Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
TRA DIÇÃO, FA M ÍLIA E PROPRIEDADE (TFP):
AS IDIOSSINCRASIAS DE UM MOVIMENTO
CATÓLICO (1960
-
1995)
Gizele Zanotto
Flori
anópolis
SC, 2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
GIZELE ZANOTTO
TRA DIÇÃO, FA M ÍLIA E PROPRIEDADE (TFP):
AS IDIOSSINCRASIAS DE UM MOVIMENTO
CATÓLICO (1960
-
1995)
Tese apresentada ao programa de Pós
-
Graduação em História da
Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) como parte dos
requisitos para obteão do tulo de
Doutor em História Cultural.
Orientador: Dr. Artur César Isaia
Florianópolis
SC, 2007
ads:
Catalogação na fonte por: Onéli
a Silva Guimarães CRB
-
14/071
Z33t Zanotto, Gizele
Tradição, família
e propriedade (TFP): as idiossincrasias de um
movimento católico (1960
-
1995) / Gizele Zanotto; orientador Artur César
Isaia.
Florianópolis, 2007.
2
87
f.
Tese
(Doutorado)
Universidade Federal
de Santa Catarina,
Programa de Pós
-
Graduação em História, 2007.
Inclui bibliografia
1.
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.
2. Religião e política
Bra
sil
História
1960
-
1995.
3.
I
ntegrismo católico.
4. Pensamento político de direita. 5. Carisma profético. I. Isaia, Artur César.
II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós
-
Graduação em
História. III. Título.
CDU: 93/99
Agradecimentos
Esta tese é resultado de um trabalho amplo e sistemático feito a quatro os , com
indispensável orientação e dedicação do prof. Artur César Isaia. Também foram essenciais as
valorosas contribuições
dos membros da banca de qualificação, profs. Maria de Fátima Fontes
Piazza e Ricardo V. da Silva, aos quais também dedico admiração, respeito e
reconhecimento
especia
is
.
Institucionalmente sou grata aos professores, funcionários e bolsistas do Programa d
e Pós
-
Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, aos membros do
Laboratório de Religiosidade e Cultura (LARC), assim como a Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento que possibilitou a real
ização da
presente pesquisa;
A todos os colegas da UFSC e demais instituições, em especial, Claricia Otto, Rodrigo Caldeira,
Tânia Welter, Altamiro Kretzer,
Jó Klanovicz,
André Altoé e Tiago de Paula Oliveira, com quem
tive intensa e profícua troca de idéias e materiai
s;
Aos vários auxiliares desta pesquisa, que contribuíram com suas experiências (entrevistas ou
conversas informais) e com publicações essenciais para o trabalho,
entre os quais destaco:
Tomas Eon Barreiros, Orlando Fedeli, Sérgio Gomes, Paulo Corrêa de
Brito Filho, Plínio Vidigal
Xavier da Silveira, Frederico de Abranches Viotti, Armando Alexandre dos Santos, Dom Bertrand
e Dom Luiz de Orleans e Bragança, Gregório Vivanco Lopes
,
Ildefonso Homero Barradas,
Don
Luigi Moncalero (Fraternità San Pio X, Rimi
ni/Itália) e Zita Mendes (Biblioteca Padre Vaz
-
FAJE/Belo Horizonte);
A Darci, Clenir, Ka
tia,
Marcio e Leonardo pelo amor, assistência
, paciência
e compreensão;
Aos
demais
familiares e ami
gos, sempre presentes nos momentos
difíceis (que foram vári
o
s)
...
a todos
minha sincera
gratidão.
II
RESUMO
A presente tese tem como objetivo analisar as alterações e/ou cristalizões
concernentes à doutrina, atuação e creas dos membros da Sociedade Brasileira de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade (SBDTFP ou simplesmente TFP), associação
civil e explicitamente confessional católica fundada no ano de 1960 por um grupo de
leigos liderados por Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995). Nossa proposta
contemplará o estudo da doutrina e vivência dos membros da TFP do Brasil no período
de 1960 a 1995 delimitado, respectivamente, pela sua fundão na cidade de São
Paulo (de onde se expandiu para todo o país e exterior) e pelo falecimento de seu líder
máximo. Partindo da constatação da duplicidade de discurso e prática do
s membros da
TFP, iremos destacar a dogtica que rege sua atuação pública (pautada em
elementos da reação, conservadorismo e contra-revolão), avaliando seu grau de
filião ao catolicismo (em especial, destacando a utilização seletiva de inúmeros
docume
ntos do magisrio da Igreja visando conjugá-
los
quando possível
com o
pensamento sistematizado pelo seu fundador), assim como analisar os elementos que
configuraram um grupo religioso de veneração ao líder no interior de suas fileiras. Para
tanto salientaremos a importância da mudaa nas suas formas de recrutamento, a
adão de um modelo monacal em suas sedes, a preocupação com o controle de
mentes e corpos , a tensão entre apostolado e ascetismo e a paulatina alteração do
status de seu fundador: de
líder a mártir, profeta e santo.
Palavras
-
chave:
Tradição, Família e Propriedade (TFP); Integrismo católico;
Pensamento político de direita; Carisma profético; Grupo religioso.
ABSTRACT
The present thesis has as aim to analyse the alteration touching to the doctrine,
performance and beliefs of the members of Brazilian Society for the Defense of
T
radition,
Family and Property (BSDTFP or simply TFP), civil association and explicitly
catholic confessional founded in the year of 1960 by a group of laymen led by Plínio
Corrêa de Oliveira (1908-1995). Our proposal will contemplate the study of doctrine
and existence of the members of TFP from Brazil in the period from 1960 to 1995
delimited, respectively, by their foudation in the city of São Paulo (where it spread itself
to the whole country and abroad) and for their maximum leader. To begin the verifying
of the duplicity of the speech and practsing of the TPF members, we will point out the
dogmatics that dominates its public performance (ruled in elements of reaction,
conservatism and counter-revolution), evaluating its degree of filiation to catholicism (in
special, pointing out the selective utilization of uncounting documents of the mastership
of the church with the intention to conjugate them
with the sistematic thought by its
founder), as to analyse the elements that configure a religious group of veneration to the
leader in the backside of their lines. For so much we will spot its insertion in the Brazilian
catholic field, its vinculation to the integrism, the importance of changing the ways of
draft, the adoption of a monacal model in its seat, the preoccupation with the control of
minds and bodies, the tension between the apostolate and ascetism, and the paulatine
alteration of the status of its
founder: from leader to martyr, prophet and saint.
Key
-
words:
Tradition, Family and Property (TFP); Catholic Integrism; Right Political
Thought; Prophetic Charisma; Religious Group.
III
SUMÁRIO
RESUMO / ABSTRACT
II
INTRODUÇÃO
01
I. A TFP E O CATOLICISMO B
RASILEIRO
21
1.1 TFP: Expoente do Integrismo Católico no Brasil
46
1.2 A exaltação de uma tradição construída
54
1.3 Escala de análise: o campo católico brasileiro
59
1.4 A inserção tefepista na pluralidade do universo católico brasileiro
65
II. A TFP
NO CENÁRIO POLÍTICO
-
CULTURAL BRASILEIRO
75
2.1 Dogmática tefepista
89
2.2 A TFP no cenário nacional
14
0
III. ESTRUTURA INTERNA, ACESSO À DOUTRINA E MÍSTICA TEFEPISTA
1
59
3.1 Processo seletivo e revelação doutrinária
1
59
3.2 A mística tefepista
198
3.2.1 O carisma profético de Plínio Corrêa de Oliveira
198
3.2.2 O reino feliz dos tempos finais : Elementos escatológicos
e milenaristas na TFP
21
5
3.3 Ritos e ensinamentos
23
3
3.3.1 Regras e práticas religiosas
23
3
3.3.2 Liturgia interna
24
5
CONSI
DERAÇÕES FINAIS
25
8
FONTES
2
62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2
70
ANEXOS
280
I. Expansão do pensamento pliniano pelos cinco continentes
2
81
II. Relação das TFPs, Bureaux de Representação e entidades afins
2
82
II.I Continente Americano
2
83
II.II Contine
ntes Europeu, Africano, Asiático e Oceania
2
84
III.
Imagens de Plínio Corrêa de Oliveira e
da
TFP
2
85
IV. Quem é quem na Família Imperial (Ramo Vassouras)
28
7
IV
O Historiador
Veio para ressuscitar o tempo
e escalpelar os mortos,
as condecorações, as
liturgias, as espadas,
o espectro das fazendas submergidas,
o muro de pedra entre membros da família,
o ardido queixume das solteironas,
os negócios de trapaças, as ilusões jamais confirmadas
nem desfeitas.
Veio para contar
o que não faz jus a ser glorifi
cado
e se deposita, grânulo
no poço vazio da memória.
É importuno,
sabe
-
se importuno e insiste,
rancoroso, fiel.
Carlos Drummond de Andrade
INTRODUÇÃO
Compreender as manifestações religiosas de uma coletividade é uma
tarefa árdua, especialmente quando analisamos o campo religioso
1
brasileiro
(em especial, o campo católico inserido neste) e nos deparamos com sua
incessante definição e redefinição, onde difereas e cruzamentos se
manifestam e assolam a visão superficial da exisncia de uma relativa
homogeneidade em seu interior. Para Sanchis este fluxo ininterrupto de
demarcão demonstra uma diversificação ativa e contínua que multiplica,
mesmo no interior de uma instituição, as instâncias de refencia identitária, os
sistemas de atribuição de sentido, as famílias de espírito reagrupadas em
torno de visões de mundo e
ethos
institucionalizados. Multiplica também os
produtos investidos de poder espiritual e as maneiras de aderir a estes
consensos, de pertencer a estes grupos, de compartilhar as visões de mundo
particulares e de adotar as orientações destes
ethos:
as modalidades de crea nestes sentidos e nestes
poderes; os modos, exclusivos ou múltiplos, de afirmar e/ou
combinar estas identidades, seja em assumindo uma posição
estável, seja em tateando num itinerário só ou ainda,
simplesmente, em procurando através de mil caminhos, um
horizonte... Uma relativizão das certezas, um cultivo
sustentado de cambiantes emões, que, na verdade, tendendo
a demultiplicar a primeira diversificação e a redistribuição de
tarefas de atribuição de sentido, vem questionar as chaves de
inteligibilidade disponíveis para ajudar a mapear este Campo
que pretendemos estudar.
2
1
Entendemos a não de campo religioso conforme a conceão de Pierre Bourdieu: um
espaço no qual agentes (padres, profetas, feiticeiros, etc.) lutam pela definição legítima não só
do religioso, mas também das diferentes maneiras de desempenhar o papel religioso.
BOURDIEU, Pierre. A dissolução do religioso. In: Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. p.
120.
2
SANCHIS, Pierre. O campo religioso contemporâneo no Brasil. In: ORO, Ari Pedro. STEIL,
Carlos Alberto (Orgs).
Globalização e Religião.
Petrópolis: Vozes, 1997. p 103/104.
2
Sanchis lembra ainda que este campo está em constante construção e
reconstrução pelas reações das instituições, grupos, quase-grupos e indivíduos
diante dos acontecimentos, e tamm pelas mudanças dos outros campos
(cultural, político, ecomico, etc.) que, pela dinâmica inerente a cada um,
acaba por influir, determinar, conjugar, compor, etc. com questões relativas a
religiosidade
3
. A redefinição das fronteiras do campo religioso, resultado ptico
desta constrão/reconstrução, tamm propiciou a ampliação dos agentes e
dos modos de gerir os bens de salvação: uma nova concorrência foi produzida
por profissionais de várias formões, mas que também aspiram pelo seu
espaço na cura das almas, como destacou Bourdieu. São os teólogos leigos,
profetas, psicólogos, médicos, sexólogos, professores de expressão corporal, de
esportes ou de lutas marciais, conselheiros de vida, assistentes sociais, etc. que
vem contestar o monopólio até então ocupado pelos clérigos tradicionais
4
.
A análise que ora iniciamos estará focada precisamente nesta dinâmica a
partir do estudo e compreensão das alterações e/ou cristalizões na doutrina,
nas creas, na vivência e na atuação dos membros
5
da
Sociedade Brasileira de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade (SBDTFP ou simplesmente TFP),
associão civil explicitamente confessional fundada no ano de 1960 por um
pequeno grupo de leigos liderados por Plínio Cora de Oliveira (1908-
1995)
objetivando, através de sua conformação jurídica associativa, defender e
estimular a tradição, a família e a propriedade, e promover e animar a ordem
temporal conforme os princípios do Evangelho, interpretados de acordo com o
magisrio tradicional da Igreja
6
. Nossa proposta contemplará o estudo da
doutrina e vivência dos membros da TFP do Brasil no período de 1960 a 1995
delimitado, respectivamente, pela sua fundão na cidade de São Paulo
(de
3
SANCHIS, Pierre. O campo religioso seainda hoje o campo das religiões? In: HOORNAERT,
Eduardo (Org). História da Igreja na América Latina e no Caribe 1945-1995. O debate
metodológico.
Petrópolis: Vozes, 1995. p. 81.
4
BOURDIEU, Pierre, 1990. p. 121.
5
O Estatuto Social da SBDTFP contempla na modalidade de sócios três categorias: fundadores,
efetivos e honorários. Em nosso estudo, entretanto, estaremos denominando membros da TFP
todos os seus sócios e não-sócios que, de alguma forma, defendem publicamente as iniciativas
da entidade e/ou portam seus símbolos.
6
Sempre que nos referirmos a Igreja, neste trabalho, estaremos fazendo alusão a Igreja
Católica Apostólica Romana (ICAR).
3
onde se expandiu para todo o país e exterior
7
) e pelo falecimento de seu der
máximo
8
- situação que acarretou dissincias e contestões ainda não
resolvidas de forma definitiva pelos óros de Justiça
9
. Para tanto, partiremos
da percepção das constantes transformões do campo católico, e das
decorrentes ampliões e diversificações nas maneiras de produzir e gerir o
sagrado, visando compreender de que maneira a TFP sofreu e sofre este
processo. Inicialmente a Sociedade consagrou-se como uma das pri
ncipais
entidades civis anticomunistas de inspirão católica do ps (especialmente
entre as décadas de 1960 e 1970), mas, com o passar dos anos, sua ppria
catolicidade foi sendo redefinida. Sua propalada filião à ortodoxia religiosa
10
sofreu deslizamentos e composões que corroboraram a conformação de um
7
Foram fundadas TFP ou entidades co-irmãs, que ainda existem ou já findaram suas atividades
institucionais, nos seguintes países: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria,
Bélgica, Bolívia, Cana, Chile, Combia, Costa Rica, Equador, Espanha, EUA, Filipinas,
Fraa, Índia, Itália, Lituânia, Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Reino Unido
(Inglaterra e Irlanda), Uruguai
e Venezuela. Ver Anexos I e II.
8
Plínio faleceu em 03 de outubro de 1995, aos 86 anos, no
Hospital Alemão Oswaldo Cruz
(São
Paulo) onde esteve internado desde 01 de setembro em decorrência de um câncer no gado.
Seu corpo foi velado na sede social da TFP, no bairro de Higiepolis/SP. A cerimônia fúnebre
foi rezada em latim pelo cônego José Luiz Marinho Villac, na Igreja da Consolação. Após a
cerimônia o corpo foi sepultado no Cemitério da Consolão. FOLHA DE SÃO PAULO. Plínio
Cora de Oliveira morre aos 86. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 de outubro de 1995. p.
01, Coluna Brasil. Edão On-line. Disponível em < http://www.folha.uol.com.br/> / Três mil
pessoas assistem ao enterro do fundador da TFP.
Folha de São Paulo
, São Paulo, 06 de outubro
de 1995. p. 01, Coluna Brasil. Edição On-line. Disponível em < http://www.folha.uol.com.br/>
/
Missa de sétimo dia do fundador da TFP é assistida por mil pessoas. Folha de São Paulo, São
Paulo, 10 de outubro de 1995. p. 01, Coluna Brasil. Edição On-line. Disponível
em
<http://www.folha.uol.com.br/>
9
Basicamente os dois grupos que disputam o controle da TFP (judicialmente desde 1997) são: a)
sócios fundadores
que reivindicam a manuteão da cusula estatutária original de que as
decisões da entidade devem ser efetivadas pelos sócios fundadores presentes no ato de sua
crião jurídica, em 1960, dos quais poucos ainda estão vivos; b) grupos da segunda e
especialmente terceira gerão que, as a morte de Plínio, passaram a disputar na justiça seu
direito de voto e decisão na TFP e que, as o afastamento da entidade derivado de tal
discordância e sob a liderança de Jo Scognamiglio CDias, fundaram uma nova associação
representativa de seus anseios e ideais (especialmente a criação de uma ala feminina, o controle
financeiro de campanhas fatimistas e a aproximação e legitimação junto ao Vaticano): a
Associão Arautos do Evangelho
(1999)
elevada em 2001 a categoria de
Associação
Internacional de Direito Pontifício
pelo falecido Papa João Paulo II. Em 2004 este gru
po, embora
estrategicamente ocultando o vínculo com os Arautos do Evangelho, obteve na justiça o direito
efetivo de dirigir a TFP
com a decisão favorável ao voto universal de todos os sócios e a
eleição de uma nova diretoria em Assembléia questionada pelos antigos dirigentes -, o que
originou o afastamento agora dos sócios fundadores, reunidos na recém criada Associação dos
Fundadores da TFP
(2004) enquanto aguardam uma decisão definitiva da justiça brasileira sobre
o caso.
10
Neste trabalho o termo
ortod
oxia
será designativo do discurso oficial difundido pelos órgãos
de representação nacional, continental ou mundial da Igreja Católica, ou seja, documentos da
Confencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Conselho Episcopal Latino-
Americano
(CELAM) e
dos diversos organismos do Vaticano.
4
grupo de orientações sectárias e feões milenaristas em seu interior.
Tal
reconfiguração será analisada a partir da inserção da TFP no campo católico
brasileiro e da compreensão das próprias mudaas como resultantes da
reestruturão da rede de creas dos agentes, buscando evidenciar a
possibilidade latente de o próprio discurso ortodoxo se transformar em discurso
heterodoxo, sectário ou mesmo cistico durante o ininterrupto movimento de
definição
e redefinão dos sentidos que, com suas alterações constantes,
beneficia e/ou segrega doutrinas, grupos, movimentos, ordens, entre outros,
outrora hegemônicos a nível regional, nacional, continental e mesmo mundial.
Após uma pesquisa de dois anos sobre o discurso anti agro-reformista de
Plínio Corrêa de Oliveira
11
redirecionamos nosso foco de ateão ao tema da
própria TFP, que, apesar de ter sido objeto de análises consistentes, ainda
revela
-se profundamente profícua para a compreensão da história do ps, do
anticomunismo, do integrismo católico
12
, das configurões religiosas
contemporâneas, do imaginário contra-revolucionário, do conservadorismo
político e religioso e de inúmeros outros elementos que, de forma mais ou
menos detalhada, serão apresentados neste trabalho. Uma análise da própria
TFP tornou-se ainda mais relevante diante dos relatos públicos de ex-
membros
que explicitaram as pticas internas da entidade. Muitas vezes em tom
acusatório, tais egressos acusaram-na de seita de cater iniciatório, entidade
paramilitar, aliciatória, carismática, protica, de praticar uma forma aberrante
de escravidão pessoal a Pnio
tido como santo e profeta - e de devão a sua
genitora Dona Lucília Ribeiro dos Santos (1876
-
1968), de servir como sociedade
de fachada para arrecadar recursos para uma sociedade secreta, etc., e diante
do esfacelamento sofrido pela TFP as a morte do fundador. Acreditamos que
a TFP não pode ser reduzida a uma cruzada anticomunista, como nos parece
11
ZANOTTO, Gizele. É o caos!!! A luta anti agro-reformista de Plínio Corrêa de Oliveira.
2003.
Dissertação (Mestrado em História Cultural)
Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Santa Catarina
, Florianópolis, 2003.
12
Corrente doutrinária do catolicismo que prima pela luta contra o mal que cinco séculos
destrói a Cristandade
a Revolução, pela defesa incondicional e absoluta ao papado, e pelo
estímulo a uma intervenção política ativa dos católicos nas instituições visando cristianizá-
las.
Ver: ACAT. Fundamentalismos, integrismos: Uma ameaça aos direitos humanos. São Paulo:
Paulinas, 2001. / POULAT, Emile. Intégrisme. In: Encyclopaedia Universalis. Vol. 9. Paris:
Encyclopaedia Universalis, 1985. p. 1246-1249. / RÉMOND, Re. Lintegrisme catholique.
Portrait intellectuel.
Études.
Tome 370, nº 1 (3701), p. 95
-
105, Paris, janvier 1989.
5
em princípio; sua compreensão deve também considerar a duplicidade de
discurso e ptica entre sua vivência pública e privada, valorizando, para tanto,
as vozes de seus vários agentes e avaliando criticamente os discursos
enaltecedores ou demonizadores inerentes às suas falas. Neste senti
do,
pretendemos contribuir com a compreensão da história de uma instituição de
destaque no país durante décadas e que, após sua consolidação no Brasil,
expandiu seus ideais através da criação de TFPs,
Bureaux
de representação e
entidades afins em 28 países dos cinco continentes
13
, configurando uma escola
internacional de pensamento e ação pautada essencialmente na obra pliniana e
que tem demonstrado uma influência considerável em grupos e movimentos
religiosos e políticos de diversos países, especialmente o
s ocidentais.
Tendo optado por uma análise que contempla tanto tefepistas como
dissidentes, estaremos utilizando como fontes seu vasto material bibliogfico
bem como as entrevistas com personagens da história da TFP no país. Entre as
fontes devemos destacar a importância ímpar das publicações do fundador da
TFP, que compreendem artigos na Folha de São Paulo (Plínio foi autor de uma
coluna inicialmente semanal e mais tarde mensal neste diário entre os anos de
1968 e 1990) e outros periódicos, na revista
Ca
tolicismo
(entre 1951 e 1995),
livros, cartas e manifestos. Dado o caráter manifesto da entidade como
personificão materializada do pensamento e ão de seu líder, é inexorável
uma referência à sua obra para a compreensão da entidade que não apenas
fun
dou, mas também orientou, dirigiu e moldou durante sua vida. Outra
referência de análise seo as obras bibliogficas, artigos em periódicos e
entrevistas orais com membros e egressos da TFP. Os primeiros dedicam-se, em
suas áreas específicas de atuação, a difundir o pensamento pliniano e defender
as bandeiras de luta da TFP com obras dos mais variados temas, mas que
refletem a consonância com o edicio doutrinário em questão
o que
compreendemos como derivado de uma sentica global dos discursos
14
. Já
13
A data de fundação das demais TFPs,
Bureaux
e entidades afins difere expressivamente,
embora a grande expansão da escola de pensamento pliniana tenha ocorrido entre as décadas
de 60 e 70. Também é variada a vigência de tais instituições e grupos (muitas já deixaram de
existir), dependência doutrinária e mesmo o grau de vinculação com a TFP brasileira.
14
Estamos nos baseando na interessante análise efetuada por Medeiros que defende, a partir
dos estudos de Dominique Maingueneau, que a identidade dos discursos depende de uma
6
os egressos m importância capital nesta análise pela exposão que obtiveram
na descrão de sua vivência na TFP e do cotidiano das sedes para o grande
público, visto a atmosfera de segredo que impera entre os membros e não-
membros. Também salientamos a importância e a proficuidade das entrevistas
que seo utilizadas como fontes, visto que a experiência, a vivência no interior
deste movimento católico pode nos fornecer elementos ímpares sobre as
questões pesquisadas. Outro rico arsenal de fontes deriva de artigos e livros
procedentes de ambientes hostis a TFP no próprio âmbito católico aos quais
tivemos acesso e que demonstram, pela ppria publicão e divulgação de tais
materiais, uma intensa preocupação de outros grupos e movimentos
confessionais em d
iferenciar
-se dos tefepistas. Vale ainda mencionar que, afora
as dificuldades inerentes a uma pesquisa tão abrangente e extensiva (tempo,
recursos financeiros, acesso as fontes, acesso a bibliografia especializada, etc.),
fomos imensamente beneficiados com a cooperão de membros
representativos da TFP e de determinados egressos que procuramos e que
prontamente se dispuseram a cooperar com a pesquisa, beneficiando este
trabalho com entrevistas e materiais iditos nas análises já efetuadas sobre o
tema. Neste sentido, estaremos contribuindo para ampliar sempre mais a
história da TFP, de seu pensamento e atuação no país neste período vasto e
profícuo de sua existência.
Analisando a TFP percebemos que uma de suas caractesticas mais
marcantes é a autodefinição confessional católica. Estudiosos de várias áreas a
definem como um movimento sectário e herético, o vinculado aos ideais
católicos considerados legítimos e não submetido às leis institucionais e a
obediência incondicional ao papado, portanto, apartado da Igreja. Nossa
compreensão o adere às definições da TFP enquanto seita ou grupo herético,
mas contempla a gênese da mesma como derivada do que estou considerando
coerência global que integra as múltiplas dimensões textuais (publicações, símbolos, arte,
arquitetura, músicas, linguagem etc.) com as quais pode se expressar, apresentando
determinada homogeneidade de idéias, princípios, referências, estilos e temáticas que irão
caracterizar tal vinculação. Ver: MEDEIROS, Maria do Carmo Ivo. Duas leituras do Fó
rum Social
Mundial:
Caros Amigos
e
Catolicismo
.
2004. Dissertação (Mestrado em Lingüística)
Programa
de Pós
-
Graduação em Lingüística, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 2004.
7
como uma lógica sectária
15
,
ou seja, ela parte de uma doutrina católica
reconstruída pelo seu profeta, ao mesmo tempo em que rejeita muitos dos
preceitos desta mesma base doutriria, e organiza suas atividades internas e
externas pautados em elementos de uma atuação sectária, caracterizada pela
absolutização de si mesma, exclusivismo, narcisismo; excessiva polarização no
líder carismático; cater igualitário dos membros do grupo; adesão voluntária
dos candidatos; auto-designação e auto-percepção de serem eleitos / puros ;
exacerbação do emocional, do experimental em detrimento do intelectual
;
rejeição do mundo e da sociedade como malignos; proselitismo exacerbado;
dupla personalidade social, funcionamento como sociedades secretas; rejeição
fanática da verdade dos outros; recurso à culpabilizão, ao medo do fim do
mundo, aos castigos de Deus, como meio de submissão e doutrinão;
valorizão do comunitário como suporte afetivo; afastamento da sociedade e
da família, do externo; serem essencialmente conservadoras e
instauracionistas
16
. Acreditamos que configurões de matizes tidas como
sectár
ias, cismáticas ou heréticas estão hoje muito presentes até mesmo em
grupos legitimados pelo Vaticano
17
e que, portanto, que se propor novos
conceitos que possam dar conta da realidade empírica contemporânea. Nossa
15
Adotamos a compreensão de Weber e Troeltsch para configurar os elementos do que
chamamos de lógica sectária, ao mesmo tempo em que nos afastamos das definições
apriorísticas negativas legadas pelo senso comum, pelas vertentes teológicas e pelo uso
generalizado ao termo seita. A partir da compreensão sociogica de seita, consideramos como
seus elementos característicos o agrupamento de membros de uma igreja estabelecida que,
descontentes com a adaptação da igreja no mundo e liderados por um chefe carismático,
seccionam
-se desta instituição considerada corrupta visando recriar o que seria considerado
como a essência verdadeira daquela fé e adotam uma nova proposta de revelação, desta vez
ressignificada pelo seu der. Ver: WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da
sociologia compreensiva. 3ª edão. Brasília: Ed. UnB, 2000. / TROELTSCH, Ernst. Igreja e
seitas.
Religião e Sociedade, n. 14/3, 1987. / O DEA, Thomas F. Sectas y Cultos. In: SILLS,
David L. (Dir).
Enciclopédia de las Ciencias Sociales.
Vol. 7. Madrid/Espanha: Aguilar, 1975. p.
512
-
516. / PRIETO, Ati
lano Alaiz.
As Seitas e os Cristãos.
São Paulo: Edições São Paulo, 1994. /
SANTOS Jr., Reginaldo José dos. Ctica aos tipos Igreja/Seita para o estudo de grupos
religiosos.
Correlatio
Revista Eletrônica, n. 05. Disponível em:
<http://www.metodista.br/co
rrelatio/> Acesso em 15/07/2006.
16
PRIETO, Atilano Alaiz, 1994. p. 59 a 61.
17
Referimos
-nos a grupos de atuão ou vivência semelhantes à própria TFP que foram
incorporados ao seio da Igreja por meio de uma política inclusiva e de comunhão doutrinaria
míni
ma, ou seja, ao invés de desautorizar tais grupos, o Vaticano empenhou-se em subme-
los
a determinadas regras de reconhecimento identitário (entre as quais a devão e submissão
total ao papa) mantendo seu nculo e, especialmente, aproveitando-se de seu caráter prosélito
eficaz e persuasivo. Representativos desta política são os grupos: Opus Dei, Carismáticos,
Neocatecumenato, Focolare, Comunhão e Libertação, Arautos do Evangelho, Administração
Apostólica São João Maria Vianney
, entre outros.
8
proposta é da adoção de outra categoria de análise para a associão; a TFP
se considerada como integrante do movimento católico , ou seja,
organizões, movimentos, grupos, etc. explicitamente confessionais ou
religiosos mas não diretamente dependentes das estruturas eclesiais
hierárquicas,
nem derivadas ou representativas de uma identificação ou de uma
relão de poder entre uma estrutura eclesial e outra de tipo social, política ou
cultural
18
. Tal conceito evidencia sua vinculação doutrinária ao catolicismo sem
deixar de contemplar a natureza jurídica independente da instituição eclesial;
também contempla a configurão de grupos confessionais
intra
e
extra
instituciones
, conjugando-se à proposta da exisncia de um campo católico
múltiplo e dimico, valorizando a versatilidade da configuração sócio-
histórica
e possibilitando sua compreensão plural.
A partir do conceito de campo religioso
e, da exisncia de um campo
católico no interior deste -
torna
-se possível visualizar a TFP enquanto um
movimento católico inserido em um espo de disputas e conflitos pela
consolidão de uma proposta hegemônica de compreensão do mundo, de
manipulação do poder simbólico e de cura das almas. Neste campo, a TFP não
é apenas mais uma instituição reivindicando ser portadora da verdadeira
mensagem religiosa; é também um grupo que vai atuar fora dos limites
religiosos por ver seus pressupostos legitimados pelo conjunto social, muitas
vezes em conflito com a proposta encabeçada pelos demais grupos
confessionais e, principalmente, em franca oposição às principais diretrizes
adotadas pelo órgão de representação do episcopado nacional, a
Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB)
19
. Tal modo de agir tefepista está
ancorado na proposta integrista de catolicismo, em sua percepção negativa das
mudanças adotadas pela Igreja para adaptar-se, tanto pastoral quanto
18
Richard trabalha com a diferenciação entre o que denomina de movimento católico
(definido
acima) e estruturas eclesiais hierárquicas e de base. Ver: RICHARD, Pablo. Morte das
Cristandades e Nascimento da Igreja.
São Paulo: Paulinas, 1982. p. 11.
19
A Conferência Naci
onal dos Bispos do Brasil (CNBB) foi fundada em 1952 e em pouco tempo
conquistou uma posão fundamental na Igreja brasileira, assumindo o papel de porta-voz da
hierarquia eclesiástica. Representou uma tentativa de centralizar o poder da Igreja, que se
enc
ontrava fracionado em dezenas de dioceses espalhadas pelo país. Ainda hoje atua como
porta
-voz da hierarquia eclesstica do país e como órgão de representação nacional do
bispado. Ver: KORNIS, Mônica. MONTALVÃO, Sérgio. Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). In: ABREU, Alzira Alves de, ... [et al]. Dicionário Histórico-Biográfico brasileiro
pós
-
1930.
Vol II. Edição ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Ed FGV; CPDOC, 2001.
9
doutrinariamente, aos novos tempos. Para os integristas existe
uma
interpretação verdadeira do catolicismo que vem progressivamente sendo
comprometida pelas inflncias delerias da modernidade
20
e que or
iginou
desvios no seio da Igreja, desvirtuando assim a mensagem legítima; erros que
é preciso combater visando o retorno à Igreja de sempre
21
(dogmática,
monárquico
-
aristocrática, soberana temporal e espiritualmente).
Sendo o integrismo designativo de um movimento no interior do
catolicismo preocupado em restabelecer o Reinado de Cristo na sociedade
contemporânea e, podendo compreender esta atuação para além das fronteiras
do campo católico a partir da compreensão deste enquanto fluido, passível de
confi
gurações múltiplas e compostas com outros campos (como político,
econômico, cultural, arstico, etc.), estaremos também privilegiando a atuação
pública da TFP, enquanto um movimento confessional que atua como grupo de
pressão nos âmbitos social, político e cultural. Baseando-nos na abordagem de
Roberto Romano, que privilegia a compreensão de uma atitude essencialmente
soteriogica (referente a salvação dos homens) na atuação de membros da
hierarquia e leigos na sociedade, evidenciaremos como a compreensão
de
história humana como vetor para uma salvão futura é fundamental para o
entendimento das ações dos tefepistas, e como esta compreensão é transferida
tanto para a ptica individual de cada membro quanto para a atuação coletiva
da sociedade. Considerando as ões enquanto ocasiões de salvão e/ou
perdição humana a TFP imprime à ação social um sentido eminentemente
soteriogico, de maneira que para todos os seus atos a necessidade de uma
correspondência imediata com a proposta salvífica que defendem, bem como
com o ideal escatológico (referente ao fim dos tempos) que ansiosamente
esperam ver realizado. Neste sentido, sua atuação em prol da família
monogâmica e indissolúvel, aristocracia, moralidade televisiva, porte de armas e
20
Compreendo o conceito de modernidade como cultural, com suas infinitas
variações
consoantes ao país, cultura e projetos aos quais o termo estará vinculado. Destarte tal
refencia, ressalto que no desenrolar do trabalho os termos modernidade/moderno serão
remetidos a um paradigma
negativo
do início do declínio da cristan
dade medieval, seguindo
o pensamento tefepista sobre a questão.
21
Esta compreensão é também formada por uma ressignificação de elementos convenientes à
defesa da proposta de Igreja e sociedade que pretendem reinstaurar, portanto, uma
construção muito ma
is idealizada do que real.
10
direito de defesa, dire
ito natural, preponderância do espiritual sobre o temporal,
monarquia hereditária, etc., concretiza de maneira prática o ideal da doutrina
cristã tradicional pela qual devem ordenar todas as instâncias de sua vida.
Assim, a atuação em outros campos para além do religioso vem corroborar o
esfoo empreendido por estes leigos para uma recristianizão efetiva e ampla
da sociedade com vistas à reconstrução do ideal de cristandade que julgam ser
o mais perfeito possível para que o homem alcance a Deus. Neste me
smo
sentido, Max Weber já apontava a dinamicidade do arsenal religioso na
construção e legitimão de uma proposta de conhecimento e interpretação do
mundo, bem como a possibilidade de relações, composições e influências entre
os diversos campos, o que denominou de afinidade eletiva , ou seja, a
possibilidade de relão dinâmica entre estruturas socioculturais diversas
22
.
Também a TFP utiliza-se desta fluidez dos limites entre os diversos campos ao
partir de uma proposta essencialmente religiosa para influir no mundo social e
político, isto é, neste empreendimento de reconstrução de uma neocristandade a
TFP difunde seu dossel sagrado
23
de interpretação do mundo para atuar nos
domínios político, cultural e social visando a sua readequação a uma proposta
orde
nadora da sociedade com preponderância da religião em todas as
instâncias.
Instituída como uma associação civil, portanto, independente de qualquer
vínculo jurídico com a Igreja Católica, a TFP, através de sua atuação e
configuração institucional, paulatinamente foi consolidando um modelo de
liderança carismática onde seu líder, Plínio Corrêa de Oliveira, solidificou a
crea de seus sequazes em seus poderes proticos e num discurso de matizes
milenaristas que, mais do que defender um novo reino vindouro de felicidade,
serviu para explicitar ao séqüito de maneira legítima
porque respaldada na
crea do sofrimento dos eleitos (seus seguidores) no tempo anterior ao
22
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 14ª edição. São Paulo: Ed.
Pioneira, 1999. / LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: Religião e política na América Latina.
Petrópolis: Vozes, 2000.
23
O termo dossel (que nomeia uma armação de maneira ornamentada utilizada sobre altares,
tronos, leitos, liteiras, etc., visando proteção e/ou ostentação) está sendo utilizado em sentido
figurado e remete à sensão de proteção que as explicações e crenças religiosas oferecem
aos
fiéis pelas respostas, certezas e seguraa que buscam proporcionar. Ver: BERGER, Peter
Ludwig.
O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religo. São Paulo:
Paulinas, 1985.
11
triunfo sobrenatural -, as privões, a falta de apoio e as acusações aos modos
de agir e crer dos tefepistas, enunciadas por egressos, opositores e por alguns
membros da hierarquia católica. A TFP, respaldada juridicamente enquanto
associão civil, atuando publicamente enquanto grupo de pressão,
internamente consolidou uma comunidade de sentido que possibilitou a
elevação de estatuto de seu líder (de fundador e presidente para profeta e santo)
e dos próprios membros (de leigos para eleitos); alterando também a
perspectiva de ão do grupo. O essencial não mais era restaurar a sociedade
geral aos ditames ordenadores e santificadores da Igreja, mas sim, preparar os
membros da TFP para a nova era: como apóstolos dos últimos tempos
deveriam transformar-se efetivamente em soldados, guerreiros e monges
visando tanto sua santificação pessoal, quanto sua posição de combatentes da
fé.
Para analisar este movimento de ampliação/reelaboração da mensagem
religiosa inicial (catolicismo tradicional) para uma nova mensagem, agora
reinterpretada pelo seu profeta, utilizaremos os estudos de Mark Bevir
24
e sua
co
mpreensão de dilema como origem da mudança na rede de creas e ações,
assim como elementos do aparato teórico
-
metodológico da análise do discurso ,
em especial a proposta de Eni P. Orlandi
25
da consideração dos discursos
enquanto bólidos de sentido . Esta noção nos possibilita perceber como o
discurso católico pode
e efetivamente é
ser alterado pela interpretação ímpar
dos vários interlocutores a que o mesmo está exposto. Salientamos que nossa
proposta não é de realização de uma efetiva análise do discurso, mas sim da
utilização de categorias que possam melhor avaliar as fontes de que dispomos e
seu conteúdo. Deste modo, compreendendo que cada leitor/interlocutor
constitui
-se num sítio de significância podemos consolidar nossa percepção de
que os tefepistas (assim como os teólogos da libertão, os católicos liberais, os
sedevacantistas, etc.) ressignificaram o discurso oficial
do qual se orgulham de
24
BEVIR, Mark. Mind and Method in the history of ideas.
Hist
ory and Theory. Vol. 36, p. 167-
189, 1997. / The Role of Contexts in Understanding and Explanation. Human Studies. N. 23, p.
395
-411, 2000. / Meaning and Intention. New Literary History. Vol. 31, p. 385-404, 2000. /
Notes Toward an Analysis of Conceptual C
hange.
Social Epistemology. Vol. 17, N. 1, p. 55-
63,
2003.
25
ORLANDI, Eni Puccineli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simlico.
edição. Petrópolis: Vozes, 2001.
12
seguir fielmente
a partir de referenciais doutrinários, pticos e históricos
ímpares, diversos da interpretação de outros grupos católicos. Neste mesmo
sentido, mas a partir de outros referenciais teórico-metodológicos, Roger
Chartier demonstrou, a partir do aprofundamento dos estudos de Fernando de
Rojas e
Pierre
Bourdieu, que a apreensão de um text
o não é a mesma pelos seus
diferentes leitores
26
. Esta particularidade na apreensão discursiva é denominada
pelo autor de inveão criadora no processo de receão
27
e prima pela
valorizão do leitor enquanto sujeito ativo no processo de interiorizão de
mensagens. Retomando nosso tema de estudo, podemos propor que o discurso
católico oficial é apreendido de diversas maneiras pelos seus diferentes
interlocutores, de maneira que de um mesmo referencial textual possam surgir
várias interpretações não apenas
diversas, mas divergentes entre si. Seguindo tal
lógica, compreendemos que a TFP, partindo de referenciais ortodoxos da Igreja
Católica, vai materializar uma releitura desta matriz, consolidando assim uma
nova interpretão que estará respaldada na legitimidade e autoridade de
enunciados autorizados pela própria hierarquia em períodos históricos distintos.
Nosso trabalho se conjuga e amplia discussões anteriores sobre a TFP e
tenta contribuir, a partir da utilização ou aprofundamento de algumas
categorias
e propostas de análise
28
, com o esforço de interpretação e de
conhecimento acerca da história da entidade, sua atuão, as crenças e as
vivências dos membros. Entre as publicões de cater mais geral que se
dedicam ao tema da TFP podemos elencar textos essencialmente descritivos que
primam por uma apresentação geral da entidade
29
, as publicações que
26
Bourdieu sublinha que um livro muda pelo fato de não mudar enquanto o tempo muda, ou
seja, a compreensão que a sociedade tem sobre as questões se transforma com o passar do
tempo, com as mudanças contextuais, daí a compreensão variar juntamente com o texto. Já
Rojas considera a leitura como uma atividade produtora de senti
dos singulares, não redutíveis às
inteões do autor. Esta questão foi retomada e reiterada por Chartier quando enfatiza que o
leitor geralmente é pensado como algm que irá apreender o sentido proposto pelo autor
durante a leitura. CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p. 131 e 123.
27
Idem, p. 136.
28
Entre as categorias e conceitos basilares deste trabalho destacamos: não ampla e fluida de
campo religioso, movimento católico, afinidade eletiva, mitos políticos, imaginário contra-
revolucionário, reão, conservadorismo e contra-revolão, dilema, carisma profético, crença,
grupo de pressão, entre outras.
29
QUADRAT, Samantha Viz. Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Falia e Pr
opriedade
(TFP). In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. MEDEIROS, Sabrina Evangelista. VIANNA,
13
analisam sua orientação doutrinária católica
30
e as que destacam seu caráter e
atuação anticomunista
31
. Algumas destas obras m o mérito de dar início aos
trabal
hos que abordaram o movimento católico tefepista e, consequentemente,
evidenciar a importância desta instituição no contexto histórico-social brasileiro.
Uma grata exceção surgida ainda em 1980 refere-se ao estudo do jornalista
Délcio Monteiro de Lima,
Os
Senhores da Direita
32
, que traz a citação integral de
algumas fontes iditas sobre a TFP
.
Sua proposta é a realização de um livro-
reportagem sobre a força de grupos direitistas no contexto político brasileiro e
uma preocupação de que suas denúncias não sejam negligenciadas pelo
grande público. Em análises breves e extremamente desfavoráveis sobre a TFP,
os grupos neonazistas, os integralistas e os esguianos (vinculados a doutrina da
Escola Superior de Guerra
ESG), o autor defende a tese do eqvoco da
rid
icularizão de tais grupos da direita nacional, salientando a eficácia
derivada de sua organizão, difusão nacional, suporte financeiro e do poder
de atração de suas doutrinas e atuação.
Na esteira destes precursores, surgiram análises acamicas,
prove
nientes de diversas áreas do conhecimento, contemplando a obra e
atuação confessional de Plínio Corrêa de Oliveira, a TFP em si, seu discurso e
atuação contra
-
revolucionários
33
. Lizânias de Souza Lima, em trabalho intitulado
Alexander Martins (Dir). Dicionário Crítico do pensamento de direita: idéias, instituões e
personagens.
Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000. p. 422-423. / KORNIS, Mônica. HEYE,
Thomas Ferdinand. Sociedade Brasileira de Defesa da Tradão, Família e Propriedade (TFP). In:
ABREU, Alzira Alves de, ... [et al], 2001. p. 5535-5537. / ZANOTTO, Gizele. Opus Plini: Da
fundação da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade à implantação
do Reino de Maria. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. CRUZ, Natália dos Reis. BULES,
Tatiana (Org.).
As Direitas no Brasil Contemporâneo
(no prelo).
30
MOURA, Odilão. As idéias católicas no Brasil: direção do pensamento católico no Brasil do
século XX. São Paulo: Convívio, 1978. / MACEDO, Ubiratan Borges de. O Tradicionalismo no
Brasil. In: CRIPPA, Adolpho (Coord).
As Idéias políticas no Brasil.
Vol. II. São Paulo: Ed. Convívio,
1979. p. 227-248. / ANTOINE,
Charles.
O integrismo brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Civilização
Brasileira, 1980.
31
RODEGUERO, Carla Simone. O Diabo é Vermelho. Imaginário Anticomunista e Igreja
Católica no Rio Grande do Sul (1945-
1964).
Passo Fundo: Editora UPF, 1998. / MOTTA,
Rodrig
o Patto Sá. Em guarda contra o Perigo Vermelho : O anticomunismo no Brasil (1917-
1964).
São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
32
LIMA, Délcio Monteiro de.
Os Senhores da Direita.
Rio de Janeiro: Edições Antares, 1980.
33
Apesar de nosso esforço de pesquisa e coleta de materiais sobre a TFP e os Arautos do
Evangelho
, alguns trabalhos tornaram-se inacessíveis para a análise realizada nesta tese:
SEIBLITZ, Zélia, Sociedade Brasileira de Defesa da Tradão, Falia e Propriedade (TFP). In:
Sinais dos Tempos. Diversidade Religiosa no Brasil. Cadernos ISER 23, Rio de Janeiro:
Instituto de Estudos da Religião (ISER), 1990. / CARVALHO, Mônica da Rocha. Estragias de
Comunicação Desenvolvida pelos Arautos do Evangelho. 2004. Trabalho de Conclusão de
14
Plínio Corrêa de Oliveira
O Cruzado do Século XX
34
dedicou
-se a análise do
pensamento do fundador da TFP, contrapondo sua atuão a de outras
instâncias da Igreja Católica e evidenciando o contexto e os eventos que
afastaram da lideraa do laicato paulista os grupos defensores do
conse
rvadorismo católico ainda nos anos 40. Sua análise contempla a atuação
e as principais bandeiras defendidas por Plínio e o grupo por ele liderado no
jornal
O Legionário
(1930
-1947) e mais tarde no mensário
Catolicismo
(1951
-
1964) ressaltando sua adesão e coencia com a proposta ultramontana
35
de
catolicismo. Outro autor preocupado em analisar a gênese do ultramontanismo
na Europa e sua inflncia no país através da análise do pensamento de Plínio
Corrêa de Oliveira foi Rodrigo Coppe Caldeira. Sua pesquisa,
intitulada
O
influxo ultramontano no Brasil: O pensamento de Pnio Corrêa de Oliveira
36
,
contempla de forma extremamente interessante a formão do que se
convencionou denominar de ultramontanismo, corrente de pensamento católico
que se estabeleceu no confronto com os valores da modernidade e que marcou
o catolicismo no Brasil durante as primeiras décadas do século XX. Tal
compreensão de catolicismo se refletiu na formação e definição das convicções
religiosas e políticas de Plínio Corrêa de Oliveira marcando indelevelmente toda
sua ação posterior. Por meio da análise das obras plinianas Em Defesa da Ação
Curso (Graduaç
ão em Relações Publicas)
Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2004.
/ SILVA, Filipe Francisco Neves Domingos da. A Cruzada do século XX: Movimento Tradão,
Família e Propriedade (TFP), Origens ideológico-institucionais e Ação (1928-
1964).
2006.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2006. / TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Miracema: o conflito entre grupos
da comunidade e o roco local. 1988. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Ciências Sociais)
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1988. / VASCONCELOS, Ana
Paula Mendonça de. Contra a Lei de Deus
como a TFP constrói a ideologia de combate ao
MST.
2001. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social)
Univ
ersidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2001.
34
LIMA, Lizanias de Souza. Plínio Corrêa de Oliveira
Um Cruzado do Século XX.
1984.
Dissertação (Mestrado em História)
Programa de Pós
-Graduação em História, Universidade de
São Paulo, São Paulo,1984.
35
O ultramontanismo designa a tendência do catolicismo no século XIX de buscar o
fortalecimento do Papado, tanto no governo quanto no magisrio da Igreja. Por conseqüência
os católicos deveriam ver no Papa o principal líder e o mediador entre a sociedade e o mun
do
espiritual. Os leigos e os religiosos deveriam ser submissos às iniciativas e diretrizes da Santa Sé.
SANTOS, Patrícia Teixeira. Ultramontanismo. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. MEDEIROS,
Sabrina Evangelista. VIANNA, Alexander Martins (Dir).
Di
cionário Crítico do pensamento de
direita: idéias, instituições e personagens.
Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000. p. 444
-
445.
36
CALDEIRA, Rodrigo Coppe.
O Influxo Ultramontano no Brasil: O pensamento de Plínio Corrêa
de Oliveira. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião)
Instituto de Ciências
Humanas e Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora
, Juiz de Fora, 2005.
15
Católica
(1943) e
Revolução e Contra
-
Revolução
(1959), Caldeira defende a tese
de que houve certa cristalizão de suas idéias principais e de um projeto
de
identidade nascente expressas nestas duas publicões que, de certo modo,
forjou a crião e a futura militância da TFP. Cabe ainda mencionar o
meticuloso estudo biográfico realizado pelo historiador italiano Roberto de
Mattei, publicado sob o título
O
Cruzado do Século XX: Plínio Corrêa de
Oliveira
37
que, pela identificão e mesmo filiação do autor ao pensamento
pliniano, será aqui considerada como fonte. Esta análise contempla inúmeros
acontecimentos da vida de Plínio, bem como demonstra a formação e
consolidão de seu pensamento e suas mais destacadas atuações como líder
do laicato paulista nas décadas de 30 e 40; o período compreendido como de
ostracismo nos meios eclesiais para Plínio e seu grupo, após 1947; a crião
do mensário
Catolicismo
e a o reagrupamento das foas conservadoras
católicas a partir de 1951; a fundão, atuação, bem como a consolidação de
uma corrente de pensamento pliniana por meio da TFP (1960
-
1995).
Outra linha de análise
que tamm valoriza a nese e estrutura
religios
a de todo o pensamento tefepista - é constatada em trabalhos focados
no discurso da entidade. Em nossa dissertação de mestrado, intitulada É o
caos!!! A luta anti agro-reformista de Plínio Corrêa de Oliveira
38
, analisamos a
mobilizão do arsenal discursivo religioso no âmbito político por Plínio
(consequentemente, pela TFP) no combate as medidas de redistribuição de
terras no país entre 1960 e 1995. O trabalho enfatiza a importância da TFP
como
lócus
institucional de onde parte um discurso visivelmente conservador, e
em certa medida reacionário, que agrega, com sua argumentação política
pautada no direito natural e nos mandamentos de Deus, extratos sociais
diversos que comungam do conservadorismo difuso e marcante que caracteriza
imensos setores do povo brasileiro. Já o trabalho de Maria do Carmo Ivo de
Medeiros,
Duas leituras do Fórum Social Mundial: Caros Amigos e Catolicismo
39
,
investiga o discurso das revistas Caros Amigos
e
Catolicismo
-
representativas,
37
MATTEI, Roberto de. O Cruzado do Século XX: Plínio Corrêa de Oliveira. Porto: Livraria
Civilização Editora, 1997.
38
ZANOTTO,
Gizele, 2003.
39
MEDEIROS, Maria do Carmo Ivo de, 2004.
16
respectivamente, do pensamento da esquerda e da TFP -, acerca da tetica
específica do Fórum Social Mundial, evento realizado anualmente desde 2001.
Embasada da teoria da Análise do Discurso, especialmente através da
abordagem proposta por Dominique Maingueneau, a autora sistematiza e
explicita os traços senticos de ambos os discursos em foco analisando seus
elementos basilares e suas negações correspondentes. Por sua vez, Tiago de
Paula Oliveira, na dissertação O discurso da Sociedade Brasileira de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade
TFP : a evolução da Contra-
Revolução
40
,
se
dedicou a interpretação do discurso contra-revoluciorio da entidade. Seu
objetivo principal era evidenciar como um discurso aparentemente anacrônico
como o dos tefepistas manteve-se como elemento de conjunção de centenas d
e
pessoas por quase 50 anos. Suas conclusões são de que o discurso tefepista,
aparentemente monolítico e imutável, evoluiu e adaptou-se aos contextos
históricos em que foi expresso, embora mantendo a coerência de seus
elementos basilares neste processo. Oliveira ainda salienta que o discurso
tefepista es atualmente sendo representado pelos Arautos do Evangelho
¸
dissidência da TFP que mantêm a estrutura discursiva anterior, mas que adaptou
e ampliou o pensamento e atuação iniciais conformando-
se aos novos
tempos e
a realidade hierárquica católica a qual aderiu institucionalmente.
Outra linha analítica é constatada nas obras que investigam a doutrina,
atuação e a vivência tefepistas, considerando a duplicidade de seu discurso e
prática para consumo interno e
externo
linha na qual inserimos também a
presente tese
41
. Nesta linha é destaque o brilhante e instigante trabalho de
Marcelo Lúcio Ottoni de Castro, intitulado Potica e Imaginação: Um estudo
sobre a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade
(TFP)
42
. Esta análise contempla as origens dos princípios e imagirio que
40
OLIVEIRA, Tiago de Paula.
O discurso da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família
e Propriedade
TFP : a evolução da contra-
revolução.
2005. Dissertação (Mestrado em Letras)
Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo,
2005.
41
Ver também: ZANOTTO, Gizele. Ortodoxias, heterodoxias: os tênues limites da religiosidade
católica na TFP. In: ISAIA, Artur César (Org.).
As várias faces do sagrado.
(no pr
elo).
42
CASTRO, Marcelo Lúcio Ottoni de. Política e Imaginação: Um estudo sobre a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP).
1991
. II Volumes. Dissertão
(Mestrado em História Política do Brasil)
Instituto de Ciências Humanas, Universidade de
Brasília, Brasília, 1991.
17
orientam os tefepistas e caracteriza o totalitarismo próprio de sua ideologia.
Castro tamm se dedica ao estudo da militância dos membros da TFP como
grupo de pressão nas campanhas e atividades dedicadas aos temas da questão
agrária e do progressismo católico. Na última parte do trabalho, o autor analisa
o que chama de ordem religiosa nascente no interior da TFP, salientando que
sua incorporação a Igreja era incerta, visto a presea marcante de traços
protestatórios, sectários e utópicos em tal configuração religiosa interna e oculta.
Por sua vez, no artigo Tradizione Famiglia Proprie: religioni e política nei
tropici
43
,
José Hortal Sánchez destacou a TFP enquanto expoente do integrismo
católico salientando a importância da análise da figura de seu fundador para a
compreensão da própria entidade, visto o personalismo remetido ao idealizador
presente em todos os âmbitos da instituição. Sánchez segue com a apresentação
das origens da TFP, seu sistema de recrutamento, o afastamento do de tudo que
for exterior a entidade, suas principais campanhas, seu elitismo, os conflitos com
a Igreja Católica e a consolidão da santidade de Plínio, e a conseqüente
venerão deste pelo seu séqüito
elementos que lhe legam uma aparência de
seita. O artigo salienta o revigoramento da TFP no Brasil por meio do sucesso
da organização Frente Universiria Lepanto e destaca a expansão internacional
da TFP e os conflitos graves envolvendo algumas de suas co-irmãs na
Venezuela, França e Espanha. Após esta exposão, o autor conclui que a
estrutura ideológica da TFP, afora seu vinculo confessional expresso, é de
caráter eminentemente político. Nos últimos anos também surgiram duas
interessantes
análises de André Pizetta Altoé. A primeira, intitulada A TFP em
Campos de Goytacazes: trajetória política, gênero e poder
44
, é dedicada ao
estudo das origens, ideologia e atuação como grupo de pressão no contexto
peculiar da cidade de Campos, no norte fluminense, considerada como reduto
dos tefepistas pela influência e força religiosa e política exercida pelo grupo. Sua
análise se estende ao período da dissincia ocorrida após o falecimento de
43
SÁNCHEZ, Jesus Hortal. Tradizione Famiglia Proprietà: religioni e politica nei tropici.
Religione
e sette nel mondo
.
Bologna
,
n. 18, dicembre 1998 (2000)
Apud:
Kelebekler
.
Disponível
em:<
http://www.kelebekler
.com/cesnur/txt/tfp
-
it.htm/> Acesso em 04/outubro/2004.
44
ALTOÉ, André Pizetta. A TFP em Campos dos Goytacazes: trajetória política, gênero e poder.
2004. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Sociais)
Centro de Ciências
do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos
Goytacazes, 2004.
18
Plínio, em 1995, evidenciando como uma instituição tida como i
deologicamente
coesa e rigidamente disciplinada foi abalada por fatores de ordem política,
teológica e de nero. O segundo trabalho, Tradição, Família e Propriedade
(TFP): Uma instituição em movimento
45
, amplia a abordagem anterior ao nível
nacional e destaca justamente o processo de dissidência ou cisma na TFP
compreendido em termos de drama social - como resultado da dificuldade
na rotinizão do carisma do líder canalizando-a, com a morte do fundador,
para a instituição. Surgiram então duas instituições concorrentes, os Arautos do
Evangelho
e a Associação dos Fundadores da TFP, entidades que mantêm os
olhos voltados ao passado: idealizam o passado, defendem a rigidez moral,
apregoam as benesses da estratificação social, professam uma ideologia
conser
vadora, portanto, movem
-
se no campo da direita política.
Para finalizar esta introdução, ressaltamos nossa opção pela elaboração
dos argumentos da tese em três capítulos que, paulatinamente, vão explicitar a
diversificão tanto das atividades quanto dos sistemas de creas da TFP. No
primeiro capítulo nos detivemos na discussão da inseão da Sociedade no
campo católico brasileiro, evidenciando tamm sua vinculão a
autocompreensão ultramontana/integrista
46
de Igreja e às propostas
reacionárias de reconstrução de um novo Reino de Cristo na sociedade
contemporânea. Também ressaltamos a vinculão da TFP à tradição contra-
revolucionária dos intelectuais católicos que, desde os acontecimentos da
Revolão Francesa, esforçaram-se em constituir um sistema explicativo para os
ocasos sofridos pela instituição religiosa desde fins do medievo.
No segundo capítulo discutiremos a inseão doutrinária e prática dos
tefepistas nos âmbitos cultural e político brasileiros e sua filiação a uma
proposta reacionária de restauração da união entre trono e altar. Tal
perspectiva es vinculada diretamente ao ideal soteriogico católico, que
45
ALTOÉ, André Pizetta. Tradição, Família e Propriedade (TFP): Uma instituição em movimento.
2006. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Ciência Política)
Instituto de Ciênci
as Humanas e
Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.
46
Os termos ultramontanismo e integrismo católicos são utilizados por inúmeros autores como
sinônimos. Nossa proposta concebe o integrismo como uma das vertentes derivadas do
ultramont
anismo (a outra seria o catolicismo dito social), mas também valoriza a formação do
futuro grupo que fundará a TFP sob bases doutrinárias ultramontanas. Portanto, ambos os
conceitos podem ser aplicados visando a uma compreensão geral, embora nossa ênfase s
eja na
consideração da TFP como integrista. Ver discussão no Capítulo I da presente tese.
19
justificaria um retorno à monarquia como o meio mais perfeito de conduzir os
homens à salvão pela sua vivência cotidiana. A atuação tefepista primou pela
defesa de direitos considerados como derivados do direito natural ou
consolidados por uma tradição católica construída, mas interpretados pelos seus
defensores como imutável. No embate daí surgido entre a entidade e os grupos,
movimentos,
partidos e lideraas empreendedoras de medidas
modernizadoras na legislão brasileira, a TFP se consolidou como um
movimento de atuação conservadora, ou seja, não obtendo êxito nem respaldo
para encabeçar a restauração de uma neocristandade no país a TFP se esforça
para a manuteão de leis e privilégios ainda vigentes que vincula ao direito
natural (essencialmente direito a vida, liberdade e propriedade, dos quais os
demais seriam derivados)
47
. Desta forma, conduz campanhas públicas que
obm certo apoio entre classes que possam ser prejudicadas, entidades
intermediárias com as mesmas bandeiras de luta e parcelas da população que
consideram tais reivindicões/manuteões legítimas
o que o exime a
entidade de conflitos abertos com outros grupos e mesm
o com a CNBB.
Por fim, no terceiro capítulo, discutiremos as modificões internas por
que passou a TFP no período de 1960-1995 e que ampliou sua configuração
inicial de associão civil agregando também elementos que forjaram em seu
interior um grupo religioso com devoções e creas próprias, bem como a
paulatina conformão de uma comunidade de sentido que pudesse tanto crer
quanto naturalizar tais mudanças como apropriadas e mesmo legítimas
mesmo mantendo-se discursivamente enquanto adeptos integrais de uma
vinculação identitária católica. As mudaas por que passou a entidade, que
alteraram desde a seleção de novos membros aa doutrina que rege suas
vidas e atuações, desencadeou-se progressivamente através de manobras de
líderes proeminentes do movimento excluindo e/ou punindo membros
questionadores de tais pticas bem como elevando o
status
dos fiéis de Plínio,
seu séqüito leal. A stica tefepista forjada nestes anos de exisncia da TFP
47
O direito natural é também chamado
jusnaturalismo
e designa um sistema de normas de
conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito
positivo). Este direito natural tem validade em si, é anterior e superior ao direito positivo e, em
caso de conflito, é ele que deve prevalecer . FASSÒ, Guido. Jusnaturalismo. In: BOBBIO,
Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco (
Orgs), 2002. p. 655/656.
20
possibilitou também a compreensão da nova proposta encabeçada pelos
membros: uma preparação para a catástrofe final e o advento do reino de
gra vindouro para os eleitos . A proposta de um novo mundo de felicidade
não se destina mais à comunidade em geral, como no princípio, mas somente
para um pequeno mero de escolhidos vinculados ao líder providencial, pois,
a partir desta nova configuração da entidade outra verdade foi naturalizada
entre os membros: fora da TFP não há salvação.
CAPÍTULO I.
A TFP E O CATOLICISMO BRASILEIRO
A participão dos futuros fundadores da TFP nos movimentos eclesiais
teve início na primeira metade do século XX
e
esteve vinculada ao esfoo da
hierarquia em impulsionar uma recristianização da sociedade. Partindo de uma
perspectiva altamente elitista
48
, esta recatolização foi considerada como
atividade a ser desempenhada pelo escol católico formado em colégios,
congregações ou movimentos eclesiais que, utilizando-se da crião de jornais,
revistas, livros e associões católicas, deveriam ser difusores das benesses da
religião em seus meios de atuação. A década de 20, em especial, foi marcada
pela criação e estímulo a movimentos eclesiais de reação ao positivismo,
liberalismo, comunismo, materialismo, ateísmo, e outros ismos , tidos por
contrários aos desígnios de Deus. Entre eles f
oram destaques a revista
A Ordem
,
fundada em 1921, e o Centro Dom Vital - cuja estragia de ão visava
constituir lideraas capazes de pressionar o Estado de modo a tornar mais
ampla a influência da Igreja na sociedade
49
- criado no ano seguinte e
lide
rados por dois líderes convertidos que se tornariam ícones do laicato católico
no século XX: Jackson de Figueiredo
50
e seu sucessor Alceu Amoroso Lima
51
(ou
48
A ênfase dada ao papel das elites intelectuais vem do fato de a revista as legitimar como
promotoras das mudaas sociais; a revolução espiritual ocorreria de cima para baixo , já que
o problema do caos brasileiro não se ap
resentava como político, mas sim religioso. Nesse caso,
o catolicismo é defendido como produto da evolução mental da humanidade. A igreja é vista
como a única fonte depositária da verdadeira ciência. Basicamente, todo o seu discurso é
marcado pelo caráter moralista; logo, fatos sociais, políticos e econômicos são analisados por
esse prisma. A falta de fé e a vulgarizão das idéias seriam as causas últimas da crise nacional .
RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem
uma revista de intelectuais católicos (1934-
1945).
Belo Horizonte: Autêntica, FAPESP, 2005. p. 16.
49
MALATIAN, Teresa Maria. Os Cruzados do Império. São Paulo, 1988. Tese de doutorado em
História Social, Universidade de São Paulo. 1988. p. 43.
50
Jackson de Figueiredo nasceu em Aracaju-SE, em 1891. B
acharelou
-se em Ciências Jurídicas
e Sociais pela Faculdade Livre de Direito da Bahia. Transferindo-se para o Rio de Janeiro,
exerceu intensa atividade como professor, jornalista, crítico, ensaista, filósofo, político e líder
católico, após sua conversão
ao catolicismo. Teve papel importante na fundação do
Centro Dom
22
Tristão de Athaíde). Estes órgãos foram importantes aglutinadores e formadores
de católicos militantes que se dispuseram a participar ativamente do apostolado
de leigos como colaboradores fiéis dos eclesiásticos, em especial de Dom
Sebastião Leme da Silveira Cintra
52
, então Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro.
Estas atividades inserem-se no contexto amplo de atuação da Igreja neste
período, que foi marcado pela tentativa de recristianizão da sociedade. As
estratégias mais utilizadas para tentar obter resultados favoráveis frente à
sociedade brasileira foram uma tentativa de aproximação com o poder polític
o,
a busca pela conquista doutrinária do povo e o recrutamento de intelectuais
para difundir o catolicismo em todos os meios.
Este contexto, chamado muitas vezes de reação católica ou de reação
espiritualista , se insere num período de aglutinação e consolidação do que
Beired denominou de nacionalismo de direita, que teve como eixos os pólos
cientificista, fascista e católico. Coadunado com outras propostas do período
que preconizavam a importância e a proeminência dos intelectuais como vetores
de mudaas, tamm os católicos inseriram-se no debate político com uma
proposta de recristianizão como solão ideal e mais adequada com a
Vital,
da revista
A Ordem
e da
Livraria Católica
. Jackson de Figueiredo faleceu no Rio de Janeiro
a 4 de no
vembro de 1928, com apenas 37 anos de idade.
51
Alceu Amoroso Lima nasceu no Rio de Janeiro em 1893. Consagrou-se como ctico literio,
professor, intelectual, escritor e líder católico. Adotou o pseudônimo de Tristão de Athaíde ao se
tornar crítico literário de O Jornal, em 1919. Em 1913 formou-se em Direito pela Faculdade do
Rio de Janeiro. As publicar seu primeiro livro, o ensaio Afonso Arinos de 1922, travou com
Jackson de Figueiredo um famoso e fértil debate, do qual decorreu sua conversão ao catolicismo
em 1928. Após a morte de Jackson de Figueiredo, o substituiu na direção do
Ce
ntro Dom Vital
e
da revista A Ordem. Mais tarde, tornou-se símbolo de intelectual progressista na luta contra às
transgressões, à lei e à censura que o regime militar iria impor ao povo brasileiro. Patrocinou
em múltiplas ocasiões as cerimônias de formatu
ra de estudantes de diversas especializações que
rendiam tributo à sua luta constante contra os regimes de cater autoritário. Faleceu em
Petrópolis no ano de 1983.
52
Sebastião Leme da Silveira Cintra nasceu em Espírito Santo do Pinhal (hoje, Pinhal), São
Paulo, em 20 de janeiro de 1882, e, desde criança, fez sua oão pela vida religiosa. Estudou
no
Seminário Menor Diocesano de São Paulo, no Colégio Pio Latino-
Americano
, em Roma, onde
se ordenou sacerdote. Doutor em Filosofia e em Teologia, foi provigário-geral da Diocese de
São Paulo e bispo auxiliar do Rio de Janeiro. Em 1916, assumiu a Arquidiocese de Olinda
(que,
dois anos depois, passaria a se chamar Arquidiocese de Olinda e Recife), onde permaneceu a
1921, ano em que foi nomeado arcebispo coadjutor do Rio de Janeiro. Em 1930 foi elevado à
condição de cardeal. Durante o Governo Vargas, procurou manter-se neutro no campo político,
embora cooperasse com os dirigentes e procurasse apoio desses para suas obras religiosas.
Criou a Liga Eleitoral Católica (LEC), a ão Católica Brasileira (ACB), implementou o ensino
religioso no então Distrito Federal, e promoveu a abertura das faculdades de Direito e de
Filosofia, instaladas, oficialmente, em 1941, e que seriam o embrião da Pontifícia Universidade
Católica
(PUC) do Rio de Janeiro. Dom Sebastião Leme morreu, no Rio, em 17 de outubro de
1942.
23
tradição brasileira para solucionar a crise política, social, econômica e cultural
do período. Conforme salientou Beired
, em análise sobre a produção ideológica
dos intelectuais brasileiros e argentinos no período entre-guerras, este elitismo
foi nota comum entre os diversos grupos de direita, visto que a intelectualidade
se considerava como único segmento da sociedade com capacidade para
oferecer respostas aos problemas do país
53
.
O movimento eclesial foi também impulsionado como resposta à
solicitação do Papa Pio XI (1922-1939) que sugeriu, através da Encíclica
Ubi
Arcano Dei, de 23 de dezembro de 1922, a instalação de um m
ovimento
mundial denominado Ação Católica
54
com o objetivo de cristianizar as nações
.
No Brasil, a Ação Católica Brasileira (ACB) foi criada em 1935 por Dom
Sebastião Leme como resposta à solicitação do pontífice. O objetivo expresso
em seus estatutos era o
de organizar a participação do laicato no apostolado da
Igreja e coordenar todas as associões já existentes submetendo-as a uma
única orientação
55
.
Deste modo, a nese da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição,
Família e Propriedade (TFP) deve ser diretamente relacionada com este
esforço
elitista que orientou o revigoramento do movimento católico no ps na primeira
metade do século XX, assim como a atuação de seu líder e fundador, Plínio
Corrêa de Oliveira (1908-1995), expoente da recristianização nos meios
paulistas (Ver Anexo III). Figura de proemincia no movimento eclesial de São
Paulo nas décadas de 30 e 40 e representante do integrismo católico no Brasil,
Plínio forjou o ideal de um movimento católico de leigos ainda nos anos 40 (
Em
Defesa da Ação Católica), sistematizou a doutrina contra-revolucionária que
53
BEIRED, José Luis Bendicho. Sob o signo da nova ordem. Intelectuais autoritários no Brasil e
na Argentina (1914
-
1945).
São Paulo: Edições Loyola,1999. p. 18.
54
A
Ação
Católica
foi criada durante o pontificado de Pio XI (1922-1939) como impulso para
uma nova forma de apostolado, identificado agora com um projeto totalizante sobre o homem e
a sociedade em que vive: o objetivo era reconduzir cada indivíduo a fé e também recriar um
organismo social baseado, em todos os níveis, na doutrina da Igreja Católica. Nesta perspectiva
o religioso e o político convergem num projeto ideal de sociedade hierarquicamente estruturada,
onde a Igreja, reconhecida pelo Estado, exerce a função de ordenadora última e legitimadora
do Estado. FERRARI, Liliana. Ação Católica. In: BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola.
PASQUINO, Gianfranco (Orgs).
Dicionário de Política.
12ª edição. Brasília: Editora da UnB, São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002
. p. 09/10.
55
KORNIS, Mônica. FLAKSMAN, Dora. Ação Católica Brasileira. In: FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS.
Dicionário Histórico-Biográfico brasileiro: 1930-
1983.
Volume 1. Rio de Janeiro: Ed.
Forense Universitária, FGV/CPDOC, FINEP, 1984. p. 10 a 12.
24
seria seu suporte de ão em fins da década de 50 (Revolução e Contra-
Revolução
), por fim, criou os símbolos, determinou as bandeiras de luta e os
temas de campanha quando a TFP já era uma realidade. Mais do que fundador
da TFP, Plínio foi seu idealizador, líder e articulista.
A militância católica de Plínio iniciou com sua participação na
Congregação Mariana da Legião de São Pedro (1928) e se estendeu até seus
últimos dias, tendo participado ativamente de importantes iniciativas do
movimento eclesial, como a fundação da Ação Universiria Católica -
AUC
(1929); a crião da Liga Eleitoral Católica
LEC (1932); como deputado
federal representante dos católicos na Assembléia Constituinte
(193
4-
1937);
como
presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica Paulista
AC/SP
(1940
-1943) e como diretor do jornal O Legionário, óro oficioso da
Arquidiocese de São Paulo
(1933
-1947). Fora do âmbito eclesial Plínio
destacou
-se como orientador e inspirador do mensário da cultura
Catolicismo
(1951); como fundador, líder espiritual e doutririo da Sociedade Brasileira de
Defesa da Tradição Família e Propriedade
TFP (1960) e inspirador de inúmeros
outros grupos, movimentos e entidades co
-
irmãs da TFP
que se difundiram pelos
cinco continentes (Ver Anexos I e II).
Entre as ões mais proeminentes de Plínio, destaca-se a publicão da
obra
Em Defesa da Ação Católica (1943), derivada de sua experiência como
presidente
Junta Arquidiocesana da Ação Católica
Paulista
. Embora sua
inflncia tendesse para um catolicismo tradicional , outras orientações foram
seguidas pela
Ação Católica
no Brasil, em especial, um confronto se estabeleceu
entre Plínio
AC/SP
e Alceu Amoroso Lima
AC/RJ, líderes que encabeçar
am
as duas principais posões em confronto no interior deste movimento eclesial.
Neste embate, Plínio optou por escrever uma obra sobre a Ação Católica
na
qual faria um diagnóstico dos desvios que a afligiam e, em contrapartida,
confrontaria sua postura com a de Amoroso Lima, que escrevera a obra
Elementos de Ação Católica em 1938. A obra Em Defesa da Ação Católica
foi
autorizada e prefaciada pelo Núncio Apostólico Dom Bento de Aloisi Masela e,
segundo seu autor, serviu como um brado de alarma contra germes de
laicismo, liberalismo e igualitarismo que começavam a invadir a Ação
25
Católica
56
. Plínio fez uso deste estudo para denunciar os erros da
organizão que ajudara a formar e propunha como alternativa a criação de
uma organização verdadeiramente ortodoxa (molde para a futura TFP) que se
destacaria pela primazia à devão mariana, ênfase aos atos piedosos
coletivos, necessidade de convívio e locais de recreio para os membros,
regulamento detalhado do vestuário e pelo estabelecimento de um amplo
código
de penalidades aplicáveis à o-observância das prescrições
57
.
Em
Defesa da Ação Católica efetivou o rompimento dos conservadores com este
movimento.
A repercussão negativa da obra em
certos
ambientes católicos
ocasionou retaliações sucessivas que culminaram com o afastamento de Plínio e
seus colaboradores, o chamado grupo d O Legionário , também da edição
deste jornal, em 1947.
Plínio descreveu o período subseqüente à publicão do livro para seus
partidários como a noite densa de um ostracismo pesado, completo, intérmino ,
onde o esquecimento e olvido nos envolveram
58
, devido à perda de espaço
para expor suas teses em ambientes católicos. Mesmo estando nesta situão
marginal, o grupo remanescente não se dispersou iniciando assim o embrião da
futura TFP. A partir de 1945 estes católicos passaram a reunir-se diariamente
dedicando
-se a estudos doutrinários, orações, crescimento da devão mariana
e análise da situação da Igreja. O reduzido número de companheiros teria
favorecido uma coesão no pensar, no sentir e no agir, que elevou o grupo à
condição de uma verdadeira família de almas
59
. Com o tempo alguns religiosos
e outros leigos
sobretudo congregados marianos - foram incorporados à
formação inicial.
Após alguns anos de silêncio , alguns eventos alteraram esta proscrição
para alguns dos envolvidos com as idéias de Plínio e reforçaram a compreensão
de que representavam uma posão minoritária, mas legítima, de arautos do
56
OLIVEIRA,
Plínio Cora de. Auto-retrato filosófico de Plínio Cora de Oliveira.
Catolicismo
.
São Paulo,
nº 550, p. 03
-
33. Outubro/1996. p. 15.
57
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Em defesa da Ação Católica. 2ª edição. São Paulo: ARTPRESS,
1983.
58
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Kamikaze. Folha de São Paulo. 15 de fevereiro de 1969.
Disponível em: < http://www.pliniocorreadeoliviera.info/artigosfolhadesaopaulo.asp/> Acesso
em 30/outubro/2004.
59
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE.
Meio século de
epopéia anticomunista.
3ª edição. São Paulo: Editora Vera Cruz, 1980. p. 433.
26
catolicismo
: a elevão do Pe. Geraldo de Proea Sigaud
60
à posão de Bispo
de Jacarezinho/PR, a nomeação do Mons. Antônio de Castro
Mayer
61
a Bispo-
Coadjutor de Campos/RJ e o recebimento de uma carta do Vaticano na qual a
obra
Em Defesa da Ação Católica era louvada pelo Secretário de Estado da
Santa Sé, J. B. Montini (futuro Paulo VI), em nome do Papa Pio XII. Outro
importante marco para o grupo ocorreu quando Dom Mayer, então Bispo de
Campos, fundou o mensário de cultura e atualidades
Catolicismo
, no ano de
1951,
e convidou o grupo fiel a Plínio, a partir d chamado grupo de
Catolicis
mo , para colaborar com a publicão. Este mensário tornou-se porta-
voz oficioso da TFP em 1983, embora tenha sido dirigido pelo grupo pré-
tefepista e tefepista desde sua fundação.
A pré-história da TFP se encerra com a publicão do estudo
Revolução
e C
ontra
-
Revolução
(1959), escrito por Plínio Corrêa de Oliveira e impresso na
edão n. 100 da revista
Catolicismo
. Na obra o autor sistematiza o pensamento
integrista católico sobre a decadência da cristandade medieval e aponta,
através de uma abordagem processual, os grandes eventos que precipitaram o
fim da hegemonia deste ideal de civilizão. Para Pnio, a cristandade medieval
foi sendo corroída devido à força deleria das paixões desordenadas (em
especial o orgulho e a sensualidade) sobre o espírito e ões dos homens,
gerando assim tendências igualitárias e liberais que só progrediram nos séculos
seguintes. A causa da destruição da cristandade é representada pela Revolão,
um movimento que visa destruir o poder ou uma ordem legítima e pôr em seu
lug
ar um estado de coisas (intencionalmente não queremos dizer uma ordem de
coisas) ou um poder ilegítimo
62
.
Este movimento se processa por etapas, sendo
que a primeira etapa/Revolão teria sido a Reforma Protestante, a responsável
pela implantação do espírito da dúvida, pelo liberalismo religioso e pelo
60
Dom Geraldo de Proença Sigaud (1909
-
1999) foi ordenado sacerdote em 1932. Em 1947 foi
sagrado Bispo diocesano de Jacarezinho/PR (1947-1961) e mais tarde Arcebispo Metropolitano
de Diamantina/MG (1961-1980). Dom Geraldo, que iniciou seu convívio com Plínio na década
de 30, se desligou oficialmente da TFP em 02 de outubro de 1970.
61
Dom Antônio de Castro Mayer (1904-1991) foi ordenado Sacerdote em 1927. No Brasil foi
Assistente Geral da Ação Católica paulista (1940) e Virio geral da Arquidiocese de São Paulo
(1942
-1943). Foi sagrado Bispo coadjutor de Campos/RJ, com direito de sucessão, em 1948.
Suas relações com Plínio e a TFP foram rompidas em 1982, tendo sido tornada pública s
omente
em 1984.
62
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Revolução e Contra-
Revolução.
4ª edição. São Paulo: ARTPRESS,
1998. p. 55.
27
igualitarismo eclesiástico. Na seqüência ocorreu a Revolução Francesa, evento
representativo do triunfo do igualitarismo no campo religioso com o
ateísmo/laicismo, e no campo político com a conceão de que todas as
desigualdades seriam injustas. A terceira Revolão ocorreu na Rússia, com a
implantação do comunismo e sua transposição das ximas igualitárias e
atéias para os terrenos social e econômico. A IV Revolão ocorre
contemporaneamente no campo cultural, tendo como marco os acontecimentos
de maio de 1968 na França. Esta Revolão visa extinguir os velhos modelos de
reflexão e sensibilidade e estimular a liberão moral
63
. O egresso Barreiros
também mencionou como corrente nos ambientes tefepistas a chamada V
Revolução, tida por satânica, nos seguintes termos:
a V Revolução é a Revolução Satânica, seria já o final do
processo. Já que a Revolução é a derrubada do Reino de Deus
na terra para implantação do Reino do Demônio, a V Revolução
seria a Revolução explicitamente satanista. Então, quando o
Plínio via, por exemplo, notícias de satanismo, grupos satânicos,
que era o demônio aparecendo como demônio ele falava: -
Isto
é a V Revolução, já é o demônio com a própria cara e com o
próprio nome, sem estar por trás de uma Revolução Francesa,
Protestante, Russa ou Liberal, ou da Sorbonne. Esta é a V
Revolução
64
.
Embora tais considerações não sejam mencionadas em Revolução e
Contra
-
Revolução
, parecem condizentes com o restante da obra e sugerem que
o movimento processivo da Revolão esta se aproximando do seu auge e,
conforme a compreensão tefepista, derrocada. Am da análise do processo
revolucionário, Plínio também descreveu em Revolução e Contra-
Revolução
a
força que deve barrar esta inflncia deleria no ocidente cristão, a Contra-
Revolão, da qual a TFP viria a ser a maior expoente. Na obra, o autor
defende uma conceão de mundo como palco da intensa luta entre o bem e
o mal, e apela aos bons esritos contra-revolucionários para contribrem
63
A alise da quarta etapa da Revolução não faz parte da obra original. Plínio escreveu esta
complementação de Revolução e Contra-
Revo
lução
em 1976, ano em que foi publicada nas
ginas da revista
Catolicismo.
Em 1992 o autor ainda redigiu uma atualizão desta terceira
parte e que consta nas edições mais recentes da publicação.
64
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP II
[Cur
itiba], 08 dez. 2005. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto. p. 07.
28
co
m seus esforços e devão para a derradeira vitória do bem, certeza esta que
teria sido revelada pela mensagem de Nossa Senhora de Fátima: Por fim, o
meu Imaculado Coração triunfa . A obra Revolução e Contra-
Revolução
inspirou doutrinaria e operativamen
te a fundação da TFP, entidade que agregou
sob forma institucional os católicos já unidos e liderados por Plínio Corrêa de
Oliveira.
É pela defesa da trilogia tradição, família e
propriedade
65
que a
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Prop
riedade
(SBDTFP) foi
criada em 26 de julho de 1960 na cidade de São Paulo/SP, sob a liderança
doutrinal, espiritual e operativa de Plínio, e com o apoio expresso dos religiosos
Dom Mayer e Dom Geraldo Sigaud, que segundo Antoine foram
respectivamente seu protetor e fiador teológico e seu porta-voz oficioso nos
meios eclesiásticos e políticos
66
. O contexto da fundação da TFP fora
extremamente conturbado para no ps (agitações sociais, crises políticas e
econômicas), mas, de certa forma, acabou por representar para estes católicos
um momento propício para organizarem-se em uma entidade de cater
cultural, cívico, filantrópico e beneficente para enfrentar a investida esquerdista e
progressista, bem como suas conseqüências maléficas ao Estado e à Igreja -
atu
ão coerente com as bandeiras de luta defendidas ainda antes da fundão
da entidade. Como já mencionamos os sócios fundadores
67
da TFP estavam
reunidos mesmo antes da
criação
da entidade por participarem do chamado
grupo de
Catolicismo
, desta forma, a TFP só veio conferir uma forma
65
A tradição é a soma do passado com um presente que lhe seja afim. A tradição não pretende
eliminar o progresso, mas salvá
-
lo dos desvarios que o transformam em barbárie organizada. (...
)
A família que nós defendemos é a família monogâmica, indissolúvel, numerosa, com muita
solidariedade entre os seus ramos mais distantes, que se perpetua através das gerações. (...)
Quanto à propriedade que defendemos, é a propriedade familiar privada. Pr
opriedade e domínio
da coisa por uma família, para o bem da família e condicionada ao bem comum .
OLIVEIRA,
Plínio Corrêa de. In: LOPES, J. A. Dias. A figura e a palavra do chefe. Entrevista a Plínio Corrêa
de Oliveira.
VEJA
. 20 de maio de 1970, p. 35.
66
ANTOINE, Charles. O integrismo brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Civilizão Brasileira, 1980.
p. 24.
67
Os membros-fundadores foram Plínio Corrêa de Oliveira, Adolfo Lindenberg, Alberto Luiz du
Plessis, Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, Caio Vidigal Xavier da Silveira, Eduardo de Barros
Brotero, Fernando Furquim de Almeida, Giocondo Mário Vita, João Sampaio Netto, José Carlos
Castilho de Andrade, José de Azevedo Santos, José Fernando de Camargo, José Gonzaga de
Arruda, Luiz Mendonça de Freitas, Luiz Nazareno de Assumpção Filho, Paulo Barros de Ulhoa
Cintra, Paulo Corrêa de Brito Filho, Plínio Vidigal Xavier da Silveira e Sérgio Antonio Brotero
Lefevre.
29
associativa à família de almas que circundava e comungava dos mesmos
ideais de seu fundador.
Toda esta mudança de perspectivas e filiões institucionais por que
passaram os fundadores e membros da TFP pode ser avaliada tendo como
referência os estudos de Mark Bevir e sua proposta da necessidade de um
individualismo procedimental ou procedural na compreensão da mudaa
das idéias (em sua pesquisa idéias políticas), que valoriza a capacidade de
agência dos indivíduos na proposição ou criação de significados e na solão
de dilemas. Tais indivíduos ou agentes, a partir de suas visões de mundo, redes
de creas e tradições (compreendidas como um conjunto de recursos
intelectuais ou de idéias aos quais o indivíduo se associ
a e modifica, ou se utiliza
de maneira instrumental e criativa) irão interagir no mundo transformando-
o
continuamente. Neste agenciamento poderão surgir dilemas (eventos,
problemas, questionamentos, etc.) que, pelo seu não ajustamento a rede de
creas que o indivíduo desposa, requer seu reajustamento visando assentar a
nova idéia/fato/evento às tradões e crenças às quais o indivíduo se filia. Este
readequamento pode gerar alterações/ajustamentos pontuais ou, em casos
extremos, modificar a própria rede de creas que o indivíduo adotará daquele
momento em diante
68
. No caso dos futuros fundadores da TFP, percebemos que
o dilema que os levou a afastarem-se das diretrizes e do edifício institucional da
Igreja Católica a partir dos anos 40, e que culminou com a crião da TFP em
1960, foram as mudanças adotadas pela hierarquia católica e que
se afastaram
progressivamente de uma proposta ultramontana de catolicismo em benefício
de um catolicismo social. Dito de outro modo: foram os dilemas (perceão das
mazelas
sociais do povo brasileiro, em especial) que afligiram os membros da
hierarquia que culminaram com o afastamento e mesmo expurgo de elementos
mais conservadores dos quadros de liderança da Igreja (entre os quais Plínio e
seu grupo). Com tal mudaa não só de compreensões mas de ações, os
grupos que mantiveram sua filião ao integrismo sentiram-se não apenas
68
Ver: BEVIR, Mark. Mind and Method in the history of ideas. History and Theory. Vol. 36, p.
167
-189, 1997. / The Role of Contexts in Understanding and Explanation. Human Studies.
N.
23, p. 395-411, 2000. / Meaning and Intention. New Literary History. Vol. 31, p. 385-
404,
2000. / Notes Toward an Analysis of Conceptual Change.
Social Epistemology.
Vol. 17, N. 1,
p.
55
-
63, 2003.
30
traídos, mas deslocados no interior do edicio eclesial. Plínio e seus seguidores,
que enfrentaram ferozmente tais alterões em seus primeiros anos,
viram
-
se,
com o passar do tempo e a consolidão do chamado progressismo católico,
segregados e despojados de seu poder de liderança e inflncia anteriores.
Deste dilema
intra
eclesial, Plínio e seus seguidores reajustaram tal discordância
aos representantes do episcopado e do laicato com base em documentos e
declarões de membros da própria Igreja, redefinindo sua postura e se
considerando como fiéis expoentes de uma ortodoxia que teria sido traída e que
foi posteriormente vinculada à afirmação de Paulo VI que declarou ter a
sensão de que por alguma fissura tenha entrado a fumaça de Satanás no
templo de Deus
69
. Como destacam inúmeros estudiosos do integrismo católico,
não foram propriamente os integristas que mudaram (eles ainda seguem os
mesmos preceitos, regras e ensinamentos com os quais foram formados até as
primeiras décadas do século XX e que persiste em alguns seminários até nossos
dias), mas sim a Igreja Católica como um todo que mudou:
o integrismo é a ponta
-
de
-
lança do catolicismo integral e
intransigente, reduzido a contragosto ao estatuto de grupo de
pressão minoririo, ou de oposição, em razão da rejeição
parcial da Igreja ao modelo anterior; mas é um grupo de
pressão que luta para reconduzir a Igreja à intransincia que a
caracterizou du
rante séculos e que, segundo ele, não deveria ter
abandonado, pois o mundo moderno está distante da fé e mais
perigoso do que nunca
70
.
Deste modo, toda uma argumentação que legitime tal discordância com
as instâncias superiores do edifício institucional católico foi forjada. Basicamente
defende que quando um católico acreditar que as orientações estão
divergindo
da verdade revelada são legítimos o desacordo e a desobediência às
orientações
erneas
dos religiosos. Esta posição foi expressa em obra
dedicad
a a biografia do fundador da TFP, na qual seu autor, o historiador
italiano
Roberto de Mattei
argumenta
(em defesa da discordância pliniana e
tefepista às autoridades eclesiásticas em inúmeras questões)
que
esta legítima
69
PAULO VI. Alocão de 29 de junho de 1972. Esta citação é recorrente em livros, artigos,
manifestos e discursos de membros da TFP desde os anos 70.
70
FOUILLOUX, Étienne. Integrismo católico e direitos humanos. In: ACAT.
Fundamentalismos
,
integrismos: Uma ameaça aos direitos humanos.
São Paulo: Paulinas, 2001. p. 17.
31
desobedncia a uma ordem em si injusta em matéria de fé e moral pode
estender
-se, em casos particulares, até a resisncia mesmo blica à autoridade
eclesstica
71
.
Como já mencionamos, a TFP foi fundada por um grupo de católicos
leigos diretamente influenciados pelas diretrizes de atuação católica
impulsionadas pela hierarquia no icio do século XX, e inspiradas no
catolicismo ultramontano elaborado durante o século anterior. Neste contexto o
discurso católico predominante foi de incentivo à concretização de uma
neocristandade que, como objetivo último, visava reconquistar o mundo para o
catolicismo. Esta opção derivou, em primeira instância, da interpretação e
reinterpretação dos acontecimentos da Revolão Francesa e da configuração
resultante de uma efetiva intervenção estatal na Igreja da Fraa, como
destacou Menozzi. O esforço para a compreensão destes eventos no interior do
catolicismo apontou resultados que, com o passar dos anos, foram
consolidando um esquema explicativo culpabilizador da insubordinação
propugnada por Lutero como evento fundante do afastamento dos homens da
sã doutrina da Igreja . Neste sentido, a defesa da liberdade e igualdade,
compreendidos por Pio VI (1775-1799) como direitos positivos contrários à lei
divina, seria apenas o aprimoramento da heresia inicial, agora empreendida
por um complô formado por protestantes, maçons e pelos perversos filósofos
defensores da primazia da razão sobre a
72
, como afirmou J. J. Gaume, ainda
em 1856:
o ódio a toda ordem religiosa e social não estabelecida
pelo homem e sobre a qual ele não exerça uma soberania
absoluta; a proclamação dos direitos do homem em todas as
coisas contra os direitos de Deus; a fundação de uma nova
ordem religiosa e social feita pelo homem, por ele governada
independentemente da vontade de Deus; numa palavra, a
apoteose do homem, essa é, como demonstraremos, a
revolução em sua essência, a revolução propriamente dita, a
71
MATTEI, Roberto de. O Cruzado do século XX
Plínio Corrêa de Oliveira. Porto: Livraria
Civilização Editora, 1997. p. 298.
72
MENOZZI, Daniele. Importância da reação católica na Revolução.
Concilium.
Teologia
Fundamental. Nº 221, p. 77
-
87, 1989/1.
32
revolução que atualmente ameaça a Europa e da qual toda
sorte de desordem não será senão a atuação
73
.
Desta interpretação predominou entre os católicos ultramontanos a
convicção da exisncia de duas únicas forças em confronto pelo controle do
desenvolvimento histórico: o catolicismo e a barrie anárquica da Revolão -
interpretação esta que desde Pio IX (1846-1878) tornou-se patrimônio do
magisrio. A todas as desordens Pio IX contrapunha o papel civilizador
desempenhado pelo papado desde a queda do Imrio Romano e
especialmente durante as invasões dos bárbaros
ou seja, durante a Idade
dia, período em que se considerou ter existido certa harmonia entre os
homens e Deus. Menozzi reaa o paralelo estabelecido pelos católicos entre os
acontecimentos revolucionários e o medievo,
as massas populares em revolta reproduziram na idade
contemporânea o mesmo ataque contra a civilizão que
haviam desfechado as hordas dos bárbaros na Idade Média. A
única diferea consistia no fato de que agora a agressão era
desfechada do próprio interior da civilizão, e não do exterior.
