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Associação Educacional Sul Rio-Grandense
FACULDADES PORTO-ALEGRENSES
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
UMA ESCOLA MÁGICA
EDUCAÇÃO E CULTURA NO COLÉGIO MILITAR DE
PORTO ALEGRE
MICHELLE BRUGNERA CRUZ
Porto Alegre, 2004
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Associação Educacional Sul Rio-Grandense
FACULDADES PORTO-ALEGRENSES
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
Michelle Brugnera Cruz
UMA ESCOLA MÁGICA
EDUCAÇÃO E CULTURA NO COLÉGIO MILITAR DE
PORTO ALEGRE
Monografia apresentada à Faculdade
Porto-Alegrense como requisito parcial
para a obtenção da licenciatura em
Pedagogia.
Orientador: Ms. Adriano de Marchi
Edição revista.
Porto Alegre, dezembro de 2004.
4
MICHELLE BRUGNERA CRUZ
UMA ESCOLA MÁGICA
EDUCAÇÃO E CULTURA NO COLÉGIO MILITAR DE
PORTO ALEGRE
Aprovada em _____/_____/_______
___________________________________________________
Prof. MS. Adriano de Marchi
_________________________________________
Prof. Ms.
Gilson de Almeida Pereira
5
À
minha mãe, pelas angústias e preocupações que passou por minha
causa, por ter dedicado grande parte de sua vida a mim, pelo amor,
carinho, estímulo que me oferece, dedico-lhe essa conquista como
gratidão.
6
Todos estavam silenciosos, os olhos fixos no grande castelo ao alto. A construção se
agigantava à medida que se aproximavam do penhasco em que estava situado.
J. K. Rowling
7
Resumo
Esta monografia apresenta uma proposta de trabalho da orientação
educacional no Colégio Militar de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, envolvendo
alunos e alunas do ano do ensino médio. Utilizando como metáfora as
aventuras de Harry Potter na escola de Magia e Bruxaria Hogwarts, busco
compreender junto aos jovens da instituição as múltiplas facetas da
adolescência na cultura contemporânea, problematizando suas representações
na literatura, no cinema e na mídia
Palavras-Chave: Escola, Adolescência, Orientação Educacional.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Vista frontal do castelo ....................................................................24
Figura 2 – Entrada do castelo ..........................................................................25
Figura 3 – Alunos em formação ........................................................................26
Figura 4 – Banda da escola ..............................................................................44
Figura 5 – Alunos com a mascote da escola ....................................................29
Figura 6 – Acervos de revistas Capricho ..........................................................36
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Cronograma de atividades .............................................................32
Quadro 2 – Questionário avaliativo...................................................................34
10
SUMÁRIO
1 ENTRANDO EM UMA REALIDADE MÁGICA ...................................... 11
2 ENCONTRANDO A PLATAFORMA 9 ¾: A IDÉIA DE UMA
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL DIFERENTE ..........................................
15
3 UMA ESCOLA MÁGICA ........................................................................ 20
3.1 CASARAÕ DA VÁRZEA, UMA HISTÓRIA .......................................... 20
3.2 A FLORESTA PROIBIDA .................................................................... 21
3.3 O MAPA DO MAROTO: CARACTERÍSTICAS DA ESCOLA .............. 23
3.4 O PROFETA DIÁRIO: ENTREVISTAS ................................................
29
3.5 AS DEFINIÇÕES FILOSÓFICAS E PEDAGÓGICAS DA ESCOLA ....
31
4 NO BECO DIAGONAL: EQUIPANDO MEU MALÃO COM
VARINHAS, CALDEIRÕES, FEITIÇOS E MAGIA ....................................
34
5 O CHAPÉU SELETOR: A DIVISÃO NAS CASAS ................................ 40
5.1 GRIFINÓRIA VERSUS SONSERINA .................................................. 40
5.2 LUFA-LUFA: APRENDIZAGEM, AGRESSIVIDADE E GÊNERO ....... 44
5.3 CORVINAL: BELEZA E INTELIGÊNCIA ............................................ 48
6 VOLTANDO PARA O MUNDO DOS TROUXAS ...................................
52
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS ............................................................
53
ANEXOS ....................................................................................................
55
ANEXO I – MAPA DO MAROTO 56
ANEXO II – TEXTOS DE LITERATURA ....................................................
58
11
1 ENTRANDO EM UMA REALIDADE MÁGICA
Prezado Sr. Potter,
Temos o prazer de informar que V. Sa. Tem uma vaga na escola de
Magia e Bruxaria de Hogwarts. Estamos anexando uma lista de
livros e equipamentos necessários. O ano letivo começa em de
setembro. Aguardamos sua coruja até 31 de julho, no mais tardar.
Atenciosamente, Minerva McGonagall
(ROWLING, 2000 a).
Harry James Potter, nascido em 31 de julho de 1980, olhos verdes iguais
aos da mãe, cabelo desgrenhado como os do pai. Com um ano de idade, seus
pais foram mortos pelo vilão Voldemort, porém Harry escapou protegido pelo
amor da mãe. Desse momento trágico, Harry herdou uma cicatriz em forma de
raio na testa e fez com que Voldemort desaparecesse. Após a morte dos pais,
ele foi deixado pelo bruxo Dumbledore aos cuidados dos tios, Walter e Petúnia
Dursley e seu filho, Duda, da mesma idade de Harry. Ele passou toda sua
infância morando no armário embaixo da escada, maltrato pelos tios e sofrendo
perseguições do primo (ROWLING, 2000 a,b,c; 2001; IRWIN et al., 2004).
Em seu 11º aniversário, Harry recebeu uma carta da escola de Magia e
Bruxaria de Hogwarts. Harry entra para a escola, onde se senti acolhido, como
se estivesse em casa pela primeira vez na vida. Ao longo dos sete anos de
estudos, Harry conhece sua própria história, percebe que é famoso no mundo
dos bruxos por ter derrotado “o maior bruxo das trevas de todos os tempos”.
No processo seletivo nada comum. Harry ingressa na casa Grifinória e faz
parte do time de quadribol (um jogo bruxo) como apanhador (ROWLING, 2000
a,b,c; 2001; IRWIN et al., 2004).
Quando entrei pela primeira vez no Colégio Militar de Porto Alegre,
diferentemente do que possa se imaginar, não me lembrei do período histórico
da ditadura militar brasileira, tive a sensação de ter viajado à Hogwarts, escola
de magia bruxaria da saga Harry Potter, escrito por J. K. Rowling. Os livros do
bruxinho têm me acompanhado desde meu curso de magistério, quando li
Harry Potter e a Pedra Filosofal. Penso que minha pelo encanto pela educação
e minha escolha pelo curso de Pedagogia seja, em parte, influência desta obra.
12
Hogwarts é palco tanto da educação dos jovens bruxos no mundo da
magia, como também de aventuras, alegrias, tristezas, morte e amizades. Por
ser um castelo medieval, suas instalações são bastante antigas. Os métodos
pedagógicos, o decoro e uniforme escolar deixam claro que se trata de uma
escola tradicional. O Colégio Militar de Porto Alegre, ou o velho Casarão da
Várzea, é uma escola tradicional da cidade, mantém as tradições militares e
caracteriza-se pelo formalismo e disciplina. No entanto, as vivências durante o
estágio no setor psicopedagógico da escola, mostram que as impressões dos
jovens não é de aprisionamento, tristeza, e infertilidade, mas de cultura,
criatividade, fortalecimento, amizade e coragem.
No “universo de Harry Potter”, a plasticidade vitoriana é combinada com
artefatos pós-modernos, em uma mistura do antigo com o novo. No colégio
Militar, em meio à boinas, meias até o joelho, sapatos lustroso, encontrei
celulares, câmeras digitais, piercings e outros artefatos que contrastam com o
local. É justamente nesta dicotomia, do “moderno’ com o antigo, nesta mistura
complexa de discursos que supervalorizam o avanço da tecnologia, a
“juventude eterna” que vejo por meio de livros, filmes e da escola, um modo
diferente de pensar a adolescência e a educação.
O desafio de realizar um estudo exige um processo de escolha. Através
de diferentes olhares lançados sobre os documentos, espaços, narrativas,
novas possibilidades podem ser tecidas, uma vez que pesquisar é analisar
dados e discursos de acordo com concepções teóricas de um determinado
campo de estudo.
Para a tessitura do presente trabalho, opto por fundamentar meu estudo
em uma concepção Pós-Estruturalista, a partir do campo dos Estudos
Culturais. Esta escolha implica superar algumas dificuldades, pois tal linha
teórica desafia a pesquisar numa perspectiva que desconstrói o que é tido
como verdadeiro, progressivo e natural pela modernidade, trilhando caminhos
que levarão a examinar novos espaços de produção de significados, rompendo
com uma concepção de mundo, de sociedade e de educação preestabelecida
pelas teorias positivistas e pelo pensamento crítico (VEIGA-NETO, 2002).
13
O estudo alia-se aos Estudos Culturais por se tratar de uma pesquisa
que busca entender como os discursos e representações sobre as identidades
adolescentes foram/são constituídas culturalmente e qual a forma com que são
representados em diferentes dispositivos midiáticos, sendo que estes materiais
permitem examinar como os discursos que envolvem os jovens são forjados
em um determinado grupo social, com espaço e tempo definidos, constituindo
determinadas subjetividades com o intuito de formar o sujeito adolescente.
Através deste estudo pretendo analisar como determinados discursos
pedagógicos foram se constituindo culturalmente de forma a se tornarem
hegemônicos a ponto de produzirem o que é tido como verdade durante um
determinado momento histórico, subjetivando a juventude. Buscarei
problematizar o governo da adolescência a produção de subjetividades
docentes tomando o estudante como um sujeito/objeto cultural, e mostrar como
é fabricado pelos discursos institucionais. Assim, o objetivo da proposta é
investigar como são forjadas as identidades dos jovens estudantes no Colégio
Militar de Porto Alegre e quais os efeitos de tais significações nas
subjetividades adolescentes. Assim, os objetivos são analisar quais identidades
juvenis se inscrevem na escola, no cinema e na mídia impressa nesse grupo
de estudantes de uma escola tradicional.
Para chegar à escola de magia, é preciso primeiro, passar pela
plataforma 9 3/4 , isto é, ultrapassar as ilusões de nossa realidade cotidiana e
entrar em uma nova realidade. Neste capítulo explicito e desenvolvo o
embasamento utilizado para fundamentar minha prática. Faço referência às
origens da prática da Orientação Educacional no ensino brasileiro e trato sobre
seus novos modos de atuação na contemporaneidade, acreditando que é
possível pensar uma forma de atuação diferente.
Após, faço uma detalhada caracterização da escola, a partir da
comunidade escolar, o a Floresta Proibida, seguindo pelos relatos da parte
física da escola por meio do Mapa do Maroto, tratando das entrevistas e por fim
analisando o projeto da escola. Em seguida, no capítulo intitulado Varinha,
Caldeirão e Magia apresento o Plano do Estágio e o método utilizado.
14
No capítulo Sonserina, Corvinal, Lufa-Lufa e Grifinória, relato momentos
vivenciados no estágio junto aos jovens, problematizando questões culturais,
afetivas e éticas junto com os jovens. Por fim, finalizo abrindo espaço para
novas construções e desconstruções.
15
2 ENCONTRANDO A PLATAFORMA 9 ¾: A IDÉIA DE UMA ORIENTAÇÃO
EDUCACIONAL DIFERENTE
Harry apressou o passo. Ia bater direto no coletor de bilhetes e então
ia se complicar curvando-se para o carrinho ele desatou a correr
a barreira estava cada vez mais próxima não poderia parar o
carrinho estava descontrolado ele estava a um passo de distância
fechou os olhos se preparando para a colisão... E ela não
aconteceu... ele continuou correndo... abriu os olhos.
Uma locomotiva vermelha a vapor estava parada à plataforma
apinhada de gente. Um letreiro no alto informava Expresso de
Hogwarts, 11 horas. Harry olhou para trás e viu um arco de ferro
forjado no lugar onde estivera o coletor de bilhetes, com os dizeres
Plataforma Nove e Três Quartos. Conseguira. (ROWLING, 2000a, p.
86).
