, linhas 552-556)
(88)
Inf. ah eu acho uma beLEza...o pessoal ir pra::pra as olimpíadas treiNAR tudo
é...são amaDOres todos ...eu não eu não leio muito negócio de
esPORte...eu sempre viro as folhas...
(p. 103, linhas 261-264)
No primeiro desses segmentos, verificamos uma relação entre o efeito(não ter
conhecimento) e a sua causa (não ler sobre isso). Em (87) e (88), o desdobramento lexical
se caracteriza pela relação entre uma ação( escrever/ não ler muito ) e a forma como ou por
meio da qual ela se realiza ( bater à máquina / virar as folhas). Nos três exemplos, um
deslocamento semântico entre os termos que se realiza por meio de um processo
metonímico do todo para um elemento que, de alguma forma, é componente da realização
desse todo.
95
— Relações hiperonímico-hiponímicas
(89)
Inf. [...] éh::com essa::técnica...ah muito avançada atualmente... na confecção
de::...de::esses estofados mesmo::... como se diz...colchão pra:: pra
camas...
(p. 76, linhas 44-47)
(90)
Doc. você em geral tem problemas de garganta?
Inf. de modo geral não eu tenho problema crônico de
garganta...amigdalite...
(p. 85, linhas 322-324)
(91)
Inf. [...] acho que o lar é indispensável pra pe/pra criatura... para pessoa
humana viver...é preciso que haja esse aconchego de casa... para que se
viva mais tranqüi::lo... (p. 219, linhas956-959)
Em ambos os segmentos, o primeiro termo incorpora semanticamente o segundo. O
que define este como um hipônimo daquele. Esta relação mostra, evidentemente, um
deslocamento semântico do geral para o específico no processo de seleção lexical.
Característica similar apresenta o desdobramento seguinte:
(92)
Inf. ...então eu palmilhava muito essa rua aí...durante a juventude...tempo de
solteiro estudante...
(p.121, linhas 81-83)
“Juventude” é um hiperônimo que engloba semanticamente os dois termos
subseqüentes.
c) Desdobramentos lexicais de natureza variada
Os casos que até agora analisamos em que ocorre um parentesco semântico
evidente entre os termos do desdobramento lexical, apresentam, entre estes termos,
deslocamentos semânticos do específico para o geral, ou, que é o caso mais comum, do
geral para o específico. No entanto, algumas ocorrências no corpus que explicitam
claramente uma atividade de definição lexical por parte do falante, mas a relação entre os
termos do desdobramento lexical não evidencia nem um parentesco semântico, nem algum
dos deslocamentos semânticos referidos.
96
Vejamos estes segmentos:
(93)
Inf. ah eu fico...possessa se eu entro começ/ eh se eu entro (no cinema)
começou...inclusive eu sou...a::pelidada pelas minhas colegas de
apressadinha de::...(como) é ah::...maNÍaca ...
(p. 44, linhas 760-763)
(94)
Inf. ali no:: Espírito San::to Ipane::ma...então fomos...meu pai minha mãe minha
irmã...e ele levou um::remador junto um::amigo um...cliente...eu sei
que...
( p.106, linhas 376-379)
Aparentemente, não se verifica nenhum grau de equivalência semântica entre os
termos dos dois desdobramentos lexicais. Em todo caso, o falante es à busca de uma
denominação adequada, mas ela não acontece no sentido de uma especificação ou
generalização semântica. É provável que, para o falante, haja, no ato da enunciação a
predicação de algum grau de identidade semântica entre os termos, pois seria inconcebível
que, nessa perspectiva, eles estivessem totalmente desvinculados entre si. Para o ouvinte,
põe-se, a nosso ver, a mesma questão que apontamos, quando analisamos as relações
sinonímicas perfeitas no contexto. O falante cria, com o desdobramento lexical, uma
espécie de campo semântico dentro do qual o ouvinte vai construir a compreensão. O
sucesso da comunicação, como dissemos, não depende necessariamente da precisão
semântica dos termos verbalizados pelo falante. Muitos dos sentidos são construídos pelo
ouvinte, com o auxílio do contexto tanto lingüístico-discursivo quanto interacional. Nos
exemplos acima, a indefinição lexical que os termos registram não traz problemas de
compreensão e comunicação para os interlocutores, pois o contexto maior lhes
condições para garantirem a intercompreensão e a conseqüente evolução da interação.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A comparação do texto falado com o texto escrito, enquanto produtos da
enunciação, mostra que, no primeiro, conservam-se explícitas todas as marcas do processo
da enunciação e, no segundo, grande parte dessas marcas vêm apagadas. Por isso define-se
o texto falado como um texto em status nascendi. Sua análise permite refazer em detalhes
o caminho de sua enunciação, possibilitando retomar, passo a passo, como ocorreu, aqui e
agora, o nascimento do texto na interação dos interlocutores em situação face a face.