Esta avalião foi logo retomada por ambientes católicos,
ace
ntuando que a Igreja
e sobretudo o papado
deviam
voltar a desempenhar na crise contemporânea o mesmo papel
diretor e civilizador assumido na Idade Média. Dessa forma a
concepção de que o mundo moderno se afastara da Igreja após
a Reforma conjugava-se perfeitamente com a instância de uma
superação dos erros modernos mediante uma volta à Idade
Média
74
.
Desta forma, atualizou-se a genealogia dos erros modernos como
derivados da heresia protestante - surgida no seio da própria Igreja Católica -
e
reafirmou
-se que o único remédio para sanar tal situão a restauração da
civilização cristã, a reedificão de uma nova ordem substancialmente
hierocrática, nos moldes medievais
75
. O líder e fundador da TFP foi um dos
73
GAUME, J. J. La rivoluzione. Ricerche storiche sopra l origine e la propagazione Del male in
Europa, 1856.
Apud: MENOZZI, Daniele, 1989/1. p. 77.
74
MENOZZI, Daniele, 1989/1. p.
82/83.
75
Ivan Manoel também destaca esta interpretão ultramontana do medievo como período
paradigmático para a Igreja, instituição religiosa que simultaneamente agregava variados tulos
e funções neste período: Estado nacional, suserana de imensas regiões européias, instituição
atuante na administração imperial e no controle do monopólio do saber. O paradigma abarca,
também, a construção do que teria sido um processo civilizatório católico, empreendido desde a
33
expoentes deste pensamento no catolicismo brasileiro. Através da obra
Revolução e Contra-
Revolução
(publicada em 1959, ampliada em 1976 e
atualizada em 1992), que serve ainda hoje como fonte doutrinaria das várias
TFPs e entidades coirmãs de vários países, este movimento foi descrito e
analisado. Sua compreensão manteve as diretrizes acima descritas, ou seja, a
Revolão é descrita enquanto um processo universal de destruição da Igreja de
Cristo, que se iniciou com uma mudaa nos estados de alma que primou pela
valorizão do homem e pela conseqüente desvalorizão da fé. Este processo,
que teve as grandes etapas concretizadas com a pseudo Reforma Protestante,
a Revolão Francesa, o comunismo e a revolão cultural de 1968,
encaminha
-se para a infrutífera tentativa destruição total da Esposa de Crist
o,
que por desígnio divino é imortal, mas que sofre com os duros golpes tramados
pelos agentes revolucionários. Para evitar tal processo, estimula-se o apostolado
contra
-revoluciorio, uma reão contra este movimento e, em contrapartida,
um procedimento progressivo de restauração da ordem, afetada pela atuação
dos agentes do mal
76
.
Em face da realidade laicizante do modernismo instaurado a partir dos
séculos XVIII e XIX, a Igreja, a partir desta interpretão do processo
revolucionário, se dispunha a impulsionar um projeto de recristianização e
reconquista dos espos decisórios e ordenadores da sociedade. Para tanto,
partia da centralizão administrativa na ppria instituição para, através de um
processo de orientação única e universal (conhecida como ro
manização),
estabelecer uma frente ampla de conquista de inflncia e poder, utilizando
para isto o concurso da força dos leigos que, também orientados pela
centralizão em Roma, pautassem sua atuão cotidiana visando estabelecer
um novo Reinado de Cristo na sociedade. Orientação bem recebida por Plínio
Corrêa de Oliveira, líder do laicato paulista e futuro fundador da TFP que, ainda
queda do Império Romano e consolidado nos séculos XIII e XIV - como se todas as relações
estabelecidas nas e entre as estruturas feudais tivesse fundamento no ideário e na prática da
Igreja. Completando, o autor reforça que, se o medievo foi o período grandioso e coerente com
o conjunto da doutrina, só poderia ser para este modelo de sociedade que a Igreja pretenderia
retornar. MANOEL, Ivan. O pêndulo da história: Tempo e eternidade no pensamento católico
(1800
-
1960).
Maringá: EDUEM, 2004.
76
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998.
34
na década de 1950, defendia este reinado reafirmando o sentido de
reconquista do social vinculado à representação de Cristo
Rei:
Rei Celeste antes de tudo. Mas Rei cujo governo se
exerce neste mundo. É Rei quem possui de direito a autoridade
suprema e plena. O Rei legisla, dirige e julga. Sua realeza se
torna efetiva quando os súditos reconhecem seus direitos e
obedecem às suas leis. Ora, Jesus Cristo possui sobre nós todos
os direitos. Ele promulgou leis, dirige o mundo e julgará os
homens. Cabe-nos tornar efetivo o Reino e Cristo obedecendo
às suas leis. Este reinado é um fato individual, enquanto
considerado na obediência que cada alma fiel presta a N. S.
Jesus Cristo. Com efeito, o Reinado de Cristo se exerce sobre as
almas; e, pois, a alma de cada um de nós é parcela do campo
de jurisdição de Cristo Rei. O Reinado de Cristo seum fato
social se as sociedades humanas Lhe prestarem obediência.
Pode
-se dizer, pois, que o Reino de Cristo se torna efetivo na
terra, individual e social, quando os homens no íntimo de sua
alma com em sua ações, e as sociedades em suas instituições,
leis, costumes, manifestações culturais e artísticas, se
conformam com a Lei de Cristo
77
.
Esta orientação de conquista da paz de Cristo no Reino de Cristo foi
especialmente impulsionada pelo papa Pio XI com o firme prosito de
implantá
-lo na comunidade cris através da restauração e reativamento da
s
forças internas da Igreja, num esforço considevel por recompor os elementos
fundamentais do que compreendiam enquanto o primor do desenvolvimento
harmônico, a civilizão ocidental cristã. A Igreja no Brasil recebeu com
entusiasmo as orientações do papa, pautando de imediato sua ão pastoral
pelas principais normas estabelecidas pelo pontífice, a saber: doutrina
baseada
pelos princípios de São Tos de Aquino; ação organizada dos leigos na recém
criada
Ação Católica; incremento do espírito litúrgico; e difusão da doutrina
social da Igreja em todos os âmbitos da vida social
78
.
Neste intuito recristianizador, a utilização da representação do reinado de
Cristo apresentou-se muito funcional ao possibilitar que a mensagem religiosa
se tornasse facilmente assimilável à população e aos representantes do poder
77
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A Cruzada do Século XX.
Catolicismo.
Janeiro de 2001, 601.
Disponível em: < http://www.plíniocorreadeoliveira.info/artigoscatolicismo.asp> Acesso em
26/abril/2005.
78
MOURA, Odilão. As idéias católicas no Brasil: direção do pensamento católico no Brasil do
século XX.
São Paulo: Convívio, 1978. p. 93.
35
temporal ao enfatizar, através dos elementos vinculados à imagem do Cristo
Rei, a idéia da precariedade dos empreendimentos humanos não ancorados na
ordem divina, imutável e transcendente. As mobilizões empreendidas pela
Igreja no início do século XX objetivavam a consolidação da idéia do povo
enquanto súdito de Cristo Rei em primeira instância, ou seja, apontavam para a
primazia do poder espiritual sobre o temporal numa demonstração pública e
efetiva do poder mobilizador e legitimador que o catolicismo tinha a oferecer.
As massas de fiéis, reunidas em grandiosos Congressos Eucasticos ou em
celebrações públicas, serviam como palco estratégico onde a hierarquia
dispunha do roteiro , da direção e do controle . A massa reunida, através
de um apelo explícito à sua incorporação ao ideal da Realeza de Cristo pela
participação e demonstração pública de sua , era conduzida
tal qual um
rebanho
- pelo poder ordenador da hierarquia. O espetáculo e a multidã
o,
segundo Dias, eram postos sob ordem, disciplina e autoridade, preocupação
esta demonstrada ainda durante os preparativos dos eventos. Conforme o
autor,
os panfletos, lançados antes do Congresso, fornecem as
orientações para todos; tanto para os que de
sfilam na procissão
como para os que ficam nas ruas assistindo. Há, portanto, uma
preocupação em organizar o espo, e a forma como os corpos
devem ocupá
-
lo: os últimos formam alas e deixam livre o terreno
para o desfile. O mais profundo respeito, como é s
olicitado,
expressa um ordenamento das consciências individuais. Deste
modo, a ordem se estende ao espaço das consciências
79
.
Canetti, na obra Massa e Poder, salienta que o catolicismo, enquanto
religião universal, sempre manteve uma relão ambígua em relação às massas
simultaneamente as teme e as deseja -, mas ressalta que a Igreja Católica é a
instituição que melhor soube defender-se das massas através de um trabalho de
domesticão, numa clara manifestação de seu poder aglutinador e controlador
dos
indivíduos que a hierarquia sabiamente substitui por um obediente
rebanho de cordeiros . Neste intento, a lentio e a calma tornam-
se
características desta massa de fiéis já domesticada que, quando reunida, tem
dupla função, deve ser vista e venerada: vista enquanto massa hierárquica,
79
DIAS, Romualdo, 1996. p. 136.
36
onde cada qual desfila de acordo com sua dignidade e é reconhecido pelo que
representa; reverenciada como exemplo de vivência real do cristianismo por
pessoas que se dizem cristãs mas que não são capazes de viver como tais
80
.
Desta maneira, por meio da domesticão e da organização das manifestações
de fiéis no país, a instituição eclesial robustecia a tese de simetria e ordem que
caracterizariam desde seu edifício doutririo até a procissão dos fiéis, numa
escala hierquica estruturada, coesa e ordenadora, em clara oposição à
hierarquia estatal que não estaria demonstrando tal capacidade por o dispor
do elemento comum e formador da alma nacional, a catolicidade.
O único fator de coesão, de ordem e progresso autênticos para o Estado
brasileiro relacionava-se, segundo este discurso católico, com a adesão ao
Cristo Rei. A efemeridade de um Estado criado pelo homem, destinado ao
perecimento sem a poderosa foa legitimadora da religião, evidenciava aos
governantes a necessidade desta união, num contexto em que a Igreja do Brasil
lutava para ver restabelecidos seus privilégios anteriores à perda do monolio
religioso. Esta representação do Cristo Rei mostrou
-
se também muito eficaz para
a segunda geração de defensores de uma restauração do regime monárquico
no ps, visto sua relação com as teses de compreensão do Brasil enquanto um
país católico, da unicidade do social sob a égide da religião, do esforço pela
retomada do poder espiritual pela Igreja e, principalmente, pela sua r
elação
com a idéia da reedificão de uma cristandade no país. Neste sentido,
diferenciando
-se da prudência da hierarquia na defesa abstrata de um regime
justo e bom
81
- e desta maneira evitando os problemas decorrentes de uma
opção explícita por determinada forma política, e principalmente, possibilitando
a coalizão com o Estado -, alguns leigos católicos absorveram em sua luta pelo
80
CANETTI, Elias.
Massa e Poder.
São Paulo, Brasília: Melhoramentos, Editora da UnB, 1983. p.
22
-
24/170
-
174.
81
Esta postura derivou da própria política papal de aceitação das várias formas de governo,
postura esta defendida por inúmeros pontífices preocupados com uma convivência pacífica e
zelosos para com a construção/manutenção da imagem da Igreja Católica como uma instituição
supranacional e essencialmente dedicada à salvação das almas. A ênfase recaiu sobre a
necessidade de que a forma política adotada contemplasse o bem comum e a justiça, e que não
efetivasse uma oposão aos direitos divinos e humanos que, na sua compreensão, deveriam
sempre reger as sociedades humanas. Entre os pontífices que defenderam esta posição são
destaque: Leão XIII, Au milieu des sollicitudes (1892); Pio XI, Dilectissima nobis (1933); Pio XII,
Alocão no Consistório Secreto extraordinário (1949); João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis
e
Cente
simus Annus
(1991).
37
retorno a uma forma de governo monárquica a simbologia da representação do
Reinado de Cristo. Estes católicos leigos, que não vivenciaram o Império
brasileiro, resgataram um discurso teológico-político de defesa da restauração
morquica no país embasados em uma construção doutriria que primava
também pela restituição do papel da Igreja como elemento unificador,
civilizador e l
egitimador do Estado.
Os movimentos monarquistas dos anos 20/30, em especial a
Ação
Imperial Patrianovista Brasileira (AIPB), da qual Plínio Corrêa de Oliveira foi
membro por um breve período, esbaram uma crítica à atual situação
brasileira a partir da compreensão de que os males derivavam da instauração
da república no país e da consideração da fancia do pprio liberalismo,
fatores que teriam desviado o país de seu curso providencialmente traçado.
Seu referencial teórico inspirava-se no tomismo, que considerava a monarquia
como a forma de governo menos imperfeita por possibilitar a unidade do corpo
social, numa clara referência à metáfora do corpo stico de Cristo, através do
governo de um só homem. Assim, como solão para a resolão efetiva dos
problemas sócio-políticos, os militantes monárquicos mais vinculados ao
catolicismo propunham uma reedificação de uma monarquia corporativa capaz
de restaurar no Brasil a sua vocação de Pátria Imperial :
o afastamento do Brasil de sua vocação católica
im
plicava, nesta visão pessimista da história, o desvio do
catolicismo do caminho do progresso, que este somente seria
vvel se os homens se aperfeiçoassem no sentido último para o
qual haviam sido criados. Fora da civilizão crisnão haveria
espaço s
enão para a barbárie
82
.
Este apostolado em prol da restauração monárquica no Brasil, efetivada
por inúmeros e variados grupos, o ficou isento de caractesticas peculiares.
Um exemplo claro destas peculiaridades pode ser encontrado no discurso pró-
monárq
uico que primava pela alteração de todo o edicio político-social, visto
que a simples restauração do trono e altar foi considerado como insuficiente
para recolocar o país nos trilhos de seu progresso autêntico, em outras palavras,
82
MALATIAN, Teresa. Império e Missão: Um novo monarquismo brasileiro. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2001. p. 88.
38
a defesa monárquica simples foi descartada como precária, visto que o Brasil
necessitaria de uma mudaa que fizesse ressurgir um modelo de civilizão
cris que teria se realizado durante o medievo. Neste modelo de sociedade
ideal, à Igreja não caberiam apenas as funções de legitimadora do poder real e
administradora de sacramentos, mas também a responsabilidade pelo
ordenamento social, a elaborão de códigos de conduta e vivência, a
administração e controle do saber e, principalmente, o
status
de supremacia dos
assuntos da alma sobre os assuntos carnais, com a conseqüente elevão da
Igreja a uma posição privilegiada política, religiosa, cultural e socialmente
83
.
Outra peculiaridade pode ser apontada na linearidade das teses sobre a
construção de nação elaboradas pelos católicos do Brasil e de Portugal, tema
já assinalado por Isaia ao problematizar as relações entre o catolicismo e a
ordem republicana no Brasil. O parentesco entre as teses dos grupos católicos
lusos e brasileiros realçou, cada qual em seu contexto, o significado da
proclamação da república enquanto um atentado às tradições católicas de seu
povo, numa clara referência à perspectiva comum de representação das nões
como modelos de estados regidos pelo governo duplo de monarcas e da Igreja,
numa divisão harnica de atribuições
84
. Esta afinidade cultural entre os
discursos derivou também de uma matriz comum de inspiração doutrinária,
absorvida do Integralismo Lusitano
.
Iniciado em 1913, o Integralismo Lusitano
visava criar em Portugal adesão à proposta católica, nacionalista, anti liberal de
instauração de uma monarquia orgânica, tradicionalista e antiparlamentar, que
recuperaria as instituições medievais e as adaptaria à época
85
. Os integralistas
portugueses participaram do processo político até 1925, data em que seu líder,
83
Esta tese de que somente a restauração do trono e altar é insuficiente foi discutida pelos
católicos contra
-
revo
lucionários desde o século XVIII, conforme aponta Menozzi. Percebemos que
esta concepção mostra-se ainda muito atual, visto as adesões a esta política de instauração de
uma neocristandade entre os católicos conservadores. MENOZZI, Daniele, 1989/1. p. 85.
84
O autor salienta esta questão ao apresentar a coluna Cartas de Lisboa, escrita pelo português
Santos Farinha e publicada no país na década de 20 pela Revista Vozes de Petrópolis. Farinha,
através de seus artigos, mostrou-se enfaticamente anti-
republicano
e defensor da restauração
monárquico
-legitimista em seu país, baseando seu discurso na tese de ser Portugal uma nação
católica, com uma história marcada pela vivência e amplião da cristandade. ISAIA, Artur
sar. Catolicismo e Ordem Republicana no Brasil. In: RIBEIRO, Maria Manuela Tavares
(Coord).
Portugal
Brasil. Uma visão interdisciplinar. Actas do Colóquio. Coimbra: Quarteto
Editora, 2003a. p. 73.
85
MALATIAN, Teresa, 2001.p. 42.
39
Antônio Sardinha, faleceu. O movimento se declarou dissolvido no ano de
1933,
alegando haver cumprido sua missão histórica com a ascensão de
Salazar e a proclamão do Estado Novo português
86
.
Também é importante destacar que o
esforço empreendi
do na difusão da
divina Ordem de Cristo Rei pautou-se na reelaborão da própria história do
país, visando explicitar aos governantes e aos cristãos que o principal fator de
unidade do povo brasileiro era representado pela religião comum
a católica.
Chau
í identifica que este período foi caracterizado no país pela mudança de
enfoque no que concerne à questão da construção da nação, ou seja, o período
marcado pelos debates sobre o caráter nacional (1880-1918), que
interpretavam o país, positiva ou negativamente, enquanto uma totalidade de
traços coerentes, conjugados e complementares estava encaminhando-se para
as discussões sobre a identidade nacional (1918-1950/60), uma elaborão
que constrói a identidade pela alteridade em relão ou em referência ao
outro,
ao que lhe é exterior
87
. Neste período de alternância entre estas duas propostas
de construção da nacionalidade, ainda predominava entre os católicos a
identificão do país a partir do cater nacional , uma construção que
primava pela identificão da unidade territorial, lingüística, pela harmonia
entre as ras, a crea religiosa comum, pela sublimão da ação
evangelizadora e colonizadora no país realizada pelos valorosos portugueses.
Este discurso é também encontrado na prodão do
Instituto
Histórico e
Geográfico Brasileiro que, a partir do desafio de explicar a gênese da
nacionalidade adotou a interpretação da construção do país a partir da ação
civilizadora de Portugal no Novo Mundo. Sintomáticas da sobrevivência desta
construção histórica do país foram as manifestações de alguns membros do
episcopado nacional que, ao recordarem a gênese do Brasil, refoaram o
discurso tradicional da ão missionária portuguesa, em especial durante as
comemorações do quinto centenário da conquista portugues
a.
88
86
Idem, p. 85.
87
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade aut
oritária.
São Paulo: Ed. Fundação
Perseu Abramo, 2000. p. 14 a 29.
88
Isaia aponta em seus artigos o recorrente discurso de apologia da obra missionária e
colonizadora portuguesa. Em especial, no ano de 2000, durante as comemorações do quinto
Centerio do Descobrimento , Dom Eugênio de Araújo Sales, Cardeal Arcebispo do Rio de
40
Toda esta construção que primou pela vinculação linear entre a história
portuguesa de expansão da com a história do Brasil foi consolidada na TFP a
partir da leitura de história elaborada por Plínio Corrêa de Oliveira. O líder dos
tefepistas defende que a direção da história pertence ao homem, dotado que é
de alma racional e livre. É através de atuação sobre as circunstâncias em que se
encontra, sendo influenciado de diversos graus e formas por esta, que o homem
comunica aos acontecimentos o seu curso. Plínio complementa que a ação do
homem se faz normalmente em função de suas concepções sobre o universo,
sobre si e sobre a vida, portanto, poder-
se
-ia afirmar que são as doutrinas
filosóficas e religiosas que produzem a direção da história
89
. Esta compr
eensão
prima pela afinidade com a concepção de história do catolicismo, que também
esancorada na tese de que o homem é o agente da história e de que suas
ões são determinadas pela sua conscncia, pelo livre arbítrio. Portanto, a
direção de seus atos é determinada pela sua vontade: ou age conforme os
preceitos católicos e desta forma seus atos suscitarão o equilíbrio social, ou age
contra estes preceitos e gera o caos social
90
. Esta teologia da história é inspirada
na tese agostiniana da eterna luta entre o bem e o mal, entre a Cidade de
Satanás (terrena) e a Cidade de Deus (celeste):
noutros termos, ou o mundo se converte e reproduz
fielmente a visão agostiniana da Civitas Dei, em que cada povo
leva o amor e Deus a ponto de renunciar a tudo quanto lese
aos
outros povos; ou pelo contrário, o mundo será aquela cidade do
demónio, em que todos levam o amor de si mesmos a ponto de
se esquecerem de Deus
91
.
Janeiro, publicou um artigo no qual reitera o elo de ligão entre Brasil e Portugal,
caracterizado pelo catolicismo. Dom Sales elogia o papel civilizador do português nas terras
bra
sílicas e destaca a cruz como primeiro símbolo na terra descoberta, numa clara referência à
construção do mito fundador do país, que seria identificado na primeira missa.
ISAIA, Artur César. Portugal no discurso do catolicismo brasileiro pós-conciliar. In: RAMOS,
Maria Bernardete. SERPA, Élio, PAULO, Heloísa (Orgs). O Beijo através do Atlântico: o lugar do
Brasil no Panlusitanismo. Chapecó: Argos, 2001. p. 137-174 / ISAIA, Artur César. A Hierarquia
Católica Brasileira e o Passado Português. In: SZESZ, Christiane Marques, ... [et al].
Portugal
Brasil no século XX: Sociedade, cultura e ideologia.
Bauru: EDUSC, 2003b. p. 233
-
253.
89
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Auto-retrato filosófico de Plínio Cora de Oliveira.
Catolicismo
,
São Paulo, nº 550, p. 03
-
33. Outu
bro/1996. p. 03.
90
MANOEL, Ivan, 2004. p. 19/20.
91
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Um remédio que agravará o mal. O Legionário, 491,
08/02/1942. Apud: MATTEI, Roberto de, 1997. p. 325.
41
A dialética agostiniana das duas cidades, a Cidade de Deus e a Cidade
dos Homens, foi resgatada pelos católicos na busca pela explicitação da
situação de cada homem neste mundo de provação
ou vive-se em função da
cidade celeste, encarando cada ato como possibilidade de santificação
individual ou coletiva -, ou vive-se em função da cidade terrena. O líder da TFP
esclarece que a vida terrena se diferencia profundamente da vida eterna, mas
enfatiza que estas duas vidas o constituem dois planos isolados. Pelos
desígnios da provincia foi estabelecida uma relação íntima entre a vida
terrena e a vida eterna, de maneira que a primeira é o caminho e a segunda é
o fim, o Reino de Cristo não é deste mundo, mas é neste mundo que eso
caminho pelo qual chegaremos aele
92
.
Por meio desta visão teológica dos acontecimentos, Plínio elaborou uma
compreensão da história do país enquanto ão dos portugueses influenciados
pelo amor de Deus , portanto, a ação civilizatória no país foi interpretada
como amplião da cristandade, numa proposta harmônica com os planos
divinos de reencontro do homem com Deus através de sua atuação temporal
em prol da . Assim, a história da epopéia portuguesa estaria completamente
integrada à história do Brasil numa escala linear de tempo, de história e de
relão com a cristã. Sendo desde sempre cristão, o Brasil, no século XX,
de
veria reencontrar nas raízes ibéricas a heraa a ser resgatada, o elemento
formador e caracterizador dos diversos povos que, no além mar, formaram o
povo brasileiro numa simbiose de culturas e ras intimamente ligadas pela
religião e língua comuns. A representação do Brasil católico , adotada pela
hierarquia, religiosos e até mesmo por intelectuais leigos, foi legitimada num
discurso que reuniu de forma harmônica e una a multiplicidade de elementos
que aqui aportou (pluralidade agora apagada, pelo discurso de exaltação do
uno, o brasileiro ).
O Brasil católico pré-republicano foi pensado enquanto uma sociedade
ornica, onde elementos tão caros ao conservadorismo religioso e político
foram identificados: a harmonia, a solidariedade, a ordem e o comando
92
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A Cruzada do Século XX.
Catolicismo.
Jane
iro de 2001, nº 601.
Disponível em: < http://www.pliniocorreadeoliveira.info/artigoscatolicismo.asp> . Acesso em
26/abril/2005.
42
centralizado e forte. Estes elementos encontrar-
se
-iam no cotidiano do país e
seriam interpretados como evidências de uma harmônica adequação entre o
direito natural e a verdade revelada. Neste sentido, a atitude que se esperava
do Estado era a de reconhecimento da fé, sob a pena da perda de sua
legitimidade e da conseqüente possibilidade de configurar negativamente o
ambiente, tornando
-
o propício à desordem
93
.
A concepção de ordem temporal valoriza sua crião por Deus e sua
finalidade de servir-Lhe neste mundo material através do concurso da Igreja,
Esposa stica de Cristo e responsável pela salvão das almas, e dos esfoos
da massa de fiéis que, sob orientação hierárquica, imprimam em todas as suas
atividades
das mais individuais e cotidianas às ações públicas
elementos da
doutrina católica, num esforço connuo por restaurar a civilizão cristã no
revolucionário mundo moderno. Desta maneira, a sociedade temporal deve ser
um instrumento para serem criadas condições favoveis ao progresso do
homem
, tanto o progresso espiritual quanto o material permitindo, da maneira
mais perfeita possível, a santificão das almas. Tal atuação parte do primado
do espiritual sobre o material, das necessidades da alma/imortal sobre as do
corpo/mortal:
sendo o homem constituído por dois princípios distintos,
corpo e alma, é claro que em tudo quanto lhe diz respeito, se
muito mais importante o que concerne à alma do que ao corpo;
pois o que é espiritual e imperevel, vale mais do que o que é
material e mortal
94
.
Em
decorncia, toda a atuação social deve orientar-se para a
santificação, individual ou coletiva, dos homens, para conduzi-los à salvão
eterna. Toda a ordem temporal deve participar deste esforço através de sua
adequação ao princípio de ministerialidade, ou seja, a ordem temporal deve
servir aos desígnios de Deus e da verdadeira Igreja, pois estes desígnios são
mais elevados do que a ordem temporal, já que se inserem na ordem
sobrenatural. Enfaticamente, a sociedade e o Estado devem ser, a seu modo,
93
ISAIA, Artur César, 2003a, p. 65 a 68.
94
OLIVEIRA, Plínio Cora de. Cristandade: sacralidade na ordem temporal.
Catolicismo
, Sã
o
Paulo, nº 574, p. 16
-
32. Outubro/1998. p. 18.
43
inst
rumentos de santificão das pessoas, ajudando-as a atingir seu fim último
que é alcaar o Céu
95
.
Neste sentido, a atuão do movimento católico tefepista
influenciada
pelo catolicismo de reconquista apontado acima
-, deve ser interpretada a partir
das
matrizes filosófica e soteriogica. A compreensão que os tefepistas têm de
Igreja e de verdade esna raiz de seus projetos de interveão no campo
temporal. Esta opção teórico-metodológica, que abrange elementos de ordem
espiritual e suas conseqüências diretas sobre a ordem temporal, foi preconizada
por vários autores, dentre os quais Roberto Romano que, na obra Brasil: Igreja
contra Estado, elabora uma defesa veemente de análises mais abrangentes
sobre a atuação da Igreja, ou seja, defende que as pesquisas sobre o
catolicismo priorizem questões doutrinárias e soteriológicas, bem como sua
relão com a cultura contemporânea, para compreender o sentido das ações
empreendidas pela hierarquia, movimentos ou grupos católicos. Realça o autor:
partiremos da constatação de uma atitude soteriológica
fundamental no interior da Igreja. Esse anseio de salvação não
se esgota nas situações meramente conjunturais, mas se
inscreve no contexto mais amplo da luta entre a Igreja
[e grupos
religiosos]
e os demais poderes positivos da ordem social
capitalista
o Estado, a ordenação ético-jurídica da sociedade,
a afirmão das classes e de suas associações -, cuja tendência
geral, desde o último século, foi completar o movimento de
negação de toda transcendência e liquidar a religião católica
como fonte de legitimidade do poder. Em contrapartida,
exacerba
-se por parte da Igreja a dencia daqueles poderes
como contrários aos desígnios da salvação, postos por Deus
para serem cumpridos por todos os homens
96
.
Romano defende que a atitude soteriológica adotada imprime na
atuação de bispos, padres e leigos elementos que orientaram desde as práticas
cotidianas até importantes decisões tomadas em nome da totalidade da Igreja.
Desta forma, cada ação é reinterpretada a partir da orientação teológica, que
lhe transmite um sentido dentro do plano divino para a História. Em decorncia
disto, analisar a percepção de Igreja difundida pelos membros da TFP e
95
Nota da Redão. In: OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Cristandade: sacralidade na ordem
temporal, Outubro/1998. p. 16.
96
ROMANO, Roberto.
Brasil: Igreja contra Estado.
São Paulo: Kairós, 1979. p. 22
-
23.
44
considerar as matrizes doutrinárias que lhe servem de referencial de ação,
tornam
-
se
importantes elementos de interpretação e compreensão de sua
atuação no contexto político, cultural e religioso brasileiro. Neste sentido,
optamos por trabalhar com a proposta interpretativa tefepista enquanto
engajamento a uma determinada forma de autocompreensão de Igreja,
entedida como uma das diversas maneiras de auto-entendimento, uma imagem
que a Igreja teve de si mesma em determinado período histórico
97
. A questão da
autocompreensão remete à multiplicidade de formas de compreensão de Igreja;
destaca a inflncia e a participação da instituição no processo histórico e
explicita, através do confronto de visões de mundo, a multiplicidade de
entendimentos dos membros desta religião que, sendo ou não representantes
da proposta hegemônica, acabam por influenciar, dialogar ou conflitar com os
demais. Como afirma Saucerotte,
a história das sucessivas autocompreensões da Igreja se
inscreve assim no estudo geral das grandes superestruturas de
cada época da civilizão e a história sagrada se funde assim
com a h
istória dos homens, hoje quando sabemos que a história
é a história dos grandes números, mas época em que sabemos
também que estes grandes meros atuam na história na
medida em que têm consciência de formar um grupo, na medida
em que o grupo social «em si» torna-se um grupo social «para
si»
98
.
Wernet ressalta que as autocompreensões - consideradas pelo autor
enquanto tipos ideais -, exagerando alguns aspectos específicos da realidade,
selecionam características desta e as incorporam num quadro mental
rel
ativamente homoneo de explicão do mundo, que por sua vez i
transmitir à ação uma linha de conduta conforme com esta realidade
idealizada
99
. Manoel complementa que as autocompreensões representam os
momentos em que determinada forma de organização, de tarefas auto-
atribdas e de auto-entedimentos se torna dominante e por determinado
97
WERNET
, Augustin. Apud: ISAIA, Artur César. Catolicismo e Autoritarismo no Rio Grande do
Sul.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. p. 21.
98
SAUCEROTTE, Antônio. As sucessivas autocompreensões da Igreja vistas por um marxista.
Concilium.
Nº 7, p. 906
-
914, 1971. p. 907
.
99
WERNET, Augustin.
A Igreja paulista no século XIX
.
São Paulo: Ed. Ática, 1987. p. 12.
45
período, obtêm hegemonia para direcionar toda a atividade católica
100
.
Considerando
-se que a Igreja não é um bloco homogêneo, que suas visões de
mundo são inúmeras e diferenc
iadas, a adoção de um esquema explicativo pela
TFP, ou melhor, sua eleição da autocompreensão tridentina de Igreja como
única proposta válida e legítima irá refletir em seu modo de atuação no
social.
Para Poulat o tema da autocompreensão é uma das questões que
sobressai, que diferencia o trabalho do teólogo e do historiador: onde o
teólogo fala da autocompreensão da Igreja, o historiador constata uma
pluralidade de compreensões, das quais uma, dominante, tende a se impor como
única válida
101
. Esta questão aponta diretamente para a premissa de que o
historiador não deve se pronunciar sobre o valor ou não-valor dos enunciados
metafísicos, mas deve se limitar a questionar como os homens compreendem
sua sociedade e, a partir daí, perceber a conseqüente autocompreensão de
Igreja que se forja. O teólogo defende a verdade , a unicidade e o historiador
constata a multiplicidade, a diferença. Esta mesma postura é defendida por
Peter Berger, que, a partir de uma perspectiva social, considera a religião como
um empreendimento humano, o resultado da atividade da conscncia humana
e que, por conseqüência, i se manifestar na realidade enquanto fenômeno
empírico. Em decorncia desta compreensão, o autor defende que o trabalho
analítico deva ser direcionado pelo que denominou de ateísmo metodológico ,
ou seja, que o trabalho do cientista social deve ponderar a religião enquanto
projeção humana, não tendo, portanto, nada a declarar acerca da possibilidade
de esta projeção se referir a algo além do ser que a projeta
102
.
100
MANOEL, Ivan, 2004. p. 09.
101
POULAT, Emile. Compreensão histórica da Igreja e compreensão eclesiástica da história.
Concilium.
Nº 7, p. 811
-
824, 1971. p. 817.
102
BER
GER, Peter Ludwig.
O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião.
São Paulo: Paulinas, 1985. p. 186.
46
1.1. TFP: Expoente do integrismo católico no Brasil
O integrismo católico surgiu no final do século XIX e icio do XX, no
decorrer de uma disputa interna do catolicismo. A facção dos católicos que
posteriormente será chamada pejorativamente de integristas derivou de uma
diferencião interna ao catolicismo intransigente, movimento que passou o
século XIX opondo-se às tentativas de concilião entre a Igreja e a sociedade
moderna. Na Fraa, o intransigentismo coincidia com o ultramontanismo,
movimen
to que primava pela luta contra o mal que cinco séculos destruía a
Cristandade, pela defesa incondicional e absoluta ao papado e pelo esmulo a
uma interveão política ativa dos católicos nas instituições, visando cristianizá-
las. Pierucci esclarece que o intransigentismo/ultramontanismo pautava-se pela
oposição à república e pela sua adesão à monarquia, à soberania temporal do
papa e à manuteão dos Estados Pontifícios (no contexto italiano) e por o
admitirem em nenhuma hitese o princípio republicano elementar da
liberdade de consciência e de culto
este seria um insulto à verdade única do
dogma católico; um assalto à religião enquanto elemento estruturante básico da
sociedade
103
.
Como destacou Fouilloux,
a resposta da Igreja ao mundo que surgiu com a Reforma e
principalmente com a Revolução Francesa ou com os seus
êmulos, com a agressão laica ou anticlerical veiculada por estes,
veio por meio da construção de um modelo de catolicismo
integral e ao mesmo tempo intransigente. Integral porque rejeita
qualquer forma de liberalismo que separe o público do privado
e tenda a repelir a religião para o domínio do privado por
intermédio do processo de laicizão. O catolicismo integral
reivindica para a religião o direito de instruir todas as atividades
huma
nas, sejam elas quais forem. Para isso, no entanto,
precisou adotar uma estratégia evolutiva. Por cima, a
conservação ou o restabelecimento do Estado cristão, impondo
aos súditos ou cidadãos o respeito às leis da Igreja. (...) Por
baixo, a Ação Católica ge
ral, ou especializada a partir dos anos
20, procura reintroduzir todo cristianismo em toda a vida (...).
Intransigente no sentido próprio do termo, porque esse
catolicismo rejeita qualquer tipo de transão com a
modernidade (...). Assim, tendem a formar-se contra-
sociedades
103
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da Diferença. São Paulo: USP, Curso de Pós-
graduação
em Sociologia; Editora 34, 1999. p. 188
-
189.
Ver também: POULAT, Emile. Intégrisme. In: Encyclopaedia Universalis. Vol. 9. Paris:
Encyclopaedia Universalis, 1985. p. 1246-1249. / RÉMOND, Re. Lintegrisme catholique.
Portrait intellectuel.
Études.
Tome 370, nº 1 (3701), p. 95
-
105, Paris, janvier 19
89.
47
católicas, que encerram a totalidade da vida dos fiéis e limitam
ao máximo o contato destes com os Estados considerados
perseguidores ou com as sociedades consideradas ímpias
104
.
Com a publicação da encíclica Rerum Novarum (1891), pelo papa Leão
XIII (1878-1903), o rompimento do grupo dos intransigentes foi consolidado.
Sua publicão acendeu a chama integrista e passou a representar um ícone
para a pretensão da interpretão literal do texto em latim. A encíclica foi
recebida pelos intransigentes como condenação da moderna sociedade
burguesa e conclamação à restauração da velha ordem social, pré-burguesa e
confessionalmente cristã. Diversa foi a interpretação dos religiosos vinculados ao
chamado catolicismo social. Poulat salienta que em torno da interpretação deste
texto se estabeleceu um cisma interno, muito duro e violento entre aqueles que
se chamarão católicos sociais e aqueles a quem os católicos sociais vão
denominar integristas . Segundo o autor, foi a partir desta ruptura interna no
campo intransigente católico que nasceu o chamado integrismo
105
.
Tendo sido criado pelos adversários, o termo integrismo designava o
movimento antimodernista interno ao catolicismo dos países latinos da Europa.
Sendo uma denominação externa e pejorativa, o foi adotada e auto-
referenciada pelos católicos ultramontanos, que, para expressarem sua posição
no campo católico, se autonomearam de tradicionalistas
.
O apogeu do
catolicismo integral ocorreu no icio do século XX, durante o pontificado de P
io
X (1903-1914), quando esta doutrina passou a ser a refencia básica da
política pontifícia, cujo objetivo era a retomada dos espaços perdidos com o
processo de secularizão e de desordem desencadeado, na sua compreensão,
pela Reforma Protestante. Para os católicos integristas, a Idade dia
representou um período em que se obteve certo equilíbrio entre as forças do
bem e do mal
onde o pecado foi, de certa forma, controlado pelo poder de
inflncia da Igreja -, através da consolidão de uma sociedade hierquica e
autoritária, dois ícones deste modelo de catolicismo. Nesta perspectiva a ordem
medieval surgia como um ideal para os integristas: cada um em seu lugar e os
reis fazendo os homens se submeterem a Deus, se preciso for, pela espada.
104
FOUILLOUX, Étienne. Integrismo católico e direitos humanos.
In: ACAT, 2001. p. 14/15.
105
POULAT, Emile.
Apud: PIERUCCI, Antônio Flávio, 1999. p. 189.
48
Nesta construção discursiva novamente aparecem as diretrizes do
ultramontanismo de denúncia das foas do mal como responsáveis pela
desestabilizão do modelo de civilização idealizado, responsáveis pela revolta
de Lutero, pelo Renascimento, pela Revolão Francesa, pelos socialismos
modernos, etc.
Os principais elementos caracterizadores da doutrina integrista revelam
sua adesão incondicional à tradição e ao papado. O integrismo parte da
convicção de que a autoridade sacra para a qual se preconiza uma inerncia
li
teral é o texto papal (destacamos: de determinados pontífices!), e não a
Sagrada Escritura. O zelo militante de religiosos e leigos defensores deste
catolicismo é pautado pela defesa dos valores religiosos ameados de
decomposão pelo nocivo efeito da modernidade, que é concebida como a
síndrome antagônica à tradição que se quer preservar, ou, como a definiu Pio X,
a síntese de todas as heresias (Encíclica
Pascendi
, 1910). Nesta sociedade
moderna contaminada pelas síndromes desagregadora e laicizante, o
único
vetor legítimo com poder suficiente para interromper este processo, o único fator
portador da boa ordem sócio-política é a Igreja Católica hierárquica. Desta
forma, para a efetiva restauração da civilização cris (considerada como
permeada e regida pela simbologia católica em todas as suas instâncias e
instituições) é necessário um esfoo pela reconquista ou manipulão do poder
político pelos católicos, ou seja, visando a perpetuação de uma tradição
declarada imutável e totalizante, os integristas estimulam uma recuperação do
poder político para fins religiosos
106
.
É importante mencionar que, além do confronto com os elementos
externos à Igreja, o catolicismo integral também foi estruturado no confronto
com outras correntes do próprio catolicismo, como o modernismo, o catolicismo
social e o catolicismo liberal. Considerando tais autocompreensões de
catolicismo como carentes de legitimidade, visto suas tentativas de algum tipo
de diálogo, concilião ou adaptação ao mundo moderno, os integristas
pos
icionavam
-se enquanto legítimos defensores das verdades da Igreja, de
106
PIERUCCI, Antônio Flávio, 1999. p. 189/190.
49
sua tradição imutável e da supremacia do espiritual sobre a efemeridade da
esfera temporal:
somos católicos romanos integrais, isto é, colocamos
acima de tudo e acima de todos não apenas o ensino
tradicional da Igreja na ordem das verdades absolutas, mas
também as diretrizes do papa na ordem das contingências
práticas. A Igreja e o papa constituem um todo único
107
.
Os tefepistas também enfatizam veementemente sua vinculação total ao
catolicismo em contraposão aos católicos progressistas , que estariam, com a
adaptação da doutrina e das práticas pastorais ao espírito dos tempos ,
traindo seu verdadeiro papel de difusores da verdade católica , sendo
coniventes com as filosofias modernas e acristãs, defendendo e propagando o
germe comunista na Igreja de Cristo. Diante desta situação, considerada
preocupante, os tefepistas se autoproclamam os arautos da civilização cris ,
o grupo católico autêntico , o influenciado pelo espírito moderno. Podemos
considerar como exemplo simlico desta declaração pública de adesão total
ao catolicismo o testamento de Plínio Corrêa de Oliveira. Documento símbolo
para a construção da imagem do líder como real e confesso devoto da Igreja
que, apesar das campanhas movidas contra seus líderes ou grupos, só viveu
para engrandecê-la e prote-la das investidas de Satanás . Em seu
testamento, firmado ainda em 10 de janeiro de 1978, o fundador da TFP
afirmava:
declaro que vivi e espero morrer na Santa Fé
Católica
Apostólica e Romana, à qual adiro com todas as veras de minha
alma. (...) De tal sorte que todas as pessoas, instituições e
doutrinas que amei durante toda a vida, e atualmente amo, só
as amei ou amo porque eram ou são segundo a Santa Igreja, e
na
medida em que eram ou são segundo a Santa Igreja.
Igualmente, jamais combati instituições, pessoas ou doutrinas
senão porque e na medida em que eram opostas à Santa Igreja
Católica
108
.
107
LA VIGERIE, 05/12/1912. Apud: GOMES, Francisco J. S. Integrismo. In: SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da. MEDEIROS, Sabrina Evangelista. VIANNA, Alexander Martins (Dir).
Dicionário
Crítico do pensamento de direita: idéias, instituões e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ:
Mauad, 2000. p. 254.
108
OLIVEIRA, P
línio Corrêa de. Nossa Senhora foi sempre a Luz da minha vida. O testamento do
cruzado do século XX.
Catolicismo
, São Paulo, nº 550, p. 34. Outubro/1996.
50
Em defesa da reconstrução da civilização cristã, os tefepistas pautaram
sua atuação pela reconquista de espos perdidos pela religião monopolista
pré
-republicana e pela vigincia contínua sobre os próprios membros da Igreja,
ão esta relacionada com a declaração de Paulo VI da presea da
fumaça
de Satanás no templo, que dia a dia estaria se dilatando mais, ou seja, da
inflncia crescente do mal na própria Igreja
109
. O trabalho de identificação dos
inimigos e a conseqüente acusação pública é um elemento decisivo da atuação
tefepista; esforço que muitas vezes teve como conseqüências o confronto com
membros da hierarquia e os comunicados da Confencia Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB) advertindo contra as suas atividades pouco ortodoxas e
clamando para que os fiéis não ingressem em suas fileiras. Pierucci reforça esta
que
stão ao salientar que a partir da consolidão do integrismo, durante o
pontificado de Pio X, e da conseqüente agregação dos demais católicos
conservadores em suas fileiras, sua atuação pautou-se pela contínua vigilância
contra os considerados inimigos internos e externos do catolicismo. Conforme o
autor o integrismo se tornou uma estrutura de acolhida para os chamados
tradicionalistas, ultraconservadores, ultra-ortodoxos e antimodernos de
proveniências e inspirações diversas, muitas vezes resvalando para a
constituição de organizões secretas e conventículos conspiratórios. Os
integristas estariam dispostos a intensificar a assessorar a ofensiva contra os
inimigos internos na urgência de denunciar, perseguir e infamar os
desviantes (e o de construir coisas novas), na tentativa de impedir qualquer
mudança que fosse considerada ameaçadora a integridade da religião
católica
110
.
João Camilo de Oliveira Tôrres ressalta que uma justa interpretação
desta compreensão de catolicismo deve considerar que sua fundação é dupla,
ou seja, o integrismo está ancorado no caráter perfeito da Revelão e no
109
PAULO VI. Alocão Resistite fortes in fide
de
29/06/1972. Apud: OLIVEIRA, Plínio Corrêa
de
, 1998.
p. 168.
110
Sua batalha se torna obsessivamente interna, auto-referida; sua vigincia es voltada
primeiro para dentro, mesmo que o preço a pagar por isto seja a marginalizão interna, ou até
a excomunhão (como aconteceu com o arcebispo francês Marcel Lefebvre e com o ex-bispo de
Campos, RJ, dom Castro Mayer, excomungado em 1988, líder da TFP e do autodenominado
clero tradicionalista no Brasil) .
PIERUCCI, Antônio Flávio, 1999. p.190.
51
caráter catastrófico da história. O primeiro pilar do integrismo ressalta que a
Revelação, sendo palavra de Deus dirigida aos homens, é perfeita e plenamente
realizada.
Para os católicos esta premissa produz a convicção de que, sendo o
ensinamento da Igreja verdadeiro e a verdade imutável , o ensinamento da
Igreja também deve ser imutável . As mudaas, tão temidas pela sua
imprevisibilidade e descontrole, podem ferir
os dogmas e conduzir ao erro
111
.
Já o segundo pilar refere-se à concepção judaico-cristã de história, e
parte da idéia de que sua fundação foi resultado de uma catástrofe: o pecado
original. A partir do pecado primeiro o homem transformou-se num ser
miserá
vel, suscevel à doença, à infelicidade, ao medo e à morte, em termos
gerais, o pecado original colocou a desordem e a morte no mundo
112
.
Este fato
introduziu o mal na trama dos acontecimentos e estabeleceu uma história para
o homem, o introduziu na temporalidade, numa luta entre contrários que se
consolidará no Jzo Final. Delumeau, analisando a questão do pecado
original, distinguiu as características principais que decorrem da visão cris
sobre este evento: primeiramente esta doutrina constata a presea marcante
do mal, sob as mais variadas formas, em toda a história humana; depois, surge
o esfoo teológico por indicar o culpado deste erro, o que se fez culpabilizando
o homem e eximindo Deus; a terceira característica decorre da afirmação de
que a morte do homem é conseqüência do primeiro pecado; por fim, como
forma de alimentar as esperanças nos dias futuros, se proclama a salvação pela
ão de um Redentor
113
. Esta construção apresenta o tempo histórico como
marcado pelo pecado, iniciado pelo ato de desobediência de Adão e Eva e
distinguindo o estado original de perfeição da conseqüente condição da
presença dominante do pecado entre os homens, a Encarnação desencadeia
um processo de salvão, de libertão do pecado; o fim dos tempos assinala a
111
TÔRRES, João Camilo de Oliveira. História das Idéias Religiosas no
Brasil.
São Paulo:
Editorial Grijarbo, 1968. p. 219 a 221.
112
O der da TFP ressalta sua filião a esta visão pessimista do homem pecador ao
afirmar:
Após a queda, o homem foi expulso do Paraíso, perdeu os dons sobrenaturais e
preternaturais que possuía. E ficou sujeito ao pecado, a apencias desregradas: sua inteligência
obnubilou
-se, sua vontade enfraqueceu-se, o corpo passou a ser como que um corpo leproso .
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Visão panorâmica da História Universal.
Catolicismo
, São Paulo,
586, p. 21
-
27. Outubro/1999. p. 26.
113
DELUMEAU, Jean. O Pecado Original. In: O
pecado e o medo: a culpabilização no Ocidente
(séculos 13
-
18).
Vol. I.
Bauru: EDUSC, 2003. p. 476.
52
condenaçã
o definitiva dos pecados e a glória eterna dos não pecadores
114
,
numa prospecção em que os acontecimentos são explicados, impulsionados ou
determinados, ou não, pela situação pecaminosa.
O próprio João Camilo de Oliveira Tôrres assinala o importante papel
do
fundador da TFP, Plínio Corrêa de Oliveira, na sistematização deste pensamento
catastrófico da história com a obra Revolução e Contra-
Revolução
, na qual a
perspectiva pecaminosa é crucial. Em entrevista ao mensário 30 Giorni,
o
próprio Pnio afirmou que sua obra sustentava-se na tese de serem a I
Revolão (Humanismo, Renascimento e Protestantismo) e a II Revolão
(Revolão Francesa) resultados de enormes pecados coletivos, o somente do
ponto de vista intrínseco, mas também pela quantidade de almas que foram
persuadidas ou arrastadas por elas, e pela vastidão dos territórios em que se
desenvolveram
115
. Tôrres, no entanto, ressalta que nesta publicão um
distanciamento do conceito de contra
-
revolução maistreano em favor da adoção
da matriz marxista: Plínio considera a contra-revolão como uma revolão ao
contrário (concepção vinculada à reão), e não enquanto o contrário da
revolão (a ordem em si), como defendeu Joseph de Maistre
116
. O próprio
Plínio enfatiza que entende a contra-revolução como uma re-ação, uma ação
dirigida contra outra ação, como a restauração da ordem
117
. Para Plínio tais
conceitos são diferenciados, ou seja, por ordem compreende a reta disposição
114
CASAGRANDE, Carla. VECCHIO, Silvana. Pecado. In: LE GOFF, Jacques. SCHMITT,
Jean
-
Claude (Coord). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. II Volumes. Bauru: EDUSC; São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 337.
115
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Entrevista ao mensário 30 Giorni. Apud: CATOLICISMO, Fátima
e a TFP:
Catolicismo
. Nº 474, junho de 1990. Disponível em
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/entrevistas.asp> Acesso em 27/outubro/2004.
116
TÔRRES, João Camilo de Oliveira, 1968. p. 221/222.
Hannah Arendt também se afastou desta abordagem maistreana ao defender a postura de
Condorcet de que a contra-revolução sempre permaneceu vinculada à revolução, da mesma
maneira que a reação se liga à ão. ARENDT, Hannah. Da Revolução. 2ª edão. Brasília: Ed.
da UnB; São Paulo: Ática, 1990. p. 15.
Joseph de Maistre (1753-
1821)
escrit
or, filósofo, diplomata e advogado. Foi um dos
proponentes mais influentes da contra-revolão no período imediatamente posterior à
Revolução Francesa. Defendia a restauração da monarquia hereditária, suprema autoridade do
papa, quer em matérias religiosas como em matérias políticas. Acreditava que apenas os
governos baseados na doutrina cristã, implícita nos costumes e instituições de todas as
sociedades européias, poderiam evitar as desordens que seguiram a implementação de
programas políticos racionalist
as. Entusiasta do princípio de autoridade, defendeu
-
o em todos os
domínios: no Estado, enaltecendo a monarquia; na Igreja, enaltecendo os privilégios do
papado; no mundo, glorificando a providência divina.
117
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 91 e 93.
53
das coisas segundo seu fim próximo e remoto, físico e metafísico, natural e
sobrenat
ural, de modo que a ordem por excelência teria sido a Cristandade
medieval; a revolução é compreendida como todo o esforço que vise dispor
os seres contra esta ordem; e, por fim, a contra-
revolução
é todo o esforço que
visa circunscrever e eliminar a revolão que, portanto, deve existir
previamente)
118
.
Arno Mayer, em trabalho sobre o tema, ressaltou que a contra-
revolução
não é um fenômeno de equilíbrio, político, ecomico ou social, mas sim um
produto da instabilidade, das cisões e da desordem
119
.
Mayer
também aponta,
como discutimos em trabalho anterior
120
, que os contra-
revolucionários
muitas vezes m uma atuão semelhante à dos próprios revolucionários,
destacando
-se por apresentarem-se como únicos portadores de uma solão
para sanar os problemas. Seu arsenal doutririo é profundamente inspirado
pelos moldes do conservadorismo e da reão. No caso da TFP, entidade que
consideramos como representante da contra-revolão mas com uma saliente
ão conservadora em épocas menos críticas, entendemos que sua atuação
esteja pautada em um projeto político reacionário de restauração de um
passado mitificado e romantizado ordenado por instituições que sustentam uma
ordem hierquica de privilégios, projeto este sistematizado pelo seu líder
ximo, Plínio Corrêa de Oliveira. Em outros temos, a TFP, servindo-se do
arcaboo doutrinal reacionário de seu líder, atua na sociedade como um
movimento contra
-
revolucionário e/ou conservador que defende a restauração e
ou manutenção de elementos de um modelo político-
soc
ial idealizado e
118
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Auto-Retrato Filosófico.
Catolicismo
. São Paulo. Nº 550, p. 03-
33, Outubro/1996. p. 08.
119
MAYER, Arno. Dinâmica da Contra-Revolução na Europa, 1870-1956. Uma estrutura
analítica.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 14.
120
ZANOT
TO, Gizele.
É o caos!!! A luta anti agro
-
reformista de Plínio Corrêa de Oliveira.
2003.
Dissertação (Mestrado em História Cultural)
Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. p. 11 a 13.
Odilão Moura, as analisar a atuação da Sociedade, também concluiu que a TFP possui uma
atitude reacioria: Reação contra o socialismo e o comunismo, contra a repercussão dessas
ideologias na política, na legislação, na religo, contra as inovões culturais, contra as
atualizações rituais, pastorais e de costumes na Igreja; contra... Enfim, um dique ao qual detenha
o tempo no seu curso e estabilize o passado no passado. Entidade reacionária, mas de reação
atuante, presente, usando a violência, se necessário .
MO
URA, Odilão. As idéias católicas no
Brasil: direção do pensamento católico no Brasil do século XX. São Paulo: Convívio, 1978. p.
213/214.
54
localizado temporalmente no passado, o medievo (Ver discussão mais
aprofundada no capítulo II da presente tese).
1.2. A exaltação de uma tradição construída
O termo tradição deriva do vocábulo latino
tradere
, que significa
entregar, transmitir. Em sentido estrito designa a difusão de conhecimentos e
práticas de uma gerão à outra, ou seja, designa uma transmissão de
conhecimentos, de cultura entre gerações. Na utilizão do termo pela Igreja,
que a difere da Sagrada Escritura, tradição passou a designar o conhecimento
concernente à e a moral, transmitido primeiramente de forma oral e depois
assumindo a forma escrita. A respeito de sua origem, se tem Deus por autor
imediato é considerada divina, cujas características específicas são de
imutabilidade e perpetuidade. Se derivar do poder concedido por Deus à Igreja,
procedente da ão pastoral que é transmitida em plenitude a todos os
sucessores de Pedro, se diz que é eclesiástica. Esta pode ser mutável quando se
referir especificamente às q
uestões de ordem disciplinar
121
.
Yonnaras, em artigo onde discute o significado da tradição para o grupo
tradicionalista e para os demais cristãos, enfatiza que a leitura pós-
conciliar
deste termo veio ressaltá-la como a transmissão da experiência da Boa-
Nova
entre os fiéis, sublinhando que tal transmissão necessita da comunidade, da
coletividade para se realizar. Analisando o tradicionalismo, o autor destaca a
alteração deste conhecimento em convicções individuais, em certezas intelectuais
que substituiriam o funcionamento da tradição comunitária por múltiplas
tradições isoladas da transmissão de uma experiência comum. Desta forma,
as tradições seriam concebidas enquanto material religioso autônomo,
objetivado e imutável
as transformariam em valor em
si. Conforme o autor,
na linguagem da Igreja, chamamos de
tradicionalismo
(traditionalismus)
esta tendência extrema que faz da Igreja uma
religião, que substitui a comunhão das relações do corpo
eclesial pela disciplina individual e que se apega a mode
los
dados e a fórmulas codificadas. Os
modos
de participação na
121
E. R. Tradizione. In: ISTITUTO DELLA ENCILOPEDIA ITALIANA. Enciclopedia Italiana di
Scienze, Lettere ed Arti.
Roma:
Istituto della Encilopedia Italiana, 1950. p. 139/140.
55
comunhão eclesial se tornam autônomos em relação ao próprio
fato
da participação e a seu prosseguimento, cessam de servir e
de expressar a incorporação ao modo eclesial de viver. São
absolutiz
ados como valores em si, são erigidos em ídolos, em
dados sagrados por si mesmos que convém resguardar, no
tempo, intactos e inalterados
122
.
Esta leitura do catolicismo altera e solidifica a compreensão da tradição,
que se transforma num compêndio de fórmulas de ortodoxia fossilizadas,
nutrindo uma auto-suficiência individual fiel a modelos mortos
123
. Embora a
preocupação do autor seja com a defesa da proposta s-conciliar de Igreja,
mais coletiva e menos ortodoxa, parece-nos bastante interessante esta
compreensão de tradicionalismo enquanto uma doutrina católica que solidifica
a idéia de tradição em normas e ritos, visto que daí derivam as teses de tradição
católica verdadeira , ou seja, una e legítima . Aproximando-se da leitura
crítica sobre o integrismo católico, Yonnaras também enfatiza o sentido
individual desta construção discursiva ao afirmar que deste apego à tradição o
tradicionalista retira a autocerteza de sua virtude pessoal. Ele se utiliza deste
arcaboo rigoroso que, por seu
status
recon
hecido, é transformado em uma
couraça individual de certeza da ortodoxia, e, portanto, da salvação
124
.
A enfática defesa tefepista da tradição, expressa no próprio nome da
Sociedade
, agrega dois significados num imbricamento que torna o termo
designativo tanto dos costumes e dos ensinamentos considerados verdadeiros
e legítimos , que estariam diretamente relacionados com a conceão crisde
vida e de mundo, quanto às incorporações positivas a estes, resultantes de um
processo histórico que aponte para a santificão dos homens. Assim, tanto a
transmissão e o desenvolvimento dos valores em âmbito familiar e social,
quanto os ensinamentos da Igreja (derivados dos Padres da Igreja, dos
apóstolos e dos profetas) estariam contemplados nesta compreensão singula
r
do termo tradição que, assim concebido, torna capital a conjunção
tradição
católica:
a tradição que nós representamos é a tradição católica, é uma tradição
122
YONNARAS, Christos. O desafio do tradicionalismo ortodoxo.
Concilium.
Ecumenismo. Nº
241, p. 105
-
113, 1992/3. p. 109.
123
Idem, p. 108.
124
Ibidem.
56
cheia de vida. Uma vida natural e sobrenatural ardente
125
.
Neste sentido, Plínio
Corrêa se esfoou por indicar que a verdadeira tradição pressupõe a
exisncia de dois princípios: que qualquer ordem de coisas autêntica e viva tem
em si um impulso rumo ao aprimoramento e à perfeição e que, portanto, o
verdadeiro progresso o é destruir o conhecimento anterior, mas somar a
ele: em suma, a tradição é a soma do passado com um presente que lhe seja
afim. O dia de hoje não deve ser a negação do de ontem, mas a harmónica
continuação dele .
126
Esta compreensão agrega um sentido ativo ao conceito de trad
ição cristã,
de maneira que algumas transformões vivenciadas no cotidiano
(consideradas como representativas de uma concepção cris de exisncia)
possam ser agregadas ao conhecimento anterior, conjugando com os elementos
pré
-
existentes
e alterando positivamente suas caractesticas. Esta leitura, apesar
da possibilidade teórica de dinamicidade, mantém acesa a concepção de
verdade única (preconizada pelo integrismo), visto que os elementos
agregados o alteram significativamente a estrutura da tradição, apenas
acrescentam elementos assimiláveis à proposta inicial. Frederico Viotti, membro
da TFP e líder do grupo Frente Universitária Lepanto, segue esta mesma linha
interpretativa ao observar que é a tradição que sustenta o progredir seguro de
um indivíduo ou de uma nação, mantendo determinados valores perenes e
adaptando
-
os aos tempos:
podemos conceituar tradição como uma linha invisível
que une o passado, o presente e o futuro de um povo,
entregando ou transmitindo o que foi bom, aperfeiçoando o
presen
te e projetando, baseado no que deu certo e no
progresso, o futuro
127
.
Em prol de uma defesa da ortodoxia , os tefepistas mantêm-se como
fiéis defensores da doutrina legítima da Igreja. A interpretação de que as
125
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Discurso de 03 de Janeiro
de 1992.
Catolicismo
. Nº 494, fev/92.
Apud: MATTEI, Roberto de, 1997. p. 208.
126
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. TFP
Tradição
, Folha de São Paulo, 12 de março de 1969.
Apud: MATTEI, Roberto de, 1997. p. 208.
127
VIOTTI, Frederico Romanini de Abranches.
Origem
e Fundamento da stica Pós-
Moderna.
1995. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciência Política)
Departamento de
Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 1995. p. 114.
57
mudanças são prejudiciais à religo -
ser
iam derivadas dos erros modernistas,
das paixões desregradas, dos efeitos corrosivos da Revolão -, justificam a
recusa pública de uma conivência ou aceitação com o que chamam de
progressismo católico . Tal explicão, muito mais do que um recurso
discur
sivo ante os adversários, mantém a gica do sistema interpretativo
tefepista (calcado em representações dualistas) para os próprios membros que,
após intensa doutrinação, devem estar convictos de que o que fazem é legítimo
do ponto de vista soteriológico e escatológico. Esta verdade é obtida através
da manipulação do imaginário
-
e das representações e práticas que engendra
-
com o estabelecimento de uma luta de contrários , ou seja,
chacune de ses figures dispose d un correspondant
antithétique: le jour et la nuit, le blanc et le noir, le Bien et le
Mal, la Terre et le Ciel, l eau et le feu, esprit et matière, sainteté
et bestiali, Christ et Antéchrist, construction et destruiction,
ascension et chute, progrès et décadence, masculin et féminin,
ying
et yang... (chaque principe suscitant à son tour des
attitudes contradictoires de sir et de rejet). Cette disposition
prouve une forte tendance à simplifier, à dramatiser et à investir
les phénomènes d un haut degré de signification. La dialectique
des contraires est caractestique des religions (...) et,
ralement, des interprétations courantes du monde, de
l homme et de l'histoire
128
.
Como destaca Boia, a conexão entre mim/nós e os outros se exprime por
meio de um sistema de alteridade (da diferea mínima à alteridade radical),
que edifica todo um conjunto de diferenças que servem de referenciais em nosso
cotidiano
129
. Na mesma linha, Baczko aponta que é através dos imagirios
sociais que uma coletividade (como a TFP) designa sua identidade e elabora
uma representação de si, estabelece a distribuição de papéis e posições sociais,
exprime e ime creas comuns, donde conclui que o imaginário é uma
representação global e totalizante da sociedade
130
.
O principal elemento destas proposições é o destaque que conferem a
passagem das representações elaboradas pelo imagirio social à pratica dos
128
BOIA, Lucian.
Pour une Histoire de l imaginaire.
Paris: Les
Belles Lettres, 1998. p. 35.
129
Idem, p. 33.
130
BACZKO, Bronislaw. Imaginão Social. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. I (Meria-
História).
Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1984. P. 309.
58
indivíduos, ou seja, através dos estereótipos, paradigmas e conveões que se
lhes apresentam como verdades, atuam no cotidiano, pois toda ão social,
seja de cooperação e de conflito, desenrola-se numa estrutura de sentido, numa
troca de significados que possibilitam a ação comum ou a rivalidade
131
.
É
fazendo uso desta sideração ambígua que o poder poderá ser legitimado em
seu exercício, pois que as produções do imaginário tomam forma, materializam-
se nas instituições e nas práticas; mas, ao mesmo tempo, elas são tratadas em
proveito da ordem social e do poder que a guarda
132
.
Portanto, mesmo os
confrontos da TFP com a hierarquia ou as acusações e insubordinações a u
m
pontífice estão legitimadas nesta construção que prima pela conservão, e não
pela mudaa. Entretanto, como ressalta Pierucci, é cil constatar que a
tradição que os integristas reivindicam é uma construção, que agrega aspectos
do catolicismo imediatamente anterior ao tempo presente aos quais atribuem
caráter imutável, como a autenticidade intangível da liturgia em latim, do
catecismo de São Pio X, do rito da missa de São Pio V, das decisões doutrinais e
litúrgicas do Concílio de Trento
133
. Filiando-
nos
aos estudos de Hobsbawn,
entendemos por tradições inventadas um conjunto de pticas geralmente
reguladas/controladas por regras tácita ou abertamente aceitas. Estas pticas,
de natureza ritual ou simbólica, objetivam inculcar determinados valores e
norma
s de comportamento por meio da constante repetição, implicando,
portanto, uma continuidade em relação ao passado
134
.
Hobsbawn também destaca que uma caractestica salutar das tradições,
espontâneas ou inventadas, é sua invariabilidade. O passado real ou for
jado
deve ser mantido através de práticas fixas, e preferencialmente formalizadas,
como a repetição, elemento bastante percepvel na prática tefepista
concernente à doutrina católica. Neste sentido, a inveão das tradições pela
TFP, ou melhor, a sistematização do que deve ser considerado como elemento
integrante desta tradão, significa a manuteão de uma gica interpretativa
condizente com sua proposta de restauração de uma ordenação social
131
ANSART, Pierre.
Ideologias, Conflitos e Poder.
Rio de Janei
ro: Zahar, 1978. p. 13/14.
132
BALANDIER, Georges.
O poder em cena.
Brasília: Editora da UnB, 1982. p. 27.
133
PIERUCCI, Antônio Flávio, 1999. p. 192.
134
HOBSBAWN, Eric. Introdão: A Inveão das Tradições. In: HOBSBAWN, Eric. RANGER,
Terence (Orgs).
A Invençã
o das Tradições.
2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 09.
59
visualizada no passado. Esta sistematização deriva de um esfoo por
estabelecer uma continuidade com um passado histórico apropriado e mantê
-
lo,
através de sua sublimação, como ideal a ser recuperado. Arno Mayer, em
estudo dedicado à persisncia da tradição pré-revolucionária na Europa
moderna, destacou a poderosa força da permanência histórica afirmando que
os elementos tido por pré-modernos não eram remanescentes frágeis e
decadentes de um passado quase desaparecido, mas sim a própria essência
das sociedades civis e políticas européias
135
. Este estudo nos auxilia
na
consideração de que, longe de estarem exaltando o passado pelo passado, os
tefepistas estão resgatando, através de sua atuação, elementos ainda presentes
na própria cultura brasileira fortemente marcada pela heraa católica e
conservadora, como a defesa da terra como aspecto elementar da economia, a
defesa de um governo forte e centralizador, a luta pela indissolubilidade do
matrinio, a ptica dos sacramentos como fonte legítima e exclusiva de
salvão, o valor intrínseco das elites para o ordenamento social, a manutenção
de uma escala hierquica em todos os âmbitos da sociedade e da Igreja, o
anti
-
modernismo, o anti
-
comunismo, etc
136
.
1.3. Escala de análise: o campo católico br asileir o
Para a compreensão do movimento católico tefepista, e sua inserção no
espaço amplo do catolicismo no país, optamos por filiar-nos à proposta de
Bourdieu de consideração do domínio religioso enquanto um campo religioso ,
ou seja, um espo no interior do qual agentes religiosos que é preciso definir
(padres, feiticeiros, profetas, etc.) promovem uma luta pela imposão de uma
definição legítima tanto do religioso como tamm das formas de desempenhar
135
MAYER, Arno J. A Foa da Tradição: A persisncia do Antigo Regime (1848-
1914).
São
Paulo: Cia das Letras, 1987. p. 15.
136
Antônio Fvio Pierucci, em pesquisa realizada nos anos de 1986/1987, destacou a
semelhaa entre o ideário conservador da classe média paulistana com o ideário dos
conservadores ingleses da década de 1940 (pesquisa realizada por Hans J. Eyseck). Muito mais
do que semelhança, afirma Pierucci, esta situação revela permanência; a permanência de um
programa histórico fundante da direita, que teria seu núcleo mais resistente na pretensão da
preservação social, numa clara manifestão do conservantismo enquanto uma proposta de
sociabilidade antagônica à da modernidade ilu
strada,
... mais do que o campo político
stricto
sensu
, as direitas se constituem e se difundem no campo metapolítico das relações sociais
quotidianas, dos modos e estilos de vida e da luta cultural .
PIERUCCI, Antônio Flávio, 1999.
60
o papel religioso, pela delimitação de competências
137
. Neste sentido, seus
limites, que foram definidos transitoriamente durante a sociogênese da
formão deste espaço
138
, devem ainda ser considerados como dimicos,
fluidos, porosos, capazes de absorver e/ou compor com elementos de diversos
sistemas simbólicos ou a mesmo com outros campos (político, econômico,
etc.).
Esta
s fronteiras, que estariam continuamente sendo redefinidas,
apresentariam assim uma nova definição do próprio campo religioso que, para
o autor, estaria contemporaneamente se dissolvendo em um espaço mais amplo
de manipulação simbólica, acompanhado da perda do monolio da cura das
almas pelos seus agentes tradicionais e da própria amplião das formas de
cura das almas. Neste sentido, uma nova disputa estaria se configurando entre
os agentes, não apenas a luta pela manipulão legítima da cura das almas,
mas, conjugado a esta, o duelo pela manipulação do poder simbólico, esse
poder invisível de construção da realidade, com imensas possibilidades de
estabelecer uma ordem de conhecimento e, portanto, de legitimação e/ou
sacralização desta realidade, alçando a
sua verdade para além do cotidiano e
do ordirio dos homens comuns. Para tanto, este poder simlico só pode ser
exercido com a cumplicidade daqueles que o querem saber que lhe estão
sujeitos ou mesmo que o exercem, ou seja,
o poder simbólico como poder de constituir o dado pela
enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de
transformar a visão do mundo e, deste modo a
acção
sobre o
mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite
obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou
económica) graças ao efeito específico de mobilizão, só se
exerce se for
reconhecido
, quer dizer, ignorado como
arbitrário
139
.
137
BOURDIEU, Pierre. A dissolão do religioso. In: Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
p. 119/120.
138
A construção do campo religioso relaciona-se com a burocratizão das religiões e com a
conseqüente desaproprião do capital religioso dos leigos que, a partir d, passam a
reconhecer tal desaproprião como legítima. A respeito da nese deste campo, consultar:
BOURDIEU, Pierre. Gênese e estrutura do campo religioso. In: A economia das trocas
simbólicas.
5ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 27
-
78.
139
BOURDIEU, Pi
erre.
O poder simbólico. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.
14.
61
A desagregação das fronteiras do campo religioso também estaria
relacionada com a redefinição da divisão -
historicam
ente construída - entre a
alma e o corpo, e da diferencião correlativa do trabalho de cura das almas e
de cura dos corpos. Novas formas de cura das almas, sob a responsabilidade
de leigos e através de formas laicizadas, surgem contemporaneamente para
que
stionar o monopólio religioso anterior. Para Bourdieu, o fenômeno novo é o
surgimento de profissionais da cura psicossomática que fazem moral acreditando
estarem fazendo ciência, que moralizam a pretexto de análise
140
,
apresentando
não só uma nova maneira de compreender e se relacionar com o
sagrado/profano, alma/corpo, mas legando
-
lhe uma legitimação através de seu
caráter científico . Novos agentes surgem para - neste campo de forças e de
lutas para transformar o campo de foas - questionar e disputar o
espaço
legítimo da manipulação do sagrado, o que torna possível a emerncia de
novos líderes e grupos que, clamando para si o papel de verdadeiros porta-
vozes do sagrado inserem-se na disputa já existente estabelecendo maior
complexidade nesta concorrência pela cura das almas. Assim, ressaltando
sempre a dinamicidade da construção das relações de poder e legitimação
neste espo, Bourdieu defende que, diversamente do que ocorria com os
clérigos à antiga - visivelmente identificáveis (batina) e socialm
ente
reconhecíveis como portadores quase que monopolistas do capital religioso
-
, os
novos crigos de hoje são quase que invisíveis, fluidos. Contudo,
complementa o autor, o clérigo tradicional, mesmo perdendo espaço para os
novos clérigos , ainda conservaria o monopólio sobre rituais sociais como
enterros, casamentos, batizados, etc., rituais que também passaram por
transformações consideráveis que os tornaram mais intelectualizados, cada vez
mais verbais e menos mágicos. Para o autor, hoje passaríamos por gradações
múltiplas dos clérigos à antiga aos membros das seitas, psicanalistas,
psicólogos, dicos, sexólogos, professores de expressão corporal, de esportes
e de lutas marciais, conselheiros de vida, assistentes sociais, etc., sendo que
todos fazem parte de um novo campo de lutas pela
manipulação simbólica da manipulação da vida privada e a
140
BOURDIEU, Pierre, 1990. p. 123.
62
orientação da visão de mundo, e todos colocam em prática na
sua ação definições concorrentes, antagônicas de saúde, do
tratamento, da cura dos corpos e das almas. Os agentes que
eso em concorrência no campo de manipulação simbólica têm
em comum o fato de exercerem uma ação simbólica. São
pessoas que se esforçam para manipular as visões de mundo (e,
desse modo, transformar as práticas) manipulando a estrutura
da perceão do mundo (natural e social), manipulando as
palavras, e, através delas, os princípios de construção da
realidade social
141
.
Nesta mesma linha interpretativa, Pierre Sanchis aponta que no país um
verdadeiro pluralismo esteve presente desde os primeiros anos da
colonizão. As religiões indígenas, africanas e a matriz católica portuguesa
moldaram
-se sincreticamente
142
durante séculos, e ainda continuam a fazê-
lo,
de maneira que a diversificão de hoje está ancorada numa dinamicidade
anterior de nosso campo religioso. Neste sentido, historicamente o país
apresenta um quadro de sincretismo, que em nossos dias assume novas
dimensões, mas que deriva desta raiz anterior assim descrita:
nem unidade, nem pluralidade pura, mas pluralismo ,
sob a forma de um sincretismo que ad-vem , tornando
porosas, através de todas as opressões e além de todas as
resisncias, as identidades, e relativizando, neste sentido, a
força propriamente definitória do princípio radical da lógica, o
princípio de identidade
143
.
Contemporaneamente o Brasil vem apresentando novas manifestações
de pluralidade, apresentadas agora como atuantes em quatro dimensões do
campo religioso: 1. a exisncia, em um mesmo espaço social, de várias
religiões, sínteses institucionais, oferecidas à adesão dos fiéis potenciais, numa
real configuração de um mercado religioso , regido pelas leis de oferta e de
procura; 2. a multiplicidade de grupos no interior das pprias instituições
141
Idem, p. 121/122.
142
Por sincretismo o autor entende um processo geral que faz cada grupo se redefinir
constantemente em função do encontro com o Outro. Esta redefinição pode ser violenta,
voluntária e constante, dependendo dos elementos em confronto e/ou encontro, e da situação
sócio
-histórica em que es inserida. SANCHIS, Pierre. O campo religioso se ainda hoje o
campo das religiões? In: HOORNAERT, Eduardo (Org). História da Igreja na América Latina e
no Caribe. 1945
-
1995. O debate metodológico.
Petrópolis: Vozes, 1995. p. 96 a 98.
143
Idem, p. 103/104.
63
religiosas, as chamadas comunidades emocionais ; 3. a exisncia do mesmo
tipo de comunidades, efetivas ou intencionais, fora e para além das instituições;
4. a pluralidade no interior de cada um destes grupos apontados
anteriormente
144
.
A conclusão a que chegamos as a exposão destas configurações
múltiplas é de que qualquer unicidade, real ou aparente, deve ser questionada.
Estamos perante um verdadeiro mercado religioso em disputa pela cura das
almas. Instituições variadas, ofertando formas diversas de salvão,
apresentam
-
se neste mercado que em nossos dias já nã
o convive com facilidade
com as exigências de uma filião exclusiva ou com a rejeição de influências
externas. O plural configura o campo religioso brasileiro, o campo católico
brasileiro, os grupos e movimentos católicos inseridos neste e, até mesmo, a
dinamicidade interna de tais grupos e movimentos. Portanto, temos de ponderar
este católico plural, pensar de maneira plural sua configuração interna e
considerar a TFP enquanto virtualmente plural. Tal configuração pode ser
descrita como tipicamente pós-moderna como passível de construções ecléticas
e/ou sincticas que recortam os universos simlicos e multiplicam as
colagens , ao sabor do que Sanchis denominou de uma criatividade
idiossincrática (idiossinctica) radicalmente individual, mesmo quando
for
articulada em tribos de livre escolha
145
.
Restringindo a escala da análise proposta inicialmente por Pierre
Bourdieu, trabalharemos com a inserção da TFP no universo do campo católico
brasileiro, entendido também como espo de lutas pela dominação sim
bólica
de uma visão que se quer hegemônica de Igreja. No campo católico brasileiro,
historicamente declinado para o plural , como ressalta Sanchis, existem
consideráveis possibilidades para o surgimento e a afirmão de novas
associões e movimentos, que, a partir de diferentes maneiras de interpretar a
mensagem religiosa, configuram-se enquanto novos grupos, comunidades ou
até mesmo religiões, aumentando ainda mais a oferta de visões de mundo
disponíveis no já diversificado mercado religioso católico. Estas novas
144
Ibidem, p. 93.
145
SANCHIS, Pierre. O campo religioso contemporâneo no Brasil. In: ORO, Ari Pedro. STEIL,
Carlos Alberto (Orgs).
Globalização e Religião.
Petrópolis: Vozes, 1997. p. 104/105.
64
interpretações não podem ser totalmente compreendidas sem considerarmos os
condicionantes culturais, econômicos, políticos e sociais dos atores que
produzem tais interpretações que, como conseqüência, produzem discursos e
práticas religiosas de incidência direta sobre a sociedade em que operam,
estruturando sua prática a partir do referencial religioso que coordena suas
atuações e lhes confere um caráter de legitimidade divina.
No sistema religioso católico, em especial, as várias correntes teol
ógicas
e pastorais se conformaram como respostas a realidades históricas concretas
que, por sua vez, impulsionaram opções diversas de compreensão da
mensagem religiosa. Neste sentido, as múltiplas correntes teológicas surgiram
como respostas ao contexto em que estavam inseridas e em confronto com
posturas mais consolidadas e conservadoras, receosas de inovações que
poderiam possibilitar alterações dogmáticas. Esta heterogeneidade católica deve
ser analisada a partir de seu contexto de elaboração e afirmão, visando
perceber a compreensão de Igreja que impulsiona sua atuação, tanto religiosa
quanto social/política (quando existente). Como ressalta Bidegain:
no estamos ante una institución aislada sino
absolutamente inmersa en la sociedad, por tanto ella
re
producen su interior las contradicciones sociales y las
diferentes posturas ideológicas que puedan existir en ella. Por
eso no es homogénea ni en sus discursos ni en sus prácticas;
apareciendo así, diversas corrientes al interior del catolicismo
que son el
dinamismo del cambio
146
.
Esta diversidade de compreensões eclesiais convive com a reiterada
declaração hierárquica de uma Igreja que se quer una, mas que sempre mais se
depara com a pluralidade interna dos grupos religiosos e com a crescente
possibilidade
de desvios doutrinais o passíveis de absoão pela hierarquia
e, portanto, do surgimento de heresias em seu seio.
146
BIDEGAIN, Ana Maria. La organizacn de los movimientos de juventud de Acción Católica
en América Latina. El caso de obreros y estudiantes en Brasil y Colombia. 1930-1955. Apud:
BIDEGAIN, Ana Maria. El estudio de las corrientes religiosas en la conformacion del catolicismo
latinoamericano.
CEHILANET
- Revista de História da Igreja na Arica Latina e no Caribe.
1, Ano I, 2004.
Disponível em:
<http:/
/www.cehilanet.net> Acesso em 20/julho/2004.
65
1.4. A inser ção tefepista na plur alidade do univer so católico
brasileiro
A partir dos anos 80 novamente o catolicismo conservador cons
olidou
-
se
como hegemônico na Igreja Universal, resultado ptico do esfoo
empreendido pelos seus defensores que, desde a década anterior,
empenhavam
-se pela retomada das posições decisórias dos organismos
regionais, nacionais, continentais e mundiais da Igreja. Simbolicamente, esta
hegemonia foi representada como tendo seu grande marco na eleição do papa
polonês ao trono de Pedro, que escolheu chamar-se João Paulo II. Neste
contexto, o catolicismo conservador se concretizou com um novo
comportamento que simultaneamente acolheu e/ou rejeitou os elementos do
mundo pós-moderno, conforme sua eficácia para a expansão da e
consolidão da Igreja na sociedade. O teólogo chileno Pablo Richard utiliza a
expressão neoconservadorismo progressista para caracterizar esta nova fase
da Igreja, iniciada e impulsionada pela política vaticana de João Paulo II.
Segundo o autor, o novo papa imprimiu ao seu longo governo uma marca
contraditória à Igreja, representada por práticas autoritárias internas e por
discursos e gestos reformistas ad extra
147
. Tal proposta resultou também da
análise realizada durante o Sínodo dos Bispos reunido em Roma para debater o
tema Celebrar, verificar e promover o Concílio Vaticano II , em celebrão e
avaliação dos vinte anos de encerramento do período conciliar. Após a
conclusão dos trabalhos, os padres sinodares verificaram que o Concílio foi
uma legítima e válida expressão e interpretação do depósito da
,
contrariando os espíritos mais reacionários, ávidos pela declaração oficial de
il
egitimidade deste evento. Ressaltaram também falhas e dificuldades na sua
aceitação, mas, mantendo a linha de defesa da proposta conciliar, constataram
que essas sombras são em parte resultado de uma compreensão e aplicão
não plena da doutrina elaborad
a, lembrando que nem todos os problemas pós
-
conciliares do catolicismo foram causados pelo Concílio. Portanto, conclram
os padres, houve uma leitura parcial e seletiva do Concílio e uma conseqüente
147
RICHARD, Pablo. Apud: AZEVEDO, Dermi. Desafios estratégicos da Igreja Católica.
Lua
Nova
,
nº 60, p. 57
-
79, 2003. p. 67.
66
interpretação superficial de sua doutrina, problema que deveria ser sanado pelo
seguinte todo progressivo: 1. conhecimento mais amplo e mais profundo do
Concílio; 2. sua assimilão interior; 3. sua reafirmação amorosa; e 4. sua
atuação
148
.
Sendo um dos objetivos do Sínodo a verificão da efetiva aplicão do
s
ensinamentos conciliares, e, portanto, do conseqüente julgamento sobre a ão
social e política de determinados grupos vinculados ao cristianismo da
libertação , esperava-se uma interpretação desta atuação revolucionária .
Assim sendo, os padres sinodares ressaltaram que se detiveram diante dos
erros, confusões e falhas que, por causa do pecado e da debilidade dos homens,
foram ocasião de sofrimento no seio do povo de Deus
149
, numa demonstração
explícita da postura que o discurso oficial emanado de Roma seguiria a partir
daí
a do conservadorismo. Desta maneira, efetivou-se uma série de
condenações e punições devido aos desvios dos teólogos e religiosos mais
comprometidos com as causas sócio-políticas, explicitando sua debilidade como
causa de uma interpretação equivocada dos documentos conciliares. A
compreensão legítima , a partir daí, seria elaborada por Roma, aprovada pelo
papa e que, conseqüentemente, deveria ser adotada por toda a Igreja.
Em suas conclusões, o documento final do Sínodo realçou que a Igreja
efetivamente se encontrava diante de uma crise que só poderia ser superada
pelo reforço do centralismo. Tamm primou pela admissão de uma política
inclusiva e valorativa de elementos regionais nas Igrejas locais, que tornou mais
expressiva a convivência de grupos heteroneos e amesmo antagônicos em
uma instituição que, sofrendo com a perda crescente de influência, poder e fiéis,
implementou uma estratégia de manutenção e ampliação de seu público através
da tolerância às inúmeras organizões religiosas e/ou leigas surgidas no
pós
-guerra, ressaltando a variedade e a pluriformidade na unidade
150
. Assim,
148
COMUNICADO MENSAL DA CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Relatio
Finalis . A Ig
reja, na palavra de Deus, celebra os mistérios de Cristo para a Salvação do mundo.
Sínodo dos Bispos Celebrar, verificar e promover o Concílio Vaticano II . 24 de novembro a 08
de dezembro de 1985.
Ano 14. nº 396, 31 de dezembro de 1985. p. 1672/1673.
149
Idem, p. 1669.
150
Nesta descrição percebemos efetivamente a manuteão do discurso da diversidade na
unidade, denotando que, afora as difereas de atuação e interpretação da doutrina, existem
elementos comuns que possibilitam tal conjunção de movimentos e grupos heterogêneos na
67
optou
-se pela legitimação de uma pluralidade de formas religiosas nas quais o
mínimo de reconhecimento identitário relacionava
-
se com a ace
itação do núcleo
dogtico das chamadas devões brancas : infalibilidade papal, Imaculada
Assunção de Maria e transubstanciação eucarística. Neste sentido, ainda no
Sínodo, sublinhou-se a necessidade da unidade hierárquica (portanto,
centralizadora) e sa
cramental. Conforme o
Retatio Finalis
:
pela unidade da fé e dos sacramentos, e pela unidade
hierquica, e modo especial com o centro da unidade que nos
foi dado por Cristo no serviço de Pedro, a Igreja é aquele povo
missnico (sic) de que fala a Constituição Lumen Gentium
9; desse modo a comunhão eclesial com Pedro e com os seus
sucessores não é obstáculo mas antecipação e sinal profético da
unidade mais plena
151
.
Visando elaborar um esquema interpretativo e compreensivo das
identidades católicas em disputa pela legitimidade ou pela hegemonia cultural
no interior da Igreja, Sérgio Coutinho apresentou uma proposta de localizão
dos diversos grupos existentes. Ressaltando a necessidade da formação de
comunidades de sentido que configurassem os diferentes grupos enquanto
significativos neste espaço de conflitos que é o campo católico. O autor
apresentou as diversas correntes em sua relação de disputa pela conquista de
implantação de uma proposta hegenica para a Igreja. Portanto, novamente
estamos apr
esentando um processo de disputas de propostas dispares que, para
alcançarem êxito ou para manterem-se como significativas têm de estar
continuamente sendo renovadas, recriadas, defendidas e modificadas, visto que
estão sendo confrontadas, resistidas, limitadas, alternadas e desafiadas
ininterruptamente. Assim, sublinha o autor, devemos trabalhar com a noção de
hegemonia como inserida em um contexto onde tamm estão surgindo
propostas contra-hegemônicas e/ou hegenicas alternativas, num processo de
confli
tos constantes. O autor inicia apresentado identidades católicas elaboradas
unicidade do catolicismo. Conforme o documento: Porque a pluriformidade é a verdadeira
riqueza e traz consigo a plenitude, ela é a verdadeira catolicidade; o pluralismo, ao contrário, de
posições fundamentalmente opostas leva à dissolução, à destruição e à perda de identidade .
Ibidem, p. 1679.
151
Ibidem, p. 1678.
68
ou consolidadas nos anos 50, mas que, pela sua eficácia, ainda estão
presentes no campo católico contemporâneo
152
. São elas:
1.
Identidade hegemônica-política do catolicismo tradiciona
l
romanizado
153
- Representado pelos defensores do projeto de
neocristandade, de restauração de uma civilizão cristã que
conservasse o período medieval e a proemincia da Igreja como
ordenadora do social. Seus instrumentos de destaque foram:
Apostolado da Oração, Congregões Marianas, Filhas de Maria,
Cruzadas e Congressos Eucarísticos, Universidades Católicas e
Ação Católica.
2.
Identidade contra-hegemônica alternativa do catolicismo social
inspirado especialmente no pensamento de Emmanuel Mounier
154
e do Padre Louis Joseph Lebret
155
. Sua ênfase é mais social,
voltada para a questão da pobreza e das condições infra-
humanas de vida das populações pobres das grandes cidades.
3.
Identidade contra-hegemônica de caráter residual do catolicismo
popular tradicional
ca
tolicismo totalizante, que insere o indivíduo
152
COUTINHO, Sérgio Ricardo. História Recente do Catolicismo no Brasil.
Encontros Teológicos,
nº 37, Ano 19/1, p. 91
-
107, 2004.
153
Para o prof. Jérri Marin, a romanizão da Igreja no Brasil iniciou ainda na segunda metade
do século XIX e se consolidou com o predomínio das políticas e das pticas pastorais
romanizadoras (especialmente na formação intelectual e espiritual do clero, na disciplina
eclesiástica e na intensificação
da pastoral junto aos fiéis para purificar a religiosidade popular
mais independente da hierarquia) durante a primeira metade do século XX. A proposta
principal foi implantar uma expressiva e funcional hierarquização de toda a Igreja, integrando
doutri
nariamente e na atuação prática desde as bases locais até a Santa Sé. Por fim, o autor
destaca que a romanizão deve ser compreendida enquanto um
esforço
centralizador e
disciplinador de condutas, mas que sua eficácia o deve ser supervalorizada, visto a
pluralidade de interpretações e compreensões dos atores sociais envolvidos neste processo.
MARIN, Jérri Roberto. História e Historiografia da romanizão: reflexões provisórias. Revista de
Ciências Humanas. Edão Temática: Religiosidade e Cultura. Florianópolis, 30, p.149-
169.
Outubro 2001.
154
Emmanuel Mounier - Filósofo francês. Nasceu em Grenoble em 1905 e faleceu na cidade de
Châtenay
-Malabry no ano de 1950. Católico, aprofundou o humanismo de Péguy tratando de
conciliar a mística criscom o socialismo. Em 1932 fundou a revista
Esprit
, que transformou-
se
em porta voz da filosofia do personalismo, em contraposição ao individualismo burgs.
Durante a ocupão alemã na França, se uniu a Resisncia. Foi preso em 1942 e sua revista
suspensa pelas autor
idades de Vichy.
155
Louis Joseph Lebret - Religioso dominicano e sociólogo francês. Nasceu em Le Minihic-
sur
-
Rance, em 1897, e faleceu em Paris em 1966. Fundou em Lyon um centro de estudos e ação
que pretendia por a economia a serviço do homem, chamado
Écon
omie et Humanisme. É um
dos autores que se preocuparam em introduzir a preocupação com o desenvolvimento global no
interior da Igreja Católica, um desenvolvimento tanto da pessoa quanto de grupos sociais.
Durante o Concílio Vaticano II tomou parte na elabo
ração do texto sobre a Igreja e o mundo.
69
e a sociedade numa ordem em que a matriz da natureza
predomina e onde o elemento religioso penetra todas as esferas
da existência
156
.
Com o Concílio Vaticano II houve uma renovão expressiva das
identidades católicas pré-existentes a partir da alteração da perceão de Igreja
como estrutura hierquica para a noção de Igreja como povo de Deus . Uma
nova configurão iniciou sua formão: as identidades existentes foram
reelaboradas, novas identidades foram formadas e novos grupos inseriram-
se
neste espo de disputa pela hegemonia cultural na instituição. Neste sentido,
como mencionamos, a retomada do controle pelo catolicismo conservador,
iniciado ainda nos anos 70 como resposta aos avanços do catolicismo de
libertação, configurou um novo quadro. Coutinho elaborou uma tipologia deste
novo cenário do campo católico brasileiro, ainda coexistindo com as identidades
apontadas acima, em sua relação com o contexto que vivenciamos,
demonstrando que cada dia fica mais difícil falarmos do catolicismo enquanto
movimento único: 1) Posão de identificação
assume o sistema neoliberal,
tornando
-se quase que a sua religo; 2) Posão de adaptação cultural
assimila e/ou conforma-se com a cultura pós-moderna; 3)
Posição
de gueto
rejeita a cultura pós-moderna como conseqüência da sua interpretação de que
ela destrói o sistema religioso. É representada por movimentos que optaram
pela vida comunitária como forma de rejeição ao mundo moderno. Estes grupos
estão empenhados
no trabalho de conversão, na refundação da comunidade de
fiéis; 4) Posão de cruzada, de fundamentalismo agressivo
estes grupos
fecham
-se e tornam-se agressivos com a nova cultura. Defendem uma
restauração da civilizão crismedieval como única alternativa para o mundo
pós
-moderno. Concebem o cristianismo católico como um projeto histórico; 5)
Posão de restaurão
enfrenta o sistema neoliberal, buscando a reforma do
mundo para a religião
157
.
Para Coutinho, as duas primeiras posões (de identificação e de
adaptação cultural) conjugam-se e são representadas pelos movimentos
vinculados ao neopentecostalismo católico, que ressaltam a concorrência e a
156
COUTINHO, Sérgio Ricardo, 2004. p. 96 a 98.
157
Idem, p. 98 a 106 (descrição das 5 tipologias).
70
competição em todos os âmbitos da vida cotidiana, configurando uma
verdadeira teologia da prosperidade de matriz católica. Ambas as posições
afirmam que a Igreja é o Espírito e m a pretensão de colocar no horizonte de
seus objetivos informar e/ou influenciar toda a Igreja com o novo espírito, para
que toda a Igreja seja carismática. Dentre seus grupos dest
acam
-se a
Renovação Carismática Católica
(RCC) e a
TV Canção Nova
.
