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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB
PRÓ-REITORIA DE PESQUIA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PPG
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V
SANTO ANTONIO DE JESUS BA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA, MEMÓRIA E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
DISSERTAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
TRABALHO E SOCIABILIDADE NO SERTÃO DA BAHIA:
As “quebras” e “tiras de licuri
JOSEANE BISPO OLIVEIRA
ORIENTADORA: DRª. ELY SOUSA ESTRELA
TRABALHO DISSERTATIVO DESENVOLVIDO COMO
REQUISITO À OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM
CULTURA, MEMÓRIA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. LINHA DE
PESQUISA 1: CULTURA, MEMÓRIA, LINGUAGENS E
IDENTIDADES.
SANTO ANTONIO DE JESUS BAHIA
2009
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PPG
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V
SANTO ANTÔNIO DE JESUS BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA, MEMÓRIA E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
TERMO DE APROVAÇÃO
TRABALHO E SOCIABILIDADE NO SERTÃO DA BAHIA:
As “quebras” e “tiras” de licuri.
Joseane Bispo Oliveira
______________________________________________
Prof. Dra. Ely Souza Estrela (orientadora) UNEB
______________________________________________
Prof. Dra Lídia Maria Pires Soares Cardel - UFBA
_____________________________________________
Prof. Dr. Charles de Almeida Santana - UNEB
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Este trabalho é dedicado a dois narradores excepcionais:
Edite Lopes e Gervácio Maciel. Eles partiram deixando
relatadas suas experiências, verdadeiras lições de vida.
5
A conversa evocativa de um velho é sempre uma experiência profunda: repassada
de nostalgia, revolta, resignação pelo desfiguramento de paisagens caras, pela
desapropriação dos entes amados, é semelhante a uma obra de arte. Para que sabe
ouvi-la, é desalienadora, pois contrasta a riqueza e a potencialidade do homem
criador de cultura com a mísera figura do consumidor atual.
Ecléa Bosi
6
AGRADECIMENTOS
Esta é a parte da dissertação que todos vislumbram chegar, visto que já
passamos por todas as sensações possíveis e imagináveis, vividas durante o longo
processo de escrita. Pode parecer cil, mas torna-se no mínimo arriscado para
quem, felizmente, tem tantos amigos e pessoas que verdadeiramente estiveram
juntas, apoiando, estimulando e contribuindo com o desenvolvimento dessa temática
que me é tão cara.
Começo agradecendo aos homens e mulheres que entrevistei ao longo dos
últimos oito anos, por dividiram comigo as suas experiências cotidianas e
contribuírem para a realização deste trabalho.
Agradeço especialmente a Profª. Drª. Ely Souza Estrela que, ao longo desse
processo, se mostrou uma grande orientadora, cuidadosa e competente. Foi durante
a nossa breve convivência que, através das suas provocações aprendi a ser mais
crítica.
A produção desse trabalho obrigou-me ao enclausuramento, ao afastamento
voluntário de muitas atividades sociais e familiares. Agradeço a minha família por
entender os momentos ausentes, os bados e domingos trancafiados dentro do
quarto. A meu pai Rai, por ter me ensinado a ser persistente. A meu irmão Daniel,
pelas conversas e discussões reflexivas sobre as questões teóricas e textuais da
pesquisa. A minha mãe Lúcia, por ter me ensinado a ser verdadeira e firme,
transmitindo autoconfiança e equilíbrio nos momentos de “desespero intelectual”. A
minha irmã Geyce, por trazer mais alegria a minha vida.
A Reuelio que, de diversas maneiras, ofereceu-me o apoio de que
necessitava e compreendeu as minhas angústias nos momentos atormentados.
Além de oferecer o seu amor e companheirismo teve a paciência de esperar
terminar o mestrado para casar.
A minha sogra Leta, por criar um ambiente favorável para as minhas jornadas
intensas de estudos nos finais de semana. E a Bárbara por fazer barreira de
proteção para que ninguém me interrompesse nos momentos dos estudos.
Aos meus primos Heitor e Otávio pela formatação e disponibilidade dos
gráficos e fotografias.
7
A Euza, Edmilson, Josélia, Pingolino e Vânia por leram diversas vezes o
trabalho ainda em gestação,
A Anailde, por cuidar da casa e das minhas coisas, e por compartilhar a suas
experiências de infância na roça e nas “quebras” e “tiras” de licuri.
A Dora pela gentileza da escrita do abstract.
Aos professores Drº. Charles Santana e Drª. Lídia Cardel, pelas valiosas
contribuições durante a qualificação, pela atenção para com a temática e indicação
de preciosa bibliografia.
Aos colegas e professores desta pós-graduação pelas discussões e
indicações de bibliografias.
Agradeço ainda, ao meu amigo e colega de curso, Marcone Denys, primeiro
por ter me incentivado a participar do processo seletivo para o mestrado e depois
por ter dividido comigo momentos de alegrias e angústia, buscando bibliografia para
complementar o que já possuía.
Às amigas de pós-graduação, Ivaneide dos Santos por os meus textos
ainda incipiente, e a Fabiane Andrade, pelas trocas de figurinhas e companhia em
congressos e seminários.
A todos os meus professores e colegas, em especial à Vânia Nara
Vasconcelos, Zeneide Rios e Tânia Mara Vasconcelos, que ao longo da minha vida
deixaram marcas positivas no meu processo de aprendizagem escolar.
Por fim, agradeço a todos e todas, que de alguma forma contribuíram com a
realização deste trabalho.
8
RESUMO
O pastoreio e as atividades extrativas foram as principais atividades
econômicas do semi-árido brasileiro até períodos muito recentes. No caso específico
do semi-árido baiano, a extração da folha da carnaúba, da maniçoba, da mangabeira
e do licuri tornaram-se importantes meios de vida e fontes de renda para diferentes
grupos sociais. O objetivo deste trabalho é discutir as relações de sociabilidade
desenvolvidas na extração do Syagrus Coronata, oleaginosa importante para a
indústria de saponáceo, cosmética e farmacêutica, conhecida como Licurizeiro. As
“quebras” e tiras” de licuri era uma atividade essencialmente feminina que envolvia
tensões e negociações sociais desde o sistema de meação que grande maioria
dos trabalhadores não possuía terras - e os processos de cercamentos impostos
pelos fazendeiros que dificultava o acesso ao produto. Entre os períodos de 1940
até 1990 as “quebras” e “tiras de licuri fizeram parte das experiências dos
camponeses do sertão da Bahia e movimentou a economia local, permeando
práticas de solidariedade, compadrio e ajuda mútua que constituem o alicerce de
todo um processo de sociabilidade baseado no ethos camponês.
Palavras-chave: Licuri; Sociabilidade; Experiência.
9
ABSTRACT
The pasturing and the extracting activities had been the main economic
activities of the half-barren Brazilian until recent periods. In the specific case of the
half-barren Bahian, the extraction of the leaf of “carnaúba”, the “maniçoba”, the
“mangabeira” and the “licuri”, became important ways of life and sources of income
for different social groups. The main objective of this work is to discuss the relations
of sociability developed in the extraction of the Syagrus Coronata, an oleaginous
known as “Licurizeiro” important for the saponaceous, cosmetic and pharmaceutical
industry. The “quebras” and “tiras” of “licuri” was an essentially feminine activity that
involved tensions and social negotiations from the joint property system whereas
great majority of the workers didn‟t possess lands and the processes of fencing
imposed by the farmers whom made difficult the access to the product. From the
period of 1940 up to 1990 the “quebras” and “tiras” of “licuri” had been part of the
experiences of the peasants in the hinterland of the Bahia State and put into motion
the local economy, permeating practices of solidarity, sponsorship (“compadrio”) and
mutual aid that constitute the foundation of the whole process of sociability based on
the ethos peasant.
Keywords: “Licuri”; Sociability; Experience.
10
SIGLAS
CEFET - Centro Federal de Educação e Tecnologia.
COOPES - Cooperativa de Produção da Região do Piemonte da Diamantina
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia.
11
FIGURAS
1. Mapa da Região de Jacobina......................................................................... 15
2. Gráfico da produção do pó de palha no Estado da Bahia ............................. 33
3. Fotografia de “tira” de licuri ............................................................................ 40
4. Gráfico de produção de licuri no Estado da Bahia ........................................ 53
5. Gráfico de produção de licuri no município de Jacobina ............................... 54
6. Figura da comercialização do licuri no município de Jacobina ...................... 56
7. Fotografia de “tira” de licuri ............................................................................ 70
8. Fotografias de brincadeiras de roda e batuques ........................................... 79
9. Gráfico de produção de licuri no município de Serrolândia ........................... 93
10. Fotografias da devastação de licurizais ........................................................ 94
11. Tabela da população residente e taxa de urbanização no município de
Serrolândia ................................................................................................. 110
12. Fotografia de migrante em São Paulo ....................................................... 113
13. Tabela da população economicamente ativa do município de Serrolândia .115
14. Fotografias de artesanatos e alimentos produzidos com o licuri ................ 120
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
CAPÍTULO I
1. Extrativismo e Trabalho: a luta pela sobrevivência .............................................. 22
1.1 “No dia a dia do sertão, tem “quebras” de licuri a rojão”..................................... 38
1.2 Comercialização do licuri .................................................................................... 52
CAPÍTULO II
2. “Quebras” e “tiras” de licuri: experiências de sociabilidade .................................. 61
2.1 Cantando o extrativismo...................................................................................... 72
2.2 Mulher de valor não tem medo do licuri............................................................. 83
CAPÍTULO III
3. Os avanços da modernidade: declínio na produção do licuri ............................... 89
3.1 “Conhecendo outro mundo” .............................................................................. 102
3.2 Um novo tempo ................................................................................................ 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................123
GLOSSÁRIO............................................................................................................126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................128
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 134
RELAÇÃO DE ENTREVISTADOS...........................................................................137
13
INTRODUÇÃO
A agricultura, o pastoreio e o extrativismo foram as principais atividades
econômicas do semiárido brasileiro até períodos muito recentes. No caso específico
do semiárido baiano, a extração da folha da carnaúba, da maniçoba, da mangabeira
e do licuri tornaram-se importantes meio de vida e fonte de renda para diferentes
grupos sociais.
Nesta pesquisa, discute-se as relações de trabalho e sociabilidade dos
agroextrativistas no período de 1940 a 1990, no sertão da Bahia, considerando que
as comunidades ali inseridas tinham suas atividades permeadas por práticas de
solidariedade, compadrio e ajuda mútua que constituíam o alicerce de todo um
processo de sociabilidade baseado no ethos camponês. Os camponeses
participavam das “quebras” e tiras” de licuri, atividade extrativista que envolvia toda
comunidade através dos laços de solidariedade. Portanto, busco, neste trabalho,
analisar as relações de sociabilidades que se estabeleceu em torno das atividades
de “quebras” e tirasde licuri em todos os seus aspectos, buscando apreender o
processo de mudança social no âmbito de uma comunidade considerada tradicional.
O Licuri (Syagrus Coronata) é uma palmeira nativa do semiárido, de frutos
comestíveis, cuja medula fornece fécula e cujas sementes produzem óleo. No
período estudado, a planta era explorada, sobretudo por mulheres que promoviam
as “quebras” e “tiras” de licuri. Nesses momentos ocorriam as relações de trabalho e
sociabilidades que homens, mulheres e crianças participavam dos mutirões e
compartilhavam suas vivências e experiências.
A escolha do ano 1940 como marco cronológico inicial desta pesquisa está
relacionada ao fato das “quebras” e “tiras” de licuri ocorrerem quando a
comercialização do produto entrava no mercado industrial, depois da decadência da
extração do pó da palha desta palmeira, no final da II Guerra Mundial. Estendemos a
baliza temporal até o ano de 1990, para que fosse possível analisar as mudanças
econômicas e sociais que modificaram a tradição camponesa no Piemonte da
Diamantina.
Desde 1940, marco inicial dessa pesquisa, até 1990, Serrolândia teve a
maioria da sua população residindo no campo. Entretanto, a taxa de urbanização,
cresceu de 13,85% em 1960 para 40,15 % em 1991. Ainda assim, a cidade
14
continuou a ser predominantemente rural a sua principal atividade econômica nesse
período era a agricultura, destacando o extrativismo do licuri praticado em regime
familiar principalmente por mulheres e crianças.
O extrativismo do licuri foi (ainda é) uma atividade econômica do Piemonte da
Diamantina, com alta incidência no município de Serrolândia BA. Contudo, a partir
de 1990, a atividade de “quebras” e “tiras” de licuri diminuiu devido à devastação da
espécie, ao prolongamento das secas, às migrações, à implantação de programas
do governo federal como a aposentadoria rural, a inserção das fábricas de bolsas na
sede do município de Serrolândia, entre outros.
No período estudado, o licuri tinha ampla aceitação no mercado
local/regional, funcionando como fonte suplementar de renda. Dele podiam-se
extrair, além das hastes (utilizada na fabricação artesanal de esteiras, de abanos e
de outros utensílios domésticos), também o coco utilizado na fabricação de sabão,
de cosméticos e de produtos farmacêuticos, sendo, inclusive, exportado para outros
estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Não bastasse, o produto tinha
importância fundamental no cardápio sertanejo (na fabricação da paçoca e do fubá),
notadamente nos períodos de estiagens, quando, na região em apreço, registrava-
se escassez de alimentos.
A localidade em estudo, denominada pelos extrativistas como sertão da
Bahia, na verdade, é apenas de uma pequena faixa dessa região. O foco deste
trabalho compreende os municípios de Jacobina, Serrolândia e Quixabeira, embora
seja dada maior visibilidade a Serrolândia, munipio do interior da Bahia situado em
pleno sertão da região Norte baiana, onde há grande quantidade de licurizais.
Segundo Diomedes Reis (1994, p. 13), o início do povoamento da cidade de
Serrolândia ocorreu por volta de 1929, quando foi fundado o povoado, denominado
Serrote, pertencendo ao município de Jacobina. Em 1953 o povoado foi elevado à
categoria de vila, recebendo o nome de Serrolândia, e foi emancipada em 1962. No
final da cada de 1980, o povoado de Quixabeira que pertencia a Serrolândia foi
emancipado, e o município ganhou os limites geográficos atuais. Essa região, dentre
as classificações regionais que tomam o estado da Bahia como abordagem,
corresponde tanto à Microrregião Homogênea do Piemonte da Chapada (IBGE,
2000), quanto à Região Econômica do Piemonte da Diamantina (SEI, 1995).
O mapa abaixo configura parte da região Administrativa de Jacobina, onde
Serrolândia está localizada junto com mais vinte e sete municípios, estabelecendo
15
limites com Várzea da Roça, Jacobina, Mairi, rzea do Poço e Quixabeira. Os
municípios em destaque, Serrolândia, Quixabeira e Jacobina, compreendem a área
onde está centrado este estudo.
Figura 1: Mapa da Região de Jacobina.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE.
A vegetação nessa região varia de caatinga densa (no sertão) para espécies
arbustivas e arbóreas, típicas do contato caatinga/florestal, daí o alto índice da
espécie nativa em estudo, o Syagrus Coronata. De acordo com a Superintendência
de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI, 1995), no semiárido o clima é
predominantemente caracterizado pelas irregularidades das chuvas, temperaturas
elevadas, intensa evaporação, baixa umidade do ar, solos, na maioria, rasos,
pedregosos e de baixa capacidade de retenção de água, e vegetação com
predominância de caatinga. Na maioria da literatura a região é descrita como pobre
e de pouca importância biológica. Porém, levantamentos mostram que este bioma
caatinga - possui um considerável número de espécies endêmicas que devem ser
consideradas como um patrimônio biológico de valor incalculável principalmente na
época das secas, que ajuda tanto as pessoas como os animais a escaparem dos
rigores das estiagens.
Para empreender o trabalho, recorri a uma ampla bibliografia, à literatura, às
fotografias, às fontes orais, a documentos do arquivo da Superintendência de
Estudos Sociais e Econômicos da Bahia (SEI), aos dados do Instituto Brasileiro de
16
Geografia e Estatística (IBGE), aos arquivos da Cooperativa de Produção da Região
do Piemonte da Diamantina (COOPES) e ao jornal O Lidador
1
.
Para desenvolver este trabalho, lancei mão das fontes orais. Gostaria de
ressaltar que a escolha desse recurso não se deu por escassez das fontes, nem
tampouco por acreditar no ineditismo das informações colhidas, mas porque a
natureza das problemáticas levantadas assim o exige, já que a oralidade faz parte
da tradição camponesa. Para Jan Vansina (1982, p. 158), a tradição oral é um
testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra. Segundo Verena Alberti
(2006, p. 164), a História Oral é hoje um caminho importante para se conhecer e
registrar múltiplas possibilidades que se manifestam e dão sentido às formas de vida
dos diferentes grupos sociais
Ao todo, o trabalho conta com vinte e duas entrevistas, sendo duas cedidas
gentilmente pelos pesquisadores serrolandenses, Marcone Denys e Vânia Nara
Vasconcelos. Dentre os entrevistados, contamos com quatorze mulheres e oito
homens que viveram nos municípios de Serrolândia e Quixabeira no período
estudado. O número de entrevistados foi amplo; além dos extrativistas, procurei
entrevistar pessoas que direto ou indiretamente estiveram envolvidos com o
extrativismo e\ou declínio da produção do licuri: beneficiários do PETI, aposentados
rurais, migrantes, comerciantes e fabricante de bolsas, bem como agricultores
(macaqueiros) que viveram na comunidade extrativista, de modo a formar um plantel
de diferentes vozes.
A partir de suas memórias, pudemos conhecer as experiências do grupo de
agricultores/extrativistas, observando as relações de trabalhos, afetividades,
vizinhanças e compadrio expressas através da linguagem, dos comportamentos e
das práticas de sociabilidade. Alguns entrevistados foram muito espontâneos,
contaram com riqueza de detalhes as suas experiências; outros necessitaram de
estímulos para que falassem das suas vidas.
Os temas recorrentes nos depoimentos valorizavam a relação
passado/presente nas histórias individuais, familiares e do grupo no extrativismo do
1
O Jornal O Lidador foi publicado na cidade de Jacobina durante toda década de 1930. Do jornal,
contamos com apenas duas matérias referentes à população agroextrativista, retratando as
condições sociais daquele grupo. Percebe-se que o publico alvo do periódico eram as camadas mais
abastadas da região em estudo. Quanto ao uso do jornal como fonte escrita optamos por manter a
escrita original da matéria.
17
licuri. As interpretações dos entrevistados, confrontados com as minhas próprias
interpretações, orientaram a delimitação de temas a serem priorizados nas idas ao
campo, bem como na seleção de uma literatura que orientasse as interpretações.
Neste trabalho, as discussões teóricas metodológica estão situadas na
interface das diferentes áreas das ciências humanas, tais como história, geografia,
antropologia e sociologia. Discutimos conceitos de cotidiano, campesinato, cultura e
experiência, numa perspectiva de abordagem evidenciada por Michel de Certeau
(1996), Margarida Moura (1986), Paul Thompson (1998) e Peter Burke (2000).
Para Michel de Certeau (1996), o cotidiano é o espaço vivido e praticado, é
um território intimo repleto de experiências. Thompson (1981) concebe o termo
experiência, como “consciência social”, consciência de estar no mundo, dentro das
práticas culturais cotidianas. A partir disso, ao estudar as experiências dos
extrativistas do Piemonte da Chapada não podemos dissociar cotidiano, experiência
e cultura, que as práticas de sociabilidades promovidas pelos agroextrativistas
exprimem as tradições culturais do grupo.
Dessa forma, este estudo é perpassado em todos os níveis pela idéia de
cultura. Mas o que é mesmo Cultura? Esse é um questionamento que muitos
estudiosos tentaram responder. É uma questão difícil de ser conscrita em um
conceito fechado. Afinal, cultura “foi entendida em rios momentos como “arte”,
“significados e valores” e tamm como “todo modo de vida. Buscar um conceito de
cultura pode ser perigoso e escorregadio, afinal ela é um processo social aberto a
novas possibilidades.
Ao estudar cultura deve-se observar as possibilidades e a pluralidade que
existem dentro das culturas. Porque, como propõe Peter Burke (2000), a história tem
de conter, em si mesma, várias línguas e pontos de vistas, incluindo os dos
vitoriosos e vencidos, homens e mulheres, o de dentro e o de fora, de
contemporâneos e historiadores.
Para Thompson (1998), cultura é experiência adquirida nas relações sociais e
de trabalho.
A cultura é um termo emaranhado, que, ao reunir tantas atividades a
atributos em um só feixe, pode na verdade confundir ou ocultar distinções
que precisam ser feitas. Será necessário desfazer o feixe, examinar com
mais cuidado os seus componentes: ritos, modos simlicos, os atributos
culturais da hegemonia, a transmissão do costume de geração para
18
geração e o desenvolvimento do costume sob formas historicamente
especificas das relações sociais e de trabalho. (THOMPSON, 1998, p. 22).
Partindo desses pressupostos, proponho estudar o conjunto de práticas que
envolvem o modo de vida do homem do campo, neste caso, os extrativistas do
sertão da Bahia, sem esquecer que tais práticas são permeadas pelo universo
simbólico dos indivíduos, pelas experiências que tiveram ao longo de suas vidas.
Por muitos anos, os estudos sobre comunidades rurais estiveram pautados
na análise das relações econômicas, suprimindo o seu modo de ser e de viver. O
campesinato deve ser estudado sem perder de vista a cultura e as relações
estruturais. A vertente econômica é primordial, mas não deve ser a única.
Assim, outras discussões permeiam esta pesquisa, tais como Memória e
História Oral; e o conhecimento da vasta literatura a respeito destas temáticas são
legitimadoras para este trabalho. Desse modo, autores como Michael Pollak (1992),
Paul Thompson (1992), Alistair Tompson (1997), Alessandro Portelli (1997), Jacques
Le Goff (2003) são suportes deste estudo.
Ao se discutir memória de se considerar que ela faz parte de um processo
individual e social. Segundo Alessandro Portelli (1997, p. 16), a memória individual
se constitui em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente
criados e compartilhados, uma vez que o cotidiano é vivido por cada sujeito, dentro
de suas particularidades. E ainda, se considerarmos a memória um processo e não
um depósito de dados poderemos constatar que à semelhaa da linguagem, a
memória é social, tornando-se concreta apenas quando mentalizada ou verbalizada
pelas pessoas. Portanto, a memória é individual e social e pode ser trabalhada como
mediadora entre as gerações, como transmissora de valores, atitudes, tradição,
enfim, a cultura.
Ao se trabalhar com a memória é necessário se estar atento a diversos
aspectos como a motivação recebida pelo entrevistado ao revelar aquele
acontecimento. Michael Pollak (1989, p.6) chama a atenção quanto ao jogo de
interesses que existe na memória tendo uma oposição visível entre a memória
coletiva e a memória social, que a última é seletiva e negociável. Na sociedade a
memória nacional é construída pela classe dominante que a fixa como a única e
verdadeira, o esquecimento é provocado de maneira estratégica. Nós,
pesquisadores, que utilizamos as memórias, devemos atentar para o silêncio, afinal
o não-dito deve ser pensado, investigado e problematizado.
19
Segundo Alistair Thomson, (1997 p.57), a memória gira em torno da relação
passado-presente e envolve um processo contínuo de reconstrução e transformação
das experiências relembradas. Essas experiências o contadas a partir de
lembranças importantes que ele chama de Reminiscências - passados importantes
que compomos para dar sentido mais satisfatório a nossa vida, à medida que o
tempo passa, e para que exista maior consonância entre identidades passadas e
presentes - ao relatar e recordar experiências passadas.
O trabalho com Memória requer conhecer as experiências dos indivíduos e
também institui um novo campo documental. A riqueza da História Oral está
evidentemente relacionada ao fato de ela permitir o conhecimento de experiências e
modos de vidas de diferentes grupos sociais. A proposta da História Oral é fazer
uma reflexão sobre as experiências de indivíduos.
Ao se trabalhar com a História oral tem que se estar preparado para trabalhar
com a subjetividade e com o caráter narrativo das entrevistas. De acordo com Maria
Izaura de Queiroz (1988 p.19), a história oral pode captar a experiência afetiva dos
narradores e, também, recolher as tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças
inexistentes no grupo, assim como relatos que contadores de histórias inventam
num momento dado. Portanto, não deve haver nas pesquisas que utilizam a
metodologia da história oral preocupação com a veracidade das narrativas ou então
com os lapsos de memória e os silêncios. Esses elementos fazem parte do que foi
escolhido/selecionado pelos sujeitos. Como nos lembra Bolle (2000, p. 311), a
atmosfera espiritual, a cultura e a mentalidade da época não são desvendados
somente a partir das “grandes obras de arte”, mas tamm com base em
documentos triviais da escrita e de gestos e comportamentos “aparentemente
irrelevantes”. Fazer História Oral significa produzir conhecimento histórico, cientifico,
e não simplesmente fazer um relato ordenado da vida e das experiências dos outros.
A possibilidade de contato com as fontes orais permite o desenvolvimento de
uma outra posição frente ao próprio conhecimento histórico, que deixa de ser
acabado e passa a ser fruto de uma construção social. Na História Oral os
elementos simbólicos são primordiais, já que são elos entre passado e o presente.
Para Lucilia de Almeida Neves Delgado,
20
Os sujeitos construtores da História são enfim, todos que anonimamente ou
publicamente deixam sua marca, visível ou invisível no tempo em que vivem,
no cotidiano de seus países e também na história da humanidade. Os
sujeitos históricos são ricos documentos, verdadeiros produtores de
conhecimentos que conseguem registrar através das suas narrativas, as
versões de diferentes sujeitos históricos sobre suas experiências de vida e
sobre sua integração no processo da construção histórica. (DELGADO, 2003,
p. 18).
A pesquisa se caracteriza pela utilização de uma linguagem comum, simples
e direta, com base na espontaneidade e confiança que se pode criar entre o
entrevistador e o entrevistado, procurando deixá-los livres para contar as
experiências passadas, segundo seu ponto de vista. Optamos por conservar os
textos originais dessas fontes, sem fazer alterações gramaticais. Entretanto, ao
transcrever as entrevistas fizemos pequenas alterações, apenas para torná-las
legíveis, mantendo a linguagem original. Consignado por Ecléa Bosi (2004) em seu
trabalho sobre lembranças de velhos, ao se usar entrevistas orais, é preciso
alcaar a “compreensão plena de uma dada condição humana”, o pesquisador
deve compreender perfeitamente que está lidando com leituras que as pessoas
fazem de suas próprias vidas, ressignificando no tempo presente.
Além das fontes orais e do material bibliográfico, tive acesso a outras fontes
documentais. Diante da inexistência de arquivo público em Serrolândia, tive
dificuldades em catalogar documentos que retratassem o extrativismo do licuri,
então, recorri aos arquivos particulares das famílias que entrevistei onde obtive
algumas fotografias e uma carta que retratava as visões dos sujeitos pesquisados.
Os dados dos Censos do IBGE e da SEI sobre Serrolândia, Jacobina e o estado da
Bahia contribuíram para a análise de vários temas como o crescimento populacional
e taxa de migração. A COOPES nos forneceu informações sobre as ações
realizadas na região para valorização da palmeira do licuri e fotografias de eventos e
produtos que confeccionam na cooperativa.
O trabalho, Licuri: Cera e óleo, publicado em edição mimeografada na SEI, foi
um tesouro valioso para essa pesquisa. encontrei dados sobre a produção do
licuri e do da palha do licuri na segunda metade do século XX na cidade de
Jacobina, além de breves comentários sobre o manejo, mercado consumidor e as
dificuldades de se praticar o extrativismo. A Cartilha Licuri, publicada em 2006 pelo
Ministério da Educão, tamm foi um aporte na construção desse trabalho,
21
principalmente quando se refere a mudanças na tradição extrativista de “quebras” e
“tiras” de licuri.
Este trabalho se constitue de três capítulos. O primeiro, intitulado Extrativismo
e trabalho: a luta pela sobrevivência contém três itens: uma breve discussão teórica
sobre campesinato e sertão; apresentação sobre a potencialidade do licurizeiro; e
ainda a comercialização e as relações de trabalho e exploração que envolviam a
atividade extrativista com o licuri.
No Segundo capítulo, Quebras e “tiras de licuri: experiências de
sociabilidade, apresentamos as “quebras” e “tiras” de licuri como espaços de
mutirões e sociabilidades baseados numa relação moral de reciprocidades.
No terceiro capítulo, Os avanços da modernidade: declínio na produção do
licuri, abordamos as mudanças sócio-culturais que o extrativismo do licuri sofreu a
partir da última década do século XX, conduzida pela modernização modificadora da
tradição camponesa.
Para fazer essa pesquisa foram dois anos de dedicação e, devo confessar, foi
uma tarefa áspera. Entretanto, trouxe o prazer de estar pelas ruas e roças, ouvindo
“causos” que se prolongaram “noite adentro”, reveladores de segredos, desejos,
dores, sonhos, angustias, um convite para conhecermos os trabalho e sociabilidades
no sertão da Bahia a partir das “quebras” e “tiras” de licuri.
22
CAPÍTULO I
1. Extrativismo e trabalho: a luta pela sobrevivência
As práticas que objetivam o modo de vida camponês são permeadas pelo
universo simbólico, marcada por uma organização social forte e coesa, na qual
por parte dos seus membros um forte sentimento de pertencimento. A comunidade
extrativista de licuri do município de Serrolândia estava permeada por laços sociais
tradicionais de solidariedade, reciprocidade e confiança que constituem o alicerce do
processo de sociabilidade.
Análogo às tradições camponesas ajuda mútua, afeto à terra e a unidade
familiar surgiram novas formas de organizações com a entrada cada vez mais
rápida do capitalismo no campo, reconfigurando as práticas do extrativismo do licuri.
As mudanças ocorridas ao longo do tempo foram incorporadas e reelaboradas,
respeitando antigas orientações econômicas e socioculturais. Dentro desse cenário
estão atores sociais, homens e mulheres, com suas crenças e trabalhos agrícolas,
imbuídos na cultura e nas experiências.
Para E. P. Thompson (1981, p. 189), cultura e experiência são pontos de
conexão que os sujeitos experimentam não apenas como idéias, mas como
sentimento que são apreendidos dentro da cultura, como normas, obrigações
familiares, relações parentesco e reciprocidades. Aplicando a perspectiva
evidenciada por Thompson à comunidade extrativista de licuri do município de
Serrolândia, percebemos que as vivências da comunidade camponesa fazem parte
de um conjunto de práticas de sociabilidades pautadas nas experiências culturais
cotidianas.
Mas, como podemos entender o campesinato? A discussão é polêmica.
Muitos debates e enfrentamentos foram trazidos para o cenário dos estudos
culturais, embora ainda seja comum encontrar discussões sobre campesinato
construído por meio do viés econômico. Segundo Henri Mendras (apud Maria de
Nazareth Wanderley, 1996, p. 3), existe cinco traços característicos das sociedades
camponesas, a saber: uma relativa autonomia face à sociedade global; a
importância estrutural dos grupos domésticos; um sistema econômico de autarquia
23
relativa; uma sociedade de interconhecimento; e função decisiva dos mediadores
entre a sociedade local e a sociedade global.
De acordo com Manuel Correa de Andrade (1995, p. 68), evitou-se o termo
campesinato por muito tempo no Brasil, alegando que essa categoria era
encontrada em sociedades nas quais os agricultores se dedicavam à produção para
o consumo, vivendo inteiramente ausentes das preocupações com o mercado e
venda da produção. Portanto, o que ocorreu no campo brasileiro foi uma
pluriatividade.
Segundo Mendras (apud Maria de Nazareth Wanderley),
Toda a arte do bom camponês consiste em jogar sobre um registro de
culturas e criações o mais amplo possível e integrá-los em um sistema que
utilize ao máximo os produtos de cada produção para as outras e que pela
diversidade de produtos forneça segurança contra as intempéries e as
desigualdades das colheitas (WANDERLEY, 1993, p.3).
No Brasil, a partir da década de 1970, muitas pesquisas começaram a se
voltar para o campesinato. Dessa forma, caberia perguntar: por que os camponeses
despertam a ateão dos pesquisadores de maneira tão peculiar? Dentre tantas
razões, a antropóloga Margarida Maria Moura (1986, p. 8) levanta algumas, tais
como: o controle camponês das terras no capitalismo sem ser possuidor de capital,
na acepção marxista da palavra; o camponês ser o pomo da discórdia sobre a
natureza de classe das revoluções que implantaram ou derrubaram historicamente a
ordem burguesa; o camponês trabalhar com a família, a qual não remunera segundo
a ótica capitalista, isso num mundo marcado pelo contrato individual de trabalho e
pelo pagamento em salário de tarefas desempenhadas; e resta assinalar, pelo fato
do camponês lutar por formas culturais e sociais próprias de organização, sem ser
ou poder se concretizar como outro povo ou outra cultura, estranhando, mais do que
recusando, a sociedade abrangente que o contém e circunda.
O campo brasileiro é dinâmico e fortemente heterogêneo. Seu universo é
formado por famílias camponesas. Aqueles que vivem em áreas do semirido, em
sua maioria, trabalham com atividades ligadas à agricultura e à pecuária ou, ainda,
migram para outras áreas do país. Ao longo dos anos, a agricultura tem sido palco
de uma profunda transformação produtiva e espacial e fonte para as mudanças
tecnológicas. O modelo de modernização acarretou volume de produção,
provocando influência direta no deslocamento da população rural e no uso dos
24
recursos naturais e absorção da mão de obra. Houve uma política de modernização
da agricultura tradicional, embora esta não ocorra de maneira homogênea.
