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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
POLÍTICA
Ginez Leopoldo Rodrigues de Campos
TRABALHO PRECÁRIO, TERCEIRIZAÇÃO E
COOPERATIVAS DE TRABALHO:
QUANDO “ESTAR JUNTOS” SE TORNA UMA FORMA
COLETIVA E PRECÁRIA DE INCLUSÃO SOCIAL
Florianópolis - SC
2009
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Ginez Leopoldo Rodrigues de Campos
TRABALHO PRECÁRIO, TERCEIRIZAÇÃO E
COOPERATIVAS DE TRABALHO:
QUANDO “ESTAR JUNTOS” SE TORNA UMA FORMA
COLETIVA E PRECÁRIA DE INCLUSÃO SOCIAL
Tese apresentada à Universidade Federal de
Santa Catarina como parte dos requisitos
para a obtenção do título de Doutor em
Sociologia Política.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Ponte de
Sousa
Florianópolis - SC
2009
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Ginez Leopoldo Rodrigues de Campos
TRABALHO PRECÁRIO, TERCEIRIZAÇÃO E
COOPERATIVAS DE TRABALHO:
QUANDO “ESTAR JUNTOS” SE TORNA UMA FORMA
COLETIVA E PRECÁRIA DE INCLUSÃO SOCIAL
Esta tese foi julgada e aprovada para obtenção do
título de Doutor em Sociologia Política no Programa
de Pós-Graduação em Sociologia Política da
Universidade Federal de Santa Catarina.
________________________________________
Profº Drº Fernando Ponte de Souza
Orientador
________________________________________
Profª Drª Ligia Helena Hahn Luchmann
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política
Banca Examinadora
___________________________________
Profª Drª Ligia Helena Hahn Luchmann
Presidente da Banca Examinadora
__________________________________
Profº Drº Ary Cesar Minella
__________________________________
Profª Drª Maria Soledad Etcheverry Orchard
__________________________________
Profª Drª Nise Jinkings
__________________________________
Profº Drº Guillermo Johnson
Dedico esta tese de doutorado a Deus, em que creio,
a quem amo e sirvo, Jesus Cristo, pois Ele, por meio
desta tese, tratou o meu orgulho e a minha soberba
para que eu aprendesse, definitivamente, a
reconhecer que não sou nada e nada conquistarei
sem a sua graça, amor e misericórdia.
AGRADECIMENTOS
Esta tese de doutorado não só exigiu de mim muito esforço e sacrifício, como responsável
direto por elaborá-la, mas também envolveu muitas outras pessoas na condição de
coparticipantes indiretos dessa empreitada vitoriosa. Elas foram decisivas para que eu, mais
uma vez, conquistasse os meus sonhos. Pude, assim, partilhar da ajuda e do apoio de pessoais
muito especiais, pelo seu amor, suas palavras de ânimo, quando eu estava abatido e quase
desistindo; pelas suas orações intercessoras, que moveram o poder sobrenatural de Deus a
meu favor; pelas lágrimas derramadas e compartilhadas em muitos momentos de angústia e
sofrimento.
Portanto, esta tese de doutorado é resultado de um esforço coletivo e cooperativo envolvendo
ações, emoções e, antes de tudo, as orações destas pessoas que muito contribuíram para que
eu superasse todas as dificuldades inerentes ao desafio de chegar ao fim de um trabalho
acadêmico que nos exige tanto, pois se, de um lado, uma tese pode nos proporcionar muitos
ganhos, do outro, nos conduz a experimentar muitas perdas.
A este apoio que recebi quero agora oferecer o meu agradecimento e minha eterna gratidão.
Ao meu pai Salvador Durand (in memoriam), que me ensinou o valor e a importância de levar
a sério os estudos; ao meu padrasto Gilvan, sempre atencioso e gentil; à minha mãe Florize,
parceira amiga dos meus sonhos e sempre presente nos momentos mais difíceis da minha
vida; aos meus irmãos Mahêva e Junior, que, embora distantes do meu convívio cotidiano,
sempre compartilharam das minhas conquistas; a toda família Lovison, em especial ao meu
sogro Alcides e à minha sogra Maria, pelas palavras de apoio e pelas orações intercessoras.
Por fim, quero agradecer e, ao mesmo tempo, pedir perdão a minha amada esposa Sára e ao
meu filho Natan Ismael, que foram as pessoas que eu mais penalizei em razão do desafio de
terminar esta tese. As muitas palavras proféticas de apoio e as orações de súplicas por eles
proferidas ao meu favor foram atitudes que jamais poderei retribuir e compensar diante dos
muitos momentos em que estivemos separados, mesmo que isso significasse estar em casa, no
meu escritório, completamente isolado e a tão poucos metros de distância deles.
Quero agradecer nominalmente a outras pessoas que também foram importantes apoiadores
deste meu desafio intelectual. A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina, em especial, àqueles com
quem tive a oportunidade de conviver um pouco mais em razão das disciplinas cursadas. Um
agradecimento especial também ao meu estimado orientador, Profº Fernando Ponte de Sousa,
por sua paciência e sensibilidade em relação a todas as situações atípicas que fizeram parte
desta nossa relação orientando-orientador. Agradeço também carinhosamente à secretária
Albertina Volkmann, pelo seu apoio e estimada gentileza em atender as minhas constantes
solicitações.
Por fim, a todos aqueles que, embora não tenham aqui sido aqui nominados, contribuíram e
colaboraram direta ou indiretamente para que eu pudesse chegar ao fim desta jornada
superando mais um grande desafio em minha vida. Os meus agradecimentos, o meu carinho,
respeito e a minha eterna gratidão.
RESUMO
Um dos resultados mais evidentes dessa nova dinâmica produtiva ensejada pelas mudanças
organizacionais e tecnológicas impostas pela globalização da economia mundial tem sido a
desestruturação do mercado de trabalho, sobretudo daquele baseado no emprego subordinado
e no trabalho assalariado, uma vez que tanto o desemprego estrutural, de um lado,
aprofundado pela atual crise econômica mundial, como as pressões políticas para a
flexibilização da legislação trabalhista, do outro, tendem a ampliar cada vez mais o número de
trabalhadores que estarão expostos à insegurança e à precariedade de emprego e de salário. É
nesse contexto que a proposta cooperativista tem surgido, mais uma vez, como uma solução
alternativa para o problema do desemprego e como proposta de superação da velha e histórica
relação entre capital e trabalho e da exploração que dela decorre. O trabalhador associado e o
trabalho associativo surgem agora como um dos elementos constitutivos de um discurso que
preconiza a geração de emprego e renda por meio da flexibilização e da desregulamentação
dos direitos trabalhistas. Entre os processos atuais de mudanças no mundo do trabalho que se
almeja se consolidar, sem os empecilhos jurídicos de uma legislação trabalhista vista como
ultrapassada por muitos, destaca-se o fenômeno crescente da prática da terceirização da força
de trabalho por meio das cooperativas de trabalho. De acordo com o nosso estudo sociológico,
uma das dimensões da atual precariedade nas relações de trabalho no Brasil é justamente o
aumento quantitativo do número dessas cooperativas, cujo objetivo, em muitos casos, se
efetua segundo duas motivações principais: a) o barateamento dos custos com a força de
trabalho obtida, em razão da inexistência de vínculo empregatício e da não obrigatoriedade do
pagamento dos encargos sociais e trabalhistas; b) a flexibilidade do trabalho, que permite
constituir uma força de trabalho flexível e adequada às flutuações cíclicas da atual economia
nacional e mundial. Assim, a prática da terceirização por meio das cooperativas de trabalho
pode estar transformando milhares de trabalhadores associados em reféns dessas “novas”
propostas coletivas de inclusão social, caracterizadas pela flexibilidade, vulnerabilidade e
precariedade social.
Palavras-chave: Economia global. Reestruturação produtiva. Terceirização. Flexibilização.
Cooperativas de trabalho. Trabalho precário.
ABSTRACT
One of the most evident results in the new productive dynamics, presented by organizational
and technological changes imposed by the world economy globalization has been the
disassembling of work market, mainly of that based upon subordinate employment and
employed work, since both structural unemployment, more significantly serious due to world
economical crisis, and political pressure to make flexible the working law, tend to enlarge
more and more the number of employees exposed to insecurity and precariousness of
employment and salary. Under this context, the cooperative proposal has been arising, once
again, as an alternative solution for the unemployment problem and as a proposal to
overwhelm the old historical relation between capital and work along with the exploration
originated from it. Associated worker and associative work arise as one of constitutive
elements of a speech which seeks the generation of employment and income through flexible
working rights and its unruliness. Among current processes of changes in the working world
in which the aim is to consolidate with no legal obstacles of the working law, seen as outdated
by many people, it is pointed out the increasing phenomenon of mediating working force
through cooperatives. According to our sociological study, one of the dimensions of current
precariousness in working relations in Brazil is the quantitative increase in number of these
cooperatives, whose objective, in many cases, is done according to two main motivations,
namely: a) cost reduction with the obtained working force, due to the inexistence of an
employment link and the non-obligation of paying social and working taxes; b) make work
flexible, which enables the constitution of a flexible working force and adequate to cyclic
fluctuation of current world and national economy. Thus, the mediation practice through work
cooperatives may be transforming millions of associated workers into hostages of these “new”
collective proposals for social inclusion, characterized by flexibility, vulnerability and social
precariousness.
Key words: Global economy. Productive re-structuration. Mediation. Flexibility. Working
cooperatives. Precarious work.
LISTA DE SIGLAS
ACI - Aliança Cooperativa Internacional
CEDOPE – Centro de Documentação e Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos)
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DENACOOP - Departamento Nacional de Cooperativismo e Associativismo Rural
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
FAT - Fundo de Amparo do Trabalhador
FATES - Fundo de Assistência Técnica Educacional e Social
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV - Fundação Getúlio Vargas
FETRABALHO/RS - Federação das Cooperativas de Trabalho do Estado do Rio Grande do
Sul
FRENCOOP - Frente Parlamentar de Apoio ao Cooperativismo
MPT - Ministério Público do Trabalho
OCB – Organização das Cooperativas do Brasil
OCERGS - Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul
OIT - Organização Internacional do Trabalho
PGT - Procuradoria Geral do Trabalho
PROGER - Programa de Geração de Emprego e Renda
PRONACOOP - Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho
SDS - Social Democracia Sindical
TST - Tribunal Superior do Trabalho
SESCOOP - Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo
UNIODONTO - Sociedade Cooperativa de Serviços Odontológicos
UNIMED - Confederação Nacional das Cooperativas Médicas do Brasil
UNITRABALHO - Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................10
1 A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA:
O TRABALHO PRECARIZADO NO ATUAL CAPITALISMO GLOBALIZADO....21
1.1 A mundialização do capital e seus efeitos sobre o mundo do trabalho...........................21
1.2 A nova ofensiva do capital no processo produtivo e a “nova” precariedade do trabalho32
2 TECNOLOGIA, MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS E AS RELAÇÕES DE
TRABALHO CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS E DESAFIOS IMPOSTOS
À CLASSE TRABALHADORA ...................................................................................40
2.1 Mudanças organizacionais e tecnológicas e seus impactos para as relações e
trabalho contemporâneas................................................................................................40
2.2 Perspectivas e desafios para a classe trabalhadora..........................................................46
3 O COOPERATIVISMO DE TRABALHO NO CONTEXTO DAS RECENTES
TRANSFORMAÇÕES PRODUTIVAS E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
CONTEMPORÂNEAS ...................................................................................................52
3.1 O pensamento cooperativista moderno: contextualização histórica, princípios
doutrinários e precursores do cooperativismo................................................................53
3.2 Cooperativas de trabalho: origem, pensadores e experiências práticas...........................57
3.3 Conceituação e classificação tipológica do cooperativismo brasileiro: entendendo a
diversidade e a especificidade das cooperativas de trabalho no Brasil ..........................63
3. 4 O cooperativismo de trabalho no Brasil ..........................................................................74
4 TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHADORES PRECÁRIOS: O MITO DA
FLEXIBILIDADE PRODUTIVA E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
HUMANO ......................................................................................................................82
4.1 Trabalhadores precarizados pela terceirização do processo produtivo ...........................83
4.2 A terceirização e as cooperativas de trabalho: uma análise crítica sobre a
flexibilização dos direitos trabalhistas.............................................................................94
5 AS COOPERATIVAS DE TRABALHO INSERIDAS NA LÓGICA DA
(RE)PRODUÇÃO SOCIAL DA INCLUSÃO PRECÁRIA .........................................111
5.1 As cooperativas de trabalho fraudulentas no marco da Recomendação 193 da OIT
e do Projeto de Lei 7.009/2006......................................................................................112
5.2 A flexibilização trabalhista “flexibilizando” o funcionamento das cooperativas de
trabalho.........................................................................................................................118
5.3 Algumas reflexões sobre questão da exclusão social no atual capitalismo globalizado121
5.4 A inclusão precária na “nova” desigualdade social contemporânea .............................128
5.5 Breve caracterização socioeconômica da Região da Produção / RS.............................139
5.6 Estudo comparativo multicaso das cooperativas de trabalho da Região da Produção:
a metodologia e as etapas da pesquisa de campo .........................................................141
5.7 “Quando estar juntos” se torna uma forma coletiva e precária de inclusão social:
os resultados da pesquisa...............................................................................................143
CONCLUSÃO........................................................................................................................173
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................184
APÊNDICES ..........................................................................................................................193
10
INTRODUÇÃO
Uma das temáticas que se destacam atualmente na produção de pesquisas na área das
relações de trabalho e das novas tecnologias diz respeito ao futuro da sociedade do trabalho
diante da atual reestruturação produtiva da economia mundial. As novas tecnologias digitais e
os novos métodos de gestão organizacional, associados a uma demanda cada vez mais
decrescente de força de trabalho, e as mudanças na estrutura ocupacional do emprego são
temas atuais merecedores de profunda reflexão e análise, principalmente para aqueles
interessados em buscar respostas e apontar caminhos para os desafios que se impõem para o
atual mundo do traballho.
Tais desafios apontam para um cenário de inúmeras transformações, dentre as quais a
rápida mudança do mercado de trabalho tradicional para um “novo” mercado de trabalho,
mais flexível e volátil, em conformidade com a atual dinâmica da economia global. Essa
transição do “velho” (tradicional) para um “novo” mercado de trabalho é decorrente da atual
crise estrutural por que passa o capitalismo contemporâneo no limiar do século XXI. Em
síntese, os estudos sobre o trabalho e suas atuais mutações constituem-se num tema que tem
atraído os esforços de investigação de muitos economistas e cientistas sociais, sobretudo
considerando as atuais ameaças para a classe trabalhadora.
A problemática do desemprego estrutural, a precarização das condições de trabalho, a
flexibilização do processo produtivo, acompanhado da possibilidade da desregulamentação
dos direitos trabalhistas, constituem o pano de fundo do cotidiano social de milhões de
trabalhadores precarizados que vivenciam o terrível sentimento da insegurança no emprego e,
por conta deste sentimento, submetem-se a condições de trabalho cada vez mais marcadas
pela intensificação do processo de exploração do trabalho humano.
No enfrentamento desses desafios e incertezas a prática da cooperação tem surgido,
mais uma vez, como solução alternativa para o problema do desemprego e como proposta de
superação da velha e histórica relação entre capital e o trabalho e da exploração que dela
decorre. O trabalhador associado e o trabalho associativo surgem agora como um dos
elementos constituivos de um discurso que preconiza e defende a necessidade urgente de uma
“modernização nas relações de trabalho”. Nesse contexto discursivo, a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), em razão da sua rigidez e do conservadorismo para os dias atuais, é vista
como “jurássica”, necessitando, portanto, de uma mudança e atualização.
11
Entre os processos atuais de mudanças no mundo do trabalho, que visa se consolidar
sem os empecilhos jurídicos de uma legislação trabalhista ultrapassada, destaca-se o
fenômeno crescente da prática de terceirização da força de trabalho por meio das cooperativas
de trabalho. Esta, a nosso ver, tem se constituído numa forma coletiva de inclusão social de
muitos trabalhadores num mercado de trabalho cada vez mais caracterizado pela
vulnerabilidade, pela insegurança, pela precariedade e por baixos salários.
Dessa forma, uma questão importante a se destacar em relação ao nosso estudo
sociológico é o fato de poder contribuir para a expansão quantitativa e qualitativa no campo
das pesquisas na área da reestruturação e flexibilização produtiva, mudanças organizacionais
e processos e relações de trabalho, na medida em que a terceirização se constitui atualmente
numa das mais importantes estratégias de administração adotadas pelas empresas na busca de
uma maior competitividade global. Assim, acreditamos que este estudo acadêmico poderá
beneficiar em muito a classe trabalhadora, na medida em que o tema da terceirização via
cooperativas de trabalho poderá fazer parte das discussões políticas que envolvem grupos
importantes de organizações representativas dos interesses dos trabalhadores, tais como os
sindicatos e os setores da economia popular, responsáveis, em certa medida, pelo estímulo às
iniciativas associativistas de caráter autogestionário.
Nesse sentido, este trabalho se revela cientificamente importante porque possibilita
abordar sociologicamente os processos de trabalho contemporâneos, caracterizados pela
exploração e pela precariedade do trabalho. No contexto atual da reestruturação produtiva, é
necessário compreender essas relações de trabalho precárias como uma forma de ampliar cada
vez mais a lucratividade dos empresários capitalistas, ao mesmo tempo em que enfraquecem a
coesão coletiva dos trabalhadores.
Portanto, é nesse contexto de reflexões situadas que se fundamenta a problematização
da nossa tese de doutorado, a qual se orienta por três questões investigativas: 1) As iniciativas
contemporâneas de trabalho associativo, como, por exemplo, as cooperativas de trabalho, no
contexto do processo de reestruturação produtiva, poderão se constituir de fato numa
solução viável para o problema do desemprego estrutural? 2) O trabalho associativo poderá
ser tornar uma estratégia alternativa e inovadora de geração de emprego e renda para os
trabalhadores como preconizam muitos dos seus defensores, entre eles a OIT? 3) O
trabalhador associado não estaria correndo sério risco de se tornar refém de uma relação de
12
trabalho cuja forma coletiva de sociabilidade do trabalho humano é caracterizada pela
flexibilidade e pela precariedade?
Ao propormos um estudo crítico sobre as práticas de terceirização por meio das
cooperativas de trabalho, desejamos que assuma não apenas o papel de investigação científica
que vise à cooperação institucional entre o mundo acadêmico e o mundo do trabalho, mas
também de denúncia política, uma vez que algumas dessas experiências associativistas podem
se tornar formas coletivas de inclusão social, caracterizadas pela precarização e pela
exploração do trabalho humano. E talvez seja este um importante aspecto motivacional que
me conduz a acreditar que é possivel, por meio da pesquisa sociológica, construir um espaço
de intersecção madura entre a militância política e a pesquisa científica.
Em resumo, o caráter de denúncia deste trabalho acadêmico visa esclarecer e dar
visibilidade crítica ao possível uso instrumental das cooperativas de trabalho por meio dos
contratos de terceirização, que, por sua vez, podem reforçar a lógica de uma inclusão social
precária, instável e marginal de milhares de trabalhadores. Portanto, é necessário criar
formulações discursivas, bem como estratégias políticas de resistência diante do atual
discurso da “modernização das relações de trabalho”, que, na ótica de muitos gestores
públicos e empresariais, passa necessariamente pela flexibilização e pela desregulamentação
dos direitos trabalhistas.
Dessa forma, o objetivo geral do nosso estudo consiste em analisar o papel a ser
desempenhado pelas cooperativas de trabalho no contexto das mudanças econômicas,
tecnológicas, organizacionais e jurídicas que se processam atualmente no mundo do trabalho,
observando se se constituem de fato numa alternativa inovadora, autônoma e coletiva para os
trabalhadores em termos de geração de emprego e renda, como defendem alguns ideólogos do
cooperativismo, ou se estão se tornando uma nova forma coletiva de exploração e
precarização da classe trabalhadora, por meio da prática da terceirização da força de trabalho.
No que concerne aos objetivos específicos, destacamos quatro, os quais se encontram
interligados, a saber: 1) delinear o processo de constituição formal dessas cooperativas de
trabalho, com base nos contratos de terceirização da força de trabalho observando os fatores
determinantes de sua formação; 2) identificar como os trabalhadores cooperativados
percebem a terceirização, bem como sua atuação dentro da cooperativa, e como veem as
mudanças atuais nas formas de organização do trabalho; 3) avaliar a percepção de outros
grupos sociais, como, por exemplo, os setores ligados à economia popular e os sindicatos,
13
cujo posicionamento tem sido contrário à terceirização da força de trabalho por meio das
cooperativas de trabalho; 4) identificar e analisar as contradições da proposta da terceirização
cooperativista no contexto de uma possível precarização das condições de trabalho e da
flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas.
Em termos metodológicos, nosso estudo fundamentou-se em uma pesquisa qualitativa
baseada, inicialmente, num estudo comparativo (exploratório-descritivo) multicaso de caráter
histórico-organizacional
1
, realizado junto a várias cooperativas de trabalho da chamada
Região da Produção do estado do Rio Grande do Sul
2
. O enfoque histórico-estrutural do nosso
estudo permitiu, em certa medida, destacar os elementos que explicam o fenômeno social da
expansão quantitativa de cooperativas de trabalho na região considerada, bem como suas
implicações sociais e políticas para um conjunto significativo de trabalhadores, que
encontram nessas organizações associativas a única forma de sobrevivência econômica diante
do desemprego.
Em relação ao critério metodológico de escolha da área geográfica onde realizamos a
pesquisa de campo, esteve alicerçado no fato de que a região escolhida possui um modelo de
desenvolvimento regional
3
vulnerável às oscilações do mercado nacional e internacional de
commodities agrícolas. Essa vulnerabilidade cíclica da economia agrícola regional tem
contribuído para a estagnação de um conjunto importante de municípios, cujo setor
empresarial, ligado principalmente ao setor da agroindústria de grãos e ao setor metal-
1
De acordo com Bogdan um estudo comparativo multicaso de caráter histórico-organizacional é uma forma de
pesquisa qualitativa na qual o interesse do pesquisador recai sobre a vida de duas ou mais organizações.
Neste caso, “o pesquisador deve partir do conhecimento que existe sobre a organização que deseja
examinar”. (TRIVIÑOS, 1987, p. 134).
2
A chamada “Região da Produção” situa-se no norte do estado do Rio Grande do Sul, tendo a cidade de Passo
Fundo como seu polo regional mais importante. As cooperativas de trabalho do nosso estudo em particular
foram escolhidas por fazerem parte desta região, que é predominantemente agroindustrial, ou seja, uma
região tradicional na produção de grãos (soja, milho, trigo, cevada e outros produtos primários) e, mais
recentemente na produção de leite e biodiesel. A região caracteriza-se por uma histórica participação do
sistema cooperativista no processo produtivo regional, principalmente pelo importante e estratégico papel das
cooperativas agropecuárias.
3
Os estudos econômicos mais recentes elaborados por pesquisadores da Universidade de Passo Fundo (UPF)
dão conta desse processo de desaceleração do crescimento econômico regional nas últimas décadas,
principalmente em razão da queda dos preços internacionais da soja, bem como do papel periférico assumido
pelo setor tritícola uma vez que com o advento do Mercosul o setor tritícola foi paulatinamente perdendo sua
importância em virtude da substituição da produção nacional pelo consumo do trigo argentino. Embora
outras atividades ligadas ao setor do agronegócio tenham se desenvolvido na região mais recentemente, como
é o caso do setor avícola, leiteiro e biodiesel, essas mesmas também vêm sofrendo forte influência das
oscilações dos mercados internacionais. Um outro importante setor da economia regional, que é o metal-
mecânico, ligado à produção de equipamentos e implementos agrícolas, também tem sido severamente
afetado por estas crises cíclicas. Esse quadro conjuntural marcado pela volatilidade dos mercados agrícolas
internacionais acaba contribuindo também para a queda da arrecadação tributária dos municípios desta região
específica, comprometendo a continuidade do crescimento econômico e o seu desenvolvimento regional.
14
mecânico, tem buscado alternativas de adequação das suas organizações empresariais a essas
conjunturas econômicas cíclicas de recessão.
Um dos recursos utilizados pelos empresários dessa região tem sido a adoção da
prática da terceirização da força de trabalho, cujo objetivo principal é constituir uma mão-de-
obra volátil e funcional a esses momentos de crise cíclica. Tal prática permite contratar e
demitir trabalhadores conforme as oscilações sazonais do mercado agrícola interno e,
também, de acordo com o comportamento do mercado internacional de commodities, uma vez
que uma parte importante da produção agropecuária regional depende das demandas voláteis
do comércio agrícola mundial. Portanto, a flexibilidade possibilitada pela prática da
terceirização da força de trabalho tem por objetivo, nesses casos, reduzir os custos das
empresas no que concerne à contratação e à demissão de trabalhadores diante dessas
oscilações cíclicas do mercado agrícola interno e externo.
O poder público municipal, por sua vez, também tem recorrido a essa estratégia, pois a
redução da receita tributária, consequência desses momentos conjunturais de recessão
econômica regional, e as novas exigências jurídico-institucionais impostas aos municípios
pela Lei de Responsabilidade Fiscal têm conduzido a gestão municipal a recorrer à prática da
terceirização dos serviços públicos com vistas a adequar os gastos com pessoal às novas
determinações jurídico-legais e às crises conjunturais da região.
Em relação à escolha do segmento cooperativista de trabalho, deu-se baseada nas
recentes mudanças organizacionais, bem como nas transformações das relações de trabalho
que vêm ocorrendo na atualidade e que têm significado o crescente uso da prática
organizacional de se contratar trabalhadores cooperativados de forma terceirizada. Esta tem
sido, conforme foi constatado em nossa pesquisa, a principal estratégia organizacional
adotada por parte do setor privado e do setor público para adequar suas estratégias de
gerenciamento organizacional às oscilações cíclicas que caracterizam a economia da região
considerada.
Portanto, no bojo dos discursos da austeridade fiscal e dos custos competitivos dos
programas de qualidade, adotados pelas empresas privadas e pelo setor público da região
estudada, o que observamos, na realidade, é que as cooperativas de trabalho, em muitas
situações, podem estar sendo utilizadas pelo setor empresarial, e também pelo poder público
municipal, como um mecanismo unicamente de redução de custos com a mão-de-obra,
contribuindo, assim, para a flexibilização e precarização das condições de trabalho. Tal fato,
15
em certa medida, foi um dos motivos que justificaram o nosso interesse em investigar essa
problemática, que envolve a proliferação de inúmeras cooperativas de trabalho na Região da
Produção, por meio da prática da terceirização da força de trabalho.
No que tange aos métodos e técnicas de pesquisa social utilizadas em nosso estudo
investigativo, destacamos que, num primeiro momento, foi efetuada uma pesquisa
bibliográfica e documental em livros, revistas, boletins, teses, artigos científicos, jornais,
documentos oficiais, relatórios de pesquisa e registros estatísticos, obtidos em bibliotecas
especializadas (FGV, Unitrabalho, CUT, Dieese e banco de dados das diversas universidades
federais do país, etc.) referentes ao tema da reestruturação produtiva e dos novos processos e
relações de trabalho, bem como sobre as organizações associativas contemporâneas, entre as
quais se destacam, de forma específica, as organizações cooperativas de trabalho.
Em relação ao cooperativismo de trabalho, os dados secundários relativos a este
segmento cooperativista foram coletados junto à Organização das Cooperativas do Brasil
(OCB), ao Sindicato e Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul (Ocergs), à
Federação das Cooperativas de Trabalho do Rio Grande do Sul (Fetrabalho), ao
Departamento Nacional de Cooperativismo do Ministério da Agricultura (Denacoop) e ao
Centro de Documentação e Pesquisa (Cedope) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos), que possui uma biblioteca especializada, com um dos mais extensos e completos
acervos sobre cooperativismo no Brasil.
A pesquisa documental, por sua vez, utilizou-se basicamente de documentos das
próprias cooperativas pesquisadas, tais como a ata de constituição da entidade e algumas atas
das assembleias gerais. Todas essas informações documentais foram fundamentais para a
análise dos fatores explicativos da constituição formal dessas cooperativas de trabalho, pois o
conteúdo desses documentos continha muitos elementos discursivos importantes, que
explicavam não apenas as razões motivacionais, mas também as condições objetivas que
justificavam o surgimento dessas cooperativas de trabalho.
O trabalho de campo para a coleta de dados primários compreendeu a observação
direta da organização do processo de trabalho e das condições de trabalho que envolviam os
cooperados, de um lado, e a cooperativa, do outro, o que nos permitiu o delineamento das
condições reais que conduziram à formação e constituição dessas cooperativas de trabalho.
Nesse sentido, além das visitas investigativas a essas cooperativas, com o objetivo de
proceder a uma análise descritiva das condições de trabalho oferecidas por essas organizações
16
associativas, aplicamos dois questionários específicos: um que nos serviu de base para
caracterizar, em termos organizacionais e jurídicos, a situação legal dessas cooperativas; outro
que serviu de parâmetro para caracterizar a situação social dos cooperados. (Apêndices 5 e 6).
De forma complementar, foram realizadas várias entrevistas pessoais elaboradas de
forma semiestruturada, não diretiva,
4
aplicadas segundo um conjunto de perguntas abertas que
permitiu aos entrevistados a liberdade e espontaneidade necessária para esboçarem as suas
respostas. (Apêndices 1, 2, 3 e 4). A seleção dos entrevistados ocorreu de forma intencional,
uma vez que o interesse foi confrontar as opiniões dos diferentes segmentos envolvidos na
temática em questão, no caso, os próprios trabalhadores cooperativados, além de dirigentes
das cooperativas e dos sindicatos, advogados trabalhistas e o próprio governo, por meio dos
procuradores e juízes vinculados ao Ministério Público do Trabalho.
A finalidade das entrevistas foi justamente identificar como esses diversos atores
compreendem a proposta de terceirização da força de trabalho, na medida em que o sistema
cooperativo de trabalho conduz à passagem de uma situação de trabalhador amparado pela
legislação trabalhista tradicional a uma nova relação em que este passa, agora, a ser
coproprietário da empresa em que é também um trabalhador, porém sem os direitos de
proteção social que a lei lhe garantia na condição anterior. Em resumo, por meio dessa técnica
de investigação social, procuramos obter um conjunto significativo de informações a respeito
dos conteúdos discursivos presentes na linguagem verbal dos diversos atores envolvidos e, de
forma específica, dos trabalhadores associados e de suas expectativas em torno da proposta da
terceirização cooperativada.
Quanto à análise e interpretação dos dados e informações obtidos na pesquisa de
campo, por meio dos questionários e das entrevistas, adotamos a técnica da análise do
discurso
5
, tal como proposta em Orlandi (2003) e Mutti e Caregnato (2006), a qual teve como
elemento central a linguagem, pois “a linguagem é estudada não apenas enquanto forma
4
De acordo com Richardson (1999, p. 210), “a entrevista não diretiva permite ao entrevistado desenvolver suas
opiniões e informações da maneira que ele estimar conviniente. O entrevistador desempenha apenas funções
de orientação e estimulação”. Tomamos com referência também deste método da entrevista não diretiva o
procedimento analítico proposto por Michelat (1982).
5
Com base nas formulações teóricas de Michel Pêcheux sobre a análise do discurso (AD) Mutti e Caregnato
(2006, p. 680-681) afirmam que “[...] o corpus da AD é constítuído pela seguinte formulação: ideologia +
história + linguagem. A ideologia é entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um
discurso, sendo o processo de constituição do imaginário que está no inconsciente, ou seja, o sistema de
ideias que constitui a representação; a história representa o contexto sócio histórico e a linguagem é a
materialidade do texto gerando ‘pistas’ do sentido que o sujeito pretende dar. Portanto, na AD a linguagem
vai além do texto, trazendo sentidos pré-construídos que são ecos da memória do dizer. [...]. Portanto, como
se verifica nas colocações de Pêcheux, a AD entende que ‘que todo dizer é ideologicamente marcado’”.
17
linguística como também enquanto forma material de ideologia”. (MUTTI; CAREGNATO,
2006, p. 680). Portanto, a análise do discurso, como técnica, articula a dimensão linguística
com a dimensão social e histórica, pois “o discurso produzido pela fala sempre terá relação
com o contexto sócio histórico”. (MUTTI; CAREGNATO, 2006, p. 681). Em outras palavras,
as diversas formas de produção dos conteúdos discursivos, verbais e não verbais, provenientes
das entrevistas efetuadas e das respostas abertas dos questionários aplicados junto às
cooperativas e aos seus cooperados, bem como a análise de documentos, tais como as atas de
constituição formal das cooperativas de trabalho, constituem-se na base material e imaterial
no qual se efetuou o nosso processo de análise discursiva.
A base empírica da nossa pesquisa foi constituída de um conjunto de dez cooperativas
de trabalho da região considerada no estudo. Tomamos como referência uma amostra não
probabilística intencional
6
, que teve por base três critérios metodológicos de acordo com a
hipótese central norteadora do nosso estudo sociológico:
1) São cooperativas de trabalho que se caracterizam exclusivamente pela
intermediação de força de trabalho, por meio dos contratos de terceirização, ou
seja, o produto intermediado entre a empresa pública ou privada e a empresa
cooperativa (empresa terceirizada) consiste na força de trabalho dos
trabalhadores cooperativados
7
. Logo, tais iniciativas associativistas se
diferenciam daquelas cooperativas de trabalho onde os trabalhadores são
produtores de um bem específico, sendo, portanto, coproprietários, tanto dos
meios de produção como do resultado do seu trabalho. Estas se constituem em
cooperativas de produção.
2) São cooperativas de trabalho, que, de forma geral, são contratadas por meio da
prática da terceirização por empresas ligadas ao setor do agronegócio, as quais
utilizam os trabalhadores cooperativados tanto em atividades ligadas à
6
Na amostragem não probabilística intencional a escolha dos elementos da amostra é feita de forma não
aleatória, existindo um procedimento de seleção dos elementos da população segundo critérios estabelecidos
pelo pesquisador. Conforme Richardson (2008), “os elementos que formam a amostra relacionam-se
intencionalmente de acordo com certas características estabelecidas no plano e nas hipóteses formuladas pelo
pesquisador. Se o plano possuir características que definam a população, é necessário assegurar a presença do
sujeito-tipo. Desse modo, a amostra intencional apresenta-se como representativa do universo. Entende-se
por sujeitos-tipos aqueles que representam as características típicas de todos os integrantes que pertencem a
cada uma das partes da população”. (2008, p. 161).
7
É importante salientar essa diferença, pois nas cooperativas de trabalho, também denominadas de
“cooperativas de prestação” de “serviços ou cooperativas de mão-de-obra”, os contratos de terceirização
estão centrados exclusivamente na intermediação da força de trabalho dos cooperados com a empresa
contratante (tomadora de serviços).
18
agricultura como em atividades fabris, levando a que os estes exerçam uma
dupla função laborativa. Este aspecto é importante pelo fato de atender às
características de uma região predominantemente agroindustrial, onde o uso da
força de trabalho é determinado pela sazonalidade produtiva, o que, de certa
forma, explica a flexibilidade deste tipo de trabalhador cooperativado.
3) São cooperativas de trabalho que surgiram recentemente na região
8
e que estão,
de certa forma, ligadas a um esforço de empresários, bem como de gestores
públicos, em utilizar tais organizações associativas com o objetivo de reduzir
os custos com a força de trabalho. Para tal, utilizam-se dos contratos de
terceirização para atender às demandas sazonais ligadas às atividades agrícolas,
como também para atender às necessidades operacionais do serviço público.
Em ambos os casos, a ideia central é reduzir os custos com a contratação de
trabalhadores que podem ser facilmente contratados e dispensados sem
elevados custos indenizatórios.
Quanto aos trabalhadores associados (cooperativados) e aos dirigentes cooperativistas
que participaram do estudo, bem como os outros atores sociais convidados e envolvidos direta
ou indiretamente com a temática estudada (sindicalistas, fiscais do trabalho, juízes do
trabalho, advogados especializados em cooperativismo), foram selecionados de forma
aleatória, os quais se dispuseram a participar de livre e espontânea vontade da pesquisa.
Tomando como referência os três critérios metodológicos mencionados anteriormente,
selecionamos as seguintes cooperativas de trabalho para o estudo analítico: Cooperativa de
Trabalho Rural e Urbano de Tapera (Cotral) em Tapera; Sociedade Cooperativa de Prestação
de Serviços Autônomos Ltda (Unienf), em Passo Fundo; Cooperativa de Trabalho de Não-
Me-Toque (Cootraque), em Não-Me-Toque; Cooperativa Mista dos Trabalhadores
Autônomos do Alto Uruguai Ltda (Coomtaau), em Erechim; Cooperativa dos Trabalhadores
de Tapejara Ltda (Coopertap), em Tapejara; Cooperativa dos Trabalhadores Autônomos de
8
Essa expansão quantitativa na região, de certo modo pode ser explicada pelas crises cíclicas a que a economia
regional está submetida como decorrência da volatilidade dos mercados agrícolas internacionais. Sendo uma
região potencialmente exportadora de produtos agropecuários, sofre diretamente os impactos das oscilações
do mercado externo. A necessidade de adequação a essas crises cíclicas, por sua vez, estimulou o
crescimento númerico dessas cooperativas que terceirizam a força de trabalho, principalmente a partir da
segunda metade da década de 1990 diante da necessidade de as empresas privadas se adequarem a uma nova
realidade conjuntural, que exigia uma redução dos custos com a força de trabalho. É importante salientar que
tais circunstâncias também afetaram o setor público municipal , pois muitos municípios sofreram com a
queda da arredacação tributária e, dessa, forma tiveram de optar pela prática da terceirização dos serviços
públicos como forma de reduzir seus gastos públicos.
19
Carazinho Ltda (Cootrac), em Carazinho; Cooperativa de Trabalhadores Autônomos de
Ernestina Ltda (Cootraer), em Ernestina; Cooperativa de Serviços de Mão-de-Obra de Lagoa
Vermelha Ltda (Cooperlav), em Lagoa Vermelha; Cooperativa de Prestação de Serviços de
Ibirubá Ltda (Coopresil), em Ibirubá e a Cooperativa de Trabalho de Sananduva Ltda
(Cooptrabalho) em Sananduva.
A nossa pesquisa de campo foi efetuada no final do ano de 2006 (outubro e novembro)
e início de 2007 (janeiro e fevereiro). Os dados obtidos, por meio dos questionários e
entrevistas correspondem a este período e incluem todas as cooperativas destacadas.
Entretanto, quando novamente contatadas no ano de 2009, para atualização e ajuste de
algumas informações, muitas dessas cooperativas haviam fechado as portas e não estavam
mais em funcionamento. Para nossa surpresa, do total das dez cooperativas pesquisadas,
apenas quatro continuam funcionando atualmente.
Com o objetivo de saber o que havia acontecido com tais cooperativas trabalho,
procuramos obter informações a respeito junto a fontes oficiais e algumas extraoficiais, junto
ao poder público local e membros da comunidade, principalmente ex-cooperados. Com base
no que nos foi relatado, constatamos que muitas dessas cooperativas de trabalho deixaram de
funcionar por diversas razões, entre as quais o fim dos contratos de terceirização com
empresas locais e com o poder público municipal; falência financeira da cooperativa;
constituição temporária para atender provisoriamente aos interesses particulares de pessoas e
empresas locais, não só econômicos (contratação de força de trabalho barata) para os períodos
sazonais das atividades agrícolas, mas também político-eleitoreiros (uso das cooperativas para
fins eleitoreiros); ainda, algumas foram denunciadas e investigadas pelo Ministério Público do
Trabalho por acusações de serem “cooperativas de fachada”, “cooperfraudes” ou “gato-
cooperativas”; conforme são chamadas pejorativamente as falsas cooperativas que se
caracterizam pela prática de fraudes trabalhistas.
Em resumo, os procedimentos metodológicos citados foram adotados em nossa
pesquisa de campo visando caracterizar o contexto social e econômico que, de certa forma,
explica os fatores determinantes do surgimento das cooperativas de trabalho na chamada
Região da Produção do estado do Rio Grande do Sul. A caracterização desse contexto é de
suma importância, na medida em que nos permitiu observar a manifestação de novas práticas
sociais, econômicas e políticas em torno das mudanças que se processam no mercado de
trabalho na região considerada.
20
Diante dessa nova configuração produtiva que caracteriza a atual realidade das
organizações empresariais, o que se observa de fato é que as empresas reduziram e vão
continuar reduzindo a força de trabalho, ao mesmo tempo em que a introdução de tecnologias
cada vez mais sofisticadas, que exigem novos métodos e novas formas de organização da
produção, também se constitui em um fator importante a reforçar essa nova lógica produtiva,
fundamentada cada vez mais na flexibilidade, na precarização e na exploração do trabalho
humano. Um dos resultados mais evidentes dessa nova dinâmica produtiva tem sido a
desestruturação do mercado de trabalho, principalmente daquele baseado no emprego
subordinado e no trabalho assalariado, uma vez que tanto o desemprego estrutural, de um
lado, aprofundado pela atual crise econômica mundial, como as pressões políticas para a
flexibilização da legislação trabalhista, de outro, tendem a ampliar cada vez mais o número de
trabalhadores que estarão expostos à insegurança e à precariedade de emprego e de salário.
No nosso ponto de vista, uma das dimensões dessa precariedade nas relações de
trabalho é, portanto, o aumento quantitativo do número de cooperativas de trabalho que vêm
se utilizando da prática da terceirização da força de trabalho, cujo objetivo, em muitos casos,
é o barateamento dos custos com a mão-de-obra, bem como uma forma de se livrar dos
encargos sociais e trabalhistas, os quais não só tornam a força de trabalho mais custosa para
as empresas, como inviabilizam a flexibilidade do trabalho almejada. Em outras palavras, a
prática da terceirização cooperativa pode estar tornando grande parte destes trabalhadores
reféns dessas formas de trabalho coletivas, caracterizadas pela flexibilidade, vulnerabilidade e
pela precariedade social.
21
1 A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: O
TRABALHO PRECARIZADO NO ATUAL CAPITALISMO GLOBALIZADO
Neste capítulo pretendemos situar teoricamente, numa perspectiva crítica, as recentes
mudanças estruturais do atual capitalismo globalizado e suas determinações sobre o processo
de reestruturação produtiva, bem como suas implicações sobre as relações entre o capital e o
trabalho. Dessa forma, um dos objetivos deste capítulo é contextualizar de forma mais ampla
não apenas a ofensiva do capital no processo produtivo, mas também sua ação desestruturante
sobre o mundo do trabalho. Tal desestruturação se efetiva no campo da sociabilidade humana
por meio, sobretudo, da desintegração da força de trabalho e da fragmentação dos
trabalhadores. Em outras palavras, o que queremos demonstrar nesta parte do nosso trabalho é
que tal estratégia fragmentadora (viabilizada em muitas situações pela prática da
terceirização)
9
limita a coesão coletiva, enfraquece as identidades sociais, ao mesmo tempo
em que contribui para precarizar o emprego, o salário, o trabalho e a própria vida dos
trabalhadores.
1.1 A mundialização do capital e seus efeitos sobre o mundo do trabalho
O mundo coloca-se atualmente diante de um grande desafio: o do desemprego
estrutural em escala planetária. Essa ameaça global mais recentemente se aprofundou com
intensa visibilidade midiática por conta do processo de desaceleração da economia mundial
em decorrência da atual crise financeira que teve origem no sistema financeiro americano.
Paralelamente a este fato mais recente, outros fatores vêm contribuindo nas últimas décadas
para aprofundar a crise do emprego na atual economia globalizada, entre os quais destacamos
os avanços tecnológicos, as reestruturações produtivas e organizacionais e os processos
9
A terceirização pode ser definida como um processo de gestão empresarial no qual as empresas externalizam
parte das atividades necessárias ao processo produtivo, transferindo-as para outras empresas ou para
trabalhadores autônomos pela subcontratação de serviços. Baseia-se na prática na transferência para terceiros
(pessoas físicas ou jurídicas) de partes do processo de produção que originalmente seriam executadas dentro
da própria empresa. O objetivo empresarial da terceirização é levar a empresa a focar o seu esforço, energia e
criatividade nas atividades essenciais (também chamadas de “atividades-fins”) liberando-a da realização das
atividades consideradas acessórias (“atividades-meio”). Dentre as motivações empresariais para a adoção da
prática organizacional da terceirização, podemos destacar as seguintes: redução dos custos operacionais,
redução das despesas administrativas, redução dos encargos trabalhistas e previdenciários, e melhoria da
qualidade dos processos de produção. (POLONIO, 2000).
22
globais de abertura econômica, que também tem contribuído para constituir o pano de fundo
de um cenário mundial que envolve milhões de pessoas desempregadas em todo mundo.
Não há dúvida de que a referida crise do capitalismo mundial e as mudanças
tecnológicas e empresariais em curso tenderão a modificar dramaticamente os processos e as
relações de trabalho contemporâneas. Os próprios índices de desemprego apresentados por
órgãos governamentais e intergovernamentais (nacionais e internacionais), mesmo
apresentando divergência entre si, em razão dos diferentes procedimentos metodológicos
adotados pelos institutos de pesquisa, acabam se tornando um referencial importante na
avaliação do quadro de desemprego que vem atemorizando, de forma geral, quase todos os
países no mundo atualmente.
Dessa forma, é importante contextualizar teoricamente as razões que explicam tais
mudanças estruturais na economia capitalista, bem como suas implicações sobre o mundo do
trabalho. Algumas explicações teóricas procuram dar conta do que está acontecendo. Entre os
estudos acadêmicos que estão sendo efetuados sobre a temática da reestruturação produtiva
existem aqueles que afirmam que parte da crise do emprego que assola o mundo está, em
certa medida, associada à obsolescência do chamado “fordismo
10
”, o modelo de produção
caracterizado, basicamente, por grandes estruturas industriais geradoras de muitos postos de
trabalho e cujas linhas de montagem eram responsáveis pela produção em grande escala e em
série de produtos razoavelmente homogêneos.
De acordo com essa explicação, o fim do fordismo daria passagem para um novo
momento de mudanças produtivas, que seria agora denominado de “toyotismo
11
” (derivado da
empresa japonesa Toyota), surgido como uma nova forma de gestão industrial, que altera
substancialmente o modelo anterior e traz profundas mudanças para os processos e relações
de trabalho, até então fundamentados nos princípios fordistas de racionalização produtiva.
Em termos microeconômicos, portanto em sua dimensão mais organizacional, o
toyotismo tem significado a introdução de uma nova racionalidade produtiva empresarial,
10
Fordismo: conjunto de métodos de racionalização da produção e práticas de organização do processo de
trabalho elaborados pelo industrial norte-americano Henry Ford na indústria automobilística americana. O
modelo fordista, fundamentado na automação rígida de base eletromecânica, presente nas principais
economias capitalistas, pelo menos até a década de 1970, desenvolveu-se tendo como elemento central o
sistema de produção em massa. Os princípios do fordismo foram amplamente difundidos, tornando-se uma
das bases da organização industrial moderna. (CHIEZA, 1995).
11
Toyotismo: novo paradigma que tem como características a diversificação como fator de competição e a
captura de mercados permitindo a produção programada “flexivelmente” de lotes de peças diferenciadas sem
o aumento do custo unitário variável. (SALM; FOGAÇA, apud SANTOS, 1996, p. 51). Também pode ser
chamado de “ohnismo”, derivado do nome do seu mentor intelectual, o japonês Taichi Ohno.
23
fundamentada na utilização de tecnologias microeletrônicas e na adoção de novos métodos de
gestão da produção e do trabalho, que não apenas eliminam postos de trabalho, como também
requerem uma força de trabalho cada vez mais flexível, polivalente e multifuncional. Por
outro lado, esse método de gestão japonês tem, do ponto de vista macroeconômico, se
constituído também como uma estratégia governamental de enfrentamento das flutuações da
economia mundial, consequência das crises financeiras cíclicas, na medida em que podem
aumentar sua produção sem ter de aumentar de forma correspondente o número de
trabalhadores.
Em outras palavras, a base desse novo modelo produtivo japonês está fundamentada
na automação dos processos produtivos, tanto no setor industrial como, principalmente, no
setor de serviços. Nessa linha de pensamento teórico, o avanço tecnológico seria a causa
fundamental do desemprego estrutural nos dias atuais, em outras palavras, as mudanças
tecnológicas e a competitividade determinada pelo novo contexto de comércio internacional
estão entre as maiores causas da falta de emprego no mundo contemporâneo. (RIFKIN,
1996).
12
Outra explicação teórica importante para a problemática que envolve a reestruturação
produtiva contemporânea associada à questão do desemprego está fundamentada na ideia de
que tal reestruturação ocorre no contexto de uma “crise estrutural do modelo capitalista de
produção”, que, ao fortalecer a ascensão do capital financeiro como principal força motriz
desta nova etapa do capitalismo globalizado, traz consigo, concomitantemente, o
ressurgimento de formas desumanas e precárias de exploração do trabalho, visando, dessa
maneira, aumentar a produtividade do capital em nível microeconômico, intensificando a
produtividade do trabalho. (CHESNAIS, 1996).
A recente crise econômica mundial é uma evidência concreta de que o capital
financeiro, ao criar “bolhas de especulação irracionais”; acabou por atingir a economia real,
conduzindo à falência importantes bancos e empresas em todo mundo e ampliando, de forma
assustadora, o desemprego em escala global. Os estudos de David Harvey (1993), François
Chesnais (1996) e Istvan Mészaros (2002), que tomaremos aqui como importantes referências
teóricas, já apontavam para a problemática da crise estrutural do sistema capitalista desde a
12
Jeremy Rifkin, na sua obra intitulada O fim dos empregos procura demonstrar que a problemática do
desemprego tecnológico é, sem dúvida, o maior desafio que a sociedade contemporânea terá de enfrentar nos
próximos anos. Seu trabalho, recheado de evidências inquietantes sobre o problema da crise global do
emprego, é uma importante fonte de leitura para administradores, economistas, e, sociólogos e pesquisadores
de questões como a reestruturação produtiva, o desemprego estrutural e a revolução tecnológica.
24
década de 1970, mas que passou a ser evidenciada de forma mais clara a partir do decênio de
1990, a partir da configuração de forma gradual de uma conjuntura econômica mundial
caracterizada por uma tendência de depressão econômica longa e claramente estagnacionista,
similarmente à conjuntura da década de 1930.
De acordo com Harvey (1993), a profunda recessão da década de 1970, exacerbada
pelo choque do petróleo, conduziu a economia mundial a um conjunto de processos que
gradativamente vão solapando o compromisso fordista; como consequência, as décadas de
1970 e de 1980 se constituíram em conturbado período de reestruturação econômica e de
reajustamento social e político. No contexto da configuração desse cenário econômico, social
e político, caracterizado por oscilações e incertezas de toda ordem, uma série de novas
experiências nos domínios da organização produtiva do capitalismo mundial começou a tomar
forma. “Essas experiências podem representar os primeiros ímpetos da passagem para um
regime de acumulação inteiramente novo [...]”. (HARVEY, 1993, p. 140). O termo
“acumulação flexível” é a expressão utilizada por Harvey para designar essa nova lógica de
acumulação de capital, visando à superação das tendências estagnacionistas evidenciada nas
décadas citadas.
Segue Harvey (1993) afirmando que o modelo de “acumulação fléxivel” significa uma
oposição direta aos princípios do fordismo, em razão da sua rigidez, porque a sua lógica de
funcionamento se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho,
dos produtos e padrões de consumo
13
. Ao invés das grandes estruturas produtivas
verticalizadas, com milhares de operários produzindo desde a matéria-prima até os produtos
acabados, o que observamos é uma tendência à descentralização do processo produtivo. Tal
descentralização produtiva acontece no contexto de uma nova configuração do capitalismo
mundial relacionada ao conjunto das dimensões mais gerais da crise do capital, denominada
por Harvey como uma “crise de estratégia de acumulação capitalista”. A saída para a crise
capitalista estaria, portanto, na configuração de uma nova racionalidade produtiva, mais
flexível, capaz de constituir um modo de regulação e acumulação totalmente diferente daquele
fundamentado nos princípios rígidos do fordismo e do keynesianismo, uma vez que ambos
não eram mais capazes de conter as contradições inerentes ao capitalismo.
13
Boyer (1987) define flexibilidade como sendo a aptidão que governos, empresas e as pessoas de forma geral,
entendidas como um sistema ou subsistema, possuem para reagir às diversas pertubações e oscilações no meio
ambiente. No que se refere à reestruturação produtiva em curso, esta flexibilidade estaria nas organizações,
nos processos de produção e consumo, bem como do trabalho.
25
A palavra-chave para explicar a crise do capitalismo, segundo Harvey, é “rigidez”.
Segundo ele, havia rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo
em sistemas de produção em massa, nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho.
“E toda tentativa de superação desses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente
invencível do poder profundamente entricheirado da classe trabalhadora”. (1993, p. 134).
Outra forma de rigidez identificada por Harvey era a do compromisso do Estado keynesiano
(Welfare State) de financiar programas de assistência social (seguridade social, direitos de
pensão, etc.) e outras políticas públicas de caráter social (saúde, educação, geração de
empregos, etc.), as quais começaram a ser questionados à medida “que a rigidez na produção
restringia expansões da base fiscal para gastos públicos”. (HARVEY, 1993, p. 136).
O modelo de acumulação flexível engendrou também uma radical reestruturação do
mercado de trabalho, caracterizada pela destruição e reconstrução de habilidades laborais, por
ganhos modestos dos salários reais e pelo enfraquecimento do poder sindical – uma das
colunas políticas do regime fordista de acumulação de capital –, pois, como afirma Harvey:
Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do
estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento
do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados
e subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis [...].
Mais importante do que isso é a aparente redução do emprego regular em favor do
crescente uso do trabalho em tempo, parcial, temporário e subcontratado. (1993,
p. 143).
Chesnais (1996, p. 304), por sua vez, fundamenta-se na hipótese de que as formas
assumidas pela mundialização dos grupos industriais, dos grandes grupos de distribuição
(comércio atacadista e varejista) e do capital monetário estariam exercendo, de modo
estrutural, um efeito depressivo sobre a acumulação capitalista contemporânea. Segundo o
estudioso, é na mobilidade do capital, juntamente com o movimento de liberalização e
desregulamentação financeira, que estariam as verdadeiras razões explicativas do
encadeamento cumulativo de uma crise de efeito depressivo profundo da economia
capitalista.
O que de fato estaria acontecendo seriam os efeitos da internacionalização do capital
sobre o modo de regulação fordista, pois desde a década de 1980, logo após o segundo choque
do petróleo, a economia mundial estaria sujeita ao início de uma “crise do sistema de
regulação”, como afirma Boher (1986). Segundo o autor, alguns fatores de forma conjugada
26
acabaram minando as bases constitutivas da regulação fordista, entre os quais se destacam a
rigidez das estruturas industriais oligopolistas perante as oscilações da economia, a crise da
relação salarial fordista; a crise fiscal do Estado e a deterioração das relações institucionais
garantidoras da estabilidade internacional (BOHER, 1987).
Em outros termos, a internacionalização do capital, no processo de desregulamentação
cumulativa dos mecanismos associados ao modo de regulação fordista, possibilitou que o
capital monetário fosse se libertando de todas as instituições que enquadravam e regulavam as
suas operações. A mundialização da economia de mercado, desregulamentada e liberalizada,
foi paulatinamente fragilizando as instituições, regras e procedimentos que haviam
possibilitado durante um tempo a sustentabilidade institucional do Estado previdenciário ou
Welfare State.
Portanto, esse novo contexto de uma economia mundial desregulamentada e
liberalizada vai paulatinamente minando e destruindo as relações institucionais e o modelo
produtivo que garantiram estabilidade e crescimento econômico desde o final da Segunda
Guerra Mundial. Chesnais (1996) aponta para três séries de relações e formas institucionais
que foram destruídas ou seriamente danificadas com a mundialização e liberalização do
capital.
A primeira refere-se ao fato de que o sistema de produção capitalista contemporâneo é
incapaz, atualmente, de continuar gerindo a existência do trabalho assalariado como forma
predominante de inserção social e de acesso à renda, que consistia num dos pilares de
sustentação do processo de acumulação fordista. O que se observa de fato é que o capitalismo,
em sua fase atual, para continuar sustentando a sua lógica acumulativa está condenando
milhões de assalariados ao desemprego estrutural e a precariedade do trabalho.
Em outras palavras, o desemprego estrutural está indissoluvelmente ligado à
liberalização e à mundialização do capital, pois as grandes corporações transnacionais, sejam
industriais, sejam financeiras, ao buscarem novos mercados e ao adotarem novas tecnologias,
acabam encontrando na redução do número de trabalhadores uma estratégia para garantir ou,
mesmo, aumentar as suas margens de lucro. Como afirma Chesnais, “os efeitos das mudanças
tecnológicas recentes, em termos de destruição de postos de trabalho, muito acima dos novos
empregos que cria, não podem ser dissociados da quase total mobilidade de ação que o capital
recuperou, graças à liberalização do comércio internacional e à liberdade de estabelecimento e
de remessa de lucros”. (1996, p. 301).
27
Em segundo lugar, o sistema capitalista mundial confiou completamente aos mercados
o destino da moeda e das finanças, em outras palavras, os governos e as elites empresariais
que dirigem os destinos das principais economias capitalistas do mundo deixaram que o
capital-dinheiro se tornasse uma importante força motriz do crescimento econômico mundial.
O capital financeiro, investido nas bolsas de ações e mercadorias, os mercados de derivativos
e outras aplicações do mercado financeiro mundial tornaram-se uma importante fonte de
acumulação capitalista, gerando riquezas incomensuráveis aos seus investidores. O capital,
que outrora era investido na produção, passa agora a ser direcionado à especulação financeira,
gerando um processo de crescimento virtual da economia, fundamentada nas expectativas do
comportamento dos mercados financeiros
14
.
Por fim, com a desregulamentação e liberalização dos mercados, os Estados e suas
instituições viram sua capacidade de intervenção na economia sensivelmente reduzida,
principalmente em razão da crise fiscal e da incapacidade de impor qualquer forma de
controle e regulação sobre o capital financeiro privado. Portanto, esses fatores, de forma
conjugada, contribuíram de forma decisiva para que essa mundialização do capital criasse um
cenário econômico mundial suscetível a crises sistêmicas cíclicas, que, por sua vez, são
evidências concretas da possibilidade de uma estagnação econômica global. Sobre essa
possibilidade de uma crise econômica de amplitude global, destaca-se o trabalho de W. Cline
(1994) citado por Chesnais (1996), intitulado Os riscos de uma estagnação econômica global,
o qual já na metade da década de 1990 apontava para a possibilidade concreta de um efeito
depressivo na economia mundial.
Por outro lado, conforme Chesnais (1996), no contexto desse novo cenário de
liberalização e desregulamentação dos mercados, o aumento da produtividade do capital
realiza-se também pelo resgate das modalidades clássicas de apropriação da mais-valia, tanto
a relativa como a absoluta, como também pela utilização de novas formas de exploração da
classe trabalhadora. Portanto, é nesse contexto que o toyotismo, por meio de suas técnicas
organizacionais inovadoras, estaria sendo utilizado como uma forma de obter a máxima
intensidade do trabalho e o máximo de rendimento de uma força de trabalho cada vez mais
14
Sobre esta tendência da financeirização da economia mundial destacamos aqui a seguinte afirmação de
Chesnais (1996, p. 318): “Mas essa economia mundial carrega mais a marca da financeirização extremada, da
dominação do capital rentista, para não dizer capital de agiotagem, e de um número cada vez maior de
operações gangrenadas pelas redes mafiosas, do que a marca de capital orientado para o desenvolvimento das
forças produtivas.”
28
flexibilizada e precarizada. Em outras palavras, a adoção dessas novas tecnologias e técnicas
de gestão organizacional do chamado “modelo japonês” significa, em outras palavras,
potencializar e aumentar a escala de apropriação da mais-valia, pois, como afirma Tumolo,
[...] talvez o exemplo mais cabal seja a generalização mundial da extração da mais-
valia absoluta, inclusive para os países centrais. Desde o período da subsunção real
do trabalho ao capital e do advento do imperialismo, que propiciou uma
determinada divisão internacional do trabalho, a extração preponderante de mais-
valia absoluta foi se circunscrevendo á periferia do sistema, de tal maneira a
permitir, nos países centrais, a preponderância da extração da mais-valia relativa.
Tal quadro se altera com o novo padrão de acumulação, que tem como uma de suas
características mais marcantes a globalização da tendência de predominância da
extração de mais-valia absoluta, o que implica a globalização da superexploração
da força de trabalho. (2002, p. 105 grifo do autor).
Por outro lado, a atual desregulamentação e liberalização dos mercados financeiros
mundiais ocorrem simultaneamente às exigências da desregulamentação e flexibilização dos
mercados de trabalho mundiais. O predomínio da financeirização da riqueza, que é um dos
aspectos caracterizadores desse processo de mundialização do capital, está associado, de certa
forma, à redução do trabalho vivo, condição estratégica para garantir e até mesmo aumentar a
rentabilidade acionária das empresas, pois a redução dos custos com a força de trabalho
significa, por outro lado, o aumento dos lucros das empresas e, consequentemente, a
valorização do preço de suas ações no mercado acionário. Nesse sentido, é preciso ressaltar
que o objetivo central do novo padrão de acumulação capitalista é a intensificação da
exploração da força de trabalho, tendo em vista a necessidade de superar mais uma vez as
contradições que são inerentes ao processo de acumulação capitalista. A crise mundial atual é
uma das evidências concretas dessas contradições.