O terceiro grupo, a posão de gueto, foi descrito por Gordon Urquhart
em uma alise-depoimento sobre alguns destes movimentos. O autor ressaltou
que seu surgimento se relaciona diretamente com a eleição de Karol Wojtyla
para o papado e da conseqüente opção deste pontífice pela implementação do
modelo polos na Igreja Universal. Este modelo estimula a participão mais
ativa do laicato nas atividades da Igreja, mas sempre sob o comando e/o
u
impulso partindo do clero ou de algum agente leigo autorizado, ou seja, uma
participação laica controlada e dirigida pela hierarquia. Tais grupos ofereciam
ao novo p
apa importantes elementos para a restauração da Igreja pós
-
conciliar,
abalada por discussões doutrinárias e teológicas e com o envolvimento de
religiosos em movimentos de mudança social. Entre suas características mais
convenientes destacamos: a obediência incondicional ao Papa e à hierarquia
(que os apóia), forte centralização, eficiente si
stema de comunicação, extremado
ímpeto expansionista e missionário, tendência marcadamente conservadora e
auto
-
suficiência financeira
158
.
O quarto grupo, identificado com uma posão de cruzada, é
representado pela Frente Universiria Lepanto, que foi criada em abril de 1998
na cidade de Brasília, e segundo um de seus líderes, o sr. Frederico Romanini de
Abranches Viotti (membro da TFP) o grupo
nasceu do desejo de alguns jovens
todos católicos
apostólicos romanos
de defender a doutrina católica em seus
ambientes, seja nas universidades ou nos colégios por elas
freqüentados. Era a forma que nós, estudantes leigos, tínhamos
para nos contrapor à avassaladora onda de descristianizão
da sociedade atual e oferecer um pequeno ato de amor e de
158
Os grupos descritos pelo autor foram Comunhão e Libertação,
Focolare
e
Neocatecumenato
.
URQUHART, Gordon. A Armada do Papa. Os segredos e o poder das novas seitas da Igreja
Católica.
Rio de Janeiro: Record, 2002.
71
reparação em defesa do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja
fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo
159
.
Representativo de seu pensamento foi a escolha do nome de seu boletim,
Post
-
Modernidade
. Sua compreensão é de que a modernidade morreu e de que
este é o grande acontecimento a ser enfrentado pela nossa gerão. Assim, o
nome
Post
-
Modernidade
não representa sua adesão à atual era de caos e de
anarquia que muitos chamam de pós-modernidade, mas o contrário. Por
combaterem a desordem que esse estabelecendo no mundo atual, é que se
levantou esta bandeira, o símbolo de um ideal que aponta para o futuro. Neste
sentido,
a
Frente Universitária Lepanto afirma e proclama a certeza de que a
pós
-modernidade não sea era do caos e da anarquia, mas, pelo contrário,
se o tempo da restauração da Civilizão Cris, sem a qual o mundo
sobra
160
.
Por fim, a posão de restauração, destaca grupos que funcionam através
de uma lógica organizacional que entende a religião enquanto um
empreendimento sócio-político de reconquista católica do mundo
secularizado , como destacou Enzo Pace. Esta posição de restauração
seria
representada especialmente pelos grupos
Opus Dei
e
Legionários de Cristo.
Complementando a exposição de Coutinho, defendemos que tal
tipologização o deva ser compreendida como definitiva e rígida. As fronteiras
entre os diversos universos católicos é muito sutil, de maneira que as
possibilidades de trânsito, adaptação e composição entre os modelos devam ser
consideradas como plausíveis e também muito eficazes. A pró
pria
caracterizão da TFP nos leva a tal conclusão, visto que sua atuão reflete
tanto a posão de gueto quanto o modelo de reedificação da cristandade,
derivadas em grande parte da identidade hegemônica-política do catolicismo
tradicional romanizado do início do século XX, numa conjugação efetiva de
elementos complementares de uma concepção contra-revolucionária de
atuação. Publicamente a TFP destaca-se pela defesa enfática de uma proposta
monárquico
-cris de sociedade, respaldada na compreensão idealizada da
159
CATOLICISMO. Entrevista: Frente Universitária Lepanto.
Catolicismo
, São Paulo, 622, p.
21
-
23. Outubro/2002. p. 21.
160
Idem, p. 23.
72
Idade dia enquanto época de apogeu da civilização crise, como tal, um
modelo a ser recuperado. Já em sua atividade interna, desenvolvida pelos
membros que após a doutrinação inicial passam a residir nas casas da
entidade, existem grupos cuja vivência é similar a de monges, confinados em
suas celas, dedicados integralmente aos estudos, totalmente afastados das
inflncias maléficas do mundo revolucionário exterior. Neste sentido,
ambas as funções, a pública e a privada, não se excluem, pelo contrário, uma
serve de amparo, de incentivo à outra, como também toda essa estrutura torna
mais visível a proposta hierárquica, estratificada, defendida pela entidade
para todo o corpo social.
As conclusões imediatas que derivam da exposão das tipologias do
catolicismo contemporâneo no Brasil é de que dificilmente haverá uma unidade
doutrinária em tal contexto fragmentado. Tal pluralidade de posturas de
compreensão e vivência do catolicismo
que não esgotam a realidade empírica
revelam também que a nova evangelizão
161
promovida pelo papado,
mais do que agregar e manter os fiéis que estariam sendo seduzidos por outras
denominações, criou para o catolicismo a possibilidade de coexistência tolerante
entre os grupos incorporados ao seio da Igreja, especialmente se considerarmos
os grupos classificados acima e sua relão com os remanescentes do
cristianismo da libertação e do catolicismo popular.
A questão que surge após tal exposão é compreender como pode haver
tal diversidade de compreensões teológicas em um universo católico que
institucionalmente é uno e eficazmente hierarquizado? Parte de uma resposta
pode ser elaborada a partir da compreensão discursiva dos textos (em especial
do Magisrio eclesiástico, da Escritura e dos pontífices) que apresentam os
elementos basilares da doutrina católica como passíveis de inúmeras
interpretações. Eni Orlandi defende que a perspectiva discursiva compreende a
161
A proposta da nova evangelizão foi lançada já nos primeiros dias do pontificado de João
Paulo II que, em sua alocão inicial como sucessor de Pedro , apresentou suas diretrizes
afirmando seu projeto religioso de evangelizão e/ou reevangelizão do mundo: Abri de par
em par as portas para Cristo. A Seu poder redentor abri as fronteiras das nações, dos sistemas
ecomicos e políticos, os imensos campos de cultura, da civilizão e do desenvolvimento. Não
temais; Cristo sabe o que no homem . Só ele sabe . JOAO PAULO II. Alocão inicial. Apud:
HEBBLETHWAITE, Peter. Um papa fundamentalista?
Concilium.
Ecumenismo. Nº 241, p. 114-
124, 1992/3. p. 116.
73
linguagem enquanto uma prática, como a medião necessária entre o homem
e a sociedade natural e geral,
numa clara manifestação de seu caráter dinâmico
e interpessoal. Na análise do discurso o papel do sujeito é triplo: ele é a origem
do discurso (indivíduo que enuncia fisicamente o discurso), o lugar de
significação (intérprete dos discursos e/ou textos) e produto do discurso (o
individuo é construído enquanto sujeito pela linguagem). A autora também
salienta que nessa perspectiva um texto sempre deve ser considerado como um
objeto multifacetado, polissêmico, como um bólido de sentidos , onde
qualquer modificão que afete sua materialidade poderá corresponder a
diferentes interpretações, visto que o sentido não es (alocado) em lugar
nenhum mas se produz nas relações dos sujeitos, dos sentidos
162
. Nesta mesma
linha interpretativa de valorizão do papel ativo do sujeito como produtor de
sentidos, surgem os trabalhos de Roger Chartier. Em seus estudos sobre a
prática da leitura Chartier apontou um processo interpretativo individual e/ou
coletivo (leituras orais) de apropriação das mensagens que valoriza, além da
materialidade textual, da situação contextual do sujeito no momento da leitura,
a historicidade desse sujeito que lê. Este processo foi chamado de inveão
criadora no processo de recepção
163
e preza pela valorizão do sujeito
enquanto produtor de significados múltiplos, o redutíveis às expectativas do
autor.
O texto enquanto bólido de sentidos possibilita uma infinidade de
interpretações individuais e/ou coletivas que, por sua vez, se traduzem em
práticas também diversas. Neste sentido, as interpretações divergentes e os
conseqüentes conflitos entre os grupos católicos decorrem das interpretações
teológico
-dogmáticas diferenciadas que estimulam sua atuação, ou seja, dos
fundamentos que tornam cada mensagem ímpar. Nesta perspectiva, o conflito
ma
is amplo ocorre entre as perspectivas e compreensões do que é ser Igreja
que, a seu modo, se autoproclamam como legítimas diante das demais e,
muitas vezes, não passíveis de questionamentos ou mudanças (caso dos grupos
162
ORLANDI, Eni Puccineli. As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 5ª edão.
Campinas: Ed. Da UNICAMP, 2001. p. 20
163
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1988. p. 136.
74
integristas, em particular)
são compreensões de mundo, Igreja e processo
histórico concorrentes, convivendo em um universo católico cada vez mais
fluido, plural, preponderantemente religioso e, surpreendentemente mais
centralizado; configuração esta que foi eficazmente descrita por Michael Löwy
ao afirmar que
estamos lidando com contradições no interior de uma
instituição que cuidadosamente preservou sua unidade, não
porque todas as partes envolvidas desejam evitar uma cisão,
mas sim porque seus objetivos religiosos parecem não ser
redutí
veis à arena social ou política
164
.
164
LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: Religião e política na América Latina.
Petrópolis:
Vozes, 2000. p. 67.
75
CAPÍTULO II.
A TFP NO CENÁRIO
POLÍTICO
-
CULTURAL BRASILEIRO
A compreensão da atuão político-cultural da TFP deve considerar tanto
sua natureza jurídica, quanto seu estilo e objetivos de ão e, principalmente,
sua
prática que, como veremos neste e no próximo capítulo, possui
características e funções que vão além do proposto nas finalidades estatutárias
da sociedade. A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade
(SBDTFP ou simplesmente TFP) foi
fundada em 26 de julho de 1960
como uma associão civil de caráter cultural, cívico filantrópico e beneficente,
sem fins lucrativos e extrapartidária (Art. 1º)
165
. Entre seus objetivos é destaque a
disposição por defender e estimular a tradição, a família e a propriedade
pilares da civilizão crisno país
, e promover e animar a ordem temporal
segundo os princípios do Evangelho interpretados de acordo com o Magisrio
da Igreja (Art. 1º / § 1º), exercendo diversas atividades em consonância com as
co
nceões histórico-doutririas e diretrizes de ão descritas na obra
Revolução e Contra-
Revolução
de Plínio Corrêa de Oliveira e em conformidade
com a lei (Art. 1º / § 2º). Para Plínio, os principais elementos doutririos que
serviram de base para esta obra, considerada a obra pelos tefepistas, são: a)
a consideração da missão da Igreja como única Mestra, Guia e Fonte de Vida
dos povos rumo à civilização perfeita; b) a permanente oposição das paixões
desordenadas à inflncia da Igreja; c) a exisncia de dois pólos para os quais
o espírito humano necessariamente ruma: de um lado a Fé católica e de outro
as paixões desordenadas; d) a noção de um processo pelo qual os indivíduos ou
165
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE.
Estatutos
Sociais.
Registrado no
Cartório
de Registro de Títulos e Documentos
Registro Civil de
Pessoas Jurídicas, da Comarca de São Paulo em 30 de setembro de 1960 [Registro de
30/janeiro/2004].
76
povos sofrem a atração de um dos dois los, aproximando-se de um
necessa
riamente se afastam do outro; e) a inflncia do processo moral sobre a
elaboração das doutrinas
166
.
Em
Revolução e Contra-
Revolução
, o líder da TFP analisou a crise que
estaria paulatinamente corrompendo o ocidente cristão e que seria o resultado
da força deleria das paixões desordenadas
167
na ão e pensamento
humanos, em especial, tal crise seria derivada de uma explosão de orgulho e
sensualidade que teria, por sua vez, inspirado toda uma cadeira de sistemas
ideológicos contrários a doutrina da Igreja (Protestantismo, Revolão Francesa,
Comunismo, Revolão Cultural). Segundo o autor, o orgulho culmina no ódio
a toda superioridade e à afirmão de que a desigualdade é um mal
é o
aspecto igualitário da Revolão. Já a sensualidade tende a derrubar todas a
s
barreiras; o aceitando freios, culmina com a revolta contra toda autoridade e
lei (divina, humana, eclesiástica ou civil)
é o aspecto liberal da Revolão.
Após a considerão dos elementos metasicos da Revolão e de sua trajetória
histórica, o autor dedica-se à apresentação da ão positiva que deve barrar
esta inflncia deleria: a Contra-
Revolução,
uma re-ação. Isto é, uma ação
que é dirigida contra outra ão
168
. A
Contra
-Revolão é compreendida como
a restauração da ordem e sua primeira ação deve ser detectar os demais
elementos contra-revolucionários da sociedade, agrupá-los e coordenar-lhes as
ões. A partir desta reunião, parte-se para a utilização de meios de difusão
como imprensa, livros, cátedras, tribunas e propaganda de rua visando
apresentar os erros metafísicos da Revolução, mostrá-la inteira, tirar-lhe os véus
e vencê-la definitivamente
169
. Importante salientar que tal inteão evidencia
claramente a perspectiva antimoderna presente em inúmeros aspectos do
pensamento e ão tefepistas, em outros termos, o modo de pensar moderno é
caracterizado e vivenciado como fragmentário, parcial e seletivo, de modo que,
166
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Auto-retrato filosófico de Plínio Corrêa de Oliveira.
Catolicismo
,
São Paulo, nº 550, p. 03
-
33. Outubro/1996. p. 07.
167
Segundo o autor sempre que falamos das paixões como fautoras da Revolução, referimo-
nos
às paixões desordenadas. E, de acordo com a linguagem corrente, incluímos nas paixões
desordenadas todos os impulsos ao pecado existentes no homem em conseqüência da tríplice
concupisncia: a da carne, a dos olhos e a soberba da vida . OLIVEIRA, Plínio Cora de.
Revolução e Contra
-
Revo
lução.
4ª edição. São Paulo: ARTPRESS, 1998. p. 62.
168
Idem, p. 91.
169
Ibidem, p. 101 e 108.
77
ao defender a necessidade da apresentação da Revolução como um movimento
que abrange todas as áreas do conhecimento humano - e não apenas alguns
aspectos específicos ou mais salientes em cada contexto -, a TFP acaba por
incutir em sua ação um caráter de franca oposição a um aspecto saliente e
estrutural da malsã modernidade.
Como já mencionamos, a Contra-Revolão é considerada a restauração
da ordem, mas uma ordem que, mesmo sendo semelhante e espelhada na
sociedade medieval, teoutras feições e outras características, em especial um
apreço e zelo ainda maiores pelos três pilares pelos quais ela teria sido
vulnerada: um profundo respeito pelos direitos da Igreja e do Papado e uma
sacralização dos valores da vida temporal; espírito de hierarquia em todos os
aspectos da vida social e individual; diligência em detectar, combater, punir e
destruir o mal em suas formas embrionárias ou veladas
170
. Este empenho é que
orienta doutrinária e efetivamente as ões tefepistas, situação esta que também
é descrita em seus Estatutos Sociais, nos quais suas atividades são
detalhadamente delineadas:
a) Esclarecer a opinião nacional e os poderes
constituídos sobre a influência deleria exercida, na vida
cultural e na vida pública do Brasil, pelos princípios anticrisos
e revolucionários do socialismo, do comunismo, do nazismo e do
racismo, bem como pelas correntes ideológicas afins com esses
prin
cípios ou neles inspiradas.
b) Atuar contra fatores que ameacem a integridade do
Território Nacional, e o patrimônio cultural e econômico do País.
c) Atuar contra fatores desagregação religiosa,
intelectual, psicológica, moral e material da sociedade, tais
como: programas televisionados, especulos teatrais, filmes e
publicações imorais, drogas, banditismo, aborto e contraceão
em todas as suas formas antinaturais.
d) Preservar e promover a cultura nos diversos campos
do saber humano.
e) Promover obras ou atividades de formação e
aprimoramento religioso, moral e intelectual, arstico e
esportivo de crianças, jovens e adultos.
f) Realizar ou financiar pesquisas e estudos que, direta
ou indiretamente, contribuam para alcançar os fins da
Sociedade.
g) Promov
er obras ou atividades de natureza beneficente
ou social que, direta ou indiretamente, concorram para atenuar
170
Ibidem, p. 94.
78
ou eliminar crises e tensões, resolvendo os problemas de
pessoas ou categorias socialmente desajustadas.
h) Proporcionar, em caráter subsidiário, a menores
com especial ateão aos carentes em geral
ajuda material,
formação profissional e orientação moral e religiosa que os
encaminhem para sua integração na sociedade.
i) conceder bolsas para gastos pessoais, bolsas de
estudo, atendimentos médicos e dentários assistenciais, auxílios
para tratamento médico, hospitalar e dentário, bem como
outras ajudas análogas, a pessoas de poucos recursos que se
dediquem aos objetivos da Sociedade (salvo o disposto no art.
4º).
j) Promover outras obras e desenvolver outras atividades,
em direito permitidas, que não estejam em contradição com os
presentes estatutos e sejam compatíveis com os objetivos globais
da Sociedade.
k) Propor ações judiciais conveniente à consecução dos
objetivos da Sociedade
171
.
Para efetivar tais propostas são empreendidas manifestações em recintos
fechados ou abertos/públicos; contatos pessoais, reuniões e publicões;
difusão de livros, impressos e objetos de devão; programas de trabalho,
formão e lazer; além do estabelecimento de locais de estudo e residência
para sócios, cooperadores e correspondentes-esclarecedores da TFP (Art. 1º / §
3º).
A atuação pública da TFP, derivada essencialmente da obra de Plínio
Corrêa de Oliveira, decorre da compreensão integrista do mundo, entendido
como
fundamentalmente corrompido pela modernidade (pelos germes da
Revolão), e da conseqüente necessidade de um retorno a uma ordem social
crispara uma solão verdadeira e legítima dos problemas que afligem a
contemporaneidade. Para o Brasil, em especial, suas considerações reforçam o
discurso católico de referendo a uma nação que teria nascido sob o manto da
religião
172
(ver também Capítulo I da presente tese), de maneira que toda a sua
171
Art. 1º / § 2º. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE.
Estatutos Sociais. Registrado no
Cartório
de Registro de Títulos e Documentos
Registro Civil
de Pessoas Jurídicas, da Comarca de São Paulo em 30 de setembro de 1960 [Registro de
30/janeiro/2004]. Podemos perceber, entre os itens citados, atividades que não correspondiam
contextualmente ao cenário de 1960, ano da fundão da entidade, situação que evidencia que
as propostas estatutárias de ação da TFP foram ampliadas durante suas várias décadas de
atuação, mas não alteradas substancialmente.
172
Este discurso é reiteradamente repetido nas falas, manifestos, obras e artigos publicados
pelos membros da TFP, sendo um de seus postulados a tese de que, implantando a primeira
Cruz, erguendo o primeiro altar, rezando a primeira Missa, e congregando no ato sagrado
79
história apresentaria como atributo singular a catolicidade de seu
povo.
Recuperando os elementos basilares do mito fundador do Brasil, que teriam se
configurado ainda nos séculos XVI e XVII como operações divinas , os tefepistas
filiam
-se a noção de história como a realizão do plano de Deus para os
homens. Segundo Ch
auí, os mencionados elementos basilares do mito fundador
referem
-se a três componentes: a obra de Deus (natureza), a palavra de Deus
(história teológica/providencialista) e a vontade de Deus (Estado)
173
. Tais
elementos estruturam uma narrativa de sagração do aspecto físico, das ões
humanas e da condução da colonização e conquista do Brasil pelos portugueses
como decorrentes da vontade de Deus e do desejo dos governantes lusos de
expansão da . Neste sentido, em análise dos objetivos das navegões lusas,
o tefepista Armando Alexandre dos Santos salienta a preponderância da
motivão religiosa nos empreendimentos impulsionados pelos sucessivos
monarcas portugueses. Sem ignorar a importância dos interesses comerciais que
também foram propulsores das navegações o autor, através de várias citações
de documentos de época que atestam ter sido de cunho religioso a principal
finalidade da epopéia ultramarina , defende enfaticamente que o serviço de
Deus
, entendido como dever de levar o Evangelho aos mais remotos povos, era o
que realmente movia nossos maiores
174
. Porém, retomando a compreensão de
Revolão processual delineada por Plínio, os tefepistas acreditam que os rumos
deste país marcado pela fé estariam sendo desviados artificialmente de seu
objetivo providencialmente traçado para ser magnífico, evidenciando a
necessidade e a urgência de uma ação recristianizadora vigorosa. Tal
compreensão também era ponto comum entre os católicos
ultramontanos/integristas e foi defendida pelo próprio Plínio antes mesmo da
fundação da TFP, durante seu discurso no IV Congresso Eucarístico Nacional
portugueses e índios, Frei Henrique de Coimbra laava as bases do Brasil criso .
OLIVEIRA,
Plínio Corrêa de. Apud: FRENTE UNIVERSITÁRIA LEPANTO.
Em defesa dos 500 anos da
Terra de
Santa Cruz
. Brasília, 2000, p. 02.
173
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Ed. Fundação
Perseu Ab
ramo, 2000. p. 58.
174
SANTOS, Armando Alexandre dos. A servo de Deus e de El-
Rei.
Revista Brasileira: Revista
da Academia Brasileira de Letras
, Ano VI, n. 22, Fase VII, p. 155
-
173, Jan/mar 2000 (separata).
ps. 170 e 159.
80
(São Paulo, 1942), momento no qual asseverava os desvios do fundamento
religioso no país e destacava o papel dos leigos como vetores de
mudança:
há quanto tempo, a conjuração de todos os meios de
descristianizão desde os mais poderosos aos mais sutis, se
estabeleceu nesta Terra de Santa Cruz, afim de arrancá-la ao
regaço da Igreja. Mas enquanto quase tudo que no sentido
humano da palavra pode chamar-se glória, poder, riquezas, se
mobilizou no sentido de assim cometer esse estranho e tenebroso
crime de matar a fogo lento a alma de um país inteiro
enquanto
isto a Igreja estava vigilante, e, depois de perto de 40 anos de um
agnosticismo desdenhoso e de uma luta insana, de norte a sul do
país soprava uma verdadeira primavera, e o renascimento
religioso provoca a estruturação de um apostolado o vigoroso e
tão coeso, tão sedento de ortodoxia de doutrina e pureza de vida
que, hoje o podemos afirmar, o movimento de leigos católicos,
coesos e disciplinados, militantes e valorosos, constitui por si
uma vitória de imensas conseências e um penhor de que a
Providência nos está armando para triunfos ainda maiores
175
.
A proposta empreendida pelos tefepistas, como já mencionamos no
capít
ulo precedente, é de uma reconquista do mundo para o catolicismo,
seguindo a solicitação de Pio X da reedificação do Reino de Cristo na sociedade.
A entidade civil, expressamente confessional, mas independente das leis da
Igreja e da orientação da hierarquia, trabalharia dentro de seus fins específicos
pela ordenação da sociedade temporal segundo a doutrina tradicional da
Igreja, exercendo uma inflncia positiva sobre o social
176
. Tal orientação
decorre das premissas da chamada teoria do poder indireto ,
consolidada pelo
dominicano espanhol Francisco de Vitória (1480-1546) e pelo teólogo italiano
Roberto Francesco Belarmino (1542-1621) e adotada pela Igreja Católica em
suas relações com o temporal. Esta teoria preconiza a consideração do temporal
e do espiritual como esferas distintas
sociedades perfeitas
177
-, mas
175
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Saudação às autoridades civis e militares. IV Congresso
Eucarístico Nacional. O Legionário, 07 de setembro de 1942. Disponível em:
<http://pliniocorreadeoliveira.info/discursos.asp/>
176
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Fátima e a TFP. Apud: CATOLICISMO, Declarões do Prof.
Plínio Corrêa de Oliveira e do Eng. Antonio Augusto Borelli Machado a 30 Giorni
.
Catolicismo
. Nº 474, junho/1990. Disponível em
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/entrevistas.asp>
177
Roberto Belarmino auxiliou na formulação da conceão Igre
ja
-Sociedade Perfeita, completa
e autônoma, tendo sua autoridade equiparada a do Estado. Sua compreensão é de que a
Igreja tem autoridade em seu domínio e tem igualdade de competência para dialogar com o
81
relacionadas: o temporal é tido como soberano em sua ppria ordem, mas
essubordinado ao espiritual no que tem de moral e religioso. Nestas questões
dever haver ascendência do espiritual, das verdades da Igreja, que o
apenas devem ser respeitadas, mas também incorporadas pelo temporal
visando o reto ordenamento da sociedade e o alcance da salvação, como
destacou o tefepista Wilson Gabriel da Silva, ambos os poderes, enquanto
sociedades perfeitas e soberanas no seu âmbito, devem respeitar-se e colaborar
entre si para alcaar seu respectivo fim
178
. A Igreja como sociedade perfeita
resultou das elaborões do Concílio de Trento
(1545
-1563), em resposta ao
avao do protestantismo, definindo a Igreja como sociedade de todos os fiéis
que professem a mesma fé e recebem os mesmos sacramentos, sob autoridade
dos legítimos pastores e do papa
179
. A Igreja se apresenta como sociedade
perfeita ao lado do Estado, o subordinada a ele. Nesta perspectiva a
própria
iia de soberania era compreendida de modo diverso à proposta do
contratualismo liberal, já que via o poder civil como derivado de Deus, de modo
que sua origem seria independente da vontade humana. Tal compreensão
defendia que Deus era a última fonte do poder, e os governantes recebiam de
suas mãos a autoridade para patrocinarem o bem comum
180
.
A proposta prosélita de inflncia positiva sobre o social foi retomada
com vigor no pontificado de Pio XI que, através da crião da Ação Católica
,
obje
tivou comprometer o laicato na tarefa do apostolado espiritual e social,
destinado a estender o reino social de Cristo. Sua proposta tamm previa a
salvaguarda simultânea da indepenncia da fé e da política, mas advertia
Estado em todos os campos. Como corolário desta tese, firma-se a idéia de que o dialogo deve
ser estabelecido entre o poder eclesiástico e o poder político, de modo que a sociedade civil não
atua nem como sujeito de direitos, nem de dlogo, visto que a Igreja não vê a sociedade como
uma democracia. Ver: AZEVEDO, Dermi. Igreja e Estado no Brasil: Colaboração de agentes
religiosos com a repressão política do regime de 1964.
2001. Dissertação (Mestrado em Ciência
Política)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Pau
lo, 2001. / GRANFIELD, Patrick. Surgimento e queda da Societas Perfecta.
Concilium.
Instituições Eclesiais. Nº 177, p. 7
-
14, 1982/7.
178
Seu estudo contempla a questão da união ou separação entre Igreja e Estado, defendendo a
primazia da união como forma mais perfeita de alcaar o bom ordenamento terreno e a
salvação eterna. SILVA, Wilson Gabriel da. Igreja-Estado: união ou separação.
Catolicismo
, São
Paulo, nº 663, p. 26
-
35. Março/2006. p. 28.
179
AZEVEDO, Dermi, 2001. p. 10/11.
180
ISAIA, Artur sar.
Catolici
smo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998. p. 72.
82
para que o fosse arrefecida a tarefa essencialmente temporal do laicato em
influenciar positivamente seu ambiente social, e, em decorncia, político
181
.
Neste sentido, a atuação tefepista estaria vinculada ao seu ideal contra-
revolucionário; seria uma ação que envolveria o revigoramento dos valores
católicos tradicionais e a reorganização de toda a sociedade temporal, a partir
dos
escombros de que a Revolução cobriu a terra inteira
182
. Assim, além de um
esfoo cultural na difusão dos verdadeiros valores , os tefepistas também se
esforça
riam por atuar politicamente
mas apartidariamente - visando restaurar
um modelo monárquico-
aristocrático
-cristão. Podemos tornar mais clara tal
linha de pensamento retomando a obra dos tefepistas Guimarães e Solimeo que
destacaram como objetivos primordi
ais da TFP:
combater a Revolução neo-pagã, naturalista, liberal e
igualiria que surgiu e se dilatou pela Europa por volta do
século XV. Essa Revolução, ideológica e psicológica, deu origem
a uma explosão religiosa no século XVI: foi a pseudo-
Reforma.
Os
mesmos princípios da pseudo-Reforma, transpostos para a
ordem temporal, geraram a Revolução Francesa, no ocaso do
século XVIII. Da esfera política, ganharam eles a esfera sócio-
econômica, dando origem ao dirigismo político, social e
econômico, que se tornaria integral com a doutrina de Marx em
meados do século XIX, e a implantação do regime comunista na
Rússia, na segunda década do século XX.
(...) A TFP vê nesses longos ciclos de revoluções que se
sucederam como vagalhões, deixando importantes vestígios n
o
mundo contemporâneo, uma só grande Revolução, voltada
contra a civilização crise, em última análise, contra a Igreja
Católica.
Tem a TFP como especial meta de ação atuar no plano
temporal, opondo barreiras à Revolução e criando condições
favoráveis para uma nova era de esplendor da Cristandade. É o
que chama Contra
-
Revolução
183
.
Neste discurso o papel de militância social é destacado, numa clara
referência e crítica à demasiada preocupação temporal de inúmeros religiosos
brasileiros que, segundo a compreensão tefepista, estariam se desviando de sua
função primordial e sacral de salvar as almas. A tarefa de influenciar todo o
181
ANTOINE, Charles. O integrismo brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1980.
p. 14.
182
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 138.
183
GUIMARÃES, Átila Sinke. SOLIMEO, Gustavo Antonio. Refutação da TFP a uma investida
frustra.
Volume I. São Paulo: ARTPRESS, 1984. p. 41/42.
83
corpo social estaria legada ao laicato católico que, munido da doutrina crise
da finalidade explícita de intervir no governo da
Polis,
empreenderia os mais
variados esforços para transfor-la efetivamente numa Civitas Dei. Esta
compreensão decorre do próprio cater soteriológico dessa religo que,
partindo da crea de que a história humana é a história da salvão, outorga
à Igreja, na qualidade de mater et magistra, a incumbência de estabelecer os
parâmetros do ordenamento social visando a impedir que as forças do mal
provoquem uma perdição coletiva
184
. Para tanto, apelam em especial aos leigos
para que influenciem os governantes visando que estes ordenem e modelem as
sociedades com base na lei natural e nos mandamentos de Deus
tidos como
caminhos seguros para a salvão eterna. A proposta da TFP segue esta mesma
direção ao preconizar a formação e a atuação prosélita dos tefepi
stas
integrante da chamada Igreja Militante - visando o reordenamento social sob
preponderância da . Tal proposta foi ressaltada por Dom Bertrand de Orleans
e Bragaa referindo-se à importância da convivência com Plínio e à sua
participação na TFP em sua formão pessoal e atuação pública. Relata Dom
Bertrand:
uma das caractesticas do Dr. Plínio Corrêa de Oliveira
é restaurar na alma dos católicos a iia de que um católico
deve fundamentalmente ser militante. A Sra. sabe que existe a
Igreja Triunfante, que são as almas que estão no Céu; a Igreja
Padecente, que são as almas que estão no Purgatório; e a Igreja
Militante, que são os que eso neste mundo. Essa idéia da
milincia é uma iia que lamentavelmente na sociedade
moderna, hedonista, se perdeu. E uma das grandes coisas da
obra do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira foi restaurar nesse grupo
de elite católico que ele formou, essa idéia de que um católico
deve ser necessariamente ser um militante. Militante porque
deve lutar pela maior glória de Deus, pelo restabelecimento,
pelo respeito do direito natural, dos Dez Mandamentos, etc,
neste sentido. E toda a formação de militância católica que Dr.
Plínio me deu, seus princípios, etc., auxiliaram enormemente a
nossa formação
185
.
184
MANOEL, Ivan. O ndulo da história: Tempo e eternidade no pensamento católico (1800-
1960).
Maringá: EDUEM, 2004. p. 21.
185
ORLEANS E BRAGANÇA, Dom Bertrand. Depoimento: Movimento Monarquista e TFP
[Florianópolis], 24 set. 2005. Entrevista concedida a Gizele Zanotto. p. 10.
84
Esta questão da interveão no temporal a partir de uma doutrinação
religiosa nos remete, novamente, aos estudos de Bourdieu e à sua concepção
dimica de campo. No capítulo anterior estabelecemos nossa perspectiva
analítica remetendo o estudo da TFP à sua inserção no campo ca
tólico
brasileiro . Agora, buscando compreender a prática da TFP no contexto social
brasileiro, ampliamos nossa perspectiva de análise incorporando à mesma uma
dimica mais abrangente que inclui as várias possibilidades de contato,
inflncia, composão, simbiose, conflito, etc., entre campos diversos
(econômico, político, religioso, educacional, intelectual, entre outros). Max
Weber já preconizava esta dinâmica em suas obras, em especial na análise
realizada sobre as relões eletivas existentes entre a doutrina protestante e o
ethos
econômico
186
. Na sua conceão, tal atração entre domínios
diferenciados foi denominada de afinidade eletiva e designaria uma
articulão entre estruturas socioculturais dotadas de certo parentesco cultural
ou homologia estrutural sem que houvesse a formação de uma substância nova
ou uma modificão essencial dos componentes iniciais, mesmo se tal interação
tivesse conseqüências eficazes, em particular, o reforço da gica própria de
cada uma das figuras iniciais
187
. Como salientou Michael Löwy, apesar da
religião e da política pertencerem a configurações sociais ou culturais diferentes,
ambas estão ancoradas em uma base comum: tanto as creas religiosas
quanto as creas políticas funcionam como um corpo de convicções individ
uais
e coletivas que estão fora do domínio imediato da verificação e da
experimentão empíricas, mas que dão sentido e coerência à experimentação
subjetiva dos que a vivenciam
188
. Portanto, ambas são compreendidas como
estruturas de compreensão do mundo que, mais do que fornecer explicões
sobre o mundo e a realidade, mobilizam ões concretas em função dos
186
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 14ª edição. São Paulo: Ed.
Pioneira, 1999.
187
Weber o estabeleceu uma definão textual de afinidade eletiva mas, da leitura de suas
obras, Löwy descreveu o que seria, conforme descrição acima. Um tanto diversa é a definição
de Löwy, para quem a afinidade eletiva seria um tipo particular de relação dialética entre d
uas
configurações sociais ou culturais, uma analogia estrutural, um movimento de confluência ativa,
de combinação capaz de chegar até a fusão. LÖWY, Michael. Redeão e Utopia. O judaísmo
libertário na Europa Central.
São Paulo: Cia das Letras, 1989. ps. 1
6 e 13.
188
LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: Religião e política na América Latina.
Petrópolis:
Vozes, 2000. p. 62.
85
elementos estruturantes comuns. Bourdieu também destaca esta interpretação
ao afirmar que os produtos oferecidos pelo campo político são instrumentos de
percepção e expressão do mundo social, e que também o campo político é
regido pela lógica de mercado. Neste sentido, afirma o autor:
o campo político é pois o lugar de uma concorrência
pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelo
profano
ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir
em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos. O
porta
-
voz apropria
-
se não só da palavra do grupo dos profanos,
quer dizer, na maioria dos casos, do seu silêncio, mas tamm
da força desse mesmo grupo, para cuja produção ele contribui
ao prestar-lhe uma palavra reconhecida como legítima no
campo político. A força das idéias que ele propõe mede-se, não
como no terreno da ciência, pelo seu valor de verdade (mesmo
que elas devam uma parte da sua força à sua capacidade para
convencer que ele detém a verdade), mas sim pela força de
mobilização que elas encerram, quer dizer, pela força do grupo
que as reconhece, nem que seja pelo silêncio ou pela ausência
de desmentido, e que ele pode manifestar recolhendo as suas
vozes ou reunindo
-
as no espaço
189
.
Esta definição de campo político apresenta várias semelhanças ou
correspondências com o campo religioso evidenciando inúmeros pontos de
contato entre estas esferas distintas, mas passíveis de atração; passíveis de
transformarem
-se em elementos realizadores de uma conjunção efetiva, da
configuração de uma afinidade eletiva entre eles. Primeiramente a lógica
mercadológica que rege ambos os campos, transformando seus atores em
representantes comerciais de visões de mundo passíveis de adesão,
composição, legitimão, ou o, mas que demonstram uma capacidade
potencial de converncia ativa. Em segundo lugar, percebemos a
potencialidade destes grupos restritos em representar (através de mandato ou de
silêncio, como bem notou Bourdieu) estratos sociais inteiros, numa clara
demonstração do poderio simbólico que secolocado em disputa nos jogos de
poder
190
. Depois, convergem entre os campos religioso e político, a adesão a
189
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.
185.
190
Esta atitude é patente entre os tefepistas. Ao anunciarem serem porta-vozes da ortodoxia
religiosa, confrontam os eclesiásticos progressistas defendendo a legitimidade de sua posição
teológica com o respaldo de alguns prelados e o silêncio dos demais. Já no campo sócio-
86
um conjunto de iias, a uma visão de mundo pela certeza em sua verdade ,
em um estatuto de confiança que é definido muito mais subjetivamente do que
empiricamente, mas que, justamente por mobilizar ações pelo reconhecimento e
pela crea, evidenciam a eficácia do poder simbólico enquanto instigador
de
ões no conjunto do social. Em quarto lugar destacamos como elemento
comum a atuação contemporânea tanto da religião quanto da política, suas
propostas de construção de novas sociedades, mais fraternas no primeiro caso,
mais democráticas e/ou justas no segundo. A Igreja Católica defende a
construção do reino de Deus na terra, a edificão de uma Jerusalém Terrestre,
semelhante à Jerusalém Celeste, mas com as caractesticas inerentes ao campo
temporal e sempre voltada para melhor propiciar a santificão dos homens
suscitando, como conseqüência, sua salvão eterna. Por fim, lembramos que
ambas as esferas m potencialmente na outra uma importante fonte de
legitimação e apoio.
Para muitos grupos católicos, especialmente os defensores do
ultramontanismo,
a civilizão cris foi uma realidade histórica concreta de
ordenação social pautada pela doutrina escatológica e soteriológica da Igreja
que teria sido realizada no período medieval. Garcia-Pelayo, em estudo sobre
os mitos políticos, enfatizou que ainda na Idade dia se configurou a firme
creencia en que el orden político había de ser un intento de realización del reino
de Dios en la tierra, a fin de restaurar el orden originario de las cosas
quebrantado por el pecado
191
, portanto, que os próprios medievos estavam
conscientes de que sua vivência cotidiana estava intimamente relacionada com
um plano maior, o plano da providência para redimir os homens de seus
pecados. O mesmo autor complementa que esta concepção deu origem ao
conjunto de normas, sistemas e instituições constitutivas de uma realidade onde
não havia clara distinção entre os aspectos rigorosamente políticos dos
religiosos. A visão religiosa, neste contexto, tinha considevel importância para
político, os tefepistas ap
resentam
-se como representantes dos verdadeiros católicos, extrato não
desprezível em disputas políticas. Apesar de inúmeras manifestões, tanto civis quanto
eclesiásticas, contrárias a este auto -mandato que apregoam, os tefepistas utilizam-se desta
pre
tensa legitimidade de sua representação para atuarem no contexto brasileiro. Sua efetividade
é questionável, mas a força persuasiva deste discurso mandatário tem um cater potencial, que
não deve ser menosprezado.
191
GARCIA
-
PELAYO, Manuel.
Los mitos políti
cos.
Madri: Alianza Editorial, 1981. p. 153.
87
as representações políticas, de maneira que existia reciprocidade nas formas
simbólicas utilizadas para esclarecer e legitimar as respectivas realidades
192
.
Na perspectiva histórica do catolicismo, o medievo significaria o ponto
mais primoroso de aproximão entre a sociedade terrena e o ideal da
J
erusalém
Celeste, o momento em que a ordem
193
deu a tônica da configuração
social. A representação dessa sociedade pautada pela solidez - o que supõe a
transformação do perecível em eterno, do transitório em permanente, da dúvida
em certeza -, efetivou-se centrando a história em um elemento transhistórico,
neste caso a Cidade de Deus. Conforme salientou Garcia-Pelayo, a história
deveria se assemelhar a um quadrado, que na simbologia medieval significa o
estável, o firme, o que o gira nem roda, o que, por integrar os quatro lados
iguais, manteria o equilíbrio e a firmeza dos quatro elementos do cosmos
194
.
Ivan Manoel também enfatiza que a interpretação católica
ultramontana/integrista aponta a Idade Média como o período em que a Igreja,
implantada e consolidada com o auxílio do Império Carolíngio, pôde
desempenhar sua função de paralisadora do movimento pendular (de
aproximação e afastamento de Deus) e fixadora do homem na órbita divina. Em
conseqüência desta proximidade com o sagrado, os homens desfrutaram de
alguns séculos de paz e verdadeira civilização, viveram sua Idade de Ouro, e
completa:
epílogo grandioso e coerente com o conjunto da doutrina
se a Idade Média significou verdadeiramente civilização,
somente a exaustão da intelincia humana poderia explicar o
seu esfacelamento, que, no fundo, significaria a destruição do
próprio homem. E essa visão apocalíptica era a própria síntese
católica sobre o século XIX e tudo quanto ele representava.
Diante daquilo que lhe parecia ser o desdobramento lógico
do mundo mod
erno
a completa destruição da sociedade
humana
o grupo ultramontano delineou uma estratégia
política de âmbito mundial para realizar o que lhe parecia
necessário: a paralisação do ndulo da história. (...) Voltar à
192
Idem, p. 154.
193
Para os tefepistas o conceito de
ordem
relaciona
-se, também, com uma compreensão
teológica, ou seja, por
ordem
designam não apenas a disposição metódica e ptica das coisas
materiais, mas, conforme o conceito tomista, a reta disposição das coisas segundo seu fim
próximo e remoto, físico e metafísico, natural e sobrenatural . OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Auto-
Retrato Filosófico.
Catolicismo
. São Paulo. Nº 550, p. 03
-
33, Outubro/1996. p. 08.
194
GA
RCIA
-
PELAYO, Manuel, 1981. p. 197.
88
Idade Média significava reunir-se novamente, reconstruir a
Unidade querida por Deus e destruída pelo pecado, dissolver-
se
novamente no Absoluto, reconstruir a Idade de Ouro perdida
195
.
A crença na exisncia desta Idade de Ouro perdida, de uma
configuração social estável, ordenada e sacral em tempos idos, foi retomada
pelos católicos que, definindo o mundo moderno como corrompido, afastado
do plano divino e do próprio Deus, destacaram sua preponderância enquanto
proposta político-cris plausível de ser reconstruída e como sistema ideal.
Diant
e da apoteose do homem foi elaborada a tese da reconstrução medieval
como única resposta católica adequada para solucionar as tendências históricas
manifestadas pelas revolões do mundo moderno. Esta tamm é a
compreensão e proposta da TFP, que atua no campo cultural visando reavivar a
cultura e a tradição cristãs e no campo político lutando contra os fatores de
desagregação que desde a Idade dia estariam dilapidando a inflncia da
Igreja sobre o corpo social. Para este grupo de católicos, o desafio é a
restauração da ordem, a reedificação da civilizão cris, austera e
hierquica, fundamentalmente sacral, antiigualitária e antiliberal
196
, ou seja, a
reconstrução de uma sociedade desigual, cuja condução esteve à cargo de elites
aristocráticas que, sob a inflncia da doutrina perene da Lei natural, da Lei de
Deus e do Magistério Infalível da Igreja, consolidaram a única e verdadeira
civilização
ideal preconizado ainda por Pio X:
a civilizão não mais espara ser inventada, nem a
cidade nova para ser construída nas nuvens. Ela existiu, ela
existe; é a civilizão cristã, é a cidade católica. Trata-
se
apenas de instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus
fundamentos naturais e divinos contra os ataques sempre
nascentes da utopia malsã, da
revolta e da impiedade
197
.
Restaurar a civilizão cristã, austera e hierquica é, portanto, restaurar
uma ordem política, social e econômica em consonância com os princípios da
lei natural e da lei de Deus; reconhecer a Igreja Católica Apostólica Romana
195
MANOEL, Ivan, 2004. p. 124.
196
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de
, 1998. p. 93.
197
PIO X. Notre Change Apostolique de 25 de agosto de 1910. Apud: OLIVEIRA, Plínio Corrêa
de. Auto
-
Retrato Filosófico.
Catolicismo
. São Paulo. Nº 550
, p. 03
-
33, Outubro/1996. p. 06.
89
como única verdadeira e o seu magistério como infalível; restaurar a reta
disposição das coisas conforme seu fim natural e sobrenatural. Tal é a proposta
contra
-revolucioria defendida pela TFP e expressa em sua principal obra
doutrinária,
Revolução e Co
ntra
-
Revolução
, que confere sentido a toda ação
promovida pela Sociedade.
2.1. Dogmática tefepista
Arno Mayer, em análise sobre o tema da contra-revolão na Europa,
destaca que o arsenal doutrinário de contra-revolucionários, de conservadores e
de reacionários é convergente e que as difereas mais perceptíveis seo
estabelecidas pela disparidade das metas principais e da atuação de cada
grupo: os conservadores almejam saciar suas inúmeras sedes de poder; os
reacionários anseiam fazer recuar os ponteiros da história; e os contra-
revolucionários desejam adquirir o controle do estado e do governo
198
(no caso
da TFP através da inflncia positiva que possam exercer nos detentores do
poder e não propriamente na conquista do governo, como enfatizou o tefepista
Santos,
A TFP nunca pleiteou cargos, nunca a TFP pretendeu pôr um deputado
seu em Brasília, não, é política no sentido mais alto, ou seja, quer participar da
condução política do país
199
)
.
Desenvolvendo tal tipologia tripartite, Mayer destaca que os reac
ionários
são críticos impassíveis e pretensiosos da sociedade vigente, salienta que
rejeitam o mundo pela sua decadência, corrupção, perniciosidade e
contradições. São pessimistas com relação ao presente (corrompido) e ao futuro
(incerto). Desconfiam de nões como progresso e de inovões, sendo muitas
vezes hostis com relão à ciência, tecnologia, educão, indústria,
urbanizão, juventude, intelectuais e eruditos. Tem como caractestica
denunciar seus antagonistas como conspiradores diabólicos voltados para a
corrupção do homem e da sociedade. Afora este quadro negativo e pessimista,
198
MAYER, Arno J. A Dinâmica da Contra-Revolução na Europa, 1870-1956. Uma estrutura
analítica.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 76.
199
SANTOS, Armando Alexandre dos. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 07 dez. 2005.
Ent
revista concedida a Gizele Zanotto.
90
os reacionários também desejam uma mudança radical, mas esta mudança está
relacionada com a volta a um passado mitificado e romantizado,
nesse passado, buscam o restabelecimento e a
restauração das instituições
monarquia, igreja, propriedades e
comunidades
que sustentam uma ordem hierárquica de
privigios e prerrogativas, e que também constituem uma
barreira contra o nivelamento corrosivo do estado, da sociedade
e da cultura. Uma vez recuperados, os velhos bons tempos
ficariam congelados para sempre
200
.
Em tempos de normalidade os reacionários procuram o isolamento mas
em épocas incertas se unem aos conservadores e contra-revolucionários crendo
que o presente seja melho
r do que um futuro incerto.
Já os conservadores m conduta e propósitos tidos como correlatos da
idade madura, do equilíbrio temperamental ou psicológico, do interesse
adquirido ou da combinação desses fatores. Seu pensamento tem o caráter de
uma refutação articulada e não de uma inovação criativa, visto que destina-
se
a dar coencia à defesa das instituições sociais, econômicas e políticas
tradicionais
201
.
Em tempos normais sentem-se satisfeitos e se identificam com o
status quo
, em tempos de crise se dividem em três grupos principais (os que dão
maior importância a sua posão, os que aproveitam a oportunidade para
melhorar de posão e os que procuram minimizar e reduzir sua deteriorão) e
se aproximam dos defensores de uma profilaxia anti-
revolucionár
ia ideológica e
agressiva. Tendem a solucionar as divergências com conciliões contínuas e
muitas vezes coincidem com a reação e a contra
-
revolução.
A contra-revolão, por sua vez, o seria um femeno simultâneo a
épocas de equilíbrio político, ecomico e social, mas sim da instabilidade, da
cisão e da desordem que ganha força quando as forças normalmente
conflitantes mas acomodadoras começam a abandonar a política de
conciliação
202
. Em sua propaganda primam pela necessidade da mudaa de
atitude, mentalidade e perspectiva como primeiro passo para a mudaa nas
estruturas sociais e econômicas. Os contra-revolucionários caracterizam-se pela
200
MAYER, Arno J., 1977.
p. 57.
201
Idem,
p. 59.
202
Ibidem,
p. 14.
91
arregimentação em épocas de crise, por não possrem um grupo de adeptos
fixos
. Segundo Mayer, os líderes contra-
revo
lucionários, suas idéias e seus
movimentos, estão ancorados nos moldes do conservadorismo e da reão. Em
estilo, todo e aparência seu afastamento da política da reação e concessão
mutua é radical, mas em outros aspectos
o projeto contra
-
revolucionário
toma a
forma de uma ação estabilizadora e de salvação, disfaada em cruzada milenar
de vitalismo heróico
203
. Seus partidários destacam-se pela mobilizão de
grupos descontentes ou ressentidos e de classes em crise, exacerbando e
manipulando seu ressentimento contra os que estão acima e o temor pelos que
estão abaixo (destacamos que esta premissa, aplicada a TFP se refere
especificamente à atuação em sociedades consideradas revolucionárias,
atingindo
-se o que avaliam como um modelo ideal de governo a submissão e a
fidelidade aos governantes deve ser a tônica comum). Neste sentido, Monteiro
de Lima, descrevendo a eficácia e o contexto favorável ao recrutamento de
novos membros entre grupos em crise para o corpo de tropa da TFP na segunda
metade da cada de 70, e as incongrncias às quais aderem posteriormente,
concluía que:
as condições favoráveis a esse êxito são encontradas pelos
aliciadores nos estratos sociais de baixa ou nenhuma renda e
vel cultural inferior, com a ignorância e as cancias abrindo-
lhes, pois, as portas largas do sucesso na tarefa de ampliar os
quadros da milincia tefepista. É nas favelas, periferias
urbanas, zonas rurais, internatos gratuitos e estabelecimentos de
confinamento de menores entre outras áreas, que o grupo da
direita
comumente vai buscar seus futuros soldados.
Isto posto, é inegável que os jovens que formam o corpo de
tropa da TFP provêm, na maioria, dos segmentos mais humildes
da população (sem Tradição), são geralmente órfãos e filhos de
mães solteiras (sem Família) e não têm sequer um palmo de
terra como patrimônio (sem Propriedade). Em outras palavras,
lutando por valores que desconhecem, caracterizam o mais
eloqüente antagonismo ao trinômio de metas que impulsiona a
causa da entidade a que pertencem
204
.
Como vimos, a tipologizão de Arno Mayer contempla difereas de
prositos e atuação dos três grupos descritos mas também apresenta suas
203
Ibidem, p. 83.
204
LIMA, Délcio Monteiro de. Os Senhores da Direita. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1980. p.
29.
92
convergências, indicando que os reaciorios, conservadores e contra-
revolucionários, pelo parentesco cultural que apresentam, muitas vezes se
amalgamam e se confundem. Também nos filiamos à compreensão de Mayer
que preza pela fluidez e labilidade dos limites que separam os três grupos,
acreditando que tal situão revela a realidade empírica de nosso objeto de
pesquisa. Neste trabalho optamos por utilizar sua tipologia para designar as
atuações públicas da TFP como tipicamente contra-revoluciorias e seu líder,
Plínio Corrêa de Oliveira, como representante da reação, mas destacamos que
ambos possuem traços presentes em mais de uma
das classificações, denotando
que esta tipologia torna-se uma ferramenta interpretativa o rígida que auxilia
na compreensão da realidade, mas que não a esgota
205
. Deste modo temos na
TFP um líder reacionário que, através de seu arsenal analítico e operativo, irá
orientar doutrinariamente os contra-revolucionários. Consideramos a TFP como
representante da contra-revolão, mas agregamos a esta definão a
plasticidade inerente a mesma de adaptar-se as situações específicas de cada
contexto social e nacional em que atua, podendo incorporar características
tipicamente reacionárias ou conservadoras quando for conveniente. Ou seja, a
TFP é contra-revolucionária quando em campanha (arregimentando, por
exemplo, segmentos anti agro-reformistas para barrar mudanças
constitucionais
ou aplicão da legislação p-reforma agria tida por socialista e
confiscatória), em situações normais sua atuão reveste-se na defesa dos
princípios da reação (com a sistematizão doutriria de seu fundador) ou do
conservadorismo político e cultural (com o encaminhamento de propostas
legislativas ao congresso ou atuando como grupo de pressão).
Em vista disso, ressaltamos que a proposta político-cultural defendida
pela TFP é essencialmente reacioria
pliniana
-, visa restabelecer o
domínio
político aristocrático e a preponderância da doutrina católica, mas sua atuação
na sociedade brasileira reveste-se de ões muito mais pximas do
205
Destacamos que, afora o primor da obra de Mayer, seu estudo é bastante datado, visto os
constantes avanços teórico-metodológicos disponíveis contemporaneamente e que ampliaram
não só os objetos de estudo, mas significativamente as abordagens sobre os temas de pesquisa.
Sem desmerecer sua obra, acreditamos que a análise de Mayer serve como um importante
marco teórico-
analítico
que utilizo com segurança - mas que, pelo seu contexto de produção,
não dá conta de todas as transformações contemporâneas nos três grupos analisados.
93
conservadorismo e de seu esforço pela manutenção de prerrogativas. Esta
situação, que parece contraditória à primeira vista, conjuga-se perfeitamente
com as análises de Mayer expostas acima e com o pprio ideário elaborado
por Plínio que defende continuamente a necessidade de que a ação contra-
revolucionária esteja voltada ao combate da Revolão em seu estado atual
206
,
portanto, sua prática deve preconizar a orientação doutriria bem como a
mobilizão conservadora que possibilite a manutenção de pilares importantes
para a concepção de estado defendida pelos católicos integristas (em especial,
ordem, hie
rarquia, propriedade, tradição, religião e autoridade).
O sistema de pensamento conservador surgiu em oposão aos
acontecimentos da Revolão Francesa (evento paradigmático também para o
integrismo católico, como já mencionamos no capítulo precedente). O
primeiro
teórico do que mais tarde se denominou de conservadorismo foi o irlandês
Edmund Burke
207
, que exs suas principais conceões em Reflexões sobre a
Revolução em Fraa, obra escrita e publicada em 1790, no calor dos
acontecimentos da Revolão Francesa. Nesta obra o autor defendia
enfaticamente uma filosofia antiprogressita da história e destacava o passado
recente como um paradigma para o declínio da grandeza (medieval): grandeza
de uma religião incontestável, da cavalaria, de grandes e sólidas instituões, de
um pensamento unificado e sintetizado. O Brien destaca que a posição de Burke
se exasperou do icio da Revolão para a época em que escreveu as
Reflexões
. Sua preocupação inicial era com a possível exportação das idéias
206
Conforme o autor: A modernidade da Contra-Revolução não consiste em fechar os olhos
nem em pactuar, ainda que em proporções insignificantes, com a Revolução. Pelo contrário,
consiste em conhecê-la em sua essência invariável e em seus tão relevantes acidentes
contemporâneos
, combatendo-a nestes e naquela, inteligentemente, argutamente,
planejadamente, com todos os meios lícitos, e utilizando o concurso de todos os filhos da Luz .
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 92.
207
Edmund Burke nasceu em Dublin/Irlanda em 1729. As completar sua formão em
advocacia foi para Londres ocupar a função de leitor do Fórum de Justiça. Em 1765 tornou-
se
secretário particular do Lorde Rockingham, então Primeiro Lorde do Tesouro. Em 1766 foi eleito
para o Parlamento pelo burgo de Wendover. Em 1771 foi designado Agente de Londres para o
Estado de Nova Iorque. Nas eleições de 1774 tornou
-
se deputado por Bristol, cargo que exerceu
por seis anos, em seguida recebeu uma cadeira do burgo de Maltan cedida pelo Lorde
Rockingham. Em 1788 iniciou um processo de impeachmeant contra Warren Hastings. Redigiu
obras literias, panfletos, discursos, cartas e ensaios durante toda sua carreira. As
Reflexões
sobre a Revolução em Fraa foram escritas no primeiro semestre de 1790 e publicadas em
novembro do mesmo ano. Até a morte suas preocupações dirigiram-se em torno de problemas
da França e da Irlanda. Edmund Burke faleceu em Beachonsfield em 1797.
94
francesas para a Inglaterra e demais nões. Decorria deste receio um apelo
para que as monarquias européias se unissem para esmagar logo no início e
por completo a Revolão Francesa e sua inflncia sobre os demais povos.
Mas o sucesso de sua obra e de seu apelo não foi imediato, de modo que O
que salvou sua reputação foi o progresso da Revolução em direção àquilo que ele
previu
208
. Suas previsões de aumento da violência, de uma guerra sangrenta e
do surgimento de um déspota militar, confirmados pelos fatos, evidenciaram
qu
e Burke soube compreender e apreender os rumos de uma Revolução sem
precedentes, que o só abalaria, mas tamm transformaria radicalmente as
estruturas sociais.
Neste trabalho o conservadorismo será considerado como uma doutrina
política
- consciente e
funcional
-, mas também como uma forma particular de
experncia e pensamento ,
como
uma estrutura compreensiva de mundo
,
seguindo a definição de Mannheim
209
. Esta conceão ampla dos sistemas
políticos também é destaque na obra de Pierruci, que afirma: mais que uma
fórmula de governo, o pensamento, a mentalidade e a sensibilidade de direita
articulam uma conceão global de sociedade e um modo de sociabilidade
210
,
ou seja, tal concepção se difunde no campo metapolítico e das relações
cotidianas, permeando pensamentos e ões individuais e públicas. Para
Mannheim, os traços caractesticos deste pensamento e vivência conservadores
seriam a defesa da natureza qualitativa, a ênfase no concreto, a aceitação da
realidade presente duradoura, a simultaneidade ilusória que atribui aos
acontecimentos históricos, a tentativa de substituir o indivíduo pela propriedade
territorial como base da história e a preferência por unidades sociais
208
A tese defendida por Connor C. O Brien é de que a origem irlandesa e católica de Edmund
Burke foram decisivas para a sua compreensão e reação contra a Revolução Francesa. Também
na Irlanda era iminente uma revolução que confrontaria a supremacia da minoria protestante
contra a maioria católica. Para O Brien a defesa burkeana de revolões antiimperialistas foi
tamb
ém reflexo de sua vivência na Irlanda, e conclui que, ao contrário de outros teóricos do
conservadorismo como Joseph De Maistre ou Louis Gabriel Ambroise De Bonald, Burke tinha
razões para saber qual seriam os sentimentos de Revolução e Contra-
Revolução,
pois tais forças
existiam não somente no mundo mas nele próprio . O BRIEN, Connor Cruise. Introdão. In:
BURKE, Edmund, 1997. p. 04.
209
MANNHEIM, Karl. O pensamento conservador. In: MARTINS, José de Souza.
Introdução
crítica à Sociologia Rural.
São Paulo:
Hucitec, 1981. p. 108.
210
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da Diferença. São Paulo: USP, Curso de Pós-
graduação
em Sociologia; Editora 34, 1999. p. 17.
95
orgânicas
211
. O autor também estabeleceu uma distinção que se tornaria
cssica das variantes natural e moderna do conservadorismo. Segundo
Mannheim, o conservadorismo natural , que ele chama de tradicionalismo,
significa uma tendência de se apegar a padrões vegetativos, a velhas formas de
vida razoavelmente onipresentes e universais. Seria um comportamento reativo,
uma espécie de conservadorismo instintivo , uma atitude psicológica geral que
se expressa em diferentes indivíduos como uma tendência a se apegarem ao
passado e como temor às inovões
212
.
Já o conservadorismo moderno,
re
sultado de uma situação histórica e sociológica particular, seria caracterizado
como uma ão consciente e refletida desde seu princípio. Elaborado em
contraposão aos movimentos considerados progressistas seria ele um
comportamento significativo e contex
tualizado. Em síntese,
o tradicionalismo é essencialmente uma dessas
inclinações ocultas que cada indivíduo inconscientemente abriga
dentro de si mesmo. O conservadorismo, por outro lado, é
consciente e reflexivo desde o princípio, na medida em que
surge
como um contra-movimento em oposição consciente ao
movimento progressista altamente organizado, coerente e
sistemático
213
.
Rossiter, aproximando-se das análises de Mannheim, também destaca
a exisncia de duas formas de conservadorismo, denominados situacional e
político. Para este autor, o conservadorismo situacional consistiria numa atitude
de oposição à mudaa brusca na ordem social, econômica, jurídica, religiosa,
política ou cultural. Seria uma atitude que definiria um padrão de
comportamento social, um conjunto de princípios e preconceitos que
orientariam a vida cotidiana da maioria dos homens e que estaria presente, em
maior ou menor grau, em todas sociedades desenvolvidas. Já o
conservadorismo político, destaca Rossiter, revelar-
se
-ia tanto em aspi
rações
quanto em ões de partidos ou movimentos que, através de uma atividade
mais defensiva do que criadora, defenderiam os padrões de moralidade
herdados e as instituições já provadas e comprovadas, mostrando-se céticos
211
MANNHEIM, Karl, 1981. p. 125.
212
Idem, p. 107.
213
Ibidem.
96
quanto à eficácia do governo popu
lar
214
. Afora tais diferenciações de Mannheim
e Rossiter, acreditamos que os elementos de ambos os conservadorismos podem
surgir separados, imbricados, intercalados, enfim, com múltiplas variações e
gradações, de modo que tanto o conservadorismo quanto o tra
dicionalismo
estão, conscientemente ou não, dildos mas presentes nas várias formas do
pensamento contemporâneo, e não somente no espectro político de direita
215
.
Analisando detalhadamente o conservadorismo, percebemos a
semelhaa entre este e a doutrina e a atuação da TFP. Tal verificão
demonstra que uma intensa identidade discursiva e operativa de seus temas
estruturantes
embora a ênfase em cada argumento possa ser diversa
(denotando variações ora mais conservadoras, reacionárias ou contra-
revoluci
onárias). Entre as questões permanentes em análises de filósofos do
conservadorismo
sistematizadas por Rossiter
destacam
-se: 1) existência de uma
ordem moral e universal, sancionada e sustentada por uma religião organizada;
2) compreensão da imperfeição da natureza humana, na qual a irracionalidade
e o pecado sempre ameam o comportamento civilizado; 3) consideração da
desigualdade natural entre os homens em suas qualidades físicas, mentais e de
caráter; 4) necessidade de categorias sociais (não classes); 5) papel decisivo da
propriedade privada; 6) incerteza no progresso; 7) necessidade de uma
aristocracia governante com espírito de servo; 8) alcance limitado da razão
humana e a conseqüente importância das tradições, instituições, símbolos,
cerimônias e preconceitos; 9) falibilidade e tirania potencial dos governos da
maioria e a conseqüente necessidade de repartir, limitar e equilibrar o poder
político
216
[em algumas das versões do conservadorismo]
.
Em nosso esforço pela interpretação das ações tefepistas como análogas
ou próximas ao sistema de pensamento conservador utilizaremos o estudo de
214
ROSSITER, Clinton. Conservadurismo. In: SILLS, David L. (Dir). Enciclopedia de las Ciencias
Sociales.
Madrid: Aguilar, 1974. p. 74/75.
215
Neste sentido é interessante verificar a utilizão de elementos originariamente de direita no
contexto de esquerda e, da mesma forma, elementos procedentes deste
contexto em argumentos
de direita - como tamm mencionou Pierucci em sua análise sobre a questão da diferea,
termo explicitamente conservador que foi transposto ao espectro de esquerda na luta pelo
direito à diferea de grupos culturais ou étnicos, embora com um sentido diverso de sua
acepção original e, contraditoriamente, sem se reportar à questão da desigualdade. Sobre o
tema ver: PIERUCCI, Antônio Flávio, 1999.
216
Temas sistematizados por ROSSITER, Clinton, 1974. p. 76.
97
Robert Nisbet como guia para a compreensão dos princípios defendidos pelos
membros da TFP. Nisbet, na obra em que pretende fornecer uma anatomia do
conservadorismo enfatizando suas perspectivas, seus cririos, suas propostas
essenciais e seus impulsos intelectuais, traça um interessante panorama da
dogtica do conservadorismo - entendida como um conjunto de crenças e
valores mais ou menos coerentes e persistentes e que tem inflncia
determinante para seus partirios
217
. A partir desta sistematizão
analisaremos a convergência, aproximão ou difereas do pensamento
tefepista com o conservadorismo. É interessante também mencionar que
inúmeros autores esboçam em seus trabalhos o que seriam os elementos
fundamentais do conservadorismo e que tais análises, embora com suas
especificidades e/ou destaques próprios, geralmente apontam os mesmos
elementos que Nisbet (história e tradição, preconceito e razão, autoridade e
poder,
liberdade e igualdade, propriedade e vida, religo e moralidade). Esta
identidade das análises vem corroborar que, afora os vários tipos de
conservadorismos que podemos encontrar em situações históricas concretas, os
elementos estruturais de seu sistema de pensamento permanecem
218
. Por fim, é
imprescindível destacar, com o faz o autor, que em todos os elementos desta
dogtica uma característica comum que aflora ora mais, ora menos, mas
que esonipresente: o direito à sobrevivência de toda estrutura in
termediária
da nação. Desta forma, a partir do estudo de Nisbet, vamos enfatizar:
1) História e Tradição
Esta dogmática representa a compreensão da
história enquanto experiência concreta, ou seja, é na confiança no valor da
experiência, mais do que no abstrato, no hipotético, no especulativo e no poder
dedutivo que o conservadorismo baseia sua fé na história. A história significa a
persisncia de estruturas, comunidades, hábitos e mesmo preconceitos. Neste
sentido, destaca Mannheim, o conceito linear tor
na
-se secundário primeiro
porque os conservadores conhecem o passado como algo que existe no
217
NISBET, Robert.
O conserva
dorismo.
Lisboa: Editorial Estampa, 1987. p. 45.
218
Andrew Vincent é um dos autores que apresenta o conservadorismo como múltiplo, como
derivado de várias escolas. Em sua análise distingue entre os conservadorismos tradicionalista,
romântico, paternalista, liberal e a nova direita. As especificidades de cada escola não seriam
capazes de anular os princípios gerais do conservadorismo; suas diferenças estariam mais
ligadas à ênfase diversa em seus vários elementos doutrinários. VINCENT, Andrew.
Ideologias
polí
ticas modernas.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995. p. 73 a 76.
98
presente, depois porque sua concepção de história tende a ser mais espacial do
que temporal, enfatizando mais a coexisncia do que a sucessão. O
conservador c que tudo o que existe tem sentido porque demonstra um
mesmo impulso fundamental de crescimento mental e espiritual; que um
desenvolvimento natural e ornico que cria e aperfeiçoa todas as criações
humanas, sejam elas materiais ou imateriais
219
.
O sistema de pensamento conservador acabou por engendrar toda uma
filosofia da história que esteve ancorada na sua simpatia pela tradão, muito
embora, como destacamos na discussão sobre a questão da tradição
(Capitulo I da presente tese), seus adeptos o estavam dispostos a defender
toda e qualquer iia ou coisa recebida do passado, A filosofia do
tradicionalismo é, como todas as filosofias, selectiva. Do passado deve vir uma
tradição salutar que também deve ser desejável em si mesma
220
. Esta filosofia,
pela
vinculação que muitos de seus autores sistematizam entre o agir humano e
as concepções religiosas que devem ser a inspirão da ação, torna-
se
efetivamente uma teologia da história, tema que esligado diretamente à obra
de muitos intelectuais católicos c
ontra
-revolucionários. Segundo Chauí, a
história, para o mundo judaico
-cristão, é a operação de Deus no tempo por isso
ela é:
1) providencial, unitária e connua porque é
manifestação da vontade de Deus no tempo, o qual é dotado de
sentido e finalidade gras ao cumprimento do plano divino; 2)
teofania, isto é, revelação contínua, crescente e progressiva da
essência de Deus no tempo; 3) epifania, isto é, revelação
contínua, crescente e progressiva da verdade no tempo; 4)
profética, não só como rememoração da Lei e da Promessa,
mas também como expectativa do porvir (...) A profecia oferece
ao homem a possibilidade de conhecer a estrutura secreta do
tempo e dos acontecimentos históricos, isto é, de ter acesso ao
plano divino; 5) salvívica ou soteriológica, pois o que se revela
no tempo é a promessa de redeão e de salvação como obra
do próprio Deus; 6) apocalíptica (...) e escatológica (...), isto é,
está referida não só ao começo do tempo, mas sobretudo ao fim
dos tempos e ao tempo do fim, quando despontará, segundo o
profeta Isaías, o Dia do Senhor, cuja ira e julgamento
antecedem a redeão final, quando a Promessa estará
219
MANNHEIM, Karl, 1981. p. 122 a 124.
220
NISBET, Robert, 1987. p. 52.
99
plenamente cumprida; 7) universal, pois não é história deste ou
daquele povo ou imrio, mas história do Povo de Deus, que
criou o homem e salvará a humanidade escolhida; 8) completa,
pois terminará quando estiver consumada a Promessa.
221
O historiador italiano Roberto de Mattei
defensor e expoente inconteste
do pensamento pliniano em seu ps -, em artigo sobre a teologia da história
ela
borada por Plínio Corrêa de Oliveira afirma que os pais históricos
222
da
contra
-revolão ou foram influenciados largamente pela teologia da História
ou propriamente teólogos, e conclui:
ao basear
-
se sobre a teologia da História, o pensamento
contra
-
revol
ucionário reafirma que Deus é o Senhor do homem;
que a Divina Provincia é o principal agente da História; e
que, portanto, o acontecer humano por inteiro não é um campo
de ação deixado exclusivamente ao arbítrio da liberdade
humana, mas é um campo no qual a vontade divina guia a
humana, orientando-a para o cumprimento dos destinos
sobrenaturais, projetados pelo mesmo Deus. Reafirma que a
História é um campo de prova no qual Deus coloca a Igreja
numa encruzilhada, para manifestar-Lhe sua missão divina de
guiar os povos à salvação; e que a história da sociedade é a
gradual e reproca construção da Civilização Cris. Neste
sentido, a História é sacra e constitui, portanto, um preciso
ensinamento que se deve conservar e valorar à luz da verdade
teológica
223
.
Mannheim também enfatiza que o conservadorismo só pode atribuir
significado aos eventos encaixando-os em um todo mais amplo (visão siptica
e sintética, nunca fracionada e parcial), pelo qual se chega pelas origens, e
conclui:
ver as coisas autenticamente como um conservador é experimentar os
acontecimentos em termos de uma atitude derivada de circunstâncias e situões
ancoradas no passado
224
. Os conservadores valorizam o passado, o
tradicional, e sustentam a crea de que, por mais obsoleta que uma est
rutura
221
CHAUÍ, Marilena, 2000. p. 71/72.
222
Homens como Padre Joseph Picot de Clorivière (1735-1820), conde Joseph de Mais
tre
(1753
-1821), marqs Juan Donoso Cors (1809-1853), Louis Veuillot (1813-1883), cardeal
Edouard
-Louis Pie (1815-1880), Padre Henri Ramière (1821-1884), Mons. Charles Freppel
(1827
-
1891), entre outros.
223
MATTEI, Roberto de. Plínio Corrêa de Oliveira, teólogo da História. In: ASSOCIAÇÃO DOS
FUNDADORES DA TFP
TRADIÇÃO FAMÍLIA PROPRIEDADE. Plínio Corrêa de Oliveira dez anos
depois...
São Paulo: [s.n.], 2005. p. 244.
224
MANNHEIM, Karl, 1981. p. 126.
100
ou
modus vivendi possa parecer, sempre existe nelas uma função progressiva e
ainda vital da qual o homem deve tirar proveito tanto psicológica, quanto
sociologicamente
225
. A conceão de tradão presente no cabedal doutrinário
tefepista, aqui exemplificado com uma citação da definição do próprio Plínio
Corrêa de Oliveira, segue esta mesma linha de pensamento ao defender que:
a verdadeira tradição não é
em princípio
só pelo
passado enquanto passado, nem só pelo presente enquanto
presente. Ela pres
supõe dois princípios:
a
que toda ordem de coisas auntica e viva tem em si
um impulso contínuo rumo ao aprimoramento e à perfeição;
b
que, por isto, o verdadeiro progresso não é destruir,
mas somar; não é romper, mas continuar para o alto.
Em suma, a tradição é a soma do passado com um
presente que lhe seja afim. O dia de hoje não deve ser a
negação do de ontem, mas a harmônica continuação dele.
Em termos mais concretos, nossa tradição cris é um
valor incomparável que deve regular o que é hodierno.
Ela atua,
por exemplo, para que a igualdade não seja entendida como o
arrasamento das elites e a apoteose da vulgaridade. Para que a
liberdade não sirva de pretexto ao caos e à depravação. Para
que o dinamismo não se transforme em delírio. Para que a
técni
ca não escravize o homem. Numa palavra, ela visa impedir
que o progresso se torne desumano, insuportável, odioso.
Assim, a tradição não quer extinguir o progresso, mas
salvá
-lo de desvarios tão imensos que o transformam em
barbárie organizada
226
.
A conseqüência imediata desta conceão de tradição é a considerão
do presente enquanto o estágio mais recente de um crescimento contínuo e
ininterrupto e da ppria história como tendo um valor absoluto -
inquestionável
pela demonstração e pela valorão extremada da experiência. Nesta
compreensão surge outro corolário do sistema de pensamento conservador, ou
seja, a idéia de que o progresso deve ter um vínculo direto com a história e a
tradição para que realmente represente algo positivo para as sociedades. Nisbe
t
destaca que o ponto fundamental do combate dos conservadores se direciona
ao que chama de espírito de inovão , isto é, o itil culto da mudaa pela
mudaa; a necessidade superficial mas muito disseminada, por parte das
225
NISBET, Robert, 1987. p. 55.
226
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. TFP
Tradição.
Folha de São Paulo, 12 de março de 1969.
Disponível em < http://www.pliniocorreadeoliveira.info/artigosfolhadespaulo.asp> Acesso em
30/outubro/2004.
101
massas, de divertimento e excitação, por meio de incessantes novidades
227
.
Sua
apreensão quanto ao ritmo fretico de mudanças vivenciadas no mundo
moderno culminava com a considerão da periculosidade deste
desenvolvimento desenfreado para as instituições humanas e sociais
228
.
Nesta
mesma linha de pensamento, o pprio Pnio Cora de Oliveira
esforçou
-se por frisar que a Contra-Revolão deve sim ser conservadora,
quando se trata de conservar, do presente, algo que é bom e merece viver
229
.
O autor complementou que tamm existe uma forma de reto progresso que
deve ser apreciado e estimulado pelos contra-revolucionários. Tal progresso é
considerado como harmônico e orgânico com o que a sociedade produziu.
Afirma o líder da TFP:
a Contra-Revolução é progressista? Sim, se o
progre
sso for autêntico. E não, se for a marcha para a
realização da utopia revolucionária.
Em seu aspecto material, consiste o verdadeiro
progresso no reto aproveitamento das forças da natureza,
segundo a Lei de Deus e a serviço do homem. Por isso, a
Contra
-
Rev
olução não pactua com o tecnicismo hipertrofiado de
hoje, com a adoração de novidades, das velocidades e das
máquinas, nem com a deplorável tendência a organizar
more
mechanico
a sociedade humana
230
.
227
NISBET, Robert, 1987. p. 53.
228
Esta compreensão também foi destaque entre os pronunciamentos pontifícios, como no
discurso de Paulo VI aos habitantes de Bréscia, quando afirmou: Para progredir realmente, e
não decair, é necessário ter o senso histórico da nossa experiência. Isto é verdade mesmo no
campo das coisas exteriores, técnico-
cient
íficas e políticas, onde o curso das transformações é
mais rápido e impetuoso; e o é ainda mais no campo da realidade humana e especialmente no
campo da cultura .
Outro exemplo desta posão é encontrada em alocão de Pio XII ao patriciado e nobreza
roma
na:
As coisas terrenas fluem como um rio no sulco do tempo. O passado cede
necessariamente o lugar e o caminho ao porvir, e o presente não é senão um instante fugaz que
vincula um ao outro. É um facto, um movimento, uma lei; não é um mal em si. O mal seri
a se este
presente, que deveria ser uma onda tranqüila na continuidade da corrente, se tornasse um
vagalhão marinho, que convulsionasse todas as coisas como um tufão ou ciclone no seu avançar,
cavando com fúria destruidora e voraz um abismo entre aquilo que passou e o que está por vir.
Tais saltos desordenados, que a História faz no seu curso, constituem então e determinam o que
se chama uma crise, ou seja, uma passagem perigosa que pode conduzir à salvão ou à ruína
irreparável, mas cuja solução ainda está envolta em mistério, dentro das nuvens negras das
forças em choque .
Apud:
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Nobreza e Elites Tradicionais Análogas
nas Alocões de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana. Porto: Livraria Civilizão Editora,
1993. p. 304 e 7
3.
229
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 97.
230
O autor também ressalta a diferença entre duas concepções de progresso: os revolucionários
defendem que o progresso deve fazer da terra um paraíso no qual o homem viva feliz, sem uma
percepção da eternidade futura; os contra-revolucionários consideram que este mundo é um
102
Plínio ainda enfatiza que o autêntico progresso cristão deve considerar
que o homem está num vale de lágrimas para expiar seus pecados, para
aperfeoar todas as suas potências rumo à perfeição moral e a conseqüente
salvão. Portanto, mais do que progresso material é o progresso moral que
deve ser privilegiado com vistas à vida eterna. O receio de inovões e a
apreensão quanto aos rumos que os progressistas imprimem na transformação
das sociedades culminaram na visualizão de valores morais e de uma
sociedade ideal no passado, frisando o valor da experiência como garantia de
um progresso autêntico. Neste sentido, a Igreja Católica era tida como a
salvadora inquestionável da humanidade e a reguladora do bom funcionamento
e da ordem na sociedade
231
.
Tal crença também corresponde ao pensamento
de contra-
revolucio
nários católicos como Joseph de Maistre, Louis Ambroise De
Bonald
232
, Donoso Cortés
233
, entre outros, que vislumbram como solão para a
crise que vivenciam um retorno ao modelo social tradicional (geralmente
medieval) pautado numa religião única e na autoridade política legitimada por
seu suposto mandato divino. Como destacou Nisbet:
vale de lágrimas e uma passagem para o céu, de modo que seu progresso deve consistir no
pleno desenvolvimento de todas as potências da alma e na ascensão dos homens rumo à
perfeição moral,
com vistas à salvação.
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 97/98.
231
RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem
uma revista de intelectuais católicos (1934-
1945).
Belo Horizonte: Autêntica, FAPESP, 2005. p. 18.
232
Louis Gabriel Ambroise de Bonald (1754-
1840)
-
Pe
nsador contra-revolucionário. Entra em
conflito com o processo revoluciorio a partir de 1791. Mostra-se hostil à exisncia de uma
constituição escrita e parte para o exílio. Adere ao Império em 1810, sendo nomeado para o
Conselho Universitário. Deputado
com a Restauração em 1823, será também nomeado por Luís
XVIII para o Conselho da Instrução Pública. Defende uma societé bonne assente na família e nos
grupos sociais
naturais,
como as corporações. Assume a perspectiva da descentralização,
quando inclui a
comuna entre os
corps intermédiaires
, privilegiando, sobretudo, a comuna rural.
233
Juan Danoso Cortés (1809-
1853)
fisofo, literato, político e diplomata espanhol. Torna-
se
conhecido após a publicação da obra Memória Atual da Monarquia (1832), na qual pro
punha
um institucionalismo moderado ao estilo da Carta francesa, e pela sua oportunidade lhe levou
ao Minisrio da Graça e Justiça. Próximo ao liberalismo, se opôs as idéias progressistas, em
especial após o motim de La Granja e da promulgão da Constituão de 1837. Parlamentar
moderado do grupo de Narváez, os intentos revolucionários de 1848 provocaram sua renúncia
pública ao liberalismo. Depois da primeira estada na França, quando entra em contato com o
ultramontanismo de Bonald e Maistre, escreveu
Ens
aio sobre o catolicismo, o liberalismo e o
socialismo
(1851), onde defende que a secularização da sociedade e o liberalismo são obras do
orgulho humano; o castigo deste pecado é a revolução, que só poderia ser evitado mediante a
submissão ao cristianismo e a Igreja Católica. A partir daí torna-se expoente da contra-
revolução católica.
103
os conservadores foram os profetas do passado
medieval, como lhes chamou Faguet, mas também guerrilheiros
do passado em ataques quase constantes à modernidade
econômica, política e
não menos importante
cultural.
Os
liberais e os socialistas podiam olhar para a sua antevisão do
futuro em busca de inspiração. Os conservadores, conhecendo
bem o apelo da tradição, a profundidade da nostalgia na alma
humana e o temor humano universal da tortura da mudança, do
desafio de novidade, basearam a sua acusação do presente,
franca e abertamente nos modelos fornecidos directamente pelo
passado
234
.
2) Preconceito e Razão
A compreensão de preconceito presente no
conservadorismo, em especial na obra de Edmund Burke, defende que este é a
essência de uma maneira de conhecer, compreender e sentir, um tipo de
sabedoria acumulada pelas gerações através da experiência: quanto mais
duram no tempo, quanto mais sua influência se generaliza, tanto mais os
estimamos
235
. O preconceito seria um resumo da autoridade e sabedoria
presentes na tradição. Burke elogiava o inconsciente, o pré-racional e o
tradicional, enaltecia um tipo de juízo comum aos indivíduos de uma nação.
Neste sentido, diferenciava o conhecimento de (adquirido pela experiência) do
conhecimento acerca (adquirido pelos livros e pautado na abstração e
generalidade), defendendo a preponderância do primeiro, mais vinculado às
iias do concreto, da experimentão, da vivência, da tradição. Em sua defesa
deste modo de
conhecimento de
asseverava que
o preconceito é a pronta aplicação em casos de
emergência; tendo anteriormente envolvido a mente num curso
seguro de sabedoria e virtude, não permitindo que o homem, no
momento da decisão, hesite cética, embaraçada ou
irresolutamente. Graças ao preconceito a virtude se torna hábito
e não uma série de atos desconexos
e o dever, uma parte de
nossa natureza
236
.
Em certo sentido, podemos considerar que os tefepistas filiam-se a esta
iia de um saber pré-concebido, pré-experimentado, que se difunde pela
234
NISBET, Robert, 1987. p. 153.
235
BURKE, Edmund.
Reflexões sobre a Revolução em França.
2º edição. Brasília: Ed. UnB, 1997.
p. 108.
236
Idem.
104
cultura, costumes e tradições - cristãs preferencialmente - e que, pela sua
consisncia ptica e autoridade supratemporal, deve orientar as condutas e
pensamentos. O essencial, neste caso, é a consideração de que este
conhecimento difuso esteja orientado pelos valores, normas de conduta e
concepções religiosas da Igreja, Mestra da Verdade . Em decorncia, a razão
não orientada pelos preceitos da fé é considerada com receio, afinal, foi contra
uma
racionalidade totalizante que o conservadorismo e a contra-
revolução
católica se consolidaram
237
.
Vincent destaca que Burke estabeleceu uma distinção entre abstração e
princípio, valorando o segundo pelo seu enraizamento nos costumes e na
tradição. O propósito de Burke, segundo este autor, não seria demolir a razão
na política, mas apenas sugerir que esta não deveria ser determinada por
noções abstratas, como dos direitos naturais. Sua crea é de que a exisncia
duradoura de uma instituição ou costume seria prova suficiente de uma
racionalidade prática intrínseca, e completava que a mudança pode ser
necessária, mas não deve fundamentar-se em iias abstratas a priori, e sim na
ateão minuciosa aos problemas concretos e ao esrito das instituições em
ques
tão
238
.
Para os conservadores, o principal erro dos revolucionários
franceses teria sido a destruição das instituições e o recomeço pautado em
premissas racionalistas desconectadas dos costumes, tradição e história de seu
povo. Sua crença é de que o fundamento da ão humana não deriva da razão
teórica, mas sim dos costumes, dos preconceitos, dos hábitos, do que chamam
de razão prática.
Em autores contra-revolucionários católicos a razão é depreciada de
modo mais contundente, visto o estrago que causou às verdades da Igreja e,
em conseqüência, ao seu poder de inflncia e à sua própria legitimidade. De
237
Discorrendo sobre a fusão entre correntes irracionalistas (derivadas do judsmo) e
racionalistas (amparadas no pensamento grego) no cristianismo, e a perpétua tensão decorrente
destas duas propostas, Murray destaca que: O criso, possuindo a razão, deve servir-se dela e
estimá
-
la, mas
não pode se apoiar nela. A razão é uma espécie de escada, que se deve dispensar
quando se chega ao topo; uma lâmpada, que revela o quanto é limitado o campo que ilumina.
Ela designa o eterno, mas é mortal. No entanto, malgrado estas tensões, é impossível r
ejeitá
-
la.
Com efeito, só a razão é capaz de mostrar que Deus transcende a razão . MURAY, Alexandre.
Razão. In: LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude (Coord).
Dicionário Temático do Ocidente
Medieval.
Volume II. Bauru: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial d
o Estado, 2002. p. 391.
238
VINCENT, Andrew, 1995. p. 80.
105
Maistre, por exemplo, foi um destacado opositor do racionalismo, considerando
a razão como o mais débil dos instrumentos. Em contraposão, defendia a
dura
bilidade, solidez e segurança do irracional, tido como decorrente da
vontade de Deus, sobre-humano, portanto, durável. Considerando a exaltação
da razão desvinculada da como obra humana (decorrente da falibilidade e
debilidade da inteligência humana), salientava que tudo o que o homem faz,
produz e gera sedanificado pelo homem, visto que no momento em que os
fundamentos são questionados, nada de permanente poderia ser estabelecido.
Como destacou Berlin sobre o pensamento maistreano, a vida e a muda
nça,
a corrosão desintegradora interna e externa, tornam a vida precária demais. (...)
A irracionalidade traz em si sua própria garantia de sobrevivência de uma forma
que a razão jamais pode almejar igualar
239
.
A crítica de Maistre ao
racionalismo deriva diretamente do fideísmo católico
240
de ampla tradição na
Europa e que opunha a à razão, defendendo o valor moral e político da
superstição, dos preconceitos e dos dogmas, neste sentido, crêem que a
religião não é superior à razão porque apresenta respostas mais convincentes,
mas sim porque não apresenta nenhum tipo de resposta. Ela não persuade nem
argumenta: exige
241
.
Uma das conseqüências deste temor dos católicos pelos ares
renovadores e autônomos do iluminismo foi o desesmulo aos estudos e à
leitu
ra de textos nocivos pelos fiéis. O discurso católico sobre a probletica
da leitura foi sendo forjado desde o século XVII e implicava em uma lógica
bastante simples, como destacaram Chartier e Hébrard, em estudo sobre o
discurso católico sobre a leitura no contexto francês, mas que revela o temor
geral dos católicos sobre o tema:
muitos livros
a maior parte
são livros maus, porque
contradizem os dogmas ou porque contrariam os bons
costumes. Portanto, a leitura é sempre uma prática perigosa e,
ao l
er sem tomar certas precauções, os crisos põem em perigo
239
BERLIN, Isaiah. Joseph de Maistre e as origens do Fascismo. In: Limites da Utopia. Capítulos
da história das idéias.
São Paulo: Cia das Letras, 1991. p. 109/110.
240
Doutrina segundo a qual as verdades fundamentais da ordem especulativa ou da ordem
prática não devem ser justificadas pela razão, mas simplesmente aceitas como objeto da crença.
241
BERLIN, Isaiah, 1991. p. 110.
106
sua salvação. Entregues ao prazer cultural e social de partilhar o
texto impresso, não percebem a estranha força da escrita (...) e
acreditam poder escapar às armadilhas da sua argumentação e
aos artifícios de suas figuras: pensam poder dissociar o prazer
da leitura da influência do texto lido. Para a Igreja, rompida
com os métodos da persuasão retórica, detentora dos saberes
da escrita e das instituições capazes de assegurar sua
divulgação e transmissão de modo seletivo, a escrita pode ser
uma ilusão; e uma ilusão mais perturbadora porque tem como
finalidade exclusiva retirar a convião, podendo assim colocar-
se a serviço de qualquer causa.
242
Apesar do aumento significativo no número de leitores, na oferta de
obras, na acessibilidade financeira a novos títulos, os católicos mantiveram sua
atitude suspeita até o século XX. Mais do que perder o controle sobre sua
salvão, os católicos leigos leitores estavam possibilitando um rompimento de
um sistema de controle na prodão e distribuição de conhecimentos que havia
sido dominado por séculos pelos religiosos. Outra constante foi a argumentação
maniqueísta sobre os textos produzidos. séculos a Igreja defende que não
existem obras neutras (literatura, jornalismo, ciência, etc.): ou elas defendem a
verdade de Deus (o discurso da Igreja) ou defendem o erro. Os principais
vetores da crise de valores e costumes (e poder!!!) que abalaria o mundo
moderno derivaria, nesta compreensão, de livros e jornais profanos. Filiando-
se
a esta compreensão, o desestímulo aos estudos normais em ambientes tefepistas
coaduna
-se com esta proposta preventiva em relão à leitura, ao contato
com não-membros, ao esmulo das instituições educacionais pelo livre exame,
críti
ca e autonomia da razão. Mas não é só. Ao constranger e desconsiderar a
necessidade de os tefepistas seguirem seus estudos em instituições formais de
ensino e, ao mesmo tempo, apresentar como ideais à causa contra-
revolucionária um rol de obras seletivo, c
onfigura
-se entre os membros como
que uma caixa de ressonância de leituras afins, evitando assim os
inconvenientes das discussões, críticas e da descrea nas verdades da
tradição católica e da própria TFP o que, em última análise, previne também o
afast
amento ou abandono dos membros da entidade. Neste sentido, os
depoimentos de Barreiros, egresso que teve a oportunidade de estudar por
242
CHARTIER, Anne-
Marie.
BRARD, Jean. Os discursos da Igreja. In: Discursos sobre a leitura
1880
-
1980.
São Paulo: Ática, 1995. p. 21.
107
esmulo do então encarregado da sede de Curitiba (algo não comum) e de
Fedeli sobre a aversão dos tefepistas a própria formação religiosa são
exemplares. Relatam os ex
-
membros:
Barreiros:
o encarregado da sede curitibana colocava
em prática um modo de vida que se chocava com o sistema das
outras imeras sedes do Brasil. Por exemplo, ele incentivava os
membros da TFP local a estudar e trabalhar fora, o que era
totalmente contrário ao sistema das outras sedes. Assim, com o
apoio dele, comecei a estudar Jornalismo. (...) Voltei para
Curitiba exatamente no dia 15 de novembro de 1992. (...)
Comecei a estudar em março de 1993, no curso de Jornalismo,
e comecei a trabalhar num jornal, chamado Jornal Indústria &
Comércio
, em maio de 1993. Justificando todo o cuidado que a
TFP tinha em fazer questão que a pessoa não estudasse e não
trabalhasse, a minha saída da TFP acompanhou meu pr
ocesso
de inclusão no mundo, de trabalhar e estudar
243
.
Fedeli:
Dr. Plínio era contra que se fosse ao Seminário.
Na TFP, quem quisesse ir a um Seminário era posto para
fora. Plínio era contra isso de ser padre. Não queria nem que se
estudasse. O jovem que quisesse entrar na TFP era afastado da
família, retirado do trabalho... o podia estudar! Estudando,
ia fazer perguntas, então era preciso que só o Dr. Plínio fosse
fonte de conhecimento.
Era preciso que a pessoa rompesse com tudo e com
todos, que perdesse todos os parâmetros sociais, do tempo e do
espaço... Tirava-se até o relógio dela, não podia ter contato
com ninguém. Então ela não poderia comparar o que se dizia lá
dentro com o que se vivia fora. A TFP era uma caixa de
ressonância em que as emões repercutiam uns nos outros,
então, as repercussões iam crescendo, crescendo, até o delírio.
Do que eles sentem passa a ser a verdade e não tem mais
nenhuma relação com a realidade
244
.
3) Autoridade e Poder
A autoridade, definida como poder estável,
cont
inuativo no tempo, a que os subordinados prestam, pelo menos dentro de
certos limites, uma obediência incondicional
245
,
compreende femenos sociais
243
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado]. p. 03.
244
FEDELI, Orlando. Entrevista sobre a
TFP
[São Paulo], 05 dez. 2005. Entrevista concedida a
Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado]. p. 11.