Uma questão discutida neste trabalho é o processo de mudança social no
período de 1940 -1990, na esfera de uma comunidade “tradicional” do interior da
Bahia: Serrolândia. Essa comunidade se manteve organizada, até períodos
recentes, dentro de padrões endogâmicos tradicionais. Segundo MacIver e Charles
Page (1973, p.124), o critério básico para definir comunidade está em todas as
relações sociais do grupo, tendo como base a localização e o sentimento de
comunidade, ou seja, uma área de vida em comum. Nesse sentido, para Max Weber
(1973, p. 141), a comunidade pode se apoiar sobre todas as espécies de
fundamentos, afetivos, emotivos e tradicionais.
Já que a epistemologia do conceito comunidade é ampla e heterogênea,
vamos focar, neste estudo, as relações de sociabilidade entre parentes/vizinhos.
Para Maria Nazareth Wanderley (1996, p. 5), é a sociabilidade que permite definir a
sociedade rural como uma “sociedade de interconhecimento”, isto é, desenvolve
uma forma de sociabilidade que ultrapassa os laços familiares e de parentesco.
Dentro da mesma perspectiva, Michel Agier (1998) diz que a cultura familiar forma o
pano de fundo das trocas cotidianas da comunidade. Os laços de compadres,
padrinhos/madrinhas e afilhados estabelecidos pelo batismo das crianças,
envolvem, em grandes medidas, parentes e não parentes da comunidade, embora
sejam generosamente denominadas de parentesco. Sobre o trabalho familiar no
universo camponês Lídia Cardel diz ser esse
O sustentáculo do campesinato. O núcleo familiar não é uma unidade
isolada. Ela se articula com relações de parentesco, de amizade e,
principalmente, está localizada no interior de uma comunidade e
fundamentado em um coletivismo que o submete a regras sociais, éticas e
econômicas. (CARDEL, 1996, p. 47).
Assim, as experiências dos camponeses agroextrativistas aqui estudados
podem ser reconhecidas por essa característica ímpar: o trabalho familiar. Na
comunidade havia diversidade das atividades rurais, combinando a criação de
animais com pequenas hortas, fabrico de esteiras e chapéus de palha de licurizeiro,
quebras” e tiras” de licuri, “arranca” de mandioca, dentre outras tarefas mais
específicas das mulheres. Entre os anos de 1940 e 1990 a maior parte da população
de Serrolândia residia na zona rural, tendo como principal atividade econômica a
25
agricultura e a pecuária. Quem não possuía terras se tornava arrendatário, meeiro
ou trabalhador volante, retirando da atividade agrícola o sustento familiar. Esses
indivíduos desenvolveram um estilo de vida particular que se caracterizava por um
tipo de alimentação específica, desprovida de leguminosas, consumindo, na maior
parte do ano, produtos cultivados na região como farinha de mandioca, feijão, leite e
derivados, carne seca, caça, entre outros.
Mas, afinal, o que é ser camponês? Maria Margarida Moura (1986) considera
nessa categoria aqueles que vivem da terra e do que ela produz,
Plantando e colhendo o alimento que vai para a sua mesa e para a do
príncipe, do tecelão e do soldado. O camponês é o trabalhador que se
envolve mais diretamente com os segredos da natureza. A céu aberto é um
observador dos astros e dos elementos. Sabe de onde sopra o vento,
quando virá a primeira chuva, que insetos podem ameaçar seu cultivo,
quantas horas deverão ser dedicadas a determinadas tarefas. Seu
conhecimento do tempo e do espaço é profundo e já existia antes daquilo
que convencionamos a chamar de ciência. (MOURA, 1986, p. 9).
O homem camponês é apresentado nessa obra, e em tantas outras, como
autodidata, aquele que conhece a natureza através do empirismo e transmite seus
conhecimentos de geração a geração. Esse saber vai além do conhecer a ração dos
animais ou dos vegetais, ele se constitui em mais uma estratégia utilizada na luta
pela sobrevivência. O camponês o produz apenas bens materiais, mas tamm
uma visão de mundo própria, que se manifesta em seus saberes, técnicas,
artesanato, crenças, culinária. É como afirma Nazira Vargas (1987),
O camponês tem um saber diferente do livresco, daquele saber morto, sem
intimidade com a natureza; Possui o admivel saber de quem o
experimenta no pleno uso de todos os sentidos, e de seu raciocínio. Cada
planta é conhecida pela sua tessitura, seu cheiro, sua forma, suas cores,
seu gosto, sua utilidade e seu ciclo de vida. (VARGAS, 1987, p. 172)
Assim são os extrativistas do licuri, indivíduos que possuem conhecimento
adquiridos com as práticas e experiências diárias, que retiram da natureza o seu
sustento, fazendo daquele trabalho extrativo uma rede de sociabilidade entre
parentes, vizinhos e compadres. Conforme salienta Edna Castro (1997), nas
sociedades ditas “tradicionais” e no seio de certos grupos agroextrativos, o trabalho
encerra dimensões múltiplas, reunindo elementos técnicos com o mágico, o ritual e
enfim, o simbólico e o cultural. Para Horácio Martins de Carvalho (2005),
26
Um dos eixos fundamentais do campesinato é o respeito à diversidade e à
biodiversidade que inclui todos os bens da natureza, os ecossistemas, as
culturas dos povos, enfim, todas as formas de vida vegetal, animal, as
relações humanas e econômicas, os hábitos e culturas, sendo ela, a
própria forma de vida do campesinato. (CARVALHO, 2005, p. 7)
A concepção de campesinato apresentada por Carvalho é utópica. Sabemos
que as comunidades camponesas impactam antropicamente a natureza que o
circunda. Os extrativistas do licuri retiram da natureza o seu sustento e deixam os
rastros de sua presença na natureza, como por exemplo, a derrubada de licurizeiros
para abrirem pastagens e alimentar os bovinos em períodos de estiagem. Pensar no
campesinato em repleta harmonia com a natureza seria acreditar no homem como
bom selvagem.
2
Outro equívoco freqüentemente cometido em estudos sobre o campesinato é
pensar esses sujeitos isolados em áreas rurais, exercendo profissionalmente
atividades ligadas ao campo, estando pouco ligada à vida urbana. De acordo com
Maria Nazareth Wanderley (1996, p.4), o campesinato brasileiro utiliza várias
estratégias para constituir seu patrimônio fundiário, sendo através da alocação dos
seus diversos membros no interior do seu estabelecimento ou fora dele, combinando
os recursos que dispõe na unidade de produção com aquelas que podem ter acesso
fora da comunidade, em atividades complementares, temporárias e intermitentes. As
comunidades camponesas não são isoladas, existe uma articulação econômica e,
sobretudo, cultural para sustentar o campesinato.
A categoria camponês, que etimologicamente vem do campo (campus, no
latim), no meio rural brasileiro é mais aplicada como lavrador, palavra latina que
significa labor, mas que não quer dizer trabalho, possui também a conotação de
esforço físico, dor e fadiga. Neste estudo não faremos uma discussão conceitual de
termos utilizados como sinônimos: camponês, lavrador, homem campesino (termo
espanhol que vem se aportuguesando), trabalhador rural, agricultor e extrativista.
Para apreender melhor as experiências desta comunidade camponesa
extrativista é necessário fazer uma reflexão acurada a respeito do sertão e da
identidade sertaneja.
3
2
Concepção apresentada na obra do pensador suíço Jean-Jacques Rousseau, que acredita que o
homem é bom por natureza, mas está submetido à influência corruptora da sociedade.
3
Para aprofundamento sobre esse assunto, ver ARRUDA (2000) e VASCONCELOS (2007).
27
O termo sertão tem várias conotações, dependendo de quando, de onde e
quem pronuncia. O sertão tem sido uma terminologia utilizada para nomear as terras
do interior do Brasil desde o período colonial, atribuindo ora qualidades negativas
ora positivas. Segundo Cláudia Vasconcelos (2007, p. 59), a partir do século XIX, o
sertão passou a ser associado às regiões semi-áridas. Embora o seu significado o
se restrinja a nenhum espaço geográfico específico, aparece sempre identificando
todo o interior do Brasil, considerado como área despovoada ou, ainda, relacionado
à cultura sertaneja e às atividades ligadas à pecuária.
De acordo com Lídia Cardel (2003, p. 162), surgiu como vício no interior do
pensamento historiográfico e sociológico brasileiro a invisibilização de pesquisas
sobre o homem rural do sertão do semiárido, criando um círculo vicioso entre a falta
de dados históricos sobre o estabelecimento desses homens do interior mais
“bravio”. Além disso, havia a “falta de vontade” política nos meios intelectuais, até
meados da década de 1950, de transformá-los em objeto permanente de pesquisa.
O que ficou desse movimento foi a negação da existência concreta de um
campesinato constituidor de um ethos identitário próprio, sobrando a
imagem, implantada por culos, de uma população inerente, presa ao
ciclo econômico do gado que, após a perda deste lastro, transformou-se
em uma população apática, sem bases sólidas para a manutenção de sua
existência enquanto grupo social. (CARDEL, 2003, p. 162).
Assim surgiram os mais diversos estereótipos para designar os sertanejos.
Homens fortes, valentes, audazes, resistentes às condições climáticas - as secas -,
o “cabra da peste”, homem com H maiúsculo, embrutecido pela “luta” no sero e, ao
mesmo tempo, o fraco, flagelado e faminto que sofre com a sequidão das suas
terras.
Segundo Isabel Cristina Guillen (2002, p. 106), nos últimos anos tem se
construído um outro imaginário a respeito do sertão, como elemento de raiz, genuíno
e autêntico, ou seja, algo realmente brasileiro.
A literatura brasileira teve papel de destaque na construção da identidade do
sertanejo. Euclides da Cunha em “Os Sertões”, publicado em 1902, apresenta-o
como um ser isolado, preso às adversidades geográficas e climáticas do seu habitat,
um verdadeiro herói, guerreiro e resistente, capaz de enfrentar todo tipo de
dificuldade, principalmente a seca que assola a região, e de encontrar estratégias
para viver com elas.
28
Essas discussões dão uma amostra de como o sertão é plural, e não pode
ser definido por uma concepção genérica, singular; embora, ainda hoje, uma das
idéias mais difundidas sobre o sertão é de que se trata de um local atrasado, rural,
em oposição ao moderno, à cidade. Como se evidencia nas palavras de Gilmar
Arruda (2000):
A cidade é moderna, progressista, representante de valores novos na qual
a atividade política se desenvolve segundo os padrões da moderna
democracia, usa-se a razão para convencer, livres expressões e
liberdade de opção. É o lugar de vivencias e atuação de cidadãos livres e
conscientes. O sertão é arcaico, o lugar da ação do clientelismo político,
dos coronéis, do populismo, da violência e onde não possibilidade de
ação política de cidadãos livres e conscientes. (ARRUDA, 2000, p. 13).
A identidade sertaneja “jacobinense”
4
não é apresentada de maneira muito
discrepante dos outros tantos sertanejos do interior da Bahia e do nordeste, aos
quais são atribuídos diversos adjetivos como fortes, valentes e enérgicos, e ao
mesmo tempo expropriados pelo sistema capitalista.
(...) Em nenhum outro logar do paiz o produtor é perseguido como no nosso
Estado. “O sertanejo é antes de tudo um forte”. Tendo sempre na
mentalidade este enunciado de Euclides da Cunha, os nossos dirigenteso
trepidam em avaliar a onde chega o grau de fortitude. Tornou-o um
escravo, dado lhe um feitor que de vez em quando reveza de posto. Um
quadro muito sugestivo da fortitude do sertanejo publicou-o “O Lidador” sobre
o montante de imposto pagos por um marchante, um homem que mata um
boi por semana, cerca de 1:300S000, enquanto um capitalista e fazendeiro
não paga talvez a metade. O marchante do interior não possui com raras
excepções 200S000 de capital e paga aquela fortuna. A decadência só
contrasta com o progresso da capital. Emquanto o interior definha a capital
engrandece. Emquanto a miséria campeia no sertão o luxo invade a City. O
município de Jacobina se empobrece a olhos vistos.
5
A imagem do sertão aqui apresentada é de pobreza advinda de uma política
de crescimento da capital à custa do trabalho e impostos pagos pelo sertanejo. Ao
sertão é associado a decadência, a miséria e o atraso; enquanto Salvador é descrita
como moderna e luxuosa. Esse estereótipo do sertão associado à pobreza ainda
está presente na memória desses tantos sertanejos do interior da Bahia:
4
O Jacobinense citado na matéria do jornal refere-se à população que vivia no município de
Jacobina, Ba. Nesse período o município de Serrolândia estava em formação e pertencia a Jacobina.
5
Notas Agrícolas. Jornal O Lidador. Jacobina (Bahia), 10 de agosto de 1934. Nº. 49, pg. 4
29
O sertão é brabo, tem que ter coragem de trabalhar. Vem a seca e distrói
tudo, tudinho mesmo, muito gado morre aqui. Agora lá fora, em Salvador
tem emprego, tem médico, essas coisas. Mas eu prefiro aqui, quando
chove tudo fica bom. Já na cidade não tem essas coisas que tem aqui, a
amizade.
6
Os sertanejos baianos, mais precisamente de Serrolândia, viveram as
adversidades climáticas provocadas pelas secas que desolavam plantações e
matavam todo o “gado do pasto”. Segundo os entrevistados, para superar o
infortúnio, foi necessário recorrer aos conhecimentos adquiridos na prática cotidiana
sobre os recursos da natureza que os circundavam, nesse caso, o Licurizeiro que
“salvou” muitas vidas e sustentou famílias por gerações.
A palmeira denominada cientificamente como Syagrus Coronata
7
é típica do
semiárido nordestino e popularmente conhecida por diversos nomes entres os quais
se destacam: nicuri, coqueiro cabeçudo, aricuri, licuri, ouricuri. Neste trabalho,
utilizarei os dois nomes empregados na região: ouricuri e licuri.
Segundo Crepaldi et al (2001, p.2), a espécie tem uma nítida preferência
pelas regiões secas e áridas das caatingas, abrangendo o norte de Minas Gerais e
toda a porção oriental e central da Bahia, até o sul de Pernambuco, incluindo
também os estados de Sergipe e Alagoas. De acordo com a revista Brasileira de
Botânica, volume 24, a palmeira Syagrus Coronata possui altura que varia de 3 a 10
metros e, embora floresça e frutifique o ano todo a despeito de pequenas variações,
nos meses de março, junho e julho apresenta maior frutificação, caracterizando esse
como o período da safra. Os cachos m em média 1.300 frutos que m
comprimento e diâmetro médios de 2,0 cm e 1,4 cm. Quando ainda verdes,
possuem o endosperma líquido, que se torna sólido no processo de
amadurecimento, dando origem à amêndoa. Quando maduros, os frutos apresentam
uma coloração que varia do amarelo-claro ao alaranjado, dependendo do seu
estágio de maturação.
O aproveitamento da amêndoa do licuri é transmitido de geração a geração.
O estudo do agrônomo Lenir Lima (1961, p.23) salienta que o consumo direto da
amêndoa do licuri, por crianças e adultos, e sua transformação por processos
6
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista cedida à autora em Serrolândia, em13 de setembro de
2005.
7
Segundo Iara Crepaldi et al. (2001), essa palmeira pertence à família Arecaceae, subfamília
Arecoideae, tribo Cocoeae, subtribo Butineae, essa subfalia reúne atualmente 115 gêneros e 1500
espécies, sendo a maior entre as Arecaceae.
30
rudimentares de pilar e cozinhar para fornecer óleo e leite para a alimentação
humana remetem aos primórdios da colonização portuguesa, uma vez que Gabriel
Soares de Sousa em seu “Tratado Descritivo do Brasil, publicado em 1587, retrata
que o coquilho de ururucuri era apreciado por todos.
A amêndoa do licuri é consumida in natura, sendo também utilizada para
fabricação de cocadas. Dela tamm é extraído um óleo usado nas indústrias e
também na culinária. Segundo Crepaldi et al (2001, p.2), a coloração de frutos que
varia do amarelo ao laranja geralmente está associada à presença de carotenóides,
compostos com atividade pró-vitamínica A. Portanto, seu consumo é importante para
as regiões pobres de países em desenvolvimento, onde a hipovitaminose A é
endêmica, afetando principalmente crianças na idade pré-escolar. Sobre a vasta
importância e utilidade do licuri, Isabel diz:
Olha, o leite usa; o óleo tanto faz para a comida, e hoje, o povo o come,
mas, mas dava pra aproveitar até para o cabelo. A palha do licuri pra cobrir
a casa, dá pra fazer bassoura. O pó da palha, eleum produto, você não
conhece, eu conheço porque já raspei e bota pra frever e vira um breu,
pra sarar qualquer coisa e importava lá pra longe, a gente vendia os quilos
de e era pra fazer produtos. O licuri é tão feliz que se você tiver com
fome, o dendê dá pra engordar porco. Um pé de licuri, se uma mulher tiver
no mato com um facão, ele corta e faz o palmito e come, como a gente
compra palmito. E também o bró.
8
Não é apenas na experiência prática dos narradores que se reconhece a
importância do licuri para a população da região. O trabalho divulgado pelo Centro
de Pesquisa Econômico da Bahia, Perspectiva da Expansão da Agricultura Baiana,
nº. 17 Licuri - mostra a importância econômica da palmeira, suas propriedades, e
enfatiza as potencialidades que ela traz para o estado. Segundo Lenir Lima, autor do
mesmo trabalho em edição publicada no início da cada de 1960, praticamente
todas as partes da palmeira são aproveitáveis. As folhas servem para cobertura das
casas sertanejas e também são utilizadas para confecção de chapéus, esteiras,
peneiras e outros objetos domésticos, além de fornecer ótima fibra. As folhas e as
inflorescências constituem uma boa forragem para o gado. O tronco, na época das
privações ocasionadas pela inclemência das secas, serve para a fabricação de uma
farinha magra, que é chamada na região de “bró”. A amêndoa adocicada de seus
8
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
31
frutos é muito apreciada pelos moradores das áreas onde ele é nativo, podendo ser
consumido tanto cru quanto cozido. O coquilho, comercializado nas feiras em formas
de “colares de licuri”, tem grande aceitação como petisco. Também o gado, em
particular os caprinos, comem a polpa expelindo o fruto descascado, que depois é
catado pelos sertanejos para o consumo humano ou para a venda em comércios
específicos de compra do produto.
Mesmo com todo esse potencial de aproveitamento, na segunda metade do
século XX, os agricultores, criadores e extratores começaram a devastar os licurizais
para produzir de palha. O óleo do licuri e o de palha foram por muitos anos
utilizados em mercados industriais do Brasil e, principalmente, do exterior. A
produção do cerífero originado das folhas do licurizeiro uma cera semelhante
à da carnaubeira, e a extração do óleo dos coquilhos serve de matéria prima para
indústrias de sabão.
Segundo Lenir Lima (1961, p.4), foi a partir de 1935 que se iniciaram as
pesquisas e extração do de palha, e para tanto era utilizada a técnica simples de
raspagem com uma lamina de metal ou vidro. Para obter a camada cerífera tem que
passar pelo processo de fusão do pó, obtido a fogo brando ou em banho-maria,
numa vasilha de metal ou barro. Essa cera é utilizada nas mais diversas indústrias,
desde o papel carbono, ceras para assoalhos e móveis, graxas para sapatos,
automóveis, tintas e vernizes e, até mesmo, em envoltório para conservação de
frutas. Contudo, os produtores doda palha de licuri desconheciam a amplidão do
uso daquele produto:
Com o de palha se fabricava muita coisa do lado do plástico. Naquele
tempo não existia plástico, então era o pó de palha que assumia seu lugar.
Depois surgiu o plástico e ele sumiu. Ele tamm servia de cola, vo
derretia e dava pra colar qualquer coisa.
9
Os espaços que compreendiam a produção do de palha são localizados
em grandes áreas de concentração de licuri como na Encosta da Chapada
Diamantina atual Piemonte da Diamantina destacando-se o município de
Jacobina. A atividade alcançou o auge no final dos anos 1930 e perdurou até
meados de 1950, sustentando varias famílias sertanejas com a comercialização do
9
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri há mais de 40
anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
32
produto. Na memória de muitos trabalhadores ainda estão registradas marcas
daquela atividade:
No tempo do de palha, eu era menino, mas mãe já vendia de palha.
Era assim, o pessoal que trabalhava na agricultura vivia do pó. Agora era
uma mão de obra, tinha que rançar a palha, distalar e rapar, marrava um
courinho na perna. Eu distalei muito, eu era menino e distalava pra ela
[mãe] raspar.
10
Raspar o pó da palha do licurizeiro requeria habilidade e disciplina. Toda
família participava daquele trabalho. Enquanto os adultos raspavam a palha, as
crianças separavam as estepes para agilizar o serviço e aumentar a quantidade do
produto. É o que nos conta Joana da Silva:
Na minha casa era assim. A minha mãe e os meninos trabalhava
distalando e raspando a palha de licurizeiro, eu era meninota, mas ajudava
também. Pra fazer um quilo, oxê! Tinha que sentar o dia todo e raspar,
raspar, raspar. Logo o pó era leve, leve, parecia pena. Tinha uns que
misturava algumas coisinhas dentro do saco, semente de capim, um pouco
de tapioca seca, um pouquinho de terra, essas coisas pra logo o peso.
(risos). O dinheiro que ganhava era abom, mas demorava tanto, tanto,
tanto pra fazer um quilo que na semana não se conseguia fazer mais que
sete, num sabe? Então, aquele dinheiro ficava pouquinho. Mas todo mundo
fazia isso naquele tempo, raspava pó de palha.
11
O que se percebe é que a renda obtida com a extração do da palha era
insuficiente para sustentar as famílias camponesas. Como vimos, ela era uma
atividade complementar, que envolvia principalmente mulheres e crianças. Na obra
de Lenir Lima (1961) também é feita uma abordagem sobre o trabalho dos
extrativistas do pó da palha:
O extrator trabalha cerca de 8 horas diárias para alcançar uma produção
média de 700 gramas de pó, vendidos a aproximadamente, a 50 cruzeiros o
kq, O sertanejo só se dedica ao estafante trabalho de extração do pó quando,
acossado pela necessidade, não encontra outro serviço melhor remunerado.
“o pó de palha vem com a fome”, como diz o caboclo, com seu modo fatalista
de explicar os acontecimentos. (LIMA, 1961, p. 14).
10
Idem.
11
Joana da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracu Serrolândia, em 01 de
agosto de 2004.
33
O extrativismo da palha do licurizeiro perdurou, na região em estudo, por
duas décadas. O gráfico a seguir é ilustrativo da produção do de palha de licuri
nos anos de 1940 e 1950:
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
7.000.000
1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958
Gráfico 1: Produção do pó da palha no estado da Bahia de 1944 a 1955.
Fonte: Adaptado pela autora a partir dos dados de Lenir Lima (1961, p.12).
Os dados do gráfico demonstram que houve uma grande produtividade do
da palha de licuri no estado da Bahia. Segundo Lenir Lima (1961), no ano de 1946,
com a Segunda Guerra Mundial, o produto foi valorizado, aumentando o preço da
tonelada exportada de Cr$17.838 para Cr$35.972. Nos anos seguintes, os pros
foram decrescendo juntamente com a produção e a exportação. A partir de 1951, a
produção do de palha voltou a crescer devido a ocorrência da seca que atingiu
vastas áreas da Bahia. Como o licurizeiro é uma palmeira resistente às estiagens, a
população recorreu à extração do da palha para sobreviver, registrando o ano de
1953, auge de extração, a quantidade de 6.000.000 kg. Nos anos seguintes ocorreu
uma redução brusca de 50% até desaparecer.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mercado consumidor do da
palha sofreu declínio por vários fatores, tais como: baixos preços, concorrência com
a cera da carnaúba e a baixa remuneração que o compensava o trabalho intenso
de extração e conseqüentemente a precarização da produção. As fusões desses
fatores levaram essa atividade ao declínio, tanto que, a partir de 1960, foi
34
abandonada, restando apenas lembranças nas memórias daquelas comunidades.
Lenir Lima (1961) aponta um aspecto curioso para a decadência da raspagem
do pó da palha pelos extrativistas:
Um dos fatores não desprezível para a decadência do da palha é a falta
de tradição desse trabalho. As primeiras partidas de ceras exportadas
datam anos de 1935. A extração da cera de licuri não parece ter se
transformado ainda num desses ofícios rotineiros estratificados que
passam de pai para filho. Ao contrário, é um trabalho não sedimentado,
devido ao seu caráter clico motivados por preços melhores para outros
produtos (...), além disso, o principal entrave à produção do pó da palha é a
baixa remuneração oferecida por esse produto, que não compensa o
trabalho tão intenso de extração, trabalho que ainda, não pode se tornar
mais produtivo (LIMA, 1961, p. 14).
Existe contradição na justificativa de Lima (1961) para a decadência da
extração do da palha. A partir de 1950, o Brasil passa por um processo de
industrialização e integração do território nacional através da construção das
estradas de rodagem. Com isso, nos centros urbanos do país, principalmente nas
regiões sul e sudeste, aumenta consideravelmente a oferta de emprego, e a
migração passa a ser mais constante, fazendo parte de um processo estratégico de
sobrevivência das comunidades camponesas, o que levou à diminuição do
extrativismo.
Na literatura brasileira, a importância do licuri também é trazida à cena por
Euclides da Cunha em “Os Sertões” (2002, p. 140) quando ele salienta que na
caatinga agreste para alimentar o gado se derruba os estipes dos ouricuris e para a
alimentação humana utilizam a palmeira ralada e cozida fazendo um pão “sinistro”, o
bró, que incha os ventres numenfarte ilusório”, empanzinando o faminto.
O bró aparece nas mais diversas narrativas e teve papel essencial nas secas
da região. Muitas famílias se alimentavam dessa iguaria extraída do tronco do
licurizeiro. Isabel de Jesus descreve como se dava a produção do “bró”:
O povo fazia o bró, o palmito. Corta o de licurizeiro, a tora, acabar racha
ele como se rachava uma lenha, descascava aquela casca grossa. Abria
aquelas cascas e achava o palmito ensopado parecendo mandioca, aí
pegava uma marreta e aí batia, batia, batia, batia, batia e saía aquele
bagaço. Ali botava pra secar, peneirava, ali, mas eu não comi. Bom, mas
nessa época já era gente que comeu. Na seca de 32, mãe dizia que pai vinha
35
buscar farinha aqui em Curralinho, tinha gente que comia o bró, mas eu era
pequena mãe não deu pra comer não.
12
As estiagens na área em estudo levaram milhares de pessoas à
subalimentação. A quantidade de alimentos nas secas é reduzida a menores
porções e variedades, limitando-se a um pouco de milho, feijão e farinha. Josué de
Castro (2004, p. 202), ao estudar sobre a fome na área do sertão do Nordeste,
salienta que, quando a seca persiste, muitos gêneros sicos da dieta sertaneja
desaparecem do mercado, ficando o sertanejo reduzido aos recursos das “iguarias
brabas” raízes, sementes e frutos silvestres de plantas incrivelmente resistentes à
dessecação do meio ambiente. Entre outros, um dos alimentos que amenizavam
essa adversidade do homem do sertão era a farinha de licurizeiro bró.
Como as secas transformam toda paisagem do sertão, o licurizeiro foi (e
continua a ser) um aliado imprescindível do sertanejo que luta contra as estiagens e
a fome, utilizando a vegetação ao seu redor. Josué de Castro retrata a saga
sertaneja em “tempos de secas” afirmando que:
Nas secas de arrepiar, as culturas desaparecem do roçado com as sementes
enterradas na poeira esturricada ou com as plantas ternas dessecadas pela
soalheira. O pasto seco se esfarinha e é arrastado pelos ventos de fogo,
ficando o gado à mingua de água e de alimento. Recorre o vaqueiro aos
recursos das ramas e dos cactos, queimando os espinhos dos mandacarus e
dos facheiros e picando os seus gomos a facão para evitar a extinção
imediata do rebanho (CASTRO, 2004, p. 201).
Não eram apenas os Licurizeiros que serviam de alimentação. Outras iguarias
socorriam o sertanejo nas secas de arrepiar”: farinha de macambira (Encholirion
spectabile), de xiquexique (Cereus setosus), mucunã (Mucunã urhens), palmito de
carnaúba nova (Copernicia cerífera), raízes de umbuzeiro (Spondias tuberosa) e de
mo(Tipoana especiosa) e beijus de gravatá (Vriesea brachyphylla) sustentavam
esses indivíduos até as próximas chuvas. Sobre esse aspecto, a mesma Isabel de
Jesus lembra:
Em 52 eu nunca tinha visto a farinha do bró, aí eu morava lá em Sinozinho, aí
eu fui na Quixabeira, quando chegou uma farinha diferente, debaixo de
um de umbu. eu disse: Moço, que farinha é essa? 52 foi uma seca
arrupiada também. ele disse: “Oh! Dona é uma farinha, uma farinha de
12
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
36
Licurizeiro. eu disse: “bota aqui um pouquinho.Mas quando eu botei na
boca: Rapaz, pelo amor de Deus, o que era aquilo? O bicho incha, crespa e
incha. Ai eu disse: “Me dê um bocadinho pra eu levar pra mostrar a mãe. Que
naquela época não dava pra saber o que era aquilo, vim saber em 52.” eu
trouxe, amostrei a mãe, que mãe morava mais eu. Oh, mãe, o homem tava
vendendo essa farinha aqui”. “Oh minha filha, é bró, chama bró.Bom, é
que eu fui saber o que era o bró, o bicho incha. E tudo isso dava, dava o
palmito, e pra não morrer de fome comia o palmito, comia o bró. muita
coisa o Licuri, agora o povo não valoriza o pé de licurizeiro, o gado
morrendo de fome, corta a palha e ainda vai dá pra comer.
13
Outro produto extraído do licuri era a torta, subproduto do esmagamento do
coquilho na fabricação do óleo. De acordo com Lima (1961, p. 31), até 1939, a torta
era importada pela Holanda e Dinamarca, devido a sua excelente qualidade
forrageira. Com a Segunda Guerra Mundial foi paralisado o comércio com esses
países, passando a ser feito com o sul do Brasil. Com o desenvolvimento da
pecuária leiteira baiana a torta começou a ser absorvida quase toda pelas granjas
leiteiras da Bahia. Em Serrolândia, a torta foi utilizada em pequena escala por
comerciantes que vendiam e transportavam o licuri para as fábricas de óleo,
retornando carregados do produto (ração), como lembra Valdomiro da Silva:
Eles vendiam o licuri, na fábrica extrai o óleo e o resto volta pra nois
aqui. Os fazendeiros muitas vezes a porco, a gado, vira ração, vem
tudo torradinho. O bom é que o mesmo caminhão que leva o licuri volta
carregado de ração. Isso já tirava o dinheiro do óleo do caminhão.
14
Além da ração, do bró, do da palha e tantos outros produtos, muitas
famílias sertanejas utilizam as hastes do licurizeiro na confecção de artesanatos, tais
como: chapéus, esteiras, vassouras, colares, brincos, sacolas e bocapios
15
,
confeccionados pelas mulheres que aprenderam, quando crianças, o ofício de tecer
as palhas do licuri. A renda obtida com a venda dos produtos artesanais era de
grande valia para o sustento da casa. Assim rememora comovida Deuzuita de
Jesus, artesã há mais de trinta anos:
Homem não tece não. Os homens trabalham na roça. A mulher tece e
toma conta da casa. Não atrapalha, porque você trabalha por sua conta
13
Idem.
14
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
15
É uma sacola confeccionada com palha de licuri e corda de sisal utilizada na região para diversas
funções como carregar mantimentos das feiras livres para a casa.
37
própria. Quer dizer que volevanta cedo, arruma sua casa, café a
seus filhos, quando é sete e meia, oito horas, você descansada,
trabalha até onze horas, onze e meia, você pára e vai fazer a comida,
pra você cuidar dos seus filhos suficientes, ganhar seu dinheirinho. É
pouco, mas foi assim que eu criei meus filhos, e hoje tem uma filha que
criando os dela assim tamm. Ela sobrevive disso aqui, sobrevive de tudo,
de roupa, calçado, de comer. Mas é como eu dizendo, não é comendo
como tem que se comer, o suficiente, mas sobrevive, nunca deu pra morrer
não.
16
Assim é que a palmeira Syagrus Coronata, o licuri, é considerada “ouro” verde
no sertão da Bahia, exatamente por conta de sua utilidade para sustentar famílias
inteiras, como bem disse Gervácio Maciel.
Além de todas as potencialidades apresentadas, o licuri tamm foi
utilizado como cosmético, principalmente pelas mulheres que, de maneira bastante
artesanal, fabricavam o óleo de licuri para hidratar o cabelo e a pele. Anatilde da
Silva conta como é o processo de fabricação:
Olha, é assim. Você quebra o licuri, quebra depois tira, e depois pega mais
os caroços depois de tirado. Torra, bota na torradeira, torra, quando ele
tiver torradinho, de acordo como você quiser ou mais queimado ou mais
cru um pouquinho. bota no pilão ou no moinho, depois que
machucadinho, depois que ele tiver oleoso, bem oleoso, bem pisadinho,
que você embalança ele assim, ela pingando, é porque o óleo,
certo? Aí, você bota um tacho de água no fogo, quando a água tiver
fervendo você joga dentro o licuri pisado. Ele cozinha bem e o bagaço fica
no fundo e óleo na beirada, aquele caldo. Você tira o óleo e bota em outra
vasilha e bota ele pra apurar, ele ferve, ferve, ferve. Você pega um tição de
fogo e joga dentro; se ele não zoar, no óleo puro, não tem nada de
água, apuradinho, apuradinho. você bota numa vasilha pra esfriar e
depois é só usar.
