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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
KELEN DOS SANTOS JUNGES
TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E
AUTONOMIA DE PROFESSORES
PONTA GROSSA
2005
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KELEN DOS SANTOS JUNGES
TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E
AUTONOMIA DE PROFESSORES
Dissertação apresentada à Banca de Defesa do
Programa de Mestrado em Educação, Linha de Pesquisa
Ensino e Formação de Professores, da Universidade
Estadual de Ponta Grossa/PR, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Dra. Priscila Larocca.
PONTA GROSSA
2005
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Ficha catalográfica elaborada na UEPG/BICEN
Junges, Kelen dos Santos
W815 Trajetórias de vida, constituição profissional e autonomia de
professores. Ponta Grossa, 2005.
125p.; il.
Dissertação (mestrado)- Universidade Estadual de Ponta
Grossa - PR.
Orientadora: Profª. Dra. Priscila Larocca
1-Formação de professores. 2-Constituição profissional
docente. 3-Autonomia docente. 4-Trajetórias de vida. I. T.
CDD :370.71
Dedico este trabalho como símbolo de
todo meu afeto e carinho
Aos meus pais Ilgo e Suely, de quem
procuro imitar os exemplos de amor,
honestidade e humildade. Obrigada pelo início
de minha própria história. Obrigada por não
medirem esforços em prol de minha formação
e da realização de meus sonhos. Agradeço dia
após dia por vocês serem os meus pais.
Aos meus irmãos Simone, Peterson e
Suelen, pelo respeito, pelo carinho, pelo
ombro amigo e sincero. Obrigada por fazerem
parte da minha vida.
Ao meu esposo Junior, pelo amor, pela
amizade, pela paciência, pela compreensão dos
momentos ausentes, distantes e de minha
dedicação a este trabalho. Obrigada pelo apoio
incondicional à minha realização pessoal e
profissional. Você é indispensável na
construção da nossa história de vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela minha existência, pela proteção e por guiar-me nos caminhos
da minha história de vida.
À Professora Doutora Priscila Larocca, exemplo de dignidade, dedicação, amizade e
sabedoria. Minha sincera gratidão por sua orientação segura e pela presença marcante em
cada página deste trabalho.
Aos Professores Doutores Luis Fernando Cerri, Sérgio Antonio da Silva Leite e
Esméria de Lourdes Savelli, membros da banca examinadora de qualificação deste trabalho,
pela atenção e excelentes sugestões apresentadas.
Aos professores sujeitos de minha pesquisa, por sua especial e essencial participação
neste trabalho. Obrigada por compartilharem comigo as histórias de suas preciosas vidas.
Aos meus colegas de mestrado, especialmente a Ignês Figueiredo, Egeslaine De
Nez e Francisca Júlia Camargo Dresch, por todos os momentos que passamos juntas, por
dividirmos as mesmas angústias e expectativas, por tornarem essa jornada mais interessante e
animada. Saudades.
Ao GEPEP - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Psicologia da UEPG, pelo
acolhimento e por ter-me inserido nos caminhos da pesquisa.
Ao Colégio Estadual São Cristóvão, em especial aos Diretores Jair Brugnago e
Adilson Machado, pelo incentivo, pela compreensão e disponibilização de tempo para a
concretização do mestrado.
A todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para realização deste trabalho,
muito obrigada.
...Que eu desejo amar
Todos que eu cruzar
Pelo meu caminho.
Como sou feliz!
Eu quero ver feliz
Quem andar comigo,
Vem!...
Guilherme Arantes – Jon Lucien
RESUMO
Este trabalho tem como objetivos principais identificar, descrever e analisar o processo de
constituição e autonomia profissional docente. Parte-se da análise das funções da escola na
sociedade, compreendendo que as concepções de formação de professores assumiram estas
mesmas funções no decorrer da história da educação brasileira. A abordagem histórico-
cultural, fundamentada em Vigotski, ajuda a explicar o processo de constituição e autonomia
profissional docente, numa perspectiva dinâmica e contínua de internalização do social para o
individual. Adota-se a história oral de vida como recurso metodológico para se cumprir os
objetivos propostos, utilizando-se de um roteiro semi-estruturado, para entrevistar quatro
professores da educação básica dos municípios de Porto União/SC e de União da Vitória/PR,
selecionados a partir de critérios previamente estabelecidos. As histórias orais de vida dos
Sujeitos são analisadas a partir de três grandes eixos: percurso pessoal, percurso formativo e
percurso profissional, dos quais emergiram elementos da constituição e autonomia
profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem respeito a experiências da
infância, juventude e constituição da família, destacando-se a internalização de valores e
normas de comportamento relativos à obediência como aspecto comum entre os Sujeitos. O
percurso formativo trouxe elementos da escolarização básica, formação acadêmica e extra-
acadêmica. No que concerne à escolarização básica, destacam-se os seguintes elementos: as
dificuldades enfrentadas para estudar; a internalização de normas aprendidas no ambiente
familiar; os modelos de professores; a relação entre escolha profissional e questões de gênero
e os estágios curriculares. Na formação acadêmica destacam-se as motivações presentes na
escolha do curso de Ensino Superior e as contribuições dessa formação para o exercício
profissional docente. Os elementos que se destacam na formação extra-acadêmica são o
ambiente de trabalho do professor; as exigências dos cargos e funções ocupadas nas
instituições nas quais os professores trabalharam ou trabalham e a dedicação à pesquisa. O
percurso profissional revela elementos do início e desenvolvimento da carreira docente; do
cotidiano profissional e das realizações e obstáculos do percurso profissional. O início e
desenvolvimento da carreira aponta os seguintes elementos: as formas de ingresso na carreira;
as primeiras experiências no magistério; as oportunidades de carreira na educação além da
docência; a participação em entidades de classe e a política educacional vivenciada pelos
Sujeitos. O cotidiano profissional denota elementos como os contextos colaborativos entre os
docentes; a concepção de coletivo e a influência de cotidianos não-escolares. Com relação às
realizações e aos obstáculos do percurso profissional, destacam-se o convívio com os alunos
como elemento de realização e, o relacionamento com colegas de trabalho, as más condições
de trabalho e a organização escolar, como obstáculos da carreira docente. Como resultado
final, considerou-se que o processo de constituição profissional do professor e de sua
autonomia se dá durante toda a sua trajetória de vida, a partir das relações sociais que
estabelece e da maneira como as internaliza. É um processo histórico-cultural.
Palavras-chave: constituição profissional docente; autonomia docente; trajetórias de vida;
formação de professores.
ABSTRACT
This paper aims at identifying, describing, and analyzing the process of teaching constitution
and professional autonomy. The starting point is the analysis of the functions of the school in
society, understanding that the conceptions of teacher development have been taking on these
functions in the history of Brazilian education. The historical–cultural approach, founded on
Vigotski, helps to explain the process of teaching constitution and professional autonomy in a
dynamic and continuous perspective of internalization from the social to the individual. The
life history told orally is adopted as a methodological resource to fulfill the aims of this study,
by means of a semi-structured outline to interview four elementary school teachers from Porto
União-SC e União da Vitória-PR, selected according to the criteria previously set. The oral
life histories of the individuals are analyzed starting from three great axes: personal
development, formative development, and professional development, in which elements from
teaching constitution and professional autonomy emerged. In the personal development such
elements are concerned with experiences from childhood, youth, and family constitution, with
emphasis on the internalization of values and behavior patterns related to obedience as a
common aspect between the individuals. The formative development brought elements from
elementary school, college, and from outside college. As far as elementary school is
concerned, the following elements are prominent: the difficulties faced in order to study; the
internalization of norms learned at home; the models provided by the teachers; the relation
between professional choice and the matter of gender and curricular stages. In the academic
formation the focus is on the motivation present in the choice of a course and the
contributions of this formation for working as a teacher. The elements that were prominent in
the extra academic formation are the teaching environment, the demands of the positions and
functions in the institutions where teachers worked or still work and the dedication to
research. The professional development reveals elements from the beginning and from the
development of the teaching career, from the professional routine and realizations and
obstacles on the professional development. The beginning and the development of the career
point out the following elements: the ways in which one starts his career; the first teaching
experiences; the career opportunities in education, besides teaching; the participation in class
institutions and the educational policy experienced by the individuals. The professional
routine denotes elements such as collaborative contexts between teachers, the conception of
collective and the influence of non-scholar routines. As far as realizations and obstacles of the
professional development are concerned, the sociability with the students as an element of
realization stands out, and the relationship with colleagues, the bad working conditions and
the school organization stand out as obstacles in the teaching career. As a final result, the
process of professional constitution of the teacher as well as the process of constitution of his
autonomy is considered to take place in the course of his life, from the social relations that he
establishes and from the way he internalizes them. It is a historical-cultural process.
Key words: professional teaching constitution; teaching autonomy; course of life; teacher
formation.
INTRODUÇÃO
A constituição e autonomia profissional de cada professor está diretamente
relacionada a sua história de vida, ou seja, às relações sociais que estabelece, às oportunidades
vivenciadas e ao modo como as internaliza ao longo dessa trajetória.
Sob esta perspectiva, importa conhecer quem é o professor: sua origem
sociocultural, suas crenças, sua formação, sua escolarização, no sentido de captar elementos
que permitam compreender melhor como esse profissional se constitui e conquista uma
autonomia em sua trajetória de vida.
Essa intenção tem como pano de fundo algumas indagações: Como se dá o processo
de constituição profissional docente? Que tipos de experiências e relações pessoais,
profissionais e formativas contribuem para a constituição profissional docente? E, no processo
de constituição profissional, como o professor desenvolve uma autonomia?
A partir dessas inquietações, traçaram-se dois objetivos principais: a) identificar,
descrever e analisar o processo de constituição profissional docente; b) identificar e analisar a
autonomia no processo de constituição profissional docente.
Esses objetivos implicam em conhecer e explicitar vivências e percursos pessoais,
formativos e profissionais de professores em suas trajetórias de vida, para captar e analisar
elementos e modos por meio dos quais engendram um processo real de constituição autônoma
dos professores.
Optou-se, neste trabalho, por utilizar a história oral como caminho metodológico
registrando-se as histórias de vida de quatro professores, dois homens e duas mulheres, que
atuaram e atuam no sistema educacional dos municípios de Porto União/SC e União da
Vitória/PR.
As obras de Fonseca (1997), Fontana (1997), Nóvoa (1995ab), Thompson (1998) e
Vigotski (1998, 2000ab) foram muito inspiradoras e nortearam particularmente a construção
deste trabalho, que se encontra organizado em quatro capítulos.
O Capítulo I procura esboçar as principais concepções de formação de professores
relacionadas às funções que a escola foi assumindo ao longo do tempo na sociedade, tecendo-
se uma perspectiva histórica da educação brasileira. Este capítulo pretende demonstrar que a
formação de professores esteve e está em consonância com as funções que a escola assume na
vida social e econômica da população.
O Capítulo II versa sobre a constituição profissional docente, destacando a
autonomia nesse processo, expondo as principais teorias divulgadas a esse respeito, definindo
a abordagem histórico-cultural, fundamentada em Vigotski (1998, 2000ab), como a teoria que
melhor explica o processo de constituição e autonomia profissional docente. Este capítulo,
então, trata da constituição profissional, considerando os professores como pessoas em
constante processo de formação e como profissionais, cujas vidas e profissão desenvolvem-se
em um processo que se entrelaça com ambientes, condições, escolhas, relações e contextos
socioculturais, entendendo a autonomia como uma emancipação pessoal, como uma tomada
de posição, como uma busca e exercício constante da trajetória docente.
O Capítulo III explicita a história oral de vida, como opção e fundamentação
metodológica da pesquisa. Nesse capítulo estão descritos os caminhos seguidos, tais como os
critérios de seleção dos sujeitos, o modo como as histórias de vida foram construídas e os
procedimentos utilizados para a coleta e análise dos dados.
No Capítulo IV, as histórias orais de vida dos professores frisam experiências e
relações próprias de cada um, certamente aquelas que julgam mais significativas em sua
trajetória ou que sejam úteis para alguém. As histórias são analisadas e confrontadas com os
referenciais teóricos, abordando três eixos definidos como centrais neste trabalho, para
abordar o processo de constituição e autonomia profissional de professores: percurso pessoal,
percurso formativo e percurso profissional, dos quais emergiram elementos significativos da
constituição e autonomia profissional docente.
Os resultados referentes ao eixo percurso pessoal, que abrange elementos da
infância, da juventude e da constituição familiar do professor, revelaram a internalização de
valores e normas de comportamento relativos à obediência como aspecto comum entre os
Sujeitos.
O eixo percurso formativo refere-se à escolarização básica do professor, sua
formação acadêmica e extra-acadêmica. No que concerne à escolarização básica, destacam-se
os seguintes elementos: as dificuldades enfrentadas para estudar; a internalização de normas
aprendidas no ambiente familiar; os modelos de professores; a relação entre escolha
profissional e questões de gênero e os estágios curriculares. Na formação acadêmica
destacam-se as motivações presentes na escolha do curso de Ensino Superior e as
contribuições dessa formação, para o exercício profissional docente, tanto em termos de
instrumentais teórico-metodológicos quanto em termos de instrumentais críticos. Os
elementos que se destacam na formação extra-acadêmica são o ambiente de trabalho do
professor; as exigências dos cargos e funções ocupadas nas instituições, nas quais os
professores trabalharam ou trabalham e a dedicação à pesquisa.
O eixo percurso profissional inclui o início e o desenvolvimento da carreira
profissional, o cotidiano profissional, as realizações e obstáculos vividos pelo professor nesse
percurso. O início e desenvolvimento da carreira aponta os seguintes elementos: as formas de
ingresso na carreira; as primeiras experiências no magistério; as oportunidades de carreira na
educação além da docência; a participação em entidades de classe e a política educacional
vivenciada pelos Sujeitos. O cotidiano profissional denota elementos como os contextos
colaborativos entre os docentes; a concepção de coletivo e a influência de cotidianos não
escolares. Com relação às realizações e obstáculos do percurso profissional, destacam-se o
convívio com os alunos, como elemento de realização e, o relacionamento com colegas de
trabalho, as más condições de trabalho e a organização escolar, como obstáculos da carreira
docente.
Nas Considerações Finais apresentam-se constatações e reflexões da pesquisadora
conforme o trabalho de pesquisa realizado, resgatando os objetivos propostos. A partir da
análise das histórias orais de vida, considerou-se como resultado final que o processo de
constituição e autonomia profissional do professor se dá durante toda a sua trajetória de vida,
a partir do conjunto das experiências vivenciadas em cada um de seus percursos: pessoal,
formativo e profissional. A constituição e autonomia profissional dos professores é
influenciada pelo contexto sociocultural, pelas relações sociais que estabelecem e pela
maneira como as internalizam. É um processo histórico-cultural.
É importante destacar que este trabalho representa uma das perspectivas possíveis
para a análise do processo de constituição profissional docente e sua autonomia. Nele são
apresentadas algumas possibilidades de interpretação das histórias de vida dos professores,
evidentemente singulares. Por isso, não se tem a pretensão de tecer generalizações, nem de
esgotar o tema. Sabe-se que as histórias dos professores não são estatisticamente
representativas, mas considera-se que são significativas, isto é, são vidas que representam
uma geração, uma concepção de professores de um determinado período histórico e espaço
social. São diferentes histórias, diferentes experiências, diferentes modos de ser e agir, que
revelam alguns elementos e promovem reflexões sobre o processo de constituição do
professor e de sua autonomia.
CAPÍTULO I
FUNÇÕES DA ESCOLA E CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
“’História’ é exatamente o passado sobre o qual os
homens têm de voltar o olhar, a fim de poderem ir à
frente em seu agir, de poderem conquistar seu
futuro.”
Jörn Rüsen
A formação dos professores segue, ao longo do tempo, movimentos imbricados na
relação educação – sociedade, a partir de funções que são esperadas da escola, em diferentes
momentos históricos, face à pressão de forças sociais, econômicas e políticas.
De acordo com Aranha (1996) e Cambi (1999), a escola, como se conhece hoje, é
produto de transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas durante os séculos XVIII e
XIX. Pode-se citar algumas dessas transformações: a laicização dos indivíduos e das classes
sociais, a difusão de idéias (expansão da alfabetização e difusão do livro), a expansão das
indústrias, o início do capitalismo e a construção de um mercado mundial. Nesse período, a
sociedade reconheceu a necessidade de manter uma instituição para transmitir saberes que
preparassem o indivíduo para a vida em sociedade e que desenvolvessem suas habilidades
pessoais e a partir daí, reestruturou e atualizou a organização escolar, a fim de torná-la funcional
para o desenvolvimento da nova sociedade industrial. É nesse contexto que ao longo da história, a
15
escola, como instituição social, foi assumindo diversas funções, sempre de acordo com a
realidade e objetivos da sociedade na qual se insere.
É nesse sentido que este capítulo procura demonstrar que as principais concepções de
formação docente estiveram e estão em consonância com as funções que a escola assumiu no
decorrer da história da educação brasileira. Apesar de não pretender aprofundar análises dos
aspectos históricos e da relação educação - sociedade, essa perspectiva apresenta-se como um
importante recurso de compreensão dos caminhos seguidos pela formação de professores no
contexto brasileiro.
As primeiras escolas brasileiras foram fundadas pela Companhia de Jesus, a partir de
1549, ano em que o primeiro governador geral, Tomé de Souza, chega ao Brasil acompanhado
por diversos jesuítas chefiados pelo Padre Manuel da Nóbrega. Com a intenção de aumentar o
número de adeptos à fé católica e, atender aos interesses dos colonizadores, os jesuítas
promoveram uma ação maciça de catequese dos índios e educação dos filhos dos colonos. A
função da escola, nesse período, foi a de domesticar os índios, ensiná-los a ler e a escrever a
língua dos colonizadores, formar novos sacerdotes e compor a elite intelectual da colônia, além
de controlar a fé e a moral dos habitantes da nova terra. (ARANHA, 1996; LIMA, [19--];
WEREBE, 1994).
Conforme Lima ([19--]), a missão religiosa dos jesuítas acabou por substituir um órgão
governamental de promoção da educação, de modo que o que se fez foi subvencionar o setor
privado, em vez de fortalecer o Poder Público para assumir a responsabilidade pela educação do
povo. O tipo de sistema escolar implantado pelos jesuítas não serviu à educação popular,
desviando-se para atender os filhos dos donatários, sesmeiros e burocratas, a fim de prepará-los
para exercer a hegemonia cultural e política. Tal dualidade na educação é um problema que
acompanha os brasileiros até os dias de hoje.
16
Portanto, desde seus primórdios, a ação docente no Brasil reproduzia o pensamento
religioso medieval ocidental, fundado pelo cristianismo. Seguidores da Ratium Studiorum
1
, os
jesuítas legaram um ensino de caráter verbalista, retórico, conservador, repetitivo e memorístico
que ainda perdura na educação brasileira.
A Ratium Studiorum, resultante da orientação dos jesuítas para a formação dos docentes
das escolas por eles implantadas, foi a primeira diretriz para a atuação dos professores que se tem
registro no Brasil. Era composta por diversas regras e orientações que deveriam ser seguidas
rigorosamente pelo professor, tais como:
Fim. - Como as artes e as ciências da natureza preparam a inteligência para a
teologia e contribuem para a sua perfeita compreensão e aplicação prática e por
si mesmas concorrem para o mesmo fim, o professor, procurando sinceramente
em todas as cousas a honra e a glória de Deus, trate-as com a diligência devida,
de modo que prepare os seus alunos, sobretudo os nossos, para a teologia e
acima de tudo os estimule ao conhecimento do Criador. [...]
Autores infensos ao Cristianismo. - Sem muito critério não leia nem cite na aula
os intérpretes de Aristóteles infensos ao Cristianismo; e procure que os alunos
não lhes cobrem afeição. [...]
Repetição na aula. - No fim da aula, alguns alunos, cerca de dez, repitam entre si
por meia hora o que ouviram e um dos condiscípulos, da Companhia, se
possível, presida à decúria.
Disputas mensais. – Cada mês haja uma disputa na qual arguam não menos de
três, de manhã, e outros tantos, de tarde; o primeiro, durante uma hora, os outros,
durante três quartos de hora. [...]
Rigor na forma da disputa. – Desde o início da lógica se exercitem os alunos de
modo que de nada se envergonhem tanto na disputa como de se apartar do rigor
da forma; e cousa alguma deles exija o professor com mais severidade do que a
observância das leis e ordem da argumentação [...] (FRANCA apud GADOTTI,
2002, p. 73-75).
1
Ratium Studiorum, promulgada em 1599, representava a pedagogia jesuítica. Era o plano de estudos, de métodos e
a base filosófica dos jesuítas. Baseava-se na cultura e ideologia ocidental.
17
Através dos elementos de seu conteúdo, percebe-se que a Ratium Studiorum constituiu-se
um instrumental, pelo qual os jesuítas davam conta de cumprir com a função social
domesticadora que a colônia delegava à escola: catequizar os índios e controlar a fé e a moral dos
novos habitantes da terra, ao mesmo tempo em que preparava as elites diferenciadamente.
Após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, a educação passou a
ser responsabilidade do Império. O magistério, contudo, já carregava as marcas da catequese e
do sacerdócio, e a escola, impregnada da pedagogia jesuítica, privilegiava uma educação elitista
omitindo-se de uma educação popular emancipadora.
O primeiro curso oficial de formação de professores no Brasil ocorreu em 1835, com a
fundação da primeira Escola Normal de caráter público, em Niterói, no Rio de Janeiro.
(WEREBE, 1994). Mas Passos (1995) enfatiza que, à medida que eram criadas, as primeiras
escolas normais brasileiras fechavam devido ao pequeno número de alunos e à falta de condições
mínimas de funcionamento. Foi em 1882 que as escolas normais começaram a existir
efetivamente, alcançando um certo desenvolvimento no período republicano.
Conforme Saviani (2000, p. 6), a organização da escola tradicional inspirou-se no
princípio de que educação é direito de todos e dever do Estado. Esse princípio decorria do
interesse da burguesia que se consolidava no poder e que pretendia construir uma sociedade
democrática (a democracia burguesa) que, para tanto, necessitava de uma população
suficientemente esclarecida. Emergiu daí, a escola como instrumento principal para “converter os
súditos em cidadãos”.
Na pedagogia tradicional, a função da escola de transmitir saberes eruditos, acumulados
no decorrer da história da humanidade e sistematizados pela ciência, supõe uma perspectiva em
que o professor é o único detentor do saber de determinada área do conhecimento, devendo
transmitir, por meio de exposições, as verdades científicas, posicionando-se como o centro do
18
processo educativo. Os professores aprendiam, em seus cursos de formação, que os alunos apenas
deveriam assimilar passivamente todas as informações transmitidas e que a aprendizagem
dependeria do esforço isolado e próprio de cada aluno.
A partir da primeira Constituição Republicana
2
, a Escola Normal passou à
responsabilidade dos Estados e, como salienta Werebe (1994, p. 42) “seu status continua mal
definido: não é uma escola secundária, nem tampouco uma escola profissional, mas uma escola
de ensino geral que, não obstante, conduz ao exercício do magistério.”
No início do século XX, inúmeros debates em torno da educação ocorreram em todo o
mundo. Percebia-se que a escola não cumpria o papel de universalizar o ensino e promover a
equalização social. Concluiu-se, então, que o motivo estava associado ao tipo de escola baseado
na pedagogia tradicional. Originou-se daí, uma outra proposta de escola, fundada numa nova
teoria da educação. Objetivou-se superar a pedagogia tradicional vigente, com o movimento
denominado de Escola Nova.
Saviani (2000, p. 9) afirma que o ideário da Escola Nova partiu dos princípios da
pedagogia tradicional, mantendo a crença na função de equalização social da escola, mas
deslocando o eixo do “intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; do
professor para o aluno; do esforço para o interesse; da quantidade para a qualidade [...]”. Essa
mudança de enfoque também norteou os princípios da formação docente.
2
Constituição Federal do Brasil de 1891.
19
A partir da perspectiva escolanovista, o aluno passou a ser o centro do processo ensino-
aprendizagem, entendido como ser ativo e curioso. Mais importante era ensiná-lo a aprender a
aprender. A função do professor passou a ser orientar, organizar e propiciar situações de
aprendizagem, de acordo com as características de cada aluno, para que ele pudesse buscar, por
si, conhecimentos e experiências.
A tendência escolanovista teve seu apogeu no Brasil na década de 30, por meio de um
grupo de educadores liderados por Fernando de Azevedo, entre eles Anísio Teixeira e Lourenço
Filho, todos participantes ativos da Associação Brasileira de Educação - ABE.