245
Tal compreensão de autoridade é atualmente questionada pela sua indefinição quanto à
legitimidade do poder. Stoppino complementa que outra concepção, que define autoridade
como um tipo particular de poder, aquele em que a disposição de obedecer de forma
incondicionada se baseia na crea da legitimidade do poder (...) o poder legítimo , é mais
difusa contemporaneamente entre os estudiosos da política. Em nosso trabalho, que contempla
108
variados e difusos em todo o corpo social: poder dos pais sobre os filhos na
família, do mestre sobre os alunos na escola, do chefe de uma igreja sobre os
fiéis na religião, do empresário sobre os trabalhadores na empresa, do chefe
militar sobre os soldados no exército, do Governo sobre os cidaos no
Estado
246
. Neste sentido, a autoridade seria interpretada no
co
nservadorismo
como uma cadeia de hierarquias sobrepostas, que ascenderia de níveis
individuais e temporais e culminaria no sobre-humano, no poder espiritual,
encadeando todos os seus veis com base em verdades atemporais,
teológicas ou históricas. Nesta compreensão, dois elementos se sobrepõem e,
de certa forma, orientam os demais: a idéia de hierarquia (desigualdade) e a
perspectiva tripla com especial acento às organizões intermediárias
(indivíduos, grupos e associações intermediárias e o Estado).
Já o poder, que compreende desde a capacidade geral de agir, até à
capacidade do homem em determinar o comportamento do homem
247
, ou ainda
a oportunidade existente dentro de uma relação social que permite a alguém
impor a sua própria vontade mesmo contra a
resistência e independentemente da
base na qual esta oportunidade se fundamenta
248
, representa a efetivação da
autoridade sobre algm, um grupo, associação, etc. Tratando-se de poder
político, também pode se referir as formas de governo pelas quais um Estado se
organiza. Como destacou o tefepista Fragelli, faz parte do ensinamento
pontifício que as três formas de governo
monarquia, aristocracia e democracia
- são citas em si. A Igreja não se opõe a qualquer forma de governo que seja
justa e atenda ao bem comum. Entretanto, Pio VI, adotando a posão de São
Tos de Aquino, ensina que a monarquia é a melhor entre todas
249
. Deste
a gênese do pensamento conservador e sua dogtica mais difusa, opta pela primeira
definição que compreende a autoridade como poder estabilizado visto que, para muitos
conservadores e contra-revolucionários católicos, o poder deriva do s
upra
-humano, portanto, as
cadei
as de hierarquias seriam modelos de ordenamento concreto moldados conforme a vontade
de Deus e que teria se consolidado no período paradigtico da Idade Média.
STOPPINO,
Mario. Autoridade. In: BOBBI
O, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco (Orgs),
2002. p. 88 e 90.
246
Idem, p. 89.
247
STOPPINO, Mario. Poder. In: BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola.
PASQUINO,
Gianfranco (Orgs), 2002. p. 933.
248
WEBER, Max.
Conceitos básicos de Sociologia.
São P
aulo: Centauro, 2002. p. 107.
249
FRAGELLI, Nelson Ribeiro. Em defesa da ordem social católica.
Catolicismo
, São Paulo,
634, p. 26
-
35. Outubro de 2003. p. 30.
109
modo, a TFP defende que como ideal o regime monárquico. Também se
filiando às teses de São Tomás de Aquino, os tefepistas mantêm-se vinculados
ao discurso tradicional católico que preconiza a união efetiva entre trono e altar,
numa conjugão propícia à manuteão da unidade, da paz e da salvação. A
monarquia, hereditária, estável e duradoura, preservaria de maneira mais
perfeita a
harmonia e a ordem desejadas por Deus. Como relatou Barreiros,
a TFP é monarquista, inclusive os dois primeiros
herdeiros do trono na linha legítima de sucessão, Dom Luiz de
Orleans e Bragaa e o Dom Bertrand de Orleans e Bragaa,
são da TFP. (...)
são
monarquistas
[os membros] porque são
medievalistas: a monarquia é o regime ideal, divino... O rei o é
por direito divino e não decorre da vontade popular, mas da
vontade de Deus. Aquela visão monárquica do catolicismo
medieval, que é o catolicismo da TFP
250
.
Cumpre tamm destacar a destreza do líder da TFP em lidar com o
contexto imediato de atuação dos membros da sociedade. Plínio, ainda que
ardoroso defensor das benesses da monarquia, salienta que embora a
monarquia seja o modo mais perfeito de governar, destaca que sob
determinadas condições históricas outras formas de governo podem ser mais
propícias a um melhor ordenamento do social e que, assim como a monarquia,
a república, a democracia e a ppria ditadura
251
podem representar os bons
valores da doutrina infalível da Igreja quando não servirem de pontas de
250
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
conce
dida a Gizele Zanotto.
251
Plínio distingue entre ditadura revolucionária e contra
-
revolucionária afirmando que
Ela se
uma ou outra coisa em fuão das circunsncias de que se originou, e da obra que realizar. E
isto, quer esteja em mãos de um homem, quer de um grupo. circunstâncias que exigem, para
a
salus popoli, uma suspensão provisória de todos os direitos individuais, e o exercício mais
amplo do poder blico. A ditadura pode, portanto, ser legítima em certos casos. Uma ditadura
contra
-
revolucioná
ria e, pois, inteiramente norteada pelo desejo de Ordem, deve apresentar três
requisitos essenciais: Deve suspender os direitos, não para subverter a Ordem, mas para a
proteger (...). Por definição, esta suspensão deve ser provisória, e deve preparar a
s
circunstâncias para que o mais cedo possível se volte à ordem e à normalidade (...). O fim
prepuo da ditadura legítima hoje em dia deve ser a Contra-Revolução (...). Pelo contrário, a
ditadura revolucionária visa eternizar
-
se, viola os direitos autên
ticos e penetra em todas as esferas
da sociedade para as aniquilar, desarticulando a vida de família, prejudicando as elites genuínas,
subvertendo a hierarquia social, alimentando de utopias e de aspirações desordenadas a
multio, extinguindo a vida real dos grupos sociais e sujeitando tudo ao Estado: em uma
palavra, favorecendo a obra da Revolução .
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 34/35.
110
lança para a Revolão
252
.
Entretanto, tal defesa monárquica tefepista é muito
mais discursiva do que efetiva, visto que o alvo imediato da TFP vincula-se ao
contexto em que atua o que, de certa forma, inviabilizaria uma campanha mais
explícita em prol da monarquia no país. Esta característica também se vincula à
tradição constituinte brasileira que, deste 1891 (art. 90, par. 4º), restringia que
qualquer projeto de alterão do regime político pudesse ser considerado pelo
Legislativo; prerrogativa que foi mantida nas constituões seguintes, conforme
destacou o tefepista Santos:
essa
cusula pétrea
que tinha o efeito ptico de
impedir discriminatoriamente que os monarquistas pudessem se
organizar
e trabalhar pela restauração monárquica por meio de
eleições
foi paradoxalmente mantida pelas Constituições
republicanas de 1934 (art. 178, par. 5º), de 1946 (art. 217,
par. 6º) e 1967 (art. 47, par. 1º)
253
.
Somente a Assembléia Constituinte de 1987 oficializou a revogão da
chamada cláusula pétrea, possibilitando aos monarquistas de todo o país uma
atuação pública mais efetiva, a partir da promulgação da Constituição de 1988.
Outra vitória dos monarquistas, recorda Santos, vincula-se também à atuação
do
deputado Cunha Bueno (PDS/SP)
254
responsável pela proposta anterior -
,
de promover um abaixo-assinado, juntamente com entidades monarquistas de
252
Neste sentido, salientou Armando A. dos Santos: Dr. Plínio dizia que seria uma coisa muito
revolucionária querer fazer uma monarquia na Suíça, por exemplo. cantões puramente
democráticos, outros que são meio aristocráticos, tudo aquilo se formou organicamente ao
longo dos séculos e aquilo funciona bem, não se mexa naquilo que es funcionando bem .
SANTOS, Armando Alexandre dos. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 07 dez. 2005. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto. p.16.
253
SANTOS, Armando Alexandre dos. A legitimidade monárquica no Brasil. São Paulo:
ARTPRESS, 1988. p. 19.
254
Antônio Henrique Bittencourt Cunha Bueno, monarquista, foi eleito para a Assembléia
Constituinte pela legenda do PDS, e destacou-se ao apresentar a proposta do plebiscito para
determinar a forma e o sistema de governo, argumentando que o Brasil vivera seu período de
maior estabilidade sob o regime monárquico. Defendia que neste sistema seria mais difícil
ocorrer a corrupção, visto que o chefe de Estado não estaria comprometido com grupos
econômicos financiadores de campanhas. Na Assembléia Constituinte foi contrário ao
rompimento de relões diplomáticas com pses que praticassem políticas discriminatórias
raciais, à limitação do direito de propriedade produtiva, à legalizão do aborto, à estabilidade
do emprego, ao turno ininterrupto de seis horas, ao presidencialismo, à proibição do co
rcio
de sangue, ao mandato de cinco anos para o presidente José Sarney e à desaproprião da
propriedade produtiva. Defendeu a pena de morte, a pluralidade sindical, a soberania popular
e a nacionalizão do subsolo. ROBERTI, Eurídice. COSTA, Marcelo. Cunha Bueno. In: ABREU,
Alzira Alves de, ... [et al], 2001. p. 870
-
872.
111
diversos estados, solicitando a realizão de um plebiscito que versasse sobre a
forma de governo que a populão considerasse ideal para o país: república
presidencialista, república parlamentarista ou monarquia parlamentarista
255
.
Mas, como destacaram Roberti e Costa, a proposta monarquista defendida por
Cunha Bueno era bastante singular. O deputado defendia uma mo
narquia
moderna , onde o rei exerceria o papel de fiscalizador e moderador. Sua
proposta era inspirada nas monarquias brasileira e espanhola e ainda no
parlamentarismo aleo e defendia que o povo elegeria seus representantes
municipais e estaduais, que por sua vez elegeriam os prefeitos e
governadores
256
.
O plebiscito aconteceu em 21 de abril de 1993 (embora agendado
inicialmente para o dia 07 de setembro de 1993) e revelou, segundo analistas
políticos, o desinteresse e a desinformão dos eleitores sobre o tema, dado o
expressivo número de votos nulos e o elevado nível de abstenção
257
. No entanto,
a compreensão de membros da Casa Imperial do Brasil
Ramo Dinástico de
Vassouras foi diversa (Ver Anexo IV
Quem é quem na Família Imperial). Em
entrevista sobre o tema do monarquismo no Brasil, Dom Bertrand de Orleans e
Bragaa, imediato sucessor do atual Chefe da Casa Imperial, Dom Luiz de
Orleans e Bragança (ambos membros destacados da TFP), salientou que as
os 99 anos em que os monarquistas foram impedidos de representar seus
anseios políticos e dos problemas e desvios surgidos durante o plebiscito, o
resultado mostrou-se expressivo: nós tínhamos contra nós nesse plebiscito
absolutamente tudo. Nós tínhamos toda uma reunião do capital, toda a grande
imprensa,
todos os 99 anos de formação da história, nós nhamos tudo contra
nós e apesar disso nós conseguimos 13% dos votos
258
. Para o príncipe imperial,
alguns fatores tornaram-se obstáculos expressivos para a realização de uma
campanha mais efetiva, justa e repre
sentativa da vontade dos brasileiros:
255
SANTOS, Armando Alexandre dos, 1988. p. 22.
256
ROBERTI, Eurídice. COSTA, Marcelo. Cunha Bueno. In: ABREU, Alzira Alves de, ... [et al],
2001. p. 871.
257
Idem.
258
ORLEANS E BRAGANÇA, Dom Ber
trand.
Depoimento: Movimento Monarquista e TFP
[Florianópolis], 24 set. 2005. Entrevista concedida a Gizele Zanotto. p. 07.
112
em primeiro lugar, faltou tempo para a formação dos
quadros. Faltaram meios econômicos, em segundo lugar. Em
terceiro lugar, na parte da propaganda prevista nas disposições
transitórias da Constituição, sobre o tempo que seria destinado
aos defensores da monarquia parlamentar, da reblica
parlamentarista ou da república presidencialista, nessa
discussão do tempo nos meios de propaganda, nós fomos
cortados. Deu-se o monopólio da propaganda em favor da
monarquia a um deputado que fez um caos, não souberam dar
os argumentos centrais e não apresentaram, na propaganda, a
Dom Luiz como sendo o herdeiro da Coroa. O projeto desse
deputado defendia uma posão verdadeiramente absurda para
quem se dizia monárquico
ele se dizia monarquista mas na
verdade não o era -, então ele dizia que quem deveria
determinar quem seria o rei seria o Congresso; mais adiante,
dizia que, assim como o Congresso pode determinar quem será
o rei, pode também depor o rei, se houver uma
incompatibil
idade deste com o Congresso. Nós respondíamos:
isso não é uma monarquia, é uma ditadura do Legislativo
travestida de monarquia
259
.
De qualquer modo, o fato da mudança da legislão em relação ao
sistema monárquico e a realização de um plebiscito foram em si
significativos
para um país que se quer tolerante e democrático. Tal avalião também é
corroborada por Dom Bertrand, para quem existe um sentimento monárquico
latente entre os brasileiros que, de certa forma, aflorou no peodo de
campanha:
de fato, o plebiscito para nós foi uma grande conquista:
antes do plebiscito, a monarquia era vista, pela maioria dos
brasileiros, como um sonho de algum saudosista, um sonho de
uma noite de veo . Depois do plebiscito, a monarquia passou
a ser vista como uma alternativa para o fracasso da reblica,
e, para um mero crescente, como a grande esperança. E a
partir dcomeçou-se a fazer o que não tivemos condições de
fazer antes, porque era proibido, que é formar os quadros
monárquicos em todo o Brasil.
260
259
Idem, p. 07/08.
260
Ibidem,
p. 07.
113
Neste senti
do, uma avaliação muito interessante de todo este processo foi
efetivada pelo tefepista Santos que, a título pessoal, acompanhou e participou
do processo com a publicação obras sobre a questão monárquica
261
:
vou fazer uma outra consideração que talvez a
sur
preenda. Foi bom ou foi mal? Sinceramente, eu acho que
naquele contexto, com a classe política que nós temos, com as
condições do Brasil atual, se a monarquia tivesse vencido ela
não poderia ter feito pelo Brasil o bem que ela tinha capacidade
de fazer. Talvez tenha sido melhor, para os ideais monárquicos,
que ela tenha tido uma vitória moral, mas não tenha vencido o
plebiscito, porque a Família Imperial do Brasil permanece como
uma espécie de reserva moral da nacionalidade. No futuro -
o
futuro só a Deus p
ertence
- é possível que cheguemos a um
momento em que o Brasil queira, novamente, chamar sua
Família Imperial e talvez seja a hora histórica dela. Em 93 eu
acho que não era o momento
262
.
Sem respaldo popular e legal para uma defesa mais veemente do regime
monárquico
-aristoctico durante quase três cadas de atuação
devido ao
chamado decreto rolha -, a TFP limitou-se a idealizar este sistema de governo e
atuar em prol da manuteão de uma política de privilégios, condizente com os
interesses dos grupos ruralistas e aristocticos que, desde a sua fundação em
1960, participam efetivamente ou através de financiamento das atividades
públicas desenvolvidas pela entidade.
Ressaltamos que, embora a TFP, enquanto entidade, não tenha
referendado o plebiscito ou m
anifestado opção pública por qualquer das formas
e sistemas de governo em questão, muitos membros, a título pessoal,
dedicaram
-se pela campanha em prol da monarquia. Tal decisão, como
destacou Dom Bertrand, refletia um posicionamento anterior acordado com
o
fundador da TFP, visto que a campanha da monarquia tem um objetivo muito
definido, que é a restaurão da monarquia, e a TFP tem um objetivo muito mais
amplo, que é a defesa das instituições sicas de nossa civilização ocidental e
261
São eles: A legitimidade Monárquica no Brasil
(1988),
Ser ou não ser um monarquista
eis a
que
stão!
(1990),
Parlamentarismo, sim! Mas à brasileira: com Monarca e Poder Moderador eficaz
e paternal
(1992),
O Brasil Império nas páginas de um velho almanaque alemão
(1992).
262
SANTOS, Armando Alexandre dos. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 07 dez. 200
5.
Entrevista concedida a Gizele Zanotto. p. 16.
114
cris, que pode-se resumir na defesa da tradição, da família e propriedade
263
.
Deste modo, ficou decidido
que
a TFP, enquanto entidade, não tomou partido,
quer dizer, a TFP é apolítica, ela esteve à margem do plebiscito; mas,
individualmente, vários membros da TFP colaboraram de uma forma ou de
outra
264
.
Nesta mesma direção, o egresso Barreiros também recorda que a TFP é
explicitamente monarquista, que seus membros são ou tornam-
se monarquistas,
mas que um envolvimento da entidade não seria condizente com a própria
proposta
monárquica que adotam. O plebiscito indicava a possibilidade de uma
monarquia parlamentar, mas para a TFP o monarca é monarca por direito
legítimo de sucessão, isso faz parte da lógica da monarquia
265
, portanto, a
proposta em questão o estaria sendo coerente com a verdadeira
monarquia. Interessante mencionar que as adesões de membros à campanha
também ocasionaram certos problemas internos na TFP, que estariam
contrariando suas funções e objetivos declarados, principalmente porque
muitos
dos membros que participaram da campanha eram vistos como pessoas que
estavam querendo a conquista do poder, enveredando por um quase
partidarismo político que equivalia a se inserir dentro da sociedade
revolucionária, mais ou menos isso
266
. Portanto, apesar de inúmeras a
desões
pessoais à campanha pró-monarquia de 1993
e dos eventuais problemas
decorrentes
-, a TFP se eximiu de um compromisso formal com o processo.
Como destacou Barreiros, a TFP é monarquista, mas
daí a transformar essa ideologia monárquica numa ação
p
olítica é outra história, do ponto de vista de ação oficial da TFP
nunca houve nada de envolvimento institucional da TFP, claro
que não, a TFP não ia se engajar numa campanha política
fadada ao fracasso, ela jamais faria isso, não ia jogar suas
fichas, seu
prestígio institucional naquilo.
267
263
ORLEANS E BRAGANÇA, Dom Bertrand. Depoimento: Movimento Monarquista e TFP
[Florianópolis], 24 set. 2005. Entrevista concedida a Gizele Zanotto. p. 09.
264
SANTOS, Armando Alexandre dos. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 07 dez. 2005.
Entrevista concedida a Gizele Zanotto. p. 15.
265
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado]. p. 11.
266
Idem, p. 12.
267
Ibidem, p. 11.
115
4) Liberdade e Desigualdade
A idéia de liberdade, vinculada a de
igualdade, defendida pelos revolucionários franceses difere fundamentalmente
da formulação conservadora elaborada para contrapô-la, ne-la e
deslegitimá
-la. Para os conservadores uma incompatibilidade essencial entre
liberdade e igualdade que decorre das suas diversas finalidades: a liberdade
visa a proteção do indivíduo e da propriedade da família (considerando os bens
materiais e imateriais), já a igualdade teria por fim a redistribuição ou
nivelamento dos valores imateriais e materiais de uma comunidade
268
. Neste
sentido, recorda Mannheim, surgiu uma necessidade política que instigou os
conservadores a desenvolverem um conceito pprio de liberdade, vi
sando
contrapô
-lo ao dos liberais e desvinculá-lo da idéia absurda de igualdade,
assim descrita pelo autor:
a oposição contra-revolucionária tinha um instinto
suficientemente lúcido para não atacar a idéia de liberdade
como tal; ao invés disso, eles se concentraram na idéia de
igualdade que estava por trás dela. Os homens são
essencialmente
desiguais,
eles sustentam, desiguais em seus
dotes naturais e habilidades e desiguais até o mais profundo
cerne de seus seres. A liberdade, portanto, só pode consistir na
habilidade de cada homem de se desenvolver sem
impedimentos ou obstáculos de acordo com as leis e princípios
de sua própria personalidade.
269
A noção de liberdade dos conservadores irá retomar a noção de
desigualdade natural entre os seres, salientando que a idéia de igualdade é
antagônica a realidade empírica, portanto, carente de legitimidade. Para o
pensamento conservador, a hierarquia e o consenso funcional são tidos como
vitais para a liberdade e a ordem, especialmente tendo em vista o importante
papel delegado às associações intermediárias, valiosas como grupos
mediadores e estimuladores dos indivíduos e, especialmente, como ra-
choques contra o poder do Estado. Visto a considerão enfática de que a
hierarquia nunca seanulada pela lei (que incorpora elementos das teses do
268
NISBET, Robert, 1987. p. 83.
269
MANNHEIM, Karl, 1981. p. 116.
116
efeito perverso, da futilidade e da ameaça analisadas por Hirschman
270
), o
resultado de um esfoo estatal em prol do nivelamento social te como
conseqüência
funesta
o resultado oposto ao esperado: a anulação da
divers
idade cultural, social, psicológica e sócio
-
ecológica de um povo
271
.
Os tefepistas defendem a premissa cris do criacionismo. Baseados
nesta crea apóiam e defendem a desigualdade social como proteção à
própria obra divina que, segundo a tradição católica é hierárquica. Cada reino
da crião (mineral, vegetal, animal, humano, angelical) é desigual do outro, e
em cada reino existem proporcionadas desigualdades entre seus
elementos/entes. Entretanto, seria inerente aos seres humanos a exisncia de
duas esferas distintas e complementares: na primeira esfera considera-se que
todos somos iguais porque temos a mesma natureza
animais racionais -
,
também
porque criaturas de Deus, dotadas de corpo e alma, e remidas por
Jesus Cristo
272
; e na segunda, todos somos n
aturalmente diferentes pela virtude,
intelincia, saúde, capacidade de trabalho, etc., ou seja, pelos acidentes
(qualidades). Os filhos de Deus recebem capacidades diferenciadas porque tal
estratificação social esnos planos da Providência como meio de promover o
progresso espiritual e material da humanidade pelo esmulo aos melhores e mais
capazes
273
.
Seria, portanto, desta igualdade fundamental que derivariam os
direitos naturais: vida, honra, condições de exisncia suficientes, trabalho,
propriedade
, constituição de família e sobretudo ao conhecimento e prática da
verdadeira Religião
274
. Suas conclusões, baseadas também em documentos da
Igreja, são de que a desigualdade é uma lei da natureza e deve não só ser
valorada como protegida, visto que, segundo a compreensão tefepista, a idéia
270
Conforme definição do autor: De acordo com a tese da
perversidade
, qualquer ão
proposital para melhorar um aspecto da ordem econômica, social ou política só serve para
exace
rbar a situação que se deseja remediar. A tese da
futilidade
sustenta que as tentativas de
transformação social serão infrutíferas, que simplesmente não conseguirão deixar uma marca .
Finalmente, a tese da
ameaça
argumenta que o custo da reforma ou mudaa proposta é alto
demais, pois coloca em perigo outra preciosa realização anterior . HIRSCHMAN, Albert O.
A
Retórica da Intransincia: Perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo: Companhia das Letras,
1992. p. 15/16.
271
NISBET, Robert, 1987. p. 93/94.
272
MAYER, Antonio de Castro. SINGAUD, Geraldo de Proea. OLIVEIRA, Pnio Corrêa de.
FREITAS, Luiz Mendonça de. Reforma Agria: Questão de Consciência. 4ª edão. São Paulo:
Editora Vera Cruz, 1962. p. 64.
273
Idem, p. 65.
274
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de
, 1998.
p
. 67.
117
de igualdade decorre das delerias paixões desordenadas, portanto, é um
impulso maligno da própria Revolão que a Contra-
Revolução
a TFP -
visa
combater:
o orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à
afirm
ação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os
planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e
religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução
275
.
Consoante a esta proposta hierquica e elitista, entre fevereiro e abril de
1956 o mensário de cultura e atualidades
Catolicismo
(grupo pré-TFP) publicou
excertos de alocões de Pio XII
276
com comentários de Plínio Corrêa de
Oliveira, artigos que, ampliados e atualizados, foram reunidos na obra
Nobreza
e Elites Tradicionais Análogas nas A
locuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza
Romana
(1993) e amplamente difundida pelas TFPs. Embora os textos se
remetam ao contexto original de publicação, sua atualização, a publicão no
icio dos anos 90 e sua ampla difusão indicam a constância e i
mportância
deste pensamento entre círculos leigos, eclesiásticos e da nobreza. O autor inicia
o texto com a apresentação de uma premissa que norteará toda a obra, apesar
do impacto
positivo ou negativo - que causa aos seus leitores. Trata-se da
contunden
te opção preferencial pelos nobres . Seu argumento é de que,
apesar do aparente sarcasmo que possa haver entre esta premissa e a opção
preferencial pelos pobres ,
275
Idem, p. 13/14.
276
Durante seu pontificado, Pio XII (1939-1958) resgatou e consolidou para a doutrina católica
o princípio de que qualquer sociedade autenticamente cristã deve ser encimada por elites,
categoria que tem uma missão capital, pela ão e exemplo, na modelagem do espírito, da
cultura e da índole das instituições, leis e costumes. Entre 1940 e 1952, e ainda em 1958, o
pontífice proferiu 14 alocões de felicitações pela passagem de ano ao Patriciado e à Nobreza
romana, categoria social aristocrática que, afora a extião de tulos de nobreza pelas
consecutivas Constituições Italianas promulgadas a partir de 1947, conservou seu valor devido
ao
Tratado de Latrão, assinado no ano de 1929 e que, em seu artigo 42, garantia ao Papa o
direito de continuar a conferir tulos nobilrquicos assim como mantinha vigentes os já
outorgados pela autoridade pontifícia. Segundo nosso levantamento, em linhas gerais as 14
alocões de Pio XII contemplam os seguintes temas: a) contexto desolador e preocupante
da
guerra mundial em curso; b) dever das classes nobres em auxiliar na obra de reconstrução do
pós
-guerra; c) superioridade da herança espiritual sobre a material que a nobreza herda de
seus antepassados; d) direitos e especialmente deveres que a titulaçã
o da nobreza lega aos seus
membros; e) fidelidade ao pontificado; f) chamado para que sejam verdadeiras elites na
situação contemporânea; g) impossibilidade de refugiarem-se dos problemas presentes pelo
abstencionismo, deseão, indiferea e/ou omissão; h) dever de unir tradão e progresso; i)
contrariedade ao esrito de casta (isolacionismo); e, sobretudo, j) a missão de servir inerente à
condição de nobres e patrícios. Ver:
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1993.
118
essa antítese entre nobres e pobres tem cada vez menos
razão de ser, se se considera a pobreza que vai atingindo
gradativamente um mero maior de nobres (...). E o
nobre
pobre
encontra
-se em situação mais constrangedora do que o
pobre o nobre. Pois este último, pela própria limitação das
suas condições, pode e deve despertar e pôr em acção o senso
de justiça bem como a generosidade do próximo (...), o nobre,
pelo próprio facto de ser nobre, tem razões para deixar de pedir
auxílio. E prefere esconder o seu nome e a sua origem, quando
não tem remédio senão deixar transparecer a sua pobreza. É
o
que, em linguagem expressiva, se chamava outrora a "
pobreza
envergonhada
277
.
Plínio acredita que os nobres, pelas circunstâncias de sua vida, têm
deveres árduos a cumprir, deveres que, se exercidos em consonância com a
tradição, refletir-
se
-ão positivamente em todo o corpo social, do mesmo modo
que sua pobreza poderá incidir direta e negativamente na sociedade em que
estão inseridos pela incapacidade da realização de sua missão, perene e
universal, e destaca, A ordem social, para existir, tem como condição que a
cada classe seja reconhecido o direito àquilo que lhe cabe para subsistir com
dignidade , e complementa, e que cada uma, respeitada nos seus direitos
específicos, se ache habilitada a cumprir os deveres que lhe competem em ordem
ao bem comum
278
.
Também reforça que a opção preferencial não significa uma
opção exclusiva ou excludente, como afirmou o próprio João Paulo II, de modo
que a eleição de um ou outro grupo para ser contemplado com a caridade
criso elimina a possibilidade de que outro também o seja. Por fim, torna a
reiterar que
na nossa época, na qual o necessária se tornou a
opção preferencial pelos pobres, também se faz indispensável
uma
opção preferencial pelos nobres
, desde que incluídas nesta
expressão também outras elites tradi
cionais expostas ao risco de
desaparecimento e dignas de apoio
279
.
Após esta apologia ao auxilio e à revalorização dos nobres como
elementos imprescindíveis para todas as sociedades, o autor dedica-se a
277
Idem, sem página.
278
Ibidem, 26.
279
Ibidem, p
. 27.
119
apresentação e análise de excertos das alocões de Pio XII, a apresentação da
nese da nobreza européia e a descrição da formação orgânica das elites
tradicionais análogas à nobreza em pses sem passado nobiliárquico -
embora, como o próprio pontífice reiteradamente destacou, existiram desvios e
exceções não raras de degradação moral e cultural entre muitos de seus
membros. Segundo Plínio, as 14 alocões contêm um forte apelo para que
fossem preservadas as aristocracias em todas as sociedades, visto serem estas
indispensáveis ao reto progresso em todos os
ramos de atividade, e enfatiza:
o nexo
particularmente vigoroso e próximo
da
finalidade de uma classe social com o bem comum regional ou
nacional; a disposição distintiva dos membros desta classe a um
desprendido holocausto de direitos e de interesses em favor
desse bem comum; a verdadeira excelência do que os
componentes dessa classe realizam nas suas actividades
habituais; a conseente e exemplar elevação de padrão
humano, moral e social dos seus membros; um correlato teor de
vida proporcionado pela especial consideração com que o trato
social corrente lhes agradece tal dedicação ao bem comum; e
por fim as condições econômicas suficientes para conferir realce
adequado a todo o conjunto desta situação, tudo isto, enfim,
constitui uma série de fatores cuja feliz convergência propicia a
formação de novas modalidades de nobreza
280
.
Plínio sublinha constantemente a atualidade da discussão promovida pelo
pontífice, visto que o deperecimento e mesmo o desaparecimento das elites
tradicionais é considerada como uma das principais causas da caótica situação
contemporânea. Filiando-se à doutrina tradicional da Igreja, Plínio retoma a
representação do Corpo Místico de Cristo, na qual as sociedades são tomadas
como similares a um corpo humano, onde órgãos desiguais em importância e
funções trabalham juntos para que o todo se mantenha. Como um corpo,
óros vitais e periféricos conjugam-se e evidenciam a necessidade e a
importância de cada um para garantir vitalidade e sobrevivência do todo. Esta
representação é retomada constantemente por católicos e políticos para indicar
a fonte do poder e de decisão, a necessidade de harmonia e unidade social,
bem como para reforçar a concepção jusnaturalista da desigualdade natural
e
por conseqüência social - entre os homens. É a partir desta compreensão
280
Ibidem, p. 149.
1
20
organicista de sociedade que sua obra será embasada, indicando, segundo
Fragelli,
rumos para uma auntica restauração da Civilização Crisem nossos
dias
281
, e opondo-se à compreensão conflitiva da luta de classes, tão
propala
da neste século XX e combatida pela doutrina social católica tradicional
que preconiza a desigualdade natural entre os homens, a possibilidade de
ascensão natural pela capacidade e trabalho e a harmônica relão entre as
diversas classes. Para Dom Luiz de Orleães e Bragaa, Pncipe Imperial do
Brasil, esta é uma marca comum de toda a obra de Plínio, visto que
ele não vê na linha demarcatória entre nobreza e povo
uma zona de conflito. Muito pelo contrário, mostra-nos a
nobreza histórica, militar e agrícola como alto e puro cume da
organizão social, não, porém, como um cume inacessível.
Apenas como um píncaro habitualmente difícil de alcaar, por
estar na natureza das coisas que tal ascensão só se obtenha
pelo mérito
282
.
Plínio também destaca que em país
es sem passado nobiliárquico, como o
nosso, nobrezas de fato formaram-se organicamente, imprimindo às atividades
por eles realizadas traços morais, culturais e sociais concordes com a doutrina
da Igreja. Inicialmente elementos da nobreza portuguesa foram enviados pela
coroa para dirigir o povoamento e a colonização; a estes foram somando-
se
líderes locais, em geral proprietários que, com o passar dos anos, teriam
formado uma nobreza da fato, a chamada nobreza da terra, na colônia
brasílica. Esta nobreza da terra, por sua vez, teria se notabilizado
como a
nobreza euroia - pelo vínculo indissolúvel à fé católica e pelos feitos militares
contra os invasores estrangeiros, sofrendo - como a elite primeva -, constantes e
ininterruptas ampliões de novos elementos que se integravam natural e
harmonicamente à elite p-existente: governadores, donatários, capitães,
desbravadores do território, senhores do ca, etc. Para Plínio, entre todos estes
representantes da aristocracia nacional a nota comum com a essência da
própria nobreza esteve presente: a dedicação altruísta ao bem comum. Além
281
FRAGELLI, Nelson Ribeiro. Em defesa da ordem social católica.
Catolicismo
, São Paulo,
634, p. 26
-
35. Outubro de 2003. p. 26.
282
ORLEAES E BRAGANÇA, Dom Luiz de. Precio do Príncipe D. Luiz de Orleães e Bragança
Chefe da Casa
Imperial do Brasil. In: OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1993. p. 21.
121
deste elemento, a capacidade de mando, a propulsão para o progresso
material e espiritual, o refinamento das maneiras, a religiosidade, a educão e
a valorizão da cultura também forjaram a nobreza da terra. Esta situação de
liderança político-cultural da aristocracia rural manteve-se proeminente até a
Revolão de 1930 quando, segundo Pnio, foram extintas as elites tradicionais
no Brasil. Embora seu poder político tenha se mantido e sua liderança
legitimada pela escolha popular via voto, a ausência e/ou ircia das elites
tradicionais análogas seria uma das principais causas da situão deletéria que
assola o país nos campos cultural, social, político e religioso, visto que,
conforme sua compreensão ornica de sociedade, ao país que se extinguirem
as elites sucede, em pouco tempo, exatamente o mesmo que a um corpo do qual
se corta a cabeça
283
, ou seja, padece e morre
.
Esta compreensão ornica estabelece uma diferencião entre os que
mandam e os que obedecem, os que decidem e os que executam, os que
governam (minoria) e os que são governados (maioria)
princípios sicos da
teoria das elites, desenvolvida como tese científica a partir do final do século XIX
pelos italianos Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923). A
teoria das elites se firmou como uma crítica às idéias democticas e socialistas
que se difundiam com ampla repercussão no período como um ato intencional
de seus dois elaboradores para utilizá-
la
na competição política e social,
entretanto a teoria teve seu período áureo com os regimes totalitários, na
primeira metade do século XX
284
. Conforme destacou Grynszpan em estudo
sobre a sociologia histórica da teoria das elites, seu argumento principal era
de
que em qualquer sociedade, qualquer grupo, em qualquer época e lugar,
sempre haveria uma minoria, uma elite que por seus dons, compencia ou
recursos se destacava e detinha o poder, dirigindo a maioria. Esta seria uma lei
sociológica inexorável que nem o mecanismo do sufrágio universal seria capaz
283
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. SOLIMEO, Gustavo Antonio. SOLIMEO, Luiz Sérgio. As CEB s...
das quais muito se fala, pouco se conhece
A TFP as descreve como são.
6ª edição. São Paulo:
Vera C
ruz, 1983. p. 17.
284
No século XX a teoria das elites também retomada pelo alemão Roberto Michels (1876-
1926), também considerado um dos seus fundadores, pelo espanhol José Ortega y Gasset
(1883
-1955), muito interessado pelo tema das massas, e pelos norte-americanos Harold D.
Lasswell (1902-1978), Abraham Kaplan (1918-1993), James Burnham (1905-1987), Charles
Wright Mills (1916
-
1962), entre outros, gerando inúmeras críticas de seus opositores.
122
de romper. Ao contrário, o sufrágio universal e os princípios nos quais se
apoiava (igualdade dos homens e soberania da maioria) produziam uma
legitimação do mando da minoria, cujos desígnios passavam então a
ser aceitos
como expressão da vontade autônoma da maioria. O autor complementa que
na visão dos autores e comentadores contemponeos, o que o elitismo visa
demonstrar é que qualquer sistema político é dirigido por minorias, e que a
democracia se distingue das demais formas de governo por ter no poder não
uma elite fechada, cristalizada em um só grupo que se reproduz internamente,
mas sim aberta, renovada por meio de um processo de livre concorrência pelos
votos do eleitorado
285
. Afora as peculiaridades de cada concepção desta teoria
pelos vários teóricos que a elaboraram/reelaboraram, a crea de que sempre
vai haver desigualdade na sociedade, em especial a desigualdade política e de
que sua contestação é o principal sinal da crise do mundo contemporâneo é
um
a constante, como ressaltou Norberto Bobbio
a teoria das minorias governantes caminha pari passu
com uma concepção essencialmente desigual da sociedade,
como uma visão estática ou inteiramente cíclica da história, com
uma atitude mais pessimista do que otimista da natureza
humana, com uma incredulidade quase total em relação aos
benefícios da democracia, com uma crítica radical do
socialismo, como criador de uma nova civilizão, e com uma
desconfiaa que se aproxima do desprezo pelas massas
portadoras d
e novos valores
286
.
Cabe ainda mencionar que a teoria das elites se conjuga com a
chamada tese da futilidade, uma arma retórica do arsenal reacionário que
afirma que qualquer tentativa de mudança é abortiva, pois de algum modo toda
mudança é, foi ou será, em grande medida, de fachada, ilusória, pois as
estruturas profundas da sociedade permanecerão intactas
287
. Aplicando a tese
da futilidade ao tema das mudanças em direção à ampliação da participação
política das massas com a implementação de uma democracia a
mpla
-
onde
285
GRYNSZPAN, Mario. Ciência, política e trajetórias sociais: Uma sociologia histórica da teoria
das elites.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. p. 11/12.
286
BOBBIO, Norberto. Teoria das Elites. In: BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola.
PASQUINO, Gianfranco (Orgs). Dicionário de Política. 12ª edão. Vol. I. Brasília: Editora da
UnB, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 387.
287
HIRSCHMAN, Albert O, 1992. p. 43.
123
deveres e direitos seriam iguais para todos , seria mera ilusão, visto que o
passariam de propostas enganadoras, já que a democracia também estará
assentada sobre uma hierarquia que se formae se perpetuará geração após
geração, mantendo o controle do poder político sob seu restrito e exclusivo
domínio. E mais, havendo uma alteração revolucionária do controle do poder
político, outra elite se consagrará como governante, mantendo sempre presente
uma hierarquizão nas posões de mando que serão pouco acessíveis a
massa da população, pois, tal circulação é elemento constituinte do próprio
elitismo (segundo a teoria da circulão das elites de Pareto, nas sociedades
humanas as aristocracias só podem se manter à custa de uma renovão
constant
e, incorporando indivíduos das classes inferiores que mais se
distinguem
288
).
5) Propriedade e Vida
Nisbet salienta a marcante presença, no ideário
conservador, das concepções romana e feudal de propriedade: ela é
considerada, acima de tudo, como condiçã
o de humanidade e superioridade do
homem em relação ao mundo natural
289
.
Os conservadores também retomam o
discurso do direito natural à propriedade, que por extensão seria um direito de
garantia da ppria vida, pela relação entre terra, trabalho, produção,
sustento,
excedente, capital
290
. Neste sentido, também os tefepistas definiram como
288
GRYNSZPAN, Mario, 1999. p. 161.
289
Conforme destaca o autor: Toda a essência da perspectiva conservadora sobre propriedade
e da componente fortemente rom
ano
-feudal dessa perspectiva, encontra-se, evidentemente, nos
costumes e leis de primogenitura e morgadio. Ambas eram destinadas a proteger o carácter
familiar
de propriedade, a impedir que se tornasse na possessão, incerta e possivelmente
transitória, de um só indivíduo. Quase tudo na lei medieval sobre a família e o casamento,
incluindo a severa ênfase posta na castidade da mulher, o castigo terrível que podia ser imposto
ao adulrio pela esposa, veio de uma revencia quase absoluta pela propriedade, pela heraa
legítima da propriedade .
NISBET, Robert, 1987. p. 98.
290
Tal compreensão também apresenta um patente parentesco cultural com as teses liberais.
Segundo Macpherson, entre os preceitos defendidos por Locke em prol de uma justificação
também moral da aproprião individual e da possível riqueza decorrente de tal aproprião,
são destaques a compreensão da propriedade como decorrente do direito natural, o direito
legítimo de apropriação ilimitada de terras em sociedades que fazem uso do dinheiro e a
compreensão do próprio dinheiro e do trabalho humano como mercadorias (passíveis de troca).
A base deste pensamento liberal estaria assentada no que Macpherson denominou de
qualidade possessiva , ou seja, na conceão de indivíduo como sendo essencialmente o
proprietário de sua própria pessoa e de suas próprias capacidades, nada devendo à sociedade
por elas. O indivíduo não era visto nem como um todo moral, nem com parte de um todo social
mais amplo, mas como proprietário de si mesmo. A relação de propriedade, havendo-se tornado
para um mero cada vez maior de pessoas a relação fundamentalmente importante, que lhes
determinava a liberdade real e a perspectiva real de realizarem suas plenas potencialidades, era
vista na natureza do indivíduo. Achava
-
se que
o indivíduo é livre na medida em que é proprietário
124
argumentos principais em suas obras anti agro-reformistas que: a) a
propriedade privada se constitui em elemento necessário da ordem natural
posta por Deus, estando assegurada no 7º e 10º Mandamentos
Não
furtarás
e
Não cobas as coisas alheiras ; b) Este direito confere ao homem
a faculdade de se apoderar de forma legítima de coisas o possdas, que são
naturalmente do primeiro ocupante
direito de ocupação; c) O direito de
propriedade tamm decorre do trabalho. Dono de si, o trabalhador é
naturalmente dono de sua inteligência e do que seus bros produzem, e tem o
direito a uma compensação proporcionada pelo que produza a terceiros, ou
seja, o trabalhador faz jus àquela remunerão da qual se torna dono; d) O
direito de propriedade não pode ser extinto pela ação do Estado, pois não é sua
concessão. O direito de propriedade provém da ordem natural das coisas
criada por Deus, anterior ao Estado e da qual o próprio Estado deriva; e) A
desaproprião só é legítima quando o bem comum exige considerando os
direitos inerentes ao de propriedade para sua expropriação (pagamento prévio
integral, justo, em espécie); f) O direito de propriedade importa no direito de
alienar o bem (doar ou vender) e, como o filho é carne da carne e sangue do
sangue de seus pais, é maximamente direito destes doar seus bens a seus filhos.
Ou de deixar a estes por sucessão hereditária
291
.
Segundo a argumentação dos membros da TFP
explicitamente
embasada em elementos do discurso tradicional da Igreja -, é evidente que
todos m direito à vida, integridade física, usufruto de condições de exisncia
suficientes, dignas e estáveis. Também é justo que os mais aptos e capazes
tenham mais devido às suas disposições individuais. Desta desigualdade natural
de sua pessoa e de suas capacidades. A essência humana é ser livre da dependência de vontades
alheias, e a liberdade existe como exercício de posse. A sociedade torna-se uma porção de
indivíduos livres e
iguais, relacionados entre si como proprietários de suas próprias capacidades e
do que adquiriram mediante a prática dessas capacidades. A sociedade consiste em relações de
troca entre proprietários. A sociedade política torna-se um artifício calculado para a proteção
dessa propriedade e para a manuteão de um ordeiro relacionamento de trocas . Segundo a
compreensão do autor, esta qualidade possessiva teria legado à sociedade de mercado do
século XVII sua força, mas significaria a origem de sua fraqueza no século XX. MACPHERSON,
Crawford Brough
.
A teoria política do Individualismo possessivo de Hobbes até Locke. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 15.
291
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de & CAMPO, Carlos Patrício del. A Reforma Agrária socialista e
confiscatória.
A propriedade privada e a livre iniciativa, no tufão agro-
reformista.
2ª edição.
São Paulo: Editora Vera Cruz, 1985. p. 20.
125
entre os homens, decorre o princípio blico de que devemos amar ao próximo
como a nós mesmos. Quem ama o pximo sofre com a desigualdade que é
injusta, portanto, os cristãos praticam a caridade e auxiliam os que pouco tem
para sobreviver. Mas se temos o suficiente para viver e recebemos a justa
remuneração pelo nosso trabalho, o temos o direito de deplorar o que as
demais famílias têm a mais, que isto incorreria nos pecados do orgulho e
inveja, além de ferir o mandamento de Deus que preconiza a o cobiça às
coisas alheias. Portanto, asseveram os tefepistas que legitimidade na
diferea de classes nos planos econômico e social, de que existem
possibilidades de cada um ter uma exisncia digna e plenamente humana com
as condões que lhe são pprias e, por fim, de que o bem do país passa pela
necessidade de que esta desigualdade seja comedida e harmônica
292
. Na sua
compreensão, as desigualdades que não prejudiquem os direitos à digna
exisncia do p
róximo
devem ser reconhecidas por legítimas, e aprotegidas
pela lei, já que a hierarquia social é válida e mesmo necessária ao bom
funcionamento do corpo social. Em sua argumentação a propriedade comporta
uma função social, mas somente em casos especiais, que o direito à vida de
alguns se sobrepõe ao direito de propriedade dos outros. Mas, afora tais casos,
o direito natural de propriedade é legítimo e soberano as decisões estatais.
E
apelando à caridade cristã, asseveram que os proprietários também t
êm o dever
de caridade, portanto, devem se antecipar e auxiliar o pximo por amor,
evitando, desta forma, que a justa tenha de desempenhar o confisco de terras
para que os pobres possam garantir sua sobrevivência. Quanto ao tema dos
miseráveis e indigentes, os argumentos tefepistas e conservadores se
aproximam, salientando a importância da caridade e assistência cristãs e dos
corpos intermediários dedicados a minorar ou solucionar seus problemas.
Segundo Nisbet:
existem grupos, a começar pela família e incluindo a
vizinhaa e a Igreja, que estão devidamente constituídos para
prestar assistência na forma de auxílio-mútuo, e não como
caridade de altos vôos provenientes de uma burocracia. Tais
grupos são corpos mediadores por natureza; eso mais perto
292
MAYER, Antonio de Castro, ...
[et al], 1962. p. 20.
126
do
indivíduo e, na sua própria força comunal, são aliados
naturais do indivíduo. O objectivo primeiro do governo é olhar
pelas condições de força destes
grupos
, na medida em que, por
força de séculos de desenvolvimento histórico, eles são os mais
aptos a trat
ar com a maioria dos problemas dos indivíduos. Mas
passar por cima de destes grupos por meio de auxílio social
dirigido directamente a uma determinada escie de indivíduos
e
argumenta o conservadorismo
um convite imediato à
discriminação e à ineficácia, e uma maneira implacável de
destruir o significado dos grupos. O desuso e a atrofia aplicam-
se de facto muito bem à evolução social. Lamennais disse-
o
bem: A centralização provoca apoplexia no centro e anemia nas
extremidades. Esta, e muito especialmente nos problemas de
assistência social, tem sido historicamente, e mutatis mutandis
continua a ser, a posição conservadora
293
.
Em defesa da propriedade privada em um contexto de impulso à
legislão agro-reformista por parte do governo brasileiro
neste cas
o
específico referimo-nos ao icio dos anos 60 -, os tefepistas fizeram uso do que
podemos chamar de pedagogia do medo contra as propostas de reforma
agria (imediatamente identificadas com o socialismo/comunismo),
consideradas então como roubo, como um pecado que os cristãos o
deveriam tolerar. O mais interessante nesta situação é que suas atitudes de
amedrontamento foram direcionados não somente aos fiéis, mas também ao
próprio Estado, revelando que os perigos da o divina sobre os pecadores
não
se limita aos defensores do agro-reformismo, pelo contrário, toda a
sociedade seria afetada pelo castigo divino pela sua passividade ou mesmo
omissão em relação ao assunto:
uma lei do Estado que violasse tão frontalmente o
mandamento constituiria um pecado mortal coletivo, capaz de
atrair sobre o País não só as punições temporais (...) como
também e principalmente uma retração das graças de Deus
e,
(...) como no Céu e no inferno não havenações, cumpre que
estas sejam punidas já neste mundo. De onde ser a nação
virtuosa normalmente feliz; e a pecadora, infeliz.
294
Mas, o seria só. Segundo Plínio e Carlos Del Campo, mesmo que o
Estado delegue-se o direito de intervir na propriedade privada, este direito o
293
NISBET, Robert, 1987. p. 105/106.
294
MAYER, Antonio de Castro, ... [et al],
1962. p. 191 e 207.
127
esem acordo com a tradição crise, portanto, não seria válido, visto que,
conforme a doutrina católica o direito de propriedade, em seus vários aspectos
isto é, a propriedade de bens, e dos instrumentos e fatores necessários à sua
produção
não resulta de uma concessão do Estado, mas da ordem natural das
coisas, posta por Deus
295
.
Em suma, não competiria ao Estado conceder ou
espoliar os bens dos cidaos, pois, tal direito esacima de sua alçada, já que
a posse resulta da ordem natural das coisas.
Neste sentido, não apenas o direito
natural
seria golpeado com medidas distributivas ou prejudiciais do direito
natural de propriedade por parte do Estado; a livre iniciativa também seria
violentamente golpeada com a implantação de uma reforma agrária no país.
Para Plínio a livre iniciativa incide no direito de utilizar em seu favor sua
intelincia, sua vontade e sua sensibilidade, portanto, ne-
la, mutilá
-la, criar-
lhe entraves usurpatórios, é tratar o homem parcial ou inteiramente como coisa,
como objeto inanimado
296
. Faoro, também membro da TFP, segue a mesma
argumentação e destaca que de onde se tira a livre iniciativa e a
propriedade
privada
são inevitáveis o desinteresse, a confusão, a discórdia, a estagnação
297
,
em conseqüência, não só a morte da criatividade e iniciativas individuais, mas
a morte econômica do próprio Estado.
Interessante tamm destacar que uma das críticas de que a TFP sofre
refere
-se à sua aproximão com representantes e grupos de poder econômico,
defensores do livre mercado, portanto, do liberalismo econômico. Tal r
elação
acabou tendo sua defesa elaborada pelo sócio-fundador da TFP,
Adolpho
Lindenberg (primo de Plínio Corrêa de Oliveira e, ao que parece, único parente
próximo a integrar os quadros da entidade), proprietário da
Construtora
Adolpho Lindenberg S/A de São Paulo, em obra que analisa a relão entre
católicos e economia de mercado
298
. Embora seja uma publicação independente
295
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de & CAMPO, Carlos Patrício Del. Sou católico: posso ser contra a
reforma agrária? Posso e devo ser contra a Reforma Agrária.
4ª edição. São Paulo: Editora Vera
Cruz, 1982. p. 213.
296
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de
.
Projeto de Constituão Angustia o País. São Paulo: Vera Cruz,
1987. p. 143.
297
FAORO, Alio Guilherme. Reforma Agria: terra prometida , favela rural ou kolkhozes ?
Mistério que a TFP desvenda.
2ª edição. São Paulo: Editora Vera Cruz, 1987. p. 11.
298
A obra foi publicada, até 2002, na Itália, Estados Unidos da América, Portugal e Brasil. A
versão da obra que analisamos não foi publicada pela TFP (que divulga a edição portuguesa), o
nos leva a acreditar que o tema em questão suscita interesse do público leitor em geral, não
128
da TFP acreditamos que ela representa, em grande medida, seu pensamento.
Os temas que a obra aborda referem-se a quatro eixos, dos quais outro
s
seo decorrentes: 1. o direito de propriedade
fundamental para a constrão
de uma sociedade cristã, mas que estaria continuamente sendo objeto de
restrições nos meios progressistas católicos em nome do conceito de justiça
social compreendido de modo abusivo; 2. economia de livre mercado, livre
empresa e capitalismo
com base em contexto jurídico e a serviço da liberdade
humana integral, visto que deles dependeriam, em nossos dias, a elevão do
pado de vida das classes pobres e a obteão dos meios para uma efetiva
assistência aos necessitados; 3. Valorizão da família
célula mater
da
sociedade, que utiliza seus bens conforme suas prioridades mas que, tendo
espírito cristão, auxiliará os necessitados; 4. Apoio aos movimentos que
defendem o livre mercado
tais grupos apresentariam um panorama global de
uma ordem socioeconômica cristã
299
.
Segundo o autor, o objetivo do livro é, primeiro, atrair a ateão dos
católicos de centro para a considerão desapaixonada de realidades
escamoteadas pela imprensa progressista, primeiramente a consideração de
que é uma exigência do esrito cristão o combate a toda forma de carência,
sobretudo moral, mas de modo especial a material. Contudo esta luta é difícil e
dependeria de três fatores fundamentais: espírito religioso, sentimento de
caridade e conscncia social; hábitos de disciplina, trabalho sistematizado e
intenso, de poupança e austeridade nos gastos; respeito à ética, às leis
econômicas, ao direito de propriedade e à liberdade econômica. Em segun
do
lugar, elucidar que só o crescimento com a diversificação das atividades
econômicas poderia diminuir o desemprego. Para Lindenberg, políticas de
pleno emprego revelam-se contraproducentes e os seguro-
desempregos
apenas do círculo de TFPs, entidades co-irmãs e seus simpatizantes. Segundo o site da editora
LTr,
Neste livro, Adolpho Lindenberg faz o balao do debate entre defensores e opositores do
mercado livre. Após a queda do Muro de Berlim, quando ficou patente aos olhos da opinião
blica mundial o fracasso das economias controladas pelo Estado, era de se esperar que o bom
senso levasse as correntes ideológicas opostas ao mercado livre a reconsiderar suas posições e a
valorizar o instituto da propriedade privada e a livre iniciativa, como sustentáculos de uma ordem
socieconômica próspera e verdadeiramente livre. Não foi isso, infelizmente, o que ocorreu .
EDITORA LTr. Disponível em< http://www.ltr.com.br/web/index.htm> Acesso em 18 de
novem
bro de 2006.
299
LINDENBERG, Adolpho.
Os católicos e a Economia de Mercado. Oposição ou Colaboração?
Considerações do bom senso.
São Paulo: LTr, 2002. p. 11/12.
129
tornam
-se demasiado onerosos para o ps, mesmo quando necessários. Por
fim, a terceira considerão se refere a legitimidade dos desveis de renda e
fortuna entendendo que as hierarquias econômicas, ou de qualquer tipo, o
são anômalas, a não ser de uma perspectiva socialista, visto que,
a
essência do
socialismo é a convião de que o conceito de igualdade, em si mesmo, é
superior ao de desigualdade
300
. No entanto, a tese central da obra, decorrente
dos eixos temáticos e das considerações já mencionados, é de que a economia
de mercado, enquanto defensora do direito de propriedade e da liberdade
econômica é condizente com a doutrina católica, que apresenta os seguintes
pontos de consonância (ou afinidade eletiva) com o movimento de liberalização
econômica:
Defesa do direito de propriedade e da
livre
-iniciativa, bem
como do princípio de subsidiariedade.
Liberdade no âmbito econômico para a mais ampla vigência
de suas leis próprias, dissociando assim a economia de
interesses ideológicos de natureza coletivista.
Limitação do papel do Estado na ord
em socioeconômica.
Oposição às reformas estruturais de cunho igualirio
agrária, urbana e empresarial. De modo análogo, oposão
a toda proposta de legislação de natureza confiscatória,
como impostos excessivos sobre lucros, heranças e grandes
proprieda
des
301
.
Tais considerações o invalidam, entretanto, os cuidados que se deveria
ter com os resultados e excessos de uma economia de mercado. O que o autor
defende é que não incompatibilidade essencial entre o catolicismo e o
liberalismo econômico em si, o que o dispensa ateão quanto à sua reta
aplicão. Neste sentido, também a preocupação com os perigos da
globalizão (tamm criticada nos textos que analisam o Fórum Social Mundial
e o Fórum Econômico Mundial
tidas por duas pernas de um mesmo
dragão
internacionalista
302
) e com seus possíveis resultados negativos nos diversos
300
Idem, p. 32.
301
Ibidem, p. 91/92.
302
Ver: LOPES, Gregório Vivanco. URETA, José Antônio. A pretexto do combate à globalizão:
Renasce a luta de classes. Fórum Social Mundial de Porto Alegre, beo de uma neo-
revolução
anárquica.
São Paulo: Ed. Cruz de Cristo Ltda, 2002. / BEMELMANS, Benoit. Duas pernas para
a globalizão andar?
Catolicismo
, São Paulo, nº 603, março/2001. / MARTINS, Bernardo.
Davos X Porto Alegre?
Post Modernidade
, nº 07, s.d. / PENHA, Guilherme da. A moderação e o
130
países: enfraquecimento dos governos locais e refoo dos organismos
internacionais; programas dirigistas e centralizadores; e as ameaças à
identidade cultural. Finalizando nossas considerões, apresentamos, nas
palavras do autor, a argumentação que tenta desvincular o liberalismo filosófico
e moral (condenado pela TFP e pelo catolicismo) do neoliberalismo econômico
(este sim, compavel com a religião). Embora o trecho apresentado a seguir
seja extenso o consideramos fundamental para a compreensão da conformão
deste antagonismo inicial entre liberalismo X catolicismo, e da aceitação dos
seus postulados econômicos como válidos:
denomina
-
se liberalismo a um vasto movimento d
e idéias
filosóficas, religiosas, políticas, sociais e econômicas baseado
nos conceitos do racionalismo continental europeu e do
empirismo inglês do século 18.
Esse movimento considera a razão humana como único
juiz da verdade, e por isso prescinde de quaisquer leis
emanadas de Deus. A razão individual e a razão social seriam
igualmente independentes. Em conseência, os homens
ficariam livres para julgar o que é certo e o que é errado,
agindo exclusivamente de acordo com sua consciência
(subjetivismo), sem levar em conta a verdade nem as normas
objetivas da moral.
A verdadeira liberdade do homem, de acordo com a
moral cristã, no entanto, consiste em agir segundo sua
consciência, retamente ordenada e esclarecida pelos princípios
do Decálogo e da lei natural.
Historicamente, o liberalismo deu origem à Revolução
Francesa. Inspirou seu lema: Liberdade, Igualdade,
Fraternidade. Para os liberais, a liberdade é a anima vitae
do
agir humano. É o valor supremo e deve abranger todas as
esferas da existência, religiosa, moral, política, econômica,
familiar, etc. As limitações a esse sonho quase anárquico só
existiriam na medida em que terceiros se sentissem de alguma
forma lesados.
A liberdade, tal como em geral é concebida pelos
neoliberais, no entanto, se refere mais diretamente àquela que
os homens devem gozar em suas atividades econômicas. Esta
liberdade adquire especial importância pelo fato de as
radicalismo da esquerda de braços dados.
Catolicismo
, São Paulo, 612, dezembro/2001. /
PENHA, Guilherme da. A pretexto do combate a globalização. Renasce a luta de classes.
Catolicismo
, São Paulo, 614, fevereiro/2002. / VIANO, Martin. Luta de classe e autogestão
marxista.
Catolicismo
, São Paulo, 622, outubro/2002. / COSTA, Pedro Oliveira da. Terceiro
Fórum Social Mun
dial.
Catolicismo
, São Paulo, 627, março/2003. / ANTUNEZ, Fernando.
Fórum Social Europeu. Lenine e o enforcamento.
Catolicismo
, São Paulo, 638,
fevereiro/2004. / GUIMARÃES, Gonzalo. V Fórum Social Mundial.
Catolicismo
, São Paulo,
651, março/2005.
131
ideologias socialistas e fascistas pregarem abertamente a
sujeição total das atividades econômicas ao Estado.
Essa acepção, obviamente, não se opõe ao princípio de
que, diante de Deus, todos responderão pela retio de seus
atos, quer na forma como gere seus negócios, ou na maneira
como gasta o dinheiro e socorre os necessitados
. (...)
A condenação do liberalismo religioso, moral, filosófico
e político pela Igreja, bem como o fato de muitos neoliberais
defenderem princípios liberais no terreno da moral, leva muitos
católicos a se posicionarem contra o movimento favorável às
economias livres. Neste livro intentamos desfazer tal equívoco.
Uma coisa não implica a outra.
É verdade que muitos liberais, filosoficamente, são
ardentes defensores das reformas econômicas. Mas isso não
significa, contudo, que os movimentos favoráveis à economia de
mercado, em si considerados, reclamem independência em
relação à valores éticos objetivos.
Portanto, não contradição em que os católicos,
mesmo se conservadores e tradicionalistas, participem dos
movimentos pelas reformas econômicas. Assim agindo, em nada
confundem sua posição filosófica antiliberal. E sempre que
considerarem oportuno, podeo manifestar sua recusa ao
liberalismo filosófico e moral
303
.
Esta defesa do liberalismo econômico tamm foi desenvolvida e
aprofundada em alguns pontos por Agnoli e Taufer em análise intitulada
TFP: la
maschera e il volto
304
que apresenta a dualidade discursiva e prática da TFP e
interessantes evidências da relão da TFP com o neoconservadorismo da
chamada Nova Direita americana, da qual fazem parte membros da monaria
hebraica
Bnai Brith
305
(recordamos q
ue a maçonaria é tida na TFP como a seita
303
LINDENBERG, Adolpho, 2002. p. 98/99.
(grifo nosso)
304
AGNOLI, Carlo Alberto. TAUFER, Paolo.
TFP: La Maschera e il volto.
Roma: Editrice Adveniat,
s.d.
305
A Associão B´nai B´rith tem por objetivos fomentar a evolução espiritual, moral e cultural
de seus sócios, cultivando as ciências e artes, em especial a cultura e tradição judaicas,
praticando e difundindo os princípios mais puros de filantropia, da honra e da beneficência, de
aliviar as angustias dos pobres e indigentes, de visitar e atender os enfermos, de socorrer as
vítimas das perseguições e de assistir os velhos, viúvas e órfãos. A Associação foi fundada por
doze judeus cuja idade variava de 20 a 30 anos, todos donos de pequenas lojas, em Nova
Iorque, no dia 13 de Outubro de 1843. Em suas reunes discutiam a deplorável condição dos
judeus nesse novo país adotivo. Decidiram então formar uma organizão que incluiria judeus
de todas as opiniões e de qualquer origem, onde finalmente, poderiam trabalhar para um fim
comum. A B´nai B´rith ao longo do tempo criou Lojas pelo mundo todo atuando hoje em mais
de 51 países. Através de seus membros conseguiu contornar inúmeros problemas relativos aos
judeus em todo o mundo. A B´nai B´rith do Brasil foi fundada em 1932 em função da
imigração de judeus europeus já que esses imigrantes traziam na bagagem, além de
esperanças, uma larga tradão judaica onde a B´nai B´rith ocupava lugar importante. BNAI
BRITH RIO DE JANEIRO. Disponível em < http://www.bbrio.org.br/> Acesso em 18 de
novembro de 2006.
132
mestra entre os agentes da Revolução). Tais evidências poderiam passar por
acusões de ambientes italianos a atuação da TFP, mas o esfoo com que sua
argumentação é construída e referendada com fontes da ppria
TFP,
especialmente da revista
Catolicismo
, denota que tais vínculos não são meras
especulações embora algumas de suas conclusões nos pareçam exageradas,
mas não equivocadas. Os autores, a partir de documentos da própria TFP,
apresentam a participação de Pl
ínio e outros tefepistas em reuniões do Conselho
Diretivo do Fórum de Política Internacional, organizado pela Nova Direito
americana,
realizado na cidade de Dallas/EUA em abril de 1985. Também
mencionam a participão de Plínio Corrêa de Oliveira como membro do
International Policy Forum
306
. Estas informações complementam-se com o
convite, por parte da TFP brasileira e de seu escritório em Washington, para que
expoentes da Nova Direita (Paul Weyrich, Morton Blackwell, Henri Walther e
William Kling) viessem ao Brasil, o que aconteceu em agosto de 1988
307
. Agnoli
e Taufer tamm mencionam a relão próxima entre a TFP e a
Heritage
Foundation
308
, da qual Paul Weyrich fora um dos presidentes, e a qualificam
como uma das principais bricas de idéias conservadoras da
Nova Direita
309
.
6) Religião e Moralidade
Segundo Nisbet, o apreço do conservadorismo
político pela religião, e pela moralidade que deriva de seus preceitos e
doutrinas, está relacionado com seu aspecto institucional, não propriamente
com seu sistema de crenças religiosas e devoções. Os conservadores prezariam
uma religião pública à qual seria devida lealdade e consideração, visto que,
em larga medida, o apoio conservador à religião baseava-se na crea bem
306
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A importância do fator religioso nos rumos de um bloco-
chave
de países: a América Latina.
Catolicismo,
São Paulo, 414, junho/1985. Dispovel em:
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/> Acesso em 10/novembro/2006.
307
CATOLICISMO. D
estacados
líderes do movimento conservador norte-americano visitam a
TFP.
Catolicismo,
São Paulo, 454, outubro/1988. Disponível em:
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/> Acesso em 10/novembro/2006.
308
A
Heritage Foundation
é um instituto de pesquisa de políti
ca pública sediada em Washington.
Sua missão é promover políticas públicas conservadoras baseadas nos princípios da livre
empresa, do governo limitado, da liberdade individual, de valores americanos tradicionais e da
defesa nacional. O instituto foi fundado em 1973, com financiamento inicial do político
conservador Joseph Coors, co-proprietário da Coors Brewing Company e mais tarde de Richard
Mellon Scaife. Paul Weiyrich foi um de seus líderes. Ver: http://www.heritage.org/
309
AGNOLI, Carlo Alberto. TAUFER,
Paolo, s.d. p. 64 a 94.
133
fundamentada de que os seres humanos, uma vez que se libertem da ortodoxia
estão sujeitos a sofrer uma certa perturbão, uma perda de equilíbrio
310
.
Burke dedica parte de suas considerões sobre a Revolão Francesa
defendendo os direitos da Igreja, os benefícios de sua união com o Estado para
o bem
dos cidadãos e do próprio Estado. Sua perspectiva parte da consideração
de que o homem é por natureza um animal religioso e que, portanto, o ateísmo
é contrário não somente à nossa razão mas também aos nossos instintos e,
decorrente disso, não pode prevalecer por muito tempo
311
. Decorre da
compreensão do homem como animal religioso a crea de que a religião teria
se tornado um elemento basilar da própria sociedade, logo, o deveria ser
afastada do poder temporal, expropriada de seus bens e consequentemente
de
sua dignidade, e, por fim, de como a própria consagração do Estado (no caso o
Inglês) exige um culto público que, por si, necessita uma instituição religiosa
para se consolidar. Tais creas conjugam-se com uma declarão enfática de
Burke:
nós sabemos e, o que é melhor, sentimos interiormente que a religião é a
base da sociedade civil e a fonte de todo o bem e de toda a felicidade
312
.
Em sua análise sobre a valorização da religião e da moralidade pelo
discurso conservador, Nisbet sublinha que para os conservadores a religião se
constituiria num pilar de sustentação para o Estado e para a sociedade. Neste
sentido, suas funções principais seriam: primeiro, conferir certo cater sagrado
às funções vitais do governo e ao aparelho político e social como um
todo;
depois, considera-se que uma igreja estabelecida atuaria como controladora do
poder do Estado, de qualquer de suas ões de poder arbitrário (mediador
entre o Estado e a sociedade)
313
. O autor conclui que:
é a religo, como religião
civil
que parece
aproximar
-
se
mais de uma essência comum do credo conservador, religião na
qual um fundo transcendente se manifesta tanto nos trajos civis
como religiosos, e em que os dias de festa mais sagrados
tais
como o Dia de Aão de Graças, o Natal, a Páscoa e o Dia de
Ano Novo
servem igualmente propósitos civis e religiosos
314
.
310
NISBET, Robert, 1987. p.121.
311
BURKE, Edmund, 1997. p. 112.
312
Idem.
313
NISBET, Robert, 1987. p.118/119.
314
Idem, p. 123.
134
Considerando a diversidade de posturas conservadoras existentes,
salientamos que a defesa de uma religo civil ou de uma religião sobrenatural
pelos diversos grupos vincula-se as propostas que cada qual irá defender.
Salvador Giner
que, assim como Burke, defende a tese da exisncia de um
imperativo religioso na vida social
em estudo dedicado ao tema da religião
civil, defende que esta se configura quando o sobrenatural já não é mais t
ido
como capaz de resolver problemas de ordem e governabilidade, destacando
que tal situação pode ocorrer quando a evolão cultural de dada sociedade
conduz a uma crise de credibilidade de seus próprios deuses (no ocidente, tal
descdito ao religioso tem sua nese diretamente vinculada ao período p-
moderno e tem seu momento de destaque com a Revolão Francesa, que
Burke, De Maistre e outros autores tanto combateram). Definindo a religião civil
como um processo constituído por um feixe de devoções populares, liturgias
políticas e rituais públicos destinados a definir e tornar coesa uma comunidade
mediante a sacralização de determinados traços mundanos de sua vida, assim
como mediante a atribuição de carga épica à sua história, Giner a considera
como um dos três elementos principais de legitimação da ordem política
(religião civil, religião sobrenatural e ideologia). O autor defende que a religião
civil foi tomando corpo com a secularizão e o progresso cnico sendo,
portanto, extremamente compatível com os modernos estados pluralistas. Nesse
sentido, também acredita que nossa época anseia por uma religo terrena que
não oblitere as sobrenaturais, escolhidas individualmente pelos cidaos
conforme suas disposões subjetivas ou culturais
315
. Já para os co
nservadores
católicos a iia de uma religião civil como que se dilui nas funções que a
religião católica assumiria, por direito, em dado Estado. Neste sentido, mais do
que auxiliar no ordenamento social, preconizar a ordem, disciplina, moralidade,
respeit
o às hierarquias, estimular o culto público tamm aos atos civis,
consagrar o próprio Estado nacional e seus governantes, a Igreja tamm
desempenharia o papel de legitimadora das autoridades e desigualdades pela
315
GINER, Salvador. La Religión Civil. In: DÍAZ-SALAZAR, Rafael. GINER, Salvador. VELASCO,
Fernando (Orgs).
Form
as modernas de religión.
Madrid: Alianza Editorial, 1996. p. 129
-
171.
135
recorrência à doutrina organicista, bem como pelo vínculo direto da ordem
social com a ordem sobrenatural.
Coerente com esta postura conservadora católica, o discurso tefepista
também preconiza que as benesses da estabilidade, sacralidade, moralidade e
mesmo seguraa garantidas com uma duradoura união entre Estado e Igreja
teriam sido abaladas pelos pprios laivos iniciais da Revolão
316
, ocasionando
uma série infinita de prejuízos morais e religiosos, e em sua esteira, políticos. Tal
compreensão, como já mencionamos no capítulo precedente, é basilar na
argumentação integrista sobre as origens da decadência do áureo medievo
ocidental, portanto, difuso entre grupos católicos diversos, defensores de uma
união entre Igreja e Estado e em decorrência, das benesses temporais e
sobrenaturais de tal vínculo estreito e, espera-se, harmonioso. Esta posição foi
expressa por Pnio Corrêa de Oliveira, ainda como representante do laicato
católico paulista, no periódico
O Século
, em artigo em que diagnostica a origem
das crises no país e tamm durante o IV Congresso Eucastico Nacional, com
seu discurso de saudação às autoridades civis e militares, quando discursou aos
cerca de 500.000 presentes na solenidade realizada no Vale do Anhangabaú,
nos seguintes termos:
o mal de que padecemos tem origem exclusivame
nte
moral. Este é o ponto de partida de todas as nossas
considerações, relativas às crises políticas, econômicas e sociais
que nos assoberbam.
316
O homem, pelas simples forças de sua natureza, pode conhecer muitas verdades e praticar
várias virtudes. Entretanto, não lhe é possível, sem o auxílio da graça, permanecer duravelment
e
no conhecimento e na prática de todos os Mandamentos. Isto quer dizer que em todo homem
decaído sempre a debilidade de inteligência e uma tendência primeira, e anterior a qualquer
raciocínio, que o incita a revoltar-se contra a Lei. (...) Tal tendência fundamental à revolta pode,
em dado momento, ter o consentimento do livre arbítrio. O homem decaído peca, assim, violando
um ou outro Mandamento. Mas sua revolta pode ir além, e chegar até o ódio, mais ou menos
inconfessado, à própria ordem moral em seu conjunto. Esse ódio, revolucionário por essência,
pode gerar erros doutrinários, e a levar à profissão consciente e explícita de princípios
contrários à Lei moral e à doutrina revelada, enquanto tais, o que constitui um pecado contra o
Esrito Santo. Quando esse ódio começou a dirigir as tendências mais profundas da História do
Ocidente, teve icio a Revolução cujo processo hoje se desenrola e em cujos erros doutrinários
ele imprimiu vigorosamente sua marca. Ele é a causa mais ativa da grande apostasia
hodierna.
Por sua natureza, é ele algo que não pode ser reduzido simplesmente a um sistema doutrinário: é
a paixão desregrada, em altíssimo grau de exacerbação. (...) Afirmamos tão-somente que o
processo revolucionário, considerado em seu conjunto, e tamm em seus principais episódios,
teve por germe mais ativo e profundo o desregramento das paixões .
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de,
1998. p. 74/75.
136
Ora, um mal moral, só com um remédio de ordem moral
pode ser curado. Dado que o redio moral por excencia é o
catolicismo, uma solução, e uma única, vemos nós para os
graves problemas com que lutam nossos estadistas: a
recristianização do Brasil.
Daí nossa firme resolução de não encarar nossos
problemas políticos senão pelo ponto de vista estritamente
religioso, f
azendo assim obra de verdadeiros patriotas
317
.
dái a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".
Explorai, Senhores do Poder Temporal, as riquezas de nossa
terra; estruturai segundo as máximas da Igreja, que são a
essência da civilização cristã, todas as nossas instituições civis.
Auxiliai quanto em Vós estiver, a Santa Igreja de Deus e que
plasme a alma nacional na vida da graça, para a glória do céu.
Fazei do Brasil uma pátria próspera, organizada e pujante,
enquanto a Igreja fado povo brasileiro um dos maiores povos
da História. Na harmonia desta mesma obra está a
predestinação de uma íntima cooperação entre dois poderes.
Deus jamais é tão bem servido, quanto se César se porta como
seu filho. E, Senhores, em nome dos católicos do Brasil, eu vo-
lo
afiao, César jamais é tão grande, como quanto é filho de
Deus
.
Nessa colaboração está o segredo de nosso progresso e
nela vossa parte é verdadeiramente magnífica.
Trabalhai, senhores, trabalhai neste sentido. Tereis a
cooperação entusiástica de todos os nossos recursos, de todos
os nossos corações, de todo o nosso fervor. E quando algum dia
Deus Vos chamar à vida eterna, tereis a suprema ventura de
contemplar um Brasil imensamente grande e profundamente
cristão, sobre o qual o Cristo do Corcovado, com seus braços
abertos, podedizer aquilo que é o supremo título de glória de
um povo cristão. Executai o programa de Governo que consiste
em procurar antes o reino de Deus e sua justiça, que todas as
coisas lhes serão dadas por acréscimo
318
.
Embora tais palavras do fundador da TFP refiram-se a contextos
anteriores à própria fundação da entidade, descrevem os elementos basilares de
compreensão entre a relação ideal que deve se estabelecer entre religião,
política e moralidade e são, por isto, retomados pelos tefepistas e republicados
visando sua difusão hodierna
seriam compreensões quase que atemporais,
visto sua verdade intrínseca. Esta sacralizão da política , recorrente na
317
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Excertos: Diagnóstico da crise (trechos de artigo publicado em
O
Século
, Rio de Janeiro, 03/abril/1932).
Catolicismo
, São Paulo, p. 02, novembro de 2006. p.
02.
318
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Saudação às autoridades civis e militares. IV Congresso
Eucarístico Nacional. O Legionário, 07 de setembro de 1942. Disponível em:
<http://pliniocor
readeoliveira.info/discursos.asp/>
137
história de inúmeras sociedades e patente no período do Estado Novo brasileiro,
foi analisada por Alcir Lenharo que, em suas considerões pontuais, tamm
assinalou a importância do que chamou de corpo teológico do poder como
arma retórica de legitimão do governo varguista. Nesta utilizão organicista,
a unidade e o equilíbrio do corpo servem para justificar a fonte do poder (órgão
condutor), bem como para restaurar a integridade com a neutralizão da
diferea e a restituição da totalidade harmoniosa. Destaca o autor: o estudo
do corpo atua como recurso para diagnosticar e medicar a sociedade; quase
sempre visa-se a obteão de métodos políticos apropriados à preservação da
estrutura social tal como se encontra; poucas vezes tem-se em mira transformá-
la
319
.
Lenharo ainda enfatizar as vantagens decorrentes da utilizão do corpo
teológico do poder:
essa doutrina formaliza a criação da imagem mais
acabada de um corpo-totalidade a funcionar como um todo
perfeito e harmonioso; ele guarda duas vantagens comparativas
em relação às imagens organicistas que conhecemos: este
corpo, além de universal, supranacional, é místico, religioso, e,
enquanto tal, não se expõe como passível de objeções críticas à
sua construção assim como dificulta a aproximação dessas
objeções aos possíveis desdobramentos imagéticos, inclusive os
políticos que a do
utrina enseja.
320
Tais considerões também nos remetem aos trabalhos de Marilena
Chauí e de Peter Berger. Este salienta que todos os mundos socialmente
produzidos são precários, portanto, necessitam estratégias para sua
manutenção. Entre estes processos o autor destaca a importância da
socializão (que procura garantir um consenso dos traços mais importantes),
do controle social (que procura conter as resisncias individuais ou de grupos
dentro de limites toleveis) e da legitimão (objetivação do saber
construído
para explicar e justificar a ordem social)
321
. Concluindo, destaca Berger que a
religião é o instrumento mais amplo e mais efetivo de legitimão porque
relaciona com a realidade suprema as construções precárias da realidade
319
LENHARO, Alcir.
Sacralização da Política
. 2ª edição. São Paulo: Papirus, 1986. p. 139.
320
Idem, p. 159/160.
321
BERGER, Peter Ludwig.
O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião.
São Paulo: Paulinas
, 1985. p. 42
138
social
322
. Já Chauí, em análise sobre o retorno do teológico-politico nas
sociedades contemporâneas, destaca que um avanço do religioso o é tão
estranho a forma pós-industrial e neoliberal assumida pelo capitalismo, pois
esta configurão nos confronta com uma nova experiência do espo-tempo e
com a fragmentão que, como contrapartida, acabou por refoar a aspiração
pelo retorno ao tempo santo, contínuo, finalizado e a recusa da racionalidade
moderna do tempo da história e da política. É a partir de tais considerões que
a autora vai interpretar o que considera como fascínio pós
-
moderno pelas idéias
de Carl Schmitt
323
e Leo Strauss
324
que recusam os fundamentos da
modernidade, da Revolução Francesa e do liberalismo. Em seu lugar, os autores
defendem como um antídoto a teologizão da política (muito evidente no
contexto norte-americano, onde estes autores são fundamentais na
sistematização doutrinária e na ptica dos neoconservadores). Charetoma,
por sua vez, o pensamento de Espinosa
325
- que defende que toda teologia é
pol
ítica, portanto, não há como conceber uma política não-
teológica
-
para
contrapor
-se aos defensores de Schmitt e Strauss. Segundo o pensamento de
Espinosa, são as experiências da contingência e do medo os elementos decisivos
para a compreensão da origem e da forma do poder teológico-político. Sua
compreensão é de que o medo e a contingência (pelo desconhecimento, por
parte dos homens, dos fatores de fortuna e de males que os afetam) alimentam
a superstição, a crea em poderes transcendentes e misteriosos, dos quais
nascerá a religião. Os que ambicionam dominar os homens precisam estabilizar
322
Idem, p. 45.
323
Carl Schmitt nasceu na Alemanha, em 1888, e faleceu no ano de 1985. Formou-se em
direito em 1910, ano em que também iniciou suas críticas veementes ao liberalismo e ao
sistema democrático parlamentar, tornando-se, com o tempo, um dos maiores teóricos da
ditadura, do regime de exceção. Participou dos quadros do regime nazista entre 1933 e 1936.
Tributário do pensamento contra
-
revolucionário europeu, teve como maior referência dentre eles
o espanhol Donoso Cortés.
324
Leo Strauss nasceu em Kirchhain/Alemanha, em 1899 e faleceu em Annapolis/EUA em
1973. Fisofo alemão de origem judaica que se refugia nos EUA fugindo das perseguições
racistas. Mais tarde se naturaliza americano. Tem inflncia marcante na vida intelectual
americana
visto que seus seguidores são os elaboradores da doutrina do movimento
neoconservador e que ocuparam e/ou ocupam cargos importantes durante os governos de
Ronald Reagan, George Bush e George W. Bush.
325
Baruch de Espinosa nasceu em Amsterdã/Holanda em 1632. De família judaico-
portuguesa
que se exila na Holanda fugindo das perseguições religiosas. Ganhou fama pelas suas teses
sobre o panteísmo e monismo neutro, e pela sua ética ter sido redigida sob a forma de
postulados e definições. Em 1656 foi excomungado da comunidade judaica pelas críticas à
ortodoxia religiosa. Faleceu de tuberculose em Haia, no ano de 1677.
139
as causas, as formas e os conteúdos do medo e da esperança, e o meio mais
propício para tal estabilização é feita por meio da religião que setanto mais
eficaz quanto mais os crentes acreditarem que sua fonte é a vontade de Deus
revelada a alguns homens sob forma de decretos, mandamentos e leis.
Segundo Chauí:
essa fixação assume a forma de mandamentos ou leis
divinas, que determinam tanto a liturgia, isto é, as cerimônias e
os cultos, como os costumes, os hábitos, as formas de vida e de
conduta dos fiéis. Numa palavra, a revelação determina as
formas das relações dos homens com a divindade e entre si. Por
outro lado, a profecia é tamm a revelação da vontade divina
qu
anto ao governo dos homens: a divindade decreta as leis da
vida social e política e determina quem deve ser o governante,
escolhido pela própria divindade. Em suma, as religiões
monoteístas reveladas ou proféticas fundam regimes teocticos,
nos quais o go
vernante governa por vontade do deus
326
.
Segue Espinosa destacando que as religes reveladas são m
ais
estabilizadoras que as outras, de modo que o monoteísmo é mais potente do
que o politeísmo. Esta poncia pode ainda ser acrescida se as revelões da
von
tade divina tiverem caráter misterioso e forem dirigidas a alguns escolhidos
a profecia. Sendo a vontade divina registrada em textos, que são fontes de
poder, estes se constituem em objetos de disputas e guerra pelo direito legítimo
a sua interpretação (seu conteúdo e seus intérpretes). Nesta disputa surge a
figura do teólogo, que possui um poder para interpretar o poder do deus,
consignado em textos. Visando assegurar durabilidade ao poder político, é
efetuada sua sacralização por obra da teologia, que passa então a deter os
segredos da política. Segundo Cha, captados pela sedução teológica, os
governantes aderem à sacralizão da autoridade política, graças ao cerimonial,
ao segredo, às leis de censura, à posse de exércitos e fortalezas, ao uso da
pri
são, tortura e morte dos opositores
327
.
Neste sentido, a ctica de Espinosa
endossada por Chauí - a este tipo de poder de base teológica tem justamente o
intuito de desatar o laço que prende a experiência da contingência, o
326
CHAUÍ, Marilena. O retorno do teogico-político. In: CARDOSO, Sérgio (Org.). Retorno ao
Republicanismo.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004. p. 118.
327
Idem, p. 120.
140
sentimento do medo, a crea na superstição, o surgimento da religião e de
seus intérpretes autorizados e a legitimação do imaginário do poder derivado
do transcendente
,
e os excessos que tal vínculo pode suscitar.
2.2 A TFP no cenário nacional
O QUE É essa sociedade civil anticomunista, constituída de
católicos apostólicos romanos convictos e praticantes?
O QUE É essa organização que jamais calou nem cedeu
terreno ante as investidas levadas a cabo pela esquerda católica e
pela Teologia da Libertação para a conquista da opinião b
lica
brasileira?
O QUE É essa associão cujos propagandistas, das mais
variadas idades, na sua grande maioria:
Não têm fazendas e são contra a Reforma Agrária;
Não possuem casas ou terrenos e são contra a Reforma Urbana;
Não possuem empresas e são contra a Reforma Empresarial?
Idealismo em forma pura, que se julgava ter desaparecido?
O QUE É essa entidade constituída de pessoas das mais
variadas classes sociais e que se portam com desenvoltura e
cavalheirismo em campanhas nas grandes capitais, e depois não
descuidam de visitar as menores vilas do interior?
Uma organização assim pode ser sumariamente etiquetada
sem ser ouvida? Ou se trata de um fenômeno realmente novo, que
resiste a qualquer tentativa de classificação convencional?
É quase sempre falho tomar uma palavra velha para qualificar a
realidade nova.
Por isso, o melhor é analisar a TFP como ela é: em suas idéias,
em sua atuação, em seus frutos
328
.
O ideal de atuão da TFP é preponderantemente efetivado através da
difusão doutrinária. Seu objetivo é a defesa dos valores católicos ameados
sempre mais pela ação deleria do mundo moderno. Para tanto, a trilogia
que nome à entidade serve de guia prático de atuação, embora seu ímpeto
apostólico não se limite às questões da propriedade privada, da
família
monogâmica e indissolúvel e da tradição católica. Difundindo os valores cristãos
autênticos , crêem os tefepistas estarem realizando sua obra contra-
revolucionária e agrupando forças para uma vitória já prevista
segundo a
mensagem de Nossa Senhora de Fátima Por fim o meu Imaculado Coração
triunfará -
,
das forças do bem sobre as forças do mal. Como já mencionamos,
328
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO FAMÍLIA E PROPRIEDADE.
Disponível em:
<http://www.tfp.org.br/> Acesso em 15/dezembro/2002.
141
o interesse dos membros da sociedade não é conquistar o poder político
329
, o
é dirigir os destinos da nação, mas sim a difusão e defesa dos valores e
preceitos da lei natural e da lei de Deus e do magistério infalível da Igreja,
rumo firme em direção ao que consideram que será o novo apogeu da
civilização cristã.
Neste sentido, as campanhas públicas da TFP são efetivadas
especialmente
objetivando a difusão de obras doutrinárias, cartas pastorais (dos
bispos Dom Sigaud e Dom Mayer, quando ainda membros da entidade),
panfletos explicativos e realização de abaixo-assinados em vias públicas das
grandes cidades do país. Embora a TFP tenha obtido espaço para expor suas
teses em artigos publicados em órgãos de comunicão social conservadores,
as refencias às suas ões geralmente não tiveram muito destaque
exceto
quando das campanhas ruidosas ou polêmicas ou através de incontáveis
matéria
s pagas ou da difusão de pequenas notas para jornais de todo o país,
efetivada pela Agencia Boa Imprensa (ABIM). Deste modo a TFP - que criou um
serviço de imprensa próprio, mas de reduzida abrangência em 1969
-
, atingia o
grande público de maneira direta pela sua atuação nas ruas e com a utilização
de megafones, faixas, slogans e panfletos visando despertar a ateão dos
transeuntes muitas vezes atraídos pelo ruidoso brado: Pelo Brasil: Tradição,
Família, Propriedade
Brasil, Brasil, Brasil! Outra forma de propaganda e
difusão de obras são as caravanas (iniciadas em 1970) que desenvolvem um
apostolado itinerante e abrangente que chega aas cidades mais longínquas
do país, como relatou o tefepista Leo Daniele:
o que é uma caravana? No caso da TFP, um
conjunto em
geral de nove jovens numa caminhonete, sem dinheiro no bolso
mas com muito idealismo, munidos de estandartes, capas e
megafones, a fazer propaganda dos ideais católicos da
entidade pelo Brasil afora. Seu custeio é obtido junto aos
habitantes do lugar visitado, que oferecem refeições,
hospedagem, gasolina e conserto dos veículos, atestando assim
a entusiástica acolhida que elas recebem por toda parte. As
329
Como mencionamos anteriormente, esta premissa, que foi salientada por Armando
Alexandre dos Santos, Tomás Eon Barreiros, Giulio Folena, entre outros, é facilmente percepvel
ao analisarmos a atuação da TFP no campo político, visto que a sociedade se comporta como
grupo de pressão frente aos parlamentares e se afasta de qualquer projeto de constituiçã
o
partidária.
142
caravanas provaram, ademais, o caráter ordeiro e pacífico das
manifestações de rua, pois mais de 4 mil prefeitos e delegacias
de polícia emitiram documentos atestando a correção da
propaganda
330
.
Apesar do impacto destas caravanas nas cidades, especialmente do
interior, por onde passam, acreditamos que o maior impulso de suas iniciativas
se deu com a adão de insígnias que identificam seus membros de forma
explicita para o público. Neste sentido, os símbolos adotados pela entidade, em
especial, os estandartes rubros com o leão dourado (1965) e as capas
vermelhas que identificam os membros da TFP (1969) passaram a figurar com
destaque durante as campanhas da entidade
(Ver Anexo III)
.
Coerente com toda a doutrina tefepista, também seus símbolos refletem
elementos de seu pensamento e se conjugam ao esforço pela difusão de sua
proposta político-
cultu
ral e, é claro, religiosa. Seguindo tal proposta, fazemos
uso de elementos do estudo de Medeiros que, na análise do discurso sobre o
Fórum Social Mundial pelas revistas Caros Amigos
e
Catolicismo
, defendeu a
validade da formulação de Dominique Maingueneau da existência de uma
semântica global que rege os discursos e que se materializam em vários gêneros
e em vários sistemas semticos, de modo que a identidade de um discurso
passa a ser considerada para além da questão do vocabulário ou das
proposões, mas também depende de uma coerência global que integra suas
múltiplas dimensões textuais
331
. Assim, coerente com a doutrina tefepista, foram
criados seus símbolos em geral sob orientação direta do fundador da entidade,
sempre prezando pela sua estica e simbologia. Como ilustração breve de tal
compreensão, apresentaremos uma rápida análise do estandarte rubro da TFP
que, segundo o tefepista Santos, foi planejado e idealizado por Dr. Plínio para
as campanhas de rua. Por quê? Porque era um símbolo medieval, um s
ímbolo
que exprimia bem todo o esrito católico, combativo, que ele achava que as
330
DANIELE, Leo. A escola de ação de Plínio Corrêa de Oliveira. In: ASSOCIAÇÃO DOS
FUNDADORES DA TFP
TRADIÇÃO FAMÍLIA PROPRIEDADE, 2005. p. 74.
331
MEDEIROS, Maria do Carmo Ivo de.
Duas leituras do Fórum Social Mundial:
Caros Amigos
e
Catolici
smo
.
2004. Dissertação (Mestrado em Lingüística)
Programa de Pós-Graduação em
Lingüística, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 2004. p. 04
143
coisas da TFP deviam ter
332
.
Sobre o pano vermelho (representando a luta)
figura o leão símbolo da entidade, assim descrito pelo egresso Pedriali:
o leão, símbolo da luta, esta em , voltado para a
esquerda, o lado do erro e do Mal. Em posição de combate,
com as pernas dispostas conforme a posição-base do cara,
para permitir ao corpo firmeza, equilíbrio e total liberdade de
ação, o leão tem as duas patas dianteiras levanta
das, uma mais
à frente da outra
a primeira para golpear o adversário, a
segunda para defender
-se de golpes. A cauda, com os los em
forma de flor, ergue-se pouco além de sua cabeça, e suas
extremidades voltam-se para baixo, seguindo o mesmo
movimento da água jorrada de uma fonte. No peito, uma cruz
vermelha sobressai no dourado que a envolve. É o
tau
, o sinal
dos eleitos
333
.
O próprio Plínio, em conferência proferida aos sócios e cooperadores da
TFP em fevereiro de 1987, relatou que sua escolha pelo leão como símbolo da
entidade remete a correspondência que faz entre a imagem deste animal e o
princípio da legitimidade, e completa: olhem para o leão, ele é rei. Ele desfruta
como que do direito de ser rei: ele manda, ele tem a garra do rei, ele impera!
334
Es
te cuidado em relacionar até os elementos mais sutis de seu símbolo principal
com representações simbólicas o ficou distante de alguns dos elementos
basilares do discurso tefepista, especialmente a desigualdade/hierarquia (o leão
superior entre os animais, representa a nobreza em seu reino específico é
representado nos estandartes com a cor dourada), a luta contra-
revolucionária
(o leão posta-se em posição de luta contra o perigo que vem da esquerda,
sobre um tecido vermelho), o catolicismo (o tau simboliza a fidelidade de uns
poucos numa época de apostasia
335
) e o medievalismo defendido pelos
tefepistas
.
332
SANTOS, Armando Alexandre dos. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 07 dez. 2005.
Entrevista concedida
a Gizele Zanotto. p. 05.
333
PEDRIALI, José Antonio. Guerreiros da Virgem: A vida secreta na TFP. São Paulo: EMW
Editora, 1985. p. 45.
334
Sua compreensão do princípio de legitimidade também foi brevemente exposta na mesma
conferência nos seguintes termos: Que o poder, a influência, a sabedoria, a glória estejam em
mãos de quem de direito . OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. O leão, símbolo da TFP.
Informativo
Operário
, outubro de 2000. p. 07.
335
SANTOS, Armando Alexandre dos. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 07 dez. 2005.
Entrevista concedida a Gizele Zanotto. p. 05.