17
É importante enfatizar que os extrativistas, independente da idade e sexo,
cônscios do potencial da palmeira utilizavam-na para diferentes fins. Mas não se
pode negar que, em muitas atividades provenientes do ouricuri (artesanato,
raspagem do pó da palha, fabricação do bró, preparação de alimentos e “quebras” e
“tiras”), as mulheres lideravam tanto em quantidade, quanto em qualidade.
16
Deuzuita Maria de Jesus, artesã. Entrevista cedida à autora em Barra Nova, povoado da cidade de
Várzea do Poço, em 09 de janeiro de 2008.
17
Anatilde Maria da Silva, extrativista. Entrevista cedida à autora em Maracujá, povoado de
Serrolândia, em 18 de maio de 2002.
38
1.1 “No dia a dia do sertão, tem „quebras de licuri a rojão”.
A maior parte da população que vivia na região econômica denominada
Piemonte da Diamantina, em especial a partir da cada de 1940, era formada por
famílias camponesas que se dedicavam à pluriatividade, destacando o extrativismo
do licuri em pequenos lotes de terras. Os que não possuíam terras passavam a
trabalhar em propriedades, na condição de arrendatário ou parceiro (meeiro). Em
regime familiar os camponeses praticavam a atividade extrativa conhecida como
“quebras” e “tiras” de licuri.
Para entender as quebras e tirasde licuri de se privilegiar o estudo das
estratégias ativas e os sistemas de negociações dos grupos sociais, analisar as
práticas e as organizações sociais que resultaram da ação dos homens e mulheres
interessados em constituir condições de permanência social no viver cotidiano - um
espaço que depende ou é feito de transformações essenciais. Esse espaço, como
nos lembra Michel de Certeau
18
(1994, p. 202), é um lugar praticado, vivenciado no
cotidiano; e é nessa perspectiva que o tomaremos essa discussão.
O mesmo autor afirma que
O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em
partilha), nos proporciona dia após dia, nos oprime, pois existe uma
opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao
despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou
noutra condição, com essa fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo
que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio
caminho de nós mesmos, quase em retirada as vezes velada. (CERTEAU,
1996, p. 31)
O cotidiano é um território cheio de experiências pessoais. Pesquisar e
conhecê-lo é pensar sobre as astúcias sutis, as táticas de resistências com as quais
o homem comum altera os objetos e os códigos, adequando cada espaço a sua
maneira.
No dia-a-dia acontecem experiências profundas que merecem atenção por
despertar curiosidades e imaginação e por ensinar preciosas lições de vida. O
homem camponês tem as suas formas autônomas de organização, como os
18
A obra, A Invenção do Cotidiano 2: Morar e Cozinhar, foi organizada em conjunto com Michel de
Certeau, Luce Giard e Pierre Mayol.
39
mutirões nas atividades agrícolas. Assim, o cotidiano o é apenas a rotina, é
também uma integração que envolve atores sociais inseridos no mesmo espaço com
forte poder político. Conforme enfatiza José de Souza Martins,
São os simples que nos libertam dos simplismos, que nos pedem a
explicação científica mais consistente, a melhor e mais profunda
compreensão da totalidade concreta que reveste de sentido o visível e o
invisível. O relevante também está no ínfimo. É na vida cotidiana que a
história se desvenda ou se oculta (MARTINS, 2008, p.12).
O cotidiano é um espaço político privilegiado, onde todas as vivências de
diversas esferas se encontram. E as atividades de “quebras” e “tiras de licuri
favorecem esse encontro, uma vez que estão no cerne desta comunidade sertaneja
em estudo.
O extrativismo do licuri, desenvolvido por populações camponesas do sertão
da Bahia, era praticada em Serrolândia, predominantemente, por mulheres que se
autodenominavam quebradeiras de licuri. Elas extraiam o produto num regime
familiar e a atividade subsidiava a reprodução social dos grupos, dinamizava a
economia local e tamm conservava a biodiversidade e os saberes práticos
associados ao seu manejo.
Os termos quebras” e tiras de licuri m uma significação própria. Segundo
os extrativistas, “quebra“ era o momento em que as mulheres pegavam o ouricuri e
colocavam em cima de uma pedra e, com outra menor, batia, provocando assim a
quebra do fruto, e “tira” do licuri era o ato de separar o fruto da casca. O momento
de tirar o licuri envolvia maior quantidade de pessoas, acontecendo assim os
mutirões que se transformavam tamm em momentos de lazer.
O trabalho de extração do licuri apresentava características específicas e
seguia etapas até o beneficiamento, a saber: colheita, secagem natural no terreiro
da casa, quebra do fruto e retirada da amêndoa da casca. As etapas finais tomavam
caráter festivo, eram momentos transformados em rituais nos quais os camponeses
se ajudavam mutuamente em uma relação recíproca que renovava os laços de
solidariedade. Nas palavras de Paula dos Santos, quebradeira de licuri desde a
infância, podemos compreender a intensidade e o significado daquele momento:
Começava assim. Chegava ... fazia aquela rumona de licuri dentro de casa,
né? Aí, agora quebrava assim: umas dez latas de licuri e agora ajuntava todo
mundo, juntava assim, se quiser fosse as dez latas, bem, se não, umas
40
quarenta a cinquenta lata de licuri. Botava aquelas rumona no mei da casa
pra todo mundo, sentava tudo e agora tudo cantava, né? Cantano batuque e
roda, tem batuque e tem roda. É... agora cantava e quando terminava tudo,
agora limpava a casa e vortava ... acabava de limpar a casa e agora
vortava tudo dançano roda, cantano, pegando na mão do zunzoto cantano.
19
As “quebras e “tiras” de licuri se constituíam em um grande adjutório que
reunia a comunidade. Aquele era o momento de trabalho e lazer. Na fotografia
podemos visualizar um desses momentos.
FOTO 01: Tira de licuri. Fazenda Lagoa da Roça Serrolândia, em 04.05.2002.
Na fotografia, as mulheres aparecem em maior número, embora se possa
notar uma quantidade razoável de homens e a ausência de crianças, que elas
ficavam, geralmente, em outros espaços tamm tirando licuri. Naquele ambiente
todos se reuniam no intuito de se solidarizar, independente da idade e do sexo. As
“quebras” e “tiras de licuri eram momentos especiais, que era uma ocasião de
encontro da comunidade.
Segundo as entrevistas, a pouca mobília da sala e da cozinha era colocada
nos cantos, pois, no centro imperava o licuri quebrado e tirado. A iluminação da casa
era feita pelos candeeiros abastecidos com querosene e colocados sobre o licuri
19
Paula Ferreira dos Santos, extrativista. Entrevista concedida à Marcone Denys em Serrolândia, em
24 de janeiro de 2002.
Foto: Joseane Bispo Oliveira
Foto1
41
que, mesmo com pouquíssima iluminação, era descascado pelas mãos habilidosas
daquelas mulheres e homens, que sentavam no chão com os pés descalços e
levantavam quando acabavam de tirar a amêndoa de todo o montante ali
acumulado.
As relações de trabalho do meio rural estão intimamente ligadas a um
emaranhado de “conformismo e resistência”. Almerinda Maria de Oliveira nos diz
que, para ganhar dinheiro, ela “trabalhava na roça, mas nunca trabalhou no cabo da
enxada, trabalhava plantando feijão e mandioca, quebrando e tirando licuri, embora
existissem mulheres que trabalhavam na enxada”.
20
Nessas reminiscências
21
podemos compreender que homens e mulheres
tinham suas vidas relacionadas ao trabalho familiar, e as atividades brais eram, na
maioria das vezes, divididas por categorias de gênero. Afazeres manuais que
requeriam agilidade eram oferecidos preferencialmente às mulheres, daí a tarefa de
quebrar e tirar o licuri ser substancialmente feminina.
Neste sentido, Klaas Woortmann, em Com parente não se neguceia: o
campesinato como ordem moral (1990), enfatiza que o ponto central do campesinato
é o caráter familiar do trabalho e o princípio moral da reciprocidade que articula as
relações de sociabilidades entre parentes, compadres e vizinhos dentro de uma
lógica camponesa.
Para Carlos Rodrigues Brandão (1998, p 138), na geografia dos sexos, a
caça, a pesca e a agricultura são mais complementares do que de oposição. Não
, de maneira exclusiva, locais e atividades masculinas e femininas, o que importa
considerar é como, com presenças diversas nos mesmos espaços e através de
atividades desigualmente complementares, homens e mulheres e crianças realizam
a sua parte de trabalho em uma mesma atividade. Nessa mesma linha de
pensamento, Woortmann (1990) concebe o trabalho familiar como ética camponesa,
utilizada para socializar os indivíduos desde a infância.
A divisão social do trabalho no âmbito familiar não ocorre de forma
homogeneizada. A socialização no extrativismo começa aos seis ou sete anos para
meninas e meninos, quando são ensinados a como cortar o cacho e não desprender
20
Almerinda Maria de Oliveira, extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 15 de
setembro de 2005.
21
Para Alistair Thomson,(1997) as Reminiscências são passados importantes que compomos para
dar um sentido mais satisfatório a nossa vida, à medida que o tempo passa, e para que exista maior
consonância entre identidades passadas e presentes.
42
os cocos maduros, como arrumar os cachos para o transporte, como catar os frutos
no chão, de que maneira separar o bago das cascas etc. Há um grande investimento
em disciplinar as crianças para a atividade produtiva, responsabilidade atribuída pela
mãe incumbindo-as de tirar certa quantidade de licuri por dia.
Eu tive onze filhos, mas de trabalho mesmo foi oito, morreu três crianças.
Mas, tinha uns pequenos que não trabalhava, era que era novinho, mas
os outros todos trabalhava. Um ia quebrar o licuri, os outros ia tirar o licuri,
cada um recebia sua tarefa por dia, um era três litros, outros era quatro , os
maior era mais, e os menor era menos. Meus filhos pegou a trabalhar
moderninho, logo o pai caiu fora (grifo nosso). Aí, minha filha, botei pra
trabalhar foi com sete anos, seis anos, dava pra panhar um garancho aqui
na roça, vamos embora, meu filho. Pegava eles, levava, botava embaixo
do pé de pau, cozinhava nossa panelinha. Bom, era cortando o licuri, outra
hora era no sisal, e eles embaixo de um pé de pau.
22
Isabel de Jesus, em sua narrativa, faz uma revelação importante: a ausência
do homem como provedor da família. Ela usa a expressão “o pai caiu fora”,
justificando a necessidade da utilização da mão de obra infantil para ajudar no
sustento da família. Entretanto, o trabalho na infância faz parte da lógica camponesa
- a condição de herdeiro.
Muitos autores que estudaram comunidades camponesas no Brasil
enfatizaram a importância do trabalho infantil na transmissão de práticas,
habilidades e saberes historicamente acumulados (Cardel, 1996; Woortmann, 1988).
Joel Marins, ao estudar o processo de socialização na infância camponesa em
IItaberaí (Goiás), destaca que
A formação profissional e a construção do herdeiro exigiam que as crianças
fossem iniciadas no trabalho, sob a orientação dos pais ou dos
trabalhadores de geração anteriores, como parte do processo de
socialização profissional e ritualização da passagem para a vida adulta. As
gerações mais velhas atribuíam ao trabalho das crianças um significado
primordial em sua socialização, uma vez que elas se preparavam para a
vida adulta e para se tornarem agricultores ou donas de casa, assim como
foram seus pais. Nessa perspectiva, o trabalho assumia caráter
fundamental no ciclo da intergeracional dos camponeses. (MARINS, 2008,
p.25)
O elemento fundamental no campesinato é a força de trabalho familiar. Por
isso, as crianças estavam inseridas no extrativismo com o licuri desde os seis anos
22
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista.Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
43
de idade. Elas cresciam entre os adultos e aprendiam que era na labuta cotidiana
que se garantia a sobrevivência. Conforme explicita Nazira Vargas (1987), na
unidade produtiva camponesa, cada pessoa da família realiza um trabalho útil e
concreto, adequando às possibilidades pessoais até certo ponto, mas, sobretudo,
determinado pelas necessidades impostas pelas condições em que se desenvolve o
processo de trabalho.
O trabalho das crianças surge como uma necessidade de reprodução do
modo de vida camponês. Para Nazira Vargas (1987, p. 149), as crianças estão num
continuo fazer e aprender junto ao adulto. Envolvidas nas estratégias gerais de
sobrevivência, nas crenças e costumes, esta criança acrescenta à experiência de
vida algo que lhe é próprio, ou seja, a magia infantil.
Assim, as crianças intercalam brincadeiras a seus afazeres. O menino que
trabalha no corte do licuri confecciona cavalos, “mulinha de palha de licuri” com
arreios, orelhas e cauda, praticando uma forma peculiar de artesanato. Com
agilidade escolhe a palha da copa do licurizeiro e confecciona seu brinquedo.
Utilizando criatividade, faz daquele trabalho de cortar e carregar o licuri verdadeiros
passeios galopantes. E, desse modo, o trabalho, que pode ser repetitivo e estafante,
é transformado em folguedo que envolve prazer e alegria.
O trabalho infantil era organizado e coordenado pelas mulheres, já que o
trabalho feminino é substancial nas quebras” e tiras” de licuri. Por essa atividade
ser de subsistência, sua mão de obra garante o extrativismo, já que a maioria dos
homens era assalariado em regime temporário ou permanente, como afirma
Gervácio Maciel:
Os maridos iam dá o dia nas fazendas dos outros pra sobreviver. Os
maridos aceitavam e ajudavam nas tiras. Muitos deles chegavam de noite e
ia sentar com as suas mulheres e tirar o licuri até alta noite pra interar o
dinheiro da feira de bado. Aconteceu comigo agora, de pouco tempo do
ano de 60 e 70, eu trabalhei pros muitos serviços de pedreiro, carpinteiro,
eu trabalhava na região, trabalhando pros outros, e Maria ficava em casa
cuidando dos meninos e quebrando licuri. Quando chegava na sexta feira
de tarde e como o dinheirinho era pouco eu trazia o licuri aqui pra vender
pra interar o dinheiro da feira.
23
23
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
44
É evidente que, embora o homem participasse das atividades com o licuri,
dificilmente essa seria sua única atribuição profissional, diferentemente das
mulheres que, segundo Anatilde da Silva
24
, faziam das “quebras” uma profissão,
administrando o tempo entre os afazeres da casa, o cuidado com as crianças e o
trabalho com o licuri, todos para o bem estar da família. As mulheres administravam
o tempo com tanta sapiência que colocavam a panela de feijão no fogo de lenha e
voltavam antes que o alimento queimasse.
25
No interior da unidade produtiva familiar, o propósito central do trabalho é a
crião de meios de vida e a geração de um pequeno excedente que, uma vez
comercializado, possibilitaria, ainda que precariamente, a aquisição de outros
valores de consumo não gerados internamente. Sobre as responsabilidades
atribuídas a cada membro da família e o que considerava necessário e supérfluo,
Anatilde conta:
Com o dinheiro do licuri nós comprava roupa, prefume, coisa assim da
gente usar s mermo, que nós num comprava coisa de comer, porque
você sabe, a gente dentro de casa quem compra a comida é os pai da
gente, então nós só comprava coisa pra luxo, pra falar sincero era percata,
essas coisa.
26
Para aquele grupo, o homem é o provedor da casa, cabendo à mulher
complementar a renda familiar ou, em alguns casos com a ausência da figura
masculina, assumir a responsabilidade de mantenedora. De acordo com os
entrevistados na comunidade extrativista de licuri do sertão da Bahia, existiam duas
categorias sociais: os fracos e os fortes. Ellen Woortmann (1995), ao estudar o sítio
de Lagoa da Mata no estado do Sergipe, tamm apresenta o universo social dos
camponeses organizados através da oposição fracos / fortes. Segundo ela, quando
o sitiante se contrasta com o grande proprietário, a categoria sítio designa a
condição de fraco, enquanto a propriedade de terras corresponde à condição do
forte.
Na comunidade camponesa aqui estudada, a diferenciação entre as duas
categorias ocorre dentro da mesma perspectiva apresentada por Ellen Woortmann.
24
Anatilde Maria da Silva, extrativista. Entrevista cedida à autora em Maracujá, povoado de
Serrolândia, em 18 de maio de 2002.
25
Para uma análise aprofundada sobre o tempo e a voz do trabalhador, ver SANTANA (1998).
26
Anatilde Maria da Silva, extrativista. Entrevista cedida à autora em Maracujá, povoado de
Serrolândia, em 18 de maio de 2002.
45
Os considerados fracos o aquelas famílias que não possuem terras, vivem nas
propriedades alheias, trabalhando como vaqueiros, arrendatários, ou macaqueiros.
os fortes são as famílias que possuem terras, independente da quantidade, ou
seja, não dependem de outras famílias para sobreviver naquela comunidade. A
idealização da terra como patrimônio é quase unânime entre os camponeses uma
vez que,
A terra para o campesinato não é objeto de trabalho, mas expreso de
moralidade; não é natureza que se projeta o trabalho de um grupo
doméstico, mas patrimônio da família, sobre a qual se faz o trabalho que
constrói a falia enquanto valor; a terra não é coisa ou mercadoria.
(WOORTMANN, 1990, p. 12)
O sentido empreendido à terra pelo campesinato não é de valor econômico,
mas, sobretudo, ético. Por isso, as famílias que se consideravam fracas almejavam a
posse da terra para garantir o trabalho, a reprodução da família e a herança. A
entrevistada Alizandrina do Nascimento nos deu uma informação importante sobre a
prática do extrativismo pelas mulheres fracas e fortes:
As muié de condição que quebrava o licuri era pouca, era alguma que se
interessava pelo esporte. Mas quebra o licuri nóis pobrizinho, sem
estilo, era nóis fraco, pobrizinho que tinha que lutar. Era o pobrizinho que
tinha esse encasqueto
27
.
Não dúvidas, tanto as famílias fracas quanto as fortes extraiam o licuri. A
diferença era a quantidade e o uso da renda obtida pelo produto. De acordo com os
entrevistados, os fracos utilizavam o dinheiro adquirido com o coco para comprar a
alimentação e, quando restava algum, comprava as besteirinhas” ditas supérfluas,
pensamento resumido no dito popular, “primeiro o bucho, depois o luxo”. Os
considerados fortes, que não eramo fortes assim, se diferenciavam do outro grupo
porque possuíam um lote de terras e alguns animais, no entanto, tamm
quebravam e tiravam licuri.
Mas, qual era o destino dado ao dinheiro obtido na extração do licuri?
Segundo a extrativista Anatilde da Silva, o licuri era comercializado por valor irrisório
e por isso,
27
Alizandrina do Nascimento, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá Serrolândia,
em 01 de agosto de 2004.
46
Homem não queria pegar dinheiro de licuri, era mais as moças e as muié.
O dinheiro era pouco, as moças pegava pra comprar coisa de moça
mesmo, o cheiro,[perfume] a roupa, o calcado, o que dava. As meninotas
comprava balas, doces, brinquedos. As mães de família tamm comprava
um bocado de coisa, porque elas era quem quebrava, que fazia 20,30,40
latas de licuri, era pra comprar qualquer coisa. Eu ouvi dizer que aquela
Dene, filha de Joana do finado Pedro comprou até gado com dinheiro de
licuri, mas tinha que trabalhar muito, Ave Maria, fazia futuro. Ela pagava
pra cortar, que tem uma tia dela que é cortadeira de licuri. O! Todo ano
ela tinha o trocado dela. Agora, aquelas mais fracas, era só de consumo de
comprar qualquer coisa.
28
As diferentes faixas etárias comercializavam o licuri e davam ao pecúlio
recebido destinos diferentes no mercado comercial do município. Os extrativistas
fracos e os fortes usavam o lucro obtido com o licuri para distintos fins. Enquanto
algumas investiam o valor recebido em produtos de uso individual - ou até mesmo
em “poupança” - almejando bens, as mais desprovidas de recursos financeiros se
limitavam a ajudar nas despesas domésticas.
Todas as mulheres, da franqueza, as fracas quebra o licuri. Não tinha nada
a fazer, era o jeito quebrar o licuri. Quebrava porque, se não, não comia, ou
então se fosse muito preguiçosa, ou então doente. Se as mulher na
fraqueza não se movimentasse acabava passando fome. O licuri tava no
pasto, então era demais ficar parada, só se eu tivesse morta.
29
A falta de um estado de bem-estar social para as famílias era destaques em
matéria de jornal da época, impossibilitando aos cidadãos perspectivas de
crescimento e ambições capitalistas que a pobreza e a miséria grassavam a
região. O articulista de uma matéria afirmava que sem progresso não se pode falar
em civilidade:
(...) Daí o dizer-se que nem toda civilisação é civilisada.
“A iia de progresso é inseparável da de civilisação. Karl Marx acha que
toda a civilisação (direito, família, arte, ciência, moral, etc.) é apenas o
produto, o reflexo das condições econômicas”. Tem plena razão o fundador
do marxismo. Não progresso nem civilisação sem abundancia de
riquezas. Esta zona não se póde dizer civilisada com a pobreza que
vemos. Cerca de 80% da população vive na miséria, mal alimentada,
farroupilha, doente e sem nenhum conforto. Só não moram nas tócas como
os primitivos porque é mais fácil fazer-se uma cobertura de palha de
ouricuri ou palmeira que limpar uma daquelas. Há pais que ganham 4 e 5$
semanais para o sustento próprio e da família que, quando é pequena, é
28
Anatilde Maria da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá, povoado de
Serrolândia, em 18 de maio de 2002.
29
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
47
de 5 pessoas. Outros que nem toda semana ganham isso; na época de
roçagens ou plantações
30
. (Sic)
O autor da matéria jornalística apresenta, de forma bem sutil, certa criticidade
em relação ao município. Segundo ele, era inconcebível afirmar que o progresso e a
civilização estavam presentes se a situação da maioria dos habitantes era
subumana, e os agricultores não dispunham da infraestrutura necessária para uma
vida mais confortável e digna. Notamos, aqui, que o teor da matéria do jornal
referenda o que está na memória dos extrativistas do licuri.
A nossa vida era dura. Tinha que trabalhar muito todo dia pra sustentar a
família. Eu mesmo conseguia, mas tinha outros que não tinha nada,
passava até fome, morava em ranchinho de palha de licuri na beira da
estrada. Trabalhava nas roças do povo, quando achava. Era dureza, a
nossa sorte era que licuri tinha adoidado.
31
Como nos disse o entrevistado, existia ummero considerável de licurizeiros
no território do Piemonte, mas, o eram acessíveis a todas as camadas sociais.
Muitas famílias não possuíam terras e dependiam diretamente de fazendeiros para
explorar o licuri. Esses proprietários de terras quase sempre se mostravam arredios,
preferindo deixar o produto apodrecer embaixo da palmeira a oferecer às famílias
que desejassem aproveitá-lo. Eles alegavam, muitas vezes, que estas pessoas
entravam em suas propriedades e provocavam danos ao destruir cercas, abrir
caminhos, pisar no capim e deixar porteiras e cancelas abertas, facilitando a saída
do rebanho.
Em seu trabalho, Lenir Lima (1961) apresenta como era o regime de
exploração do licuri naquele período:
Os licurizeiros existentes nas terras cercadas são mais ou menos
respeitados devido às proibições. Assim com menos freqüência o coletor
penetra-as, para apanhar os frutos, mesmo porque o gado caprino se
encarrega de recolhê-los. Nas terras não cercadas de muitos municípios
onde o licuri vegeta em profusão, o dono ou titular da terra não se
incomoda com a apanha do coquilho nem mesmo procura participar do
negocio, através da compra por preço mais barato que do mercado (LIMA,
1961, p. 25).
30
Notas Agrícolas. Jornal O Lidador. Jacobina (Bahia), 17 de novembro de 1933. Numero 11, pg. 1.
31
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
48
Portanto, ser dono da terra ou ter permissão dos proprietários dele era
essencial para a extração do licuri. Eram pouquíssimas as propriedades que não
possuíam cercas, dessa forma, entrar no terreno alheio caracterizava furto. Mas nem
sempre as cercas eram respeitadas, algumas práticas eram cometidas por algumas
pessoas, como por exemplo, cortar licuri sem autorização do proprietário, correndo o
risco de serem descobertos e de ficarem sem o monte” de licuri, pois, geralmente o
dono das terras carregava para a sua casa, deixando-as de mãos abanando”. É o
que se pode notar na narrativa de Hermínio da Silva:
Quem não tinha terra, cortava o licuri na terra dos outros, de meia. Mas
tinha aquele povo descarado que entrava na terra alheia e cortava o licuri
escondido. Quando o dono achava era aquela rumona no meio do pasto.
Aí, só de raiva, pegava o jegue e colocava os cassuá e carregar pro terreiro
pras galinhas e os porcos chupar.
32
Assim, as famílias que não possuíam terras recorriam às práticas centenárias
de meação. Como afirma Nazira Vargas (1987), o uso da terra pelo campesinato era
o meio de produção fundamental, objeto de trabalho de onde se retirava os meios de
vida da família. Alguns excedentes da terra eram vendidos para adquirir produtos
que o eram produzidos dentro da própria unidade de subsistência. Para os
camponeses, ser dono da terra fazia parte de uma ordem moral. Sobre a oposição
entre dono e proprietário de terras Klaas Woortmann diz que,
Dono é também uma categoria moral entre os sitiantes, opondo-se à de
proprietário. Enquanto está ultima remete a uma ordem econômica, onde a
terra é mercadoria, e a uma lógica jurídica coerente como tal ordem, a
primeira remete a uma ordem moral, onde a terra é patrimônio e
transmitida como tal, de geração a geração, segundo padrões camponeses
de herança que variam de lugar, mas sempre espelham essa ordem moral.
(Bourdieu, 1962; Moura, 1978; Greven, 1970; K. Woortmann, 1986ª; E.
Woortmann, 1987). (Woortmann, 1990, p. 28).
A terra não é tomada como mercadoria, e sim como parte integrante na vida
cotidiana. Tomando de empréstimo as palavras de Maria Antonieta Antonacci (1999,
p. 196), a natureza é parceira dos extrativistas, com quem eles compartilham o viver,
o trabalhar, o pensar, as crenças e os valores que fazem parte do ser e do pensar
da comunidade e constituem as matrizes da cultura.
Os camponeses da região em estudo mantinham vínculo direto com a terra e
32
Hermínio Bispo da Silva, comerciante. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 16 de
março de 2008.
49
construíam significados próprios com dinâmicas e ritmos particulares fixados em
acordos verbais para extrair o licuri principalmente com a meação.
Eu nunca tive terra, trabalhei muitos anos na terra de Valdetrudes. Depois
fiz uma roça lá em Hermes Amargoso. Eu ia pra roça e os meninos ficavam
trabalhando no sisal, ficava quebrando licuri. Quando chegava de noite e,
umbora tirar licuri, era pra fazer a feira, pra comer e comprar a roupa, e
nisso a gente conseguimos até o fim.
33
O sistema de meação é um processo que envolve a negociação entre o
proprietário das terras e os extrativistas. Nessa atividade, o trabalho é
predominantemente familiar fundamentado na subsistência, envolvendo diretamente
a mão de obra feminina. Enquanto os homens laboram como volantes na terra dos
fazendeiros, suas esposas “embocamna capoeira para cortar os cachos de licuri e
carregar para seu terreiro ou do proprietário das terras, decisão que era determinada
pela distância.
A meação, a divisão propriamente dita, ocorre após a secagem, quando o
produto é dividido em partes iguais. Como grande maioria dos fazendeiros o
quebrava o licuri, ele era vendido na casca tanto para o extrativista como para outros
compradores interessados que tamm poderiam se tornar meeiros nesse processo.
Vale ressaltar que os proprietários não trabalhavam em nenhum momento,
participavam da divisão do produto. Lenir Lima (1961, p. 26) confirma esse fato ao
registrar o sistema de meação na área em estudo, afirmando que “muitos
proprietários da Encosta da Diamantina estão recebendo como renda da terra,
50% dos frutos coletados, os quais, normalmente, são vendidos a outros para serem
quebrados e comercializados”.
Para o proprietário das terras a meação era favorável, que, assim, evitava
os furtos, a entrada de estranhos na sua propriedade, obtinha o lucro com o
extrativismo sem gastar nenhuma quantia e, principalmente, estabelecia uma
relação paternalista com o meeiro. Para Nazira Vargas (1987), a história social do
camponês é a história permanente de captura pelo capital de todos os meios de
produção, basicamente da terra e de sua força de trabalho.
O número de camponeses extrativistas donos da terra era consideravelmente
33
Isabel Maria de Jesus (Nêga). Extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
50
pequeno. Por isso, o sistema de meação era a alternativa mais utilizada para ajudar
no sustento da casa. Alizandrina narra como acontecia a meação e, emocionada,
reconhece a exploração sofrida por ela e suas filhas.
Eu tinha um cercaduzinho e o licuri era pouquinho. Então, agora era de
meia, Dona Maria dava era de améa, as menina panhava até 100 latas de
licuri. E carregava na cabeça, que Dona Maria e Seu João não dava nem
um jegue pelas carregar. o dá pra pedir segredo não, menina, porque
não pra pedir segredo. O pobre véio, que num tem as coisas, o véio
então é obrigado, menina! O meu marido trabaiava no macaco e a muié
num tem nada de que valer e então a muié trabaia de licuri de améa. Em
tudo nois era explorado.
34
O sentimento de exploração é contraposto por um conformismo instituído,
reforçado pelas condições sociais e grupais. Os extrativistas se queixavam da árdua
labuta com o licuri e em suas narrativas estão marcadas as conseqüências desse
labor. As mais freqüentes são as dores na coluna, resquícios do movimento
repetitivo de ficar de cócoras para catar o licuri que se desprendia do cacho, e o
peso carregado no casco da cabeça para transportar o licuri para o terreiro, uma
vez que nem todos os extrativistas possuíam o jegue, o animal que mais prestava
serviços naquela comunidade.
Eu cortava o licuri sozinha. Minha vara era como daqui [aponta para
longe] e amarrava numa faca e era puxar. Eu carregava na cabeça
mesmo, nesse tempo nós não tinha jegue o. Só tinha um carro [carro de
boi], um carro do marido e era pra ele fazer os negócios dele, e eu era
na roça, no caco da cabeça, e é por isso que tô aleijada. Cortava, enchia o
cesto e vinha no terreiro, e tornava vortar, cortar outro cesto e despejar.
35
Um fenômeno comum à área de economia doméstica de subsistência foi (e
ainda é) o retalhamento das propriedades em porções cada vez menores. Por isso,
os camponeses necessitaram do sistema de meação, de trabalhos temporários e
dos arrendamentos para sustentar as famílias. O caso da exploração do licuri é
apenas um exemplo.
O licuri era nosso mesmo, do meu pai. Não comprei licuri na mão de seu
ninguém. O licuri perdia, ficava aquela rumona, nós pegava e quebrava.
34
Idem.
35
Joana da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracu Serrolândia, em 01 de
agosto de 2004.
51
Quebrava até que nós enjoava, nós dava de ameia, vendia as latas
pronta as pessoas que não queria cortar ou não tinha. Vender as latas
pronta era bom porque como recebia de meia, não tinha trabalho
nenhum.
36
A meação era alternativa tanto para a extração do licuri como para os plantios
das roças de feijão, mandioca e milho. A divisão acontecia de forma convencional
fixada em acordos verbais, assim como ocorria com o licuri. Mesmo que a lavoura
prosperasse, os produtos eram, na maioria das vezes, insuficientes para sustentar a
família, e os camponeses necessitavam vender a força de trabalho para outros
proprietários. Esse tipo de atividade é conhecida na comunidade como trabalhar de
macaco
37
, talvez tenha esse nome por fazer referência ao símio, já que os
trabalhadores, tal qual esse animal, viviam de galho em galho, vendiam sua força
de trabalho para diferentes patrões.
Os macaqueiros são homens que se envolvem em diversas atividades como
carpir a terra, plantar e colher produtos agrícolas, fazer roçagem etc. A remuneração
que esses trabalhadores recebiam era considerada injusta. Trabalhavam nove horas
diárias e tinham apenas uma hora de almoço, o qual se restringia a uma farofa com
carne do sol e água. Essa realidade era tão difícil que deixou marcas profundas nas
memórias daquelas pessoas. Gervácio Maciel, que vivenciou essa situão, relata
emocionado o seu esforço para sustentar a família:
As pessoas do povoado trabalhavam na roça, nas fazendas de quem tinha
terreno, quem não tinha terra, as véiz, ia trabalhar prus outros pra ganhar
dinheiro, no macaco. Sempre era assim, quem não tinha terra era muito
pobre. (...) O povo vivia mais ou menos, o negócio bem diferente porque o
dinheiro era pouco, né? Eles ganhava um pouquinho, fazia economia,
passava uma vida misevel, de fome. Vamos dizer, quem vivia naquele
tempo ganhava um mil reis, mil e quinhentos por dia que era 500 réis, né?
Nas mãos dos fazendeiros e até recebia vamos dizer 5 dias, 5 mil is por
semana, e assim ia comprar a farinha, o feijão, a carne.
38
O arrendamento de terras poderia ocorrer por períodos curtos ou longos,
dependendo da necessidade das famílias e do acordo com o proprietário. Assim,
famílias que não possuíam propriedades arrendavam um pedaço de terra para
36
Anatilde Maria da Silva, extrativista. Entrevista cedida à autora em Maracujá, povoado de
Serrolândia, em 18 de maio de 2002.