Dessa forma, constatamos que o capitalismo mundial, em seu momento atual de
financeirização da riqueza, necessita introduzir novas tecnologias e novos padrões
organizacionais, vinculados à lógica de gestão da produção do toyotismo (lean production
produção enxuta) para manter a produtividade necessária, que garanta a rentabilidade
financeira das organizações, Portanto, a estratégia de uma “produção enxuta” caracteriza-se
por não possuir mais a capacidade de absorver uma parcela importante de trabalhadores
assalariados que estão à procura de empregos.
Conforme Chesnais (1996), a necessidade de aumentar a rentabilidade do capital
financeiro (fundos de investimentos, fundos de pensão e companhias de seguros, etc.) implica
29
uma forte pressão para reduzir cada vez mais os custos das empresas, o que, por sua vez,
acaba implicando a redução do número de trabalhadores por meio de processos de automação
e de adoção de novas tecnologias, altamente poupadoras de mão-de-obra. Segundo o referido
autor, a mundialização do capital efetiva-se como sendo uma nova ofensiva do capital na
produção, e é justamente nesse contexto que surge um conjunto de trabalhadores que vão
constituir uma massa cada vez maior de desempregados (vítimas do desemprego estrutural) e
fazer proliferar o trabalho assalariado “precário”. Logo, o desemprego estrutural e o trabalho
precário constituem-se nas duas principais facetas desse processo contraditório do
desenvolvimento capitalista mundial, pois uma “nova ordem mundial do capital” se efetiva,
constituindo paralelamente “uma nova ordem mundial de exclusão social”.
A atual mobilidade internacional do capital tem levado a que muitas empresas
obriguem vários países a se adequarem as suas legislações trabalhistas e de proteção social, de
acordo com os interesses das mesmas, ou seja, a mundialização do capital, ao contribuir para
o aumento da rentabilidade dos investimentos financeiros, acaba por exercer uma forte
pressão para o rebaixamento dos salários e para o surgimento de relações de trabalho mais
flexíveis e precárias, adequadas a essa lógica de reestruturação e racionalização do capital,
que visa garantir e, até mesmo, ampliar seus lucros mesmo em momentos de depressão
econômica.
Portanto, o estudo de Chesnais (1996), mesmo tendo sido uma análise situada para a
década de 1990, apresenta-se nos dias de hoje como sendo significativamente atual e capaz de
explicar os fatores estruturais que, de certa forma, fundamentam a atual crise do sistema
financeiro mundial e seus efeitos perversos para o mundo do trabalho. A atual depressão da
economia mundial, evidenciada pela crise financeira, é consequência da dinâmica excludente
e destrutiva que ocorre com a mundialização do capital financeiro, ou seja, o que está
ocorrendo de fato é uma “crise do modo de desenvolvimento” capitalista, conforme afirma
Chesnais. (p. 312).
Portanto, a falsa ideia de que o modelo ocidental de desenvolvimento capitalista
poderia ser generalizado em todos os países e regiões do planeta não encontra mais as
condições para a sua viabilidade. O modo de desenvolvimento sobre o qual os países
desenvolvidos construíram seu alto nível de vida não pode ser generalizado em escala
planetária, pois, apesar dos avanços tecnológicos e das possibilidades de mudança no padrão
30
de consumo, o capitalismo contemporâneo já dá evidência dos seus limites estruturais, tanto
sociais como políticos e geográficos.
Nessa linha de raciocínio, Mészáros (2002, p. 795) afirma que “a crise do capital que
experimentamos hoje é fundamentalmente uma crise estrutural”. De acordo com o autor, a
novidade histórica da crise de hoje é que deve ser compreendida não mais fundamentada nas
explicações balizadas na dimensão das crises cíclicas que sempre foram inerentes à lógica de
funcionamento do sistema capitalista, mas com base na sua dimensão estrutural. Dessa forma,
considera a necessidade de serem destacados quatro aspectos principais para entendermos a
atual crise estrutural do capitalismo contemporâneo:
(1) seu caráter é universal, e em lugar de restrito a uma esfera particular (por
exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de
produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama
específica de habilidades e graus de produtividade etc); (2) seu alcance é
verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de
limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises
do passado); (3) sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente,
em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital; (4)
em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do
passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que
acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou
violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a
complexa maquinaria agora ativamente empenhada na “administração da crise” e no
“deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua
energia. (MÉSZAROS, 2002).
É nesse contexto de uma crise estrutural da lógica de acumulação capitalista que
precisamos compreender a atual proposta da flexibilidade produtiva, visto que tem por
objetivo manter a lógica destrutiva do capital operando como resposta, ou ofensiva, a esta
crise. Na tentativa de superá-la, desconsiderando a sua dimensão estrutural, o capital procura
enfrentar a crise pela constituição de um novo patamar de acumulação capitalista, intitulado
de “flexível”, que acaba implicando a necessidade de radicais mudanças no processo de
trabalho.
Na prática, a flexibilização produtiva nas empresas ocorre pela introdução de novas
tecnologias e novos métodos organizacionais, bem como pela oposição ao controle sindical,
visando, dessa maneira, fragilizar ou romper os contratos coletivos. Portanto, um dos aspectos
significativos dessa “nova crise” é a tendência histórica e particular do capital de debilitar o
31
poder objetivo da classe trabalhadora, por meio da recomposição do desemprego estrutural, e,
desse modo, criar um novo patamar de acumulação capitalista.
Como salientamos anteriormente, tomaremos como referência teórica de análise para o
nosso estudo acadêmico a ideia de que a atual reestruturação produtiva ocorre tendo como
pano de fundo a crise estrutural do capitalismo contemporâneo (abordada por David Harvey,
François Chesnais e Istvan Mészáros). Acreditamos que essa compreensão analítica é a que
melhor explica o processo de reestruturação produtiva em curso. Assim, tais discussões atuais
em torno dessa “crise estrutural” trazem à superfície a velha e histórica problemática que
envolve o conflito entre capital versus trabalho. Nesse contexto conflitivo, o desafio atual
para os trabalhadores e seus sindicatos é que estes acabam ficando sem muitas opções, pois,
no contexto da atual crise mundial, os trabalhadores, e suas organizações sindicais, estão
sendo obrigados a escolher entre se manter no emprego, por meio da redução de salários e da
possibilidade de perdas de direitos trabalhistas legais, ou simplesmente serem excluídos do
mercado de trabalho, em razão do desemprego.
Portanto, o fato objetivo é que, tanto no Brasil como em quase todos os países do
mundo, os empregos estão diminuindo numa escala alarmante por conta da atual crise
financeira mundial, que é uma evidência concreta da crise estrutural do capitalismo. Apesar
das medidas anunciadas pelos governos internacionais e nacionais, de por meio de pacotes
econômicos minimizar os efeitos da recessão econômica mundial, é preciso salientar que
faltam respostas definitivas de médio e longo prazo sobre como atacar de forma mais efetiva o
problema do desemprego estrutural, que é e será a partir de agora o ponto de estrangulamento
central da lógica que mantém o funcionamento do atual modelo de desenvolvimento
capitalista.
Em relação ao trabalhador, as opções em termos de postos de trabalho estreitam-se
cada vez mais e a competição torna-se mais acirrada no mercado de trabalho, em razão dos
impactos da tecnologia, das novas técnicas de produção e gestão da força de trabalho e,
concomitantemente, dos requisitos de qualificação cada vez mais exigentes por parte dos
empregadores. As atuais exigências, em termos de habilidades profissionais, por exemplo,
impostas pelas empresas para o trabalhador exigem que ele esteja apto às novas mudanças
organizacionais em curso. Ao mesmo tempo, essa crise estrutural do capitalismo
contemporâneo, além de aumentar significativamente o desemprego estrutural, compromete a
manutenção de uma série de direitos e mecanismos de proteção social que vêm sendo
32
questionados no bojo do que se denomina atualmente de “flexibilização dos direitos
trabalhistas”.
Essa flexibilidade produtiva, que surge como uma importante estratégia de superação
da crise de acumulação capitalista, acaba criando consequências impactantes para a classe
trabalhadora em todo mundo. Entre essas destacamos o crescimento de um mercado de
trabalho cada vez mais marcado pela precarização, pela polarização e pela informalização e,
também, profundamente afetado pelo desemprego estrutural até mesmo em países
desenvolvidos. Como consequência do processo de desemprego e de precarização da força de
trabalho, surge o problema da dessindicalização e desorganização do movimento sindical, que
não consegue mais manter a coesão coletiva dos seus trabalhadores, condição fundamental
para o enfrentamento político na garantia e conquista dos direitos sociais e trabalhistas. E, por
fim, há a queda dos salários reais, uma vez que a precarização do trabalho e o desemprego
atuam como forças de pressão no achatamento dos rendimentos salariais dos trabalhadores.
Em resumo, a atual reestruturação produtiva resultante da mundialização do capital e
da crise sistêmica inerente à dinâmica do capitalismo contemporâneo caracteriza-se não
apenas pela redução do número de postos de trabalho como também pela precarização das
condições de trabalho de ampla parcela da classe trabalhadora. Dessa forma, podemos
observar que o aumento do desemprego estrutural ocorre não apenas alterando a quantidade
de empregos, mas também modificando o seu aspecto qualitativo, à medida que altera as
características dos novos postos de trabalho que são criados. Muitos desses novos empregos
estão ligados aos processos de descentralização produtiva, uma vez que as empresas, ao
buscarem novas estratégias gerenciais para enxugamento das suas estruturas organizacionais,
entre as quais destacamos a prática da terceirização, acabam criando postos de trabalho
caracterizados pela precariedade, instabilidade e insegurança.
1.2 A nova ofensiva do capital no processo produtivo e a “nova” precariedade do
trabalho
Como foi anteriormente destacado, desde as décadas de 1970 e 1980 o mundo vem
passando por um intenso processo de reestruturação produtiva, com profundas implicações
para o mundo do trabalho. A nova ofensiva do capital no processo produtivo, com a
liberalização e a desregulamentação dos mercados, efetiva-se como um elemento
33
determinante das mudanças estruturais impostas no mundo do trabalho pela mundialização do
capital. (CHESNAIS, 1996). O desemprego estrutural e a precariedade do emprego e salário
constituem-se na face mais perversa dessas mudanças estruturais, gerando um quadro de
insegurança que atinge milhões de trabalhadores em todo mundo.
No caso brasileiro, como consequência dessas mudanças estruturais de caráter mais
global surge o que Alves (2000) denominou de “o novo e precário mundo do trabalho”.
Quanto a essa nova tendência de precarização das condições de trabalho, Alves utiliza a
expressão “subproletarização tardia” para caracterizar a nova precariedade do trabalho
assalariado sob a mundialização do capital, pois, como afirma:
[...] o que denominamos subproletarização tardia é constituída pelos trabalhadores
assalariados em tempo parcial, temporários ou subcontratados, seja na indústria, seja
nos serviços interiores (ou exteriores) à produção do capital. Nesse caso tende a
predominar o que alguns sociólogos e economistas denominam “informalização”
nas relações de trabalho (um eufemismo para a nova precariedade do trabalho). O
subproletariado tardio é uma parcela importante do “proletariado pós-industrial”, um
“equivalente contemporâneo do proletariado sem direitos, oprimido e empobrecido”
(o que Gorz denomina, por exemplo, “proletariado pós-industrial”, é constituído não
apenas pela subproletarização tardia, mas pelos desempregados estruturais) (GORZ,
1992). Ela é tão importante para a nova ordem do capital quanto o desemprego
estrutural. (ALVES, 2000, p. 78).
Em outras palavras, essa nova precariedade do trabalho assalariado – a
subproletarização tardia – está, de certa forma, vinculada à lógica do processo de acumulação
flexível na medida em que o capital, para se reproduzir neste novo contexto de flexibilidade
produtiva, precisa de trabalhadores que se caracterizem por uma alta taxa de rotatividade,
constituindo, dessa forma, uma importante parcela de trabalhadores assalariados de tempo
parcial.
A partir da década de 1990, mais precisamente sob o governo de Fernando Henrique
Cardoso, observamos, em razão de um novo ciclo de crescimento da economia brasileira,
alguns elementos caracterizadores desse novo e precário mundo do trabalho. O crescimento
do desemprego no setor industrial e da precariedade de emprego e salário neste período não
estava apenas associado aos efeitos recessivos do governo anterior (governo Collor), mas
também à própria lógica do novo crescimento capitalista na era da mundialização do capital.
Apesar do aumento relativo dos índices de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) nesta fase de expansão e crescimento da economia brasileira, o que observamos foi o
34
crescimento do desemprego industrial em vários setores da economia, principalmente
naqueles que estavam submetidos a um processo mais efetivo de reestruturação produtiva. É
importante destacar que o desempenho pífio do mercado de trabalho no Brasil nesse período
se deveu não apenas às determinações estruturais de caráter mais global, mas também às
determinações conjunturais internas associadas à política de abertura econômica, cujo
objetivo era controlar as pressões inflacionárias internas e impor novos parâmetros de
produtividade aos setores produtivos do país.
Esse ajuste neoliberal por meio da liberalização comercial acabou promovendo um
intenso processo de fragilização e desintegração de alguns setores da economia brasileira,
comprometendo, dessa forma, o crescimento do nível de emprego, apesar do relativo
crescimento da economia brasileira. É justamente no setor automobilístico que fica mais
evidente esse fato, na medida em que, apesar do crescimento do nível de investimentos
diretos, o que se observa de forma contraditória é a redução do nível de empregos do setor.
Portanto, podemos afirmar que o processo de reestruturação produtiva em curso nesse período
na economia brasileira ocorre como decorrência do processo de mundialização do capital,
que, por sua vez, vai alterar substancialmente a dinâmica do crescimento do emprego
assalariado no Brasil.
De acordo com Alves (2000), o processo de reestruturação produtiva na década de
1990 no Brasil acontece integrado a novas práticas produtivas, relacionadas à implantação do
toyotismo no setor produtivo brasileiro. Entre essas destacamos a terceirização, que acontece
como decorrência da estratégia de descentralização produtiva adotada pelas empresas e que
acaba por criar uma rede complexa de novas relações de trabalho, caracterizada pela
diversidade e segmentação, bem como pelo surgimento de novos estatutos precários de
emprego e salário.
Surge, portanto, no interior do núcleo moderno do mundo de trabalho no Brasil uma
dualidade contraditória do mercado de trabalho, na medida em que passam a coexistir, lado a
lado, um setor “moderno”, ligado ao movimento sindical organizado e um setor “arcaico” de
relações de trabalho, caracterizado pela precariedade e pela intensificação do processo de
exploração do trabalho humano. É justamente nesse contexto que surge um novo e precário
mundo do trabalho a que se refere Alves (2000), que vai colocar em xeque a prática sindical
de classe no Brasil, pois, como afirma o autor:
35
Surgiu, a partir daí, uma nova classe operária mais diversificada e mais segmentada,
recalcitrante às práticas sindicais convencionais. O cenário do novo (e precário)
mundo do trabalho no Brasil, que surgiu a partir do novo complexo de
reestruturação produtiva, é constituído, de um lado, por um mundo do trabalho
reduzido, em seu núcleo central, com operários que permanecem mais qualificados e
dispostos a colaborar com o capital e, por outro lado, por um mundo do trabalho
amplo (e heterogêneo) em suas manifestações periféricas formada pelos operários
precários. (ALVES, 2000, p. 252-253).
Em outros termos, o que constatamos de fato é a redução gradativa do contingente
operário ligado ao mercado de trabalho mais estável e formal, ao passo que aumenta o
contingente operário submetido a nova realidade da precarização das condições de emprego e
salário no interior das cadeias produtivas. Tal fato ocorre na prática principalmente por meio
da terceirização, que leva milhares de trabalhadores a serem alocados nas malhas
fornecedoras das grandes empresas de produtos finais. (COMIN, 1997).
Portanto, vemos que o mundo do trabalho no Brasil, como consequência da
reestruturação produtiva em curso, é permeado não apenas por novos tipos de controle social
do trabalho, que, de certa forma, são impostos pelas práticas toyotistas, mas, sobretudo, por
uma nova forma de exclusão social, caracterizada pelo desemprego estrutural, que atinge o
núcleo de trabalhadores mais qualificados e organizados do ponto de vista coletivo e sindical,
como também pelo surgimento de um grupo cada vez maior de trabalhadores vinculados a
relações de trabalho precárias, caracterizadas pela instabilidade e insegurança.
Essa nova forma de exclusão social, que tem como referência o trabalho precário, é
consequência das mudanças estruturais que vêm acontecendo no mercado de trabalho no
Brasil desde a década de 1990 da instituição de um novo padrão de uso da força de trabalho
no país relacionado às novas exigências de racionalização capitalista. Essas, por meio da
implantação de inúmeras mudanças tecnológicas e organizacionais, tendem a buscar uma
flexibilidade produtiva adequada à lógica da “produção enxuta”.
Uma das evidências mais concretas desse processo de exclusão social caracterizado
pela precariedade é o decréscimo de postos de trabalho ligados às atividades de serviços
gerais (limpeza, conservação, vigilância, portaria, etc.), que em grande parte está associado
aos processos de terceirização. São justamente os trabalhadores ligados a tais atividades que
acabam sendo obrigados, em muitas circunstâncias, a participar, ou mesmo constituir, de
cooperativas que terceirizam a força de trabalho. Os contratos de terceirização por meio
dessas cooperativas acabam se constituindo numa forma de as empresas obterem uma força de
36
trabalho barata e flexível, adequada às conjunturas cíclicas de expansão e retração das
demandas de mercado.
Dessa forma, é importante salientar que a terceirização é uma das práticas
organizacionais que mais impactaram o mundo do trabalho no Brasil, visto que, ao constituir
uma rede de subcontratação complexa na estrutura produtiva brasileira, possibilitou a criação
de duas categorias de trabalhadores convivendo muitas vezes no interior de uma mesma
cadeia produtiva: de um lado, operios polivalentes, qualificados e organizados politicamente
em termos sindicais (geralmente contratados formalmente e amparados pela legislação
trabalhista), com melhores condições de trabalho e inseridos na nova dinâmica produtiva
capitalista; de outro, uma classe operária vinculada a condições de trabalho precárias,
caracterizadas pela informalidade, pela instabilidade e insegurança e por contratos de trabalho
que permitem uma flexibilidade que conduz as empresas a contratar e demitir livremente,
deixando os trabalhadores desamparados e muitas vezes impossibilitados de se organizarem
politicamente.
Portanto, o processo de terceirização no mundo do trabalho no Brasil está, de certa
forma, relacionado à expansão de novas formas precárias de trabalho e do enfraquecimento da
organização política dos trabalhadores por meio do movimento sindical, pois, como afirma
Alves:
No caso da nova (e radical) terceirização surge um novo tipo de controle capitalista
da produção, operado pelas subcontratantes inscritas no interior do novo espaço de
produção redimensionado. Na nova planta industrial, desapareceu - ou diminuiu
sobremaneira – o poder de interferência coletiva dos trabalhadores sobre o espaço da
produção. [...]. Assim, a nova (e radical) terceirização possui importante – e
estratégica - dimensão política, na medida em que tende a fragmentar o coletivo
operário, debilitando a organização da classe e, por conseguinte, seu poder e de
resistência (e de barganha) às usurpações do capital”. Mesmo que os sindicatos
consigam garantir, de certo modo, os benefícios salariais de operários terceirizados,
a perda política da pulverização do coletivo operário é irreversível – o que, do ponto
de vista do capital, contribui para a captura da subjetividade operária. (2000, p. 266).
Na lógica da mundialização do capital e da implantação de uma nova racionalidade
produtiva, a terceirização surge não apenas como uma nova prática organizacional de redução
de custos visando aumentar os lucros das empresas, mas também como um instrumento eficaz
de enfraquecimento político dos trabalhadores. É dessa forma que podemos destacar a prática
da terceirização como sendo uma nova estratégia capitalista, que permite uma flexibilidade
37
produtiva (condição indispensável do novo padrão de concorrência capitalista mundial), ao
mesmo tempo em que cria um mercado de trabalho caracterizado pela precarização dos
empregos e dos salários. É esse novo exército de trabalhadores precarizados que vai constituir
a força de trabalho funcional aos interesses do capital, principalmente nos momentos de
volatilidade dos mercados, que exigem rápidas adequações conjunturais quantitativas e
qualitativas dos postos de trabalho.
Uma das principais consequências da terceirização sobre o mundo do trabalho no
Brasil é o ataque aos benefícios sociais e salários dos trabalhadores, porque tais trabalhadores
precarizados estão sujeitos a contratos de trabalhos caracterizados por baixos salários e pela
informalidade. No que se refere, por exemplo, às cooperativas de trabalho, observa-se a
inexistência de vínculo empregatício entre o trabalhador e a organização cooperativa, o que
permite que os trabalhadores cooperativados sejam desligados da organização sem que isso
represente gastos indenizatórios para a empresa contratante ou para a cooperativa de trabalho.
Nestes casos, os trabalhadores terceirizados, em razão da condição contratual de
informalidade, são desligados das cooperativas de trabalho sem direito a nenhum tipo de
ressarcimento financeiro, pois no processo de desligamento não existe a obrigatoriedade legal
de direitos trabalhistas e encargos sociais prescritos no contrato formal de trabalho.
Outro aspecto importante a destacar no que se refere ao processo de reestruturação
produtiva contemporânea no Brasil é que ocorre por meio da adoção simultânea de um
conjunto de métodos e técnicas organizacionais de produção e gestão de pessoas, tanto
fordistas como toyotistas, visando, dessa forma, aumentar a todo custo a produtividade do
trabalho.
Quanto a essa constatação, é necessário salientar algumas observações importantes
apresentadas, por exemplo, no trabalho acadêmico de Tumolo (2001), o qual destaca o fato de
que não existe um padrão único, tampouco uma homogeneidade, no que tange às recentes
transformações organizacionais, tecnológicas e na gestão da força de trabalho nas empresas
brasileiras. Para o autor, o que de fato está ocorrendo é “um processo de reestruturação
produtiva caracterizada pela ‘heterogeneidade generalizada’ que ocorre não só entre as
empresas, mas também no interior delas”. (p. 73). Tal heterogeneidade é resultado da
diversidade de situações dos processos de modernização tecnológica e organizacional que
estão sendo implementados no contexto empresarial brasileiro.
38
Em outras palavras, o que percebemos no caso brasileiro é a adoção de estratégias
heterogêneas de organização da produção e do trabalho que possibilitam a coexistência
aparentemente contraditória de técnicas e processos característicos do modelo taylorista-
fordista, ao mesmo tempo em que observamos a utilização concomitante de procedimentos
organizacionais típicos do novo modelo produtivo japonês.
Essas constatações nos conduzem, portanto, a compreender que as atuais mudanças na
dinâmica produtiva das empresas brasileiras ocorrem no contexto dessa ambiguidade
processual, ou seja, tais empresas vêm adotando procedimentos de gestão organizacional que
conjugam simultaneamente os dois “modelos produtivos”. É importante salientar que essa
combinação adotada por inúmeras empresas capitalistas em vários lugares do mundo ocorre
de acordo com as especificidades conjunturais e estruturais de cada país ou região.
Podemos destacar como elemento comum nesse contexto de heterogeneidade nas
situações de implementação desses diversos processos produtivos a busca da intensificação da
exploração da força de trabalho, pois, como afirma Tumolo (2001, p. 81), “esta é a unidade na
diversidade dos processos de trabalho” que estão sendo implantados nas empresas brasileiras.
Em outras palavras, a degradação das condições de trabalho, pelo aumento do processo de
exploração do trabalhador, configura-se de fato como sendo a característica comum e
determinante do novo padrão de acumulação de capital que se efetiva no Brasil, caracterizado
pelo surgimento de uma série de trabalhos precarizados (trabalho autônomo, terceirizado,
part-time, informal, a domicílio, etc.), que, de certa forma, constituem-se muitas vezes na
única alternativa de inserção do trabalhador no mercado de trabalho.
É nesse novo universo do mercado de trabalho, caracterizado pela precarização, pela
instabilidade e insegurança, que nos propomos a compreender a terceirização da força de
trabalho por meio das cooperativas de trabalho. Tais cooperativas de trabalho têm se tornado
uma forma estratégica de inclusão de milhares de trabalhadores num mercado de trabalho
precário caracterizado pela intensificação da exploração destes, os quais se submetem a
condições ambientais e de segurança no trabalho muitas vezes insalubres em virtude do receio
de ficarem desempregados. Esse novo mercado de trabalho precário onde se inserem tais
cooperativas é constituído por trabalhadores assalariados caracterizados por terem menos
oportunidades de carreira e por uma alta taxa de rotatividade no emprego; são trabalhadores
em tempo parcial, que apresentam uma maior flexibilidade, o que lhes permite serem
explorados mais facilmente pelo capital conforme suas conveniências produtivas.
39
Em síntese, esse mercado de trabalho precário é constituído pelos empregados casuais,
pessoal com contrato de tempo determinado, temporários e trabalhadores terceirizados, que
vão constituir uma força de trabalho adequada à nova era de volatilidade dos mercados, pois,
da mesma forma que são facilmente contratados nos momentos de expansão da economia, são
também facilmente demitidos sem custos nos momentos conjunturais de recessão ou
depressão econômica. A constituição desse mercado de trabalho flexível (e precário), de certa
forma, atende às necessidades do atual capitalismo globalizado visto que pode adequar suas
demandas por força de força de trabalho às variações cíclicas das crises conjunturais, que são
cada vez mais frequentes nos dias de hoje.
40
2 TECNOLOGIA, MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS E AS RELAÇÕES DE
TRABALHO CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS E DESAFIOS IMPOSTOS À
CLASSE TRABALHADORA
Neste capítulo procuraremos contextualizar teoricamente os aspectos concretos da
reestruturação produtiva, como, por exemplo, as mudanças tecnológicas e organizacionais
que estão sendo implantadas no interior das organizações empresariais (públicas ou privadas)
visando adequar tais empresas a um contexto econômico e organizacional de intensa
competitividade empresarial. Tais mudanças conduzem à necessidade de transformações nas
relações de trabalho em direção à flexibilização (terceirização) e à desregulamentação dos
direitos trabalhistas criando, dessa forma, as condições objetivas para a precarização das
condições de trabalho.
Em síntese, o que pretendemos demonstrar é que as estratégias flexibilizantes
(organizacionais, produtivas e tecnológicas) que fragmentam o processo produtivo têm por
objetivo consolidar a fragilização da classe trabalhadora, tanto em termos econômicos como
políticos, não apenas ao reduzirem os custos com a força de trabalho achatando os salários
(estratégia econômica), mas também ao enfraquecerem politicamente a organização coletiva
dos trabalhadores, pois a desintegração da força de trabalho por meio da descentralização da
produção (terceirização) acaba por contribuir para a desestabilização de toda e qualquer forma
de resistência operária e sindical (estratégia política).
2.1 Mudanças organizacionais e tecnológicas e seus impactos para as relações e trabalho
contemporâneas
Conforme observado nos trabalhos de Cattani (1995) e Pochmann (1998), o tema da
reestruturação produtiva e seus reflexos na organização do trabalho vem sendo objeto de
estudo de pesquisadores de diversas áreas, sobretudo considerando as mudanças recentes que
se processam no interior das organizações empresariais, bem como seus impactos sobre a
classe trabalhadora.
A relevância dessa temática se circunscreve atualmente como de suma importância
investigativa em razão das visíveis transformações que vêm ocorrendo nas empresas com a
41
incorporação de modernas tecnologias organizacionais, gerenciais e industriais, o que tem
ocasionado uma redução substantiva dos postos de trabalho, bem como mudanças no perfil de
qualificação dos trabalhadores, nos padrões de gestão da força de trabalho, entre outras.
Desse modo, para Chieza (1995), só é possível compreender essas transformações
organizacionais e tecnológicas recentes e suas implicações sobre o processo de trabalho pela
compreensão da relação entre o sistema produtivo e a nova dinâmica do capital. Dessa forma,
a dimensão histórica dos processos e relações de trabalho está relacionada com o
desenvolvimento dos modos de organização da produção e com o movimento de capital.
Nesse sentido, é preciso considerar que organização do processo de trabalho passou por
diferentes fases, tais como as que foram analisadas por Karl Marx na fase de transição do
feudalismo para o capitalismo – da cooperação simples à manufatura –, passando para a fase
de maquinaria. Posteriormente, novas formas de organização do trabalho se efetivaram tendo
por base os princípios do taylorismo
15
e do fordismo, presente nos países capitalistas desde o
início do século XX.
Em nosso estudo tomaremos como referência analítica apenas as transformações
organizacionais e tecnológicas mais recentes e que estão inseridas no contexto das discussões
teóricas que delineiam a construção de uma nova dinâmica produtiva no contexto do atual
processo de mundialização do capital. Segundo alguns autores, essa nova lógica produtiva é
definida como sendo a da “especialização flexível
”16
e representa uma ruptura do modo
produtivo em que se fundamentavam as economias capitalistas até a década de 1970, as quais
se baseavam nos princípios organizacionais preconizados pelas premissas do taylorismo e do
fordismo.
15
A designação “taylorismo” é explicada pelas inovações das formas de organização da força de trabalho
desenvolvidas Frederick Taylor nos primeiros decênios do século XX. Está presente nas ideias de Taylor o
fato de que o aumento da produtividade está profundamente relacionado com uma produção e um consumo
em massa. De acordo com as premissas tayloristas, a redução dos custos seria obtida em função da produção
em grande escala (economias de escala), possibilitando, assim, a ampliação dos mercados interno e externo, o
que, por sua vez , reduziria os níveis de desemprego e de pobreza da economia. (CORIAT, apud CHIEZA,
1995).
16
A especialização flexível é uma expressão utilizada por Piore e Sabel (1984), citado por Souza (1992) e
Cattani (1997), que se constitui num novo paradigma alternativo para a produção capitalista, o qual se
fundamenta em elementos da produção artesanal em pequenos lotes, com tecnologia multipropósito, ancorada
em trabalhadores qualificados e dotada de capacidade de alterar, constantemente, o mix de produção com
baixos custos de reconversão, em oposição ao paradigma da produção em massa (fordismo), que começou a
dar sinais de esgotamento a partir da década de 1970. Em síntese, a noção de “especialização flexível” é uma
das expressões mais utilizadas no debate atual para se evocar a afirmação de um novo paradigma para a
produção industrial contemporânea.
42
No entanto, gostaríamos de salientar mais uma vez que a nossa perspectiva teórica
interpretativa sobre a constituição de um novo padrão produtivo está fundamentada na
compreensão de que a crise estrutural do capitalismo, e seus sintomas cíclicos, ensejou a
necessidade de uma nova lógica produtiva mais adequada a realidade do capitalismo
mundializado e as suas instabilidades e volatilidades sistêmicas. Assim, considerando a atual
realidade produtiva e do trabalho na economia brasileira, observamos que é caracterizada pela
existência de uma “heterogeneidade generalizada”, a que se refere Tumolo (2001), em outros
termos, a atual organização da produção e do trabalho nas empresas brasileiras efetiva-se por
meio da coexistência simultânea de métodos e técnicas característicos do modelo taylorista-
fordista e, também, de procedimentos organizacionais típicos do novo modelo de
especialização flexível, pois, de acordo com Tumolo,
[...], as empresas capitalistas têm procurado implantar os mais variados processos de
trabalho – inovações tecnológicas articuladas com novas formas de organização e
gestão do trabalho –, inclusive misturando características dos diversos “modelos”,
com o objetivo de intensificar a exploração sobre a força de trabalho e, ao mesmo
tempo, lograr uma vitória política sobre os trabalhadores, na medida em que
conseguem conquistar suas mentes e corações, concomitantemente à neutralização e
possível destruição de qualquer forma de organização destes, principalmente aquelas
de cunho mais combativo. Isso explica porque não tem sido possível encontrar um
“padrão produtivo” único ou mesmo uniforme nos vários países capitalistas, nem
entre as próprias empresas e nem mesmo no interior delas. (2001, p. 81 – grifo do
autor).
No que se refere ao modelo taylorista/fordista, é importante destacar que se
desenvolveu tendo como elemento central o sistema de produção em massa, baseado na
padronização das tarefas dos trabalhadores, aliado à introdução de linhas de montagem que
procuravam aumentar a produtividade do trabalhador. (CHIEZA, 1995). Nesse sentido, tal
modelo, orientado pela automação rígida em base eletromecânica, tinha como fator
determinante da busca da produtividade a redução de custos por meio de crescentes
economias de escala. Como a produção em grande escala só é possível por meio do uso
intensivo de máquinas especializadas, caracteriza um sistema de produção de grandes lotes de
itens padronizados.
Ainda em relação ao modelo taylorista/fordista, é necessário observar que se
fundamentava na utilização de uma força de trabalho, com baixos requisitos de qualificação e
numa intensa divisão do trabalho, que acabava por resultar em tarefas simples rotineiras e
43
previamente definidas. Como consequência, os contratos definiam exatamente a relação de
tarefas a serem desempenhadas pelo trabalhador. Em outras palavras, a base técnica em que se
fundamentava o paradigma taylorista/fordista baseava-se num mecanicismo exacerbado, pois
desconsiderava os aspectos importantes da fisiologia e da psicologia do homem no processo
de trabalho, como, por exemplo, a capacidade mental dos operários.
Esse modo de organização do trabalho centrado no sistema taylorista/fordista iria
atingir os limites de sua eficácia a partir da década de 1970, quando começou a apresentar
sinais de esgotamento. Um dos fatores determinantes desse esgotamento é que a manutenção
da lógica da produção em série passou a enfrentar sérios obstáculos sociais e tecnológicos em
virtude da crescente dificuldade de conseguir novos incrementos de produtividade. Por outro
lado, essa crise de queda da produtividade trouxe consigo uma instabilidade dos mercados e a
mudança das normas de concorrência internacional.
Portanto, desde os primeiros anos da década de 1970, profundas mudanças ocorreram
no cenário econômico mundial como decorrência do processo de mundialização do capital.
Tais mudanças estruturais foram determinando, progressivamente, os limites do modelo de
produção em massa. Entre essas destacamos o fim do padrão monetário internacional baseado
no acordo de Bretton Woods
17
, que iria alterar profundamente os fatores determinantes do
modelo de produção em série. Isso porque a volatilidade dos mercados, causada pela
desregulamentação dos fluxos financeiros internacionais e, consequentemente, com a
mundialização do capital, acabou gerando um contexto macroeconômico de instabilidades
sistêmicas, o que, por sua vez, provocou uma redução nas possibilidades de previsão do nível
de demanda por parte das empresas.
Logo, o acirramento da concorrência no mercado internacional em virtude da recessão
e dos altos níveis de desemprego, a redução das barreiras comerciais, bem como a
globalização dos mercados, tornaram menos eficaz a gestão em cada país da demanda
agregada. Nesse sentido, o modelo produtivo fordista acabou tendo de passar por drásticas
transformações, como a reestruturação da produção em massa, por meio de combinações de
17
Bretton Woods: nome pela qual ficou conhecida a Conferência Monetária e Financeira das Nacões Unidas,
realizada em julho de 1944, em Bretton Woods ( New Hampshire, EUA), com representantes de 44 países,
para planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais prejudicadas pela Segunda
Guerra Mundial. No entanto, em agosto de 1971 os Estados Unidos adotou a decisão unilateral de promover a
ruptura com o acordo de Bretton Woods, levando à implosão do sistema monetário internacional e
conduzindo a paulatina desregulamentação dos sistemas bancários e de mercado de capitais.
44
automação microeletrônicas e novas relações de trabalho, que possibilitem uma maior
flexibilidade da produção e dos regulamentos e práticas do mercado de trabalho.
De acordo com Amaro (1995), a configuração de uma nova dinâmica produtiva
começou a se delinear a partir desse momento, com o surgimento de novas formas de
organização da produção, baseadas, agora, em novos processos produtivos, tendo por base
novas técnicas organizacionais (just-in-time
18
, Kanban
19
, CCQ
20
, etc.), bem como na
utilização maciça de equipamentos automatizados pela microeletrônica. Em síntese, esse novo
modelo de organização flexível é distinto do padrão fordista de organização industrial, na
medida que a flexibilidade produtiva permite a produção de lotes menores e diversificados, de
maneira a atender às flutuações da demanda e garantir fatias de mercado de forma mais eficaz
que no modelo anterior.
Como afirmamos anteriormente, a base técnica que caracteriza essa nova dinâmica
produtiva global acabou determinando mudanças significativas no espaço organizacional das
empresas, na medida em que se observa a utilização de métodos japoneses (just-in-time e
Kanban,)
21
, os quais vão substituindo e se mesclando paulatinamente às formas de
organização utilizadas anteriormente. Conforme Santos (1996), essa gestão de produção,
complexa e inovadora em toda a sua base técnica, tornou-se mais ágil nas informações; os
produtos são de melhor qualidade e são alterados aspectos como estoques, tempo e custo de
produção.
Nesse sentido, enquanto os procedimentos organizacionais e tecnológicos do fordismo
garantiam ganhos de produtividade decorrentes da produção em escala, na atual dinâmica
produtiva do toyotismo isso ocorre por meio da diversificação da produção, uma vez que com
18
Just-in-Time: O sistema just-in-time (traduzindo literalmente significa “no momento certo”) consiste em uma
filosofia de produção baseada no ato de produzir o que é necessário, na quantidade necessária e no momento
necessário. Como afirmam Fleury e Fischer: “Em termos de produção, just in time significa que, na
montagem de um produto, as necessárias submontagens precedentes devem chegar na linha no momento
necessário à montagem e na quantidade necessário. Dentro dessa lógica, procura-se produzir somente o que
terá utilização imediata, com lotes tanto menores quanto possível”. (1985, p. 191).
19
Kanban: O Kanban pode ser entendido como um sistema de informações que controla a quantidade de
produção em cada processo. O Kanban é um instrumento (cartão, placa, anel, etc.) que, visualmente, indica ao
operador o que fazer, em que quantidade, onde colocar. Em resumo, seria um sistema de informações para
viabilizar o just-in-time. (FLEURY; FISCHER, 1985).
20
CCQ: os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ) são pequenos grupos de funcionário voluntários, que se
reúnem periodicamente para analisar e propor ideias no que tange a melhorias e modificações no processo
produtivo. A adoção dos programas de CCQ esta, de certa forma, associada aos modelos participativos nos
locais de trabalho desenvolvidos pelas empresas japonesas (FLEURY; FISCHER, 1985).
21
O just-in-time foi implantado pela primeira vez, na Toyota japonesa, em meados da década de 1970, e
divulgado por Taichi Ohno, um dos seus vice-presidentes. Considerada por alguns, como uma filosofia
gerencial (Filosofia JIT) e, por outros, apenas como uma técnica, tal forma de administração da produção
industrial é a espinha dorsal do que se convencionou chamar o “modelo japonês”, “toyotismo” ou “ohnismo”.
45
a mesma máquina, graças à tecnologia de automação flexível, é possível produzir um variado
leque de produtos. Essas mudanças, em seu conjunto, trazem consigo uma profunda alteração
no perfil da força de trabalho. Ao contrário dos procedimentos fordistas, que requerem
qualificação apenas nos níveis de gerência, no toyotismo é necessária maior qualificação de
toda a estrutura ocupacional, pois, objetivando a utilização do mecanismo de flexibilidade
interna de mão-de-obra, exige-se um trabalhador polivalente, isto é, que tenha capacidade
para desempenhar múltiplas tarefas. (AMARO, 1995).
Dessa forma, constatamos uma crescente demanda por trabalhadores que possuem um
conjunto heterogêneo de conhecimentos em informática e eletrônica, em processo global de
fabricação, gestão de produção e conhecimentos gerais. Esses atributos da força de trabalho
devem estar relacionados com as novas técnicas de automação e às novas técnicas
organizacionais (just-in-time, Kanban, células de produção). Como afirma Kon,
referentemente a essa estrutura produtiva flexível,
[...] a organização do processo de trabalho e as relações industriais ficam
dependentes da capacidade da mão-de-obra também demonstrar padrões de
flexibilidade que se ajustem a essa nova filosofia não apenas no que se refere à
capacitação para assumir tarefas variadas, como também à possibilidade de em curto
prazo submeter-se a treinamento e reciclagem permanente. Nesse novo processo e
gerenciamento da produção, a mão-de-obra acha-se totalmente envolvida, dando
sugestões de melhorias (kaisen, em japonês), ao contrário do modelo taylorista em
que vigorava a divisão entre os que pensam e os que executam. (1994, p. 124).
Essas formas de organização de produção acabam por criar postos de trabalho
completamente diferentes daqueles característicos do sistema taylorista-fordista, pois
fundamentam seus processos produtivos no trabalho em equipes, as quais são sistematizadas
de tal maneira a se tornarem integradas e homogêneas no que tange à qualificação e
remuneração.
O treinamento dos trabalhadores, por sua vez, passa a ter uma sistemática
multidisciplinar, na medida que em se busca a sua polivalência funcional. Segundo Santos
(1996), as próprias máquinas modernas reprogramáveis de controle numérico utilizadas no
modelo de produção flexível adotado pelas empresas, bem como o ajuste dessas máquinas à
necessidade de controle da sua qualidade e da manutenção, requer um trabalhador
extremamente funcional e polivalente dentro da nova estrutura ocupacional.
46
Dessa forma, fica evidente que a constituição de um novo paradigma produtivo
toyotista, ensejada pelas mudanças estruturais que estão acontecendo na dinâmica produtiva
capitalista contemporânea, e que tem como pano de fundo o atual processo de globalização da
economia está determinado mudanças significativas nas relações de trabalho, impondo, assim,
inúmeros desafios à classe trabalhadora, entre os quais se destacam o desemprego estrutural e
a precarização das condições de trabalho.
2.2 Perspectivas e desafios para a classe trabalhadora
É importante salientar que esse novo paradigma tecnológico, baseado na chamada
“especialização flexível”, traz consigo, no bojo de suas próprias contradições, repercussões
que podem ser visualizadas a partir de duas dimensões distintas e, ao mesmo tempo,
complementares: uma dimensão microeconômica e outra macroeconômica. A primeira se
observa no processo de mudanças que se operam a partir do surgimento de novas formas
técnico-organizacionais (programas de qualidade, reengenharia, terceirização e outras técnicas
e métodos de gestão empresarial). Quanto à segunda dimensão, a mesma traz consigo um
elemento novo e determinante dessa atual lógica de reestruturação produtiva, o fenômeno
muito debatido atualmente e que pode ser o pano de fundo dessas mudanças estruturais do
capitalismo contemporâneo: a “flexibilização”.
É interessante ressaltar que esse fenômeno está intimamente ligado aos
condicionantes macroeconômicos internos de cada país em particular, bem como a questões
relacionadas com a própria conjuntura econômica internacional. Nesse sentido, as
instabilidades sistêmicas propagadas pela volatilidade dos fluxos financeiros e suas
implicações diretas sobre a economia real (governo, empresas e consumidores), vivenciadas e
observadas mais recentemente com a atual crise internacional, acabam por ser um fator
determinante das flutuações abruptas da demanda, pois, como afirma Santos, a noção de
flexibilidade esta associada a
47
[...] flexibilidades existentes nas relações de trabalho (salário, emprego e tempo ou
jornada de trabalho) nas formas de organização e gestão das empresas e, por outro
lado, formas de flexibilização que se baseiam na hegemonia de mercado
possibilitando as empresas responder mais rapidamente às contingências do mercado
de trabalho (de caráter cíclico e estrutural). A busca de competitividade exige uma
maior capacidade de resposta da firma às contingências de demanda – por isso
criam-se conceitos de firma flexível – e requer do mercado de trabalho uma maior
elasticidade diante dos choques internos e externos que o novo padrão competitivo
está impondo à economia. (1996, p. 54-55).
O trabalho de Marques (1997), por sua vez, reforça ainda mais os aspectos
mencionados, na medida em que retrata as relações mutuamente determinantes entre a crise
do sistema de proteção social e a precariedade do trabalho no contexto desse novo modelo de
desenvolvimento econômico baseado na flexibilização produtiva. Em seu estudo a autora
procura apontar as circunstâncias históricas de emergência e do desenvolvimento dos sistemas
de proteção social e destacar seu papel como peça-chave no processo de acumulação fordista,
ao mesmo tempo em que analisa o resultado da crise capitalista instaurada na década de 1970
sobre o mercado de trabalho e as formas de produção, redimensionadas agora de modo a
recompor as condições favoráveis à geração do lucro.
Em outras palavras, observamos uma radical mudança na estrutura de emprego dos
países industrializados e na sua capacidade de gerar trabalho, pois há justamente o aumento
gradativo das taxas de desemprego, associadas a um crescimento vertiginoso da desocupação
de longa permanência, que atinge especialmente jovens, mulheres e trabalhadores com mais
de quarenta anos. Em suma, surge uma nova realidade, caracterizada pela “[...] ampliação do
trabalho em tempo parcial e temporário, onde a regra é a ausência de direitos trabalhistas e
sociais”. (MARQUES, 1997, p. 18). Ao mesmo tempo, essa legião de desempregados, ao se
tornarem socialmente excluídos, acaba por se constituir em indivíduos destituídos de qualquer
possibilidade de inserção cívica e política na sociedade.
Em resposta à crise atual do capitalismo, caracterizada por sucessiva crises cíclicas
desde a década de 1990, o que constatamos na realidade é a formulação de um conjunto de
medidas por parte dos tecnoburocratas governamentais e da classe empresarial (identificados
com os preceitos neoliberais), visando implementar um amplo processo de reestruturação do
capital, com vistas à recuperação do seu ciclo reprodutivo e à constituição de uma dinâmica
produtiva global que seja capaz de garantir e manter a sustentabilidade dos lucros
empresariais das grandes corporações transnacionais.
48
Nesse sentido, as reformas estruturais do Estado – privatizações, desregulação estatal,
bem como as reformas administrativas, patrimonial, previdenciária e trabalhista – constituem
a reestruturação institucional necessária à regulação desse novo modelo de gestão pública
funcional a essa nova lógica de acumulação do capital. Portanto, diante dos novos desafios
impostos à sobrevivência das grandes organizações empresariais, o que se percebe é que a
saída encontrada para a superação da referida crise estrutural do capitalismo contemporâneo
implica a necessidade de profundas reestruturações econômicas, produtivas, organizacionais e
institucionais.
Para a classe trabalhadora, todas essas mudanças estruturais significam que as opções
se estreitam e que a competição se torna mais acirrada no mercado de trabalho, em razão do
menor número de postos de trabalho disponíveis e, também, dos requisitos cada vez mais
exigentes por parte dos empregadores. principalmente se considerarmos o perfil do
trabalhador que as atuais empresas desejam, o qual deve estar apto às mudanças
organizacionais em curso. Por consequência, muitos direitos e mecanismos de proteção social
vêm sendo questionados no bojo do que se denomina atualmente de “flexibilização dos
direitos trabalhistas”.
Sobre esse aspecto, salienta Gounet (1999, p. 30) que “a flexibilidade da produção
exige a flexibilidade do trabalho e dos trabalhadores”; o que, de certa forma, impõe aos
empregados profundas mudanças nas condições de trabalho, fragilizando, assim, o poder de
resistência dos sindicatos diante de tais mudanças institucionais, organizacionais e
tecnológicas. Em outras palavras, no toyotismo a estratégia principal se fundamenta na
seguinte proposição ideológica: “é preciso acabar com o sindicato”. (GOUNET, 1999, p. 31).
Nessa estratégia desmobilizadora do movimento sindical, é necessário também firmar uma
nova relação de parceria com o Estado, na medida em que a cooptação dos tecnoburocratas
governamentais com ideias neoliberais conduz à compreensão conjunta de que tanto a crise
fiscal como a necessidade de ampliar a competitividade empresarial dependem
necessariamente, da reforma da legislação trabalhista e sindical.
Em termos organizacionais, o que podemos observar é a adoção de um conjunto cada
vez mais sofisticado de técnicas de gestão organizacional e tecnológica, centradas na chamada
“flexibilização produtiva”, visando reduzir custos, aumentar a produtividade e ganhar
competitividade nos mercados mundiais. Por meio da flexibilização da produção e do
estabelecimento de redes interempresariais as empresas procuram se beneficiar das vantagens
49
da integração vertical e respondem, com mais rapidez e eficiência, à necessidade de competir,
na medida em que melhoram e diferenciam os seus produtos, adequando-os às demandas cada
vez mais exigentes e diversificadas do mercado global. Como destaca Sennett (2000, p. 60),
“o ingrediente de mais forte sabor nesse novo processo produtivo é a disposição de deixar que
as mutantes demandas do mundo externo determinem a estrutura interna das instituições”.
Dentre as inúmeras mudanças organizacionais implantadas no âmbito da lógica da
acumulação flexível para aumentar a competitividade empresarial, a que mais se destaca
atualmente é a subcontratação. A subcontratação de trabalhadores tem sido a forma de as
empresas se adequarem a conjunturas adversas, caracterizadas pela volatilidade da demanda
agregada, visto que, assim, podem enfrentar os novos cenários de instabilidade sistêmica mais
facilmente e, ao mesmo tempo, reduzir os custos com mão-de-obra.
Em outros termos, surge a era dos “empregos flexíveis”, em que a existência de
“trabalhadores flexíveis” é necessária visando adequar o mercado de trabalho à volatilidade
da economia em razão das constantes crises cíclicas. Dessa forma, é preciso que essa nova
categoria de trabalhadores flexibilizados se torne facilmente contratável e também
descartável, pois “a atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número de
trabalhadores ‘centrais’ e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente
e é demitida sem custos, quando as coisas ficam ruins”. (HARVEY, 1993, p. 144).
Em síntese, de acordo com Antunes (2002b), na era da acumulação flexível as
empresas consideradas eficientes e competitivas são aquelas que dispõem de menor
contigente de força de trabalho e que, mesmo com essa redução do número de trabalhadores,
continuam mantendo altos índices de produtividade, pois, em termos microeconômicos
(microambiente das empresas), o toyotismo significou a introdução de uma nova
racionalidade produtiva, baseada na necessidade de o trabalhador operar simultaneamente
várias máquinas. Por outro lado, esse método de gestão japonês tem, do ponto de vista
macroeconômico (macroambiente das empresas), se constituído como uma estratégia de
enfrentamento das flutuações da economia mundial, consequência das crises financeiras
cíclicas, visto que podem aumentar sua produção sem ter de aumentar de forma
correspondente o número de trabalhadores.
Conforme Pochmann (2001), desde a década de 1990 a economia brasileira começou
a passar por profundas transformações, responsáveis, em grande medida, pela ampliação do
desemprego aberto nacional. Segundo o autor, num primeiro momento, um conjunto de
50
fatores interligados foi utilizado para explicar o aumento do desemprego estrutural no Brasil:
rigidez do mercado de trabalho, baixa qualificação dos trabalhadores, recessão econômica,
entre outros.
No entanto, mesmo diante de situações conjunturais caracterizadas pela recuperação
do nível de atividade econômica (como observado no período 1993-1997) e da
implementação de medidas jurídico-institucionais para a flexibilização do mercado de
trabalho e, também, de políticas educacionais para elevar a escolaridade e o nível de
capacitação da força de trabalho brasileira, tais medidas não foram capazes de conter a
escalada do desemprego nacional.
Em síntese, o desemprego, a desigualdade de salários e renda e o aumento do trabalho
precarizado têm se mostrado crescentes tanto entre as nações ricas como nas pobres, bem
como no interior de cada país, principalmente, aquelas regiões de menor desenvolvimento
social e econômico. Estas, ao adotarem políticas regionais de crescimento econômico, acabam
por estimular a guerra fiscal entre Estados, ao mesmo tempo em que se utilizam da estratégia
de oferecimento de força de trabalho a custos cada vez mais decrescentes. Dessa forma, é
importante situar aqui que a terceirização da força de trabalho por meio das cooperativas de
trabalho, muitas vezes estimuladas e organizadas com apoio do próprio setor público, tem
sido uma das estratégias adotadas pelas empresas para reduzir seus encargos sociais
22
e custos
trabalhistas, ao mesmo tempo em que possibilita contratar os trabalhadores fléxíveis de que
precisa.
Bihr (1998) destaca que a flexibilização produtiva e das relações de trabalho está
ocasionando uma maior fragmentação do proletariado, com o consequente enfraquecimento
do seu poder político. Conforme o autor, no espectro atual do proletariado contemporâneo
podemos destacar três grandes conjuntos: os proletários estáveis e com garantias, os
proletários excluídos do trabalho e a massa flutuante de trabalhadores instáveis, os chamados
“trabalhadores flexíveis”. Em relação a estes últimos, podemos estabelecer algumas diferentes
22
Sobre a questão dos encargos sociais é preciso destacar algumas definições presentes no artigo de Moraes
Júnior (2000). Conforme o autor os encargos sociais ou trabalhistas são despesas impostas às empresas por
meio de dispositivos legais, que têm por finalidade assegurar a proteção social dos trabalhadores. Os
encargos sociais e trabalhistas do empregador são divididos em dois grupos distintos. O primeiro agrega as
obrigações do empregador para com a Previdência, além do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), salário-educação, das contribuições para as seguintes instituições: Serviço Social da Indústria (Sesi),
Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial (Senac), entre outras. O segundo grupo se refere aos direitos trabalhistas, tais
como repouso semanal remunerado, férias, feriados, aviso prévio, auxílio-doença, 13º salário, indenização
compensatória etc.
51
categorias de forma a situá-los melhor no contexto atual: os proletários das empresas que
operam por subcontratação (terceirização), neste caso se incluem também os trabalhadores a
domícilio; os trabalhadores em tempo parcial; os trabalhadores temporários, os estagiários e,
enfim, os trabalhadores da “economia subterrânea”. Em síntese, conforme palavras do próprio
autor (1998, p. 86):
Essas diferentes categorias de trabalhadores têm em comum a submissão a um
conjunto de constrangimentos: instabilidade de emprego e, portanto, de renda;
desregulamentação mais ou menos forçada de suas condições jurídicas de emprego e
de trabalho (em relação às normas legais ou convencionais); ausência de qualquer
benefício convencional; a maior parte do tempo, ausência de qualquer proteção e
expressão sindicais; enfim, tendência à individualização extrema da relação salarial.
Em resumo, para a classe trabalhadora, o resultado dessas mudanças organizacionais e
tecnológicas, resultantes desse novo paradigma produtivo da acumulação flexível, tem sido a
diminuição do trabalho “em tempo integral”, bem como a imposição de regimes de trabalho
mais flexíveis e precários (crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou
terceirizado), ganhos modestos de salários reais (em alguns casos até redução),
enfraquecimento do poder sindical
23
, bem como o aumento do desemprego estrutural.
23
Sobre a questão do enfraquecimento do poder sindical e da crise do sindicalismo contemporâneo, é
importante ressaltar os estudos de Martins (1994), Alves (2000), Bernardo (2000), Antunes (2002a, 2002b,
2002c, 2006). Em todos fica evidente que a descentralização do processo produtivo acentua a
heterogeneidade industrial, na medida em que inúmeras empresas e ramos industriais surgem com o processo
de terceirização. O surgimento deste universo de empresas diferenciadas implica a fragmentação política das
representações coletivas dos trabalhadores, principalmente do setor metalúrgico, visto que conduz o
movimento sindical a procurar novas formas de negociação coletiva e de organização dos trabalhadores,
tendo por estratégia os acordos coletivos por ramos industriais ou por empresa. Em resumo, esta é, em
princípio, uma das formas pelas quais a terceirização contribui para o enfraquecimento do poder sindical,
conduzindo milhares de trabalhadores a se sentirem desprotegidos da ação política de seus sindicatos.
52
3 O COOPERATIVISMO DE TRABALHO NO CONTEXTO DAS RECENTES
TRANSFORMAÇÕES PRODUTIVAS E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
CONTEMPORÂNEAS
Neste capítulo pretendemos proceder a uma breve caracterização do cooperativismo de
trabalho no contexto mais amplo do movimento cooperativista, tendo em vista a necessidade
de destacar a sua especificidade. Portanto, embora saibamos da importância social e
econômica de outros segmentos cooperativistas, como o agropecuário, o de consumo, crédito,
habitacional, educacional, entre outros, iremos em nosso estudo aprofundar a análise sobre as
cooperativas de trabalho, mais especificamente, aquelas que terceirizam força de trabalho e
que são atualmente e popularmente denominadas de “cooperativas de mão-de-obra”.
Essa caracterização histórica e definição específica do tipo de cooperativas a ser
analisado em nossa proposta de investigação é de suma importância, uma vez que dentro do
próprio segmento cooperativista de trabalho existem diversidades de experiências que se
subdividem em sub-ramos
24
, apresentando particularidades diferenciadas que podem, de certa
forma, distorcer a perspectiva de análise crítica que nos propomos efetuar em nosso estudo.
A pluraridade das experiências práticas existentes por meio de sub-ramos dentro do
ramo específico do cooperativismo de trabalho demonstra a importância que este segmento
teve no passado e passa, atualmente, a ter hoje em razão das profundas transformações que
estão ocorrendo na dinâmica produtiva contemporânea e suas implicações para as relações de
trabalho. Logo, o fenômeno recente do crescimento numérico das cooperativas de trabalho,
principalmente em países subdesenvolvidos, no final do século XX e no início deste século
XXI nos conduz, necessariamente, ao desafio sociológico de tentar desvendar cientificamente
os motivos e as motivações que estão por trás deste novo momento histórico de ressurgimento
e expansão do cooperativismo de trabalho. E é esse o desafio que este estudo investigativo se
propõe.
24
Os trabalhos de Perius (1998), Oliveira (1984a) e Mecca (2001) apontam para a necessidade de se observarem
as formas diferenciadas de constituição prática do ramo específico do cooperativismo de trabalho, que, por
sua vez, se divide em vários sub-ramos, os quais serão analisados posteriormente no nosso trabalho de
investiação.
53
3.1 O pensamento cooperativista moderno: contextualização histórica, princípios
doutrinários e precursores do cooperativismo
Para compreender o surgimento e o desenvolvimento das cooperativas de trabalho é
necessário situar historicamente o marco da evolução do movimento cooperativista. De
acordo com Mladenatz (1944), uma das iniciativas coletivas mais antigas das cooperativas de
trabalho é o chamado “artel”, termo utilizado para designar tais experiências associativas que
surgiram na Rússia. Na realidade, o artel refere-se a associações de trabalhadores que datam
do século XIV e que eram constituídas, principalmente, por pescadores, lenhadores,
trabalhadores da terra, etc. As inúmeras atividades de trabalho desenvolvidas por esses
trabalhadores se fundamentavam na solidariedade de seus filiados e nas relações de
parentesco. Portanto, podemos afirmar que o artel foi uma forma de associação que mais se
aproxima da cooperativa de trabalho dos dias atuais
25
.
Em relação ao cooperativismo de trabalho no contexto histórico do movimento
cooperativista moderno, é necessário salientar que este segmento foi um dos primeiros a
surgir quando do desenvolvimento pleno do capitalismo no final do século XVIII e início do
século XIX. De acordo com Rio (1966), os graves problemas sociais gerados para o
proletariado no início do capitalismo levaram a que a cooperativa de trabalho fosse a forma de
associação sugerida pelos ideólogos da doutrina cooperativista para a superação dessas
adversidades. É preciso destacar que, conforme este autor, o desenvolvimento do
cooperativismo de consumo aconteceu num momento histórico posterior.
Portanto, para entender as ideias, os fundamentos teóricos e as experiências práticas do
cooperativismo moderno é preciso relacionar a gênese do movimento cooperativista com as
condições de exploração do trabalho humano impostas pelo capitalismo neste momento
histórico. As contradições do capitalismo, explicitadas na forma de exploração dos
trabalhadores fabris e na injustiça social, tornaram-se fatores determinantes para o surgimento
das ideias, até certo ponto revolucionárias para a época, do movimento cooperativista.
Conforme Drimer (1981), foi justamente nesse contexto que surgiram na Inglaterra e na
França os primeiros pensadores e precursores do cooperativismo moderno.
25
Conforme Pinho (1961a, 1966b), a experiência do artel russo do século XIV conduziu de certa forma; a
constituição posterior das primeiras cooperativas de produção agrícola que reuniam as famílias camponesas
para o trabalho comum e que, no século XX, receberam a denominação de Kolkhoz.
54
Dessa forma, faz-se necessário contextualizar alguns aspectos históricos importantes
que contribuíram para o surgimento deste movimento de reação popular às condições de
exploração e injustiça em que viviam milhares de trabalhadores. Em primeiro lugar, destaca-
se o fato de que imperava nesse momento uma forte influência do pensamento liberal, cuja
doutrina defendia a não participação do Estado nas atividades econômicas, pois se acreditava
que a absoluta liberdade dos diversos fatores econômicos conduziria, espontânea e
harmonicamente, a uma condição de bem-estar social e geral para todos os envolvidos na
dinâmica produtiva capitalista, mais especificamente, para os operários industriais e os
empresários capitalistas.
Em segundo lugar, os grandes avanços tecnológicos que determinaram a chamada
“Revolução Industrial” conduziram a profundas transformações no processo produtivo, entre
as quais o surgimento das fábricas de grande porte, concentrando num mesmo espaço físico
numerosos operários em substituição às empresas artesanais, e a utilização de máquinas e
equipamentos modernos, que contribuiu para modificar a esfera da produção e do trabalho.
Em terceiro lugar, cabe destacar, como consequência direta dos fatores anteriormente
citados, as implicações sociais e humanas dessas transformações, entre as quais as condições
de trabalho desumanas impostas durante essas primeiras fases do capitalismo industrial, com
extensivas jornadas de trabalho, baixos salários, uso abusivo do trabalho de mulheres e
crianças e desamparo total no caso de acidentes de trabalho, enfermidades e outras
contingências. Esses fatos, juntamente com as condições de insalubridade e precariedade em
termos de moradia, alimentação e cuidados sanitários em que vivia grande parte dos
trabalhadores dos centros industriais, bem como os trabalhadores rurais, criaram as condições
subjetivas e objetivas para o surgimento do movimento cooperativista como uma forma
alternativa para superação desse contexto de exploração econômica e social a que estava
submetida grande parte dos trabalhadores da época.