Ao resgatar a história da Orientação Educacional brasileira, percebe-se
que ocorreram diversas mudanças de enfoques em relação à visão da
aprendizagem. Inicialmente, OE voltava-se para o “não-aprender”, para o
“desajuste” e “mau-comportamento”, tendo em vista a aprendizagem formal e
ao comportamento adequado na instituição escolar. Progressivamente, as
práticas da OE se ampliaram, focalizando diferentes dimensões do processo de
aprender, ser e estar na escola, focalizando aspectos socioculturais.
Tendo em vista que as identidades adolescentes, suas representações,
são produzidas pelos discursos que se enunciam sobre ela. Esta proposta se
inscreve na idéia de que o mundo social é moldado na e pela linguagem. A
“virada lingüística” concebe a linguagem como constituidora, em outras
palavras, a linguagem forma sistematicamente os objetos sobre os quais
narram.
A cada época histórica forjam-se modelos hegemônicos, certas
narrativas tidas como verdadeiras. As narrativas agora passam a ser vistas
como formadoras do sujeito e, de acordo com Larrosa (1996), elas produzem
as identidades, partindo-se da idéia de que somos o que contamos e o que nos
contam, sob a influência dos lugares, tempo e vozes que narram, fazendo com
que a narrativa se torne responsável pela formulação dos processos
identitários. Com a “virada lingüística”, a verdade única deixa de existir, sendo
substituída por verdades constituídas. Estas, a partir de então, são
16
consideradas crenças, tendo como alvo de análise o processo pelo qual algo
se torna verdade (SILVA, 1999).
Foucault (1993) explica que a linguagem, e conseqüentemente os
discursos, não funcionam imunes aos controles sociais porque são
atravessados pelas relações de poder.
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral, de
verdade: isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre
sentenças verdadeiras e falsas, os meios pelos quais cada um deles é
sancionado. (FOUCAULT, 1993, p. 12)
A subjetividade é vista como uma produção discursiva, e o sujeito
depende da existência prévia de posições discursivas por meio das quais se
compreende o mundo. Dentro desse contexto, Silva (1999) explica que o
campo de análise dos Estudos Culturais trabalha comumente com duas
correntes metodológicas de pesquisa: a etnográfica e a de interpretação
textual. Segundo este autor o objeto a ser analisado nas práticas de pesquisa
chama-se artefato cultural, sendo esses materiais o resultado de um processo
de construção social ao mesmo tempo que produzem identidades e
subjetividades no contexto das relações de poder.
Assim, tomo os Referenciais Curriculares para o Primeiro ano do Ensino
Fundamental como artefatos culturais, ou seja, eles trazem em si e congregam
discursos e representações circulantes em uma determinada época. Com isso
pretendo problematizar esses documentos enquanto campo de lutas onde se
estabelecem as relações de poder/saber, analisando seus discursos.
Na obra A Ordem do discurso, Foucault mostra o poder como
instrumento de análise tornando possível a compreensão dos saberes
produzidos em diferentes maquinarias. A teoria pós-estruturalista do discurso
investiga como se essa produção de sujeitos e subjetividades por meio da
análise da escrita, dos textos e dos discursos produzidos nas tramas do poder.
O que se pretende investigar é a combinação entre o cuidado pastoral com os
jogos da cidadania através de microtecnologias de constituição das identidades
docentes. Tentar vislumbrar como estes discursos e narrativas, ao definirem
uma prática especial para esse ano do ensino fundamental não apenas
17
orientam políticas de identidades docentes, como também possibilitam modos
de entendimento sobre como se delineiam as relações de poder na sociedade.
O efeito da governamentalidade sobre os sujeitos produz ações diretas
sobre os docentes. A reforma estatal escolar para a inclusão de crianças de
seis anos no ensino fundamental deriva em sua necessária transformação e
reforma de competências, conhecimentos e funções. A educação como
governo dos sujeitos e a reconfiguração escolar produz efeitos nos docentes. A
relação entre o Estado e a educação se modifica para radicalizar o
gerenciamento educativo e seu domínio sobre a educação escolarizada e sua
relação com a sociedade.
Para Foucault, governamento é o modo como o poder se exerce sobre
os indivíduos. É uma ação sobre as ações dos sujeitos (BUJES, 2002).
Governo não se refere apenas às estruturas políticas e à gestão do Estado,
mas constitui-se de formas de ação que afetam sobremaneira os modos como
os sujeitos conduzem a si mesmos.
A Modernidade é o momento de emergência do governo e da
governamentalidade, “instituindo uma associação entre o jogo da cidade
totalizador, jogado na população - e o jogo do pastor individualizador, jogado
no indivíduo” (VEIGA-NETO, 2000, p. 185).
O jogo da cidade é constituído de estratégias para gerir a convivência
urbana com o intuito de socializar os problemas advindos da crescente
urbanização e concentração populacional. A ampliação do espaço urbano
produz a necessidade de práticas de regulação que articulam formas de
convivência coletiva. O jogo do pastor, por sua vez, constitui formas mais
restritas de relações como a do pais e sua família, do mestre e seu discípulo,
do religioso e seus fiéis, zelando pelo seu “rebanho” através do olhar. Trata-se
de uma relação de práticas de cuidado e não de dominação. O olhar do pastor
permite a sobrevivência e redenção de seu rebanho. Trata-se de um poder
individualizador, que cuida de cada ovelha, sem descuidar do rebanho.
Essas formas de governo, o domínio do pastor e o gerenciamento da
coletividade populacional instalam uma tensão: é preciso governar e conduzir
tanto as vidas coletivas, quanto as existências singulares de cada indivíduo.
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Para regular essas duas formas de relação são criados novos modos de
governar, através de saberes que articulam tanto o jogo da cidade, quanto o do
pastor. Nestas tramas, há o imperativo de controlar a população e torná-la mais
produtiva, saudável contando com uma rede de apoio de novos saberes que
surgem para dar conta dos novos fenômenos populacionais. São eles a
economia, a estatística, a Saúde Pública e toda a área dos estudos “psi”, a
Psiquiatria, a Psicologia e a Psicanálise.
Governamento, portanto, “não se trata de impor uma lei aos homens,
mas de dispor as coisas, isto é, utilizar mais táticas que leis, ou utilizar ao
máximo as leis como ticas” (FOUCAULT, 1993, p. 284). É preciso dispor de
meios, estratégias que levem a consecução de certas finalidades para bem
governar. Diversos aparatos e procedimentos são dispostos para garantir a
produção de certos efeitos. Assim, governamentalidade é um conjunto de
procedimentos, análises, reflexões, cálculos e táticas. Ella é composta por uma
conjunção de forças, arranjos técnicos e instrumentos que possibilitam a
efetivação de programas de governo que têm por finalidade regular as ações
individuais e coletivas (BUJES, 2002).
O traço distintivo do poder é que alguns homens possam mais ou menos
integralmente determinar a conduta de outros homens ainda que não de
maneira exaustiva ou coercitiva (...) O governo dos homens pelos homens
formem eles grupos modestos ou importantes, quer se trate do poder
dos homens sobre as mulheres, dos adultos sobre as crianças, de alguma
classe sobre a outra, ou de uma burocracia sobre uma população - supõe
uma determinada forma de racionalidade e não uma violência instrumental
(...) a questão é [então]: como são racionalizadas as relações de poder?
(FOUCAULT, 1996, p, 64-65).
A produção de Foucault na etapa final e sua vida volta-se para o enlace
entre as dimensões ética e política que operam na constituição do sujeito. O
filósofo traça uma genealogia da subjetivação, distanciando-se das
metanarrativas, que vêem uma natureza biológica e psicológica determinante
na constituição subjetiva.
Foucault aponta o caráter histórico do “dispositivo da sexualidade”,
criado para a expansão do bio-poder. A incitação a falar sobre sexo esteve
intimamente associada a uma preocupação com o bem-estar das populações.
19
Através desse dispositivo, o sexo tornou-se personalizado e medicalizado e
deu origem a uma série de saberes específicos que se dedicaram a normatizar,
estudar e controlar as condutas sexuais. Tal dispositivo exemplifica os modos
de produzir verdades, o exercício do poder e a subjetivação do sujeito.
Para o controle das condutas individuais, uma série de tecnologias do eu
são criadas e disseminadas através de aparatos pedagógicos e táticas de
poder das pessoas consigo mesmas. Essas técnicas englobam autovigilância,
autoavaliação, confissão ou autonarração, que produzem efeitos na
constituição das subjetividades. As tecnologias do eu se valem de discursos,
tramas de linguagem, narrativas que visam produzir um tipo específico de
sujeito. Essa genealogia da subjetivação mostra os diferentes modos de
relação do sujeito consigo mesmo, partindo do conhecer-se a si mesmo ao
cuidado da saúde e com o corpo.
A partir de narrativas atuais, buscarei analisar como o dispositivo da
juventude tem constituído modelos de subjetividades sustentadas por uma
concepção direcionada do agir adolescente. Almejo com esse trabalho, dentro
da linha dos Estudos Culturais, lançar um olhar de estranhamento,
desnaturalizado narrativas sobre a adolescência; buscando perceber o campo
discursivo que as legitimaram.
Pretendo fazer uma análise dos discursos reconhecidos como “verdades
científicas”, assim como dos seus deslocamentos e permanências, permitindo
localizar a “invenção” de determinadas verdades sobre o sujeito. Com isso,
pode-se perceber como determinados discursos passam a circular como
“verdades”, podendo ser questionados e analisados em relação a outros.
Tomar esses múltiplos discursos considerando-os como produtos
culturais marcados por uma racionalidade datada e identificada em autorias,
reconhecendo suas interpretações, representações e deslocamentos, sem
perder de vista que discursos e práticas permanecem e disputam espaço para
o reconhecimento acadêmico, e buscando visibilidade na prática docente passa
a ser o meu desafio ao trabalhar com esse campo de estudos.
20
3 UMA ESCOLA MÁGICA
Harry jamais imaginara um lugar tão diferente e esplêndido. Era
iluminado por milhares de velas, que flutuavam no ar sobre quatro
messas cumpridas, onde os demais estudantes se encontravam
sentados. As mesas estavam postas com pratos e taças douradas.
No outro extremo do salão havia mais uma mesa comprida em que
se sentavam os professores [...] Harry olhou para cima e viu um teto
aveludado e negro salpicado de estrelas. Ouviu Hermione cochichar:
- é enfeitiçado para parecer o céu lá fora, li em Hogwarts, uma
história. (ROWLING, 2000a, p. 103, grifo da autora).
3.1 CAZARÃO DA VÁRSEA, UMA HISTÓRIA
Conta a história que mais de mil anos Godrico Griffyndor, Rowena
Ravenclaw, Helga Hufflepuff e Salazar Slytherin, os maiores e melhores
feiticeiros da época, juntaram-se para formar uma escola de magia e bruxaria.
Juntos, eles construíram o castelo de Hogwarts, com o objetivo de educar os
jovens que apresentassem algum talento mágico. Todos tinham qualidades
distintas, e criaram casas para dividir os alunos de acordo com os próprios
interesses. A história de Hogwarts está preservada de diversas formas no
castelo, seja nos livros, nos quadros, estátuas, nos fantasmas ou no Chapéu
Seletor, um dispositivo mágico usado para a divisão dos alunos na casas
(ROWLING, 2000 a,b,c; 2001; IRWIN et al, 2004).
Diferentemente de Hogwarts, o Colégio Militar Porto Alegre o foi
fundado através da magia, porém tinha o mesmo propósito: a educação dos
jovens. O colégio foi criado pelo Decreto Nr. 9.397, de 28 de fevereiro de 1912,
sendo Presidente da República o Marechal Hermes da Fonseca e Ministro da
Guerra o Gen. Div. Adolfo Menna Barreto.
O prédio em que funciona faz parte do patrimônio histórico da cidade de
Porto Alegre. Desde o século passado, a sua arquitetura mudou a "fisionomia",
criando um espaço onde questões ligadas ao ensino e à vida brasileira foram
intensamente vividas por aqueles que circulavam pelas arcadas do "Velho
Casarão da Vársea".
Várias instituições de ensino funcionaram no edifício da Avenida José
Bonifácio: a Escola Militar da Província do RS (1883-88), a Escola Militar de
Porto Alegre (1889-1905), a Escola de Guerra (1906-11), o Colégio Militar de
21
Porto Alegre (1912-1939), a Escola Preparatória de Porto Alegre (1939-62) e,
novamente, o Colégio Militar de Porto Alegre, desde 1962.