37
No sul da Bahia também se utiliza essa expressão para designar os trabalhadores que prestam
serviço como diarista. Ver: NETO. Dicionário das roças de cacau e arredores.
38
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
52
cultivar e em troca entregavam o terreno coberto de pastagem para gado. Nesse
processo, o fazendeiro se coloca como protetor e a comunidade lhe consagra
respeito e admiração.
De acordo com Nazira Vargas (1987, p. 156), o valor que os camponeses
recebiam era insuficiente para suprir as necessidades, apesar de desempenharem
as funções propostas, tendo os mesmo que contar com os meios de vida que são
produzidos no interior da sua comunidade doméstica. Assim, um único indivíduo no
transcorrer da sua vida pode ser meeiro, pequeno proprietário, rendeiro, diarista,
assalariado, trabalhador volante. Como considera Charles Santana (1998), as
relações de trabalho no campo baiano não são dadas, mas cotidianamente
pensadas e objetivadas como prática social, no contexto de todo um modo de vida e
luta.
1.2 Comercialização do licuri
O extrativismo do licuri foi uma das bases econômicas e sociais dos
camponeses do sertão da Bahia até a última década do século XX. O alto índice de
produção gerou relações comerciais em âmbito regional, estadual e até nacional
39
.
Podemos constatar nos gráficos 2 e 3 a seguir, a alta produtividade do licuri na
Bahia e no município de Jacobina
40
, respectivamente:
39
Na narrativa de Valdomiro da Silva, funcionário de um depósito de compra de licuri há 40 anos, ele
conta que o comércio do produto foi feito com empresas até do Rio de Janeiro.
40
Os dados do município de Jacobina incorporam a produção do licuri de Serrolândia uma vez que a
emancipação política do local só ocorreu em 1963.
53
Gráfico 2: Produção de licuri no Estado da Bahia de 1947 a 1959.
Fonte: Adaptado pela autora a partir dos dados de Fernando Pedrão Departamento Estadual de
Estatística da Bahia.
A comercialização do coquilho de licuri na Bahia foi grande. Em 1950 a
produção no Estado superou a marca anual dos 3.000.00 quilos. A alta
comercialização, a partir da segunda metade do culo XX, ganhou mercado nas
industriais de sabão e óleo comestível. De acordo com Lenir Lima (1961), as
fábricas que preparavam o óleo de licuri passavam toda a safra - quatro meses por
ano trabalhando ininterruptamente, 24 horas por dia para realizar as atividades, no
caso, a retirada do óleo. Valdomiro nos conta como se dava o movimento dentro de
uma fábrica de óleo de licuri:
na fabrica eles tem um negócio grande, nós joga o licuri aqui no chão.
s encosta o caminhão aqui e descarrega, abre os portões lá e tem um
negócio parecendo uma concha que sobe e leva o licuripra cima. Lá pra
cima, ele já tem um cano que joga pra perto assim, e vem pras máquinas lá
na frente e vai e recebe um calor uma quentura, de num sei quanto grau lá,
e cai lá e entra dentro das quinas, e sai aqueles bolos, aqueles negócios
assim, e sobe dali e passa pra e vai pra lá, e entra dentro daquelas
maquinas e sai aqueles bagaços lá e o óleo sai lá, sujo, sai da cor
desse chão aí. Ai você pensa: Que óleo desgraçado é esse? Como pode
um negócio desse?” E tem umas biquinhas ali e vai pro tanque, e tem
uns negócio que recebe que tem algodão, eu não sei como é. Sei que sai
fora nuns tanques que parece esse papel aqui, alvinho, branquinho,
branquinho, branquinho, mesmo, alvinho, alvinho, alvinho, mesmo.
41
41
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licurimais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
Produção por Kg
54
As entrevistas e o gráfico apresentam a comunidade extrativista em estudo
como um dos locais que mais comercializou o coquilho do licuri no município de
Jacobina.
Gráfico 3: Produção de licuri no município de Jacobina de 1947 a 1959.
Fonte: Adaptado pela autora a partir dos dados de Lenir Lima (1961, p.21).
Observando os dados do gráfico, percebemos que houve aumento
considerável na extração do coquilho, sobretudo a partir de 1950 quando a produção
passou de menos de 100.000 kg (registrado no ano de 1948) para aproximadamente
700.000 kg. Esse crescimento se deu em virtude de certos aspectos citados
anteriormente, como a decadência da extração do de palha e a presença das
secas que assolaram a região. A partir do ano de 1951 o declínio na produção foi
menor, elevando-se bruscamente no ano de 1959. A intensidade da comercialização
do licuri era recitada pelos extrativistas em momentos de descontração:
Sessenta só é bom
Por causa do licuri.
Por causa do licuri,
Eu comprei um bom relógio,
Vestido te prometi
42
42
Cantiga de domínio popular recitada por Paula Ferreira dos Santos, extrativista. Entrevista
concedida a Marcone Denys em Serrolândia, em 24 de janeiro de 2002.
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1947
1948
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
Produção por Kg
55
Como visualizamos no gráfico e notamos no verso da extrativista, no início de
1960 o preço e produção do licuri foram acrescidos no mercado industrial. A
memória dos comerciantes também é marcada por esse momento:
Nossa região muito licuri, ele gosta dessa região seca. Na safra se
vendia trinta toneladas, que vai ser dois caminhões, que o 30 mil quilos
por semana. anos atrás se produzia até 50 toneladas, três caminhões
mais ou menos.
43
Mesmo com a alta produção do coquilho, o município de Jacobina não
beneficiava e nem industrializava o licuri. Na Bahia, as fábricas de produção de óleo
se concentravam na capital e cidades como Feira de Santana, Senhor do Bonfim,
Vitória da Conquista e Santo Antônio de Jesus, entre outras.
Para que o licuri do sertão da Bahia chegasse à indústria existia uma cadeia
comercial organizada. Segundo Manuel Correa de Andrade (1992, p. 72), os
camponeses que viviam em lugares distantes e de difícil acesso costumavam se
dedicar à policultura, cultivando produtos sicos para a sua alimentação e
vendendo os excedentes nos mercados das mais próximas vilas e pequenas
cidades. Esses mercados se resumiam em dois espaços: as feiras livres para
comercializar produtos da agricultura e os depósitos comerciais para venda do licuri
e da mamona.
O comerciante do coquilho do licuri contava com muitos intermediários que
compravam o excedente da sua comunidade e estocavam até obter quantidade
relevante para levar aos depósitos comerciais. Se por um lado os atravessadores
tinham papel de destaque no processo diminuindo a distância da venda dos
produtos - por outro lado, acarretavam prejuízos, pois impediam a comercialização
direta dos extrativistas com a indústria como nos mostra a figura a seguir.
43
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri há mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
56
Figura 2: Comercialização do licuri no município de Jacobina.
Fonte: Pesquisa de campo realizada pela autora.
Como está configurado acima, o processo de comercialização do licuri é uma
rede que envolve, num primeiro estágio, extrativista e atravessadores. o
comerciante é quem mantém contato direto com as indústrias, no que se constitue, o
último estágio do processo de comercialização. Vale ressaltar que os
atravessadores estão atrelados aos comerciantes, pois recebiam deles o capital de
giro para comprar o produto e, como a palavra tem valor inestimável no meio
camponês, não se assinava nenhuma carta de débito na transação comercial. Era
um acordo firmado entre homens que findava quando o atravessador entregava
ao comerciante a mercadoria comprada. Valdomiro da Silva explica com propriedade
a rede de comercialização do licuri:
É assim, o dinheiro e a balança, e o cliente vai comprando a
mercadoria. E se é cliente certo, ele [atravessador] vai trazendo
mercadoria. Traz aqui no depósito o licuri todo e depois pega o lucro dele e
some pra lá. Depois torna comprar mais e tornar trazer. Aqui a gente vende
57
para as empresas que faz sabão. Agora, outros enrolam, outros não vêm
aqui comprar, vai e desiste, como tem um cliente na roça. O dono do
depósito perde.
44
Assim como descreve o entrevistado, nem sempre os acordos verbais
terminavam de maneira harmoniosa. Como a relação entre comerciante e
intermediário não era formalizada, registramos em entrevistas algumas situações de
tensões e conflitos. Segundo James Scott (2002), os camponeses resistem às
condições socais que lhes são impostas no seu próprio cotidiano, sem produzir
manchetes de jornais empreendendo o que ele chama de microrresistência, que
É qualquer ato de membros de classe que tem como intenção mitigar ou
negar obrigações (renda, impostos, deferências) cobrados à essa classe
por classes superiores (proprietários de terras, o estado, proprietários de
máquinas, agiotas ou empresas de empréstimos de dinheiro) ou avançar
suas próprias reivindicações (terra, assistência, respeito) em relação às
classes superiores. (SCOTT, 2002, p. 24)
Utilizando o conceito de Scott, as microrresistências empreendidas pelos
extrativistas e atravessadores consistia em comprar o licuri e não entregar o produto
ao comerciante; outras vezes, ocorria de comprar fiado ao extrativista e o pagar.
Essas ações nem sempre eram vistas como formas de resistências, e na maior parte
das vezes maculava o caráter do negociante, porque para aquela comunidade a
palavra de um homem condiz com sua honra; assim, o descumprimento da palavra
significava a perda de confiança.
O cara tomou dinheiro emprestado, pintou e bordou e lá vai. Eu fui lá duas
vezes buscar a mercadoria e nada. Aí, não tem boca não. Jaime mandou
eu ir e trazer a mercadoria e a balança. E disse: mande vim acertar
conta que ele não comprando nada, não vai comprar mais mesmo.
Trouxe a balança e a mercadoria que ele tinha, e ele ficou com o vale
anterior. Eu dei o recado e ele chegou aqui zangado, quase bate no
homem aqui, deu pra brabo. Pra poder encurtar a história, o pai foi quem
pagou. Então, para comprar mercadoria a pessoa encontra muito disso
aqui.
45
Os intermediários poderiam ser indivíduos de grupos sociais diferentes, como
proprietários de terras, meeiros, rendeiros ou pequenos comerciantes. Nessa
44
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
45
Idem.
58
negociação ocorria um estreitamento nas relações sociais. Os comerciantes
abastados possuíam armazéns nas cidades e vilas próximas, enquanto os
atravessadores, habitantes do campo, tinham bodegas que abasteciam as famílias,
sendo muitas vezes transformadas, tamm, em depósitos de compra de licuri.
Eu tinha uma venda na roça, uma bodega, perto da minha casa. Na venda
tinha café, açúcar, óleo sabão, essas coisas. Mas eu tamm comprava
licuri e mamona, o povo daqui na região vinha vender o licuri e levava
pra casa a feira. Depois eu pegava o licuri e entregava pra Jaime, lá no
depósito dela e ele é quem vendia lá pras fábricas de sabão.
46
Os atravessadores tinham relevância e representatividade principalmente no
meio comercial em que atuavam, uma vez que eles concediam dinheiro a juros
elevados, adquiriam a produção antes da colheita ou emprestavam valores para
garantir a fidelidade comercial. Esses aspectos estão marcados nas reminiscências
de Isabel de Jesus:
no depósito de Jaime, nunca faltou dinheiro, quando a gente queria o
dinheiro ele dava o dinheiro e na outra semana a gente trazia o licuri, e se
não desse tornava dá outro vale. Era assim, eu vendia lá. A gente vendia o
licuri sempre pra ele, outros vendia no depósito de Dalmir, eles eram os
maiores. Agora, de nós não sabia pra onde o licuri ia. Pra mim, o que
importava era que Jaime sempre comprava meu licuri, nunca me deixou na
mão, pouco ou muito ele pagava nosso dinheiro. Hoje nós sabe que ele
ganhava muito real [dinheiro] nas costas dos fracos que vendia o licurizinho
bem baratinho.
47
As informações sobre o mercado comercial do licuri eram escassas. Os
extrativistas não percebiam a dimensão econômica que o licuri possuía nas
indústrias, e os comerciantes não faziam questão de informar. Talvez temessem que
os extrativistas, sabendo da valorização do produto para as indústrias,
aumentassem o preço, o que, consequentemente, diminuiria o lucro.
O comerciante camufla as relações econômicas entre o industrial e o
extrativista. Segundo Therezinha Fraxe (2000 p.157), a rede de intermediários é,
assim, um componente forte para a não percepção, por parte dos camponeses, da
apropriação de seus excedentes gerados na produção. Na maioria das vezes, o
46
Hermínio Bispo da Silva, comerciante. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em16 de
março de 2008.
47
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
59
produto fabricado com o óleo de licuri, como as barra de sabão, voltavam para as
prateleiras dos armazéns do sertão. Porém, os camponeses desconheciam o uso do
licuri naquele produto e não reconheciam aquele como parte de seu trabalho.
De acordo com as entrevistas, é possível dizer que as relações comerciais
com o licuri chegavam a representar cerca de 50% da renda daquelas famílias. Mas,
o que era pago pelo quilo do coquilho não proporcionava aos extrativistas grandes
lucratividades e, para aumentar os ganhos, eles tinham que intensificar a jornada de
trabalho ou então criar estratégias de resistências para ludibriar os
intermediários/comerciantes.
É um trabalho nojento, desgraçado, você senta, pica o pau a quebrar, é
pau, pau, pau, as mulheres daquela época, aquelas trabalhadeira,
quebrava até dez latas por dia, mas pra tirar era mais de doi dias, era uma
semana pra fazer uma mixaria. Se quisesse aumentar o dinheiro tinha que
trabalhar mais, mais, mais.
48
Nos depósitos, antes de ser comprada, a mercadoria passava por uma
fiscalização que analisava se o produto era de qualidade seco e limpo. Contudo,
buscando aumentar os lucros, os extrativistas burlavam os depósitos comerciais,
utilizando artifícios simples, desde molhar o licuri ou deixar algumas cascas e, até
mesmo, colocar pedras para aumentar o peso. Na concepção de Scott (2002, p.19),
a sabotagem é uma forma cautelosa de microrresistência. Nas entrevistas as
estratégias de resistência foram relembradas por Valdomiro da Silva:
Aqui chega muito licuri sujo. Não tem jeito, quem compra uma quantidade
grande não tem jeito, você compra de um, de outro. Às vezes, aqui a gente
manda voltar, mas tem um cliente que compra pra você, ele compra
ruim, aí vovai pegar a mercadoria lá no depósito ensacada lá, toda
coisada, você não descobre. Quando chega lá na fábrica que despeja,
você acha um abodo dentro do saco e uma pedra. Fazer o quê? Eles
querem ganhar mais um dinheirinho. Mas, se a gente ver, manda voltar.
49
Os “espertos”, quando desmascarados, perdiam completamente a confiança
dos comerciantes e a sua mercadoria recebia fiscalização mais acurada. Mesmo
assim, as relações comerciais não eram abaladas, continuavase vendendo e
48
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
49
Idem.
60
comprando o licuri naquele mesmo depósito. Isabel de Jesus nos falou sobre a
situão constrangedora que acompanhou em um depósito comercial na cidade de
Serrolândia:
Olha, você sabe. Pra vender o licuri, tinha que biatar, porque o licuri limpo
tinha um preço e o porco era relaxado. Era prejuízo pro dono do deposito,
era obrigado botar a mulher pra catar as cascas. Despejada lá, e agora
ajuntava aquele lote de mulher para catar as cascas. Coitadas, fazia aquilo
pra aumentar o preço e comprar mais um quilo de açúcar.
50
Os camponeses sabiam que eram explorados e apelavam para alguns
artifícios com o intuito de aumentar o lucro na venda do licuri, embora não se
percebessem trapaceiros. Até porque, não podemos generalizar e acreditar que
todos os extrativistas fizessem dessa prática um ofício constante. A entrevista de
Isabel de Jesus mostra duas concepções distintas para explicar o que é trapaça e o
que é aceitável na comercialização do licuri.
Agora, eu não fazia disso, eu quero saber da minha consciência. Mas que
tinha gente que fazia. Agora, barrufar o licuri, não molhar, barrufar eu
barrufava, pra falar a verdade não existe castigo, passava um barrufo
longe, mode ele unir porque tinha vez que ele era muito seco, mas não pra
molhar. Agora de casca, não, não. Até pedra tinha gente que botava, é pra
você ver as coisas do mundo.
51
A comercialização do coquilho sustentou diversas famílias do Piemonte da
Diamantina. Impulsionadas por uma gama de fatores, muitas famílias fizeram do
extrativismo do licuri uma luta pela sobrevivência. De acordo com o agroextrativista
Gervácio Maciel, “o licuri foi bom para o dono do depósito e para a população pobre
da região que se valendo das sociabilidades promoveram no dia a dia do sertão
“quebras” de licuri a rojão”.
52
50
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
51
Idem.
52
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista cedida à autora em Serrolândia em 13 de setembro de
2005.
61
CAPÍTULO II
2. “Quebras” e “tiras” de licuri: experiências de sociabilidade.
A gente que vivia pela roça fazia aqueles dijitoro
53
, e a gente vivia assim.
Quando vinha o tempo da chuva como tá agora, era o tempo de todo
mundo fazer o seu dijitóro, eu fazia, outro fazia, aquele fazia, e aquilo você
via a alegria do povo vivendo lá na roça.
54
No meio camponês as relações de cooperação são freqüentes. Entre os
extrativistas da área em estudo elas se dão através da ajuda mútua nas “quebras” e
“tiras” de licuri. Como vimos no primeiro capítulo, as “quebras” e tiras” de licuri
foram atividades praticadas em larga escala na área que hoje compreende o
município de Serrolândia. Os extrativistas utilizavam o licuri para complementar a
renda familiar e aqueles momentos se transformavam em festividades e
sociabilidades.
As sociabilidades são entendidas neste contexto, como um conjunto de
relações tecidas pelos indivíduos e as formas como elas são estabelecidas, tendo
como traço comum a relação face a face e a interação com os outros. Embora isso
não signifique dizer que todos do grupo convivam entre si com a mesma
intensidade. Conforme Dalva da Mota (2005, p. 64), a sociabilidade é uma categoria
que possibilita compreender a relação entre a esfera da vida cotidiana e do trabalho.
Nos processos de interações cotidianas, no caso, as “quebras” e “tiras” de
licuri, o prazer da reunião contagiava o grupo, e o que importava naquele momento
era a sensação de integração. A satisfação que cada indivíduo sentia era reflexo do
que ele proporcionava aos outros. Ainda, segundo a mesma autora,
Os atributos objetivos (riqueza, posição social, cultura, fama) e subjetivos
(caráter, disposição, humores) dos indivíduos são eliminados como fatores
de sociabilidade. As qualidades pessoais do fino trato (amabilidade,
gentileza, atenção, dentre outros) são ressaltados sem permitir uma
exposição demasiada de sua própria personalidade. Mesmo diante do
despojamento do inteiramente pessoal quanto do inteiramento objetivo, a
53
Na região em estudo a palavra dijitório, equivale a adjutório; significa mutirão.
54
José Bispo da Silva, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em18 de
novembro de 2000.
62
sociabilidade entre indivíduos de classes sociais muito diferentes é
problemática, mesmo que se reconheça que a sociabilidade é um jogo de
“faz-de-conta” que todos são iguais” (MOTA, 1995, p. 63).
As considerações da autora se confirmam na análise da sociabilidade entre
os extrativistas do licuri que não era sentida e vivenciada da mesma forma, apesar
de todos fazerem parte do mesmo grupo social. Muitos indivíduos participavam das
“quebras” e “tiras” de licuri com outros interesses, que o ambiente também era
favorável para estabelecer relações de namoros e paqueras. Como confessa
Valdomiro da Silva,
Tinha muita quebra e a gente ia malandrear nas casas do pessoal lá.
Rapaizinho novo, doido para namorar (risos), essa era a festa. Não existia
essa vagabundagem que existe hoje, que hoje em dia nossa terra um
negócio sério, ninguém mais tem aquele respeito que se tinha, que você
saía, ia pra casa de um colega, ia passear, ia pra quebra de licuri, era tudo
amigo. E hoje em dia o. Você sai na rua, ai e você vê o que acontece,
você vê falar em miséria, então naquela época nossa não, você saia
cinco, seis, dez amigos e umbora pra quebra na casa de fulano. A gente
tirava o licuri, nem que saiba para enrolar, mas tinha que tirar, ia tirava
10 bago, outro tirava 20, outro 30 e ai passava a noite, arrumava uma
namorada e passava a noite toda por lá, e tirava licuri mesmo.
55
Segundo Ellen Woortmann (1995, p. 54), nas redes de parentesco podem
incluir relações de dominação e não apenas de generosidade, já que a reciprocidade
do parentesco não é necessariamente igualitária, embora as pessoas tenham que
declarar igualdade no plano simbólico. Assim, na área em estudo, mesmo com
objetivos diferenciados, toda comunidade participava das “quebras” e “tiras” de licuri.
A vida social na comunidade circunscrevia-se ao universo dessa atividade, mediada
na obrigação econômica, compondo um tipo de sociabilidade ampla que não
impunha a separação espacial de indivíduos de origens diferentes.
Mulheres de condição, forte mesmo, iam nas quebras. Tinha deles que ia
pra achar graça, se divertir, tirava licuri tamm, gente que tinha dinheiro e
poder. Essa gente ia, tirava uns baguinho de licuri por ali, conversava por
aí, depois ia embora. Outros iam pra cantar roda, ver sambar. O bom é que
era a famílias, os vizinhos, tudo na amizade.
56
55
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
56
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
63
A relação de parentesco e a reciprocidade são características marcantes das
unidades de produção familiar camponesas, organizando as relações vicinais e os
laços parentais. Neste sentido, Klaas Woortmann (1990) recobra a categoria
reciprocidade, alicerçada nas relações de trocas como fundamento básico ao seu
conceito de campesinidade.
A reciprocidade, seja como troca obrigatória, seja como espírito que se
opõe ao da mercadoria, opera no sítio (ou outras construções sociais
análogas) porque este, sendo um território de reciprocidade, é também um
campo de honra. O principio em jogo é o da honra e não o da honestidade
(...) No universo que estamos examinando, a honra delimita um campo
específico para o jogo da reciprocidade, como bem mostra Bourdieu
(1977), onde as práticas são obrigatórias, pois o que realmente está em
jogo é o todo ( a comunidade, a casa, etc.). Se a reciprocidade exige um
outro para que possa haver a troca, ela supõe, a construção de um nós que
se contrapõe a um outro o estranho. Esse nós é constituído por iguais em
honra. Por isso, a reciprocidade se realiza no interior de um território que é,
também, um espaço de identidade. (WOORTMANN, 1990, p. 15)
O que interessa nessa assertiva é a dinâmica da categoria reciprocidade e
sua relação de troca pautada não nas relações de mercado, mas nos valores
referentes à família, à honra e à vizinhança. No sertão da Bahia, os motivos que
levavam a comunidade participar das quebras” de licuri eram diversos, dentre eles
estavam os namoros, a diversão e a colaboração. Independente da motivação, o
que convém destacar é que nesses espaços de sociabilização a atividade de
“quebra” e “tira” de licuri unia o grupo e fortalecia a identidade
57
camponesa.
De acordo com o antropólogo Alfredo Wagner de Almeida (2006, p. 26), é
exatamente o fator identitário, e todos os outros fatores a ele subjacentes, que leva
as pessoas a se agruparem sob uma mesma expressão coletiva, a declararem seu
pertencimento a um povo ou a um grupo, a afirmarem uma territorialidade específica
e a encaminharem organizadamente demandas face ao Estado. Podemos dizer que
cada grupo constrói socialmente seu território de uma maneira própria, a partir de
conflitos específicos em face de antagonismos diferenciados.
Embora exista identificação entre os extrativistas, seria ingênuo acreditar que
todas as pessoas se reuniam em mutirões com intenção de cooperar. Ao contrário,
57
Identidade é um conceito aberto, repleto de singularidades. Stuart Hall (2005, p. 11) discute a
noção de sujeito sociológico e afirma que a identidade é formulada entre o eu e a sociedade [...] A
identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” entre o
mundo pessoal e o mundo público”.
64
encontramos nas narrativas daquela comunidade muitas queixas sobre o
desperdício que ocorria nas “quebras” de licuri.
Todo mundo ia pras quebras, era rapaz, era moça, tudo ia. Os homens
também tirava. Mas tinha gente que ia pra estruir [desperdiçar / destruir],
estruia licuri, estruia licuri dentro da casca. Tinha uns que pegava a
mãozona de licuri tirado e jogava no meio das cascas.
58
Existia desperdício de licuri, mas não era uma constante, já que o objetivo
daqueles momentos era de sociabilidades. Os episódios de desperdícios eram
registrados quando se tratava de uma “quebra” de licuri de grandes proporções, que
reunia toda comunidade e nem todos os participantes possuíam a mesma intenção:
cooperar e se divertir.
Existia muita quebra, era tradição, era tradição. Era uma combinação.
Quem ia pra uma tinha que ir pra outra, porque, quando você fizesse a sua,
todos os amigos ia pra sua, porque fulano foi pra minha. Agora, os bandas
vôo só ia as que desse certo.
59
Os atos de cooperação entre os extrativistas podem ser analisadas como
sociabilidades primárias. Segundo Castel (apud Mota, 1998, p. 48), sociabilidades
primárias são sistemas de regras que ligam diretamente os membros de um grupo a
partir de seu pertencimento familiar, da vizinhança, do trabalho e que tecem redes
de interdependência sem a mediação de instituições específicas.
Os camponeses estabelecem contatos primários em função da intimidade
com o grupo. Pautados na tradição e nos costumes de quem reside no mesmo
espaço, eles praticam a mesma religiosidade, conhecem a natureza, trabalham com
os mesmos instrumentos e fazem dos momentos de trabalhos verdadeiras festas de
colaboração entre vizinhos. Nas quebras” e “tiras” de licuri esses aspectos eram
perceptíveis.
Festejar naquela comunidade compreende alternância entre o lazer e as
relações de trabalho, que a maioria dos divertimentos das classes populares é
inseparável do trabalho e está largamente integrada na experiência do dia-a-dia.
Assim, enquanto trabalha o grupo também se diverte.
58
Alizandrina do Nascimento, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá Serrolândia,
em 01 de agosto de 2004.
59
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
65
A cooperação é a base da sociabilidade. Para Mota (2005, p. 211), isso
ocorre porque a cooperação é a única forma de viabilizar a produção de
determinados bens ou porque as pessoas necessitam do sentimento de interação.
No caso dos extrativistas do licuri, acredita-se que a cooperação ocorria tanto pela
necessidade de produção como pela interação do grupo.
A base das relações dos camponeses extrativistas em estudo é a cooperação
entre os membros da comunidade, e as “quebras” e “tiras” de licuri eram
compartilhadas pela comunidade através dos mutirões que davam ao grupo
profundo sentimento de pertencimento. Aqueles momentos eram privilegiados, pois
além de cooperar, o grupo estabelecia laços de afinidades e dependência.
De acordo com Therezinha Fraxe (2000, p.88), as relações de trabalho
permeadas na prática de cooperação apontam para a inexistência de uma
formalização e regulamentação do trabalho, existindo uma confiabilidade mútua
entre os vizinhos em que a base dessa relação era o acordo verbal regido pela
crença na palavra e nas relações de compadrio. Doraci dos Santos nos diz que,
O povo daquele tempo tinha palavra. Se eu prometesse que ia tirar seu
licuri eu ia. Não queria nada em troca, era tudo na amizade. Mas eu sabia
que quando eu precisasse do braço forte os vizinhos eles tavam ali comigo,
ajudando no que eu precisasse.
60
Nas comunidades camponesas sempre relações de reciprocidades e
trocas. Para Klaas Woortmann (1990, p. 32), as trocas não são pensadas como
trabalho, mas como ajuda entre iguais e que será retribuída. È uma atividade vista
muito mais como festa do que como labor.
Assim como outras comunidades camponesas, a ajuda mútua é indispensável
aos extrativistas do “licuri”. Elas o planejadas e organizadas com antecedência
que é necessário preparar as bebidas e convidar a comunidade. O convite é algo
imprescindível, e quase sempre é conferido pelo organizador, que muitas vezes é o
próprio quebrador do licuri. Quem não era convidado dificilmente comparecia, pois
causaria constrangimentos e até desavenças.
60
Doraci Moreira dos Santos, costureira em uma fabrica de bolsas de Serrolândia mais de 14
anos; Antes de desenvolver essa atividade praticava o extrativismo. Entrevista cedida á autora em
Serrolândia em 12 de dezembro de 2008.
66
A gente chamava a vizinhança toda, chamava a comandita [grupo]. Era
homem, mulher, moça e menino, num tinha negócio não, era só sair
chamando. Mas numa quebra tinha despesas também. A despesa é de
chamar as pessoas, num é? A gente gasta tempo. Agora, os donos das
quebras entravam com o café, cachaça, que era pra mode a gente ficar
alegre, cantar pra tirar o licuri. E naquilo, rapaz, fazia meio mundo, e
quebrava mesmo. Eu não cansei de quebrar 20 latas de licuri. Ô, eu botava
aqui no meio dessa sala era brincadeira, ligeiro terminava. A casa enchia
de gente e aí, agora, quebrava e tirava.
61
Na entrevista, Isabel nos diz que para fazer uma “quebra” de licuri tinha
custos, destacando a perda de tempo para convidar o grupo. A ideia de tempo
atrelada à lógica capitalista não parece comum àquela comunidade, já que a relação
temporal no meio camponês obedecia a um ritmo próprio, singular. O que se
percebe na narrativa de Isabel de Jesus é a ressignificação do uso do termo tempo a
partir da sua concepção atual. as despesas contraídas para a realização das
“quebras” e “tiras” de licuri eram recompensadas que existia uma obrigação moral
a família beneficiada com o trabalho do vizinho e amigos sentia-se no dever de
retribuir a ajuda aos que, com ela, colaboravam.
Mas, como ocorria essa atividade de “quebra” e “tira” de licuri? Com o valioso
auxílio das reminiscências dos extrativistas entrevistados, consegui descrever
aquele momento tão precioso para o grupo da seguinte maneira: toda comunidade
era avisada “hoje tem quebra na casa de comadre”; Começava assim a
movimentação, famílias chegando com muita disposição para debulhar o licuri,
procurava o melhor local, de acordo a intenção, (namorar, divertir ou solidarizar) e
sentavam; Não havia silêncio, eram os cumprimentos das comadres e compadres e
a benção dos afilhados e, alguns instantes depois, começavam a cantar, o batuque
e as rodas; para molhar a garganta”, de vez em quando, aparecia o dono da casa
com uma garrafa de aguardente e outra de café; no mesmo recipiente (copo), o
grupo bebia o liquido como um ato simbólico de comunhão; após horas de cantigas
e bebidas terminavam de tirar o licuri e começava a vadiagem: o samba e as
brincadeiras de roda.
As redes de compadrio no meio camponês são substanciais para as práticas
de sociabilidades, que essas relações criam interdependências de ajuda mútua.
De acordo com Ellen Woortmann (1995, p. 65), o compadrio é expressão de uma
61
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
67
totalidade que se impõe ao individuo, que segue regularidades e mesmo regras
obrigatórias engendrando práticas que reproduzem o grupo social como um todo.
Segundo Charles Santana (1998, p. 52), os trabalhadores do campo viviam
envolvidos em uma profusão de redes de compadrio, integrando todos entre si no
bojo de uma expressiva e tradicional forma de sociabilidade.
Para Joel Orlando Marin (2008, p. 119), as relações de compadrio se
ancoravam no aprofundamento do sentimento de amizade e solidariedade entre as
famílias e se manifestam em todas as situações da vida, em especial em momentos
de crise e necessidade. Desta forma, o batismo abrangia as esferas econômica e
cultural do grupo, criando elos de apoio e segurança de cada indivíduo e de cada
família e ampliava as relações familiares, unindo pais, padrinhos e crianças em uma
rede de obrigações e se solidariedades mútuas. E como nos diz Gervácio Maciel:
A gente tinha tanto afilhado. Chegava numa “quebra” e não parava mais de
abençoar. Parecia que de cada família que tinha ali nós tinha um menino.
Os “fraco gostava de os filhos pra os “forte” batizar, aqueles
interesseiros, pra garantir o futuro. Os afilhados e os compadres ajudava
era muito, quem tinha muito afilhado num ficava desamparado.
62
As “quebras” e “tirasde licuri não foram as únicas práticas de ajuda mútua
que se desenvolveram na região, surgiram outras, como as “quebras” roubadas
63
. O
diferencial dessa atividade é que elas eram organizadas pelos vizinhos com o intuito
de surpreender o extrativista. Conforme salienta Santana (1998, p. 54), a surpresa é
o que qualifica as solidariedades no meio camponês, já que se reduzem as
dificuldades individuais e as remetem para um plano coletivo enquanto prática
alicerçada nas agruras vividas.
62
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
63
Na região em estudo, tamm existiram outros tipos de mutirões, como os “Bois roubados”. Em
outras regiões da Bahia, a exemplo do Recôncavo, a atividade é conhecida como “roubar malhada”.
