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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
ANDERSON ROIK
TRABALHO E SAÚDE: ANÁLISE PSICODINÂMICA EM UMA
UNIDADE FABRIL BASEADA NOS PRINCÍPIOS DO TOYOTISMO
DISSERTAÇÃO
PONTA GROSSA
2010
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ANDERSON ROIK
TRABALHO E SAÚDE: ANÁLISE PSICODINÂMICA EM UMA
UNIDADE FABRIL BASEADA NOS PRINCÍPIOS DO TOYOTISMO
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre em Engenharia
de Produção, do Programa de Pós-Graduação
em Engenharia de Produção, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, Área de
Concentração: Gestão Industrial.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Pilatti
PONTA GROSSA
2010
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Ficha catalográfica elaborada pela Divisão de Biblioteca
da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Ponta Grossa
n.89/10
R741
Roik, Anderson
Trabalho e saúde: análise psicodinâmica em uma unidade fabril baseada nos
princípios do toyotismo / Anderson Roik. -- Ponta Grossa: [s.n.], 2010.
139 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Pilatti
Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, Campus Ponta Grossa. Curso de Pós-Graduação
em Engenharia de Produção. Ponta Grossa, 2010.
1. Processo saúde-doença. 2. Trabalhador. 3. Capitalismo. 4. Pesquisa
qualitativa. I. Pilatti, Luiz Alberto. II. Universidade Tecnológica Federal do
Paraná, Campus Ponta Grossa. III. Título.
CDD 658.5
Dedico este trabalho à minha mãe pelo amor e
dedicação sem precedentes.
AGRADECIMENTOS
A minha família, mãe Doroteia, os irmãos Peterson e Mailson, os primos Paulo, Ivan
e Marina, meu tio Hilário e as minhas tias Emília, Necha e Ina que sempre estiveram do meu
lado. Ao afilhado Iago que com a alegria da infância renova em mim o sonho de um mundo
melhor.
Ao “certo” amigo Miguel pela sua amizade verdadeira, pelas longas divagações
sobre o mundo e a vida, sem esquecer as discussões sobre a dissertação.
A “certa” professora e amiga Raquel pelos seus ensinamentos, pelo incentivo na
realização do mestrado e colaboração durante todo o processo.
Ao Maycon pela grande ajuda com a pesquisa e por sua amizade e consideração.
Ao Rafael e a Bia, amigos que se dispuseram a ouvir minhas angústias em relação ao
desenvolvimento da pesquisa e pelo auxílio durante a fase da dissertação.
As minhas grandes amigas e sempre conselheiras Cristiane e Sabrina. Às novas
integrantes da família: “Gra do Paulo”, “Gra do Ivan” e Bárbara pelas palavras de apoio.
Aos amigos Alexandre, Diego, Edilson, Fabio, Fernando (Fipus), Eder (Gaúcho),
Gerson, Juliano, Léo, Luciano, Marcelo, Márcio, Mario, Raul, Rosel e Thiaguinho sempre
dispostos a me distrair desse processo “difícil” do mestrado. Os “irmãos que eu escolhi” e que
souberam entender as ausências nas baladas e churrascos durante a fase da dissertação.
À administração da UNICENTRO e as companheiras de trabalho Judite, Luciana,
Jeanette e Haline sempre compreensivas em minhas ausências.
Aos amigos e companheiros de UNICENTRO: Aldo, Álvaro, Edélcio e Gilmar.
A todos os amigos do mestrado, em especial Adriane, Bruno, Camila, Dayane,
Edivan, Fabiano, Lucyanno, Ricardo, Naomi, Sandra e Tioce.
Agradeço ao meu orientador Prof. Pilatti, pela acolhida e oportunidade de realização
do mestrado e, principalmente, pela sua compreensão e os questionamentos que me
possibilitaram o amadurecimento acadêmico.
A professora Lucia Cortes da Costa que tanto colaborou com sua avaliação na
qualificação do projeto de pesquisa.
Aos professores Francis Kanashiro Meneghetti, Rafael Siqueira de Guimarães e
Antonio Augusto de Paula Xavier avaliadores desta dissertação e, que com suas considerações
possibilitaram o aprimoramento das minhas discussões.
Aos professores do Mestrado pelo convívio e pelas reflexões proporcionadas.
Aos funcionários do PPGEP, Luiz Cesar e Antonio Sérgio pela cooperação e o bom
atendimento.
A professora Regina Maria Beninca Schwingel pelas correções efetuadas na versão
final e ao bibliotecário Elson H. Ribeiro Junior pela revisão desta dissertação.
Enfim, obrigado aos trabalhadores, sujeitos desta investigação, que aceitaram o
desafio e participaram deste processo!
CIDADÃO
Lucio Barbosa
Tá vendo aquele edifício moço
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição, era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz desconfiado
“Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar”
Meu domingo tá perdido, vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer
Tá vendo aquele colégio moço
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento, ajudei a rebocar
Minha filha inocente veio pra mim toda contente
"Pai vou me matricular"
Mas me diz um cidadão:
"Criança de pé no chão aqui não pode estudar"
Essa dor doeu mais forte
Porque que é qu'eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a colher
Tá vendo aquela igreja moço, onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo, enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá foi que valeu a pena, tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse:
"Rapaz deixe de tolice, não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra, não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas e na maioria das casas
Eu também não posso entrar"
RESUMO
ROIK, Anderson. Trabalho e saúde: análise psicodinâmica em uma unidade fabril
baseada nos princípios do toyotismo. 2010. 139 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de
Produção) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal
do Paraná. Ponta Grossa, 2010.
O presente estudo procura demonstrar que a forma com que os homens trabalham, o modo
como transformam a natureza, as relações sociais que estabelecem e a distribuição e troca de
bens socialmente produzidos são determinantes para a saúde da classe trabalhadora. Que as
transformações ocorridas no mundo do trabalho, como a suposta superação do modelo
taylorista/fordista pelo sistema flexível, não se converteram em uma condição menos precária
(mais humana) tampouco em garantia de saúde aos trabalhadores, conforme sugere o discurso
hegemônico. Partindo dessa proposta optou-se pelo desenvolvimento de um estudo de caso
em uma multinacional fundamentada nos princípios do toyotismo. Os elementos do campo
empírico foram apreendidos através de uma abordagem qualitativa, orientada pelos
pressupostos da abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, permitindo a compreensão da
relação trabalho-saúde, bem como dos aspectos objetivos e subjetivos que permeiam a
organização do trabalho. No entanto, o caminho como era de se esperar, não foi fácil. A
começar pela proibição da realização da pesquisa no interior da empresa que implicou em
mudanças metodológicas. O método da Psicodinâmica do Trabalho não pôde ser aplicado em
todos os seus aspectos como propostos originalmente: a demanda partiu do próprio
pesquisador e as entrevistas foram realizadas individualmente. De qualquer forma, esse
processo permitiu construir a realidade da classe operária, sua situação de saúde representada
pela dinâmica de prazer e sofrimento no trabalho. A fala dos trabalhadores por sua vez não
expõe o cunho transformador do trabalho, papel que de fato não exerce nas suas vidas. O
toyotismo que, em tese, deveria corresponder a uma condição menos precária aos
trabalhadores, não é capaz de eliminar o distanciamento entre o trabalho idealizado como
fonte de realização humana e o trabalho imposto, forçado, fonte de exploração, sofrimento,
mutilação e morte, expressão assumida sob a égide capitalista. O sentido de escravidão
prevalece sobre o de emancipação. Mesmo não sendo possível estabelecer o espaço de
discussão e, assim, criar condições para a mobilização coletiva, a defesa da proposta da
Psicodinâmica do Trabalho como possibilidade para que os trabalhadores possam retomar
suas condições de poder e articular o enfrentamento ao sistema de capital permanece.
Palavras-chave: Processo saúde-doença. Trabalhador. Capitalismo. Pesquisa Qualitativa.
ABSTRACT
ROIK, Anderson. Work and health: a psychodynamic analysis in a factory based on the
principles of toyotism. 2010. 139 f. Dissertation (Master in Production Engineering) -
Graduate Program in Production Engineering, Federal Technology University - Paraná. Ponta
Grossa, 2010.
This study seeks to demonstrate that the manner men work, how they transform the nature,
the social relations that they establish and the distribution and exchange of socially produced
goods are crucial to the health of the working class. That the changes occurred in the
workplace in general, such as the supposed overcoming of the taylorist/fordist model for the
flexible system, have not turned into a less precarious condition (more human), either into
guarantee of health to the workers, as suggested by the hegemonic discourse. Based on this
proposal it was decided to develop a case study in a multinational company based in the
toyotism principles. The elements of the empirical field were seized through a qualitative
approach, guided by the assumptions of the Psychodynamics of Work approach, allowing the
understanding of the relationship between work and health as well as the objective and
subjective aspects that permeate the work organization. However, the road, as expected, was
not easy. Starting with the prohibition of the research within the company that resulted in
methodological changes. The Psychodynamics of Work approach could not be applied in all
its aspects as originally proposed: the demand came from the researcher himself and the
interviews were conducted individually. Nevertheless, this process has allowed to construct
the reality of the working class, its health situation represented by the dynamics of well-being
and suffering at work. The workers' speech, on the other hand, does not exhibit the
transformation imprint of work, a role that, in fact, does not perform in their lives. The
Toyotism that theoretically should correspond to a less precarious condition to the workers is
not able to eliminate the gap between the work conceived as a source of human achievement
and the work imposed, forced, source of exploitation, suffering, mutilation and death,
expression assumed under the aegis of capitalism. The meaning of slavery prevails against the
emancipation. Although, it is not possible to establish a forum for discussion and so create
conditions for the collective mobilization, the defense of the Psychodynamics of Work
proposal as possibility for the workers to retake their power position and articulate the
confrontation against the system of capital remains.
Keywords: Health-Disease Process. Worker. Capitalism. Qualitative Research.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Elementos do vínculo organizacional .................................................................... 52
Quadro 2 - Perspectivas de caráter ideológico de QVT ........................................................... 61
Quadro 3 - A humanização do trabalho .................................................................................... 63
SUMÁRIO
O MESTRADO: A PESQUISA CIENTÍFICA É CAPAZ DE TRANSFORMAÇÃO
............................................................................................................................................. 14
O PROBLEMA: JUSTIFICANDO SUA RELEVÂNCIA ................................................ 16
1 METAMORFOSES DO MUNDO DO TRABALHO: UMA CRISE PARA A
SAÚDE DO TRABALHADOR ........................................................................................ 20
1.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA LÓGICA CAPITALISTA ......................... 21
1.1.1 Administração Científica do Trabalho: o Taylorismo .................................................. 25
1.1.2 Otimização da Produção: o Fordismo ........................................................................... 29
1.1.3 O Capital em Crise: Necessidade de Reestruturação Produtiva.................................... 33
1.2 (RE)APRESENTANDO O TOYOTISMO ..................................................................... 36
1.2.1 Jus- in-Time e Kanban: Estoque Mínimo um Meio para a Velocidade Máxima.......... 40
1.2.2 Círculo de Controle de Qualidade: a Pseudo-Participação ........................................... 43
1.2.3 O Controle da Subjetividade Como Meta ..................................................................... 49
1.2.4 Acumulação Flexível: O Que Significa?....................................................................... 54
2 A SAÚDE DO TRABALHADOR: POR UMA ABORDAGEM CRÍTICA ................. 58
2.1 SAÚDE E TRABALHO: OS LIMITES DA QUALIDADE DE VIDA NO
TRABALHO ................................................................................................................... 59
2.2 PSICODINÂMICA DO TRABALHO ............................................................................ 67
2.2.1 O Sofrimento no Trabalho ............................................................................................ 72
2.2.2 Um Caminho para a Saúde no Trabalho ....................................................................... 75
2.2.3 O Trabalho Como Determinante de Saúde ................................................................... 76
2.2.4 A Dinâmica do Reconhecimento .................................................................................. 79
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 82
3.1 O MÉTODO DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO: UMA POSSIBILIDADE DE
AÇÃO .............................................................................................................................. 83
3.2 OS CAMINHOS DA PESQUISA ................................................................................... 85
4 TRABALHO E SAÚDE: A REALIDADE DA CLASSE OPERÁRIA ....................... 90
4.1 NO RITMO, COMO MÁQUINAS ................................................................................. 91
4.2 ROBÔS EM CRISE: SOMOS HUMANOS, NÃO É? ................................................... 98
4.3 SIM, SENHOR CAPITAL! ............................................................................................. 105
4.4 SOZINHO NA MULTIDÃO, O COLETIVO DE UM SÓ ............................................. 110
4.5 SEM VEZ, NEM VOZ .................................................................................................... 113
4.6 PERDI ANOS DA MINHA VIDA, PARECE QUE NÃO FIZ NADA.......................... 117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 122
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 126
APÊNDICE A - Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa .......................................... 134
APÊNDICE B - Roteiro da Entrevista ................................................................................ 136
APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................................... 138
14
O MESTRADO: A PESQUISA CIENTÍFICA É CAPAZ DE TRANSFORMAÇÃO
Permito-me fazer um recorte e, a partir deste, determinar o início da trajetória que
culminou nesta dissertação. Este percurso tem início nos tempos da graduação em
Administração, quando os livros (que mais pareciam manuais) ensinavam técnicas de como
evitar conflitos e obter a colaboração dos trabalhadores através de sua satisfação a fim de
melhorar os processos produtivos e, desta maneira, atingir a maximização produtiva, a
redução de custos e a, consequente, lucratividade. Livros que dessa forma, não respondiam às
inquietações que naquela época me angustiavam: Como pode o operário da fábrica de
automóveis não ter carro e um pedreiro não ter casa? Quais critérios definem as diferenças de
remuneração dos trabalhadores? E quem os define? Qual a diferença entre trabalho intelectual
e braçal?
Na contramão das minhas perguntas vinham as afirmações sobre o fim da
precariedade e a conquista de uma humanização do mundo do trabalho, possíveis através do
progresso científico. Nesse “novo mundo” o trabalhador é capital humano, é o colaborador da
empresa e, por isso sua saúde é digna de atenção através dos programas de Qualidade de Vida
no Trabalho. Tais afirmações significavam (e ainda significam) uma harmonia entre Capital e
Trabalho, mas como admitir tal verdade e acreditar na “ciência” da Administração que não se
propunha a questionar ou, ao menos, estimular o senso crítico?
No entanto, na última série do curso, nas aulas de uma ‘certa’ professora, minhas
indagações encontraram eco e, a partir de então, delinearam-se caminhos para se obter
respostas. Lembro do filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, que em uma das aulas,
brilhantemente e de forma irônica, configurou-se em crítica à mecanização do homem.
Recordo também do documentário “The Corporation”, considerado exagerado para muitos,
mas que para alguns, como eu, serviu de alerta à questão do lucro a qualquer preço. E desta
forma, a partir das reflexões desencadeadas pelo filme e o documentário, a professora
oportunizou a aproximação com a Teoria Crítica e me permitiu “sonhar com um outro mundo
do trabalho possível”.
Nesse mesmo período um ‘certo’ amigo meu, impulsionado pelo “sonho de que o
mundo pode ser melhor”, assumiu um desafio e transformou a vida de algumas crianças de
um bairro de nossa cidade. Tal transformação significa que ele, a partir das práticas
desenvolvidas em sua pesquisa, possibilitou às crianças a compreensão de que têm direitos e
que a mobilização coletiva é o caminho para reivindicá-los. As frustrações e angústias
passadas não foram suficientes para apagar o sentimento de realização no momento em que
15
defendeu sua dissertação (na qual estava materializado este desafio) e que pude presenciar.
Naquele momento foi possível afirmar: “a pesquisa científica é capaz de transformação”.
Conforme argumenta Enriquez (2001) no capítulo “O papel do sujeito humano na
dinâmica social”, o indivíduo desempenha (mesmo sem sabê-lo) papel essencial nas
transformações sociais. O autor reforça sua afirmação citando as considerações de Castoriadis
a respeito do nascimento do capitalismo:
Centenas de burgueses, visitados ou não pelo espírito de Calvino e pela idéia de
ascese intramundana, se em a acumular riquezas. Milhares de artesãos arruinados
e de camponeses esfaimados encontram-se disponíveis para entrar nas fábricas.
Alguém inventa uma máquina a vapor, outro um novo tear. Filósofos e físicos
tentam pensar o universo como uma grande máquina e buscam encontrar suas leis.
Reis continuam a se subordinar e a debilitar a nobreza e criam instituições nacionais.
Todos os indivíduos e grupos em questão perseguem fins que lhes são próprios.
Ninguém visa a totalidade social enquanto tal. No entanto, o resultado o
capitalismo – é de ordem completamente diferente (CASTORIADIS, 1975 apud
ENRIQUEZ, 2001, p. 29-30).
Tais considerações sugerem que a responsabilidade é de todos os sujeitos enquanto
seres em relação. O mundo do trabalho, “desumano” tal qual se apresenta na realidade, no
concreto, não é natural tampouco precisa ser considerado como normal. Nem sempre existiu
de tal forma e não precisa se perpetuar assim. Não é necessário viver em tal perversidade onde
milhões de trabalhadores estão alienados acreditando viver num mundo de fábulas.
Nesta pesquisa buscou-se ouvir e, desse modo, dar voz (falar em nome) aos sujeitos-
trabalhadores que não encontram eco no interior das organizações. A história desses
trabalhadores se contrapõe a fábula do atual mundo do trabalho e apresenta a realidade
perversa que os “menos sensíveis” não conseguem enxergar. Sendo assim, acredito que esta
investigação, mesmo em suas limitadas dimensões, pode contribuir para a reversão deste
cenário.
16
O PROBLEMA: JUSTIFICANDO SUA RELEVÂNCIA
O trabalho vem se tornando cada vez mais central na vida das pessoas. Essa
centralidade traz conseqüências paradoxais para a integridade física, psíquica e
social dos trabalhadores. De um lado, o trabalho como atividade produtiva
ontológica -, constituinte da identidade do trabalhador, assume papel essencial para
assegurar a saúde. De outro, os contextos nos quais ele se insere podem se
caracterizar pela precariedade das condições e pela falta de oportunidades de
desenvolvimento profissional, contribuindo para um possível adoecimento dos
trabalhadores (MENDES; CRUZ, 2004, p. 40).
Da mesma forma que os autores, aqui se defende a centralidade do trabalho mesmo
nos dias de hoje. No entanto, o trabalho como condição de existência social e de criação de
identidade para o homem, no sistema de capital se converteu em mercadoria: vende-se força
de trabalho em troca de um salário. Este trabalho é realizado sob as determinações da
organização capitalista do trabalho que pode fazer dele uma fonte de adoecimento,
interferindo na construção da identidade do sujeito trabalhador.
A base da organização do trabalho foi, até o início dos anos setenta, o padrão
taylorista/fordista de produção que, a partir de então, entrou em crise, acarretando a
necessidade de uma reestruturação produtiva. Iniciou-se a fase do pós-fordismo da qual o
toyotismo (sistema de acumulação flexível), com a incorporação de novas tecnologias físicas
e de gestão da força de trabalho, inova o processo de produção e se apresenta como a melhor
alternativa, tanto para o capitalista quanto para o trabalhador. Segundo Bernardo (2009, p. 12,
grifo do autor) grande parte das publicações da área de administração de empresas e do que
veicula na dia apontam para “[...] a superação do 'rígido' taylorismo-fordismo por modelos
de organização mais 'flexíveis', nos quais aspectos como participação, trabalho em equipe e
autonomia estariam tornando o trabalho mais humanizado”. No entanto, a aproximação com
pesquisas à luz da Teoria Crítica
1
, permite duvidar do discurso veiculado nesses meios como
retrato da realidade, pois seus resultados ilustram o contrário.
O que dizer dos dados do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho AET
(2009), os quais revelam que o número de acidentes de trabalho registrados em 2008
aumentou 13,4% em relação a 2007? Em 2008 foram registrados 747.663 casos, contra
659.523 no ano anterior. Das seis principais causas de acidentes, quatro envolvem ferimentos
nos punhos e nas mãos dos trabalhadores, mostrando que os processos de trabalho e a
1
Estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Economia Política do Poder em Estudos Organizacionais –
EPPEO.
17
manipulação de objetos precisam ser redesenhados. O número de óbitos em 2008 foi de 2.757
casos, contra 2.845 em 2007, uma redução de 3,1%. Os casos de incapacidade permanente, no
entanto, aumentaram em 28,6% em 2008 (12.071) em relação a 2007 (9.389).
Em meio a este cenário as empresas anunciam e promovem políticas de Qualidade de
Vida no Trabalho como formas de assegurar a saúde dos trabalhadores. No entanto, as
práticas desenvolvidas não atacam as causas dos problemas, o que nos leva a afirmar que
apresentam caráter assistencial e se configuram como meios para elevar a produtividade.
Neste sentido, Padilha (2009-10, p. 555, grifo do autor) afirma que “[...] QVT é ‘meio’ para
maquiar problemas de ordem estrutural (na organização e na sociedade); para reforçar uma
ideologia do ‘pão e circo’ e para focar no indivíduo, desviando a atenção de que se trata de
um problema do sociometabolismo do capital”.
Tais considerações conduziram à necessidade de se compreender o mundo do
trabalho, o processo de reestruturação produtiva e suas consequências para a saúde dos
trabalhadores, implicando na seguinte questão-problema: De que maneira a organização do
trabalho fundamentada nos princípios do toyotismo estabelece relações contraditórias com a
saúde do trabalhador?
Neste processo de construção teórico-metodológica, partiu-se do pressuposto que o
trabalho é um dos caminhos para assegurar saúde e que, ao se observar a história do
desenvolvimento capitalista, tal condição estaria deteriorada. Uma melhor compreensão da
relação trabalho-saúde se tornou eminente.
Trilhando os caminhos da Teoria Crítica, buscou-se entender o mundo do trabalho
como um processo histórico e mutável, passível de problematização e não, somente, como um
dado natural e inquestionável. Segundo Faria (2007) com o ideal de uma sociedade sem
exploração, essa teoria se propõe a entender e, assim, questionar a ordem existente, mas,
sobretudo transformá-la em benefício do desenvolvimento coletivo.
Optou-se, ainda, pela abordagem da Psicodinâmica do Trabalho a fim de construir a
realidade da classe operária, o seu estado de saúde representado pela dinâmica de prazer e
sofrimento no trabalho. As vivências de prazer e sofrimento são entendidas como o sentido do
trabalho sendo que sua análise possibilita o entendimento da dinâmica organizacional, ou seja,
desvelar os aspectos objetivos e subjetivos que permeiam a organização do trabalho.
Como objetivos, a investigação buscou: i) compreender como se caracteriza a
organização do trabalho na empresa; (ii) relacionar elementos do toyotismo presentes na
organização com as vivências de prazer e sofrimento dos trabalhadores; e, (iii) identificar os
18
sentidos subjetivos dados em relação às vivências na organização, bem como as marcas
corporais associadas a essas vivências.
Surgiram as seguintes questões a investigar: Como os trabalhadores percebem a
interferência da organização do trabalho em sua situação de saúde? Qual a relação que se
estabelece entre a organização do trabalho e a saúde dos trabalhadores? Quais os fatores de
prazer-sofrimento que se apresentam na organização do trabalho? Quais as contradições
geradas pela organização do trabalho fundamentada nos princípios do toyotismo? Quais os
desencadeamentos estabelecidos pela psicodinâmica?
Enquanto justificativa, acredita-se que esta investigação auxiliou na compreensão da
relação trabalho-saúde à medida que propõe a superação do equívoco em se considerar duas
dimensões de vida, no e fora do trabalho, bem como superar os limites das práticas de
Qualidade de Vida no Trabalho que, atualmente, representam a preocupação com a saúde no
mundo do trabalho. O método baseado na Psicodinâmica do Trabalho parece uma alternativa
de preenchimento da lacuna de pesquisas relacionadas à questão trabalho-saúde, que
desconsideram ou fazem superficialmente a discussão sobre aspectos subjetivos em suas
propostas. Já investigações como esta podem significar uma condição mais humanizada no
trabalho a partir do momento que visam mobilizar o coletivo para a emancipação.
Como lembra FARIA (2004a) o desejo de mudança é fundamental, mas é preciso
traduzi-lo em ação. E, se um dia foi permitido desejar “sonhar por um outro mundo do
trabalho possível” - esta investigação consiste num passo rumo à transformação e o texto
originado, dentro das possibilidades, representa o vívido, a ação. Mas antes da descrição dos
capítulos que compõem esta pesquisa é prudente esclarecer o posicionamento assumido e que
orienta essa pesquisa. Com esse intuito faz-se o uso das palavras de FARIA (2004a, p. 11):
Um estudo desta natureza, deste modo, não é um julgamento maniqueísta, no qual
todo o capitalista aparece como um sujeito perverso e todo trabalhador como uma
vítima infeliz, mas uma análise em que se reconhece que o capital acumula a partir
da exploração do trabalho não-pago e, em vista disso, constitui-se em um sistema de
exclusão social. Entendo, como Freud, que o sujeito é bom e perverso ao mesmo
tempo e que nenhum sistema econômico ou político-social será capaz de alterar a
natureza humana. Trata-se, portanto, de reclamar um sistema econômico justo e uma
superestrutura democrática, em que todos os sujeitos sejam a origem e o principal
objetivo da vida coletiva. Uma sociedade autogerida necessita de regras e de
controles tanto quanto uma sociedade capitalista, mas seus fundamentos diferem
radicalmente desta, pois, enquanto a autogestão tem o sujeito individual e coletivo
como objetivo, o capitalismo tem o lucro como seu alvo.
19
Aclarado o posicionamento crítico passa-se à descrição desta investigação. No
primeiro capítulo são apresentadas as transformações ocorridas no mundo do trabalho sob a
égide capitalista e os impactos na saúde da classe trabalhadora. Parte-se de uma definição do
que é trabalho e, em seguida, discute-se como ele se apresenta no sistema capitalista de
produção, abordando os modelos de organização do trabalho representados pelo taylorismo,
fordismo e toyotismo, dando uma ênfase maior a este último.
No segundo capítulo é discutida a relação trabalho e saúde. Apresentam-se os limites
da Qualidade de Vida no Trabalho QVT, movimento que configura a preocupação
capitalista em relação à saúde da classe trabalhadora para depois apresentar uma proposta de
superação deste enfoque.
No terceiro capítulo são focados aspectos que dizem respeito ao fazer da pesquisa,
delineando, deste modo, a trajetória que possibilitou a consolidação desta investigação.
Também são anunciadas as categorias que emergiram da vivência dos trabalhadores.
No quarto capítulo apresenta-se a vivência dos trabalhadores e sua situação de saúde,
ante a organização do trabalho, a partir das categorias emergentes.
20
1 METAMORFOSES DO MUNDO DO TRABALHO: UMA CRISE PARA A SAÚDE
DO TRABALHADOR
Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual,
de toda a deformação orgânica.
Paul Lafargue
O trabalho é condição da existência social e meio para a construção da identidade
humana. Nesse sentido, a forma com que os homens trabalham, o modo como transformam a
natureza, as relações sociais que estabelecem e a distribuição e troca de bens socialmente
produzidos são determinantes para a saúde da classe trabalhadora.
No entanto, ao se observar a história do desenvolvimento capitalista é possível
afirmar que a saúde encontra-se deteriorada. Nesse processo de tensa relação capital e
trabalho, os movimentos que se opunham à precariedade das condições de trabalho e
buscavam a melhoria da saúde dos trabalhadores são oprimidos. É o que aconteceu com a
Medicina Social.
Em meados do século XIX, paralelamente ao desenvolvimento da Grande Indústria e
sua consolidação na Europa, tem-se a deterioração da força de trabalho de homens, mulheres
e crianças em razão das exaustivas jornadas de trabalho. No intuito de reverter este quadro
surge, nesse período, o movimento que ficaria conhecido por Medicina Social. A bandeira
deste movimento condicionava a melhoria da saúde pública à melhoria das condições de vida
da classe trabalhadora (PAIM ; ALMEIDA FILHO, 2000).
Mas a luta por melhores condições de trabalho dos operários contrapunha-se aos
interesses da Grande Indústria. Isso faz com que, no início do século XX, esse movimento
seja dirimido em favor do projeto capitalista, sobretudo, com a descoberta microbacteriana
que passou a explicar a gênese das doenças a partir da identificação de bactérias. Este
enfoque, a partir da negação do social, converteu o humano em algo estritamente biológico e
acabou caracterizando-se em uma concepção positivista do processo saúde-doença. (DA ROS,
VIEIRA; CUTOLO, 2005).
Sem o intuito de historicizar esta tensão ao longo dos últimos séculos, para efeito
deste capítulo, efetua-se um recorte a partir das transformações ocorridas no mundo do
trabalho desde a organização científica do trabalho, com a qual o capital buscou elevar a
produtividade e, assim, assegurar-se como sistema predominante. Codo, Sampaio e Hitmoni
(1993, p. 63) ressaltam que mesmo que a vida dos homens não se reduza apenas ao trabalho,
21
ela “[...] não pode ser compreendida na sua ausência. Onde quer que estejam as causas do
sofrimento dos homens, estarão em suas próprias vidas”. Além disso, aquele que, na visão de
Codo (1993, 26), “[...] raspar a superfície amarga que veste o trabalho haverá de reencontrar a
vida, o jeito dos homens inventarem a identidade”.
Ressalta-se que é dado um maior detalhamento ao toyotismo, uma vez que o objeto
deste estudo é uma indústria fundamentada neste modelo de organização produtiva.
1.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA LÓGICA CAPITALISTA
Podemos definir trabalho como toda atividade realizada pelo homem civilizado que
transforma a natureza pela inteligência. mediação entre o homem e a natureza:
domando-a ele a seu desejo, visa extrair dela sua subsistência. Realizando essa
atividade, o homem se transforma, se autoproduz e, ao se relacionar com outros
homens, na realização da atividade, estabelece as bases das relações sociais
(CARMO, 1992, p. 15).
Nessa concepção (marxista) o trabalho é, para o homem, condição de sua existência
social e meio para construção da sua identidade. Significa emancipação e afirmação social. O
trabalho é um processo entre homem e a natureza. À medida que transforma a natureza ele
próprio se transforma, não é mais o mesmo. Produz e se autoproduz. O trabalho é, assim, um
ato de liberdade, pois com sua consciência o homem pode projetar e idealizar sua atividade.
Neste sentido, pressupõe-se ser o trabalho uma “atividade” exclusivamente humana.
Está é a definição de Marx (1996, p. 298), descrita no primeiro volume de O capital:
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha
mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o
que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o
favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho
obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e
portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria
natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que
determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de
subordinar sua vontade.
A visão aqui apresentada sobre o trabalho pode soar como romântica e idealizada.
No entanto, é apenas ponto de partida para a reflexão proposta: Será que o trabalho, realizado
sob a égide do sistema de capital, envolve valores emancipatórios?
22
A resposta necessita de uma compreensão de como se estabelece o processo de
trabalho no capitalismo
2
, o sistema econômico predominante. Mais do que isso, é preciso
conhecer a evolução do processo de trabalho sob o comando do capital. Afinal, conforme
afirmam Guareschi e Grisci (1993, p. 34), trata-se de “[...] um processo histórico, mutável,
problematizável, e não como um dado natural, inquestionável”.
Tal reflexão passa, inicialmente, pela compreensão do que significa processo de
trabalho e organização científica do trabalho – OCT, no/e para o sistema de capital. De acordo
com Faria (2004a, p. 44): “Chama-se processo de trabalho o conjunto das operações
realizadas pelos sujeitos trabalhadores, individual ou coletivamente, de forma organizada,
com a finalidade de produção de mercadorias”. É preciso destacar, também, que enquanto
consumo da força de trabalho pelo capitalista, o processo de trabalho apresenta dois
fenômenos peculiares:
(i) O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, que é proprietário de seu
trabalho pelo tempo contratado. Sob a vigilância do capitalista, o trabalho realiza-se
em ordem e os meios de produção são empregados de acordo com seus fins. Não
desperdício de matéria-prima e os meios de trabalho são preservados. é destruído
o que é exigido pelo uso no trabalho; (ii) O produto do processo de trabalho não
pertence ao produtor direto, ao trabalhador, mas ao capitalista. O capitalista, ao
comprar a força de trabalho, incorpora o próprio trabalho aos elementos que
constituem o produto, o qual lhe pertence. A força de trabalho é consumida como
mercadoria que o capitalista comprou quando este a coloca em movimento,
acrescentando-lhe meios de produção (FARIA, 2004a, p. 45).
Logo, o trabalho é propriedade do capitalista, afinal é ele quem tem o domínio do
processo de produção, quem controla a atividade do trabalhador e a quem pertence o resultado
do trabalho.
Nesse sentido, Braverman (1987) afirma que a força de trabalho tornou-se
mercadoria e seus compradores os donos dos meios de produção buscam,
permanentemente, seu barateamento. Os trabalhadores separados dos meios de produção
podem ter acesso a eles vendendo sua força de trabalho.
Na divisão capitalista do trabalho, segundo Marglin (2001), o papel do empresário no
processo de produção passa a ser de coordenador, com poderes de prescrição da natureza do
trabalho e a quantidade a produzir. Ao operário resta, então, trabalhar nas condições do patrão
ou não trabalhar e, não lhe restando escolha, perde sua autonomia.
2
“Denominação do modo de produção em que o capital, sob suas diferentes formas, é o principal meio de
produção” (BOTTOMORE, 2001, p. 51).
23
Considere-se, ainda, que a organização do trabalho é a forma pela qual o processo de
trabalho encontra-se estruturado. Ao combinar uma divisão técnica e social, um sistema
disciplinar específico e uma hierarquia gerencial, o capital estabelece a configuração capaz de
atender à lógica da produtividade e o acúmulo da mais-valia
3
. A OCT tem suas bases nos
modelos taylorista e fordista de produção. Seus fundamentos permanecem inalterados até os
dias atuais, a idéia central é a racionalização organizacional que é fixada nos seguintes pontos:
(i) na qualificação do trabalhador (vale acrescentar, segundo a ótica do capital); (ii)
em suas aptidões; (iii) na capacidade de manuseio e/ou operações de equipamentos,
máquinas, ferramentas e instrumentos; (iv) na quantidade, qualidade e ritmo de
trabalho (em termos de sobrecarga ou ociosidade); (v) na distribuição dos produtos
por postos de trabalho em fases cíclicas de ociosidade; (vi) no estabelecimento de
prioridades e no domínio das relações informais (OLIVEIRA apud FARIA, 2004b,
p. 29, grifo do autor).
A OCT tem como objetivo a maximização da produtividade capitalista através do
rendimento máximo dos operários. Para tal, tira-se o controle do processo das mãos dos
operários, subdividindo sistematicamente o trabalho de cada especialidade produtiva em
operações limitadas. Tem-se uma força produtiva constituída de trabalhadores parciais que
não são mais livres para estabelecer seu próprio ritmo. Nessa perspectiva, Gorz (2001)
argumenta que o coletivo de trabalhadores parciais tem seus instintos e capacidades
suprimidas, sua inteligência e conhecimento são confiscados e postos ao serviço do capital e
diante da organização do trabalho tornam-se propriedades exteriores a ele, uma força estranha
que os domina.
A OCT para a organização produtiva significa o controle do trabalho através de uma
rígida disciplina imposta aos trabalhadores. Assim, cabe à hierarquia superior a
responsabilidade pela definição sobre o trabalho, o processo decisório e os padrões de
desempenho. Para Faria (2004b, p. 28) isso “[...] significa que o trabalhador não cria seu
trabalho, mas adapta-se a um trabalho determinado, concebido em outra esfera da divisão
parcelar”. Tal estruturação, como nos sugere Gorz (2001) e Faria (2004a), torna-se necessária
para o capital perpetuar seu sistema de controle sobre o processo de trabalho e dominação.
3
“A extração da mais-valia é a forma específica que assume a EXPLORAÇÃO sob o capitalismo, [...] em
que o excedente toma a forma de LUCRO e a exploração resulta do fato de a classe trabalhadora produzir
um produto líquido que pode ser vendido por mais do que ela recebe como salário” (BOTTOMORE, 2001,
p. 51, grifo do autor).
24
Evidente, então, que a sobrevivência do capitalismo depende do trabalho – do qual se
apropria e através do qual obtém seu lucro e para que isso aconteça precisa desenvolver
mecanismos que façam com que o trabalhador realmente produza. (GUARESCHI ; GRISCI,
1993). Da relação proporcional entre controle e a produtividade, decorre o investimento, por
parte do capital, em novas tecnologias de gestão e seus mecanismos de controle e dominação
cada vez mais sutis.