Durante essas várias fases, a contribuição de alunos e professores à
comunidade rio-grandense foi intensa. Dos primórdios da antiga Escola Militar
até o ano de 1911, pode-se destacar a atuação de várias personagens dessa
instituição nas mais diferentes áreas. É notória a participação de João
Cezimbra Jaques, instrutor da Escola Militar e um dos fundadores do Grêmio
Gaúcho para o estudo das tradições e etnografia rio-grandenses. Professores
da Escola Militar como Henrique Martins e Lannes de Lima Costa publicaram
vários livros didáticos, na década de oitenta do século XIX. Também na área da
educação, é impossível deixar de mencionar a atuação de João José Pereira
Parobé. Esse aluno do curso de Infantaria e de Artilharia foi professor da
Escola Militar, esteve diretamente ligado à fundação da Escola de Engenharia,
hoje integrada à UFRGS, além de ter fundado o Colégio que hoje leva seu
nome. Também deve ser lembrado Otávio Rocha, outro aluno e professor da
Escola Militar que se destacou na administração pública como intendente de
Porto Alegre. Foi igualmente importante a contribuição da Escola Militar na vida
cultural da cidade, por intermédio da circulação de revistas e pequenos jornais
de estudantes, como "A Luz", "Occidente" e "A Cruzada".
Da fase iniciada com a criação do Colégio Militar em 1912, vários são os
personagens que aqui estudaram e que marcaram a história brasileira. Dentre
eles, figuram cinco ex-presidentes da República: Humberto de Alencar Castelo
Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e
João Batista de Oliveira Figueiredo. Destacaram-se, também, os ex-alunos
Mário Quintana e Vasco Prado, que exprimiram, através da sua arte, a alma
gaúcha.
Por essa presença marcante na vida regional e brasileira, o Colégio
Militar de Porto Alegre, estabelecimento de ensino fundamental e médio,
constitui-se um patrimônio cultural da cidade.
3.2 A FLORESTA PROIBIDA
Ele os conduziu à orla da floresta. Erguendo a lanterna bem alto,
apontou para a trilha serpenteante de terra batida que
22
desaparecia por entre árvores escuras. Uma brisa leve levantou os
cabelos dos meninos, quando eles se viraram para a floresta.
(ROWLING, 2000a, p. 216).
O Colégio Militar de Porto Alegre situa-se na rua José Bonifácio, no
bairro Farroupilha do município de Porto Alegre. Em frente à escola há o
Parque Farroupilha, e nas suas proximidades a igreja Santa Terezinha e a
sede da empresa Vivo. Na mesma rua, mas não tão próximo à escola, uma
escola de balé, uma veterinária, um centro de artes, um centro profissional, a
Escola de Ensino Fundamental Projeto, o Centro de Educação Vitalícia do Rio
Grande do Sul, alguns restaurantes vegetarianos, a Cooperativa Coolméia, a
creche Carrossel (com outra sede na rua Santana, próxima à escola), a capela
do Divino Espírito Santo e poucos prédios residenciais.
A rua onde se localiza a escola fica entre as avenidas João Pessoa e a
Osvaldo Aranha e é paralela à avenida Venâncio Aires.Em parte da rua,
transitam algumas linhas de ônibus. Entretanto, percebeu-se que grande parte
dos/as alunos/as da escola utiliza transporte escolar privado.
Perto da escola situa-se o Hospital de Pronto Socorro (HPS) que se
localiza na esquina da avenida Venâncio Aires com a avenida Osvaldo Aranha.
Na avenida Venâncio Aires, muito comércio, farmácias, funerárias,
pizzarias, correios, restaurantes, bancos, a empresa Unimed, locadoras de
vídeo, lojas de aviamentos, escolas de línguas estrangeiras, a Creche
Municipal Santa Terezinha, floriculturas, chaveiros, posto de gasolina, bancas
de revistas, além de um número maior de prédios residenciais.
Na avenida João Pessoa, próximo à escola, há a futura sede do museu
Antropológico do Rio Grande do Sul (MARS) que ainda está em reformas e a
Editora do Brasil.
Observou-se que a escola se localiza em um bairro tradicional da
cidade, marcado por sua estrutura cultural, uma vez que a comunidade oferece
“eventos” culturais tais como o Brique da Redenção, que se realiza aos
domingos, a Feira do Agricultor aos sábados e esporadicamente no Auditório
Araújo Viana, que se localiza no parque Farroupilha.
O bairro é limpo e muito bem arborizado com poucos prédios
residenciais. O acesso à escola é facilitado por diversas linhas de transporte
23
coletivo público nas avenidas João Pessoa e Oswaldo Aranhe na rua da
escola. A comunidade oferece o atendimento no Hospital de Pronto-Socorro
(HPS), eventos culturais no Parque da Redenção e futuramente, o museu
Antropológico do Rio Grande do Sul.
No entanto, essa zona se caracteriza pela violência, tráfico de drogas,
prostituição; na maioria das vezes à noite. Isso indica que os/as alunos/as
podem vir a presenciar esses fatos, uma vez que esse tipo de situação está
bem próximo de sua escola. A problematização desses fenômenos sociais
deve estar presente na escola. Portanto, a comunidade escolar oferece
vivências culturais, situações cotidianas e problemas sociais a serem
trabalhadas na escola. Faz parte do meio-cultural e da realidade social que
os/as alunos/as convivem, seja por estar inserida nela ou por presencia-la na
vida escolar.
3.3 O MAPA DO MAROTO: CARACTERÍSTICAS DA ESCOLA
Ele apanhou a varinha, tocou o pergaminho de leve e disse: Juro
solenemente não pretendo fazer nada de bom. Na mesma hora,
linhas de tinta muito finas começaram a se espalhar como uma teia
de aranha a partir do ponto em que a varinha de Jorge tocara. Elas
convergiram, se cruzaram, se abriram como um leque para os
quatro cantos do pergaminho; em seguida, no alto, começaram a
aflorar palavras, palavras grandes, floreadas verdes, que diziam:
Os Srs. Aluado, Rabicho, Almofadinha e Pontas, fornecedores de
recursos para bruxos malfeitores, m a honra de apresentar O
MAPA DO MAROTO. Era um mapa que mostrava cada detalhe
dos terrenos do castelo de Hogwarts. O mais notável, contudo,
eram os pontinhos mínimos de tinta que se moviam em torno do
mapa, cada um com um rótulo em letra minúscula. (ROWLING,
2000c, p. 158, grifos da autora).
Através do Mapa do Maroto da Escola (anexo I) vamos fazer um passeio
pela escola e conhecer através da sua arquitetura um pouco da proposta
pedagógica desta instituição.
O Colégio Militar de Porto Alegre está estruturado em um prédio de
arquitetura antiga com dois pisos (figura 1). A entrada da escola se através
de um único portão (figura 2). Neste portão permanentemente estão postados
dois militares que são responsáveis pela entrada e saída de alunos
professores, funcionários e visitantes.
24
Para entrar na escola é necessário identificar-se. uma sala (do lado
direito), equipada com micro computador e com um circuito interno de
televisão, que monitora o movimento da escola.
No centro da construção, o tradicional Pátio Plácido de Castro. Sua
forma é retangular, local onde se realizam as aulas de Educação Física e aulas
desportivas em geral. O tio da escola situa-se no centro do prédio, onde se
pode observar todas as dependências da escola. É quase inevitável nos
remetermos ao cenário da Ditadura Militar ao entrarmos no colégio.
Principalmente por sua arquitetura em forma de Panóptipo, que segundo
Foucault (2001) corresponde a um projeto arquitetônico em que na periferia
uma construção em anel e no centro, uma torre vazada com largas janelas, de
onde se pode ver sem parar tudo o que acontece nas celas, onde está um
louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar.
Figura 1: Vista frontal do castelo.
Em seu projeto arquitetônico, uma vigia constante, “de onde é
possível ver sem nunca ser visto” (FOUCAULT, 2001, p. 167). É através desta
25
construção, deste casarão que o olho do poder estende sua visão, fazendo
com que o observado se limite constantemente, promovendo “efeitos
constantes, profundos, adquiridos em caráter definitivo e continuamente
recomeçados: vitória perpétua que evita qualquer defrontamento físico e está
sempre decidida por antecipação” (FOUCAULT, p. 168).
Nas quartas-feiras são realizadas as formaturas e todas as solenidades
mais formais previstas no calendário escolar. As formaturas têm o objetivo de
que todos/as os/as alunos/as e militares entrem em forma (figura 3). Essa
atividade é opcional para professores civis. É o momento de integração dos
turnos: manhã e tarde. Os alunos entram em forma asteando a bandeira,
marchando, ficando em fileiras. uma apresentação da banda da escola,
sendo que os integrantes são alunos/as do ensino médio (figura 4).
Figura 2: Entrada do castelo.
26
Figura 3: Alunos em formação
.
Figura 4: Banda da escola
.
27
A escola toda está distribuída ao redor deste pátio. Um corredor coberto
permite o acesso a todas as dependências do andar térreo. Partindo do portão
à esquerda, encontramos os seguintes compartimentos: a biblioteca (com
extensão para o segundo andar), a Associação dos Amigos do Casarão da
Várzea (AACV), o Clube das Mães (sociedade, uniformes de segunda mão
deixados pelos alunos que passaram pela Escola e os que deixam ali para que
possam ser aproveitados pelos novos alunos que assim o desejam e para
aqueles alunos que tiverem dificuldades financeiras para adquirir), a barbearia,
alfaiataria e loja de uniformes, a secção do laboratório de línguas, o laboratório
de química e de biologia.
Ao final do corredor, o espaço dedicado ao SOE (Serviço de Orientação
Educacional), Seção Psicopedagógica. O setor é bastante amplo, contendo um
total de cinco salas dos/as funcionários/as. Há a sala da Orientadora Cristina, a
sala da Tenente C., a sala da Orientadora E. e a sala da Psicopedagoga L. e
do Chefe da Seção, o Coronel F.
No segundo corredor (dobrando à direita), temos as seguintes salas: o
vestiário para oficiais, o laboratório de artes, salas de aula de alguns primeiros
anos, o vestiário feminino e ao final, a sala dos professores, a Seção A de
Ensino (onde se reúnem todos os professores de Português), a Secretaria, sala
do Subdiretor de Ensino, o SSE (os Supervisores: Tenente A. e o Capitão F.), o
Departamento de História e Geografia, o Departamento de Química e Biologia.
A sala dos professores (que está integrada as dependências citadas
acima) é dividida em cozinha/refeitório e sala de estar, equipadas com sofás e
mesa de centro. No hall de entrada desta sala um mural contendo todas as
informações relacionadas aos professores (de todos os horários de toda a
semana de aula). Saímos direto para o terceiro corredor.
No terceiro corredor direita dando continuidade ao corredor anterior),
há uma loja de produtos do CMPA, salas de aula dos primeiros anos do Ensino
Médio, uma lancheria e o departamento de Educação Física. No quarto
corredor (também à direita) do primeiro piso salas de aula, restaurante e
refeitórios para civis e militares. Ao final há uma agência do Banco do Brasil.
28
Encerrando, retornamos ao primeiro corredor direita), onde está
localizadas o Anfiteatro Brasil, a Sala Histórica do CMPA e uma pequena
capela. Nas paredes destes corredores existem placas em bronze onde
figuram os nomes que passaram por essa escola, entre esses ex-
presidentes da República como Castelo Branco, Costa e Silva, entre outros.
Existem também placas de ex-alunos (incluindo alguns professores), que
reiteram a gratidão, o orgulho e a saudade desta escola. Painéis com os
trabalhos executados pelos alunos, mural com informativos sobre toda a vida
escolar.
O acesso para o segundo piso é feito através de uma escada. Logo à
esquerda da escada encontramos: a biblioteca, salas de aulas das oitavas
séries e terceiros anos do Ensino Médio, salas de informática. À direita desta
mesma escada encontramos algumas salas de aulas da oitava série, o Setor
Técnico de Ensino (STE) que está sob responsabilidade do Tenente Coronel
Duarte, onde se realizam as verificações das provas elaboradas pelos
professores.
O corpo docente da escola é formado por 36 militares e 71 civis. Esses
professores ingressam na escola através de concurso. Todos os professores
usam jaleco como uniforme e possuem um crachá de identificação. O jaleco é
usado pelo professor militar sobre sua farda que é seu uniforme oficial.