Nessa atividade, planejavam em segredo o mutirão e de madrugada “roubavam” o trabalho -
colaboravam. Um grupo ficava na roça e o outro ia providenciar a matança de animais como bois,
porcos, galinhas e ovelhas para a alimentação. As mulheres apareciam nesse momento com a
função de preparar a alimentação, servir água e aguardente. trabalhavam o dia inteiro e ao
entardecer as moças enfeitavam uma bandeira branca com flores e fitas coloridas e iam ao encontro
dos homens que também traziam uma bandeira simples confeccionada com uma camisa suada ou
lenço. Quando se encontravam, realizavam uma brincadeira chamada “cantar bandeira”, marcando o
fim do dia de trabalho e o início da festa com muita comida, bebida, sambas, cantigas de roda, piegas
e chulas. Para maior aprofundamento ver: SANTANA (1998)
68
Convidava, convidava todo mundo. Aí roubava as “quebrasassim: juntava
uma pessoa assim, conversava assim com outra: Vamo roubar uma quebra
na casa de fulano hoje. Vai? Vou. Aí nois chegava lá, sentava todo mundo
assim, no escondidinho, batia na porta e aí cantava um reis e agora invadia
a casa e entrava todo mundo, né?
64
O trabalho nessas quebras e “tiras” de licuri consideradas roubadas” era
planejado e executado na maior parte das vezes por mulheres que realizavam
mutirões inesperados. As surpresas aconteciam a partir do momento que alguns
indivíduos, a convite de outros, resolviam ajudar uma determinada família da
comunidade por saber que possuía uma grande quantidade de licuri para quebrar e
tirar. Para os extrativistas “roubar” a “quebra” tinha significação maior, pois tratava-
se de colaboração espontânea.
Segundo as entrevistas, o “roubo” da “quebra” do licuri seguia um cerimonial
pré-estabelecido. À noite a comunidade se reunia no local combinado e seguia em
direção ao espaço no qual se encontrava o licuri. Em silêncio, aglomeravam-se em
frente a casa e batiam na porta. Ao ouvir os primeiros sinais vindo de dentro,
cantavam o Reisado
65
e cantiga de roda para acordar toda família. Uma dessas
cantigas foi rememorada por Anatilde da Silva, ao retratar “quebrae “tira” de licuri
roubada” que organizou com seu grupo:
Minha comadre, eu sempre lhe dizia.
Que essa surpresa eu lhe fazia um dia.
Minha comadre, eu sempre lhe dizia.
Que essa surpresa eu lhe fazia um dia.
66
Depois da surpresa, o grupo era convidado a entrar e imediatamente
começava o trabalho, enquanto uns quebravam o licuri, outros descascavam a
amêndoa. Quando o grupo não sinalizava a pretensão de fazer o mutirão pegava o
extrativista desprevenido, então o dono do licuri providenciava rapidamente a bebida
para oferecer aos companheiros. E, assim, a atividade seguia da mesma maneira
que as “quebras” planejadas, com cantigas de roda, e depois de findado o trabalho,
iniciavam-se os sambas e as brincadeiras de rodas.
64
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
65
O Reisado cantado nas quebras de licuri “roubadasse constitui em cantorias de anunciação da
chegada dos participantes.
66
Anatilde Maria da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá, povoado de
Serrolândia, em 18 de maio de 2002.
69
Era assim. Eu sabia que comadre com uma rumona de licuri. Então eu
chamava as outras e dizia. Vamos roubar? Vamos. Ninguém zoa, ninguém
conversa. A gente ficava assim bem quietinha e fazia aquela surpresa,
muitas vezes ela tomava um susto, num tava esperando, né?
67
A ajuda mútua, denominada de mutirão e/ou adjutório, aparece, aqui, como
um processo grupal, atraindo os sujeitos para prestar o auxílio necessário a
determinada família. Nas entrevistas, os extrativistas relatam que ocorria um ritual
em torno da organização do mutirão. Aquele que era o responsável pelo dijitório
devia servir, pelo menos, um refresco aos participantes. Segundo Fraxe (2000, p.
91), a refeição é um ato de permuta que sela alianças e que cria uma relação
análoga à parentela entre os vizinhos, é uma espécie de ritual congregador de
pessoas da mesma comunidade ou de comunidades vizinhas. Sobre a alimentação
servida nas “quebras” e “tiras” de licuri diziam os próprios extrativistas:
O povo dava bebida. Era suco mancha pulmão [artificial] e cachaça,
caipirinha. Não dava comida não, se não, o dinheiro só dava pra comprar a
comida. As vezes, de vez em quando o povo fazia uns bolo e dava a quem
não bebia, mas era mais a cachaça e todo mundo bebia, não tinha isso de
a um e o outro não, era homem, mulher. Tinha uns que ficava bêbado
morrendo.
68
Eu sempre fiz quebras e dava bebida à vontade ao povo que ia me ajudar,
mas tem uma coisa que eu não gosto: é de gente bêbada atrapalhando os
outros, procurando brigas, caçando confusão , inimizades. Era bom quando
todo mundo bebia e se divertia na paz.
69
A bebida (sucos e aguardentes) servida nas “quebras” e “tiras” de licuri
simbolizava a partilha (todo mundo bebia), independente do sexo e/ou posição
social. Porém, como assinalado nas entrevistas, o álcool algumas vezes transformou
os momentos de sociabilidades e ajuda mútua em desarmonia.
A fotografia abaixo mostra a distribuição da bebida em uma “quebra” e “tira”
de licuri.
67
Idem.
68
Anailde Maria dos Santos, dona de casa extrativista - beneficiaria do programa do governo federal
Bolsa família. Entrevista concedida a autora em 18 de outubro de 2008.
69
Anatilde Maria da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá, povoado de
Serrolândia, em 18 de maio de 2002.
70
FOTO 2: Tira de Licuri. Fazenda Lagoa da Roça, Serrolândia , em 04. 05.2002.
Na imagem podemos observar os últimos instantes das “quebras” e “tiras” de
licuri: amêndoa descascada no centro da casa, mulheres e homens separando
“bagos” e cascas, bem como, o momento de partilha da bebida (aguardente).
Posteriormente a este processo, o produto era armazenado em sacos de nylon e
guardado num dos cômodos da casa. A partir de então, começava-se a festejar:
Era uma festança. Uma quebra de licuri era mió do que uma festa, todo
mundo ali, tinha aquelas moças assim, um bocado de moça, rapaz, tudo
ali, ficava todo mundo junto ali. Quando terminava aquele licuri, tudo ligero,
todo mundo tirano ligero, pra quondi [quando] terminar, brincar até o dia
amanhecer.
70
Segundo o relato anterior, os mutirões agrícolas se transformavam em festas,
celebrações da vida. Nesses momentos não havia destruição ou subversão da
ordem estabelecida e sim uma dispersão, isto é, o ritmo do cotidiano era dissolvido
70
Paula Ferreira dos Santos, extrativista. Entrevista concedida a Marcone Denys em Serrolândia, em
24 de janeiro de 2002.
FOTO: Joseane Bispo Oliveira
Foto 2
71
em momento de descontração e de renovação. A festa está incluída no cotidiano,
quebrando o seu ritmo, marcando um novo compasso que não é manifestação
aleatória, mas seguidora de regras e desejos, sejam eles de cooperação, amizade,
diversão ou solidariedade. Em síntese, nas relações do mundo do trabalho, também
emerge o mundo das festas, dos sonhos, dos desejos, do amor e da sociabilidade.
As relações diretas com seus semelhantes, o fato de compartilharem
experiências comuns de sobrevivência, suas conversas sobre vivências e costumes
criavam infinitas possibilidades de camaradagem entre os extrativistas. Além das
inúmeras manifestações de lazer que emergiam espontaneamente dos seus
contatos informais e da sua rotina de trabalho, tais como a “conversa fiada”, o
convite para tomar junto “um gole de pinga, os grupos populares promoviam uma
série de divertimentos especiais que eram alegremente vivenciados nos momentos
de folga ou mesmo de colaboração.
A diversão estava intimamente ligada à rotina do trabalho daquela
comunidade. Nas “quebras” e “tiras” de licuri existia uma mescla entre trabalho e
lazer. Essas festas eram permeadas por elementos simbólicos contagiantes,
despertando sentimentos de descontração, brincadeira e amizade entre todos que
participavam.
Segundo Mary Del Priori (1994, p. 32), desde o período colonial no Brasil, as
festas constituem as relações e os modos de ação, comportamento, e numa
linguagem bem popular traduziam as experiências dos grupos sociais. As “quebras”
e “tiras” de licuri, para aquela comunidade, constituíam-se um forte elemento
construtor do modo de vida grupal, já que correspondia a uma atividade que
passava da mediação individual para o coletivo onde todo o grupo, geralmente, tinha
os mesmos anseios e objetivos.
Conforme explicita Rita Amaral (2002, p.18), a festa deve ser entendida como
um modo de ação coletiva que pode responder à necessidade de superação das
dificuldades dos grupos e das regiões onde se inserem. Assim, podem-se conceber
os mutirões para as quebras e “tiras” de licuri como verdadeiras festas. Essas
reuniões eram fenômenos sociais e tamm fundamento de comunicação porque as
pessoas se confraternizavam. Era com esse intuito de comemoração que, depois do
trabalho, aconteciam as cantigas de rodas no terreiro
71
e o samba dentro da casa.
71
Na região em estudo, o quintal da casa é chamado de terreiro.
72
As “quebras” e “tiras” de licuri, com as cantigas de roda e os sambas, eram
transformados em grandes festas, que superavam o distanciamento entre os
indivíduos, formando um grupo dominado pelo coletivo onde a convivência era um
equilíbrio simbólico inserido no ambiente social cotidiano. Segundo Jean Duvignaud
(1983, p. 69), na festa o indivíduo pode entrar em contato direto com a fonte de
“energia” social e dela absorver o necessário para se manter sem revolta e
contrariedade. Para os extrativistas, os momentos de sambas e cantigas de roda
eram celebrações que renovavam os laços de solidariedade.
2.1. Cantando o extrativismo
As manifestações de sociabilidade, nas festas, começavam desde os
preparativos, mas eram as cantigas, brincadeiras de rodas, os sambas e os
batuques que davam àquele espaço um caráter de festividade, de diversão, como
revelou o entrevistado Lizânio de Oliveira:
Nas quebras saía muito namoro, porque quem era moça namorava. Ia pras
festas e lá tirava licuri e se advertia e depois quando acabava ia se divertir,
cantar roda e brincar. Outra lá, arrumava um namoro naquele dia e
namorava.
72
Cantar roda é diferente de brincar de roda. As rodas eram cantadas enquanto
debulhavam o licuri. As letras das cantigas retratavam os elementos da natureza, as
vivências cotidianas, o trabalho com o licuri, entre outros. as brincadeiras de
rodas aconteciam em áreas externas à casa e se iniciavam quando todos
terminavam de descascar o licuri.
As cantigas de rodas eram improvisadas pelo grupo. Muitas vezes, homens e
mulheres entoavam coros separados, numa espécie de desafio. Para Simone Castro
(2004, p. 274), nas cantorias e celebrações populares o público é peça fundamental
para a criação poética, uma vez que é na presença do outro que o cantador busca
exercitar seu saber/fazer.
72
Lizânio Gonçalves de Oliveira, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Quixabeira, em
09 de março de 2002.
73
Esses extrativistas utilizavam a musicalidade para compartilhar as
experiências. Suas mentes funcionavam como um turbilhão de informações e
emoções que se empenhavam em acompanhar a música, seguir a melodia
enquanto suas mãos habilidosas debulhavam o licuri. Ao recordar aquelas
manifestações, os extrativistas revivem e recriam, baseados nas experiências do
presente, o que lhes foi guardado na memória. Ecléa Bosi (1994, p. 55) afirma que a
memória tem um caráter livre e espontâneo e que lembrar não é reviver e sim
refazer, reconstruir, repensar com imagens de hoje as experiências do passado.
Portanto, ao rememorar os versos cantados, os entrevistados tamm narram suas
experiências.
Na Quixabeira
Ninguém pode mais dormir,
Mode a zuada da pedra
E o preço do licuri.
Mamãe, como quebra o licuri?
Bota o licuri na pedra
E deixa ele cair.
73
As “quebras” e “tiras” de licuri eram atividades complementares à renda
familiar, cabendo às mulheres fazer, daquele trabalho, profissão. Nos versos abaixo,
podemos acompanhar a narrativa dos extrativistas sobre a tarefa de quebrar licuri
como profissão e a necessidade da safra para regulamentação da economia local:
Ô que beleza,
Ô que bonitinho
Saímos de Boa Vista
Pra brincar no Roçadinho.
Vamos brincar
Com muita união
Quebramos licuri
Que é a nossa profissão.
O licuri é a nossa profissão,
Se não tiver a safra
s não tem dinheiro não.
74
Os extrativistas conheciam as potencialidades do licuri e em versos cantavam
73
Verso cantado na I Festa do Licuri promovida pela Cooperativa de Produção da Região do
Piemonte da Diamantina - COOPES. Quixabeira, 30/03/2008.
74
Verso cantado no I Festival de Convivência com o Semiárido, no Povoado de Roçadinho,
Serrolândia BA, 09/05/2008. Nesse evento, grupos de extrativistas rememoraram as “quebras e
“tiras” de licuri.
74
sua importância. É interessante notar que esses versos são criados, apreendidos e
ensinados naquele momento e depois se consolidavam no repertório do grupo
através da tradição oral, já que quase todos os extrativistas não eram escolarizados.
Anel de licuri tá na moda agora.
Casca do licuri não se joga fora
Anel de licuri tá dando dinheiro.
Quem usa anel de licuri é filha de fazendeiro.
(...)
Maracujá, Quixabeira e Mairi.
As moças tá usando anel de licuri.
Licuri, o que é que você dá?
O óleo pro cabelo e pulseira pra usar.
75
Esses versos, construídos no improviso, retratam as potencialidades do
licurizeiro, destacando o artesanato. As cantigas de rodas retratam o espaço vivido,
os acontecimentos relevantes para o grupo, daí a variedade de temas cantados.
Toda movimentação do espaço pode ser mencionada em linguagem musical. O
verso abaixo, por exemplo, é um pedido ao anfitrião para que sirva a bebida.
Dona da casa cheguei,
Traga vinho pra nós beber
Traga vinho pra nós beber,
Traga vinho pra nós beber.
76
Conforme foi abordado, as brincadeiras nas rodas tinham características
completamente diferentes das cantigas de rodas. A principal diferença é que elas
aconteciam posteriores aos trabalhos nas “quebras” de licuri, por isso, mesmo
aqueles que estavam ali com outros interesses (namorar/diversão) tinham que
colaborar na debulha da amêndoa. Assim, terminado o trabalho, começava a
vadiagem, também cantada em forma de versos:
Dona da casa acenda seu candeeiro
Saia fora, venha ver uma roda em seu terreiro.
No seu terreiro, eu vim vadiar,
Eu brinco é devagar, eu danço é devagar.
77
No seu terreiro eu vim vadiar.
Eu vim sem amor, mas não volto sem amar.
75
Idem.
76
Verso cantado em “quebra” e “tira” de licuri. Serrolândia, em 04/05/2002.
77
Verso cantado em “quebra” e “tira” de licuri. Serrolândia, em 04/05/2002.
75
Eu só volto sem amor,
Porque meu benzinho não tá.
78
A percepção da vadiagem
79
é revestida de múltiplos significados. Na língua
portuguesa a palavra vadiagem tem vários sentido. Expressa a condição de algumas
pessoas “vagabundas” que não trabalham e vivem na ociosidade, e também faz
referencias àqueles indivíduos que gostam de diversão.
Para a comunidade extrativista aqui pesquisada, a vadiagem era momento de
diversão, sociabilidade, festa, brincadeira. Um momento de integração, onde se
estabelecia contato direto. Vadiar depois do trabalho, essa era a regra do grupo.
Existia avaliação da postura dos freqüentadores das “quebras” de licuri. Indivíduos
que participavam daquela atividade interessados apenas na diversão não eram bem
vistos, porque todos deveriam cooperar.
Os momentos de vadiagem eram controlados. Como as brincadeiras de roda
aconteciam no terreiro, fazia-se o possível para iluminar o espaço com fogueiras e
candeeiros, estabeleciam-se horários para terminar os festejos e controlavam-se a
bebida dos já alcoolizados. Isabel dos Santos lembrou um verso que cantou em uma
de suas “quebras” de licuri para mandar pra casa um grupo de rapazes que estavam
incomodando os participantes da festa:
Ô de casa, ô de fora,
Turma de malandro
Meia noite fora d‟ora.
Meia noite fora dora
Não venha me aborrecer
Essa turma de malandro
Que não tem o que fazer.
80
Brincar de roda era permitido a todos da comunidade, mas os jovens
participavam com maior entusiasmo. As crianças quase não freqüentavam aqueles
momentos, porque aconteciam em horários em que elas já estavam dormindo.
Portanto, essa era uma atividade dada às mulheres, solteiras ou casadas, e aos
78
Verso cantado no I Festival de Convivência com o Semiárido, no Povoado de Roçadinho,
Serrolândia - 09/05/2008
79
Na obra Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do século XIX , Walter Fraga Filho (1996, p. 75)
salienta que a vadiagem é vista como comportamento ameaçador à estabilidade social e que, mesmo
assim, a percepção do que era vadio ou ocioso era fluida, já que algumas vezes as categorias dos
ociosos eram restritas, uma vez que o termo vadio remetia às camadas pobres tradicionalmente vista
como inclinadas para a ociosidade e a vadiagem.
80
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
76
rapazes interessados em paquerar ou vigiar. Naqueles momentos eram permitidas
algumas aproximações, já que havia contato com as mãos e uma comunicação
através dos versos. Em entrevista, Edite Lopes contou que as rodas lhe serviam
para paquerar e conversar com algum pretendente a namorado, visto que os seus
irmãos e o seu pai eram severos e não deixavam que os rapazes se aproximassem
dela.
juntava aquela roda, aquela turma toda, brincando, brincadeira de roda.
Mas tinha gente que me dizia assim: “ É, não quero que minha filha brinque
em roda de homem. brincava as mulheres separada. tinha outros
que deixava as filhas brincar na roda, mas botava um irmão pra brincar
junto, pra vigiar, ver o que tava dizendo nos versos.
81
A vadiagem feminina era vigiada com maior rigor pelo grupo e,
principalmente, pelos pais e irmãos que cuidavam para que as mulheres não fossem
seduzidas pelas cantigas e versos. As diferenças de gênero nas festas e o cuidado
especial com as moças estão marcados na memória de Gervácio Maciel:
Aí, quando as moças começavam a cantar roda, que os rapaz pegava a
entrar, as moças saía quase tudo, ficava lá no molho, com medo dos
homens, pra não cantar roda mais os rapaz, porque tinha pai que era
brabo, dava pra brabo e não deixava não, tirava as moças da roda.
82
Mesmo com a vigilância, a participação dos indivíduos nas rodas era maciças.
Como já vimos nas narrativas anteriores, alguns entravam na brincadeira para se
divertir e paquerar, outros para fiscalizar as ações do grupo. Naquele momento de
sociabilidade toda comunicação era feita através de versos.
Tinha roda, era cantado verso. Você pode acreditar que a rapaziada tava
ali tudinho arrudiano. Os rapaz queria namorar, dizer versos para a
namorada, e dizer verso pra tomar a namorada dos outros, os versos era
de maltratar. Tinha outros que tava ali só pra vigiar o comportamento das
mulher.
83
Assim como as cantigas nas “quebras” e “tiras” de licuri, os versos
improvisados nas brincadeiras de roda eram criados na hora e retratavam alguma
81
Edite Lopes Moreira, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá Serrolândia, em 22
de novembro de 2000.
82
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
83
Alizandrina do Nascimento, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá Serrolândia,
em 01 de agosto de 2004.
77
situão vivenciada pelo grupo. Os temas cantados nessas rodas eram variados,
mas sobressaia a infidelidade:
Moço da camisa verde,
Pode avoar, pode amar a outra,
Pode me deixar.
(...)
Me contaram meu bem, uma vez.
Que você namora meu bem, com duas, três.
(...)
Quixabeira é boa, Quixabeira dá,
Quixabeira é boa, dos casados namorar.
Vou dizer agora, que casado não namora.
chegando a hora, dos casados dá o fora.
84
Como aqueles momentos eram de completa sociabilidade e interação entre
os extrativistas, era comum que os relacionamentos amorosos e os ciúmes fossem
cantados nas rodas. Aquele era o espaço de comunicação e, através dos versos,
podiam-se desencadear até atritos. Em entrevista, Edite Lopes nos contou uma
situão conflituosa que enfrentou ao ser paquerada por um rapaz comprometido.
Quando eu namorava com um rapaz e via que ele já tinha outra, eu entrava
na roda e cantava uns versos. Eu não conversava com um rapaz não, eu
conversava dizendo uns versos e dando umas tacadas, [indiretas] nele.
Tinha um mesmo que era assim: “meu amor comeu pimenta, pensando
que não ardia, namorava minha colega pensando que eu não sabia”.
Nas brincadeiras de roda existia uma seqüência de ritmos. Os participantes
faziam uma ciranda e cantavam versos initerruptamente terminava um,
começava o outro. Entre um verso e outro, existia o refrão que era cantado por todos
os participantes da brincadeira. Em meio à diversão ocorria a mudança da melodia e
do ritmo, de lenta ela passa a acelerada. Com as mãos livres, batiam palmas e
dançavam em círculo, iniciando o batuque. Esses momentos eram de total
sociabilidade, pois o indivíduo entrava na roda e sozinho convidava o outro para a
dança. Os entrevistados narram o batuque como,
Uma dança muito bonita que se fazia em algumas quebras de licuri. Eu
dancei e cantava muito batuque. Eu sempre gostei de festa e quando a
dança era mais rápida eu gostava mais, era uns entrando e os outros
84
Verso cantado no I Festival de Convivência com o Semiárido, Povoado de Roçadinho em
Serrolândia, 09/05/2008.
78
saindo da roda. Uma alegria tão grande, só vendo.
85
O batuque é aquilo que canta. O batuque é muito ligeiro, sambando, todo
mundo entrano na roda, entrano. É uma coisa muito avexada [rápida], uma
brincadeira que eu gostei muito. A roda vai girano e todo mundo batendo
palma e cantando, e entrano na roda e dançando sozinho ou com o par.
86
Na língua portuguesa, a palavra batuque é uma designação comum a certas
danças afro-brasileiras acompanhadas de cantigas e instrumentos de percussão. De
acordo com Raul Lody (2006),
O batuque é um nome genérico, etnocentrista, tulo do olhar e conceber
do português perante a estranheza de danças, músicas, cortejos, festas,
instrumentos predominantemente de percussão que fazia os negros, seus
descendentes, brancos e tantos outros aderentes ao vigor irresistível dos
ritmos africanos que se autenticaram em estética vivencial. (LODY, p. 232)
O batuque cantado e dançado pelos extrativistas é resultado de um processo
de hibridização cultural. De acordo com Peter Burke (2003, p. 31), devemos ver as
formas híbridas como resultados de encontros múltiplos e não como resultado de um
único encontro. Os batuques são heranças culturais afro-brasileiras, ressignificadas
e reconstruídas dentro de uma tradição local.
As fotografias abaixo registram momentos de rememoração das brincadeiras
e batuques de rodas nas “quebras” e “tiras” de licuri. Estas imagens foram
registradas na I Festa do Licuri, promovida em 2008, pela Cooperativa de Produção
da Região do Piemonte da Diamantina COOPES, no município de Quixabeira
BA. Naquele espaço, os extrativistas rememoraram a tradição das “quebras” e “tiras”
de licuri, reapresentando as brincadeiras de rodas.
85
Hermínio Bispo da Silva, comerciante. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em16 de
março de 2008.
86
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
79
FOTO 5: Mulheres dançando batuque. Festival do Licuri.
Quixabeira. 30.03.2008.
Foto: Joseane Bispo Oliveira
Foto: Joseane Bispo Oliveira
Foto: Joseane Bispo Oliveira
FOTO 3: Brincadeira de roda. I Festival do Licuri.
Quixabeira. 30.03.2008.
FOTO 4:Cantando o batuque. I Festival do Licuri
Quixabeira. 30.03.2008.
80
Nas fotografias acima, observamos a participação de homens, mulheres e
crianças, bem como a seqüência de coreografias das danças apresentadas nas
rodas. A foto 3 mostra todos os indivíduos de mãos dadas cantando versos. Na
fotografia 4 o círculo já está desfeito e o grupo bate palmas e canta o batuque. A
fotografia 5 exibe duas mulheres dançando no centro do círculo, animados pelo som
do batuque.
Contudo, não eram apenas as brincadeiras de rodas que movimentavam as
“quebras” e tiras” de licuri. Outra modalidade praticada pelo grupo foi o samba,
manifestação cultural popular, planejada, organizada e executada pelos/entre os
homens, depois que terminavam de tirar o licuri. Diferente das brincadeiras de roda,
o samba tinha um espaço pré-determinado, dentro da casa, e era exclusivamente
masculino.
Os sambas nas “quebras” e “tiras” de licuri seguiam ritos; ainda no terreiro,
era cantado um terno de reis”, espécie de oração para saudar o dono da casa e
anunciar a chegada do grupo para o mutirão. Segundo Maria Clara Machado (2003),
a Folia de Reis anuncia a vida, a alegria, a esperança, trazendo no bojo o rezar e
festejar como ato de e solidariedade. A música do Terno de Reis mais conhecida
entre os extrativistas retrata a família de Jesus Cristo:
Ô de casa, ô de fora. Maria, vai ver quem é. Maria, vai ver quem é.
São os cantadores de Reis. Quem mandou foi São José.
Cantar reis não é pecado. São José também cantou.
Nessa noite de alegria. São José também chorou.
Ao ver seu filho morto. Pregado numa cruz com tanto amor.
87
O Reisado é concebido pelo grupo como elo entre o material e o espiritual.
Gervácio Maciel, freqüentador de vários sambas em “quebras” de licuri, explica
como ocorriam aqueles momentos:
Os reis aconteciam algumas vezes em quebra de licuri e outras vezes
separado. Vamos dizer assim, juntava um terno de gente sambador e ia
numa casa cantar um reis, quando terminava o licuri, sambava a noite
toda naquela casa.
88
87
Este verso foi cantado pelos entrevistados Gervácio Maciel, Lizânio de Oliveira, Anatilde da Silva e
Edite Lopes.
88
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
81
Durante as “quebras” e “tiras” de licuri os sambadores abandonavam os
instrumentos musicais para ajudar os companheiros na debulha. Terminado o
trabalho, instrumentos como a viola, o pandeiro, o prato
89
voltavam à cena, e
começava o samba. Esses instrumentos musicais, como o pandeiro, por exemplo,
eram, na maior parte das vezes, fabricados pelos próprios extrativistas.
Pra fazer o pandeiro a gente ia pro mato e cortava uma madeira
apropriada. Fazia a roda. Depois pegava a chuliadeira e um coro de gado
ou um coro de bode ou de Tamanduá e incorava pra dá o som, era um som
que dava pra ouvir longe. Furava a madeira e botava umas moedas velhas
ou tampa de garrafa e fazia assim, aquele negocim. Agora, toda vez que
vai sambar tem que esquentar o pandeiro porque quando ele esfria o coro
mucha e não som. E quanto mais ele esquenta mais som. Eu tinha
meu pandeiro, eu mesmo que fiz. Quando eu batia, eu era considerado.
90
Nas comunidades camponesas os recursos naturais são totalmente
aproveitáveis, tanto como matéria prima na construção de utensílios domésticos,
moradias, instrumentos musicais, etc., tanto como fonte de alimentação. Segundo
Charles Santana (1998 p. 37), no contexto de toda cultura, o meio ambiente faz-se
presente na constituição de hábitos, valores, costumes, representações de vida e de
luta criados e recriados pelos trabalhadores rurais.
Em meio à diversão, perdurava o ritual de compartilhar bebidas. A pinga
continuava a ser servida com fartura. De acordo com os entrevistados, a “pinguinha”
não podia faltar, pois estimulava os homens a cantar e tocar, além de simbolizar um
rito de comunhão.
Os homens eram os protagonistas dos sambas. Eles tocavam, cantavam e
dançavam. Nos sambas havia diferentes momentos: reis, chulas/cantorias,
batuques/piegas. Para cada gênero existia um ritmo e uma coreografia diferente.
Todos participavam, aplaudiam, dançavam e cantavam a sua música, inspirados nos
acontecimentos momentâneos e cotidianos. O verso abaixo é uma chula e foi
composta e cantada por um grupo de sambadores enquanto se realizava esta
pesquisa:
Vou dizer pra essa menina
Que tá gravando esse samba.
O povo não dá valor.
89
O prato de esmalte friccionado na borda por uma faca se tornava instrumento de percussão.
90
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
82
Mas mesmo assim a gente samba.
Porque eu sou sambador
Mas tenho fama de malandro.
91
Nos espaços dos sambas existia uma comunicação direta que reforçava as
identidades e as práticas de sociabilidade. Naqueles momentos, as pessoas
envolvidas cantavam as suas experiências e sentimentos. Como demonstra o verso
acima, dentro de uma melodia lastimavam a desvalorização que a manifestação
cultural vem enfrentando.
O batuque dos sambas ocorria quase da mesma forma que nas brincadeiras
de rodas. A diferença entre os ritmos se constitui no uso de instrumentos musicais.
Na batucada o som era mais alto, o ritmo mais cadenciado. Quem não tocava
instrumentos utilizava as mãos para aumentar o som e o ritmo da cantoria. A
diversão atingia o ápice quando, no centro do círculo, os indivíduos começavam a
dançar, - piegar - numa coreografia bem particular. Eles pulavam, rodopiavam e
sapateavam no chão. O ritmo ia crescendo rapidamente e os passos
acompanhavam a efervescência da música. Quem resistia mais tempo na roda
ganhava o samba e recebia aplausos. Em sua narrativa, Gervácio Maciel rememora
os sambas como espaços de harmonia, completas ebulições e de ritmos variados.
A piega acontece na hora do batuque. A piega é a bagunça geral, aquela
sapateação no chão. É um bater de palmas. Um bate e o outro corta.
Aquilo é bonito. A gente bate duas pancadas e você bate três e ela bate
duas. E a gente corta e um negócio muito diferente. Tinha que ter
prática. (...) Agora, a mulher tinha seu lugar de diversão, nas rodas. Lá elas
podia brincar a morrer que ninguém falava mal, achava era bonito.
92
Os sambas são apontados, por excelência, como atividade masculina. Para
aquele grupo, samba era “coisa de homem, mulher direita podia apenas olhar”.
Segundo José Bispo da Silva, “o lugar de mulher de valor se divertir era na roda do
terreiro; embora, tivesse aquelas que gostassem de se exibir entre os homens”
93
.
Essa narrativa evidencia que os espaços de diversão eram separados conforme o
sexo, e que o papel social feminino era imposto pela sociedade.
91
Verso cantado no samba realizado na “quebra” de “licuri” na Fazenda Lagoa da Roça
Serrolândia, em 04.05.2002.
92
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de maio de
2002.
93
José Bispo da Silva, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em18 de
novembro de 2000.
83
2.2 Mulher de valor não tem medo do licuri.
O indivíduo, ao narrar, evoca lembranças individuais, familiares e grupais,
arquiteta e decompõe juízos e imagens em realidades, utilizando-se das “verdades”
e da ficção. E o as lembranças de família que exercem a função de transmissora
cultural de uma memória em que se incluem hábitos, religiões, visões de mundo,
padrões comportamentais, valores que são aprimorados e solidificados dentro dos
diversos grupos familiares. Ecléa Bosi, em seu livro Memória e Sociedade:
Lembranças de Velhos, ao trabalhar com as lembranças de família, considera que
As lembranças dos grupos domésticos persistem matizadas em cada
um de seus membros e constituem uma memória ao mesmo tempo
una e diferenciada. Trocando opiniões, dialogando sobre tudo, suas
lembranças guardam vínculos difíceis de separar. Os vínculos podem
persistir mesmo quando se desagregou o núcleo onde sua história teve
origem. Esse enraizamento num solo comum transcende o sentimento
individual. (BOSI, 1994, p. 423)
Nesta pesquisa, quando pensamos nas lembranças de famílias, nos álbuns
de fotografias, nos detalhes das cores, na educação dos filhos etc., aparecem as
memórias femininas. Os homens, geralmente, narram a sua história pautada no
trabalho, enquanto as mulheres revelam uma memória da vida particular, repleta de
detalhes, prioritariamente, ligados aos hábitos cotidianos e ao seu papel
desempenhado na família e na sociedade. Sobre esse aspecto lembra Michele
Perrot que
Às mulheres cabe conservar os rastros das infâncias por elas
governadas. Às mulheres cabe a transmissão das histórias de família,
feita freqüentemente de mãe para filha, ao folhear álbum de fotografias,
aos quais, juntas, acrescentam um nome, uma data, destinados a fixar
identidades já em via de se apagarem. (PERROT, nº 18, ago/set, p.15)
De acordo com Marilena Chauí (1994, p.144), é na família que se constitui um
destino comum, que se elabora um saber sobre o espaço, o tempo e a memória, a
transmissão de conhecimento e de informações, que se compensa a pouca
escolarização com outros aprendizados transmitidos oralmente e por contato direto.
Nesse mesmo sentido Nazira Vargas (1987) afirma que a família é a base estrutural
84
da sociedade camponesa. E podemos observar, a partir das entrevistas, que no
cerne da instituição familiar extrativista em estudo estavam as mulheres.
A mulher tem e teve papel muito importante, sem uma mulher de valor o
tinha uma boa família. Era elas que cuidava da casa, da comida, de
improvisar, usar a criatividade pra não faltar a comidinha no fogo, num
sabe? Quando não tinha o que comer, muitas ia no mato, pegava uma
cama de licuri, quebrava e dava os menino pra comer, pra não passar
fome. Elas era quem cuidava da meninada e ajudava os marido, ajudava
muito. Um homem naquele tempo tinha que casar com uma mulher de
valor que não tinha medo do licuri, que lutava junto com ele, que
inventava as coisas tirada da natureza, do que tinha na roça.
