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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUACAO EM LITERATURA ALEMÃ
Caminho Poético e a Experiência do Holocausto
na obra de Rose Ausländer
Sílvia Aparecida Nauroski
São Paulo
2007
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUACAO EM LITERATURA ALEM
Ã
Caminho Poético e a Experiência do Holocausto
na obra de Rose Ausländer
Sílvia Aparecida Nauroski
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Literatura Alemã do
Departamento de Letras Modernas da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo,
para a obtenção do Título de Mestre em
Letras.
Orientadores: Profa. Dra. Eloá di Piero Heise / Prof. Dr. Ulrich Johannes Beil
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Resumo
Este trabalho tem como objetivo trazer uma visão geral da poética de Rose
Ausländer ao mesmo tempo em que apresenta importantes aspectos de sua biografia, como
sua formação, as influências sofridas e exercidas, o contexto histórico e geográfico em que
viveu, os anos de confinamento no gueto em Czernowitz, o exílio, a vida no pós-guerra e o
reflexo de sua experiência de vida em sua obra. Também propõe uma reflexão sobre o
pensamento de Theodor Adorno, cujas ponderações sobre Auschwitz estão entre as mais
preciosas que a filosofia já propôs sobre o assunto. Assim, após uma apresentação sucinta do
conceito de arte adorniano, o trabalho irá refletir a cerca da polêmica da lírica após
Auschwitz, da oscilação entre possibilidade e impossibilidade de arte e do risco de
banalização da catástrofe em sua representação estética. Estas questões serão esmiuçadas,
dialogando com poemas de Rose Ausländer. Em seguida, será feita uma pequena análise da
evolução da forma e estilo na poesia de Rose Ausländer ao longo das três fases de seu
processo de criação. Neste momento do trabalho será observado como se dá a variação dos
temas no desenvolvimento de sua obra poética e mais especificamente, como a experiência do
holocausto é recriada em sua poesia. Por fim será feita uma reflexão sobre em que medida é
possível se afirmar que a poética de Rose Ausländer cumpre a função adorniana da obra de
arte constituindo-se deste modo, numa representação sociológica autêntica e de crítica à
violência.
Palavras-chave: lírica judaica-alemã; poesia e holocausto; exílio; Rose Ausländer.
Abstract
The paper provides an insight into the poetics of Rose Ausländer. Her work is being
placed within the historical context of the time and within the biographical context of the
poetess - e.g. her detention in the Ghetto of Czernowitz, her exile and her life after the war.
Thus, the consequences of her life experience for her work are being revealed. Subsequently,
her work is being discussed on the basis of Theodor Adorno’s thoughts on Auschwitz. After a
short introduction to Adorno’s concept of art, the paper adresses the controversy about
possibility or impossibility of art after Auschwitz and the risk of trivialisation of Auschwitz
through esthetical presentation. Finally, the paper traces the development of form and style
within Rose Ausländer’s lyrics through her phases of creative process and shows the variation
of subjects. Here, the paper elaborates especially how the experience of the Holocaust is being
reflected in her work. The paper ends with a discussion of the question whether the poetics of
Rose Ausländer meets Adornos’ criterias of artwork, thus, whether it is an authentic and
sociological portrayal which realizes a critique of violence.
Key words: German Jewisch Poetry; Poetry and Holocaust; Exile; Rose Ausländer.
Zusammenfassung
Die vorliegende Arbeit gibt einen Einblick in die Poetik von Rose Ausländer. Ihr
Schaffen wird sowohl in den historischen als auch in ihren biographischen Kontext – u.a die
Internierung im czernowitzer Getto, das Exil und das Leben nach dem Krieg – gesetzt und die
Konsequenzen ihrer Lebenserfahrungen auf ihr Werk aufgezeigt. Anschließend erfolgt eine
Auseinandersetzung mit ihrem Werk auf Grundlage der Gedanken Theodor Adornos zu
Auschwitz. Nach einer kurzen Vorstellung des adornoschen Kunstkonzeptes geht die Arbeit
auf die Kontroverse zur Möglichkeit oder Unmöglichkeit von Kunst nach Auschwitz und das
Risiko der Banalisierung von Auschwitz durch ästhetische Darstellung ein. Schließlich wird
die Entwicklung von Form und Stil der Lyrik Rose Ausländers in den drei Phasen ihres
Schaffensprozesses analysiert und die Variation ihrer Themen in dessen Verlauf
herausgearbeitet. Es wird besonders herausgehoben, wie sich die Erfahrung des Holocausts in
ihrem Werk niederschlägt. Die Arbeit endet mit Überlegungen zu der Frage, in wie weit die
Poetik Rosa Ausländers die adornosche Funktion eines Kunstwerkes erfüllt, eine authentische
und soziologische Darstellung zu sein und somit eine Gewaltkritik verwirklicht.
Stichwörter: Deutsch-jüdische Poesie; Lyrik und Holocaust; Exil; Rose Ausländer.
Agradecimentos
Eloá
Uli
Mãe
Sônia
Tia Maria
Volker Jonas
Helmut Braun
Marcel Krönert
Helena Rilho Machado
Suzana Vasconcelos de Melo
Gislene Queiroz Siqueira
Fátima de Almeida
Dominik Zimmer
Luciana Vidal
Kelly Cristine
Luiz Mattos
Sarah Link
Heliomar
Letícia
Dindo
Ellen
Gu
Ao CNPq pela bolsa concedida.
Agradeço especialmente aos meus orientadores: ao Prof. Dr. Ulrich Johannes Beil que me
apresentou Rose Ausländer e com quem pude discutir a idéia inicial de um projeto sobre esta
autora, e, à Prof. Dra. Eloá Di Piero Heise por suas sugestões preciosas ao longo deste
trabalho e, especialmente, por seu empenho numa correção cuidadosa, por suas críticas
construtivas e sugestões que o enriqueceram e permitiram que essa dissertação se
concretizasse.
Dedicatória
À geração novinha em folha representada aqui por Ellen, Paulinho, Gusthavo e Letícia. E à
esperança neles investida.
Este trabalho também é dedicado à duas das pessoas mais inteligentes que já conheci, e que,
para a minha felicidade fazem parte de minha família: Sônia Mara Nauroski Macedo e Maria
Luiza Maza.
E à minha mãe.
Sumário
Introdução...................................................................................................................................1
I. Parte - Apresentando Rose Ausländer
1.1 - Rosalie Beatrice Scherzer -Formação, influências.......................................................5
1.2 - A Pátria: Bucovina - atual Ucrânia, antigo Império Austro-húngaro ........................18
1.3 - 2ª guerra mundial - Nazismo / O confinamento.........................................................26
1.4 - Exílio...........................................................................................................................35
1.5 - A vida no pós-guerra. ................................................................................................45
II. Parte - Lírica após Auschwitz?
2.1 - Possibilidade e Impossibilidade de arte.....................................................................54
2.2 – Vida na Mátria Palavra............................................................................................74
III. Parte - Três momentos de um caminho poético
3.1 -1ª fase - Formas tradicionais........................................................................................85
3.1.1 - Poesia expressionista (EUA)...................................................................................93
3.1.2 - Holocausto...............................................................................................................95
3.1.3 - Paul Celan................................................................................................................96
3.2 - 2ª fase - Poesia em inglês............................................................................................98
3.2.1 - Marianne Moore....................................................................................................100
3.3 - 3ª fase - Desapego à tradição romântica, Trauma perene, Poesia reduzida..............106
Conclusão................................................................................................................................116
Mapas......................................................................................................................................121
Notas.......................................................................................................................................126
Corpus.....................................................................................................................................127
Referências bibliográficas.......................................................................................................128
„A lírica convida ao mais simples e
ao mais difícil de todos os encontros -
o encontro consigo mesmo.“
Hilde Domin
1
Introdução
Rose Ausländer é um dos grandes nomes no âmbito da poesia alemã do século XX,
sobretudo na lírica do pós-guerra. Sua lírica expressiva assume enorme importância pela preciosa
contribuição ao não esquecimento do extermínio do povo judeu, mas não se restringe a esse fato.
A obra da poeta pode ser considerada um brado contra toda a espécie de preconceito, contra a
violência e todo tipo de atrocidades que possam ser cometidas contra o ser humano. Assim, pode-
se afirmar que o estudo de sua poética oferece subsídios à compreensão da relação que se
estabelece entre lírica e sociedade, além de abrir caminho para a discussão sobre o papel da lírica
na preservação da memória histórica e do eu-lírico como representação de uma coletividade.
A obra poética de Rose Ausländer é marcada de modo muito especial por sua
biografia
1
. As lembranças da infância, a perda da pátria, a vivência das duas guerras, do
Holocausto e suas conseqüências, o exílio, e por fim, a velhice acamada em Düsseldorf; todas
essas vivências surgem como motivos na obra da poeta que mesmo com as dificuldades, opta por
viver na realidade sonhada, nas „palavras de sonho” >>Traumworten<<
2
.
Um dos objetivos deste trabalho é divulgar a obra de Rose Ausländer no Brasil. Assim,
para torná-lo acessível não apenas a germanistas, mas também a interessados em geral pelo tema
“lírica e holocausto”, optei pela tradução das citações. Todos os poemas utilizados aqui surgem
no original, acompanhados da respectiva tradução e integram um corpus, montado a partir dos
2.500 poemas que perfazem a obra da poeta. O corpus é composto por poemas de todas as fases
da obra de Rose Ausländer e segue como anexo deste trabalho. Também foram consultadas
algumas traduções de poemas de Rose Ausländer feitas por Irene Aron e pela dupla Mechthild
Blumberg & Johannes Schäfer, até então inéditos em língua portuguesa. As traduções de Irene
1
Irene Aron define a obra de RA como „biografia poética em “Rose Ausländer – Mátria Palavra” in
Pandaemonium Germanicum 5/2001, 271-293. Ed. Humanitas. São Paulo, 2001.
2
Apud BRAUN, „Weil Wörter mir diktieren: Schreib uns.“ BRAUN, Helmut (org.) p.186
1
2
Aron foram publicadas na revista literária Pandaemonium Germanicum em 2001, por ocasião do
centenário de nascimento da poeta. Desta publicação, os poemas consultados, que também
integram o corpus deste trabalho com pequenas alterações são: “Bucovina I”, “Bucovina II”,
“Damit keine Licht uns liebe”, “Mein Atem”, “Biographische Notiz”, “Dennoch Rosen”,
“Mutterland” e “Noch ist ein Raum”. As traduções de Mechthild Blumberg & Johannes Schäfer
(cedidas por Irene Aron) para uma edição bilíngüe ainda não foram publicadas. Os seguintes
poemas, com alterações, também estão presentes no corpus: “Noch”, “Der Dichter”, “Dann”,
“Der Morgen”, “Heller”, “Feiertage”, “Die Zeit III”, “In alle Winde”, “Identität”, “Idee”, “Wenn
du”, “Erbarme dich”, “Ich bin ein Baum”, “Die Erde”, “Bleib”, “Laß mich”, “Ich verzichte”,
“Erhöre meine Bitte”, “Du wanderst”, “Die Harfe”, “Ich hab”, “Öffne die Stäbe”, “Ich suche
Gott”, “Gott”, “Als auf den Fensterscheiben”, “Verehrter Gott”.
Por ser Rose Ausländer uma poeta de expressão alemã, oriunda não do centro de maior
efervescência dessa cultura, mas de sua periferia - o leste europeu - o contexto de sua produção
poética é fundamental para compreender aspectos de sua lírica. Por todos esses fatores, uma
análise de sua poesia não pode ser dissociada de seu aspecto biográfico. Tendo em vista essa
estreita ligação entre vida e obra, foi eleita neste trabalho para o estudo de sua lírica a
interpretação sociológica
3
.
A fim de reconstituir tematicamente o caminho poético de Rose Ausländer, no corpo
deste trabalho surge um grande número de poemas e, por este motivo nem todos puderam ser
interpretados, todos surgem, no entanto, acompanhados de um comentário analítico.
O trabalho “Caminho Poético e Experiência do Holocausto na obra de Rose
Ausländer” desenvolve-se da seguinte maneira:
A primeira parte traz, de forma ensaística, uma visão geral da obra de Rose Ausländer
ao mesmo tempo em que apresenta importantes aspectos de sua biografia, como sua formação, as
3
A interpretação sociológica contempla diferentes aspectos da produção de uma obra, sempre levando em
consideração seu contexto (espaço e tempo em que tal obra foi escrita, onde o autor está) bem como sua inserção
dentro da história e historiografia literária (que parte do pressuposto de que nada pode ser compreendido fora da
história) e que se contrapõe ação à interpretação imanente (cujo sentido é compreendido exclusivamente com o
próprio texto).
2
3
influências sofridas e exercidas, o contexto histórico e geográfico em que viveu, os anos de
confinamento no gueto em Czernowitz, o exílio, a vida no pós-guerra e o reflexo de sua
experiência de vida em sua obra.
A segunda parte debate os conceitos de Theodor Adorno, cujas ponderações sobre
Auschwitz, estão entre as mais contundentes que a filosofia já propôs sobre o assunto. Assim,
para compor esta discussão, serão examinados excertos das obras
4
: Dialética do Esclarecimento
(1947), Crítica Cultural e Sociedade (1949), Minima Moralia (1951), Palestra sobre Lírica e
Sociedade (1961), Dialética Negativa (1966), Engagement (1962), A arte é alegre? (1967),
Educação após Auschwitz (conferência radiofônica publicada em 1969) e Teoria Estética
(publicada postumamente em 1971). Após uma apresentação sucinta do conceito de arte
adorniano, o capítulo irá refletir a cerca da polêmica da lírica após Auschwitz, da oscilação entre
possibilidade e impossibilidade de arte e do risco da banalização da catástrofe em sua
representação estética. Estas questões serão esmiuçadas, dialogando com poemas de Rose
Ausländer.
A terceira parte do trabalho se ocupará em esboçar o desenvolvimento da forma e estilo
na poesia de Rose Ausländer ao longo das três fases de seu processo de criação. Aqui será
observado como se dá a variação dos temas ao longo de sua produção poética e mais
especificamente como a experiência do holocausto é recriada em sua poesia.
Por fim será feita uma reflexão sobre em que medida se é possível afirmar que a poética
de Rose Ausländer cumpre a função adorniana da obra de arte constituindo-se, deste modo, numa
representação sociológica autêntica e de crítica à violência.
4
As datas entre parênteses se referem às datas da primeira publicação. A edição utilizada de cada uma das obras
neste trabalho consta nas Referências Bibliográficas.
3
I. Parte
Apresentando Rose Ausländer
5
1.1 - Rosalie Beatrice Scherzer: formação e influências
Bukowina III
1
Grüne Mutter
Bukowina
Schmetterlinge im Haar
Trink
sagt die Sonne
rote Melonenmilch
weiße Kukuruzmilch
ich machte sie süß
Violette Föhrenzapfen
Luftflügel Vögel und Laub
Der Karpatenrücken
väterlich
lädet dich ein
dich zu tragen
Vier Sprachen
Viersprachenlieder
Menschen
die sich verstehen
Bucovina III
Mãe verde
Bucovina
borboletas no cabelo
Beba
diz o sol
leite de melão vermelho
leite de milho verde
eu os fiz doces
Pinhas violetas
asa de ar pássaros e folhagem
A costa dos Cárpatos
paternal
convida-te
a te levar
Quatro línguas
canções em quatro línguas
Gente
que se entende
1
Corpus p.37
6
Escrito em 1976, “Bucovina III” delineia a visão de Rose Ausländer da paisagem onde
nasceu. Contudo, o poema vai além da apresentação bucólica da geografia e da atmosfera de
harmonia da Bucovina. Nele se encerram os motivos que compõem a tríade formada por pátria,
mãe e língua e que fundamenta a obra de Rose Ausländer, como veremos ao longo desta
caminhada poética.
É neste espaço idílico apresentado pelo poema, repleto do verde das florestas de faias
>>Buchen
2
<< e rodeado pelos Montes Cárpatos onde “borboletas pousam nos cabelos” e o sol
parece falar que nasce em 11 de maio de 1901, Rosalie Beatrice Scherzer (com o nome judaico
Ruth) na casa judia do casal Siegmund Scherzer e Kathie Rifke Scherzer em Czernowitz, capital
da Bucovina. O primeiro filho do casal morre ainda bebê, e o irmão mais novo de RA,
Maximilian Scherzer nasce em 1906.
A casa dos pais ficava no quarteirão judeu da „cidade das quatro línguas“ onde ao lado
de judeus (que eram 60.000 dos 160.000 habitantes de Czernowitz) viviam alemães, ucranianos,
romenos, além de uma minoria de poloneses, húngaros e rutenos
3
. Este território caracterizado
por sua grande diversidade étnica era na ocasião, dominado pelo Império Áustro-Hungaro e
pertencia à Áustria. Hoje, a parte norte da Bucovina pertence à Ucrânia e a sul à Romênia.
O pai, Sigmund Scherzer, era comerciante e fora educado no judaísmo ortodoxo até os
17 anos junto ao famoso Wunderrabi
4
de Sadagora
5
, mas considerava-se um Freidenker
6
como
gostava de se definir e, a mãe, cuja família judia viera de Berlim, acabara de completar 17 anos
quando Rose Ausländer nasceu. O gosto de RA pela literatura clássica alemã foi herdado de sua
mãe, com quem possuía uma estreita relação como é possível ser observado através dos vários
poemas à ela dedicados como, por exemplo, o seguinte:
2
Daí o nome da região, em ucraniano Bukowina, ou em alemão Buchenland.
3
Povos dos quais os ucranianos descendem.
4
“Rabino dos milagres”
5
Cidade também localizada na Bucovina
6
„Livre pensador“ – sem ligação estreita a uma determinada religião, porém não ateu.
7
Meine Nachtigall
7
Meine Mutter war einmal ein Reh
Die goldbraunen Augen
die Anmut
blieben ihr aus der Rehzeit
Hier war sie
halb Engel halb Mensch –
die Mitte war Mutter
Als ich sie fragte was sie gern geworden wäre
sagte sie: eine Nachtigall
Jetzt ist sie eine Nachtigall
Nacht um Nacht höre ich sie
im Garten meines schlaflosen Traumes
sie singt das Zion der Ahnen
sie singt das alte Österreich
sie singt die Berge und die Buchenwälder
der Bukowina
Wiegenlieder
singt mir Nacht um Nacht
meine Nachtigall
im Garten meines schlaflosen Traumes.
Meu rouxinol
Minha mãe fora uma vez uma corça
Os olhos castanho ouro
a graça
permaneceram-lhe dos tempos de corça
Aqui ela era
metade anjo metade gente
o meio era mãe
Quando eu lhe perguntava o que ela queria ser
ela dizia: um rouxinol
Agora ela é um rouxinol
noite após noite eu a ouço
no jardim de meus sonhos sem sono
ela canta o sion dos antepassados
ela canta a antiga Áustria
ela canta as montanhas e as florestas de faias
da Bucovina
canções de ninar
canta para mim noite após noite
meu rouxinol
no jardim do meu sonho sem sono.
“Meu rouxinol”, escrito entre os anos de 1957-1963, mostra a admiração de Rose
Ausländer pela mãe e a dor por sua ausência. A definição da figura materna na obra de RA é
7
Corpus p.30
8
repleta de entusiasmo e segundo alguns estudos
8
, surge um tanto idealizada. Sua graciosidade e
seus olhos “castanho ouro” são atribuídos aos seus “tempos de corça”. Na segunda estrofe, ao
definí-la como “metade anjo metade gente” o eu-lírico demonstra toda reverência por sua
imagem e ao completar com no meio era mãe, estabelece um meio-termo entre a criatura humana
e a divina. O rouxinol que canta e embala as lembranças do aconchego da infância nas “noites
sem sono” do presente, rememora a cultura judaica ao cantar o “sion dos antepassados”, a pátria
ao cantar “a antiga Áustria e as montanhas e as florestas de faias” trazendo depois a calma com as
“canções de ninar”. O poema apresenta também elementos de metamorfose, ao sugerir que “nada
morre, tudo se transforma” descrevendo a mãe, antes como corça, depois como gente e agora
como pássaro. A figura materna desempenha um papel essencial na obra de Rose Ausländer e
surge muitas vezes associada à idéia de pátria >>Heimat<< , de língua ou ainda, como vimos,
ligada às memórias da infância.
A mãe tinha para ela o mesmo significado de pátria. Seu modo simples de
expressar isso com relação à infância e à juventude era: eu vivo com minha
mãe, com minha mãe estou bem, eu vivo na Bucovina, na Bucovina eu vou
bem. Minha mãe e a Bucovina são uma coisa só.
9
Na casa da família Scherzer a língua falada era o alemão, a comida preparada era
cascher e lá eram realizados os principais rituais e comemorações judaicas. Assim, Rose
Ausländer foi criada consciente da vertente cultural e religiosa do judaísmo, porém com liberdade
de pensamento já que sua família não era ortodoxa. Em sua poesia há elementos da tradição
judaica, mas também do cristianismo. No trecho de entrevista a seguir é possível observar a
tranqüilidade com a qual Rose Ausländer sempre lidou com as questões religiosas:
8
Por ex. GIACINTI, Francesca. Rose Ausländer: Il Rapporto della Scrittrice con la Figura della Madre. Tesi di
Láurea. Universitá degli Studi della Tuscia Viterbo (Dott.ssa Beatrice Tálamo) Anno Accademico 2002-2003.
Giacinti fala da dificuldade de RA “em romper o cordão umbilical”.
9
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
Stuttgart 1999. pg.82
9
Eu me sinto judia, uma judia de língua alemã e sou logicamente pelo judaísmo.
Mas eu não posso dizer que isso tenha um significado totalmente diferente (...).
O judaísmo tem um grande valor para mim e esta é uma coisa étnica (...) mas eu
também não sou nenhuma judia religiosa (...). Eu pertenço a esta comunidade por
destino, senão eu diria que eu sou tão cristã quanto judia porque os ensinamentos
de Cristo significam tanto para mim quanto os ensinamentos do Antigo
Testamento.
10
Aqui, ao colocar cristianismo e judaísmo lado a lado, Rose Ausländer demonstra sua
apreensão da constituição moral e religiosa tanto da Torá como da Bíblia formada pelos dois
princípios básicos: o principio da justiça, originário do direito, e o da misericórdia, originário do
que os cristãos chamam de caridade, nos quais um não deve em nenhum caso sacrificar o outro
11
.
O poema „Idéia“ a seguir, escrito em 1985, traz a representação do código de ética universal
„Amarás o teu próximo como a ti mesmo“
12
base de ambos os livros.
Idee
13
Ich glaube
Liebe deinen nächsten
wie dich
selbst
Glaube ich
Idéia
Eu creio
Ame a teu próximo
como a ti
mesmo
Eu creio
10
Entrevista de RA à Paul Assal (Südwestrundfunk 1978) p.20 do manuscrito.
11
AZRIA, Régine. O Judaísmo. EDUSC. São Paulo, 1996 p.20
12
Velho Testamento, “Levítico” 19:18
13
Corpus p. 51
10
O diálogo com a figura divina é muito freqüente na poesia de Rose Ausländer o que se
intensifica nos poemas escritos durante a Guerra e mais tarde, na obra de maturidade da poeta.
Gerschom Scholem
14
pondera sobre o contato entre Criador e criatura e afirma não existir talvez
palavras que possam expressá-lo: “Que espécie de relação direta pode haver entre o Criador e a
Sua criatura, entre o finito e o infinito; e como podem as palavras exprimir uma experiência para
a qual não existe um paralelo adequado neste mundo finito?”. Muitos são os poemas de Rose
Ausländer que poderiam propor uma reflexão sobre esta questão. Entre eles:
Ich bin ein Baum
15
und atme mein
flüsterndes Laub
Vom Himmel
kommt ein Engel
und küßt
meine Wurzeln
Sou uma árvore
e respiro minha
folhagem sussurrante
Do céu
vem um anjo
e beija
minhas raízes
O poema acima traz novamente elementos de metamorfose e comunhão do eu lírico com
a natureza. Nota-se aqui que, mesmo a poeta não sendo ortodoxa, sua obra possui uma intensa
característica mística:“(...)a percepção imediata da relação com Deus, na consciência íntima e
direta da Presença Divina é Religião no seu estágio mais vivo, agudo e íntimo.”
16
14
As grandes correntes da mística judaica, p.6
15
Corpus p.52
16
Rufus Jones, Studies in Mystical Religion (1909), p.XV da Introdução. In: SCHOLEM, Gerschom. As grandes
correntes da mística judaíca.
11
Assim, do judaísmo, o que se faz notar na obra de RA é, sobretudo, a presença marcante
de seu ambiente cultural. Que se veja, nesse sentido, o comentário de Rychlo especialmente em
relação ao significado do tempo na cultura judaica:
O judaico é para Rose Ausländer uma essência. É impossível de ser ignorado
em sua poesia. As histórias chassídicas, a proximidade de Sadagora – onde
vivia o Rabino dos Milagres – a mística judaica: a Cabala, tudo isso tem um
papel importante em sua obra. Marcou sua linguagem, sua visão,
principalmente sua visão do tempo. Quando a origem é o presente e quando o
presente sem o passado é impensável, quando o passado permanece algo
inesquecível, quando o passado diariamente e a cada hora se escreve, tudo isso
se torna uma prova de sua origem judia.
17
A corrente da mística judaica da qual sua família seguia os preceitos é o Chassidismo
com sua perspectiva otimista, ainda que em situações de adversidade. Esta corrente mística,
caracterizada por sua relação de especial proximidade com o Criador, surge na Europa oriental
em meados do século XVIII e reaviva a história judaica ao eliminar o intelectualismo que afastara
as massas judias de suas tradições. Também propõe uma renovação do judaísmo tradicional
através de sua simplicidade baseada em princípios sublimes como: alegria de viver, amor a Deus
e ao homem, sinceridade e dedicação
18
.
De acordo com o Chassidismo, Deus está por toda parte, pode ser sentido em todos os
acontecimentos e coisas, não está imprescindivelmente na prática de rituais religiosos, mas sim
numa vida correta, numa conduta moral adequada. „Deus pode ser visto em todas as coisas e é
através de todo gesto puro possível de ser alcançado.“
19
Além disso, a visão de mundo através
dos conceitos filosóficos de Spinoza e dos ensinamentos do pensador berlinense Constantin
Brunner (que se volta a Spinoza) constituíram-se em elementos fundamentais na formação de
RA.
17
RYCHLO, Peter: „Der Jordan mündete damals in den Pruth“ – Aspekte des Judentums bei Rose Ausländer p.184.
18
RABINOWICZ, Harry. Chassidismo, o Movimento e seus Mestres.
19
Martin Buber, Die chassidischen Bücher, Berlin 1927, p.658.
12
O conceito de Deus formulado por Spinoza é o mais grandioso já definido por
um filósofo. Deus ou Substância, é o infinito, o ser eterno, a existência e a
essência, e isto é uma parte dos infinitos atributos, dos quais nós conhecemos
apenas dois: Pensamento e Corpo! Agora, imagine o que isto significa:
atributos infinitos, dos quais nós conhecemos apenas dois. E nós imaginamos
que isso já seja tudo, não é?! Eu o sou infinitamente grata por seus estímulos.
20
Assim, observamos a reunião em sua poesia, de elementos de metamorfose e de
integração do espírito com a natureza, reflexos desta base filosófica.
Amor Dei
21
Er ist der Leib, in dessen Innenraum
wir ruhn und rollen ohne Unterlaß.
Er ist die Erde, und er ist der Baum
sein Mund, die Grille und das Gras.
Er ist der Wellenschaum, der Himmelssaum,
der Äther und der Dinge Ebenmaß.
Er ist der Geist, aus dem sich jedes Ding
mit Atem, Schauer, Licht und Leben regt,
der dein Entzücken, deine Pein
in seinen glanzgetränkten Augen trägt,
der deiner Lust dein Ja, dein Nein
in seine grenzenlose Liebe legt.
Kein Halt und Halten, keine Heimat hat
die Welt für mich und dich in ihrem Ring.
Wir sind Verzauberte in fremder Stadt,
uns ewig Wandelnde von Ding zu Ding,
bald grünend, bald verwelkend wie ein Blatt,
Amor Dei
Ele é um corpo, em cujo interior
nós repousamos e rolamos sem cessar.
Ele é a terra e é a árvore
sua boca, o grilo e a grama.
Ele é a onda espumante, a orla celeste
o etéreo e a medida das coisas.
Ele é o espírito do qual se movem todas as coisas
com respiração, arrepio, luz e vida,
que teu encanto, tua aflição carrega
em seus olhos embebidos de luz,
que coloca tua vontade teu sim, teu não
em seu amor sem limites.
Sem apoio e parada, nenhuma pátria tem
o mundo por mim e por ti em seu anel.
Somos encantados em cidade estrangeira,
transformando-nos eternamente de coisa em coisa,
ora verdejante, ora murchando como uma folha, ora
20
Apud ALVES, Eva-Maria: „Finde mich wieder“ – Wortwunder – Wunderworte – Der Dichterin Rose Ausländer
zum Gedächtnis“, NORDDEUTSCHER RUNDFUNK (sobre o pensamento de Spinoza constante em A Ética), p.8
do manuscrito.
21
Corpus p.21
13
bald Larve, Raupe, bunter Schmertterling.
In seine Hände und in seine Huld
strömt aller Wandlung ewig Wiederkehr
und Scham und Schönheit, Süßigkeit und Schuld
zusammen wie die Flüsse in das Meer.
Und jeder Mythos, jeder dunkle Kult
bringt uns zur letzten Ruhestätte her.
Er gibt uns Allen seine Liebe wie
ein Feuer, das, was es berührt, entbrennt.
Jeder Funken wird zur Melodie
auf seinem weitgespannten Instrument,
und alle einen sich zur Symphonie,
die, alles liebend, sich als Gott bekennt.
larva, lagarta, borboleta colorida.
Em suas mãos e em sua clemência
irrompe toda transformação eternamente o retorno
e pudor e beleza, doçura e culpa
junto como os rios para o mar.
E cada mito, cada obscuro culto
Traz-nos ao último cemitério.
Ele dá a todos nós seu amor como
um fogo que o que toca incendeia.
Cada raio de luz torna-se melodia
em seu abrangente instrumento
e a todos une em sinfonia
que amando tudo, como Deus se confessa.
“Amor Dei”, da primeira fase da obra de Rose Ausländer ainda seguindo as regras de
métrica e rima, mostra seu modo único de expressar sua dimensão espiritual e constitue-se num
exemplo da influência do panteísmo absoluto de Spinoza
22
em sua poesia. A maneira como se dá
a construção das rimas no final de cada verso atribui-lhe uma intensa musicalidade. O poema é
composto por cinco estrofes com seis versos cada e que se encerram com rimas do tipo AB/AB.
As terminações se alteram de uma estrofe para a outra de modo a compor uma seqüência de rimas
formadas por sílabas onde as vogais parecem realizar uma espécie de dança circular que as
fazem ir de encontro umas às outras:
1° estrofe: ...rAUm …lAß / …bAUm …grAs / …sAUm ...mAß
2° estrofe: …dIng …rEgt / …pEIn …trÄgt / …nEIn …lEgt
3° estrofe: …hAt ...rIng / …stAdt …dIng / …blAtt ...schmetterlIng
22
Para Spinoza todo corpo humano,é parte de Deus, assim como a natureza também é parte Dele. Deste modo,
quando ferimos ao outro ferimos a nós mesmos já que ser humano, natureza e Deus estão em comunhão portanto a
felicidade de cada um depende da felicidade de todos. “Fora Deus nenhuma substância pode existir ou ser
concebida“ Ética, 1ª parte, proposição 14.
14
4° estrofe: …hUld ...wiederkEhr / …schUld ...mEer / …kUlt …hEr
5° estrofe: …wIe …entbrEnnt / ...melodIe …instrumEnt / …symphonIe …bekEnnt
Assim, ao imaginarmos as vogais agrupadas de modo seqüencial A-E-I-O-U temos na
1° estrofe U-A, ou seja, um encontro do fim com o começo da seqüência, na 2° estrofe I-E, ou do
meio ao meio, na 3° estrofe A-I, do início ao meio, na 4° estrofe U-E do fim ao meio e,
finalmente na 5° estrofe novamente I-E, um encontro do meio ao meio da seqüência. A
comunhão entre as vogais é a mesma das palavras que ao agrupar harmonicamente elementos
concretos >>Dinge<< com abstratos >>Äther<<, faz uma descrição harmônica da integração do
ser humano com Deus e com a natureza. O poema traz a questão do dualismoÙunidade da união
do ser humano com Deus, do universo como Deus e vice-versa e do princípio Deus sive natura
23
de Spinoza.
Como foi visto, os versos de Rose Ausländer mostram seu encantamento com as idéias
de Constantin Brunner e Spinoza desde o início de sua obra. Temas do Velho Testamento e a
mística da Cabala surgem freqüentemente em sua poesia. A fantasia adquire uma importância
muito grande em sua poética o que remete à sua esperança e, por conseguinte, à sua fé. A poesia
escrita na maturidade permanece cheia de perseverança e de uma alegria incondicional de viver.
Um exemplo disso é “A manhã“ escrita aos 80 anos da poeta, ainda que se deparando com as
difíceis circunstâncias da velhice:
Der Morgen
24
Mit abertausend Gesichtern
Wolkenwangen
Sonnenaugen
A manhã
Com milhares de rostos
bochechas de nuvens
olhos de sol
23
Deus ou natureza”
24
Corpus p.50
15
Luftlippen
Windohren
Staunt der Morgen
aufwärts
und
wir staunen mit ihm
lábios de ar
orelhas de vento
Espanta-se a manhã
verticalmente
e
nós nos espantamos com ela
Rose Ausländer é considerada uma das grandes poetas da língua alemã do século XX ao
lado, por exemplo, de Else Lasker-Schüler, Marie Luise Kaschnitz, Gertrude Kolmar, Nelly
Sachs, Hilde Domin e Lotte Paepeck. Em suas entrevistas RA menciona alguns dos poetas que a
impressionaram como Ingeborg Bachmann, Marie Luise Kaschnitz, Hilde Domin e Nelly Sachs
(sendo Nelly Sachs a poeta da antiga geração e Ingeborg Bachmann da mais nova geração), assim
como Heine, Hölderlin, Heym, Trakl e Rilke. Contudo, sua poeta preferida é Else Lasker-
Schüler. Na entrevista abaixo cita alguns de seus autores:
(…)Höderlin passa a adquirir um significado para mim mais tarde, e também
Kafka, que não escrevia poesia, tem para mim um valor inquestionável. No
início Goethe, este foi o primeiro, mas até então eu ainda não tinha começado a
escrever. Eu simplesmente amava sua poesia. Então veio Heine e depois
Hölderlin e mais tarde a Lasker-Schüler, que é minha poeta favorita. Mas a
motivação da escrita veio de dentro, de mim mesma. Não houve nenhum impulso
externo.
25
São poetas admirados por Rose Ausländer, porém sem que se possa dizer que haja uma
dependência de sua poesia.
25
Entrevista de RA a Paul Assal (Südwestrundfunk 1978) p.20 do manuscrito.
16
Entretanto, sua obra surge com certa freqüência
26
comparada a de Hilde Domin e de
Nelly Sachs pelas semelhanças de vida entre as poetas como: ascendência judaica, identidade
assimilada na língua e cultura alemãs, história de fuga e perseguição, a vivência do exílio, o
retorno, o viver e sobreviver na língua que é tida como pátria >>Heimat<<. Por vezes a
comparação se dá no âmbito da característica essencial da poética de RA – a esperança. Quando a
esperança é o enfoque da comparação, surge muitas vezes, em contraposição à poética de Nelly
Sachs e Paul Celan cuja carga do sombrio e de expressão da dor é intensa.
Entre os poetas conterrâneos e contemporâneos à Rose Ausländer
27
estão Paul Celan,
Alfred Margul-Sperber, Immanuel Weißglas, Alfred Kittner, Georg Drozdowiski, David
Goldfeld, Alfred Gong, Moses Rosenkranz, Gregor von Rezzori, e o mais significativo poeta
iídiche Itzig Manger.
Entre os anos de 1919 e 1920 Rose Ausländer estudou Literatura e Filosofia na
Universidade de Czernowitz considerada na época a mais importante do leste europeu. Com a
morte do pai em 1920, a família se vê sem recursos financeiros suficientes para manter-se.
Assim, em 1921 imigra para os Estados Unidos, mas a saúde abalada de sua mãe a obriga a
retornar. Permanece ao seu lado por vários anos perdendo assim, a cidadania americana então
conquistada. Em 1941 as tropas da SS chegam a Czernowitz iniciando a perseguição e o
aniquilamento em massa da população judia. O bairro judeu é declarado gueto onde milhares de
pessoas são confinadas, entre as quais Rose Ausländer. Grande parte dos judeus da cidade é
enviada aos campos de concentração e os que ficam, passam a realizar trabalhos forçados.
Até o ano de 1944 o número de cidadãos judeus mortos atinge 55.000, porém Rose
Ausländer e sua mãe sobrevivem. Em fevereiro de 1944, ainda durante o confinamento, RA
conhece o jovem Paul Antschel, que mais tarde muda seu nome para Celan, com quem
desenvolve uma estreita ligação artística. Eles lêem suas poesias um para o outro e discutem
26
BEIL, Claudia: Sprache als Heimat - Jüdische Tradition und Exilerfahrung in der Lyrik von Nelly Sachs und Rose
Ausländer e/ou VOGEL, Harald & GANS, Michael. Rose Ausländer / Hilde Domin – Gedichtinterpretationen., etc.
27
RA in: “Erinnerungen an eine Stadt” BRAUN, Helmut (org.). Rose Auslaender – Materialien zu Leben und Werk.
Fischer, Frankfurt, 1991.
17
sobre suas criações literárias. Celan ainda não é reconhecido como poeta em Czernowitz, mas já
conhecia a poesia de Ausländer, cujo primeiro livro O arco-íris
28
fora publicado em 1939 na
pequena Editora Literaria
29
.
Com o final da guerra, Rose Ausländer decide voltar à Nova Iorque em 1946, cidade
que havia deixado em 1931 para retornar à sua terra natal. Em 1947 RA recebe a notícia da morte
da mãe o que se constitui num golpe do qual parece nunca se ter recuperado totalmente. Sua
adaptação nos Estados Unidos desta vez, onde permanece até 1964, foi mais demorada, e é nesta
estada que surgem as poesias em inglês. Cientistas literários americanos e críticos consideram a
poesia de RA de altíssimo nível. É caracterizada como poesia sem fronteiras, com elementos da
língua materna e língua do exílio. São poemas orientados na tradição de poetas do modernismo
americano como: Robert Frost, William Carlos Williams, Walace Stevens, T.S. Elliot, E.E.
Cummings e principalmente a nova-iorquina Marianne Moore. Esta última, muito admirada por
Rose Ausländer, se constituirá em sua mais importante influência americana. Marianne Moore
encanta-se com as poesias de RA e ao conhecê-la na Writers Conference em 1956, confere-lhe
imediatamente um prêmio por seu trabalho poético. Nesta ocasião Marianne Moore aconselha-a a
voltar a escrever em língua alemã. Contudo, este processo de retorno à língua materna não foi
uma tarefa fácil, mas, em 1957 após visita a Paul Celan em Paris, na qual também discutem sobre
os poemas que farão parte de seu livro Prisão da Palavra >Sprachgitter<<, a poeta decide não
publicar mais nenhuma poesia em língua inglesa. Aos 56 anos RA depois de mudar seu estilo
após sua experiência com a lírica americana, encontra lugar rápida e definitivamente na poesia
moderna alemã. Assim, pode-se dizer que para o desenvolvimento do conjunto da obra de RA,
dois poetas desempenharam papel fundamental: Paul Celan e Marianne Moore.
28
>>Der Regenbogen<< com poemas escritos entre os anos de 1927 a 1933.
29
BRAUN, Helmut (org.). Rose Auslaender – Materialien zu Leben und Werk. Fischer, Frankfurt, 1991.
18
1.2 – A Pátria: Bucovina - atual Ucrânia, antigo Império Austro-húngaro
Bukowina II
30
Landschaft die mich
erfand
Wasserarmig
Waldhaarig
die Heidelbeerhügel
honigschwarz
Viersprachig verbrüdert
Lieder
in entzweiter Zeit
Aufgelöst
strömen die Jahre
ans verflossene Ufer
Bucovina II
Paisagem que me
criou
Águas em braços
bosques em cachos
as colinas de amoras
negro mel
Quatro línguas irmanadas
canções
no tempo rompido
Dissolvidos
correm os anos
para a margem dissipada
A comunhão do eu-lírico com a natureza, recorrente na obra de Rose Ausländer, surge
em “Bucovina II” trazendo novamente uma representação da terra natal onde os elementos da
natureza têm características humanas e onde há, sobretudo, harmonia. Sua descrição relacionada
a essa região é sempre feita como locus amoenus, o lugar aprazível, com elementos da natureza
31
como rios, árvores, pássaros e flores, onde reina a tranqüilidade e onde povos de diferentes etnias
30
Corpus p. 36
31
CURTIUS, Ernst Robert – Literatura Européia e Idade Média Latina.
19
– “quatro línguas irmanadas” - se entendem. A pátria >>Heimat<< e sua perda é um motivo
básico de toda obra de RA e se desdobra de duas maneiras: a primeira pátria, a Bucovina, com a
infância no Pruth
32
onde estão suas raízes – “paisagem que me criou” - e a segunda pátria
fundamentada na palavra, mais precisamente na poesia, onde lhe é possível criar, expor seus
sentimentos, suas recordações. Pelo criar e pelo acolher, ambas cumprem o papel simultâneo de
pátria e de mãe. A segunda pátria, aquela que não impõe fronteiras de tempo nem espaço é a que
lhe resta.