Em 1932, foi apresentado no Rio de Janeiro e em São Paulo, sob a luz da Escola Nova, o
Manifesto dos Pioneiros, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por mais vinte e cinco
educadores brasileiros. Esse documento teve grande relevância para a história educacional
brasileira, pois desencadeou um movimento em prol da reconstrução e reformulação da educação
pública nacional, que sofria da “falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos
graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo”. (AZEVEDO,1958, p. 71). Como
proposta, o Manifesto abordava a necessidade de uma política educacional para o país, bem como
de a educação nacional caracterizar-se como pública, única, laica, gratuita e obrigatória. Sugeria-
se:
A organização da educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura
do ensino secundário, do técnico e do profissional, a criação de universidades e
de institutos de alta cultura, para o desenvolvimento dos estudos desinteressados
e da pesquisa científica.
(AZEVEDO, 1963, p. 667).
O Manifesto postulava que os professores de todos os níveis de ensino deveriam efetivar
uma preparação geral nos estabelecimentos de ensino secundários, no entanto, deveriam ter sua
20
formação pedagógica, em cursos universitários, em faculdades ou escolas normais elevadas em
nível superior e incorporadas às universidades. Nesse contexto,
A formação universitária dos professôres não é sòmente uma necessidade da
função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a
cultura, e abrindo-lhes a vida sôbre todos os horizontes, estabelecer, entre todos,
para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida
sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e ideais
3
.
(AZEVEDO, 1958, p. 77).
Apesar da proposta inovadora, o tipo de escola implantado no movimento da Escola
Nova não conseguiu operar significativas mudanças no sistema educacional e nem amenizou as
desigualdades sociais como pretendia. Na análise de Saviani (2000), as conseqüências foram
mais negativas do que positivas: ao despreocupar-se com a disciplina e com a transmissão de
conhecimentos, acentuou a diferença entre educação popular e educação da elite dominante. Para
ele, houve um rebaixamento do nível do ensino destinado às camadas populares e um
aprimoramento da qualidade do ensino destinado às elites.
Numa tentativa de remediar o quadro, radicalizou-se ainda mais, na formação de
professores, a preocupação com os métodos pedagógicos, o que levou à busca pela eficiência
instrumental na formação docente através da pedagogia tecnicista.
No Brasil, o tipo de escola proposto pela pedagogia tecnicista foi assumido no final da
década de 1960, após o golpe militar de 1964, já que correspondia à orientação econômica,
política e ideológica do regime militar vigente.
De acordo com Aranha (1996), para a implantação do projeto educacional, o governo
militar fez diversos acordos, que só se tornaram públicos em 1966. Foram os acordos MEC-
USAID (Ministério da Educação e Cultura – United States Agency for International
3
Foi mantida a ortografia original da obra.
21
Development), mediante os quais o Brasil conseguiu recursos financeiros e assistência técnica
para a execução da reforma da educação brasileira. Nesses acordos, o Brasil atrelava seu sistema
educacional ao modelo econômico imposto pela política norte-americana para a América Latina,
visando impulsionar a industrialização e atender aos interesses do capitalismo.
Já que, para desenvolver o país, os militares privilegiaram o caminho técnico do capital,
visando desenvolver cidades, indústrias e a economia nacional, um dos principais objetivos da
escola passou a ser o de proporcionar habilitação de mão-de-obra para o mercado de trabalho.
Daí porque as propostas de formação de professores interessavam-se em racionalizar o ensino,
pelo uso de meios e técnicas consideradas mais eficazes para a aprendizagem.
A principal função da escola deixa de lado a transmissão de saberes como fazia na
pedagogia tradicional ou a inserção e aceitação do indivíduo na sociedade, como fazia na
pedagogia nova. À escola interessa, nesse novo momento, educar um indivíduo para que seja
competente, eficiente e produtivo para a sociedade.
Os currículos e planejamentos educacionais, nesse contexto, passaram a organizar-se
mediante recursos audiovisuais, textos programados e livros didáticos, minimizando as
possibilidades de debates ou questionamentos críticos. Sob essa perspectiva foi promulgada a Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) 5692/71, que transformou o antigo Curso Normal em habilitação
para o Magistério, que passou a fazer parte do conjunto de cursos profissionalizantes de 2º grau.
A objetivação, a mecanização e a maximização de resultados que eram os propósitos do
trabalho fabril também eram perseguidos no processo educativo. Daí ocorreu que os cursos de
formação de professores foram marcados fortemente pelas concepções de treinamento,
capacitação ou reciclagem. Marin (1995) ao realizar uma análise desses termos, mostra que o
treinamento na formação de professores significou modelação do comportamento dos professores
para que adquirissem habilidades e destrezas para realizar a prática educativa. A idéia de
22
reciclagem, por sua vez, levou à implementação de cursos rápidos e descontextualizados,
abordando o ensino de forma superficial, enquanto o termo capacitação sugere a inculcação de
idéias, processos e atitudes como verdades a serem simplesmente aceitas pelos professores.
Percebe-se que essas concepções visavam à aplicação de técnicas e à operacionalização de
objetivos, como se o ensino e a formação de professores se resumissem apenas à prática de
resolução de problemas instrumentais.
Esse modelo de formação foi denominado por Schön
4
(1983) racionalidade técnica,
como hoje ainda é reconhecido. Para Pérez Gómez (1995, p. 96), a racionalidade técnica é “uma
concepção epistemológica da prática, herdada do positivismo, que prevaleceu ao longo de todo o
século XX, servindo de referência para a educação e socialização dos profissionais em geral e dos
docentes em particular.” De acordo com a racionalidade técnica, o professor deve utilizar
rigorosamente os conhecimentos teóricos e instrumentais procedentes da pesquisa científica,
aplicando-os à prática, para atingir objetivos educativos pré-determinados e solucionar problemas
imediatos. Há nessa concepção, portanto, uma forte separação entre teoria e prática.
A prática na sala de aula e na escola, na perspectiva da racionalidade técnica, é apenas
um campo de aplicação da teoria, ou seja, “a prática converte-se num processo de treino para
utilizar o método científico (investigação) na resolução de novos problemas e no alargamento do
conhecimento profissional.” (PÉREZ GÓMEZ, 1995, p. 109). Por isso, os estágios nas matrizes
curriculares dos cursos de licenciatura estavam (e ainda estão, em algumas instituições)
programados para o final do curso, supondo-se que o aluno-mestre vá aplicar, a posteriori, os
conhecimentos teóricos e científicos adquiridos nos primeiros anos da formação.
4
Este autor, em sua primeira obra a respeito do assunto (1983), não se refere propriamente a racionalidade técnica ou
à reflexão que será tratada mais adiante, no exercício docente, mas aos profissionais em geral. Porém, tal foi a
pertinência de sua teoria para a formação de professores, que Schön (1995, 1998) escreveu e participou da
publicação de outras obras específicas sobre a prática docente.
23
Contreras (2002, p. 105) é um importante autor que realiza a crítica da racionalidade
técnica, fazendo ver que como concepção de formação de professores, é reveladora de “sua
incapacidade para resolver e tratar tudo o que é imprevisível, tudo o que não pode ser
interpretado como um processo de decisão e atuação regulado segundo um sistema de raciocínio
infalível, a partir de um conjunto de premissas”.
As três grandes facetas assumidas ao longo da história pela escola brasileira
(Tradicional, Nova e Tecnicista) retratam concepções conservadoras sobre o papel da educação, à
medida que advogam que a sociedade não precisa ser alterada, que o papel da educação não é o
de transformação da sociedade, mas o de sua conservação e reprodução através da adaptação dos
indivíduos à vida social. O professor, nesse contexto, é um instrumento da reprodução social,
cuja autonomia é sufocada e desconsiderada.
Ao final da década de 70 e meados da década de 80, a educação brasileira foi
influenciada por novas tendências que emergiram no final da Ditadura Militar, mais precisamente
durante a lenta abertura política que se deu no país. Nesse processo, surgiram críticas mais
acentuadas à educação e à escola conservadoras pelas teorias crítico-reprodutivistas, que
apontavam o papel da educação de reproduzir a ideologia da classe social dominante, atendendo
aos interesses da elite capitalista.
Essas teorias, embora não revelassem uma proposta pedagógica, empenharam-se em
explicar a estrutura e a organização da escola como está instituída, determinada socialmente pela
classe dominante. As principais teorias crítico-reprodutivistas são: Teoria da Escola como
Aparelho Ideológico do Estado, desenvolvida por Althusser; a Teoria da Escola como Violência
Simbólica, elaborada por Bourdieu e Passeron e a Teoria da Escola Dualista elaborada por
Baudelot e Establet (SAVIANI, 2000).
24
No conjunto, estas teorias mostram que a escola contribuiu significativamente para a
reprodução da sociedade dividida em classes e para a manutenção do modo de produção
capitalista. O professor, nesse contexto reprodutivo, é formado para ser instrumento da
reprodução e da conservação da sociedade. A autonomia docente, entendida como capacidade
crítico-analítica, praticamente inexiste ou é sufocada.
Se a escola, como foi explicitado no início deste capítulo, foi criada pela sociedade, para
atender seus interesses, poderia ter outra função, que não a de reproduzir essa sociedade? Se a
evolução da sociedade e do sistema escolar for estudada de forma linear, realmente a escola não
poderia participar de um processo de transformação social.
Acredita-se, porém, que a relação escola - sociedade não é linear nem estática e que o
processo de humanização, ao reconhecer que indivíduos dominados não são plenamente
constituídos pelo capital, supõe considerá-los como sujeitos históricos, cujas vidas, em vários
aspectos ultrapassam os ditames da ideologia capitalista. Nessa perspectiva, a escola passa a ser
um possível espaço de transformação social, para uma ação revolucionária, como propõem Freire
(2001), Gadotti (1998) e Saviani (2000).
No Brasil, a perspectiva da escola transformadora nasceu da organização de movimentos
de educadores
5
e da discussão sobre a formação dos professores. Esse ideal tomou corpo em meio
a muitas greves dos educadores e amplos debates sobre educação e reformas curriculares.
A mobilização dos profissionais da educação, intensificada em fins da década de 70,
atingiu maior visibilidade pública nos anos 80, tanto no que se referiu às lutas salariais e por
melhores condições de trabalho, quanto no que se referiu à melhoria da educação e da formação
5
Entre os principais movimentos, associações científicas e sindicais, pode-se destacar a Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd), a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
(ANDES), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e
eventos de grande porte como as Conferências Brasileiras de Educação (CBE). Ver Shiroma et al. (2002).
25
profissional. Nesse contexto, conquistaram seu espaço as chamadas teorias críticas
6
da educação.
Enquanto as teorias crítico-reprodutivistas apontavam que a escola era determinada pela
sociedade e que correspondia aos interesses da classe dominante, esse novo grupo de teorias
busca meios para reverter esse quadro de dominação.
As teorias críticas concebem que a escola somente deixará de ser um meio estratégico de
legitimação da classe dominante, quando oportunizar o acesso à classe popular ao saber
sistematizado, científico e socialmente elaborado, decorrente de uma trajetória histórica.
Para as teorias críticas, os pontos de partida e de chegada da educação e do ensino
devem centrar-se na prática social. Professor e aluno são considerados agentes sociais e históricos
e, como tais, devem buscar soluções para os problemas detectados em sua realidade pela
problematização e pela apropriação do conhecimento e da cultura na escola.
Para Freire (2001, p. 32), a educação bancária e conservadora deve ser substituída por
uma educação problematizadora, capaz de inserir o homem criticamente no mundo social. A
educação deve fazer da “opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que
resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e
refará.”
A conscientização, talvez, possa ser considerada a palavra-chave dessa tendência que
supõe que a classe dominada somente deixará de ser oprimida se tomar consciência crítica de sua
própria condição de classe e de sua realidade. A partir de então, é possível uma ação
transformadora para a construção de uma sociedade mais justa.
Nas teorias críticas, a formação do professor privilegia dois aspectos básicos: o caráter
político da prática pedagógica e o compromisso com a educação das classes populares. Tal
6
Entre os principais representantes no Brasil estão: Dermeval Saviani, Paulo Freire, Moacir Gadotti, Carlos Roberto
Jamil Cury, José Carlos Libâneo.
26
mudança de enfoque na formação de professores expressou o movimento da sociedade brasileira
de superação do autoritarismo implantado a partir de 1964 e a busca de caminhos de
redemocratização. Correspondente a esse fato, novas orientações filosóficas e sociológicas na
pedagogia influenciam os cursos de formação docente, que passa a buscar algo além dos métodos
e das técnicas ao procurar discutir as relações escola-sociedade, ensino-pesquisa, professor-aluno,
teoria-prática, entre outras.
No plano internacional, em oposição ao modelo da racionalidade técnica, disseminou-se
o modelo da racionalidade prática, para o qual o professor é um prático reflexivo, cuja atividade
deve consistir em pesquisa e reflexão da própria prática pedagógica, a fim de compreendê-la e
reconstruí-la continuamente, à medida que busca soluções para as situações problemáticas de um
complexo cotidiano escolar. Conforme Pérez Gómez (1995, p. 102), o modelo da racionalidade
prática partiu
da análise das práticas dos professores quando enfrentam problemas complexos
da vida escolar, para a compreensão do modo como utilizam o conhecimento
científico, como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e
modificam rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam
técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e inventam
procedimentos e recursos.
O modelo da racionalidade prática tem como teórico precursor Schön
7
, que retomou o
tema da reflexão como inerente às atividades de qualquer profissional. O autor, que obteve as
raízes de sua teoria nos estudos de Dewey
8
, propõe que, pela reflexão, teoria e prática apareçam
7
A teoria de Schön foi difundida no Brasil no início da década de 90, após a participação de um grupo significativo
de educadores brasileiros no I Congresso sobre Formação de Professores nos Países de Língua e Expressão
Portuguesas, realizado em Aveiro, no ano de 1993, e pela divulgação da obra de Nóvoa (1995a). Reformas
educacionais ocorridas em inúmeros países nessa época, inclusive no Brasil, tiveram como norteadora a teoria da
racionalidade prática. (PIMENTA, 2002).
8
Para Dewey (1959, p. 13) a melhor maneira de pensar é o pensamento reflexivo, que significa “a espécie de
pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva.”
27
inter-relacionadas. Schön (1995, 1998) dividiu a prática reflexiva em três componentes básicos: o
conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação.
O conhecimento na ação pode ser entendido como aquela ação que realizamos quase
instantânea e espontaneamente diante de uma determinada situação, utilizando-nos de
conhecimentos já adquiridos. Caracteriza-se pelo saber fazer, ou seja, é um conhecimento que se
demonstra na execução da ação e não implica, necessariamente, uma verbalização. É tácito.
A reflexão na ação supõe pensar no que fazemos, ao mesmo tempo em que atuamos. A
reflexão ocorre concomitantemente à ação. Na análise de Pérez Gómez (1995, p. 104): “é um
processo de reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requeridos pela análise
racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e
com a grandeza da improvisação e criação.”
A reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação refere-se à análise que o professor faz
posteriormente a sua ação. O professor distancia-se de sua ação e avalia minuciosa e criticamente
as características e efeitos de sua própria prática, percebendo as ações que deve reformular ou
permanecer. O saber produzido a partir da reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação exige
o uso de uma explicação, de uma descrição.
Pérez Gómez (1995, p. 105) diz que, na reflexão sobre a ação, “o profissional prático,
liberto dos condicionamentos da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceptuais e as
estratégias de análise no sentido da compreensão e da reconstrução da sua prática.
9
Ao lado dessas reflexões, a década de 90 caracterizou-se por uma enorme desvalorização
do profissional do magistério, principalmente em função de salários muito baixos e pela
conseqüente luta dos profissionais da educação por melhores condições de trabalho.
9
A tradução é lusitana.
28
Em resposta a essas lutas, princípios para a valorização do magistério foram pauta da
Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na Tailândia em 1990, convocada pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das
Nações Unidas para a Infância e Adolescência (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial. Foi consenso entre os presentes nessa Conferência
que um dos elementos decisivos no sentido de se implementar a educação para todos era o
professor. Um dos compromissos internacionais firmados, inclusive pelo Brasil, voltou-se para a
melhoria urgente das condições de trabalho e da situação social docente.
Entretanto, no mesmo momento, há a crescente disseminação do modelo neoliberal na
sociedade, acompanhado da globalização e da evolução tecnológica. Esse modelo tem como
máxima principal “menos Estado e mais mercado”. Conforme Azevedo (1997, p. 15), o
neoliberalismo apregoa que os “poderes públicos devem transferir ou dividir suas
responsabilidades administrativas com o setor privado, um meio de estimular a competição e o
aquecimento do mercado, mantendo-se o padrão de qualidade na oferta dos serviços.”
A função da escola, nesse contexto, direciona-se para o preparo dos indivíduos para as
exigências científico-tecnológicas do novo século, defendendo como necessário o
desenvolvimento de habilidades e competências adequadas dos indivíduos às constantes e
contínuas necessidades geradas pelo capital.
Na formação de professores, iniciou-se um processo sustentado na idéia de que a
formação inicial é importante, mas não é a única instância de formação, pois assim como a
sociedade está em constante evolução, o professor também deve estar. Emergiu desse contexto a
expressão “formação continuada”
10
, para designar as atividades de formação realizadas em
10
Autores como Candau (1997), Libâneo (2001), Marin (2000), Nascimento (1997), Rodrigues e Esteves (1993)
escrevem com autoridade sobre esta expressão.
29
congressos, eventos, cursos, após a formação inicial do professor. Utilizando-se das palavras de
Nascimento (1997, p. 70), a formação continuada compreende
toda e qualquer atividade de formação do professor que está atuando nos
estabelecimentos de ensino, posterior à sua formação inicial, incluindo-se aí os
diversos cursos de especialização e extensão oferecidos pelas instituições de
ensino superior e todas as atividades de formação propostas pelos diferentes
sistemas de ensino.
Paralelamente a tais inovações, vários estudiosos nacionais, como Geraldi (1998) e
Pimenta (2002) e internacionais, como Contreras (2002), Giroux (1997) e Zeichner (1993),
inspirados nas teorias críticas da educação, perceberam e apontaram limites da teoria de Schön
no contexto da educação, avançando a respeito, ao proporem novos enfoques sobre a função da
escola, o papel do professor e sua formação.
O pesquisador americano Zeichner, desde a década de 70, centrou suas pesquisas na
maneira como os professores aprendem a ensinar e em como auxiliá-los nesse processo. Para ele,
assim como para Schön, a reflexão do professor deve partir de sua própria experiência e não se
descarta o auxílio das teorias científicas. Mas há, ainda, um diferencial de concepção, pois
enquanto Schön considerava que a prática reflexiva poderia ser feita individualmente, Zeichner
(1993) postula que ela deve ser realizada em diálogo com outros professores, discutindo suas
aflições e analisando sua prática, pois, para ele, a individualidade limita muito as possibilidades
de crescimento do professor.
Ao delinear a sua concepção, Zeichner (1993) apresentou três características da prática
reflexiva.
A primeira delas é a de que a atenção do professor, além de estar voltada para sua
própria prática, deve perceber o contexto no qual ela se situa. Disso deriva que o professor deve
30
estar atento às questões sociais que circundam seus alunos, sua sala de aula, sua escola, mantendo
um contato constante com a comunidade.
A segunda característica de prática reflexiva é a tendência democrática e emancipatória,
que reconhece o caráter político da ação docente, pois “a reflexão dos professores não pode
ignorar questões como a natureza da escolaridade e do trabalho docente ou as relações entre raça
e classe social, por um lado, e o acesso ao saber escolar e o sucesso escolar, por outro.”
(ZEICHNER, 1993, p. 26).
A terceira característica é o compromisso com a reflexão, como prática social. Sugere
que sejam organizadas, nas escolas, “comunidades de aprendizagem”, nas quais o professor tenha
a oportunidade de trocar idéias, socializar suas reflexões e problematizar suas experiências,
podendo um professor apoiar e sustentar o crescimento do outro, caracterizando, portanto, o
trabalho docente como trabalho coletivo.
Giroux espelha-se no conceito de intelectual orgânico de Gramsci para a sua concepção
de professores como intelectuais críticos e transformadores. Gramsci (1991) considera intelectual
qualquer indivíduo que possua uma qualificação técnica específica e que tenha a função de
organizar e dirigir sua classe social. Argumenta Giroux (1997, p. 161) que, ao se utilizar da
categoria de intelectual, pode-se repensar a natureza da atividade docente, à medida que
Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-se a atividade
docente como forma trabalho intelectual em contraste com sua definição em
termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os
tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores
funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel
que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses
políticos, econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles
endossadas e utilizadas.
31
Segundo Masson (2003, p. 44), na perspectiva de Giroux, “a reflexão amplia seu próprio
alcance, incluindo a compreensão dos efeitos que a estrutura institucional exerce sobre a maneira
pela qual os professores pensam sobre a própria prática, bem como o sentido social e político do
seu trabalho.”
Entende-se, assim, que para atingir o papel de intelectual crítico, o professor deve
analisar sistematicamente sua situação como profissional, os aspectos políticos, sociais, culturais
e econômicos que permeiam a escola e seus alunos, questionar seu próprio trabalho, suas
concepções de escola, currículo, ensino, metodologias e assumir a responsabilidade da produção
e utilização do conhecimento, firmando compromisso com a transformação do pensamento e da
prática dominantes.
O trabalho dos docentes como trabalho intelectual também significa, para Contreras
(2002, p. 157-158), um trabalho crítico. Trata-se de
desenvolver um conhecimento sobre o ensino que reconheça e questione sua
natureza socialmente construída e o modo pelo qual se relaciona com a ordem
social, bem como analisar as possibilidades transformadoras implícitas no
contexto social das aulas e do ensino.
Se Giroux (1997) postula que o professor tem um papel decisivo na construção de uma
sociedade justa, democrática e na formação de cidadãos ativos e críticos guiados pelos princípios
da solidariedade e da esperança, isso implica que deva conhecer os valores e ideologias
subjacentes aos documentos oficiais e legais e às políticas que direcionam todo o trabalho
educativo, passando a lutar por sua participação neles.
Assim, essa responsabilidade dos professores para com os estudantes e a sociedade exige
que o professor não assuma uma postura neutra diante de sua função educativa e social, e sim
posicionada e politizada. Isso vem ao encontro da definição do professor como intelectual,
32
transformador e crítico, tal como defende Contreras (2002), ligando-a à idéia de autoridade
emancipadora. Nesse sentido, o professor tem a obrigação de problematizar o contexto que
envolve as práticas sociais e acadêmicas, primando por princípios de liberdade, justiça social e
democracia. Há um compromisso com a contestação popular ativa, considerando todos os grupos
e setores da comunidade relacionados com os problemas educacionais.
Portanto, de mero transmissor de conhecimentos, neutro, preocupado apenas com o seu
aprimoramento técnico, o professor passa a agente político, sujeito ativo, autônomo,
comprometido com a transformação social das camadas populares. Como um profissional crítico-
reflexivo, que pensa sobre a sua ação, inserido no coletivo escolar, na sociedade que se tem e cuja
atividade se alia à pesquisa.
Assim, se é evidente que existe uma estreita relação entre a escola e a sociedade e que o
sistema escolar é um subsistema da sociedade e que é também um espaço de luta social - em que,
em um extremo está a escola com um papel conservador e, no outro extremo, está a escola com
um papel transformador, em que a educação é prática social libertadora - cabe questionar: e o
professor, para quem trabalha? Em que extremo se encontra? E, ainda, ele reconhece esses
extremos?
Percebe-se que a formação, a construção e a percepção da atuação profissional do
professor ora é essencialmente reprodutora e ora é extremamente crítica. De uma parte a
formação exige do professor técnica e competência, de outra parte exige consciência e
criticidade. Acredita-se, assim, que é no espaço dessas contradições que o sujeito vai-se
constituindo professor. Suas escolhas, seu contexto de vida, como chega ou não a uma condição
de autonomia para pensar, decidir e agir estão diretamente relacionados a um processo de
desenvolvimento que ocorre durante toda a trajetória de vida do professor. É um processo em que
33
cada pessoa, cada profissional, ao longo de sua história, forma-se e transforma-se em interação
social.
Por isso, a constituição profissional e a autonomia vão além dos cursos que têm a
intencionalidade de formar o professor. Abrange também as iniciativas das comunidades em que
se inserem os professores, a vida familiar, a subjetividade do professor, as condições sociais,
culturais e econômicas que se relacionam com o trabalho docente. Compreende, por isso, tanto a
formação inicial como as inúmeras oportunidades e não-oportunidades de aperfeiçoamento
profissional, seja pela dimensão de qualificação por meio de cursos, pela dimensão do exercício
profissional na escola ou pela dimensão da própria vida dos professores.