94
O papel desempenhado pelas mulheres extrativistas engloba a preservação
das tradições; dentre eles, destacamos os hábitos alimentares. A partir das
reminiscências de mulheres como Edite Lopes, que viveu nesla comunidade em
estudo, pode-se conhecer a dieta alimentar do grupo.
Nas cozinhas a gente inventava comidas com o que se tinha. Com o licuri a
gente fazia óleo pra botar nos cabelos ou pra fritar um ovo, carne, essas
coisas. Tamm fazia leite de licuri para cozinhar com bacalhau na Sexta-
feira da Paixão como até hoje ainda faz. Quando chovia nascia uns maxixe,
uns bredo, e nois cozinhava. No tempo de imbu eu fazia umbuzada de
imbu maduro e verde, os menino bebia que se fartava.
95
Os aproveitamentos de recursos alimentares naturais, coletados no campo
davam um sabor todo especial à culinária local. As mulheres reproduziram modos de
transformação dos alimentos herdados de longínquos ancestrais e que passavam de
geração para geração. Aqui, torna-se fundamental ressaltar o papel da experiência
adquirida, o valor da memória, da cultura de origem para a sobrevivência. Conforme
Maria Inez Pinto (1994, p. 244), as percepções concretas, precisas da situação
momentânea levavam as mães de família a se valer da aprendizagem adquirida ao
longo do tempo. O passado conservava-se e atuava positivamente no presente.
Aproveitando materiais retirados da natureza, as mulheres construíam seus
próprios utensílios domésticos, ornamentavam as moradias e produziam a própria
alimentação. É o que se pode perceber na narrativa de Edite Lopes:
94
Hermínio Bispo da Silva, comerciante. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 16 de
março de 2008.
95
Edite Lopes Moreira, extrativista. Entrevista cedida à autora em Maracujá Serrolândia, em 22 de
novembro de 2000.
85
A luz..., o tempo que fartava gás a gente pisava a mamona ou então cera
de abelha, porque abelha era demais. Fazia azeite de mamona. O café era
pra torrar e pisar. O sal era aquela pedrona desse tamanho, tinha que
quebrar no pilão. As panelas era tudo de barro. Tinha muita madeira e o
povo cerrava o pau, fazia banco e botava por todo canto, lá em casa
mesmo tinha uns 6 ou 7 bancos. A nossa tradição era assim. Nós aprendia
com nossos avós, com nossas mães. Quando nós era pequena fazia junto
com elas, pra aprender como viver naquela vida.
96
Para Edward P. Thompson (1998, p.18), as tradições se perpetuam em
grande parte mediante a transmissão oral, em que o repertório de anedotas e
narrativas é exemplar. Pensando sobre essa perspectiva, atualmente, uma das
peças do vestuário feminino que tem merecido destaque no mundo da confecção
parece não ter tido muito sentido entre as mulheres do período estudado, uma vez
que a cômica narrativa de Edite Lopes demonstra que o uso de peças intimas
calcinhas - do vestuário indispensável à mulher atual, não fazia parte do cotidiano da
mesma.
As roupas era assim de manguinha aqui, uns vestidinho meio comprido, as
roupas era tudo decente. Num tinha caçola não, a gente fazia e botava um
cordão e amarrava de um lado. Vestia o califone, era o sutiã apertadinho,
assim. Tudo era o povo mesmo que fazia, não se achava pronto pra
comprar como a gente vê hoje em dia não. Cada qual fazia de acordo o
que sabia, copiava os modelos dos outros que já via antes.
97
Relacionando-se com a natureza, utilizando-a, fabricando seus produtos, o
extrativista tece, no seu dia-a-dia, a própria sobrevivência. A vestimenta assim como
a alimentação é um reflexo desse meio rural. As tradições da comunidade fazem
parte de um universo ruralizado e artesanal, onde o espírito do capitalismo”,
descrito por Max Weber (2001) não havia se disseminado.
Nas entrevistas, percebemos que os extrativistas eram quase
autossuficientes, confeccionavam, dentro das suas possibilidades, o necessário à
sobrevivência, como deixa transparecer a narrativa de Joana da Silva, ao explicar
como se fabricava sapatos para sua família:
Naquele tempo comprar sapato pronto não existia isso, era fazendo,
cada família fazia os seus. em casa mesmo, quando morria uma vaca
mandava curtir o couro pra fazer sandália, meu pai cortava o couro e fazia
sandália pra todo mundo. Mamãe tamm fazia sapatinho fechadinho pra
96
Idem.
97
Idem.
86
nois, fazia com couro de bode e o solado era de couro de vaca. Pra fazer
pra um e pra outro era só tirar a medida, comprar a chuliadeira e martelo e
tava todo mundo calçado.
98
Nas comunidades rurais, a mulher tinha papel crucial e era instituidora de
valores e padrões morais. Dentre eles, os namoros e casamentos, que encontravam
maior grau de relevância e se consolidaram nas memórias do grupo, principalmente,
na ideia que mulher de valor não tem medo de licuri.
Como toda comunidade participava das quebras” e “tiras” de licuri, aqueles
eram os locais mais propícios para se arranjar os namoros. Mas, para que isso
ocorresse era necessária a aceitação dos pais e, quando consentidos, aconteciam
na casa da moça, sob a vigilância de algum membro da família. Gervácio Maciel
narra com riqueza de detalhes os namoros que tivera e as dificuldades enfrentadas
para se aproximar de uma “moça de família
99
:
O namoro era diferente. O rapaz encostava na ma, mas ele não tinha
aquela afirmação como existe hoje. Procurava ter alguma conversa, um
bilhetizinho, se ela sabia lê. E o melhor era numa festa. O rapaz tomava a
liberdade, ia pra festa, nas “quebrasde licuri. Se o pai deixasse, a moça
consentia, ela ia e eles se encontravam e tinha uma palestra
[conversa] melhor.
100
Os valores tradicionais cristãos, definidos pela sociedade, modelavam o papel
de mulher. Ela era educada desde cedo para se casar, procriar e cuidar do lar.
Valores como a virgindade imperavam na educação feminina. A mulher deveria ser
virtuosa e “pura”, intimidades com homens depois do casamento. Nas famílias
rurais, no período em estudo, ter em casa uma “moça perdida” era motivo de
vergonha e constrangimento. Então, quando os pais percebiam ou tomavam
conhecimento de que suas filhas perderam a virgindade cuidavam de casá-las
imediatamente, evitando, assim, que elas ficassem “faladas”. Um dos colaboradores
da pesquisa relata com angústia o casamento forçado que teve que enfrentar por
causa dos padrões familiares da época.
98
Joana da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracu Serrolândia, em 01 de
agosto de 2004.
99
Sobre essa temática ver VASCONCELOS V.N.P. Evas e Marias em Serrolândia: práticas e
representações em uma cidade do interior (1960-1990). Salvador: EGBA, Fundação Pedro Calmon,
2007.
100
Gervácio Maciel da Cruz, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 13 de
setembro de 2005.
87
Eu casei porque eu tinha que casar, os pais dela ficaram sabendo porque
de acordo a paixão que ela tinha por mim, e pra acabar com meu namoro,
com minha amizade que eu tinha com a outra que eu gostava, ela
conversou que toda vida foi conversadeira, e conversou com os pais. E por
ter muito conhecimento de preparo ela me condenou e eles me procuraram
e eu não achei jeito de me sair, fiquei com medo, eles me ameaçaram com
policiais e ai me casei.
101
A educação feminina era controlada e vigiada por toda a família,
principalmente pelo sexo masculino: pais, irmãos e esposos. O padrão social na
comunidade em estudo impunha a mulher arranjar bom casamento, com alguém
digno e trabalhador. Essa característica não é peculiar apenas a comunidade
extrativista do licuri. Como nos diz Klaas Woortmann, utilizando-se das idéias de
Bourdieu;
O casamento é político, pois visa à preservação não da casa, mas
também da honra (...) cada casamento é um lance como um jogo de cartas;
cada casamento individual é um jogo de estratégias. (WOORTMANN.
2004, p. 131)
Por isso, a escolha de um casamento passava pela aceitação familiar.
Embora houvesse seleção dos pretendentes para as mulheres, nem sempre eles
foram aceitos com subserviência, que existiam as fugas. As proibições eram
sempre justificadas pela condição social do rapaz ou pela etnia. Havendo a oposição
ao noivo, por parte dos pais da noiva, as fugas funcionavam como solução para os
namorados, como evidencia Gervácio Maciel em sua narrativa:
Ela tinha um namorado e o namorado era preto, era pobre, vivia de
emprego, mas ela gostava dele (...) ele era vaqueiro e ela interessou muito
por ele, ela era de família rica (...) aí ele pegou ela, fugiu e foi pra Jacobina,
casou por lá, mas ele teve muita sorte e nunca mais a moça voltou.
102
Não havendo proibições ou fugas, os casamentos eram motivos de orgulho,
desde que os nubentes fossem originários de famílias de bons costumes, como se
dizia naquela época. Lizânio de Oliveira
103
diz que, pra casar, os rapazes
procuravam uma mulher trabalhadeira que tivesse coragem de enfrentar as
101
Idem.
102
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 17 de agosto
de 2004.
103
Lizânio Gonçalves de Oliveira, agroextrativista. Entrevista cedida à autora em Quixabeira, em 09
de março de 2002.
88
dificuldades da vida junto com o esposo.
Na região em estudo, homens e mulheres viviam intimamente vinculados à
natureza e a padrões tradicionais, possuidores de conhecimentos e técnicas
centenárias, que faziam das quebras” e “tiras” de licuri momentos de trabalho e
sociabilidade. Como nos lembra Nazira Vargas (1987, p. 202), a gente simples tem
uma imensa capacidade de luta, expressa em sua própria sobrevivência, uma
grandeza, um senso de beleza, uma densidade no modo de ver, sentir, pensar a
relação consigo mesmo, com os outros e com a natureza.
89
CAPÍTULO III
3. Os avanços da modernidade: declínio na produção do licuri
As “quebrase tiras” de licuri sofreram transformações na última década do
século XX. As mudanças nas práticas centenárias de sociabilidades exercidas pelos
camponeses estão refletidas nas vozes dos entrevistados desse trabalho. Nos
relatos, transparecem a nostalgia e a saudade do passado, momentos que os
narradores apresentam as relações sociais mais próximas e solidárias.
Naquele tempo da roça e aqui mesmo na cidade as pessoas se ajuntavam,
não tinha essas confusões. Porque era tudo mio do que os tempos agora.
Muita coisa agora é mais fácil, né? A pessoa a vez arruma muitas coisas
assim, mas de primeiro, de primeiro ninguém comprava que nem agora
não. Era uma camaradagem, pra você vê, ningm caçava negocio de
briga, confusão. de pouco tempo pra aquele negócio de morte, o
povo fica assim meio rebelde matando uns zozoto [outros].
104
O tempo descrito por Paula dos Santos é marcado por um ritmo próprio,
harmonioso, de “camaradagem”. O avanço das relações capitalistas no campo foi
um dos fatores explicativos para a extinção das “quebras” e “tiras” de licuri. O
sentido da palavra comprar, subjuga o ethos dos camponeses pautado em
sociabilidades e ajuda mútua. Em várias entrevistas os camponeses fazem
comparações entre passado e presente enfatizando as mudanças:
Naquele tempo não era como hoje, que se faz uma brincadeira, tem
barulho, já tem morte, tem tudo isso, e de primeiro o, você não vê
aquele finado João de Maria de Antuzo, aqueles rapazes era tudo como se
fosse filho meu, eles cantavam roda e você não via aquele negocio de
barulho, você não via nada. Agora, hoje não adianta ninguém vai fazer
mais uma quebra de licuri. Se fizer uma quebra de licuri é obrigado ocupar
as autoridades, a policia, porque eles não respeita, acabou minha filha, isso
tudo. É a modernidade.
105
104
Paula Ferreira dos Santos, extrativista. Entrevista concedida à Marcone Denys em Serrolândia, em
24 de janeiro de 2002.
105
Isabel Maria de Jesus (Nêga), extrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 02 de
abril de 2008.
90
Com perspicácia, a extrativista reflete sobre suas experiências de vida e
aponta a modernidade como uma das responsáveis pela diminuição das “quebras” e
“tiras” de licuri. Sabemos que no Brasil, a partir de 1960, ocorre um processo de
modernização. No campo, essas mudanças são apresentadas através da difusão de
rádios-receptores; aberturas de estradas de rodagem; fomentação da agricultura;
instituição da aposentadoria rural e a presença das instituições governamentais no
campo.
Segundo Manuel Correa de Andrade, (1995, p.73) o Brasil é um país em
ritmo acelerado de modernização e com o crescimento capitalista vem
desenvolvendo-se a rede de estruturas facilitando os transportes e a comunicação.
A facilidade de acesso às informações, com o uso do rádio de pilha e da televisão,
fez com que certos hábitos e valores fossem se deteriorando e passassem a
desaparecer, assim como as quebras e tiras de licuri que reuniam a comunidade
camponesa de Serrolândia por meio das sociabilidades. Gervácio Maciel narra o
processo de modernização dos meios de transportes no município de Serrolândia,
O transporte daqui dessa nossa região era a ou de montaria. Quando o
tempo foi passando é que chegou os carros. As estradas era tudo de terra,
quase que daqui para Jacobina era quase um dia e uma noite pra chegar
lá. Não era longe, o que atrasava era as dificuldades das estradas, os
mata-burro, só daqui pro Paraíso, parece que tinha uns quarenta ou
cinqüenta mata-burro. Depois que fez a estrada, começou a ter carro e a
gente começou a sair daqui, ia em Jacobina, em Mairi.
106
Com a abertura de estradas a vida se transferia para outros lugares. As
veredas e os “mata-burros” que serviam de estradas para as carroças puxadas por
burros e jegues carregados de licuri cediam espaços para as estradas de rodagem e
os primeiros automóveis. Com isso, aumentava o fluxo de informações sobre outras
localidades e mais pessoas passaram a migrar para as cidades e os grandes
centros do país. Assim, os avanços da modernidade e a entrada do capitalismo no
campo modificaram a dinâmica da comunidade extrativista do sertão da Bahia.
Muitos estudos apresentam a modernidade como vilã, acusando-a de
destruir as tradições. Já a tradição, foi comumente entendida como sobrevivência do
passado. As duas versões são frágeis. Na perspectiva de Klaas Woortmann (1990),
a modernização e a tradição não são antagônicas, mas complementares:
106
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista cedida à autora em Serrolândia, em 21 de maio de
2000.
91
A trajetória camponesa não é, contudo, linear. Um movimento que se dirige
a uma dimensão de modernidade pode ser, ele mesmo, necesrio para
que haja um outro movimento, o de reconstituir a tradição. A estrada
principal que conduz à modernidade (individualização, secularização,
racionalidade) abre variantes que reconstroem a ordem tradicional, ou a
exacerbam como nos chamados “movimentos messiânicos (...)
Inversamente, o apego à tradição pode ser o meio de sobreviver á grande
transformação: manter-se como produtor familiar em meio ao processo
mais geral de proletarização ou de empobrecimento. A tradição, então, o
é o passado que sobrevive no presente, mas o passado que, no presente
constrói as possibilidades do futuro. (WOORTMANN, 1990, p. 17)
As tradições não são imutáveis, elas estão em constantes modificações. As
práticas individuais, o processo histórico e a racionalidade são caminhos que
conduzem à modernidade e reestruturam a ordem tradicional. Segundo Raymond
William (1979, p. 118), a tradição não conserva o passado, uma vez que a tradição é
seletiva, ela faz intervenção intencionalmente selecionada de um passado
modelador e de um presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa
no processo de definição e identificação social e cultural.
Eric Hobsbawm (1997) apresenta dois tipos de tradição: as tradições
inventadas e as tradições genuínas. Para ele, estas últimas são caracterizadas por
decorrerem da conservação não deliberada dos velhos costumes. Não é necessário
recuperar nem inventar tradições quando os velhos costumes se conservam. as
tradições inventadas têm um intuito restaurador, visam apregoar valores e normas
de comportamento através da repetição pautada numa artificialidade que tenta
estabelecer continuidade com o passado histórico, ou como resultado da
reestruturação da vida em face de novas situações.
A principal característica das tradições, sejam genuínas ou inventadas, é a
sua invariabilidade. Para Hobsbawm (1997, p. 10-12), o passado real ou forjado
impõe práticas fixas, tais como as repetições. As invenções ocorrem com mais
freqüência quando uma transformação pida da sociedade debilita ou destrói os
padrões sociais para as quais as velhas” tradições foram construídas. Entre os
extrativistas do licuri as tradições camponesas foram reinventadas, acompanhando o
processo de mudanças do país.
Na narrativa de Edite Lopes,
Quebrar licuri era uma tradição, passada de pai pra filho. Desde criança
eles fazia aquele trabalho. Quando crescia já tava acostumado, fazia tudo.
Mas os tempo foi mudando e o povo não quer saber do pesado não.
92
Ninguém ajuda ninguém, é tudo na base no dinheiro. A roça ficou parecida
com a cidade, aquela usura.
107
Como nos disse a entrevistada, a modernização no Brasil despontou
inicialmente nos centros urbanos, ganhando espaços gradativos no campo como na
industrialização da agricultura. Segundo José Graziano da Silva (2002), a diferença
entre o rural e o urbano é cada vez menos importante, que o rural pode ser
entendido como continuidade do urbano, do ponto de vista espacial; e do ponto de
vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem ser mais
identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e
a pecuária.
Sobre a vida no campo e na cidade Raymond Williams diz que,
A vida do campo e da cidade é móvel e presente; move-se ao longo do
tempo, através da história de uma família e de um povo; move-se em
sentimentos e iias, através de uma rede de relacionamentos e decisões.
Contudo, o ritmo, a intensidade e a natureza da mudança podem produzir
alterações brandas, não modificando com substancialidade o quadro
comum do pensamento e a estrutura do grupo. (WILLIAMS, 2000, p. 19)
Até a última década do século XX a atividade de “quebras” e “tiras” de licuri
no município de Serrolândia tivera grande representatividade, modificando-se de
maneira aparentemente lenta e gradual. A partir de então, uma confluência de
fatores modificaram as relações de trabalho e sociabilidade, dentre as quais
destacamos a expansão do capitalismo no campo, a migração, a aposentadoria
rural, as secas, as políticas públicas e a implantação das fábricas de bolsas e
brindes.
No gráfico podemos visualizar a produção do coquilho do licuri no município
de Serrolândia na década de 1990:
107
Edite Lopes Moreira, extrativista. Entrevista concedida à autora, Maracujá Serrolândia, em 22 de
novembro de 2000.
93
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
160.000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Produção por Kg
Gráfico 4: Produção de licuri no município de Serrolândia de 1990 a 1999.
Fonte: Adaptado pela autora a partir dos dados de Lenir Lima (1961, p.21).
Nos primeiros anos de 1990 a produção do coquilho do licuri permaneceu
equilibrada, cerca de 140.000 kg anuais, em seguida observamos um declínio e o
produto passou a ser comercializado em menor quantidade, ficando pouco acima
dos 100.000 kg anuais. Comparando esses dados com os apresentados
anteriormente no capítulo I, percebe-se que a atividade extrativista com o licuri era
bem maior. Os relatos dos entrevistados complementam as informações
apresentadas no gráfico:
Se agente tivesse de 1990 pra trás era pra produzindo umas 10
toneladas de licuri por semana. Hoje, pra dizer melhor, sábado, aqui na
feira, nós produzimos 300 quilos de mercadoria. Era pra tá produzindo 10
toneladas que a safra tá chegando, depois que começava era de 40, 30
toneladas, na safra mesmo.
108
Segundo o entrevistado, a produção mensal do licuri na década de 1990
ultrapassava pouco mais de uma tonelada mensal. Ao questionarmos os motivos
para a diminuição da atividade extrativista de “quebrase tiras” de licuri, aparecem
justificativas díspares, variando de acordo com a cadeia de produção e
comercialização do licuri, na qual o entrevistado está inserido.
108
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
94
Hoje em dia a produção de licuri diminuiu, vamos dizer, 80%. Porque o
pessoal derrubou muito licurizeiro, muitos fazendeiros derrubou o licuri.
Tem umas fazendas que você passa que era coberta de licuri e hoje tem
uns pezinho aqui outro ali, você só vê os tocos, parece um cemitério, tudo
virou pastagens. Hoje em dia tem também algumas rendas para o pessoal
que precisa. Hoje não precisa ir para o mato panhar o licuri. É outra forma
de trabalho, qualquer coisa hoje dinheiro. A pessoa faz qualquer
ganchozinho pra arrumar dinheiro sem precisar quebrar licuri. Porque o
licuri é muito dispendioso. E com relação ao custo de vida hoje o licuri o
dá preço.
109
Na concepção de Gervácio Maciel ocorreu, uma diminuição brusca na
comercialização do licuri em função da destruição da palmeira por fazendeiros, que
derrubaram os licurizais para fazerem as plantações e pastagens para o gado; por
conta do surgimento de outras atividades de trabalho como as fábricas de bolsas; a
implantação das políticas públicas; e a desvalorização monetária que o produto
passou a ter no mercado. Nas duas fotografias abaixo, adquiridas recentemente,
podemos visualizar a destruição dos licurizais e sua substituição por pastagens.
As justificativas para a diminuição das quebras” e “tiras” de licuri o se
encerram, a cada entrevista o apresentadas novas versões e perspectivas, uma
delas diz que o extrativismo diminuiu porque,
109
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista cedida à autora em Serrolândia, em 17 de agosto de
2002.
Fotos: Heitor Sousa Motta
Foto 6: Propriedade particular com alta incidência
de licurizeiros. Serrolândia, 12.12.2008
Foto 7: Licurizeiros arrancados para o plantio
de pastagens. Serrolândia. 12.12.2008.
Foto 6
Foto 7
95
Descobrimos o aio e o licuri aqui tá meio escasso, o tem mais licuri, aqui
tem uma menina ali que quebra licuri, mas ela anda o mato todo e não
encontra mais licuri, por causa do gado que comeu o licuri todo, não
tendo mais licuri. E eu mesmo não gosto de quebrar licuri, eu sei lá, você
catar aquele licuri no mato, carregar peso, a gente não agüenta, quem é
sozinho fica ainda pior.
110
Deuzuita de Jesus apresenta três motivos para a diminuição da atividade
extrativista com o coquilho do licurizeiro no seu povoado: primeiro, a prática do
artesanato confeccionado com palhas do próprio licurizeiro, que gera uma renda
maior com menor esforço físico; depois, as secas prolongadas que atingiram a
comunidade extrativista e fizeram dos licurizais ração para o criatório faminto,
diminuindo a abundancia do produto e a perda de nutrientes da palmeira interferindo
na floração e frutificação; e o terceiro, quando ela afirma que “quem é sozinho fica
ainda pior”, está querendo dizer que as dificuldades do trabalho árduo de colher,
quebrar e tirar o licuri sem a ajuda mútua dos parentes e vizinhos ficavam muito pior.
O último argumento também foi utilizado pela entrevistada Joana da Silva.
Ela enfatiza que houve uma alta produtividade do licuri, reduzida conforme foi
diminuindo as relações de sociabilidades no meio camponês.
Eu cortei e quebrei licuri até uns dias atrás. É bem pouco, a gente não acha
mais tanto como antigamente. O trabalho é duro, mas serve pra completar
o dinheirinho do bolsa família. Mas aquela amizade, aquela festa de um
ajudar o outro acabou, eu sozinha mesmo não consigo quebrar e tirar 20
latas de licuri por semana. Antes isso era nada, tinha a ajuda das comadres
e das vizinhas, hoje pra ter uma ajuda tem que pagar, é no dinheiro.
111
A rede de solidariedade que existia entre os extrativistas do licuri foi se
diluindo. A memória dessa entrevistada exprime o sentimento desolador causado
pelo rompimento das relações de reciprocidade que existiam entre o grupo. É como
salienta Klaas Woortmann (1990, p. 60), a reciprocidade, seja como troca
obrigatória, seja como o espírito que se opõe ao da mercadoria, é um campo de
honra.
Valdomiro da Silva apresenta uma concepção diferente das três anteriores,
quando diz que,
110
Deuzuita Maria de Jesus, artesã. Entrevista cedida à autora em Barra Nova, povoado do município
de Várzea do Poço, em 09 de janeiro de 2008.
111
Joana da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá Serrolândia, em 01 de
agosto de 2004.
96
Eu penso que mesmo que o dinheiro não desse para fazer uma feira,
naquela época não tinha evolução nenhuma, o pessoal ligava de
trabalhar mesmo, só vivia daquilo, então, eles produziam e quebravam
muito. O tempo também era outro, não é como é hoje, espera a chuva o
sei quanto tempo e não vem, isso também pára a produção. E também
você vê que o povo da roça veio tudo embora para a cidade, hoje em dia o
cara não pode ter uma bicicleta e tem um carro velho na porta, então ficou
naquele movimento e foi perdendo o estímulo de trabalhar roça. O povo
vem pra cidade atrás de dinheiro do governo, dinheiro fácil.
112
Valdomiro é funcionário de um estabelecimento que compra licuri desde a
segunda metade do século XX e sua justificativa para a diminuição da produção do
coquilho vai desde ao prolongamento das secas, a migração para as cidades, o
desinteresse dos agricultores pela produção no campo provocada pelo fascínio da
modernidade, até às políticas públicas implantados pelo governo federal. Para o
entrevistado, as políticas públicas e o benefício da aposentadoria rural seria
“dinheiro fácil”, responsável pela diminuição do extrativismo, pois habituou os
camponeses a não trabalhar, tornando-se preguiçosos e acomodados. Vários
entrevistados apresentam a aposentadoria rural por outra lógica, dizendo que,
Sempre trabalhei na roça, foi dureza. Depois que me aposentei as coisas
melhorou. O dinheiro da feira e dos remédios tão garantidos, num é? E
ainda sobra um pouco pra botar na roça, comprar um remédio pro gado,
essas coisas que antes era tudo tirado daqui da roçinha. Eu não sei o que
seria do povo se o governo não desse esse dinheiro, ajuda muito.
113
Na concepção de Gervácio Maciel a aposentadoria rural não tornou os
extrativistas acomodados, ao contrário, com uma renda mensal fixa, os camponeses
passaram a trabalhar mais tempo, investindo inclusive nas suas propriedades. No
Brasil, a proteção social para os trabalhadores rurais foi universalizada na
constituição de 1988. Segundo Guilherme Delgado e José Celso Cardoso (2001),
Ela introduziu o princípio de acesso universal de idosos e inválidos de
ambos os sexos à previncia social, em regime especial, cuja principal
característica é a de incluir o chamado setor rural informal, constituído pelo
“produtor, parceiro, meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o
pescador artesanal, bem como respectivos cônjuges que exerçam suas
atividades em regime de economia familiar sem empregados permanentes
112
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri há mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
113
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista cedida à autora em Serrolândia, em 13 de setembro
de 2005.
97
(Art. 195, §8, Constituição Federal de 1988) (DELGADO, CARDOSO, 2001,
p. 227)
A garantia da aposentadoria rural foi um processo. No início da década de
1970, o governo federal instituiu uma pensão para idosos do campo, equivalente a ½
salário mínimo e nos anos 80 foi elevado para um salário mínimo integral. No
município de Serrolândia as aposentadorias rurais foram ampliadas em 1990.
Segundo Osmil Galindo e José Ferreira Irmão (2003, p.166), entre os diversos
programas de transferência de renda de brasileiros, a Previdência Social é
certamente o mais significativos em número de benefícios pagos e volume de
recursos despendidos. Enquanto os benefícios urbanos encontram-se mais
presentes na região Sudeste (56,7% do total), a Previdência Rural pagava, em 1998,
o maior número de seus benefícios no Nordeste (45,5% do total). Cabe registrar
que, do total dos 4,9 milhões de benefícios emitidos mensalmente pela Previdência
Social em 1998, no Nordeste, a maioria era constituída por benefícios da
Previdência Rural, com 2,7 milhões, contra 2,2 milhões de prestações urbanas.
A extração do licuri é uma atividade que requer agilidade e força física e
como os mais velhos não possuíam a mesmo vigor de antes, suas produções nas
“quebras” e “tiras” eram sempre menores. Vários entrevistados como Joana da Silva
registraram as dificuldades dos mais velhos em praticar o extrativismo alegando que,
Quanto mais velho fica menos se trabalha. É muita dor minha filha. Meu
joelho não agüenta, minhas costas doem, minhas pernas ficam enchada.
Por isso eu quebro o licuri um pouquinho mesmo, mas eu sou
aposentada o preciso mais tanto do licuri. Mas no tempo de antes, novo
e velho se valia do licuri. Agora, os mais velhos quebrava bem menos que
os novos, não agüentava aquele labuta, é muita força, precisava de saúde.
Conforme salienta a entrevistada, com a difusão do benefício pago pela
previdência social, os camponeses passaram a ter uma renda fixa mensal que
sustentava a família, resultando na diminuição da produção do licuri. Valdomiro dos
Santos relatou como era a vida da população antes da implantação da
aposentadoria rural:
Naquela época que eu vim trabalhar aqui, o cidadão, era uma pecuária, um
negócio daquele, porque, o cara ficava velho com 60, 70 anos e ele não
tinha o encosto. A aposentadoria deve ter sido de 70 pra cá. Eu sei que eu
tava aqui. Eu sei que naquela época o pessoal o recebia
aposentadoria, eles trabalhavam até morrer. Vamos dizer assim, ficava por
98
aqui, pela porta do depósito, a gente dava muita esmola àqueles velhinhos
que não trabalhavam, daí pra cá surgiu a aposentadoria e aqui mudou.
114
O extrativista se via amparado pelo “encosto” previdenciário, e a imagem do
“esmolé” aos poucos foi desaparecendo, os velhos deixaram de ser um peso para os
filhos para se tornarem esteios da família e seus rendimentos regulares e fixos se
tornaram imprescindíveis para a continuidade da vida nas coletividades. Como nos
disse Valdomiro, antes do benefício, as pessoas tinham que trabalhar até a morte ou
ficavam na dependência financeira da família e/ou amigos. Analisando a previdência
Rural nos anos 90, Osmil Galindo e José Ferreira Irmão (2003, p. 179) dizem que as
transferências de renda da Previdência têm exercido papel importante na melhoria
das condições de vida das famílias rurais. Assim, observa-se, por exemplo, o
impacto que tiveram sobre a melhoria da habitação em aspectos como material de
construção, abastecimento de água, instalações sanitárias, acesso a energia elétrica
e a telefone.
De acordo com Guilherme Delgado e Jo Celso Cardoso (2001, p. 235), na
década de 90 no Brasil não se criaram novas ocupações, nem se inventaram novos
produtos e novos processos produtivos na velocidade e diversidade que
apresentava um sistema econômico com alto grau de inovação técnica e mobilidade
social. Com isso, a aposentadoria rural era uma fonte utilizada para dinamizar a
economia em diversos locais. No município de Serrolândia o impacto da
aposentadoria rural na década de 1990 foi marcado pela diminuição do extrativismo
do licuri, melhoria das habitações, pequenos investimentos na propriedade rural e
sustentação de todo núcleo familiar, incluindo os filhos, parentes, agregados e afins.
A minha aposentadoria é que sustenta todo mundo aqui. É neto, filho, nora.
Todo mundo come do dinheiro do governo. Nesse tempo de seca, que
ninguém acha nada pra fazer, fica por aqui e na hora que a barriga ronca
senta e come. Dá pra todo mundo.
115
Pelo exposto, a renda proporcionada pelos benefícios da previdência tem
contribuído significamente para a melhoria do padrão de vida das famílias pobres no
Nordeste rural. Os beneficiários não são inativos, eles desenvolvem estratégias
114
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
115
Alizandrina do Nascimento, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracu Serrolândia,
em 01 de agosto de 2004.
99
múltiplas de sobrevivência com atividades ligadas à agricultura, à agropecuária e ao
extrativismo. Guilherme Delgado e José Celso Cardoso (2001, p. 241) chamam
atenção para as diferentes utilizações do seguro previdenciário: o responsável pelo
estabelecimento rural garante a subsistência familiar e financia uma pequena
produção; as mulheres tamm garantem a subsistência familiar, embora
empreguem na terra menor quantidade do benefício.
O dinheiro do meu aposento serve pra comer e cuidar da roça. Eu compro
remédio de formiga, pago a trabalhador pra ajudar a capinar, destocar o
mato, plantar na trovoada. Agora o dinheiro de Edésia eu o sei o que ela
faz. Compra é besteira, coisa de casa, não me ajuda com um real aqui na
roça. Ela diz que guarda para uma hora de doença.
116
O beneficio da previdência rural deu subsídio para a manutenção das
famílias nas áreas de origem, aumentando assim, o processo de migração rural-
urbano no município de Serrolândia. Muitos entrevistados relataram o fluxo
migratório que a comunidade extrativista vivenciou nos últimos anos do século XX, e
em alguns casos especificamente, as dificuldades de concessão da aposentadoria
rural por conta dessa decisão.
Eu até hoje o consegui me aposentar. Eu trabalhei toda vida na roça, no
cabo da enxada, quebrando licuri, botando roça de meia. Passei uns dez
anos em Salvador e depois voltei aqui pro Maracujá e continuei fazendo
trabalho de roça e nunca me aposentei. fiz entrevista e não passo. Mas
eu sei o que é. O povo disse a eles que eu não preciso e que nunca
trabalhei de roça. Tem gente que faz o mal.