Nesse contexto, mediante a cooperação buscou-se não apenas resolver os problemas
relacionados as necessidades materiais como também a formulação de propostas que pudesse
apontar uma nova forma de convivência social, fundamentada numa sociedade mais justa e
solidária. Dessa forma, as ideias políticas que fundamentaram a ideologia cooperativista no
século XIX estão situadas num momento histórico em que surgiram outras manifestações
sociopolíticas importantes, como o sindicalismo e o próprio socialismo, acompanhado de
outros movimentos de tendência popular, que surgem neste período histórico como
55
manifestações em oposição às condições de exploração humana impostas pela lógica do
capitalismo. É, portanto, nesse cenário de efervescência política e social do início do século
XIX que devemos compreender a gênese das ideias e as primeiras experiências práticas do
cooperativismo.
Conforme os estudos de Mladenatz (1944) e Pinho (1961a, 1966b), as primeiras
entidades cooperativas modernas surgiram, portanto, na Europa no século XIX, mais
precisamente na Inglaterra, França e Alemanha, constituindo-se como uma reação de base
popular diante das condições de exploração do trabalho humano vigentes na fase inicial do
capitalismo industrial. Foi justamente nesse contexto histórico que surgiram as primeiras e
distintas modalidades de entidades cooperativas, destinadas a atender às mais diversas
necessidades da população. Inúmeras iniciativas associativistas surgiram em vários países
europeus quase que de forma simultânea.
As cooperativas de consumo desenvolveram-se a partir da organização na Inglaterra,
em 1844, da famosa experiência da cooperativa de Rochdale
26
. Por sua vez, as cooperativas
de crédito rurais e urbanas, como também as cooperativas de produção, surgiram na
Alemanha e nos demais países do centro da Europa nesse mesmo período do século XIX. As
cooperativas de trabalho, por sua vez, desenvolveram-se inicialmente na França,
aproximadamente a partir da mesma época, sendo assim caracterizadas:
Lás cooperativas de trabajo procuran a sus asociados (obreros, técnicos,
profesionales) fuentes de ocupación estables y convenientes, donde puedan obtener
condiciones satisfactorias de retribución, horario, seguridad, etc. Frente a diversas
situaciones de desempleo, cierre arbitrario de empresas existentes, explotación
inhumana, prácticas abusivas en materia de utilización del trabajo personal, etc., los
asociados crean sus propias empresas cooperativas para la producción o contratación
en común. (DRIMER, 1981, p. 21).
Tais experiências concretas estão, de certa forma, ligadas a um conjunto de propostas
que foram formuladas com base na contribuição teórica dos chamados “precursores” do
pensamento cooperativista moderno, dentre os quais podemos destacar Robert Owen (1771-
1858), considerado “o pai da cooperação moderna”, pois com suas propostas contribuiu de
26
Em 21 de dezembro de 1844 28 tecelões pobres reunidos em assembleia em Rochdale (distrito de Lancashire
- Inglaterra) constituiram uma sociedade cooperativa com o capital inicial de 28 libras, com o propósito de
encontrar um meio alternativo para melhorar sua precária situação econômica. Tal iniciativa pioneira deu
início a uma das primeiras experiências exitosas do movimento cooperativista, tanto que desses tecelões
ficaram conhecidos como os “Pioneiros de Rochdle”. (OLIVEIRA, 1984b; PINHO, 1961a, 1966b).
56
maneira prática para a melhoria das condições de vida de milhares de trabalhadores
27
. Owen
criticava as empresas capitalistas pelo caráter competitivo, bem como a sociedade em que
vivia. Para ele, a lógica social e econômica da sociedade capitalista estava estruturada sobre a
irracionalidade da miséria humana, portanto, na condição de um reformador social; defendia
como forma racional de vida a organização comunitária fundada economicamente no
trabalho, na solidariedade e na cooperação, acreditando que dessa forma, seria possível
corrigir os desvios morais e sociais apresentados pela sociedade capitalista da sua época. Cabe
aqui salientar que seis tecelões ingleses, do total de vinte e oito que formaram a cooperativa
de Rochdale em 1844, tiveram a influência das ideias de Robert Owen. (CARNEIRO, 1981).
Entre as principais formulações de Owen estava a defesa de que a solução para os
problemas sociais poderia ser obtida pela criação de colônias autônomas que funcionariam
como comunidades, nas quais as pessoas associadas produziriam e consumiriam em comum
tudo de que precisavam para a sua subsistência. Essas experiências funcionavam como uma
espécie de “cooperativas integrais”, onde tanto a produção como o consumo se efetuava de
forma coletiva. Conforme Dias (1987), Owen contribuiu, juntamente com outros seus
seguidores, para a formação de inúmeras cooperativas e sindicatos.
Outro teórico não menos importante desse período foi Charles Fourier (1772-1837).
Embora não tenha sido um homem de atuação prática como Owen, Fourier expôs em algumas
de suas obras várias de suas ideias relacionadas á cooperação, entre as quais a proposta de
superação dos problemas sociais de sua época por meio da constituição de agrupamentos
sociais que organizassem a vida em comum
28
. Esses agrupamentos receberiam o nome de
“falanges”, e “falanstérios” se referia ao local onde habitavam. Nestas colônias coletivas o
consumo e a produção também se realizavam de forma cooperativa. As experiências
associativistas de Fourier, que teriam por base a agricultura, forneceram as bases doutrinárias
que fundamentaram as modernas experiências israelenses de empresas autogestionadas
denominadas de Kibutzim. (OLIVEIRA, 1984a).
27
Owen melhorou notavelmente as condições de trabalho dos operários assalariados em sua fábrica e também
procurou dar artigos de consumo e moradias decentes aos seus empregados. O resultado dessas medidas foi a
melhoria do desempenho dos trabalhadores de sua empresa. Uma outra importante contribuição de Robert
Owen foi a sua influência política na aprovação da lei inglesa de 1819, que limitou pela primeira vez o
trabalho de mulheres e crianças. (OLIVEIRA, 1984b).
28
O francês Charles Fourier, contemporâneo de Owen, publicou vários livros, dos quais a sua obra mais
importante foi Novo mundo industrial, de 1829, que consistia num resumo da sua doutrina que inspirou a
constituição dos falanstérios.
57
Saint-Simon (1773-1842) é outro cooperativista importante desse período histórico,
cujas ideias estavam fundamentadas na proposta da substituição do sistema produtivo
capitalista por um novo sistema social, baseado na associação dos trabalhadores, onde cada
trabalhador seria remunerado de acordo com os méritos de seu trabalho. O sistema social
defendido por este cooperativista deveria ser implantado por meio da persuasão e educação
doutrinária. (DIAS, 1987).
É importante destacar aqui que a ideia de um movimento social de caráter
emancipatório sempre se constituiu num conceito importante nas formulaçãoes teóricas dos
principais precursores do cooperativismo moderno. Na doutrina cooperativista de Robert
Owen, Charles Fourier, Willian King, Philippe Buchez, Louis Blanc, Pierre Joseph Proudhon
e outros teóricos, a proposta cooperativista é apresentada como uma alternativa de
emancipação diante do processo de exploração a que estavam submetidos os trabalhadores no
capitalismo da Europa no século XIX
29
. As condições aviltantes de trabalho, caracterizado por
jornadas de trabalho de até 18 horas diárias, salários miseráveis, emprego abusivo de
mulheres e crianças do processo fabril, condições precárias e insalubres de trabalho, moradia
e alimentação, foram fatores que desencadearam o surgimento do cooperativismo nesse
período histórico como uma alternativa emancipatória de trabalho e renda para milhares de
trabalhadores na Inglaterra e na França. (MLADENATZ, 1944).
3.2 Cooperativas de trabalho: origem, pensadores e experiências práticas
Os estudos de Cracogna (1980) e Semisa (1980) relatam que as primeiras experiências
de cooperativas de trabalho surgiram na França, como consequência social da Revolução
Industrial do século XIX. Tais experiências associativistas receberam, inicialmente, neste país
a denominação de “cooperativas operárias de produção”, termo que seria adotado de forma
ampla em toda a Europa. Posteriormente, outras cooperativas deste tipo foram sendo
constituídas na Itália e na Inglaterra, expandindo-se para outros países em períodos
29
Conforme Rios (1989), o surgimento do cooperativismo está estreitamente relacionado com a origem do
sindicalismo, pois as associaçõs de ajuda mútua de trabalhadores surgiram na Europa como reação proletária
às condições de extrema exploração a que estavam submetidos milhares de trabalhadores nesse momento
histórico. O cooperativismo se constituia na alternativa ecomômica e social para minimizar os impactos do
processo de exploração do trabalho humano, ao passo que o sindicalismo se tornava o instrumento de
confrontação política. E é nessa confluência de interesses conjuntos que se manifesta o caráter emancipatório,
tanto do sindicalismo quanto da proposta cooperativista.
58
posteriores. Na América, por sua vez, o termo usualmente adotado para caracterizar esse tipo
de associativismo entre o operariado é o de “cooperativas de produção”, ou “cooperativas de
trabalho e produção”, ou simplesmente “cooperativas de trabalho”, como são chamadas até os
dias de hoje
30
. É importante salientar que neste continente a expansão do cooperativismo de
trabalho só ocorreria a partir de 1932.
No que concerne aos teóricos do cooperativismo, Drimer (1977; 1981), Antoni et al.
(1980) e Oliveira (1984a) destacam a existência de outros pensadores que também deram a
sua contribuição para a formação do pensamento cooperativista moderno. Entre eles podemos
destacar Willian King (1786-1865), Philippe Buchez (1796-1865), Pierre Proudhon (1809-
1865) e Louis Blanc (1812-1882), os quais a história registra como sendo os principais
teóricos das cooperativas de trabalho.
Para King o principal argumento em defesa das cooperativas de trabalho se
fundamentava no fato de que os trabalhadores, por meio de seus próprios recursos, deveriam
constituir cooperativas de consumo e, com os recursos obtidos nessas iniciativas associativas,
organizariam atividades de produção, ou seja, cooperativas de trabalho, onde poderiam
empregar toda a sua força de trabalho, beneficiando, assim, a todos os trabalhadores
associados. Em outras palavras, para este cooperativista, o fator trabalho era crucial, pois
“através da cooperação seria possível ao fator trabalho libertar-se do fator capital, isto é, fazer
com que as classes trabalhadoras, saíssem do estado de miséria e de dependência em que se
encontravam frente às classes capitalistas”. (MLADENATZ, 1944, apud OLIVEIRA, 1984a,
p. 13).
William King, ao defender e priorizar o fator trabalho, estava compreendendo a
cooperação como uma forma de emancipação da classe trabalhadora, na medida em que
permitia que os trabalhadores, por meio das cooperativas de trabalho, fossem donos absolutos
das suas forças de trabalho e, ao mesmo tempo, donos do produto resultante de seus próprios
trabalhos. A afirmação seguinte de King, contida na revista nº 8 da sua publicação mensal
denominada The Cooperation, reforça a sua compreensão da importância do fator trabalho
30
Com o desenvolvimnto deste tipo específico de cooperativa outras modalidades de cooperativas de trabalho
foram surgindo, por meio da iniciativa de distintas categorias de profissionais, que por sua vez se reuniam
para formar cooperativas que não fossem de produção e sim com a finalidade de prestar serviços. Portanto,
estas conceituações e formas distintas demonstram claramente a necessidade de compreendermos as
diferenças empíricas existente no segmento do cooperativismo de trabalho, que de forma geral está dividido
basicamente em dois setores específicos: produção e prestação de serviços. Como salientamos no início do
nosso trabalho as cooperativas de prestação de serviços, também chamadas de cooperativas de mão-de-obra,
consistem no tipo específico de cooperativas que será o referencial empírico do nosso estudo analítico.
59
como elemento central de suas ideias em defesa das cooperativas de trabalho. Ao mesmo
tempo, é importante destacar que para este teórico as cooperativas de trabalho eram
compreendidas como sendo uma alternativa emancipatória para a classe trabalhadora diante
da exploração do capital. Vejamos o que ele diz:
Para demonstrar que uma sociedade deve prover necessariamente a todos seus
membros uma situação independente, tem que provar que encerra em si mesma o
princípio que consegue toda possível independência neste mundo. Esta base é o
trabalho. As classes laboriosas são as únicas que trabalham; têm que decidir de uma
vez se querem trabalhar para si mesmas ou para outros. A partir do momento em que
comecem a realizar a cooperação todos os bens haverão de recair nelas para seu
desfrute. A classe operária possui a força de trabalho. Posto que assim está a coisa, é
assombroso que o operário não tenha direito a dispor livremente do seu próprio
trabalho. O trabalhador, porque não tem capital, fica obrigado a vender seu trabalho
a quem possua esse último elemento. No entanto, o trabalhador poderia converter-se
em proprietário do capital com facilidade, já que todo capital é produto do trabalho.
(MLADENATZ, 1944, apud OLIVEIRA, 1984a, p. 13).
Ainda nessa mesma linha de raciocínio, King defendia a ideia de que não existiria um
antagonismo entre capital e trabalho, mas uma aliança natural entre ambos; portanto, tal
aliança se efetivaria de fato por meio da cooperação, que seria, então, a expressão máxima do
ideal emancipatório representado concretamente pelas experiências práticas das cooperativas
de trabalhadores. A afirmação seguinte de Willian King reforça, portanto, sua tese do caráter
emancipatório das cooperativas de trabalho:
As classes trabalhadoras possuem no trabalho a fonte de todo capital. Permitamo-
lhes crer de novo na união do trabalho e do capital e se fará independentes e
prósperas como suas antepassadas. Crê-se que essa meta possa ser alcançada; porém
não pela atuação de indivíduos isolados. Os trabalhadores que trabalham uns contra
os outros estão condenados a desaparecer. Porém, deixar-lhes acumular economias,
e mais economias, e ainda mais, para constituir um capital comum. Deixa que seja
esse capital comum o que os domine e tenham a segurança de que nunca os
explorará, nem os conduzirá a vagar pelo mundo sem apoio; ao contrário, os
protegerá e os alertará, lhes dará uma independência perfeita e será para eles um pai,
que nunca os abandonará, nem nunca os esquecerá. (MLADENATZ, 1944, apud
OLIVEIRA, 1984a, p. 13-14).
Philippe Buchez (1796-1865), também importante teórico do cooperativismo
moderno, contribuiu também de forma incisiva na formulação das primeiras bases teóricas
para a organização e funcionamento das cooperativas de trabalho, de forma mais precisa em
relação às chamadas “cooperativas de produção industrial”, que constituem atualmente um
60
dos sub-ramos do cooperativismo de trabalho. Nestas os trabalhadores não apenas eram donos
dos meios de produção (ferramentas ou instrumentos de trabalho, capital, matéria-prima, etc.),
mas também donos do produto (resultado) deste trabalho coletivo. As cooperativas industriais
de trabalhadores, na ótica de Buchez, consistiriam na forma ideal de produção, visto que os
próprios operários não dependeriam do Estado nem tampouco, de um capitalista privado para
sobreviver; portanto, construiriam sua própria emancipação econômica e social.
De acordo com o estudo de Guillerm e Bourdet (1976), o francês Pierre Proudhon
(1809-1865), ao lado de Buchez, é igualmente considerado um dos precursores do
cooperativismo obreiro. Na condição de operário e influenciado por ideias socialistas, pregava
que a sociedade deveria ser baseada em princípios de liberdade, igualdade e fraternidade.
Segundo Proudhon, os trabalhadores deveriam organizar pequenos empreendimentos por
meio da associação livre, constituindo cooperativas de produção formadas por operários. Um
outro aspecto importante de suas ideias era a defesa da constituição de um sistema de crédito,
denominado de “Banco do Povo”, cuja finalidade seria subsidiar com recursos financeiros os
empréstimos necessários para viabilizar os empreendimentos cooperativos.
Por fim, é necessário salientar a contribuição teórica de Louis Blanc (1812-1882),
que, juntamente com King, Buchez e Proudhon, contribuiu para a elaboração de um
referencial teórico em defesa das cooperativas de trabalho
31
. Diferentemente de Buchez,
Blanc defendia a existência da grande indústria por meio do que ele chamou de “oficinas
sociais”, as quais seriam uma forma de associação de operários de uma mesma indústria
baseada no princípio da democracia e no espírito de solidariedade fraterna. No entanto, a
diferença principal entre esses autores reside no fato de que Blanc, ao propor um investimento
industrial de grande porte para constituição das oficinas sociais, reconhecia a incapacidade
dos operários para constituírem um capital coletivo vultuoso; portanto, defendia a ideia de que
o Estado, na fase inicial, deveria fornecer os recursos financeiros que seriam reembolsados
posteriormente.
Como salientamos anteriormente, a França e a Inglaterra foram os países onde as
cooperativas de operários tiveram sua ascensão inicial e onde outros teóricos, além dos já
citados, também deram a sua contribuição para a constituição prática das cooperativas de
trabalho. Na França, conforme Drimer (1977), o empresário Andrés Godin também foi um
31
Um trabalho recente de Teixeira (2002) resgatou uma boa parte das mais importantes discussões teóricas que
contribuíram para a formulação da doutrina cooperativista e que foram desenvolvidas, pelos chamados
“autores clássicos” do pensamento cooperativista moderno. Neste trabalho estão presentes na íntegra as
reflexões teóricas de Robert Owen, Saint-Simon, Fourier, Proudhon e Louis Blanc.
61
desses cooperativistas de destaque, cuja maior contribuição foi a doação voluntária de sua
empresa metalúrgica em 1846 a seus operários, experiência que perdurou até 1968. Outro
cooperativista francês importante foi Marcelo Barbu, que também doou a sua fábrica de
relógios a uma comunidade constituída por seus próprios operários.
Na Inglaterra, as cooperativas constituídas por operários foram denominadas de
“sociedades de produção”. Com base nas experiências francesas, os cooperativistas ingleses
fundaram em 1850 a chamada “Sociedade para Promoção de Associações Operárias”. Entre
estes podemos destacar Edward Vansittart Neale (1810-1892); Tomás Hughes (1822-1896) e
Juan M. F. Ludlow (1821-1911). Muitas dessas cooperativas de trabalho constituídas por
operários continuam até hoje, tendo um importante papel na Inglaterra, principalmente em
parceria com as cooperativas de consumo. (DRIMER, 1977).
Coria (1961) e Vial (1984), em suas análises sobre o cooperativismo, apontam que
existem alguns fatores específicos que, em termos gerais, explicam os momentos de expansão
do cooperativismo de trabalho, os quais estariam relacionados basicamente a momentos de
depressão econômica, que ocasionam situações de desemprego, situações emergentes
(catástrofes naturais, guerras, etc.), ou como forma de implantação de políticas públicas
visando à solução de determinados problemas econômico-sociais, entre eles a questão da
geração de trabalho e renda.
Portanto, podemos, de certa forma, afirmar que, semelhantemente aos fatores que
determinaram a expansão do cooperativismo no período da Revolução Industrial do século
XIX, a recente expansão contemporânea do cooperativismo de trabalho dos dias atuais
efetiva-se tendo como pano de fundo também uma nova onda de mudanças tecnológicas e
organizacionais, que caracterizam a revolução científica e tecnológica (Revolução Industrial)
da atual reestruturação produtiva, como também as consequências sociais dessas mudanças,
como é o caso da redução dos postos de trabalho e o consequente aumento do desemprego.
Em outras palavras, podemos observar que os momentos de expansão e retração do
movimento cooperativista sempre se efetivaram historicamente acompanhando os momentos
de oscilações cíclicas de crescimento e crise econômica da própria dinâmica capitalista. É
importante destacar que, embora não tenha conseguido se impor como um modo de produção
capaz de substituir o capitalismo, como propunham seus mais radicais defensores, o
cooperativismo moderno surgiu no século XIX como uma proposta alternativa à produção
capitalista num momento de profunda crise social, em consequência das mudanças
62
tecnológicas e, também, do aumento do desemprego que caracterizaram esse período histórico
da sociedade capitalista européia.
De forma similar, guardadas as devidas proporções de momentos históricos
diferenciados, observa-se em pleno século XXI que esses mesmos fatores têm contribuído
atualmente para a formação de um quadro de instabilidade econômica e social da economia
mundial e nacional, em razão da crise global, caracterizado pelo crescimento do desemprego,
rebaixamento dos salários e deterioração das condições de trabalho. E é no contexto dos fatos
delineados acima, que caracterizam a nova conjuntura econômica da sociedade capitalista
globalizada, que julgamos importante tentar compreender as razões que justificam e explicam
o atual crescimento numérico do cooperativismo de trabalho no Brasil, como também em
outras partes do mundo. A afirmação seguinte de Paula Leite (2002, p. 6) reforça, em certa
medida, os aspectos que caracterizam esse novo ciclo atual de expansão do cooperativismo de
trabalho:
Acompanhando as oscilações da produção capitalista, bem como das principais
correntes que se lhe opuseram ao longo de seu desenvolvimento, o cooperativismo
teve também seus momentos de expansão e refluxo. Se esse movimento lhe garantiu
uma sobrevivência ao longo dos séculos, não lhe permitiu, entretanto, mudar seu
estatuto, não tendo até os dias atuais alcançado se impor como uma alternativa
importante à produção capitalista. Assistimos, contudo, nos dias atuais, a um novo
ciclo de florescimento do cooperativismo que tem vindo à tona juntamente com as
profundas transformações que vêm ocorrendo com o trabalho nas últimas décadas.
Acompanhando o rápido crescimento do desemprego, bem como a tendência de
rebaixamento dos salários e de deterioração mais ou menos generalizada das
condições de trabalho, experiências de cooperativismo e de autogestão das empresas
vêm se difundindo de maneira significativa.
Em resumo, é importante destacar que esse breve histórico a respeito dos precursores
do pensamento cooperativista (em destaque aqui os idealizadores e defensores do
cooperativismo de trabalho) demonstrou como essa forma de cooperação por meio da
organização coletiva dos operários se fez importante em determinado momento histórico
como uma proposta que pretendia se constituir (talvez não tenha conseguido em razão dos
inúmeros fracassos das experiências práticas) numa alternativa emancipatória, do ponto de
vista social e econômico, para milhares de trabalhadores que acreditaram na possibilidade de
se libertar do julgo exploratório dos capitalistas. Seus defensores sempre acreditaram nesta
possibilidade, uma vez que tal ideia sempre esteve presente, como pudemos observar, nas
63
formulações discursivas que embasavam suas argumentações teóricas em defesa do
cooperativismo.
É necessário, entretanto, compreender e dissecar analiticamente a realidade atual das
experiências práticas envolvendo as cooperativas de trabalho, pois suas especificidades
diferenciadoras contidas na tipologia descritiva e conceitual do cooperativismo de trabalho
contemporâneo nos permitem entender algumas contradições que envolvem nos dias atuais a
proposta das empresas de trabalho associativo.
3.3 Conceituação e classificação tipológica do cooperativismo brasileiro: entendendo a
diversidade e a especificidade das cooperativas de trabalho no Brasil
De forma geral, o termo “cooperativismo” deve ser comprendido conceitualmente
como sendo a doutrina que destaca a importância política, social e econômica das sociedades
cooperativas, uma vez que propiciam a eliminação do intermediário nas relações de venda,
consumo, produção, crédito, trabalho, etc., propiciando, com essa eliminação, maiores
vantagens para os seus associados. Ao mesmo tempo, pode ser entendido como o
movimento econômico-político de implantação e proteção do sistema cooperativo, cujo
ideário procura difundir as vantagens e os princípios cooperativistas como uma alternativa de
organização social e econômica fundamentada na prática da solidariedade. (PINHO, 1961a;
DRIMER, 1977, 1981).
No que concerne à realidade brasileira, a atual legislação cooperativista,
consubstanciada na Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971
32
, que institui o regime jurídico das
sociedades cooperativas, em seu art. 4º define o seguinte conceito legal de cooperativa: “as
cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza
civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados [...]”.
(MAUAD, 2001, p. 330). Ainda conforme Mauad, a lei, em seus artigos 5º e 10, afirma que
“as sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação
ou atividade, assegurando-se-lhes o direito exclusivo e exigindo-se-lhes a obrigação do uso da
expressão ‘cooperativa’ em sua denominação”. Prevê que as cooperativas se classificam
32
A Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime
jurídico das sociedades cooperativas (Brasil, 2008).
64
também de acordo com o objeto ou pela natureza das atividades desenvolvidas por elas ou por
seus associados. (MAUAD, 2001, p. 331-332)
33
.
Portanto, com base nessa definição jurídica podemos entender que o universo do
cooperativismo brasileiro apresenta uma diversidade de cooperativas de acordo com o ramo
em que atuam e, para tal, a legislação pertinente (Decreto nº 22.239/32, já revogado, e Lei nº
5.764/71) define uma classificação das sociedades cooperativas em vários tipos, conforme a
natureza e o objeto da atividade econômica exercida pelos associados.
Se considerarmos o universo cooperativista mundial e nacional, é necessário
compreender que o movimento cooperativista é constituído por vários tipos de cooperativas,
que atuam em diversos ramos, atendendo e envolvendo distintas atividades econômicas.
Dessa forma, apresentamos aqui sua classificação geral de acordo com a legislação vigente: a)
cooperativa de produção agrícola, b) cooperativa de produção industrial, c) cooperativas de
trabalho (profissional ou de classe), d) cooperativas de beneficiamento de produtos, e)
cooperativas de compras comum, f) cooperativas de vendas comuns, g) cooperativas de
consumo, h) cooperativas de abastecimento, i) cooperativas de crédito, j) cooperativas de
seguro, l) cooperativas de construção de casas populares, m) cooperativas editoras e de cultura
intelectual, n) cooperativas escolares, o) cooperativas mistas, p) cooperativas centrais, q)
cooperativas de cooperativas (federações).
É necessário salientar que esse conjunto de tipos diversos de cooperativas é apenas
exemplificativo, tendo em vista que a atual classificação jurídica possui ampla flexibilidade,
permitindo a livre criação dessa entidades, sejam quais forem os objetos e a atividade
econômica exercida por elas. Portanto, apesar desses aspectos diferenciadores dos diversos
tipos de cooperativas, é preciso compreender que tais organizações associativas são, na
realidade, em termos gerais, uma sociedade de pessoas, não de capitais, que, por isso, se apoia
na ajuda mútua dos sócios, possuindo o objetivo comum e predeterminado de afastar o
intermediário e propiciar o crescimento econômico e a melhoria da condição social de seus
membros.
Como destacado anteriormente, o interesse do nosso estudo investigativo está
centrado nas cooperativas de trabalho; portanto, é necessário estabelecer uma definição
conceitual, bem como as características dessas cooperativas. E foi justamente partindo dessa
preocupação, de definir e conceituar mais precisamente o que é uma “cooperativa de
33
Tomamos também como referência para compreeno dos aspectos jurídicos constitutivos das sociedades
cooperativas os trabalhos de Franke (1973), Althaus (1977) e Bulgarelli (1998).
65
trabalho”, em consequência da sua expansão a partir do início da década de 1980, que ocorreu
o III Seminário Brasileiro das cooperativas de trabalho, em Belo Horizonte, em fins de 1987.
Como resultado das discussões e reflexões conceituais efetuadas no referido evento, elaborou-
se o seguinte texto final:
As cooperativas de trabalho são organizações de pessoas físicas, de uma ou mais
categorias de trabalhadores, reunidos para o exercício profissional em comum, em
regime de autogestão democrática e de livre adesão, tendo como base primordial o
retorno ao Cooperado do resultado de sua atividade laborativa, deduzidos
exclusivamente os Custos Administrativos, a Reserva Técnica e os Fundos Sociais.
(MAUAD, 2001, p. 76).
De forma complementar, o estudo de Semisa (1980), entre os vários existentes sobre
cooperativas de trabalho, talvez seja o que melhor nos possibilita compreender alguns dos
conceitos que definem e caracterizam essa forma específica de organização associativa,
inclusive salientando algumas diferenciações dentro do próprio segmento do cooperativismo
de trabalho. Esclarece o autor:
a) uma cooperativa de trabalho é uma associação de pessoas que se reunem para
trabalhar em comum, com o esforço, conjugado de todos, com o fim de melhorar sua
situação social e econômica; deixando de ser assalariadas para transformar-se em
donas de seu próprio destino, pondo o capital e o trabalho ao serviço do homem,
revertendo a modalidade de outros tipos de empresa; b) uma cooperativa de trabalho
é uma fonte de produção ou de prestação de serviços, governada, administrada e
desenvolvida unicamente por seus associados trabalhadores, operários, técnicos,
administrativos ou profissionais, todos com os mesmos direitos obrigações; c) uma
cooperativa de trabalho é a união de vontades postas ao serviço de uma causa
comum que respire a liberdade humana e objetiva, conseguir condições de trabalho
justos, participação e responsabilidade integral na marcha de sua empresa e de seus
resultados econômicos e sociais, dentro da mais pura democracia, que assegura o
respeito individual, a ação conjunta, a justiça e a liberdade. (1980, p. 21).
Essas definições de Semisa (1980) evidenciam claramente a existência de sub-ramos
distintos dentro do próprio ramo do cooperativismo de trabalho: as cooperativas de produção,
as de prestação de serviços e as de mão-de-obra. De forma geral, na América Latina
34
este
34
Embora não exista uma definição específica na atual legislação cooperativista brasileira (Lei 5.764/71) do que
venha a ser uma cooperativa de trabalho, toma-se como referência legal a última definição contida no artigo
24 do Decreto 22.239/32, posteriormente revogado pelo Decreto-lei 59/66, e este pela Lei 5.764/71, de que
“são cooperativas de trabalho aquelas que, constituídas entre operários de uma determinado profissão ou
ofício ou de ofícios vários de uma mesma classe, têm por finalidade primordial melhorar os salários e as
condições de trabalho pessoal de seus associados e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário,
se propõem contratar obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos ou particulares, coletivamente por todos
ou por grupos de alguns”. (MARTINS, 2003, p. 27).
66
tipo específico de cooperativas recebe as seguintes denominações: “cooperativas de
produção”, “cooperativas de trabalho e produção” ou “cooperativas de trabalho”, sendo que a
denominação “cooperativas de trabalho” engloba as cooperativas de produção ou serviço e as
de mão-de-obra
35
. Nesse sentido, é necessário destacar que esta modalidade de cooperativa
apresenta outros sub-ramos com características distintas, demonstrando que, mesmo dentro de
um segmento (ramo) específico, existem diferenciações (sub-ramos) que precisam ser
consideradas para compreendermos melhor a realidade concreta das cooperativas de trabalho.
De acordo com os estudos de Drimer (1977) e Oliveira (1984a), o ramo das
cooperativas de trabalho agrupa trabalhadores em geral (operários, técnicos, profissionais, etc)
que organizam em comum o seu trabalho, apresentando a seguinte divisão em sub-ramos: a)
cooperativas de produção propriamente ditas; b) organizações comunitárias de trabalho; c)
cooperativas de trabalho propriamente ditas; d) cooperativas de mão-de-obra. Como
afirmamos anteriormente, essa tipologia diferenciadora do ramo do cooperativismo de
trabalho precisa ser mais bem compreendida conceitualmente, pois nos permitirá entendermos
os aspectos distintos dos vários sub-ramos que fazem parte desta mesma categoria de
cooperativas.
Em outro trabalho, Oliveira (1996) procurou estabelecer uma síntese desta
classificação de forma um pouco diferente da anteriormente citada, classificando as
cooperativas de trabalho em três importantes tipos: a) cooperativas de prestação de serviços,
também chamadas de “mão-de-obra” ou de “trabalhadores” tanto da área urbana como rural:
este tipo de cooperativa agregaria os mais diversos profissionais do setor da sáude (médicos,
odontólogos, psicólogos, fisioterapeutas e paramédicos domiciliares); do setor de transportes
(motoristas de táxis, caminhões, ônibus e microônibus) e de diversas outras categorias de
trabalhadores autônomos (carregadores, práticos, professores, vigilantes, donas-de-casa,
operários da construção civil, garçons, catadores de papel, varredores e catadores de lixo,
cabeleireiros, manicures, vendedores, artistas, auditores, ecólogos, engenheiros,
adminsitradores, etc.); b) Cooperativas de produção: neste tipo destacam-se as cooperativas
industriais, cooperativas dos assentados da reforma agrária; c) Cooperativas artesanais:
35
Silva (2005), em seu estudo jurídico sobre as cooperativas de trabalho, procura distinguir as cooperativas de
prestação de serviços das cooperativas de mão-de-obra afirmando, inclusive, que as primeiras seriam de fato
cooperativas de trabalho propriamente ditas, nas quais não configura o trabalho subordinado, pois todos os
associados dirigem o empreendimento, detendo a posse dos instrumentos da produção e a total
disponibilidade do produto do seu trabalho. Destaca as cooperativas de médicos, dentistas, taxistas, de
transporte, etc. como sendo os exmplos mais evidentes deste tipo específico de cooperativas de trabalho.
67
formadas por artesãos que fabricam os mais variados tipos de produtos, geralmente nas suas
próprias residências, adquirindo a matéria-prima e comercializando seus produtos por meio da
cooperativa. (OLIVEIRA, 1996, p. 7-8).
Para melhor entender essas diferenças e facilitar nossa compreensão apresentamos os
aspectos caracterizadores desses sub-ramos. As cooperativas de produção propriamente ditas
são aquelas em que os associados possuem seus próprios estabelecimentos produtivos, sendo,
portanto, donos dos fatores de produção (capital, instalações, máquinas, etc.) e enfrentando
coletivamente os riscos econômicos do empreendimento. Tais cooperativas produzem e
vendem seus produtos no mercado. É neste tipo específico de cooperativa de trabalho que se
observa concretamente a transformação do trabalho assalariado em trabalho associativo.
As organizações comunitárias de trabalho, por sua vez, apresentam as mesmas
características das “cooperativas de produção propriamente dita” no que concerne à produção
e venda coletiva dos produtos por meio de seus próprios estabelecimentos produtivos, porém
as relações humanas e produtivas neste tipo de cooperativa acentua em muito a ideia da
propriedade comum dos meios de produção. Nestas se aprofundam estreitos vínculos
econômicos e sociais entre os trabalhadores, por meio do entrelaçamento entre famílias.
Modernamente, tais cooperativas podem ser enquadradas nas experiências concretas do
Kibutz israelense, do Ejido mexicano, ou do Kolkhoz russo, ligadas, em sua maioria, às
atividades agrícolas.
As cooperativas de trabalho propriamente ditas têm por objetivo contratar trabalho
com outras pessoas ou empresas para redistribuí-lo entre os associados. De forma geral,
utilizam capital, equipamentos e instalações próprias, produzindo e oferecendo ao mercado
seus bens e serviços. São exemplos as cooperativas de médicos, dentistas, engenheiros,
enfermeiros, sapateiros, garçons, garis, e de outras categorias de profissionais autônomos.
Alguns autores definem também esta forma de organização associativa como “cooperativas de
profissionais liberais”. Entre os mais importantes exemplos podemos destacar as Unimeds (de
médicos) e Uniodontos (de dentistas).
Por fim, há as chamadas cooperativas de mão-de-obra, onde os trabalhadores
(cooperados) exercem suas atividades laborais nas instalações de outras empresas (tomadores
de serviços), fornecendo unicamente a força de trabalho. Uma das suas principais
características é que esta força de trabalho, que é o produto da intermediação entre este tipo de
cooperativa e a empresa tomadora de serviço, é negociada geralmente por meio de contratos
68
de terceirização. Diferentemente das outras modalidades de cooperativas de trabalho, esta se
caracteriza exclusivamente por envolver uma relação de compra e venda da força de trabalho.
Em outros termos, esta força de trabalho se constitui na principal e única forma de mercadoria
negociada entre as partes envolvidas, ou seja, a cooperativa de prestação de serviços vende a
força de trabalho individual do seus cooperados, ao passo que a tomadora de serviço a
compra.
Dessa forma, podemos constatar que as cooperativas de trabalho podem assumir
diversas formas de organização, sendo, portanto, importante estabelecer alguma forma de
classificação diferenciadora entre elas. Semisa (1980), Périus (1998) e Martins (2003)
adotaram uma outra classificação, que, embora possa ser aparentemente distinta em termos
conceituais da classificação de Drimer (1997), nos ajudará também a entender melhor os sub-
ramos do segmento cooperativista de trabalho. O trabalho de Mecca (2001)
36
, por exemplo,
sobre o cooperativismo de trabalho seguiu a orientação da classificação dos autores
anteriormente citados e apresentou sinteticamente os seguintes agrupamentos distintos:
(i) cooperativas de produção coletiva, tendo como exemplo as Cooperativas de
Produção Agropecuária –CPAs, ligadas aos movimentos de assentamento dos sem-
terra; (ii) organizações comunitárias de trabalho, como os Kibutz, de Israel; (iii)
cooperativas de trabalho que dispõem de um capital, equipamentos e
instalações industriais próprias, entendendo-se àquelas de produção industrial,
agrícola e artesanal; (iv) cooperativas de profissionais liberais, autônomos como a
cooperativa de médicos (UNIMED) e de dentistas (UNIODONTO) e, (v)
finalmente, as cooperativas de mão-de-obra, que operariam nas instalações de
outras empresas – as tomadoras de seus serviços. (MECCA, 2001, p. 33-34).
Considerando as diversas formas que tais organizações associativas podem assumir, a
classificação citada anteriormente torna-se importante em nosso estudo na medida em que
apresenta distinções que nos permitem melhor compreender em qual situação se efetiva de
fato a prática organizacional da terceirização da força de trabalho. Isso nos permite também
compreender a explicação central da nossa hipótese, fundamentada na ideia da inclusão
precária por meio das cooperativas de trabalho. Portanto, faz-se necessário destacar, mesmo
que de forma resumida, os aspectos diferenciadores dos vários sub-ramos do segmento
cooperativista de trabalho.
36
Conforme Mecca (2001), a origem legal , no Brasil, das cooperativas de trabalho está relacionada ao art. 24,
do Decreto 22.232, que foi revogado em 1966 pelo Decreto-Lei nº 59/66.
69
No que se refere às cooperativas de produção, a característica diferenciadora é a
propriedade dos meios de produção pelos próprios cooperados. Nessa forma de organização
os cooperados são de fato coproprietários da empresa cooperativa. Dentro deste sub-ramo se
inserem também os casos de cooperativas de trabalho em que a produção dos produtos se
efetiva de forma individualizada, mas o processo de comercialização se dá de forma conjunta.
É o caso, por exemplo, das cooperativas artesanais.
Em relação às cooperativas de trabalho que dispõem de um capital, equipamentos e
instalações industriais próprias
37
, destacamos o fato de que geralmente estão relacionadas à
produção industrial, principalmente em casos de empresas privadas que faliram, cuja massa
falida é assumida pelos trabalhadores, que podem constituir uma cooperativa industrial.
As organizações comunitárias de trabalho, por sua vez, estão mais presentes em
situações onde predomina o caráter de solução comunitária para o problema do trabalho e da
renda, sendo muitas vezes os vínculos familiares, raciais, religiosos e comunitários os fatores
de coesão social que predominam na constituição deste tipo de cooperativa de trabalho.
Conforme Mecca (2001, p. 37), podem-se citar como exemplos de tais experiências
associativas “os Kibutz de Israel, os ejidos, no México, as comunas na China e os kolkhoz na
Rússia”. No caso brasileiro, tais experiências associativistas estão relacionadas às atividades
agropecuárias desenvolvidas pelos “assentamentos dos ‘trabalhadores rurais sem terra’
agrupados nos PAC’s Projetos Alternativos Comunitários – que contam com o apoio da
Cáritas”. (MECCA, 2001, p. 37).
Já as cooperativas de profissionais liberais autônomos referem-se a cooperativas de
trabalho cujo objetivo é oferecer coletivamente os serviços laborais de determinada categoria
de profissionais liberais. Tais serviços profissionais são oferecidos a um determinado público
por meio de convênios com pessoas jurídicas ou físicas. Neste caso, é interessante ressaltar
que tais cooperativas se caracterizam pelo fato de que os trabalhadores associados geralmente
atuam num local próprio para a realização do seu trabalho (geralmente em seus consultórios
ou escritórios particulares), ou mesmo na própria sede da cooperativa. Portanto, os serviços
contratados por meio de convênios com pessoas jurídicas, por exemplo, não significam
subordinação direta do trabalhador cooperado ao tomador do serviço, pois o cooperado
37
Estes dois sub-ramos têm sido considerado por Singer e Souza (2003) como integrante do chamado “novo
cooperativismo”, o qual se refere ao novo impulso que essa forma de associação coletiva vem tendo com o
agravamento do desemprego. Tais formas associativas estão relacionadas à ideia de empresas autogeridas e
que se encontram política e socialmente representadas pela Associação Nacional de Trabalhadores de
Empresas Autogeridas e de Participação Acionária (Anteag).
70
apresenta total autonomia profissional, não só pela possibilidade de negociação do preço do
seu trabalho, como por não sofrer qualquer ingerência direta do tomador de serviço no
processo de trabalho que desenvolve.
Por fim, queremos salientar outro tipo específico de cooperativas de trabalho, as
chamadas cooperativas de mão-de-obra, que, diferentemente dos exemplos citados,
caracterizam-se unicamente pela intermediação da força de trabalho dos seus cooperados, a
qual é contratada por uma empresa tomadora de serviços. Neste caso, os trabalhadores
cooperativados não são donos dos meios de produção e não produzem um bem específico a
ser comercializado de forma conjunta, tampouco vendem seus serviços profissionais
específicos, como é o caso das cooperativas de profissionais liberais autônomos. É justamente
em razão da sua especificidade que esses casos possibilitam a prática organizacional da
terceirização, pela qual determinada empresa, pública ou privada, contrata a força de trabalho
dos trabalhadores cooperativados para exercerem atividades laborais sob a coordenação e
controle da empresa contratante.
Portanto, considerando as diferenciações existentes no ramo cooperativista de
trabalho, dada a existência de sub-ramos com características distintas, podemos constatar que
este sub-ramo específico das cooperativas de mão-de-obra é o segmento associativo do
cooperativismo brasileiro que mais suscita polêmicas atualmente, em razão, principalmente,
das suas controvérsias jurídicas, relacionadas às discussões em torno da flexibilização e da
desregulamentação dos direitos trabalhistas
38
. Em relação a este fato é preciso considerar três
aspectos que, de certa forma, já caracterizam atualmente o processo de desregulamentação em
curso na legislação trabalhista brasileira:
No âmbito específico do trabalho, tanto na possibilidade de intensificar a jornada de
trabalho diária quanto na mobilidade interna dos empregados; no âmbito da
formalização do emprego, viabilizando a despedida de empregados sem custos e a
contratação precária de trabalhadores por prazo fixo ou subcontratados; no âmbito
salarial, permitindo que os salários sejam reduzidos aos seus níveis naturais, isto é,
livremente determinados pelo mercado. (ARRUDA, 1998, p. 89).
38
Desregulamentar é retirar da legislação parte dos direitos trabalhistas, que não mais seriam garantidos por leis,
mas, sim, por meio da negociação entre as categorias envolvidas. Em outras palavras, consistiria em diluir as
normas jurídicas que protegem os trabalhadores com poder de sanção e caráter de eficácia para que cada
direitos sejam negociados entre patrões e empregados.
71
Nesse sentido, a classificação apresentada visa, de certa forma, não apenas esclarecer
as formas diferenciadas que podem assumir as cooperativas de trabalho, mas também servir
de referência para o estudo sociológico que fundamenta esta tese de doutorado. Para efeito de
compreensão teórico-conceitual e para melhor entendermos a prática organizacional da
terceirização da força de trabalho por meio do cooperativismo, gostaríamos de destacar que as
cooperativas analisadas em nosso estudo referem-se, de forma específica, às chamadas
“cooperativas de mão-de-obra”, ou melhor, as cooperativas intermediadoras ou agenciadoras
de força de trabalho, de forma que se possam diferenciá-las dos outros sub-ramos das
cooperativas de trabalho. São justamente essas cooperativas de trabalho, por meio de
contratos de terceirização de serviços com outras empresas, que em certa medida estão
envolvidas em muitas situações que caracterizam uma nítida fraude ao direito do trabalho
39
.
É exatamente esse tipo específico de cooperativas de trabalho que está criando sérios
problemas e desafios para o direito do trabalho no Brasil
40
, principalmente quando se
considera a Lei n° 8.949, de 09 de dezembro de 1994, que inseriu o parágrafo único no art.
442 da Consolidação das Leis do Trabalho” (CLT), pelo qual fica disposto que “qualquer que
seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo de empregatício entra
ela e seus associados, nem entre estes e o tomador de serviços daquela”. Neste caso, o que se
observa é que a própria lei trabalhista acabou por autorizar a atuação das cooperativas na
terceirização de serviços sem que se configure uma relação empregatícia entre os associados
das cooperativas de trabalho e a empresa tomadora de serviços. Tal alteração legislativa gerou
grande contestação nos meios juslaboralistas, uma vez que acabou criando o precedente para
que muitas empresas se valessem da terceirização da força de trabalho cooperativada como
39
No que se refere a este aspecto, é preciso considerar o estudo jurídico de Carelli (2002), que procura fazer uma
distinção conceitual em seu estudo, pois para ele existem, de um lado, “as cooperativas de trabalho e
produção”, nas quais os cooperados trabalham de forma autogestionada e a cooperativa detém os meios de
produção, e, de outro lado, as “cooperativas de trabalho intermediadoras de mão-de-obra”, ou seja,
fornecedoras de mão-de-obra para as empresas públicas e privadas, geralmente viabilizadas pelos contratos de
terceirização. De acordo com o autor são justamente estas últimas que possibilitam as formas fraudulentas de
terceirização, desvinculadas da proteção social assegurada pela legislação trabalhista.
40
O tema das cooperativas de trabalho no âmbito das contradições e desafios do direito do trabalho
contemporâneo perante a crise estrutural do emprego em nível mundial foi objeto de debate na 90ª
Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada no período
de 3 a 19 de junho de 2002, quando se discutiu a questão das cooperativas de trabalho, editando-se a
Recomendação n. 193 da OIT. No Brasil, no ano de 2003 foi realizado o Seminário de Cooperativas de
Trabalho pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em parceria com a Social Democracia Sindical (SDS).
Tais eventos tiveram por objetivo discutir os desafios impostos pelo surgimento das cooperativas de trabalho,
principalmente no que que tange ao direito do trabalho e à necessidade de reconhecimento das cooperativas de
trabalho como altertivas de geração de emprego e renda num contexto de desemprego em escala mundial.
(MARTINS FILHO; SALABERRY FILHO , 2004) .
72
um mecanismo para fraudar a legislação trabalhista visando ao barateamento dos custos do
trabalho.
As polêmicas suscitadas envolvendo a alteração no dispositivo da legislação
trabalhista relativa às cooperativas de trabalho são evidentes quando consideramos a seguinte
afirmação de Campelo:
A existência ou não de vínculo empregatício entre cooperados e cooperativa e entre
cooperado e a empresa, tem sido alvo de grandes discussões, tanto no âmbito
jurisprudencial, como doutrinário, sendo que a lei Lei 8494/94, alterando a redação
do art.442, da CLT, sinalizou para à ampliação da atuação das cooperativas, seja na
atividade meio ou fim da empresa contratante, sem que se configure vínculo
empregatício dos associados com a cooperativa ou mesmo com o tomador de
serviços. (2005, p. 29).
É justamente essa “brecha jurídica” contida no dispositivo de lei e evidenciada pelo
especialista em direito do trabalho acima citado, que tem possibilitado inúmeras
oportunidades, no âmbito da legislação pertinente, para que muitas cooperativas de trabalho
deste tipo específico surjam e se constituam em potenciais fontes de fraudes trabalhistas. É
importante salientar que a vinculação empregatícia no âmbito da CLT se configura quando da
presença dos elementos jurídicos formais prescritos na lei, mas também do fático jurídico.
Assim, a relação de emprego caracterizar-se-á de fato pela existência de quatro requisitos:
pessoalidade, onerosidade, continuidade, subordinação. Consideraremos cada um deles aqui
separadamente:
1) Pessoalidade- prestação de trabalho ou serviço por pessoa física, fato decorrente
de o trabalho ser prestado por pessoa física, ou seja, não vinculada a uma
cooperativa nem a uma empresa de terceirização; 2) Onerosidade - considera-se
empregado toda pessoa que recebe salário fixo. Ao valor econômico da força de
trabalho, colocada a disposição do empregador pelo empregado, corresponde um
conjunto de verbas de caráter contraprestativo; 3) Continuidade - é necessário para a
configuração da relação de emprego que a prestação não tenha caráter esporádico,
eventual. O trabalho é aquele que é requisitado pela empresa de forma
absolutamente temporária. Essa prestação de serviço não se integra na atividade fim
da empresa; 4) Subordinação - é requisito essencial no reconhecimento da relação
de emprego, o de maior destaque. Atua sobre o modo da prestação do serviço e não
sobre a pessoa. Caracteriza-se pelo fato que o prestador não tem liberdade de
trabalhar o tempo que quiser, ou executar o que lhe convém. Toda sua atividade está
condicionada à determinação do empregador. (DOMINGUES, 2002, p. 33-34).
73
Considerando esses aspectos caracterizadores da relação empregatícia, o que de fato
observamos em muitas cooperativas que intermedeiam a força de trabalho é que em muitas
situações concretas esses elementos estão presentes no cotidiano da sociabilidade do trabalho
dos seus associados, uma vez que a contratação de serviços por meio da terceirização da força
de trabalho implica que os trabalhadores cooperados (terceiros) realizem suas atividades
laborais dentro do estabelecimento da empresa contratante, onde de forma geral se constata a
presença de alguns desses requisitos característicos da relação empregatícia definida na
CLT
41
.
Por outro lado, e de forma contraditória ao que vem se posicionando o Ministério
Público do Trabalho
42
, é preciso salientar também que o próprio poder público, além de
contribuir juridicamente na regulação das cooperativas de trabalho e nas relações de emprego,
como ficou evidente na questão relativa da alteração do parágrafo único do art. 442, tem
contemplado de modo relevante o cooperativismo de trabalho como uma importante
estratégia para atenuar a problemática do desemprego
43
. Portanto, é nesse contexto
contraditório e desafiador para o poder público, que o obriga a ter de formular políticas
públicas efetivas para a geração de emprego e renda por meio dessas iniciativas
associativistas, que tais cooperativas de trabalho acabam encontrando as condições
41
De acordo com Campelo (2005) “[...] se verificada a subordinação jurídica do associado da cooperativa com a
empresa contratante dos serviços, estará configurada o vínculo empregatício e será constatada a fraude entre
esta e a sociedade cooperativa, que então, terá participado como mera intermediária de mão-de-obra. Dessa
forma, fica caracterizada a relação empregatícia com a empresa tomadora dos serviços [...]”. (2005, p. 53).
42
Conforme Fernandes da Silva (2005, p. 152-153), compete ao Ministério Público do Trabalho (MPT)
promover ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas, bem como
promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para defesa dos interesses coletivos quando
desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. No que se refere à utilização desvirtuada
das cooperativas de trabalho, o MPT tem o poder de reprimir a prática da fraude que se efetiva quando a
relação de trabalho associado se desvirtua numa relação de trabalho subordinado. Na hipótese de haver
indícios de ilegalidade, o MPT instaura um inquérito civil para realizar a apuração dos fatos supostamente
ilegais e, caso se obtenham elementos probatórios, é efetuada uma ação civil pública por meio da Justiça do
Trabalho com o objetivo de cessar a fraude. O MPT propõe, portanto, a formulação de um termo de
ajustamento de conduta às exigências da lei, tendo em mira a imediata cessação da ilegalidade. Este termo
terá eficácia de um título executivo extrajudicial, podendo conter a cominação de multa diária em caso do seu
descumprimento.
43
Na atualidade brasileira, as altas taxas de desempregados, subempregados e de trabalhadores informais
acentuaram a importância das cooperativas de trabalho. Dessa forma, o Estado tem sido chamado não só para
estimular o cooperativismo de trabalho, mas também para renovar aspectos normativos da sua produção
jurídica no que tange, sobretudo ao direito do trabalho. Esta necessidade de alteração da CLT evidencia a
possibilidade de que outras alterações no sistema de proteção social do trabalho possam gradualmente
configurar uma situação de flexibilização da legislação trabalhista. Uma das iniciativas no âmbito estatal ao
estímulo do cooperativismo de trabalho foi o Proger (Programa de Geração de Emprego e Renda), que institui
várias linhas de crédito e carência com juros especiais para o fomento de cooperativas de forma geral,
principalmente as de produção e de trabalho (exceto as de consumo), com recursos do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT). (CAMPELO, 2005).
74
legitimadoras (já que possuem amparo legal) para se tornar, em muitas situações, verdadeiros
instrumentos de exploração e precarização do trabalho humano.
3. 4 O cooperativismo de trabalho no Brasil
Como exposto anteriormente, para compreender a importância de um sistema
cooperativista para a economia de qualquer país devemos considerar, em primeiro lugar, a
diversidade de segmentos específicos existentes, ou seja, os tipos de cooperativas de acordo
com o ramo em que atuam, uma vez que cada segmento apresenta suas particularidades. No
caso brasileiro, os principais segmentos do cooperativismo moderno são agropecuário,
consumo, crédito, educacional, habitacional, mineração, produção, serviços ou infraestrutura,
saúde, turismo e lazer e trabalho.
No que se refere à literatura acadêmica brasileira, é preciso salientar que o segmento
do cooperativismo brasileiro que mais apresentou intenso destaque no campo dos estudos
sociológicos, em razão do seu papel econômico e social, foi o segmento das cooperativas
agropecuárias. Sorj (1980), Loureiro (1981), Coradini e Frederic (1981), Frantz (1982) e
Duarte (1986) são alguns dos importantes estudos acadêmicos que evidenciam o processo de
constituição do cooperativismo agropecuário de caráter empresarial que se consolidou no
Brasil e, principalmente, no estado do Rio Grande do Sul, em decorrência da expansão da
produção de soja nas décadas de 1970 e 1980 e de sua importância na pauta das exportações
agrícolas brasileiras
44
.
Posteriormente, na década de 1990, apesar da crise de credibilidade que afeta
parcialmente o cooperativismo, em razão da falência de grandes cooperativas agrícolas no
estado, a estratégia associativista volta a ser vista como uma alternativa importante para a
agricultura de base familiar enfrentar um novo desafio que surge neste período: a formação do
Mercosul, com suas implicações concorrenciais para o setor agrícola. Nesse sentido, as
cooperativas agrárias voltam a exercer uma importante possibilidade de viabilização social e
econômica de milhares de pequenos produtores agrícolas, em razão da possibilidade de, por
44
O cooperativismo agrropecuário também tem sua importância ressaltada no processo histórico brasileiro
durante o final do século XIX e início do século XX a partir das experiências das cooperativas que foram
criadas nas comunidades de origem alemã e italiana no sul do Brasil. Essa expansão inicial do cooperativismo
agropecuário aconteceu em consequência da iniciativa tomada pelo governo do estado do Rio Grande do Sul,
que entre 1911 e 1913 contratou um técnico italiano, Stefano Paternó, para organizar as cooperativas
agropecuárias do Estado. (DENACOOP, 1993).
75
meio da integração do sistema cooperativo, tornarem-se uma alternativa de enfrentamento
socioeconômico diante das ameaças impostas para os setores agropecuários mais fragilizados
no contexto de um processo de abertura econômica.
Os estudos de Campos (1991, 1994 e 1998) procederam a uma importante análise
sociológica deste momento de ambiguidade do cooperativismo agrícola vivenciado na década
de 1990, quando a crise de credibilidade, de um lado, conjugada às políticas de estímulo à
expansão do cooperativismo do outro, era a tônica dos discursos que permeavam as
discussões em torno das alternativas que a pequena produção familiar teria para enfrentar o
Mercosul, principalmente naqueles produtos em que a produção agrícola nacional não
apresentava vantagens competitivas
45
.
A partir da segunda metade da década de 1990 o segmento cooperativista que mais
apresentou taxas de crescimento expressivas no Brasil foi o das cooperativas de trabalho. Por
conta desse crescimento, bem como da sua importância nos dias de hoje, este segmento
específico tem se tornado atualmente um importante objeto de estudo por parte de alguns
pesquisadores ligados à economia, à sociologia e ao direito do trabalho. Poucos ainda são os
estudos sociológicos mais aprofundados sobre este segmento específico do cooperativismo na
literatura acadêmica brasileira, embora seja possível perceber que, em razão das várias
implicações que tal segmento cooperativista envolve, quando relacionado com a questão da
reestruturação produtiva e da flexibilização das relações de trabalho, algumas pesquisas no
campo do direito do trabalho já estão sendo gradativamente desenvolvidas.
Como salientamos anteriormente, o estudo acadêmico que fundamenta o tema desta
tese de doutorado envolve basicamente uma análise sociológica do segmento cooperativista
de trabalho no contexto das mudanças que estão se precessando no mundo do trabalho
comtemporâneo. Tais cooperativas são constituídas por pessoas ligadas a uma determinação
ocupação profissional, com a finalidade de melhorar a remuneração e as condições de
trabalho de forma autônoma. De acordo com as entidades representativas do cooperativismo
45
Os trabalhos de Facco (1993), Pereira (1992) e Fetag (1994) são alguns exemplos dos estudos comparativos
que foram efetuados neste período e que apontavam alguns produtos agrícolas do sul do Brasil que mais
seriam afetados com o processo de integração do Mercosul. Entre esses se destacavam na época dos estudos o
trigo, leite, milho, soja, cebola, vinho, etc., os quais eram considerados produtos com baixa competitividade
em comparação com a produção similar argentina e uruguaia. O trabalho de Campos, de forma específica
(1994 e 1998), defendia a estratégia do associativismo para o setor vitivinícola como forma de enfretamento
da concorrência imposta pelo Mercosul. Apesar das inúmeras experiências de fracasso de algumas
cooperativas vinícolas, a estratégia cooperativista nesse momento se constituía em uma importante alternativa
possível diante da nova conjuntura de desafios, caracterizada pela remoção das barreiras protecionistas no
âmbito da área de livre comércio do Cone Sul da América do Sul e de seu impacto para o setor agropecuário
brasileiro.
76
brasileiro (OCB, Ocergs, Fetrabalho, etc.), o cooperativismo de trabalho apresenta atualmente
um grande potencial como instrumento de mudança política, econômica e social, capaz de
propiciar a valorização e a emancipação de várias categorias de trabalhadores, principalmente
daqueles marginalizados, subempregados e desempregados.
Conforme o estudo de Oliveira (1984a),
46
é necessário destacar que o segmento
cooperativista de trabalho no Brasil, até o final da década de 1970, apresentou um
crescimento um pouco incipiente se comparado ao de outros segmentos, que apresentaram
uma maior expansão, tais como o segmento agropecuário e de consumo, por exemplo. Só
mais recentemente, a partir da década de 1980, acompanhando principalmente o aumento do
desemprego, bem como a adoção de novos procedimentos organizacionais implantadas no
mundo empresarial, entre elas a prática da terceirização, é que se observa uma expansão
expressiva deste segmento do cooperativismo.
Tal constatação corrobora também as análises de Laidlow (1980), que já apontava uma
tendência de crescimento das cooperativas de trabalho na década de 1980. De acordo com seu
estudo, depois do setor agropecuário o segmento que se tornaria mais importante dentro do
movimento cooperativo em escala mundial situar-se-ia no campo do emprego. Portanto, essa
tendência nesse período já indicava o crescimento do número de cooperativas de
trabalhadores de todos os tipos nas próximas décadas. Para o autor, o movimento renovador
das cooperativas operárias (cooperativas de trabalho) marcaria o começo de uma nova
revolução industrial no século XX.
No caso brasileiro, embora já existissem algumas experiências esparsas em poucos
estados brasileiros desde a década de 1980, sua maior concentração estava no estado de São
Paulo. Tal concentração das cooperativas de trabalho nesta unidade da federação pode estar,
de certa forma, relacionada ao fato de que o desenvolvimento industrial, característica
histórica deste estado da União, propiciou o surgimento das primeiras cooperativas deste tipo,
envolvendo a participação de operários industriais. Ainda hoje o estado de São Paulo
caracteriza-se pelo número significativo de cooperativas de trabalho comparativamente aos
outros estados da União.
A primeira cooperativa de trabalho no estado de São Paulo foi a Cooperativa de
Trabalho dos Carregadores e Transportadores de Bagagens do Porto de Santos, que surgiu em
46
É necessário destacar que o trabalho de Oliveira (1984a) é, talvez, o mais importante estudo sistematizado
sobre o histórico do cooperativismo de trabalho no Brasil na literatura acadêmica nacional; razão porque
tomaremos como importante referência teórica para a contextualização histórica deste segmento específico
do cooperativismo brasileiro.
77
1938, com 32 associados na fundação e 40 associados em novembro de 1974. (OLIVEIRA,
1984a). Ainda conforme Oliveira, até dezembro de 1982 o número de cooperativas de
trabalho no Brasil era de 324 organizações, conforme podemos observar no seguinte relato do
autor:
Entre as 324 cooperativas de trabalho em funcionamento em dezembro de 1982 tem-
se que 60 são artesanais e produção industrial; 150 no setor de saúde; 56 na área de
transportes; 12 formadas por jornalistas e 46 são classificadas como diversas.
Segundo a distribuição das cooperativas de trabalho por Região e Estado, a Região
Norte tem 12 cooperativas concentrando-se no Pará e Amazonas, sendo que em três
territórios e um Estado não funciona nenhuma cooperativa e trabalho; a Região
Nordeste concentra 66 cooperativas, prevalecendo as artesanais e de produção
industrial, com 38 cooperativas; na Região Centro-Oeste o total é de 19
cooperativas, destacando-se as do setor saúde com 11; a Região Sudeste possui 147
cooperativas, sendo 82 do setor saúde e a Região Sul com 80 cooperativas de
trabalho também tem dominância às do setor saúde com 39. (OLIVEIRA, 1984a,
p. 28).