Desse modo, é importante neste trabalho tomar as noções de constituição e autonomia
como elementos essenciais da formação de professores, buscando perceber o professor como um
todo, considerando-o em seus múltiplos aspectos, tais como os cognitivos, os afetivos, os
socioeconômicos e considerando, ao mesmo tempo, tanto a validade dos espaços formais, quanto
dos informais no seu processo constitutivo.
CAPÍTULO II
CONSTITUIÇÃO E AUTONOMIA PROFISSIONAL DOCENTE
“Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos
poucos, na prática social de que tomamos parte.”
Paulo Freire
No capítulo anterior foram apresentadas algumas concepções de formação de
professores, que tomam direções distintas conforme as funções que a escola desempenha durante
a história da educação brasileira, considerando-se as relações entre educação e sociedade. Pôde-
se perceber que cada modelo ou concepção de formação entende de modo peculiar as funções que
devem ser desempenhadas pelo professor na escola e na sociedade, assim como as finalidades e
as exigências da prática educativa, influenciando o processo de constituição e autonomia
profissional dos professores.
Assim, quando se trata do processo de constituição dos professores, é impossível não
pensar na situação destes como profissionais. Todavia, as referências aqui feitas ao profissional
não pretendem adentrar na ampla discussão sobre profissionalização, profissionalidade, suas
características e conceitos afins
11
, pois, conceber o professor como um profissional,
semiprofissional ou proletário é uma polêmica antiga e está longe de alcançar um consenso entre
11
De acordo com Imbernón (2002), a profissionalidade engloba as características e capacidades específicas da
profissão e profissionalização é o processo socializador de aquisição de tais características.
35
os estudiosos da questão, tendo em vista que qualquer conceito não é ingênuo e depende do
contexto e da ideologia em que ele é produzido.
É importante, contudo, pontuar que autores como Contreras (2002) e Imbernón (2002)
escrevem a respeito, fazendo referência aos professores como semiprofissionais, “já que lhes falta
autonomia com relação ao Estado que fixa sua prática, carentes de um conhecimento próprio
especializado e sem uma organização exclusiva que regule o acesso e o código profissional.”
(CONTRERAS, 2002, p. 57).
De maneira diferente, Costa (1995), após analisar a questão do profissionalismo,
posiciona-se, considerando o professor como um profissional. A autora concorda que os
professores realmente estão vinculados ao Estado, que possuem independência e autonomia
limitadas, mas considera que elas existem e os docentes têm campo de atuação definido
socialmente, embora em processo de transformação. Ela justifica sua posição, utilizando-se do
conceito de profissão de Nóvoa (apud COSTA, 1995, p. 152), como um
Conjunto de interesses relativos ao exercício de uma atividade
institucionalizada, da qual o indivíduo retira seus meios de subsistência,
atividade que exige a posse de um corpo de savoir-faire e a adesão de condutas e
comportamentos, notadamente de ordem ética, definidos coletivamente e
reconhecidos socialmente.
Em um de seus artigos, García (1998, p. 63) retoma o tema em pesquisas realizadas
sobre o profissional professor. Para esse autor, uma das novidades mais significativas nos últimos
anos foi o início de pesquisas preocupadas em analisar, numa perspectiva mais global e sistêmica,
“os processos de mudança e inovação a partir de dimensões organizacionais, curriculares,
didáticas e profissionais.” É nesse contexto que emergiram estudos sobre a constituição
profissional docente.
36
Como tema de investigação, a constituição profissional docente engloba temáticas, tais
como: o pensamento do professor, o processo de aprendizagem dos professores como pessoas
adultas, teorias sobre o ciclo vital dos professores, processos de desenvolvimento profissional do
professor e outros.
Segundo Sadalla (2000), o criador da linha de investigações sobre o pensamento do
professor é o americano Lee Shulman, quando coordenou um painel apresentado no Congresso
do National Institute of Education, em 1975. O painel coordenado por Shulman intitulava-se “O
ensino como processamento de clínico de informação” e destinava-se a descrever a vida mental
do professor.
A partir de então, inúmeras pesquisas referentes ao pensamento do professor enfocam
teorias e crenças que fundamentam e norteiam o pensamento do professor e suas implicações
para a ação docente. (SADALLA, 2000).
Sobre o processo de aprendizagem adulta, Cavalcanti (2004) e García (1999) destacam a
teoria da “andragogia”, proposta pelo americano Malcom Kowles, a partir de 1970, que postula
uma arte e ciência de ajudar o adulto a aprender. Conforme esses autores, a andragogia de
Knowles baseia-se em cinco princípios, que podem ser aplicados ao processo de constituição
profissional docente.
O primeiro princípio explicita que o adulto, incluindo o professor, em seu processo
maturacional e de formação, evolui de um estado de dependência para um de independência e
autonomia. O segundo é de que o adulto acumula um amplo rol de experiências que servem de
substrato para sua aprendizagem. Como supõe a racionalidade prática, esse princípio assegura
que o professor gera conhecimento, a partir da reflexão sobre sua experiência.
O terceiro afirma que os interesses do adulto pelo aprendizado dependem de sua real
utilização em seu papel social, em sua profissão. A aprendizagem dos professores deve
37
considerar necessidades percebidas por eles mesmos. Esse princípio relaciona-se com o quarto,
que argumenta que os adultos professores esperam uma imediata aplicação do que aprendem,
minimizando sua atenção para conhecimentos a serem úteis futuramente. Assim, o professor
tende a voltar-se mais para a aprendizagem, a partir de problemas do que de conteúdos.
O último princípio é de que o adulto professor aprende mais por motivações e impulsos
internos do que por recompensas ou motivações externas.
Sobre o ciclo vital, as contribuições de Huberman (1995) são muito significativas. Esse
autor estudou o desenvolvimento da carreira docente, admitindo seis fases ou etapas, pelas quais,
independentemente da idade, passariam os professores. A primeira delas é a entrada na carreira
docente que vai, em geral, do primeiro ao terceiro ano de ensino. Nessa fase o professor toma os
contatos iniciais com a prática pedagógica e com o sistema educativo.
A segunda fase é a da estabilização, que compreende do quarto até o sexto ano de
docência, em que o professor está mais seguro tanto em suas decisões e seus objetivos, quanto em
seu local de trabalho. É o período, geralmente, da nomeação oficial e no qual adquire certa
estabilidade financeira. São freqüentes os sentimentos de crescente competência pedagógica que
cria a sensação de descontração, confiança e conforto.
A próxima etapa é a de diversificação, que ocorre entre sete e vinte e cinco anos de
carreira. Nesse período o professor se propõe a diversificar e até a “arriscar”, com certa
freqüência, novos usos de materiais didáticos, modos de avaliação, organização do trabalho na
sala de aula. Observa-se uma tentativa do professor de criar e enfrentar desafios para não cair na
rotina. O professor procura participar de associações da categoria, comissões de reformas
educacionais e até ocupar cargos administrativos. Nessa etapa também (correspondente à metade
da carreira), o docente passa a se questionar sobre a própria profissão. Para Huberman (1995, p.
43) ,
38
as pessoas examinam o que terão feito da sua vida, face aos objectivos e ideais
dos primeiros tempos, e em que encaram tanto a perspectiva de continuar o
mesmo percurso como a de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na
insegurança de outro percurso
12
.
Em seguida, vem a fase de serenidade e distanciamento afetivo, compreendida, em
geral, próximo a vinte e cinco e trinta anos de carreira. Trata-se “menos de uma fase distinta da
progressão na carreira do que de um estado ‘de alma’ [...]” (HUBERMAN, 1995, p. 43). Os
professores passam por um certo saudosismo da energia e do entusiasmo da juventude na
profissão. Em contrapartida, evocam uma grande serenidade em relação às suas atividades.
Demonstram maior tranqüilidade para resolver possíveis conflitos e menos preocupação em
melhorar sua prática. Ocorre um afastamento dos alunos. A relação professor/aluno passa a ser
mais distante, atribuindo-se isto à diferença de idade entre um e outro.
Na seqüência, é possível identificar que os docentes podem ficar menos acessíveis e
indispostos a mudanças. Essa fase é denominada por Huberman (1995) de conservantismo, que
corresponde a uma tendência que se verifica com a idade, no sentido de nostalgia do passado, de
maior rigidez e dogmatismo, para uma resistência mais firme às inovações.
E, finalmente, chega-se à fase de desinvestimento, ou seja, o final da carreira, a
aposentadoria. Em geral, dos 35 aos 40 anos de carreira é freqüente uma libertação progressiva
do investimento em tudo que diz respeito ao trabalho, uma maior consagração de tempo a
interesses exteriores à escola e a uma vida social de maior reflexão.
Huberman (1995) alerta que o desenvolvimento de uma carreira ou de uma vida é um
processo e não uma série de acontecimentos lineares e uniformes. Portanto, apesar de sua
pesquisa revelar uma seqüência normativa ou tendências centrais nos ciclos de vida docente, as
etapas apresentadas não são pré-determinadas. Ao contrário, são processos que diferem de
12
A tradução é lusitana.
39
professor para professor, devido a fatores maturacionais, sociais e históricos, que influenciam o
transcurso de uma carreira. O autor delineia a seguinte figura como resumo esquemático de sua
pesquisa:
Anos de carreira Fases/Etapas
1-3
4-6
Entrada, Tateamento
Estabilização. Consolidação de um repertório pedagógico
7-25 Diversificação. Ativismo Questionamento
25-35
35-40
Serenidade. Distanciamento afetivo Conservantismo
Desinvestimento
(sereno ou amargo)
Figura 1: Quadro síntese do ciclo de vida profissional docente de Huberman. Extraído de
Huberman (1995, p. 47).
Pode-se observar, na figura, que a carreira docente teria um ciclo comum até a fase de
estabilização. A partir de então, pode seguir rumos diversos, o que determinará se a carreira terá
um final harmonioso, sereno (trajetória do lado esquerdo da figura) ou amargurado (trajetória do
lado direito da figura).
A concepção que se refere à formação de professores que recentemente vem sendo
utilizada pela literatura internacional por autores como Bolívar (2002), García (1995, 1999),
Imbernón (2002), Nóvoa (1995ab), Ponte (1998), -Chaves (1997), e pela literatura nacional
como Chakur (2001), Leite (2000), Mizukami (2002), Mizukami e Monteiro (2002), Pimenta
(2002) e Silva (2000), fundamenta-se no conceito de desenvolvimento profissional.
40
Autores como Bolívar (2002), García (1995), Nóvoa (1995ab) e Ponte (1998) assinalam
que o desenvolvimento profissional pressupõe que a formação docente inicia na sua formação
como pessoa, como indivíduo, que permanece como um processo que se dá no decorrer de toda a
sua carreira.
A idéia de desenvolvimento profissional abrange um sentido mais amplo de formação
pois, incluindo cursos e congressos, também admite a participação do professor em atividades
como projetos, grupos de estudos, trocas de experiências, leituras, participações na sociedade,
inserções culturais e sociais do professor e suas reflexões, que podem estar restritas ou não ao
âmbito da escola ou do ensino superior.
Segundo Silva (2000, p. 11):
Considerando que o “desenvolvimento profissional” se estrutura não só no
domínio de conhecimentos sobre o ensino, mas também em atitudes do
professor, relações interpessoais, competências ligadas ao processo pedagógico
entre outras, os professores terão de mobilizar nas suas práticas não só
conhecimentos específicos das disciplinas que lecionam, mas um conjunto de
outras competências que concorrem para o sucesso dessas práticas e,
conseqüentemente para o seu desenvolvimento e realização profissional e
pessoal.
A partir desta concepção, buscando retratar o desenvolvimento profissional docente, o
americano Howey (1985)
13
identifica seis dimensões: desenvolvimento pedagógico,
conhecimento e compreensão de si mesmo, desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento
teórico, desenvolvimento profissional e desenvolvimento da carreira.
O desenvolvimento pedagógico enfoca o “ensino em áreas específicas do currículo, em
táticas instrucionais genéricas como aquelas relacionadas ao gerenciamento da sala de aula [...]
(HOWEY, 1985, p. 59). Refere-se a saber ensinar, ou seja, transpor seus conhecimentos
13
A tradução é livre.
41
científicos para a prática, de forma que seus alunos aprendam. Implica que o professor domine
processos didáticos e tecnologias educativas, relacionando-os com objetivos e propostas
curriculares. Nessa dimensão, o professor precisa conhecer bem o seu ambiente de trabalho, que
é a escola, e toda a comunidade na qual está inserida.
Tavares (1997), que prefere denominar essa dimensão de “competência pedagógica”,
afirma que é uma dimensão fundamental para todo profissional da educação, pelo papel
potenciador que tem em relação às demais, que terá de desenvolver no seu desempenho.
Quanto ao conhecimento e compreensão de si mesmo, é imprescindível ao professor
conhecer o desenvolvimento humano, especialmente que tenha uma imagem equilibrada de si
próprio e um sentimento de auto-realização. Essa dimensão está diretamente relacionada ao
autoconhecimento do professor como pessoa e como profissional e seu relacionamento com os
outros (alunos, pais, colegas de trabalho etc.). Inclui valores e atitudes do professor, sua
disposição em saber compartilhar experiências, comunicar-se sempre, buscando promover seu
desenvolvimento pessoal e profissional.
O desenvolvimento cognitivo refere-se à aquisição de conhecimentos e à capacidade
docente de aperfeiçoar estratégias de processamento de informação. Pode-se incluir, nesta
dimensão de Howey (1985), o que Tavares (1997) denomina de “competência científica” e que
Ponte (1998) designa de “formação científico-cultural”, que implica conhecer e dominar
teoricamente a área de conhecimento que leciona, relacionando-a com outras áreas. O professor
deve ter também uma visão global de sua cultura, estando a par dos acontecimentos e inovações
da sociedade e da educação do contexto no qual se situa.
A outra dimensão do desenvolvimento profissional do professor, proposta por Howey
(1985, p. 61), é o desenvolvimento teórico, que consiste em os professores esclarecerem e
sistematizarem suas percepções e atitudes, por meio da reflexão sobre as crenças que norteiam
42
sua prática em sala de aula. “A postura não-reflexiva, não-exploratória dos professores pode
contribuir para uma prática questionável e certamente contribui para a imagem prosaica
dominante dos professores.”
Na seqüência, Howey (1985) assinala a dimensão do desenvolvimento profissional do
professor, situando o aperfeiçoamento de base do conhecimento de sua profissão, mediante
investigação. Para Ponte (1998), ao realizar uma investigação gerada numa dificuldade concreta,
no âmbito da prática profissional, o professor pode melhorar suas condições de trabalho e
conseguir resultados mais relevantes.
A última dimensão apontada por Howey (1985) é o desenvolvimento da carreira. Para
ele, as carreiras de inúmeros docentes podem ganhar maior destaque de duas formas
fundamentais. Em primeiro lugar, pela adoção de papéis diferenciados, realísticos e
complementares pelos professores, especialmente, os do Ensino Fundamental. Em segundo, por
meio do desenvolvimento de habilidades e papéis de liderança, com uma hierarquia viável para
os professores, de forma que lhes permita manter responsabilidades com a educação.
Diante do exposto, percebe-se que Howey organiza uma tentativa de abordar o
desenvolvimento profissional do professor de uma forma abrangente, estabelecendo suas
dimensões. Contudo, esse autor desconsidera, em sua teoria, a dimensão política do
desenvolvimento profissional docente. Em nenhuma das dimensões elencadas menciona a
participação ativa do professor na sociedade, seja atuando em agremiações da categoria ou
refletindo sobre as finalidades educativas na relação educação – sociedade.
Entretanto, analisando a produção de Freire (1999, 2003), Freire e Horton (2003),
Giroux (1997) e Imbernón (2002), constata-se que a dimensão política possui extrema relevância
para o desenvolvimento profissional docente, pois é imprescindível que o professor compreenda
a estrutura e o funcionamento da sociedade e do sistema educativo do qual faz parte, quem são e
43
o que objetivam seus dirigentes e mantenedores. É preciso que o professor “seja capaz de,
estando no mundo, saber-se nele.” (FREIRE, 2003, p. 16).
Pela dimensão política, o professor compromete-se com a sociedade, com a sua
profissão e com a instituição em que trabalha. Comprometer-se, aqui, é no sentido que Freire
(2003, p. 18-19) denota:
Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização dos
homens, responsabilidade com estes, com a história. Este compromisso com a
humanização do homem, que implica uma responsabilidade histórica, não pode
realizar-se através do palavrório, nem de nenhuma outra forma de fuga do
mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos. [...]
Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experienciá-lo, num ato que
necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem
neutros.
Comprometer-se com a educação e politizar a atividade docente, significa, então, não
ser neutro, nem passivo, diante da sociedade e das ações políticas que a permeiam, fazendo
opções, definindo um posicionamento. Implica uma postura crítica, na qual o professor lute por
direitos, melhorias salariais, sociais e trabalhistas. Exige que o professor conheça a legislação
vigente e que seja capaz de fazer análises de cunho socioeconômico, de denunciar injustiças,
bem como reconheça sua função social, como profissional da educação, que não age de forma
ingênua, mas com segurança e consciência.
A dimensão política na constituição profissional do professor estabelece exigências, de
certa forma rigorosas, sobre a capacidade de tomada de decisão e de responsabilidades dos
professores. Portanto, implicitamente, encontra-se aí uma versão de autonomia profissional
docente.
Autonomia docente é um noção entendida neste trabalho, de acordo com os estudos de
Contreras (2002) e Giroux (1997), como uma emancipação pessoal, independência intelectual e
44
profissional da autoridade, do controle repressivo e ideológico, instituídos pelos órgãos
dominantes no poder, no exercício de sua profissão e de sua cidadania. Supõe, nesse sentido, que
o professor invista em seu próprio desenvolvimento profissional. Deve fazer valer nessa
autonomia a organização, planejamento e participação de atividades que contribuam para o seu
desenvolvimento profissional. Tal como entender que, conforme Ponte (1998, p. 10):
Investir na profissão, agir de modo responsável, definir metas para o seu
progresso, fazer balanços sobre o percurso realizado, reflectir com regularidade
sobre a sua prática, não fugir às questões incómodas mas enfrentá-las de frente,
são atitudes que importa valorizar
14
.
Segundo García (1999), é na aprendizagem autônoma que a aprendizagem do adulto
torna-se mais significativa. A aprendizagem autônoma consiste em o próprio docente se
responsabilizar por planejar, desenvolver e avaliar suas experiências de aprendizagem. Inclui
todas as atividades profissionais e de formação, nas quais o professor, individual ou
coletivamente, toma a iniciativa de promovê-las.
Mas importa perguntar: Onde, quando e como o professor adquire esse sentido de
responsabilidade e autonomia? Qual é o lugar da autonomia no seu processo de constituição
profissional?
Embora as abordagens e estudos apresentados até aqui considerem aspectos relevantes
para o processo de constituição e autonomia profissional docente, acredita-se que os estudos que
podem responder de forma mais completa às questões do processo de constituição profissional
docente e sua autonomia (questões centrais deste trabalho) estão inseridos numa abordagem
histórico-cultural.
14
A tradução é lusitana.
45
A abordagem histórico-cultural foi desenvolvida por um grupo de psicólogos soviéticos
liderado por Lev Semenovich Vigotski
15
. Tal é a amplitude e complexidade dos estudos de
Vigotski, que se pretende fazer referência apenas aos aspectos que se consideram centrais em sua
teoria e que correspondem ao interesse desse trabalho
16
.
Conforme Molon (2003) há um consenso entre os diversos autores que se dedicam a
analisar os estudos de Vigotski de que o princípio básico de sua teoria é que as formas superiores
de comportamento consciente do homem originam-se de sua vida em sociedade, nas relações
sociais que mantém com outros seres humanos.
Por essa razão, a abordagem histórico-cultural postula o homem como “um agregado de
relações sociais encarnadas num indivíduo.” (VIGOTSKI, 2000a, p. 33). Isto significa que o
homem se constitui como ser humano não pelas suas características elementares (naturais ou
biológicas) que herda de seus antepassados, mas nas relações que estabelece com a história social
dos homens. Pino (2000, p. 61) esclarece que o social ao qual se refere Vigotski, especificamente,
é o social humano, cuja emergência, com maior razão que a das formas animais
de sociabilidade, tem de ser explicada por princípios outros, e não os meramente
naturais ou biológicos. As formas humanas de organização social, em que a
sociabilidade natural se concretiza, são obra do homem e, como tal, obedecem a
leis históricas que determinam as condições concretas de sua produção. É o
caráter histórico dessa produção que define o social humano. (grifo do autor).
Da mesma forma, o professor constitui-se professor, não por vocação ou por herança,
mas nas relações que estabelece na dinâmica do seu meio social, em toda a sua história pessoal,
15
Vigotski baseia-se, especialmente, nas obras de Marx, Engels e Hegel (MOLON, 2003; PINO, 2003; ZANELLA,
2004)
16
Molon (2003) revela que a obra de Vigotski não trata de maneira explícita sobre a constituição do sujeito e
menciona alguns fatos que dificultam uma interpretação mais fidedigna e completa e um acesso mais direto aos
escritos de Vigotski. Entre outros, cita o fato de a obra do autor ser inacabada, devido à sua morte prematura e o
problema das traduções de seus escritos, originalmente versados em russo.
46
como, por exemplo, a sua vivência social geral e no seio familiar, no ambiente escolar ou no
exercício profissional.
Pino (2003) observa que para Vigotski o termo “história” tem dois significados
distintos, mas que são interdependentes: um significado geral e outro restrito. O primeiro, em
termos gerais, tem um sentido filogenético. Refere-se à história da espécie humana, do homem
como parte da natureza, de que herda suas características elementares. O segundo tem um
sentido ontogenético, pois se refere à história do próprio ser humano, como indivíduo singular,
cultural.
Sendo assim, pode-se afirmar que o desenvolvimento do homem é um desenvolvimento
histórico que é constituído por uma relação dialética entre a natureza e a cultura. A cultura como
a “totalidade das produções humanas portadoras de significação” (PINO, 2003, p. 45, grifo do
autor), torna-se parte da natureza humana num processo histórico, ao longo do desenvolvimento
da espécie e do indivíduo.
A relação entre o homem e a natureza, entre o homem e o outro, é sempre mediada por
produtos culturais humanos como os instrumentos e os signos, que conferem à atividade humana
seu caráter produtivo. Considera-se instrumento tudo o que se interpõe entre o homem e o
ambiente, ampliando e modificando seu modo de ação natural. Já o signo, é um instrumento
psicológico, é um meio criado pelo homem para representar, evocar a realidade material ou
imaterial. Para Vigotski (2000b, 1998) o sistema de signos mais importante para o homem é a
linguagem, que possibilita a comunicação social, o estabelecimento de significados
compartilhados por determinado grupo cultural, a percepção e interpretação dos objetos, fatos e
situações de sua realidade, a estruturação e organização do pensamento.
47
A apropriação
17
dos instrumentos e dos signos, enfim, da própria cultura pelo sujeito,
ocorre sempre na interação com outro sujeito. É na relação com o outro, mediada pelos signos,
que o homem apropria-se das significações
18
socialmente construídas. Assim, também, o
professor, em seu processo de constituição apropria-se da cultura da sociedade na qual vive e dos
conteúdos e significados inerentes a sua profissão por meio de outras pessoas e pares com os
quais se relaciona. Apropria-se, entre outros, de valores, de normas, das formas culturais de
pensar e agir, de se relacionar com os outros e com ele mesmo.
Sobre as significações, Pino (2000, p. 55) afirma que “é a significação que tem o poder
de converter o fato natural em fato cultural e, dessa maneira, permite a passagem do plano social
para o pessoal”, decorrente de um processo de internalização. No processo de internalização, o
indivíduo reconstrói internamente (processo intrapessoal) as atividades culturais com as quais
interagiu externamente (processo interpessoal). A internalização das relações sociais corresponde
ao processo que constitui as funções psicológicas superiores. Esse é o movimento que, para
Vigotski, caracteriza a constituição do sujeito.
Entende-se, assim como Cunha (2000, p. 139), que a internalização não é uma simples
transposição do externo para o interno, acredita-se que a
17
Smolka (2000, p. 37) discute os vários significados que pode assumir o termo “apropriação”, dependendo das
posições e dos modos de participação dos sujeitos nas relações. Conclui, portanto, que a apropriação é uma categoria
essencialmente relacional: “a apropriação não é tanto uma questão de posse, de propriedade, ou mesmo de domínio,
individualmente alcançados, mas é essencialmente uma questão de pertencer e participar nas práticas sociais.”
18
De acordo com Zanella (2004, p. 131, nota de rodapé), “a significação refere-se a ‘o que as coisas querem dizer’,
aquilo que alguma coisa significa. Como as coisas não significam por si só, e nem tão pouco significam a mesma
coisa para indivíduos diferentes, depreende-se que a significação é fenômeno das interações, sendo, pois social e
historicamente produzida.”