O fato de ao menos dois interlocutores se encontrarem face a face e, condicionados
por essa situação, interagirem lingüisticamente, de forma que o planejamento e a
formulação da fala sejam simultâneos, é a condição básica que determina grande parte das
características do texto falado. É em razão dessa condição que o texto falado deixa
particularmente explícito o trabalho de sua formulação, por meio do qual se desenvolve o
processo de construção dos sentidos no texto e do texto.
Esse trabalho de formulação se revela particularmente nas descontinuidades que se
sucedem na evolução do texto. Essas descontinuidades são desencadeadas por diferentes
fatores, tanto lingüístico-discursivos quanto contextuais e interacionais e se manifestam em
diferentes atividades lingüísticas e paralingüísticas, dentre as quais são recorrentes
interrupções de palavras e seqüências sintáticas, pausas, pausas preenchidas por elementos
paralingüísticos, repetições de palavras especialmente de formas átonas - ou segmentos
mais longos, paráfrases, correções, atividades metadiscursivas com objetivos diversos,
seqüências destinadas à solução de problemas de compreensão.
98
Todas essas formas de descontinuidades do desdobramento textual não devem ser
entendidas como problemas de formulação no sentido de que, se eles o ocorressem, a
formulação seria melhor. As descontinuidades na formulação do texto falado constituem,
na verdade, estratégias usadas pelos interlocutores para, de forma direta ou indireta,
construírem sentidos, em diferentes veis da organização textual, em função dos
propósitos comunicacionais que eles perseguem. Assim, por exemplo, como vimos,
pausas, pausas preenchidas por recursos lingüísticos ou paralingüísticos, revelam, quase
sempre, um trabalho do falante na busca lexical de um termo ou de uma expressão mais
adequada para garantir ao ouvinte a compreensão desejada do enunciado em construção.
Entendidas, portanto, as descontinuidades como estratégias de construção do texto,
classificamos essas estratégias em duas grandes categorias, distinguindo aquelas que têm
caráter prospectivo de outras que são de natureza retrospectiva. Da primeira categoria,
fazem parte todas aquelas manifestações que, de alguma forma, apontam para a busca de
um elemento na evolução do texto, por isso têm função prospectiva as hesitações em geral,
que sinalizam, verbalmente ou não, que o falante está on-line procurando uma
alternativa de formulação. A outra categoria é constituída por atividades cujo escopo são
enunciados anteriormente instalados no curso da formulação. Realizam essa ação
retrospectiva principalmente a repetição, o parafraseamento e a correção, exercendo tais
atividades, como vimos, diferentes funções nos diversos níveis de construção do texto
falado.
Como enfatizamos no decorrer de nosso trabalho, todas essas estratégias destinam-
se à construção de sentidos interacionalmente negociados. Com isso, puseram-se em
evidência, com base nos postulados teóricos de Bakhtin, dois aspectos. Primeiro, que
falante e ouvinte são, ao mesmo tempo, co-enunciadores e co-enunciatários do processo da
interação, na medida em que o falante constrói seus enunciados determinado pela
configuração que faz do ouvinte e de suas expectativas, e na medida em que este último
constrói a compreensão e interpretação da fala do falante —e não a decodifica—,
acompanhando on-line suas “propostas de compreensão”. Nessa perspectiva bakhtiniana,
podemos dizer que, assim como a atribuição dos sentidos é determinada pelo ouvinte, o
fazer interpretativo é orientado pelo falante.
99
O outro aspecto posto em evidência é o de que o sentido das palavras é sempre
definido por cada situação enunciativa em que elas ocorrem. É precisamente essa natureza
semântica das palavras que, a nosso ver, cria inúmeras situações, na evolução dos textos
falados, em que o falante interrompe o curso fluente de sua fala para buscar alternativas
lexicais que atinjam, da melhor forma possível, seus objetivos de comunicação.