A tecnologia de gestão para Faria (2004a, p. 55):
[...] compreende, igualmente, e ao mesmo tempo, as técnicas de ordem
comportamental e ideológicas, tais como: seminários de criatividade, mecanismos
de motivação e integração, planos de treinamento e desenvolvimento de pessoal,
trabalhos em grupos participativos entre outros mecanismos que favoreçam o
comprometimento, o envolvimento, a cooperação e, também, as técnicas de
manipulação de comportamento.
Para o autor, o uso dessa tecnologia de gestão é impulsionado, em maior ou menor
intensidade, pelo uso das tecnologias físicas. Estas, por sua vez, compreendem o uso “[...] de
técnicas das mais simples como as ferramentas, as máquinas acionadas mecanicamente e os
mecanismos de controle de tempo e quantidade de mercadorias produzidas, às mais
sofisticadas, como os robôs industriais e os sistemas programáveis de controle de processos”
(FARIA, 2004a, p. 56). Para o autor, ambas, tecnologias de gestão e tecnologias físicas, não
são partes separadas, mas componentes diferenciados do que se denomina tecnologia de
processo.
Através da organização do trabalho, o capital controla os elementos objetivos e
subjetivos do processo de trabalho causando “[...] a alienação do trabalhador, não com
relação ao resultado do seu trabalho (a posse dos produtos), como igualmente no que se refere
às relações de posse e de propriedade e de todo o aparelho psicossocial presentes na gestão”
(FARIA, 2004c, p. 114).
Mas o que significa dizer que o trabalhador é alienado? Para Guareschi e Grisci
(1993, p. 65) é “o fato de não pensar implica em que o trabalhador se transforme num ser
alienado, não consciente do mundo à sua volta”. Para estes autores, a partir do momento em
que o trabalhador não pode utilizar seu potencial intelectual, ele tem sua prática da linguagem
cerceada, impedindo, desta feita, o estabelecimento de relações interpessoais. Sendo a tarefa
demasiadamente simplificada e monótona, não necessita repassar lembranças nem
aprendizagens gravadas em sua memória e, assim, a construção de uma história de trabalhador
25
é interrompida. O trabalhador é, então, isolado e enfraquecido afetivamente devido à ausência
de relacionamentos cooperativos que elevam a autoestima. Sua conduta (de trabalhador), por
sua vez, é reduzida a movimentos maquinais impedindo-o de definir-se com clareza. “A
inviabilização de tais funções, devido a um trabalho fracionado e repetitivo, dificulta a
formação da consciência de trabalhador e o transforma num ser alienado” (GUARESCHI ;
GRISCI, 1993, p. 65).
E essa alienação pode se concretizar nas relações de trabalho em seis veis, segundo
Guareschi (1988): quando o homem (i) trabalha no que não é dele; (ii) o que produz não lhe
pertence; (iii) não planeja sua atividade; (iv) não participa da decisão quanto ao destino de sua
produção; (v) não tem a compreensão das relações de dominação e exploração existentes e;
(vi) alienado se transforma num alienado mental. Neste sentido, Albornoz (2008, p. 34)
afirma que “o trabalho é alienado do trabalhador porque o produtor não o detém, não possui
nem domina os meios de produção”.
Feitas tais considerações em relação ao trabalho no sistema capitalista de produção,
torna-se necessário apresentar as bases da OCT e as transformações no mundo do trabalho
ocasionadas pelas tecnologias de processo, especificamente as tecnologias de gestão.
1.1.1 Administração Científica do Trabalho: o Taylorismo
A Segunda Revolução Industrial, no final do século XIX e início do século XX nos
EUA, caracterizou-se pela difusão do modelo taylorista/fordista de organização do trabalho,
da rígida especialização das tarefas e da racionalização da produção. Marcaram esse período a
administração científica do trabalho de Frederick Wislow Taylor e a produção em série de
Henry Ford.
O taylorismo ou administração científica do trabalho surgiu com o intuito de
maximizar a produção, de reverter a baixa produtividade das fábricas que se deviam à enorme
variação de tempo e de rendimento no trabalho individual dos operários. A questão implicava
na busca de métodos objetivos e uniformes de execução, visto que coexistiam, numa mesma
empresa, diversas maneiras de executar uma idêntica atividade. A racionalização da
organização do trabalho envolveu a busca de normas, procedimentos sistemáticos e uniformes
através da observação, descrição e pela medição das operações. Com o estudo dos tempos e
movimentos, o trabalho foi decomposto em parcelas cada vez mais elementares e
simplificadas, possibilitando, dessa forma, encontrar “o modo melhor”, o movimento certo e
mais rápido em todos os ofícios. Além do modo melhor percebeu-se a importância de se
26
aprimorar as formas de recrutamento, a fim de selecionar de maneira criteriosa o trabalhador
mais adequado para cada tarefa, para cada posto de trabalho, o que ficou conhecido como “o
homem certo no lugar certo” (MERLO ; LAPIS, 2007).
Quando se analisa a concepção de Taylor sobre o trabalho é possível afirmar que ele
refuta o processo criativo preexistente entre o homem e a natureza, pois dedica total atenção
para o método do trabalho (movimentos e tempo médio necessário à execução de uma tarefa)
primando pela maximização da produção da mais-valia, o objetivo do sistema de capital
(GUARESCHI ; GRISCI, 1993).
Segundo a gica taylorista as tarefas seriam determinadas de forma externa,
prescritas pela gerência, significando que as atividades não mais poderiam ser realizadas pela
vontade dos trabalhadores.
Esses métodos e técnicas de trabalho não eram elaborados pelos trabalhadores
embora fosse das sugestões deles que deveriam partir as melhores idéias para
aprimorar o processo produtivo , visto que a preparação do trabalho passou a ser
atribuição de especialistas, como engenheiros. Estava consolidando-se, no
capitalismo, uma radical separação entre o saber e o fazer; entre a concepção, o
planejamento e a execução; entre o trabalho manual dos operários e o trabalho
intelectual das gerências (MERLO ; LAPIS, 2007, p. 62-63).
Desse modo, conforme afirma Guareschi (1988, p. 33) em sua análise da Máquina
Capitalista, “o trabalhador vai sendo assim separado, alienado de seu produto, em grau
sempre maior, sem planejar, sem decidir, sem compreender o processo de expropriação de
que é vítima, podendo até mesmo ser prejudicado em seu psiquismo, assumindo
características da máquina”. Logo, o trabalho, na concepção taylorista, pode ser definido
como um processo contínuo, fragmentado e alienante.
Como indicam Motta e Vasconcellos (2006, p. 38), “tal procedimento levaria à total
desumanização do homem, além de não aumentar em longo prazo a produtividade do
trabalho, pois tenderia a provocar o aparecimento de atitudes negativas em relação ao
trabalho, à empresa e à administração”. Ao contrário do trabalho artesanal, no qual imperam a
flexibilidade e a criatividade, o trabalho taylorizado desconsidera a capacidade intelectual e
mental do trabalhador.
Dejours chama atenção para as repercussões do sistema Taylor na saúde do corpo e
as consequências sobre a saúde mental:
27
Nova tecnologia de submissão, de disciplina do corpo, a organização científica do
trabalho gera exigências fisiológicas até então desconhecidas, especialmente as
exigências de tempo e ritmo de trabalho. As performances exigidas são
absolutamente novas, e fazem com que o corpo apareça como principal ponto de
impacto dos prejuízos do trabalho. O esgotamento físico não concerne somente aos
trabalhadores braçais, mas ao conjunto dos operários da produção de massa. Ao
separar, radicalmente, o trabalho intelectual do trabalho manual, o sistema Taylor
neutraliza a atividade mental dos operários (DEJOURS, 1992, p. 18-19).
Mediante tal fundamento, entende-se que a organização do trabalho implica, além do
sofrimento físico, um sofrimento de natureza mental na medida em que “[...] o homem, no
trabalho, não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa no sentido de torná-la mais
conforme às suas necessidades fisiológicas e a seus desejos psicológicos isso é, quando a
relação homem-trabalho é bloqueada” (DEJOURS, 1992, p. 133).
O sistema taylorista subtrai o estágio em que se o lugar da atividade cognitiva e
intelectual do trabalho. Segundo Dejours (1992) para o operário-artesão pré-tayloriano o
esforço físico era modulado, repartido e equilibrado em função das aptidões e do cansaço do
trabalhador intermediado pela programação intelectual espontânea do trabalho. Logo, o corpo
obedecia ao pensamento que era controlado pelo aparelho psíquico (lugar do desejo e do
prazer, da imaginação e dos afetos). O sistema Taylor, com a separação do trabalho intelectual
do manual, neutraliza a atividade mental dos trabalhadores e o resultado segundo Dejours
(1992, p. 19) é um “Corpo sem defesa, corpo explorado, corpo fragilizado pela privação de
seu protetor natural, que é o aparelho mental. Corpo doente, portanto, ou que corre o risco de
tornar-se doente”.
Evidencia-se, a partir de tais considerações, a expropriação do conhecimento do
trabalhador e a hegemonia do capital sobre o trabalho. O despotismo fabril transforma o
trabalho em atividade parcelada, repetitiva e sem sentido. O indivíduo e suas capacidades são
apropriados e postos ao serviço do capital.
Taylor de fato exprime, com cinismo brutal, o fim da sociedade americana;
desenvolver no trabalhador, no máximo grau, atitudes maquinais e automáticas,
despedaçar o velho nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia
uma certa participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador
e reduzir as operações produtivas ao seu único aspecto físico maquinal (GRAMSCI
apud MERLO ; LAPIS, 2007, p. 63).
Desconsidera-se a subjetividade do homem que é visto como “[...] um ser neutro,
desprovido de história, que ao engajar-se com a parcela específica da tarefa que lhe era
28
designada tornava-se automaticamente apenas uma engrenagem a mais no sistema produtivo”
(GUARESCHI ; GRISCI, 1993, p. 42).
Em seus pressupostos Taylor sugere uma identidade de interesses entre o capitalista e
o trabalhador. É com esse propósito que o termo colaborador passa (e permanece atualmente)
a substituir a palavra trabalhador no discurso capitalista, dando uma idéia mais corporativa
(FARIA. 2004b). No entanto, por detrás da aparente boa intenção máxima prosperidade ao
capitalista e ao assalariado está uma prosperidade unilateral: de um lado consideráveis
resultados econômicos para o capital e do outro uma exploração total do trabalhador que
recebe apenas uma pequena parcela.
Não é difícil perceber que a empresa é a maior beneficiária de tal sistema pois o
trabalhador, para aumentar sua remuneração em 63%, deve produzir mais 269% do
que o fazia. O custo da empresa decresce não em função do menor número de
trabalhadores, mas principalmente tendo em vista o incremento de trabalho não
pago. A empresa, que pagava um salário total de USS$ 690,00 pelo velho sistema,
passou a pagar um total de US$ 263,20 no novo sistema, reduzindo suas despesas
com o pagamento da força dos trabalhadores em 62% (FARIA, 2004b, p. 33).
Desta forma as argumentações de Taylor sobre uma distribuição igualitária dos
resultados, possíveis graças ao novo sistema, se fazem incoerentes. As consequências
imediatas do sistema taylorista segundo Faria (2004b, p. 30) foram “[...] a fadiga, a
monotonia, a sujeição do trabalhador a uma tarefa predeterminada para a qual não agregava
nenhuma iniciativa [...]”. Além disso, os impactos do taylorismo podem ser observados nas
tentativas de resistência dos trabalhadores, que consistem em atitudes individualizadas, que na
maioria das vezes, são frágeis e não se traduzem, efetivamente, em mudanças. Tal qual tarefas
fragmentadas, os trabalhadores (condicionados ao sistema) reproduzem ações isoladas e sem
o conhecimento total da situação (opor-se a que(m)?). A partir disso, pode-se concluir que,
reforçadas pelos aparatos ideológicos, as normas disciplinares impostas pela fábrica fazem da
individualização majoritária na vida dos trabalhadores e, assim, oprimem a força do coletivo
tanto para reivindicar quanto para se opor. E é desse modelo de sujeito moldado pelos
aparatos ideológicos presentes na família, na escola e na fábrica - que depende a perpetuação
do capitalismo (GUARESCHI ; GRISCI, 1993).
Corpos isolados e dóceis, desprovidos de toda iniciativa esse é o resultado da
desapropriação do saber-fazer operário, da quebra da coletividade operária e da
impossibilidade da livre adaptação da organização do trabalho às necessidades do trabalhador.
29
Diante disso, resta ao capital, “[...] adestrar, treinar, condicionar esta força potencial que o
tem mais forma humana” (DEJOURS, 1992, p. 42).
1.1.2 Otimização da Produção: o Fordismo
Henry Ford fez mais que abrir uma fábrica ao inaugurar, em 1903, a Ford Motor
Company em Highland Park, pois empregou novos métodos de produção que vieram a
revolucionar a indústria automobilística. Destaque para a criação da linha de montagem,
resultado de suas concepções acerca da integração produtiva e do sistema da produção em
escala. Tinha como preocupação a redução dos tempos mortos, o gerenciamento do processo
de produção (desde a aquisição, distribuição e emprego tanto de matéria-prima como de peças
e componentes) e também a gestão do desperdício. Faria (2004b, p. 39-40, grifo do autor) a
partir da análise de “My Life and Work”
4
, publicado em 1922 e de autoria do próprio H. Ford,
expõe a concepção do sistema fordista de produção:
Para H. Ford (1922), a produção deve basear-se na eliminação do supérfluo e é pelo
produto que se deve começar. A exploração industrial verdadeiramente econômica
resulta da eliminação do desperdício, a qual depende de se obter uma padronização
de peças e componentes, da habilidade do trabalhador e da qualidade da máquina, de
forma a reduzir ao máximo o emprego tanto de material como de mão-de-obra.
Sempre que se utiliza na produção mais energia do que o trabalho exige,
desperdício. Para combater o desperdício é necessário entender que capital e
trabalho são sócios do empreendimento. Os empregados são colaboradores do
negócio e a ele devem dedicar o melhor de seus esforços. Quanto mais
eficientemente produzem, mais se habilitam a ganhar mais, pois cada trabalhador
deve receber o valor exato que deu e se nada deu, nada tem a receber senão o direito
e a liberdade de morrer de fome.
Assim como Taylor, Ford baseava-se nos ideais de produtividade, buscando
estimular a produção e diminuir o custo da força de trabalho e de acordo com Faria (2004b, p.
35, grifo do autor) “[...] tem uma concepção pioneira sobre o que hoje se chama just-in-time,
kanban e produção integrada, terminologia atribuída a um novo modelo ou processo de
gestão, mas cuja operacionalidade já se encontrava por ele explicitada”. Para o autor, Ford
não desenvolveu princípios de produção flexível (impossível à época), mas a análise de suas
reflexões, bem como de sua visão da indústria permitem afirmar que o fordismo antecede toda
a atual formulação do toyotismo.
4
FORD, Henry. My life and work. Garden City: Dubleday, Page & Company, 1922.
30
Percebe-se, ainda, que o termo colaborador, anteriormente utilizado por Taylor para
referir-se aos operários, mantém-se no discurso de Ford com a mesma finalidade e, assim
perdura (atualíssimo) nos manuais de gestão de pessoas da administração “moderna”.
Operário e capital são cios. Uma “sociedade” em que o “melhor” trabalho é apropriado em
troca do “pior” salário. Para Ford (1926)
5
o salário, em sua concepção, deve corresponder ao
trabalho realizado segundo as condições de produção dadas pela indústria e sempre menor que
o resultado que gera. Isto fica implícito quando ele defende “[...] a importância da mais-valia
gerada pelo trabalho como o fundamento da acumulação do capital e chega a afirmar que sua
empresa pode gastar milhões de dólares apenas para economizar algumas horas de
trabalho aqui e ali” (FARIA, 2004b, p. 41, grifo do autor).
Para Faria (2004b) técnicas de gestão industrial - consideradas modernas atualmente
como estratégias de terceirização de produção, de contratação de empresas satélites e de
formação de uma rede de fornecedores integravam a concepção fordista. Concepção tardia,
são também, os sistemas do tipo fast-food entregue em casa, afinal Ford afirmava que o
modelo de produção por ele idealizado e implementado atingiria outros tipos de
empreendimentos. “Chegaria um dia, previa ele, em que a cozinha se fará fora de casa. As
pessoas receberão a comida em casa em condições e pelo mesmo preço. Haverá um
complexo problema de transporte, mas que será resolvido como tantos outros
problemas” (FARIA, 2004b, p. 48, grifo do autor).
Outro avanço de H. Ford foi seu entendimento sobre as relações entre fabricantes e
consumidores. Segundo ele, o compromisso entre o fabricante e o comprador não desaparece
no ato da compra, é apenas o início das relações. Esta percepção, exposta em 1922, para Faria
(2004b, p. 48, grifo do autor), “[...] tem sido equivocadamente considerada uma inovação
atribuída à administração flexível e moderna e é atualmente bastante valorizada nos
programas de Qualidade Total e de Compromisso com o Cliente”.
Com o fordismo, a divisão do trabalho e a parcelização das tarefas foram
intensificadas. Com a criação da esteira rolante de Henry Ford, deu-se a conexão entre as
diferentes tarefas do processo produtivo, permitindo o controle de todas as operações e não
somente dos operários individualmente.
5
FORD, Henry. Today and tomorrow. Garden City: Dubleday, Page & Company, 1926.
31
A busca da diminuição dos tempos ociosos estendeu-se à integração entre os postos
de trabalho, à medida que o tempo de transferência das peças passou a ser dado não
exclusivamente pelas ordens hierárquicas, mas principalmente por meio de
dispositivos mecânicos, encadeando as tarefas continuamente. É como se as ordens
das chefias e o controle direto aperfeiçoados por Taylor (1995), com a imposição de
tempos e de movimentos de execução, fossem incorporados às instalações (MERLO
; LAPIS, 2007, p. 64).
Para o capitalista, tais mudanças apresentaram benefícios, incremento na produção e
com redução do tempo e custos, com na montagem do chassis por exemplo, em que a linha de
produção passou de 14 horas para 93 minutos por chassis (FARIA, 2004b). Enquanto isto os
trabalhadores continuaram “[...] submetidos ao ritmo automático, à cadência das máquinas, à
rotina, executando, várias vezes, um mesmo movimento em uma linha de montagem”
(MERLO ; LAPIS, 2007, p. 64). Uma das consequências a respeito dessa especialização é
apresentada por Albornoz (2008, p. 32-34):
Cada trabalhador ou funcionário entenderá apenas de um minúsculo ponto do
processo: apertará um parafuso; preencherá um tipo de requerimento. A
especialização / no artesanato era ligada à pretensão de mais capacidade – a idéia era
fazer apenas sapatos para fazer sapatos bons. Na indústria, a especialização chega a
um ponto absurdo, em que ninguém percebe mais o alcance do seu trabalho porque
não vê o conjunto da atividade em que o seu esforço se insere.
O trabalho fragmentado permanece sem sentido. Uchida (2007), ao discutir a rigidez
do sistema fordista produção em escala em linha de montagem –, afirma que ela visava à
previsibilidade dos processos de produção e, também, das relações horizontais e verticais.
Segundo o autor, o domínio deve ser absoluto, não permitindo variações, pois o descontrole
levaria ao prejuízo. A planta fordista clássica tinha como características marcantes “a divisão
da tarefa, o trabalho parcelado em etapas, os gestos e movimentos simplificados, controle
rígido de cada grupo de trabalhadores pela chefia imediata e o ritmo ditado pela máquina [...]”
(UCHIDA, 2007, p. 110).
A partir disso, o autor sugere uma reflexão sobre a situação dos operadores que são
determinados pela máquina, que trabalham repetidamente realizando os mesmos gestos e
movimentos de acordo com o ritmo e as metas da empresa. “Se o ritmo é lento, abre espaço
para toda a sorte de fantasias e pensamentos com risco de ocorrência de acidentes; se o ritmo
é violento, há o risco de ‘perder o trem’ e não acompanhar a linha de montagem, sem falar da
fadiga e do desgaste a que estão sujeitos” (UCHIDA, 2007, p. 110).
32
A fuga do trabalho - caracterizada pelo alto índice de absenteísmo e o elevado índice
de rotatividade no emprego (turnouver) não foram as únicas respostas dos trabalhadores à
exploração do sistema fordista. Questionando, cada vez mais, a disciplina do espaço
produtivo, organizado para aumentar a extração da mais-valia os trabalhadores passam a
entrar em greve. Heloani (2003, p. 92) cita algumas realizadas na Europa Ocidental e na
América do Norte:
[...] (a) greves na Tiberghien e na Soparlaine (1971), contra a intensificação do ritmo
de trabalho; (b) greve da Évian (1971), num protesto dos empilhadores contra
aumento das cadências de trabalho; (c) greve dos agentes de impostos franceses
(1970), devido a aumento do ritmo de trabalho por insuficiência de funcionários; (d)
greves na Roux-Cambaluzier e na Saint-Gobain (ambas em 1971) e na Massey-
Ferguson (de 1970 a 1971), por melhores salários e condições de trabalho; (e)
campanhas salariais da Central Geral dos Trabalhadores na França (CGT),
incorporam em suas reivindicações observações referentes a melhores condições no
ambiente de trabalho (1972 a 1973); (f) greves (1972) da Siderúrgica Kaiser Steel e
da General Motors, com reivindicações de melhores salários e condições de
trabalho, greve da Chrysler (1973) contra a insegurança e a insalubridade nos locais
de trabalho
Importante ressaltar, neste momento, que na linha de montagem as fases do processo
de produção são interdependentes e integradas, consequentemente erros e/ou interrupções na
produção têm consequência em todo o processo. Isso exige que parte do controle sobre a
execução do processo imediato de trabalho esteja nas mãos dos trabalhadores, pulverizado no
chão-de-fábrica o que deixa o capital mais vulnerável a paralisação operária (FARIA, 2004c).
Segundo o autor a greve da General Motors de Lordstown culminou em uma
discussão, feita por uma subcomissão no senado americano, sobre a questão da alienação
entre os trabalhadores. Essa subcomissão - organizada pelo parlamentar Edward Kennedy em
1972 – introduziu um novo modelo de organização do trabalho “[...] com base no trabalho em
grupo, no processo de decisão coletivo e estabelecimento de uma Comissão de Fábrica para
discutir questões entre patrões e empregados” (HELOANI, 2003, p. 93). Eram os chamados
Quality for Working Life Programs (QWL)
6
.
6
“Embora não exista uma decisão consensual sobre a expressão Qualidade de Vida no Trabalho (QVT),
que vem sendo utilizada com diferentes conteúdos e significados, sua origem, segundo Eric Trist e seus
colaboradores do Tavistock Institute of Human Relations, de Londres, concerne a uma conferência
internacional sediada em Arden House, no ano de 1972, e cujo tema principal versava sobre “Sistemas
Sociotécnicos”. Não obstante, no final da década de 1950, quando o capital americano promove uma
recessão para organizar seu parque fabril, observa-se certa preocupação com esse assunto nos países de
capitalismo central. Não teria portanto o “movimento” de QVT sua verdadeira origem nas conseqüências
sociais da primeira retração econômica significativa após a Segunda Guerra Mundial nos EUA? É o que
33
Segundo o autor um exemplo de sucesso é a fábrica da General Motors de Tarrytown
- marcada por conflitos de absenteísmo e turnouver onde esse sistema obteve bons
resultados. No entanto, no início da década de 1980, com pressões do empresariado sobre
salário, emprego e produtividade essa forma de organização participativa entra em colapso.
Entre 1974 e 1975, ocorre uma crise recessiva que vai pôr fim ao ciclo de
crescimento do fordismo e segundo Heloani (2003, p. 94) “[...] acaba substancialmente
enfraquecido o componente essencial da equação fordista investir para aumentar a
produtividade e repassá-la aos salários”. O contexto é de desemprego, redução do consumo e
poucos aumentos salariais. Soma-se a isso o agravamento das dificuldades fiscais do
intervencionismo keynesiano e do Estado-Previdência
7
.
1.1.3 O Capital em Crise: Necessidade de Reestruturação Produtiva
Segundo a análise de Antunes (1999), o capitalismo, após um longo período de
acumulação de capital, baseado no padrão taylorista/fordista, no final dos anos 60, apresentou
sinais de seu enfraquecimento. O esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista foi
a expressão da crise estrutural do capital, constituindo-se em uma resposta à retração do
consumo que se acentuava, em virtude do desemprego estrutural que se iniciava. O aumento
do preço da força de trabalho conquistado no período pós-45 e a intensificação das lutas que
objetivavam o controle social da produção levaram a uma redução de produtividade do capital
e, consequentemente, à queda da taxa de lucro. Marcaram também esse período: a hipertrofia
da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos capitais produtivos; a maior
concentração de capitais devido às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; a
parece, ainda que tais mazelas possam ser conhecidas e sentidas em sua real magnitude na crise do
modelo de desenvolvimento fordista nos anos de 1960 e 1970”. (HELOANI, 2003, p. 93).
“Já no início da década de 1970, a França aprovou um dispositivo jurídico que obrigava as organizações a
se empenharem em trabalhar com o intuito de melhorar as condições no trabalho (QVT). Porém,
corroboramos a opinião de alguns especialistas que julgam ser melhor traduzir tal expressão por “Qualidade
de Vida Total” (completa, para todos), significando efetivamente “mais vida no trabalho” e não “mais
trabalho na vida” (HELOANI, 2003, p. 93).
“A expressão qualidade de vida no trabalho foi introduzida pelo Dr. Louis Davis durante a conferência em
Arde House” (HELOANI, 2003, p. 93).
7
“Essa situação exigia o fim do Estado-Previdência, a fim de que as empresas pudessem dispor de mais
recursos para investir em novos produtos mais adequados à internacionalização da economia. O capital abre
uma ofensiva proposital contra as atribuições do Estado, passando a considerá-lo, sob o prisma do
monetarismo, “Estado-inoperante-custoso”. Sugere a redução dos impostos para diminuir a presença estatal,
que passa a ser vista como causadora da inflação. Assim, com a desejada diminuição das atribuições do
Estado, começa a difusão de uma série de serviços privados, apresentados como mais eficientes e baratos
para o consumidor. É o projeto de “modernidade” dos serviços públicos que começa a moldar-se,
juntamente com o projeto neoliberal” (HELOANI, 2003, p. 95).
34
crise do welfare state (Estado do bem estar social) acarretando a crise fiscal do Estado
capitalista e, o incremento acentuado das privatizações.
A introdução da organização científica taylorista do trabalho na indústria
automobilística e sua fusão com o fordismo acabaram por representar a forma mais
avançada de racionalização capitalista do processo de trabalho ao longo de várias
décadas do século XX, sendo somente no final dos anos 60 e início dos anos 70 que
esse padrão produtivo, estruturalmente comprometido, começou a dar sinais de
esgotamento (ANTUNES, 1999, p. 38, grifo do autor).
Para o autor esse padrão produtivo, caracterizado pela mescla da produção em série
fordista com o cronômetro taylorista, apresentava uma divisão tida entre elaboração e
execução. O processo de trabalho parcelado e fragmentado reduzia a ação operária a um
conjunto repetitivo de atividades desprovidas de sentido, além de que suprimia a atividade
intelectual do trabalho operário que era transferida para as esferas de gerência científica. Uma
das contradições era justamente entre autonomia e heteronomia, visto que destituído de
qualquer participação na organização do processo de trabalho, o operário-massa era
frequentemente chamado a corrigir os erros da gerência e administração. Mas, no final dos
anos 60, questionando os pilares constitutivos da sociabilidade do capital, especialmente em
relação ao controle social da produção, eclodiu uma verdadeira revolta do operário-massa
contra os métodos tayloristas e fordistas de produção. No centro dessa ação estava a
possibilidade efetiva do controle social do trabalho sem o capital. Mesmo não conseguindo se
converter em um projeto societal hegemônico contrário ao capital, a luta dos trabalhadores
perturbou seriamente o funcionamento do capitalismo, que necessitava agora de recuperar seu
ciclo reprodutivo e fortalecer seu domínio societal.
Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do
capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais
evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a
desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo
estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se segui
também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com
vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de
expansão anteriores (ANTUNES, 1999, p. 31, grifo do autor).
Soma-se à crise a incorporação de tecnologias informacionais e computacionais de
base microeletrônica que passam a exigir novos procedimentos ou novas tecnologias de
gestão que possibilitem ao capital manter seu poder de dominação.
35
A reorganização do trabalho encontra, nos grupos semi-autônomos com sua
concepção pseudo-participativa e nas chamadas técnicas japonesas seu suporte ideológico. Os
novos esforços visam, em tese, tornar o trabalho menos monótono, rompendo com o esquema
taylorista-fordista e, assim, devolver aos trabalhadores alguma atividade mental deles
subtraída.
ao lado do esforço contra a monotonia do trabalho operário, surgem as idéias de
alongamento e enriquecimento de tarefas (job enlargement e job enrichment), as
quais desembocam, posteriormente, no que se convencionou chamar de Grupos
Semi-Autônomos GSA, ou Equipes Participativas de Trabalho EPT (FARIA,
2004b, p. 180).
O GSA - uma tecnologia de gestão passa aos trabalhadores a idéia de autonomia,
pois transfere a responsabilidade ao grupo. A equipe assume o controle do volume de
produção, da qualidade, do desperdício da matéria-prima e dos estragos da fabricação. Mas
esta autonomia é relativa, afinal a participação dos operários se dá apenas no nível das tarefas,
permanecendo as decisões mais importantes (concepção e planejamento) restritas à gerência.
Faria (2007, p. 183) revela esta contradição – exploração participativa (consentida pelo
operário) que justifica a denominação semiautônomo: “mesmo nesse nível de trabalho
imediato, a autonomia é limitada pelo volume de produção necessário que a empresa busca
alcançar”. Logo, reforçar o controle gerencial sobre o processo de trabalho é o real objetivo
dessa tecnologia de gestão – o GSA – através da cooperação e participação operária.
Os grupos semi-autônomos, neste sentido, servem ao capital para resolver os novos
desafios da produção flexível e automatizada decorrentes de base microeletrônica,
mas não podem afirmar nenhum poder e nenhuma participação autêntica (FARIA,
2004b, p. 196).
A partir de então, desenvolvem-se várias transformações no processo produtivo,
dentre as quais se destaca o toyotismo
8
(novo modelo produtivo).
8
“Toyotismo concerne à indústria japonesa de carros Toyota, empresa em que foram feitas por Ohno as
primeiras experiências relativas a esse sistema de produção. Nessa inovadora forma de produção, no lugar de
gigantescas organizações verticalizadas, que produzem desde a matéria-prima até seus produtos finais, ocorre a
descentralização do processo produtivo. Uma enorme rede constituída por pequenas empresas responsabiliza-se
pelo fornecimento de peças e outros elementos para serem utilizados por núcleos centrais que dispõem da visão
do conjunto e que geralmente possuem tecnologia avançada e grande poder de barganha com seus fornecedores.
No final da década de 1970, o engenheiro Taiichi Ohno, que foi vice-presidente da Toyota e é tido como o pai
36
1.2 (RE)APRESENTANDO O TOYOTISMO
A nova divisão do trabalho gerada pelo pós-fordismo evidencia a necessidade do
capital buscar, cada vez mais, a adesão dos trabalhadores para assegurar a produtividade e,
também, permitir o acúmulo da mais-valia. Emergem, nesse contexto, os modelos alternativos
ao binômio taylorismo/fordismo, destaque para o toyotismo ou o modelo japonês.
A projeção universal do toyotismo, como explica Alves (2000), deve-se ao sucesso
da indústria japonesa em face da concorrência mundial. Diversos países e setores, entre 1970
e 1980, passaram a incorporar as técnicas consagradas pela Toyota, em seu processo de
produção. “A primeira onda foi a dos CCQ’s e, quase que em paralelo, a do kanban/just-in-
time. Posteriormente, diversos outros elementos foram adicionados, como TQC (Total Quality
Control), kaizen, técnica dos 5S’s, TPM (Total Production Maintenance) e outras”
(ZILBOVICIUS apud ALVES, 2000, p. 29).
É dessa forma, que nos anos 80, o toyotismo alcança um poder ideológico e
estruturante, consolidando-se como referência no processo de reestruturação produtiva. De
acordo com Alves (2000, p. 32): “Consideramos o toyotismo o que pode ser tomado como a
mais radical e interessante experiência de organização social da produção de mercadorias, sob
a era da mundialização do capital”. Para o autor, o toyotismo apresenta plenas potencialidades
de flexibilidade e de manipulação da subjetividade operária, articulando, ainda, a
continuidade da racionalização do trabalho – de base taylorista/fordista – com as novas
necessidades do capital.
As técnicas japonesas justificam serem chamadas de toyotismo por características
histórico-sociais, mas em essência são as mesmas técnicas empregadas pelas modernas
empresas capitalistas. O Japão é carente de recursos naturais e, por sua vez, dependente da
importação destes recursos, logo não pode permitir o desperdício. Nesse sentido, as técnicas
japonesas como o Círculo de Controle de Qualidade CCQ
9
, do kaizen (fazer sempre da
do toyotismo, compilou suas anotações em um livro traduzido para o francês em 1989 (L’esprit Toyota)”
(HELOANI, 2003, p. 119).
9
“A ‘idéia chegou ao Japão quando Deming e Juran foram ao país participar de palestras, seminários e
congressos sobre estatística e qualidade. Ishikawa, aluno desses ‘gurus’ da qualidade à época, teve a virtude de
transformar o arcabouço conceitual trazido pelos mestres numa linguagem simples, acessível ao ‘chão-de-
fábrica’. Esse professor de engenharia japonês formou grupos para praticar tal ‘filosofia de trabalho’, com uma
intenção, no começo, mais de cunho pedagógico. Esses primeiros grupos eram originários da área de Controle
de Qualidade e acabaram sendo denominados Círculos de Controle da Qualidade” (HELOANI, 2003, p. 144).
“O primeiro registro de funcionamento oficial de um CCQ data de 1962, sob a liderança de Ishikawa.
Justamente nesse ano foi lançada a revista Controle de Qualidade para o Supervisor, abrindo caminho para as
idéias de psicólogos sociais e organizacionais como Herzberg, Maslow e McGregor e para as ‘ciências da
37
melhor maneira), do kanban (automação visível ou cartão) e do just-in-time (apenas a tempo),
são concebidas a fim de elevar os níveis de qualidade. De acordo com Faria (2004b, p. 186)
“no nível do controle do processo de trabalho e da gestão da produção, as técnicas japonesas
referem-se aparentemente ao controle da qualidade ou de defeitos, através dos sistemas
kanban e just-in-time”.
A utilização das técnicas ocorre por necessidade no Ocidente e não por imitação ou
modismo, afinal o avanço das tecnologias remete a mudanças na gestão organizacional. As
novas tecnologias, conforme argumenta Faria (2004b, p. 189), agora “[...] baseadas no uso da
informática, que conferem rapidez, flexibilidade, controle imediato de qualidade e de
processo e integração manufatura-projeto-gestão, não podem mais ser geridas com base na
concepção original da organização do trabalho taylorista-fordista”. Em nível de gerência,
segundo o autor, essas técnicas estão associadas ao desenvolvimento de esquemas
participativos e, que, quando examinadas sob uma perspectiva mais crítica, revelam sua real
finalidade: aumentar a produtividade. Trata-se de intensificar o trabalho e não apenas
desenvolver programas de relações humanas e de qualidade. Para o trabalhador é uma
situação altamente estressante e neurotizante, na qual o discurso é o da qualidade, mas o
objetivo é o da perfeição (defeito zero).
Para Faria (2004b), o toyotismo não se constitui em um novo paradigma, pois não
supera o fordismo. O autor sustenta sua argumentação no fato de que o próprio Ohno
reconhece as contribuições e influências das idéias de H. Ford em suas formulações. Trata-se,
então, de um neo-taylorismo/fordismo que tem como maior contribuição a recuperação dos
enfoques relacionados ao comportamento humano. Enfoques estes, que visam um maior
envolvimento (ou captura da subjetividade) dos trabalhadores, agora mais exigidos, no
processo de produção. O autor sugere utilizar para as novas tecnologias de processo, a
denominação fordismo de base microeletrônica e, para as tecnologias de gestão, fordismo
comportamental sofisticado.
qualidade’ trazidas por Deming e Juran. Esse ‘casamento epistemológico’ produziu seus frutos, pois no final da
década de 1970, mais de 100 mil círculos estavam registrados oficialmente” (HELOANI, 2003, p. 144).