48
dinâmica que se estabelece entre o que está fora e o que está dentro do homem é
mediada pela produção e interferência da subjetividade. A constituição do
sujeito é um processo histórico complexo que envolve, ao mesmo tempo, uma
dimensão externa e contextual, uma dimensão interna referente a indivíduos e
grupos e também uma dimensão singular, configurada a partir das duas
anteriores. Podemos denominar de subjetiva essa dimensão singular que
constitui grupos ou sujeitos.
Portanto, a teoria histórico-cultural não percebe o homem como passivo, somente como
uma cópia ou conseqüência de suas relações sociais. Entende o homem como um ser interativo,
que produz cultura e se transforma com as relações sociais. Esse entrelaçamento do social com o
pessoal pressupõe um processo de subjetivação
19
do sujeito, pois, ao apropriar-se da história
humana, imprime a ela sua própria marca. (ZANELLA, 2004).
Dessa maneira, entende-se que a constituição do sujeito se dá pela unidade do natural
com o cultural, tanto pelas relações sociais que estabelece com outros sujeitos quanto pelo
sentido subjetivo que nelas incute. Assim como Cunha (2000, p. 39), considera-se que o processo
de constituição profissional do professor implica um processo de internalização, isto é, “aquilo
que o professor vai-se tornando não é resultado apenas de influências externas ou de uma aptidão
interna”. Trata-se de um processo histórico-cultural. O processo de internalização está
diretamente relacionado às possibilidades de desenvolvimento de ações autônomas, envolvendo
os conceitos de nível de desenvolvimento real, nível de desenvolvimento potencial e zona de
desenvolvimento proximal de Vigotski.
Para Vigotski (2000b), o nível de desenvolvimento real é o nível de desenvolvimento
das funções mentais que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já
completados. Isto é, o nível de desenvolvimento real alude às conquistas e formas culturais já
internalizadas pelo sujeito. Estas foram dominadas e consolidadas, de tal forma que o sujeito já
19
Molon (2003) expõe, baseada em sua pesquisa sobre as reflexões de Vigotski, que a subjetividade “significa uma
permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do outro e do eu.”
49
consegue desenvolvê-las sozinho, sem o auxílio de outras pessoas, ou seja, de forma autônoma.
O nível de desenvolvimento potencial diz respeito ao que o sujeito pode ser capaz de fazer, se
contar com a ajuda de uma outra pessoa.
A zona de desenvolvimento proximal é caracterizada por Vigotski (1998) como a
distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da ação
autônoma e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela ação colaborativa. Esse
conceito é de extrema importância, pois permite a compreensão da dinâmica interna da
constituição do sujeito. Sob essa perspectiva, acredita-se que a autonomia é uma busca, uma
construção e um exercício permanente deste processo de constituição.
Sendo assim, todas as questões e considerações convergem à afirmação de que o sujeito
– professor é constituído nas (e na história das) práticas sociais
20
das quais participa e que possui
estruturas e mecanismos
21
que lhe são íntimos, subjetivos, que lhe permite, em algum grau,
conquistar independência em relação às pressões sociais. Percebe-se, então, que a autonomia é
um fim a ser alcançado pelo processo de constituição do sujeito.
O processo de constituição profissional do professor, quando refletido a partir do
processo de constituição do sujeito tal como definido pela abordagem histórico-cultural, permite
constatar que a constituição do professor e a conquista de sua autonomia, estão diretamente
relacionadas com as experiências desse profissional, quaisquer que sejam elas, em sua trajetória
pessoal, formativa ou profissional.
Dias-da-Silva (1998, p. 36) salienta que o professor é “sujeito de um fazer docente que
precisa ser respeitado em sua experiência e inteligência, em suas angústias e seus
20
Pino (2003, p. 53) identifica as práticas sociais como “formas socialmente instituídas, de pensar, de falar e de agir
das pessoas em função das posições que ocupam na trama de relações sociais de uma determinada formação social.”
21
Nesses termos, cabe ressaltar que as funções psicológicas superiores, principal objeto de estudo de Vigotski,
referem-se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, mecanismos intencionais.
50
questionamentos, e compreendido em seus estereótipos e preconceitos.” Portanto, o professor
deve ser considerado simultaneamente como pessoa e como profissional.
Se a constituição do professor é um processo contínuo que envolve a sua vida como um
todo, estudá-la tendo em vista sua autonomia, requer um olhar sobre as condições pessoais,
sociais, históricas, formativas e econômicas em que ele se insere, coerentemente com os
pressupostos histórico-culturais.
CAPÍTULO III
PERCURSO METODOLÓGICO
“O homem necessita estabelecer um quadro
interpretativo do que experimenta como mudança de
si mesmo e de seu mundo, ao longo do tempo, a fim
de poder agir nesse decurso temporal, ou seja,
assenhorar-se dele de forma tal que possa realizar
as intenções de seu agir.”
Jörn Rüsen
3.1 Objetivos da pesquisa
Este estudo centra-se no processo de constituição profissional de professores e em sua
autonomia profissional. Foram definidos como objetivos da pesquisa:
a) Identificar, descrever e analisar o processo de constituição profissional docente;
b) Identificar e analisar a autonomia no processo de constituição profissional docente.
Diante desses objetivos, optou-se pela história oral de vida de professores como
principal recurso metodológico.
52
3.2 Fundamentando a opção metodológica: a história oral - perspectivas teóricas
A história oral, embora seja a primeira fonte histórica de que se tem notícia (LE GOFF,
1996), passou, durante muitos séculos, desprezada pela historiografia clássica, que questionava
sua fidedignidade. Conforme Ferreira (1994), mesmo com a criação da Escola dos Annales
22
, que
provocou profundas transformações no campo da história, propondo uma “nova” concepção
histórica, o uso dos relatos orais, das histórias de vida e das biografias continuava sendo
desqualificado.
Essa resistência, todavia, não foi suficiente para extinguir o interesse pelos relatos orais.
O aparecimento do gravador permitia, agora, registrá-los. De acordo com Ferreira (1994), a
coleta de depoimentos pessoais, mediante um gravador, iniciou-se com o jornalista norte-
americano Allan Nevins, na década de 40. A partir de então, aos poucos, a história oral foi
conquistando seu espaço na historiografia, tendo seu auge a partir da década de 70, com crescente
valorização da abordagem qualitativa nas pesquisas de cunho científico.
A pesquisa qualitativa é predominante nas Ciências Humanas e passou a ser utilizada
com maior vigor a partir da década de 70, quando novas orientações filosóficas e estudos
metodológicos perceberam que a pesquisa quantitativa, fundamentada na concepção positivista,
não seria o único meio de legitimação do conhecimento.
22
Em 1929, foi criada na França a Revista Annales. Idealizada pelos franceses Febre e Bloch, pretendia exercer uma
liderança intelectual nos campos da história econômica e social. Pouco a pouco os Annales converteram-se no centro
de uma escola histórica: a Escola dos Annales. A École des Annales era constituída por um grupo de historiadores
que pretendiam implantar um novo tipo de história, postulando uma pesquisa interdisciplinar, uma história voltada
para os problemas sociais, para a história de uma coletividade e não de indivíduos específicos e para uma uma
história total , não restrita a uma ou outra esfera da vida humana.
53
Essa concepção de pesquisa caracteriza-se por valorizar a subjetividade e o contexto
real, simbólico e histórico dos sujeitos envolvidos numa perspectiva integrada. No campo da
história, essas transformações permitiram que a história oral ocupasse um novo lugar nos debates
historiográficos. (FERREIRA, 1994).
No Brasil, a utilização da história oral iniciou-se na década de 70
23
, com a criação do
programa de história oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil (CPDOC)
24
, da Fundação Getúlio Vargas, em 1975, no Rio de Janeiro. Esse foi um dos
responsáveis pela criação da Associação Brasileira de História Oral (ABHO), oficializada em
1993.
Segundo Ferreira (1996), a história oral também sofreu resistências e indiferenças pela
academia brasileira. O número de trabalhos publicados foi reduzido. Somente na década de 90
esse quadro começou a se modificar, acentuando um crescimento significativo de publicações e
reflexões a respeito da história oral.
Exemplos dessa valorização estão nos inúmeros trabalhos que se servem da história oral
para realizar suas pesquisas. Vários são publicados e apresentados em eventos científicos
específicos da área, como o Encontro Nacional de História Oral, os encontros do Grupo de
Estudos e Pesquisas em História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR), Associação
Nacional de História (ANPUH), entre outros.
Para Fonseca (1997), é possível identificar três tendências no campo da história oral, nas
pesquisas atuais: a história oral temática, a tradição oral e a história oral de vida.
23
De acordo com Ferreira (1996), a oralidade já era usada como fonte de pesquisa pelos cientistas sociais brasileiros,
mas não havia a preocupação de produzir documentos gerados a partir da relação entre o depoente e o pesquisador,
acompanhada de um gravador.
24
Segundo Meihy (1996) e Ferreira (1996), este é um dos mais importantes e prestigiados experimentos de história
oral da América Latina.
54
A primeira tendência, a história oral temática, como aponta Ferreira (1994), envolve a
coleta de entrevistas e depoimentos orais para esclarecerem determinados temas, períodos do
tempo histórico ou para preencher lacunas deixadas pelas fontes escritas.
Como explica Fonseca (1997), a narrativa, nesse caso, não diz respeito, necessariamente,
à totalidade da vida da pessoa, mas aos aspectos da vivência, os quais constituem informações
para a reconstituição de fatos, eventos ou problemáticas do passado.
Souza (1996) utilizou-se da história oral temática para estudar as representações do
professor sobre seu próprio trabalho e a politização do espaço escolar. Optou pelos depoimentos
orais para investigar movimentos de reivindicações e de lutas dos professores do final dos anos
70 e meados de 80, em uma determinada escola de São Paulo.
A segunda tendência trata dos estudos de tradição oral. Vansina (apud
FONSECA,1997), explica que, para muitas sociedades, a oralidade é um meio de preservação de
suas tradições, mitos e valores que passam de uma geração a outra. Desse modo, para essa
tendência, fazem parte dessa tradição os costumes, os hábitos domésticos, os ritos e tudo o que o
coletivo grupal considera importante para o funcionamento e existência daquela sociedade.
A terceira tendência refere-se à história oral de vida, em que as narrativas não servem
apenas para esclarecer e perpetuar o passado, ou simplesmente complementar documentos
escritos. Nesse caso, as fontes orais pretendem dar voz e vez aos sujeitos, privilegiando as
experiências pessoais, a vivência e as representações individuais.
Castro (2002, p. 1-2) salienta que os estudos sobre vidas de professores encontram na
história oral uma importante opção metodológica:
55
Esta incide sobre o passado dos entrevistados, sobre aspectos da vida social,
particularmente da esfera do cotidiano, que não são geralmente escritos ou
documentados de outras formas. É escrita a partir do trabalho com a memória,
evocando o passado, o qual está inserido num contexto familiar, social e
nacional.
Partindo da assertiva de Bourdieu (2002, p. 183), de que falar de história de vida é, no
mínimo, reconhecer que a vida é uma história e que “uma vida é inseparavelmente o conjunto dos
acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa
história”, pode-se afirmar que uma história de vida permite perceber marcas características
próprias de cada percurso profissional e pessoal, bem como perceber como cada um constrói sua
identidade e vivencia seu processo de formação.
De acordo com Castro (2002, p. 2),
ao narrar sua trajetória, os professores refletem sobre ela, reconstroem o
passado, trazendo para o presente aspectos importantes, às vezes relegados a um
canto da memória que, no momento da entrevista, são interpretados e analisados
pelos entrevistados, à luz do seu quadro de referência atual.
Cada história oral de vida evoca o passado por meio de uma memória
25
individual que se
entrelaça com uma memória coletiva
26
. Uma reforça a outra. Assim, cada percurso, que é único,
mostra as diversas interações do professor com seu meio social, no decorrer de seu
desenvolvimento pessoal, profissional e formativo.
25
Para Le Goff (1996, p. 423), a memória é “um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode
atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas.”
26
Memória coletiva pode ser definida como “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem
do passado...” (LE GOFF, 1996, p. 472).
56
Nesse sentido, cabe destacar o trabalho pioneiro de Bosi (1994)
27
, que recorre a histórias
de vida de adultos (velhos) para constituir um estudo sobre a construção da memória e a
importância das lembranças. Propõe a conservação das narrativas e da troca de experiências. Para
ela, “a narrativa da própria vida é o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de
lembrar. É a sua memória.” (BOSI, 1994, p. 68, grifo da autora).
No campo da literatura internacional, pode-se destacar, além do estudo sobre o ciclo de
vida do professor de Huberman (1995), já referenciado no capítulo anterior, os trabalhos de
Cavaco (1999) e Goodson (1995).
Cavaco (1999) realiza um trabalho similar ao de Huberman. Por meio da história de vida
de dezessete professores do ensino secundário de Portugal, procura compreender o percurso
pessoal e profissional do professor, ao longo da idade, na relação com diversos aspectos próprios
do ato educativo, na relação com o saber e com ele mesmo.
O pesquisador Goodson (1995) evidencia que dados sobre a vida dos professores são
fatores importantes para as investigações educacionais, essenciais para a análise do
desenvolvimento curricular. Clarifica sete argumentos a favor do uso de histórias de vida. O
primeiro é de que os dados pessoais e idiossincráticos presentes nos discursos dos professores são
muito pertinentes para a interpretação de sua linha de conduta e prática.
O segundo argumento é que as experiências de vida e o ambiente sociocultural são
inerentes e constituintes da pessoa que somos e elementos significativos na prática profissional.
Em conseqüência, no terceiro e quarto argumentos, o autor afirma que o estilo de vida do
professor, dentro e fora da escola, interferem em seus modelos de ensino e em sua prática
27
Ferreira (1996) frisa que ainda que Bosi jamais tenha usado a expressão “história oral”, suas indicações sobre a
memória passaram a servir de modelo para todo um segmento de pesquisadores que se utilizam da história oral.
57
educativa. Considera que o direcionamento da carreira só pode ser entendido mediante uma
compreensão detalhada da vida do professor.
Da mesma forma, no quinto e sexto argumentos, aponta que as etapas da carreira, as
decisões e percepções relativas a ela somente podem ser analisados no próprio contexto no qual
acontecem.
Goodson (1995, p. 75) finaliza seu rol de argumentações salientando que:
os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar-nos a ver o
indivíduo em relação com a história do seu tempo, permitindo-nos encarar a
intersecção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo, assim,
as escolhas, contingências e opções que se deparam ao indivíduo.
Ainda que sejam incipientes as produções sobre esse tema na literatura brasileira, há
vários trabalhos relevantes, entre os quais pode-se citar as obras de Fonseca (1997), Freitas
(2000) e Soares (1991).
Soares (1991), ora como pesquisadora, ora como narradora, relata sua própria história de
vida intelectual. Sua história de vida revela tendências e aspectos da história da educação
brasileira.
Fonseca (1997, p. 11), por meio da história oral de vida de treze professores que atuaram
em vários níveis de ensino, discute como é ser professor de história no Brasil. Reflete sobre os
“múltiplos caminhos, práticas e opções construídos ao longo da vida por algumas pessoas, em
diversos espaços e contextos históricos do Brasil, tendo em comum, nas suas trajetórias, o ofício:
o ensino de história.”. A obra dessa autora foi significativa para a construção deste trabalho.
Mais recentemente, Freitas (2000), com a intenção de investigar a questão da leitura e da
escrita, entrevistou sete professoras alfabetizadoras aposentadas, com experiência em escolas
58
públicas, fazendo uma retrospectiva da vida de escrita e leitura de cada uma, desde a infância até
os dias atuais, relacionando o contexto escolar, a formação e o contexto social.
Embora os vários autores mencionados tenham enfoques e especificidades singulares,
todos privilegiam e reafirmam a história oral de vida como um importante recurso metodológico
para as pesquisas educacionais.
Diante do que já foi exposto, torna-se evidente que o conhecimento e a pesquisa são
mediatizados por uma metodologia, cuja escolha não é aleatória e sua função é a de ajudar a
explicar a realidade.
A opção pela história oral de vida, no campo da abordagem qualitativa, deu-se por se
acreditar que, para conhecer o processo de constituição profissional docente e a autonomia
docente, ou seja, conhecer as vivências pessoais e profissionais, as escolhas, os percursos por
meio dos quais o sujeito se tornou professor, como se sente e se percebe professor, é preciso
saber sobre a vida do professor e perceber sua trajetória. Somente a história de vida possibilita
esse conhecimento, criando laços de cumplicidade entre dois sujeitos: pesquisador e pesquisado.
Nóvoa (1988, p. 16)
28
afirma que o pesquisador precisa considerar que a história de vida
deve organizar-se de acordo com um eixo de investigação para assegurar o desenvolvimento de
uma reflexão teórica e que deve estruturar-se “através de uma construção retrospectiva de um
dado percurso de vida, organizada a partir de determinados pontos de viragem.”
Sendo assim, a pesquisa foi planejada e organizada a partir de três grandes eixos
29
de
investigação, considerados centrais na constituição e autonomia profissional docente.
28
Nóvoa utiliza a nomenclatura “biografia” ou “autobiografia” para as histórias de vida. Partilham dessa mesma
posição Bolívar (2002), Fontoura (1995) e Gonçalves (1995).
29
Esses eixos foram elaborados baseando-se, especialmente, nos estudos de Fonseca (1997) e Gonçalves (1995).
59
O eixo que trata do percurso pessoal do professor, em termos de crescimento individual,
personalidade e interação com o meio; o eixo que se refere ao percurso formativo do docente, que
inclui todas as atividades que contribuíram para sua atuação pedagógica e profissionalização e,
por fim, o eixo que aborda o percurso profissional, que abrange todas atividades que o professor
exerceu como profissional da educação e sua relação com o grupo com o qual conviveu.
3.3 Critérios de seleção dos sujeitos
Tendo em vista os objetivos formulados, a definição dos sujeitos desta pesquisa levou
em conta alguns critérios:
a) ter atuado ou ainda atuar como professor da educação básica (conforme a
nomenclatura atual)
30
, podendo, simultânea ou concomitantemente, também ter atuado ou estar
atuando no ensino superior;
b) ter-se aposentado a partir do ano de 2000 ou que esteja em vias de aposentadoria
(final de carreira). Esse item exclui o critério etário pois, segundo a legislação brasileira, há
variações no encerramento da carreira, de acordo com o sexo ou início da vida profissional.
c) ter características diversificadas em relação a estado civil, raça, sexo, formação,
experiência em escolas, atuação em níveis de ensino, exercício de funções, posições religiosas,
políticas e teóricas.
30
Conforme a LDB 9394/96, a educação básica compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
médio. (BRASIL, 1996).
60
Para tanto, optou-se pela escolha intencional dos dois primeiros sujeitos e, para a
seleção, foi elaborada uma lista de nomes indicados pela própria pesquisadora, respeitando-se os
critérios definidos. Os dois últimos entrevistados foram sujeitos sugeridos pelos dois primeiros
entrevistados.
Foram entrevistados, então, quatro professores: dois homens e duas mulheres. Além do
aprofundamento de análise que um número reduzido de sujeitos possibilita, nas pesquisas
qualitativas, nas quais se inclui a história de vida, “a preocupação central não é a de se os
resultados são susceptíveis de generalização, mas a de que outros contextos e sujeitos a eles
podem ser generalizados.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 66). O interesse está muito mais no
processo do que simplesmente nos resultados ou produtos.
3.4 Procedimentos de coleta de dados
Para a realização da pesquisa, os procedimentos de coleta de dados das histórias de vida,
inspiraram-se na técnica da entrevista recorrente
31
, a partir de um roteiro semi-estruturado
32
.
Inspirou-se na entrevista recorrente, à medida que, na sessão seguinte, o sujeito podia
rever seu relato da sessão anterior já transcrito pelo pesquisador. Podia, então, manifestar-se
sobre ele, confirmando sua veracidade, modificando-o ou ampliando-o. Assim como essa
31
Baseando-se em Larocca (1996). Este procedimento, conforme Zanelli (1992, p. 66), representa uma importante
estratégia de pesquisa: “a classificação dos conteúdos, permitida pelas inferências ou pelos referenciais peculiares ao
pesquisador, e retorno desses conteúdos para checagem do participante, propicia uma estratégia de controle mútuo
entre o pesquisador e o participante no sentido de refinar a comunicação...”.
32
Este roteiro foi adaptado de Fonseca (1997). Vide Anexo A – Roteiro de Entrevistas, p.
61
dinâmica possibilitou à pesquisadora confirmar suas inferências, completar e esclarecer dados
que considerou necessários para a pesquisa, desencadeando novas informações.
O roteiro semi-estruturado não se constituiu em seqüência rígida de questionamentos e
dados a serem relatados, mas apenas como um roteiro dos itens principais a serem abordados,
para a orientação do próprio sujeito.
Rosenthal (2002) destaca que, para se entender partes individuais da história de vida,
deve-se dar ao entrevistado tempo e espaço suficiente para criar e organizar sua narrativa. Então,
no primeiro contato feito com os sujeitos, com dois deles realizado por telefone e com outros dois
pessoalmente, foram explicados os objetivos da pesquisa e, constatando a possibilidade de
participação destes, foi fornecida uma ficha impressa, na qual foram preenchidos alguns dados
pessoais, profissionais e de formação, que serviram para a caracterização
33
de cada um dos
sujeitos, e também foi fornecido o roteiro da entrevista para o relato da história de vida.
O local e os horários das entrevistas foram escolhidos pelos próprios sujeitos e eram
marcados de uma sessão para a outra. A única sugestão dada pela pesquisadora para esta escolha
foi para que fosse um ambiente e um momento em que eles se sentissem à vontade e que,
também, possibilitasse a gravação, evitando ruídos e interrupções de outras pessoas. A primeira
sessão com o primeiro sujeito foi realizada em 23 de abril de 2004, e a última, com o quarto
sujeito, em 11 de outubro de 2004.
Foram realizadas, em média, três sessões de entrevista com cada sujeito e cada uma
delas teve a duração de, aproximadamente, uma hora. Nas primeiras sessões de cada sujeito,
antes de iniciar a história de vida, foi preenchida a ficha de caracterização, com exceção do
segundo e quarto sujeitos, que já a levaram preenchida no primeiro encontro.
33
Esta ficha foi adaptada de Larocca (1996). Vide Anexo B – Ficha de Caracterização dos Sujeitos, p.
62
Durante as sessões, foi dada ao entrevistado a oportunidade de relatar sua história de
vida, de expor sua opinião e suas expectativas sobre o real, de modo que fluíssem informações e
conhecimentos a respeito do assunto, em sua própria linguagem. A pesquisadora teve a cautela de
não direcionar as respostas do entrevistado. As perguntas, quando necessárias, foram feitas pela
pesquisadora, de maneira simples e direta, para evitar confusões de sentido.
Sob a autorização do professor, a entrevista foi registrada por um gravador e,
posteriormente, transcrita. A transcrição foi realizada diretamente no computador. Logo após,
cada gravação foi ouvida novamente, sendo acompanhada com a transcrição, para conferir se
houve alguma falha de digitação ou mesmo de entendimento das palavras do sujeito.
Acreditando-se nas palavras de Thompson
34
(1998, p. 271), de que “uma entrevista é
uma relação social entre pessoas, com suas convenções próprias, cuja violação pode destruí-la”,
antes de cada sessão, especialmente antes da primeira sessão de cada sujeito, houve uma conversa
informal entre pesquisadora e sujeito, no intuito de sanar possíveis dúvidas com relação à
pesquisa e, principalmente, para descontrair os sujeitos, que inicialmente demostravam um pouco
de ansiedade pela presença do gravador. Essa conversa antes de cada sessão, que não foi gravada,
permitiu estreitar a interação entre o pesquisador e o sujeito, possibilitando melhor
aprofundamento das informações obtidas.
Baseando-se nos estudos da abordagem histórico-cultural, de Fonseca (1997) e
Gonçalves (1995), a história de vida de cada um dos sujeitos centrou-se em três aspectos
fundamentais, ou, em três eixos básicos do processo de constituição profissional docente e de sua
autonomia. O primeiro eixo referiu-se ao percurso pessoal, solicitando dados sobre quando e
onde o entrevistado nasceu; sua família, sua infância; modo de vida; crenças religiosas e
34
De acordo com Meihy (1996), esta é a obra que tem servido de modelo teórico para os trabalhos de história oral no
Brasil. Foi publicada pela primeira vez em 1978, sob o título The voice of the past.
63
políticas; a vida na escola como aluno; mudanças residenciais; acontecimentos marcantes; o
cotidiano; juventude; casamento; filhos etc.