É a esse procedimento de busca lexical, que chamamos seleção lexical, o qual
tentamos descrever, analisar e interpretar no corpus de nossa pesquisa. Vimos que o
processo de seleção lexical se manifesta por procedimentos não-verbais (pausas e pausas
preenchidas por recursos paralingüísticos) e verbais. No que respeita aos procedimentos
verbais, eles podem ser identificados e classificados de acordo com o grau de sua
explicitação lingüística. Nesse sentido, o trabalho de busca lexical é sinalizado por
hesitações verbais, por procedimentos metadiscursivos, por marcadores de incerteza e
imprecisão dos termos selecionados, pela interrupção de uma palavra em pleno curso de
sua formulação e, finalmente, por um desdobramento lexical num determinado eixo
paradigmático da seqüência sintagmática do enunciado.
Por estarmos particularmente interessados em analisar a construção do sentido
interacionalmente determinado nesse processo de seleção lexical, centramos a nossa
atenção principalmente neste último procedimento, quando o falante, na busca lexical,
desencadeia, num eixo paradigmático, um desdobramento lexical de dois a três elementos.
Analisando ocorrências desse tipo, identificamos, nos desdobramentos lexicais, dois
grandes movimentos semânticos. O primeiro deles, se caracteriza pelo fato de haver entre
os termos do desdobramento uma relação de equivalência semântica de diferentes graus. O
outro movimento consiste numa relação de contraste semântico entre os termos revelados
por procedimentos de correção total ou parcial.
Entre as ocorrências que se caracterizam por uma relação de equivalência
semântica entre os termos, temos de distinguir dois grupos.Inicialmente, passagens em
que os dois termos, ou eventualmente os três, estão em uma relação sinonímica tal que
qualquer um deles poderia substituir o outro no contexto em que se encontram. Isso
poderia levar à interpretação de que um ou até dois desses termos seriam dispensáveis para
a construção do sentido do enunciado em questão.
100
A nossa conclusão, no entanto, não é essa. Na verdade, partindo do princípio de
que não existem sinônimos absolutos nem mesmo para um lugar específico de um contexto
determinado, os diferentes termos do desdobramento lexical concorrem para a definição do
sentido proposto para aquele ponto na evolução do enunciado. É possível que nenhum dos
dois ou três termos seja especificamente adequado para a formulação, mas, no conjunto,
eles compõem um campo semântico dentro do qual o ouvinte tem condições de construir a
compreensão e interpretação do enunciado do falante.
Num outro grupo de ocorrências, os termos do desdobramento lexical não podem
ser livremente alternados no contexto, embora entre eles se mantenha uma evidente relação
de equivalência semântica. Essa relação se caracteriza por deslocamentos semânticos que,
num nível mais amplo de análise, correspondem a dois grandes movimentos gerais: de uma
abrangência semântica específica para uma geral e de uma geral para uma específica, o
que, em outras palavras, leva a reconhecer um movimento semântico de generalização e
outro de especificação.
Cada um desses movimentos realiza-se, nos diferentes contextos, por operações
semânticas diversas. A generalização pode ocorrer por meio de procedimentos de
denominação, de relações hiponímico-hiperonímicas e de caráter metonímico. A
especificação realiza-se por relações explicativo-definidoras, metonímicas e hiperonímico-
hiponímicas.
Essas operações específicas de cada um dos dois movimentos entendem-se umas
em relação às outras. Assim, o desdobramento lexical que leva à denominação tem direção
inversa ao desdobramento que busca a definição, já que denominar implica, de certa forma,
partir da definição (de uma explicitação ou explicação) para o nome, enquanto que definir
consiste em partir do nome para a sua definição (explicitação ou explicação). No caso das
relações hiponímico-hiperonímicas, quando o desdobramento lexical vai de um termo que
semanticamente é englobado pelo outro, fica evidente o processo de generalização. A
especificação, obviamente, se realiza na operação semântica contrária. No que respeita às
operações metonímicas, no caso da generalização, vai-se da parte ao todo, enquanto que,
na especificação, o movimento metonímico vai do todo para as partes.