38
Desta forma, a atuação gerencial para intensificar o trabalho, diminuir tempos
mortos, gerenciar com precisão os estoques e os fluxos de produção, visando
aumentar a produtividade do trabalho ou a taxa de exploração, demanda uma forma
mais efetiva de envolvimento do trabalhador no processo de produção de valor
excedente: comprometimento, participação, autonomia relativa, entre outros, passam
a ser procedimentos cada vez mais utilizados e, para que dêem resultados, cada vez
mais preenchidos de mecanismos sofisticados de controle (FARIA, 2004b, p. 179-
180).
Da mesma forma, para Guareschi e Grisci (1993) as técnicas japonesas (ou
toyotismo) não passam de uma reprodução mais perversa do taylorismo, não se afirmando
como expressão de uma nova filosofia. Para os autores essas técnicas se apropriam das
necessidades de relacionamento entre os trabalhadores “[...] e as devolvem de forma
deturpada nas células de trabalho, onde estão próximos uns dos outros, poupando tempo e
distância, mas a léguas de distância na elaboração do próprio trabalho” (Guareschi ; Grisci,
1993, p. 60).
Além disso, o toyotismo não é algo que se concretiza de forma completa na prática.
O que ocorre é uma mistura de elementos dos diferentes modelos, práticas do taylorismo-
fordismo mesclam-se com o toyotismo estruturando uma mesma organização do trabalho.
Diante disso “[...] não podemos dizer que exista, de fato, um modelo único que esteja
substituindo o modelo clássico e, tampouco, pode-se falar em práticas homogêneas”
(BERNARDO, 2009, p. 27). Isso suscita a discussão tema de muitos debates no meio
acadêmico sobre a denominação mais adequada para caracterizar o atual momento do
mundo do trabalho, mundo esse em que a flexibilidade corresponde a novas formas de
rigidez.
Tais considerações conduzem ao entendimento de que a introdução de novas
tecnologias físicas de base microeletrônica acarretou em novas exigências em relação às
tecnologias de gestão no processo de trabalho, e nessa dinâmica as técnicas japonesas
toyotismo – constituíram-se como a melhor alternativa.
O toyotismo, segundo Bernardo (2009, p. 34), se utiliza de temas como competência,
participação, trabalho em equipe e a autonomia por “[...] terem um conteúdo aparentemente
oposto ao discurso que sustenta o modelo taylorista-fordista e a administração burocrática de
Fayol e, a nosso ver, também por dizerem respeito a questões que. historicamente, sempre
fizeram parte das reivindicações dos trabalhadores”. Esses temas estão impregnados no
discurso da gestão empresarial moderna e, consagrados no campo acadêmico, são repetidos na
fala de gerentes e consultores.
39
Com o avanço da tecnologia, a adesão dos trabalhadores torna-se ainda mais
necessária para garantir a hegemonia do capital e, com esse intuito, é que se modificam - e até
surgem – novas formas de gestão. Na expressão de Pagès et al (1987) trata-se de uma
gramática de dominação a partir do inconsciente, mecanismos de poder que possibilitam o
desenvolvimento capitalista. Para Heloani (1994, p. 96, grifo do autor) “a empresa pós-
fordista, altamente competitiva e flexível, necessita desenvolver a 'iniciativa', a 'atividade
cognitiva', 'a capacidade de raciocínio lógico' e o 'potencial de criação' para possibilitar
respostas imediatas por parte de seus funcionários”.
Não é apenas o “fazer” e o “saber” operário que são capturados pela lógica do
capital, mas a sua disposição intelectual-afetiva que é constituída para cooperar com
a lógica da valorização. O operário é encorajado a pensar “pró-ativamente”, a
encontrar soluções antes que os problemas aconteçam [...] (ALVES, 2000, p. 54,
grifo do autor).
As formas de controle adotadas no toyotismo, assim como nos GSAs, visam
amplamente à esfera psicossocial. O toyotismo difunde a idéia de participação, em que
empregados passam a ser colaboradores, com a liberdade de opinar e fazer sugestões em
relação ao processo produtivo. Tem “[...] como fundamento o diálogo aberto que, assim,
possibilitaria que todos – trabalhadores de chão-de-fábrica, executivos e proprietários de
empresas – obtivessem maior satisfação” (BERNARDO, 2009, p. 19).
Segundo Faria (2004c, p. 159), ”o objetivo expresso é fazer com que o operário
valorize seu trabalho, sua contribuição com o produto final, encontrando soluções técnicas
para operações e participando de decisões sobre a execução do trabalho”. Fica evidente uma
participação formal restrita ao local imediato de trabalho.
A gestão do processo de trabalho caminha em direção a esquemas de controle de
trabalho mais sofisticados e aparentemente menos autoritários, cujos suportes estão
expressos na mudança de concepção acerca do comportamento humano (Teoria Y),
da transferência de responsabilidade pela execução do trabalho (team work) e de sua
qualidade (CCQ) a grupos operários constituídos com autonomia determinada
(GSAs), da ampliação das operações nas linhas de montagem (job enlargment e job
enrichment) e dos diversos esquemas de “participação” (grupos participativos de
trabalho; modelo Likert de gestão) (FARIA, 2004c, p. 160, grifo do autor).
Quando o capital possibilita a “participação” dos trabalhadores seja na gestão e/ou
nos resultados, o faz como “[...] tentativa de modernizar as relações capitalistas de produção
e, portanto, de atualizar o esquema de dominação do capital sobre a organização e as ações
40
políticas dos trabalhadores” (FARIA, 2004c, p. 161). O autor continua afirmando que tal
participação está longe de significar um avanço em direção a um processo de socialização e
democratização no mundo do trabalho.
Pode-se afirmar que a grande revolução do sistema toyotista de produção está na
gestão da força de trabalho “[...] sustentado nas idéias de Douglas McGregor (1960), as quais
incentivam os teamwork e permitem que se operacionalize a concepção de trabalhador
flexível em lugar do trabalhador especializado, típico do fordismo” (FARIA, 2004b, p. 35,
grifo do autor). O toyotismo alia a tecnologia de base microeletrônica a uma organização do
trabalho baseada em equipe. Soma-se a isto, a produção integrada que corresponde à
identidade de interesses entre as montadoras e os fornecedores de peças e componentes e, o
aprendizado “[...] obtido pela generalização das experiências acumuladas na produção (saber
tácito), pela rotação de postos, pelo alargamento das tarefas, pela constituição de equipes
semi-autônomas, pela redução dos níveis hierárquicos” (HELOANI, 2003, p. 120, grifo do
autor). O autor afirma ser este o modelo adequado ao atual estágio de desenvolvimento do
capitalismo.
As principais modalidades de políticas de gestão e organização do trabalho
normalmente associadas ao toyotismo ou modelo japonês de produção são “[...] o just-in-
time, o kanban e os Círculos de Controle da Qualidade (CCQ)” (HELOANI, 2003, p. 118,
grifo do autor).
1.2.1 Jus- in-Time e Kanban: Estoque Mínimo um Meio para a Velocidade Máxima
A técnica (ou filosofia) jus- in-time - JIT
10
com sua concepção de produzir o que o
mercado demandar - no momento e na quantidade solicitada - provocou mudanças na
organização do trabalho. Esse método foi introduzido pelo engenheiro Taiichi Ohno, na
fábrica da Toyota, na década de 70, em plena crise do modelo fordista de produção. Ainda
nesse período, a indústria japonesa conseguiu que seus estoques correspondessem a vendas de
apenas quatro dias (HELOANI, 2003).
10
“Eiji Toyoda e Taiichi Ohno, pensando juntos sobre o que o primeiro havia observado na Ford Motor
Company de Detroit, em 1950, deduziram que o tradicional método just in case não funcionaria bem no Japão.
O que os dois especialistas almejavam era um sistema de administração que pudesse coordenar a produção com
a demanda específica de veículos variados. Assim nasceu o Sistema Toyota de Produção ou Produção Flexível.
Ainda em 2001 é na Toyota que esse modelo é aplicado em sua forma mais pura. Até hoje muitos especialistas
consideram essa empresa automobilística como a mais eficiente de seu ramo, num sucesso que vem sendo
gestado desde a década de 1950, quando ocorreram as primeiras experiências nesse verdadeiro laboratório de
produção” (HELOANI, p 132-133)
41
Just-in-time traduz-se em justo a tempo, no momento certo, ou apenas a tempo,
sendo sua filosofia “[...] operar um sistema de manufatura simples e eficiente, capaz de
otimizar o uso dos recursos de capital, equipamento e mão-de-obra” (HELOANI, 2003, p.
135). A meta é eliminar, do sistema de manufatura, toda função que não agregue valor ao
produto (e à empresa), que acarrete custos indiretos ou despesas desnecessárias.
De acordo com Faria (2004b, p. 187) o JIT “[...] implica que, na montagem dos
produtos, as fases antecedentes chegam na linha, para a sequência do processo, no momento
exato e na quantidade necessária”. Isso significa que o fluxo é analisado do fim para trás (ou
de frente para o começo) implicando na produção do que é imediatamente utilizado. Deste
modo se fabrica o necessário e quando necessário, sem partir de qualquer suposição. Não
se formam estoques excessivos que seriam resultantes de suposições erradas.
No entanto, para que o princípio básico seja atingido em sua plenitude, é necessário
que a produção seja iniciada quando houver algum pedido efetivo, razão esta que justifica
o uso do método kanban
11
. O kanban constitui-se em uma técnica utilizada para se atingir a
meta do JIT, pois permite observar no quadro geral a situação do conjunto da produção e a
posição de cada lote a partir das especificações de cada cartão. Trata-se de um sistema que
puxa a produção baseado na demanda. Visando o estoque zero, produz-se o imprescindível
em cada estágio e no momento exato da demanda (HELOANI, 2003).
Para Benjamin Coriat (1991 apud HELOANI, 2003) o kanban não é simplesmente
um método de gestão de estoques, mais que isso, consiste em um método de gestão de pessoal
pelos estoques. Ele coloca como sendo o eixo de ataque descoberto por Ohno: partir do
estoque para revelar o pessoal em excesso e racionalizar a produção. Em outros termos, pode-
se afirmar, a partir disso, que o JIT significa ter somente o que é necessário, inclusive gente.
Para implementar o sistema just-in-time e o kanban os processos devem ser
projetados conforme “[...] a concepção de ilhas de fabricação (sistema-célula ou group
technology), em que as máquinas são reagrupadas em grupos tais que, a partir de certos
insumos e matérias-primas, produzam determinado tipo de peças” (FARIA, 2004b, p. 187).
11
Kanban quer dizer cartão, painel ou “registro visual” e tem sua origem no Japão, como o próprio nome indica.
Nesse cartão, que acompanha a trajetória de um lote de peças durante seu percurso pela fábrica, são assinaladas
as etapas de fabricação já realizadas. Ele tem a função de puxar a produção ao permitir que os próprios operários
identifiquem as fases concluídas e possam iniciar a próxima operação sem aguardar pelas ordens da chefia. O
resultado é um fluxo contínuo que representa ganhos de tempo significativos, para a empresa, é claro. O tipo de
sinal usado como kanban não é importante. Cartões, bolas coloridas, luzes e sistemas eletrônicos m servido
para a mesma finalidade (HELOANI, 2003, p. 138).
42
Assim as empresas podem obter flexibilidade na fabricação, com a redução de estoques e o
fluxo contínuo do processo. Prescinde-se do operário especialista em favor do polivalente.
Porém, ao contrário do que advogam a aplicação do JIT, não significa que a carga de
trabalho do operário diminui. Além da redução de postos de trabalho, desencadeiam-se outras
consequências para o trabalhador, altamente patogênicas. Na visão de Heloani (2003, p. 136,
grifo do autor):
Estão nesse caso a polivalência para que se possa trabalhar em equipe e administrar
os inevitáveis conflitos (outrora função das chefias); a convivência com a
flexibilidade tecnológica que exige maior adaptabilidade física e mental, a
responsabilidade na tomada de decisões e mesmo na análise de situações
operacionais e o management by stress, isto é, o gerenciamento advindo de uma
tensão propositadamente criada para que os problemas apareçam e o ritmo de
produção possa aumentar sem prejuízo no sistema técnico.
É preciso ressaltar que os tempos e fluxos de todo processo produtivo continuam
sendo determinados pelo capital. As linhas continuam padronizadas e as tarefas, com a
automação de alguns trabalhos parcelados, são hipersimplificadas. O sentido da tarefa
inexiste, afinal a polivalência significa dominar várias tarefas simplificadas. Resta ainda a
falsa percepção (provocada propositalmente pela empresa) em participar (no sentido real) do
processo e exercer poder de decisão.
Deve-se destacar ainda que a redução, ao máximo, dos tempos de preparação das
máquinas (setup time) ou tempo zero de preparação (setup), se apresenta como requisito
preliminar do JIT. O resultado é uma maior flexibilidade e competitividade para a empresa e
maior ansiedade e desgaste para os trabalhadores (HELOANI, 2003).
Assinala-se, neste sentido, a grande preocupação com as máquinas no espaço fabril.
E, desse modo, o atual mundo do trabalho apresenta uma perversa característica: a
maquinização do homem e a humanização da quina. Segundo Guareschi e Grisci (1993, p.
53): “aquele que construiu a máquina acaba, até certo ponto, seu escravo. Mais cuidados são
dispensados às coisas que aos homens. No mundo materialista do capital, ao se dar o conflito
criador versus criatura, é ela, na maioria das vezes, quem leva vantagem”.
Para facilitar a implantação do JIT - essa filosofia ou método para o planejamento e
controle das operações - é necessário aceitar e assumir alguns princípios culturais, como:
43
(1) a criação de um programa de motivação do tipo CCQ, ou outro qualquer; (2)
grandes doses de participação para todos os “colaboradores”; (3) envolvimento de
todos os funcionários, daí a joint venture JIT-TQM (total quality management) ser
comum e recomendada como eficiente ferramenta na padronização das
subjetividades; (4) delegação de maiores responsabilidades, pois o JIT geralmente
exige a resolução de problemas em grupos, a rotação de tarefas e multi-habilidades;
(5) espírito de trabalho em equipe, fundamental devido à coordenação dos vários
estágios da produção e que criará a ingênua sensação de gerência por consenso; e,
finalmente, (6) certa estabilidade para os operadores que tenham funções essenciais,
pois conotará de forma equívoca vitaliciedade e ajudará a consolidar as
“prerrogativas” expostas (HELOANI, 2003, p. 139).
Esses princípios culturais auxiliam a organização que necessita (cada vez mais) do
engajamento efetivo dos trabalhadores no processo de produção. Para tal, através de técnicas
de gestão, ela estimula a motivação, o trabalho em equipe e a iniciativa operária.
A produção em lotes menores, possível com o JIT, reduz o refugo e eleva a
qualidade. Afinal, à medida que termina uma peça e passa adiante, o trabalhador sabe se a
mesma foi aprovada ou não. Isso significa que a cobrança é feita pelos pares e, desta maneira,
os defeitos são imediatamente detectados e extirpados. O controle, por sua vez, segundo Faria
(2004b, p. 189, grifo do autor) “[...] que era tarefa do supervisor, fixa-se no próprio
trabalhador, tornando-a não sutil e eficaz, mas um mecanismo de “motivação forçada”, de
acordo com o conhecido modelo behaviorista skinneriano do reforço psicológico”. Isso
significa que o trabalhador responsabilizado e cobrado por seus erros busca agir sobre as
causas dos defeitos, trabalhando mais e melhor.
1.2.2 rculo de Controle de Qualidade: a Pseudo-Participação
Através da incorporação de novas técnicas de gestão da força de trabalho e de um
padrão produtivo organizacional e tecnologicamente mais avançado, esse novo modelo (o
toyotismo) se apresenta como uma opção de superação da crise capitalista. Ele difunde a idéia
de participação, em que empregados passam a ser colaboradores, com a liberdade de opinar e
fazer sugestões em relação ao processo produtivo. Tem “[...] como fundamento o diálogo
aberto que, assim, possibilitaria que todos trabalhadores de chão-de-fábrica, executivos e
proprietários de empresas – obtivessem maior satisfação” (BERNARDO, 2009, p. 19).
Os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs) refletem bem essa situação, afinal
neles os trabalhadores são incentivados a discutir trabalho e desempenho, baseados no
discurso do envolvimento e participação. No entanto, a questão da participação e os CCQs
merecem uma análise mais criteriosa.
44
Os Círculos de Controle de Qualidade CCQs, segundo Maria da Graça Druck de
Faria (1989 apud HELOANI, 2003, p. 144), tiveram origem nos Estados Unidos em 1940. No
entanto, foi no Japão nas décadas de 1950 e 1960, num cenário de amplo esforço ideológico
pela qualidade que sua estrutura e técnica se delinearam.
Karou Ishikawa (1985, p. 138 apud HELOANI, 2003, p. 145), o pai da cnica CCQ,
assim a conceitua:
CCQ é um pequeno grupo de pessoas que trabalham em uma mesma área e que,
voluntariamente, desenvolvem atividades de controle de qualidade. Este pequeno
grupo de pessoas, dentro do espírito que coordena as atividades de controle de
qualidade em toda a Empresa, desenvolve atividades para melhoria e reformulação
da própria área de trabalho, com o auxílio de métodos de controle de qualidade,
através de auto e mútuo desenvolvimento de forma contínua e em participação de
todos.
A proposta inicial formulada por Kaoru Ishikawa era bastante atraente, pois
advogava que certas características deveriam ser valorizadas na criação de tais grupos,
conforme recorda Heloani (2003, p. 146):
1. devem ser voluntários e não impostos por ordens superiores;
2. devem promover o autodesenvolvimento de seus membros por meio do
aprendizado (estudo);
3. devem propiciar o autodesenvolvimento dos circulistas, em consequência da
expansão dos horizontes;
4. devem objetivar a participação de todos os trabalhadores da oficina (objetivo
último);
5. tais grupos levam em conta a participação de todos os níveis da empresa e, jamais,
a criação de um departamento especializado nisso.
A finalidade dos CCQs, segundo os manuais de orientação, é “[...] a melhoria da
qualidade e o aumento dos níveis de motivação e satisfação, estimulando o trabalho em
equipe” (HELOANI, 2003, p. 147). No entanto, para o autor (2003, p. 146-147) no cerne dos
CCQs, encontra-se uma metodologia behaviorista, a qual visa “[...] mediante estímulos e
reforços, adaptar o trabalhador à empresa e levando a uma padronização no funcionamento
desse instrumento gerencial e a uma racionalização das diversas subjetividades”.
Os círculos acontecem sob o controle da administração da empresa que por sua vez
restringe os temas a serem tratados a fim de evitar conflitos. Política salarial, programas de
assistência, horário de trabalho, promoções, atividades sindicais, ações disciplinares,
45
contratações, demissões e alteração de projeto são algumas das discussões proibidas nos
CCQs. Pode-se dizer que a participação não é legítima.
A participação tem um significado eminentemente político-funcional, pois manipula
verdadeiras aspirações dos trabalhadores (a constituição de canais de comunicação e
expressão e certo poder de decisão), direcionando-os para os objetivos da empresa,
ou melhor, para a redução de custos, melhor qualidade e aumento da produtividade
os principais temas discutidos nos círculos de qualidade (HELOANI, 2003, p. 152-
153).
O que é discutido, como afirma Heloani (2003, p. 153) são “[...] assuntos que
aumentam, de forma direta ou indireta, as verdadeiras razões de tudo isso: a produção da mais
valia e o controle da subjetividade dos trabalhadores”. A produtividade e a qualidade
constituem o objetivo principal dos CCQs e, deste modo, as empresas priorizam a questão
custo/benefício. Mesmo que as sugestões oriundas do CCQs venham a melhorar o ambiente
de trabalho (benefício para o trabalhador) elas só serão efetivadas se trouxerem algum retorno
financeiro (benefício para a empresa). Conforme afirma Heloani (2003, p. 152): “a execução
ou não das recomendações propostas pelos circulistas é atributo exclusivo da alta
administração”.
A participação e a motivação são princípios básicos que, em tese, orientam a filosofia
dos CCQs que, segundo Heloani (2003, p. 153), “ao lado da criatividade elemento a ser
desenvolvido e futuramente apropriado pela administração –, relacionam-se com a
subjetividade em nível individual e coletivo”.
A eficiência dos CCQs como poder disciplinar e de absorção da percepção do
trabalhador fazem com que essa técnica, antes empregada apenas no chão de fábrica, seja
utilizada nos mais diversos setores, como, por exemplo, serviços públicos, forças armadas,
bancos, hospitais, hotéis, supermercados e até em universidades e escolas (HELOANI, 2003).
E é assim, sob o rótulo de “administração participativa”que se encontra a gestão
psicológica, prática na qual a dominação não está mais baseada na repressão propriamente
dita e sim na introjeção e aceitação das normas e regras da empresa (HELOANI, 1994). O
trabalhador em meio a mecanismos de controle mais sutis transforma em “seu” desejo, o
desejo da “produção”.
Segundo Heloani (1994) de um lado tem-se a “autonomia concedida” pela empresa e,
de outro, mecanismos que ela constrói a fim de controlar a atuação dos indivíduos. Dessa
maneira, os indivíduos assimilam as regras de funcionamento da organização. Essas regras
46
são incorporadas como elementos de sua percepção e sua persistência é assegurada através do
reordenamento da subjetividade do trabalhador. As novas exigências para o desempenho dos
trabalhadores passam a ter rótulos mais aparentemente atraentes: criatividade, novas
responsabilidades e qualificação, por exemplo.
Em relação à questão da participação, Tragtenberg (1989, p. 15-16, grifo do autor)
afirma que “[...] reduzida a lucros, permitirá a cada um sua parte; reduzida a uma informação
melhorada, contribuirá para o bom funcionamento do sistema”. Para o autor essa redução da
participação é uma “desconversa”.
Neste sentido, Guareschi e Grisci (1993, p. 96-97) afirmam que participação do
sujeito-trabalhador é característica de uma atividade que se quer verdadeiramente humana, e
ela caminha por três passos:
a) seu planejamento, a atividade distingue o ser humano dos demais animais, quando
ele concebe, em seu pensamento, o projeto a ser executado;
b) sua execução, que é o momento da exteriorização desse projeto e sua
materialização no mundo do concreto;
c) seus efeitos, que é a dimensão de sua existência no tempo, satisfazendo às
necessidades dos que construíram o projeto, que responde agora aos objetivos
pensados no primeiro momento.
Isto significa que a participação deve ocorrer no planejamento, na execução e nos
resultados. Portanto, os discursos sobre a participação dos trabalhadores no processo de
produção não passam de falácia, pois não se concretizam na prática. A dimensão da
participação continua reservada a um nível hierárquico que não o da grande massa-operária.
Na concepção de Bernardo (2009, p. 67, grifo do autor) as propostas participativas da
organização flexível seriam mais bem caracterizadas se denominadas “[...] ‘visão assimilada’
ou ‘visão cooptada’, uma vez que o objetivo buscado é, simplesmente, que os fatores de
interesse para a empresa sejam assimilados pelos trabalhadores como também seus”. As
formas de controle, subordinação e assimilação ao ideário e à lógica capitalista pelos
trabalhadores tornaram-se mais eficientes com a imagem mais participativa e menos despótica
da fábrica toyotizada.
Para Sennett (2007), as equipes de trabalho da administração moderna criam relações
superficiais estabelecidas em situações controladas que não contribuem para as relações
intersubjetivas entre os trabalhadores. Consistem numa das maiores perversidades da gestão
flexível.
47
A moderna ética do trabalho concentra-se no trabalho de equipe. Celebra a
sensibilidade aos outros; exige “aptidões delicadas”, como ser bom ouvinte e
cooperativo; acima de tudo, o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às
circunstâncias. O trabalho em equipe é a ética de trabalho que serve a uma economia
flexível. Apesar de todo o arquejar psicológico da administração moderna (...), é o
etos de trabalho permanece na superfície da experiência. O trabalho de equipe é a
prática de grupo da superficialidade degradante (SENNETT, 2007, p 118, grifo do
autor).
O capital incorpora e adapta em seu discurso a idéia de equipe, objetivando
exclusivamente seu interesse. Secundariamente superam o isolamento do trabalho realizado
nas linhas de produção fordistas, mas primordialmente visam “[...] o maior envolvimento dos
trabalhadores com a ‘visão’ da empresa e o estabelecimento de relações de trabalho mais
individualizadas (e, por consequência, mais ‘flexíveis’) [...]” (BERNARDO, 2009, p. 94, grifo
do autor).
No entanto, mesmo considerando que não existe participação efetiva dos
trabalhadores e que, neste processo, não lhes cabe qualquer poder de decisão “[...] é inegável
que os CCQs possuem notável capacidade de mobilização do trabalho para a produção,
reduzindo os custos das operações e neutralizando a resistência operária no âmbito coletivo e
individual” (HELOANI, 2003, p. 147). A distância entre concepção e execução cleo da
OCT - mantém-se com o CCQ (FARIA, 2004b).
Através dos CCQs as empresas apropriam-se do saber operário, de maneira formal e
regulamentada. A empresa cria certos procedimentos e formulários, através dos
quais o operário passa para a gerência sugestões para a solução de problemas que
ele, previamente e por estar diretamente ligado às tarefas, conhece (FARIA, 2004b,
p. 186).
Os trabalhadores agora pensam e fazem pelo e para o capital. Eis a nova forma de
apropriação do saber fazer intelectual. A função dos círculos “inclui lidar com boa parte da
detecção de problemas em processos, ajudar a identificar problemas crônicos, participar em
equipes de projetos e examinar planos propostos de processo” (JURAN apud HELOANI,
2003, p. 145).
Heloani (2003) identifica três formas distintas de recompensas (premiações)
utilizadas pelas empresas nos CCQs: (i) as recompensas financeiras, que são distribuídas a
todos os membros das equipes que obtiveram êxito nos concursos internos promovidos pela
empresa; (ii) as recompensas simbólicas, cujo principal objetivo é o de propagandear e
incentivar o programa (relógios, camisetas, chaveiros, canetas são alguns dos itens ofertados
48
aos participantes, sendo jantares com a diretoria e viagens de lazer restritivos às equipes
classificadas); e, (iii) as recompensas mediante conscientização, com aspecto mais
pedagógico tem a intenção de promover campanhas pela qualidade (cartazes, faixas, fotos
etc.). No Brasil, segundo o autor “[...] por uma questão cultural e pela precariedade da
remuneração, a primeira modalidade de recompensa é a que goza de maior popularidade na
classe trabalhadora” (HELOANI, 2003, p. 151).
Oferecendo premiações e outros alicientes a empresa incentiva os operários, “a
identificarem e resolverem problemas de produção, que podem ser de organização, de
racionalização, de redução de custo, de ajuste de operações etc.” (FARIA, 2004b, p. 186).
Nessa nova fase, o saber, expropriado e transferido para a gerência científica, é
devolvido (em tese) aos operários.
Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador “polivalente e
multifuncional” da era informacional, capaz de operar com máquinas com controle
numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua diversidade intelectual.
E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que
hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, ou
então vivenciando o desemprego estrutural (ANTUNES, 2007, p. 184, grifo do
autor).
De longe, a separação entre a elaboração e a execução do trabalho, parecem
minimizadas, que os trabalhadores acreditam ter maior envolvimento e participação nos
projetos que nascem nas discussões dos círculos de controle de qualidade. No entanto, a
subjetividade que emerge encontra-se, da mesma forma, estranhada em relação ao que se
produz e para quem se produz. A finalidade é, como sempre foi, a intensificação das
condições de exploração da força de trabalho e o parâmetro de sucesso é o alto índice de
produtividade com menor número de empregados. Esse novo modelo apenas mascara a
realidade, afinal o envolvimento participativo dos trabalhadores - presente no discurso
capitalista trata-se de participação manipuladora, com a intenção de manter a soberania do
capital sobre o trabalho e controle dos operários. Para Antunes (1999, p. 131, grifo do autor):
49
Além do saber operário, que o fordismo expropriou e transferiu para a esfera da
gerência científica, para os níveis de elaboração, a nova fase do capital, da qual o
toyotismo é a melhor expressão, retransfere o savoir-faire para o trabalho, mas o faz
visando apropriar-se crescentemente de sua dimensão intelectual, das suas
capacidades cognitivas, procurando envolver mais forte e intensamente a
subjetividade operária. Os trabalhos em equipes, os círculos de controle, as
sugestões oriundas do chão da fábrica, são recolhidos e apropriados pelo capital
nessa fase de reestruturação produtiva. Suas idéias são absorvidas pelas empresas,
após uma análise e comprovação de sua exequibilidade e vantagem (lucrativa) para
o capital. Mas o processo não se restringe a essa dimensão, uma vez que parte do
saber intelectual é transferido para as máquinas informatizadas, que se tornam mais
inteligentes, reproduzindo uma parcela das atividades a elas transferidas pelo saber
intelectual do trabalho.
O trabalho, como se apresenta no sistema capitalista, assume característica de uma
atividade alienante que não emancipa, mas degrada e desumaniza o homem. Essa nova forma
de produção nada mais é que um envolvimento manipulatório, que busca, no interior das
fábricas, a adesão dos trabalhadores a fim de viabilizar o projeto de domínio do capital.
Despotismo e manipulação contam, agora, com o envolvimento dos trabalhadores, revelando
uma maior subordinação do trabalho ao capital.
1.2.3 O Controle da Subjetividade Como Meta
A relação entre o homem e organização é complexa e merece atenção. Ela envolve o
que se pode chamar de “troca de favores”. O indivíduo espera da organização que, por sua
vez, dele também espera.
Sem dúvida a organização assume um papel importante na vida dos homens.
Conforme argumenta Enriquez (1997, p. 10):
a empresa é uma realidade viva onde os sujeitos vivem seus desejos de afiliação,
objetivando realizar um certo número de seus projetos, se apegam a seus trabalhos
de modo exclusivo [...] e a empresa se apresenta como um lugar onde o imaginário,
os fantasmas, os desejos exprimem seus poderes.
Isso significa ser a empresa campo de sonhos e de possibilidade de concretização
destes. Não para menos, o trabalhador tende a atribuir à organização o status de núcleo central
da sua vida, como evidencia Siqueira (2007, p. 134) ao citar o caso do executivo, que
tentando alcançar seus objetivos, o reconhecimento, por exemplo, se exige – ao mesmo tempo
em que é exigido – em termos de horas trabalhadas: “A família e sua rede social não
vinculada ao trabalho são colocados em segundo plano, e às 14 horas em que ele se dedica,
50
direta ou indiretamente ao trabalho, exercem um domínio quase que completo em sua vida”.
Segundo o autor, o indivíduo constrói uma representação imaginária de uma organização
idealizada e assim pode identificar-se com ela. Esta identificação é, atualmente, um pré-
requisito para a permanência na empresa, esse mundo único para o indivíduo.
Conforme enunciado que a relação homem-organização se assemelha como troca de
favores, o que a empresa espera do indivíduo? Siqueira (2007, p. 134) afirma que “a
organização, por sua vez, espera do indivíduo o auxílio na concretização do que foi por ela
sonhado. Ela espera que ele seja um espelho de seus desejos e que juntos possam reproduzir
toda a grandeza que ela imagina possuir”. Nessa dinâmica, na grande maioria das vezes, o
trabalhador não consegue perceber as contradições e incoerências explícitas ou não que
constituem a organização que se apresenta como palco de realização, uma instituição
protetora e grandiosa.
Destaca-se, neste ponto, que a empresa tem a ciência a seu favor. Empregada no
desenvolvimento de novas técnicas de gestão, de inovadoras tecnologias gerenciais
(reforçadas no campo acadêmico, principalmente por aqueles que se afirmam não-
ideológicos) que vão contribuir na determinação dos papéis dominador e dominado dessa
relação sujeito-organização. Subordinado ao sistema de capital, o trabalhador, por sua vez
enfraquecido, “se coloca voluntariamente como objeto de dominação por parte da empresa,
deixando-se controlar, em nome de desejos e objetivos de sucesso, ideológica e afetivamente”
(SIQUEIRA, 2007, p. 135).
Heloani (1994) apresenta, ainda, o paradigma maternal que dilui o conflito capital-
trabalho e é expresso pelo estreitamento dos laços de dependência do indivíduo com a
organização, provocando uma fusão afetiva. A pressão constante no trabalho, juntamente com
a angústia provocada pelas exigências sobre o indivíduo, faz com que ele sinta a necessidade
de se apropriar das dimensões da organização, de seus recursos e sua segurança, de tal forma
que a empresa protetora deva ser retribuída com a fidelidade no exercício do trabalho.
Remetendo ao pós-fordismo (ou toyotismo), este sistema é marcado pelo uso
intensivo de tecnologia microeletrônica e por isso as organizações investem pesadamente em
equipamentos e serviços de manutenção (softwares). No entanto, mesmo que o número de
empregados decresça devido a essa automatização, o capital não consegue prescindir do
trabalho humano, sendo a elevação da produtividade dependente da cooperação do
operariado. Para Heloani (2003, p. 102): “[...] os trabalhadores tornaram-se responsáveis não
por manter equipamentos tão dispendiosos, mas também por conseguir novos ganhos de
produtividade e repassá-los à organização do trabalho, ao desenho e programação de novos
51
equipamentos”. Para obter esse engajamento operário foram criadas novas formas de gestão
da produção que visam harmonizar característica comum entre elas “[...] um maior grau
de autonomia dos trabalhadores, para organizar um setor de produção, com o
desenvolvimento de controles mais sutis, que objetivam colocar o trabalho numa posição de
‘dependência’ ou ‘incapacidade’ em relação ao capital” (HELOANI, 2003, p. 102, grifo do
autor). Para Pagès et al (1987, p. 227) isso se através de uma gramática de dominação que
age pela extensão dos mecanismos de poder, chegando à “manipulação do inconsciente”.
A organização necessita (e assim busca) a uniformidade e previsibilidade de
comportamento de seus membros e, para tal, define e constrói limites, normas e padrões de
conduta para o controle de toda a organização. Controles cada vez mais sutis que moldam
sujeitos robotizados, a fim de reproduzir o desejo do capital. Uma massa de trabalhadores
fragmentados que, alienados de sua essência, encontram-se incapazes de mobilizar-se
coletivamente e lutar contra essa organização do trabalho perversa. De acordo com Enriquez
(2001 apud SIQUEIRA, 2007, p. 135-136):
o controle do ser humano, como ser social, é a preocupação constante dos homens
de poder. Falar em controle é dizer: como impedi-los de perceber o que lhes
acontece, como submetê-los, tornando-os satisfeitos em sua submissão, ou pelo
menos prontos a aceita-la [...] jogando com os mecanismos íntimos do psiquismo.
O controle do corpo físico dos trabalhadores não é suficiente para que a organização
alcance seus objetivos. Devido à complexidade do indivíduo-trabalhador é necessário ir além
e controlar sua subjetividade.
Uma das estratégias utilizadas é o controle através dos vínculos que o trabalhador
estabelece com a organização. Segundo Faria e Schmitt (2007, p. 23) consiste em “[...] um
controle sutil, quase imperceptível, que se relaciona com os aspectos mais íntimos do
indivíduo: seus desejos, sua necessidade de pertencer, de filiação, de sentir-se amado e ser
realizado”. Para os autores, os vínculos podem ser de duas naturezas (i) objetivo representado
pelas relações formais de trabalho como o contrato de trabalho e o salário, por exemplo; e (ii)
subjetivo que se refere à possibilidade de realização de desejos e reconhecimento, bem como
ao sentimento de pertença e filiação. Os elementos do vínculo organizacional são
apresentados no Quadro 1:
52
VÍNCULO FORMAL
Elementos oferecidos pela
empresa
Salário
Benefícios (plano de saúde, alimentação, clube)
Oportunidades (trabalho, conhecimento, aprendizado, desenvolvimento) e carreira
Segurança no emprego
Condições de trabalho
Autonomia no trabalho
Investimento no funcionário
Humanismo e comprometimento com funcionários
VÍNCULO
PSICOLÓGICO
Elementos de satisfação
psíquica
Fama da empresa
Status por trabalhar na empresa
Valorização social
Sonho de trabalhar na empresa
Respeito no trabalho
Relacionamentos no trabalho
Ambiente de trabalho
Integração com a empresa
Comprometimento com a empresa
Reconhecimento da empresa
Satisfação com o trabalho
Amor à empresa
Sentimento de família
Medo do mercado
Quadro 1 - Elementos do vínculo organizacional
Fonte: Faria e Schmitt (2007, p. 35)
A organização tem como foco a subjetividade operária e por isso ela se utiliza dos
vínculos formal e psicológico – que o trabalhador estabelece com ela e, sutilmente, o
envolve em um ideário de fidelidade e dedicação. A subjetividade refere-se, de acordo Faria e
Meneghetti (2007, p. 46), “[...] à forma de construção da concepção do real, que integra o
domínio das atividades psíquicas, emocionais e afetivas do sujeito individual ou coletivo que
formam a base da tradução racional idealizada dos valores, interpretações, atitudes e ações”.