Por que eu escrevo? Talvez porque tenha vindo ao mundo em Czernowitz,
porque em Czernowitz o mundo veio a mim. Aquela paisagem especial. As
pessoas especiais. Fábulas e mitos pairavam no ar, nós os respirávamos. A
Czernowitz das quatro línguas era uma cidade musical, que abrigava muitos
artistas, poetas e amantes da arte, da literatura da filosofia(…).
33
Por um longo período a Ucrânia de hoje era domínio de outros países; a região da
Galícia
34
era parte do Império Austro-húngaro. Assim, no início do século XX, principalmente a
região da Bucovina (parte da Galícia) era ocupada por diferentes povos: ucranianos, romenos,
judeus e alemães que lá viviam. Grande parte do comércio e da economia em geral era
movimentada pelos judeus. Embora esta região fosse periférica no domínio do Império Austro-
húngaro, os galícios eram leais ao seu comando, ou seja, os ucranianos reconheciam o poder
imperial. O período entre as duas grandes guerras foi representado por enormes ondas de
imigração desta região para a Alemanha e para os Estados Unidos. Além disso, muitos judeus
imigraram durante a Segunda Guerra para Israel, Estados Unidos e outros países, mas a maioria
acabou sendo morta nos campos de extermínio nazistas. Durante a Segunda Guerra Mundial
Stalin conduziu violentamente a unificação de todos os territórios ucranianos, anexando o país à
União Soviética. No final da Segunda Guerra a Bucovina passa a ser território romeno. A
32
Rio na Bucovina.
33
RA: „Alles kann motiv sein“ in: Grüne Mutter Bukowina – Gedichte und Prosa. p.6.
34
Território dentro do qual ficava a Bucovina, região cuja parte norte hoje pertence à Ucrânia e a sul à Romênia. Não
confundir com a Galícia espanhola.
20
delimitação geográfica feita por Stalin é a que permanece hoje em dia. Após a dissolução da
União Soviética, a Ucrânia com 45 milhões de habitantes, torna-se soberana e passa atrair o
interesse econômico do Oeste. Hoje, a Ucrânia tem a sexta maior população da Europa e, como
os outros países da antiga União Soviética, possui um déficit em seu desenvolvimento com
relação aos países da Europa Ocidental e se esforça atualmente para ser aceita como membro da
União Européia
35
.
A seguir a descrição histórico-geográfica de Rose Ausländer do “País das Faias”
36
:
(...)Os Cárpatos estendem-se pelo nordeste sobre as florestas montanhosas e
colinas à planície de estepe no norte e até a planície bessarábica no leste. A
primeira denominação como País das Faias >>Buchenland<< data do final do
século XIV. O sul é uma região antiga de origem romena sob o Império
Maldávio
37
. Em 1514 a Bucovina passa a ser dominada pelo Império Turco até
1775 quando passa ao comando da monarquia dos Habsburgos que a une à
Galícia fazendo dela mais tarde principado
38
autônomo. Os cerca de 170.000
habitantes da cidade eram compostos por alemães, ucranianos, judeus alemães
bem como uma minoria de magiares e poloneses. Era uma cidade de coloridas
camadas na qual a cultura germânica se fundia com a eslava, a latina e a judia.
Até 1924 - embora a Bucovina já em 1918, depois da primeira guerra, tenha
sido cedida à Romênia - as línguas oficiais eram o romeno e o alemão, depois
até o final da segunda guerra mundial o romeno se torna a língua oficial, mas,
na prática o alemão continuou sendo a língua falada. O alemão não era apenas a
língua falada socialmente e da cultura, era e permanecia a língua materna de
grande parte da população. Na realidade Czernowitz permanece até 1944 uma
cidade austríaca, a partir de então passa a pertencer a União Soviética
39
.
Não há postura crítica nas referências de Rose Ausländer à sua terra natal. Ao contrário,
sua poesia mostra uma clara tendência à idealização da imagem da Bucovina, provavelmente a
35
KAPPELER, Andreas. Kleine Geschichte der Ukraine.
36
RA: „Erinnerung an einer Stadt“ in: Grüne Mutter Bukowina – Gedichte und Prosa.p.112-113.
37
moldauischen Fürsten
38
Kronland
39
RA in: Materialien zu Leben und Werk. BRAUN, Helmut (org.)Fischer, Frankfurt, 1991.
21
fim de criar um ambiente de aconchego e de lar >>Zuhause<< na memória com o qual pudesse
fixar suas raízes e formar um vínculo consistente de modo a estabelecer sua identidade.
A criação poética de RA possui um alto grau de imaginação. A poeta remodela a
realidade vivida, no que alguns críticos
40
chamam de >>Atemworten<< - as palavras onde se
pode respirar. E a própria RA reconhece: „Eu sonhei do meu jeito o que se chama realidade, o
sonho eu transformei em palavras e lancei minha sonhada palavra-realidade
41
à realidade do
mundo. E o mundo voltou para mim
42
. Sobre o “foco” (consciente ou não) dado a alguns
acontecimentos, elementos fictícios ou idealizados que se tornam parte de determinadas
recordações, bem como os mecanismos emocionais que colaboram na construção da memória,
Aleida Assmann afirma: “Nós não nos lembramos daquilo que somos e sim somos aquilo que nos
lembramos”
43
.
Auch ich
44
Auch ich bin
in Arkadien geboren
bei Sonnenaufgang
friedlich im Fruchtwasser
die Luft eine Herausforderung
an den Atem
Auch mir
blühten duftige Mutterworte
Auch ich wuchs auf
unter fantastischen Legenden
Das Gruseln erlernte
auch ich
Também eu
Também eu
nasci na Arcádia
ao amanhecer
sossegadamente no líquido amniótico
o ar um desafio
para o respirar
Também para mim
floresceram perfumadas palavras maternas
também eu cresci
entre lendas fantásticas
O pavor
também aprendi
40
Por exemplo VOGEL, Harald & GANS, Michael in: Rose Ausländer / Hilde Domin – Gedichtinterpretationen.
41
Wortwirklichkeit
42
Durante uma visita de Lore Schaumann em 1973 in: SCHAUMANN, Lore. Rose Ausländer. Worte und Welle. In:
Düsseldorf schreibt: 44 Autorenportraits. p.10-13. Düsseldorf, 1974. ARRUMAR NOTA
43
ASSMANN, Aleida. Der lange Schatten der Vergangenheit. Erinnerungskultur und Geschichtspolitik. C.H.Beck,
München, 2006.
44
Corpus p.32
22
Als Menschen
Gesicht und Gewicht
verloren
Auch ich verlor
meinen Namen
unter Namenlosen
Auch ich
fragte das Nichts
nach dem Sein
Frage und
höre
höre
höre
die Antwort
des Echos
quando pessoas
rosto e peso
perderam
Também eu perdi
meu nome
entre sem nomes
Também eu
perguntei ao nada
pelo Ser
Pergunto e
ouço
ouço
ouço
a resposta
do eco
O conturbado contexto geográfico e político da terra natal, marcado pelas constantes
mudanças de domínio do território ucraniano (como se observa nos mapas às páginas 121-125),
reflete-se na recorrência do tema da busca de identidade e da pátria na obra de RA. Assim, até
em poemas da maturidade como “Também eu” (década de setenta) se sobressai a nostalgia pela
>>Heimat<< perdida. No poema supracitado a imagem da pátria surge associada à figura da mãe,
responsável ao mesmo tempo pelo aconchego e pela cultura, através de suas “perfumadas
palavras (maternas)”. O poema mostra o quanto a experiência neste espaço foi marcante para a
formação do eu-lírico quando este expressa sua admiração pelas “lendas fantásticas” junto às
quais cresceu, e, numa possível alusão às guerras vivenciadas: “O pavor / tamm aprendi /
quando pessoas / rosto e peso / perderam”.
A relação pátria-identidade se torna evidente na quarta estrofe também eu perdi / meu
nome / entre sem nomes, ao sugerir que a perda da paz, aliada a perda da pátria implica, de certo
modo, também na perda de si própria. Ao recuperar o termo Arcádia
45
com o qual se refere à
45
Província da Antiga Grécia, que com o tempo, se converteu no nome de um país imaginário, criado e descrito por
diversos
poetas e artistas, sobre tudo do Renascimento e do Romantismo. Neste lugar imaginado reina a felicidade, a
simplicidade e a
paz em um ambiente idílico habitado por pastores que vivem em comunhão com a natureza.
23
Bucovina, o eu-lírico constrói uma imagem idealizada por excelência. Aos poucos o ambiente de
nostalgia que permeia todo o poema cede lugar a um enorme vazio que se estabelece naquele
espaço, antes caracterizado pela vivacidade e cultura, agora marcado pela destruição, onde se
forma o eco – a única resposta obtida. A mudança da atmosfera de aconchego do poema que a
partir da terceira estrofe caminha para a desolação, poderia remeter ao ambiente de guerra, às
deportações, ao sentimento de perda da pátria e das pessoas que foram mortas.
Damit keine Licht uns liebe
46
Sie kamen
mit scharfen Fahnen und Pistolen
schossen alle Sterne und den Mond ab
damit kein Licht uns bliebe
damit kein Licht uns liebe
Da begruben wir die Sonne
Es war eine unendliche Sonnenfinsternis
Para que nenhuma luz nos ame
Eles chegaram
com bandeiras cortantes e pistolas
atiraram em todas as estrelas e na lua
para que nenhuma luz nos restasse
para que nenhuma luz nos ame
Lá enterramos o sol
Foi um infinito eclipse solar
Escrito entre os anos de 1957-1963, ou seja, no “retorno” de Rose Ausländer à língua
alemã, o poema “Para que nenhuma luz nos ame” remete mais uma vez à destruição e violência
nazistas. Já a partir de seu título é atestada a intenção da perversidade: o objetivo de que nada
mais (lhes) restasse numa clara referência à intenção de aniquilamento, de extermínio do povo
judeu e de sua cultura.
A primeira estrofe alude à ocupação violenta da cidade de Czernowitz pelas tropas da
SS: “Eles chegaram com bandeiras cortantes e pistolas” e, ao atirarem em todas as estrelas e na
46
Corpus p.31
24
lua, deixaram para trás apenas devastação. No quarto e quinto versos “para que nenhuma luz nos
restasse / para que nenhuma luz nos ame” é expresso o sentimento de desolamento total do eu-
lírico que se dá com a perda do céu estrelado - metáfora para a perda do horizonte, da perspectiva
de futuro, do sonho. Tal sentimento é reforçado pelos versos finais: “Lá enterramos o sol / Foi um
infinito eclipse solar” que traz uma noção das conseqüências da catástrofe bem como da
dimensão do trauma por ela provocado. Em “Para que nenhuma luz nos ame” o fenômeno do
eclipse, no qual o sol se esconde temporariamente atrás da lua, passa a ser eterno. É como se ele
não mais pudesse voltar a brilhar após acontecimentos tão funestos. No poema, as estrelas, fontes
de luz, também podem ser associadas ao símbolo da cultura judaica, a estrela de Davi.
Heimatstadt
47
Eine goldene Kette
fesselt mich
an meine urliebe Stadt
wo die Sonne aufgeht
wo sie untergegangen ist
für mich
Cidade natal
Uma corrente dourada
prende-me
à cidade primeira de meu amor
onde o sol nasce
onde ele se pôs
para mim
A poesia “Cidade natal” foi escrita aos 81 anos da poeta. Nela, imerso numa atmosfera
nostágica, o eu-lírico expressa a profundidade de sua relação com a terra onde nascera: “Uma
corrente dourada / prende-me / à cidade primeira de meu amor”. Aqui, a metáfora da corrente
dourada parece expressar mais do que sua ligação estreita com a Bucovina: ao “acorrentá-la”, faz
47
Corpus p.48
25
com que fique “presa” à recordação da perda da pátria e esta lhe permaneça como trauma
constante.
A segunda estrofe – “onde o sol nasce” - traz à idéia de início da vida, do lugar onde
tudo começou. Em seguida vem a noção de final: “onde ele (o sol) se pôs”, complementada pela
última estrofe: “para mim”. O modo como o poema termina remete tanto à idéia de um ciclo que
se encerra - seu ciclo da vida - como alude à privação do direito de permanência neste lugar.
“Cidade natal” mostra que a ligação de Rose Ausländer com sua terra sobrevive ao
passar dos anos e permanece forte. A metáfora do pôr do sol expressa o sentimento de perda que
a acompanha por toda a vida, sentimento este que evidencia o dano incomensurável causado ao
povo judeu, ao seu lugar e sua cultura.
Rose Ausländer lamenta em suas poesias a perda da pátria, que significou a
perda de pessoas, a perda de seu povo, sua cultura e sua identidade. Em seus
poemas lembra e suplica pela pátria, povo, cultura e identidade. Esses poemas
são como “lugares do recordar”
48
, monumentos contra o esquecimento.
Consideram a Bucovina e as pessoas que lá viveram, vivas para nós. Fazem-nas
imortais.
49
48
>>Orte des Erinnerns<<
49
: R..A.In: Grüne Mutter Bukowina – Gedichte und Prosa. S. 131-159, Rimbaud Verlag. Aachen, 2004.pag.158
26
1.3 - 2ª guerra mundial: nazismo - O confinamento
Em 6 de julho de 1941 os nazistas invadem Czernowitz e no mesmo dia começa a
perseguição sistemática e extermínio da população judia. Até o final de agosto já são mais de três
mil judeus assassinados, a maioria a tiros, nas margens do rio Pruth. Em 11 de outubro de 1941 o
velho bairro judeu da cidade é declarado gueto no qual 60.000 pessoas são confinadas, entre elas
a família Scherzer-Ausländer: mãe, filha, nora e neto. Grande parte dos judeus da cidade é
enviada aos campos de extermínio e aos que lá permanecem são impostos os mais terríveis
trabalhos forçados. Entre os anos de 1941-1944 cerca de 55.000 cidadãos judeus são mortos
50
.
O Mal absoluto irrompeu no século XX com o genocídio. Para os judeus, como
para a consciência ocidental moderna, o genocídio abalou as certezas e as
crenças anteriores. Com ele encontra-se colocada mais uma vez a questão do
Bem e do Mal, inseparável da questão da responsabilidade. Na ausência de
dogma e de consenso teológico, cada judeu é livre para imputar de acordo com
sua alma e sua consciência, a responsabilidade ao homem ou a Deus.
51
Surgem nesta época os poemas do ciclo “Motivos do Gueto” que trazem um pouco
deste ambiente sombrio e angustiante e iniciam uma reflexão antagônica sobre a responsabilidade
humana e a divina na Shoá. Intensifica-se a partir de então, os diálogos com Deus, característica
já comum da poética de RA, agora discutindo o motivo da catástrofe e, ao mesmo tempo ciente
do livre arbítrio humano, o questionamento atônito do por quê de tanta crueldade.
50
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
1999.
51
AZRIA, Régine. O Judaísmo. EDUSC. São Paulo, 1996.p.101
27
Geisterweg
52
Giftige Geister lauern am Weg.
Wir gehen schräg
um sie nicht zu berühren.
Wir stehn vor versiegelten Türen.
Es war unser Haus, es war
unser Garten mit feingekämmtem Haar.
Es war Mutterduft, es war.
Wir kehren um, gehen schräg
den giftigschwarzen Weg
ins Getto.
Caminho dos fantasmas
Venenosos fantasmas espreitam
no caminho.
Esquivamo-nos
para não os tocar.
Paramos frente às portas lacradas.
Era nossa casa, era
nosso jardim com cabelos bem penteados.
Era cheiro de mãe, era.
Retornamos, cruzamos
o negro venenoso caminho
para o gueto.
O poema acima recria a atmosfera da vida no gueto. O caminhar pelas ruas do bairro
judeu, agora tão sinistras com a vigilância incessante dos guardas da SS, o medo constante de ser
pega, o perigo da deportação, a perplexidade: “Nós paramos frente às portas lacradas” e o
sentimento de perda: “Era nossa casa, era nosso jardim com cabelos bem penteados” - perda do
lar >>Zuhause<<: “Era cheiro de mãe” - e da pátria que passam a se intensificar cada vez mais
em sua poética. “Caminho dos fantasmas” delineia justamente o que RA expõe na entrevista a
seguir:
Eu precisava, obviamente, usar a estrela amarela e nós podíamos apenas
durante duas horas – das 9 às 11 os judeus tinham permissão para fazer compras
ou resolver algo. Então eu corria entregue à sorte, passava às vezes por alguma
patrulha que fazia o transporte aos campos de concentração, mas eu sempre
tomava cuidado e nunca fui pega. Sempre deu certo de providenciar alguma
coisa, vender uma pequena jóia e assim comprar alguma comida. Então
estávamos novamente no porão e assim foi durante alguns anos, mais de três
anos.
53
52
Corpus p.20
53
NORDDEUTSCHER RUNDFUNK p.10 do manuscrito
28
Rose Ausländer sobreviveu aos trabalhos forçados e à extrema privação do gueto onde
viveu até 1944 fazendo de sua poesia seu refúgio e forma de comunicação consigo mesma. Essas
experiências contituem-se em uma provação para sua fé e irão refletir em sua lírica,
impregnando-a de uma carga emocional ainda mais intensa. Nela se pode observar dentre outros
aspectos, a intimidade de suas conversas com Deus quando, por vezes, o questiona acerca de seu
sofrimento, e demonstra, apesar do medo, a perseverante vontade de viver.
Também ocorre freqüentemente na poesia dos anos de confinamento, a rápida oscilação
do desespero à esperança e o eu-liríco individual passa a representar o „nós“ – a coletividade.
Der alles weiss
54
Du weiss, wie diese Tage mir begegnen:
mit Schatten, die sich kreuzen auf der Brust.
Der Priester kam, mich mit dem Kreuz zu segnen
und fluchte meiner letzten Lebenslust.
Die Spinnen lauern schon in ihren Ecken,
Und draussen sind die Schwerter blank gezückt.
Die alten Träume lassen sich nicht wecken,
die neuen stehen noch zu tief gebückt.
Und du, der alles weiss, lässt es geschehen,
und sendest nicht ein Heer von Engeln her?
Wer wird nach mir dich so wie ich verstehen,
und wer wird dich so tief erleiden, wer?
Àquele que tudo sabe
Sabes como tenho passado esses dias:
com sombras que se cruzam sobre o peito.
O sacerdote veio com a cruz me abençoar
e amaldiçoou minha última vontade de viver.
As aranhas já espreitam em seu canto,
e lá fora estão as espadas prontas para o ataque.
Os sonhos antigos não se deixam despertar,
e os novos ainda estão curvados demais.
E tu, que tudo sabes, deixas que isso aconteça
e não envias um exército de anjos?
Quem, depois de mim, te compreenderá tanto
e quem te suportará tão profundamente, quem?
54
Corpus p.18
29
Um dos aspectos marcantes da lírica de Rose Ausländer é a fé expressa pela certeza do
não estar só, recorrente em sua poesia, o que permanece mesmo em situações extremas como se
observa em Der alles weiss. Composto de três quartetos com rimas do tipo AB/AB, o poema é
dividido em três momentos: o título do poema parece iniciar uma prece >>Der alles weiß<< -
àquele que tudo sabe ou ainda, uma fala ao ser onisciente. Assim começa a primeira estrofe,
com a familiaridade e informalidade normais na poética de Rose Ausländer, das conversas com
Deus como na relação entre dois seres muito próximos. Nos versos três e quatro a vinda do
sacerdote aponta para um caminho inverso ao esperado, já que a sua figura teria o papel de
abençoar, de trazer conforto e esperança, mas, ao contrário, >>fluchte der letzten Lebenslust<<
“amaldiçoa
55
a última vontade de viver”.
O eu-lírico expõe sua angústia que Ele já conhece, e mostra que paradoxalmente à
adversidade, ao grau terrível de sofrimento humano imposto, a gana e a vontade de viver
permanecem.
Na segunda estrofe é delineada a condição do confinamento: os guardas que vigiam o
gueto, representados por insetos traiçoeiros – as aranhas - que não dão paz, transmitindo um
sentimento de insegurança e medo permanentes e que impunham suas armas, prontos a aniquilar.
O constante pavor ocasionado por esta situação de total incerteza não permite que os antigos
sonhos, os velhos projetos e ideais despertem; é como se eles congelassem, ficassem paralisados
e a precariedade desta condição impossibilitasse os novos sonhos de se desenvolverem:
Os
sonhos antigos não se deixam despertar, os novos ainda estão curvados
56
demais”. Neste verso
RA sintetiza algo do sentimento de devastação que a situação lhe impõe não apenas pelo medo
constante, mas pela subjugação e humilhação que transpõem a barreira do confinamento físico,
atingindo o campo das aspirações e ideais, fazendo com que até mesmo os sonhos se prostrem.
O eu-lírico progride do sentimento de desamparo da primeira e segunda estrofes à
indignação desesperada da terceira, quando questiona “àquele que tudo sabe” sobre o porquê da
55
RA usa o verbo fluchen - insultar com fúria.
56
“zu tief gebückt“ – o verbo bücken pode significar tanto curvar-se com o tronco em direção ao chão, como
prostrar-se, numa atitude desesperada.
30
ajuda que não vem, da situação arrasadora, da angústia que parecem não ter fim; o porquê de não
acontecer um milagre... Aqui o eu-lírico clama a um Deus onisciente, mas aparentemente
passivo. Ao mesmo tempo em que contesta este estado de aflição extrema também demonstra sua
fé: sabe que há um Deus que está lá, vendo tudo, que não há nada que ocorra sem que Ele
permita, e, num momento de furor, o pressiona e o cobra como alguém que questiona a validade
de sua fé.
Os tempos verbais que aparecem no poema também desempenham papel fundamental.
Nos versos 1 e 2 o uso do presente chama a atenção para uma ação que ocorre simultaneamente
ao ato da fala (a conversa com o onisciente); já nos versos 3 e 4 o uso do passado descreve uma
situação vivenciada e encerrada. Nos quatro versos da segunda estrofe há nova recorrência de
tempo verbal no presente que, a partir do diálogo instaurado na primeira estrofe, mostra uma ação
que ainda acontece, ou que se repete continuamente. Na terceira estrofe há oscilação: ora a
recorrência do tempo verbal se dá no presente (versos 9 e 10) quando do questionamento sobre o
sofrimento do eu-lírico, ora no futuro (11 e 12), quando da tentativa de compreensão do porquê
de tanta permissividade. Aqui à medida que questiona o Onisciente sobre a serventia de sua fé
também faz uma provocação, uma conclamação à concordância de que a situação em que se
encontra é insuportável e merece (pela sua fé) ser transformada. Nos versos 11 e 12 também é
realizada uma contrajunção, pois ao mesmo tempo em que se queixa a um Deus aparentemente
passivo, também se mostra perseverante em sua profissão de fé: “Quem, depois de mim, te
compreenderá tanto / e quem te suportará tão profundamente, quem?
Im Heuschreckenland
57
Im Heuschreckenland
verhungerten wir
und waren eine
Mahlzeit den Raben im Schnee.
Oder waren wir Wolken
im Abendatem
und träumten Erdtrauer?
Na terra dos gafanhotos
Na terra dos gafanhotos
passávamos fome
e éramos uma
refeição dos corvos na neve.
Ou éramos nuvens
no respirar da noite
e sonhávamos com a tristeza da terra?
57
Corpus p. 19
31
Oder schwarze Flecken
in einer kranken
Sternkonstellation?
Oder haben wir
fremde Tode getrunken
und liegen begraben
im blutlosen Mond?
Ou manchas negras
em uma doente
constelação de estrelas?
Ou bebemos
mortes estrangeiras
e estamos sepultados
na lua sem sangue?
“Na terra dos gafanhotos”, também do ciclo “Motivos do Gueto”, RA evoca a parábola
bíblica de Êxodo sobre a Praga dos Gafanhotos
58
, para descrever a realidade de dano e
devastação sofrida pelos judeus ante a perseguição nazista. O título do poema, que se repete no
primeiro verso, também faz um jogo lexical entre tempo e espaço e as estrofes 2, 3, e 4 são
marcadas pela presença da anáfora “Ou.. //Ou... //Ou...” A metáfora da “terra dos gafanhotos”
aqui tem um significado que vai além do espacial tendo em vista a realidade de perseguição
vivenciada pelos judeus da Europa nos anos de 1939-1945.
A primeira estrofe remete à fome e privação extremas, situação do gueto e dos campos
de concentração, nos quais os judeus foram confinados. Aqui a voz do eu lírico se amplifica e
assume o papel de “nós” representando a coletividade judaica. A atmosfera sombria criada pela
figura do corvo, representando o algoz, e a presença da neve acentuam a sensação de frio. Assim,
o poema caminha do sentido denotativo para o conotativo aludindo à frieza, ou a falta de calor
humano.
A partir da segunda estrofe iniciam-se os questionamentos existenciais que culminam na
busca desesperada de identidade que segue até a quarta estrofe. A segunda estrofe inicia com uma
comparação sutil: “éramos nuvens” trazendo a idéia do efêmero, da transitoriedade, onde a
inconcebível realidade de subjugação, que promove a “tristeza da terra”, de tão inacreditável
parece ser apenas sonho. Na terceira estrofe a comparação que acompanha a reflexão existencial
58
é uma das „Dez Pestes“ que Deus teria enviado pelas mãos de Moisés sobre Faraó e seu povo, para que Israel fosse
libertado da terra do Egito. In: Êxodo 10:12-14.
32
torna-se cada vez mais dramática: a metáfora da estrela
59
surge aqui esgotando sua característica
física por excelência de cintilar/iluminar. A “constelação de estrelas doentes” no poema poderia
representar tanto a população judaica, vítima do impulso de extermínio nazista, como a própria
humanidade que se deixa adoecer embebida na crueldade motivadora do aniquilamento e da
destruição ao perder a luz da razão.
A última estrofe, assim como a primeira, reporta-se, mais uma vez, à Bíblia: “bebemos
mortes estrangeiras” numa alusão à Última Ceia quando corpo e sangue de Cristo são
transformados simbolicamente em pão e vinho, cujo consumo teria o poder de remir os pecados.
“Na terra dos gafanhotos” porém, a bebida não é o sangue de Cristo, e sim as “mortes
estrangeiras”. Lá não há o que comer, pelo contrário, se é a refeição dos corvos na neve. A bebida
a que a poeta se refere – “mortes estrangeiras” - em oposição à conotação bíblica de trazer vida e
libertação, é venenosa, pois sua ingestão leva à morte. “Beber as mortes” também poderia
simbolizar a rememoração às vítimas. Os dois últimos versos parecem sintetizar o resultado do
sofrimento causado pelo luto de tantas perdas: “estamos sepultados na lua” referindo-se
novamente ao contexto estelar, reforçando desta vez ainda mais a idéia do sombrio, de noite, de
escuridão e, ao caracterizá-la como sem sangue, da ausência total de vida e de calor.
Para apreender o conteúdo destes poemas é preciso levar em consideração que o
sentimento e atmosfera que exprimem, repetira-se por cerca de três anos (tempo em que durou o
confinamento dos judeus no gueto de Czernowitz). Foram várias centenas de dias e noites sob o
medo e o terror. Daí o sentimento crônico de melancolia que veio a persistir como resultado do
trauma por toda uma vida e que cria justamente o maior paradoxo da lírica de RA que é a
coexistência da dor e da esperança, a confrontação constante entre esperança e desespero.
Em 1944, ainda durante o confinamento, RA encontra Paul Celan pela primeira vez.
Ele, na época, estudante da universidade de Czernowitz, já escrevia poesias, mas seu estilo
incomum era aceito com reservas
60
no circuito literário da cidade. O jovem poeta já havia entrado
59
A partir dos poemas desta época, a figura da estrela começa a surgir desprovida de seu atributo físico original e
passa a ter uma conotação paradoxal ou faz alusão à estrela de Davi.
60
Sua poesia só se torna conhecida no pós-guerra.
33
em contato através de um amigo, com O arco-íris
61
, primeiro volume de poesias publicado por
Rose Ausländer.
„… Nos botes fugitivos / os cílios apagam o sonho, dos céus…“ - „…que as
constelações invisíveis desabrochem“
62
Estes e muitos outros versos me eram
lidos por um jovem que fora trazido até a mim por um amigo em 1944: Paul
Anschel-Celan. Como revanche da próxima vez eu lia as minhas mais novas
poesias, as quais ele muito elogiava.“
63
.
Em março de 1944 as tropas russas ocupam Czernowitz e libertam do gueto os judeus
sobreviventes. Porém, aqueles que tinham o idioma alemão como língua materna, são
considerados alemães pelos russos e passam a sofrer represálias. Os falantes de alemão aptos ao
trabalho que não podiam comprovar vínculo empregatício eram enviados à Rússia a fim de
realizarem trabalho forçado na mina de Donez-Beckens. Dentre aqueles que tiveram este destino,
poucos retornaram com vida.
No verão do mesmo ano, após a libertação do campo da morte da Transnístria
64
pelos
russos, os poetas conterrâneos de Rose Ausländer Alfred Kittner e Immanuel Weißglas retornam
a Czernowitz e encontram-na trabalhando na biblioteca popular da cidade, na qual outras
mulheres também conseguem trabalho, cuja única função era proteger do transporte à mina de
Donez-Beckens. Alfred Kittner diz que na biblioteca popular haveria mais mulheres trabalhando
61
Nesta época Paul Celan escreve sua >>Todesfuge<< Fuga da morte com motivos de poemas de Weissglas,
Rosenkranz e Ausländer. É no poema de Ausländer >>Ins Leben<< Na vida, publicado pela primeira vez em O
árco-íris, que Celan encontra sua mais conhecida metáfora >>Schwarze Milch<< leite negro.
62
»...Auf den flüchtenden Kähnen /löschen die Wimpel den Traum, von den Himmeln...« - »... daß die unsichtbaren
Gestirne aufblühen.«
63
Rose Ausländer „Alles kann Motiv sein" In: Harald Vogel/Michael Gans: Gedichtinterpretationen - Rose
Ausländer, Hilde Domin. Baltmannsweiler 1996, p. 31.
64
A Transnístria (também Transdnistre, etim. <<além do rio Dnistre>>) é uma região no Leste Europeu que pertence
oficialmente à Moldávia, embora unilateralmente tenha declarado sua independência em 1991 com a ajuda de
contingentes russos, ucranianos e cossacos. In: ATLAS. Neuer Großer Atlas der Welt. Carto Travel Verlag GmbH &
Co.KG, Bad Soden/Tanus, 2006.
34
do que livros disponíveis
65
. O médico Dr. Alexis Zaloziecki, que cuidou da mãe de RA durante
os anos no gueto, é quem teria providenciado o trabalho.
Além do trabalho de Rose Ausländer na biblioteca, outros dois importantes fatores
permitiram que a família Ausländer-Scherzer conseguisse escapar da deportação para a mina de
carvão de Donez-Beckens: a mãe de RA, fora declarada incapacitada para o trabalho por
necessitar de cuidados médicos constantes. Além disso, a família obteve também a preciosa ajuda
de Hanna Kawa
66
que correndo grande risco levou-lhe secretamente roupas e mantimentos entre
os anos de 1942-1943 assegurando-lhe desta maneira sua sobrevivência
67
.
Durante a fase de confinamento suas poesias foram escritas em pequenos cadernos de
notas. Porém um ato de desespero, reflexo da situação de medo constante e pela precariedade
absoluta desta condição, faz com a poeta lance ao fogo boa parte do material que se encontrava
em suas mãos como cartas, manuscritos, diários e resenhas. Escapou deste destino apenas uma
pasta com poemas, notas e antigos textos que, assim foram trazidos por ela para o pós-guerra,
fora da sua terra natal, então ocupada pelas tropas russas.
65
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
p.74
66
De família abastada, Hanna Kawa conseguiu manter em segredo sua identidade judia e se arriscou várias vezes a
fim de ajudar judeus confinados.
67
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
p.67
35
1.4 - Exílio
Biographische Notiz
68
Ich rede
von der brennenden Nacht
die gelöscht hat
der Pruth
von Trauerweiden
Blutbuchen
verstummtem Nachtigallsang
vom gelben Sterne
auf dem wir
stündlich starben
in der Galgenzeit
nicht über Rosen
rede ich
Fliegend
auf einer Luftschaukel
Europa Amerika Europa
ich wohne nicht
ich lebe
Nota Biográfica
Eu falo
da noite em chamas
que o Pruth
apagou
de chorões
faias de sangue
canto emudecido do rouxinol
da estrela amarela
sobre a qual nós
a cada hora morríamos
no tempo do algoz
não é sobre rosas
que falo
voando
no balanço de ar
Europa América Europa
eu não moro
eu vivo
“Nota Biográfica”, escrito em 1973, dentre tantos outros poemas, sintetiza o sentimento
traumático da perda da pátria e do lar, recorrente na lírica de Rose Ausländer até a última fase de
sua produção poética A experiência do exílio, sem dúvida entre as mais marcantes de sua vida,
torna-se um sentimento crônico de expatriação que origina sua constante busca de um
>>Zuhause<<
69
presente sobretudo em sua poesia do pós-guerra. A perda do lar e as
68
Corpus p.38
69
Em alemão, com significado mais complexo do que o de „casa“. É o lar, o lugar onde alguém se sente bem
acolhido, onde o sentimento de família está presente.
36
circunstâncias dramáticas em que se deu essa perda, durante a segunda guerra, é o tema do poema
supracitado.
A primeira estrofe “Eu falo / da noite em chamas / que o Pruth / apagou” traz o mote
para a introdução de um discurso que se propõe a relatar fatos. O poema delineia em recortes,
cenas que fizeram parte da história, e o faz com metáforas que as ilustram: a “noite em chamas”,
os “chorões e faias de sangue”, a “estrela amarela” dos tempos da perseguição nazista que de tão
perversos emudeceram até o canto do rouxinol. O poema apresenta tais cenas na dimensão
correta de tempo: “tempo do algoz” e de espaço: “Pruth”. Seu desfecho é conduzir o eu-lírico ao
“balanço de ar Europa América Europa” no qual sua vida se transforma. Esta última se constitui
na maior metáfora de Rose Ausländer para sintetizar a ausência de moradia fixa e seu caminhar
entre dois mundos: o rio Pruth e o Hudson, as florestas de faias da Bucovina e os arranhacéus de
Manhattam, Czernowitz e Nova Iorque
70
, entre a fantasia que freqüentemente colore sua
expressão poética e as experiências amargas da realidade.
Rose Ausländer, como veremos a seguir, precisou se exilar três vezes ao longo de sua
vida:
em 1916, devido à Primeira Guerra Mundial, parte para Viena;
em 1921 para ajudar no sustento da família, para os Estados Unidos;
em 1946 devido à ocupação de Czernowitz pelo exército russo, para os Estados
Unidos novamente.
Em 1914 durante a Primeira Guerra Mundial, Czernowitz, disputada por russos e
austríacos, é ocupada várias vezes por tropas russas. Nesta ocasião a família Scherzer foge para
Viena retornando apenas no final da guerra em 1918, quando o Tratado de Saint Germain declara
que a Bucovina passa a ser território da Romênia. Em 1920 falece o pai de RA e a família
enfrenta sérias dificuldades financeiras. Em 1921 Rose Ausländer imigra para os Estados Unidos
acompanhada do colega de faculdade Ignaz Ausländer com quem se casa em 1923 em
Manhatam. A poeta substitui seu nome de solteira Scherzer pelo do marido Ausländer e o
70
ALBRECHT, Erhard u. Ausländer, Rose: Sich einen Vers auf die Welt machen. Versuche zwischen Czernowitz
und New York, in: WESTDEUTSCHER RUNDFUNK, Köln, 22.07.1966. p2 do manuscrito
37
mantém sempre, embora a união só dure até 1926, certamente pela identificação que lhe causa já
que seu significado “estrangeiro/forasteiro” define sua condição ao longo da vida.
A vida em Nova Iorque possibilitou a Rose Ausländer escrever poesias que não teriam
sido possíveis em Czernowitz. A experiência na metrópole foi decisiva para os poemas do „Ciclo
Nova Iorque“ (1921-1930) que surgem nesta ocasião. Neles estão presentes a sonoridade da
poesia expressionista da grande cidade, bem como sua visão realista da dureza da vida cotidiana e
do sofrimento do trabalho mecanizado nos Estados Unidos, do qual RA fez parte, como vemos no
poema a seguir:
Bankfabrik
71
Durch das Fenster meiner grauen,
großen, düsteren Bankfabrik
schickt mein bildverwöhntes Schauen
einen sonnensüchtigen Blick.
Aber kein Schmetterling
fängt seinen Strahl am Wege auf,
keine lichten, leichten Dinge
leiten höher seinen Lauf.
Eine kalte, starre, öde,
rußverrauchte Mauer spannt
steinern vor der Morgenröte
ihre schwere Vorhangwand.
Irgendwo im Gegenüber
stößt mein Blick auf einen Blick,
Banco-Fábrica
Através da janela de meu cinzento,
grande, sombrio banco-fábrica
lança meu olhar, habituado a imagens,
um contemplar sedento de sol.
Mas no caminho
nenhuma borboleta absorve seu cintilar,
nem coisas leves, luzentes
conduzem para mais alto o seu percurso.
Um frio, estático, solitário muro,
corroído pela ferrugem, estende,
com suas pedras diante do alvorecer,
sua pesada cortina.
Em algum lugar do outro lado
meu olhar se choca com um olhar
71
Corpus p.11
38
doch er huscht im Arbeitsfieber
hastig zum Papier zurück.
e desliza no trabalho febril,
apressado, de volta ao papel.
Em 1923 RA consegue trabalho no Bowery Savings Bank na Bowery Street Nr.130. É
este o “Banco-Fábrica”
72
pelas janelas do qual janelas lança seu “olhar sendento de sol”. O
poema reflete sua experiência com o trabalho monótono e a angústia da luta pela sobrevivência
nos EstadosUnidos.
A primeira estrofe expõe um sentimento nostálgico ao falar de seu “olhar, habituado a
imagens”, que lança “um contemplar sedento de sol” lançado através do “cinzento,grande,
sombrio banco-fábrica”. A segunda e terceira estrofes falam da realidade cinzenta e da ausência
de cor e de vida, em um lugar onde “nenhuma borboleta absorve seu cintilar / nem coisas leves
luzentes”. Não há algo que possa despertar um pouco de fantasia, e o “frio, estático, solitário
muro que é corroído pela ferrugem” ao interpor sua massa de cimento cinzenta e corroída diante
de um dos mais belos quadros da natureza - o começo do dia e da vida, também impede a visão
do nascer do sol. Além disso, o muro parece cercear não apenas o espaço físico, mas também a
vida como se a ferrugem também corroesse o tempo e a existência que se esvai. A descrição que
o poema faz é puramente concreta para evidenciar a realidade “preto e branco” vivenciada.
Em 1924 Rose Ausländer conhece em Nova Iorque Alfred Margul-Sperber
73
, poeta,
tradutor, crítico e editor, a quem deve a publicação de seu primeiro livro “Der Regenbogen”. Em
1926 após conquistar a cidadania americana, RA retorna a Czernowitz a fim de rever família e
amigos. Nesta ocasião conhece o grafólogo Hélios Hecht por quem se apaixona separando-se
imediatamente de Ignaz Ausländer. Hecht também casado na ocasião, separa-se de sua esposa e o
72
>>Bankfabrik<< em alemão dá, à primeira leitura, a impressão de que se trata de uma fábrica de bancos. Na
realidade RA faz um jogo de palavras para expressar a sensação de um trabalho operário mecanizado realizado
nos
bancos.
73
Margul-Sperber também teve papel decisivo na publicação do primeiro volume de poesias do jovem, então
totalmente desconhecido, Paul Celan.
39
casal retorna aos Estados Unidos onde os dois passam a viver junto. Em 1931 a mãe de RA
adoece e o casal volta a Czernowitz para dar-lhe assistência.
Em 1935 RA deixa Hélios Hecht após descobrir que ele publicara sem seu
consentimento num jornal mensal, uma análise de sua personalidade. Tal atitude representa para
a poeta uma quebra de confiança que não consegue tolerar. Contudo, Hélios permanece grande
amor de sua vida, a quem a poeta dedica vários poemas até o final da vida, entre eles:
Das Leben entflieht
74
(S.22)
Das Leben entflieht – und ich liebe dich!
Und du weiß es nicht und du bist fremd und fern –
O beleidige mich, o betrübe mich,
o erniedrige mich, doch liebe mich
nicht länger wie einen unnahbaren Stern!
Du kamst und du gingst – und ich entbehre dich
wie die Säugling die Brust – mein Weh ist wild!
O begehre mich, o zerstöre mich,
ich beschwöre dich, doch verehre mich,
Geliebter, nicht wie ein entkörpertes Bild!
Das Leben entflieht – und du kommst nicht mehr!
Nie hör ich dich wieder – dein Schritt war mein Lied!
Ach du kommst nicht mehr – mein Zimmer ist leer,
die Tage tropfen ins Tränenmeer,
und ich liebe dich und das Leben entflieht…
A vida se esvai
A vida se esvai – e eu te amo!
E tu não sabes e estás ausente e distante –
Oh!, ofenda-me, oh! traia-me
oh! humilha-me, mas me ama
não mais que a uma estrela inatingível!
Viestes e fostes – e eu careço de ti
como o bebê do peito – minha dor é selvagem!
Oh! deseja-me, oh destroe-me,
eu te suplico, venera-me,
meu amado, não como uma figura sem corpo!
A vida se esvai – e tu não voltas mais!
Nunca mais te ouvirei – teu passo era minha canção!
Ah! não voltas mais – meu quarto está vazio,
os dias gotejam no mar de lágrimas,
e eu te amo e a vida se esvai…
A vida se esvai é tomado aqui como exemplo para a lírica amorosa de RA. O poema é
um entre vários, no qual a poeta trata de sua grande paixão e da dor da separação.