101
Como vimos, ocorrências no corpus em que as palavras do desdobramento
lexical aparentemente não apresentam parentesco semântico, não havendo, portanto, um
deslocamento de sentido de uma para outra. Por outro lado, porém, elas parecem compor,
no conjunto, um quadro semântico em que qualquer um dos termos é adequado para os
propósitos do falante.
Em síntese, todas essas atividades que sinalizam e explicitam o processo de seleção
lexical na construção do texto falado, e todos os movimentos semânticos que estão
envolvidos nessas atividades, mostram, antes de mais nada, que o texto falado é a
realização de um trabalho de formulação e de construção de sentidos, determinado pela
condição interacional de sua produção.
Do ponto de vista específico da construção dos sentidos, especialmente no caso das
ocorrências do corpus em que se verificam deslocamentos de sentidos no desdobramento
lexical, o que ocorre é um constante movimento de aproximação lexical. E as formas dessa
aproximação têm natureza e características similares, quando o idênticas, às das
estratégias de construção do texto falado, como as repetições, as paráfrases e as correções.
Nem sempre, nesse processo de aproximação, o falante encontra, para um determinado
momento de sua fala, o termo preciso e adequado. Em nenhum desses casos, porém, parece
ter havido problemas de comunicação decorrentes da falta de compreensão do ouvinte. A
aproximação lexical a que o falante chegou foi suficiente para que o seu interlocutor
pudesse, dentro do contexto lingüístico-discursivo e da situação interacional, construir a
compreensão.
Por fim, quando falamos das razões que nos levaram a fazer este trabalho,
lembramos que o estudo deste tema poderia abrir perspectivas para qualificar o trabalho
com o ensino da Língua Portuguesa. Evidentemente, não fizemos nenhuma proposta
metodológica para estudar textos da língua falada, mas cremos que a análise que fizemos
aponta para inúmeros aspectos que permitem explicar aos alunos como realmente funciona
a língua no uso falado e mostrar-lhes as características que o distinguem do uso escrito. Os
textos falados, a nosso ver, não podem, mas devem ser objetos de estudo em sala de
aula, e os pontos que destacamos em nossa análise podem perfeitamente ser objeto de
estudo, contanto que esse trabalho seja feito com textos bem escolhidos e de acordo com
uma metodologia apropriada.
102
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a.
ed.São Paulo: Hucitec,
2002.
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a
. ed. São Paulo: Martins fontes, 2003.
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São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2000. p.57-77.
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correção na conversação. In: PRETI, Dino (org.) A linguagem falada culta na cidade
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São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, 1987, v.II- Diálogo entre dois
informantes.
COULON, Alan. Etnometodologia.Petrópolis: vozes, 1995.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. São Paulo: Ática, 1996.
_____________. Pragmática. In: Fiorin, José Luiz (org.) Introdução à lingüística II:
princípios de análise. São Paulo: contexto, 2003.
HILGERT. José Gaston. A paráfrase : um procedimento de constituição do diálogo.
Universidade de São Paulo. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Tese de doutorado, 1989.
103
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SériEncontros. Araraquara, ano 5, n.2, p.30-41, 1991.
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informante e documentador. Porto Alegre:UFRGS; Passo Fundo:EDIUPF,1997.
_________. A qualificação discursiva no texto falado.In: URBANO, Hudinilson et
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Cortez, 2001.
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FFLCH/USP, 2003.
__________. Parafraseamento. In: KOCH, Ingedore G.V. e JUBRAN, Clélia C.A.S.
Gramática do Português Falado: construção do texto falado.(vol.I). Campinas:
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. A repetição na língua falada como estratégia de formulação
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______________. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4
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Paulo:Cortez: 2003.
PRETI, Dino e URBANO,Hudinilson. A linguagem falada culta na cidade de São Paulo.
São Paulo, T. A. Queiroz/FAPESP, 1988, v.III- Diálogo entre informante e
documentador.
104
ANEXOS
105
ANEXO A Segmentos com termos sinonímicos intercambiáveis
Inf. [...] na hora em que esacontecendo a emoção eu acho que já é
diferente a gente não está vibrando junto inclusive também com
programas ah na entrega do Oscar...é bem diferente do que
depois...que a gente::já sabe o resultado sabe o que aconteceu o
que passou...
