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falou para eu colocar mangueirinhas fininhas para artéria. A professora ficou boba! Os
meninos queriam entrar no “meu grupo” (Falando ironicamente). Também não deixei!
Fiz sozinho porque não me deixaram participar com eles! A professora tinha
estipulado 10 pontos, me deu os 10 e mais 5, por ter feito sozinho, com dedicação e
qualidade. Em toda sala eu era mais sozinho. Nunca tive amigo na escola, nenhum que
quisesse estar comigo. Hoje em dia mesmo, tem muitas coisas que quero conversar,
não tenho ninguém. Tenho meus pais, mas tem coisas que quero conversar com outras
pessoas e não tenho essas pessoas. Meus irmãos sempre tiveram vergonha de mim.
Tomei muito “coro” por querer ter amigos, só me ajudou a ficar ainda “mais pra
baixo”! Perto de casa, tem muita má companhia, mexem com coisa que não pode.
Também, não bebo, os outros só querem isso! Não tenho paciência, não saio com
gente assim, fico na minha mesmo. [...] Hoje eu me aceito melhor (Sujeito da pesquisa
II).
As minhas experiências escolares foram as piores possíveis! Nossa! Muito ruins
mesmo, gosto nem de lembrar! Passei por momentos de muita introversão,
principalmente no ensino fundamental. As professoras tentavam me fazer sentir bem,
era pior, tentavam me incluir nas brincadeiras e chamava a atenção, eu não gostava,
sentia-me constrangida. (Hesitação) Hoje sei que faziam isso para o meu bem, mas
nossa! Era muito ruim, minha auto-estima vivia lá embaixo! As meninas gostavam de
mim, escondia a minha mão e estava tudo bem. Quando descobriam a minha mão, que
ela é assim, nossa! Elas se afastavam, ficavam de cochicho. Até hoje quando saio na
rua, preciso me preparar para os olhares e para as perguntas indiscretas. Muita gente
nem me conhece, quer saber de tudo, mas isso eu entendo. Se gostam de mim bem, se
não gostam, já tenho resposta: eu não me importo com essas pessoas mais. Antes só
usava blusa de frio para esconder, podia estar o calor que tivesse! O pé foi sempre
mais fácil esconder, só uso tênis. Então, até hoje, colegas de infância quando me
encontram perguntam se eu sofri algum acidente, se aconteceu alguma coisa com a
minha mão, porque eu sempre escondia, muitos nem sabiam como era a minha mão!
Hoje não escondo mais. Tenho uma vida normal. Mas demorei a aceitar e ficava muito
ruim, principalmente quando as pessoas falavam naquele sentido: “poxa, uma menina
tão linda nascer assim?” Me passava um sentimento de pena e de dó. Era horrível!
(Sujeito da pesquisa III).
Durante a realização da pesquisa observou-se também a existência da visão espiritual da
deficiência, por parte de alguns informantes (grupo
b
), manifestando-se, principalmente, sob
forma de crenças e de ações de caridade. Compreendendo que são inúmeros os fatores que
colaboram para o estabelecimento da relação da pessoa com o próprio corpo, ressalta-se que as
realidades destacadas foram percebidas a partir dos sujeitos desta pesquisa, não sendo, de
forma alguma, regra para os demais casos.
Em relação à concepção das prescrições para um dado tipo de trabalho, Leplat e Hoc
(1998, p. 169) destacam que “toda descrição implica certo modelo de sujeito”. Em virtude
dessa premissa, sobre as experiências e os saberes exigidos quando da contratação dos
empregados com deficiência, observou-se que a empresa foi menos rigorosa do que se fosse
contratar pessoas sem as deficiências incluídas na Lei nº. 8.213/1991. Como a empresa
contratou os empregados com deficiência mais ou menos na mesma ocasião, como mostra a
Tabela 3, inclusive na mesma época em que o Ministério do Trabalho e Emprego passou a
aplicar as multas gradativas às empresas que não cumpriam a legislação, teve que selecionar