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UNIVERSIDADE FEDERAL
DE
SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Pós-Graduação em Estudos da Tradução
Antonio Auresnedi Minghetti
Tradução Comentada de
DE MAGISTRO
LIBER VNVS
de
SANCTI AVRELII AVGVSTINI
Florianópolis
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO
Tradução Comentada de
DE MAGISTRO
LIBER VNVS
de
SANCTI AVRELII AVGVSTINI
Antonio Auresnedi Minghetti
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação em Estudos da Tradução da
Universidade Federal de Santa Catarina como
parte dos requisitos para obtenção do título de
Mestre em Estudos da Tradução.
Orientador: Prof. Dr. Rafael Camorlinga Alcaraz
Co-orientador: Prof. Dr. Walter Carlos Costa
Florianópolis, 03 de Abril de 2009
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Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária
Daiane da Silva Martins Tomaz CRB14/662
© reprodução autorizada pelo autor
Minghetti, Antonio Auresnedi
M61 Tradução comentada de DE MAGISTRO LIBER VNVS de
SANCTI AVRELII AVGVSTINI / Antonio Auresnedi Minghetti;
orientador Rafael Camorlinga Alcaraz.-- 2009.
154 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado Programa de Pós-graduação
em Estudos da Tradução. Área de concentração: Teoria,
crítica e história da tradução) – Centro de Comunicação e
Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina.
Inclui bibliografias
1. Tradução. 2. Santo Agostinho. 3. Hermenêutica.
4. De Magistro. I. Alcaraz, Rafael Camorlinga. II.Universidade
Federal de Santa Catarina - Mestrado em do programa de pós-
graduação em Estudos da Tradução. III. Título
CDD 418.02 -- 21 ed.
Uma vez que temos um evangelho onde o prólogo pode ser
resumido rapidamente: Deus é somente uma palavra, mas a
palavra é Deus; uma vez que isto prova que a linguagem é
divinamente autoconstituída, consequentemente auto validativa
e que palavras dizem respeito a palavras, podemos ao menos
acreditar que em termos de significação (ou sua ausência), as
palavras Deus e o Absoluto não se diferem de maçã e
montanha. Isto pode resultar na oblíqua, embora dolorosa rota,
através da qual Deus e o Absoluto irá reafirmar sua presença
legal em nossa língua e a palavra tornar-se-á matéria
novamente (KOLAKOWSKI, 1988, p. 58).
MEU AGRADECIMENTO
ÀQUELES QUE DILIGENTEMENTE ME ACOMPANHARAM
NESTA TRAVESSIA
Professores Orientadores Rafael Camorlinga Alcaraz e Walter Carlos Costa
DEDICO ESTA OBRA
A meu pai in memoriam e à minha amada irmã
ANTONIO A. MINGHETTI
RESUMO
Este trabalho pretende oferecer novo enfoque às traduções de obras de Santo
Agostinho a partir da tradução comentada de De Magistro, uma obra eminentemente
hermenêutica, típica dos discursos exegéticos no prae-medioevo, caracterizada pela
retórica simbólico-alegórica da Sagrada Escritura. É um tratado semiótico que
permeia interfaces entre e razão, no qual Santo Agostinho utiliza, como
argumento fundamental, a teoria platônica da reminiscência para fundamentar sua
tese de uma pedagogia inatista. À tradução que empreendi, encontrei ressonâncias
nas concepções teóricas dos lingüistas e teóricos da tradução Friedrich
Schleiermacher e George Steiner, e nos filósofos Ortega y Gasset, Paul Ricoeur e
Jean Ladrière. Estes têm em comum a visão do tradutor a constituir-se como um
mediador entre dois mundos e, a tradução que não se limita a uma mera
transposição de palavras em línguas diferentes, mas implica em uma comunicação
balizada por signos lingüísticos vinculados a polissistemas culturais. O
interrelacionar análise literária com questões culturais envolveu, em De Magistro, o
estudo de um mundo muito singular, que torna imperativo em sua tradução recorrer
a intertextualidade com a Sagrada Escritura e com outras obras do autor,
inicialmente, a partir de uma tradução intralingual, para, posteriormente, processar a
interlingual.
Palavras-chave: Santo Agostinho. Tradução. Hermenêutica. De Magistro.
ABSTRACT
The present research intends to offer a new focus on the translation of Santo
Agostinho’s productions from the commented translation of his work De Magistro, an
eminently hermeneutic work, typical of the exegetic discourses in pre-medioevo,
characterized by symbolic-allegorical rhetoric of the Sacred Scripture. It is a semiotic
treaty that permeates the interface between faith and reason, in which Santo
Agostinho uses as a fundamental argument the theory of Plato’s reminiscence in
order to fundament his thesis of an inborn pedagogy. To the translation engaged, I
found resonances in theoretic conceptions of translation linguists and theorists, such
as Friedrich Schleiermacher and George Steiner, and also in philosophers Ortega y
Gasset, Paul Ricoeur and Jean Ladrière. They all have in common the translator’s
view being a mediator between two worlds and the translation not limiting to a simple
transposition of words in different languages, but implying a communication indicated
by linguistic signs connected to cultural polisystems. Interrelating literary analysis and
cultural issues, involved in De Magistro, the study of a very unique world, becoming
imperative its translation, appealing to intertextuality with the Sacred Scripture and
with other works by the author, starting from an intralingual translation to,
subsequently, process to interlingual.
Keywords: St. Augustine. Translation. Hermeneutic. De Magistro.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................08
I – TRADUÇÃO - DE MAGISTRO.............................................................................19
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA COMPREENDIDA NA TRADUÇÃO.................81
2.1 INFLUÊNCIAS CULTURAIS NO SIGNO LINGUÍSTICO .....................................84
2.2 TRADUÇÃO HERMENÊUTICA............................................................................86
2.3 INTERPRETAÇÃO EXEGÉTICO-ALEGÓRICA...................................................90
2.4 E MÍSTICA EM SANTO AGOSTINHO............................................................94
2.5 O SIGNO NA TRADUÇÃO EM DE MAGISTRO...................................................97
2.6 TRADUÇÃO DE ANIMA EM DE MAGISTRO.....................................................110
2.7 PEDAGOGIA EM DE MAGISTRO......................................................................113
2.8 LINGUAGEM E INTERIORIDADE EM SANTO AGOSTINHO............................118
2.9 O CÓGITO EM SANTO AGOSTINHO................................................................121
III - ANÁLISE DE MINHA TRADUÇÃO....................................................................126
3.1 CONSULTA GRAMÁTICA À TRADUÇÃO..........................................................126
3.2 COMENTÁRIOS e NOTAS SOBRE A TRADUÇÃO...........................................126
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................144
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................146
GLOSSÁRIO.............................................................................................................151
8
INTRODUÇÃO
Nesta dissertação pesquisei a vida e o pensamento de Santo Agostinho
(354-430) e, produzi uma tradução comentada de sua obra De Magistro do ano de
389. O corpus de análise pertence a B I B L I O T H E C A A V G V STANA-
Biblioteca virtual da Fachhochschule Augsburg – University of Applied Sciences,
conhecida por The Residence of the Gods, um acervo de alta credibilidade, que
contém obras em latim, grego, alemão, inglês, francês, italiano, espanhol, polonês,
russo e iídiche; mantida pelo Prof. Ulrich Harsch, trabalho pelo qual recebe
respeitáveis referências no meio acadêmico internacional (HARSCH, 2007).
No Brasil, os registros da Fundação Biblioteca Nacional indicam existirem
duas traduções desta obra: A primeira, DE MAGISTRO, Coleção Os Pensadores da
Editora Nova Cultural Ltda - tradução do Prof. Angelo Ricci, São Paulo, com a
primeira edição no Rio Grande do Sul, em 1956; e, a segunda, O MESTRE -
tradução de Antonio Soares Pinheiro, da Universidade Católica Portuguesa de
Braga, de 2000, distribuída pela Landy Editora.
Aurélio Agostinho foi um dos chamados santos padres da Patrística que, ao
conciliarem a fé e a razão, elaboraram a chamada Filosofia Cristã que influenciou
todo o posterior pensamento medieval em seus primeiros séculos.
Para Peterson (1981), Santo Agostinho inspirado no neoplatonismo,
excedeu em muito os pensadores de sua época, ao produzir além de uma teologia,
um sistema filosófico que, de forma coerente, formula concomitante a sua teologia, a
cosmologia, a antropologia e uma teoria sobre o conhecimento. Para esta
pesquisadora, a perspectiva filosófica do pensamento agostiniano, ao primar pela
busca dos fundamentos do conhecer, centrou-se naquilo que para Santo Agostinho
foi um problema existencial; a busca perene pela verdade em termos absolutos, o
que é evidenciado em sua filosofia por três níveis de conhecimento: o sensorial, o
iluminado e o místico (PETERSON, 1981, p.63).
Segundo Peterson, a teoria do conhecimento de Santo Agostinho parte da
verdade lógica para chegar a verdade ontológica, quando apresenta um Deus que é
uma unidade composta de todos os superlativos: infinito, eterno, imutável,
onisciente, onipotente, racional, conforme descreve:
9
A existência de Deus é assim comprovada a priori, irrevogavelmente, por sua
existência no espírito humano, e sua iluminação da inteligência humana.
Falando a Moisés, Deus disse: Eu sou o que sou! Isto só pode significar que
Deus é o total das totalidades, o real das realidades, a verdade das verdades,
a mais perfeita das perfeições, isto é, uma essência absoluta do Universo […]
Sob patente influência neoplatônica, é fácil perceber que Agostinho se valeu
desse conceito, identificando o Uno com o Eu sou o que sou em um conceito
de Deus como a essência final de todas as coisas (PETERSON, 1981, P.65).
Os fundamentos de sua teoria do conhecimento aparecem em De Magistro
na forma de um tratado pedagógico, retirado de uma conversa na qual o pai Aurélio
Agostinho, esclarece a seu filho Adeodato que, somente no mundo divino poderia
existir a perfeição do ser e a luz do verdadeiro conhecimento.
Último diálogo filosófico de Santo Agostinho, redigido após a morte
prematura do filho, que então contava com dezesseis anos, mostra a dependência
recíproca da palavra e do pensamento, ao tratar da questão da linguagem na
comunicação entre os homens, contudo, conceitua principalmente aspectos
pedagógicos ligados a linguagem do pensamento interior.
Sobre a obra, em uma conversa com o amigo Alípio, expressou:
Juntamos a nós o menino Adeodato, filho carnal de meu pecado. Aquele que
muito bem o transformou. Com quase quinze anos e grande talento estava
adiante de muitos homens idosos e doutos(...) Existe um livro nosso que se
intitula De Magistro, onde ele dialoga comigo. Sabeis que todas as opiniões
que ali se inserem, são atribuídas ao meu interlocutor, eram dele quando
contava com dezesseis anos. Notei nele coisas ainda mais prodigiosas...
1
(in
CONFESSIONUM LIBRI XIII – IX.6.14).
No diálogo, o pai, professor durante a juventude, enceta uma análise ampla
que envolve a linguagem e o signo, o significado dos signos, as palavras como
signos e, os objetivos da linguagem, todos evidenciados na gramática e na
semântica. Para tanto, o santo parte do inferior para o superior, do exterior para o
interior e, nesta interioridade antevê o encontro com o verdadeiro Mestre, o único a
ensinar a verdade das coisas; foco este determinante na definição do nome da obra,
retirado da Sagrada Escritura: [...] vós não vos façais chamar mestre, porque um só
é vosso Mestre, e vós sois todos irmãos
2
(MATEUS 23.10).

1
Adiunximus etiam nobis puerum Adeodatum ex me natum carnaliter de peccato meo. Tu bene
feceras eum. Annorum erat ferme quindecim et ingenio praeveniebat multos graves et doctos viros.
Est liber noster, qui inscribitur de Magistro: ipse ibi mecum loquitur. Tu scis illius esse sensa omnia,
quae inseruntur ibi ex persona conlocutoris mei, cum esset in annis sedecim. Multa eius alia
mirabiliora expertus sum.
2
[...] nec vocemini magistri quia magister vester unus est Christus.
10
Santo Agostinho no diálogo partiu de um argumento retirado do Mito de Er,
do qual serve a Platão para explanar sua Teoria da Reminiscência, que pressupõe
um saber inato, do qual o conhecer se dá no rememorar; a conhecida anamnese
platônica (PLATÃO in Diálogos LIVRO X, 1971).
Entretanto, Santo Agostinho acrescenta que o aprender se dá no descobrir
em si próprio as verdades eternas e imutáveis, num influxo imanente de Deus sobre
a inteligência, desta forma, reifica a teoria platônica e deriva sua natureza para uma
episteme-teológica-filosófica, que serviu de base para sua Teoria da Iluminação
Divina.
Sobre seus objetivos com a obra, Santo Agostinho relatou:
No mesmo período escrevi um livro intitulado De Magistro. Nele se discute e
se indaga a si mesmo, e se descobre que o Mestre que ensina todo o
conhecimento ao homem não é outro a não ser Deus, segundo o que está
escrito no Evangelho: Seu único Mestre é Cristo.
3
(in RETRACTATIONUM
LIBRI III.12).
De Magistro, obra do latim tardio (200 a 500), pós época clássica, reflete o
período em que a língua passou por miscigenações das mais diversas, em face da
expansão do domínio romano, com o escambo cultural entre povos vencidos e
vencedores. Há, ainda, que considerar em sua tradução, uma acrescência cultural
determinante: a vida de Santo Agostinho e do filho deu-se em um mundo repleto de
signos e significados, no qual as palavras não se encontravam apenas na conjuntura
de um dicionário, mas circunscritas a um contexto sócio-político em permanente
estado de convulsão, dado vivenciarem exatamente a era derradeira do império
romano-cristão.
Influências das mais diversas guiaram Santo Agostinho a um movimento
pendular, conforme descreve Peterson: passou de uma vida mundana para a
monástica, do maniqueísmo ao ceticismo acadêmico, de antigo e notável professor
de retórica a escritor e Pai da Igreja cristã latina no ano de 386 (1981, pp. 59-64).
A eloqüência do retor Agostinho, como admitiu, há de ser creditar à grande
influência nele exercida Cícero (106 - 43 a.C.):

3
Per idem tempus scripsi librum cuius est titulus: De magistro, in quo disputatur et quaeritur et
invenitur, magistrum non esse qui docet hominem scientiam nisi Deum, secundum illud etiam quod in
Evangelio scriptum est: Unus est Magister vester Christus.
11
Entre estes eu, ainda fraco de espírito me instruía em livros de eloqüência,
nos quais desejava sobressair-me, com a intenção condenável e vã de
saborear a vaidade humana, segundo o uso disposto cheguei de algum modo
ao livro de Cícero, cuja linguagem digna de admiração transporta à sede do
coração e da alma. Todavia, aquele livro chamado Hortênsio continha em si
uma exortação ao estudo da filosofia. Ele na verdade mudou minhas afeições
e encaminhou-me para Vós, Senhor, e transformou minhas preces em
promessas e por outro lado fez meus desejos serem outros
4
(in
CONFESSIONUM LIBRI III - 4.7).
Cícero, na verdade, representou um primeiro momento da nova vida de
Santo Agostinho, mas outros o seguiram, como Ambrósio de Milão (340-397),
ministrante de seu batismo, neoplatônico, estudioso da gramática, da retórica, da
literatura greco-romana e do direito; considerado um dos quatro máximos doutores
da Igreja cristã:
E, ao vir a Milão para ver o Bispo Ambrósio, notório em todos os cantos da
terra por seus excepcionais predicados e vosso mui respeitoso servidor, cujo
vigor de sua eloqüência diligentemente alimentava a ti [...] zelosamente o
ouvia quando pregava ao povo, não com a intenção de obrigação, mas para
explorar a sua facilidade em falar e ver se correspondia a notoriedade;
conforme assentava a sua fama; se realmente era uma sumidade ou se seria
indigno da reputação em oratória que lhe predicavam [...] deleitava-me com a
suavidade do sermão, tanto quanto com a sua erudição, muito maior que a de
Fausto
5
(in CONFESSIONUM LIBRI V - XIII.23).
Santo Agostinho, a partir dos ensinamentos da Sagrada Escritura recebidos
de Ambrósio, pôde vivenciar o sentido da transcendência cristã:
[...] frequentemente ouvia Ambrosio dirigir-se ao povo em copiosos sermões;
[...] A letra mata, por outro lado o espírito vivifica [...] removido o véu místico
do que foi dito e me agravou, a espiritualidade se desvela, dado que se
porventura não se falasse, a verdade até agora fosse ignorada
6
(in
CONFESSIONUM LIBRI VI – IV.6).
A influência neoplatônica, segundo Costa (2002), deu-se pelas traduções
latinas de Victorino (285–362); entres outras, a Ysagoge de Porfírio, as Categorias

4
Inter hos ego imbecilla tunc aetate discebam libros eloquentiae, in qua eminere cupiebam fine
damnabili et ventoso per gaudia vanitatis humanae, et usitato iam discendi ordine perveneram in
librum cuiusdam Ciceronis, cuius linguam fere omnes mirantur, pectus non ita. Sed liber ille ipsius
exhortationem continet ad philosophiam et vocatur Hortensius. Ille vero liber mutavit affectum meum
et ad te ipsum, Domine, mutavit preces meas et vota ac desideria mea fecit alia.
5
[...] et ueni Mediolanium ad Ambrosium episcopum, in optimis notum orbi terrae, pium cultorem
tuum, cuius tunc eloquia strenue ministrabant adipem frumenti tui [...] studiose audebam disputantem
in populo, non intentione, qua debui, sed quasi explorans eius facundiam, utrum conueniret famae
suae, an maior minorue proflueret, quam praedicabatur [...] et delectabar sermonis suauitate,
quamquam eruditioris, minus tamen hilarescentis atque mulcentis, quam Fausti erat.
6
[...] saepe in popularibus sermonibus suis dicentem Ambrosium laetus audiebam: Littera occidit,
spiritus autem uiuificat, cum ea [...] remoto mystico uelamento spiritaliter aperiret, non dicens quod me
offenderet, quamuis ea diceret, quae utrum uera essent adhuc ignorarem.
12
de Aristóteles e as Enéadas de Plotino. Desta última, Santo Agostinho inferiu a
relação entre Deus e o Verbum:
[...] nelas li não com estas mesmas palavras, mas provado com muitos e
numerosos argumentos, que no princípio era o Verbum e o Verbum estava em
Deus e Deus era o Verbum: no princípio este existia em Deus; todas as coisas
foram feitas por Ele, e sem Ele nada seria criado; o que foi feito, nele é a vida,
e a vida era a luz dos homens; a luz brilha nas trevas, e as trevas não a
compreenderam; a alma do homem, ainda que testemunhe a Luz, não é,
porém, a própria Luz, mas o Verbum próprio de Deus, que é a luz verdadeira
que ilumina todo homem que vem a este mundo
7
(in CONFESSIONUM LIBRI
XII – IX.13).
A Victorino
8
, Santo Agostinho nutria profunda admiração e a ele se referiu:
[...] aquele em alto grau e doutíssimo ancião, exímio em todas as ciências
liberais, leitor que tantas obras filosóficas que ajuizou e ensinou tantos
senadores egrégios e que pelo seu insigne e notável magistério, merecera ter
acolhida sua escultura no foro romano, a honraria que os cidadãos deste
mundo têm por mais excelsa
9
(in CONFESSIONUM LIBRI VIIIII.3).
Santo Agostinho registra a influência neoplatônica a que se submeteu
quando a retrata de um diálogo que manteve com Simpliciano:
Ao consultar a Simpliciano, instituidor do Bispo Ambrósio na concessão da
graça, que em verdade o amava como a um pai, narrei-lhe o período do meu
erro. E quando, lhe disse que lera os livros platônicos vertidos para o latim por
Victorino – outrora retor em Roma, e de quem eu ouvira dizer ter morrido
cristão – ele deu-me os parabéns por não pender aos escritos de outros
filósofos, cheios de falácias e enganos [...] nestes, de todos os modos
encontramos Deus e sua palavra
10
(in CONFESSIONUM LIBRI VIIIII.3).
Entrementes, a leitura da Sagrada Escritura, sob a tutela de Ambrósio,
acrescida de livros platônicos e o contato com a filosofia de Plotino contribuíram para
que superasse o ceticismo; posição filosófica que afirmava a impossibilidade do

7
[...] et ibi legi non quidem his uerbis, sed hoc idem omnino multis et multiplicibus suaderi rationibus,
quod in principio erat uerbum et uerbum erat apud deum et deus erat uerbum: hoc erat in principio
apud deum; omnia per ipsum facta sunt, et sine ipso factum est nihil; quod factum est, in eo uita est, et
uita erat lux hominum; et lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non conprehenderunt; et quia hominis
anima, quamuis testimonium perhibeat de lumine, non est tamen ipsa lumen, sed uerbum, deus ipse,
est lumen uerum, quod inluminat omnem hominem uenientem in hunc mundum.
8
O filósofo Caius Marius Victorino foi responsável pela tradução para o latim de diversas obras
gregas. Converteu-se ao cristianismo, tornando-se um exemplo de pensador e cristão.
9
[...] quemadmodum ille doctissimus senex, et omnium liberalium doctrinarum peritissimus, quique
philosophorum tam multa legerat et diiudicauerat, doctor tot nobilium senatorum, qui etiam ob insigne
praeclari magisterii, quod ciues huius mundi eximium putant, statuam Romano foro meruerat et
acceperat [...]
10
Perrexi ergo ad Simplicianum, patrem in accipienda gratia tunc episcopi Ambrosii, et quem uere ut
patrem diligebat. Narraui ei circuitus erroris mei. Ubi autem commemoraui legisse me quosdam libros
Platonicorum, quos Victorinus, quondam rhetor urbis Romae, quem Christianum defunctum esse
audieram, in Latinam linguam transtulisset, gratulatus est mihi, quod non in aliorum philosophorum
scripta incidissem, plena fallaciarum et deceptionum [...] in istis autem omnibus modis insinuari deum
et eius uerbum [...]
13
conhecimento e do juízo de valor como conclusão, conforme testemunhou: Por outro
lado li alguns livros de Plotino, a quem estimo com justiça por ser muito diligente, e
confrontava quando podia, o valor de tais considerações, com aquelas autoridades
que nos transmitem os divinos mistérios
11
(in DE BEATA VITA Liber I - 1. 4).
Santo Agostinho, no entanto, tinha reservas à teoria de Plotino,
principalmente a respeito do dogma da encarnação e ressurreição de Cristo, que
para ele era, ao mesmo tempo, homem e Deus, ou seja, o Verbo é criador de si e,
seu filho Cristo, nada mais seria que o verbo encarnado, a fala de Deus feita homem:
Da mesma forma li nesse lugar que o Verbum de Deus não nasceu da carne,
nem de sangue, nem da vontade do homem, mas de Deus. Porém, que o
Verbum tenha se feito homem e habitado entre nós, lá isso não li
12
(in
CONFESSIONUM LIBRI XII – IX.14).
As Enéadas, principalmente, levaram Santo Agostinho a entender o princípio
da substância una e imaterial, contraditória à concepção material e dual presente no
emanatismo maniqueísta. Por elas, teve noção da precariedade de seu racionalismo
e pôde perceber o erro em que incidia o maniqueísmo ao impor materialidade à
existência de Deus. A idéia da substância espiritual presente no homem, até então
desconhecida de Agostinho, apresentava um novo juízo à afirmação: O homem foi
criado por Vós a vossa imagem
13
(in CONFESSIONUM LIBRI VI – III.4).
Tal constatação levou-o a combater o maniqueísmo em inúmeras obras
posteriores: De Utilitate credendi ad Honoratum liber unus; Contra Epistolam
Manichaei quam vocant Fundamenti liber unus; Contra Adimantum Manichaei
discipulum liber unus; Contra Faustum Manichaeum libri triginta tres; Contra Felicem
Manichaeum libri duo; Contra Secundinum Manichaeum liber unus; De Natura Boni
contra Manichaeos liber unus; De Duabus Animabus contra Manichaeos liber unus;
Acta seu disputatio contra Fortunatum Manichaeum, liber unus.
Esta distenção ficou patente no incidente que teve com o Bispo maniqueu:

11
Lectis autem Plotini paucissimis libris, cuius te esse studiosissimum accepi, collataque cum eis,
quantum potui, etiam illorum auctoritate qui divina mysteria tradiderunt [...]
12
Item legi ibi, quia uerbum, deus, non ex carne, non ex sanguine, neque ex uoluntate uiri, neque ex
uoluntate carnis, sed ex deo natus est; sed quia uerbum caro factus est et habitauit in nobis, non ibi
legi.
13
[...] tamen fecisti hominem ad imaginem tuam...
14
[...] Hipona era uma cidade de 40.000 habitantes, constituída por uma maioria
pagã e maniqueus. Existia apenas uma igreja católica e pequeno número de
fiéis. O bispo maniqueu, era um tal de Fortunato, pregador eficaz e cheio de
ardor. Agostinho desafiou-o para um debate público, que se realizou em
frente de numerosa multidão, durou dois dias. Fortunato foi literalmente
esmagado pelo ímpeto oratório do rival. Descendo do púlpito debaixo das
vaias e chufas dos espectadores; o infeliz foi obrigado a fugir de Hipona.
(MONTANELLI e GERVASO, 1967, p. 167)
Tão quão se deu a influência do pensamento aristotélico, com a leitura das
Categorias traduzidas por Victorino, porém de forma débil, por Santo Agostinho não
acessar a totalidade das obras de Aristóteles e pela impossibilidade de ler a obra no
original, pois não dominava o grego, o que lhe proporcionou um estudo muito mais
pragmático, em que a formalidade lógica foi restringida à aplicação do raciocínio a
coisas quantificáveis, conforme assumiu:
E o que a mim se adiantava, quando contava aproximadamente com vinte
anos, quando em minhas mãos vieram certa Aristotelica, aquelas que
chamavam de dez categorias – [...] pareciam-me falar claramente da
substância: como o homem; do que nele existia enquanto um esboço de
homem, tais como; a estatura, quantos pés mede; ou seu parentesco, de
quem é irmão; onde se encontra; se está calçado ou então armado; ou se faz
alguma coisa ou padece de algo; e tudo o mais que se encontra nesses nove
gêneros que aqui exemplifiquei, graças àquilo que possuem, como
reconhecidos e enumerados na própria substância do gênero
14
(in
CONFESSIONUM LIBRI IVXVI.28).
A tradução desta obra, à época, apresentou um caráter insólito, posto
seguisse uma lógica particular. As Categorias foram aplicadas ao raciocínio e
levaram Santo Agostinho a pensar em formas organizadas de raciocinar: substância,
qualidade, relação, quantidade, lugar, tempo. Elas se prestaram à organização do
raciocínio agostiniano a refletir as percepções proporcionadas pela matéria.
A influência da academia, em Santo Agostinho, derivou do período pós-
socrático, séc. IV a.C. e, se tornou conhecida pela visão platônica e cética que
admitia a impossibilidade do conhecimento a obter das coisas naturais, pois que
este estava envolto em erros da percepção.
A academia platônica, depois de Platão, perdeu seu caráter metafísico, mas
continou existindo como uma escola de céticos, então os acadêmicos. Conhecida

14
Et quid mihi proderat, quod annos natus ferme uiginti, cum in manus meas uenissent Aristotelica
quaedam, quas appellant decem categorias [...] et satis aperte mihi uidebantur loquentes de
substantiis, sicuti est homo, et quae in illis essent, sicuti est figura hominis, qualis sit, et statura, quot
pedum sit, aut cognatio, cuius frater sit, aut ubi sit constitutus aut quando natus, aut stet an sedeat, aut
calciatus uel armatus sit, aut aliquid faciat aut patiatur aliquid, et quaecumque in his nouem generibus,
quorum exempli gratia quaedam possui, uel in ipso substantiae genere innumerabilia reperiuntur.
15
inicialmente como academia antiga, teve em Arcesilao de Pitane no séc. III a.C., seu
digno representante do ceticismo contra o dogmatismo dos estóicos. Arcesilao, ante
o impasse em alcançar a certeza dado a falta de evidências, admitiu a razoabilidade
como possibilidade de verdade e estabeleceu uma nova visão ao ceticismo
probabilista, originando a academia nova, ou dos neo-acadêmicos.
Santo Agostinho mostrou que o probabilismo dos acadêmicos evocara feroz
crítica àquilo que defendiam, sobretudo do estoicismo; levado a escrever um tratado
contra os acadêmicos, mais precisamente contra os platonizantes, posto
considerasse não serem platonistas, assim, declarou que a academia nova ao se
afastar do platonismo, tornara-se limitada pelo ceticismo ortodoxo:
[...] àqueles puros e lúcidos em filosofia platônica, apartados e elevados às
nuvens do erro, avançados em Plotino, filósofo platônico julgado tão
semelhante a Platão, que se diria terem vividos em um mesmo tempo, tal a
crer-se nele ter revivido
15
(in CONTRA ACADEMICOS LIBRI III – XVIII-41).
A influência dos estóicos em Santo Agostinho foi fundante ao possibilitar-lhe
inferir os postulados semióticos assentidos em De Magistro, como escopo de sua
teoria da linguagem. Quando o Império Romano anexou a Grécia ao seu território,
pôde contatar, estudos gramaticais do Estoicismo
16
, escola fundada por Zenão de
Cítia, no Século IV a.C., que cultivava uma teoria que estudava a natureza da
linguagem e de seus signos, mais tarde revivida pelos gramáticos romanos.
Todas as influências aqui esclarecidas levaram Peterson a concluir que Santo
Agostinho, ao propor uma Verdade inteligível e eterna, tenha atingido o cerne da
consciência humana em seus mistérios, ao enveredar pelo neoplatonismo cristão, que
influenciou e, ainda hoje, influencia todo o pensamento teológico e filosófico ocidental:
Foi este homem que, mais do que qualquer outro, influenciou o pensamento da
Igreja do período, ajudando a formular sua filosofia e teologia para o presente e
o futuro. Na Cristandade latina, o nome de Agostinho sobressai como o maior,
tanto do ponto de vista teológico, quanto no sentido literário, nome que dominou
o pensamento ocidental até o Século XIII e que jamais perderá seu brilho. Era
figura riquíssima no sentido intelectual e prolífica em produção de livros, a
maior parte deles em estilo latino, inspirados em problemas específicos que
preocupavam a Igreja da época (1981, p. 62).

15
[...] os illud Platonis quod in philosophia purgatissimum est et lucidissimum, dimotis nubibus erroris
emicuit, maxime in Plotino, qui platonicus philosophus ita eius similis iudicatus est, ut simul eos
vixisse, tantum autem interest temporis ut in hoc ille revixisse putandus sit.
16
Escola filosófica que pregava um ideal de austera virtude definido pela atarexia e resumido na
máxima: Abstém-se e suporta. (JOLIVET, 1975, p.85)
16
Santo Agostinho foi muito mais um cristão a utilizar idéias neoplatônicas,
quando convinham ao teocentrismo cristão que propriamente um defensor do
neoplatonismo. Isto ficou patente quando, ao tratar da interioridade exposta em
Soliloquiorum, seu alter-ego o questiona: Mas deixe de lado e responde a isto:
Supondo que seja verdade o que de Deus disseram Platão e Plotino, a ti seria
suficiente aquela ciência divina?
17
(in SOLILOQUIORUM LIBRI I4.9).
A realidade intrincada da vida vivida por Santo Agostinho levou Hannah
Arendt (2000), em sua tese de doutoramento, que versou sobre a experiência do
amor na obra de Santo Agostinho, a escrever que não considerar as transformações
que aqui menciono na análise de sua obra, seria uma irresponsabilidade.
Assumir, portanto, a tradução de De Magistro significou pesquisar um
fenômeno de comunicação humana, considerado um marco na filosofia da
linguagem. A obra problematiza a questão da linguagem ao refletir sobre os
objetivos e a utilidade da fala. Num primeiro momento toma a linguagem a partir da
dimensão humana; para num segundo, referir a linguagem interior, que ligada ao
pensamento precede à verbalização, e investe numa concepção semiótica, que
explora os signos linguísticos que servem à e se instituem pela razão iluminada.
Tal especificidade articula esta pesquisa, principalmente, a pressupostos
hermenêuticos estudados pelos teóricos da tradução, Steiner e Schleiermacher e
com os filósofos que discutem a tradução, Ricoeur, Ladrière e Ortega y Gasset.
Certamente, não se pode mensurar a magnitude do conhecimento do
professor Agostinho apenas por esta obra, que versa com o filho sobre postulados
de base. A interpenetração conceitual em De Magistro está intimamente ligada à
vida integral de Santo Agostinho, que na tradução, para evitar a incompletude do
sentido, requisitou a análise intertextual com obras correlatas deste autor; as que a
precederam e as que lhe sucederam, disponibilizadas entre um vasto acervo com
mais de 400 sermões, 270 tratados teológicos,9 diálogos filosóficos e 150 livros.
O fenômeno da intertextualidade exigiu um acentuado, mas necessário
incremento de citações, interrelacionados com textos do corpus de tradução, às

17
Sed quid ad nos? Nunc illud responde: si ea quae de Deo dixerunt Plato et Plotinus vera sunt,
satisne tibi est ita Deum scire, ut illi sciebant?
17
quais considerei corpus oriundos da fonte de De Magistro, que traduzi no corpo da
dissertação, enquanto os textos originais foram alocados em notas de rodapé. Os
intertextos derivam das obras: Soliloquiorum LIBRI II (386); Contra Academicos
LIBRI III (386); De Beata Vita Liber I (386); De Dialectica Liber I (387); De Quantitate
Animae Liber I (388); De Vera Religione Liber I (389 – 391); De Libero Arbitrio LIBRI
III (388 – 395); Doctrina Christiana LIBRI IV (396 – 397); Confessionum LIBRI XIII
(397 – 401); De Trinitate LIBRI XV (399 – 419); De Civitate Dei LIBRI XXII (413 –
426); Retractationum LIBRI II (428) e, De Ordine LIBRI II (386).
Conexões intertextuais com a Sagrada Escritura, igualmente se fizeram
necessárias, a que ponderei o mesmo critério. Dado Santo Agostinho só dominar a
língua latina, avaliei que seus estudos bíblicos fundamentaram-se na tradução de
Jerônimo, como admitiu: Por isso, que a nossa fraqueza não nos permitia encontrar
a Verdade com a ajuda da razão pura e deste modo, nós tínhamos necessidade da
autoridade da Sagrada Escritura
18
(in CONFESSIONUM LIBRI XIII – VI.8).
O texto da Vulgata aloca-se em notas de rodapé, enquanto o corpo da
dissertação recebe o texto em português com tradução dos originais, mediante a
versão dos Monges Beneditinos de Maredsous – Bélgica, efetuada pelo Centro
Bíblico Católico de São Paulo. No prólogo desta edição encontramos:
A autoridade da Vulgata em matéria de doutrina não impede, antes, nos
nossos dias quase exige que a mesma doutrina se prove e confirme também
com os textos originais, e que se recorra aos mesmos textos para encontrar e
explicar cada vez melhor o verdadeiro sentido da Sagrada Escritura (PAPA
PIO XII in Encíclica Divino Afflante Spiritu, 1943).
Adotei o critério de não traduzir citações em espanhol e, especificamente,
para a tradução, dado o caráter da obra que intenta respostas ao fenômeno cristão
de Deus, que se fundamenta em arcanos e alegorias, mantive o tratamento sempre
na segunda pessoa do verbo, conforme o estilo agostiniano de retórica, que
personifica o texto e atribui diretamente ao ouvinte a competência por entender o
sentido no discurso.
A tradução que empreendi, destarte, apresenta uma proposta distintiva a
partir de uma análise crítica, filológica e hermenêutica que faz o contraponto com as

18
[...] ideoque cum essemus infirmi ad inveniendam liquida ratione veritatem et ob hoc novis opus
esset auctoritate sanctarum Litterarum.
18
disponibilizadas, quando considera especificidades culturais, históricas e
ideológicas, consoante a linha de pesquisa Teoria, crítica e história da tradução, do
programa de pós-graduação em estudos da tradução da UFSC.
De Magistro princeps editio foi redigida em forma cursiva e não tem
originariamente capítulos e subcapítulos, conquanto, mantive na tradução a
numeração dos textos do corpus a fim de lhes situar os comentários.
Constam desta obra quatorze capítulos, divididos em três partes. A primeira
parte, com os capítulos I-VII, contém um estudo da linguagem e dos signos que a
compõe. No capítulo I, Santo Agostinho trata do propósito da fala com o objetivo de
ensinar ou aprender; no capítulo II, relaciona as palavras a signos; no capítulo III,
apresenta sua primeira proposição, e afirma que nada pode ser mostrado sem um
signo, mas que podemos mostrá-lo se estamos executando o ato sobre o qual nos
interpelam; e, nos capítulos IV a VII, estabelece a reciprocidade dos signos.
Na segunda parte, capítulos VIII-X, procede a análise dos significados: Em
VIII, analisa a necessidade de refletir sobre a coisa significada; em XIX, afirma que o
conhecimento das coisas é mais importante que seus signos; e, no X, apresenta sua
segunda proposição, e afirma não existe nenhuma comunicação verbalizada de
ideéias e juízos sem signos, exceto certos fenômenos naturais e ações em
espetáculos teatrais, que se dão sem o uso das palavras.
Na terceira e última parte, nos capítulos XI-XIV, expõe suas reflexões
pedagógicas. Em XII, afirma que as palavras não introduzem verdades novas em
nossas mentes e que, mesmo com palavras, não ensinamos; em XIII, adverte-nos a
buscar a Verdade em nosso interior e, em XIV, conclui que aos homens não se deve
nominar professores porque Cristo é o único Mestre.
Da dissertação consta um primeiro capítulo com minha tradução de De
Magistro. Um segundo, no qual fundamento as competências teóricas de minha
tradução, e um terceiro em que procedo à análise de minha tradução com
comentários e notas. A conclusão sumariza as principais contribuições da pesquisa.
19
I - TRADUÇÃO - DE MAGISTRO TEXTVS ANNVS 3 8 9 - LIBER VNVS
SANCTI A
V
RELII A
V
G
V
STINI EPISCOPI HIPPONENSIS
Lateinisch/Deutsch
Herausgegeben von
Burkhard Mojsisch
Stuttgart-1998
I
1.Augustinus - Quid tibi videmur
efficere velle, cum loquimur?
2.Adeodatus - Quantum quidem
mihi nunc occurrit, aut docere aut
discere.
3.Augustinus - Unum horum video
et assentior: nam loquendo nos
docere velle manifestum est;
discere autem quomodo?
4.Adeodatus - Quo tandem
censes, nisi cum interrogamus?
5.Augustinus - Etiam tunc nihil
aliud quam docere nos velle
intellego; nam quaero abs te, utrum
ob aliam causam interroges, nisi ut
eum, quem interrogas, doceas,
quid velis?
6.Adeodatus - Verum dicis.
7.Augustinus - Vides ergo iam nihil
nos locutione nisi, ut doceamus,
appetere.
8.Adeodatus - Non plane video;
nam si nihil est aliud loqui quam
verba promere, video nos id facere,
cum cantamus. Quod cum saepe
soli facimus nullo praesente, qui
discat, non puto nos docere aliquid
velle.
9.Augustinus - At ego puto esse
quoddam genus docendi per
I
1.Agostinho - O que compreendes
que desejamos, quando falamos?
2.Adeodato – Pelo quanto agora me
ocorre, ou ensinar ou aprender.
3.Agostinho - Compreendo e
assinto com um destes, pois é
manifesto que ao falar queremos
ensinar; mas de que mesmo modo
aprender?
4.AdeodatoComo opinas então,
senão ao interpelarmos?
5.Agostinho Mesmo neste caso,
ainda compreendo não desejarmos
nada diverso que não ensinar; te
arguo se, porventura, terias outra
razão para interpelar, que não, ser
informar o que desejas àquele a
quem interpelas?
6.Adeodato - Dizes a verdade!
7.Agostinho - Ves certamente
agora, que com a locução nada mais
desejamos, que não ensinar.
8.Adeodato - Não compreendo
claramente; se falar nada mais for
que proferir palavras, isto fazemos
ao cantarmos. Como o fazemos
frequentemente a sós e sem
audiência, considero não desejarmos
ensinar algo.
9.Agostinho – Contudo, julgo ser de
grande valor esse gênero de ensino
20
commemorationem, magnum sane,
quod in hac nostra sermocinatione
res ipsa indicabit. Sed si tu non
arbitraris nos discere, cum
recordamur, nec docere illum, qui
commemorat, non resisto tibi, et
duas iam loquendi causas
constituo, aut ut doceamus aut ut
commemoremus vel alios vel nos
ipsos, quod etiam, dum cantamus,
efficimus; an tibi non videtur?
10.Adeodatus - Non prorsus; nam
rarum admodum est, ut ego cantem
commemorandi me gratia, sed
tantummodo delectandi.
11.Augustinus - Video, quid
sentias. Sed nonne adtendis id,
quod te delectat in cantu,
modulationem quandam esse soni?
Quae quoniam verbis et addi et
detrahi potest, aliud est loqui, aliud
cantare; nam et tibiis et cithara
cantatur, et aves cantant, et nos
interdum sine verbis musicum
aliquid sonamus, qui sonus cantus
dici potest, locutio non potest; an
quicquam est, quod contradicas?
12.Adeodatus - Nihil sane.
13.Augustinus - Videtur ergo tibi
nisi aut docendi aut commemorandi
causa non esse institutam
locutionem?
14.Adeodatus - Videretur, nisi me
moveret, quod, dum oramus, utique
loquimur, nec tamen deum aut
doceri aliquid a nobis aut
commemorari fas est credere.
15.Augustinus - Nescire te arbitror
non ob aliud nobis praeceptum
esse, ut in clausis cubiculis oremus,
quo nomine significantur mentis
penetralia, nisi quod deus, ut nobis,
quod cupimus, praestet,
por rememoração, que aqui, nossa
conversa por si só indicará. Mas, se
tu não concordas no aprender
quando rememoramos não te
contesto; agora, instituo dois motivos
para a locução, para ensinarmos ou
rememorarmos quer em outros quer
em nós mesmos, como o fazemos ao
cantarmos. Não compreenderias
desta forma?
10.Adeodato - Não inteiramente. É
raro que se dê desse modo; que eu
cante graças a rememoração, mas
muito mais para me deleitar.
11.Agostinho - Compreendo o que
pensas. Mas não atentas que aquilo
que te deleita no canto, é certa
modulação do som? Desde que se
possa adicionar ou subtrair palavras,
uma coisa é falar, outra cantar.
Efetivamente ao som de flautas e
cítara cantam-se; os pássaros
cantam e mesmo nós alguma música
entoamos sem palavras, que sons de
canto poder-se-iam chamar e não
locução. Terias algo a objetar?
12.Adeodato - Seguramente nada.
13.Agostinho - Por conseguinte,
compreenderias que a locução tenha
sido instituída senão para ensinar ou
rememorar?
14.Adeodato - Compreenderia, a
não ser pelo que me preocupa, que
ao orarmos sobretudo falamos e, não
seria lícito crer na permissão divina
de ensinar ou rememorar a Deus.
15.Agostinho - Ignoras a lei que nos
prescreve não proceder de outra
forma, que não orarmos ocultos em
um quarto, para que a súplica
penetre em nossa mente. Senão,
como poderia Deus nos fazer
21
commemorari aut doceri nostra
locutione non quaerit. Qui enim
loquitur, suae voluntatis signum
foras dat per articulatum sonum,
deus autem in ipsis rationalis
animae secretis, qui homo interior
vocatur, et quaerendus et
deprecandus est; haec enim sua
templa esse voluit. An apud
apostolum non legisti: «Nescitis
quia templum dei estis et spiritus
dei habitat in vobis» et «in interiore
homine habitare Christum»? Nec in
propheta animadvertisti: «Dicite in
cordibus vestris et in cubilibus
vestris conpungimini. Sacrificate
sacrificium iustitiae et sperate in
domino»? Ubi putas sacrificium
iustitiae sacrificari nisi in templo
mentis et in cubilibus cordis? Ubi
autem sacrificandum est, ibi et
orandum. Quare non opus est
locutione, cum oramus, id est
sonantibus verbis, nisi forte, sicut
sacerdotes faciunt, significandae
mentis suae causa, non ut deus,
sed ut homines audiant et
consensione quadam per
commemorationem suspendantur
in deum; an tu aliud existimas?
16.Adeodatus - Omnino assentior.
17.Augustinus - Non te ergo
movet, quod summus magister,
cum orare doceret discipulos, verba
quaedam docuit, in quo nihil aliud
videtur fecisse quam docuisse,
quomodo in orando loqui oporteret?
18.Adeodatus - Nihil me omnino
istuc movet; non enim verba, sed
res ipsas eos verbis docuit, quibus
rememorar ou ensinar a alcançar
pela locução aquilo que desejamos.
Sem dúvidas, quem fala expõe
signos volitivos por sons articulados.
A Deus se deve racionalmente
procurar e suplicar no íntimo da alma,
e invocar aquele homem interior,
considerado como o seu templo. Não
leste no Apóstolo: Não sabeis que
sois templo de Deus e que o Espírito
de Deus habita em vós e que Cristo
habita o homem interior?
19
Nem
observaste a recomendação do
profeta: Falai dentro de vossos
corações e compungi-vos em vossos
aposentos; oferecei sacrifícios de
justiça e esperai no Senhor?
20
Onde
supões seja ofertado o justo sacrifício
que não no templo da mente e no
íntimo do coração? Onde se ora
também se faz o sacrifício. Pelo que,
ao orarmos não fazemos soar as
palavras, a não ser por acaso, como
fazem os sacerdotes que expressam
seu pensamento não para Deus, mas
para os homens ouvirem e através da
rememoração se elevar a Deus. Ou
tu julgarias de forma diversa?
16.AdeodatoAprovo inteiramente.
17.Agostinho - Não te perturbas que
o supremo Mestre quando ensinou
seus discípulos a orar, ao ensinar por
palavras, nada mais desejou que
ensinar o como deveriam falar ao
orar?
18.Adeodato - Nada inteiramente
me volve; não ensinou as palavras,
mas as próprias coisas por palavras,

19
nescitis quia templum Dei estis et Spiritus Dei habitat in vobis (I Corinthios 3.16).
20
[...] tu autem cum orabis intra in cubiculum tuum et cluso ostio tuo ora Patrem tuum in
abscondito et Pater tuus qui videt in abscondito reddet tibi (MATTHAEUS 6.6).
22
etiam se ipsi commonefacerent, a
quo et quid esset orandum, cum in
penetralibus ut dictum est mentis
orarent.
19.Augustinus - Recte intellegis;
simul enim te credo animadvertere,
etiamsi quisquam contendat,
quamvis nullum edamus sonum,
tamen, quia ipsa verba cogitamus,
nos intus apud animum loqui, sic
quoque locutione nihil aliud agere
quam commemorare, cum
memoria, cui verba inhaerent, ea
revolvendo facit venire in mentem
res ipsas, quarum signa sunt verba.
20.Adeodatus - Intellego ac
sequor.
II
1.Augustinus - Constat ergo inter
nos verba signa esse.
2.Adeodatus - Constat.
3.Augustinus - Quid? Signum nisi
aliquid significet, potest esse
signum?
4.Adeodatus - Non potest.
5.Augustinus - Quot verba sunt in
hoc versu: «Si nihil ex tanta superis
placet urbe relinqui»?
6.Adeodatus - Octo.
7.Augustinus - Octo ergo signa
sunt.
8.Adeodatus - Ita est.
9.Augustinus - Credo te hunc
para que eles próprios soubessem
para quem e para o que seria a
oração, e o como penetrar na mente
aquilo que era dito ao orarem.
19.Agostinho – Corretamente
captaste, ademais, igualmente creio
teres pressuposto que mesmo sem
emitir sons nós refletimos sobre as
palavras e falamos no íntimo de
nossa alma. Desse modo, com a
locução nada fazemos a não ser
evocar a memória, fazendo-a agir e
rememorar à mente as próprias
coisas das quais as palavras são
signos.
20.Adeodato - Entendo e aceito.
II
1.Agostinho – Logo, concordamos
que as palavras sejam signos.
2.AdeodatoConcordamos.
3.AgostinhoComo? Signo que
não signifique algo poderia ser
signo?
4.Adeodato - Não poderia.
5.Agostinho - Quantas palavras
existem neste verso: Si nihil ex tanta
superis placet urbe relinqui?
21
6.Adeodato - Oito.
7.Agostinho - Existem, pois, oito
signos.
8.Adeodato - É como dizes.
9.Agostinho - Creio compreenderes