Portanto, essa expansão inicial do cooperativismo de trabalho no Brasil na década de
1980 congregava, inicialmente, uma ampla diversidade de profissões, entre as quais podemos
destacar sapateiros, estivadores, garçons, farmacêuticos, doceiros, técnicos gráficos, técnicos
eletrônicos, fotógrafos, secretárias, contadores, vigilantes, zeladores de edifícios,
trabalhadores rurais, médicos, artesãos, costureiros, tecelões, jornalistas, motoristas,
carregadores, músicos, artistas, catadores de lixo, etc
47
.
A expansão do cooperativismo de trabalho nessa década demonstra que esse segmento
específico paulatinamente foi se tornando, a partir desse período, um dos principais
segmentos do cooperativismo brasileiro, comparativamente aos outros segmentos
cooperativistas, inclusive em relação ao cooperativismo agrícola, que sempre foi o mais
destacado. É o que podemos observar na seguinte afirmação:
47
É importante salientar que essa diversidade em relação às profissões que abrangem o cooperativismo de
trabalho obrigou alguns estudiosos a adotar uma tipologia para diferenciar os principais grupos de
cooperativas de trabalho segundo suas áreas específicas de atuação. Conforme Oliveira (1984a), foram
classificados inicialmente cinco grupos para facilitar os estudos: artesanal e produção industrial, jornalistas,
sáude, transportes e diversas.
78
O que se depreende desta visão geral é que as cooperativas de trabalho estão
crescendo e ganhando espaço no sistema cooperativista. Essas cooperativas eram
181 em 1975, passaram para 239 em 1978, 313 em 1980 e 324 em 1982, e tendem a
crescer muito mais, pois há Estados e Territórios que não têm várias modalidades de
cooperativas de trabalho e vários possuem reduzido número delas. Analisando-se a
evolução dessas cooperativas no Brasil, no período de 1975-1982, observar-se que
cresceram em 78%, expansão esta notável para um período tão curto como o
analisado. No mesmo período, maiores taxas de crescimento no número de
cooperativas de trabalho foram observadas na região Norte (+200%), Nordeste
(+127%), Centro-Oeste (+171%) e Sul (+92%). A região Sudeste que concentra
maior proporção destas organizações apresentou um crescimento de 41%, muito
significativo, ao considerar-se que em 1975 esta região continha cerca de 60% do
total das cooperativas de trabalho do Brasil. (OLIVEIRA, 1984a, p. 28).
Apesar, entretanto, desse surto inicial de crescimento das cooperativas de trabalho na
década de 1980, foi a partir do decênio de 1990 que o cooperativismo de trabalho passaria a
encontrar seu momento mais efetivo de significativa expansão quantitativa. Em outras
palavras, as cooperativas de trabalho estão surgindo e se expandindo atualmente como
decorrência das recentes mudanças no mundo do trabalho. As rápidas e generalizadas
inovações organizacionais e tecnológicas da atual reestruturação produtiva, bem como a
automação e informatização dos processos produtivos, têm conduzido a um aumento cada vez
maior do desemprego, levando milhares de trabalhadores desempregados à condição de
excluídos.
Considerando algumas informações recentes obtidas na Organização das Cooperativas
do Brasil (OCB), a expansão quantitativa deste segmento cooperativista está, de certa forma,
ligada às recentes mudanças no mercado de trabalho, bem como ao aumento do desemprego,
que induz forçosamente muitos trabalhadores, principalmente de baixa qualificação, a se
organizarem por meio de cooperativas de trabalhadores como forma de se inserirem no
mercado de trabalho, mesmo que muitas vezes isso venha a significar a perda de direitos
sociais que o emprego formal com carteira assinada garante
48
.
Dessa forma, tanto os trabalhadores qualificados (médicos, professores, engenheiros
agrônomos, dentistas, psicólogos, jornalistas, etc.) como, e principalmente, os
semiqualificados ou não qualificados (artesãos, cabeleireiros, costureiras, doceiras, garçons,
48
É necessário destacar que o trabalhador cooperativado não possui juridicamente a mesma proteção legal que o
trabalhador assalariado com vínculo empregáticio, cuja atividade laboral está sob a tulela estatal da relação de
emprego regulada por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Os trabalhadores das cooperativas
de trabalho não possuem os mesmos direitos que os trabalhadores com vínculo empregatício e carteira
assinada, tais como férias, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aviso prévio,
repouso remunerado, horas estraordinárias, seguro-desemprego, em outras palavras, todos os direitos sociais
assegurados pelo artigo 7º da Constituição Federal.
79
catadores de lixo, etc.) estão se organizando por meio de cooperativas como forma estratégica
de se inserir no mercado de trabalho. Os primeiros constituem um grupo de profissionais que
buscam uma estratégia empresarial para viabilizar de forma cooperativa os interesses
específicos de sua profissão, como é o caso mais conhecido dos médicos a Unimed e dos
dentistas a Unidonto. No segundo caso, refere-se aos trabalhadores assalariados de pouco
qualificação (na sua maioria são operários industriais e trabalhadores autônomos), que
perderam seus empregos e encontram nas cooperativas de trabalho a única alternativa para se
inserir no mercado de trabalho. Neste caso, o mercado de trabalho caracteriza-se por ser
informal, uma vez que esses trabalhadores não possuem vínculo empregatício com carteira de
trabalho assinada, configurando, portanto, uma nova e distinta relação de trabalho, que tem
como uma de suas principais características a perda de direitos sociais garantidos pela
vinculação empregatícia.
De acordo com muitos defensores do cooperativismo de trabalho (dirigentes das
organizações cooperativistas brasileiras, empresários e políticos), este segmento se apresenta
atualmente como uma grande alternativa no sentido de colaborar diante do desafio do
desemprego. Para eles, as cooperativas de trabalho podem se constituir numa frente potencial
de geração de novos empregos, congregando desempregados e organizando muitas categorias
profissionais dispersas, de acordo com as novas exigências do mercado de trabalho.
Tal compreensão sobre o papel das cooperativas de trabalho como fonte geradora de
emprego e renda está bem evidente no posicionamento defendido pelo senador Jonas
Pinheiro, no que se refere ao projeto de lei de sua autoria que está em andamento e que visa
acrescentar um capítulo específico sobre as cooperativas de trabalho na Lei nº 5.764, de 16 de
dezembro de 1971, a qual define a Política Nacional de Cooperativismo. Vejamos a
justificativa do senador, destacada no estudo de Silva Filho:
80
As cooperativas de trabalho têm sido vistas como alternativas de trabalho e renda
para muitos cidadãos brasileiros, sobretudo no momento atual, quando as
possibilidades de gerar emprego e renda têm sido extremamente limitadas e o
processo de competitividade bastante acelerado. O crescimento do número de
cooperativas de trabalho e de trabalhadores a elas associados tem sido estimulado
justamente por a carga tributária incidente sobre essa modalidade associativa ser
menor e por ser mais flexível nelas as relações entre o capital e o trabalho, o que na
prática, representa maior remuneração aos trabalhadores. Segundo a Confederação
Brasileira das Cooperativas de Trabalho, ligada a Organização das Cooperativas
Brasileiras – OCB, existem atualmente, no pais cerca de 25 mil cooperativas de
trabalho, que, juntas reúnem, aproximadamente, 4 milhões de cooperados. Esses
números por si sós demonstram a abrangência das cooperativas de trabalho no Brasil
e a sua importância atual, e justificam a existência de uma legislação específica que
discipline e normalize o funcionamento delas. (2001, p. 213).
Portanto, a necessidade de uma alteração complementar da legislação cooperativista,
visando torná-la mais apropriada às novas relações de trabalho do atual contexto produtivo,
está associada, de certa forma, à necessidade de adequação dos custos empresariais à nova
realidade competitiva das empresas, num mundo globalizado. Esse deve ser um fator
importante a ser considerado no processo explicativo desse fenômeno social e organizacional
que é o crescimento quantitativo das cooperativas de trabalho nos últimos anos. No Brasil,
muitas dessas cooperativas estão proliferando de forma desordenada, muitas vezes sem o
próprio controle das próprias instâncias normativas e reguladoras do cooperativismo
brasileiro, tais como as organizações cooperativistas estaduais (OCEs), que são os órgãos de
representação do cooperativismo estadual
49
e são filiados à Organização das Cooperativas do
Brasil (OCB), este o órgão de representação máxima do cooperativismo brasileiro
50
.
Em síntese, apesar de a problemática do desemprego se constituir no motivo que tem
conduzido ao crescimento do número de cooperativas de trabalho atualmente, é preciso
salientar que a ideia da redução dos gastos com impostos (no caso das cooperativas de
trabalho de determinadas categorias profissionais) e com os encargos sociais e trabalhistas (no
caso das cooperativas que terceirizam a força de trabalho) constituem-se no principal fator
motivacional que vem justificando o crescimento numérico deste tipo de cooperativa. E é
justamente nesse contexto que precisamos compreender o papel que as cooperativas de
49
O nosso estudo investigativo se efetivará com algumas cooperativas de trabalho do estado do Rio Grande do
Sul, que estão organizadas numa federação de cooperativas denominada Fetrabalho/RS, que, por sua vez, está
associada a uma OCE, que é a Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul (Ocergs).
50
Em termos de instâncias govrnamentais responsáveis pela gestão das políticas de associativismo e
cooperativismo no Brasil, é importante destacar a existência do Departamento de Cooperativismo e
Associativismo (Denacoop), subordinado atualmente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
- Mapa, e que foi criado pelo Decreto Legislativo nº 6, de 10 de maio de 1990.
81
trabalho desempenham quanto utilizadas em muitas circunstâncias como instrumentos de
flexibilização da legislação trabalhista e de precarização do trabalho humano.
82
4 TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHADORES PRECÁRIOS: O MITO DA
FLEXIBILIDADE PRODUTIVA E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Neste capítulo procuramos compreender criticamente a estratégia da terceirização da
força de trabalho tão utilizada pelas empresas para aperfeiçoamento da flexibilidade do
processo de produção, pois entendem que a adequação à nova realidade produtiva imposta
pela globalização da economia exige mudanças organizacionais, que possibilitem, sobretudo,
a redução dos custos operacionais com pessoal, garantindo a lucratividade.
Na realidade, a terceirização, ao se constituir numa prática de gestão organizacional
adotada pelo patronato no âmbito do processo de trabalho, visa a dois objetivos principais: o
primeiro, de caráter econômico, visa constituir uma categoria de trabalhadores adequados às
exigências de uma cada vez maior flexibilidade produtiva, pela qual transferir para terceiros
determinadas partes do processo de produção significa reduzir de forma efetiva os custos
administrativos e de produção, como também adequar a força de trabalho às flutuações e
crises cíclicas do capitalismo contemporâneo; o segundo, de caráter político, é minar ou até
mesmo destruir toda e qualquer forma de resistência operária e sindical por meio da
desintegração (desmantelamento) dos coletivos de trabalhadores, o que se efetiva pela
descentralização do processo produtivo.
Portanto, a nossa abordagem crítica sobre a terceirização parte da ideia de que a
adoção desta estratégia organizacional, em certa medida, contribui para constituir socialmente
uma nova categoria de trabalhadores precarizados
51
, voláteis e facilmente descartáveis: os
trabalhadores flexíveis de baixo custo. Estes são cada vez mais obrigados a se adequar às
constantes instabilidades dos mercados, que ora se expandem, ora se retraem, conduzindo as
empresas a criar mecanismos de contratação de força de trabalho adaptados a esses cenários
mercadológicos de volatilidade econômica. Assim, o mito da flexibilidade produtiva, ensejada
na prática da terceirização (que se apresenta como a nova panaceia organizacional adotada
pelas empresas), se, por um lado, representa uma nova forma de gestão da produção e do
trabalho adequada à competitividade do mundo globalizado, por outro, remete a classe
trabalhadora a vivenciar uma desumanizadora precarização das suas condições de trabalho.
51
Sobre o trabalhador precarizado, também chamado de “subproletariado” é preciso considerar as reflexões
teóricas associadas ao surgimento dos chamados “novos proletários” e que estão presentes nos trabalhos de
Antunes (2002a; 2002b).
83
4.1 Trabalhadores precarizados pela terceirização do processo produtivo
A discussão sobre a questão da terceirização e seus efeitos sobre o mundo do trabalho
no Brasil inicia-se a partir de alguns estudos acadêmicos desenvolvidos desde o início da
década de 1990. Entre esses destacamos o trabalho de Borges e Druck (1993), que
problematiza o fenômeno organizacional da terceirização no contexto da crise da sociedade
do trabalho, determinada pelas profundas mudanças que se operam em nível mundial e que é
resultante dos processos de reestruturação produtiva e da globalização da economia. Segundo
os autores, tais processos configuram um novo momento de acumulação capitalista, no qual
as novas tecnologias e as novas técnicas de gestão organizacional (entre elas a terceirização)
acabam por impor mudanças radicais nos padrões de uso da força de trabalho.
Um dos aspectos que se salientam no que tange à configuração desses novos padrões
no uso da força de trabalho é a crescente exclusão social que atinge um amplo segmento de
trabalhadores, pois, de acordo com Borges e Druck (1993, p. 23), “essa exclusão se apresenta
como um elemento estrutural da etapa que se inaugura e não como resultante de uma crise
conjuntural e recessiva, que seria superada com a recuperação da economia mundial”. Em
outras palavras, a terceirização no Brasil caracteriza-se não só pela redução do emprego no
conjunto da economia, mas também pela eliminação de postos de trabalho mais bem
remunerados (salários e benefícios) nas grandes empresas e a sua substituição por empregos
de menor remuneração e de pior qualidade nas empresas terceirizadas
52
.
No que concerne às relações de trabalho, a terceirização tem levado a um crescimento
acelerado do mercado informal, com a precarização dos vínculos empregatícios e com o
aumento dos trabalhadores subcontratados, em grande parte prestadores de serviços
terceirizados. A separação entre as atividades-fins e as atividades-meios dentro das empresas,
viabilizada pela adoção de novos procedimentos organizacionais visando à descentralização
da produção, tem possibilitado que a terceirização se torne uma importante estratégia do
capital em ampliar cada vez mais as suas margens de lucro. Tal técnica de gestão da produção
52
Conforme o estudo de Borges e Druck (1993), a prática generalizada da subcontratação em cadeia, envolvendo
várias empresas, leva a que por trás de cada contrato de subcontratação ocorra um verdadeiro processo de
nivelamento por baixo da qualidade dos novos postos de trabalho gerados pela terceirização, em comparação
àqueles que deixam de existir nas grandes empresas. Portanto, um dos principais aspectos que se observam
na adoção da prática da terceirização no Brasil pelas empresas a mesma ocorre simultaneamente a uma
drástica redução do salário dos trabalhadores, acentuando, dessa forma, ainda mais a deterioração do
mercado de trabalho e a exclusão social.
84
tem permitido que as empresas transformem parte dos seus custos fixos em custos variáveis,
na medida em que a empresa principal deixa de ser responsável legal por uma parte desses
trabalhadores, que são deslocados para as empresas terceirizadas.
O recente estudo de Marcelino (2006) sobre a empresa Honda demonstra claramente
como as inovações organizacionais toyotistas adotadas nesta empresa automobilística, entre
as quais a terceirização, têm impactado a realidade de muitos trabalhadores, pois tal estratégia
organizacional acaba escondendo uma “face oculta” da flexibilização produtiva e que tem a
ver com a desregulamentação das relações trabalhistas. Como afirma o autor:
Com o fim da contratação direta da foa de trabalho diminuem os chamados
encargos trabalhistas (fundo de garantia, aviso prévio, contribuição previdenciária,
décimo terceiro, férias etc) e o valor da remuneração do trabalho paga em forma de
salários, além de deixar de ser onerosa para a empresa a contratação ou demissão de
trabalhadores variando de acordo com as demandas do mercado. Isso tudo com
amparo legal para terceirizar e enquadrar esses trabalhadores em outras categorias
profissionais que não aqueles das indústrias. É nesse quadro de desregulamentação
das relações trabalhistas que os trabalhadores das indústrias automobilísticas da área
de logística, onde essa atividade foi terceirizada, são considerados trabalhadores de
assessoramento, e não metalúrgicos. Como só é possível extrair mais-valia de
trabalho vivo, rebaixar salários por meio da terceirização de atividades é uma forma
de exploração renovada no capitalismo. (MARCELINO, 2006, p. 98).
Tal fato pode ser cada vez mais observado dentro das organizações empresariais, pois,
em certa medida, a terceirização tem se constituído num mecanismo que contribui
significativamente para a desintegração da força de trabalho ao possibilitar não apenas a
dispersão física dos trabalhadores, limitando a possibilidade de coesão coletiva e,
consequentemente, enfraquecendo as suas identidades sociais, como também flexibilizando,
por meio da desregulamentação, as relações de trabalho. Assim, podemos afirmar que as
atuais relações capitalistas de produção contemporâneas obrigam, de certa forma, as empresas
a acompanharem as mudanças organizacionais ensejadas pelas técnicas toyotistas de produção
e gestão da força de trabalho, de forma a assegurar os níveis de competitividade necessários à
sua sobrevivência no mercado. No entanto, todo esse processo acontece simultaneamente à
precarização das condições de trabalho de milhares de trabalhadores.
Por isso, acreditamos que o fator mais preponderante para que a empresa acabe
terceirizando algumas etapas de seus processos de produção seja, de fato, a possibilidade de
reduzir os custos com a força de trabalho, pois tal redução de custos possibilitada pela
terceirização permite um ganho de competitividade em termos de preços, além da
85
possibilidade de ampliar a taxa de lucro por meio do aumento da taxa de mais-valia. Na
prática, isso acontece na medida em que a terceirização dos serviços acarreta que os
trabalhadores terceirizados cheguem a ganhar a metade do que ganha o trabalhador da
empresa contratante. Essa tem sido a percepção dos trabalhadores diante dos processos de
terceirização que estão sendo adotados em muitas empresas
53
. No que se refere a essa
constatação, observamos que, quando indagados sobre os reais motivos que levam uma
empresa a terceirizar serviços, alguns trabalhadores cooperativados entrevistados em nosso
estudo afirmaram, de forma unânime, que era a redução de custos
54
.
Outro aspecto a salientar sobre o fenômeno da terceirização é que em muitas situações
acaba criando duas categorias de trabalhadores, que, de forma geral, podem até executar
atividades laborais semelhantes, trabalhando muitas vezes lado a lado no mesmo espaço
organizacional, mas que desfrutam de situações de trabalho completamente distintas. Uma é a
categoria de trabalhadores protegidos pela legislação trabalhista, geralmente ligada a
sindicatos representativos e atuantes, em condições de trabalho melhores e possuindo algumas
vantagens diferenciadas, tais como convênio médico extensivo aos dependentes, convênio
farmácia, vale-refeição, cesta básica, bolsas de estudo (incentivo a formação educacional) etc.
Por sua vez, a outra categoria (de trabalhadores terceirizados), em sua maioria, além de
salários menores, como salientamos anteriormente, em muitos casos não possui sequer
vínculo empregatício
55
, bem como nenhum dos benefícios sociais oferecidos para os
trabalhadores das empresas contratantes.
53
Conforme ficou evidente no estudo sobre a empresa Honda efetuado por Marcelino (2006), a empresa
terceirizada LSL (Logística Sumaré Ltda.) foi criada a partir da empresa principal (Honda). Ao constituir
uma nova empresa (terceirizada), a Honda (empresa contratante) transfere para essa uma parte signinificativa
dos seus trabalhadores. Essa estratégia significa manter o mesmo nível de qualificação dos trabalhadores e a
mesma qualidade do processo produtivo, ao mesmo tempo em que possibilita a redução dos salários dos
trabalhadores da empresa terceirizada. No caso da experiência citada neste estudo, fica evidente que os
trabalhadores terceirizados da LSL (empresa subcontratada) recebem salários menores do que os contratados
diretamente pela Honda.
54
Como iremos constatar mais adiante no capítulo V, os trabalhadores das cooperativas de trabalho analisadas
em nosso estudo também percebem que sua transferência das empresas com as quais possuem vínculo
empregáticio (carteira assinada) para as cooperativas de trabalho, por meio da terceirização de serviços,
significa não apenas redução de salários, mas também a perda de direitos assegurados na CLT em função do
contrato formal de trabalho. Na realidade na percepção dos trabalhadores cooperativados, eles concluem que
as cooperativas de trabalho os conduzem a vivenciar situações de informalidade e de desproteção social na
medida em que perdem seus direitos trabalhisitas garantidos no contrato formal que a CLT assegura.
55
No caso das cooperativas de trabalho que agenciam a força de trabalho por meio da prática da terceirização de
serviços, a condição de cooperados não caracteriza vínculo empregatício com a cooperativa; dessa forma, isto
significa não ser beneficiado pela legislação trabalhista (CLT), que lhes assegura amplos direitos sociais, tais
como acesso ao fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) quando desligados da cooperativa, seguro-
desemprego, décimo terceiro, férias, seguro, licença maternidade, etc. (CAMPOS, 2001, 2004).
86
Em termos políticos, como já salientado, a terceirização tem sido adotada como um
mecanismo utilizado para enfraquecer a classe trabalhadora por meio da fragilização dos
sindicatos
56
, em outros termos, tem se constituído numa nova forma de ataque aos direitos
trabalhistas. De acordo com o documento “Os trabalhadores e a terceirização” (Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC Rumo a Unificação, 1993, p. 44), citado por Marcelino (2006), várias
são as consequências da terceirização no plano político-sindical, entre as quais destacamos:
Fragmentação da representatividade sindical, pois mediante a redefinição legal do
enquadramento, os trabalhadores terceirizados passam a constituir categorias
diversas dos demais companheiros de fábrica. Precarização de direitos, pois a lei
específica quais são os direitos do trabalhador temporário (na prática terceirizado),
restringindo-os em relação às garantias contidas na CLT [...]. Passa a existir um
maior controle da empresa tomadora (para a qual, de fato, o empregado trabalha)
sobre o empregado terceirizado, o que facilita a repressão de sua ação sindical.
Ademais, é preciso reconhecer que o empregado está evidentemente fragilizado
pelas condicionantes mencionadas nos itens acima. Desconcentração do número de
empregados num mesmo local de trabalho, face à descentralização da atividade
produtiva das empresas. Possibilidade de aumento da rotatividade de mão-de-obra e
negação, na prática, dos direitos sindicais [...]. (MARCELINO, 2006, p. 102-103).
Em síntese, além da redução dos salários, que possibilita um aumento substancial dos
lucros das empresas, a prática organizacional da terceirização tem se constituído num
poderoso mecanismo que, paulatinamente, tem minado a resistência operária e sindical,
“através do desmantelamento, da desintegração e da individualização dos coletivos de
trabalhadores, buscando reduzir e limitar ao mínimo necessário a socialização do trabalho e a
construção de sujeitos coletivos”. (DRUCK, 1999, p. 10).
Essa estratégia empresarial tem conduzido, inclusive, a que esta nova categoria de
trabalhadores terceirizados evite até mesmo a sindicalização, pois acabam perdendo referência
quanto a qual sindicato pertencem em razão da “torre de babel” que é hoje o fragmentado e
pulverizado movimento sindical brasileiro; ou, mesmo, como consequência das exigências e
ameaças por parte das empresas de que os trabalhadores não devem se sindicalizar caso
queiram manter seus empregos. Todos esses fatos relacionados à dimensão produtiva e à
dimensão político-sindical que a terceirização enseja implicam sérios desafios para a classe
trabalhadora, pois, de acordo com Druck (1999, p. 11), o que de fato está acontecendo é
56
É preciso considerar que a prática da terceirização no Brasil tem se constituído, de fato, em mais um
mecanismo eficaz utilizado pelo patronato para reduzir o poder dos sindicatos. Tal estratégia política reflete o
modelo de gestão autoritária da força de trabalho coerente com a tradição empresarial brasileira.
87
[...] a existência de um processo de (des)fordização da fábrica, provocado,
essencialmente, pela terceirização. Esta (des)fordização tem graves implicações
sobre as identidades coletivas dos trabalhadores, sobre as culturas do trabalho e
sobre a cultura fabril.
Em outro estudo acadêmico, realizado por Colli (2000), sobre o “façonismo”
57
, na
indústria têxtil, constatamos que a prática da terceirização pode se efetivar segundo várias
modalidades de contratos: entre empresas, pela subcontratação de empresas-terceirizadas
pelas empresas-clientes, e também entre empresas e os trabalhadores, por meio de contratos
de prestação de serviços. Neste último caso, os trabalhadores podem desenvolver suas tarefas
no próprio espaço organizacional das empresas contratantes, ou realizá-las nos seus próprios
domicílios.
Logo, a necessidade de flexibilidade da produção e da força de trabalho observada em
muitas empresas evidencia-se na prática por meio do surgimento de formas externas de
trabalho, ou seja, formas pretéritas e precárias de trabalho, como é o caso do trabalho a
domicílio e do trabalho a facão. Em outras palavras, esses trabalhos externos ao chão
produtivo das fábricas são uma evidência de como o capitalismo contemporâneo vem se
utilizando do processo de reestruturação produtiva em curso para recriar formas antigas de
exploração do trabalho humano (trabalho por peça, a domicílio, temporário, etc.) e criar outras
modalidades de apropriação da mais-valia, tendo no trabalho vivo a sua fonte importante de
produção e acumulação de riqueza. O trabalho terceirizado pode ser considerado uma dessas
formas inovadoras, pois, de acordo com Colli:
57
No estudo de Colli (2000), o façonismo ou trabalho a facão do setor têxtil no ramo da tecelagem refere-se a
um sistema de trabalho correspondente à prestação de serviços. Este estudo específico se refere aos pequenos
proprietários produtores de tecidos que prestam serviços em seus próprios domicílios para outras empresas,
em geral, de grande e médio portes. Neste caso, alguns “façonistas” acreditam na possibilidade de conseguir,
em casa, um rendimento igual ou superior ao que recebiam na indústria na condição de trabalhador
assalariado. Dessa forma, acabam deixando os seus empregos formais e passam a trabalhar integralmente
com suas máquinas, sendo também auxiliados pelos parentes mais próximos (geralmente a esposa e os
filhos), dando início a um pequeno empreendimento industrial, muitas vezes em condições bastante
precárias.
88
As novas formas de terceirização prefiguram novas formas de relações salariais,
dentre as quais destaca-se o “salário por peça”, ou ainda as formas que
individualizam as relações salariais, transformando os ex-trabalhadores em
“pequenos proprietários”. No lugar de relações de trabalho estáveis e organizados
coletivamente, surge um conjunto de modalidades de contrato por tempo, parcial,
terceirizado, trabalho a domicílio etc, em que passa a prevalecer, cada vez mais,
regras individualizadas e anônimas de contratação. [...]. A grande novidade colocada
pela forma de descentralização produtiva por meio da terceirização reside no fato de
que atualmente ela não é mais um resquício de formas “pretéritas de trabalho”
condenadas ao desaparecimento. Ao contrário, torna-se parte essencial da estratégia
de acumulação do capitalismo contemporâneo, em que, por meio do façonismo,
entendemos concretamente a dialética da reorganização de suas bases, a partir de sua
forma antiga que já continha uma forma flexível de trabalho. (2000, p.13-14).
Em outras palavras, o estudo de Colli (2000) demonstra claramente que esta nova fase
de racionalização da produção capitalista pode, em certa medida, recriar formas de exploração
(como as formas pretéritas de trabalho doméstico, familiar, etc.) observadas no “façonismo”,
como também cria outras modalidades de trabalho por meio da flexibilização das relações de
trabalho, possibilitada pela descentralização dos processos produtivos. Uma “racionalidade
contraditória” configura-se atualmente, conforme destaca a autora, uma vez que a necessidade
do capitalismo de superar a crise atual da etapa fordista depende, agora, da eficiência do
gerenciamento das antigas e novas modalidades de trabalho humano. Colli reforça essa
compreensão ao afirmar:
Sua realização, contudo, depende do êxito na adoção de novas formas de gerência e
contrato de trabalho, além do enfraquecimento do sindicalismo combativo. Cabe
dizer que uma “racionalidade contraditória” convive com formas de trabalho que
tendem cada vez mais a se tornarem precárias, por meio da terceirização e do
aumento da informalização, que visam, por sua vez, principalmente as vantagens de
custos pelo não-cumprimento das obrigações fiscais e trabalhistas. (2000, p. 45).
Outro aspecto a destacar em nossa análise é que a prática da terceirização, ao
estabelecer novas relações entre os trabalhadores e as suas gerências diretas, e entre eles
mesmos, acaba contribuindo para modificar as relações pessoais no ambiente de trabalho, pois
este ambiente começa a ser influenciado por um sentimento de cooperação subserviente e, em
alguns casos, se configura também, de forma subliminar, uma atmosfera de competição
autofágica estimulada pela possibilidade de ser demitido ou terceirizado. No que tange, por
exemplo, às estratégias de controle das ações políticas dos trabalhadores no interior dos
espaços organizacionais, é preciso considerar que a terceirização, ao se efetivar por meio do
papel das empresas de pequeno e médio porte, possibilita que as relações cotidianas entre os
89
empregados e a gerência (ou patrões) se estabeleçam tendo como característica principal a
proximidade física entre eles, possibilitando, dessa forma, um maior controle das ações
políticas dos trabalhadores.
Conforme Ramalho (2002), a horizontalização da produção na cadeia da
“terceirização” contribui para o desmantelamento gradual e efetivo da ação coletiva dos
empregados, principalmente pela questão da dispersão causada pela fragmentação do processo
produtivo, o que, de certa maneira, compromete o poder aglutinador e reivindicativo da classe
operária em relação aos seus direitos. Dessa forma, tal fragmentação causada pelo surgimento
de inúmeras empresas subcontratadas de pequeno porte dificulta e, em alguns casos, até anula
por completo a ação do sindicato como órgão de defesa dos trabalhadores.
Por outro lado, o uso intensivo do trabalho feminino por empresas terceirizadas
também tem sido outro fator limitativo da ação sindical, visto que, sendo o movimento
sindical um espaço tradicionalmente caracterizado pela atuação masculina, não está
familiarizado com reflexões críticas de caráter político que insiram na pauta das
reivindicações as questões de gênero. Afirma o autor:
Quanto à ação sindical no contexto da “terceirização” percebe-se que o declínio do
número de empregos na categoria metalúrgica tem fragilizado a resposta organizada
dos trabalhadores e que o movimento sindical vem enfrentando grandes dificuldades
para reagir e procurar estancar, pelo menos parcialmente, a perda de postos de
trabalho. Ao mesmo tempo, numa realidade fabril marcada por relações de controle
direto sobre os empregados, a ação com relação às pequenas empresas fica muito
restrita e a presença nos locais de trabalho se transforma em uma tarefa difícil. Por
outro lado, a considerável presença de empregados do sexo feminino tem agravado
os problemas do sindicato, pois sua familiaridade com questões de gênero no
trabalho parece nula. (RAMALHO, 2000, p. 92-93).
Em certa medida, a terceirização acaba propiciando o surgimento de um tipo de
trabalhador funcional ao atual processo de flexibilização produtiva, que o chamado toyotismo
enseja: o “trabalhador flexível de baixo custo”. Esta funcionalidade se efetiva tanto em termos
econômicos como políticos: em termos econômicos, este trabalhador terceirizado está
perfeitamente adequado às conjunturas econômicas voláteis e a um contexto de
competitividade organizacional cada vez mais acirrado, o que induz as empresas, de forma
geral, a reduzir seus custos a qualquer preço reduzir os custos com a força de trabalho tem
sido uma das principais estratégias das empresas, por meio da terceirização, para garantir tais
condições competitivas; em termos políticos, a terceirização tem significado uma forma
90
estratégica do patronato de enfraquecer e, até mesmo, destruir o principal enclave de
resistência da classe trabalhadora, por meio do desmantelamento e da individualização dos
coletivos de trabalhadores, no caso o movimento sindical.
No que tange, especificamente, às discussões jurídicas no âmbito do direito do
trabalho, muitas são as controvérsias e interpretações acerca do significado da prática da
terceirização para as relações de trabalho contemporâneas. O estudo de Delgado (2003), por
exemplo, evidencia que a nova conjuntura imposta pela economia global tem contribuído no
sentido de exigir a necessidade de uma desregulamentação e flexibilização dos direitos
trabalhistas, visando adequar às normas regulatórias do mercado de trabalho as novas
exigências da globalização econômica, fundamentadas nos preceitos ideológicos do
pensamento neoliberal. De acordo com o autor:
Diante da nova conjuntura econômica imposta, pautada na desconstrução de normas
regulatórias do mercado laborativo, propagou-se a ideologia de que o ramo
justrabalhista erigia-se como obstáculo à evolução da economia e ao rebaixamento
do preço da força de trabalho, surgindo à necessidade, pois de sua reformulação.
Assim, o Direito do Trabalho também passou a inserir em sua estrutura interna
dinâmicas e efeitos próprios do neoliberalismo, como, ilustrativamente, pelo
implemento dos fenômenos da desregulamentação e flexibilização de direitos.
(DELGADO, 2003, p. 106).
Portanto, a proposta da desregulamentação ou flexibilização dos direitos trabalhistas
tem por objetivo, de certa forma, adequar as novas técnicas de gestão da produção e da força
de trabalho a uma legislação vigente que permita a legalização institucional no campo do
direito do trabalho dos princípios flexibilizantes dos novos métodos produtivos. Em outras
palavras, o trabalhador da era da flexibilidade impõe a necessidade de uma legislação
trabalhista flexível. No entanto, no quadro dessas reflexões de ordem jurídica é imperioso
estabelecer uma diferenciação conceitual entre o que referem as propostas da
desregulamentação e da flexibilização dos direitos trabalhistas, pois ambas, embora façam
parte de um mesmo discurso jurídico (que tem uma alta conotação político-ideológica
neoliberal), apresentam diferenças importantes na compreensão dos seus significados para as
relações de trabalho contemporâneas.
Delgado (2003), com base na discussão realizada por outros autores da área jurídica,
define que a desregulamentação se refere à retirada da proteção do Estado ao trabalhador,
permitindo, dessa forma, que a autonomia privada, individual ou coletiva regule as condições
91
de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Neste caso, o Estado,
por meio da Justiça do Trabalho, deixaria de regular as questões sociais, inclusive as de cunho
trabalhista, em prol da regulação autônoma privada, individual ou coletiva. Por sua vez, o
termo “flexibilização” estaria relacionado à ideia de continuidade da intervenção estatal no
sentido de atenuar o rigorismo e a imperatividade das normas jurídicas mediante o mecanismo
da negociação coletiva, visando à reformulação de um cenário jurídico mais maleável
(flexível) no que tange aos contratos de trabalho firmados entre trabalhadores e empregadores.
Assim, o discurso jurídico a favor da flexibilização estaria fundamentado na ideia da
necessidade de ajustamento das instituições jurídicas às novas realidades produtivas da
sociedade capitalista, ou seja, por meio dela as empresas poderão ajustar sua produção, força
de trabalho e condições de trabalho às flutuações cíclicas, inerentes à dinâmica atual do
capitalismo contemporâneo. Esse, inclusive, é o argumento que fundamenta outras
compreensões jurídicas que defendem a necessidade imperiosa de uma modernização da atual
legislação trabalhista brasileira, que seria inadequada aos tempos de globalização
econômica
58
. O aprofundamento e a generalização do processo de terceirização na última
década do século passado e no início do presente são uma evidência concreta desse processo
gradual de “desregulamentação do mercado laborativo no país”. (DELGADO, 2003, p. 116).
O fenômeno da terceirização como prática organizacional deve ser compreendido com
base em duas modalidades em que ocorre. A primeira é a “terceirização de atividades”, que
corresponde ao processo de terceirização que ocorre fora do espaço da empresa, também
chamada pela “terminologia genérica organizacional de subcontratação”. No que tange a esta
forma de terceirização, o que ocorre é uma parceria entre empresas, cada qual especializada
em determinada atividade, direta ou indiretamente ligada ao ciclo produtivo. De forma geral,
a empresa tomadora (contratante) se encarrega das chamadas “atividades-fins”, ao passo que a
empresa terceirizada (contratada) fica responsável pelas etapas produtivas relacionadas às
“atividades-meio”
59
. A segunda forma é a “terceirização de serviços”, que corresponde à
terceirização que ocorre dentro do espaço organizacional da empresa contratante, também
58
Alguns argumentos a favor da “modernização” (flexibilização) da atual legislação trabalhista brasileira estão
expressos no estudo jurídico de Mannrich (1998), pois, de acordo com este autor, é necessário efetuar um
processo de ajustamento ds instituições jurídicas às novas realidades produtivas do sistema capitalista
contemporâneo, considerando principalmente as questões atuais que envolvem os novos processos
administarivos de produção, investimentos produtivos por parte das empresas e, especialmente a
problemática do desemprego.
59
Segundo Queiroz (1992), a terceirização consiste numa técnica gerencial que possibilita transferência para
terceiros das atividades acessórias e de apoio relacionadas ao processo produtivo, permitindo às empresas se
concentrarem no seu objetivo final, ou nas chamadas “atividades-fim”.
92
chamada de “empresa tomadora”. Neste caso, a empresa tomadora incorpora em seus quadros
o trabalho de terceiros, ou seja, continua sendo responsável pela produção dos produtos ou
serviços, porém utilizar para esse fim a força de trabalho terceirizada.
Com base, portanto, nessa diferenciação conceitual, é importante esclarecer que o
processo de terceirização considerado em nosso estudo se refere especificamente à
terceirização de serviços, na qual ocorre de fato a terceirização da força de trabalho. De
acordo com Giosa (1997), os setores das empresas nos quais ocorre com maior tendência a
implementação da terceirização da força de trabalho são aqueles definidos como “acessórios”
ou de “apoio”, como, por exemplo, as áreas de alimentação, limpeza, vigilância e portaria,
manutenção de veículos, transportes de produtos e funcionários, telefonia, etc. No que se
refere aos aspectos ligados à qualificação e ao gênero do trabalhador terceirizado, é
importante destacar que, de forma geral, correspondem, na sua maioria, a trabalhadores de
baixa qualificação, ao mesmo tempo em que se evidencia uma forte presença das mulheres
ocupando postos de trabalho em empresas terceirizadas
60
.
Outro aspecto importante a destacar em nossa análise sobre a prática da terceirização é
que não ocorre envolvendo apenas as empresas privadas. O setor público também tem
utilizado tal procedimento organizacional para contratar os trabalhadores de que necessita. Os
estudos de Carelli (2002), Krueger (2003), Neto (2004) e Fernandes da Silva (2005) nos
fornecem alguns elementos importantes para compreensão do processo de terceirização na
administração pública envolvendo as cooperativas de trabalho. Segundo os autores, as
administrações públicas federal, estadual municipal também têm buscado atender as suas
demandas por trabalho humano por meio de trabalhadores terceirizados das empresas
prestadoras de serviços.
Conforme o Decreto-Lei nº 200/67, a administração pública está autorizada a
terceirizar certas atividades desde que ocorra como prestação de serviços autônomos por
empresa especializada. Neste caso, a empresa terceirizada deve ser a responsável pela gestão
do trabalho, pela propriedade dos meios materiais de execução das atividades contratadas, e
no referido contrato deve prevalecer também a não prevalência do elemento humano. Em
outras palavras, no contrato de terceirização não deve haver, sob hipótese alguma, o simples
fornecimento da força de trabalho pela empresa terceirizada e a sua contratação pela
administração pública, pois neste caso será ilegal a licitação caso se caracterize pelo mero
60
No que se refere à forte presença de mulheres em empregos de empresas de serviços terceirizados, é
importante destacar o estudo de Godinho Delgado (1994).
93
fornecimento de trabalhadores, conforme Decreto nº 2.271/97; do contrário, seria
frontalmente inconstitucional, por burlar o imperativo maior do concurso público. Essa
compreensão jurídica se aplica inteiramente às cooperativas intermediadoras de força de
trabalho, pois, de acordo com Ramos,
[...] sempre que a contratação de cooperativas representar mero fornecimento de
mão-de-obra, sem integração de verdadeira unidade produtiva, o Poder Público não
poderá utilizar esse instrumento, dado que incidirá na espécie a vedação do artigo
37, II, da Constituição Federal, que exige a realização de concurso público para
preenchimento de cargos e empregos. O Poder Público só poderá contratar
cooperativas nas mesmas hipóteses em que puder contratar empresas prestadoras de
serviços terceirizados, isto é, desde que inegavelmente presente uma unidade
produtiva voltada para execução do objeto contratado com a conjugação do capital,
trabalho e matéria-prima organizados pelo prestador de serviços. (apud CARELLI,
2002, p. 60-61).
Portanto, fica evidente que a terceirização na administração pública tem sido
geralmente utilizada em muitas situações como forma de burlar a exigência dos concursos
públicos, pois, mascarada sob a forma de contrato de prestação de serviços, oculta de fato um
contrato de fornecimento de força de trabalho, em que aparecem os atributos da pessoalidade
e subordinação na relação entre os gestores da empresa contratada e os trabalhadores do
tomador de serviços, caracterizando, dessa forma, uma relação empregatícia. (RAMOS,
2001). Com base nesse fato, o que se observa é que o poder público não deveria, conforme
prescreve a lei, utilizar a força de trabalho dos trabalhadores de empresas terceirizadas.
No entanto, na prática não é isso o que acontece. De forma geral, os governos, em
nível federal, estadual e municipal, costumam em muitas situações contratar trabalhadores
terceirizados de empresas supostamente prestadoras de serviços, em total descompasso com
as normas constitucionais. Nesses casos, como veremos adiante, as cooperativas de trabalho
acabam sendo beneficiadas ou levando certa vantagem nos processos licitatórios (na sua
maioria tendenciosos), uma vez que oferecem preços melhores nos possíveis contratos de
terceirização em razão do não pagamento dos encargos sociais e trabalhistas a seus
cooperados. Tal situação tem conduzido as cooperativas que agenciam a força de trabalho a
serem beneficiadas, uma vez que acabam vencendo, geralmente, as licitações que embasam a
maioria das propostas de terceirização de serviços envolvendo a administração pública.
É justamente por meio dessa terceirização da força de trabalho que as empresas de
modo geral, tanto públicas como privadas, têm contribuído para um intenso processo de
94
precarização da classe trabalhadora, na medida em que acabam por criar duas condições
diferenciadas e, consequentemente, duas categorias de trabalhadores. No setor privado
teríamos, de um lado, os trabalhadores “efetivos”, que se encontram numa condição mais
privilegiada em termos de condições de trabalho e salário (uma espécie de “elite” da classe
operária atual), e, de outro, os chamados “subcontratados” (terceirizados), que se constitui
atualmente num segmento da classe trabalhadora que tem se ampliado rapidamente e que
configura um corpo de “trabalhadores precários, em geral, discriminados e considerados
“desclassificados”. (DRUCK, 1999, p. 11). Por sua vez, o setor público se caracterizaria pela
existência de um conjunto de trabalhadores concursados, com estabilidade e status de
“servidores públicos”, protegidos constitucionalmente e com uma série de vantagens
adicionais, convivendo lado a lado com trabalhadores que exercem funções menos
qualificadas, menos valorizadas e reconhecidas, como no caso dos serventes de limpeza,
vigilantes, porteiros, motoristas, monitores de creches e outras funções de baixa qualificação,
geralmente compondo a força de trabalho volátil, que não possui nenhuma segurança e
estabilidade. É nesse contexto, da existência dessas duas categorias de trabalhadores, que
iremos analisar a seguir a terceirização que se efetiva por meio das cooperativas de trabalho,
visto que neste caso os trabalhadores vivenciam de fato, na maioria das vezes, situações de
instabilidade, insegurança e precariedade no emprego.
4.2 A terceirização e as cooperativas de trabalho: uma análise crítica sobre a
flexibilização dos direitos trabalhistas
De acordo com Dupas (1999), dentre as principais transformações que vêm ocorrendo
no mundo do trabalho atualmente destaca-se a estratégia organizacional da focalização da
produção, com a consequente externalização de parcelas cada vez mais importantes do
processo produtivo. Em outros termos, importantes parcelas do processo produtivo passam a
ser executadas por empresas terceirizadas, configurando uma cadeia de suprimentos. O
resultado dessa nova dinâmica produtiva é que a divisão do trabalho, que antes se estruturava
no interior de uma só empresa, passa agora a se estruturar entre várias empresas que
constituem a cadeia de suprimentos.
Dessa forma, tal estrutura produtiva acaba por alterar significativamente os processos
e relações de trabalho, característicos do modelo fordista de produção, por uma nova
95
modalidade produtiva, assentada na flexibilidade (especialização flexível), que tem como suas
principais características a concentração do trabalho qualificado na ponta final da cadeia
produtiva e a difusão do trabalho mal pago e desqualificado nas empresas terceirizadas.
Em relação a esse aspecto, é preciso considerar que a atual reestruturação produtiva
acaba levando a que “o trabalho tende a se reduzir cada vez mais na ponta virtuosa do
processo e a se propagar na ponta precária, onde abunda o trabalho mal pago, desqualificado e
sem registro”. (PAULA LEITE, 2002, p. 9). Como veremos posteriormente, é exatamente
nesse contexto que se situam as atuais cooperativas intermediadoras de força de trabalho, que
constituem o objeto de análise do nosso estudo investigativo, pois, ao viabilizarem a
terceirização da força de trabalho, acabam por conduzir milhares de trabalhadores a se
inserirem num mercado de trabalho caracterizado pela volatilidade do emprego, pelos baixos
salários e pela precariedade.
Dessa forma, essas empresas de trabalho associativo
61
(no qual também podemos
incluir as cooperativas de trabalho), mesmo apresentando certas contradições no que se refere
a sua parceria com as empresas privadas por meio dos contratos de terceirização, acabam se
tornando uma alternativa importante (senão a única) para garantir a sobrevivência econômica
e social de milhares de trabalhadores sem emprego nos dias de hoje. No caso brasileiro, a
expansão das cooperativas de trabalho vem acontecendo desde a década de 1990, como
resultado das mudanças tecnológicas e organizacionais que afetam atualmente o mundo do
trabalho, pois, como afirmam Schneider e Vicente (1996, p. 40):
Há recentemente no Brasil, e em especial a partir da década de 90, um vertiginoso
crescimento de cooperativas de trabalho e de produção artesanal/industrial. Seu
surgimento e expansão é uma tentativa de resposta às mudanças provocadas pela
reestruturação produtiva, acompanhada da crescente automação e informatização
nos processos produtivos, gerando a crise de desemprego. Tais cooperativas
constituem igualmente uma oportunidade de renda para os muitos excluídos da
sociedade.
61
O termo “trabalho associativo”, usualmente utilizado pelos dirigentes cooperativistas e por outros defensores
da chamada economia social, refere-se basicamente ao conjunto de trabalhadores que conseguem se associar
em unidades de produção independentes, com o objetivo de realizar o trabalho de forma autômoma por meio
de cooperativas e empresas de autogestão. Nesta proposta, o que se pretende é viabilizar a possibilidade de
extinção do trabalho assalariado e a sua substituição pelo trabalho associativo. Alguns autores utilizam-se do
termo trabalho associado para se referir ao trabalho em cooperativas ou empresas de autogestão, como é o
caso do estudo de Vieitez e Dal Ri ( 2001). É importante destacar que a OIT, na sua Recomendação Sobre
Promoção das Cooperativas 2002, conhecida como Recomendação 193, utiliza-se dos termos “trabalho
associativo” e “trabalhador associado” para se referir às ações propostas para promoção e fomento de
cooperativas, visando atenuar a problemática do desemprego global. Em nosso estudo tomaremos como
referência esta terminologia sugerida pela OIT.
96
É importante destacar que muitos defensores do trabalho associativo, ligadas as
iniciativas de autogestão e de caráter solidário, desconsideram as cooperativas de trabalho,
que agenciam a força de trabalho por meio da prática da terceirização, como sendo
merecedoras de receber esta conceituação. No entanto, muitas lideranças e dirigentes
cooperativistas entendem que tais cooperativas podem e devem ser compreendidas como
importantes experiências coletivas de trabalho associativo nos dias de hoje, pois sua expansão
não está acontecendo somente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como é o
caso do Brasil, na medida em que a realidade do desemprego também tem afetado de forma
severa o continente europeu:
62
As cooperativas de trabalho surgem e se expandem numa época em que as
mudanças no mundo do trabalho são profundas e intensas, manifestando como
principais sintomas às rápidas e generalizadas inovações tecnológicas e a
consequente automação do processo produtivo. Essas mudanças geraram também
significativas repercussões sobre o trabalhador, entre elas, o aumento do
desemprego. Hoje a Europa vive de forma dolorosa um desemprego estrutural,
decorrente da automação que, mais do que liberar o homem do trabalho manual e
braçal, expulsa um número crescente de pessoas de um emprego assalariado. Países
europeus que há menos de duas décadas necessitavam de mão-de-obra estrangeira
para movimentar boa parte do seu parque industrial e de serviços, hoje manifestam
taxas de desemprego de 15 a 20% da população em idade de trabalhar.
(SCHNEIDER; VICENTE, 1996, p. 41)
63
.
Portanto, esse momento expansionista do cooperativismo de trabalho está
intrinsecamente associado ao processo de reestruturação produtiva do setor empresarial
brasileiro neste período. Em outras palavras, as modificações recentes no mundo do trabalho
apontam não só para um aumento cada vez maior do desemprego, como também para uma
crescente terceirização dos processos produtivos e incremento de trabalhadores autônomos,
implicando, assim, o crescimento do mercado de trabalho informal.
62
Sobre as experiências do cooperativismo de trabalho na Europa é importante destacar os estudos de Johnson e
White (1977), Cornforth (1988) e Mellor (1988) que também defendem a importância social e econômica das
empresas de trabalho associado (cooperativas de trabalho) como uma das alternativas para enfrentar os
momentos de crise das economias e o consequente desemprego estrutural.
63
Embora os dados percentuais apresentados na citação sobre a problemática do desemprego na Europa se
refiram à década de 1990, é importante destacar que essa crise do emprego continuou se aprofundando com o
passar dos anos, mantendo-se, em média, os mesmos percentuais para os anos iniciais do século XXI. Em
alguns países, como é o caso de Portugal, Espanha e Grécia, esses percentuais, em média, aumentaram. É
importante destacar que a recente crise da economia mundial, que afetou e vem afetando grande parte das
economias centrais, também tem impactado de forma significativa os níveis de emprego no continente
europeu.
97
Sobre a questão dessa ampliação da informalidade, é preciso considerar o trabalho de
Noronha (2003) no que se refere ao que identificou como uma transição da “velha” para uma
“nova” informalidade imposta pela globalização no estado do Ceará. Essa expressão, de certa
forma, é explicada pelo fato de que, até a década de 1980, uma parcela importante da
população cearense (principalmente de Fortaleza e outros municípios) vivia da economia de
subsistência pela atuação dos seus inúmeros vendedores ambulantes no mercado informal de
trabalho (a “velha” informalidade a que se refere Noronha).
No final da década de 1980 e início da de 1990, o governo estadual iniciou um
programa para atrair indústrias e desenvolver a economia local por meio de dois incentivos
principais: o primeiro, dando incentivos fiscais para atrair indústrias de mão-de-obra
intensiva, principalmente voltadas para as áreas secas do estado; o segundo, por meio da
permissão legal para criar cooperativas de trabalho nas quais os produtores poderiam vender a
produção de seus trabalhos para as indústrias de exportação, principalmente no setor de
calçados
64
. Tal estratégia governamental estava associada à ideia de que para garantir a
competitividade internacional, tais indústrias deveriam ser beneficiadas com a redução do
custo da força de trabalho, possibilitado pelos contratos de subcontratação (terceirização)
efetuados na parceria com as cooperativas de trabalhadores.
Tão logo a proposta foi implementada, os sindicatos do estado começaram a
denunciar, e também a se opor, radicalmente essas “novas cooperativas”, considerando-as
como “falsas cooperativas”, por serem usadas apenas para retirar direitos legais dos
trabalhadores
65
. Nesse período muitos juristas ligados ao Ministério Público do Trabalho do
Estado do Ceará (procuradores públicos e juízes) chegaram a recolher evidências de que os
trabalhadores “cooperados”, na sua maioria, eram trabalhadores subordinados das empresas
exportadoras.
64
É importante destacar, neste caso, que o poder público pode em muitas situações promover e incentivar a
criação de cooperativas de trabalho visando inserí-las nas políticas públicas de desenvolvimento industrial e
de geração de emprego e renda, mesmo que tais organizações de trabalho associado se tornem uma forma de
as empresas baratearem os custos do trabalho na medida em que se desoneram dos encargos sociais e
trabalhistas. Como veremos a seguir, o poder público tem encontrado nas cooperativas de trabalho uma forma
de baratear os custos com a contratação de serviços de terceiros sem que isso comprometa as finanças
públicas. Em vez de promover concursos públicos para a contratação de várias modalidades de trabalhadores
para atender às demandas do setor público, as prefeituras, de forma geral, contratam trabalhadores de
cooperativas razão da sua mobilidade, descartabilidade e baixos custos.
65
Outro estudo importante que destacou essa situação das cooperativas de trabalho no Nordeste é o trabalho de
Lima (2001), especificamente sobre o estado do Ceará. O autor revela que no governo de Tasso Jereissati se
criaram aproximadamente quarenta mil empregos diretos por meios dessas cooperativas. São empregos que,
sem dúvida nenhuma, possibilitaram a sobrevivência de milhares de famílias, ainda que de forma precária.
98
A situação descrita ensejou um grande debate em torno do uso dessas cooperativas de
trabalho no estado, pois os empresários exportadores e o governo estadual acabaram se
unindo com base em argumentos meramente econômicos para justificar que, apesar do não
cumprimento da legislação trabalhista (que conduzia muitos desses trabalhadores a
vivenciarem uma situação ilegal de informalidade), muitos desses trabalhadores nunca
haviam recebido qualquer forma de rendimento (salário) e que o padrão de consumo e de vida
dessas populações locais havia melhorado consideravelmente, pois, sem tais incentivos,
muitas dessas regiões jamais teriam superado a condição de miséria e de exclusão social.
Portanto, o não cumprimento legal da legislação trabalhista poderia ser justificado por tais
argumentos econômicos. Nos primeiro momento deste programa de incentivo industrial a
Justiça do Trabalho do Estado do Ceará procurou fazer “vistas grossas”, não autuando essas
“novas cooperativas” e sendo tolerante, de acordo com os argumentos econômicos defendidos
anteriormente. No entanto, com o aumento das denúncias por parte dos sindicatos, tais
cooperativas começaram gradualmente a ser notificadas pela Ministério do Trabalho.
É nesse contexto de contradições entre os argumentos econômicos e os argumentos
legais (jurídicos) que os trabalhadores vão, paulatinamente, percebendo que a sua inserção no
mercado de trabalho se efetiva no campo da informalidade, ilegalidade e injustiça
(NORONHA, 2003), pois, apesar de reconhecerem que tais indústrias calçadistas
possibilitaram uma melhoria das suas condições de vida no meio do mais seco sertão
nordestino, o sentimento que passa a imperar entre esses trabalhadores é de que foram durante
muito tempo excluídos dos seus direitos mais elementares formalmente constituídos na CLT.
Como afirmamos anteriormente, dentre as diversas mudanças que vêm ocorrendo no
mundo do trabalho destaca-se o uso cada vez maior da prática organizacional da terceirização
da força de trabalho, que, juntamente com a questão do desemprego, constituem-se nos
principais fatores a explicar esse crescimento quantitativo dessas cooperativas de trabalho.
Dessa forma, para alguns defensores institucionais do cooperativismo contemporâneo, todas
essas mudanças recentes conduzem e justificam o cooperativismo de trabalho como uma
importante alternativa no que concerne à geração de trabalho e renda para milhares de
trabalhadores excluídos do mercado de trabalho. Esse argumento em favor do cooperativismo
de trabalho pode ser constatado na seguinte afirmação de Schneider e Vicente (1996, p. 42):
99
Portanto, as cooperativas de trabalho ou as empresas de trabalho associado são uma
alternativa à disposição do trabalhador, em especial do desempregado, para
encontrar uma saída em relação a seus problemas de emprego/trabalho e de geração
de renda. Tais empresas permitem ao trabalhador estabelecer o controle sobre sua
organização, através da escolha dos seus dirigentes e da definição das políticas e
prioridades da organização. Possibilitam igualmente resgatar a responsabilidade do
saber técnico, da qual há tempo o trabalhador havia sido espoliado. Tais empresas
recuperam para o trabalhador a dimensão humana do trabalho, mais digna, mais
segura e autônoma. Hoje a própria comunidade pode criar empregos, através das
cooperativas, calcadas na filosofia do autoemprego.
Em outros termos, é preciso destacar que o crescimento do cooperativismo de trabalho
a partir das décadas de 1980 e 1990 (e também nos dias de hoje) ocorre como resultado, de
um lado, da adoção de novas técnicas organizacionais, consequência da reestruturação
produtiva em curso, e, do outro, do aumento do desemprego estrutural. Tais fatores
motivacionais têm se constituído numa importante justificativa na formulação dos discursos
legitimadores em defesa do cooperativismo de trabalho, tanto por parte do empresariado,
como dos lobbys políticos que se organizam em torno das chamadas “frentes parlamentares
cooperativistas
66
, as quais possuem abrangência em nível federal, estadual e municipal. Essas
frentes parlamentares são formadas por diversos partidos políticos, que defendem de forma
ardorosa o cooperativismo de trabalho como uma alternativa de geração de trabalho e renda
para milhares de trabalhadores desempregados.
Como afirmamos anteriormente, esse processo atual de expansão quantitativa, bem
como as posições assumidas em defesa do cooperativismo de trabalho, tem como pano de
fundo as recentes transformações organizacionais e tecnológicas impostas pela dinâmica atual
da globalização, que estão obrigando as empresas a se tornarem mais competitivas para
conquistar mercados cada vez mais concorrenciais. Nesse sentido, uma saída encontrada pelo
empresariado é reduzir custos “e, dentre estes, os encargos trabalhistas, mediante
transformação de empregados em prestadores de serviços ou autônomos subcontratados.”
(JUVÊNCIO; ANDRADE; PANZUTTI, 2000, p. 88).
66
Em relação à constituição das Frentes Parlamentares em Defesa do Cooperativismo (Frencoops), é importante
destacar que Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, no dia 20 de abril de 2005, instalou a
Comissão Especial de Cooperativismo de Trabalho e Geração de Emprego e Renda. Entre os objetivos da
comissão estava o debate sobre as cooperativas de trabalho quanto a sua organização, funcionamento,
legislação, integração, defesa e promoção. Um dos aspectos mais veementemente defendidos pelos
parlamentares ligados à causa cooperativista é quanto aos “termos de ajuste de conduta” imprentados contra
as cooperativas de trabalho pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul no que concerne à
proibição da contratação de sociedades cooperativas por tomadores de serviços públicos e privados. De
acordo com as teses da Frencoop, o Ministério do Trabalho e Emprego deveria defender o trabalho das
cooperativas de trabalho por se constituírem em importantes alternativas para geração de trabalho e renda.
(COMISSÃO ESPECIAL ..., 2005).
100
Portanto, a ideia da inserção competitiva das empresas nos mercados efetiva-se tendo
por elemento central dos seus discursos o fato de que “é preciso reduzir custos a qualquer
preço”. Assim, o trabalho terceirizado via cooperativas de trabalho torna-se economicamente
funcional aos interesses das empresas (públicas e privadas) por ser menos dispendioso do que
o trabalhador com vínculo empregatício e carteira assinada. Para as empresas a possibilidade
de substituir o trabalho formal com vínculo pelo trabalho cooperado sem vínculo tem sido a
forma que muitas têm encontrado para reduzir os seus custos com os encargos sociais e
trabalhistas
67
, ao mesmo tempo em que dispõem de uma força de trabalho flexível e adaptada
às oscilações cíclicas do mercado consumidor, garantindo e mantendo, mesmo em situações
adversas, a sua lucratividade.
No que tange, especificadamente, à questão dos encargos sociais e trabalhistas no
Brasil, o trabalho de Moraes Júnior (2000) traz à tona a verdadeira motivação que gira em
torno da proposta da flexibilização produtiva, a qual exige, concomitantemente, a necessidade
da flexibilização da legislação trabalhista, de forma a acomodar as novas modalidades de
trabalho que surgem com o atual processo de reestruturação produtiva. A maior parte do
trabalho na era da produção flexível exige que os trabalhadores sejam contratados por tempo
determinado (em tempo parcial, por projeto, por empreitada, etc.) e, dessa forma, possam ser
facilmente substituíveis, na medida em que as empresas podem recorrer aos contratos de
terceirização ou subcontratação.
A crítica feita (por parte do empresariado nacional e internacional) em relação à
rigidez da legislação trabalhista brasileira está fundamentada na ideia de que precisa ser
urgentemente reformulada (flexibilizada) por estar comprometendo a competitividade das
67
A discussão sobre o peso dos encargos sociais no custo do trabalho no Brasil tem sido um dos importantes
fatores a justificar, equivocadamente, o uso da estratégia da terceirização, por meio das cooperativas de
trabalho, como forma de reduzir os custos sobre a folha de pagamento das empresas. As propostas de
alteração ou eliminação de parte ou de todo o conjunto dos encargos sociais está assentada na ideia de que, ao
contribuírem para o aumento do custo do trabalho, estariam se constituindo num entrave ao desempenho do
comércio internacional e do mercado de trabalho. No entanto, no trabalho de Pochmann (2002) foi possível
constatar que este posicionamento carece de uma melhor análise, principalmente em função das diferentes
conclusões a que se chega por meio de distintos procedimentos metodológicos utilizados nos estudos sobre a
incidência dos encargos sociais no Brasil. Conforme o economista, “ao ser aplicada uma nova abordagem
metodológica para o caso brasileiro, seguindo critérios e conceitos utilizados em nível internacional e por
várias instituições de pesquisa, foi possível verificar que o peso dos encargos sociais no custo do trabalho não
é elevado, sobretudo quando comparado com vários países”. “[...] Em outras palavras, as sugestões de
eliminação dos encargos sociais (entendidos, por vários autores, como todo adicional sobre a folha de
pagamento), defendida como forma de elevação do salário direto, poderiam levar a uma redução da
remuneração do empregado, já que parte dos adicionais legais, que incidem sobre a folha de pagamento das
empresas diz respeito ao rendimento monetário do empregado, e não a encargos sociais.” (POCHMANN,
2002, p. 177).