O ingresso dos/as alunos/as civis é feito através de uma prova seletiva
tanto para filhos/as de oficiais como de civis, e atualmente para ambos os
sexos. A média de candidato por vaga é de 40 inscritos. O ingresso pode
ser feito na 5ª série do ensino fundamental ou na primeira série do ensino
médio. As aulas começam pontualmente as 07h e 30min e encerram às 12h e
35min. Cada período com duração de 45 minutos. Diariamente os/as alunos/as
usam o tradicional uniforme escolar com detalhes vermelhos e outro para as
atividades físicas. Em dias festivos usam uniforme de gala com detalhes
vermelhos.
29
Figura 5: Alunos com a mascote da escola.
A relação professor/a e aluno/a é de respeito mútuo e a hierarquia é
cultivada e mantida pelos alunos através de pequenos gestos. Bater
continência em posição de sentido para os superiores militares na presença de
um militar. Levantar-se a cada entrada e saída de militares e professores/as em
sala de aula. O número de alunos/as por sala é composto, em média, por 28 a
30 alunos. Cada série possui um monitor, que é responsável pela disciplina e
auxilia o/a professor/a em suas tarefas.
A escola possui um mascote chamado Nicodemos, uma ovelha cuidada
pelos/as alunos/as da 5ª série, os mais novos e mais baixos da escola. Todas
as escolas militares do país (são 12 no total) possuem um mascote e o mesmo
sistema de cuidados com o animal (figura 5).
O antigo Casarão da rzea, símbolo da capital do Rio Grande do Sul,
hoje é chamado de Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA).
30
3.4 O PROFETA DIÁRIO: ENTREVISTAS
Ela meteu a mão na bolsa e tirou uma pena comprida verde-ácido e
um rolo de pergaminho, que abriu entre os dois em cima de uma
caixa de Removedor Mágico Multiuso da Sra. Skower. Ela levou a
ponta da pena verde à boca, chupou-a por um instante com cara de
quem estava gostando, depois colocou-a em pé sobre o pergaminho,
onde a pena ficou equilibrada tremendo ligeiramente. Teste... meu
nome é Rita Skeeter, repórter do profeta diário. (ROWLING, 2001, p.
244)
Foi realizada uma entrevista com o responsável pelo Setor Técnico
Educativo (STE), O Tenente Coronel D. Pode-se coletar e analisar alguns
dados do funcionamento das escolas militares, da metodologia, da filosofia, da
concepção de ensino e de aprendizagem, bem como da prática pedagógica
realizada. Esse setor funciona como um regulador do ensino do colégio.
No Brasil, estão funcionando 12 escolas Militares, que são marcadas por
um ensino normativo e objetivado. Os órgãos reguladores são o Ministério da
Educação Militar, o Departamento de Ensino e Pesquisa e a Diretoria de
Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA).
Segundo o Tenente Coronel D., do STE, o currículo das escolas está de
acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais e são chamados de
PLAEST e PLADIS. A escola vê o professor como um facilitador do ensino e da
aprendizagem e o aluno como o “aprendiz do aprender”.
Como escola normativa, o Colégio Militar possui como principal plano o
PGE (Plano Geral de Ensino), que contém as normas para a elaboração de
provas, concepção de trabalho interdisciplinar, metodologias para se planejar
as aulas, normas para utilização da Internet entre outros aspectos.Além desse
documento, as normas para o conselho de classe. Documentos para
concursos, normas gerais do CMPA, regimento interno. também normas
para avaliação diagnóstica dos novos alunos, fundamentação teórica sobre
avaliação, Normas para a revisão de Currículos. Todas essas normas são
fundamentadas na Lei de Ensino do Exército, na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação 9394/96.
Os/as alunos/as ingressam na escola através de concurso de admissão
para filhos de civis e militares, para a 5ª série do Ensino Fundamental e 1ª série
do Ensino Médio. Em 2003, foram abertas 75 vagas para a série e se
31
inscreveram cerca de 800 candidatos/as. Para o anos do Ensino dio,
foram abertas 10 vagas para 400 candidatos/as.
Para acompanhar essas normas e regulamentos, os professores
recebem o manual do professor e os alunos, o manual dos alunos e a agenda
escolar. O trabalho interdisciplinar é feito a partir da escolha de temas e
subtemas por série. Esse trabalho também é normatizado por um documento.
São formados grupos para elaboração de trabalhos que são apresentados para
toda a escola no 3º bimestre na forma de iniciação científica.
Foi realizada uma entrevista com a Supervisora Educacional Tenente A.,
formada em pedagogia, dizendo-nos que o setor está iniciando esse ano na
escola. Anteriormente, esse trabalho era realizado por um oficial, cujo objetivo
era auxiliar os professores. Atualmente, o Serviço de Supervisão Educacional
(SSE) é regulado pelas Normas Internas da Supervisão Educacional (NISE)
que se encontra em elaboração, com o intuito de organizar o trabalho desse
setor e é realizado por uma pedagoga.
Segundo a supervisora, o SSE atua no processo de ensino e
aprendizagem e no aperfeiçoamento docente. Relata que está sentindo
dificuldades em relação ao trabalho interdisciplinar, que, na sua opinião, não
é um documento que irá efetivar a interdisciplinaridade na escola, mas um novo
conceito de conteúdo, de aula e de currículo. Para ela, o ideal é que os
professores tenham consciência desse trabalho, consciência do que é a
interdisciplinaridade. Diz que está embasada teoricamente em Edgar Morin.
Os professores devem entregar planos semanais e mensais por assunto.
Esses planos ficam arquivados no SSE para a inspeção do DEPA, que se
realizará em maio desse mesmo ano. Para Tenente A., está sendo um grande
desafio conquistar a confiança dos professores. Mas diz que alguns a
convidaram a participar de alguns projetos.
O SSE tem alguns projetos planejados, que serão postos em prática
esse ano. São eles: Fazer oficinas de materiais didáticos com os/as
professores/as. Abrir um laboratório de aprendizagem para “buscar o que os
alunos deixaram nas séries iniciais”, como uma recuperação de base.
32
A entrevista com a professora J., docente do ano do Ensino Médio na
disciplina de Língua Portuguesa, foi bastante breve, mas muito proveitosa.
Mostrou-se atenciosa e curiosa com o que a questionaríamos. A professora diz
que o trabalho com a primeira série é bastante tranqüilo. Todo o planejamento
que realiza é normatizado pelo Plano de Execução de Trabalho (PET). Nesse
documento estão explicitados todos os objetivos, conteúdos que deverão ser
trabalhados por aulas.
Durante o bimestre são realizadas avaliações parciais que ficam por
conta do professor, isto é, ele escolherá de que forma avaliará o trabalho. A
avaliação final é realizada através de provas com o conteúdo que é trabalhado
durante todo o bimestre. Essas provas são elaboradas pelos professores,
passam pela aprovação do chefe de cadeira, depois pelo Tenente Coronel D.
do STE, e depois pelo Comandante C.
3.5 AS DEFINIÇÕES FILOSÓFICAS E PEDAGÓGICAS DA ESCOLA
Hogwarts, Hogwarts, ó querida Hogwarts,
Venha nos ensinar
Quer sejamos velhos e calvos
Quer moços de pernas raladas,
Temos as cabeças precisadas
De ideias interessantes
Pois estão ocas e cheias de ar,
Moscas mortas e fios de cotão.
Nos ensine o que vale a pena
Faça lembrar o que já esquecemos
Faça o melhor, faremos o resto,
Estudaremos até o cérebro desmanchar.
(ROWLING, 2000 a, p. 113)
O planejamento do CMPA tem características do ensino tradicional e
tecnicista, bastante voltada para as metedologias pedagógicas. Caracteriza-se
por um um ensino normativo, objetivo, no qual os professores tem que cumprir
“à risca” o objetivo planejado para cada dia. O controle, o castigo, a penalidade,
o cumprimento de regras através da pressão pelo medo, pela competição estão
claros no PGE.
também uma supervalorização do rendimento escolar, do sucesso,
da competição. Os alunos são diferenciados por suas notas, medalhas e
33
conquistas. um projeto que visa a competitividade e tornar os/as alunos/as
legionários como os exemplares.
A configuração da arquitetura escolar, a disposição das classes, a
exposição de medalhas e troféus, o uso obrigatório do jaleco para professores,
as solenidades, a divisão dos alunos pelo seu sucesso, marcam os rituais
tradicionais da escola, mostrando que esta está de acordo com os ideais da
Modernidade.
A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande
forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: fila de alunos
na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um
em relação a cada tarefa e cada prova; colocação que ele obtém de
semana em semana, de mês em mês, de anos em ano; alinhamento
das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos
assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de
dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos
obrigatórios, cada alunos segundo a sua idade, seus desempenhos,
seu comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele desloca o
tempo todo numa série de casas; umas idéias, que marcam uma
hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir
materialmente no espaço da classe ou do colégio essa repartição de
valores ou dos méritos. Movimento perpétuo onde os indivíduos
substituem uns aos outros, num espaço escondido por intervalos
alinhados. (FOUCAULT, 2001, p.126)
O controle, as normas estão presentes desde a vestimenta de alunos e
professores e se estende até os corredores da escola. O manual docente, os
documentos escolares, a agenda escolar, as diversas fichas e protocolos
marcam um poder que controla a todos em diferentes espaços e momentos.
A disciplina não pode se identificar como uma instituição, nem como
um aparelho, ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-
lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de
procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma física, ou
uma anatomia do poder, uma tecnologia (FOUCAULT, 2001, p. 177).
Mesmo com todo este aparato disciplinador, me pergunto se espaço
para a criatividade, para o desvio, para a vida acontecer nesta escola? O que
ela carrega de tão encantador que mobiliza crianças e jovens a estudar com
afinco e fazer a difícil seleção para ingressar nesta escola? Que juventude se
inscreve dentro dos muros do Colégio Militar de Porto Alegre?
34
4 NO BECO DIAGONAL: EQUIPANDO MEU MALÃO COM VARINHAS,
CALDEIRÕES, FEITIÇOS E MAGIA
Ele bateu na parede três vezes com a ponta do guarda-chuva. E o
tijolo que tocou estremeceu, torceu-se. No meio apareceu um
buraquinho, que foi se alargando cada vez mais. Um segundo depois
se viram diante de um arco bastante grande até para Hagrid, um
arco que abria para uma rua de pedras irregulares, serpeava e
desaparecia de vista. (ROWLING, 2000 a, p. 65)
Em diferentes povos, a adolescência não é concebida da mesma forma,
isto é adolescer não é o mesmo em diferentes culturas. Atualmente, entende-
se que a puberdade seja uma transformação corporal e biológica, que ocorre
com todos os seres humanos em qualquer parte do mundo. a adolescência
é percebida/produzida de formas diferentes em diversas culturas.
Para Aberastury e Knobel (2003, p. 187),
A biologia da puberdade é universal, mas as reações humanas a ela
sempre ocorrem de acordo com uma cultura particular e a
adolescência pode tornar-se perfeitamente inteligível através do
entendimento da cultura que a rodeia.
Do ponto de vista da cultura ocidental, a adolescência é um período de
transição. Nossa sociedade legitima essa adolescência transitória, em um
mundo fluido, em constante mutação, onde temos a certeza do momento
presente. Essa cultura produz uma imagem do jovem que vive para a
satisfação do presente, adolescentes consumistas e vazios.
Segundo Áries (2001), a noção da adolescência surgiu junto à criação
das instituições escolares. Esta ocorreu devido à “emergência do sentimento
de infância”, no século XVII, tornando possível um discurso sobre a criança.
Passou-se a estudar e pensar a infância, caracterizando-a como inocente,
necessitando de cuidado e proteção. Segundo o autor, anteriormente não se
concebia a diferença entre adultos e crianças; portanto, não havia a noção de
passagem das idades da vida, as crianças ingressavam na vida adulta assim
que eram consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas,
aproximadamente aos sete anos de idade.
35
Com a Revolução Industrial e o modo de produção fabril, a família e a
escola afastaram a criança da sociedade dos adultos, o que fez com que
surgisse esse “sentimento de infância” (ARIÉS, 2001). Houve o advento das
famílias, das casas divididas em cômodos, o início da vida privada. A
escolaridade tornou-se fundamental para as crianças e os jovens.