A consciência do sujeito individual ou coletivo é a via de controle dessa subjetividade e
tem relação com a conduta no local de trabalho bem como a rede social a que este trabalhador
se submete. Os autores evidenciam, ainda, a importância desse contexto de atuação e,
também, do seu relacionamento com o mesmo enquanto sujeito social, para a formação da
subjetividade destacando “[...] a importância de um imaginário coletivo, dos vínculos grupais
que o sujeito estabelece, dos processos de produção a que o sujeito se submete e a ideologia
que o influencia” (FARIA; MENEGHETTI, 2007, p. 48).
53
Esses autores atribuem aos novos modelos de produção e gestão, expressos pelo
toyotismo, bem como à hegemonia ideológica estruturada em valores sociais e econômicos
capitalistas, a responsabilidade pela fragmentação e, ainda, o sequestro da subjetividade do
trabalhador
12
. O resultado é a resignação desse trabalhador frente às condições físicas e
psicológicas de trabalho cada dia mais precárias.
O sequestro da subjetividade se segundo Faria (2003b apud FARIA ;
MENEGHETTI, 2007, p. 51, grifo do autor) “[...] através de um tipo hábil de violência
psicológica e de manipulação do comportamento com o intuito de submeter o indivíduo aos
seus valores sua ideologia)”. Segundo o autor, a organização se utiliza de programas de
gestão de pessoas aptos a atividade de sequestro e, que planejadamente, atingem as relações
afetivas e sociais mais valorizadas pelos trabalhadores. Os responsáveis por aplicar e conduzir
esse processo – quase sempre – não tem consciência da perversidade na qual ele se configura.
O capital, através de um discurso utilitarista, se utiliza do desejo do trabalhador em
ser reconhecido, admirado, considerado como uma pessoa fundamental para os objetivos da
organização de maneira que o trabalhador, “[...] submete-se a ritmos intensos de trabalho,
para além da hora normal, ausentando-se, assim, do seu ambiente familiar e privando-se do
descanso recomendado para a manutenção de sua saúde física e mental” (FARIA ;
MENEGHETTI, 2007, p. 53). Têm-se a espécie de um contrato psicológico que sequestra a
autonomia do sujeito. Esse acordo invisível é reforçado pelas ofertas de bônus, viagens,
veículos, moradia, recompensas por produtividade e outros benefícios que acabam se
configurando como armadilhas ao trabalhador. A este resta incorporar os objetivos da
organização e aceitar tais condições ao invés da desgraça do desemprego e do fracasso social.
Diferentemente da racionalização taylorista-fordista, com os novos processos
produtivos e o novo modelo de gestão toyotista “[...] tornou-se possível atribuir ritmos
intensos e precários de trabalho sem a total consciência do trabalhador da sua condição de
trabalho” (FARIA ; MENEGHETTI, 2007, p. 56). Os trabalhadores do taylorismo-fordismo,
12
“O seqüestro da subjetividade por parte da organização consiste no fato desta apropriar-se, planejadamente,
através de programas na área de gestão de pessoas, e de forma sub-reptícia, furtiva, às ocultas, da concepção de
realidade que integra o domínio das atividades psíquicas, emocionais e afetivas dos sujeitos individuais ou
coletivos que a compõem (trabalhadores, empregados). Estas atividades formam a base da percepção e da
representação que permite aos sujeitos interpretar o concreto pela via do pensamento e tomar atitudes (agir). O
seqüestro da percepção e da elaboração subjetiva priva os sujeitos de sua liberdade de se apropriar da realidade e
de elaborar, organizar e sistematizar seu próprio saber, ficando à mercê dos saberes e valores produzidos e
alimentados pela organização seqüestradora” (FARIA, 2003b apud FARIA & MENEGHETTI, 2007, p. 50,
grifo do autor).
54
mesmo com sua subjetividade sequestrada tinham consciência de suas precárias condições de
trabalho.
Faria e Meneghetti (2007, p. 57) ao analisar a percepção dos trabalhadores
decasséguis de uma fábrica que adota o chamado modelo toyotista de produção e gestão,
sobre as relações de trabalho em que estão inseridos, identificaram cinco formas de sequestro
da subjetividade:
i. sequestro pela identificação: refere-se à condição de ajustamento ao imaginário
instituído pela organização que faz com que o trabalhador o considere como parte de
si;
ii. sequestro pela essencialidade valorizada: refere-se ao sentimento, alimentado pelo
trabalhador, de indispensabilidade por motivo de merecimento, de crença no
reconhecimento, pela organização, de seus méritos;
iii. sequestro pela colaboração solidária: refere-se ao desenvolvimento de atitudes
voltadas para a contribuição, pelo trabalhador, para com os projetos organizacionais,
através da adesão, do vínculo, do apoio e do envolvimento com os grupos de
trabalho;
iv. sequestro pela eficácia produtiva: refere-se à crença, pelo trabalhador, na
colaboração efetiva para com a obtenção de melhores resultados do que aqueles
previamente pretendidos;
v. sequestro pelo envolvimento total: refere-se ao sentimento de entrega, pelo
trabalhador, à sedução e ao encantamento proporcionado por valores oferecidos pela
organização, que atuam como alicientes de comprometimento.
As organizações através dos seus modelos de produção e gestão exercem, assim, uma
violência psicológica sobre os trabalhadores, elas manipulam seu comportamento, seqüestram
sua subjetividade e submetem esse trabalhador à ideologia do capital (FARIA ;
MENEGHETTI, 2007).
Trata-se de uma forma inconsciente de dominação do capital que a partir de uma
nova gramática de poder submete os trabalhadores a uma lógica abstrata, a um controle a
distância. Através da gestão da subjetividade o capital se apropria das capacidades do
indivíduo aumentando as exigências de desempenho, prevalecendo seu poder na medida em
que captura o saber tácito do trabalhador.
1.2.4 Acumulação Flexível: O Que Significa?
O modelo japonês traz em seus pressupostos a questão da flexibilização e, dessa
forma, desencadeia mudanças na organização e nas relações de trabalho. Mas o que isso
significa?
55
Para Heloani (2003, p. 116) a acumulação é flexível, quando “[...] é possível mudar o
produto, a fim de atender às demandas do mercado, sem que haja grande mudança de
equipamentos, o que se tornou possível em função da microeletrônica conectada às
máquinas”.
Segundo Bernardo (2009, p. 26, grifo do autor) a “[...] empresa 'flexível' pressupõe
uma consequente 'flexibilização' da força de trabalho” sendo, suas consequências, tal qual no
modelo taylorista-fordista, estendidas ao metabolismo social. Assim, flexibilização (no
toyotismo) pode ser entendida como:
liberdade da empresa para despedir parte de seus empregados, sem
penalidades, quando a produção e as vendas diminuem;
liberdade da empresa para reduzir ou aumentar o horário de trabalho,
repetidamente e sem aviso prévio, quando a produção necessite;
faculdade da empresa de pagar salários reais mais baixos do que a paridade
de trabalho, seja para solucionar negociações salariais, seja para poder
participar de uma concorrência internacional;
possibilidade de a empresa subdividir a jornada de trabalho em dia e
semana de sua conveniência, mudando os horários e as características
(trabalho por turno, por escala, em tempo parcial, horário flexível etc.);
liberdade para destinar parte de sua atividade a empresas externas;
possibilidade de contratar trabalhadores em regime de trabalho temporário,
de fazer contratos por tempo parcial, de um técnico assumir um trabalho
por tempo determinando, subcontratado, entre outras figuras emergentes
do trabalho atípico, diminuindo o pessoal efetivo a índices inferiores a
20% do total da empresa (VASAPOLLO 2006, p. 45-46).
Infere-se das considerações expostas, que o trabalhador, tal qual a nova organização
do trabalho, deve ser flexível, adaptando-se a subempregos e ocupações temporárias. Para não
integrar a massa de desempregados ele acaba renunciando a direitos trabalhistas conquistados
décadas, como por exemplo, pagamento de horas extras e férias remuneradas. Segundo
Heloani (2003, p. 117), o trabalhador, nesse contexto neoliberal, é “um sobrevivente que,
além de sua precária situação, deve estar sempre empenhado em treinamentos e atualizações
para requalificar-se (ou perde até o subemprego que precariamente o sustenta)”.
Por isso, o que caracteriza a nova organização do trabalho são a precariedade,
flexibilização e a desregulamentação que desestabilizam a totalidade do viver social. Para
Vasapollo (2006, p. 45) “[...] é o mal-estar do trabalho, o medo de perder o próprio posto, de
não poder mais ter uma vida social e de viver apenas do trabalho e para o trabalho, com a
angústia vinculada à consciência de um avanço tecnológico que não resolve as necessidades
sociais”.
56
Diante disso, a demissão na atualidade tornou-se uma prática cotidiana e a
descartabilidade passa a ser um atributo dos sujeitos-trabalhadores (SIQUEIRA, 2007). Estes,
agora mais coisificados, sofrem com a angústia e a ansiedade, com a insegurança quanto ao
futuro, o medo frente à flexibilidade do mundo do trabalho. E em meio a essa flexibilidade, o
sujeito se defronta cada vez mais com a padronização dos processos de trabalho, que,
diferente do discurso hegemônico, permanece, muitas vezes, desprovido de sentido.
É fato que a nova organização do trabalho, alavancada pelo avanço tecnológico,
proporcionou ganhos de produtividade e lucratividade às organizações. Mas, também é
verdade, que culminou numa “[...] desqualificação de tal ordem que a permuta na execução de
uma tarefa por outras não altera significativamente o conteúdo de suas funções” (HELOANI,
2003, p. 141). A idéia de multifuncionalidade do operário polivalente mascara a intensificação
da utilização da força de trabalho, que agora realiza várias tarefas hipersimplificadas devido
à automatização que não exigem muita habilidade do operador. Empregados especialistas
são substituídos por outros de menor experiência e, segundo Heloani (2003, p. 141), a
tendência é “[...] a diminuição do número de empregos, a sobrecarga e o desgaste dos poucos
trabalhadores que permanecerem operando as células de produção”.
Mendes e Araújo (2007) destacam três dimensões importantes nas novas formas de
organização do trabalho: as exigências, as ameaças e a desestabilização. As exigências do
trabalho com suas contradições, principalmente na definição de objetivos, de regras e dos
modos de controle. As ameaças que estão ligadas ao medo de errar, as punições e aos riscos
que o trabalho oferece como a insegurança, a precarização e o subemprego decorrentes do
quadro de desemprego estrutural. Já a desestabilização do coletivo de trabalho implica em
relações socioprofissionais cada vez mais individualizadas, provocando a deterioração das
relações de trabalho. m-se a perda de confiança entre os pares, uma competição exagerada
e falta de respeito, de solidariedade e de ética no ambiente laboral. Para os autores essas três
dimensões - exigências, ameaças e desestabilização – articulam-se as três bases da sustentação
do sofrimento: o medo, a insegurança e a angústia.
Para Mendes e Araújo (2007, p. 30) três tipos de patologias estão associadas às três
dimensões das novas formas de organização do trabalho: “a patologia da sobrecarga que se
articula com as exigências cada vez maiores; a servidão voluntária que se relaciona com as
ameaças de falta de emprego e recolocação no mercado de trabalho; e a violência que articula
a desestruturação do coletivo”. Segundo as autoras, trata-se de comportamentos pouco
recomendáveis, mas que em certos casos são necessários à adaptação em situações de
trabalho. No entanto, a repetição intensa desses comportamentos no ambiente laboral leva a
57
prejuízos enormes ao sujeito e ao coletivo de trabalho, bem como precariza as relações
sociais, ignorando a condição humana e contribuindo para o surgimento de patologias.
Nesse sentido, a sobrecarga pode evoluir e transformar-se em hiperaceleração e
automação, gerando paralisias físicas e subjetivas. A servidão pode transformar-se
em escravidão, aprisionando o trabalhador e retirando-lhe a liberdade de escolha, e a
violência pode transformar-se em práticas de assédio moral e suicídio (MENDES ;
ARAÚJO, 2007, p. 30).
Para Dejours (2007b) as patologias do trabalho estão aumentando e as mais
preocupantes, atualmente, podem ser reunidas em quatro categorias: (i) Primeira categoria:
são as patologias de sobrecarga, pois ao contrário do que se imaginava, o progresso técnico, a
automação e, sobretudo, a robotização, não levaram a uma diminuição considerável da carga
de trabalho. Dentre as patologias de sobrecarga pode-se destacar: burn out, karôshi,
disfunções músculo-esqueléticas. (ii) Segunda categoria: as patologias pós-traumáticas cujo
aumento é considerável e se dão em consequência das agressões de que os trabalhadores são
vítimas no exercício de sua atividade laboral. As populações atingidas pertencem às mais
variadas profissões: professores, caixas de supermercado, motoristas de ônibus etc. (iii)
Terceira categoria: as patologias do assédio, também em aumento e que ocorrem hoje com
muita frequência. Estão associadas à fragilização das pessoas no que se refere às manobras de
assédio, relacionadas à desestruturação do que se denominam mecanismos de defesa, em
especial as defesas coletivas e a solidariedade. As patologias do assédio são, antes de tudo,
patologias da solidão. (iv) Quarta categoria: refere-se às depressões, às tentativas de suicídio e
aos suicídios. As tentativas de suicídio e os suicídios no próprio local de trabalho são
elementos novos de difícil investigação. Por exemplo, a investigação após um suicídio é
praticamente impossível, tudo converge para impedir a realização da investigação clínica.
58
2 A SAÚDE DO TRABALHADOR: POR UMA ABORDAGEM CRÍTICA
A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor,
da miséria e da corrupção.
Paul Lafargue
As discussões apresentadas anteriormente levam a afirmar que a condição
emancipadora do trabalho tem sido prejudicada no contexto da sociedade capitalista
contemporânea onde imperam as leis da racionalidade econômica e seus princípios de
produtividade, flexibilidade e consumo. Segundo Mendes (2008) em nome da sobrevivência,
da segurança e da manutenção do emprego, os trabalhadores se sujeitam às condições
contraditórias impostas pela organização do trabalho fazer mais versus fazer bem; trabalhar
em equipe versus trabalhar sozinho; atender a normas em que não se acredita versus perder o
emprego; cooperar versus sobrecarregar-se; denunciar práticas das quais se discorda versus
silenciar ao invés de resistirem à trama de dominação e exploração do capital. Acompanha-
se uma precariedade no atual mundo do trabalho, dito flexibilizado, transformando o sentido
de emancipação em escravidão.
Para Breilh (2006, p. 24) “[...] o que sucedeu agora é uma ampliação e uma
aceleração da catástrofe social provocada pelo aprofundamento da lógica econômica e do
verdadeiro espírito do capitalismo”. Segundo o autor, na perspectiva da saúde coletiva, existe
relação entre todas as formas de dominação social com a doença e a morte.
No entanto, o capital anuncia o movimento Qualidade de Vida no Trabalho QVT,
como um conjunto de políticas que visam garantir a saúde dos trabalhadores. No entanto, tais
políticas consistem em medidas reformistas de prevenção que buscam prioritariamente
assegurar a produtividade da empresa. Dessa forma, o capital “[...] favorece a perpetuação de
sistema que tem como inerente a possibilidade de causar danos aos trabalhadores, pois,
agindo-se no nível de superficialidade, não se altera a essência dos processos em que se
originam esses problemas” (MATIELLO JÚNIOR; GONÇALVES; MARTINEZ, 2008, p.
46).
Na tentativa de superar esse enfoque, neste capítulo são apresentados os limites da
QVT e, a partir disso, propõe-se a teoria da Psicodinâmica do Trabalho como forma de
compreensão da relação trabalho e saúde e como método de ação na organização do trabalho
capitalista.
59
2.1 SAÚDE E TRABALHO: OS LIMITES DA QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO
Campanã (1997, p. 118) ao apresentar a afirmação “[...] a produção estava a serviço
dos seres humanos, e não os seres humanos a serviço da produção”, feita por grandes
historiadores do século passado em suas análises sobre as sociedades pré-capitalistas antigas,
busca explicar que naquela época a preocupação era organizar (e assim aperfeiçoar) a
produção de modo que contribuísse para a formação de cidadãos melhores.
Tal resgate é utilizado pelo autor, não como forma de nostalgia, mas como impulso
para uma reflexão: “[...] pensar a respeito das origens do denominado crescimento econômico
sem desenvolvimento social” (CAMPAÑA, 1997, p. 119). A resposta parece estar no
processo de passagem de uma sociedade dirigida a um bem comum (coletivo) para uma
sociedade onde, em detrimento de muitos, a riqueza se acumula para poucos (individual).
A partir desta reflexão, bem como das discussões apresentadas nos capítulos
anteriores, é possível inferir que a organização do trabalho em seu desenvolvimento ao
longo da história do capitalismo preocupou-se em atender aos ideais de produtividade e
lucratividade das empresas, mesmo que isso significasse a negação das necessidades e
interesses dos trabalhadores. Esta afirmação encontra eco nas palavras de Padilha (2009-10, p.
551):
Com o desenvolvimento do capitalismo, introduziram-se, de forma estrutural e
aparentemente definitiva, as práticas flexíveis de gestão da força de trabalho não em
benefício dos trabalhadores. Muito pelo contrário, o enxugamento e flexibilidade nas
empresas significaram perdas consideráveis de emprego, de estabilidade, de
qualidade de vida e de dignidade aos milhões de trabalhadores que dependem dos
seus salários para sobreviverem.
No entanto, conforme relata a autora “[…] ainda cabe em discursos acadêmicos,
organizacionais e em políticas de recursos humanos a defesa da existência da qualidade de
vida dos trabalhadores nesse cenário que, na realidade, é aviltante para eles” (PADILHA,
2009-10, p. 551). Essa defesa traduz-se no movimento Qualidade de Vida no Trabalho (QVT)
e, parece pertinente associá-lo, no mundo do trabalho, ao desenvolvimento social do qual
escreve Campaña (1997).
Mas será que a QVT, na prática, se afirma efetivamente como alternativa de
superação deste cenário de precarização do trabalho? Pode essa política de recursos humanos
representar o desenvolvimento social (autonomia e emancipação do trabalhador)?
60
Não existe um consenso em relação à origem, bem como na definição da QVT. De
acordo com Padilha (2009-10) é entre os anos de 1950 e 1970, quando estava em cena uma
Psicologia Organizacional fortemente behaviorista, que surgem as primeiras teorias sobre
QVT. Essa Psicologia Organizacional estava assentada na perspectiva de que a eficiência
pode ser treinada, que saúde no trabalho significa resistência ao cansaço e que saúde é pré-
condição de seleção para o trabalho e, segundo a autora, “[…] procurava mostrar que
programas de QVT desenvolvidos nas empresas gerariam melhor saúde física e psíquica aos
trabalhadores e que isso traria ganhos de produtividade” (PADILHA, 2009-10, p. 551). Em
resumo, consistia no desenvolvimento de mecanismos para administrar as pessoas a fim de
maximizar lucros. Alinhava o potencial dos trabalhadores aos objetivos organizacionais.
Deve-se “destacar” o esforço de Richard Walton (1973), que desenvolveu uma
abordagem de QVT baseada em oito categorias: (i) compensação justa e adequada; (ii)
condições de trabalho; (iii) uso ou desenvolvimento das capacidades; (iv) oportunidade de
crescimento e segurança; (v) integração social na organização; (vi) constitucionalismo; (vii)
trabalho e vida; e, (viii) relevância social. Tal proposição coincide com os primórdios da
reestruturação produtiva nos Estados Unidos e Europa. Richard Walton se transformou num
dos autores mais referenciados nos estudos sobre QVT, pois seu modelo, segundo Pedroso
(2010, p. 39) “[...] é o mais utilizado em pesquisas, tanto de caráter quantitativo quanto
qualitativo, na área da qualidade de vida no trabalho”. Essas categorias, na visão de Araújo
(2009-10, p. 582) “[...] não passam de um rol de itens bem-intencionados e vazios, pois
negados, via de regra, pela realidade cotidiana do trabalho, nos mais diversos modelos de
empresas, sejam elas públicas ou privadas, nacionais ou multinacionais, grandes, médias ou
microempresas”.
Ferreira (2006) faz uma análise crítica em relação aos conceitos e práticas de QVT
adotados até os dias de hoje e propõe reflexões quanto aos limites dessas abordagens que ele
denomina como sendo de caráter ideológico. Essa análise está sintetizada no Quadro 2,
elaborado por Padilha (2009-10).
61
Explicações Perspectivas
Foco no indivíduo
O trabalhador é o responsável pela sua QVT, portanto, as fontes concretas da
fadiga permanecem intocáveis. O indivíduo deve se ajustar e se adaptar o ambiente
organizacional hostil. As atividades de QVT visam a aumentar sua resistência às
adversidades organizacionais. O trabalhador tem que ser flexível.
Caráter assistencial
As atividades de QVT estão em descompasso com o contexto do trabalho e seus
problemas. Elas desempenham uma função de natureza compensatória do desgaste
vivenciado pelos trabalhadores, pretendendo ter um papel curativo dos males do
trabalho. O remédio alivia a dor, mas não elimina as causas.
Ênfase na produtividade
As atividades de QVT buscam, de fato, assegurar os índices prescritos de
produtividade, fazendo com que as metas sejam atingidas a qualquer custo. A
relação custo/benefício deve ser amplamente favorável diante da competitividade.
A produtividade descola-se de sua dimensão saudável e torna-se produtivismo
exacerbado.
Quadro 2 - Perspectivas de caráter ideológico de QVT
Fonte: Padilha (2009-10, p.555, grifo do autor) adaptado de Ferreira (2006, p. 221-222)
Padilha (2009-10, p. 555, grifo do autor) faz menção à crítica de Ferreira (2006), pois
esta se aproxima da abordagem crítica, a qual busca amadurecer “[...] a partir de um esforço
de entender como, na prática, QVT se configura em meio quando deveria ser fim”. Segundo a
autora, as políticas de QVT aulas de ioga, ginástica laboral, massagens, salas de descanso,
dança, artesanato ou coral, antes, durante ou depois do expediente de trabalho, por exemplo
apresentam caráter assistencial e se configuram como meios para elevar a produtividade.
Em resumo, a partir de uma análise crítica [...] QVT é ‘meio’ para maquiar
problemas de ordem estrutural (na organização e na sociedade); para reforçar uma ideologia
do ‘pão e circo’ e para focar no indivíduo, desviando a atenção de que se trata de um
problema do sociometabolismo do capital” (PADILHA, 2009-10, p. 555, grifo do autor). À
medida que se nega o conflito entre capital e trabalho, as práticas de QVT não agem nas
causas dos problemas - pelo contrário, nem reconhecem sua existência - e funcionam como
paliativos, amenizando os efeitos momentaneamente.
A situação do homem na esfera da produção, o caráter e as condições de trabalho, a
atitude para o trabalho, a participação do trabalhador na condução dos processos
produtivos e no conjunto de atividades da sociedade, suas utopias humanas sociais,
pouco ou nada interessam àqueles que não reconhecem outro direito humano que o
do intercâmbio e do gozo utilitários dos bens (CAMPAÑA, 1997, p. 130-131).
Entende-se, desta maneira, que as políticas de QVT não passam de práticas
superficiais que negligenciam a organização do trabalho capitalista e que, além disso, são
utilizadas e assim são vistas aos menos atentos para promover uma imagem positiva da
62
empresa, seja para com os funcionários quanto para o público em geral. De acordo com
Tragtenberg (1989, p. 200) “A negação da exploração do trabalho está indissoluvelmente
ligada à negação do salariato como remuneração do trabalho e das relações de produção
capitalista”.
Nesse sentido, afirma-se que em relação aos problemas físicos (LER, DORT, por
exemplo) e psíquicos (estresse e depressão, por exemplo) os trabalhadores continuam sendo
os únicos responsáveis e nunca o processo de produção, com seu ritmo, suas metas,
instrumentos de trabalho, condições do local e relações sociais impostos pela organização do
trabalho. A estes trabalhadores é designada a tarefa de ter um corpo saudável (nervos e
músculos de aço) preparados para aguentar a jornada diária nas condições impostas pelo
sistema fabril. Assim, também, em relação aos acidentes que não aconteceriam se os
trabalhadores tivessem mais atenção.
As discussões feitas, não só neste capítulo, mas ao longo do referencial que orienta
essa pesquisa, conduzem a um importante questionamento em relação à QVT: “É possível
existir QVT como ‘fim’ sem que seja alterada a estrutura do sociometabolismo do capital?”
(PADILHA, 2009-10, p. 559, grifo do autor). Sem culpa alguma as palavras e idéias de
Padilha (2009-10) são aqui apropriadas, afinal elas refletem a mesma preocupação que
impulsiona esta pesquisa.
Tal qual a autora é difícil acreditar numa QVT como fim sem uma mudança radical,
um rompimento com o sistema de capital. Um caminho, por ela apontado, seria “[...] que as
organizações começassem a visualizar QVT como um benefício direto à saúde e à vida dos
trabalhadores, procurando atuar nas causas dos problemas (‘fim’) sem que precisassem atrelar
essas políticas a uma justificativa de aumento de produtividade (‘meio’)” (PADILHA, 2009-
10, p. 559, grifo do autor).
Conforme indica Campaña (1997) na perspectiva do Materialismo Histórico existem
quatro momentos de alienação ou desumanização do trabalho capitalista, que são: (1)
alienação do trabalhador em relação aos produtos de seu trabalho (ou com o resultado de seu
trabalho); (ii) alienação do trabalhador em relação à mesma atividade produtiva (com o ato de
produzir); (iii) alienação do trabalhador em relação à natureza; (iv) alienação do ser humano
com respeito a si mesmo e aos demais. Neste sentido, adaptado no Quadro 3, encontra-se a
sistematização feita pelo autor sobre o que seria o ideal do trabalho humanizador, não
alienante, colocando de forma positiva o pensamento marxista sobre os quatro aspectos de
alienação.
63
Alienação do
Trabalhador
O ideal do trabalho (des)alienado
Ao resultado
de seu
trabalho
Que o trabalhador deixe de ser substituído pelas coisas que produz. Que os objetos
produzidos levem de forma autêntica sua carga afetiva, que representem e mostrem sua
projeção universal. Que não seja despojado dos objetos de seu trabalho, que não os perca,
para que não se anule e para que possa pertencer a si mesmo. Que possa desfrutar de sua
produção. Que com eles possa enriquecer-se física e espiritualmente, aperfeiçoar seu corpo e
seus sentidos, ter dignidade, sentir-se poderoso, criativo, dotar-se de condições agradáveis e
suficientes de vida. Que a vida que transmite ao objeto lhe pertença, lhe seja própria,
amigável. Que seja amo de seu objeto.
Ao ato de
produzir
Que o ato de produzir não lhe seja alienado. Que ao trabalhar seja ele e não outro. Que no
trabalho se afirme, se sinta à vontade, porque pode desenvolver com liberdade as energias
físicas e espirituais. Que no trabalho se construam seu corpo e seu espírito. Que imperem no
trabalho sua vontade e controle. Que faça do trabalho o meio para satisfazer suas próprias
necessidades e as necessidades dos demais. Que no trabalho se afirmem suas funções
humanas e que suas funções animais também se humanizem.
Em relação à
natureza
Que o trabalhador assuma a transformação da natureza com sua obra consciente. Que se
comporte para si mesmo como para o gênero; isto é, que se comporte para si mesmo como
para um ser universal. Que a atividade vital volte a ser objeto da vontade e da consciência:
um ser consciente, ter por objeto a própria vida, ser livre. Que produza sem coação da
necessidade física para ser o verdadeiro produtor: para que sua produção seja universal, para
que deixe de reproduzir a si mesmo e reproduza, em troca, toda a natureza. Que a natureza
sirva para afirmar a vida física e espiritual. Que a natureza apareça como sua obra, como sua
realidade, como seu objeto de produção, como sua condição de vida genérica. Que se
manifeste sua superioridade sobre o mundo animal.
A si mesmo e
aos demais
Que o trabalhador deixe de considerar o seu trabalho e seu objeto de trabalho como se
fossem o trabalho e o objeto de trabalho de outro. Que o trabalhador sinta que pertence ao
gênero, que está ligado aos outros, fazendo parte do mesmo ser humano genérico, que seja
plural. Que a vida privada alienada deixe de ser o fim da vida genérica, deixe de ser o meio
da vida particular. Que o trabalhador deixe de encarar os demais com os olhos do trabalhador
alienado. Que de nada se aproprie, nem de sua produção, nem de seu produto, para que todos
apareçam diante dele como iguais, amigáveis, solidários, livres. Que todos sejam produtores.
Quadro 3 - A humanização do trabalho
Fonte: adaptado de Campaña (1997, p. 137-138)
Essa humanização do trabalho, como anteriormente se alertou e evidentemente a
partir da análise do Quadro 3, para que se concretize na prática significa um rompimento com
o sistema de capital. Trata-se de um projeto impossível sob a racionalidade do capital.
É neste sentido que Araújo (2009-10, p. 583): afirma “[...] que os programas de
qualidade de vida no trabalho, mesmo que ajudem a tornar menos ‘selvagem’ a exploração do
trabalhador, apenas reproduzem o ‘teatro humanista’ de conciliar o inconciliável conflito
entre capital e trabalho”. A QVT, ao tentar conciliar o inconciliável, justifica o rótulo de ser
mais uma das contradições capitalistas. O autor é enfático ao afirmar que no dicionário do
capital não constam as expressões humanização e humanismo, ainda que ambas sejam
utilizadas levianamente do ponto de vista teórico, ético e político - pelos ideólogos do
capitalismo.
64
A autonomia e emancipação do trabalhador só serão possíveis quando se estiver “[...]
falando de outro modo de produção, de outro sistema de trocas, do qual a alienação ou a mais-
valia seriam excluídas” (ARAÚJO, 2009-2010, p. 574).
É preciso esclarecer que a perspectiva desta pesquisa não admite a existência de uma
qualidade de vida na esfera do trabalho e outra fora dele, afinal o trabalho não envolve apenas
um segmento de tempo, envolve bem além do tempo de trabalho. Por isso é pertinente a
afirmação de Dejours (2007b, p. 19): “Temos insônia à noite, aborrecemos nosso cônjuge e
nossos filhos com nossas preocupações de trabalho”. Logo, o mesmo trabalhador que ao
chegar ao portão da fábrica não consegue deixar na entrada seus problemas pessoais é o
mesmo que ao chegar em casa carrega as angústias e pressões do seu trabalho. Esse
trabalhador não é uma máquina, programada em liga e desliga, em tempo de trabalho ou em
tempo livre, é sujeito portador de história e desejos. Para Dejours (1992, p. 46) “é o homem
inteiro que é condicionado ao comportamento produtivo pela organização do trabalho, e fora
da fábrica, ele conserva a mesma pele e a mesma cabeça”.
Recorre-se neste ponto a Campaña (1997, p. 130) que apresenta o seguinte
questionamento: “Em que medida é integrador e profundo o enfoque da qualidade de vida?”
Segundo o autor, a ciência positivista e neopositivista ao analisar os fenômenos empíricos os
consideram como entidades abstratas. Isso constitui um grande equívoco nas investigações,
pois com a utilização de critérios arbitrários “[...] evita-se, em definitivo, todo princípio de
determinação, de causalidade e de totalidade, e se termina fazendo – apesar da filigrana
técnica estatística com que se apresenta a relação – aproximações puramente descritivas
externas, fragmentárias, e abstratas” (CAMPAÑA, 1997, p. 130). Os fenômenos ou não
apresentam nenhuma relação entre si ou pelo contrário, por critérios de proximidade, são
relacionados ao máximo.
É preciso entender o gesto, o significado do gesto para o capital, para a produção do
produto específico e para o trabalhador. É preciso entender as possibilidades que o
trabalhador tem de se identificar ou não com o produto, de reconhecê-lo como seu,
de saber que se torna um pouco mais eterno através de cada coisa que faz. Se o
trabalhador não pode fazer isto, ele não vive a cada gesto, ao contrário, ele morre a
cada gesto. Mesmo que não morra fisicamente vai se instalando um vazio na alma,
uma corrosão da alegria, frustração dos projetos, fracasso das esperanças. É preciso
que as pesquisas científicas transponham o limite da quantidade à qualidade,
significando as expressões numéricas obtidas pelos instrumentos de coleta
(SAMPAIO, HITOMI, RUIZ, 1995, p. 70).
65
Ao omitir as considerações precedentes a Ciência da Saúde (aplicada ao trabalho) na
concepção de Campaña (1997, p. 137): “[...] faria mal, pois, ao fazê-lo cairia em franco
despiste ou em pragmatismo grosseiro, cujo destino não seria outro que consolidar o sistema
de exploração, eternizando – com técnicas eufemistas e paliativas – a alienação”.
No entanto, a visão crítica apresentada quanto à racionalidade capitalista bem como a
questão da saúde do trabalhador neste caso abordada sob o prisma da QVT, não devem
culminar em conformismo. Afinal:
Quando se consegue que os trabalhadores e toda a população pobre pensem na
‘naturalidade’ de sua situação, no destino ‘normal’ de sua desgraça, o objetivo
ideológico é obtido: produziu-se a alienação da consciência daqueles que são
historicamente chamados para terminar com a opressão da humanidade
(CAMPAÑA, 1997, p. 156, grifo do autor).
Muitos podem advogar que é preferível que as empresas adotem uma política de
QVT do que prática alguma. Mas será que esse argumento não passa de conformismo?
Tentando não ser mais um dos conformistas ou aqueles que apenas apontam os problemas
sem buscar soluções, propõem-se aqui outro entendimento da relação Trabalho-Saúde.
Tal superação não é tarefa fácil e nem se esgota nesta pesquisa, mas é preciso
arriscar-se e fazê-la. As palavras de Padilha (2009-10, p. 560) servem de estímulo: “Aos que
sonham com uma sociedade livre das promíscuas relações que se estabelecem em função das
regras impostas pelo jogo da acumulação privada do trabalho e da riqueza gerada pelo
trabalho, os desafios são enormes”.
As discussões expostas sinalizam a centralidade do trabalho como condição de
existência social e de identidade ao homem, bem como para assegurar sua saúde.
Ao analisar a questão da saúde (ou melhor, processo saúde-doença) Breilh (1983) faz
referência a algumas premissas: a realidade, por mais objetiva que pareça, está sempre em
movimento, impulsionada pela contradição. A relação saúde/doença é elemento da vida social
e uma escala crescente de complexidade entre processos inorgânicos, processos orgânicos
e processos sociais. Em relação aos processos ele argumenta que o mais complexo incorpora
os anteriores, submetendo-os a suas próprias determinações e leis. Deste modo, quando se
aborda o humano, é o social quem determina os demais processos e, por isso, a investigação
do biológico e do psicológico jamais podem prescindir de suas dimensões sociais.
Neste sentido, Saúde e Trabalho estão intimamente ligados e, sugere-se, então, uma
atenção à categoria reprodução social”. Considerando que é a partir do trabalho que se
66
afirma o social, entende-se a necessidade de construção da saúde a partir da emancipação
humana, valorizando o conhecimento da organização coletiva através do diálogo, como
proposto na abordagem do Centro de Estudos e Assessoria em Saúde – CEAS
13
.
A categoria reprodução social” se caracteriza pela forma com que os seres humanos
consomem e trabalham; pelas relações sociais que estabelecem; como transformam a
natureza; pela distribuição e troca de bens socialmente produzidos; pelas instituições que
geram e pela consciência e organização que alcançam (CAMPAÑA, 1997).
Na categoria reprodução social é importante investigar a fundo, não apenas o
superficial e o que se mostra concreto e aparente no trabalho. Afinal, as pessoas não são
somente expostas a riscos à sua saúde, mas sim impostas a um processo extremamente
insalubre. Some-se a isso o acúmulo dos poderes do sistema financeiro e a insuficiência de
mecanismos de defesa coletivos que se contraponham efetivamente aos desgastes físicos e
psíquicos decorrentes da exploração (MATIELLO JÚNIOR; GONÇALVES; MARTINEZ,
2008).