101
empresas nacionais e ser um fator desestimulador dos investimentos produtivos estrangeiros
no Brasil, afetando inclusive, a geração de empregos no país. Entre os que defendem a
necessidade de uma flexibilização trabalhista encontram-se aqueles que se baseiam nos
seguintes argumentos:
[...], se as fontes de rigidez real do mercado de trabalho não forem removidas ou
atenuadas não haverá meios de promover um aumento do emprego. Assim, o lócus
privilegiado de atuação do governo na questão do desemprego seria a flexibilização
do mercado de trabalho. Entre suas recomendações, encontramos: redução do
sistema de benefícios para os desempregados; reforma do sistema de negociação
salarial; treinamento da força de trabalho disponível de modo que mais
trabalhadores estejam aptos a melhor se inserirem no mercado; melhoria dos
serviços de informação aos desempregados, de modo a aumentar a eficiência da
busca por emprego; e finalmente, desregulamentação do mercado com redução do
sistema de proteção ao trabalhador. Todas essas medidas são apontadas como
benefícios para a elevação dos níveis de emprego. (DUPAS, 1999, p. 205).
Tais argumentos, falaciosos, repletos de ambiguidades e contradições, acabam
conduzindo muitos a acreditarem (inclusive alguns sindicatos
68
) que uma legislação que não
acompanha as transformações ocorridas no mercado de trabalho acaba funcionando como
inibidora de empregos formais, podendo levar muitos trabalhadores à informalidade.
Contudo, é justamente o contrário que, provavelmente, está acontecendo e irá acontecer, pois,
a nosso ver, a proposta da flexibilização da legislação trabalhista, indubitavelmente,
empurrará para a informalidade milhares de trabalhadores num mercado de trabalho precário
e sem nenhuma proteção social mínima. É justamente nesse contexto que o papel das
cooperativas de trabalho deve ser criticamente observado, pois, ao serem utilizadas como um
meio de baratear os custos com a força de trabalho, em razão dos salários mais baixos e da
inexistência dos encargos sociais e trabalhistas, tais organizações associativas se tornam
instrumentos coletivos que fortalecem a precariedade e a exploração do trabalho humano.
68
Essa tem sido a posição da central sindical Social Democracia Sindical (SDS), que tem defendido desde o seu
surgimento, na década de 1990 a necessidade de flexibilização dos direitos trabalhistas. A SDS surgiu no
âmbito de um racha interno da Força Sindical visando romper com o monopólio do movimento sindical
dirigido pela CUT e do seu braço político, o PT embora seus dirigentes neguem que a SDS é um braço
sindical do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tal central sindical exerceu importante papel nos
dois mandatos do governo de Fernando Henrique (INSTITUTO..., 2008). Nesse sentido, é importante destacar
que a SDS tem sido uma importante central sindical defensora de todos os tipos de cooperativas de trabalho
como alternativa para geração de emprego e renda, diferentemente, por exemplo, da CUT e de outras centrais
sindicais que se posicionam contrariamente às cooperativas de trabalho, principalmente as cooperativas que
são intermediadoras da força de trabalho.
102
Apesar dessa constatação prática sobre o uso das cooperativas de trabalho para fins de
redução de custos (e da consequente apropriação da mais-valia do trabalho associativo),
alguns autores, ao defenderem o cooperativismo de trabalho como alternativa para a crise
atual de emprego, cometem o grande equívoco de afirmar, com base numa interpretação
jurídica simplista da Lei 5.764/71
69
, que a cooperativa valoriza o trabalho de seus associados
sem que haja apropriação do trabalho por parte de não associados, em outras palavras, “a lei
garante, portanto, a não apropriação do trabalho ou atividade alheia, além de contemplar o
cooperado pelo seu próprio esforço, garantindo o retorno de sobras líquidas
proporcionalmente as operações”. (JUVÊNCIO; ANDRADE; PANZUTTI, 2000, p. 92).
É preciso destacar que, no caso específico das cooperativas de trabalho que
terceirizam a força de trabalho (também chamadas de “cooperativas intermediadoras de mão-
de-obra”), o que ocorre é justamente o contrário. A interpretação jurídica nem sempre se
encaixa na interpretação sociológica dos fatos, na medida em que na prática a apropriação do
trabalho cooperado se dá pelo capitalista proprietário da empresa tomadora de serviços, ou
seja, é por meio da intermediação da força de trabalho dos contratos de terceirização, que se
efetiva de fato com a apropriação da mais-valia.
Portanto, não se pode julgar que uma dada interpretação jurídica tenha a capacidade de
mascarar um processo social de exploração do trabalho humano simplesmente pela ênfase de
um discurso jurídico a favor do cooperativismo de trabalho. Para muitos de seus defensores,
essas cooperativas são uma resposta às necessidades de emprego e de renda no mundo do
trabalho; no entanto, em muitas outras circunstâncias elas podem se tornar mecanismos a
reforçar a precarização das condições de trabalho e o processo de exploração do trabalho
humano. Logo, é preciso reconhecer que muitas cooperativas de trabalho são resultado de
iniciativas associadas à ideia do uso do trabalho associativo autogestionado e estão
organizadas com base nos princípios de solidariedade e na cooperação entre os trabalhadores
(inúmeros são os exemplos de sucesso na realidade concreta). No entanto, tal constatação não
pode desconsiderar a existência de um processo paralelo de difusão de cooperativas de
trabalho que estão sendo organizadas por iniciativa das próprias empresas (públicas e
privadas) visando à flexibilização do trabalho, bem como à redução dos custos, uma vez que
69
A constituição de cooperativas de trabalho é amparada na atual legislação cooperativista brasileira pela Lei
5.764/71. (MACHADO, 1975). Somente a partir da segunda metade da década de 1990 é que as cooperativas
de trabalho seriam reconhecidas legalmente no Brasil, pois conforme Périus (1997, p. 31), “em 1995 , o
Governo Federal, através do Ministério do Trabalho, chancela, oficialmente, as Cooperativas de Trabalho,
regulando-as, no seu funcionamento, através da Portaria nº 925, de 28 de setembro de 1995” .
103
podem por meio das cooperativas, se livrar do ônus financeiro relativo aos direitos do
trabalho da força de trabalho empregada com vínculo empregatício e carteira assinada.
Os estudos de Lima (1997) já na segunda metade da década de 1990 identificavam em
inúmeras iniciativas de expansão empresarial no Nordeste brasileiro, principalmente em
municípios sem tradição industrial, o uso das cooperativas de trabalho como uma importante
forma de contratação de trabalhadores. Na verdade, tais cooperativas acabam por constituir
uma forma de trabalho assalariado disfarçado, na medida em que são pequenos
empreendimentos associativos criados pelas próprias empresas privadas, nas quais o modelo
de funcionamento é totalmente empresarial, não autogestionado. Nessas cooperativas os
trabalhadores não têm vínculo empregatício e ganham por produção, ao mesmo tempo em que
não possuem nenhuma autonomia no processo produtivo, sendo controlados e gerenciados
diretamente pelos supervisores e gerentes das empresas privadas às quais estão vinculadas
pelos contratos de terceirização.
A tendência de expansão desse tipo de cooperativas de trabalho também tem sido
observada na indústria do vestuário no estado de São Paulo, onde estudos recentes vêm
apontando o surgimento de cooperativas por iniciativa das próprias empresas do setor de
confecções. (LEITE; SALAS, 2002; NUNES FILHO, 2002). A estratégia empresarial dessas
empresas é terceirizar partes do processo produtivo, visando eliminar custos com os encargos
sociais e trabalhistas. De forma similar às cooperativas de trabalho no Nordeste e como
apontado pelos estudos de Lima, tais empreendimentos associativos estão submetidos ao
mesmo modelo de gerenciamento e controle empresarial por parte das empresas tomadoras
dos serviços, descaracterizando totalmente o caráter associativo dessas cooperativas.
Por outro lado, é preciso salientar que essa proliferação das cooperativas de trabalho
encontrou de certa forma respaldo jurídico a partir de 1994, quando por meio do artigo 442 na
CLT, permitiu-se que o trabalhador associado (cooperativado) possa prestar serviço a uma
empresa sem vínculo empregatício
70
. Essa emenda provocou o surto das cooperativas de
trabalho no Brasil, pois foi justamente com base neste artigo que as empresas, de forma geral,
viram surgir a possibilidade de contratar trabalhadores associados de cooperativas sem terem
de assumir despesas com os encargos sociais e trabalhistas. Tal fato tem possibilitado o
70
Conforme estabelece a lei, o associado de uma cooperativa não tem vínculo empregatício com esta, pois é seu
dono e usuário, como também não tem relação de vínculo empregatício com o contratante dos serviços da
cooperativa, de acordo com o art. 442 - parágrafo único da CLT: “Qualquer que seja o ramo de atividade da
sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os
tomadores de serviços daquela”. (Lei nº 8.949/94).
104
surgimento de cooperativas de trabalho, cujas características destoam das normas
estabelecidas por lei, atuando na realidade como empresas locadoras e agenciadoras de força
de trabalho.
Outro aspecto a destacar é que, sendo certos processos produtivos de caráter sazonal, a
possibilidade de contratar e, posteriormente, demitir trabalhadores voláteis sem custo é outro
fator que explica o uso desses trabalhadores cooperativados pelas empresas, pois, quando das
demissões, tais empresas não precisarão arcar com as despesas relativas às verbas rescisórias
(aviso prévio, 40% do FGTS, décimo terceiro e férias proporcionais ou integrais) que o
contrato formal com carteira assinada exige
71
. Portanto, este tipo de trabalhador cooperativado
em caso de desligamento das suas atividades laborais, não tem direito a qualquer recurso
financeiro compensatório, tampouco ao acesso ao seguro-desemprego.
Apesar de esse ser o contexto organizacional e social em que se encontram muitas
cooperativas de trabalho o próprio segmento cooperativista de trabalho, no âmbito de suas
entidades representativas, está se propondo a preservar todos os encargos sociais do
trabalhador, mas não da forma tradicional do sistema assalariado de trabalho e conforme
especificado na legislação trabalhista. Dessa forma, de acordo com Tesch (1995), o
trabalhador associado a uma cooperativa de trabalho deverá ter seu registro profissional
regulado na prefeitura de sua cidade, bem como o INSS
72
como autônomo, amenizando, dessa
forma, o aumento da informalização do trabalho. No que se refere aos direitos sociais, como
FGTS, décimo terceiro salário e outros, os referidos valores monetários poderão ser
compensados por meio da criação de fundos sociais administrados pelas cooperativas e
distribuídos aos seus associados conforme regras estabelecidas em assembleia pelos próprios
associados.
Entretanto, apesar dessas iniciativas por parte das entidades representativas do
cooperativismo de trabalho, no sentido de aperfeiçoar o estatuto jurídico do trabalho
associativo no Brasil, o que temos observado de fato é que muitas empresas de vários setores
71
Por meio da contratação de trabalhadores terceirizados por meio de cooperativas de trabalho, as empresas se
desobrigam a cumprir todas as exigências legais relativas aos encargos trabalhistas, tais como licença
maternidade, aviso prévio, décimo terceiro salário, férias, limitação da jornada, descanso semanal
remunerado, indenizações, recolhimentos dos encargos previdênciários e do FGTS, seguro de acidentes, etc.
72
O trabalhador associado a uma cooperativa de trabalho é um trabalhador autônomo, com registro no INSS,
com todos os direitos equivalentes a um assalariado, e está inscrito no ISSQN (Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza) no nível municipal. O cooperado, portanto, não é um assalariado, mas isso não impede
que a cooperativa, por meio de seus associados, estabeleça um conjunto de procedimentos normativos e
obrigações legais para os quais deve estar devidamente organizada no aspecto trabalhista, tributário,
previdenciário e contábil.
105
da nossa economia estão demitindo seus empregados contratados (trabalhadores assalariados
com carteira assinada e que estão regulamentados pela CLT) para readmiti-los posteriormente
para exercer, na mesma empresa, as mesmas funções na condição de trabalhadores
cooperativados
73
. As relações que vão reger, portanto, este trabalho não têm nada a ver com a
dinâmica característica do trabalho associado, pois tais trabalhadores continuam exercendo as
mesmas atividades, submetidos à mesma hierarquia, cumprindo a mesma carga horária e
recebendo os mesmos rendimentos (em alguns casos os rendimentos salariais são menores),
não se enquadrando em muitas situações nem na categoria de trabalhadores autônomos nem
na de cooperados.
Conforme algumas informações apresentadas pelo próprio Tribunal Superior do
Trabalho (TST) e destacadas no estudo de Pereira (1999), existiam nesse período mais de mil
falsas cooperativas espalhadas por todas as regiões do país, as quais, sob o rótulo de “trabalho
cooperativo”, estão agenciando força de trabalho temporária e espalhando fraudes à
Previdência, ao mesmo tempo em que conduzem milhares de trabalhadores a se submeterem a
condições de trabalho caracterizadas pela precarização e pela exploração do trabalho humano.
A proliferação dessas cooperativas de trabalho (chamadas pejorativamente de
“cooperfraudes” ou “gato-cooperativas”) tem sido uma triste constatação no país, atingindo
não apenas a zona urbana, no que se refere às atividades industriais, mas envolvendo
atividades agrícolas, pois estas falsas cooperativas estão surgindo também no meio rural com
o objetivo de substituir os antigos “gatos”, cuja função era o de arregimentar trabalhadores
rurais para as grandes lavouras, pagando salários irrisórios e sem nenhuma proteção
trabalhista. Conforme Pereira (1999), na região de Campinas, em São Paulo, cerca de
duzentos mil trabalhadores nesse período estavam integrados a essas falsas cooperativas que
exploravam a colheita de laranja. Portanto, esse é o manto de precariedade e exploração que
cobre uma parte do cooperativismo de trabalho no Brasil, que, por meio dos contratos de
terceirização da força de trabalho, acaba por esconder fraudes de toda ordem.
No que se refere, especificamente, aos aspectos jurídicos que traduzem em parte esse
processo de flexibilização dos direitos trabalhistas, é necessário compreender alguns aspectos
relacionados à prática da terceirização e sua contextualização no âmbito do direito do
trabalho. Conforme Falcão (1996), não se pode confundir terceirização com prestação de
73
Conforme Paula Leite (2002), o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, por exemplo, já vem denunciando desde
1998 a existência de inúmeras empresas no ABC Paulista que estão empregando trabalhadores cooperativados
de forma irregular.
106
serviços, visto que a terceirização implica o fato de que uma determinada empresa contrata
empregados e realiza as tarefas ou produz parte dos bens que a empresa contratante
industrializa, ou seja, a empresa principal recebe prontas partes do produto fabricado pela
empresa terceirizada. Por sua vez, na prestação de serviços a empresa tomadora contrata a
prestação com outra empresa, cujos empregados vão realizá-los na sede da tomadora de
serviços, como no caso, por exemplo, de serviços ligados a limpeza, conservação de prédios,
vigilância temporária, que a seu ver não corresponderiam à terceirização propriamente dita.
A distinção jurídica realizada por Falcão é necessária para melhor compreendermos o
contexto em que acontece uma série de ilegalidades do ponto de vista do direito do trabalho,
pois sob a denominação de “terceirização” o que ocorre, de fato, é a tentativa, em muitos
casos, de burlar a legislação trabalhista. Inúmeras são as fraudes praticadas atualmente no
universo das cooperativas de trabalho no Brasil, por mais que seus defensores insistam em
afirmar que representem uma alternativa ao desemprego. Várias são as facetas que essas
fraudes podem assumir quando efetuados os contratos de terceirização, o que fica evidente na
seguinte afirmação:
[...] fraude de mão-de-obra é todo e qualquer aliciamento de pessoas, sob a figura de
cooperado, para executar uma atividade não condizente com o objetivo da
cooperativa. Fraude de o-de-obra é todo o processo de se constituir uma
cooperativa de trabalho dentro da própria empresa envolvendo os mesmos
funcionários. Fraude de mão-de-obra é constituir uma cooperativa de trabalho
agenciando mão-de-obra temporária. Fraude de mão-de-obra é dispensar o
funcionário da empresa, transformá-lo em cooperado e recebê-lo de volta nos
mesmos afazeres. Fraude de mão-de-obra é constituir uma cooperativa, aceitar
adesões maciças, servir-se desta mão-de-obra por prazo determinado e, findo o
serviço ou contrato, dispensar o cooperado. (BONATO APUD PEREIRA, 1999,
p. 17).
Portanto, é com base nesses aspectos fraudatórios, que, de certa forma caracterizam as
experiências concretas de boa parte das cooperativas intermediadoras de força de trabalho no
país, que não podemos ser ingênuos a ponto de pensar que, por meio do cooperativismo, os
trabalhadores serão capazes de criar espaços de autonomia e de protagonismo no processo
produtivo, dispondo livremente de seu próprio trabalho e construindo, como preconizam
alguns de seus defensores, uma alternativa fundamentada na ideia do trabalho associativo em
substituição ao trabalho assalariado.
107
Na realidade, o que está acontecendo hoje é justamente o contrário, pois, na prática, o
chamado “trabalho associativo” das cooperativas que terceirizam a força de trabalho está
organizado segundo a mesma lógica de exploração e de expropriação da mais-valia que ocorre
no trabalho assalariado, e com um agravante a mais, pois, o trabalhador assalariado se
encontra protegido legalmente pela legislação trabalhista e possui seus direitos sociais, ao
passo que o trabalhador associado (trabalhador cooperativado) se encontra situado no
contexto da informalidade e precariedade de um mercado de trabalho instável desprovido de
qualquer forma de proteção social.
E são justamente essas cooperativas que acabam por legitimar e reforçar o atual
processo social de exploração da classe trabalhadora. Tal constatação fundamenta
teoricamente a nossa tese central da inclusão precária
74
no mercado de trabalho de milhares de
trabalhadores por meio dessas formas contraditórias de associativismo e que estão atualmente
relacionadas às novas práticas organizacionais implantadas pelas empresas, tanto públicas
como privadas, que é o caso da terceirização da força de trabalho.
Portanto, entender sociologicamente os aspectos que caracterizam essa dimensão
contraditória em que se efetiva o processo de precarização/exploração do chamado “trabalho
associativo”, por meio das cooperativas intermediadoras da força de trabalho, é um grande
desafio para a classe trabalhadora e seus sindicatos, bem como para os defensores do
cooperativismo de trabalho. Nesse sentido, um dos objetivos deste nosso estudo investigativo
foi justamente demonstrar que a terceirização por meio do sistema cooperativista de trabalho,
que se efetiva pelo agenciamento da força de trabalho, tem se tornado uma forma de
barateamento e flexibilização das relações de trabalho, pois uma parte importante dos
trabalhadores hoje em dia se vê agora obrigada a se adequar a um mercado de trabalho cada
vez mais instável e precário.
Em outras palavras, a uso dessas cooperativas de trabalho como alternativa geradora
de postos de trabalho tem contribuído para estimular o crescimento cada vez mais acelerado
do mercado informal de trabalho, pelo aumento dos trabalhadores por conta própria, que, por
sua vez, tem induzido a precarização dos vínculos empregatícios, pois, como afirma Misi,
74
A tese da inclusão precária será mais bem aprofundada detalhadamente no capítulo V do nosso estudo.
108
[...] as cooperativas estão inseridas no mercado informal, ou seja, estão à margem da
forma institucionalizada do trabalho, atendendo assim aos interesses econômicos
que dominam o mundo globalizado que objetivam primordialmente a obtenção de
lucros exacerbados em detrimento da preocupação com a dignidade do ser humano.
A informalidade implica menor proteção ao trabalhador e maior liberdade de
atuação do meio produtivo, com metas voltadas para o aumento da produtividade e
competitividade. (2000, p. 89).
Assim, a flexibilização da produção, concomitantemente com a flexibilidade dos
direitos trabalhadores, impõe aos trabalhadores profundas mudanças nas condições de
trabalho, fragilizando, assim, o poder de resistência dos sindicatos diante dessa nova prática
organizacional, que é a utilização terceirizada de trabalhadores por meio de empresas privadas
ou cooperativas de intermediação ou agenciamento de força de trabalho. Nesse sentido, é
preciso considerar que
[...] a terceirização, além de ser um aspecto da reestruturação produtiva que mais
tem atraído a atenção sindical, é a que atinge o sindicalismo brasileiro em suas
maiores fraquezas estruturais e políticas, além de tornar claro o poder das
prerrogativas do capital em processo diante de um sindicalismo em crise. (ALVES,
2000, p. 321).
Considerando todos os aspectos delineados em torno da problemática da
reestruturação produtiva e suas implicações sobre os processos e relações de trabalho, o que
de fato nos propomos nesta tese de doutorado é demonstrar e, ao mesmo tempo, denunciar a
maneira como as cooperativas de trabalho, especialmente as que são intermediadoras da força
de trabalho, estão se tornando uma forma coletiva e precária de inserção social num “novo”
mercado de trabalho, caracterizado pela insegurança, pela instabilidade, pela volatilidade e
precariedade.
Desse modo, o que nos propomos neste nosso estudo investigativo foi efetuar algumas
importantes reflexões críticas no sentido de compreender sociologicamente o papel das
cooperativas de trabalho no contexto da atual proposta de flexibilização produtiva e
desregulamentação dos direitos trabalhistas, sobretudo no que tange aos intensos debates
jurídicos e institucionais que envolvem tais cooperativas, principalmente quando não são
vistas, tampouco são reconhecidas, como uma alternativa efetiva à exclusão social, como
defendem muitos cooperativistas ligados ao setor cooperativista de trabalho, mas,
infelizmente, como uma forma de inclusão social precária, instável e marginal de milhares de
109
trabalhadores desempregados. Em outras palavras, a terceirização da força de trabalho pelo
uso das cooperativas de intermediação da força de trabalho, a nosso ver, fortalece essa
inclusão precária dos excluídos socialmente do mercado de trabalho.
Um outro aspecto a salientar é que tais cooperativas, na maioria dos casos, não são
administradas com base nos princípios da autogestão, no entanto muitos dos seus defensores,
ligados às instituições cooperativistas, reforçam veementemente em seus discursos em defesa
das cooperativas de trabalho que a autogestão é a principal característica de toda e qualquer
forma de associação de trabalho cooperativo. De forma geral, os dirigentes do sistema
cooperativista de trabalho ligados às entidades representativas do cooperativismo brasileiro
(OCB, Ocergs, Fetrabalho) não aceitam que as suas cooperativas de trabalho sejam
consideradas apenas empresas associativas de agenciamento da força de trabalho que
precarizam e tiram direitos sociais dos trabalhadores. A questão que geralmente se formula no
contexto deste debate é: “Quando as cooperativas são organizadas pelo PT e pelos
movimentos sindicais elas são solidárias e autogestionárias, mas quando são organizadas no
marco legal do nosso sistema cooperativista elas são iniciativas para precarizar o trabalho, é
isto que não podemos mais aceitar”, afirma um importante dirigente cooperativo da OCB.
Em síntese, é preciso considerar que em muitos casos tais soluções aparentemente não
capitalistas para o desemprego poderão, na prática, se constituir em experiências
contraditórias (como é o caso das cooperativas intermediadoras da força de trabalho), na
medida em que tais estratégias associativistas poderão exercer um papel funcional no contexto
das relações de trabalho contemporâneas assentadas na flexibilização, subcontratação,
terceirização e no trabalho temporário e parcial. Isso acaba por criar as condições objetivas
para o surgimento do trabalhador precarizado desprovido de direitos, em outras palavras, um
trabalhador vinculado às formas precárias de inclusão num “novo” mercado de trabalho.
De acordo com Carelli (2004), a configuração de um “novo” mercado de trabalho é
consequência das imposições produtivas, organizacionais e tecnológicas do novo regime de
acumulação do capital denominado de “acumulação flexivel”, conforme visto anteriormente.
Esse “novo” mercado de trabalho, segundo ele, é multiforme e, portanto, caracterizado por
uma multiplicidade de tipos de trabalho, e é nesse contexto que surge o que ele denominou de
“formas atípicas de trabalho”, nas quais se inclui o trabalho cooperativado, pois, segundo o
autor,
110
encontramos entre essas formas o trabalho temporário, o estágio, trabalho em tempo
parcial, autônomos, falsos autônomos, cooperados, trabalhadores organizados em
forma empresarial, eventuais, avulsos, “free-lancers”, domésticos, diaristas,
horistas, empreiteiros, subempreiteiros, trabalhadores de tempo parcial,
trabalhadores com emprego partilhado (job sharing), trabalhadores a distância,
contrato de solidariedade externo ou expansivo, trabalhadores engajados por
contratos civis etc. (CARELLI, 2004, p. 17).
Entretanto, é importante observar que a característica multifaceta do “novo” mercado
de trabalho, evidenciada nessas “formas atípicas de trabalho” a que se refere Carelli, traz
consigo um elemento comum a todas elas, que é a intencionalidade, presente no âmbito dos
contratos de terceirização, de promover a precarização e a fragilização da proteção trabalhista.
Sobre este aspecto é importante destacar também o trabalho de Carelli (2003), o qual destaca
que a prática da terceirização contribui, nos dias atuais, para a precarização do trabalho
humano, por estar relacionada à subtração de direitos trabalhistas dos trabalhadores
intermediados, à fragmentação da classe trabalhadora com a perda do poder organizativo
coletivo dos trabalhadores e à degradação do ambiente de trabalho, com uma maior incidência
de acidentes do trabalho e menor proteção quanto aos riscos ambientais do trabalho. É neste
contexto que a intermediação de mão-de-obra via cooperativas de trabalho precisa ser
compreendida como uma forma de precarização do trabalho humano, pois é nesta dimensão
que se evidencia a feição patólogica da terceirização cooperativada, sendo, portanto, um fator
de segregação no trabalho e de exclusão social.
111
5 AS COOPERATIVAS DE TRABALHO INSERIDAS NA LÓGICA DA
(RE)PRODUÇÃO SOCIAL DA INCLUSÃO PRECÁRIA
Neste capítulo específico, pretendemos apresentar os resultados da nossa pesquisa de
campo e coleta de dados, associada à hipótese central que norteia a nossa tese, a qual está
fundamentada na ideia de que as cooperativas de trabalho que terceirizam a força de
trabalho, no atual quadro de reestruturação produtiva, tornaram-se e tornar-se-ão em muitas
situações um instrumento efetivo de inserção de milhares de trabalhadores num mercado de
trabalho caracterizado pela flexibilidade, volatilidade, insegurança e precariedade. Tal
compreensão vai de encontro à lógica dos que acreditam que tais cooperativas podem se
constituir em uma estratégia alternativa de geração de trabalho e renda, como defendem
muitos ideólogos do cooperativismo, por meio de suas representações institucionais (OCB,
Ocergs, Denacoop, Frencoop, Sescoop, etc.).
Em outras palavras, o atual contexto econômico e organizacional caracterizado pela
volatilidade e flexibilidade produtiva conduz os trabalhadores flexíveis, precários e voláteis a
encontrarem no sistema cooperativista de trabalho uma opção estratégica de inclusão social
no mercado de trabalho. No entanto, é uma forma de inclusão que requer profundas reflexões
críticas, na medida em que reforça a lógica da flexibilização e da precarização das condições
de trabalho.
Conforme ficou delineado em nossa hipótese norteadora, o sistema cooperativista de
trabalho, como um modelo alternativo de relações de trabalho em comparação ao modelo
clássico de trabalho formal e assalariado, representa uma proposta até certo ponto
limitadíssima no que se refere à reposição de postos de trabalho que o processo
contemporâneo de reestruturação produtiva elimina com sua lógica destrutiva. Em nossa
opinião, crer nessa possibilidade alternativa constitui-se num grande equívoco, pois, apesar de
as potencialidades das iniciativas de trabalho associativo (também chamado de
“empreendedorismo associativo”) se apresentarem como uma alternativa minimizadora da
exclusão social, estimulada pelo desemprego estrutural, é preciso compreender que não se
constituem numa real alternativa transformadora da lógica do capital, na medida em que não
serão capazes de reverter ou, mesmo, de alterar substancialmente a essência dessa lógica. Pelo
contrário, em muitas situações tais cooperativas de trabalho poderão ser instrumentalizadas
constituindo-se em mais uma alternativa (entre tantas) a reforçar a lógica do capital,
112
fundamentada na exploração e na precarização do trabalho humano no contexto atual do
capitalismo contemporâneo.
5.1 As cooperativas de trabalho fraudulentas no marco da Recomendação 193 da OIT e
do Projeto de Lei 7.009/2006
Como salientado nos capítulos anteriores, a nova estratégia de flexibilização da
produção, do trabalho e da legislação trabalhista, ensejada pela atual reestruração produtiva da
economia nacional e mundial, tem implicado, no caso brasileiro, profundas mudanças nas
relações de trabalho e no mercado de trabalho. Entre essas mudanças se destaca o fenômeno
do crescimento quantitativo das cooperativas de trabalho, por meio da prática organizacional
da terceirização da força de trabalho.
Segundo informações obtidas junto ao site da Organização das Cooperativas do Brasil
(OCB Sescoop, 2008), esse crescimento se iniciou a partir dos primeiros anos da década de
1990, indo até aproximadamente o ano de 2003, quando, então, inicia-se um processo de
retração desse crescimento númerico
75
. Tal fato nos leva a concluir que a expansão do
cooperativismo de trabalho nesse período (1993-2003) ocorre simultaneamente ao aumento
do desemprego no país
76
. Assim, o ramo das cooperativas de trabalho foi o segmento
cooperativista que mais se expandiu nas últimas décadas comparativamente ao
cooperativismo agropecuário, de crédito, de saúde e o segmento educacional
77
. A partir do
ano de 2003 observa-se uma pequena retração desse crescimento numérico, a qual está, de
certa forma, associada, de um lado, à retomada do crescimento da economia a partir de 2005,
ampliando a oferta de empregos formais (carteira assinada), e, de outro, à atuação severa do
75
É importante destacar que as cooperativas de trabalho sempre existiram como um segmento a compor o
universo das cooperativas brasileiras, embora fosse um segmento pouco expressivo quantitativamente até o
final da década de 1980. Acontece que estas ganharam um novo impulso significativo a partir da década de
1990, pois as mudanças decorrentes da reestruturação produtiva do setor empresarial brasileiro conduzem não
apenas ao uso cada vez maior da prática organizacional da terceirização de mão-de-obra via cooperativas de
trabalho, como também o segmento cooperativo é estimulado como uma forma alternativa de geração de
emprego e renda para milhares de trabalhadores desempregados.
76
No caso brasileiro, por exemplo, entre 1989 e 1995 as quinhentas maiores empresas do país cortaram
trezentos mil postos de trabalho. Isso explica por que as cooperativas de trabalho começaram a crescer de
forma significativa a partir da segunda metade da década de 1990 e nos mais diferentes ramos de atuação.
Elas representam atualmente, de acordo com alguns dos seus defensores, uma importante alternativa de
emprego e renda numa época de competitividade crescente. (CARRANÇA, 1998).
77
De 1990 a 1995 as cooperativas médicas faziam parte do ramo de trabalho. A partir de 1996, elas foram
excluídas daquele ramo. A partir do ano de 2002 as cooperativas de transporte foram inclusas no ramo
trabalho, apesar de ter sido criado o ramo transporte em julho de 2001.
113
Ministério Publico do Trabalho no que tange à fiscalização das cooperativas de trabalho,
principalmente daquelas constituídas de forma irregular e que atuam como cooperativas de
fachada.
De acordo ainda com dados da Ocergs Sescoop (2008) / Fetrabalho-RS, existem hoje
Brasil aproximadamente 1.746 cooperativas de trabalho, envolvendo 287.241 associados. No
caso, especificamente, do Rio Grande do Sul, podemos observar que esse fenômeno da
expansão quantitativa das cooperativas de trabalho também é um fato a ser considerado, uma
vez que este segmento cooperativista é o que detém atualmente o maior número de
cooperativas (244), superando, inclusive, as do ramo agropecuário (237), e envolve cerca de
43.160 associados em todo o estado do Rio Grande do Sul. Estima-se que este número possa
ser maior, principalmente considerando um número significativo de cooperativas de trabalhos
que não estão registradas na Fetrabalho/RS, tampouco na Ocergs. Esse fato permite que
milhares de cooperativas de trabalho surjam sem o controle e a auditoria dos órgãos
vinculados ao próprio sistema cooperativista. A falta de controle por parte das entidades
cooperativistas é um dos fatores que têm conduzido muitas cooperativas de trabalho a se
constituírem totalmente desvinculadas dos ideários do verdadeiro cooperativismo e das
práticas de autogestão, tornando-se estratégias de flexibilização do trabalho associativo
78
.
As constatações numéricas apresentadas, tanto em nível nacional como no estadual,
levam-nos a concluir que a expansão cooperativista do segmento de trabalho tem se tornado
uma resposta alternativa diante da redução significativa de postos de trabalho. Por isso, é
importante analisar esse processo de expansão quantitativa das cooperativas de trabalho no
contexto das discussões em torno da reestruturação produtiva contemporânea, bem como suas
implicações sociais no que concerne ao aumento do desemprego e da precarização das
condições de trabalho
79
.
78
Os estudos de Reisdorfer (2000) e Piccinini (2004) sobre as cooperativas de trabalho da Região das Missões
(região noroeste do estado do Rio Grande do Sul) e de Porto Alegre evidenciam alguns elementos importantes
que apontam o uso do cooperativismo de trabalho como uma estratégia de flexibilização do trabalho
associativo utilizado por muitas empresas, tanto públicas como privadas, nas regiões por eles pesquisadas. Em
ambos os estudos organizacionais fica evidente que a maioria dos cooperados das cooperativas de trabalho
pesquisadas em seus estudos não conhece, tampouco vivencia de fato os princípios do cooperativismo e da
autogestão. É importante destacar que no período da pesquisa efetuada por Piccinini, com base nos dados de
2003, existiam, conforme informações obtidas na Ocergs, 278 cooperativas de trabalho registradas com
64.973 associados.
79
De acordo com informações obtidas, por meio de uma entrevista com um presidente da Fetrabalho/RS,
existem atualmente aproximadamente oitocentas cooperativas de trabalho no Rio Grande do Sul, mas somente
trezentas estão devidadamente registradas no sistema Ocergs / Fetrabalho-RS, o que evidencia o crescimento
desordenado e sem controle deste segmento cooperativista (posição em agosto de 2006 conforme dados
obtidos na referida entrevista). Essa expansão desordenada tem sido objeto de preocupação dos representantes
cooperativistas, pois as cooperativas de trabalho têm sido constantemente alvo de críticas dos sindicatos dos
trabalhadores, bem como sofrem frequentemente a atuação judicial do Ministério Público do Trabalho.
114
É importante considerar que essa expansão do cooperativismo se constitui também
num fenômeno de amplitude mundial a ser observado nos últimos anos em inúmeras regiões
do planeta. Tal expansão, inclusive, tem sido monitorada por organizações internacionais, que
veem na proposta cooperativista uma forma importante de enfrentamento da problemática do
desemprego, da pobreza e da exclusão social. De acordo com inúmeras discussões realizadas
no Seminário de Cooperativas de Trabalho, como citado em Martins Filho e Salaberry Filho
(2004), a própria Organização Internacional do Trabalho vem apoiando as iniciativas
associativistas de trabalho cooperativado, por valorizar a sua capacidade de criação de
oportunidades de trabalho e de promoção social, especialmente para populações de setores
marginalizados de todos os países, independentemente do seu nível de desenvolvimento,
principalmente considerando o momento atual, no qual imperam profundas mudanças no
mercado e trabalho, levando a sua crescente deterioração. Com esse fim, a Organização
Internacional do Trabalho aprovou em 20 de junho de 2002 a Recomendação Sobre a
Promoção das Cooperativas 2002, conhecida como “Recomendação 193”, que orienta e
estimula a promoção do cooperativismo na “era da globalização”.
A presente recomendação revisou, atualizou e substituiu a Recomendação 127 de 1966
da OIT sobre as cooperativas. Esta nova recomendação mundial do cooperativismo propõe
que os governos considerem o potencial das cooperativas em todos os países,
independentemente do seu nível de desenvolvimento, com o fim de torná-las uma alternativa
geradora de renda, emprego decente e de sustentabilidade social diante do atual quadro de
desemprego mundial. Para tal, a recomendação defende a ideia de que os governos deveriam
adotar medidas apropriadas de estímulo às atividades das cooperativas. Essas medidas de
apoio poderiam incluir, entre outras, vantagens fiscais, incentivos creditícios, subvenções,
facilidades de acesso a programas de obras públicas e disposições especiais em matéria de
compras do setor público. De fato, atenta a essa realidade, a OIT vem estimulando diversos
programas de fomento às cooperativas, pois, de acordo com esta entidade internacional,
as cooperativas vêm assumindo um papel cada vez mais importante em termos
mundiais no que se refere à promoção do emprego, do crescimento econômico e do
desenvolvimento social. Alcançando desde pequenos empreendimentos até negócios
multimilionários ao redor do mundo, estima-se que as cooperativas empreguem
atualmente mais de 100 milhões de mulheres e homens [...]. (apud PAULA LEITE,
2002, p. 10).
115
Várias são, entretanto, as questões que suscitam interpretações polêmicas, tanto para
juslaboralistas, defensores do direito do trabalho e da aplicabilidade da legislação trabalhista
em vigor, como entre as lideranças cooperativistas, principalmente quando se considera que,
conforme este documento, os governos, por meio de suas políticas nacionais, deverão:
a) promover a aplicação das normas fundamentais de trabalho da OIT e da
Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, a
todos os trabalhadores das cooperativas sem distinção alguma; b) velar para que
sirva para estabelecer relações de trabalho subordinado disfarças, e lutar contra as
pseudocooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores, velando para que a
legislação do trabalho se aplique em todas as empresas [...]. (PORTAL COOP, 2008,
p. 4).
Entre as questões suscitadas referentemente à atual Recomendação 193, destacamos
algumas que parecem ser de extrema importância: Como considerar as recomendações citadas
para as cooperativas de trabalho, principalmente aquelas que terceirizam a força de trabalho?
Como adequar o trabalhador cooperativado e terceirizado à proteção social dos princípios e
direitos fundamentais estabelecidos na legislação trabalhista atual, se esta tem como
referência principal o trabalho formal e assalariado com vínculo empregatício? Como evitar a
proliferação das pseudocooperativas considerando a triste realidade brasileira do crescimento
descontrolado deste tipo de cooperativas fraudulentas? Essas questões necessitam de
respostas e encaminhamentos imediatos caso se queira, de fato, utilizar as cooperativas de
trabalho como uma alternativa efetiva de geração de emprego e renda para os milhões de
desempregados em todo mundo
80
.
Ainda de acordo com Martins Filho e Salaberry Filho (2004), fica evidente que, a
despeito da Lei nº 5.764/71, que trata de forma genérica sobre a constituição das sociedades
cooperativas, é preciso destacar que o Brasil precisa urgentemente de uma legislação
80
O ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) juntamente com a
representante do Ministério do Trabalho Tânia Mara de Almeida Costa, participou da Conferência
Internacional do Trabalho de 2002, em Genebra (Suíça), tendo um importante papel, principalmente na
inclusão na Recomendação 193 de uma orientação condenando as falsas cooperativas. A recomedação
destinou-se a todos os países da OIT visando ao combate às cooperativas que encobrem as relações de
emprego e violam normas internacionais de proteção ao trabalho. De acordo com o ministro, foi um trabalho
dificil a inclusão deste conceito de “pseudocooperativas”, pois era imcompreensível para os vários
representantes dos países desenvolvidos que pudessem existir falsas cooperativas, como ocorre no Brasil e em
outros países em desenvolvimento. Sobre esse aspecto é importante destacar que, de forma geral, nos países
desenvolvidos não se concebe a ideia de uma cooperativa fraudulenta, uma vez que são assegurados as
trabalhadores cooperativados os mesmos direitos trabalhistas dos demais trabalhadores. Portanto, nos países
desenvolvidos é pouco provável a criação de falsas cooperativas visando fraudar a legislação trabalhista como
ocorre, po exemplo, em grande número no Brasil. (MARTINS FILHO; SALABERRY FILHO, 2004).
116
específica sobre as cooperativas de trabalho, ou seja, que trate das questões específicas deste
ramo do cooperativismo brasileiro. Essa lacuna legislativa é um sério entrave no que tange ao
cumprimento da Recomendação 193 da OIT, a qual só poderá ser efetivada na prática se
houver a edição de marcos legislativos apropriados que disciplinem essa matéria sobre as
cooperativas de trabalho e que levem em consideração a necessidade de que ao trabalhador
cooperado e terceirizado sejam dados os mesmos direitos, assegurados pela Constituição
Federal de 1988 em seu art. 7º, dados aos demais trabalhadores.
Uma das iniciativas visando à correção e equiparação dessas diferenças entre
trabalhadores cooperados e os demais trabalhadores rurais e urbanos amparados
constitucionalmente é a proposta que está contida no Projeto de Lei nº 7.009/2006, que dispõe
sobre a organização e o funcionamento das cooperativas de trabalho, institui o Programa
Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho (Pronacoop) e dá outras providências. Esse
projeto de lei, que tramita no Congresso em regime de urgência, visa regulamentar
adequadamente o fenômeno da terceirização nas empresas, impondo regras ao cooperativismo
de trabalho para coibir as fraudes, vedando a intermediação da força de trabalho por meio de
cooperativas de trabalho. A motivação principal é reduzir parte dos problemas relacionados a
essas cooperativas, principalmente no que tange às ações civis públicas contra os tomadores
de serviços e falsas cooperativas de trabalho em todo país, resultado da atuação do Ministério
Público do Trabalho contra fraudes envolvendo cooperativas suspeitas de irregularidades
81
.
Outro objetivo complementar deste projeto de lei é tornar mais claro o entendimento sobre
essas “novas formas de relação de trabalho” relacionadas ao trabalhador associado e ao
trabalho associativo, conforme previsto na Recomendação 193 da OIT.
81
Visando coibir a constituição das falsas cooperativas o referido projeto de lei “garante, em seus arts. 7º, 8º e 9º,
aos associados retiradas equivalentes às horas trabalhadas não inferiores ao piso da categoria a que pertencem,
a observância das normas relativas à segurança e saúde no trabalho, além de diminuir o número múnimo de
associados de 20 (vinte) para 5 (cinco) para criação de cooperativas. Obriga, consagrando o princípio da
decisão assemblear, a realização de Assembléias Gerais periódicas, a cada noventas dias no máximo, para
serem apresentadas contas da gestão, resultados e decidido o destino das sobras líquidas. Também gera a
possibilidade de faixas diferenciadas de retiradas dos resultados, com uma diferença não superior a seis vezes
entre a maior e a menor. Cria, em outro ponto, linhas de crédito especiais para fomentar as atividades das
cooperativas, acompanhamento técnico das mesmas e uma série de outras medidas, a qual não vamos nos
deter, para incentivar estas sociedades. No âmbito da fiscalização é onde residem as maiore novidades. Por
seu art.19, a utilização das cooperativas para exercer qualquer tipo de fraude acarreta sua dissolução judicial,
sem prejuízo das sanções penais, civis e admnistrativas cabíveis. Para tanto o MPT ou qualquer associado está
legitimado para propor a ação. Há ainda o reconhecimento da relação de emprego dos associados com a
cooperativa e o seu tomador de serviçon e uma multa de R$ 1.113 (mil cento e treze reais) por trabalhador
irregular, aplicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que é responsável pela fiscalização. Com estas
medidas o Poder Público procura inibir a criação das falsas cooperativas, sem perder de vista a importância do
instituto como instrumento de valorização do trabalho e combate ao desemprego”. (BRITO, 2006, p. 2-3).
117
Como já referimos antes, o parágrafo único do art. 442 da CLT, o qual dispõe que não
existe vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, bem como entre estes e o
tomador de serviços, possibilitou a permissão legal para o surgimento de cooperativas de
trabalho que não tinham outro intuito a não ser o de fraudar a legislação trabalhista. Diversas
são as artimanhas utilizadas para a constituição dessas cooperativas. Uma das mais frequentes
é a formação de cooperativas de trabalho por meio de ex-empregados de uma empresa. Neste
caso, os trabalhadores são demitidos e induzidos a constituírem uma cooperativa de trabalho,
tendo geralmente como testa de ferro (presidente da cooperativa) um ex-empregado de
confiança do empresário. Posteriormente, a empresa contrata os ex-trabalhadores, agora na
condição de cooperados, como tomadora de serviços, por meio dos contratos de terceirização
da força de trabalho, visando, dessa forma, livrar-se dos encargos sociais e trabalhistas,
barateando, assim, o custo da força de trabalho. Os trabalhadores retornam a exercer suas
atividades na mesma empresa e nas mesmas funções anteriores, porém agora na condição de
trabalhadores cooperativados e terceirizados sem vínculo empregatício com a cooperativa e
com a empresa tomadora de serviços, conforme legalmente prevê o art. 442 da CLT
anteriormente abordado
82
.
Uma outra situação muito comum é a constituição de uma cooperativa de trabalho que
atua na prática como uma empresa privada de terceirização, cujo “dono”, o presidente,
responsável pela criação da empresa nos moldes cooperativos, arregimenta os trabalhadores
cooperativados para atender às demandas de trabalho volátil para os empresários, de acordo
com a sazonalidade da produção rural ou industrial e também para atender às demandas
cíclicas por trabalhadores do poder público.
No que tange ao poder público, a forma mais usual de fraude é a constituição de
cooperativas de trabalhadores visando atender às demandas desta esfera por trabalhadores das
mais diversas áreas, tais como vigilantes, serviços de limpeza, merendeiras, monitoras de
creches e outras categorias profissionais, que podem incluir desde psicólogos, dentistas,
assistentes sociais, advogados, pedagogos, geralmente para atender a projetos temporários
específicos do setor público, etc. O caso mais comum deste tipo de contratação acontece
envolvendo principalmente as prefeituras municipais. A fim de evitar a contratação de
servidores, por meios de concursos públicos, barateando, assim, o custo com a folha de
82
A fraude se efetiva nesses casos pela presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, a saber,
a pessoalidade, a onerosidade, a subordinação, a habitualidade (continuidade), conforme destaca o estudo de
Campelo. (2005, p. 80).
118
pagamento, muitas prefeituras induzem a criação de cooperativas de fachada (geralmente
tendo à frente um político ou testa-de-ferro ligado à base política do governo).
A ideia é que a “a vaga de trabalhador cooperativado”, criada pela cooperativa de
trabalho, sirva para atender a duas finalidades complementares aos interesses dos fraudantes:
a redução com as despesas públicas de pessoal, em decorrência de a força de trabalho
associativo (cooperativada) ser mais barata em razão dos encargos sociais e trabalhistas, e da
utilização das cooperativas como “curral eleitoral”, onde os trabalhadores cooperativados são
coagidos a se comprometerem com o grupo político “dono da cooperativa”. Em períodos
eleitorais, sobretudo, os cooperados e seus familiares são “convidados” a votar nos candidatos
ligados ao grupo político que mantém a cooperativa de fachada, pois, em caso contrário,
correm o sério risco de serem desligados.
Em resumo, em muitos municípios as cooperativas de trabalho acabam se tornando
uma forma fraudulenta de criar empregos para atender aos interesses escusos e temporários de
grupos privados empresariais, bem como de grupos políticos com motivações puramente
eleitoreiras. É justamente nesse contexto que é preciso considerar que o trabalhador associado
e o trabalho associativo (conforme prevê a Recomendação 193 da OIT, à qual se refere o
Projeto de Lei nº 7.009/2006) podem, em muitas situações, constituir formas coletivas e
precárias de inclusão social.
5.2 A flexibilização trabalhista “flexibilizando” o funcionamento das cooperativas de
trabalho
Conforme já salientado em nosso estudo, as transformações socioeconômicas,
tecnológicas e organizacionais assentadas na flexibilização produtiva têm significado também
a necessidade de se adequar o direito do trabalho às novas exigências do mercado de trabalho
contemporâneo. Nesse sentido, já despertou no seio dos juslaboralistas o reconhecimento de
que é necessário empreender mudanças na abordagem que fundamenta a legislação trabalhista
atual. Dessa forma, os conceitos de desregulamentação ou flexibilização das normas
trabalhistas encontram-se hoje no cerne das discussões jurídicas que procuram compreender o
119
funcionamento dessas novas formas atípicas de trabalho
83
, nas quais o trabalho cooperativado
e terceirizado se enquadram, e que surgem com o advento da globalização, pois, como afirma
Misi,
[...] nesse contexto, ressurgem as cooperativas de trabalho como uma alternativa
para o problema do desemprego gerado pela reestruturação produtiva. A contratação
de serviços por meio de cooperativas pode ser considerada como uma modalidade de
terceirização (ou subcontratação, como prefere uma parte da doutrina) e atende aos
anseios do mercado pela desregulamentação das relações trabalhistas. (2000, p. 11).
Em relação à terceirização do trabalho cooperativo, Ferrari e Affonso também
defendem, em termos jurídicos, a tese de que as cooperativas de trabalho, desde que
regularmente constituídas, são uma alternativa legítima a flexibilizar os serviços na condição
de terceiros. Sobre este aspecto vejamos o que pensam os autores:
A cooperativa pode ser uma forma de terceirização, quando a empresa necessita de
serviços ou bens que são produzidos por aquela. Ultimamente, o uso de cooperativas
também não deixa de ser uma forma de se tentar evitar o desemprego,
proporcionando trabalho às pessoas. Constata-se que a terceirização, inclusive sob a
forma de cooperativa, surge de condições de desemprego, de modo a tornar
ocupadas as pessoas e lhes proporciona remuneração. (2002, p. 41).
Podemos observar, com base nessas argumentações em defesa das cooperativas de
trabalho, que o resgate atual dessa forma de trabalho associativo coloca em discussão algumas
questões importantes para o ramo jurídico destinado a regular o trabalho subordinado. O seu
ressurgimento como forma alternativa de geração de emprego e renda para a classe
trabalhadora excluída do mercado de trabalho formal pelo desemprego, em muitas situações,
tem sido vantajosa para interesses empresariais, e também estatais, cuja motivação principal
tem sido não só diminuir os custos com a força de trabalho, em detrimento da proteção ao
83
Sobre as formas atípicas de trabalho destacamos as reflexões de Carelli (2004), que aponta a necessidade de o
direito do trabalho incluir no seu arcabouço jurídico a necessidade de compreender essas novas formas de
trabalho, visando também a sua proteção social no âmbito da legislação trabalhista.
120
trabalhador, mas também utilizar tais cooperativas visando atender às finalidades econômicas
e políticas de grupos de interesse
84
.
Apesar da grande expansão do cooperativismo de trabalho no Brasil, estimulada
também pelo próprio poder público (destaca-se o exemplo das iniciativas do Proger com
recursos do FAT salientados anteriormente), isso não está ocorrendo isento de críticas e,
mesmo, de oposições ferrenhas, em razão das controvérsias suscitadas por parte dos
movimentos sindicais
85
e da própria Justiça do Trabalho
86
. Principalmente, a terceirização da
força de trabalho por meio das cooperativas de trabalho tem se constituído numa forma de
gestão empresarial, tanto do setor privado como público, visando à redução dos custos
relativos aos encargos trabalhistas e aos interesses de grupos políticos locais.
Em consequência desse mau uso do sistema cooperativista, teve início uma verdadeira
ofensiva judicial e parlamentar que uniu sindicatos e o Ministério Público do Trabalho contra
essas distorções funcionais, que acabam por encorajar a proliferação de cooperativas de
“fachada” (ou cooperfraudes), as quais são instituídas sem o cumprimento dos requisitos
básicos definidos na legislação cooperativista
87
.
84
O principal dilema jurídico do direito do trabalho relacionado às possíveis mudanças implementadas no bojo
da flexibilização das normas trabalhistas continua sendo “[...] a perda da centralidade da proteção em torno do
trabalho subordinado” (Misi, 2000, p. 7). De acordo com a autora, existe uma necessidade de renovação dessa
disciplina jurídica diante das transformações em curso. Nessse sentido, é necessário “[...] o reconhecimento de
que a proteção limitada ao emprego não atende mais às exigências do momento histórico atual. Velhas e
novas práticas de trabalho estão aflorando ainda submetidas à exploração pelo capital, o que demonstra ainda
ser essencial a existência de uma disciplina jurídica própria para protegar a dignidade do trabalho humano. A
experiência das cooperativas de trabalho ilustra a permanência dessa necessidade”. (MISI, 2000, p. 8).
85
Muitos sindicatos, principalmente aqueles ligados à CUT, são radicalmente contra a constituição dessas
cooperativas, principalmente porque no entender de muitos sindicalistas, essas cooperativas que intermediam
a força de trabalho retiram dos trabalhadores os direitos assegurados no art. 7 da Constituição Federal,
precarizando e aprofundando, de forma sútil, a exploração do trabalho humano ao mascarar a relação de
emprego.
86
Segundo notícia veiculada no site Organização das Cooperativas do Estado do Espírito Santo (OCBES)
intitulada “Falsas cooperativas de trabalho são alvos de 500 ações no Ministério Público”, fica evidente a
opinião do coordenador nacional de Combate à Fraude nas Relações de Emprego da Procuradoria Geral do
Traballho - pois muitas cooperativas de trabalho no Brasil são verdadeiras fontes de fraude e sonegação de
impostos. Segundo o coordenador, “[...] há uma distorção entre cooperativismo e intermediaçãode mão-de-
obra. O que se vê hoje, em muitos casos, são empresas que fazem essa intermediação. Não há cooperativismo
quando o trabalhador fica subordinado [...]”. Ele considera importante a atuação das cooperativas, desde que a
lei seja cumprida e que essas sejam de fato uma alternativa de geração de renda e de diminuição da
informalidade, e não apenas uma forma de burlar a legislação e reduzir a proteção social do trabalhador.
(OCB/ES, 2006, p. 1).
87
Em matéria jornalística divulgada amplamente pela imprensa gaúcha destacou-se mais uma rodada tensa de
dicussão entre as entidades representativas dos interesses das cooperativas de trabalho gaúchas (Frente
Parlamentar Cooperativista - Frencoop e a Federação das Cooperativas de Trabalho do Rio Grande do Sul -
Fetrabalho) e o Ministério Público do Trabalho (MPT), que, de acordo com o seu procurador, Paulo Juarez
Vieira, afirmou que considera as cooperativas de trabalho “amplamente lesivas aos trabalhadores em geral”,
pois considera o cooperativismo de trabalho uma forma de subemprego. Conforme essa reportagem, o
procurador não vê irregularidade quando empregados assumem empresas ou serviços, mas é contrário às
cooperativas de fornecimento de mão-de-obra, como atividade tipicamente subordinada que constitui, por
definição legal, contrato de emprego. Dessa forma o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul
considera em certa medida o sistema de cooperativas de terceirização de mão-de-obra como lesivo para os
trabalhadores quando comparado ao de contratação por vínculo de emprego. (TENSÃO, 2004, p. 4).
121
Em virtude da inexistência de uma legislação específica de dispositivos que
contemplem de maneira particularizada as cooperativas de trabalho
88
, criam-se as condições
para a manifestação de um vácuo jurídico-institucional que permite a muitas dessas burlarem
a legislação trabalhista e previdenciária para se valer das isenções tributárias atualmente
concedidas às organizações cooperativas. Desse modo, essas cooperativas de “fachada”, por
meio dos processos de terceirização da força de trabalho, são utilizadas unicamente para
substituir relações empregatícias dos trabalhadores por outras mais precárias, na medida em
que os empregados são privados das mais elementares garantias trabalhistas.
Entretanto, em oposição à resistência dos sindicatos e do próprio Ministério Público, o
coordenador geral da Fetrabalho/SP ( Federação das Cooperativas de Trabalho do Estado de
São Paulo), Walter Tesch apresenta outro argumento intrepretativo em relação a essas
questões polêmicas que envolvem a expansão e a utilização das cooperativas de trabalho nos
processos de terceirização, pois, segundo ele, “o cooperativismo de trabalho não é coveiro de
direitos trabalhistas ou da CLT, mas parteiro de uma nova relação do trabalhador cooperado
com o novo mercado de trabalho”. (CARRANÇA, 1998, p. 65).
Considerando as discussões delineadas acima, faz-se necessário aprofundar e construir
uma análise crítica e reflexiva visando à compreensão das mudanças recentes na gestão da
força de trabalho, de forma específica sobre o processo terceirização via cooperativas de
trabalho, e suas implicações sociais para o trabalhador, pois é no contexto atual dessa
profunda desestruturação do mercado de trabalho que devemos procurar entender como o
trabalhador associado e o trabalho associativo podem se configurar em instrumentos que
reforçam a exploração do trabalho humano por meio dessas estratégias de inclusão social
(pelo menos na ótica dos dirigentes cooperativistas) num mercado de trabalho caracterizado
pela flexibilidade, volatilidade, insegurança e precariedade.
5.3 Algumas reflexões sobre questão da exclusão social no atual capitalismo globalizado
De acordo com Dupas (1998), é preciso compreender o conceito de exclusão social no
atual contexto do capitalismo globalizado, principalmente considerando a nova lógica de
fragmentação das cadeias produtivas, que, em certa medida, ensejam as recentes mudanças
88
O Projeto de Lei nº 7.009/2006 visa atender a este vácuo jurídico.
122
globais que estão ocorrendo nas estratégias de produção e distribuição das organizações
empresariais. Essa fragmentação produtiva globalizada atinge diretamente a geração e
qualidade dos empregos na atual economia contemporânea, em outros termos, a nova lógica
das cadeias produtivas globais afeta a qualidade e a quantidade da oferta global de empregos.
Em síntese, o novo modelo global de produção e consumo agrava a exclusão social.
Conforme o autor, a incapacidade das pessoas de assegurar uma renda própria para
satisfazer às necessidades básicas, muitas vezes impostas pelo desemprego, ou pelo
subemprego deve ser o centro da definição de exclusão, principalmente quando se considera
que um dos elementos determinantes da nova lógica do capitalismo global é a natureza
crescentemente precária dos empregos disponíveis. Isso porque, como afirma Dupas (1998, p.
122), “a exclusão pode vir de dentro do mercado de trabalho, com empregos ruins e instáveis
gerando renda insuficiente para garantir padrão de vida mínimo, [...]”. E é essa nova condição
social do trabalho imposta pela atual dinâmica do capitalismo globalizado que abre a
possibilidade de entendermos o surgimento do que Wolfe (1995) convencionou chamar de “a
classe dos novos excluídos”
89
. Essa nova categoria de cidadãos e de trabalhadores a que se
refere Wolfe se vê, atualmente, diante de um mercado de trabalho global caracterizado por
uma tendência nítida de queda do emprego formal, paralelamente ao aumento do trabalho
flexível e precário, que adquire cada vez mais um novo espaço de inserção social.
Um outro aspecto interessante apresentado no estudo de Dupas em relação ao
capitalismo contemporâneo, no que se refere à geração de empregos e à criação de demanda, é
o caráter contraditório da coexistência de processos de exclusão e inclusão, pois, conforme o
autor:
O capitalismo atual tem garantido a continuidade de sua dinâmica de acumulação,
apesar do desemprego estrutural crescente. A queda do preço dos produtos globais
incorpora porções crescentes da população ao consumo de bens e serviços, antes
restritos às frações com maior poder aquisitivo. Essa incorporação ocorre não-
necessariamente pelo incremento da renda, mas pela possibilidade de adquirir mais
bens com a mesma renda. (DUPAS, 1998, p. 125).
E ainda conforme Dupas:
89
O termo “novos excluídos” utilizado por Wolfe (1995) tem por objetivo caracterizar a realidade de exclusão
social e econômica de milhares de pessoas em razão do desemprego de longo prazo, da falta de acesso a
empregos por parte de minorias étnicas e imigrantes, da natureza crescentemente precária dos empregos
disponíveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter para ingressar no mercado de trabalho europeu.
Esses aspectos definem o tecido social desta nova exclusão social a que refere o autor.
123
Graças à nova articulação produtiva, as transnacionais podem se apropriar das
vantagens das reservas de low-wage labor
90
, das relações contratuais informais e das
regras ambientais menos rigorosas, sem um envolvimento necessariamente direto de
sua marca institucional. Evidências de flexibilização do trabalho são encontradas
também no topo das cadeias, mediante a ruptura de contratos formais de trabalho
com altos executivos e quadro gerenciais, com sua recontratação como consultores.
Enquanto a nova lógica das cadeias seleciona, reduz e qualifica em direção ao seu
topo (e, portanto, exclui), também tende a incluir – em direção a sua base –
trabalhadores com salários baixos e contratos flexíveis, quando não informais.
(1998, p. 128).
Essas constatações nos conduzem a compreender, de certa forma, que a necessidade
imperiosa de competir obrigou o setor produtivo a uma profunda reestruturação, pela adoção
de novas tecnologias e novas formas de gestão da produção e da força de trabalho, entre as
quais podemos citar os acordos de out sourcing
91
intrafirmas e de subcontratação, com efeitos
diretos sobre a quantidade e qualidade dos empregos. Além da redução dos níveis
hierárquicos (downsizing), das estruturas administrativas e das técnicas da produção enxuta
(lean production), as empresas estão orientando seus processos de gestão rumo à
flexibilização produtiva, visando, assim, reduzir os custos com a força de trabalho, por meio
da terceirização, bem como adequar a produção às oscilações cíclicas do mercado.