(p. 32, linhas 354-358)
Inf. ...então ah::esse pessoal que normalmente ingressa na empresa como
estagiário como bolsista tem ah::noventa por cento de chances de
se aprovar COmo empregado posteriormente quando formado...
(p.55, linhas 216-220)
Inf. [...] desde que se estuda o trabalho desde o momento em que o
trabalho até o momento em que::se tem por uma concepção
moderna por uma concepção nova de que o trabalho por uma
vontade de de realizar alguma coisa de criar de fazer alguma coisa...
(p. 59, linhas 348-353)
Inf. olha...depende né?...há::por exemplo::aspectos posso trazer assim
depoimento da minha família por exemplo::os meus avós
morreram...ah::com MAIS de setenta
anos...normalmen/ah::normalmente o pessoal assim da idade deles
da... contemporâneos esse pessoal que foi contemporâneo a eles...
(p. 71, linhas 766-772)
Inf. [...] procuro mantê-los sempre limpos...não lavando duas vezes
por semana mas...usando outros a/ artifícios...eh outras:: maneiras
de mantê-lo limpo...sempre (bem) penteado...
(p. 77, linhas 71-75)
Inf. bom o calouro de universidade...geralmente...ou...cortam o cabelo
até uma certa altura...que pode vir a confundi-lo ou
senão...normalmente em regra geral é...raspado o cabelo
completamente...
(p. 79, linhas142-146)
Inf. bom...eu aqui na linha família nós sempre nos tratamos todos por tu
os de casa nunca chamei a minha mãe::o meu pai de senhora...agora
o meu marido chama a mãe dele...trata por senhora...néagora
as...as pessoas que não são de casa que são TIOS...engraçado alguns
106
tios eu chamo de senhor...
(p. 116, linhas 693-699)
Inf. julgar é MUITO difícil...julgar as pessoas é muito difícil...quem quiser
ju/julgar...periga...ser pré-julgado...agora julgar...em auto/em autos como
no Direito é diferente...aí é OUtra coisa...o juiz...quando
julga...quando a sentença...quando essa sentença é recorrida ao
SuPREmo...
(p. 148, linhas 293-297)
Inf. [...] na ocasião em que foram abertos os cursos...eu entrei na
primeira turma que se::instalou que se fundou em Porto
Alegre...eu não estava em Porto Alegre estava viajando quando
voltei...eles fiz/a::universidade fez uma segunda chamada...
(p. 165, linhas 15-21)
Inf. [...] fui fui cada vez mais me empolgando mais...com a possibilidade
com o trabalho que se pode fazer::de atendimento de
auxílio...éh::de oferecer inclusive oportuniDAde...de
orientaÇAO...às pessoas que nos procuram...
(p. 167, linhas 71-76)
Inf. acho que sim acho que se a pessoa estiver bem...capacitada para o
que está fazendo eu acho que seria considerado um::...um( )
um::...uma profissão nobre...uma profissão elevada...que a::o
magistério...tem um grande poder de influência me parece...de
contato de comunicação...pode transferir as
reivin/reivindicações...principalmente eu acho que o magistério...se
liga com a::faixa mais...a faixa etária mais...mais baixa...as
crianças...colégio...(escola) primária...as escolas maternais...
(p. 186, linhas695-701)
Inf. por dinheiro...bem...eu acho que (isso) é muito difícil de responder
porque isso é muito pessoal muito subjetivo...né pensa bem eu
acho que há pessoas que olham acima de tudo o ganho o lucro...
(p. 190, linhas 811-815)
Inf. [...] o teatro eu acho que sim visto::representa uma::...uma
uma::uma manifestação uma expressão...e a pessoa se
realiza...muito...
(p.191, linhas 851-853)
Inf. [...] essa federação acadêmica...era composta...de::alunos de todas as
faculdades...e era um represenTANte de cada escola...formava então
a diretoria da federação...e eu tive a sorte...tive a feliciDAde de se
sempre o representante da Faculdade de Medicina junto à
Federação...
(p. 198, linhas 160-166)
Inf. [...] da faculdade de medicina eu fui sempre o representante...de
modo que::então tive uma vida assim muito::...muito
Festi::va...muito alegre também::fui::...um acadêmico muito
107
jovial...