O segundo eixo referiu-se ao percurso formativo propriamente dito, devendo o sujeito
abordar sobre quando e onde estudou; curso superior: como foi o ingresso e a duração do curso,
relacionamento com colegas e professores, disciplinas, leituras, preparação pedagógica, estágios,
participação em agremiações, casos interessantes, influências teóricas e políticas; pós-graduação;
participação em cursos de extensão, congressos; ambientes e estratégias de formação continuada
(Por incentivo de quem? Promovido por quem?) etc.
Em seguida, foram abordados aspectos referentes ao percurso profissional: por que,
como, quando e onde iniciou a carreira; expectativas com relação à carreira; percepções com
relação ao ensino no decorrer da carreira; os concursos; convites; as instituições e níveis de
atuação; estabilidade; condições de trabalho; salário; participação de associações da categoria;
relacionamento com os colegas e alunos; metodologia; reformas educacionais, sociais, políticas e
econômicas; realização com a profissão etc.
Após esgotados os dados do roteiro, houve liberdade para que o sujeito pudesse expor
algo que achasse conveniente.
64
3.5 Procedimentos de análise dos dados
A primeira fase de análise dos dados foi preliminar, separando-se, numa matriz de
verbalizações
35
, os conteúdos das histórias de vida de cada um dos sujeitos, de acordo com os três
eixos estabelecidos previamente: percurso pessoal, percurso formativo e percurso profissional.
Sem perder de vista a afirmação de Rosenthal (2002), de que ao analisar uma história de
vida deve-se respeitar sua seqüência narrativa e analisar as partes isoladas, considerando que
estão inseridas no conjunto, numa segunda fase, os dados obtidos em cada um dos eixos foram
subdivididos em unidades significativas das falas de cada um dos sujeitos, de acordo com os
objetivos e interesses da pesquisa, a partir de características e tendências comuns depreendidas
das histórias de vida dos professores.
No primeiro eixo, denominado de percurso pessoal, foram identificadas, nas histórias de
vida dos professores, duas unidades significativas: uma que descreve a infância e a juventude e
outra que discorre sobre o casamento e a constituição da família de cada um deles.
No segundo eixo, denominado de percurso formativo, foram identificadas três unidades
significativas nas falas das histórias de vida dos professores: a primeira que trata sobre a
escolarização básica, a segunda unidade que se refere à formação acadêmica e a terceira que
descreve a formação extra-acadêmica dos sujeitos.
35
Adaptada de Larocca (1996). Ver Anexo C – Matriz de Verbalizações, p.
65
No terceiro eixo, denominado de percurso profissional, identificaram-se também três
unidades significativas nas falas dos professores: a primeira refere-se à escolha pela profissão e a
entrada na carreira docente. A segunda unidade significativa assinala os principais obstáculos e
realizações da carreira e a terceira relata o cotidiano profissional de cada um dos professores.
A terceira fase, ou seja, a análise e interpretação final e sistemática das histórias de vida,
somente ocorreu no encerramento da coleta de dados de todos os sujeitos, após esgotadas suas
possibilidades de contribuição.
Partilhando da afirmativa de Barros e Lehfeld (1999, p. 62), de que “analisar e
interpretar significa buscar o sentido mais explicativo dos resultados da pesquisa”, na etapa final
de análise e interpretação sistemática, foram realizadas leituras sucessivas das histórias de vida
dos docentes, a fim de se elaborar inferências críticas e conexões.
Por uma questão de organização da própria pesquisadora, optou-se pela análise das
histórias de vida dos quatro docentes conjuntamente, considerando cada um dos eixos e, por
conseguinte, em cada uma das unidades significativas de suas falas. Baseando-se no argumento e
Lüdke e André (1986, p. 1), de que “para se realizar uma pesquisa é preciso promover o
confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o
conhecimento teórico acumulado a respeito dele”, os dados obtidos foram confrontados,
discutidos com os referenciais teóricos, sem perder de vista os objetivos definidos.
CAPÍTULO IV
TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORES: POSSÍVEIS INTERPRETAÇÕES
“Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser
lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão
e da localização, seria uma imagem fugidia.”
Ecléa Bosi
As histórias apresentadas aqui correspondem à vida de quatro professores. Para as
análises tecem-se interpretações possíveis, o que não limita desdobramentos em outras
conclusões e indagações. Assim, também, os eixos e unidades significativas das falas dos
sujeitos apresentadas não excluem a possibilidade de outras classificações.
As falas dos sujeitos, a partir daqui, aparecerão destacadas entre aspas e em itálico,
para diferenciá-las do restante do texto. Optou-se por não corrigi-las no texto transcrito, no
que se refere ao padrão correto da língua portuguesa (conjugações verbais, concordâncias
verbais e nominais, vícios de linguagem etc.) como forma de preservar a especificidade da
cultura de cada um
37
e a especificidade de uma história oral de vida. As reticências que
aparecem na transcrição dessas falas significam que partes das falas dos sujeitos foram
omitidas pela pesquisadora, a fim de reunir apenas os trechos referentes à unidade e à análise
em questão.
Decidiu-se, também, por não se nominar os sujeitos, preservando sua identidade.
Sendo assim, cada sujeito recebeu um número, conforme a ordem cronológica em que
37
Opção semelhante pode ser observada no trabalho de Cerri (2000).
67
ocorreram as entrevistas. Da mesma forma, nomes de pessoas e instituições citadas pelos
sujeitos foram abreviados, deixando-se somente a letra inicial.
4. 1 Caracterizando os sujeitos
O contato inicial com o primeiro sujeito, identificado como Sujeito 1, foi realizado
pessoalmente, momento em que foi convidado a participar da pesquisa, explicando-lhe as
finalidades e procedimentos dela. O Sujeito 1 aceitou o convite e, em seguida, foram-lhe
entregues a ficha de caracterização e o roteiro da entrevista, sendo marcada a data da primeira
sessão: 23 de abril de 2004. Na primeira sessão, iniciou seu relato lendo um texto que havia
levado pronto, baseado no roteiro que havia recebido, mas, no decorrer do relato, o texto
escrito foi sendo deixado de lado, e a sua história de vida fluiu com as lembranças que foram
sendo apuradas pela memória. As sessões seguintes ocorreram nos dias 26 de abril e 11 de
junho do mesmo ano, totalizando duas horas de gravações. As três sessões foram realizadas
no ambiente de trabalho do sujeito, após o horário de expediente.
O Sujeito 1 nasceu em 1949, no município de Cruz Machado, uma cidade do interior
do Paraná e atualmente reside no município de União da Vitória
38
. Possui 55 anos de idade, é
mulher, é casada, mãe de três filhos, professora com graduação em Pedagogia e
especialização em Fundamentos, Teoria e Análise do Processo Educacional e Perspectivas
para a Realidade Brasileira. Trabalhou com as séries iniciais do Ensino Fundamental durante
dezessete anos, atuando como professora e, posteriormente, como supervisora escolar durante
38
União da Vitória é um município do Estado do Paraná que faz divisa com o município de Porto União, em
Santa Catarina. O marco divisor é uma linha de trem. A distância entre Cruz Machado e Porto União / União da
Vitória é de 30 km, aproximadamente.
68
nove anos. Atuou também, durante quatro anos, no ensino fundamental de 5ª a 8ª série.
Atualmente trabalha há nove anos no Núcleo Regional de Educação de União da Vitória.
Com o segundo entrevistado, denominado de Sujeito 2, o contato inicial deu-se
pessoalmente, ocasião em que foi convidado a participar da pesquisa, explicando-se suas
finalidades e procedimentos. O convite foi aceito de imediato. Nesse mesmo momento,
foram-lhe entregues a ficha de caracterização e o roteiro da entrevista, sendo marcada a data
da primeira sessão: 14 de maio de 2004. Na primeira sessão, realizada no ambiente de
trabalho, o sujeito iniciou seu relato, lendo um texto que havia levado digitado e, inclusive,
em disquete, caso a pesquisadora quisesse utilizar, baseado no roteiro que havia recebido.
Assim como ocorreu com o Sujeito 1, durante a entrevista, o texto escrito foi sendo deixado
de lado, e a sua história de vida fluiu com as idas e vindas de sua memória. A sessão seguinte
ocorreu no dia 11 de junho do mesmo ano, na residência do sujeito, totalizando uma hora e
quarenta minutos de gravações.
O Sujeito 2 nasceu em 1943, no município de Porto União e reside em União da
Vitória. Possui 61 anos de idade, é mulher, também casada, mãe de quatro filhos, professora
com graduação em História, especialização em História e Mestrado em Educação na linha de
pesquisa História e Memória. Lecionou para toda a educação básica durante vinte e cinco
anos. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental também atuou como supervisora escolar
durante oito anos. Foi coordenadora dos pólos de Magistério da região, como membro da
equipe de ensino do Núcleo Regional de Educação de União da Vitória durante três anos. Há
dezessete anos dedica-se ao Ensino Superior estadual, como docente nas disciplinas de
Introdução ao Estudo da História, Metodologia do Ensino de História, Antropologia Cultural
e Patrimônio Cultural, bem como, atua em cargos administrativos da instituição superior.
Com o Sujeito 3, o primeiro contato foi por telefone. O convite foi aceito
prontamente. Foi-lhe enviado a ficha de caracterização e o roteiro de entrevista, sendo
69
marcada a primeira sessão para o dia 12 de julho de 2004, no sítio do sujeito. No início da
primeira sessão, antes de iniciar a gravação, foi preenchida a ficha de caracterização e o
sujeito pediu alguns esclarecimentos com relação ao roteiro e à pesquisa. Ao contrário dos
dois primeiros sujeitos, não usou nenhum texto escrito, baseou-se apenas no roteiro e, à
medida que as lembranças iam aflorando, a história de vida ia-se delineando. As sessões
seguintes realizaram-se na residência do sujeito, nos dias 29 de julho e 28 de setembro do
corrente, totalizando duas horas e cinqüenta minutos de gravações.
O Sujeito 3 nasceu em 1943, no interior do município de Porto União, hoje distrito
de Lança. Reside atualmente em Porto União, possui 61 anos de idade, é homem, é casado,
pai de duas filhas, professor com graduação em Ciências e Biologia, especialista em Biologia.
Lecionou por 16 anos no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries na disciplina de Ciências e
leciona, há 29 anos, no Ensino Médio, na disciplina de Biologia. Atua há 20 anos no Ensino
Superior com as disciplinas de Biologia, Botânica e Ecologia.
Com o quarto e último sujeito, Sujeito 4, o contato inicial também foi por telefone e
o convite para participar da pesquisa foi atendido prontamente. A pesquisadora lhe enviou a
ficha de caracterização e o roteiro. A primeira sessão foi marcada para o dia 28 de setembro
de 2004, no ambiente de trabalho da pesquisadora. Como o Sujeito 4 levou a ficha de
caracterização já preenchida para a entrevista, após a conversa inicial sobre a própria
pesquisa, o professor iniciou o relato de sua história de vida. Embora tenha sido orientado de
que o roteiro era apenas uma sugestão dos dados a serem abordados, observou-se que tentou
segui-lo com certo rigor. As sessões seguintes ocorreram nos dias 7 de outubro, ainda no
ambiente de trabalho da pesquisadora, e em 11 de outubro do corrente, no ambiente de
trabalho do sujeito. Totalizaram-se três horas e cinqüenta minutos de gravações.
70
O Sujeito 4 nasceu em 1953, na cidade de Rebouças
39
e reside em União da Vitória.
Possui 51 anos de idade, é homem, é divorciado, tem um filho, é professor com graduação em
História e especialização em História. Leciona há vinte e três anos, com um intervalo de seis
anos, na educação básica de 5ª a 8ª séries e ensino médio. Foi diretor de escola durante oito
anos e secretário por dois anos. Trabalhou como Gerente de Recursos Humanos no ramo
empresarial por dez anos. Há treze anos leciona no ensino superior privado, nas disciplinas de
Universidade e Sociedade, História do Contestado e A Sociedade e a Informática. Atua há
nove anos como coordenador de um cursinho pré-vestibular.
A seguir, as histórias de vida estão organizadas a partir de três eixos básicos:
percurso pessoal, percurso formativo e percurso profissional. Os três eixos estão subdivididos
em unidades significativas, depreendidas das histórias de vida dos sujeitos.
4.2 O percurso pessoal
O foco principal desse eixo é a trajetória pessoal dos sujeitos, entendida como um
processo de crescimento individual, em termos de personalidade, valores, habilidades,
escolhas, relacionamento familiar e social. Es subdividido em duas unidades significativas a
seguir:
4.2.1 A infância e a juventude
Esta unidade trata da vida pessoal dos Sujeitos, desde seus primeiros anos de vida,
suas experiências de crianças, adolescentes e jovens, com a família e amigos, salientando
39
Rebouças é um município do Estado do Paraná, a 100 km, aproximadamente de distância de União da Vitória.
71
elementos que emergiram de seus relatos, considerados relevantes para a constituição e
autonomia profissional docente: atitudes, normas e valores morais, culturais e religiosos.
Observando-se as histórias de vida, pode-se afirmar que os Sujeitos tiveram uma
infância muito saudável e alegre, ao lado de seus pais e irmãos. Relatam episódios divertidos,
com brincadeiras e aventuras, como passeios de trem, banhos em rios, viagens etc. Mas, o
Sujeito 1, ao contrário dos demais, com semblante triste, conta que sua infância e a de seus
dois irmãos foi muito difícil e dura, por terem que trabalhar desde criança, seja ajudando a
mãe nos afazeres domésticos, seja auxiliando o pai nos serviços de carpintaria. Conta que os
filhos eram cobrados para cumprirem suas responsabilidades, quase não tendo tempo para
brincar.
As quatro histórias de vida desta pesquisa revelam que a formação familiar foi muito
rigorosa e, às vezes, autoritária, com relação à educação e ao respeito que se deveria ter com
os outros e com os próprios membros da família. O Sujeito 4, por exemplo, conta que
“naquela época só o olhar do pai bastava pra você ter uma postura diferente” e, ainda
salienta que essa exigência fez com que se tornasse submisso e obediente, primeiramente, aos
pais, professores e outras pessoas, reduzindo sua autonomia para opinar, decidir e agir. De
acordo com Reis (2004), a atuação familiar é vivida intensamente pelos sujeitos, sendo
marcada fortemente por componentes emocionais e ideológicos que estruturam de forma
profunda a personalidade de seus membros.
Os Sujeitos também expõem que a formação religiosa sempre esteve presente no
ambiente familiar, como relata o Sujeito 1: “fez [sua mãe] que fizéssemos a catequese e
tomássemos todos os sacramentos [...]”. A fala do Sujeito 2, pode ser tomada como outro
exemplo, quando afirma que “ os ensinamentos que nós temos a partir da doutrina cardecista
nos fazem ver o outro como nosso irmão, necessitado de ajuda, de amor [...]. Acho que esses
valores sempre foram muito importantes pra que eu valorizasse o aluno, o colega que está a
72
meu lado e a minha família.”. Já o Sujeito 4 assinala que a religiosidade “é que mantém muito
o equilíbrio em minha vida atualmente.”
Sobre a juventude, os sujeitos, em geral, lembram com saudosismo. Era “uma
juventude muito sadia, nossa diversão era ir aos bailes, dançávamos muito, era muito gostoso
[...]” (Sujeito 1). A juventude do Sujeito 2 e do Sujeito 3 pode ser conhecida, quando contam
a respeito de sua formação na escolarização básica. O Sujeito 3 relata suas experiências no
Seminário de L., primeiramente, depois no seminário de R. N. e, em seguida no Seminário de
A., onde sempre desenvolveu atividades junto à horta e ao pomar.
Os Sujeitos 1 e 4 somente lamentam o fato de terem sido muito tímidos na juventude.
Relata o Sujeito 1: “a gente perdeu muitas oportunidades por causa da timidez [...]”. Ela
aponta o Padre P., seu professor de Artes no Curso Normal Regional
40
, como um dos
responsáveis por deixá-la mais desinibida: “[...] que ensaiava peças de teatro e fazia com que
apresentássemos na comunidade [...]. Foi muito bom, ajudou-nos a perder bastante a
timidez.”
O Sujeito 4 relata que não freqüentou festas ou bailes, porque seus pais não
concordavam, a não ser que fosse para acompanhar as irmãs nos aniversários das colegas.
Além de ter participado de grupos de jovens e de ter bom relacionamento com os amigos,
destaca na sua juventude o fato de ter prestado serviço militar. No quartel sentiu-se
valorizado, por ter conquistado boas classificações nos testes e obtido algumas promoções.
Ao mesmo tempo que valoriza esse período, coloca como desvantagem a falta de negociação,
de flexibilidade, próprias do autoritarismo militar. Mas revela que se adaptou com facilidade e
até, pode-se dizer, com sucesso, no exército, justamente porque a educação rigorosa e de
40
De acordo com o Decreto - Lei nº 8.530 de 02 de janeiro de 1946, o Ensino Normal dividia-se em dois ciclos.
O primeiro ciclo destinava-se ao Curso Normal Regional, com a duração de 04 anos (equivalendo à 5ª à 8ª série),
que formava regentes para o ensino primário. O segundo ciclo destinava-se à Escola Normal, com a duração de
03 anos (equivalendo ao Ensino Médio, hoje), que formava professores para o ensino primário. (BRASIL, 1946).
73
extrema obediência que recebera em casa condizia com o comportamento esperado de um
bom soldado, naquele período.
Observa-se que o período vivenciado no exército pelo Sujeito 4 corresponde ao
período em que predominava na sociedade e na educação brasileira a Ditadura Militar, que
exigia obediência, eficiência e dedicação à Pátria. Ser submisso às ordens superiores da
hierarquia era condição para não sofrer punições, desagravos e obter certas recompensas.
Do conjunto de vivências referentes à infância e juventude relatadas pelos Sujeitos,
percebe-se que normas, valores morais, atitudes e comportamentos exigidos na formação
familiar e religiosa tornam-se marcantes no percurso pessoal de cada um deles. Se, como
afirma Nóvoa (1995c), não há como separar a pessoa do professor, pode-se inferir que esses
elementos influenciaram também a formação escolar e a atuação profissional dos Sujeitos.
Constata-se, então, que as vivências da infância e da juventude são constituintes do
sujeito adulto - pessoa, do sujeito adulto – professor. Na trama das relações sociais de cada
percurso pessoal, os sujeitos se constituem pela apropriação das experiências práticas e
intelectuais, dos valores éticos, religiosos, culturais e das normas que regem seu cotidiano de
vida.
4.2.2 A constituição da família
O casamento, a saída da casa dos pais, a constituição da própria família, são fatos
relevantes no percurso pessoal dos Sujeitos. Esta unidade interessa-se pelo desenrolar desses
fatos na vida de cada um dos professores pesquisados, trazendo à pauta a questão de gênero e
a transposição de valores e normas culturais internalizados na infância e juventude.
O casamento representou para as professoras um momento marcante em suas vidas.
Segundo o Sujeito 1, que é mulher, o casamento lhe proporcionou segurança pois,
74
diferentemente do seu pai, seu marido a incentivava e a valorizava. Chama a atenção que os
dois Sujeitos mulheres (1 e 2) dedicaram-se e dedicam-se ainda à família, ao marido e filhos,
afirmando freqüentemente a intenção de buscar harmonia na convivência e no
relacionamento. A preocupação e o investimento na educação e formação dos filhos é
transparente nas duas professoras. Essas atitudes revelam a representação das professoras
pesquisadas da figura materna que tiveram na infância e juventude.
Emerge de suas falas a dificuldade para relacionar a vida pessoal com a vida
formativa e profissional. Para Fontana (1997, p. 96), a atividade profissional implica “modos
de ação e preocupações distintas das práticas familiares, passando a dividir com estas, a
determinação das atividades da mulher, a definição de prioridades e sua própria motivação
frente a elas.” Disso decorre, em termos de constituição profissional, que, para a mulher
professora, os papéis de esposa, dona de casa, mãe ou filha não são excluídos, mas
acrescentam-se papéis decorrentes da atividade profissional, rompendo, muitas vezes, com
uma relação de continuidade entre os papéis de equilíbrio da vida cotidiana.
Por exemplo, o Sujeito 2 registra que quando estava cursando o último ano da
faculdade, teve o seu quarto filho: “Então foi uma dificuldade: trabalhava de manhã e à noite
tinha que estudar, tinha que deixá-los com a babá, às vezes não tinha babá [...]”. Face a tais
compromissos familiares, chegou a recusar uma proposta de trabalho: “Ao terminar o Curso
de História recebi convite para lecionar Estudos Sociais no Colégio T. de F., no entanto, não
aceitei, por estar, na época, com meus filhos pequenos e em idade escolar [...]”.
Diferentemente dos Sujeitos mulheres, os Sujeitos homens (3 e 4) afirmam não ter
encontrado nenhuma dificuldade em conciliar a vida familiar com a vida profissional.
Percebe-se que essa afirmação se deve ao fato de que quem acumulava as funções de
administração da casa e do cuidado dos filhos eram suas esposas. Coube a eles, portanto, a
75
tarefa de apenas cuidar da vida profissional, para suprir as necessidades financeiras da família,
como exigia a sociedade na época.
A condição masculina de provedor está de tal modo introjetada na cultura, que o
Sujeito 4 chegou a comentar que, quando cursava a faculdade, era a sua esposa quem o
ajudava na elaboração dos trabalhos solicitados por seus professores, para a sua formação
profissional. Disse que não tinha tempo de fazê-los devido ao trabalho na empresa. Quer
dizer, homem e mulher têm condições e atribuições diferenciadas. A questão de gênero
aparece como variável interveniente para a vida pessoal, acadêmica e profissional em ambos
os casos.
Quanto à experiência de ser pai, o Sujeito 3 praticamente não fala a respeito, já o
Sujeito 4, contou brevemente como decorreu o período de gestação e de como auxiliou sua
esposa na educação do filho.
Implícita ou explicitamente, é comum na história de vida dos quatro professores
encontrar a transposição dos valores e normas culturais que regeram a educação que
receberam de seus pais, inclusive para a educação de seus filhos. Pode-se tomar como
exemplo a fala do Sujeito 3, quando indagado se os valores que recebeu de seus pais e no
seminário (de seriedade, honestidade, de dedicação aos estudos) influenciaram na educação de
seus filhos: “Sim, tanto que as duas [filhas] saíram-se muito bem [...], nunca precisei chamar
a atenção para que elas estudassem.”
Outro dado interessante, que se observa nas falas dos Sujeitos, é que estes depositam
na escolarização dos filhos a esperança de um futuro melhor. Todos investiram nessa
escolarização e exigiram dos filhos muita dedicação aos estudos e respeito para com os
professores. Tais valores, recebidos na infância e juventude, foram internalizados pelos
Sujeitos e, parecem influenciar significativamente os percursos formativos e profissionais.
76
Do conjunto dos dados referentes à constituição da família, emergem como
significativos na constituição e autonomia profissional docente, os elementos de gênero e da
transposição de valores recebidos na própria educação familiar.
No percurso pessoal dos professores pesquisados é uma constante a relação e a
aprendizagem social. Então, pode-se afirmar que estes Sujeitos se formam e se transformam
em suas relações com o outro. Nas relações sociais que estabelecem, eles também exercem o
papel de “outro”, passando a influenciar a constituição e autonomia de sujeitos que fazem
parte de sua trajetória pessoal.
4.3 O percurso formativo
Este eixo aborda aspectos relativos à formação dos sujeitos: sua escolarização básica
e sua formação profissional (acadêmica e extra-acadêmica). Está subdividido em três
unidades a seguir:
4.3.1 A escolarização básica
Nesta unidade são analisados elementos que tratam das experiências dos Sujeitos na
educação básica, englobando seus primeiros anos escolares até a formação no Ensino Médio.
Destacam-se os seguintes elementos: dificuldades enfrentadas para estudar, a internalização
de normas aprendidas no ambiente familiar, os modelos de professores, a relação entre
escolha profissional e questões de gênero e os estágios curriculares.
77
Durante a escolarização básica, as histórias de vida dos quatro sujeitos revelam o
cultivo de atitudes de extrema obediência e respeito às pessoas mais velhas. Tais atitudes
parecem internalizadas de tal forma, que os sujeitos relatam que sempre foram alunos
exemplares, com boas notas e bom comportamento perante os professores. Comentam que a
metodologia utilizada pelos professores, no geral, fundamentava-se na Pedagogia Tradicional,
pois privilegiava a memorização dos conteúdos, baseando-se em “pontos” retirados dos livros.
Ressaltam também a rigidez quanto à disciplina escolar.
Os Sujeitos também têm em comum o enfrentamento de dificuldades para concluir
a escolarização básica, seja devido à condição financeira familiar ou ainda à distância entre a
residência e a escola, como é o caso do Sujeito 3, que tinha que caminhar dois quilômetros,
todos os dias, para chegar à escola e depois caminhar mais dois para voltar para casa. Uma
dificuldade peculiar que este sujeito passou refere-se a diferenças lingüísticas: enquanto
aprendia a língua portuguesa na escola, em casa falava-se somente o alemão.