117
Sustentar a família com o extrativismo do licuri o era fácil. Assim como
Arlinda do Rosário, muitas pessoas migraram do sertão da Bahia, retornando ao
completarem a idade para se aposentar, 60 anos para homens e 55 para as
mulheres. Para adquirir o benefício rural é necessário ter laborado no campo, sem
necessariamente possuir terra, seja por meio de meação, parcerias, arrendamentos,
empreitas, economia familiar, etc. No caso de Arlinda do Rosário, os dez anos que
116
Hermínio Bispo da Silva, comerciante. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em16 de
março de 2008.
117
Arlinda Maria do Rosário, extrativista. Migrou para Salvador em 1983 com toda sua falia e voltou
10 anos depois para o povoado de Maracujá. Entrevista concedida à autora no Povoado do Maracujá
Serrolândia, em 22 de setembro de 2008.
100
passou na capital do estado da Bahia se transformaram em empecilhos para receber
o benefício e por isso continua quebrando e tirando o licuri para completar a renda
mensal.
Sobre a aposentadoria rural feminina Valdomiro da Silva diz que,
O tempo mudou. Naquele tempo uma mulher com 60 anos trabalhava, hoje
com 55 está aposentada, então ela vai trabalhar mais, quebrar licuri? E
hoje não, ele recebe o dinheirinho dela, e nova com 55 anos. As outras, as
meninas mais novas recebe a bolsa família. Quem trabalha mais com
licuri?
118
Assim como a aposentadoria rural, as políticas públicas implantadas pelo
governo federal através do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e
do Programa Bolsa Família (PBF) auxiliaram financeiramente os camponeses, que
passaram a receber mensalmente uma quantia em dinheiro deixando de praticar as
“quebras” e “tiras” de licuri.
O PETI tem como objetivo contribuir para a erradicação de todas as formas
de trabalho infantil considerado penoso e degradante, atendendo famílias cujas
crianças e adolescentes possuam idade inferior a 16 anos. Para receber a
transferência da renda, as famílias m que assumir os compromissos de retirar as
crianças de atividades laborais e de exploração; ter freqüência mínima da criança ou
adolescente nas atividades de ensino regular, tendo um percentual mínimo de 85%
da carga horária mensal exigida; bem como, acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento infantil, da vacinação, vigilância alimentar e nutricional de crianças
menores de sete anos.
Com a implantação do PETI em Serrolândia em 2000, muitas famílias se
beneficiaram com o programa. De acordo com a Revista, Resgatando a Infância: a
trajetória do PETI na Bahia,
O trabalho realizado quase gratuitamente por crianças e adolescentes,
colhendo o sisal em pequenas propriedades, construiu fortunas, com a
venda final da fibra, pelos exportadores, ao mercado externo. Assim como
aconteceu com a fibra do sisal, acontece com a pele dos caprinos e ovinos
que são vendidas, a quantias irrisórias, nas feiras livres do sertão, e que
alcançam preços significativos quando comercializado pela indústria de
artefatos de couro, nos mercados nacional e internacional. Assim é
também no caso da mamona, lavoura que tem sido fomentada na região
118
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
101
semi - árida pelo Banco do Nordeste, e de outros produtos, como a farinha,
o feijão, o milho e ainda outros, de menor alcance no mercado, como
ouricuri e babaçu. (RAMOS. NASCIMENTO. 2001 p.19)
A partir das informações acima, acredito que a implantação do programa no
município tenha uma relação direta com o extrativismo, que era comum o auxilio
de crianças nessa atividade. Porém, devo novamente ressaltar que o trabalho na
infância faz parte da lógica camponesa e não era visto pela família como exploração
da mão de obra infantil.
119
Mesmo assim, muitas famílias abandonaram a atividade
extrativista alegando que,
O trabalho com o licuri é muito desgastante, dispendioso. Eu mesmo não
tenho terra, tinha que panhar na terra dos outros. Desde pequena que eu
quebro o licuri, eu morava lá na roça, eu comprava meus perfumes, minhas
coisa, meus brinquedos. Depois que casei ainda trabalhei com o licuri,
morava aqui na rua e panhava na roça do povo. Mas agora eu larguei, é
um trabalho muito cansado. Eu agora mesmo recebo dinheiro do governo.
Esse dinheirinho pra comprar as coisas que antes eu comprava com o
dinheiro do licuri, eu larguei aquela labuta de antes. Agora naquele tempo
de eu criança não tinha outra coisa o, ou quebrava o licuri ou ficava sem
nada.
120
A partir dos argumentos utilizados pela entrevistada podemos concluir que
ela deixou de praticar o extrativismo do licuri por três fatores: dificuldades de adquirir
o licuri, que não possuía terras; deslocamento para a cidade; e a obteão de
outra forma de renda através das políticas públicas. Não como negar a
importância dos programas sociais no sertão da Bahia, eles subsidiaram famílias
que retiravam do extrativismo a sua sobrevivência. Assim como Anailde dos Santos,
com a implantação das políticas públicas muitas pessoas deixaram de praticar o
extrativismo.
Além dos já apresentados, outro fator preponderante na diminuição do
extrativismo do licuri foram as migrações.
119
Não consegui nenhum documento e/ou dados oficiais sobre a implantação do programa do
município de Serrolândia
120
Anailde Maria dos Santos, dona de casa - beneficiária do programa do governo federal Bolsa
família. Entrevista concedida à autora em 18 de outubro de 2008.
102
3.1 “Conhecendo outro mundo”
Mamãe arruma a mala
Que amanhã vou viajar
Vou correr vinte estados
Meu destino é trabalhar.
Saio da Bahia
São Paulo vou visitar
Eu vou pra Mato Grosso
Vou morar em Para
Passar no Rio de Janeiro
E no Distrito Federal.
121
Nas comunidades camponesas são constantes as práticas de reciprocidade
entre parentes, compadres e vizinhos. Na comunidade camponesa estudada, eram
as “quebras” e “tiras” de licuri que reuniam o grupo para a ajuda mútua. Porém,
desde 1980, intensificando-se na década posterior, os fluxos de migrações
temporárias e/ou definitivas para as metrópoles do sudeste, as migrações intra-
regionais e em menor escala as migrações sazonais para regiões cultivadoras da
cana-de-açúcar, da laranja e do arroz, assim como as secas, a aposentadoria rural e
as políticas blicas, transformaram as relações de sociabilidades.
A migração não é entendida como mero deslocamento da população de um
espaço para outro, mas como um complexo processo social que mobiliza
representações espaciais e concepções de tempo, que envolve expectativas,
sonhos, desejos, esperanças e engloba as questões tensas entre mudanças e
permanências. No Brasil, depois da chamada República Velha, houve uma
incrementação da migração com a implantação um modelo de desenvolvimento
industrial em todo país. Com isso, as cidades aumentaram os seus contingentes
populacionais.
De acordo com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da
Bahia Série Estudos e Pesquisas da SEI Migração e Migrantes da Bahia nos anos
de 1980 e 1990 (2006), a partir de meados do século XX, o estado passou a
empreender ações visando a descompressão demográfica, destacando-se os
Projetos de Colonização do Centro-Oeste e da Amazônia. Um dos fatores que
favoreceram a mobilidade populacional foi a melhoria no sistema de transportes, de
121
Maria de Lurdes Silva, extrativista aposentada. Entrevista concedida à autora em Maracujá,
povoado de Serrolândia, em 07 de setembro de 2008.
103
comunicação e de infra-estrutura. Podemos compreender essa modificação no relato
de Joana da Silva quando diz que
Hoje as coisas são bem diferentes daquele tempo. De primeiro morria
muita criança de mal de sete, eu mesmo perdi foi cinco meninos. Fui parar
no médico e ele mandou eu sair de casa e queimar a casa e as roupa tudo,
fazer tudo de novo para a hora dos meninos nascer, depois disso é que
conseguir criar. Hoje nasce e cria tudo, tem médico, hospital, remédio.
Naquele tempo pra achar um médico tinha que ir buscar na cidade, de
cavalo, era muito caro, quase ninguém podia pagar, era luxo. Hoje tem
médico, carro, estradas e se quiser pode ir pra São Paulo, Salvador pra se
tratar.
122
A abertura das estradas de rodagem, o maior fluxo de informações e o sonho
de sair da roça e conhecer a “modernidade” fizeram muitos jovens camponeses
partirem em direção as metrópoles do sudeste. , enfileiravam-se nas mais
diversas atividades. De acordo com Dora Martins e Sônia Vanalli (2004, p.77), o
estado do Paraná, nas décadas de 1940, 1950 e 1960, foi um verdadeiro
desaguadouro de migrantes da região nordeste. O responsável pela intensa
migração foi o plantio do café. Nas décadas posteriores a migração foi acrescida
pelo crescimento da agricultura de exportação de arroz. Um verso cantado nas
“quebras” e “tiras” de licuri apresentava a vincia do grupo em relação ao estado do
Paraná.
Paraná me levou
Paraná me leva
Eu só fico satisfeito
Quando eu for na minha terra.
123
Segundo Milton Santos (2005, p. 33), o forte movimento de urbanização que
se verifica a partir do fim da Segunda Guerra Mundial é contemporâneo de um forte
crescimento demográfico, resultado de uma natalidade elevada e de uma
mortalidade em descenso, cujas causas essências são os progressos sanitários, a
melhoria relativa nos padrões de vida e a própria urbanização.
É importante acrescentar que a saída de pessoas das áreas rurais para o
meio urbano do Centrosul foi influenciada também pela estrutura fundiária
predominante no Nordeste (grande concentração de terras) que, associada às
122
Joana da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá Serrolândia, em 01 de
agosto de 2004.
123
Idem
104
secas, dificultava ao pequeno agricultor sobreviver em sua propriedade,
impossibilitando-lhes de criar alternativas de trabalho. Sobre esse aspecto, Afrânio
Garcia Júnior (apud Galizone, 2000) afirma que existe uma insuficiência de terras
cultiváveis pela força de trabalho familiar, o que obriga as famílias construírem
estratégias de acumulação e trabalho muitas vezes fora da sua terra.
Os problemas sociais resultantes da estrutura agrária atingiam muitas famílias
camponesas, e migrar se tornou uma estratégia de sobrevivência do campesinato.
Atrelados a isso, as secas que assolaram o nordeste na década de 1950
alimentavam os viveiros de mão-de-obra barata tanto no setor industrial como
agrícola. Assim, no sertão da Bahia, a questão fundiária e as secas são
apresentadas como vetores para o aumento das migrações e diminuição do
extrativismo do licuri. Gervácio Maciel faz uma reflexão sobre a concentração de
terras:
A terra era pouca, e o povo ia vendendo. Ia embora por causa da seca e
vendia para aqueles mais forte da região. O forte ia comprando aqueles
pedacinhos aqui, outro ali e daqui a pouco ele tinha uma fazendona. De
pedacinho em pedacinho, era uma tarefa de um, cinco de outro, dez de
outro e ia, ia. Mas era tudo comprada no papel, quem vendia não
podia voltar atrás não. Muita gente foi embora pra cidade grande. Mas teve
gente que quebrou a cara e voltou, agora pra trabalhar na terra dos outros,
muitas vezes daquele que ele mesmo vendeu. Era difícil, mas era a vida.
Fazer o quê?
124
O trabalho familiar e a terra são molas propulsoras do campesinato. A venda
de pequenos lotes de terras e a migração para as cidades foi um dos responsáveis
pela desarticulação do campesinato extrativista em Serrolândia. Klaas Woortmann
(1990, p. 23) salienta que nas culturas camponesas não se pensa a terra sem
pensar a família e o trabalho, assim como não se pensa no trabalho sem pensar a
terra e a família. Assim, sem a terra, tem se verificado que as famílias camponesas
do sertão da Bahia modificaram os princípios centrais de honra e reciprocidade,
adotando práticas das sociedades modernas como individualismo expressão do
sistema capitalista. É sobre esse aspecto que fala Edite Moreira:
Hoje em dia é cada um por si. Acabou aquela união. As comadres não se
ajuda mais não. Ninguém tem tempo. Antes se uma vizinha adoecia a outra
ajudava, arrumava a casa, fazia a comida, cuidava dos meninos, hoje tem
124
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 13 de
setembro de 2005.
105
que pagar, é tudo no dinheiro, ninguém faz mais nada por amizade. O povo
conheceu outro mundo e foi trazendo outros costumes, de São Paulo,
num é?
125
A migração dos extrativistas de licuri não pode ser entendida dentro de uma
única perspectiva. Mas, por que migrar? Ellen Woortmann, no seu trabalho
Herdeiros, parentes e compadres: colonos do sul e sitiantes do nordeste (1995),
apresenta três modalidades de migração para a comunidade de Lagoa da Mata no
estado de Sergipe:
A primeira migração temporária diz respeito a rapazes em vias de casarem.
É uma espécie de rito de passagem para “conhecer o mundo”. Outro tipo
de migração é a sazonal, no período de relativa vacância agrícola, que tem
o sentido de dar utilidade à força de trabalho, que no local permanece
ociosa. A terceira, denominada definitiva, é fundamental para a reprodução
do grupo como um todo, por razões que são o inverso da primeira, a
migração ritual temporária. (WOORTMANN, 1995, p. 270-280)
Os três tipos de migração descritos por Ellen Woortmann também foram
identificados na comunidade em estudo. Na narrativa de Hermínio Bispo da Silva e
de outros entrevistados aparecem com freqüência as três perspectivas de migrão,
embora haja predominância das migrações sazonais.
Eu nunca me mudei. Passei a vida aqui mesmo, casei e tive meus filhos
aqui, criei tudo comprando e vendendo mamona, fumo e licuri. Mas dois
dos meus irmãos foi pra São Paulo com a família toda e não voltou mais.
Teve gente que quando era rapaz solteiro ia ver como era a cidade grande
e depois voltava e ficava aqui e não ia lá mais nunca. Outros passavam
uma temporada por lá, ganhava um dinheiro e voltava pra casa. Pra falar a
verdade eu acho que a maioria ia pra ver como era a cidade grande.
126
A migração temporária descrita acima era feita principalmente por homens
que desejavam conhecer outras realidades antes do casamento. O entrevistado
Manoel Pereira Araújo de 89 anos de idade - alfabetização básica migrou para São
Paulo e lá ficou durante quatro anos (1952 e 1956); ele nos conta que foi para São
Paulo influenciado pela “conversas que ouvia sobre a cidade grande e a
possibilidade de ganhar dinheiro,
125
Edite Lopes Moreira, extrativista. Entrevista concedida à autora, Maracujá Serrolândia, em 22 de
novembro de 2000.
126
Hermínio Bispo da Silva, comerciante. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em16 de
março de 2008.
106
Eu não fui pra São Paulo por necessidade. O meu irmão foi pra lá, e de lá
ficou escrevendo, que naquele tempo nem telefone tinha, tinha era carta.
Então, que eu fosse pra lá, que lá era bom, que ganhava dinheiro e tal e tal
e tal. Eu aqui, graças a Deus, eu aqui, meu pai, eu nunca vendi um dia, eu
nunca dei um dia aos outros, de fora, eu trabalhava na roça, na terra do
meu pai. Então eu fui pra vê como era.
127
Podemos observar pela narrativa acima, que a migração é entendida como
pressuposto e oportunidade para conhecer outras realidades. Tanto é que o
entrevistado faz questão de ressaltar que migrou por conta de “curiosidades e
influências, e não necessariamente por questões financeiras ou climáticas. Assim,
as migrações não aconteciam necessariamente por motivos micro ou
macroeconômicos, mas por representações criadas pelas pessoas, da cidade como
perspectiva de futuro e de prosperidade.
O fenômeno da mobilidade espacial dos camponeses no Brasil antecede e
atravessa toda a história do país. Desde o período colonial houve fluxos migratórios
para diversos estados do país, destacando-se no final do século XIX e inicio do
século XX o estado de São Paulo. De acordo com os estudos da Superintendência
de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia - SEI, (2006, p 22), entre os anos de
1930 e 1970 os estados nordestinos apresentaram as maiores contribuições para a
consolidação da força de trabalho na indústria do Sudeste, que se converte da
“região do café”, emregião da indústria”.
Eu fiquei 4 anos em São Paulo. Eu não voltava sem dinheiro, pra ter que
tomar dinheiro emprestado aos outros pra vim embora. Primeiro trabalhei
numa fábrica de papelão, não deu certo. Depois fui trabalhar de servente
de pedreiro (...) Trabalhei numa fábrica de vidro. passei por tudo nessa
vida. Eu sou um homem vivido. Vivi na roça, trabalhando na roça. Fui pra
São Paulo, trabalhei de empregado, trabalhei de servente de pedreiro,
passei fome, olhava pra um cafezinho e o tinha dinheiro pra comprar e
tomar um cafezinho. Depois vim embora, casei e não me arrependi de ter
casado. Só voltei lá para passear.
128
No relato de Manoel Pereira Araújo, observamos as várias atividades que
desenvolveu na sua estada em São Paulo capital. Com o processo de
industrialização ocorrido entre os anos de 1950 e 1990 a população do interior foi
utilizada como manancial para a execução de tarefa pouco exigente no que diz
127
Manoel Pereira Araújo (Binezinho), agricultor aposentado que migrou para São Paulo capital na
década de 1960. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 19 de setembro de 2008.
128
Idem.
107
respeito à especialização (balconistas, ajudante de pedreiro, faxineiro, empregada
doméstica, etc.).
129
Assim como o entrevistado, a grande maioria da mão de obra
nordestina foi empregada na construção civil e nas indústrias.
Utilizando a conceito de camponeses fracos / fortes de Ellen Woortmann
discutido no I capítulo desse trabalho, percebemos que Manoel Pereira Araújo não é
rico, mas para a comunidade que fazia parte, se sentia em situação financeira e
social um pouco melhor que os outros. A migração dependia do grupo social que o
camponês estava inserido. Na maioria das vezes, os fracos migravam
principalmente para buscar a sobrevivência e os fortes para conhecer o mundo, uma
espécie de rito de passagem para alargar os horizontes.
Outros extrativistas migraram definitivamente, com objetivo de assegurar a
reprodução do grupo familiar, já que muitos não detinham a posse da terra e viviam
de arrendamentos e meação. Para Lídia Cardel (1996, p. 47), a migração é
necessária para manter o pequeno patrimônio descongestionado e possibilitar aos
filhos (herdeiros) que permaneçam em condições mínimas para que possam se
reproduzir socialmente enquanto camponeses. Assim, com o crescimento da família
extrativista, a migração se tornava estratégia de sobrevivência do grupo e do
campesinato como nos diz com sabedoria a entrevistada Arlinda do Rosário:
Primeiro foi Tonho, meu marido. Depois ele foi levando os meninos, os
maiores. Eu fiquei aqui com os meninos pequenos. Era uma luta, ele
mandava dinheiro de quinze em quinze dias, eu completava com o
dinheirinho do licuri. Depois ele conseguiu comprar um terreno , era
grande. No meio ele fez uma casinha, com um quarto, uma sala e uma
cozinha e então eu vi que era difícil a falia dividida, melhor é tudo junto.
eu fui com os meninos menores. Não dava pra ficar vivendo da terra,
alguém tinha que buscar outros meios.
130
Em geral, quem buscava primeiro os “meios” eram os homens. Entre os
extrativistas, como na maioria das comunidades camponesas estudadas, as
decies masculinas em alguns aspectos eram inquestionáveis. Quando ocorria a
migração dos pais e dos irmãos mais velhos para outras regiões, a propriedade
ficava sob o encargo das mulheres. Eram os mais velhos que assumiam as
responsabilidades da casa, do plantio, da colheita e da criação de animais. Em
129
Não foi possível encontrar levantamentos estatísticos do município de Serrolândia.
130
Arlinda Maria do Rosário, extrativista que migrou do município de Serrolândia na década de 1980
e 1990 para Salvador. Entrevista concedida à autora no Povoado do Maracujá em 22 de setembro de
2008.
108
entrevista, Antônio nos relata como a migração colaborou para a sustentação da sua
prole e da agricultura:
Eu fui embora sozinho, buscar sustento para a família. Deixei a mulher, os
meninos, e uma rocinha de feijão e milho que não deu tempo colher. Eles
foi quem colheu e deu pra comer uns dias enquanto eu arrumava dinheiro
pra mandar pra eles comer e continuar lutando com a nossa terrinha.
131
A migração sazonal descrita e vivenciada por Antonio da Silva é comum na
comunidade extrativista do sertão da Bahia, tendo primordialmente dois objetivos:
trabalhar em períodos de secas em outras regiões, retornando em época das chuvas
para ajudar na lavoura; e acumular recurso para possíveis compra de terras e
aumento do criatório. Ely Estrela em seu estudo Os sampauleiros: cotidiano e
representações, chama atenção para os períodos de maior fluxo de migração no
sertão da Bahia, apontando os períodos de chuvas como regulador do tempo de
migrar.
Os deslocamentos ocorriam basicamente nos primeiros quatro meses do
ano. O período de chuvas tempo das águas do alto sertão compreende
os meses de outubro a março. De março/abril a outubro, o alto sertão
vivencia certa inatividade. A viagem nesse período funcionava como meio
de os sertanejos se manterem ativos. Quando as chuvas recomeçavam,
muitos deles voltavam para trabalhar a terra. (ESTRELA, 2003, p. 92)
A dinâmica que conecta família, terra e trabalho são combinações que dão a
tônica do campesinato extrativista, traçando destinos diferenciados para seus
membros. A migração é um processo familiar, porque quem ficou impossibilitado de
permanecer na terra não migra só, desfazendo os laços de parentescos. Pelo
contrário, a migração ocorre em grupo, as pessoas vão para onde estão os parentes
e afins, reconstroem em outros locais (urbanos ou rurais) suas unidades
familiares
132
. É importante lembrar que as práticas de ajuda mútua na comunidade
rural se evidenciam em diversos momentos quando ocorre a migração, seja na
construção da casa ou nos momentos de doenças.
131
Antonio da Silva (Antônio de Ozinho), extrativista aposentado que migrou do município de
Serrolândia nas décadas de 1980 e 1990. Entrevista concedida à autora no Povoado do Maracujá em
22 de setembro de 2008.
132
Charles Santana em seu estudo Linguagens urbanas, memórias da cidade: vivências e imagens
da Salvador de migrantes (2001) retrata a importância da família, dos vizinhos e dos amigos
conterrâneos ao facilitarem e estimularem a vinda do migrante para Salvador.
109
em Salvador era tudo tão diferente. Tinha tanta gente lá na nossa
casinha, que para dormir jogava colchão em todo lugar. Tinha uma mesa
com quatro cadeiras que ficava amarada na cumieira da casa, pra caber
todo mundo na hora de dormir (risos). Além da gente de lá de casa tinha
uns parente de Tonho que só vivia lá, pra trabalhar. Muita gente ficou lá em
casa para arrumar a vida e depois trazer a família. Depois ficava morando
perto de casa mesmo. Era bom porque a gente se juntava sempre que
podia, no final de semana um ia na casa do outro, fazia os almoço e ficava
todo mundo por ali.
133
Assim a migração passou a fazer parte do cotidiano daquela comunidade.
Quem ficava na comunidade extrativista continuava quebrando e tirando licuri, e
cantando versos e rodas que expressavam o imaginário a cerca da migração.
Adeus Bahia;
Tá fracassada;
A gente vive;
Mas é uma vida pesada;
Um rapaz me disse:
Eu não vou ficar aqui.
Não fico na Bahia.
Pra mim quebrar licuri.
134
O desejo de migrar com objetivo de mudar as condições sociais de vida e
trabalho era desejo de muitos extrativistas, principalmente os jovens. Percebe-se no
verso a conotação depreciativa que “quebrar” e “tirar” o licuri ganhavam na Bahia por
ser uma atividade pesada e pouco remunerada. Foi baseado na iia de progresso
trazido pela modernidade, que o fluxo migratório do espaço rural para o urbano
cresceu consideravelmente no município de Serrolândia a partir da década de 80 do
século passado. Podemos visualizar esse crescimento na tabela abaixo:
133
Arlinda Maria do Rosário, extrativista que migrou do município de Serrolândia na década de 1980
e 1990 para Salvador. Entrevista concedida à autora no Povoado do Maracujá em 22 de setembro de
2008.
134
Paula Ferreira dos Santos, extrativista. Entrevista concedida à Marcone Denys em Serrolândia,
em 24 de janeiro de 2002.
110
Ano
População residente
Taxa de
Urbanização
(%)
Densidade
Demográfica
(hab/km
2
)
Tot
al
Urba
na
Rur
al
1970 19.812 2.367 17.445 11,95 59,32
1980 22.359 3.673 18.686 16,43 66,94
1991 11.798 4.737 7.061 40,15 35,32
Tabela 2: População residente, taxa de urbanização e densidade demográfica, 1970-1991.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Na tabela, vemos que na referida década houve um aumento considerável da
taxa de urbanização na cidade de Serrolândia (40,15%)
135
. Para os índices de
extrativismo, tal diferença é irrisória, o que fica patente nos relatos sobre a
diminuição das “quebras” e “tiras” de licuri. Cabe destacar que o número da
população residente no município sofreu queda considerável devido a emancipação
do distrito de Quixabeira no final dos anos 1980.
Muitos estudos apresentam as comunidades camponesas isoladas e
autossuficientes. Assim, com a mobilidade territorial provocada pela migração,
considerou-se que o deslocamento populacional levaria ao desaparecimento da
comunidade camponesa. Equívoco, pois as migrações não podem ser entendidas
como fato independente, mas como parte integrante de formas específica de
organização camponesa.
Na discussão proposta por Abdelmalek Sayad (2000), um dos elementos
constituintes da condição da migração é a noção de retorno. Entre os camponeses
migrantes do sertão da Bahia não é diferente, o retorno era planejado. Ao cantar,
“eu fico satisfeito quando eu for à minha terra”, percebemos que migrar fazia
parte de uma estratégia de sobrevivência, assim como o retorno ao local de origem.
Os entrevistados descrevem a dor por deixarem sua terra natal, e explicam
que migravam em função das secas, do sonho de melhorar a renda familiar e
oportunidade aos filhos.
Eu fui embora pra Salvador. Queria um futuro melhor a meus filhos,
não queria que eles se casassem aqui no Maracujá pra ter uma vidinha
135
O aumento da quantidade de pessoas em relação à população rural e urbana foi de 2.324
pessoas.
111
assim, cuidar da casa, do marido e dos filhos e quebrar licuri pra ajudar a
fazer a feira, como eu tive que viver, no sofrimento, trabalhando duro, no
pesado. Por isso é que eu botei todo mundo no pau-de-arara e fomos
embora. Foi a melhor coisa que fiz pra minha família, dei um futuro. Hoje
todo mundo trabalha. Sofremos muito no início pra arrumar emprego e criar
os meninos. Mas foi assim, logo cedo começaram a trabalhar, os maiores
trabalhava e ajudava nas despesas. Dou graças a Deus pela coragem de
subir naquele pau-de-arara.
136
Para Nazira Vargas (1987, p. 114) a explicação estrutural dos movimentos de
saídas dos nordestinos nos Paus-de-Arara
137
encontra-se nas necessidades de mão-
de-obra da economia nacional em transformação tanto no setor industrial e agrícola,
como na estrutura agrária monopolista e concentradora de terras. Em verso cantado
nas “quebras” e “tiras” de licuri aparecem as expressividades e os locais preferidos
para a migração dos extrativistas.
São Paulo é bom
Paraná é bom demais
Quem tá indo voltando
Quem tá não volta mais.
138
De acordo com os entrevistados, São Paulo era o destino preferido da maioria
dos extrativistas do licuri. No imaginário dessa gente o estado era um local
desenvolvido, promissor, moderno. Sobre a construção do imaginário a respeito de
São Paulo, Ely Estrela diz que
Até as primeiras décadas do século XX, os homens simples do interior do
Brasil ouviam falar de São Paulo, mas não tinham noção exata de onde
este Estado poderia estar localizado e pouco ou nada sabiam de mais
concreto sobre seus habitantes. Nas altas zonas sertanejas, onde os meios
de comunicação eram bastantes precários nos primeiros anos do século,
São Paulo era visto como se estivesse além das fronteiras do Brasil, era
um outro território, em tudo diferente dos locais de origem dos indivíduos
136
Arlinda Maria do Rosário, extrativista que migrou do município de Serrolândia na década de 1980
e 1990 para Salvador. Entrevista concedida à autora no Povoado do Maracujá em 22 de setembro de
2008.
137
Sobre a origem do nome: “Tem - se três explicações de se chamar o caminhão de retirantes de
`pau-de-arara, anteriormente referida pelo jornalista pernambucano, Zilde Maranhão, quando, pela
primeira vez, um repórter camuflado de igual passageiro fez a viagem Pernambuco - Rio, contando-a
mais tarde em jornal: seria porque arara é o termo também usado nos sertões para designar
atoleimados e os retirantes assim eram tidos; seria porque a armação de madeira e a lona colocada
nos caminhões lembra a engenharia feita para papagaios e araras, comuns nas casas do interior
nordestino, daí o apelido para o caminhão e, mais tarde, para os nordestinos; seria porque, ainda
levando em consideração o gradil, assemelhar-se-ia os retirantes a araras, agarrados aos paus”.
(Villaça, apud Estrela, 2003, p. 113)
138
Maria de Lurdes Silva, extrativista aposentada. Entrevista concedida à autora em Maracujá,
povoado de Serrolândia, em 07 de setembro de 2008.
112
que dali partiram em sua direção. E tudo que dizia respeito a esse Estado
era cercado de uma ponta de mistério e fascínio. (ESTRELA, 2003 p. 210)
Dentro dessa perspectiva, a construção da ideia de progresso e modernidade
construída na época, foi reproduzida pelos próprios migrantes que escreviam cartas
para as famílias extrativistas contando as novidades da cidade e depositando
pequenas quantias para comprar animais e em alguns casos, até terras, criando
expectativas a respeito do local. Uma entrevistada, que preferiu não se identificar,
nos contou que escreveu uma carta aos parentes que migraram pra São Paulo
pedindo um sapato para ir à escola, pois o dinheiro obtido com o extrativismo do
licuri que havia poupado durante meses para tal fim não dava para comprar. A
resposta foi imediata: ganhou dois sapatos novos. Depois de um ano ela migrou
para conhecer São Paulo e arranjar um emprego.
O entrevistado Manoel Pereira Araújo descreve com expressividade, o seu
visual na cidade de São Paulo:
Eu trouxe um terno, um terno de gasimira, azul-marinho. Eu mandei
também fotografias para o povo me vê lá em São Paulo. Olha eu fardado
ai, [ mostra a fotografia à entrevistadora] parecendo que a perna é
aleijada. Essa foto foi tirada no parque Dom Pedro. Eu mandei essa foto na
época para o povo ver eu na farda, fardado. Mandei de lá pra cá, eu todo
bonito de quepe (boné). Eu mandei para o povo ver eu fardado como
cobrador de ônibus. Quer ver coisa é quando eu vinha passear, trazia
novidades pra todo mundo aqui.
139
A fotografia (abaixo) foi tirada em 1954 no parque Dom Pedro em São Paulo.
Segundo o entrevistado, a foto foi produzida exclusivamente para ser enviada aos
parentes que ficaram no município de Serrolândia, por isso, fez questão de estar
fardado, deixando transparecer que possuía um trabalho. Ações e imagens como
essas reafirmavam o ideal de São Paulo como cidade moderna e promissora em
oposição ao nordeste decadente, seco e de trabalhos árduos como o extrativismo do
licuri.
139
Manoel Pereira Araújo (Binezinho), agricultor aposentado que migrou para São Paulo capital na
década de 1960. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 19 de setembro de 2008.
113
José de Souza Martins, no seu livro Sociologia da fotografia e da imagem
(2008), faz uma observação interessante sobre o ato de apresentar e representar a
fotografia e a vida cotidiana quando diz que,
Não é regra, mas não é raro, que o fotógrafo amador que fotografa
pessoas, parentes, amigos, conhecidos, escolha um cenário de fundo que
enobreça os fotografados ou que sugira uma classe social que o é a
deles. Ou então valorize um detalhe mais digno dos cenários costumeiros.
Deixar-se fotografar diante de monumentos, de palácios, de casas de
pessoas ricas, reforça a encenação visual. (MARTINS, 2001, p. 47 - 48)
Assim, as fotografias e os bens materiais produzidos e trazidos de São Paulo
causavam sensações nas comunidades interioranas. Quem partia geralmente trazia
objetos mbolos da modernidade (bicicletas, rádio e relógio). Mas, nem todos os
membros da comunidade viam com bons olhos a migração. Uma entrevistada
contou que,
A ignorância naquele tempo era tão grade. Papai mesmo, qualquer coisa
ele cismava. A ignorância daquele tempo era tanta que quando um rapaz ia
pra São Paulo, que chegava com um relógio, ele dizia que não queria que
usasse. Pra ele, cabeça no tempo e relógio no braço não é homem não.
Foto 8: Migrante no Parque Dom Pedro. São Paulo, 1954
Foto: Desconhecido
Foto 8
114
Quando ele via um com relógio ele dizia: aquele veio de São Paulo, é
muito civilidade para o povo daqui”
140
.