74
Corpus p. 23
40
Em 1939 vence a cidadania americana de RA e a poeta dispensa a cidadania romena. A
ascensão nazista faz com que cresçam as manifestações anti-semitas no leste europeu. Com a
ajuda de amigos RA consegue mais uma vez retornar aos Estados Unidos, onde permanece
apenas até dezembro do mesmo ano, quando recebe a notícia da piora do estado de saúde de sua
mãe. Em 1940 como conseqüência do pacto Hitler-Stalin
75
o norte da Bucovina, com a sua
capital Czernowitz, é cedida à União Soviética. Contudo, durante a guerra, nos anos de
confinamento de RA portanto, a região volta novamente ao domínio da Alemanha de Hitler por
mais alguns anos. A partir de 1945 passa novamente a pertencer à República Soviética da
Ucrânia o que dificultou a permanência de muitos dos sobreviventes levando a maioria a exilar-
se. Aos alemães, judeus e romenos é oferecida a autorização de emigração para a Romênia e
outros países. Em junho de 1946 Rose Ausländer junto com sua família deixa para trás uma
Czernowitz quase desabitada
76
.
Em setembro de 1946 Rose Ausländer é uma das primeiras exiladas na Romênia a
conseguir visto para os Estados Unidos. A adaptação desta vez foi mais demorada: no inverno de
1947 falece sua mãe na Romênia, um golpe do qual RA parece nunca se recuperar totalmente
como se observa em sua poesia até a última fase de sua produção poética. Com a perda da mãe se
dá a perda definitiva da pátria. Na ocasião a poeta tem uma crise nervosa acompanhada de uma
estafa física e mental e é impossibilitada de trabalhar; permanece por cerca de meio ano sob
cuidados médicos e psicológicos e só se recupera lentamente. Na ocasião não pode mais escrever,
tamanho seu desespero, o que se estendeu por alguns anos. Ser forçada a conduzir uma nova vida,
adaptar-se ao ritmo de vida americano, à solidão, ao anonimato, à condição de estrangeira numa
cidade com cerca de 9 milhões de habitantes sufocou qualquer impulso poético
77
.
75
Pacto de não-agressão assinado pela Alemanha e União Soviética em 23 de agosto de 1939 que visava, sobretudo,
possibilitar aos dois parceiros conquistas territoriais e políticas de grandes proporções. In: HENIG, Ruth. As origens
da segunda guerra mundial. Ed. Ática. Sao Paulo, 1991. p. 63
76
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
1999.p.75
77
HOGHE, Raimund. Nachwort (zur Arbeitsweise von R. A.), in: Die Nacht hat zahllose Augen - Prosa. Vol. 15,
Hg. Helmut Braun, S. 173 ff, Fischer Taschenbuch Verlag, Frankfurt/Main 1995.
41
Há inúmeras pesquisas sobre o exílio na literatura e discussões
78
nos campos da
psicologia e psiquiatria sobre suas conseqüências na saúde física e mental do exilado.
O exílio é uma doença. Uma doença espiritual, uma doença psíquica, e por
vezes uma doença física.
79
O fato de pertencer a uma determinada cultura, a uma tradição, a uma pátria, a uma
paisagem e a perda repentina de tudo isso, e principalmente a perda da língua culminando na
necessidade de se expressar numa língua estrangeira é encarado por vezes como a própria morte.
Eis um dos grandes diagnósticos da doença do exílio: o pensar que em casa tudo era melhor
80
.
Hannah Arendt também teve de imigrar para os Estados Unidos fugindo da perseguição nazista
em 1941 e sobre a condição de exilada escreve:
„Dávamos o melhor de nós, a fim de provar às outras pessoas que éramos
imigrantes totalmente comuns. Explicávamos que nós nos colocamos a caminho
do país de nossa escolha voluntariamente e afirmávamos que nossa situação
tinha alguma coisa a ver com os denominados problemas judeus. (…) Nós
queríamos assegurar uma existência básica e isso era tudo. É preciso ser um
otimista e ser muito forte quando se quer construir uma nova existência. Então
colocávamos grande otimismo em nosso dia. (…) Tinha algo de errado com
nosso otimismo. Existiam entre nós aqueles estranhos otimistas que de modo
veemente propagavam sua perseverança e depois iam para casa ligavam o gás
ou de um modo inesperado faziam uso de algum arranhacéu.“
81
78
Entre elas: Hilde Spiel „Psychologie des Exils“ in: Neue Rundschau, Jhg.86/1975, H.3, S. 424-439 appud von der
LÜHE, Irmela.
79
„Das Exil ist eine Krankheit. Eine Gemütskrankheit, eine Geisteskrankheit, ja zuweilen eine köperliche
Krankheit.“ Hilde Spiel „Psychologie des Exils“
80
von der LÜHE, Irmela. Rose Ausländer – Stationen des Exils im Leben einer Dichterin. in: „Weil Wörter mir
diktieren: Schreib uns.“ Literaturwissenschaftliches Jahrbuch 1999 der Rose Ausländer-Stiftung. Hg. Helmut Braun,
S. 181-198, Köln, 2000.
81
ARENDT, Hanna. Zur Zeit. Politische Essays. Berlin 1986, P.1.
42
Por muitos anos não foi mais possível a Rose Ausländer escrever poesia em sua língua
materna. Sua segunda estada em Nova Iorque (1946-1964) foi difícil por motivos pessoais e
financeiros
82
, mas, ainda assim é nessa época em que a poesia em língua inglesa acontece. Poesia
sem fronteiras, com elementos da língua materna e língua do exílio, ou como RA chamava
>>língua dos assassinos e língua do estrangeiro<<. A poesia desta época traz a interação de RA
com o modernismo americano e as diferentes tradições poéticas
83
sobre as quais a poeta se
apoiou.
WAITING FOR LIFE
84
Waiting for life in nucleus of a tulip
I inhaled spring with all organs of dream and surprise.
The silver-harp of rain was humming, humming.
Butterfly-lovers scintillated through the unfinished
air also waiting for life.
Waiting for life at a crossroad I witnessed annihilation
in fallen leaves, in fallen peoples and lands.
The human face looked at me blind, smiled and wept.
Iron and fire tattooed terrible language
while waiting for life.
Waiting for life with the patience of the unborn,
crystal formations around invisible centre,
breath and death in shifting perspectives with nothing
to hasten nothing to halt variation –
waiting behind the ages for definite life.
ESPERANDO PELA VIDA
Esperando pela vida no núcleo de uma tulipa
eu inalei a primavera com todo o ser repleto de sonho e surpresa.
A harpa prateada de chuva estava cantarolando, cantarolando.
Borboletas-amantes cintilaram através do infinito
ar também esperando pela vida.
Esperando pela vida numa encruzilhada eu testemunhei aniquilação
nas folhas que caem, nas pessoas que caem, e países.
A face humana olhou pra mim cega, sorriu e chorou.
Ferro e fogo tatuaram terrível linguagem
enquanto esperava pela vida.
Esperando pela vida com a paciência do não nascido,
formações de cristais ao redor do centro invisível,
respiração e morte nas mutantes perspectivas com nada
a apressar nada a interromper variação -
esperando atrás dos anos pela vida definitiva.
82
De 1948 a 1961 RA trabalha em Nova Iorque como corresponde em língua alemã.
83
Todas as tradições que compõem a poética de RA bem como a evolução de sua obra serão esmiuçados no Cap.III.
84
Corpus p.26
43
Um dos últimos poemas escritos em língua inglesa, “Esperando pela vida” traz mais
uma vez o trauma da guerra. O poema é composto por três estrofes que o dividem em três
diferentes momentos: a primeira estrofe é regida pela fantasia e a descrição idílica feita aqui
delineia uma atmosfera primaveril cheia de vida, aroma e magia: “eu inalei a primavera com todo
o ser repleto de sonho e surpresa”. O lugar no qual a vida está sendo aguardada é um mundo
colorido de imaginação e repleto de harmonia: o “núcleo de uma tulipa”. A representação
alegórica da estrofe ilustra os sonhos que idealizavam o futuro, a vida que estava sendo
aguardada. A visão poética é construída no passado: “inalei a primavera”, “estava cantarolando”,
“borboletas-amantes cintilavam”, que propõem uma ação subjetiva (o sonhar).
Na segunda estrofe as metáforas tornam-se sombrias e obscuras: seu primeiro verso
“Esperando pela vida numa encruzilhada”, parece mostrar a possibilidade de dois caminhos que
se abrem, e em seguida aquele no qual o eu-lírico é conduzido: “eu testemunhei aniquilação”. No
segundo verso é construída uma alegoria de outono, uma fase de transição, de um ambiente que
caminha rapidamente da efemeridade à perda que causa simultaneamente a idéia de tênue
fugacidade do tempo que se esvai “nas folhas que caem”, até a imagem mais drástica da vida em
“pessoas que caem e países”.
A partir da atmosfera expressa no verso anterior, na qual se detecta perda da natureza,
de pessoas e de países, a “face humana”, mesmo cega, ainda olha e sorri; contudo, diante das
perdas, também chora. Os dois últimos versos da segunda estrofe trazem a convivência paradoxal
de duas ações: “Ferro e fogo tatuaram terrível linguagem / enquanto esperava pela vida”. Aqui
há uma clara alusão ao horror dos campos de concentração e a atitude, perante tanta aflição, seria
a de aguardar a morte. A esperança, contudo, permanece simultaneamente ao sofrimento, e é o
que possibilita essa “espera pela vida”.
Na última estrofe a espera se dá no presente e “Esperando pela vida com a paciência do
não nascido”, parece sugerir que o eu-lírico ainda aguarda a oportunidade de “ser”. Os versos de
dois a cinco trazem divagações sobre o que seria a vida, sua fragilidade: “formações de cristais” e
seus mistérios: “ao redor do centro invisível” e novamente um paradoxo, “respiração e morte (ao
44
invés de respiração e vida) nas mutantes perspectivas com nada / a apressar nada a interromper
variação – / esperando atrás dos anos pela vida definitiva”.
O eixo central por todo poema é a constância da espera. As três estrofes iniciam-se com
a anáfora “Esperando pela vida” a partir da qual se delineiam as circunstâncias em que esta
espera ocorre. O último verso ecoa, sob forma de arremate, o refrão que une as diferentes
estrofes: “esperando atrás dos anos pela vida definitiva”. A espera soa neste fim, não como um
indício de esperança, mas uma condenação ao esperar.
„O fato de que Rose Ausländer viva na palavra, isto é, na língua, seja ela a
inglesa ou a alemã e que para ela língua signifique vida, não significa
necessariamente que a língua lhe ofereça um lar efetivo >>festes Zuhause<<
(...) - língua esta que também traz como característica a ausência, como faz o
eco. “
85
O fato de Rose Ausländer tentar (e conseguir!) no exílio, escrever poesia em língua
inglesa é uma comprovação de sua permanente interação com a linguagem. Assim, na obra de
RA a língua e o ato de compor poesias são postos sempre como tema.
O retorno à língua alemã não foi uma tarefa fácil, mas em 1957 RA volta pela primeira
vez à Europa e após um encontro com Paul Celan em Paris, decide não publicar mais em língua
inglesa. Em 1964 deixa Nova Iorque definitivamente.
85
MORRIS, Leslie. (I have (never) been in Jerusalem:): - Wiederholung, Übersetzung und Echo der jüdischen
Identität in Rose Ausländers Lyrik. in: „Weil Wörter mir diktieren: Schreib uns.“ Literaturwissenschaftliches
Jahrbuch 1999 der Rose Ausländer-Stiftung. Hg. Helmut Braun, S. 199-214, Köln, 2000 p.208.
45
1.5 - A vida no pós-guerra
A poesia de Rose Ausländer do pós-guerra é composta pelas marcas de sua experiência
de vida: as duas guerras, a perda da pátria e suas lembranças, a perseguição aos judeus, o gueto, o
exílio. Entretanto, os anos de confinamento no gueto foram para RA sem dúvida a experiência
mais dolorosa de sua existência. O trauma da perseguição nazista somado à constante condição
de estrangeira desempenham papel decisivo na temática que compõe toda a sua obra posterior:
Ich vergesse nicht
86
Ich vergesse nicht
das Elternhaus
die Mutterstimme
den ersten Kuß
die Berge der Bukowina
die Fluch im ersten Weltkrieg
das Darben in Wien
die Bomben im zweiten Weltkrieg
den Einmarsch der Nazis
das Angstbeben im Keller
den Arzt der unser Leben rettete
das bittersüße Amerika
Hölderlin Trakl Celan
meine Schreibqual
den schreibzwang
noch immer
Eu não esqueço
Eu não esqueço
a casa dos pais
a voz da mãe
o primeiro beijo
as montanhas da Bucovina
a fuga na primeira guerra mundial
o sofrimento em Viena
as bombas na segunda guerra mundial
a marcha nazista
o tremor de medo no porão
o médico que salvou nossas vidas
a doce-amarga América
Hölderlin Trakl Celan
minha tortura da escrita
o forçado escrever
sempre
A trajetória de Rose Ausländer é permeada pelo sentimento de nostalgia. O modo como
sua biografia se desenvolve desde a juventude, quando tem de deixar sua pátria pela primeira vez,
as inúmeras despedidas, as muitas renúncias, pessoas e países que ficam para trás, enfim, todas
essas experiências tornam-se cada vez mais presentes em sua poesia. Além disso, com o passar
86
Corpus p.45
46
dos anos sua lírica também passa a refletir sobre o significado do ato de compor, como se pode
observar em “Eu não esqueço”.
Rose Ausländer, mesmo após tantos anos, vive em Nova Iorque sempre como
estrangeira. Desde que deixou seu país nunca mais teve seu próprio apartamento, seus próprios
móveis. Pensões, hotéis, quartos mobiliados formam seu lar. Todo seu patrimônio é formado por
milhares de páginas com manuscritos de poemas, cartas, livros, fotos e documentos, que são
guardadas em malas. Sempre preparadas para uma emergência, para o caso de uma nova fuga, se
necessário.
87
Einsamkeit II
88
Wahrgeworden
die Weissagung der Zigeunerin
Dein Land wird
dich verlassen
du wirst verlieren
Menschen und Schlaf
Wirst reden
mit geschlossen Lippen
zu fremden Lippen
Lieben wird dich
die Einsamkeit
wird dich umarmen
Solidão II
Tornou-se realidade
a previsão da cigana
Teu país irá
te abandonar
perderás
pessoas e sono
Falarás
com lábios cerrados
a lábios estrangeiros
Amar-te-á
a solidão
abraçar-te-á
“Solidão II” escrita em 1976, traz uma reflexão melancólica sobre a trajetória da poeta
através dos anos, a luta pela sobrevivência que a obriga a exilar-se e todas as implicações em
decorrência disto, enfim, tudo o que ficou para trás. O modo como se desenvolve, com a
87
BRAUN, Helmut (org.). Nachwort „Denn wo ist Heimat?“, in: R. A. Grüne Mutter Bukowina – Gedichte und
Prosa. S. 131-159, Rimbaud Verlag. Aachen, 2004. p.157
88
Corpus p.36
47
construção de metáforas que ilustram cada uma de suas grandes perdas: “Teu país irá / te
abandonar / perderás / pessoas e sono”, que delineam os acontecimentos mais marcantes em sua
vida: “Falarás / com lábios cerrados / a lábios estrangeiros” numa alusão clara ao exílio, ao seu
destino de falar para os que lhe são estranhos. Todo esse trajeto, como um destino do qual não se
pode escapar, vaticinado pela cigana. A última estrofe é permeada por uma ironia sutil: sua
construção, com palavras do campo lexical de afeto: “amar”, “abraçar” trazem a falsa impressão
de que por fim um sentimento de aconchego irá se instaurar, mas a palavra que aparece no verso
central da estrofe, sujeito da ação sugerida pelos verbos é a “solidão”.
Em 1963 Rose Ausländer deixa Nova Iorque para encontrar sua família em Viena.
Visita Israel em 1964 por cerca de um mês para estudar a possibilidade de se mudar para lá.
Contudo, opta por morar num país de língua alemã. Vai primeiro para Viena, porém, após sofrer
mais uma vez experiência anti-semita muda-se em 1965 para a Alemanha Ocidental, ainda que
sem uma residência fixa.
Eu não moro, já mudei tantas vezes de domicílio, eu nem falo em residência.
Aqui em Düsseldorf eu já estou desde 1965, mas mesmo isso eu encaro apenas
como algo provisório. Mesmo os meus apartamentos anteriores nos Estados
Unidos, eu sabia, lá estava no exílio, e não poderia sempre viver num ambiente
de língua inglesa. Eu sabia que aquilo não era o verdadeiro morar. Não estou
falando de antigamente, de casa. Mas que vivo, isto eu sinto. Eu valorizo a vida
e não o morar aqui ou lá.
89
Rose Ausländer optou por Düsseldorf por ter um círculo de amigos e conhecidos
vivendo lá. Vários membros da comunidade judaica da cidade vieram da Bucovina, muitos como
ela, de Czernowitz.
89
ASSALL, Paul: Ich wohne nicht, ich lebe, in: SWF - SÜDWESTRUNDFUNK Baden-Baden, 2. Programm,
01.01.1978 (Porträt und Interview mit RA) (auch in WDR; NDR; BR; SDR; SFB u. a.)p.1 do manuscrito.
48
Im Atemhaus
90
Für Hans Bender
Unsichtbare Brücken spannen
Von dir zu Menschen und Dingen
von der Luft zu deinem Atem
Mit Blumen sprechen
die du liebst
Im Atemhaus wohnen
eine Menschblumenzeit
Na casa de ar
Para Hans Bender
Pontes invisíveis estendem-se
de ti a pessoas e coisas
do ar ao teu aspirar
Falar com flores
que tu amas
Morar na casa de ar
um tempo de gente e de flores
„Na casa de ar“ escrito em 1977 mescla, mais uma vez, a fantasia com nostalgia e
esperança. O poema sugere uma atmosfera repleta de harmonia e entendimento – „Falar com
flores que tu amas“. Cercada de antigos amigos e conterrâneos, seguramente era o ambiente
aguardado por Rose Ausländer nesta nova fase da vida em Düsseldorf.
Rose Ausländer também escreveu prosa. Em comparação aos poemas, o número de
textos narrativos de RA é bem modesto. Seu empenho para dedicar-se a esse gênero dura pouco:
apenas o ano de 1967, embora, posteriormente ainda surjam alguns fragmentos e textos isolados.
Segue-se um exemplo de texto narrativo, uma espécie de poesia em prosa, no qual é
possível reconhecer seu estilo único, bem como seu tema recorrente:
Krokodiltränen
91
Ich salze meine Suppe mit Krokodiltränen. Das
Krokodil, ein Geburtstagsgeschenk, liegt in der
Küche und weint, weil ich nicht koche was es
Lágrimas de Crocodilo
Eu salgo minha sopa com lágrimas de crocodilo.
O crocodilo, um presente de aniversário, fica na
cozinha e chora porque eu não cozinho o que ele
90
Corpus p.39
91
Corpus p.58
49
gern frißt: Menschen. Ich füttere es mit Literatur.
Es verschlingt alles, was ich ihm vorlese, bis auf
Gedichte. Lyrik findet es unverdaulich.
gosta de comer: gente. Eu o alimento com
literatura. Engole tudo o que eu leio para ele,
com exceção de poesia. Lírica ele acha indigesto.
“Lágrimas de Crocodilo” mostra que a leveza poética de Rose Ausländer também é
transmitida com sucesso para a prosa. O pequeno texto mescla de maneira muito sutil a fantasia
do universo lúdico com a ironia. “O crocodilo que gosta de comer gente” também é uma alusão
clara à perseguição nazista, ao trauma que persiste mesmo com o passar dos anos. A literatura
neste caso, seria uma maneira de manter essa dor sob controle e a poesia mais especificamente,
de exorcisá-la.
Até 1972 Rose Ausländer ainda realiza algumas viagens pela Europa e também aos
Estados Unidos. Após sofrer um acidente no mesmo ano, a necessidade de cuidados constantes
faz com que se mude para a Nelly Sachs-Haus, um asilo construído pela comunidade judaica de
Düsseldorf.
Als auf den Fensterscheiben
92
die Blumen blühten
kochte die Mutter
Es gab Kälte und Wärme
auch Honig in klarem Kristall
Wir lachten uns alle
ins Fäustchen
Kam der Fuchs
und stahl Kälte und Wärme
und Honig im klaren Kristall
Das Lachen blieb
im Fäustchen
Angst und salzige Tränen
füllten die Augen
Quando nas vidraças
as flores desabrochavam
a mãe cozinhava
Havia frio e calor
e mel no claro cristal
Nós ríamos todos
à socapa
Veio a raposa
e roubou frio e calor
e mel no claro cristal
O riso permaneceu
na socapa
medo e lágrimas salgadas
encheram os olhos
92
Corpus p. 55
50
O tempo, a experiência literária, sua experiência de vida, somadas à situação em que
Rose Ausländer se encontra na ocasião em que este poema acima foi escrito – acamada há vários
anos (o que possibilita-lhe longas e ininterruptas reflexões) contribuíram para que sua poesia
amadurecesse e se refinasse. “Quando nas vidraças” constitui-se em mais um desabafo
melancólico.
O sentimento saudosista promovido pelas recordações da infância, bem como o trauma
do qual a poeta nunca se recupera, permanecem recorrentes na poesia desta última fase. O
sentimento de perda é a principal expressão do poema. A saudade do aconchego do lar da
infância aparece aqui como a imagem das flores na janela e da mãe cozinhando. A tranqüilidade e
doçura da vida em família junto à simplicidade e a transparência do mundo infantil são
representados pelo “mel em claro cristal”.
Na segunda estrofe a alegria e o aconchego deste tempo lhe são arrancados dando lugar
à desolação. A raposa, representando a perseguição sofrida, torna sombrio um tempo que nunca
mais seria o mesmo. O sorriso que por vezes era abafado – “Nós ríamos todos à socapa” - se
perde junto com a alegria no tempo. As lágrimas salgadas em contraposição ao sorriso e ao mel
simbolizam a transformação da vida, a ida de um extremo ao outro - onde a alegria é dissipada
dando lugar à dor.
Nesta época a poeta passa a isolar-se cada vez mais, porém vive seu período mais
produtivo: escreve, publica e recebe vários prêmios literários. A partir de 1978, acamada, não
pode mais deixar o quarto.
Privacy
93
Manchmal möchte ich allein und ungestört sein.
Das ist unmöglich: Die Stimmen der Nachbarn,
Privacidade
Às vezes eu gostaria de ficar sozinha e não ser
incomodada. É impossível. As vozes dos
93
Corpus p.59
51
die Geräusche der Straße wohnen in meinen
Zimmer. Öffne ich das Fenster, kommen Mücken,
Fliegen, Falter, Spatzen, hereingeflogen, ab und
zu auch ein Kobold oder ein Engel. Jeder will
etwas von mir: ein bißchen Blut, ein bißchen
Hautduft, ein bißchen Futter, einbißchen
Schadenfreude, einbißchen Halleluja. Man
möchte já gern allen gerecht werden, aber man
möchte auch gern sich selber gerecht werden,
seine eigene Stimme hören, keine fromme
Wünsche haben, einmal alles verwünschen
dürfen. Dieses Glück ist einem selten vergönnt.
vizinhos e o barulho da rua moram no meu
quarto. Abro a janela, entram voando -
pernilongos, moscas, borboletas, pardais, de vez
em quando também um gnomo ou um anjo.
Todos querem algo de mim: um pouquinho de
sangue, um pouco de cheiro da pele, um pouco
de comida, um pouco de malícia, um pouco de
alelulia. Claro que se gostaria de contentar a
todos. Mas se quer também contentar a si, ouvir a
própria voz, sem singelos desejos, uma vez poder
fazer com que tudo desapareça. Mas esta alegria
é concedida raramente.
À partir de 1983 Rose Ausländer é acometida por uma forte artrose nas mãos, o que a
impossibilita de escrever. Suas poesias passam a ser ditadas. Desde o verão de 1984 Rose
Ausländer decide pelo isolamento total. Afasta-se de todos, não recebe mais visita nem dos
amigos mais próximos. Só continuam tendo acesso a ela a enfermeira particular, o irmão Max,
que anualmente vinha de Nova Iorque visitá-la e seu editor Helmut Braun, às sextas-feiras. RA
estava convicta de que ainda precisava escrever e as forças que ainda lhe restavam precisavam ser
concentradas em sua obra
94
. A poeta começa a despedir-se. “Escrever era viver. Sobreviver.
Agora não me é mais necessário.”
95
Rose Ausländer encerra seu trabalho poético no final de
julho de 1986 após ditar sua última poesia:
94
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
Stuttgart 1999. p.177
95
Ibd.
52
Gib auf
96
Der Traum
lebt
mein Leben
zu Ende
Desista
O sonho
vive
minha vida
até o fim
Como podê-se observar, o trauma da guerra e as marcas do Holocausto fizeram-se
presentes até o final da produção poética de Rose Ausländer, mas o amor pela vida, a fantasia e
sua marca registrada - a esperança, permanecem igualmente presentes como mostra seu último
poema.
Com uma obra que reúne mais de 2500 poemas, a autora teve seus livros publicados nos
Estados Unidos e na Alemanha, recebeu vários prêmios ainda em vida, entre eles o Andreas
Gryphius-Preis em 1980, a Roswitha-Gedenkmedaille da cidade de Gandersheim e em 1984 o
Prêmio Literário da Academia de Belas Artes da Bavária. Em Köln há uma Fundação que leva
seu nome, responsável por um acervo do qual fazem parte todas as pesquisas e publicações, feitas
até agora, sobre sua vida e obra.
Rose Ausländer faleceu em 3 de janeiro de 1988 e está sepultada no cemitério judeu do
Nordfriedhof em Düsseldorf.
96
Corpus p.57
II. Parte
Lírica após Auschwitz?
54
2.1 - Possibilidade e impossibilidade de arte
“Depois de Auschwitz >>pensar<< também
significa pensar contra si mesmo.“
Adorno – Dialética Negativa
O debate levantado por Theodor Adorno sobre Auschwitz proporcionou sem
dúvida, uma das maiores contribuições filosóficas, não só para o estudo do tema propriamente
dito, como também fomentou a reflexão sobre o significado e a função da arte do século XX.
Por este motivo são tomados aqui como base teórica de discussão alguns de seus textos a fim
de refletir sobre a representação estética do Holocausto e suas conseqüências na obra de obra
Rose Ausländer.
Adorno começa a desenvolver seu pensamento sobre a obra de arte na década de
quarenta (ainda durante a segunda guerra). O filósofo discorre em seus textos
1
sobre a
urgência em se realizar um estudo sobre os mecanismos que tornam os homens capazes de
atos bárbaros e aponta a reificação - caracterizada pelo automatismo, passividade, perda da
autonomia e da autoconsciência, ou seja, o assumir características de objeto inanimado - como
sendo a principal conseqüência da degradação do ser humano enquanto indivíduo. Segundo
Adorno, somente o espírito crítico pode evitar a degeneração do sujeito, que culmina em sua
coisificação
2
. No desenvolvimento do espírito crítico a educação tem papel fundamental. No
pensamento do filósofo seu sentido é ampliado e, muito além do acúmulo de conhecimento e
informação, a educação possui a função primordial de despertar a sensibilidade.
Para Adorno, a educação tem a função dialética de levar o conhecimento do horror e
ao mesmo tempo reforçar a impossibilidade de sua compreensão. Ela deve a um só tempo
evitar a barbárie e promover a emancipação humana. De acordo com Seligmann, “a
“posteridade” deste acontecimento (o Holocausto) estanca o fluxo do tempo. Seu presente se
1
Principalmente em Dialética do Esclarecimento e Educação após Auschwitz.
2
Verdinglichung
55
expande e tende a se acomodar no “espaço”
3
”. Justamente por isso se dá a importância da
rememoração.
(..) os riscos muito reais de uma repetição do horror; uma repetição, sem
dúvida, não idêntica, pois não há repetições deste tipo na história, mas sim
uma retomada, uma reedição de mecanismos semelhantes de exclusão, de
violência e de aniquilamento, mecanismos que, na Shoah, encontram uma
expressão singular e insuportável, mas infelizmente, nem única nem
necessariamente última.
4
Rememorar, portanto, implica também em confrontar-se mais uma vez com a
catástrofe. Para Adorno a confrontação com o horror é necessária. O desconforto que tal
confrontação proporciona tem de ser suportado uma vez que é a única maneira de se manter
presente a lembrança incômoda do sofrimento sem medidas como modo de evitar sua
repetição. Para Adorno o perigo de que tudo aconteça de novo está em não se admitir o
contato com a questão. Na conferência Educação após Auschwitz, Adorno trata de temas
relacionados aos impulsos e sentimentos do indivíduo e da necessidade de se resgatar o
conceito de “humano”. No trecho a seguir o filósofo fala da importância de não se reprimir a
angústia:
(...) a educação deveria levar à sério uma idéia que não é de modo algum
estranha a filosofia: a angústia não deve ser reprimida. Quando a angústia
não é reprimida, quando o indivíduo se permite ter tanta angústia quanto esta
realidade merece, então, provavelmente desaparecerá grande parte do efeito
destrutivo da angústia inconsciente e protelada.
5
A atualidade das ponderações de Adorno sobre a necessidade da emancipação, que
só o espírito crítico pode proporcionar, reforça-se ao longo dos anos. Como exemplo da
“manipulação” perversa da “angústia geradora de constrangimento” é tomada aqui a “Querela
3
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Adorno. Ed. Publifolha. São Paulo, 2003.p.75
4
GAGNEBIN, J.M. „Após Auschwitz” in: História, Memória, Literatura – O testemunho na era das
catástrofes. Sao Paulo: Ed. Unicamp, 2003 p.93
5
Educação após Auschwitz p.114
56
dos Historiadores”
6
originada da vontade de tentar encobrir ou ignorar uma das maiores
catástrofes do século XX. A “Querela dos Historiadores”, expressa na década de 80 o
“incômodo” em se lidar com as questões relativas à Schoá. A discussão movimentou a
opinião pública alemã
7
e incitou a participação de vários professores universitários das áreas
de história, filosofia, ciência política e educação. Teve sua origem em 1986, com a publicação
do artigo „O passado que não quer passar“ pelo historiador alemão Ernst Nolte. Em seu artigo
Nolte cita por exemplo, o Arquipélago Gulag como precursor de Auschwitz e os russos como
os pioneiros no assassinato em massa. Expõe desse modo, o desejo de superar a questão da
culpa ao tentar relativisar o passado de extermínio nazista dos judeus e instigar uma postura
complacente na sociedade alemã. Jürgen Habermas da Escola de Frankfurt, em entrevista ao
jornal „Die Zeit“ acusa Nolte de criar uma imagem da história revisionista ao tentar relativisar
o horror nazista.
A angústia ou melancolia em Adorno também tem conotação aporética. Ao percebê-
la de modo dialético, o filósofo instiga uma profunda reflexão. Assim, tal melancolia poderia
ser interpretada como geradora do desconforto, do constrangimento em relação à Auschwitz,
que especialmente na sociedade alemã, suscitara a querela supracitada.
Para Adorno, a melancolia é tida como paradigma do conhecimento. O confronto
com a dor deve promover a elevação do ser, em detrimento da reificação, pois é através da
atuação do espírito crítico que a alienação é suprimida. A angústia, elaborada pelo senso
crítico através de um caminho árduo, pois implica na reflexão e no contato com a dor,
transforma-se no sentimento melancólico que segundo Adorno, teria o papel de redentor.
Sentimento este que lidera a luta para mudar uma situação reconhecidamente ruim, postura
justamente contrária à perspectiva positivista, conformista ou ao agir de modo enganoso como
se o mal não existisse. Postura que, simultaneamente, inspira o olhar crítico, sobretudo em
relação à violência ao invés da adesão ou vistas grossas à ela. Diante disso, a obra de arte
adquire um papel primordial como instrumento de formação:
6
>>Historikerstreit<< www.3sat.de
7
PIPER, Ernst Reinhard (Org.). “Historikerstreit” – Die Dokumentation der Kontroverse um die Einzigartigkeit
der nationalistischen Judenvernichtung.
57
O tema hegeliano da arte como consciência das desgraças, confirmou-se para
além de tudo o que ele podia imaginar. (...) O obscurecimento do mundo
torna racional a irracionalidade da arte.
8
Na passagem acima extraída da Teoria Estética, é possível aquilatar-se o grau de
responsabilidade conferido pelo autor à obra de arte na qual a transmissão subjetiva de
sentimentos torna-se lógica e passa a adquirir função objetiva. Nesta passagem Adorno, além
de reafirmar o pensamento de Hegel sobre a arte como meio de expressão do sofrimento,
também reconhece nela a função de difundir a informação sobre tal experiência.
Adorno observa a cultura como “doença” e simultaneamente como “antídoto”,
como barbárie e como princípio anti-barbárie
9
e em 1966 afirma: “Toda cultura depois de
Auschwitz, junto com a crítica urgente a ela, é lixo”.
10
Em tempos tão sombrios, a arte pela
arte não é mais válida. Tal afirmação adorniana ecoa as teses de Walter Benjamin
11
sobre a
história (1939), para quem não existe documento de cultura que não seja, paralelamente,
também um documento de barbárie.
Na realidade, para Adorno a arte tem um grande compromisso social: dotada de
importante função política, ela deve atuar contra a reificação, ou seja, contribuindo para a
superação da alienação e fazendo a um só tempo crítica política e contra a violência. Além
disso, ela pode e deve ser vista como documento histórico, à medida que reflete a experiência
política de seu tempo.
Para que a obra de arte consiga cumprir essa “responsabilidade”, ela deve instruir e
o faz através de seu “conteúdo de verdade” – a representação da catástrofe. O contato com
essa verdade deve conscientizar. Ao promover a conscientização, a obra de arte desempenha
sua tarefa de educar, propiciando a elevação do espírito, isto é, possibilita ao ser humano seu
retorno ao conceito de humano. Para Adorno “o conhecimento só é capaz de estender-se se ele
8
T.W. Adorno. Teoria Estética, p.35.
9
Engagement, p.
10
Dialética Negativa, p. 359
11
BOLLE, Willi (org) Walter Benjamin. Documentos de Cultura. Documentos de Barbárie. Editora Cultrix/
Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo 1986.p.12
58
adere ao indivíduo com uma tal insistência que seu isolamento se desfaz”
12
ou seja, precisa causar-lhe
comoção.
Assim, a identificação com a dor é fundamental para impedir a repetição da
catástrofe:
Se esta (frieza) não fosse uma característica básica da antropologia, ou seja,
da constituição humana tal como ela é de fato em nossa sociedade (...)
Auschwitz não teria sido possível; as pessoas não o teriam tolerado (...) a
incapacidade de identificação foi sem dúvida, a condição psicológica mais
importante para que pudesse ocorrer algo assim como Auschwitz.
13
Esta consciência faz com que o indivíduo tenha um papel ativo na tarefa primordial
de rememoração como única maneira de evitar a repetição do horror e incita-lhe uma postura
crítica em relação à violência. Em suma, para Adorno a obra de arte tem a função
fundamental de aguçar o senso crítico à medida que promove o desenvolvimento humano.
Por conseguinte Adorno critica a cultura de massa, a arte como entretenimento e a
aponta como um dos grandes geradores de reificação. A obra de arte para Adorno, deve ser
vista, sobretudo, como elemento de formação. No pós Auschwitz a arte tem o desafio de
cumprir as seguintes exigências paradoxais: “lutar contra o esquecimento, lutando igualmente
pela não repetição e pela rememoração, mas não permitindo que a lembrança do horror se
torne mais um produto a ser consumido”
14
, ou seja, tem a tarefa de lembrar sem deixar que a
lembrança vire banalização.
(...) a reflexão adorniana sobre a Shoá a partir da questão da memória e da
responsabilidade que ela encerra, a de não deixar que se esqueça o ocorrido,
torna-se tanto mais difícil quando se percebe que parece não haver
linguagem que possa referir-se a Auschwitz sem trair o sofrimento das
vítimas, sem banalização, sem estilização.
15
12
Trecho do aforismo 46 “Para uma moral do pensamento” in: Minima Moralia p.72
13
Educação após Auschwitz p.166
14
GAGNEBIN, J.M. „Após Auschwitz” in: História, Memória, Literatura – O testemunho na era das
catástrofes. Sao Paulo: Ed. Unicamp, 2003 p. 108
15
ALVES Jr. Douglas Garcia. Depois de Auschwitz: a questão do anti-semitismo em Theodor W. Adorno.
Annablume/FUMEC. Belo Horizonte, 2003. p.131
59
Aqui tem início uma das grandes aporias do pensamento adorniano: para que a obra
de arte possa desempenhar seu compromisso social, o artista deve participar e não participar
da cultura, a obra de arte deve estar a um só tempo, dentro e fora da cultura que a produz, em
outras palavras: para Adorno a arte após Auschwitz só pode viver dentro da aporia de ter de
conviver com sua impossibilidade.
16
Eis a polêmica frase de Adorno:
A crítica cultural encontra-se diante do último estágio da dialética entre a
cultura e a barbárie: escrever um poema depois de Auschwitz é um ato
bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou
impossível escrever poemas. Enquanto o espírito crítico permanecer em si
mesmo, em contemplação auto-suficiente, ele não será capaz de enfrentar a
reificação absoluta que pressupõe o progresso do espírito como um de seus
elementos, e que hoje se prepara para absorvê-lo inteiramente.
17
Publicada pela primeira vez em 1949, a afirmação de Adorno, grifada no texto
supracitado, pode dar, à primeira leitura, a impressão de proibição da poesia depois de
Auschwitz. Tal idéia é reforçada principalmente porque, na maioria das vezes, o excerto não é
citado na íntegra e a frase surge descontextualizada. Eloá Heise observa que “a citação
truncada, acaba por retirar desta reflexão a crítica da crítica”
18
, o que se encontra seguramente
entre suas principais propostas do autor e reforça sua legitimidade. A interpretação da
afirmação como mera proibição embora ingênua, pode ocorrer, especialmente para aqueles
que não conhecem o pensamento do filósofo
19
.
Se a obra de arte não pode ser dissociada de seu contexto histórico, sua crítica
também não. Assim, não é difícil compreender o porquê do radicalismo de Adorno quando se
busca reconstituir a atmosfera sombria dos anos quarenta. Neste ambiente, tal radicalismo não
apenas se torna oportuno como parece ser o único modo de reconhecer o grau inconcebível de
sofrimento humano que Auschwitz envolveu.
16
SELIGMANN-SILVA, Márcio. “A literatura do trauma” in: História, Memória, Literatura – O testemunho na
era das catástrofes. Ed. Unicamp. Campinas, 2003.p.12
17
Crítica Cultural e Sociedade. p.102 grifo meu
18
Eloá Heise em palestra proferida na USP em um seminário sobre Poética da Violência.
19
Ibd.
60
Muitos poetas, escritores e críticos se posicionaram justificando o ainda poesia após
o veredicto “escrever um poema depois de Auschwitz é um ato bárbaro”, seja tomando-o
como proibição ou provocação.
20
Entretanto, a atitude de ainda escrever lírica, seja ela
advinda ou não de uma decisão consciente, foi tomada por quem não apenas conheceu os
horrores do Holocausto através da história e sim pela própria vivência. “Como viver, se não
através da poesia?” Essa pergunta-resposta foi antecipada pelos poetas do gueto antes mesmo
de sua formulação por Adorno. Contudo, os poemas de Rose Ausländer e Nelly Sachs, por
exemplo, escritos nos anos de guerra, permaneceram longo tempo longe dos olhos do
público
21
. Parece que de algum modo estas poetas também achavam que escrever poesia num
contexto tão sombrio, embora sendo uma maneira de manutenção da sanidade, seria, se não
um ato de barbárie, uma agressão contra a própria poesia. Assim, pode-se presumir que algo
do sentimento de desconforto e indignação sintetizado por Adorno em relação à problemática
da arte após Auschwitz já era de algum modo latente nessas poetas.
A questão que se coloca é como transformar o terror daqueles anos em arte tendo
em vista a presença constante da aporia estética: “a impossibilidade de ser artista sem ao
mesmo tempo ser apologista da barbárie”.
22
(...)Criar em arte – como também em pensamento – “após Auschwitz”
significa não só rememorar os mortos e lutar contra o esquecimento, uma
tarefa por certo imprescindível, mas comum a toda tradição desde a época
épica, mas também acolher, no próprio movimento da rememoração, essa
presença do sofrimentos sem palavras, nem conceitos que desarticula a
20
Ver por exemplo a publicação organizada por Petra Kiedaisch Lyrik nach Auschwitz? - Adorno und die
Dichter. („Lírica após Auschwitz? – Adorno e os poetas“) entre eles Heinrich Böll em Frankfurter Vorlesungen
que escreveu: “depois de Auschwitz não se pode mais respirar, comer, amar, ler – quem deu o primeiro suspiro e
acendeu um cigarro já se decidiu a sobreviver, a ler, a escrever, a comer, a amar.“ p.90
21
Rose Ausländer acreditava que as poesias que compõem O arco-íris, impressas por uma pequena editora em
Czernowitz, tivessem sido perdidas na ocasião em que o seu editor fora deportado para a Sibéria. Quando mais
tarde, fora informada de que havia sido guardado um exemplar do livro, assim como do inédito ciclo
Gettomotive, RA, expressa em junho de 1977, a proibição de que estes poemas fossem publicados em vida,
devendo apenas ocorrer postumamente. Assim, as poesias escritas entre os anos de 1927-1947 permaneceram
inéditas. Nelly Sachs também agiu assim. Só mais tarde as poesias da juventude são resgatadas e reaparecem em
sua obra posterior. In: BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer
Biographie. Radius-Verlag, Stuttgart 1999.