(p.198, linhas 169-173)
Inf. lá fomos muito bem recepciona::dos...fomos recebidos...com
muito calor huMAno...tivemos a nossa madri::nhá ti/tinham os
bailes em todas as localidades onde íamos...
(p. 198, linhas 184-187)
Inf. [...] no princípio nós fazíamos separadamente (por) um dia
era passava a faculdade de Medicina outro dia Direito e (às vezes)
Engenharia......e::mas antes mesmo...o::s os veteranos...quando
iam chegando os... os calouros bixos
(p. 212, linhas 633-638)
Inf. [...] eu estava tomando a comunhão ele disse reparem o doutor S.T.
está tomando a comunhão na cálice que tomei a comunhão...de
modo que::me senti muito feliz muito contente de tomar a
comunhão...
(p. 216, linhas 792-796)
Inf. nunca suportei essa IDÉIa de que ficasse aferrado...numa religião
não admitindo a outra...eu tinha a minha...mas eu SEMpre
respeitei sempre admirei a religião dos outros...porque acho que
todas elas...têm...como ponto Base...como coluna MEStra...o bom
princípio o bom ensinamento a boa doutrina a boa conduta...
(p. 219, linhas 874-881)
108
ANEXO B Desdobramentos lexicais de natureza corretiva
Inf. [...] também o campo de empresa privada na parte
de::consultoria...há::magistratura...promotoria...enfim existe pode
haver uma certa competição profissional pelo número eleVAdo de
pessoas e pela a a::profusão de faculdades.
(p. 51, linhas 71-77)
Inf. [...] vem problemas de QUEda muito grande...de...cabelo...éh::no
próprio::ca/no próprio::barbeiro...onde os instrumentos...os
materiais que ele usa diariamente...
(p. 78, linhas 105-109)
Inf. [...]...então isso POde vir acarretar...vários problemas entre eles...a
pessoa que não tem caspa...pode ter caspa...(mesmo que::)a pessoa
que não tem seborréia pode vir a ter seborréia...
(p. 78, linhas 112-116)
Inf. impressão de saúdecor de pele...seria a co::r...moreno assim...claro
não é bem moreno...um bronzeAdo...
(p. 80, linhas 154-156)
Inf. [...] procurando fazer com que ela utiliza o...a::os pés...pra::...fazer
a::...aquilo que uma pessoa normal faria escovar os
dentes...éh::acender uma caixa de fósforo...um palito de fósforo...
escrever...bater à máquina...
(p. 92, linhas 552-556)
Inf. [...] não sei se vo/ se vocês leram...a respeito justamente de negócio
de visita ...e ah::...a gente se encontra sempre todos os Meses
nesse janTAR...com os amigos...quer dizer que POUco fora disso a
gente não se encontra...
(p. 100, linhas 158-163)
Inf. [...] no ginásio Rosário...jogar bola...e jogávamos BOla::...lá tem
uma pátio muito GRANde no meio do do::edifício...da construção
toda...mas é é::é de laje...
(p. 206, linhas 441-444)
Inf. [...] e a prova provada está o que eu estou dizendo...tenho tem
colegas de turma que são...catedráticos...hoje na faculdade...e
estudou durante todo o ano os seis anos que eu estudei...
(p.209, linhas 548-551)
109
ANEXO C Desdobramentos lexicais do específico para o geral
Doc. quais as posições que a senhora nadava...assim que modalidades
Inf. éh::o crow...peito...né a gente nada de costas também...mas que o
que eu aprendi mesmo...naquele tempo que ele ensinou foi o::nadar
crow...
(p.105, linhas 336- 341)
Inf. [...] eu me lembro até que...quando nós fomos na::( na viagem) era
uma camionete...dava um cheiro de balaca queimada (em cima) que
era balaca (não sei) uma parte do automóvel...acho que é da::das
travas assim então dava aquele cheiro...(então) eram as balacas que
estavam queimando...
(p. 107, linhas 409-416)
Inf. e...e depois então...eu acho que tem os encanadores os homens que
desentopem os homens que...consertam as casas consertam o
telhado...
(p.189, linhas 793-795)
Inf. mas nós não podíamos ter...naQUEla ocasião... naQUEle TEMpo
o que os alunos têm hoje...