Surge como alternativa a teoria da Psicodinâmica do Trabalho como possibilidade de
compreender o sujeito e trabalho em confrontação e assim desvelar a organização do trabalho
e seus impactos sobre os trabalhadores e, ainda, entender como se dão as relações sociais. Seu
método pode ser a alternativa para que os trabalhadores retomem sua consciência
(principalmente de sua alienação), abandonem o conformismo e, dotados de poder, possam
lutar contra o despotismo do capital.
Por se utilizar da contribuição de outras ciências, a psicodinâmica configura-se como
alternativa para se entender a complexidade da natureza humana. O homem é um ser
biopsicossocial, logo qualquer estudo deve contemplar esses três aspectos. Chanlat (1996, p.
27-28) argumenta que:
uma concepção unitária pode fazê-lo, mesmo sabendo que esta representação
permanecerá sempre uma construção imperfeita e inadequada. Portanto, numerosos
são os que, ainda hoje, fecham o ser humano em esquemas redutores e que
frequentemente têm a impressão simplória de ter captado a essência do ser humano.
A realidade humana que encontramos na organização não poderá jamais ser reduzida
a tais esquemas. uma concepção que procura apreender o ser humano na sua
totalidade pode dele se aproximar sem, contudo, jamais o esgotar completamente.
13
Ver BREILH, Jaime. Epidemiologia Crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2006.
67
O mesmo autor defende a idéia de uma verdadeira antropologia nas organizações,
que reagrupe o conjunto de conhecimentos existentes sobre o ser humano a fim de melhor
compreendê-lo. A complexidade está, também, em incorporar a dimensão da subjetividade,
tanto no que diz respeito ao indivíduo como ao coletivo. Trata-se de abordar no trabalho
científico o assunto da vida interior, do mundo simbólico, do psicológico ou psicossocial, a
fim permitir melhor relação com o objeto-sujeito de estudo. Segundo Campaña (1997, p.
126):
Partimos do fato de que, na disciplina psicológica, as especificidades de seu objeto
de estudo ainda se encontram em processo de definição e, ademais, que no arsenal
ideológico daqueles que exercem o domínio econômico-político mundial, existe toda
uma gama de psicologias de fundamento reacionário, utilizadas sistematicamente
para apoiar seu processo de dominação e legitimação. De maneira que, quando se
fala do interesse por abordar o conhecimento dos aspectos subjetivos, espirituais e
psicológicos do desenvolvimento humano, os cientistas interessados em seu estudo
cabal deveriam equipar-se cuidadosamente com doutrinas e metodologias
psicológicas que permitam refletir a realidade psíquica em sua verdadeira dialética
histórico-social.
A Psicodinâmica do Trabalho, que tem como referência o francês Christophe
Dejours, é uma abordagem mais abrangente que, diferentemente de outras abordagens,
considera o caráter subjetivo em sua avaliação. A importância de se dedicar à subjetividade
operária, ou melhor, à “vida psíquica” do trabalhador reside no fato de que ela, segundo
Dejours (1992, p. 134), “[...] é, também, um patamar de integração do funcionamento dos
diferentes órgãos. Sua desestruturação repercute sobre a saúde física e sobre a saúde mental”.
A teoria da psicodinâmica foi utilizada para entender se a organização do trabalho
fundamentada nos princípios do toyotismo é garantia de um trabalho menos precário e, assim,
garantia de saúde aos trabalhadores (objeto desta investigação).
2.2 PSICODINÂMICA DO TRABALHO
O estudo da possível consequência do trabalho sobre a saúde mental dos indivíduos
não é temática recente. Ao término da Segunda Guerra Mundial, um grupo de pesquisadores -
destaque para Louis Le Guillant fundou a disciplina Psicopatologia do Trabalho, tendo
como objeto específico a análise clínica e teórica da patologia mental devida ao trabalho.
Porém, com exceção de descrições impressionantes como a neurose das telefonistas e dos
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mecanógrafos, as investigações não forneceram subsídios suficientes para a construção de um
quadro das patologias mentais do trabalho. Dessa forma, numerosos pesquisadores
concluíram que o trabalho não acarretava efeitos deletérios à saúde mental dos trabalhadores
(DEJOURS, 1999).
Entretanto, nem todos os pesquisadores admitiam tal conclusão. E foi na França, em
1980, com a publicação de Travail: usure mentale. Essai de psychopathologie du travail”
(traduzido no Brasil sob o nome de A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do
trabalho, em 1987), de autoria de Christophe Dejours, que a discussão dos efeitos do trabalho
sobre o aparelho psíquico sofre mudanças (MERLO, 2002). Formula-se uma nova abordagem
denominada de Psicodinâmica do Trabalho (ou análise psicodinâmica das situações de
trabalho).
Com a Psicodinâmica do Trabalho abdica-se de perseguir inapreensíveis doenças
mentais do trabalho e centra-se no estudo da normalidade. O fundamento dos estudos está no
seguinte questionamento: “como os trabalhadores conseguem não ficar loucos, apesar das
exigências do trabalho, que, pelo que sabemos são perigosas para a saúde mental?
(DEJOURS, 1999, p. 17-18).
Tem-se uma reviravolta epistemológica, e a normalidade aparece então como um
enigma, “[...] um equilíbrio precário (equilíbrio psíquico) entre constrangimentos do trabalho
desestabilizantes, ou patogênicos, e defesas psíquicas” (DEJOURS, 1993, p. 153-153). Essa
regulação requer estratégias especiais que são mecanismos de defesa construídos pelos
próprios trabalhadores para enfrentar mentalmente a situação de trabalho. São essas
estratégias, individuais ou coletivas, que evitam o descompensamento mental e que, de
maneira simbólica, criam no trabalhador a sensação de ser mais forte que a organização do
trabalho.
Evidencia-se, a partir de então, que a influência da organização do trabalho sobre a
saúde mental dos trabalhadores passa a ser considerada, e que, independente do modelo de
organização do trabalho adotado no processo produtivo, implicações na saúde dos
trabalhadores.
Ferreira (2007, p. 97) afirma que a organização do trabalho envolve mais que os
aspectos físicos, pois “[...] alcança a subjetividade individual, as relações interpessoais e a
sutil rede intersubjetiva mobilizada pelas situações de trabalho”. Como consequência, pode
levar o trabalhador a vivências de sofrimento e de violência, e, ainda, tornar o trabalho
impossível de ser executado.
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A organização do trabalho é entendida por Dejours e Abdoucheli (1994) em dois
aspectos. De um lado, a divisão do trabalho: divisão de tarefas entre os operadores, repartição,
cadência e, enfim, o modo operatório prescrito; e de outro lado a divisão de homens:
repartição das responsabilidades, hierarquia, comando e controle.
A divisão das tarefas e o modo operatório incitam o sentido e o interesse do trabalho
para o sujeito, enquanto a divisão de homens solicita, sobretudo, as relações entre
pessoas e mobiliza os investimentos afetivos, o amor e o ódio, a amizade, a
solidariedade, a confiança, etc. (DEJOURS; ABDOUCHELI, 1994, p. 126, grifo do
autor).
Destaca-se, ainda, que a abordagem psicodinâmica utiliza-se de conceitos
ergonômicos de trabalho prescrito, que é aquele previamente determinado, instruído e que
deve ser concebido; e real, aquele efetivamente executado, com todo seu ajuste, reorganização
e adaptação. Para Dejours (1999), todo trabalho implica ajustes na gestão do distanciamento
entre a organização desses dois conceitos de trabalho.
Quando o rearranjo da organização do trabalho não é mais possível, quando a
relação do trabalhador com a organização do trabalho é bloqueada, o sofrimento
começa: a energia pulsional que não acha descarga no exercício do trabalho se
acumula no aparelho psíquico, ocasionando um sentimento de desprazer e tensão
(DEJOURS, 1994, p. 29).
Para Dejours (1992; 1994), a partir do momento que o homem não pode modificar a
tarefa de acordo com suas necessidades e desejos, o sofrimento de natureza mental começa.
Entende-se, dessa maneira, que a partir do momento em que a relação conflitual do aparelho
psíquico à tarefa é bloqueada, ou seja, esta negociação é conduzida ao último limite, começa o
domínio do sofrimento e da luta contra o sofrimento. Nesse ponto o homem não mais domina
o seu trabalho; pelo contrário, é dominado por ele. O trabalho não oferece condições para
sua estruturação psíquica nem oportuniza vivências de prazer. O fundamento da produção
supera o desejo do homem.
A psicodinâmica, ainda que consolidada como abordagem científica, continua em
processo de desenvolvimento. Em seu arcabouço teórico e metodológico, apresenta uma
inversão no entendimento da inter-relação trabalho e saúde, tendo como base a análise da
dinâmica organizacional, preocupando-se com as forças “[...] visíveis e invisíveis, objetivas e
70
subjetivas, psíquicas e sociais, políticas e econômicas” (MENDES, 2007a, p. 29) que atuam e
podem interferir no contexto de trabalho.
É objeto da psicodinâmica do trabalho o estudo das relações dinâmicas entre
organização do trabalho, que se manifestam nas vivências de prazer e sofrimento,
nas estratégias de ação para mediar contradições da organização do trabalho, nas
patologias sociais, na saúde e no adoecimento (MENDES, 2007a, p. 30).
A investigação tem como objeto central o sofrimento originado do conflito entre
organização do trabalho e o funcionamento psíquico do sujeito, uma luta contra as forças que
o empurram para a doença mental. Mas ao trabalho não se atribui apenas o sofrimento, pois
“ao produzir algo, o trabalhador sente-se estruturado como pessoa em decorrência de ser
valorizado e reconhecido pelo que faz” (MENDES, 2004, p. 67). O trabalho é assim
realização, com o sentido de criação de identidade pelo fazer e produzir e é na satisfação
desses aspectos que o trabalhador tem vivências de prazer. Busca-se, dessa forma, a
compreensão da dinâmica das vivências de prazer-sofrimento.
Essas vivências são decorrentes da interação de três diferentes dimensões
coexistentes e interligadas: a da subjetividade do trabalhador, indivíduo singular,
com história de vida, desejos e necessidades particulares; a da organização do
trabalho, imposições de eficácia, normas e padrões de condutas; e da coletividade,
relações entre iguais e relações hierárquicas, normas e valores de convivência social
no trabalho (MENDES, 2004, p. 67, grifo do autor).
Nessa dinâmica, para fazer frente às tentativas de dominação pela organização do
trabalho e manter a saúde, ao sujeito cabe o investimento da inteligência prática, da
personalidade e da cooperação. No entanto, o investimento desses elementos, mesmo que
articulados, não é capaz de dar conta da “loucura” do trabalho se ocorrer individualmente. A
mudança da realidade do trabalho exige, então, que o investimento seja realizado pelo
coletivo de trabalhadores, bem como implica a mobilização e engajamento do sujeito no
trabalho. Considere-se, no entanto, que essa mobilização e engajamento resultam em modos
de subjetivação específicos e que, muitas vezes, são explorados em atendimento à lógica do
capital (MENDES, 2007a).
De acordo com Faria e Meneghetti (2007), as organizações através dos seus modelos
de produção e gestão, exercem uma violência psicológica sobre os trabalhadores. Manipulam
71
seu comportamento, sequestram sua subjetividade e submetem esse trabalhador à ideologia do
capital.
Nessa perspectiva, Mendes (2007a, p. 30) afirma que a subjetivação é “o processo de
atribuição de sentido construído com base na relação do trabalhador com sua realidade do
trabalho, expresso em modos de pensar, sentir e agir individuais ou coletivos”, e é explorada
devido às características contraditórias que apresenta o sofrimento. Simultaneamente, pode
operar como mobilizador de saúde e como instrumento de obtenção de produtividade.
Dejours (1993) afirma que o sofrimento pode produzir trabalho.
O que é explorado pela organização do trabalho não é o sofrimento, em si, mas,
principalmente, as estratégias de mediação utilizadas contra esse sofrimento. Um
exemplo é a auto-aceleração, que é um modo de evitar contato com a realidade que
faz sofrer e uma ferramenta usada pelos gestores da organização do trabalho para
aumentar a produção (MENDES, 2007a, p. 31).
Para Uchida (2007), no trabalho repetitivo ocorre espontaneamente a autoaceleração,
mesmo os trabalhadores podendo ditar o ritmo, conforme constatado em pesquisas em
ergonomia e psicodinâmica do trabalho. Mediante a situação entediante e fatigante do
trabalho repetitivo o sofrimento acontece porque o trabalhador pensa e tem consciência de sua
situação. Sendo assim, aumenta a velocidade da tarefa e concentra-se nela tentando evitar o
sofrimento. Esse pensamento operatório leva à repressão funcional, pois ao fazer isso menos
espaço sobra para refletir sobre a situação de sofrimento e, simultaneamente “[...] ocorre a
repressão de outras formas de processos psicológicos: cognição, afeto e fantasias. Isto gera
um grave empobrecimento psíquico do operador” (UCHIDA, 2007, p. 110). Em resumo, a
explicação sobre a autoaceleração não pode ser reduzida à motivação e responsabilidade dos
trabalhadores, ou, ainda, que tal prática se em função da remuneração por produtividade. A
resposta não pode ser tão simplista e basear-se na ingenuidade.
Da ideologia produtivista, da lógica do capital, do discurso do desempenho e da
excelência decorrem o sofrimento, as falhas das mediações e o desenvolvimento de patologias
sociais. A abordagem contemporânea das pesquisas em psicodinâmica do trabalho considera o
modo com que os sujeitos trabalhadores subjetivam tais vivências, o sentido que elas
assumem, bem como o uso das estratégias de mediação.
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São privilegiados os modos de subjetivação a partir do trabalho, o investimento e
engajamento no trabalho, muitas vezes precarizado, e como são construídos esses
modos de subjetivação, tendo como base o sofrimento e as estratégias de ação ante
as novas formas de organização do trabalho. Também são enfatizadas nessa fase as
conseqüências sociais do confronto entre organização do trabalho, sofrimento e ação
(MENDES, 2007a, p. 35-36).
Fazem parte dos estudos, patologias como a banalização do sofrimento, a violência
moral, a exclusão no trabalho, a servidão voluntária, a hiperaceleração, os distúrbios
osteomusculares, a depressão, o alcoolismo e o suicídio. A abordagem psicodinâmica busca o
que não está visível, pois parte de um modelo de homem que se esforça para resistir aos
elementos da dominação simbólica, social, política e econômica inerentes à realidade no
universo do trabalho.
A psicodinâmica se utiliza de contribuições da psicanálise e da sociologia para
entender essa articulação prazer, sofrimento e a transformação do sofrimento. As pesquisas
em psicodinâmica revelaram um mundo rico em experiências que, a partir da interlocução
com outras áreas do saber, possibilitaram a inclusão e o desenvolvimento de novos conceitos
para a compreensão do mundo do trabalho. De acordo com Uchida (2007, p. 109)
introduziram-se conceitos para dar conta especificamente do trabalho como
[...] mecanismos de defesa, estratégias coletivas de defesa, sofrimento criativo,
sofrimento patogênico, trabalho prescrito, trabalho real, espaço público, sentido do
trabalho, prazer, sublimação, ressonância simbólica, alienação – mental, social e
cultural –, identidade, julgamento, reconhecimento – de utilidade e estética.
A psicodinâmica é, do ponto de vista epistemológico, uma teoria crítica do trabalho,
que, através de um esquema teórico-metodológico dialético, questiona a realidade, buscando
entender o sujeito enquanto subjetividade, como se dão as relações sociais e sua inserção no
contexto organizacional.
2.2.1 O Sofrimento no Trabalho
A partir do momento que a organização do trabalho não permite a subversão do
trabalho prescrito em um trabalho ao desejo do trabalhador, começa o sofrimento. Na medida
em que o trabalhador não pode usar a inteligência prática, em que a atividade não absorve
sua criatividade, este sofrimento torna-se latente. Para que o homem tenha noção de criação e
identifique-se como trabalhador é imprescindível que a atividade laboral possibilite a
73
utilização do potencial humano, oportunize a troca de experiências com os colegas e propicie
o entendimento consciente do trabalho realizado (GUARESCHI ; GRISCI, 1993).
Nos discursos do trabalhador são raras, e até mesmo ausentes, as colocações que
traduzem o cunho transformador que o processo do trabalho por eles realizado
exerce sobre a natureza, a partir de uma apropriação dos meios de produção, via
consciência do conhecimento adquirido em sua trajetória profissional. O que
revelam seus discursos, constantemente, diz respeito a um fazer contínuo e
cadenciado que, indiscriminadamente, vai se transformando em sofrimento físico e
psíquico. Uma ação “braçal” que, ao longo do tempo, se transforma em desgaste
acumulado, em contraposição à possibilidade de experiência adquirida de um
trabalhador intelectual (GUARESCHI ; GRISCI, 1993, p. 31).
Na psicodinâmica do trabalho “[...] o sofrimento é uma experiência vivenciada, ou
seja, é um estado mental que implica um movimento reflexivo da pessoa sobre seu 'estar no
mundo'” (DEJOURS, 1999, p. 19, grifo do autor). No entanto, essa vivência não é totalmente
consciente, posto que ela sempre tem uma parte inapreensível e é sempre indissociável da
corporalidade. Assim, “o sofrimento é sempre, antes de tudo, um sofrimento do corpo,
engajado no mundo e nas relações com os outros” (DEJOURS, 1999, p. 19).
O sofrimento que não é compensado e do qual o trabalhador não pode favorecer-se,
prejudica o equilíbrio psíquico caminhando à destruição do aparelho mental e favorecendo a
doença mental ou psicossomática. Para evitar tal situação, o trabalho precisa ser convertido
em criatividade. Para Mendes e Araújo (2007, p. 29) dois caminhos são possíveis diante do
sofrimento:
[...] a mobilização subjetiva que pressupõe o uso da inteligência prática e da
cooperação quando ocorre o compartilhamento desta inteligência no coletivo -, o
reconhecimento e o espaço público da fala, sendo um dos caminhos responsáveis
pela ressignificação do sofrimento.
Diante disso, cria-se um caminho para a saúde no trabalho, o trabalhador estabelece
uma solução de compromisso que possibilita essa mobilização via organização do trabalho,
levando à superação do que o faz sofrer. Para Ferreira (2007) essa mobilização pode levar a
mudanças nas condições objetivas do contexto de produção e são estabelecidas a partir do
espaço público da fala e da cooperação. Se, ao contrário, não for possível essa mobilização e o
sofrimento não for ressignificado, entram em cena as estratégias defensivas.
Os trabalhadores, a fim de suportar o sofrimento desencadeado pelas contradições e
adversidades que caracterizam a organização do trabalho, constroem e sustentam
74
coletivamente estratégias defensivas capazes de lidar com a precarização do trabalho. Tais
defesas, que podem ser de proteção, de adaptação e de exploração, são específicas das
diferentes categorias profissionais e atuam como regras do coletivo de trabalho estabelecidas
tacitamente pelo grupo.
As defesas de proteção constituem modos de pensar, sentir e agir compensatórios a
fim de suportar o sofrimento. Nesse caso, o trabalhador se aliena das causas do sofrimento e
não busca qualquer mudança na organização do trabalho. Como consequência, as causas do
sofrimento se intensificam, assim como a precarização do trabalho. Tão logo esse processo de
enfrentamento falha tem-se o adoecimento. Já as defesas de adaptação e exploração exigem
um investimento físico e sociopsíquico além da vontade e capacidade do trabalhador.
Consistem na negação do sofrimento e na submissão ao desejo da produção.
Inconscientemente os trabalhadores assumem um comportamento neurótico e assim atendem
ao desejo da excelência em meio ao funcionamento perverso da organização do trabalho
(MENDES, 2007b).
Neste sentido, as defesas desempenham papel importante para assegurar a saúde dos
trabalhadores; todavia, podem transformar-se em ideologias defensivas e gerar alienação. A
ambiguidade das estratégias defensivas está no fato de que “[...] podem atenuar o sofrimento,
mas por outro lado, se funcionarem muito bem e as pessoas deixarem de sentir o sofrimento,
pode-se prever a alienação” (DEJOURS, 1999, p. 171).
A estratégia defensiva da hiperatividade, por exemplo, pode ser contraditória
protegendo e alienando os trabalhadores simultaneamente, transformando-se, dessa maneira,
em um comportamento patológico no trabalho. De acordo com Ferreira (2007) essa
contraditoriedade das estratégias defensivas pode produzir uma estabilidade psíquica artificial
nos trabalhadores e, ao passo que mascaram o sofrimento, convertem-se em patologias.
A contraditoriedade dos mecanismos de defesa, que ora possibilitam a convivência
com o sofrimento e ora a alienação de suas causas, faz com que os trabalhadores ignorem a
influência da organização do trabalho e subordinem-se à lógica do capital. Desta maneira, as
defesas construídas servem ao capital que, não tendo interesse nas mudanças das relações de
trabalho, “[...] explora e usa o paradoxo próprio das defesas para evitar discussões sobre a
organização do trabalho e manter os trabalhadores produtivos, desconhecendo as causas de
seu sofrimento e fazendo a manutenção de seu emprego (MENDES, 2007a, p. 42).
Em oposição ao despotismo do capital sobre o trabalho, está a proposição da
abordagem psicodinâmica: “no resgate do pensar e agir criticamente sobre a organização do
trabalho e na construção coletiva de soluções de compromisso para fazer face às contradições
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inerentes à organização do trabalho” (MENDES, 2007a, p. 39). Trata-se da (re)apropriação do
desejo dos sujeitos-trabalhadores e, dessa maneira, reafirma-se a idéia de ser o trabalho fonte
de prazer, sendo possível ressignificar o sofrimento e assim construir um caminho para a
saúde.
2.2.2 Um Caminho para a Saúde no Trabalho
A busca pela saúde continua sendo objeto de estudo para a psicodinâmica e, nessa
direção, Mendes (2007a, p. 42) afirma que “[...] o desafio que se coloca, a despeito do
sofrimento, consiste em investigar os impactos da flexibilização do capital no mundo do
trabalho, se ainda é possível ter saúde e o que rege essa possibilidade”.
A relação trabalho-saúde não significa apenas sofrimento e alienação. Um mesmo
trabalho, em função de sua organização, pode configurar-se em uma dinâmica de construção
da saúde (DEJOURS, 2007b). O trabalho na abordagem psicodinâmica é caracterizado como
fonte de prazer e sofrimento, sendo as vivências de prazer e sofrimento entendidas como o
sentido do trabalho, uma construção única e dialética. A contribuição para o processo de
saúde está na intervenção sobre a organização do trabalho, significando dessa maneira que a
psicodinâmica é mais do que teoria e pesquisa, mas é um modo de ação sobre a realidade.
Intervir na organização do trabalho “[...] permite aos sujeitos subverter o sofrimento,
transformando-o em sentido, em inteligibilidade e em ação, o que não significa anular o
sentimento, mas transformá-lo no prazer da reapropriação do vivido pela ação” (MENDES,
2007a, p. 43).
Uma fonte de prazer é justamente essa transformação das situações causadoras de
sofrimento por meio da mobilização subjetiva, na qual o sujeito faz uso de sua subjetividade,
sua inteligência prática e do coletivo de trabalho buscando o resgate do sentido do trabalho.
O coletivo mencionado é construído pelos trabalhadores com base na solidariedade,
confiança, cooperação e “[...] pressupõe a existência de um espaço público da fala e da
promessa da equidade quanto ao julgamento do outro” (MENDES, 2007a, p. 44).
Deve-se entender, ainda, conforme aponta Dejours (1999), que o sofrimento na
perspectiva da psicodinâmica do trabalho preexiste ao encontro com a situação do trabalho. É
ele quem direciona o sujeito no mundo e no trabalho em busca da autorrealização, da
construção da identidade que se dá no campo social.
A construção da identidade é mediada, pois necessita do olhar e do julgamento do
outro. O sujeito não constrói sua identidade a partir de si; então ele procura ter reconhecido
76
seu fazer e não o seu ser, pois “somente depois de ter reconhecida a qualidade do meu
trabalho é que posso, em um momento posterior, repatriar esse reconhecimento para o registro
da identidade” (DEJOURS, 1999, p. 21). Ela decorre da “[...] interação dialética do 'eu' -
indivíduo com o 'outro', mediada pelas representações e significações socialmente
construídas” (MENDES, 2007a, p. 45). Consideram-se assim contextos históricos, pessoais e
sociais nos quais o indivíduo está inserido.
Trabalho significa relação com o outro, não simplesmente uma relação individual
entre o sujeito e sua tarefa. “Trabalha-se sempre para alguém: para seus superiores, para seus
colegas ou para seus subordinados” (DEJOURS, 2007b, p. 19). Logo, trabalho pressupõe
cooperação com o coletivo de trabalho, que se horizontalmente com os colegas e
verticalmente com os subordinados e chefes. No entanto, a cooperação é uma construção
difícil, pois “[...] supõe comprometer-se no funcionamento coletivo, na construção, na
estabilização, na adaptação, na transmissão e no respeito às regras” (DEJOURS, 2007b, p.
19, grifo do autor). Regras do trabalho, que precisam ser construídas, adaptadas e
transformadas através do engajamento nos debates coletivos, expondo-se assim à crítica e ao
olhar dos outros. Isso exige muito esforço e sofrimento desses trabalhadores.
2.2.3 O Trabalho Como Determinante de Saúde
A idéia do trabalho como estruturante psíquico e suas relações com as vivências de
prazer baseia-se em conceitos oriundos da psicanálise freudiana, que contribui para a
compreensão, como indica Mendes (2008, p. 15) da “[...] relação do sujeito com o trabalho e a
relação social entre sujeitos e trabalho, ou seja, uma dimensão no campo da subjetividade e
outra da intersubjetividade, sendo ambos construídos na relação com o outro”. Nesse sentido,
a teoria da pulsão e a da sublimação
14
aparecem como fundamentais para essa compreensão.
Assim, o que merece atenção na relação sujeito-trabalho é “[...] como o trabalhador executa
14
O conceito de sublimação tem sua origem na teoria de Freud sobre o desenvolvimento da sexualidade,
segundo a qual, após o nascimento, os órgãos sensoriais (pele, olhos, orelhas, etc.) "solicitam satisfação por
sua própria conta", dentro de um mosaico primitivo onde apenas intervém o corpo e onde não existe
aparelho psíquico para controlar essas operações. É o momento da indiferenciação somato-psíquica. Para
chegar a uma sexualidade adulta, é necessário que a criança passe por um estágio no qual ela unifique esse
mosaico. Tal unificação faz-se através do olhar do outro e, em primeiro lugar, da mãe no momento dos
cuidados com o corpo do bebê. Porém, pulsões parciais fogem a essa unificação. A sublimação é, portanto,
o processo graças ao qual essas pulsões parciais - cuja satisfação é, originalmente, de natureza sexual -
encontram uma saída substitutiva em uma atividade socialmente valorizada. A idéia subjacente é a de que
essas pulsões do sujeito, que deveriam desembocar sobre relações sexuais, são redirigidas ao trabalho,
supondo-se que ocorra, preliminarmente, uma dessexualização e, também, uma atividade de substituição
socialmente valorizada (MERLO, 2002, p. 134, grifo do autor).
77
suas tarefas, como mobiliza sua inteligência pelo corpo, como o corpo busca transformar o
mundo, que tipo de esforço e resistência precisa fazer diante desse mundo, caracterizado
basicamente pela organização do trabalho” (MENDES, 2008, p. 15).
Para a autora, é na experiência desse corpo (que é erótico) que está a base da
subjetividade e identidade do sujeito. O sujeito mobilizado pela qualidade da produção
interfere na qualidade do trabalho e, assim, sua subjetividade se transforma à medida que seu
corpo é convocado no trabalho.
O trabalho é uma atividade social, um espaço de negociação permeado por relações
de dominação, afinal, exige a convivência entre chefes, colegas e subordinados. Além de um
modo de produzir, caracteriza-se como um modo de viver junto. Nesse sentido, a concepção
psicanalítica afirma que os sujeitos adoram o poder e, em suas particularidades, são também
perversos, de tal forma que criam relações de rivalidade com seus pares. Soma-se a isso o fato
de as formas de gestão da organização do trabalho estimularem, provocarem e legitimarem
tais relações no ambiente de trabalho. No entendimento de Mendes (2008, p. 16) “isso gera
sofrimento e dificulta sua transformação, colocando a questão do reconhecimento como
central para a ressignificação desse sofrer, para o prazer e para a saúde dos trabalhadores”.
Para a autora, a saída diante desse contexto de dominação passa pelo reconhecimento, que
compreende o espaço da fala, a cooperação e o coletivo de trabalho. Nessa perspectiva, os
trabalhadores, através da produção constante de acordos, resistem e podem vivenciar prazer e
saúde.
Mendes (2008, p. 16), ao analisar a importância, atribuída pela psicanálise, ao
trabalho na vida do homem, justifica ser ele uma das dimensões da existência humana na
medida em que permite:
[...] a operação de um dos mais evoluídos mecanismo psíquicos: o processo de
sublimação, por meio do qual é possível vivenciar prazer no trabalho, uma vez que a
pulsão é ressignificada em gratificação social. A sublimação pressupõe que o prazer
sexual foi ressignificado. Esse prazer mantém-se na sua essência, mas o alvo e
objetivos são outros, sendo a gratificação não mais erótica, mas social.
Isso significa que a pulsão é sublimada a partir do momento em que é direcionada
para atividades socialmente valorizadas, como por exemplo, o trabalho. Logo, esse prazer
corresponde à pulsão ressignificada, simbolizada, com objetos e alvos definidos e não
envolvendo simplesmente atividades que têm por finalidade um alvo sexual.
78
Assim, a dinâmica que deriva dos efeitos das imposições da realidade concreta do
trabalho é importante para entender a relação prazer-trabalho “[...] no sentido de compreender
quais os tipos de exigências pulsionais a organização do trabalho faz aos sujeitos-
trabalhadores, como esses sujeitos reagem a tais investidas e como modificam essa realidade”
(MENDES, 2008, p. 17). Para a autora, é possível vivenciar prazer e ressignificar o
sofrimento no trabalho através das negociações entre o sujeito e a realidade do trabalho.
A sublimação diferencia-se por completo da repressão, opõe-se à idéia de alienação.
Localiza-se na base da estruturação da personalidade e oportuniza ao sujeito transformar o
sofrimento causado por uma organização do trabalho adversa, por meio de um processo
inconsciente que pressupõe uma negociação bem-sucedida entre desejo e realidade. Sublimar
uma energia pulsional exige criatividade, inovação e participação (MENDES, 2008).
Assim, o trabalho é lugar de prazer quando é possível aprender sobre um fazer
específico, criar, inovar e desenvolver novas formas para execução da tarefa, quando
são oferecidas condições de interagir com os outros, de socialização e reforço de
uma identidade pessoal, e quando a organização do trabalho permite o
estabelecimento de acordos que levem à transformação do sofrimento (MENDES,
2008, p. 18).
Vivenciado de modo direto via sublimação ou indireto pela ressignificação do
sofrimento, o prazer é imprescindível para a estruturação do sujeito-trabalhador “[...] a
medida que permite a atuação dos processos sublimatórios responsáveis pela gratificação das
pulsões, dimensão central para construção da subjetividade e da saúde” (MENDES, 2008, p.
19). Pode-se concluir que a partir do momento em que não é possível essa sublimação abre-se
o caminho para o adoecimento.
Sublimar é essencial para vivenciar prazer. Assim, uma organização do trabalho que
apresente situações anti-sublimatórias, na qual o sofrimento não possa ser ressignificado
refletirá no aparecimento de patologias. Tem-se então a dinâmica do reconhecimento como
possibilidade oferecida pela organização do trabalho favorável à sublimação. “O processo de
reconhecimento implica uma mobilização política e a capacidade de construir e modificar a
realidade do trabalho, resultando da negociação diante da multiplicidade de divergências e
interesses inerentes ao trabalho” (MENDES, 2008, p. 19). Pressupõe que o trabalhador, por
meio do poder que se encontra no cerne da cooperação humana, negocie e influa no coletivo
de trabalho.
79
2.2.4 A Dinâmica do Reconhecimento
Independente do trabalho, sob condições adversas ou não, as pessoas que trabalham
mobilizam para isso toda sua personalidade, correm riscos e assumem responsabilidades em
nome da empresa e para tal esperam algo em troca. Esta retribuição pode como afirma
Dejours (2007b, p. 20), “tomar formas materiais, o salário, as gratificações, etc., mas pode
também assumir formas simbólicas”. O autor afirma ainda que a dimensão simbólica da
retribuição é mais valiosa, superando a retribuição material, e denomina-se reconhecimento.
Reconhecimento que é um ingrediente essencial para a saúde mental conforme explica
Dejours (2007b, p. 20).
Com efeito, a maioria dos indivíduos apresenta falhas em sua identidade. Falhas
herdadas da infância. De modo que, para a maioria de nós, a identidade não se
constrói apenas a partir do eu, mas a partir da confirmação do olhar do outro. A
identidade precisa confirmação do outro, ela se fortalece graças ao olhar do outro. A
identidade precisa da confirmação do outro, ela se fortalece graças ao olhar do outro.
Ninguém pode escapar completamente a essa questão da identidade, pois a
identidade é a armadura da saúde mental. Toda descompensação psicopatológica é
centrada por uma crise de identidade, e nossa identidade geralmente não é
invulnerável. Qualquer um de nós pode um dia ter uma crise de identidade e ficar
doente.
Esse reconhecimento de que fala Dejours (2007b) está intimamente ligado à
dinâmica de construção e estabilização da identidade. O trabalho, assim, opera na dinâmica da
realização do eu. A realização do eu acontece no campo íntimo ou erótico através do amor e
no campo social via trabalho. Dessa forma, o trabalho constitui uma segunda possibilidade de
construção da identidade e saúde mental, o que justifica os danos psicopatológicos causados
pelo desemprego (depressão, alcoolismo, violência etc.), pois “[...] privando o desempregado
do direito de dar sua contribuição à empresa e, através dela, a sociedade, priva-lhe de toda
esperança de retribuição simbólica, isto é, de reconhecimento” (DEJOURS, 2007b, p 20).
Essa relação estreita entre trabalho, identidade e saúde mental explica a centralidade
do trabalho como mediador (insubstituível) na construção da saúde. É o reconhecimento que
possibilita com que o sofrimento seja transformado em prazer no trabalho. Para tal, são
necessárias condições sociais, a mobilização coletiva subjetiva das pessoas e a qualidade e a
perenidade da cooperação, ligadas à organização do trabalho (DEJOURS, 2007b).
O homem trabalha para construir-se enquanto sujeito psicológico e social, pois o
produto do seu trabalho lhe traz sentido. “Produzir algo que é reconhecido e utilizado pela
80
sociedade permite um reconhecimento de si próprio como alguém que existe e tem
importância para a existência dos outros, transformando o trabalho em um meio para a
construção do homem na sua existência” (MENDES ; ARAÚJO, 2007, p. 39).
Um exemplo desse reconhecimento podem ser os metroviários brasileiros, citados
nas pesquisas de Itani (1997), que têm sua identidade construída a partir do olhar do público:
uma imagem de eficiência, modernidade e segurança, através da qual essa atividade adquire
significação e sentido.
Isso significa que o prazer emerge quando o trabalho cria identidade. No entanto,
Mendes (2007a, p. 45) alerta que:
Ao mesmo tempo que o reconhecimento é um dos modos de fortalecimento da
estruturação psíquica e da saúde, pode ser um modo de captura dos trabalhadores
nas armadilhas da dominação. O trabalho na sua centralidade exerce papel
fundamental para realização do sujeito, e essa condição é usada pela organização do
trabalho para fazer o trabalhador se engajar na produção. A organização do trabalho
promete utilizar o trabalho como forma de auto-realização, levando o trabalhador
muitas vezes a exaustão em nome dessa promessa.
A busca incansável pelo reconhecimento e realização leva o trabalhador a ignorar as
contradições da organização do trabalho. Alienado, esquece seu sofrimento e transforma em
seu desejo o desejo da produção.
Evidencia-se, então, que na grande maioria dos casos, a realização do sujeito e seu
reconhecimento dependem da transformação da organização do trabalho. Afinal, somente
assim o trabalho pode tornar-se prazeroso e constituir-se em um caminho para a saúde.
