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cópias, como alegoria do duplo; e a configuração do corpo, revelada na
constituição da matéria pictórica, como a alegoria da carne.
Essa tríade da alegoria é pertinente à definição dos níveis de leitura de
Orígenes
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, um erudito da igreja antiga, que definiu três níveis de leitura para as
escrituras, que se referiam à capacidade de compreensão: o literal, o moral e o
alegórico ou místico. Naquele período somente os mais preparados espiritualmente
chegariam ao último nível, ou seja, o alegórico. Para justificar essa classificação
Orígenes recorre a uma metáfora: o sentido literal corresponde ao corpo, o sentido
moral à alma, e o sentido místico ou alegórico ao espírito da escrita, pois a escrita
é composta pelos mesmos elementos que o ser humano: corpo, alma e espírito. O
corpo é o literal, ou seja, a aparência, a superfície, a pele, o que podemos ver; para
a arte é o corpo do trabalho que contém as operações do artista e que configura
sua superfície. A alma é a subjetividade, a narrativa, o sentido do discurso
empregado, que na arte se revela nos procedimentos e processos usados pelo
artista. E o espírito, que é a transcendência no sentido religioso, na arte é a
potência de reverberação, aquilo que se tenta definir em conceitos, mas que
sempre escapa ao limitado recurso teórico e lingüístico, pois só a obra é capaz de
dizer per si e em si
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; é portanto, o que torna a imagem obra, o que faz o objeto
pertencer à ordem do extraordinário.
Porém, a relação aqui estabelecida entre esses níveis de leitura das
escrituras e as três maneiras de pensar a alegoria se dá pelo entendimento de que
assim como as escrituras se referem ao sublime, aos mistérios da fé e foram
escritas para se dizer o Outro, aquele que não pode ser tocado e nem visto no
plano real mas que o transcende, o outro ao qual a arte se refere, historicamente
pertenceu ao sublime, já foi chamado de aura, e é aquilo pelo qual, artistas e
teóricos ainda se debruçam em suas buscas, questionamentos e discussões. No
entanto, diferentemente dos níveis de leitura de Orígenes, que se referem a uma
codificação e leitura verdadeira das Escrituras, na tríade da alegoria proposta neste
estudo, não existe nenhuma valoração ou hierarquia entre os eixos abordados,
pode-se entendê-los como categorias e não como níveis, posto que não se referem
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Orígenes (185 –253 d.C.), escritor cristão e teólogo que estudou as escrituras bíblicas e seus
significados morais, éticos e religiosos, definindo níveis de apreensão e entendimento dos
ensinamentos da Bíblia de acordo com a capacidade de interpretação destes escritos.
In:GAGNEBIN, 1994, p. 38.
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PONTY, 2007, p. 133.
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