Devido ao forte nculo da infância com a escola e a família burguesa,
duas principais representações da infância tornaram-se predominantes: de um
lado, a infância ingênua e inocente, fonte de paparicação e divertimento; e do
outro, o infante como um ser incompleto, desprovido de conhecimento e moral,
que precisava ser educado e disciplinado. Dessa forma, foi necessário criar
saberes específicos para o cuidado da infância e um aparato de tecnologias e
produtos voltados especialmente para essa etapa da vida. Esse novo regime
discursivo impulsionou a criação de diferentes artefatos culturais destinados ao
controle, “governamento” (FOUCAULT, 1970) e produção dos infantis, dentre
eles, destaca-se a invenção da instituição escolar.
Mas embora a infância fosse assim isolada, a mistura arcaica das
idades persistiu nos éculos XVII e XVIII entre o resto da população
escolar, em que crianças de 10 a 14 anos, adolescentes de 15 a 18
e rapazes de 19 a 25 frequentavam as mesmas classes. Até o fim do
século XVIII, não se teve idéia de separá-los [...] de fato, ainda não
se sentia a necessidade de distinguir a segunda infância, além dos
12-13 anos, da adolescência ou da juventude. Essas duas categorias
de idades ainda continuavam a ser confundidas: elas só se
separariam mais para o fim do século XIX, graças à difusão, entre a
burguesia, de um ensino superior: universidade, ou grandes escolas.
(ARIÈS, 2001, p. 115).
Esse novo regime discursivo da adolescência é um fato bastante recente
na história da humanidade. Os conceitos de juventude, do agir adolescente
ainda estão sendo construídos, definidos, modelados em diferentes narrativas.
A presente proposta teve como objetivo problematizar o conceito de
adolescência e suas formas produção por meio de diferentes artefatos
culturais: filmes, livros e revistas. Foram selecionados para o acervo os filmes:
Harry Potter e a Pedra Filosofal, Harry Potter e a Câmara Secreta, Harry Potter
e o Prizioneiro de Azkabam. Foi composto também um acervo com exemplares
36
da revista Capricho, das décadas de 60, 70, 90 e 2000 (figura 6), além de
textos de literatura que narram vivências adolescentes (anexo II).
Figura 6: Acervo de revistas Capricho.
37
Participaram da proposta 123 estudantes com idades entre 14 e 16
anos. Foram desenvolvidos 14 encontros quinzenais, realizados de abril a
novembro de 2004. Cada encontro tinha uma dinâmica diferenciada, com vistas
a possibilitar reflexões a cerca dos diferentes artefatos culturais (quadro 1).
Encontro Atividades Desenvolvidas
1º Encontro Apresentação da proposta do trabalho para os estudantes.
2º encontro Contação da história da adolescência por meio de imagens.
3º Encontro Tema: O que é Adolescência
Dinâmica O que é adolescência: Em grupos, os/as alunos/as
deverão formar palavras que definam a adolescência,
formando um acróstico.
4º Encontro Análise dos textos literários: Frodo, Harry Potter, Anne
Franck, Narciso.
5º Encontro Debate nos grupos sobre que adolescente é esse? Utilização
de ficha para registro.
6º Encontro Tema: A adolescência nas revistas
Análise em grupos da revista Capricho, dos anos de
2004, 1995, 1994, 1991, 1965.
7º Encontro Análise em grupos da revista Capricho, dos anos de 2004,
1995, 1994, 1991, 1965.
8º Encontro Tema: O adolescente tratado pelo cinema
Filme: Harry Potter e a Pedra Filosofal
9º Encontro Análise do filme em seminário.
10º Encontro Tema: O adolescente tratado pelo cinema
Filme: Harry Potter e a Câmara Secreta
11º Encontro Análise do filme em seminário.
12º Encontro Tema: O adolescente tratado pelo cinema
Filme: Harry Potter e o Prizioneiro de Azkaban
13º Encontro Análise do filme em seminário.
14º Encontro Avaliação final do Trabalho
Quadro 1: Cronograma de atividades.
A avaliação final do trabalho foi realizada por meio de um questionário
elaborado na disciplina Estágio em Orientação Educacional II, no curso de
Pedagogia da Faculdade Porto-Alegrense, no segundo semestre de 2004
(quadro 2).
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Quadro 2: Questionário Avaliativo.
Os encontros tinham como principal objetivo possibilitar que as jovens
falassem de suas impressões sobre os diferentes artefatos culturais. Segundo
Fernández (2001), os discursos, as perguntas e as atitudes são formas de criar
espaços para uma aprendizagem saudável, em que o professor não se torne
apenas um discursista, mas um “companheiro interlocutor”. Para isso, suas
discursividades, comentários, críticas, atitudes e saberes foram analisados.
Buscou-se “dar voz” aos jovens, vê-los como atores sociais, com uma postura
ativa frente à cultura. Pesquisou-se e ouviram-se os estudantes, suas
adolescências e suas relações com os diferentes artefatos culturais. Analisou-
se a dialética da cultura juvenil, tecidas por elas em suas relações e
significações dos objetos e artefatos culturais.
Questionário
a) O que eu sentia quando: Participava dos encontros... Realizava as tarefas
solicitadas...
b) Antes de eu iniciar a orientação profissional eu me sentia...
c) Agora estou me sentindo...
d) A orientação profissional me auxiliou nos seguintes pontos...
e) A orientação profissional não me auxiliou nos seguintes pontos...
f) Quais as atividades que mais gostei... Quais as atividades que menos gostei...
Porquê?
g) O que sentia quanto ao trabalho proposto... Ao fato de ser em grupo...
h) Sugestões e críticas
39
5 O CHAPÉU SELETOR: A DIVISÃO NAS CASAS
Sou o Chapéu seletor de Hogwarts
E dou de dez a zero em qualquer outro chapéu.
Não há nada escondido em sua cabeça
Que o Chapéu seletor não consiga ver,
Por isso é só me porem na cabeça que vou dizer
Em que casa de Hogwarts deverão ficar.
Quem sabe sua morada é na Grifinória,
Casa onde habitam os corações indômitos.
Ousadia e sangue frio e nobreza
Destacam os alunos da Grifinória dos demais;
Quem sabe é na Lufa-lufa que você vai morar,
Onde seus moradores são justos e leais
Pacientes, sinceros, sem medo da dor;
Ou será a velha e sábia Corvinal,
A casa dos que têm a mente sempre alerta,
Onde os homens de grande espírito e saber
Sempre encontrarão companheiros seus iguais;
Ou quem sabe a Sonserina será a sua casa
E ali fará seus verdadeiros amigos,
Homens de astúcia que usam quaisquer meios
Para atingir os fins que antes colimaram.
Vamos, me experimentem! Não devem temer!
Nem se atrapalhar! Estarão em boas mãos!
(Mesmo que os chapéus não tenham pés nem mãos)
Porque sou único, sou um chapéu Pensador!
(ROWLING, 2000, p. 104)
O chapéu seletor é fundamental no banquete de abertura do ano letivo
em Hogwarts. Os novos alunos passam por uma cerimônia de escolha das
casas. Cada aluno será direcionado para uma das quatro casa de Hogwarts e
passarão a usar o dormitório, compartilhar a mesa e a sala comunal com seus
colegas. Ao serem chamados, os novos alunos sentam em um banquinho
veste um chapéu pontudo de bruxo. O chapéu começa a cantar por um rasgo
junto à aba. Em ordem alfabética, os estudantes o chamados para sentar no
banquinho e colocar na cabeça chapéu. Após um momento de consideração, o
chapéu seletor anuncia alto o nome da casa para onde vai o aluno. Este é
então recebido pelos colegas de mesa da sua nova casa.
Diferentemente da seleção feita pelo chapéu, neste capítulo não
classifico os alunos por seus interesses e características, mas seleciono falas e
reflexões produzidas nos encontros da proposta da Orientação Educacional, de
acordo com os temas e problematizações levantados pelos jovens
participantes.
40
5.1 GRIFINÓRIA VERSUS SONSERINA
O chapéu seletor do filme parece a prova que fiz para entrar.
Ingresso no colégio Militar foi um grande sonho que realizei.
(Menina, 15 anos).
Nosso colégio parece Hogwarts e o seu quadribol. Ele valoriza os
alunos que estudam muito, tem boas notas e estão com o uniforme
alinhado. Acho que isso bom. A escola nos incentiva a sermos
melhores e a vencermos. (Menino, 15 anos).
Eu gosto da Cavalaria. Gosto de aprender a montar e do uniforme.
Acho que vou seguir a carreira militar. (Menino, 14 anos).
Eu participo à tarde do grupo de xadrez e matemática. É legal,
aprendo bastante, mas é um grupo para quem é muito bom.
(Menino, 15 anos).
Não brinque com o nerd de sua turma , pois um dia ele poderá ser
seu chefe. Bill Gates. (Texto afixado em uma das salas de aula).
Rowling (2000 a,b,c; 2001) narra que a casa Grifinória foi fundada por
Godric Gryffindor, um bruxo de muita coragem e bravura. Essa é a casa a que
Harry Potter pertencia, assim como outros personagens importantes, dentre
eles Dumbledore.
A casa Sonserina, que Harry Potter não quis entrar, foi fundada por
Salazar Slytherin, a principal característica dos membros dessa casa é a
perseverança e a ambição. Slytherin ficou conhecida por ter abrigado
Voldemort, inimigo mortal de Harry Potter. Nas aventuras do bruxinho, os
membros das duas casas estão em constante disputa, porém há nelas algo em
comum: a valorização da vitória (ROWLING, 2000 a,b,c; 2001; IRWIN et al,
2004).
Nesta parte do texto, analiso falas que tratam do sucesso, da
competitividade e da vontade de ser um “vencedor”, expresso por alguns
alunos nos encontros propostos. Afinal, a ambição é uma virtude?
Para entrar no Colégio Militar, os alunos ambém passam por uma
seleção considerada bastante difícil. Muitos alunos, fazem cursos preparatórios
e estudam durante anos para ingressar na séria, primeiro ano oferecido pela
escola. Além do sucesso na seleção, a escola incentiva e premia o bom
41
rendimento, a competição, o bom desempenho tanto nas atividades
acadêmicas, quanto nos esportes.
Para muitos dos estudantes, esse incentivo é um desafio, é o principal
motivo para estarem na escola e se aventurarem em seus processos seletivos
e sua intensa carga horária de estudos.
O Colégio Militar de Porto Alegre, tem se destacado pelas altas notas
nas provas de avaliação nacionais do Ministério da educação. Além de cumprir
uma carga horária anual acima das demais escolas públicas, incentiva e
possibilita atividades extra-escolares como clubes de xadrez, matemática,
esportes e artes, cuja participação dos alunos é bastante numerosa.
Essa valorização do sucesso, da autosuperação, ou como Nietzche
chamaria, essa “vontade de potência” são as marcas características dos alunos
que passaram pelo processo seletivo para o ingresso no Colégio. Eles exibem
com orgulho seus feitos, suas notas altas e o se constragem ao serem
taxados de “nerds” ou “cdfs” (gírias usadas para denominar pessoas que
estudam muito). Por trás dessse clima competitivo, é possível visualizar muita
criatividade, vontade de saber, autoconstrução, e autodesenvolvimento que é
fundamental para que a aprendizagem ocorra.
A agressividade e a aprendizagem fazem um par dialético no
desenvolvimento infantil e se acompanham durante toda a vida humana. No
entanto, muitas vezes, nas famílias, na escola, não espaço para a
agressividade e seus matizes com o aprender, gerando, muitas vezes, sintoma
na aprendizagem e fracasso escolar. Para Freud (apud FERNÁNDEZ, 1994) a
agressividade é propulsora da pulsão epistemofílica, é um possibilitador da
aprendizagem e indica saúde. A curiosidade é o fertilizador do desejo de
aprender, sendo a agressividade necessária para manter a curiosidade, o
permitir-se a perguntar, questionar. Dessa forma, não é algo que deva ser
curado, que deve ser evitado. Agressividade é diferente de agressão.