Portanto, podemos considerar que tais mudanças organizacionais fazem parte de duas
tendências predominantes apontadas por diversos especialistas em relação às transformações
no mundo do trabalho – a flexibilização do emprego e o aumento das desigualdades.
(DUPAS, 1998; LESSA, 1997). Dessa forma, é preciso compreender que tais tendências
ocorrem associadas à desestabilização da estrutura sindical e do regime de salários imposta
pela mobilidade do capital internacional, que, por sua vez, debilita as políticas públicas
sociais de inclusão dos Estados nacionais, ao mesmo tempo em que estimula o crescimento do
setor informal – precário quase por definição –, da economia, o que fragiliza ainda mais a
situação da classe trabalhadora. Em resumo, o processo atual de globalização produtiva das
economias tem contribuído para a fragilização cada vez maior do papel do Estado e dos
sindicatos perante o capital e, concomitantemente, tem gerado uma tendência mundial de
diminuição do emprego formal, paradoxalmente ao aumento do emprego informal,
caracterizado pela crescente flexibilização da força de trabalho e precariedade.
Em outras palavras, as transformações do mercado de trabalho e a problemática da
exclusão social, impostas pelo atual modelo global de produção e consumo, estão, de certa
90
O termo low-wage labor refere-se à mão-de-obra com baixos salários.
91
O termo out-sourcing refere-se às diferentes formas de terceirização e subcontratação.
124
forma, relacionadas à alteração do paradigma referencial do trabalho formal com carteira
assinada e direitos sociais e trabalhistas (garantidos pelo Welfare State), por um novo
mercado de trabalho informal, instável, precário e sem proteção social. Para grande parte da
classe trabalhadora ainda hoje a referência social continua a ser, no inconsciente coletivo,
permanecer empregado no setor formal
92
. Esse aspecto é importante a ser considerado, pois,
conforme Dupas, a compreensão do conceito de exclusão precisa levar em consideração
também a sua dimensão subjetiva, ou seja, a forma com o trabalhador compreende a sua
condição de excluído.
Sobre esse aspecto, é importante considerar o que diz o autor: “É, pois, tarefa
enormemente complexa tentar distinguir sentimento de exclusão, que subjetivamente é o que
importa, de um critério objetivo de exclusão efetiva” (1998, p. 122 – grifo do autor). Sobre
esse aspecto, Dupas (1999) procura destacar que a ideia de exclusão social faria parte
atualmente de um quadro psicossociológico, que envolve tanto a sensação de insegurança e de
exclusão observada e sentida atualmente por milhares de trabalhadores, como em razão de
mudanças nas condições materiais desses trabalhadores, determinadas pelas alterações na
lógica da produção global. Os sentimentos de desamparo e insegurança começam a se
generalizar e estão subjacentes à preocupação com a exclusão social, que, por sua vez, estaria
relacionada às atuais mudanças no mercado de trabalho. Em outros termos, a ameaça da
exclusão efetiva-se com o surgimento de “um novo paradigma de emprego mais flexível,
precário e desprovido das garantias de estabilidade associadas ao padrão convencional”.
(DUPAS, 1999, p.16). Portanto, é preciso levar em consideração não apenas as condições
objetivas, e, portanto, econômicas e materiais da exclusão social (exclusão efetiva), mas
também o seu caráter subjetivo, ou seja, a forma como os trabalhadores percebem e
compreendem a sua condição de excluídos (sensação de exclusão)
93
.
Além da importância dos aspectos anteriormente citados e que envolvem a
compreensão do fenômeno da exclusão social, Garry Rogers, citado por Dupas, aponta para a
necessidade de se compreender a exclusão social com base em sua essência multidimensional,
92
É importante destacar que o emprego formal protegido socialmente pelo Estado (Welfare State) e amparado
politicamente pelos sindicatos organizados apresenta atualmente uma nítida tendência de queda.
Paralelamente, o trabalho flexivel e precário, desprotegido socialmente e desamparado sindicalmente, aquire
um novo espaço de inserção social em mercados de trabalho associados à fragmentação das cadeias
produtivas nacionais e globais.
93
Sobre este aspecto é importante considerar o que diz Souza Martins (2002, p.26): “A sociologia não pode ser
boa sociologia se não incorporar à sua análise a consciência social, enquanto dado, que a vítima das situações
sociais adversas tem da adversidade e de si mesma”.
125
incluindo não só a ideia da falta de acesso aos bens materiais (bens e serviços), mas também a
falta de segurança, justiça e cidadania. O autor destaca vários níveis nos quais se pode estar
excluído:
a) exclusão do mercado de trabalho (desemprego de longo prazo); b) exclusão do
trabalho regular (parcial e precário); c) exclusão do acesso a moradias decentes e a
serviços comunitários; d) exclusão do acesso a bens e serviços (inclusive públicos);
e) exclusão dentro do mercado de trabalho (para ele, existe uma “dualização do
processo de trabalho”, ou seja há empregos ruins, de acesso relativamente fácil –
que além de precários não geram renda suficiente para garantir um padrão de vida
mínimo – e há empregos bons, mas de difícil acesso, que geram níveis de renda e de
segurança aceitáveis; em geral, a segmentação acontece em termos de raça, sexo,
nacionalidade; f) exclusão do acesso à terra; h) exclusão em relação à segurança ,
em três dimensões: insegurança física, insegurança em relação a sobrevivência (o
risco de perder a possibilidade de garanti-la) e insegurança em relação à proteção
contra contingências; i) exclusão dos direitos humanos. (DUPAS, 1999, p.20).
Essas variadas dimensões da exclusão social conduzem a que, em termos individuais,
uma pessoa possa estar e se sentir incluída num nível de exclusão ou em mais níveis e estar e
se sentir excluída de outros níveis. No caso do nosso estudo julgamos interessante considerar
a exclusão social que se efetiva dentro do próprio mercado de trabalho, na medida em que
observamos que os empregos formais com carteira assinada, geralmente associados a
melhores salários, estabilidade e garantias de proteção social e trabalhista, estão circunscritos
a uma espécie de “elite de trabalhadores” privilegiados, em detrimento de uma cada vez mais
crescente e marginal categoria de trabalhadores flexíveis, terceirizados e cooperativados, com
salários mais baixos, vivenciando situações de instabilidade, insegurança, cujas relações de
trabalho são mais precárias e sem qualquer tipo de proteção social.
Silver, também citado por Dupas (1999), destaca a existência de mais de vinte
categorias de indivíduos que foram tratados em estudos recentes como excluídos, entre as
quais destaca os empregados em empregos precários e não qualificados. Assim, é importante
considerar que a natureza do emprego disponível no contexto da atual lógica produtiva da
economia global é o aspecto central para entendermos o problema da exclusão social nos dias
de hoje. Sobretudo, é preciso considerar que o aumento da massa global de trabalhadores
precarizados se efetiva no contexto de um processo de globalização que, associado às atuais
inovações tecnológicas e organizacionais, reduz de forma significativa a capacidade de
manobra dos Estados e sindicatos, no que tange à proteção social e à proteção política dos
trabalhadores, pois ambas são estratégias importantes no que se refere às conquistas e à
126
manutenção dos direitos sociais e trabalhistas, bem como do enfretamento da problemática da
exclusão social.
Em resumo, o que de fato está acontecendo é que o paradigma do emprego está
submetido a uma profunda e radical mudança associada ao crescimento da exclusão social.
Dupas (1999), ao analisar em seu estudo a nova lógica das cadeias produtivas e a profunda e
radical transformação que está causando no paradigma do emprego, destaca que o capitalismo
atual se alimenta da força de suas próprias contradições. A primeira reside no que ele
denominou da “dialética da concentração versus fragmentação”. De um lado, a concentração
nas cadeias de produção de um conjunto restrito de algumas centenas de grandes empresas
mundiais; de forma simultânea a essa concentração empresarial em escala mundial, um
processo de fragmentação, por meio de terceirizações, franquias e informalização, que
possibilita o surgimento de um grande número de empresas de pequeno porte que alimentam a
cadeia produtiva global. É nesse contexto que precisamos compreender a estratégia
organizacional da terceirização como um importante elemento a constituir o processo de
reestruturação produtiva da economia brasileira no marco do novo modelo global de produção
e consumo.
A outra contradição destacada por Dupas é a dialética de exclusão versus inclusão.
Esta contradição nos conduz a compreender o que fato está acontecendo com o novo mercado
de trabalho que surge agora com a advento das cadeias produtivas globais. De acordo com o
autor:
À medida que exclui progressivamente postos formais do mercado de trabalho, o
processo de globalização estimula a flexibilização e incorpora a precarização como
parte de sua lógica. Enquanto seleciona, reduz, qualifica – e, portanto, exclui – no
topo, a nova lógica das cadeias inclui na base trabalhadores com salários baixos e
contratos flexíveis, quando não informais. (DUPAS, 1999, p. 195).
É nesse contexto dialético da concentração/fragmentação e da exclusão/inclusão a que
se refere Dupas que a proposta cooperativista de terceirização da força de trabalho se efetiva
na prática como sendo uma dessas novas formas de organização da produção e do trabalho
que se configuram no contexto da atual reestruturação produtiva contemporânea. A
flexibilização da produção e do trabalho, por meio da terceirização e subcontratação, está
alicerçada na estratégia de transformar a força de trabalho num componente importante do
custo variável, que faz parte da composição dos preços finais dos produtos. Em outros termos,
127
a competitividade das empresas em termos de redução de custos e preços concorrenciais numa
economia globalizada prescinde da terceirização, da precariedade do trabalho e da
informalização.
Como já anteriormente salientado, a hipótese norteadora da nossa tese de doutorado
está centrada na ideia da possibilidade do uso instrumental que algumas experiências
cooperativistas possam assumir na atual dinâmica do capitalismo contemporâneo, pois o que
se observa na prática é que muitas dessas iniciativas coletivas de trabalho associativo
estimulam em muitas situações a criação de relações de subordinação a essa lógica de
exploração capitalista. No caso das cooperativas que intermedeiam a força de trabalho, tal
instrumentalização se efetiva à medida que essas organizações associativas acabam por
incorporar (inclusão) parcelas de trabalhadores desempregados pelo capital (exclusão), numa
nova lógica de exploração do trabalho, fundamentada na utilização de trabalhadores
cooperativados, terceirizados e precarizados – uma lógica que produz e reproduz socialmente
uma forma precária de inclusão social.
No que tange ao nosso estudo, é importante destacar que essa dimensão subjetiva da
exclusão social (à qual se refere Dupas) está muito presente na ótica do trabalhador
cooperativado e terceirizado, pois para este a subtração dos direitos sociais e trabalhistas
94
,
assegurados pela CLT, que ocorre com a perda do vinculo empregatício, e a
dessindicalização, decorrente da descentralização e da fragmentação produtiva imposta pela
terceirização e pela fragilização do movimento sindical, são fatores que limitam a proteção
social pelo Estado e a proteção política efetuada pelos sindicatos fortes e organizados. O
sentimento de desamparo social e político que daí resulta, e, portanto, de exclusão social,
efetiva-se quando esses trabalhadores terceirizados e cooperativados percebem que estão
sendo excluídos do mercado de trabalho formal (com melhores salários e condições de
trabalho, protegidos socialmente pela CLT e protegidos politicamente pelos seus sindicatos) e
incluídos compulsoriamente num mercado de trabalho informal sem a devida proteção social
e política. Neste caso, a sensação de exclusão social observada e sentida por esses
trabalhadores ocorre quando eles percebem que são forçados a serem incluídos socialmente
em outro mercado de trabalho, caracterizado pela flexibilidade, pela instabilidade,
insegurança e precariedade.
94
Sobre este aspecto que envolve as cooperativas de trabalho, intermediação de mão-de-obra e a subtração dos
direitos dos trabalhadores é importante destacar o importante estudo jurídico de Neto (2004).
128
As políticas públicas de estímulo às estratégias associativistas defendidas pela
Frencoop, e implementadas pelo poder público, tais como aquelas institucionalizadas por
meio do Proger com recursos do FAT, entre outras medidas tão propagadas atualmente no
seio de ações voltadas às iniciativas de trabalho associativo visando atenuar o problema do
desemprego, não levam em consideração que esta alternativa cooperativista de geração de
emprego e renda pode se constituir, em muitas situações, numa nova forma de exploração e
precarização do trabalho humano e, também, numa autêntica fraude trabalhista, conforme os
preceitos jurídicos da CLT e do direito do trabalho. Portanto, é preciso considerar que o
sistema cooperativista, por meio das cooperativas de terceirização da força de trabalho, ao ser
utilizado para atenuar a exclusão social que o desemprego acentua, acaba criando as
condições econômicas, políticas, sociais e institucionais para a inclusão social de milhares de
trabalhadores num mercado de trabalho onde eles se sentem excluídos (sensação de exclusão),
ou seja, completamente desamparados e desprotegidos.
5.4 A inclusão precária na “nova” desigualdade social contemporânea
As reflexões apresentadas no trabalho de Dupas (1998 e 1999) sobre a temática da
exclusão social nos conduzem a refletir criticamente sobre o significado deste conceito nos
dias atuais, ao mesmo tempo em que nos leva a entender que a dialética contraditória da
exclusão/inclusão a que ele se refere pode servir de substrato teórico-sociológico para explicar
e compreender, em parte, as novas formas de exclusão e inclusão social que se efetivam pelo
trabalho humano e que surgem com a atual reestruturação produtiva do capitalismo
globalizado. Portanto, esse processo dialético de exclusão/inclusão engendrado pela nova
dinâmica produtiva da economia global nos aponta uma possibilidade sociológica inovadora
de compreendermos o que de fato está acontecendo com o atual mundo do trabalho, bem
como as suas implicações sociais para os trabalhadores, especialmente para aqueles das
economias periféricas ou emergentes, como é o caso da economia brasileira.
É justamente no contexto das reflexões anteriormente delineadas sobre a temática da
exclusão social que pretendemos destacar a importância do termo “inclusão precária”, o qual
será significativo para a análise sociológica desenvolvida em nosso estudo. Este conceito está,
de certa forma, associado às reflexões teóricas desenvolvidas por Martins (1997; 2002), o
qual afirma que é preciso repensar urgentemente o conceito de exclusão social para melhor
129
explicar a realidade social contemporânea. De acordo com o autor , é necessário, antes de
tudo, reconhecer a grande dificuldade atual para “lidar conceitualmente com a nova
desigualdade gerada pelo que chamam de exclusão” (MARTINS, 1997, p. 7), pois tal desafio
teórico nos remete a rever criticamente a rigidez conceitual deste termo, que tenta explicar
alguns processos e dinâmicas sociais da contemporaneidade, principalmente aquelas ligadas
às transformações por que vem passando o mundo da produção e do trabalho global.
De fato, o que Martins está defendendo em sua abordagem interpretativa exige,
necessariamente, que se reveja radicalmente o papel das palavras, das rotulações, dos
“conceitos”, que sempre tiveram um lugar central nas análises e interpretações sociológicas,
mas que geralmente não foram derivados da práxis; ao contrário, a práxis é que induziu a
criação de inúmeras categorias conceituais. Dessa forma, tanto militantes políticos como
cientistas sociais acabam, em muitas circunstâncias, sendo vítimas dos limites interpretativos
das suas próprias formulações teóricas, pois muitas vezes
desenvolvem uma peleja de palavras e conceitos, uma luta vazia em torno de
significados sem raiz na prática concreta dos que lutam pela vida, em nome dos
quais, aliás, procuram falar. [...] Como se os muitos aspectos problemáticos da
realidade social estivessem à espera de quem os batizasse, lhes desse nome. E não
estivessem à espera de quem lhes descobrisse os significados ocultos e ocultados, os
mecanismos invísiveis da produção e reprodução da miséria, do sofrimento, das
privações. (MARTINS, 1997, p. 9-10).
Em outras palavras, Martins (1997) propõe, de forma sociologicamente inovadora,
que se contraponham “as referências do vivido ao equívoco das palavras que apenas rotulam”
(1997, p. 10). E é partindo dessa compreeensão analítica que Martins entende que o conceito
de “exclusão” talvez não seja mais capaz de dar conta do que está acontecendo atualmente,
pois, ao invés de explicar, pode estar, de fato, em muitas situações sociais de excludência,
acobertando, distorcendo e, até mesmo, mistificando a realidade social, conforme afirma:
Coloquei no centro dessa conversa o problema da exclusão e os problemas da
coisificação conceitual, dos equívocos gerados pela transformação do conceito na
palavra sem sentido, que desdiz o que aparentemente quer dizer. Penso que é o que
ocorre com a palavra exclusão. Ao invés de a palavra expressar uma prática, rica
aliás, ela acaba induzindo a uma prática, pobre aliás. (MARTINS, 1997, p. 11 –
grifo do autor).
130
De acordo com Martins (1997), é necessário superar o reducionismo interpretativo que
envolve a fetichização conceitual do termo “exclusão”, como se todos as mazelas sociais
pudessem ser atribuídas mecanicamente e esse conceito. Portanto, em relação a sua inovadora
interpretação analítica que envolve o termo “exclusão”, o sociólogo nos oferece uma
importante oportunidade de revermos os limites interpretativos de velhos conceitos para dar
conta de novos e distintos processos e dinâmicas sociais, que têm como referência a nova
desigualdade gerada pela excludência. Nesse sentido, é preciso considerar a seguinte
afirmação do autor:
Todos os problemas sociais passam a ser atribuídos mecanicamente a essa coisa
vaga e indefinida a que chamam de exclusão (como, até há pouco tempo, todos os
problemas eram atribuídos dramaticamente à dívida externa e ninguém se perguntou
por que, de repente, deixou-se de falar nela), como se a exclusão fosse um deus-
demônio que explicasse tudo. Quando na verdade, não explica nada. Ao contrário,
confunde a prática e a ação da vítima, que anseia por justiça e por transformações
sociais. De repente, essa categoria tão extremamente vaga (no sentido de imprecisa e
vazia) que é a de exclusão, substitui a ideia sociológica de processos de exclusão
(entendidos como processos de exclusão integrativa ou modos de marginalização).
O rótulo acaba se sobrepondo ao movimento que parece empurrar as pessoas, os
pobres, os fracos, para fora da sociedade, para fora de suas “melhores” e mais justas
e “corretas” relações sociais, privando-as dos direitos que dão sentido a essas
relações. Quando, de fato, esse movimento as está empurrando para “dentro”, para a
condição subalterna de reprodutores mecânicos do sistema econômico, reprodutores
que não reivindiquem nem protestem em face de privações, injustiças, carências”
(MARTINS, 1997, p. 16-17 – grifo do autor).
Logo, fica evidente que a sua crítica ao conceito de exclusão social e à ideologia que
dela decorre tem por objetivo demonstrar que tal conceito acaba por ocultar o verdadeiro
problema a ser debatido e a ser resolvido: as formas de “inclusão anômala” que são típicas do
capitalismo globalizado. Portanto, o atual modelo de reprodução ampliada do capital que a
reestruturação produtiva e econômica mundial enseja produz formas precárias de inclusão
social, que podem aprofundar a exploração, criando ilusões de inserção social, pois “a
vivência real da exclusão é constituída por uma multiplicidade de dolorosas experiências
cotidianas de privações, de limitações, de anulações e, também, de inclusões enganadoras”.
(MARTINS, 2002, p. 21).
A proposta do trabalho associativo como forma de inserção social do trabalhador
associado, conforme preconiza o art. 193 da OIT, pode se constituir, em muitas
circunstâncias, nessa forma anômala de reinclusão marginal no mercado de trabalho flexivel e
precário da atual economia global.
131
Dessa forma, é preciso compreender que as formas coletivas de produção e trabalho
não capitalistas contemporâneas manifestadas pelo resgate atual de inúmeras iniciativas
associativistas (destacam-se aqui as cooperativas de trabalho) poderão ser subsumidas pela
lógica do capital, ou seja, poderão se constituir em formas subordinadas de acumulação, de
ampliação da mais-valia, em virtude da reinclusão econômica das pessoas de modo precário e
marginal
95
. Se, de um lado, há uma tendência de diminuição dos postos formais com carteira
assinada e proteção social, por outro, no setor informal, no qual se situa o trabalhador
terceirizado e cooperativado, observamos um aumento cada vez maior da oferta de postos de
trabalho num mercado de trabalho flexível, precário e sem proteção social.
É justamente no novo contexto delineado que se processa o aumento da mais-valia,
tanto relativa como absoluta: a primeira, pela potencialização da produtividade do trabalho
humano, por meio das novas tecnonologias e métodos de gestão organizacional; a segunda,
pela ampliação da jornada de trabalho, que pode ser agora efetuada sem os custos obrigatórios
e legais que a CLT exige. Portanto, o trabalhador terceirizado e cooperativado no atual
contexto de um mercado de trabalho flexível, precário e sem proteção social, é o trabalhador
perfeitamente adequado a essa lógica de exploração do trabalho humano, que, por meio da
ampliação de ambas as mais-valias, mantém o nível de lucratividade das empresas, em outras
palavras, garante a sustentabilidade do novo patamar global de acumulação capitalista
caracterizado pela flexibilidade e pela precariedade.
Portanto, as estratégias coletivas de inclusão social assentadas em tais propostas
associativistas e que apontam para a possibilidade de uma pretensa economia alternativa
96
(se
é que podemos acreditar na sua existência e possibilidade), também chamada “economia
95
No caso do trabalhador cooperativado e tercerizado, é importante destacar que a renda deste trabalhador
específico é auferida pelo número de horas trabalhadas, sendo que os aumentos dos rendimentos só podem
acontecer se houver um aumento das horas trabalhadas, sem que isso implique o pagamento de horas-extras,
conforme rege um contrato formal com vínculo empregatício. Sobre este aspecto da mais-valia, Marx afirma
o seguinte: “É possível verificar como o capital de fato – contra a sua vontade – faz diminuir a massa de mais-
trabalho que um capital determinado é capaz de produzir. Atuando como tendência que se movimenta
contraditoriamente, ele procura manter baixo o número relativo de trabalhadores efetivamente ocupados e, ao
mesmo tempo, elevar o quanto for possível o mais-trabalho absoluto, ou seja, aumentar a jornada de trabalho
absoluta”. (MARX, 1994, p. 107).
96
Sobre este aspecto é importante considerar a seguinte afirmação de Souza Martins (1997, p. 12-13): “Se
concedemos a precedência à economia numa discussão assim, temos de aceitar a lógica da economia, à qual
imputamos a responsabilidade da chamada exclusão. E cairemos numa inútil discussão sobre economia
alternativa, como se ela existisse. Se existisse, seria, provavelmente, a economia estatizada capitalista ou a
economia estatizada socialista. [...] Nós estaríamos de qualquer modo, falando sobre o improvável, ao menos
agora neste clima internacional de ampla e, às vezes, fundamentada condenação de ambas as possibilidades.
Alternativamente, poderíamos admitir que nossa imaginação pode encontrar uma terceira via, como se
costuma dizer. Restaria, então, discutir qual o âmbito de eficácia de semelhante saída”.
132
social”, apresentam também alguns limites no âmbito de sua eficácia sociopolítica e até
mesmo econômica. Tal constatação crítica não significa desconsiderar as propostas do
trabalho associativo como uma alternativa estratégica capaz de atenuar o quadro de
excludência causado pelo desemprego, mas considerar, antes de tudo, as suas contradições e
fragilidades estruturais, que em muitas situações concretas podem conduzi-las a serem reféns
da própria lógica capitalista a que procuram se opor e, até mesmo, superar. Assinala Martins:
Os casos já conhecidos de “economia alternativa” no nível de comunidades e
pequenos grupos são casos que indicam um ajustamento eficaz, do ponto de vista
estritamente econômico, à lógica atual da economia dominante: a saída está na
imaginação e na criatividade, que seria, no fundo, uma espécie de solução
terceirizada (exatamente conforme o modelo que está sendo implantado, e não em
oposição a ele). Não é por isso, obviamente, que a solução deve ser recusada, pois
pode ser a única. (1997, p. 13 – grifo do autor).
Podemos, portanto, observar que tais iniciativas associativistas podem ser
instrumentalizadas politica e socialmente na medida em que vierem a substituir parcialmente
determinadas funções do Estado no que concerne às responsabilidades sociais, uma vez que é
a sociedade civil que tem agora sido convidada a resolver os seus problemas relacionados à
exclusão social
97
. Dessa forma, essa subordinação política, econômica e social esvazia toda e
qualquer resistência ideológica, na medida em que o Estado neoliberal estimula e até
desenvolve políticas públicas voltadas para as iniciativas de caráter associativo, de forma a
atenuar a conflitividade social que poderia ser resultante dessa lógica excludente
98
.
Dessa forma, podemos sugerir que a atual reestruturação produtiva não implica
apenas o surgimento de formas extremas de exclusão social, mas também de formas anômalas
e injustas de inclusão, muitas vezes estimuladas pelo próprio poder público, como já foi
97
Os recentes discursos dos defensores das iniciativas associativistas, principalmente aqueles ligados à Frencoop
e a alguns sindicatos, como é o caso da Social Democracia Sindical (SDS), bem como de ínumeros
integrantes do poder público, têm defendido que o cooperativismo, por meio dos seus mais diversos ramos
cooperativos, entre eles o ramo de trabalho, atuaria como uma verdadeira organização não governamental,
organizada pela sociedade civil e sem a tulela estatal, capaz de se tornar a principal solução alternativa (senão
a única) de geração de emprego e renda diante do desafio atual do desemprego estrutural.
98
No que concerne às estratégias discursivas do Estado neoliberal, presentes em algumas políticas públicas de
desenvolvimento econômico e social, é importante destacar aquelas que estão ideologicamente associadas à
ideia de que no atual contexto de desemprego os trabalhadores deveriam deixar de serem dependentes do
capital, portanto assalariados, para se tornarem empreendedores, ou seja, donos do seu próprio negócio. Nesse
sentido, a noção de empreendedorismo associativo tem sido defendida por cooperativistas adeptos deste
discurso liberalizante, visando induzir os trabalhadores a buscarem na livre-iniciativa (economia de mercado)
a solução para o problema do desemprego. As cooperativas de trabalho seriam o melhor exemplo deste tipo de
empreendedorismo associativo, capaz de se tornarem a solução inovadora para o desafio atual de serem
gerados emprego e renda para milhões de trabalhadores desempregados.
133
salientado anteriormente, o qual, ao buscar soluções alternativas e compensatórias para o
problema do desemprego, acaba por legitimar institucionalmente o caráter precário dessas
formas degradantes de inclusão social, principalmente quando se observa que
as políticas econômicas atuais, no Brasil e em outros países, que seguem o que está
sendo chamado de modelo neoliberal, implicam a proposital inclusão precária e
instável, marginal. Não são, propriamente, políticas de exclusão. São políticas de
inclusão de pessoas nos processos econômicos, na produção e na circulação de bens
e serviços, estritamente em termos daquilo que é racionalmente conveniente e
necessário à mais eficiente (e barata) reprodução do capital. (MARTINS, 1997, p. 20
– grifo do autor).
Portanto, um conjunto importante dessas ações de caráter público de inclusão social,
como é o caso daquelas que estimulam a criação de cooperativas de trabalho, pode muitas
vezes se constituir numa estratégia econômica que nos impede de observar criticamente a
verdadeira dimensão oculta da exclusão, que se efetiva na prática por meio de uma reinclusão
marginal, patológica e precária, a qual torna os indivíduos vítimas incapazes de perceberem a
sua verdadeira condição social, caracterizada pela marginalização e pela precariedade. Isso
porque, ao mesmo tempo em que ocorre a reinclusão econômica pelo trabalho associativo,
ocorre uma espécie de reinclusão ideológica no imaginário dos trabalhadores, os quais se
sentem participando da sociedade do trabalho e do consumo, mesmo em condições precárias,
pois de fato:
[...] temos que admitir que a ideia de exclusão é pobre e insuficiente. Ela nos lança
na cilada de discutir o que o está acontencendo exatamente como sugerimos,
impedindo-nos, portanto, de discutir o que de fato acontece: discutimos a exclusão e,
por isso, deixamos de discutir as formas pobres, insuficientes e, às vezes, até
indecentes de inclusão. (MARTINS, 1997, p. 21 – grifo do autor).
Na realidade, o que acontece é que a dinâmica capitalista atual “exclui para
posteriormente incluir, incluir de outro modo, segundo suas prórias regras, segundo sua
própria lógica”. (MARTINS, 1997, p. 32). Nesse sentido, o problema está justamente na
forma como percebemos atualmente essa exclusão e como se produz e se reproduz
socialmente essa inclusão a que ele se refere. O sociólogo toma como exemplo o caso dos
camponeses que no período da Revolução Industrial eram expulsos do campo e
imediatamente absorvidos pela indústria, pois, segundo ele,
134
[...] logo que se dava a exclusão, em curtíssimo prazo, se dava também a inclusão:
os camponeses eram expulsos do campo e eram absorvidos pela indústria, logo em
seguida. A exclusão não tinha visibilidade como exclusão, porque eles eram
excluídos e reincluídos, em outro plano, num outro modo de viver, de pensar a vida,
de trabalhar, e assim por diante. (MARTINS, 1997, p. 32).
É nessa perspectiva de análise de Martins que pretendemos compreender o papel das
cooperativas que terceirizam a força de trabalho, na medida em que elas estão sendo
instrumentalizadas segundo a lógica da exclusão de milhares de trabalhadores do emprego
formal com garantias e direitos sociais e trabalhistas, protegidos politicamente pelos seus
sindicatos, para uma situação de inclusão desses mesmos trabalhadores em empregos
informais caracterizados pela precariedade e pela desproteção social e política. O que
devemos observar é o que de fato está ocorrendo, ou seja, o surgimento de uma estratégia
coletiva de geração de emprego e renda que é includente do ponto de vista econômico, mas
excludente do ponto de vista social e político.
Portanto, essa reinclusão pode até se efetivar no plano econômico, na medida em que
permite a esses trabalhadores uma alternativa de sobrevivência por meio da renda que
recebem, mas o mesmo não ocorre nos planos social e político, pois se tornam trabalhadores
sem nenhuma proteção social, sem direitos sociais e trabalhistas assegurados pela CLT e
desprotegidos politicamente em razão da fragilidade dos sindicatos que os representam. São
trabalhadores abandonados ao deus-dará do mercado, pois nem o Estado, tampouco os
sindicatos conseguem dar conta de reverter essa lógica da reinclusão marginal e precária a que
estão submetidos, visto que, talvez, essa reinclusão seja de fato uma estratégia alternativa e
coletiva (ainda que precária) de gerar as oportunidades de emprego e renda para milhares de
desempregados no país por meio do trabalho associativo. Nesse sentido, para melhor
compreendermos o que de fato está acontecendo é importante destacar a seguinte afirmação:
Estas formas extremas e dramáticas de inclusão indicam que o modo de absorver a
população excluída está mudando. A sociedade moderna está criando uma grande
massa de população sobrante, que tem pouca chance de ser de fato reincluída no
padrões atuais de desenvolvimento econômico. Em outras palavras, o período da
passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão está se tornando um
modo de vida, está se tornando mais que um período transitório. (MARTINS, 1997,
p. 33).
135
Nessa perspectiva analítica, Martins (1997), não está em nenhum momento propondo
a existência de um novo dualismo, que seja capaz de dar conta das “falsas alternativas em
torno dos conceitos de excluídos ou incluídos”. O que o autor quer nos mostrar é que “a
sociedade que exclui é a mesma sociedade que inclui e integra, que cria formas também
desumanas de participação, na medida em que delas faz condição de previlégios e não de
direitos”. (MARTINS, 2002, p. 11).
Como afirmamos anteriormente, muitas dessas possibilidades estratégicas de
reinclusão, como é o caso das cooperativas de trabalho, são includentes do ponto de vista
econômico, mas, por outro lado, são excludentes do ponto de vista social e até mesmo
político. Aqui reside, portanto, uma distinção que nos conduz à obrigatoriedade de uma
reflexão crítica sobre a situação atual em que se efetiva na prática o conceito de inclusão
precária, ou reinclusão marginal, usada em nosso estudo. Deve ser uma reflexão que nos
permita de fato compreender o complexo processo social de redefinição das posições que as
pessoas assumem atualmente no mundo do trabalho, pois estão agora inseridas numa nova
lógica econômica, patologicamente includente e que se nutre da exclusão. Por isso, é
importante compreender a dimensão econômica, social e política dessas propostas de
inclusão, pois, de acordo com Martins:
O que vocês estão chamando de exclusão é na verdade, o contrário de exclusão.
Vocês chamam de exclusão aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos
modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal. A inclusão
daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pelas
grandes transformações econômicas e para os quais não há senão, na sociedade,
lugares residuais. Tem sentido que vocês pensem assim, ainda que de um modo
insuficiente, porque exclusão, de fato, sociologicamente, não existe. Ela é, na
sociedade moderna, apenas um momento da dinâmica de um processo mais amplo;
um momento insuficiente para compreender e explicar todos os problemas que a
exclusão efetivamente produz na sociedade atual. O discurso corrente sobre
exclusão é basicamente produto de um equívoco, de uma fetichização, a fetichização
conceitual da exclusão, a exclusão transformada numa palavra mágica que explicaria
tudo. (MARTINS, 1997, p. 26-27 – grifo do autor).
Tomando por base essas reflexões teóricas, é preciso compreender que um número
cada vez maior de trabalhadores são excluídos do mercado de trabalho formal caracterizado
pelo vínculo empregátício e cuja relação contratual, mediada pela legislação trabalhista
estatal, protege-os da “exclusão” ao garantir seus direitos sociais; um mercado de trabalho que
possui também uma ampla tradição da participação sindical e, portanto, que é politicamente
136
organizado para defender os interesses de classe desta categoria específica de trabalhadores.
Na ótica desses trabalhadores, o mercado de trabalho formal lhes fornece não apenas
melhores condições de trabalho e renda, como também lhes garante os direitos sociais e
trabalhistas fundamentais para a construção de sua cidadania.
Por outro lado, as diversas relações de trabalho informais que a atual reestruturação
produtiva da sociedade contemporânea enseja têm exigido, de certa forma, o fim dessa
contratualidade jurídica que garante a proteção social de inúmeros trabalhadores, bem como
mudanças na relação entre as empresas e os sindicatos. A futura proposta de reforma sindical
e trabalhista, que tem sido amplamente expressada atualmente no discurso daqueles que
defendem a necessidade urgente da modernização das relações de trabalho, traduz em certa
medida a possibilidade concreta do fim desse período de proteção social mediada pelo Estado
e de proteção política mediada pelos sindicatos
De acordo com Souza Martins, “o novo perfil da classe trabalhadora é o de exclusões
cíclicas cada vez mais demoradas, mais espaçadas, do mercado de trabalho” (2002, p. 29), e é
justamente essa possibilidade cíclica que lhes permite, de tempos em tempos, serem
novamente incluída no mercado de trabalho. Entretanto, essa reinclusão pode muitas vezes,
como assinalamos anteriormente, ocorrer economicamente, ainda que de modo precário. Uma
dessas formas de inclusão coletiva e precária, ao nosso ver, efetiva-se por meio da
terceirização do trabalho associativo, na medida em que as cooperativas de trabalho acabam
incluindo economicamentente (mas não socialmente) um conjunto significativo de
trabalhadores num mercado de trabalho cada vez mais caracacterizado pela flexibilidade, pela
instabilidade, pela insegurança e pela precariedade.
Em outros termos, tais trabalhadores são reincluídos socialmente segundo a mesma
lógica que os excluiu: a lógica do mercado. Em relação a este tipo de trabalhador incluso
precariamente no mercado de trabalho, é importante destacar o seguinte:
Ao mesmo tempo, ele já não está mais sob proteção de ninguém (já não está sob
dependência pessoal do outro). Ele está sujeito às injunções do mercado. É o
mercado invísivel e impessoal que regula sua vida. Se é alta a demanda de força de
trabalho, seu poder de barganha aumenta e seu poder político aumenta. Se a
economia vai mal e há desemprego, sua capacidade de reivindicação e pressão
decresce, seu salário cai, sua situação piora, os fatores propriamente de classe de
suas necessidades e reivindicações sociais são sobrepujados por urgências de
sobrevivência, por necessidades imediatas, por angústias e aflições, por uma
vulnerabilidade muito grande em face da força reprodutiva das relações sociais
dominantes. (MARTINS, 2002, p. 28).
137
Outro aspecto a considerar é que essa forma coletiva e precária de inclusão social do
trabalhador associado, por meio do trabalho associativo, está relacionada às novas técnicas de
gestão da produção e do trabalho implementadas pelas empresas (subcontratação,
terceirização, contratos de trabalho temporário, cooperativado, etc.). No caso do trabalhador
terceirizado e cooperado, a possibilidade de este ampliar a sua renda está condicionada ao
aumento da produtividade e da jornada de trabalho. Em outros termos, podemos afirmar que
as novas tecnologias e os novos métodos de gestão adotados nas organizações empresariais,
se, de um lado, implicam o aumento da mais-valia relativa por meio da intensificação e
potencialização da produtividade do trabalho, utilizando-se cada vez menos de trabalhadores e
mais tecnologia, de outro, tais trabalhadores cooperativados e terceirizados se veem
condicionados a aumentar ou, mesmo, a manter a sua renda salarial, tendo de ampliar a sua
jornada de trabalho, o que resulta no aumento da mais-valia absoluta.
Neste último caso, é importante salientar que o salário do trabalhador cooperativado e
terceirizado, mesmo tendo um valor de referência definido pela cooperativa, é variável e está
condicionado ao número de horas trabalhadas mensalmente
99
. Portanto, a possibilidade de
aumento da renda mensal está condicionada ao aumento do número de horas trabalhadas,
sem, contudo, que sejam consideradas como horas-extras de acordo com o que prevê o
estatuto jurídico da CLT. Essa é a situação, por exemplo, que envolve muitos trabalhadores
precarizados e terceirizados por meio de cooperativas de trabalho, pois a inexistência de um
contrato formal de trabalho reduz a proteção social, bem como a renda salarial, na medida em
que esses trabalhadores não têm mais os direitos legais que garantem um diferencial de renda
(um terço pago sobre o valor das férias, décimo terceiro salário, etc.), bem como outras
vantagens associadas ao regime de trabalho formal (horas-extras, férias, licença gestante,
etc.).
Dessa forma, a alternativa compensatória para manter ou mesmo evitar as perdas de
rendimento impostas pela informalidade, em que se efetivam os contratos de terceirização por
meio das cooperativas de trabalho, é aumentar o número de horas trabalhadas. Portanto, essa
informalização precarizada, via cooperativas de terceirização da força de trabalho, cria as
condições para a ampliação da mais-valia absoluta, por meio da ampliação da jornada de
trabalho. Ao mesmo tempo, os novos métodos e tecnologias implantados no interior das
99
O rendimento dos trabalhadores cooperados e terceirizados pode em muitos casos ser superior ao dos
trabalhadores assalariados com carteira assinada; no entanto, essa possibilidade se efetiva muito mais pela não
incidência dos encargos sociais e tranalhistas do que pelo fato de as cooperativas oferecerem rendimentos
maiores que os das empresas privadas.
138
organizações empresariais potencializam a produtividade do trabalho, e, portanto da mais-
valia relativa. Logo, o trabalhador cooperativado e terceirizado, ao ser ressocializado pelo
trabalho em uma nova condição de flexibilidade e precariedade, acaba contribuindo para a
produção e reprodução social da mais-valia (tanto absoluta como relativa), condição
fundamental para a realimentação da lógica do capital contemporâneo.
Com já destacamos, os rendimentos dos cooperados podem ser, em muitos casos,
superiores, quando comparados com os salários formais dos trabalhadores assalariados, em
razão da não incindência dos encargos sociais e trabalhistas. No entanto, a perda das
vantagens legais concedidas pelo contrato formal não compensa o aumento da renda dada pela
cooperativa. Essa é a opinião da maioria dos trabalhadores cooperativados, que gostariam de
retornar à condição de trabalhadores de carteira assinada, mesmo que isso possa significar
ganhar menos. A possibilidade de perder a proteção social do Estado, garantida pelo estatuto
da CLT, e da proteção política, garantida pelo sindicato que o representa e o defende,
significa para o trabalhador cooperado e terceirizado tornar-se um trabalhador desprotegido,
marginal, desamparado e, portanto, excluído, condenado às possibilidades oferecidas por um
mercado de trabalho flexível e precário. Portanto, na ótica deste trabalhador, essa reinclusão
social anômala por meio das cooperativas de trabalho, que lhe permite aparentemente a sua
ressocialização por meio do trabalho, não garante mais a sua cidadania, ao contrário, reforça o
seu sentimento de exclusão e de desamparo, pois, como afirma Souza Martins:
Há processos sociais excludentes, mas não há exclusões consumadas, definitivas,
irremediáveis. Uma sociedade cujo núcleo é a acumulação de capital e cuja
contrapartida é a privação social e cultural tende a empurrar “para fora”, a excluir,
mas ao mesmo tempo o faz para incluir ainda que de forma degradada, ainda que em
condições sociais adversas. O “excluído” é, na melhor das hipóteses, a vivência
pessoal de um momento transitório, fugaz ou demorado, de exclusão-integração, de
“sair” e “reentrar” no processo de reprodução social. E sair de um jeito e reentrar de
outro, pois a sociedade contemporânea é uma sociedade que pede contínua
ressocialização de seus membros, contínua reelaboração de suas identidades. (2002,
p. 46 – grifo do autor).
E é justamente no contexto das formulações teóricas apresentadas que procuramos
explicar em nossa tese de doutorado o papel que muitas cooperativas que terceirizam a força
de trabalho acabam assumindo no atual contexto de reestruturação produtiva da economia
nacional e mundial, pois o que de fato pudemos constatar em nossa pesquisa é que, em muitas
situações, tais organizações associativas acabam se tornando instrumentos de intensificação
139
da exploração dos trabalhadores e de precarização das suas condições de trabalho. Milhões de
trabalhadores, no Brasil e no mundo, estão sendo seduzidos enganosamente pelo discurso
ideológico da “cooperação” e da “ajuda mútua”, presentes nas diversas propostas que
defendem o trabalho associativo e o trabalhador associado. Ameaçados pelo desemprego
estrutural, muitos desses trabalhadores acabam por não ter outra alternativa de garantir o seu
sustento a não ser se submetendo a essas novas formas coletivas de reinclusão fundamentadas
em relações sociais precárias e marginais.
5.5 Breve caracterização socioeconômica da Região da Produção / RS
Como já especificado no início do nosso trabalho, em termos metodológicos o estudo
proposto em nossa tese de doutorado fundamentou-se em uma pesquisa qualitativa multicaso
de caráter histórico-organizacional, que foi realizada junto a dez cooperativas de trabalho da
chamada Região da Produção do estado do Rio Grande do Sul, já citadas anteriormente. A
chamada Região da Produção situa-se no norte do estado, tendo a cidade de Passo Fundo
como seu polo regional mais importante. A economia regional está ligada ao dinamismo do
setor do agronegócio, sendo, portanto, uma região tradicionalmente produtora de grãos (soja,
milho, trigo, cevada e outros produtos primários) e de máquinas e implementos agrícolas.
Mais recentemente, agregou-se à matriz produtiva regional a atividade avícola e leiteira, com
a instalação de grandes empresas do setor, bem como empresas ligadas à produção de
biodiesel. Outro importante aspecto a se considerar em relação à região onde realizamos o
nosso estudo é que se caracteriza por uma histórica participação do sistema cooperativista no
processo produtivo regional, principalmente pelo importante e estratégico papel das
cooperativas agropecuárias.
Na escolha da área geográfica para realizar a pesquisa de campo, levamos em
consideração o fato de a região ser considerada vulnerável às oscilações cíclicas do mercado
nacional e internacional de commodities agrícolas. Os estudos econômicos mais recentes
elaborados por pesquisadores da Universidade de Passo Fundo dão conta de que, embora
outras atividades ligadas ao setor do agronegócio tenham se desenvolvido na região mais
recentemente, como é o caso dos setores avícola, leiteiro e o biodiesel, estas também são
suscetíveis à influência dessas oscilações dos mercados. Outro importante setor da economia
regional, o metal-mecânico, que está ligado à produção de equipamentos e implementos
140
agrícolas, também tem sido severamente afetado por essas crises cíclicas. Esse quadro
conjuntural, marcado pela volatilidade dos mercados agrícolas nacionais e internacionais,
acaba contribuindo para que a região fique vulnerável a crises cíclicas com impactos diretos
sobre a sua economia, entre os quais se destaca o problema do endividamento empresarial e
pessoal, principalmente das empresas agroindustriais e dos agricultores, o aumento do
desemprego e do êxodo rural, a queda na arrecadação tributária dos municípios,
comprometendo, dessa forma, a continuidade do crescimento econômico e o desenvolvimento
regional.
Essa vulnerabilidade cíclica da economia agrícola da Região da Produção tem
contribuído para a estagnação de um conjunto importante de municípios, cujo setor
empresarial, ligado principalmente ao setor da agroindústria de grãos e ao setor metal-
mecânico, tem buscado alternativas de adequação das suas organizações a essas conjunturas
econômicas cíclicas de recessão. Uma das estratégias organizacionais utilizadas pelos
empresários da região em estudo tem sido a adoção da prática da terceirização da força de
trabalho, por meio das cooperativas de trabalho. Um dos objetivos principais é constituir uma
força de trabalho volátil e funcional a esses momentos de crise cíclica, na medida em que tal
prática organizacional permite contratar e demitir trabalhadores conforme as oscilações
sazonais do mercado agrícola interno e, também, de acordo com o comportamento do
mercado internacional de commodities, uma vez que uma parte importante da produção
agropecuária regional depende das demandas voláteis do comércio agrícola mundial.
Portanto, a flexibilidade possibilitada pela prática da terceirização por meio das cooperativas
de trabalho permite aos setores produtivos da economia regional reduzir os custos com a
contratação e a demissão de trabalhadores, visando, assim, adequar as empresas à volatilidade
imposta pelas oscilações cíclicas dos mercados agrícolas interno e externo.
Na mesma medida, o poder público municipal da região considerada também tem
recorrido a essa estratégia organizacional, pois a redução da receita tributária, consequência
desses momentos conjunturais de recessão econômica regional e as novas exigências jurídico-
institucionais impostas aos Municípios pela Lei de Responsabilidade Fiscal têm conduzido a
gestão municipal a recorrer à prática da terceirização dos serviços públicos com vistas a
adequar os gastos com pessoal às novas determinações jurídico-legais e as crises conjunturais
da região. Portanto, é no contexto desse quadro conjuntural que foi observado um crescimento
significativo de número de cooperativas de trabalho em vários munícipios da Região da
141
Produção, as quais surgem não apenas em razão da necessidade de se dispor de uma força de
trabalho flexível adequada a oscilações sazonais, mas também como uma solução alternativa
para o problema do desemprego.
5.6 Estudo comparativo multicaso das cooperativas de trabalho da Região da Produção:
a metodologia e as etapas da pesquisa de campo
Considerando, portanto, os fatores delineados no que concerne às características da
região analisada, bem como ao processo explicativo do crescimento das cooperativas de
trabalho nesta região específica, destacamos que o nosso estudo comparativo multicaso
desenvoveu-se por meio de uma pesquisa realizada em dez cooperativas da Região da
Produção, citadas no início do nosso trabalho. Como também já foi destacado, as dez
cooperativas foram selecionadas de uma amostra não probabilística intencional, tomando
como referência os três critérios metodológicos de escolha estabelecidos e em conformidade
com a hipótese central norteadora do nosso estudo sociológico.
Quanto às cooperativas pesquisadas, relembramos que das dez inicialmente contatadas
apenas quatro continuam funcionando. O período da pesquisa de campo, como já informado,
estendeu-se do final de 2006 ao início de 2007. Ao tentar atualizar algumas informações no
ano de 2009, descobrimos que seis cooperativas haviam deixado de existir pelos motivos já
mencionados no início do nosso estudo.
No que se refere às etapas na nossa pesquisa, destacamos que obedeceu ao seguinte
roteiro: num primeiro momento, foi efetuada uma pesquisa bibliográfica e documental
referente ao tema da reestruturação produtiva e os novos processos e relações de trabalho,
bem como do cooperativismo e suas manifestações contemporâneas. A pesquisa documental
também se utilizou de documentos das próprias cooperativas pesquisadas, tais como a ata de
constituição da cooperativa e algumas atas das assembleias gerais. Por sua vez, o trabalho de
campo para a coleta de dados primários compreendeu a observação direta da organização
cooperativa e das condições de trabalho que envolviam os seus trabalhadores associados
(etapa exploratória).
Num segundo momento foi encaminhado para cada cooperativa um questionário
(Apêndice 6), respondido pelos dirigentes das dez pesquisadas. Em todos os casos
pesquisados foi o presidente da cooperativa de trabalho que respondeu ao instrumento. Um
142
outro questionário específico foi preenchido pelos cooperados, de forma simultânea às
entrevistas, perfazendo, dessa forma, um total de cem cooperados respondentes do
instrumento (Apêndice 5). É importante salientar que na maioria dos casos os cooperados
foram escolhidos e indicados pelo presidente da cooperativa (etapa descritiva).
Como salientado no parágrafo anterior, as entrevistas pessoais com os cooperados
(cerca de cem aproximadamente) e com os dirigentes das cooperativas e de entidades
cooperativistas (12) aconteceram simultaneamente à aplicação dos questionários. Participaram
também da nossa pesquisa outros atores sociais relacionados de alguma forma com a temática
abordada em nosso estudo. Assim, foram entrevistados um juiz do trabalho, dois advogados
trabalhistas, dois sindicalistas, um fiscal do trabalho, dois professores universitários da área
do direito do trabalho e cinco representantes do poder público. As entrevistas foram
elaboradas de forma semiestruturada e não diretiva, sendo aplicadas a partir de um conjunto
de perguntas abertas (Apêndices 1, 2, 3 e 4). A seleção dos entrevistados ocorreu de forma
intencional, uma vez que o interesse foi o de confrontar as opiniões dos diferentes segmentos
envolvidos na temática em questão
100
.
Como anteriormente salientado, a análise e interpretação dos dados e informações
obtidas pela nossa pesquisa de campo, por meio de documentos, questionários e entrevistas,
basearam-se a técnica da análise do discurso, cujo objetivo foi destacar a importância dos
enunciados discursivos que compõem o discurso associativista para a construção da vida
social e econômica da região escolhida para o nosso estudo sociológico.
Salientamos, no que concerne à parte do nosso estudo referente à análise dos
resultados, que não citaremos o nome dos dirigentes, dos cooperados, nem, tampouco, dos
outros atores sociais que foram entrevistados e que fizeram parte da nossa pesquisa. Essa
decisão é resultado da solicitação feita por grande parte dos entrevistados, principalmente dos
trabalhadores associados (cooperados), e visa resguardar sua identidade. Por outro lado,
algumas cooperativas de trabalho que foram objeto de análise do nosso estudo sociólogico no
período da pesquisa de campo (2006/2007) não existem mais atualmente, pois fecharam as
suas portas por uma série de motivos não devidamente esclarecidos.
De acordo com algumas informações obtidas de maneira informal, algumas dessas
cooperativas eram de fato “cooperativas de fachada”, que funcionavam de forma transitória
100
Adotou-se o critério não aleatório de escolha de dez cooperados por cooperativa pesquisada, totalizando cem
cooperados entrevistados. Os 12 dirigentes eram representantes das dez cooperativas pesquisadas e 2 ligados
as entidades representativas do cooperativismo estadual. Os outros 13 entrevistados eram atores sociais
ligados de alguma forma com a temática estudada.
143
por um determinado tempo, atendendo aos interesses temporários de empreiteiros-gatos
(geralmente falsos dirigentes cooperativistas), empresas (públicas e privadas) e políticos
locais. Por conta desses fatos, não destacaremos o nome das cooperativas pesquisadas nesta
parte do nosso trabalho nem de seus dirigentes.
5.7 “Quando estar juntos” se torna uma forma coletiva e precária de inclusão social: os
resultados da pesquisa
Iremos nesta parte do trabalho apresentar os resultados da sistematização e tabulação
dos dados concernentes aos questionários aplicados junto aos cooperados e às cooperativas
pesquisadas na Região da Produção do estado do Rio Grande do Sul, bem como as
informações obtidas nas entrevistas realizadas com os trabalhadores associados (cooperados),
dirigentes de cooperativas e entidades representativas e demais atores sociais que fizeram
parte do nosso estudo e que foram já anteriormente destacados.
No que tange ao questionário aplicado junto às cooperativas de trabalho pesquisadas,
obtivemos as seguintes informações. Do total das dez cooperativas pesquisadas, apenas seis
eram registradas junto à Fetrabalho/RS, sendo todas registradas na Ocergs. Este aspecto é de
suma importância, na medida em que o registro legal nas entidades referenciadas constitui-se
numa forma de diferenciação em relação a um conjunto de outras cooperativas que proliferam
na região e que não procuram proceder aos seus registros junto às entidades representativas do
cooperativismo de trabalho estadual. Um dos grandes problemas é que, embora se tenham em
torno de 244 cooperativas registradas no estado (com base nas informações obtidas junto à
Ocergs em 2008), sabemos que o número de cooperativas de trabalho pode ser muito maior,
considerando principalmente aquelas que não estão registradas. Embora o registro seja um
requisito importante para a credibilidade institucional da cooperativa junto ao próprio sistema
cooperativista, não garante que a cooperativa de trabalho seja idônea e pratique de fato os
princípios do cooperativimo e da autogestão, nem que esteja, portanto, desvinculada da
possibilidade de práticas ilícitas e de fraudes.
Na opinião de um importante dirigente cooperativista do estado, é importante se ter
uma legislação específica para as cooperativas de trabalho de forma que se possam criar
mecanismos de normatização e controle mais eficazes referentes à sua constituição e
144
funcionamento
101
. A ideia é de que essa nova legislação específica permita o estabelecimento
de regramentos legais que estimulem a criação de mais cooperativas de trabalho e que
impeçam, ao mesmo tempo, a proliferação das cooperativas de fachada, que acabam
contaminando todo o sistema de cooperativismo de trabalho. Uma das ideias é criar por meio
dessa legislação um instrumento de certificação dessas cooperativas que possa estabelecer
uma diferença entre aquelas que atuam de formar regular e licitamente e aquelas cooperativas
de trabalho que são usadas de forma fraudulenta. Outro objetivo é estabelecer uma relação
menos conflituosa com o Ministério Público do Trabalho, pois, na ótica de muitos juízes
trabalhistas, as cooperativas de trabalho continuam se constituindo numa forma de exploração
e precarização do trabalho. Destacamos abaixo a sua opinião obtida em entrevista:
Todas as cooperativas que quiserem se filiar à Federação terão que passar por essa
certificação, por todo esse programa, para ganhar seu registro definitivo de filiada à
Fetrabalho. Nós não podemos só criticar e não fazer a nossa parte, e a nossa parte
como federação é essa: criar um instrumento de certificação das cooperativas,
apontar aquelas que estão atuando de forma equivocada, dando prazos para que se
corrijam os erros. Se não quiser corrigir, daí nós encaminhamos aos órgãos
competentes. Junto com essa política de certificação que a gente pretende
desenvolver aqui, há uma outra do Movimento Nacional de Valorização das
Cooperativas de Trabalho. Também apresentamos no Congresso Nacional um
projeto de lei que possa dar conta de tudo sobre o mundo cooperativo. Um projeto
específico sobre as cooperativas de trabalho. Só que existem muitos lobbys. Nós não
estamos jogando sozinhos nesse mercado de trabalho. Há os interesses. O Sindicato
de Conservação e Limpeza tem jogado muito pesado contra nós. A partir do
momento em que nós tivermos uma legislação clara sobre como deve funcionar uma
cooperativa de trabalho, eu acho que esse problema, por exemplo, de estar registrado
no sistema cooperativista deve ser uma obrigação. A maioria das cooperativas, hoje,
não aceita a obrigação de se registrar. Então, nós não temos como ter controle sobre
elas. E também porque estar registrado não garante nada, a bem da verdade. O que
nós temos é que: pra tu dar o certificado de regularidade da cooperativa, nós
pedimos à Ocergs que as cooperativas passem por esse instrumento de certificação,
que a situação de toda a cooperativa seja analisada a partir desse instrumento.
(Entrevista nº 1, dirigente de entidade cooperativa de representação estadual).
Um dos grandes problemas das entidades representativas do cooperativismo estadual é
a proliferação descontrolada dessas cooperativas que terceirizam a força de trabalho. Tanto a
Ocergs como a Fetrabalho/RS são entidades de representação social e política do sistema
cooperativista sem uma estrutura operacional eficientemente capaz de implementar um
101
O Projeto de Lei nº 7.009/2006, que ainda tramita no Congresso, dispõe sobre a organização e o
funcionamento das cooperativas de trabalho e institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de
Trabalho (Pronacoop), tendo por objetivo se constituir em legislação específica que visa estabelecer estes
regramentos legais.
145
processo permanente de auditoria dessas cooperativas de trabalho visando garantir essa
certificação criteriosa. Como o registro não é obrigatório, surgem muitas cooperativas
desvinculadas deste controle institucional, o que, por sua vez, abre um grande precedente para
o surgimento das cooperativas de fachada, as “cooperfraudes” ou “gato cooperativas”. O
surgimento dessas cooperativas fraudulentas tem sido objeto de intenso conflito entre o
movimento cooperativista e a Justiça do Trabalho do Estado do Rio Grande do Sul, a qual
entende que em muitas dessas cooperativas se configura o vínculo empregatício, aparecendo,
conforme constatam os fiscais do trabalho, os elementos constitutivos desse vínculo entre
eles: a subordinação e a continuidade.
Conforme dados levantados em nossa pesquisa no período da coleta dos dados,
existiam 4.219 associados ativos nas dez cooperativas pesquisadas, das quais apenas duas
apresentavam um número de associados relativamente alto, acima de mil associados; as outras
apresentaram um número de cooperados associados que oscilavam num intervalo médio de
120 a 380 cooperados no máximo. Tomando como base os trabalhadores associados ativos
que foram pesquisados, observamos que aproximadamente 57% deles eram do sexo
masculino, atuando na sua maioria nas empresas agroindustriais da região, e também no setor
público, principalmente em serviços ligadas à limpeza de praças, canteiros e outras obras
públicas de infraestrutura e outras funções (auxiliares administrativos, serventes, porteiros,
motoristas, etc.) Aproximadamente 43% dos trabalhadores associados pesquisados eram
mulheres, atuando principalmente no setor de serviços gerais (serventes, telefonistas,
recepcionistas, merendeiras, monitoras de creches, auxiliar de enfermagem e outras funções,
etc.).
Concernente às especialidades de atuação dos associados, constatamos que, em sua
totalidade, as cooperativas pesquisadas eram cooperativas de prestação de serviços gerais,
mas que em algumas situações se configuravam na prática como cooperativas de trabalho
multiprofissionais
102
. Essa diversidade de profissionais existentes na mesma cooperativa
(enfermeiros, pedagogos, psicólogos, monitoras de creche, serventes, porteiros, pedreiros,
102
As cooperativas de trabalho multiprofissionais são organizações associativas que congregam diversos tipos de
profissionais cooperados que atuam em diferentes áreas funcionais. Este tipo de cooperativa tem sido alvo de
muitas polêmicas, principalmente em razão do fato de não caracterizarem uma identidade profissional comum
entre os cooperados (trabalhadores associados). No entendimento de alguns advogados especialistas na área
cooperativista, uma cooperativa de trabalho não deve necessariamente ser reduzida a uma identidade
profissional. Este pensamento, por sua vez, não é compartilhado por grande parte dos magistrados da Justiça
de Trabalho, que entendem ser necessária a definição de uma identidade que caracterize a atuação específica
da cooperativa constituída. (DOMINGUES, 2002).
146
telefonistas, recepcionistas, motoristas, auxiliares administrativos e de enfermagem, entre
outros profissionais) em muitas circunstâncias atendia aos interesses mútuos tanto das
cooperativas como dos tomadores de serviços (sejam empresas privadas ou o setor público),
pois acabava atendendo às várias necessidades de força de trabalho, facilitando, dessa forma,
a possibilidade de se constituir apenas um contrato de terceirização que oferece uma
multiplicidade de trabalhadores associados.
Em uma das cooperativas pesquisadas havia uma certa homogeneidade dos
trabalhadores associados, caracterizada pela prestação de serviços mais direcionada à área da
sáude, atuando nestes casos, sobretudo, profissionais da área da enfermagem, visando atender
às demandas do setor público nesta área. Outras, no total de sete cooperativas, focavam sua
prestação de serviços para as demandas das empresas ligadas ao agronegócio e também às
atividades ligadas direta e indiretamente à produção agropecuária. Embora nesta região o
nível de mecanização seja alto, com o que, portanto, grande parte da colheita é realizada por
meio de máquinas colheitadeiras, algumas atividades ainda se utilizam da força de trabalho
direta na operação de algumas etapas do processo de produção agrícola.
Com base no perfil das atividades desenvolvidas por esses trabalhadores associados,
verificamos que, em relação aos cooperados pesquisados, cerca de 74% eram de trabalhadores
de baixa escolaridade; deste total, 8% são analfabetos; 36% têm o primeiro grau incompleto;
17%, o primeiro grau completo; 13%, o segundo grau incompleto. Ainda, 26% eram
trabalhadores de qualificação média e também superior (14% tem o segundo grau completo e
apenas 12% graduação universitária). Considerando, portanto, esses percentuais
representativos dos trabalhadores associados que foram pesquisados, evidencia-se que as
atividades que requerem menor qualificação educacional estão relacionadas a área de serviços
gerais (empilhadores, serviços de lavoura, limpeza urbana, jardinagem, serventes, monitoras
de creche, merendeiras, telefonistas, recepcionistas, etc.).