(p. 209, linhas 523-524)
Inf. [...] naturalmente uma diferença muito grande...mas também
exigir...que nós tivéssemos...naQUEla ocasião...naQUEla época...o
progresso de hoje...seria exigir demais...
(p. 209, linhas 553-556)
110
ANEXO D Desdobramento lexical do geral para o específico
Inf. [...] quando são metabolizadas...o produto final é...açúcar glicose
mas isso vai ser met/ (mas )esse produto vai ser::éh absorvido pelo
organismo...
(p. 86, linhas 358-360)
Inf. [...] pra ser franca raros filmes brasileiros que eu assisto...que
geralmente elas apelam pra sexo pra::a prostituição também o o (
) o problema de de::como é delinqüência infantil...
(p. 41, linhas 670-674)
Inf. se verifica mesmo dentro da universidade que a universidade
forma...anualmente um número razoável de profissionais de alunos
que ingressam nas escolas...e que delas saem...sem que a
universidade possa ter uma mensuração...
(p. 49 linhas 8-12)
Inf. [...]Belém é uma cidade assim que fica em pleno Equador na linha
equatorial por isso é que é uma cidade QUENte realmente...uma
precipitação de água assim...quase que::matemática assim à TARde
TOdos os dias à tarde três horas da tarde cai uma chuvarada
lá...muito quente muito abafado...mas uma cidade muito bonita...
(p. 131, linhas 407-413)
Inf. [...] poderíamos encontrar terras Boas que podem ser aproveitadas
para cultura néultura( ) como terras dessas...muito semelhantes as
do norte do Paraná que o terras muito boas terras vermelhas
além de trazer o progresso para aquela região né...
(p. 132, linhas 438-444)
Inf. que mais falta é...os técnicos os especialistas em::...os de
habilidades manuais digamos...ah::aqueles que...sem serem
grandes éh::uma grande formação cultural ou superior...ah::talvez
pudessem...dar um rendimento maior e mais pido e mais eficiente
na realização talvez (de tantos) projetos né
(p.171, linhas 211-217)
111
Inf. é depois trabalhou na Livraria do Globo muitos anos...depois se
dedicou exclusivamente ao::...a escrever a ser escritor...e parece-
me que ele é o único escritor que v/ vive de royalties dos direitos
autorais...
(p.180, linhas 480-486)
Inf. bom...quem me atende no banco é::...o funcionário do balcão...os
funcionários que são de menos graduação que tem lá dentro...
(p. 187, linhas 724-726)
Inf. agora o colégio o existe mais...e ia ia eu com meu
aventalzinho...meu uniforme aventalzinho...ia pro colégio com as
irmãs mais moças...
(p.195, linhas 78-81)
Inf. [...] os padres tinham um::...carinho especial pela aquela turma...de
modo que de vez em quando nós não nos comportávamos muito
bem no::nas aulas...não estudávamos chegávamos com a matéria um
pouco atrasada...nós então dizíamos por::pro pro irmãos professores
Olha irmão mas eu tenho que sair...mais cedo...porque nós temos
um::hoje que::fazer um ensaio na BANda...e eles então abriam
mão...às vezes uma tarefa um castigo que dessem...então nós
tínhamos essa vantagem...
(p. 196, linhas 96-107)
112
ANEXO E Normas para transcrição
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Incompreensão de palavras ou
segmentos
( )
sorteio ( ) e prêmios bons de
viAgem às vezes tem...
Hipótese do que se ouviu
(hipótese)
esse jantar dançante ... é assim
vamos (lá)... eles ah...
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou
timbre)
/
agora não me le/ não tinha me
lembrado...
Entonação enfática
maiúscula
[...] diversão é com esta
TURma da diretoria...
Prolongamento de vogal e
consoante (como s,r)
:: podendo aumentar para :::: ou
mais
as coisas do:: do salão...
interrogação
?
Em casa é:: os aniversários da
gente né?
Qualquer pausa
...
Não... jogar nunca meu forte...
Comentários descritivos do
transcritor
(( minúscula))
[...] para entrar nessa casa
aqui... ((riso))
Comentários que quebram a
seqüência temática da
exposição; desvio temático
-- --
[...] depois com professor..--
que é hein?--
Simultaneidade de vozes
ligando
[ as linhas
Tu estás colocando é um
conceito
[
não eu não estou
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