Para Fernández (1994) a primeira pode abrir espaço para a criatividade,
em contrapartida, a segunda é uma atuação agressiva, bloqueia o espaço de
criatividade. Complementa a autora:
42
A agressividade forma parte do impulso para o conhecer, enquanto
que a agressão dificulta a possibilidade de pensar. A agressividade
pode estar a serviço da autoria de pensamento, mais do que isto, ser
autor do seu próprio pensamento requer um quantum de
agressividade. A agressão pode estar a serviço da inibição ou da
destruição do pensamento, motivo pelo qual alguns setores do poder
promovem a agressão, exibem-na e a propõem como modelo (1994,
p.127).
Freud (apud FERNÁNDEZ, 1994) ressalta que a relação entre o brincar
e a pulsão de domínio: a origem da crueldade infantil é atribuída a uma pulsão
de domínio que, em sua origem, não teria como fim o sofrimento do outro, mas
simplesmente ele não o levaria em conta (fase prévia) tanto à compaixão,
como ao sadismo. A necessidade de domínio através das brincadeiras é a
transformação da passividade em atividade no jogo.
Para ilustrar a relação entre brincar e a vontade de poder, Freud
descreve o brincar de uma criança de 18 meses: quando a mãe se afasta, a
criança brinca com um carretel amarrado numa corda, jogando e trazendo de
volta. Quando faz desaparecer pronuncia Fort (cadê?) e quando faz aparecer
pronuncia Da (achei!). Essa forma de brincar arremessando objetos pode ser
observada com freqüência em crianças pequenas usando a agressividade para
expulsar, derrubar, para depois poder atrair e construir. Para Lacan (apud
FERNÁNDEZ, 1994, p. 128):
Freud nos diz que a criança substitui a tensão dolorosa, gerada pela
experiência inevitável da presença e ausência do objeto amado, por
um jogo no qual ele mesmo maneja a ausência e a presença como
tais, e deleita-se, além disso, em governá-las. Faz isso com um
pequeno carretel amarrado na extremidade por um fio,
arremessando e voltando a recolher (...) O importante não é que a
criança pronuncie as palavras Fort/Da; mas que há ali, desde a
origem, uma primeira manifestação de linguagem. Mediante esta
oposição fonemática a criança transcende, leva a um plano
simbólico, o fenômeno da presença e da ausência. Converte-se em
senhor da coisa, na medida em que justamente a destrói (...)
Podemos agora ver que o sujeito, com isso, não só domina sua
privação, assumindo-a é o que diz Freud mas que eleva seu
desejo à segunda potência. Pois sua ação destrói o objeto que fez
aparecer e desaparecer na provocação.
Em concordância com o autor acima citado, as brincadeiras, desde a
sua gênese, têm a função de domínio, de integração do mundo interno e
externo, construindo uma ponte entre os significados simbólicos e as
43
verdadeiras funções. Para Bettelheim (1988) aprender a controlar e a
demonstrar agressividade é o propósito subjacente de muitos jogos, sobretudo
daqueles que envolvem contato físico. É justamente esse aspecto que está em
jogo nas brincadeiras de lutas e super-heróis que os meninos tanto adoram e
que são repreendidas nas escolas.
Seguindo a análise do autor, enquanto representa fantasias de
hostilidade e guerra em brincadeiras de lutas, potencializa seus desejos de ser
grande, forte, poderoso, através da identificação com os super-heróis.
Bettelheim (1988, p. 150) explicita essa idéia na passagem que segue:
Enquanto representa fantasias de ira e hostilidade em jogos de
guerra, ou preenche seus desejos de grandeza, imaginando ser o
Super-Homem, o Hulk, ou um rei, ela está procurando a satisfação
indireta não de devaneios irreais, mas também a de controlar
outras pessoas, compensando os sentimentos resultantes de estar
tão sujeita ao controle dos adultos, mais notadamente dos pais.
A agressividade também possui uma função diferenciadora. O desejo
hostil tem um papel diferenciador e tem a função de agir como propulsor do
“juízo crítico” ou a aprendizagem em si. Segundo Fernández (1994, p. 131):
O desejo hostil tem um papel separador e diferenciador, é também
motor do juízo crítico. O chamado desejo hostil corresponderia ao
lugar que dou ao desejo de aprender; quer dizer o desejo de possuir
o conhecimento que porta o outro (o ensinante), mas podendo
discriminar-se dele, sem necessidade de aniquilá-lo ou de ser-lhe
indiferente. Esse movimento, necessário para qualquer situação de
ensino-aprendizagem, pode dar-se quando entre o aprendente e o
ensinante abre-se um espaço lúdico, que permite que “os desejos
hostis de ambos trabalhem como forças criadoras”.Quando a
agressividade não pode desenvolver-se em um espaço interno-
externo, poderá dar lugar à agressão ou ao que os psicanalistas
chamam de ‘hostilidade’.
A autoria nos conecta com a agressividade necessária e criativa,
precisamos dela para incluir-nos sem submissão no mundo que nos é
oferecido. Aprender a pensar tem a ver com aquela possibilidade, ou força, que
Freud (apud FERNÁNDEZ, 1994) chamava de desejo hostil diferenciador. A
pulsão epistemofílica e o desejo de aprender, estando conectados com a
pulsão de domínio, “incluem necessariamente a agressividade”; a
44
agressividade não é algo que se deve evitar, nem uma enfermidade que se
deve curar. Quando a agressividade não encontra matéria para trabalhar, volta-
se contra si mesmo, podendo se manifestar no corpo e no organismo.
Parafraseando Fernández (1994), o que está em questão não é apenas
lançar carretéis e dominar a ausência da mãe, mas jogar com as idéias,
articulá-las, arremessá-las e reencontrá-las logo, sentindo o prazer desse jogo,
o prazer de ser autor.
5.2 LUFA-LUFA: Aprendizagem, Agressividade e Gênero
O Rony não consegue ser tão bom quanto Harry. Ele é engraçado,
mas não sabe fazer nada, coitado! (Menino, 14 anos).
Eu não queria estudar aqui. Queria continuar a morar em
Santiago. Acho essa escola difícil, não consigo ir bem nas provas,
não gosto da Educação Física. (Menino, 15 anos).
Ele o sabe marchar, troca o direito com o esquerdo, não se
coordena. Acho que é necessário investigar o que com ele.
(Sargento).
Se ele tem tantas dificuldades, penso que o melhor é procurar uma
outra escola, com uma abordagem diferenciada. Uma escola mais
inclusiva, que aceite melhor a diversidade. (Professora).
De acordo com Rowling (2000 a, b, c; 2001), a casa Lufa-Lufa preza os
que trabalham muito, são pacientes, amigos leais e justos. A professora
McGonagall disse que todas as casas produziram bruxos e bruxas
excepcionais: Lufa-Lufa tem como exemplo Cedrico Diggory, que deu à sua
casa a rara glória de ser campeã do Torneio Tribruxo juntamente como o aluno
Harry Potter da casa Grifinória (HOWLING, 2001). Neste ítem, analiso falas
referentes a um aluno da escola, que apresentava dificuldades de
aprendizagem e de coordenação motora. Tais falas estão incritas em discursos
de fracasso.
Nem todos os alunos do Colégio Militar ingressam na escola pelo
processo seletivo, algumas vagas o destinadas para filhos de militares.
Dentre estes estudantes, alguns dizem não gostar da escola, se sentem
diferentes e discriminados. Outros têm dificuldade para acompanhar e
participar da competitividade e do bom rendimento incentivados pela escola.
Por se tratar de um espaço que durante muito tempo foi freqüentado apenas
45
por meninos, por incentivar os esportes, a força e o sucesso, temas como o
fracasso, o desempenho corporal e a construção de gênero surgiram com
freqüência nos encontros e no cotidiano do SOE.
Connell (2003) descreve um conceito de masculinidade que prevalece
na cultura ocidental: a masculinidade hegemônica, inclinada aos esportes, à
competição, às ciências exatas, à racionalidade, a identidade heterossexual. As
demais representações da masculinidade, sensível, artística, homossexual,
bissexual, são chamadas masculinidades subalternas por estarem em
patamares inferiores de poder em relação formas hegemônicas de
masculinidade, sendo alvo de exclusão, violência, ridicularização.
Em algumas escolas, os estereótipos e preconceitos de gênero são
internalizados pelos professores e professoras que inconscientemente esperam
coisas diferentes de meninos e meninas. Os currículos são desigualmente
divididos por gênero, com matérias e disciplinas consideradas naturalmente
masculinas, e outras naturalmente femininas. também a supremacia da
masculinidade hegemônica sobre os meninos, que devem ser inclinados aos
esportes, à competição, às ciências exatas e à racionalidade.
Em contraponto, o modelo masculino idealizado pela sociedade é o
oposto daquele esperado pela escola e é por isso que muitos alunos meninos
constroem problemas de aprendizagem reativos. Fernández (1991) define a
dificuldade de aprendizagem reativa como o comprometimento das
manifestações do aprender do sujeito sem prejuízo da inteligência. Geralmente
surge de um desencontro entre o aprendente e a escola. Os sintomas de
aprendizagem reativos provocados pela oligotimia social, que a autora define
como “uma sociedade enferma, causadora de enfermidades”. De acordo com
Fernández (1994, p. 122):
Como mulheres atravessadas pelos determinantes culturais que
impõem um modelo de feminilidade submissa, obediente, passiva, as
professoras estão predispostas que são somente uma mostra do
desejo de conhecer... Se analisarmos por que a maioria das crianças
que recorrem à consulta psicopedagógica por fracasso escolar e
problemas de aprendizagem são do sexo masculino, creio que um
dos fatores que surge como determinante desta situação está
relacionado com a valorização dada pelas professoras mulheres em
relação à agressividade de seus alunos. Por outro lado, existe um
46
bombardeio ideológico constante dos meios de comunicação que,
por outro, não permitem diferenciar esses atos agressivos
destrutivos da agressividade sadia e necessária para desconstruir-se
e reconstruir-se como sujeito autor da própria história.
A identidade sexual não pode ser reduzida à biologia, pois tem uma
dimensão cultural e social importante. Os próprios conceitos de corporeidade,
biológico, físico são forjados em um processo histórico de construção social. A
identidade sexual é também dependente da significação social e cultural que
lhe é dada. Assim como a identidade é um processo de significação, a
aprendizagem também é definida em uma relação que significado e como
um ato social, essa atribuição está sujeita ao poder. Para Seffner (2003, p.
102):
A sexualidade diz respeito ao modo como os indivíduos organizam e
valorizam as questões relacionadas à satisfação do desejo e do
prazer sexuais. A identidade de gênero refere-se à identificação do
indivíduo com aqueles atributos que culturalmente definem o
masculino e o feminino, num dado contexto social e histórico,
revelando-se na expressão de modos de ser, gestos, de jeitos de
vestir, de atitudes, de atributos, de hábitos corporais, de posturas
para andar, sentar, movimentar-se, de tonalidade de voz, de objetos,
de adornos, etc. Essas escolhas serão nomeadas como
representações vinculadas ao mundo masculino e feminino,
permitindo que o indivíduo em algum desses dois universos e
dizendo que é Feminino ou masculino coincidindo ou não com sua
identidade sexual. São, portanto, dois processos a serem vividos e
administrados pelo sujeito.
Na saga de Harry Potter, os conceitos de masculinidade hegemônica
subalterna são bem representados. Harry que possui dois grandes amigos,
Rony e Hermione. Conforme vai crescendo, Harry vai se tornando um menino
cada vez mais popular em sua escola e o melhor jogador de quadribol. No
desenrolar da história tem duas namoradas, é destemido, corajoso, ativo e sua
fama e sucesso começam a incomodar seu grande amigo Rony,
desestabilizando a sua amizade, que Rony não namora ninguém, é péssimo
em quadribol, é medroso, tímido e além de tudo invejoso, ocupando um lugar
visivelmente subalterno. São essas pequenas sutilezas da obra infanto-juvenil,
que mostram a legitimação da masculinidade hegemônica, numa maquinaria
47
de modos de ser menino, com qualidades de virilidade, coragem, agilidade e
força, apresentando a idéia de que os meninos precisam se enquadrar nesse
modelo de masculinidade. Para aqueles que não se enquadram, resta um
papel: de coadjuvante.