144
Retomando o tema da atuação da entidade, elencamos abaixo algumas
das principais campanhas da TFP brasileira (no pós-1995 as campanhas
descritas referem-se às realizões da Associação dos Fundadores da TFP
),
geralmente adida de obras doutririas ou panfletos referentes ao tema da
campanha, que consolidaram, com o passar dos anos, a própria identidade da
TFP como grupo anticomunista de inspiração católica de atuação expressiva no
país:
1960 a 1964 - campanha contra a reforma agrária socialista e
confiscatória
proposta pelo governo de São Paulo (Projeto de
Revisão Agrária) e de João Goulart (Reformas de Base);
1963
- campanha junto aos padres conciliares reunidos em Roma
expondo a incompatibilidade de coexisncia pacífica entre a
Igreja e os Estados Comunistas e em apoio às petições
empreendidas por Dom Sigaud e Dom Mayer solicitando ao Papa
que o Concílio condenasse o marxismo, o comunismo e o
socialism
o (213 assinaturas de padres conciliares) e, no ano
seguinte, petição solicitando que o Papa consagrasse a Rússia e o
mundo ao Imaculado Corão de Maria (510 assinaturas de
prelados);
1964
- movimento de desestabilização do governo de João
Goulart que possibilitou a coalizão de forças civis e militares que
culminou com o golpe de estado;
1964
- contra a Ação Católica de Belo Horizonte, exigindo uma
explicão de seu apoio às reformas de base com base na
doutrina católica e pelo seu ataque à campanha anti agro-
reformista da TFP;
1966
- petição contra o projeto de lei que implantaria o divórcio
no Brasil (1.042.359 assinaturas);
1972
- difusão da Carta Pastoral de Dom Mayer sobre os
Cursilhos de Cristandade, na qual o prelado aponta tendências
esquerdiz
antes em alguns círculos de cursilhistas;
145
1974
- declaração de resisncia à chamada política de mão
estendida aos comunistas proposta pelo Vaticano;
1975
-
nova investida contra a legalização do divórcio no Brasil;
1976
- campanha de difusão do estudo sobre a progressiva
infiltração comunista na Igreja, iniciada nos anos 40, e apelo aos
bispos para um expurgo dos elementos esquerdistas de suas
fileiras;
1977
- denúncia dos todos da neomissiologia e de sua
inspiração comunista;
1981
- defesa doutrinária da legitimidade dos católicos se oporem
à reforma agria e defenderem o direito de livre iniciativa que
seria mutilado pelo agro
-
reformismo socialista;
1982
- denúncia do trabalho instigador da luta de classes que
seria impulsionado pelas CEBs e de sua orientão doutrinária
socialista;
1987
- análise do projeto de Constituição proposto pela
Assembléia Constituinte destacando que seus rumos apontavam
para uma sovietizão do país (reformas urbana, agria e
empresarial);
1996
- denúncia da favelização do campo resultante dos
assentamentos de sem
-
terra;
2000
- manifesto esclarecendo sobre os reais objetivos do MST,
quais sejam, instigar a luta de classes e conquistar do poder;
ainda em 2000 - inicia a campanha em prol da legítima defesa e
do porte
de armas pelos cidadãos
336
;
336
Conforme depoimento de Dom Bertrand sobre a campanha: A TFP [no momento a AFTFP]
está engajada numa luta contra o desarmamento. Por que nós estamos engajados nessa luta? Por
duas razões. Primeiro por uma razão inteiramente evidente, é que o desarmamento não resolve o
problema da criminalidade, só o agrava. Está provado que em todos os países que desarmaram a
população, a criminalidade aumentou brutalmente. (...) Em segundo lugar, e aí esa razão m
ais
importante, certos direitos de que o governo não tem o direito de nos privar. Um desses
direitos é o direito de legítima defesa. O primeiro responsável pela minha defesa sou eu mesmo.
(...) Se houver o desarmamento, será o mesmo que incentivar a pôr na frente de todas as casas
uma tabuleta dizendo - pode assaltar que não o menor risco, aqui não nenhum risco de o
agressor ser vítima de um tiro ou qualquer coisa assim. Está aberto, esta casa esindefesa.
Equivale a tirar as fechaduras de todas as casas. Finalmente, a primeira coisa que todos os
146
2002
-
contra o Plano Diretor da cidade de São Paulo;
2003
- denúncia da participão da esquerda católica no esmulo
à agitação social e à luta de classes;
2004
- em defesa do agronecio, denunciado os excessos da
legislação
sobre trabalho escravo e o apoio da esquerda católica
ao movimento dos sem
-
terra.
Nestes anos de existência a TFP também criou e/ou orientou alguns
grupos afins que empreendem ões específicas, geralmente omitindo seu
vínculo com a doutrina tefepista e, assim, ampliando seu foco de irradião.
Entre elas se destacam: a campanha Vinde Nossa Senhora de Fátima, não
tardeis!
, criada em 1993 pelo próprio Plínio e dedicada à difusão da mensagem
de Nossa Senhora de Fátima; S.O.S. Fazendeiro, dedicada ao combate
à
reforma agria socialista e confiscatória;
Pró
-Legítima Defesa, iniciada em
2000, voltada contra a tentativa de desarmar o cidao
;
O amanhã de nossos
filhos
, que se dedica à luta por uma programão televisiva mais enriquecedora
para a formação moral e intelectual da juventude brasileira
337
; e a
Frente
Universiria Lepanto, que agrega jovens católicos preocupados em defender a
doutrina católica em seus ambientes de estudo. Tamm existem publicões e
boletins que completam a difusão das campanhas tefepistas, como a revista
grandes tiranos fizeram foi desarmar a população. Hitler fez exatamente isso, Stalin fez a mesma
coisa, Fidel Castro fez a mesma coisa, porque, e aí que está a razão do porquê estão querendo
fazer o desarmamento, porque eles querem impor ao Brasil um regime socialista que é contra a
índole do nosso povo. Para impor um regime socialista, eles precisam necessariamente ter um
povo submisso e uma população desarmada é uma população psicologicamente submissa .
ORLEANS E BRAGANÇA, Dom Bertrand. Depoimento: Movimento Monarquista e TFP
[Florianópolis], 24 set. 2005. Entrevista concedida a Gizele Zanotto. p. 15.
337
Em obra divulgada pela Comissão de Estudos da campanha em 1993 destaca-se que: O
Amanhã de Nossos Filhos é uma sociedade cívica, fundada em 1989 por pais e mães de família
preocupados com os desmandos na TV. (...) A entidade visa com que se articulem num mesmo
esforço, todos os descontentes com tantos programas televisivos. E dessa maneira constituir for
te
corrente de opinião, capaz de sensibilizar os donos de TVs no sentido de que melhorem o vel
moral e cultural de seus programas.(...) Principais campanhas: 24.223 adesões ativas, em
resposta ao envio maciço de 1.036.000 cartas. 50 mil petições ao Ministério da Justiça, que
foram decisivas para a promulgação da Portaria 773, das medidas classificatórias dos
programas de TV.
Abaixo
-assinado a João Paulo II (102 mil assinaturas) pedindo ao Papa que
condenasse os abusos na TV, por ocasião de sua visita ao
Brasil.
35 mil apelos ao SBT, que
pesaram decisivamente para o cancelamento do programa Cocktail .
Saraivada de telefonemas
,
que levou a Souza Cruz a retirar o patrocínio do filme blasfemo A última tentação de Cristo .
Nova carga de telefonemas, que impediu a projeção do filme pornográfico Calígula no dia de
Corpus Christi .
O AMANHÃ DE NOSSOS FILHOS.
TV uma escola , mas de q? Os efeitos da
TV no aproveitamento escolar.
São Paulo:
ARTPRESS
, 1993. Contracapa.
147
Catolicismo
, porta
-
voz oficial da TFP brasileira;
o encarte
Ecos de Fátima,
difusor
da campanha Vinde Nossa Senhora de Fátima, não tardeis!;
o
Informativo Rural,
dirigido aos proprietários rurais; o boletim da campanha O amanhã de noss
os
filhos,
chamado
TV Debate; o boletim
Post
-
Modernidade
, editado pela
Frente
Universiria Lepanto; o Informativo Operário; o boletim
Informando,
Comentando, Agindo; o informativo TV Plebiscito, entre outros de difusão
efêmera.
Nas últimas décadas, com a democratização na política brasileira e com
o avao e a consolidação dos mass media a TFP passou a utilizar-se também
de modernos meios de comunicação para propagandear e mesmo empreender
campanhas, em especial, a TFP faz uso da Internet e de suas infinit
as
possibilidades de difusão mundial. Neste novo contexto, agora de pluralismo
político, os confrontos entre projetos divergentes passaram a ser eventos
normais e mesmo necessários para o funcionamento da sociedade democrática
em consolidão. Para tanto, um novo modo de agir passou a permear as
relões sociais, políticas e econômicas
a tolerância. A situação decorrente, de
acirrada competição pela audiência da população, tamm gerou a
necessidade de uma atuação constante para conservar a atenção do púb
lico em
torno de si e de seus ideais. A nova configuração política do país fez com que a
TFP reunisse suas forças para pleitear reformas constitucionais - ou barrar
tentativas de mudaa das leis -, através da mobilização de tefepistas para
atuar como grupo de pressão
338
frente à sociedade, meios de comunicão,
grupos e líderes políticos, etc. De modo mais incisivo e tamm mais discreto, a
TFP passou a empreender uma atividade permanente junto a políticos
conservadores visando obter apoio às suas petições e encaminhando projetos
de lei para serem apresentados pelos representantes do povo na mara e
Senado. Como destacou ex
-
tefepista Barreiros:
338
Consideramos como grupos de pressão as organizões, entes, institutos que, diante dos
próprios interesses inseridos em uma estratégia mais ou menos vasta, intervêm
exercitando a
influência que possuem ou pressionando
nas atividades dos partidos, dos homens políticos, no
governo, no parlamento, e em outras assembléias e centros de poder político, com o fim de obter
uma particular política ou específica ão e iniciativa em próprio favor, ou conseguir influenciar
uma decisão importante . MAYNAUD, J. Apud: PATRÍCIO, Djalma José. Poder, grupos
de
pressão e meios de comunicação.
Blumenau: Editora da FURB, 1998. p. 22.
148
a TFP sempre teve lobistas em Brasília pressionando.
Não só em Brasília, mas tamm a partir da base. Por
exemplo,
quando chega um deputado em Brasília ele sai de
algum lugar e ele pode já ter contatos prévios com a TFP em
seu estado de origem. E em Brasília tem um lobista oficial da
TFP, se chama Nelson Ramos Barreto, que inclusive formou-
se
em jornalismo recentemente, hoje em dia é jornalista. Tem
inclusive um livro publicado sobre a reforma agria. Ele é o
lobista da TFP e todo mundo sabe e conhece. Mas é obvio que
existem afinidades ideológicas com determinados deputados.
Eu trabalhei em Brasília na TFP; na TFP
estive com gente grossa
do governo que simpatizava com a TFP, até gente que ocupou
a cadeira da Presidência da Reblica inclusive. Sem falar nos
militares de Brasília, os generais, muitos deputados. Eu estive,
por exemplo, no gabinete do deputado João Al
ves
[PFL
-
BA],
aquele mesmo do orçamento, ele era quase que o porta-
voz
oficial da TFP. Se a TFP queria um pronunciamento no
Congresso passava para o Jo Alves e ele ia e fazia. Hoje
quem faz mais ou menos este papel, tanto quanto eu saiba, é o
deputado
Lael Varela
[PFL]
de Minas Gerais, que é simpatizante
do movimento, abraça as causas do movimento, tem o apoio
da TFP e tal. Ricardo Izar
[PTB
-
SP]
é outro que tem certa
proximidade com a TFP.
(...) quando era época de eleições iam vários
candidatos lá, pedir votos. Então a TFP abria o auditório para
as pessoas, os candidatos, irem lá fazer seus discursos e o
pessoal da TFP votava em quem fosse recomendado. A TFP
recomendava. Eu mesmo votei, por exemplo, no Ricardo Izar,
recomendado pela TFP. Mas isto lá, muitos anos atrás. O
Tuma
[Romeu Tuma, PMDB-
SP]
, o coronel Erasmo Dias
[PP
-
SP]
,
o filho do Tuma... o Robson Tuma
[PFL
-
SP]
...
339
Como já salientamos em algumas passagens do texto, a TFP não
tencionava chegar ao poder senão no Reino de Maria [ver catulo
seguinte]
,
num quadro totalmente diverso. E não seria um poder político no sentido de
assumir cargos de direção, mas influenciar de tal modo a esfera pública, que
esse poder fosse maior do que simplesmente deter cargos
340
.
Assim havia um
trabalho de lobby permanente e sistetico dos tefepistas entre os políticos de
Brasília que, muitas vezes, podia ter iniciado tempos antes, em sua base
339
BARREIROS, Tos Eon. Depoimento: Vivência na TFP II [Curitiba], 08 dez. 2005. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto. p. 06.
O apoio do deputado Lael Varela em uma proposta conjunta com a TFP também foi
mencionada em entrevista sobre a questão agrária brasileira pelo Sr. Gregório Vivanco Lopes,
evidenciando que tal ptica permanece ativa em nossos dias. LOPES, Gregório Vivanco.
Entrevista sobre a TFP
[São Paulo], 07 dez. 2005. En
trevista concedida a Gizele Zanotto. p. 14.
340
BARREIROS, Tomás Eon. Questionário: Vivência na TFP [Curitiba], 25 maio 2005.
Questionário elaborado por Gizele Zanotto (enviado por email). P. 02.
149
eleitoral. Ainda segundo os relatos do egresso, a dinâmica desta atuação junto
aos políticos preconizava inicialmente aproveitar o tanto quanto possível a
atuão dos líderes que tinham algum ponto de consonância ou simpatia
341
,
para, a partir de pontos de interesse comuns, trabalhar em conjunto, como no
envio de projetos e/ou propostas lidos na tribuna ou encaminhados para
votação por tais representantes políticos. Tal prática ainda é verificada na
atuação dos atuais membros da
Associação dos Fundadores da TFP
.
Também é importante destacar que, em decorrência da consolidação da
TFP
no país
ocorrida ainda no contexto do governo militar -, e com os
inúmeros contatos estabelecidos com católicos de outros países a partir das
Semanas de Estudo
de
Catolicismo
, entidades co-irmãs e
bureaux
TFP foram
sendo fundados em vários países. Apesar da expansão internacional, há que se
ressa
ltar que cada um dos movimentos ou TFPs são autônomos em suas
decisões e atuações, respeitando o contexto histórico, político e social de cada
um dos países onde se instalou, situação que acarreta uma ênfase diversa nos
temas abordados e das ações empreen
didas em campanhas públicas. O vínculo
es fundamentado na base doutriria que orienta cada uma das TFPs,
derivada diretamente do pensamento de Plínio Cora de Oliveira. Tal vínculo
aproximou as entidades na difusão de várias obras comuns e em algumas
campanhas internacionais de vulto, sendo destaques:
Abaixo
-
assinado contra a infiltração comunista na Igreja (1968);
Campanha de esclarecimento da opinião pública sobre os
chamados grupos proticos e o Centro Internacional de
Informação e Documentação sobre a Igreja Conciliar -
IDO
-
C
(1969);
Campanha contra a orientação socialo-comunista do governo
chileno (1970);
Declaração de resistência à distensão do Vaticano (1974);
Campanha contra a reintegrão de Cuba na Organização dos
Estados Americanos
-
OEA (1974);
341
Idem.
150
Denúncia do apoio da Igreja do Chile às reformas empreendidas
pelo governo comunista (1976);
Denúncia do utopismo democtico
de Jim Carter, presidente
dos EUA (1977);
Movimento em prol da eleição do Cardeal Wyszynski, Primaz da
Polônia,
para suceder o papa Paulo VI no trono de Pedro (1978);
Crítica ao
modelo polonês
de socialismo proposto pelo líder Lech
Walesa, na ocasião de sua visita ao papa João Paulo II (1981);
Difusão da mensagem O socialismo autogestionário em vista do
comunis
mo: barreira ou cabeça de ponte?, de autoria de Plínio
Corrêa de Oliveira, na qual o programa do Partido Socialista
francês, liderado pelo presidente recém eleito Fraois Mitterrand,
fora analisado e criticado sob a perspectiva das categorias
expostas na
obra
Revolução e Contra
-
Revolução
(1981);
Contra a interferência da Rússia comunista no conflito da Guerra
das Malvinas (1982);
Denúncia de que o movimento guerrilheiro africano SWAPO
estava sendo amparado pela ONU e pela esquerda católica
(1984);
Escla
recimento sobre a metamorfose e sobrevivência do
comunismo após a queda da URSS (1989/1990);
Campanha em solidariedade à declaração de independência da
Lituânia do domínio soviético (5.218.020 assinaturas coletadas em
26 países no ano de 1991);
Difusão da obra de Plínio Corrêa de Oliveira intitulada Nobreza e
elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e
à Nobreza romana
(1993)
;
Mensagem aos participantes da Cúpula das Américas, reunidos
em Miami, para que prezem pela solão dos problemas do
151
continente em consonância com os valores e a tradição cristã
(1994)
342
.
Nossa compreensão é de que a prática social de uma entidade deve
reunir de modo ordenado comportamentos individuais voltados para finalidades
comuns. Para tanto, pressupõe uma estrutura de designão, de integração
significante, de valores, de um código coletivo e interiorizado
343
, em outros
termos, de uma rede de sentidos capaz de evidenciar a seus membros os
conceitos, identidades, valores básicos que formarão os elos de ligão e
vínculo entre seus participantes. Esta rede de sentidos é o que chamamos
imagirio social, que se constitui numa representação global e totalizante da
sociedade
344
que designa a identidade de si e dos outros, que estabelece a
distribuiçã
o de pais e posições sociais, e que imprime e impõe crenças
comuns. Como destacou Rodeghero, o dispositivo imaginário interfere nas
práticas de indivíduos e instituições; forja sentidos, identidades; define
comportamentos; inculca valores; atribui méritos; corrobora ou condena atitudes,
dele derivando uma poderosa força de instauração ou de legitimação social
345
.
Também propõe esteriótipos e paradigmas que são apresentados como
verdades , que definem alguns pais como naturais e outros como
inconcebíveis. Já Baczko destaca que o imagirio coletivo trabalha de várias
outras maneiras, sendo uma delas a operação por uma série de oposões, que
estruturam as foas afetivas que vão agir sobre a vida coletiva
346
. E
stas
oposições são situadas após o estabelecimento das identidades do eu e do
inimigo, sendo que a partir desta definição surgem oposões que
legitimam/invalidam, acusam/justificam, incluem/excluem, etc. Em seu estudo
sobre o imagirio político dos anos 30, Eliana Dutra segue esta mesma
compreensão e sublinha que o ego se esforça para introjetar o bom e projetar o
mau, buscando mantê-lo afastado de si. Conforme a autora, ao projetar o mal
342
Ver detalhes das campanhas em: SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO,
FAMÍLIA E PROPRIEDADE. Um homem, uma obra, uma gesta: Homenagem das TFPs a Plínio
Corrêa de Oliveira.
São Paulo: Editora Brasil de Amanhã, s.d.
343
ANSART, Pierre.
Ideologias, Conflitos e Poder.
Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 21.
344
BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia EINAUDI. Vol. I (Memória-
História).
Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1984. p. 309.
345
RODEGUERO, Carla Simone. O Diabo é Vermelho. Imaginário Anticomunista e Igreja
Católica no Rio Grande do S
ul (1945
-
1964)
. Passo Fundo: Editora UPF, 1998. p. 22.
346
BACZKO, Bronislaw, 1984. p. 312.
152
(mau) se relacionam a ele todas as ameas de decomposição social e
defendem
-se instituições que possam garantir a identidade e
confiram
segurança contra este esfacelamento
a tria, a propriedade, a família, a
autoridade, a civilizão, a moral, etc
347
. A projeção do mal beneficia a
identificão do bem, ou seja, se o mal, para os tefepistas, é encarnado no
comunismo, nas seitas anticristãs, nas religes concorrentes da católica, no
progressismo, na imoralidade, no modernismo, etc., os membros da TFP,
contrários a estas doutrinas, só podem ser vistos como representantes dos
valores positivos citados por Dutra. A conexão entre o E
u e os Outros se exprime
através de um complexo sistema de alteridades, que funciona em todos os
registros, da diferença mínima à alteridade radical, sendo que esta última leva o
Outro para am dos limites da humanidade, em uma zona pxima da
animalidade
(como ocorreu com o anticomunismo) ou do divino
348
.
Consideramos que a eficácia da TFP resultou da utilização de um
imagirio contra-
revolucionário
349
difundido e vivido intensamente tanto pelos
seus membros, quanto por parcela significativa da sociedade brasileira pelo
menos até o período da Guerra Fria. De modo geral, há como questão de
fundo na maior parte das campanhas nacionais e internacionais das TFPs um
vínculo com a questão do anticomunismo, aqui compreendido como
concernente a uma
postura de opo
sição sistemática ao comunismo ou àquilo
que é a ele identificado, uma oposição que se adapta a
diferentes realidades e se manifesta por meio de representações
e práticas diversas. O anticomunismo é o conjunto das
atividades realizadas por grupos diversos, que constroem e se
guiam por um conjunto de representações que tem sido
chamado de imaginário anticomunista. Trata-se de atividades
como produção e propaganda, controle e ação policial,
estragias educacionais, pregações religiosas, organização de
347
DUTRA, Eliana de Freitas. O Ardil Totalitário. Imaginário político no Brasil dos anos 30.
Rio
de Janeiro: Editora UFRJ, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997. p. 23.
348
BOIA, Lucian.
Pour une Histoire de l imaginaire.
Paris
: Les Belles Lettres, 1998. p. 33.
349
Ver: Imaginário Contra-Revolucionário: Base da atuão da TFP. In: ZANOTTO, Gizele,
2003.
153
grupos
de ativistas e de manifestações públicas, atuação no
legislativo, etc
350
.
Mais do que representar aos tefepistas uma das fases mais
contemporânea da Revolão (seria a III Revolão segundo Plínio), o
comunismo ainda é tido como o grande inimigo da civilização cris a se
enfrentar. Mesmo com a derrocada da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas
URSS entre o final dos anos 80 e icio dos anos 90, existe a
compreensão de que o comunismo o esmorto, como defendem muitos dos
analistas, mas apenas em estado letárgico ou metamorfoseado em outros
movimentos que, ocultando seu vínculo direto com a doutrina comunista,
seduzem a opinião pública sem os inconvenientes da resistência que o epíteto
comunista lhes poderia causar. Conforme destacou Plínio ainda na primeira
edição de sua obra
Revolução e Contra
-
Revolução:
a Revolução usa, pois, suas metamorfoses não só para
avaar, como também para operara os recuos táticos que tão
frequentemente lhe têm sido necessários.
Por vezes, movimento sempre vivo, ela tem simulado
estar morte. E é esta uma de suas metamorfoses mais
interessantes. Na aparência, a situação de um determinado país
se apresenta como inteiramente tranqüila. A reação contra-
revolucionária se distende e adormece. Mas, nas profundidades
da vida religiosa, cultural, social, ou econômica, a fermentação
revolucionária vai sempre ganhando terreno. E, ao cabo desse
aparente interstício, explode uma convulsão inesperada,
freqüentemente maior que as anteriores
351
.
Neste sentido, as adições posteriores à edição inicial desta obra foram
atualizadas com ênfase nas supostas metamorfoses do processo revoluciorio
e na falsa impressão de vitória que tal situação gerou entre os combatentes do
comunismo
352
. Mais do que a identificão e certeza na exisncia viva
do
mesmo inimigo do início de sua atuação (metamorfoseada, fingindo-se morta
ou estrategicamente oculta), a TFP preza e sustenta sua própria reputação de ser
350
RODEGUERO, Carla Simone. Religo e patriotismo: o anticomunismo católico nos Estados
Unidos e no Brasil nos anos de Guerra Fria. Revista Brasileira de História. São Paulo, V. 22,
44, p. 463
-
488, 2002. p. 464.
351
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 38.
352
Ver:
Parte III
Revolução e Contra-Revolução vinte anos depois. In: OLIVEIRA, Plínio Corrêa
de, 1998.
154
uma das mais importantes entidades anticomunistas do pós-guerra no Brasil,
em especial, pela sua atuação agressiva e contínua dentre os anos 60 a 80,
período em que destacou-se denunciando e suplicando às autoridades civis,
militares e religiosas não só por expurgos, mas também medidas mais radicais
de controle de grupos, instituições e indivíduos tidos por comunistas/inimigos
não só do Estado mas também da civilização cristã.
Em decorrência de tais creas, tornou-se patente a vinculação das
medidas reformistas, progressistas ou esquerdistas (conforme denominações
correntes) com elementos pontuais ou mesmo gerais do que se considera como
comunismo, e do que seria ainda mais grave para os católicos, da sua ruptura
com o ideal de civilizão crispreconizado pela doutrina religiosa. O estudo
de Rodeghero sobre o anticomunismo católico nos revela que a definição das
identidades (comunistas X católicos), foi ancorada especialmente no campo
ético
-moral (lícito/ilícito, bem/mal, amor/ódio, certo/errado, natural/antinatural,
humano/desumano, divino/dialico, fiel/ateu, etc.), visando a desqualificação
dos
considerados subversivos e a naturalizão destes esteriótipos.
Qualidades animalescas foram transferidas para os comunistas, como também
os relacionaram com o dialico
353
. O interesse foi identificar qualquer atitude,
postura ou idéia considerada má ou prejudicial com o comunismo, legitimando
assim uma punição aos seus coniventes. De modo geral considerava-se que
instituindo uma visão de mundo materialista, o comunismo despojaria os seres
humanos de suas caractesticas espirituais, trataria direitos con
siderados
naturais
a propriedade, o trio poder, o casamento
como contratos que
poderiam ser facilmente desfeitos , mas seu poder funesto o se limitaria a tais
questões segundo seus ferrenhos opositores, visto que o
materialismo não seria,
no entanto, caractestica apenas do comunismo. Sua presea cada vez mais
disseminada nas sociedades capitalistas era vista como uma preparação do
cominho para a tomada do poder pelos comunistas
354
.
Como destacou Motta, a
questão central do anticomunismo católico
ao qual a TFP se filia
foi o
353
RODEGUERO, Carla Simone, 1998. p. 23 a 27.
354
RODEGUERO, Carla Simone. Contribuições ao estudo do anticomunismo sob o prisma da
recepção. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy (Org.). História Cultural: Experiências de Pesquisa.
P
orto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. p. 32.
155
questionamento que a mesma fazia dos fundamentos básicos da instituição
religiosa, visto que ele não se restringia aos campos social e econômico. O
comunismo seria tamm uma filosofia, um sistema de crenças diametralmente
oposto e concorrente ao catolicismo. A filosofia comunista
negava a existência de Deus e professava o materialismo
ateu; propunha a luta de classes violenta em oposição ao amor
e à caridade cristãs; pretendia substituir a moral crise destruir
a instituição da família; defendia a igualdade absoluta contra
as noções de hierarquia e ordem, embasadas em Deus. No
limite, o sucesso da pregação comunista levaria ao
desaparecimento da Igreja, que seria um dos objetivos dos
líderes revolucionários
355
.
Finalizand
o
- mas não esgotando - as considerações sobre o tema do
anticomunismo, prezo por destacar que, assim como Rodrigo Sá Motta, tamm
acreditamos que existiram, além de uma heterogeneidade não desprezível de
grupos e propostas anticomunistas, uma clara diferença entre os que
aproveitaram
-se do perigo comunista de forma oportunista e os grupos e
indivíduos (não necessariamente fanáticos) que sinceramente acreditaram na
existência de um risco real. Mobilizaram-se e combateram por temor que os
comunistas chegassem ao poder
356
.
Ainda segundo Motta, a
motivação
anticomunista resultou da intrincada mistura entre instrumentalização (ou
manipulão) e convicção, que se combinaram em medida diferente ao longo da
história
357
.
A partir de tais considerões, acreditamos ser altamente possível
avaliar que inúmeros membros da TFP e de outros grupos anticomunistas
358
descritos pelos vários estudiosos do tema mobilizassem suas creas, doutrinas
e ações em prol do combate ao inimigo comunista
tido como real e presente.
355
MOTTA, Rodrigo Patto Sá, Em guarda contra o Perigo Vermelho : O anticomunismo no
Brasil (1917
-
1964).
São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002. p. 20.
356
Idem, p. XXIV.
357
Ibidem, p. XXIV.
358
Entre os grupos destacamos a Liga Nacional Progressista Suburbana, a Defesa Social
Brasileira, a Frente Universitária de Combate ao Comunismo, a Liga de Defesa Nacional,
a
Cruzada Cris Anticomunista (CCA), a própria TFP, o Movimento Anticomunista (MAC), o
Comando de Caça aos Comunistas (CCC), a Frente Anticomunista, os grupos nazistas e
fascistas, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD), entre outras. Ver: MOTTA, Rodrigo Patto Sá, 2002. / RODEGUERO, Carla
Simone, 1998. / GONÇALVES, Marcos. Os arautos da dissolução : Mito, imaginário político e
afetividade anticomunista, Brasil 1941-
1947
. 2004. Dissertação (Mestrado em História)
Programa de Pós
-
Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba/PR, 2004.
156
A atuação pública da TFP acabou gerando alguns conflitos de rua
durante as campanhas, situação que o arrefeceram o ímpeto proselitista dos
seus jovens membros e que demonstraram que sua preparão para o
combate também incluía, além de ensinamentos doutririos, aulas de defesa
pessoal
os arautos da civilizão cris eram preparados para serem
soldados, guerreiros e monges. A luta tefepista também incluía polêmicas
apaixonadas com seus interlocutores, muitas das quais culminavam com
denúncias de subversão e súplicas aos poderes policiais por repressão,
especialmente durante a ditadura militar. Como resultado deste proselitismo
agressivo e combate (muitas vezes físico), grupos e partidos de esquerda,
jornalistas, movimentos sociais diversos, grupos feministas, abortistas e
divorcistas, grupos GLS, reformistas em geral, representantes do catolicismo
social e expoentes da hierarquia e, em especial, a CNBB, se esforçaram por
deslegitimar as ões da TFP e mesmo questionar a sua vinculação ao
catolicismo dia
nte das campanhas ruidosas que promovia.
As repercussões negativas da TFP no interior da Igreja culminaram com
várias adverncias e polêmicas com expoentes da hierarquia como Dom
Fernando Gomes, Arcebispo de Gonia e Cardeal Motta, Arcebispo de São
Paul
o (sobre a questão agrária, 1961 e 1962 respectivamente), Dom lder
Câmara, Arcebispo de Recife e Olinda (sobre o pe. Belga Joseph Comblim,
considerado subversivo, 1968; pela sua postura de conivência com o
comunismo, 1969), Dom Eugênio Sales, Arcebispo de Salvador e Primaz do
Brasil (que premuniu os fiéis sobre a atuação da TFP, 1970) e Dom Evaristo
Arns, Cardeal de São Paulo (sobre o documento dos bispos paulistas
Não
oprimas teu irmão que criticava as Forças Armadas e a repressão destas ao
comunismo, 1975). A CNBB, por sua vez, emitiu vários comunicados sobre a
entidade, textos que foram imediatamente refutados pela TFP e publicados na
grande imprensa visando difundir a sua posão e defesa ante as denúncias. Em
1966, em nota da Comissão Central os católicos são exortados para que se
mantenham fiéis na obediência aos autênticos pastores
e os acautelam sobre
as atividades da entidade, que não representaria o pensamento da hierarquia
brasileira. Outra nota foi emitida em 1968, após um ruidoso conflito entre a
157
TFP, que defendia a urgência de medidas de expurgo de religiosos progressistas
de destaque - como Dom Hélder - e a hierarquia que, manifestando certo
espírito de grupo, elaborou uma adverncia a TFP, declarando-a uma entidade
desligada de qualquer reconhecimento da hierarquia, como sociedade
católica
359
.
Em 1971 o Secretariado Geral da CNBB, após ressaltar valores
positivos em determinadas atitudes tefepistas, clama a uma auto-análise dos
seus objetivos, métodos de ação e princípios e ressalta que a con
testação
pública de documentos aprovados pelos bispos tornou-se fator de desunião e
deformão de mentalidades entre os católicos. O caso mais ruidoso de uma
declarão da CNBB contrária à TFP aconteceu em 1985, com a emissão de
uma nota de esclarecimento na qual enfatiza a não comunhão entre a Igreja e
os tefepistas
360
.
A TFP, por sua vez, prezou pela sua defesa ante tais declarões,
salientando seu caráter civil e sua preocupação com os rumos da Igreja no
Brasil e, muitas vezes, defendendo a tese de que tais denúncias partiram ou
foram impulsionadas por grupos progressistas visando abalar as campanhas
tefepistas e sua receptividade ante a opino pública
361
.
Mesmo com tais
denúncias do episcopado, acreditamos que a situação da entidade ante a
opinião pública nacional não sofreu grandes alterações da segunda metade da
cada de 80, quando acusações de egressos, amplamente divulgadas pela
imprensa de todo país, revelaram ao público práticas e rituais pouco ortodoxos
359
BEOZZO, José Oscar. A Igreja do Brasil: De João XXIII a João Paulo II, de Medellín a Santo
Domingo.
2ª edição. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 88/89.
360
TRADÃO, FAMÍLIA, PROPRIEDADE - É notória a falta de comunhão da T.F.P. (Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade) com a Igreja do Brasil, com sua
Hierarquia e com o Santo Padre. O seu caráter esotérico, o fanatismo religioso, o culto prestado
à personalidade de seu chefe e genitora, a utilização abusiva do nome de Maria Santíssima,
conforme notícias veiculadas, não podem de forma alguma merecer a aprovação da Igreja.
Lamentamos os inconvenientes decorrentes de uma sociedade civil que se manifesta como
entidade religiosa católica sem ligação com os legítimos pastores. Sendo assim, os bispos do
Brasil exortam os católicos a não se inscreverem na T.F.P. e não colaborarem com ela. Itaici, 19
de abril de 1985 . CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Tradição, Família,
Propriedade. In: Pronunciamentos da CNBB 84-
coletânea
85.
nº 35. São Paulo: Paulinas,
1985. p. 35.
361
Ver: GOMES, Rogério César Pereira. Plínio Corrêa de Oliveira: O maior Contra-
Revolucionário da História. [Atualizão de Plínio Corrêa de Oliveira em seis décadas de
polêmicas do Catolicismo Brasileiro (1933-
1988)
] S. l.: s.n., 2000. / SOCIEDADE BRASILEIRA DE
DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE. Nota da CNBB sobre a TFP brasileira:
afirmações carentes de realidade, apreciações unilaterais e apaixonadas. São Paulo, maio de
1997, 11 páginas. / SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E
PROPRIEDADE., s.d.
158
para um grupo que se proclamava autenticamente católico, como
demonstraremos a seguir.
Após toda esta exposição sobre os elementos doutririos que orientam a
atuação pública tefepista
que se quer contra-
revolucionaria
, mas que
aproxima
-se muito mais do conservadorismo , que se destacar alguns
pontos. Primeiro, esta predileção não só tefepista, mas católica conservadora,
de eleição da monarquia como forma mais perfeita de governo (seguindo o São
Tos de Aquino) e a ppria adoção de traços monárquicos em suas práticas
internas e na semântica global de seu discurso público revelam mais do que
nostalgia. Eles representam também os anseios por um novo projeto de
sociedade que, o efetivando-se na realidade empírica por inúmeros fatores,
acaba por ser lançada ao futuro próximo (traços milenaristas que analisaremos
no pximo capítulo). Em segundo lugar, destacamos que as campanhas da TFP
são representativas de interesses muitas vezes difusos entre a população em
geral adepta ao conservadorismo político, como demonstram inúmeros estudos
sobre a prática política brasileira e o crescimento do conservadorismo e reação
em inúmeros países ocidentais. Por fim, decorrente desta última observão,
defendemos que a TFP não pode ser considerada como
essencialmente
anacrônica, como querem muitos autores. Que ela represente valores
medievais, monárquicos e nobiliárquicos tidos por anacnicos é aceitável em
certa medida, mas sua atuação é altamente contemporânea. Basta analisar a
própria
mudaa de argumentos na defesa de um tema como a questão
agrária
362
, suas formas de atuação e sua adequação aos debates atuais em
cada uma de suas campanhas.
362
Em linhas gerais podemos perceber a argumentação iniciou como ofensa aos mandamentos
de Deus, vetor inicial para a comunizão do país, passando pela questão do direito natural de
propriedade e direito à herança. Mais tarde a ênfase foi na questão da livre-
iniciativa,
legitimidade do princípio de subsidiariedade. Nos últimos anos seu discurso anti agro-
reformista
preconiza pela defesa dos benefícios do agronegócio para a economia do país, pela
consideração da legislação do trabalho escravo como método expropriatório e pelo confronto
aos progressistas e membros do MST como representantes de anseios políticos de alteração
para um regime comunista, muito mais do que pela defesa de pedaço de chão que beneficiaria
os camponeses.
159
CAPÍTULO III.
ESTRUTURA INTERNA, ACESSO À DOUTRINA
E MÍSTICA TEFEPISTA
3.1 Processo seletivo e revelação doutrinária
O processo de adesão de novos membros para aumentar os quadros da
TFP, apesar de sua alteração, mantém determinadas caractesticas comuns
também a grupos não-religiosos ávidos no aliciamento de jovens
363
idealistas à
defesa de causas nobres e altrstas determinadas pelos seus respectivos
líderes. Serviços militares, grupos políticos de direita e esquerda, facções
guerrilheiras, traficantes, instituições religiosas, grupos e/ou associões
religiosas, etc., direcionam seus esfoos aliciadores em direção aos jovens que,
neste período de amadurecimento e estabelecimento de seus referenciais
ideológicos e críticos, são mais vulneráveis à adoção de nobres causas que
possam lhes situar no mundo fragmentado da contemporaneidade e valorizá-
los como elementos imprescindíveis à efetiva realizão de utopias lib
ertárias
e/ou reaciorias, cheias de encantos, promessas e realizações. Também é
saliente no discurso dos grupos aliciadores, particularmente do século XX, a
utilizão do paradigma do jovem como vetor de mudanças, símbolo de
regenerão de formas de vida e sociedade tidas por obsoletas ou insuficientes
363
Estamos compreendendo juventude como categoria social, a partir da conceituação de
Groppo, que defende que ela se torna ao mesmo tempo uma representação sócio-cultural e
uma situação social, ou seja, a juventude é uma concepção, representação e criação simbólica,
fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos tidos como jovens, para significar uma
série de comportamentos e atitudes a ela atribuídos. Ao mesmo tempo, é uma situação vivida em
comum por certos indivíduos .
GROPPO
, Ls Antonio. A Juventude como categoria social. In:
Juventude. Ensaios sobre Sociologia e História das Juventudes Modernas. Rio de Janeiro: Difel,
200. p. 07/08.
160
em prol de um futuro de glórias para a nova não que se irá construir
364
.
Consideramos, assim como Mannheim, que os jovens não devem ser
considerados em si como propulsores de mudaas
como nos discursos d
e
recrutadores que exaltam sua disposão, vitalidade, força, vigor, saúde, etc. Em
suas considerações sobre o tema das futuras gerões, o autor ressalta que a
juventude é uma das forças latentes da sociedade, mas que sua mobilizão
depende de vários fatores que conjugados podem ou não ter o resultado
esperado de aliciamento e ão eficaz
365
é a partir de tais pressupostos que
prosseguimos com a análise que segue, não só pensando no grupo de jovens,
mas nos indivíduos jovens, cada qual com suas experiências e visões de mundo,
cultura e subjetividades, anseios e realizações particulares e/ou coletivas.
Sendo a adolescência um período de mudaas importantes, uma fase
de transão para a vida adulta e da construção da identidade
366
, configura-
se
como o período ideal para a adão e/ou estabelecimento de novas
perspectivas ideológicas e práticas. Especialmente na adolescência o
desenvolvimento da pessoa é influenciado pelo seu contexto sócio-histórico, não
de maneira determinista, visto a interação e a inflncia recíproca entre
ambiente e sujeito (o adolescente responde ao meio, mas também o modifica),
tornando
-se apto a receber do exterior elementos para a construção do seu
mundo, ou melhor, aparatos de como interpretá-lo, entendê-lo e situar-se nele.
Também os psicólogos afirmam que é nesta época que se define a identidade
364
Este recrutamento de jovens foi bastante evidente durante o século XX, sendo referencial
de
grupos das mais diversas orientações e projetos. Ver: LEVI, Giovanni. SCHIMITT, Jean-
Claude
(Orgs.).
História dos Jovens: A época contemporânea.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
/ SOUZA, Janice Tirelli Ponte de. A juventude e o rompimento da tradição do espo público.
Fronteiras
Revista Catarinense de História. Florianópolis, 09, p. 51-78. Dezembro 2001. /
SOUZA, Janice Tirelli Ponte de. As Insurgências Juvenis e as novas narrativas políticas contra o
instituído.
Cadernos de Pesquisa
, Florian
ópolis, n.32, p. 1
-
33, 2002.
365
Conforme o autor, O problema sociológico está em que, embora surjam sempre novas
gerações
consideradas enquanto grupos de idades mais jovens
depende da natureza de uma
dada sociedade se esta se utiliza delas; e, da estru
tura social dessa mesma sociedade, depende a
maneira como se realiza esse uso. A juventude faz parte daqueles recursos latentes que cada
sociedade tem à sua disposição e de cuja mobilização depende sua vitalidade .
MANNHEIM,
Karl. Funções das gerões novas. In: PEREIRA, Luiz. FORACCHI, Marialice M. Educão e
Sociedade (Leituras de sociologia da educação).
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.
p. 91/92.
366
Lembramos que a construção da identidade é um processo dinâmico e não findável neste
período de mudanças. A adolescência configura-se como o momento em que uma identidade é
inicialmente construída mas que, devido às inúmeras relações com um mundo social e histórico,
também a identidade caracteriza-se pela dinamicidade, sendo passível de alterões
s
ignificativas e contínuas até o fim da vida.
161
pessoal, quando o indivíduo encontra sua posão no espaço e no tempo, situa-
se como pessoa, com uma ideologia de vida própria, enfrentando um longo
período de vidas, agressões e questionamentos
367
. Período marcado pela
necessidade de decisões, pelas angústias e, como destaca Justin Pikunas, pela
realizão de algumas tarefas que o preparao para a vida adulta: controle do
corpo, identificão com os pares, sensibilidade social, auto-
reorg
anização,
interesses e atividades externos, aumento da autoregulação
368
. Para nossa
análise é necessário destacarmos tal período como importante para a formação
de valores, creas e ideais, sendo, portanto, propício à incorporão de jovens
em grupos e instituições que, de maneira persuasiva ou autoritária, lhes indica
um caminho seguro a seguir neste período de incertezas.
Concomitante a este processo de incertezas vivenciada pelos
adolescentes, os estudiosos de diversas áreas do conhecimento apontam nossa
contemporaneidade como marcada por uma crise de identidade geral, onde
se torna cada vez mais dicil ao indivíduo colocar-se no mundo, reconhecer seu
papel neste mundo e sentir-se protegido por um dossel sagrado
religioso ou
profano
- que lhe forneça as explicações sobre a vida, seu mundo e sobre seu
papel neste mundo. Esta crise de identidade foi analisada por Stuart Hall que
enfatizou elementos do processo contemporâneo do fenômeno da vivência das
identidades enquanto móveis, flexíveis, descentradas, ou seja, fragmentadas.
Segundo o autor,
um tipo diferente de mudança estrutural es
transformando as sociedades modernas no final do século XX.
Isto está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos
tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.
Estas transformações estão tamm mudando nossas
identidades pessoais, abalando a iia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um sentido de
si esvel é chamada, alguma vezes, de deslocamento ou
descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento
descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social
367
FERREIRA, Teresa Helena Schoen. A formação da identidade em adolescentes: um estudo
exploratório com estudantes do ensino dio. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciências
Aplicadas à Pediatria)
Escola Paulista de Medicina/Departamento de Pediatria, Universidade
de São Paulo, 2001. p. 09.
368
PIKUNAS, Justin. Apud: FERREIRA, Teresa Helena Schoen, 2001. p. 14.
162
e cultural quanto de si mesmos
constitui uma crise de
identidade para o indivíduo
369
.
Esta crise de identidade, que por conseqüência é também uma crise do
sujeito, acaba possibilitando o surgimento das chamadas angústias
existenciais instigadoras de uma definição, para o indivíduo, de uma
identidade/certeza que lhe transmita segurança de si. A TFP oferece ao mercado
de bens simbólicos uma alternativa mítica de vivência e de salvação, sendo
também um mecanismo de canalização desta busca dos indivíduos pela
grandeza da mortificação/sofrimento, da adesão a uma causa nobre, da busca
de reconhecimento individual numa sociedade massificada e de uma identidade
de pertea que possa indicar a si e aos demais quem ele é
no caso um
tefepista. Chouvier lembra que, apesar da confiaa e orgulho que a nova
identidade lhe proporciona, visto que o grupo oferece ao sujeito um novo eu,
ela se constitui sobre um modelo bastante paradoxal: ao mesmo tempo em que
define sua identidade a pessoa é encoberta pela participação no grupo, que é
prioritário. Neste grupo o neófito descobre um real sentimento de exisncia nas
relões com os demais
é reconhecido como tefepista dentro e fora da
entidade
-, mas no ambiente externo ele só aparece como um membro
anônimo. Ele existe, mas o é mais do que um homem ou porta-estandarte da
comunidade neofamiliar do grupo a que aderiu
370
. Em outros termos, o neófito
torna
-se um tefepista, esta é sua exclusiva identidade para a comunidade em
geral: desaparece o João, o Manuel, o Rodrigo, etc., para surgir mais um
membro do grupo. Sua identidade torna
-
se tão somente a identidad
e grupal.
Nas análises já efetuadas sobre ex-tefepistas, ressalta-se a sua adesão à
Sociedade como resultado de um processo de aliciamento, de sedão, de
manipulação, de maneira que os membros seriam inocentes engabelados
pelo rico e persuasivo discurso
elaborado pelos seus líderes. Acreditamos que tal
percepção é interessante, mas que a adesão a tal sistema de valores, creas,
práticas e cultos não pode ser desvinculada de uma busca de sentido pelos
369
HALL, Stuart. A identidade cultural na s-
modernidade.
7ª edição. Rio de Janeiro: DP&A,
2002. p. 09.
370
CHOUVIER, Bernard. Les avatars de l idéal: une approche psychanalytique du «sectaire». In:
CHAMPION, Françoise. COHEN, Martine. Sectes et démocracie. Paris: Éditions du Seuil, 1999.
p. 234.
163
jovens
apostolandos
371
. Segundo Teves, a apreensão do mundo pelo homem é
intencional, o mundo conhecido é instituído seletivamente, desta forma, a
apreensão do discurso pode ser considerada como proposital, ou seja, é
determinada pelos desejos, sonhos e interesses do leitor/interlocutor. Portanto,
o mundo conhecido é instituído seletivamente, é orientado pelo nosso olhar ,
olhar este que sempre parte de uma perspectiva e de um imagirio social
372
.
Desta forma, consideramos que o aliciamento de novos tefepistas apresenta, em
grande medida, a busca da realizão de desejos, o compartilhamento de
visões de mundo ou a crea num imagirio comum entre tefepistas e
apostolandos, em um espectro mais amplo, entre homens desejosos de adotar
preceitos religiosos como parâmetros para toda sua vida privada e pública.
Como
lembra Chouvier é uma crea partilhada que esna origem da adesão
a um grupo religioso. O adepto adere ativamente visto que o grupo (em seu
estudo, a seita) lhe preenche uma falta
373
.
Os estudiosos das religiões e religiosidades enfatizam que a adesão à
mensagem salvífica de um profeta e a incorporação a um grupo sectário tem
profundas relações com o contexto vivenciado pelos candidatos. Para muitos
esé uma das formas possíveis de exteriorizão de uma contestação social e
política à sociedade contemporânea; uma sociedade materialista,
despersonalizada, carente de valores e modelos culturais, desprovida de líderes
catalisadores, de objetivos válidos e de sentidos últimos, assim como de visões
grandiosas da vida e da história. Prieto
374
salienta que geralmente os jovens
escolhem grupos religiosos austeros e ascéticos como uma escie de fuga do
371
Conforme o depoimento de José Antônio Pedriali, são chamados apostolandos os membros
potenciais da sociedade. PEDRIALI, José Antônio. Guerreiros da Virgem: A vida secreta na TFP.
São Paulo: EMW Editores, 1985. p. 68.
372
Os sujeitos que conhecem sintetizam, no curso de suas vidas, múltiplas relações sociais,
relações estas que vão configurando suas cancias, seus desejos, suas fantasias, suas
instituições. São homens concretos, cognoscentes, sim, mas também desejosos, imaginativos,
sonhadores, capazes de fabular, de simbolizar o real existente e o real possível .
TEVES
, Nilda. O
imaginário da configurão da realidade social. In: TEVES, Nilda (Coord). Imaginário Social e
Educação.
Rio de Janeiro: Gryphus: Fac. de Educação da UFRJ, 1992. p. 07.
373
CHOUVIER, Bernard. Les avatars de l idéal: une approche psychanalytique du
«sectaire».
In:
CHAMPION, Françoise. COHEN, Martine. 1999. p. 228 e 231.
374
Atilano Alaiz Prieto escreveu esta obra visando analisar o femeno de abandono da Igreja
Católica por cristãos que aderem ativamente ao que chama de seitas . O interessante nesta
obra são as citações dos inquéritos realizados pela Comissão Parlamentar para o Estudo das
Seitas (Espanha) e a utilizão de teóricos da religião para compreender o desafio das seitas .
PRIETO, Atilano Alaiz.
As Seitas e os Cristãos.
São Paulo: Edições S
ão Paulo, 1994.
164
aburguesamento e do facilismo em que vivem, bem como pela fascinação que
tem pelo heico, pelo difícil e diferente. A perspectiva de adesão a um grupo
ou comunidad
e
- que se vincula em prol da defesa de valores tradicionais, que
critica a sociedade consumista, que crê estar edificando uma nova era de
virtuosidades e fé para os eleitos - exerce um forte poder de atração aos que,
de alguma forma, desejam se afastar desta sociedade contaminada . Tais
grupos oferecem explicões e solões globais ao mesmo tempo em que
respondem aos anseios particulares de cada membro, provendo sua
cotidianidade de um sentido grandioso
-
a defesa de uma nobre causa:
aos desiludidos, sobretudo jovens, as seitas [no caso da
TFP, movimento católico]
apresentam
-se como uma sociedade
alternativa, face à velha sociedade contaminada. Face a
contravalores oferece os verdadeiros valores que fazem com que
os homens se sintam felizes. Face a uma família aniquilosa e
hipócrita apresentam uma família «pura e autêntica» e um novo
lar (a comunidade) que irradia paz e compreensão. Frente ao
individualismo que cria indefesa e insegurança, a fusão num
grupo/unidade biológica, que isola e protege. Face a
o
irracionalismo frio e insatisfatório, o dogma e o irracional, o
mágico e o pseudocientífico, que decifram os mistérios da
natureza e do ser humano. Frete à angústia e a inseguraa, a
segurança que dá a confiaa depositada no dogma do líder.
Face ao trabalho explorador e avarento, o trabalho gratuito e
entusiasmado por uma causa . Face ao lucro e ao consumismo
como motores da existência, o esforço desinteressado e o
sacrifício motivado. Face à burocratização e ritualismo vazios, a
sacramentalização e a celebração integradoras. Frente à falta
de refencia claros e seguros, a exisncia de objectivos claros
e concretos que dinamizem a vida diária. Frente à incoencia
nas religiões tradicionais entre o que se crê e o que se vive, as
seitas oferecem coencia total entre o que se crê e o que se
faz
375
.
O processo de recrutamento da TFP evidencia alterações significativas de,
pelo menos, três fases distintas no período analisado (1960-1995). O grupo
inicial foi reunido pelo próprio Plínio ainda antes da fundão da TFP, sendo
proveniente da elite sócio-econômica paulista, as chamadas famílias
quatrocentonas de São Paulo, integrantes do vigoroso movimento católico da
primeira metade do século XX. Esta é a gerão dos membros fundadores da
375
Idem, p. 71.
165
TFP
- chamados contemporaneamente de
Provectos
-, considerada como a
primeira geração e representativa do ideal inicial da entidade: reunir e mobilizar
elementos de elite inseridos na sociedade para transformá-la. Grupo formado
por membros da elite e elitista, ou seja, representativo da defesa de um modelo
aristocrático de governo para o Estado, para a Igreja e para sua própria
entidade. Sua formação revela uma característica que foi mantida durante toda
a liderança de Plínio na entidade (1960-1995), a exclusividade do aliciamen
to
de membros do sexo masculino para a causa
-
embora seja importante destacar
que existem grupos ligados a TFP, especialmente voltados à oração e à
distribuição de donativos, que s
ão
compostos também por mulheres. Na
organizão as mulheres não são aceitas como membros e os jovens tefepistas
são estimulados a abdicarem de uma vida familiar em prol da vocão TFP ,
tal qual os noviços o fazem buscando a dedicação total à sua futura profissão
de religiosos. Uma explicão para tal realidade vincula-se ao pprio modelo
ideal de sociedade que defendem: hierarquizada e aristoctica. Nesta
sociedade ideal cada qual ocuparia sua posição e auxiliaria no corpo social
conforme sua vocão natural: os homens enquanto provedores financeiros,
líderes políticos e religiosos e chefes de família, e as mulheres enquanto
esposas, donas-
de
-casa e educadoras dos filhos
exercendo funções que, em
realidade, servem aos outros (pai, marido e/ou filhos). Além disto, são
ressaltadas as virtudes de recato, delicadeza, sensibilidade da mulher, que não
devem ser dilapidados pelas penosas tarefas de apostolado confiadas aos
homens. Afirmou o líder da TFP: não tenho coragem de dar às mulheres as
árduas tarefas de propaganda nas ruas
376
.
Já a segunda gerão de membros configurou-se pela reunião de outro
tipo de elite, não mais uma elite sócio-econômica, mas uma elite intelectual.
Agora o recrutamento ampliava seu plano de ação (pela própria necessidade de
crescimento da TFP) com o aliciamento de membros de classe média, da
pequen
a burguesia e a mesmo com descendentes de imigrantes. Como
afirmou Pedriali, aliciado ainda nesse sistema mas preparado para novos
recrutamentos, existia um perfil do apostolando ideal: adolescentes,
376
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. In: LOPES, J. A. Dias. Cavaleiros da Tradição
VEJA
. 20 de maio
de 1970, p. 34.
166
pertencentes à classe média, inconformados com o mundo
e de poucos amigos.
Buscava
-se, especialmente nas escolas
visto que alguns recrutadores eram
professores
377
e que este era o ambiente cotidiano de muitos membros -
,
elementos de proeminentes, deres aptos ao ingresso nas fileiras da sociedade.
Tos Eon Barreiros, egresso da TFP, recorda que o processo de expansão da
TFP foi concomitante com esta nova postura de recrutamento, mais inclusiva e
sistetica do que a do grupo p-TFP. A busca por novos membros operava-
se, nesta segunda geração, a partir de cada tefepista que, partindo das suas
relões cotidianas - amigos, colegas, familiares -, recrutava novos membros à
nobre causa da TFP:
foi um recrutamento de cada membro procurar trazer
mais gente. Até se usava o termo PVC : parente, vizinho e
colega.
Cada um devia levar para a TFP os parentes, os
vizinhos, os colegas, a pessoa devia tentar recrutar em seu
próprio meio quem poderia ser identificado como uma pessoa
de lideraa, a pessoa que tivesse vocação para a TFP, pois
essa vocação era definida nos termos de uma certa liderança,
uma certa inconformidade com a situação atual do mundo. Mas
sempre era valorizado o fato de a pessoa fazer parte de uma
certa elite
378
.
Mas a grande mudaa no sistema de recrutamento de novos jovens foi
paulatinamente configurada pelo então secretário de Plínio, João Scognamiglio
Clá Dias
379
, que foi introduzindo novas perspectivas, novos todos e novos
377
O pprio Plínio Corrêa de Oliveira é exemplo de professor/recrutador. O der da TFP
lecionou História da Civilizão Contemponea no Colégio Universitário da Faculdade de
Direito de São Paulo e História Moderna e Contemporânea nas Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras Sedes Sapientiae e São Bento , que mais tarde fundiram-se formando o
núcleo inicial da PUC/SP. Um dos membros pré-TFP aliciados pelo brilhante professor , foi
Orlando Fedeli, também dedicado à atividade do magistério, que abandonou a TFP em 1983.
378
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedi
da a Gizele Zanotto. p. 09.
379
O atual discurso biográfico de João Scognamiglio Clá Dias ressalta que ele nasceu em São
Paulo, Brasil, em 15 de agosto de 1939 filho de Antônio Clá Diaz, e de Anita Scognamiglio Clá
Diaz. Estudou no
Colégio Estadual Roosevelt
e em 1964 formou
-
se em Direito pela Faculdade do
Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo. Começou a participar do movimento
católico em 1956, ingressando na Ordem Terceira Carmelita. Dedicou-se com vigor ao
apostolado mariano. Devotou-se a estudos de história, filosofia e teologia, no intuito de adquirir
os conhecimentos necessários para ampliar sua ão apostólica. Dotado de um fino talento
musical, fundou diversos coros, bandas sinfônicas e orquestras em duas dezenas de países, e
dirige pessoalmente o Coro e Orquestra Internacional dos Arautos do Evangelho . É o
fundador e atual presidente da Associação Internacional de fiéis de Direito Pontifício Arautos do
Evangelho
, cuja atuação se estende hoje em dia a 54 países. Sua biografia, pom, omite
a
167
alvos a partir da metade dos anos 70. A proposta de Jo Clá era de uma
massificação da TFP e certa aproximão com a Igre
ja
efetivamente não
realizada a a morte de Plínio, em 1995. Entre as inovões foram
estabelecidas sedes específicas de recrutamento, onde cnicas de adesão eram
estudadas e testadas para aperfeiçoar e ampliar os quadros da entidade,
estudos estes transmitidos aos jovens membros para atuarem nas diversas
regiões do país. Também houve a criação de um sistema de dissimulação da
TFP através da crião de entidades de fachada, visando a burlar a
impressão que a entidade já causava em grande parte da opinião pública.
Segundo Barreiros, este novo modelo de recrutamento iniciava pela
visualizão, em qualquer ambiente (nas ruas, escolas, teatros, etc.), de uma
pessoa que poderia vir a pertencer a TFP. A partir desta triagem , que
valorizava elementos como porte, aparência, raça
380
, estabelecia-se um contato
onde o tefepista obtinha o nome e endereço do transeunte. Depois era feita
uma visita ao membro potencial, uma conversa em que o candidato era
convidado a participar de atividades esportivas, culturais e d
e palestras no
Curso
São João Bosco, por exemplo. Este Curso não existia juridicamente, mas servia
de fachada para os contatos inicias com os jovens, para segurar a natural
resisncia inicial a TFP. Nas sedes de recrutamento o jovem participava de uma
pro
gramação recreativa e ia se engajando aos poucos. O jovem freqüentava as
sedes, participava de Semanas Especializadas de Formão Anticomunista
(SEFAC), fazia retiros espirituais e ia se envolvendo. Embora o contingente de
jovens que inicia um contato com a TFP seja considerável, efetivamente poucos
aderem a TFP ao final do processo, resultado em parte da exigência de uma
participão ativa de vários anos no grupo pré-TFP e na ppria TFP, de 1956 a 1999, quando
o mesmo fundou a Associão Arautos do Evangelho (derivada na TFP), que somente em 2001
foi erigida em
Associação Internacional de Direito Pontifício
pelo Vatica
no. João Clã foi presença
marcante na TFP, entidade na qual foi considerado como segundo homem , que dedicou uma
obra de três volumes à biografia de Dona Lucília, mãe de Plínio e que, conforme os egressos, foi
um dos responsáveis pela mudança de foco da entidade do anticomunismo para a devoção
privada e oculta de Plínio e sua mãe. A biografia oficial é encontrada em: ARAUTOS DO
EVANGELHO
. Disponível em: <http://www.arautos.org.br/>. Acesso em 12/janeiro/2005.
380
Segundo Giulio Folena: Jo Clá proíbe sistematicamente que se faça proselitismo com
negros, tendo chegado mesmo a repreender acremente um grupo de militantes por terem levado
três jovens de cor para visitar a sede central da organizão: Os senhores querem baixar o vel
do apostolado? , e completou que o racismo inclui também judeus e eslavos, estes por serem
considerados da raça problemática , eternos criadores de caso . FOLENA, Giulio. Escravos do
Profeta.
São Paulo: EMW Editores, 1987. p. 123/124.
168
vida devotada ao espiritual, ao apostolado, com uma cobrança contumaz de
disciplina e obediência, como também à dedicão total à causa e
o
conseqüente afastamento de familiares e amigos.
Embora não possamos considerar esta evolão do processo de
recrutamento como norma geral para todas as sedes fundadas no país e no
exterior, consideramos que este modelo trisico apresenta em seu bojo a
própria história da TFP, ou seja, de um grupo restrito, elitista e aristoctico, a
TFP transformou-se em uma organizão estabelecida a vel nacional e
internacional, portanto mais ampla, mais atuante no cerio público e,
conseqüentemente, mais inclusiva. Nas várias fases de recrutamento, entretanto,
o apelo inicial à adesão foi mantido: a necessária luta contra as doutrinas
revolucionárias que ameam dominar o país por meios cruentos e/ou
incruentos, e desv-lo de sua verdadeira raiz, a católica, como destacou o
próprio Plínio:
apesar das difereas das psicologias individuais,
uma linha comum na atitude sses jovens. O mundo de hoje
es às vésperas de uma explosão, como no tempo da
Revolução Francesa. O jovem tem diante de si a justa posão
con
traditória de duas conceões de vida: de um lado, a
civilizão cris; de outro, o mundo neopagão, o mundo que
esvindo. Êle sente que precisa optar. O que faz a TFP? Ela
convida êsses rapazes a uma atitude que toma os princípios da
civilizão cris e os leva às últimas conseqüências. Êles
percebem a contradição e a necessidade de uma opção
completa
381
.
Coerente com o discurso público veiculado pela sociedade, o líder da TFP
apresenta o eixo comum que instigaria os jovens a aderirem à nobre causa da
sa
lvão da civilização cristã: a inconformidade com o mundo revolucionário
atual. Esta interpretação foi explorada na obra Revolução e Contra-
Revolução
que estimulou a fundação da TFP bem como muniu doutrinariamente todas as
suas atividades públicas. O eixo central da obra é a descrição das fases
revolucionárias que abalaram o ocidente cristão e a atuação contra-
381
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. In: LOPES, J. A. Dias. A figura e a palavra do chefe. Entrevista a
Plínio Corrêa de Oliveira.
VEJA
. 20 de maio de 1970, p. 34.
169
revolucionária a que todos deveriam aderir, eixo descrito por Giulio Folena nos
seguintes termos:
o livro defende a tese de que o mundo sofreu três
revoluções desde a Idade dia: a Renascea, a Revolução
Francesa e a Revolução Russa. Segundo a RCR [Revolão e
Contra
-
Revolução]
, a sociedade ideal, a Idade Média, continha
classes bem definidas e estratificadas, que voltarão a sobrepor-
se ao caos atual, à anarquia: a nobreza e povo, dentro de suas
fuões , constituíam um mundo em que não se buscava
liberdade nem igualdade, mas tão-somente atingir um fim
maior; o reinado de Deus
382
.
Em
Revolução e Contra-
Revolução
Plínio, a partir da sistematizão e
ressignificação da doutrina contra
-
revolucionária católica, apresenta a revolução
mundial em marcha que necessariamente levará à destruição da humanidade
pecadora e anuncia a fundação de uma nova era de paz: o Reino de Maria.
Neste sentido defende uma conceão de mundo como palco da intensa luta
entre o bem e o mal, entre os filhos da luz e os filhos das trevas , e apela aos
bons esritos contra-revolucionários para contribrem com seus esforços e
devão para a derradeira vitória do bem, certeza esta que teria sido revelada
pela mensagem de Nossa Senhora de Fátima: Por fim, o meu Imaculado
Coração triunfa . Para engendrar esta batalha, a TFP necessitaria munir-se de
homens de coragem, abnegados e idealistas, homens prontos a dedicar-
se
integral
mente à causa da restauração da civilizão crisocidental, a única e
verdadeira civilização.
O perigo para a civilizão atual seria representado pelo comunismo,
considerado por Plínio como sendo a etapa da Revolão que se desenvolveria
contemporan
eamente, ou seja, a ameaça que os arautos da civilização teriam
de combater. O perigo comunista , do qual o Ocidente era o alvo, constituía-
se em uma campanha contínua que visava dominar, controlar e escravizar as
mentes, enfraquecer os governos, minar
as estruturas sociais e políticas para, ao
final do processo, unir todo o mundo livre ao império totalitário dirigido pelos
russos (no contexto da Guerra Fria). A luta empreendida era contra a
escravização, contra o ateísmo, contra um regime intrinsecamente mau e
382
FOLENA, Giulio, 1987. p. 23.
170
perverso, elaborado para destruir o que de mais belo a humanidade já
arquitetou, uma civilização ideal, toda católica. Esta foi a porta de entrada da
TFP por décadas: a luta anticomunista como ideal prático de vida. Seu
recrutamento, indispensável ao crescimento e manuteão da Sociedade recém
fundada, era essencial para a difusão de seu ideário e para a expansão sica
no ps e no mundo, visto sua abrangência internacional. Neste sentido, seu
líder empenhou-se em publicar obras e artigos denunciando as manobras
comunistas no país e os êxitos alcaados, especialmente no seio da própria
Igreja Católica que, segundo Plínio, teria sido infectada pelo germe do
progressismo. A meta tefepista consistiria em apresentar a verdadeira e real
dimensão do comunismo e, através do desmoronamento doutrinário e da
revalorizão da moral católica, selar seu derradeiro fim: a aniquilamento.
Causa nobre, missão valorosa e... incompreensão, tal seria o destino dos jovens
que aderissem de corpo e alma à defesa do ocidente. Em tempos de Guerra
Fria, de ditadura militar, o apelo discursivo do perigo eminente do comunismo
instigava à ação ao mesmo tempo em que inúmeras denúncias, acusações e
rejeições atingiam os guerreiros altruístas da TFP.
Um empreendimento desta envergadura, salvar os resquícios da
civilização crisocidental e reconstruir a cristandade, só poderia ser aceito por
jovens inconformados com a situação caótica vivenciada pela modernidade e
desejosos em atuar contra tal conjuntura. Neste sentido, o recrutamento de
jovens para a TFP priorizava o contato com possíveis adeptos valorizando
determinados aspectos de sua psicologia individual, bem como sua postura
diante do mundo. A ruptura dos paradigmas da modernidade, efetivados
também mediante o processo de globalizão, acaba por produzir nos sujeitos
uma descrença nas promessas de bem estar social e da tão propalada
autonomia da razão, levando-a a um estado de abandono e a uma busca pela
religião na tentativa de encontrar respostas verdadeiras passíveis de aliviar
sua ansiedade com a fluidez das certezas na contemporaneidade
383
. Neste
383
RUPRECHT, Rubens. A constituição do sentimento religioso: Da experiência do desamparo
primordial à elaboração de um ideal vocacional. 2004. Dissertação (Mestrado em Psicologia)
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho , Assis,
2004. p. 192.
171
ínterim, a adesão a TFP torna-se uma fonte de crenças e certezas (para a
compreensão do passado e do presente e para a visualização do futuro para o
qual se dedicam, especialmente) e uma forma de atuação prática pela
restauração de um novo mundo ideal.
Ser membro da TFP corresponde a aderir a um novo modo de vida e de
pensamento, do qual o membro é paulatinamente estimulado a adotar e pelo
qual, ao final do recrutamento, deverá estar disposto a lutar, ou seja, o neófito
que se aproxima da TFP em busca de uma vivência mais espiritualizada aos
poucos se transforma em um militante ativo e prosélito do grupo. Tal situação
seconstruída aos poucos, conforme seu conhecimento sobre a doutrina oral
da entidade lhe for confiada pelos seus recrutadores. Sua dedicação à causa
deve ser exclusiva e as tarefas a que sesubmetido devem ser passivamente
aceitas em nome da difusão e benefício da luta contra-
revolucionária
empreendida.
As principais atividades desenvolvidas pelos membros referem-
se
essencialmente à expansão física, ao provimento financeiro e à difusão
doutrinária das obras da TFP que, juntas, representam a manuteão e a
visualizão da Sociedade. Através dos depoimentos de egressos podemos
destacar os principais grupos e/ou atividades desenvolvidas pelos tefepistas:
1.
Correspondentes
-
esclarecedores
grupo de simpatizantes da TFP que
não são membros, mas que aderem à sua doutrina. Estes
simpatizantes divulgam e apóiam a Sociedade em suas campanhas
públicas e na difusão de suas obras, manifestos, abaixo-assinados e
revistas
384
;
2.
Apóstolos itinerantes
membros destinados a recrutar novos
membros, acompanhar seu progresso, auxiliá-los em seus problemas
e dúvidas;
3.
Grupo operio
membros que faziam as tarefas manuais de
cozinha, jardinagem, limpeza, etc. Esse grupo operio possa sede
própria e não ascendia para outras funções, como destacou Barreiros:
384
MATTEI, Roberto de. O Cruzado do Século XX: Plínio Corrêa de Oliveira.
Por
to: Livraria
Civilização Editora, 1997. p. 212/213.
172
quem era operário ia ser sempre operário (...), eram membros da TFP
como todo mundo, participavam das reuniões, mas eram
hierarquicamente bem divididos, quase como se fosse uma casta,
vamos dizer assim
385
;
4.
Coleta de donativos
atividade fundamental para a própria
sobrevivência da TFP. Tomás Barreiros recorda quem no Bairro
Perdiz
es, em São Paulo, existia uma sede chamada Nossa Senhora da
Divina Provincia cujo objetivo era formar coletores de donativos e
onde eram estudadas as mais modernas cnicas de marketing e
vendas, visando otimizar a arrecadação de fundos. O egresso
também
lembra que esse sistema de coleta, efetivado por membros
que percorrem vilas e cidades angariando doadores funcionou muito
menos do que a solicitação de donativos realizada pela campanha
Vinde Nossa Senhora de Fátima, não tardeis! Coordenada pela TFP
386
.
Pr
ieto salienta que os grupos e movimentos religiosos (que chama de
seitas), para legitimar a atividade da arrecadação de fundos,
geralmente lhe conferem um sentido religioso, ritualizam a atividade
essencialmente temporal da angarião de donativos. O autor
também destaca que é comum nomear as atividades financeiras com
nomes sagrados - esta situação acaba por purificar este apego ao
temporal em grupos que se auto-representam como essencialmente
preocupados com o espiritual
387
. Neste sentido, a TFP estabeleceu a
chamada
Cerimônia da Meta, na qual os coletores estipulavam um
valor a ser arrecadado para a causa e pediam auxílio aos patronos
da entidade para que alcançassem a meta estipulada:
385
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado]. p. 15.
386
Idem, p 14/15.
387
No caso de grupos religiosos mais agressivos, a coleta é impulsionada como forma de
arrancar o dinheiro dos outros para que não sirva à causa do denio, fora do grupo o
dinheiro é maldito e, portanto, torna-se justificável a apropriação para a causa. PRIETO, Atilano
Alaiz
, 1994. p. 86/87.
173
o Êremo de Nossa Senhora da Divina Providência
dedica
-se especialmente à coleta de donativos. Para atingir tal
finalidade, os coletores pedem a proteção de Nossa Senhora,
bem como de Santa Teresinha do Menino Jesus e de São João
Bosco, patronos secundários desse setor de atividades na TFP.
Para conseguirem o árduo total da meta estipulada em função
dos gastos necessários, colocavam eles a relação dos resultados
almejados aos pés da referida imagem de Nossa Senhora de
Fátima. Mais tarde, passaram também a pedir a intercessão de
Da. Lucília
[mãe de Plínio]
388
.
5.
Eremitas
memb
ros que viviam em casas de estudo, chamados
Êremos
389
, com uma vida voltada para a orão, para a preparação
dos cerimoniais da TFP (música, coreografias, liturgias, etc.). Pedriali
recorda que ser eremita significava ter um
status
especial, viver
exclusivam
ente para a Organização e ter sua manuteão viabilizada
por um patrono que os subsidia
390
;
6.
Eremitas itinerantes
membros que viajavam pelo país vendendo
obras da TFP. Viviam efetivamente como itinerantes, moravam nos
automóveis que utilizavam para o deslocamento e viajavam o Brasil
inteiro, de cidade em cidade, fazendo essas campanhas com aqueles
estandartes, as capas vermelhas e vendendo de porta em porta os
livros da TFP, o tempo todo
391
;
7.
Camaldulenses
membros que vivem em casas de estudo mas com
uma vida totalmente isolada, cada um com seu quarto individual, e
388
GUIMARÃES, Átila Sinke. SOLIMEO, Gustavo Antonio. Refutação da TFP a uma investida
frustra.
Volume I. São Paulo: ARTPRESS, 1984. p. 139 e 141.
389
Plínio explicou que os
Êremos não são nada mais do que sedes de estudo ou trabalho em que
se requer maior concentração de esrito, ou simplesmente se tem em vista um melhor
aproveitamento da ão. Pois os
Êremos
revelaram
-se altamente eficazes como fator de
aprofundamento intelectual e rendimento dos trabalhos . Também recordou que tais casas
de
estudo surgiram pela própria vontade dos membros a partir da adoção de um regime de
silêncio
fora das horas de reunião e lazer
onde fosse mais propício o recolhimento, ao
trabalho e ao estudo. Seu nome deriva do Êremo del cárcere, lugar de recolhimento e oração
construído por São Francisco de Assis. OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Guerreiros da Virgem
A
réplica da autenticidade: A TFP sem segredos.
São Paulo: Vera Cruz, 1985. p. 54 (nota 2).
390
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 56.
391
BARREIROS, Tomás Eon
.
Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado].
p. 16.
174
as pessoas não se comunicavam, não falavam
392
. Além das orações e
rituais não tinham uma vida em comum. As
Camáldulas
393
funcionavam como casas específicas de estudo, onde as pessoas
estudavam temas encomendados pelo líder e escreviam livros sobre
tais temas (ex: uma das sedes em que Tomás Barreiros trabalhou por
algum tempo em regime de
Camáldula
dedicava
-se ao estudo dos
temas seita e lavagem cerebral que, segundo o egresso a TFP
estudava para defe
nder
-se destas acusações
394
). Folena destacou que
o regime de camaldulão, inicialmente dirigido ao recolhimento e
estudo mais intensos, teve sua emprego modificado em função da
nova proposta mística tefepista, implantada a partir dos anos 70 e
que priorizava o culto ao líder e o a devão mariana, ideal inicial
da entidade. Esta situação causou inúmeros atritos com as primeiras
gerações de tefepistas, beneficiados com uma formão mais
consistente na doutrina católica pela participação em movimentos
como
a
Congregação Mariana
e
Ação Católica. Tal perigo foi
contornado afastando os críticos através de um sistema de cárcere
privado e de silêncio. Conforme Folena:
o antagonismo entre os mais velhos e os mais jovens
chegou mesmo a ameaçar a reforma empreendida pelo
profeta e seu braço direito [João Clá]. Os mais velhos, ainda
infensos aos sofismas e malabarismos circenses de Clá,
habituados à doutrina, à idéia de que a finalidade da TFP era o
culto à Virgem Maria e ao o combate ao comunismo. (...) Foi
ent
ão que o profeta (evidentemente inspirado ) resolveu
difundir na organizão o que ficou conhecido como a graça
da camaldulação da TFP .
395
392
Idem, p. 15.
393
Na TFP as
camáldulas
originaram
-se no interior dos
Êremos
como um sistema de
recolhimento, de silêncio e de estudo mais intensos. O nome do sistema deriva das Camáldulas
fundadas por São Romualdo. GUIMARÃES, Átila Sinke. SOLIMEO, Gustavo Antonio, 1984. Vol
I., p. 26.
394
O resultado deste estudo foi publicado na Fraa, EUA e Brasil. A obra foi assinada
pelos
irmãos Luiz Sérgio Solimeo e Gustavo Antonio Solimeo, com o tulo A nova Inquisição aia e
psiquiátrica rotula de seita os grupos que visa destruir
(Editora ARTPRESS, 1996).
395
FOLENA, Giulio, 1987. p. 59.
175
Um caso mais recente desta prática de enclausuramento foi
denunciada por Fernando Larrain que, por discorncias com a
direção da TFP após a morte de Plínio, permaneceu em regime de
cárcere privado por 45 dias, sendo inclusive proibido de comunicar-
se com qualquer pessoa
396
;
8.
Decisões administrativas e financeiras
função legada à
Diretoria
Administrativa e Financeira
Nacional
(DAFN);
9.
Organizão das campanhas públicas
atividade desempenhada
pelos membros mais antigos da entidade, reunidos no
Conselho
Nacional
(CN), composto de vinte membros liderados a1995 por
Plínio Corrêa de Oliveira.
Estas são as principais atividades exercidas pelos membros e
simpatizantes da TFP: atividades diversas mas voltadas ao ideal comum da
manutenção da entidade e da expansão dos ideais tefepistas. É certo que
durante as campanhas públicas todos os membros eram convidados a se
envolver
, mas cotidianamente as funções eram mais distribdas. É importante
destacar que a evolão dos jovens na doutrina tefepista interna não significava
uma concomitante evolução nas atividades exercidas e nem mesmo na sua
posição na estrutura hierárquica da TFP. Tomás Barreiros lembra que a
evolão de pensamento e a escala hierárquica da Sociedade não estavam
vinculadas, o neófito poderia chegar até o ultimo grau da escala inictica do
pensamento tefepista, mas poderia continuar na base da pirâmide hierqu
ica,
recrutando, coletando donativos, etc
397
. A hierarquia interna, propriamente dita,
era definida muito mais em função da idade do que pelo vel de conhecimento
doutrinário que o membro tivesse atingido, como explicou o egresso:
quanto à escala hierquica, de fuões, era dada mais
pela idade, pelo tempo de TFP. Por exemplo, o pessoal da
primeira geração, que eram os sócios fundadores da TFP,
tinham mais funções decorativas , a não ser o Plínio,
396
NASCIMENTO, Gilberto. O Boff da TFP. Dissidente da entidade conservadora ficou 45 dias
incomunicável.
IstoÉ.
08 de julho de 1998. Edição On
-
line.
397
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entr
evistado]. p. 17.
176
obviamente... O pessoal da segunda geração, sim, estava
m
todos em cargos da alta direção; por exemplo, o diretor da
Diretoria Administrativa e Financeira Nacional
, que é da família
Vidigal Xavier da Silveira, os encarregados de algumas sedes
importantes etc. Depois, a terceira geração, a geração do João
Clá, por exemplo, era a geração que tomava conta das sedes
pelo Brasil, eram os encarregados das sedes. Daí para baixo,
não havia uma escala hierquica. Havia os fundadores, que,
com exceção do Plínio, eram figuras decorativas , com
algumas exceções, havia os
chefes de sedes de São Paulo, como
o diretor administrativo financeiro, que era um cargo bem
importante, e depois havia os encarregados de sedes: o
encarregado do São Bento, o encarregado do Praesto Sum, o
encarregado da sede de Curitiba, o encarregado da sede de
Salvador, e ponto final. Não existiam mais posições
hierquicas. Claro que havia sedes que davam mais prestígio,
por exemplo, ser encarregado do São Bento seria o máximo
presgio, que era o caso do Jo Clã, chefe do Êremo de São
Bento
. Esses encarregados eram designados pelo próprio
Plinio
398
.
Tal situação revela uma valorizão da hierarquia, desigualdade e da
pertença dos membros, ou seja, a partir de uma adesão efetiva, o novo membro
percebia que a desigualdade seria ponto comum não só da doutrina pública
tefepista como tamm de sua vivência cotidiana nas sedes, assim como sua
posição enquanto membro só seria alterado para funções de maior
responsabilidade pela manutenção dos ideais, da exclusividade e do fervor pela
entidade
seria um investi
mento futuro, de longo prazo.
Como já enfatizaram vários autores
399
, a TFP se conhece aos poucos,
mediante um prolongado processo de contato pessoal entre os que se
aproximam da entidade e os encarregados de sua iniciação, tanto antes quanto
depois de filiar
em
-se à Sociedade: é vendo como vivem os membros da TFP e
vivendo a TFP que se descobre a TFP: ela não se aprende em livros
400
.
Confirmando seu cater iniciático e a atmosfera de segredo, a TFP estruturou-
se através da formação de círculos concêntricos e de um sistema de censura
398
Idem.
399
Nossa descrão do processo iniciático da TFP tem como pametros os depoimentos de
egressos e análises acadêmicas sobre a TFP, bem como os apontamentos do Rapport Joyeux
sobre o aliciamento de membros de um colégio fundado pelo
s tefepistas na França.
400
RAPPORT JOYEUX. Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 184.
177
interno (chamado Comissão São Pio V
401
); um sistema muito eficaz para a
manutenção de uma atmosfera de segredo entre os próprios membros e,
principalmente, pela iniciação progressiva
somente repassada aos que forem
considerados prontos
da real mística tefepista. Segundo o egresso Fedeli:
a TFP era organizada em rculos conntricos e
hierquicos, havendo alguns rculos totalmente secretos,
desconhecidos pelos que deles não faziam parte. Desse modo, a
maior parte das pessoas
não tinha ciência do que se dizia, ou se
informava nos grupos superiores. Além disso, a entidade
desenvolveu um verdadeiro código esorico, que permitia aos
iniciados transmitir idéias ou mensagens que tinham um sentido
primeiro, inteiramente aceitável, mas que, para os iniciados
significava algo bem diferente. Am disso, havia sedes nas
quais nem todos podiam entrar, nem se sabia o que lá se fazia
ou se passava
402
.
Tais círculos concêntricos, entretanto, seriam trespassados por outros
grupos, em formatos de talas (cujas extremidades situavam-se dos círculos
centrais às extremidades externas, como na imagem a seguir), que agregariam
membros de todos os círculos em uma nova formação secreta, como tamm
relatou em outra ocasião o egresso Fedeli:
a TFP era organizada em círculos conntricos, como o
são as sociedades secretas. Aqui fora, havia os correspondentes
e esclarecedores, gente que não sabia de nada. É gente que
fica entusiasmada com eles e dinheiro. São os
correspondentes e esclarecedores, que o dinheiro... Em geral
gente boa, que vê a casca e gosta muito, e faz propaganda.
Depois, aqui dentro, há o grupo Catolicismo, chamado... do
jornal
Catolicismo.
Aqui dentro, foi fundada em 1960, (ninguém sabia), foi
fundada a TFP, em 1960 ou 61. Aqui, ninguém sabia, havia só
18 que sabiam, membros da TFP eram só 18. Ninguém era da
TFP, além desses 18 [seguindo as disposições do Estatuto Social
ver nota 05 da Introdão]. Eu nunca fui realmente da TFP!
Uma vez me puseram [como sócio], na cada de 70, por 3
meses, por causa de uma queso política, então me avisaram:
401
Segundo Fedeli, a Comissão São Pio V era organizada pelo Átila Sinke Guimarães, por
ordem de Dr. Plínio, para censurar as coisas que não podiam ser publicadas. (...) Era para
publicações internas e externas, porque tudo era censurado, porque era feito tudo em graus .
FEDELI, Orlando. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 05 dez. 2005. Entrevista concedida a
Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado]. p. 13.
402
FEDELI, Orlando. Cartas TFP e Maçonaria -
2.
Montfort
Associação Cultural.
Disponível em
<http:www.montfort.org.br/> Acesso janeiro/2005.
178
Agora você é membro da TFP . Depois de dois, três meses,
Plínio Xavier me avisou, agora você não é mais membro da TFP
(risos).
Aqui dentro, os Êremos, uma ordem clandestina, uma
ordem re
ligiosa.
Clandestina, porque a Igreja nem sabia que ela existia,
então havia Êremos e Camáldulas. Dentro dessa havia a
Sempre
Viva
. A Sempre Viva era organizada assim, eram convidadas
pessoas dos vários veis do grupo, então, quem era membro
desses níveis é que contava para a cúpula o que se passava, e
transmitia as mensagens e palavras de ordem para os tolos da
base. Quando Dr. Plínio queria liquidar esse grupo, ele inchava
o grupo, pura e simplesmente... Aí ele começava a se queixar
que esse grupo não ia para frente, que as reuniões eram fracas,
então dizia para alguns: - Vou suspender as reuniões desse
grupo. Esse grupo virava então, (...) um grupo secreto em
dormência, não recebia novas fuões, não tinha mais reuniões
(...)
organizava outra tala, com outros elementos, com
alguns daqueles, mas não todos. Depois, outra pétala, e outra
pétala, até com gente de fora
403
.
Esboço dos Círculos Concêntricos da TFP de autoria do Sr. Orlando Fedeli (de fora para dentro:
Correspondentes e Esclarecedores; Grup
o de Catolicismo; 1960 TFP [fundação]; Ordem
Clandestina [Êremos e Camáldulas]; Sempre Viva)
-
Integra a Entrevista sobre a TFP, realizada
em 05 de dezembro de 2005
403
FEDELI, Orlando. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 05 dez. 2005. Entrevista concedida a
Gizele Zanotto [com complementaçõe
s do entrevistado]. p. 13/14.
179
A disponibilizão de saberes em graus não deve ser considerada como
essencialmente prejudicial ou nociva, visto que inúmeras experiências cotidianas
podem ser consideradas como iniciáticas e nem por isso revelam-se danosas ao
indivíduo
404
; o problema de uma iniciação lesiva é o misrio que impera sobre
a exisncia de tal situão gradativa (geralmente ela é percebida com o tempo,
mas não é revelada oralmente em nenhum momento) e, principalmente, o
segredo sobre onde tal doutrinação pode chegar. Exemplos desta iniciação
cotidiana o passível destas críticas, e que podem ser marcadas pelos rituai
s
de elevão de estatuto ou não, são encontradas em escolas (o aprendizado
segue uma escala que possibilita a progressão no nível de compreensão e
dificuldade), artes marciais, catequese, universidades, sociedades culturais e/ou
filosóficas, inúmeras profissões de ascensão hierquica gradual, cargos
políticos, etc. O grande questionamento quanto à iniciação tefepista refere-se à
ocultação de suas verdadeiras devoções e rituais, somente reveladas aos
membros que foram iniciados em sua doutrina externa e que são julgados
preparados para adotarem a mística tefepista como valor absoluto para suas
vidas.
Como lembram os estudiosos, os principais desdobramentos da inicião
são o segredo e o poder. Através da manipulão do conhecimento os
indivíduos já inici
ados estabelecem uma relaçã
o hierárquica com os iniciandos
:
a iniciação implica o segredo, preliminar e também
ulterior, na medida em que muitas vezes se realiza por graus.
Revelação, ela define
-se ao mesmo tempo em termos de saber e
em termos de poder; liga um ao outro; actividade ritual típica
neste sentido, ela sugere que todo o poder passa pela posse e a
manipulação de um saber; do saber passado, registrado e
transmitido, ao poder vindouro e a transmitir, estende-se e
revela
-se toda a acção do poder presente que une a todos os
404
Tal considerão foi defendida pelo próprio Plínio Corrêa de Oliveira em obra destinada a
refutar acusões do egresso José Antonio Pedriali, quando afirma que Todo aprendizado
procede por via de aprofundamentos sucessivos, única forma de assimilão possível dos
conhecimentos ministrados. Esta constatação é até o que de mais elementar em maria de
pedagogia . Embora a defesa de uma escala progressiva de conhecimento seja um elemento
integrante de uma defesa pública em favor da TFP, acreditamos que esta premissa realmente
abrange um campo extremamente amplo da sociedade em geral e, portanto, não deve ser
considerado
a priori
como lesivo. OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1985. p. 214/215.
180
tempos e a todas as pessoas os temas, apresentados como
complementares, do segredo, da promoção e da selecção
405
.
Outro desdobramento expressivo desta constatação de inicião
enquanto manipulão do poder é a correspondente desigualdade que tal
situação viabiliza. Na TFP esta desigualdade, como qualquer outra, não é
considerada problemática visto sua defesa irrestrita da necessidade de que a
ordem seja estabelecida a partir de diferentes posições sociais, cada qual
correspondendo a uma função específica e imprescindível ao funcionamento do
todo. Mas na iniciação propriamente dita, configuram-se duas dimensões desta
desigualdade que excluem, de um lado, os iniciados dos não-
iniciados
evento
comum em grupos que disponibilizam sua doutrina aos poucos -; e de outro
lado, os iniciáveis dos não-
iniciáveis
406
neste ponto é importante destacar
como esta diferenciação se traduz, na ptica, em deprecião dos escaes
que jamais serão agraciados com o conhecimento salvífico do grupo, em
especial, os opositores da TFP (de religiosos a comunistas) e as mulheres (pelo
menos até 1995). Para estes, existe uma doutrina exorica sistematicamente
elaborada para corroborar a impossibilidade de uma aproximação e para
legitimar a própria exisncia social do grupo, expondo sua missão pública,
como destacou Folena:
é sabido que a organizão conta com duas doutrinas
distintas: a exotérica, destinada a todos os não-iniciados (e é
justamente essa doutrina exorica que Plínio alega professar
com sua organizão, sempre que é apertado contra o muro); a
esotérica, destinada aos iniciados (de modo geral os militantes
não sabugados [militante considerado inútil, não entusiasta da
causa]
) e a alguns raros membros da periferia que por variadas
razões se fazem
iniciar
407
.
Geralmente o processo é iniciado com sucessivas reuniões sobre o
contexto internacional onde os argumentos dos membros potenciais não
representativos da doutrina tefepista exposta em Revolução e Contra-
Revolução
405
AUGÉ, Marc. Iniciação. In:
Enciclopéd
ia Einaudi. Vol. 30 (Religo-Rito). Lisboa: Imprensa
Nacional e Casa da Moeda, 1994. p. 76.
406
Idem, p. 78.
407
FOLENA, Giulio, 1987. p. 32.
181
são desfeitos com a exposão de elementos contra-revolucionários lógicos,
coerentes e concatenados em uma ordem interpretativa ampla
todos os
acontecimentos são determinados pelas forças do bem ou do mal, ou os
acontecimentos favorecem a elevão aos céus ou encaminham os pecadores
às chamas do inferno. Neste período inicial também é processado o que os
estudiosos das religiosidades chamam de bombardeio de amor
408
, ou seja, o
jovem é rodeado de ateão, acolhimento, num clima de amizade e respeito
que muitas vezes o encontram em outros ambientes. Pedriali, por exemplo,
descreveu seus contatos iniciais nestes termos ao enfatizar o zelo com que foi
recebido:
pela primeira vez estava sendo tratado com respeito e consideração,
as pessoas aparentavam sinceridade em seus sentimentos, pro
curavam
compreender
-me
, ou ainda,
não havia arrogância e afetação em suas palavras
[veterano]
; pelo contrário, uma tonalidade paternal e ao mesmo tempo
fraterna
409
.
Importante neste processo é a contra-argumentação dos aliciadores
manter
-se em termos de explicão o hostil ou menosprezante das idéias dos
jovens apostolandos
,
tudo visando manter o interesse pela nova doutrina e a
admiração pelos seus expositores:
depois de piado, o
apostolando
tem de ser arrastado
por uma corrente avassaladora de argumentos precisos,
laados na hora certa. Suas reões devem ser acompanhadas
meticulosamente, os pontos de afinidade explorados ao
máximo, as resistências sufocadas com cautela e da maneira
mais indolor possível
410
.
O aliciamento de muitos jovens já iniciava muito antes dos primeiros
contatos. Especialmente nas duas primeiras gerões os jovens eram
analisados, geralmente pelos colegas de colégio, para depois receber convites
formais para freqüentar as sedes e participar de debates, situação também
descrita por Pedriali: o que não sabia era que, antes de aceitar o convite para
participar da reunião, estava sendo estudado minuciosamente e já engrenara
408
Este termo é utilizado especialmente por estudiosos das chamadas seitas e/ou novos
movimentos religiosos , mas s
e aplica ao movimento católico tefepista que analisamos.
409
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 12.
410
Idem, p. 72.
182
num processo meticuloso e cientifico de aliciamento...
411
Este aspecto também
foi enfatizado na reportagem da revista
Veja
dedicada à TFP no ano de 1970,
ao afirmar que, em geral, os candidatos tiveram sua conduta analisada por
algum tempo, só depois é feita a inquisição preliminar para conhecimento das
idéias do candidato a respeito de religião e política. Em seguida vem a fase da
doutrinação sistemática
412
. Neste mesmo sentido, a partir dos contatos iniciais
com os jovens candidatos, os tefepistas também deveriam explorar a vertente
(psicológica, religiosa ou social) que mais os fascinava, num jogo de conq
uista e
sedução para a causa:
a vertente psicológica é aquela que possuem as pessoas
inclinadas para a música, o teatro, a pintura, enfim, para o
belo; a religiosa, bem, dispensa explicações; e a social a m os
que se preocupam com os acontecimentos políticos e sociais,
que buscam explicações para eles e que se deixam envolver por
eles
413
.