22
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Adorno. Ed. Publifolha. São Paulo, 2003. p.92
61
vontade de coerência e de sentido de nossos empreendimentos artísticos e
reflexivos.
23
Uma das preocupações de Adorno refletida em sua crítica à arte era justamente o
perigo da estilização que ofenderia a memória das vítimas; de que a representação estética de
um acontecimento tão nefasto pudesse de algum modo reduzi-lo, atenuá-lo, abrandá-lo, torná-
lo menos grave ou suportável.
Pelo princípio da estilização estética e até pela prece solene do coro, o
destino imponderável se apresenta como se fizesse sentido algum dia; é
sublimado, um pouco de seu horror se perde. Basta isso para fazer-se
injustiça às vítimas.
24
A crítica adorniana atinge o ápice de seu radicalismo ao afirmar que “os autênticos
artistas do presente são aqueles em cujas obras se estremece o mais profundo horror”
25
. Aqui
o filósofo amplia ao máximo sua restrição do que “pode” ser considerado arte. Poetas como
Paul Celan, são paradigmáticos para Adorno na medida em que a verdadeira “arte não deveria
mais se pautar pelo belo e sim pela verdade”
26
. Sua lírica mostra, de modo paradoxal, que o
poeta consegue alcançar a “expressão possível” da “impossibilidade de expressão”. A poesia
de Celan
27
é considerada na perspectiva adorniana como exemplar porque consegue refletir
através de sua linguagem a idéia do sofrimento sem palavras.
Depois de Auschwitz, a sensibilidade não pode menos do que ver em toda
afirmação da positividade da existência um charlatanismo, uma injustiça para
23
GAGNEBIN, J.M. „Após Auschwitz” in: História, Memória, Literatura – O testemunho na era das
catástrofes. Sao Paulo: Ed. Unicamp, 2003 p. 106
24
Engagement p.54
25
“Aqueles anos vinte“ -. ADORNO, Theodor. Jene zwanziger Jahre (Auszug). in: Lyrik nach Auschwitz? -
Adorno und die Dichter. Hrsg. v. Petra Kiedaisch. S. 49-52. Stuttgart, 1995 p.53
26
SELIGMANN-SILVA, Márcio. “A literatura do trauma” in: História, Memória, Literatura – O testemunho na
era das catástrofes. Ed. Unicamp. Campinas, 2003.p.12
27
Ver do poeta, por exemplo, os poemas „Fuga sobre a morte“ ou “Prisão da palavra“.
62
com as vítimas, e tem que se rebelar contra a extração de sentido, por
abstrato que seja, daquele trágico destino.
28
O pensamento de Adorno ao refletir através da crítica amarga seu desencantamento
com o mundo, expondo seu lado sinistro e exigindo da arte a mesma atitude, alcança um
resultado tão paradoxal quanto suas proposições: é através da reflexão sobre a realidade
sombria e suas causas que surge a possibilidade de um futuro melhor construído sob a luz da
consciência.
Eu não procuraria desculpar a frase: escrever lírica depois de Auschwitz é
barbárie (...) a poesia precisa resistir a esse veredicto: ser, portanto, de tal
modo que não tome a si mesma pela sua simples existência depois de
Auschwitz (...) o excesso de sofrimento real não permite o esquecimento (...).
Mas aquele sofrimento, segundo Hegel a consciência de misérias, requer
também a permanência da arte que proíbe.
29
Tal como preconiza Adorno, a poesia de Rose Ausländer resiste a esse veredito. Ela
caminha justamente rumo à chama de esperança que as reflexões do filósofo indiretamente
mostram. A poeta traça um caminho que não é o mesmo de Celan, o apontado por Adorno
como o ideal, contudo sua obra “cumpre a tarefa” que, de acordo com esse crítico a poesia
deve ter.
Dennoch Rosen
30
sommerhoch
Schmetterlinge
Möwenschwingen
überm Fluss
Nein
ich vergesse nicht
die eingebrannten Jahre
ich vergesse nicht
daß Stiefel
den Regenbogen zertraten
daß sie sich rüsteten
Ainda assim rosas
verão pleno
borboletas
gaivotas pairam
sobre o rio
Não
eu não esqueço
os anos marcados a fogo
eu não esqueço
que botas
pisotearam o arco-íris
que eles se armaram
28
Dialética Negativa, p. 361
29
Engagement p.64
30
Corpus p. 56
63
uns zu verwandeln in
Feuerrosen Feuerfalter Feuerschwingen
dennoch sommerhoch
der Duft
die Doppelflügel überm Fluss
das Gold auf meiner Haut
und die toten Rosen
nach der Nacht
para nos transformar em
rosas de fogo borboletas de fogo asas de fogo
ainda assim verão pleno
o aroma
asas duplas sobre o rio
o ouro sobre minha pele
e as rosas mortas
depois da noite
Em seus escritos, Adorno assevera que a literatura só tem permissão de continuar a
existir se tiver consciência de Auschwitz, assim, novamente em concordância com Walter
Benjamin “toda obra de arte pode e deve ser lida como um documento de barbárie”. A poética
de Rose Ausländer mostra essa consciência ao cumprir seu papel social de denúncia e de
rememoração e o faz com magnitude e coragem ao expressar em sua lírica beleza e vida
mesmo em tempos tão sombrios.
“Todavia rosas”, escrito em 1987, portanto um ano antes da morte de Rose
Ausländer, traz mais uma vez a presença do trauma. O poema é composto por quatro estrofes
nas quais esperança e desespero se alternam. Ele inicia-se com a marca da resistência, nas
rosas que apesar de tudo ainda desabrocham, o verão que retorna mais uma vez, a presença
das borboletas que trazem seu colorido e das gaivotas que voam sobre o rio criando uma
imagem bucólica e de harmonia.
Mesmo frente a esta paisagem, mesmo diante do privilégio de poder reviver estas
cenas, o trauma: “eu não esqueço / os anos marcados a fogo”, recupera na lembrança a
imagem da brutalidade, das “botas que pisotearam o arco-íris” a fim de arrasar o sonho, a
esperança, a vida. A atmosfera da natureza harmônica é suplantada pela imagem dos soldados
armados dispostos a aniquilar e os elementos de metamorfose, comuns na poética de Rose
Ausländer, surgem aqui numa conotação de devastação: “Eles se armaram / para nos
transformar /em rosas de fogo / borboletas de fogo / asas de fogo”. O campo lexical formado
por “rosas”, “borboletas” e “asas”, que outrora compunham a imagem idílica de alegria, são
retomados agora num contexto de destruição. Em seguida, na terceira estrofe, mais uma vez a
imagem da vida no “verão pleno”, da liberdade nas “asas duplas sobre o rio” e do calor no
64
“ouro sobre minha pele”. E na última estrofe o sentimento de luto expresso pelas “rosas
mortas / depois da noite”.
O poema reflete sobre a efemeridade da vida ao mesmo tempo em que apresenta
uma atitude de persistência perante a ela ao tratar de sua magia, mas também da destruição,
do trauma. O tema central do poema é a resistência. Nele, bem como na produção poética de
Rose Ausländer de modo geral, a opção pela vida e por apreciar seu colorido, não implica de
modo algum o esquecimento. A rememoração da Schoá é feita aqui de modo a contemplar a
um só tempo a beleza da vida refletida na natureza e o sentimento de perda. É a poesia que,
transcendendo, mostra o que poderia ser visto como um contra-senso: a convivência
paradoxal do desespero e da esperança, da dor da perda, mas tamm da gratidão pela vida.
A obra de Rose Ausländer alcança a interação da lírica com o social à medida que
instiga a reflexão. Em seguida alguns poemas que trazem elementos centrais de sua poesia
como a fantasia, o amor pela vida, a esperança, a persistência, a dor, a morte banalizada, a
reflexão sobre o trabalho poético, a rememoração, bem como uma homenagem ao colega Paul
Celan.
Ich weiß nur
31
Du fragst mich was ich will
Ich weiß es nicht
Ich weiß nur
daß ich träume
daß der Traum mich lebt
und ich in seiner
Wolke schwebe
Ich weiß nur daß ich
Menschen liebe
Berge Gärten das Meer
Weiß nur daß viele Tote
in mir wohnen
Ich trinke meine Augenblicke
weiß nur
es ist das Zeitspiel
Aufundab
Sei apenas
Tu me perguntas o que quero
Eu não sei
Sei apenas
que sonho
que o sonho me vive
e eu em sua
nuvem pairo
Sei apenas que eu
amo as pessoas
montanhas jardins o mar
Sei apenas que muitos mortos
moram em mim
Bebo os meus momentos
sei apenas que
é o jogo do tempo
pra lá e pra cá
31
Corpus p.
65
No poema “Sei apenas”, escrito em 1981, é o sonho que parece estar no comando,
tem vida: “Sei apenas / que eu sonho / que o sonho me vive”, o eu-lírico deixa-se conduzir
pela fantasia: “e eu em sua nuvem pairo”. A expressão do amor pela vida e pelas pessoas: “sei
apenas que eu / amo as pessoas / montanhas jardins o mar” mostra um amor que parece
incondicional e que convive com a dor das perdas que o tempo não apaga: “sei apenas que
muitos mortos / moram em mim.” A transitoriedade da vida é o tema da última estrofe: “Eu
bebo o meu momento e isto é o jogo do tempo / para lá e para cá”.
O poema seguinte sintetiza a tarefa do artista na concepção adorniana, de
reconstrução da experiência vivenciada:
Der Dichter
32
fügt wieder zusammen
das zerstückelte Lied
Von Splittern zerrissen
sein Wort
trägt fort der Blutstrom
treibt es
zum Herzen
Verwundet
kittet er
die zersprungene
Scheibe Zeit
O poeta
junta de novo
a canção esquartejada
Por estilhaços rasgada
sua palavra
leva em frente o caudal de sangue
impele-a
ao coração
Ferido
ele cola
o vidro partido
do tempo
Escrito em 1983, “O poeta” reflete sobre o trabalho do artista de lidar com temas
dolorosos e de tentar resgatar, juntar os destroços da história, dos sonhos e da vida em sua
obra. Ambientado na mais completa devastação, o poema mostra a tarefa, aparentemente
impossível, do poeta de juntar “de novo / a canção” que foi “esquartejada”. A “palavra”, sua
ferramenta, mesmo “rasgada por estilhaços” documenta a história ao levar “em frente o
caudal de sangue” e emociona, pois o “impele ao coração”.
32
Corpus p.49
66
O poema permite entrever o “desafio” que se constitui a tarefa do poeta; o ter de
lidar com o sofrimento de um contexto de destruição e transformar essa memória em poesia.
“O poeta” parece de algum modo refletir sobre a afirmação de Adorno sobre a poesia após
Auschwitz para além do risco eminente de banalização que o referir-se à catástrofe implicaria.
No poema a atitude de compor após ter-se vivenciado acontecimentos tão funestos e a tarefa
de transformar essa vivência em poesia a fim de evitar o esquecimento, sob este aspecto,
também parece se constituir numa tarefa sobre-humana. Porém, investido de uma atitude
pertinaz, o poeta, ainda que “ferido / ele cola / o vidro partido / do tempo” trazendo deste
modo, para a posteridade a memória do ocorrido. Sua obra transforma-se então, num
documento histórico e de rememoração.
A adjetivação do poema, de um campo lexical de guerra e destruição: “canção
esquartejada”; “palavra rasgada por estilhaços”, bem como “caudal de sangue” ao mesmo
tempo em que alude a uma atmosfera sangrenta de arrasamento, reforça a “condição
desumana” (a catástrofe) com a qual o poeta tem de lidar.
67
Wir Meteore
33
W g S M
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o n o
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Nós meteoros
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33
Corpus p.29
68
Wir Meteore
Wir
gestorbnen
Sterne wir
Meteore
glorreich
stürzend
schöner wird
die Nacht
durch unsern
Tod unsern
längst gestorb-
nen wieder
entfachten
Tod
wir
Stürzenden
nicht oben
nicht unten
im vergangnen
Glanz auf-
erstandnen
Meteore
Nós meteoros
Nós
estrelas
mortas nós
meteoros
gloriosos
cadentes
mais bela torna-se
a noite
com nossa
morte nossa
há muito pereci-
da novamente
instigada
morte
nós
cadentes
não em cima
não em baixo
no efêmero
brilho res-
sucitados
meteoros
Escrito entre os anos de 1957-1963, “Nós meteoros” traz mais uma vez a reflexão
sobre a vida e o que restou dela após a catástrofe. Mergulhado numa atmosfera fantástica, o
poema parece refletir sobre o sofrimento banalizado “mais bela torna-se / a noite / com nossa /
morte” e sobre a dor de ter de conviver com o trauma, nas lembranças que se repetem “nossa /
há muito pereci- / da novamente / instigada / morte”. As circunstâncias da sobrevivência
também são tema: “Nós / estrelas / mortas nós / meteoros”, o sentimento de desamparo e de
confusão que a situação impõe “nós / cadentes / não em cima / não em baixo” e a dúvida
sobre o estar realmente vivo: “Nós / estrelas / mortas nós / meteoros”. Já a partir da estrutura
de sua composição, observa-se uma clara menção ao efêmero (nas letras que representam os
meteoros), à fragilidade da vida.
69
Os versos entrecortados denotam o efêmero, a fugacidade, a fragilidade da vida ao
mesmo tempo em que criam uma atmosfera de ironia “Nós /meteoros (...) gloriosos /
cadentes” que é reforçada por sua construção espacial. Na primeira estrofe surge mais uma
vez a metáfora da estrela em alusão simultânea aos judeus mortos e aos que ainda morrem.
“Nós estrelas mortas / nós meteoros”, avigora a idéia de fugacidade e ao mesmo tempo faz
uma ilusão do que parece, mais na realidade não está mais lá (como as estrelas). A
combinação de adjetivos da segunda estrofe “gloriosos / cadentes” com as “estrelas mortas”
da primeira introduz o sarcasmo - que é reforçado nos versos seguintes.
Na terceira estrofe a morte parece ter seu alcance ampliado e estende-se a todos os
judeus: a morte “há muito perecida” alude aos judeus exterminados pelos nazistas e
“novamente instigada”
34
ao sofrimento perene dos sobreviventes pela perda dos seus e por ter
de conviver com a memória da catástrofe. Essa mesma morte que “mais bela torna a noite”
atribui ao poema seu ápice de ironia ao deixar transparecer a relação do espetáculo dos astros
que iluminam a noite com sua queda, à morte de seres humanos (judeus), insinuando que a
mesma traga contentamento aos espectadores dessa “bela noite” - aos algozes.
Na quarta estrofe a idéia de se estar literalmente no espaço em queda livre “não em
cima / não em baixo” também poderia sintetizar o sentimento de desproteção, de abandono e
ao mesmo tempo à idéia de vazio e de perda - a perda que também pode ser compreendida
como perda da pátria. Em seguida, a combinação com a quinta estrofe reforça a idéia de
transitoriedade da vida que surge desde o início do poema, com a própria metáfora do
meteoro no “efêmero brilho” e novamente à ironia: “nós ressuscitados meteoros”, aludindo
novamente ao “retorno da morte”.
A atmosfera do poema parece ser propositalmente ambígua. Remete em princípio à
idéia de luz (do contexto espacial) que é justamente a característica que de modo antagônico
reforça a idéia do sinistro, dominada pelo sombrio (a morte e a dor) e que faz com que o
ambiente geral criado pelo poema assemelhe-se ao de uma alucinação. É como se o eu-lírico
de algum modo refletisse sobre um sentimento senão de culpa por ter sobrevivido,
seguramente de desconforto e de desamparo por ter ainda de viver na companhia
constantemente do sentimento de perda e de morte.
34
o verbo entfachen tem o sentido de atiçar / provocar
70
“In Memoriam Paul Celan” foi escrito por Rose Ausländer em 1970, ao receber a
notícia de sua morte.
In Memoriam Paul Celan
35
>>Meine blonde Mutter
kam nicht heim<<
Paul Celan
Kam nicht heim
die Mutter
nie aufgegeben
den Tod
vom Sohn genährt
36
mit Schwarzmilch
die hielt ihn am Leben
das ertrank
im Tintenblut
Zwischen verschwiegenen Zeilen
das Nichtwort
im Leerraum
leuchtend
In Memoriam Paul Celan
“Minha mãe loira
não veio pra casa”
Paul Celan
Não veio pra casa
a mãe
Nunca desistiu
da morte
do filho alimentado
com leite negro
que lhe segurou na vida
que se afogou
em tinta de sangue
Entre linhas silenciadas
a não palavra
no espaço vazio
luminoso
“In Memoriam Paul Celan” ao referir-se ao poeta, companheiro de confinamento de
Rose Ausländer, também rememora a perda dos judeus mortos nos campos de concentração.
O poema sintetiza paralelamente, as conseqüências devastadoras que o assassinato da família
trouxeram à sua vida
37
além de fazer menção ao seu estilo lacônico que se torna a principal
característica de sua poética.
35
Corpus p.33
36
Se considerarmos o poema como escrito em alemão padrão >>Hochdeutsch<<, a tradução literal da terceira
estrofe seria pelo filho alimentada / com leite negro. Porém, para a tradução como consta acima, foi levado em
conta o fato do alemão falado na Bucovina ter sofrido influências das outras três línguas faladas na região, bem
como a intertextualidade que a própria estrofe estabelece com o poema Fuga sobre a morte de Celan, e
principalmente a própria “coerência” do texto poético.
37
Paul Celan suicida-se no Rio Sena em 1970. Os anos que antecedem sua morte são marcados por surtos de
amnésia e mania perseguição. In: Cristal – Seleção de poemas de Paul Celan organizada e traduzida por Claudia
Cavalcanti.
71
A primeira estrofe inicia-se já com a idéia de perda, de desamparo na “mãe” que
“não veio para casa”. A segunda estrofe remete a uma reflexão paradoxal ao utilizar a contra-
junção “nunca desistiu / da morte”; não é da vida e sim da morte do que nunca se abdica.
No poema a Rose Ausländer retoma sua metáfora do “leite negro” (a metáfora mais
famosa de Celan) novamente em alusão à dor que, ao longo de toda a vida permanece em sua
alma com intensidade brutal. Leite que mesmo nutrindo com aflição, “lhe segurou na vida”,
vida esta “que se afogou em tinta de sangue” numa referência à morte e ao sofrimento que o
poeta conseguiu transpor da vida à poesia. A última estrofe reverencia o “poeta da não-
palavra” que embora tenha suas “linhas silenciadas” pela morte, o “espaço vazio luminoso”
de sua “não palavra” permanece aceso, numa referência à intensidade e expressividade de sua
poética que, de acordo com Adorno, se aproxima ao emudecimento.
Trauer III
38
Die Trauer
ist ein Vogel
mit verwundeten
Flügeln
Luto III
O luto
é um pássaro
com asas
mutiladas
O poema “Luto III” sintetiza a dor da vida devastada. O pássaro que tem suas asas
decepadas poderia ser uma metáfora para as perdas todas e os sonhos quem ficam para trás. A
brutalidade faz com que ele perca suas asas, mas não o impede de continuar sendo um pássaro
nem a recordação de um dia ter podido voar. É a poesia cumprindo mais uma vez sua função
de rememoração.
Hoffnung II
39
Wer hofft
ist jung
Esperança II
Quem espera
é jovem
38
Corpus p.57
39
Corpus p.39
72
Wer könnte atmen
ohne Hoffnung
daß auch in Zukunft
Rosen sich öffnen
ein Liebeswort
das die Angst überlebt
Quem poderia respirar
sem esperança
de que também no futuro
rosas se abram
uma palavra de amor
que ao medo sobrevive
“Esperança II”, composta em 1977, traz novamente uma postura esperançosa e
persistente perante à vida. Na reflexão da segunda estrofe “Quem poderia respirar/ sem
esperança / de que também no futuro/ rosas se abram”, o eu-lírico expressa a confiança de que
é a esperança o que sustenta a vida. Esta atitude perseverante, a qual o poema remete, parece
ser um dos fatores que contribuíram para a manutenção de sanidade da poeta após
experiências tão traumáticas: a esperança que permite “respirar”, que aponta para a
possibilidade de um futuro no qual rosas se abram e que ao mesmo tempo representa uma
“palavra de amor que ao medo sobrevive”.
Dankbar
40
Rote Tinte
hat meine Haut
tätowiert
mit verworrenen Zeichen
Nachts
leg ich mich
in eine Urne
da wohnt
die verbrannte Welt
Am Morgen
seh ich die Sonne
und bin dankbar
Grata
Tinta vermelha
tatuou
minha pele
com símbolos obscuros
À noite
deito-me
numa urna
lá mora
o mundo incinerado
Pela manhã
vejo o sol
e sinto-me grata
Escrito em 1987, o poema “Grata” é mais um exemplo de resistência. Na “tinta
vermelha” que tatua a pele “com símbolos obscuros”, a poeta representa o trauma que como
se pôde observar, permanece constante ao longo de sua obra poética. Traz a lembrança da
40
Corpus p.57
73
devastação e do horror que a acompanha sempre: “à noite / deito-me / numa urna / lá mora / o
mundo incinerado”, mas que não a impede de contemplar a vida com encantamento e
gratidão. O poema sintetiza o olhar para a vida da poeta, mesmo depois da catástrofe.
Apesar do tema muitas vezes em comum, as poéticas de Paul Celan e Rose
Ausländer apresentam diferentes possibilidades de expressão para dor. Se a poesia de Paul
Celan é exemplar por refletir o “sofrimento sem palavras”, a de Rose Ausländer pode, do
mesmo modo, ser considerada ímpar, a medida que representa um marco de resistência ao
trazer consigo a “ousadia” de manter a esperança apesar do sofrimento que a partir da Schoá,
ainda que latente, tornar-se intrínseco em sua poesia. Sua lírica mostra uma opção clara pela
vida apesar do trauma e a poeta consegue expressar os ferimentos brutais do século XX numa
poesia sem amargura.
O próximo sub-capítulo tratará do aspecto vital que o ato de compor assume na obra
de Rose Ausländer. Em toda sua produção poética do pós-guerra, e mais especialmente
através da reflexão metalingüística dos poemas que serão apresentados, pode-se constatar que
a poesia após a Schoá não se faz apenas possível, mas necessária. Para Adorno “depois de
Auschwitz a alegria despreocupada da arte não é mais concebível”
41
. A poética de RA parece
reconhecer isto, no entanto, permanecem-lhe em seu ainda poesia os reflexos de seu amor
pela vida, a esperança e, sobretudo, algo de leveza, que é o que faz com que sua lírica
“contrarie” algumas das características estéticas “impostas” por Adorno à obra de arte.
41
ADORNO, Theodor. Ist die Kunst heiter? (Auszug). in: Lyrik nach Auschwitz? -Adorno und die Dichter.
Hrsg. v. Petra Kiedaisch. Stuttgart, 1995 p.68
74
2.2 – Vida na Mátria Palavra
A noção de pátria >>Heimat<< e sua perda, como se observa ao longo de sua obra, é
um motivo básico na poética de Rose Ausländer. Sua noção fundamental remete à Bucovina,
lugar onde passou sua infância e, em suas descrições do lugar “paisagem que me criou”
42
mescla-se aidéia de mãe. Porém, esta noção de pátria migra para a poesia, sua pátria passa a
ser fundamentada na palavra. Na poesia é possível ter esse sentimento de >>Zuhause<<, do
aconchego e da criação que remete por sua vez a idéia de mãe. Assim, tanto a terra natal
quanto a poesia, pelo criar e pelo acolher trazem em sua concepção à função simultânea de
pátria e de mãe - a “Mátria
43
Palavra”, a segunda pátria, aquela sem fronteiras de tempo nem
espaço e que se torna definitiva:
Mutterland
44
Mein Vaterland ist tot
sie haben es begraben
im Feuer
Ich lebe
in meinem Mutterland
Wort
Mátria
Minha pátria está morta
eles a enterraram
no fogo
Eu vivo
em minha mátria
palavra
Escrito em 1978, “Mátria” mostra que a linguagem é vista pelo eu-lírico
paralelamente como sobrevivência e pátria. O poema reune a tríade que fundamenta a obra de
Rose Ausländer composta por pátria, mãe e poesia e mostra que esses elementos permanecem
sempre interligados em sua poética. O próprio Adorno escreve em 1951 sobre sua condição de
42
“Bukovina II”
43
Do alemão >>Mutterland <<, cuja feliz tradução de Irene Aron possibilitou na língua portuguesa a
reconstrução semântica da palavra criada por RA.
44
Corpus p. 42
75
professor exilado nos Estados Unidos: “Para quem não tem mais pátria é bem possível que o
escrever se torne a sua morada.
45
” “Mátria”, alude a destruição da guerra “Minha pátria es
morta / eles a enterraram / no fogo” além de sintetizar a mesma situação descrita pelo filósofo
- a palavra torna-se abrigo ao tomar o lugar da pátria perdida, e passa a ser o lugar do abrigo e
da criação. Torna-se mãe.
Em 1966 Adorno escreve “O sofrimento perene tem tanto direito à expressão quanto
o torturado ao grito; por isso pode ter sido errado afirmar que após Auschwitz não se possa
mais escrever nenhuma poesia“
46
onde parece de algum modo refletir sobre como viver
apenas de realidade após Auschwitz. A poesia torna-se realmente para os poetas do gueto um
modo de expressão da dor e ao mesmo tempo, na definição da própria Rose Ausländer, “um
lugar onde se pode respirar” representando desse modo, a própria sobrevivência:
Czernowitz 1941. Os nazistas ocupam a cidade onde permanecem até o
início de 1944. Gueto, desgraça, horror, transporte para a morte. Nestes anos
às vezes encontrávamos secretamente amigos, ainda que sob risco de vida,
para ler poesias. A realidade insuportável diante de nós dava-nos duas
possibilidades: ou se entregar ao desespero ou imigrar a uma outra realidade
- a espiritual. Nós, judeus condenados à morte, estávamos indescritivelmente
necessitados de consolo. E enquanto esperávamos a morte, algum de nós
morava nas palavras de sonho >>Traumworten<< – nosso traumático lar na
ausência de uma Pátria. Escrever era viver. Sobreviver.
47
A seguir alguns exemplos de poesias que refletem sobre o significado da própria
poesia e o ato de compor:
Poesia como ato de criação, sonho e vida
45
Minima Moralia p. 75
46
Adorno - Meditationen zur Metaphysik
47
R.A In: BRAUN, Helmut (org.). „Weil Wörter mir diktieren: Schreib uns.“ Literaturwissenschaftliches
Jahrbuch 1999 der Rose Ausländer-Stiftung. Köln, 2000 p. 186
76
Das Wort I
48
>>Am Anfang
war das Wort
und das Wort
war bei Gott<<
Und Gott gab uns
das Wort
und wir wohnen
im Wort
Und das Wort ist
unser Traum
und der Traum ist
unser Leben
A palavra I
“No início
era a palavra
e a palavra
estava em Deus”
E Deus nos dava
a palavra
e nós moramos
na palavra
E a palavra é
nosso sonho
e o sonho é
nossa vida
Composta em 1981, “A palavra I” deixa entrever a incomensurabilidade do valor
atribuído à palavra na poesia de Rose Ausländer. O poema delineia seu percurso desde o
início dos tempos, numa alusão à união com o Criador
49
: “No início / era a palavra / e a
palavra / estava em Deus”, depois constituída em dádiva, fortaleza e abrigo: “E Deus nos dava
/ a palavra / e nós moramos / na palavra”, e, por último, no presente, propriamente como
elemento vital, no sonho que possibilita a vida de continuar: “E a palavra é / nosso sonho / e o
sonho é / nossa vida”. Mais uma vez nota-se a persistência e a esperança, refletidas na poesia -
no sonho que alimenta a palavra e na palavra-sonho >>Traumworten<< que sustenta a vida.
Poesia como refúgio
48
Corpus p. 47
49
em referência biblíca a “João” 1.1.
77
Ich halte mich fest
50
Wer hat mir
den Regenbogen
aus dem Blick gerissen
Ich wollte ihn befestigen
an sieben Worten
Im Regen ertrinken
meine Augen
Ich halte mich fest
an einem Blatt
an diesen Papierblatt
Eu me seguro firme
Quem
arrancou
o arco-íris de minha vista
Eu queria prendê-lo
em sete palavras
Na chuva afogam-se
meus olhos
Eu me seguro firme
em uma folha
nesta folha de papel
Escrita entre os anos de 1970-1976, “Eu me seguro firme” inicia-se com a
interrogação: “Quem / arrancou / o arco-íris de minha vista”, o que traz uma certa idéia de
confusão, como se o eu-lírico estivesse tentando compreender uma situação com a qual ainda
não se habituou. O arco-íris no poema pode ser visto como metáfora aos sonhos desfeitos, ao
colorido roubado. O arco-íris se vai, mas deixa a chuva, metáfora para a dor, para o choro
incontido que inundam os olhos: “Na chuva afogam-se / meus olhos”.
A última estrofe atesta o poder da palavra na conservação da vida e da sanidade:
“Eu me seguro firme / em uma folha / nesta folha de papel.” A folha de papel, representando
o compor, constitui-se no único elemento de segurança e sustentação que resta e mescla-se
com a fantasia e o desejo de usar esse “poder” se não “para trancafiar à sete chaves”, ao
menos “para prender em sete palavras.” O poema é construído por vocábulos singelos e
quase todos tênues. A exceção se dá pelo uso dos verbos “arrancar” e “afogar”, responsáveis
pelas referências implícitas à dor e à destruição.
50
Corpus p. 32
78
“Eu me seguro firme” é mais um exemplo da importância da escrita na vida de Rose
Ausländer, especialmente depois do trauma e, ao mesmo tempo, da leveza que a poeta
consegue manter mesmo ao tratar de tema tão terrível: a destruição e as perdas. As referências
à barbárie não são feitas aqui de modo incisivo, assim, o poema comove sem chocar.
Em Rose Ausländer o poder de redenção e de transcendência da palavra se confirma
na articulação entre fantasia e esperança. A união destes dois elementos possibilita ao eu-
lírico alcançar um outro plano, uma outra realidade.
Poesia como “ar”
Raum II
51
Noch ist Raum
für ein Gedicht
Noch ist das Gedicht
ein Raum
wo man atmen kann
Espaço II
Ainda há espaço
para um poema
Ainda é a poesia
um espaço
onde se pode respirar
“Espaço II” composto em 1976, complementa o poema anterior no que diz respeito
ao significado da escrita. Mais uma vez a presença essencial da esperança possibilita acreditar
que apesar de tudo “ainda há espaço para um poema” e mais do que isso que “ainda é a poesia
/ um espaço // onde se pode respirar”. Ao elevar a poesia ao mesmo nível do elemento vital -
o ar, a poeta reitera sua importância essencial.
51
Corpus p.39
79
Poesia como esperança
Hoffnung IV
52
Mein
aus der Verzweiflung
geborenes Wort
aus der verzweifelten Hoffnung
daß Dichten
noch möglich sei
Esperança IV
Minha
palavra
do desespero nascida
da esperança desesperada
de que fazer poesia
ainda seja possível
O poema “Esperança IV” de 1979, reflete o medo, na “esperança desesperada” e a
preocupação em continuar escrevendo e “de que fazer poesia ainda seja possível”. Através do
poema poderia se presumir que o ato de compor também tenha sido algo dolorido para a
poeta, que “a palavra / do desespero nascida” tenha por vezes envolvido esforço e empenho,
talvez justamente pela consciência da necessidade da escrita bem como da importância em se
manter a esperança que possibilita, no caso da poeta, sua criação poética.
Poesia como sanidade
Angst II
53
Ich habe Angst
vor mir
Wo sind Worte
Medo II
Eu tenho medo
de mim
Onde estão as palavras
52
Corpus p.44
53
Corpus p.46
80
die mir helfen
den Krieg gegen mich
zu gewinnen
que me ajudam
a vencer
a guerra contra mim mesma
Escrito em 1979, “Medo II” em seqüência ao tema anterior, reflete agora a busca
ansiosa pelas “palavras” que novamente reforça a importância da criação poética na
manutenção da sanidade: “que ajudam / a vencer / a guerra contra (si) mesma”.
Poesia como salvação e contra a fugacidade
In alle Winde
54
Einst war ich
Scheherezade
rettete mein Leben
Mit klugen Worte
Heute
richte ich meine Worte
an keinen Kalifen
ich vertraue sie
meinem Spiegel na
er strahlt sie
in alle Winde
Aos quatro ventos
Uma vez eu era
Scherazade
salvei minha vida
com palavras astutas
Hoje
não dirijo minhas palavras
a nenhum califa
eu as confio
ao meu espelho
ele as irradia
aos quatro ventos
Aos quatro ventos contempla vários aspectos do significado da poesia em Rose
Ausländer, a um só tempo. No primeiro verso ao fazer referência à Scherazade, o eu-lírico
atribui textualmente à palavra o papel de salvar a vida. Em seguida a palavra passa a surgir de
54
Corpus p.51
81
modo espontâneo, sendo confiada ao espelho, numa possível metáfora para a publicação. Sua
importância, porém, não se torna menor já que “ele as irradia / aos quatro ventos” o que
permite ecoar de sua palavra na posteridade através da literatura.
Eu aceitaria de bom grado que, tal como eu disse, não se pode mais escrever
poesia após Auschwitz – com o que eu quis indicar o vazio da cultura
existente. Por outro lado, sim, deve-se escrever poemas, no sentido da frase
de Hegel na Estética, que afirma que enquanto existir consciência do
sofrimento (Leiden) entre as pessoas, deve justamente existir a arte como
configuração objetiva dessa consciência
55
.
Para Adorno, tanto em seu veredicto como em suas reformulações, a arte não pode
perder o foco do sofrimento, deve refletir a experiência da catástrofe. Retomando a
comparação entre as poéticas de Paul Celan e Rose Ausländer constata-se que na realidade o
ponto de divergência do “resultado estético” que a obra de cada um dos poetas alcança está
justamente na questão da “expressão” e da “representação” da experiência do Holocausto.
Assim, há aqui que se diferenciar os conceitos de “expressão” >>Ausdrück<< e
“representação” >>Darstellung<< da realidade. O primeiro, no qual a poesia de Rose
Ausländer se encaixaria, é mais livre, pode ocorrer de diversas formas e relaciona-se às
características individuais e subjetivas de cada sujeito. O segundo conceito, que se amolda a
poesia de Celan, teria a “intenção” de recriação (mímese), portanto, de uma relação de “maior
proximidade” com a realidade.
Como afirma Ginzburg
56
, a poesia de Paul Celan “imita uma linguagem aquém da
linguagem impotente dos homens. O poeta adere à configuração melancólica do trauma e o
discurso fragmentário da impossibilidade de uma linguagem plena e de um sentido
totalizante”. Desse modo, o poeta consegue “representar” o sofrimento na poesia. A poesia de
Rose Ausländer parece não ter essa pretensão.
O fato de que a linguagem forme parte integrante da verdade não justifica a
identidade de ambas. O poder da linguagem prova-se na separação reflexiva
55
Apud Seligmann Adorno p.87
56
GINZBURG, Jaime. Theodor Adorno e a poesia em tempos sombrios.
82
entre expressão e coisa. Somente a consciência de que a expressão e o
expresso são não idênticos converte a linguagem em instância da verdade
57
.
O modo como Rose Ausländer lida com a linguagem demonstra de modo claro a
distinção entre “expressão e coisa” citada por Adorno. Confirma, portanto, a consciência de
que a expressão da dor não é a dor, mas pode ser além de um bálsamo, uma maneira de
rememorá-la. Para Adorno, Paul Celan consegue fazer a representação >>Darstellung<< do
sofrimento numa linguagem que ao trabalhar com paradoxos se aproxima do emudecimento.
Rose Ausländer segue um outro caminho. Tendo sofrido as influências filosóficas da virada
do século, e especialmente de Spinoza, para a poeta a linguagem é percebida como um ato
poético do viver e do sobreviver. É através da poesia que Rose Ausländer consegue viver no
confinamento e no exílio. A poeta sobrevive através do compor que, sob essa perspectiva não
apenas é possível mas necessário.
Observa-se através de sua poética que o ato de compor tem papel primordial para
Rose Ausländer durante toda vida. Desde a primeira imigração para a América em 1921, com
seu então marido Ignaz Ausländer, até o final de sua vida na casa de idosos da comunidade
judaica em Düsseldorf, onde escreve suas últimas poesias. Porém é a partir da experiência de
perseguição nazista que ela assume o caráter de “sobrevivência”.
Como foi visto, a composição poética de Rose Ausländer é um trabalho que envolve
a imaginação através das „palavras de sonho“ que recriam a realidade. Assim, a “tarefa” de
sua poesia não se fixa na representação do sofrimento, mas na redenção que o ato de compor
lhe proporciona.
A obra de Rose Ausländer cumpre a função adorniana de lírica, na crítica que faz à
violência ao mencionar em sua poesia a morte banalizada. Sua poética também pode ser
considerada um documento histórico ao expor o Holocausto e suas conseqüências (na qual o
eu lírico passa a representar a coletividade judaica), cumpre, portanto, seu papel de denúncia
e de rememoração e o faz de modo a mesclar esperança e elementos de fantasia com a dor,
numa reflexão poética da realidade. Assim, pode-se afirmar que sua poesia é investida de uma
atitude dialética e de transcendência.
57
Adorno – Dialética Negativa p.115
III. Parte
Três momentos de um caminho poético
84
As referências feitas aos diferentes momentos do processo criativo de Rose Ausländer,
pelos estudos até então realizados em literatura alemã na Europa, classificam-na como
>>Frühwerk<< “Ínicio da obra” e >>Spätwerk<< “Obra de maturidade”. O >>Frühwerk<<
compreende a produção poética entre os anos de 1927-1947, ainda fortemente ligadas à tradição
romântica. O >>Spätwerk<< por sua vez, refere-se à produção a partir do final dos anos
cinqüenta quando a poeta finalmente se conecta à literatura alemã moderna. Há, porém, as
poesias escritas em língua inglesa entre os anos de 1949-1956, época do exílio nos Estados
Unidos. A fim de observar mais claramente o desenvolvimento de seu caminho poético em cada
época, este trabalho propõe a seguinte divisão para sua obra:
1ª Fase – aqui estão inseridos os poemas do período entre 1927-1947 nos quais ainda há
preocupação formal com relação à rima e métrica;
2ª Fase – os poemas compostos em língua inglesa nos anos de Exílio nos Estados
Unidos época em que a poeta entra em contato com a poesia moderna americana;
3ª Fase – compreende sua produção após o retorno à língua alemã a partir de 1957.
Com relação a organicidade desta terceira parte, cada um dos sub-capítulos (fases)
apontará em uma ou mais sub-divisões e/ou grupos temáticos, os momentos da poética de Rose
Ausländer que marcam cada fase. Em alguns casos haverá referências a outros poemas da mesma
fase/período, quando os mesmos forem representativos para a temática em questão.
De acordo com Helmut Braun, editor e organizador da obra coligida, Rose Ausländer
raramente datava seus poemas, o que impossibilita, em muitos casos, a localização cronológica
precisa de algumas poesias, especialmente das que dizem respeito à primeira fase de seu processo
criativo (há poemas que constam na obra reunida num espaço de tempo que compreende vinte
anos). Também há as poesias do espólio, reunidas num dos últimos volumes, com poemas de
todo seu processo de criação. A classificação dos poemas mais antigos, porém inéditos, passa s
ser feita a partir dos anos setenta, por seu editor Braun com base em antigos documentos e cartas.
Os poemas compostos a partir desta época têm sua classificação cronológica imediata, organizada
por Helmut Braun que a visitara semanalmente no lar de idosos em Düsseldorf. É ele quem
85
escreve, a partir de 1982, os poemas ditados por ela
1
. A organização desta terceira parte do
trabalho segue a ordem de publicação dos poemas da última edição
2
da obra reunida em 16
volumes.
3.1 - 1ª fase - Formas tradicionais
Para ilustrar o caminho poético de Rose Ausländer nesta primeira fase, foram
selecionadas poesias compostas entre os anos de 1927-1947 as quais trazem temas centrais de sua
poética (observados anteriormente no cap.1) como a fantasia, a proximidade com Deus,
elementos de metamorfose e de integração do ser humano com a natureza, e por fim, a
experiência do Holocausto. Da atual seleção constam poemas de seu primeiro livro O arco-íris,
do ciclo “Nova Iorque” e do ciclo “Motivos do gueto”. Com exceção da poesia do volume O
arco íris, publicado em 1939, os poemas compostos neste período só foram publicados na
maturidade da poeta, alguns postumamente.
Nesta primeira fase as poesias produzidas, do ponto de vista formal, são de tamanho
médio a longo e se submetem às leis de métrica e rima no uso das quais a poeta surpreende com
numerosas variações como veremos a seguir:
Himmelsspiel
3
Himmel, Märchenfreund, wie spielen wir in deinen
Ätherräumen!
Eine Zauberschaukel schenkst du mir aus Wolkensamt
Jogo celestial
1 Céu, amigo das fábulas, como brincamos em teus
espaços etéreos!
3 Tu me presenteias com um balanço mágico de nuvens
1
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
1999 p. 168
2
A mesma que consta da bibliografia deste trabalho.
3
Corpus p. 22
86
mit Sonnensäumen
und grossen Demantknöpfen aus Sternen und Schnüren
aus Kometenstreifen,
und wenn du winkst, schwingt sie mich himmelauf zu
Feuerschweifen.
Und dort bist du und nimmst mich in das Leuchten
deines Lächelns,
und hauchst mich an mit der Munterkeit eines Morgen-
fächelns,
und überrieselst mich mit dem kollernden Kinderlachen
deiner Weite,
und hüllst mich in ein duftiges Traumgewand aus
himmelfeinster Seide.
Engel, aus deinem Faltenkleid flatternd, spielen mit
hüpfenden Bällen.