Segundo Pereira (2004) é Foucault que trata das relações de poder nas
quais o corpo é atacado pelo desejo econômico, sendo investido por uma série
de técnicas e mecanismos formando uma maquinaria do corpo. O poder m
explorando o corpo e tirando dele o máximo de proveito. A escola é uma das
peças dispostas nessa estratégia de governabilidade” (p. 134). São elas a
ginástica, a moda, a musculação, a erotização, a nudez e a disciplina. O poder
age através dessa máquina sobre as crianças, assim como sobre os soldados,
interferindo na dinâmica vivencial dos seres humanos. As malhas do poder
descobriram desde as torturas o quanto se pode fazer e conquistar através do
corpo. Para Fernández (1991), o organismo transversalizado pelo desejo e pela
inteligência, conforma uma corporeidade, um corpo que aprende, goza, pensa,
sofre ou age.
“O corpo forma parte da maioria das aprendizagens, não só como
enseñas mas como instrumento de apropriação do conhecimento. O
corpo é enseña, pois através dele se realizam demonstrações de
“como fazer”, mas sobretudo através do olhar, as modulações da voz
e a veemência do gesto. Canalizam-se o interesse e a paixão que o
conhecimento significa para o outro, onde deverá ancorar o do
sujeito. Conseqüentemente, a descorporização da transmissão
despoja o transmitido de todo o interesse e garante seu
esquecimento”. (Paín, apud. FERNÁNDEZ, 1991, p. 60).
Muitas crianças manifestam no corpo suas dificuldades, criando
sensações físicas como náuseas, tonturas, “branco”, taquicardia em situações-
problema. A intervenção psicopedagógica visa o controle corporal através de
um diálogo com essas sensações. Esse diálogo pode ocorrer em atividades
como psicodrama dos momentos de dificuldades, ensaiando um autocontrole
dessas situações com o auxílio do/a psicopedagogo/a, que vai propondo
refacções nos pontos críticos.
48
5.3 CORVINAL: BELEZA E INTELIGÊNCIA
Olha a Gisele Bündchen nesta revista! Ela es no início da
carreira! (Menina, 15 anos).
A escola não nos ensina tudo! Ela não é tão fundamental! Passei
mais da metade do ano em São Paulo trabalhando como modelo e
não fui para escola. Aprendi muito mais do que se estivesse aqui.
(Menina, 15 anos).
Precisamos fazer algo por essa menina, ela vai rodar, perderá o
ano por causa dos pais que a colocaram para trabalhar como
modelo. (Sargento).
Segundo Rowling (2000 a,b,c; 2001; IRWIN et al., 2004) a casa corvinal
foi fundada por Rowena Ravenclaw e acolhe os mais inteligentes e belos dos
alunos de Hogwarts. Neste trecho, analiso discursos referêntes à supremacia
da beleza valorizada pela indústria da moda e sua promessa de sucesso rápido
em detrimento da escola.
Nas revistas Capricho analisadas, mesmo os exemplares mais antigos,
apenas um tipo de corpo é valorizado: alto, magro, branco preferencialmente
com cabelos loiros. Tais revistas exemplificam como os diferentes artefatos
culturais voltados para a juventude produzem subjetividades adolescentes e
propagam a hegemonia de apenas um tipo de beleza.
Desde a Antiguidade clássica, os filósofos gregos acreditavam que a
beleza estava associada a qualidades como simetria, harmonia e justiça. Nesta
época, a cultura considerava o corpo belo aquele que apresentava aspirações
elevadas, simétricas, harmoniosas, fortes e imperecíveis.
Na Idade Média, essa noção de beleza foi transformada, passou a
prevalecer o conceito de que a aparência física refletia o caráter, isto é, os
belos eram considerados bons e os feios eram maus. Como exemplo, a
representação das bruxas e benzedeiras como figuras feias e más e a
representação das fadas como belas e boas. Parte dessa visão de aparência e
moralidade ainda está presente na cultura pós-moderna e governa nossas
subjetividades.
Profissões que valorizam a estética estão “no topo” das escolhidas por
jovens, que muitas vezes, deixam de estudar para seguir carreira de modelo,
como no caso da estudante do Colégio, que retornou aos estudos em outubro
49
de 2004, depois de ter abandonado a escola para seguir uma rápida profissão
de modelo, incentivada pelos pais.
O rápido retorno financeiro, sucesso e “glamour” prometido por esta
profissão têm despertado o desejo de muitas jovens de abandonar a escola. A
escola, com sua exigência de dedicação de anos, com seu lento retorno
profissional e sua falta de “glamour’ se comparada à vida fashion das modelos,
não oferece as mesmas promessas de espetacularização e sucesso.
As jovens que fazem parte do pequeno grupo que possui o corpo
valorizado pela indústria da moda se tornam, de certa forma, experts da beleza,
autoridades juvenis, que fazem parte de uma pequena parcela hegemônica da
sociedade. Tais marcas corporais e comportamentais valorizadas produzem
efeitos nas subjetividades femininas.
Os estudos sobre governo, na perspectiva foucaultiana, preocupam-se
em analisar os procedimentos, as táticas e as estratégias usadas para exercer
o controle da conduta (FOUCAULT, 1997). Governamento “não se trata de
impor uma lei aos homens, mas de dispor as coisas, isto é, utilizar mais táticas
que leis, ou utilizar ao máximo as leis como táticas” (FOUCAULT, 1993, p.
284). É preciso dispor de meios e estratégias que levem a consecução de
certas finalidades para bem governar. Diversos aparatos e procedimentos são
dispostos para garantir a produção de certos efeitos. Assim,
governamentalidade é um conjunto de procedimentos, análises, reflexões,
cálculos e táticas. Ela é composta por uma conjunção de forças, arranjos
técnicos e instrumentos que possibilitam a efetivação de programas de governo
que têm por finalidade regular as ações individuais e coletivas (BUJES, 2002).
O traço distintivo do poder é que alguns homens possam mais ou
menos integralmente determinar a conduta de outros homens
ainda que não de maneira exaustiva ou coercitiva (...) O governo dos
homens pelos homens formem eles grupos modestos ou
importantes, quer se trate do poder dos homens sobre as mulheres,
dos adultos sobre as crianças, de alguma classe sobre a outra, ou de
uma burocracia sobre uma população - supõe uma determinada
forma de racionalidade e não uma violência instrumental (...) a
questão é [então]: como são racionalizadas as relações de poder?
(FOUCAULT, 1996, p, 64-65).
50
A produção de Foucault na etapa final de sua vida volta-se para o enlace
entre as dimensões ética e política que operam na constituição do sujeito. O
filósofo traça uma genealogia da subjetivação, distanciando-se das
metanarrativas, que veem uma natureza biológica e psicológica determinante
na constituição subjetiva. Foucault aponta o caráter histórico do “dispositivo da
sexualidade”, criado para a expansão do biopoder. A incitação a falar sobre
sexo esteve intimamente associada a uma preocupação com o bem-estar das
populações. Através desse dispositivo, o sexo tornou-se personalizado e
medicalizado e deu origem a uma série de saberes espeficos que se
dedicaram a normatizar, estudar e controlar as condutas sexuais. Tal
dispositivo exemplifica os modos de produzir verdades, o exercício do poder e
a subjetivação do sujeito.
Para o controle das condutas individuais, uma série de tecnologias do
eu são criadas e disseminadas através de aparatos pedagógicos e táticas de
poder das pessoas com elas mesmas. Essas técnicas englobam autovigilância,
autoavaliação, confissão ou autonarração, que produzem efeitos na
constituição das subjetividades. As tecnologias do eu se valem de discursos,
tramas de linguagem, narrativas que visam produzir um tipo específico de
sujeito. Essa genealogia da subjetivação mostra os diferentes modos de
relação do sujeito consigo, partindo do conhecer-se a si mesmo até o cuidado
da saúde e com o corpo. O autogoverno diz respeito aos modos de os
indivíduos conduzirem a si mesmos, envolvendo alguma forma de controle e
direcionamento ou modelo apresentado por diversos mecanismos políticos
(FOUCAULT, 1997). Tal conceito torna possível a análise dos discursos das
autoridades sociais e midiáticas que procuram operar sobre a vida dos
indivíduos. Dessa forma, desloca-se o foco de análise: do poder do Estado
para as múltiplas estratégias de controle da conduta presentes na cultura.
As linhas de subjetividade o responsáveis pela produção pedagógica
do sujeito por si mesmo. São linhas que buscam posicionar os sujeitos não
como objetos silenciosos, mas como sujeitos falantes que devem contribuir
ativamente para produção de si (LARROSA, 1995). A relação consigo por
essas linhas adquire uma certa independência do poder, pois se torna “um
51
poder que se exerce sobre si mesmo dentro do poder que se exerce sobre os
outros” (DELEUZE, 1991). A relação consigo não pertence mais à ordem
objetiva e enunciável, mas uma operação do sujeito sobre si mesmo. Dessa
forma, as linhas de subjetividade permitem ao sujeito a possibilidade de criação
de espaços onde é possível transgredir.
As subjetividades são formadas em um processo contínuo, fluído e
inventado no transcurso de complexas histórias e vivências imbuídas de
sentimentos de pertença, constituídos no interior de jogos de poder.
52
6 VOLTANDO PARA O MUNDO DOS TROUXAS
E juntos eles atravessaram a barreira para o mundo dos trouxas.
(ROWLING, 2000b, p. 287)
Neste trabalho, busquei argumentar como o “dispositivo” organiza-se,
como produz e como incita o aprendizado de um conjunto de saberes, de
modelos comportamentais. Procurou-se mostrar como esse “dispositivo”
promove linhas de subjetivação de modo que os adolescentes sejam
convidados a falar de si e estabelecer uma relação reflexiva consigo mesmo
através da literatura, do cinema e da mídia impressa. As linhas de subjetividade
tecem estratégias pelas quais os juvenis podem efetuar um processo de
objetivação de si mesmo através do contato com diferentes artefatos culturais.
Considerando os temas das análises dos dados, constato o quanto é
importante considerar as influências dos fatores culturais sobre as
subjetivações juvenis. Verifica-se a necessidade de se aprofundar mais nas
reflexões e práticas da orientação educacional, tendo em vista os diferentes
contextos e as manifestações culturais.
Os discursos apresentados neste estudo mostram um paradoxo de
conceitos, sentimentos e atitudes frente às representações da juventude
contemporânea. Essa diversidade nos discursos dos estudantes denuncia o
modo que as ltiplas subjetividades são tramadas nas relações de poder. Os
múltiplos modelos de subjetividades apresentados pela cultura através dos
artefatos culturais voltados para a adolescência produzem efeitos no
desenvolvimento dos jovens, e elas os reproduzem e elaboram através dos
seus discursos.
Mesmo conduzidas pela publicidade, pela literatura e pela mídia
impressa os jovens demonstraram que existem inúmeras formas de desvios
dos modelos juvenis fomentados na contemporaneidade.
53
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55
ANEXOS
56
ANEXO I – MAPA DO MAROTO
(PLANTA BAIXA DA ESCOLA)
1º Andar
De
Cancha de
vôlei
Cancha de
vôlei
Bandeiras
Salão
Brasil
Saguão
de
entrada
Associa
ção de
mães
Salas
esp.
Lab.
de
Biolo
gia
Banhei
ros
SOE
Vesti
ário
Sala de
Artes
T.
106
T.
105
Dep. de
Física
DAPE
Banhei
ros
Sala dos
professor
es
Bibliote
ca
Salas
de
aula
Salas
de
aula
Refeitório e Restaurante
Departamento de
Educação Física
Banco
do
Brasil
Pátio
57
2º Andar
De
Cancha de
vôlei
Cancha de
vôlei
Bandeiras
Associa
ção de
mães
Salas
esp.
Banhei
ros
SOE
STE
Bibliote
ca
Salas
de
aula
Salas
de
aula
Sala dos Oficiais Salas de Informática
Banco
do
Brasil
Pátio
Sala do
Coman
dante
Sala
de
Milita
res
Dormit
órios
58
ANEXO II – TEXTOS DE LITERATURA
Anne Frank, a adolescente
(FRANK, 2003)
Querida Kitty,
“Um feixe de contradições”, como terminei minha carta anterior e é o início desta.
Por favor, pode dizer exatamente o que é um feixe de contradições? O que significa
contradição? Como tantas palavras, pode ser interpretada de dois modos: uma contradição
imposta de fora e uma contradição imposta de dentro. A primeira significa não aceitar as
opiniões dos outros, sempre saber mais, ter a última palavra; resumindo, todas aquelas
características desagradáveis pelas quais sou conhecida. A segunda, pela qual não sou
conhecida, é meu segredo.