21
Palavras de Virgílio na Eneida-II, 659:...se nada agrada tanto aos deuses desta cidade?
23
versum intellegere
10.Adeodatus - Satis arbitror.
11.Augustinus - Dic mihi, quid
singula verba significent.
12.Adeodatus - Video quidem,
quid significet «si», sed nullum
aliud verbum, quo id exponi possit,
invenio.
13.Augustinus - Saltem illud
invenis, quicquid significatur hoc
verbo, ubinam sit?
14.Adeodatus - Videtur mihi, quod
dubitationem significet; iam
dubitatio ubi nisi in animo est?
15.Augustinus - Accipio interim;
persequere cetera!
16.Adeodatus - «Nihil» quid aliud
significat nisi id, quod non est?
17.Augustinus - Verum fortasse
dicis, sed revocat me ab
assentiendo, quod superius
concessisti non esse signum, nisi
aliquid significet; quod autem non
est, nullo modo esse aliquid potest.
Quare secundum verbum in hoc
versu non est signum, quia non
significat aliquid, et falso inter nos
constitit, quod omnia verba signa
sint aut omne signum aliquid
significet.
18.Adeodatus - Nimis quidem
urges, sed quando non habemus
quid significemus, omnino stulte
verbum aliquod promimus; tu
autem nunc mecum loquendo
credo quod nullum sonum frustra
emittis, sed omnibus, quae ore tuo
erumpunt, signum mihi das, ut
aliquid intellegam. Quapropter non
te oportet istas duas syllabas
este verso.
10.Adeodato - Julgo o suficiente.
11.Agostinho - Dize-me o
significado de cada palavra.
12.Adeodato - Compreendo o
significado de si, mas não encontro
nenhuma outra palavra que possa
expressá-lo.
13.Agostinho: Encontrarias ao
menos, em que lugar situar-se-ia o
que é significado por esta palavra?
14.Adeodato – O si significa dúvida
em meu entendimento; e onde
estaria a dúvida a não ser na alma?
15.Agostinho - Por ora aceito,
quanto ao mais continuemos!
16.Adeodato - Nihil, qual outro
significado senão o que não existe?
17.Agostinho – Provavelmente
digas a verdade, mas impede-me
concordar com o que antes
concedeste não ser signo a não ser
que tenha um significado; o não
existente não pode de nenhum modo
ser algo. Por qual razão a segunda
palavra deste verso não seria signo,
pois não significa alguma coisa, e
desta forma erramos ao concordar
que todas as palavras seriam signos
ou que todo signo significaria algo.
18.Adeodato – Muito me acuas, mas
quando não encontramos aquilo que
significamos é insensato proferir
qualquer palavra; tu, agora, ao falar
comigo, creio, não emites nenhum
som em vão, mas, como todos os
que expressa oferece-me como
signo para que eu entenda algo. Se
com essas duas síbalas não
quisesses significar alguma coisa
24
enuntiare dum loqueris, si per eas
non significas quicquam. Si autem
vides necessaram per eas
enuntiationem fieri nosque doceri
vel commoneri, cum auribus
insonant, vides etiam profecto, quid
velim dicere, sed explicare non
possim.
19.Augustinus - Quid igitur
facimus? An affectionem animi
quandam, cum rem non videt et
tamen non esse invenit aut
invenisse se putat, hoc verbo
significari dicimus potius quam rem
ipsam, quae nulla est?
20.Adeodatus - Istuc ipsum est
fortasse, quod expedire moliebar.
21.Augustinus - Transeamus ergo
hinc, quoquo modo se habet, ne
res absurdissima nobis accidat.
22.Adeodatus - Quae tandem?
23.Augustinus - Si «nihil» nos
teneat et moras patiamur.
24.Adeodatus - Ridiculum hoc
quidem est, et nescio, quo tamen
modo video posse contingere,
immo plane video contigisse.
25.Augustinus - Suo loco genus
hoc repugnantiae, si deus siverit,
planius intellegemus; nunc ad illum
versum te refer et conare, ut potes,
cetera eius verba, quid significent,
pandere!
26.Adeodatus - Tertia praepositio
est «ex» pro qua «de» possumus,
ut arbitror, dicere.
27.Augustinus: Non id quaero, ut
pro una voce notissima aliam
vocem aeque notissimam, quae
idem significet, dicas, si tamen
não as pronunciaria. Se
compreenderes que com elas há
uma informação e, que ao soar em
nossos ouvidos produz um ensino ou
nos rememore algo, entenderás o
que quero dizer, mas não consigo
explicar.
19.Agostinho - Então, o que
faremos? Quando não vemos uma
coisa e descobre-se ou supõem-se
ter descoberto que ela não exista e,
em face de certa disposição da alma,
é possível significar-lhe a palavra
mesmo que não exista?
20.Adeodato - Era isso que acaso
esforçava-me para explicar.
21.Agostinho – Retornemos, pois,
donde estávamos para que algo
incongruente não nos suceda.
22.Adeodato – O que por fim?
23.AgostinhoQue em o nada nos
retendo aceitemos o aprazo.
24.Adeodato - Certamente isto é
rizível, desconheço o modo pelo qual
possa ocorrer, pois entendo
claramente que já tenha ocorrido.
25.Agostinho Se Deus consentir,
no momento certo de forma clara
compreenderemos tais contradições;
agora, retorna àquele verso e
empenha-te o possível em descobrir
o significado das demais palavras!
26.Adeodato - A terceira ex é uma
preposição, em lugar da qual julgo
que possamos dizer de.
27.Agostinho - Não pretendo que
profiras uma palavra conhecida por
outra igualmente conhecidíssima, de
igual significado; mas concedamos
25
idem significat; sed interim
concedamus ita esse. Certe si
poeta iste non «ex tanta urbe», sed
«de tanta» dixisset, quaereremque
abs te, quid «de» significaret,
diceres «ex», cum haec duo verba
essent, id est signa unum aliquid, ut
tu putas, significantia. Ego autem id
ipsum nescio quid unum, quod his
duobus signis significatur, inquiro.
28.Adeodatus - Mihi videtur
secretionem quandam significare
ab ea re, in qua fuerat aliquid, quod
ex illa esse dicitur, sive illa non
maneat, ut in hoc versu non
manente urbe poterant aliqui ex illa
esse Troiani, sive maneat, sicut ex
urbe Roma dicimus esse
negotiatores in Africa.
29.Augustinus - Ut concedam tibi
haec ita esse nec enumerem, quam
multa fortasse praeter hanc tuam
regulam reperiantur, illud certe tibi
adtendere facile est exposuisse te
verbis verba, id est signis signa
eisdemque notissimis notissima.
Ego autem illa ipsa, quorum haec
signa sunt, mihi, si posses, vellem
ut ostenderes.
III
1.Adeodatus - Miror te nescire vel
potius simulare nescientem
responsione mea fieri, quod vis
omnino non posse, siquidem
sermocinamur, ubi non possumus
respondere nisi verbis. Tu autem
res quaeris eas, quae, quodlibet
sint, verba certe non sunt, quas
tamen ex me tu quoque verbis
quaeris. Prior itaque tu sine verbis
quaere, ut ego deinde ista
condicione respondeam!
2.Augustinus - Iure agis fateor,
sed si quaererem, tres istae
por ora que seja desta forma.
Certamente, se este poeta, em vez
de dizer: ex tanta urbe, dissesse: de
tanta; e eu te arguisse o que significa
de, dirias ex, como se estas duas
palavras tivessem por significância
um signo único. Eu procuro a mesma
coisa em comum, que é significada
por estes dois signos.
28.AdeodatoA mim representa um
afastamento daquilo que significa ou
do qual proceda, como ocorre neste
verso, em que ao não existir mais a
cidade, troianos poderiam dela
proceder, ou como da forma como
quando dizemos existir na África,
negociantes procedentes da cidade
de Roma e que lá residem.
29.Agostinho – Assinto que seja
desta forma e não enumerarei outras
objeções que poderiam se
acrescentar a esta tua regra; de certo
reconheces que expuseste palavras
com palavras, isto é, signos por
signos, coisas conhecidas por outras
igualmente conhecidíssimas.
Quereria, se puderes, que
mostrasses que signos representam.
III
1.Adeodato - Espanta-me que
ignores, ou que possas simular
desconhecer que de mim não
obterás respostas, já que estamos a
discorrer, do que resulta responder
senão por palavras. Tu, por outro
lado, desejas seja o que for e
certamente não serão palavras;
todavia, solicitas com palavras.
Primeiro interpeles sem palavras, e
diante nesta mesma condição
responderei.
2.Agostinho - Confesso teres razão,
mas se te interpelasse sobre o que
26
syllabae quid significent, cum
dicitur «paries», nonne posses
digito ostendere, ut ego prorsus
rem ipsam viderem, cuius signum
est hoc trisyllabum verbum
demonstrante te nulla tamen verba
referente?
3.Adeodatus - Hoc in solis
nominibus, quibus corpora
significantur, si eadem corpora
praesentia sint, fieri posse
concedo.
4.Augustinus - Num colorem
corpus dicimus an non potius
quandam corporis qualitatem?
5.Adeodatus - Ita est.
6.Augustinus - Cur ergo et hic
digito demonstrari potest? An addis
corporibus etiam corporum
qualitates, ut nihilo minus etiam
istae, cum praesentes sunt, doceri
sine verbis possint?
7.Adeodatus - Ego cum corpora
dicerem, omnia corporalia intellegi
volebam, id est omnia, quae in
corporibus sentiuntur
8.Augustinus - Considera tamen,
utrum etiam hinc aliqua tibi
excipienda sint!
9.Adeodatus - Bene admones; non
enim omnia corporalia, sed omnia
visibilia dicere debui. Fateor enim
sonum, odorem, saporem,
gravitatem, calorem et alia, quae ad
ceteros sensus pertinent,
quamquam sentiri sine corporibus
significamos ao dizermos estas três
sílabas pa-re-de, não poderias
mostrar-me com o dedo, e indigita-la
tal que eu a visse pela coisa mesma,
cujos signos são estas três sílabas,
sem que eu pronunciasse nenhuma
palavra?
3.Adeodato - Admito que possa
fazê-lo, mas apenas no caso de
palavras que signifiquem coisas
materiais e quando estas estiverem
presentes.
4.Agostinho – Acaso dizemos que a
cor é uma coisa material, ou poderia
ser certa qualidade do material?
5.AdeodatoSim, podería.
6.AgostinhoLogo, por quais
razões poder-se-ia mostrar a cor com
o dedo? Ao adicionar as qualidades
aos materiais, sem alterá-los e elas
presentes, poderíamos ainda ensinar
sem palavras?
7.AdeodatoAo dizerem coisas
materiais, eu entendo tudo
consentido materialmente, isto é tudo
aquilo sensoriado pela alma
22
.
8.Agostinho - Todavia, consideres
se aqui também não existiria alguma
exceção!
9.Adeodato - Bem observado; não
deveria dizer tudo que é coisa
material, mas tudo que é visível. É
fato que o som, o odor, o sabor, o
peso, o calor e outras qualificações
pertinentes a outros sentidos, não se
possam absolutamente sentí-las sem

22
Os antigos hebreus atribuíam ao corpo não só as operações fisiológicas; incluíam
também as de caráter psíquicos e espirituais. Inclua-se nesta interpretação, pois, não só as
partes fisiológicas e orgânicas, mas também as operações da alma. (HAAG, 1966, p.411)
27
nequeant et propterea sint
corporalia, non tamen digito posse
monstrari.
10.Augustinus - Numquamne
vidisti, ut homines cum surdis gestu
quasi sermocinentur ipsique surdi
non minus gestu vel quaerant vel
respondeant vel doceant vel
indicent aut omnia, quae volunt, aut
certe plurima? Quod cum fit, non
utique sola visibilia sine verbis
ostenduntur, sed et soni et sapores
et cetera huiusmodi; nam et
histriones totas in theatris fabulas
sine verbis saltando plerumque
aperiunt et exponunt.
11.Adeodatus - Nihil habeo, quod
contradicam, nisi quod illud «ex»
non modo ego, sed ne ipse quidem
saltator histrio tibi sine verbis, quid
significet, posset ostendere.
12.Augustinus - Verum fortasse
dicis; sed fingamus eum posse, non
ut arbitror dubitas, quisquis ille
motus corporis fuerit, quo mihi rem,
quae hoc verbo significatur,
demonstrare conabitur, non ipsam
rem futuram esse, sed signum.
Quare hic quoque non quidem
verbo verbum, sed tamen signo
signum nihilo minus indicabit, ut et
hoc monosyllabum «ex» et ille
gestus unam rem quandam
significent, quam mihi ego vellem
non significando monstrari.
13.Adeodatus - Qui potest, quod
quaeris, oro te?
14.Augustinus - Quomodo paries
potuit.
15.Adeodatus - Ne ipse quidem,
quantum ratio progrediens docuit,
ostendi sine signo potest. Nam et
intentio digiti non est utique paries,
os corpos, e por isso são corporais,
como também não é possível indicá-
las com o dedo.
10.Agostinho - Nunca viste como os
homens se comunicam com os
surdos, do mesmo modo que os
próprios surdos respondem por meio
de gestos e, ensinam ou indicam
tudo, ou de certo muito daquilo que
desejam? De tal modo, não se
mostram sem palavras só as coisas
visíveis, mas também sons, sabores,
e outros iguais; de fato, todos os
histriões nos teatros, geralmente
dançam e contam histórias sem
palavras.
11.Adeodato - Nada tenho a objetar,
a não ser aquele ex que não
somente eu, mas mesmo um histrião
coreógrafo não poderia demonstrar o
que significa sem palavras.
12.Agostinho - O que diz pode ser
verdade; mas supondo que ele
possa; não terias dúvida que no
esforço em demonstrar o significado
da palavra, qualquer que fosse o
gesto corporal com que mostrasse,
não seria a coisa em si, mas um
signo. Destarte, ele não estaria a
indicar uma palavra com outra
palavra, mas sim um signo com outro
signo, tal como tu querias que o
monossílabo ex e o gesto
significassem a coisa mesma
mostrada sem significá-la.
13.Adeodato - Rogo-te, como é
possível o que pedes?
14.Agostinho - Do modo como foi
possível à parede.
15.Adeodato - Nem mesmo isto
conforme propusemos em nosso
raciocínio é possível mostrar sem
signo. O ato intencionado do dedo
28
sed signum datur, per quod paries
possit videri. Nihil itaque video,
quod sine signis ostendi queat.
16.Augustinus - Quid? si ex te
quaererem, quid sit ambulare,
surgeresque et id ageres, nonne re
ipsa potius quam verbis ad me
docendum aut ullis aliis signis
utereris?
17.Adeodatus - Fateor ita esse et
pudet me rem tam in promptu
positam non vidisse; ex qua etiam
mihi milia rerum iam occurrunt,
quae ipsae per se valeant non per
signa monstrari, ut edere, bibere,
sedere, stare, clamare et
innumerabilia cetera.
18.Augustinus - Age nunc dic mihi,
si omnino nesciens huius verbi vim
abs te ambulante quaererem, quid
sit ambulare, quomodo me
doceres?
19.Adeodatus - Id ipsum agerem
adluanto celerius, ut post
interrogationem tuam aliqua
novitate admonereris et tamen nihil
aliud fieret quam id, quod deberet
ostendi.
20.Augustinus - Scisne aliud esse
ambulare, aliud festinare? Nam et
qui ambulat, non continuo festinat,
et qui festinat, non continuo
ambulat; dicimus enim et in
scribendo et in legendo aliisque
innumerabilibus rebus
festinationem. Quare cum illud,
quod agebas, celerius ageres post
interrogationem meam, putarem
ambulare nihil esse aliud quam
festinare - id etiam novi addideras -,
et ob hoc fallerer.
21.Adeodatus - Fateor non nos
não é a parede em si, mas um signo
dado pelo qual se compreende o que
é a parede. Nada aqui vejo possa
mostrar-se sem signo.
16.Agostinho - No entanto, se eu te
perguntasse o que é andar, e tu te
levantasses e fizesses esta ação,
não estarias te servindo da coisa
mesma para me ensinar, sem usar
palavras ou outros signos?
17.Adeodato - Confesso ser desta
forma e envergonho-me de não ter
compreendido algo tão evidente; me
ocorre milhares de coisas que valem
por si mesmas, e não pelo que
mostram seus signos, como: comer,
beber, sentar, erguer-se, gritar e
inúmeras outras.
18.AgostinhoAgora vejamos;
dize-me: se eu não conhecesse nada
dessa palavra e te perguntasse, o
que é caminhar enquanto caminhas,
de que modo me ensinarias?
19.Adeodato - Caminharia mais
acelerado, tal que notasses algo
novo após teu questionamento, e
não teria feito outra coisa que não
mostrar aquilo que deveria.
20.Agostinho - Sabes que uma
coisa é caminhar, outra é acelerar?
Tal é que, não está apressado
aquele que caminha e não significa
que caminha aquele que acelera;
dizemos de fato isso, para escrever,
ler e muitas outras coisas. Portanto,
se após meu questionamento,
acelerou aquilo que fazias, eu
poderia julgar, após esta novidade
adicionada por ti, que andar é
apressarsse, e deste modo estaria
enganado.
21.Adeodato - Reconheço não nos
29
posse rem monstrare sine signo, si,
cum id agimus, interrogemur; si
enim nihil addamus, putabit, qui
rogat, nolle nos ostendere
contemptoque se in eo, quod
agebamus perseverare. Sed si de
his roget, quae agere possumus,
nec eo tamen tempore, quo agimus
roget, possumus post eius
interrogationem id agendo re ipsa
potius quam signo demonstrare,
quod rogat, nisi forte loquentem me
interroget, quid sit loqui; quicquid
enim dixero ut eum doceam, loquar
necesse est. Ex quo securus
docebo, donec ei planum faciam,
quod vult, non recedens a re ipsa,
quam sibi voluit demonstrari, nec
signa quaerens, quibus eam
ostendam praeter ipsam.
IV
1.Augustinus - Acutissime omnino.
Quare vide, utrum conveniat iam
inter nos ea posse demonstrari sine
signis, quae aut non agimus, cum
interrogamur, et tamen statim agere
possumus aut ipsa forte signa
agimus; cum enim loquimur, signa
facimus, de quo dictum est
significare.
2.Adeodatus - Convenit.
3.Augustinus - Cum ergo de
quibusdam signis quaeritur,
possunt signis signa monstrari; cum
autem de rebus, quae signa non
sunt, aut eas agendo post
inquisitionem, si agi possunt, aut
signa dando, per quae animadverti
queant.
4.Adeodatus - Ita est.
5. Augustinus - In hac igitur
tripertita distributione prius illud
ser possível mostrar algo sem signo;
de fato se nada acrescentarmos
àquele que interpela, ele pensará
que ao continuarmos a fazer nossa
ação, não queremos responder-lhe.
Mas, se ele interpelar sobre o que
podemos fazer e na hora não
estivermos fazendo, após a
interpelação, poderemos mostrar-lhe
pela coisa mesma, sem um signo
que a identifique, a não ser que
acaso eu seja interrogado enquanto
falo sobre o que é falar, do que quer
que fale, necessito da locução para
ensinar. Após o que, com segurança
ensinarei conquanto lhe fique claro;
sem afastar-me da própria coisa que
desejava mostrar além da própria
fala e sem procurar signos com os
quais lhe mostrar.
IV
1.Agostinho - Inteiramente preciso.
Contudo, com a locução emitimos
signos significados na fala, por qual
razão vês, agora, termos acordado
que mesmo quando não estamos a
fazer a ação, se interpelados,
imediatamente poderemos sem
signos demonstrar ou casualmente
realizá-la ao indicar com o próprio
signo.
2.Adeodato - Acertado.
3.Agostinho – Logo, inqueridos
sobre signos, podemos mostrar
signos por signos; e quando se
tratar de coisas que não são signos,
imediatamente após a interpelação,
poderemos expor os signos para que
os notem.
4.AdeodatoÉ como dizes.
5.Agostinho - Nas três disposições
consideraremos primeiro se te
30
consideremus, si placet, quod
signis signa monstrantur; num enim
sola verba sunt signa?
6.Adeodatus - Non.
7.Augustinus - Videtur ergo mihi
loquendo nos aut verba ipsa
signare verbis aut alia signa, velut
cum gestum dicimus aut litteram -
nam his duobus verbis quae
significantur, nihilo minus signa
sunt - aut aliquid aliud, quod
signum non sit, velut cum dicimus
«lapis». Hoc enim verbum signum
est - nam significat aliquid -, sed id,
quod eo significatur, non continuo
signum est; quod tamen genus, id
est cum verbis ea, quae signa non
sunt, significantur, non pertinet ad
hanc partem, quam discutere
proposuimus. Suscepimus enim
considerare illud, quod signis signa
monstrantur, et partes in eo dua
comperimus, cum aut eadem aut
alia signa signis docemus vel
commemoramus; an tibi non
videtur?
8.Adeodatus - Manifestum est.
9.Augustinus - Dic ergo signa
quae verba sunt, ad quem sensum
pertineant?
10.Adeodatus - Ad auditum.
11.Augustinus - Quid gestus?
12.Adeodatus - Ad visum.
13.Augustinus - Quid? cum verba
scripta invenimus, num verba non
sunt? An signa verborum verius
intelleguntur, ut verbum sit, quod
cum aliquo significatu articulata
voce profertur - vox autem nullo alio
sensu quam auditu percipi potest.
Ita fit, ut, cum scribitur verbum,
convires, que certos signos se
mostram por signos; então, somente
as palavras seriam são signos?
6.Adeodato – Não.
7.Agostinho - Compreendo que
falando, significamos as palavras por
elas próprias ou por outros signos;
como ao falarmos com gestos ou por
letras escritas, as coisas significadas
pelas palavras nestes dois casos não
deixam de ser signos ou outras
coisas que não sejam signos, como
ao pronunciarmos pedra. Por esse
motivo essa palavra é signo
enquanto significa algo, mas o que
por ela é significado não é um signo;
contudo, este gênero de palavras
que significam coisas que não são
signos não pertence ao que aqui nos
propusemos discutir. Sustemos de
fato considerar que signos se
mostram por signos, e destes dois
descobrimos que com os significados
dos signos ensinamos ou
rememoramos. Tu assim não
compreenderias?
8.Adeodato - É evidente.
9.Agostinho - Logo, dirias que as
palavras são signos pertencentes a
qual sentido?
10.Adeodato - A audição.
11.Agostinho - E os gestos?
12.Adeodato - A visão.
13.Agostinho - Ao encontrarmos
palavras escritas, não seriam
palavras que conferem significados?
Estas são compreendidas mais como
signos de palavras do que palavras
articuladas pela voz. Sucede que a
palavra escrita ilustra um signo aos
olhos, enquanto a voz é percebida
31
signum fiat oculis, quo illud, quod
ad aures pertinet, veniat in
mentem.
14.Adeodatus - Omnino assentior.
15.Augustinus - Id quoque te
arbitror assentiri, cum dicimus
«nomen», significare nos aliquid.
16.Adeodatus - Verum est.
17.Augustinus - Quid tandem?
18. Adeodatus - Id scilicet, quod
quidque appellatur, velut Romulus,
Roma, virtus, fluvius et
innumerabilia cetera.
19.Augustinus - Num ista quattuor
nomina nullas res significant?
20.Adeodatus - Immo aliquas.
21.Augustinus - Num nihil distat
inter haec nomina et eas res, quae
his significantur?
22.Adeodatus - Immo plurimum.
23.Augustinus - Vellem abs te
audire, quidnam id sit.
24.Adeodatus - Hoc vel in primis,
quod haec signa sunt, illa non sunt.
25.Augustinus - Placetne
appellemus significabilia ea, quae
signis significari possunt et signa
non sunt, sicut ea, quae videri
possunt, visibilia nominamus, ut de
his deinceps commodius
disseramus?
26.Adeodatus - Placet vero.
27.Augustinus - Quid? illa quattuor
signa, quae paulo ante pronuntiasti,
por outro sentido e, procede se não
da audição para vir à mente.
14.Adeodato - Aprovo plenamente.
15.Agostinho - Do mesmo modo,
julgo aprovarias que ao dizermos
nome significamos algo.
16.Adeodato - É verdade.
17.Agostinho - Mas, o quê?
18.Adeodato - Evidentemente aquilo
a que nominamos tais como:
Rômulo, Roma, virtude, rio e
inúmeras outras.
19.Agostinho - Porventura estes
quatro nomes não significariam algo?
20.Adeodato - Ao contrário, muito.
21.Agostinho - Não existiria
nenhuma diferença entre esses
nomes e as coisas que significam?
22.Adeodato Até há muitíssima.
23.Agostinho - Gostaria de ouvir
quais seriam.
24.Adeodato - Antes, por isso uns
(nomes) são signos, e outros
(significados) não o são.
25.AgostinhoNão te agradarias
chamar significáveis àquelas coisas
que não são signos, mas que
possam ser significadas por signos,
tanto como nominarmos visíveis
àquelas que se pode ver e depois
comodamente discutirmos?
26.AdeodatoPor certo agradaria.
27.AgostinhoEm que? Aqueles
quatro signos que mencionaste há
32
nullone alio signo significantur?
28.Adeodatus - Miror quod iam
mihi excidisse arbitraris, quod ea,
quae scribuntur, eorum, quae voce
proferuntur, signorum signa esse
comperimus.
29.Augustinus - Dic inter ista quid
distet.
30.Adeodatus - Quod illa visibilia
sunt, haec audibilia; cur enim non
et hoc nomen admittas, si
admisimus significabilia?
31.Augustinus - Prorsus admitto,
et gratum habeo. Sed rursus
quaero, quattuor haec signa
nullone alio signo audibili significari
queant, ut visibilia recordatus es?
32.Adeodatus - Hoc quoque
recentius dictum recordor; nam
nomen responderam significare
aliquid, et huic significationi
quattuor ista subieceram, et illud
autem et haec, siquidem voce
proferuntur, audibilia esse
cognosco.
33.Augustinus - Quid ergo inter
audibile signum et audibilia
significata, quae rursus signa sunt,
interest?
34.Adeodatus - Inter illud quidem,
quod dicimus nomen, et haec
quattuor, quae significationi eius
subiecimus, hoc distare video, quod
illud audibile signum est signorum
audibilium, haec vero audibilia
quidem signa sunt, non tamen
signorum, sed rerum partim
visibilium sicut est Romulus, Roma,
fluvius, partim intellegibilium, sicut
est virtus.
pouco, não poderiam ser significados
por outros signos?
28.Adeodato - Admira-me julgares
que eu tenha esquecido o que antes
estabelecemos, que as palavras
escritas são signos dos signos
proferidos pela voz.
29.Agostinho - Dize-me sobre a
diferença entre estes.
30.Adeodato - Quanto àqueles são
visíveis, e estes audíveis; por que eu
não os aceitaria como nome, se
admitimos serem significáveis?
31.Agostinho De bom grado
consinto inteiramente. Mas, de novo,
outro signo audível não significaria
esses quatro signos, como lembraste
ocorrer com os visíveis?
32.Adeodato - Recordo o que foi dito
há pouco, quando respondi que
alguma coisa o nome significaria, e
sob esta significação ocorreu-me
estes quatros articulados com a voz
que distingo serem audíveis e não
aquele outro.
33.AgostinhoE, entre o signo
audível e o significado entendido na
audição; que diferenças há entre
estes signos?
34.Adeodato - Entendo estarem
distantes, aquilo que denominamos
nome daqueles quatro cuja
significação deduzimos; o audível é
signo de outros signos da audição,
estes certamente têm significados
reais, em parte inteligíveis como
virtude, mas não da mesma forma
que os signos referentes a algo
visível como Romulus, Roma e rio.
33
35.Augustinus - Accipio et probo.
Sed scisne omnia, quae voce
articulata cum aliquo significatu
proferuntur, verba appellari?
36.Adeodatus - Scio.
37.Augustinus - Ergo et nomen
verbum est, quando quidem id
videmus cum aliquo significatu
articulata voce proferri, et cum
dicimus disertum hominem bonis
verbis uti, etiam nominibus utique
utitur, et cum seni domino apud
Terentium servus rettulit «bona
verba quaeso», multa ille etiam
nomina dixerat.
38.Adeodatus - Assentior.
39.Augustinus - Concedis igitur his
duabus syllabis, quas edimus, cum
dicimus verbum, nomen quoque
significari et ob hoc illud huius
signum esse.
40.Adeodatus - Concedo.
41.Augustinus - Hoc quoque
respondeas velim: cum verbum
signum sit nominis et nomen
signum sit fluminis et flumen
signum sit rei, quae iam videri
potest, ut inter hanc rem et flumen,
id est signum eius, et inter hoc
signum et nomen, quod huius signi
signum est, dixisti, quid intersit,
quid interesse arbitraris inter
signum nominis, quod verbum esse
comperimus, et ipsum nomen,
cuius signum est?
35.Agostinho - Aceito e reconheço.
Mas, sabes que se denomina palavra
a tudo que é proferido com voz
articulada e tem significado?
36.AdeodatoSei
37.Agostinho - Logo, nome é uma
palavra, que vimos ser proferida com
voz articulada e com significado; ao
dizermos que um homem eloquente
utiliza de palavras virtuosas, de
alguma forma ele faz uso de nomes;
e quando em Terentius
23
o escravo
se dirigiu a seu velho senhor: boas
palavras se queres. suplicou-lhe com
palavras pronunciando nomes.
38.Adeodato - Aprovo.
39.Agostinho - Assentis pois, que
ao exprimirmos estas duas sílabas
ver-bum (palavra), o nome seria
significado e, por isso, aquela é signo
deste.
40.Adeodato - Assinto.
41.AgostinhoGostaria, então, que
respondesses: se a palavra é signo
do nome e o nome é signo de rio e
rio é signo de uma realidade visível;
ao reconhecer esta diferença entre a
realidade e seu signo, e entre este
signo e seu nome, que é um signo; o
que julgas ser a diferença entre o
nome do signo, que já vimos ser
referido pela palavra e este mesmo
nome que significa a palavra?

23
St. Agostinho está se referindo a uma passagem da comédia Andria de Publius Terentius
Afer (185? – 159 a.C.).
34
42.Adeodatus - Hoc distare
intellego, quod ea, quae
significantur nomine, etiam verbo
significantur - ut enim nomen
verbum est, ita et flumen verbum
est -, quae autem verbo
significantur, non omnia
significantur et nomine. Nam et illud
«si» quod in capite habet abs te
propositus versus, et hoc «ex», de
quo iam diu agentes in haec duce
ratione pervenimus, verba sunt nec
tamen nomina, et talia multa
inveniuntur. Quamobrem cum
omnia nomina verba sint, non
autem omnia verba nomina sint,
planum esse arbitror, quid inter
verbum distet et nomen, id est inter
signum signi eius, quod nulla alia
signa significat, et signum signi
eius, quod rursus alia signa
significat.
43.Augustinus - Concedisne
omnem equum animal esse nec
tamen omne animal equum esse?
44.Adeodatus - Quis dubitaverit?
45.Augustinus - Hoc ergo inter
nomen et verbum, quod inter
equum et animal, interest. Nisi forte
ab assentiendo id te revocat, quod
dicimus et alio modo verbum, quo
significantur ea, quae per tempora
declinantur, ut scribo scripsi, lego
legi, quae manifestum est non esse
nomina.
46.Adeodatus - Dixisti omnino,
quod me dubitare faciebat.
47.Augustinus - Ne te istuc
moveat; dicimus enim et signa
universaliter omnia, quae significant
aliquid, ubi etiam verba esse
invenimus. Dicimus item signa
militaria, quae iam proprie signa
nominantur, quo verba non
42.AdeodatoCompreendo, por
isto, a distinção entre o que é
significado por um nome e o que é
significado por uma palavra;
igualmente, rio é uma palavra, mas
nem tudo o que é significado por
essa palavra é significado pelo seu
nome. De fato aquele si que inicia o
verso proposto por ti e aquele ex do
qual guiados pela razão
exaustivamente tratamos como
palavra, mas não como nome, é um
caso semelhante a vários outros que
encontramos. Pelo que, todos os
nomes são palavras, porém nem
todas as palavras são nomes. Julgo
ser clara a diferença entre palavra e
nome, isto é, entre o signo do signo
que não significa outro signo, e o
signo daquele signo que pode
significar outros.
43.AgostinhoNão assentirias que
todo cavalo seria animal, mas, nem
todo animal seria um equino?
44.Adeodato - Quem duvidaria?
45.Agostinho - Logo, entre nome e
palavra existem diferenças, como
entre equino e animal. A não ser que
sejas impedido de assentir e
retrocedas, pelo fato de que
podemos usar a palavra verbum em
outra acepção; a de declinação por
tempos, como: escrevo, escrevi, leio,
li, que claramente não são nomes.
46.AdeodatoDisseste tudo aquilo
que me suscitava dúvidas.
47.Agostinho - Que isto não te
preocupes, por certo dizemos signos
em geral a tudo que significa algo, e
igualmente aí estão as palavras.
Dizemos o mesmo dos símbolos
militares, mais próximos dos signos e
não pertencente às palavras.
35
pertinent. Et tamen si tibi dicerem:
ut omnis equus animal, non autem
omne animal equus, ita omne
verbum signum, non autem omne
signum verbum est, nihil, ut opinor,
dubitares.
48.Adeodatus - Iam intellego et
prorsus assentior hoc interesse
inter universale illud verbum et
nomen, quod inter animal et
equum.
49.Augustinus - Scisne etiam, cum
dicimus animal, aliud esse hoc
trisyllabum nomen, quod voce
prolatum est, aliud id, quod
significat?
50.Adeodatus - Iam hoc supra
concessi de omnibus signis et
significabilibus.
51.Augustinus - Num omnia signa
tibi videntur aliud significare, quam
sunt, sicut hoc trisyllabum, cum
dicimus animal, nullo modo idem
significat quod est ipsum.
52.Adeodatus - Non sane; nam
cum dicimus signum, non solum
signa cetera, quaecumque sunt,
sed etiam se ipsum significat; est
enim verbum, et utique omnia
verba signa sunt.
53.Augustinus - Quid? in hoc
disyllabo, cum dicimus verbum,
nonne tale aliquid contingit? Nam si
omne, quod cum aliquo significatu
articulata voce profertur, hoc
disyllabo significatur, etiam ipsum
hoc genere includitur.
54.Adeodatus - Ita est.
55.Augustinus - Quid? nomen
nonne similiter habet? Nam et
omnium generum nomina significat,
Igualmente, se te dissessem: todo
cavalo é animal, e nem todo animal é
equino, da mesma forma que toda
palavra é signo, e nem todo signo é
palavra; acredito que não terias
dúvidas.
48.AdeodatoAgora compreendo e
aprovo plenamente que exista entre
a palavra em geral e o nome, a
mesma diferença entre animal e
equino.
49.Agostinho - Não sabes que
quando dizemos animal, uma coisa é
o nome trissilábico proferido com a
voz, outra é aquilo que se quer
significar?
50.Adeodato - Há pouco assenti isso
acerca das significações de todos os
signos.
51.Agostinho - Não compreendes
que todos os signos diferem do que
são, daquilo que significam; como se
pronunciassemos o trissílabo animal,
não significaria o que ele seria em si.
52.AdeodatoDe certa forma não;
na verdade dizemos signo não só a
signos outros, quaisquer que sejam,
mas aos que a si significam, pois
trata-se de uma palavra, e todas as
palavras são signos.
53.Agostinho Quando
pronunciamos o dissílabo ver-bum
(palavra), não encontramos algo
parecido? Na verdade, se tudo com
algum significado é proferido com
voz articulada, o significado desse
dissílabo inclui o próprio gênero.
54.AdeodatoÉ como dizes.
55.AgostinhoCom o nome não há
uma similaridade? Nomeia o próprio
nome e significa todos os gêneros de
36
et ipsum nomen generis neutri
nomen est. An si ex te quaererem,
quae pars orationis nomen, posses
mihi recte respondere nisi nomen?
56.Adeodatus - Verum dicis.
57.Augustinus - Sunt ergo signa,
quae inter alia, quae significant, et
se ipsa significent.
58.Adeodatus - Sunt.
59.Augustinus - Num tale tibi
videtur hoc quadrisyllabum signum,
cum dicimus coniunctio?
60.Adeodatus - Nullo modo; nam
ea, quae significat, non sunt
nomina, hoc autem nomen est.
V
1.Augustinus - Bene adtendisti.
Nunc illud vide, utrum inveniamus
signa, quae se invicem significent,
ut, quemadmodum hoc ab illo, sic
illud ab hoc significetur; non enim
ita sunt inter se hoc
quadrisyllabum, cum dicimus
coniunctio, et illa, quae ab hoc
significantur, cum dicimus si, vel,
nam, namque, nisi, ergo, quoniam
et similia; nam haec illo uno
significantur, nullo autem horum
unum illud quadrisyllabum
significatur.
2.Adeodatus - Video et, quaenam
signa sint invicem significantia,
cupio cognoscere.
3.Augustinus - Tu ergo nescis,
cum dicimus nomen et verbum, duo
verba nos dicere?
4.Adeodatus - Scio.
5.Augustinus - Quid? illud nescis,
nomes neutros. Se fosses inquirido
sobre a qual parte da oração
corresponderia o nome, certamente
só poderias responder ao nome?
56.Adeodato - Dizes a verdade.
57.AgostinhoLogo, são os signos
que entre outras coisas que
significam, significam a si próprios.
58.Adeodato - São.
59.Agostinho Compreenderias por
acaso um signo quadrissílabo, ao
dizermos coniunctio (conjunção)?
60.Adeodato - De forma alguma,
porquanto seja um nome, mas o que
ele significa não são nomes.
V
1.Agostinho - Bem atentado.
Perceba agora, existirem signos que
reciprocamente se significam; como
este significa aquele, aquele este e,
não me ocorre isto entre aquele
quadrissílabo coniunctio e as coisas
que ele significa: si (se), vel (ou),
nam (pois), namque (e, pois), nisi (se
não), ergo (logo), quoniam (porque) e
outras semelhantes; estes vocábulos
são significados só por aquele, mas
nenhum destes significa aquele
quadrissílabo.
2.Adeodato - Compreendo e de fato
desejo conhecer quais os signos que
se significam reciprocamente.
3.AgostinhoLogo, não sabes que
ao dizermos nome e palavra,
proferimos duas palavras?
4.Adeodato - Sei.
5.Agostinho - Como? Ignoras que
37
cum dicimus nomen et verbum, duo
nomina nos dicere?
6.Adeodatus - Id quoque scio.
7.Augustinus - Scis igitur tam
nomen verbo quam etiam verbum
nomine significari.
8.Adeodatus - Assentior.
9.Augustinus - Potesne dicere,
excepto eo, quod diverse scribuntur
et sonant, quid inter se differant?
10.Adeodatus - Possum fortasse;
nam id esse video, quod paulo ante
dixi. Verba enim cum dicimus,
omne, quod articulata voce cum
aliquo significatu profertur,
significamus. Unde omne nomen et
ipsum, cum dicimus nomen,
verbum est; at non omne verbum
nomen est, quamvis nomen sit,
cum dicimus verbum.
11.Augustinus - Quid? si
quisquam tibi affirmet et probet, ut
omne nomen verbum est, ita omne
verbum nomen esse, poterisne
invenire, quid distent praeter
diversum in litteris sonum?
12.Adeodatus - Non potero, nec
omnino distare aliquid puto.
13.Augustinus - Quid? si omnia
quidem, quae voce articulata cum
aliquo significatu proferuntur, et
verba sunt et nomina, sed tamen
alia de causa verba et alia de
causa nomina sunt, nihilne distabit
inter nomen et verbum?
14.Adeodatus - Quomodo istuc sit
non intellego.
15.Augustinus - Hoc saltem
intellegis omne coloratum visibile
ao dizermos nome e palavra,
proferimos dois nomes?
6.Adeodato - Igualmente sei.
7.Agostinho - O conhecimento do
nome tanto pode significar palavra,
quanto o da palavra o nome.
8.Adeodato - Aprovo.
9.Agostinho - Podes dizer em que
diferem, exceto que se escrevem e
se pronunciam diferentemente?
10.AdeodatoTalvez possa; na
forma como compreendi o que há
pouco disseste. Ao fazermos soar as
palavras, significamos tudo o que é
proferido com voz articulada. Donde,
a todo nome e a ele próprio
chamarmos palavra, porém nem toda
palavra é nome, não obstante ao
pronunciarmos um nome dizermos
uma palavra.
11.AdeodatoPor qual razão? Se
alguém te afirmar e provar que como
todo nome é palavra e que ainda
toda palavra é nome, poderias
determinar em que se diferenciam,
além do som diverso das letras?
12.Adeodato - Não poderia e,
tampouco apuro alguma diferença.
13.AgostinhoEm que? Palavras e
nomes são tudo aquilo que é
significado pela voz com palavras
articuladas, mas por certos motivos
são palavras e por outros são
nomes; não existiria alguma
diferença entre nome e palavra?
14.Adeodato - Não compreendo
como isto seja.
15.Agostinho - Compreenderias que
tudo que é colorido seja visível, e
38
esse et omne visibile coloratum,
quamvis haec duo verba distincte
differenterque significent.
16.Adeodatus - Intellego.
17.Augustinus - Quid? si ergo ita
et omne verbum nomen et omne
nomen verbum est, quamvis haec
ipsa duo nomina vel duo verba, id
est nomen et verbum, differentem
habeant significationem?
18.Adeodatus - Iam video posse id
accidere, sed quomodo id accidat,
expecto, ut ostendas.
19.Augustinus - Omne, quod cum
aliquo significatu articulata voce
prorumpit, animadvertis, ut opinor,
et aurem verberare, ut sentiri, et
memoriae mandari, ut nosci possit.
20.Adeodatus - Animadverto.
21.Augustinus - Duo ergo
quaedam contingunt, cum aliquid
tali voce proferimus.
22.Adeodatus - Ita est.
23.Augustinus - Quid? si horum
duorum ex uno appellata sunt
verba, ex altero nomina, verba
scilicet a verberando, nomina vero
a noscendo, ut illud primum ab
auribus, hoc autem secundum ab
animo vocari meruerit?
24.Adeodatus - Concedam, cum
ostenderis, quomodo recte
possimus omnia verba nomina
dicere.
25.Augustinus - Facile est; nam
credo te accepisse ac tenere
pronomen dictum, quod pro ipso
nomine valeat, rem tamen notet
tudo que é visível seja colorido,
embora estas duas palavras se
distinguam por significados
diferentes?
16.Adeodato - Compreendo.
17.Agostinho - Como? Se, deste
modo, toda palavra é nome e todo
nome é palavra, embora estes dois
nomes ou duas palavras sejam nome
e palavra em si mesmos, em que
diferem suas significações?
18.Adeodato - Agora compreendo
que possa ocorrer, mas espero que
mostres o modo como isto se daria.
19.Agostinho - Tudo que é
significado por voz articulada é
observado, notado e refletido na
audição pela sensação, para poder ir
a memória e ser reconhecido.
20. Adeodato Percebo.
21.Agostinho Ao proferirmos algo
com a voz, ocorrem estas duas
coisas.
22.AdeodatoÉ como dizes.
23. AgostinhoE, por que? Se em
ambas (verba e nomina) uma é
denominada palavra e o outro nome,
a palavra conhecida por refletir e o
nome por que se reconhece, a
primeira pela audição e a segunda
apenas ao invocar a alma?
24.AdeodatoConcede-lo-ei se de
modo justo demonstrares como
possamos dizer nome a toda palavra.
25.Adeodato - É fácil, creio que
aceitaste a denominação de
pronome, àquilo que substitui o nome
e designa a coisa por uma
39
minus plena significatione quam
nomen. Nam, ut opinor, ita definivit
ille, quem grammatico reddidisti:
Pronomen est pars orationis, quae
pro ipso posita nomine minus
quidem plene idem tamen
significat.
26.Adeodatus - Recordor et probo.
27.Augustinus - Vides igitur
secundum hanc definitionem nullis
nisi nominibus servire et pro his
solis poni posse pronomina, velut
cum dicimus «hic vir, ipse rex,
eadem mulier, hoc aurum, illud
argentum», «hic, ipse, eadem, hoc,
illud» pronomina esse, «vir, rex,
mulier, aurum, argentum» nomina,
quibus plenius quam illis
pronominibus res significatae sunt.
28.Adeodatus - Video et assentior.
29.Augustinus - Tu ergo nunc mihi
paucas coniunctiones quaslibet
enuntia.
30.Adeodatus - Et, que, at, atque.
31.Augustinus - Haec omnia, quae
dixisti, non tibi videntur esse
nomina?
32.Adeodatus - Non omnino.
33.Augustinus - Ego saltem tibi
recte locutus videor, cum dicerem:
haec omnia, quae dixisti?
34.Adeodatus - Recte prorsus et
iam intellego, quam mirabiliter
significação menos completa que o
nome. Pois creio que deste modo
tenha definido o gramático
24
que o
referiu: Pronome é uma parte da
oração que usada no lugar do nome,
significa o mesmo objeto, embora
não tão perfeitamente.
26.Adeodato - Recordo e aprovo.
27.Agostinho - Compreendes
segundo esta definição, não ser
senão para nomear e por isso só os
usamos após os pronomes, como ao
dizermos: este homem, o mesmo rei,
esta mulher, este ouro, aquela prata.
Este, mesmo, esta, esse e aquela
são pronomes; homem, rei, mulher,
ouro e prata são nomes pelos quais
as coisas são significadas mais
plenamente do que pelos pronomes.
28.Adeodato - Vejo e aprovo.
29.AgostinhoLogo, agora tu
enuncies para mim algumas
conjunções de quaisquer gêneros.
30. Adeodato - E, logo, porém, ora.
31.Agostinho - Não te aparenta que
todas estas que citaste sejam
nomes?
32.Adeodato - Não inteiramente.
33.Agostinho - Compreenderias ao
menos que eu falei corretamente:
todas estas que citaste?
34.Adeodato – Certamente
compreendo o quão admiravelmente

24
St. Agostinho está se referindoaogramático Dionysio Tracia que utilizava o termo grego
αντωνυμ α (antwnumía), que no latim passou para pronome, tendo a função de designar
uma determinada categoria de palavras que substituiam o nome (substantivo) ou que
serviam para dar lhe ênfase ou para esclarecer seu significado.
40
ostenderis me nomina enuntiasse;
non enim aliter de his recte dici
potuisset «haec omnia». Sed enim
vereor adhuc, ne propterea mihi
recte locutus videaris, quod has
quattuor coniunctiones etiam verba
esse non nego, ut ideo de his recte
dici potuerit «haec omnia»,
quoniam recte dicitur «haec verba
omnia». Si autem a me quaeras,
quae sit pars orationis verba, nihil
aliud respondebo quam nomen.
Quare huic nomini fortasse
pronomen adiunctum est, ut illa
recta esset locutio tua.
35.Augustinus - Acute quidem
falleris; sed ut falli desinas, acutius
adtende, quod dicam, si tamen
dicere id, ut volo, valuero. Nam
verbis de verbis agere tam
implicatum est, quam digitos digitis
inserere et confricare, ubi vix
dinoscitur nisi ab eo ipso, qui id
agit, qui digiti pruriant et qui
auxilientur prurientibus.
36.Adeodatus - En toto animo
adsum; nam ista haec similitudo me
intentissimum fecit.
37.Augustinus - Verba certe sono
et litteris constant.
38.Adeodatus - Ita est.
39.Augustinus - Ergo, ut ea
potissimum auctoritate utamur,
quae nobis carissima est, cum ait
Paulus apostolus: «Non erat in
Christo est et non, sed est in illo
erat», non opinor putandum est tres
istas litteras, quas enuntiamus, cum
mostraste que enunciei nomes; de
outra forma não poderias dizer todas
estas. Mas, agora me surge uma
dúvida sobre a equidade de tua
afirmação, porque não posso negar
que estas quatro conjunções até
sejam palavras e, por certo, eu
poderia dizer todas estas, quando o
correto seria dizer todas estas
palavras. Se me perguntares a que
parte da oração corresponde a
palavra, nenhuma outra te
responderei a não ser ao nome. A
este nome adicionou-se um pronome
para que a locução estivesse correta.
35.Agostinho - Engana-te
agudamente, mas para findar tua
dúvida, atente ao que te direi com a
firmeza que desejo. De fato, mover-
se entre palavras com palavras é tão
complicado quanto entrelaçar os
dedos e friccioná-los; somente quem
o faz, sabe o que lhe inquieta e o
quanto isso alivia a inquietação.
36.AdeodatoNisto estou com toda
a alma; pela comparação que fez,
efetivamente, interesso-me muito.
37.Agostinho - As palavras se
constituem de sons e letras.
38.AdeodatoÉ como dizes.
39.Agostinho - Logo, servindo-nos
de uma ilibada autoridade, que para
nós é muito cara, o apóstolo Paulo,
que disse: Não existia em Cristo o
ser e o não ser, mas nele só existia o
ser
25
. Não concordarias, por
exemplo, que estas três letras que