Para Mendes e Araújo (2007) vivenciar prazer depende das condições em que o
trabalho é realizado, da natureza da tarefa, do que é exigido em relação às capacidades do
trabalhador e não do simples querer. Mais do que querer, é preciso percorrer um caminho
difícil a fim de transformar uma organização do trabalho restritiva. Sugere-se, neste sentido,
dois fatores o espaço público da fala e a cooperação que podem atuar como facilitadores
para se vivenciar o prazer nos atuais contextos de trabalho, geralmente restritivos.
Cooperação significa que o desempenho coletivo é maior que a soma dos
desempenhos individuais; constitui-se na ação de construir coletivamente produtos, idéias e
serviços e pressupõe reconhecimento e valorização e assim o fortalecimento da identidade
psicológica social (MENDES, 2007b).
81
A análise da fala e a escuta do sofrimento dos trabalhadores, num espaço público de
discussão, possibilita o acesso e apreensão dessas relações dinâmicas, pois, para Mendes
(2007a, p. 31),
Esse espaço é a possibilidade de (re)construção dos processos de subjetivação e do
coletivo, uma vez que falar do sofrimento leva o trabalhador a se mobilizar, pensar,
agir e criar estratégias para transformar a organização do trabalho. A mobilização
que resulta do sofrimento se articula à emancipação e reapropriação de si, do
coletivo e da condição de poder do trabalhador.
Só assim o sofrimento pode ser compreendido, interpretado, elaborado e reelaborado.
Esse espaço público de discussão favorece a reflexão do coletivo de trabalhadores que, dessa
forma, podem retomar suas condições de poder para lutar contra o desejo do capital.
82
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
E, no entanto, o proletariado, a grande classe que engloba todos os produtores das
nações civilizadas, a classe que, ao emancipar-se, emancipará a humanidade do
trabalho servil e fará do animal humano um ser livre, o proletariado, traindo os seus
instintos, esquecendo-se da sua missão histórica, deixou-se perverter pelo dogma do
trabalho.
Paul Lafargue
Quando da realização de uma investigação, o conhecimento teórico que tem o
pesquisador possibilita a construção de um referencial capaz de sustentar a discussão de um
determinado fenômeno, favorecendo o diálogo reflexivo junto às teorias existentes, tanto para
aceitá-las como para refutá-las. Esse referencial, além disso, possibilita ao pesquisador a
escolha de ferramentas adequadas a sua realização.
Com este pensamento, neste capítulo apresentam-se os elementos teórico-
metodológicos que permitiram a investigação acerca da relação trabalho-saúde e, assim,
responder à questão da pesquisa. Nessa direção, partiu-se da premissa de que além da
construção de um referencial teórico consistente, também era necessário elaborar uma
metodologia coerente com o objeto de análise.
Metodologia é uma preocupação instrumental. Trata das formas de se fazer ciência.
Cuida dos procedimentos, das ferramentas, dos caminhos. A finalidade da ciência é
tratar a realidade teórica e praticamente. Para atingirmos tal finalidade, colocam-se
vários caminhos (DEMO, 1987, p. 19).
Para Demo (1987) uma preocupação excessiva com a metodologia em detrimento da
ciência é um erro. O importante é fazer ciência, responder a questão de pesquisa e ter a
metodologia como disciplina auxiliar, porém importante para o amadurecimento do cientista.
Partilhando do mesmo raciocínio, Minayo (1994) argumenta que o endeusamento das técnicas
produz um formalismo árido, mas que seu desprezo acarreta num empirismo sempre ilusório
no que tange às conclusões, e também a especulações abstratas e estéreis. A autora, com base
nas idéias de Feyerabend, ainda anuncia que nada substitui a criatividade do pesquisador,
principalmente no trato de questões que deflagram os impasses teóricos que emergem com o
desafio de se compreender a realidade.
Como o objetivo da investigação foi refletir sobre uma realidade específica (o
trabalho em uma linha de produção baseada no sistema toyota), o processo de investigação se
deu sob a forma de estudo de caso exploratório. De acordo com Yin (2001, p. 32), o “estudo
83
de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de
seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não
estão claramente definidos”. Ele é indicado quando existe a intenção de lidar com condições
contextuais pertinentes, na ótica do pesquisador, ao fenômeno de estudo, mantendo-se as
características essenciais dos acontecimentos da vida real e permitindo seu amplo e detalhado
conhecimento.
Aclarados estes pontos, para aprofundar o objeto de estudo, apoiou-se na perspectiva
teórica da Psicodinâmica do Trabalho a escola Dejouriana para abordar questões
subjetivas, operando “com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1994,
p. 21).
3.1 O MÉTODO DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO: UMA POSSIBILIDADE DE
AÇÃO
A organização do trabalho é perpassada por contradições, como é o caso da
existência da organização real e prescrita do trabalho. Para superar essas contradições é
indispensável o envolvimento dos trabalhadores - contribuição esta possível dentro de um
espaço de discussão. Neste sentido, Dejours (1999, p. 176) afirma que “é ao explicar a outrem
o meu sofrimento, a minha relação com o trabalho, que eu, perplexo, me ouço dizer coisas
que eu não sabia que sabia, até tê-las dito”.
Para o trabalhador partilhar o sofrimento no coletivo de trabalho significa a
possibilidade de expressão da subjetividade e o controle das causas desse sofrimento. É nesse
momento, a partir da relação com o outro, que ele pode “[…] recolocar-se como sujeito
profissional e social e ter no trabalho uma das fontes de prazer” (MENDES, 2008, p. 24).
Isso mostra que o sofrimento é contraditório, pois atua, também, como um
mobilizador da resistência operária. Nessa lógica “[...] o que faz sofrer é também a forma de
resistir, pois para existir resistência, é necessário que haja dominação” (MENDES, 2008, p.
24).
Segundo Mendes (2008, p. 25) como alternativas ao sofrimento, além das defesas,
tem-se a ressignificação, processo que envolve o reconhecimento e o prazer; e a
transformação, que implica o ressignificar, o espaço coletivo da fala e a cooperação”.
84
A clínica do trabalho é um modo de revelar e traduzir as vivências de prazer e
sofrimento e assim compreender o processo de construção da saúde no trabalho. Segundo
Mendes (2007b) ela está comprometida com a dimensão sociopsíquica do trabalho e a partir
da análise da organização do trabalho busca compreender como ocorre a subjetivação,
resultado das inter-relações entre subjetivo-objetivo, visível-invisível, social-psíquico
particulares de cada contexto.
O espaço público da fala é o espaço onde os trabalhadores podem formular
livremente suas opiniões, bem como declará-las publicamente, mesmo que estas sejam
contraditórias. Na concepção de Mendes e Araújo (2007, p. 40) “essas opiniões são baseadas
em crenças, desejos, valores, posições ideológicas, escolhas éticas, na experiência técnica e no
compartilhamento das estratégias de mediação frente às adversidades dos diferentes contextos
de produção”. Trata-se de uma construção coletiva que pressupõe uma relação de equidade
justiça e igualdade – entre quem fala e quem escuta.
A partir do espaço público da fala (ou espaço de discussão) é possível a cooperação
e, desse modo, baseado na confiança e na solidariedade entre os trabalhadores e de suas
contribuições coletivas, construir um produto comum no trabalho. A cooperação “ocorre por
meio do estabelecimento dos acordos e normas no coletivo de trabalho, cria resistência à
experiência com o real e com a materialidade do trabalho [...]” (MENDES, 2008, p. 22). Ao
permitir ação sobre a organização do trabalho, oferece um caminho para a transformação do
sofrimento e assim a vivência de prazer.
O resultado, segundo Mendes e Araújo (2007, p. 40) é que
[...] erros e falhas individuais sejam minimizados ou contornados e que o
desempenho do coletivo de trabalho alcance resultados superiores à soma dos
desempenhos individuais, pela integração das diferenças individuais e pela
articulação dos talentos específicos de cada trabalhador.
Isso significa que as ações desencadeadas a partir das discussões terão mais poder de
transformação do que ações individuais.
Seu princípio metodológico baseia-se, fundamentalmente, na escuta e interpretação
da fala do trabalhador para, dessa forma, tornar aparente o invisível, desvendando as relações
de poder que permeiam e sustentam as organizações. Consiste em revelar as mediações entre
sujeito e o real, na tradução do real pela escuta e pela fala. Na medida em que o trabalhador
fala, passa também a pensar e a refletir sobre suas experiências e perceber a realidade. No
entanto, é preciso ir além da mera interpretação da própria realidade, mas, segundo Mendes
85
(2007b, p. 59), deve ser realizada “[...] por meio da análise das contradições, incoerências e
mecanismos de defesa, para, então, possibilitar a apreensão da dinâmica que envolve a relação
entre as vivências de prazer-sofrimento e a saúde no trabalho”.
A clínica do trabalho implica a crítica ao que está posto, no questionamento da
realidade, da qual se duvida, buscando não o aparente, mas o invisível no contexto do
trabalho.
Desvelar o sofrimento pela fala permite resgatar a capacidade de pensar sobre o
trabalho, é um modo de desalienação, bem como uma possibilidade de apropriação e
dominação do trabalho pelos trabalhadores, sendo esse um aspecto fundamental para
dar início à construção do coletivo com base na cooperação e nas mudanças da
organização do trabalho (MENDES, 2007a, p. 32).
É também o espaço da fala e da escuta do sofrimento, tendo como princípio a
emancipação do sujeito, em que, a partir da reapropriação de si e do coletivo, esboça-se o
resgate do sentido do trabalho. É uma prática na qual, conscientes de sua realidade, os sujeitos
trabalhadores, conscientes de suas funções política e social, podem, retomando suas condições
de poder, articular o enfrentamento ao sistema de capital.
Não se pode estudar uma organização sem conhecer as pessoas que dela fazem parte.
Ao mesmo tempo, para se conhecer o ser humano, é necessário recorrer às ciências que
estudam o homem e a subjetividade.
3.2 OS CAMINHOS DA PESQUISA
O passo inicial foi uma visita à empresa, oportunidade na qual foi apresentada a
intenção em estudar as consequências do emprego das técnicas toyotistas em relação à saúde
dos trabalhadores, visto que elas estão associadas ao modelo de organização responsável pela
suposta condição mais humana no trabalho. Neste contato explicou-se a necessidade de
entrevistar coletivamente os trabalhadores (como pressupõe a metodologia da psicodinâmica
do trabalho), ressaltando a garantia do sigilo dos dados, tanto dos trabalhadores como os da
empresa. A chefia do setor de recursos humanos emitiu, em 30 de janeiro de 2009, um
documento autorizando o desenvolvimento da pesquisa. No entanto, acordou-se que o retorno
à empresa para início da investigação aconteceria após avaliação do projeto de pesquisa pelo
Comitê de Ética em Pesquisa - COMEP, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde - CNS.
86
A aprovação pelo COMEP aconteceu em 03 de junho de 2009 (Apêndice A) e no dia
17 do mesmo mês, estabeleceu-se novo contato com a empresa para dar início às entrevistas
coletivas. Foi nesse momento que começaram as dificuldades do trabalho de campo. O chefe
do setor de recursos humanos que havia autorizado a pesquisa se desligou da empresa e o
novo responsável solicitou uma nova avaliação da proposta. No entanto, ele se negou a ouvir
uma apresentação pessoal do projeto na empresa. Alegando ser desnecessária a visita, pediu
que fosse encaminhado por correio eletrônico o projeto, bem como o roteiro da entrevista.
Atendeu-se o solicitado, restando aguardar uma nova resposta por parte da empresa.
Insistiu-se em ligações telefônicas e em mensagens de correio eletrônico, nas quais era
destacada a importância da pesquisa e a garantia de sigilo de quaisquer dados que pudessem
vir a identificar a empresa. A resposta obtida era na verdade um pedido de tempo para análise
criteriosa da administração da empresa.
Somente no dia 10 de agosto de 2009, que setor de recursos humanos emitiu uma
resposta em nome da empresa, enviada via correio eletrônico:
Não foram liberadas as suas entrevistas aqui na empresa. Devido ao fato da [nome
da empresa] não liberar dados e nem acesso a trabalhos acadêmicos de pessoas
externas, e também com relação ao tema abordado que pode se tornar um tanto
quanto problemático e como meio de se preservar a empresa optou pela não
liberação. (Responsável pelo Setor de Recursos Humanos da Empresa)
A negativa da empresa era obstáculo e implicou em alguns dilemas: Como aplicar o
método da psicodinâmica do trabalho? Seria certo abdicar das entrevistas como deseja a
empresa e colocar em questionamento o papel do pesquisador social crítico? Ao ceder à
proibição da empresa e curvar-se ao seu poder e ideologia, como sustentar o discurso de que
os trabalhadores podem retomar suas condições de poder para lutar contra o desejo do capital?
Esse obstáculo precisou ser convertido em estímulo: será que havia algo a esconder?
Decidiu-se prosseguir a pesquisa informalmente com os trabalhadores. As entrevistas foram
realizadas fora do ambiente da empresa, visto que a maior parte das pesquisas em
Psicodinâmica, segundo Mendes (2007c, p. 72), “[...] tem sido desenvolvida junto aos
sindicatos, às organizações informais e em negociação direta com os trabalhadores”.
Neste sentido, Jacques (2003) afirma que as pesquisas brasileiras baseadas nos
pressupostos dejourianos apresentam adaptações. De acordo com a autora, admite-se a
demanda por parte do pesquisador - quando esta deveria se originar do coletivo de
trabalhadores – por entender-se que tal iniciativa não faz parte de algumas culturas; e, ainda, a
87
substituição das entrevistas coletivas pela entrevista individual, considerando-se a dificuldade
de reunir coletivamente os trabalhadores.
Iniciou-se, então, contato com um trabalhador e, a partir disso, utilizou-se a técnica
da “bola de neve”, em que um trabalhador vai levando a outro. Ao final das conversas obteve-
se a participação de 08 trabalhadores para a realização das entrevistas individuais. Este
número está de acordo com o que recomenda Mendes (2007b): no mínimo seis participantes e
no máximo doze. Além disso, à medida que as entrevistas eram realizadas havia uma
recorrência de temas na fala dos trabalhadores, indicando que este número de sujeitos
possibilitaria a análise.
A opção foi pela entrevista semi-estruturada devido ao fato de que sua flexibilidade
permite um maior diálogo entre investigador e entrevistados. Para Triviños (1995, p. 146) a
entrevista semi-estruturada, em geral, é:
[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e
hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de
interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem
as respostas do informante. Desta maneira, o informante, dentro do foco principal
colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da
pesquisa.
As entrevistas foram elaboradas a partir de um roteiro (Apêndice B) que abarcou,
particularmente, elementos relacionados à dinâmica prazer-sofrimento no mundo do trabalho.
Conforme sugere Mendes (2007c) este roteiro teve a finalidade de investigar quatro temas: (i)
o contexto do trabalho (dimensões da organização do trabalho, condições e relações
socioprofissionais de trabalho); (ii) os sentimentos no trabalho (vivências de prazer e
sofrimento); (iii) os modos de enfrentar a organização do trabalho (estratégias de mediação
utilizadas para superar/enfrentar/transformar o sofrimento); (iv) as patologias sociais
decorrentes da organização do trabalho, a saúde e os riscos de adoecimento.
Este roteiro, no entanto, não implicou em uma previsibilidade da conversa, ele teve
por finalidade orientar o pesquisador. O que prevaleceu foi a idéia de liberdade: seja por parte
do investigador, na condução da investigação, quanto na livre expressão do entrevistado.
Ainda, em relação às entrevistas, elas foram gravadas e obtidas mediante assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C), no qual constou a garantia do
anonimato e que formalizou a participação na investigação.
88
Na apresentação das falas foram evitadas quaisquer informações que possibilitassem
a identificação dos entrevistados a fim de não trazer problemas na relação com a empresa,
como futuras retaliações. O que se pode informar é que os entrevistados estavam ligados à
linha de produção e seus cargos compreendem: operador, polivalente, líder de equipe de
produção; auxiliar e analista de qualidade e, líder e supervisor de manutenção.
É importante salientar, ainda, que a omissão do nome da empresa também está
relacionada à preservação da identidade dos trabalhadores, pois não houve a formalização de
compromisso de sigilo com a empresa. O que se pode mencionar em relação à empresa, é
algumas das técnicas que ela utiliza e que estão ligadas ao toyotismo: Sistemas de Qualidade
ISO 9000, Sistemas de Qualidade ISO 14000, Just-in-time, Kanban, CCQ (Círculo de
Controle de Qualidade), Diagrama de Ishikawa, Brainstorming, Check list, Kaizen, 7S,
Monodokuri.
Acredita-se que, mesmo não caracterizando o campo da pesquisa, o objetivo da
investigação pôde ser alcançado e contribuindo para o avanço nas discussões sobre saúde e
trabalho, questão esta que demanda maior atenção no mundo acadêmico.
As entrevistas aconteceram na residência dos trabalhadores e, depois de transcritas,
as gravações passaram por um processo de validação pelos entrevistados e foram submetidas
ao tratamento pelo método de análise de conteúdo categorial desenvolvida por Bardin (2009).
A análise de conteúdo é um método empírico e, segundo a autora, é um conjunto de técnicas
de análise das comunicações que necessita ser reinventada a cada momento de acordo com o
tipo de investigação e os objetivos pretendidos. as categorias são uma espécie de “rubricas
significativas que permitem a classificação dos elementos de significação constitutivos da
mensagem”. (BARDIN, 2009, p. 39). Dessa maneira, é possível fazer surgir um sentido e
assim estabelecer uma ordem na confusão aparente.
Foi realizada uma leitura flutuante das transcrições, que se configura em um contato
exaustivo com o material a fim de deixar-se impregnar pelo seu conteúdo. Isso é necessário
porque, segundo Minayo (2004, p. 209) a dinâmica entre hipóteses iniciais, as hipóteses
emergentes, as teorias relacionadas ao tema tornarão a leitura progressivamente mais
sugestiva e capaz de ultrapassar a sensação de caos inicial”.
A partir disso surgiram alguns temas para melhor compreensão da fala dos
trabalhadores. “Na verdade, o tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de
um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”
(BARDIN, 2009, p. 131). Assim, emergiram as seguintes categorias de análise:
89
a) No ritmo, como máquinas.
Nessa categoria são apresentados os elementos da organização do trabalho prescrita.
A fala dos trabalhadores traduz um fazer que se assemelha ao funcionamento de robôs
programados.
b) Robôs em crise: somos humanos, não é?
Nessa categoria são apresentadas as implicações da organização prescrita e as
soluções apresentadas pela empresa. Os relatos dos trabalhadores revelam as marcas do
sofrimento, traduzidas em dor.
c) Sim, senhor capital!
Nessa categoria são apresentados os motivos pelos quais os trabalhadores se sujeitam
às condições impostas pela organização do trabalho. Busca-se explicar o porquê, mesmo
submetidos à precariedade da organização do trabalho eles permanecem servindo aos
imperativos capitalistas.
d) Sozinho na multidão, o coletivo de um só.
Essa categoria mostra os mecanismos utilizados pelos trabalhadores para fazer frente
às adversidades impostas pela organização do trabalho. Percebe-se um coletivo fragmentado e
a prevalência de atitudes frágeis e individualizadas.
e) Sem vez, nem voz.
Essa categoria mostra que o reconhecimento tal qual a possibilidade de participação,
não existe. A falácia do toyotismo é comprovada: a pseudo-participação.
f) Perdi anos da minha vida, parece que não fiz nada.
A partir dessa categoria é possível verificar que o sentido do trabalho está longe de
significar a emancipação. Para os trabalhadores um “fazer nada”.
90
4 TRABALHO E SAÚDE: A REALIDADE DA CLASSE OPERÁRIA
Introduzam o trabalho de fábrica, e adeus alegria, saúde, liberdade; adeus a tudo o
que fez a vida bela e digna de ser vivida.
Paul Lafargue
A idéia de que o trabalho pode causar doenças remonta ao século XVI, quando em
1556, Gerog Bauer publicou a obra De Re Metallica contendo um levantamento de diversos
problemas nos envolvidos na extração de metais e na fundição de prata e ouro. Dentre os
males identificados estava a “asma dos mineiros”, que se assemelhava a casos de silicose.
Além desse estudo, em 1567, o famoso Paracelso (Aureolus von Hohenheim) publicou uma
monografia onde descreveu a intoxicação dos mineiros provocados por mercúrio. No entanto,
esses estudos foram praticamente ignorados à época e não puderam contribuir efetivamente
para a proteção da saúde dos mineiros (HELOANI, 2008).
Sem a intenção de um resgate histórico sobre as condições de saúde dos
trabalhadores, avança-se até o período compreendido entre 1780 e 1840, mais precisamente
nas ilhas britânicas, onde acontece a Revolução Industrial, na transição entre feudalismo e
capitalismo. Nesse momento, o processo artesanal e doméstico de fiação e tecelagem de
tecidos transforma-se, pois aparecem as primeiras máquinas de fiar e tecer. As máquinas têm
um custo elevado e os artesãos sem recursos para adquiri-las perdem o domínio dos meios de
produção. As consequências são apresentadas por Heloani (2008, p. 254):
Os trabalhadores passaram então a trabalhar para os capitalistas que adquiriram
essas máquinas; surgiram as primeiras fábricas de tecidos, impulsionadas por
energia hidráulica, e com elas a subjugação dos operários, que eram recrutados em
famílias numerosas e carentes, inclusive com a exploração de mulheres
(normalmente portadoras de atributos sociais desejáveis, como destreza, habilidade e
paciência, produzindo tanto quanto o homem e ganhando bem menos) e de crianças
(utilizadas usualmente para a limpeza dos teares, retirando restos de fios que se
emaranhavam nas peças); não havia limite de horas de trabalho, sendo normal sua
continuação à noite, sempre em ambientes fechados e mal iluminados, em estado de
quase confinamento. Verificavam-se numerosos acidentes de trabalho e inúmeras
doenças causadas por ambientes infectos e pelo trabalho excessivo e barulhento, que
impedia até, muitas vezes, que se ouvissem ordens e orientações dos supervisores
O cenário que o autor descreve consistia em um atentado à saúde dos trabalhadores
submetidos a uma exploração desmedida. É certo que da Revolução Industrial até os dias
atuais muito se passou no mundo do trabalho, diversas transformações ocorreram e a situação
91
de saúde dos trabalhadores, como afirma o discurso hegemônico, parece ter melhorado. Mas
será que melhorou?
Com o advento do Estado neoliberal, na década de 1980, é que tem início a
“desconstrução” dos direitos sociais e de saúde. Nesse período, o chamado capitalismo tardio
da globalização, exigiu mudanças significativas estabelecendo uma nova ordem, em que as
economias centrais abdicaram do esquema fordista e do Estado assistencial (Breilh, 2001).
Marcam esse período a estratégia de reestruturação produtiva empreendida pelo capitalismo -
representada pelo toyotismo - e a flexibilização do trabalho que acarreta em
desregulamentação e precariedade do emprego. Além disso, têm-se, perda de direitos sociais e
a proteção do Estado.
A fala dos trabalhadores da linha de produção de uma indústria baseada nos
princípios do toyotismo vem a confirmar as críticas desenvolvidas até o momento e são
apresentadas no presente capítulo. A estreita relação trabalho-saúde está representada nas
categorias resultantes da análise das verbalizações dos trabalhadores orientadas pelos
pressupostos teóricos expostos nesta investigação.
4.1 NO RITMO, COMO MÁQUINAS
A organização do trabalho é a forma pela qual o processo de trabalho encontra-se
estruturado no sistema capitalista de produção e, ela é fonte de fonte de prazer e sofrimento
para o sujeito trabalhador, ou seja, ela interfere no processo saúde-doença. Enquanto o sujeito
busca sua realização, o capital, por sua vez, procura atender à lógica da produtividade e o
acúmulo da mais-valia.
Os sujeitos desta investigação trabalham em uma empresa fundamentada nos
princípios do modelo toyotista de organização do trabalho. No entanto, ao longo desta (e das
demais) categorias, é possível perceber que os princípios tayloristas e fordistas não foram
superados, permanecendo atuais nesta organização.
Nos relatos é possível identificar que a organização do trabalho submete os
trabalhadores a um trabalho repetitivo, em que executam, num ritmo automático e, na maioria
dos casos, acelerado, várias vezes um mesmo movimento. A realidade mostra que os
trabalhadores continuam “[...] submetidos ao ritmo automático, à cadência das máquinas, à
rotina, executando, várias vezes, um mesmo movimento em uma linha de montagem”
(MERLO; LAPIS, 2007, p. 64).
92
É repetitivo. Você faz, vamos dizer assim, dependendo da referência, faz 90% o
mesmo movimento. Só que não é pesado. (E1)
Mais com a mão. Muito, muito com a mão e com o punho. (E4)
O problema que é muito ligeiro. Anda ligeiro a linha, eles querem que vofaça
ligeiro, ligeiro... e o dá nem tempo de você respirar, pra falar bem a verdade. Às
vezes a gente com calor, não nem tempo de tirar a blusa, sabe? Tem que
trabalhar com calor. Com tênis quente, bastante quente. (E5)
Em vez do modelo dito flexível, no qual aspectos como participação, trabalho em
equipe e autonomia, estariam tornando o trabalho mais humanizado, o que prevalece é uma
mistura de elementos dos diferentes modelos. De fato, como indicou Bernardo (2009), não se
pode afirmar que exista um modelo único, visto que as práticas do taylorismo-fordismo
mesclam-se com o toyotismo, estruturando uma mesma organização do trabalho.
A questão do ritmo acelerado ficou evidente quando abordaram o tempo de ida ao
banheiro e o tempo para tomar o cafezinho.
Agora eu, eu saio bem correndo, porque eu deixo o meu posto um pouquinho
adiantado. Daí eu fico três minutos a mais, daí sempre dá cinco minutos a mais. Eu
deixo adiantado. Eu vou ao banheiro tomo um golinho de café e volto. Às vezes nem
água não dá tempo, tem que trabalhar com sede. (E5)
De acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), a organização do trabalho apresenta
dois aspectos: divisão do trabalho e divisão de homens. A divisão do trabalho consiste na
divisão de tarefas entre os operadores, repartição, cadência e, enfim, o modo operatório
prescrito. Já a divisão de homens se ocupa da repartição das responsabilidades, hierarquia,
comando e controle
Desse modo, a organização do trabalho prescreve um modo operatório preciso
opondo-se ao projeto espontâneo do trabalhador. A organização do trabalho é de certa forma a
vontade do outro. Uma vontade “[...] de dominar, de controlar, de explorar ao máximo a força
de trabalho, isto é, de substituir o livre arbítrio do trabalhador pela injunção do empregador
[...]” (Dejours, 1994, p. 27). Reconhecem-se, sem dificuldade, os pressupostos de Taylor.
É preciso, ressaltar, ainda, que a psicodinâmica do trabalho faz uso dos conceitos
ergonômicos de trabalho prescrito e real. O trabalho previamente determinado, instruído e que
deve ser concebido, é denominado de prescrito. Já, o trabalho efetivamente executado, com
93
todo seu ajuste, reorganização e adaptação, é chamado de real. Para Dejours (1999), todo
trabalho implica ajustes na gestão do distanciamento entre a organização desses dois
conceitos de trabalho.
Assim como fazem para driblar a questão do tempo de ida ao banheiro e o tempo
para tomar o cafezinho, os trabalhadores, tentando minimizar os impactos do processo de
trabalho, desenvolvem o jeitinho (jeito próprio) evidenciando a contradição entre organização
prescrita e real do trabalho.
E com o tempo vopega a "manha", como mexer, pegar um “produto”. De vez
em quando você tem que puxar um "clipe", o tubo errado e tem que dar uma
abaixada, tem que fazer um pouco de esforço. Mas com o tempo, igual eu falei, vai
pegando o jeito. Você sabe pegar no lado certo, no lado mais fácil, assim vo
não se machuca. (E1)
Assim como na planta fordista clássica, a organização em análise apresenta como
características marcantes a divisão da tarefa e o trabalho parcelado em etapas, sendo os gestos
e movimentos dos trabalhadores simplificados.
Bom. Quando nós chegamos é mais mexer com o “produto”. Fazer o “produto”.
Colocar o que precisa, os tubos, “enfitar”, basicamente é isso. Pra deixar o
“produtopronto, passar na qualidade, o pessoal liberar e empacotar [...]. Ele
vem bruto. Você tem que pegar eles, colocar os tubos, os conectores e só... Como
posso explicar, fazer cruzamento neles e pronto, só passar na qualidade e depois de
na qualidade empacotar e pronto este “produtopode colocar nos carros,
nos automóveis. (E1)
No entanto, para que a prescrição se cumpra é necessário o controle do trabalho
através de uma gida disciplina imposta aos trabalhadores. Assim, cabe a hierarquia superior
a responsabilidade pela definição sobre o trabalho, o processo decisório e os padrões de
desempenho.
No começo quando você entra, eles explicam sobre o “zero defeito”, pra você tentar
não fazer defeitos, porque a meta deles é... tem a qualidade ali. Ali na linha pra
não vim nada de defeitos, sabe? Você prestar a atenção pra não fazer defeito. É
uma coisa que eles mais exigem, sabe? (E4)
94
O controle da qualidade ou dos defeitos, característicos do toyotismo são marcantes
na fala dos trabalhadores. Mas como lembra Faria (2004b) sob uma perspectiva mais crítica
revelam sua real finalidade: aumentar a produtividade.
Segundo Guareschi e Grisci (1993) o capital precisa desenvolver mecanismos que
façam com que o trabalhador realmente produza. Entram em cena as tecnologias de gestão e
seus mecanismos de controle e dominação sutis, para que assim o capital possa dar conta
desta relação proporcional entre controle e produtividade, conforme argumenta Faria (2004a).
Destacam as técnicas de ordem comportamental e ideológicas que favorecem o
comprometimento, o envolvimento, a cooperação e, também, as técnicas de manipulação de
comportamento. Deste modo, fica determinado como o trabalhador deve se comportar no
local de trabalho.
Em pé! [...] Direto, nunca senta... Não pode nem sentar na linha. É uma coisa...
Nem que você esteja no intervalo, você não pode ficar sentado. [...] A “outra linha”
não tenho acesso. A nossa é aqui, a deles é um saguão à parte. [...] Não tem
contato nenhum ali, nunca... Uma vez que eu pisei ali dentro da “outra linha”.
Só pra andar pra ver como que é... (E4)
Mas eu ando bem ligeiro lá, que correr dentro também não dá. [...] Não pode!
[E5)
O controle se também por meio das tecnologias físicas, como as máquinas
acionadas mecanicamente e os mecanismos de controle de tempo e quantidade de mercadorias
produzidas, que possibilitam o controle de todas as operações e não somente dos operários
individualmente.
Tem-se uma integração entre os diversos postos de trabalho, visto que o tempo de
transferência das peças não é determinado exclusivamente pelas ordens hierárquicas, mas
principalmente por meio de dispositivos mecânicos, que encadeiam as tarefas continuamente.
É como se o ritmo fosse ditado pela máquina.
É, a gente vai andando... Não andando, o painel vai rodando. O painel vai rodando,
você tem que acompanhar ele assim, olha... Você “enfitando” aqui e ele vai
indo... Vai “enfitandoaqui, daí você vai “enfitando” e ele vai indo assim, sabe?
(E4)
95
No entanto, existe, ainda, um controle gido sobre os grupos de trabalhadores pela
chefia imediata. Nesta organização, essa função está intimamente ligada ao papel do líder.
Umas cento e setenta e oito peças por dia... Se você se atrasar um pouquinho ela
vem e já grita com você, sabe? (E5)
Que a nossa meta é zero defeito, sabe? [...] É bem cobrado. Porque se passar um
defeito para o cliente é... Nossa dvem pra líder... [...] É, vem tudo identificado.
Daí a qualidade é bem rígida ali, sabe? A líder fica louca quando tem um defeito...
“Deus o livre!”... “Vira no avesso” com a gente. [...] Além do normal. (E4)
Trabalho repetitivo, ritmo automático e, na maioria dos casos, acelerado. Diante
disso, é interessante destacar as implicações que uma organização do trabalho, tal qual
estruturada nesta empresa, segundo Uchida (2007, p. 110, grifo do autor), traz aos
trabalhadores: “Se o ritmo é lento, abre espaço para toda a sorte de fantasias e pensamentos
com risco de ocorrência de acidentes; se o ritmo é violento, há o risco de ‘perder o trem’ e não
acompanhar a linha de montagem, sem falar da fadiga e do desgaste a que estão sujeitos”.
Mediante a situação entediante e fatigante do trabalho repetitivo o sofrimento acontece porque
o trabalhador pensa e tem consciência de sua situação. Pode ocorrer, por exemplo, a estratégia
de autoaceleração por parte dos trabalhadores, na qual aumenta a velocidade da tarefa e
concentra-se nela tentando evitar o sofrimento. Esse pensamento operatório leva a repressão
funcional, pois ao fazer isso menos espaço sobra para refletir sobre a situação sofrimento e,
simultaneamente “[...] ocorre a repressão de outras formas de processos psicológicos:
cognição, afeto e fantasias. Isto gera um grave empobrecimento psíquico do operador”
(UCHIDA, 2007, p. 110). Logo a explicação sobre a autoaceleração não pode ser reduzida a
motivação e responsabilidade dos trabalhadores, ou ainda, que tal prática é em função da
remuneração por produtividade. Tal resposta não pode ser tão simplista e basear-se na
ingenuidade.
A conduta desses trabalhadores é reduzida a movimentos maquinais, impedindo-os
de definirem-se com clareza. Segundo Guareschi e Grisci (1993, p. 65), o trabalho fracionado
e repetitivo “[...] dificulta a formação da consciência de trabalhador e o transforma num ser
alienado”. Nessa perspectiva, desconsidera-se a subjetividade do homem, que é visto como
“[...] um ser neutro, desprovido de história, que ao engajar-se com a parcela específica da
tarefa que lhe era designada tornava-se automaticamente apenas uma engrenagem a mais no
sistema produtivo” (GUARESCHI ; GRISCI, 1993, p. 42).
96
Importante ressaltar, também, que na linha de montagem as fases do processo de
produção são interdependentes e integradas, e assim erros e/ou interrupções na produção têm
consequência em todo o processo.
A linha roda muito ligeira, sabe? Daí se a gente se atrasar um pouquinho, atrasa o
amigo que atrás de mim, sabe? Daí eu tenho que vencer o meu posto […]. E é
obrigado a vencer. E, às vezes, a produção atrasada... A linha roda muito ligeira,
sabe? Ligeira, ligeira, ligeira... (E4)
A organização do trabalho coloca muitas vezes o trabalhador em oposição aos outros
trabalhadores: “Ultrapassado pelas cadências, o operário que ‘atrasa’ atrapalha os que estão
atrás dele na corrente dos gestos produtivos” (DEJOURS, 1992, p. 39, grifo do autor).
As falas evidenciam a pressão no cumprimento das metas (sempre obrigatórias, mas
por vezes impossíveis), principalmente na questão da qualidade, em que o objetivo é evitar
defeitos e o desperdício.
Conseguiu atingir a meta, beleza! Sempre tem um por quê? Atingiu meta tudo bem.
Não atingiu por quê? Então, tem que estar com as informações ali [...] encontrando
o porquê disso, o que aconteceu e mostrando, até de certa forma, começando
dizer o que fez e o que vai fazer de novo para não acontecer aquele tipo de situação.
[...] (E2)
É bem estressante, é raro o dia que vo não se estressa lá, bem raro, porque é
muita cobrança, é muita pressão em cima, daí muitas vezes o que eles pedem é
muito difícil de alcançar, sabe? [...] É, as metas em si [...] meta de "processo". (E7)
Para o trabalhador é uma situação altamente estressante e neurotizante, na qual o
discurso é o da qualidade, mas o objetivo é o da perfeição (defeito zero).
a meta é "zero defeito". que não tem como fazer "zero defeito", sempre tem...
[...] Se der uma pane no “produto”? Eles o pegar. [...] Eles chegam ao ponto G,
sem dúvida nenhuma. [...] Eu entendo que, como te falei, tudo tem a ver com as
normas. Eles querem bons “produtos”, chegar à perfeição pra eles. (E1)
É preciso ressaltar que os tempos e fluxos de todo processo produtivo continuam
sendo determinados pelo capital e a questão da flexibilidade significa que o trabalhador deve
se adaptar às tarefas. Tarefas que com a automação de alguns trabalhos parcelados são
simplificadas (e por que não dizer hipersimplificadas).