Como disse muitas vezes, sou partida em duas. Um lado contém minha
exuberância, minha petulância, minha alegria na vida e, acima de tudo, minha capacidade de
apreciar o lado mais leve das coisas. Com isso, não quero dizer que o acho nada errado
nos flertes, num beijo, num abraço, numa piada pesada. Este meu lado costuma ficar à
espreita para emboscar o outro, que é mais puro, mais profundo, melhor.Ninguém conhece o
lado melhor de Anne, e é por isso que muita gente o me suporta. Ah, eu posso ser um
palhaço divertido durante uma tarde, mas depois disso todo mundo se enche de mim durante
um mês.Na verdade sou aquilo que um filme romântico representa para um pensador
profundo uma simples diversão, um interlúdio cômico, algo a ser logo esquecido: que não é
ruim, mas particularmente bom. Odeio ter de ser isso, mas por que eu não deveria admitir,
que conheço a verdade? Meu lado mais leve, mais superficial, vai sempre tirar proveito do
meu lado mais profundo, e com isso vencerá sempre. Você não pode imaginar quantas
vezes tentei empurrar para longe essa Anne, que é somente metade do que se conhece
como Anne – derrubá-la, escondê-la. Mas isso não funciona, e sei por quê.
Tenho medo de que as pessoas que me conhecem descubram que tenho outro lado,
um lado melhor e mais bonito. Tenho medo de que zombem de mim, de que pensem que sou
ridícula e sentimental, e que não me levem a sério. Estou acostumada a não ser levada a
sério, mas somente a Anne leviana consegue lidar com isso; a Anne mais profunda é fraca
demais. Se eu forçar a Anne boa ao palco por pelo menos quinze minutos, ela se fecha como
um marisco no momento em que é chamada a falar, e deixa a Anne número um dizer o texto.
Antes que eu perceba, ela desapareceu.
Assim, a Anne boa nunca é vista acompanhada Ela nunca aparece, ainda que quase
sempre assuma o palco quando estou sozinha. Sei exatamente como gostaria de ser, como
sou... por dentro. Mas infelizmente só sou assim comigo mesma. E talvez seja por isso – não,
tenho certeza de que este é o motivo – que penso em mim como uma pessoa feliz por dentro,
e os outros pensam que sou feliz por fora. Sou guiada pela Anne pura, de dentro, mas por
fora sou apenas uma cabrita fazendo cabriolas, forçando a corda à qual está amarrada.
Como já disse, o que falo não é o que sinto, e por isso tenho reputação de
assanhada e namoradeira, de sabichona e leitora de romances de amor. A Anne jovial
gargalha, uma resposta ferina, encolhe os ombros e finge que nem liga. A Anne quieta
reage de modo oposto. Se estou sendo completamente honesta, tenho de admitir que isso
me importa, que tento arduamente mudar, mas me vejo sempre diante de um inimigo mais
poderoso.
Uma voz dentro de mim soluça: Veja só, foi isso que você virou. Está rodeada por
opiniões negativas, olhares desanimados e rostos zombeteiros, pessoas que não gostam de
você, e tudo porque não escuta o conselho de sua metade melhor”. Acredite, eu gostaria de
escutar, mas não certo, porque se eu ficar quieta, séria, todo mundo acha que estou
representando outro papel e tenho medo de me salvar com uma piada, e nem estou falando
de minha própria família, que presume que devo estar doente, me enche de aspirina e
sedativos, sente o meu pescoço para ver se estou com febre, pergunta sobre os movimentos
intestinais e me critica por estar mal-humorada, até que eu não agüento mais, porque quando
todo mundo começa a me chatear, fico irritada, e depois triste, a parte má do lado de fora e a
boa do lado de dentro, e tento achar um modo de me transformar no que gostaria de ser e no
que gostaria de ser se... se não houvesse mais ninguém no mundo.
Sua Anne M. Frank
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Frodo, o adolescente
(TOLKIEN, 2000)
O comentário não se extinguiu dentro de 9 nem de 99 dias. O segundo
desaparecimento do Sr. Bilbo Bolseiro foi discutido na vila dos Hobbits, e na verdade em todo
o Condado, ao longo de todo o ano, sendo relembrado por muito mais tempo. Tornou-se uma
fábula para os pequenos hobbits, e finalmente o Louco Bolseiro, tornou-se um dos
personagens lendários favoritos e sobreviveu durante muito tempo, mesmo quando os
acontecimentos reais já tinham sido esquecidos.
Alguns se chocavam bastante, mas Frodo manteve o hábito de comemorar o
aniversário de Bilbo ano após ano, até que eles se acostumaram.
Dizia não considerar que Frodo estava morto.Quando perguntavam: “Então, onde ele
está?”, encolhia os ombros.
Vivia sozinho, como Bilbo havia feito, mas tinha muitos amigos, especialmente entre
os hobbits mais jovens (em sua maioria descendentes do velho Tûk) que quando crianças
apreciavam a companhia de Bilbo e viviam entrando e saindo de Bolsão. Folco Boffin e
Fredega Bolger eram dois deles, mas seus amigos mais íntimos eram Peregrin Tûk
(geralmente chamado de Pippin) e Merry Brandebuque (seu verdadeiro nome era Meriadoc,
mas isto era raramente lembrado). Frodo fazia longas caminhadas pelo condado com eles,
mas com mais freqüência ia sozinho, e para o assombro das pessoas sensatas era visto
algumas vezes longe de casa, caminhando nas colinas e bosques sob a luz das estrelas.
Merry e Pippin suspeitavam que ele às vezes visitava os elfos, como Bilbo havia feito.
Conforme o tempo passava, as pessoas começaram a notar que Frodo também
mostrava sinais de boa “preservação”: exteriormente ele conserva a aparência de um hobbit
robusto, e vigoroso recém saído da vintolescência. “A sorte vem para poucos”, eles diziam;
mas foi somente quando Frodo chegou à idade geralmente mais sóbria de cinqüenta que
começaram a achar aquilo estranho.
Frodo, depois do primeiro choque, descobriu que ser o dono do próprio nariz e o Sr.
Bolseiro de Bolsão era bastante agradável. Por alguns anos foi muito feliz e não se
preocupou demais com o futuro. Mas, sem que se desse conta disso, sentia um
arrependimento cada vez maior por não ter partido com Bilbo. Às vezes se pegava pensando,
especialmente no outono, em terras selvagens, e estranhas imagens de montanhas que
nunca havia visto e apareciam em seus sonhos. Começou a dizer para si mesmo: “Talvez eu
também cruze o rio algum dia”. Ao que a outra metade da sua mente sempre respondia:
“Ainda não”.
As coisas continuaram assim até Frodo chegar ao fim dos quarenta e estar próximo
de seu qüinquagésimo aniversário: cinqüenta era um número que considerava de alguma
forma significativo (ou agourento); de qualquer modo, foi com essa idade que a aventura
repentinamente sobreveio a Bilbo. Começou a se sentir inquieto, e as velhas trilhas pareciam
marcadas demais. Olhava mapas e se perguntava sobre o que estaria além das suas bordas:
a maior parte dos mapas feitos no condado mostrava espaços em branco além dos seus
limites. Pegou o costume de vagar até mais longe, na maioria das vezes sozinho, e Merry e
seus amigos o vigiavam com ansiedade. Freqüentemente era visto andando e conversando
com os estranhos andarilhos que tinham começado a aparecer no Condado nessa época.
Harry Potter, o adolescente
(ROWLING, 2000c)
Harry Potter era um menino bastante fora do comum em muitas coisas. Para
começar, ele detestava as férias de verão mais do que qualquer outra época do ano. Depois,
ele realmente queria fazer seus deveres de casa mas era obrigado a fazê-lo escondido na
calada da noite. E, além de tudo, também era bruxo.
Era quase meia-noite e Harry estava deitado de bruços na cama, as cobertas
puxadas por cima da cabeça como uma barraca, uma lanterna em uma das mãos e um
grande livro encadernado em couro (História da Magia de Batilda Bagshot), aberto e
apoiado no travesseiro. Harry correu a ponta da caneta de pena de águia pela página,
franzindo a testa, à procura de alguma coisa que o ajudasse a escrever sua redação, “A
queima de bruxas no século XIV foi totalmente despropositada – discuta”.
Harry prendeu a caneta entre os dentes e passou a mão embaixo do travesseiro à
procura do tinteiro e de um rolo de pergaminho. Devagar e com muito cuidado, retirou a
tampa do tinteiro, molhou a pena e começou a escrever, parando de vez em quando para
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escutar, porque se algum dos Dursley, a caminho do banheiro, ouvisse sua pena arranhando
o pergaminho, ele provavelmente ia acabar trancafiado no armário embaixo da escada pelo
resto do verão.
A família Dursley, que morava na rua dos Alfeneiros, 4, era o motivo pelo qual Harry
jamais aproveitava as farias de verão. Tio Valter, tia Petúnia e o filho deles, Duda, eram, os
únicos parentes vivos de Harry. Eram trouxas e tinham uma atitude muito medieval com
relação à magia. Os pais de Harry, falecidos, que tinham sido bruxos, nunca eram
mencionados no teto dos Dursley. Durante anos, Tia Petúnia E tio Valter tinham alimentado
esperanças de que, se oprimissem Harry o máximo possível, seriam capazes de acabar com
a magia que houvesse nele. Para sua fúria, tinham fracassado, Agora, viviam aterrorizados
que alguém pudesse descobrir que Harry passara a maior parte dos últimos dois anos na
Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.O máximo que podiam fazer, porém, era trancar os
livros de feitiços, a varinha, o caldeirão e a vassoura de Harry no início das férias de verão e
proibir que o menino falasse com os vizinhos.
A separação dos seus livros de feitiços tinha sido um verdadeiro problema para
Harry, porque os professores de Hogwarts tinham passado muitos deveres para as férias.
Harry tomava muito cuidado para evitar problemas com os seus tios no momento,
pois eles estavam bastante mal-humorados com o sobrinho, porque o menino recebera
um telefonema de um coleguinha bruxo uma semana depois de entrar em férias.
De todas as coisas fora de comum em Harry, sua cicatriz era a mais extraordinária.
Não era, como tinham fingido os dursley durante dez anos, uma lembrança do acidente de
carro que matara seus pais, porque Lílian e Thiago Potter não tinham morrido em um
acidente de carro. Tinham sido assassinados, assassinados pelo bruxo das trevas mais
temido do mundo nos últimos cem anos, Lord Voldemort. Harry escapara desse mesmo
atentado com uma simples cicatriz na testa, no lugar em que o feitiço do bruxo, em vez de
matá-lo. Tinha se voltado contra o próprio feiticeiro. Quase morto, Voldemort fugira...
Mas Harry voltara a defrontar com ele outra vez em Hogwarts. Ao se recordar do
último encontro, ali parado à janela escura, Harry teve de admitir que era sorte ter chegado
ao seu 13º aniversário vivo.
Narciso, o adolescente
(GREENE, 1988)
Essa história fala do jovem e belo Narciso, filho do deus-rio Céfiso e de uma ninfa,
que se apaixonou pelo próprio reflexo na água.
Narciso era um jovem Téspio que desde pequeno foi admirado e amado por sua
beleza, sendo adorado tanto por homens como por mulheres. Entretanto, a conselho do
adivinho Tirésias, a mãe jamais lhe permitira ver o próprio rosto, e assim Narciso não tinha
noção da sua identidade.
Certa vez, voltando da caçada pelos bosques, inclinou-se para beber em um riacho
de águas claras e puras, que jamais haviam sido tocadas por qualquer animal, ave, homem,
ou mesmo pelos galhos das árvores. Ao se debruçar para saciar a sede, apaixonou-se
perdidamente pela imagem que viu refletida na água. Primeiro, tentou abraçar e beijar o belo
garoto que o olhava bem nos olhos. Depois, finalmente reconheceu-se e ali permaneceu por
horas contemplando-se.
Por fim, Narciso não conseguiu mais suportar a agonia daquele amor impossível,
tomou de uma adaga dizendo: “Oh, jovem, em vão adorado, adeus!” e expirou. Seu sangue
jorrou e molhou a terra, e no lugar onde morreu, brotou uma flor que se chamou narciso.
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O trabalho Uma Escola Mágica: educação e cultura no Colégio Militar de Porto Alegre de Michelle Brugnera Cruz foi licenciado com uma Licença
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