Por outro lado, as atividades de caráter mais burocrático e relacionadas às áreas da
sáude e educação, que requerem uma formação educacional de nível médio e superior, são
compostas predominantemente por auxiliares administrativos e de enfermagem, enfermeiros e
outros profissionais (pedagogos, psicólogos, médicos). Estes últimos estão concentrados em
atividades ligadas diretamente à prestação de serviços do setor público, que nestes casos exige
algum conhecimento, por exemplo, de informática, para o desenvolvimento de atividades
administrativas, ou de habilidades específicas, para atender algumas atividades ligadas à área
147
da sáude e da educação. Os enfermeiros e os auxiliares de enfermagem constituem-se, por
exemplo, na força de trabalho preferencial e necessária para atender às necessidades
principalmente das equipes dos postos de sáude instaladas em alguns bairros das cidades dos
munícipios analisados.
Como já salientado, a região considerada para estudo é basicamente dependente das
atividades ligadas ao setor do agronegócio, principalmente a produção de grãos e algumas
empresas do setor metal-mecânico também ligadas ao setor. A característica de sazonalidade
dessas atividades, associada às oscilações dos mercados internos e externos, leva a que as
empresas locais precisem de uma força de trabalho que esteja adequada a essas oscilações.
Assim, os trabalhadores com menos qualificação e diretamente ligados a essas atividades do
agronegócio regional ficam mais suscetíveis a serem os mais afetados pelo desemprego
conjuntural e estrutural que caracteriza esta região específica. Já os trabalhadores de
qualificação média e superior geralmente estão mais vinculados aos contratos de terceirização
com a administração pública, em contratos de caráter mais contínuo; portanto, não sofrem as
influências diretas e indiretas das oscilações sazonais. Por isso, tais trabalhadores se
encontram numa condição um pouco menos vulnerável diante das instabilidades da economia
regional.
No que se refere ao quadro social das cooperativas, considerando o rendimento mensal
(retirada de pró-labore) dos cooperativados pesquisados, observamos que, em média, 67% do
total dos cooperados possuíam rendimentos que oscilavam de um a dois salários mínimos no
máximo. Apenas 33%, em média, correspondiam a trabalhadores associados que recebiam
rendimentos superiores a dois salários mínimos, geralmente aqueles cooperados mais
qualificados e ligados à área da saúde ou de formações mais específicas, como, por exemplo,
pedagogas, técnicas de enfermagem e enfermeiras, psicólogas e, em alguns casos, até
assistentes sociais. É importante destacar que as cooperativas de trabalho pesquisadas, de
maneira geral, não possuíam funcionários contratados com carteira assinada no regime da
CLT, pois os trabalhadores eram orientados a fazerem parte do quadro social associando-se à
cooperativa; assim, tornam-se também cooperados ativos, exercendo funções administrativas
e operacionais dentro da cooperativa (organização de trabalho associativo). É o que vemos na
seguinte afirmação de um presidente de cooperativa:
148
Primeiramente, nós não temos funcionários. Todos os nossos cooperados são
associados, inclusive aqueles que estão na área administrativa da nossa cooperativa.
Todas as vezes que um novo associado ingressa na atividade, ele é plenamente
esclarecido de quais são seus direitos, quais suas obrigações e seus deveres.
Explicamos que ele passa a ser um associado da cooperativa, prestando serviço para
determinada prefeitura ou entidade. Ele será registrado junto ao INSS como
autônomo. Ele sabe dos seus direitos, tem um seguro em grupo; ele sabe que ele não
tem direito a décimo, a fundo de garantia, tanto que hoje de mais de 1000 associados
nós tivemos apenas 11 ações trabalhistas durante todo esse período. Isso demonstra
que é um baixo índice porque eles estão devidamente esclarecidos. É evidente que
nós temos uma faixa bastante homogênea, a grande maioria dos nossos associados é
de boa escolaridade. É desde médicos, enfermeiros, auxiliar de enfermagem, agentes
comunitários de saúde, psicólogos e engenheiros, etc. (Entrevista nº 2, presidente de
cooperativa).
Quanto aos dirigentes cooperativos, em apenas uma cooperativa pesquisada foram
fornecidos os valores do seu pró-labore; as demais não forneceram tais valores da equipe
diretiva, tampouco foi explicado a fórmula de cálculo utilizada para a definição desses
valores. Sabemos, contudo, por fontes informais e comentários efetuados por alguns
cooperados entrevistados, que, de modo geral, tais dirigentes ganhavam em média acima de
cinco salários mínimos ou mais (salário minímo de referência do ano de 2006/2007). Esta
informação geralmente não é fornecida pelos dirigentes em razão, geralmente, de os valores
serem diferenciados e bem acima dos pró-labores médios recebidos por grande parte dos
cooperados. Tais diferenças em termos de rendimentos superiores talvez possam explicar por
que alguns dirigentes cooperativistas se eternizam na direção da cooperativa, sendo vistos
muitas vezes como os “donos” da cooperativa.
Um outro aspecto importante a salientar é que as mudanças organizacionais e
tecnológicas que se processam atualmente no mundo empresarial, de forma geral, também são
fatores que estão contribuindo para que muitos trabalhadores percam seus empregos na região
considerada. Portanto, os trabalhadores mais vulneráveis à problemática do desemprego,
como referimos anteriormente, são os de baixa qualificação educacional, que encontram nas
cooperativas de trabalho uma alternativa para resolver o problema do emprego, mesmo que
isso signifique correr o risco de ser um trabalhador volátil, ou seja, que ora é um trabalhador
associado ativo (com emprego), ora se torna um trabalhador associado inativo (sem emprego).
Essa instabilidade está associada ao fato de muitos contratos de prestação de serviços serem
efetuados por tempo determinado (de acordo com o serviço a ser prestado) e outros serem
mais contínuos, portanto não tão afetados pela sazonalidade das atividades econômicas
regionais.
149
É nesse contexto, portanto, da sazonalidade das atividades econômicas ligadas ao
agronegócio e da diminuição dos postos de trabalho, que muitos destes trabalhadores acabam
não tendo outra alternativa a não ser ingressar nessas cooperativas para obter o seu sustento
financeiro, mesmo que de forma temporária e precária. Os trabalhadores ligados às atividades
de serviços gerais, que atendem principalmente à demanda do setor público, encontram nessas
cooperativas de trabalho uma importante alternativa ao desemprego, pois em muitas situações
são esses contratos contínuos de prestação de serviços com o poder público municipal que
garantem o emprego em momentos de crise e de recessão cíclica da economia regional.
É importante destacar também que a temporalidade dos contratos de terceirização
(contratos por tempo determinado) geralmente visa atender a serviços específicos de curta o
média duração, o que conduz a que ocorra uma constante oscilação anual entre os
trabalhadores associados ativos (aqueles que estão efetivamente trabalhando) e os
trabalhadores associados inativos, que, na sua maioria, são desligados se não houver algum
contrato de prestação de serviços. Nesses casos constatamos uma alta rotatividade entre os
associados ativos e inativos. No caso das cooperativas estudadas, 57% dos trabalhadores
associados pesquisados permaneciam mais tempo trabalhando, ao passo que 43% eram mais
vulneráveis a esses contratos temporários de curta duração.
A constatação acima nos permitiu observar que o crescimento dessas cooperativas de
trabalho na região não se efetivou em razão do interesse desses trabalhadores nas
potencialidades oferecidas pela proposta do trabalho associativo, como uma forma alternativa
de geração de emprego e renda, pois este caráter volátil, que se traduzia no fato de se estar
trabalhando um tempo e passar outro tempo desligado da cooperativa, conduzia muitos
trabalhadores associados julgarem que a cooperativa tinha a obrigação de garantir os seus
postos de trabalho por tempo indeterminado, não apenas por empreitadas temporais de curta
duração. Esse sentimento de estar frequentemente desempregado (ou temporariamente
empregado) é um dos motivos evidentes para que muitos desses trabalhadores percebam tais
cooperativas de trabalho apenas como uma solução emergencial, não como uma solução
efetiva e segura para garantir o seu sustento financeiro. Tal posicionamento pode ser
observado na seguinte opinião:
150
Trabalhar em cooperativa não é ruim. Só que não é a mesma coisa que trabalhar com
carteira assinada onde nós temos todos os direitos. Aqui, dependendo do contrato,
nós trabalhamos durante um tempo e às vezes nós ficamos sem trabalho. E isso não
é bom pro trabalhador. Não tem direito a férias, décimo, e outros direitos. Quando a
gente é desligado da cooperativa, não tem direito a nada. Você sai sem direito
algum, com uma mão atrás e outra na frente. É muita insegurança, professor! Eu sei
que sem a cooperativa minha vida seria bem pior, mas é que, no fundo, no fundo, a
gente quer um pouco de segurança pra poder trabalhar. Quando eu trabalhava com
carteira, quando eu tinha alguma coisa pra reclamar um direito ou alguma coisa
que não sabia eu ia lá no sindicato e eles me orientava. Agora eu não sei nem pra
quem reclamar. Eu prefiro ganhar menos trabalhando com carteira do que ganhar
mais na cooperativa. A gente se sente sem direito e sem proteção. E depois a
diferença no salário não é assim como dizem, tem cooperativa que paga até menos
(Entrevista nº 3, trabalhador associado).
É importante relembrar que as crises cíclicas da economia regional, associadas à
reestruturação das estratégias empresariais, contribuiu e continua contribuindo para que
ocorra, com frequência, uma redução significativa de postos de trabalho, apesar da atração de
novos empreeendimentos produtivos na região. Muitas empresas urbanas e rurais acabam se
inviabilizando em momentos de crises, que estão relacionadas às situações de sazonalidade e
volatilidade do mercado interno e do mercado externo de commodities agrícolas. Portanto, o
desemprego, seja na sua forma conjuntural (cíclica), seja na estrutural, é fator determinante no
que se refere ao fenômeno do surgimento dessas cooperativas, que também seguem essa
mesma lógica da volatilidade das crises cíclicas regionais, pois surgem por um determinado
período e depois desaparecem. Como destacamos anteriormente, das dez cooperativas
pesquisadas no período 2006/2007, seis não existem mais; além disso, outras novas
cooperativas de trabalho já surgiram em alguns dos munícipios pesquisados, ou são oriundas
de munícipios vizinhos e, até mesmo, de outros estados que fazem limite com a região
estudada.
No que tange às formas de organização e atuação dessas cooperativas de trabalho,
constatamos que, de forma geral, havia pouca participação no processo democrático de
tomada de decisões, pois em poucas delas existiam de forma organizada comitês educativos,
núcleos cooperativos ou conselho de representantes (três). As assembleias gerais, que
ocorriam anualmente, com pouca participação dos cooperados, eram, segundo os
entrevistados, a predominante forma de reunião coletiva para a tomada de decisões. De forma
geral, a participação estava mais restrita aos cooperados de maior escolaridade, visto que os
de menor escolaridade possuíam dificuldades de participar das assembleias gerais e
ordinárias, pelo fato de não se sentirem capazes de entender e opinar sobre o funcionamento
151
destas reuniões e, também, pelo caráter centralizador como muitos dirigentes conduziam na
tomada de decisões dentro da cooperativa.
Em algumas cooperativas de trabalho a estrutura da direção da cooperativa
(presidente, vice-presidente, tesoureiro, secretário, superintendente e membros do conselho
fiscal) não sofreu nenhuma mudança desde a data de sua constituição, conforme foi verificado
em algumas atas de constituição inicial da cooperativa. Isso, de certa forma, demonstra que
muitas dessas cooperativas são conduzidas de forma autoritária e centralizadora por uma
equipe restrita de dirigentes cooperativos, geralmente prepostos indicados pela presidência da
cooperativa, os quais em muitas situações permanecem quase que vitalícios no exercício de
suas funções. A falta de participação democrática e de rotatividade entre os dirigentes e
gestores cooperativos e o caráter centralizador e autoritário da tomada de decisões são
evidências de que tais cooperativas, na sua maioria, não são empresas de trabalho associativo
que procuram minimamente desenvolver uma cultura organizacional firmada na prática da
autogestão e da gestão democrática. São, geralmente, empresas mercantis transvestidas de
cooperativas.
Como já foi salientado, o trabalhador formal contratado com carteira assinada regida
pela CLT possui algumas vantagens quando comparado ao trabalhador informal associado.
Nesse sentido, visando minimizar em parte essas desvantagens, algumas cooperativas
procuram oferecer alguns benefícios compensatórios a seus associados. No que refere aos
benefícios sociais e convênios oferecidos pelas cooperativas pesquisadas, observamos o
seguinte: que seis das cooperativas pesquisadas ofereciam assistência jurídica aos seus
associados; cinco, ofereciam convênios médicos; quatro, vale-transporte; duas, empréstimos
aos seus associados. Quase todas ofereciam convênios de parceria com farmácias e
supermercados (9). Em relação aos benefícios relacionados a subsídios para a área
educacional, verificamos que apenas uma das cooperativas de trabalho oferecia essa vantagem
relacionada à capacitação de seus associados.
Em relação à questão da adoção e criação de fundos de benefício aos associados,
observou-se que, além do Fundo de Reserva e do Fundo de Assistência Técnica Educacional e
Social (Fates), as cooperativas de trabalho têm estimulado a criação de outros fundos com o
objetivo de beneficiar os trabalhadores associados. Entre as respostas obtidas destacou-se a
necessidade de se criar em algumas cooperativas um fundo de saúde, de forma a oferecer aos
associados uma alternativa de proteção nos momentos em que ficam suscestíveis a situações
152
que comprometam a sua sáude. Outras sugestões foram dadas em relação a fundo de
empréstimos e também propostas em relação a seguro de vida, fundo pós-parto e fundo de
férias, visando atender às necessidades dos cooperados.
Embora os dirigentes cooperativos das cooperativas pesquisadas afirmassem
desenvolver reuniões e cursos de curta duração visando esclarecer o funcionamento de uma
cooperativa de trabalho, percebemos que apenas seis cooperativas realmente desenvolviam
programas de formação cooperativista aos seus associados. Esses dados nos levaram a
concluir que uma parte significativa do quadro social dessas cooperativas desconhecia
completamente os príncípios norteadores do cooperativismo e das práticas de funcionamento
operacional de uma cooperativa de trabalho. Um dos aspectos que reforçam a nossa
constatação é que, ao estabelecermos uma correlação entre o número de assembleias gerais
que aconteciam no ano e o número de associados participantes destas, observamos que menos
da metade (43%) dos associados pesquisados participaram ativamente deste importante
instrumento norteador das decisões gerais tomadas. Ainda em relação ao aspecto da cultura
organizacional dessas cooperativas, no que tange às práticas cooperativas e de autogestão é
importante destacar que todas as pesquisadas possuíam o Conselho Fiscal, cujas reuniões
aconteciam, em média, duas vezes por ano; Conselho de Ética, Conselho Educativo e
Conselho Administrativo estavam presentes em poucas cooperativas (apenas em três). Quanto
aos rateios (sobras líquidas), constatamos, conforme as declarações dos dirigentes
cooperativos, que tal prática acontecia no final do exercício contábil anual da cooperativa.
Tal fato nos conduz a concluir que em muitos casos as decisões são tomadas em
conformidade com os interesses do corpo de dirigentes cooperativos, ou seja, estão
centralizadas, geralmente, na cúpula diretiva da cooperativa, sem uma participação mais
efetiva da maioria dos cooperados. Esse comportamento organizacional, de certa forma, vai
de encontro aos princípios da gestão democrática, que se constitui no pilar ideológico da
proposta cooperativista, ao mesmo tempo em que cria as condições objetivas para o
surgimento de um conjunto de procedimentos irregulares por parte dos dirigentes
cooperativistas, os quais, sem uma fiscalização constante do quadro social, podem agir
despoticamente. Esses aspectos são muito comuns nas chamadas “cooperativas de fachada” e
mesmo naquelas que apresentam um certo grau de organização do seu quadro social e que
estão registradas nos órgãos competentes do sistema cooperativista estadual.
153
Quanto às empresas que mais se utilizavam da contratação da força de trabalho
terceirizada das cooperativas de trabalho, na condição de tomadores de serviços, destacamos
as empresas privadas ligadas ao setor do agronegócio regional, mas é preciso salientar que no
período da pesquisa (e ainda nos dias atuais) tomamos conhecimento de uma expansão
significativa de contratos de terceirização com a administração pública
103
. Em relação ao
nosso estudo multicaso comparativo, constatamos que todas as cooperativas pesquisadas
tinham em algum momento da sua gestão contratos de prestação de serviços firmados com a
administração pública, sendo as funções mais solicitadas as relacionadas às atividades de
serviços gerais (serventes de limpeza, porteiros, monitores, motoristas, merendeiras,
telefonistas, recepcionistas), bem como auxiliares administrativos e de enfermagem, entre
outros profissionais.
É importante destacar algumas peculiaridades que caracterizam muitas situações
envolvendo a prática da terceirização entre as cooperativas de trabalho e a administração
pública. O estudo de Teixeira Júnior e Ciotti (2003) é profundamente esclarecedor dos
dilemas, conflitos e desafios que suscitam esses contratos de terceirização, pois a necessidade
do setor público de contratar a prestação de serviços para atender às demandas públicas com
custos menores, considerando o desejo de diminuir os gastos com pessoal, conduz a que em
muitas situações os gestores públicos não se sintam estimulados a realizar concursos públicos
para prover as necessidades de força de trabalho, especialmente para repor funcionários que
se aposentam ou preenchem funções públicas de menor qualificação.
Por outro lado, sabemos que em muitas situações essas cooperativas podem ser
utilizadas como verdadeiros currais eleitorais, há medida em que estão de alguma forma
vinculadas aos interesses eleitorais de grupos políticos que usam a organização cooperativa
para obter votos em troca de uma oportunidade de trabalho. Embora não tenhamos constatado
a existência desses fatos ilicítos nas cooperativas pesquisadas, alguns comentários feitos por
ex-cooperados e cooperados inativos apontaram a existência de tais práticas. Especialmente, é
o caso de, por ocasião da pesquisa de campo, uma determinada cooperativa pesquisada ter
sido referida por alguns ex-cooperados como sendo de “propriedade” de um político ligado à
base governista, ou de outras serem organizadas e usadas com fins eleitoreiros, para empregar
amigos, parentes e apadrinhados políticos.
103
Sobre a participação das cooperativas em procedimentos licitatórios envolvendo as empresas da
administração pública é importante destacar as discussões e conclusões apresentadas no estudo de Teixeira
Júnior e Ciotti (2003).
154
Muitas pessoas comentam na cidade de que o presidente da cooperativa é muito
amigo do prefeito, é que ele só contrata pela Prefeitura conforme a lista do prefeito e
dos vereadores. Eles mandam uma lista pra cooperativa com os nomes que eles
querem. Só os que fizeram campanha. São tudo apadrinhado! Então esta cooperativa
foi criada para atender os contratos da Prefeitura. Tem muito CC que é contratado
pela cooperativa. São os políticos que mandam na cooperativa. Quando a gente vai
pedir algum trabalho lá na Câmara dos Vereadores, elas mandam a gente procurar o
fulano lá da cooperativa pra ver se tem vaga de trabalho. (Entrevistado, nº 4, ex-
trabalhador associado).
Quanto ao questionário aplicado aos cooperados, obtivemos algumas informações
significativas e que, de certa forma, retratam em parte a realidade das experiências
vivenciadas pelos trabalhadores associados. Essas vivências refletem as diversas formas como
eles encaram e comprendem o processo de terceirização por meio das cooperativas de
trabalho. Pelo manuseio e leitura de algumas poucas atas de constituição dessas cooperativas,
as quais nos foram fornecidas pelos dirigentes cooperativistas, podemos perceber que a
motivação principal para a sua constituição estava na possibilidade alternativa de criar uma
solução para o grave problema do desemprego nos munícipios. No entanto, outros motivos
também foram apresentados, tais como a possibilidade de se criarem programas de geração de
emprego e renda para jovens e adultos no âmbito de algumas políticas públicas municipais e a
redução de custos para as empresas com a possibilidade de contratação de de força de trabalho
terceirizada.
Como já anteriormente destacado, no que se refere à distribuição por sexos dos
trabalhadores das cooperativas de trabalho pesquisadas, observamos que os trabalhadores do
sexo masculino estão em maior número, comparativamente aos do sexo feminino. Isso se
deve, talvez, às particularidades das funções solicitadas em grande parte nos contratos de
terceirização, pois a força braçal e determinadas habilidades marcadas pelas diferenças de
gênero acabam determinando o acesso à oportunidade de emprego.
No que se refere à questão da faixa etária, verificamos que 32% dos trabalhadores
associados ativos pesquisados tinham idade entre 18 a 29 anos; 45%, de 30 a 39 anos; 17%,
entre 40 e 49 anos, e 6%, na faixa acima de 50 anos. Nesse sentido, percebemos que a maioria
dos trabalhadores associados dessas cooperativas de trabalho estão representados por adultos
no segmento etário entre 30 a 49 anos. Tal fato pode significar que os trabalhadores acima dos
trinta anos e que possuem, como já foi constatado, baixa escolaridade estão mais vulneráveis
a perder seus empregos formais, obrigando-se a buscar no traballho associativo oferecido
155
pelas cooperativas que terceirizam a força de trabalho uma alternativa à problemática do
desemprego à qual estão submetidos.
Quanto ao tempo em que os cooperados estão associados nas cooperativas, conforme
as respostas dos trabalhadores associados, observamos, de forma geral, que, em média, 59%
dos entrevistados estavam na cooperativa há menos de tres anos os outros restantes estavam
na cooperativa a mais de três anos. Um fato importante a destacar é que muitas dessas
cooperativas surgiram no final da década de 1990 e início da de 2000, o que demonstra que
isso ocorreu na região como resultado, nesse período, do aumento do desemprego e das
mudanças organizacionais e tecnológicas que se processavam no âmbito da reeestruturação
produtiva da economia brasileira em razão da abertura econômica e da globalização.
Como já destacado, as cooperativas de trabalho pesquisadas caracterizavam-se por
serem, na prática, cooperativas de trabalho multiprofissionais, embora não fossem assim
constituídas formalmente, tampouco consideradas pelos trabalhadores associados e seus
dirigentes cooperativistas. Numa análise das informações fornecidas pelos cooperados
entrevistados verificamos que 26% exerciam a função de auxiliar administrativo; 7% eram
telefonistas e recepcionistas; 43% efetuavam serviços gerais; 13%, funções de supervisão e
gerência e 11%, como auxiliar de enfermagem. Embora houvesse outras funções exercidas
por profissionais (auxiliares de enfermagem, enfermeiros, pedagogos, psicólogos, entre outros
profissionais) já destacados anteriormente, estes eram pouco representativos em termos
percentuais quando comparados com aqueles funções exercidas em maior número.
Procedendo a um cruzamento das informações fornecidas pelos cooperados
entrevistados em seu questionário específico (Apêndice 5) e das respostas dadas pelos
dirigentes cooperativistas ao questionário correspondente (Apêndice 6), mostra-se evidente a
relação existente entre as funções exercidas de maior predominância (serviços gerais) e a
baixa escolaridade, consequentemente, também com os menores rendimentos mensais (pró-
labores). Em relação aos rendimentos mensais, observamos que 67% dos entrevistados
recebiam, em média, pró-labores que variavam em torno de um a dois salários mínimos e que
apenas 33% recebiam acima de dois salários mínimos. É importante destacar que, de maneira
geral, os pró-labores pagos em muitos casos são um pouco superiores aos salários médios da
região no que tange ao exercício das mesmas funções laborativas em empregos formais.
Outro aspecto a salientar é que os rendimentos dos cooperados são muito variados e
são estabelecidos conforme as funções que desempenham, a qualificação que possuem e de
156
acordo com os valores definidos nos contratos de prestação de serviços a que estão
vinculados, de tal modo que tais valores podem variar de um contrato para o outro. Em muitos
casos, os trabalhadores associados podem ficar sem receber qualquer rendimento durante
alguns períodos do ano, pois dependem do tempo estabelecido (contratos temporários) e da
continuidade dos contratos de prestação de serviços terceirizados.
Quanto à relativa superioridade dos valores dos rendimentos pagos aos trabalhadores
das cooperativas de trabalho, quando comparados aos dos trabalhadores formais que exercem
as mesmas funções e possuem as mesmas qualificações, é necessário destacar que ocorre pelo
fato de a terceirização do trabalho associativo (cooperativado) possibilitar a redução dos
custos com a força de trabalho por conta da inexistência das despesas dos encargos sociais e
trabalhistas, possibilitando, assim, que a remuneração dos trabalhadores associados
(cooperados) seja um pouco superior à dos seus pares no mercado formal de trabalho.
Conforme já destacado anteriormente no que tange à escolaridade, os cruzamentos de
informações nos permitiram concluir (ao tomarmos como referência as respostas dos
cooperados e dirigentes pesquisados) que, aproximandamente, 74% dos cooperados possuem
baixa escolaridade, tendo, em sua maioria, o segundo grau incompleto e exercendo,
geralmente, funções de serviços gerais; outros 26%, aproximadamente, possuíam qualificação
de nível médio e superior, exercendo atividades ligadas a funções de ordem administrativa ou
da área da saúde. Quanto ao percentual referente ao nível universitário (12% dos
pesquisados), é importante salientar que muitas dessas cooperativas prestam serviços
terceirizados para o setor público municipal, principalmente para atender às necessidades de
força de trabalho das áreas da educação, assistência social e saúde, o que, de certa forma,
explica a utilização eventual de profissionais mais qualificados, tais como pedagogos,
psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros e, em alguns casos, até médicos.
Na questão referente à carga horária média de trabalho durante a semana, os dados
obtidos apresentaram a seguinte distribuição: 5% dos cooperados entrevistados trabalhavam
menos de 20 horas semanais; 14%, de 20 a 30 horas semanais; 46%, de 30 a 40 horas
semanais; 35%, mais de 40 horas semanais. Quanto a esse aspecto, é importante salientar que
os rendimentos pagos aos cooperados (pró-labores) estão diretamente relacionados ao número
de horas trabalhadas, sendo esse um fator a determinar um rendimento muitas vezes variável
ao longo do ano, uma vez que os contratos de terceirização se efetivavam em determinados
casos por um tempo determinado (contratos temporários), o que conduzia muitos
157
trabalhadores associados a vivenciarem a realidade de serem ora cooperados ativos, ora
inativos. Assim, vivenciavam de tempos em tempos a triste situação de estarem sem um
emprego e, consequentemente, sem uma renda para se manter a si e a sua família. Essa
vulnerabilidade foi identificado com um dos fatores que conduziam muitos desses
trabalhadores a utilizarem a cooperativa apenas como uma alternativa temporária, uma forma
de “bico”, para os momentos de desemprego, visto que a maioria desejava (75% dos
entrevistados, aproximadamente) retornar ao mercado formal para trabalhar com carteira
assinada e, assim, conquistar novamente os seus direitos de proteção social garantidos na
CLT.
Em relação ao local de trabalho onde tais cooperados exerciam as suas atividades
laborais, ficou constatado que os trabalhadores associados pesquisados, na sua maioria (45%),
trabalhavam diretamente em empresas públicas (serviços terceirizados juntos aos órgãos das
prefeituras municipais); 33% atuavam em empresas particulares (este percentual aumentava
principalmente nos períodos de safra) e 22%, nas próprias cooperativas, exercendo funções
administrativas. Como anteriormente comentado, a importância da utilização dos serviços
cooperativados terceirizados pelo setor público municipal da região está, de certa forma,
relacionada à estratégia de reduzir custos no que tange às despesas públicas com a contratação
de pessoal.
Os cooperados pesquisados, quando indagados sobre como souberam da existência da
cooperativa no município, responderam o seguinte: 78% disseram que fora por outros
cooperados; 5%, pelo rádio; 4% por meio de jornais; 3%, pela televisão e 3%, por meio de
impresso de divulgação; ainda, 7% alegaram outras formas. Esses percentuais evindenciam
que as estratégias de divulgação publicitária das cooperativas com o intuito de atrair novos
trabalhadores para se associarem a elas ainda são muito incipientes do ponto de vista de uma
gestão de marketing mais moderna e atualizada aos novos tempos de mudanças
organizacionais. O sistema tradicional da informação, de “boca a boca”, ainda continua sendo
o mais utilizado pelos trabalhadores associados como forma de acesso ao trabalho associado
junto às cooperativas de trabalho da região estudada.
Quanto ao grau de atuação e percepção dos trabalhadores cooperativados e
terceirizados, observamos, de acordo com as respostas dadas em nossa pesquisa, que, quanto
ao grau de satisfação na condição de associado de uma cooperativa de trabalho, 33% estão
muito satisfeitos com a sua condição de trabalhador associado; 48%, satisfeitos e 18%, pouco
158
satisfeitos; apenas 1% respondeu que estava insatisfeito. Entretanto, apesar de as respostas
dadas nos questionários apontarem para um grau relativamente alto de satisfação, sabemos
que nem sempre tais afirmações favoráveis ao sistema cooperativista de trabalho refletem de
fato a realidade, pois o temor de perderem os seus empregos e de serem desligados da
cooperativa pode conduzir a que as respostas sejam, de certa forma, induzidas por esse temor.
No caso do nosso estudo, como os cooperados foram encaminhados para as entrevistas
segundo as escolhas dos dirigentes cooperativistas, é bem provável que tenham sido
orientados a responder positivamente, quando, na realidade, o que se evidencia é uma
profunda insastifação generalizada com as condições de trabalho nestas cooperativas.
Essas considerações de caráter subjetivo, embora não sejam captadas de forma clara e
explícita nas respostas objetivas dadas nos questionários, aparecem com mais transparência
nas entrevistas, pois nas entrelinhas das falas (discursos) dos trabalhadores cooperados
podemos perceber a sua insatisfação por vivenciarem constantes situações de vulnerabilidade,
por conta de não terem os mesmos direitos e condições de trabalho dos trabalhadores formais
de carteira assinada e protegidos socialmente pela CLT. O caráter temporário de muitos dos
contratos de prestação de serviços, que conduz muitos desses trabalhadores a vivenciarem
constantes situações de instabilidade e desamparo, expressa na prática uma das faces dessa
vulnerabilidade e precariedade a que estão submetidos muitos desses associados a
cooperativas que intermedeiam a força de trabalho por meio de contratos de terceirização. É o
que podemos constatar na seguinte afirmação de um dos cooperados entrevistados:
Eu estou traballhando na cooperativa porque eu não tenho outra opção melhor. A
gente se sujeita a trabalhar na cooperativa porque tem que sustentar a família. Não
apenas eu penso assim, muitos dos meus colegas, aqui da cooperativa, pensam assim
também. A gente não fala abertamente porque podemos ser desligado da
cooperativa. A grande maioria que trabalha aqui deseja mesmo é trabalhar de novo
com carteira assinada com todos os direitos. A gente diz que a cooperativa é boa
porque na hora do desemprego é a única saída que a gente tem. Mas eu não quero
viver trabalhando a minha vida toda em cooperativa. (Entrevista nº 5 , cooperado).
Essa constatação, em certa medida, também reflete que muitos cooperados
desconhecem os aspectos legais e operacionais que regem as suas condições de trabalho no
sistema cooperativo de trabalho, principalmente aquele que de forma específica intermedeia a
força de trabalho por meio da terceirização. Muitos desses trabalhadores associados não estão
devidamente adaptados às novas “formas” de trabalho, distintas daquela fundamentada no
159
regime de trabalho formal regido pela legislação trabalhista (CLT). Tal fato se comprova
quando se observa que muitos cooperados de forma equivocada, e até certo ponto injusta,
encaminham para a Justiça do Trabalho a resolução dos seus conflitos com a cooperativa a
que pertencem, acusando-as de exploração.
Muitas situações identificadas nas entrevistas e nos contatos informais com os
cooperados ativos e alguns inativos, e também com ex-cooperados, que retornaram ao
mercado de trabalho formal, evidenciaram que muitos cooperados de fato não compreendiam
o funcionamento do sistema cooperativista no que concerne aos seus princípios doutrinários e
a sua operacionalidade social e administrativa. Os conceitos de “autogestão” e as afirmações
de que são “coproprietários” ou “donos do seu próprio empreeendimento” continuam sendo
categorias conceituais e discursivas muito distantes da compreensão e da prática laboral de
grande parte dos trabalhadores cooperativados. Para esses, tais termos são apenas “chavões”
de um discurso que, na prática, não reflete de fato o que eles pensam e sentem, pois, na
realidade, o sentimento que efetivamente impera é de que eles estão sendo excluídos dos seus
mais legítimos direitos sociais e trabalhistas.
Outro aspecto salientado em nossa pesquisa de campo é que, além das atividades
desenvolvidas nas cooperativas, vários trabalhadores associados exerciam outras atividades
para complementar a sua renda familiar, ou seja, 69% não exerciam outras atividades, e 31%
possuíam. Esse comportamento reflete, em certa medida, a necessidade de se buscarem outras
formas de obtenção de rendas complementares diante da impossibilidade de a renda obtida
com o trabalho associativo atender às necessidades essenciais do núcleo familiar. Em outras
situações observamos que muitos trabalhadores aposentados utilizavam-se das oportunidades
oferecidas pelas cooperativas de trabalho para obter uma renda complementar e, dessa forma,
ampliar a sua renda familiar.
Talvez o aspecto que mais evidencie que a opção pelo trabalho associativo das
cooperativas de trabalho não tenha sido assimilado e aceito naturalmente como uma
alternativa viável para se resolver a questão da empregabilidade nos dias de hoje, visto que
que, ao serem indagados a respeito de se gostariam de retornar novamente ao trabalho formal
com carteira assinada, 75% terem responderam que sim. Os motivos que conduzem a esse
desejo estão, de certa forma, predominantemente relacionados à possibilidade de voltarem a
ser protegidos socialmente pelos direitos trabalhistas, isto é, recuperarem as vantagens que o
regime da CLT garante, entre as quais se destacam o direito à licença maternidade e
160
paternidade, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, multa sobre o FGTS em caso de
dispensa do funcionário, aviso prévio indenizado, décimo terceiro salário, férias e,
especialmente, o direito ao seguro desemprego em caso de demissão.
Neste último caso, a possibilidade de perder o emprego (ser desligado da cooperativa
com o fim do contrato de prestação de serviço) e não ter direito a nenhum valor monetário que
permita uma certa sustentabilidade financeira por um determinado período de tempo são
exemplos que evidenciam o quanto importante é para maioria desses trabalhadores retornarem
ao mercado de trabalho formal, no qual eles se sentem reconhecidos, respeitados e protegidos
como cidadãos. Em outras palavras, a cidadania só é garantida, na ótica desses trabalhadores
associados e terceirizados, quando os direitos sociais e trabalhistas garantidos na CLT, por
exemplo, lhes fornecem amparo e proteção social diante de um novo e precário mundo do
trabalho, caracterizado cada vez mais pela instabilidade, pela insegurança e pelo aumento da
exploração do trabalho humano.
Outro aspecto a reforçar as afirmações acima está no fato de que, quando indagados
sobre as motivações que os conduziram a optar pelo regime de trabalho cooperativado
(trabalho associativo), 37% dos entrevistados responderam por estarem desempregados e não
haver outra opção melhor; 24%, por não conseguirem trabalho com carteira assinada; 16%,
porque na cooperativa a renda é maior; 6%, porque a cooperativa oferecia vantagens que as
empresas particulares não ofereciam e 17%, porque acreditam no cooperativismo como uma
forma alternativa de beneficiar os trabalhadores. Com base nas informações colhidas junto
aos trabalhadores pesquisados, podemos afirmar que grande parte dos cooperados optou pelo
sistema de trabalho associado (cooperativado) porque não encontrou no mercado de trabalho
formal os postos de trabalho que almejava, ou seja, para muitos desses trabalhadores as
cooperativas de trabalho se constituem, na maioria das vezes, em uma alternativa passageira
para enfrentar as situações relacionados ao problema do desemprego.
No âmbito da gestão democrática e das práticas de autogestão vivenciadas no
cotidiano das cooperativas de trabalho, principalmente no que concerne à atuação dos
cooperados nas decisões tomadas pela cooperativa, as respostas dadas pelos trabalhadores
pesquisados nos permitiram compreender o seguinte: 41% definiram-se como associados que
participam ativamente das decisões tomadas pela cooperativa; 29% percebiam-se como
empregados, que deveriam cumprir ordens dos dirigentes cooperativistas; 18%, como um
associado que não participa das decisões tomadas e 12% não compreendem o funcionamento
161
das cooperativas de trabalho. Apesar de esses números percentuais apresentarem um quadro
que demonstra uma aparente prática de gestão democrática nos processos decisórios, o que
percebemos de fato é que em algumas das cooperativas pesquisadas a tomada de decisões
seguia apenas o simbolismo ritualístico da participação coletiva exigido nas assembleias
gerais ou ordinárias, pois, na realidade, muitas decisões eram tomadas de forma centralizadora
pela cúpula diretiva, sendo apenas referendada pela assembleia geral.
No caso da apresentação dos demonstrativos contábeis, por exemplo, é muito comum
que os cooperados aprovem os resultados apresentados muito mais em razão da opinião dos
dirigentes cooperativos do que do conhecimento que possuem no que concerne à análise e
interpretação dos resultados contábeis e financeiros da cooperativa. É importante ressaltar que
este tipo de comportamento é muito comum em quase todos os ramos do cooperativismo
brasileiro, não apenas uma particularidade excêntrica do ramo cooperativista de trabalho.
Ainda em relação aos aspectos relacionados às práticas democráticas de autogestão
vivenciadas nas cooperativas de trabalho estudadas, observamos que o desligamento dos
associados (exclusão do associado da cooperativa) do quadro social era efetuada em 74% das
respostas por uma pessoa, geralmente identificada pelo chefe/administrador imediato ou pela
cúpula diretiva (direção ou mesmo o presidente da cooperativa), ao passo que 26%
responderam que o Conselho de Administração é que tomava as decisões de desligamento.
Quanto à escolha eletiva dos dirigentes coperativistas, percebemos, de acordo com as
respostas fornecidas pelos trabalhadores pesquisados, que 91% eram escolhidos por meio de
assembleias, podendo qualquer cooperado se candidatar; 3% afirmaram que tais dirigentes
não são eleitos por meio de assembleias, porém são cooperados, e 6% dos pesquisados são
profissionais contratados, não sendo cooperados.
Em relação aos rendimentos dos administradores (dirigentes cooperativistas),
constatamos que, de forma geral, considerando as respostas dadas pelos trabalhadores
pesquisados, 65% indicaram que os pró-labores dos dirigentes eram decididos pelos próprios
administradores e 35%, que os pró-labores dos dirigentes eram decididos em assembleias
gerais de forma coletiva, democrática e transparente. Por outro lado, quanto à decisão dos
rendimentos dos pró-labores dos cooperados, a maioria (cerca de 85% dos entrevistados)
afirmou que os valores foram decididos pelos dirigentes e que quando chegavam à
cooperativa, os valores dos rendimentos já estavam definidos conforme estabelecido nos
contratos de prestação de serviços. A mesma lógica se seguia (embora com valores
162
percentuais diferentes) no que se refere à distribuição das tarefas, funções e cargos dentro da
cooperativa. Como já foi salientado, é muito comum nas cooperativas, de forma geral (isso
não ocorre apenas no ramo de trabalho), que uma certa cúpula diretiva distribua os cargos de
comando hierárquico na gestão da organização cooperativa, bem como defina os rendimentos
dos associados de acordo com os interesses do grupo que está no exercício do poder.
Em resumo, esse conjunto de informações obtidas junto aos trabalhadores
cooperativados que foram pesquisados fornecemos elementos para inferir algumas
conclusões. De forma geral, a gestão organizacional dessas cooperativas de trabalho não se
efetiva de forma participativa, baseada nos princípios doutrinários do cooperativismo,
destacando-se entre estes os princípios da autogestão e da gestão democrática. Embora haja
um discurso cooperativista dentro das organizações cooperativas que tenta fortalecer estes
princípios, na prática o que ocorre de fato, de acordo com os sentimentos externalizados de
muitos dos cooperados em suas falas, é que são apenas alguns poucos (cúpula diretiva) que
acabam decidindo por todos os associados. Uma das hipóteses levantadas para tal
comportamento centralizador e antidemocrático é que talvez o baixo nível de escolaridade de
grande parte dos cooperados seja um fator a contribuir e explicar a baixa participação dos
trabalhadores associados nos processos decisórios das cooperativas.
No que se refere às questões relacionadas com a capacitação educacional e
profissional dos cooperados, observamos que não existe uma preocupação maior por parte dos
dirigentes dessas cooperativas na qualificação dos seus associados. Conforme as respostas
dadas pelos trabalhadores pesquisados, 76% dos cooperados não tinham realizado nenhum
curso de capacitação ou mesmo treinamento específico. Isso evidencia claramente que não
havia por parte dos dirigentes das cooperativas muito interesse em destinar recursos
financeiros da cooperativa à capacitação dos cooperados com o intuito de oferecer às
empresas tomadoras de serviços uma força de trabalho mais qualificada.
Em algumas situações, constatamos que os treinamentos para aperfeiçoamento das
tarefas a serem executadas eram dados nos próprios locais de trabalho (24% dos trabalhadores
pesquisados) pelas empresas contratantes. Nesses casos, destaca-se principalmente o papel do
setor público, que, em razão da necessidade de qualificar melhor o atendimento dos serviços
públicos, desenvolve algumas iniciativas de capacitação desses trabalhadores cooperativados
e terceirizados, os quais podem ocorrer, em algumas situações, junto com a capacitação dos
servidores públicos concursados.
163
Com relação aos benefícios sociais e convênios oferecidos pelas cooperativas de
trabalho de forma a beneficiar os seus trabalhadores associados, destacamos os convênios
médicos e odontológicos (apenas três das cooperativas pesquisadas não ofereciam esses
serviços conveniados); no que se refere ao oferecimento de convênios com farmácias,
supermercados e outras lojas comerciais, verificamos que todas as cooperativas pesquisadas
ofereciam tais vantagens. Quanto ao vale-transporte, apenas seis das cooperativas o ofereciam
aos seus cooperados, embora descontem o valor integral nos rendimentos a serem pagos no
final do mês. Foi constatado que nenhuma das cooperativas pesquisadas oferecia aos seus
cooperados vales-refeição. No que concerne aos benefícios e convênios oferecidos pelas
cooperativas, é importante destacar que os cooperados percebiam essas vantagens adicionais
como compensatórias, comparativamente à supressão das vantagens que teriam se
trabalhassem em empresas mercantis com contratos formais regidos pela CLT. Salientamos
que um conjunto importante de empresas privadas da região considerada, com exceção das
grandes empresas mercantis, não oferece tais vantagens adicionais, o que, de certa forma, para
alguns trabalhadores cooperativados, era visto como um fator diferencial oferecido pelas
empresas cooperativas.
Quanto à percepção dos cooperados no que se refere ao sistema cooperativista de
trabalho ser uma forma de exploração da classe trabalhadora, os trabalhadores associados que
participaram da pesquisa responderam da seguinte forma: 10% concordaram plenamente;
61% discordaram plenamente; 11% são indiferentes e 18% afirmaram não terem condições de
opinar. Como já salientamos anteriormente, embora essas respostas e os percentuais
correspondentes obtidos por meio dos questionários, que foram aplicados, demonstrem que
uma parte importante desses trabalhadores não percebem o sistema cooperativista de trabalho
como uma forma de exploração do trabalho associativo, tais afirmações a nosso ver não
refletem a realidade, pois o que fica evidente na maior parte das vezes em seus discursos é o
desejo de retornarem ao mercado de trabalho formal com carteira assinada.
Os graus de satisfação acima descritos em comparação aos discursos verbalizados
escondem de fato uma grande contradição, pois em muitas situações o que se observa é o
desejo de grande parte destes trabalhadores cooperativados de terem de fato melhores
condições de trabalho que lhes garantam principalmente a manutenção dos seus direitos
sociais. Portanto, para esses trabalhadores associados é importante que as cooperativas
busquem constituir formas de compensação por meio da criação de diversos fundos
164
específicos (saúde, educação e 13º pró-labore), bem como outros beneficios que lhes
garantam de fato as mesmas condições de trabalho, se não iguais, pelo menos mais próximas
da realidade dos trabalhadores formais de carteira assinada e protegidos pela CLT. A
afirmação seguinte de um cooperado reflete bem esta situação:
As cooperativas de trabalho são na realidade um quebra-galho na hora que a gente tá
desempregado. O maior problema é que a gente trabalha muito e não tem direito a
nada. É muita insegurança. A gente não tem certeza por quanto tempo a gente vai
ficar empregado. Tudo depende dos contratos com as empresas. Outra coisa ruim é
que quando a gente é desligado da cooperativa a gente não tem direito a nada. Não
tem décimo, férias, fundo de garantia e outros direitos, e também a gente não tem
direito a pedir o seguro-desemprego porque a gente é cooperado. Se nós tivesse os
mesmos direitos do trabalhador de carteira assinada a cooperativa seria uma coisa
boa pro trabalhador. A grande maioria, embora não fale, faz da cooperativa um bico,
pois o que nós queremos mesmo é voltar a trabalhar com carteira assinada com
todos os direitos da CLT. (Entrevistado nº 6, cooperado).
As entrevistas realizadas segundo os roteiros de perguntas especificadas nos
Apêndices 1, 2 e 3 possibilitaram a compreensão do significado de muitos dos elementos
enunciativos constitutivos dos vários discursos envolvendo os diversos atores sociais que
participaram do nosso estudo sobre as cooperativas de trabalho da Região da Produção do
estado do Rio Grande do Sul. É preciso destacar que os cooperados, dirigentes
cooperativistas, sindicalistas, juízes do trabalho, advogados e outros atores sociais envolvidos,
por meio dos seus discursos, ofereceram uma riqueza importante de percepções e
compreensões que nos permitiram analisar sociologicamente as possibilidades e as
contradições que envolvem atualmente o trabalhador associado e o trabalho associativo no
contexto dos desafios e ameaças que se apresentam para o “novo” e precário mundo do
trabalho que se configura na contemporaneidade.
Quando questionamos sobre o fato de as cooperativas de trabalho se apresentarem
como uma alternativa de geração de emprego e renda diante do quadro de desemprego, os
dirigentes cooperativistas entrevistados foram unânimes em defender a alternativa
cooperativista como uma das soluções mais significativas e importantes para resolver o
problema do desemprego nos dias atuais, principalmente para um grupo de trabalhadores que
sofrem atualmente uma série de restrições e discriminações no mercado formal. Conforme um
importante dirigente de uma entidade representativa do cooperativismo estadual, as
cooperativas de trabalho são importantes instrumentos de inclusão social, pois
165
[...] cada vez existem mais exigências pra tu conseguir um vaga no mercado. Hoje
nós já temos licitações que já trazem expresso que pessoas acima de quarenta anos
não podem participar de uma empresa pública. Até pra ser um segurança, um vigia
ou um porteiro, passou dos quarenta anos começa a discriminação. O que acontece:
essa pessoa, que nesse sistema fica marginalizada, sozinha, não tem força para
buscar um posto de trabalho, conseguir a sua reintegração à sociedade e voltar a ter
autoestima. Mas a partir do momento em que ela se junta com três, quatro, cinco,
um grupo de pessoas, ela tem a força necessária pra se organizar e negociar a sua
força de trabalho. Então, qual a grande importância, a grande força disso? É
justamente a união do grupo em busca daquele trabalho, que, se ele for buscar da
forma como temos hoje, ele está proibido, ele não tem chance. Nós encontramos
hoje cooperativas tremendamente profissionalizadas, com uma estrutura de
profissionais altamente capacitados. Nós também encontramos cooperativas
formadas por deficientes físicos, por deficientes visuais, deficiente mentais,
portadores de HIV, pessoas em regime semiaberto de penitenciária, pessoas que,
quando entram na cooperativa, são analfabetos ou semianalfabetos, que com essa
junção das forças conseguem se alfabetizar, conseguem espaço para poder produzir,
pra poder trabalhar. Então, isso é um diferencial. (Entrevistado nº 7, dirigente de
uma entidade cooperativa estadual).
Outros relatos de alguns dos dirigentes cooperativistas pesquisados reforçam essa
convicção de que as cooperativas de trabalho possuem um importante papel social no sentido
de proporcionar emprego para os trabalhadores marginalizados e desempregados. As
mudanças no mercado de trabalho, as inovações tecnológicas, a globalização, dentre outros
fatores, constituem-se basicamente nas razões explicativas, na ótica de vários dirigentes, do
papel estratégico das cooperativas de trabalho como alternativa ao desafio do desemprego.
Vejamos o que afirmam alguns dirigentes cooperativistas e um advogado especialista em
direito cooperativo que também é assessor jurídico das cooperativas de trabalho na região
estudada:
Eu não vejo outra alternativa viável hoje no mercado para gerar emprego de renda a
não ser cooperativa de trabalho. Não existe. Não to vendo outra alternativa a não ser
as cooperativas de trabalho. Por quê? Porque é um sistema que deu certo ao longo
dos anos tanto em países desenvolvidos quanto em países subdesenvolvidos. É um
exemplo claro da nossa cooperativa. Hoje a nossa cooperativa tem a felicidade de ter
1705 pessoas gerando emprego e renda nas suas localidades. Eu não vejo alternativa
melhor do que essa hoje, até porque a pessoa sai de um sistema que fica
marginalizado, um sistema de fora do mercado de trabalho e entra para um sistema
de mercado de trabalho se requalifica porque a nossa cooperativa tem um
departamento especializado nessa atividade e executa essas ações com muita
propriedade. Eu não vejo outra, sinceramente, não vejo outra alternativa mais viável
hoje no mercado para geração de emprego e renda do que cooperativa de trabalho
(Entrevistado nº 8, presidente da cooperativa).
Olha, na minha opinião pessoal, eu acho que a cooperativa de trabalho hoje no país,
num modo geral, ela é uma solução, não tem mais, ela veio pra ficar. Eu acho que se
nós não olharmos pros setores de trabalho, nós estamos perdendo pra máquinas. O
trabalhador hoje perde, digamos, é mais fácil tu comprar um robô, tu ter um robô do
que ter um trabalhador, porque o robô não tem décimo terceiro, não tem férias, não
adoece, são inúmeros fatores que vocês sabem que é muito mais fácil. Quem perde é
166
o trabalhador. Na nossa região aqui é uma região que precisa de muito trabalho, uma
região que o pessoal precisa trabalhar [...]. Está chegando a hora através das
cooperativas de trabalho, [...]. (Entrevistado nº 9, presidente da cooperativa).
A cooperativa é uma alternativa de trabalho e renda, porque na atualidade o
desemprego está alcançando grande escala por causa da modernização, da
globalização. Então as pessoas estão sobrando no mercado de trabalho. O que tem se
notado, eu aqui ponho a minha experiência nessa resposta, de 28 anos de empresa de
uma revenda da Mercedez Benz, que nós tínhamos na nossa empresa o chefe de
departamento de peças, a gente tinha o contador, nós tínhamos para cada
departamento um chefe. Hoje na prática se nota o seguinte: que a máquina, o
computador substitui as pessoas, executa as tarefas com perfeição, com rapidez e o
computador não reclama de férias, de décimo terceiro e de atraso no pagamento e as
empresas para reduzir custos o que elas fazem? Elas substituem a máquina no lugar
da pessoa, e por isso que há um desemprego muito grande, e a cooperativa é uma
alternativa aonde se buscará colocá-los nas mesmas empresas que as demitem? Não.
Nós teremos que ter alternativas de trabalho, a cooperativa é esta alternativa [...]
(Entrevistado nº 10, presidente da cooperativa).
As cooperativas de trabalho, especialmente, não geram emprego, porque o
cooperado não tem vínculo empregatício com a cooperativa nem com o tomador de
serviço desta, conforme previsão do art. 442 da própria Consolidação das Leis do
Trabalho. Mas pode ser uma opção para geração de postos de trabalho,
principalmente nesta crise de desemprego que assola o país, e, futuramente, como a
solução dos problemas de trabalho para o trabalhador brasileiro, tendo em vista que
numa cooperativa ele é autogestor, ele tem possibilidade de adquirir direitos que
numa relação empregado-empregador ele está limitado (Entrevistado nº 11,
advogado especialista em direito cooperativo).
Como já anteriomente destacado em nosso estudo, um dos fatores justificativos da
prática organizacional da terceirização via cooperativas de trabalho é a necessidade de se
diminuir a elevada carga tributária que incide sobre o processo produtivo. É no âmbito dessa
discussão que muitos empresários defendem uma possivel reforma tributária, e nesse contexto
se inclui também a questão do peso dos encargos sociais e trabalhistas, que oneram, junto
com os impostos diretos e indiretos, as finanças das empresas. Sobre este último aspecto é que
se fundamenta um dos argumentos a favor da necessidade urgente da reforma da legislação
trabalhista, no sentido de flexibilizá-la ou, mesmo, desregumentá-la.
Quanto ao processo de terceirização, as opiniões podem ser divergentes,
principalmente quando consideramos que, como prática organizacional, é vista pelos
dirigentes cooperativos como uma forma de as empresas reduzirem os custos com os encargos
sociais, sobretudo quando se consideram as especificidades de uma economia vulnerável às
oscilações cíclicas em razão da sazonalidade produtiva do agronegócio regional. Por sua vez,
para os sindicalistas, a terceirização por meio das cooperativas de trabalho é uma forma de
retirar direitos do trabalhador. Esta opinião também é corroborada por um representante da
Justiça do Trabalho:
167
As empresas elas reduzem os seus custos porque o objetivo das empresas não é
pagar menos ao trabalhador. A empresa procura através da cooperativa reduzir seus
custos porque ela reduziu a sua margem de lucro. Evidentemente, nenhuma empresa
se estabelece para ser boazinha e dar emprego para as pessoas que necessitam. As
empresas se constituem para terem o seu lucro e ganharem dinheiro, nenhum
empresário vai investir pra fazer caridade, isto não existe. A cooperativa, como ela
tem menos custos sociais, as empresas priorizam algumas atividades através da
cooperativa porque a rotatividade onera muito. Quando o trabalhador entra, sai,
entra, sai, ele dá muito trabalho, muito custo e o próprio trabalho com carteira
assinada também eleva os custos a 100%, 120, 130% e a cooperativa, no máximo,
vai a 33%. Sem contar que nas empresas, principalmente na nossa região, que é um
mercado agrícola, que sofre altos e baixos, no trabalho, no caráter sazonal da
atividade é conveniente pra elas contratar através das cooperativas, porque evita um
monte de encargos (Entrevistado, nº 12, dirigente de cooperativa).
Acho que a maioria das empresas hoje querem diminuir o custo dos empregados.
Então, eu acho que uma boa parte das empresas, públicas ou privadas, quer diminuir
porque os encargos são muito altos hoje. As empresas hoje contratam o serviço
terceirizado para não ter o vínculo empregatício, para não ter que pagar os encargos
sociais e trabalhistas. Um empregado hoje custa muito caro para uma empresa.
Empregar por meio das cooperativas sai mais barato, porque se pode contratar e
demitir o funcionário a qualquer hora sem ter que pagar as despesas na hora da
rescisão da demissão. Nós do sindicato defendemos o trabalho com carteira
assinada. Estas cooperativas são uma maneira de fraudar a CLT, de tirar os direitos
do trabalhador. Tem muitas empresas na região que estão demitindo os seus
funcionários e contratando por meio de cooperativas, tudo isto para não pagar os
direitos do trabalhador (Entrevistado nº 13, sindicalista).
O objetivo da terceirização por meio das cooperativas de trabalho é reduzir custos,
na visão do Estado mínimo, dos neoliberais, reduzindo direitos sociais. É, no
entanto, equivocado, que se reduzem custos, na medida em que ajuizada a ação do
empregado (falso cooperado) contra a cooperativa de mão-de-obra e / ou tomador de
serviços devem responder, ainda que subsidiariamente pelo inadimplemento dos
créditos trabalhistas. Ou seja, o que parecia inicialmente uma redução de custos
pode se tornar ao final um acréscimo, talvez em montante ainda maior do que se
houvesse a contratação direta pela empresa. (Entrevistado nº 14, juiz do trabalho).
Como já destacado anteriormente, o crescimento desordenado das cooperativas de
trabalho no estado do Rio Grande do Sul ocorreu sem um maior controle por parte das
entidades representativas estaduais, no caso a Ocergs e a Fetrabalho/RS, similarmente ao que
aconteceu e acontece em todo o país. Essa falta de mecanismos e normas mais rígidas de
controle e monitoramento por parte das entidades representativas do coooperativismo estadual
acaba propiciando que muitas cooperativas de trabalho surjam como instrumentos de
precarização e exploração do trabalho humano, principalmente quando a motivação maior é a
reduzir custos com os emcargos sociais e trabalhistas. O resultado é que, no bojo do
surgimento de muitas cooperativas de trabalho idôneas e fundamentadas na prática dos
princípios cooperativistas e da autogestão, surgiram também várias cooperativas de fachada,
muitas das quais tiveram uma existência efêmera, pois, da mesma forma súbita como se
constituíram, também fecharam as suas portas.
168
Essa existência efêmera está relacionada a uma série de motivos, mas um é, sem
dúvida, a criação de organizações cooperativas de trabalho visando burlar a legislação
trabalhista para baratear de qualquer forma o custo da força de trabalho. Há relatos, até
mesmo, de disputas entre duas cooperativas de trabalho de cidades vizinhas, sendo a
cooperativa ganhadora da licitação acusada de ser uma fraude por um dirigente da cooperativa
perdedora. Sobre esse aspecto das cooperativas de fachada, é importante destacar o que
pensam os dirigentes, trabalhadores cooperados, representantes de entidades cooperativistas,
juízes e advogados:
A gente sabe de uma ou duas que são de fachadas. Isso aí acaba desacreditando as
cooperativas sérias. A gente tá trabalhando para divulgar para as pessoas o que é
uma cooperativa séria, porque as pessoas imaginam que cooperativa é um monte de
ladrão por causa dessas cooperativas de fachada mal administradas que só retiram o
dinheiro das pessoas. Temos o caso do nosso hospital, no qual uma cooperativa
perdeu a licitação, e entrou uma outra cooperativa que não é daqui, pagando metade
do salário pras pessoas e passou um, dois meses sem pagar. Cadê a fiscalização. A
Fetrabalho não está muito atuante nas cooperativas do estado, está meio desativada.
Não está tendo uma atuação de ajuda muito grande. É mais a Ocergs. A gente até
comenta entre as nossas cooperativas de talvez criar um esquema entre as
cooperativas ligadas a OCERGS para que tenha um símbolo, um distintivo pra
concorrer a licitações de forma que a gente fique protegido destas cooperativas de
fachada (Entrevista nº 15, dirigente cooperativista).
A gente sentiu na pele o problema. Existe sim este tipo de cooperativa. O nome
delas eu não sei, mas os caras denunciaram claramente, nós sentimos isso nas
reuniões que os caras dizem que montam a cooperativa, arrumam um dinheirinho e
desaparecem. (Entrevista nº 16, trabalhador associado).
O conhecimento das “gato-cooperativas” existe e tanto a Ocergs como a Fetrabalho
estão empenhadas em acabar com essas cooperativas. Até foi formada as regionais
na região para que fique mais perto das cooperativas, para que não aconteça esse
tipo de cooperativas. Então, o que nós fazemos hoje para acabar: quando se sabe que
uma cooperativa está sendo formada, se visita essa cooperativa e tenta trazê-la pra
dentro do sistema, se ela não quiser vir pra dentro do sistema se denuncia essa
cooperativa. Então, até como na pergunta anterior eu respondi, a preocupação é
grande do sistema. Nós estamos fazendo reuniões, assembleias quase todos os dias,
para que esse tipo de coisa não aconteça. Agora, infelizmente hoje nós sabemos de
cooperativas que não são regulares e estão funcionando. (Entrevista nº 17,
representante de entidade cooperativa).
Não há apenas indícios da existência deste tipo de cooperativas. Há várias e
funcionam com o objetivo de flexibilizar os direitos dos trabalhadores e de reduzir
custos. Em regra, têm sido ajuizadas ações pelo Ministério Público do Trabalho
contra as existentes, por ferirem o ordenamento jurídico vigente, pois habitualmente
funcionam em fraude à legislação vigente. (Entrevista nº 18, juiz do trabalho)
É evidente que eu sempre menciono um fato: a “gato-cooperativa” ou cooperativa de
fachada não é uma cooperativa. [...] Cooperativa é cooperativa, ser ou não ser,
cooperativa é ou não é. Então, se devem ser combatidas? Evidentemente. Toda
cooperativa de fachada, toda cooperativa fraudulenta, toda “gato-cooperativa” deve.
Porque elas mancham o sistema e, manchando o sistema, atingem de forma geral
todas as cooperativas. Já houve aqui uma contratação, inclusive na administração
pública, numa autarquia municipal, de uma cooperativa de Porto Alegre, que eu digo
com certeza que é de fachada. Ela ganhou uma concorrência, iniciou o contrato e, na
169
hora de fazer o primeiro pagamento aos cooperados, eles foram verificar que os
descontos para fundos ou pseudofundos eram maiores do que eles iriam receber.
Esse contrato foi rescindido de forma até amigável, mas depois de uma forte pressão
dos trabalhadores que queriam receber no mínimo aquilo a que tinham direito, ou
seja 70% ou 80%. No entanto eles estavam recebendo menos de 50%. Essa é uma
cooperativa de fachada, que serve mais para explorar o trabalhador do que para
realmente favorecê-lo. (Entrevista nº 19, advogado trabalhista).