O fato de alguns camponeses voltarem com novos comportamentos geravam
sérios problemas e até conflitos com os pais. Os objetos mbolos da modernidade
eram vistos como contestação aos valores tradicionais. Ely Sousa Estrela (2003)
observou o mesmo estranhamento no alto sertão da Bahia quando diz que:
Ao mesmo tempo que São Paulo era visto como espaço do
desenvolvimento e do progresso, no tocante à moral era visto com certa
reserva, devido à crença que a cidade grande era o espaço do descontrole,
da libertinagem e da perdição. (...) Ninguém que tivesse viajado para São
Paulo passava incólume aos olhares e aos dizeres dos indivíduos que
permaceram no alto sertão. (ESTRELA, 2003, p. 233)
Muitos motivos levavam os indivíduos partirem para a cidade, algumas vezes
poderia representar a reabilitação social principalmente em decorrência de conflitos
ou por questões de honra. Uma pergunta bem humorado feita nas rodas de amigos
e vizinhos é relembrada por Gervácio Maciel,
“Qual o santo mais milagroso que tem aqui? O que mais trabalha?” Um
dizia que era São Roque porque é o santo padroeiro. Outro dizia que era
São José porque mandava as chuvas, São Pedro, São João. Mas era São
Paulo, (risos). Trabalha demais, todo mundo que faz uma coisa de errado
corre pra São Paulo. Se roubar, matar, bulir com a filha dos outros, ficar
desempregado, brigar com a família, ficar perdida, São Paulo socorre.
Passa um temo lá e depois volta, perdoado.
141
Conforme chamei atenção anteriormente, no campesinato a migração tem
papel de destaque. Elas modificaram a dinâmica do extrativismo do licuri diminuindo
a sua exploração, embora os valores tradicionais de sociabilidades foram
reinventados em espaços urbanos como na sede do município de Serrolândia com a
implantação das fábricas de bolsas.
140
Maria de Lourdes Pereira Araújo Santos, extrativista aposentada. Entrevista concedida à Vânia
Nara Pereira Vasconcelos em Serrolândia, em 13 de agosto de 2005.
141
Gervácio Maciel, agroextrativista. Entrevista cedida à autora em Serrolândia, em 13 de setembro
de 2005.
115
3.2. Um novo tempo
A pluriatividade é uma das características das comunidades camponesas do
sertão da Bahia. No caso da região denominada Piemonte da Diamantina, atividades
como agricultura, pecuária, produção aurífera, apicultura, extrativismo do licuri entre
outras formam o leque. O município de Serrolândia até a década de 1980 esteve
respaldado economicamente na agricultura e no extrativismo do licuri, como
demonstram os dados na tabela abaixo:
Ano do
Censo
Agricul
tura
Indús
tria
Comér
cio
Ser
viços
Trans
porte
Adm
púb
Ativ
sociais
Outra
s ativ
Totais
PEA
1970 Masc
1970 Masc %
1970 Fem
1970 Fem %
1970 Total
1970 Total %
1980 Masc
1980 Masc %
1980 Fem
1980 Fem %
1980 Total
1980 Total %
4242
92,32
353
7,68
4595
100
4050
88,82
510
11,18
4560
100
246
79,10
65
20,90
311
100
503
91,45
47
-
550
-
145
95,39
7
4,61
152
100
200
79,68
51
20,32
251
100
43
16,93
211
83,07
254
100
178
49,44
182
50,56
360
100
48
100
-
-
48
100
117
97,50
3
2,50
120
100
37
100
-
-
37
100
40
90,91
4
9,09
44
100
5
19,23
21
80,77
26
100
19
15,45
104
84,55
123
100
40
63,49
23
36,51
63
100
42
89,36
5
10,64
47
100
4806
87,60
680
12,40
5486
100
5149
85,04
906
14,96
6055
100
Tabela 3: População economicamente ativa, segundo os setores de atividades, 1970-1980.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Não existem registros oficiais específicos sobre a extração do licuri no
município de Serrolândia. Podemos observar na tabela acima os Censos de 1970 e
1980 sobre a população economicamente ativa por sexo onde aparece a agricultura
como principal atividade exercida por homens e mulheres. Nas entrevistas, a
concepção de agricultura e extrativismo não se dissociam.
116
A agricultura é apresentada como uma atividade predominantemente
masculina, sendo as mulheres representantes de apenas 7,68 % da força do setor
produtivo em 1970 e 11,18 % em 1980. Apesar dos Censos mostrarem esses
índices, supomos que eles não correspondiam à realidade, visto que as maiorias das
mulheres do campo trabalhavam na agricultura e no extrativismo do licuri, embora
isso não fosse considerado pelo IBGE. Além de que, embora o licurizeiro floresça e
frutifique o ano todo, nos meses de março, junho e julho apresentam maior produção
caracterizando o período da safra. Durante os meses de menor incidência os
camponeses praticam outras atividades como a agricultura e pecuária ou se
deslocam para outras regiões como Salvador e São Paulo ou para a sede do próprio
município.
Serrolândia, na última década do século XX, passou por um processo peculiar
na região do Piemonte: a implantação das fábricas de bolsas e brindes. De maneira
quase artesanal, em espaço físico improvisado, com máquinas inapropriadas para
costurar material sintético e utilizando mão de obra familiar sem nenhuma
qualificação para a atividade, deu inicio a um “um novo tempo” no espaço urbano do
município.
Com o crescimento contínuo das fábricas de bolsas
142
, Serrolândia passa por
um fluxo de migração do campo em direção à sede municipal. Tal fato, conforme já
salientado, resulta no declínio da pratica das “quebras” e tiras de licuri. A
entrevistada Doraci Moreira nos diz que,
O licuri tem o tempo certo. Naqueles meses a gente tinha o dinheiro, era
pouco, mas tinha. Quando acabava o licuri ou dava fraquinho eu procurava
um outro jeito de ir vivendo. Trabalhava no macaco. Ajudava na casa de
farinha e ganhava um prato de farinha quando terminava. Panhava feijão
na roça e se não ganhasse o dinheiro já tinha o feijão do almoço dos
142
De acordo com Daniel Bispo Oliveira, graduado em Geografia pela UNEB DCH IV, Jacobina e
fabricante de bolsas no município de Serrolândia, as bricas de bolsas no município tem
experimentado um crescimento contínuo desde a sua implantação no inicio de 1990. Levantamentos
realizados em 2001 apresentam 21 fábricas. Em 2004 esse número foi reduzido para 16 unidades.
Atualmente existem 10 fábricas registradas na Federação das Indústrias da Bahia - FIEB, embora
saibamos da existência de mais 4 que funcionam informalmente. Em 2008 existiam aproximadamente
300 funcionários registrados no Ministério do Trabalho e um número bem maior de mão-de-obra
terceirizada. Para aprofundamento ver: OLIVEIRA, Daniel Bispo. A contribuição das fábricas de
bolsas de Serrolândia na dimica socioespacial da cidade. Monografia de Graduação. UNEB, DCH
IV, Jacobina, 2004.
117
meninos. Sem dinheiro é que eu não ficava. Eu me virava. Ai, abriu aqui
em Serrolândia essas fábricas de bolsas e eu vim trabalhar na fábrica.
143
As experiências relatadas por Doraci Moreira são exemplares para
entendermos as modificações cios econômicas resultantes da implantação das
primeiras fábricas de bolsas no município de Serrolândia. Com o trabalho garantido
na indústria e com as secas que provocavam a variação da safra do licuri, muitos
camponeses se tornaram trabalhadores permanentes na sede do município,
abandonando as atividades agrícolas. Embora, vale lembrar, as fábricas de bolsas e
brindes instaladas no município de Serrolândia absorveram em maior quantidade a
mão-de-obra feminina (costura e acabamento) e dos jovens (corte do material,
serigrafia, administração e acabamento). A maioria dos homens, chamados de “pais
de família”, continuou desenvolvendo as atividades com a agricultura e pecuária. A
renda obtida na fabricação de bolsas dinamizava a economia local e modificava as
relações sociais, como conta Doraci:
Eu criei os filhos tudo. Primeiro com dinheiro de licuri e depois na fábrica
com dinheiro tirado da máquina, muito suor. Agora eu vou dizer, o trabalho
na fábrica é duro, faz calo, a gente fica sentada o dia todo, a coluna doí,
mas o dinheiro é certo, todo mês tem aquele dinheiro. No tempo do licuri
não era muito certo e o trabalho era muito pesado, pra tirar um dinheiro
tinha que trabalhar muito. Eu graças a Deus, deixei aquele trabalho, mas
uma coisa eu devo dizer: existia uma união muita grande, não tinha aquilo
de um querer ser mais que os outros, era aquela ajuda das vizinhas. Aqui
na máquina ninguém ajuda, o trabalho é por produção, quem do meu
lado não levanta nem pra pegar um pacote de zíper ou fita para a outra,
perde tempo, num é?
144
Na narrativa da costureira, percebemos a atuação do sistema de fábrica ao
modificar as práticas de sociabilidade da comunidade camponesa tradicional. A
prática de ajuda mútua passou pela volatilidade do tempo e os indivíduos se
encurralaram em seus mundos, cedendo espaço para a lógica capitalista
dominadora das relações sociais. Um deles diz que,
143
Doraci Moreira dos Santos, costureira em uma fábrica de bolsas de Serrolândia mais de 14
anos. Antes de desenvolver essa atividade praticava o extrativismo. Entrevista concedida à autora
em Serrolândia, em 12 de dezembro de 2008.
144
Idem
118
As fábricas de bolsas para o povo de Serrolândia foi o nascimento de um
novo tempo. Deixou de trabalhar na roça, no pesado e passou a morar na
cidade. Deixou de “quebrar” o licuri que, cá pra nós, é um trabalho duro que
não é recompensado, não levava ninguém a lugar nenhum. Para o dono da
brica também é muito bom, conseguimos prosperar na nossa cidade, não
precisamos mudar para melhorar de vida, cuidar da família. È muito bom.
145
O dinheiro obtido na comercialização das bolsas passou a ser injetado na
economia local como forma de pagamento de funcionários e de impostos, ampliando
o comércio local. Quando perguntei à costureira Adelina Souza qual o destino dado
ao salário recebido na fabrica, ela logo fez uma análise comparativa da sua renda
anterior obtida com o extrativismo do licuri:
Com esse dinheiro que eu ganho aqui na máquina eu construi minha
casa, comprei moveis, geladeira, fogão, porque a gente pode comprar fiado
ai no comércio. Os comerciantes sabe que o nosso dinheiro é certo, se
a pessoa é enrolada, mas ai é outra coisa. o dinheiro que eu ganhava
com o licuri dava pra comprar umas besteirinhas, nada de muito valor.
146
Nas entrevistas podemos observar que os indivíduos que vivem do fabrico
das bolsas moram na cidade de Serrolândia; no entanto, aproximadamente 40%
destes trabalhadores que habitavam o campo e praticavam o extrativismo do licuri
trocaram-no pela cidade em busca de melhoria de vida através do emprego, já que o
lucro obtido com o extrativismo era irrisório. Fatores externos também colaboraram
para a diminuição da extração do licuri.
Segundo o entrevistado Valdomiro dos Santos, a concorrência com o óleo do
babaçu desarticulou o mercado comercial do coquilho de licuri. O óleo do babaçu é
obtido das amêndoas contidas nos frutos da palmeira de babaçu (Attalea funifera).
Essa palmeira é nativa das regiões norte e nordeste do Brasil, sendo muito utilizado
na indústria de sabões e como componente de margarina e gorduras compostas. Na
narrativa o entrevistado caracteriza o processo de concorrência dos dois produtos:
Quando o óleo do Maranhão chega aqui, arreia o óleo do babaçu. Quando
chega a safra do Maranhão, o licuri aqui cai. A safra deles é nesse tempo
145
Lenivalter Mota Bispo, proprietário de fábrica de bolsa 12 anos. Entrevista concedida à autora
em Serrolândia, em 12 de dezembro de 2008.
146
Adelina Souza Bispo, costureira de bolsas.Trabalhou com o extrativismo do licuri até
aproximadamente 2000. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 12 de dezembro de 2008.
119
de agora [janeiro]. Eles trazem o óleo pronto, porque lá o pessoal ainda
tem o carancismo velho de trabalhar o tempo todo, o perde nada lá, tem
fazenda que não é como aqui não, aqui o povo pega adoidado. o
fazendeiro manda pegar pra fazer o óleo, esse óleo faz sabão, igual o
licuri.
147
Valdomiro dos Santos faz uma reflexão de extrema relevância: a existência
das cercas no extrativismo do licuri. Diferente dos babaçuais que o povo pega
adoidado”, os licurizais possuem “proprietários” que proíbem a entrada de famílias
extrativistas sem prévia autorização. Em Serrolândia, diferente dos babaçuais, as
terras são cercadas
148
. Porém, em algumas cidades da região várias mudanças
estão sendo implantadas como a “Lei do Licuri Livre” que se constitui como,
Um dispositivo análogo áquele reivindicado pelas quebradeiras do coco
babaçu, sendo que a primeira lei foi aprovada pela mera de Vereadores
do Município de Antonio Gonçalves (BA) em 12 de agosto de 2005. Trata-
se da lei 04 que protege os ouricurizeiros e garante o livre acesso e o
uso comum por meio de cancelas, porteiras e passadores aos catadores de
licuri e suas famílias, “que os exploram em regime de economia familiar e
comunitária” (Art. 2º. Parágrafo Primeiro). O ouricuri, também chamado
licuri e ainda ariri ou nicuri, possui uma amêndoa rica em nutrientes e serve
de complemento alimentar para os pequenos agricultores de base familiar.
(WAGNER, 2006, p. 31)
A “Lei do Licuri Livre” abrange o município de Antonio Gonçalves. Os
camponeses extrativistas do municipio de Serrolândia até agora não empreenderam
nenhuma reivindicação para ter acesso aos licurizais. Entretanto, nos últimos anos
na região do Piemonte da Diamantina tem surgido outras possibilidades de utilização
do licuri através da Cooperativa de Produção da Região do Piemonte da Diamantina
COOPES, constituída por famílias agricultoras que cultivam, coletam, beneficiam e
comercializam produtos da cadeia da sociobiodiversidade do semiárido brasileiro
147
Valdomiro Alves da Silva (Murico), funcionário de estabelecimento de compra de licuri mais de
40 anos. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
148
Como foi salientado, a posse da terra é fundamental para entendermos a relação camponesa.
No Brasil a questão fundiária em cada momento histórico foi tratada de diferentes maneiras. Depois
da chegada dos portugueses ao Brasil em 1500, a Coroa dividiu as terras em Sesmarias - sistema de
posse como forma dominante de ocupação da terra. Em 1850 se institui a Lei da Terra legitimação
da posse através do Registro eclesiástico. Um século mais tarde, em 1951, existe um processo de
separação, divisão, demarcação e titulação. Por muitos anos aquelas terras foram apossadas e
utilizadas para o uso da comunidade extrativista.
120
como os fabricados com o licurizeiro. Sua proposta de trabalho integra redes, fóruns
e articulações da economia e comércio justo e solidário
149
.
A Cooperativa atende cerca de 350 famílias distribuídas em maior número
nos municípios de Capim Grosso, Quixabeira e Serrolândia. Os grupos comunitários
de mulheres produzem artesanato (bijuterias de sementes locais, roupas, bolsas e
chapéus de palha de licuri) e alimentos processados como doces, geléias, biscoitos
e paçocas. Com esse projeto muitas mulheres passaram a ter confiança nas
próprias capacidades e aumentaram a renda familiar. Nas fotografias abaixo
podemos visualizar os produtos fabricados e comercializados pela COOPES:
FOTOS 9, 10 e 11: Artesanatos e alimentos produzidos e comercializados pela COOPES no I Festival
do Licuri. Quixabeira, 30.03.2008.
As fotografias mostram como um grupo de extrativistas auxiliado pela
cooperativa continua a aproveitar o extrativismo do licuri para sustentar a família. A
iniciativa de eventos como o I Festival de Licuri é mostrar a população à importância
da palmeira nativa da região e o potencial comercial que ela pode ter para as
famílias camponesas.
Outras iniciativas vêm surgindo paulatinamente na região estudada. A última
novidade é o uso das tecnologias na criação de uma máquina para quebrar licuri.
Segundo a Revista Licuri (2006), publicada pelo Ministério da Educação, uma
máquina para quebrar os coquinhos do licuri foi construída numa tornearia local
utilizando barras, tubos e chapas de aço carbono montadas em rolamentos. Seu
motor elétrico monofásico, de três cavalos de potência, quebra cerca de 600 quilos
de coquinho por hora.
149
A Cooperativa estabelece parcerias com entidades locais, regionais e internacionais. Para
aprofundamento, ver: www. coopes.org. br
FOTOS: Joseane B. Oliveira
Foto 9
Foto 10
Foto 11
121
O invento está em período de testes e foi apresentado aos extrativistas da
região há pouco tempo. De acordo com a Revista Licuri (2006),
A passagem da maquina é uma festa nas ruas de Caldeirão Grande. Todos
os seus moradores, com seus balaios lotados de coquinho, fazem fila
aguardando sua vez para a quebra. “É um avanço! Não perdemos mais
tempo com a quebra. Agora é só debulhar e vender”, afirma Dona Maria,
quebradeira antiga de coquinho e expert em cocada caseira de licuri.
(REVISTA LICURI. 2006, p.10)
Assim, percebemos como os avanços tecnológicos e a lógica capitalista
adentrou nas comunidades agroextrativistas do licuri. O trabalho que antes era
realizado em mutirões com ajuda mútua de parentes e vizinhos passará a ser feito
pelas máquinas. Por quê? Qual o interesse em produzir uma máquina de quebrar”
licuri?
Os últimos estudos apontam o licuri como uma das principais palmeiras da
região semiárida do Brasil. De acordo com as pesquisas do Centro Federal de
Educação Tecnológica (Cefet/Ba), o licuri é um produto alternativo importante no
combate à desnutrição infantil e serve de matéria-prima na produção de biodiesel na
Bahia. Segundo a pesquisadora Mirtânia Leão, que integra o núcleo de pesquisa e
produção em Química, do Cefet, o licuri é uma grande fonte energética e produz
60% de óleo, matéria-prima para o biodiesel (20% a mais que a mamona), embora o
retorno social seja ainda maior. Essa mesma pesquisa revelou que o licuri possui um
alto teor de minerais, essenciais para o organismo humano e animal. Entre os
subprodutos, a farinha, compotas, iogurtes, geléias sorvetes da polpa e da amêndoa
e sucos, podem e devem ser usados na merenda escolar pública. Sobre as novas
possibilidades de exploração do licuri, o entrevistado Hermínio Bispo da Silva diz:
Eu ouvir dizer que licuri vai dar dinheiro. O governo quer fazer biodiesel de
licuri. Me disseram que tem até uma máquina que quebra latas de licuri em
uma horinha de relógio. Não acredito muito não, tenho é medo dessas
coisas.
150
O entrevistado acredita que com a invenção/popularização da máquina de
quebrar licuri, intensificarse-à produtividade do coquilho. Sabemos que o Programa
150
Hermínio Bispo da Silva, comerciante. Entrevista concedida à autora em Serrolândia, em16 de
março de 2008.
122
Bio-Sustentável da Secretaria de Agricultura do Estado objetiva a inserção dos
pequenos produtores na base de produção e beneficiamento das culturas
fornecedoras de óleos para fins de biodiesel. O licuri é uma das oleaginosas que
fazem parte dos estudos e testes do Programa. Assim, vemos que existe um súbito
interesse pelo extrativismo do licuri no mercado industrial e comercial atual.
É fato que as relações sociais empreendidas com o extrativismo do licuri
atualmente estão muito mais relacionadas às práticas capitalistas. Na memória de
Joana da Silva encontramos resquícios das mudanças nos laços de sociabilidade:
Eu vim pra rua, não pudia ficar lá na roça sozinha, já tava velha. As minhas
filhas veio pra pra rua e continuou cortano e quabrano o licuri, mas
dijitoro, quebra mesmo, das grandes como a gente fazia lá na roça não fez
mais. Na rua ninguém quer ajudar ninguém não. De noite em vez de
uma ajuda um vizinho, bater um papo, fica é tudo dentro de casa assistino
televisão, jornal, novela. Aquela camaradagem daquele tempo acabou.
Acabou mesmo.
151
Para a entrevistada, sair do campo significou deixar de ter uma atividade
fixa, romper com a relação espaço-tempo, perder uma proteção social, ser excluído
das relações de sociabilidades, desfazendo-se assim o ethos camponês. É
importante ressaltar, que as práticas de sociabilidades camponesas através das
“quebras” e tiras” de licuri foram exauridas no tempo pela modernidade e outras
tantas práticas foram reinventadas e/ou substituídas. Anailde dos Santos mostra a
incorporação das tradições do campo ao espaço urbano.
Eu já fiz mutirão lá em casa. Chamei os vizinhos, os amigos, os compadres
de pai e mãe pra me ajudar a retelhar a casa, levantar as paredes, pintar.
Fiz um mocotó e uma buchada, comprei umas bebidas e o povo trabalhou
o dia todo.
152
Assim como no campo, as relações de parentesco e vizinhanças na cidade
têm se expressado como principal instituição em momentos de dificuldades como
morte e doenças. Portanto, as práticas de sociabilidades ocorridas nos momentos de
“quebras” e “tiras” de licuri foram transferidas para outras atividades e espaços.
151
Joana da Silva, extrativista. Entrevista concedida à autora em Maracujá Serrolândia, em 01 de
agosto de 2004.
152
Anailde Maria dos Santos, dona de casa. Entrevista concedida a autora em 18 de outubro de
2008.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O extrativismo no Brasil é praticado com várias espécies vegetais e por
diversas populações de diferentes regiões do país. No sertão da Bahia, até a última
década do século XX, muitos camponeses exploraram a palmeira do Licurizeiro. As
experiências dos extrativistas do licuri foram marcadas por uma rede se
sociabilidade, baseada nas relações de parentesco e de compadrio. O parentesco
engendra a solidariedade.
O licuri é uma palmeira nativa do semiárido nordestino destacando-se pelo
seu valor econômico e de sustentabilidade para famílias carentes em épocas de
estiagens. Dessa planta se extraia o pó da palha do licurizeiro, que abasteceu
mercados internacionais até a primeira metade do século XX; do coquilho se retirava
o óleo, utilizado na fabricação de sabão; na alimentação, em tempos de secas se
retirava do caule, o “bró”, palmito utilizado para fabricar farinha; com as palhas se
confeccionavam os artesanatos e também servia de ração para animais; além de ser
utilizado na indústria de cosmético. Com tantas potencialidades, o licuri ficou
conhecido na região estudada como “ouro” verde do sertão.
O extrativismo do licuri foi praticado em larga escala no sertão da Bahia,
principalmente pelas mulheres, que organizavam as “quebras” e “tiras” de licuri.
Estes momentos eram realizados em regime familiar e envolvia toda comunidade
independente da idade e sexo.
Na comunidade estudada, existiam dois grupos sociais distintos: os “fracos” e
os fortes”. As famílias consideradas fortes eram aquelas que possuíam terras e
alguns animais; já os “fracos” eram os indivíduos que não tinham terras e dependiam
diretamente da propriedade de outros. No caso do segundo grupo, como não
possuíam terras, trabalhava com arrendamentos ou com o sistema de meação. Para
o extrativismo do licuri a posse da terra é imprescindível. As cercas impediam a
colheita. Por isso, era comum, grupo de extrativistas ignorarem as cercas e entrarem
na propriedade alheia para coletar o produto.
A partir de 1950 ocorreu um aumento considerável na produção do coquilho
de licuri, embora nessa região denominada Encosta da Diamantina, onde
Serrolândia e Jacobina estavam inseridas não se beneficiava e nem industrializava o
produto. Por isso, existia uma rede de comercialização ampla, que envolvia
124
extrativista, atravessadores, comerciante e indústria. O comércio com o licuri chegou
a representar 50% da renda das famílias do sertão da Bahia.
Entre os extrativistas, as relações de sociabilidade se davam através das
experiências cotidianas no trabalho. Existiam diferentes motivações para participar
das “quebras” e “tiras” de licuri: cooperar, divertir e/ou namorar. Essa relação de
sociabilidade ligava diretamente membro de um mesmo grupo, tendo como base a
cooperação e a permuta entre os vizinhos. Segundo James Scott (2002, p. 29), o
que merece destaque na sociedade camponesa é sua longa rie de atividades
complexas, que abrange desde a troca de trabalho, a mudança de casa, as
preparações de casamento a até as festas, coordenadas por redes de negociações
e práticas.
As “quebras” e “tiras” de licuri eram momentos de trabalhos que se
transformavam em sociabilidades, diversão. A comunidade se reunia para colaborar
com o vizinho. Naqueles espaços, enquanto trabalhavam,entoavam as cantigas de
rodas. Nas letras das músicas cantavam as suas experiências e retratavam os
acontecimentos diários. Depois de terminado o trabalho, o grupo brincava de roda.
Nesse mesmo evento aconteciam os sambas, atividade exclusivamente masculina.
O papel social feminino é bem delimitado dentro da comunidade
agroextrativista do sertão da Bahia. À mulher cabe reger a instituição familiar, cuidar
da casa, do marido e dos filhos. Elas devem conhecer a natureza e retirar dela o
sustento familiar, no caso especifico, através das “quebras” e “tiras” de licuri.
É importante ressaltar que o aproveitamento do licurizeiro ainda se mantém
no Piemonte da Chapada, só que em proporções cada vez menores. Um dos fatores
é a chegada da modernidade, que transforma o cotidiano das comunidades rurais,
ampliando a oferta de alimentos através de um maior fluxo de transportes e
melhores vias de acesso, juntamente com a ampliação e facilidade do crédito e as
migrações. Outro fator deve-se à ampliação do conhecimento, por parte dos agro
pecuaristas, os quais vêm desenvolvendo novas técnicas de convivência com a
seca, amenizando os seus impactos.
Além das políticas públicas, da aposentadoria rural e da concorrência com o
óleo do babaçu, a entrada acirrada do capitalismo no campo nos anos de 1970
ampliando a concentração fundiária no Brasil, conflui para a diminuição do
extrativismo do licuri, que na comunidade extrativista se perde o direito do uso
costumeiro da terra. Segundo Emília de Godoi Pietrafesa (1999) existe uma
125
economia moral a orientar a ocupação camponesa da terra e a apropriação da
natureza expressa na posse, preexistente ao sistema de posses como sistema
dominante de ocupação, que passou a vigorar após a abolição do regime de
sesmarias, e que persiste até nossos dias, inscrita num habitus camponês
engendrado pela sua própria história de marginalidade e expropriação na história
territorial brasileira.
Mesmo com a redução de acesso ás terras, a atividade de quebra” e tira”
de licuri ainda é praticada (em escala menor), no município de Serrolândia e região.
O que ocorreu nos últimos anos foi uma modificação da maneira como acontecia a
atividade. Deixaram de existir as práticas de mutirões, e a atividade passou a ser
praticada dentro de um núcleo familiar restrito, modificando a prática centenária de
sociabilidade.
Após tudo que foi dito uma advertência faz-se necessária. Não sugerimos a
existência de um grupo de extrativista uníssono, tampouco de um igualitarismo ou
de uma coletividade mais coesa e unida que aquela que de fato existe. Espero ter
deixado claro, no decorrer do texto, que a existência de extrativistas meeiros,
arredantários, proprietários, fracos e fortes atestam uma diferença interna no próprio
grupo.
126
GLOSSÁRIO
Arreiar: Parar
Bago: Fruto da amêndoa quando descascada.
Balaios: Grande cesto de palha licuri, bambu, etc.
Barrufar: Molhar. Borrifar.
Biatar: Selecionar. Escolher.
Breu: Substância escura obtida com o pó da palha do licuri.
Bró: Tubérculo encontrado no tronco do licurizeiro.
Buza: Cacho do licuri em formação.
Cacho: Conjunto de frutos pendurados e impostos num eixo comum.
Candeeiro: Aparelho de iluminação, alimentado por querosene ou óleo de mamona.
Cismar: Chatear;
Comandita: Grupo de pessoas.
Conca: Espata da palmeira.
Dijitório: Mutirão. Ajuda mútua.
Distalar: Separar.
Encascada: Com casca.
Encasqueto: Manter uma idéia fixa na cabeça.
Engaço: Ramificação do cacho do ouricuri. Pendúculo do fruto.
Estruir: Desperdiçar. Jogar no lixo.
Forte: Pessoas que possuem terras.
Fraco: Pessoas que não possuem terras.
Fundo de pasto: Terras comunais onde se pratica a criação de pequeno porte,
geralmente caprinos.
127
Ganchozinho: Bico, emprego temporário.
Labuta: Trabalho diário; Luta.
Mal de sete: Expressão utilizada para denominar o mal que acomete crianças
recém nascidas. Quando uma criança falecia aos setes dias do seu nascimento.
Mata-burro: Ponte de traves espaçadas, destinada a vedar o trânsito de animais.
Morotó: Parasita que se aloja dentro do fruto. Bicheira.
Palha: Hastes da palmeira. No período de seca serve de ração para alimentar o
rebanho bovino.
Papaú: Parte da buza cortada ao meio com finalidade de copo.
Pau-de-arara: Caminhão coberto no qual eram transportados os retirantes
nordestinos.
Talo: Corpo da palha do licuri.
Terreiro: Quintal da casa.
Tição: Brasa.
Trabalhar no macaco: Trabalhar como diarista.
Zuada: Barulho.
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137
RELAÇÃO DE ENTREVISTADOS
Adelina Souza Bispo, 44 anos. Costureira de bolsas. Entrevista cedida à autora em
Serrolândia, em 12 de dezembro de 2008.
Alizandrina do Nascimento, 90 anos. Extrativista aposentada. Entrevista concedida
à Joseane Bispo Oliveira em Maracujá Serrolândia, em 01 de agosto de 2004.
Almerinda Maria de Oliveira, 86 anos. (In memória). Extrativista aposentada.
Entrevista concedida à Joseane Bispo Oliveira Serrolândia, em 15 de setembro de
2005.
Anailde Maria dos Santos, 27 anos. Dona de casa. Entrevista concedida à Joseane
Bispo Oliveira em Serrolândia, em 18 de outubro de 2008.
Anatildes Maria da Silva, 55 anos. Extrativista aposentada. Entrevista concedida à
Joseane Bispo Oliveira em Maracujá, povoado de Serrolândia, em 18 de maio de
2002.
Arlinda Maria do Rosário. Extrativista migrante. Entrevista cedida a Joseane Bispo
Oliveira no Povoado do Maracujá, em 22 de setembro de 2008.
Deuzuita Maria de Jesus (Edésia), 55 anos. Artesã aposentada. Entrevista
concedida à Joseane Bispo Oliveira em Barra Nova, povoado da cidade de Várzea
do Poço, em 09 de janeiro de 2008.
Doraci Moreira dos Santos, 58 anos. Costureira de bolsas. Entrevista cedida á
autora em Serrolândia em 12 de dezembro de 2008.
Edite Lopes Moreira, 85 anos. (In memória). Extrativista aposentada. Entrevista
concedida à Joseane Bispo Oliveira em Maracujá Serrolândia, em 22 de novembro
de 2000.
Gervácio Maciel da Cruz, 79 anos. (In memória). Agroextrativista aposentado.
Entrevistas concedidas à Joseane Bispo Oliveira em Serrolândia, em 21.11.2000 /
17.05.2002 /17.08.2002/ 02.07.2004/ 13.09.2005.
Hermínio Bispo da Silva, 68 anos. Comerciante, agroextrativista aposentado.
Entrevista concedida à Joseane Bispo Oliveira em Serrolândia, em16 de março de
2008.
Isabel Maria de Jesus (Nêga), 82 anos. Extrativista aposentada. Entrevista
concedida à Joseane Bispo Oliveira em Serrolândia, em 02 de abril de 2008.
Joana da Silva, 87 anos. Extrativista aposentada. Entrevista concedida à Joseane
Bispo Oliveira em Maracujá Serrolândia, em 01 de agosto de 2004.01 de agosto
de 2004.
138
José Bispo da Silva (Zé da Cobra), 73 anos. Agroextrativista aposentado.
Entrevista concedida à Joseane Bispo Oliveira em Serrolândia, em 18 de julho de
2004.
José Bispo de Oliveira (Zé Passarinho), 99 anos. Agroextrativista aposentado.
Entrevista concedida à Joseane Bispo Oliveira em Serrolândia, em 23 de junho de
2005.
Lenivalter Mota Bispo, 39 anos. Proprietário de fábrica de bolsa. Entrevista cedida
à autora em Serrolândia, em 12 de dezembro de 2008.
Lizânio Gonçalves de Oliveira, 88 anos. Agroextrativista aposentado. Entrevista
concedida à Joseane Bispo Oliveira em Quixabeira, em 09 de março de 2002.
Manoel Pereira Araújo (Binezinho). Agricultor aposentado, 89 anos. Entrevista
concedida à autora em Serrolândia, em 19 de setembro de 2008.
Maria de Loudes Pereira Araújo Santos, 70 anos. Extrativista aposentada.
Entrevista concedida à Vânia Nara Pereira Vasconcelos em Serrolândia, em 13 de
agosto de 2005.
Maria de Lurdes Silva, 58 anos. Extrativista aposentada. Entrevista concedida à
Joseane Bispo Oliveira em Maracujá, povoado de Serrolândia, em 07 de setembro
de 2008.
Paula Ferreira dos Santos, 58 anos. Extrativista aposentada. Entrevista concedida
a Marcone Denys Nunes em Serrolândia, em 25 de janeiro de 2002.
Valdomiro Alves da Silva (Murico), 51 anos. Funcionário de um depósito comercial
na cidade de Serrolândia. Entrevista concedida à Joseane Bispo Oliveira em
Serrolândia, em 03 de janeiro de 2008.
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