25
enim Filius Iesus Christus qui in vobis per nos praedicatus est per me et Silvanum et
Timotheum non fuit est et non sed est in illo fuit […] (PAULUS in II Corinthios 1.19)
41
dicimus «est», fuisse in Christo,
sed illud potius, quod istis tribus
litteris significatur.
40.Adeodatus - Verum dicis.
41.Augustinus - Intellegis igitur
eum qui ait: «Est in illo erat», nihil
aliud dixisse quam: «Est appellatur,
quod in illo erat», tamquam si
dixisset «virtus in illo erat», non
utique dixisse acciperetur nisi
«virtus appellatur, quod in illo erat»,
ne duas istas syllabas, quas
enuntiamus, cum dicimus virtus, et
non illud, quod his duabus syllabis
significatur, in illo fuisse
arbitraremur.
42.Adeodatus - Intellego ac
sequor.
43.Augustinus - Quid illud nonne
intellegis etiam nihil interesse,
utrum quisque dicat «virtus
appellatur» an «virtus nominatur»?
44.Adeodatus - Manifestum est.
45.Augustinus - Ergo ita
manifestum est nihil interesse,
utrum quis dicat «est appellatur» an
«est nominatur, quod in illo erat».
46.Adeodatus - Video et hic nihil
distare.
47.Augustinus - Iamne etiam
vides, quid velim ostendere?
48.Adeodatus - Nondum sane.
49.Augustinus - Itane tu non vides
nomen esse id, quo res aliqua
nominatur?
50.Adeodatus - Hoc plane nihil
certius video.
pronunciamos (est) existissem em
Cristo, mas sim aquilo que estas três
letras significavam.
40.Adeodato - Dizes a verdade.
41.Agostinho - Dessa forma,
compreendes que ao dizer o ser
estava nele, nada mais afirmou que
aquilo que estava nele denominava-
se ser, e se dissesse a virtude estava
nele, não quereria dizer mais do que
chama-se virtude algo que estava
nele. Igualmente como ao dizermos
virtus, não consideramos que nele
estavam estas duas sílabas, mas sim
que, nele teria estado o significado
delas.
42.Adeodato - Entendo e sigo.
43. Agostinho - Acaso entendes que
não exista nenhuma diferença entre
dizer: chama-se virtude ou nomeia-
se virtude?
44.Adeodato - É evidente.
45.Agostinho - Logo, deste modo é
evidente nada importar que alguém
diga o que nele existia se chama
ser, ou se nomeia
ser.
46.Adeodato - Neste momento,
compreendo não exista diferenças.
47.Agostinho - Vês agora o que
significa isto que quero expor?
48.Adeodato - Não inteiramente.
49. AgostinhoPor certo não
compreendes que nome é aquilo que
nomeia as coisas?
50.AdeodatoNada mais vejo tão
certo quanto isso.
42
51.Augustinus - Vides ergo «est»
nomen esse, siquidem illud, quod
erat in Christo, «est» nominatur.
52.Adeodatus - Negare non
possum.
53.Augustinus - At si ex te
quaererem, quae sit pars orationis
«est», non opinor nomen, sed
verbum esse diceres, cum id ratio
etiam nomen esse docuerit.
54.Adeodatus - Ita est prorsus, ut
dicis.
55.Augustinus - Num adhuc
dubitas alias quoque partes
orationis eodem modo, quo
demonstravimus, nomina esse?
56.Adeodatus - Non dubito,
quando quidem fateor ea significare
aliquid. Si autem res ipsae, quas
significant, quid singulae
appellentur, id est nominentur,
interroges, respondere non
possum, nisi eas ipsas partes
orationis, quas nomina non
vocamus, sed, ut cerno
convincimur.
57.Augustinus - Nihilne te movet,
ne quis existat, qui nostram istam
rationem labefactet dicendo
apostolis non verborum, sed rerum
auctoritatem esse tribuendam;
quam ob rem fundamentum
persuasionis huius non tam esse
firmum, quam putamus; fieri enim
posse, ut Paulus, quamquam vixerit
praeceperitque rectissime, minus
tamen recte locutus sit, cum ait
«est in illo erat», praesertim cum se
ipse imperitum in sermone
fateatur? Quo tandem modo istum
refellendum arbitraris?
58.Adeodatus - Nihil habeo, quod
51.Agostinho - Logo compreendes
que ser é um nome, contanto que
estava em Cristo denominou-se ser.
52.Adeodato - Não posso negar.
53.Agostinho - Portanto, se te
perguntasse a que parte da oração
corresponde o ser, não responderias
nome, mas verbo, conquanto a razão
nos informe até ser um nome.
54.Adeodato - Seria exatamente
como dizes.
55. Agostinho - Acaso duvidarias
que outras partes da oração fossem
nomes, da mesma forma como a ser
nomeamos?
56.Adeodato - Não duvido e admito
que elas signifiquem algo. Se
perguntares como se chama cada
uma das coisas significadas
isoladamente, ou seja, como se
denominam, não poderei responder
senão com aqueles mesmos itens da
oração, que não chamamos de
nomes, mas que convencionamos
dever-se-iam chamar.
57.Agostinho - Nem te abala existir
quem fragilize nossa razão, ao
afirmar que ao Apóstolo, toda
autoridade se atribua não às
palavras, mas às doutrinas; deste
modo a persuasão deste fundamento
não seria tão sólida quanto
pensávamos; poderia ocorrer
conquanto a prescrição de sua
retidão, que Paulo tivesse falado com
menos legitimidade, ao pronunciar o
ser estava nele, sobretudo ao
confessar que era inábil em se
exprimir? Como podes refutar este
julgamento?
58.Adeodato - Nada tenho que isto
43
contradicam, et te oro, ut aliquem
de illis reperias, quibus verborum
notitia summa conceditur, cuius
auctoritate potius id, quod cupis,
efficias.
59.Augustinus - Minus enim tibi
videtur idonea remotis
auctoritatibus ipsa ratio, qua
demonstratur omnibus partibus
orationis significari aliquid et ex eo
appellari; si autem appellari, et
nominari, si nominari, nomine
utique nominari, quod in diversis
linguis facillime iudicatur. Quis enim
non videat, si quaeram, quid Graeci
nominent, quod nos nominamus
«quis», responderi mihi τς, quid
Graeci nominent, quod nos
nominamus «volo», responderi mihi
θλω, quid Graeci nominent, quod
nos nominamus «bene»,
responderi καλς, quid Graeci
nominent, quod nos nominamus
«scriptum», responderi mihi τ
γεγραμμνον, quid Graeci
nominent, quod nos nominamus
«et», responderi κα, quid Graeci
nominent, quod nos nominamus
«ab», responderi π, quid Graeci
nominent, quod nos nominamus
«heu», responderi ο. Atque in his
omnibus partibus orationis, quas
nunc enumeravi, recte loqui eum,
qui sic interroget, quod, nisi nomina
essent, fieri non posset. Hac ergo
ratione Paulum apostolum recte
locutum esse, cum remotis omnium
eloquentium auctoritatibus obtinere
possimus, quid opus est quaerere,
cuius persona sententia nostra
fulciatur? Sed ne quis tardior aut
impudentior nondum cedat,
asseratque nisi illis auctoribus,
quibus verborum leges consensu
omnium tribuuntur, nullo modo esse
cessurum, quid in Latina lingua
contradiga e te rogo procurares
àqueles com amplo conhecimento
em palavras, cuja autoridade possa
eficazmente conceder o que desejas.
59.Agostinho - Compreendes ao
menos que distanciados destas
autoridades, pela mesma razão
como demonstramos que toda parte
da oração significa alguma coisa, e
por esse algo são chamadas, e se
chamadas são denominadas, e se
denominadas o serão, sobretudo, por
um nome que facilmente pode ser
apreciado em diversas línguas.
Quem, de fato, não compreenderá?
Se interpelares a forma pela qual os
gregos nomeiam aquilo que
nomeamos quis (quem), terás por
resposta τς (tis) e, como nomeiam o
que nomeamos volo (quero), terás
θλω (céloo). Para aquilo que os
gregos denominam quando nos
nominamos bene (bem)
encontraremos καλς (kalõos);
àquilo que os gregos denominam
quando nominamos scriptum
(escrito), encontraremos τ
γεγραμμνον (tó gegramménon);
àquilo que os gregos nominam,
quando nós nominamos et,
encontraremos
κα (kai); àquilo que
os gregos nominam, quando nós
nominamos ab (por, de, donde)
encontraremos π (apo); àquilo que
os gregos nominam, quando nós
nominamos heu (ah!, oh!)
encontraremos ο (oi). Não só, mas
em todas as partes das orações que
agora enumerei quem interpela fala
com retidão, e deste modo não
sucederia se não fossem nomes. Por
conseguinte o apóstolo Paulo
deficitário de toda a eloqüência que
pudesse obter das autoridades, falou
com razão; então, qual necessidade
44
excellentius Cicerone inveniri
potest? At hic in suis nobilissimis
orationibus, quas Verrinas vocant,
coram praepositionem, sive illo loco
adverbium sit, nomen appellavit.
Verumtamen quia fieri potest, ut
ego illum locum minus bene
intellegam exponaturque alias aliter
vel a me vel ab alio, est, ad quod
responderi posse nihil puto.
Tradunt enim nobilissimi
disputationum magistri nomine et
verbo plenam constare sententiam,
quae affirmari negarique possit,
quod genus idem Tullius quodam
loco pronuntiatum vocat. Et cum
verbi tertia persona est,
nominativum cum ea casum
nominis aiunt esse oportere, et
recte aiunt. Quod mecum si
consideres, velut cum dicimus
«homo sedet», «equus currit»,
agnoscis, ut opinor, duo pronuntiata
esse.
60.Adeodatus - Agnosco.
61.Augustinus - Cernis in singulis
singula esse nomina, in uno
«homo», in altero «equus», et
verba singula, in uno «sedet», in
há de procurar amparo para nossa
opinião em autoridades? Mas, a
alguém inepto ou lúbrico que não
queira ver, e que ainda defenda não
pode ceder aos eglégios em
contribuir com regras às palavras, a
quem mais se aproximar do que da
excelência em língua latina de um
Cicero? Este, todavia, em seus
celebérrimos discursos conhecidos
por Verrinas
26
, chamou de nome à
preposição coram (diante de), ainda
que ali pudesse ser nominada de
advérbio. Contudo, pode ocorrer que
eu não compreenda muito bem este
ponto, que tanto em mim quanto em
qualquer outro e, há algo que penso
não poder apurar, deste modo,
exponho de outra forma. Certamente,
ao interpretar notáveis discussões de
preceptores, numa sentença
constam nome e verbo que se
complementam, quer possam afirmar
ou negar. O mesmo Tulio Cícero,
algures, chama a esse gênero
proposição. Se o verbo está na
terceira pessoa, dizem com razão
que o caso do nome deve ser o
nominativo. Veja comigo; se
considerarmos, por exemplo, que ao
dizermos homo sedet (o homem
senta), equus currit (o cavalo corre),
reconhecerias, segundo penso,
existirem duas proposições?
60.Adeodato - Reconheço
61.Agostinho - Aceitas que em cada
uma há um nome: na primeira
homem, na outra cavalo; e seus
respectivos verbos, na primeira

26
Cícero (2005) produziu uma série de respeitáveis discursos, sob o nome de Verrinas,
contra os desmandos de Verres, um corrupto governador da Sicília, que, em face destes,
acabou por demitido.
45
altero «currit».
62.Adeodatus - Cerno.
63.Augustinus - Ergo si dicerem
sedet tantum aut currit tantum,
recte a me quaereres, quis vel quid,
ut responderem «homo» vel
«equus» vel «animal» vel quodlibet
aliud, quo posset nomen redditum
verbo implere pronuntiatum, id est
illam sententiam, quae affirmari et
negari potest.
64.Adeodatus - Intellego.
65.Augustinus - Adtende cetera et
finge nos videre aliquid longius et
incertum habere, utrum animal sit
an saxum vel quid aliud, meque tibi
dicere: «Quia homo est, animal
est», nonne temere dicerem?
66.Adeodatus - Temere omnino,
sed non temere plane diceres: «Si
homo est, animal est».
67.Augustinus - Recte dicis.
Itaque in tua locutione placet mihi
«Si», placet et tibi; utrique autem
nostrum in mea displicet «quia».
68.Adeodatus - Assentior.
69.Augustinus - Vide iam, utrum
istae duae sententiae plena
pronuntiata sint: «Placet si»,
«displicet quia».
70.Adeodatus - Plena omnino.
71.Augustinus - Age nunc dic mihi,
quae ibi sint verba, quae nomina.
sentar e na outra correr.
62.Adeodato - Aceito.
63.Agostinho - Logo, se eu dissesse
somente senta ou corre, certamente
me perguntarias: o que queres com
isto; para que eu respondesse
homem ou cavalo, ou animal ou
qualquer outra coisa, tal que ao
nome pudesse restituir o verbo e
completar a proposição do
enunciado, isto é, a sentença da qual
se poderia afirmar ou negar algo.
64.AdeodatoCompreendo.
65.AgostinhoAtente ao restante e
imagine estarmos a ver algo
longínquo e contingente, acaso um
animal em um rochedo ou se queres
outra coisa, que me fizesse dizer a ti:
Aquilo é homem, é animal. Teria eu
dito irrefletidamente?
66.Adeodato - Completamente
irrefletido, mas não inteiramente
impensado se dissesses: Se é um
homem, é um animal.
67.Agostinho - Falaste
corretamente. Do mesmo modo é
que em tua fala apraz a mim e a ti o
Si (Se), por outro lado nos desagrada
o meu quia (aquilo é).
68.AdeodatoAprovo.
69.Agostinho - Compreendes agora,
quão amplas são tuas proposições
às duas sentenças: agrada o Se;
desagrada aquilo é.
70.Adeodato - Tudo plenamente.
71.AgostinhoAgora adianta-te e
dize-me quais nelas são verbos e
quais nomes.
46
72.Adeodatus - Verba ibi video
esse «placet» et «displicet»,
nomina vero quid aliud quam «si»
et «quia».
73.Augustinus - Has ergo duas
coniunctiones etiam nomina esse
satis probatum est.
74.Adeodatus - Prorsus satis.
75.Augustinus - Potesne ipse per
te in aliis partibus orationis hoc
idem ad eandem regulam docere?
76.Adeodatus - Possum.
VI
1.Augustinus - Transeamus ergo
hinc et iam dic mihi, utrum, sicut
omnia verba nomina et omnia
nomina verba esse comperimus, ita
tibi et omnia nomina vocabula et
omnia vocabula nomina esse
videantur.
2.Adeodatus - Plane inter haec
quid distet praeter diversum
syllabarum sonum, non video.
3.Augustinus - Nec ego interim
resisto, quamquam non desint, qui
etiam significatione ista discernunt,
quorum sententiam modo
considerare non opus est. Sed
certe animadvertis ad ea iam signa
nos pervenisse, quae se invicem
significent nulla praeter sonum
distantia et quae se ipsa significent
cum ceteris omnibus partibus
orationis.
4.Adeodatus - Non intellego.
5.Augustinus - Non ergo intellegis
et nomen vocabulo et vocabulum
nomine significari et ita, ut praeter
sonum litterarum nihil intersit,
72.Adeodato - Compreendo que as
palavras são placet (agrada) e
displicet (desagrada), e os nomes
quais outros a não ser si e quia.
73.Agostinho - Logo, bem provado
está que essas duas conjunções são
até nomes.
74.AdeodatoSim! Inteiramente.
75.AgostinhoPor esta mesma
regra não poderias provar por ti, o
mesmo das outras partes da oração?
76.Adeodato - Poderia.
VI
1.Agostinho - Passemos logo deste
ponto e dize-me: se todas as
palavras são nomes, e todos os
nomes são palavras, porventura,
compreenderíamos igualmente que
os nomes ainda seriam vocábulos, e
todos os vocábulos seriam nomes.
2.Adeodato Além do som diverso,
claramente, não vejo diferenças
entre eles.
3.Agostinho - Tampouco por ora me
oponho, todavia não falte quem os
distinga quanto à significação, o que
neste momento é desnecessário
considerarmos. Mas, certamente
compreendes que já chegamos
àqueles signos que se significam
mutuamente, sem outra diferença
que a do som, e naqueles que a si
mesmos significam junto com as
demais partes da oração.
4. Adeodato - Não compreendo.
5.Agostinho - Logo, não
compreendes que nome significa
vocábulo e vocábulo nome;
igualmente, além do som das letras,
47
quantum ad generale nomen
attinet; nam et speciale dicimus
nomen, quod inter octo partes
orationis ita est, ut alias septem
non contineat.
6.Adeodatus - Intellego.
7.Augustinus - At hoc est, quod
dixi sese invicem significare
vocabulum et nomen.
8.Adeodatus - Teneo, sed quaero,
quid dixeris, cum etiam se ipsa
significant cum aliis partibus
orationis.
9.Augustinus - Nonne superior
ratio docuit nos omnes partes
orationis et nomina posse dici et
vocabula, id est et nomine et
vocabulo posse significari?
10.Adeodatus - Ita est.
11.Augustinus - Quid? ipsum
nomen, id est sonum istum duabus
syllabis expressum, si ex te
quaeram, quid appelles, nonne
recte mihi respondebis «nomen»?
12.Adeodatus - Recte.
13.Augustinus - Num ita se
significat hoc signum, quod
quattuor syllabis enuntiamus, cum
dicimus «coniunctio»? Hoc enim
nomen inter illa, quae significat,
numerari non potest.
14.Adeodatus - Accipio.
em geral, nada difere no que diz
respeito ao nome contido; pois
falamos nome em geral; aquele que
está nas oito partes da oração
27
,
independente das outras sete.
6.Adeodato - Compreendo.
7.AgostinhoEra isto, que eu
tentava dizer, que vocábulo e nome
se significam reciprocamente.
8.Adeodato - Percebo, mas
pergunto o que quererias dizer com:
as outras partes da oração ainda
significam a si mesmas.
9. Agostinho - Não nos ensinou o
raciocínio acima que a todas as
partes da oração poder-se-ia dizer
nomes e vocábulos, isto é, podem
ser significadas tanto por nome
quanto por vocábulo?
10.AdeodatoÉ como dizes.
11.Agostinho - Então? Mesmo o no-
me, isto é, o som expresso por estas
duas sílabas, se acaso eu te
perguntasse como os denominaria,
por certo me responderias nome?
12.Adeodato - Certamente.
13.Agostinho - Por acaso este signo
significa o que pronunciamos quando
proferirmos estas quatro sílabas,
coniunctio (conjunção)? Tanto mais
que este nome não possa ser
incluído entre outros que significa.
14.Adeodato - Concordo.

27
Élio Donato (350 d.C.), autor de Ars Grammatica,no livro II, dividiu as partes dos discursos
na língua latina em oito categorias: o nome, o verbo, o pronome, a preposição, a conjunção,
o advérbio, a interjeição e o particípio. (WEEDWOOD, 2002, p.35)
48
15.Augustinus - Id est, quod
dictum est nomen se ipsum
significare cum aliis, quae significat;
quod etiam de vocabulo per te
ipsum licet intellegas.
16.Adeodatus - Iam facile est. Sed
illud mihi nunc venit in mentem
nomen et generaliter et specialiter
dici, vocabulum autem inter octo
partes orationis non accipi. Quare
hoc quoque inter se praeter
diversum sonum differre arbitror.
17.Augustinus - Quid? nomen et
νομα distare inter se aliquid putas
praeter sonum, quo etiam linguae
discernuntur Latina et Graeca?
18.Adeodatus - Hic vero nihil aliud
intellego.
19.Augustinus - Perventum est
ergo ad ea signa, quae se ipsa
significent et aliud ab alio invicem
significetur et quicquid ab uno hoc
et ab alio et nihil praeter sonum
inter se differant; nam hoc quartum
modo invenimus; tria enim
superiora et de nomine ac verbo
intelleguntur.
20.Adeodatus - Omnino
perventum.
VII
1.Augustinus - Iam quae
sermocinando invenerimus, velim
15.Agostinho - Era isto que eu
queria dizer, que o nome
28
significa a
si próprio juntamente com os outros
significados, conquanto entendas
que ele seja por si um vocábulo.
16.Adeodato - Agora está fácil. Mas,
ocorre-me que o termo nome pode
ser entendido em sentido geral e
especial, porém o vocábulo não se
inclui entre as oito partes da oração.
Acredito que haja diferenças entre
eles, além do som diferente.
17.Agostinho - Qual? Nomen e
νομα (nome em grego) se
diferenciariam por algo além do som,
tal como se distinguem na língua
latina e grega?
18.Adeodato - Aqui, realmente nada
mais compreendo.
19.Agostinho - Atingimos desta
forma àqueles signos que significam
a si mesmos e mutuamente
significam outros; tudo que por um é
significado o é pelo outro, além do
som em nada mais se diferenciam e,
este é o quarto caso, posto que os
três anteriores referiam-se a nome e
palavra.
20.Adeodato - Atingimos realmente.
VII
1.Agostinho - Agora gostaria que
enumerasses o que expusemos

28
Santo Agostinho estaria considerando os escritos de Élio Donato, comentarista de várias
peças de teatro, entre estas as do próprio Terênsius, citado em De Magistro 4.37: Nome
quid est? Pars orationis cum casu corpus aut rem proprie communiterve significans. Nomini
quot accidunt? Sex. Quae? Qualitas, comparatio, genus, numerus, figura, casus (in
FURLAN, 1984, p. 43).
49
recenseas.
2.Adeodatus - Faciam quantum
possum. Nam primo omnium
recordor aliquamdiu nos quaesisse,
quam ob causam loquamur,
inventumque esse docendi
commemorandive gratia nos loqui,
quando quidem nec, cum
interrogamus, aliud agimus quam ut
ille, qui rogatur, discat, quid velimus
audire; et in cantando, quod
delectationis causa facere videmur
(non sit proprium locutionis), et in
orando deo, quem doceri aut
commemorari existimare non
possumus, id verba valeant, ut vel
nos ipsos commonefaciamus vel
alii commemorentur doceanturve
per nos. Deinde cum satis
constitisset verba nihil aliud esse
quam signa, ea vero, quae non
aliquid significent, signa esse non
posse, proposuisti versum, cuius
verba singula, quid significarent,
conarer ostendere; is autem erat:
«Si nihil ex tanta superis placet
urbe relinqui».
Cuius secundum verbum, quamvis
notissimum et manifestissimum,
quid tandem significaret, non
reperiebamus. Cumque mihi
videretur non frustra nos id in
loquendo interponere, sed quod eo
aliquid doceamus audientem,
ipsam mentis affectionem, cum
rem, quam quaerit, non esse invenit
vel invenisse se putat, hoc verbo
fortasse indicari respondisti tu
quidem, sed tamen nescio, quam
profunditatem quaestionis ioco
evitans in aliud tempus
inlustrandam distulisti - ne me debiti
quoque tui oblitum putes. Inde
tertium in versu verbum cum
satagerem exponere, urgebar abs
te, ut non verbum aliud, quod idem
valeret, sed rem ipsam potius, quae
neste nosso diálogo.
2.Adeodato - Farei o quanto puder.
De certo, primeiramente me recordo
que perquirimos por algum tempo o
motivo pelo qual falamos; e
descobrimos ser para ensinar graças
à rememoração; certamente, não
apenas quando interpelamos com a
locução, visto que ao interpelar, não
pretendemos outra coisa que não
seja saber daquele que é interpelado
o que dele desejamos ouvir; logo
após vimos que quando cantamos, o
que fazemos por prazer, isto não
seja próprio da locução, e finalmente
que ao orarmos a Deus, a quem não
podemos pensar ensinar ou
rememorar, as palavras servem para
advertir a nós próprios, ou para que
os outros sejam advertidos ou
ensinados por nós. A seguir, bem
estabelecido que as palavras sejam
signos, e que não podem ser signos
coisas que nada signifiquem,
propuseste um verso, cujas palavras
me esforcei por mostrar os
significados de cada uma. O verso
era: Si nihil ex tanta superis placet
urbe relinqui. Quanto a segunda
palavra (nihil), embora
conhecidíssima e muito clara, não
conseguíamos encontrar seu
significado. A mim parecia que
quando a empregávamos, não o
fazíamos inutilmente, mas para
propiciar o conhecimento a quem nos
ouve, e respondeste que talvez com
esta palavra se indicasse o próprio
estado da mente em descobrir algo,
igualmente gracejou e evitou se
aprofundar na questão, adiando para
outro momento este esclarecimento
e, não julgues tenha eu esquecido
tua dívida. A seguir, convidou a
esforçar-me com a terceira palavra
do verso, tal a não expô-la por outra
palavra que tivesse o mesmo
significado, mas mostrando a própria
50
verbo significaretur, ostenderem,
cumque id sermocinantibus nobis
fieri non posse dixissem, ventum
est ad ea, quae interrogantibus
digito monstrantur. Haec ego
corporalia esse omnia arbitrabar,
sed invenimus sola visibilia. Hinc
nescio quomodo ad surdos et
histriones devenimus, qui non sola,
quae videri possunt, sed multa
praeterea ac prope omnia, quae
loquimur, gestu sine voce
significant; eosdem tamen gestus
signa esse comperimus. Tum
rursus quaerere coepimus,
quomodo res ipsas, quae signis
significantur, sine ullis signis
valeremus ostendere, cum et ille
paries et color et omne visibile,
quod intentione digiti ostenditur,
signo quodam convinceretur
ostendi. Hic ego errans cum inveniri
tale nihil posse dixissem, tandem
inter nos constitit ea posse
demonstrari sine signo, quae, cum
a nobis quaeruntur, non agimus et
post inquisitionem agere
possumus; locutionem tamen ex eo
non esse genere, siquidem et
loquentes cum interrogamur, quid
sit locutio, ipsam per se ipsam
demonstrare facile esse satis
apparuit. Ex quo admoniti sumus
aut signis signa monstrari aut signis
alia, quae signa non sunt, aut etiam
sine signo res, quas agere post
interrogationem possumus,
horumque trium primum diligentius
considerandum discutiendumque
suscepimus. Qua disputatione
declaratum est partim esse signa,
quae ab his signis, quae
significarent, significari vicissim non
possent, ut est hoc quadrisyllabum,
cum «coniunctio» dicimus, partim
quae possent, ut, cum dicimus
«signum», etiam verbum
significamus, et cum dicimus
«verbum», etiam signum
coisa significada por palavras, e ao
dizer que isso não se poderia fazer
ao falar, passamos para aqueles
objetos que a quem interpela se
descreve com os dedos. Julgava eu
fossem todos os objetos corpóreos,
mas concluímos serem os visíveis.
Daí, passamos não sei de que forma,
aos surdos e estriões, que por meio
de gestos e sem palavras significam
não só as coisas visíveis, mas muitas
outras e quase tudo aquilo que se
pode falar. Verificamos, todavia que
estes gestos se constituem em
signos. Então, recomeçamos a
examinar o como mostrar as
realidades mesmas que se significam
por signos, mas sem usar signos,
como aquela parede, a cor, e todo o
visível de um determinado signo que
se intenta com o dedo distinguir.
Como neste ponto eu tenha errado
ao dizer que nada poderíamos
encontrar desse gênero,
concordamos que se poderia mostrar
sem signos aquelas coisas que
quando nos são perguntadas, e não
estando a fazê-las no momento,
poderemos mostrá-las após a
pergunta; a locução, todavia, não era
desta genêro, vimos com clareza ser
fácil mostrá-la por meio de si mesma
ao falarmos. Isto nos advertiu que,
ou se mostram signos por meio de
outros signos, ou com signos se
mostram outras coisas que não são
signos, ou, quando não forem signos
visíveis, depois de questionados
poderemos mostrá-los após a
interpelação, e destes três casos,
tomamos o primeiro para considerar
e discutir cuidadosamente. Mediante
esta discussão ficou ajustado que em
parte existem signos que não podem
ser reciprocamente significados
pelos signos que eles próprios
significam, como no caso do
quadrissílabo coniunctio; e há os que
podem, como quando significamos a
51
significamus; nam signum et
verbum et duo signa et duo verba
sunt. In hoc autem genere, quo
invicem se significant, quaedam
non tantum, quaedam tantum,
quaedam vero etiam idem valere
monstratum est.
Etenim hoc disyllabum, quod sonat,
cum dicimus «signum», prorsus
omnia, quibus quidque significatur,
significat; non autem omnium
signorum signum est, cum dicimus
«verbum», sed tantum eorum, quae
articulata voce proferuntur. Unde
manifestum est, quamvis et verbum
signo et signum verbo, id est et
istae duae syllabae illis et illae istis
significentur, plus tamen signum
valere quam verbum plura scilicet
illis duabus syllabis quam istis
significantibus. Tantundem autem
valet generale verbum et generale
nomen.
Docuit enim ratio omnes partes
orationis etiam nomina esse, quod
et pronomina his addi possunt et de
omnibus dici potest, quod aliquid
nominent et nulla earum sit, quae
non verbo adiuncto pronuntiatum
possit implere. Sed cum tantundem
valeant nomen et verbum, eo quod
omnia, quae verba sunt, sint etiam
nomina, non tamen idem valent.
Alia quippe de causa verba et alia
nomina nuncupari satis probabiliter
disputatum est; siquidem alterum
horum ad auris verberationem,
alterum ad animi
commemorationem notandam esse
compertum vel ex hoc intellegi
potest, quod in loquendo rectissime
dicimus: «quod est huic rei
nomen»? rem memoriae mandare
cupientes, «quod est autem huic rei
verbum»? dicere non solemus.
Quae vero non solum tantundem,
sed etiam idem omnino significent
et inter quae nihil praeter litterarum
própria palavra signo; e quando
dizemos palavra ao significado do
signo. Sem dúvida, signo e palavra
não são apenas dois signos, mas
duas palavras. No caso em que os
signos se significam reciprocamente,
mostrou-se que uns não têm a
mesma extensão de significados,
enquanto outros se identificam.
Desta forma, ao dizermos o dissílabo
signo, sem exceção significamos
todos os signos, pelos quais algo
possa ser significado, mas se
dissermos palavra, não se trataria de
um signo de todos os signos, mas
apenas daqueles que são articulados
com a voz. Donde vimos com clareza
que embora se signifiquem
mutuamente; a palavra por um signo,
e o signo por uma palavra; o signo
tem uma extensão maior que a
palavra, não obstante signum e
verbum em sentido escrito terem a
mesma extensão. Instruíu-nos o
intelecto, que todas as partes da
oração são também nomes, posto
que a elas se possam juntar
pronomes, e de todas se pode
afirmar que nomeiam algo e, não há
nenhuma que se lhe juntarmos o
verbo não possa formar uma
proposição ou um enunciado
perfeito. Mas, embora nome e
palavra tenham a mesma extensão,
já que toda palavra ainda é nome,
não se identificam. Efetivamente, por
uma razão são designadas as
palavras e por outra os nomes; O
primeiro desses vocábulos assinala a
percussão nos ouvidos e o segundo
evoca a alma; por conta disso
corretamente e, desejando fixar algo
na memória dizemos: que nome tem
esta coisa? E, não o contrário: que
palavra tem esta coisa? Quanto aos
signos que não só têm a mesma
extensão, mas significam
exatamente o mesmo, não há entre
eles nenhuma diferença a não ser o
52
distet sonum, nomen et νομα
invenimus. Illud sane mihi elapsum
erat in hoc genere, in quo invicem
se significant, nullum nos signum
comperisse, quod non inter cetera,
quae significat, se quoque
significet. Haec, quantum potui,
recordatus sum. Tu iam videris,
quem nihil puto in hoc sermone nisi
scientem certumque dixisse, utrum
ista bene ordinateque digesserim.
VIII
1.Augustinus - Satis tu quidem
memoriter omnia, quae vellem,
recoluisti, et, ut tibi fatear, multo
evidentius mihi nunc videntur ista
distincta, quam cum ea inquirendo
ac disserendo de nescio quibus
latebris ambo erueremus. Sed
quonam tantis ambagibus tecum
pervenire moliar, difficile dictu est
hoc loco. Tu enim fortasse aut
ludere nos et a seriis rebus avocare
animum quasi quibusdam
puerilibus quaestiunculis arbitraris
aut parvam vel mediocrem aliquam
utilitatem requirere aut, si magnum
quiddam parturire istam
disputationem suspicaris,
iamiamque id scire sive saltem
audire desideras. Ego autem
credas velim neque me vilia ludicra
hoc instituisse sermone, quamvis
fortasse ludamus, idque ipsum
tamen non puerili sensu
aestimandum sit, neque parva bona
vel mediocria cogitare. Et tamen, si
dicam vitam esse quandam beatam
eandemque sempiternam, quo nos
deo duce, id est ipsa veritate,
gradibus quibusdam infirmo gressui
nostro accomodatis perduci
cupiam, vereor, ne ridiculus videar,
qui non rerum ipsarum, quae
som das letras; encontramos como
nome: nomen e νομα. A respeito
desse gênero de signos que
mutuamente se significam, tinha-me
escapado o fato de não havermos
encontrado nenhum signo que entre
outras coisas que significa, não
significasse a si próprio. Eis o que
melhor pude lembrar. Tu, de quem
julgo nada ter dito nesta conversa
que não tivesses ciência e bem
certo, verás agora se bem e
ordenadamente discorri.
VIII
1.Agostinho - Suficientemente bem
e de memória tudo reproduziste, o
que se me apresenta agora,
restaurado e melhor que quando nos
inquiríamos a desvendar
obscuridades. Mas, difícil é ao longo
de tantos circunlóquios, afirmar
aonde contigo pretendo chegar. Tu,
certamente, talvez penses que
estejamos a brincar para desviar a
alma das coisas sérias, com certas
questões de pouca importância ou
que estejamos a procurar uma
utilidade qualquer, pequena e
medíocre; porém, se pensas que
desta discussão devamos produzir
algo de importância, gostaria de
sabê-lo agora, ouvir no mínino um
ensejo. Muito embora tivéssemos
brincado, de minha parte desejaria
que esta conversa não tivesse sido
empreendida como um divertimento
trivial; não devemos interpretá-la em
sentido pueril, já que em vida nunca
pensei em pequenos e medíocres
bens. Contudo, se eu disser que há
uma vida venturosa e sempiterna
pela qual pretendo que cheguemos a
Deus, isto é, a própria Verdade,
conduzindo-nos a passos inseguros
por degraus; temo parecer rizível ao
iniciar e empreender tão grande
53
significantur, sed signorum
consideratione tantam viam ingredi
coeperim. Dabis igitur veniam, si
praeludo tecum non ludendi gratia,
sed exercendi vires et mentis
aciem, quibus regionis illius, ubi
beata vita est, calorem ac lucem
non modo sustinere, verum et
amare possimus.
2.Adeodatus - Perge potius, ut
coepisti; nam numquam ego
contemnenda putem, quae tu
dicenda vel agenda putaveris.
3.Augustinus - Age iam ergo illam
partem consideremus, cum signis
non alia signa significantur, sed ea,
quae significabilia nominamus. Et
primum dic mihi, utrum homo homo
sit.
4.Adeodatus - Nunc vero an ludas,
nescio.
5.Augustinus - Quid ita?
6.Adeodatus - Quia quaerendum
ex me censes, utrum homo aliud sit
quam homo.
7.Augustinus - Ita credo te illudi
arbitrareris, si etiam quaererem,
utrum prima huius nominis syllaba
aliud sit quam «ho» et aliud
secunda quam «mo».
8.Adeodatus - Ita omnino.
9.Augustinus - At istae duae
syllabae coniunctae «homo» est;
an negabis?
10.Adeodatus - Quis neget?
11.Augustinus - Quaero ergo, num
tu duae istae syllabae coniunctae
sis.
caminhada ao considerar apenas os
signos e não as coisas mesmas por
eles significadas. Darias, portanto,
permissão de a ti vir, não em
diversão, mas a fim de, com vigor,
exercitar a lucidez da mente para
amarmos o calor e a luz dessa
direção, onde se encontra a vida
venturosa.
2.Adeodato - Continua como
começaste, pois aquilo que julgas se
deva dizer ou fazer, eu não poderia
julgar desprezível.
3.Agostinho - Então adiante e
consideremos aquela parte em que
os signos não significam outros
signos, mas as coisas que
chamamos significáveis. Primeiro,
dize-me se homem é homem.
4.Adeodato - Agora, na verdade não
sei se brincas.
5.Agostinho - Por que?
6.Adeodato - Porque me interpelas
se o homem é alguma coisa diferente
de homem.
7.Agostinho - Creio do mesmo
modo julgarias estivesse eu a brincar
se te perguntasses se a primeira
sílaba deste nome seria diferente de
ho, e a segunda diferente de mem.
8.AdeodatoSim, realmente.
9.AgostinhoEntrementes,
negarias que estas duas sílabas
juntas significam homem?
10.Adeodato - Quem negaria?
11.Agostinho - Pergunto, então, se
tu és estas duas sílabas juntas.
54
12.Adeodatus - Nullo modo, sed
video, quo tendas.
13.Augustinus - Dicito ergo, ne me
contumeliosum putes.
14.Adeodatus - Concludi
existimas, quod homo non sim.
15.Augustinus - Quid? tu non
idem existimas, qui omnia
superiora, ex quibus hoc confectum
est, vera esse concedis?
16.Adeodatus - Non tibi ego
dicam, quid existimem, nisi prius
abs te audiero, cum quaereres,
utrum homo homo sit, de duabus
istis syllabis an de re ipsa, quam
significant, me interrogaveris.
17.Augustinus - Tu potius
responde, ex qua parte acceperis
interrogationem meam; nam si est
ambigua, prius hoc cavere debuisti
neque mihi respondere, antequam
certus fieres, quonam modo
rogaverim.
18.Adeodatus - Quid enim me
impediret haec ambiguitas, cum
ego ad utrumque responderim?
Homo enim prorsus homo est; nam
et istae duae syllabae nihil aliud
sunt quam istae duae syllabae, et
id, quod significant, nihil aliud est
quam id, quod est.
19.Augustinus - Scite hoc quidem,
sed cur hoc solum, quod dictum est
homo, non etiam cetera, quae locuti
sumus, ad utrumque accepisti?
20.Adeodatus - Unde enim
convincor, quod et cetera non sic
acceperim?
21. Augustinus - Ut alia omittam,
12.Adeodato - De nenhum modo,
mas compreendo o que intentas.
13.AgostinhoDiga, pois, que eu
não esteja a zombar de ti.
14.Adeodato - Consideras que eu
conclua que não seja homem?
15.AgostinhoPor qual razão? Não
pensas o mesmo tu, que admites
serem verdadeiros tudo o que
resumimos e por onde isto se
conclui?
16.Adeodato - Não direi o que penso
antes de te ouvir primeiro. Ao me
interpelar se homem é homem,
referias a essas duas sílabas ou
sobre a coisa mesma que elas
significam?
17.Agostinho - Podes responder
com qual sentido tomou minha
pergunta, que de fato, é ambígua;
deverias ser precavido em não
responder antes de acreditares por
certo a forma pela qual eu
perguntava.
18.Adeodato - Como impedirias esta
ambiguidade se respondi a uma
coisa e a outra? Homem certamente
refere o ser homem, e essas duas
sílabas não são senão duas sílabas
e por isso aquilo que significam nada
mais é do que aquilo que elas são.
19.Agostinho - Esclarecedor o que
dizes, mas por que tomaste homem
apenas segundo dois aspectos, e
não também sob outros dos quais
falamos?
20.AdeodatoComo convencer-
me-ia de que não tomei sob outros?
21.AgostinhoPor omitir os outros;
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eam ipsam primam rogationem
meam, si totam ex ea parte
accepisses, qua syllabae sonant,
nihil mihi respondisses; possem tibi
enim videri etiam nihil interrogasse.
Nunc vero cum tria verba sonuerim,
quorum unum in medio repetivi
dicens, «utrum homo homo sit»
primum et ultimum verbum non
secundum ipsa signa, sed
secundum ea, quae his
significantur, te accepisse vel hoc
solo manifestum est, quod statim
certus ac fidens rogationi
respondendum putasti.
22.Adeodatus - Verum dicis.
23.Augustinus - Cur ergo id
tantum, quod in medio positum est,
et secundum id, quod sonat, et
secundum id, quod significat, te
accipere libuit?
24.Adeodatus - Ecce iam totum ex
ea tantum parte, qua significatur,
accipio; assentior enim tibi
sermocinari nos omnino non posse,
nisi auditis verbis ad ea feratur
animus, quorum ista sunt signa.
Quare ostende nunc, quomodo ista
ratiocinatione deceptus sim, qua
me hominem non esse concluditur.
25.Augustinus - Immo eadem
rursus interrogabo, ut ipse invenias,
ubi lapsus sis.
26.Adeodatus - Bene facis.
27.Augustinus - Illud ergo, quod
primo quaesieram, quia iam dedisti,
non quaeram. Vide igitur diligentius,
utrum syllaba «ho» nihil aliud sit
quam «ho» et utrum «mo» nihil
aliud sit quam «mo».
28.Adeodatus - Hic prorsus nihil
se tivesses tomado minha primeira
pergunta por todo o sentido dos sons
das sílabas, nada terias respondido;
e até poderia parecer que nada eu
houvesse perguntado. Na verdade
quando fiz ressoar três palavras,
uma delas eu reproduzi no centro
dizendo: utrum homo homo sit
(acaso homem, homem é?), entre a
primeira e a última palavra, há a
segunda que não é o próprio signo,
mas sim a realidade significada por
ela. Aceitaste apenas o que foi
manifesto; certo e confiante julgou
ter respondido a pergunta.
22.Adeodato - Dizes a verdade.
23.Agostinho - Por que tomaste por
tão pouco as posicionadas ao centro,
conforme o que sonorizam; ao
priorizar a seguinte que significa (é)
interpretaste como te agradava?
24.Adeodato - Agora ocorre que
tomei o significado do todo por uma
de suas partes. Concordo contigo em
não poder discorrer sobre o todo, a
não ser ouvindo as palavras,
levando-las à alma e enumerando
quais seriam signos. Perquira agora,
e mostre como o raciocínio enganou-
me, ao concluir não ser homem.
25.Agostinho - Ao contrário,
interpelo-te as mesmas questões,
para que por ti encontres as falhas.
26.Adeodato - Fazes bem.
27.Agostinho - Não procurarei
questionar sobre aquilo que já tinha
perguntado e, ao qual já se
submeteu. Veja com atenção se a
sílaba ho nada mais é do que ho, e
se a sílaba mem nada mais é do que
mem.
28.Adeodato - Aqui diretamente
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aliud video.
29.Augustinus - Vide etiam, num
istis duabus iunctis homo fiat.
30.Adeodatus - Nequaquam hoc
concesserim; placuit enim et recte
placuit signo dato id, quod
significatur, adtendere et ex eius
consideratione vel dare vel negare
quod dicitur. Illae autem separatim
enuntiatae syllabae, quia sine ulla
significatione sonuerunt, hoc eas
esse, quod sonuerunt, concessum
est.
31.Augustinus - Placet igitur
firmumque animo tenes non
respondendum esse
interrogationibus, nisi ex his rebus,
quae verbis significantur.
32.Adeodatus - Non intellego, cur
displiceat, si modo verba sint.
33.Augustinus - Vellem scire,
quomodo illi resisteres, de quo
iocantes solemus audire, quod ex
eius ore, cum quo disputabat,
leonem processisse concluserit.
Cum enim quaesisset, utrum ea,
quae loqueremur, nostro ore
procederent, atque ille non
potuisset negare, quod facile fuit,
egit cum homine, ut in loquendo
leonem nominaret. Hoc ubi factum
est, ridicule insultare coepit et
premere, ut, quoniam, quicquid
loquimur, ore nostro exire
confessus erat et leonem se
locutum esse nequibat abnuere,
homo non malus tam inmanem
bestiam vomuisse videretur.
34.Adeodatus - Minime vero erat
arduum scurrae huic resistere; non
enim concederem ore nostro exire
quaecumque loquimur. Nam quae
nada mais vejo.
29.AgostinhoVeja, além disso, se
as duas juntas fazem um homem.
30.Adeodato - De modo nenhum
assentiria; certamente concordamos
que a todo signo dado corresponde
um significado e, após sua análise se
concede ou se nega o que se diz.
Ora, essas sílabas pronunciadas em
separado não têm significação
alguma, deste modo fica
estabelecido serem apenas aquilo
que ressoam.
31.Agostinho - Concordamos, pois,
e tu tens na alma a convicção de não
responder quando interpelado, senão
segundo as coisas significadas pelas
palavras.
32.Adeodato - Não compreendo por
que não fazê-lo, desde que se trate
de palavras.
33.Agostinho - Queria saber como
te oporias àquele do qual ouvimos ter
feito zombarias, quando assumiu à
pessoa com quem debatia, que dela
saiu pela boca o anticristo. Acaso, ao
questionar afirmando que tudo o que
falamos emanaria de nossa boca,
impeliu o oponente, que ao não
poder negar algo fácil de conseguir,
exclamou o nome do anticristo.
Quando isto ocorreu, jocosamente
começou a insultá-lo e o incitou a
crer que tudo o que falamos é
lançado de nossa boca; aquele
homem sem maldade não tendo
como negar o que pronunciou, dava
mostras de ter vomitado uma besta
feroz.
34.AdeodatoAbsolutamente, nada
difícil seria opor-se a esse libertino;
eu não assentiria que tudo o que
dizemos saia de nossa boca. Na
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loquimur, ea significamus, non
autem res, quae significatur, sed
signum, quo significatur, loquentis
ore procedit, nisi cum ipsa signa
significantur, quod genus paulo
ante tractavimus.
35.Augustinus - Bene tu quidem
hoc modo adversus illum esses
paratus. Verumtamen mihi quid
respondebis, utrum homo nomen
sit, requirenti?
36.Adeodatus - Quid nisi esse
nomen?
37.Augustinus - Quid? cum te
video, num nomen video?
38.Adeodatus - Non.
39.Augustinus - Visne igitur dicam,
quod sequitur?
40.Adeodatus - Ne quaeso; nam
mihi ipse renuntio me hominem non
esse, qui nomen esse responderim,
cum homo utrum nomen esset
inquireres. Iam enim placuerat ex
ea re, quae significaretur, aut
assentiri aut negare quod dicitur.
41.Augustinus - At mihi videtur
non te frustra in hanc
responsionem decidisse; nam
vigilantiam tuam mentibus nostris
indita ipsa lex rationis evicit. Nam si
quaererem, quid esset homo,
responderes fortasse animal; si
autem quaererem, quae pars
orationis esset homo, nullo modo
posses recte respondere nisi
nomen. Quam ob rem, cum homo
et nomen et animal esse inveniatur,
illud dicitur ex ea parte, qua signum
est, hoc ex parte rei significatur.
Qui ergo quaerit, utrum homo
nomen sit, nihil ei aliud quam esse
verdade ao falarmos significamos
não a coisa própria que é significada,
mas o signo que lhe significa; a não
ser como tratamos há pouco, que ao
falar significamos os próprios signos
que procedem de nossa boca.
35.Agostinho - Deste modo, estarias
bem preparado contra aquele.
Todavia, o que responderias se te
perguntassem se homem é um
nome?
36.Adeodato - Que mais, a não ser
nome?
37.Agostinho - Então? Quando te
vejo, por ventura vejo um nome?
38.Adeodato - Não.
39.Agostinho - Quererás, portanto
que te diga o que daí prossegue?
40.Adeodato - Não é necessário;
quando perguntaste se homem
acaso seria um nome, a mim mesmo
proclamaste não ser homem, ao
responder ser um nome. Já tínhamos
concordado que devemos aprovar ou
negar o que se diz a partir dos
significados daquilo que dizemos.
41.AgostinhoA mim parece que
não em vão decidiu por essa
resposta; de fato tua vigilância
triunfou sobre a própria lei da razão,
incutida em nossas mentes. Se te
questionasses o que seria homem,
responderias talvez um animal, mas
se perguntasse a que parte da
oração corresponderia homem, de
nenhum modo poderias
corretamente responder a não ser
ao nome. Voltando há pouco,
quando descobrimos ser homem um
nome e igualmente animal; o dito
primeiro é signo, e o posterior
conduz ao significado. A quem,
58
respondeam; satis enim significat
ex ea parte se velle audire, qua
signum est. Si autem quaerit, utrum
animal sit, multo proclivius adnuam;
quoniam si tacens et nomen et
animal tantum quid esset homo
requireret, placita illa loquendi
regula ad id, quod his duabus
syllabis significatur, animus curreret
neque quicquam responderetur nisi
animal, vel etiam tota definitio
diceretur, id est animal rationale
mortale; an tibi non videtur?
42.Adeodatus - Prorsus videtur.
Sed cum esse nomen
concesserimus, quomodo illam
conclusionem nimis contumeliosam
evitabimus, qua nos homines non
esse conficitur?
43.Augustinus - Quomodo putas
nisi docendo non ex ea parte
illatam, qua interroganti
assentiebamur? Aut si ex ea parte
illam se fatetur inferre nullo modo
est formidanda. Quid enim metuam
hominem, id est tres istas syllabas
non esse me confiteri?
44.Adeodatus - Nihil est verius.
Cur ergo animum offendit, cum
dicitur: «Non es igitur homo», cum
secundum illa concessa nihil verius
dici potuerit?
45.Augustinus - Quia non possum
non putare ad id conclusionem
referri, quod his duabus syllabis
significatur, simulatque ista verba
sonuerint, ea scilicet regula, quae
naturaliter plurimum valet, ut auditis
signis ad res significatas feratur
intentio.
portanto, me perguntar se homem é
nome, nada mais responderia senão
que é, porque com esta pergunta ele
deixou claro querer saber a respeito
de homem apenas como um signo.
Se perguntasse se é animal,
prontamente confirmaria, porém se
silenciasse quanto a nome ou animal
ao que procurava, agradar-me-ia
falar daquela regra sobre o
significado das duas sílabas, (ho +
mem), ao que a alma corretamente
responderia senão animal, ou até
diria toda a definição, isto é, animal
racional e mortal; tu assim não
compreenderias?
42.Adeodato - Parece-me correto.
Mas, se assentirmos ser nome, como
evitarmos que nós homens não
sejamos submetidos àquela
conclusão demasiada ultrajante?
43.Agostinho - De que modo
supões a não ser ao ensinar a quem
interpela que não concordamos com
essa conclusão? Ou, se ele declara
que a infere dessa particularidade,
de nenhum modo há o que recear.
Por que eu temeria confessar não
ser homem, isto é, não ser estas três
sílabas (ho-mi-ne)?
44.Adeodato - Nada é tão certo.
Logo, por que nos fere a alma
quando se diz: Portanto, não é,
homem! Quando segundo o que
assentimos nada existe de maior
verdade?
45.Agostinho - Porque não posso
deixar de refletir naquela conclusão,
sobre os significados daquelas duas
sílabas não relacionar-se com o que
significam, em face da regra de
altíssimo valor que, ao ouvir-se os
signos, naturalmente, busca-se as
coisas significadas.
59
46.Adeodatus - Accipio quod dicis.
IX
1.Augustinus - Proinde intellegas
volo res, quae significantur, pluris
quam signa esse pendendas.
Quicquid enim propter aliud est,
vilius sit necesse est quam id,
propter quod est, nisi tu aliud
existimas.
2.Adeodatus - Videtur mihi non
temere hic esse assentiendum;
nam cum dicimus caenum, longe
hoc nomen arbitror rei, quam
significat, antecellere. Quod enim
nos offendit audientes, non ad
ipsius verbi pertinet sonum;
caenum enim nomen mutata una
littera caelum est. Inter illa vero,
quae his nominibus significantur,
quantum distet, videmus.
Quamobrem nequaquam huic signo
tribuerim, quod in re, quam
significat, odimus, et propterea hoc
illi iure antepono; libentius enim hoc
audimus, quam ullo sensu illud
attingimus.
3.Augustinus - Vigilantissime
omnino. Itaque falsum est omnes
res pluris quam earum signa esse
pendendas.
4.Adeodatus - Ita videtur.
5.Augustinus - Dic ergo mihi, quid
arbitraris eos secutos esse, qui huic
rei tam foedae atque aspernabili
nomen indiderunt, vel utrum eos
probes an improbes?
6.Adeodatus - Ego vero illos nec
probare nec improbare audeo nec,
quid fuerint secuti, scio.
7.Augustinus - Potesne saltem
46.Adeodato - Aceito o que dizes.
IX
1.Agostinho - Por isso queria que
compreendesses os muitos valores
às coisas significadas, que estão
ligados aos signos. A não ser que
julgues o contrário; o que quer que
exista face outro terá valia inferior
àquilo pelo qual existe.
2.Adeodato - Meu entendimento é
que não se possa irrefletidamente
concordar com isso, porque ao
dizemos caenum (imundície), julgo
que o nome esteja muito além
daquilo que significa. O que nos
choca ouví-la não é o som pertinente
a palavra; se mudarmos uma letra
em caenum passará a caelum (céu).
Entre elas, as realidades significadas
estão distantes. Por quais razões
não atribuirei a este signo o que
repulsa naquilo que ele significa,
porquanto há prazer em ouvi-lo, se
além do sentido não pensarmos na
própria coisa que significa; por essa
razão situo-o à frente.
3.Agostinho - Tudo muito lúcido. Por
consequência falso seria que as
coisas se deva ter em conta como de
maior valia que seus signos.
4.AdeodatoCompreendo
igualmente.
5.Agostinho - Logo, diga-me o que
ajuizas àqueles que deram este
nome a uma coisa tão desprezível e,
por outro lado, repugnante; acaso tu
aprovas ou desaprovas?
6.AdeodatoEu, em verdade nem
ouso aprovar ou desaprovar, não sei
como o tenham dado.
7.Agostinho - Poderias ao menos
60
scire, quid tu sequaris, cum hoc
nomen enuntias?
8.Adeodatus - Hoc plane possum;
nam significare volo, ut eum, cum
quo loquor, doceam vel admoneam
de re illa, quod eum doceri vel
admoneri oportere arbitror.
9.Augustinus - Quid? ipsum
docere aut admonere sive doceri
aut admoneri, quod vel tu exhibes
commode per hoc nomen vel
exhibetur tibi, nonne carius quam
ipsum nomen habendum est?
10.Adeodatus - Concedo ipsam
scientiam, quae per hoc signum
evenit eidem signo esse
anteponendam, sed non ideo etiam
rem ipsam puto.
11.Augustinus - In illa igitur
sententia nostra, quamquam sit
falsum res omnes signis suis
praeponi oportere, non tamen
falsum est omne, quod propter
aliud est, vilius esse quam id,
propter quod est. Cognitio quippe
caeni, propter quam hoc nomen est
institutum, pluris habenda est ipso
nomine, quod eidem caeno
praeponendum esse comperimus.
Non enim ob aliud ista cognitio
signo, de quo agimus, antelata est,
nisi quia illud propter hanc, non
haec propter illud esse convincitur.
Nam ita cum quidam vorator
ventrisque, ut ab apostolo dicitur,
cultor diceret ideo se vivere, ut
vesceretur, non tulit, qui audiebat,
frugi homo et «quanto» inquit
«melius ideo vescereris, ut
viveres». Uterque tamen ex eadem
ista regula locutus est; nam neque
alia de causa ille displicuit, nisi
quod vitam suam tam parvi
penderet, ut eam duceret gutturis
voluptate viliorem dicendo se
saber que intenções tens ao
pronunciar este nome?
8.Adeodato - Posso claramente;
com esse signo quero ensinar ou
advertir a pessoa com quem falo, por
julgar necessário ensiná-la ou
rememorá-la.
9.Agostinho - Mas o quê? Mesmo
ao ensinar ou rememorar, ou se for
ensinado ou rememorado, o que
facilmente com este nome tu exibes
ou a ti exibem, não será mais digno
de apreço que o próprio nome?
10.Adeodato - Assinto que mesmo o
conhecimento pré-existente, que
ocorre deste signo, se deva antepor
ao signo, mas nem por isso também
considero o mesmo da coisa.
11.Agostinho - Por consequência de
nossa afirmação, ainda que falso
seja que a todas as coisas se deva
antepor a seus signos, todavia, não é
falso que de menor valia sejam
aquelas que ao seu lado estão. O
conhecimento da imundície pelo qual
se formou este nome, contém muito
mais que o próprio nome; conforme
descobrimos ser anteposto em
relação ao que sentimos da
imundície. Certamente, não por outra
razão, o conhecimento deve antepor
o signo do qual tratamos, face sua
preferência, se não, por aquilo a ser
demonstrado. Como disse o Apóstolo
ao afirmar que certo comilão
pançudo, que vivia para comer, foi
contestado por um sensato homem
que o ouvia, e que lhe respondeu:
digo quão melhor seria se comesses
para viver. Falou dessa forma,
certamente, por essa mesma regra; o
primeiro não desagradou senão por
ter avaliado em tão pouco sua vida,
tomando-a em menor conta do que
os prazeres da gula, ao afirmar só
61
propter epulas vivere, neque hic ob
aliud iure laudatur, nisi quod in his
duobus, quid propter quid fieret,
hoc est, quid cui subiectum esset
intellegens, cibandum potius, ut
vivamus, quam vivendum, ut
cibemur, admonuit. Similiter et tu
fortasse et quilibet hominum non
imperite res aestimantium dicenti
cuipiam loquaci amatorique
verborum «ideo doceo, ut loquar»
responderetis «homo, cur non
potius ideo loqueris, ut doceas?»
Quod si haec vera sunt, sicuti esse
cognoscis, vides profecto, quanto
verba minoris habenda sint, quam
id, propter quod utimur verbis, cum
ipse usus verborum iam sit verbis
anteponendus; verba enim sunt, ut
his utamur; utimur autem his ad
docendum. Quanto est igitur melius
docere quam loqui, tanto melior
quam verba locutio. Multo ergo
melior doctrina quam verba. Sed
cupio audire, quid forte
contradicendum putes.
12.Adeodatus - Assentior quidem
meliorem quam verba esse
doctrinam, sed utrum adversus
istam regulam, qua dicitur omne,
quod propter aliud est, inferius esse
quam id, propter quod est, nihil sit,
quod obici possit, ignoro.
13.Augustinus - Alias hoc
oportunius diligentiusque
tractabimus. Nunc illud, quod
concedis, satis est ad id, quod
conficere studeo. Das enim
cognitionem rerum quam signa
rerum esse cariorem. Quamobrem
cognitio rerum, quae significantur,
cognitioni signorum anteferenda
est; an tibi non videtur?
14.Adeodatus - Num ego
cognitionem rerum cognitione
viver de banquete; o outro louvor
recebe a não ser porque
compreendendo o que entre viver e
comer está subordinado um ao outro,
rememorou que se deve comer para
viver, e não viver para comer. De
forma semelhante, tu, e todo homem
que não ajuízasse as coisas
adequadamente a algum ignorante
que dissesse: ensino a falar;
responderias: Homem! Por que não
falas para ensinar? Se isto é uma
verdade, como reconhecemos ser,
com certeza vês quanto em menor
conta se deve ter as palavras em
razão daquilo por qual as usamos; o
próprio uso das palavras deve
antepor a elas, posto que sejam para
ser usadas, e as usamos para
ensinar. Logo, é melhor ensinar que
falar, quanto melhor seja a locução
que as palavras, tanto quanto será a
doutrina em relação as palavras.
Mas, desejo ouvir o que porventura
tenhas a opor.
12.Adeodato - Concordo ser a
doutrina melhor que as palavras;
mas acaso sou contra esta regra que
diz: tudo o que existe por causa de
outra coisa, é inferior àquilo pelo qual
ela própia exista; nada mais posso
colocar além de que a ignoro.
13.Agostinho Cuidadosamente,
em outro momento trataremos disso.
Porquanto aquilo que assentis é
suficiente ao que eu gostaria de
completar. Veja que de fato pensas
ser o conhecimento tão maior a
ponto de carecer do signo. Por qual
razão, o conhecimento dos
significados das coisas deve antepor
o conhecimento dos signos; ou a ti
igualmente não parece?
14.Adeodato - Acaso assenti ser o
conhecimento das coisas superior ao
62
signorum ac non signis ipsis
praestantiorem esse concessi?
Quare vereor, ut hic tibi assentiar.
Quid? si enim, ut caenum nomen
melius est ea re, quam significat, ita
et huius nominis cognitio cognitioni
quoque illius rei est anteponenda,
quamvis ea cognitione sit ipsum
nomen inferius? Quattuor quippe
sunt: nomen et res, cognitio
nominis et cognitio rei. Sicut ergo
primum secundo, cur non et tertium
quarto antecellat? Sed non
antecellat, num etiam subiciendum
est?
15.Augustinus - Mire omnino te
video et tenuisse, quid concesseris,
et explicasse, quid senseris. Sed,
ut opinor, intellegis hoc trisyllabum
nomen, quod sonat, cum dicimus
«vitium», melius esse quam id,
quod significat, cum ipsius cognitio
nominis multo sit inferior cognitione
vitiorum. Licet itaque constituas
etiam ista quattuor atque
consideres nomen et rem,
cognitionem nominis et cognitionem
rei, primum secundo iure
praeponimus. Hoc enim nomen
positum in carmine, cum ait Persius
«sed stupet hic vitio», non modo
nihil vitii fecit in versu, sed non nihil
etiam ornati dedit, cum tamen res
ipsa, quae significatur hoc nomine,
in quocumque inest, cogit esse
vitiosum. At non ita et tertium
quarto, sed quartum tertio videmus
excellere. Huius enim cognitio
nominis vilis est prae cognitione
vitiorum.
dos próprios signos? Por qual razão
hesitaria aprovar este propósito. Por
quê? E se o nome imundície, que
disseste ser melhor que a coisa que
significa se antepuser ao
conhecimento tanto quanto se queira
que o próprio nome seja inferior ao
da coisa? São quatro termos: nome,
coisas, conhecimento dos nomes e
conhecimento da coisa. Logo se o
primeiro é superior ao segundo,
porque igualmente não seria o
terceiro em relação ao quarto? Mas
se não for superior, não há de lhe ser
subordinado?
15.Agostinho - Vês que tudo o que
compreendeu é tênue; e o que
assentiste, explica o que sentiu. Mas
penso entenderes que este nome
trissílabo; vitium (vicio) seja melhor
que aquilo que significa e, no entanto
o conhecimento desse nome é muito
inferior ao conhecimento dos vícios.
Conquanto, proponhas e estabeleças
esses quatro elementos, nome e
coisa, conhecimento do nome e
conhecimento da coisa, antepondo o
primeiro ao segundo. Porisso Persio
ao colocar este nome num verso
29
:
sed stupet hic vitio, (mas se
entorpeceu pelo vício), não tornou o
verso viciado, pelo contrário, lhe deu
uma ornamentação, enquanto que a
coisa mesma significada por este
nome em quem quer que esteja,
torna-o viciado. Portanto, não vemos
que o terceiro seja superior ao
quarto, mas sim o quarto ao terceiro.
O conhecimento do nome, pelo
contrário, efetivamente pouco vale
diante do conhecimento dos vícios.