97
Diante disso, o sentido do trabalho tende a inexistir, pois a polivalência significa
dominar várias tarefas simplificadas e representa para a empresa, uma maneira de utilizar ao
máximo a força de trabalho. Trata-se de intensificar o trabalho.
Veio placa de espuma... Mudou o tipo de “enfitamento”. Daí eu tive que ficar
mudando de posto. Uma hora você vai no posto aqui, outra hora você vai no posto
ali, e isto tava dificultando, sabe? Uma hora você começa a aprender um posto, tem
que mudar para outro. [...] Eu queria que ficasse em um lugar, num posto só.
Que não ficasse mudando, sabe? E em um posto mais fácil que não rodasse tão
ligeiro, pra gente vencer. [...] Um dia que parou a minha linha. Mas, o dia que
pára, eles mandam ir pra outra linha, pra ajudar também. Por isso, que eles não
podem ver o operador parado. (E4)
A pressão e a cobrança exacerbadas desencadeiam além do medo, um sentimento de
vergonha em não atender às exigências do trabalho.
[...] deu uma semana e eu não venci o meu posto, cheguei para o chefe e falei:
Olha o negócio é o seguinte, não vou mais trabalhar aqui, a linha anda rápida.
que eu não venço o meu serviço, eu acho que não mereço nem o almoço daqui. (E5)
Mesmo que descontínuos, a questão da subjetividade da relação homem-trabalho
apresenta muitos efeitos concretos e reais. Segundo Dejours (1994, p. 23, grifo do autor) “[...]
encontramos a marca no absenteísmo, nas greves ou naquilo que alguns nomeiam
‘presenteísmo’, isto é, um engajamento excessivo a uma tarefa por certos trabalhadores, do
qual ninguém seria capaz de atenuar o ardor desencadeado”. Na organização em análise,
juntamente com o desgaste ocasionado pela natureza das tarefas, a pressão e a cobrança
sofrida contribuem para um elevado índice de rotatividade na organização (turnover).
“Vira e mexe” eles mandavam pessoas embora, porque ali como o serviço é muito
puxado, muito estressante. [...] é difícil quem consiga parar muito tempo como
operador. E vai cansando os braços, vai estourando os braços... [...] O desgaste
físico é muito grande. Então, o pessoal estressa muito, um desgaste muito
grande. Daí, geralmente, o pessoal pede pra ser mandado embora, daí quando eles
não querem mandar embora, eles começam a faltar... (E7)
Evidenciam a precariedade das relações socioprofissionais, representadas pelo
conflito entre os diferentes níveis hierárquicos. O ambiente de trabalho passar a ser um lugar
no qual as pessoas, como afirmam Abrahão e Sznelwar (2008, p. 104-105), “[...] só se
encontram para resolver conflitos entre o sistema e as necessidades do cliente, entre o sistema
98
e a máquina, porque o espaço para o diálogo e para as construções sociais e assim, a
divisão do trabalho termina por engendrar formas sofisticadas de competição entre as
pessoas”.
Cara, é justamente a questão de justificativa dos outros por não atingirem os
resultados, quererem jogar pra outro setor, sabe? Então é a questão do
“departamentalismo”, que a gente chama. Então, cada setor fica puxando para um
lado, dai, às vezes, em vez de você estar fazendo o seu trabalho do dia a dia você
tem que mostrando pra eles que o que ele falando é mentira ou que é errado...
[...] Em vez de fazendo o trabalho, até por desenvolvimento da empresa às vezes
você tem que perdendo este tempo para estar justificando alguma coisa, ou até
pra jogar a culpa em outro. (E6)
A organização do trabalho coloca muitas vezes o trabalhador em oposição aos outros
trabalhadores, assim afirma Dejours (1992, p. 39, grifo do autor): Ultrapassado pelas
cadências, o operário que ‘atrasa’ atrapalha os que estão atrás dele na corrente dos gestos
produtivos”. O resultado “coletivo”, como se percebe, “divide” os trabalhadores submetidos
ao trabalho fragmentado.
Segundo os relatos dos trabalhadores, tal qual a fala de Dejours (1992, p. 40): “A
repetitividade dos gestos, a monotonia da tarefa, a robotização não poupam nenhum operário
de base”.
[...] Cara, eu diria que todos passam, mas conforme o nível que você tem dentro da
empresa, este estresse aumenta, o conflito aumenta. [...] Mais estresse mais conflito
tem, com certeza. Mas isso tem em todos os níveis, desde o operador de linha, o
cara tem conflito com o líder dele, tem conflito com o colega do lado, isto é geral.
(E6)
Em meio a essa pressão e tensão evidencia-se a sobrecarga de trabalho e o que se
optou por chamar de “crise de identidade das máquinas”. Utiliza-se esta expressão como
forma de ironizar o fato de que, em certos momentos, as falas dos trabalhadores parecem
descrever atividades de robôs programados.
4.2 ROBÔS EM CRISE: SOMOS HUMANOS, NÃO É?
O trabalhador encontra-se reduzido ao aspecto funcional, obedecendo ao imperativo
capitalista e sua necessidade de produção. As necessidades e desejos do trabalhador,
99
especialmente de autorrealização de si e a vontade do bem fazer, são rejeitados pela
organização do trabalho. O objetivo é atender às demandas de produtividade e qualidade
estabelecidas. Parece que, assim como no modelo de produção clássico taylorista-fordista, a
empresa em análise com seus fundamentos toyotistas concebem, também, um modelo de
trabalhador que mais parece, utilizando a expressão de Abrahão e Sznelwar (2008, p. 102) um
“[...] pseudo-humano, ou humano em partes, talvez o esboço de um robô”. Este conflito entre
o pseudo-humano adequado ao sistema de produção e os humano, sujeito trabalhador, pode
explicar os riscos e danos à saúde advindos das situações de trabalho.
Antes de prosseguir a discussão, é importante introduzir o conceito de carga do
trabalho descrito por Dejours (1994). O autor explica que a carga de trabalho consiste em
carga física de um lado e carga mental de outro. Em relação à carga mental o autor propõe a
separação dos fenômenos que a constituem fenômenos de ordem neurofisiológica e
psicofisiológica e fenômenos de ordem psicológica, psicossociológica, ou mesmo sociológica
– e, ainda, designar um referencial específico aos elementos afetivos e relacionais. Esse
referencial específico é o da carga psíquica do trabalho.
Ao tratar da carga psíquica, Dejours (1994, p. 22), afirma que “[...] não é possível
quantificar uma vivência que é em primeiro lugar e antes de tudo qualitativa. O prazer, a
satisfação, a frustração, a agressividade, dificilmente se deixam dominar por números”. Nessa
perspectiva o autor considera ser uma armadilha tratar uma vivência que é subjetiva em
termos objetivos, seja ela individual ou coletiva.
Outra questão importante relevante é o fato apresentado pela clínica médica que “[...]
submetidos às excitações provenientes do exterior (de origem psicossensorial) ou do interior
(excitações instintivas ou pulsionais), o indivíduo, neste caso o trabalhador, dispõe de muitas
vias de descarga de sua energia” (DEJOURS, 1994, p. 23). Ao se acumular a excitação torna-
se a origem de uma vivência de tensão psíquica, popularmente chamada de tensão “nervosa”.
Dejours (1994) para simplificar sua exposição considera três vias de descarga: via psíquica,
via motora e via visceral (a quarta via seria a psicossensorial). O sujeito, para descarregar o
essencial dessa tensão interior pode, eventualmente, produzir fantasmas agressivos, ou seja,
representações mentais. Essa produção de fantasmas é consumidora de energia pulsional. No
entanto, esse meio pode não ser eficaz para outro sujeito que deverá, segundo Dejours (1994,
p. 23, grifo do autor), [...] utilizar sua musculatura: fuga, crise de raiva motora, atuação
agressiva, violência, oferecendo toda uma gama de ‘descargas psicomotoras’ (ou
comportamentais)”. Para o autor, justamente, quando a via mental e a via motora não
conseguem dar conta dessa descarga, entra em cena a via visceral através do sistema nervoso
100
autônomo. O resultado é um desordenamento das funções somáticas, um processo de
somatização.
De acordo com Dejours (1994, p. 24) o trabalhador “[...] possui uma história pessoal
que se concretiza por uma certa qualidade de suas aspirações, de seus desejos, de suas
motivações, de suas necessidades psicológicas, que integram sua história passada”. Para o
autor, ele não é uma máquina nova, possui características únicas e pessoais e, em razão de sua
história, utiliza-se de vias de descarga preferenciais diferentes dos demais trabalhadores.
Essas vias contribuem na formação da estrutura da personalidade. A partir dessas
considerações Dejours (1994, p. 24, grifo do autor) apresenta uma questão fundamental que
sintetiza a problemática da relação entre aparelho psíquico e o trabalho: “[...] a ‘tarefa exige
suficientes atividades psíquicas’, fantasmáticas e psicomotoras?”. Quando se aborda o
domínio da carga física o perigo é o emprego excessivo de aptidões fisiológicas e, em relação
à carga psíquica, “[...] um subemprego de aptidões psíquicas, fantasmáticas ou psicomotoras,
que ocasiona uma retenção de energia pulsional, o que constitui precisamente a carga psíquica
do trabalho” (DEJOURS, 1994, p. 24). Logo, à medida que o trabalho se opõe à livre
atividade do aparelho psíquico ele passa a representar um perigo para o sujeito, é o chamado
trabalho fatigante. Ao contrário, existe o trabalho equilibrante, que proporciona prazer. Isso
ocorre quando a tarefa autoriza a descarga de energia psíquica e, desse medo, resulta na
diminuição da carga psíquica do trabalho.
O trabalho por peças é um trabalho fatigante em que não quase espaço para a
atividade fantasmática. De acordo com Dejours (1994, p. 25) “[...] as aptidões fantasmáticas
não são utilizadas e a via de descarga psíquica está fechada; a energia psíquica se acumula,
tornando-se fonte de tensão e desprazer, a carga psíquica cresce até que aparecem a fadiga, a
astenia, e a partir daí a patologia [...]”. Por isso defende-se a idéia de um trabalho livremente
escolhido ou livremente organizado, que por sua vez possibilita vias de descarga mais
adaptadas às necessidades do sujeito.
A carga psíquica do trabalho, como se pode perceber, tem sua fonte na organização
do trabalho e ela está relacionada à carga física e à carga nervosa, influenciando, em um
sentido ou outro, a resultante global da carga de trabalho. À luz da teoria e da clínica
psicossomática pode-se compreender que afetos psíquicos possuem traduções somáticas. Isso
ocorre quando a energia pulsional que não acha descarga no exercício do trabalho se acumula
no aparelho psíquico e, segundo Dejours (1994, p. 29), “[...] essa energia não pode aqui
permanecer muito tempo e, quando as capacidades de contenção são transbordadas, a energia
recua para o corpo, nele desencadeando certas perturbações [...]”. A fadiga, por exemplo,
101
mesmo que resultante de uma carga psíquica excessiva, pode ter uma tradução somática. “O
medo, a angústia no trabalho, mas também a frustração e a agressividade, podem aumentar as
cargas cardiovasculares, musculares, digestivas etc.” (DEJOURS, 1994, p. 29). Por outro lado
o aparelho psíquico também é convocado para compensar uma fadiga física. Através da
vontade, por exemplo, ele contribui “[...] a tal ponto que finalmente não exista fadiga
somática que não tenha, simultaneamente, uma tradução psíquica” (DEJOURS, 1994, p. 30).
Conforme mostra Dejours (1994) é preciso entender também que o trabalho
intelectual pode ser tão patogênico quanto um trabalho manual e que não existe um modelo de
organização do trabalho ideal e que consista em uma única solução para todos os
trabalhadores. A questão chave é uma livre intervenção dos sujeitos na organização do
trabalho, pois “[...] o pleno emprego das aptidões psicomotoras, psicossensoriais e psíquicas
parece ser uma condição de prazer do trabalho” (DEJOURS, 1994, p. 32).
Continuando apresenta-se a situação da sobrecarga de trabalho que culmina em
danos físicos aos trabalhadores, evidenciados nos relatos de dor.
"Deus o livre!" cara, dói muito. Nossa, quando eu chego ao final do turno fica bem
doído mesmo. [...] Não é querer falar mal mesmo, mas a gente entrou num lugar
bem puxado. (E4)
Começou depois de uns seis meses de serviço. A minha mão é toda inchada, olha
os meus dedos. (E5)
Na “linha tal” todo mundo se queixa. [...] Doía as mãos, mas depois que
esquentava não doía mais nada. [...] E depois quando chegava em casa, assim que
esfriava... Nem encostava o dedo. (E8)
Revelar os malefícios associados ao trabalho não é tarefa fácil, pois pode significar
um lugar na, já extensa, fila de desempregados. Por isso não é de espantar que alguns
trabalhadores neguem suas dores até se tornarem incapazes de um gesto de trabalho. Para
Abrahão e Sznelwar (2008, p. 102, grifo do autor): “O modelo de homem e, sobretudo, o
modelo econômico que rege nossa sociedade não permite que estas questões apareçam, não há
‘espaço’ para que os sujeitos possam considerar as suas dores, fato que poderia desencadear
processos de transformação no trabalho”. O paradigma contemporâneo exige um corpo
saudável, apto para o trabalho e, por isso, o trabalhador se utiliza de processos subjetivos a
fim de negar seu corpo doente.
102
Não. Eu vou falar a verdade: de vez em quando você tem uma dor nas costas,
porque é normal, por causa dos movimentos, mas não precisei assim ir... Mas é
muito raro ter assim, por causa do dia a dia que cansado assim, mas assim o
por causa dos movimentos... Sei se é por causa de ficar de ou não, porque o
meu posto é um posto bom, um posto normal, alto, então não é um posto baixo. (E1)
Isso significa que, para a empresa, o trabalhador ao falar e tornar pública sua dor põe
em risco o funcionamento do sistema de produção. Talvez nesta consideração resida uma das
justificativas para a proibição desta investigação no ambiente da empresa. Mas, se por um
lado esse sofrimento não ecoa pelo espaço da fábrica, por outro está expresso nas chamadas
lesões por esforços repetitivos e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho
(LER/Dort).
E a empresa, o que faz com essas evidências? As verbalizações dos trabalhadores
indicam que existe a preocupação por parte da empresa com relação à sua condição física, à
medida que ela promove ações para evitar as consequências negativas do trabalho. Seria, sem
menosprezo aos trabalhadores, a visão de robôs que acreditam serem humanos.
Isso, preocupação com o funcionário, o com o funcionário, mas com a pessoa,
que além de sermos funcionários, s somos uma pessoa. Somos humanos, o é?
Então tem esta preocupação. Então vo sente assim: “pô” está trabalhando
sabendo que os caras estão preocupados com você. Não estão falando: ah... Este
presta pra trabalhar! (perguntam) Machucou alguma coisa ou está doendo...
Não, então, eles se preocupam. [...] E é claro, cuidar de você, como você está, eles
se preocupam muito... (E1)
A idéia das boas intenções da empresa em relação ao trabalhador advém do fato de
que o capital, ao mesmo tempo em que o explora e o toma como mercadoria, no decorrer do
seu desenvolvimento se atentou em expressar sua preocupação e consideração pelo
trabalhador através do movimento das Relações Humanas. Relações Humanas para
Tragtenberg (1989, p. 17) “[...] significa agir sobre indivíduos e grupos para provocar neles as
atitudes que convém à empresa”. Configura-se, neste sentido, como elemento a disposição do
capital, munindo os executivos (que treinados em relações humanas) preocupam-se em
intervir no plano humano e social e sua influência na produção (lucros).
Para Araújo (2008, p. 64, grifo do autor): “A escola das 'relações humanas' foi uma
adaptação da psicologia para o campo da administração. Ela apareceu, historicamente, quando
se tornava necessário, para o capitalismo, minimizar ou eliminar os conflitos sociais, dentro
103
das organizações”. Convém lembrar que um dos principais responsáveis por terem colocado a
Psicologia a serviço do capital, foi Elton Mayo
15
, entusiasta seguidor de interpretações
psicológicas da motivação humana, que com algumas contribuições sinalizou para a
“humanização” do trabalho.
Através do teatro da “humanização” do trabalho, a organização descobre um novo
tipo de controle do trabalhador que passa ser abordado como “[...] homem psicológico e
social, com suas satisfações ampliadas: segurança, prestígio, reconhecimento, sentimento de
autorrealização etc. Assim, a resistência dos trabalhadores poderia transmutar-se em a adesão
à organização” (ARAÚJO, 2008, p. 64). Dessa maneira, o status quo do modelo capitalista
não é questionado o que justifica a aceitação dos círculos empresariais dessa abordagem. As
práticas discursivas e ações foram progressivamente assimiladas pelas organizações e se
constituíram em um importante aliado técnico e ideológico da empresa capitalista, que
permanece reproduzindo a falácia da “cooperação harmoniosa” entre capital e trabalho.
Isso explica o motivo dos trabalhadores, em suas verbalizações, mostrarem-se
satisfeitos com práticas da empresa em oferecer a ginástica laboral e a fisioterapia como
forma de prevenção e suporte à doença, respectivamente.
Desde as cinco horas aas oito horas e trinta minutos voali e quando vê os
teus dedos estão todos "entrevados", dchega na ginástica, a mulher começa a
fazer. Manda fazer e quem faz certo, começa a mexer os dedos, exercício normal,
sabe? Daí solta um pouco. Eu acho importante, bem importante. (E4)
A empresa aprimorou na seleção alguns testes que são feitos, propostos
justamente para verificar isso aí. Então, assim, a empresa também foi crescendo, foi
aprimorando os seus métodos pra poder na fase de contratação eliminar
algumas... [...] que dentro também tem setores de fisioterapia que fica
dentro da fábrica, com profissionais habilitados, pra estar dando todo apoio
assim, todo o suporte pra quem necessitar. (E6)
Outra medida é a mudança de postos “homem certo no lugar certo” e ainda a
melhoria nos processos de seleção, significando que o problema está nos trabalhadores.
E se depender e ver que não está adiantando, eles o e conversam com o seu líder,
líder geral, pra mudar você de função, pra não prejudicar você. (E1)
15
Ver o tópico “A concepção de G. Elton Mayo” (FARIA, José Henrique de. Economia política do poder: uma
crítica da teoria geral da administração. Volume 2. Curitiba: Juruá, 2004b. p. 66-75).
104
Essa mudança é uma tentativa de colocar o trabalhador em um posto que esteja mais
adequado ergonomicamente. Na análise de Dejours (1992, p. 56): “Para o operário que
trabalha com peças, a correção ergonômica é às vezes irrisória face à enormidade das
exigências organizacionais (salários, prêmios, bonificações, conteúdo da tarefa, trabalho
repetitivo etc.)”. O autor afirma, ainda, que a intervenção ergonômica está aquém da
organização do trabalho, não agindo com profundidade na origem dos problemas. Pior ainda,
é que, na maioria dos casos, o capital se beneficia do alívio da carga de trabalho obtido com a
correção ergonômica intensificando a produtividade.
Mas se as soluções propostas pela empresa investigada, como em todas as empresas
mundiais, resolvessem por completo a questão, como se justifica o aumento do número de
acidentes de trabalho do ano de 2008 em relação a 2007? Conforme dados do Anuário
Estatístico de Acidentes do Trabalho AET (2009), em 2008 foram registrados 747.663
casos, contra 659.523, no ano anterior, o que corresponde a um aumento de 13,4%. Além
disso, das seis principais causas de acidentes, quatro envolvem ferimentos nos punhos e nas
mãos. Têm-se, ainda, os casos de incapacidade permanente que aumentaram em 28,6% em
2008 (12.071) em relação a 2007 (9.389). Isso indica que a solução é muito mais uma medida
paliativa. Em verdade, as estatísticas por si mostram que os processos de trabalho e a
manipulação de objetos precisam ser redesenhados.
As patologias relacionadas ao trabalho consistem em “[...] quaisquer manifestações
em que o trabalho se configura como fator de risco adicional ou contributivo para o
adoecimento” (MARTINS, 2008, p. 69). No relato dos trabalhadores fica evidente que o
desempenho das atividades provoca a ocorrência de Dorts. Esses distúrbios são genericamente
descritos como um conjunto de sintomas ou patologias que atingem o aparelho músculo-
esquelético do trabalhador. “Tal patologia caracteriza-se por sintomas físicos dolorosos, de
difícil diagnóstico, acompanhados de sofrimento e depressão, resultantes de uma história
singular e coletivamente determinada da relação do sujeito com a organização do trabalho”
(MARTINS, 2008, p. 69-70). O medo das lesões é facilmente identificável.
Isso que eu tenho medo que problema. Por isso que eu penso que o sei se fico
lá por causa da mão, eu tenho medo que me aconteça... (E4)
Para Abrahão e Sznelwar (2008) a maior contribuição na gênese das LER/Dort é o
ritmo e a cadência, a frequência e as pausas com que a atividade é realizada. Esse tempo é
prescrito pela organização do trabalho. A repetitividade, a força, a postura ou a compreensão
105
mecânica, isoladamente, não teriam “tanta culpa”. É preciso transformar a organização do
trabalha a partir das contribuições dos trabalhadores. Baseado em estudos sobre o trabalho
artesanal, Dejours (1992), argumenta que o trabalhador é quem sabe qual o modo operatório
mais compatível com sua saúde. Segundo o autor, “[...] via de regra, o operário consegue
encontrar o melhor rendimento de que é capaz respeitando seu equilíbrio fisiológico e que,
desta forma, ele leva em conta não somente o presente mas também o futuro”( DEJOURS,
1992, p. 42).
No entanto, não é isso que acontece, e na lógica toyotista “[...] são as pessoas que
podem trabalhar mais horas, que podem acelerar os ritmos de trabalho, que podem ficar
imóveis nos seus postos de trabalho, que podem conviver com clientes insatisfeitos, enfim,
são as pessoas que se tornam extensíveis e ajustáveis” (ABRAHÃO ; SZNELWAR, 2008, p.
103). Mais uma vez a flexibilidade toma outra conotação, afinal as ações promovidas pela
empresa reforçam a idéia de que é o trabalhador que deve se ajustar e se adaptar à organização
do trabalho hostil, ele tem que ser flexível. Elas visam aumentar a resistência dos
trabalhadores frente à precariedade das tarefas a fim de assegurar os índices prescritos de
produtividade. Apresentam caráter assistencialista, afinal desempenham apenas uma função
compensatória do desgaste vivenciado pelos trabalhadores. Dessa forma, os problemas o
maquiados e não se ataca suas causas, afinal a fonte concreta a organização do trabalho
permanece intacta.
As explicações biomecânicas para as lesões ignoram o sofrimento do trabalhador que
luta física e mentalmente para resistir à prescrição do trabalho e, ainda, dar conta da produção.
Ao considerar apenas o visível, as análises superficiais não percebem o sofrimento que se
apresenta oculto, e assim permanece no silêncio dos trabalhadores. Trabalhadores, que mesmo
expostos a tais condições, não conseguem perceber a origem da precariedade a que são
submetidos, confiam nas ações promovidas pela empresa e, resignados, permanecem
trabalhando.
4.3 SIM, SENHOR CAPITAL!
Por que, então, os trabalhadores se sujeitam a tais condições, caracterizando uma
espécie de servidão voluntária? Em capítulo anterior, apresentou-se a complexidade da
relação entre o homem e a organização que pode subsidiar essa resposta. Em resumo, o
trabalhador não consegue perceber as contradições e incoerências explícitas ou não que
106
constituem a organização à medida que ela apresenta como palco de realização de sonhos.
“Na busca pela sobrevivência, autorrealização no trabalho e o atendimento de seus desejos, o
sujeito se submete ao discurso organizacional das empresas modernas e se torna servo diante
dos valores gerencialistas” (CALGARO ; SIQUEIRA, 2008, p. 115).
A explicação pode estar no que Heloani (1994) denomina de paradigma maternal,
que consiste no estreitamento dos laços de dependência do indivíduo com a organização e
provoca uma fusão afetiva, diluindo o conflito entre capital e trabalho. O trabalhador
submetido à pressão constante e às angústias provocadas pelas exigências da organização do
trabalho sente a necessidade de se apropriar das dimensões da empresa, seus recursos e sua
segurança, de tal forma que a instituição protetora deve ser retribuída com a fidelidade no
exercício do trabalho.
Essa idealização da empresa faz com que os trabalhadores assimilem facilmente o
discurso da organização, bem como defendam a empresa nos mais diversos ambientes.
Então, inclusive na faculdade tinha várias pessoas que tinham trabalhado
dentro, dai o pessoal “falava mal”, sabe? Daí eu sempre defendia, porque gerava
até discussões na sala de aula [...] o pessoal queria falar mal da brica. que às
vezes o pessoal tem uma visão muito pequena, eles vêem o imediatismo ali ou de
repente a fábrica fornece todo o suporte para você não ter problema. Daí a pessoa,
às vezes, força ou ela vem com uma predisposição aquele problema, daí ela
acaba escondendo, depois gera o problema ali. [...] Tem fisioterapia, a fábrica
investe bastante em relação a isso pra não gerar o problema nos funcionários.
Então, tem que dar todo o suporte para que o funcionário não tenha este problema.
Porque é um processo repetitivo e se a pessoa, às vezes, tem uma tendência maior
ela vai ter o problema. Então, tem toda a parte para dar o apoio para o funcionário.
(E6)
Neste contexto, o indivíduo com sua palavra e autonomia sequestradas, deixa-se
coisificar e assume a figura de servo à disposição do capital. O trabalho assume ainda maior
centralidade, o imaginário do trabalhador está cada vez mais relacionado aos projetos da
empresa, seu desejo é o desejo da produção. Para Calgaro e Siqueira (2008, p. 116) o
resultado é que “[...] a sua energia psíquica canalizada para a concretização dos projetos da
organização resulta em doces e transitórios flertes de alegrias que perpassam a sua vida
profissional, e porque não dizer pessoal, visto que elas não se distinguem nitidamente”.
Se sente valorizado, porque eles estão reconhecendo o esforço que a gente tá
fazendo para a empresa. (E1)
107
Eu sou especialista, na verdade, na maioria dos equipamentos, até por isso que eu
entrei ali, principalmente em todos... Aquela grande gama de equipamentos que
tem, então eu sempre estou ajudando eles. (E2)
Para fazer com que o trabalhador se sinta como elemento fundamental de sua
estrutura a o capital se utiliza “desde os tipos de comunicação enganadores que encobrem as
verdadeiras intenções da empresa, até os artifícios mais simples de “reconhecimento” do
trabalho, como festinhas de aniversário, de final de ano, comemoração de melhor empregado
do ano, e outras [...]” (CALGARO ; SIQUEIRA, 2008, p. 123, grifo do autor).
Eu quero subir, subir. [...] Entrar na qualidade, subir no... Depois da qualidade
pra subir. Ser um polivalente, um líder ali um dia. [...] Puxa no trabalho ali... Em
troca satisfação da líder. Ela chegar pra mim e te elogiar. Reconhecimento! Ela
chegou e falou pra mim: olha “fulano trabalhando muito bem! Chega assim:
olha fazendo um bom trabalho... O teu serviço bom, certo, não tá vindo com
defeito, continue assim. Assim você vai subir, porque eu não vou te segurar, ou
coisa assim. Satisfação dela assim. Tipo, de ela te elogiar assim. (E4)
Os trabalhadores, na ânsia pelo reconhecimento, colocam seu potencial físico,
intelectual e afetivo a serviço da empresa.
Claro que a gente procura fazer melhor, não quer ficar pra sempre na mesma coisa.
na empresa, pelo menos, pra você crescer, dentro tem dinâmica "volta e
meia". É você se dedicar, estudar e passar que você vai subir de cargo. Mas, é
tranquilo, o que estou fazendo eu gosto. É claro, eu quero uma coisa melhor. Igual
eu falei, tem dinâmica pra você fazer de vários setores, que você faz bem menos
esforço, voganha mais. Isso depende de você, do seu esforço pra você poder
subir de cargo lá, ou se não dá acha outra coisa. (E1)
No entanto, a partir do momento em que não forem mais considerados úteis serão
dispensados. O medo da demissão que, na atualidade tornou-se uma prática cotidiana, é um
fator que obriga o trabalhador a calar-se. A descartabilidade é, então, atributo dos sujeitos-
trabalhadores que, cada vez mais coisificados, sofrem com a angústia e a ansiedade, com a
insegurança quanto ao futuro. A flexibilidade da produção significa também a liberdade da
empresa em despedir e contratar empregados, sem penalidades, quando a produção assim o
exigir.
108
Que nem, agora... Eu fui dispensado em dezembro, acinco dias antes de eu ser
dispensado, tava “bombando” as linhas , tava no auge da produção. De repente
caiu a produção, de uma hora pra outra caiu pela metade a produção. Mandaram
da “linha tal” acho que quarenta, cinquenta pessoas embora. [...] Geralmente,
assim o medo é por não ter pedido, então, por exemplo, hoje podia no auge a
produção, tá “bombando”, amanhã cai de repente e tem que dispensar um monte de
gente. Daí não tem onde que colocar tanto operador e tem que dispensar. (E7)
A técnica (ou filosofia) jus- in-time – JIT e sua concepção de somente produzir o que
o mercado demandar significa, também, ter a quantidade de trabalhadores que a produção
exigir.
Mas, muitas vezes, a situação atual é melhor do que outras pelas quais o trabalhador
ou seus colegas tenham passado. Isto gera um sentimento de conformismo e a organização se
apresenta como a melhor opção.
Então... isso que mudou. Eu não tinha tanto tempo assim, pois no outro serviço
tinha que ficar até as oito, nove horas da noite trabalhando. (E4)
E acontece, também, de muita gente, às vezes sair de lá, e não dar valor e depois
querer voltar. E eu vi vários e vários casos. O cara sai de que não bom, daí
vai procurar emprego aí fora, daí não acha emprego legal ou acha um emprego que
o cara diz que vai pagar bem, dai não paga o salário em dia ou dai não tem plano
de saúde. Porque dão plano de saúde, o alimentação, PLR, tem vários
benefícios que o funcionário recebe. Ele vai para outra empresa, até no comércio, e
não tem. E lá é tudo certinho, salário em dia, então, às vezes o pessoal pensa que
ruim lá, mas dvai para o mercado fora da “empresa” e que era bom, dai
quer voltar. (E6)
A empresa cria o imaginário de transformação que promete sucesso individual, a
partir do sacrifício em nome da organização e, dessa forma, o trabalhador se mantém leal à
sua proposta de vida, ao reconhecimento profissional. E nessa possibilidade de realizar
projetos individuais também aparece como garantia dessa servidão voluntária.
No meu caso foi... Que eu trabalhava muito bem quando eu era operador,
trabalhava super bem, fui reconhecido, pra ser polivalente. Daí eu comecei um
projeto novo que é da nova “linha da empresa”. Então, eu e o outro líder que
desenvolvemos toda a parte de projeto do “produto”. Desde o início, fase do papel
até carrossel rodando. Então, fomos nós que fizemos. Então, nós fomos
reconhecidos, sabe? Nós tivemos um reconhecimento bom. Eu passei pra
polivalente, daí eu passei pra líder, em questão de pouco tempo e aprendi bastante
coisa com isso. (E7)
109
O desgaste físico, "Deus me livre!" Eu estou lá, porque eu penso em subir. Eu não
quero ficar na “linha tal”. Se eu não passar numa dinâmica, a primeira coisa eu
vou sair, porque eu tenho aqui o meu pai, sabe? Que tem uma firma, daí eu entrava
trabalhar com ele. Ele falou: se quiser ano que vem trabalhar comigo? Eu falei:
Não, eu quero as minhas coisas próprias. (E4)
Pode-se relacionar essa servidão com o controle da subjetividade do trabalhador
através dos seus desejos, sua necessidade de pertencer, de filiação, de sentir-se amado e ser
realizado. Esse controle é sutil e se por meio dos elementos do vínculo organizacional
descritos por Faria e Schmitt (2007), em capítulo anterior. Nesse sentido, os benefícios (plano
de saúde, alimentação, transporte, por exemplo) dados pela organização se constituem em
armadilhas para os trabalhadores.
Tinha bastante gente que tinha medo, geralmente, pessoa casada que tinha filho pra
dar de comer e, às vezes, o filho tava com problema de saúde, daí dependia do
plano de saúde da empresa. Então, geralmente, este tipo de pessoa tinha medo do
desemprego. (E7)
É complicado porque eles dão o meio de... eles acabam dando um meio pra você
poder trabalhar bem. Eles dão desde a parte de recursos de transporte, de
alimentação... [...] Assistência médica, eles... É um ambiente limpo, de certa forma
agradável, parte de segurança do trabalho é bem... (E2)
Plano de saúde. Isso que, também, é a parte boa da empresa, fornece plano de
saúde. [...] Ônibus... Passa em todo lugar passa aqui na “cidade”. (E4)
Na visão de Faria e Meneghetti (2007) relaciona-se ao sequestro da subjetividade do
trabalhador por meio do qual as organizações submetem esse indivíduo à ideologia do capital.
Uma violência psicológica em que manipulam o comportamento operário e, através da gestão
da subjetividade o capital se apropria das capacidades do indivíduo e pode aumentar as
exigências de desempenho.
É fato, então, que os trabalhadores se sujeitam às condições adversas da organização
do trabalho para sobreviver, material e socialmente. Mas, também, é verdade que o capital se
utiliza de mecanismos que garantem que esses trabalhadores, em nome de desejos e objetivos
de sucesso, deixem-se controlar voluntariamente em suas dimensões ideológicas e afetivas.
Tal servidão põe em risco a liberdade e a emancipação do sujeito e minando assim o caminho
para a saúde no trabalho.
110
4.4 SOZINHO NA MULTIDÃO, O COLETIVO DE UM SÓ
Para suportar o sofrimento desencadeado pelas contradições e adversidades que
caracterizam a organização do trabalho, os trabalhadores constroem e sustentam
coletivamente estratégias defensivas capazes de lidar com a precarização do trabalho. O
problema, na concepção de Abrahão e Sznelwar (2008, p. 102) é “[...] que os mecanismos de
defesa, muitas vezes, não são compartilhados com os colegas, pois silenciosos e constituídos
para não se confrontar com o problema, paradoxalmente colocam em risco a saúde dos
indivíduos”.
É o que se percebe a partir dos relatos dos trabalhadores que, na tentativa de fazer
frente às adversidades impostas pela organização do trabalho, fazem uso de atitudes
individualizadas e frágeis e que não se traduzem, efetivamente, em mudanças. Assim como
relata Dejours (1992, p. 39) “[...] os operários são confrontados um por um, individualmente e
na solidão, às violências da produtividade”. Para o autor, o trabalho taylorizado promove mais
divisões entre os trabalhadores ao invés de pontos de união. Parece ironia visto que a idéia é
de que todos trabalham coletivamente, cada uma fazendo a sua pequena parcela, na fabricação
do produto final.
Tem-se, timidamente, uma cooperação, mas que aparece como mecanismo de
proteção individual, pois o não cumprimento das tarefas individualmente prejudica a meta do
grupo.
A linha roda muito ligeira, sabe? Daí se a gente se atrasar um pouquinho, atrasa o
amigo que atrás de mim, sabe? Daí eu tenho que vencer o meu posto […]. E é
obrigado a vencer. E, às vezes, a produção atrasada... A linha roda muito ligeira,
sabe? [...] Às vezes falta alguém, ou às vezes a pessoa atrasada, vai e adianta
para a pessoa. Polivalente é os que salvam a linha. Uma das melhores pessoas que
ajudam a gente. A líder também ajuda um pouco, mas é pouco. [...] Que nem olha:
Eu peguei este posto novo, sabe? E eu não estou vencendo . Pra vencer aquele
posto vão duas a três semanas, sabe? Até você pegar o jeito. Porque tem muito
detalhe no posto... Não pode fazer isso, não pode deixar um pouquinho torto para o
lado. [...] Ah! Você tá apurado “fulano” vou te ajudar! Vai lá ajuda. Que nem tem a
“fulana” que é do teste elétrico, nada ver com o acabamento, vai lá e faz pra gente.
Adianta, às vezes, dois painéis assim pra frente... Pra gente ir lá pra frente... Porque
tem a curva, se virar a curva d muda para direcionamento, não é
acabamento mais. (E4)
Mesmo que a culpa pelo erro ou atraso seja atribuída a um único trabalhador, a meta
é coletiva. Eis mais uma das contradições da organização do trabalho.