Apesar de as cooperativas de trabalho se constituírem numa alternativa de emprego e
renda em momentos de desemprego, é importante destacar que o trabalhador que opta pelo
trabalho associativo o faz muitas vezes por não encontrar uma alternativa melhor, ou seja,
para resolver uma situação imediata de sustentação financeira pessoal ou familiar. Na prática,
observamos que o trabalhador prioriza e prefere o trabalho formal com carteira assinada, de
forma que todos os seus direitos sociais sejam mantidos, pois para muitos deles, e também
para os seus sindicatos, estar debaixo da proteção da legislação trabalhista é ser reconhecido
como um trabalhador que possui identidade e, portanto, uma cidadania reconhecida.
Por outro lado, o emprego em cooperativas de trabalho associativo por meio da
terceirização constitui-se, na ótica deste trabalhadores, na possibilidade de se tornar uma
espécie de “cidadão de segunda categoria”. Esse sentimento se efetiva à medida que os
trabalhadores percebem a sua situação de desamparo social e que estão entregues à própria
sorte num mercado de trabalho cada vez mais caracterizado pela instabilidade, pela
precarização e pela desproteção social por parte do Estado. É o que transparece na seguinte
afirmação de um sindicalista entrevistado em nosso estudo:
Nós do sindicato temos muito claro que estas cooperativas de trabalho que agenciam
o trabalho dos trabalhadores não são cooperativas de fato. Elas criaram duas
categorias de trabalhadores. Uma com carteira assinada e com direitos, e outra
categoria que não tem vínculo de emprego, terceirizado e sem direitos. Muitas vezes
eles trabalham no mesmo local de trabalho, dividem e fazem as mesmas tarefas,
pegam o mesmo ônibus, moram na mesma vila, só que fazem parte de duas
categorias distintas de trabalhadores. Os que têm direitos sociais garantidos pela
CLT e os que não têm direito a nada, pois estas cooperativas podem até pagar um
pouco mais a diferença não é muito grande e não compensa no final. Na realidade,
todo trabalhador precisa de alguma segurança. A CLT e o sindicato, de certa forma,
oferece a eles uma certa proteção em relação aos seus direitos. Aliás, este é o papel
do sindicato, fazer prevalecer os direitos dos trabalhadores. (Entrevista nº 20,
sindicalista).
Diferentemente, um importante dirigente de uma entidade de representação política do
cooperativismo expressa sua opinião sobre trabalho associativo de outra ótica. Para ele o
170
trabalho formal subordinado protegido pela CLT é uma forma conservadora de trabalho
tutelada pelo Estado, que impede a possibilidade da busca de outras formas alternativas,
atualizadas e diferenciadas de trabalho, as quais possam ser reconhecidas institucionalmente
pelo Estado e pelos sindicatos. As novas exigências de uma economia globalizada e
competiva impõem, segundo essa ótica, a necessidade de se repensar urgentemente a
legislação trabalhista, bem como o mundo do trabalho.
Se você me permite, há uma outra lógica que precisa ser compreendida: o Ministério
Público do Trabalho, a área acadêmica e a jurídica do direito do trabalho têm uma
visão de tutela sobre o trabalhador. A CLT tem uma constituição de tutela: o
trabalhador tem que ser tutelado e protegido pelo Estado e pelo sindicato. É como se
nós cooperativistas não tivéssemos uma massa cinzenta pra pensar, não tivéssemos
vontade de tomar a iniciativa e buscar uma alternativa de autonomia frente ao
Estado e ao sindicato. No fundo no fundo, há um preconceito de que os operários, ou
a classe trabalhadora, não podem trabalhar de forma autônoma, e traçar assim suas
próprias estratégias e buscar seu próprio destino. Alguém tem que estar por trás nos
tutelando. O Estado tem uma série de legislações que protegem o trabalhador, mas
que, na verdade, nos dias de hoje é um fator impeditivo para geração de emprego e
renda. Para a sociedade toda custa muito, gasta-se muito com os meios e
instrumentos para garantir esta tutela estatal. Essa é uma mudança fácil de fazer, se
nós repensássemos o trabalho neste país. Dessa forma, tu considera o quanto é cara
para a Justiça do Trabalho ter que vigiar uma relação de exploração, mas nas
cooperativas não existe a relação de exploração – o que pode existir, e em alguns
casos existem, são contratos feitos de forma equivocada, até mesmo maldosos, que
têm prática a exploração do trabalhador, mas o resultado desse trabalho,
independente do tomador do contrato, é compartilhado. Essa forma de concepção de
tutela tem que ser questionada, porque é uma concepção preconceituosa de não
acreditar na capacidade dos trabalhadores de gerir os seus próprios
empreendimentos associativos. (Entrevistado nº 21, dirigente de entidade
representativa do cooperativismo estadual).
Outro discussão importante tem sido a forma como os movimentos sociais
compreendem o significado e a importância do trabalho associativo e do trabalhador
associado ligado às propostas das cooperativas de trabalho, uma vez que, para os defensores
da economia solidária, tais cooperativas deveriam ser organizadas como unidades de
produção coletiva de um certo produto ou serviço nas quais os trabalhadores associados
fossem proprietários dos meios de produção e dos bens produzidos, que, por sua vez, seriam
comercializados pela cooperativa e cuja renda gerada seria apropriada coletivamente pelos
trabalhadores associados.
Essa compreensão das cooperativas de trabalho solidário se opõe radicalmente à ideia
da proposta cooperativa que se efetiva pela intermediação (agenciamento) da força de
trabalho. Para muitos dos defensores das propostas de economia solidária, as cooperativas que
171
terceirizam a força de trabalho constituem-se numa forma escamoteada de organização
associativista que vise explorar e precarizar o trabalho humano, pois o trabalhador, neste caso,
continua sendo o proprietário da sua força de trabalho, a qual ele vende ao capitalista; a
diferença, agora, é que esta venda do trabalho não se faz de forma direta ao proprietário do
capital (empresário), mas se efetua de forma indireta, mediada pela organização cooperativa,
que, portanto, vende a força de trabalho coletiva dos seus trabalhadores associados. Isso, a
príncípio, ao meu ver, não muda a lógica de exploração e apropriação da mais-valia, pelo
contrário, em muitas situações até a reforça e potencializa. A opinião de um ativista e
militante em defesa da economia solidária da região estudada reflete significativamente as
afirmações acima:
Para nós, defensores das iniciativas de economia solidária, inclusive organizamos
anualmente uma feira dos produtos gerados por cooperativas de trabalhadores
solidários, uma coisa é a produção coletiva e cooperativa de um produto, de um
bem, onde os trabalhadores são donos dos meios de produção, ou seja, da matéria-
prima, das máquinas, dos equipamentos. Outra coisa é a venda da força de trabalho
pura e simples. Neste caso, não há produção de um bem ou serviço e sim a
intermediação de um produto, ou melhor, de um insumo necessário para o capitalista
produzir, que é o trabalho do cooperado. A mesma lógica que explica a exploração
do trabalhador na compra e venda individual da força de trabalho entre o capitalista
e o trabalhador, se dá agora por meio da cooperativa de trabalho; o que ocorre de
diferente agora é que ela (cooperativa) agencia a venda coletiva do trabalho para o
capitalista. A cooperativa passa a ser a forma que o capitalista encontrou para
comprar coletivamente o trabalho humano de forma mais barata e funcional aos seus
interesses. (Entrevistado nº 22, militante ativista da economia solidária).
Em resumo, a diversidade de opiniões citadas pelos vários entrevistados em nosso
estudo reflete as formas distintas de compreensão do fenômeno do crescimento numérico do
cooperativismo de trabalho na região estudada, bem como no estado do Rio Grande do Sul e
no Brasil. Para os diversos atores envolvidos direta ou indiretamente com a problemática das
cooperativas de trabalho, esse crescimento quantitativo pode representar possibilidades
inovadoras, como também ameaças concretas de exploração no contexto dos desafios
impostos atualmente pelo desemprego e pelas mudanças no mundo do trabalho.
Em outras palavras, o cooperativismo de trabalho pode, de um lado, ser uma
importante alternativa viável e distinta de sustentabilidade social e econômica, na medida em
que pode ser usado como um importante ínstrumento de política pública na geração de
emprego e renda para milhões de desempregados em nosso país, mas, ao mesmo tempo e de
forma contraditória, pode se constituir numa forma coletiva de trabalho que poderá produzir e
172
reproduzir socialmente uma inclusão precária, instável e marginal, imposta pela lógica de
acumulação atual do capital, que, por sua vez, exige como contrapartida a necessidade da
flexibilização da produção, do trabalho e, consequentemente, dos direitos dos trabalhadores.
173
CONCLUSÃO
A nova ofensiva do capital no contexto da atual crise estrutural do capitalismo
mundial tem implicado a adoção de um conjunto de mudanças tecnológicas e organizacionais,
como decorrência da necessidade de constituição de uma nova lógica de acumulação, que seja
capaz de superar as tendências estagnacionistas dessa crise. Por outro lado, essa nova ofensiva
do capital no processo produtivo contemporâneo se efetiva como um elemento determinante
das mudanças estruturais impostas ao mundo do trabalho em decorrência da mundialização do
capital.
Portanto, a reestruturação produtiva que ocorre em razão dessa nova lógica de
acumulação de capital efetua-se concomitantemente com a ascensão do capital financeiro, que
atua como principal dinamizador dessa nova etapa da globalização econômica. Parelamente à
configuração dessa nova etapa financeira do capitalismo contemporâneo, observamos um
aumento do desemprego estrutural e da precariedade do emprego e dos salários, que se
constitui na face mais perversa dessas mudanças estruturais e que vem contribuindo para uma
ampliação gradativa dos sentimentos de insegurança e desamparo social que atingem milhões
de trabalhadores em todo mundo. Em síntese, este novo modelo global de produção e
consumo vem agravando e ampliando a exclusão social em escala planetária, no entanto é
importante destacar que estes trabalhadores precarizados, portanto excluídos, não são
“marginais” a essa lógica de acumulação. Na realidade, eles fazem parte desta nova dinâmica
do capitalismo contemporâneo.
Surgem novas formas desumanas de exploração do trabalho num “novo e precário
mundo do trabalho”, cujo objetivo principal é aumentar a produtividade do capital. A recente
crise econômica mundial, consequência da criação de “bolhas de especulação irracionais” por
parte do capital financeiro, atingiu a economia global e ampliou de forma assustadora o
desemprego em escala planetária. Como ficou evidente em nosso estudo, com base nas
contribuições teóricas de Istvan Mészáros, essa é uma crise estrutural da lógica de
acumulação capitalista, que, ao exigir e impor a flexibilidade da produção e do trabalho,
objetiva manter a lógica destrutiva do capital, operando como resposta, ou ofensiva, a esta
crise. Isso acaba por reforçar uma tendência histórica e particular do capital em momentos de
crise, que é a necessidade de debilitar o poder objetivo da classe trabalhadora, por meio da
ameaça do desemprego estrutural, e, assim, criar um novo padrão de acumulação capitalista,
174
que no caso da experiência brasileira tem se efetivado pelo surgimento de uma série de
trabalhos precarizados (trabalho autônomo, part-time, informal, a domicílio, terceirizado,
etc.), adequados à nova era de volatilidade dos mercados. Assim, a classe trabalhadora
brasileira vivencia uma desumanizadora precarização das suas condições de trabalho.
Esse mercado de trabalho flexivel e precário, propiciado pelas ofertas de emprego
criadas, por exemplo, pelas cooperativas que terceirizam a força de trabalho, vai, de certa
forma, atender às necessidades por trabalho humano, adequadas agora às variações cíclicas
das crises conjunturais, que nada mais são do que “espasmos de curto prazo” da crise
estrutural do capitalismo contemporâneo. É no contexto, portanto, dessa crise estrutural, cuja
evidência mais nítida é o aumento do desemprego e da precariedade do trabalho e, portanto,
da exclusão social em escala global, que surge um conjunto de novas propostas e de soluções
alternativas visando gerar novos postos de trabalhos e, dessa forma, minimizar os impactos
econômicos e sociais da crise.
Entre essas propostas alternativas aparecem as potencialidades do trabalho associativo,
por meio da constituição de cooperativas de trabalho, cujo objetivo é possibilitar, de forma
coletiva, a inclusão social de milhares de trabalhadores associados no mercado de trabalho por
meio da estratégia da terceirização. Portanto, considerando o papel histórico a ser assumido
pelas propostas cooperativistas em momentos de crise, como já ocorreu no passado,
propusemo-nos neste estudo analisar criticamente o fenômeno do crescimento númerico das
cooperativas de trabalho no atual contexto das mudanças econômicas, tecnológicas,
organizacionais e jurídicas que se processam atualmente no mundo do trabalho. A questão
indagadora que nos surgiu com esse crescimento significativo das cooperativas de trabalho é:
Quais são os verdadeiros motivos que explicam este novo momento contemporâneo de
ressurgimento das propostas cooperativistas?
Como afirmado anteriormente, as iniciativas associativistas sempre surgem
historicamente nos momentos de estagnação econômica e crise do capitalismo, aparecendo
como uma alternativa inovadora, autônoma e coletiva para os trabalhadores enfrentarem o
desemprego, a exploração do trabalho humano e a exclusão social. Pelo menos, é nessa ótica
explicativa que se fundamentam os argumentos de defesa dos idéologos cooperativistas do
passado e do presente; estes últimos ainda continuam acreditando, ingenuamente, na utopia
emancipatória da alternativa cooperativista, quando, de fato, ela pode, em muitas situações,
reforçar e alimentar a mesma lógica de exploração a que diz pretender superar e se opor.
175
O que foi observado na prática em nosso estudo sociológico, e de acordo com a
hipótese central do nosso estudo, é que essas propostas associativistas acabaram por se tornar,
diferentemente dos seus discursos fundamentados nas noções de cooperação e autogestão,
formas coletivas e precárias de inclusão social caracterizadas pela exploração do trabalho
associativo. Isso ocorre porque a prática da terceirização cooperativada acaba por fragilizar a
sociabilidade humana do trabalho coletivo, por meio da desintegração da força de trabalho e
da fragmentação dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que contribui para o
enfraquecimento das suas identidades sociais ao precarizar o emprego, o salário, o trabalho e
a própria vida desses trabalhadores associados.
De acordo ainda com a nossa hipótese, o cooperativismo de trabalho, por meio da
prática da terceirização da força de trabalho, constitui-se, no contexto do atual cenário de
liberalização e desregulamentação dos mercados e de aumento da produtividade do capital,
numa estratégia precária de geração de emprego e renda. Ao ser subsumido pela nova lógica
de acumulação a terceirização do trabalho associado transforma-se de fato em uma forma
coletiva de inclusão social precária, que não apenas resgata as modalidades clássicas de
apropriação da mais-valia, tanto a relativa como a absoluta, como também reforça a utilização
de novas formas de exploração do trabalho de milhares de trabalhadores associativos.
Portanto, a utilização da prática da terceirização por meio das cooperativas de trabalho é uma
forma de se obter a máxima intensidade do trabalho e o máximo de rendimento de uma força
de trabalho cada vez mais flexibilizada e precarizada.
Assim, podemos, de certa forma, constatar que o mundo do trabalho no Brasil, como
resultado da reestruturação produtiva em curso, criou as condições objetivas para o
surgimento de uma nova forma de exclusão social, que, diante da ameaça do desemprego
estrutural, atinge não apenas os trabalhadores mais qualificados e também organizados
politicamente do ponto de vista sindical, como também cria e amplia um grupo de
trabalhadores que passam a estar vinculados a relações de trabalho mais precárias,
caracterizadas pela instabilidade, pela insegurança e pelo desamparo social. Essa nova face da
exclusão social – a inclusão social precária, que tem como referência o trabalho precário – é
resultado do conjunto de mudanças estruturais que vêm acontecendo no mercado de trabalho
brasileiro como resultado dessa nova lógica produtiva da economia mundial, a qual tem seu
início de forma mais clara e efetiva a partir da década de 1990. Não é por acaso, portanto, que
176
o crescimento númerico das cooperativas de trabalho no Brasil, como forma alternativa de
geração de emprego e renda, acontece de forma simultânea nesse mesmo período.
Como anteriormente afirmado, a exclusão social pode ocorrer dentro do próprio
mercado de trabalho, por meio da existência de empregos precários e instáveis, que geram não
apenas renda insuficiente como produzem e reproduzem socialmente um sentimento de
desamparo social. A exclusão social, neste caso, efetiva-se pela diminuição do emprego
formal amparado legalmente e pelo aumento do trabalho flexível e precário sem proteção
social alguma. Dessa forma, a estratégia da flexibilidade produtiva adequada à lógica da
“produção enxuta”, que se consubstancia no processo de reestruturação produtiva do Brasil,
encontra no cooperativismo que terceiriza a força de trabalho um dos seus mais importantes
mecanismos de viabilização. Em outras palavras, este segmento do cooperativismo brasileiro,
infelizmente, em muitas circunstâncias, tem se tornado uma expressão concreta desse
processo de exclusão social, caracterizado pela precariedade do trabalho e dos salários.
Os contratos de terceirização por meio das cooperativas de trabalho têm sido uma
forma de os empresários obterem uma força de trabalho barata e flexível, adequada as
conjunturas econômicas voláteis, caracterizadas pela expansão e retração das demandas de
mercado. Essa flexibilidade do trabalho e da produção, possibilitada pela terceirização
cooperativada, acaba constituindo uma categoria de trabalhadores que se integram ao mercado
de trabalho por meio de contratos de trabalho flexíveis e precários. Nesses casos, o que
acontece de fato é que esse processo de exclusão social se efetiva de forma contraditória por
meio da inclusão social de milhares de trabalhadores num mercado de trabalho caracterizado
pela informalidade, pela instabilidade, pela insegurança e pela precariedade das condições de
trabalho uma lógica, portanto, que exclui para depois incluir de forma precária.
Portanto, a contribuição teórica do sociólogo brasileiro José de Souza Martins neste
estudo foi de fundamental importância para entendermos o que de fato está acontecendo no
atual contexto da reestruturação produtiva da economia brasileira e suas consequências para o
mundo do trabalho. A sua crítica ao conceito de exclusão social e da ideologia que dela
decorre dá visibilidade e transparência ao que de fato está sendo ocultado e que, por sua vez,
deveria ser o verdadeiro problema a ser debatido e a ser resolvido nos dias de hoje, que são as
formas de “inclusão anômala”, típicas do atual capitalismo globalizado, principalmente
considerando que o atual modelo de reprodução ampliada do capital, que a reestruturação
177
produtiva e econômica mundial enseja, produz formas precárias e enganadoras de inclusão
social, que podem aprofundar a exploração ao criarem ilusões coletivas de inserção social.
É justamente no contexto desse processo dialético de exclusão/inclusão engedrada pela
nova dinâmica produtiva da economia global que a proposta do trabalho associativo das
cooperativas que terceirizam a força de trabalho precisa ser compreendida, pois podem em
muitas situações se constituir nestas formas anômalas de reinclusão marginal no “novo”
mercado de trabalho flexível, precário e sem proteção social da atual economia globalizada.
Em outras palavras, o que observamos é que a estratégia coletiva de geração de
emprego e renda proposta pelo cooperativismo de trabalho pode ser até includente do ponto
de vista econômico, na medida em que garante uma alternativa de sobrevivência por meio da
renda que recebem, mas é profundamente excludente do ponto de vista social e político, visto
que tais trabalhadores se tornam desamparados socialmente, por conta da flexibilização dos
seus direitos sociais, e desprotegidos politicamente, em decorrência da fragilidade dos
sindicatos que os representam coletivamente. Na realidade, o que de fato está acontecendo é
que os trabalhadores associativos dessas organizações de trabalho associado, da qual fazem
parte as cooperativas de trabalho analisadas em nosso estudo, estão agora inseridos numa
“nova” lógica econômica, que é patologicamente includente e que, ao mesmo tempo, se nutre
da própria exclusão social que produz.
Considerando, portanto, a lógica explicativa da inclusão social precária, as
cooperativas de trabalho, de forma geral, e as que intermedeiam a força de trabalho, de forma
particular, não se constituem, a nosso ver, em uma alternativa efetiva à exclusão social, como
defendem muitos cooperativistas ligados ao setor cooperativista de trabalho, mas,
infelizmente, muitas delas estão se constituindo em formas coletivas de inclusão social,
caracterizadas pela precariedade, pela instabilidade e pela marginalidade de milhares de
trabalhadores desempregados. Em outras palavras, a terceirização por meio do uso das
cooperativas de intermediação da força trabalho, a nosso ver, acaba por produzir e reproduzir
socialmente essa inclusão social precária dos excluídos do mercado de trabalho.
Na realidade, o que está acontecendo hoje em dia é que, na prática, o chamado
trabalho associativo das cooperativas que agenciam a força de trabalho está organizado
segundo a mesma lógica de exploração e de expropriação da mais-valia que ocorre no
trabalho assalariado, mas com um agravante a mais, porque o trabalhador assalariado se
encontra protegido legalmente pela legislação trabalhista e possui seus direitos sociais, ao
178
passo que o trabalhador associado das cooperativas de trabalho encontra-se situado no
contexto da informalidade e da precariedade de um mercado de trabalho instável e desprovido
de qualquer forma de proteção social.
Em outros termos, apesar de as potencialidades das iniciativas do trabalho associativo
das cooperativas de trabalho se apresentarem como uma das possíveis soluções
minimizadoras da exclusão social, é preciso compreender que não se constituem numa real
alternativa transformadora da lógica do capital, na medida em que não serão capazes de
reverter ou, mesmo, de alterar substancialmente a essência dessa lógica; ao contrário, em
muitas situações, tais cooperativas de trabalho poderão ser instrumentalizadas pelo
mecanismo da inclusão social precária, constituindo-se em mais uma alternativa (entre
tantas) que irá reforçar a lógica do capital, fundamentada na exploração e na precarização do
trabalho humano no atual contexto do capitalismo contemporâneo.
Nesse sentido, podemos afirmar que o processo de terceirização via cooperativas que
intermedeiam a força de trabalho está relacionado à expansão dessas novas formas precárias
de trabalho, um trabalho geralmente mal pago, desqualificado e sem registro formal. Outro
fator importante a ser destacado em relação ao trabalho associativo dessas cooperativas de
trabalho é o enfraquecimento da organização política dos trabalhadores, pois a coesão social
viabilizada pelo trabalho cooperativo não é capaz de criar uma coesão política necessária para
transformar esses trabalhadores associados em protagonistas capazes de reverter politicamente
essa situação de exclusão social ou de inclusão precária a que estão submetidos. A
flexibilidade da produção e do trabalho, por meio da prática da terceirização, contribui para a
fragilização do poder de resistência dos trabalhadores associados, pois a intenção econômica,
que é reduzir custos e aumentar a lucratividade, só é possivel de ser viabilizada quando
concomitantemente se fragilizam os focos de resistência política. É dessa forma que os
trabalhadores associados dessas cooperativas que intermedeiam a força de trabalho por meio
da terceirização vão compor a massa flutuante de trabalhadores instáveis, marginais e
flexíveis necessários à manutenção da nova lógica de acumulação de capital na
contemporaneidade – a lógica da inclusão social precária.
É importante destacar que a flexibilidade da produção e do trabalho característica dos
trabalhadores terceirizados e associados em cooperativas de trabalho acabou exigindo também
a flexibilização da legislação trabalhista, pois uma forma de minimizar as ações judiciais, por
meio dos termos de ajustamento de conduta, impostos pelo Ministério Público do Trabalho às
179
cooperativas de trabalho, cujo descumprimento resulta em multa diária e até mesmo na
obrigatoriedade do fechamento da cooperativa, foi a alteração da Lei nº 8494/94, modificando
a redação do art. 442 da CLT. Por meio dessa alteração, o próprio poder público (Executivo e
o Legislativo), contrariando as interpretações normativas da Justiça do Trabalho, sinalizou
para a ampliação legal da atuação das cooperativas de trabalho, seja na atividade-meio, seja
na atividade-fim das empresas contratantes, sem que se configure vínculo empregatício dos
trabalhadores associados com a cooperativa, ou mesmo como a empresa tomadora dos
serviços.
A redução dos custos, que é uma das motivações principais a estimular a constituição
das cooperativas de trabalho nos dias de hoje, configura-se na medida em que a inexistência
de vínculo empregatício formal, não caracterizada na relação de trabalho cooperativada,
permite que os empresários não apenas se livrem dos encargos sociais e trabalhistas, como
também possam contratar e demitir sem os custos indenizatórios exigidos no contrato formal
regido pela CLT. Portanto, os trabalhadores terceirizados das cooperativas de trabalho acabam
sendo necessários para que se atinjam na prática três finalidades: a redução dos custos com a
força de trabalho, a flexibilidade do trabalho, tão necessário para consolidação do atual
paradigma produtivo da acumulação flexível, e a fragilização do poder politico desses
trabalhadores.
Outro aspecto interessante a se ressaltar é que o poder público efetuou essa alteração
flexibilizante na legislação trabalhista (art. 442 da CLT) justamente para dar legitimidade
institucional às políticas públicas responsáveis pela geração de emprego e renda por meio das
cooperativas de trabalho, como foi o caso do Proger com os recursos do FAT, conforme já
explicitado, na medida em que têm sido reconhecidas como uma importante estratégia para
atenuar a problemática do desemprego estrutural no Brasil. Nesse sentido, até mesmo a OIT,
na sua Recomendação Sobre a Promoção das Cooperativas 2002 – Recomendação 193 (como
já anteriormente destacado), compreende as cooperativas de trabalho como importante
estratégia de geração de emprego e renda em tempos de globalização econômica.
Essa flexibilização (alteração), portanto, da legislação trabalhista foi decisiva para o
crescimento quantitativo do número de cooperativas de trabalho no Brasil, tanto das idôneas,
baseadas nos príncípios cooperativos e de autogestão, quanto das cooperativas de fachada,
“cooperfraudes”, ou também chamadas de "coopergatos”, que proliferaram sem nenhum tipo
de controle em todo país. Embora não tenhamos elementos comprobatórios, de fato e de
180
direito, em relação a essas situações ilícitas, o nosso estudo investigativo apresentou algumas
evidências discursivas extraídas da fala de ex-cooperados e de outros atores sociais,
envolvidos direta ou indiretamente com o cooperativismo de trabalho, de que na região onde
foi realizada a pesquisa de campo existiam, infelizmente, algumas cooperativas que mereciam
essa rotulação pejorativa, visto que agiam, na prática, como verdadeiros instrumentos de
flexibilização, exploração e precarização do trabalho.
Em termos conclusivos, com base em nosso estudo sociológico, podemos afirmar que
a proliferação do sistema cooperativista de trabalho na região analisada ocorre apresentando
uma ambiguidade motivacional: se, de um lado, representa a possibilidade, no quadro de uma
crise estrutural e conjuntural que assola a economia mundial com seus efeitos sobre o
agronegócio regional, de se tornar uma alternativa concreta em termos de geração de emprego
e renda para milhares de trabalhadores excluídos socialmente; de outro, a redução dos custos
com a força de trabalho, tanto da gestão pública como das empresas privadas, é um fator que
também tem estimulado a expansão dessas organizações associativas.
Nesse sentido, a contratação terceirizada por meio das cooperativas trabalho tem se
tornado uma importante maneira de dar flexibilidade a produção e ao trabalho, na medida em
que permite a adequação da dinâmica produtiva do setor do agronegócio regional às oscilições
cíclicas típicas da sazonalidade da economia agrícola da região analisada. Ao mesmo tempo,
isso se constitui numa importante estratégia de barateamento da força de trabalho, reduzindo
os gastos relativos com os encargos sociais e trabalhistas, bem como constituindo um exército
de trabalhadores “fáceis para contratar” e “fáceis para demitir”, sem que isso implique
despesas indenizatórias quando do ato do desligamento da empresa. Nessa modalidade não
existe o vínculo empregatício, nem, portanto, a proteção social garantida pela CLT.
Além dessas contradições observadas, constatamos que as cooperativas de trabalho
analisadas exerciam um papel estratégico na chamada “gestão da política partidária local”,
visto que em muitas situações se transformavam em “currais eleitorais”, sendo, portanto,
instrumentalizadas como espaços organizacionais de produção e de reprodução social de
práticas de controle e patrulhamento ideológico, bem como de propaganda dos partidos
políticos vinculados às administrações municipais. Evidentemente, tais práticas espúrias
ocorrem de forma velada e sutil e jamais serão assumidas publicamente por alguns falsos
dirigentes cooperativistas, que as praticam em parceria com prefeitos e políticos locais. É
importante destacar que a rede estadual de cooperativas de trabalho e outros segmentos do
181
cooperativismo são fontes importantes de votos para vários políticos que constituem a Frente
Parlamentar de Apoio ao Cooperativismo (Frencoop).
Quanto à especialidade das cooperativas de trabalho da região, observamos que, na sua
maior parte, as mesmas são cooperativas multiprofissionais, predominando os chamados
“serviços gerais”. Grande parte dos trabalhadores associados tem baixa qualificação
educacional, salvo aqueles que atuam mais focados na área da saúde. Esta informação,
juntamente com os dados colhidos em nossa pesquisa de campo, evidencia a existência de
uma pequena frequência de programas de qualificação nas cooperativas, indicando, assim,
que o crescimento do cooperativismo de trabalho em muitas circunstâncias ocorre sem uma
preocupação com a capacitação profissional e educacional dos trabalhadores. A
desconsideração por parte dos dirigentes cooperativistas do papel da educação cooperativista,
por exemplo, demonstra que em muitos casos não há o interesse de conscientizar o
trabalhador cooperativado sobre a especificidade operacional de uma organização associativa,
bem como do seu papel social. Essa desinformação em muito contribuiu para a reprodução e
consolidação de um processo de exploração e precarização das condições de trabalho desses
trabalhadores associados, que na maioria das vezes não tinham a mínima ideia dos seus
deveres como cooperados, tampouco dos seus direitos.
Outro fator a destacar como elemento conclusivo no nosso estudo em relação ao
aumento do número de cooperativas de trabalho na região é que este dado está associado
principalmente ao processo de redução dos postos de trabalho formais (trabalhadores com
carteira assinada), o que é resultado das mudanças organizacionais e pela introdução das
novas tecnologias nos processos produtivos, geralmente poupadores de força de trabalho. É
importante salientar que, paralelamente a essas mudanças organizacionais e tecnológicas, a
região considerada em nosso estudo é extremamente vulnerável às conjunturas cíclicas do
agronegócio regional, o que implica períodos de recessão no aumento da demissão de
trabalhadores do mercado formal e conduz o setor empresarial, e mesmo a gestão pública
municipal, a buscar alternativas de adequação a tais momentos de estagnação econômica
temporária, recorrendo à contratação de trabalhadores terceirizados, e à redução dos custos
com a força de trabalho.
Nesses casos, a possibilidade de contratar trabalhadores cooperativados de forma
terceirizada tem sido a alternativa, por parte do setor empresarial e do setor público, para
adequar as empresas a uma gestão organizacional mais enxuta e competitiva diante das
182
demandas voláteis do agronegócio regional. No bojo dos discursos da austeridade fiscal e dos
custos competitivos, observamos na realidade que a baixa remuneração dos cooperados, tanto
no setor público como no setor privado, observada em nosso estudo revela um quadro
conjuntural preocupante, pois a flexibilização trabalhista obtida com a legislação
cooperativista permitiria rendimentos bem superiores aos evidenciados na pesquisa. Essa
constatação indica, no contexto de outros aspectos já mencionados, que, longe de se constituir
numa alternativa social e econômica de geração de emprego e renda para milhares de
trabalhadores desempregados na região, o cooperativismo de trabalho, infelizmente, tem sido
transformado numa forma coletiva e precária de inclusão social de milhares de trabalhadores
num mercado de trabalho caracterizado pelo estigma da exclusão social, manifesta
concretamente na flexibilização do trabalho e dos direitos trabalhistas, na instabilidade, na
insegurança e na precariedade das condições de trabalho.
Essas formas coletivas de inclusão social precária, da qual o cooperativismo que
agencia a força de trabalho é um dos exemplos, constituem-se em práticas veladas de exclusão
social, pois para o trabalhador associado (cooperativado) e terceirizado essas experiências se
traduzem num sentimento de instabilidade, insegurança e desamparo; portanto, numa
sensação de exclusão O estigma da exclusão está presente quando esses trabalhadores
informais associados e terceirizados das cooperativas de trabalho se comparam com os
trabalhadores formais protegidos pela CLT, pois para aqueles a sua percepção é de que estão
menos protegidos social e politicamente pelo Estado e pelos seus antigos sindicatos. Essa
nova condição de vulnerabilidade e precariedade do trabalho, traduzida no fato de terem de
trabalhar nessas cooperativas de trabalho, os conduz, em muitas situações, a se sentirem
menos valorizados e reconhecidos como cidadãos, refletindo um sentimento coletivo de
exclusão social que, subjetivamente, é o que importa para esses trabalhadores associados.
Portanto, tais iniciativas associativistas, ao serem utilizadas para atenuar a exclusão social que
o desemprego acentua, acabam criando as condições econômicas, políticas, sociais e
institucionais para a inclusão social precária de milhares de trabalhadores num mercado de
trabalho onde eles se sentem excluídos (sensação de exclusão), ou seja, completamente
desamparados e desprotegidos socialmente.
O que podemos, de fato, concluir é que o cooperativismo de trabalho, principalmente o
segmento de prestação de serviços terceirizados com agenciamento da força de trabalho, pode
se constituir, em muitas situações, em forma de inclusão social que escamoteia o que de fato
183
está acontecendo se nestes casos a exclusão social não se manifesta na sua forma clássica, e
portanto objetiva, como é o caso do desemprego estrutural e do comprometimento da
qualidade de vida material; manifesta-se, na verdade, de maneira sutil, na sua dimensão
subjetiva, pois o trabalhador associado em cooperativas de trabalho se percebe de fato como
excluído socialmente, visto que suas condições de trabalho não são mais garantidas pela
proteção social do Estado e pela proteção política dos sindicatos.
Em resumo, os trabalhadores associados e terceirizados estão à mercê de um “novo”
mercado de trabalho, caracterizado pela vulnerabilidade, pela instabilidade, insegurança,
desamparo e precariedade. A percepção desse novo quadro de desafios e ameaças leva esses
trabalhadores a se sentirem compulsoriamente obrigados, pela ameaça do desemprego
conjuntural e estrutural, a viverem condenados a depender do trabalho associativo terceirizado
instável, precário e marginal, pois é justamente nessa condição que eles percebem
subjetivamente e sentem objetivamente que a estratégia de “estar juntos” pode se tornar uma
forma coletiva e precária de inclusão social.
184
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193
APÊNDICES
Apêndice 1
1) ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS APLICADAS AOS
DIRIGENTES COOPERATIVISTAS
1.Quando foi fundada a cooperativa e quais foram os fatores que determinaram a criação desta
cooperativa de trabalho?
2. Os objetivos da cooperativa estão devidamente esclarecidos para os funcionários e para os
cooperados? Eles têm clareza de como funciona uma cooperativa de trabalho?
3. A escolha dos dirigentes da cooperativa é realizada de acordo com o estatuto através das
assembleias gerais. Neste sentido, a tomada de decisões na cooperativa se dá frequentemente
com a participação dos associados? Qual a sua opinião a respeito?
4. A distribuição dos cargos de chefia na cooperativa é realizada pela competência
profissional do cooperado ou por indicação política dos dirigentes cooperativistas? Quais os
critérios adotados na sua cooperativa?
5. As cooperativas de trabalho podem se constituir em uma opção em termos de geração de
emprego e renda na atualidade, considerando principalmente a problemática do desemprego.
Qual a sua opinião a respeito?
6. A terceirização através do cooperativismo de trabalho se constitui numa forma de as
empresas (tanto públicas quanto privadas) desvincularem-se dos encargos e benefícios sociais
definidos pela legislação trabalhista, bem como uma forma de diminuir os custos de mão-de-
obra, precarizando as condições de trabalho. Qual sua opinião a respeito destas afirmações?
7. As mudanças tecnológicas e organizacionais (tecnologias modernas, programas de
qualidade total, terceirização entre outras) são o pano de fundo do aumento do desemprego
nos dias atuais e acabam por estimular a criação de cooperativas de trabalho. Qual a sua
opinião a respeito destas afirmações?
8. Qual a sua opinião sobre as cooperativas de fachada, conhecidas como “gato
cooperativas”? A sua cooperativa tem conhecimento da existência deste tipo de cooperativa
nesta cidade?
9. O sistema cooperativista (OCB, Ocergs e Fetrabalho) no que se refere ao segmento de
trabalho precisa criar mecanismos de controle disciplinar referentes à criação e ao
funcionamento das cooperativas de trabalho. Qual sua opinião a respeito desta afirmativa?
194
10. A cooperativa de trabalho da qual você é dirigente está registrada legalmente na
Fetrabalho e ou Ocergs? Qual a importância dessas instituições do sistema cooperativista para
um melhor funcionamento do cooperativismo de trabalho?
11. Existe conflito de interesses entre as cooperativas de trabalho e o movimento sindical?
Como se verifica este conflito?
12. O Ministério Público do Trabalho tem frequentemente multado as cooperativas de
trabalho, pois no seu entendimento conclui que as cooperativas constituem-se numa forma de
não cumprimento da legislação trabalhista. Como tem sido a relação entre sua cooperativa de
trabalho e o Ministério Público do Trabalho?
13. As cooperativas de trabalho têm sido frequentemente acusadas de serem funcionais aos
interesses políticos eleitoreiros locais (as indicações para o quadro social da cooperativa
muitas vezes se fazem através de indicações de políticos) tornando a cooperativa de trabalho
uma espécie de curral eleitoral. Qual a sua opinião a respeito desta afirmação?
14. Muitos trabalhadores procuram as cooperativas de trabalho como uma solução temporária
(pelo fato de estarem desempregados). Porém, no momento em que encontram um emprego
com vínculo empregatício, abandonam a cooperativa. Qual a sua opinião a respeito desse
comportamento por parte do trabalhador?
195
Apêndice 2
ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS APLICADAS AOS DIRIGENTES
SINDICAIS E ÀS LIDERANÇAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS LIGADOS A
ECONOMIA POPULAR
1. As cooperativas de trabalho podem se constituir em uma opção em termos de geração de
emprego e renda na atualidade, considerando principalmente a problemática do desemprego.
Qual a opinião do movimento sindical a respeito desta questão?
2. A terceirização através do cooperativismo de trabalho se constitui numa forma de as
empresas (tanto públicas quanto privadas) desvincularem-se dos encargos e benefícios sociais
definidos pela legislação trabalhista, bem como uma forma de diminuir os custos de mão-de-
obra precarizando as condições de trabalho. Qual a opinião do movimento sindical a respeito
dessa questão?
3. As mudanças tecnológicas e organizacionais (tecnologias modernas, programas de
qualidade total, terceirização, entre outras) são o pano de fundo do aumento do desemprego
nos dias atuais e acabam por estimular a criação de cooperativas de trabalho. Qual a opinião
do movimento sindical a respeito dessa questão?
4.Qual a opinião do movimento sindical sobre as cooperativas de fachada, conhecidas como
“gato cooperativas”? O sindicato tem conhecimento da existência deste tipo de cooperativa
nesta cidade?
5. Existe conflito de interesses entre as cooperativas de trabalho e o movimento sindical?
Como se verifica este conflito?
6. O movimento sindical tem em alguns momentos estimulado a criação de cooperativas de
trabalho. Por quê, em outras circunstâncias, demonstra contrariedade na sua formação?
7. As cooperativas de trabalho têm sido frequentemente acusadas de serem funcionais aos
interesses políticos eleitoreiros locais (as indicações para o quadro social da cooperativa
muitas vezes se fazem através de indicações de políticos) tornando a cooperativa de trabalho
uma espécie de curral eleitoral. Qual a opinião do movimento sindical a respeito dessa
afirmação?
8. Muitos trabalhadores procuram as cooperativas de trabalho como uma solução temporária
(pelo fato de estarem desempregados). Porém, no momento em que encontram um emprego
com vínculo empregatício, abandonam a cooperativa. Qual a opinião do movimento sindical a
respeito desse comportamento por parte dos trabalhadores?
9. Quais as soluções alternativas que o movimento sindical propõe à classe trabalhadora para
minimizar os impactos sociais do desemprego?
10. A legislação trabalhista brasileira tem sido responsabilizada pelos elevados encargos e
benefícios sociais (obrigatórios por lei), que acabam por aumentar os custos da mão-de-obra
196
nas empresas. Este aspecto tem sido um fator limitador quanto à criação de novos postos de
trabalho. Qual a opinião do movimento sindical em relação à questão da flexibilização das
relações trabalhistas e criação de contratos temporários com encargos flexíveis para
determinadas situações e categorias de trabalhadores?
11. Qual a opinião do movimento sindical sobre a regulamentação do regime de trabalho em
tempo parcial, fim da unicidade sindical (possibilidade de formação de sindicato por
empresas), livre negociação?
197
Apêndice 3
ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS APLICADAS AOS
REPRESENTANTES DO GOVERNO (FISCAIS DO TRABALHO E JUÍZES DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO):
1. As cooperativas de trabalho podem se constituir em uma opção em termos de geração de
emprego e renda na atualidade, considerando principalmente a problemática do desemprego.
Qual a sua opinião a respeito desta questão?
2. A terceirização através do cooperativismo de trabalho se constitui numa forma de as
empresas (tanto públicas quanto privadas) desvincularem-se dos encargos e benefícios sociais
definidos pela legislação trabalhista, bem como uma forma de diminuir os custos de mão-de-
obra. Qual a sua opinião a respeito dessa questão?
3. As mudanças tecnológicas e organizacionais (tecnologias modernas, programas de
qualidade total, terceirização entre outras) são o pano de fundo do aumento do desemprego
nos dias atuais e acabam por estimular a criação de cooperativas de trabalho. Qual a sua
opinião a respeito dessa questão?
4. Qual o posicionamento da justiça do trabalho sobre as cooperativas de fachada, conhecidas
como “gato cooperativas”? Há indícios deste tipo de cooperativa nesta cidade? Já houve
alguma autuação?
5. Existe conflito de interesses entre as cooperativas de trabalho e o movimento sindical.
Como a Justiça do Trabalho tem se posicionado em relação a este conflito?
6. O Ministério Público do Trabalho através de seus fiscais tem sido acusado pelo movimento
cooperativista de impedir o seu funcionamento. As frequentes multas que as cooperativas tem
recebido confirmam tal procedimento. Qual sua opinião a respeito desta questão?
7. Muitos trabalhadores procuram as cooperativas de trabalho como uma solução temporária
(pelo fato de estarem desempregados). Porém, no momento em que encontram um emprego
com vínculo empregatício, abandonam a cooperativa. Qual a sua opinião a respeito desse
comportamento por parte dos trabalhadores?
8. A legislação trabalhista brasileira tem sido responsabilizada pelos elevados encargos e
benefícios sociais (obrigatórios por lei), que acabam por aumentar os custos da mão-de-obra
nas empresas. Este aspecto tem sido um fator limitador quanto à criação de novos postos de
trabalho. Qual a sua opinião em relação à questão da flexibilização das relações trabalhistas e
à criação de contratos temporários com encargos flexíveis para determinadas situações e
categorias de trabalhadores?
9. Qual a sua opinião sobre do regime de trabalho em tempo parcial, fim da unicidade sindical
(possibilidade de formação de sindicato por empresas), livre negociação?
198
10. Qual a sua opinião a respeito do fim do poder normativo da Justiça do Trabalho nas
negociações coletivas?
11. As cooperativas de trabalho no marco de uma possível flexibilização e desregulamentação
dos direitos trabalhistas podem significar uma forma de estimular a precarização das
condições de trabalho?
199
Apêndice 4
ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS APLICADAS AOS
PROFISSIONAIS DA ÁREA TRABALHISTA (ADVOGADOS TRABALHISTAS)
1. As cooperativas de trabalho podem se constituir em uma opção em termos de geração de
emprego e renda na atualidade, considerando principalmente a problemática do desemprego.
Qual a sua opinião a respeito desta questão?
2. A terceirização através do cooperativismo de trabalho se constitui numa forma de as
empresas (tanto públicas quanto privadas) desvincularem-se dos encargos e benefícios sociais
definidos pela legislação trabalhista, bem como uma forma de diminuir os custos de mão-de-
obra. Qual a sua opinião a respeito dessa questão?
3. As mudanças tecnológicas e organizacionais (tecnologias modernas, programas de
qualidade total, terceirização entre outras) são o pano de fundo do aumento do desemprego
nos dias atuais e acabam por estimular a criação de cooperativas de trabalho. Qual a sua
opinião a respeito dessa questão?
4. Qual o seu posicionamento como advogado trabalhista sobre as cooperativas de fachada,
conhecidas como “gato cooperativas”? Há indícios deste tipo de cooperativa nesta cidade? Já
houve alguma reclamatória trabalhista envolvendo esse tipo de cooperativa?
5. Existe conflito de interesses entre as cooperativas de trabalho e o movimento sindical. Na
condição de advogado trabalhista, como você tem se posicionado em relação a este conflito?
6. O Ministério Público do Trabalho, através de seus fiscais, tem sido acusado pelo
movimento cooperativista de impedir o seu funcionamento. As frequentes multas que as
cooperativas têm recebido confirmam tal procedimento. Qual sua opinião a respeito desta
questão?
7. Muitos trabalhadores procuram as cooperativas de trabalho como uma solução temporária
(pelo fato de estarem desempregados). Porém, no momento em que encontram um emprego
com vínculo empregatício, abandonam a cooperativa. Qual a sua opinião a respeito desse
comportamento por parte dos trabalhadores?
8. A legislação trabalhista brasileira tem sido responsabilizada pelos elevados encargos e
benefícios sociais (obrigatórios por lei), que acabam por aumentar os custos da mão-de-obra
nas empresas. Este aspecto tem sido um fator limitador quanto à criação de novos postos de
trabalho. Qual a sua opinião em relação à questão da flexibilização das relações trabalhistas e
à criação de contratos temporários com encargos flexíveis para determinadas situações e
categorias de trabalhadores?
9. Qual a sua opinião como advogado trabalhista sobre a regulamentação do regime de
trabalho em tempo parcial, fim da unicidade sindical (possibilidade de formação de sindicato
por empresas), livre negociação?
200
10. Qual a sua opinião a respeito do fim do poder normativo da Justiça do Trabalho nas
negociações coletivas?
11. As cooperativas de trabalho no marco de uma possível flexibilização e desregulamentação
dos direitos trabalhistas podem significar uma forma de estimular a precarização das
condições de trabalho? Qual a sua opinião a respeito?
201
Apêndice 5
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
(QUESTIONÁRIO A SER APLICADO AOS COOPERADOS)
PRIMEIRA PARTE – DADOS PESSOAIS
Data da entrevista:____________________________________________________________
Nome do entrevistado:_________________________________________________________
1. Nome da cooperativa que está associado:________________________________________
2. Sexo?
a ( ) Masculino
b ( ) Feminino
3. Idade:________ a ( ) 18 a 29 anos b ( ) 30 a 39 anos c( ) 40 a 49 anos d ( )
50 a 59 anos e ( ) 60 a 69 anos.
4. Há quanto tempo você está associado à cooperativa?
a ( ) 6 meses
b ( ) de 1 ano a 2 anos
c ( ) de 2 anos a 3 anos
d ( ) de 3 anos a 4 anos
e ( ) mais de 4 anos
5. Qual atividade que você exerce na condição de cooperado?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6. Qual sua renda mensal? (pró-labore recebido pela cooperativa)
a ( ) menos de R$ 350, 00 (salário mínimo de referência em 2006)
b ( ) R$ 350,00 a R$ 700,00
c ( ) R$ 700,00 a R$ 1.050,00
d ( ) R$ 1.050, 00 a R$ 1.750,00
e ( ) acima de R$ 1.750,00.
7. Qual o seu grau de instrução?
a ( ) analfabeto
b ( ) 1º grau incompleto
b ( ) 1º grau completo
c ( ) 2º grau incompleto
d ( ) 2º grau completo
e ( ) universitário
8. Qual sua carga horária média de trabalho durante a semana?
a ( ) menos de 20 horas
202
b ( ) de 20 a 30 horas
c ( ) de 30 a 40 horas
d ( ) mais de 40 horas
9. Qual o local de trabalho em que você exerce suas atividades como cooperado?
a ( ) empresa pública (prefeituras / órgãos públicos)
b ( ) empresa privada (empresas particulares)
c ( ) outros? Qual?________________
SEGUNDA PARTE – GRAU DE ATUAÇÃO E PERCEPÇÃO DOS COOPERADOS
1. Como você ficou sabendo da existência da cooperativa de trabalho?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2. Como você definiria o seu grau de satisfação na condição de associado de uma
cooperativa de trabalho:
a ( ) Muito satisfeito
b ( ) Satisfeito
c ( ) Pouco Satisfeito
d ( ) Insatisfeito
e ( ) Indiferente
3. Além das atividades desenvolvidas na cooperativa, você exerce outras atividades para
complementar a sua renda familiar?
a ( ) Não
b ( ) Sim. Qual?_____________________________________________________________
4. Você gostaria de voltar a trabalhar com carteira assinada?
a ( ) Não
b ( ) Sim
Se a resposta for sim, por quê? (explicar os motivos):
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. Por que você optou por trabalhar numa cooperativa de trabalho:
a ( ) porque estava desempregado e não havia outra opção;
b ( ) porque não conseguia trabalho com carteira assinada;
c ( ) porque na cooperativa a renda é maior;
d ( ) porque a cooperativa oferece vantagens que as empresas particulares não oferecem;
e ( ) porque acredita no cooperativismo como uma forma de beneficiar os trabalhadores.
203
6. Como você sente sua atuação na cooperativa de trabalho:
( ) como um associado que participa ativamente das decisões tomadas pela cooperativa
( ) como um empregado que cumpre ordens dos dirigentes cooperativistas
( ) como um associado que não participa das decisões tomadas
( ) não compreendo o funcionamento das cooperativas de trabalho
7. Quando do seu ingresso na cooperativa você integralizou quota(s)-parte(s) de capital nos
termos do estatuto da cooperativa e do regimento interno.
a ( ) sim
b ( ) não
c ( ) caso positivo.
Descreva esta operação:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8. Quando algum cooperado deixa a cooperativa (exclusão do associado), este fato é
decidido:
a ( ) única e exclusivamente por uma pessoa (chefe/administrador)
b ( ) através do Conselho de Administração que decide este fato
9. Nas eleições dos administradores da cooperativa de trabalho, você percebe que:
a ( ) são eleitos através de assembleias, onde qualquer cooperado pode candidatar-se
b ( ) não são eleitos através de assembleias, porém são cooperados
c ( ) estes profissionais são contratados não sendo cooperados
10. Na decisão dos salários dos administradores, percebe-se:
a ( ) que são decididos pelos administradores
b ( ) que são decididos em assembleias de forma coletiva e democrática
c ( ) outra forma. Qual?_______________________________________________
11. Na decisão dos salários dos cooperados percebe-se:
a ( ) que são decididos pelos administradores
b ( ) são decididos em assembleias de forma coletiva e democrática
c ( ) outra forma. Qual?_______________________________________________
12. Na decisão quanto ao controle e distribuição do trabalho, percebe-se:
a ( ) que são decididos pelos administradores
b ( ) que são decididos em assembleias de forma coletiva e democrática
c ( ) outra forma. Qual?_______________________________________________
13. Quanto à escolha dos chefes que coordenam os trabalhos, percebe-se:
a ( ) são escolhidos pela administração da cooperativa
b ( ) são escolhidos pelas assembleias gerais de forma coletiva e participativa
14. Você fez algum curso de formação profissional depois que ingressou na cooperativa de
trabalho?
a ( ) sim. Qual?______________________________________________________
b ( ) não
204
15. Quanto aos treinamentos para a execução das atividades:
a ( ) são periódicos nos locais de trabalho
b ( ) são esporádicos nos locais de trabalho
c ( ) são periódicos, fora do local de trabalho
d ( ) são esporádicos fora do local de trabalho
16. Você participou de algum curso de formação cooperativista quando da sua admissão na
cooperativa:
a ( ) sim. Qual?______________________________________________________________
b ( ) não
17. Você participa com frequência de assembleias na cooperativa.
a ( ) sim, sempre
b ( ) sim, esporadicamente
c ( ) sim, muito raramente
d ( ) não, nunca
18. Quais os benefícios sociais e convênios oferecidos pela cooperativa aos seus cooperados?
( ) convênios médicos. Quais?_________________________________________________
( ) convênios odontológicos. Quais?_____________________________________________
( ) farmácias. Especificar:_____________________________________________________
( ) supermercados. Especificar:_________________________________________________
( ) vale transporte.
( ) vale refeição
( ) assistência jurídica
( ) assistência psicológica
( ) outros convênios. Quais?___________________________________________________
( ) benefícios extras. Quais?___________________________________________________
19. Você acredita que o sistema de cooperativas de trabalho é uma forma de exploração da
classe trabalhadora:
a ( ) concordo plenamente
b ( ) discordo plenamente
c ( ) indiferente
d ( ) não tenho condições de opinar.
20. Qual a sua opinião sobre as condições de trabalho oferecidas pela cooperativa a que você
está associado?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
21. Na condição de associado de uma cooperativa de trabalho você de certa forma não tem
direito ao 13º salário, férias, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), bem como
pode ter a sua aposentadoria comprometida. Qual a sua opinião a respeito destas questões?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
205
Apêndice 6
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
(QUESTIONÁRIO A SER APLICADO AS COOPERATIVAS DE TRABALHO)
Tema: Estudo sobre as cooperativas de trabalho
Questionário das cooperativas de trabalho (dados cadastrais):
1- Dados cadastrais da cooperativa de trabalho:
1.1 – Informações Gerais
1.1.1 Razão Social_________________________________________________
1.1.2 Sigla_____________________________Data Fundação:______________
1.1.3 Endereço____________________________________________________
Caixa Postal____________ CEP____________ Município___________________
UF______ DDD______Telefone____________Fax_________ Email__________
1.2 – Quadro de dirigentes (Conselho de Administração): Diretoria eleita – Gestão atual
Conselho de Administração Pró-labore
Presidente:
Vice-Presidente:
Tesoureiro:
Secretário
Superintendente:
Membros do Conselho fiscal:
Outros cargos. Quais?
1.3 – Registros legais (está associada a alguma entidade):
( ) Federação. Qual?________________ Nº do registro_______________
( ) Ocergs. Qual?________________ Nº do registro_______________
CGC__________________
Junta Comercial___________________
1.4 – Quadro Social:
2003 2005 2006 2007
Número de Cooperados
a) final do exercício : ________ ________ _______ _______
b) média de rotatividade(mês): ________ ________ _______ _______
206
1.5 – A especialidade da cooperativa de trabalho:
( ) artesanal
( ) serviços gerais
( ) cultural/educacional
( ) médica
( ) transporte
( ) trabalho rural
( ) outra. Qual?: ______________________
2 – Classificação do quadro social, segundo a renda mensal (retirada de pró-labore):
Número de associados
Até 02 salários mínimos ______________
de 02 a 05 salários mínimos ______________
de 06 a 10 salários mínimos ______________
de 11 a 20 salários mínimos ______________
Total ______________
3– Classificação do quadro social, segundo o grau de instrução:
de associados
Analfabeto ______________
1º grau incompleto ______________
1º grau completo ______________
2º grau incompleto ______________
2º grau completo ______________
Universitário (graduação) ______________
Pós gradução ______________
4 – Quais as categorias funcionais existentes na cooperativa (atividades exercidas pelos
cooperados), enumerar de acordo com o maior número de cooperados por categoria:
Nº de cooperados Pró-labore médio
a) ____________________ _____________ ___________
b) ____________________ _____________ ___________
c) ____________________ _____________ ___________
d) ____________________ _____________ ___________
e) ____________________ _____________ ___________
5 – Forma de organização do quadro social:
Comitê educativo ( ) Sim ( ) Não
Núcleo Cooperativo ( ) Sim ( ) Não
Conselho de representantes ( ) Sim ( ) Não
Outras Formas____________________________________
6 – Em relação às assembleias gerais:
6.1 – Nº de assembleias que ocorrem anualmente__________________
6.2 – Nº de cooperados que participam em média
da tomada de decisão nas assembleias (% X100) __________________
207
6.3 – Quais as categorias funcionais que mais participam das assembleias gerais? (Em ordem
decrescente de participação)
a)______________________
b)______________________
c)______________________
d)______________________
e)______________________
7 – Quais os benefícios sociais e convênios oferecidos pela cooperativa aos seus cooperados?
( ) convênios médicos. Quais?_________________________________________________
( ) convênios odontológicos. Quais?_____________________________________________
( ) farmácias. Especificar._____________________________________________________
( ) supermercados. Especificar._________________________________________________
( ) vale transporte.
( ) vale refeição
( ) assistência jurídica
( ) assistência psicológica
( ) outros convênios. Quais?___________________________________________________
( ) benefícios extras. Quais?___________________________________________________
8 - A cooperativa organizou outros fundos de benefício, ao sócio, afora os previstos em lei?
Quais?:
a) ________________________
b) ________________________
c) ________________________
d) ________________________
9 – A cooperativa oferece cursos de atualização profissional aos seus cooperados?
( ) sim ( ) não
Em caso de sim, especificar_____________________________________________________
10 – A cooperativa desenvolve programa de formação em cooperativismo para o quadro
social?
( ) sim ( ) não
Que tipo (especificar)__________________________________________________________
11 – Que tipo de empresas utilizam-se da mão-de-obra cooperativada:
Empresas públicas ( ) sim ( ) não
Quais?_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
Empresas privadas ( ) sim ( ) não
Quais?____________________________________
12 – Quais as categorias funcionais mais frequentemente solicitadas pelas empresas (públicas
e privadas):
208
Empresas públicas/ (especificar) _____________________________________
_____________________________________
Empresas privadas ______________________________________
______________________________________
13 – Quais os profissionais contratados pela cooperativa que prestam serviço ao quadro
social: (contrato de prestação de serviços)
( ) médicos
( ) odontólogos
( ) contabilistas
( ) psicólogos
( ) advogados
( ) outros (especificar):__________________________
14 - Quais as formas de comunicação adotadas pela cooperativa?
Edição de jornal (boletim) ( ) ( ) tiragem (unidades)
Programa de rádio Título do programa____________________
Duração_____________________________
Periodicidade_________________________
Outros. Especificar____________________________________________
15 – A cooperativa é auditada?
( ) sim ( ) não
Por quem? (____________________________________________________)
Nome da instituição ou do auditor
15.1 Possui serviço de auditoria interna?
( ) sim ( ) não
Por quem? (____________________________________________________)
16 - Quadro funcional (funcionários):
16.1 – número de empregados da cooperativa no final do exercício_______________
16.1 – contratados pela cooperativa ________________________________________
16.2 – conveniados _____________________________________________________
16.3 – total ___________________________________________________________
17 - Os funcionários da cooperativa possuem vínculo empregatício ou são cooperados?
( ) Cooperados. Quantos?____________
( ) Funcionários com vínculo empregatício. Quantos?_____________
18 – Classificação do quadro funcional, segundo o grau de instrução
de funcionários
grau incompleto ______________
grau completo ______________
grau incompleto ______________
grau completo ______________
209
Universitário (graduação) ______________
Pós gradução ______________
19 – Classificação do quadro funcional, segundo a renda mensal (níveis salariais).
de funcionários
Até 02 salários mínimos ______________
de 02 a 05 salários mínimos ______________
de 06 a 10 salários mínimos ______________
de 11 a 20 salários mínimos ______________
Total ______________
20 – A cooperativa desenvolve programa de formação em cooperativismo para o quadro
funcional? ( ) sim ( ) não
Que tipo de curso especificar? ____________________________________.
21 – Quais os principais obstáculos enfrentados pela cooperativa:
( ) Resistência do Ministério Público do Trabalho (Justiça do Trabalho) que não reconhece
outra forma de trabalho que não sejam as regidas pela CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho)
( ) Resistência do movimento sindical, que considera as cooperativas de trabalho uma forma
de precarização das condições de trabalho.
( ) Falta de mão-de-obra qualificada para desempenho de funções que requerem algum nível
de especialização, devido às exigências de qualificação do mercado de trabalho.
( ) Falta de fiscalização por parte do sistema cooperativista e/ou do Ministério Público do
Trabalho.
( ) A proliferação de cooperativas de trabalho irregulares (“gato-cooperativas”).
( ) Outros motivos. Quais?_____________________________________________
22) Qual e peridiocidade em que são realizadas as reuniões:
22.1 Conselho Administrativo:
( ) semanal ( ) quinzenal
( ) mensal ( ) trimestral
( ) semestral ( ) anual
22.2 Conselho Fiscal:
( ) semanal ( ) quinzenal
( ) mensal ( ) trimestral
( ) semestral ( ) anual
22.3 Conselho Educativo:
( ) semanal ( ) quinzenal
( ) mensal ( ) trimestral
( ) semestral ( ) anual
210
22.4 Conselho de Ética:
( ) semanal ( ) quinzenal
( ) mensal ( ) trimestral
( ) semestral ( ) anual
23- O cooperado ao ingressar na cooperativa, participa de reuniões para esclarecimentos sobre
o funcionamento do sistema cooperativista de trabalho?
( ) Sim
( ) Não
Se a resposta for sim, de que maneira? ___________________________________
24- Qual a fórmula de cálculo utilizada para compor o pró-labore dos cooperados e dos
dirigentes (Conselho de Administração)? (especificar detalhadamente).
Cooperados:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Dirigentes das cooperativas:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
25 - Nos últimos exercícios houve rateio (sobras líquidas)?
( ) Sim ( ) Não
Se a resposta é sim, especificar os valores monetários do rateio:
Ano Valor
2004 ________________
2005 ________________
2006 ________________
2007 ________________
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