29
Santo Agostinho está se referinto a Aulo Persius Flacus (34 - 62), poeta estóico romano,
conhecido por empregar em suas sátiras um tom moralista de alto grau. Criticou ferozmente
a decadência em que se encontrava ao seu tempo a ética romana (Sátira III.32).
63
16.Adeodatus - Etiamne cum ista
cognitio miseriores facit, censes
esse praeferendam? Nam idem
Persius omnibus poenis, quas
tyrannorum vel crudelitas
excogitavit vel cupiditas pendit,
hanc unam anteponit, qua
cruciantur homines, qui vitia, quae
vitare non possunt, coguntur
agnoscere.
17.Augustinus - Potes hoc modo
cognitioni huius nominis ipsam
quoque virtutum cognitionem
negare praeferendam, quia virtutem
videre nec tenere supplicium est,
quo idem ille satiricus tyranni ut
puniantur optavit.
18.Adeodatus - Deus hanc avertat
amentiam. Iam enim intellego non
ipsas cognitiones, quibus animum
imbuit optima omnium disciplina,
esse culpandas, sed eos omnium
miserrimos iudicandos, sicut et
Persium iudicasse arbitror, qui tali
morbo affecti sunt, cui nec tanta
medicina subveniat.
19.Augustinus - Bene intellegis;
sed quoquo modo se habeat
Persiana sententia, quid ad nos?
Non enim horum auctoritati subiecti
sumus in talibus rebus. Deinde si
qua cognitio cui cognitioni
praeferenda sit, non hic facile est
explicare. Satis habeo, quod
effectum est cognitionem rerum,
quae significantur, etsi non
cognitione signorum ipsis, tamen
signis esse potiorem. Quare iam
illud magis magisque discutiamus,
quale sit genus rerum, quas sine
signis monstrari posse dicebamus
per se ipsas, ut loqui, ambulare,
sedere, iacere atque huius modi
cetera.
16.Adeodato - Já que este
conhecimento nos faz infelizes, não
julgarias preferi-lo? De fato, mesmo a
Persio que a crueldade de todas as
penas desejava ou imaginou aos
tiranos, o anteporia a perplexidade
única desta punição, a qual
atormenta os homens forçados a
reconhecer nos vícios aquilo que não
podem evitar.
17.Agostinho - Deste modo, podes
negar que se deva preferir o próprio
conhecimento das virtudes ao
conhecimento de seu nome, pois
conhecer uma virtude sem tê-la é um
suplício, o qual o próprio poeta
satírico desejou como punição aos
tiranos.
18.Adeodato - Deus afaste esta
loucura! Compreendo agora que nem
os próprios conhecimentos possam
ensinar com a perfeita disciplina
esses negligentes, mas devemos em
todo julgamento nos apiedar, como
Persio igualmente julgou àqueles
afetados desta doença da alma, a
qual nenhuma ciência médica curará.
19.Agostinho - Compreendeste
bem, mas seja qual for o parecer de
Persio, o que nos importa? Não nos
submetemos à autoridade destas
pessoas em tais coisas. Além do
que, se algum conhecimento se deva
preferir a outro, explicar não é fácil. É
suficiente o que temos; efetivamente
o conhecimento das coisas que são
significadas tem valor superior ao
conhecimento dos próprios signos e,
a estes são preferíveis. Portanto,
separemos ainda mais as categorias
de realidades que dizíamos poderem
mostrar-se por si mesmas sem
signos como: falar, caminhar, sentar,
deitar e outras semelhantes.
64
20.Adeodatus - Iam recolo, quid
dicas.
X
1.Augustinus - Omniane tibi
videntur, quae interrogati mox
agere possumus, sine signo posse
monstrari, an aliquid excipis?
2.Adeodatus - Ego vero etiam
atque etiam genus hoc totum
considerans nihil adhuc invenio,
quod sine signo valeat doceri, nisi
forte locutionem, et si forte id ipsum
quispiam quaerat, quid sit docere.
Video enim me, quicquid post eius
interrogationem fecero, ut discat,
ab ea ipsa re non discere, quam
sibi demonstrari cupit; nam si me
cessantem, ut dictum est, vel aliud
agentem roget quispiam, quid sit
ambulare, et ego statim ambulando
eum, quod rogavit, sine signo coner
docere, unde cavebo, ne id tantum
putet esse ambulare, quantum ego
ambulavero? Quod si putaverit,
decipietur; quisquis enim plus
minusve quam ego ambulaverit,
hunc ille ambulasse non
arbitrabitur. Et quod de hoc uno
verbo dixi, transit in omnia, quae
sine signo monstrari posse
consenseram, praeter duo illa,
quae excepimus.
3.Augustinus - Accipio quidem
istuc; sed nonne tibi videtur aliud
esse loqui, aliud docere?
4.Adeodatus - Videtur sane; nam
si esset idem, non doceret
quisquam nisi loquens. Cum vero et
aliis signis praeter verba multa
doceamus, quis de ista differentia
dubitaverit?
5.Augustinus - Quid? docere et
significare nihilne inter se an aliquid
20.Adeodato - Agora retomo o que
dizias.
X
1.AgostinhoNão compreendes
que ao sermos interpelados, logo em
seguida, podemos mostrar tudo sem
signos; ou excetuaria algo?
2.Adeodato - Realmente eu tenho
considerado todos os gêneros e
nada encontrei possível de ensinar
sem o signo, a não ser, se acaso
alguém perguntasse o que seria
ensinar com a locução. Compreendo
sem dúvidas, que algo feito após a
interpelação, exceto pela própria
coisa, não ensinaria tanto quanto se
deseja; com efeito, se me pedirem o
que é caminhar e eu estiver parado,
ou a fazer outra coisa, ao começar a
caminhar, me esforçarei por lhe
demonstrar sem signo, ensinando-o
cautelosamente, para evitar que ele
julgue que caminhar é apenas
percorrer o que andei. Se de tal
modo julgar enganar-se-ia, posto que
julgaria não caminhar aquele que
andasse mais ou menos o quanto eu
tivera feito. O que desta única
palavra eu disse aplica-se a todas
que assenti em poderem ser
mostradas sem signo, exceto as
duas que excluímos.
3.Agostinho - Admito isto também,
mas não compreendes que uma
coisa é falar e outra é ensinar?
4.Adeodato - Compreendo que dum
certo modo sejam; não ensinaríamos
alguém a não ser ao falar. Na
verdade, além das palavras,
ensinamos com os signos, e quem
duvidaria desta diferença?
5.AgostinhoMas o quê? Acaso
entre ensinar e significar, não
65
differunt?
6.Adeodatus - Idem puto esse.
7.Augustinus - Nonne recte dicit,
qui dicit ideo nos significare, ut
doceamus?
8.Adeodatus - Recte prorsus.
9.Augustinus - Quid? si dicat alius
ideo nos docere, ut significemus,
nonne facile superiore sententia
refelletur?
10.Adeodatus - Ita est.
11.Augustinus - Si ergo
significamus, ut doceamus, non
docemus, ut significemus, aliud est
docere aliud significare.
12.Adeodatus - Verum dicis, nec
recte idem esse utrumque
respondi.
13.Augustinus - Nunc illud
responde, utrum qui docet, quid sit
docere, significando id agat an
aliter.
14.Adeodatus - Non video,
quomodo aliter possit
15.Augustinus - Falsum igitur
paulo ante dixisti doceri rem posse
sine signis, cum quaeritur, quid sit
ipsum docere, quando ne hoc
quidem videmus sine significatione
agi posse, cum aliud esse
significare, aliud docere
concesseris. Si enim diversa sunt,
sicut apparet, neque hoc nisi per
illud ostenditur, non per se utique
ostenditur, sicut tibi visum erat.
Quam ob rem nihil adhuc inventum
est, quod monstrari per se ipsum
queat praeter locutionem, quae
inter alia se quoque significat; quae
existiria alguma diferença?
6.Adeodato - Creio ser o mesmo.
7.Agostinho - Não seria correto
quando por tal razão dizemos que
significamos para ensinar?
8.Adeodato - Bem correto.
9.Agostinho - Se alguém dissesse
que ensinamos ao significarmos; não
o refutaria facilmente face ao que
enunciamos acima?
10.Adeodato Seria desta forma.
11.Agostinho - Logo, se
significamos quando ensinamos e
não ensinamos ao significarmos,
ensinar é diverso de significar.
12.Adeodato - Dizes a verdade,
acaso não foi correto o que respondi.
13.Agostinho - Respondas agora,
se aquele que ensina o que é
ensinar, o faz significando ou de
forma diversa.
14.Adeodato - Não compreendo que
de outra forma pudesse.
15.Agostinho - Por consequência é
falso o que antes disse, quando
inquirido sobre o que seria ensinar,
admitiu poder ensinar sem signos;
pois compreendemos que sem
significação nem isso se possa,
como assentiste, uma coisa é
significar, outra é ensinar. Se de fato
divergem como aparentam, tal que
nenhuma se mostre senão pela outra
e não por qualquer coisa que mostre,
como a ti parece. Igualmente, nada
encontramos que possa se mostrar
por si, exceto a locução, que entre
outras, significa a si prória; porém
66
tamen cum etiam ipsa signum sit,
nondum prorsus extat, quod sine
signis doceri posse videatur.
16.Adeodatus - Nihil habeo, cur
non assentiar.
17.Augustinus - Confectum est
igitur et nihil sine signis doceri et
cognitionem ipsam signis, quibus
cognoscimus, cariorem nobis esse
oportere, quamvis non omnia, quae
significantur, possint suis signis
esse potiora.
18.Adeodatus - Ita videtur
19.Augustinus - Quanto tandem
circuitu res tantilla peracta sit,
meministine quaeso? Nam ex quo
inter nos verba iaculamur, quod
tam diu fecimus, haec tria ut
invenirentur, laboratum est: utrum
nihil sine signis possit doceri et
utrum sint quaedam signa rebus,
quas significant, praeferenda et
utrum melior quam signa sit rerum
ipsa cognitio. Sed quartum est,
quod breviter abs te vellem
cognoscere, utrumnam ista inventa
sic putes, ut iam de his dubitare
non possis.
20.Adeodatus - Vellem quidem
tantis ambagibus atque anfractibus
esset ad certa perventum. Sed et
ista rogatio tua nescio quomodo me
sollicitat et ab assensione deterret -
videris enim mihi non hoc de me
fuisse quaesiturus, nisi haberes,
quod contradiceres - et ipsa rerum
implicatio totum me inspicere ac
securum respondere non sinit
verentem, ne quid in tantis
involucris lateat, quod acies mentis
meae lustrare non possit.
21.Augustinus - Dubitationem
dado que ainda ela seja um signo,
nada temos que pareça poder
ensinar sem signos.
16.Adeodato - Nada tenho que
possa não aprovar.
17.AgostinhoConcluso é que
nada se pode ensinar sem signos,
sem o necessário conhecimento dos
próprios signos e de seu efeito, no
qual somos carentes, embora, nem
todas as coisas significadas possam
ser preferíveis aos próprios signos.
18.Adeodato - Igualmente
compreendo.
19.Agostinho - Recordas quantas
voltas demos para chegar a uma
coisa tão acanhada? Desde que nos
propusemos a lançar palavras,
fazendo-o por longo período,
esforçamo-nos por investigar três
questões: que nada se possa ensinar
sem signos; que existe signo que se
deva preferir àquilo que significam; e
que o próprio conhecimento é melhor
que os signos. Mas há uma quarta
que gostaria de ouvir, se julgas que
em ti as questões abordadas não
deixaram possibilidades de dúvida.
20.Adeodato - Bem quereria que
depois de tanto circunlóquio
tivéssemos chegado às certezas.
Mas, esta tua pergunta não só me
inquieta como até me impede de
assenti-la; não perguntarias se dela
não tivesses uma refutação; a
própria complexidade do assunto,
seguramente, não me permite
responder e temo que em tanto
sobrescrito, algo tenha se ocultado e
não permitido que a luz adentrasse
minha mente.
21.Agostinho - Aceito tua dúvida e
67
tuam non invitus accipio; significat
enim animum minime temerarium,
quae custodia tranquillitatis est
maxima. Nam difficillimum omnino
est non perturbari, cum ea, quae
prona et procliva adprobatione
tenebamus, contrariis
disputationibus labefactantur et
quasi extorquentur e manibus.
Quare, ut aequum est bene
consideratis perspectisque
rationibus cedere, ita incognita pro
cognitis habere periculosum; metus
est enim, ne, cum saepe
subruuntur, quae firmissime statura
et mansura praesumimus, in
tantum odium vel timorem rationis
incidamus, ut ne ipsi quidem
perspicuae veritati fides habenda
videatur. Sed age nunc expeditius
retractemus, utrum recte ista
dubitanda putaveris; nam quaero
abs te, si quisquam ignarus
deceptionis avium, quae calamis et
visco efficitur, obviam fieret aucupi
armis quidem suis instructo, non
tamen aucupanti, sed iter agenti,
quo viso premeret gradum
secumque, ut fit, admirans cogitaret
et quaereret, quidnam sibi hominis
ille vellet ornatus, auceps autem,
cum in se videret adtentum,
ostentandi se studio cannas
expediret et prope animadversam
aliquam aviculam fistula et accipitre
figeret, subigeret et caperet, nonne
illum spectatorem suum doceret
nullo significatu, sed re ipsa, quod
ille scire cupiebat?
22.Adeodatus - Metuo, ne quid hic
tale sit, quale de illo dixi, qui
quaerit, quid sit ambulare; neque
enim video et hic totum illud
aucupium esse monstratum.
23.Augustinus - Facile est hac
cura te exuere; addo enim, si ille
intellegens esset, ut ex hoc, quod
não de mau grado, porque revela
uma alma destemida e essa é uma
segurança de grande tranquilidade.
De fato é extremamente difícil não
ficar perturbado quando aquilo que
guardamos em consenso é arruinado
por discussões contrárias, como se
fosse retirado de nossas mãos.
Diante de, é justo ceder as razões
examinadas, bem fundamentadas, e
é perigoso ter por conhecidas as que
nos são desconhecidas; é de temer
que ao ruir aquilo que imaginávamos
ser duradouro, se permaneça a
defendê-lo, e igualmente nos
precipitemos em ódio ou temor a
razão, nos pareçendo não dever dar
crédito nem à verdade evidente. Mas
continuemos agora e examinemos de
novo, mais rapidamente, se terias
razão em duvidar; imagines alguém
que ignorante de armadilhas de
varas e visco para pássaros, se
deparasse com um caçador armado
destes instrumentos, não a caçar,
mas a caminhar, e ao vê-lo
acelerasse o passo, admirado, a
pensar consigo mesmo o que
poderiam significar aqueles
instrumentos. O caçador ao ver uma
pessoa a contemplá-lo, no desejo de
se mostrar, prepara e suspende as
varas e com elas um gavião e
aprisiona algum pássaro próximo.
Não teria ele ensinado ao seu
expectador o que desejava saber
sem nenhum significado, mas com a
própria realidade?
22.Adeodato - Receio seja um caso
semelhante àquele que citei, quando
alguém pergunta o que é caminhar;
aqui igualmente não vejo que se
mostre todo o procedimento da caça.
23.Agostinho - Acrescento que é
fácil liberar-se desta dúvida, pois
suponha que essa pessoa seja tão
68
vidit, totum illud genus artis
agnosceret; satis est namque ad
rem et de quibusdam rebus,
tametsi non omnibus, et quosdam
homines doceri posse sine signo.
24.Adeodatus - Hoc etiam ego
possum illi addere: Si enim sit bene
intellegens, paucis passibus
ambulatione monstrata totum, quid
sit ambulare, cognoscet.
25.Augustinus - Facias per me
licet nec tantum nihil resisto, verum
etiam faveo; vides enim ab utroque
nostrum id effici, ut quaedam
quidam doceri sine signis queant
falsumque illud sit, quod nobis
paulo ante videbatur nihil esse
omnino, quod sine signis possit
ostendi. Iam enim ex his non unum
aliquid aut alterum, sed milia rerum
animo occurrunt, quae nullo signo
dato per se ipsa monstrentur. Quid
enim dubitemus, oro te? Nam ut
hominum omittam innumerabilia
spectacula in omnibus theatris sine
signo ipsis rebus exhibentium,
solem certe istum lucemque haec
omnia perfundentem atque
vestientem, lunam et cetera sidera,
terras et maria quaeque in his
innumerabiliter gignuntur, nonne
per se ipsa exhibet atque ostendit
deus et natura cernentibus?
Quid? quod si diligentius
consideremus, fortasse nihil
invenies, quod per sua signa
discatur. Cum enim mihi signum
datur, si nescientem me invenit,
cuius rei signum sit, docere me nihil
potest, si vero scientem, quid disco
per signum? Non enim mihi rem,
quam significat, ostendit verbum,
cum lego «et sarabalae eorum non
sunt commutatae». Nam si
quaedam capitum tegmina
nuncupantur hoc nomine, num ego
inteligente que compreenda todo o
procedimento de caça só pelo que
viu, isto seria o suficiente para
demonstrar que alguns homens
possam ensinar sem signos.
24.Adeodato - A isso igualmente
posso acrescentar que quem
pergunta o que é caminhar, se for
inteligente, compreenderá totalmente
após lhe mostrar com poucos
passos.
25.Agostinho - Autorizo a fazê-lo e
em nada me oponho, na verdade
ainda sou favorável; compreendes,
igualmente, que cada um de nós ao
concluírmos que sem signos possa-
se ensinar, seja falso o que há pouco
parecia-nos ser verdade, que nada
existiria que pudéssemos mostrar
sem signos. Ademais, não seria
somente uma ou outra coisa, mas
milhares que ocorrem a alma, que
sem necessitarem de nenhum signo
mostram-se por si próprias. Por que
então duvidamos, te pergunto?
Colocando de lado os inumeráveis
espetáculos em todos os teatros, em
que os atores representam as coisas
mesmas, sem signos; este sol e
mesmo esta luz que inunda tudo, a
lua, os astros restantes, a terra e os
mares, tudo o que de infinito haja;
não seriam por si mesmos que Deus
e a natureza os expõem, mostrando-
os a quem contempla? Se
considerarmos cuidadosamente,
talvez nada se encontre que possa
ser apreendido apenas por seus
signos. Se me fosse dado um signo
do qual não soubesses nada sobre o
que seria a coisa, não poderia me
ensinar; mas e se tenho seu
conhecimento de verdade; como o
apreendi pelo signo? Quando leio as
palavras que mostram: as suas
sarabalas não foram alteradas, estas
não mostram seus significados.
69
hoc audito, aut quid sit caput aut
quid sint tegmina, didici? Ante ista
noveram, neque, cum appellarentur
ab aliis, sed cum a me viderentur,
eorum est mihi facta notitia. Etenim
cum primum istae duae syllabae,
cum dicimus «caput», aures meas
impulerunt, tam nescivi, quid
significarent, quam cum primo
audirem legeremue sarabalas. Sed
cum saepe diceretur «caput»,
notans atque animadvertens,
quando diceretur, repperi
vocabulum esse rei, quae mihi iam
erat videndo notissima.
Quod priusquam repperissem,
tantum mihi sonus erat hoc verbum;
signum vero esse didici, quando,
cuius rei signum esset, inveni,
quam quidem, ut dixi, non
significatu, sed aspectu didiceram.
Ita magis signum re cognita quam
signo dato ipsa res discitur.
Quod ut apertius intellegas, finge
nos nunc primum audire, quod
dicitur «caput», et nescientes,
utrum vox ista sit tantummodo
sonans an aliquid etiam significans,
quaerere, quid sit caput - memento
nos non rei, quae significatur, sed
ipsius signi velle habere notitiam,
qua caremus profecto, quamdiu,
cuius signum est, ignoramus; si
ergo ita quaerentibus res ipsa digito
demonstratur, hac conspecta
discimus signum, quod audieramus
tantum, nondum noveramus. In quo
tamen signo cum duo sint, sonus et
significatio, sonum certe non per
signum percipimus, sed eo ipso
aure pulsata, significationem autem
re, quae significatur, aspecta. Nam
illa intentio digiti significare nihil
aliud potest quam illud, in quod
intenditur digitus; intentus est
autem non in signum, sed in
membrum, quod caput vocatur.
Itaque per illam neque rem possum
nosse, quam noveram, neque
Certos objetos com este nome
servem para cobrir a cabeça, e por
ventura ao ouvi-las, deduzirei o que é
cabeça ou o que são coberturas? Já
as conhecia e, não quando
mencionada por outros, igualmente a
noção delas adveio-me, mas, ao
serem vistas por mim. Efetivamente,
quando estas duas sílabas que
pronunciamos ca-put (cabeça)
percutiram nos meus ouvidos,
desconhecia seu significado, como
quando ouvi e li pela primeira vez
sarabalas. Mas, ao ouvir muitas
vezes cabeça, quando era
pronunciada notei, observei e
descobri que coisa era por já tê-la
vista e, deste modo, me era
conhecidíssima. Antes de isso
descobrir, esta palavra era apenas
um som; só aprendi que era um
signo após descobrir que coisa
significava. Deduzi não pelo signo,
mas pela ação do olhar.
Conhecemos mais sobre o signo
através da coisa, do que da própria
coisa quando estudada pelo signo.
Para que compreendas melhor
imagine estarmos pela primeira vez a
ouvir o vocábulo caput (cabeça), e
ignorando ser apenas um som ou se
significaria algo perguntássemos o
que seria; recordas não ser da coisa
que é significada que queremos o
conhecimento, mas sim do signo, e
não o possuiremos enquanto
ignorarmos de que coisa é signo. Se
quando feita a pergunta, a coisa
mesma for mostrada com o dedo, ao
vê-la aprendemos o signo que só
conhecíamos pela audição. Portanto,
quando há dois elementos neste
signo, o som e o significado; o som
evidentemente não foi percebido pelo
signo, mas pela audição
reverberada, enquanto o significado
tenha sido apreendido pela visão da
coisa significada. De fato, o apontar
do dedo nada mais pode significar,
70
signum, in quod intentus digitus
non est. Sed de intentione digiti non
nimis curo, quia ipsius
demonstrationis signum mihi
videtur potius quam rerum
aliquarum, quae demonstrantur,
sicut adverbium, quod «ecce»
dicimus; nam et cum hoc adverbio
digitum solemus intendere, ne
unum demonstrandi signum non sit
satis. Et id maxime tibi nitor
persuadere, si potero, per ea signa,
quae verba appellantur, nos nihil
discere; potius enim, ut dixi, vim
verbi, id est significationem, quae
latet in sono, re ipsa, quae
significatur, cognita discimus, quam
illam tali significatione percipimus.
Et quod dixi de capite, hoc etiam de
tegminibus deque aliis rebus
innumerabilibus dixerim; quas
tamen cum iam noverim, sarabaras
illas adhuc usque non novi; quas
mihi si gestu quispiam significaverit
aut pinxerit aut aliquid, cui similes
sunt, ostenderit, ne dicam non me
docuerit, quod facile obtinerem, si
paulo amplius loqui vellem, sed
dico id, quod proximum est, non
verbis docuerit. Quod si eis forte
conspectis, cum simul adero, me
admonuerit dicens: «Ecce
sarabarae», discam rem, quam
nesciebam, non per verba, quae
dicta sunt, sed per eius aspectum,
per quem factum est, ut etiam
nomen illud, quid valeret, nossem
ac tenerem. Non enim, cum rem
ipsam didici, verbis alienis credidi,
sed oculis meis; illis tamen
fortasse, ut adtenderem, credidi, id
est ut aspectu quaererem, quid
viderem.
XI
senão àquilo que o dedo visou. Mas
ele não tendeu para o signo e sim
para aquela parte do corpo chamada
cabeça, esse gesto não me permite
conhecer algo que já era conhecido,
tampouco seu signo para o qual o
dedo não aponta. A isto não muito
me importo, seria apenas um ato de
demonstrar como quaisquer outros
que se indiquem como o advérbio
ecce (eis) que sempre vem
acompanhado de uma demonstração
gestual, o que em si não basta para
elucidar esses dois signos. É isto que
me esforço como posso para te
persuadir, que nada apreendemos
com os signos chamados palavras.
Como dissemos há pouco, conhecida
a própria coisa significada,
apreendemos a força da palavra, ou
seja, o significado refletido no som;
bem diverso de quando percebemos
essa realidade por meio de sua
significação. O que eu disse de
cabeça, diria o mesmo das
coberturas e de inúmeras outras
coisas. Embora eu conheça
coberturas, até agora desconheço as
sarabalas, estas, mesmo que alguém
as significasse por gestos ou as
desenhasse, ou mostrasse algo
semelhante, não diria apenas que
me ensinou, mas que o fez não com
palavras. Se por acaso estivesse a
contemplá-las e alguém junto a mim
advertisse dizendo: aqui estão as
sarabalas, estaria apreendendo não
por palavras, mas por meio da visão;
e por esta segue-se que fixei antes
seu significado pelo próprio nome.
Certamente, ao apreender a coisa
mesma, não acreditei nas palavras
alheias, mas sim nos meus olhos.
Talvez nela tenha acreditado para
atender-me, ou seja, buscar com a
visão aquilo que queria ver.
XI
71
Hactenus verba valuerunt, quibus
ut plurimum tribuam, admonent
tantum, ut quaeramus res, non
exhibent, ut novimus. Is me autem
aliquid docet, qui vel oculis vel ulli
corporis sensui vel ipsi etiam menti
praebet ea, quae cognoscere volo.
Verbis igitur nisi verba non
discimus, immo sonitum
strepitumque verborum; nam si ea,
quae signa non sunt, verba esse
non possunt, quamvis iam auditum
verbum, nescio tamen verbum
esse, donec, quid significet, sciam.
Rebus ergo cognitis verborum
quoque cognitio perficitur; verbis
vero auditis nec verba discuntur;
non enim ea verba, quae novimus,
discimus aut, quae non novimus,
didicisse nos possumus confiteri,
nisi eorum significatione percepta,
quae non auditione vocum
emissarum, sed rerum
significatarum cognitione contingit.
Verissima quippe ratio est et
verissime dicitur, cum verba
proferuntur, aut scire nos, quid
significent, aut nescire; si scimus,
commemorari potius quam discere;
si autem nescimus, nec
commemorari quidem, sed fortasse
ad quaerendum admoneri.
Quod si dixeris tegmina quidem illa
capitum, quorum nomen sono
tantum tenemus, non nos posse
nisi visa cognoscere neque nomen
ipsum plenius nisi ipsis cognitis
nosse, quod tamen de ipsis pueris
accepimus, ut regem ac flammas
fide ac religione superaverint, quas
laudes deo cecinerint, quos
honores ab ipso etiam inimico
meruerint, num aliter haec nisi per
verba didicimus? Respondebo
cuncta, quae illis verbis significata
sunt, in nostra notitia iam fuisse.
Nam quid sint tres pueri, quid
Até aqui chegamos ao valor das
palavras e quero sugerir mais; o que
desejamos destas coisas não
apresenta novidades. Elas me
ensinam porque apresentam algo
que desejo conhecer quer aos olhos,
quer aos outros sentidos do corpo,
ou ainda a própria mente. Portanto,
com palavras não dizemos apenas
palavras; antes, o som e o ruído das
palavras, que de fato não sendo
signos não podem ser palavras; e
não saberia igualmente como possa
ser palavra aquilo que ouvi mesmo
pronunciado com palavras enquanto
não lhe conferir um significado. Logo,
concluo que realmente ao ressoar
uma palavra conhecida, não separo
o que ouço do completo
conhecimento verdadeiro; com efeito,
não podemos declarar que
aprendemos com palavras novas,
senão após compreender seu
significado; estes não vêm da
audição dos sons emitidos, mas das
coisas significadas. Certamente é
verdadeiro o raciocínio e o dito que,
ao proferirmos palavras,
conhecemos ou não o que
significam; se as conhecemos,
podemos rememorá-las quando
ensinados; se não as conhecemos,
certamente nem rememorar
possamos, mas, somos incitados a
querer conhecê-las. Quando se diz:
dessas coberturas das cabeças,
sequer sabemos seu nome completo,
e não podemos plenamente
conhecer senão ao vê-las; ou depois
de conhecermos a coisa em si.
Conseguiríamos, deste modo,
acolher o que se narra sobre os
jovens que com a fé e a religião
venceram o rei e as chamas; poderia
se dizer o mesmo dos hinos de
louvor que cantaram a Deus e as
honras que mereceram do próprio
inimigo? Respondo que sem exceção
todas aquelas palavras significadas
72
fornax, quid ignis, quid rex, quid
denique illaesi ab igne ceteraque
omnia, iam tenebam, quae verba
illa significant. Ananias vero et
Azarias et Misahel tam mihi ignoti
sunt quam illae sarabarae, nec ad
eos cognoscendos haec me
nomina quicquam adiuverunt aut
adiuvare iam potuerunt. Haec
autem omnia, quae in illa leguntur
historia, ita illo tempore facta esse,
ut conscripta sunt, credere me
potius quam scire confiteor. Neque
istam differentiam idem ipsi, quibus
credimus, nescierunt; ait enim
propheta: «Nisi credideritis, non
intellegetis», quod non dixisset
profecto, si nihil distare iudicasset.
Quod ergo intellego, id etiam credo;
at non omne, quod credo, etiam
intellego. Omne autem, quod
intellego, scio; non omne, quod
credo, scio. Nec ideo nescio, quam
sit utile credere etiam multa, quae
nescio; cui utilitati hanc quoque
adiungo de tribus pueris historiam.
Quare pleraque rerum, cum scire
non possim, quanta tamen utilitate
credantur, scio. De universis
autem, quae intellegimus, non
loquentem, qui personat foris, sed
intus ipsi menti praesidentem
consulimus veritatem verbis
fortasse, ut consulamus, admoniti.
Ille autem, qui consulitur, docet, qui
in interiore homine habitare dictus
est Christus, id est incommutabilis
dei virtus atque sempiterna
sapientia, quam quidem omnis
rationalis anima consulit, sed
tantum cuique panditur, quantum
capere propter propriam sive
malam sive bonam voluntatem
potest. Et si quando fallitur, non fit
vitio consultae veritatis, ut neque
já nos eram conhecidas. Pois que,
seria uma fornalha, o fogo, um rei,
três rapazes ilesos ao fogo, enfim,
tudo o mais atingido pelos
significados dessas palavras. Na
verdade, Ananias, Azarias e
Misahel
30
são de mim desconhecidos
tanto quanto as sarabalas; e,
conhecer esses nomes em nada
pode me ajudar. Todos esses fatos
colhidos da história descrevem um
fato daquele tempo, no qual mais
acredito do que propriamente
conheça. Tampouco, aqueles em
que confiamos o sabem, posto que
desta forma se referiu o profeta: se
não acreditares, não entendereis. Ele
não diria se julgasse não existir
nestas palavras alguma diferença. É
por isso que naquilo que
compreendo igualmente creio,
todavia, em nem tudo o que creio da
mesma forma entendo. E, por isso,
ignoraria quão útil é acreditar em
muitas coisas que delas não se
tenha o entendimento. Aqui coloco
esta narrativa dos três jovens, sem
poder saber intelectualmente todos
os fatos, todavia sei de quanta
utilidade será ao acreditarmos. Da
origem de tudo que compreendemos,
não falamos da verdade externa,
mas daquela Verdade que
consultamos dentro da própria mente
onde a evocamos. Por outro lado,
aquele que consulta, ensina que
quem habita o homem interior e se
mostra pela palavra é Cristo, esta
virtude imutável de Deus, sobretudo
uma eterna sapiência, que
seguramente é toda a razão que a
alma consulta; mas que se manifesta
na medida em que cada um é capaz
de recebê-la em face de sua própria
vontade, boa ou má. E, se as vezes