Drollige Monde sind´s – sie klirren hinweg über wolkige
Schnellen.
Rings röten Sonnen dahin auf weltweiter Bahn in heißen
Gesängen,
und blaue Blumen blühn um mein Weiterziehn mit
duftenden Klängen.
Mählich zerbröckelt dein Spiel, auf deiner Stirn trauern
Dunkelheiten.
Du träumst dich in einen nachtschwarzen Mantel, ich
darf dich begleiten –
und du lauschst den Wesen, und wo ein Weh, liebst du´s
in deine Ferne.
Himmel, Märchenfreund, Spieler, dein Spiel spielen wir
gern.
aveludadas banhado de sol
5 e grandes botões de diamantes de estrelas e cordas
de caudas de cometas,
7 e quando acenas, me lanças céu acima num
arco ígneo.
9 E lá estás e me tomas na luz
de teu sorriso,
11 e me sopras com a vivacidade de
uma brisa matutina,
13 e derramas sobre mim o burburante riso infantil
da tua imensidão,
15 e me envolves em perfumada vestimenta de sonho da
mais fina seda celeste.
17 Anjos, esvoaçando de tua vestimenta plissada, brincam
com bolas saltitantes.
19 Engraçadas luas são estas - elas vibram ao longo de
nubladas corredeiras.
21 Ao redor sóis se enrubrecem no caminho mundo afora em
ardentes cânticos,
23 e pela minha jornada desabrocham flores azuis com
Perfumados sons.
25 Devagar teu espelho se esmigalha, sobre tua fronte
escuridões se enlutam.
27 Sonhas em um manto negro como da noite, eu
posso te acompanhar –
29 e espreitas o ser e onde há dor, amas isso
na tua distância.
31 Céu, amigo de fábulas, jogador, nós jogamos teu jogo
com prazer.
Escrito entre os anos de 1927-1947 “Jogo celestial” é composto por quatro estrofes de
oito versos cada nas quais as rimas estão distribuídas nos versos pares que são os mais curtos,
com apenas dois ou três vocábulos. O poema divide-se em dois momentos: o primeiro, onde
87
tudo é mágico, e onde vida e sonho parecem formar uma só realidade: “Tu me presenteias com
um balanço mágico de nuvens / aveludadas banhado de sol / e grandes botões de diamantes de
estrelas e cordas / de caudas de cometas”. Aos poucos, na segunda parte do poema, a imagem
de sonho é dissipada dando lugar à dor, essencial ao aprendizado da vida: “Devagar teu espelho
se esmigalha, sobre tua fronte / escuridões se enlutam”.
A poesia, ao iniciar com “Céu ,amigo das fábulas, como brincamos em teus / espaços
etéreos!” demonstra o caráter intimista da relação do eu-lírico com a divindade. A figura divina
representada pelo céu no poema, aquele que proporciona toda beleza, todo o encantamento, que
presenteia com um balanço mágico de nuvens e que o impulsiona de encontro ao céu, também
pode castigar, também pode trazer dor e parece apreciá-la em sua distância “espreitas o ser e
onde há dor, amas isso / na tua distância”. Mas não é um Deus cruel porque tamm presenteia
com a persistência e a vontade de viver, representadas no poema pela vivacidade. Também não
é um Deus que abandona pois “envolve em perfumada vestimenta de sonho da / mais fina seda
celeste”. A vestimenta de sonho, a qual o poema se refere, poderia simbolizar a proteção dos
céus bem como a dádiva do sonhar, responsável pela leveza e o olhar sereno para a vida mesmo
diante de dificuldades.
Na segunda parte do poema, surgem os anjos que vêm brincar de bola. Mas aos poucos
o espelho que reflete o mundo de sonhos ligado à vida se estilhaça e o escuro da noite traz a cor
negra do luto. Esta transição parece ser acompanhada atentamente pelo olhar divino que não
abandona na dor, mas permanece lá, observando o desempenho no grande aprendizado da vida.
O poema inicia com a expressão da inocência que exclama ao “Céu, amigo das fábulas,
como brincamos em teus / espaços etéreos!” como à uma divindade companheira de aventuras e
parece terminar com a constatação através da experiência de quem aprendeu que a figura desta
divindade muito além de um companheiro de aventuras é também é um jogador com função
bem definida no jogo: Céu, amigo de fábulas, jogador, nós jogamos teu jogo / com prazer
Do ponto de vista formal, pode-se destacar vários fatores relativos a articulação do
poema e o primeiro é deles é a recorrência. A atmosfera envolvente do poema é proporcionada
88
pela recorrência de recursos fonológicos como a igualdade de metro, rima e do ritmo que é
mantida do início ao fim (sempre verso ímpar-par).
O poema começa e termina (versos 1 e 31) com a anáfora: “Céu, amigo das fábulas
(…)” cuja função não é apenas de uma convocação inocente para um comentário: “(...) como
brincamos em teus / espaços etéreos!” mas, realiza uma contrajunção ao incutir a idéia de
provocação, de uma certa ironia de quem adquiriu experiência: “(...) jogador, nós jogamos teu
jogo / com prazer”.
A principal metáfora de “Jogo celestial” é a vida. O poema desenvolve-se em sua maior
parte no ambiente celeste, onde o ambiente lúdico é a característica central. Num segundo
momento este ambiente de fantasia sofre transformação e passa a ser sombrio. A partir do verso
19 há uma pequena mudança de ritmo que representa uma “quebra” da harmonia contextual.
Praticamente todo o poema é constituído por itens do campo lexical celeste, mas do verso 21
em diante, a atmosfera proporcionada pelo vocabulário empregado deixa de ser de fantasia e
passa a ser sinistra: “Devagar teu espelho se esmigalha, sobre tua fronte / a escuridão do luto”.
A recorrência da conjunção “e” (marca de coloquialidade) também propõe um ritmo
mais acelerado que sugere encantamento, característico do relato infantil e se repete nos versos
5,7,9,11,13 e 15. Sua finalidade é promover uma descrição surpreendente da magia do ambiente
do “Jogo celestial”.
Um dos importantes aspectos de “Jogo celestial” é a presença da persistência. Embora o
poema seja na primeira parte de inteira referência ao universo lúdico, e na segunda, a realidade
roube um pouco do colorido deste universo, ele começa e termina com vivacidade – disposição
para o “Jogo celestial” O que parece iniciar com moderação, termina quase numa expressão
irônica declarada de quem diz: “Céu, amigo de fábulas, jogador, nós jogamos teu jogo / com
prazer”. Neste momento o eu-lírico parece mostrar que embora a vida por vezes se constitua
num jogo doloroso e arriscado, nem por isso deixa de ser prazerosa.
89
Fantasia
A fantasia
4
é uma das características românticas que fundamentam a obra de Rose
Ausländer que pode ser observada ao longo do desenvolvimento de sua poética. Surge
freqüentemente no poema em combinação com o tema em questão: seja nas recordações da
infância na terra natal ou da experiência de confinamento, porém, sua presença intensa nesta
primeira fase faz com que por vezes constitua-se no próprio tema como em “Jogo celestial”.
O poema “No sonho
5
”, do volume O arco-íris, mescla melancolia, com fantasia e
espiritualidade: “Aqui não estamos em casa. Não há lugar / tão grande que nossa saudade não
possa preencher. / Nós subimos milhares de escadas no sonho, / onde Deus envolve a luz com
milhares de cores”. Já o poema “A cavalgada
6
” mostra a fantasia como refúgio: “Eu cavalgo sem
descanso através do espaço / em meu pássaro asas de sonho”. “Rosa e borboleta
7
” traz a fantasia
mesclada com elementos da natureza: “Quando o alvo sorriso matutino / pende sobre meu cálice /
e o ar da manha num silencioso sopro / se emaranha em meu cabelo, / que minha verde haste se
inclina pesada de saudade, / vem um belo anjo borboleta, / que sobe comigo ao céu”.
Elementos de metamorfose / integração do ser humano com a natureza
No ano de 1939 é publicado o primeiro livro de Rose Ausländer O arco-íris com
recordações melancólicas do paraíso perdido da infância, onde convivem tristeza e entusiasmo,
poemas de amor, que surgem ora cheios de paixão, ora de desilusão e de renúncia, como por
exemplo, o soneto a seguir:
4
Atividade mental limítrofe do sonho e da magia. In: MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. Ed.
Cultrix. Sao Paulo, 2004. p.236
5
Corpus p. 13
6
Corpus p. 15
7
Corpus p. 15
90
IX
8
Ich ging in dich hinein wie in ein Feld
voll Sommerduft und reicher Ährenlast.
Ich baute mir in dir ein Garbenzelt
und wähnte mich in einem Goldpalast.
Die Tage flogen wild um unser haus,
die Vögel zogen in uns ein und aus,
der blonde Weizen rieselte wie Wein
in unsern tiefen Kelch der Lust hinein.
So war mein Leben auf ein Tun gestellt:
dein Herz umspannte meine ganze Welt,
und alle Fluren tanzten um mein Glück.
Da kamen Winde und verwirrten dich,
da kamen Falter und entführten dich,
und ließen mich im Stoppelfeld zurück.
IX
Eu penetrei dentro de você como num campo
pleno de aroma de verão e abundante colheita de grãos.
Construí em ti cabana de feixes
e me imaginei num palácio de ouro.
Os dias voaram selvagens por nossa casa,
Os pássaros se instalaram e partiram de nós,
o louro trigo jorrava como vinho
dentro de nosso profundo cálice do desejo.
Assim foi minha vida focada num agir:
teu coração envolveu todo meu mundo,
e todos os campos dançaram por minha felicidade.
Então vieram ventos e te confundiram,
então vieram borboletas e te seqüestraram
e me deixaram no campo devastado.
No soneto “IX”, que compõe a lírica amorosa de Rose Ausländer, é possível observar
tanto a integração do ser humano com a natureza como a personificação desses elementos. O
poema delineia a atmosfera de expectativa que envolve uma grande paixão numa descrição de
plenitude e fertilidade: “Eu penetrei dentro de você como num campo / pleno de aroma de verão e
abundante colheita de grãos”. Mas em seguida o que parecia seguro se mostra efêmero: “Os dias
voaram selvagens por nossa casa, os pássaros se instalaram e partiram de nós”. A atitude do eu-
lírico perante ao amor é de entrega “teu coração envolveu todo meu mundo / e todos os campos
dançaram por minha felicidade”. O desfecho, porém, é de abandono e desolação: “Então vieram
ventos e te confundiram / então vieram borboletas e te seqüestraram / e me deixaram no campo
devastado”.
8
Corpus p. 17
91
É comum na lírica amorosa desta primeira fase a comunhão com a natureza como
também pode ser observado na poesia do ciclo “Ao amante” composto entre os anos de 1927-
1930. Deste ciclo, o poema “Amar-te...”, por exemplo, também reúne elementos que sugerem
esta integração: “Agora pode o meu corpo estar num deserto: / meu coração abriga florestas de
tua exuberância, e fontes precisam jorrar da pedra / rompidas pelo pulsar da nossa cumplicidade”.
Mein Kind I
9
Mein ungebornes Kind, das ich einst träumte,
war grün wie junges Laub im Junihauch.
Im nächsten Traum war es ein Bach, der schäumte.
In einem andern war’s ein Rosenstrauch.
So blieb mein Kind in allen Farbenspielen
Des Traumes. Er gestaltete mein Kind.
Ich füge es zusammen aus den vielen
Vermessenheiten, die mein Träumen sind.
Im Traum halt ich es zärtlich in den Händen
Und stille es mit Milch aus Mond und Mohn.
Doch wehrt es sich – ich kann es nicht vollenden.
Ist’s eine Tochter oder ist’s ein Sohn?
Meu filho I
Meu filho não-nascido, que eu antes sonhara,
era verde como a folhagem de junho.
No próximo sonho era um riacho que espumava.
Num outro, uma roseira.
Assim permaneceu meu filho em todos os jogos de
cores do sonho. Ele constituía meu filho.
Eu o formo dos muitos
atrevimentos de meu sonhar.
No sonho eu o seguro delicadamente nas mãos
e o amamento com leite de lua e papoula.
Mas ele se esquiva - eu não posso concluir.
É um menino ou uma menina?
“Meu filho I”, escrito entre os anos de 1927-1947 é repleto de assonâncias e aliterações:
ex.: “(…)einst träumte / (…) im Junihauch / (…) der schäumte / (…) ein Rosenstrauch” que
variam a cada estrofe. Os elementos de metamorfose surgem aqui na descrição do bebê em cenas
de quimera, sempre delicadas e cheias de vida: “era verde como a folhagem de junho”, ou “(...)
era um riacho que espumava”, ou “(...) uma roseira”. O poema é um dentre vários dedicados ao
filho que a poeta nunca teve.
9
Corpus p. 23
92
Melancolia: “Leite negro”
Publicado pela primeira vez em O arco-íris, é no poema “Para a vida” que surge pela
primeira vez a metáfora do leite negro que irá inspirar Paul Celan em sua “Fuga sobre a morte”.
Ins Leben
10
Nur aus der Trauer Mutterinnigkeit
strömt mir das Vollmaß des Erlebens ein.
Sie speist mich eine lange, trübe Zeit
mit schwarzer Milch und schwerem Wermutwein.
In ihrem Leibe wachs´ ich wie ein Kind,
gehüllt in Nachtgesang und Schattenraum,
bis meine Leiden reif und sehend sind
und mich der Schoß hinausstößt aus dem Traum.
Da stürzen alle Wege auf mich zu,
und jeder nimmt mich in sein Anderssein.
Und Abende stehn groß in goldner Ruh
wie Engel um meine verklärte Pein.
Para a vida
Apenas no ventre materno da aflição
aflui-me a medida plena do viver.
Ela me alimenta por um longo, turvo tempo
com leite negro e pesado vermute.
Em seu corpo eu cresço como uma criança,
Embalada por cantos noturnos e espaços de sombra,
até que minhas dores amadureçam e se tornem visíveis
e o colo me atira para fora do sonho.
Lá lançam-se todos os caminhos sobre mim,
e cada um me conduz para sua particularidade.
E noites pairam grandes no dourado silêncio
como anjos por meu transfigurado tormento.
“Para a vida” traz a personificação de sentimentos, ou delineia de maneira concreta
imagens subjetivas: “que minha dor amadureça”, “transfigurado tormento” e descreve uma
gestação que se dá não num corpo humano, mas “no ventre materno da aflição”. Esta gestação
parece preparar o eu-lírico para uma vida de sofrimentos. A aflição o alimenta “por um longo,
turvo tempo / com leite negro e pesado vermute”. O poema delineia um ambiente, do ventre até o
nascimento, de total desolamento como se o eu-lírico quisesse num desabafo expressar seu
sentimento de desamparo.
10
Corpus p. 13
93
“Para a vida” é um dos poucos poemas antes do período de confinamento que traz uma
atmosfera essencialmente sombria e um dos raros, em toda a sua obra, com uma carga
melancólica tão maciça
11
.
3.1.1 – Poesia expressionista (EUA)
As tradições literárias nas quais Rose Ausländer se apoia nesta primeira fase não ecoam
apenas o Romantismo e Neoromantismo. A década expressionista na Alemanha, que vai de 1910-
1920, tem em sua poesia a expressão de um período turbulento e decisivo que abrangeu do
imperialismo à primeira guerra mundial, a Revolução Russa, a tentativa e fracasso da
implantação do socialismo na Alemanha, a vitória do reformismo “social democrata” e que
culminou por sua vez na implementação do regime burguês da República de Weimar (1919-
1933)
12
. A poesia expressionista reflete portanto, um rico panorama do processo histórico que lhe
é contemporâneo Rose Ausländer, ainda que do outro lado do oceano, também traz traços desta
poesia. Composto em sua primeira estada nos Estados Unidos (1921-1930), o Ciclo “Nova
Iorque”, com quinze poemas, retrata a grande cidade com a sonoridade da lírica expressionista.
Der Feierabend
13
Der Feierabend. Aus den Toren fließen
die Menschenwellen. Schwüler wird die Luft.
Der Broadway schwillt von hunderttausend Füßen
und wirft sie in die Tiefbahnmassengruft.
Final de expediente
Final de expediente. Dos portões fluem
as ondas humanas. Sufocante torna-se o ar.
A Broadway incha de milhares de pés
e os lança na cripta do metrô de massas.
11
Em seu estudo Il Rapporto della Scrittrice con la Figura della Madre, Giacinti afirma que o poema pode ter sido
um desabafo pelo sentimento de abandono de RA com relacao à figura materna, quando após a morte do pai, a mãe
sem instinto de proteção, a manda para os Estados Unidos em 1921.
12
GUINSBURG, J. O Romantismo. Ed. Perpectiva. Sao Paulo, 2002.
13
Corpus p.11
94
Hier unter fortgehetzt in stumpfer Eile,
zwängt sich der Knäuel in den Zug hinein.
Der rast, jede Minute eine Meile,
- Lärmorkan – stadtauf, stadtab, stadtein.
Wir fühlen dumpf den Schmerz vertaner Tage
im unbarmherzigen Rhythmus dieser Fahrt,
und unsere Herzen gehen aus am Schlage
der babylonisch aufgetürmten Gegenwart.
Aqui embaixo, atiçado em pressa cega
empurra-se o aglomerado trem adentro.
Ele dispara, cada minuto uma milha,
- furacão de ruído – cidade acima, abaixo, adentro.
Nós sentimos a dor aguda dos dias desperdiçados
no ritmo desumano desta condução,
e nossos corações param pela batida
do babilônico amontoado presente.
“Final de expediente” traz a atmosfera da agitação, do tumulto e do barulho na grande
cidade. O eu-lírico observa perplexo a multidão e seu movimento e, com pesar, nota a vida
passando numa descrição sem o menor encantamento: “Nós sentimos a dor aguda dos dias
desperdiçados / no ritmo desumano desta condução / e nossos corações param pela batida / do
babilônico amontoado presente”.
Do mesmo ciclo “Sapatos, casacos, chapéus...
14
”, também remete ao ritmo da grande
cidade. A observação melancólica anterior porém, cede lugar a um certo sarcasmo: “Businas,
barulhos chiados / assim ouve-se que se vive! Dança-se todos os barulhos, / até o maior dos
prédios se estremece!”
A visão da dureza da vida cotidiana, do sofrimento social e do trabalho mecanizado nos
Estados Unidos, do qual Rose Ausländer fez parte, e onde nunca se sentiu realmente em casa,
contribuiu fortemente como tema para a poesia deste período.
14
Corpus p. 12
95
3.1.2 - Holocausto
Muitas das poesias compostas nos anos de confinamento integram o ciclo “Motivos do
gueto (1941-1944)” e refletem sobre questões do cerne da dor nos anos de guerra e de
perseguição como a perda da pátria, o constante pavor. Tais poemas trazem a tentativa bem
sucedida de mostrar, através das formas tradicionais, o sofrimento e a aflição aos quais o povo
judeu fora submetido.
Das große Spiel
15
Noch sind die Sterne unsren Blicken da
und ziehen unbekümmert ihren Weg,
als wäre nichts geschehn. Und was geschah,
wurde von ihnen lächelnd übersehn.
Wurde von ihnen lächelnd überholt,
die Länder schwiegen und auch der es sah,
der Engel, kam nicht, schwang für uns kein Schwert.
Die Tode, sie nur standen uns sehr nah.
Wir nahmen jeden Tod in unsre Hand
und hielten ihn wie einen Talisman,
unsere Schatten zuckten auf der Wand
und nahmen immer andre Formen an.
Und irgendwo gab es ein großes Land,
das dieses Große Spiel mit uns erfand.
O grande jogo
Ainda estão lá as estrelas às nossas vistas
e seguem despreocupadamente seu caminho,
como se nada tivesse ocorrido. E o que aconteceu,
foi ignorado por elas com um sorriso.
Foi sobrepujado por elas com um sorriso,
os países silenciaram e também quem viu,
o anjo não veio, não sacou nenhuma espada por nós.
Os mortos, apenas eles estiveram bem perto de nós.
Tomamos cada morto em nossas mãos
e o seguramos como um talismã,
nossas sombras estremeceram na parede
e assumiram sempre novas formas.
E em algum lugar havia um grande país
que este grande jogo conosco inventou.
15
Corpus p.19
96
“O grande jogo” traz mais uma vez, na expressão do eu-lírico, o sentimento coletivo de
aflição, de desolação do povo judeu nos anos de guerra e delineia uma atmosfera de tristeza
profunda causada pelo sentimento de abandono. O poema inicia com a imagem de
distanciamento das estrelas que “seguem despreocupadamente seu caminho / como se nada
tivesse ocorrido”. A figura do anjo, também sempre presente na poética de Rose Ausländer,
compondo o universo lúdico e a fantasia, ou trazendo conforto e proteção, surge desta vez em
postura passiva diante do sofrimento: “o anjo não veio, não sacou nenhuma espada por nós”. O
título irônico do poema “O grande jogo”, não apenas se refere à perseguição e extermínio dos
judeus pelos nazistas, mas insinua também que esta situação traga alegria e contentamento aos
algozes. O poema se encerra com a mesma ironia ao fazer, nos dois últimos versos, alusão à
coletividade dos algozes, ao se referir a sua nação: “E em algum lugar havia um grande país / que
este grande jogo conosco inventou.” O adjetivo “grande” surge nas duas referências “grande
jogo” e “grande país” como complemento e reforço da expressão irônica, contrariando de modo
absoluto seu sentido original de magnanimidade.
Ainda do ciclo “Motivos do gueto”, “Um mundo novo
16
”, delineia novamente o
sofrimento de ter de lidar com as perdas que a guerra impõe e o faz desta vez com elementos de
fantasia e da natureza: “Cada vez mais distante afastam-se todas as profundidades: / aromas de
planta, orvalho e dança das cores. / O que restou, ninguém que tenha conhecido todo o brilho
pode suportar”.
3.1.3 – Paul Celan
Em 1944, ainda durante o confinamento, Rose Ausländer conhece Paul Celan, dezenove
anos mais jovem, que tivera toda família assassinada num campo de extermínio. O encontro entre
os dois poetas estimulou em Rose Ausländer a reflexão e, por conseguinte, uma maior
consciência de seu trabalho poético. O poeta, na ocasião com vinte anos, já era dono de um estilo
16
Corpus p.20
97
marcante, numa poesia lacônica e sensível que despertara de imediato em Rose Ausländer, uma
grande admiração. A poesia abaixo é uma dentre as quais Rose Ausländer lhe dedica:
Für P.A.
17
Du hast mit deinen Sternen nicht gespart.
Die Fernen drängen sich an deine Tür.
Es bricht der dürre Ast der Gegenwart,
Die guten alten Mächte dienen dir.
Denn wo ist Heimat? Keiner weiß Bescheid.
Wo Schwalben nisten, sind wir nicht allein.
Die Chrysanthemen nehmen unser Leid
Hinüber in ihr leises Anderssein.
Wenn Schatten heut dein Lorbeer sind, verhüll
Das Antlitz, bis die Möwe wiederkehrt.
Es ist so dunkel wie dein Herz es will,
Das staunend seinen Wert von dir erfährt
Ein Raunen reiht sich deinen Dingen an.
Du stehst mit vielen Stimmen schon im Bund.
Vergiss, wann diese kleine Zeit begann.
Die großen Zeiten segnen deinen Mund.
Para P.A.
Não poupastes tuas estrelas.
As distâncias empurram-se à tua porta.
A seca haste do presente quebra,
As boas velhas forças te servem.
Onde está a Pátria? Ninguém sabe.
Onde andorinhas se aninham, não estamos sozinhos.
Os crisântemos levam nosso sofrimento
Em sua silenciosa diferença.
Se sombras são hoje teu louro, encobre
o semblante até que a gaivota retorne.
Está tão escuro quanto deseja teu coração,
Que admirado descobre através de ti sua grandeza.
Um sussurro soma-se às tuas coisas.
Estás com muitas vozes já em coro.
Esqueça, quando este pequeno tempo começou.
Os grandes tempos abençoam tua boca.
P.A., Paul Antschel (Paul Celan)
“Para P.A.”, escrita ainda durante o confinamento, e, uma das últimas poesias
18
desta
primeira fase. Rose Ausländer expressa toda sua admiração pelo poeta: “Não poupastes tuas
17
Corpus p.23
18
BRAUN, Helmut (org.). Rose Ausländer – Materialien zu Leben und Werk. Fischer, Frankfurt, 1991.
98
estrelas e As boas velhas forças te servem”, demonstra sua compaixão: “Onde andorinhas se
aninham, não estamos sozinhos. / Os crisântemos levam nosso sofrimento” ao mesmo tempo em
que tenta consolá-lo: “Esqueça quando este pequeno tempo começou. / Os grandes tempos
abençoam tua boca.”
3.2 - 2ª fase – Poesia em inglês
No outono de 1946 Rose Ausländer retorna aos Estados Unidos como sobrevivente do
Holocausto. Nesta época, além da luta pela sobrevivência na cidade grande e de seu estado de
saúde abalado em conseqüência dos anos de guerra, o sofrimento tem seu ápice com a perda da
mãe em 1947. As experiências da vida pessoal, aliadas ao contato com a lírica moderna
americana, constituem-se em são fatores que culminam numa “reorientação poética”.
Os anos nos Estados Unidos para Rose Ausländer, apesar da informação
geralmente difundida, não foram apenas quase 18 anos de dificuldades, solidão e
alheamento. Ela partiu para lá com uma linguagem poética e retornou com outra,
o que em grande parte se deve ao choque da experiência de sofrimento no gueto
em Czernowitz, bem como ao encontro em Paris, em 1957 com Paul Celan, mas
não menos aos novos estímulos que a poeta recebeu do outro lado do atlântico
19
.
Tem início então, a segunda fase de seu processo de criação, um período de transição
no qual sua poética sofre importantes mudanças. Depois de alguns anos de silêncio, me
surpreendi numa noite a escrever poesia em inglês, conta Rose Ausländer
20
e assim permanece
entre os anos de 1948-1956 compondo apenas em inglês. Neste período foram produzidos cerca
de 190 poemas, nos quais inicialmente ainda mantêm métrica e rima, mas, aos poucos se dá a
mudança estilística e a poeta passa a compor com ritmo livre e sem rima. Desde a experiência de
19
CANDIDA, Silvia. DIE OFFENE TÜR - Rose Ausländer und Marianne Moore – Überlegungen zur einer
dichterischen Freundschaft. in: „Weil Wörter mir diktieren: Schreib uns.p.97
20
Apud BRAUN, Helmut (org.). „Warum ich schreibe? Ich weiß nicht“ – Die sechs Werkskapitel der Rose
Ausländer und ihre biografische Verknüpfung -, in: ...was man Wirklichkeit nennt ..., Jahrbuch 2000 der Rose
Ausländer-Stiftung.
99
perseguição nazista e de confinamento nota-se a mudança com relação aos temas que passam a
compor sua poesia. É nesta nova fase que reflexões sobre o significado da guerra e suas
proporções começam a ser elaboradas.
AFTER THE WORLD WAS ATOMBOMBED
21
Nobody was prepared when it came.
Everyone hurried to look for his name
under the ashes.
Dead mothers washed their eyes
to recognize
the dust of their children.
But all children were blended.
Gases from firmament to firmament
spirits from the Old and the New Testament
assembled at the spaceless cemetery.
Exploding stars smeared
the oily surface of the seven
heavens.
Pretty silvercrisp angels
were annoyed
at their singing lesson of HOSANNA
and retreated into deeper nothingness.
Mary washed her eyes to see clear
the Ressurrection beneath the smear.
But her son
had undergone
a strange
change:
His delicate Bones
His Love His Blessing
blended
with the ashes of all children.
His whole
Immortal Soul
mingled
with the immaterial
material.
Mary wept.
Her tears blended
with the tears of all mothers.
An ashen soldier kept
vigil and slept.
DEPOIS QUE O MUNDO FOI BOMBARDEADO
Ninguém estava preparado quando ela veio.
Todos se apressaram a procurar seus nomes
sob as cinzas.
Mães mortas lavaram seus olhos
para reconhecer
o pó de seus filhos.
Mas todas as crianças estavam misturadas.
Gases de firmamento a firmamento
Espíritos do Novo e do Velho Testamento
reunidos no cemitério sem lugar.
Estrelas explodindo cobriram
a superfície oleosa dos sete
céus.
Belos anjos prateados.
estavam aborrecidos
na sua lição de canto do HOSANA
e se recolheram no mais profundo nada.
Mary lavou os olhos para ver claro
a ressurreição sob a sujeira.
Mas seu filho
sofreu
uma estranha
mudança:
Seus ossos delicados
Seu amor Sua benção
misturados
com as cinzas de todas as crianças.
Sua plena
Alma Imortal
fundida
com a imaterial
matéria.
Mary chorou.
Suas lágrimas misturaram-se
com as lágrimas de todas as mães.
Um soldado de cinzas manteve-se em
vigília e adormeceu.
21
Corpus p.24
100
“Depois que o mundo foi bombardeado” traz na poesia em inglês a memória do trauma
da guerra numa descrição sombria. O poema delineia o ambiente de destruição e o sofrimento
envolvido neste contexto – “Todos se apressaram a procurar seus nomes / sob as cinzas”. Em
cenas surreais, o poema traz uma forte carga de ironia: “Mary lavou os olhos para ver claro / a
ressurreição sob a sujeira”. Também está presente no poema a crítica à indiferença da divindade
representada pelos anjos: “Belos anjos prateados / estavam aborrecidos / na sua lição de canto do
HOSANA / e se recolheram no mais profundo nada” - e o sentimento de desolamento: “Mary
chorou. / Suas lágrimas misturaram-se / com as lágrimas de todas as mães”. “Depois que o
mundo foi bombardeado” já se percebe a ruptura com as formas rígidas tradicionais numa
construção poética de ritmo fluente e frases curtas, com rimas que ocorrem esporadicamente.
Os poemas desta nova fase passam a ser orientados na tradição da poesia moderna
americana. Os poetas favoritos de Rose Ausländer são: Robert Frost, William Carlos Williams,
Walace Stevens, T.S. Elliot, E.E. Cummings, mas, especialmente a poeta nova-iorquina Marianne
Moore. A poesia de Rose Ausländer em língua inglesa tem seu valor reconhecido por vários
especialistas. A poeta recebe inclusive em 1956 das mãos de Marianne Moore na New Yorker
City Writers Conference at Staten Islands in Wagner College um prêmio por seu trabalho
poético.
3.2.1 - Marianne Moore
Marianne Moore (1887-1972) é considerada uma das mais importantes poetas
americanas do século XX e se constitui na mais importante influência americana de Rose
Ausländer
22
. “Poetry”, escrito na década de 50, é um dos poemas mais conhecidos de Marianne
Moore é também um dos mais representativos para o Modernismo americano.
22
MORRIS, Leslie. „Omissions Are Not Accidents. Marianne Moore, Rose Ausländer und die amerikanische
Moderne.
101
Poetry
23
I, too, dislike it: there are things that are important beyond
all this fiddle.
Reading it, however, with a perfect contempt for it, one
discovers in
it after all, a place for the genuine.
Hands that can grasp, eyes
that can dilate, hair that can rise
if it must, these things are important not because a
high-sounding interpretation can be put upon them but because
they are
useful. When they become so derivative as to become
unintelligible,
the same thing may be said for all of us, that we
do not admire what
we cannot understand: the bat
holding on upside down or in quest of something to
eat, elephants pushing, a wild horse taking a roll, a tireless
wolf under
a tree, the immovable critic twitching his skin like a horse
that feels a flea, the base-
ball fan, the statistician--
nor is it valid
to discriminate against "business documents and
school-books"; all these phenomena are important. One must make
a distinction
however: when dragged into prominence by half poets, the
result is not poetry,
nor till the poets among us can be
"literalists of
the imagination"--above
insolence and triviality and can present
for inspection, "imaginary gardens with real toads in them,"
shall we have
it. In the meantime, if you demand on the one hand,
the raw material of poetry in
all its rawness and
that which is on the other hand
genuine, you are interested in poetry.
Marianne Moore
Poesia
Eu, também, desgosto dela: há coisas que importam para além
de todo esse blá, blá, blá.
Lendo-a, no entanto, em perfeito desdém (aversao), pode-
se descobrir nela,
antes de tudo, um lugar para o genuíno.
Mãos que podem apertar, olhos que
podem se dilatar, cabelos que podem se arrepiar
se preciso, essas coisas são importantes não porque uma
interpretação altissonante pode vestí-las, mas porque
são
úteis. Quando tornam-se tão derivadas a ponto de tornarem-se
ininteligíveis,
o mesmo pode ser dito de nós, que
não admiramos o que
não podemos entender: o morcego
pendendo de cabeça para baixo ou atrás de algo para
comer; elefantes arremetendo; o rodopio do cavalo selvagem, um
infatigável lobo atrás
da árvore, o impassível crítico contraindo sua pele como um cavalo
ante uma mosca, o fã de base-
ball, o estatístico
nem vale
discriminação contra “documentos de negócio e
manuais escolares”; todos esses fenômenos são importantes. Mas há
que fazer uma distinção
no entanto: quando arrastados à proeminência por semi-poetas,
o resultado não é poesia
ao menos até que os poetas entre nós sejam
“literalistas da
imaginação” - acima
da insolência e da trivialidade e possam apresentar para
inspeção, “jardins imaginários com sapos reais”,
que apre-
endemos. Nesse meio tempo, se você busca numa mão
a matéria-prima da poesia em
toda sua crueza e
na outra mão aquilo que é
genuíno, você está interessado em poesia.
A poesia de Marianne Moore é considerada inovadora do ponto de vista estilístico formal
e se caracteriza pelo uso de figuras retóricas, citações e pelo estilo discursivo. Poetry traz
algumas características arrojadas, entre elas: seu tom discursivo coloquial, a pontuação que se
distribui de modo irregular e a divisão das estrofes que aparentemente se dá de maneira aleatória,
sempre interrompendo o fluxo do verso que continua na próxima estrofe. Essa “liberdade”
criativa que o poema inspira, comum na poética de Marianne Moore, deve seguramente ter
23
MOORE, Marianne. Complete Poems. Penguin USA, 1994. p. 37
102
inspirado Rose Ausländer na ruptura definitiva com as normas rígidas nesta nova fase. As
composições de Rose Ausländer em inglês dos anos 50 mostram sua participação efetiva na
poesia americana da época.
HOME I
24
Returning from a day of noise
to the last hour of the day,
I am home.
The eveningstar opens the gate
to the innocent garden
of my first parents.
Believe me, arrogant friend,
who laughed at me
a century ago this afternoon
in the clamoring city:
This is home, relaxing and beautiful.
I am not ambitious to compete with you
and to outdo you – no!
You are clever, a million times more clever
than I shall ever be –
when your laughter has a sharper skill then mine.
When you whistle once, the Broadway dances foxtrot,
when you whistle twice, it dances rhumba,
and mambo when you whistle thrice.
Challenge me not! My dance is primitive
as that oft the little lizard in the naked sun.
A century ago this afternoon
you laughed at me. (I did not mind.)
Now I am home.
The midnight separates two days
and me from you.
Stars are prepared, the gate is open,
the eternal serpent smiles.
LAR I
Retornando de um dia de barulho
na última hora do dia,
eu estou em casa.
A estrela noturna abre o portão
para o inocente jardim
dos meus primeiros pais.
Acredita em mim, arrogante amigo,
que riu de mim
um século atrás esta tarde
na cidade barulhenta:
Este é o lar, relaxante e bonito.
Eu não sou ambicioso para contigo competir
e te superar – não!
És astuto, um milhão de vezes mais astuto
do que jamais serei –
quando a habilidade de tua risada é mais afiada que a minha.
Quando assovias uma vez, a Broadway dança foxtrote,
quando assovias duas vezes, ela dança rumba, e mambo quando
assovias três.
Não me desafia! Minha dança é primitiva como a do pequeno
lagarto sob o sol nu.
Há cem anos esta tarde
ristes de mim. (Eu não me incomodei.)
Agora estou em casa.
A meia-noite separa dois dias
e ti de mim.
Estrelas estão preparadas, o portão está aberto,
a eterna serpente sorri.
24
Corpus p.25
103
“Lar I”, de ritmo livre e sem rima se aproxima do tom da linguagem falada. O poema,
ao sobrepor ações em diferentes tempos: “Retornando de um dia barulhento / na última hora do
dia, /eu estou em casa”- com “Acredita em mim, arrogante amigo, / que riu de mim /um século
atrás desta tarde” e, ao mesclar reflexões: “Este é o lar, relaxante e bonito” com: “És astuto, um
milhão de vezes mais astuto / do que jamais serei” – se desprende do rigor da poesia de Rose
Ausländer, até então comum, de um pensamento ordenando, dando lugar agora a uma certa carga
hermética.
A poesia acaba por unir a vida de Marianne Moore e Rose Ausländer que se tornam
amigas
25
. O poema abaixo é um dos quais Rose Ausländer dedica a poeta americana:
THE DOOR
26
For Marianne Moore
The door.
Not the thing of wood.
The door open to doors.
Open to open doors
to open roads to the grove.
The grove,
not the trees of wood.
The grove of breathing trees
trees breathing green breathing growth
breeding brotherly touch of air
air thrilling the breath
air entering the door.
A PORTA
Para Marianne Moore
A porta.
Não a coisa de madeira.
A porta aberta às portas.
Aberta a abrir portas
a abrir caminhos para o bosque.
O bosque,
não as árvores de madeira.
O bosque de árvores respirantes
árvores respirando verde respirando crescimento
gerando fraternalmente toque de ar
ar prendendo o fôlego
ar entrando pela porta.
25
Leslie Morris afirma que embora o encontro de Rose Ausländer e Marianne Moore tenha se tornado lendário e
importante para as duas poetas, a amizade que a partir daí surge permanece ignorada pelas pesquisas sobre
Marianne Moore. In: „Omissions Are Not Accidents. Marianne Moore, Rose Ausländer und die amerikanische
Moderne“. p.97
26
Corpus p.25
104
The door.
Not the thing of wood!
A porta.
Não a coisa de madeira!
“The door” reúne concreto e metafísico numa poesia singela e delicada. Rico em
aliterações e assonâncias: “Not the thing of wood”, “trees breathing green breathing growth” ou
ainda “air thrilling the breath”, o poema delineia características de algo concreto - a porta - de
modo que transcenda de seu universo físico para o etéreo: “A porta. / Não a coisa de madeira. / A
porta aberta às portas. / Aberta a abrir portas / a abrir caminhos para o bosque”. A composição
física do objeto é esmiuçada no poema, desde sua origem ao seu aspecto metafísico, interligando
elementos da natureza: “O bosque, / não as árvores de madeira. / O bosque de árvores respirantes
/ árvores respirando verde respirando crescimento / cuidado fraternal toque de ar / ar prendendo o
fôlego / ar entrando pela porta” - propondo assim, uma atmosfera de integração e de harmonia. A
metáfora “porta” no poema pode ser visto como uma metáfora para comunicação “uma abertura
para outras possibilidades” e que compõe a imagem do espírito livre e arrojado da poeta
americana.
Marianne Moore também ajudou a convencer Rose Ausländer a voltar a escrever poesia
em sua língua materna “pois seus melhores poemas só poderiam ser escritos em língua alemã”
27
.
Para Marianne Moore
28
somente na língua materna o poeta pode encontrar sua voz autêntica. O
caminho de volta a língua alemã é trilhado aos poucos: Rose Ausländer permanece alguns anos
escrevendo o poema idealizado em ambas as línguas, ou começando-o em alemão e terminando-o
em inglês e vice versa.
27
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
Stuttgart 1999. pg.92
28
Em DIE OFFENE TÜR - Rose Ausländer und Marianne Moore – Überlegungen zur einer dichterischen
Freundschaft Silvia Candida afirma que Marianne Moore teria ajudado (Rose Ausländer) a sair do exílio interior e
lhe mostrado o caminho de volta a pátria. p.108
105
Die Tür
29
Für Marianne Moore
Die Tür
nicht das Ding aus Holz
Die Tür
offen zu offnen Türen
zu offnen Wegen
zum Wald
Der Wald
nicht Bäume aus Holz
Der Wald aus atmenden Bäume
Bäume aus atmendem Grün
Bruderberührung der Luft
Luft geatmet
in die offne Tür
Die Tür
nicht das Ding aus Holz
A porta
Para Marianne Moore
A porta
não a coisa de madeira
A porta
aberta a abrir portas
a abrir caminhos
para floresta
A floresta
não as árvores de madeira
A floresta de árvores respirantes
Árvores de verde respirante
Toque fraterno de ar
Ar respirado
na porta aberta
A porta
não a coisa de madeira
“The Door” é um dos poemas “retrabalhados” pois foi traduzido pouco depois pela
poeta para o alemão >> Die Tür<< e publicado em seu volume Verão Cego
30
. A tradução para o
alemão sacrifica algo da sonoridade original do poema, porém seu sentido metafórico é
preservado e o poema se torna mais “enxuto”, com menos repetições.
29
Corpus p.30
30
>>Blinder Sommer<<
106
Durante o período em que compôs em inglês, Rose Ausländer permanece praticamente
sem vivenciar o desenvolvimento da lírica alemã. Porém, em maio de 1957 Rose Ausländer
retorna pela primeira vez à Europa. A poeta visita Paul Celan em Paris, ocasião em que discutem
os poemas que farão parte de seu livro Prisão da Palavra >Sprachgitter<<. O intercâmbio de
idéias realizado com Paul Celan teve grande reflexo na poesia de Rose Ausländer: as conversas
com o poeta foram essenciais para que Rose Ausländer adquirisse uma nova consciência poética.
Celan a encoraja a empernhar-se no desenvolvendo seu novo estilo mais “enxuto” com poesias de
versos e estrofes curtas. A partir de então, a poeta decide não mais publicar poemas em inglês e
os poucos começa a tomar parte da moderna lírica alemã.