É interessante destacar certas particularidades da história escolar do Sujeito 3 que, a
partir da 5ª série, iniciou seus estudos num seminário, pois seus pais decidiram, e ele
concordou, que iria ser padre. Fica bem claro, pela sua história de vida, que essa decisão se
deve ao fato de que, na época, a década de 50, o sacerdócio era entendido como uma
alternativa de ascensão social. Nas localidades do interior, principalmente na área rural, ser
padre era uma das poucas opções para mudar de vida, atingindo um certo status social, que a
profissão de agricultor não proporcionava.
Nos seminários nos quais estudou, o Sujeito 3 conta que era reconhecido por seus
superiores como um seminarista sério, comportado e dedicado. Além do compromisso com os
horários de estudo, vivia constantemente envolvido com atividades voltadas para a natureza,
cultivando hortas e pomares. Não é por acaso que, mais à frente, seu interesse vai centrar-se
na área de ciências, pois desde então, conta: “ler romances, difícil, não conseguia ler, só
78
obrigado mesmo pelo professor. Mas eu caía nos livros de química, física, esses livros eu
devorava, eu gostava.”
No ano de 1963, embora ainda sentindo vontade de ser padre, o Sujeito 3 vivenciou
dúvidas que questionavam desde a estrutura da Igreja e outros aspectos teológicos, até mesmo
a vontade de conhecer um pouco da vida fora do seminário, com todos os seus obstáculos.
Nessa época, saiu do Seminário e passou os dois anos seguintes (1964 e 1965) em Curitiba,
onde terminou o Ensino Médio. Mas, ao final de 1965, retornou à vida de seminarista, no Rio
de Janeiro.
Com certa regularidade, é possível perceber que todos os sujeitos recordam-se de
professores que marcaram sua passagem pela escola, e que, de certa forma, esses modelos de
professores vieram a influenciar sua atuação profissional, seja de forma positiva, seja de
forma negativa. Conforme Mizukami (2002, p. 16), “[...] se atribui grande força às
experiências do professor acumuladas ao longo de sua vida – que, em geral, constituem
inspiração (ou anti-inspiração), na maioria das vezes inconsciente, à sua configuração como
um profissional ao longo da carreira.” Nesse sentido, os Sujeitos surpreendem-se agindo por
influência de ex-professores, como é o caso do Sujeito 1, que se recorda carinhosamente do
Padre P. e de Dona L., do Curso Normal Regional. O primeiro, por tê-la ajudado a diminuir
sua timidez, com o dinamismo de suas aulas, e a segunda, porque “ ela foi uma professora
maravilhosa, uma amiga e ela chegou até mim de uma maneira muito simples, que um dia a
gente falando de casa e moradia e eu imaginava que ela morasse num palácio, ela pegou e
me levou à casa dela e a casa dela era que nem a minha, era normal.” Mais tarde, o Sujeito 1
também levou dois de seus alunos, que eram órfãos, para conhecer sua casa.
Os Sujeitos 3 e 4 parecem ter boas lembranças dos professores da escolarização
básica, mas não citam um em especial. O Sujeito 3 apenas comentou que gostava
especialmente dos professores da área de Ciências (área de seu interesse) e das experiências
79
que realizavam nos laboratórios e que isso veio a influenciar profundamente sua atuação
profissional.
O Sujeito 2 tem boas recordações de duas professoras: a Professora J., sua primeira
professora que a alfabetizou e a Professora E., de História, de 5ª a 8ª série e depois, do Ensino
Superior. Emocionada, revela que a Professora E. foi muito significativa, atribuindo-lhe a
opção pelo Curso de História na faculdade e de “ conquistas que atingi na sociedade, os
cargos que venho ocupando, eu sempre procurei me inspirar [...]. Respeitava muito os alunos
e isso foi uma coisa que sempre me chamou atenção [...]. Porque pra mim foi legal, acho que
isso está sendo legal para os meus alunos também.”
Outros modelos de professores servem para orientar o “não fazer” como docente, ou
seja, servem de “anti-inspiração” como denota Mizukami (2002). Tal como conta o Sujeito 1,
sobre uma Professora que: “ me mandava para o quadro e me dava um branco, porque tudo
que a gente aprendia tinha que escrever no quadro, e eu esquecia, ela me chamava de
foguinho e eu ficava brava [...]. Eu jamais repetiria uma coisa dessas [...]”.
Os exemplos dados pelos Sujeitos de seus professores da escolarização básica que,
segundo eles, agiam de forma incorreta ou incômoda, serviram como antimodelos nas suas
auto-análises como professores, visando não repetir as mesmas atitudes com os seus alunos.
Sendo assim, cabe registrar a afirmação de Fontana (1997, p. 68-69) de que
somente em relação a outro indivíduo tornamo-nos capazes de perceber
nossas características, de delinear nossas peculiaridades pessoais e nossas
peculiaridades como profissionais, de diferenciar nossos interesses das metas
alheias e de formular julgamentos sobre nós próprios e sobre o nosso fazer.
80
É na relação com outro ser humano que o indivíduo também se reconhece como
humano e tem a possibilidade de refletir sobre si mesmo, sobre a sua história, sobre seu
ambiente sociocultural
41
, tornando-se mais seguro para tomar decisões e agir.
Uma importante decisão na vida de um indivíduo é sobre seu trabalho e sua
profissão. A escolha profissional é, portanto, outro elemento que emergiu como significativo
das trajetórias de vida dos professores.
A decisão de ser professora foi tomada pelos Sujeitos 1 e 2, já na escolarização
básica
42
, quando optaram por fazer o Curso Normal.
Para o Sujeito 2, a escolha pelo magistério era a única opção para as mulheres.
Embora dizendo que sempre tivesse vontade de ser professora, confessa que, somente durante
a Escola Normal, identificou-se com o magistério. Relata que: “o Curso Normal não
preparava só para ser professora, preparava para o casamento também. O tipo de conteúdo,
as disciplinas que nós tínhamos, economia doméstica, as prendas domésticas, tudo isso então
era uma preparação para o casamento.” Possivelmente, por esse motivo, é que o Sujeito 4
conta que foi aconselhado pela Diretora para não prosseguir na Escola Normal Regional, pois
“não era coisa pra homem”.
Embora o Sujeito 1 tenha afirmado que sua opção pela profissão foi despertada ainda
quando criança, que a tenha escolhido por gosto, implicitamente sua escolha pelo magistério
também está muito calcada nos valores culturais e sociais da época: profissão feminina
legitimada socialmente, assim como para o Sujeito 2.
41
Neste trabalho, o ambiente sociocultural refere-se tanto a fatores abrangentes como o espaço e contexto
histórico onde o sujeito se desenvolve, seu nível socioeconômico, quanto ao grupo cultural com o qual o sujeito
estabelece relações.
42
Optou-se por se tratar da formação inicial para a docência dos Sujeitos 1 e 2 nesta unidade, baseando-se na
legislação brasileira atual, que inclui o Curso Normal no nível Médio de Ensino que, hoje faz parte da Educação
Básica.
81
Esses dados remetem à análise de que a preparação para a maternidade e para a vida
doméstica eram motivos relevantes para a escolha pelo magistério. Há, portanto, uma estreita
relação entre escolha profissional e gênero.
A feminização da profissão docente se deu no Brasil no fim do século XIX, já em
meados do século XX. Podia-se observar que as classes das Escolas Normais, se não inteiras,
eram predominantemente compostas por mulheres. É o caso do Sujeito 1 que relata que se
formaram 85 mulheres na sua turma da Escola Normal.
O instinto natural feminino de mãe era considerado ideal para a educação das
crianças, pois, como afirma Costa (1995), concebia-se que quem se ocupava em educar e
conduzir seus filhos, no lar, certamente também seria capaz de se ocupar da tarefa de educar
os filhos de uma nação.
De acordo com Almeida (1998), Campos (2002) e Demartini e Antunes (2002),
somam-se aos motivos de preparar para a maternidade e vida doméstica, outros como: a
necessidade de encaminhar as moças ao exercício de uma profissão digna; a baixa
remuneração (os homens desvinculavam-se do magistério para optar por outras profissões que
lhes dessem melhores condições de sustentar uma família); o fato de a mulher poder conciliar
as atividades profissionais e domésticas, devido à curta jornada de trabalho e às férias
escolares. Tais argumentos vêm ao encontro dos estudos de Enguita (1989, p. 240), nos quais
alude a que é muito provável que as jovens, especialmente as da classe média, procurassem
uma simbiose entre o que é ensinado na escola e os elementos tradicionais do papel de
mulher, “construindo assim uma feminidade mais aberta a uma incorporação parcial dos
valores masculinos, isto é, dos valores recompensados pela sociedade global.”.
Enguita (1989, p. 127) ainda expõe que as mulheres não são completamente ingênuas
a esse respeito. Elas muitas vezes são conscientes das restrições e das obrigações decorrentes
do casamento, mas também são realistas nesse caso. Sabem que, nas condições sociais nas
82
quais se encontram, a rejeição ao casamento poderia acarretar custos econômicos e sociais. “O
culto do romance as protege contra esses custos e lhes poder real na família, enquanto
reproduz em parte as restrições dos papéis econômicos e de gênero tradicionais.” (grifo do
autor).
Sendo assim, pode-se questionar: Face à condição de mulheres, os Sujeitos 1 e 2
fizeram realmente escolhas ou foram escolhidas pela sociedade para serem professoras? De
acordo com Fontana (1997, p. 112),
Os lugares sociais e históricos que ocupamos é que nos tornam reais,
determinando o conteúdo de nossa criação pessoal e cultural. Essa
determinação tanto delineia quanto delimita as possibilidades entre as quais
escolhemos. Assim, no processo de escolha, no jogo entre as influências,
imposições, adesões e resistências, escolhemos e somos também escolhidos.
Ou será que a profissionalização das professoras não se deveu ao fato de poderem,
por meio do magistério, romper os limites da estrutura patriarcal então predominante? Cabe
então, refletir: Será que a escolha pela profissão “professora” não significava a conquista de
um espaço na sociedade, em que era permitido à mulher acumular algum poder?
A imagem de “professora” que os Sujeitos 1 e 2 tinham em suas recordações é que
“era uma pessoa chique, muito linda, delicada. Sempre de salto alto e bem vestida. Então,
era um perfil de uma grande dama [...]” (Sujeito 1). As falas das duas professoras desta
pesquisa, acentuam em comum o desejo de exercer uma atividade, um trabalho com
repercussão social, compensação financeira e outras oportunidades de realização pessoal que
não somente a vida doméstica.
Mesmo, talvez, sem a real ciência das professoras, percebe-se que o fato de
acumularem as funções de esposas e profissionais lhes rendeu um poder relativo na família e
na sociedade, pois não era mais somente o homem que provia as necessidades financeiras da
casa e da família. Além de conquistar certa independência financeira e contribuir no sustento
83
da família, a mulher “professora” passava a ter, cada vez mais, voz e vez nas decisões com
relação à casa e à sociedade. Costa (1995, p. 184), baseada em sua pesquisa sobre trabalho
docente e gênero, afirma que “em muitas situações emerge o maternal e o afetivo [na atuação
profissional feminina], em outras, se projetam e avolumam posturas de ‘novas’ mulheres, ou
seja, as professoras conquistando sua profissionalização.”
Conforme Fontana (1997, p. 94), cada um dos papéis sociais assumidos pelos
sujeitos “determina uma série de atividades práticas, mobiliza funções psicológicas, implica
modos de relação, valores e prioridades que se ordenam de modos distintos nas diferentes
esferas da vida social.” Nesse sentido, é possível pensar numa heterogeneidade e instabilidade
de posicionamentos. É um movimento não linear, em que a mulher-mãe, a mulher-esposa, a
mulher-filha e a mulher-professora constituem-se simultânea e reciprocamente.
Louro (2001) esclarece que, embora eficazes na constituição e autonomia das
professoras, percebe-se que as diferenciações de gênero e os papéis exigidos pela sociedade
para as mulheres concorrem com outras e se transformam historicamente, graças às
resistências dos sujeitos, das mudanças sociais, econômicas e políticas, gerando novas formas
de organização. A partir de então, homens e mulheres, professores e professoras, passam a se
constituir diversamente, afastando-se parcialmente do caráter maternal da atividade docente e
buscando dar a ela uma conotação mais política e profissional.
Outro elemento que se destaca com importância na constituição e autonomia das
professoras que optaram pelo magistério, desde a Escola Normal, foram os estágios
curriculares. Segundo elas, os estágios curriculares lhes proporcionaram muita segurança e
foram essenciais em sua formação profissional.
O Sujeito 1, lembrando do Normal Regional, conta que “o estágio era na prática,
dávamos aulas planejadas em diários de classe, a professora da sala só assistia e avaliava
[...]” e sobre a Escola Normal “era bem puxado, realmente preparava a gente, foi nos anos
84
de 64 a 68 [...]. O estágio era terrível, porque você tinha que ir muito bem preparada, de
guardapozinho e fiscalizavam até a maneira de você apagar o quadro, a maneira de você
falar, a maneira de você andar na sala [...]”.
Nota-se, na verdade, que os estágios curriculares acabavam sendo apenas uma réplica
da atuação de seus professores em sala de aula. Não era permitido criar ou adaptar outras
metodologias que não aquelas consideradas ideais pelos ensinamentos do curso.
Considerando os elementos destacados nesta unidade, têm-se: a internalização de
normas e atitudes do ambiente familiar, as dificuldades para estudar, a adoção de modelos de
professores, a relação entre escolha profissional e gênero, bem como a segurança
proporcionada pelos estágios curriculares como experiências influentes no processo de
constituição e autonomia profissional docente. Tais influências e pressões do grupo social
vivido pelos professores não se exercem sobre algo inerte, pelo contrário, o sujeito humano é
dinâmico e transforma-se constantemente.
4.3.2 A formação acadêmica
Esta unidade refere-se à formação dos Sujeitos pesquisados no Ensino Superior e em
cursos de pós-graduação. Nela emergiram dois tipos de elementos partícipes da constituição e
autonomia profissional docente. Um que se refere às motivações presentes na escolha da
formação acadêmica e outro que revela as contribuições dessa formação para o exercício da
docência, tanto no que se refere a instrumentais teórico-metodológicos, quanto ao que se
refere a instrumentais críticos.
Quanto às motivações presentes na escolha da formação acadêmica, os dados
retratam diferenças entre os Sujeitos. O Sujeito 1 revela dois motivos principais para o seu
ingresso, em 1974, no curso de Pedagogia: a ampliação de seus conhecimentos, beneficiando
85
seu desenvolvimento profissional e a passagem de um nível para outro em seu plano de
carreira, o que implicou aumento salarial.
O Sujeito 2, devido aos compromissos familiares com marido e filhos pequenos,
deixou um intervalo de dez anos entre a sua formação na Escola Normal e o seu ingresso na
faculdade em 1971, no Curso de História. O motivo que a levou à faculdade foi a preocupação
de poder contribuir mais, como Supervisora Escolar, com a ação educativa das professoras da
escola onde trabalhava.
Diferentemente das mulheres, os sujeitos homens tiveram sua formação inicial para a
docência apenas no Ensino Superior e nenhum deles optou pela Licenciatura com a intenção
primeira de atuar como professor. O Sujeito 3 optou pelo curso de Ciências e Biologia, por
sua estreita ligação com a natureza e com a pesquisa, para satisfazer sua curiosidade e vontade
de descobrir as coisas. Também, para ter um curso reconhecido além dos muros do Seminário,
pois, as dúvidas com relação aos dogmas da Igreja Católica vinham alimentando sua decisão
pela desistência de se tornar padre.
O Sujeito 4 optou pelo curso de História, por sempre ter tido um bom rendimento nas
aulas de História na sua escolarização básica. Após ter-se formado em História, chegou a
iniciar outra graduação na área empresarial, mas não terminou, porque decidiu sair desse ramo
e iniciar sua carreira no magistério. Começou a atuar como professor, para complementar sua
renda financeira e só depois disso, segundo ele, viu-se identificado com a profissão.
Os relatos dos Sujeitos mostram que a educação recebida na família, os valores
internalizados, as normas e atividades sociais, a imagem e os modelos de professores da
escolarização foram determinantes nas motivações particulares dos Sujeitos para a escolha do
curso e para o aproveitamento deste em sua carreira.
Quanto à contribuição do curso superior para o exercício profissional, no que diz
respeito a instrumentais teórico-metodológicos, os Sujeitos expõem que seu Curso Superior,
86
em termos de conteúdos, da ampliação de seus conhecimentos teóricos e práticos da profissão,
o curso teve a sua importância, mas criticam a metodologia utilizada pela maioria dos
professores, fundamentada na pedagogia tradicional. A esse respeito, o Sujeito 2 relata:
alguns professores exigiam a decoreba e trabalhavam a História de forma linear,
cronológica, factual e heróica”. Os Sujeitos também contam que seus professores da
formação acadêmica não incentivavam a pesquisa e nem a formação em cursos de pós-
graduação.
Os professores pesquisados sentem que o fato de terem cursado o Ensino Superior no
período de Ditadura Militar privou-os de algumas atividades e de certos conhecimentos. Para
o Sujeito 2, por exemplo, o período da Ditadura Militar prejudicou sua formação no que diz
respeito à discussão de questões filosóficas e políticas da sociedade brasileira: “não tínhamos
acesso a algumas leituras que foram tiradas da biblioteca, não podíamos ler Marx e todas
essas questões [...], nenhuma discussão política [...], não havia muito debate, não havia
oportunidade de a gente desenvolver mais esse lado”.
O período da Ditadura Militar também influenciou o desenvolvimento profissional
do Sujeito 1 em seus estágios na Escola Normal. Segundo ela, o uso do mimeógrafo foi
proibido: “Quando foi barrado o uso do mimeógrafo eu fiquei pensando, mas por quê? Então
alguém disse que não podia porque você poderia estar multiplicando alguma coisa que não
devia.”
Nota-se que as histórias de vida de um indivíduo podem auxiliar a compreender
períodos da história da sociedade, ambas se entrelaçam, pois a história individual está inserida
na história de um coletivo. Como se pode perceber nos dados, a Ditadura Militar no Brasil foi
um período marcado pela repressão e censura, imprimindo na educação o caráter
antidemocrático e não-crítico daquela proposta ideológica de governo. O Decreto - Lei nº 477,
promulgado em de 26 de fevereiro de 1969 corresponde a esta afirmação:
87
Art 1
o
Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou
empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:
I - Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a
paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;
II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, de
qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele;
III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos,
passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe;
IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua
material subversivo de qualquer natureza;
V - Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo
docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de
autoridade ou aluno;
VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para
praticar ato contrário à moral ou à ordem pública.
§ 1
o
As infrações definidas neste artigo serão punidas:
I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de
estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição
de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma
natureza pelo prazo de cinco anos;
II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento e a proibição de se
matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por prazo de três (3)
anos.
§ 2
o
Se o infrator for beneficiário de bolsa de estudo ou perceber qualquer
ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não gozar de nenhum desses benefícios
pelo prazo de cinco (5) anos.
§ 3
o
Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada
do território nacional [...] (BRASIL, 1969).
Devido a este Decreto, nesse período, principalmente nos grandes centros urbanos,
vários professores foram presos e/ou demitidos, universidades foram invadidas e vigiadas,
estudantes foram presos, feridos e alguns até mortos em confrontos com a polícia. Nas
cidades do interior, essa violência militar parece ter sido mais amena, mas também afetou a
formação docente, especialmente, no que diz respeito ao acesso a instrumentais críticos,
como relataram os Sujeitos desta pesquisa.
O sofrimento causado pelo autoritarismo e pelos interesses econômicos e políticos da
Ditadura parece ter atingido, de modo peculiar, o Sujeito 3. A preocupação com o
questionamento e análise crítica da realidade parecem princípios muito arraigados em grande
parte da sua trajetória de vida, pois conta das constantes repreensões de seus superiores na
Igreja, relatando que foi coagido e ameaçado de prisão pelo então Governo Militar. Na
condição de seminarista, ele trabalhava como professor de ensino supletivo, no interior da
88
cidade de Petrópolis/RJ e visitava as casas dos paroquianos, alertando-os para que para não se
deixassem explorar pelos grandes fazendeiros.
Não é por acaso, portanto, o Sujeito 3 parece notar e fazer, em relação aos outros três
Sujeitos, uma leitura mais crítica acerca da divisão da sociedade em classes economicamente
diferentes e, conseqüentemente, com oportunidades e funções sociais distintas. Suas ações
tentam minimizar essas diferenças, por meio de esforços de conscientização dos oprimidos:
“nós víamos, que o povo era explorado por eles [grandes fazendeiros] e nós combatíamos
essa questão [...]. Mas, com isso, caímos nas más graças das autoridades da época que nos
chamaram atenção para não fomentar essas idéias ou, do contrário, seríamos presos. Então,
com certo cuidado, não pregávamos abertamente essas nossas idéias.” Essa leitura crítica da
sociedade não é percebida em nenhuma outra história de vida dos professores desta pesquisa.
O Sujeito 4, por exemplo, é um bom contraponto. Embora critique o valor atual do
salário mínimo no país e observe a estratégia do Governo de provocar a desunião da classe
dos professores, parece não notar a dinâmica da hierarquia econômica e do poder na
sociedade. Adota uma visão liberal, afirmando que o sucesso depende da capacidade inata e
do esforço próprio de cada um, desconsiderando um conjunto de fatores históricos, sociais,
econômicos e políticos: “Você, como professora, poderia chegar a um desses cargos [direção
escolar], dependendo da tua capacidade [...]. Eu vejo que as coisas devem ocorrer dentro de
um fluxo normal, natural. [...] Você tem que trabalhar e automaticamente o dinheiro aparece
[...]. Você nasce com aquilo, só você tem que procurar despertar aquilo.”
A grande maioria dos professores, devido às más condições de trabalho e
compensação financeira, assume diversos compromissos profissionais, enfrentando uma
intensa jornada de até 60 horas semanais de trabalho. O Sujeito 4, por exemplo, trabalha em
cinco empregos diferentes. Isso promove a alienação, pois na falta de tempo, é impossível
89
uma análise crítica. De acordo com Contreras (2002), o controle burocrático, a rotina, a
intensificação do trabalho conduzem a uma redução da autonomia.
Mas, como explicar o fato do Sujeito 3, professor como os outros Sujeitos, conseguir
fazer uma análise mais crítica da sociedade? Como explicar o fato de ele parecer mais
autônomo? Como explicá-lo, sabendo que os Sujeitos desta pesquisa nasceram em lugares
próximos uns dos outros, têm origens sociais semelhantes e passaram pelos mesmos modelos
conservadores de formação escolar? Afinal, o que marcaria o diferencial na constituição do
Sujeito 3?
O Sujeito 3, fruto também de uma educação disciplinadora e autoritária, revela que,
mesmo cumprindo todas as atividades de seminarista por cerca de vinte anos, teve tempo
suficiente para dedicar-se aos estudos, o que se deu em excelentes condições: laboratórios
equipados, bibliotecas com grande acervo etc. Teve tempo e condições para realizar as
leituras de sua preferência, além daquelas indicadas pelo seminário. Diferentemente do que
relatam os demais Sujeitos, para o Sujeito 3 a leitura fazia parte de sua vida diária.
Freqüentemente buscava autores que pudessem sanar suas dúvidas e anseios com relação à
ciência e à Igreja. Infere-se disso que a leitura e o hábito de analisar as leituras que fazia,
foram diferenciais na constituição e autonomia desse Sujeito. O Sujeito 3 assumiu sua vida
fora da Igreja, como marido e pai, bem mais tarde do que os outros Sujeitos desta pesquisa.
Acrescenta-se a isso o fato de que as sociedades possuem elementos condicionantes das ações
e da formação dos sujeitos. Entretanto o desenvolvimento das pessoas não é o mesmo em
todas elas. Como a teoria histórico-cultural anuncia, aí está o processo de constituição do
sujeito e, por sua vez, de sua autonomia.
Para Vigotski (2000b), o processo interpessoal que se dá na relação com a sociedade
é transformado num processo intrapessoal. Os contextos culturais podem ser semelhantes ou
até mesmo idênticos para todos os sujeitos, mas há elementos diferenciais, como se verifica
90
na história de vida do Sujeito 3. O que fez diferença para esse Sujeito superar as
determinações do momento histórico foram dois fatores: tempo e acesso à leituras críticas.