30
Ananias Azarias Misahel credentes liberati sunt de flamma (I MACHABAEORUM 2. 59).
73
huius, quae foris est, lucis vitium
est, quod corporei oculi saepe
falluntur, quam lucem de rebus
visibilibus consuli fatemur, ut eas
nobis, quantum cernere valemus,
ostendat.
XII
Quod si et de coloribus lucem et de
ceteris, quae per corpus sentimus,
elementa huius mundi eademque
corpora, quae sentimus sensusque
ipsos, quibus tamquam
interpretibus ad talia noscenda
mens utitur, de his autem, quae
intelleguntur, interiorem veritatem
ratione consulimus, quid dici potest,
unde clareat verbis nos aliquid
discere praeter ipsum, qui aures
percutit sonum? Namque omnia,
quae percipimus, aut sensu
corporis aut mente percipimus. Illa
sensibilia, haec intellegibilia sive, ut
more nostrorum auctorum loquar,
illa carnalia, haec spiritalia
nominamus. De illis cum
interrogamur, respondemus, si
praesto sunt ea, quae sentimus,
velut cum a nobis quaeritur
intuentibus lunam novam, qualis
aut ubi sit. Hic ille, qui interrogat, si
non videt, credit verbis et saepe
non credit, discit autem nullo modo,
nisi et ipse, quod dicitur, videat, ubi
iam non verbis, sed rebus ipsis et
sensibus discit. Nam verba eadem
sonant videnti, quae non videnti
etiam sonuerunt. Cum vero non de
his, quae coram sentimus, sed de
his, quae aliquando sensimus,
quaeritur, non iam res ipsas, sed
imagines ab eis impressas
memoriaeque mandatas loquimur,
quae omnino, quomodo vera
dicamus, cum falsa intueamur,
se engana não seria pela Verdade
consultada, da mesma forma como
não é pela luz exterior que por vezes
o corpo pelos olhos se engana; é
esta a luz a qual recorremos para
nos mostrar acerca das coisas
visíveis, na medida em que somos
capazes de distinguir as coisas
sensíveis.
XII
Se percebermos as cores pela luz,
por intermédio dos elementos do
mundo, da mesma forma ocorre para
as outras coisas, das quais sentimos
a ação no corpo pelos sentidos em
si, tanto quanto interpretamos pela
mente tal conhecimento, ao
entendermos e consultarmos a razão
através da Verdade interior; donde o
que se poderia dizer? A não ser que
é aquilo que nos ensina e se
manifesta em nós como palavra,
exceto por ela própria, um som que
reflete nos ouvidos. O fato é que
aquilo que percebemos com os
sentidos do corpo, com a mente o
apreendemos. Destes, quer pela
sensibilidade, quer pela
inteligibilidade, ou falando ao modo
de nossos escritores, nominamos
carnais e espirituais. Aos primeiros,
ao ser interpelados, se estiverem
diante de nós, responderemos o que
sentimos; como se nos
perguntassem ao estarmos a
observar a lua nova, qual seria ela ou
onde se encontraria. Caso aquele
que pergunta não a veja, acreditará
na palavra ou não, mas como se
ensinaria pelos sentidos a não ser
que igualmente a visse conforme lhe
é dito. Na verdade, ele não vê pelos
sons das palavras, mas ao sentir a
coisa em si. Quando somos
interpelados não sobre as coisas
presentes e sim sobre as percepções
de outrora, não falamos das próprias
74
ignoro, nisi quia non nos ea videre
ac sentire, sed vidisse ac sensisse
narramus. Ita illas imagines in
memoriae penetralibus rerum ante
sensarum quaedam documenta
gestamus, quae animo
contemplantes bona conscientia
non mentimur, cum loquimur.
Sed nobis sunt ista documenta; is
enim, qui audit, si ea sensit atque
adfuit, non discit meis verbis, sed
recognoscit ablatis secum et ipse
imaginibus; si autem illa non sensit,
quis non eum credere potius verbis
quam discere intellecut? Cum vero
de his agitur, quae mente
conspicimus, id est intellectu atque
ratione, ea quidem loquimur, quae
praesentia contuemur in illa
interiore luce veritatis, qua ipse, qui
dicitur homo interior, illustratur et
fruitur; sed tum quoque noster
auditor, si et ipse illa secreto ac
simplici oculo videt, novit, quod
dico, sua contemplatione, non
verbis meis. Ergo ne hunc quidem
doceo vera dicens vera intuentem;
docetur enim non verbis meis, sed
ipsis rebus deo intus pandente
manifestis; itaque de his etiam
interrogatus respondere posset.
Quid autem absurdius quam eum
putare locutione mea doceri, qui
posset, antequam loquerer, ea ipse
interrogatus exponere? Nam quod
saepe contingit, ut interrogatus
aliquid neget atque ad id fatendum
aliis interrogationibus urgeatur, fit
hoc imbecillitate cernentis, qui de re
tota illam lucem consulere non
potest; quod ut partibus faciat,
admonetur, cum de istis partibus
interrogatur, quibus illa summa
constat, quam totam cernere non
valebat. Quo si verbis perducitur
eius, qui interrogat, non tamen
docentibus verbis, sed eo modo
coisas, mas das imagens impressas
em nós e confiadas a nossa
memória, das quais tenho dúvidas
poder dizer-lhes verdadeiras, posto
não serem reais; e as ignoraria se
delas não tivesse uma prévia visão.
Desta forma, ao evocar essas
imagens da memória, como
ensinamentos outrora sensoriados,
não estamos a mentir quando delas
falamos. Mas, tais ensinamentos são
para nós; posto que para aqueles
que ouvem e não sensoriam o
ocorrido, não apreendem por minhas
palavras, mas as reconhece a seu
modo mediante as imagens que em
si carrega; daqueles que nunca
sensoriaram, qual não compreenderá
que não aprende pelo intelecto e sim
porque crê pelas palavras? Quando,
pois, se trata das coisas que
compreendemos pela mente, ou
seja, através do intelecto e da razão,
estamos a falar de coisas que
contemplamos e presentes naquela
luz interior da Verdade, que frui do
homem interior iluminado; mas, se
nosso ouvinte senti-las por meio
dessa visão íntima e pura saberá do
que falo não apenas por minhas
palavras. Logo, a verdade dita, a
Verdade interior; ensina não com
minhas palavras, mas pelo eco da
manifestação interior do próprio
Deus, que poderá responder se for
interpelado. Não seria absurdo ele
julgar ser ensinado por minhas
palavras, se quando questionado
poderia por si próprio responder as
mesmas coisas? De fato, quando
não se tem a energia para discernir
totalmente, ocorre de o interpelado
negar algo para depois concordar, ao
ser estimulado por etapas com
outras perguntas; isto se deve a
debilidade de quem contempla as
coisas, mas não pode consultar a
luz, sem interpelações que
constatem a Verdade. Se a esta só
75
inquirentibus, quo modo est ille, a
quo quaeritur, intus discere
idoneus. Velut si abs te quaererem
hoc ipsum, quod agitur, utrumnam
verbis doceri nihil possit, et
absurdum tibi primo videretur non
valenti totum conspicere, sic ergo
quaerere oportuit, ut tuae sese
vires habent ad audiendum illum
intus magistrum, ut dicerem: ea,
quae me loquente vera esse
confiteris, et certus es, et te illa
nosse confirmas, unde didicisti?
Responderes fortasse, quod ego
docuissem. Tum ego subnecterem:
quid? si me hominem volantem
vidisse dicerem, itane te certum
verba mea redderent,
quemadmodum si audires
sapientes homines stultis esse
meliores? Negares profecto et
responderes illud te non credere
aut, etiamsi crederes, ignorare, hoc
autem certissime scire. Ex hoc iam
nimirum intellegeres neque in illo,
quod me affirmante ignorares,
neque in hoc, quod optime scires,
aliquid te didicisse verbis meis,
quandoquidem etiam interrogatus
de singulis et illud ignotum et hoc
tibi notum esse iurares. Tum vero
totum illud, quod negaveras,
fatereris, cum haec, ex quibus
constat, clara et certa esse
cognosceres, omnia scilicet, quae
loquimur, aut ignorare auditorem,
utrum vera sint, aut falsa esse non
ignorare aut scire vera esse.
Horum trium in primo aut credere
aut opinari aut dubitare, in secundo
adversari atque renuere, in tertio
attestari, nusquam igitur discere,
quia et ille, qui post verba nostra
rem nescit, et qui se falsa novit
audisse, et qui posset interrogatus
eadem respondere, quae dicta
sunt, nihil verbis didicisse
convincitur.
chegar pelas palavras de quem o
interpela, não foram as palavras a
lhe ensinar; estas apenas o tornaram
lúcido para aprender do seu interior.
Por exemplo, se eu te interpelar
sobre este assunto que estamos a
tratar, que nada possa se ensinar
com palavras, e a ti inicialmente
parecesse absurdo, dado não poder
ver com firmeza o todo, quererias
consultar aquele teu Mestre interior
e, se eu dissesse: onde aprendeste
ser verdadeiro o que afirmei - se
estarias correto ao garantir conhecer
o que afirmo? Poderias responder
que eu as ensinei. Então eu
acrescentaria: que tinha visto um
homem a voar; e minhas palavras
igualmente o deixariam certo tanto
quanto eu dissesse que os homens
sapientes são melhores que os
nescientes? Negarias com certeza,
respondendo não crer na primeira
destas afirmações; mesmo que
acreditasses, ela seria para ti
desconhecida, porém da segunda
estarias certo de saber. Entenderias
que nada aprendeste com elas e
mesmo eu afirmando as ignoraria,
até aquilo que lhe seria conhecido,
visto que ao ser interpelado sobre as
partes, juraria aquela desconher e da
outra ter conhecimento. Destarte,
admitirias o que antes negou quando
reconheceste como claras e certas
as partes em que constam: o ouvinte
ignora que sejam verdadeiras, ou
não ignora que sejam falsas, ou sabe
serem verdadeiras. Destas à
primeira, crer-se ou opina-se ou
duvida-se; da segunda, nega-se e
para a terceira, confirma-se; mas em
nenhuma se aprende. Desta forma
fica demonstrado que nem aquele
que depois das palavras ignora o
assunto, tampouco aquele que as
reconhece como falsas depois de te-
las ouvido e, aqueles que após
interpelados responderiam coisas
76
XIII
Quam ob rem in his etiam, quae
mente cernuntur, frustra cernentis
loquelas audit, quisquis ea cernere
non potest, nisi quia talia, quamdiu
ignorantur, utile est credere.
Quisquis autem cernere potest,
intus est discipulus veritatis, foris
iudex loquentis vel potius ipsius
locutionis; nam plerumque scit illa,
quae dicta sunt, eo ipso nesciente,
qui dixit; velut si quisquam
Epicureis credens et mortalem
animam putans eas rationes, quae
de immortalitate eius a
prudentioribus tractatae sunt,
eloquatur illo audiente, qui spiritalia
contueri potest, iudicat iste vera
eum docere. At ille, qui dicit, utrum
vera dicat, ignorat, immo etiam
falsissima existimat; num igitur
putandus est ea docere, quae
nescit? Atqui isdem verbis utitur,
quibus uti etiam sciens posset.
Quare iam ne hoc quidem
relinquitur verbis, ut his saltem
loquentis animus indicetur, si
quidem incertum est, utrum ea,
quae loquitur, sciat. Adde
mentientes atque fallentes, per
quos facile intellegas non modo
non aperiri, verum etiam occultari
animum verbis. Nam nullo modo
ambigo id conari verba veracium et
id quodam modo profiteri, ut
animus loquentis appareat, quod
semelhantes, nada demonstram que
comprove ter apreendido por minhas
palavras.
XIII
Do mesmo modo, as coisas intuídas
pela mente são vãs por terem seu
reconhecimento iludido pela audição
da linguagem, e tal se ignore por
tanto tempo, a não ser porque é útil
crer. Aquele que pode intuí-la
interiormente é discípulo da Verdade,
e exteriormente é juíz de quem fala,
ou de suas próprias palavras;
conquanto ele próprio desconheça o
que falou, como no caso que alguém
que julgasse ter sido ensinado pela
verdade e ao acreditar na da doutrina
de Epicuro
31
, que prega a
mortabilidade da alma, expusesse
suas razões sobre a imortabilidade
em uma discussão elaborada, na
presença de sábios que intuem
coisas espirituais. Portanto, aquele
que falou, ao contrário, se disse a
verdade ou não, ignorou até a
falsidade do pensamento, ao crer
ensinar o que desconhece? Contudo,
é capaz de usar as mesmas
palavras, como faria se fosse
possuidor de conhecimento. Por isso,
não se levando sequer pela verdade
das palavras, se porventura é incerto
que conhece aquilo que fala, no
mínimo, a alma do falante desvela.
Acrescente aqueles que mentem e
enganam e facilmente entenderás
que os homens não só não se
revelam, na verdade, com as
palavras ocultam até a sua alma. De

31
Segundo Russ (1994), a filosofia epicurista defendia o prazer como o princípio para se
alcançar a felicidade e a filosofia como um instrumento de libertação para o homem. Gerou,
a sua época, inúmeras polêmicas, entrando em choque direto com a filosofia fundada no
cristianismo, e, principalmente, com os conceitos morais de Santo Agostinho.
77
obtinerent omnibus concedentibus,
si loqui mentientibus non liceret.
Quamquam saepe experti fuerimus
et in nobis et in aliis non earum
rerum, quae cogitantur, verba
proferri, quod duobus modis posse
accidere video, cum aut sermo
memoriae mandatus et saepe
decursus alia cogitantis ore
funditur, quod nobis cum hymnum
canimus, saepe contingit, aut cum
alia pro aliis verba praeter
voluntatem nostram linguae ipsius
errore prosiliunt; nam hic quoque
non earum rerum signa, quas in
animo habemus, audiuntur. Nam
mentientes quidem cogitant etiam
de his rebus, quas loquuntur, ut,
tametsi nesciamus, an verum
dicant, sciamus tamen eos in animo
habere, quod dicunt, si non eis
aliquid duorum, quae dixi, accidat;
quae si quis et interdum accidere
contendit et, cum accidit, apparere,
quamquam saepe occultum est et
saepe me fefellit audientem, non
resisto tamen. Sed his accedit aliud
genus sane late patens et semen
innumerabilium dissensionum
atque certaminum, cum ille, qui
loquitur, eadem quidem significat,
quae cogitat, sed plerumque
tantum sibi et aliis quibusdam, ei
vero, cui loquitur, et item aliis
nonnullis non idem significat. Dixerit
enim aliquis audientibus nobis ab
aliquibus beluis hominem virtute
superari; nos ilico ferre non
possumus, et hanc tam falsam
pestiferamque sententiam magna
intentione refellimus, cum ille
fortasse virtutem vires corporis
vocet et hoc nomine id, quod
cogitavit, enuntiet; nec mentiatur
nec errat in rebus nec aliud aliquid
volens animo mandata memoriae
verba contexit nec linguae lapsu
aliud, quam volebat, sonat, sed
tantummodo rem, quam cogitat,
forma alguma contesto que há
homens corretos que pela palavra
manifeste seu íntimo e de tal modo
todos seriam se não fosse permitido
aos mentirosos falarem. Entretanto,
por vezes, vemos tanto em nós
quanto em outros, palavras
proferidas que chegam de duas
formas: conversas decoradas que
saem da boca, mas, aquele que fala
pensa noutra coisa, o que ocorre
frequentemente quando cantamos
um hino, ou quando contra a
vontade, lançamos palavras em lugar
de outras por um lapso da própria
linguagem ao não considerarmos os
signos das coisas que temos em
mente. Os mentirosos, sem dúvida,
pensam realmente no que dizem e,
embora não saibamos se falam a
verdade, sabemos, todavia, que eles
têm em mente o que dizem, a não
ser que se dê com eles um dos dois
casos acima e, quando são contidos
impede-se que tal ocorra ainda que
no mais das vezes fica evidente o
oculto e se ocorre, não contradigo,
porque até posso estar enganado.
Mas, acrescento a isto outra
circunstância frequente, que origina
inúmeras distensões e disputas:
quando quem fala significa
exatamente o que pensa apenas
para si e alguns, mas não àquele a
quem está a falar. Se alguém
dissesse, e nós estando a ouvir, que
o homem é superado em valor por
alguns animais, não concordaríamos
de imediato e energicamente o
refutaríamos, tão falsa e desastrosa
é essa afirmação; mas, talvez este
interlocutor deste modo procedesse
para falar da força do corpo, e
enunciou o que pensava; não
mentiu, tampouco enganou; não
ocultou o que estava na memória;
precipitado cometeu um lapso
lingüistíco ao emitir um outro som
àquilo que desejava; apenas
78
alio quam nos nomine appellat, de
qua illi statim assentiremur, si eius
cogitationem possemus inspicere,
quam verbis iam prolatis
explicataque sententia sua nondum
nobis pandere valuit. Huic errori
definitiones mederi posse dicuntur,
ut in hac quaestione, si definiret,
quid sit virtus, eluceret, aiunt, non
de re, sed de verbo esse
controversiam; quod ut concedam,
quotusquisque bonus definitor
inveniri potest! Et tamen adversus
disciplinam definiendi multa
disputata sunt, quae neque hoc
loco tractare oportunum est nec
usquequaque a me probantur.
Omitto, quod multa non bene
audimus et quasi de auditis diu
multumque contendimus, velut tu
nuper verbo quodam Punico, cum
ego misericordiam dixissem,
pietatem significari te audisse
dicebas ab eis, quibus haec lingua
magis nota esset. Ego autem
resistens, quid acceperis, tibi
omnino excidisse asserebam; visus
enim mihi eras non pietatem
dixisse, sed fidem, cum et
coniunctissimus mihi assideres et
nullo modo haec duo nomina
similitudine soni aurem decipiant.
Diu te tamen arbitratus sum
nescire, quid tibi dictum sit, cum
ego nescirem, quid dixeris; nam si
te bene audissem, nequaquam mihi
videretur absurdum pietatem et
misericordiam uno vocabulo Punice
nominari. Haec plerumque
accidunt. Sed ea, ut dixi,
omittamus, ne calumniam verbis et
audiendi neglegentia vel etiam de
surditate hominum videar
commovere. Illa magis angunt,
quae superius enumeravi, ubi
verbis liquidissime aure perceptis et
Latinis non valemus, cum eiusdem
linguae simus, loquentium cogitata
cognoscere. Sed ecce iam remitto
denominou de forma diversa,
porquanto não explicou com palavras
verbalizadas o que afirmava; com o
que, teríamos de imediato
concordado se pudéssemos assentir
seu pensamento. Dizem que tal erro
pode ser remediado se numa
questão destas definir-se o que seria
valor e não a realidade, ao clarificar
que a questão não entorna a coisa
senão a palavra, mas, mesmo isto
assentindo, quão poucos bons
definidores poder-se-á encontrar? No
entanto muito se tem discutido sobre
a arte da definição, o que não seria
oportuno aqui tratar e nem eu
aprovaria. Deixo de lado que muitas
palavras possam não ser
adequadamente ouvidas, sobre elas
muito discutimos como há pouco,
quando disse misericórdia e usou
uma palavra púnica; afirmou tê-la
ouvido daqueles que bem conhece a
língua, significando piedade. Eu, por
outro lado, opunha-me afirmando
teres esquecido totalmente o que
aprenderas, parecia-me teres dito
não piedade, mas ; estávamos bem
próximos e estas duas palavras
jamais iludiriam nossos ouvidos pela
semelhança de sons. Por pouco
tempo pensei que ignorasses aquilo
que te tinham dito, enquanto eu
ignorava o que dizias; se tivesse
ouvido bem, de modo nenhum
julgaria absurdo que piedade e
misericórdia fossem nominadas na
lígua púnica por um único vocábulo.
Às vezes isto acontece. Mas, como
disse, deixemos isto e não
caluniemos as palavras pela
negligência do ouvinte ou se queres,
ainda, não nos lamentemos pela
surdez dos homens. Seria mais
grave aquilo que enumerei acima,
em língua latina, claramente audível
de que não conseguimos conhecer
nem sequer
o pensamento de quem
fala, mesmo quando pertençemos a
79
atque concedo, cum verba eius
auditu, cui nota sunt, accepta
fuerint, posse illi esse notum de his
rebus, quas significant, loquentem
cogitavisse; num ideo etiam, quod
nunc quaeritur, utrum vera dixerit,
discit?
XIV
Num hoc magistri profitentur, ut
cogitata eorum ac non ipsae
disciplinae, quas loquendo se
tradere putant, percipiantur atque
teneantur? Nam quis tam stulte
curiosus est, qui filium suum mittat
in scholam, ut, quid magister
cogitet, discat? At istas omnes
disciplinas, quas se docere
profitentur, ipsiusque virtutis atque
sapientiae cum verbis explicaverint,
tum illi, qui discipuli vocantur, utrum
vera dicta sint, apud semet ipsos
considerant interiorem scilicet illam
veritatem pro viribus intuentes.
Tunc ergo discunt, et cum vera
dicta esse intus invenerunt, laudant
nescientes non se doctores potius
laudare quam doctos, si tamen et
illi, quod loquuntur, sciunt. Falluntur
autem homines, ut eos, qui non
sunt, magistros vocent, quia
plerumque inter tempus locutionis
et tempus cognitionis nulla mora
interponitur, et quoniam post
admonitionem sermocinantis cito
intus discunt, foris se ab eo, qui
admonuit, didicisse arbitrantur. Sed
de tota utilitate verborum, quae, si
bene consideretur, non parva est,
alias, si deus siverit, requiremus.
Nunc enim ne plus eis, quam
oportet, tribueremus, admonui te, ut
iam non crederemus tantum, sed
etiam intellegere inciperemus,
quam vere scriptum sit auctoritate
divina, ne nobis quemquam
magistrum dicamus in terris, quod
unus omnium magister in caelis sit.
uma mesma língua. Mas, deixo isto
ao lado, e assinto que ao ouvir
palavras de quem as conheça, sabe-
se se quem as proferiu pensou no
significado ao conceber sua locução.
Porventura, agora tratamos do que é
ensinado quando o outro profere a
verdade?
XIV
Acaso os professores confessam
publicamente que se compreenda o
conhecimento que concebem e não a
própria ciência que ao falar
transmitem? Na verdade quem
diligente, seria insensato, a ponto de
enviar seu filho à escola para que
aprenda o que pensa o professor?
Portanto, após terem ensinado com
palavras todas as ciências que
professam, incluindo as
concernentes a virtude e a sapiência,
os que são discípulos julgarão por si
se o dito é verdadeiro, na medida de
sua capacidade em contemplar
aquela Verdade interior que falamos.
Então, logo que ensinados, ao
encontrar a verdade que se diz
internamente, não podem louvar os
sábios como conhecedores, ainda
que quando a falaram, o sabiam. Os
homens se equivocam ao chamar de
mestres àqueles que não o são,
geralmente porque nenhum intervalo
se interpõe entre o tempo da locução
e o do conhecimento; tais discípulos
se autoensinam de seu interior, e
após a menção daquele que fala,
julgam tê-lo aprendido do exterior.
Mas, a toda utilidade das palavras,
que consideramos não ser parca,
buscaremos oportunamente, se Deus
permitir. Porquanto, recomendo que
não atribuas maior importância que a
justa e, em tal não apenas se creia,
mas se comece até a compreender o
quão de verdade descreve, posto
esteja escrito que não chamemos a
80
Quid sit autem in caelis, docebit
ipse, a quo etiam per homines
signis admonemur foris, ut ad eum
intro conversi erudiamur, quem
diligere ac nosse beata vita est,
quam se omnes clamant quaerere,
pauci autem sunt, qui eam vere se
invenisse laetentur. Sed iam mihi
dicas velim, quid de hoc toto meo
sermone sentias. Si enim vera
esse, quae dicta sunt, nosti, etiam
de singulis sententiis interrogatus
ea te scire dixisses. Vides ergo, a
quo ista didiceris; neque enim a
me, cui roganti omnia responderes.
Si autem vera esse non nosti, nec
ego nec ille te docuit; sed ego, quia
numquam possum docere, ille, quia
tu adhuc non potes discere.
1.Adeodatus - Ego vero didici
admonitione verborum tuorum nihil
aliud verbis quam admoneri
hominem, ut discat, et perparum
esse, quod per locutionem
aliquanta cogitatio loquentis
apparet; utrum autem vera dicantur,
eum docere solum, qui se intus
habitare, cum foris loqueretur,
admonuit, quem iam favente ipso
tanto ardentius diligam, quanto ero
in discendo provectior.
Verumtamen huic orationi tuae, qua
perpetua usus es, ob hoc habeo
maxime gratiam, quod omnia, quae
contradicere paratus eram,
praeoccupavit atque dissolvit,
nihilque omnino abs te derelictum
est, quod me dubium faciebat, de
quo non ita mihi responderet
secretum illud oraculum, ut tuis
verbis asserebatur.
mais ninguém de Mestre na terra,
porque o único encontra-se nos
céus. O significado de nos céus
32
,
ele mesmo ensinará, tanto como por
meio de signos advertirá
exteriormente os homens para que a
ele voltemos de nosso interior, e nos
ensinemos para a vida venturosa que
todos proclamam desejar e que
poucos podem verdadeiramente
alegrar-se de tê-la encontrado.
Compreendes agora o que falei em
não poder responder a tudo aquilo
que interpelas. E, por outro lado
mesmo que não saiba a verdade,
nem eu nem Ele te ensinamos, eu
porque jamais posso ensinar, mas
Ele, porque tu ainda não consegues
aprendê-lo.
1.Adeodato - A mim, alertado por
tuas palavras, aprendi que estas não
servem a não ser para advertir o
homem a aprender e que a palavra
refletida no pensamento do outro que
fala seria de pouquíssimo
conhecimento; só sou instruído por
Aquele que me habita internamente,
e que muito me favorecendo já me
adverte; com este, que ardentemente
estimo, quero aproveitar para
aprender. Contudo, por tua
exposição, de eterna utilidade, tenho
a máxima gratidão, por proporcionar-
me tudo isso, preocupando-se com
disposição em dissolver todas as
minhas dúvidas, e com a segurança
de tuas palavras nada ficou em
abandono, respondeste a mim como
o faria um oráculo secreto.

32
Santo Agostinho está se referindo a um pensamento estóico, que afirmava ser o
universo a Cidade de Deus e, que mais tarde originou uma de suas maiores obras a que
denominou De Civitate Dei LIBRI XXII (413 – 426)
81
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA COMPREENDIDA NA TRADUÇÃO
Costuma-se dizer que os estudos da tradução tiveram sua gênese em 1972,
com o artigo The Name and Nature of Translation Studies, do lingüista James S.
Holmes, que cunhou a expressão Translation Studies, com o objetivo de estudar os
fenômenos da tradução e, desde então, vem ganhando autonomia enquanto
disciplina independente.
Para Susan Bassnett (2003), cabe à teoria da tradução somente identificar
procedimentos implicados e utilizados em traduções e não fornecer pressupostos
teóricos que, de partida, indicassem a tradução ideal.
Esta mesma recomendação encontramos em Marcelo da Veiga Greuel:
A teoria da tradução refere fenômenos que apenas à luz dos critérios por ela
elaborados, se mostram como pertencentes ao processo tradutório. Devido à
característica de que percepções por si não são qualificadas. Não existem no
fundo dados extrateóricos como referências comparativas, mas apenas
dados que se estruturem e se configurem a luz de uma ou outra teoria
abordada. Em nenhum dos casos a tradução ocorre simplesmente pela
substituição de signos de uma língua por signos de outra. Essa substituição é
apenas um efeito final que não explica o processo tradutório, pois a tradução
é um processo mental baseado na intuição de conteúdos situados em
contextos. A chamada substituição de signos é efeito e não causa (1996, pp.
30-35).
Para Greuel, a constatação e a apreensão do fenômeno da tradução
marcam apenas o início de uma teoria, posto que estas só estabeleçam critérios a
partir dum mostrar referido no próprio fenômeno de traduzir.
Este pensamento é corroborado por George Steiner:
Não há, com toda a certeza, e não obstante nossos especialistas em firulas
bizantinas, nenhuma teoria da tradução. O que efetivamente temos são
descrições razoáveis de processos. Na melhor das hipóteses, o que
perseguimos é a articulação de narrativas de experiências vividas, de
registros exemplares ou heurísticos de trabalhos em curso. Esses registros
não têm qualquer estatuto científico. Nossos instrumentos de percepção não
são teorias ou hipóteses de trabalho em nenhum sentido científico (o que
significa dizer falseáveis), mas apenas o que chamo de metáforas
operacionais. A tradução, naquilo que tem de melhor, nada ganha com
diagramas e fluxogramas (matematicamente) puerís apresentados por
supostos teóricos (2005, p. 17).
Utilizo destas citações para esclarecer que minha tradução identificou
conceitos postulados na pesquisa, que derivaram do exercício concreto do ato de
traduzir enquanto ele ocorria.
82
Jean Ladrière (1977) recomenda avocarmos de início os critérios adotados
em nossa tradução, explicando as razões que a legitimem. Deste modo, justifico
que, minha opção hermenêutica foi coerente com o caminho mostrado pelo próprio
Santo Agostinho, conforme indica Umberto Eco:
Ensinará (Santo Agostinho), assim, a distinguir os signos obscuros e
ambíguos dos claros, a dirimir a questão sobre se um signo deve ser
entendido em sentido próprio ou em sentido figurado. Colocará o problema
da tradução, porque sabe muito bem que o Antigo Testamento não foi escrito
em latim. E como ele não sabe hebraico, proporá como ultima ratio confrontar
as traduções, ou comparar o sentido conjecturado ao contexto precedente ou
ao seguinte (1989, p. 84).
De George Steiner (2005) considerei que, para a compreensão de um texto
a ser traduzido, se deva antes examinar a questão dos limites de sua pertinência,
determinando relações que estabelece com outros, precedentes ou posteriores, com
o objetivo de recuperar a história, de modo a projetar o futuro a partir deste presente
reconstituído e pelo qual se busca a verdade do passado. Coincidente com Steiner,
Julio Plaza afirma que: na tradução não se busca a verdade do passado, mas uma
construção inteligível dele em nosso tempo (2003, p. 13).
Operar sobre o passado para Plaza encerra um problema de valor, não se
tratando de escolher um dado do passado, mas de referenciar uma situação
passada, tal que seja possível resolver um problema presente, que é precisamente
conhecer o passado em sua precisão e concreticidade.
Ortega y Gasset (1994) prioriza ser o verdadeiro tradutor aquele que
promove o encontro de duas pessoas separadas, autor e leitor, procurando conduzir
este último, em sua língua materna, a uma compreensão e a uma apreciação
correta e completa o tanto quanto possível da intenção do primeiro. Para este, a
tradução é um caminho no qual devemos arrancar o leitor de seus hábitos
linguísticos, obrigando-o a se mover nos hábitos do autor, evidência para este
teórico de uma tradução propriamente dita.
Da mesma forma, apropriei-me do pensamento do professor e teólogo
protestante alemão, Friedrich Schleiermacher (2001), o qual nega a possibilidade de
recriação exata de uma obra estrangeira em outro idioma, tal como se o autor
mesmo a tivesse escrito originalmente nesta outra língua e, entende que o tradutor
sempre se encontra ante duas possibilidades, levar o leitor até o autor ou trazer o
83
autor até o leitor; no que recomenda seguir rigidamente um dos dois procedimentos
do princípio ao fim. Das duas opções de Schleiermacher, segui a primeira, mesmo
consciente que, de princípio, poderia selecionar meus possíveis leitores.
À especificidade de leitores para uma tradução, Coseiu comenta:
Um ideal de tradução integralmente válido é um contradictio in adiecto
33
, pois
tampouco pode existir uma invariância ótima integralmente válida para o
traduzir, como também não existe um ótimo integralmente válido para o
próprio falar. O traduzir é mais proximamente análogo ao falar, valendo,
portanto, tanto para o traduzir como para o falar, somente normas
finalisticamente motivadas e finalisticamente diferenciadas. Pelo mesmo
motivo também não existe a melhor tradução para um determinado texto. Só
existe a melhor tradução deste texto para receptores específicos, com um
determinado propósito e dentro de uma determinada situação histórica
(COSEIU, 1976. p.2).
Ante a tradução que efetivei de De Magistro, interpretada a partir da vida
vivida de Santo Agostinho, Paulo Rónai em seu livro A tradução Vivida, recomenda:
Conduzir uma obra estrangeira para outro ambiente lingüístico significa
querer adaptá-la ao máximo aos costumes do novo meio, retirar-lhe as
características exóticas, fazer esquecer que reflete uma realidade longínqua,
essencialmente diversa. Conduzir o leitor para o país da obra que lê, significa,
ao contrário, manter cuidadosamente o que essa tem de estranho, de
genuíno e acentuar a cada instante a sua origem alienígena (1981, p. 20).
Tal recomendação me levou a Roman Jakobson, que em Aspectos
Linguísticos da Tradução, definiu:
Tradução interlingüística ou tradução propriamente dita, uma interpretação de
signos verbais por meio de outra língua. Tradução intralingüística ou
reformulação, como sendo uma interpretação de signos verbais por meio de
outros signos da mesma língua. Tradução intersemiótica ou transmutação,
uma interpretação de signos verbais por meio de signos de sistemas não-
verbais (1974, pp. 232-239).
Bassnett (2003), entende ser possível apenas a transposição criativa,
corroborando com Jakobson, ao afirmar que a tradução interlingüística recorre com
freqüência a uma combinação de códigos para interpretar o sentido de uma simples
unidade, porque por melhor que sejam recodificados os textos, em geral, não se
obtém uma completa equivalência no sentido da sinonímia:
Apenas a transposição criativa é possível: seja a transposição intralingüística
de uma forma para outra, seja a transposição interlingüística de uma língua
para outra, ou finalmente a transposição intersemiótica de um sistema de
signos para outro [...] (JAKOBSON in Bassnett, 2003, p. 38).

33
[...] sobretudo uma réplica...
84
Em minha tradução, ao pesquisar significados específicos da simbologia do
prae-medioevo, foi imperativo sopesar estas considerações, em face da
intangibilidade do sentido em certos momentos em que a tradução interlingüística,
em si, não se bastou.
2.1 INFLUÊNCIAS CULTURAIS NO SIGNO LINGÜÍSTICO
A opção e interesse por uma tradução a partir da filologia se deveu ao fato
desta obra refletir um tempo e um espaço determinados historicamente, no qual as
relações simbólicas estiveram tão intrinsecamente ligadas a seus signos, que de
forma imperiosa acabou por fundir a prática social com a criação textual.
Paul Ricoeur, dado que o latim seja uma língua sintética, vê dificuldades em
traduzir orações sinteticamente a partir de pequenos discursos tomados de um
maior. Considera este teórico que, a tarefa do tradutor não seria ir da palavra à
oração e ao texto até atingir a vita socialis em que a obra foi criada, mas o inverso,
impregnar-se de uma vasta leitura do espírito e da cultura para depois descer ao
texto, à oração e à palavra (2005, pp. 63-75).
Consideração semelhante encontramos em Steiner:
Uma coisa é clara: cada ato de linguagem tem um determinante temporal.
Nenhuma forma semântica é atemporal. Quando usamos uma palavra,
pomos a ressoar, por assim dizer, sua inteira vida pregressa. Um texto está
inserido num tempo histórico específico; ele tem o que os lingüistas chamam
de uma estrutura diacrônica. Ler de forma abrangente é restaurar tudo o que
for possível em termos das adjacências de valores e intenções em meio às
quais a fala efetivamente ocorre. Devem-se dominar o contexto espacial e
temporal de um texto, as amarras que prendem mesmo a mais idiossincrática
das expressões poéticas ao idioma circundante (2005, pp. 50-51).
Steiner, ao tratar dos significados ligados à cultura, afirma:
Pelo fato de todo o dizer humano consistir de signos arbitrariamente
selecionados e intensamente convencionalizados, o significado não pode
nunca ser totalmente separado da forma da expressão. Mesmo os termos
mais puramente ostensivos e aparentemente neutros estão incrustados em
peculiaridades lingüísticas, num intricado molde de costumes socioculturais
(2005, p. 263).
Esta especificidade, como recomenda Ricoeur (1978), demanda ao tradutor
conduzir-se a uma cultura particular e nela se locomover tal a encontrar seus
significados, procurando-os, muitas vezes, na própria língua, o que pressupõe uma
busca intralingual a preceder à interlingual.
85
Para Bassnett (2003), a tradução não se restringe à transferência de
sentidos de um conjunto de signos lingüísticos para outro, pois envolve um vasto
conjunto de semioses extralingüísticas determinadas por hábitos da língua, cuja
estrutura indicaria uma realidade distinta, posto que cada língua mapeie o mundo de
forma singular.
Ortega y Gasset, da mesma forma, afirma que a tradução não apenas
substitui signos da língua de partida pelos existentes na língua meta, mas retrata a
simbologia de um tempo e espaço da origem da obra:
Porque si nos preguntamos cuál es la razón de que ciertos libros científicos
sean más fáciles de traducir caeremos pronto en la cuenta de que en ellos, el
autor mismo ha comenzado por traducirse de la lengua auténtica em que él
vive, se mueve y es, a una seudolengua formada por términos técnicos, por
vocablos lingüísticamente artificiosos que él mismo necesita definir en su
libro. En suma, se traduce a sí mismo de una lengua a una terminología (...).
Una lengua es un sistema de signos verbales merced al cual los individuos
pueden entender-se sin previo acuerdo, al paso que una terminología sólo es
inteligible si previamente el que escribe lo habla y el que lee lo escucha se
han puesto individualmente de acuerdo sobre el significado de los signos [...]
Los hombres de otros tiempos habían menester de los antiguos en un sentido
pragmático. Necesitaban aprender de ellos muchas cosas para utilizarlas con
plena actualidade. Se comprende que entonces la traducción intentase
modernizar el texto antiguo, asimilarlo al presente. Pero nuestra conveniencia
el la contraria. Necesitamos de ellos precisamente en cuanto son disímiles de
nosotros, y la traducción debe subrayar su carácter exótico y distante,
haciéndolo como tal inteligible... Lo decisivo es que, al traducir, procuremos
salir de nuestra lengua a las ajenas y no al revés, que el lo que suele hacerse
(1994, pp. 300-307).
Schleiermacher, ao tratar da tradução dentro da própria língua, afirma:
Aquela necessidade de traduzir também dentro da própria língua e dialeto,
uma necessidade momentânea do espírito, está, também em seu efeito,
muito limitada para necessitar de outro direcionamento que o dos
sentimentos e, se fosse preciso estabelecer regras, só poderia ser aquelas
para as quais a pessoa obtivesse um efeito puramente moral, para que o
sentido ficasse aberto também para o menos aparentado. Se nesse campo a
compreensão na mesma língua já é difícil e implica um correto e profundo
mergulho no espírito da língua e na particularidade do autor, quanto mais não
será uma arte elevada, quando produções de uma língua estranha e distante
estiverem em jogo! (2001, pp. 29-39).
De tal modo foi que, minha tradução se pautou pela pesquisa vernácula ao
referir as ligações de textos de De Magistro com obras outras correlatas, ao mesmo
tempo em que procedia a tradução interlingual com a recriação do texto base em
português.
86
2.2 TRADUÇÃO HERMENÊUTICA
Segundo o dicionário de filosofia de Régis Jolivet (1975), a palavra grega
hermenêutica, significa interpretar a partir da crítica histórica e implica em decifrar e
traduzir textos antigos. Para outro dicionário de mesma natureza, de Jacqueline
Russ (1994), é a ciência que tem por objeto a tradução dos textos sagrados,
denominada, por isso, hermenêutica teológica.
A palavra grega hermenêutica, na Roma do prae-medioevo, não era
conhecida, mas seu sentido sim; normalmente designado por intelligentia, expositio,
explanatio, commentarium, enarratio e principalmente por interpretatio.
Na hermenêutica cristã, Orígenes, Jerônimo e Santo Agostinho se
destacaram por terem desenvolvido uma teoria geral de interpretação chamada
alegórica e, específica para as Escrituras, que busca um sentido oculto sob o visível;
porque o texto não fala por si, é obscuro e, ao necessitar ser lido e traduzido para
uma linguagem intelegível, só será compreendido na medida em que for explicado a
questão sobre o qual foi construído.
Fletcher, ao associar a alegoria ao obscuro afirma: Por causa do segredo,
toda alegoria maior permanece opaca à interpretação em algum nível de
profundidade significativa, um nível que contém o pensamento oculto, ou obscuro (in
Lages, 2002, p.44).
Jerônimo, preocupado com a excessiva liberdade de interpretação, afirmou:
[...] é tarefa árdua traduzir de maneira tal que se reproduza plenamente o
pensamento e se salve, simultaneamente, a nobreza da expressão, porque
cada língua apresenta peculiaridades lexicais e estruturais próprias: a
tradução demasiadamente literal dá a impressão de mesquinhez, a
interpretativa peca por excessiva liberdade relativamente ao texto original. (in
FURLAN, 1984, p. 164)
A discussão sobre a hermenêutica teria surgido entre a escola de Antióquia,
que se atinha ao sentido histórico literal da narração, e a escola de Alexandria que
procurava entender o sentido espiritual, a partir da exposição simbólico-alegórica.
Ante a dualidade conceitual destas duas escolas, Santo Agostinho teve realce na
hermenêutica cristã por procurar congregar esses dois modos de entendimento do
texto, aplicando-os às visões alegóricas e obscuras da Sagrada Escritura (CORETH,
1973).
87
Ricoeur, na tradução, entende estes sentidos como estruturas ocultas:
(...) puesto que la traducción existe, es necesario que sea posible. Y si es
posible es porque, bajo la diversidad de las lenguas, existen estructuras
ocultas que, o bien llevan la huella de una lengua originaria perdida que es
preciso reencontrar, o bien consisten en códigos a priori, en estructuras
universales o, como suele decirse, trascendentales, que podríamos
reconstruir (2005, p. 38).
Para Ricoeur, após as interpretações possíveis, teremos uma interpretação
do texto, porque nesse oculto sempre existe a possibilidade de um outro sentido:
Siempre es el contexto el que, como suele decirse, decide el sentido que ha
tomado la palabra en determinada circunstancia del discurso; a partir de allí,
las disputas sobre las palabras pueden ser interminables (...). Y es en el
juego de la pregunta y la respuesta donde las cosas se precisan o se
confunden. Pues no solo hay contextos evidentes, hay también contextos
ocultos y lo que llamamos las connotaciones que no siempre son
intelectuales, a veces son afectivas; no todas son públicas, a veces son
propias de un medio, de una clase, de un grupo, incluso de un círculo
secreto. Existe el margen disimulado por la censura, lo prohibido, el margen
de lo no dicho, surcado por la figura de lo oculto (RICOEUR, 2005, p. 54).
Nos séculos XVII e XVIII, a hermenêutica passou a designar a arte ou a
doutrina da boa compreensão e, no início do século XIX, ocorreu o que se chamou
virada hermenêutica, quando passou a ser considerada como disciplina central da
lingüística. Esta virada deveu-se a Friedrich Schleiermacher (1974), filósofo, teólogo
protestante e criador da teologia liberal, que negou a historicidade dos milagres e a
autoridade literal da Sagrada Escritura.
Schleiermacher definiu a hermenêutica como a ciência do espírito no âmbito
da filosofia e, como a arte da compreensão. Em seus escritos sobre o Círculo
Hermenêutico do conhecimento, fragmentos de 1805-10, expressa o meio no qual
se move a compreensão para a aplicação metodológica da hermenêutica: Toda
compreensão do individual é condicionada pela compreensão do todo (1974, p. 46).
Emerich Coreth, sobre o círculo hermenêutico de Schleiermacher, afirma:
Toda compreensão apresenta uma estrutura circular, visto que é só dentro de
uma totalidade já dada de sentido, que uma coisa se manifesta como uma
coisa, uma vez que toda interpretação como elaboração da compreensão se
move no campo da compreensão prévia, pressupondo-a, portanto, como
condições de sua possibilidade. Toda interpretação para produzir
compreensão, deve já ter compreendido o que se vai interpretar. A existência
como ser no mundo projeta o mundo qual o horizonte de sua
autocompreensão. Toda compreensão de uma coisa, de um acontecimento
ou de um estado de coisas em seu sentido exige como condição de sua
possibilidade, o todo de um contexto de sentido numa totalidade de
conexões... (1973,
p. 23).
88
Schleiermacher, ao considerar as expressões humanas a partir de sua
ambiência, apontou duas formas de tradução: a interpretação gramatical
sintagmática, que deduz o sentido a partir do contexto, e a interpretação
paradigmática, que analisa a relação hermenêutica do discurso com a cultura.
Para Schleiermacher (2001), qualquer escrita é apenas um apontamento de
uma tradução oral, e esta oralidade se apresenta em dupla relação com a língua.
Tanto é dominada pela língua que fala, porque todo pensamento é um produto dela,
já que não se poderia pensar, com total certeza, nada que estivesse fora dos limites
da língua, quanto todo aquele que pensa de maneira livre e intelectualmente
independente, seja um formador da própria língua.
Ladrière, ao explicar a diferença entre o círculo hermenêutico e o círculo
metodológico, afirma:
No círculo hermenêutico, o objeto só pode ser identificado através dos
instrumentos da compreensão fornecidos pelo sujeito, mas a maneira mesma
como o sujeito elabora estes instrumentos é determinada pelo conjunto de
sua situação; e esta constitui precisamente o objeto estudado que buscamos
compreender [...] o conhecimento que se adquire do objeto modificado,
consequentemente modifica o próprio sujeito que interpreta [...] este é um
problema que se coloca porque o objeto humano comporta inevitavelmente,
um estado de consciência no sentido mais largo do termo, e este é invisível,
só atingido a custa de um esforço grande de compreensão [...] esta é a
diferença entre o círculo hermenêutico e o círculo metodológico das ciências
empírico-formais, porque a hermenêutica comporta sempre a
autocompreensão, onde o sujeito deve tornar-se consciente dos
pressupostos que ele faz atuar nas suas interpretações, como ainda deve
descobrir os critérios que lhe permitirão escolher princípios de interpretação
adequados e ser capaz de explicar as razões da suposta validade destes
critérios (1977, p. 40).
Ladrière, nos casos em que o corpus, distante no tempo, requisita ao
tradutor interpretar significados, como De Magistro, recomenda sempre a
intervenção hermenêutica:
Todo processo interpretativo busca pôr em evidência uma significação não
imediatamente aparente. A significação é uma relação entre um signo e uma
entidade pertencente ao mundo real ou ao mundo ideal (indivíduo, classe,
propriedade ou relação). As ciências hermenêuticas visam à realidade
humana, enquanto apreensível nos traços por ela deixados na natureza, isto
é, nas ações, registráveis e efetivamente registradas, e nas obras, nas quais
se atesta a presença de significações, nestas o método hermenêutico deve
intervir. (1977, p. 20)
Hannah Arendt indicou um caminho para interpretar Santo Agostinho:
89
[...] entendemos por interpretar, tornar explícito aquilo que Santo Agostinho
apenas diz implicitamente, mostrando por esta explicação como, num mesmo
contexto, diferentes pontos de vista se juntam e interagem. Esta pesquisa é
de parte a parte uma análise que procura penetrar nas profundezas que
Santo Agostinho já não deixa aparecer claramente. A análise pretende
mostrar como estes pontos de vista fundamentais redefinem e chegam
mesmo a desviar cada enunciado num contexto que já não é explicitamente
transparente (2000, p. 9).
Há de se considerar que a linguagem e o pensamento em Santo Agostinho
estão tão íntima e reciprocamente ligados, que ao se referir a uma, estamos,
necessariamente nos referindo ao outro. Por conseguinte, a busca hermenêutica do
sentido do pensamento agostiniano, em minha tradução, considerou tanto as
recomendações de Arendt, ao procurar entender o implícito no indizível de Santo
Agostinho, quanto as de Schleiermacher que afirma ser necessário olhar a forma de
pensar e o sentir particular do autor ao procurar levar-lhe o leitor:
[...] seu leitor deve sempre ter presente que o autor viveu num outro mundo e
escreveu numa outra língua. Ele (tradutor) só é instruído para a difícil arte de
suprir o conhecimento deste mundo estranho da forma mais curta e mais útil,
para deixar transparecer em todo o lugar a maior leveza e naturalidade do
original... A apreciação mais autêntica possível de obras estrangeiras pode
ser atingida, por um método que quer inspirar completamente na obra
traduzida, o espírito de uma língua estranha a ele (SCHLEIERMACHER,
2001, p. 79).
Atendi, ainda, a Coreth (1973), que propõe ao tradutor o exame da
dimensão da compreensão, ciente das incompreensões resultantes por sermos
objetos da história. Solicita que nos tornemos sujeitos da história e de sua
compreensão histórica, recomendando aprofundar-nos na vida do autor, em suas
intenções, em seu mundo de idéias e representações, transformando-nos nele o
mais perfeitamente possível, apropriando-nos da história, das circunstâncias
concretas de sua vida, de suas intenções, de sua forma de pensamento e de seus
modos de expressão, procurando compreendê-lo melhor do que talvez ele tenha
compreendido a si próprio.
Ao considerar, na análise e tradução de De Magistro, todas estas
recomendações, deparei-me com Ricoeur (1993), que postula uma hermenêutica
não aliada apenas a esfera de pertença recíproca entre a subjetividade e a tradição
em que a obra se insere, mas que, igualmente afira a expressão e testemunhe a
ação criadora humana.
90
2.3 INTERPRETAÇÃO EXEGÉTICO-ALEGÓRICA
Jean Ladrière, estudioso exegese, entende que a linguagem religiosa
aproximar-se-ia do sentido implicado, por não tomar os signos e imagens como
dotados de poderes, mas como formas de entendimento convencionadas.
Ladrière entende que traduções, como a que procedi, seja objeto de estudo
da hermenêutica auto-implicada, um truísmo discursivo característico da Vulgata,
em que a verdade do discurso está implicada em si, sob um contexto histórico e
literário, que exige para o seu entendimento uma tradução pelo método
hermenêutico analítico, determinado a cada contexto, o que não significaria partir de
uma matriz pré-conceituada, para análise da obscuridade suscitada no texto:
A linguagem da revelação não é uma linguagem simplesmente enunciativa,
proporcionando informações sobre um determinado domínio da realidade; é
uma linguagem autoimplicativa. Deus se dirige ao homem em um
acontecimento ou em um ato, que o compromete face ao homem e que
exprime seu Si interior. E, a linguagem que o homem utiliza quando se dirige
a Deus é, igualmente, uma linguagem autoimplicativa; o homem se
compromete em face de Deus e exprime sua atitude para com Deus. [...]
Existem proposições que são formuladas no modo indicativo, assemelhando-
se, assim, a enunciados de fato, a constatos, e que, no entanto, não são
enunciados de fato suscetíveis de serem verdadeiros ou falsos. Estas
proposições não podem ser submetidas a um processo de verificação, não
podem ser, direta ou indiretamente, nem refutadas, nem confirmadas. Não
tem a mesma natureza dos enunciados científicos e não obstante, elas têm
um sentido bem definido (LADRIÈRE, 1977, pp. 88-92).
Ladrière apoiou-se na tese de Donald D. Evans
34
para acrescentar esta
nova dimensão à visão de interpretação da exegese:
[...] a linguagem ligada à teologia, constante de qualquer diálogo no âmbito
do cristianismo se caracteriza por expressões self involvement, sendo parte
integrante do ato, e dando a este ato a sua figura própria que o diferencia de
outras formas de compromisso (LADRIÈRE
, 1977, p. 92).
É possível observar a auto-implicação nesta passagem da Sagrada
Escritura: E, a capital de Efraim é Samaria, e a cabeça de Samaria é o filho de
Romelia. Se não o crerdes, não subsistireis
35
(ISAIAS 7.9).