3.3 - 3ª fase – Desapego à tradição romântica, Trauma perene, Poesia
reduzida
Em 1965 se dá o retorno efetivo à língua materna. Rose Ausländer, agora com mais de
sessenta nos de idade, ainda desconhecida adentra o >>Sprachraum
31
<< alemão. Os poemas que
compõem sua obra madura, já não tinham mais uma preocupação formal rígida. Ao longo dos
anos observa-se que os versos passam a ser livres e o número de palavras mais reduzido; já não
há tantos adjetivos. Mesmo com toda sua tendência à simplicidade, à expressão lapidar e à
liberdade de ritmos, sua poesia permanece dotada de intensa musicalidade.
31
Região onde determinada língua é falada.
107
1957-1963
Du und dein Bild
32
Auf der Wand
du lebst
Ich habe dich lieb
Es taugt nicht
denk nicht an Wiederkehr
wirst mich nicht finden
Ich folg deinem
Blick im Bild
Wir gehn zusammen
Versteh mich
du kämst umsonst
Ich bin nicht mehr hier
Tu e teu retrato
Na parede
tu vives
Tu me és caro
Não adianta
não penses em retorno
não me acharás
Eu sigo teu
olhar na foto
Nós vamos juntos
Entenda-me
virias em vão
Eu não estou mais aqui
“Tu e teu retrato” é um dos primeiros poemas que iniciam a obra de maturidade e
marcam o “retorno” de Rose Ausländer à língua alemã. A construção espacial do poema parece
sugerir um certo movimento condizente com a idéia de efemeridade, de transitoriedade que o
poema propõe. Nele o eu-lírico, estabelece um diálogo imaginário com a foto na parede e
perplexo, parece tentar compreender tudo o que aconteceu. Os dois “planos” que o poema
apresenta espacialmente para o diálogo - de fundo o eu-lírico, consternado: “Na parede / tu vives
/ Tu me és caro // Eu sigo teu / olhar na foto / Nós vamos juntos” - e de frente, o retrato,
moderado: “Não adianta / não pensa em retorno / não me acharás // Entenda-me / virias em vão /
Eu não estou mais aqui”, reforça ambiente melancólico e de perplexidade. Através do modo
como o poema recria o sentimento de perda, o poema reafirma nesta terceira fase de modo mais
intenso, essa tentativa de reelaborar o passado traumático, iniciada anteriormente na fase das
32
Corpus p.28
108
poesias em inglês. O poema “Ruminar”
33
de 1976 traz novamente essa reflexão: “Não posso
digerir / as guerras elas são / para mim como pedras no estômago / lápides”.
1970-1976
Mein Schlüssel
34
Mein Schlüssel
hat das Haus verloren
Ich gehe von Haus zu Haus
keines paßt
Den Schlosser
habe ich gefunden
mein Schlüssel paßt
zu seinem Grab
Minha chave
Minha chave
perdeu a casa
Eu vou de casa em casa
nenhuma serve
A fechadura
eu encontrei
minha chave serve
em seu túmulo
Em 1965 Rose Ausländer passa a viver em Düsseldorf, porém sem residência fixa, o
que ocorre apenas em 1972 quando se muda para o lar de idosos da comunidade judaica. O
poema “Minha chave” parece refletir sobre essa condição itinerante que caracteriza a vida da
poeta até o início dos anos 70. Num tom melancólico o poema delineia a busca, que ocorre
durante toda a vida, por resgatar, nas moradias sempre transitórias, o sentimento de um lar,
aquele lar que deixara para traz quando partira pela primeira vez aos Estados Unidos em 1921.
Seu desfecho é irônico e sugere que apenas o túmulo se constituirá em morada definitiva.
33
Corpus p.34
34
Corpus p.33
109
1979
Honigkuchen
35
Eine Freundin
backt mir Honigkuchen
Er duft nach Mutter
schmeckt nach Kindheit
die blüht noch in mir
Bienen trinken Blütensaft
die tote Mutter
schaukelt mein Bett
und singt alte Kinderlieder
Eine Scheibe Honigkuchen
verwandelt die Welt
Pão de mel
Uma amiga
faz para mim pão de mel
Ele tem cheiro de mãe
tem o sabor de infância
que ainda floresce em mim
Abelhas tomam néctar
a mãe morta
balança minha cama
e canta antigas canções infantis
Uma fatia de pão de mel
transforma o mundo
O poema “Pão de mel” retoma o sentimento nostálgico da busca do lar e do paraíso
perdido da infância. A imagem da mãe está aqui associada à doçura do pão de mel que por sua
vez remete à infância, cujas recordações ainda permanecem intactas, porém doloridas por não ser
possível revivê-las: “Abelhas tomam néctar / a mãe morta / balança minha cama / e canta antigas
canções infantis”. O poema finaliza com a reflexão do eu-lírico sobre o significado do sentimento
de acolhimento, proteção e amor que a figura materna representa, simbolizada pelo pão de mel:
“Uma fatia de pão de mel / transforma o mundo”.
35
Corpus p.45
110
Der Engel in dir
36
Der Engel in dir
freut sich über dein
Licht
weint über deine Finsternis
Aus seinen flügeln rauschen
Liebesworte
Gedichte Liebkosungen
Er bewacht
deinen Weg
Lenk deinen Schritt
Engelwärts
O anjo em você
O anjo em você
alegra-se com tua
luz
chora por tuas trevas
De suas asas sussurram
palavras de amor
poemas carícias
Ele guarda
teu caminho
Dirige seu passo
rumo aos anjos
“O anjo em você” traz mais uma vez a espiritualidade, marcante ao longo de toda a
produção poética de Rose Ausländer. O poema sintetiza, na voz de um eu-lírico que parece falar
consigo mesmo usando o pronome “tu”, uma estreita relação com a divindade. Pelo falar da
compreensão e compaixão do anjo: “O anjo em você / alegra-se com tua /luz // chora por tuas
treva”, de seu consolo na dor: “De suas asas sussurram / palavras de amor / poemas carícias” e
sua proteção: “Ele guarda / teu caminho // Dirige seu passo / rumo aos anjos”, é possível entrever
a perspectiva do eu-lírico de uma união indissolúvel entre criatura humana e divina. A mesma fé
incondicional a poeta sintetiza mais uma vez em um de seus últimos poemas, “Procuro Deus”
37
:
“Procuro Deus / e o encontro / numa flor / que não murcha”, composto em 1985.
36
Corpus p.46
37
Corpus p.54
111
1983
Feiertage
38
Ich krieche
zwischen Gebeten
zu den Toten
Und schwöre
Ihr lebt
und schwöre ab
dem Meineid
Wer hat
meine Festtage
Freudentage
meine schönen Feiertage
begraben
Feriados
Arrasto-me
entre orações
até os mortos
E juro
vocês vivem
e abjuro
o perjúrio
Quem
sepultou
meus dias de festa
dias de alegria
meus lindos feriados
“Feriados” traz novamente a lembrança viva do trauma, da dor da perda que o tempo
não consegue acalmar: “Arrasto-me / entre orações / até os mortos // E juro / vocês vivem”. No
poema um eu-lírico ávido por uma resposta tenta compreender o que parece não ser possível. O
poema se encerra com a dificuldade em aceitar, em sequer acreditar, quase quarenta anos depois,
que a experiência da guerra tenha sido tão devastadora: “Quem / sepultou / meus dias de festa /
dias de alegria / meus lindos feriados”.
38
Corpus p.50
112
1983
Identität
39
Menschen haben mir
mein Ich verboten
Sie wissen nicht
daß ich auch
Baum bin Vogel Stern
Und Architekt
der Märchen baut
die sie nicht sehen
obwohl sie
bis in den Himmel reichen
Identidade
Pessoas proibiram
meu Eu
Elas não sabem
que eu também
sou árvore pássaro estrela
E arquiteto
que constrói fábulas
que elas não vêem
embora elas
alcancem o céu
Em “Identidade”, o eu-lírico, através da reflexão sobre si próprio, faz numa reflexão
poetológica, uma síntese da função da poesia. De modo sutil, faz alusão ao passado de
perseguição nazista: “Pessoas proibiram / meu Eu” e mais uma vez a fantasia desempenha papel
fundamental: “Elas não sabem / que eu também / sou árvore pássaro estrela” e delineia na figura
do poeta um arquiteto da linguagem que “constrói fábulas” cuja matéria prima é o sonho e a
fantasia e que traz consigo a característica primordial de libertar e o faz numa outra esfera, onde
ninguém vê “embora elas / alcancem o céu”.
39
Corpus p.51
113
1985
Die Erde
40
gibt mir
ein geheimes Zeichen
und sagt ade
Ich antworte
auf Widersehen
A terra
me dá
um sinal secreto
e diz adeus
Eu respondo
até logo
“A terra”
41
é um dos últimos poemas de Rose Ausländer. Nele o eu-lírico parece não
querer se despedir nem da vida e nem da poesia. A poeta expressa, cerca de sessenta anos depois,
o mesmo amor pela vida e a mesma persistência presentes em sua poesia desde o início de seu
processo criativo
42
.
Para encerrar esta caminhada poética, uma poesia do espólio de Rose Ausländer que ao
reunir alguns dos elementos que tornam sua poética tão especial - fantasia, integração com a
natureza, espiritualidade – resume, apesar da trajetória traumática, o olhar da poeta para a vida
até seus últimos dias.
Zusammenhang
43
Ohne mich
Relação
Sem mim
40
Corpus p.52
41
O poema, como os últimos da poeta, fora ditado à Helmut Braun seu editor, já que Rose Ausländer, acometida por
uma forte artrose nas mãos já não mais podia escrever.
42
Ver “Jogo celestial” no início deste capítulo.
43
Corpus p.58
114
wäre alles anders
Die Erde denkt
durch mich
Mein Licht schenke ich
den Sternen
In den Bäumen rauscht
meine Sehnsucht
Meine Seele
wogt im Meer
Ich
ein Stäubchen Stoff
ein Fünkchen Geist
tudo seria diferente
A terra pensa
através de mim
Minha luz eu dou
às estrelas
Nas árvores murmura
minha saudade
Minha alma
flutua no mar
Eu
um pozinho de matéria
uma centelha de espírito
A obra poética de RA só alcança ressonância junto ao público em sua última década de
vida. O reconhecimento do público no início em 1981 com a publicação do livro Meu ar se
chama agora
44
. A edição de capa dura vende 11.000 exemplares, um sucesso incomum para
poesia, confirma a importância de Rose Ausländer como uma das poetas mais significativas da
lírica alemã do século XX
45
.
A lírica de Rose Ausländer do início ao fim de sua obra, sinalizam o caminho
que a poeta percorreu: da poesia epigonal à poesia inconfundível, da periferia
para o centro da literatura contemporânea. Já se pode dizer o que permanecerá
44
>>Mein Atem heißt jetzt <<
45
BRAUN, Helmut (org.). „Warum ich schreibe? Ich weiß nicht“ – Die sechs Werkskapitel der Rose Ausländer und
ihre biografische Verknüpfung -, in: ...was man Wirklichkeit nennt ..., Jahrbuch 2000 der Rose Ausländer-Stiftung.
115
com suas melhores poesias: uma testemunha lingüística poderosa da história de
sofrimento do nosso século.
46
Em seguida um trecho do discurso de agradecimento por ocasião da outorga do Prêmio
Literário da Academia Bávara de Belas Artes em 1984:
Quando escrevi meu primeiro poema, tinha 17 anos, vivia em Czernowitz; a
primeira publicação de um poema deu-se em 1922, eu tinha 21 anos em
Minneápolis/St.Paul; tinha 38 anos e voltara à Pátria quando veio a lume meu
primeiro livro “O arco íris
47
”. A primeira crítica ao meu livro apareceu em 1940
num jornal de Genebra; recebi meu primeiro prêmio literário aos 56 anos em
Nova York – e meu último até agora aos 83, acamada na Casa Nelly Sachs, em
Düsseldorf – não necessariamente o último, é fácil encontrar-me agora, não
posso mais mudar meu domicílio enquanto viver. Entre os 17 e os 83 situam-se
os marcos de minha vida de poeta, poemas, livros, leitores, críticas, prêmios.
Quantos poemas? Cerca de 2.500, afirma o editor; livros, até agora, por volta de
30. Milhares de cartas de leitores amontoam-se, responde-las não é mais
possível, quase semanalmente a editora manda cópias de críticas e, como a
memória falha – perdoem uma mulher esquecida - , não consigo mais contar os
prêmios literários. E aquilo que a vida, os anos, os poemas, os livros, os leitores
e a crítica não conseguiram, os prêmios literários o conseguem: eles me fazem
sentir velha! Quando a outorga do prêmio foi anunciada pelos jornais, pedi que
me lessem as críticas e as honrarias – fiquei sabendo que Rose Ausländer é a
grande velha senhora da lírica alemã. Ora, vivenciei muitas coisas, sofri outras
tantas, também devo sobreviver a isto. (...) O prêmio conferido a mim chega
tarde, mas não tarde demais – muito obrigada!
48
46
HINCK, Walther: „Und Meer und Sterne“, in: FAZ (Frankfurter Allgemeiner Zeitung), Frankfurt/Main,
08.10.1985. Acervo da RAS.
47
>>Regenbogen<<
48
ARON, Irene. “Rose Ausländer – Mátria Palavra” in Pandaemonium Germanicum 5/2001, 281-282.
116
Conclusão
Ao final desta caminhada poética se pôde observar os seguintes aspectos:
A Primeira Parte deste trabalho permitiu constatar porque a obra de Rose Ausländer
pode ser caracterizada como uma biografia poética
1
. A infância e adolescência vividas na
Bucovina – primeiro Áustria, depois Romênia, a vida nos Estados Unidos para onde a poeta
imigra aos vinte anos, o confinamento no gueto em Czernowitz, com os trabalhos forçados e o
perigo constante de deportação, o retorno aos Estados Unidos, a vida de apátrida e finalmente
seus últimos anos na Alemanha Ocidental; os reflexos de todas essas experiências compõem sua
obra poética. Assim, em correspondência direta a essa trajetória biográfica, seu caminho poético
pode ser definido basicamente pelos seguintes temas: pátria (associada à Bucovina e às
recordações da infância), a cultura judaica, a natureza (associada freqüentemente à Divindade e à
figura materna), o amor, a experiência do Holocausto, o exílio e a língua (como meio de
expressão poética, como trabalho artesanal e como pátria). Dentre todos os temas, a experiência
de perseguição e extermínio nazista dos judeus torna-se central na obra da poeta. Durante mais de
40 anos Rose Ausländer escreve poesia sobre o Holocausto.
A Segunda Parte do trabalho propôs uma reflexão sobre a aporia da representação
estética, mais especificamente da poesia, após Auschwitz. Do diálogo dos poemas de Rose
Ausländer com o pensamento de Adorno, foram extraídas duas conclusões que reiteram a
legitimidade e importância da poesia após a catástrofe. Conforme afirma Rugart
2
, “uma poesia
adequada sobre Auschwitz não pode existir, mas poesias sobre seu significado para a linguagem,
para o mundo e para o ser humano, precisa existir”. Assim, a articulação da linguagem em poesia
revigora o poder da língua e é o que permite ao poeta desempenhar o papel de mediador entre o
passado e o futuro. E nas palavras de Hilde Domin, poeta judia alemã contemporânea a Rose
Ausländer:
1
conforme designa Irene Aron em “Rose Ausländer - Mátria Palavra”
2
Rugart, Claudia p.58
117
(…)A poesia ao ajudar o homem a ser ele mesmo, ao ajudá-lo a descrever e
dividir sua própria experiência, o ajuda a tornar-se senhor da realidade que
ameaça eliminá-lo. Pois tão logo nós relatamos nossa experiência e o
insuportável, vivemos de seu outro final, do humano e não do coisificado: como
se fôssemos livres para aceitá-la ou colocá-la de lado. Nós somos por um
pequeno instante sujeito e não objeto da história. >>nós fazemos algo do que
foi feito de nós
3
Sua tarefa de reflexão, de denúncia e de rememoração da história se eleva ainda mais
quando se reconhece na poesia, seu poder de transcendência, citado por Domin, ou aquela arte da
saúde transcendental, sintetizada por Novalis
4
, que possibilita a elevação do homem acima de si
mesmo.
A Terceira Parte trouxe uma idéia do modo como se dá o desenvolvimento da obra de
Rose Ausländer e, especialmente a recriação da experiência do Holocausto.
Do ponto de vista formal e estilístico sua poesia permanece até a Segunda Guerra
Mundial muito ligada a tradição romântica: as estrofes são regulares, com presença de métrica e
rima. Entre os anos de 1948 e 1956 a poeta compõe apenas em inglês. “Para Rose Ausländer, por
um tempo escrever poesia após Auschwitz em língua alemã é impossível.”
5
Seu contato com a
lírica moderna americana foi primordial para consolidar um novo estilo em sua composição
poética que, a partir dos anos 50 mostra a ligação da poeta com o Modernismo: as formas livres,
sem rima e com liberdade de ritmo passam a assumir cada vez mais espaço em sua lírica. A partir
dos anos 70 se dá cada vez mais o predomínio em sua obra dos poemas curtos, epigramáticos e o
uso de anáforas e Enjambement
6
em versos com uma ou duas palavras. Assim, o
desenvolvimento formal e estilístico é representado pela dissolução, redução, fragmentação da
3
Hilde Domin „O poeta entre o ontem e o amanha“ in: Wozu Lyrik Heute
4
NOVALIS. lén. Ed. Iluminuras. Sao Paulo, 2001. p.26
5
BRAUN, Helmut (org.). Ich bin fünftausend Jahre jung – Rose Ausländer zu ihrer Biographie. Radius-Verlag,
Stuttgart 1999 pag.85.
6
Um verso que tem sua continuidade no outro; a última palavra de uma linha conecta-se com a primeira da seguinte,
estabelecendo uma ruptura da cadência. Massaud Moisés, p.143
118
poesia. Com a dissolução da forma o interior da poesia passa a ter a voz integral e a
“mensagem” do poema passa a ser o foco.
Embora haja a mudança formal, estilística e de conteúdo, a reflexão sobre a experiência
do Holocausto permanece central e surge na obra de Rose Ausländer de diferentes formas e por
diferentes perspectivas. Nos anos de confinamento, a fome, os sentimentos de medo, frio,
desespero e morte são motivos nesta poesia, mas não surgem sempre numa visão concreta dessa
realidade. É comum nesta poesia, que a reflexão sobre a situação vivenciada se dê paralelamente
a uma postura de transcendência que conduz a migração a um outro plano “a uma outra
realidade”
7
. Vista deste “outro plano”, a ameaça concreta da condição no gueto não se constitui o
tema principal. Na poesia do pós-guerra o Holocausto aparece como um modo de tentar processar
o acontecido, e nos últimos anos se dá a reflexão sobre os danos causados que ocorre sob uma
outra perspectiva, mais direcionada ao futuro. É a poesia como >>Denkmal<<como monumento
em memória aos judeus mortos.
O significado do ato de compor também sofre mudanças ao longo dos anos. A poesia
como mero impulso artístico se dá apenas até 1941. A partir da guerra, sua conotação muda
radicalmente: no gueto assume o caráter de sobrevivência, no pós-guerra promove a elaboração
da experiência do horror, no exílio a poesia é vista como um refúgio e, por fim, é tida como
memória da catástrofe para a posteridade. A partir dos anos 70 se observa cada vez mais a poesia
metalingüística que delineia a reflexão sobre a importância da lírica e do ato de compor.
A análise da trajetória poética de Rose Ausländer mostrou que sua poesia encontra-se
na “zona de transição” entre as tradições romântica e moderna. Grande parte de sua obra traz uma
preocupação formal rígida, porém a partir dos anos 50 seu estilo não mais se prende às amarras
da tradição romântica. Pôde-se observar que na transição da segunda para a terceira fase de seu
processo criativo, a poeta passa a exercer uma liberdade literária que lhe permite fazer uso
opcional de rima e de métrica, ao mesmo tempo em que sua poesia vai adquirindo o ritmo das
frases da prosa.
7
R.A. “Weil Wörter mir diktieren: Schreib uns.“ p.186
119
Também foi possível observar que, de modo geral, pensamentos e sentimentos são
expressos na poesia de Rose Ausländer com bastante clareza. Especialmente em sua obra madura
de conteúdo essencialmente nostálgico, na qual o vocabulário poético torna-se cada vez mais
conciso, ainda assim, sua poesia parece
ganhar mais clareza e profundidade. Apesar da tensão
constante entre destruição e resistência, sua lírica mostra um contemplar da vida com alegria e
gratidão: “O passado me poetizou eu herdei o futuro”
8
.
A obra de Rose Ausländer propõe uma reflexão sobre a integração entre lírica e
sociedade, e especialmente sobre a importância da lírica após Auschwitz.
A referência ao social não deve levar para fora da obra de arte, mas sim mais
fundo para dentro dela. (...) Pois o teor de um poema não é a mera expressão de
emoções e experiências individuais. Pelo contrário, estas só se tornam artísticas
quando, justamente em virtude da especificação que adquirem ao ganhar forma
estética, conquistam sua participação no universal.
9
Pode-se dizer que a obra de Rose conquista essa interação social e, em última análise, a
“participação universal”. Ao mediar a realidade de seu tempo, sua lírica demonstra a consciência
do papel do poeta na acepção adorniana. Isso tudo de modo a reunir fantasia, racionalidade,
beleza e sensibilidade numa lírica não hermética na qual a esperança consegue ser tão grande, por
vezes até maior que a dor.
* * * * *
8
“Meu ar” >>Mein Atem<< Corpus p.
9
Adorno, “Palestra sobre Lírica e Sociedade” in: Notas de Literatura I. p.66
120
Mapas
Fonte: KAPPELER, Andreas. Kleine Geschichte der Ukraine. Verlag C.H. Beck. p.301-310,
München, 2000.
121
122
123
124
125
126
Notas
1.) A palavra Holocausto (sacrifício) é usada neste trabalho no sentido de Shoá (catástrofe)
em hebraico.
2.) Auschwitz, que designa o maior campo de extermínio nazista, é usada como topônimo
para Holocausto.
3.) RAS é a abreviação de Rose Ausländer Stiftung.
4.) As traduções dos poemas não tiveram a preocupação de preservar métrica ou rima, mas
exclusivamente a proximidade semântica.
5.) Os números que surgem no corpus ao lado de cada poema correspondem ao número da
página na obra reunida.
6.) Os poemas do corpus surgem na ordem da obra reunida.
10.) A foto da capa do corpus é de 1931 e consta de „Mutterland Wort“: Rose Auslaender
1901-1988.
10) A epígrafe no início do trabalho de Hilde Domin consta em “Wozu Lyrik heute?“ e a do
Apêndice constam da „Carta a Hans Bender“ de Paul Celan.
127
Corpus
“Poemas são também presentes – presentes aos atentos.
Presentes que levam consigo um destino.”
Paul Celan
„Nein
Ich vergesse nicht
die eingebrannten Jahre
Ich vergesse nicht
dass Stiefel
den Regenbogen zertraten
dass sie sich rüsteten
uns zu verwandeln in
Feuerrosen Feuerfalter Feuerschwingen“
„Não
Eu não esqueço
os anos marcados a fogo
Eu não esqueço
que botas
pisotearam o arco-íris
que eles se armaram
para nos transformar em
rosas de fogo, borboletas de fogo, asas de fogo"
ROSE AUSLÄNDER
1901-1988
(Czernowitz – Düsseldorf)
2
aus: WIR ZIEHEN MIT DEN DUNKLEN FLÜSSEN (1927-1947)
de: NÓS FLUIMOS COM OS RIOS NEGROS
1927-1930
Aus dem Zyklus >>New York<<
Do ciclo “Nova Iorque
Bankfabrik……………………………………………………………………..…………………… 11
Banco-fábrica
Der Feierabend ……………………………………………………………..……………………..11
Final de expediente
(Schuhe, Mäntel, Hüte)………………………………………………..…..……………………...12
(Sapatos, Casacos, chapéus)
Aus dem Zyklus >>Dem Geliebten<<
Do ciclo “Ao amante“
(Seliger Traum, der die Nacht zu einem Lichtmeer gemacht!) …....…………………….12
(Abençoado sonho, que faz da noite um mar de luz!)
(Mein Leben lebt durch deine Liebe auf)……………………………….....…………………12
(Minha vida revitaliza-se através do teu amor)
(Dich lieben, Lieb ist mehr als Lust und Leid)………………………………...……………….13
(Amar-te, amor é mais que desejo e dor)
1939
Der Regenbogen
O arco-íris
Ins Leben …………………………………………………………………………...……………….13
Na vida
In den Traum ……………………………………………………………………….....……………13
No sonho
Es schneit ……………………………………………………………………………......…………14
Neva
Trauer I ……………………………………………………………………………………........……14
Tristeza I
Der Ritt ………………………………………………………………………………………….......15
A cavalgada
Auf Himmelstufen ……………………………………………………………………........………15
Nos degraus celestes
Rose und Schmetterling………………………………………………………………….......….15
Rosa e borboleta
Der Regenbogen - Sonette
O arco-íris - Sonetos
I……………………………………………………………………………………………………......16
I
VII………………………………………………………………………………………………......….16
3
VII
IX……………………………………………………………………………………………….......…17
IX
Abschied I ………………….....…………………………………………………………………….17
Despedida I
Des Geliebten Nächte zu entzünden
A incendiar as noites do amante
(Des Geliebten Nächte zu entzünden)……......………………………………………………17
(A incendiar as noites do amante)
(Sie waren lang durch den Park gegangen.)......……………………………………………18
(Eles caminharam longamente pelo parque)
1942-1944
>>Gettomotive<<
“Motivos do gueto“
Der alles weiss ………………………………………......…………………………………………18
Àquele que tudo sabe
Das große Spiel ………………………………………….......…………………………………….19
O grande jogo
Im Heuschreckenland ……………………………………........…………………………………19
Na terra dos gafanhotos
Geisterweg ………………………………………………………........……………………………20
Caminho fantasma
Eine neue Welt ………………………………………………………....………………………….20
Um novo mundo
aus: WO DENN IST HEIMAT?
de: ONDE É PÁTRIA?
1927-1947
Amor Dei…………………………………………………………………....……………………… 21
Amor Dei
Himmelsspiel………………………………………………………………......…………………… 22
Jogo celestial
Abschied II …………………………………………………………………….........………………22
Despedida II
Das Leben entflieht………………………………………………………………......……………23
A vida se esvai
Für P.A. ...................................................................................................................................23
Para P.A.
Mein Kind I ............................................................................................................................23
Meu filho I
4
aus: THE FORBIDDEN TREE
de: A ÁRVORE PROIBIDA
Englische Gedichte 1948-1956
Poesias em inglês
After the world was atombombed ....................................................................................24
Depois que o mundo foi bombardeado
The door.................................................................................................................................25
A porta
Home I ...................................................................................................................................25
Lar I
Waiting for life .......................................................................................................................26
Esperando pela vida
aus: DIE MUSIK IST ZERBROCHEN
de: A MÚSICA ESTÁ ESTILHAçADA
1957-1963
Bukowina I………………………………………………………………………………………...... 26
Bucovina I
Die Musik ist zerbrochen………………………………………………………………….....……27
A música está estilhaçada
Der Schatten ……………………………………………………………………………….........…27
A sombra
Du und dein Bild ………………………………………………………………………….......……28
Tu e tua foto
Wir Meteore……………………………………………………………………………………........29
Nós meteoros
aus: WIR PFLANZEN ZEDERN
de: NÓS PLANTAMOS CEDROS
1957-1963
Blinder Sommer
Verão cego
Die Tür…………………………………………………………………………………………..........30
A porta
Meine Nachtigall …………………………………………………………………………….....…30
Meu rouxinol
Damit keine Licht uns liebe ………………………………………………………………….......31
Para que nenhuma luz nos ame
aus: WIR WOHNEN IN BABYLON
de: NÓS MORAMOS NA BABILÔNIA
5
1970-1976
Inventar
Inventário
Lehmbrot ………………………………………………………………………………………...….31
Pão de barro
Ich halte mich fest ……………………………………………………………………………...…32
Eu seguro firme
Ohne Visum
Sem visto
Auch ich……………………………………………………………………………………………..32
Também eu
In Memoriam Paul Celan ………………………………………………………………………...33
In Memoriam Paul Celan
Mein Schlüssel ………………………………………………………………………………….......33
Minha chave
Andere Zeichen
Outros símbolos
Wiederkauen…………………………………………………………………………………….....34
Ruminar
Paul Celans Grab …………………………………………………………………………........…34
Túmulo de Paul Celan
Miteinander ………………………………………………………………………………….......…35
Juntos
aus: GELASSEN ATMET DER TAG
de: TRANQÜILO RESPIRA O DIA
1976
Es bleibt noch viel zu sagen
Ainda resta muito a dizer
Mein Gedicht ……………………………………………………………………………………....35
Minha poesia
Bukowina II………………………………………………………………………………………......36
Bucovina II
Zusammenwachsen ………………………………………………………………………….......36
Crescer junto
Einsamkeit II …………………………………………………………………………………….......36
Solidão II
Es bleibt noch ………………………………………………………………………………….......37
Resta ainda
Noch ist Raum
Ainda há lugar
6
Bukowina III……………………………………………………………………………………........ 37
Bucovina III
Kein Stein kein Baum………………………………………………………………………...........38
Não és pedra não és árvore
Wer bin ich …………………………………………………………………………………............38
Quem sou eu
Biographische Notiz ………………………………………………………………………............38
Nota biográfica
Raum II ………………………………………………………………………………………...........39
Espaço II
aus: SANDUHRSCHRITT
de: PASSO DE AMPULHETA
1977
Doppelspiel
Jogo duplo
Im Atemhaus………………………………………………………………………….....………….39
Na casa de ar
Hoffnung II………………………………………………………………………………..………… 39
Esperança II
Doppelspiel ……………………………………………………………………………....…………40
Jogo duplo
Respekt ……………………………………………………………………………………...………40
Respeito
Harmonie der Mechanik ………………………………………………………………...………40
Harmonia da mecânica
Langweile……………………………………………………………………………………....……41
Monotonia
Tränen ………………………………………………………………………………………….....…41
Lágrimas
1978
Mutterland
Mátria
Mein Atem.............................................................................................................................42
Meu Ar
Mutterland………………………………………………………………………………………......42
Mátria
Adam…………………………………………………………………………………………….......43
Adão
Warum II ……........………………………………………………………………………………….43
Por que II
7
aus: TREFFPUNKT DER WIND
de: PONTO DE ENCONTRO DO VENTO
1979
Ein Stück weiter
Um pouco além
Vor dem Spiegel..........…………………………………………………………………………… 44
Frente ao espelho
Hoffnung IV……………........………………………………………………………………………44
Esperança IV
Nach dem Krieg ………….........………………………………………………………….………44
Depois da guerra
Gut schlecht …………………….........……………………………………………………………45
Bom mau
Honigkuchen ………………………….......……………………………………………………….45
Pão de mel
Ich vergesse nicht ……………………….......……………………………………………………45
Eu não esqueço
Angst II …………………………………………........………………………………………………46
Medo II
Der Engel in dir …………………………………….........…………………………………………46
O anjo em você
aus: HINTER ALLEN WORTEN
de: ATRÁS DE TODAS AS PALAVRAS
1980
Einverständnis
Concordância
Wenn ich vergehe…………………………………....……………………………………………46
Quando eu me for
1981
Mein Atem heißt jetzt
Meu ar se chama agora
Ich weiß nur……………………………………………...………………………………………… 47
Sei apenas
Das Wort I………………………………………………......……………………………………… 47
A palavra I
aus: DIE SONNE FÄLLT
de: O SOL CAI
1981
8
Einen Drachen reiten
Cavalgar um dragão
Einen Drachen reiten…………………………………….........………………………………….48
Cavalgar um dragão
aus: UND NENNE DICH GLÜCK
de: E TE CHAMO FELICIDADE
1982
Südlich wartet ein wärmeres Land
Ao sul espera um país mais quente
Heimatstadt.......………………………………………………........………………………………48
Cidade natal
1983
Noch…………………………………………………………………....…………………………… 49
Ainda
Der Dichter.............................................................................................................................49
O poeta
So sicher atmet nur Tod
Tão segura só a morte respira
Dann………………………………………………………………………....……………………… 49
Então
Der Morgen ………………………………………………………………......…………………….50
A manhã
Heller……………………………………………………………………………......……………..…50
Mais claramente
Feiertage ………………………………………………………………………….......………….…50
Feriados
Die Zeit III………………………………………………………………………………....………… 50
O tempo III
In alle Winde……………………………………………………………………………....………..51
Aos quatro ventos
Identität………………………………………………………………………………............……..51
Identidade
1985
9
Ich zähl die Sterne meiner Worte
Eu conto as estrelas de minhas palavras
Idee……………………………………………………………………………………………..…… 51
Idéia
(Erbarme dich)......................................................................................................................52
(Compadecei-vos)
(Wenn du)………………………………………………………………………………………...…52
(Quando tu )
(Ich bin ein Baum )………………………………………………………………………………...52
(Eu sou uma árvore)
(Du bist)…………………………………………………………………………………………....…52
(És)
(Die Erde)...............................................................................................................................52
(A terra)
(Bleib )………………………………………………………………………………………………..52
(Permaneça)
(Laß mich nicht)…………………………………………………………………………………....53
(Não me deixes)
(Ich verzichte)........................................................................................................................53
(Renuncio)
(Ich lege dich )…………………………………………………………………………………..…53
(Eu te coloco)
(Erhöre meine Bitte)……………………………………………………………………………..…53
(Ouça meu pedido)
(Du wanderst)........................................................................................................................53
(Caminhas)
(Die Harfe)..............................................................................................................................53
(A harpa)
(Ich hab ein Wort gefunden)...................………………………………………………………54
(Encontrei uma palavra)
(Öffne die Stäbe)……………………………………………………………………………….….54
(Abra as grades)
(Ich suche Gott)....................................................................................................................54
(Procuro Deus)
(Gott)......................................................................................................................................54
(Deus)
(Als auf den Fensterscheiben)………………………………………………………………..…55
(Quando nas vidraças)
(Verehrter Gott )…………………………………………………………………………………....55
(Venerado Deus)
aus: BRIEF AUS ROSEN
de: CARTA DAS ROSAS
1987
Ich spiele noch
Eu ainda brinco
10
(Dennoch Rosen)……………………………………………………………………….………….56
(Todavia rosas)
(Mit einem roten Knoten)…………………………………………………………………………56
(Com um nó vermelho)
Gib auf………………………………………………………………………………….……………57
Desista
aus: SCHWEIGEN AUF DEINE LIPPEN
de: MORDAçA EM TEUS LÁBIOS
Gedichte aus dem Nachlaß
Poesias do espólio
Dankbar………………………………………………………………………………...……………57
Grata
Trauer III………………………………………………………………………………………………57
Luto III
Zusammenhang ……………………………………………………………………...……………58
Interdependência
Suchen I…………………………………………………………………………………...…………58
Procura I
aus: DIE NACHT HAT ZAHLLOSE AUGEN
de: A NOITE TEM INÚMEROS OLHOS
Prosa
Prosa
Krokodiltränen……………………………………………………………………………...……… 58
Lágrimas de crocodilo
Privacy....................................................................................................................................59
Privacidade
11
Wir ziehen mit den dunklen Flüssen 1927-1947
Nós fluímos com os rios negros
1927-1930
Aus dem Zyklus >>New York<<
Do ciclo “Nova Iorque”
Bankfabrik (S.11)
Durch das Fenster meiner grauen,
großen, düsteren Bankfabrik
schickt mein bildverwöhntes Schauen
einen sonnensüchtigen Blick.
Aber kein Schmetterling
fängt seinen Strahl am Wege auf,
keine lichten, leichten Dinge
leiten höher seinen Lauf.
Eine kalte, starre, öde,
rußverrauchte Mauer spannt
steinern vor der Morgenröte
ihre schwere Vorhangwand.
Irgendwo im Gegenüber
stößt mein Blick auf einen Blick,
doch er huscht im Arbeitsfieber
hastig zum Papier zurück.
Banco-Fábrica
Através da janela de meu cinzento,
grande, sombrio banco-fábrica
lança meu olhar, habituado a imagens,
um contemplar sedento de sol.
Mas no caminho
nenhuma borboleta absorve seu cintilar,
nem coisas leves, luzentes
conduzem mais alto o seu percurso.
Um frio, estático, solitário muro,
corroído pela ferrugem, estende,
com suas pedras diante do alvorecer,
sua pesada cortina.
Em algum lugar do outro lado
meu olhar se choca com um olhar
e desliza no trabalho febril,
apressado, de volta ao papel.
Der Feierabend (S.13)
Der Feierabend. Aus den Toren fließen
die Menschenwellen. Schwüler wird die Luft.
Der Broadway schwillt von hunderttausend Füßen
und wirft sie in die Tiefbahnmassengruft.
Hier unter fortgehetzt in stumpfer Eile,
zwängt sich der Knäuel in den Zug hinein.
Der rast, jede Minute eine Meile,
- Lärmorkan – stadtauf, stadtab, stadtein.
Wir fühlen dumpf den Schmerz vertaner Tage
im unbarmherzigen Rhythmus dieser Fahrt,
und unsere Herzen gehen aus am Schlage
der babylonisch aufgetürmten Gegenwart.
Final de expediente
Final de expediente. Dos portões fluem
as ondas humanas. Sufocante torna-se o ar.
A Broadway incha de milhares de pés
e os lança na cripta do metrô de massas.
Aqui embaixo, atiçado em pressa cega
empurra-se o aglomerado trem adentro.
Ele dispara, cada minuto uma milha,
- furacão de ruído – cidade acima, abaixo, adentro.
Nós sentimos a dor aguda dos dias desperdiçados
no rítmo desumano desta condução,
e nossos corações param pela batida
do babilônico amontoado presente.
12
Schuhe, Mäntel, Hüte (S.20)
dazwischen ein leeres Gesicht.
„Wie geht`s“, „Ich danke“, „Ich bitte“ –
Dahinter steht groß das Nichts.
Die Augen: Glaskorallen.
Der Mund: Ein gemaltes Herz.
Die Hände: Gierige Krallen.
Das Lächeln: Nur ein Scherz.
Lichter von allen Seiten
rennen die Gassen einher.
Nur schlecht gekleidete Leiden
stören heftig den Verkehr.
Tuten, Rasseln, Kreischen –
so hört man, daß man lebt!
Man tanzt nach allen Geräuschen,
bis das höchste Haus erbebt!
Menschen: Automaten.
Laternen und Lichter: kalt.
Die ganze Stadt: ein Schatten
ohne Liebe und Sonne und Wald!
Sapatos, Casacos, chapéus
entre eles um rosto vazio.
„Como vai?, „Obrigada“, „De nada“ –
E por trás paira grande o nada.
Os olhos: corais de vidro.
A boca: um coração pintado.
As mãos: ávidas garras.
O sorriso: apenas um gracejo.
Luzes de todos os lados
percorrem as ruelas
Apenas mal-vestidos sofrimentos
incomodam impetuosamente o trânsito.
Businas, barulhos, chiados
assim ouve-se que se vive!
Dança-se todos os barulhos,
até o maior dos prédios se estremece!
Homens: autômatos.
Lanternas e luzes: frio.
A cidade toda: uma sombra
sem amor nem sol nem floresta!
Aus dem Zyklus >>Dem Geliebten<<
Do ciclo “Ao amante”
Seliger Traum, der die Nacht zu einem Lichtmeer gemacht! (S.27)
Farben und Formen verbleichen.
Rein aus der Weißglut geprägt, von meiner Liebe gepflegt
wird ein Gesicht mir, ein Zeichen.
Sternstrahl und Nachtigallied, alles was erdet und blüht
was in ein Lied je geflossen,
Leben und Lieben und Leid – Ewigkeit – Endlosigkeit,
sind in das Zeichen gegossen.
Seligster Traum, der mich hält in der Verstrickung der Welt - -
so den Geliebten zu schauen!
Hat noch die Erde Gewicht? Dich fühlend, fühl ich es nicht,
schreite in dir über Auen!
Bem aventurado sonho, que faz da noite um mar de luz!
cores e formas empalidecem
Puro da brasa branca formado, do meu amor cuidado
torna-se um rosto para mim, um signo.
Briho de estrelas, canto de rouxinol, tudo o que é da terra e floresce
o que numa canção já fluiu,
Viver e amar e sofrer – eternidade – infinitude,
são regados no signo.
Sonho mais que abençoado que me segura no enredo do mundo –
assim a olhar o amante!
Tem a terra ainda peso? Sentindo você eu não o sinto,
em você caminho sobre prados!
Mein Leben lebt durch deine Liebe auf. (S.29)
Die weite Welt ist wieder mir beschert.
Du bist mein Zeiger, ich dein Ziffernlauf;
Dein Schreiten erst gibt meinen Zahlen Wert.
Minha vida revitaliza-se através do teu amor.
O vasto mundo presenteou-me novamente.
Tu és meu ponteiro, eu o contador de teus passos;
Só teus passos dão sentido a meus números.
13
Dich lieben, Lieb ist mehr als Lust und Leid. (S.31)
Von dir geliebt sein ist ein Schöpfungsakt
urhafter Einung der Verschiedenheit
in eine Strahlung, einen Rhythmentakt.
Erschüttert sucht mein Geist nach einem Bild,
dich darzustellen, wie du Liebe bist.
Doch alles Sein ist so von dir erfüllt,
daß keine Sprache deine Räume mißt.
Nun kann mein Leib in einer Wüste sein:
mein Herz birgt Wälder deiner Üppigkeit,
und Quellen müssen springen aus dem Stein,
gesprengt vom Herzschlag unsrer Zweisamkeit!