Os demais Sujeitos parecem não ter rompido completamente com a visão liberal de
sociedade, de escola, de educação. Nem mesmo a pós-graduação parece fazer diferença, pois
os quatro professores contam que têm especialização lato-sensu, cada um na sua área de
formação da graduação, mas observou-se que comentam apenas superficialmente a respeito,
parecendo que essa instância de formação não foi tão significativa quanto a graduação. O
Sujeito 2 é o único que cursou mestrado. Afirma apenas que esta formação stricto-sensu foi
uma experiência enriquecedora, uma grande realização em sua vida. Não há outro tipo de
expressão que permita dar outro significado à pós-graduação nas histórias de vida dos
Sujeitos. Isso faz refletir que não são cursos ou títulos que garantem uma formação acadêmica
que conduza à autonomia. Ela depende de outros fatores contextuais na formação do
professor.
O que se evidencia nas histórias é a força do ambiente sociocultural experienciado
pelos professores, assim como esclarece Goodson (1995), com efeito significativo sobre os
elementos destacados nesta unidade: nas motivações presentes na escolha do curso e nas
contribuições do curso para o exercício da docência, seja em termos de instrumentais teórico-
metodológicos, seja em termos de instrumentais críticos ou não-críticos. De acordo com os
Sujeitos desta pesquisa, a formação e, por sua vez, a constituição e autonomia profissional de
um professor, são muito influenciadas pelas diversas experiências de sua trajetória pessoal,
pelo contexto histórico, pelas relações sociais que estabelece, pela cultura, entre outras.
91
4.3.3 A formação extra-acadêmica
A formação extra-acadêmica, nesta unidade, inclui as atividades praticadas pelos
Sujeitos que contribuíram para o exercício da docência, além da educação formal recebida na
escola ou em instituições de Ensino Superior. São destacados elementos como o próprio
ambiente de trabalho dos Sujeitos, as exigências dos cargos e funções ocupadas nas
instituições nas quais trabalharam ou trabalham e a dedicação à pesquisa.
Percorrendo sua trajetória formativa, os professores concluem que o ambiente que
mais promoveu seu desenvolvimento profissional além dos muros da Instituição do Ensino
Superior, foi a escola, o ambiente de trabalho. Percebem que o dia-a-dia da profissão, a
prática na sala de aula e na instituição escolar foram imprescindíveis para a aprendizagem da
docência, ou seja, para a constituição do ser professor. Como conclui Libâneo (2001, p. 23) “é
no exercício do trabalho que, de fato, o professor produz sua profissionalidade.”
Considera-se que é na experiência, com o seu cotidiano profissional, isto é, no
exercício da docência, com as condições apresentadas, que os sujeitos se constroem
historicamente como homens, como pessoas, como profissionais, como professores. Para os
Sujeitos, essas experiências são vividas e tratadas de acordo com valores, sentimentos, normas
e tradições sociais e culturais.
Sendo assim, a docência e a constituição profissional do professor passa a ser
entendida como um percurso de aprendizagens, construído no tempo, na presença constante
do outro, nas interações face-a-face com colegas e alunos, “apontando os sinais e indícios
impressos no vivido e no ensinando (na identificação e na oposição) a lê-los, a interpretá-los e
reinterpretá-los [...]”. (FONTANA, 1997, p. 122).
Se o percurso formativo profissional dos professores pode conquistar grandes
avanços, com a participação em cursos de pós-graduação, congressos, pesquisas, leituras,
92
pode ter também períodos de estagnação. Nos Sujeitos desta pesquisa, a participação em
cursos, congressos e eventos na área educacional, esteve presente durante suas histórias de
vida. Porém, nota-se que tal participação se deve, em grande parte, às exigências próprias dos
cargos e funções que ocuparam nas instituições nas quais trabalharam, em sua grande maioria,
promovidas pelos órgãos oficiais.
Embora as histórias de vida dos professores revelem que grande parte de sua
formação profissional se deve às exigências das instituições e dos órgãos nos quais
trabalharam e trabalham, as falas dos professores colocam em questão a responsabilidade
do professor por sua própria formação.
Nóvoa (1995d, p. 25) argumenta que “estar em formação implica um investimento
pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, visando à
construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”
43
. Nessa
perspectiva, o Sujeito 3 é o que parece ser mais independente das exigências dos órgãos
oficiais com relação à sua própria formação. Como estava (e está) sempre com alguma
pesquisa ou experimento científico em andamento, parece buscar, sem pressões externas, a
formação necessária para realizá-los. Vê o conhecimento científico como elemento essencial à
resolução de algum problema real. Foi assim que o Sujeito 3, ainda no seminário, inventou
uma máquina de trançar fios, para facilitar seu trabalho manual de desfiar e trançar fios de
meias velhas, para fazer redes, cobertores etc. Também criou uma plantação de arroz no
seminário para economizar custos com a compra desse alimento. Recentemente, dedica-se à
pesquisa sobre o efeito do pó de pedra basáltica como adubo em plantações. Vislumbra-se que
nele está introjetada uma mentalidade de pesquisa.
43
A tradução é lusitana.
93
Nesse contexto, cabe citar autores como André (2001), Behrens (2003) e Demo
(1996) que ressaltam que o ato de “pesquisar” do professor é um importante recurso para a
sua formação, para a sua prática e, pode-se dizer, para a conquista de sua autonomia. A
pesquisa possibilita ao professor refletir sobre sua prática pedagógica, produzir
conhecimentos, descobrir novos caminhos e buscar possíveis soluções para resolver
problemas cotidianos.
Dessa forma, o sujeito se constitui professor tanto pela apropriação e reprodução de
concepções já estabelecidas social e culturalmente, e inscritas no saber dominante das
instituições educativas, quanto pela elaboração e interpretação particular das formas de
entendimento da atividade docente, tecidas em sua vivência pessoal e profissional com o
ensino (FONTANA, 1997).
Mediante os dados trazidos pelos Sujeitos, pode-se afirmar que o ambiente de
trabalho do professor, ou seja, as instituições com as quais teve ou tem contato, as exigências
dos cargos e funções ocupados e a dedicação à pesquisa são elementos significativos na
constituição e autonomia profissional do professor.
Observa-se que o percurso formativo é um processo que perpassa toda a trajetória de
vida dos professores. Nele aparecem marcadas pelos Sujeitos tanto as experiências do
percurso pessoal, da trajetória formal. que acontece no interior das instituições formadoras, ou
organizada por órgãos oficiais, como o exercício profissional e as oportunidades dele
decorrentes.
94
4.4 O percurso profissional
Este eixo refere-se à trajetória profissional dos sujeitos: a entrada na carreira, o
desenvolvimento da carreira, a integração do professor em seu meio profissional, cargos e
funções ocupadas, sua atuação profissional. Está subdividido em três unidades significativas:
o início e o desenvolvimento da carreira profissional; o cotidiano profissional e realizações e
obstáculos do percurso profissional.
4.4.1 O início e o desenvolvimento da carreira profissional
Esta unidade trata das vivências dos Sujeitos como professores, desde os primeiros
anos da carreira até o momento atual. Destacaram-se nela os seguintes elementos emergentes
dos relatos dos professores: as formas de ingresso na carreira docente, as primeiras
experiências no magistério, as oportunidades de carreira na educação além da docência, a
participação em entidades de classe e a política educacional vivenciada pelos Sujeitos.
Os Sujeitos ingressaram pela primeira vez na profissão de duas formas distintas:
por meio de concursos ou testes e por meio de indicação política. A segunda forma de
ingresso foi o meio encontrado pelo Sujeito 2, que relata uma conversa entre seu pai (Seu T.)
e o prefeito do município na época (Seu F.): “[...]‘_ Seu T., o Senhor não tem uma casinha
para me alugar? Porque o bairro tá crescendo e as crianças estão precisando de escola, eu
gostaria de fazer umas duas salas de aula, para começar[...]?’. E o meu pai respondeu: ‘_
Olha, Seu F., eu construo uma escola se o Senhor puser minha filha para trabalhar!’ [...]. O
meu pai construiu e o Prefeito me nomeou até que eu fizesse o concurso depois para o
Estado.”
95
Este relato do Sujeito 2 nos mostra que conseguir um emprego em órgãos públicos
por meio de indicação política ou por troca de favores parecia ser muito comum na época
(décadas de 60 e 70). No entanto, os Sujeitos privilegiam os concursos públicos, salientando
os benefícios que proporcionam, tais como estabilidade, plano de saúde, plano de carreira,
salário satisfatório (na época). Esses benefícios, especialmente, a estabilidade, passam a ser
conquistas da carreira, consideradas muito importantes pelos Sujeitos, assim como propõe
Huberman (1995).
Mas os Sujeitos, no geral, enfrentaram algumas dificuldades no início da carreira. O
Sujeito 1, por exemplo, conta que “ trabalhava 4 horas [...], quando chovia não passava
nada, era um atoleiro só. Nós íamos de trem e pulávamos num potreiro que tinha lá, que até
hoje eu não sei direito onde fica e andávamos o restante até a escola.”.
Ao contrário das mulheres, e talvez por não terem cursado a Escola Normal como
elas, os Sujeitos 3 e 4 contam que se sentiram um pouco inseguros em suas primeiras
experiências no magistério. O Sujeito 4 ainda relata que sua experiência de dez anos no setor
de recursos humanos na empresa em que trabalhava ajudou-o a relacionar-se bem com os
alunos, mas lhe faltavam “conteúdos”, para ministrar as aulas de História, elaborar
planejamentos etc., pois ele mesmo afirma: “É triste estar naquela época fazendo uma
faculdade por fazer [...]. Eu deixei meu diploma adormecido durante 9 anos como professor,
mas não porque ele não tinha valor, eu é que não dava o valor que ele merecia [...]”.
O Sujeito 3 teve sua primeira experiência como professor quando foi catequista e no
período em que fora professor do ensino supletivo, fundado pelo Seminário. Então, na
verdade, o Sujeito 3 começou a atuar como professor sem ter formação específica para tal,
para atender uma necessidade do Seminário, da Igreja com a qual tinha compromisso. Conta
que gostou da experiência, pois percebeu que, como professor, poderia expor suas idéias.
Mais tarde, depois de ter feito sua graduação, passou a dar aulas no seminário, de Ciências e
96
Biologia, e constatou que além de fomentar idéias, podia realizar seus desejos na ciência,
conjugando as atividades docentes com a de pesquisador.
Com relação à permanência no trabalho docente, assim como conclui Souza (1996),
os professores revelaram tanto um comportamento de conformismo em relação às exigências
e condições sociais (garantia de sobrevivência, falta de opção, possuir um diploma, ter uma
profissão, estabilidade etc.), quanto de resistência a essa mesma sociedade, identificando-se
com a sua escolha, vislumbrando no magistério uma realização pessoal e profissional e a
possibilidade de transformação e formação cultural. Como diz o Sujeito 3: “O professor
trabalha com idéias [...]. Eu acho que o professor ainda é um campo onde ele tem bastante
liberdade de pensamento, dentro da sala de aula, liberdade de influenciar e dele criar
também.”
Assim como expõe Souza (1997), se o ingresso na carreira docente ocorreu como
mecanismo de conformismo, é na vivência desses professores que as relações sociais
mostram-se como são: ambíguas, contraditórias, marcadas ao mesmo tempo por relações de
conformismo e de resistência. Sem contestar abertamente o determinado, os professores o
reinterpretam e o reelaboram com base na experiência, conferindo-lhes novos significados,
rumo à autonomia.
Nesse sentido, constata-se que os professores estão envolvidos tanto na reprodução,
como indicam Gadotti (1998) e Saviani (2000), quanto na contestação das imposições
econômicas ou culturais, como indicam Cury (1986), Freire (2003) e Giroux (1997). Nem
sempre as reproduzem, também resistem a elas, manifestando significados e práticas que são
relativamente autônomas.
A esse respeito, tomando por base os estudos de Apple (1989) e Enguita (1989),
pode-se pensar que os professores possuem uma autonomia relativa. Ao mesmo tempo em
que endossam e estão vinculados ao poder do sistema econômico, social e político, encontram
97
meios de contrariá-lo e resistir, participando de movimentos reivindicatórios, reformulando
currículos, realizando pesquisas etc. Paralelamente à história do grupo social do qual
participam, elaboram sua própria história, sua trajetória de vida.
Os dados dos Sujeitos mostram também que o exercício de outras atividades além
da docência, durante o desenvolvimento de suas carreiras também é fator contribuinte do
profissional docente. Algumas atividades ocorreram paralelamente à docência e outras a
interromperam, por um certo período. Por exemplo, um dado que coincide nos percursos
profissionais dos Sujeitos 1 e 2, é o fato de as professoras terem atuado como supervisoras
escolares de 1ª a 4ª séries, em meados da década de 80. De acordo com Cardoso (1997), pode-
se distinguir três vertentes que influenciaram a função do supervisor escolar. A primeira
vertente do conceito da supervisão, a mais antiga e tradicional, atribui ao supervisor(a) a
função de inspeção e fiscalização das atividades escolares. Deveria verificar e garantir o
cumprimento da legislação, documentação, matrículas, instalações, seguindo padrões rígidos
em todo o país.
A segunda vertente surgiu aproximadamente na década de 50 e se ampliou com a
aprovação da LDB 4.024/61. Emerge a função de orientação pedagógica da supervisão
escolar, na qual, cabia ao supervisor escolar orientar os professores mais jovens, para um
desempenho mais eficiente em sua prática pedagógica. Como orientador pedagógico, o
supervisor escolar devia selecionar exercícios e materiais didáticos variados, ministrar aulas
de demonstração, elaborar provas etc. Firmava-se “a divisão do trabalho escolar, em que um
grupo de professores pensa, organiza e planeja e outro grupo executa [...]”. (CARDOSO,
1997, p. 88).
A terceira vertente, por influência norte-americana, é introduzida no Brasil pelo
Programa de Aperfeiçoamento do Magistério Primário. Visava à melhoria do desempenho do
98
professor primário, por meio de treinamentos, incentivando métodos e técnicas de ensino
modernas, como anunciava o modelo da racionalidade técnica na formação de professores.
Nota-se que a transição do conceito de supervisão escolar e, em conseqüência, do
entendimento das próprias funções do professor, coincide com uma transição econômica,
política e social do país. Especialmente, esta última vertente apresentada, está fundamentada
na tendência tecnicista, preconizada pelo Governo Militar e pelos acordos MEC – USAID.
O Sujeito 1 e o Sujeito 2 vivenciaram esse processo de transição da função do
supervisor escolar o que, de acordo com seus relatos, aconteceu lentamente. A professora -
Sujeito 2, quando atuava como docente, indignava-se com a função de fiscalização e controle
exercida pelo supervisor: “[...] no dia da prova, que era com data marcada, a supervisora
chegava com as provas prontas, lacradas e entregava as provas para uma outra professora
que ia aplicar para os meus alunos e eu sempre briguei muito por causa disso.”
Num outro momento da carreira, o Sujeito 2 passa a exercer a função de supervisora
e não mais de professora e conta: “Nos unimos assim, num grupo [de supervisoras] que
pensava igual e a primeira coisa que conseguimos mudar, nós ainda continuávamos fazendo
a prova, mas antes dela ser mimeografada, nós fazíamos reunião com as nossas professoras e
mostrávamos as provas para elas, para que elas pudessem opinar em alguma questão.
Aceitávamos sugestões, porque era um direito da professora, ela que tinha todo esse processo
do conhecimento junto com as crianças e fiquei nove anos como supervisora e, nos últimos
tempos, as professoras já organizavam suas provas e nós assessorávamos nesse sentido
[...]”.
Esses dois momentos do percurso profissional do Sujeito 2, primeiro como
professora e depois como supervisora, apontam essa inversão de posições como um elemento
de mudança na carreira e na constituição autônoma dessa professora. A oportunidade de
exercer a função de supervisora possibilitou exercer sua autonomia para alterar uma realidade
99
com a qual não concordava, embora ainda respeitasse ordens superiores (levou quase nove
anos para que o supervisor não elaborasse mais as provas).
Já o Sujeito 1, diante dessa situação, embora não concordasse com o papel de
fiscalizar os professores, diz sempre ter cumprido sua função de supervisora, não explicitando
alguma ação para que ocorresse uma mudança, indicando uma reprodução da situação.
Por estes relatos dos Sujeitos 1 e 2, como supervisoras, pode-se notar que a atuação
autônoma do professor se deve, não somente às oportunidades que lhe são apresentadas para
exercê-la, mas também ao modo como as percebe. Nessa perspectiva, Contreras (2002, p.
197) escreve que a autonomia “não é um estado ou um atributo das pessoas, mas um
exercício, uma qualidade da vida que vivem.” Isto é, as pessoas conduzem-se autonomamente
em determinadas situações sociais, estando sujeitas ao seu processo de constituição. Por
exemplo, mais tarde, o Sujeito 1, ao participar da Associação dos Professores do Paraná
(APP-Sindicato), parece adotar uma outra postura.
Então, um elemento que também emerge como marcante na constituição e autonomia
profissional docente refere-se à participação em entidades de classe.
O Sujeito 1 foi membro ativo da APP-Sindicato, na década de 80, durante dois anos.
Expõe que essa participação contribuiu para o seu desenvolvimento profissional, no sentido
de perceber a importância da dimensão política na ação docente, ou seja, de o professor
posicionar-se diante de seu contexto profissional e social: “[...] me levou a respeitar a
opinião dos outros e a tomar uma posição principalmente [...]. O posicionamento é muito
importante e só ali mesmo que eu pude perceber.”
Entendendo que a formação docente, assim como diz García (1999), refere-se à área
de conhecimentos, investigações e propostas teórico-práticas interessadas nos processos por
meio dos quais os professores em formação, ou em exercício, envolvem-se em experiências
de aprendizagem, adquirem ou melhoram conhecimentos, competências e disposições, que
100
lhes permitem intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da
escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem, a
participação dos professores em entidades ou movimentos da classe, torna-se também um
meio de formação, de constituição profissional e de exercício da autonomia.
O caráter, em geral, político e crítico desses movimentos pode permitir ao professor
uma visão crítica da realidade, de sua situação, como profissional, de sua prática pedagógica.
Pode incentivar uma emancipação pessoal da repressão, uma superação de imposições
ideológicas, assim como propõe as teorias críticas da educação, que consideram o professor
como sujeito de um pensar e agir. Como um sujeito histórico, comprometido socialmente,
como postulam Freire (1999, 2003), Gadotti (1998) e Giroux (1997).
Nessa perspectiva, a política educacional vivenciada pelos Sujeitos surge como um
outro elemento relevante no processo de constituição e autonomia profissional docente.
Quanto à política educacional, os professores registraram grandes e importantes
reformas educacionais que marcaram o ensino e, também, suas carreiras. Criticam o fato de o
governo sempre seguir modelos educacionais de outros países, sem consultar ou preocupar-se
com a formação dos professores, para assumir tal reforma. O Sujeito 1 justifica afirmando
que, na ocasião da implantação da LDB 5692/71, os estudos foram superficiais e por isso,
“muitas coisas não deram certo”.
Entre as reformas educacionais também citam a LDB 9394/96. Os Sujeitos 1 e 2
posicionam-se, afirmando que esta proporcionou uma maior liberdade e autonomia para os
professores e escolas, mas que ainda falta maior participação da classe na discussão e
elaboração de novas diretrizes, projetos pedagógicos e planos educacionais nacionais. A esse
respeito, cabe ressaltar a reflexão de Contreras (2002, p. 219), ao afirmar que
101
Quando os processos de decisão do que se deve fazer na escola excluem os
professores, ou lhes impõem os limites de suas competências, o que devem
decidir ou não, excluindo também a participação social e estabelecendo
como únicos interlocutores os aparelhos da administração, estamos diante de
um tipo de relação que só estimula a obediência, ou ao contrário, o engodo e
a desobediência, mas dificilmente a autonomia [...]
Em continuidade a esta reflexão, é possível notar então que, apesar de os professores
terem oportunidades para se constituirem mais autonomamente, ao poderem participar de
movimentos e associações da classe, ainda estão à margem das políticas educacionais. Assim,
encontram-se numa situação contraditória, que é de resistência e, ao mesmo tempo, de
reprodução, constituindo uma espécie de autonomia limitada. Mais uma vez, reforça-se a idéia
de que a autonomia, no processo de constituição profissional docente, está relacionada ao
posicionamento político, às oportunidades, escolhas, relações sociais e ao modo como o
sujeito internaliza essas vivências.
Diante de todos os dados já expostos, os professores pesquisados realizam uma breve
análise de seu desenvolvimento profissional. Particularmente, o Sujeito 1, refletindo sobre o
momento atual, que o define como o “novo paradigma”, reconhece que teria atitudes
diferentes como professora. Percebe que sua atuação educativa de anos atrás, em sala de aula,
não seria mais adequada aos dias de hoje, devido às mudanças na sociedade e na própria
escola : “[...] quando a gente se lembra das coisas que aconteciam e vê agora o novo parecer,
o novo paradigma, você fica pensando, meu Deus, quanta coisa errada eu fiz!”.
Mas, ao se indagar por quais razões que cada um dos professores ensinou ou ensina
desta ou daquela maneira, age desta ou daquela forma, é possível concordar com Fonseca
(1997) que supõe que um amálgama dinâmico de sentimentos, gostos, experiências, valores e
de relacionamentos consolidou-se no decorrer do tempo e das interações sociais, mediante
concepções e comportamentos que identificam a maneira própria de ensinar e de ser de cada
um dos professores.
102
De acordo com os trabalhos de Cunha (2000), Fontana (1997), Fonseca (1997),
Soares (1991) e Souza (1996), pode-se afirmar que uma certa maneira particular de ser e agir
que cada um possui é formada a partir da influência exercida pelos sistemas formativos e
normativos, pela economia, pela política, pela cultura, pelas interações com outras pessoas,
por pertencer a uma geração etc.
Os elementos apontados nesta unidade como as formas de ingresso na carreira,
oportunidades de carreira na educação além da docência, participação em entidades de classe
e a política educacional vivenciada pelos Sujeitos, conduzem à afirmação de que os
professores são uma multiplicidade de papéis sociais internalizados numa só pessoa.
Acredita-se que é nesse sentido que Nóvoa (1995c) salienta que a maneira como o
professor age como profissional está diretamente dependente do que ele é como pessoa. E o
que o professor é como pessoa está diretamente relacionado ao que ele é como profissional.
São faces que se completam e se constituem reciprocamente.
Portanto, cada sujeito não é somente professor ou professora. É também homem e
mulher, cidadão, avó, pai e filho, mãe e filha, irmão, esposo, esposa, o professor inexperiente,
o professor pesquisador, a supervisora, a militante, o professor que trabalha em cinco escolas,
entre outros.
4.4.2 O cotidiano profissional
Com base na concepção de cotidiano de Heller ([198-]), entende-se o cotidiano como
o espaço de experiências e de construção histórica de todo homem e do homem inteiro.
Portanto, é no espaço cotidiano da escola que os professores trabalham e vivenciam
experiências, embates, alegrias e decepções; constroem conceitos e relacionamentos; ensinam,
aprendem e constituem-se. Esta unidade refere-se às vivências dos Sujeitos nas instituições e
103
espaços educacionais nos quais trabalharam ou trabalham, ao longo de sua carreira
profissional, salientando os seguintes elementos: os contextos colaborativos, a concepção de
coletivo dos professores e a influência de cotidianos não-escolares no cotidiano docente.
No cotidiano profissional, a prática educativa dos sujeitos expressa vários aspectos
apontados nas dimensões do desenvolvimento profissional de Howey (1985), tais como a
busca pelo domínio da área de conhecimento a que se dedicam e como transpor didaticamente
esses conhecimentos aos alunos; conhecer a escola, a instituição na qual trabalham; exercer
papéis de liderança; a preocupação com a aprendizagem dos alunos e com as condições de
trabalho.
Nas histórias de vida dos Sujeitos, o cotidiano se expressa na convivência e no
relacionamento com os colegas, em que o respeito pelo próximo e a coletividade para a
realização de um bom trabalho são apontados como essenciais pelos professores. Para o
Sujeito 1, o convívio com os colegas foi “sempre de muita amizade [...], fazíamos as festas
na escola, as comemorações. Era muito bom.”
É unânime entre autores como García (1999), Fullan e Hargreaves (2000), Nóvoa
(1995a), Ponte (1998) e Zeichner (1993), a importância atribuída ao trabalho colaborativo
entre professores. Os contextos colaborativos, sejam eles institucionais, associativos, formais
ou informais, oportunizam ao professor interagir com seus pares, expondo experiências e
opiniões, obtendo informações e sugestões importantes para a sua prática. A prática
profissional do professor pode, assim, ser favorecida por um movimento, a partir das
experiências de outros professores. Assim, o professor constitui-se e desenvolve-se num
contexto de relações e não isoladamente. E a autonomia está, portanto, “na relação com o
outro e na interpretação dessa relação.” (CUNHA, 2000, p. 132).
