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seu fazer e não o seu ser, pois “somente depois de ter reconhecida a qualidade do meu
trabalho é que posso, em um momento posterior, repatriar esse reconhecimento para o registro
da identidade” (DEJOURS, 1999, p. 21). Ela decorre da “[...] interação dialética do 'eu' -
indivíduo – com o 'outro', mediada pelas representações e significações socialmente
construídas” (MENDES, 2007a, p. 45). Consideram-se assim contextos históricos, pessoais e
sociais nos quais o indivíduo está inserido.
Trabalho significa relação com o outro, não simplesmente uma relação individual
entre o sujeito e sua tarefa. “Trabalha-se sempre para alguém: para seus superiores, para seus
colegas ou para seus subordinados” (DEJOURS, 2007b, p. 19). Logo, trabalho pressupõe
cooperação com o coletivo de trabalho, que se dá horizontalmente com os colegas e
verticalmente com os subordinados e chefes. No entanto, a cooperação é uma construção
difícil, pois “[...] supõe comprometer-se no funcionamento coletivo, na construção, na
estabilização, na adaptação, na transmissão e no respeito às regras” (DEJOURS, 2007b, p.
19, grifo do autor). Regras do trabalho, que precisam ser construídas, adaptadas e
transformadas através do engajamento nos debates coletivos, expondo-se assim à crítica e ao
olhar dos outros. Isso exige muito esforço e sofrimento desses trabalhadores.
2.2.3 O Trabalho Como Determinante de Saúde
A idéia do trabalho como estruturante psíquico e suas relações com as vivências de
prazer baseia-se em conceitos oriundos da psicanálise freudiana, que contribui para a
compreensão, como indica Mendes (2008, p. 15) da “[...] relação do sujeito com o trabalho e a
relação social entre sujeitos e trabalho, ou seja, uma dimensão no campo da subjetividade e
outra da intersubjetividade, sendo ambos construídos na relação com o outro”. Nesse sentido,
a teoria da pulsão e a da sublimação
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aparecem como fundamentais para essa compreensão.
Assim, o que merece atenção na relação sujeito-trabalho é “[...] como o trabalhador executa
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O conceito de sublimação tem sua origem na teoria de Freud sobre o desenvolvimento da sexualidade,
segundo a qual, após o nascimento, os órgãos sensoriais (pele, olhos, orelhas, etc.) "solicitam satisfação por
sua própria conta", dentro de um mosaico primitivo onde apenas intervém o corpo e onde não existe
aparelho psíquico para controlar essas operações. É o momento da indiferenciação somato-psíquica. Para
chegar a uma sexualidade adulta, é necessário que a criança passe por um estágio no qual ela unifique esse
mosaico. Tal unificação faz-se através do olhar do outro e, em primeiro lugar, da mãe no momento dos
cuidados com o corpo do bebê. Porém, pulsões parciais fogem a essa unificação. A sublimação é, portanto,
o processo graças ao qual essas pulsões parciais - cuja satisfação é, originalmente, de natureza sexual -
encontram uma saída substitutiva em uma atividade socialmente valorizada. A idéia subjacente é a de que
essas pulsões do sujeito, que deveriam desembocar sobre relações sexuais, são redirigidas ao trabalho,
supondo-se que ocorra, preliminarmente, uma dessexualização e, também, uma atividade de substituição
socialmente valorizada (MERLO, 2002, p. 134, grifo do autor).