Seguindo as indicões de instrutores de recrutamento, Pedriali foi
orientado a ir aos poucos, depois de conquistar confiaa e simpatia dos
candidatos, laando dúvidas sobre os pontos divergentes entre a TFP e o
jovem. O objetivo seria criar nele um atrito interior
mudaa das iias,
segundo Mark Bevir -
,
que o levaria a decidir se adere ou recusa a causa:
se
adere inscrever-
se
-á nas fileiras dos apóstolos dos últimos tempos que
dedicar
-
se
-á a defesa incondicional da reconstrução da Igreja, abalada pelo
progressismo e esquerdismo católicos, e te garantida sua salvão; se
recusar
-se a fazer parte desta luta será punido com o fogo eterno, pois,
conhe
cendo a TFP e n
egando
-se a serví-la, estaria inevitavelmente condenando
sua alma ao inferno.
Aos poucos o apostolando também percebia que teria de mudar muitos
dos hábitos que mantinha, pois estes seriam inconciliáveis com a doutrina da
TFP e com a missão a que estava sendo convocado a defender
uma
411
Ibidem, p. 14.
412
VEJA. Cavaleiros da Tradição.
VEJA
. 20 de maio de 1970, p. 36.
413
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 74.
183
verdadeira graça divina, já que pouquíssimos cristãos eram escolhidos para
pertencer a esta elite guerreira, uma elite contra
-
revolucionária:
acima de tudo, um militante precisa assimilar por
completo os princípios da TFP (o que, enquanto estive lá, nem
sempre acontecia na prática) e ordenar sua vida, seus hábitos e
suas idéias a esse modo de pensar, sentir e agir
414
.
Sem esta adaptação exterior e principalmente interior, jamais seria um
legítimo representante dos valores preconizados pela TFP, jamais poderia estar
imune às inflncias do mundo moderno, às inflncias revoluciorias. Gestos,
postura, aparência, comportamento, deveriam ser moldados para a luta entre o
bem e o mal. A indumentária dos tefepistas também deveria refletir sua
sobriedade; Pedriali recorda que aos poucos, conforme aumentava seu
envolvimento com a sociedade, suas calças foram alargando, suas camisas
foram adquirindo tonalidades mais discretas, seus sapatos esportivos foram
substituídos pelos sociais e seu cabelo tornou-se bem aparado
415
. Chico
Buarque, que flertou com a TFP quando tinha 14 anos, mudou rapidamente
seus hábitos; sua mãe recorda que o filho ficou sério, solene, que andava de
roupa engomada, ia para a Igreja, comungava, concluiu que seu fil
ho
apareceu com uma mania religiosa pica da aristocracia
416
. Como bem
destacou Macedo,
são caractesticas da mensagem da TFP a insisncia
que de ambientes, costumes, roupas, estilos de vida e modas
transparecem opções políticas. Daí sua insisncia em
denunciar
roupas, costumes socializantes e recomendar a seus membros
trajes conservadores, cortes de cabelo ortodoxos e atitudes
impregnadas de hierarquia e ordem
417
.
Também as visitas às sedes de São Paulo eram estimuladas aos
apostolandos, tanto para os que vivem no interior do país, quanto para os
414
Idem, p. 36.
415
Ibidem,
p. 22.
416
ZAPPA, Regina. Chico Buarque: Para Todos. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Prefeitura,
1999. p. 95.
417
MACEDO, Ubiratan B. de. O Tradicionalismo no Brasil. In: CRIPPA, Adolpho (Coord).
As
Idéias políticas no Brasil.
Vol. II. São Paulo: Ed. Convívio,
1979. p. 240.
184
estrangeiros recrutados nas sedes de outros países. Conhecer as sedes de São
Paulo e, principalmente, conhecer, ouvir, receber a bêão e beijar as mãos de
Plínio Corrêa de Oliveira eram eventos quase que obrigatórias para todo futuro
membro, a ponto de considerar-se efetivamente um novo tefepista somente a
partir do mom
ento em que conhecia dr. Plínio
:
a pessoa era membro da TFP depois que conhecia o
Plínio. Inclusive gente fora do país: Austrália, Espanha, qu
alquer
lugar do mundo onde tinha um grupo da TFP. Era como uma
peregrinação a Meca: é preciso fazer. Alguém até podia dizer-
se da TFP, mas enquanto não foi, não viu o Plínio, não
literalmente
beijou as mãos do Plínio, não era realmente
418
.
As viagens de estrangeiros e de brasileiros no interior do país eram
estimuladas para acelerar o processo de inicião, visto que nas sedes paulistas
os jovens estariam em contato com a doutrina oral da TFP (velada ao público
externo) com maior rapidez. Nelas o candidato é cercado pela exaltão
coletiva do líder, que é apresentado como o salvador de suas vidas, antes
desprovidas de sentido. Também o afastamento do seu meio, de seu cotidiano,
dos familiares e amigos, propiciavam ao visitante uma progressão no
conhecimen
to do cotidiano das sedes e na admiração exaltada ao líder
Dominus
Plinius
419
. Nesse sentido, era de extrema argúcia a ênfase que Plínio dispensava
à constrão dos ambientes das sedes, preocupação manifesta ainda na obra
Revolução e Contra
-
Revolução
:
na medida em que favorecem costumes bons ou maus,
podem opor à Revolução as admiráveis barreiras de reação, ou
pelo menos de ircia, de tudo quanto é sadiamente
consuetudinário ou podem comunicar às almas as toxinas e as
energias tremendas do espírito revoluci
onário
420
.
Para os neófitos, imersos em ambientes meticulosamente preparados
para seduzir e conquistar , rodeados por outros jovens que entregaram sua
418
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado].
p. 18.
419
TRADIZIONE, FAMIGLIA E PROPRIETÀ. Associazione Cattolica o setta millenaris
ta?
Disponível
em: <http://kelebek.mond.at/cesnur/txt/tfp01.htm
/> Acesso em 04/outubro/2004.
420
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Revolução e Contra-
Revolução.
4ª edição. São Paulo: ARTPRESS,
1998. p. 82.
185
vida à causa tefepista, iniciados na crea da natureza protica de Plínio, não
se tornava muito cômoda uma deseão deste ideal supremo que eraM
chamado a adotar. Pedriali destaca:
na realidade, as sedes devem conduzir seus moradores e
freqüentadores habituais a adquirirem o desejo de uma vida
astica, voltada para a oração e para o sacrifício. Pois, se
m
oração
e muita
e sem sacrifício
também na mesma
proporção
o
membro do grupo jamais conseguirá expulsar de
si o vírus da Revolução, jamais atingia perfeição que lhe é
exigida
421
.
Esta perfeição requer inúmeros sacrifícios, entre os quais a aceit
ação
irrestrita das teses defendidas pelos líderes e, conseqüentemente, a aceitação de
que doutrinas contrárias são derivadas das ões do demônio
422
, verdadeiras
afrontas à sã doutrina do Dr. Plínio. A verdade sobre a vida, o mundo, os
acontecimentos, o futuro já foi sistematizada e, qualquer desvio seresultado
nas investidas do mal para afastar os membros da verdade da TFP. Este
caráter antiintelectual é caractestica marcante em grupos religiosos que se
apresentam como verdadeiros defensores da doutr
ina. Tal postura deriva de sua
compreensão dualista de mundo: ou se acredita na verdade , sem
desconfiaas, hesitões ou questionamentos; ou se acredita no erro , que
estimula a insubordinação, a dúvida e confusão. Postura derivada das matrizes
contra
-revoluciorias católicas que decorre do entendimento de que a
verdade só é totalmente acessível a Deus, embora algumas almas recebam a
gra da sapiência para melhor esclarecer os planos divinos para os homens,
como destacou Isaiah Berlin referindo-se ao pensamento do contra-
revolucionário Joseph de Maistre:
421
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 37.
422
Segundo Plínio, a ação do demônio consiste em dar aos impulsos de desordem, que o
pecado original instalou em nós, uma vivacidade, uma energia, uma baixeza ainda maior; em nos
arrastar a uma esfera de degradação, de sensualidade e de impiedade pior ainda que a da
simples
malícia humana. Arrastando pois para baixo os pecadores, procurando dar coesão,
unidade, acerto de movimentos em toda a Terra às energias caóticas e por si mesmas anárquicas
de corruão, soprando, estimulando, capitaneando, o demônio é o verdadeiro chefe do reino
das trevas no mundo . OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A luz brilhará nas trevas.
Catolicismo,
São
Paulo, nº 636, p. 28
-
34, dezembro/2003. p. 32.
186
pretender entender o todo constitui uma vã insensatez;
ainda mais insensato é imaginar que podemos alterar esse todo
por meio de um conhecimento superior. Acreditamos e façamos
aquilo que ordena o Senhor através de seus representantes na
terra
423
.
Tentar entender este todo, interpretar livremente a doutrina ou as
Escrituras configura-se como uma insubordinação a Deus e uma tentativa
infrutífera de alcançar o inalcançável. Nesta mesma linha argumentati
va
dualista, ainda nos anos 30, Plínio defendia em seus artigos uma repressão
tanto à má-imprensa (tida como profana) quanto à imprensa neutra que, pelo
fato de não estar difundindo pela sua pena a verdade (da Igreja) estaria
traindo sua missão jornalíst
ica
424
. O próprio Pio XI estimulou os jornalistas
católicos para que estudem a doutrina católica e cheguem, tanto quanto
possam, a dominar a doutrina católica; guardem-se de faltar com a verdade e
jamais, sob pretexto de evitar a ctica dos adversários, atenuem ou
dissimulem
425
. Neste sentido, o símbolo de um bom óro de imprensa seria
vislumbrado no jornal O Legionário, do qual o autor De muitos artigos era,
simplesmente, o diretor.
Além do antiintelectualismo e do desesmulo às leituras que não
contribua
m ao engrandecimento espiritual, cultural ou combativo dos membros,
na TFP também se instigavam os membros à ptica habitual da chamada
restrição mental
426
,
que permite não mentir , mas permite habilmente
423
BERLIN, Isaiah. Joseph de Maistre e as origens do Fascismo. In: Limites da Utopia. Capítulos
da história
das idéias.
São Paulo: Cia das Letras, 1991. p. 117.
424
LIMA, Lizanias de Souza. Plínio Corrêa de Oliveira
Um Cruzado do Século XX. São Paulo,
1984. Dissertação de Mestrado, USP. p. 64.
425
PIO XI. Encíclica
Rerum
Omnium (26/janeiro/1933). Apud: MATTEI, R
oberto de, 1997. p. 75.
426
O termo restrição mental , em aceão geral, designa a contração do sentido óbvio de uma
sentença ou o ato do pensamento pelo qual algm restringe, amplia ou deturpa as palavras
dirigidas ao outro, em seu sentido natural e óbvio, retendo ou acrescentando algo em seu
pensamento. Existe a restrição "puramente mental", na qual a expressão, falsa segundo sentido
material das palavras, fica limitada a um significado verdadeiro, sem que, todavia, este último
seja de algum modo externam
ente cognoscível. Exemplo: se alguém diz que viu com os próprios
olhos o príncipe herdeiro da Inglaterra, subentendendo-se "através de fotografia". , também,
a restrição "em sentido lato", na qual o sentido verdadeiro não é certamente presumível pelo uso
corrente da língua, mas sim pelas circunstâncias particulares do momento. Exemplo: se o
dico diz ignorar que determinada pessoa tem câncer, isto é, como homem e não como
profissional. DENNY, Ercílio A. Algumas reflexões sobre a Veracidade I e II. In:
Ét
ica e Política.
Disponível em <http://www.hermes01.hpg.ig.com.br/> Acesso em 10/janeiro/2005.
187
enganar em proveito da Causa
427
, ou seja, estim
ula
-se o tefepista ou
candidato a membro a omitir, simular ou apresentar uma verdade parcial em
favor da instituição para qualquer situação (familiar, escolar, durante coleta de
donativos, em campanhas públicas, etc.) que lhe possa ser inicialmente
desfavo
vel mas que, a partir desta argúcia, torna-se conveniente. O trato com
os familiares logo se torna um problema para os apostolandos, visto que são
chamados à causa da TFP com dedicão e devotamento exclusivos. Utilizando-
se da restrição mental, os candidatos podem manter seu contato sem que a
doutrina interna da TFP seja exposta ou criticada, considerando a atmosfera de
segredo que se instaura sobre os conhecimentos internos à entidade que, em
hitese nenhuma, devem ser publicizados, nem mesmo para os familiares. Na
tentativa de amenizar os problemas que surgirão entre o jovem candidato com
as pessoas de seu convívio externo a TFP, estimulam, paulatinamente, a
necessidade de que tudo seja julgado em termos de revolão e contra-
revolução, inclusive a fam
ília
428
.
Com o tempo esta mentalidade dualista acaba por definir-se em termos
bastante simples: quem esna TFP defende a contra-revolão, quem se opõe
a TFP representa a revolão. Desta simplificão decorre a ppria
consideração da família como revolucionária e, portanto, uma inflncia
deletéria a vocação TFP. Barreiros ressalta que na TFP, apesar da trilogia que dá
nome a sociedade prezar pela defesa da instituição familiar, internamente a
família
era vista como um empecilho para a vocação da pessoa, que não
427
BARREIROS, Tomás Eon. Dúvidas (questionário sobre TFP) [mensagem pessoal]. Mensagem
recebida por <[email protected]> em 07 de março de 2005.
428
Como declarou o próprio fundador da TFP: "a afirmação de que entrar na TFP significa
romper com o mundo é, em certo sentido, verídica. É o caso se se tomar esta expressão como se
relacionando com o mundo de hoje em dia, com a marca do neopaganismo, do qual ele é tão
prof
undamente impregnado. Ou tamm em outro sentido, como que a rencia e usufruto
legítimo das facilidades da vida corrente, de modo a consagrar à luta em favor da civilização
cristã e contra o comunismo toda a sua existência, em regime de completa dedicação, é o caso
da maior parte dos membros e simpatizantes da TFP". ASSOCIATION FRANÇAISE POUR LA
DÉFENSE DE LA TRADITION, DE LA FAMILLE ET DE LA PROPRIETÉ.
Imbróglio, détraction, délire
Remarques sur un rapport concernant les TFP. Apud: CASTRO, Marcelo Lúcio Ottoni de.
Política
e Imaginação: Um estudo sobre a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade (TFP).
1991
. Vol. II. Dissertação (Mestrado em História Política do Brasil)
Universidade de Brasília, Brasília, 1991. p. 171.
188
poderia atender ao chamado da família e ao chamado da vocão
429
, um
obstáculo que deveria ser afastado do contato com os jovens candidatos visando
seu distanciamento de tudo que fosse externo ou afastado da doutrina e
atuação da entidade. Neste se
ntido,
após a aceitação da visão de mundo
tefepista
embasada na luta entre o Bem e o Mal -, da mudaa de alguns
hábitos cotidianos, do aprimoramento espiritual e intelectual, do afastamento de
muitos amigos do colégio e, especialmente das mulheres, chegaria o momento
do afastamento da família. Segundo o discurso da entidade, o mundo tinha se
tornado espúrio, contagiante, um perigo , portanto, tinham de manter
distância de tudo o que não se relacionasse com a causa e os hábitos da TFP,
tidos como modelo
ideal.
Como constatamos também em algumas obras e artigos de tefepistas, o
argumento da exisncia de uma vocão TFP fez parte do aparato discursivo
dos membros especialmente para defenderem-se dos genitores que, afastados
dos filhos que optaram por dedi
car
-se exclusivamente a TFP, estariam criticando
os métodos de apostolado, recrutamento e vivência intra muros. Na Venezuela,
onde tais acusões tornaram-se rumorosas e tamm contribram para o
fechamento da entidade tefepista por decisão governamental em 1984, uma
obra foi publicada visando esgotar o assunto. Prefaciada por Pnio Cora de
Oliveira, a obra teria como objetivo analisar o que é uma vocão e a relação
entre famílias e vocão; a demonstração de que pode ser objeto de vocão
específica atuar nas fileiras da TFP; e analisar a questão das famílias e a
vocação TFP, na crise da Igreja e das sociedades contemponeas. O
argumento central do texto defende que a sociedade e a família moderna o
compreendem a decisão valorosa de seus filhos de d
edicarem
-se a uma
vocação religiosa (defesa esta utilizada por uma entidade juridicamente civil!),
situação diversa da que ocorria em um lar cristão, o qual teria em alta honra se
algum de seus filhos recebesse a vocação para o sacercio ou o estado
relig
ioso
430
. Mais do que uma constatação da incompreensão moderna pela
429
BARRE
IROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado].
p. 21.
430
Ver: COMISSÃO DE ESTUDOS DA TFP.
A TFP: uma vocação, TFP e família, TFP e famílias na
crise espir
itual e temporal do século XX.
II Volumes. São Paulo: ARTPRESS, 1986.
189
dedicação religiosa, tal argumento serve também para demonstrar aos pprios
tefepistas a causa maior de toda esta situação: a família moderna estaria
corrompida pelos laivos a Revolão; seus pprios pais seriam produtos de
todo o processo revolucionário ao qual os membros da TFP pugnam para
destruir.
Com o passar dos anos, na TFP forjou-se uma linguagem hermética
própria que designaria vários elementos de sua vida cotidiana comum. Para
ref
erir
-se a família os membros do Grupo, já iniciados na doutrina tefepista
interna, criaram a sigla C.D.G. , que designaria a casa dos familiares como
casa daquela gente . Esta sigla foi alterada pelo pprio Plínio Corrêa de
Oliveira que, ao ouvir tal sigla e descobrir seu significado achou mais
conveniente alterar os termos para F.M.R. , que significa fonte de minha
revolão , e explicou que seria por intermédio da família que as pessoas
receberiam todos os pendores revolucionários, então seria uma co
nseqüência
lógica alegar que a família é fonte de revolução para cada pessoa
431
. Na
entidade a família era considerada uma inflncia tão deleria para a vocão
que os membros exorcizavam as correspondências e pacotes que lhes
eram
enviados pelos famili
ares
:
tudo o que tem a ver com a F.M.R. contém as impressões
digitais do Demônio. (...) os filhos das Trevas sabem muito bem
como agir para afastar-nos da TFP. Somente os mais idiotas
deles é que recorrem a atos de força ou pressões explícitas para
induz
ir
-nos à apostasia. Os mais espertos são justamente
aqueles que se dizem nossos amigos, simulam simpatia para
nossa causa, mas, no fundo, só querem mesmo a nossa
desgraça. E não tática mais eficaz para enfraquecer-nos do
que a demonstração de carinho da
F.M.R.
432
Para evitar tal infecção pelo mal, fazia-se o sinal da cruz e ungia-se o
pacote ou carta com água benta, bem como se recitava uma rmula do
exorcismo adaptada pela TFP: Sancte Michael Archangele, defende nos in
proeliis contra nequitias et insidias diabolis Revolutionis et malarum Inclinarionem
431
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado].
p. 22.
432
PEDRIALI, José Antôn
io, 1985. p. 75.
190
nostrarum...
433
Neste ponto tornara-se latente o antagonismo entre os ideais
públicos da Sociedade e sua ptica. Pedriali recorda que tal atitude foi
explicada apontando que a defesa da TFP é da instituição família, e não a
simples defesa da família moderna, que se desviou da verdadeira tradição e
ensinamentos da Igreja, portanto, o relacionamento com os parentes dos
membros deveria ser apenas formal e distante, conforme as orientões
recebidas pelos demais membros do Grupo. Sintomático deste desprezo pela
constituição de uma família foi o conselho recebido de João Clá por um ex-
eremita que pretendia deixar a TFP:
segundo o sr. Clá, o desejo de constituir família
(expressão literal dele) era uma traição à vocação. Dizia que se
eu saísse do movimento, seria uma pessoa frustrada, um caco ,
segundo ele. Citou-me vários exemplos de pessoas que saíram
da organizão e arruinaram suas vidas. Disse-me que
provavelmente Nossa Senhora me castigaria, podendo e
u
morrer, ou mesmo ficar cego ou inválido para o resto da vida (o
mesmo tipo de ameaças e coação moral das vezes anteriores).
Dizia também que ele, por amor ao dr. Plínio (expressão literal
dele), insistia comigo para que eu realizasse minha vocação. Ele
praticamente me intimou, sob coação moral, a abandonar o
emprego, o cursinho, desistir da faculdade e ver como resolveria
a situação de outra maneira. Insistia para que eu fosse falar
com o dr. Plínio, a fim de colocar-me em ordem
434
.
Tais considerações sobre a percepção da família no interior da TFP
remetem, de imediato, a duas questões: primeiro, a defesa da instituição
família, que a TFP preconiza no pprio nome da entidade, não é condizente
com a realidade empírica vislumbrada pelos membros, portanto, refere-se a um
modelo ideal que estaria desaparecendo (o que invalidaria a própria proposta
de defesa desta pela entidade). Desta considerão derivam os argumentos que
iniciam a obra A TFP: uma vocação, TFP e famílias, TFP e famílias na crise
espiritual
e temporal do século XX, citada anteriormente, cujo primeiro capítulo é
intitulado:
A família é a celular mater da sociedade; quando nela não se
observa a Lei de Deus, conseências funestas decorrem para todo o corpo
433
São Miguel Arcanjo, defendei-nos em nossas lutas contra as iniqüidades e insídias do
denio, a Revolução e as nossas más inclinações...
Idem.
434
Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 91.
191
social
435
, tema que é apresentado a partir de uma série de citações de
encíclicas e alocões papais (autoridades religiosas defendendo tal premissa à
qual a TFP se filia)
.
A segunda observação é de que esta compreensão sobre a
família moderna acaba por antagonizar com as bases do pensamento
conservador que, como vimos no capítulo precedente, norteiam em grande
medida sua doutrina e atuação e que m na família e nas instituições
intermediárias os elementos essenciais das sociedades; a primeira pela
educão e formação do cidadão, pela defesa dos princípios de autoridade e
obediência; os grupos intermediários pelo papel de mediadores e reguladores
das relações entre indivíduos e o Estado.
Coerente com esta aversão à família e às relões sexuais, também a
mulher
436
é alvo de inúmeras acusões e ódio pelo discurso misógino de
muitos membros da TFP, como lembra Folena: essa repulsa assume verdadeira
obsessão, chegando a apontar pecado mortal nos cônjuges que busquem prazer
e não a procriação em sua vida íntima
437
. Na entidade as mulheres são
consi
deradas fontes de sensualidade, encarnação dos vícios, pecado em forma
humana e como intrinsecamente s . Tal discurso, presente em várias
matrizes da tradição católica, deriva de elaborações ainda da Antiguidade
Tardia e dos primeiros teólogos da Igreja que forjaram uma tendência a favor
do sexo masculino que se mantém ainda em nossos dias, de maneira que as
representações sobre a mulher foram sendo conformadas a esta situação
hierárquica. Nos séculos IV e V autores como Santo Ambrósio, São Jerônimo,
São João Crisóstomo e Santo Agostinho elaboraram comentários e
interpretações sobre os textos bíblicos que ainda servem de fundamento para os
muitos cristãos. Este discurso corrobora a antiga apreensão pelo sexo oposto
435
COMISSÃO DE ESTUDOS DA TFP, 1986. p. 07.
436
É perceptível nos depoimentos de egressos uma forte questão de gênero que perpassa as
relações entre homens e mulheres na entidade. Embora não desenvolvamos tal discussão nesta
tese, é importante salientar sua importância na orientação das ões cotidianas pelos seu
s
membros. Altoé, detalhou esta questão em seu trabalho sobre a TFP de Campos de Goytacazes,
destacando como a questão de gênero teve proeminência na dissidência ocorrida com o
falecimento do líder em 1995. Ver: ALTOÉ, André Pizetta. A TFP em Campos dos Go
ytacazes:
trajetória política, nero e poder. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em
Ciências Sociais)
Centro de Ciências do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2004.
437
FOLENA, Giulio, 19
87. p. 141.
192
bem como a doutrina tradicional da Igreja que culpabiliza a expulsão do
paraíso pela insubordinação a Deus fomentada pela mulher.
Klapisch
-Zuber destaca que este discurso depreciativo da mulher se
consolidou durante a Idade dia, especialmente pela ênfase de religiosos à
sua vinculação com
o demônio. A conclusão a que se chegou é de que a mulher
apresentava inúmeras fraquezas e qualidades negativas, sendo por natureza
legada a uma posição secundária, portanto amparada no homem
438
. Esta
situação também foi descrita por Toldy como derivada de uma justificão
teológica para a ordem patriarcal estabelecida (Eva foi criada a partir de Adão
para ser sua auxiliadora e foi a culpada pelo chamado pecado original),
situação que contribuiria para uma visão da mulher enquanto ser inferior e
como tentador , de forma semelhante a Eva. Para a autora esta cosmovisão
teria auxiliado na consolidão das mulheres no âmbito privado do lar e na
delegação dos pais sociais relacionados a ele. Tal universo seria o local ideal
para manter seu esrito e seu corpo inferiores e pecaminosos resguardados
da perdição de si e dos outros
439
.
Delumeau segue a mesma linha interpretativa
do discurso católico ao apontar que São Tomás de Aquino, ampliando a
perspectiva misógina de Santo Agostinho, defendeu que sua criação foi
mais
imperfeita, inferior à do homem e completa que tal situação deve ser
equilibrada com a obediência ao ser de agraciado com maior discernimento e
razão. O autor também enfatiza que ao procurar um responsável pelo malogro
pelo desaparecimento do paraíso terrestre o homem encontrou a mulher
440
, a
eterna culpada pela insubordinação e pelo vício, situação ressaltada também na
TFP:
438
KLAPISCH
-ZUBER, Christiane. Masculino/Feminino. In: LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-
Claude (Coord). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Volume II. Bauru: EDUSC; São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 137.
439
TOLDY, Teresa Martinho. Apud: RIBEIRO, Silvana Mota. Ser Eva e dever ser Maria:
paradigmas do feminino no Cristianismo. IV Congresso Português de Sociologia.
Coimbra.
Disponível em: <http://www.aps.pt/ivcong
-
actas/Acta181.PDF> Acesso em 15/janeiro/2005.
440
DELUMEAU, Jean. Os agentes de Satã: A mulher. In: História do Medo no Ocidente: 1300-
1800, uma cidade sitiada.
4ª reimpressão. São Paulo: Cia das Letras, 1999. p. 314.
193
Deus, quando criou o homem, colocou a mulher em
posição de inferioridade em relação a ele. Eva foi fruto de uma
costela de Ao, complemento dele. Sem Adão, Eva não teria
existido. E foi ela quem o induziu a comer o fruto proibido,
causa da expulsão de ambos do paraíso, causa do primeiro e
dos demais pecados, causa, enfim, da atual situação em que
vive o mundo. Todas as mulheres, em conseqüência, m essa
tendência para o mal, esse poder diabólico de conduzir o
homem ao pecado, à perdição eterna
441
.
Na Sociedade a simples visão de uma mulher é considerada como
ocaso próxima a pecar , de maneira que a orientação é de absoluto
afasta
mento visual e sico de qualquer pessoa do sexo oposto. Folena e Fedeli
apontam que a raiz de tal misoginia deriva da própria aversão do fundador da
TFP a qualquer manifestação sexual e ao sexo oposto. Ambos os egressos
apontam que tal tese deriva da obra da vidente Anna Katharina Emmerick
442
que defendia que a reprodução sexual era um ato lamentável e vergonhoso. A
vidente afirmava que antes do pecado original a reprodão se fazia pelo verbo
este mito de que o homem primitivo não tinha uma vida sexual foi defendido
também por outros autores com certa diferea de conteúdo, entre os quais São
João Crisóstomo, Grerio de Nissa e Santo Atanásio
443
. Plínio, sempre
441
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 43.
442
Anna Catarina Emmerick nasceu no dia 8 de Setembro de 1774, na comunidade de
camponeses de Flamschen (Alemanha). Desde a mais tenra infância sentiu-se atraída de modo
particular pela orão e pela vida religiosa. Deste modo, ainda adolescente expressou o desejo
de entrar num mosteiro, a fim de viver exclusivamente para o Senhor. Em 1802 entrou na
comunidade de Agnetenberg e, no ano seguinte, pronunciou os votos. Em 1811, em virtude
do movimento de secularizão, o seu mosteiro foi suprimido. Ana abandonou a comunidade e
foi recebida como empregada doméstica na casa de um sacerdote francês. Nesse período,
recebeu os estigmas, que lhe provocavam dores atrozes. De todas as personalidades que a
visitaram nesses anos, de particular significado foi o encontro com Clemens Brentano que de
1818 a 1823 visitou a religiosa quotidianamente para descrever as suas visões, que depois
publicou. No Verão de 1823, a religiosa debilitou-se ainda mais, mas uniu as suas dores ao
sofrimento de Jesus, oferecendo-as pela redeão de toda a humanidade. Ana Catarina faleceu
no dia 9 de Fevereiro de 1824. VATICANO. Ana Catarina Emmerick (1774-
1824).
VATICANO.
Disponível em <http://www.vatican.va/> Acesso janeiro/2005.
443
Jacques Rossiaud também destacou: A mesma corrente de pensamento que faz da
sexualização o efeito da vingança divina só pode banir o corpo sexuado, marca da decadência e
do pecado. O sexo, intrinsecamente ruim, torna-se em todos os casos antagonista do sagrado.
Na tríade das ordens de perfeição, os virgines ocupam o nível supremo, e os teólogos da
virgindade apresentam esta vida assexuada (que se diz angelical) como signo indubitável da
adesão a Deus e como modelo a seguir. A superioridade dos oradores esligada à rencia ou
à continência, e a castidade do padre
mesmo imaginária
confere
-lhe autoridade moral face
aos conjugati e aos outros. Esta concepção da hierarquia dos valores não favoreceu a reflexão
positiva acerca do casamento, remédio à concupiscência , alternativa à danação para os
194
preocupado com a sexualidade exacerbada do homem moderno e marcado
pela misoginia, defendia então que tal estado original seria restaurado no Reino
de Maria que ser
ia
erigido em um futuro próximo
444
.
É importante destacar que tanto os autores católicos tradicionais quanto
os membros da TFP condenam irremediavelmente as mulheres pelos infornios
do mundo mas que, em contrapartida, apresentam um modelo de pureza,
virgindade, submissão, devão, espiritualidade, beleza, etc., que é a Virgem
Maria
sempre representada como uma gloriosa exceção entre as intrínsecas
(em alusão à tese de que todas as mulheres são intrinsecamente s). Caso
pico deste posicionamento é de São Ls Maria Grignion de Montfort
(mariólogo mais destacado nos ambientes da TFP) que, dedicou sua vida ao
amor e devoção à Santíssima Virgem e ao estimulo à escravidão de amor à Mãe
de Cristo, muito comum na entidade. Por outro lado, Grignion de Montfort
declara guerra a todas as mulheres coquetes e vaidosas, provedoras do
inferno
445
. A valorizão e a devoção à e de Deus, neste contexto misógino,
deve ser avaliada com a considerão de dois elementos que, tanto evidenciam
sua condição humana, quanto a diferenciam em absoluto das demais mulheres:
primeiramente a consideração de Maria enquanto Imaculada, desde a
concepção até sua morte - dogmas da Imaculada Conceição (1854) e da
incontinentes , única forma de conjugão admitida a fim de conter a volúpia e, com esta
ultima,
a desordem. Partindo dos modelos evangélicos e romanos, os pais falam em ordo conjugatorum e
elaboram uma teologia do matrimônio que dedica, bem ou mal
mas muito tardia e
perniciosamente
um lugar ao sexo. E o fazem visando o melhor uso de uma prática condevel
quando não inteiramente subordinada à sua única finalidade lícita, a procriação. Portanto,
convém respeitar estritamente as regras e os ritos de uma conjunção de corpos que m
igualmente por função moderar a luxúria . ROSSIAUD, Jacques. Sexualidade. In: LE GOFF,
Jacques. SCHMITT, Jean-Claude (Coord). Dicionário Tetico do Ocidente Medieval. Vol. II.
Bauru: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 480.
444
Segundo Folena: O misógino reprime violentamente qualquer manifestação sexual. Talvez
voltado para aquele que horror! , divulgava a tese da vidente alemã, Ana Catarina Emerick, que
diz que, no Reino de Maria, a reprodução humana se fará pela palavra . FOLENA, Giulio, 1987.
p. 141.
Ver também: FEDELI, Orlando. Cartas TFP
Humanismo, Misericórdia e Justiça.
Montfort
Associação Cultural.
Disponível em <http:www.montfort.org.br/> Acesso janeiro/2005.
445
Delumeau apresenta um cântico composto pelo santo para uso dos fiéis: Mulheres belas,
rostos formosos/ Comoso vossos encantos são cruéis!/ Como vossas belezas são infiéis/ Fazem
parecer criminosos!/ Pagareis por essas almas/ que fizestes pecar/ Que vossas práticas infames/
Fizeram afinal cambalear./ Enquanto estiver na terra,/ Ídolos de vaidade,/ Eu vos declaro a
guerra,/ Armado de verdade . MONTFORT, São Ls Maria Grignion de. Apud: DELUMEAU,
Jean, 1999. p. 321.
195
Virgin
dade Perpétua de Maria (649) -, e em segundo lugar, sua Assunção aos
us (dogma proclamado em 1950), que efetivamente desdobra-se na sua
consideração enquanto santa, ou seja, Maria é mulher, é humana mas é
sobretudo espiritual, portanto esem um vel superior que nenhuma mulher
comum poderá alcaar
decorrendo daí que o existirá outra mulher tão
pura, imaculada, devota e santa quanto o foi a Santíssima Virgem:
São Ls Maria Grignion de Montfort: las virtudes de
Nuestra Madre Santísima son: su humildad profunda, su fe viva,
su obediencia ciega, su pureza divina y su oración continua.
São Tomás Vilanova:
Ella poseyó las excelencia de todos
los santos. En Ella se encuentra la paciencia de Job, la
mansedumbre de Moisés, la fe de Abraham, la castidad de
José,
la humildad de David, la sabiduría de Salomón, el celo de Elias,
ou ainda
, pinta con los más vivos colores de la imaginación una
Virgem purísima, prudentísima, hermosísima, devotísima,
humildísima, masima, graciosísima, santísima, adornada de
toda
suerte de virtudes, enriquecida con los más preciosos
carismas, y por todo ello, gratísima al Señor. Acumula cuantas
perfecciones puedas en esa criatura admirable, que mucho
mayor y más excelente es la celestial Virgen Maria
446
.
Ribeiro é mais enfática ao destacar que o discurso católico, em geral,
apresenta a mulher real enquanto descendente do paradigma de Eva
(relacionada ao pecado, luxúria, desobediência, ruptura com o sagrado, etc.),
ao mesmo tempo em que apresenta o paradigma de Maria como modelo idea
l
do que a mulher deveria ser: virtuosa, ligada ao divino, virgem, boa mãe e boa
esposa; mas complementa que a mãe de Jesus é um modelo do qual as
mulheres devem se aproximar, mas isso afigura-se praticamente impossível
devido à natureza perfeita e inigualável dela
447
. Delumeau recorda que a
principal contrapartida da exaltação de Maria para a constrão do modelo
ideal de mulher foi a desvalorizão da sexualidade que tal representação
446
Apud: CÁCERES, Santiago Vanegas. Reina Señora y Madre. Guayaquil, Equador, 1998. p.
421.
447
RIBEIRO, Silvana Mota. Ser Eva e dever ser Maria: paradigmas do feminino no Cristianismo.
IV Congresso Português de Sociologia. Coimbra. Disponível em: < http://www.aps.pt/ivcong-
actas/Acta181.PDF> Acesso em 15/janeiro/2005.
196
suscitou
448
, especialmente entre os religiosos, preocupados em argumentar
incessantemente sobre o perigo intrínseco das mulheres. Em obra sobre o
pecado e o medo no Ocidente, o mesmo autor realça a fonte de tal desprezo
pelo prazer corpóreo ao relacioná-lo com o próprio desprezo pelo mundo que
marcou o discurso católico por séculos, e que ainda espresente em várias
esferas da Igreja. Segundo Delumeau a tese do desprezo do mundo é
dominada pelo conflito estabelecido entre tempo e eternidade, multiplicidade e
unidade, exterioridade e interioridade, vacuidade e verdade, terra e
céu, corpo e
alma, prazer e virtude, carne e espírito; e conclui o discurso católico sobre o
desprezo pelo mundo reflete o desprezo pelo passageiro, pelo imediato em
contraposição ao eterno e transcendente
449
.
Além da fobia às mulheres, os tefepistas também
revelam um exacerbado
horror ao casamento. Situação que foi destacada por Folena como outra
ambigüidade da TFP, ao apontar que, mesmo exigindo o celibato, algumas
sedes da TFP admitem membros casados para mais tarde tentar
de todas as formas, separá-los das famílias, chegando a
pôr fora, em desgraça, no ostracismo, os membros que
pretendam casar-se. Nos poucos casos de teefepistas que se
desviam do celibato, a TFP envia eremitas às cerimônias,
utilizando
-as como prova de que não são contra o casamento.
Por
ém, o teefepista que se case esta irremediavelmente
sabugado
450
.
O mesmo autor lembra que na TFP tamm circula a macabra teoria do
caminhão bendito , proveniente dos círculos tefepistas da Argentina, que
defende que todas as mulheres de teefepistas estarão, num dia, num mesmo
automóvel, que cai num precipício ou se esmagado por uma jamanta
451
.
Tefepistas casados são afastados de sua família através de inúmeros
448
DELUMEAU, Jean, 1999. p. 319.
449
DELUMEAU, Jean. O desprezo do mundo e do homem. In: O pecado e o medo: a
culpabilização no Ocidente (séculos 13
-
18).
Volume I. Bauru: EDUSC, 2003. p. 25.
450
FOLENA, Giulio, 1987. p. 144.
451
Idem, p. 143.
197
subterfúgios como viagens em prol da TFP, separação de corpos (o membro vive
nas casas d
a entidade e a família com parentes) e, especialmente, pelo estimulo
e/ou cobraa de uma separão efetiva da esposa para que o membro do
Grupo
viva celibatariamente e livre de compromissos no exterior das sedes.
Fedeli aprofunda a questão da aversão à mulher e à família lembrando que
Plínio coloca o fundamento da crise revolucioria nos problemas de alma
mais profundos , o que acabou se desenvolvendo no sentido de uma
exagerada importância à questão da castidade e na condenação do casamento,
e completa: ouvi eu mesmo, do próprio Dr. Plínio, a afirmão de
que
"todo o
objetivo da mulher es no útero". Daí, provieram os gravíssimos problemas
morais internos da TFP em questão de sexo
[como]
o homossexualismo
452
.
O
egresso, em entrevista conjunta com Hermann Herschander ao programa de
rádio
Hora de São Jerônimo,
concluiu
que o verdadeiro objetivo da TFP não
seria defender os valores cristãos, entre eles a família, a ênfase neste discurso é
utilizada para obter presgio entre os católicos
453
. A partir da adesão efetiva a
verdadeira família do tefepista passava a ser a TFP, cujo pai seria
Dominus
Plinius
e a mãe a Virgem Maria, ou Dona Lucília, para aos que se consagrassem
à falecida e do profeta como seus filhos
454
. Acolhido por esta nova família, a
família de almas da TFP, deixavam muito para trás, mas eram regozijados
com a previsão de um futuro espndido, onde poucos iriam ser salvos, ou seja,
entregar-se à TFP corresponde a rejeitar todo o passado individual, romper os
vínculos com o presente e dedicar
-
se ao futuro, previsto como repleto de glórias e
de santidade criss
455
.
452
FEDELI, Orlando. Cartas TFP
Revolução e Contra-
Revolução.
Montfort
Associação
Cultural.
Disponível em <http:www.mo
ntfort.org.br/> Acesso janeiro/2005.
453
FEDELI, Orlando. HERSCHANDER, Hermann. A TFP (parte I). Programa A Hora de São
Jerônimo.
Disponível em < http://sites.uol.com.br/horasaojeronimo/> Entrevista do Prof. Carlos
Ramalhete. Acesso em agosto/2002.
454
Tal consagração foi feita pelo Sr. Luis Felipe de Freitas Guimarães Ablas, que declarou tal
evento em uma declaração onde externava ser membro da sociedade secreta da TFP, bem como
relatava detalhes do ritual de consagração dos membros como escravos de Plínio Corrêa de
Oliveira. ABLAS, Luis Felipe de Freitas Guimarães. Declaração. Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p.
173 a 177.
455
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 37.
198
3.2 A mística tefepista
3.2.1 O carisma profético de Plínio Corrêa de Oliveira
A mística tefepista foi sendo forjada com a paulatina alteração ocorrida
na própria TFP desde sua fundação e que, com o passar dos anos, consolidou
uma visão ímpar sobre seu líder e sobre a missão que o mesmo teria a
desempenhar neste mundo. Plínio demonstra um incrível carisma que foi
consolidado ainda nos anos 30 e 40 quando liderava setores do moviment
o
católico leigo paulista. Esta liderança tornou-se mais efetiva para o grupo de
congregados marianos que fundou a TFP em 1960, visto o relacionamento
próximo e a admirão que os mesmos devotavam ao sistematizador da
doutrina contra-revolucionaria e grande difusor da devoção mariana,
especialmente da consagração montfortiana da escravio de amor à
Santíssima Virgem.
Ainda antes da fundação da TFP foi sendo forjado um discurso mais
veemente sobre a singularidade caristica e profética de Plínio, discurso que
foi difundido com cuidado entre os três grupos que então compunham a pré-
TFP
:
o profeta conseguiu firmar, definitivamente, sua
liderança, difundindo entre todos os congregados reunidos nas
três sedes a certeza de que, para ser de fato um verdadei
ro
guerreiro da Virgem, era preciso imbuir-se do bom espírito, o
espírito de Plínio, a imitação de Plínio, tornar-se escravo do
profeta
456
.
Destas considerações, surgira uma admiração fanatizada ao líder,
corroborada pelo trabalho metódico do assistente João Clá Dias, responsável
pela implantação de novos modelos de aliciamento, doutrinão e apostolado
para os membros. Mais jovens e menos experientes, os enjolras
457
foram sendo
iniciados em uma doutrina mais dedicada à formação de uma elite guerreiro-
monásti
ca e menos voltada para a luta pública anticomunista que marcou
atuação da entidade desde sua fundão. Esta mudaa, que não foi operada
456
FOLENA, Giulio, 1987. p. 19.
457
Significado da palavra
enjolra
:
com ela se designam, na TFP, por afetuoso gracejo, os mais
jovens cooperadores da entidade . GUIMARÃES, Átila Sinke. SOLIMEO, Gustavo Antonio. Vol. I,
1984. p. 13. Nota de rodapé.
199
sem resisncias por parte de alguns membros, consolidou uma nova orientação
principal para os tefepistas
de leigos atuantes na sociedade temporal para
sequazes devotos do profeta:
sobre esse conjunto amorfo de jovens, Clá passou a
exercer toda a força de sua capacidade de persuasão. Num
processo gradual e metódico, os enjolras foram usados, numa
primeira etapa, para ressaltar os aspectos importantes da
pessoa de profeta e sua progenitora, sem, no entanto, ignorar a
doutrina político-social e religiosa
externa
da TFP: o
anticomunismo, os princípios de Revolão e Contra-
Revolução
,
algumas cartas pastorais, etc.
Paulati
namente, foi-lhes incutida a idéia de que o
importante para um verdadeiro teefepista era deixar-se penetrar
pela personalidade do profeta , sendo então criada a doutrina
da união transformante : à força de admirar Plínio em todos os
aspectos, o teefepista se deixa assumir pelo profeta , aque
ocorra uma espécie de fusão de almas. Por essa fusão ,
Plínio passa a exercer influência cada vez maior em todos os
aspectos da personalidade do teefepista: sua vontade, suas
preferências, suas idéias, suas ten
dências, enfim, todo o seu ser.
E o auge é quando, segundo Clá, o teefepista pode dizer com
orgulho: Não sou eu quem vivo, mas Plínio que vive em mim
(frase de Paulo em relação a Jesus Cristo)
458
.
Tornou
-se corrente na TFP esta consideração de que se deveria acreditar
na missão providencial delegada a Plínio, sentir enlevo pelo seu líder de
maneira a abrir a alma para receber sua inflncia, ouvir suas palavras para
deixar
-se dominar e transformar por elas pois que qualquer membros só se
tornaria um legítimo astolo dos últimos tempos quando deixasse de ser ele
mesmo para impregnar-se da personalidade de Plínio Cora de Oliveira
o
maior de todos os santos e profetas
459
. Sendo também a Igreja desprezada
pelas heresias branca e negra
460
que a teriam assolado desde o fim do
458
FOLENA, Giulio, 1987. p. 88.
459
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 111
460
Publicamente a TFP defende a tese contra-
rev
olucionária da presença do vírus revolucionário
no interior da Igreja, mas, propaga em obras a sua aproximação com eclesiásticos de destaque
como os Cardeais Benedetto Aloisi Masella (1879-1970), Giuseppe Pizzardo (1877-1970), Josef
Mindzsenty (1892-
1975),
Dino Staffa (1906-1977), Josyf Slipyi (1892-1984), Mario Luigi
Ciappi
(1909
-
1996)
, Bernardino Echeverría Ruiz (1912-2000), Alfons Maria Stickler (1910-...), Bispo
Juan Rodolfo Laise (1926-...), entre outros. Hermeticamente, no entanto, o discurso é outro.
A
TFP é marcadamente anticlerical e, como tal, considera os religiosos contemporâneos como
representantes da heresia branca (pelas suas atitudes, tendências e modo de ser) e da heresia
200
pontificado de Pio X, Plínio legar-
se
-ia o papel de representante da verdadeira
Igreja, da Igreja não corrompida pela modernidade
.
O novo arsenal doutrinário e protico foi beneficiado, especialmente,
após a reinterpretação de dois eventos que marcaram a vida do profeta : uma
violenta crise de diabetes sofrida em 1967, que culminou com a amputão de
vários artelhos do direito e, anos depois, com o acidente automobistico de
1975 que deixou o líder com inúmeras fraturas e seqüelas que o
acompanharam até o fim da vida. Estes problemas foram creditados à tibieza
dos eremitas e colaboradores que não tinham absorvido o esrito do profeta,
ou seja, a culpa dos males sofridos pelo líder foi creditada aos seus sequazes
que, devido à não extirpão total de elementos revolucionários, mantinham a
impureza na TFP; as tais acontecimentos, Plínio tornava-
se sagrado para os
militantes da TFP. O maior de todos os santos, de todos os profetas, o homem de
maior santidade que já pisou na face da Terra, afora Jesus Cristo e a Virgem
Maria
461
. Plínio teria espalhado ser sua doea conseqüência da indolência do
grupo, cujos pecados, de ação e omissão, acabariam por fazê-lo perecer
fato
que causou comão, ampliou o devotamento dos tefepistas ao líder e,
especialmente, consolidou a compreensão do mesmo enquanto mártir. Este
discurso foi retomado em 1975 por Plínio que, após um exame de consciência,
descobrira ter sido a vítima oferecida em holocausto
pelos pecados de tibieza, desobediência, falta de aplicação nos
serviços, falta de bom espírito. Só conseguiria sobreviver se
todos os eremitas se dispusessem a redobrar os esforços de
obediências aos Ordo [regras gerais dos Êremos], de aceitação
das penincias, buscassem cada vez mais o bom espírito
462
.
[Discurso de um egresso]
Uma versão mais ampla foi difundida na Itália: il 1º
febbraio 1975, di fronte alla sempre più difficile situazione della
Chiesa cattolica, quindi del mondo cattolico, nel corso de una
negra (erros doutrinários), complementando que a verdadeira fé ortodoxa é somente defendida
na Sociedade. RAPPORT JOYEUX. Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 186.
O próprio Dom Mayer, quando do seu afastamento da instituição nos anos 80, revelava: há na
TFP um anticlericalismo visceral: tudo que vem do clero é recebido com reservas. No fundo,
uma convicção de que todos os padres são ignorantes, pouco zelosos, interesseiros e outras
boas qualidades pelo estilo . MAYER, Dom Antonio de Castro. [Carta, destinatário
desconhecido] 16 de dezembro de 1984.
Apud: FOLENA, Giulio, 1987.
p. 148.
461
FOLENA, Giulio, 1987. p. 97.
462
Idem, p. 102.
201
riunione della TFP brasiliana, si offre come vittima espiatoria, e
trentasei ore dopo resta gravemente ferito in un incidente
stradale, le cui conseguenze lo hanno accompagnato fino alla
morte
463
.
[Discurso da entidade próxima da TFP]
Deste modo o profeta
tido como devotado integralmente ao
catol
icismo, à contra-revolão, a reedificão da nova Cristandade -, também
se sacrificava e/ou sofria imolações pela situação atual da Igreja e da entidade
responsável pela vitória das forças do bem. Tal como Cristo, Plínio sofria na
pele os pecados dos homens, sofria fisicamente pela situação catastrófica e
corrupta do mundo contemporâneo. O pprio João Clá teria corroborado esta
tese ao afirmar:
Plínio o cordeiro, o pelicano, teria diminuído com suas
dores, seu aleijão, seus indizíveis sofrimentos, a falta de fervor
dos eremitas. Como o Cristo, no horto das Oliveiras, suava e
sofria enquanto os quatro discípulos mais amados dormiam
tranqüilamente.
Ou ainda: C chegou a comparar sua agonia com a
paixão de Cristo, pois assim como Deus pedira a seu filho
que
derramasse seu sangue para apagar os pecados dos homens,
assim também a Virgem Maria pedira a Plínio que derramasse o
seu para resgatar os empedernidos membros da TFP, ao que
Plínio atendeu, daí resultando a amputação dos dedos e o
acidente automobilístico que o deixou aleijado e parcialmente
desfigurado, na Estrada Jundiaí
Amparo
464
.
Assim como os líderes políticos e religiosos aos quais é atribdo um
carisma especial, também a vida de Plínio
465
foi discursivamente reconstruída
visando a corroborar o discurso de singularidade deste homem que veio ao
mundo com uma sublime missão e com inúmeros dons, fato já destacado em
trabalho anterior mas que, devido às novas fontes, recebeu elementos que a
463
CRISTIANITÀ.
In Memorian: Plínio Corrêa de Oliveira.
Cristianità.
Nº 247-248, 1995.
Disponível em <http://www.alleanzacattolica.org> Acesso em 01/setembro/2001.
464
FOLENA, Giulio, 1987. p. 101/102 e
108.
465
Ver: ZANOTTO, Gizele.
Plínio Corrêa de Oliveira: o intelectual e o mito. In:
É o caos!!! A luta
anti agro-reformista de Plínio Corrêa de Oliveira, 2003. / MATTEI, Roberto de. O Cruzado do
Século XX: Plínio Corrêa de Oliveira.
Porto: Livraria Civili
zação Editora, 1997.
202
tornam ainda mais explicita e que revelam sua imensa difusão na TFP
466
. Em
estudo anterior já evidenciávamos que
as biografias e a autobiografia de Plínio apresentam
eventos que possuem paralelos com narrativas dos considerados
grandes homens , santos, e até mesmo com a vida de Jesus
Cristo. Isto evidencia que este discurso foi construído para
demonstrar que Plínio foi um predestinado; um líder na luta em
defesa tradição e da Igreja Católica Apostólica Romana; um
homem que dedicou imensa admiração e devão à sua mãe,
numa família cujo pai
embora muito elogiado
pouco
aparece (tal qual a família de Cristo); um devoto ao catolicismo
que se sacrificou física e intelectualmente pela sua Igreja
(imolação); que se entregou como escravo de amor a Nossa
Senhora; enfim, um líder que, contra tudo e todos que se
opusessem,
lutou pelos seus mais altos ideais
467
.
Tais considerações relacionam-se com o esforço biográfico e
autobiográfico para vincular a vida e a obra de Plínio com o sobre-
humano,
com o sagrado visando, de certa forma, também legitimar sua proemincia e
lidera
a perante o séquito. O homem de Deus, o santo, pela sua própria
essência, é tido como um modelo de virtude, de ascese, de ortodoxia, posto à
imitação dos fiéis: o santo permite-nos ver nitidamente o que desejamos fazer,
aprender e ser no caminho da virtude, ele próprio é o caminho que conduz à
virtude e podemos então seguí-lo
468
.
Tal modelo de perfeição ascética suscita o
desejo de aprimoramento moral e espiritual nos seguidores que embora o
tenham condições de igualar-se à virtude do santo (que estaria num grau
inacessível aos crentes), muitas vezes alteram seu modo de vida em busca de
466
Sobre a retomada dos estudos biogficos e autobiogficos pela História ver: ABRAHÃO,
Maria Helena Menna Barreto (Org). A aventura (auto)biogfica: Teoria e empiria. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2004. / BOURDIEU, Pierre. A ilusão biog
fica
- LEVI, Giovanni. Usos da biografia.
In: FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO, Janaína (Coord.) Usos e abusos da História Oral.
Rio de janeiro: Editora FGV, 1998. p. 183-
191/167
-182. / LEVILLAIN, Philippe. Os
protagonistas: da biografia. In: RÈMOND, René (Org.). Por uma História Política. 2ª edição. Rio
de Janeiro: Ed. FGV, 2003. p. 141-184. / SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo Biografias...
Historiadores e Jornalistas: Aproximões e Afastamentos. Revista de Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, vol. 10, 19, p. 03-21, 1997. / SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia: um gênero de
fronteira entre a história e a literatura. In: RAGO, Margareth. GIMENES, Renato Aloizio de
Oliveira (Orgs).
Narrar o passado, repensar a história.
Campinas: Ed. UNICAMP, 2000. p. 193
-
2
02.
467
ZANOTTO, Gizele, 2003. p. 25.
468
JOLLES, And. Formas Simples: legenda, saga, mito, adivinha, ditado, caso, memorável,
conto, chiste.
São Paulo: Cultrix, 1976. p. 39.
203
uma aproximão deste ideal. Outro fator não negligenciável nesta construção
hagiográfica é a proximidade dos seguidores com um representante direto do
sobrenatural e a forte carga emotiva que tal situação acarreta. Embora um
reconhecimento oficial da santidade creditada não só a Plínio como também a
sua mãe esteja um tanto distante da realidade (visto o dicil e moroso processo
de beatificão pelo qual a Igreja avalia os eventuais candidatos
469
), a
consideração da virtude ativa de ambos acaba se objetivando pela realização
de interveões miraculosas creditadas a eles
embora, é bom que se
saliente, o não reconhecimento da Igreja não anule ou diminua a possibilidade
de
serem considerados como tais pelos sequazes.
No discurso hagiogfico de Plínio tem lugar especial a considerão de
seu nascimento, realçado enquanto um evento singular e extremamente
significativo. Sua mãe dona Lucília, teria sido acometida por problemas de
saúde aos quais seria mais prudente responder com um aborto preventivo, visto
que o médico teria sancionado que o parto seria arriscado e que provavelmente
ela ou o menino perderia a vida. Questionada sobre o aborto, dona Lucília
teria respondido: Doutor, esta não é uma pergunta que se faça a uma mãe! O
Sr. Nem deveria sequer -la cogitado
470
.
Este ato de heroísmo marcou a
posição da mãe e que, com o nascimento da criança e a sobrevivência de
ambos, teria se revelado surpreendente. Evento que pode ser considerado
normal, e que acontece em inúmeras gestações, mas que, referindo-se a um ser
que carregaria o pesado fardo da luta contra-revolucionária, resultou em um
momento posteriormente referido ao sobrenatural:
acometida de sérios problemas de saúde, d. Lucília é
aconselhada a um aborto terapêutico pelos médicos que a
assistem (agentes da judeu-
maçonaria
[tidos por delegados de
Satã]
). Mas Nossa Senhora lhe envia proteção especial, um anjo
travestido de parteiro, dali nascendo um lindo rebento
471
.
469
Ver: VAUCHEZ, And. Santidade. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 12 (Mythos/Logos
Sagrado/Profano). Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1985. P. 287-300. /
WOODWARD, Kenneth L.
A fábrica de Santos.
São Paulo: Siciliano, 1992.
470
DIAS, João Scognamiglio Clá.
Dona Lucília.
Apud: MATTEI, Roberto de, 1997. p. 38.
471
FOLENA, Giulio, 19
87. p. 66.
204
Este discurso revela sua importância e difusão na TFP quando nos
confrontamos com outra reinterpretação deste mito fundador
472
também em
publicações da Itália
473
(esta difusão reflete a própria expansão da TFP e da
mística que foi aos poucos sendo elaborada e repassada aos membros, tendo
culminado com uma expressiva absorção deste discurso mítico entre os
membros dos vários continentes), nos seguintes termos:
se Plínio é il Principio assiologico, l Ente assoluto e
Necessário, e prende il posto di Cristo, é naturale che dona
Lucilia madre Del nuovo Verbo incarnato, prenda quello di
Maria. D altronde non può non colpire il fatto che a tutta questa
esaltazione della madre di Plínio corrisponda un assoluto
silenzio sul di lui padre, quasi a suggerire una pater
nità
misteriosa e sublime
474
.
Corroborando esta identificão, Folena aponta que nas reuniões
internas a vida de santos e de Cristo, bem como seus feitos heicos, suas
virtudes singulares, etc., tudo é referido à vida do profeta , ao dia-a-dia dos
Oliveir
a, de maneira que esta constante repetição acabou propagando a fama
de santidade , inicialmente nos círculos mais íntimos e depois aos demais
grupos da TFP
475
. Plínio tornou-se santo, assim como sua mãe, dona Lucília: os
membros da TFP lhes prestavam culto, carregavam suas relíquias, pediam
gras através de sua intermediação com Cristo, faziam-lhe votos, veneravam
472
Empregamos mito fundador na acepção elaborada por Marilena Chauí que entende mito em
seu sentido etimogico - de narração pública de feitos lendários -, bem como em seu sentido
antropológico
que apresenta tal narrativa como uma solução imaginária para tensões,
conflitos e contradições que não são resolvidos no nível da realidade. A expressão mito
fundador refere
-
se a uma narração que impõe um vínculo interno com o passado como origem,
ou seja, um passado que não cessa nunca, que se conserva perenemente presente e que o
permite o trabalho da diferença temporal e da compreensão do presente enquanto tal.
Conforme a autora: Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para
exprimir
-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece se
outra coisa, mais é a repetição de si mesmo . CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e
sociedade autoritária.
São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2000. p. 09.
473
Na Itália o existe propriamente uma TFP, mas sim um Bureaux de repreentação, assim
como inúmeras entidades co-irs que difundem a doutrina de Plínio através de suas
campanhas e atividades, como a Alleanza Cattolica, Centro Cultural Lepanto, Luci sull Est,
Famiglia Domani,
etc
. O interesse na difusão de obras sobre a doutrina interna da TFP deve-
se
especialmente aos religiosos da Fraternitá San Pio X, preocupados em demonstrar o caráter
heterodoxo da doutrina tefepista e apontar a diferea de tal sistema de idéias e de sua própria
doutrina contra
-
revol
ucionária.
474
AGNOLI, Carlo Alberto. TAUFER, Paolo. TFP: la maschera e il volto. Roma: Editrice Adveniat,
s.d. p. 25.
475
FOLENA, Giulio, 1987. p. 81.
205
suas imagens, consagravam-se como seus escravos, custodiavam seus objetos
pessoais, etc.
Destacamos que tais práticas vieram a público a partir dos anos 80,
quando a TFP sofreu o que chama de estrondos publicitários , baseados em
depoimentos sobre sua atuação e suas práticas. Os autores destas campanhas
públicas foram egressos liderados por Orlando Fedeli, professor secundário de
história que, durante sua permanência de quase 30 anos nos grupos ligados ao
líder da TFP prestou inúmeros serviços à organização. Fedeli passou a integrar o
Grupo em meados dos anos 50; em 1956 recrutava novos jovens oriundos
especialmente da pequena e média burguesia paulistana
476
. Tamm se
dedicava ao estudo da doutrina católica, da vida dos santos e da conjuntura
internacional, como os demais membros. cadas depois, em 1983/1984, suas
denúncias à sociedade que tanto auxiliara foram contumazes. O maior destaque
des
te desabafo foi a publicizão do funcionamento interno e secreto da TFP:
a organizão interna formada por círculos concêntricos, onde os membros
devem respeitar uma lei de silêncio perante os demais; os cultos prestados a
Plínio Corrêa de Oliveira
ti
do como profeta, Santo, imortal e inerrante
e à
sua mãe, Dona Lucília Ribeiro dos Santos; e a sua utilizão como entidade de
fachada para angariar fundos para uma sociedade secreta (restrita e secreta
também para a maioria dos membros) chamada Sagrada E
scravidão,
ou, como
foi mais conhecida, a
Sempre Viva.
Em julho de 1984, outra denúncia contra a TFP surgiu para desvendar
ainda mais suas atividades internas e ocultas: Luiz Filipe de Freitas Guimarães
Ablas
lavrou uma declarão em Cartório relatando o
Ordo
da
Sempre Viva, da
qual foi membro; o que significa que se consagrou escravo de Plínio Corrêa de
Oliveira, ou Luigi Plínio Elia, seu nome oficial na sociedade secreta. Na
seqüência, em agosto de 1985, um terceiro egresso, José Antônio Pedriali,
public
ou a obra Guerreiros da Virgem. A vida secreta na TFP
477
, relatando sua
476
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE. Meio século
de epopéia anticomunista.
3ª edição. São Paulo: Ed. Vera Cruz, 1980. P.445.
477
Destacamos que ao tomarmos uma autobiografia como fonte, devemos ter cautela, pois este
discurso é deliberadamente formulado com o objetivo de refazer os caminhos percorridos pelo
indivíduo ao momento de seu registro, assim, suas experiências seriam submetidas a uma
gica discursiva que ressalta a vinculação entre os acontecimentos, produzindo uma unidade
206
vivência de quase sete anos na sociedade. Esta obra autobiográfica narra o
período anterior ao ingresso na TFP, sua permancia de quase sete anos na
entidade e o período imediatamente posterior ao seu afastamento, ressaltando
essencialmente os fatos ocorridos durante sua permanência nesta entidade.
José Antônio Pedriali nasceu nos anos 50, tendo sido iniciado desde cedo
na prática religiosa católica, pela sua família. Na adolescência se
ntia a ebulição
de sonhos e pensamentos de sua idade, cuja exteriorizão acontecia
especialmente em conversas com Suzan, um romance de adolescente. Com
Suzan sonhava com um mundo mais justo e humano, expunha suas ambições,
criticava o provincianismo de Londrina, cidade em que moravam, etc
478
. Estas
inquietações tamm foram, acreditamos, fatores potenciais para a adesão de
Pedriali na TFP, já que a entidade questionava os valores do mundo moderno, e
se propunha a agir em prol da restauração de um modo de vida mais puro ,
ideal. A convivência com os tefepistas iniciou quando Pedriali tinha 15 anos, em
1971. Neste ano a TFP completava 11 anos, já estava solidamente
estabelecida em inúmeras cidades de todo o país, beneficiada, também, pelo
apoio expresso (mas o incondicional) ao governo militar
o que lhe garantia
certa liberdade de ão. Durante anos este novo membro da TFP se dedicou ao
estudo da doutrina, à participão em campanhas públicas, ao recrutamento de
novos membros, enfim, contribuiu para a expansão física e doutrinária tefepista
no país. O rompimento ocorreu em 1977, quando Pedriali completava 21 anos,
ou seja, a maior parte de sua adolescência transcorreu
intra
muros, não só
distanciado da comunidade, mas tamm interiorizando uma perceão d
e
vida que preconizava a aversão ao mundo corrompido de seu tempo
postura esta baseada na dicotomia entre Bem/Tefepistas e Mal/Mundo
moderno. Seu afastamento da TFP marcou o início de uma nova fase na vida de
Pedriali, marcada pela reconstrução de seus
referências mais elementares, e que
partiu da crítica e relativizão da visão maniqueísta defendida até então (muito
coerente onde só existiriam fragmentos. Bourdieu enfatiza que este seria um trabalho de
ideólogo da sua própria história , e que, esta seleção seguiria uma inteão global de gerar
sentidos a partir de uma retórica ordenadora da descontinuidade do real, tratar-
se
-ia, lembra o
autor, de um esforço de representação, da produção de si mesmo. BOURDIEU, Pierre. A ilusão
biogfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO, Janaína (Coord). Usos & abusos da
História Oral.
Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998. P. 184/185.
478
PEDRIALI, José Antônio, 1985. P. 18.
207
mais por força da convivência em um grupo fechado do que em convicções
pessoais). A volta aos estudos (Pedriali graduou-se em jornalismo após seu
afastamento) auxiliou nesta reconstrução de referenciais, que a convivência
com o Outro
-
antes considerado pecador, representante do mal, como veremos
adiante
- e a possibilidade de crítica puderam fortalecer uma visão mais
autônoma da vida, da história e da própria sociedade. Foi somente em 1984
que Pedriali iniciou um trabalho de reconstrução do passado tefepista,
possivelmente incentivado pela onda de acusões contra a TFP iniciada no
ano anterior, ou seja, sete anos se passaram até que esta memória pudesse
emergir e revelar mais uma versão individual (mas também representativa de
um grupo maior de ex-membros) que divergia da memória oficial da entidade.
O
egresso
relatou sua vivência cotidiana na TFP, reconstruiu o processo de seu
alici
amento, sua doutrinação intensiva, o distanciamento do mundo
revolucionário a que foi estimulado, o desprezo pela família, o endeusamento
de Plínio Corrêa de Oliveira, etc, mas, em especial, ajudou a tornar públicas as
atividades internas de uma sociedade importante no cenário político nacional -
em especial durante o período militar - que oculta as práticas que fazem parte
do dia
-a-
dia de um
membro do Grupo
.
Sua obra foi publicada em 1985 como parte de uma coleção intitulada
Coleção Testemunho, da editora EMW Editores e, causando ainda mais furor,
prefaciada por um ex-comunista, Domingos Pellegrini, que ressaltou a
semelhaa entre os métodos da direita e da esquerda, citando uma frase do
General Golbery do Couto e Silva, Esquerda e direita são como as pontas da
ferradura: extremos que se julgam opostos, mas quase se tocam
479
. O impacto
desta
publicação
deve
-se, também, ao grande destaque recebido na imprensa
de todo o país
num momento em que a TFP já não contava com o respaldo
governamental e de alguns
eclesiásticos, como outrora.
O rompimento ocorreu após um longo peodo de afastamento
psicológico, intelectual e religioso, que foi beneficiado pelo seu retorno à casa
dos pais (a perigosa C.D.G.) e o tratamento dico que lhe foi financiado.
Outras atividades também auxiliaram na reconstrução de um modus vivendi
479
PELLEGRINI, Domingos. Prefácio: Na ponta da ferradura. In: PEDRIALI, José Antônio, 1985.
p. VIII.
208
muito abandonado, mas recuperado aos poucos, conforme se solidificava sua
autonomia em relação à vida e imaginário da TFP. Esta vivência anterior haveria
de ser esquecida, vencida com o tempo, mas, como as tramas da memória
estão muito além de nossas vontades (e mesmo nossas vontades se modificam
continuamente), Pedriali, assim como Fedeli, Herman Herschander, Cosme
Becar Varela, Ls Filipe Ablas, etc, fizeram suas memórias aflorarem, deixara
m
seu discurso/sua versão emergir
numa tentativa de questionar a memória
institucional da TFP e revelar as inúmeras experiências silenciadas do grande
público.
Estas memórias, e muitas outras publicizadas posterioremente,
demonstraram que m poder: geraram de imediato refutações da TFP,
publicadas para defender a ortodoxia da entidade e suas práticas. Mas este
poder das merias emergentes foi além: veiculado em inúmeros meios de
comunicação de todo ps, foi conferido às suas experiências um estatuto d
e
legitimidade, um estatuto de veracidade pautado na experiência, e até hoje
emergem como sendo exemplos de testemunhos sobre as atividades da TFP.
Seixas salienta que a memória é ativada objetivando o controle do passado e do
presente,
reformar o passado em fuão do presente, via gestão de memórias
significa, antes de mais nada, controlar a materialidade em que a memória se
expressa (...). Não de que a memória torna
poderoso
(s) aquele(s) que a
gere(m) e controla(m)
480
.
Seus discursos foram sobre o presente, muito mais do
que sobre o passado, o poder de suas memórias foi, em certa medida,
arrasador para a meria oficial e divergente apresentada até então, e que
teve de defender-se para não sucumbir internamente às acusões. Como uma
força poderosa, irresisvel, a memória emergiu para Pedriali com toda sua
carga emotiva; foi uma (re)vivência de um período, de uma memória que o
autor se predispôs a esquecer, mas que demonstrou que não é irrelevante, e
que não quer ser esquecida. Por fim, destacamos que a TFP a princípio neg
ou
que tais práticas fossem comuns ou estimuladas nas sedes nacionais e
internacionais,
mas posteriormente acabou por defendê-las enquanto legítimas
480
SEIXAS, Jaci Alves de. Percursos da memória em terras de história: problemáticas atuais. In:
BRESCIANI, Stella. NAXARA, Márcia (Orgs). Memória e (Res)sentimentos. Indagações sobre uma
questão sensível.
Campinas:
Ed. UNICAMP, 2001. P. 42.
209
perante o direito da Igreja nas obras Refutação da TFP a uma investida frustra
(1984
- II Volumes) e Servitudo ex Caritate (1985), escritas por membros da TFP
em defesa às acusações feitas ao líder e a entidade nos anos 80.
E
is
os elementos
que
conforma
ram
a
mística tefepista: seu líder, o
homem providencialmente concebido para extirpar o mal do mundo através da
luta contra-revolucionária e da devão mariana é considerado como fundador
da TFP, presidente do seu Conselho Nacional, líder católico, guia espiritual,
superior, mestre, analista político, escritor, jornalista, homem de ação,
orien
tador da contra-revolão, mediador entre os membros e a Virgem
Santíssima, porta-voz dos princípios contra-revolucionários, o cruzado do século
XX, a encarnação do Imaculado e Sapiencial Coração de Maria, seu novo pai
espiritual , mártir, maior de todos os santos e profetas: um homem que também
foi agraciado com a sabedoria, a inerrância, o discernimento dos espíritos, a
capacidade de prognosticar e com a imortalidade. Tais qualidades, atribuições
e dons representariam, de alguma forma, a essência do ideal católico contra-
revolucionário, que assumiria todo o seu ser
a ponto de considerarem-
no
como catolicismo em pessoa , o representante da verdadeira Igreja , dos
valores cristãos não corrompidos pela revolução:
é ele
somente ele
quem entendeu toda
profundidade
e perversidade do processo revolucionário; é ele quem iniciou a
Contra
-Revolução; é ele quem concebeu, em toda a sua
grandeza, o Reino de Maria. Por isso, devemos dizer que
Dominus Plinius é, em toda extensão da palavra, o profeta
enviado por
Deus para combater e vencer o Mal
481
.
O importante destas considerões para nosso estudo é a compreensão
de que este discurso sobre o nascimento de Plínio, bem como o culto
decorrente, vincula-se a um imagirio mítico e sobrenatural corrente entre os
gru
pos aliciados para a entidade, de maneira que sua incorporação ao rol dos
santos, profetas e mártires torna a presea física do líder um ponto de contato
imediato com o sobre-humano, com o sobrenatural, para o qual os tefepistas
tanto se devotam. Como lembra Sandre, quem reconhece o dom do profeta,
481
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 86.
210
reconhece que este dom esteja lhe respondendo a elementos subjetivos,
reconhece tamm o dever de seguir o chefe caristico, a quem obedece em
virtude da ppria credibilidade do carisma
482
. O essencial neste discurso é a
possibilidade de aceitação e de crença que ele engendra entre os sequazes do
profeta, visto que o poder das autoridades caristica e protica é
caracterizado pela fé, e o pela razão ou foa
.
Esta crea deriva de um
esfoo discursivo em conceber e instituir Plínio como dotado de atributos
excepcionais, de um carisma providencial. O carisma é considerado uma forma
peculiar de poder que fornece ao líder uma autoridade baseada não no caráter
sagrado da tradição ou na legalidade e racionalidade de uma função, mas,
num dom, na capacidade extraordinária que possuem, e que se impõe aos
sequazes no anúncio e realizão de uma missão de caráter religioso, político,
filantrópico, etc
483
.
Para Max Weber o carisma é considerado
uma qualidade pessoal consi
derada extracotidiana (...) e
em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou
qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos,
extracotidianos espeficos ou então se a toma como enviada
por Deus, como exemplar e, portanto, como líder
484
.
Ao
mesmo tempo poderoso e lábil, a liderança carismática demonstra
sua validade com o reconhecimento deste dom pelos sequazes através de
provas, da entrega à revelação, venerão de heróis ou da confiança no líder.
Esta lideraa só é legítima, salienta Weber, enquanto e na medida em que
vale , ou seja, encontra reconhecimento pelos liderados; da mesma forma que
os homens de confiança, os discípulos ou sequazes só são úteis ao líder
enquanto tem vigência sua confirmão carismática
485
. Sandre complementa
que esta fragilidade do carisma revela-se de maneira mais contumaz quando a
questão da continuidade se apresenta, ou seja, um carisma pessoal para
manter
-se institucionalmente (como no caso da TFP) sem perder o poder
482
SANDRE, Italo de. Carisma. In: BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO,
Gianfranco (Orgs).
Dicionário de Política.
12ª edição. Vol. I. Brasília: Editora da UnB, São Paulo:
Imprensa Of
icial de São Paulo, 2002. p. 149.
483
Idem, p. 149.
484
WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 3ª edição.
Brasília: Ed. UnB, 2000. p. 158/159.
485
WEBER, Max, 2000. p.159/160.
211
mobilizador, deve ser comunicado através de um mecanismo legítimo de
transmissão que geralmente deriva de laços de parentesco, contrato direto com
o carismático ou pela outorga do carisma por ofício
486
. Tal qual a constituição
de grupos qualificados como seitas , é com a segunda geração que se verifi
ca
a força remanescente do grupo em manter-se unido e fiel sem a presea sica
do líder; é especialmente com a segunda gerão que o grupo demonstra sua
viabilidade efetiva, ou ele se estabelece definitivamente
e passa a ser aceito
como legítimo pela s
ociedade
-
ou se dissolve
487
.
Mas qual seria o carisma atribdo a este líder católico que, ao
reinterpretar a doutrina oficial, muitas vezes transformava a ortodoxia em
heterodoxia? Seu carisma foi interpretado como resultante da missão protica
da defesa da civilizão crisocidental, da sistematizão da contra-
revolução,
do combate às forças do mal e da implementação de uma nova era de ouro. O
mandato protico e até messiânico de seu líder incluiria a difusão e o esmulo
à devoção mariana como forma de vencer as forças maléficas da Revolão,
bem como o anúncio e a implantação do Reino de Maria, uma era sacral e
cris por excelência, semelhante à Idade Média, que se marcada por um
profundo respeito aos direitos da Igreja, pela sacralização da vida, pelo
espírito de hierarquia e pela diligência em detectar e combater o mal
488
. Para os
tefepistas Moisés teria sido um dos maiores profetas, o homem que teve a nobre
missão de libertar os judeus do Egito e conduzi-los à terra prometida. A missão
de Plínio
poderia ser comparada a de Moisés com segurança,
se a TFP, esse cleo de pessoas recrutadas para
combater a Revolução, tem a nobre missão de, mais cedo ou
mais tarde, instaurar o Reino de Maria, é porque a pessoa que
nos dirige possui todas as virtudes e forças espirituais
necessárias para que atinjamos nosso objetivo. Dominus Plínius
não tem visões, não fala diretamente com Deus, mas tem
conceito claro sobre o futuro, e, tal como Moisés, foi incumbido
de guiar os eleitos
nós, os católicos aunticos
à terra
prometida. A terra que nos foi prometida não se chama Canaã,
486
SANDRE, Ítalo de. Carisma. In: BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola.
PASQUINO,
Gianfranco (Orgs), 2002. p. 150.
487
Ver: ALTOÉ, André Pizetta, 2004.
488
MATTEI, Roberto de, 1997. p. 344.
212
mas, sim, Reino de Maria. Por isso, não tenha dúvida:
Dominus
Plínius
é profeta!
489
Desde a fundação da TFP configurou-se paulatinamente em seu interior
este modelo de lideraa que seria chamada de protica por Weber. Para este
autor, o profeta seria o portador de um carisma puramente
pessoal
, o qual, em
virtude de sua missão, anuncia uma
doutrina
religiosa ou um mandato divino
490
.
Através das entrevistas, livros e denúncias de egressos
da TFP podemos observar
que Plínio foi o que denominamos profeta completo
491
:
agregou para si os
papéis de sistematizador da mensagem de recristianização da sociedade pelos
moldes tradicionais e pretendeu ser um exemplo de dedicão à causa cristã, o
model
o exemplar deste novo caminho de salvação frente aos seus seguidores
entusiastas. Plínio anunciou a vontade divina de uma condenação dos ímpios, e
seu encargo divino de realizar tal tarefa através da contra-revolão; ao mesmo
tempo mostrou, através de seu exemplo pessoal, os caminhos da salvação,
vivendo uma vida de celibato, escravidão de amor a Nossa Senhora, defesa dos
valores tradicionais da Igreja (a verdade revelada ), sacrifício em defesa dos
fundamentos do catolicismo (resultantes de
sua
interpret
ão da mesma). Para
os membros,
o carisma do profetismo, tal qual é entendido na TFP, se manifesta
na formulão de hipóteses adequadas a respeito dos acontecimentos futuros, o
que supunha o auxílio da graça
492
, o que afirma sua crença neste carisma
profé
tico e reafirma a vinculação do líder com um plano providencial. Weber
ressalta ainda que a revelação feita pelo profeta apresenta uma visão
homonea da vida, onde o mundo é apresentado como um cosmos que é, de
algum modo ordenado por um sentido
493
o que Plínio enfatizaria como a
ordem natural das coisas, desejada e criada por Deus para ordenar o convívio
humano após o pecado original; a partir deste evento, todos os acontecimentos
seriam fatores de punição ou santificão dos homens ou das massas. Neste
mundo ordenado por Deus, mas decaído pelo pecado dos homens, seriam
489
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 87.
490
WEBER, Max, 2000. p. 303.
491
Nos referimos à junção dos dois modelos de profeta pro
postos por Weber: o profeta ético e o
profeta exemplar. Sobre estes tipos de profetismo. Idem, p. 308.
492
DIAS, João Scognamiglio Clá.
SOLIMEO, Gustavo Antonio. Vol. I, 1984. p. 61/62.
493
WEBER, Max, 2000. p. 310.
213
salientes as figuras de santos homens que, incumbidos de guiar os demais para
o caminho do bem, trariam a mensagem divina para os fis, guiando-os para
um futuro de salvão
em suma, um sentido milenarista e escatológico. Aí se
inseria o próprio difusor de tal discurso, legitimando sua proeminência perante
os demais leigos que permaneciam fiéis à idéia de reedificão do cristianismo
ortodoxo na Igreja, preconizada pelo líder.
A leitura da doutrina criselaborada por Plínio difere muito de algumas
sistematizações contemponeas da Igreja, fato que evidencia sua filiação ao
movimento católico integrista, mas que também nos faz refletir se esta
vinculação a uma pretensa ortodoxia o seria apenas o meio de renovar as
creas do autor em valores há muito questionados pela sociedade moderna, e
que seriam os pilares de uma organização social interpretada como plenamente
cristã, baseada na monarquia, propriedade privada, hierarquia rígida,
pri
vilégios, etc. O Dea salienta que quando as condições de uma organizão
religiosa o conferem margem suficiente para a expressão das necessidades
espirituais de um povo, ou quando instituições religiosas estabelecidas não
podem satisfazer a alguns extratos ou grupos sociais, qualquer dirigente com
carisma pode criar um grupo que organize um movimento de protesto de
caráter sectário, e que defina os pressupostos básicos deste novo grupo a partir
de suas próprias creas. O autor destaca que o líder caristico, como
elemento integrador e iniciador, desempenha um papel fundamental na origem
das chamadas seitas, cujas creas e forma de vida se ajustam frequentemente
ao modelo proposto pelo fundador
494
.
Bourdieu complementa esta
compreensão ao destacar que a força do profeta depende da aptidão de seu
discurso e prática para mobilizar interesses religiosos virtualmente heréticos
efetivar a dessacralizão do sagrado e a sacralizão do sacrilégio -; ptica
esta que seria resultado de sua ambição em satisfazer
um ponto de vista próprio
sobre a doutrina e os rituais. Conforme o autor,
o
profeta
(ou o heresiarca) e sua
seita
, pela ambição que
m de satisfazer eles mesmos suas próprias necessidades
494
O DEA, Thomas F. Sectas y Cultos. In: SILLS, David L. (Dir). Enciclopédia de las Ciencias
Sociales.
Vol. 7. Madrid/Espanha: Aguilar, 1975. p. 513.
214
religiosas sem a mediação ou a intercessão da Igreja, eso em
co
ndições de contestar a própria exisncia da Igreja colocando
em queso o monopólio dos instrumentos de salvação, estando
obrigados a realizar a acumulação inicial do capital religioso
pela conquista (e/ou pela reconquista incessante) de uma
autoridade sujeita às flutuões e intermincias da relação
conjuntural entre a oferta de serviço religioso e a demanda
religiosa de uma categoria particular de leig
os
495
.
Portanto, a atuação de Plínio e dos tefepistas expressa uma atitude que
na terminologia weberiana seria chamada revolucioria com relão à
própria Igreja Católica, que pretendem salvar através da reconstrão de um
edicio doutririo e hierquico medieval, em outras palavras, o líder
caristico apresenta uma nova revelação que ise defrontar com a santidade
da tradição, sendo passível de críticas, secções e adesões, dependendo da
aptidão do profeta na difusão da mensagem. Desta forma, além da
sistematização da crítica ao edicio católico corrompido , é preciso apontar
solões e, especialmente, arregimentar sequazes que, convertidos ,
levantassem conjuntamente tal bandeira. Esta conversão é essencialmente uma
mudança interior que necessita da reestruturação dos valores fundamentais e
dos seus comportamentos decorrentes por uma fé vivida como dom e como
dever, como uma vocão diversa do comportamento conformista da maioria
a vocão TFP. Sandre avalia que toda expressão do processo carismático
(novas regras, foa, provas que demonstram a legitimidade do carisma e da
missão) se colocam de modo revolucionário em relação à situação
institucionalizada, mediante uma experiência social que exige conversão nas
atitudes e comportamentos dos neófitos, assim como do próprio chefe
496
.
Deste modo, devemos conceber a força deste profeta como resultado de
um conjunto de elementos que só poderão ser compreendidos se considerarmos
(além das virtudes de oratória, carisma, autoridade, conhecimento, etc.) o
receptor deste aparato discursivo, o verdadeiro responsável pela delegão de
domínio ao líder, domínio este compreendido conforme a categorizão
weberiana que considera a dominação como a probabilidade de encontrar
495
BOURDIEU. Pierre.
A economia das trocas simbólicas
. São Paulo: Perspectiva. 1982. p. 60.
496
SANDRE, Ítalo de. Carisma. In: BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola.
PASQUINO,
Gianfranco (Orgs), 2002. p. 149.
215
obediência a uma ordem de determinado conteúdo entre determinadas
pessoas
497
. É a crea
498
dos sujeitos nos dons do líder que explicam a adesão
ao novo modelo de salvação proposto; é sua mobilizão que propicia uma
ão pública e visível do grupo; é sua dedicão e devoção ao der que
delegam a este o tulo de guia; enfim, o seguidor é que possibilita, que torna
possível a existência do orador
enquanto profeta.
3.
2.
2 O r eino feliz dos tempos finais : Elementos escatológicos e
milenaristas na TFP
A missão do Plínio Corrêa de Oliveira (enquanto profeta) foi anunciar o
triunfo da contra-revolão por ele providencialmente liderada (Messias
499
ou
Salvador enviado pela Virgem) que, após uma intensa batalha com as foas do
mal (tribulações
bagarre
), será finalmente vitoriosa, concretizando então a
salvão eterna com a elevão da natureza dos eleitos e a condenação dos
ímpios, bem como instaurando uma nova era sacral: o Reino de Maria
(elemento milenarista
500
). Embora a TFP apresente elementos que nos revelam
sua proposta milenarista e escatológica, seus autores defendem tais
considerações enquanto derivões dos ensinamentos de Nossa Senhora de
497
WEBER, Max. Conceptos sociológicos fundamentales. Concepto de la acción social. In:
Economía e Sociedad. Esbozo de sociología comprensiva. México: fondo de Cultura Ecomica.
p. 43.
498
A crença, explica Michel de Certeau, deve ser compreendida como o investimento das
pessoas em uma proposição, como o
ato
de enunciá-la considerando-a verdadeira, como uma
modalidade de afirmação, e não como o objeto do crer (um dogma, programa, profecia, etc.),
o que poderia nos parecer incompreensível em certas circunstâncias. CERTEAU, Michel de.
A
invenção do cotidiano. 1. Artes de fazer.
8ª edição. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 278.
499
Seguimos a linha weberiana de compreensão do Messias, que o considera como um enviado
de
uma divindade (no caso a Santíssima Virgem) para trazer a vitória do Bem sobre o Mal, ou
para corrigir a imperfeição no mundo, permitindo a implantação do Paraíso Terrestre. Portanto,
trata
-se de um líder religioso e social que recebe tal
status
não pela sua posão dentro da
ordem estabelecida, mas porque suas qualidades pessoais extraordinárias (carisma) lhe dão
autoridade. O Messias age em função de seu dom especial, colocando-se fora ou acima da
hierarquia eclesiástica e civil existentes e gerando sua desautorizão e/ou subversão,
dependendo do seu discurso e do grau de envolvimento de seus sequazes. Apud: QUEIROZ,
Maria Isaura Pereira de. O Messianismo no Brasil e no Mundo. 3ª edição. São Paulo: Alfa-
Omega, 2003. p. 27.
500
Neste trabalho o milenarismo é
considerado em seu sentido amplo, ou seja, por milenarismo
entendemos
todas as esperanças, todas as aspirações e conotações religiosas prevendo o
surgimento sobre a terra de uma ordem perfeita, de certa forma paradisíaca .
TÖPFER, Bernhard.
Escatologia e Milenarismo. In: LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude (Coord).
Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. Vol. I. Bauru: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
2002. p. 353.
216
tima (castigo da humanidade) e de São Ls Maria Grignion de Montfort
(Reino de Maria), que unidas prevêem o triunfo da Igreja e da civilizão cris
após uma forte crise, defendida na TFP como
bagarre.
A preocupação dos
tefepistas é com o distanciamento de uma definição milenarista, visto que tal
doutrina foi refutada por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, assim como
apontada como ernea e fantasiosa no Concílio de Éfeso (431) e,
conseqüentemente, suprimida da teologia oficial
501
situação que por si só o
foi capaz de abolir tal sistema de creas do imaginário católico, de maneira
que o surgimento de movimentos messiânico-milenaristas manteve-se vigoroso
ainda no século XX
502
.
Acreditamos, assim como Jean Delumeau, que o milenarismo o é
incompatível
com a modernidade e que, portanto, tal manifestação não es
fadada ao desaparecimento, como apregoado por muitos cientistas sociais.
Sendo resultado de um movimento dinâmico que envolve creas, situação
econômico
-social e política, suas configurações não podem ser definidas de
maneira estática; esta consideração seria a própria negação da historicidade
dos movimentos milenaristas. Também nos filiamos aos estudos de Maria
Amélia Dickie, para quem os milenarismos devem ser explorados tamm como
manifestaç
ões culturais, uma abordagem mais ampla que o considera
apenas seu aspecto de movimento (dinâmica, processo) e a conceão de
501
Embora o autor reconheça que o termo milenarismo tenha sofrido ampliões em seu
conteúdo tradicional pelos cientistas sociais (ele pprio é um historiador na Itália), defende que
a TFP se afasta desta doutrina, argumentando nesta defesa o auntico significado do termo:
Milenarismo,
ou
quiliasmo
, é, em sentido próprio, a doutrina escatológica segundo a qual Jesus
Cristo reinará visivelmente na terra com seus eleitos por um período de mil anos entre uma
primeira ressurreição dos Santos e a segunda, universal, no fim do mundo . MATTEI, Roberto de,
1997. p. 352.
502
Ver:
AGUIA
R, Flávio Wolf de. A estrutura da espera. In: VÉSCIO, Luiz Eugênio. SNTOS, Pedro
Brum (Orgs.). Literatura e História: perspectivas e convergências. Bauru: EDUSC, 1999. /
HERMANN, Jacqueline. No Reino do Desejado: A construção do sebastianismo em Portugal,
séculos XVI e XVII.
São Paulo: Cia das Letras, 1998. / LAFAYE, Jacques. Movimientos mesiánicos
y líderes carismáticos em la América Latina moderna; introducción a una cuestión controvertida.
El mesías em el mundo ibérico, de Ran Llull a Manuel Lacunza. I
n:
Mesías. Cruzadas.
Utopías. El judeo-cristianismo em s sociedades iberoamericanas. 2ª edição. xico: Fondo de
Cultura Econômica, 1997. p. 07-
26/27
-46. / MEGIANI, Ana Paula Torres. O Jovem Rei
Encantado: Expectativas do Messianismo Régio em Portugal, séculos XIII a XVI. São Paulo:
Hucitec, 2003. / MELLO, Gucia Boratto Rodrigues de. A marcha da humanidade segundo o
imaginário dos milenarismos brasileiros. Rio de Janeiro/RJ, 1999. Comunicação apresentada na
IX Jornada sobre Alternativas Religiosas na América Latina. Disponível em:
< http://www.ifcs.ufrj.br/jornadas/> Acesso em 03/dezembro/2003. / QUEIROZ, Maria Isaura
Pereira de, 2003.
217
mudança que esta idéia implica, mas que também valoriza a religião como
fator relevante de causalidade, que privilegia suas caractestica se
especificidades, que pensa os milenarismos também como produtos de atores
intencionais (o apenas como resultado de situões de crise social, política e
econômica) cujas metas e estratégias são coerentes com dada visão particular e
articula
da de mundo
503
.
Movido como proposta religiosa ou como proposta política, o mito ou a
crença no Reino manteve presentes determinadas características que auxiliam na
compreensão do desenvolvimento dos tempos finais : o discurso do Reino
geralmente inicia com a explicitação de que a época presente é um tempo de
inseguraas, injustiças, misérias e angústias. Uma crise secular que pode
chegar a sua maturação final pois nunca, na História, a humanidade pareceu
estar tão distante do modelo ideal de Civilizão Crista indicado pelo Magisrio
Pontifício
504
. Sendo a história sacra e universal para o cristianismo, ela é
apresentada como próxima de sua consumação final, que será efetivado pelo
Jzo Final, com o derradeiro julgamento dos homens. Alá, as forças em
confronto, representadas pelo bem e pelo mal, mantêm viva e constante a luta
derivada da inimizade eterna entre a Virgem e a Serpente
505
. Os guerreiros
da Virgem , neste contexto, são os tefepistas que se dedicam cotidianamente à
preparação espiritual e f
ísica, à busca da perfeição e da salvão eterna através
da devoção mariana e da luta contra-revolucionária. Nesta luta seo
ridicularizados, marginalizados e humilhados pelos filhos das trevas mas, nos
tempos finais, serão finalmente alçados à posição que lhes cabe, como arautos
dos últimos tempos , situação descrita por Montfort:
o poder de Maria sobre todos os demônios há de
patentear
-se com mais intensidade, nos últimos tempos, quando
Satanás começar a armar insídias ao seu calcanhar, i. é, aos
503
DICKIE, Maria Amélia Schmidt. Milenarismo em contexto significativo: Os Mucker como
sujeitos. In: MUSUMECI, Leonarda. Antes do Fim do Mundo. Milenarismos e Messianismos no
Brasil e na Argentina.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004. p. 13 a 15.
504
MATTEI, Roberto de, 1997. p. 322.
505
Deus estabeleceu inimizades,antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos
da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio . MONTFORT, São Ls Maria Grignion
de.
Tratado da Verdadeira Devão à Santíssima Virgem. 29ª edição. Petrópolis: Vozes, 2001.
p. 56.
218
seus
humildes servos, aos seus pobres filhos, os quais ela
suscitará para combater o príncipe das trevas. Eles serão
pequenos e pobres aos olhos do mundo, e rebaixados diante de
todos como o calcanhar, calcados e perseguidos como o
calcanhar em comparação com os outros membros do corpo.
Mas, em troca, eles serão ricos em graças de Deus, gras que
Maria lhes distribui abundantemente. Seo grandes e
notáveis em santidade diante de Deus, superiores a toda
criatura, por seu zelo ativo, e tão fortemente amparados pelo
poder divino, que, com a humildade de seu calcanhar e em
união com Maria, esmagao a cabeça do demônio e
promoverão o triunfo de Jesus Cristo
506
.
Característica comum a grupos minoritários e sectários, a esperaa
apocalíptica de que um dia serão enfim reconhecidos pelo seu esfoo e
devão enquanto seus opositores seo julgados e condenados torna-se um
motor para a manuteão de suas creas, um fator a mais de coesão de
grupos isolacionistas e intolerantes. Concebendo o mundo atual como
condenado
por ser pecador - infiel ao seu Deus e apóstata por renunciar as
promessas divinas -, tais grupos constroem para si um futuro de glórias através
da composição de uma visão maniqueísta e, porque não, simplista da
sociedade, que, muito mais do que identificar o outro
como encarnação do
mal, serve para legitimar seu próprio
status
santificador. Os tefepistas,
considerados em seu meio como paladinos da contra-revolão, aos poucos
são instigados a acreditar que foram providencialmente escolhidos para
combate
r a Revolão com as idéias de seu líder, idéias estas capazes de
modificar lentamente a mentalidade do homem contemporâneo e, assim,
reestruturar sua alma
507
. Deste modo, forjou-se discursivamente também a
certeza de que a missão de Plínio e seus arautos
seria superior amesmo à dos
apóstolos
pois que a esses competia cristianizar o mundo pao; a
PCO
[Plínio Corrêa de Oliveira]
cabe a missão muito mais difícil
de recristianizá-lo num ambiente em que as revoluções já
impuseram todas as deformações
d
esobediência,
sensualidade e orgulho -, semeando mazelas de toda a ordem,
sobretudo a igualdade
508
.