Amar-te. Amor é mais do que desejo e sofrimento.
Ser amada por ti é um ato de criação
da unidade original da diversidade
em um radiar, um ato ritmado.
Agitado procura meu espírito por uma imagem,
que possa representar como és querido.
E todo ser é preenchido por ti de tal maneira,
que não há língua que meça teus espaços.
Agora pode meu corpo estar num deserto:
meu coração abriga florestas de tua exuberância,
e fontes precisam jorrar da pedra,
rompidas pelo pulsar de nossa cumplicidade!
1939
Der Regenbogen
O arco-íris
Ins Leben (S.52)
Nur aus der Trauer Mutterinnigkeit
strömt mir das Vollmaß des Erlebens ein.
Sie speist mich eine lange, trübe Zeit
mit schwarzer Milch und schwerem Wermutwein.
In ihrem Leibe wachs´ ich wie ein Kind,
gehüllt in Nachtgesang und Schattenraum,
bis meine Leiden reif und sehend sind
und mich der Schoß hinausstößt aus dem Traum.
Da stürzen alle Wege auf mich zu,
und jeder nimmt mich in sein Anderssein.
Und Abende stehn groß in goldner Ruh
wie Engel um meine verklärte Pein.
Para a vida
Apenas no ventre materno da aflição
aflui-me a medida plena do viver.
Ela me alimenta por um longo, turvo tempo
com leite negro e pesado vermute.
Em seu corpo eu cresço como uma criança,
embalada por cantos noturnos e espaços de sombra,
até que minhas dores amadureçam e se tornem visíveis
e o colo me atira para fora do sonho.
Lá lançam-se todos os caminhos sobre mim,
e cada um me conduz para sua particularidade.
E noites pairam grandes no dourado silêncio
como anjos por meu transfigurado tormento.
In den Traum (S.53)
Komm, laß uns lautlos in den Abend gehen
und immer tiefer in den Wald der Nacht,
wo Sterne hoch und weiß wie Lilien stehn
und noch ein Märchenmund im Mond wacht.
Hier sind wir nicht daheim. Es ist kein Raum
so groß, daß unsre Sehnsucht ihn erfüllt.
Wir steigen tausend Treppen in den Traum,
wo Gott das Licht in tausend Farben hüllt.
No sonho
Vamos, caminhemos sem ruído pelo anoitecer
e cada vez mais profundamente na floresta da noite,
onde estrelas são altas e claras como lírios
e ainda vigia uma boca de fábula na lua.
Aqui não estamos em casa. Não há lugar
tão grande que nossa saudade não possa preencher.
Nós subimos milhares de escadas no sonho,
onde Deus envolve a luz com milhares de cores.
14
Es schneit (S.56)
Es schneit – Leid – Leid – weißes Leid zerschneit.
In weicher, bleicher Eintönigkeit
spinnt Himmel aus Leid ein weißes Kleid.
Es schneit – Was weint mein Herz? Es weint
aus Freude, daß es um dich, mein Freund,
so leiden darf. Es weint, es weint.
Es schneit – Könnt ich die dunkle Erde sein,
die Leidensreiche, die durch Tränenpein
befruchtet wird zu gebendem Gedeihn!
Es schneit – Mein Leid wird Unendlichkeit,
wird Ewigkeit, wird Vergeblichkeit!
Mein heißes Herz, du bist todgeweiht!
Neva
Neva – dor – dor – dor branca picada.
Na macia, pálida monotonia
tece o céu um vestido branco de sofrimento.
Neva – Por que chora meu coração? Ele chora
de alegria, porque pode sofrer assim por você
meu amigo. Ele chora, ele chora.
Neva – Eu poderia ser a terra escura,
o reino do sofrimento, que frutificado pelas
lágrimas da aflição se expande!
Neva – Meu sofrimento torna-se infinito,
torna-se eternidade, em vão!
Meu coração ardente, estás jurado de morte!
Trauer I (S.59)
Die Stunden senken sich wie Schatten
verhaltnen Atems auf mein Weh,
und von der Decke fällt in matten
Bewegungen ein schwarzer Schnee.
Der Raum ist aufgelöst. Die Dinge
verrinnen wie ein feiner Sand.
Die Schatten legen große Ringe
um meinen schwindenden Bestand.
Nun wächst um mich die Nacht der Ferne –
ein tausendfach verzweigter Baum.
Aus meinen Tränen fallen Sterne
der Trauer über meinen Traum.
*
Die Pfade sind leer, vom Frühling verlassen.
Der Himmel fällt schwer und schwarz auf die Gassen.
Die Blumen stehn blind auf dem fröstelnden Rasen.
Die Lenzfeuer sind vom Wind ausgeblasen.
Das Leben liegt fern hinter eisigen Winden.
Ich such’ einen Stern und kann ihn nicht finden.
Tristeza I
As horas caem como sombras
sopros contidos sobre minha dor,
e do cobertor em opacos movimentos
cai uma neve negra.
O espaço é dissolvido. As coisas
escorrem como uma fina areia.
As sombras cercam com grandes anéis
minha desvanescida existência.
Agora cresce ao meu redor a noite da distância –
uma árvore milhares de vezes ramificada.
De minhas lágrimas caem estrelas
da tristeza sobre meu sonho.
*
As sendas estão vazias, abandonadas pela primavera.
O céu cai pesado e negro sobre as ruelas.
As flores estão cegas no gramado congelado.
As chamas da primavera foram apagadas pelo vento.
A vida fica distante por trás dos ventos congelantes.
Eu procuro uma estrela e não a posso encontrar.
15
Der Ritt (S.63)
Ich reite durch den reifen Raum
und schaffe blindlings meinen Traum.
Die Märchen stehen blau und schmal
vor meinem Blick zur freien Wahl.
Da schreiten Engel ohne Scheu
und flüstern Worte fremd und neu.
Ich reite rastlos durch den Raum
auf meinem Vogel Flügeltraum.
Ich reite über Strahl und Klang
ein natürliches Jahrtausend lang.
A cavalgada
Eu cavalgo pelo espaço maduro
e crio às cegas meu sonho.
Os contos de fadas azuis e esguios
à livre escolha frente ao meu olhar.
Lá caminham anjos sem pudor
e sussurram palavras estranhas e novas.
Eu cavalgo sem descanso através do espaço
em meu pássaro asas de sonho.
Eu cavalgo sobre raio e som
ao longo de um século natural.
Auf Himmelstufen (S.67)
Freund, laß deinen Gram zu Grabe fahren:
Draußen steht der Lenz mit blonden Haaren!
Reißt es dich zum Abgrund dunkler Sterne –
fassungslos stehst du vor solcher Ferne!
Doch wir wissen es: um diese Dinge
weben Wunder, zart wie Schmertterlinge.
Und wir wissen, daß auf Himmelstufen
Engel stehn, die unsre Namen rufen.
Nos degraus celestes
Amigo, deixe teu desgosto ir ao túmulo:
Fora está a primavera com cabelos louros!
És atirado no abismo de estrelas negras –
perplexo estás à beira das profundezas!
Claro, nós sabemos disto: por estas coisas
tecem-se milagres, suaves como borboletas.
E nós sabemos que nos degraus celestes
estão anjos que chamam nossos nomes.
Rose und Schmetterling (S.78)
Wenn das weiße Morgenlächeln
über meinem Kelche hängt,
und der Frühluft leises Fächeln
sich in meinem Haar verfängt,
daß mein grüner Körperstengel
sehnsuchtschwer sich überneigt,
kommt ein schöner Falterengel,
der mit mir zum Himmel steigt.
Meine duftige Gewandung
wandelt er zum Flügelkleid,
über Tag und Mittagsbrandung
schweben wir durch lose Zeit.
Und wir schaukeln, und wir strahlen
unsre Seelen in die Luft,
füllen alle Blütenschalen:
er mit Farbe, ich mit Duft.
Rosa e borboleta
Quando o alvo sorriso matutino
pende sobre meu cálice,
e o ar da manhã, silencioso sopro
se emaranha em meu cabelo,
que minha verde aste
se inclina pesada de saudade,
vem um belo anjo borboleta,
que sobe comigo ao céu.
Minha vestimenta perfumada
ele transforma num vestido alado,
sobre o dia e a rebentação do meio-dia
pairamos soltos no tempo.
E balançamos, cintilamos
nossa alma no ar,
enchemos o cálice de todas as flores:
ele com cor, eu com aroma.
Der Regenbogen
16
O arco-íris
Sonette
Sonetos
I (S.95)
Du legst dein Licht in allen Farben
um meine weiße Eisamkeit.
Ich fühle sie an meinen Narben
wie Balsam einer leichten Zeit.
Die Rosen starben meinem Leben,
das sich verschloß vor jeder Hand.
Da kommt dein reines, reiches Geben
in mein verschollnes Trauerland.
Du krönst mein Leid mit Sterndemanten,
und Sonnen deiner jungen Glut
entzünden wieder rot mein Blut.
So ist vielleicht das Blühn entstanden:
von Gott geküßt, im Ding entbrannt,
und von den Engeln Licht genannt.
I
Dispersas tua luz em todas as cores
pela minha branca solidão.
Eu as sinto em minhas cicatrizes
como bálsamo de um tempo leve.
As rosas morreram em minha vida,
que se fechou frente a cada mão.
Então vem teu puro, rico doar
em meu desaparecido país do luto.
Coroas minha dor com diamantes de estrelas,
e sóis de tua jovem brasa
reacendem o vermelho de meu sangue.
Assim talvez tenha o florescer se originado:
por Deus beijado, em coisa inflamado,
e pelos anjos luz denominado.
VII (S.101)
Wir reichen uns der Liebe rote Beeren,
gereift am Glühen unsrer Leidenschaft.
Ich will mit Inbrunst deinen Leib verzehren,
und iß du mich mit aller Liebeskraft.
Nun haben wir Ambrosisches genossen,
und unsrer Seele quoll des Nektars Saft.
Der träge Raum ist unter uns zerflossen
und hält nicht länger uns in seiner Haft.
Du bist mein angetrauter Sterngefährte.
Wir nehmen alles, was uns einst gehörte:
Des Lebens Lust, der Lust Unsterblichkeit.
Wir werden uns unendlich noch genießen
auf Erden und fernen Paradiesen,
wie wir uns liebten vor Beginn der Zeit.
VII
Do amor colhemos frutas vermelhas
amadurecidas na incandescência de nossa paixão.
Quero com ardor teu corpo consumir,
e tu me comes com toda força do amor.
Agora nos deleitávamos com o elixir
e de nossa alma fluía o néctar.
O espaço indolente se desfez sob nós
e não nos mantém por mais tempo em seu poder.
És meu esposo companheiro estelar.
Tomamos tudo o que antes nos pertencia:
da vida vontade, da vontade imortalidade.
Ainda iremos infinitamente nos deleitar
em terras e paraísos distantes,
como nos amávamos desde o início dos tempos.
17
IX (S.103)
Ich ging in dich hinein wie in ein Feld
voll Sommerduft und reicher Ährenlast.
Ich baute mir in dir ein Garbenzelt
und wähnte mich in einem Goldpalast.
Die Tage flogen wild um unser haus,
die Vögel zogen in uns ein und aus,
der blonde Weizen rieselte wie Wein
in unsern tiefen Kelch der Lust hinein.
So war mein Leben auf ein Tun gestellt:
dein Herz umspannte meine ganze Welt,
und alle Fluren tanzten um mein Glück.
Da kamen Winde und verwirrten dich,
da kamen Falter und entführten dich,
und ließen mich im Stoppelfeld zurück.
IX
Eu penetrei dentro de você como num campo
pleno de aroma de verão e abundante colheita de grãos.
Construí em ti uma cabana de feixes
onde me imaginei num palácio de ouro.
Os dias voaram selvagens por nossa casa,
os pássaros se instalaram e partiram de nós,
o louro trigo jorrava como vinho
dentro de nosso profundo cálice do desejo.
Assim foi minha vida focada num agir:
teu coração envolveu todo meu mundo,
e todos os campos dançaram por minha felicidade.
Então vieram ventos e te confundiram,
então vieram borboletas e te seqüestraram
e me deixaram no campo devastado.
Abschied I (S.109)
Du gings von mir, gefolgt von meiner Ruh,
die meiner Seele leere Wohnung mied.
Du schweigst zu allem, was ich um dich litt,
und deine Güte schlug die Augen zu.
Und doch hab ich dir alles dies verziehn -:
der Groll zieht weiter, und die Liebe bleibt.
Ich bleibe deinem Wesen einverleibt.
So nehm ich Abschied, ganz in dich getaucht:
du bist in mir, wo du auch immer seist!
Hat je ein Gott so Herz in Herz gehaucht,
so innig eingewoben Geist in Geist?
Despedida I
Fostes de mim, seguido pelo meu sossego,
que minha alma à morada vazia reduziu.
Calas por tudo o que por ti sofri,
e tua bondade cerrou os olhos.
Mas eu te perdoei por tudo -:
o rancor passa e o amor permanece.
Continuo em teu ser incorporada.
Assim me despeço, totalmente embebida em ti:
estás em mim onde quer que estejas!
Terá um Deus aspirado assim coração em coração,
tão estreitamente entrelaçado espírito em espírito?
Des Geliebten Nächte zu entzünden
A incendiar as noites do amante
Des Geliebten Nächte zu entzünden (S.116)
will ich augenspendend süß erblinden.
Des Geliebten Atem zu umkosen,
wandelt sich mein Blut in tausend Rosen.
Des Geliebten Liebe zu erhalten,
möcht’ ich mich in tausend Frauen spalten,
daß er tausendfach nur mich begehrte,
alle liebend nur mir angehöre!
A incendiar noites do amado
quero, doando meus olhos, docemente cegar.
O deleitar com o suspiro do amado
transforma meu sangue em mil rosas.
A fim de ter o amor do amado,
gostaria de me dividir em mil mulheres,
para que ele mil vezes só a mim corteje,
e amando-as todas, só a mim pertença!
Sie waren lang durch den Park gegangen. (S.132) und ihre Seele hing an seinem Munde.
18
Er schwieg zu ihr. Da schwieg die weite Runde,
und alles Prangen war vor ihr verhangen.
Durch einen Flor von Trauer und von Tränen
sah sie das Schillern, das vom Laub zum Grund
hinsprudelte in goldnen Wellensträhnen,
und sich ergoß in seinen süßen Mund.
Im Mittagsglanz erlebten alle Pfade,
und auf dem Teiche tanzte tolles Licht.
Die Wasserrose legte ihr Gesicht
zärtlich aufs Wasser hin zum Sonnenbad.
So eingehüllt vom Leuchten dieser Stunde
und von der Einsamkeit, die er ihr schwieg,
schloß aller Sinne Tore sie, und stieg
hinunter in die Tiefe ihre Wunde.
Eles caminharam longamente pelo parque.
e a alma dela estava em sua boca.
Ele se calava para ela. Silenciava a longa volta
e tudo à frente dela estava encoberto.
Por um véu de tristeza e lágrimas
ela via o cintilar da folhagem que ao chão caia
num dourado emaranhado de ondas
e se derramava em sua doce boca.
No brilho do meio-dia viviam todas as trilhas
e no lago dançava uma bela luz.
A rosa aquática pousava seu rosto
delicadamente sobre a água para o banho de sol.
Assim envolvida em luzes deste momento
e da solidão que ele a silenciou
ela fechou as portas de todos os sentidos e
e imergiu nas profundezas de sua dor.
1942-1944
>>Gettomotive<<
“Motivos do gueto”
Der alles weiss (S.137)
Du weiss, wie diese Tage mir begegnen:
mit Schatten, die sich kreuzen auf der Brust.
Der Priester kam, mich mit dem Kreuz zu segnen
und fluchte meiner letzten Lebenslust.
Die Spinnen lauern schon in ihren Ecken,
und draussen sind die Schwerter blank gezückt.
Die alten Träume lassen sich nicht wecken,
die neuen stehen noch zu tief gebückt.
Und du, der alles weiss, lässt es geschehen,
und sendest nicht ein Heer von Engeln her?
Wer wird nach mir dich so wie ich verstehen,
und wer wird dich so tief erleiden, wer?
Àquele que tudo sabe
Sabes tenho passado esses dias:
com sombras que se cruzam sobre o peito.
O sacerdote veio com a cruz me abençoar
E amaldiçoou a minha última vontade de viver.
As aranhas já espreitam em seu canto,
e lá fora estão as espadas prontas para o ataque.
Os sonhos antigos não se deixam despertar,
e os novos ainda estão curvados demais.
E tu, que tudo sabes, deixas que isso aconteça
e não envias um exército de anjos?
Quem, depois de mim, te compreenderá tanto
e quem te suportará tão profundamente, quem?
19
Das große Spiel (S.139)
Noch sind die Sterne unsren Blicken da
und ziehen unbekümmert ihren Weg,
als wäre nichts geschehn. Und was geschah,
wurde von ihnen lächelnd übersehn.
Wurde von ihnen lächelnd überholt,
die Länder schwiegen und auch der es sah,
der Engel, kam nicht, schwang für uns kein Schwert.
Die Tode, sie nur standen uns sehr nah.
Wir nahmen jeden Tod in unsre Hand
und hielten ihn wie einen Talisman,
unsere Schatten zuckten auf der Wand
und nahmen immer andre Formen an.
Und irgendwo gab es ein großes Land,
das dieses Große Spiel mit uns erfand.
O grande jogo
Ainda estão lá as estrelas às nossas vistas
e seguem despreocupadamente seu caminho,
como se nada tivesse ocorrido. E o que aconteceu,
foi ignorado por elas com um sorriso.
Foi sobrepujado por elas com um sorriso,
os países silenciaram e também quem viu,
o anjo não veio, não sacou nenhuma espada por nós.
Os mortos, apenas eles estiveram bem perto de nós.
Tomamos cada morto em nossa mão
e o seguramos como um talismã,
nossas sombras estremeceram na parede
e assumiram sempre novas formas.
E em algum lugar havia um grande país
que este grande jogo conosco inventou.
Im Heuschreckenland (S.142)
Im Heuschreckenland
verhungerten wir
und waren eine
Mahlzeit den Raben im Schnee.
Oder waren wir Wolken
im Abendatem
und träumten Erdtrauer?
Oder schwarze Flecken
in einer kranken
Sternkonstellation?
Oder haben wir
fremde Tode getrunken
und liegen begraben
im blutlosen Mond?
Na terra dos gafanhotos
Na terra dos gafanhotos
passávamos fome
e éramos uma
refeição dos corvos na neve.
Ou éramos nuvens
no respirar da noite
e sonhávamos com a tristeza da terra?
Ou manchas negras
em uma doente
constelação de estrelas?
Ou bebemos
mortes estrangeiras
e estamos sepultados
na lua sem sangue?
20
Geisterweg (S.149)
Giftige Geister lauern am Weg.
Wir gehen schräg
um sie nicht zu berühren.
Wir stehn vor versiegelten Türen.
Es war unser Haus, es war
unser Garten mit feingekämmtem Haar.
Es war Mutterduft, es war.
Wir kehren um, gehen schräg
den giftigschwarzen Weg
ins Getto.
Caminho dos fantasmas
Venenosos fantasmas espreitam no caminho.
Esquivamo-nos
para não os tocar.
Paramos frente às portas lacradas.
Era nossa casa, era
nosso jardim com cabelos bem penteados.
Era cheiro de mãe, era.
Nós retornamos, nos esquivamos
no venenoso negro caminho
para o gueto.
Eine neue Welt (S.165)
Goldne Becher rollen auf dem Grunde,
und der Wein vermengt sich mit dem Staub.
Bitter schmeckt der Wein in meinem Munde,
und es welkt das junge Haar wie Laub.
Immer ferner rücken alle Nähen:
Wiesendüfte, Tau, und Farbentanz.
Was verblieb, kann keiner überstehen,
der einst wußte um den ganzen Glanz.
Einmal noch im süßen Kerne wohnen,
bis der Saft des Südens überquillt,
und im Honigschoß der Anemonen
noch erfahren, wie ein Sommer schwillt.
Wollen wir die tausend Tode tragen,
wie ein König seine Krone trägt,
bis der Gott der Ferne unsern Tagen
eine neue Welt zu Füßen legt.
Um novo mundo
Copos dourados rolam pelo chão,
e o vinho se mistura com o pó.
Amargo é o sabor do vinho em minha boca,
e murcha o cabelo novo como folhagem.
Cada vez mais distante afastam-se todas as proximidades:
aromas de planta, orvalho e dança de cores.
O que restou, ninguém que tenha
conhecido todo o brilho pode suportar.
Morar de novo na semente doce
até que o suco do sul transborde
e no colo de mel das anêmonas
experimentar ainda como um verão desabrocha.
Vamos suportar a morte lenta,
como um rei que traja sua coroa
até que o Deus da distância de nossos dias
nos honre com um novo mundo.
21
Wo denn ist Heimat?
Onde é a Pátria?
1927-1947
Amor Dei (S.7)
Er ist der Leib, in dessen Innenraum
wir ruhn und rollen ohne Unterlaß.
Er ist die Erde, und er ist der Baum
sein Mund, die Grille und das Gras.
Er ist der Wellenschaum, der Himmelssaum,
der Äther und der Dinge Ebenmaß.
Er ist der Geist, aus dem sich jedes Ding
mit Atem, Schauer, Licht und Leben regt,
der dein Entzücken, deine Pein
in seinen glanzgetränkten Augen trägt,
der deiner Lust dein Ja, dein Nein
in seine grenzenlose Liebe legt.
Kein Halt und Halten, keine Heimat hat
die Welt für mich und dich in ihrem Ring.
Wir sind Verzauberte in fremder Stadt,
uns ewig Wandelnde von Ding zu Ding,
bald grünend, bald verwelkend wie ein Blatt,
bald Larve, Raupe, bunter Schmertterling.
In seine Hände und in seine Huld
strömt aller Wandlung ewig Wiederkehr
und Scham und Schönheit, Süßigkeit und Schuld
zusammen wie die Flüsse in das Meer.
Und jeder Mythos, jeder dunkle Kult
bringt uns zur letzten Ruhestätte her.
Er gibt uns Allen seine Liebe wie
ein Feuer, das, was es berührt, entbrennt.
Jeder Funken wird zur Melodie
auf seinem weitgespannten Instrument,
und alle einen sich zur Symphonie,
die, alles liebend, sich als Gott bekennt.
Amor Dei
Ele é o corpo, em cujo interior
repousamos e rolamos sem cessar.
Ele é a terra e é a árvore
sua boca, o grilo e a grama.
Ele é a onda espumante, a orla celeste
o etéreo e a medida das coisas.
Ele é o espírito do qual se movem todas as coisas
com respiração, arrepio, luz e vida
que teu encanto, tua aflição carrega
em seus olhos embebidos de luz,
que põe tua vontade teu sim, teu não
em seu amor sem limites.
Sem apoio e parada, nenhuma pátria tem
o mundo por mim e por ti em seu anel.
Somos encantados em cidade estrangeira,
Transformando-nos eternamente de coisa em coisa,
ora verdejante, ora murchando como uma folha,
ora larva, lagarta, borboleta colorida.
Em suas mãos e em sua clemência
irrompe de toda transformação eternamente o retorno
e pudor e beleza, doçura e culpa
junto como os rios para o mar.
E cada mito, cada culto obscuro
traz-nos ao último cemitério.
Ele dá a todos nós seu amor como
um fogo que o que toca incendeia.
Cada raio de luz torna-se melodia
em seu vasto instrumento
e a todos une em sinfonia
que amando tudo, como Deus se confessa.
22
Himmelsspiel (S.10)
Himmel, Märchenfreund, wie spielen wir in deinen
Ätherräumen!
Eine Zauberschaukel schenkst du mir aus Wolkensamt
mit Sonnensäumen
und grossen Demantknöpfen aus Sternen und Schnüren
aus Kometenstreifen,
und wenn du winkst, schwingt sie mich himmelauf zu
Feuerschweifen.
Und dort bist du und nimmst mich in das Leuchten
deines Lächelns,
und hauchst mich an mit der Munterkeit eines Morgen-
fächelns,
und überrieselst mich mit dem kollernden Kinderlachen
deiner Weite,
und hüllst mich in ein duftiges Traumgewand aus
himmelfeinster Seide.
Engel, aus deinem Faltenkleid flatternd, spielen mit
hüpfenden Bällen.
Drollige Monde sind´s – sie klirren hinweg über wolkige
Schnellen.
Rings röten Sonnen dahin auf weltweiter Bahn in heißen
Gesängen,
und blaue Blumen blühn um mein Weiterziehn mit
duftenden Klängen.
Mählich zerbröckelt dein Spiel, auf deiner Stirn trauern
Dunkelheiten.
Du träumst dich in einen nachtschwarzen Mantel, ich
darf dich begleiten –
und du lauschst den Wesen, und wo ein Weh, liebst du´s
in deine Ferne.
Himmel, Märchenfreund, Spieler, dein Spiel spielen wir
gern.
Jogo celestial
Céu, amigo das fábulas, como brincamos em teus
espaços etéreos!
Tu me presenteias com um balanço mágico de nuvens
aveludadas banhado de sol
e grandes botões de diamantes de estrelas e cordas
de caudas de cometas,
e quando acenas, me lanças céu acima num
arco ígneo.
E lá estás e me tomas na luz
de teu sorriso,
e me sopras com a vivacidade de
uma brisa matutina,
e derramas sobre mim o burburante riso infantil
da tua imensidão,
e me envolves em perfumada vestimenta de sonho da
mais fina seda celeste.
Anjos, esvoaçando de tua vestimenta plissada, brincam
com bolas saltitantes.
Engraçadas luas são estas - elas vibram ao longo de
nubladas corredeiras.
Ao redor sóis se enrubrecem no caminho mundo afora em
ardentes cânticos,
e pela minha jornada desabrocham flores azuis com
perfumados sons.
Devagar teu espelho se esmigalha, sobre tua fronte
escuridões se enlutam.
Sonhas em um manto negro como a noite, eu
posso te acompanhar –
e espreitas o ser e onde há dor, amas isso
na tua distância.
Céu, amigo de fábulas, jogador, nós jogamos teu jogo
com prazer.
Abschied II (S.16)
Dieses Letzte möchte ich euch sagen,
Freunde, die ich überall verlor,
weil ich maßlos meinen, euren Tagen
eine Liebespflicht heraufbeschwor.
Viel geschah an mir von vielen Trieben
und die dunklen Welten kennen mich.
Meine Engel, die ich einst vertrieben,
wurden Feuer und verbrennen mich.
Nicht verstören will ich euch mit Flammen,
die ihr immer weiter mir entweicht –
doch ich weiß: wir wachsen einst zusammen,
wenn mein Geist im Tode euch erreicht.
Despedida II
Uma última coisa gostaria de dizer-lhes,
amigos que por toda parte perdi,
porque eu imoderada evoquei
um dever de amor para meus e seus dias.
Muito me aconteceu de muitos anseios
e os negros mundos me conhecem.
Meus anjos, que eu antes expulsava,
tornaram-se fogo e me queimaram.
Não quero confundir-lhes com chamas
que vocês continuam a apagar -
mas eu sei: nós cresceremos algum dia juntos
quando na morte meu espírito os alcançar.
23
Das Leben entflieht (S.22)
Das Leben entflieht – und ich liebe dich!
Und du weiß es nicht und du bist fremd und fern –
O beleidige mich, o betrübe mich,
o erniedrige mich, doch liebe mich
nicht länger wie einen unnahbaren Stern!
Du kamst und du gingst – und ich entbehre dich
wie die Säugling die Brust – mein Weh ist wild!
O begehre mich, o zerstöre mich,
ich beschwöre dich, doch verehre mich,
Geliebter, nicht wie ein entkörpertes Bild!
Das Leben entflieht – und du kommst nicht mehr!
Nie hör ich dich wieder – dein Schritt war mein Lied!
Ach du kommst nicht mehr – mein Zimmer ist leer,
die Tage tropfen ins Tränenmeer,
und ich liebe dich und das Leben entflieht…
A vida se esvai
A vida se esvai – e eu te amo!
E tu não sabes e estás ausente e distante –
Oh!, ofenda-me, oh traia-me
oh! humilha-me, mas me ama
não mais que a uma estrela inatingível!
Viestes e fostes – e eu careço de ti
como o bebê do peito – minha dor é selvagem!
Oh! deseja-me, oh destroe-me,
eu te suplico, venera-me,
meu amado, não como uma figura sem corpo!
A vida se esvai – e tu não voltas mais!
Nunca mais te ouvirei – teu passo era minha canção!
Ah! não voltas mais – meu quarto está vazio,
os dias gotejam no mar de lágrimas,
e eu te amo e a vida se esvai…
Für P.A. (S.101)
Du hast mit deinen Sternen nicht gespart.
Die Fernen drängen sich an deine Tür.
Es bricht der dürre Ast der Gegenwart,
Die guten alten Mächte dienen dir.
Denn wo ist Heimat? Keiner weiß Bescheid.
Wo Schwalben nisten, sind wir nicht allein.
Die Chrysanthemen nehmen unser Leid
Hinüber in ihr leises Anderssein.
Wenn Schatten heut dein Lorbeer sind, verhüll
Das Antlitz, bis die Möwe wiederkehrt.
Es ist so dunkel wie dein Herz es will,
Das staunend seinen Wert von dir erfährt
Ein Raunen reiht sich deinen Dingen an.
Du stehst mit vielen Stimmen schon im Bund.
Vergiss, wann diese kleine Zeit begann.
Die großen Zeiten segnen deinen Mund.
Para P.A.
Não poupastes tuas estrelas.
As distâncias aglomeram-se à tua porta.
A seca haste do presente quebra,
As boas velhas forças te servem.
Onde está a Pátria? Ninguém sabe.
Onde andorinhas se aninham, não estamos sozinhos.
Os crisântemos levam nosso sofrimento
Em sua silenciosa diferença.
Se sombras são hoje teu louro, encobre
o semblante até que a gaivota retorne.
Está tão escuro quanto deseja teu coração,
Que admirado descobre através de ti sua grandeza.
Um sussurro soma-se às tuas coisas.
Estás com muitas vozes já em coro.
Esqueça quando este pequeno tempo começou.
Os grandes tempos abençoam tua boca.
P.A., Paul Antschel (Paul Celan)
Mein Kind I (S.112)
Mein ungebornes Kind, das ich einst träumte,
war grün wie junges Laub im Junihauch.
Im nächsten Traum war es ein Bach, der schäumte.
In einem andern war’s ein Rosenstrauch.
So blieb mein Kind in allen Farbenspielen
Des Traumes. Er gestaltete mein Kind.
Ich füge es zusammen aus den vielen
Vermessenheiten, die mein Träumen sind.
Im Traum halt ich es zärtlich in den Händen
Und stille es mit Milch aus Mond und Mohn.
Doch wehrt es sich – ich kann es nicht vollenden.
Ist’s eine Tochter oder ist’s ein Sohn?
Meu filho I
Meu filho não-nascido, que eu antes sonhara,
era verde como a folhagem de junho.
No próximo sonho era um riacho que espumava.
Num outro, uma roseira.
Assim permaneceu meu filho em todos os jogos de
cores do sonho. Ele constituía meu filho.
Eu o formo dos muitos
atrevimentos de meu sonhar.
No sonho eu o seguro delicadamente nas mãos
e o amamento com leite de lua e papoula.
Mas ele se esquiva - eu não posso concluir.
É um menino ou uma menina?
24
The Forbidden Tree
A árvore proibida
Englische Gedichte 1948-1956
Poesias em inglês
AFTER THE WORLD WAS ATOMBOMBED (S.9-10)
Nobody was prepared when it came.
Everyone hurried to look for his name
under the ashes.
Dead mothers washed their eyes
to recognize
the dust of their children.
But all children were blended.
Gases from firmament to firmament
spirits from the Old and the New Testament
assembled at the spaceless cemetery.
Exploding stars smeared
the oily surface of the seven
heavens.
Pretty silvercrisp angels
were annoyed
at their singing lesson of HOSANNA
and retreated into deeper nothingness.
Mary washed her eyes to see clear
the Ressurrection beneath the smear.
But her son
had undergone
a strange
change:
His delicate Bones
His Love His Blessing
blended
with the ashes of all children.
His whole
Immortal Soul
mingled
with the immaterial
material.
Mary wept.
Her tears blended
with the tears of all mothers.
An ashen soldier kept
vigil and slept.
DEPOIS QUE O MUNDO FOI BOMBARDEADO
Ninguém estava preparado quando ela veio.
Todos se apressaram a procurar seus nomes
sob as cinzas.
Mães mortas lavaram seus olhos
para reconhecer
o pó de seus filhos.
Mas todas as crianças estavam misturadas.
Gases de firmamento a firmamento
Espíritos do Novo e do Velho Testamento
reunidos no cemitério sem lugar.
Estrelas explodindo cobriram
a superfície oleosa dos sete
céus.
Belos anjos prateados.
estavam aborrecidos
na sua lição de canto do HOSANA
e se recolheram no mais profundo nada.
Mary lavou os olhos para ver claro
a ressurreição sob a sujeira.
Mas seu filho
sofreu
uma estranha
mudança:
Seus ossos delicados
Seu amor Sua benção
misturados
com as cinzas de todas as crianças.
Sua plena
Alma Imortal
fundida
com a imaterial
matéria.
Mary chorou.
Suas lágrimas misturaram-se
com as lágrimas de todas as mães.
Um soldado de cinzas manteve-se em
vigília e adormeceu.
25
THE DOOR (S.53)
For Marianne Moore
The door.
Not the thing of wood.
The door open to doors.
Open to open doors
to open roads to the grove.
The grove,
not the trees of wood.
The grove of breathing trees
trees breathing green breathing growth
breeding brotherly touch of air
air thrilling the breath
air entering the door.
The door.
Not the thing of wood!
A PORTA
Para Marianne Moore
A porta.
Não a coisa de madeira.
A porta aberta às portas.
Aberta a abrir portas
a abrir caminhos para o bosque.
O bosque,
não as árvores de madeira.
O bosque de árvores respirantes
árvores respirando verde respirando crescimento
gerando fraternalmente toque de ar
ar prendendo o fôlego
ar entrando pela porta.
A porta.
Não a coisa de madeira!
HOME I (S.83)
Returning from a day of noise
to the last hour of the day,
I am home.
The eveningstar opens the gate
to the innocent garden
of my first parents.
Believe me, arrogant friend,
who laughed at me
a century ago this afternoon
in the clamoring city:
This is home, relaxing and beautiful.
I am not ambitious to compete with you
and to outdo you – no!
You are clever, a million times more clever
than I shall ever be –
when your laughter has a sharper skill then mine.
When you whistle once, the Broadway dances foxtrot,
when you whistle twice, it dances rhumba,
and mambo when you whistle thrice.
Challenge me not! My dance is primitive
as that oft the little lizard in the naked sun.
A century ago this afternoon
you laughed at me. (I did not mind.)
Now I am home.
The midnight separates two days
and me from you.
Stars are prepared, the gate is open,
the eternal serpent smiles.
LAR I
Retornando de um dia de barulho
na última hora do dia,
eu estou em casa.
A estrela noturna abre o portão
para o inocente jardim
dos meus primeiros pais.
Acredita em mim, arrogante amigo,
que riu de mim
um século atrás esta tarde
na cidade barulhenta:
Este é o lar, relaxante e bonito.
Eu não sou ambicioso para contigo competir
e te superar – não!
És astuto, um milhão de vezes mais astuto
do que jamais serei –
quando a habilidade de tua risada é mais afiada que a minha.
Quando assovias uma vez, a Broadway dança foxtrote,
quando assovias duas vezes, ela dança rumba, e mambo
quando assovias três.
Não me desafia! Minha dança é primitiva como a do
pequeno lagarto sob o sol nu.
Há cem anos esta tarde
ristes de mim. (Eu não me incomodei.)
Agora estou em casa.
A meia-noite separa dois dias
e ti de mim.
Estrelas estão preparadas, o portão está aberto,
a eterna serpente sorri.
26
WAITING FOR LIFE (S.196)
Waiting for life in nucleus of a tulip
I inhaled spring with all organs of dream and surprise.
The silver-harp of rain was humming, humming.
Butterfly-lovers scintillated through the unfinished
air also waiting for life.
Waiting for life at a crossroad I witnessed annihilation
in fallen leaves, in fallen peoples and lands.
The human face looked at me blind, smiled and wept.
Iron and fire tattooed terrible language
while waiting for life.
Waiting for life with the patience of the unborn,
crystal formations around invisible centre,
breath and death in shifting perspectives with nothing
to hasten nothing to halt variation –
waiting behind the ages for definite life.
ESPERANDO PELA VIDA
Esperando pela vida no núcleo de uma tulipa
eu inalei a primavera com todo o ser repleto de sonho e surpresa.
A harpa prateada da chuva estava cantarolando, cantarolando.
Borboletas-amantes cintilavam através do infinito
ar também esperando pela vida.
Esperando pela vida numa encruzilhada eu testemunhei aniquilação
nas folhas que caem, nas pessoas que caem, e países.
A face humana olhou pra mim cega, sorriu e chorou.
Ferro e fogo tatuaram terrível linguagem
enquanto esperava pela vida.
Esperando pela vida com a paciência do não nascido,
formações de cristais ao redor do centro invisível,
respiração e morte nas mutantes perspectivas com nada
a apressar nada a interromper variação -
esperando atrás dos anos pela vida definitiva.
Die Musik ist zerbrochen
A música está estilhacada
1957-1963
Bukowina I (S.5)
Tannenberge. Grüne Geister:
in Dorna-Vatra würzen sie
das Harzblut. Alte Sommermeister
treten an ihre Dynastie
Felder im Norden. Buchenschichten
um Czernowitz. Viel Vogelschaum
um die Verzauberten, die den Gesichten
vertrauen, ihrem Trieb und Traum.
Die Zeit im Januarschnee versunken.
Der Atem raucht. Die Raben krähn.
Aus Pelzen sprühen Augenfunken.
Der Schlitten fliegt ins Sternverwehn.
Der Rosenkranz in Weihrauchwogen
rinnt durch die Finger. Sagentum
und Gläubige. In Synagogen
singen fünftausend Jahre Ruhm.
Bucovina I
Montanhas de pinheiros. Espíritos verdes:
em Dorna-Vatra eles temperam
o sangue viscoso. Antigos mestres do verão
iniciam sua dinastia.
Campos no norte. Camadas de Faias
*
em torno de Czernowitz. Espuma de pássaros
em torno dos encantados, que confiam os
rostos, em seu anseio e sonho.
O tempo na neve de janeiro imerso.
O ar fumega. Os corvos grasnam.
De peles faíscam cintilar de olhos.
O trenó voa levado pelas estrelas.
O rosário no mover do incenso
corre entre os dedos. Oração
e fiéis. Nas sinagogas
cantam cinco mil anos de louvor.
*Árvore típica da América do Norte e Europa
27
Die Musik ist zerbrochen (S.12)
In kalten Nächten wohnen wir
mit Maulwürfen und Igeln
im Bauch der Erde
In heißen Nächten
graben wir uns tiefer
in den Blutstrom des Wassers
Hier sind wir eingeklemmt zwischen Wurzeln
dort zwischen den Zähnen der Haifische
Im Himmel ist es nicht besser
Unstimmigkeiten verstimmen
die Orgel der Luft
die Musik ist zerbrochen
A música está estilhaçada
Nas frias noites moramos
com topeiras e ouriços
no ventre da terra
Em noites quentes
enterramo-nos profundamente
no caudal de sangue da água
Aqui estamos presos entre raízes
lá entre dentes de tubarões
No céu não é melhor
discordâncias desafinam
o órgão de ar
a música está estilhaçada
Der Schatten (S.67)
In der Nacht trat ein Schatten an mein Bett. Ich sah, daß
es der Freund war, dessen Tod ich ihm nie geglaubt
habe.
Wir gingen durch Äcker aus Schnee, die schön reiften. Im
Westen erkannte ich das Matterhorn, obwohl der Berg im
Profil stand. Seine Schneesträhnen flatterten, eine
Lawine löste sich los, rollte herunter und fiel auf den
Freund. Sein Schatten zerbrach, die Splitter verwundeten
mich. Auch der Schnee war scharf, Feuernadeln flogen in
die Poren.
Der Weg war verweht. Ich wußte nicht, wo das Daheim
lag – in Amerika, in der Schneeschweiz, am Romhügel
oder im Pruthtal. Der Schatten war in alle Richtungen
zersplittert, der Schnee fiel in alle Richtungen, die Nacht
wucherte nach allen Richtungen und ich wußte nicht.
Wegweiser aus Glas. Als ich ihn erreichte, war er ein
undurchdringlicher Spiegel. Hieroglyphen schneiten
vorüber, der Wind deutete sie nicht. Ich war wandermüd,
wollte nach Hause, aber ich wußte nicht. Ich atmete die
Narkose der Nacht ein, meine Füße wurden schläfrig, der
Schnee wuchs zusammen zum Bett, die Splitter
vereinigten sich. Der Freund, ein lückenloser Schatten,
trat ans Bett und rief mich.
A sombra
À noite veio uma sombra até minha cama. Eu vi que era
um amigo, em cuja morte eu nunca acreditara.
Nós caminhamos pelas lavouras que com a neve
amadureceram. No oeste eu reconheci o Matterhorn,
embora a montanha estivesse de perfil. Suas madeixas de
neve esvoaçavam, uma avalanche se desprendeu, rolou
abaixo e caiu sobre o amigo. Sua sombra quebrou, os
estilhaços me machucaram. Mesmo a neve era afiada,
agulhas de fogo voaram nos poros.
O caminho era confuso. Eu não sabia onde o lar ficava –
na América, na Suíça nevada, nas colinas de Roma ou na
planície do Pruth. A sombra tinha se estilhaçado em todas
as direções, a neve caiu em todas as direções, a noite se
ampliou em todas as direções, e eu não sabia.