Mas é interessante observar que o Sujeito 2 sugere que a cooperação profissional
pressupõe que todos os envolvidos no trabalho educativo de uma instituição definam
104
objetivos comuns: “[...] para que a gente possa caminhar com mais unidade, todos os
departamentos tendo os mesmos posicionamentos”. O Sujeito 4, da mesma forma, entende
que para haver coletivo não deve haver conflitos ou divergências de idéias, como por
exemplo, afirma que “uma classe [a dos professores], para ser unida, não pode estar
disputando entre ela mesma a liderança.”
As falas desses Sujeitos revelam uma posição de coletivo que emerge da concepção
de uma educação homogeneizadora, apolítica, vivida e internalizada por eles. Como ser
autônomo, numa concepção de coletivo como massa, com todos pensando e agindo da mesma
forma?
O coletivo não significa unidade absoluta de posicionamentos e ações. Os sujeitos
são pessoas singulares, isto é, considera-se que cada qual tem o seu modo particular de pensar
e agir, devendo buscar meios e oportunidades de expô-los, exercitando sua autonomia. As
divergências de idéias e posturas, à medida que são discutidas, contribuem para um
crescimento individual e também coletivo, influenciam na constituição autônoma do
professor. Os conflitos, na verdade, são inerentes à idéia de coletivo. Como denota Arendt
(1983, p.12)
[...] tudo o que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na
medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além
da linguagem [do signo] e que podem ser de grande relevância para o
homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um
político. Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem
neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem
falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos. (grifo nosso)
De acordo, então, com Arendt (1983), e também com a concepção histórico-cultural,
é na relação, no diálogo com o outro, que o sujeito aprende e se apropria do vivido, que se
transforma e se constitui no que é, que se particulariza. A interação entre indivíduos
105
particulares, mediada pelos signos, desempenha um papel fundamental na constituição do
sujeito e na construção de sua autonomia.
Um outro elemento que marca os relatos dos Sujeitos nesta unidade são as
experiências vividas em cotidianos não-escolares. A cotidianidade e as experiências vividas
fora do ambiente escolar influenciam a atuação profissional dos professores pesquisados. Isto
é explicitado claramente, por exemplo, na fala do Sujeito 4, quando traz para o seu cotidiano
de professor elementos de outros cotidianos vividos por ele, valendo-se de suas experiências
como coroinha da Igreja, no Exército e nas empresas em que trabalhou para organizar suas
aulas e sugerir mudanças na organização do sistema escolar, com relação à ocupação do cargo
de Diretor: “Por que um comandante é transferido? Por que um gerente é transferido de
Banco? Por que um vigário troca de Paróquia? Por que exatamente um diretor de escola não
poderia ter um salário digno de um administrador, com visão na parte de administração, na
parte pedagógica, em tudo e também receber uma transferência, quando ocorre um
problema?”.
A influência de elementos de outros cotidianos, além da escola, para o Sujeito 4
foram tão marcantes que ele os toma como modelos em seu percurso profissional docente. E,
com certa regularidade, entre os quatro Sujeitos desta pesquisa, elementos vividos no
cotidiano familiar e formativo também influenciam o cotidiano profissional, como é o caso do
Sujeito 3 que conta que a vida no seminário era muito regular, rígida, sincera, não era
permitido “colar” de jeito algum e “[...] naturalmente estas atitudes eu guardei com muita
rigidez [...] passei também a idéia aos alunos [...]”. Nesse sentido, cabe citar a análise de
Fontana (1997) que conclui que as relações que o sujeito estabelece com os outros, os modos
de agir com e sobre os outros, tornam-se formas de relação e de ação sobre ele mesmo.
Vigotski (2000b) aponta que o desenvolvimento humano caminha para a
transformação de funções sociais em funções psicológicas. Mas a constituição do sujeito não
106
é um processo de absorção passiva da cultura, e sim um processo de transformação, de
síntese, em que o sujeito atribui significados próprios às ações, chegando a uma autonomia.
4.4.3 Realizações e obstáculos do percurso profissional
Esta unidade traz elementos que, segundo os relatos dos Sujeitos, significam alegria
e realização na carreira docente, como o convívio com os alunos e, também aponta elementos
que significam obstáculos do percurso profissional, como a relação com colegas de trabalho,
as más condições de trabalho e a organização da escola.
As realizações do percurso profissional destacadas pelos professores estão
prioritariamente relacionadas ao convívio com os alunos. É sobre esse aspecto, portanto, que
os Sujeitos de pesquisa contam a satisfação pessoal e profissional: “Sempre os momentos em
que eu convivi com os meus alunos, considero como melhores momentos. Até hoje eu tenho
uma ligação muito forte com os meus alunos.” - (Sujeito 2).“Eu acho que melhores
momentos eu colocaria a sala de aula de 1ª a 4ª. Foi muito bom, tanto no início quanto
quando eu peguei o segundo padrão, que eu voltei.”- (Sujeito 1). “São tantos momentos de
satisfação, desde aquele bilhete que você recebe do aluno até uma homenagem [...]”-
(Sujeito 4).
Sobre os obstáculos do percurso profissional, peculiarmente, o Sujeito 1 descreve um
fato relacionado ao convívio com uma colega de trabalho, que quase a levou à desistência
da profissão: “[...] uma diretora muito insegura e imatura, ao mesmo tempo, que quase não
aparecia na escola. Como eu estava lá doze horas, as professoras se apegavam, tinham
confiança, porque eu dava respostas pra elas [...], me apunhalando pelas costas, me
colocando à disposição do Núcleo.” Esse fato certamente repercutiu na trajetória profissional
do Sujeito 1, pois segundo Fontana (1997, p. 133), “as relações de trabalho que nos afastam
107
de nossos pares empobrecem nossa constituição como profissionais e como sujeitos [...]”. Vê-
se, mais uma vez, que o trabalho coletivo mediado pelo diálogo, é um importante recurso para
a atividade docente.
Tecendo uma visão crítica do momento atual, os Sujeitos destacam também, como
um dos maiores obstáculos do percurso profissional as más condições de trabalho nas
escolas, citando a falta de valorização da profissão docente, os baixos salários e o número
reduzido de profissionais nas equipes pedagógicas, destinados a auxiliar o professor e a
contribuir na gestão escolar.
Para o Sujeito 3, aspectos negativos como os citados parecem até causar-lhe certo
mal-estar
44
, interferindo em seu investimento na carreira de professor. Acredita que a escola,
da maneira como está organizada hoje (laboratórios não adequados, desinteresse dos alunos
e da Direção, falta de tempo, falta de recursos financeiros etc.), não viabiliza seus projetos de
pesquisa. Observa que isto o desanima e receia que possa estar prejudicando os alunos em sua
aprendizagem. Então, pretende logo aposentar-se.
Ao contrário dos demais sujeitos, o Sujeito 2 parece ter uma visão otimista, pois
afirma que “houve uma revolução no ensino [...], houve melhora em todos os sentidos [...]”.
Percebe que a escola, os professores reconhecem as mudanças que ocorreram e ocorrem na
sociedade, como cita as inovações tecnológicas e novas metodologias, e diz adaptar sua ação
pedagógica a elas. Isto, para ela, eleva a qualidade do ensino. Nota essa mudança também
entre os acadêmicos do curso em que leciona na faculdade, que estão mais participativos e
cada vez mais preocupados com sua formação.
Pode-se inferir que essa divergência sobre a percepção das condições da escola
atualmente, deve-se às oportunidades e trajetórias vividas por cada um deles, no decorrer de
44
A expressão mal-estar docente, segundo Esteve (1999, p. 98), é utilizada para descrever “os efeitos
permanentes de caráter negativo, que afetam a personalidade do professor como resultado das
condições psicológicas e sociais em que exerce a docência, devido à mudança social acelerada.”
108
seu percurso profissional e da especificidade de seu trabalho docente. Como assinala Fontana
(1997, p. 137):
As especificidades da organização do trabalho docente também nos
constituíram e seguem nos constituindo. Vivendo-as, dentro e fora do espaço
escolar, produzimos as professoras que somos. Em suas confluências e
oposições às muitas outras dimensões e papéis sociais que nos constituem,
fomos transformando-as em parte de nós, fomos imprimindo-lhes nuances e
tonalidades singulares.
Sendo assim, os dados mostram que todos os professores participantes desta
pesquisa, cada qual com a sua singularidade, tiveram obstáculos a serem superados como
momentos de desânimo, ansiedade e até mesmo mágoas, mas também tiveram muitas
realizações: passaram por grandes e longos tempos de tranqüilidade, conforto e alegrias.
Ambos – obstáculos e realizações – afetaram e afetam o percurso profissional docente.
Portanto, o desenvolvimento da carreira docente não é linear nem simétrico, difere de
professor para professor, devido às influências socioculturais às quais está exposto e ao modo
como percebe, internaliza e interpreta essas influências.
Nos relatos dos Sujeitos, é possível identificar a fase de estabilização de que trata
Huberman (1995), na qual os professores sentem-se mais seguros com relação à profissão e há
um comprometimento definitivo com o ensino. Mas, os professores desta pesquisa, com
exceção do Sujeito 3, mesmo chegando ao final de suas carreiras, parecem não se inserirem na
fase de desinvestimento na profissão. Pelo contrário, eles têm planos futuros na carreira
docente. O Sujeito 1, logo que se aposentar, pretende voltar a estudar, ingressar em um
programa de Mestrado, para lecionar no Ensino Superior. O Sujeito 2, embora pretenda se
dedicar mais à família quando se aposentar, diz que tem compromisso com a instituição em
que trabalha, pelos próximos quatro anos, e esse tempo, possivelmente, pode-se estender. O
Sujeito 4 pretende dedicar-se mais a si mesmo, descansar, mas afirma ainda querer percorrer
uma longa caminhada na docência.
109
O processo de rememoração da trajetória de vida oportunizou às professoras
refletirem sobre seu próprio desenvolvimento profissional, repensarem ações, atitudes,
escolhas e também fazerem planos para o futuro. Ao final dos relatos, os próprios professores
reconhecem que o processo de constituição profissional e de sua autonomia se dá pelo
desenvolvimento conjugado do percurso pessoal, formativo e profissional. Esses aspectos
entrelaçam-se durante as trajetórias de vida e também mesclam-se durante o delineamento da
história oral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Não posso ser professor se não percebo cada
vez melhor que, por não poder ser neutra,
minha prática exige de mim uma definição.
Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura.
Exige de mim que escolha entre isto e aquilo.
Não posso ser professor a favor de quem quer
que seja e a favor de não importa o quê. [...]
Sou professor a favor da esperança que me
anima apesar de tudo.”
Paulo Freire
O presente trabalho partiu das seguintes indagações: Como se dá o processo de
constituição profissional docente? Que tipos de experiências e relações pessoais, profissionais
e formativas contribuem para a constituição profissional docente? E, no processo de
constituição profissional, como o professor desenvolve uma autonomia?
Estas indagações traduziram-se em dois objetivos que nortearam a organização da
pesquisa: a) identificar, descrever e analisar o processo de constituição profissional docente e
identificar; b) analisar a autonomia no processo de constituição profissional docente, a partir
das histórias de vida de quatro professores, dois homens e duas mulheres.
Sem pretensão de esgotar o tema, tecer generalizações ou encontrar respostas
definitivas para os objetivos propostos, esta pesquisa possibilitou destacar algumas indicações
importantes para a compreensão do processo de constituição e autonomia profissional
docente.
As histórias de vida dos professores não constituem apenas uma reprodução do
passado, constituem uma representação do passado, reinterpretado à luz do presente. É com o
olhar do presente que o sujeito percebe seu passado, relata-o e o analisa. Assim, se os dados
111
revelados nos relatos dos professores fazem parte da memória de cada um deles, constata-se
que a memória dos sujeitos “não é o acesso a um continente de lembranças armazenadas, mas
uma elaboração, governada pelo sujeito presente, de aspectos do passado.” (CERRI, 2000, p.
115).
Bosi (1994) e Oliveira (2004) fazem ver que apesar de a história oral ter o seu
enfoque nos aspectos individuais da vida de cada sujeito, ao mesmo tempo uma memória
coletiva é ativada, pois à medida que cada indivíduo conta a sua história, ele se encontra
envolto em um contexto histórico e cultural, estabelecendo relações sociais, pertencendo a um
grupo, classe ou categoria que participa de um passado comum. A convivência com
familiares, amigos, no ambiente escolar e profissional desenvolve uma memória coletiva.
Desse modo, pode-se dizer que os dados desta pesquisa revelaram aspectos da história da
sociedade e de um coletivo de sujeitos – professores. Tais aspectos foram determinantes na
história individual de cada um dos sujeitos pesquisados, revelando, ainda, que o processo de
constituição é coletivo. O caráter coletivo advém à medida que o sujeito estabelece relações
sociais, sendo singular, à medida que imprime, nessas relações sociais, a sua marca, a sua
subjetividade.
Sob essa perspectiva, constatou-se por meio das histórias de vida, que o sujeito –
professor é um todo, um conjunto complexo de vivências pessoais, formativas e profissionais,
pois no decorrer de todos os relatos, esses percursos mostram-se entrelaçados por meio de
múltiplos movimentos, que dificultam, muitas vezes, a distinção entre um e outro. Cada um
desses percursos oportunizou diferentes experiências e relações sociais e, estas, por sua vez,
promoveram a internalização de novos conteúdos, valores, crenças, normas e atitudes,
formação de gostos e estilos.
Acredita-se que o processo de constituição profissional docente se dá a partir de um
amplo processo, que inclui, desde a suas experiências no seio familiar, sua escolarização, até
112
o exercício profissional, propriamente dito e, todos esses aspectos encontram-se reunidos na
dinâmica da história da sociedade e da história de cada sujeito em particular (CUNHA, 2000).
A constituição do sujeito - professor não resulta, assim, de uma simples transposição
da realidade exterior para a interior, mas é um processo de internalização, que envolve,
simultaneamente, uma dimensão externa e cultural, e uma dimensão interna, subjetiva, de
cada sujeito em permanente reconstrução. É um processo histórico-cultural.
Os elementos externos – culturais, que aparecem nas histórias de vida dos Sujeitos,
como o período histórico em que viveram, a escolaridade e a formação acadêmica, a
convivência com os pais e irmãos, o casamento, filhos, os modelos e concepções de formação
escolar, o cotidiano profissional, as condições econômicas, as dificuldades e realizações, são
muito próximos e semelhantes, revelando tendências comuns entre eles. Mas, as escolhas, as
relações sociais que estabeleceram e o modo como cada sujeito – professor as trata é
particular, “uma vez que o significado, de que cada um deles se revestiu, dependeu do lugar
que cada personagem ocupou na trama de relações em que cada história foi-se tecendo.”
(FONTANA, 1997, p. 134). Por isso, ainda que os fatores constitutivos possam ser muito
próximos e até os mesmos, para todo e qualquer sujeito, o processo de constituição de cada
professor é singular, é uno.
As situações experienciadas e as posições assumidas pelos Sujeitos em seus
percursos pessoais, formativos e profissionais evidenciam que a complexa interação com o
seu ambiente sociocultural, com as relações sociais e com a sua subjetividade podem ser
consideradas como fundamentos do processo de constituição dos professores.
Nas histórias de vida analisadas nesta pesquisa, todos os elementos que emergiram
das falas dos Sujeitos apontados no Capítulo IV são significativos na constituição e autonomia
profissional docente. Entretanto, alguns elementos se sobressaíram, demostrando uma forte
113
influência na constituição dos professores, tais como: as questões de gênero, a formação
familiar e da escolarização básica e o exercício profissional.
Sobre as questões de gênero, a sociedade, a cultura de modo abrangente, indica a
cada momento quais comportamentos são esperados e aceitos para homens e mulheres. Por
conseguinte, em vários momentos das histórias de vida dos professores pesquisados é possível
distinguir e relacionar, sem mesmo nominar, quais dos Sujeitos são mulheres e quais são
homens. Há diferenças nas trajetórias de vida e na constituição desses como docentes, por
serem homens ou mulheres. Diferenças que vão desde o tratamento recebido na família
(ajudar nos afazeres domésticos, no caso das mulheres), a valorização do casamento e o
relacionamento com os filhos, na escolha da profissão e até na imagem que se tem de
professor.
Da formação familiar e da escolarização básica, os Sujeitos internalizaram
comumente valores morais, éticos e religiosos, normas de comportamento e atitudes. Essa
formação produziu significados e sentidos que os acompanharam desde o início até o final de
seus relatos, ou seja, por toda a vida de cada um. Os modelos de pai, mãe e de professores são
assumidos por eles nas posições que ocupam na sociedade.
É na dinâmica do exercício profissional, sobretudo, que os Sujeitos se reconhecem
como professores, assumindo hábitos, posturas, posições, mobilizando experiências,
discutindo, construindo sua prática pedagógica no dia a dia da sala de aula. Na relação com os
alunos, colegas, superiores, no cotidiano é que se constituem como profissionais.
E o desenvolvimento da autonomia revelou-se como inerente e simultâneo ao
processo de constituição de cada professor. Inúmeras situações vividas pelos Sujeitos, como a
educação rigorosa recebida na família, exemplos de professores autoritários, a formação
escolar conservadora, a formação acadêmica no período de Ditadura, a formação sacerdotal
ou no exército, a idéia de um coletivo sem conflitos, as condições de trabalho, entre outras,
114
influenciam, reduzindo e limitando o desenvolvimento da autonomia, chegando, por vezes,
até a anulá-la.
A questão da falta de tempo emerge das trajetórias da maior parte dos Sujeitos como
um fator significativo na redução da autonomia. Trabalhar em cinco empregos diferentes,
conciliar o trabalho com as atividades domésticas (no caso dos Sujeitos mulheres), são
exemplos de que o professor, muitas vezes, não consegue o tempo necessário para dedicar-se
a leituras e para proceder a uma análise crítica da realidade, de sua própria formação e
profissão. Além disso, não são compensados financeiramente para prover o sustento da
família e ainda investir em sua formação, como apontam Apple (1989) e Ponce (2004). Outra
conseqüência da falta de tempo assinalada por Silva (1991) é o afastamento do professor das
relações de diálogo com seus pares e de seu envolvimento em movimentos e associações da
classe, incentivando o individualismo, levando-o à alienação. Isto faz com que o professor
acabe fossilizando práticas e comportamentos.
Mas, considerando que a autonomia suscita uma emancipação pessoal e ideológica,
uma conscientização e um posicionamento político e coletivo, uma construção permanente,
em contrapartida, existem outras situações experienciadas pelos Sujeitos pesquisados que a
fomentam e a oportunizam como: exemplos de professores dinâmicos e críticos,
oportunidades de exercer cargos administrativos, a sala de aula e a participação em
movimentos e associações da classe. Por meio do relato do Sujeito 3, pode-se concluir que o
estudo, a pesquisa, a leitura e o hábito de análise crítica da leitura foram, em sua trajetória,
fatores relevantes na construção da autonomia docente. Isso sugere que esses fatores devem
ser mais incentivados e valorizados na formação docente.
Baseando-se nos dados desta pesquisa, pode-se afirmar que a autonomia no processo
de constituição profissional docente desenvolve-se de forma relativa como concluem Apple
(1989) e Enguita (1989). Os professores em alguns momentos e situações apenas agem como
115
meros executores e reprodutores, às vezes, sem perceber ou mesmo por conveniência, para
atingir seus propósitos particulares. Em outros momentos, agem com resistência, com
consciência e criticidade.
Acredita-se que um dos meios de o professor ampliar o desenvolvimento de sua
autonomia, além de conhecer e refletir sobre seu contexto histórico-cultural, é se
autoconhecer, compreender os modos pelos quais se constitui, pois como denota Contreras
(2002, p. 214), a autonomia significa “[...] um processo dinâmico de definição e constituição
pessoal de quem somos como profissionais, e a consciência e realidade de que esta definição e
constituição não pode ser realizada senão no seio da própria realidade profissional [...]”.
Esta pesquisa mostra que rememorar e refletir intimamente sobre sua história de
vida, relacionando-a aos intervenientes socioculturais, pode possibilitar ao professor conhecer
suas limitações e encontrar meios para rompê-las, compreender que seu processo de formação
não é ingênuo e nem intermitente e que a autonomia deve ser uma busca permanente. Pode
permitir ao professor questionar-se, porque ensina deste ou daquele jeito, entender o porquê e
como se tornou o que é e, especialmente, perceber que não é um ser acabado, mas um sujeito
histórico, que está em constante constituição.
A partir dessa perspectiva, conhecer a trajetória de vida, o processo de constituição,
de uma autonomia e incentivar o autoconhecimento de futuros profissionais da educação,
passa a ser um desafio para os cursos de formação de professores e para a escola. É uma
relação que deve e merece ser mais bem explorada em outras pesquisas, pois como sublinha
Freire (1999), o espaço profissional docente é um “texto” para ser, permanentemente, lido,
interpretado, analisado, escrito e reescrito.
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de Campinas, São Paulo, 1992.
ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa,
1993
126
ANEXO A - ROTEIRO PARA A ENTREVISTA
HISTÓRIA ORAL DE VIDA
Percurso pessoal: quando e onde nasceu; sua família, sua infância; o modo de vida; as
crenças religiosas e políticas; mudanças residenciais; acontecimentos marcantes; o
cotidiano; juventude; casamento; filhos etc.
Percurso formativo: quando e onde estudou; a vida na escola como aluno; curso
superior: como foram o ingresso e a duração do curso, relacionamento com colegas e
professores, disciplinas, leituras, preparação pedagógica, estágios, participação em
agremiações, casos interessantes, influências teóricas e políticas; pós-graduação;
participação em cursos de extensão, congressos; ambientes e estratégias de formação
continuada (Por incentivo de quem? Promovido por quem?) etc.
Percurso profissional: por que, como, quando e onde iniciou a carreira; expectativas
com relação à carreira; percepções com relação ao ensino no decorrer da carreira; os
concursos; convites; as instituições e níveis de atuação; estabilidade; condições de
trabalho; salário; participação de associações da categoria; relacionamento com os
colegas e alunos; metodologia; reformas educacionais, sociais, políticas e econômicas
etc. Você se sente realizado nesta profissão? Se pudesse fazer tudo de novo, seria
professor novamente?
127
ANEXO B - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
1. DADOS PESSOAIS:
Nome: _____________________________________________________________________
Idade: _____________________________________________________________________
Naturalidade: _______________________________________________________________
Sexo: ________ Estado Civil: ___________________________ nº de filhos: ____________
FORMAÇÃO ACADÊMICA:
2.1 GRADUAÇÃO
Curso: _____________________________________________________________________
Instituição: _________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ___________________________________________________________
1.2 ESPECIALIZAÇÃO “LATO SENSU”:
Curso: _____________________________________________________________________
Instituição: _________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ___________________________________________________________
Título da Monografia: ________________________________________________________
1.3 MESTRADO:
Curso: _____________________________________________________________________
Instituição: _________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ___________________________________________________________
Título da Dissertação: ________________________________________________________
1.4 DOUTORADO:
Curso: _____________________________________________________________________
Instituição: _________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ___________________________________________________________
Título da Tese: ______________________________________________________________
2. EXPERIÊNCIA DOCENTE
Ensino Fundamental (Séries Iniciais) _____ Anos
Ensino Fundamental (5ª A 8ª) _______ Anos
Ensino Médio _____ Anos
Em Cursos de Capacitação de Professores (Magistério) ______ Anos
Curso Superior ______ Anos. Disciplinas:
3. EXPERIÊNCIA TÉCNICO-ADMINISTRATIVA:
Foi Diretor de Escola: _______ Anos
Foi Supervisor Escolar: _________ Anos
128
Foi Orientador Educacional: ________ Anos
Foi Coordenador Pedagógico: ______ Anos
Outro:
4. INSTITUIÇÕES ONDE TRABALHA
Nome: ________________________________________________________________________
Período: ________________________________Local: _________________________________
Atividade: _____________________________________________________________________
Nome: ________________________________________________________________________
Período: ________________________________Local: _________________________________
Atividade: _____________________________________________________________________
5. DESENVOLVE OU DESENVOVEU ATIVIDADES DE EXTENSÃO? (descrever)
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
6. DESENVOLVE OU DESENVOLVEU PESQUISAS? (descrever)
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
7. PUBLICAÇÕES NA ÁREA DE ATUAÇÃO E/OU FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
(fornecer os dados)
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
8. COMUNICAÇÕES/PALESTRAS EM EVENTOS: (especificar)
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
129
ANEXO C - MATRIZ DE VERBALIZAÇÕES
Percurso
pessoal
Percurso
formativo
Percurso
profissional
Suscitam
esclarecimentos
Dado Pág. Dado Pág. Dado Pág. Dado Pág.
Livros Grátis
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