506
Idem, p. 57.
507
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 36.
508
FOLENA, Giulio
, 1987. p. 27.
219
Sua vocação era ser como soldados, guerreiros e monges, tal como os
cruzados,
homens de convicção e fé contagiantes, foram também os protótipos
do verdadeiro guerreiro. Eles lutavam para a até então mais nobre de todas as
causas, dispostos a dar por ela o que de mais precioso possuíam: a própria
vida
509
.
. Tal relação é tida por Weber como característica da religiosidade
protica que pela sua natureza seria compavel com o sentimento estamental
de cavalheiros quando suas promessas remetem ao combate pela , e
pressupõe a exclusividade de um único deus universal e a degradão moral
dos infiéis/inimigos
510
.
O destaque é de que somente alguns poucos serão salvos neste mundo
de pecado e, entre eles, os tefepistas, os novos cruzados da provão final
a
bagarre
, termo francês que designa confusão, briga, tumulto, mas que na TFP
significa o estado em que a humanidade ficará mergulhada no dia em que os
castigos de Fátima se realizarem. A
bagarre,
acreditam, será o cataclisma que
destruirá 2/3 da humanidade e que antecederá a implantação do Reino de
Maria. Com a doutrinação, passam a acreditar que foram escolhidos em meio
à humanidade decaída, para empreender a derradeira vitória das forças do
bem; que tiveram a gra de conhecer a TFP e de o recusar a integrá-
la.
Neste sentido, a TFP lhes é apresentada como uma arca da salvação :
pertencer à elite guerreira, e manter-se incondicionalmente fiel às orientões
do
líder, é garantir um futuro repleto de glórias, numa legítima manifestação do
que Weber descreve como salvação institucional , ou seja, quando a salvão
ocorre em virtude das gras dispensadas continuamente por uma comunidade
institucional, credenciada
por sua fundação divina ou profética
511
.
Pedriali salienta que os adeptos crêem-se distinguidos por predileção,
ungidos com o sinal sagrado, o
tau
, letra do alfabeto hebraico que corresponde
ao t e que, segundo o profeta Ezequiel seria a marca com que Deus assinalou a
fronte dos eleitos numa época de apostasia
512
- este sinal, como vimos no
509
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 59.
510
WEBER, Max, 2000. p. 324.
511
Idem, p. 375.
512
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 37.
220
capítulo precedente, espresente no símbolo da TFP. As conseqüências mais
sentidas como resultado deste comportamento exclusivista são o orgulho
exacerbado e o desprezo pelos o-
membros
- os tefepistas aprendiam a
considerar os outros como inferiores, como recordou Barreiros
513
. O relatório
francês, por sua vez, destacou que mesmo entre os membros tal orgulho suscita
um fanatismo, uma rivalidade em ser mais TFP do que os outros e,
simultaneamente, uma desconfiança recíproca pelo temor de ser acusado de
relapso e pouco entusiasta pela causa
514
.
Afora este clima interno e externo de desconfiança e rivalidade, sua
predileção, sua adesão à mensagem salvífica do profeta lhes assegurava uma
esperaa de que, apesar da humilhão e da marginalização social que
sofriam cotidianamente, estavam certos, de que trilham o caminho da verdade
o mundo espúrio os desprezava por aderirem à fé, aos valores e a doutrina
católica:
era duro, ingrato e angustiante fazer parte da TFP, sim,
mas todo esforço que nos era exigido acabaria, finalmente,
sendo recompensado. Se morrêssemos antes ou durante a
Bagarre
, assistiríamos do Céu, provavelmente junto ao trono da
Virgem Maria, à derrota da Revolução e ao triunfo da Contra-
Revolução. Se sobrevivêssemos, estaríamos ao lado de
Dominus
Plinius
no momento em que legiões de anjos emergisse,
radiantes, da mais profunda escurio, anunciando
triunfalmente, no momento em que toda a Terra seria inundada
por
uma luminosidade celeste, o fim da luta e proclamando o
advento do Reino de Maria
515
.
No final dos tempos os eleitos seo agraciados com a salvão eterna
por não terem abandonado a fé, como destacou Fedeli:
513
A compreensão de Barreiros, entretanto destaca que tal situação mas ressalta o lado positivo
desta atitude, quando
internalizada:
existia esse lado de ser mais do que os outros
afinal,
éramos os eleitos de Deus
os membros da TFP aprendiam a considerar os outros como
inferiores, o que seria ruim, mas depois que a pessoa se adapta isso, vê que o mundo é igual,
não
tem medo. Não tínhamos medo de nada; então, isso é um ponto bom . BARREIROS, Tomás Eon.
Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista concedida a Gizele Zanotto
[com complementações do entrevistado]. p. 25.
514
RAPPORT JOYEUX. Apud:
FOLENA, Giulio, 1987. p. 188.
515
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 128.
221
essa expectativa apocalíptica de um grande castigo é
comum em grupos religiosos minoritários.
É natural que um grupo religioso minoritário, perseguido,
se feche sobre si mesmo, passando a viver num verdadeiro
gueto. Esse isolamento faz com que as idéias e as reações
emotivas repercutam dentro desse ambiente fechado, e se
influenciem mutuamente. O isolamento do grupo não permite
confrontar as conclusões e as idéias geradas no gueto com
nenhum pametro externo. Nessas circunstâncias, perde-
se
facilmente o pé da realidade e se começa a delirar, a ver
miragens, a tomar as elucubrações internas do grupo como a
verdade absoluta. Os fantasmas dos pesadelos e as miragens
do sonho se projetam numa realidade imaginada.
Deseja
-
se a libertação do gueto e a vitória. Ambas passam
a ser esperadas por meio de uma interveão sobrenatural.
Anseia
-se pelo castigo dos inimigos e pela instauração do modo
de vida do gueto em toda a parte e para todo o mundo.
Quando o mundo se tornar como o gueto, dar-
se
o triunfo da
Causa. Passa-se a viver numa expectativa escatológica
e
apocalíptica: a de universalizar o gueto: a de "enjaquetar" a
humanidade e o mundo. Todo o mundo usando a jaquetinha da
TFP. Todos gritando unânimes Tradição! Família! Propriedade!
Sempre furiosamente
516
.
Girardet também nos explica que, geralmente, os mitos encontram
impulso no interior de grupos minoritários, ameaçados ou oprimidos, sendo que
surgem como um fenômeno de não-identificação com a ordem ou o poder
dominante
517
. Analisando os membros da TFP, percebemos se constituem como
um grupo confessional que, diante da mudaa da práxis da Igreja Católica,
teve sua inflncia diminuída e até combatida em certos meios. Estes católicos
reuniram
-se numa associação civil para defenderem os valores tradicionais, que
lhe parecem os únicos verdadeiros e legítimos. No contexto social e político
brasileiro, a TFP foi beneficiada durante a ditadura militar, mas, após a
redemocratizão viu-se novamente diminda em poder e inflncia. Nestas
condições, a elaborão e defesa de um novo reino, onde suas virtudes e
sacri
cios pela crisserão enfim valorizadas parece bastante alentador. A
caracterizão dos membros como os eleitos auto-referenda ainda mais tais
expectativas, visto que o simples fato de pertencer à entidade será o passaporte
seguro para a obteão da graça. Desta forma, a utilização da Mensagem de
516
FEDELI, Orlando. Cartas TFP
Humanismo, Misericórdia e Justiça.
Montfort
Associação
Cultural
. Disponível em <http:www.montfort.org.br/> Acesso janeiro/2005.
517
GIRARDET, Raoul.
Mitos
e Mitologias Políticas.
São Paulo: Cia das Letras, 1987. p. 180.
222
Fátima como suporte legítimo para a defesa desta escatologia trouxe elementos
precisos para a construção da sucessão de eventos que estaria por vir, bem
como ressaltou a imincia da catástrofe, visto que tamm as lágrimas da
imagem de Fátima de Nova Orleans (julho de 1972) também foram
interpretadas como prenúncio, último aviso à humanidade de que a
misericórdia divina o poupaos ímpios, infiéis e apóstatas
518
. Enfim, com a
punição dos pecadores seinstaurada a paz entre os homens: será uma época
áurea, totalmente influenciada pela única e verdadeira religião. Será o Reino de
Maria (noção montfortiana), inaugurado com o triunfo do Imaculado Corão
(prometido em Fátima), uma época de e virtude para os homens e a glória
para a TFP.
Marcando as etapas finais da história do homem sobre a terra, sucederá
o grande evento cataclísmico anunciado por Plínio como
bagarre.
Como já
destacamos acima, a TFP entende como
bagarre
o castigo anunciado nos
segredos de Nossa Senhora de Fátima aos pastorinhos portugueses em 1917.
Reinterpretando a mensagem fatimista, Plínio defendeu que a
bagarre
será
então o castigo que atingia humanidade pela sua apostasia; dentre todos
tal castigo atingiespecialmente o clero, que teria transformado a Igreja em
uma simples estrutura
519
, onde já não existiria sequer um Bispo fiel
520
.
Este
evento, para a TFP, significa o momento em que o mundo reconhecerá seu
valor e poder, se o momento em que sua honra e esplendor seo
conquis
tados e o momento em que seu líder será enfim reconhecido:
518
ALVES, Helvécio. Depois de 30 anos do milagroso aviso.
Catolicismo.
São Paulo. Nº 619, p.
26
-
35, julho de 2002.
519
A TFP denomina a atual Igreja de
estrutura
, numa clara manifestão de desacordo com as
políticas e doutrinas defendidas pelos últimos pontífices. Em sua defesa argumenta que defende
com ardor tudo que a Igreja produz de reto e bom e que, devido aos desvios progressistas das
últimas décadas, sente-se no dever de discordar publicamente delas. Assim sendo, estabelece a
distinção entre Igreja e estrutura como forma de expressar que sua oposição não é para com a
Igreja em si, mas com a atual estrutura que a governa, ou seja, Esta distinção entre Igreja e
estrutura (notem as aspas) é feita, pois, por comodidade de linguagem, e mais especificamente
por amor e respeito à própria Igreja. Ela tem como importante corolário fazer com que os que
ouvem a TFP não se desedifiquem com a Igreja, confundindo-a no que ela tem de autenticamente
se
u, como desvarios aos quais ao católico o é possível dar adesão . SOCIÈTÈ FRANÇAISE
POUR LA FENSE DE LA TRADICTION, FAMILLE ET PROPRIETÉ. TFP: Imbróglio, Détraction,
Delire. Remarques sur um Rapport concernant s TFP.
1980.
Apud
: GUIMARÃES, Átila Sin
ke.
SOLIMEO, Gustavo Antonio. Vol. I, 1984. p. 288 a 292.
520
FEDELI, Orlando. Cartas TFP
Humanismo, Misericórdia e Justiça.
Montfort
Associação
Cultural
. Disponível em <http:www.montfort.org.br/> Acesso janeiro/2005.
223
durante a Bagarre, acreditam que have grandes
cataclismas, terremotos, tufões, maremotos, vulcões em
erupção. Aliadas a isto vêm as catástrofes provocadas pelos
homens, sobretudo a guerra atômica, além de guerras
convencionais, saques, violações, assassinatos, etc.
Como se não bastasse tudo isto, ainda pior: os desastres
sobrenaturais e preternaturais, provocados por Deus e pelos
anjos (bons e maus). Haverá fogo no céu a queimar os ímpios, a
terra se abri e engoli os pecadores em corpo e alma;
demônios, com formas terríveis e asquerosas, atormentarão
particularmente aqueles que os serviram (os filhos das trevas ,
em contraposão aos filhos da luz , os eleitos do profeta).
Estes demônios, numa escie de prencio dos tormentos
infernais a que eso fadadas suas vítimas, atormenta-
las
-
ão
ainda aqui na terra, atirando-as depois nas chamas inexoráveis
e eternas do inferno (...)
É durante a Bagarre que a glória ultrajada de Plínio se
vingad
a, sendo-lhe tributada a honra que, ele c, é a ele
devida
521
.
Segundo Delumeau, o discurso sobre o fim do mundo e o juízo final
nunca desapareceu das pregações católicas, embora em determinadas épocas
tenha ficado ausente ou tendo sido anunciado de forma mais discreta. Esta
pregação relaciona
-se com a concepção de um Deus bom e misericordioso com
os fiéis, mas um Deus que tamm se justo no dia do Jzo, punindo
terrivelmente os infiéis. No grande dia da operão da verdade , seenfim
separado o joio do trigo , e o mundo será virado do avesso , de maneira que
os valores vigentes até então sejam substituídos pelos valores da eternidade .
Neste tempo, recordam os pregadores católicos, haverá uma dupla vingaa:
Deus vingará as injúrias que recebeu dos homens e os eleitos seo
vingados dos ultrajes que sofreram dos pecadores
522
. Conforme o autor,
o cataclisma final está então sempre presente como uma
punição, por sinal precedida por calamidades, importantes, mas
de pequeno porte, que o céu desencadeia periodicamente sobre
uma terra desobediente. A velha noção de que Deus pune já
neste mundo e que as grandes desgraças coletivas são ao
mesmo tempo castigos e advertências tem sempre curso na
521
FOLENA, Giulio, 1987. p. 119.
522
DE
LUMEAU, Jean. Um Deus com olhos de lince . In: O pecado e o medo: a culpabilizão
no Ocidente (séculos 13
-
18).
Volume II. Bauru: EDUSC, 2003. p. 144 a 156.
224
época clássica na pregação mais corrente. Ela faz parte do
instrumental mental das Igrejas mestra e discípula
523
.
Tal é a esperaa da TFP, no dia da
bagarre
será enfim reconhecida
como fortaleza da verdade e do bem , seenfim alçada a uma posição
de destaque entre os eleitos que gozarão das benesses de Deus no Reino de
Maria. Para esta mentalidade esperançosa de uma catástrofe, qualquer
acontecimento pouco comum fora interpretado como sinal de seu início:
inundações, furações, meteoros, terremotos, etc. Na TFP vários acontecimentos
foram interpretados como passíveis de iniciarem a
bagarre
e instaurarem o
novo tempo de paz , visto que o mundo moderno foi sempre interpretado
como catastrófico e infiel, onde até mesmo a Igreja teria sido contaminada
pelos poderes maléficos do demônio: a humanidade atual não passa duma
horda de miseveis apegados a vícios; monstros que estão virtualmente prontos
para ser dominados pelo demônio, que esna iminência de conquistar todo o
Planeta
524
. Como a
bagarre
o vinha, restava a necessidade de uma
explicão sobre sua protelação. Neste sentido, defendia-se que com a
postergação da
bagarre
,
Deus estaria castigando severamente os homens que,
como as folhas do outono, estariam despencando, um após
outro, sobre as chamas eternas após a morte
que a
Bagarre
se um castigo e tamm uma forma misericordiosa de
redenção da humanidade
525
.
Mas a principal razão deste adiamento devia-se às lacunas dos membros
da TFP que estariam distantes do ápice da perfeição que só será adquirida com
a extirpão total da herança revolucionária e com a abertura completa de suas
almas à contra-
revolução:
eles renunciaram ao mundo, aaos prazeres que
consideram legítimos, procuram cumprir os Mandamentos, confessam-
se
freqüentemente, e comungam diariamente
no entanto, estão longe de atingir
a
perfeição
526
.
Na TFP a ateão foi centrada na luta preparatória que
523
Idem, p. 144.
524
FOLENA, Giulio, 1987. p. 117.
525
PEDRIALI, José Antonio, 1985. p. 80.
526
Idem, p. 8
0.
225
antecederá o milênio, com a descrição recorrente dos detalhes da catástrofe,
estimulando, desta forma, a uma preparação intensa e contínua por parte dos
sequazes. Deste modo, a
bagarre
t
ornava
-se o eixo em torno do qual deveriam
girar nossos pensamentos, ações e orões. Respirava-se a
Bagarre
, bebia-se e
comia
-se a
Bagarre,
dormia
-se a
Bagarre
! , o vel de dedicação dos membros
era medido pela identificação com Dominus Plinius e pela certeza e
compenetração a
bagarre, que
e
stava próxima, iminente... e não vinha!
527
Manuel Garcia-Pelayo, em estudo sobre as creas do reino feliz s
catástrofe purgadora dos impuros, destaca que no fim dos tempos será então
consolidado um tempo feliz em que a humanidade se verá livre dos problemas
que a atormentam, um reino dominado pela justiça e pela paz
528
. O evento o
estava acontecendo, mas era iminente, esplendorosamente destruidor e
purificador
:
essencialmente, a bagarre, estima a TFP, se o
acont
ecimento mais tervel da História do Universo, só
superável pelo Apocalipse: astros desviarão sua rota normal,
colidindo
-se uns com os outros, provocando o terror na
humanidade; esta, por sua vez,se atingida pelas forças
estranhas desencadeadas pelo furor da Natureza. A Terra
sofre abalos intensos, o chão se abrirá, formando enormes
fendas onde serão soterrados os pecadores. Os demônios
aparecerão e, em hordas avassaladoras, carregarão para o
mais profundo dos infernos, ainda em vida, os pecadores
irre
dutíveis; insetos devastarão o pouco de vida que relutar em
subsistir, gritos pavorosos serão ouvidos por toda parte. E, em
meio a essa catástrofe, a , a coragem e a virtude dos
membros do grupo, os santos dos últimos tempos , serão as
luzes que brilharão sobre a Terra, os faróis que guiarão aqueles
que se arrependerem de seus pecados
529
.
Garcia
-Pelayo destaca ainda que nas versões religiosas do mito do reino
feliz dos últimos tempos está pressuposta na edificação do Reino uma
integração do natural com o sobrenatural em um mesmo plano, de maneira
que a unidade será enfim concretizada com a plenitude do homem, a plenitude
do tempo e a plenitude do espaço. Unida a uma conceão degeneradora da
história, a situação atual será interpretada como a negação mais veemente da
527
Ibidem.
528
GARCIA
-
PELAYO, Manuel.
Los mitos políticos.
Madri: Alianza Editorial, 1981. p. 67.
529
PEDRIALI, José Antonio, 1985. p. 79.
226
idade de ouro (Idade Média) de maneira que o Reino será compreendido como
uma volta a este tempo ideal
530
. Neste mesmo sentido, destaca-se o catolicismo
ultramontano/integrista e suas doutrinas de negação do mundo atual como
espúrio, distanciad
o de Deus, e do projeto único do Senhor que seria a salvação
da humanidade, sendo que tal salvação teria o significado de reunir aquilo que
o pecado original separou (precipitando o homem na história, na doea, dor e
morte), religar a aliança rompida entre os homens e Deus. O movimento linear
da história
iniciado com a Criação-Queda e que se desenvolverá até o Jzo
Final
deveentão consumar-se com a salvação, levando o homem de volta
ao reencontro e dissolução no Absoluto:
se é possível atribuir uma finalidade para a criação do
homem, essa finalidade seria a união eterna com o Criador, a
perpétua gravitação em torno do Supremo Bem. A doutrina
católica, ao se fundamentar sobre esses conceitos,
necessariamente circunscreveu a história do homem nos lim
ites
da teodicéia. Portanto, Deus criou o homem para realizar
aquela união referida e isso implica que o homem só se realiza
cabalmente na dissolução no Absoluto. Assim, mesmo que o
homem tenha caído na historicidade, a sua história deve revelar
a inesgotável bondade divina, expressa no seu desígnio de
redimi
-
lo
531
.
Sendo derivada da mitologia do Reino, da crea escatológica e
milenarista ou da doutrina escatológica ultramontana/integrista, a preocupação
essencial é a mesma: a felicidade e a justiça, inter
pretada como salvação eterna
ou como libertação secularizada. A TFP faz crer a seus membros que a época
atual é dos tempos finais da história humana, que brevemente os ímpios seo
punidos pelos seus pecados e que os puros serão salvos, em meio a uma
catás
trofe de propoões universais e que, após este grandioso evento será
consolidado o Reino de Maria, onde os puros viveo um tempo de paz, numa
era sacral, semelhante, mas mais grandiosa, que a Idade dia. Este
milenarismo mariano, derivado das obras montfortianas, descreve o futuro
530
GARCIA
-
PELAYO, Manuel, 1981. p. 67/68.
531
MANOEL, Ivan. O ndulo da história: Tempo e eternidade no pensamento católico (1800-
1960).
Maringá: EDUEM, 2004. p. 100.
227
Reino de Maria como um ideal de sacralização da ordem temporal através da
mediação de Maria, mas que é traduzida como uma nova civilização cristã:
o Reino de Maria será uma civilização sacral porque
estará ordenado segundo Deus nos seus fundamentos; a lei que
regulará as relão com Deus e entre os homens será a da
dependência, que encontrará a sua mais alta expressão na
escravio de amor à Santíssima Virgem
532
.
A proposta montfortiana descreve o Reino como a sacralizão da
ordem
temporal pela medião de Maria, onde haverá um novo triunfo do Corpo
stico, a Igreja, que será agraciada com um florescimento sem precedentes
no qual a Idade Média seapenas um pálido reflexo, visto que o pprio Plínio
defendeu que o medievo o atingiu a plenitude de seu desenvolvimento. Esta
foi uma era sacral sim (bastante idealizada nos recintos da TFP) mas que teve
seu desenvolvimento interrompido pelos pendores revolucionários
533
, portanto, o
Reino de Maria suplantará a Idade dia, tirará lições de seus erros
534
, e será
infinitamente mais perfeita. O Reino de Maria se também marcado pela
devão ardente à Santíssima Virgem, conforme o próprio santo ensina no
Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.
Mas o santo complementa,
para que esta nova era seja instaurada, o Altíssimo e sua Mãe deverão suscitar
532
MATTEI, Roberto de, 1997. p. 343.
533
Os admiradores da Idade Média exprimem-se mal quando sustentam que o mundo atingiu
nessa época o máximo do seu desenvolvimento. Na linha em que caminhava a própria civiliz
ação
medieval, muito ainda haveria que progredir. O encanto grandioso e delicado da Idade Média
não provém tanto do que ela realizou, como da veracidade cintilante e da harmonia profunda
dos princípios sobre os quais ela construiu. Ninguém possuiu como ela o conhecimento profundo
da ordem natural das coisas; ninguém teve como ela o senso vivo da insuficiência do natural
mesmo quando desenvolvido na plenitude da sua ordem própria
e da necessidade do
sobrenatural; ninguém como ela brilhou ao sol da influência sobrenatural com mais limpidez e na
candura de uma maior sinceridade . OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A grande experiência de 10
anos de luta. Apud: MATTEI, Roberto de, 1997. p. 345.
534
Conforme o autor, o pecador que se converte, em via de regra, tem maior horror ao erro
depois do que antes da queda. Também a Igreja, depois de cada prova, emerge armada contra
o mal que procurou prostrá-La. Em virtude desta lei, a ordem nascida da Contra-
Revolução
deverá refulgir, mais ainda do que a da Idade Média, nos três pontos capitais em que esta foi
vulnerada pela Revolução: a) Um profundo respeito dos direitos da Igreja e do Papado e uma
sacralizão, em toda a extensão do possível, dos valores da vida temporal (...).b) Um esrito de
hierarquia marcando todos os aspectos da sociedade e do Estado, da cultura e da vida
(...).c)Uma diligência no detectar e no combater o mal em suas formas embrionárias ou veladas,
em fulminá-lo com execração e nota de infâmia, e em puni-lo com inquebrantável firmeza em
todas as suas manifestações, e particularmente nas que atentarem contra a ortodoxia e a pureza
dos costumes .
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, 1998. p. 94
228
grandes homens santos (quem é considerado o maior de todos os santos na
TFP?) e grandes conversões à escravio mariana (quem são os escravos de
amor a Virgem e os apóstolos dos últimos tempos ?). Assim sendo, o Reino
montfortiano foi convertido, no interior da TFP, em futuro a ser alcançado, no
qual tanto Plínio como a TFP teriam um papel destacado:
implantado o Reino de Maria , Plínio seria levado num
carro de fogo, escoltado por legiões de anjos, à Montanha dos
Profetas, onde permaneceria até a luta final entre Deus e o anti
-
Cristo. E nós, seus dispulos
dispulos do Profeta de Maria
ficaríamos encarregados de zelar pela integridade do Reino.
Como os Templários, nossa missão seria a de lutar contra todos
os que, consciente ou inconscientemente, rejeitassem o
modus
vivendi
do Reino. Como os monges de Cluny, nosso dever seria
o de irradiar para os moradores do Reino a sã doutrina, os
hábitos imaculados, a religiosidade perfeita. Na condição de
fiscalizadores e protótipos do Reino, teríamos, então,
ascendência sobre papas, reis e legisladores, - sobre todo o
mundo, portanto
535
.
Fedeli é ainda mais explícito quando afirma:
dizia
-
se
ainda que, após a Bagarre, seria instaurado o Reino de Maria.
Cristo e a Virgem Maria viriam à terra para essa instauração. É
evidentemente uma crença contrária à Fé, pois a Igreja ensina
que Cristo virá apenas no fim do mundo para o Juízo final.
Haveria então um cortejo de triunfo, com os eremitas da
T
FP
(...)
--
à frente cantando o hino Lève Toi
536
, no qual se
afirma que os dois poderes, a Igreja e o Estado, na pessoa de
um Papa santo e do grande Monarca do qual falam as
profecias dolcinianas e joaquimitas, se prostrarão diante de Dr.
Plínio, "chant la terre" = lambendo o chão
--
, proclamarão Dr.
Plínio como o grande vencedor da guerra, na defesa da Igreja.
Então, o próprio Jesus Cristo proclamará Dr. Plínio como
Profeta e Fundador do Reino de Maria, sendo apoiado pela
Virgem Maria
537
.
535
PEDRIALI, José Antônio. O Estado de São Paulo
30/06/1985. Apud: OLIVEIRA, Plínio
Corrêa de, 1985. p. 237.
536
Letra do hino: Lève ó toi, ó Dieu tout-puissant / Saisis ton butin toi qui combattit vaillamment
/ Pose tes pieds sur les monceaux des tués / Frappe les nations tes adversaires / C est la bacle
des révolutionnaires. / Ouvre tes portes, superbes et dórees / Pour que tous ceux qui t ont offensé
/ Poussent se prsterner devant toi / Accement le grand veinqueur de cette guerre .
Folena recorda que a canção foi alterada visando manter uma aparência ortodoxa, e que
originalmente o último verso dizia: Acclament le prophète, l homme fait tornerre , Aclamem o
profeta, o homem feito trovão . Manda os dois poderes, espiritual e temporal, lamberem a
terra. LÈVE Ó TOI! Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 134.
537
FEDELI, Orlando. Cartas TFP
Humanismo, Misericórdia e Justiça.
Montfort
Associação
Cultural
. Disponível em <http:www.montfort.org.br/> Acesso janeiro/2005.
229
Este Reino de e virtude só seria destruído com o Apocalipse, destruído
o Reino de Maria, Deus da por encerrada a fuão do homem sobre a
Terra
538
. A partir daí, a morada das almas seria o paraíso ou o inferno. Nesta
construção também se destacam as transformações que a implantação do Reino
traria consigo: um Reino em que a modificão social estaria unida à alteração
da natureza, da essência dos seres, através de uma interveão divina
539
.
Conforme afirmou Fedeli, Plínio defendia um Reino de Maria, de tal forma
milenar
ista, que nele haveria ruas de porcelana, e a angelizão de seus
sequazes. Os outros
os que ele apodava de fumaça preta , e os pecadores
seriam animalizados
540.
Já Folena destaca: aos jovens eremitas é prometida a
uma elevão à condição de anjo, tal a magnitude da missão que lhes se
confiada na Bagarre
541
. Weber também sublinha que as propostas
escatológico
-messnicas auxiliam na resolução dos problemas da teodicéia (a
explicão do mal no mundo) com a certeza de uma compensão futura; um
futu
ro onde não apenas ocorreuma mudança política e social, mas em que
um Deus ou um herói poderoso virá
logo, mais tarde, algum dia
e coloca
seus adeptos na posição de destaque que merecem
542
.
A esperaa no advento do reino, apresentada pela TFP, é derivada das
matrizes milenaristas cristãs que estão, por sua vez, baseadas na crea de um
futuro reino terrestre de Cristo e de seus eleitos. Seu advento deve se situar entre
uma primeira ressurreição dos eleitos já mortos (as almas santificadas) e uma
se
gunda ressurreição de todos os homens, para o Jzo Final. Este reino estará
538
PEDRIALI, José Antônio, 1985. p. 80.
539
Esta característica discursiva que defende uma transformão da natureza ocorrida
especialmente aos eleitos após o advento do Reino seria comum às versões religiosas do mito
do Reino, como destacou Garcia-Pelayo, visto que esta é uma outra forma de premiação aos
sequazes. GARCIA
-
PELAYO, Manuel, 1981. p. 67.
540
FEDELI, Orlando. Alma de animais, Vaticano II, TFP e Montfort.
Montfo
rt
-
Associação
Cultural.
Disponível em: <http://www.montfort.org.br/> Acesso em 11/agosto/2002.
Fedeli aponta ainda que o pprio Plínio teria afirmado: "Aqui, nós temos um dado a mais sobre
o que seria o Reino de Maria. O tipo de beleza do "verum, bonum,
pulchrum"
[verdadeiro, bem,
belo]
que seria tão claro aos olhos que a gente diria que ele borbulha à maneira de evidência.
Não será a inteira evidência, é claro, mas se diria como quê. Um "bonum" que é tal, que se diria
que é irrecusável. Um "pulchrum" qu
e é tal que se diria que jorrado interior de todas as coisas" (20
de Fevereiro de 1983) . FEDELI, Orlando. Cartas TFP
Humanismo, Misericórdia e Justiça.
Montfort
Associão Cultural. Disponível em < http://www.montfort.org.br/> Acesso
janeiro/2005.
541
FO
LENA, Giulio, 1987. p. 27.
542
WEBER, Max, 2000. p. 351.
230
também intercalado entre o tempo da história e a descida da Jerusalém
Terrestre, e enquadrado em dois períodos de provações: o primeiro será o reino
do Anticristo e das tribulões dos fiéis de Jesus que com ele triunfarão sobre as
forças do mal e estabelecerão o reino de paz. O segundo período verá uma
nova libertação das forças demoacas que seo então vencidas num último
combate
543
.
Na tentativa de participar deste reino dos virtuosos, os fiéis intensificam
suas atividades religiosas sempre que o advento do reino parece iminente. Esta
espera milenarista também es ligada à noção de um tempo idealizado,
localizado temporalmente no passado, e que teria sido arruinado no curso da
história, o mito da idade de ouro , que
seria a própria imagem de uma ordem,
de uma sociedade, de um tipo de civilização. Para Girardet, o mito que
identifica esta idade de ouro na Idade Média teria ressurgido no entre guerras,
pela busca de um tipo de sociedade que recusasse os princípios do
individualismo liberal e do estadismo totalitário. Este retorno às fontes medievais
de nossa cultura e civilização viria acompanhada de um projeto preciso de
restauração política e social: a união do trono e altar. Também faria referência
ao sonho rural, onde o contato com a terra protegeria o homem da degradação
do te
mpo
544
. Neste sentido, o discurso tefepista vincula-se ao ideal
ultramontano/integrista de um retorno ao tempo considerado ideal de antes ,
identificado no medievo e assumido neste catolicismo como meta futura a ser
reedificada, ou ainda, como destacou Jean Séguy, o milenarismo apresenta-
se
muitas vezes como um retorno a um modelo de princípio e um aperfeiçoamento
dessa mesma matriz. Como todas as pretensas restaurações, os paraísos
reencontrados são paraísos perdidos
545
. Das características milenaristas mais
destacadas nesta construção discursiva da TFP se sobressaem a espera por uma
salvão coletiva (de um pequeno grupo de eleitos ), iminente (acont
ecerá
agora ou espróxima), total, última e terrena (a modificação do mundo será
radical, final e intramundana) - elementos bastante comuns para a maioria dos
543
DELUMEAU, Jean.
Mil anos de felicidade: uma história do paraíso.
São Paulo: Cia das Letras,
1997. p. 19.
544
GIRARDET, Raoul, 1987. p. 100 e 112/113.
545
SÉGUY, Jean. Apud: DELUMEAU, Jean, 1997. p. 11.
231
milenarismos religiosos ou secularizados
546
. Embora as características dos
movimentos milenarista
s tenham muitas semelhanças,
existem as especificidades
que cada grupo constrói para melhor responder aos seus anseios de salvão
e mais condizentes com a visão de mundo que estão defendendo.
Talmon, em análise sobre as creas milenaristas, aponta que
as
mesmas efetivam uma combinação entre uma concepção histórica e tica do
tempo, onde a conscncia de que a história é linear, com uma seqüência de
acontecimentos singulares, se entrela com a conscncia cíclica, de um
processo que sempre se repete (a volta ao tempo de antes)
assim, destaca a
autora, o milenarismo combina as noções de tempo e de espaço perfeitos
547
.
Deste modo, os milenarismos estariam buscando no futuro um tempo melhor,
mas o localizariam temporalmente no passado, numa manifestação do que
García
-Pelayo qualifica como atitude mítica , ou seja, uma atitude que pode
conduzir à crião de mitos, mas que também pode limitar-se a interpretar
miticamente certas realidades (personagens, acontecimentos, estruturas sócio-
históricas ou teóricas, etc.) que em si não tem nada de ticas
548
. Esta atitude
poderia levar a desconhecer a distião entre o sujeito pensante e o objeto
pensado, já que nesta atitude a percepção se confunde com a participação e,
portanto, o sujeito se sente imerso no objeto, de maneira que para ele no hay
distinción entre vivir y pensar las cosas, entra la actitud mental y lãs exigencias
existenciales
549
.
Tais considerões se conjugam com a interessante proposta de Vicente
Dobroruka que, em texto dedicado ao tema do tempo, historiografia e
especulação, defende a conveniência e, porque não, necessidade de o haver
uma rígida separão entre as especulões acerca do tempo (filosofias da
história), suas origens e seus fins, das reflexões historiogficas. Sua análise
ressalta
que as concepções de tempo cíclicas ou lineares tem relações muito
próximas, muitas vezes imbricadas e extremamente significativas. No estudo das
escatologias religiosas ou seculares, por exemplo, o autor demonstra como fica
546
DELUMEAU, Jean, 1997. p. 18. / TALMON, Yonina. Milenarismo. In: SILLS, David (Dir).
Enciclopedia de las Ciencias Sociales.
Volume 6.
Madrid/Espanha: Ed. Aguilar, 1975. p. 104.
547
TALMON, Yonina, 1975. p. 107.
548
GARCIA
-
PELAYO, Manuel, 1981. p. 26.
549
Idem, p
. 27.
232
patente a união entre as compreensões vetoriais e circulares de tempo, visto que
muitas vezes o futuro é vislumbrado nas idéias sobre o passado: toda
conceão escatológica é uma visão do passado e das origens, tanto quanto do
futuro
550
. Neste sentido, Dobroruka defende a que se admita a presea de
elementos meta-históricos nos trabalhos de historiografia, nos movimentos
milenaristas e nos messnicos, visto que estes seriam elementos da forma como
o homem aprendeu a conceber e viver o tempo e a história.
As narrativas que apresentamos anteriormente evidenciam a presea de
elementos escatológicos e milenaristas no seio da TFP, bem como a tentativa de
sua legitimação pela utilizão de discursos autênticos e de inspiração
divina para referendar esta construção. Mattei se esfoou por demonstrar que
a teologia da história de Plínio é derivada das doutrinas de Nossa Senhora de
Fátima (anúncio dos castigos e do triunfo do Imaculado Corão) e de São Ls
Maria Grignion de Montfort (Reino de Maria enquanto nova ordem temporal),
mas, descrevendo os elementos da mística tefepista neste futuro Reino, nos
deparamos com uma construção que enfatiza muitos eventos sobrenaturais que
se chocam com a proposta montfortiana. Evidenciando tal construção,
apresentamos a argumentação
que tornou-se públ
ica
- de um expoente
escritor tefepista sobre as conclusões do papel preponderante de Plínio (ainda
considerado como imortal) nos eventos finais, descrição que expressa bem a
noção sobrenatural
e não terrena
do Reino tefepista:
levado por análogas raz
ões de conveniência, um de seus
discípulos, Dr. Plínio - - este que lhe escreve [Átila Sinke
Guimarães]
- - no ano de 1966 conjeturou o seguinte: uma vez
que Deus quis ter por testemunhas, na luta contra o Anticristo,
dois varões do Antigo Testamento [os profetas Henoch e Elias]
,
um representando as graças anteriores ao Dilúvio e outro
representando as graças posteriores ao Dilúvio, e uma vez que é
admissível que São João também volte ao mundo, para
representar as graças do Novo Testamento, se houvesse um
ou
tro castigo para a humanidade em proporções tais que
550
DOBRORUKA, Vicente.
Post
-
scriptum
tempo, historiografia e especulação. In: História e
Milenarismo: ensaios sobre tempo, história e o milênio.
Brasília: Editora UnB, 2004. p. 210.
Ainda, segundo o autor, convém lembrar que toda perspectiva escatológica que anima as
especulações sobre o sentido da história e os movimentos de massa que lhe estão associados
funda
-se também numa conceão de passado: nas aliaas sucessivas de Deus com os homens,
nos eventos redentores e na revelação progressiva os segredos do tempo ao homem . Idem, p.
208.
233
pudesse ser comparado a um Dilúvio, poder-
se
-ia admitir a
hipótese
- - baseada em análogas razões de conveniência - -
de
que houvesse mais um varão que representasse as graças dessa
nova era. Como entre nós se tem por certo que - - segundo as
previsões de Nossa Senhora de Fátima - - Deus castigará o
mundo em proporções universais, e que tal castigo tem sido
comparado por Santos (por exemplo São Luís Maria Grignion de
Montfort) a um dilúvio de fogo, este seu discípulo julgou que
seria admissível a hipótese
de que o senhor, Dr. Plínio, que vem
desempenhando papel ímpar na luta contra a Revolão, fosse
tal representante
551
.
3.3 Ritos e ensinamentos
3.3.1 Regras e práticas religiosas
Vários autores defendem que as instituições devem ser avaliadas pela
conjunção de diferentes veis ou momentos articulados: nível das práticas
discursivas, que representam seu aspecto universal; vel das práticas não-
discursivas (plano dos dispositivos), que representam o aspecto particular; e o
vel da práxis (articula o universal e o particular), que representam a instituição
em sua particularidade
552
. Neste item, analisaremos a organizão da TFP a
partir das conceituações sobre as instituições em geral, bem como as
configura
ções de poder-saber engendradas em seu seio e as práticas daí
resultantes. Uma importante caractestica da TFP é a exigência de uma
dedicação exclusiva dos membros para com a entidade. Morar, trabalhar,
estudar, celebrar, etc., devem preferencialmente ser vivenciados em casas da
entidade, sob os olhares atentos dos demais membros e dos superiores de cada
sede. Esta situão é definida por Goffman através do conceito de
instituição
total
, ou seja, instituões mais fechadas , nas quais aos internos são imp
ostas
barreiras às relações sociais com o mundo externo e proibições às sdas,
situação muitas vezes beneficiada pela arquitetura das mesmas (muros altos,
portas fechadas, arame farpado, fossas, águas, florestas ou ntanos). Para o
autor, uma instituição total é um local de residência e trabalho, onde expressivo
551
GUIMARÃES, Átila Sinke. SOLIMEO, Gustavo Antonio. Vol. I, 1984. p. 368.
552
COSTA
-ROSA, A. O modo psicossocial: um paradigma das pticas substitutivas ao modo
asilar. Apud: BENELLI, Silvio José. Problematizão das teorias relativas às instituições. In:
Pescadores de Homens: A prodão da subjetividade no contexto institucional de um seminário
católico. 2003. Dissertação (Mestrado em Psicologia)
Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho , Assis, 2003. p. 64.
234
número de indivíduos com situação semelhante, afastados da sociedade ampla
por período considerável de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada por um grupo superior
553
.
Ao ingressar em uma instituição total (hospital, penitenciária, internato
escolar, conventos, manicômios, etc.) o novato é despojado da liberdade da
utilizão autônoma de símbolos, marcas e adereços; em seu novo ambiente
seo outras marcas, adereços e símbolos, agora da entidade, que ele se
instigado a defender
554
. Sua liberdade de ão e pensamento é suprimida pelo
controle do tempo, espo e atividades
sua vida passa a ser normatizada,
ordenada e dirigida. De certa forma, sua situação pode ser definida enquanto
custodiada
pela organização que lhe satisfaz (ou o) as necessidades vitais e
secundárias (saúde, alimentação, alojamento, informação, recreão,
formão, etc.); sua incorporação ao grupo de internos desemboca na tentativa
de seu assujeitamento -
prefere
ncialmente passivo - à instituição, ao sistema de
autoridade e controle que lhe será imposto
555
.
Estas considerações relacionam-se ao que Michel Foucault definiu como
poder disciplinar, um poder derivado de uma política de controle de corpos que
se define progressivamente desde os séculos XVII e XVIII. Este investimento numa
docilizão dos corpos, efetivado através do mecanismo da disciplina, reverte-
se em domínio ao fabricar corpos submissos, submetidos, transformados e
aperfeoados em função do poder. Elementos desta tecnologia disciplinar
foram difundidos e incorporados na sociedade moderna, especialmente através
de sua adoção pelas instituições, entre elas as totais, como a TFP. Entre seus
componentes principais Foucault ressalta o controle do espaço, através do
quadriculamento celular, regra das localizões funcionais, classificão e
serialização ou do enclausuramento, procedimentos que permitem saber onde e
como encontrar os indivíduos; a organizão do tempo, que controla e
regulamenta as atividades e seus horios para uma coletividade; a vigilância,
553
GOFFMAN, Erving.
Manicômios, prisões e conventos.
2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p.
11.
554
MOREIRA, Vicente Deocleciano. Graça e Gramsci, corpos adados pelo amaro da
intolerância.
Sitientibus
, Feira de Sant
ana, n. 16, p. 37
-
47, jan/jun 1997. p. 37.
555
BENELLI, Silvio José. O Internato escolar como Instituão Total: Violência e subjetividade.
Psicologia em Estudo
, Maringá, v. 7, n. 2, p. 19
-
29, jul/dez 2002. p. 27.
235
que deve ser percebida pelos indivíduos como contínua, ininterrupta e presente
em todos os lugares; o saber-poder, derivado do registro contínuo do
conhecimento sobre os indivíduos que se transforma em saber e,
conseqüentemente, em poder sobre os corpos. Ou seja, o poder disciplinar
produz uma individualidade caracterizada como celular (através da repartição
espacial), orgânica (através do controle das atividades), getica (organiza
neses: divide e controla um tempo serializado e segmentado) e combinatória
(compõe forças para um resultado mais eficiente)
556
. Conforme Foucault:
a disciplina fabrica assim corpos submissos e
exercitados, 'corpos dóceis'. A disciplina aumenta as forças do
corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas
forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra, ela
dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma 'aptio',
uma 'capacidade' que ela procura aumentar; e inverte por outro
lado a energia, a potência que espera resultar disso, e faz dela
uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica
separa força e o produto do trabalho, digamos que a coerção
disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma
aptidão aumentada e uma dominação ace
ntuada
557
.
O controle de corpos e mentes, tamm pleiteada pelas instituições em
geral, é efetivada na TFP através de diversas práticas difusas no cotidiano dos
internos, especialmente os jovens (lembramos que nem todos os membros vivem
em sedes e que, dos internos, nem todos sofrem as mesmas exigências).
Dispositivos de ordenação do tempo e das atividades, exercícios e
condicionamentos militares, exames
558
inesperados sobre o conhecimento da
doutrina, expressão connua de entusiasmo por tudo o que se refere a TFP,
publicizão das devões tefepistas, votos, desprezo do mundo exterior etc.,
tornam
-se importantes elementos mantenedores de controle, pois estabelecem
um pado de normalidade - o indivíduo que coopera com as atividades
556
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 22ª edição. Petrópolis: Vozes,
2000. p. 141.
557
Idem, p. 119.
558
Foucault destaca que também a tecnologia do exame auxilia para um controle normatizador
e uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Para Foucault O exame supõe
um
mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber e uma certa forma de exercício do
poder . O autor também destaca que o exame inverte a economia da visibilidade no exercício
do poder: o poder disciplinar ao exercer-se se torna invisível, mas os objetos aos quais se aplica
são submetidos a um princípio de visibilidade obrigatória. Ibidem, p. 154 a 159.
236
institucionais sob as condições exigidas, é um
colaborador
: um indivíduo
normal , programado , interiorizado
559
-
,
e possibilitam aos líderes a
identificão e a cobraa pública aos desviantes . Na TFP este controle das
atividades mais corriqueiras e, portanto, mais assujeitadoras, é feito através de
regras gerais que orientam a vida em cada uma das sedes
estabelecendo com
maior ou menor rigidez, dependendo de sua função (sedes de moradia,
Êremos
ou
Camáldulas
)
como destacou Barreiros:
toda sede tinha uma escala de horários e de tarefas. A
vida não é livre, os horários e as obrigações têm que ser
cumpridos: o horário de levantar, as orações particulares, as
orações em comum, o horário do café, do almoço... A pessoa
que tiver que fazer alguma coisa que saísse desse esquema pré-
estabelecido, diferente disso, tinha que comunicar ao
encarregado da sede e justificar. A vida era controlada, as
pessoas o faziam o que quisessem, elas estavam ali para
viver uma vida em comum. o toque de recolher, à noite:
quando batem os se
te toques do sino, a pessoa já tem que estar
na cama
560
.
O regulamento que contempla toda a escala de horários, o rol das
atividades a desenvolver, assim como a classificão das várias formas de
descumprimentos e suas correspondentes sanções foi nomeada de
Ordo,
palavra latina que significa ordem ou ordenamento. Existem vários
Ordos,
de
maneira que cada sede o adapta aos seus objetivos específicos, sendo que nos
Êremos
as regras seriam muito mais rigorosas, definindo inclusive proibições de
conversas, olhar
es entre membros, olhar para fora das sedes, entrar na cozinha,
etc., regras que neste contexto institucional confessional, muito mais do que
estabelecer normas e limites a seguir, definiam as violações o apenas como
quebra de conduta mas sim enquanto pecados dos membros. Especialmente
nas casas de estudo, onde as regras eram severas, o membro comprometia-
se
por escrito a cumprir o
Ordo
e, em caso de desvios, a executar a pena para tal
situação de descumprimento. Tomás Barreiros lembra que a pena era auto-
559
BENELLI, Silvio José, 2003. p. 25.
560
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zan
otto [com complementações do entrevistado]. p. 19
.
237
imposta, o dever de consciência é que determinava o cumprimento da pena e a
expião de tal pecado :
diante de sua própria conscncia. Seria um pecado a
pessoa comprometer-se a fazer e não fazer. Por exemplo, se
quando tocassem os sete toques de recolher ela não estivesse
na cama, ela tinha uma penitência específica, uma pena
especifica para isso: rezar um teo com os braços em cruz.
Então, já estava determinada para cada descumprimento a sua
pena espefica, mas ninguém fiscalizava a aplicação dessa
pena. Se ao toque de recolher a pessoa não estivesse na cama,
ela própria pensava: Vou ter que pagar um terço com os
braços em cruz . Isso se o descumprimento fosse involuntário; se
fosse voluntário, a pena seria 24 horas a pão e água... A pena
é auto-
impo
sta, a pessoa mesmo se impõe; se não cumprisse,
vinha a consciência: Oh, estou em pecado .
561
.
A punição pelo descumprimento das regras é comum às instituições totais,
essencialmente ancoradas nas técnicas de disciplina, de maneira que este
evento não só serve para penalizar o infrator, mas especialmente para corrigir
seu desvio. Eis o grande impulsionador das sanções disciplinares: a punição
corretiva e o apenas exemplar. Como lembrou Benelli, a correção de desvios
por meio do castigo disciplinar deve ser fundamentalmente corretivo, baseado
no exercício repetido, como uma condição de aprendizado intensificado,
c
astigar é então punir com exercícios, numa insistência redobrada à norma
562
.
Foucault segue a mesma linha ao destacar que nas instituições disc
iplinares
se estabelece um mecanismo penal autônomo, detentor de um privilégio auto-
outorgado de fazer justiça, impor leis, elaborar catálogos, criar instâncias de
julgamento e formas de sanção. O membro que não se submete se
penalizado visando fazê-lo retornar à norma. Benelli, comentando Goffman,
sublinhou que o sistema normativo funciona coagindo os internos à
conformidade, traçando limites ou fronteiras, estabelecendo difereas, fixando
limites entre o que a instituição considera como normal e anormal. A punição
produz sujeitos normatizados ao estabelecer relações entre os atos,
desempenhos, comportamentos e um conjunto normativo ideal que serve
funcionalmente como pametro de comparão, espaço diferenciador e
561
Idem,
p. 19.
562
BENELLI, Silvio José, 2003. p. 52.
238
princípio de uma regra a seguir. Tais caractesticas são resultado de
suposições referentes à natureza, aos modos de ser e agir dos seus habitantes,
ou seja, existe uma definição de si mesmos que a instituição produz. A esta
definição, os atores institucionais podem resistir abertamente buscando uma
redefinição de si, podem recusar veladamente esse assujeitamento a que são
sujeitos, ou reconhecer-se nessa definão sendo diante de si mesmos, aquilo
que os outros participantes acham que devem ser
563
.
O
Ordo
tefepista, lembrou Folena, foi estabelecido a partir da
observão de um tefepista ideal
um profeta exemplar, diria Weber
o
grande líder que contempla em todo seu ser o ideal contra-revolucionário. As
regras derivaram da observão dos bitos drios de Plínio, relatadas por
alguns m
embros
564
que se dedicaram a detalhar minúcias que, englobadas em
um conjunto maior de regras, geraria um protótipo de guerreiro ideal. Folena
destaca que o
Ordo
é a cópia fiel do modelo, Plínio Corrêa de Oliveira, que o
considera como que uma camisa-
de
-
for
ça de virtude para quem o pratique,
numa clara alusão à bravura e disposição dos membros que se dispuserem a
seguir as regras e, desta forma, evitar as ocasiões de pecado:
o
Ordo
(...) é a perfeição que se alcança imitando,
estrita e irrestritamente, os hábitos e os costumes de Oliveira,
que é tido como o modelo absoluto de perfeição, ou
protótipo
,
os modelos ideais dos indivíduos e, enquanto tais, são mais eu
do que eu mesmo. Pelo fato de ser meu modelo. Por isso, eu
serei tanto mais eu, quanto mais eu me abrir, me deixar
influenciar pelo meu protótipo, pelo meu modelo ideal
[cf.
MARTINI, José.
Santo Elias, o Profeta da Aliança
].
565
Como recordou Barreiros, acima de tudo e de todos, havia o famoso
Ordo Geral
566
que foi elaborado pelo próprio Plínio, com base na anotação de
alguns membros de todos os seus hábitos, e que estabelecia regras de condutas
gerais e absolutas para todo o cotidiano do que viria a ser um membro perfeito.
563
Idem, p. 52/53 e 20.
564
Segundo Giulio Folena, os membros que acompanharam cotidianamente Plínio para
esmiuçar seus hábitos foram Wellington da Silva Dias, Fernado Larrain, Jo Clá e Umberto
Braccesi.
565
FOLENA, Giulio, 1987. p. 36/37.
566
BARREIROS, Tomás Eon. Depoimento: Vivência na TFP I [Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado]. p. 20
.
239
Vários tefepistas eram signatários deste Ordo Geral, comprometiam-se a
cumpr
i-lo por certo tempo (por meses, anos ou pela vida toda), determinado
por Plínio. O candidato a aderir a tal sistema de regulamentação procurava o
líder e manifestava seu desejo de cumprimento do Ordo Geral, então Pnio
definia se aceitava ou não o pedido
e/ou por quanto tempo seria seguido. Neste
sentido, pelo grau de dificuldade em conseguir ser signatário do Ordo Geral
,
pelo grau de abnegão no cumprimento das regras, tal regulamentação
tornava
-se como que um símbolo de adesão total à causa, um ícone do que se
deveria ser e fazer pois o
Ordo
estabelecia como a pessoa deveria se comportar: como
se levantar da cama, como tomar banho, como escovar os
dentes, como lavar as mãos, como se portar à mesa, como
falar, como se sentar, como se vestir... descendo a micias do
tipo que objeto pôr em cada bolso do paletó. (...) [as pessoas]
assinavam o Ordo Geral e saberiam que neste bolso do paletó
se coloca o teo, neste aqui se coloca o leo branco, neste
aqui se coloca a carteira, neste aqui se coloca o vidrinho de
água benta e ponto final, não pode pôr mais nada. A pessoa
sabe que quando se levanta da cama faz tal coisa, quando
deita tem que deitar em tal posição, e quando lava a mão lava
de um determinado modo, e quando vai tomar banho, tem que
tomar banho de tal e tal modo, quando vai escovar os dentes...
O princípio básico era: de cima para baixo, de dentro para
fora, da direita para a esquerda . Era risível, ridículo, mas era
assim mesmo. Se a pessoa vai escovar os dentes, o princípio era
de cima para baixo, de dentro para fora, da direita para a
esquerda : primeiro se escova a parte de cima dos dentes, a
parte de dentro e da direita, e assim por diante... e isso em
tudo. Por exemplo, para calçar o sapato, primeiro se calça o
direito, depois o esquerdo; para tirar, é o contrário: primeiro o
esquerdo, depois o direito. E isso estava tudo no
Ordo Geral
567
.
Desde o momento em que o novato é inserido (ou se insere) em uma
instituição total são iniciados processos de despojamento de pertences,
mutilões psicológicas e amesmo físicas que visam torná-lo integrado ao
sistema assujeitador e despersonalizado visado pela instituição. No interior da
567
Idem.
Ou ainda: No São Bento [protótipo do Êremo ideal], o
Ordo
prescreve, entre outras, dormir de
barriga para cima, nunca virando para os lados; deixar permanentemente os braços de fora das
cobertas, a mão pousada no peito ou embaixo do travesseiro; além disso, dormir de calça e
camisa (as camisas que motivaram a encomenda que deles me reaproximou). Dormir de coturno é
usual, a título de penitência .
FOLENA, Giulio, 1987. p. 37.
240
organizão, seu corpo é inserido numa maquinaria de poder que o
esquadrinha, o desarticula e o decompõe
568
; o corpo passa por uma tentativa
de despojamento, controle, domesticão. Através do governo do tempo e das
atividades dos internos, a instituão assegura certa capacitação aos membros
para exercer as funções e defender as idéias que define enquanto necessárias
à
causa, como destacou Benelli:
o corpo é entendido como um lugar onde práticas
sociais ínfimas e localizadas se relacionam com a grande
organizão do poder, ele pode ser dividido, reconstruído e
manipulado pela sociedade. Esdiretamente mergulhado nu
m
campo político e relações de poder operam sobre ele de
imediato: investem, marcam, preparam, submetem, modelam. O
corpo se transforma em força útil se for, também, corpo
submisso e corpo produtivo, preso num amplo sistema de
sujeição
569
.
Em instituições confessionais católicas, as mutilões também incluem
uma dessexualização do corpo bem como seu desprezo por parte dos indivíduos
que optaram por uma vida santificante . Já mencionamos o desprezo que os
tefepistas legam às mulheres
criaturas intrinsecamente más -, mas seu
desprezo pelo sexo vai além visto que o corpo é considerado como uma
ameaça ao ideal a que estão aderindo. Delumeau lembra que a suspeição à
sexualidade também esvinculada com o desprezo do mundo, pois ambos são
relacionados com a queda e a expulsão do homem do paraíso e a conseqüente
inseão na temporalidade. Portanto, no discurso católico forjado entre os
séculos XIII e XVIII, e que influencia ainda hoje grupos católicos integristas, tanto
o mundo quanto a sexualidade são heraas do pecado original, são punições
ao homem pela sua insubordinação a Deus: o corpo não teria apodrecido sem
o pecado. Inversamente, depois do pecado original que fez desaparecer a época
de ouro, o corpo e a terra são objeto da condenação divina
570
.
Se a sexualidade e o próprio corpo são apresentados como resultado de
um desvio original de conduta, como uma punição, nada mais natural aos
568
FOUCAULT, Michel, 2000. p. 119.
569
BENELLI, Silvio José, 2003. p. 55.
570
DELUM
EAU, Jean, 2003. p. 230/231.
241
grupos católicos tradicionais do que se esforçarem pelo seu controle, pelo seu
desapego e, em contrapartida, pela exaltação do modelo celibatário como ideal
de pureza e antecipão da vida celeste, na qual cem que os eleitos o
mais sofrerão a pena da temporalidade, pois seo como anjos. Neste ínterim,
a incorporação de uma tecnologia de disciplina que tenta submeter corpo e
mente é implementada nas instituições totais confessionais obtendo de maneira
mais rápida e eficiente tanto o aprendizado dos internos, quanto o domínio de
sua rotina. Esta mutilão do eu, em função das necessidades da organização,
realiza
-se com um regulamento e normas de conduta que vão das necessidades
sicas do cotidiano (horários de banhos, de refeições, de descanso, etc.) até o
controle das leituras a que terão acesso e que serão convenientes para a
formão que a entidade estipula que devem ter. Este processo de mutilão
meticulosa e progressiva foi primorosamente destacado por Moreira, nos
seguintes termos:
quando chega pela primeira vez a uma instituição total,
o novato não carrega apenas seus pertences (roupas, toucador,
etc.), mas també
m uma cultura aparente , ou seja, um conjunto
de atividades, um estilo de vida livre e aceito pacificamente.
Mas no ato de ingresso na instituição total o eu do entrante
começa a ser sistematicamente mutilado. São imeros os
instrumentos simbólicos que exercem essa mutilação. O primeiro
ato de mutilação, pela instituição total, é impor barreiras entre o
interno e o mundo exterior (...).
Mas a mutilação do eu do internado não pára .
Prossegue, por exemplo, no sentido de sua
despersonalização
. É
o que acontece com os conventos que exigem, do iniciado, a
troca do nome mundano pelo novo nome; é a morte para o
mundo (o mundo externo) e o renascimento para o recolhimento
e a vida religiosa, para os serviços consagrados à divindade (...)
A mutilação do eu avança na tentativa de infantilizar o
detento, no caso da penitenciária. Impõe-
se
-lhe a economia
de ação. Ele é obrigado a pedir permissão ou instrumentos
necessários para a realização de atividades corriqueiras e
livremente executadas no mundo externo: fumar, ir ao banheiro,
barbear
-se, telefonar, comprar coisas etc.
tudo isso depende
da autorização do poder, através de sua face burocrática. A
mutilação do eu não deixa apenas marcas simbólicas ou
psíquicas. Fere, também com marcas físicas e correspondentes
estigmas.
Cortar, o modo de cortar, ou não cortar os cabelos são
pequenas liberdades do mundo externo. Histórica e
mitologicamente, os cabelos são a afirmão da força de um
242
homem (Sansão) e da sensualidade de uma mulher (Madalena).
Em instituições totais, como é o caso de alguns conventos, as
noviças são obrigadas a cortar, bem rente, quase a raspar, os
cabelos ... enfim, a se desfazerem desses sinais da vaidade
mundana e do esmulo à luxúria que dominam o mundo
externo. Nas penitencrias e em alguns mosteiros orientais,
geralmente os presos e os monges, respectivamente, são
obrigados a raspar a cabeça
571
.
Na TFP tais exigências são comuns, especialmente aos membros
residentes em sedes dedicadas ao estudo. Embora não possamos considerar
que esta engenharia de controle seja aceita passivamente, pois muitas vezes
não o é, acreditamos que para muitos tefepistas, tais atitudes reguladoras da
vida são vistas como meios de satisfazer seus anseios, ou seja, o cotidiano
normatizado e normatizador das sedes é considerado como ideal para o
aperfeoamento espiritual que estão buscando. Nesta mesma direção Goffman
destaca que nem sempre o corte de cabelos pode ser considerado uma
mutilão do eu, uma despersonalizão, visto que tal mortificão pode ter um
sen
tido positivo para determinados grupos, pode ser considerado como um ato
valoroso de desprendimento por um monge ou religioso, por exemplo
572
. O que
desejamos ressaltar é que duas ou mais percepções podem ser encontradas
entre os membros de instituões totais confessionais, de maneira que o
destaque às suas arbitrariedades pode ser o enfoque privilegiado por alguns ao
mesmo tempo em que para outros tais mortificões representam sim um
caminho para a santificação. No caso da TFP, o se pode considerar que s
eus
membros são somente vítimas de um sistema iniciático que seduz e mais tarde
controla; diversamente de instituições como prisões, manicômios ou internatos
escolares, os membros da TFP ingressam em suas fileiras por convicção, pela
certeza de que pelo menos naquele momento de adesão a organização pode
lhes responder a algum anseio ou alguma necessidade individual.
Outra caractestica importante em instituições totais refere-se à
viabilidade de seus internos enquanto membros que ocorre em situações
divers
as. Esta participão em atividades da organização nem sempre reflete
uma adesão aos objetivos públicos e internos da mesma, mas, no momento de
571
MOREIRA, Vicente Deocleciano, 1997. p. 43/44.
572
GOFFMAN, Erving
, 1987. p.
49.
243
sua exposição pública a posão individual confunde-se ou é suprimida pela
causa comum que parecem defender. Mesmo Goffman chama a ateão para
o fato de que muitas vezes as organizações sociais m inúmeros objetivos
oficiais conflitivos, onde partidários das várias posições podem gerar dúvidas
quanto à facção que fala oficialmente em nome do conjunto mas que part
e
das obrigações do indivíduo é participar
visivelmente,
nos momentos adequados,
da atividade da organizão, o que exige uma mobilizão de ateão e de um
esforço muscular, certa submissão do eu à atividade considerada
573
. O mesmo
autor complementa que se trata de uma cnica de prodão de sujeitos através
da coerção pelo poder, ou seja, o poder que age sobre o corpo
que é
obrigado à docilidade participativa e visível e que é controlável pela observão
incide na criação de um certo indivíduo que é tomado como objeto
574
. Este
momento de adesão dissimula os conflitos e a luta pelo poder que mesmo no
cotidiano institucional tendem a ser mascarados e que muitas vezes são
tomados pelos deres como disrbios psíquicos dos indivíduos e reduzidos a
problem
as individuais
casos em que na TFP distribui-se a graça da
camaldulação , como lembrou Folena. Este fenômeno possibilita, como afirma
Goffman, uma psicologização do político e tamm uma particularização dos
femenos coletivos
575
, ou seja, o grupo que questiona os objetivos e meios da
entidade é desmembrado a partir de uma desvalorizão psicológica do líder
que, como pena, é separado do convívio com os demais através da inserção em
sedes nas quais o
Ordo
o afasta e o impede de comunicar-se com os outros
internos.
Afora tal controle, a suspeição generalizada entre os próprios membros,
a submissão aos superiores e a obediência irrestrita a que se submetem através
de votos, existem ainda os espaços que estão fora do controle da entidade e que
possibilitam que uma microresisncia aflore
sempre até um limite suportável
para a sobrevivência da própria instituição. Goffman define como ajustamentos
secundários as pticas de resisncia dos internos que não chegam a desafiar a
573
Idem, p. 150.
574
Conforme o autor: esta imersão na atividade da organizão tende a ser considerada como
símbolo do compromisso e da adesão do in
divíduo; além disso indica a aceitação, pelo indivíduo,
das conseências da participação para uma definição de sua natureza .
Ibidem.
575
BENELLI, Silvio José, 2003. p. 22.
244
equipe dirigente, mas que permitem obter satisfões proibidas ou conseguir
por meios não convencionais as satisfações permitidas, as chamadas manhas ,
que englobam disposições pelas quais o participante de uma organizão ou
grupo emprega meios tidos por ilícitos ou consegue fins não-
autorizados
escapando daquilo que a instituição supõe que deve ser e obter. Estas
representariam formas pelas quais o indivíduo se isolaria do papel e do eu que
a instituição admite para ele, elaborando outro
576
. Entre os ajustamentos
secundários o autor aponta a crião de gírias, sistemas de informação
clandestinos, formão de pequenos grupos e facções, contrabando de
produtos proibidos, etc. Os ajustamentos secundários são considerados táticas
de resisncia dos indivíduos que são alvo de práticas de poder no contexto
institucional
as adaptações a que se sujeita são chamadas de ajustamentos
pririos. Estes conceitos servem especialmente para deixarmos de considerar
ingenuamente eu diria - que todos internados são dominados passivamente
pelos seus líderes. Os internos o são objeto passivo, pelo contrário, existem
vários veis de adaptão e/ou reação: se muitos são impotentes para esboçar
reões, se outros se acomodam ao que lhes parece tolerável, ainda os que
resistem transgredindo as normas e e
stabelecendo relações de contra
-
poder.
No mesmo sentido, Michel de Certeau defende que as operões dos
usrios (ou elaborações dos membros) devem ser objeto de considerão, visto
que suas atuações são também importantes para a redefinição constante da
dimica de poder, pois que crê na liberdade gazeteira das pticas . Através
das categorias tática
577
e estragia
578
, o autor defendeu que a relão entre
dominadores e dominados o é essencialmente passiva, mas sim, que existe
uma criatividade cotidiana que reapropria o material recebido e o consome
de inúmeras outras formas. É esta margem de manobra individual, e que
576
GOFFMAN, Erving, 1987. p. 159.
577
Para Certeau tática é a ão calculada que é determinada pela ausência de um próprio.
Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. E por isso deve jogar
com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. (...) a tica é
movimento dentro do campo de visão do inimigo , como dizia Von Büllow, e no espaço por ele
controlado ; A tática é a arte do fraco .
CERTEAU, Michel de, 2002. p. 100/101.
578
Chamo de
estratégia
o cálculo (ou a manipulação) das relações de força que se torna
possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército,
uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estragia postula um
lugar
suscetível
de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações co
m
uma
exterioridade
de alvos ou ameaças .
Idem, p. 99.
245
geralmente o abala a estrutura do poder, que lhe interessa no estudo da
cultura
uma cultura que considera plural, criativa. Em termos institucionais, as
categorias defendidas pelo autor auxiliam em nossa defesa de um sistema
microfísico de poder existente no interior das instituições em geral
portanto
também na TFP - que, por estabelecer-se através de relações, é afetado e
transformad
o pelas atuações dos pólos superiores, intermedrios e inferiores,
mas que não pode ser considerado a priori como estático. É a partir deste
enfoque de microresistências que concebemos práticas desviantes cometidas por
alguns membros da TFP num contexto institucional de controle, vigilância e
assujeitamento que se revelam não totalmente efetivas, ou melhor, não capazes
de coibir pequenas liberdades veladas aos grupos dirigentes: pular o muro das
sedes para divertir-se à noite; ouvir rock através de aparelhos portáteis; criar
gírias e apelidos para os superiores; elaborar críticas aos procedimentos
adotados pela instituição; casos de homossexualismo, etc. Da mesma forma que
defendemos a microresistência, também acreditamos que grande parte dos
membros sente-se muitas vezes confortável na posição de escravo de Maria
(através de Plínio) e arauto da civilizão cris , pois de alguma forma e/ou
por algum tempo esta situação lhes parece ideal.
3.3.2 A liturgia interna
A palavra liturgia, como lembra Tosta, deriva do grego
leitourgia
que
significa função pública. Nos ambientes internos da Igreja, tal vocábulo foi
ressignificado, de modo que seu sentido foi alterado para ação sagrada ou
ão simbólica cristã, ou para designar o encontro festivo e/ou ritual da
comunidade de fiéis nas mais variadas ocasiões: batismo, casamentos,
falecimentos, festas, reuniões, cantos, etc. Esta interpretação valoriza a liturgia
enquanto uma
práxis
simbólica
que procura mudar o mundo das
representações e das comunicações através de símbolos eficazes e de palavras
performativas que constituem uma vida humana e radicalmente fiel
579
.
Portanto,
579
TOSTA, Sandra de Fátima Pereira. O Ritual Litúrgico da Missa na história as o Vaticano II.
In:
Os Rituais de Missa e de Culto vistos do lado de fora do Altar: religo e vivências cotidianas
em duas Comunidades Eclesiais de Base do Bairro Petrolândia
Contagem
MG.
1997. Tese
246
esta compreensão de liturgia engloba todos os momentos em que os símbolos
ou referenciais da Igreja são utilizados de forma conduzida (celebraçõ
es,
festividades) ou autônoma pelos fiéis (rituais, devoções privadas), visando obter
algum resultado ou eficácia. Embora não estejamos vinculados a uma definição
teológica do termo, para compreendermos a liturgia da TFP faremos uso de
suas premissas, ou seja, neste trabalho compreenderemos liturgia enquanto as
várias manifestações de de seus membros pelos referenciais tanto católicos
quanto tefepistas, delimitados por fórmulas e gestos considerados eficazes e
legítimos. Neste sentido, sua liturgia abrange desde as devoções privadas dos
membros a as celebrões promovidas pela Sociedade, especialmente em
honra de seu fundador.
Nesta direção, Hobsbawn destaca que alguns elementos rituais e
celebrativos são bastante comuns e extremamente importantes para
que
diversas organizões sociais estimulem a coesão entre os membros. Entre estes
elementos aponta, primeiramente, a importância das formas de iniciação que
em grupos voluntários geralmente ocorre após a puberdade, quando o iniciado
pode aderir conscientemente ao grupo. Para o autor, toda e qualquer inicião
deve funcionar a maneira de um elo que une o iniciado a organizão, sendo
que para tanto,
ela
[a organizão] cria uma atmosfera especialmente
solene e mágica destinada a inculcar no candidato a iia de
seriedade e importância do passo que êle esdando ou então
embora posa constituir uma fase ulterior e degenerada
dando
-
lhe a consciência de que se exporá a certas sanções caso
falte com a lealdade prometida. O candidato pode ser
testado ou examinado de diversas formas. A inicião pode
culminar em rituais como o ato de benzer uma pessoa, mas,
normalmente, contém uma declaração ou voto solene feito pelo
candidato que o prende à escolha pessoal que acaba de
fazer
580
.
(Doutorado em Antropologia Social)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997. p. 71.
580
HOBSBAWN, Eric J. O rito nos movimentos sociais. In: Rebeldes primitivos: Estudo sobre
formas arcaicas de movimentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1970. p.
191/192.
247
O segundo elemento é constituído por cerimônias de reunião periódica,
ou seja, eventos que contribuem para reafirmar a unidade e a solidariedade
entre os membros, como em assembléias, reuniões, pticas coletivas de
devão, etc. O terceiro elemento se refere aos rituais práticos e cotidianos que
permitem a realização das funções respectivas de cada membro e que são
implementadas com elementos significativos aos internos e que, desta forma,
efetivam uma ritualização de eventos do dia-a-dia. Por último Hobsbawn
destaca a importância do simbolismo
581
, que no caso tefepista, resgata e/ou
reafirma, por meio de inúmeros objetos (estandarte, capa, indumentária,
decorão, relíquias, obras, etc.), o conjunto doutrinário e místico da entidade,
tornando, desta maneira, todo o espaço social
intra
muros
passível de uma
decodificação significativa.
Como já demonstramos, a TFP é muito mais do que a associação civil
estatutária com que se define perante as autoridades religiosas. Estabelecida
internamente a partir de um modelo semelhante ao monacal, a
TFP
brilhantemente utiliza-se do que alguns egressos definiram como uma
identidade camaleônica para, convenientemente, defender-se perante a
sociedade civil e a hierarquia religiosa, dependendo do âmbito que a es
criticando
582
. Esta manobra, muito funcional em casos jurídicos, evidencia a
complexidade da TFP e sua disposão a uma vida religiosa, mesmo que não
regimentada pela Igreja. Neste sentido, ainda em 1943, com a obra Em Defesa
da Ação Católica, Plínio defendia elementos que caracterizariam uma
as
socião eclesial de leigos ideal, em contraposição à situação contemporânea
581
Idem.
582
Dois exemplos deste posicionamento são encontrados em documentos da própria entidade
que
, de modo geral, ante as acusões de óros da Igreja defende-se argumentando ser uma
associação civil e, portanto, independente da autoridade eclesiástica; face ao Estado, como em
questões trabalhistas movidas por egressos contra a TFP, a Sociedade se defende afirmando ser
uma entidade confessional de adesão voluntária, sendo infensa à legislação trabalhista.
Defendendo
-se de críticas públicas de uma nota emitida pela CNBB durante a 23ª Assembléia
Geral (abril/1985), ainda em 1997 a TFP expressava sua natureza juridicamente mista: se
considerada do ângulo das leis do Estado, ele é uma sociedade vica de fins não econômicos,
regida por estatutos civis; se vista sob o prisma do Direito Canônico, constitui
uma
consociatio
privata
de fiéis, sem personalidade jurídica eclesiástica e sem inserção no ordenamento judico
canônico por qualquer forma de reconhecimento ou ereção . SOCIEDADE BRASILEIRA DE
DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE. Nota da CNBB sobre a TFP brasileira:
afirmações carentes de realidade, apreciações unilaterais e apaixonadas. São Paulo, maio de
1997. p. 04.
2
48
da
Ação Católica que, em sua perceão, estaria rumando para o
progressismo. Tal associão deveria ser marcada pela fervorosa devão
mariana, pela importância e esmulo aos atos de piedade em comum, pela
necessidade de convívio e locais de recreio reservados aos membros
(perspectiva isolacionista), pelo regulamento detalhado do vestuário e por um
código severo de penalidades aplicáveis à o-observância das prescrições
previamen
te estabelecidas
583
- tais elementos foram concretizados não como
movimento eclesial mas no cotidiano interno da TFP, moldada aos padrões e
atividades concebidas por Plínio. Folena vai além ao apontar que o núcleo do
pensamento tefepista estaria sistematizado na obra Santo Elias, o profeta da
Aliança
, de José Martini, e que, por analogias, descreveria o que a própria TFP
deveria ser, ou seja, por meio desta obra que versa sobre o santo católico a TFP
estaria descrevendo a si ppria, utilizando-se de uma linguagem hermética:
publicamente inofensiva, pois compreensível, e internamente significativa.
Segundo o egresso, Santo Elias teria fundado
fuma ordem, primogênita entre todas, hereditária
profética, escatológica, única, virginal e perfeita, que haveria de
abrigar todos os restos de fidelidade da história até o fim dos
tempos. ORDO ELIANOS. Ordem que sustenta, que predestina,
que confirma; ordem que estabelece uma relação misteriosa e
secreta entre o coração da mulher e o coração do profeta; entre
o coração do profeta e o coração dos filhos do profeta; entre o
coração de um filho do profeta com o coração de outro filho do
profeta; e entre o coração do homem e o coração do seu
próximo
584
.
Este grupo de filhos do profeta que foi se firmando com o
desenvolviment
o da TFP é designado família de almas (ou FA) por egressos
como Varela (ex-presidente da TFP Argentina) que a definiu como uma espécie
de ordem monástico-cavalheiresca o fundada canonicamente e independente
da hierarquia católica. Suas conclusões são de que a TFP se constitui numa
associão de vida consagrada seccionada da hierarquia, desviante das regras
que a Igreja impõe aos grupos que legitima, mas que, tal como os demais
583
ANTOINE, Charles. O integrismo brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1980.
p. 21.
584
MARTINI, José.
Santo Elias, o Profeta da Aliança
.
Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p
. 45/46.
249
institutos, faz uso de bito religioso, votos, regras e hierarquia definidas
pelo
seu fundador. Segundo Varela, foi Plínio que desejou adotar um plano de vida
tendente à perfeição, tal como as metas de sociedades de vida consagrada,
un associazione dedita al culto del suo fundatore quale
Profeta di Nostra Signora , dotato di discernimento spirituale,
di infalibilie saggezza, capace di condurre i seguaci al Regno
di Maria che verrà dopo il castigo annunciato a Fatima da
Nostra Signora. Gli integrantes fanno voti perpetui (compreso
quello di clausura), mettendosi a completa disponibilità del
fondatore, senza statuti, regole, e vigilanza da parte della
gerarchia ecclesiastica
585
.
Como uma espécie de ordem religiosa, a TFP também tem seus rituais e
celebrações principais e outros cultos pprios, em especial, a consagração de
São
Luís Maria Grignion de Montfort (corrente em diversos grupos eclesiais
como os montfortianos, maristas, claretianos, entre outros) através do
intermédio de Plínio Corrêa de Oliveira
considerado como a encarnação do
Imaculado e Sapiencial Coração de Maria. Tal consagração é estimulada a
todos os membros da TFP desde seus primeiros contatos. Basicamente consiste
em uma renúncia total do eu em benefício da Santíssima Virgem, através da
consagrão de si como seu escravo de amor. Historicamente, a sagrada
escravio a Nossa Senhora é uma forma de consagração que iniciou ainda
nos primeiros séculos. Inúmeros são os casos de religiosos que contribram
para sua difusão, culminando com sua autoconsagração como servos da
Virgem. Isto indica que a consagração à e de Deus sob forma de sagrada
escravio não é exclusividade da doutrina montfortiana, mas sim de inúmeros
santos e religiosos, dos quais os principais seriam São Odilão, Frei Juan de los
Angeles, Frei Melchor de Cetina, Padre Simon Rojas, Padre Bartolomé de los
Rios, Pedro de Bérulle, Enrique Maria Boundon e Grignion de Montfort
586
. Em
sua obra máxima Tratado da verdadeira devão à Santíssima Virgem o santo
apresenta o papel da Virgem como mediadora entre os homens e seu filho, ou
seja, lhe delega o papel de mediadora dos fiéis ante e Jesus. Após criticar as
585
VARELA, Cosme Beccar. < < Se un cieco guida un altro cieco...> > Analisi della Familia de
Almas e dell associazione brasiliana TFP condotta sotto il profilo del diritto canonico.
Milano:
Società Editrice Barbarossa, 2000.
p. 37.
586
CÁCERES, Santiago
Vanegas, 1998. p. 114/115.
250
várias formas com que os fiéis lhe dedicam o que chama de falsa devoção
(qualifica os devotos como: cticos, escrupulosos, exteriores, superficiais,
presunçosos, inconstantes, hicritas e interesseiros) apresenta a verdadeira
devão à Santíssima Virgem, constituída tanto de práticas interiores como
exteriores. A devoção montfortiana é baseada na escravio de amor à
Santíssima Virgem, uma renúncia do eu para dedicar-se a Ela
587
. Esta
escravidão
compreende tanto os bens materiais como os espirituais do homem,
é uma devoção sem limites. A partir do momento em que se consagravam, os
tefepistas estariam incondicionalmente ligados a Ela, por intermédio do líder,
como destacou o ex
-
tefepista Pedriali:
a cerimônia foi simples e pida. Seu conteúdo, porém,
jamais poderia ser esquecido ou, o que seria pior, desprezado.
Tornáramo
-nos escravos da Virgem e este estado de
subordinação a Ela deveria refletir-se nas mínimas coisas que
fizéssemos, pelo resto de nossas vidas. Todos os nossos
pensamentos, todos os nossos atos deveriam conformar-se aos
desejos dela. Nossa vontade teria de ceder à vontade dela. A
partir daquele compromisso não mais nos pertencíamos:
pertencíamos a ela, senhora do Universo; pertencíamos à TFP,
sua intermediária; pertencíamos a Dominus Plinius, nosso
líder
588
.
587
Excerto da fórmula da Consagração de si mesmo a Jesus Cristo, a Sabedoria encarnada,
pelas mãos de Maria: Eu, N..., infiel pecador, renovo e ratifico hoje, em vossas mãos, os votos
do batismo. Renuncio para sempre a satanás, suas pompas e suas obras, e dou-me inteiramente
a Jesus Cristo, Sabedoria encarnada, para seguí-lo levando minha cruz, em todos os dias de
minha vida. E, a fim de ser mais fiel do que até agora tenho sido, escolho-vos neste dia, ó Maria
Santíssima, em presea de toda a corte celeste, para minha Mãe e Senhora. Entrego-vos e
consagro
-vos, na qualidade de escravo, meu corpo e minha alma, meus bens interiores e
exteriores, e até o valor de minhas obras boas passadas, presentes e futuras, deixando-vos o
direito
pleno e inteiro de dispor de mim e de tudo o que me pertence, sem exceção, a vosso gosto,
para maior glória de Deus, no tempo e na eternidade. Recebei, ó benigssima Virgem, esta
pequena oferenda de minha escravidão, em união e em honra à submissão que a
Sabedoria
Eterna quis ter à vossa maternidade; em homenagem ao poder que tendes ambos sobre este
vermezinho e misevel pecador; em ação de graças pelos privilégios com que vos favoreceu a
Santíssima Trindade. Protesto que quero, dora em diante, como vosso verdadeiro escravo, buscar
vossa honra e obedecer
-
vos em todas as coisas. Ó Mãe admirável, apresentai
-
me o vosso amado
Filho, na qualidade de escravo perpétuo, para que, tendo
-
me remido por vós, por vós também me
receba favoravelmente. Ó Mãe de miserirdia, concedei-me a graça de obter a verdadeira
Sabedoria de Deus, e de colocar-me, para este fim, no número daqueles a quem amais, ensinais,
guiais, sustentais e protegeis como filhos e escravos vossos. Ó Virgem fiel, tornai-me em todos os
pontos um tão perfeito dispulo, imitador e escravo da Sabedoria encarnada, Jesus Cristo, vosso
Filho, que eu chegue um dia, por vossa intercessão e a vosso exemplo, à plenitude de sua idade
na terra e de sua glória nos céus. Assim seja . MONTFORT, São Ls Maria Grignion de, 2001.
p. 282/283.
588
PEDRIALI, José Antonio, 1985. p. 54.
251
Tal como a consagrão, os votos a que os tefepistas são estimulados a
aderir são feitos a seu superior, Dominus Plinius, visto que, segundo os
membros, é pela ordem natural das coisas, livre e privadamente querem fazer a
abnegação completa de suas vontades, por amor à Jesus Cristo e à Sua Mãe
Santíssima, nas mãos de seu superior natural, o Dr. Plínio Corrêa de Oliveira
589
.
Os votos principais são de obediência, celibato, pobreza, clausura e silêncio.
Internamente difundia-se a necessidade de que os membros extirpassem
totalmente os pendores revolucionários recebidos durante sua permanência
extra muros, para tanto, além das orões usuais do catolicismo e de uma
fervorosa vida espiritual, os membros deveriam seguir o exemplo do vao
contra
-
revolucionário que os liderava:
l unico modo per purificarsi è di consegnarsi
completamente alla guida di PCO facendogli voto di
obbedienza, povertà, casti, clausura e silenzio. Sorgono case
co
munitarie in cui vivono i seguaci di PCO, governati da
delegati chiamati quidam ossia uno qualunque , perchè
l unico che detiene il potere totale è PCO. Di fatto poi, ognuno
di questi quidam possiede ampi poteri di disporre della vita
dei suoi sottoposti. Ma al di sopra dei quidam sta un super-
quidam , delegato massimo ed universale, como il signor João
Clá che quasi co-governa con PCO... solo fin quando PCO gli
darà fiducia
590
.
Situação ainda mais significativa ocorre entre os membros que, nos
círcu
los mais fechados da entidade, participam da sociedade secreta
Sagrada
Escravidão
, ou, como é mais conhecida
Sempreviva.
Esta sociedade foi
composta por membros que demonstravam total veneração ao líder e fundador,
exercendo inclusive outro tipo de escravidão , agora diretamente a Plínio
Corrêa de Oliveira. Esta sociedade foi denunciada publicamente nos anos 80
por egressos liderados por Orlando Fedeli como um grupo que adoraria de
forma mais veemente o líder e sua progenitora. Entre as orões recitadas p
elos
membros encontramos paródias da Ave-Maria, do
Memorare
, jaculatórias e
589
GUIMARÃES, Átila Sinke. Servitudo ex Caritate. 2ª edão. São Paulo: ARTPRESS, 1985. p.
178.
590
VARELA, Cosme Beccar, 2000. p. 30.
252
ladainhas em honra tanto a Pnio quanto a sua mãe
591
. Os membros recebiam
a ão de Plínio, confessavam-se diretamente a ele
que também
discriminava as penitências
-
, suplicavam
-lhe gras e, em casos mais extremos,
consagravam
-se como filhos de Dona Lucília ante seu túmulo e com a
aprovação de seu filho. Entre suas diversas pticas, acreditamos que uma das
mais significativas pode ser considerada a consagração como escravos d
e
Plínio através da utilizão de uma adaptação do método montfortiano.
Segundo Ablas, esta consagração era feita porque os membros da sociedade
secreta consideravam que o líder teria de tal maneira a mentalidade de Nossa
Senhora
que êle era um só com o Coração Imaculado e Sapiencial de Maria
592
.
A cerimônia de introdão na
Sempreviva
iniciava com Plínio sentado
num trono vestindo o bito da TFP e o manto da
Ordem Terceira do Carmo,
da
qual fora membro e mesmo Prior do Sodalício Virgo Flos Carmeli
593
. Seus
assistentes portavam a mesma indumentária, mas, revelando sua situação
591
Ladainha em honra a Dona Lucília: Kyrie, eleison.
Christe
, Christe, eleison. Kyrie, eleison.
Christe, audi nos. Christe. exaudi nos. Pater de caelis Deus, miserere nobis. Fili, Redemptor mundi,
Deus, miserere nobis. Spiritus Sancte Deus, miserere nobis. Sancta Trinitas, unus Deus, miserere
nobis. D.
a
Lucília, rogai por nós Manguinha, rogai por nós. Mãe do Sr. Dr. Plínio, rogai por nós.
Mãe do Doutor da Igreja, rogai por nós. Mãe do nosso Pai, rogai por nós. Mãe do lnefável rogai
por nós. Mãe de todos nós! rogai por nós. Mãe dos séculos futuros, rogai por nós. Mãe
do
Princípio Axiológico, rogai por nós. Mãe do Temperamento de Síntese, rogai por nós. Mãe de
toda pureza, rogai por nós. Mãe da Transesfera, rogai por nós. Mãe da Seriedade, rogai por nós.
Mãe da Contra
-
Revolução, rogai por nós. Restauradora dos Temperam
entos, rogai por nós. Fonte
da Luz, rogai por nós. Geradora da Inocência, rogai por nós. Conservadora do Sr. Dr. Plínio,
rogai por nós. Mediadora do Grand Retour, rogai por nós. Medianeira de todas as nossas
graças! rogai por nós. Aurora do Reino de Maria, rogai por nós. D. Lucília do Sorriso, rogai por
nós. D, Lulia dos Flashes, rogai por nós. Flor mais bela entre todas, rogai por nós. Refugium
nostrum, rogai por nós. Consolatrix nostra, rogai por nós. Auxilium nostrum na Bagarre, rogai por
nós. Causa de nossa perseverança, rogai por nós. Vaso de lógica, rogai por nós. Vaso de
Metafísica, rogai por nós. Mártir do isolamento, rogai por nós. Rainha do sofrimento sereno,
rogai por nós. Rainha do jeitinho, rogai por nós. Rainha da Serenidade, rogai por nós. D. Lulia,
Mãe e Senhora nossa, ajudai-nos. D. Lucília, nossa maior medianeira ante Nossa Senhora,
ajudai
-
nos.
- Rogai por nós, Ó Mãe do Doutor da Igreja, - para que sejamos dignos das
promessas do Sr. Dr. Plínio .
Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 157/158.
592
ABLAS, Luis Felipe de Freitas Guimarães. Declaração. Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 173.
593
A Ordem Terceira na Igreja (...) significa o seguinte: existe uma ordem primeira que á a
ordem dos padres; depois existe uma ordem segunda, que é a ordem das freiras, então são
aquelas que estão em conventos e tal; existe uma ordem terceira que são dos leigos, e que,
então, podem ser casados, ter família, mas que freentam ali, m algumas reuniões, assistem
uma missa semanal ou mensal, conforme o caso, e fazem um apostolado católico. Então eu
comecei a freentar uma Ordem Terceira, portanto de leigos. Eu me interessei muito etc e fui
terceiro carmelita durante muito tempo no Sodalício Virgo Flos Carmeli da Ordem Terceira do
Carmo, e tamm outras pessoas de um grupo, chamado grupo do Catolicismo, também
participavam. O professor Plínio Corrêa de Oliveira foi o prior desse Sodalício da Ordem Terceira
do Carmo . LOPES, Gregório Vivanco. Entrevista sobre a TFP [São Paulo], 07 dez. 2005.
Entrevista concedida a Gizele Z
anotto. p. 04.
253
inferior, sem o manto (Ver
Anexo III
).
O candidato a novo membro da sociedade
secreta, simulando estar morto, ficava prostrada no co diante de Plínio, até
que este lhe dirigia a palavra afirmando: Exsurge , numa clara alusão
simbólica, extremamente significativa, da morte e o conseqüente nascimento
para uma nova vida. Neste momento nascia um novo homem , um novo
escravo do profeta . Em seguida o candidato recitava a rmula de consa
gração
como escravo de Plínio
todo seu ser e seus bens materiais e espirituais, por
meio da entrega de objetos simbólicos. Desse modo o escravo
ficava dele, na qualidade de objeto. Dr. Plínio tinha direito
absoluto sobre o escravo como no direito romano, exceto à
vida. Daí chamarem
-no Dominus Plinius .
594
Depois o novo escravo osculava os pés e as mãos do profeta, em sinal
de submissão e respeito, e era entronizado pelo próprio Plínio numa alusão de
que seu novo servo era agora um novo Plínio. Situação corroborada com a
consequente adão de um nome composto pelo prenome do líder e acrescido
de um padroeiro e de um tulo de Nossa Senhora
Ablas adotou o nome de
Plínio Bernardes Dimas Longinos de Nossa Senhora Rainha Sagrada dos
Apóstolos dos Últimos Tempos, ficando conhecido como Plínio Dimas. Agora
era a vez do escravo receber de Plínio beijos em suas mãos e pés encerrando
a cerimônia. Conforme os estudos de Augé, podemos considerar que trata
-
se de
uma inicião especializada , considerada enquanto um evento que alguns
indivíduos empreendem para transcender a sua condição humana tornando-
se,
desta maneira, um protegido de seres sobrenaturais ou extraordinários, ou
mesmo seus semelhantes
595
, ou seja, o iniciado será um escravo de Plínio
(representan
te de Maria, do transcendente) e ao mesmo tempo seum novo
Plínio; passará da morte simlica a uma nova vida, onde se escravo , mas
simultaneamente será elevado ao patamar do profeta para depois ser
594
ABLAS, Luis Felipe de Freitas Guimarães. Declaração.
Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 175.
595
AUGÉ, Marc. Iniciação. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 30 (Religo-Rito). Lisboa: Imprensa
Nacional e Casa da Moeda, 1994. p. 76.
254
humildemente seu servo
sua relão com o sagrado será estabelecida e sua
vida representará um novo começo
596
.
Pela própria plasticidade e capacidade infinita de ser polissêmicos e
adaptarem
-se às mudaas, os ritos e rituais, tidos como um conjunto de atos
formalizados, expressivos, portadores de uma dimensão simbólica
597
,
foram
ressignificados a partir de sua forma e estrutura inicial católica com base em
novos objetos simbólicos que, embora proporcionem mudanças significativas,
não afetaram sua eficácia social e sua função essencial de ajustar o tempo
ind
ividual e o tempo coletivo, ou seja, seu cater social. Os ritos devem sempre
ser considerados como um conjunto de condutas individuais ou coletivas
relativamente codificadas, ancoradas num suporte corporal (verbal, gestual e de
postura), com caráter esse
ncialmente repetitivo e dotado de forte e intensa carga
simbólica para seus atores e testemunhas, visto que tais condutas estão
fundadas em uma adesão mental a valores e escolhas sociais significativas.
De modo geral, as cerimônias incorporadas ou criadas pela TFP
representam o culto ao der, que, como vimos, representa a própria divindade
nos ambientes internos, todas m um fundo em comum: enaltecer, cultivar e
idolatrar Oliveira, vir catholicus et apostolicus, e sua gloriosa mãe
598
. Diversas
celebraçõe
s, orões e rituais podem demonstrar tal devotamento, entre eles
destacamos a Oração do Resto (1975), composta pelo próprio Plínio em um
período complicado para a TFP, visto que era investigada pelo governo do Rio
Grande do Sul por uma Comissão Parlamentar de Inqrito especialmente
criada para avaliar suas atividades, e também o ano do acidente
automobilístico sofrido pelo líder. Folena destaca que nessa oração pedia
-
se aos
sequazes que se sacrificassem para que Deus livrasse a Sociedade da amea
de fechamento que a CPI representava mas, ao mesmo tempo, enaltecia a
virtuosidade do profeta de maneira enfática afirmando Eu sou a grandeza! Eu
tenho a força dos confessores, a coragem dos mártires, a obedncia de Santo
Inácio, a grandeza de São Gregório Magno, a pobreza de São Francisco de
596
morrer e nascer, morrer para renascer; o jogo do antes e do depois posto em cena em todas
as iniciações, parece sugerir que na vida dos indivíduos, como na vida das sociedades, são
necessárias contínuas renovões, que constituem outros tantos reordenamentos .