Sinalização de vidro. Quando eu a alcancei, era um
espelho impenetrável. Hieróglifos passaram nevando, o
vento não os decifrou. Eu estava cansada da caminhada,
queria ir para casa, mas eu não sabia. Eu aspirei a narcose
da noite, meus pés adormeceram, a neve cresceu e
formou uma cama, os estilhaços uniram-se. O amigo,
uma sombra sem lacunas, aproximou-se da cama e me
chamou.
28
Du und dein Bild (S.98)
Auf der Wand
du lebst
Ich habe dich lieb
Es taugt nicht
denk nicht an
Wiederkehr
wirst mich nicht finden
Ich folg deinem
Blick im Bild
Wir gehn zusammen
Versteh mich
du kämst umsonst
Ich bin nicht mehr hier
Tu e teu retrato
Na parede
tu vives
Tu me és caro
Não adianta
não penses em retorno
não me acharás
Eu sigo teu
olhar na foto
Nós vamos juntos
Entenda-me
virias em vão
eu não estou mais aqui
29
Wir Meteore(S.103)
W g S M
i e t e
r s e t
t r e
o n o
r e r
b e
n w
e i
n r
g s
l t
o ü
r r
r z
e e
i n
c d
h
s d d T l n e T
c i u o ä e n o
h e r d n n t d
ö N c g f
n a h u s w a
e c n t i c
r h u s e h
t n e g d t
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Nós meteoros
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30
Wir pflanzen Zedern
Nós plantamos cedros
1957-1963
Blinder Sommer
Verão cego
Die Tür (S.45)
Für Marianne Moore
Die Tür
nicht das Ding aus Holz
Die Tür
offen zu offnen Türen
zu offnen Wegen
zum Wald
Der Wald
nicht Bäume aus Holz
Der Wald aus atmenden Bäume
Bäume aus atmendem Grün
Bruderberührung der Luft
Luft geatmet
in die offne Tür
Die Tür
nicht das Ding aus Holz
A porta
Para Marianne Moore
A porta
não a coisa de madeira
A porta
aberta a abrir portas
a abrir caminhos
para floresta
A floresta
não as árvores de madeira
A floresta de árvores respirantes
Árvores de verde respirante
Toque fraterno de ar
Ar respirado
na porta aberta
A porta
não a coisa de madeira
Meine Nachtigall (S.97)
Meine Mutter war einmal ein Reh
Die goldbraunen Augen
die Anmut
blieben ihr aus der Rehzeit
Hier war sie
halb Engel halb Mensch –
die Mitte war Mutter
Als ich sie fragte was sie gern geworden wäre
sagte sie: eine Nachtigall
Jetzt ist sie eine Nachtigall
Nacht um Nacht höre ich sie
im Garten meines schlaflosen Traumes
sie singt das Zion der Ahnen
sie singt das alte Österreich
sie singt die Berge und die Buchenwälder
der Bukowina
Wiegenlieder
singt mir Nacht um Nacht
meine Nachtigall
im Garten meines schlaflosen Traumes
Meu rouxinol
Minha mãe fora uma vez uma corça
Os olhos castanho ouro
a graça
permaneceram-lhe dos tempos de corça
Aqui ela era
metade anjo metade gente –
o meio era mãe
Quando eu lhe perguntava o que ela queria ser
ela dizia: um rouxinol
Agora ela é um rouxinol
noite após noite eu a ouço
no jardim de meus sonhos sem sono
ela canta o sion dos antepassados
ela canta a antiga Áustria
ela canta as montanhas e as florestas de faias
da Bucovina
canções de ninar
canta para mim noite após noite
meu rouxinol
no jardim do meu sonho sem sono
31
Damit keine Licht uns liebe (S.112)
Sie kamen
mit scharfen Fahnen und Pistolen
schossen alle Sterne und den Mond ab
damit kein Licht uns bliebe
damit kein Licht uns liebe
Da begruben wir die Sonne
Es war eine unendliche Sonnenfinsternis
Para que nenhuma luz nos ame
Eles chegaram
com bandeiras cortantes e pistolas
atiraram em todas as estrelas e na lua
para que nenhuma luz nos restasse
para que nenhuma luz nos ame
Lá enterramos o sol
Foi um infinito eclipse solar
Wir wohnen in Babylon
Nós moramos na Babilônia
1970-1976
Inventar
Inventário
Lehmbrot (S.8)
Häuser zusammengerückt
klettern übereinander
Die Luft kann nicht atmen
Du muß wissen
wir wohnen in Babylon
Worte auseinandergewachsen
Unsere Stirnen übereinander
klettern Falten in Zeichen
wer deutet sie
Steine kauen wir
Wind legt sie uns
in den Mund
Wir bauen
Lehmbrot
Pão de barro
Casas amontoadas
umas sobre as outras
O ar não pode respirar
Precisas saber
nós moramos na Babilônia
Palavras crescidas separadas
Nossas testas umas sobre as outras
rugas formam símbolos
quem as decifra
Mastigamos pedras
vento as coloca
em nossa boca
Nós construímos
pão de barro
32
Ich halte mich fest (S.19)
Wer hat mir
den Regenbogen
aus dem Blick gerissen
Ich wollte ihn befestigen
an sieben Worten
Im Regen ertrinken
meine Augen
Ich halte mich fest
an einem Blatt
an diesen Papierblatt
Eu me seguro firme
Quem
arrancou
o arco-íris de minha vista
Eu queria prendê-lo
em sete palavras
Na chuva afogam-se
meus olhos
Eu me seguro firme
em uma folha
nesta folha de papel
Ohne Visum
Sem visto
Auch ich (S.37)
Auch ich bin
in Arkadien geboren
bei Sonnenaufgang
friedlich im Fruchtwasser
die Luft eine Herausforderung
an den Atem
Auch mir
blühten duftige Mutterworte
auch ich wuchs auf
unter fantastischen Legenden
Das Gruseln erlernte
auch ich
Als Menschen
Gesicht und Gewicht
verloren
Auch ich verlor
meinen Namen
unter Namenlosen
Auch ich
fragte das Nichts
nach dem Sein
Frage und
höre
höre
höre
die Antwort
des Echos
Também eu
Também eu
nasci na Arcádia
ao amanhecer
sossegadamente no líquido amniótico
o ar um desafio
ao respirar
Também para mim
floresceram perfumadas palavras maternas
também eu cresci
entre lendas fantásticas
O pavor
também aprendi
quando pessoas
rosto e peso
perderam
Também eu perdi
meu nome
entre sem nomes
Também eu
perguntei ao nada
pelo Ser
Pergunto e
ouço
ouço
ouço
a resposta
do eco
33
In Memoriam Paul Celan (S.40)
>>Meine blonde Mutter
Kam nicht heim<<
Paul Celan
Kam nicht heim
die Mutter
nie aufgegeben
den Tod
vom Sohn genährt
mit Schwarzmilch
die hielt ihn am Leben
das ertrank
im Tintenblut
Zwischen verschwiegenen Zeilen
das Nichtwort
im Leerraum
leuchtend
In Memoriam Paul Celan
“Minha mãe loira
não veio pra casa”
Paul Celan
Não veio pra casa
a mãe
Nunca desistiu
da morte
do filho alimentado
com leite negro
que lhe segurou na vida
que se afogou
em tinta de sangue
Entre linhas silenciadas
a não palavra
no espaço vazio
luminoso
Mein Schlüssel (S.58)
Mein Schlüssel
hat das Haus verloren
Ich gehe von Haus zu Haus
keines paßt
Den Schlosser
habe ich gefunden
mein Schlüssel paßt
zu seinem Grab
Minha chave
Minha chave
perdeu a casa
Eu vou de casa em casa
nenhuma serve
A fechadura
eu encontrei
minha chave serve
em seu túmulo
34
Andere Zeichen
Outros símbolos
Wiederkauen (S.109)
Im übersättigten
Hungerjahrhundert
Kaue ich die Legende
Frieden
und werde nicht satt
Kann nicht verdauen
die Kriege sie liegen
mir wie Steine im Magen
Grabsteine
Der Frieden
Liegt mir am Herzen
ich kaue
kaue
das wiederholte Worte
und werde nicht
satt
Ruminar
No saturado
século da fome
mastigo o signo
paz
e não me satisfaço
Não posso digerir
as guerras elas são
para mim como pedras no estômago
lápides
A paz
está em meu coração
eu mastigo
mastigo
a palavra repetida
e não me
satisfaço
Paul Celans Grab (S.120)
Keine Blumen gepflanzt
das sei überflüssig
Nichts überflüssiges
nur
wilder Klatsch-Mohn
schwarzzüngig
ruft uns ins Gedächtnis
wer unter ihm
blühte
Túmulo de Paul Celan
Sem flores plantadas
isto seria supérfluo
Nada de supérfluo
apenas
papoulas silvestres
de negros pistilos
nos rememoram
quem sob elas
floresceu
35
Miteinander (S.140)
Für Marie Luise Kaschnitz
Du
und der Kirschbaum
und die rasende Straße
und der Ozean
und der Blitz
Du
und deine Angst
und dein Zorn
und dein Aberglaube
und dein Glaube
„Let My People Go“
Du
und der Stern
und das Wort Stern
und das Hauptwort
und das Nebenwort
und das Nebeneinander
und das Miteinander
und
du
Juntos (S.140)
Für Marie Luise Kaschnitz
Tu
e a cerejeira
e a rua gramada
e o oceano
e o relâmpago
Tu
e teu medo
e tua cólera
e tua superstição
e tua fé
„Deixe minha gente ir“
Tu
e a estrela
e a palavra estrela
e a palavra principal
e a palavra adjunta
e o lado a lado
e o junto ao outro
e
tu
Gelassen atmet der Tag
Tranqüilo respira o dia
1976
Es bleibt noch viel zu sagen
Ainda resta muito a dizer
Mein Gedicht (S.10)
Mein Gedicht
ich atme dich
ein und aus
Die Erde atmet
dich und mich
aus und ein
Aus ihrem Augen geboren
mein Gedicht
Minha poesia
Minha poesia
eu te aspiro
e expiro
A terra aspira
e expira
a ti e a mim
De seu olho nascida
minha poesia
36
Bukowina II (S.64)
Landschaft die mich
erfand
Wasserarmig
Waldhaarig
die Heidelbeerhügel
honigschwarz
Viersprachig verbrüdert
Lieder
in entzweiter Zeit
Aufgelöst
strömen die Jahre
ans verflossene Ufer
Bucovina II
Paisagem que me
criou
Águas em braços
bosques em cachos
as colinas de amoras
negro mel
Quatro línguas irmanadas
canções
no tempo rompido
Dissolvidos
correm os anos
para a margem dissipada
Zusammenwachsen (S.76)
Mach dir keine Sorgen
um meinen Tod
Ich werde
auch unter der Erde
leben
Sie nimmt mich auf
hält mich
in ihrem Atem
Wir wachsen
Zusammen
Crescer junto
Não te preocupes
com minha morte
Eu irei
ainda que sob a terra
viver
Ela me toma
me segura
em seu respirar
Nós crescemos
juntas
Einsamkeit II (S.85)
Wahrgeworden
die Weissagung der Zigeunerin
Dein Land wird
dich verlassen
du wirst verlieren
Menschen und Schlaf
Wirst reden
mit geschlossen Lippen
zu fremden Lippen
Lieben wird dich
die Einsamkeit
wird dich umarmen
Solidão II
Tornou-se realidade
a previsão da cigana
Teu país irá
te abandonar
perderás
pessoas e sono
Falarás
com lábios cerrados
a lábios estrangeiros
Amar-te-á
a solidão
abraçar-te-á
37
Es bleibt noch (S.103)
Dennoch herrlich
Staub aus Fleisch
Diese Lichtgeburt
im Wimpernschoß
Lippen
ja
es bleibt noch
viel zu sagen
Resta ainda
Contudo maravilha
poeira de carne
Este nascimento de luz
no colo das pestanas
Lábios
sim
resta ainda
muito a dizer
Noch ist Raum
Ainda há lugar
Bukowina III (S.122)
Grüne Mutter
Bukowina
Schmetterlinge im Haar
Trink
sagt die Sonne
rote Melonenmilch
weiße Kukuruzmilch
ich machte sie süß
Violette Föhrenzapfen
Luftflügel Vögel und Laub
Der Karpatenrücken
väterlich
lädet dich ein
dich zu tragen
Vier Sprachen
Viersprachenlieder
Menschen
die sich verstehen
Bucovina III
Mãe verde
Bucovina
borboletas no cabelo
Beba
diz o sol
leite de melão vermelho
leite de milho verde
eu os fiz doces
Pinhas violetas
asa de ar pássaros e folhagem
A costa dos Cárpatos
paternal
convida-te
a te levar
Quatro línguas
canções em quatro línguas
Gente
que se entende
38
Kein Stein kein Baum (S.138)
Du kein Stein
kennst seinen
feurigen Kern
Du kein Baum
mit seinen
verzweigten Stimmen
vertraut
Der Mensch
ist dem Menschen
ein Gott
sagte Spinoza
Não és pedra não és árvore
Tu não és pedra
conheces seu
núcleo ígneo
Tu não és árvore
com sua
voz ramificada
cativado
O homem
é no homem
um Deus
disse Spinoza
Wer bin ich (S.154)
Wenn ich verzweifelt bin
schreib ich Gedichte
Bin ich fröhlich
schreiben sich Gedichte
in mich
Wer bin ich
wenn ich nicht
schreibe
Quem sou eu
Se estou desesperada
escrevo poesia
Estou feliz
escrevem-se poesias
em mim
Quem sou eu
se eu não
escrevo
Biographische Notiz (S.204)
Ich rede
von der brennenden Nacht
die gelöscht hat
der Pruth
von Trauerweiden
Blutbuchen
verstummtem Nachtigallsang
vom gelben Sterne
auf dem wir
stündlich starben
in der Galgenzeit
nicht über Rosen
rede ich
Fliegend
auf einer Luftschaukel
Europa Amerika Europa
ich wohne nicht
ich lebe
Nota Biográfica
Eu falo
da noite em chamas
que o Pruth
apagou
de chorões
faias de sangue
canto emudecido do rouxinol
da estrela amarela
sobre a qual nós
a cada hora morríamos
no tempo do algoz
não é sobre rosas
que falo
voando
no balanço de ar
Europa América Europa
eu não moro
eu vivo
39
Raum II (S.213)
Noch ist Raum
für ein Gedicht
Noch ist das Gedicht
ein Raum
wo man atmen kann
Espaço II
Ainda há espaço
para um poema
Ainda é a poesia
um espaço
onde se pode respirar
Sanduhrschritt
Passo de ampulheta
1977
Doppelspiel
Jogo duplo
Im Atemhaus (S.19)
Für Hans Bender
Unsichtbare Brücken spannen
von dir zu Menschen und Dingen
von der Luft zu deinem Atem
Mit Blumen sprechen
die du liebst
Im Atemhaus wohnen
eine Menschblumenzeit
Na casa de ar
Für Hans Bender
Pontes invisíveis estendem-se
de ti a pessoas e coisas
do ar ao teu aspirar
Falar com flores
que tu amas
Morar na casa de ar
um tempo de gente e de flores
Hoffnung II (S.20)
Wer hofft
ist jung
Wer könnte atmen
ohne Hoffnung
daß auch in Zukunft
Rosen sich öffnen
ein Liebeswort
das die Angst überlebt
Esperança II
Quem espera
é jovem
Quem poderia respirar
sem esperança
de que também no futuro
rosas se abram
uma palavra de amor
que ao medo sobrevive
40
Doppelspiel (S.22)
Wir verwalten
die Erde
verwandeln sie
in Gärten Worte Scheiterhaufen
Dieses Doppelspiel
Blumenworte
Kriegsgestammel
Jogo duplo
Nós administramos
a terra
transformamo-na
em jardins palavras fogueira
Esse jogo duplo
palavras de flor
balbuciar de guerra
Respekt (S.37)
Ich habe keinen Respekt
vor dem Wort Gott
Habe großen Respekt
vor dem Wort
das mich erschuf
damit ich Gott helfe
die Welt zu erschaffen
Respeito
Eu não tenho respeito
pela palavra Deus
Tenho grande respeito
pela palavra
que me criou
assim eu ajudo Deus
a criar o mundo
Harmonie der Mechanik (S.49)
Neonwunder
auf die Netzhaut gebannt
Weltteile fliegend
ans Gesicht gestrichen
Touristengewiegt
Reist der Agent
von Nerv zu Nerv
Der schwarz-weiße Zauberer
besticht dein Hirn
täglich
Die Television erspart dir
alle Denkmühe
Harmonie der Mechanik
Wunschlosigkeit
im Schlaraffenland
Harmonia da mecânica
Milagre de néon
sobre a teia de pele projetado
Partes do mundo esvoaçastes
no rosto pintados
Por turistas balançados
Viaja o agente
de nervo a nervo
O feiticeiro preto e branco
contagia teu cérebro
diariamente
A televisão te poupa
de todo esforço de pensar
Harmonia da mecânica
sem desejo
no País da Cocanha
41
Langweile (S.53)
Langweile
was ist das
Du siehst
Menschen
Bäume Himmel
hörst Worte Lieder
du bewunderst
ein Bild ein Gedicht
erkennst
daß alles sich bewegt
und du bewegt wirst
ein Fünkchen Leben
aus der Lebensflamme
Wie
kann es
langweilig sein
Monotonia
Monotonia
O que é isso
Tu vês
pessoas
árvores céu
ouves palavras canções
admiras
um quadro um poema
reconhece
que tudo se move
e tu és movido
uma centelha de vida
da chama vital
Como
pode isso
ser monótono
Tränen (S.68)
Sie löschen das Feuer
das in dir brennt
Auf Befehl
der bestürzten Sekunde
rollen sie aus deinen Augen
den Wangenweg herab
Keiner kann sie aufhalten
Sie fragen dich nicht
um Erlaubnis
Verläßliche Salztropfen
deines inneren Meers
Lágrimas
Elas apagam o fogo
que queima em ti
Por ordem
dos segundos sobressaltados
rolam de teus olhos
pelo caminho das bochechas
Ninguém pode contê-las
Elas não te pedem
permissão
fiéis gotas de sal
do teu mar interno
42
Mein Atem (S.92)
In meinen Tiefträumen
weint die Erde
Blut
Sterne lächeln
in meine Augen
Kommen Menschen
mit vielfarbnen Fragen
Geht zu Sokrates
antworte ich
Die Vergangenheit
hat mich gedichtet
ich habe
die Zukunft geerbt
Mein Atem heißt
jetzt
Meu ar
Em meus sonhos profundos
a terra chora
sangue
Estrelas sorriem
em meus olhos
Vêm pessoas
com perguntas multicores
Vão à Sócrates
respondo eu
O passado
me poetizou
eu herdei
o futuro
Meu ar se chama
agora
1978
Mutterland
Mátria
Mutterland (S.94)
Mein Vaterland ist tot
sie haben es begraben
im Feuer
Ich lebe
in meinem Mutterland
Wort
Mátria
Minha pátria está morta
eles a enterraram
no fogo
Eu vivo
em minha mátria
palavra
43
Adam (S.98)
Tiere
zahm auch die wilden
Blumen Früchte
vom Geist erdacht
Gewillt ihm zu dienen
Lebendige Luft
Vögel in Fülle
Alles
Aber
Adam
unwissend ewig
unwissend einsam
hatte noch nicht begonnen
da zu sein
bis die Gefährtin
aus seiner Rippe
sprang
um ihn zu lieben
und sterblich zu machen
Adão
Animais
amansava até os selvagens
flores frutas
de espírito criados
dispostos a servi-lo
Ar vital
pássaros em plenitude
Tudo
Porém
Adão
sem saber-se eterno
sem saber-se solitário
ainda não tinha começado
a existir
até que a companheira
de sua costela
pulou
para amá-lo
e fazê-lo mortal
Warum II (S. 144)
Sie machen Krieg und
fragen uns nicht
Sie streuen uns
Sand in die Augen
Wir fragen
warum Menschen frieren und
hungern müssen
warum unsre Brüder
verbluten müssen
warum wir den >>Feind<< aus Menschen
ermorden müssen
warum wir nicht leben dürfen
friedlich und heiter
in Liebe zum Nächsten
wie es geschrieben steht
im Alten und Neuen
Testament
Por que II
Eles fazem guerra e
não nos perguntam
Jogam-nos
areia nos olhos
Nós perguntamos
por que pessoas precisam
passar frio e fome
por que nossos irmãos
precisam sangrar
por que precisamos assassinar
gente como sendo “inimigos”
por que não podemos viver
em paz e felizes
no amor ao próximo
como está escrito
no Antigo e Novo
Testamento
44
Treffpunkt der Wind
Ponto de encontro do vento
1979
Ein Stück weiter
Um pouco além
Vor dem Spiegel (S.16)
Der Spiel sagt
Sieh du bist alt
Ich kann fliegen
antworte ich
Du fliegst und
fällst
sagt der Spiegel
Frente ao espelho
O espelho diz
Veja você está velha
Eu posso voar
respondo
Você voa e
cai
diz o espelho
Hoffnung IV (S.17)
Mein
aus der Verzweiflung
geborenes Wort
aus der verzweifelten Hoffnung
daß Dichten
noch möglich sei
Esperança IV
Minha
palavra
do desespero nascida
da esperança desesperada
de que fazer poesia
ainda seja possível
Nach dem Krieg (S.24)
Als wir alles verschleuderten
was wir noch hatten
um unsern Hunger zu stillen
waren wir traurig
doch nicht ohne Hoffnung
Verwandte besuchten uns
sprachen uns
Mut zu
Nach dem Krieg
werden wir uns
in Freude wieder treffen
Mit diesen Abschiedgruß
schieden sie und
wurden umgebracht
Depois da guerra
Quando nos desfizemos
de tudo o que ainda tínhamos
a fim de acalmar nossa fome
estávamos tristes
mas não sem esperança
Parentes nos visitaram
disseram-nos
coragem
Depois da guerra
iremos nos
reencontrar em alegria
Com estas palavras de despedida
desperçaram-se e
foram mortos
45
Gut schlecht (S.41)
Menschen
singen kommen zusammen
gehen auseinander
leiden freuen sich
stimmen zu
protestieren
wer weiß
was gut ist
was schlecht
Bom mau
Pessoas
cantam namoram
separam-se
sofrem alegram-se
concordam
protestam
quem sabe
o que é bom
o que é ruim
Honigkuchen (S.46)
Eine Freundin
backt mir Honigkuchen
Er duft nach Mutter
schmeckt nach Kindheit
die blüht noch in mir
Bienen trinken Blütensaft
die tote Mutter
schaukelt mein Bett
und singt alte Kinderlieder
Eine Scheibe Honigkuchen
verwandelt die Welt
Pão de mel
Uma amiga
faz para mim pão de mel
Ele tem cheiro de mãe
tem o sabor de infância
que ainda floresce em mim
Abelhas tomam néctar
a mãe morta
balança minha cama
e canta antigas canções infantis
Uma fatia de pão de mel
transforma o mundo
Ich vergesse nicht (S.63)
Ich vergesse nicht
das Elternhaus
die Mutterstimme
den ersten Kuß
die Berge der Bukowina
die Fluch im ersten Weltkrieg
das Darben in Wien
die Bomben im zweiten Weltkrieg
den Einmarsch der Nazis
das Angstbeben im Keller
den Arzt der unser Leben rettete
das bittersüße Amerika
Hölderlin Trakl Celan
meine Schreibqual
den schreibzwang
noch immer
Eu não esqueço
Eu não esqueço
a casa dos pais
a voz da mãe
o primeiro beijo
as montanhas da Bucovina
a fuga na primeira guerra mundial
o sofrimento em Viena
as bombas na segunda guerra mundial
a marcha nazista
o tremor de medo no porão
o médico que salvou nossas vidas
a doce-amarga América
Hölderlin Trakl Celan
minha tortura da escrita
o forçado escrever
sempre
46
Angst II (S.79)
Ich habe Angst
vor mir
Wo sind Worte
die mir helfen
den Krieg gegen mich
zu gewinnen
Medo II
Eu tenho medo
de mim
Onde estão as palavras
que me ajudam
a vencer
a guerra contra mim mesma
Der Engel in dir (S.152)
Der Engel in dir
freut sich über dein
Licht
weint über deine Finsternis
Aus seinen flügeln rauschen
Liebesworte
Gedichte Liebkosungen
Er bewacht
deinen Weg
Lenk deinen Schritt
engelwärts
O anjo em você
O anjo em você
Alegra-se com tua
luz
chora por tuas trevas
De suas asas sussurram
palavras de amor
poemas carícias
Ele guarda
teu caminho
Dirige seu passo
rumo aos anjos
Hinter allen Worten
Atrás de todas as palavras
1980
Einverständnis
Concordância
Wenn ich vergehe (S.15)
Wenn ich vergehe
wird die Sonne weiter brennen
Die Weltkörper werden sich
bewegen nach ihren Gesetzten
um einen Mittelpunkt
den keiner kennt
Süß duften wird immer
der Flieder
weiße Blitze ausstrahlender Schnee
Wenn ich fortgehe
von unsrer vergeßlichen Erde
wirst du mein Wort
ein Weilchen
für mich sprechen?
Quando eu me for
Quando eu me for
continuará o sol a queimar
Os corpos terrestres se
moverão de acordo com suas leis
num meio ponto
que ninguém conhece
Doce aroma irá sempre
exalar a lilás*
brancos raios neve resplandecente
Quando eu me for
de nossa terra esquecível
serás tu minha palavra
falarás um porquezinho
por mim?
*Flor perfumada
47
1981
Mein Atem heißt jetzt
Meu ar se chama agora
Ich weiß nur (S.69)
Du fragst mich was ich will
Ich weiß es nicht
Ich weiß nur
daß ich träume
daß der Traum mich lebt
und ich in seiner
Wolke schwebe
Ich weiß nur daß ich
Menschen liebe
Berge Gärten das Meer
Weiß nur daß viele Tote
in mir wohnen
Ich trinke meine Augenblicke
weiß nur
es ist das Zeitspiel
Aufundab
Sei apenas
Tu me perguntas o que quero
Eu não sei
Sei apenas
que sonho
que o sonho me vive
e eu em sua
nuvem pairo
Sei apenas que eu
amo as pessoas
montanhas jardins o mar
Sei apenas que muitos mortos
moram em mim
Eu bebo o meu momento
sei apenas que
é o jogo do tempo
pra lá e pra cá
Das Wort I (S.136)
>>Am Anfang
war das Wort
und das Wort
war bei Gott<<
Und Gott gab uns
das Wort
und wir wohnen
im Wort
Und das Wort ist
unser Traum
und der Traum ist
unser Leben
A palavra
“No início
era a palavra
e a palavra
estava em Deus”
E Deus nos dava
a palavra
e nós moramos
na palavra
E a palavra é
nosso sonho
e o sonho é
nossa vida
48
Die Sonne fällt
O sol cai
1981
Einen Drachen reiten
Cavalgar um dragão
Einen Drachen reiten (S.7)
Einen Drachen reiten
wenn der Fuß versagt
Schweigen Freunde
lausche ich
dem Märchen einer Glocke
Manchmal in der Nacht
fällt ein Stern mir
in den Schoß
Cavalgar um dragão
Cavalgar um dragão
quando o pé falseia
Amigos calam
eu espreito
a lenda de um sino
Às vezes à noite
cai-me uma estrela
no colo
Und nenne dich Glück
E te chamo felicidade
1982
Südlich wartet ein wärmeres Land
Mais ao sul espera um país mais quente
Heimatstadt (S.9)
Eine goldene Kette
fesselt mich
an meine urliebe Stadt
wo die Sonne aufgeht
wo sie untergegangen ist
für mich
Cidade natal
Uma corrente dourada
prende-me
à cidade primeira de meu amor
onde o sol nasce
onde ele se pôs
para mim
49
1983
Noch (S.55)
Noch eine Zeile
ein Wort
eine Silbe
ein Buchstabe
ein Punkt
Ainda
Ainda uma linha
uma palavra
uma sílaba
uma letra
um ponto
Der Dichter (S.57)
fügt wieder zusammen
das zerstückelte Lied
Von Splittern zerrissen
sein Wort
trägt fort der Blutstrom
treibt es
zum Herzen
Verwundet
kittet er
die zersprungene
Scheibe Zeit
O poeta
junta de novo
a canção esquartejada
Por estilhaços rasgada
sua palavra
leva em frente o caudal de sangue
impele-a
ao coração
Ferido
ele cola
o vidro partido
do tempo
So sicher atmet nur Tod
Tão segura só a morte respira
Dann (S.61)
Dann kamen
Wolken
verliebte Bilder im
Wasserspiegel
Dann
Wohnungen aus Sand
Grashalm
Wurm
Dann
Blume
Aster
und Kranz
Então
Então vieram
nuvens
imagens apaixonadas no
espelho d’água
Então
moradas de areia
caule de capim
verme
Depois
flor
Aster*
e coroa
*Flor no formato de estrela
50
Der Morgen (S.68)
Mit abertausend Gesichtern
Wolkenwangen
Sonnenaugen
Luftlippen
Windohren
Staunt der Morgen
aufwärts
und
wir staunen mit ihm
A manhã
Com milhares de rostos
bochechas de nuvens
olhos de sol
lábios de ar
orelhas de vento
Espanta-se a manhã
verticalmente
e
nós nos espantamos com ela
Heller (S.80)
Nur der Schatten
blieb
als das Licht
verloren ging
Im Dunkel
träumt es sich
heller
Mais claramente
Apenas a sombra
restou
quando a luz
se perdeu
No escuro
se sonha
mais claramente
Feiertage (S.81)
Ich krieche
zwischen Gebeten
zu den Toten
Und schwöre
Ihr lebt
und schwöre ab
dem Meineid
Wer hat
meine Festtage
Freudentage
meine schönen Feiertage
begraben
Feriados
Arrasto-me
entre orações
até os mortos
E juro
vocês vivem
e abjuro
o perjúrio
Quem
sepultou
meus dias de festa
dias de alegria
meus lindos feriados
Die Zeit III (S.82)
Mit zahllosen Hände
greift die Zeit
nach dem
Geflimmer aus
Blumen und Tropfen
nach Hitze und Eis
nach Menschen
auf der Flucht
vor dem Nichts
O tempo III
Com inúmeras mãos
o tempo agarra
a cintilação
de
flores e gotas
o calor e o gelo
as pessoas
na fuga
do nada
51
In alle Winde (S.83)
Einst war ich
Scheherezade
rettete mein Leben
Mit klugen Worte
Heute
richte ich meine Worte
an keinen Kalifen
ich vertraue sie
meinem Spiegel an
er strahlt sie
in alle Winde
Aos quatro ventos
Uma vez eu era
Scherazade
salvei minha vida
com palavras astutas
Hoje
não dirijo minhas palavras
a nenhum califa
eu as confio
ao meu espelho
ele as irradia
aos quatro ventos
Identität (P.92)
Menschen haben mir
mein Ich verboten
Sie wissen nicht
daß ich auch
Baum bin Vogel Stern
Und Architekt
der Märchen baut
die sie nicht sehen
obwohl sie
bis in den Himmel reichen
Identidade
Pessoas proibiram
meu Eu
Elas não sabem
que também
sou árvore pássaro estrela
E arquiteto
que constrói fábulas
que não vêem
embora elas
alcancem o céu
1985
Ich zähl die Sterne meiner Worte
Eu conto as estrelas de minhas palavras
Idee (S.113)
Ich glaube
Liebe deinen nächsten
wie dich
selbst
Glaube ich
Idéia
Eu creio
Ama teu próximo
como a ti
mesmo
Eu creio
52
Erbarme dich (S.114)
Herr
meiner Leere
Schenk mir
das Wort
das eine Welt
erschafft
Compadecei-vos
Senhor
do meu vazio
Dai-me
a palavra
que cria
um mundo
Wenn du (S.115)
nicht da bist
ist alles blind
Ich sehe
diese Blindheit
mit nackten Augen
Quando
não estás aqui
tudo é cego
Eu vejo
esta cegueira
à olhos nus
Ich bin ein Baum (S.125)
und atme mein
flüsterndes Laub
Vom Himmel
kommt ein Engel
und küßt
meine Wurzeln
Eu sou uma árvore
e respiro minha
folhagem sussurrante
Do céu
vem um anjo
e beija
minhas raízes
Du bist (S.127)
unwiderstehlich
Wahrheit
Ich erkenne dich
und nenne dich
Glück
Tu és
irresistível
verdade
Eu te reconheço
e te chamo
felicidade
Die Erde (S.128)
gibt mir
ein geheimes Zeichen
und sagt ade
Ich antworte
auf Widersehen
A terra
me dá
um sinal secreto
e diz adeus
Eu respondo
até logo
Bleib (S.131)
deinem Wort
treu
Es wird
dich nicht
verlassen
Permaneça
fiel a tua
palavra
Ela
não te
abandonará
53
Laß mich (S.134)
nicht allein
Du bist
mein Traumgefährte
auf dem Weg
ins offene Leid
Não me deixes
sozinha
Tu és
meu companheiro sonhado
no caminho
ao sofrimento aberto
Ich verzichte (S.139)
auf den Glanz
Er hat mich
nicht getröstet
als du
von mir gingst
Eu renuncio
ao brilho
Ele não
me consolou
quando
fostes de mim
Ich lege dich (S.141)
an meine Stirn
Substanz des Lebens
Du bist
das Allbewußte
das die Welten
baut
Eu te coloco
em minha fronte
substância da vida
És
a onisciência
que mundos
constroe
Erhöre meine Bitte (S.145)
Herr
schenk mir
den Schlaf
und einen Wundertraum
Ouça meu pedido
Senhor
dai-me
o sono
e um sonho de milagres
Du wanderst (S.148)
in der schwarzen Stadt
mit wunden Füssen
An der Hüfte
rührt der Tod
dich an
Caminhas
na cidade negra
com pés feridos
No quadril
a morte
te toca
Die Harfe (S.151)
ist mein Instrument
Ich spiele
das Lebenslied
A harpa
é o meu instrumento
Eu toco
a canção da vida
54
Ich hab (S.161)
ein Wort gefunden
das nicht weint
Die andern trauern
um den Verlust
der Heimat
Eu encontrei
uma palavra
que não chora
As outras estão de luto
pela perda
da pátria
Öffne die Stäbe (S.160)
damit der goldne Himmelskörper
hereinwinkt
Da trinke ich
das Licht
in vollen Zügen
Abra as grades
para que o dourado corpo celeste
acenando entre
Então eu bebo
a luz
em plenos goles
Ich suche Gott (S.164)
und finde ihn
in einer Blume
die nicht welkt
Sie sagt
die Zeit hat mir befohlen
dir gut zu sein
ich sage
Amen
Procuro Deus
e o encontro
numa flor
que não murcha
Ela diz
o tempo mandou-me
ser boa contigo
digo
Amém
Gott (S.168)
Schöpfer aller Dinge
Du bist nicht
gut
Du bist nicht
schlecht
Du bist
Du gabst mir
Kraft zu leben
nicht genug
zu leben
ewiglich
Gott
Deus
Criador de todas as coisas
Não sois
bom
Não sois
mau
Sois
Me destes
força para viver
não o suficiente
para viver
eternamente
Deus
55
Als auf den Fensterscheiben (S.172)
die Blumen blühten
kochte die Mutter
Es gab Kälte und Wärme
auch Honig in klarem Kristall
Wir lachten uns alle
ins Fäustchen
Kam der Fuchs
und stahl Kälte und Wärme
und Honig im klaren Kristall
Das Lachen blieb
im Fäustchen
Angst und salzige Tränen
füllten die Augen
Quando nas vidraças
as flores desabrochavam
a mãe cozinhava
Havia frio e calor
e mel no claro cristal
Nós ríamos todos
à socapa
Veio a raposa
e roubou frio e calor
e mel no claro cristal
O riso permaneceu
na socapa
medo e lágrimas salgadas
encheram os olhos
Verehrter Gott (S.177)
Gib mir ein Zeichen
daß gar nichts
ohne dich geschieht
Ich möchte
einem Sternbild gleichen
das sanft
mir leuchtet
wie ein Lied
Venerado Deus
Dá-me um sinal
de que absolutamente nada
sem ti ocorre
Eu gostaria de
ser como a imagem de uma estrela
que suave
me ilumina
como uma canção
56
Brief aus Rosen
Carta das Rosas
1987
Ich spiele noch
Eu ainda brinco
Dennoch Rosen (S.131)
sommerhoch
Schmetterlinge
Möwenschwingen
überm Fluss
Nein
ich vergesse nicht
die eingebrannten Jahre
ich vergesse nicht
daß Stiefel
den Regenbogen zertraten
daß sie sich rüsteten
uns zu verwandeln in
Feuerrosen Feuerfalter Feuerschwingen
dennoch sommerhoch
der Duft
die Doppelflügel überm Fluss
das Gold auf meiner Haut
und die toten Rosen
nach der Nacht
Ainda assim rosas
verão pleno
borboletas
gaivotas pairam
sobre o rio
Não
eu não esqueço
os anos marcados a fogo
eu não esqueço
que botas
pisotearam o arco-íris
que eles se armaram
para nos transformar em
rosas de fogo borboletas de fogo asas de fogo
ainda assim verão pleno
o aroma
asas duplas sobre o rio
o ouro sobre minha pele
e as rosas mortas
depois da noite
Mit einem roten Knoten (S.173)
verbünde ich die Heimatländer
die sich in Schatten
um meine Träume legen
Meine Hand hält den
kalten Himmel
die Sterne sind erfroren
nur
das tote Hündchen
meiner Kindheit
liebt mich
Com um nó vermelho
uno as pátrias
que em sombras
rodeiam meus sonhos
Minha mão segura o
frio céu
as estrelas estão congeladas
apenas
o cãozinho morto
de minha infância
me ama
57
Gib auf (S.250)
Der Traum
lebt
mein Leben
zu Ende
Desista
O sonho
vive
minha vida
até o fim
Schweigen auf deine Lippen
Mordaça em teus lábios
Gedichte aus dem Nachlaß
Poesias do espólio
Dankbar (S.8)
Rote Tinte
hat meine Haut
tätowiert
mit verworrenen Zeichen
Nachts
leg ich mich
in eine Urne
da wohnt
die verbrannte Welt
Am Morgen
seh ich die Sonne
und bin dankbar
Grata
Tinta vermelha
tatuou
minha pele
com símbolos obscuros
À noite
deito-me
numa urna
lá mora
o mundo incinerado
Pela manhã
vejo o sol
e sinto-me grata
Trauer III (S.42)
Die Trauer
ist ein Vogel
mit verwundeten
Flügeln
Luto III
O luto
é um pássaro
com asas
mutiladas
58
Zusammenhang (S.85)
Ohne mich
wäre alles anders
Die Erde denkt
durch mich
Mein Licht schenke ich
den Sternen
Relação
Sem mim
tudo seria diferente
A terra pensa
através de mim
Minha luz eu dou
às estrelas
In den Bäumen rauscht
meine Sehnsucht
Meine Seele
wogt im Meer
Ich
ein Stäubchen Stoff
ein Fünkchen Geist
Nas árvores murmura
minha saudade
Minha alma
flutua no mar
Eu
um pozinho de matéria
uma centelha de espírito
Suchen I (S.206)
Ich suche
eine Insel
wo man atmen kann
und träumen
daß die Menschen gut sind
Procura I
Eu procuro
uma ilha
onde se pode respirar
e sonhar
que as pessoas são boas
Die nacht hat zahlose Augen
A noite tem inúmeros olhos
Prosa
Krokodiltränen (S. 23)
Ich salze meine Suppe mit Krokodiltränen. Das
Krokodil, ein Geburtstagsgeschenk, liegt in der
Küche und weint, weil ich nicht koche was es
gern frißt: Menschen. Ich füttere es mit
Literatur. Es verschlingt alles, was ich ihm
vorlese, bis auf Gedichte. Lyrik findet es
unverdaulich.
Lágrimas de crocodilo
Eu salgo minha sopa com lágrimas de
crocodilo. O crocodilo, um presente de
aniversário, fica na cozinha e chora porque eu
não cozinho o que ele gosta de comer: gente.
Eu o alimento com literatura. Engole tudo o
que eu leio para ele, com exceção de poesia.
Lírica ele acha indigesto.
59
Privacy (S. 28)
Manchmal möchte ich allein und ungestört
sein. Das ist unmöglich: Die Stimmen der
Nachbarn, die Geräusche der Straße wohnen
in meinen Zimmer. Öffne ich das Fenster,
kommen Mücken, Fliegen, Falter, Spatzen,
hereingeflogen, ab und zu auch ein Kobold
oder ein Engel. Jeder will etwas von mir: ein
bißchen Blut, ein bißchen Hautduft, ein
bißchen Futter, einbißchen Schadenfreude,
einbißchen Halleluja. Man möchte já gern
allen gerecht werden, aber man möchte auch
gern sich selber gerecht werden, seine eigene
Stimme hören, keine frommen Wünsche haben,
einmal alles verwünschen dürfen. Dieses Glück
ist einem selten vergönnt.
Privacidade
Às vezes eu gostaria de ficar sozinha e não ser
incomodada. É impossível. As vozes dos
vizinhos e o barulho da rua moram no meu
quarto. Abro a janela, entram voando
pernilongos, moscas, borboletas, pardais, de
vez em quando também um gnomo ou um
anjo. Todos querem algo de mim: um
pouquinho de sangue, um pouco de cheiro da
pele, um pouco de comida, um pouco de
malícia, um pouco de alelulia. Claro que se
gostaria de contentar a todos. Mas se quer
também contentar a si, ouvir a própria voz,
sem singelos desejos, uma vez poder fazer com
que tudo desapareça. Mas esta alegria é
concedida raramente.
128
Referências Bibliográficas
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