34
EVANS, Donald D. - The logic of self-involvement. A philosophical study of everyday language with
special reference to the christian use of language about God as creator. London, SCM Press Ltd.,
1963, p. 293) (in LADRIERE, 1977, p.109).
35
[...] et caput Ephraim Samaria et caput Samariae filius Romeliae si non credideritis non
permanebitis.
91
Santo Agostinho faz este juízo com Adeodato: [...] se não acreditares, não
entendereis. É por isso que naquilo que compreendo igualmente creio, todavia, em
nem tudo o que creio da mesma forma entendo
36
(in DE MAGISTRO LIBRI I - XI).
Santo Agostinho com a máxima credo ut intelligam, não obstante sinalizar a
Adeodato com uma dúvida, estabelece uma dialética entre a e o intelecto, como
condição primeira para chegar à Verdade, em uma simbiose entre a razão e a fé, tal
que estas se permutem no sentido de por uma chegar-se à outra, donde é preciso
crer para compreender e compreender para crer, ou seja, crer para que a fé auxilie o
intelecto a entender, e entender para que o intelecto encontre a fé. Esta
característica auto-implicada, em que, claramente crer tem prioridade, foi
determinante na tradução de De Magistro, porque requisitou interpretações que
transitavam entre o real e o possível, o dizível e o indizível, o visível e o invisível.
Umberto Eco, ao tratar desta característica utiliza uma citação de John
Scottus Eriugena, para mostrar a interconexão entre o espiritual e o intelectual: Não
há nenhuma coisa visível e corpórea que não signifique algo de incorpóreo e de
inteligível
37
(ERIUGENA in Eco, 1989, p. 80).
Para Ladrière (1977), a linguagem da revelação no campo da teologia não
se limita apenas a um enunciado, muito mais, ante sua tradução explora
informações sobre um determinado domínio que segundo a filosofia analítica seria a
linguagem em seu locus natural, onde deva ser estudada e analisada. O caminho
desta linguagem não vai da palavra ao significado, mas parte de um significado
aceito e instituído, para analisar a palavra e seu contexto.
Na auto-implicação, os conteúdos não são apenas recebidos pela
consciência, mas mediados por esta e representados simbolicamente, porque a
tradução hermenêutica alegórica não trata de signos lógicos; como é possível
conferir no texto da Sagrada Escritura que sugere a transformação do filho de Deus
em absolutamente humano e terreno: [...] o Verbo se fez carne e habitou entre nós,

36
[...] nisi credideritis, non intelligitis... Quod ergo intellego, id etiam credo; at non omne, quod credo,
etiam intellego.
37
Nihil enim visibilium rerum corporaliumque este, ut arbitror, quod non incorporale quid et intelligibile
significet.
92
e vimos sua glória, a glória que um Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e
de verdade
38
(JOÃO 1.14).
Segundo H. Haag (1966), a exegese alegórica é a hermenêutica em ato,
que mediante uma transposição simbólica da significação das palavras, procura na
Sagrada Escritura outros sentidos além do literal, o que me leva à conclusão de que
a tradução exegética seja o próprio método exegético.
Quanto a essa especificidade na interpretação, Cassirer afirma:
La actividad subjetiva forma en el pensamiento un objeto. Pues ninguna clase
de representación puede ser tratada como una simple contemplación de um
objeto preexistente. Es necesario que la actividad de los sentidos se una
sintéticamente al acto interno del espíritu. La representación resulta de esta
unión (1956, p. 28).
Eco ao tratar do símbolo e da alegoria na Idade Média, escreve: [...] o
pelicano alimenta os filhos rasgando com o bico pedaços de carne do próprio peito...
torna-se símbolo de Cristo que dá o próprio sangue pela humanidade e a própria
carne como alimento eucarístico. Serve-se deste exemplo para citar que, esta
particularidade proporciona ao tradutor um estranhamento, porque, segundo Eco, é
grande a complexidade de entendimento, pelo fato dos signos se colocarem numa
correspondência polifônica de significados.
Eco exemplifica aquilo que recomenda a partir de uma passagem da
Sagrada Escritura: [...] e, estando a seus pés, por detrás dele, começou a chorar.
Pouco depois suas lágrimas banhavam os pés do Senhor e ela os enxugava com
seus cabelos, beijava-os e os ungia com perfume
39
(LUCAS 7.38).
A partir deste texto bíblico, autoquestiona a interpretação literal do episódio
que envolveu Madalena: É possível pensar que o Redentor se submeteria a um
ritual tão pagão e lascivo? Certamente não! Portanto, a narração em Lucas,
simboliza outra coisa (1989, p. 85).

38
[...] et Verbum caro factum est et habitavit in nobis et vidimus gloriam eius gloriam quasi unigeniti a
Patre plenum gratiae et veritatis.
39
[…] et stans retro secus pedes eius lacrimis coepit rigare pedes eius et capillis capitis sui tergebat et
osculabatur pedes eius et unguento unguebat.
93
Eco recomenda que pressintamos o sentido figurado da Escritura quando,
ainda que diga coisas que literalmente façam sentido, ao mesmo tempo, esteja a
contradizer a verdade da ou dos bons costumes (Eco, 1989, pp. 74-75).
Susan Sontag (1987) chama a atenção para os limites, afirmando que a
interpretação não é um valor absoluto, posto que signifique um ato consciente da
mente a elucidar e decodificar códigos limitados pela ambiência do emissor, o que
requisita à tradução certas normas racionais dentro de sua relação espaço-temporal.
Segundo Sontag a interpretação surgiu na antiguidade clássica quando a
credibilidade do mito tinha sido anulada pela visão realista do mundo. Este estilo
antigo de interpretação criava outro significado em cima do literal, o que a leva
recomendar que a interpretação vise a consciência do momento histórico da obra:
O conteúdo manifesto nada significa sem uma interpretação. Compreender é
interpretar, e interpretar é reafirmar o fenômeno de fato. Portanto, a
interpretação não é (como supõem muitos) um valor absoluto, um ato do
espírito situado em algum reino intemporal das capacidades, ela precisa ser
avaliada no âmbito da visão histórica da consciência humana (1987, p. 15).
Compreender o sentido verdadeiro, para Sontag, é interpretar; enquanto
para Ricoeur, compreender é traduzir, do que se deduz que interpretar é traduzir.
Porém, contando que as sociedades condicionam os indivíduos, a interpretação
pode apresentar uma dicotomia: considerar o homem pela sociedade ou a
sociedade pelo homem? Sontag (1987), neste caso, recomenda que o tradutor parta
de pressupostos na própria experiência de sensoriar a obra, para daí avançar.
Schleiermacher, entretanto, dá uma dimensão maior ao tradutor que ao
intérprete, porque para este teórico, o primeiro necessita trazer para a tradução
outras forças e habilidades e ter conhecimento do autor e de sua língua de modo
diferente do intérprete. O tradutor se sobrepõe ao intérprete ao tratar de produções
intelectuais e da ciência, às quais é necessária uma combinação: de um lado o
espírito da própria língua, a forma como ela se deu em seu mundo e o matiz do
estado da alma do autor; por outro, todo o resto que compõe o cenário no qual a
língua está inserida, porque o enunciador do discurso sempre está em dupla relação
com a língua e seu discurso só será bem entendido se essa relação for bem
compreendida (SCHLEIERMACHER, 2001, p. 33).
94
2.4 E MÍSTICA EM SANTO AGOSTINHO
No período medieval as invasões ao território romano e o medo da morte,
efetivamente, causaram um estado permanente de angústia no povo, remetendo-o à
relação pessoal com o sagrado, que culminou, no ano de 391, com o cristianismo se
sobrepondo ao paganismo ao se constituir na religião oficial do Estado.
Le Goff realça a suspensão pela Igreja da ambivalência simbólica:
A Igreja substitui o realismo pagão por um universo de símbolos e de signos.
Nega a essencialidade do homem perante Deus e o além, e impõe novos
quadros para a representação da sociedade. Pode tratar-se de um dualismo
elementar: clérigos-laicos, poderosos-humildes. A cultura clerical encobre e
elimina a cultura folclórica. [...] é a separação do bem e do mal, do verdadeiro
e do falso, da magia negra e da magia branca, sendo o maniqueismo
propriamente dito evitado apenas pela omnipotência de Deus (1980, pp. 125-
214).
P. Hall Manly, ao comentar o Oratio Hominis Dignitate de Pico della
Mirandola (1486), afirma que estes prístinos mistérios não deixaram de existir,
mesmo após o Cristianismo se tornar a religião mais poderosa no mundo:
O grande Pan não deixou de existir, e a Maçonaria é a prova da sua
sobrevivência. Os mistérios pré-cristãos assumiram, simplesmente, o
simbolismo da nova fé, perpetuando por meio dos seus símbolos e alegorias
nas mesmas verdades possuídas pelos sábios desde o principio do mundo.
Não há, portanto, uma verdadeira explicação para o fato de símbolos cristãos
encerrarem em si o que é escondido pela filosofia pagã. Sem as misteriosas
chaves transportadas pelos líderes dos cultos egípcios, brâname e persa, os
portais da Sabedoria não poderiam ser abertos (MANLY, 1486, p.4).
O fato é que, este período de transição foi caracterizado por intensas
relações com o divino, gerando uma distenção: de um lado os Santos Padres da
Igreja numa relação vertical, signatários da mediação entre os homens e Deus e,
preocupados em nestes assentir a escatologia cristã; de outro, embora proibida, a
prática religiosa pagã numa relação horizontal de fetiche, em que a magia tornava-se
o domínio ideal do sagrado pagão, quanto mais se via privada e oculta.
Segundo Ariès (2004),
de tal modo se mostrava o grande desafio dos Santos
Padres: Quais atitudes deveriam ter para que as mentes transpusessem do sagrado
ao sacramento? Como cristianizar essas crenças intangíveis na medida em que
eram domésticas e íntimas? Como perceber Deus no próprio coração, pois que
tinham a força divina como algo exterior ao corpo?
Ariès exclarece esta dificuldade a partir de sua prospecção histórica:
95
[...] para suscitar o desejo, utilizavam o sangue menstrual, o esperma do
homem ou a urina de ambos os sexos. O princípio era sempre o mesmo:
captar as forças vitais por tudo que emanava do ser vivo. Aprisionar o
sagrado e aproximar-se de sua perigosa radiação; esse era finalmente o
grande segredo de tais adivinhos, feiticeiros e mulheres que a noite
frequentavam os bosques sagrados, e das multidões que realizavam danças
rituais destinadas a provocar a fecundidade e a prosperidade, assim como
afastar os mortos ou conjurá-los (2004, pp. 501-507).
Ariès (2004) cita o quarto da casa burguesa romana como local íntimo e
afastado, um templo da vida privada, no qual a conotação sexual do local era de
transgressão da moral dominante em sua forma mais violenta. Este caso,
especificamente, a partir do Sermão da Montanha, serve a Santo Agostinho para
dele inferir sua interioridade: Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora
ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á
40
(MATEUS 6.6).
Santo Agostinho não impugnou a mística pagã, ao contrário, utilizou o vezo
para redirecionar seu foco, limitando-o à em um único Deus. De tal modo,
transforma as emoções intensas da intimidade profana do cubiculum ao indicar e
simbolizar que este local encontrar-se-ia no íntimo do homem, onde sua alma estaria
com o próprio Deus: Deste modo, no meio desse grande combate que se travava no
interior de minha residência interior, no qual violentamente encetara minha alma em
nosso quarto íntimo, em meu coração [...]
41
(in CONFESSIONUM LIBRI XIII –
XIII.8.19).
Santo Agostinho reporta este tema com Adeodato:
Ignoras a lei que nos prescreve não proceder de outra forma, que não
orarmos ocultos em um quarto, para que o súplica penetre em nossa mente,
senão, como poderia Deus nos fazer rememorar ou ensinar a alcançar pela
locução aquilo que desejamos...
42
(in DE MAGISTRO LIBRI II.15).
Santo Agostinho parte do homem imperfeito para provar a existência de
Deus pela seição, porque para o santo, conceitualmente, a existência de algo
imperfeito só seria possível se houvesse o seu contrário. Encontramos esta

40
[...] tu autem cum orabis intra in cubiculum tuum et cluso ostio tuo ora Patrem tuum in abscondito et
Pater tuus qui videt in abscondito reddet tibi [...]
41
Tum in illa grandi rixa interioris domus meae, quam fortiter excitaveram cum anima mea in cubiculo
nostro, corde meo [...]
42
Nescire te arbitror non ob aliud nobis praeceptum esse, ut in clausis cubiculis oremus, quo nomine
significantur mentis penetralia, nisi quod deus, ut nobis, quod cupimus, praestet, commemorari aut
doceri nostra locutione non quaerit.
96
inferência em Peterson (1981), para quem, Santo Agostinho aceitou a existência de
outro mundo, ao se conduzir pela definição da natureza de Deus de Tertuliano, do
mundo real como uma sombra do mundo supra-sensível:
O Filho e o Espírito Santo procedem do Pai por emanação. Assim são de
uma só substância com ele, pois Deus é corpo. O espírito tem uma
substância corpórea de sua própria espécie. E, sendo emanados dele, o Filho
e o Espírito são subordinados ao Pai (TERTULIANO in Peterson, 1981, p.49).
Esta subordinação ao Pai foi a característica fundamental de uma linha
filosófica chamada Cristologia do Logos, onde a busca pelo Deus ilimitado era,
precisamente, a aceitação do limite do ser humano e, porisso a busca pela mística
que indicaria a presença divina no homem; o que era e, permanece até os dias de
hoje como um mistério, porque seu sentido último é o próprio limite de seu místico
sentido. Esta presença hodierna se revela principalmente no mistério do rito cristão
da transubstanciação, conjunção arcana das palavras latinas trans (além) e
substantia (substância):
Tomou em seguida o pão e depois de ter dado graças, partiu-o e deu-lho
dizendo: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de
mim [...] Do mesmo modo tomou igualmente o cálice, depois de cear,
dizendo: Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que é derramado por
vós...
43
(LUCAS 22.19-20).
Ladrière, ressaltando a palavra no mistério da fé, afirma:
Na experiência da fé, a palavra desempenha também um papel essencial,
não, porém, como expressão de um sistema no qual nos fosse dada uma
nova aproximação da verdade, mas sim, como revelação. Isto é, como livre
manifestação de um desígnio de Deus sobre o mundo, no qual o destino do
homem, assim como, de certa forma, o ser mesmo de Deus, se acha
implicado [...] Na medida em que a revelação não é simplesmente apelo
dirigido à vontade, mas manifestação do mistério de Deus que orienta certo
modo de compreensão, certo tipo de inteligibilidade, de tal forma que a
efetivamente envolve um saber. Para situar corretamente este saber em
relação aos outros, naturalmente é preciso reportá-lo à sua origem, recolocá-
lo no contexto vivido da palavra relevante [...] Esta é essencialmente anúncio,
a partir do que todos os seus outros caracteres devem ser reinterpretados [...]
A relação da com a verdade é escatológica, ou seja, plenamente atual e,
ao mesmo tempo, inteiramente por vir. Contudo, se a verdade implicada na
tem este estatuto misterioso, é porque encontra seu fundamento último na
Palavra viva, que é a própria revelação que anunciou a si mesma, dizendo:
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (LADRIÈRE, 1977, pp. 183-187).

43
et accepto pane gratias egit et fregit et dedit eis dicens hoc est corpus meum quod pro vobis datur
hoc facite in meam commemorationem[…] similiter et calicem postquam cenavit dicens hic est calix
novum testamentum in sanguine meo quod pro vobis funditur.
97
Para Steiner (2005), nas relações com o sagrado não há antinomias, porque
a Verdade não é contingente; ela pressupõe a si; é, como cita Ladrière, auto-
implicada, não carecendo de comprovação para conceber o discurso e nele atestar
uma revelação com sua própria lógica.
Para Santo Agostinho, a experiência mística implica aceitar da existência de
Deus, única via à descoberta dos conhecimentos necessários, eternos, imutáveis e
pré-existentes na alma. Este, Pai eterno e imutável é Aquele que tem presciência,
não existe um tempo em que não permanecesse, tampouco procede de lugar algum;
é ao mesmo tempo, uma realidade imanente e transcendente ao pensamento,
conforme descreve Derrida: na forma como se revelou a Moisés, Yahweh, não
propriamente um nome, apenas uma forma verbal designando, eu sou o que sou
(2006, p.17).
A. Hamman, ao escrever sobre o místico na obra do santo, realça:
Este Deus à espreita em sua vida (de Santo Agostinho), este Deus presente
em seus irmãos, este Deus no mais íntimo de sua alma é também aquele que
ele aspira estreitar acima de todas as pesquisas, para o qual ele tende com
todo o seu ser, inflamado agora pelo próprio Amor. Quantas vezes não
observa o horizonte para ver se ele vem, para repousar nele e dele gozar.
Esta palavra de gozo é-lhe reservada agora não somente para a visão, mas
também para a posse de Deus (1985, p. 234).
Ao traduzir De Magistro, ao místico, considerei a linguagem pedagógica de
Santo Agostinho, que envolve a natureza da alma e do corpo que visa a certeza
escatológica, tanto quanto ponderei a recomendação de Ladrière (1977), para quem
encontrar no Cristo o mistério de Deus requer introverter e aceitar este mistério.
2.5 O SIGNO NA TRADUÇÃO EM DE MAGISTRO
A palavra signum, no prae-medioevo, tinha vasta gama de significados:
marca, sinal, efígie, imagem, insígnia, vestígio, pegada, selo, sinete, senha, e etc.,
abrangendo as inúmeras classes e subclasses, postuladas pelos contemporâneos
da semiótica. Entre os derivados de sua raiz estão os verbos latinos signo, signare
(marcar, selar, assinalar); assigno, assignare (assinar); consigno, consignare
(consignar); designo, designare (designar); persigno, persignare (tomar nota de,
registrar); sigillo, sigillare (selar), significo, significare (dar a entender por sinais,
significar) e ainda os substantivos, adjetivos e advérbios correlatos.
98
Em De Magistro existem sentidos imbricados: histórico, espiritual, filosófico,
místico, pedagógico, os quais requisitam interpretações mais abstrusas que as dos
signos unívocos. Esta necessidade é pertinente à hermenéia de Aristóteles, que não
se limitava à alegoria, mas a todo o discurso significante, interpretando a realidade
na medida em que desta dizia algo (RICOEUR, 1978, p. 8).
Morris ao comentar De Interpretatione de Aristóteles, obra que influenciou os
gramáticos romanos, afirma:
Suas palavras (de Aristóteles) contêm a base da teoria que se tornou
tradicional à época: o intérprete do signo é a mente; o interpretante é um
pensamento ou conceito; esses pensamentos ou conceitos são comuns aos
homens e surgem da apreensão dos objetos e de suas propriedades
realizadas pela mente; às palavras, é dada pela mente a função de
representar diretamente esses conceitos e indiretamente as coisas
correspondentes. [...] em vez de ser uma simples contemplação do mundo, é
um processo altamente seletivo, no qual o organismo consegue indicações de
como agir em relação a ele (1976, pp. 51-52).
Em De Magistro, Santo Agostinho indica um destes gramáticos gregos,
Dionisio Tracia, que utilizava o termo grego antwnumía, palavra que no latim passou
a pronomen, com a função de designar uma categoria de palavras que substituíam o
nome, para dar-lhe ênfase ou esclarecer seu significado:
É fácil, creio que aceitaste a denominação de pronome, àquilo que substitui o
nome e designa a coisa por uma significação menos completa que o nome.
Pois creio que deste modo tenha definido o gramático que o referiu: Pronome
é uma parte da oração que usada no lugar do nome, significa o mesmo
objeto, embora não tão perfeitamente
44
(in DE MAGISTRO LIBRI IV.25).
Santo Agostinho, fundamenta-se nos gramáticos para atribuir à linguagem
as funções de ensinar e rememorar e, indica o como se aprende e o como se
ensina, a partir de quatro elementos constituintes da comunicação: a palavra
(verbum), o discurso (eloquium), o dizível ou aquilo que se pode dizer (dicibilis) e a
coisa em si (res). No entanto, vai além ao creditar que não apenas os signos da
linguagem ensinam, já que podemos aprender sem a linguagem, através da coisa
mesma: De certa forma não; na verdade dizemos signo não só a signos outros,

44
Facile est; nam credo te accepisse ac tenere pronomen dictum, quod pro ipso nomine valeat, rem
tamen notet minus plena significatione quam nomen. Nam, ut opinor, ita definivit ille, quem
grammatico reddidisti: Pronomen est pars orationis, quae pro ipso posita nomine minus quidem plene
idem tamen significat.
99
quaisquer que sejam, mas aos que a si significam, pois trata-se de uma palavra, e
todas as palavras são signos
45
(in DE MAGISTRO LIBRI IIV.52).
Para Santo Agostinho, a linguagem falada (dicibilis) se baseia em
determinados sons (sona) e se apresenta como um sistema de signos pela palavra
(verbum); o significante (sonus) é o que percute em nossa audição, enquanto o
significado (significatio) só poderemos acessar se dele tivermos um conhecimento
anterior. Desta forma, a palavra se constitui numa rememoração e não propiamente
em ensino. Isto levou Eco (1991) a citar que Santo Agostinho, na esteira dos
estóicos, chamou de dictio aquele verbum vocis que não só foris sonat, mas que é
reconhecido enquanto um correlato a um verbum mentis.
Santo Agostinho, ao admitir o inatismo pedagógico, entendeu que a
existência do conhecimento preceda aos signos exteriorizados em forma oral ou
escrita, consoante, acrescentou uma nova dimensão ao entender que este advém
desde a origem, ou seja, é concedido na gênese, como verbum intimum:
Agora consideremos os exemplos, aqueles distinguidos na herética: No
princípio era a Palavra, e a palavra estava em Deus, e era Deus, como os
outros sentidos. A palavra estava no princípio em Deus; não se pretende
confessar a divindade da Palavra de Deus, mas daquela fé refutada em face
da fé que nos prescreve admitir a igualdade da Trindade: E, era a Palavra de
Deus, depois submetemos: Esta estava no princípio em Deus
46
(in DE
DOCTRINA CHRISTIANNA LIBRI IV II.3).
O capítulo oito de De Magistro é dedicado à inferioridade do signo ante seu
significado, indicando um caminho para a tradução que privilegie o significado
contido na palavra e não a palavra propriamente, enquanto designada por um nome,
deixando claro a diferença entre o signo e seu significado: [...] temo parecer rizível
ao iniciar e empreender tão grande caminhada ao considerar apenas os signos, e
não as coisas mesmas por eles significadas
47
(in DE MAGISTRO LIBRI IVIII.1).

45
[...] nam cum dicimus signum, non solum signa cetera, quaecumque sunt, sed etiam se ipsum
significat; est enim verbum, et utique omnia verba signa sunt.
46
Iam nunc exempla considera. Illa haeretica distinctio: In principio erat Verbum, et Verbum erat apud
Deum, et Deus erat, ut alius sit sensus: Verbum hocrierat in principio apud Deum, non vult Deum
Verbum confiteri. Sed hoc fidei refellendum est qua nobis de Trinitatis aequalitate praescribitur ut
dicamus: Et Deus erat Verbum, deinde subiungamus: Hoc erat in principio apud Deum.
47
[...] ne ridiculus videar, qui non rerum ipsarum, quae significantur, sed signorum consideratione
tantam viam ingredi coeperim [...]
100
No diálogo que manteve com o amigo Evódio, questionou-o: Por que,
geralmente, ao ver somente a fumaça, entendemos que sob ela há o fogo que não
vemos?
48
(in DE QUANTITATE ANIMAE Liber IXXIV.45).
Santo Agostinho tinha como iluminação as revelações de verdades
inteligíveis, eternas, imutáveis e universais; deste modo, definiu que nada
aprendemos pelas palavras e que o verdadeiro conhecimento só é encontrado no
Mestre que habita o interior do homem. Para provar a instabilidade das verdades
exteriores, considerou que as palavras referenciam significados interpretados e que
estes emitem informações passadas, fazendo uso doutras palavras, doutros signos:
Ao escrever sobre estas coisas, primeiramente é bom advertir para estar
atento e vê-las em si mesmas e não em seu signo, nem ver qualquer objeto
diverso de si. Não olhar aquilo que significam, tampouco de forma recíproca.
Falando a respeito dos signos digo que é preciso considerar não só o que são
em si, mas principalmente o fato de serem signos, isto é que significam algo.
De fato o signo é algo que além da imagem que transmite ao sentido, é
sentido de si mesmo, e faz vir à mente com sua presença alguma coisa
diferente de si. Por exemplo, ao olharmos rapidamente para uma pegada de
um animal imaginamos com certeza que ele tenha por ali passado há pouco
tempo. Ao ver a fumaça sabemos que sob ela existe o fogo. Ao ouvir a voz de
um ser animado nela discernimos o seu estado de ânimo. Os soldados
treinados para ouvir o soar da trombeta discernem se devem avançar ou
recuar, ou fazer outra manobra exigida na batalha
49
(in DE DOCTRINA
CHRISTIANA LIBRI IV – I.1)
Em Doctrina Christiana, obra dedicada à hermenêutica teológica, admite que
um signo de fumaça faça imaginar o fogo, mas em si não identifica se este ocorreu
ou está ocorrendo. Entende a fumaça como um signo não mimetizado do fogo, por
apresentar características físicas muito diferentes, não obstante sua percepção criar
respostas apropriadas à interpretação de algo que não aparece.
Steiner, abordando na tradução a questão dos signos convencionalizados,
revive Santo Agostinho, ao abordar o signo do fogo:

48
Cur ergo plerumque fumum solum videndo, ignem subter latere cognoscimus, quem non videmus?
49
Quoniam de rebus cum scriberem, praemisi commonens ne quis in eis attenderet nisi quod sunt,
non etiam si quid aliud praeter se significant; vicissim de signis disserens hoc dico, ne quis in eis
attendat quod sunt, sed potius quod signa sunt, id est, quod significant. Signum est enim res, praeter
speciem quam ingerit sensibus, aliud aliquid ex se faciens in cogitationem venire; sicut vestigio viso,
transisse animal cuius vestigium est, cogitamus; et fumo viso, ignem subesse cognoscimus; et voce
animantis audita, affectionem animi eius advertimus, et tuba sonante milites vel progredi se vel
regredi, et si quid aliud pugna postulat, oportere noverunt.
101
Pelo fato de todo o dizer humano consistir de signos arbitrariamente
selecionados e intensamente convencionalizados, o significado não pode
nunca ser totalmente separado da forma da expressão. Mesmo os termos
mais puramente ostensivos e aparentemente neutros estão incrustados em
peculiaridades linguísticas, num intrincado molde de costumes sócio-culturais.
Não há qualquer superfície de transparência absoluta... O ponto é sempre o
mesmo: as cinzas não são tradução do fogo (2005, p. 263).
Ao perdurar no tema da fumaça e do fogo, Santo Agostinho expõe as
diferenças entre signa naturalia e signa data:
Alguns signos são naturais e outros intencionais. Natural é aquele que sem
intervenção da vontade humana nem de sua intenção evidencia-lhe um
correspondente significado, e por si mesmo se faz conhecer, além de apontar
para outra coisa. A fumaça reclama o fogo, faz isto de fato não porque queira
significar o fogo, mas pela reflexão ou a noção das coisas que nós já
tenhamos experimentados, e deste modo sabemos que ali deve esconder-se
também o fogo onde se percebe somente a fumaça. Igualmente, o vestígio do
animal que passa por certo lugar aparece neste gênero de signo (na
imaginação). De tal modo o homem irado ou triste mesmo que ele não o
queira, empalidece sua figura e seu estado de ânimo, tornar-se uma presa da
ira ou da tristeza. Entretanto, poder-se-ia afirmar isto de qualquer outro
sentimento, posto que se manifestem nos traços que deixam no semblante,
ainda que impeçamos que isso ocorra; porém não é minha intenção tratar das
categorias dos signos agora, embora na abordagem desta matéria não se
pudesse omití-las completamente. Acredito que apenas mencioná-las nestas
regras seja suficiente
50
(in DE DOCTRINA CHRISTIANA LIBRI IV – I.2).
A semiótica agostiniana, portanto, perpassa o caráter linguístico ao
acrescentar uma dimensão localizada na teologia e na filosofia. É claro em Doctrina
Christiana, que Santo Agostinho admite em sentido lato tudo o que se refira a
princípios da doutrina cristã, mas, claro igualmente é que considera as alegorias
figurativas como não passíveis de serem interpretadas literalmente, porque implicam
na verdade poder diferir da constatação empírica, o que requer um estudo da
dimensão semiótica do contexto.
Em De Magistro, ao propor que as palavras em si sejam meros signos, nada
significando, fundamentou-se em uma concepção de interpretação que primeiro
procurava o sentido literal; depois o sentido dos sintagmas que revelam a inter-

50
Signorum igitur alia sunt naturalia, alia data. Naturalia sunt quae sine voluntate atque ullo appetitu
significandi praeter se aliquid aliud ex se cognosci faciunt, sicuti est fumus significans ignem. Non
enim volens significare id facit, sed rerum expertarum animadversione et notatione cognoscitur ignem
subesse, etiam si fumus solus appareat. Sed et vestigium transeuntis animantis ad hoc genus
pertinet; et vultus irati seu tristis affectionem animi significat, etiam nulla eius voluntate qui aut iratus
aut tristis est; aut si quis alius motus animi vultu indice proditur, etiam nobis non id agentibus ut
prodatur. Sed de hoc toto genere nunc disserere non est propositum. Quoniam tamen incidit in
partitionem nostram, praeteriri omnino non potuit, atque id hactenus notatum esse suffecerit.
102
contextualidade com a doutrina, para após associar o princípio platônico que envolve
o paradigma das idéias eternas, que admite alguns signos existindo por si, não
nasceram e não perecerão, tampouco sofrerão acréscimos ou reduções.
Lefevere ao referir este paradigma afirma:
[...] o paradigma da tradução no Ocidente teria sido estabelecido, não tanto
por São Jerônimo, mas por Santo Agostinho, que aconselhava tomar por
sentido figurado o sentido literal de passagens bíblicas que poderiam ser
interpretadas em desacordo com a ideologia do cristianismo e, dentro desse
espírito reescrevê-las [...] (in Lages, 2002, p.76).
Ao longo do texto latino de De Magistro não encontrei a palavra repraesento,
enquanto por vezes, ao tratar dos signos, surge indicare, uma peculariedade da
semiótica agostiniana, em que o signo potencializa a probabilidade de ser, conforme
escreveu: Uma palavra é apenas um signo do que quer que seja uma coisa, a fim de
que o ouvinte possa entender aquilo que narra um locutor [...] um signo é aquilo que
indica algo além de si mesmo à mente
51
(in DE DIALECTICA Liber I - V).
É importante não associar esta referência menor à palavra enquanto a
própria língua, que pelo contrário Santo Agostinho a tinha em suma conta:
Contra a ignorância dos próprios signos, o grande remédio é o conhecimento
das línguas.
52
[...] O homem temente a Deus, de boa vontade procura-o
diligentemente na Sagrada Escritura. Deste modo, amansado pela piedade, e
não atraído por disputas vãs, munido do conhecimento das línguas e não
apegado a palavras e locuções desconhecidas, protegido pelo conhecimento
de outras coisas necessárias, não ignorando a força da natureza das coisas
que apresentam semelhanças; colaborando para a verdade dos códigos, e
diligentemente corrigindo-os na busca do melhor para que igualmente
instruído venha a discutir e resolver as passagens ambíguas da Sagrada
Escritura
53
(in DE DOCTRINA CHRISTIANA LIBRI IV – III.1.1 – II.11.16).
Tanto se considere que Santo Agostinho, preocupado com a divulgação da
mensagem cristã, escreveu De Catechizandis Rudibus (399 - 400), dedicado à
instrução de cristãos analfabetos.

51
Verbum est uniuscuiusque rei signum, quod ab audiente possit intellegi, loquente prolatum...
Signum est quod et se ipsum sensui et praeter se aliquid animo ostendit.
52
Contra ignota signa propria magnum remedium est linguarum cognitio [...]
53
Homo timens Deum, voluntatem eius in Scripturis sanctis diligenter inquirit. Et ne amet certamina,
pietate mansuetus; praemunitus etiam scientia linguarum, ne in verbis locutionibusque ignotis haereat,
praemunitus etiam cognitione quarumdam rerum necessariarum, ne vim naturamve earum quae
propter similitudinem adhibentur, ignoret; adiuvante etiam codicum veritate, quam sollers
emendationis diligentia procuravit; veniat ita instructus ad ambigua Scripturarum discutienda atque
solvenda.
103
Santo Agostinho fazia uma exceção ao sermo eruditus quando por
necessidade de comunicação, utilizava outra modalidade de oratória, a língua púnica
ou cartaginês do baixo-latim e de Tagaste, sua cidade natal:
Deixo de lado que muitas palavras possam não ser adequadamente ouvidas,
sobre elas muito discutimos como há pouco, quando disse misericórdia e
usou uma palavra punica; afirmou tê-la ouvido daqueles que bem conhece a
língua, significando piedade
54
(in DE MAGISTRO LIBRI IXIII).
Santo Agostinho defende que o signo seja inferior à coisa significada, porque
os signos são apreendidos da realidade vivida de forma imediata, enquanto seus
significados transcendem a mera experiência e apontam para algo além.
Ricoeur, ao tratar da relação entre a linguagem e signos afirma:
Por lenguaje entendemos el uso de signos que no son cosas sino, que valen
por cosas, el intercambio de los signos en la interlocución, el rol central de
una lengua común en el plano de la identificación comunitária; se trata de una
competencia universal (...). Este acuerdo presupone una homologia completa
entre el signo y la cosa, sin arbitrariedad, y, por ende, más ampliamente,
entre el lenguaje y el mundo, lo que constituye bien una tautología, si se
decreta que un recorte privilegiado es figura del mundo, o bien una pretensión
inverificable, en ausência de un inventario exhaustivo de todas las lenguas
habladas (2005, pp. 33-40).
Santo Agostinho, ao referenciar o signum, mostra que os animais comandam
suas ações, no entanto admite que nestes refletem meros sinais naturais,
ocorrências destituídas da intenção de significar algo, enquanto os signos
intencionais, puramente humanos, têm em si a idéia de dar um significado porque
transcende sua natureza orgânica. Os signos naturais indicam conhecimento
potencial, os quais, não obstante significarem involuntariamente, em si mesmos, não
são independentes, enquanto que os signos intencionais são frutos da experiência
volitiva do homem através de sua mente ativa e livre.
Para Santo Agostinho a intencionalidade do signo é específica dos seres
racionais, a fim de estabelecerem relações convencionadas de ordem pessoal ou
coletiva, ao passo que a naturalidade aponta para o interior da mente do emissor,
constituindo-se em sinais para os seres irracionais e em signos para os racionais,
assim, para os signos convencionais considerou:

54
Diu te tamen arbitratus sum nescire, quid tibi dictum sit, cum ego nescirem, quid dixeris; nam si te
bene audissem, nequaquam mihi videretur absurdum pietatem et misericordiam uno vocabulo Punice
nominari [...]
104
Os signos convencionais são os signos que mutuamente trocam os viventes
entre si para manifestar, na medida do possível, as moções da alma, como
as sensações e os pensamentos. Nenhum outro motivo existiria para
significar, emitir sinais senão aquilo para manifestar ou transmitir o estado de
ânimo a outro, um algo que se passa no espírito e que se mostra em signo.
Temos estabelecido considerar e alocar esta categoria de signos enquanto
se refira a homens, pois que os signos dado por Deus contido na Sagrada
Escritura estão firmemente manifestados e para nós transmite aquilo que os
homens escreveram. Os animais, na verdade tem signos como sinais, e
igualmente comunicam os desejos de seu espírito. Além disso encontramos o
galo que pelo bico, comunica um sinal às galinhas para que venham a ele.
Da mesma forma o pombo com seu arrulho chama a pomba, ou é por ela
chamado. Acostumamos a perceber vários fatos deste gênero, como a
fisionomia que com sua expressão ou o grito de dor demonstram uma
manifestação do espírito sem intenção de significar algo ou se o fazem para
na verdade significar qualquer outra coisa. Esta seria uma questão que não
entra na matéria que estamos tratando agora, por isso esta parte do
argumento não permeia a obra presente como uma coisa necessária
55
(in DE
DOCTRINA CHRISTIANA LIBRI IV – II.3).
Panofsky ao tratar dos registros deixados pelo homem, afirma:
O homem é, na verdade, o único animal que deixa registros atrás de si, pois é
o único animal cujos produtos chamam à mente uma idéia que se distingue
da existência material destes. Outros animais empregam signos e ideiam
estruturas, mas usam signos sem perceber a relação da significação e ideiam
estruturas sem perceber a relação da construção. Perceber a relação da
significação é separar a idéia do conceito a ser expresso dos meios de
expressão. E, perceber a relação de construção é separar a idéia da função a
ser cumprida dos meios de cumpri-la. (2004, p.23)
A respeito dessa diferença Cassirer afirma:
En los animales sobre todo, el mundo de la representación ignora todavía la
transformación de las impresiones en representaciones objetivas y el principio
de la constancia y de la identidad del objeto que desempeña un papel
determinante y decisivo en nuestra aprehensión de la realidad. [...] diferente
para los hombres donde se caracteriza ese mundo de la representación de un
modo de aprehensión difusa, un conjunto de cualidades de complejos, que
caracterizan la región de la percepción específicamente humana. [...] el vivir y
actuar en esse espacio de ningún modo equivale a intuirlo sensiblemente; el
animal es incapaz de oponerse a él objetivamente y representárselo como un
todo unificado de una determinada estructura (1956, p. 24).

55
Data vero signa sunt quae sibi quaeque viventia invicem dant ad demonstrandos quantum possunt
motus animi sui, vel sensa aut intellecta quaelibet. Nec ulla causa est nobis significandi, id est signi
dandi, nisi ad depromendum et traiciendum in alterius animum id quod animo gerit is qui signum dat.
Horum igitur signorum genus, quantum ad homines attinet, considerare atque tractare statuimus, quia
et signa divinitus data quae in Scripturis sanctis continentur, per homines nobis indicata sunt qui ea
conscripserunt. Habent etiam bestiae quaedam inter se signa, quibus produnt appetitum animi sui.
Nam et gallus gallinaceus reperto cibo dat signum vocis gallinae ut accurrat, et columbus gemitu
columbam vocat vel ab ea vicissim vocatur, et multa huiusmodi animadverti solent. Quae utrum, sicut
vultus aut dolentis clamor, sine voluntate significandi sequantur motum animi an vere ad significandum
dentur, alia quaestio est, et ad rem quae agitur non pertinet. Quam partem ab hoc opere tamquam
non necessariam removemus.
105
Portanto, tanto em Santo Agostinho quanto em Panofsky e Cassirer,
sensação e pensamento dependem de um sistema simbólico e, nestes, a linguagem
refere um sistema de signos convencionais.
A esta relação entre signos e linguagem, Ponty afirma:
A língua dispõe de certo número de sinais fundamentais, arbitrariamente
ligados a significações chaves; ela é capaz de recompor qualquer significação
nova a partir daquelas, conseqüentemente de dizê-las na mesma linguagem,
e finalmente se exprime porque reconduz todas as nossas experiências ao
sistema de correspondências iniciais entre tal sinal e tal significação de que
nos apoderamos aprendendo a língua, e que é, ele, absolutamente claro,
porque nenhum pensamento se arrasta nas palavras, e nenhuma palavra no
puro pensamento de alguma coisa (1974, p. 21).
Eco, ao tratar dos signos em Santo Agostinho, cita que o alegorismo
escritural é uma alegoria interpretativa, que não concerne o modo pelo qual a
linguagem representa os fatos, mas os próprios fatos explicam a alegoria e
estabelecem a diferença entre allegoria in verbis e allegoria in factis: Estamos
acostumados a diferenciar alegorismo de simbolismo, porém esta distinção é
recente; na Idade Média esses dois termos eram sinônimos. Eco afirma que o texto
bíblico sempre diz algo diferente do que parece dizer: Uma coisa é o que foi dito,
outra é o que foi demonstrado [...]
56
(1989, p. 87).
Eco, para tanto, exemplifica com a imagem alegórica do leão:
O leão tanto pode ser símbolo de Jesus como símbolo do diabo. Por
esconder com a cauda os rastros que deixa na areia enganando seus
caçadores, é símbolo de Cristo que apagou as marcas do pecado; da mesma
forma por ressuscitar com seu fôlego o leãozinho natimorto, ao terceiro dia; é
símbolo de ressureição; mas pelo fato de Sansão e Davi lutarem contra um
leão do qual abrem as mandíbulas, é símbolo da garganta do Inferno (1989,
p. 87).
Na Sagrada Escritura, encontramos a ligação do leão com o anti-cristo:
[...] Sêde sóbrios e vigiais. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de
vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar
57
(I PEDRO 5.8).
Segundo Heinz-mohr (1994), o leão é representado em numerosos pórticos
de igrejas com um homem indefeso em suas fauces. Sua garganta aberta é
comparada à abertura do inferno, como nos capitéis do claustro de Pipoll – Espanha.

56
Aliud dicitur, aliud demonstratur.
57
[...] sobrii estote vigilate quia adversarius vester diabolus tamquam leo rugiens circuit quaerens
quem devoret [...]
106
Segundo Eco, o alegorismo no cristianismo atingiu o cerne do Signo:
Em um universo simbólico tudo está no próprio lugar, porque tudo se
corresponde, as contas são exatas, uma relação de harmonia faz a serpente
semelhante a virtude da prudência e a correspondência polifônica das
referências e dos signos é tão complexa que a mesma serpente poderá
equivaler, sob outro ponto de vista, a figura de Satanás... O homem medieval
vivia efetivamente em um mundo povoado de significados, referências, supra-
sentidos, manifestações de Deus nas coisas em uma natureza que falava
continuamente uma linguagem heráldica. Lá, um leão não era só um leão,
uma noz não era só uma noz, um hipogrifo era real como um leão, porque
como este era signo irrelevante, existencialmente, de uma verdade superior
(1989, pp. 72-75).
Eco realça que a terrível boca da fera no prae-medioevo simbolizava a
entrada do inferno: por leão compreendemos o Anti-cristo
58
, e recomenda que para
discernir se a palavra leão deva ser vista como figura do Cristo ou do Anti-cristo, há
que se preceder a análise do contexto e encontrar a melhor interpretação, que se dá
ao recorrer a uma auctoritas em análise intertextual (1989, p. 87).
Eco (1991), ao aludir a este sentido místico das coisas, absorvido do mundo
helênico, chama-o de o projeto dos bestiários ou das imagines mundi, em que a
cada animal, planta, parte do mundo, fato da natureza, se predicavam determinadas
propriedades, que constituíram um tecido de informação cultural a funcionar como
um código cósmico. Porém, alerta para um possível equívoco de interpretação pelo
fato de selecionarem-se propriedades, por vezes contraditórias.
Para Eco, Santo Agostinho sabia que a Sagrada Escritura não falava só in
verbis, mas também in factis, como descreveu em De Doctrina Christiana III - 5.9,
uma allegoria historiae; e em De Vera Religione 50.99, uma allegoria sermoni (1989,
p. 52). Eco está referindo um momento em que Santo Agostinho apresenta sua
definição de signo, mostrando que este indica o que não mostra: O signo é toda
coisa que, além da impressão que produz em nossos sentidos, faz com que nos
venha ao pensamento outro juízo distinto [...]
59
(in DE DOCTRINA CHRISTIANA
LIBRI IV - II.2.3).
Eco, ao comentar sobre o signo e a semiótica em Santo Agostinho, afirma:

58
[…] per leonem antichristum intelligitur.
59
Signum est enim res, praeter speciem quam ingerit sensibus, aliud aliquid ex se faciens in
cogitationem venire [...]
107
[...] ele é o primeiro autor que, com base em uma cultura estóica bem
absorvida, funda uma teoria do signo (em muitos aspectos, afim com
Saussure, ainda que com uma antecipação considerável). Em outras
palavras, Santo Agostinho é o primeiro que se pode mover com desenvoltura
entre signos que são palavras e coisas que podem agir como signos, porque
ele sabe e afirma com energia que: O signo é certamente toda coisa que
além de sua aparência oferece para alguém outro sentido de si, provocando
uma nova reflexão.
60
. Em De doctrina christiana II, 1-1, afirma que: nem todas
as coisas são signos, mas certamente todos os signos são coisas, ao lado
dos signos produzidos pelo homem, para significar intencionalmente;
também coisa e eventos (por que não fatos e personagens?) que podem ser
admitidos como signos ou (é o caso da história sacra) podem ser
sobrenaturalmente dispostos como signos, a fim de que como signos sejam
lidos (ECO, 1989, p. 83).
Tzvetan Todorov, estudioso da semiótica ocidental, igualmente qualificou
Santo Agostinho como o primeiro semiótico, posto que em suas obras, ao abordar
os signos em geral, seu objetivo não foi apenas a beleza poética mas principalmente
o conhecimento que proporcionam (in FIDALGO, 1999, p. 36).
O exposto esclareçe o porquê não traduzi signum por sinal. E, para as
diferenças entre signum e symbolum Santo Agostinho considerou:
Que isto não te preocupes, por certo dizemos signos em geral a tudo que
significa algo, e igualmente aí estão as palavras. Dizemos o mesmo dos
símbolos militares, mais próximos dos signos e não pertencente as
palavras.
61
(in DE MAGISTRO LIBRI IIV.47).
Le Goff cita que o símbolo no prae-medioevo era utilizado para indicar
coisas inefáveis e mostra a forma como Santo Agostinho o definia:
Sabemos que a Idade Média ignorou os termos símbolo, simbolismo,
simbólico, no sentido em que os empregamos hoje e, no essencial, depois do
século XVI. Symbolum não era empregado, na Idade Média, pelos clérigos
senão em sentido muito especializado e restrito a artigo de fé [...]. O campo
semântico do símbolo era, no essencial, ocupado pelo termo signo, o mais
próximo do nosso símbolo, definido por Santo Agostinho no segundo livro De
Doctrina Christiana, mas também como figura, imago, typus, allegoria,
parabola, similitudo, speculum que definem, aliás, um sistema simbólico muito
especial. [...] Nos signos existiam três categorias de elementos simbólicos por
excelência: a palavra, o gesto e os objectos; [...] usando a definição
augostiniana do signum-simbolo, que além da impressão que comunicam aos
sentidos, fazem-nos conhecer algo mais (1980, pp. 326-328).

60
[...] signum est enim res praeter speciem, quam ingerit sensibus, aliud aliquid ex se faciens in
cogitationem venires.
61
Ne te istuc moveat; dicimus enim et signa universaliter omnia, quae significant aliquid, ubi etiam
verba esse invenimus. Dicimus item signa militaria, quae iam proprie signa nominantur, quo verba
non pertinent.
108
Gillo Dorfles (1992), apoiado em Cassirer faz uso da apreensão senciente,
ao admitir que se possa notar nos animais uma resposta a sinais, mas jamais a
símbolos, porque somente os homens detêm a particularidade de construir e reagir a
estes. Segundo Dorfles, os homens estão a tal ponto envolvidos por formas
lingüísticas que expressam símbolos místicos, ritos religiosos e outros que não são
mais capazes de ver ou conhecer o mundo, senão por interposição desta relação
semiótica; o que teria levado Cassirer, em seu Ensaio sobre o Homem, a chamá-lo
de Animal Symbolicum:
Logo, em vez de definir o homem como animal rationale, deveríamos tê-lo
como animal symbolicum. Ao fazê-lo, podemos designar sua diferença
específica e entender o novo caminho aberto para o homem no caminho para
a civilização (CASSIRER, in Dorfles 1992, p. 24).
Porém, Santo Agostinho já tinha antecipado a Dorfles:
E como voce concede que não exista conhecimento, a não ser nas coisas
que percebemos e conhecemos com a firmeza da razão?
...Portanto, o
conhecimento sucumbe nos animais! Por outro lado, quando ela não está
oculta, em qualquer caso é conhecimento. Logo, os animais não seriam
capazes de sensação,
pois a sensação permitida ao corpo por si mesma não
se oculta da alma: E eles sentem como já foi concedido antes. Agora, diga-
me onde estaria a dúvida daquela definição não menos falsa que nos
assolou, acerca de que
não existem sentidos nos animais?
62
(in DE
QUANTITATE ANIMAE Liber I - 26.49).
Os signo-símbolos entendidos por Santo Agostinho apontam para a forma
como os interiorizamos e compartilhamos em convenções, enquanto para Todorov
os signos são imotivados e os símbolos são motivados (in Fidalgo, 1999, p. 35):
[...] as palavras são, em sua imensa maioria, signos; a relação que une a cruz
a religião cristã, o erguer do chapéu à saudação, o preto ao luto é, ao
contrário, simbólica. Definições e exemplos semelhantes se encontram tanto
em linguística quanto em etnologia, tanto em estudos literários quanto em
psicologia, tanto em filosofia quanto em teologia, pois todas essas disciplinas
necessitam do símbolo e do signo... Porém, não é possível saber que a cruz
significa a religião cristã sem saber a história da cruz (TODOROV, 1977, p.7).
Este enfoque apresentou-se como um ponto nodal na tradução, porque De
Magistro evidencia e coloca a essência do aprender e seus problemas na própria

62
Quid? hoc nonne concedis, scientiam non esse, nisi cum res aliqua firma ratione percepta et
cognita est? [...] Non igitur scientia cadit in bestiam. Cum autem non latet aliquid, utique scitur; non
igitur sentiunt bestiae, si omnis sensus est cum passio corporis per seipsam non latet animam:
sentiunt autem, ut paulo ante concessum est: quid ergo dubitamus illa definitionem improbare, quae
omnem sensum circumplecti minime potuit, siquidem bestiarum sensus exclusus est?
109
existência sob os signos que se mostram e que não se revelam por uma linguagem
simplesmente enunciativa ou relacional.
Arendt (2000), ao tratar da linguagem simbólica em Santo Agostinho,
entende que no santo a demarcação entre a submissão do dogma à autoridade da
Escritura e da Igreja, é deliberada de tudo aquilo que é de ordem dogmática, porque
esta poderia ser fatal na interpretação de um autor religioso. Exemplifica o que
afirma a partir da Sagrada Escritura: O que quereis que os homens vos façam, fazei-
o também a eles
63
(LUCAS VI.31). A contrapartida subentendida da recomendação
acima é: não faças ao outro aquilo que não queres que façam a ti. Arendt cita que
especificamente para este texto, Santo Agostinho teria exclamado: Eles não
compreenderam! E, acrescenta: O texto citado não é de forma alguma suscetível de
interpretações porque transpassa uma nação determinada, o texto é apátrida (2000,
p. 10).
Arendt delimita a forma não dogmática de nossa interpretação de Santo
Agostinho e sugere que façamos uso de duas vias: por um lado, interrogando a
esfera pré-teológica; por outro, procurando apreender aquilo que ele inclui de
especificamente novo na formulação cristã, no qual reside o caráter próprio da vida
humana, que é, ao mesmo tempo exigido e afirmado; que não é apenas a lei inscrita
em nossos corações, mas a lei divina que governa do exterior. Segundo esta
pensadora, o próprio Santo Agostinho nos autoriza tal questão e tal interpretação,
uma vez que ele só conceda a toda autoridade um papel preparatório e pedagógico,
o que é plenamente evidenciado em De Magistro (2000, pp. 9 -10).
Contando que
alguns textos de minha tradução não puderam ser
determinados prioristicamente pelo sentido de suas expressões, já que a linguagem
teológica que apresentavam possuía uma forma ilocucionária expositiva pré-
concebida, considerei esta recomendação de Arendt, contemplando no
procedimento tradutório a singularidade agostiniana; além de aceitar
recomendações outras de Dorfles, Todorov e Le Goff, limitando o termo latino
signum a duas possibilidades: o signo propriamente dito e o símbolo.

63
[...] et prout vultis ut faciant vobis homines et vos facite illis similiter.
110
2.6 TRADUÇÃO DE ANIMA EM DE MAGISTRO
A palavra latina anima é polissêmica, permite na tradução uma série de
interpretações a depender do contexto em que se insira: sopro divino, ar, respiração,
espírito, consciência, princípio vital, alma, indivíduo.
Socrates (2008), concebe a alma como a atividade pensante do homem e
eticamente operante, aqui, incluído a consciência e a personalidade intelectual e
moral. Portanto, cuidar de si mesmo significaria mais do que cuidar do corpo, o que
remete o educador a ensinar os homens a cuidarem da própria alma.
Platão, no Fedon (1981), realça Sócrates que afirmou que na busca da
verdade, a alma é enganada por meras percepções do corpo e induzida ao erro. A
tese platônica apresenta o homem como constituído de uma alma que aproveita um
corpo para sua residência e, nesta relação, o corpo seria sempre inferior à alma
(PETERSON, 1981, p. 63).
Le Goff ao co-relacionar o corpo e a alma no prae-medioevo, afirma:
Expressão a todos os títulos importantes, porque manifesta o lugar essencial
do simbolismo corporal no sistema cultural e mental da Idade Média. O corpo
não somente é o revelador da alma, como também o lugar simbólico onde se
completa sob todas as formas da condição humana. Até no além é sob a
forma corpórea, pelo menos até o Juízo Final, a alma cumpre o seu destino,
para o melhor e para o pior, ou para a purgação (1980, p. 334).
Santo Agostinho, sobre a origem da alma, afirma: Deus verdadeiro que
criastes não só nossas almas, mas igualmente nossos corpos e não somente almas
e corpos, mas tudo e todas as coisas
64
(in CONFESSIONUM, LIBRI XIII – III.4).
Santo Agostinho tem muito claro que o espírito é o fôlego de vida
proveniente de Deus, enquanto a alma é a união do corpo com este fôlego;
pensamento retirado de uma passagem da Sagrada Escritura onde encontramos: O
Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um
sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente
65
(GÊNESIS 2.7).

64
[...] Deum verum, qui fecisti non solum animas nostras sed etiam corpora, nec tantum nostras
animas et corpora, sed omnes et omnia.
65
[...] formavit igitur Dominus Deus hominem de limo terrae et inspiravit in faciem eius spiraculum
vitae et factus est homo in animam viventem [...]
65
111
A teoria platônica da anamnese envolvia a alma, sábia e imortal ao nascer,
através da qual poderíamos conhecer o mundo supra-sensível através da
lembrança, ou seja da memória. Mas, para Santo Agostinho, in CONTRA
ACADEMICOS, esta sabedoria era obscurecida pelo afastamento em relação a
Deus e seus ensinamentos, assim o conhecimento só poderia ser reintegrado aos
homens. O procedimento de obtenção do conhecimento da verdade é o homem
como um todo, corpo e alma, operando a experiência sensível subordinada à
iluminação divina, que é a verdadeira fonte da verdade, e que evidencia aquilo que
já estaria impresso na alma:
Inteligível é Deus, e a mesma ordem de inteligência pertence às verdades e
teoremas do conjunto de regras para bem dizer ou bem fazer qualquer coisa,
embora muito difira entre si. É visível a Terra e igualmente a luz, mas a
primeira não se poderia ver se não houvesse a segunda. Desta forma,
tampouco os axiomas das ciências, que sem nenhuma hesitação aceitamos
como verdades evidentes, nestes temos de crer sem a energia de um sol
especial. Consequentemente, pois, na visibilidade do sol podemos notar três
evidências: que existe que resplandece e que ilumina; de forma análoga, no
recôndito sol divino a cujo conhecimento aspira, três coisas há de se
considerar: que existe que ilumina e resplandece no conhecimento, que torna
inteligíveis as demais coisas. Atrevo-me, desta forma, a lhe proporcionar
noções das coisas: de Deus e da alma, mas antes comente o que lhe
coloquei. Consideras esta argumentação como provável ou como correta?
66
(in SOLILOQUIORUM LIBRI I – XIII.15).
A metáfora do Sol para explicar a existência da alma, já tinha sido explorada
por Santo Agostinho em obras anteriores, de onde inferiu seu conceito de alma, ao
concluir pela lógica e pela dialética, que existiam evidências indubitáveis:
Contemplando a aurora prenuncio o surgimento do sol; não o sol, mas seu
surgimento; e não poderia predizê-lo se não o imaginasse na alma
67
(in
CONFESSIONUM LIBRI XIII – XI.17).

66
Intellegibilis nempe Deus est, intellegibilia etiam illa disciplinarum spectamina; tamen plurimum
differunt. Nam et terra visibilis, et lux; sed terra, nisi luce illustrata, videri non potest. Ergo et illa quae
in disciplinis traduntur, quae quisquis intellegit, verissima esse nulla dubitatione concedit, credendum
est ea non posse intellegi, nisi ab alio quasi suo sole illustrentur. Ergo quomodo in hoc sole tria
quaedam licet animadvertere; quod est, quod fulget, quod illuminat: ita in illo secretissimo Deo quem
vis intellegere, tria quaedam sunt; quod est, quod intellegitur, et quod caetera facit intellegi. Haec duo,
id est, teipsum et Deum, ut intellegas, docere te audeo. Sed responde quomodo haec acceperis; ut
probabilia, an ut vera?
67
Intueor auroram, oriturum solem praenuntio: non sol sed futurus ortus ejus; ortum ipsum, nisi animo
imaginarer, non eum passem praedicere...
112
Em De Quantitate Animae encontramos o modus agostiniano em que se dá
o acesso à sapiência a partir de três realidades: o objeto (matéria), os sentidos do
corpo (meio) e a senciência da alma (atividade da alma), tal que o uno formado por
esses elementos configurasse o próprio homem.
A Adeodato, sobre a insenciência que leva alma a se enganar, afirmou:
E, se as vezes se engana (a alma) não seria pela Verdade consultada, da
mesma forma como não é pela luz exterior que por vezes o corpo pelos olhos
se engana; é esta a luz a que recorremos para nos mostrar acerca das coisas
visíveis, na medida em que somos capazes de distinguir as coisas sensíveis
68
(in DE MAGISTRO LIBRI I - XI).
Quando se refere a coisas sensíveis, o santo está falando exatamente de
sua teoria semiótica, que trata posteriormente, ao falar da escravidão da alma pelos
signos:
(...) Por esse lugar, finalmente, a alma é uma miserável escrava, ao tomar os
signos pelas coisas mesmas, não podendo o olho do intelecto elevar-se sobre
a natureza corpórea para sentir a luz eterna
69
(in DE DOCTRINA
CHRISTIANA LIBRI IV – III.5.9).
Santo Agostinho admite que a alma acompanhe o homem em sua travessia
pela vida, conquanto ela continue a existir mesmo após a morte do corpo:
[...] chegamos às nossas almas e as transcendemos para atingir essa região
de infindável abundância (...) e ali a vida é a própria sapiência, por quem tudo
foi criado, tudo o que existiu e o que há de existir, sem que ela própria crie a
si mesma como sempre foi e como sempre será: antes não há o nela ter sido,
e nem o haver de ser, mas simplesmente o “é”, por ser eterna, o ter sido e o
haver de ser não são próprios do eterno
70
(in CONFESSIONUM, LIBRI XIII -
IX.24).
Após esta análise é possível entender que, em Santo Agostinho, o itinerário
da verdade humana se revela primeiramente na vida vivida, cuja existência se dá
numa relação una corpo-alma, em que o corpo mortal é concebido como elemento
material e a alma racional anelada ao espírito de Deus; tudo se constituíndo na
conexão numinosa entre o mundo visível e o invisível, conforme escreveu:

68
Et si quando fallitur, non fit vitio consultae veritatis, ut neque huius, quae foris est, lucis vitium est,
quod corporei oculi saepe falluntur, quam lucem de rebus visibilibus consuli fatemur, ut eas nobis,
quantum cernere valemus, ostendat.
69
[...] Ea demum est miserabilis animae servitus, signa pro rebus accipere, et supra creaturam
corpoream oculum mentis ad hauriendum aeternum lumen levare non posse.
70
[...] et uenimus in mentes nostras et transcendimus eas, ut attingeremus regionem ubertatis
indeficientis, [...]et ibi uita sapientia est, per quam fiunt omnia ista, et quae fuerunt et quae futura sunt.
et ipsa non fit, sed sic est, ut fuit, et sic erit semper: quin potius fuisse et futurum esse non est in ea,
sed esse solum, quoniam aeterna est: nam fuisse et futurum esse non est aeternum.
113
Esta (alma), portanto, primeiro com facilidade podemos notar, vivifica com sua
presença este corpo terreno e por outro lado o mortal; encerra-os em um uno,
como também fá-los fluir e os funde, e não consente que se sustentem
igualmente pelos elementos que lhes chegam e se distribuem
71
(in DE
QUANTITATE ANIMAE Liber I - 33. 70).
Retira o que afirma da Sagrada Escritura:
Não temais aquêles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei
antes Aquêle que pode precipitar a alma e o corpo na Geena
72
(MATEUS
10.28).
Em De Magistro, não obstante a palavra anima permitir sua tradução por
alma ou espírito, Santo Agostinho a utilizou para designar a alma como algo
agregado ao corpo, conquanto entendesse que a palavra spiritus significasse o
próprio Deus, o que não proporcionou dúvidas quanto à distinção, por isso, em sua
tradução, fiz a opção por manter a literalidade com o corpus.
2.7 PEDAGOGIA EM DE MAGISTRO
Para os historiadores Philippe Ariès e Georges Duby, o ensino em Roma
tinha uma estreita relação com a formação do caráter:
Teoricamente a educação (em Roma), tinha por objetivo temperar o caráter a
tempo para que os indivíduos pudessem resistir, depois de adultos, ao
micróbio do luxo e da decadência, que, devido ao vício daqueles tempos,
estava em toda a parte [...] somente a severidade, que aterroriza os apetites
tentadores, desenvolve o caráter (ARIÈS, 2004, p. 29).
De Magistro tem esse objetivo de formar o caráter, para isso, Santo
Agostinho emprega com Adeodato o estilo socrático de diálogos, que propõe
questões sem fornecer a solução.
Sócrates conduzia seus interlocutores a rememorar verdades percebidas
outrora e deste modo, fazia com que nascessem para si mesmos. O método
socrático servia tão somente para que os discípulos encontrassem caminhos para
atingirem a sabedoria, a Verdade.

71
Haec igitur primo, quod cuivis animadvertere facile est, corpus hoc terrenum atque mortale
praesentia sua vivificat; colligit in unum, atque in uno tenet, diffluere atque contabescere non sinit;
alimenta per membra aequaliter, suis cuique redditis, distribui facit.
72
[...] et nolite timere eos qui occidunt corpus animam autem non possunt occidere sed potius eum
timete qui potest et animam et corpus perdere in gehennam.
114
Santo Agostinho ao responder a Adeodato utiliza esta pedagogia: Ao
contrário, interpelo-te as mesmas questões, para que por ti encontres as falhas
73
(in
DE MAGISTRO LIBRI IVIII.25).
Platão, no Fedon (1981), escreve que a sabedoria não advém da percepção
em face de que esta não seria digna de confiança, dado que o corpo
permanentemente nos engana, portanto, só poderia ser intuída pelo uso da razão.
Greuel (1996), igualmente afirma que uma percepção por si só desinforma,
porque não diz o que significa:
[...] cabe ressaltar que um simples dado percebido de per si, i.é, enquanto
mera percepção, nada significa, carece de significado próprio e específico,
dado que toda e qualquer significação somente ocorre por interligação
conceitual dos dados percebidos. É um engano achar que as percepções dos
sentidos nos conferem simplesmente informações sobre as coisas. Ao
contrário, uma percepção por si só, desinforma, porque não diz o que é e o
que significa, há uma dependência do poder de contextualização de cada um
com aquilo que percepciona. Os objetos reais só se dão à consciência na
interpenetração de percepções (elementos fragmentados de uma realidade) e
conceitos (GREUEL
, 1996, pp. 28-29).
Sócrates no Fédon, ao ser questionado por Simias e Cebes, afirma:
Porque, conviemos em que é muito possível que quem sentiu uma coisa, isto
é, quem viu, ouviu ou, enfim, percebeu por qualquer dos seus sentidos, pensa
a respeito dela, ou em outra que esqueceu e que tem com a percebida
qualquer relação, seja semelhante aquela ou não. De modo que é preciso, ou
que nasçamos com esses conhecimentos e que os conservemos durante
toda nossa vida, ou que os que aprendem, conforme acontece conosco,
apenas recordem e assim a instrução é apenas uma reminiscência (PLATÃO,
1981, p. 125).
Platão, na República, no Mênon e no Fedon, admite o ciclo de
reencarnações da alma e, considera que esta retorne para viver nova vida com a
sabedoria vivida outrora:
[...] é difícil acreditar que aprender seja apenas recordar? Estamos de acordo
em que, para recordar, é preciso ter sabido antes a coisa de que se recorda.
E, convimos também em que, quando a ciência chega de certo modo, é uma
reminiscência. Ao dizer de certa maneira, quero dizer, por exemplo, que
quando um homem, ao ver ou ouvir alguma coisa, ou a sente por qualquer de
seus outros sentidos não conhece apenas a coisa que chama a sua atenção,
mas, ao mesmo tempo, pensa em outra que não depende de seu modo de
conhecer, mas de um diferente. Não dizemos que esse homem recorda o que
veio em sua imaginação? (PLATÃO,1981, p. 121).

73
Immo eadem rursus interrogabo, ut ipse invenias, ubi lapsus sis.
115
Santo Agostinho concorda parcialmente com a reminiscência platônica ao
admitir que as verdades não sejam transmitidas, mas rememorizadas. Entretanto, só
admite a reminiscência associada à iluminação que leva a sapiência, por isso seria
eterna e universal, tal que os sentidos só poderiam comunicar verdades absolutas;
errados estariam os juízos interpretados pela razão a partir de meras percepções.
Portanto, para o santo, o sentido interior seria um juiz:
Igualmente dizemos que todo aquele dotado de sensação é melhor do que
aquilo que o faz sentir, o que talvez nos levasse a conceder ainda que todo
ser dotado de inteligência seria melhor do que o objeto de sua intelecção, o
que seria falso. Com efeito, o homem compreende o que é sapiência e,
contudo, não é superior a ela
74
(in DE LIBERO ARBITRIO LIBRI III – V.12).
Santo Agostinho, sobre a memória que busca respostas, afirmou:
Quando a própria memória perde alguma coisa, como acontece quando
esquecemos e procuramos lembrar, onde é que a procuramos, a não ser na
própria memória? Se esta apresenta uma coisa por outra a rejeitamos até que
nos ocorra o que buscávamos. E quando isto ocorre, dizemos: É isto! Que
não diríamos se não a conhecêssemos, e nem a reconheceríamos se dela
não nos lembrassemos
75
(in CONFESSIONUM LIBRI XIII – X.19.28).
Merleau-Ponty, igualmente entende este conhecimento anterior:
A palavra é puro signo para uma pura significação. Aquele que fala cifra seu
pensamento. Ele o substitui por um arranjo sonoro ou visível que não passa
de sons no ar ou traços de mosca sobre um papel. O pensamento se sabe
que não o contém, e que o designa somente sem equívoco para outro
pensamento que é capaz de ler a mensagem porque ele atribui, pelo efeito do
uso, das convenções humanas ou de uma instituição divina, a mesma
significação aos mesmos signos. Em todo caso, não encontramos jamais nas
palavras dos outros nada além do que nós mesmos colocamos nelas, a
comunicação é uma aparência, não nos ensina nada de verdadeiramente
novo. Como seria ela capaz de nos levar além de nosso próprio poder de
pensar, já que os signos que nos apresenta não nos diriam nada se nós já
não possuíssemos por inclinação a sua significação? (1974, p. 23).
Santo Agostinho tinha como iluminação as revelações de verdades
inteligíveis, eternas e universais, assim, permuta a percepção física e pragmática,
pela apreensão senciente e divina; a primeira imperfeita e mutável que advém das

74
[...] Si enim dixeris, quia ille istum sentit, non te credo inventurum regulam qua fidere possimus,
omne sentiens melius esse quam id quod ab eo sentitur, ne fortassis ex hoc etiam cogamur dicere,
omne intellegens melius esse quam id quod ab eo intellegitur. Hoc enim falsum est; quia homo
intellegit sapientiam, et non est melior quam ipsa sapientia.
75
Quid? Cum ipsa memoria perdit aliquid, sicut fit, cum obliviscimur et quaerimus, ut recordemur, ubi
tandem quaerimus nisi in ipsa memoria? Et ibi si aliud pro alio forte offeratur, respuimus, donec illud
occurrat quod quaerimus. Et cum occurrit, dicimus: "Hoc est"; quod non diceremus, nisi
agnosceremus, nec agnosceremus, nisi meminissemus.
116
percepções ordenadas por necessidades imediatistas e, a segunda, perfeita,
derivada do conhecimento das essências imutáveis:
Ele habita todos e por todos é estimado, está completamente próximo e é
completamente eterno; não está em nenhum local, no entanto nunca está
ausente; adverte-nos do exterior e ensina-nos interiormente; na alteração
distingue inteiramente tudo de melhor. Por isso em nós, originados como
simples conhecedores, ele manifesta o melhor; não a partir de si mesmo, mas
pelo mesmo a partir de outros julgamentos, dos quais não é possível
duvidar
76
(in DE LIBERO ARBITRIO LIBRI III – II.14.38).
A expressão: foris admonet, intus docet; indica que o exterior apresenta algo
à consciência, porém, o apreender este conhecimento está na dependência da luz
interior. Este conhecimento não se apresenta, mas pela inteligibilidade pode ser
recordado, na transcendência ao invisível, conforme escreveu: Logo, aqueles divinos
ensinamentos das autoridades, não apenas transcende os signos sensíveis do
humano, mas possibilita seu existir [...] (in DE ORDINE, LIBRI II - 9. 27).
O conceito de recordar do verbo latino recordari está ligado a lembrar de
algo que já se sabia, o que leva a considerar o rememorar como evocar algo
desconhecido à consciência imediata e, que estava armazenado no recôndito da
alma; portanto, ensinar é fazer aprender, e aprender não seria mais do que
rememorar, assim, nada aprendemos pelas palavras, tampouco com os professores:
Acaso os professores confessam publicamente que se compreenda o
conhecimento que concebem e não a própria ciência que ao falar
transmitem? Na verdade quem diligente, seria insensato, a ponto de enviar
seu filho à escola para que aprenda o que pensa o professor? Portanto, após
terem ensinado com palavras todas as ciências que professam, incluindo as
concernentes a virtude e a sapiência, os que são discípulos julgarão por si se
o dito é verdadeiro, na medida de sua capacidade em contemplar aquela
Verdade interior que falamos. Então, logo que ensinados, ao encontrar a
verdade que se diz internamente, não podem louvar os sábios como
conhecedores, ainda que quando a falaram, o sabiam
77
(in DE MAGISTRO
LIBRI I - XIV).

76
[...] De toto mundo ad se conversis qui diligunt eam, omnibus proxima est, omnibus sempiterna;
nullo loco est, nusquam deest; foris admonet, intus docet; cernentes se commutat omnes in melius, a
nullo in deterius commutatur; nullus de illa iudicat, nullus sine illa iudicat bene. Ac per hoc eam
manifestum est mentibus nostris, quae ab ipsa una fiunt singulae sapientes, et non de ipsa, sed per
ipsam de caeteris iudices, sine dubitatione esse potiorem.
77
At istas omnes disciplinas, quas se docere profitentur, ipsiusque virtutis atque sapientiae cum verbis
explicaverint, tum illi, qui discipuli vocantur, utrum vera dicta sint, apud semet ipsos considerant
interiorem scilicet illam veritatem pro viribus intuentes. Tunc ergo discunt, et cum vera dicta esse intus
invenerunt, laudant nescientes non se doctores potius laudare quam doctos, si tamen et illi, quod
loquuntur, sciunt.
117
Santo Agostinho, ao justificar que os alunos não vão à escola para saber o
pensamento do professor, aproximou-se da maiêutica de Sócrates, que afirmava só
saber que nada sabia. Mais tarde, explicou que retratava a própria experiência:
[...] tanto um retórico cartaginense, meu professor, quantos outros arrogantes
que se tinham por doutos, narraram obscuramente e se exaltaram de
soberba, e a ineptidão me deixava aéreo à espera de algo divino. Quando
com outros prestava atenção, estes se diziam com dificuldades; os
eruditíssimos mestres não explicavam muito, e mesmo que ao descrever
indicassem com inumeráveis desenhos na areia, todavia não mais ensinaram
o que já eu não tivesse aprendido ao ler sozinho
78
(in CONFESSIONUM
LIBRI IV – XVI.28).
Santo Agostinho expõe seus argumentos em forma metafórica, como na
senciência a partir da metáfora da navegação, que pressupõe o o lugar a que se
quer chegar e o itinerário, ou seja, o roteiro é o método
79
de interpretação. Compara
os sentidos a um barco que levasse os homens ao encontro da sapiência:
Até este ponto os sentidos têm me servido como barcos. Pois quando me
transportaram até o ponto que almejava, ali os deixei. Deste modo assentado
em terra firme, comecei a analisá-los com o pensamento, o que abalou meus
fundamentos por muito tempo
80
(in SOLILOQUIORUM LIBRI II – I. 4.9).
Por isso afirmou que não deveríamos dizer isto é branco, mas sim
compreendo que isto é branco:
Ainda que me engane se afirmar algo pelos sentidos, os sentidos enquanto
em si não se mostram de pequeno valor a persuassão, não se constituem em
engano. Certamente compreendo que de nenhum modo o Acadêmico
refutará aquele que diz: Por isso, compreendo que a mim parece branco; por
isso entendo que minha compreensão foi seduzida; por isso compreendo que
me agrada aquilo que é evidente e não pode ser negado; por isso
compreendo que me agrada conhecer [...]
81
(in CONTRA ACADEMICOS
LIBRI III III.11.26).

78
[...] cum eas rhetor Carthaginiensis, magister meus, buccis typho crepantibus commemoraret et alii
qui docti habebantur, tamquam in nescio quid magnum et diuinum suspensus inhiabam – legi eas
solus et intellexi? quas cum contulissem cum eis, qui se dicebant uix eas, magistris eruditissimis non
loquentibus tantum, sed multa in puluere depingentibus, intellexisse, nihil inde aliud mihi dicere
potuerunt, quam ego solus apud me ipsum legens cognoueram.
79
Método tem sua origem etimológica pela junção dos elementos gregos metá, que siginifica através
de, por meio de, e hodós que significa caminho.
80
Imo sensus in hoc negotio quasi navim sum expertus. Nam cum ipsi me ad locum quo tendebam
pervexerint, ubi eos dimisi, et iam velut in solo positus coepi cogitatione ista volvere, diu mihi vestigia
titubarunt.
81
Ego tamen fallor, si assentiar, ait quispiam. Noli plus assentiri, quam ut ita tibi apparere persuadeas;
et nulla deceptio est. Non enim video, quomodo refellat Academicus eum qui dicit: Hoc mihi candidum
videri scio; hoc auditum meum delectari scio; hoc mihi iucunde olere scio; hoc mihi sapere dulciter
scio.
118
2.8 LINGUAGEM E INTERIORIDADE EM SANTO AGOSTINHO
Eco, afirma que Santo Agostinho se guiou pela teoria simbólica-alegórica do
universo interpretada no Homo Quadratus de Calcidius e Macrobius: Os físicos
afirmaram que o universo seria como um macro-homem e, o homem um micro-
universo
82
(1989, p. 52). Daí, propor a existência de Deus a partir da teoria de
Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C.), do homem como um microcosmo, a partir de
sua célebre afirmação: nada nasce do nada, nada retorna ao nada, portanto o nada
existe tanto quanto alguma coisa (in PRÉ-SOCRÁTICOS, 2000, p.260).
Em De Magistro, utiliza deste tema para encaminhar Adeodato a uma
reflexão sobre a criação do mundo a partir do nada, por um verso de Virgilio.
Questiona-o como poderia a palavra nada ser uma referência real, se não cita
qualquer coisa; já que se referenciasse, tornar-se-ia algo e aí entraria em
contradição com a sua designação: Nihil, qual outro significado, a não ser o que não
existe?
83
(in DE MAGISTRO LIBRI III.5).
Kolakowski faz um elo do nada de Santo Agostinho ao estabelecer uma
relação deste conceito com a obra o Ser e o Nada de Sartre:
Desde que o presente reduz-se a nada, e desde que o universo físico, não
tendo qualquer conhecimento do tempo, não possui parte no tempo também
(isto é, nenhuma memória e consequentemnte nenhum passado), mas seu
tempo é nosso, esta experiência leva a suspeita alarmante de que uma idéia
tão evasiva e lúbrica quanto a de ser, está simplesmente além da nossa
compreensão. Esta poderia ser uma causa para o desespero se não
houvesse um Ser Absoluto que pode rearmazenar nossa segurança e o
sentimento de que existe uma ordem afinal... Sartre não estaria satisfeito
caso não tivessem lhe informado de que era um discípulo incompleto de
Santo Agostinho (1988, p. 34).
O tema instigante do nada perpassou inúmeras obras de Santo Agostinho:
[...] atrevo-me a dizer sem receio de contestação que, se nada sobreviesse, não
existiria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente
84
(in
CONFESSIONUM LIBRI XIII – XI.15).
Retomou várias vezes ao tema do nada:

82
[...] physici mundum magnum hominem et hominem brevem mundum esse dixerunt.
83
Quot verba sunt in hoc versu: «Si nihil ex tanta superis placet urbe relinqui»? [...] «Nihil» quid aliud
significat nisi id, quod non est?
84
[...] fidenter tamen dico scire me, quod, si nihil praeteriret, non esset praeteritum tempus, et si nihil
adueniret, non esset futurum tempus, et si nihil esset, non esset praesens tempus.
119
[...] Deus, Trindade Una e Unidade Trina, fora de Vós nada existia com que
pudesses criar: por isso fizestes o céu e a terra, aquele grande e esta
pequena, porque sois onipotente e bom para fazer tudo bom, um grande céu
e uma pequena terra. Só Vós existíeis e nada mais, e fizestes o céu e a terra,
dois acontecimentos, um próximo de Vós, a outra próxima do nada, esta do
qual Vós é o superior, e o outro que em nada seria inferior a ela.
85
[...] foram
feitas por Vós do nada, não, porém, da vossa substância ou de certa matéria
pertencente a outrem ou anterior a Vós, mas de matéria concriada, isto é,
criada por Vós ao mesmo tempo em que ela, e sem nenhum intervalo de
tempo, fez passar da informidade à forma
86
(in CONFESSIONUM LIBRI XIII –
XII. 07 e VIII.33).
Kolakowski, ao tratar da teoria platônica-agostiniana de anamnese, refere à
íntima ligação do todo com a parte:
Se Deus, como foi dito, é incompreensível, o fato de observar e saber não é
menos incompreensível – O meu (corpo) pode ser um milagre, mas o fato de
tornar meu um corpo estranho, não previamente presente em mim, mas
convertido num ato de consciência, é o milagre dos milagres. Uma vez que
pensamos sobre isto, ainda, sentimos uma tentação de ceder a teoria
platônica-agostiniana da anamnese – que conhecemos somente aquilo que
sempre esteve em nós. Este é um dos caminhos pelo qual podemos abordar
a visão Todo-em-uma-parte: O todo está em nós e esta é a razão pela qual
podemos saber alguma coisa... (1988, p.79).
Definido o uno a refletir a ordem univérsica, haveria a necessidade de
atestar a presença onírica. De tal modo, foi que em Santo Agostinho, surgiu a luz
divina a alocar-se no homem interior; questão fundante da magna obra agostiniana,
que em De Magistro aparece como uma teoria da linguagem, mas que, tem origem
na Sagrada Escritura: [...] para que vos conceda, segundo seu glorioso tesouro, que
sejais poderosamente robustecidos pelo seu Espírito em vista do crescimento do
vosso homem interior
87
(EPHESIOS, 3. 16).
Santo Agostinho, na questão gnosiológica da Verdade, afirma que ela seria
inerente ao homem, por ser ele uma parte derivada do todo supremo, portanto, em si
conteria o princípio formal do absoluto.

85
[…] et aliud praeter te non erat, unde faceres ea, deus, una trinitas et trina unitas:et ideo de nihilo
fecisti caelum et terram, magnum quiddam et paruum quiddam, quoniam omnipotens et bonus es ad
facienda omnia bona, magnum caelum et paruam terram. Tu eras et aliud nihil, unde fecisti caelum et
terram, duo quaedam, unum prope te, alterum prope nihil, unum, quo superior tu esses, alterum, quo
inferius nihil esset.
86
[...] de nihilo enim a te, non de te facta sunt, non de aliqua non tua uel quae antea fuerit, sed de
concreata, id est simul a te creata materia, quia eius informitatem sine ulla temporis interpositione
formasti.
87
[...] ut det vobis secundum divitias gloriae suae virtute corroborari per Spiritum eius in interiore
homine.
120
Alguns meses após ter finalizado De Magistro, escreveu:
Não procures fora, retorne a você mesmo; a Verdade habita o homem interior;
e se você encontrar que sua natureza é inconstante, transcenda a si próprio.
Mas, eu mesmo quando me elevo, penso transcender-me a alma. Conduzo-
me àquilo donde a luz mesma da razão ilumina
88
(in DE VERA RELIGIONE
Liber I - 39.72).
Em De Magistro, explica a Adeodato que a Deus se chega e se conhece
através da experiência introspectiva:
Quando, pois, se trata das coisas que compreendemos pela mente, ou seja,
através do intelecto e da razão, estamos a falar de coisas que contemplamos
e presentes naquela luz interior da Verdade, que frui do homem interior
iluminado
89
(in DE MAGISTRO LIBRI IXII).
Em Soliloquiorum mostra que a discussão entre sujeitos diferentes eivar-se-
ia de sentidos distintos, tal que acabariam por não se acrescentarem na construção
e condução do juízo:
Ao que praticamos, chamo de Soliloquios, e com este nome quero designar
esta conversa que temos a sós. Essa palavra é nova e talvez incisiva, mas
muito apropriada para definir o que aqui fazemos. Não obstante, considero
este como o melhor procedimento para procurar a verdade, no qual se
procede por perguntas e respostas de si para consigo. Quando há mais de
um interlocutor, é raro encontrar um destes que não fique mortificado ao
sentir-se vencido em uma discussão. Isto acontece invariavelmente, quando
num debate acalorado, a intransigência sobrepuja a fraternidade e deste
modo coloca por terra com suas argumentações de interesse pessoal, o
consenso, causando danos ao amor próprio que, por vezes se consegue
dissimular, mas nem sempre. Por estas razões coloco-me a investigar a
verdade com a ajuda de Deus, perguntando-me e respondendo-me; não há
lugar para vergonha se em alguma parte, por uma concessão temerária, se
ver forçado a voltar atrás, em busca de melhores soluções, porque não há
meio melhor para encontrar tua resposta
90
(in SOLILOQUIORUM LIBRI II
VII.14).
Merleau-Ponty reafirma esta dificuldade dialética entre sujeitos diferentes:

88
[...] Noli foras ire, in teipsum redi; in interiore homine habitat veritas; et si tuam naturam mutabilem
inveneris, transcende et teipsum. Sed memento cum te transcendis, ratiocinantem animam te
transcendere. Illuc ergo tende, unde ipsum lumen rationis accenditur.
89
Cum vero de his agitur, quae mente conspicimus, id est intellectu atque ratione, ea quidem
loquimur, quae praesentia contuemur in illa interiore luce veritatis, qua ipse, qui dicitur homo interior,
illustratur et fruitur.
90
Soliloquia vocari et inscribi volo; novo quidem et fortasse duro nomine, sed ad rem demonstrandam
satis idoneo. Cum enim neque melius quaeri veritas possit, quam interrogando et respondendo, et vix
quisquam inveniatur quem non pudeat convinci disputantem, eoque paene semper eveniat ut rem
bene inductam ad discutiendum inconditus pervicaciae clamor explodat, etiam cum laceratione
animorum, plerumque dissimulata, interdum et aperta; pacatissime, ut opinor, et commodissime
placuit, a meipso interrogatum mihique respondentem, Deo adiuvante, verum quaerere: quare nihil est
quod vereare, sicubi te temere illigasti, redire atque resolvere; aliter hinc enim evadi non potest.
121
Afinal, compreendo o que me dizem, porque sei antecipadamente o sentido
das palavras que me dirigem, e enfim só compreendo o que já sabia, só
coloco a mim mesmo os problemas que posso resolver. Dois sujeitos
pensantes fechados sobre suas significações, e entre eles mensagens que
circulam, mas que não contém nada, e que são somente uma ocasião para
cada um prestar atenção ao que já sabia, finalmente quando um fala o outro
escuta, pensamentos que se reproduzem um ao outro, mas apesar de si
mesmos e sem jamais se defrontar (1974, p.23).
Santo Agostinho, ao entender esta dificuldade, estabeleceu em
Soliloquiorum uma dialética do homem com o Verbum para chegar a verdade, que
envolve o ego e o Alter-ego, reificando o método dialético platônico, por entender que
possuiríamos essencialmente as certezas.
Santo Agostinho constrói sua tese de interioridade pontuando
criteriosamente conceitos; prova a existência de Deus, o macro-cosmo, para depois
estabelecer a sua íntima ligação com uma parte deste, o homem; um micro-cosmo:
Tu, por outro lado estavas mais inserido em meu íntimo que a minha mais
importante estilha
91
[...] E como lhe invocarei meu Deus e meu Senhor, se ao
invocá-lo, o invoco sem dúvidas dentro de mim?
92
[...] Aquilo que
corretamente digo aos homens, já ouvistes de mim, e de mim nada ouves que
tu mesmo não tenhas te dito anteriormente
93
(in CONFESSIONUM LIBRI XIII
- III 6.11 - LIBRI XIII - I.2.2 e X.2.2).
Esta interioridade levada à experiência de minha tradução significou
compreender os momentos do diálogo que refletiam a linguagem a partir de duas
origens; a linguagem essencialmente humana e a referenciada em Soliloquiorum, a
linguagem interior, na perspectiva teológica da revelação.
2.9 O CÓGITO EM SANTO AGOSTINHO
Evidentemente, críticas existiram a Santo Agostinho e à sua filosofia cristã,
como a dos pelagianos, que afirmavam que todo o pensamento simbólico poderia se
constituir numa enganosa representação mental e, deste modo, estariam os homens
sujeitos à derrelição, posto somente existirem alguns eleitos e predestinados à

91
Tu autem eras interior intimo meo et superior summo meo.
92
Et quomodo invocabo deum meum, deum et dominum meum, quoniam utique in me ipsum eum
invocabo, cum invocabo eum?
93
Neque enim dico recti aliquid hominibus, quod non a me tu prius audieris, aut etiam tu aliquid tale
audis a me, quod non mihi tu prius dixeris.
122
salvação conforme a Sagrada Escritura,: [...] porque muitos são os chamados, e
poucos os escolhidos
94
(MATEUS 22.14).
A resposta de Santo Agostinho ao monge Pelagius
95
, foi retratada em um
tema refletido na Trilogia composta pelas obras Soliloquiorum, De Trinitate e De
Civitate Dei. Leva o homem a ter ciência de sua existência ao estabelecer todo um
raciocínio a partir do imperativo do Delphus Oraculum - NOSCE TE IPSVM, em que
apresenta o seu conhecido princípio do cogito si enim fallor, sum:
[...] De modo nenhum tais verdades desafiam o argumento dos acadêmicos
que ensinam: E se te enganas? Se me engano, existo! Porque quem não
existe não pode se enganar; e, me enganando existo. E se existo, me
engano, mas como me engano, quando é certo que existo ao me enganar?
96
(in DE CIVITATE DEI LIBRI XXII XI.26).
Partindo deste princípio: eu penso, posso errar, posso me enganar, mas
não posso duvidar de que existo e, se me engano é porque existo, já que só
existindo eu poderia me enganar e, disso não posso duvidar precisamente porque
é evidente a minha realidade pensante. Destarte, pensar e saber que pensa, para
Santo Agostinho, seria o fundamento da existência humana, porque ninguém
poderia pensar se vivo não estivesse, tal a assenhorear de si e escolher o seu
caminho, pensamento que mais tarde originou outra de suas grandes obras, De
Libero Arbitrio.
Santo Agostinho entende que na própria existência do ser no mundo reside
a condição da possibilidade de duvidar, conforme escreveu: Ou se não distingues o
que digo e consente dúvidas a verdade, acaso, distinga a ti ao menos não duvidar
que não duvides; e se é certo por isso duvidar procure onde está o correto [...]
97
(in
DE VERA RELIGIONE Liber I - 39. 73).

94
[...] multi autem sunt vocati pauci vero electi.
95
O monge Pelagius (360-425), criador da seita Pelagianismo, defendia uma posição antiagostiniana
com relação à teoria da graça e da predestinação, fortemente refutada por Agostinho numa série de
tratados que se tornaram conhecidos como escritos antipelagianos. Mais tarde, o Pelagianismo foi
condenado oficialmente pela Igreja nos concílios de Cartago (418 d.C.), de Éfeso (431 d.C.) no
Concílio de Orange II (529 d.C.) (COSTA, 2002, p.352)
96
[...] Nulla in his veris Academicorum argumenta formido dicentium: Quid si falleris? Si enim fallor,
sum. Nam qui non est, utique nec falli potest; ac per hoc sum, si fallor. Quia ergo sum si fallor,
quomodo esse me fallor, quando certum est me esse, si fallor?
97
Aut si non cernis quae dico, et an vera sint dubitas, cerne saltem utrum te de iis dubitare non
dubites; et si certum est te esse dubitantem, quaere unde sit certum [...]
123
Nesta inferência, apela à evidência da interioridade, no diálogo do santo com
o seu alter-ego, onde propõe ao homem adentrar em si e refletir sobre seu destino:
AE – Tu que desejas se conhecer, tens consciência de tua existência?
AA – Sim, tenho!
AE – E de onde vem este conhecimento?
AA – Não sei!
AE – Conhece-te como um ser simples ou composto?
AA – Não sei!
AE – Saberias o que te move?
AA – Não sei!
AE – Tens consciência de que pensa?
AA – Sim!
AE – Então o teu pensar é uma verdade!
AA – Certamente!
AE – Veja bem para onde vais! Ao pensar que nada é desdito pelo
conhecimento, provavelmente concluirás que o entendimento se constitui na
bem-aventurança. Mas, somente é bem-aventurado aquele que vive, e nada
vive se não existir. Estás querendo ser, viver, entender e existir para viver, e
viver para entender. Logo tens consciência que existe, sabes que vive, sabes
que entende. Talvez queiras alargar teu conhecimento e comprovar se estas
coisas vão sobreviver para sempre, se vão fenecer, ou se alguma delas
permanecerá para sempre e outras não, ou ainda se podem evoluir e involuir,
supondo que sejam eternas
98
(in SOLILOQUIORUM Liber II - 1. 1).
Para Santo Agostinho, se existe uma dúvida necessariamente há que se
pressupor uma certeza, pois não poderia enganar-se aquele que não tem uma
existência; igualmente é que esta verdade já nos é possuída e não armazenada na
memória de forma imaginativa, tampouco corpórea. Poder-se-ia duvidar de tudo,
exceto de que se esteja duvidando, conquanto a própria existência da dúvida seja

98
AA. - Tu qui vis te nosse, scis esse te?
AE. - Scio.
AA. - Unde scis?
AE. - Nescio.
AA. - Simplicem te sentis, anne multiplicem?
AE. - Nescio.
AA. - Moveri te scis?
AE. - Nescio.
AA. - Cogitare te scis?
AE. - Scio.
AA. - Ergo verum est cogitare te.
AE. - Verum.
AA. - Iam video totum quod cupis. Nam, quoniam neminem scientia miserum esse credis, ex quo
probabile est ut intellegentia efficiat beatum; beatus autem nemo nisi vivens, et nemo vivit qui non
est: esse vis, vivere et intellegere; sed esse ut vivas, vivere ut intellegas. Ergo esse te scis, vivere te
scis, intellegere te scis. Sed utrum ista semper futura sint, an nihil horum futurum sit, an maneat
aliquid semper, et aliquid intercidat, an minui et augeri haec possint, cum omnia mansura sint, nosse
vis.
124
uma verdade, exatamente devido às evidências de sua realidade, ou seja, a dúvida
atestaria a existência do homem:
Como duvidar, entretanto, do que quer que seja, aquele que ao viver tem
presente que compreende, deseja, pensa, conhece e julga? Visto que
também se duvida, vive; se duvida, lembra do que duvida; se duvida,
compreende que duvida; se duvida, espelha-se no correto; se duvida, pensa;
se duvida, sabe e não sabe; se duvida, julga não consentir por temer. Quem
quer, portanto, de qualquer parte duvidar, não deve a todos estes duvidar;
pois que se não existissem alguma coisa duvidar não poderia
99
(in DE
TRINITATE Liber X - 10. 14).
Com esta frase: se me engano existo, foi muito mais longe do que jamais
imaginou, antecipou o pensamento cartesiano em mil e duzentos anos, e, diferente
do que posteriormente deduziu Descartes, Santo Agostinho não fez uma análise
lógica, mas uma análise existencial, isto é, o homem reconhecer-se a partir da
própria existência vivida, terrena e sujeita a falhas.
Santo Agostinho complementou seu pensamento demonstrando que a
imperfeição humana seria necessária, porque se não existisse, estaríamos no
mesmo nível dos anjos, conforme escreveu:
A eles (os anjos) não estamos unidos, não por habitarmos a terra em
condição carnal, mas por gostarmos em nosso coração da impureza das
coisas terrenas. Quando realmente sararmos, seremos propriamente como
eles são: pela fé, deles nos aproximaremos, e se sob sua tutela também
crermos, Ele nos fará felizes do mesmo modo como os fêz
100
(in DE
CIVITATE DEI LIBRI XXII - VIII.25).
Ricoeur comentando o Cógito cartesiano na Segunda meditação, afirma que
é capital entender na dúvida a certeza:
Em conformidade com a perpectiva ontológica da dúvida, a primeira certeza
que daí deriva é a certeza de minha existência implicada no próprio exercício
do pensamento em que a hipótese do grande enganador consiste: Não há
portanto nenhuma dúvida de que eu sou, se ele me engana; e, mesmo que
ele me engane tanto quanto desejar, ele não poderá nunca fazer que eu não
seja nada enquanto eu pensar ser alguma coisa. Eis aí realmente uma
proposição existencial em que o verbo ser é tomado aí independentemente e
não como verbo que liga o atributo ao sujeito: eu sou, e existo. (1991, p.17)

99
Vivere se tamen et meminisse, et intellegere, et velle, et cogitare, et scire, et iudicare quis dubitet?
Quandoquidem etiam si dubitat, vivit; si dubitat, unde dubitet meminit; si dubitat, dubitare se intellegit;
si dubitat, certus esse vult; si dubitat, cogitat; si dubitat, scit se nescire; si dubitat, iudicat non se
temere consentire oportere. Quisquis igitur alicunde dubitat, de his omnibus dubitare non debet; quae
si non essent, de ulla re dubitare non posset.
100
[...] Non enim quia in terra condicione carnis habitamus, sed si immunditia cordis terrena sapimus,
non eis iungimur. Cum vero sanamur, ut quales ipsi sunt simus: fide illis interim propinquamus, si ab
illo nos fieri beatos, a quo et ipsi facti sunt, etiam ipsis faventibus credimus.
125
Ricoeur (2005), para quem a dimensão da pessoa reflete o homem falível,
referiu a relação do homem com Deus em uma perspectiva inversa, ou seja, do
ponto de chegada para o ponto de partida:
[...] Deus confere à certeza de mim mesmo a permanência que esta não
conserva dela própria. Essa estrita contemporaneidade da idéia de Deus e da
idéia de mim mesmo, tomada do ângulo do poder de produzir idéias, faz-me
dizer que, como a idéia de mim mesmo, a idéia de Deus nasceu e produz
comigo, visto que eu fui criado. Melhor; a idéia de Deus está em mim como a
própria marca do autor em sua obra, marca que assegura a semelhança de
um como outro. É preciso então que eu confesse que concebo essa
semelhança... através da mesma faculdade pela qual eu concebo a mim
mesmo(1991, p.21)
Santo Agostinho partiu do homem falível para provar a existência de seu
oposto, o ser perfeito; assim a falha humana teria um caráter dual. Concluiu o que
deduziu na trilogia, quando explicou a Adeodato que em Deus não existiria dúvidas:
Logo, servindo-nos de uma ilibada autoridade, para nós muito cara, o apóstolo
Paulo, que disse: Não existia em Cristo o ser e o não ser, mas nele só existia o
ser
101
(in DE MAGISTRO LIBRI IV 39).
Esta característica pospositiva de Santo Agostinho em não se apropiar da
verdade, considerei na tradução de De Magistro, tal a enfatizar suas proposições no
condicional, na possibilidade de ser um constato, deixando na voz de Adeodato a
decisão pelo entendimento da veracidade daquilo que o pai propunha.

101
Ergo, ut ea potissimum auctoritate utamur, quae nobis carissima est, cum ait Paulus apostolus:
«Non erat in Christo est et non, sed est in illo erat».
126
III – ANÁLISE DE MINHA TRADUÇÃO
3.1 CONSULTA GRAMÁTICA À TRADUÇÃO
Para a tradução de De Magistro, serviram de material de apoio: Dicionário
LATINO-PORTUGUÊS de Francisco Torrinha, considerado pelos críticos, como o
melhor dicionário até hoje editado; Dicionário de LATIM-PORTUGUÊS-LATIM de
Antonio Gomes Ferreira; Dicionário de La Biblia de H. Haag; A. van den Born e S.
Ausejo; Manual de Tradução de Textos Latinos de José Lodeiro; Manual de Língua
Latina de Roder Verdier; Guia Prático de Tradução Latina de Tassilo Orpheu
Spalding; Chave da Versão Latina – Complemento às Gramáticas Latinas;
Gramática Latina de Antonio Freire; Gramática Latina do Pe. Matheus Nogueira
Garcez; Gramática Latina de A. Carl, P. Grimal, J. Lamaison e R.Noiville; Gramática
Latina de Oswaldo A. Furlan e Raulino Bussarello; e, Gramática Latina do Pe. Júlio
Comba.
3.2 COMENTÁRIOS e NOTAS SOBRE A TRADUÇÃO
Ao longo do texto, durante o diálogo, Adeodato responde ao pai por
inúmeras vezes com as mesmas palavras, breves e sintéticas que parecem ter
significados semelhantes, porém, revestidas de nuanças que as diferem na
interpretação, em face da matiz do contexto em que se inserem. Fundamentado no
dicionário de Francisco Torrinha, adotei o critério de estabelecer uma relação
constante na tradução destas, conforme segue: constat – acordar (de concordar);
concedo – assinto (de sujeitar-se); convenit – combinar (de ajustar-se); assentior
aprovado (ser da mesma opinião); admitto – permito (de ser favorável) ; accipio
acolho (de receber).
Santo Agostinho desde o início do Capítulo I apresenta sua concepção de
linguagem e, admite que esta tenha sido instituída com a finalidade senão de
ensinar e para aprender, através dos sentidos e do pensamento:
127
I - 1 Augustinus
Quid tibi videmur efficere velle, cum loquimur?
O que compreendes que desejamos, quando falamos?
O verbo loquor aparece na Vulgata 139 vezes como uma fala comprobatória
divina, Locutio dei attestans. Está intimamente ligado à loquens, que significa falar
de forma expressiva. Todos são derivados de Locutio, o deus romano da fala,
eloquentia (eloqüência) dom da palavra; eloquium (discurso); eloquor (exposição,
revelação, explicação); este último de muita afinidade com a intenção de Santo
Agostinho na conversa com Adeodato.
Veikko Väänänen em seu livro Indroducción al Latín Vulgar, afirma:
El latín del que son continuación las lenguas romances se encuentra en
franco desacuerdo con la forma literaria y sobre todo clásica. Quien quiera
explicar expresiones romances como foie, tête o parler, no debe acudir a
iecur, caput y loqui, transmitidos por la literatura romana (1968, p. 27).
Utilizo a citação de Väänänen para explicar uma dificuldade que encontrei
na tradução de De Magistro, em que Santo Agostinho utiliza ao longo de todo o seu
discurso o verbo latino loquere, pertencente à forma depoente, uma característica
do latim que se configura pelo uso da forma verbal na voz passiva, no entanto, com
o significado de voz ativa.
Esta construção verbal pressupõe uma atuação linguística em que a fala se
constitui numa ação mediada, que consiste em sublinhar a existência de um circuito
locutório, no qual os papéis de sujeito falante e de ouvinte são permutáveis. O
simplesmente falar estaria mais bem representado em latim por aio, ligado ao latim
vulgo ou até mesmo por dico; porém, estes dois verbos não pressupõem um sujeito
agente, enquanto loquor (eu falo) solicita tanto um sujeito agente mediador quanto
uma ação mediada.
Considerando que em português não temos uma palavra específica para a
tradução deste sentido de loquere, traduzi-o por falar, muito embora dentro do
contexto, na tradução, eu sempre o tenha considerado dentro de uma fala mediada.
I - 4 Adeodatus
Quo tandem censes, nisi cum interrogamus?
Como opinas então, senão ao interpelarmos?
O próprio Santo Agostinho esclarece a interpretação de interrogamus:
128
No que precede e se segue a uma proposição é de se crer no afastamento
entre a pergunta (percontatio) e a interrogação (interrogatio). Entre perguntar
e interrogar, disseram os antigos que existe uma diferença: à pergunta
permitem-se muitas respostas, porém à interrogação apenas se responde
sim ou não
102
(in DE DOCTRINA CHRISTIANA LIBRI IV – III.3.6).
É de deixar claro que, Santo Agostinho quando deu a definição acima, o fez
em uma obra que surgiu dez anos após ter redigido De Magistro, portanto, na obra
de minha tradução ele não utilizou a palavra interrogatio nos moldes que acima
esclarece.
Em De Ratione Dicendi ad C. Herennium, encontramos: Nem todos estão de
acordo que interrogatio seja uma acusação...
103
(in RHETORICA AD HERENNIUM
Liber IV.22).
Segundo esta obra, Interrogatio, no sentido grego da anacoenosis, era um
recurso utilizado em retórica, quando colocado sob a forma de questionamento que
se fazia introdutóriamente no início de um discurso, em que, normalmente, não
pretendia obter qualquer resposta, tinha somente um efeito de interpelação,
obrigando o interpelado a pensar numa resposta apropriada.
Em latim, interrogatio nem sempre designa um interrogatório, e, no contexto
de De Magistro apresenta-se como uma interpelação.
I - 09 Augustinus
At ego puto esse quoddam genus docendi per
commemorationem, magnum sane, quod in hac nostra
sermocinatione res ipsa indicabit.
Contudo julgo ser de grande valor esse gênero de ensino por
rememoração, que aqui, nossa conversa por si só indicará.
I - 11 Augustinus
Video quid sentias. Sed nonne attendis id quod te delectat in
cantu modulationem quamdam esse soni; quae quoniam
verbis et addi et detrahi potest, aliud est loqui, aliud est
cantare? Nam et tibiis et cithara cantatur, et aves cantant, et
nos interdum sine verbis musicum aliquid sonamus, qui sonus
cantus dici potest, locutio non potest: an quidquam est quod
contradicas?

102
Quod credere quia dementissimum est, ita pronuntiabitur, ut praecedat percontatio, sequatur
interrogatio. Inter percontationem autem et interrogationem hoc veteres interesse dixerunt, quod ad
percontationem multa responderi possunt, ad interrogationem vero aut: Non, aut [...]
103
Interrogatio non omnis gravis est neque concinna [...]
129
Compreendo o que pensas. Mas não atentas que aquilo
que te deleita no canto, é certa modulação do som? Desde
que se possa adicionar ou subtrair palavras, uma coisa é
falar, outra cantar. Efetivamente ao som de flautas e cítara
cantam-se; os pássaros cantam e mesmo nós alguma música
entoamos sem palavras, que sons de canto poder-se-iam
chamar e não locução. Terias algo a objetar?
I - 19 Augustinus
Recte intellegis; simul enim te credo animadvertere, etiamsi
quisquam contendat, quamvis nullum edamus sonum, tamen,
quia ipsa verba cogitamus, nos intus apud animum loqui, sic
quoque locutione nihil aliud agere quam commemorare, cum
memoria, cui verba inhaerent, ea revolvendo facit venire in
mentem res ipsas, quarum signa sunt verba.
Corretamente captaste, ademais, igualmente creio teres
pressuposto que mesmo sem emitir sons nós refletimos
sobre as palavras e falamos no íntimo de nossa alma. Desse
modo, com a locução nada fazemos a não ser evocar a
memória, fazendo-a agir e rememorar à mente as próprias
coisas das quais as palavras são signos.
Santo Agostinho ao escrever sobre a memória e os sentidos afirma:
Sim, é verdade! A não ser porque já existiriam em minha memória? Porém,
elas estavam tão abrigadas e ocultas em cavernas secretíssimas que talvez
não pudesse pensar nelas, se de lá não fossem arrancadas por quem me
alertasse
104
(in CONFESSIONUM LIBRI XIII - X.10.17).
À tradução de commemorare considerei o contexto onde estava inserida.
Em alguns casos, segui a literalidade como em I-9, enquanto em outros, como I-19,
considerei a citação acima e, a traduzi por evocar, chamar de algum lugar.
Em minha tradução, para a conjunção sed, entendida adversativa por
excelência, considerei sempre a literalidade e a traduzi por mas; entretanto, para a
conjução at, dado sua sua função coesiva em gerar expressividade ao texto, quando
muitas vezes tem uma função adverbial ao contribuir com o sentido do contexto,
entre minhas opções, busquei sempre na tradução a coerência com a raíz latina da
conjunção. Por exemplo: contudo (cum + totus); entretanto (inter + tantum);
entrementes (inter + medium); porém (por + em - forma apocopada do advérbio
latino endo); todavia (totus + via).

104
Ita est, verum est, nisi quia iam erant in memoria, sed tam remota et retrusa quasi in cavis
abditioribus, ut, nisi admonente aliquo eruerentur, ea fortasse cogitare non possem?
130
Optei por traduzir: sentias por pensar, porque no texto anterior Santo
Agostinho solicita ao filho o que pensa a respeito de..., e video por compreender,
embora fosse possível também traduzir por perceber. Tanto em português como em
latim estas duas palavras podem ser sinônimas, no entanto vertendo-se as duas
para o latim, apenas compreender poderá ser traduzida por interpretari.
I - 15 Augustinus
Nescire te arbitror non ob aliud nobis praeceptum esse, ut in
clausis cubiculis oremus, quo nomine significantur mentis
penetralia, nisi quod deus, ut nobis, quod cupimus, praestet,
commemorari aut doceri nostra locutione non quaerit.
Ignoras a lei que nos prescreve não proceder de outra forma,
que não orarmos ocultos em um quarto, para que a súplica
penetre em nossa mente. Senão, como poderia Deus nos
fazer rememorar ou ensinar a alcançar pela locução aquilo
que desejamos.
Considerei a tradução de significantur mentis por penetre em nossa mente,
porque esta expressão latina é correlata ao dualismo entre as faculdades de sentir e
inteligir, existentes na filosofia grega e medieval, que os via como atos de
faculdades essencialmente distintas e determinadas pela atuação das coisas sobre
elas. Os sentidos receberiam os influxos do mundo exterior ao homem e
forneceriam à inteligência os dados sensíveis, enquanto a inteligência receberia dos
sentidos os dados sensíveis e os submeteria às diversas operações intelectivas
como conceituar, julgar, raciocinar, interpretar, etc.
Santo Agostinho, no capítulo II, prepara a introdução de sua teoria dos
signos, a partir de uma leitura dos diferentes signos e não apenas dos verbais:
II - 18 Adeodatus
Nimis quidem urges, sed quando non habemus quid
significemus, omnino stulte verbum aliquod promimus; tu
autem nunc mecum loquendo credo quod nullum sonum
frustra emittis, sed omnibus, quae ore tuo erumpunt, signum
mihi das, ut aliquid intellegam. Quapropter non te oportet
istas duas syllabas enuntiare dum loqueris, si per eas non
significas quicquam. Si autem vides necessaram per eas
enuntiationem fieri nosque doceri vel commoneri, cum
auribus insonant, vides etiam profecto, quid velim dicere, sed
explicare non possim.
131
Muito me acuas, mas quando não encontramos aquilo que
significamos é insensato proferirmos qualquer palavra; tu,
agora, ao falar comigo, creio, não emite nenhum som em
vão, mas, como todos os que expressa oferece-me como
signo para que eu entenda algo. Se com essas duas síbalas
não quisesses significar alguma coisa não as pronunciaria.
Se compreenderes que com elas há uma informação e que
ao soar em nossos ouvidos produz um ensino ou nos
rememore algo, entenderás o que quero dizer, mas não
consigo explicar.
Cabe notar a tônica da dialética socrática levada a cabo entre pai e filho, a
qual aparece sobrenadante ao longo de todo o discurso, e, pela qual, Santo
Agostinho frequentemente faz provocações ao filho e, muitas vezes conclui pelo
anverso do desejado, com o propósito único de confundir o filho e provocá-lo a uma
reação.
No texto anterior, Santo Agostinho admite não concordar com o filho e
assume estar impedido de fazê-lo, e que ambos erraram ao acordarem que todas as
palavras fossem signos. Este contexto me levou a traduzir Nimis quidem urges por
certamente muito me oprimes, porque denota a clara intenção do pai de que
Adeodato não encontrasse uma alternativa fácil.
II - 19 Augustinus
Quid igitur facimus? An affectionem animi quamdam, cum
rem non videt, et tamen non esse invenit, aut invenisse se
putat, hoc verbo significari dicimus potius, quam rem ipsam
quae nulla est?
Então, o que faremos? Quando não vemos uma coisa e
descobre-se ou supõem-se ter descoberto que ela não exista
e, em face de certa disposição da alma, é possível
significar-lhe a palavra mesmo que não exista?
Traduzi affectionem animi por certa disposição da alma, porque Santo
Agostinho está apresentando a Deodato a diferença entre os significados visíveis
(extra-mentais) e os internos disponibilizados na mente (espirituais) e, em face do
que descrevi no capítulo 2.9, na qual a alma se apresenta como a conexão entre o
mundo visível e invisível.
II - 20 Adeodatus
Istud ipsum est fortasse quod explicare moliebar.
Era isso que acaso esforçava-me para explicar.
Traduzi moliebar por esforço, porque em latim, moliebar subtende um forte
movimento de deslocamento de algo.
132
II - 21 Augustinus
Transeamus ergo hinc, quoquo modo se habet, ne res
absurdissima nobis accidat.
Retornemos, pois, donde estávamos para que algo
incongruente não nos suceda.
Optei por evitar a literalidade e traduzir absurdíssima por incongruente, por
julgar a literalidade (absurda) imprópria ao contexto do diálogo.
II - 24 Adeodatus
Ridiculum hoc quidem est, et tamen nescio quomodo video
posse contingere; imo plane video contigisse.
Certamente isto é rizível, desconheço o modo pelo qual
possa ocorrer, pois entendo claramente que já tenha
ocorrido.
A palavra latina ridiculum significa coisa jocosa, deste modo não optei por
traduzi-la por ridículo, porque a tradução literal para o português implica em um riso
grotesco ou de escárnio, o que não é o caso neste diálogo entre pai e filho. Traduzi
por rizível, que tem a conotação de rir de forma espirituosa.
O capítulo III apresenta sua primeira proposição, na qual estende à
concepção de linguagem a toda comunicação, incluindo as que se dão através dos
signos, responsáveis pela comunicação das idéias e juízos que fazemos em nosso
mundo, exceto aos que se referem a fenômenos naturais:
III - 4 Augustinus
Num colorem corpus dicimus an non potius quandam
corporis qualitatem?
Acaso dizemos que a cor é uma coisa material, ou poderia
ser certa qualidade do material?
III - 6 Augustinus
Cur ergo et hic digito demonstrari potest? An addis
corporibus etiam corporum qualitates, ut nihilo minus etiam
istae, cum praesentes sunt, doceri sine verbis possint?
Logo, por quais razões poder-se-ia mostrar a cor com o
dedo? Ao adicionar as qualidades aos materiais, sem alterá-
los e elas presentes, poderíamos ainda ensinar sem
palavras?
A palavra latina corpus surge em oposição à alma, mas, neste caso, carrega
a idéia de ser algo ligado apenas aos cinco sentidos naturais e orgânicos, isto é, se
refere a corpos físicos, o que me levou a traduzi-la por materiais. Ainda, Santo
Agostinho, tem que as idéias em si, que levam à sensibilidade das qualidades não
133
contêm os sentidos que representam, conforme atesta: Não são os sentidos que nos
imprime as idéias, porque estas em si não tem cor, nem som, nem cheiro, nem
gosto, nem são táteis.
105
(in CONFESSIONUM LIBRI X - 12.19).
III - 10 Augustinus
Numquamne vidisti, ut homines cum surdis gestu quasi
sermocinentur ipsique surdi non minus gestu vel quaerant vel
respondeant vel doceant vel indicent aut omnia, quae volunt,
aut certe plurima? Quod cum fit, non utique sola visibilia sine
verbis ostenduntur, sed et soni et sapores et cetera
huiusmodi; nam et histriones totas in theatris fabulas sine
verbis saltando plerumque aperiunt et exponunt.
Nunca viste como os homens se comunicam com os surdos,
do mesmo modo que os próprios surdos igualmente
respondem por meio de gestos e, ensinam ou indicam tudo,
ou de certo muito daquilo que desejam? De tal modo, não se
mostram sem palavras só as coisas visíveis, mas também
sons, sabores, e outros iguais; de fato, todos os histriões nos
teatros, geralmente dançam e contam histórias sem palavras.
Santo Agostinho indica que os signos até possuem um sistema de
linguagem não audível, mas que funciona como palavras visíveis. O signo ao
impressionar o sentido visual com uma imagem, mostra que a linguagem excede as
palavras oralizadas ou escritas, conforme definiu em obra posterior:
Através do movimento das mãos, alguns exprimem a maior parte das coisas.
Os cômicos com o movimento de todos os seus membros mostram certos
signos aos expectadores, como que falando aos seus olhos. Os estandartes
e insígnias militares manifestam aos olhos a decisão dos chefes. De modo
que todos esses signos funcionam como palavras visíveis.
106
(in De Doctrina
Christiana LIBRI IV - III.4)
Os capítulos IV a VII estabelecem a reciprocidade dos signos, questionando
possibilidades de se comunicar sem signos e as relações entre o signo e a palavra:
IV - 3 Augustinus
Cum ergo de quibusdam signis quaeritur, possunt signis
signa monstrari; cum autem de rebus, quae signa non sunt,
aut eas agendo post inquisitionem, si agi possunt, aut signa
dando, per quae animadverti queant.

105
quarum nullam corporis sensus inpressit, quia nec ipsae coloratae sunt aut sonant aut olent aut
gustatae aut contrectatae sunt. audiui sonos uerborum, quibus significantur, cum de his disseritur […].
106
Et quidam motu manuum pleraque significant, et histriones omnium membrorum motibus dant
signa quaedam scientibus et cum oculis eorum quasi fabulantur, et vexilla draconesque militares per
oculos insinuant voluntatem ducum. Et sunt haec omnia quasi quaedam verba visibilia.
134
Logo, inquerido sobre signos, podemos mostrar signos por
signos; e quando se tratar de coisas que não são signos,
imediatamente após a interpelação, poderemos expor os
signos para que os notem.
As palavras latinas inquisitionem e interrogatio são sinônimas, deste modo,
utilizei o mesmo critério que em I-4, e a traduzi por interpelação.
IV - 43 Augustinus
Concedisne omnem equum animal esse nec tamen omne
animal equum esse?
Não assentirias que todo cavalo seria animal, mas, nem todo
animal seria um equino?
IV - 47 Augustinus
Ne te istuc moveat; dicimus enim et signa universaliter omnia,
quae significant aliquid, ubi etiam verba esse invenimus.
Dicimus item signa militaria, quae iam proprie signa
nominantur, quo verba non pertinent. Et tamensi tibi dicerem:
ut omnis equus animal, non autem omne animal equus, ita
omne verbum signum, non autem omne signum verbum est,
nihil, ut opinor, dubitares.
Que isto não te preocupes, por certo dizemos signos em geral
a tudo que significa algo, e aí estão igualmente as palavras.
Dizemos o mesmo dos símbolos militares, mais próximos
dos signos e não pertencente as palavras. Igualmente, se te
dissessem: todo cavalo é animal, e nem todo animal é
equino, da mesma forma que toda palavra é signo, e nem
todo signo é palavra; acredito que não terias dúvidas.
Traduzi signa militaria por símbolos militares, face o que já tinha ressaltado
no capítulo 2.6 que trata da interpretação do signo em De Magistro, no qual o
historiador Le Goff e o lingüista Todorov afirmam que, na semiótica do período
medieval, as insígnias faziam parte dos símbolos.
No latim vulgar, enquanto caballus era o animal de carga, usado sempre no
trabalho pesado, geralmente castrado, tinha a ver com o cavalo utilizado na
agricultura; no latim clássico, equus (masculino) era o animal bem tratado, usado
em Roma em pistas de corrida ou em passeios a serviço dos patrícios, e mais afeto
ao cavalo para a batalha, ou a determinadas máquinas de guerra como o aríete,
agregado, principalmente, à cavalaria romana. Em Pro Murena 78 de Cícero,
135
encontramos: Intus, intus, inquam, est equus Troianus.
107
Para o feminino equa
conservou-se integralmente em português pela derivação latina.
Wäänänen explica esta diferença:
Caballus - En su origen caballo de trabajo o caballo castrado, caballus
sustituyó a equus, al principio com un matiz peyorativo de rocín, a partir de
Varrón y sobre todo en la época imperial; después cualquier caballo (1968, p.
131).
Portanto, optei por traduzir equus por cavalo quando se tratou de um
substantivo e, por equino quando um adjetivo ou um substantivo adjetivado.
V - 35 Augustinus
Acute quidem falleris; sed ut falli desinas, acutius adtende,
quod dicam, si tamen dicere id, ut volo, valuero. Nam verbis
de verbis agere tam implicatum est, quam digitos digitis
inserere et confricare, ubi vix dinoscitur nisi ab eo ipso, qui id
agit, qui digiti pruriant et qui auxilientur prurientibus.
Engana-te agudamente, mas para findar tua dúvida, atente
ao que te direi com a firmeza que desejo. De fato, mover-se
entre palavras com palavras é tão complicado quanto
entrelaçar os dedos e friccioná-los; somente quem o faz,
sabe o que lhe inquieta e o quanto isso alivia a inquietação.
Tomei o cuidado de traduzir prurientibus, do verbo prurio, por inquietação. A
tradução por prurido seguido de comichão é possível; no entanto, a palavra latina
prurido no período medieval estava íntima e profundamente ligada aos casos de
lepra, o que não se insere no contexto deste diálogo entre Santo Agostinho e o filho.
Na Sagrada Escritura, encontramos este sentido, em duas passagens por ocasião
de uma súplica em confissão de Davi, quando acometido dessa doença.
Amigos e companheiros fogem de minha lepra, e meus parentes
permanecem longe
108
(PSALMI 37.12).
[...] são fétidas e purulentas as chagas que a minha loucura me causou
109
(PSALMI 37.6).
V - 39 Augustinus
Ergo, ut ea potissimum auctoritate utamur, quae nobis
carissima est, cum ait Paulus apostolus: «Non erat in Christo
est et non, sed est in illo erat», non opinor putandum est tres
istas litteras, quas enuntiamus, cum dicimus «est», fuisse in
Christo, sed illud potius, quod istis tribus litteris significatur.

107
Está dentro, aqui dentro, estou dizendo, é um equino de Tróia. (m.t.)
108
[...] cari mei et amici mei quasi contra lepram meam steterunt et vicini mei longe steterunt.
109
[…] conputruerunt et tabuerunt cicatrices meae a facie insipientiae mea
136
Logo, servindo-nos de uma ilibada autoridade, que para nós é
muito cara, o apóstolo Paulo, que disse: Não existia em Cristo
o ser e o não ser, mas nele só existia o ser.
Não
concordarias, por exemplo, que estas três letras que
pronunciamos (est) existissem em
Cristo, mas sim aquilo que
estas três letras significavam.
A tradução literal de est seria é, no entanto considerando o que escrevi no
capítulo 2.9 em que trato do Cógito em Santo Agostinho, julguei mais adequado
traduzir por ser, porque está a referir a presença da existência em Cristo.
V - 59 Augustinus
[...] Sed ne quis tardior aut impudentior nondum cedat,
asseratque nisi illis auctoribus, quibus verborum leges
consensu omnium tribuuntur, nullo modo esse cessurum,
quid in Latina lingua excellentius Cicerone inveniri potest? At
hic in suis nobilissimis orationibus, quas Verrinas vocant,
coram praepositionem, sive illo loco adverbium sit, nomen
appellavit.
Mas, a alguém inepto ou lúbrico que não queira ver, e que
ainda defenda não pode ceder aos eglégios em contribuir
com regras às palavras, a quem mais se aproximar do que
da excelência em língua latina de um Cicero? Este, todavia,
em seus celebérrimos discursos conhecidos por Verrinas,
chamou de nome à preposição coram (diante de), ainda que
ali pudesse ser nominada de advérbio.
A palavra tardior refere-se ao adjetivo tardus e, dentre possíveis traduções
para o português, optei por inepto que significa aquele que se mostra obscuro em
um determinado assunto. O mesmo ocorre com a palavra latina impudentior que se
refere ao adjetivo lascivo, que traduzi por lúbrico significando escorregadio.
A palavra nondum é derivada da partícula dum+non, porém está
acompanhada da palavra cedat. Neste caso, não se refere a ceder do verbo cedo,
mas sim a uma forma de seu imperativo que em geral aparece na língua falada e
acompanhada da partícula dum. Nondum cedat significa não deixar ver, não
mostrar; portanto, aqui, a traduzi por não queira ver. Traduzi a palavra latina
asseratque por defender e leges por regras, mais adequado quando estamos
tratando de linguística; tribuuntur por contribuição por não ser derivado do verbo
tribuo, mas sim do substantivo tributum; e cessurum, de cessio, traduzi por
aproximar.
V - 65 Augustinus e 66 Adeodatus
Adtende cetera et finge nos videre aliquid longius et incertum
habere, utrum animal sit an saxum vel quid aliud, meque tibi
dicere: «Quia homo est, animal est», nonne temere
dicerem?
137
Temere omnino, sed non temere plane diceres: Si homo est,
animal est.
Atente ao restante e imagine estarmos a ver algo longínquo e
contingente, acaso um animal em um rochedo ou se queres
outra coisa, que me fizesse dizer a ti: Aquilo é homem, é
animal; teria eu dito irrefletidamente?
Completamente irrefletido, mas não inteiramente
impensado se dissesses: Se é um homem, é um animal.
A palavra saxum permite várias traduções e envolve a idéia de pedra, rocha,
optei por rochedo; a palavra quia é o antigo plural de quid, cuja tradução é, que
significa aquilo, porém optei por traduzi-la por Aquilo é; nonne, em latim um advérbio
de dupla negação quando numa mesma oração, tem a negação anulada
transformando-se numa afirmação. Ainda, a partícula non modifica o sentido se
estiver na frente ou atrás da outra negação, o que me levou a considerar esta frase
como uma afirmativa.
A palavra latina correspondente ao verbo temer (ter medo) em português é o
verbo timeo, mas, neste caso, estamos falando de temere, um ablativo em desuso
de temus+eris, que significa em português sem ponderação, deste modo optei por
irrefletido. O advérbio latino plane significa total e traduzido por inteiramente.
Nos capítulos VIII-X, Santo Agostinho inicia a análise dos significados e a
necessidade de refletir sobre a coisa significada e a função da linguagem para
chegar-se à questão do conhecimento das coisas, afirmando que este é mais
importante que seus signos:
VIII - 1 Augustinus
Et tamen, si dicam vitam esse quandam beatam eandemque
sempiternam, quo nos deo duce, id est ipsa veritate,
gradibus quibusdam infirmo gressui nostro accomodatis
perduci cupiam, vereor, ne ridiculus videar,qui non rerum
ipsarum, quae significantur, sed signorum consideratione
tantam viam ingredi coeperim.[...]
Contudo, se eu disser que há uma vida venturosa e
sempiterna pela qual pretendo que cheguemos a Deus, isto
é, à própria Verdade, conduzindo-nos a passos inseguros
por degraus; temo parecer rizível ao iniciar e empreender
tão grande caminhada considerando apenas os signos e não
as coisas mesmas por eles significadas.
138
A tradução de gradibus por degraus levou em consideração a passagem da
Vulgata na qual Jacob viu Deus aqui da terra em um sonho, e chamou este lugar de
a casa de Deus e a porta dos céus: [...] e teve um sonho: via uma escada, que,
apoiando-se na terra, tocava o cimo do céu; e anjos de Deus subiam e desciam pela
escada. No alto estava o Senhor
110
(GENESIS 28.12).
À tradução de infirmo, considerei inseguros; na tradução de ridiculus, a
tradução literal levaria à idéia de escárnio, deste modo optei por rizível.
VIII - 23 Augustinus
Cur ergo id tantum, quod in medio positum est, et
secundum id, quod sonat, et secundum id, quod significat, te
accipere libuit?
Por que tomaste por tão pouco as posicionadas ao centro,
conforme o que sonorizam, ao priorizar a seguinte que
significa (é); interpretaste como te agradava?
Neste caso, é necessário ler o texto VIII.21: [...] utrum homo homo sit [...].
Adeodato escolheu privilegiar a primeira e a quarta, e as duas do meio não
escolheu. Secundum é um advérbio de lugar, significa, neste caso, o que pospõem,
destarte, a traduzi por a seguinte. Libuit é o perfeito de libet que significa agradar,
dar prazer, ao que traduzi por agradava, e accipere significa compreender,
interpretar.
VIII - 33 Augustinus
Vellem scire, quomodo illi resisteres, de quo iocantes
solemus audire, quod ex eius ore, cum quo disputabat,
leonem processisse concluserit. Cum enim quaesisset, utrum
ea, quae loqueremur, nostro ore procederent, atque ille non
potuisset negare, quod facile fuit, egit cum homine, ut in
loquendo leonem nominaret. Hoc ubi factum est, ridicule
insultare coepit et premere, ut, quoniam, quicquid loquimur,
ore nostro exire confessus erat et leonem se locutum esse
nequibat abnuere, homo non malus tam inmanem bestiam
vomuisse videretur.

110
[...] viditque in somnis scalam stantem super terram et cacumen illius tangens caelum angelos
quoque Dei ascendentes et descendentes per eam.
139
Queria saber como te oporias àquele do qual ouvimos ter
feito zombarias, quando assumiu à pessoa com quem
debatia, que dela saiu pela boca o anticristo. Acaso, ao
questionar afirmando que tudo o que falamos emanaria de
nossa boca, impeliu o oponente, que ao não poder negar
algo fácil de conseguir, exclamou o nome do anticristo.
Quando isto ocorreu, jocosamente começou a insultá-lo e o
incitou a crer que tudo o que falamos é lançado de nossa
boca; aquele homem sem maldade não tendo como negar o
que pronunciou, dava mostras de ter vomitado uma besta
feroz.
Nesta pesquisa, no capítulo 2.6, o tema do significado do leão na idade
média foi intensamente abordado. A partir das considerações lá efetuadas não
haveria como traduzir leonis a não ser por anticristo.
IX – 10 Adeodatus
Concedo ipsam scientiam, quae per hoc signum evenit
eidem signo esse anteponendam, sed non ideo etiam rem
ipsam puto.
Assinto que mesmo o conhecimento pré-existente, que
ocorre deste signo, se deva antepor ao signo, mas nem por
isso também considero o mesmo da coisa.
Traduzi scientia por conhecimento pré-existente, em face da citação de
Panofsky:
Existe uma diferença sutil de interpretação, em latim, entre scientia e
eruditio... Scientia como conhecimento, denotando mais uma possessão
mental que um processo mental, que identificam-se com as ciências naturais
e, eruditio como estudo, denotando mais um processo que uma possessão,
que identificam-se com as humanidades. A meta ideal da ciência seria algo
como mestria, domínio, e a das humanidades algo como sabedoria (2004,
p.45).
IX - 11 Adeodatus
Non enim ob aliud ista cognitio signo, de quo agimus,
antelata est, nisi quia illud propter hanc, non haec propter
illud esse convincitur. Nam ita cum quidam vorator
ventrisque, ut ab apostolo dicitur, cultor diceret ideo se
vivere, ut vesceretur, non tulit, qui audiebat, frugi homo et
«quanto» inquit «melius ideo vescereris, ut viveres».
Certamente, não por outra razão, o conhecimento deve
antepor o signo do qual tratamos, face sua preferência, se
não, por aquilo a ser demonstrado. Como disse o Apóstolo ao
afirmar que certo comilão pançudo, que vivia para comer, foi
contestado por um sensato homem que o ouvia, e que lhe
respondeu: digo quão melhor seria se comesses para viver.
140
Santo Agostinho refere uma passagem da Sagrada Escritura: Esses tais não
servem a Cristo nosso Senhor, mas ao próprio ventre. E com palavras adocicadas e
linguagem lisonjeira enganam os corações simples
111
(ROMANOS 16.18).
A tradução literal de ventrisque estaria ligada ao ventre, no entanto, para dar
o sentido de um grande ventre, traduzi-a por pançudo.
IX -18 Adeodatus
Deus hanc avertat amentiam. Iam enim intellego non ipsas
cognitiones, quibus animum imbuit optima omnium disciplina,
esse culpandas, sed eos omnium miserrimos iudicandos,
sicut et Persium iudicasse arbitror, qui tali morbo affecti sunt,
cui nec tanta medicina subveniat.
Deus afaste esta loucura! Compreendo agora que nem os
próprios conhecimentos possam ensinar com a perfeita
disciplina esses negligentes; mas devemos em todo
julgamento nos apiedar, como Persio também julgou àqueles
afetados desta doença da alma, a qual nenhuma ciência
médica curará.
É necessário analisar as referências no capítulo 2.9, em que a alma é a
mediadora do encontro do homem com Deus e ainda considerar o que Santo
Agostinho escreveu dirigindo-se a Cristo como médico divino:
Ai de mim! Ó meu Senhor tenha compaixão de mim! Ai de mim, eu não
escondo minhas feridas: Tu és o médico, eu sou o doente; tu és a
misericórdia eu sou a miséria
112
( in CONFESSIONUM LIBRI XIII - X.28.39).
Estas observações me levaram a traduzir a palavra latina culpandas por
negligentes, disponibilizada em dicionários de latim-português jurídico. Morbo
significa doença, mas, neste caso, está ligada a vício; certamente Santo Agostinho
não está a referir a doença do corpo.
Santo Agostinho arrogava a Satanás como o pai da matéria infeccionada. A
impossibilidade de uma cura para este mal pela ciência me levou a traduzir morbo
por doença da alma e a palavra latina medicina não teria, neste caso, sua tradução
por medicamento; portanto fiz a opção por ciência médica, a ciência dos humanos.

111
huiusmodi enim Christo Domino nostro non serviunt sed suo ventri et per dulces sermones et
benedictiones seducunt corda innocentium […]
112
[...] Ei mihi! Domine, miserere mei! Ei mihi! Ecce vulnera mea non abscondo: medicus es, aeger
sum; misericors es, miser sum.
141
O capítulo X apresenta sua segunda proposição: o conhecimento em
relação com a linguagem, da qual as palavras não introduzem novas verdades em
nossa consciência, apenas nos advertem a buscar a Verdade dentro de nós:
X - 25 Augustinus
Non enim mihi rem, quam significat, ostendit verbum, cum
lego et sarabarae eorum non sunt commutatae. Nam si
quaedam capitum tegmina nuncupantur hoc nomine, num
ego hoc audito, aut quid sit caput aut quid sint tegmina,
didici? [...] memento nos non rei, quae significatur, sed ipsius
signi velle habere notitiam, qua caremus profecto, quamdiu,
cuius signum est, ignoramus.
Quando leio as palavras que mostram: as suas sarabalas
não foram alteradas, estas não mostram seus significados.
Certos objetos com este nome servem para cobrir a cabeça,
e por ventura ao ouvi-las, deduzirei o que é cabeça ou o que
são coberturas? [...] recordas não ser da coisa que é
significada que queremos o conhecimento, mas sim do signo,
e não o possuiremos enquanto ignorarmos de que coisa é
signo.
Aqui há uma referência à passagem da Sagrada Escritura: [...] os sátrapas,
os prefeitos, os governadores e os conselheiros do rei, em grupos à volta,
verificaram que o fogo não tinha tocado nos corpos desses homens, que nenhum
cabelo de suas cabeças tinha sido queimado, que suas vestes não tinham sido
estragadas e que eles não traziam nem indício do odor de fogo!
113
(DANIEL 3.94).
Santo Agostinho condiciona o significado a visão da coisa:
É isto que me esforço como posso para te persuadir, que nada apreendemos
com os signos chamados palavras. Como dissemos há pouco, conhecida a
própria coisa significada, aprendemos a força da palavra, ou seja, o
significado refletido no som; bem diverso de quando percebemos essa
realidade por meio de sua significação (in DE MAGISTRO LIBRI IX.25).
Na última parte capítulos XI-XIV, Santo Agostinho faz uma ponderação
pedagógica, ao refletir sobre a função da linguagem e seu estatuto, enquanto,
essêncialmente humana e mediadora da relação simbólica do mundo real com o
mundo espiritual. Embora possa ser acusado de mostrar a incapacidade da
linguagem, em por si só ensinar, na verdade Santo Agostinho nunca disse isso

113
[...] et congregati satrapae et magistratus et iudices et potentes regis contemplabantur viros illos
quoniam nihil potestatis habuisset ignis in corporibus eorum et capillus capitis eorum non esset
adustus et sarabala eorum non fuissent immutata et odor ignis non transisset per eos [...]
142
claramente, o que fez foi não eliminar a possibilidade de, mas sim de complementá-
la, adicionando sua íntima ligação com o divino, o que resultou em sua tese da
interioridade:
XII - Augustinus
[...] de illis cum interrogamur, respondemus, si praesto sunt
ea, quae sentimus, velut cum a nobis quaeritur intuentibus
lunam novam, qualis aut ubi sit. Hic ille, qui interrogat, si non
videt, credit verbis et saepe non credit, discit autem nullo
modo, nisi et ipse, quod dicitur, videat, ubi iam non verbis,
sed rebus ipsis et sensibus discit.
[...] como se nos perguntassem ao estarmos a observar a lua
nova, qual seria ela ou onde se encontraria. Caso aquele que
pergunta não a veja, acreditará na palavra ou não, mas como
se ensinaria pelos sentidos a não ser que igualmente a visse
conforme lhe é dito, Na verdade, ele não vê pelos sons das
palavras, mas ao sentir a coisa em si.
Aqui encontramos um bom exemplo daquilo evidenciado por Arendt, e, que
está oculto nas palavras de Santo Agostinho. Sabe-se que a Lua Nova não é visível
em nenhum lugar da terra; então, por que falando da luz de Cristo, o santo não
mencionaria algo visível que pudesse ser sensoriado, como o Sol? Na verdade,
utiliza de linguagem subliminar para dizer que o ser humano vive em estado de
escuridão, como durante a Lua Nova, mas que pelo intelecto poderá encontrar a
Luz.
XIV - Augustinus
Quid sit autem in caelis, docebit ipse, a quo etiam per
homines signis admonemur foris, ut ad eum intro conversi
erudiamur, quem diligere ac nosse beata vita est, quam se
omnes clamant quaerere, pauci autem sunt, qui eam vere se
invenisse laetentur.
O significado de nos céus, ele mesmo ensinará tanto como
por meio de signos advertirá exteriormente os homens para
que a ele voltemos de nosso interior, e nos ensinemos para a
vida venturosa que todos proclamam desejar e que poucos
podem verdadeiramente alegrar-se de tê-la encontrado.
Santo Agostinho, vinte e quatro anos depois de escrever De Magistro,
explicou o significado de nos céus, ao escrever uma de suas maiores obras, De
Civitate Dei, retirando este título de um pensamento dos estóicos, os quais
chamavam o universo de Cidade de Deus.
143
XIV – Augustinus
At istas omnes disciplinas, quas se docere profitentur,
ipsiusque virtutis atque sapientiae cum verbis explicaverint,
tum illi, qui discipuli vocantur, utrum vera dicta sint, apud
semet ipsos considerant interiorem scilicet illam veritatem pro
viribus intuentes.
Portanto, após terem ensinado com palavras todas as
ciências que professam, incluindo as concernentes a virtude
e a sapiência, os que são discípulos julgarão por si se o dito
é verdadeiro, na medida de sua capacidade em contemplar
aquela Verdade interior que falamos.
Ao longo desta dissertação considerei a tradução literal da palavra latina
sapientia como sapiência, entendo esta como uma sabedoria divina, em oposição a
sabedoria humana, porque neste caso não refletiria aquela pregnância a qual Santo
Agostinho indica ao retratar a suprema sapiência de Deus: amo a sapiência
somente por si mesma [...] e só se chega a Ela por um único caminho [...]. Ela (a
sapiência) é uma luz inefável e incompreensível à mente
114
(in SOLILOQUIORUM
LIBRI IXIII.22 e 23).

114
Ego autem solam propter se amo sapientiam [...]. Lux est quaedam ineffabilis et incomprehensibilis
mentium.
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, na apreciação do fenômeno agostiniano me vi em
permanente confronto entre a racionalidade cartesiana e a experiência
fenomenológica da vida intensamente vivida por Santo Agostinho.
Na dissertação não me eximi de deixar claro o pensamento que norteava
minha tradução, bem como não deixei de expor as contribuições de teóricos da
tradução que serviram de lastro para minhas opiniões a respeito de toda a obra de
Santo Agostinho e, especificamente para minha tradução de De Magistro.
Igualmente procurei não perder de vista a referência existente na contracapa do livro
de Hannah Arendt, que afirmou ser seu principal objetivo: tornar explícito aquilo que
Santo Agostinho apenas diz implicitamente.
De Magistro retrata um diálogo entre pai e filho, mas não é a conversa
mesma, posto que se a refletisse apresentaria a espontaneidade típica desta ação.
Muito mais, em De Magistro o que se apresenta é o enarratio e o explanatio,
fundado numa retórica de sentido em constante estado dialético e subliminar entre
forças antagônicas: o bem e o mal, a verdade e o falso, os cristãos e os hereges, os
conquistadores e os escravos; tudo isto expresso dentro de um quadro alegórico,
que requisitou uma tradução acautelada para que dela não houvesse dúvidas.
Ao longo da tradução identifiquei que a obra em si não responderia a todas
as imprecisões surgidas, destarte, procurei respostas intertextuais em outras obras
de Santo Agostinho, na Vulgata e no Fedon, as quais serviram de elementos de
recorrência e deram sustentação a esta pesquisa.
A visão hermenêutica incidente nesta dissertação assumiu uma abordagem
linguística singular ante a perspectiva de traduzir em De Magistro, não só as
palavras dos interlocutores em sua estrutura fônica e semântica, mas
principalmente, o pensamento de Santo Agostinho, refletido em vocábulos com a
peculiar eloqüência latina, que ajuíza as influências do signo e seus significados na
linguagem semiótico-agostiniana de seu tempo e espaço.
De Magistro apresentou-se à tradução em um desafio de extrema elegância,
proporcionando-me o prazer de estar sincronizado com a obra, com o autor e seu
145
contexto social, traduzindo ao mesmo tempo em que apreendia e refletia sobre a
concepção pedagógica agostiniana.
Em De Magistro a autoimplicação da na palavra Deus designando a
Verdade, enquanto absoluta, foi condicionante e não permitiu a busca por outros
sentidos que não o implicado na Sagrada Escritura. Contudo, é necessário clarificar,
que em nenhum momento da obra, Santo Agostinho coloca a Verdade como uma
representação que manifeste uma relação direta do signo com o significado.
Tratando especialmente desta, podemos dizer que no texto ela é supra-semiótica e,
como tal, seu sentido sempre foi considerado autoimplicado. Igualmente foi que, em
face do afastamento temporal da textura social do prae-medioevo, minha tradução
teve uma primeira intenção de aproximar o leitor do autor, para que aquele pudesse,
através de De Magistro, vivenciar a experiência agostiniana que prima pelo
sensoriar Deus internamente.
E, complemento que, distante passou-me a idéia, nesta pesquisa, de ser
mais que um artificioso tradutor incapaz de aqui exaurir todo universo agostiniano;
alertado estava por Leszek Kolakowski, o grado filósofo que ousa delinear os
contornos do Absoluto, que, ao deparar o teólogo holandês Cornélio Jansen (1585-
1638), dele predicou: [...] antes de escrever sua grande obra O Augustinus, se viu
obrigado a ler sua obra completa dez vezes e aquelas em que o santo versa sobre a
graça, trinta vezes (in KOLAKOWSKI, 1988, p.107).
146
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1974.
151
GLOSSÁRIO
Abjeto: Imundo, desprezível.
Abstrusa: Oculta, de difícil compreensão.
Anamnese: Do grego ana, significando trazer novamente; e mnesis, a memória.
Antinomia: Contradição entre duas leis ou princípios.
Ceticismo: Doutrina segundo a qual a razão não se acha efetivamente em posse de
nenhuma certeza, nem pode realmente possuir nenhuma.
Contingente: Que pode, ou não, sucedr ou existir; duvidoso, eventual, incerto.
Derrelição: O existente humano lançado no mundo, e abandonado a si mesmo.
Egrégio: Exímio, ilustre, nobre, notável.
Escatologia: Estudo sobre os incrementos ou doutrina sobre as últimas coisas,
como o juízo final, a morte, etc.
Estilha: Fragmento.
Estoicismo: Escola filosófica de Zenão de Cítio que prega um ideal de austera
virtude, definido pela ataraxia e resumido na máxima: Abstém-se e suporta.
Exegese: Interpretação minuciosa de um texto ou palavra.
Fauce: A parte superior e interior da goela, junto a raiz da língua; garganta.
Geena: nome usado para designar o lugar em que são castigados os pecadores no
outro mundo.
Grifo: Animal fabuloso, de cabeça de águia e garras de leão.
Herética: Relativo a heresia (doutrina que se opõe aos dogmas da Igreja).
Heurístico: Método de perguntas e respostas para encontrar a solução de
problemas.
Hierático: Sagrado, religioso
Hipogrifo: Animal fabuloso, monstro alado, metade cavalo, metade grifo.
152
Hipóstase: compreende-se uma realidade constituída, algo que se põe a si mesmo
como subsistente, onde ato e potência é uma só realidade autofundante de si.
Moção: Ato ou efeito de mover. Impulso que determina o movimento.
Numinoso: Na filosofia da religião, diz-se do estado religioso da alma inspirado
pelas qualidades transcendentais da divindade.
Patência: Permanência daquilo que traz à luz sobre o ente.
Pregnância: Qualidade que tem uma forma de impregnar o espírito do indivíduo e de ser
por
ele percebida no processo de grupação de elementos.
Presciência: Atributo divino pelo qual Deus conhece o futuro.
Prístino (prisco): antigo.
Seição: Ato de ser o que se é.
Semântica: Estudo das mudanças ou translações sofridas, no tempo e no espaço,
pela significação das palavras; semasiologia, sematologia, semiótica.
Sinonímia: Qualidade ou caráter de sinônimo, relação entre palavras sinônimas.
Sintagmas: Tratado de qualquer matéria, dividido em classes, números, etc.
Tautologia: Vício de linguagem, que consiste em repetir a mesma coisa, de
maneiras diferentes.
Unívoco: Que só admite uma interpretação.
Vezo: Hábito e costume criticáveis.
Volitivo: Ato da vontade na linguagem filosófica.
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