111
Ao contrário de defesas coletivas, na linha de produção, o que partilham os
trabalhadores é: “A rigidez da organização do trabalho, as exigências temporais, as cadências,
os ambientes de trabalho, o estilo de comando, o controle, o anonimato das relações de
trabalho, o intercâmbio dos operários [...]” (DEJOURS, 1992, p. 39).
Outro mecanismo destacado foram as brincadeiras e as piadas, bem como as relações
de amizade entre os trabalhadores, a fim de diminuir a tensão na linha de produção decorrente
da pressão pelo alcance das metas.
Daí damos risada, dependendo da hora até pra contar piada, quando acontece
alguma coisa... Ah! Nos divertimos, senão você fica naquele estresse louco, porque,
igual eu falei, é pressão, quando o “bicho” pegando... esses dias o bicho tava
pegando, então você tinha que relaxar. (E1)
Mais por outro lado não, a gente se diverte... Tem um amigo meu muito engraçado
lá. Amizade sabe? Bastante! [...] Nossa, muita amizade mesmo. Às vezes, assim,
quando você olha no relógio. Esquece do relógio. Você conversa sempre, o é
proibido de conversar. Vo conversa, faz brincadeiras, da risada, bastante
amizade lá dentro. (E4)
Mas as defesas, como já explicitado, possuem um caráter ambíguo. Ao mesmo tempo
em que servem para atenuar o sofrimento, por outro lado, ao funcionarem muito bem e os
trabalhadores deixarem de sentir (perceber conscientemente) o sofrimento, pode resultar em
alienação. Essa contraditoriedade dos mecanismos de defesa, que ora possibilitam a
convivência com o sofrimento, ora a alienação de suas causas, faz com que os trabalhadores
ignorem a influência da organização do trabalho e subordinem-se à lógica do capital.
Retoma-se a questão da servidão voluntária. Acreditar que todas as adversidades
enfrentadas serão recompensadas e a colaboração com a empresa será reconhecida e
valorizada, pode ser a saída. Ou ainda, buscar um sentido no trabalho atribuindo valor a
atividade que desempenha e manter a autoestima reconhecendo a importância de seu papel na
empresa. Pior do que isso é viver esperando o reconhecimento que não vem.
Querendo ou não estamos lidando com vida, não é? Fazendo “produto”, não é? Se
der uma pane no “produto”? (E1)
Mas à medida que não se pode transformar a organização do trabalho, pode-se,
também, apegar-se à realização de projetos individuais.
112
[...] Entrar na qualidade, subir no... Depois da qualidade pra subir. Ser um
polivalente, um líder ali um dia. [...] (E4)
Sem perceber que não lugar para todos nos mais altos níveis hierárquicos pois a
organização não nega, ao contrário, sutilmente sustenta tal possibilidade os trabalhadores
permanecem na busca pelo reconhecimento e realização, atendendo aos ideais da produção.
“O discurso organizacional sedutor transforma o trabalhador em um mutante que ora se
reconhecido por seu desempenho, ora se encontra angustiado pelas exigências perversas da
organização do trabalho em termos psicológicos” (CALGARO ; SIQUEIRA, 2008, p. 128).
Desse modo, o resultado torna-se previsível ao trabalhador: após anos de dedicação o
sentimento de frustração e de incompetência diante da inviabilidade de encerrar sua carreira
profissional como lhe foi prometido e assim havia imaginado.
Os relatos mostram ainda a ocorrência de atos de rebeldia praticados individualmente
pelos trabalhadores.
E chegava ao ponto de estourar e falar assim: se você quer que alguém faça assim,
então você contrate! Porque eu não vou fazer isso ai. Cheguei neste ponto. (E2)
Ah... Ninguém queria segurar para mim (a linha), daí os polivalentes estavam
ocupados. Daí eu falei para segurar, ninguém queria segurar... Ai eu falei: então
bom, eu vou e vou tomar água, eu tava com sede, no banheiro. Fui lá, voltei daí
fiquei atrasado... (E4)
Que eu não era nova daí eu falava pra ela: o bom assim me mande embora,
me dê a conta. (E5)
Normalmente eu tento apaziguar, eu tento mostrar os dois lados da moeda e pra
tentar resolver da melhor maneira possível, mas tem ocasiões que não dá, tem
ocasiões que você tem que pegar e chutar o pau da barraca mesmo. (E6)
A questão da individualização é retratada por Dejours (1992, p. 39, grifo do autor) o
operário encontra-se e, assim, “[...] tem que encontrar a ajuda, o ‘truque’ que lhe permitirá
ganhar algumas dezenas de segundos no ciclo operatório. A ansiedade, o dio frente à tarefa,
ele deverá assumi-los individualmente [...]”. Em ntese, assim como as tarefas fragmentadas
que desempenham, os trabalhadores reproduzem ações isoladas, mas em verdade não sabem
contra o quê ou contra quem lutam.
113
Dejours (1992, p. 40) indica que não existe mais espaço para as defesas coletivas e
isso se deve ao “[...] fracionamento da coletividade operária, o sofrimento que a organização
do trabalho engendra exige respostas defensivas fortemente personalizadas”. Em relação às
defesas identificadas a partir dos relatos dos trabalhadores “[...] não podemos deixar passar
em silêncio seu modesto valor funcional e sua dimensão estreita face à imensidão do
sofrimento. E nós não temos condições de admitir que estes mecanismos sejam suficientes na
luta contra a angústia e a dor mental” (DEJOURS, 1992, p. 41). Por outro lado, mesmo com
seu caráter simbólico, estas defesas não podem ter seu benefício mental subestimado.
O sindicato que poderia ser porta-voz dos trabalhadores, a possibilidade de enfrentar
essa organização do trabalho hostil, de acordo com relatos, parece enfraquecido.
O sindicato ele é assim: parece um... Advogado do diabo... Ele é assim... Ele sabe
que precisa da “empresa” aqui “na cidade”, que sabe que tem que proteger os
funcionários. Então ele fica naquela assim... [...] Um meio termo. Na verdade ele
não é a favor dos funcionários... (E2)
A força do coletivo tanto para reivindicar quanto para se opor encontra-se oprimida,
o trabalhador parece sozinho em meio à multidão de outros trabalhadores. Uma vez que não
há espaços organizacionais para a deliberação e para a mudança e o sofrimento não se
constitui em um motor para a busca de soluções por parte dos trabalhadores, o resultado tende
a ser as patologias.
Isso significa que o sofrimento não compensado do qual o trabalhador não pode
favorecer-se, prejudica o equilíbrio psíquico caminhando para a destruição do aparelho mental
e favorecendo a doença mental ou psicossomática. Para Abrahão e Sznelwar (2008) essa pode
ser a principal fonte de lesões que finalmente redunda em um resultado tangível, uma
multidão de adoecidos.
4.5 SEM VEZ, NEM VOZ
Diante do fracasso das estratégias defensivas contra o sofrimento, a qualidade da
dinâmica do reconhecimento assume papel fundamental na transformação ou ressignificação
desse sofrimento em prazer. A construção da identidade do sujeito trabalhador e a conquista
da saúde dependem dessa dinâmica.
114
O sofrimento, ao ser transformado em prazer, conforme afirma Martins (2008, p. 72),
“[...] inscreve a relação do trabalho como mediadora da realização de si mesmo, trazendo sua
contribuição à construção da identidade. O trabalho funciona como mediador para a saúde,
aumentando a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática”. O
sujeito procura ter reconhecido o seu fazer e não o seu ser, o que significa que ele não constrói
sua identidade a partir de si. Ele necessita do olhar e do julgamento do outro. Isso reforça a
idéia de que o trabalho significa relação com o outro, não simplesmente uma relação
individual entre o sujeito e sua tarefa.
É preciso considerar, que ao trabalhar os sujeitos mobilizam para isso toda sua
personalidade, correm riscos e assumem responsabilidades em nome da empresa e, diante
disso, esperam algo em troca. Esta retribuição pode como afirma Dejours (2007b) tomar
formas materiais, mas pode também assumir formas simbólicas. A dimensão simbólica da
retribuição é a mais valiosa, superando a retribuição material, e denomina-se reconhecimento.
No entanto, a fala dos trabalhadores relata uma situação preocupante: a falta de
reconhecimento em relação ao trabalho desempenhado.
Isso gera, geralmente, dez minutos por turno ou vinte minutos por dia que você pode
parar os equipamentos. que tem linha que tem dez equipamentos, mesmo assim
são os mesmos vinte minutos por linha daí. não é por equipamento. E a gente
consegue manter, faz uns três anos, uma baixa de 0,5%. [...] Bem abaixo, no
mundo inteiro ninguém, na verdade, tem alcançado o que está sendo feito assim
que... [...] Somos referência! Para a “empresa” no Brasil, Mercosul. [...] Na
verdade, retorno não tem nenhum. [...] Reconhecimento não existe. [...] Os outros
gestores de produção, também, não são reconhecidos. Na verdade, ninguém tem
reconhecimento dentro da empresa. Ter reconhecimento é um ponto falho lá. [...]
Eles não te dão nenhuma gratificação assim por voatingir suas metas ou superar
o que precisava. Mas pra cobrar o que o foi... O que de repente, ninguém tem
noção às vezes desse tipo de coisa... Cobram bem. (E2)
A possibilidade de reconhecimento estaria nos Círculos de Controle de Qualidade
CCQs. Afinal, em tese, é o espaço onde os trabalhadores podem efetivamente participar e
exercer certo poder em relação à organização do trabalho. Seria então a possibilidade de
transformação do sofrimento. Segundo Abrahão e Sznelwar (2008, p. 104) a restrição da
participação favorece “[...] a manifestação de sentimentos de insatisfação e frustração dos
trabalhadores, principalmente por gerar uma sensação de incapacidade para superar os
obstáculos cotidianos do contexto real”. No entanto, as críticas aos CCQs, apontadas em
capítulo anterior, são confirmadas nas verbalizações dos trabalhadores.
115
[...] fiz um trabalho ano passado pra “empresa” de Círculo de Controle de
Qualidade, no qual eles lucraram mais de meio milhão de reais; única coisa que me
deram foi uma viagenzinha lá para o Beto Carreiro World lá e foi só. (E2)
O objetivo principal dos CCQs são a produtividade e a qualidade e as empresas
priorizam a questão custo/benefício. Mesmo que as sugestões dos trabalhadores venham a
melhorar o ambiente de trabalho, elas serão implementadas caso tragam retorno financeiro
para a empresa. O benefício para o trabalhador deve, antes de tudo, ser benefício para a
empresa.
A decisão da execução ou não das recomendações é tarefa exclusiva da alta
administração.
Acabou sendo jogado pra escanteio. [...] Ficou em segundo lugar. [...] E era um
projeto de baixo custo, que o gerava lucro financeiro para a empresa, era
melhoria no meio ambiente da empresa. E o outro projeto gerava base de
quinhentos mil de lucro mensal. [...] Então podia ser uma melhoria pra toda a linha
de produção, para os trabalhadores ali, mas se o desse lucro, não seria
implementado. (E7)
A verdadeira e legítima participação deve ocorrer no planejamento, na execução e
nos resultados, portanto, o discurso sobre a participação dos trabalhadores no processo de
produção via CCQ não passa de falácia, pois não se concretizam na prática. A dimensão
participativa continua reservada a um vel hierárquico que não o da grande massa-operária.
Comprova-se que o discurso da participação pregado pelo toyotismo realmente é falácia,
trata-se de uma pseudo-participação.
De qualquer forma participar dos CCQs ainda é uma forma de colocar o trabalho à
prova, à espera do reconhecimento.
Então daí você pensa assim: não, vamos fazer isto aqui que pelo menos o nosso
setor pelo menos... É uma coisa a mais pra gente mostrar que a gente correndo
atrás... (E2)
Na contramão do sentimento de reconhecimento está o de desvalorização, evidente
em questões simples do cotidiano de trabalho, relatadas pelos trabalhadores.
116
Só que quando você faz um serviço e a pessoa não te dá valor, você não tem vontade
de fazer mais. É assim, entendeu? No começo eu até que eu pensava que eles me
valorizavam no serviço, sabe? que depois por último eu comecei a pensar
assim: não, nunca valorizaram. (E5)
Fica evidente ainda, que mesmo que o trabalhador faça mais do que o esperado a
situação de desvalorização não se altera e o reconhecimento inexiste. Nesse contexto, é difícil
imaginar que o trabalhador possa construir-se enquanto sujeito psicológico e social, na
medida em que não existe reconhecimento em relação ao produto do seu trabalho. Sem o
reconhecimento, o trabalho não lhe traz sentido e o sofrimento não pode ser transformado em
prazer.
Antes de passar a última categoria, ressalta-se a fala de Dejours (1992) sobre os
sentimentos de indignidade, de inutilidade e de desqualificação operária que, sob suas
múltiplas variantes, mais se repetem no discurso operário. A indignidade operária advém da
“[...] da vergonha de ser robotizado, de não ser mais que um apêndice da máquina, às vezes de
ser sujo, de não ter mais imaginação ou inteligência, de estar despersonalizado etc.”
(DEJOURS, 1992, p. 48). Uma imagem de indignidade pela falta de significação e da
inutilidade dos gestos de um trabalho em que a tarefa é desinteressante. Segundo o autor,
disso decorre o sentimento de inutilidade, no qual o trabalhador não reconhece o significado
de seu trabalho face ao conjunto da atividade da empresa. Para Dejours (1992, p. 48), “[...]
mais do que isso, sua tarefa não tem significação humana. Ela não significa nada para a
família, nem para os amigos, nem para o grupo social e nem para o quadro de um ideal social,
altruísta, humanista ou político”. Como se isso não bastasse, existe o sentimento de
desqualificação, relacionada à imagem que o trabalhador faz de si em razão de seu trabalho.
Se a tarefa é complexa o trabalho torna-se honroso e, quanto mais responsabilidade e
conhecimento exigir mais será admirada pelos outros.
Em sua reflexão Dejours (1992) insere a questão da vivência depressiva, que
condensa e amplia os três sentimentos mencionados (indignidade, inutilidade e
desqualificação). Essa depressão é dominada pelo cansaço que tem resultante dos esforços
musculares e psicossensoriais, mas, principalmente, das condições em que se encontram os
trabalhadores submetidos à organização do trabalho taylorizada. A vivência depressiva, como
afirma Dejours (1992, p. 48) “[...] alimenta-se da sensação de adormecimento intelectual, de
anquilose mental, de paralisia da imaginação e marca o triunfo do condicionamento ao
comportamento produtivo”.
117
Faz sentido, então, a afirmação de Abrahão e Sznelwar (2008, p. 103): “Hoje, somos
confrontados a jovens doentes para os quais a vida profissional pode terminar nos seus
primórdios. A atividade de trabalho se torna cada vez mais impalpável, seus dramas mais
diversificados, suas tensões menos visíveis”.
Se a fala dos trabalhadores não apresenta claramente sinais de que a vida profissional
tenha terminado, por sua vez não expõem o cunho transformador do trabalho. Papel este, que
de fato não exerce na vida desses trabalhadores.
4.6 PERDI ANOS DA MINHA VIDA, PARECE QUE NÃO FIZ NADA
Em relação ao significado do trabalho para o ser humano, Codo, Sampaio e Hitmoni
(1993, p. 56), esclarecem que: “O homem produz sua própria existência na medida em que
trabalha, arquitetando a estrutura social com suas próprias mãos, a mesma estrutura que lhe
servirá de habitat; o homem é o meio ambiente do homem”. Sendo assim, não espanta que a
última categoria se refira à falta de sentido expressa pelos entrevistados em relação ao
trabalho que desempenham.
Ao analisar a evolução do capitalismo e as forças produtivas o Trabalho, segundo
Codo, Sampaio e Hitmoni (1993, p. 56): “[...] sinônimo de hominização, portanto liberdade,se
transformou em estranhamento, perda de si, portanto tortura”. Segundo Araújo (2008, p. 54)
“a palavra trabalho tem suas raízes em tripalium, instrumento de tortura, designando, na
tradição grego-romana, as atividades laboriosas deixadas aos escravos”. Nesse caso, não
estaria errado afirmar que organização do trabalho como se apresenta na empresa investigada
configura-se como “uma tortura aplicada a escravos”. Afinal o que significa ser livre no
sistema capitalista de produção?
As diversas metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho não foram capazes de
eliminar o distanciamento entre o trabalho idealizado como fonte de realização humana e o
trabalho imposto, forçado, fonte de exploração, sofrimento, mutilação e morte, expressão
assumida sob a égide capitalista.
A unidade fabril investigada é baseada nos princípios do toyotismo e, em tese,
deveria corresponder a uma condição menos precária aos trabalhadores. Mas de fato, a
organização dita flexível, transforma o sentido de emancipação em escravidão. Os impactos
não interferem apenas na qualidade de vida no trabalho e, sim, na vida do trabalhador.
118
Vai um ano mais ou menos, no ximo um ano vo começa a sentir bastante
dor, sabe? Eu assim, tava parada aqui tava latejando as minhas mãos, sabe?
Como se tivesse trabalhando. As minhas roupas eu não posso lavar muito, sabe?
Dói pra esfregar. (E5)
Se por um lado o trabalhador, ao chegar ao portão da fábrica não consegue deixar na
entrada seus problemas pessoais, de outro, ao chegar em casa, ele carrega as angústias e
pressões do seu trabalho. Mesmo que o capital faça parecer o contrário, o trabalhador não é
uma máquina, programada em liga e desliga, em tempo de trabalho ou em tempo livre, é
sujeito portador de história e desejos. Assim a vida fora do trabalho tem importância
fundamental na integridade desse sujeito. É o que indica o relato deste trabalhador.
Pagar pouco, né? E exigir bastante dos funcionários. Então, isso eu ficava louco,
que quando nasceu minha filha, tal, deu tudo certo. De repente eu consegui
melhorar a minha situação financeira, minha mulher começou a trabalhar,
começou a dar aula, tendo um rendimento salarial igual o meu. Então isso, na
verdade, melhorou, então hoje é aquilo que eu digo: conta, na verdade, o fato pra
não... Tipo pra conseguir sair desta pressão... (E2)
Mesmo assim, muitos insistem na separação da vida do trabalhador em vida no e
vida fora do trabalho. Advogam em causa de uma Qualidade de Vida no Trabalho ao invés de
um conceito ampliado de saúde que contemplem a autonomia e emancipação humana. Nesse
sentido Codo, Sampaio e Hitmoni (1993, p. 52) afirmam: “Há psicólogos que se ocupam da
vida para além dos portões da fábrica, sem nunca se perguntarem o que ocorre do outro lado,
e psicólogos, sitiados fábrica adentro, impotentes para olhar o mundo depois do fim da
jornada de trabalho”. Tal crítica, não se refere apenas aos psicólogos, mas a todos que
realizam suas investigações sob essa perspectiva.
O que distingue o homem dos outros animais é a produção da própria existência
através do Trabalho. Em síntese, de acordo com Codo, Sampaio e Hitmoni (1993, p. 71-72), o
Trabalho é a “[...] dupla transformação de si e do mundo (ou do outro), que caminha em
direção a engendrar o homem, este ser de necessidades e imaginação, capaz de construir suas
condições e existência, portanto sua sociabilidade”. Este traço distintivo que possibilita o
tornar-se humano.
Em nenhuma das verbalizações identificou-se o papel transformador que o processo
do trabalho deveria ter, e os relatos são muito preocupantes.
119
Assim é aquela coisa de você imaginar que podia pior, entende como? Por um
lado eu vejo que perdi dez anos de vida, isto é básico pra mim, imagino assim:
“Nossa! perdi dez anos da minha vida! Porque cada dia que passa eu fico
imaginando... Que eu fico nove horas dentro daquela empresa assim; cada hora que
passa eu fico imaginando quantas horas que eu estou perdendo de poder fazendo
alguma coisa melhor por mim […].(E2)
Quando eu penso? Canseira. Cansa muito, cara. Hoje foi um dia corrido pra mim.
Quando eu penso assim... Às vezes eu saio, puxa vida, tenho que trabalhar. (E4)
Eu me sinto como se não tivesse feito nada o dia inteiro, sabe? Como se eu nem
tivesse trabalhado, sabe? Eu me sinto assim. (E5)
Ao abordar a questão do conteúdo significativo do trabalho é imperativo considerar a
contradição entre satisfação e organização do trabalho. Na maioria dos casos, conforme
explica Dejours (1992, p. 52), “[...] quanto mais a organização do trabalho é gida, mais a
divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores são
as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta”. Deste modo, o
trabalho está para o trabalhador como um elemento estranho. Logo, “[...] o ser humano fica
impedido de exercer a sua transcendência, e a possibilidade de hominização fica sitiada na
reprodução da força de trabalho: comer, dormir, fornicar, atividades que coabitamos com os
animais” (CODO; SAMPAIO; HITOMI, 1993, p. 39).
Submetido a sobrecarga de trabalho, além de ser exigido durante sua jornada na
empresa o trabalhador tem seu tempo livre (se é que existe) contaminado pelas exigências da
organização do trabalho.
Porque hoje, realmente, devido eu na brica e ter uma pressão, de certa forma
eu também tive que fazer um curso superior. [...] Realmente não sobra nada do meu
tempo... pra dormir, nada. [...] Na verdade, apra você se tornar líder dentro de
uma empresa, assim não é tão cil. Então, você tem que estar fazendo um curso
superior. [...] É uma pressão que eu sei que eu tenho. [...] E eu sei também no
mercado mundial... Eu sei que eu preciso de um curso superior, porque de repente,
uma hora ou outra... a “empresa vai me “chutar”, eu tenho que ter uma
qualificação pra estar entrando em uma outra empresa. (E2)
O trabalhador, dominado pelas armadilhas da organização do trabalho, encontra-se
incapacitado de reconhecer o seu sofrimento, quem dirá o dos seus pares. O sofrimento
operário, desconhecido fora da fábrica é, conforme fala Dejours (1992, p. 26), “[...] mal
120
conhecido pelos próprios operários, ocupados que estão em seus esforços para garantir a
produção”.
A organização do trabalho, tal qual se apresenta na empresa investigada, não oferece
espaços para a realização do trabalhador, o que implica em adoecimento. O resultado do
trabalhar é o sofrimento. De acordo com Araújo (2008, p. 66, grifo do autor) as empresas, em
seus discursos e práticas são contraditórias, pois defendem “[...] a inovação, mas uma
inovação vigiada; a participação, mas uma participação controlada; elas anunciam a liberdade,
mas praticam o controle; elas querem que o trabalho, baseado na mais valia e na cooperação
imposta, dê sentido à vida do trabalhador, mas acabam levando-o ao 'non-sens'”.
Será possível, então, uma atividade de trabalho sem que a saúde seja prejudicada?
Para que seja possível uma relação favorável com a organização do trabalho é necessário que
as exigências intelectuais, motoras ou psicossensoriais da tarefa estejam de acordo com as
necessidades do trabalhador. É preciso que o conteúdo do trabalho seja fonte de uma
satisfação sublimatória, em que a concepção do conteúdo, do ritmo de trabalho e do modo
operatório esteja sob o domínio do trabalhador. Ao poder modificar a organização do
trabalho, o trabalhador, segundo Dejours (1992, p. 135), “[...] pode até fazê-la variar,
espontaneamente, com seus próprios ritmos biológicos, endócrinos e psicoafetivos, seguindo
para isso sua vivência subjetiva que, podemos mostrar, é um excelente guia na proteção da
homeostasia”.
Mas como chegar a essa situação? A resposta está no estabelecimento proposto
pela psicodinâmica do trabalho de um “espaço público de discussão”, no qual, na medida
em que refletem e questionam a organização do trabalho, os trabalhadores podem retomar
suas condições de poder e articular o enfrentamento ao sistema de capital. Mendes (2007a, p.
31) afirma que “[...] falar do sofrimento leva o trabalhador a se mobilizar, pensar, agir e criar
estratégias para transformar a organização do trabalho. A mobilização que resulta do
sofrimento se articula à emancipação e reapropriação de si, do coletivo e da condição de
poder do trabalhador”. Se a organização do trabalho é contraditória a liberdade do
trabalhador, Dejours (1992, p. 139), argumenta: “’A liberdade não se dá’ dizem ‘ela se
conquista’. O mesmo acontece com relação à organização do trabalho. É provável que não
exista solução ideal e que, aqui como em tudo mais, seja sobretudo a evolução a portadora de
esperança”.
Por último, reitera-se a importância do trabalho para a existência humana, citando
Dejours (1992, p. 139) que propõe refletir e buscar compreender “[...] que tipo de homens a
sociedade fabrica através da organização do trabalho”. O autor vai além e complementa que
121
“[...] o problema não é, absolutamente, criar novos homens, mas encontrar soluções que
permitiriam pôr fim à desestruturação de um certo número deles pelo trabalho”.
122
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste estudo foi investigar os impactos da flexibilização do capital no
mundo do trabalho, se ainda é possível ter saúde e o que rege essa possibilidade atualmente.
Para compreender se a organização do trabalho dita flexível e apontada no discurso
hegemônico como a superação do taylorismo/fordismo é garantia de um trabalho menos
precário e, assim, garantia de saúde aos trabalhadores, optou-se pelo desenvolvimento de um
estudo de caso em multinacional fundamentada nos princípios do toyotismo. Os elementos do
campo empírico foram apreendidos através de uma abordagem qualitativa.
No entanto, o caminho, como era de se esperar, não foi fácil. A começar pela
proibição da realização da pesquisa no interior da empresa, que implicou em mudanças
metodológicas. O método da Psicodinâmica do Trabalho não pôde ser aplicado em todos os
seus aspectos como propostos originalmente: a demanda partiu do próprio pesquisador e as
entrevistas foram realizadas individualmente.
A escuta desses trabalhadores também constituiu-se em desafio. Como mobilizar
esse sujeito a falar sobre o seu trabalho e mais, abrir as portas de sua casa e acolher um
desconhecido entrevistador que, pouco ou nada, poderia fazer sobre os problemas que
viessem a ser colocados? Como, na condição de entrevistador, limitar-se apenas a ouvir sem
manifestar indignação às precariedades ou solidariedade aos anseios desses homens e
mulheres? De qualquer forma, esse processo permitiu construir a realidade da classe operária,
sua situação de saúde representada pela dinâmica de prazer e sofrimento no trabalho.
De fato, a organização do trabalho apresenta, também, características do sistema
taylorista/fordista. A divisão da tarefa, o trabalho parcelado em etapas, gestos e movimentos
simplificados e, em sua maioria, repetitivos continuam significando o sofrimento na fábrica
toyotista.
Os trabalhadores sofrem um controle rígido da chefia imediata e o cumprimento das
metas, consideradas impossíveis pelos trabalhadores, é sempre obrigação. O discurso é o da
perfeição, do “defeito zero”, prima-se pela questão da qualidade e o objetivo é evitar o
desperdício. É preciso eliminar do processo de produção toda função que não agregue valor
ao produto e à empresa, que acarrete custos indiretos ou despesas desnecessárias.
A acumulação flexível, além de significar produzir apenas o que demanda o
mercado, é também, ter somente o necessário, inclusive gente. Assim, o sentido de
flexibilidade atribui ao trabalhador a característica da descartabilidade, reforçando seus status
123
de mercadoria. A polivalência, por sua vez, corresponde ao domínio de várias tarefas
simplificadas e representa, para a empresa, a máxima utilização da força de trabalho.
Os trabalhadores convivem com o medo de corresponder às exigências da
organização do trabalho. A pressão e a cobrança exacerbadas juntamente com as exigências
físicas e psicológicas para a realização das tarefas implicam em um elevado índice de
rotatividade na organização. A precariedade das relações socioprofissionais é evidente, a
partir da existência de conflitos entre os diferentes níveis hierárquicos. Além disso, não
espaço para o diálogo e para as construções sociais, exceto para discutir melhorias que visem
à lucratividade.
Reduzidos apenas ao aspecto funcional, os trabalhadores parecem robôs
programados em atender aos imperativos capitalistas, tendo suas necessidades e desejos,
especialmente de realização de si e à vontade do bem fazer, ignorados pela organização do
trabalho. A contradição entre a prescrição do trabalho e os desejos dos sujeitos explica os
riscos e danos à saúde advindos das situações de trabalho. É o caso da situação da sobrecarga
de trabalho, sendo o sofrimento visível nos danos físicos aos trabalhadores evidenciados nos
relatos de dor. Os sujeitos sofrem com a falta de reconhecimento e com a impossibilidade de
participação efetiva no processo produtivo.
No entanto, existem outras questões relacionadas ao sofrimento permeando a
organização do trabalho das quais os trabalhadores não tem consciência, afinal a organização
do trabalho dificulta a compreensão de aspectos relacionados às suas condições de saúde.
Os trabalhadores se sujeitam às adversidades da organização do trabalho para
sobreviver, material e socialmente. Mas, é verdade que o capital se utiliza de mecanismos que
garantem que esses trabalhadores, em nome de desejos e objetivos de sucesso, deixem-se
controlar voluntariamente em suas dimensões ideológicas e afetivas. Tal servidão põe em
risco a liberdade e a emancipação do sujeito, minando dessa forma o caminho para a saúde no
trabalho.
O capital tem a seu favor as técnicas de relações humanas, os mecanismos de gestão
psicológica que possibilitam o sequestro e a manipulação da subjetividade operária. Tal
controle possibilita que as empresas provoquem nos indivíduos as atitudes que melhor
atendam às necessidades do capital. Essa é a característica marcante dos princípios do
toyotismo.
Os perigos para o trabalhador são muitos. A começar pela empresa que ao criar o
imaginário de transformação que promete o sucesso individual é vista como palco da
realização de sonhos. A possibilidade de realizar projetos individuais aparece então como
124
garantia de uma servidão voluntária, já que o sacrifício em nome da organização é necessário.
Dessa forma, o trabalhador se mantém leal à sua proposta de vida, ao reconhecimento
profissional.
Soma-se a isso, o controle sutil pelos vínculos que o indivíduo estabelece com a
organização. Nessa perspectiva os benefícios (plano de saúde, alimentação, transporte, por
exemplo) dados pela organização se convertem em armadilhas para os trabalhadores. O medo
do desemprego e do mercado de trabalho também contribui para o quadro de passividade.
A prática discursiva constitui-se em um importante aliado técnico e ideológico da
empresa capitalista que permanece reproduzindo a falácia da “cooperação harmoniosa” entre
capital e trabalho. Por isso o conformismo dos trabalhadores que se mostram satisfeitos com
práticas da empresa em oferecer a ginástica laboral e a fisioterapia como forma de prevenção
e suporte a doença, respectivamente. Outra medida é a mudança de postos – “homem certo no
lugar certo” e ainda a melhoria nos processos de seleção, significando que o problema está
nos trabalhadores. Eles não percebem que tais práticas não passam de medidas paliativas,
sendo necessário transformar a organização do trabalho.
As estratégias defensivas na tentativa de fazer frente às adversidades impostas pela
organização do trabalho consistem em ações individualizadas e frágeis e que não se
convertem, efetivamente, em mudanças. Os trabalhadores não sabem contra o que ou contra
quem lutam. O trabalhador parece sozinho em meio à multidão de outros trabalhadores, já que
a força do coletivo tanto para reivindicar quanto para se opor encontra-se oprimida.
A organização do trabalho não oferece espaços para a deliberação e para a mudança.
Não existe um espaço para a livre expressão e discussão sobre o trabalho. Desse modo não
possibilidade de cooperação, de mobilização coletiva e do reconhecimento. O sofrimento não
se constitui em um motor para a busca de soluções por parte dos trabalhadores o resultado
tende a ser as patologias.
Nesse contexto, é difícil imaginar que o trabalhador possa construir-se enquanto
sujeito psicológico e social, na medida em que não existe reconhecimento em relação ao
produto do seu trabalho. Sem o reconhecimento o trabalho não lhe traz sentido e o sofrimento
não pode ser transformado em prazer. A fala dos trabalhadores por sua vez não expõe o cunho
transformador do trabalho. Papel que de fato não exerce na vida desses trabalhadores.
O toyotismo que, em tese, deveria corresponder a uma condição menos precária aos
trabalhadores, não é capaz de eliminar o distanciamento entre o trabalho idealizado como
fonte de realização humana e o trabalho imposto, forçado, fonte de exploração, sofrimento,
125
mutilação e morte, expressão assumida sob a égide capitalista. O sentido de escravidão
prevalece sobre o de emancipação.
A partir dessa proposta não foi possível estabelecer o espaço de discussão e, assim,
criar condições para a mobilização coletiva. Defende-se, contudo, a proposta da
Psicodinâmica do Trabalho como possibilidade para que os trabalhadores possam retomar
suas condições de poder e articular o enfrentamento ao sistema de capital. Acredita-se, ainda,
que, ao falar do sofrimento o trabalhador pode ser levado a se mobilizar, pensar, agir e criar
estratégias para transformar a organização do trabalho e assim construir um caminho para a
saúde no trabalho.
Como sugestão de pesquisas futuras, seria importante investigar as políticas de saúde
do trabalhador promovidas pelo Estado, bem como a atuação do sindicato dos trabalhadores
em relação à situação aqui descrita.
126
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psicodinâmica do trabalho. Brasília: Paralelo 15, 2007. p. 105 – 118.
VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico
determinante do capital no paradigma pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo (org.). Riqueza e
miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 45-73.
133
WALTON, R. E. Quality of working life: what is it? Sloan Management Review,
Cambridge, USA, v. 15, n. 1, p. 11-21, dec. 1973.
YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman,
2001.
134
APÊNDICE A - Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
135
136
APÊNDICE B - Roteiro da Entrevista
137
Iniciais:
Idade: Sexo: Estado Civil:
Nível de escolaridade:
Cargo:
Tempo na empresa:
Horário de trabalho:
Cidade onde reside:
Renda Mensal:
1. Descreva seu dia a dia no trabalho, como são suas atividades?
2. Das atividades que você executa, quais as que você gosta e realiza com facilidade?
3. Quais as atividades que você não gosta ou executa com dificuldade?
4. O que você faz para lidar com as tarefas que não gosta?
5. Que atitudes toma para lidar com os problemas do trabalho?
6. Você acredita que seus colegas enfrentam os mesmos problemas que você?
7. Quando você pensa no seu trabalho o que sente?
8. Que tipo de retorno você recebe em relação ao trabalho que realiza?
9. Para você o que são os Círculos de Controle de Qualidade?
10. Depois que entrou na empresa o que mudou em sua vida em função do trabalho?
11. Há mais alguma informação que julga necessária?
138
APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
139
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Estamos lhe convidando para participar da pesquisa “Trabalho e Saúde: análise
psicodinâmica em uma unidade fabril baseada nos princípios do toyotismo”, realizada sob
responsabilidade de Anderson Roik, RG 8.063.203-0 SSP/PR, aluno do curso de Mestrado em
Engenharia de Produção da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, campus
Ponta Grossa, com orientação do Prof. Dr. Luiz Alberto Pilatti, RG 3.643.411-2 SSP/PR.
Esta pesquisa busca analisar a relação entre prazer e sofrimento de trabalhadores de
linha de produção de uma unidade fabril baseada nos princípios do toyotismo.
A coleta de informações será feita através de uma entrevista com perguntas abertas, e
a você será solicitado a que responda como quiser, usando suas palavras e conhecimentos. O
tempo de duração foi estimado em uma hora e meia. Para facilitar a análise dos dados, a
entrevista será gravada e transcrita literalmente. Em um momento posterior passaremos para o
papel tudo o que foi dito na entrevista, exatamente da forma que vofalou. terão acesso
aos seus dados pessoais o pesquisador e seu orientador, sendo garantido o sigilo e o
anonimato.
A participação na presente pesquisa é totalmente voluntária, sem qualquer custo nem
tampouco compensação financeira por sua participação. O pesquisador se compromete a
reparar danos, desconfortos, constrangimentos ou despesas que houverem devido à realização
da pesquisa, ou prover meios para fazê-lo. A qualquer momento você poderá desistir da
pesquisa, bem como solicitar informações adicionais ao pesquisador responsável pela
pesquisa, através do contato pelo telefone (42) 3421-3000, ou pelo e-mail
Os resultados gerais da pesquisa serão submetidos à publicação em eventos e revistas
da área.
Caso concorde com sua participação na entrevista/pesquisa proposta, por favor, assine
abaixo.
Desde já agradecemos sua colaboração.
Em, _________, de _____________ de 2009.
Luiz Alberto Pilatti, Dr.
Orientador
Anderson Roik
Pesquisador
Nome do participante da pesquisa
RG
Assinatura do participante
Impressão Digital
Polegar Direito
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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