Idem, p. 8
2.
597
SEGALEN, Martine.
Ritos e Rituais contemporâneos.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002. p. 31.
598
FOLENA, Giulio, 1987. p. 52.
255
Assis
599
. Neste momento em que a TFP passava por sérios problemas com o
governo, com órgãos da Igreja e com a ppria sociedade civil receosa de uma
possível periculosidade de suas atividades
situação que teria originado a
própria CPI -, Plínio estimulou o próprio culto através da consolidação da sua
imagem como profeta, santo e mártir: estratégia extremamente significativa e
que rendeu frutos com a crescente fanatizão de seus seguidores. Outros
eventos e orações de destaque, pela simbologia e pelo que representavam para
os membros, foram as cerimônias da
bagarre
(que suplicavam pelo seu
desencadeamento imediato), as cerimônias da meta (onde os membros que
trabalhavam com a coleta de donativos estipulavam um valor a ser ar
recadado
e suplicavam pela intercessão de Dona Lucília e Nossa Senhora pelo seu
cumprimento), a oração da Sagrada Escravidão
600
(composta por Plínio e
recitada pelos seus escravos da
Sempreviva
), as inúmeras canções criadas em
homenagem ao profeta, assim com
o a Ave
-
Maria em seu louvor:
Ave Luiz Plínio Elias (nome oficial do dr. Plínio na
Sagrada Escravidão), cheio de amor e de ódio, a Ssma. Virgem
é convosco, bendito sois vós entre os fiéis, e bendito é o fruto do
vosso amor e ódio
, a Contra
-
Revolução.
Ó
sacral Luiz Plínio Elias, pai admivel e catolicíssimo
de Contra-Revolução e do Reino de Maria, rogai por nós
capengas e pecadores, agora e na hora de nossa morte.
Amém
601
.
Neste contexto institucional caristico, de cunho milenarista e
exclusivista qualquer desvio no comportamento ou mesmo o rompimento efetivo
599
Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 29.
600
Dizia a oração: O Coração Imaculado e Sapiencial de Maria, nesse ambiente de nossos dias
em que todos são homens livres, ébrios de liberdade, sei que me fiz vosso escravo para ser como
o último dos homens de quem Meu Senhor (dr. Plínio) pode dispor como sero objeto sem
vontade própria. Nesse ambiente de nossos dias em que tudo fala de naturalismo sei que minha
vida é toda sobrenatural. Não sou eu quem vive, mas é Meu Senhor (dr. Plínio) que vive em mim.
Dele me vêm todas as graças, o esrito dele me habita e posso fazer, nessa união de escravo,
tudo quanto ele mesmo pode. Nesse ambiente de nossos dias, sem grandeza, sem horizontes, de
otimismo e de vidinha, sei que nossa época trará acontecimentos grandiosos, com horizontes
grandiosos, dentro dos quais deverei viver como herói a própria grandeza de Meu Senhor.
Olhando para dentro de mim mesmo e vendo tanta microlice, sei que a fé em tudo quanto acabo
de dizer me dará participação na própria grandeza de Meu Senhor (dr. Plínio) e fará de mim um
perfeito Apóstolo dos Últimos Tempos, segundo a oração profética de S. Luiz Maria Grignion de
Montfor
t. Em tudo isto eu creio, mas oh Meu Senhor (dr. Plínio) ajudai a minha incredulidade .
ABLAS, Luis Felipe de Freitas Guimarães. Declaração. Apud: FOLENA, Giulio, 1987. p. 174.
601
Idem.
256
tornam
-se fatores de exclusão e desprezo pelos demais. Rejeitar a TFP e os
ensinamentos do profeta, intra muros, significa rejeitar a vida em um ambiente
que é internamente considerado ideal, puro, santo; é afastar-se do rol de fiéis
que certamente serão salvos, pois que os tefepistas são considerados como
eleitos, escolhidos; é abandonar a vivência cotidiana com o profeta, o mártir
dos últimos tempos; em suma, é encaminhar sua ruína e sua perdição
eterna
é apostatar, literalmente renunciar ao que acreditam ser a verdadeira fé. É
claro que antes de tomar este passo importante, o tefepista sofria uma
verdadeira tirania de consciência que o impelia a reavaliar os riscos que
incorreria ao assumir seu afastamento: abandonando a TFP, era-
me
apresentada como certa a perdição eterna; e tamm pairava no ar a amea
de que todo apóstata corria sérios riscos de ser vítima de uma grande tragédia
ou pior, passar o resto de seus dias corrido pelo remorso, que neutralizaria suas
potencialidades e o transformaria num inútil
602
.
O astata deveria ser repelido
pelos tefepistas com repulsa, deveria ser considerado como um excomungado:
o apóstata, acreditávamos, carregava em si toda a
herança da maldição divina. Ao renegar a missão profética
para a qual nascera, ele jamais encontraria a felicidade. Ao
renunciar ao Bem, ele se tornara escravo do Mal
e entre todos
pecadores não haveria pecador maio que ele: pois ele
conhecera a Luz e se entregara à Treva. A apostasia seria o
pesado fardo que carregaria o resto de seus dias, obrigando-
o
a arrastar
-
se na lama do pecado e da traição
603
.
Através do mecanismo da projeção, legava-se ao membro dissidente a
encarnação de tudo o que se considera como ruim e mal, de forma que sua
presença torna-se intolerável e insuportável. Impregnado de tal carga negativa,
ele pode ser maltratado e, em casos extremos como em guerras, até destruído
porque se torna a própria imagem do mal a se eliminar. No contexto tefepista,
o alvo da projeção se torna odioso, aparece aos olhos dos membros fiéis como
transgressor. Deste processo, lembra Benelli, deriva um forte efeito catártico que
fortalece a coesão interna e sua auto-imagem positiva: não sou como ele, sou
602
PEDRIALI, José Antonio, 1985. p. 99.
603
Idem, p. 183.
257
melhor que ele, sobre o qual tenho direito de vida e morte
604
. As relações que
foram efetivadas entre membros e egressos, como descobriu mais tarde Folena
-
um exemplo de tal situação -, eram totalmente interesseiras, baseadas na
orientação de que seus membros somente poderiam ter contato com os
apóstatas com alguma finalidade concreta em benefício da causa, ou seja,
isto significa que se pode tirar deles o dinheiro que se possa para a TFP,
explorando seu complexo de culta por terem abandonado a entidade
605
,
pois
que sua doutrina aos po
ucos revela:
Extra TFP nulla salus
!!
604
BENELLI, Silvi
o José, 2002. p. 21.
605
FOLENA, Giulio, 1987. p. 151.
258
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intuito principal de
ste
trabalho foi tentar compreender a
reconfiguração da doutrina que orientou a fundação da TFP e a consolidão
da crença nos dons extracotidianos de seu líder e fu
ndador. Para tanto, partimos
da hitese de análise da TFP a partir da não dinâmica de campo, inserindo-
a no campo religioso católico brasileiro (como integrante do movimento
católico), situação que nos possibilitou visualizar seu caráter essencialmente
soteriogico e multifacetado. Esta premissa inicial também nos possibilitou
compreender que todo seu discurso e ptica (seja interno ou externo, com suas
variões consideráveis) parte de uma semântica global que integra suas
múltiplas configurações e imprime às suas campanhas, publicões, manifestos,
símbolos, ritos, creas e cerimoniais, uma identidade e uma gica próprias
beneficiadas
pel
a plasticidade dos rituais e pela multiplicidade de interpretações
possíveis da doutrina católica. Neste sentido, percebemos ao longo da tese
que
tanto o proselitismo agressivo em prol do catolicismo tradicional quanto a
devão ao seu der coadunam-se com a proposta maior que permeia todo o
edifício doutrinal e espiritual tefepista: a busca da salvação.
Como demonstramos no primeiro capítulo, o universo católico viu-
se,
paulatinamente, perdendo inflncia, presgio e poder desde fins do período
medieval. Com a Revolão Francesa tal situação, para a instituição eclesial,
tornou
-se ainda mais difícil. Visando tanto compreender quanto responder aos
desafios da chamada modernidade , os teóricos do catolicismo sistematizaram
uma doutrina contra-revolucionária firmemente ancorada na defesa do papado
e da Igreja, na tese da ascendência do espiritual sobre o temporal, na
cristalizão de elementos da tradição e do magisrio, na sistematizão de um
esquema explicativo identificando seus culpados e seu fautor (demônio) e no
259
empreendimento de uma contra-ofensiva pela reconquista dos espaços e
privilégios laicizados. Foi ainda sob tal orientação que uma reão mais
sistemática, dirigida e agressiva teve início na Igreja do Brasil no início do século
XX. A implementação de uma proposta ultramontana e/ou integrista da
compreensão de Igreja e de mundo, a mobilização dos fiéis em defesa da
através dos movimentos leigos, a arregimentação e o estímulo ao trabalho
intelectual confessional, o proselitismo agressivo no conjunto social e político
(assumido muito mais pelo laicato do que pelos membros da hierarquia), etc.,
foram
inci
tar
visando também no país reconquistar o mundo para o
catolicismo
então abalado pelas doutrinas políticas essencialmente laicas ou
contrárias à ascendência da religião na vida pública das sociedades. Neste
sentido, a formão da TFP no ano de 1960
ser
á ainda reflexo deste esforço
outrora dirigido pela hierarquia eclesiástica que formou e orientou os futuros
fundadores da entidade, através da manuteão das prerrogativas de atuação
apostólica do laicato intelectualizado.
No segundo capítulo analisamos como a TFP explorou sua doutrinação
religiosa anterior e a adaptou ao seu estatuto civil, mantendo-se como
agressivos opositores do que seus membros consideraram como desvios do
progressismo e esquerdismo católicos
que tiveram inflncia decisiva n
o
afastamento dos conservadores das posões hegemônicas do movimento leigo
ainda nos anos 40. Inseridos no campo católico - portanto em disputa não só
pela sua legitimidade como também pela cura das almas -, os membros da TFP
preconizaram
,
inicialmente
, por atuar nos domínios político e cultural visando
defender e/ou lutar pela manuteão dos valores católicos tradicionais
ameaçados de decomposição. Orientados pelas premissas do integrismo
católico (muito mais radical do que o ultramontanismo do qual se originou) e
pelas premissas do arsenal reaciorio e conservador, quando acordes com os
elementos basilares da doutrina católica tradicional, tornaram-se notórios pelas
amplas e ruidosas campanhas contra-revoluciorias em defesa do direito de
propriedade, contra o aborto e divórcio, contra o comunismo e socialismo, pelo
expurgo do esquerdismo na Igreja, em prol da livre-iniciativa, legítima defesa,
moralidade televisiva, educação religiosa nas escolas, e inúmeros outros temas
260
relacionados com sua compreensão da lei natural e das leis de Deus.
Entretanto, sua atuação e vivência religiosas seriam influenciadas por outro
elemento que, a partir de então, reconfiguraria radicalmente sua proposta
inicial tornando a entidade essencialmente ambígua: a crença nos dons e
mesmo santidade de seu líder
, como demonstramos no terceiro capítulo
.
Analisando a vivência dos membros da TFP, percebemos que se
constituem como um grupo confessional que, diante da mudança da práxis da
Igreja Católica, teve sua inflncia diminuída e até combatida em certos meios.
Estes católicos reuniram-se numa associação civil para defenderem os valores
tradicionais que lhe parecem os únicos verdadeiros e legítimos . No contexto
social e político brasileiro, a TFP foi beneficiada durante a ditadura militar, mas,
após a redemocratização viu-se novamente diminuída em poder e inflncia.
Nestas condições, a elaborão e defesa de um novo reino, onde suas virtudes
e sacricios pela crisserão enfim valorizadas parece bastante alentador. A
car
acterizão dos membros como os eleitos auto-referenda ainda mais tais
expectativas, visto que o simples fato de pertencer à entidade será o passaporte
seguro para a obteão da graça. Desta forma, a utilização da Mensagem de
Fátima como suporte argumentativo legítimo para a defesa desta escatologia
trouxe elementos precisos para a construção da sucessão de eventos que estaria
por vir, bem como ressaltou a imincia da catástrofe, e a crença de que a
misericórdia divina o poupaos ímpios, infiéis e apóstatas. Com a punição
dos pecadores será instaurada a paz entre os homens: seuma época áurea
semelhante à Idade dia -, e totalmente influenciada pela única e verdadeira
religião. Seo Reino de Maria (noção montfortiana), inaugurado com o triunfo
do Imaculado Coração (prometido em Fátima), uma época de e virtude para
os homens e a glória para a TFP. Após todas as discussões que apresentamos
no trabalho sobre a vivência interna e a atuão político cultural da TFP
vislumbramos
os contornos nues e lábeis que configuram sua
saliente
duplicidade
. Percebemos que o arsenal doutrinário e a vivência espiritual da
entidade
torn
aram
-
se
marcada
s pela tensão entre
o
ascetismo (cujos ícones
seriam os
Êremos
e
Camáldulas
, influenciados pelo modelo monacal) e
o
apostolado
; entre a devão religiosa e exclusiva ao líder e a
mobilização
261
prosélita em prol do catolicismo
: como esta tensão é vivenciada pelos membros,
quais as propostas para uma solão desta situação, são questões que
per
manecem para trabalhos futuros, pois a entidade ainda revela-
se
extremamente procua para novas pesquisas e abordagens, para as quais
esperamos ter contribuído com est
a pesquisa
.
O objeto da História é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. [...]
Por trás dos
grandes vestígios sensíveis da paisagem, os artefatos ou as máquinas, por trás dos escritos
aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as
criaram, são os homens que a História quer capturar. Quem
não conseguir isso será apenas, no
máximo, um serviçal da erudição. Já o bom o historiador se parece com o ogro da lenda. Onde
fareja carne humana, sabe que ali está sua caça .
Marc Bloch
262
FONTES
AGNOLI, Carlo Alberto. TAUFER, Paolo. TFP: La Maschera e il volto. Roma: Editrice Adveniat, s.
d.
ASSOCIAÇÃO DOS FUNDADORES DA TFP
TRADIÇÃO FAMÍLIA PROPRIEDADE. Plínio Corrêa
de Oliveira dez anos depois...
São Paulo: [s.n.], 2005.
BARRETTO, Nelson Ramos. Reforma Agrária: O mito e a realidade. História dos
assentados,
contadas por eles mesmos.
4ª edição. São Paulo: ARTPRESS, 2004.
______
Trabalho Escravo: nova arma contra a propriedade privada.
São Paulo: ARTPRESS, 2004.
CAMPBELL, Juan Gonzalo Larrain. Plínio Corrêa de Oliveira: Previsões e Denúncias em def
esa
da Igreja e da Civilizaç
ão Cristã.
São Paulo: ARTPRESS, 2001.
CATOLICISMO.
Verdades Esquecidas.
Coletânea de Textos do Mensário Catolicismo.
São Paulo:
ARTPRESS, 1992.
COMISSÃO DE ESTUDOS DA TFP. A TFP: uma vocão, TFP e família, TFP e famílias na cri
se
espiritual e temporal do século XX.
II Volumes. São Paulo: ARTPRESS, 1986.
DIAS, João Scognamiglio Clá. Fátima, Aurora do Terceiro Milênio. A mensagem de Fátima e o
Rosário nas considerações de Plínio Corrêa de Oliveira. 5ª edão. Campinas/SP:
Associaç
ão Cultural Nossa Senhora de Fátima, 1998.
DIAS, João Scognamiglio Clã (Dir). Como ruiu a Cristandade Medieval? São Paulo: Edições
Brasil de Amanhã, s.d.
______
Despreocupados... rumo à guilhotina. A autodemolição do Ancién Regime. São Paulo:
Edições Brasil
de Amanhã, 1993.
DIAS, Jo Scognamiglio Clá. SOLIMEO, Gustavo Antonio. Refutação da TFP a uma investida
frustra.
Volume II. São Paulo: ARTPRESS, 1984.
FAORO, Atílio Guilherme.
Reforma Agrária: terra prometida , favela rural ou kolkhozes ?
Mistério que
a TFP desvenda.
2ª edição. São Paulo: Editora Vera Cruz, 1987.
FEDELI, Orlando.
Descrição de um delírio. O culto que a TFP presta a seu líder.
[Mimeo].
FOLENA, Giulio.
Escravos do Profeta.
São Paulo: EMW Editores, 1987.
GOMES, Rogério César Pereira. Em defesa do Papado. Igreja, Civilizão Cristã e o Reino de
Maria.
[S. l.: s.n., julho/1986].
______
Plínio Corrêa de Oliveira em seis décadas de polêmicas do Catolicismo Brasileiro (1933-
88).
[S. l.: s.n., 1997]
______
Plínio Corrêa de Oliveira: O maior Contra-Revolucionário da História. [Atualizão de
Plínio Corrêa de Oliveira em seis décadas de polêmicas do Catolicismo Brasileiro (1933-
1988)
] S. l.: s.n., 2000
GUIMARÃES, Átila Sinke. SOLIMEO, Gustavo Antonio. Refutação da TFP a uma investida frustra.
Volume I.
São Paulo: ARTPRESS, 1984.
GUIMARÃES, Átila Sinke.
Servitudo ex Caritate.
2ª edição. São Paulo: ARTPRESS, 1985.
LINDENBERG, Adolpho.
Os católicos e a Economia de Mercado. Oposição ou Colaboração?
Considerações do bom senso.
São Paulo: LTr, 2002.
LOPES, G
regório Vivanco.
Pastoral da Terra e MST incendeiam o país.
São Paulo: ARTPRESS,
2004.
LOPES, Gregório Vivanco. URETA, José Antônio.
A pretexto do combate à globalização: Renasce
a luta de classes. Fórum Social Mundial de Porto Alegre, berço de uma neo
-
rev
olução
anárquica.
São Paulo: Ed. Cruz de Cristo Ltda, 2002.
MACHADO, Antonio Augusto Borelli.
As aparições e a Mensagem de Fátima conforme os
manuscritos da Irmã Lúcia.
43ª edição. São Paulo: Ed. ARTPRESS, 1996.
MATTEI, Roberto de.
O Cruzado do Século XX:
Plínio Corrêa de Oliveira.
Porto: Livraria
Civilização Editora, 1997.
______
Guerra justa, guerra santa: Ensaio sobre as Cruzadas, a
Jihad
Islâmica e Tolerância
Moderna.
Porto:
Livraria Civilização Editora, 2002.
MAYER, Antonio de Castro. SINGAUD, Geraldo d
e Proença. OLIVEIRA, Plínio Corrêa de.
FREITAS, Luiz Mendonça de.
Reforma Agrária: Questão de Consciência.
4ª edição. São
Paulo: Editora Vera Cruz, 1962.
263
O AMANHÃ DE NOSSOS FILHOS.
TV uma escola , mas de q? Os efeitos da TV no
aproveitamento escolar.
o Paulo:
ARTPRESS
, 1993.
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de.
Em defesa da Ação Católica.
2ª edição. São Paulo: ARTPRESS,
1983.
______Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo. O mais recente estratagema comunista para
conquistar a opinião mundial.
5ª edição. São
Paulo: Vera Cruz, 1974.
______A Igreja ante a escalada da ameaça comunista: Apelo aos Bispos silenciosos.
3ª edição.
São Paulo: Editora Vera Cruz, 1977.
______
Tribalismo Indígena, Ideal comuno
-
missionário para o Brasil do século XXI.
6ª edição.
São Paulo:
Editora Vera Cruz, 1979.
______Guerreiros da Virgem
A réplica da autenticidade: A TFP sem segredos.
São Paulo: Vera
Cruz, 1985.
______Projeto de Constituição Angustia o País.
São Paulo: Vera Cruz, 1987.
______
Nobreza e Elites Tradicionais Análogas nas Al
ocuções de Pio XII ao Patriciado e à
Nobreza Romana.
Porto: Livraria Civilização Editora, 1993.
______
Revolução e Contra
-
Revolução.
4ª edição. São Paulo: ARTPRESS, 1998.
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de & CAMPO, Carlos Patrício del.
Sou católico: posso ser contr
a a
reforma agrária? Posso e devo ser contra a Reforma Agrária.
4ª edição. São Paulo:
Editora Vera Cruz, 1982.
_____
A Reforma Agrária socialista e confiscatória. A propriedade privada e a livre iniciativa, no
tufão agro
-
reformista.
2ª edição. São Pa
ulo: Editora Vera Cruz, 1985.
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de.
SOLIMEO, Gustavo Antonio.
SOLIMEO, Luiz Sérgio
.
As CEB s... das
quais muito se fala, pouco se conhece
A TFP as descreve como são.
6ª edição. São
Paulo: Vera Cruz, 1983.
PEDRIALI, José Antonio.
Gu
erreiros da Virgem: A vida secreta na TFP. São Paulo: EMW Editora,
1985.
SANTOS, Armando Alexandre dos.
A legitimidade monárquica no Brasil.
São Paulo: ARTPRESS,
1988.
______
Ser ou não ser MONARQUISTA
Eis a questão!
São Paulo: ARTPRESS, 1990.
______
Parla
mentarismo, sim! Mas à brasileira: com Monarca e Poder Moderador eficaz e
paternal.
São Paulo: ARTPRESS, 1992a.
______
O Brasil Império nas páginas de um velho Almanaque Alemão.
São Paulo: ARTPRESS,
1992b.
______A serviço de Deus e de El
-
Rei.
Revista Brasil
eira: Revista da Academia Brasileira de Letras
,
Ano VI, n. 22, Fase VII, p. 155
-
173, Jan/mar 2000 (separata).
SIGAUD, Dom Geraldo de Proença. MAYER, Dom Antônio de Castro. OLIVEIRA, Plínio Corrêa
de. FREITAS, Luiz Mendonça de.
Declaração do Morro Alto.
edição. São Paulo: Editora
Vera Cruz, 1964
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE.
A Propriedade
Privada é um roubo?
Coleção Diálogos Sociais. Vol I. 3ª edição. São Paulo: Vera Cruz,
1972.
______
Meio século de epopéia anticomunis
ta.
3ª edição. São Paulo: Editora Vera Cruz, 1980.
______
Um homem, uma obra, uma gesta: Homenagem das TFPs a Plínio Corrêa de Oliveira.
São Paulo: Editora Brasil de Amanhã, s.d.
______
Nota da CNBB sobre a TFP brasileira: afirmações carentes de realidade,
apreciações
unilaterais e apaixonadas.
São Paulo, maio de 1997, 11 páginas.
SOLIMEO, Gustavo Antônio. SOLIMEO, Luiz Sérgio.
Anjos e demônios: a luta contra o poder das
trevas.
São Paulo:
ARTPRESS
, 1994.
______
A nova Inquisição atéia e psiquiátrica rotula de seita os grupos que visa destruir.
São
Paulo: ARTPRESS, 1996.
VARELA, Cosme Beccar.
<<Se un cieco guida un altro cieco...>> Analisi della Familia de Almas
e dell associazione brasiliana TFP condotta sotto il profilo del diritto canonico.
Milano:
Soc
ietà Editrice Barbarossa, 2000.
VIOTTI, Frederico Romanini de Abranches.
Origem e Fundamento da Mística Pós
-
Moderna.
1995. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciência Política)
Departamento
de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasíl
ia, 1995.
XAVIER, Leopoldo Bibiano.
Revivendo o Brasil
-
Império.
São Paulo: ARTPRESS, 1991.
ZAPPA, Regina.
Chico Buarque: Para todos.
Rio de Janeiro: Relume Dumará; Prefeitura do Rio de
Janeiro, 1999.
264
FONTES NA INTERNET
AA. VV.
Tradizione, Famiglia
e Proprietá.
Associazione Cattolica o setta millenarista?
Rimini, St.
Benoit, 1996.
Disponível em: <
http://kelebek.mond.at/cesnur/txt/tfp01.htm
/> Acesso
em 04/outubro/2004.
ASSOCIAZIONE TRADIZIONE FAMIGLIA PROPRIETÀ. Plínio Corrêa de Oliveira: Legionário d
ella
Chiesa. Percorsi, Anno II, dicenbre 1998, p.51
-
57.
Associazione Tradizione Famiglia
Proprietà
. Disponível em<http://www.atfp.it> Acesso em 23/julho/2005.
CANTONI, Giovanni. Voci per um Dizionario Del Pensiero Forte: Plínio Corrêa de Oliveira
(1908
-
199
5).
Alleanza Cattolica. Disponível em:
<http://www.alleanzacattolica.org/idis_dpf/voci/c_plinio_correa_de_oliveira.htm>
Acesso em 15/dezembro/2000.
______Plínio Corrêa de Oliveira al sevizio di un capitolo della dottrina sociale della Chiesa: il
commento d
el Magistero alla parabola dei talenti .
Cristianità.
Nº 235, 1994.
Disponível em <http://www.alleanzacattolica.org> Acesso em 01/setembro/2001.
______Fátima e la Contro
-
Rivoluzione del secolo XXI.
Cristianità.
Nº 301
-
302, 2000. Disponível
em <http://www.
alleanzacattolica.org/> Acesso em 02/outubro/2001.
______ La Rivoluzione francese nel processo rivoluzionario.
Alleanza Cattolica.
Disponível em
<http://www.alleanzacattolica.org/> Acesso em 02/outubro/2001.
CRISTIANITÀ. In Memorian: Plínio Corrêa de Olive
ira.
Cristianità.
Nº 247
-
248, 1995. Disponível
em <http://www.alleanzacattolica.org> Acesso em 01/setembro/2001.
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de.
Acordo com o regime comunista. Para a Igreja, esperança ou
autodemolição?
Edição ampliada. Julho de 1974. Disponíve
l em
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/livros.asp/> Acesso em janeiro de 2005.
______Na Noite Sandinista o incitamento à guerrilha dirigido por sandinistas cristãos à
esquerda católica no Brasil e na América Espanhola.
Catolicismo
, São Paulo, nº
355
-
356. Julho
-
Agosto 1980. Disponível em
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/livros.asp> Acesso em janeiro de 2005.
SOSNOWSKI, Alice. O novo exército da fé.
Revista AOL.
Ano II, nº 63, 04 de março de 2005.
Disponível em<http://www.aol.com.br/revista/m
aterias/2005/0036.adp/> Acesso em
30/maio/2005.
FONTES
CARTAS E MANIFESTOS
ASSOCIAÇÃO DOS FUNDADORES DA TFP.
Tradição
Família
Propriedade.
Carta ao Núncio
Apostólico do Brasil, Dom Lorenzo Baldisseri, São Paulo, 04 de abril de 2004.
______
Sem medo da verdade. Boletim Eletrônico de Atualidades da TFP-
Fundadores
. 2005-
2006. Recebido via mala direta em [email protected].
______
Nascer é um direito. Boletim Eletrônico da TFP
Fundadores.
2005
-2006. Recebido via
mala direta em [email protected].
CH
ALARD, Don Emanuel du. Il trucco c è... e si vede! La Tradizione Cattolica. Ano IV. Nº 1,
1993.
FEDELI, Orlando. [Carta] março de 1982, São Paulo [para] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de, São
Paulo. 28f.
265
FONTES
ENTREVISTAS e REPORTAGENS
A TFP (I e
II). ENTREVISTA A ORLANDO FEDELI E HERMANN HERSCHANDER
.
A Hora de São
Jerônimo
, Petrópolis/RJ. Entrevista realizada pelo Prof. Carlos Ramalhete
.
Programa de
Rádio. Disponível em <http://sites.uol.com.br/horasaojeronimo/> Acesso em janeiro de
2003.
BARRADA
S, Ildefonso Homero.
Entrevista sobre a TFP
[Porto Alegre], 20 jan. 2006. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado].
BARREIROS, Tomás Eon.
Depoimento: Vivência na TFP I
[Curitiba], 12 out. 2004. Entrevista
concedida a Gize
le Zanotto [com complementações do entrevistado].
______
Dúvidas (questionário sobre TFP)
[mensagem pessoal]
. Mensagem recebida por
<[email protected]> em 07 de março de 2005.
______
Questionário: Vivência na TFP
[Curitiba], 25 maio 2005. Questionário elab
orado por
Gizele Zanotto (enviado por email).
______
Depoimento: Vivência na TFP II
[Curitiba], 08 dez. 2005. Entrevista concedida a Gizele
Zanotto [com complementações do entrevistado].
FEDELI, Orlando.
Entrevista sobre a TFP
[São Paulo], 05 dez. 2005. Ent
revista concedida a
Gizele Zanotto [com complementações do entrevistado].
LOPES, Gregório Vivanco.
Entrevista sobre a TFP
[São Paulo], 07 dez. 2005. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto.
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de.
Entrevista ao jornal Zero Hora de Porto
Alegre.
Entrevista ao Zero
Hora, publicado em 30 de janeiro de 1993. Disponível em
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/> Acesso em outubro de 2005.
ORLEANS E BRAGANÇA, Dom Bertrand.
Depoimento: Movimento Monarquista e TFP
[Florianópolis], 24 set. 2005.
Entrevista concedida a Gizele Zanotto.
REFORMA AGRÁRIA SOCIALISTA E CONFISCATÓRIA.
Mensagem ao Presidente,
Brasília/DF: TV
Capital, 10 set. 1985. Programa de TV. Disponível em:
<http://www.pliniocorreadeoliveira.info/entrevista
-
stream.asp> Acesso em outub
ro de
2005.
SANTOS, Armando Alexandre dos.
Entrevista sobre a TFP
[São Paulo], 07 dez. 2005. Entrevista
concedida a Gizele Zanotto.
TRABALHO ESCRAVO
-
CAMPANHA DA ASSOCIAÇÃO DOS FUNDADORES DA TFP.
Jornal da
Cidade
, Unaí/MG: TV Rio Preto, 06 jan. 2005. Prog
rama de TV.
FONTES
-
OFICIAIS e JUDICIAIS
3ª VARA VEL DE SÃO PAULO. Processo Nº 3058/97. Dispõe sobre o ajuizamento da ação
declaratória de nulidade parcial de estatuto social contra a Sociedade Brasileira de Defesa
da Tradição, Família e Propriedade
TFP. Juiz de Direito: Carlos Eduardo Ferraz de
Mattos Barroso. Sentença de 1ª Instância, 19 de julho de 1998.
VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Ação de Exclusão de Sócios Dissidentes c/c Pedidos Declaratórios e Con
denatórios
Correlatos e c/ Pedido de Antecipação de Tutela. Dise sobre o reconhecimento da
dissedência na Sociedade Brasileira de Defesa da Tradão, Família e Propriedade
TFP,
bem como a exclusão dos sócios dissidentes. 10 de agosto de 2006.
SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FALIA E PROPRIEDADE.
Estatutos Sociais.
Registrado no
Cartório
de Registro de Títulos e Documentos
Registro Civil de Pessoas
Jurídicas, da Comarca de São Paulo em 30 de setembro de 1960. [Registro de
30/janeiro/200
4].
266
FONTES EM PERIÓDICOS
COLEÇÕES DOS ARTIGOS DE PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA
O Legionário
Órgão Oficioso da Arquidiocese de São Paulo 1942
-
1947*
Catolicismo
1951
-
2006*
Folha de São Paulo
1968
-
1990*
* Acervo da autora e/ou disponível em http://www.
plíniocorreadeoliveira.info
COMUNICADO MENSAL DA CNBB
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
Maio/1971
Declarações do Secretariado Geral à Imprensa
Secretariado Geral da
CNBB
224
31
-
33
ITESC
Fev/1973
Ata n.9 15/02/1973
Assembléia Geral da
CNBB
245
129
-
134
ITESC
Fev/1973
V.6. Votação sobre atividades da TFP
(Tradição, Família e Propriedade)
Assembléia Geral da
CNBB
245
162
-
163
ITESC
CORREIO DO POVO
Porto Alegre
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
21/10/2002
TFP reclama que não tem candid
ato
Correio do Povo
21/108
02
Da autora
DIÁRIO DE SÃO PAULO
São Paulo
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
09/12/2001
Investigação mostra que a TFP desvia dinheiro
de Campanhas
Ricardo Galhardo e
Soraya Aggege
On
-
line
09/12/2001
Denúncia de du
as doadoras motivou inquérito
Diário de São Paulo
On
-
line
DIÁRIO DO NORDESTE
Fortaleza
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
15/10/2005
Arautos do Evangelho
Jovens católicos
pregam devoção a Virgem Maria
* Sucursal Crato
On
-
line
FAMILLE C
HRÉTIENNE
-
França
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
11/07/1991
Temoignage: "J'etais a la TFP"
Yan
-
Loïc Jamin
704
49
On
-
line
267
FOLHA DE SÃO PAULO
São Paulo
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
17/09/1994
Monarquia não toma posão
João Bat
ista Natali
E6
On
-
line
01/12/1994
Movimento monarquista se divide; general cria
grupo contrário à TFP
Folha de São Paulo
On
-
line
01/12/1994
Monarquistas sofrem novo racha
João Batista Natali
On
-
line
04/10/1995
Plínio Corrêa de Oliveira morre aos 86
Folha de São Paulo
On
-
line
04/10/1995
Combate ao comunismo é o principal alvo da
TFP
Denise Peroti
On
-
line
05/10/1995
TFP pensa em nome para liderar entidade
Folha de São Paulo
On
-
line
06/10/1995
Ts mil pessoas assistem ao enterro do
fu
ndador da TFP
Folha de São Paulo
On
-
line
10/10/1995
Missa de sétimo dia do fundador da TFP é
assistida por mil pessoas
Folha de São Paulo
On
-
line
22/10/1995
Plínio Corrêa de Oliveira é eleito presidente
perpétuo
Xico Sá
On
-
line
22/10/1995
Grupo co
mbate os sem
-
terra
Folha de São Paulo
On
-
line
25/04/1996
TFP diz que MST é guerrilheiro e quer o
poder
Folha de São Paulo
On
-
line
23/08/1997
Arquidiocese estuda ação contra TFP
Folha de São Paulo
On
-
line
19/08/1998
Disputa interna na TFP é decidida na Justiça.
Conservadores derrotam Progressistas sobre
estatuto da entidade
Folha de São Paulo
On
-
line
19/08/1998
Sem comunismo, TFP ataca aborto, TV e união
civil gay
Tiago Oliveira e
Luís Henrique Amaral
On
-
line
08/07/2000
Mocinhos e band
idos
Sergio Miceli
On
-
line
02/08/2000
Racha na TFP
Mônica Bergamo
On
-
line
17/04/2001
Vício de Origem
Folha de São Paulo
On
-
line
27/04/2004
Imóvel da TFP é alvo de disputa
Folha de São Paulo
27.420
A12
BU
-
UFSC
12/05/2004
A quem interessa a mordaça
?
Bertrand de Orleans e
Bragança
27.433
A3
BU
-
UFSC
30/05/2004
TFP amordaçada? A realidade ultrapassa a
fábula
Roberto Kasuo
Takayanagi
On
-
line
19/05/2006
Manifestante contra O Código da Vinci
ganha manual
France Presse
, em
Nova York
On
-
line
INFO
TERRA
-
Zurique
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
Abr/2002
TFP
-
Die rechte Militanz
Brand Arenari e
Fabrício Monteiro
v. 18
05
-
06
On
-
line
JORNAL DA TARDE
-
São Paulo
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
22/07/2001
O paraíso, com mordomias
terrenas
Jornal da Tarde
On
-
line
17/09/2001
Fátima
Jornal da Tarde
On
-
line
JORNAL DO BRASIL
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
21/10/2002
TFP faz críticas a Lula e a Serra
Jornal do Brasil
On
-
line
23/05/2004
Moderados com versão light da
TFP
Roberto Barbosa
On
-
line
23/05/2004
Nova diretoria é acusada em dossiê
Jornal do Brasil
On
-
line
268
NOTÍCIAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DO TRABALHO
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
19/02/2003
SBT ganha recurso contra a entidade TFP em
pedido de
resposta no Programa do Ratinho
Luciana Assunção
On
-
line
10/12/2003
Tradição, Família e Propriedade livra-se de
vínculo de emprego
Tribunal Superior do
Trabalho
On
-
line
O ESTADO
Florianópolis
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
26/07/196
6
A Sociedade Brasileira em defesa da Tradição,
Família e Propriedade ao Público
TFP
15.455
04 e 06
Bib. Pública
Estado SC
O ESTADO
São Paulo
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
12/07/2000
França reforça leis contra seitas
Reali Júnior
On
-
line
10/10/2002
Justiça altera estatuto da TFP
Thelio Magalhães
On
-
line
REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA
-
REB
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
Jun/1961
Reforma Agrária
Dom Fernando
Gomes
Arcebispo
de Goiânia, GO
V.21 /
Fasc. 2
387
-
390
ITESC
Set/1961
As objeções do Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo
de Goiânia
Dom Antônio de
Castro Mayer
Bispo
de Campos, RJ
V. 21 /
Fasc. 3
661
-
668
ITESC
Set/1961
As omissões do livro
Dom Fernando
Gomes
Arcebispo
de Goiânia, GO
V. 21 /
Fasc. 3
669
-
671
ITESC
Jun
/1964
Declarações da CNBB sôbre a situão
nacional
Comissão Central da
CNBB
V. 24 /
Fasc. 2
491
-
493
ITESC
Jun/1964
A Revolução de Abril e as comprovantes da
subversão comunista
V. 24 /
Fasc. 2
493
-
495
ITESC
Jun/1964
Marchas da Família com Deus pela Lib
erdade
V. 24 /
Fasc. 2
495
-
497
ITESC
Jun/1966
Nota da Comissão Central da CNBB sobre a
SBDTFP
Comissão Central da
CNBB
V. 26 /
Fasc. 2
455
ITESC
Set/1966
Esclarecimento sobre a incompencia, no
campo religiosos, da Sociedade Brasileira de
defesa da Tra
dição, Família e Propriedade
V. 26 /
Fasc. 3
635
-
637
ITESC
REVISTA ISTOÉ
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
24/06/1998
As viúvas de Plínio. Após a morte do principal
líder, a ala jovem da TFP briga pelo espólio da
entidade
Gilberto Nascimento
1.4
99
On
-
line
08/07/1998
O Boff da TFP. Dissidente da entidade
conservadora fica 45 dias incomunicável
Gilberto Nascimento
1.501
On
-
line
11/08/1999
França
Legião Estrangeira. Enfraquecida no
Brasil, a ultraconservadora TFP é alvo de
investigações no Par
lamento Francês
Rosely Forganes
1.558
On
-
line
23/11/2005
Dom João de Orleans e Bragança: A bronca do
príncipe
Celso Fonseca
1.884
On
-
line
269
REVISTA ISTOÉ DINHEIRO
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
17/12/2003
Adolpho, o Imperador da TFP
Fábio Altm
an
On
-
line
REVISTA VEJA
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
20/05/1970
Cavaleiros da Tradição
Veja
89
30
-
37
BU
-
UFSC
20/05/1970
A figura e a palavra do chefe
Entrevistador: J. A.
Dias Lopes
89
34
-
35
BU
-
UFSC
14/10/1970
Se fôr assim, sou reacioná
rio
Entrevista: D.
Geraldo de Proença Sigaud
Entrevistador: José
Alberico Souza Cruz
110
03
-
05
BU
-
UFSC
28/04/2004
A TFP do B
João Gabriel da Silva
1.851
94
-
96
BU
-
UFSC
SERVIÇO DE DOCUMENTAÇÃO (SEDOC/CNBB)
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
Set/
1968
Declaração final da IX Assembia Geral
da CNBB
CNBB
445
-
447
ITESC
Set/1968
Carta de doze Bispos ao Presidente da
República
Vários
448
-
449
ITESC
Jan/1969
Espinho no Episcopado: Bispo e Padres
pedem providências contra Dom Sigaud
Vários
991
-
994
IT
ESC
Jan/1969
Carta do Presbitério de Volta Redonda ao
Sr. Núncio Apostólico
Pe. Bernardo Thur
995
-
996
ITESC
Jun/1977
Caso Dom Sigaud
Vários
1263
-
1334
ITESC
Set/1977
Caso D. Sigaud
Vários
104
205
-
217
ITESC
Set/out 1987
Associação de Leigos
Autoridad
e
Eclesstica e TFP
Vários
204
233
-
255
ITESC
BULLE
-
França
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
2
o
trimestre
de 1991
Tradicion, Famille, Propriete
Avenir de la
culture
BULLE
30
On
-
line
LIBERATION
-
França
Data
Título
Autor(es)
Página
Acervo
12/out/1998
Les armes d Avenir de la Cultura: lobbying
et harcèlement postal
Blandine Grosjean
On
-
line
270
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto (Org).
A aventura (auto)biográfica: Teoria e empiria.
Porto Alegre: EDI
PUCRS, 2004.
ABREU, Alzira Alves de, ... [et al].
Dicionário Histórico
-
Biográfico brasileiro pós
-
1930.
Edição
ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Ed FGV; CPDOC, 2001.
ACAT.
Fundamentalismos, integrismos: Uma ameaça aos direitos humanos.
São Paulo:
Pauli
nas, 2001.
ACHARD, Pierre, ... [et al].
Papel da Memória.
Campinas: Pontes, 1999.
AGUIAR, Flávio Wolf de. A estrutura da espera. In: VÉSCIO, Luiz Eugênio. SNTOS, Pedro Brum
(Orgs.).
Literatura e História: perspectivas e convergências.
Bauru: EDUSC, 1999.
A
LMEIDA, Ângela Mendes de.
O Gosto do pecado: Casamento e sexualidade nos manuais de
confessores dos séculos XVI e XVII.
2ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
ALTOÉ, André Pizetta.
A TFP em Campos dos Goytacazes: trajetória política, gênero e poder.
2004
. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Sociais)
Centro de
Ciências do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro,
Campos dos Goytacazes, 2004.
______
Tradição, Família e Propriedade (TFP): Uma instituição em moviment
o.
2006. Dissertação
de Mestrado (Mestrado em Ciência Política)
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.
ANSART, Pierre.
Ideologias, Conflitos e Poder.
Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
______História e Memóri
a dos Ressentimentos.
In: BRESCIANI, Stella. NAXARA, Márcia (Orgs).
Memória e (Res)sentimento. Indagações sobre uma questão sensível.
Campinas: Ed.
UNICAMP, 2001. P. 15
-
36.
ANTOINE, Charles.
O integrismo brasileiro.
Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasilei
ra, 1980.
ARENDT, Hannah.
Da Revolução.
2ª edição. Brasília: Ed. da UnB; São Paulo: Ática, 1990.
AUGÉ, Marc. Iniciação. In:
Enciclopédia Einaudi.
Vol. 30 (Religião
-
Rito). Lisboa: Imprensa
Nacional e Casa da Moeda, 1994. P. 74
-
92.
AZEVEDO, Dermi.
Igreja e E
stado no Brasil: Colaboração de agentes religiosos com a repressão
política do regime de 1964.
2001. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2001.
______Desafios
estratégicos da Igreja Católica.
Lua Nova
,
nº 60, p. 57
-
79, 2003.
______A Igreja Católica e seu papel político no Brasil.
Estudos Avançados
, nº 52, p. 109
-
120,
dezembro 2004.
BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social / Utopia. In:
Enciclopédia Einaudi.
Vol. 5 (
Anthropos
-
Homem). Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1985. P. 296
-
332/333
-
396.
BALANDIER, Georges.
O poder em cena.
Brasília: Editora da UnB, 1982.
BEIRED, José Luis Bendicho. Sob o signo da nova ordem. Intelectuais autoritários no Brasil e na
Arge
ntina (1914
-
1945).
São Paulo: Edições Loyola,1999.
BENDIX, Richard.
Max Weber: um perfil intelectual.
Brasília: Ed. UnB, 1986.
BENELLI, Silvio José. O Internato escolar como Instituição Total: Violência e subjetividade.
Psicologia em Estudo
, Maringá, v.
7, n. 2, p. 19
-
29, jul/dez 2002.
______Problematização das teorias relativas às instituições. In:
Pescadores de Homens: A
produção da subjetividade no contexto institucional de um seminário católico.
2003.
Dissertação (Mestrado em Psicologia)
Faculdade d
e Ciências e Letras, Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho , Assis, 2003. p. 17-
72.
BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a
Redemocratização. In: FAUSTO, Boris (Org).
História Geral da Civilização Brasile
ira.O
Brasil Republicano
. São Paulo: Difel, 1984. Tomo III. Vol. 4. p. 271
-
341.
271
______
Padres Conciliares Brasileiros no Vaticano II: Participação e prosopografia 1959
-
1965.
2001. Tese (Doutorado em História Social)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciênci
as
Humanas
, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
BERGER, Peter Ludwig.
O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião.
São Paulo: Paulinas, 1985.
BERLIN, Isaiah. Joseph de Maistre e as origens do Fascismo. In:
Limites da Utopia.
Capítulos da
história das idéias.
São Paulo: Cia das Letras, 1991. p. 84
-
140.
BEVIR, Mark. Mind and Method in the history of ideas.
History and Theory
. Vol. 36, p. 167
-
189,
1997.
______The Role of Contexts in Understanding and Explanation.
Human Studies.
N. 23, p. 395
-
411, 2000.
______Meaning and Intention.
New Literary History.
Vol. 31, p. 385
-
404, 2000.
______Notes Toward an Analysis of Conceptual Change.
Social Epistemology.
Vol. 17, N. 1, p.
55
-
63, 2003.
BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, G
ianfranco (Orgs).
Dicionário de Política.
12ª edição. Brasília: Editora da UnB, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
BOIA, Lucian.
Pour une Histoire de l imaginaire.
Paris
: Les Belles Lettres, 1998.
BOURDIEU, Pierre.
A dissolução do religioso. In
:
Coisas ditas.
São Paulo: Brasiliense, 1990. p.
119
-
125.
______A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO, Janaína (Coord.)
Usos e
abusos da História Oral.
Rio de janeiro: Editora FGV, 1998. p. 183
-
191.
______
O Poder Simbólico.
3ª edição.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
______
A Economia das Trocas Simbólicas.
5ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2003.
BURITY, Joanildo A. Religião e democratização no Brasil: Reflexões sobre os anos 80.
Cadernos
de Estudos Sociais.
Recife, nº 2, Vol. 1
0, p. 167
-
192. jul/dez 1994.
______Religião e Política na Fronteira: Desinstitucionalização e deslocamento numa relação
historicamente polêmica.
Revista de Estudos da Religião.
Nº 4, p. 27
-
45, 2001.
BURKE, Edmund.
Reflexões sobre a Revolução em França.
edição. Brasília: Ed. UnB, 1997.
CÁCERES, Santiago Vanegas.
Reina Señora y Madre.
Guayaquil/Equador, 1998.
CALDEIRA, Rodrigo Coppe.
O Influxo Ultramontano no Brasil: O pensamento de Plínio Corrêa
de Oliveira.
2005. Dissertação (Mestrado em Ciências da Reli
gião)
Instituto de
Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora
, Juiz de Fora, 2005.
CANETTI, Elias.
Massa e Poder.
São Paulo, Brasília: Melhoramentos, Editora da UnB, 1983.
CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: Ensaios de teoria
e metodologia.
5ª edição. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O veneno da serpente: Reflexões sobre o anti-semitismo no
Brasil.
São Paulo: Perspectiva, 2003.
CASTRO, Marcelo Lúcio Ottoni de.
Política e I
maginação: Um estudo sobre a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP).
1991
.
Dissertação
(Mestrado em História Política do Brasil)
Instituto de Ciências Humanas, Universidade
de Brasília, Brasília, 1991.
CASTRO, Marcos de.
A Igreja e o Autoritarismo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
CERTEAU, Michel de.
A invenção do cotidiano. 1. Artes de fazer.
8ª edição. Petrópolis: Vozes,
2002.
______
A Escrita da História.
2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
C
HALET, Jean
-
Anne.
Monseigneur Lefebvre o Bispo Rebelde.
Rio de Janeiro/São Paulo: Difel.,
1977.
CHAMPION, Françoise. COHEN, Martine. Les sociologues et le problème des dites sectes.
Archives de Sciences Sociales des Religions.
Paris, n. 96, p. 05
-
15. octob
re
-
dècembre
1996.
______
Sectes et démocracie.
Paris: Éditions du Seuil, 1999.
CHARBONNEAU, Paul
-
Eugène.
Cristianismo, Sociedade e Revolução.
2ª edição. São Paulo:
Editora Herder, 1967.
CHARTIER, Anne
-
Marie. HÉBRARD, Jean.
Os discursos da Igreja. In:
Discu
rsos sobre a leitura
1880
-
1980.
São Paulo: Ática, 1995. p. 19
-
107.
CHARTIER, Roger.
A História Cultural: entre práticas e representações.
Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1988.
272
CHAUÍ, Marilena.
Brasil: mito fundador e sociedade autoritária.
São Paulo: Ed.
Fundação Perseu
Abramo, 2000.
______O retorno do teológico-político. In: CARDOSO, Sérgio (Org.). Retorno ao
Republicanismo.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004. p. 93
-
133.
COHN, Norman.
Caos, cosmos e o mundo que virá: as origens das crenças no apocalipse.
São
Paulo: Cia das Letras, 2001.
COMUNICADO MENSAL DA CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Sínodo dos
Bispos Celebrar, verificar e promover o Concílio Vaticano II . Ano 14. 396, 31 de
dezembro de 1985.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Tradição, Falia, Propriedade. In:
Pronunciamentos da CNBB 84-
Coletânea
85.
35. São Paulo: Paulinas, 1985. p.
35.
COSTA, Eleonora Z. Sobre o acontecimento discursivo.
In: SWAIN, Tânia Navarro (Org.).
História no Plural.
Brasília: Editora da UnB, 1994.
p. 189
-
207.
COUTINHO, Sérgio Ricardo. História Recente do Catolicismo no Brasil.
Encontros Teológicos,
37, Ano 19/1, p. 91
-
107, 2004.
CRUZ, Manuel Braga da.
Monárquicos e republicanos no Estado Novo.
Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1986.
DELLA CAVA, R
alph. Igreja e Estado no Brasil do Século XX: sete monografias recentes sobre o
catolicismo no Brasil 1916/64.
Estudos CEBRAP.
Nº 12, p. 05
-
52. abr/maio/jun 1975.
______A ofensiva vaticana.
Religião e Sociedade.
Rio de Janeiro, Nº 12/3, p. 34
-
53, dezembro
de 1985.
DELUMEAU, Jean.
Mil Anos de Felicidade. Uma história do Paraíso.
São Paulo: Cia das Letras,
1997.
______
História do Medo no Ocidente: 1300
-
1800, uma cidade sitiada.
4ª reimpressão. São
Paulo: Cia das Letras, 1999.
______
O pecado e o medo: a c
ulpabilização no Ocidente (séculos 13
-
18).
II Volumes. Bauru:
EDUSC, 2003.
DIAS, Romualdo.
Imagens da Ordem: A doutrina católica sobre autoridade no Brasil (1922
-
1933).
São Paulo: Ed. UNESP, 1996.
DICKIE, Maria Amélia Schmidt. Milenarismo em contexto signi
ficativo: Os Mucker como sujeitos.
In: MUSUMECI, Leonarda.
Antes do Fim do Mundo. Milenarismos e Messianismos no
Brasil e na Argentina.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004. p. 13
-
34.
DOBRORUKA, Vicente. Considerações sobre o pensamento trinitário de Joaquim de
Fiore.
Revista Múltipla,
Brasília 5 (8), p. 9
-
27. Julho 2000.
______
Post
-
scriptum
tempo, historiografia e especulação. In:
História e Milenarismo: ensaios
sobre tempo, história e o milênio.
Brasília: Editora UnB, 2004. p. 195
-
211.
DREHER, Martin Norberto
.
Para entender o fundamentalismo.
São Leopoldo: Ed. UNISINOS,
2002.
DUTRA, Eliana de Freitas.
O Ardil Totalitário. Imaginário político no Brasil dos anos 30.
Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997.
ELIAS, Norbert.
O processo civi
lizador.
2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
ELIAS, Norbert. SCOTSON, John L.
Os estabelecidos e os outsiders. Sociologia das relações de
poder a partir de uma pequena comunidade.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
ETCHEBEHERE JR, Lincoln
.
O Concílio Vaticano II: progressistas e tradicionalistas .
Mimeo.
FARIAS, Damião Duque de.
Em Defesa da Ordem. Aspectos da Práxis Católica no meio operário
em São Paulo (1930
-
1945).
São Paulo: Hucitec, 1998.
FERREIRA, Dario Fortes. LAUAND, Jean. SILV
A, Marcio Fernandes da.
Opus Dei. Os bastidores:
História, análise, testemunhos.
Campinas: Verus Editora, 2005.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral e Tempo Presente. In: MEIHY, José Carlos Sebe Bom
(Org).
(Re)introduzindo a História Oral no Brasil.
São Paulo: Xamã, 1996. P. 11
-
21.
FERREIRA, Teresa Helena Schoen.
A formação da identidade em adolescentes: um estudo
exploratório com estudantes do ensino médio.
2001. Dissertação (Mestrado em Ciências
Aplicadas à Pediatria)
Escola Paulista de Medicina/D
epartamento de Pediatria,
Universidade de São Paulo, 2001.
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar.
Revista Brasileira de
História
. São Paulo, v. 24, nº 47, p. 29
-
60, 2004.
FOUCAULT, Michel.
A ordem do discurso.
São Paulo: Edi
ções Loyola, 1996.
273
______
Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão.
22ª edição. Petrópolis: Vozes, 2000.
______
A Arqueologia do Saber.
7ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
FRANGIOTTI, Roque.
A Doutrina Tradicional da Providência. Implicações
sóciopolíticas.
São
Paulo: Paulinas, 1986.
GARCIA
-
PELAYO, Manuel.
Los mitos políticos.
Madri: Alianza Editorial, 1981.
GINER, Salvador. La Religión Civil.
In: DÍAZ
-
SALAZAR, Rafael. GINER, Salvador. VELASCO,
Fernando (Orgs).
Formas modernas de religión.
Ma
drid: Alianza Editorial, 1996. p.
129
-
171.
GINZBURG, Carlo.
O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
Inquisição.
8ª reimpressão. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
GIRARDET, Raoul.
Mitos e Mitologias Políticas.
São Paulo: C
ia das Letras, 1987.
GNÄGI, Albert. Constituição da Igreja e Modelo de Estado.
Concilium.
Instituições Eclesiais. Nº
177, p. 24
-
30, 1982/7.
GOFFMAN, Erving.
Manicômios, prisões e conventos.
2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.
GOMES, Plínio Freire.
Um here
ge vai ao Paraíso. Cosmologia de um ex
-
colono condenado pela
Inquisição (1680
-
1744).
São Paulo: Cia das Letras, 1997.
GONÇALVES, Marcos
. Os arautos da dissolução : Mito, imaginário político e afetividade
anticomunista, Brasil 1941
-
1947
. 2004. Dissertação
(Mestrado em História)
Programa
de Pós
-
Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba/PR, 2004.
GRANFIELD, Patrick. Surgimento e queda da Societas Perfecta.
Concilium.
Instituições Eclesiais.
Nº 177, p. 7
-
14, 1982/7.
GROPPO, Luís Antonio
. A Juventude como categoria social. In:
Juventude. Ensaios sobre
Sociologia e História das Juventudes Modernas.
Rio de Janeiro: Difel, 200. p. 07
-
27.
GRYNSZPAN, Mario.
Ciência, política e trajetórias sociais: Uma sociologia histórica da teoria
das elites.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
HALL, Stuart.
A identidade cultural na pós
-
modernidade.
7ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
HEBBLETHWAITE, Peter. Um papa fundamentalista?
Concilium.
Ecumenismo. Nº 241, p. 114
-
124, 1992/3.
HERMANN, Jacqueline.
No Rei
no do Desejado: A construção do sebastianismo em Portugal,
séculos XVI e XVII.
São Paulo: Cia das Letras, 1998.
HIRSCHMAN, Albert O.
A Retórica da Intransigência: Perversidade, futilidade, ameaça.
São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
HOBSBAWN, Eric J.
Re
beldes primitivos: Estudo sobre formas arcaicas de movimentos sociais
nos séculos XIX e XX.
Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1970.
HOBSBAWN, Eric J. RANGER, Terence (Orgs).
A Invenção das Tradições.
2ª edição. Rio de
Janei
ro: Paz e Terra, 1997.
ISAIA, Artur César
.
Catolicismo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: EDIPUCRS,
1998.
______Portugal no discurso do catolicismo brasileiro pós
-
conciliar. In: RAMOS, Maria
Bernardete. SERPA, Élio, PAULO, Heloísa (Orgs).
O Beijo através do Atlântico: o lugar do
Brasil no Panlusitanismo.
Chapecó: Argos, 2001. p. 137
-
174.
______Catolicismo e Ordem Republicana no Brasil. In: RIBEIRO, Maria Manuela Tavares
(Coord).
Portugal
Brasil. Uma visão interdisciplinar. Actas do Colóquio
. Coimbra:
Quarteto Editora, 2003a. p.
61
-
78.
______A Hierarquia Católica Brasileira e o Passado Português. In: SZESZ, Christiane Marques, ...
[et al].
Portugal
Brasil no século XX: Sociedade, cultura e ideologia.
Bauru: EDUSC,
2003b. p. 233
-
253.
ISTITUTO DELLA ENCILOPEDIA ITALIANA.
Encic
lopedia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti.
Roma:
Istituto della Encilopedia Italiana, 1950.
JOLLES, André.
Formas Simples: legenda, saga, mito, adivinha, ditado, caso, memorável, conto,
chiste.
São Paulo: Cultrix, 1976.
KAN, Elio Masferrer (Coord.).
Se
ctas o Iglesias.
Viejos e nuevos movimientos religiosos.
México,
D.F.: Plaza y Valdés Editores, ALER, 2000.
KOCHAKOWICZ, Leszek. Heresia. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 12 (Mythos/Logos
Sagrado/Profano). Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1985. P
. 301
-
325.
KRISCHKE, Paulo José.
A Igreja e as Crises Políticas no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1979.
LAFAYE, Jacques. Movimientos mesiánicos y líderes carismáticos em la América Latina moderna;
introducción a una cuestión controvertida. El mesías em el mund
o ibérico, de Ramón
274
Llull a Manuel Lacunza. In:
Mesías. Cruzadas. Utopías. El judeo
-
cristianismo em lãs
sociedades iberoamericanas.
2ª edição. México: Fondo de Cultura Econômica, 1997. p.
07
-
26/27
-
46.
LANDIM, Leilah (Org).
Sinais dos Tempos. Igrejas e seit
as no Brasil.
Cadernos ISER nº 21, Rio de
Janeiro: Instituto de Estudos da Religião (ISER), 1989.
LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean
-
Claude (Coord).
Dicionário Temático do Ocidente Medieval.
II Volumes. Bauru: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 200
2.
LENHARO, Alcir.
Sacralização da Política
. 2ª edição. São Paulo: Papirus, 1986.
LEVI, Giovanni. Usos da biografia.
In: FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO, Janaína (Coord.)
Usos e abusos da História Oral.
Rio de janeiro: Editora FGV, 1998. p. 167
-
182.
LEV
I, Giovanni. SCHIMITT, Jean
-
Claude (Orgs.).
História dos Jovens: A época contemporânea.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
LIMA, Délcio Monteiro de.
Os Senhores da Direita.
Rio de Janeiro: Edições Antares, 1980.
LIMA, Lizanias de Souza.
Plínio Corrêa d
e Oliveira
Um Cruzado do Século XX.
1984.
Dissertação (Mestrado em História)
Programa de Pós
-
Graduação em História,
Universidade de São Paulo, São Paulo,1984.
LINDHOLM, Charles. Carisma. Êxtase e perda de identidade na veneração ao líder. Rio de
Janeir
o: Jorge Zahar Editor, 1993.
LOPES, Marcos Antônio; MARTINS, Marcos Lobato. A peste nas almas. Histórias de Fanatismo.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
LÖWY, Michael.
Redenção e Utopia. O judaísmo libertário na Europa Central.
São Paulo: Cia
das Letras,
1989.
______
A guerra dos deuses: Religião e política na América Latina.
Petrópolis: Vozes, 2000.
LUNEAU, René. MICHEL, Patrick (Orgs).
Nem todos os caminhos levam a Roma. As mutações
atuais do catolicismo.
Petrópolis: Vozes, 1999.
MACEDO, Ubiratan Borges d
e. O Tradicionalismo no Brasil. In: CRIPPA, Adolpho (Coord).
As
Idéias políticas no Brasil.
Vol. II. São Paulo: Ed. Convívio, 1979. p. 227
-
248.
______
O liberalismo moderno.
São Paulo: Massao Ohno Editor, 1997.
MACPHERSON,
Crawford Brough
.
A teoria política
do Individualismo possessivo de Hobbes até
Locke.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MAFFESOLI, Michel.
O tempo das tribos. O declínio do individualismo nas sociedades de massa.
3ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
______
A violência tot
alitária. Ensaio de antropologia política.
Porto Alegre: Sulina, 2001.
MAIA, Pe. Pedro Américo.
História das Congregações Marianas no Brasil.
São Paulo: Loyola,
1992.
MAINGUENEAU, Dominique.
Termos Chave da Análise do Discurso.
Belo Horizonte: Ed. UFMG,
20
00.
MAINWARING, Scott.
A Igreja Católica e a Política no Brasil (1916
-
1985).
São Paulo:
Brasiliense, 1989.
MALATIAN, Teresa Maria.
Os Cruzados do Império.
São Paulo, 1988. Tese de doutorado em
História Social, Universidade de São Paulo.
______
Império e M
issão: Um novo monarquismo brasileiro.
São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 2001.
MANNHEIM, Karl. Funções das gerações novas. In: PEREIRA, Luiz. FORACCHI, Marialice M.
Educação e Sociedade (Leituras de sociologia da educação).
São Paulo: Companhia
Editor
a Nacional, 1978. p. 91
-
97.
______O pensamento conservador. In: MARTINS, José de Souza.
Introdução crítica à Sociologia
Rural.
São Paulo: Hucitec, 1981. p. 77
-
131.
MANOEL, Ivan Aparecido.
O pêndulo da história: Tempo e eternidade no pensamento católico
(18
00
-
1960).
Maringá: EDUEM, 2004.
MARIN, Jérri Roberto. História e Historiografia da romanização: reflexões provisórias.
Revista de
Ciências Humanas.
Edição Temática: Religiosidade e Cultura. Florianópolis, nº 30,
p.149
-
169. Outubro 2001.
MAYER, Arno J.
A Di
nâmica da Contra
-
Revolução na Europa, 1870
-
1956. Uma estrutura
analítica.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
______
A Força da Tradição: A persistência do Antigo Regime (1848
-
1914).
São Paulo: Cia das
Letras, 1987.
275
MEDEIROS, Maria do Carmo Ivo de.
Duas le
ituras do Fórum Social Mundial:
Caros Amigos
e
Catolicismo
.
2004. Dissertação (Mestrado em Lingüística)
Programa de Pós
-
Graduação em Lingüística, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 2004.
MEGIANI, Ana Paula Torres. O Jovem Rei Encantado: Expectativas do Messianismo Régio em
Portugal, séculos XIII a XVI.
São Paulo: Hucitec, 2003.
MENOZZI, Daniele. Importância da reação católica na Revolução.
Concilium.
Teologia
Fundamental. Nº 221, p. 77
-
87, 1989/1.
MICHELOTO, Antonio Ricardo. Fundamentalismo
Religioso e Violência política: ensaio sobre
possíveis relações.
Revista Múltipla.
Brasília, ano 7, nº 12, p. 17
-
36. Junho 2002.
MOINGT, Joseph. Séductions fondamentalistes.
Études.
Tomo 369, nº 6 (3696), p. 667
-
679,
Paris, decémbre 1988.
MOREIRA, Vicente
Deocleciano. Graça e Gramsci, corpos adoçados pelo amaro da intolerância.
Sitientibus
, Feira de Santana, n. 16, p. 37
-
47, jan/jun 1997.
MONTES, Maria Lucia. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, Lilia
Moritz (Org.).
História da
Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade
contemporânea.
Vol. 4. São Paulo: Cia das Letras, 1998. p. 63
-
171.
MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.
29ª edição. Petrópolis: Vozes, 2001.
MOTTA, Rodrigo
Patto Sá.
Em guarda contra o Perigo Vermelho : O anticomunismo no Brasil
(1917
-
1964).
São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
MOURA, Odilão.
As idéias católicas no Brasil: direção do pensamento católico no Brasil do
século XX.
São Paulo: Convívio, 1978.
NE
GRÃO, Lísias Nogueira. Revisitando o profetismo no Brasil. Revista Brasileira de Ciências
Sociais.
Vol. 16, nº 46. p. 119
-
129. Junho de 2001.
NISBET, Robert.
O conservadorismo.
Lisboa: Editorial Estampa, 1987.
NOGUEIRA, Carlos Roberto F.
O Diabo no imaginá
rio cristão.
2ª edição. Bauru: EDUSC, 2002.
NOVOS ESTUDOS CEBRAP. O primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Debate
com José Roberto Mendonça de Barros, Luiz Gonzaga Belluzzo, Francisco de Oliveira,
Sérgio Abranches e José Arthur Gianotti (Mediad
or).
Novos Estudos CEBRAP.
São Paulo,
nº 44, p. 47
-
72, março 1996.
O DEA, Thomas F. Sectas y Cultos.
In: SILLS, David L. (Dir).
Enciclopédia de las Ciencias
Sociales.
Vol. 7. Madrid/Espanha: Aguilar, 1975. p. 512
-
516.
OLIVEIRA, Francisco de. A reconquista
da Amazônia.
Novos Estudos CEBRAP.
São Paulo, nº 38,
p. 03
-
14, março 1994.
______Quem tem medo da governabilidade?
Novos Estudos CEBRAP.
São Paulo, nº 41, p. 61
-
77, março 1995.
______Viagem ao olho do furação. Celso Furtado e o desafio do pensamento autor
itário
brasileiro.
Novos Estudos CEBRAP.
São Paulo, nº 48, p. 03
-
19, julho/1997.
______Memórias do despotismo.
Estudos Avançados.
São Paulo, Vol. 14, nº 40, p. 59
-
63,
set/dez 2000.
OLIVEIRA, Tiago de Paula.
O discurso da Sociedade Brasileira de Defesa da
Tradição, Família e
Propriedade
TFP : a evolução da contra-
revolução.
2005. Dissertação (Mestrado em
Letras)
Programa de Pós
-
Graduação em Letras, Universidade Presbiteriana Mackenzie,
São Paulo, 2005.
ORLANDI, Eni Puccinelli (Org).
Palavra, Fé, Poder
.
São Paulo: Fontes, 1987.
______
Discurso Fundador: A formação do país e a construção da identidade nacional.
edição. Campinas: Pontes, 2001.
ORLANDI, Eni Puccinelli. O discurso religioso. In:
A Linguagem e seu funcionamento. As formas
do discurso.
4ª e
dição. Campinas: Pontes, 1996. p. 239
-
263.
______Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico.
3ª edição. Petrópolis:
Vozes, 2001.
______As formas do silêncio. No movimento dos sentidos.
5ª edição. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2001.
PA
TRÍCIO, Djalma José.
Poder, grupos de pressão e meios de comunicação.
Blumenau: Editora
da FURB, 1998.
PEREZ, Ricardo Lopez. Tradicionalismo e Violência.
Juan Donoso Cortés: Su teoria de la
dictadura.
Estudos Sociales. .
Santiago/Chile, nº 20, p. 143
-
162.
Trimestre 2/1979.
PIERRARD, Pierre.
História da Igreja.
3ª edição. São Paulo: Paulinas, 1982.
276
PIERUCCI, Antônio Fvio. SOUZA, Beatriz Muniz de. CAMARGO, Candido Procópio Ferreira de.
Igreja Católica: 1945-1970. In: FAUSTO, Boris (Org). História Geral da
Civilização
Brasileira.O Brasil Republicano
. São Paulo: Difel, 1984. Tomo III. Vol. 4. p. 343
-
380.
PIERUCCI, Antônio Fvio. Ciladas da Diferea. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduação em
Sociologia; Editora 34, 1999.
PINTO, Céli Regina Jardim.
Com a pala
vra o Senhor Presidente José Sarney. O discurso do
plano cruzado.
São Paulo: Hucitec, 1989.
PORTELLI, Hugues.
Os socialismos no discurso social católico
. São Paulo: Edições Paulinas,
1990.
POULAT, Emile. Compreensão histórica da Igreja e compreensão eclesi
ástica da história.
Concilium.
Nº 7, p. 811
-
824, 1971.
______Intégrisme. In:
Encyclopaedia Universalis
. Vol. 9. Paris: Encyclopaedia Universalis, 1985.
p. 1246
-
1249.
______Catolicismo e modernidade.
Concilium.
Nº 224, p. 17
-
24 [797
-
804], 1992/6.
PRIETO, At
ilano Alaiz.
As Seitas e os Cristãos.
São Paulo: Edições São Paulo, 1994.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de.
O Messianismo no Brasil e no Mundo.
3ª edição. São Paulo:
Alfa
-
Omega, 2003. p. 27.
REIS, José Carlos.
Nouvelle Histoire e Tempo Histórico. A contrib
uição de Febvre, Bloch e
Braudel.
São Paulo: Ática, 1994.
______
História & Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade.
2ª edição. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 2005.
______
As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC.
7ª edição. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2005.
RÉMOND, Re. L integrisme catholique. Portrait intellectuel.
Études.
Tome 370, nº 1 (3701), p.
95
-
105, Paris, janvier 1989.
RÉMOND, René (Org.).
Por uma História Política.
2ª edição. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003.
RICHARD, Pablo.
Morte das
Cristandades e Nascimento da Igreja.
São Paulo: Paulinas, 1982.
RODEGUERO, Carla Simone.
O Diabo é Vermelho. Imaginário Anticomunista e Igreja Católica
no Rio Grande do Sul (1945
-
1964).
Passo Fundo: Editora UPF, 1998.
______Religião e patriotismo: o antico
munismo católico nos Estados Unidos e no Brasil nos anos
de Guerra Fria.
Revista Brasileira de História
. São Paulo, V. 22, nº 44, p. 463
-
488,
2002.
______Contribuições ao estudo do anticomunismo sob o prisma da recepção. In: PESAVENTO,
Sandra Jatahy (Org.)
.
História Cultural: Experiências de Pesquisa.
Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2003. p. 25
-
36.
RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem
uma revista de intelectuais católicos (1934-
1945).
Belo Horizonte: Autêntica, FAPESP, 2005
ROMANO, Roberto.
Brasil: Igreja
contra Estado.
São Paulo: Kairós, 1979.
ROSENFELD, Anatol. Mistificações literárias: Os Protocolos dos Sábios de So . São Paulo: Ed.
Perspectiva, 1982.
ROSSITER, Clinton. Conservadurismo. In: SILLS, David L. (Dir). Enciclopedia de las Ciencias
Sociales.
Madrid: Aguilar, 1974. p. 74
-
77.
RUPRECHT, Rubens. A constituição do sentimento religioso: Da experiência do desamparo
primordial à elaboração de um ideal vocacional. 2004. Dissertação (Mestrado em
Psicologia)
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho , Assis, 2004.
SANCHEZ, Wagner Lopes. Modernidade, pluralismo e reinveão religiosa. Da possibilidade de
pensar o pluralismo religioso a partir de Weber.
Mimeo.
SANCHIS, Pierre. O campo religioso será ainda hoj
e o campo das religiões? In: HOORNAERT,
Eduardo (Org).
História da Igreja na América Latina e no Caribe. 1945
-
1995. O debate
metodológico.
Petrópolis: Vozes, 1995. p. 81
-
131.
______O campo religioso contemporâneo no Brasil.
In: ORO, Ari Pedro. STEIL, Carlo
s Alberto
(Orgs).
Globalização e Religião.
Petrópolis: Vozes, 1997. p. 103
-
115.
SAUCEROTTE, Antônio. As sucessivas autocompreensões da Igreja vistas por um marxista.
Concilium.
Nº 7, p. 906
-
914, 1971.
SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo Biografias... Histor
iadores e Jornalistas: Aproximações e
Afastamentos.
Revista de Estudos Históricos
. Rio de Janeiro, vol. 10, nº 19, p. 03
-
21,
1997.
277
______Biografia: um gênero de fronteira entre a história e a literatura. In: RAGO, Margareth.
GIMENES, Renato Aloizio de Oliv
eira (Orgs).
Narrar o passado, repensar a história.
Campinas: Ed. UNICAMP, 2000. p. 193
-
202.
SEGALEN, Martine.
Ritos e Rituais contemporâneos.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
SEIBLITZ, Zélia. Conflito na Diocese de Campos.
In: SANCHIS, Pierre (Org.).
Ca
tolicismo:
Modernidade e Tradição.
São Paulo: Loyola, 1992. p. 251
-
303.
SEIXAS, Jaci Alves de. Percursos de Memórias em terras da História: problemáticas atuais.
In:
BRESCIANI, Stella. NAXARA, Márcia (Orgs).
Memória e (Res)sentimento.
Indagações
sobre uma
questão sensível.
Campinas: Ed. UNICAMP, 2001. P. 37
-
58.
SILVA Jr., Alfredo Moreira da.
Catolicismo, Poder e Tradição: um estudo sobre as ações do
conservadorismo católico brasileiro durante o bispado de D. Geraldo Sigaud em
Jacarezinho (1947
-
1961).
2006.
Dissertação (Mestrado em História)
Universidade
Estadual Paulista, Assis,
2006.
SILVA, Evelyn Chaves.
Memória, esquecimento e imaginário social nas Marchas da Família com
Deus pela Liberdade.
2002. Dissertação (Mestrado em Memória Social e Documento)
Programa de Pós
-
Graduação em Memória Social e Documento, Universidade do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro,
2002.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. MEDEIROS, Sabrina Evangelista. VIANNA, Alexander
Martins (Dir).
Dicionário Crítico do pensamento de direita:
idéias, instituições e
personagens.
Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000.
SILVA, Ricardo.
A ideologia do Estado autoritário no Brasil.
Chapecó: Argos, 2004.
______Convenções, Intenções e Ação Lingüística na História da Teoria Política: Quentin Skinner
e o
debate metodológico contemporâneo. In:
V Encontro da Associação Brasileira de
Ciência Política
, 2006, Belo Horizonte. Programa do V Encontro da Associação Brasileira
de Ciência Política, 2006. p. 1
-
26.
SOUZA, Janice Tirelli Ponte de. A juventude e o rompim
ento da tradição do espaço público.
Fronteiras
Revista Catarinense de História.
Florianópolis, nº 09, p. 51
-
78. Dezembro
2001.
SOUZA, João Valdir Alves de. Estrutura e ação na Sociologia Contemporânea: Pierre Bourdieu e
Michel de Certeau.
Revista de Ciên
cias Humanas,
Viçosa/MG, vol. 3, n. 1, p. 23
-
33,
julho 2003.
TERRIN, Aldo Natale. Em defesa da autonomia do estudo da Religião. O Fundamentalismo. In:
O Sagrado Off Limits. A experiência religiosa e suas expressões.
São Paulo: Paulinas,
1998. p. 17
-
42 / 43
-
67.
TEVES, Nilda. O imaginário da configuração da realidade social. In: TEVES, Nilda (Coord).
Imaginário Social e Educação.
Rio de Janeiro: Gryphus: Faculdade de Educação da
UFRJ, 1992. P. 03
-
33.
TÔRRES, João Camilo de Oliveira.
História das Idéias Religi
osas no Brasil.
São Paulo: Editorial
Grijarbo, 1968.
TOSTA, Sandra de Fátima Pereira. O Ritual Litúrgico da Missa na história após o Vaticano II. In:
Os Rituais de Missa e de Culto vistos do lado de fora do Altar: religião e vivências
cotidianas em duas Co
munidades Eclesiais de Base do Bairro Petrolândia
Contagem
MG.
1997. Tese (Doutorado em Antropologia Social)
Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas
, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997. p. 70
-
108.
TROELTSCH, Ernst. Igreja e seitas.
Religião e Sociedade
, n. 14/3, 1987.
TURCOTTE, Paul-André. La sociologie des religions et la condition de minoritaire dans le champ
religieux.
Social Compass
. 51(1), p. 45
-
58, 2004.
URQUHART, Gordon. A Armada do Papa. Os segredos e o poder das novas seitas da Igreja
Católica.
Rio de Janeiro: Record, 2002.
VAUCHEZ, André. Santidade. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 12 (Mythos/Logos
Sagrado/Profano). Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1985. P. 287
-
300.
VEGAS GONZALEZ, Serafin. Significado e intención: de la historia de las ideas políticas a la
historia de la filosofia. Revista de Filosofia, Maracaibo/Venezuela, vol. 23, 50, p. 07-
46, mayo 2005.
VINCENT, Andrew.
Ideologias políticas modernas.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995.
VINCENT, Gerar
d Os católicos: o imaginário e o pecado.
In: PROST, Antoine. VINCENT, Gerard
(Orgs).
História da Vida privada 5: da Primeira Guerra a nossos dias. 7ª reimpressão.
São Paulo: Cia das Letras, 2001. p. 393
-
425.
278
WEBER, Max. I.
Os três tipos puros de dominação
legítima.
In:
Max Weber: Sociologia.
[Org.
Gabriel Cohn]. 2ª edição. São Paulo: Ática.
______
A ética protestante e o espírito do capitalismo.
14ª edição. São Paulo: Ed. Pioneira, 1999.
______
Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva.
3
ª edição. Brasília:
Ed. UnB, 2000.
______
Conceitos básicos de Sociologia.
São Paulo: Centauro, 2002.
WERNET, Augustin.
A Igreja paulista no século XIX.
São Paulo: Ática, 1987.
YONNARAS, Christos. O desafio do tradicionalismo ortodoxo.
Concilium.
Ecumenism
o. Nº 241,
p. 105
-
113, 1992/3.
ZANOTTO, Gizele.
É o caos!!! A luta anti agro
-
reformista de Plínio Corrêa de Oliveira.
2003.
Dissertação (Mestrado em História Cultural)
Programa de Pós
-
Graduação em História,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florian
ópolis, 2003.
______Reconstruindo as vivências: A memória emergente de um egresso da TFP.
Fronteiras:
Revista Catarinense de História.
Florianópolis, nº 12, p. 19
-
37. Julho 2004.
______Apologia da barbárie : A compreensão da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradão,
Família e Propriedade (TFP) sobre a neomissiologia católica.
Histórica
Revista
Eletrônica do Arquivo do Estado.
São Paulo, nº 07, 2005.
______
Opus Plini: Da fundação da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradão, Família e
Propriedade à implantação do Reino de Maria. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da.
CRUZ, Natália dos Reis. BULES, Tatiana (Orgs.). As Direitas no Brasil
Contemporâneo
(no prelo).
______Ortodoxias, heterodoxias: os nues limites da religiosidade católica na TFP. In:
ISAIA,
Artur César (Org.).
As várias faces do sagrado.
(no prelo).
DOCUMENTOS ELETRÔNICOS
BIDEGAIN, Ana Maria. El estudio de las corrientes religiosas
en la conformación del catolicismo
latinoamericano.
CEHILANET
-
Revista de História da Igreja na Amé
rica Latina e no
Caribe.
Nº 1, Ano I, 2004.
Disponível em:
<http://www.cehilanet.net> Acesso em
20/julho/2004.
BOUCHARD, Alain. Nouvelles manifestations du religieux dans la culture.
Érudit.
Disponível em:
<http://www.erudit.org/livre/larouchej/2001/livrel
4_div21.htm> Acesso em
22/abril/2005.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.
Vaticano.
Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/ccc/index_po.htm/> Acesso em 14/outubro/2004.
CHAMPION, Françoise. De la diversité des pluralismes religieux.
MOST Journal on Multic
ultural
Societies.
Vol, 1, nº 2, Disponível em: <http://www.unesco.org/most/vl1n2cha.htm>.
Acesso em 27/abril/2003.
CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO.
Vaticano.
Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/cdc/index_po.htm/> Acesso em 14/outubro/2004.
DELLA CAV
A, Ralph. The Church and the Abertura in Brazil, 1974
-
1985.
Kellog Institute for
International Studies.
Working Paper
#114
-
November 1988
. Disponível em:
<
http://www.nd.edu/~kellogg/WPS/114.pdf /> Acesso em 10/maio/2005.
DENNY, Ercílio A. Algumas reflexõe
s sobre a Veracidade I e II. In:
Ética e Política.
Disponível em
<http://www.hermes01.hpg.ig.com.br/> Acesso em 10/janeiro/2005.
GHIO,
José
-
María.
The Latin American Church in the Wojtyla s Era: New Evangelization or neo-
integralism ?
Kellog Institute for
International Studies
. Working Paper # 159
Maio
1991. Disponível em: <
http://www.nd.edu/~kellogg/WPS/159.pdf/> Acesso em
10/maio/2005.
LENOIR, Frédéric.
Controversie appasionate a proposito di sette.
Le Monde Diplomatique.
Tradução para o italiano de Al
essia Guidi.
Disponível em:
<http:alessiaguidi.provocation.net/altre/controversie.htm/> Acesso em
20/outubro/2002.
279
LEONIDIO, Adalmir. Utopias por um mundo melhor.
História Hoje. Revista Eletrônica de
História.
Volume 3, número 7, 2005. Disponível em:
<http
://www.anpuh.uepg.br/historia
-
hoje/vol3n7/adamir.htm/> Acesso em
23/fevereiro/2006.
LAPLANTINE, François. As três vozes do Imaginário.
Labi
-
Nime
. Disponível em:
<http://www.imaginario.com.br/artigo/a0001_a0030/a0028.shtml/> Acesso em
14/agosto/2002.
LAUREN
T, Bernard. Le catholicisme face au libéralisme: L affrontement de deux ideologies.
E. M.
Lyon
, Cahiers de Recherche
Working Papers nº 06, p. 01
-
25, julho 2004. Disponível
em: <http://www.em
-
lyon.com/> Acesso em 10/maio/2005.
MELLO, Gláucia Boratto Rodri
gues de. A marcha da humanidade segundo o imaginário dos
milenarismos brasileiros. Rio de Janeiro/RJ, 1999. Comunicação apresentada na
IX
Jornada sobre Alternativas Religiosas na América Latina
. 8 páginas. Disponível em:
<http://www.ifcs.ufrj.br/jornadas/>
Acesso em 03/dezembro/2003.
MUCCI, Giandomenico. San Luis Grignion de Montfort: Un maestro para nuestro tiempo.
Revista Humanitas.
Nº 23, julho/setembro 2001. Disponível em: <
http://humanitas.cl/biblioteca/articulos/d0083/> Acesso em 10/maio/2005.
______
San Luis María Grignion de Montfort (y II): La teoría Cristológico
-
Mariana.
Revista
Humanitas.
Nº 26, abril/maio 2002. Disponível em:
<http://humanitas.cl/new/biblioteca/articulos/d0136/index.htm> Acesso em
10/maio/2005.
PORZECANSKI, Teresa. Cambio y perma
nencia en el mito, el rito y la utopía.
México Volitivo
Revista Literária
.
Noviembre 2002. Disponible en:
<http://mexicovolitivo.com/2002/Noviembre/cambio.html> Acesso em 15/maio/2006.
RIBEIRO, Silvana Mota. Ser Eva e dever ser Maria: paradigmas do femin
ino no Cristianismo.
IV
Congresso Português de Sociologia.
Coimbra. Disponível em:
<http://www.aps.pt/ivcong
-
actas/Acta181.PDF> Acesso em 15/janeiro/2005.
SÁNCHEZ, Jesus Hortal.
Tradizione Famiglia Proprietà: religioni e politica nei tropici.
Religione e
s
ette nel mondo
.
Bologna
,
n. 18, dicembre 1998 (2000)
Apud:
Kelebekler
.
Disponível
em:<
http://www.kelebekler.com/cesnur/txt/tfp
-
it.htm/> Acesso em 04/outubro/2004.
SILVA, José Maria da. A Identidade no mundo das religiões. Análise desde um olhar localizado.
Rever
Revista de Estudos de Religião
. Nº 4, Ano 1, 2001. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/rever/rv4_2001> Acesso 03/dezembro/2003.
SÍNODO DOS BISPOS.
Messaggio Sínodo dei Vescovi
Roma, 28/10/1977.
Disponível em:
<http://www.chiesacattolica.it/pls/c
ci_new/edit_bancadati.apri_pagina?sezione=doc&ti
po_ente=uff&id_oggetto=8005> Acesso 18/outubro/2004.
280
A N EX OS
281
ANEXO I
EXPANSÃO DO PENSAMENTO PLINIANO
PELOS CINCO CONTINENTES
AMÉRICA
Argentina
Bolívia
Brasil
Canadá
Chile
Colômbi
a
Costa Rica
Equador
EUA
Paraguai
Peru
Uruguai
Venezuela
EUROPA
Alemanha
Áustria
Bélgica
Espanha
França
Itália
Lituânia
Polônia
Portugal
Reino Unido
ÁSIA
Filipinas
Índia
OCEANIA
Austrália
Nova Zelândia
ÁFRICA
África do Sul
282
ANEXO I
I
RELA ÇÃO DA S TFP s, BUREA UX DE REP
RESENTAÇÃO
E ENTIDADES AFINS*
Anexo II
I
Continente Americano
Anexo II
II
Continentes Europeu, Africano, Asiático e Oceania
* Mapeamento realizado pela autora da presente tese com base em informações dos sites
das TFPs, Revista
Catolicismo
e
obras publicadas pelos diversos grupos citados. Muitas das
informações carecem de dados relativos ao período de fundão e vigência institucional,
mas servem ao nosso objetivo de apresentar a expansão da TFP pelos cinco continentes.
283
ANEXO I
I
I
URUGUAI
Sociedad Uruguaya de Defensa de la Tradición, Família y Propriedad (1967)
Tradición y Acción por un Uruguay Auténtico Cristiano y Fuerte
CANADÁ
Jeunes Canadiens pour une Civilization Cherétienne + Young Canadians
for a Christian Civilization (1975)
Societé Canadienne pour la Défense de la Tradition de la Famille et de
la Proprieté (1983)
EUA
America Needs Fatima
(1985)
American Society for the Defense of Tradition, Family and Property (1974)
Bureau TFP d
e Arlington, Virgínia (1981)
Bureau TFP de Washington, DC
College Republicans
Cubanos Desterrados
Pró
-
America
Pró
-
Life and Pró
-
Family
Saint Louis de Montfort Academy
TFP Student Action
The Foundation for a Christian Civilization
PERU
Asociación Santo Tomás de Aquino
Bureau TFP (1982)
El P
erú necesita de Fátima
Grupo Univesitario Reconquista
Núcleo Peruano de Defensa de la Tradición, Família y Propriedad (1983)
Tradición y Acción por un Peru Mayor (1970)
EQUADOR
Comité de Jóvenes
Ecuatorianos Pro
-
Civilización Cristiana (1970)
Sociedad Ecuatoriana de Defensa de la Tradición, Família y Propriedad (1973)
ARGENTINA
Acción Familia
Cruzada Reparadora del Santo Rosário
Fundación Argentina Del Mañana
Grupo Crocciato
Reconquista y Defensa
Sociedad Argentina de Defensa de la Tradici
ón, Familia y Propiedad (1967)
Sociedad Civil Fátima, la gran esperanza
BRASIL
Ação pela Família
Agência Boa Imprensa
ABIM
Aliança de Fátima
Associação dos Fundadores da TFP (2004)
Curso São João Bosco
Frente Universitária Lepanto
Nascer é um Direito
O amanhã de nossos filhos
Pró Legítima Defesa / Pela Legítima Defesa
Revista Catolicismo (1951)
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Famíl
ia e
Propriedade (1960)
SOS Família
SOS Fazendeiro
Vinde Nossa Senhora de Fátima, não tardeis!
VENEZUELA
Associación Civil Resistencia (1979
)
Bureau TFP em Caracas (1982
-
1984)
Grupo Tradicionalista de Jóvenes Cristianos Venezuelanos (1968)
Sociedade Venezuelana de Defensa de la Tradición, Família e Propriedad
(1971
-
1984)
COLÔMBIA
Sociedad Colombiana de Defensa de la Tradición, Família y Propriedad (1971)
Grupo Tradicionalista de Jóvenes Cristianos Colombianos (1968)
Sociedad Colombiana Tradición y Acción
CHILE
Acción Família
Sociedad Chilena de Defensa de la Tradición, Família y Proprieda
d (1967)
BOLÍVIA
Jóvenes Bolivianos Pro
-
Civilización Cristiana (1974)
Sociedad Boliviana de Defensa de la Tradición, Família y Propriedad
COSTA RICA
Defensa de la Tradición Familia y Propriedad
-
Costa Rica
PARAGUAI
Socie
dad Paraguaya de Defensa de la Tradición, Família e Propiedad (1987)
284
ANEXO I
I
-
II
FRANÇA
Assistence Jeunesse (1976)
Association des Jeunes pour une Civilisation Chrétienne
Bureau de Répresentation TFP (1974)
Droit de Naître
École Saint Benoit (1977
-
1979)
Jeunes Françaises pour une Civilisation Chrétienne (1975
1977)
Avenir de la
Culture (1986)
La France a besoin de la Sainte Vierge
Lumières vers l Est
Sociètè Française pour la Défense de la Tradiction,
Famille et Proprieté (1977)
Á
USTRÁLIA
Australian Tradition, Family, Property Center (1982)
ÁFRICA DO SUL
Bureau TFP em Johannesburg (1980)
Young South Africans for a Christian Civilization (1984)
ÍNDIA
Bureau TFP (1992)
FILIPINAS
Asia Needs Fatima
Saint Thomas Aquinas Youth Association
NOVA ZELÂNDIA
Bureau TFP
POLÔNIA
Stowarzyszenie Kultury Chrzeseijanskiej Im. Ks. Piotra Skargi (1995)
LITUÂNIA
Krikscioniskosios Kulturos Gynimo Asociacija
ALEMANHA
Deu
tsche Vereinigung für eine Christliche Kultur
Deutshland brauch Mariens Hilfe
Kinder in Gefahr
SOS Leben
TFP Büro Deutschland (1982)
ÁUSTRIA
Aktion Österreich Braught Mariens Hilfe
Österreichische Gesellschaft zum Sc
hutz von Tradition, Familie und
Privateigentum
Österreichische Jugend C.G.D.R.
Tradition, Familie und Privateigentum
BÉLGICA
Bureau TFP
REINO UNIDO
Britain needs Fatima
Irish Society for Chris
tian Civilisation
Tradition, Family, Property
Bureau for the United Kingdom (1990)
PORTUGAL
Acção Família
Arautos d El Rei
Associação da Nobreza Histórica
Centro Cultural Reconquista
TFP Lusa (
1974)
ITÁLIA
Alleanza Cattolica (1968)
Associazione Tradizione Famiglia Proprietà
Centro Cultural Lepanto (1981)
Comitati di Difesa dell Ordin
e Familiare Naturale e Cristiano
Famiglia domani
Luci sull est
SOS Ragazzi
Ufficio Tradizione Famiglia Proprietà em Roma (1976)
Voglio Vivere
ESPANHA
Sociedad Cultural Covadonga
(1969
-
1983)
Sociedad Española de Defensa de la Tradición, Família e
Propriedad
Covadonga (1983)
Tradición y Acción
285
ANEXO I
II
- I
IMAGENS DE PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA E DA TFP
Cerimônia de "recebimento de capa", realizada no
Êremo
Praesto Sum
em São Paulo, em julho de 1995. Com a
ausência de Plínio Corrêa de Oliveira que já estava
bastante debilitado pela doença que o levaria a óbito em
outubro deste ano, João S. Clá Dias assumiu seu lugar
entregando as capas e recebendo oficialmente os novos
neófitos na TFP
Fonte: Sérgio Gomes
Campanha de denúncia pelo aumento das invasões
rurais e urbanas
(2003)
destaque para o estandarte
e o pos
icionamento dos membros em farpa (ponta
que penetra, invade e separa o grupo adversário)
Fonte: Revista Catolicismo, setembro de 2003, p. 31
Plínio Corrêa de Oliveira na década de 1930 e posteriormente, em traje de cerimônia da TFP
Fontes: Fonte:
www.tfp.org
e
o
bra Fátima, Aurora do Terceiro
Milênio, de João S. Clá Dias, p.133
286
ANEXO I
II
-
II
Eremitas dos
Êremos São Bento
e
Praesto Sum
(1982)
Fonte: Capa da obra
Guerreiros da Virgem
A réplica da
au
tenticidade: A TFP sem segredos, de Plínio Corrêa de Oliveira
Desfile da TFP por ocasião do V Centenário da Descoberta da
América (1992)
Fonte: Revista Catolicismo, outubro de 1996, p. 36
Leão símbolo da
Sociedade Brasileira de Defesa
da Tradição, Família e Propriedade (
TFP
)
Fonte: Edição Peruana de Revolución y Contra
-
Revolución de Plínio Corrêa de Oliveira, 2005
Leão símb
olo da
A
ssociação dos Fundadores da
TFP (AF
TF
P)
Fonte:
www.fundadores.org.br
287
ANEXO I
V
FONTE: SANTOS, Armando Alexandre dos.
O Brasil Império nas páginas de um velho
Almanaque Alemão.
São Paulo: ARTPRESS, 1992. p. 77.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo