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“Trabalho em equipe multiprofissional: relações interprofissionais e
humanização da assistência hospitalar em doenças infecciosas”
por
Cintia Garcia Cardoso
Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências
na área de Saúde Pública.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Élida Azevedo Hennington
Rio de Janeiro, novembro de 2010.
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Esta dissertação, intitulada
“Trabalho em equipe multiprofissional: relações interprofissionais e
humanização da assistência hospitalar em doenças infecciosas”
apresentada por
Cintia Garcia Cardoso
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof.ª Dr.ª Maria Elizabeth Barros de Barros
Prof.ª Dr.ª Simone Santos Silva Oliveira
Prof.ª Dr.ª Élida Azevedo Hennington –
Orientadora
Dissertação defendida e aprovada em 29 de novembro de 2010.
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Dedico esse trabalho a minha família,
minha fonte de alegrias, perseverança
e esperança num mundo melhor.
Dedico também a todos que dedicam sua vida profissional a cuidar do próximo como a si
mesmo, muitas vezes deixando de lado a “si mesmo”, em especial, aos profissionais que
fizeram parte dessa pesquisa, pela disponibilidade e gentileza.
Agradecimentos
Essa dissertação representa um marco na minha vida, tanto pessoal quanto acadêmica. Foi
muito difícil articular minhas atenções ao marido, à família, aos amigos, a Deus e minha
religião, ao meu cachorrinho Lucky, às tarefas domésticas, a mim mesma, ao mestrado e além
disso tudo, o início da minha aventura como mãe de primeira viagem. Desde o início do
mestrado até esse momento de conclusão, muitas pessoas me apoiaram, me serviram de
exemplo, me inspiraram, me questionaram, me ensinaram, me orientaram e, por tudo isso,
considero todos co-autores desta dissertação, no sentido de que, sem toda essa contribuição
esse trabalho não chegaria a sua etapa final. Por esses motivos, agradeço especialmente:
A Deus, que com seu amor sempre presente esteve algumas vezes a meu lado, caminhando
comigo em meio às novidades e em outros me carregou no colo, em meio às dificuldades e
obstáculos. Reconheci suas pegadas na areia...
À minha amada filhinha Yara, que mesmo tão pequenina soube lidar com meus períodos de
ausência. Pelas vezes que brincou sozinha e pelas vezes que me acordou de madrugada.
Nunca imaginei te agradecer por isso, mas esses momentos foram fundamentais para que eu
conseguisse tempo para redigir essa dissertação. E também pelas vezes que grudou em mim e
não deixou que eu escrevesse, pois renovava minhas forças.
Ao meu marido Paulo Roberto (“ninho”), que com seu jeito calmo me tranqüilizou nas
incertezas, com sua paciência agüentou minha falta de tempo para conversar, sair, ficar junto,
que com sua confiança acreditou no meu potencial e com seu carinho me deu forças e apoio
em mais essa fase da minha vida.
À minha mãe Janete, por sempre me apoiar em minhas escolhas, por ter grande
responsabilidade pelo que sou hoje e por não ter medido esforços para cuidar da Yara e
garantir meus momentos de dedicação ao mestrado.
À minha orientadora Prof. Élida Azevedo Hennington, que aceitou corajosamente o desafio
de me orientar e assim me deu a oportunidade única de entrar nesse mundo novo, acreditando
desde o início em minha capacidade, até mesmo quando eu a tive colocada em dúvida. E por
ter feito sempre questão de pautar nossa relação na amizade, solidariedade e companheirismo.
Estabelecemos, assim, uma parceria que, a meu ver, deu muito certo.
Ao Prof. Rafael Arouca Höfke Costa, meu amigo e exemplo de mestre, por sempre se colocar
a minha disposição, não medir esforços para me ajudar e por ser meu grande incentivador no
campo da Saúde Pública e nessa aventura constante que é o aprendizado.
Aos meus familiares e amigos, que, muitas vezes à distância, sei que torcem por mim.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa Planejamento e Gestão em Saúde do Departamento de
Administração e Planejamento em Saúde da ENSP/Fiocruz, com quem pude dividir minhas
dúvidas e meu carinho.
Aos profissionais de saúde do serviço de internação do Ipec, que acolheram de braços
abertos minha pesquisa e, principalmente, minha presença. Esse trabalho não existiria sem
vocês.
Às secretárias do serviço de internação do Ipec, Mônica e Scheyla, pela amizade que criamos
em tão pouco tempo e por tudo que fizeram para me ajudar sem nem pensar duas vezes.
A todos os colegas alunos que compartilharam comigo os momentos de aprendizado, de
angústia e as gargalhadas, em especial aos inesquecíveis, Ana Maria, Danielle, Haroldo,
Juliana, Milena e Tatiana.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP/Fiocruz,
em especial aos professores do Cesteh/ENSP, pois foram seus ensinamentos que permitiram
que hoje meu olhar se volte de maneira especial aos trabalhadores.
Aos professores Ary Carvalho de Miranda, Fernando Manuel Bessa Fernandes, Marcelo
Rasga Moreira, Maria Inês Carsalade Martins, Simone Santos Silva Oliveira e Tatiana
Wargas de Faria Baptista que me inspiraram de maneira especial.
Aos professores Fernando Salgueiro Passos Telles e Maria Elizabeth Barros de Barros
pelas contribuições essenciais na qualificação, que ajudaram a redesenhar os caminhos dessa
pesquisa.
Ao Prof. André de Faria Pereira Neto que através do questionamento do meu envolvimento
com o tema, por mais contraditório que pareça fez fortalecer em mim a certeza de que
escolhi o tema e o caminho certo para minha vida acadêmica.
Aos funcionários da Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
(Fiocruz) pela simpatia e gentileza sempre presente ao me prestar qualquer auxílio.
Ao CNPq e ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca pela concessão da bolsa de estudos e apoio.
“Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente
Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro”
Gabriel, o pensador – “Até quando?”
Resumo
A importância do trabalho em equipe multiprofissional de saúde é apontada por
diversos autores e várias justificativas são apresentadas em relação à sua necessidade. Desde a
crítica à divisão do trabalho e dos saberes, passando pela necessidade de recomposição das
ações devido às múltiplas dimensões que as necessidades de saúde expressam cultural,
social, psicológica e biológica - no caminho à humanização, até a percepção de que a simples
composição de equipes nos serviços não corresponde necessariamente a um trabalho em
equipe. Esta pesquisa buscou apreender como os trabalhadores vivenciam as relações
interprofissionais, as dificuldades que encontram no dia a dia para que o trabalho em equipe
se efetive e as tentativas empreendidas, em meio às dificuldades, no sentido de transformar
suas práticas e criar novas formas de interação e trabalho. Tivemos como objetivo analisar o
trabalho em equipe multiprofissional de saúde no contexto das práticas cotidianas de atenção
à saúde em doenças infecciosas no Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas
(Ipec/Fiocruz), mais precisamente, no setor de internação. O referencial teórico-metodológico
adotado baseou-se nas contribuições da perspectiva ergológica de Yves Schwartz e da
humanização, segundo a Política Nacional de Humanização PNH/MS, em diálogo com a
literatura existente sobre trabalho em equipe multiprofissional de saúde. Com base nos
objetivos da pesquisa e no referencial teórico-metodológico, optamos por realizar uma
pesquisa qualitativa, utilizando as técnicas de observação e entrevistas semi-estruturadas. De
um total de 41 profissionais que poderiam participar da pesquisa, 29 profissionais aceitaram
participar, sendo que 23 foram os entrevistados. A análise do material empírico produzido foi
realizada com base na técnica de análise de conteúdo de Bardin e Minayo, na sua vertente de
análise temática e permitiu concluir que apesar das várias formas de fragmentação que
permeiam as atividades em saúde, todos os profissionais entrevistados compartilham a
opinião de que é essencial a busca pelo trabalho em equipe e percebem a complementaridade
e interdependência dos diversos processos de trabalho. Foi possível perceber o quanto a
reflexão trazida pela PNH pode contribuir na construção de novas maneiras de se trabalhar em
equipe no Ipec. Existem iniciativas que demonstram a tentativa de trabalhar em equipe,
porém, a racionalidade biomédica que atravessa as relações interprofissionais e o predomínio
de uma postura de espera, pela atitude de outros demonstram a necessidade de se fomentar o
protagonismo desses sujeitos, através de redes de atenção e criação de espaços de gestão
colegiada no dia a dia, além de tornar visível a gestão que fazem do seu próprio trabalho.
Palavras-chave: Trabalho em equipe multiprofissional; Relações interprofissionais;
Humanização da assistência hospitalar; Doenças infecciosas;
Abstract
The importance and need of a multiprofessional team work in health are mentioned in the
literature by several authors, and various explanations are related to this need. Since the
criticism of the division of labour and knowledge, through the need for recomposition of the
actions, due to the multiple dimensions that health needs express - cultural, social,
psychological and biological - toward the humanization, until the realization that simply the
composition of teams in services does not necessarily correspond to a team work. This
research intended to understand how workers experience the inter-relationships, the
difficulties they come up against in everyday life so that teamwork becomes effective and the
attempts, despite the difficulties, in order to transform their practices and create new forms of
interaction and work. Our aim was to examine the multiprofessional team work in health in
everyday practices context of infectious diseases health care at the Instituto de Pesquisa
Clínica Evandro Chagas (Ipec / Fiocruz), more precisely, in the hospitalization sector. The
theoretical and methodological references adopted was based on contributions of Schwartz’s
ergological perspective and humanization, according to the National Humanization Policy,
PNH/MS, and the literature about multiprofessional team work in health. Based on the
research objectives and the theoretical and methodological references, we chose a qualitative
research using observation and semi-structured interviews as techniques. From a total of 41
professionals who could participate in the study, 29 professionals agreed to participate, and 23
were interviewed. The analysis of empirical material produced was based on the technique of
content analysis of Bardin and Minayo in its thematic analysis type and showed that despite
the various forms of fragmentation that permeate the activities, all the respondents shared the
view that teamwork is essential and realize the complementarity and interdependence of
various labor processes. It was possible to observe how the debate brought by the National
Humanization Policy, PNH, can contribute in building new ways of working as a team in
IPEC. There are initiatives that demonstrate an attempt to work as a team, however, the
biomedical rationality that crosses the inter-relations and the predominance of a posture of
waiting the attitude of others demonstrate the need to encourage the protagonism of subjects,
through care networks and participative management, and make the management they do of
their own work become visible.
Keywords: Multiprofessional team work; Interprofessional relations; Humanization of
hospital care; Infectious diseases.
Lista de siglas
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
MS Ministério da Saúde
DST Doença Sexualmente Transmissível
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
HTLV
V
írus Linfotrópico para Células T Humanas
MP3 um Padrão de arquivos digitais de áudio
Projeto UNI Projeto “Uma Nova Iniciativa na Formação dos Profissionais de Saúde”
VERSUS Vivência Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde
PRÓ-SAÚDE Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde
CFM Conselho Federal de Medicina
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
UTI Unidade de Terapia Intensiva
LAPPIS Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde
PNH Política Nacional de Humanização
SUS Sistema Único de Saúde
PSF Programa de Saúde da Família
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Ipec Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz
ECRP Entidades Coletivas Relativamente Pertinentes
Sumário
Introdução
Capítulo I - Olhares sobre o trabalho: processo de trabalho em
saúde
1.1 Perspectiva ergológica
1.2 Humanização
Capítulo II - O trabalho em equipe multiprofissional de saúde
2.1 Concepções e características
2.2 Relações interprofissionais e reuniões de equipe
2.3 Trabalho em saúde: comunicação como dimensão chave
2.4 Dificuldades e potência do trabalho em equipe
Capítulo III – Percurso metodológico
3.1 Cenário do estudo
3.2 Sujeitos da pesquisa
3.3 Aspectos éticos
3.4 O Trabalho de campo
3.5 Procedimentos de análise
Capítulo IV – Resultados e Discussão
4.1 Relações interprofissionais: interdependência, fragmentação e
complementaridade instrumental
4.2 Reuniões de Equipe: o trabalho em equipe em construção à
espera pelos sujeitos da mudança
4.3 Limites ao trabalho em equipe
4.4 Possibilidades
Considerações finais
Referências bibliográficas
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista
15
25
32
36
47
47
54
65
69
74
76
80
81
84
90
94
95
126
142
150
157
161
169
APÊNDICE B - Roteiro da observação participante
ANEXO A – Termo de Autorização da Diretoria Ipec
ANEXO B – Parecer CEP/ENSP
ANEXO C – Parecer CEP/IPEC
Anexo D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
171
174
176
178
180
15
Introdução
Toda dissertação de mestrado ou tese de doutorado no campo da pesquisa qualitativa
geralmente apresenta em sua introdução um breve relato do pesquisador sobre sua implicação
com o tema da pesquisa e sempre é um relato emocionante de como aquele tema o perseguiu
durante toda a sua formação acadêmica até sua entrada no mestrado ou doutorado, onde se
realizou por completo ao ter a oportunidade de investigar a fundo aquele assunto que tanto o
intrigava.
Como é possível perceber, meu relato tem um início bem diferente, pois no meu caso
acho que eu tive que perseguir o tema desta pesquisa. Nesse caminho, de encontro com o
tema do trabalho em equipe na saúde fui também me encontrando com diversas coisas que
muito tempo vinha perseguindo. A história completa dessa trajetória, porém, seria muito
extensa para os objetivos dessa introdução, então, o que tenho a colocar nesse texto é,
primeiro, que nada acontece na nossa vida por acaso e, depois, que meu encontro com a Saúde
Pública, a Saúde do Trabalhador e com o tema dessa pesquisa se deu, em sua origem bem
inicial, a partir de inquietações múltiplas com relação a minha área de formação.
Formada cirurgiã-dentista, há oito anos, esta foi a profissão que escolhi e exerci,
sempre com muito amor, dedicação e esforço, em maior parte no SUS do que nos consultórios
fechados e isolados que nunca me agradaram muito. E um desejo era certo pra mim: o de
seguir a carreira acadêmica. Entretanto, passei por um período de indefinição, em que senti a
necessidade de correr atrás desse meu desejo, mas não sabia como, pois na odontologia
nenhuma especialidade clínica me interessava enquanto campo de pesquisa. Parecia, e me
parece até hoje, que na odontologia as visões do mundo são sempre tão limitadas e ao me
deparar com a Saúde Pública, vi um mundo enorme se abrir diante de mim e foi que me
encontrei.
Essa dissertação simboliza para mim muito mais do que a obtenção de um título. É
como que um rito de passagem na minha vida, uma passagem que me leva de um lugar
fechado e restrito a um campo aberto e cheio de possibilidades. O mestrado foi, então, minha
porta de entrada.
Logo no início do curso, minha proposta inicial de estudo, que era em torno da
Odontologia do Trabalho, foi deixada de lado sem nenhum arrependimento e em comum
acordo entre eu e minha orientadora, pois que meu envolvimento naquele momento, como
16
disse, era com a Saúde Pública, com todo um campo novo que acabara de se abrir diante de
mim. E por isso, não faria sentido naquele momento que eu insistisse com aquele objeto de
pesquisa, somente por ter alguma referência à minha área de formação.
Não que eu quisesse fugir da minha formação, mas se eu podia abrir meus horizontes,
então, por que me fechar? Foi então, que aceitei a proposta de minha orientadora de participar
do seu grupo de pesquisa sobre gestão do trabalho e humanização no Ipec e aí sim me
encontrei com o tema, o trabalho em equipe na saúde. E ao mesmo tempo, encontrei a área de
pesquisa que tanto perseguia, o início de uma carreira acadêmica desejado desde a graduação
e até mesmo meu sonho de ser mãe, que também sempre persegui.
A partir do meu envolvimento progressivo com o tema, foram surgindo os grandes
desafios, as dúvidas, as incertezas, as inseguranças, mas com muito esforço, dedicação,
perseverança e apoio consegui chegar a elaboração dessa dissertação. E agora, nessa etapa de
finalização, percebo o quanto o acaso não existe, como afirmei antes, pois o tema do trabalho
em equipe se encaixou perfeitamente em tudo que eu estava buscando, pois é um tema que
traz à reflexão a necessidade de se abrir ao novo e às trocas com o desconhecido, de romper as
fronteiras do saber, de reinventar o que parece estar dado.
Nesse caminho, encontrei a possibilidade de estudar e criticar tudo que no início
sempre me inquietou e que foi a razão de toda essa busca: o reducionismo, o isolamento dos
saberes, o individualismo, o olhar restrito para as necessidades do ser humano, ou seja, depois
desse longo período em que persegui o tema dessa pesquisa a fim de me aprofundar, de
conhecer o quase desconhecido, hoje parece que o tema já estava comigo.
Cabe ainda ressaltar que em muitas partes do texto que se segue, optei por utilizar a
terceira pessoa, por entender que no caminho de construção e elaboração dessa pesquisa, ao
lado dos muitos momentos de reflexão, estudo, pesquisa e trabalho solitários, segui um
caminho de parceria junto à minha orientadora, que apesar de não estar comigo em meus
momentos de leitura, no momento em que entrei pela primeira vez no campo, no momento de
minhas primeiras inflexões e análises incipientes, foi quem realmente me orientou nesse
caminho que aqui descrevo. Foi com base nas suas orientações que fiz minhas escolhas
teórico-metodológicas e com elas sempre em mãos, ou em mente, segui meu caminho de
investigação. Portanto, é impossível não deixar que essa situação se reflita na construção
desse texto, tendo em vista que apesar de parecer que grande parte da pesquisa tenha se
desenvolvido solitariamente, em todos os seus momentos senti que estávamos realizando-a
em conjunto.
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A importância e necessidade do trabalho em equipe multiprofissional na saúde são
apontadas na literatura por diversos autores e diversas justificativas são relacionadas a essa
necessidade. Inicio o estudo sobre essa modalidade de trabalho na saúde, então, trazendo
algumas dessas justificativas que nos fazem pensar sobre a pertinência do tema na Saúde
Pública.
Para Schraiber et al (1999), na aspiração ao trabalho em equipe se conjuga a crítica a
divisão do trabalho e dos saberes e a necessidade de recomposição das ações. Percebem que
tanto a proposta como a prática do trabalho em equipe estão relacionados a uma série de
mudanças que vêm ocorrendo na oferta de serviços de saúde, tais como: a especialização do
trabalho, a especialização das disciplinas científicas, a crescente incorporação de tecnologia, a
institucionalização elitizadora e segmentadora da oferta de atenção à saúde, o caráter
interdisciplinar dos objetos do trabalho em saúde, o valor ético e a diretriz política da atenção
integral às necessidades de saúde do conjunto da população.
Diante das múltiplas dimensões que as necessidades de saúde expressam - social,
psicológica, biológica e cultural e o intenso processo de especialização do conhecimento e das
intervenções acerca desse objeto complexo, nenhum agente isolado tem a capacidade de
realizar a totalidade das ações de saúde demandadas. Surge assim, a necessidade de recompor
os trabalhos especializados, seja de especialidades de uma mesma área profissional, seja de
áreas distintas – multiprofissionais com vistas à assistência integral de saúde (SCHRAIBER et
al, 1999).
Para Honorato e Pinheiro (2007), a integralidade como princípio do SUS conforma um
campo onde a ação necessariamente convoca uma rede de profissionais com suas
especificidades colocadas a disposição da ação resolutiva que abrange as respostas que cada
situação demanda. A ideia da necessidade de trabalho em equipe atrelada a busca da
integralidade também é trazida por Canoletti (2008), que coloca que tanto a equipe de
enfermagem como a equipe de saúde, da qual a enfermagem é participante, têm como diretriz
ou ideia reguladora a integralidade da saúde, que busca no trabalho em equipe a resposta às
necessidades de saúde na modalidade de atenção integral.
Gomes, Pinheiro e Guizardi (2005) destacam que estudar a fragmentação entre os
profissionais e suas respectivas práticas torna-se relevante devido ao fato dela estar presente
nas diversas situações do serviço, como na análise do corpo humano dividido em órgãos e
tecidos ou na relação de objetivação do usuário ou ainda na organização dos serviços e do
atendimento, marcados pela descontinuidade das ações. Tal fragmentação torna-se um
obstáculo significativo ao princípio da integralidade, e, portanto, analisar o trabalho em saúde
18
nesse aspecto, buscando sua superação, significa contribuir para o debate em direção à
materialização desse princípio constitucional.
Costa, Enders e Menezes (2008), igualmente, abordam a questão da integralidade,
quando consideram que o trabalho em equipe multiprofissional representa um dos pontos
centrais ou um pressuposto orientador na reorganização da atenção à saúde no SUS, voltada a
projetos assistenciais mais integrais e resolutivos, que promovam mudança nos processos de
trabalho e nas formas de atuar sobre a complexidade dos fatores intervenientes no processo
saúde-doença da população, através de uma maior interação entre os profissionais e as ações
que desenvolvem.
O Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS), que
surgiu a partir do crescimento e da institucionalização do projeto ‘Integralidade: Saberes e
Práticas no Cotidiano das Instituições de Saúde’, criado em 2000, tendo sido certificado como
grupo de pesquisa no diretório do CNPq em 2004, é um programa de estudos que reúne um
colegiado de pesquisadores que auxiliam na identificação e construção de práticas de atenção
integral à saúde. O grupo busca repensar a noção de integralidade a partir da análise,
divulgação e apoio a experiências inovadoras e tem como ponto de partida o conhecimento
que é construído na prática dos sujeitos nas instituições de saúde e na sua relação com a
sociedade civil. Seu objetivo final é buscar estratégias de ação conjunta que possam contribuir
para o desenvolvimento de referenciais teórico-metodológicos para estudos de experiências
sobre integralidade e seus efeitos e simultaneamente, levar à formação de profissionais
capacitados e comprometidos com a integralidade da atenção à saúde. Entende a integralidade
como um amplo conceito ou uma ação social resultante da interação democrática entre os
sujeitos no cotidiano de suas práticas na prestação do cuidado da saúde, em diferentes níveis
do sistema (LAPPIS, 2010).
Segundo Mattos (2006), em uma aproximação inicial do termo integralidade, pode-se
dizer que representa uma das diretrizes básicas do SUS, instituído pela Constituição de 1988.
Apesar de no texto constitucional não constar a expressão integralidade, pois fala em
"atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assistenciais" (BRASIL, 1988, art. 198), o termo integralidade tem sido utilizado
correntemente para designar exatamente essa diretriz. Para o autor, a integralidade não é
apenas uma diretriz do SUS definida constitucionalmente: ela é uma "bandeira de luta", parte
de uma "imagem objetivo", um enunciado do conjunto de valores e de certas características
do sistema de saúde, de suas instituições e de suas práticas que são consideradas desejáveis e
pelos quais vale a pena lutar, por estarem intimamente relacionados a um ideal de uma
19
sociedade mais justa e mais solidária. Entende que a noção de "imagem objetivo" diferencia-
se de uma utopia posto que os atores que a sustentam julgam que tal configuração pode ser
tornada real num horizonte temporal definido. Toda imagem objetivo parte de um pensamento
crítico, um pensamento que se recusa a reduzir a realidade ao que "existe", que se indigna
com algumas características do que existe, e almeja superá-las e, assim, tenta indicar a direção
que queremos imprimir à transformação da realidade. Portanto, qualquer imagem objetivo
pode ter vários sentidos, ela é sempre polissêmica, por conter sentidos correlatos forjados num
mesmo contexto de luta e articulados entre si, mas ao mesmo tempo distintos, que
possibilitam que vários atores, cada qual com suas indignações e críticas ao que existe,
comunguem estas críticas e, pelo menos por um instante, pareçam comungar os mesmos
ideais.
Mattos (2006) ao discorrer sobre os rios sentidos do termo integralidade, coloca três
grandes conjuntos de sentidos que incidem sobre diferentes pontos para nossa reflexão: o
primeiro se refere a atributos das práticas dos profissionais de saúde, são valores ligados a
uma boa prática, independentemente de ela se dar no âmbito do SUS; o segundo refere-se a
atributos da organização dos serviços e o terceiro aplica-se às respostas governamentais aos
problemas de saúde. Em qualquer um desses sentidos, porém, a integralidade implica uma
recusa ao reducionismo e à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o
diálogo e por isso, talvez se concretize quando se procura estabelecer uma relação sujeito-
sujeito, seja nas práticas nos serviços de saúde, seja nos debates sobre a organização dos
serviços ou nas discussões sobre as políticas.
Por fim, cabe, nesta breve reflexão sobre a integralidade, seus sentidos e a maneira
como esta deve influenciar nossas práticas na construção do SUS que queremos, como
pesquisadores, profissionais de saúde ou como cidadãos, trazer a conclusão que Mattos (2004)
elaborou em um estudo, cuja discussão se fez em torno do conjunto de sentidos voltado aos
atributos das práticas de saúde, com algumas considerações a respeito da organização dos
serviços, propondo que por todos os lados uma série de propostas de mudança nas práticas e
nos arranjos dos serviços caminham no sentido da tentativa de tornar concreta a integralidade,
assim como, existem diversas experiências que concretizam essa aparente utopia. Como
exemplos, temos a ideia chave das propostas de acolhimento de que nenhuma pessoa que
entra num serviço de saúde deve sair dele sem alguma resposta concreta para as suas
necessidades, as teses que enfatizam a necessidade de uma escuta atenta por parte de todos os
profissionais atuantes nos serviços de saúde (do segurança ao médico), as flexibilizações das
rotinas sobre os fluxos dos usuários nos serviços de saúde, permitindo um fluxo negociado
20
para cada pessoa, as ideias de clínica ampliada e ainda uma rie de ideias e propostas que
têm sido formuladas e experimentadas em vários locais e representam caminhos na busca da
integralidade. E por fim, o autor nos chama a atenção para aqueles tantos profissionais, que
mesmo sem elaborar teoricamente nenhuma proposta e sem nem mesmo se utilizar do termo,
praticam a integralidade no seu cotidiano.
Diversos autores compartilham a mesma ideia do trabalho em equipe como uma
necessidade inerente ao enfrentamento da complexidade das necessidades de saúde, dentre
eles, Colomé, Lima e Davis (2008) que afirmam ser preciso desenvolver um trabalho
conjunto, no qual todos os profissionais envolvam-se em algum momento da assistência de
acordo com seu nível de competência específico, e possam formar um saber capaz de dar
conta da complexidade dos problemas e necessidades de saúde. E Peduzzi (2007a) aponta
nesta mesma direção ao justificar que intervir na realidade do trabalho em equipe significa
promover a mudança das práticas de saúde, no sentido da integração das ações e dos
trabalhadores, buscando assegurar assistência e cuidado que respondam de modo pertinente,
no sentido ético, técnico e comunicacional, às necessidades de saúde dos usuários e da
população de referência do serviço. Ainda segundo Araújo e Rocha (2007) o trabalho em
equipe tem como objetivo obter impactos sobre os diversos fatores envolvidos no processo
saúde/doença.
Como afirma Pinho (2006), o trabalho em equipe surge como uma estratégia para
redesenhar os processos de trabalho e promover a qualidade dos serviços, e, embora haja
muitos modelos conceituais demonstrando a sua importância, existe ainda também muita
indefinição em torno dos conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para tal
modalidade de trabalho se concretizar nas práticas de saúde.
Na visão de Canoletti (2008) a importância do trabalho em equipes compostas por
diversos profissionais se dá, na atualidade, principalmente a partir da implantação do SUS e
do PSF, que trouxeram a necessidade de mudanças no modelo de atenção à saúde, no Brasil.
Reflexo dessa situação é o aumento das publicações sobre trabalho em equipe constatada em
seu estudo, sobretudo nas décadas de 1990 e 2000.
Para Campos (1992), dentre as justificativas existentes para a formação de equipes nos
serviços de saúde estão três que podem ser consideradas principais: a quebra da divisão do
processo de trabalho em recortes verticais que criam segmentos estanques na produção de
saúde, sem articulação e interdependência nas ações dos profissionais distintos; a
possibilidade de responsabilização de cada equipe por um conjunto bem delimitado de
21
problemas e pelo planejamento das ações capazes de resolvê-los; e, por fim, a possibilidade
de facilitar a superação da inércia e da indiferença burocrática nos serviços de saúde.
Cabe citar alguns estudos, dentre muitos outros, (SILVA; TRAD, 2004/2005;
FORTUNA et al, 2005; ARAÚJO; ROCHA, 2007; COLOMÉ; LIMA; DAVIS, 2008;
COSTA; ENDERS; MENEZES, 2008) que ressaltam a necessidade do trabalho em equipe
multiprofissional como um dos pressupostos mais importantes para a reorganização do
processo de trabalho e possibilidade de uma abordagem mais integral e resolutiva no âmbito
do PSF. São estudos que investigam aspectos como a maneira que o trabalho em equipe se
desenvolve nessa estratégia, a percepção de residentes médicos, enfermeiras e outros
profissionais sobre o tema, a comunicação, as evidências de articulação e interação, além dos
seus limites e possibilidades.
Existem autores, porém, que alertam para o fato de que a simples composição de
equipes nos serviços não corresponde necessariamente à configuração de um trabalho em
equipe. Percebe-se que diante das situações que se apresentam e das demandas por cuidado de
saúde feitas a esses profissionais diversas modalidades de trabalho em equipe podem ocorrer
(LIMA; ALMEIDA, 1999; SCHRAIBER et al, 1999).
Aspectos que dizem respeito ao campo das relações interprofissionais, como a
autonomia técnica de cada profissional, a complementaridade e interdependência dos
trabalhos realizados, a articulação das ações, a forma de comunicação utilizada nas trocas que
ocorrem entre os profissionais, a construção de consensos, a elaboração de projetos
assistenciais comuns, a forma como são realizadas as tomadas de decisão, entre outros, e a
forma como eles se relacionam vão permitir que diversos arranjos se formem nos serviços de
saúde: uns que levam as relações para uma direção oposta à tentativa de trabalho em equipe e
outras que podem indicar um caminho para sua realização efetiva.
Na complexa rede de relações que configura a trabalho em saúde, os trabalhadores em
diversos momentos se vêem em meio a um debate de normas, entre as normas antecedentes,
provenientes do que está instituído enquanto norma do trabalho a se realizar e as normas
recentradas, que são dependentes do conjunto de valores, saberes, experiências do
trabalhador, que percebe a necessidade de confrontá-las com o conjunto de normas
antecedentes naqueles momentos da atenção em que ocorrem os imprevistos, ou o vazio de
normas. Então a partir desse debate de normas efetuado pelo trabalhador em ação novas
formas de produzir saúde podem surgir ou haver a permanência do que está instituído. Isto irá
depender da maneira como esse trabalhador vai realizar suas escolhas diante dessa dramática
22
inerente a todo tipo de trabalho e das formas existentes de coibir essas escolhas
(SCHWARTZ, 2003; 2004b; 2006; SCHWARTZ; DUC; DURRIVE, 2007a; b).
Acreditamos, portanto, que a possibilidade de transformação das práticas de saúde
encontra potencial nos próprios sujeitos que as produzem, os trabalhadores da saúde, através
do seu trabalho vivo em ato (MERHY, 2007a; b) e de suas escolhas na atividade frente às
necessidades colocadas pelos usuários. Escolhas estas que dizem respeito ao tipo de relações
interprofissionais que desejam construir e ao projeto intelectual que pretendem seguir para
orientar suas práticas. Porém, é preciso compreender melhor que normas antecedentes
predominam nos serviços e de que maneira podem estar dificultando ou impedindo, de certa
forma, a visibilidade dessa gestão que todo trabalhador realiza na execução de suas atividades.
A partir dessa perspectiva, o presente estudo pretende contribuir para a produção
científica sobre o trabalho em equipe multiprofissional na saúde, buscando uma maior
compreensão de alguns aspectos que influenciam sua efetivação enquanto forma de produzir
saúde, podendo vir a servir de base para outros estudos. Assim como pretende ser também
uma fonte de reflexão sobre o tema, fomentando a discussão e proporcionando a elaboração
de novas propostas ou ideias. Pretendemos, através de uma investigação em parte baseada na
experiência e na vivência dos próprios profissionais envolvidos na atenção à saúde, responder
a alguns questionamentos nossos sobre o tema, como: de que forma ocorre no dia a dia essa
modalidade de trabalho na saúde, ou se não ocorre, o que está por traz disso, dificultando sua
existência e o que pode ser feito para que essas dificuldades sejam superadas.
Diante das premissas anteriormente apontadas, o objetivo geral dessa pesquisa foi o de
analisar o trabalho em equipe multiprofissional de saúde no contexto das práticas cotidianas
de atenção à saúde em doenças infecciosas no Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas
(Ipec/Fiocruz). A fim de delimitar o caminho a ser traçado para alcançar tal objetivo foram
definidos alguns objetivos específicos: analisar o processo de trabalho da equipe
multiprofissional de saúde, com foco nas relações interprofissionais; apreender as interações
estabelecidas e o modo como os trabalhadores vivenciam as relações interprofissionais e de
que maneira estas refletem nas práticas de atenção à saúde e no próprio trabalho de cada
profissional; identificar práticas de trabalho efetivo em equipe e novos modos de produzir
saúde e verificar os obstáculos encontrados pelos trabalhadores para o efetivo trabalho em
equipe e suas propostas de superação.
Nos capítulos I e II, será apresentado o referencial teórico-metodológico que
fundamentou essa pesquisa. No capítulo I, Olhares sobre o trabalho: processo de trabalho
em saúde”, procuramos reunir as contribuições teóricas que funcionaram como suporte em
23
todos os momentos da pesquisa, conduzindo o olhar da pesquisadora sobre seu objeto de
estudo e norteando as reflexões. Entendemos que as contribuições teóricas trazidas nessa parte
da fundamentação teórica, delineiam um caminho por onde decidimos seguir ao investigar o
trabalho na saúde. As principais contribuições teóricas nesse caminho foram: a perspectiva
ergológica de Yves Schwartz e a Humanização, com base nos preceitos da PNH (BRASIL,
2004; 2008; 2009a; b; c).
No capítulo II, “O trabalho em equipe multiprofissional de saúde” foi realizada uma
revisão da literatura sobre o trabalho em equipe multiprofissional na saúde. Devido aos
diferentes aspectos encontrados na exploração do tema, resolvemos subdividir essa parte do
capítulo em quatro subtemas: “Concepções e características”, onde reunimos algumas
concepções de trabalho em equipe e as características que permitem reconhecê-lo; “Relações
interprofissionais e reuniões de equipe”, que traz para a reflexão alguns aspectos das relações
interprofissionais na saúde que interferem no trabalho em equipe e algumas características
destas relações que são peculiares da organização hospitalar; Trabalho em saúde:
comunicação como dimensão chave”, a comunicação abordada na literatura como a dimensão
chave do trabalho em equipe e “Dificuldades e potência do trabalho em equipe”, que
agrupou os principais entraves, fatores facilitadores e algumas propostas dos autores para a
concretização do trabalho em equipe na saúde.
O capítulo III refere-se ao percurso metodológico realizado na pesquisa para alcançar
os objetivos e inclui uma introdução a respeito do tipo de pesquisa que foi realizada, a
pesquisa qualitativa, e as técnicas de investigação selecionadas para permitir a produção dos
dados empíricos. Após essa breve introdução, o texto foi dividido em cinco subtítulos:
“Cenário do estudo”, onde foi detalhado o processo de escolha do local de pesquisa e sua
descrição; “Sujeitos da pesquisa”, uma descrição sobre os participantes da pesquisa;
“Aspectos éticos”; “O trabalho de campo”, relatando as etapas realizadas para a produção de
dados e “Procedimentos de análise”, onde detalhamos o método utilizado para analisar o
material empírico produzido em campo.
O capítulo IV contém a apresentação e discussão dos resultados da pesquisa, divididos
em subitens que correspondem às diferentes categorias empíricas que foram levantadas com a
pesquisa e, ao mesmo tempo, que se relacionam aos objetivos específicos que buscamos
alcançar. Este capítulo foi assim subdividido em: “Relações interprofissionais:
interdependência, fragmentação e complementaridade instrumental”; Reuniões de Equipe:
o trabalho em equipe em construção à espera pelos sujeitos da mudança”, subitens que
apresentam os resultados referentes aos objetivos específicos de analisar o processo de
24
trabalho da equipe multiprofissional de saúde, com foco nas relações interprofissionais,
identificar práticas de trabalho efetivo em equipe e novos modos de produzir saúde e
apreender as interações estabelecidas e o modo como os trabalhadores vivenciam as relações
interprofissionais e de que maneira estas refletem nas práticas de atenção à saúde e no próprio
trabalho de cada profissional; Limites ao trabalho em equipe” que apresenta as principais
dificuldades apresentadas no cotidiano desses profissionais para o efetivo trabalho em equipe
e Possibilidades”, que apresenta as sugestões e propostas dos profissionais entrevistados
para efetuar mudanças nas práticas vividas em prol do trabalho em equipe.
Por fim, nas “Considerações finais” procuramos expor as conclusões possíveis a
respeito do tema estudado a partir da pesquisa realizada. Procuramos resgatar algumas
questões apontadas ao longo dos capítulos, especialmente à luz dos resultados da pesquisa, na
intenção não de propor soluções para o trabalho em equipe e humanização da atenção e sim
propor algumas reflexões a partir do que se pôde apreender melhor sobre as possibilidades de
humanização da atenção através dessa modalidade de trabalho coletivo durante a realização
dessa pesquisa.
25
Capítulo I
Olhares sobre o processo de trabalho em saúde
Abordar o trabalho como objeto de investigação requer que nossos olhares não se
percam e que sejam guiados em um caminho que nos permita enxergar os detalhes, as
nuances, as singularidades, mas também que não nos deixe perder de vista o contexto, o geral.
Definir claramente o que estará guiando meu olhar sobre o trabalho me parece essencial,
tendo em vista minha inserção enquanto mestranda no campo da Saúde Pública, mais
especificamente no campo da Saúde do Trabalhador. A Saúde do Trabalhador traz uma nova
forma de apreender a relação entre trabalho e saúde e com isto instiga e traz à reflexão modos
inovadores de intervir nos ambientes de trabalho.
Segundo Mendes e Dias (1991), no Brasil a Saúde do Trabalhador surge no início da
década de 1980, período marcado pela transição democrática, assim como ocorreu no mundo
ocidental. Seu objeto pode ser definido como o processo saúde e doença dos grupos humanos
em sua relação com o trabalho, num esforço de compreender tal processo e desenvolver
alternativas de intervenção que levem à transformação na direção da apropriação pelos
trabalhadores, da dimensão humana do trabalho. O trabalho, enquanto organizador da vida
social, é considerado pela Saúde do Trabalhador como espaço de dominação e submissão do
trabalhador pelo capital, mas, igualmente, de resistência, de constituição e de fazer histórico.
Nesta história os trabalhadores assumem o papel de atores, sujeitos capazes
de pensar e de se pensarem, produzindo uma experiência própria, no
conjunto das representações da sociedade. No âmbito das relações saúde x
trabalho, os trabalhadores buscam o controle sobre as condições e os
ambientes de trabalho, para torná-los mais saudáveis. (MENDES; DIAS,
1991, p.347).
Ainda segundo Mendes e Dias (1991), apesar da diferença entre os países e a época, o
campo tem por princípios comuns: a busca pelo reconhecimento do saber dos trabalhadores; o
questionamento pelos trabalhadores quanto às alterações nos processos de trabalho, em
particular na adoção de novas tecnologias; o exercício do direito à informação e a recusa ao
trabalho perigoso ou arriscado à saúde.
Segundo Lacaz (2007), com base em Oddone et al (1986), o campo Saúde do
Trabalhador incorpora a idéia do trabalhador enquanto agente de mudanças, com saberes e
vivências sobre seu trabalho, compartilhadas coletivamente e, como ator histórico, é
considerado capaz de intervir e transformar sua própria realidade de trabalho, participando no
26
controle da nocividade existente, na definição de prioridades de intervenção e na elaboração
de estratégias transformadoras. Para o autor,
O protagonismo dos trabalhadores organizados, o envolvimento da rede de
saúde blica nas ações de atenção à saúde (assistência + vigilância) que
apreende as relações trabalho-saúde mediante a categoria processo de
trabalho, constituem o cerne da abordagem em Saúde do Trabalhador,
envolvendo “corações e mentes” resgatando o social para embasar saberes e
práticas em saúde (LACAZ, 2007, p.763).
Esse estudo se insere nessa perspectiva, pois buscou apreender como os trabalhadores
vivenciam as relações interprofissionais, as dificuldades que encontram no dia a dia para que
o trabalho em equipe se efetive e as tentativas empreendidas, em meio às dificuldades, no
sentido de transformar suas práticas e criar novas formas de interação e trabalho. Assim,
buscou contribuir para a discussão dessa nova forma de organização do trabalho em saúde, o
trabalho em equipe, cuja importância é ressaltada por diversos autores, como veremos mais
adiante, e trazer para a discussão a contribuição da experiência dos trabalhadores e a
preocupação com o que essa proposta de mudança na organização do trabalho acarreta de
desafios para os mesmos.
As diferentes contribuições teóricas que esse capítulo abarca funcionaram como um
suporte em todos os momentos da pesquisa, conduzindo o olhar, norteando a reflexão e
permitindo ver os aspectos singulares por detrás do comum e cotidiano, a criatividade,
inventividade no trabalho por vezes mascarada por trás de protocolos, procedimentos de
rotina, que capturam até mesmo o olhar de seus sujeitos, os trabalhadores.
Introduzo esse capítulo com o conceito que Marx (1983) nos coloca de trabalho como
algo que deve ser considerado, a princípio, independente de qualquer forma social
determinada. O trabalho é, antes de tudo, um processo que ocorre entre homem e natureza, no
qual aquele mobiliza as forças naturais de sua corporalidade, a fim de apropriar-se da matéria
natural de uma forma útil para sua vida. Porém, diferentemente dos animais, o homem, ao fim
do processo de trabalho, obtém um resultado que existia em sua imaginação antes de tê-lo
iniciado e ao atuar modificando a natureza externa a ele, ao mesmo tempo o homem modifica
sua própria natureza. Portanto, o trabalho é uma mediação entre o homem e a natureza, que
opera transformações requeridas por necessidades humanas. O processo de trabalho tem como
elementos básicos, a atividade orientada a um fim – o trabalho mesmo – , o objeto do trabalho
e os meios de trabalho (coisa ou complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si e o
objeto e que serve de condutor de sua atividade sobre este objeto). Sendo assim, no processo
de trabalho a atividade do homem, através dos meios de trabalho e orientada a um objetivo
27
traçado em sua mente, transforma o objeto em um produto, que é um valor de uso; uma
matéria natural que foi adaptada às necessidades humanas (MARX, 1983).
Mendes-Gonçalves (1992) define as necessidades como carecimentos que se
modificam e se desenvolvem e geram o projeto que i direcionar a transformação ou o
processo de trabalho. Assim, é a necessidade, com uma dada finalidade, que define o processo
de trabalho enquanto ação transformadora. É o olhar com base em determinadas concepções
de necessidades e as potencialidades para a sua satisfação que permite delimitar, recortar um
dado objeto de trabalho. Percebe-se assim que o objeto de trabalho não existe naturalmente e
sim é definido de acordo com o recorte feito. Assim, os objetos de trabalho se modificam de
acordo com as necessidades sociais e de acordo com o momento histórico. A partir daí, é
possível compreender que através da História o processo de trabalho na saúde foi se
modificando conforme as necessidades sociais se transformavam.
Após uma breve exposição da evolução histórica que se deu no campo do trabalho
voltado às necessidades de saúde, Mendes-Gonçalves (1992) chega ao que denomina modelo
clínico, que se baseia na clínica anátomo-patológica e descreve suas características afirmando
que de início todo o processo de trabalho em saúde era possivelmente realizado por um único
trabalhador: o médico. Porém, o hospital levou ao aparecimento de diversos trabalhos
denominados pelo autor de infra-estruturais – dos quais o mais importante foi o do enfermeiro
- , que se constituíram na primeira extensão do médico em um trabalhador coletivo. A esses
trabalhadores foram deixadas as funções relativamente mais manuais e complementares,
porém essenciais ao processo como um todo, enquanto o núcleo mais intelectual, como
denomina o autor, permaneceu sob o domínio do médico. A partir daí, outras divisões
ocorreram, como a divisão do trabalho do próprio enfermeiro em funções mais intelectuais
para o enfermeiro propriamente dito e as menos intelectuais para os seus auxiliares. Numa
etapa histórica posterior a essa divisão interna ou vertical do trabalho médico coletivo, teve
início um processo de divisão horizontal de dois tipos: a constituição de profissionais médicos
especializados em partes dos processos diagnósticos e terapêuticos, e a agregação de outros
profissionais com atuação complementar – odontólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional,
fisioterapeuta, psicólogo, assistente social, cientista social e o administrador.
Ainda quanto à divisão do trabalho na saúde, Peduzzi (1998) ressalta que esta se deu
de forma processual e complexa, pois cada trabalho se individualizou pela necessidade
histórica de sua atuação especializada, configurando saberes e ações próprios e singulares. Tal
divisão ocorre em decorrência, portanto, não apenas do avanço científico-tecnológico, mas em
conjunto com a própria dinâmica social das práticas de saúde, que aos poucos gera
28
subdivisões sistemáticas dos trabalhos, parcelamentos das tarefas interiores a cada área de
atuação e isso se faz com a conformação de núcleos com um recorte cada vez “mais manual”.
Desse modo, temos a divisão técnica e pormenorizada de trabalhos que apresentam desigual
valoração social entre si.
Para Peduzzi (1998) uma das principais particularidades do processo de divisão do
trabalho em saúde decorre da maneira como foi se fragmentando sua dimensão intelectual – o
saber técnico. A subdivisão em trabalhos parcelares “mais manuais” se deu preservando, para
o trabalho original do qual derivam, o núcleo “mais intelectual”. Porém, ambos mantém
momentos de caráter intelectual e manual, que diferem em quantidade e qualidade e também
quanto a sua legitimidade social, visto que o controle dos momentos “mais intelectuais”
garante o poder e o controle sobre os processos de trabalho realizados. Salienta ainda que tais
trabalhos que se individualizam, em sua maioria, preservam um espaço de julgamento e
decisão, no qual se efetuam a tradução de um saber técnico específico para a situação em
particular que se apresenta na atenção que se realiza permeada pela relação interpessoal, no
jogo da intersubjetividade. Ou seja, por mais manual que seja o trabalho jamais deverá ser
visto como completamente expropriado de um momento reflexivo de interação.
Outra característica que pode ser observada na intencionalidade dos processos, no
recorte do objeto e dos instrumentos de trabalho das várias áreas é a existência de dois
conjuntos de trabalhos especializados, um que foi se conformando em torno de um saber
predominantemente biológico e biomédico, tomando para si recortes diversos de apreensão e
de intervenção no “corpo”, como por exemplo, a odontologia, fisioterapia e nutrição. E um
outro que tem sua origem em um campo alheio à área biológica, encontra-se no âmbito das
ciências sociais ou humanas e como exemplos temos a psicologia e o serviço social. A
enfermagem tem sua origem independente da medicina, suas práticas não pressupunham
ordens médicas e o objetivo do cuidado não se ligava ao corpo do doente e nem a sua doença,
mas sim ao cuidado de cunho religioso. Medicina e enfermagem existiram por muitos séculos
sem muito contato até se encontrarem quando as transformações do saber e da prática médica
encontraram no hospital um espaço privilegiado de experiência e transformaram-no em
instrumento terapêutico. Assim, instala-se a dualidade curador (médico)-cuidador (agentes de
enfermagem) (PEDUZZI, 1998).
Ainda para compreender o processo de trabalho nas sociedades é preciso ter em mente
que o homem é um ser social, que se expressa, produz e se reproduz em grupo, sendo estes
que determinam as necessidades e que são responsáveis pela sociabilidade dos indivíduos,
pois raramente o homem é capaz de concluir completamente um processo de trabalho
29
isoladamente (MENDES-GONÇALVES, 1992). E ainda, como explica Peduzzi (1998), um
determinado processo de trabalho sempre ocorre numa rede de processos alimentados
reciprocamente e nessa rede, distintos processos de trabalho se encadeiam pela conexão dos
elementos constituintes e se integram por meio das necessidades que internalizam para
acontecerem.
Franco (2006) contribui para o entendimento sobre as redes na micropolítica do
processo de trabalho em saúde ao afirmar que nos serviços de saúde existem múltiplas redes
operando em conexões entre si, em diversas direções e sentidos, construindo linhas de
produção do cuidado. Como os trabalhadores de saúde em atividade abrem espaços
relacionais de fala e de escuta entre si, que vão mediando seu processo de trabalho, revelam
que estabelecer relações pode ser visto como um saber intrínseco à atividade laboral, ou seja,
nenhum trabalhador poderia dizer que sozinho consegue ter uma resolutividade que seja
satisfatória, quando se trata da realização de um projeto terapêutico centrado nas necessidades
dos usuários. As relações são pactuadas entre as equipes de saúde, de forma explícita ou não,
e são resultado de tensões e conflitos que se produzem no ato de constituição da gestão do
cuidado ou podem se formar a partir de acordos harmoniosos. Não um pressuposto de
como o pacto relacional é dado, o que se sabe é que para intervir sobre o mundo das
necessidades dos usuários, sempre será necessário o trabalho de vários profissionais operando
em rede, a fim de resolver os problemas que surgem no cotidiano dos serviços de saúde.
No trabalho em saúde, os objetos dos vários processos de trabalho que o compõem
estão sempre referidos ao homem, portanto, sempre terão que ser apreendidos na objetividade
e subjetividade que lhe são inerentes. E quando um profissional aplica seus instrumentos
(saberes ou materiais) configuram-se intervenções técnicas sempre permeadas por relações
interpessoais, o que lhe atribui algum grau de incerteza intrínseco, por isso, sempre requer
alguma forma de autonomia dos agentes, pois requer a tradução de normas gerais a casos
particulares que devem ser considerados o mais próximo possível dessa singularidade. Porém,
as características da autonomia, que se refere ao julgamento/avaliação da situação apresentada
pelo usuário e tomada de decisão quanto às condutas pertinentes, variam de uma área para
outra, mas apresentam em comum o fato de estar fundamentada no saber das profissões. A
autora destaca também que a maior ou menor independência na tomada de decisão dos
agentes não exclui a complementaridade e interdependência dos trabalhos e,
conseqüentemente, as possibilidades de recompor e compartilhar trabalhos através da
interação (Peduzzi, 1998).
30
De qualquer modo, a dinâmica do processo de trabalho é possível pela ação do
agente. Esse não apenas como instrumento da operação concreta ao interpor ferramentas entre
si e o objeto com determinada finalidade e portando um específico projeto de trabalho, mas
como sujeito, à medida que traz para o trabalho outros projetos de caráter coletivo e pessoal.
Sendo que estes projetos, dependendo da maior ou menor mecanização do trabalho ou
autonomia profissional e da dimensão comunicativa entre os agentes, podem manter o
processo de trabalho como estabelecido ou gerar mudanças em diversos graus e nuances,
numa perspectiva até de transformação (PEDUZZI, 1998).
Merhy (2007a), refletindo sobre o processo de trabalho em saúde, parte de um
diagrama que representa um ato produtivo simples (a produção de um sapato por um artesão),
identificando no processo de trabalho em questão que alguns elementos são a expressão de
um trabalho morto, pois são fruto de trabalho anterior, como as matérias-primas (ou objetos
de trabalho, na definição de Marx) e as ferramentas utilizadas no processo (que representam
os meios). Por outro lado, o momento do trabalho em si expressa de modo exclusivo um
trabalho vivo em ato, ou seja, é um momento marcado pela total possibilidade de o
trabalhador agir com grau de liberdade máxima.
Porém, o autor ressalta que não se pode esquecer que essa dimensão do processo de
trabalho (trabalho em si) se relaciona com as duas anteriores e com duas outras dimensões que
seriam a da organização e a do saber tecnológico. Nessas duas dimensões citadas pelo autor,
a expressão do trabalho morto presente nos saberes organizacionais e tecnológicos e
estas sofrem a influência real do trabalhador concreto sua história, suas habilidades, sua
inteligência, sua capacidade inventiva e assim se expressa simultaneamente, em ambos, o
trabalho vivo em ato. Conclui, então, que a depender da maneira como se relacionam estas
cinco dimensões, diferentes processos de trabalho ocorrem e estes podem ser denominados
processos de trabalho morto centrados quando prevalecem as dimensões que representam
trabalho morto e vivo centrados quando o contrário ocorre (MERHY, 2007a). E a razão entre
trabalho vivo e trabalho morto é denominada Composição Técnica do Trabalho (CTT)
(FRANCO; MERHY, 2003).
Em suas reflexões a respeito da micropolítica do trabalho vivo em ato, Merhy (2007a)
considera que o trabalho em saúde envolve três tipos de tecnologias: leves tecnologias de
relações como a produção de vínculo, autonomização, acolhimento, gestão como forma de
governar processos de trabalho; leve-duras – saberes bem estruturados como a clínica médica,
a epidemiologia, a clínica psicanalítica; e duras se referem aos equipamentos tecnológicos,
como máquinas, normas, estruturas organizacionais. A partir dessa forma de compreender a
31
tecnologia na saúde é possível perceber a dinâmica do processo de captura do trabalho vivo
pelo morto, e vice-versa, em meio à configuração tecnológica de certo processo produtivo, ou
seja, de certo modo de produzir o cuidado.
Segundo Franco e Merhy (2003), quando favorável ao trabalho morto, a Composição
Técnica do Trabalho reflete processos de trabalho, “tecnologias duras dependentes”,
centrados na produção de procedimentos, no ato prescritivo e na lógica instrumental. Por
outro lado, quando prevalece o trabalho vivo em ato, tem-se uma produção do cuidado
centrada nas tecnologias leves, ou seja, são projetos terapêuticos mais relacionais com os
usuários, onde mesmo que se faça uso das tecnologias duras (exames...), o reconhecimento
de que o usuário traz consigo o apenas o problema de saúde, mas também uma origem
social, relações sociais e familiares, uma dada subjetividade que expressa sua história e que
merece ser levada em conta na produção do cuidado.
Diante do exposto, Merhy (2007a) acrescenta que o trabalho em saúde tem a
peculiaridade de ser centrado no trabalho vivo em ato permanentemente, tendo em vista que
seu objeto não é plenamente estruturado e suas tecnologias de ação mais estratégicas
representam processos de intervenção que operam como tecnologias de relações, encontros de
subjetividades, o que permite um grau de liberdade no momento da escolha da forma de
produzir a atenção.
Para o autor, o trabalho em saúde, portanto, não pode ser globalmente capturado pela
lógica do trabalho morto, representado nos equipamentos e saberes tecnológicos estruturados.
Pelo contrário, na produção do ato, o trabalhador pode pela ação do seu trabalho vivo sobre o
que lhe é ofertado como trabalho morto, exercer um autogoverno, escolhendo entre fazer uso
estritamente do que está dado ou exercer com certa autonomia este uso. Na micropolítica do
processo de trabalho sempre abertura para a presença do trabalho vivo em ato, ou seja, não
se pode pensar na ideia de impotência, pois é nos momentos em que “se abrem fissuras nos
processos instituídos e em que a lógica estruturada da produção, bem como o seu sentido, são
postos em xeque”, que o processo de trabalho pode ser atravessado pelas distintas lógicas que
o trabalho vivo é capaz de comportar (MERHY, 2007b, p.100).
Essas reflexões nos fazem pensar no papel importante que o trabalhador da saúde
desempenha no seu dia a dia, principalmente no que diz respeito à construção de novas
formas de organizar e gerir os processos de trabalho, e as relações que atravessam suas
práticas. E é com esse pensamento que introduzimos a apresentação dos principais
referenciais que fundamentam essa pesquisa
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1.1 Perspectiva Ergológica
Na busca de orientação para nossa abordagem sobre o trabalho recorremos à
importante contribuição da perspectiva ergológica de Yves Schwartz, filósofo francês,
membro do Instituto Universitário da França e diretor científico do Departamento de
Ergologia da Universidade de Provença. A perspectiva ergológica teve como influências
decisivas a obra de Georges Canguilhem, a Ergonomia de Wisner e o Movimento Operário
Italiano de Ivar Oddone (BRITO, 2005). Sua perspectiva é fundada a partir de um desconforto
intelectual que surge quando se percebe que toda atividade de trabalho é atravessada pela
história e ao mesmo tempo fabricante de história. Os produtos da história estão cristalizados
nos conhecimentos acionados, nos sistemas produtivos, nas tecnologias, nas formas de
organização, nos procedimentos, nos valores de uso selecionados e, por detrás, nas relações
sociais que se entrelaçam e opõem os homens entre si (SCHWARTZ, 2003). Porém, todas
essas normas, saberes, esse conjunto de concentrados de história passada, que são
denominadas na ergologia como normas antecedentes, não determinam por si o que vai se
passar na atividade de trabalho. Este conjunto de história sedimentada na rigidez e na
exaustão das prescrições do trabalho pode antecipar somente em parte o que vai se produzir
no vivo da atividade, pois nenhuma atividade é mera execução, ou mera repetição de
seqüências de operações previstas por outros e antecipadas. Toda atividade é sempre
ressingularização ou uma renormalização parcial em torno de si (SCHWARTZ, 2003;
SCHWARTZ; DUC; DURRIVE, 2007a).
A lógica de redução e de simplificação do trabalho induz a um pensamento de que o
outro se resume às instruções, às normas, ao que se demanda dele na atividade, ou seja, ao que
está prescrito. Com isso não se percebe a atividade e a complexa gestão realizada pelo
trabalhador (SCHWARTZ; DUC; DURRIVE, 2007a). A gestão se onde é necessário dar
conta de algo sem poder recorrer a procedimentos estereotipados, onde o que o autor
denomina de “vazio de normas”, que exige que o trabalhador faça uso de suas próprias
capacidades, de seus próprios recursos e de suas próprias escolhas (SCHWARTZ, 2004b).
Essa gestão para Schwartz (2004a) é sempre tentativa individual e coletiva de reinventar
modos de fazer, maneiras de viver as contradições presentes. A atividade de trabalho
compreende tudo aquilo que deve ser ajustado, rearranjado, inventado pelos trabalhadores e
por isso, é o elemento central organizador e estruturante da situação de trabalho. O trabalho é
visto sempre como variável e imprevisto, de alguma forma infiel e são os trabalhadores que
33
devem dar conta desta infidelidade através da mobilização de suas capacidades e escolhas, o
que faz com que o mesmo seja mais do que uma mera execução, mas um uso de si
(SCHWARTZ, 2000a). Destas observações, na perspectiva ergológica, toda atividade é
sempre um uso de si, “por si mesmo”, devido às escolhas, às arbitragens feitas no “vazio de
normas”, e “pelos outros”, devido às normas antecedentes (SCHWARTZ, 2006;
SCHWARTZ; DUC; DURRIVE, 2007b).
A negociação dos usos de si é sempre problemática e por isso diz-se que a atividade é
sempre o lugar de uma “dramática”, um “destino a viver”. Por tudo isso, para intervir e
transformá-la é necessário dominar os saberes que se vai compartilhar, mas também
reconhecer o saber do outro, na medida em que ele é também portador de diferenças
recriadoras em sua atividade (SCHWARTZ; DUC; DURRIVE, 2007c). Toda atividade, de
maneira mais ampla, é retrabalho das normas e fonte de novos saberes, ou seja, consiste de
um debate de normas, em uma atualização das normas antecedentes através do modo como na
ação cada sujeito reelabora o seu fazer em diversos usos de si. Dessa forma, para compreender
a complexidade da atividade, tanto a perspectiva ergológica quanto a ergonomia se interessam
pelo trabalho real, pelo vivido em situação de trabalho.
Com base na perspectiva ergológica, Hennington (2008) afirma que apesar das várias
tentativas de estabelecer protocolos e regras comuns na área da saúde, não é possível alcançar
a total padronização das práticas. Afinal, o cotidiano exige que os trabalhadores arbitrem e
façam suas escolhas diante das diversas situações e assim, eles pensam e se pensam e vão
construindo novas realidades. Por isso, para se aproximar do real do trabalho em saúde é
preciso chegar o mais próximo possível da atividade, para avaliá-la e reconhecê-la como ela é,
e para tal é preciso reconhecer a existência destes espaços de microtransgressões e rupturas
com o que está prescrito. Para Gomes et al (2007) devemos pensar o trabalho em saúde como
uma atividade aberta para invenções, criações de estratégias para lidar com as adversidades
que se apresentam a todo instante, e devemos lembrar que ao lado dos padrões habituais de
ação, coexistem situações cotidianas singulares. Afinal, não atividade que opere
constantemente num regime fixo de produção de novidades nem de submissão e reprodução.
A tensão contraditória entre os usos de si na atividade pode ser bem compreendida
em um dispositivo de pesquisa que articule e questione os conhecimentos dos pesquisadores
com a experiência dos trabalhadores (SCHWARTZ, 2000b). É nessa direção que Schwartz,
Duc e Durrive (2007c) propõe o uso do dispositivo dinâmico de três polos na produção de
conhecimentos sobre o trabalho, como consequência direta da ideia de renormalização na
atividade. Esse dispositivo pode ser usado sempre que houver o interesse na produção ou
34
difusão de saberes sobre as atividades humanas, não apenas de trabalho. Para Brito (2004),
representa um modelo de produção de conhecimento convergente com os princípios do campo
da Saúde do Trabalhador, tendo em vista que dinamiza a relação entre conhecimento
científico e a experiência do trabalho. Tal dispositivo é capaz de gerar efeitos tanto sobre a
produção de conhecimento quanto na gestão social das situações de trabalho, articulando os
três polos numa relação dialética circular ou espiral, assim definidos por Schwartz (2000a) e
Schwartz, Duc e Durrive (2007c): o polo dos conceitos ou dos saberes disponíveis, ou ainda,
competências disciplinares; o polo das forças de convocação e de reconvocação, que
representa os saberes gerados nas atividades; e um terceiro polo imprescindível para que haja
um encontro fecundo entre os dois primeiros, o polo das exigências éticas e epistemológicas,
que se apoiando em determinada filosofia da humanidade, permite um olhar sobre o outro
como seu semelhante, um outro capaz de nos ensinar algo sobre o seu fazer, sobre o qual não
pressupomos conhecer o que faz e porque faz, nem quais são seus valores constantemente
retrabalhados na atividade.
Para tratar da dimensão coletiva do trabalho, Schwartz, Duc e Durrive (2007a) utiliza
o termo Entidades Coletivas Relativamente Pertinentes, que traz uma maneira diferente de
abordar os processos de cooperação efetivados na realização de toda atividade. Para o
filósofo, esse conceito tem duas principais características: a mais importante é que estas são
profundamente distintas de qualquer organograma, postos, responsabilidades, ou qualquer
outro tipo de predefinições de lugares. Portanto, uma ECRP não se forma num coletivo
predefinido, pois suas fronteiras são as da atividade, em um determinado momento. Outra
característica é que elas existem em toda atividade humana e, portanto, em toda organização.
Contudo, não se pode definir seus contornos, as densidades de comunicação, a natureza do
que transita em seu interior se não for caso a caso, indo à procura do que permite construir
essa entidade coletiva relativamente pertinente. Essas entidades não obedecem a qualquer
prescrição ou regra solicitada, elas simplesmente se constroem no dia a dia da vida das
pessoas e em função de certo conjunto de preocupações comuns. Sendo assim, as ECRP são
“entidades” no sentido de que existem fronteiras invisíveis que englobam pessoas que se
conhecem, mas pertencem a serviços diferentes; são “coletivas” na medida em que nesse
espaço circulam informações em todos os sentidos, e pelas vias mais diversas; e são
“relativamente pertinentes”, pois são pertinentes para a compreensão de como as coisas
andam, mas só relativamente, pois suas fronteiras são variáveis, mudam em função das
pessoas. Para Schwartz (2000b), apesar da importância reconhecida da qualidade das relações
35
de cooperação nas equipes, esta não é algo que possa ser prescrito por ninguém, pois depende
do entendimento que pode ou não se instaurar nas situações.
Louzada, Bonaldi e Barros (2007) trazem o conceito de ECRP para o campo da saúde,
afirmando que a dimensão coletiva do trabalho em equipe diversas vezes não é aparente, uma
vez que em determinado momento um ato realizado de maneira isolada por um dos
trabalhadores da equipe pode ser direcionado de forma indireta a membros que se fazem
ausentes na situação em questão. São as necessidades do “trabalho conjunto” que fazem com
que as ECRP existam de diferentes formas de acordo com os momentos específicos da
situação de trabalho. E finalizam afirmando que
apostar nas práticas em saúde nessa direção ético-política é, também, apostar
na potência inventiva dos coletivos de trabalho que, em suas negociações e
renormalizações cotidianas, são capazes de engendrar formas de trabalho
mais potentes, saudáveis e efetivamente coletivas (LOUZADA; BONALDI;
BARROS, 2007, p. 51).
Segundo Hennington (2008), dentro dessa perspectiva, na pesquisa e intervenção no
campo da gestão em saúde é necessário que se reflita sobre os valores que emergem no campo
das microdecisões que ocorrem na atividade, a dinâmica dos processos de trabalho e a noção
de experiência e subjetividade dos trabalhadores. Acrescenta ainda que a humanização
depende da inclusão do trabalhador da saúde nos processos de transformação pretendidos,
através da articulação entre os polos disciplinar, epistemológico e ético e dos sujeitos. Além
disso, as transformações na gestão dos processos de trabalho em saúde a fim de construir
práticas humanizadoras envolvem o transitar em meio ao individual e o coletivo, o social, o
econômico e o político, o confronto de interesses nem sempre convergentes e a necessidade
permanente de articulação e de negociação. Dessa forma,
a gestão dos processos de trabalho como parte vital da política de
humanização em saúde faz pressupor o conhecimento e a consideração não
das questões macrossociais, políticas e econômicas, mas também de
saberes e fazeres produzidos e legitimados no cotidiano dos trabalhadores da
saúde e na concretude de suas práticas, nesse espaço microtransgressor,
fonte de criatividade e também de resistência (HENNINGTON, 2008, p.
560).
Afinal, mesmo que haja limites internos e externos à realização de determinada forma
de trabalho, é o trabalhador, no coletivo e na prática cotidiana que desenvolve e sustenta um
projeto de ação. Não se trata de negligenciar as determinações e constrangimentos macro
políticos e econômicos, mas somar a esses fatos as permanentes renormalizações que os
trabalhadores realizam no exercício de suas atividades cotidianas, enquanto fazem a gestão de
si mesmos e de sua relação com os outros participantes de coletivos de trabalho. Nas
36
instituições de saúde, os trabalhadores são sujeitos de processos de trabalho que podem os
aproximar ou afastar da crença na possibilidade de um novo projeto de atenção à saúde e para
que um novo projeto possa surgir é preciso que eles se tornem os agentes das mudanças
(SCHERER; PIRES; SCHWARTZ, 2009).
1.2 Humanização
A perspectiva de humanização adotada nesta pesquisa é a da Política Nacional de
Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH), que, instituída em 2003 pelo Ministério da
Saúde, nasceu como uma radicalização da aposta na humanização, como analisam Souza e
Mendes (2009). Segundo os autores, desde sua criação, a PNH vem gerando polêmicas em
torno da pertinência do uso desse termo para nomear uma política pública e, sobretudo, em
relação aos sentidos que tal conceito deve, então, assumir a fim de favorecer e potencializar
ações que possam ser ditas humanizadoras. Para eles isso ocorre porque no processo de
construção do SUS, e mesmo antes da constituição da PNH, o tema da humanização, muitas
vezes sob outras denominações, apareceu em vários contextos que levantaram a questão da
busca de melhoria na qualidade da atenção ao usuário, e também mais recentemente aos
trabalhadores da saúde. Porém, representavam, em sua maioria, iniciativas localizadas ou
pontuais, e se estruturavam a partir de concepções variadas e de intenções e enfoques
específicos, além de carregar como obstáculos a sua legitimidade, a fragmentação, a
disparidade de perspectivas e, até mesmo, sua fragilidade conceitual e metodológica.
Benevides e Passos (2005b) lembram-nos da realização, em 2000, da XI Conferência
Nacional de Saúde, que tinha como temática: “Acesso, qualidade e humanização na atenção à
saúde com controle social” e também de algumas outras ações e programas que foram
propostos pelo Ministério da Saúde e que se voltavam para o que ia se definindo como campo
da humanização. Alguns desses programas destacados pelos autores foram: instauração do
procedimento de Carta ao Usuário (1999), Programa de Humanização no Pré- Natal e
Nascimento (2000), Programa de Acreditação Hospitalar (2001) e Norma de Atenção
Humanizada de Recém-Nascido de Baixo Peso Método Canguru (2000). Com destaque
especial tem-se o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, que de 2000
a 2002 iniciou ações em hospitais com o intuito de criar comitês de humanização voltados
para a melhoria na qualidade da atenção ao usuário e, mais tarde, ao trabalhador.
37
Diversos estudiosos têm se empenhado em discutir a polissemia do conceito de
humanização (DESLANDES, 2004; PUCCINI; CECÍLIO, 2004; AYRES, 2005;
BENEVIDES; PASSOS, 2005b; TEIXEIRA, 2005; SOUZA; MOREIRA, 2008; SOUZA;
MENDES, 2009, entre outros) e suas conseqüências para as propostas de mudanças no
modelo de atenção à saúde do SUS. Todos trazem discussões ricas a respeito, porém, como
esta não é a preocupação central deste texto, vamos nos restringir a apresentar neste subitem
algumas colocações trazidas pelos autores a respeito das possibilidades e desafios da
humanização, especialmente em relação ao trabalho em saúde, assim como, alguns preceitos
da PNH que revelam a inflexão da mesma com relação ao papel dos trabalhadores nas
mudanças em andamento no SUS, enquanto gestores dos seus processos de trabalho e sujeitos
de práticas que envolvem necessariamente relações humanas que precisam ser levadas em
consideração quando se trata da busca de novas formas humanizadas de produzi-las.
Vamos expor aqui os significados atribuídos no âmbito da PNH ao conceito de
humanização, buscando identificar, principalmente a partir de seus textos-base e cartilhas, que
tratam em profundidade de seus princípios, diretrizes, métodos e dispositivos, possíveis
contribuições para a reflexão sobre os processos de trabalho em saúde e a que faremos mais
adiante sobre o trabalho em equipe multiprofissional.
Benevides e Passos (2005a) acreditam que a humanização significa reativar o
movimento constituinte do SUS e acrescentam que a força emancipatória na base do SUS
se sustenta na inseparabilidade dos processos de produção de saúde e de sujeitos protagonistas
e autônomos, engajados na reprodução e/ou na invenção dos modos de cuidar e de gerir os
processos de trabalho. Isto significa novos sujeitos implicados em novas práticas de saúde.
Segundo esses mesmos autores, a PNH se constrói não a partir da definição de um modelo ou
de um padrão-ideal para organização dos modos de atenção e de gestão, mas é no concreto da
experiência da Saúde Pública que se encontra a dimensão coletiva do processo de produção de
sujeitos autônomos e protagonistas na produção de sua saúde. Contudo, as práticas de saúde
somente serão efetivamente modificadas se houver a transformação dos modos que os sujeitos
envolvidos na produção de saúde se relacionam (BENEVIDES; PASSOS, 2005b).
Segundo Puccini e Cecílio (2004), toda a assistência se funda numa inter-relação
pessoal muito intensa e a saúde, mais do que outros serviços, depende de um laço
particularmente forte e decisivo para sua própria eficácia. Trata-se de entender a relação
sujeito-objeto como uma relação em que ambos se determinam mutuamente, se modificam
reciprocamente, e assim, se transformam no processo. O autor sugere que sob a influência do
movimento de humanização, a integralidade pode ser desenvolvida como valorização e
38
priorização da responsabilidade pela pessoa, do zelo e da dedicação profissional por alguém.
Afinal, a integralidade para se concretizar depende do reconhecimento e da valorização do
encontro singular entre os indivíduos, que se processa no necessário convívio do ato cuidador.
Esse reconhecimento espalha-se como rastilho de afetividades e é capaz de contaminar a
atmosfera do convívio cotidiano com uma nova força estruturante e de defesa dos princípios
do direito à saúde.
Ainda no âmbito das relações, Ayres (2005) entende como um desafio central da
humanização o progressivo reconhecimento e a reconstrução das relações entre os
fundamentos, procedimentos e resultados das tecnociências da saúde e os valores associados à
felicidade a cada vez reclamados pelos projetos existenciais de indivíduos e comunidades. O
autor convida a uma aposta consequente e responsável na construção de interações
progressivamente mais inclusivas e ricas no campo da saúde, nas quais o conhecimento dos
fatos que interessam à nossa saúde não se restrinja à positividade construída pelas ciências
biomédicas, mas incluam a reflexividade dos saberes humanísticos. Acrescenta ainda que a
humanização pode ser entendida como
um ideal de construção de uma livre e inclusiva manifestação dos diversos
sujeitos no contexto da organização das práticas de atenção à saúde,
promovida por interações sempre mais simétricas, que permitam uma
compreensão mútua entre seus participantes e a construção consensual dos
seus valores e verdades (AYRES, 2005, p.558).
Ayres (2004) afirma ainda que um Cuidar efetivo, no qual a presença do outro seja
ativa e as interações intersubjetivas sejam ricas e dinâmicas, exige que, tanto a racionalidade
orientadora das tecnologias quanto os agentes de sua operação, tenham seus horizontes
expandidos rumo a esferas coletivas, institucionais e estruturais de intervenção e aos
construtos de outras ciências e outros saberes.
Deslandes (2004) acredita que o rico debate sobre a cultura assistencial e sobre a
importante proposta de práxis trazida pela humanização pode contribuir para a reflexão mais
crítica dos modelos e ações em saúde. As ideias de humanização podem reforçar a posição
estratégica das ações centradas na ética, no diálogo e na negociação dos sentidos e rumos da
produção de cuidados em saúde. Trazendo para discussão a visão sobre o trabalho em saúde, a
autora afirma que para humanizar a assistência é necessário humanizar a sua produção,
levando em conta as condições estruturais de trabalho do profissional de saúde, que muitas
vezes é mal remunerado, pouco incentivado e sujeito a carga de trabalho considerável. No
processo de mudança das práticas de produção de saúde, Benevides e Passos (2005b)
acreditam ser imprescindível a preocupação com a organização dos processos de trabalho, a
39
dinâmica de interação da equipe, os mecanismos de planejamento, de decisão, de avaliação e
de participação.
De acordo com Gomes et al (2007), o trabalho em saúde se funda no encontro e os
encontros expõem mazelas sociais e outras formas de viver, por isso, estar aberto ao outro
pode ser doloroso, mas se fechar ao outro reduz a capacidade de produzir novas normas de
vida e da própria saúde. Para Ayres (2004), o progressivo afastamento entre a arte
tecnocientífica da Medicina e os projetos existenciais, que lhe cobram participação e lhe
conferem sentido, pode ser visto como causador da atual crise de legitimidade das formas de
organização do cuidado em saúde. O autor reconhece que qualquer usuário, por ser portador
de uma demanda de saúde, se torna, potencialmente, “objeto de conhecimento e intervenção”.
Contudo, acredita que nada, nem ninguém, pode subtrair a esse mesmo indivíduo, como
aspirante ao bem-estar, a palavra última sobre suas necessidades. Dessa forma, é preciso que o
cuidado em saúde leve em consideração e participe da construção de projetos humanos,
procurando conhecer o projeto de felicidade, isto é, a concepção de vida bem sucedida que
orienta os projetos existenciais dos sujeitos (usuários). O autor acrescenta que o trabalho em
saúde prescinde das tecnologias, mas não pode se deixar resumir a elas e que a saúde não
deve ser entendida como um objeto, mas também como um modo de “ser-no-
mundo”(AYRES, 2000;2004).
Campos (2007b) sugere que a reforma da clínica moderna deve ter como fundamento
a passagem da ênfase na doença para a centralidade no sujeito concreto, portador de alguma
enfermidade, uma Clínica do Sujeito. Centrada nas pessoas reais, em sua existência concreta,
tendo a doença como parte dessa existência. Para o autor, a medicina acaba tomando as
pessoas por suas doenças, como se esta ocupasse todo o ser do doente, como uma segunda
pele, uma nova identidade. Além disso, opera com um objeto de estudo e intervenção
considerado reduzido: a partir do enfoque predominantemente biológico, afasta-se das
dimensões subjetiva e social das pessoas, seus saberes e práticas e acaba sendo marcada pelo
mecanicismo e pela unilateralidade de abordagem. Mesmo nas situações em que considera o
indivíduo, este é pensado de forma fragmentada, levando a uma abordagem terapêutica
excessivamente voltada para a noção de cura – vista como a eliminação de sintomas e
correção de lesões ficando as possibilidades de promoção da saúde ou de prevenção e
reabilitação em segundo plano e a uma fragmentação extrema do processo de trabalho em
saúde. O que a Clínica do Sujeito propõe é a ampliação do objeto, incluindo além da doença,
o sujeito e seu contexto. Afinal, doenças semelhantes em sua classificação incidem de forma
diferente conforme a história e os recursos subjetivos e materiais de cada sujeito, o que exige
40
dos serviços de saúde operar com uma plasticidade suficiente para dar conta de tal variedade.
De acordo com o autor, é disso que depende a humanização, ou seja, da personalização do
atendimento, levando em consideração a singularidade de cada caso e a exigência de um
projeto terapêutico também singular.
De acordo com Pedroso e Vieira (2009, p. 697), para que haja mudança de concepção
de modelo de gestão é preciso compromisso institucional, individual e coletivo, que envolve
um
desfazer; um desacomodar; um enfrentar desafios; um misturar de saberes
para produção de novas tecnologias; um transversalizar de ações - no sentido
de criar alternativas, num esforço permanente de cogestão e
corresponsabilidade para alcançar resultados cada vez melhores para o
Sistema de Saúde como um todo (PEDROSO; VIEIRA, 2009, p. 697).
Campos (2007b) sugere que através da gestão colegiada e da divisão dos serviços de
saúde em Unidades de Produção, compostas por equipes multiprofissionais, é possível criar
condições institucionais favoráveis à troca de informação e à construção coletiva dos projetos
terapêuticos, sem diluição das responsabilidades e omissão diante do imprevisto.
Para Souza e Mendes (2009, p. 683), a humanização envolve o refletir e o agir sobre
“modos de pertencer e de circular no plano institucional, nas relações interprofissionais e com
os usuários”, permitindo rever a pertinência e a atualidade de nossos saberes, atitudes, de
nossas formas de “ser-em-grupo”, e de “fazer com o outro”. É imprescindível compreender o
trabalho em saúde como trabalho afetivo, “de produção de afetos e de modos de afetar e ser
afetado pelo outro na criação de redes sociais, de formas de vida (biopoder), de novas
subjetividades e sociabilidades.”
O conceito de humanização adotado pela PNH a percebe não como um programa
isolado, mas como política pública que pretende ser transversal na Rede SUS, abarcando um
conjunto de princípios e diretrizes que se traduzem em ações nos diversos serviços, nas
práticas de saúde e nas instâncias do sistema, caracterizando uma construção coletiva. A
Humanização, como política transversal, supõe, então, que sejam ultrapassadas as fronteiras,
muitas vezes rígidas, dos diferentes núcleos de saber/poder que se ocupam da produção da
saúde e pretende ser uma estratégia de interferência nesse processo, considerando que sujeitos
sociais, quando mobilizados, são capazes de transformar realidades transformando-se a si
próprios nesse mesmo processo (BRASIL, 2004).
Suas orientações gerais apontadas no texto do documento base da PNH são: a
valorização da dimensão subjetiva e social das práticas de atenção e gestão, o fortalecimento
do trabalho em equipe, o apoio à construção de redes cooperativas e solidárias, a construção
41
de autonomia e protagonismo de sujeitos e coletivos com co-responsabilidade, a participação
e o fortalecimento do controle social e a democratização das relações de trabalho.
Pretendendo gerar movimentos de mudança dos modelos de atenção e gestão existentes,
apresenta como princípios enquanto política pública de saúde a transversalidade, que diz
respeito a transformação dos modos de relação e comunicação; a indissociabilidade entre
atenção e gestão; e o protagonismo, co-responsabilidade e autonomia dos sujeitos e dos
coletivos, pois as mudanças na gestão e atenção serão mais efetivas se for garantida a
autonomia dos sujeitos, capazes de negociar e compartilhar responsabilidades nos processos
de gerir e cuidar. E suas diretrizes são: clínica ampliada, co-gestão, acolhimento, valorização
do trabalho e do trabalhador, defesa dos direitos do usuário, fomento das grupalidades,
coletivos e redes e construção da memória do SUS que dá certo (BRASIL, 2008).
As formas que a PNH propõe de operacionalizar a humanização no que diz respeito
aos processos de trabalho em saúde são: o resgate dos fundamentos básicos que norteiam as
práticas de saúde no SUS, reconhecendo os gestores, trabalhadores e usuários como sujeitos
ativos e protagonistas das ações de saúde; a construção de diferentes espaços de encontro
entre sujeitos (Grupo de Trabalho em Humanização; Rodas; Colegiados de Gestão, etc.); a
construção e a troca de saberes; o trabalho em rede com equipes multiprofissionais, com
atuação transdisciplinar; a construção de redes solidárias e interativas, participativas e
protagonistas do SUS (BRASIL, 2008).
Quanto à transversalidade, Pedroso e Vieira (2009) definem que transversalizar
significa colocar os saberes e práticas de saúde no mesmo plano comunicacional, excluindo
assim um tipo de comunicação vertical que mantém e sustenta a separação de quem elabora
daquele que executa, e também a pretensão de uma prática horizontal que se dá entre iguais.
Apontam também que a humanização do SUS indica mudanças nas práticas de atenção e
gestão, com uma aposta nos sujeitos concretos, enquanto novos homens em interação e co-
construtores de novas práticas de saúde, em defesa da vida. Afinal, a PNH foi formulada a
partir do reconhecimento e sistematização de experiências concretas que apontam para um
“SUS que certo” e acrescentam que para fortalecer esse “SUS que certo” é necessário
enfrentar os modos de produção de saúde que caminham na direção oposta a defesa da vida,
como os que utilizam a normalização rígida dos processos de organização de serviços e de
definição do acesso, modos de cuidar centrados na doença, na queixa e modos de trabalhar
que, por vezes, destituem a capacidade de decidir e possibilidades de participar dos sujeitos.
A aposta na indissociabilidade entre os modos de produzir saúde e os modos de gerir
os processos de trabalho tem por objetivo provocar inovações nas práticas gerenciais e nas de
42
produção de saúde, ao propor para os diferentes coletivos/equipes implicados nestas práticas o
desafio de superar limites e experimentar novas formas de organização dos serviços e de
produção e circulação de poder (BRASIL, 2009a).
A PNH problematiza que no trabalho em saúde, três grandes enfoques que
predominam: o biomédico, o social e o psicológico e cada um com uma tendência para
valorizar mais um tipo de problema e alguns tipos de solução, muitas vezes até de uma forma
excludente. A fragmentação do processo de trabalho entre os diferentes profissionais,
pertencentes a um desses enfoques, produz uma progressiva redução do objeto de trabalho e
em lugar de profissionais de saúde que são responsáveis por pessoas, o que se percebe muitas
vezes é a responsabilidade parcial sobre procedimentos e diagnósticos. A máxima
organizacional de que cada um deve fazer a sua parte permite que seja favorecida a
fragmentação, a individualização e a desresponsabilização do trabalho, da atenção e do
cuidado (BRASIL, 2009a).
Neste contexto, a PNH propõe a diretriz da Clínica Ampliada buscando se constituir
numa ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e disciplinas ao reconhecer
que, em um dado momento e situação singular, pode existir uma predominância, uma escolha,
ou a emergência de um enfoque ou de um tema, sem que isso signifique a negação de outros
enfoques e possibilidades de ação. Propõe que o profissional se torne capaz de ajudar as
pessoas, não a combater sua doença, mas a se transformar, para que a doença não a impeça
de viver sua vida. É uma proposta que engloba cinco eixos fundamentais: compreensão
ampliada do processo saúde-doença, buscando evitar que se privilegie excessivamente algum
conhecimento específico; construção compartilhada dos diagnósticos e terapêuticas -
envolve o reconhecimento da complexidade que leva ao reconhecimento da necessidade de
compartilhar; ampliação do objeto de trabalho o objeto de qualquer profissional de saúde
deve ser a pessoa ou grupos de pessoas e não os procedimentos, diagnósticos, pedaços de
pessoas, etc; transformação dos meios ou instrumentos de trabalho – são necessários arranjos
e dispositivos de gestão que privilegiem uma comunicação transversal na equipe e entre
equipes; e suporte para os profissionais de saúde criar instrumentos de suporte para que
eles possam lidar com as dificuldades e as diversas situações, se propõe enfrentar o ideal de
neutralidade ou não envolvimento (BRASIL, 2009a).
A proposta da clínica ampliada, aliada aos dispositivos de Equipe de Referência -
conjunto de profissionais que se responsabiliza pelos mesmos usuários cotidianamente -e
Apoio Matricial por exemplo, através do atendimento conjunto e/ou discussão de
casos/formulação de Projetos Terapêuticos Singulares - pode contribuir muito para a
43
superação da racionalidade gerencial tradicionalmente verticalizada, compartimentalizada e
produtora de processo de trabalho fragmentado e alienante para o trabalhador (BRASIL,
2009a).
A proposta das equipes de referência pretende ir além da responsabilização,
alcançando a divisão do poder gerencial, quando incentiva as equipes a terem algum poder de
decisão na organização, em especial do próprio processo de trabalho da equipe. A PNH
acredita nas equipes de referência como um dispositivo capaz de resgatar o compromisso com
o sujeito, em toda a complexidade do seu adoecer e do seu projeto terapêutico e reconhece ser
uma proposta que exige novas capacidades técnicas e pedagógicas tanto dos trabalhadores
quanto dos gestores, pois se delineia como um processo de aprendizado coletivo. Apesar de
ser um desafio, é o seu grande potencial resolutivo e de satisfação para usuários e
trabalhadores que pode possibilitar seu sucesso (BRASIL, 2009a).
Esse novo arranjo para os serviços de saúde com base nos conceitos de equipe de
referência e de apoio especializado matricial vem sendo implantado em diversos serviços de
saúde desde a década de 1990 (CAMPOS, 1999) e parte da suposição de que uma
reordenação do trabalho em saúde segundo a diretriz do vínculo terapêutico entre equipe e
usuários estimularia a produção progressiva de um novo padrão de responsabilidade pela co-
produção de saúde. Os objetivos da proposta são: ampliar as possibilidades de realizar-se
clínica ampliada; integração dialógica entre distintas especialidades e profissões; criação de
um modelo de atendimento mais singularizado e mais personalizado, através da clientela
adscrita mais ou menos fixa (CAMPOS, 1999; CAMPOS; DOMITTI, 2007).
A equipe de referência é composta por um conjunto de profissionais considerados
essenciais para a condução de problemas de saúde dentro de certo campo de conhecimento,
encarregados de intervir sobre um mesmo objeto problema de saúde –, buscando atingir
objetivos comuns e sendo responsáveis pela realização de um conjunto de tarefas, ainda que
operando com diversos modos de intervenção. A equipe de referência mantém uma relação
longitudinal no tempo com esse conjunto de usuários, para isso é fundamental que os
profissionais sejam diaristas (CAMPOS; DOMITTI, 2007).
O apoiador matricial é um especialista que tem um núcleo de conhecimento e um
perfil distinto daquele dos profissionais de referência, capaz de agregar seu saber e contribuir
com intervenções que aumentem a capacidade de resolver problemas de saúde da equipe
responsável pelo caso. O emprego desse nome matricial indica essa possibilidade de
sugerir que profissionais de referência e especialistas mantenham uma relação horizontal.
44
Contudo, o método do apoio matricial depende da existência algum grau de co-gestão ou de
democracia institucional (CAMPOS; DOMITTI, 2007).
O modelo realiza um recorte diferente, pois agrega distintas categorias profissionais
em torno dos casos a serem atendidos, superando a organização dos serviços segundo
departamentos (de enfermagem, psicologia etc.), que baseiam suas interações em
“interconsultas”. Essas equipes de referência constituiriam a menor unidade organizacional e
administrativa dos serviços, não mais se reconhecendo nas instituições assim organizadas as
posturas individuais ou estritamente corporativas (FURTADO, 2007).
Dessa forma, as equipes de referência (com composição multiprofissional: médicos,
enfermeiros, etc.) ao invés de serem um espaço episódico de integração horizontal e, portanto,
com pouco ou nenhum poder sobre seus próprios membros, passariam a ser a estrutura
permanente e nuclear dos serviços de saúde (CAMPOS, 1999). Porém, um cuidado constante
a ser tomado é de que a equipe de referência ocupe um lugar de importância, mas não de
centro, pois o usuário deve ser o foco das ações e reflexões da equipe. Além disso, devem ser
garantidos trânsitos e trocas entre essas equipes em um mesmo serviço, a fim de evitar o
enclausuramento e eventuais disputas entre elas (FURTADO, 2007).
O Projeto Terapêutico Singular pode ser visto como uma variação da discussão de
caso clínico, onde a equipe toda se reúne e todas as opiniões são vistas com igual importância
na busca do entendimento da demanda de cuidado em saúde do usuário e propostas de ações.
Não se restringe a indivíduos, podendo ser utilizado na relação com grupos e /ou famílias e
busca a singularidade como seu elemento central de articulação. Contém quatro movimentos:
definição de hipóteses diagnósticas; definição de metas; divisão de responsabilidades; e
reavaliação. No caso da atenção hospitalar e centros de especialidades é provável que todos os
usuários necessitem de um Projeto Terapêutico Singular, sendo importante reservar um tempo
fixo, geralmente diário, para as reuniões. Cabe à equipe se abrir para o imprevisível e para o
novo, aprendendo a lidar com a possível ansiedade trazida pela proposta e é importante que
haja um membro, geralmente aquele com quem o usuário tem vínculo mais positivo, que atue
de forma mais direta no acompanhamento do processo, como um coordenador (BRASIL,
2009a).
Os espaços de reunião de equipe, porém, não podem ser utilizados para que uma
pessoa distribua tarefas às outras. Deve ser um espaço de diálogo em que o clima seja
favorável para que todos tenham direito à voz e à opinião, fraterno para a troca de ideias,
incluindo as críticas. Criar esse clima aliado à objetividade nas reuniões exige aprendizado,
além disso, é preciso que haja um clima de liberdade de pensar “o novo” (BRASIL, 2009a).
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Os serviços de saúde têm se organizado, tradicionalmente, com base no saber das
profissões e das categorias (as coordenações do corpo clínico ou médico, da enfermagem, dos
assistentes sociais, etc.) e não em objetivos comuns. E esse tipo de organização não tem
garantido que as práticas dos trabalhadores se complementem, ou mesmo que haja
solidariedade no cuidado. Para a realização dos objetivos da saúde - produzir saúde, garantir a
realização profissional e pessoal dos trabalhadores, reproduzir o SUS como política
democrática e solidária é necessário que trabalhadores, gestores e usuários formem um
pacto de corresponsabilidade. A PNH propõe como diretriz a cogestão, que vem de encontro a
essa realidade como um modo novo de administrar que inclui o pensar e o fazer coletivo,
sendo, portanto uma diretriz éticopolítica que visa democratizar as relações no campo da
saúde. O modelo de gestão proposto é centralizado no trabalho em equipe, na construção
coletiva (planeja quem executa) e em espaços coletivos que garantam que o poder seja
compartilhado, por meio de análises, decisões e avaliações construídas coletivamente, tendo
em vista a gestão não como um lugar ou um espaço, campo de ação exclusiva de especialistas,
mas considerando que todos os atores envolvidos na produção da saúde fazem gestão
(BRASIL, 2009c).
A preocupação com a Saúde do Trabalhador também se mostra na PNH quando esta
ressalta em seu texto que as organizações de saúde devem ser espaços de produção de bens e
serviços para os usuários, mas também espaços de valorização do potencial inventivo dos
diversos atores desses serviços: gestores, trabalhadores e usuários. Percebe o trabalho o
apenas como o que está definido previamente para ser executado, mas também o que de fato
se realiza nas situações concretas de trabalho e inclui, dessa forma, o esforço despendido no
cotidiano profissional, os acordos e pactos realizados e até mesmo o que se pensou em fazer,
mas não foi possível. E acredita que é impossível cuidar da saúde sem considerar as situações
pelas quais passamos ou as formas como nos organizamos para lidar com as experiências que
nos adoecem. E embora pareça clara tal relação, nos serviços de saúde ainda existem poucos
espaços em que as experiências sejam discutidas e compartilhadas e à inexistência dos
espaços coletivos de compartilhamento somam-se outros problemas, como o trabalho
desgastante, a precarização das relações e condições de trabalho, o valor atribuído ao
trabalhador por parte da população e do governo, a gestão centralizada, e outros, que
produzem adoecimento.
Nesse entendimento, promover saúde nos locais de trabalho é aprimorar a capacidade
de compreender e analisar o trabalho de forma a fazer circular a palavra, criando espaços para
46
debates coletivos. A gestão coletiva das situações de trabalho é fundamental para promover a
saúde e prevenir adoecimento (BRASIL, 2009b).
47
Capítulo II
O trabalho em equipe multiprofissional de saúde
A literatura sobre trabalho em equipe na saúde aborda o tema por diversos ângulos e
levanta várias questões relativas à forma como ele ocorre nos diferentes serviços e programas
de saúde, como o PSF. Portanto, a leitura dos textos evidenciou alguns subtemas e, a partir
destes, este capítulo foi assim dividido: 2.1 - concepções e características algumas
concepções de trabalho em equipe e as características que permitem reconhecê-lo; 2.2 -
relações interprofissionais no hospital aspectos das relações interprofissionais na saúde que
interferem no trabalho em equipe e características destas relações peculiares à organização
hospitalar; 2.3 comunicação como a dimensão chave do trabalho em equipe; 2.4 - limites e
possibilidades os principais entraves, fatores facilitadores e algumas propostas dos autores
para a concretização do trabalho em equipe na saúde.
2.1 Concepções e Características
Canoletti (2008), ao realizar uma análise sistemática da literatura sobre trabalho em
equipe, concluiu que uma certa banalização do termo equipe e chamou a atenção para duas
questões. Uma é a ausência de rigor conceitual, que dificulta a busca de publicações
relevantes nos bancos de dados e as pesquisas. Outra é a necessidade de estudos que abordem
e fundamentem a compreensão que os profissionais de saúde têm acerca do tema.
Iniciamos a revisão das concepções e características do trabalho em equipe na saúde
com o resgate que Peduzzi (1998) faz do significado do termo equipe. Este, segundo a autora,
tem origem na palavra francesa “esquif”, que tinha o significado relacionado a filas de barcos
amarrados uns aos outros que eram rebocados por homens ou cavalos. Como estes
trabalhavam coletivamente na busca de um objetivo comum e compartilhavam a tarefa,
acabou-se utilizando o termo para designar o trabalho coletivo, compartilhado, de vários
trabalhadores, no desenvolvimento de uma tarefa, considerada a meta comum do grupo.
Na área da saúde, a origem da concepção de trabalho em equipe está relacionada a três
vertentes: a busca pela integração, na medicina preventiva, nas cadas de 1950 a 1970; a
adoção do conceito de multicausalidade do processo saúde-doença; e as alterações no
48
processo de trabalho, a partir das mudanças da finalidade do trabalho, seus objetos de
intervenção e as novas tecnologias em saúde (PEDUZZI, 2006).
Para Araújo e Rocha 2007 o trabalho em equipe pressupõe a possibilidade da prática
de um profissional se reconstruir na do outro, assim ambos se transformam nessa troca no
intuito de intervir na realidade que se apresenta. Segundo Fortuna et al (2005), a equipe
representa, além de relações de trabalho, relações de saberes, poderes e principalmente,
relações interpessoais.
A concepção de equipe como um grupo de pessoas que realizam algo juntas é trazida
por Gomes, Anselmo e Lunardi Filho (2000), sendo que os mesmos acrescentam que o que
foi realizado por elas não é o que as torna uma equipe, mas sim o fato de terem realizado
determinada atividade em conjunto. Para os autores, uma característica essencial do trabalho
em equipe é a liberdade conferida a todos os membros de contribuir com ideias e opiniões
para a solução de problemas. Além dessa liberdade aumentar as chances de êxito na resolução
dos problemas, promove o engajamento de todos na implementação das decisões tomadas e
reduz consideravelmente as chances de falha de comunicação.
Para Pinho (2006), a definição ainda hoje predominante de trabalho em equipe refere-
se a um grupo de dois ou mais membros que interagem de forma adaptativa, interdependente
e dinamicamente voltado para um objetivo comum. Na concepção de Schraiber et al. (1999) o
trabalho em equipe exige dos profissionais que façam uso dos seus saberes operantes
particulares, que se baseiam em distintas lógicas de julgamentos e de tomadas de decisões
quanto à assistência ou cuidados a se prestar, de forma compartilhada, negociando-se as
distintas necessidades de decisões técnicas.
Peduzzi (1998; 2001) define o trabalho em equipe multiprofissional como a
modalidade de trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as múltiplas
intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais, onde a
articulação das ações e a cooperação ocorrem através da comunicação. Por meio da relação
dialética, entre trabalho e interação, os agentes podem construir um projeto assistencial
comum e pertinente para a atenção integral às necessidades de saúde dos usuários.
Configurando, então, duas dimensões: a articulação das ações executadas pelos diferentes
profissionais e a interação destes agentes.
De acordo com Schraiber et al. (1999), a articulação das ações consiste em conectar
diferentes processos de trabalho, tendo em mente que, cada trabalho especializado constitui
um processo peculiar que expressa a gica interna do respectivo processo de trabalho na
relação entre o objeto sobre o qual incide a atividade e no qual o saber técnico instrumentaliza
49
a ação para certo resultado ou produto. Para tanto, é preciso que haja certo conhecimento por
parte do profissional acerca do trabalho do outro e o reconhecimento de sua necessidade para
a atenção integral à saúde. Entende-se, portanto, que requer, certa forma de relação entre os
agentes, em que, no mínimo algumas informações sejam trocadas, mesmo que não se
estabeleça uma interação. Afinal, como percebem Schraiber e Peduzzi (1999), o fato das
ações serem complementares não garante a articulação, pois esta resulta da capacidade dos
agentes em estabelecerem de modo consciente as conexões de seus trabalhos.
Para Colomé, Lima e Davis (2008) a articulação existe nas situações em que os
diversos profissionais promovem troca de ideias e informações sobre o trabalho, discussão de
casos e tomada de decisões em equipe, ou seja, quando os mesmos utilizam suas diferentes
competências e funções na busca conjunta de resolução para as necessidades de saúde dos
usuários.
No que diz respeito à interação ou comunicação dos agentes da equipe, é esta que
permite aos agentes estabelecerem as correlações e os nexos entre as distintas ações, com
vistas à articulação, assim como, construírem consensos quanto aos objetivos e resultados a
serem alcançados pelo conjunto dos profissionais e a maneira mais adequada de atingi-los.
Permite, pois, a construção de um “projeto assistencial comumà equipe de trabalho que
traça coletivamente a melhor maneira de responder às necessidades de saúde dos usuários
(SCHRAIBER et al.,1999).
Peduzzi (1998) destaca que o projeto assistencial comum é um plano de ação voltado a
uma situação concreta de trabalho coletivo em equipe, que considera o projeto assistencial
hegemônico ao mesmo tempo em que o re-elabora a fim de configurar outro projeto comum.
Dessa forma, acrescenta Peduzzi (1998; 2001), a partir de uma dada realidade e, dentro de
certo campo de possíveis, os agentes, através do trabalho e da interação, constroem um
projeto que será o mais adequado às necessidades de saúde concebidas pelos usuários e pelos
próprios profissionais. Suas concepções de necessidades de saúde e de processo saúde-doença
são compartilhadas através do diálogo, que, por sua vez, permite o reconhecimento
intersubjetivo das pretensões de validez, implícitas nos atos de fala de todos os agentes da
equipe.
É importante ressaltar, de acordo com Peduzzi (1998), que devemos considerar o
conceito de equipe em relação às condições concretas e particulares que representa, como a
divisão do trabalho, a desigualdade no trabalho, os diferentes graus de autonomia profissional,
a diversa legitimidade técnica e social dos vários saberes implicados e a racionalidade
presente nas práticas. Pois não realizar essa discussão coloca o conceito de equipe numa
50
posição de solução mágica para os conflitos entre as diferentes áreas profissionais e de
símbolo mítico do ideal de prática em saúde.
Peduzzi (1998; 2001) faz uma distinção das equipes multiprofissionais de saúde em
dois tipos. A equipe agrupamento se caracteriza pela fragmentação e justaposição das ações,
sem articulação entre elas, conformando o simples agrupamento de agentes que mantêm
projetos assistenciais independentes, seria um conjunto de pessoas que desempenham esforços
individuais para planejar e decidir acerca de objetivos que auxiliem cada membro no
desenvolvimento de sua área de responsabilidade. Dessa forma, os projetos de cada área de
atuação são independentes do todo, sendo cada qual complementado pelos demais, retornando
à ideia de plena autonomia técnica dos agentes, enfatizando o caráter de especificidade do
trabalho. Equipes desse tipo podem ser a modalidade encontrada, caso os gestores e os
profissionais não percebam que a construção de projetos comuns de ação, resultantes de
consensos negociados entre os agentes por meio de trocas de caráter técnico e interativo, é um
forte fator de potencialização das qualidades individuais (SCHRAIBER; PEDUZZI, 1999,
grifos do autor).
O segundo tipo de equipe que Peduzzi (1998; 2001) distingue é a equipe integração,
na qual se observa a integração dos agentes consoante à proposta de integralidade das ações,
com interação através da complementaridade e colaboração, que se expressa em um projeto
assistencial comum. Pode ser identificada em um grupo onde todos os membros se envolvem
no processo de trabalho de maneira a determinar e compartilhar objetivos e metas comuns, o
que resulta em projetos desenvolvidos pelos diferentes profissionais de forma interdependente
e complementar, colaborando entre si no exercício da autonomia técnica. Para a autora a
recomposição dos diversos processos de trabalho requer a articulação das ações, a interação
comunicativa dos agentes e a superação do isolamento dos saberes. A prática do trabalho em
equipe do tipo integração pode ser reconhecida com base em alguns critérios apontados pela
autora: a comunicação entre os agentes do trabalho, a elaboração de um projeto assistencial
comum, o reconhecimento das diferenças técnicas entre os trabalhos, o questionamento das
desigualdades estabelecidas entre os diversos trabalhos e o reconhecimento do caráter
interdependente da autonomia profissional.
Segundo Pinho (2006) existe alguns pontos cruciais que conformam as características
base de qualquer equipe, como responsabilidade, tomada de decisões e desempenho coletivos
e o uso de habilidades e conhecimentos complementares, assim como, existem situações
específicas ao setor saúde que interferem na estruturação da equipe, quais sejam, dominância
51
de um discurso particular que exclui o outro e falta de confiança interprofissional resultante
das relações de poder entre profissões.
Para Canoletti (2008), o trabalho em equipe revela-se complexo, pois reúne indivíduos
com diferentes histórias de vida, saberes técnicos e formações diversas em torno da difícil
finalidade de responder adequadamente as necessidades dos usuários do serviço, da própria
instituição, bem como os desejos e a individualidade de cada membro da equipe. Em todas as
situações estudadas, Schraiber e Peduzzi (1999) encontraram evidências empíricas da
complementaridade e interdependência dos trabalhos, o que demonstra que a atenção às
necessidades de saúde dos usuários, de maneira resolutiva, resulta da composição do trabalho
de agentes das diferentes áreas. Porém, perceberam que apesar de haver tais conexões entre as
intervenções técnicas diferentes nem sempre são evidenciadas através de articulação das
ações. Isso demonstra que, apesar de claramente interdependentes, os distintos trabalhos
podem ser executados tanto de maneira isolada e individualizada por cada agente como
articulados quando os agentes estabelecerem de modo consciente as conexões de seus
trabalhos.
Schraiber et al. (1999) chegam a essa mesma conclusão, de que os diversos trabalhos
especializados expressam relações de complementaridade e interdependência entre si, o que
ocorre por serem fruto de um processo de divisão do trabalho que se deu a partir de uma
mesma prática originária e fundadora da técnica científica moderna na área da saúde a
prática dos médicos. Não são trabalhos independentes, mas se para articularem suas ações é
necessário que o agente coloque em evidência as conexões existentes entre si, conclui-se que
é preciso estimular, reconhecer e valorizar a disponibilidade dos agentes para operarem
articulações entre os trabalhos executados pelas diferentes áreas. Para Peduzzi (1998), que
se criar condições propícias a fim de evidenciar e processar as articulações entre as ações dos
distintos agentes.
Por isso, como apontam ainda os mesmos autores, a ideia de recomposição, na direção
da integralidade, não tem se mostrado possível por meio da mera locação de recursos
humanos de diferentes áreas profissionais nos mesmos locais de trabalho, pois geralmente
suas ações são isoladas e justapostas, realizadas lado-a-lado, sem articulação e sem
comunicação (SCHRAIBER et al., 1999).
Lima e Almeida (1999) corroboram tal constatação ao observarem que a simples
constituição de equipes multiprofissionais não necessariamente proporciona a superação do
trabalho fragmentado. E para os autores, a possibilidade de se configurar um formato
tecnológico e assistencial renovado, está no fato de que no trabalho vivo em ato, ou na
52
atividade de trabalho, os trabalhadores são potencialmente criativos e capazes de
reinventarem o modo de trabalhar cotidianamente e assim, podem chegar a uma forma
singular de se trabalhar em equipe. Contudo, em conjunto com todo este potencial criativo por
parte dos trabalhadores no cotidiano de sua atividade de trabalho, devemos procurar
compreender quais outros fatores atuam nesse contexto do trabalho em equipe.
Segundo Piancastelli, Faria e Silveira (2000), o funcionamento das equipes pode
variar significativamente em função do tipo de trabalho que está sendo executado. Quatro
elementos sempre estarão presentes e determinarão o funcionamento da equipe de acordo
com suas especificidades. Estes elementos são: os objetivos, os conhecimentos e habilidades
dos membros, a coordenação do trabalho e o plano de trabalho. A partir de dois exemplos, os
autores demonstram como o arranjo desses elementos influencia realmente no tipo de
funcionamento que a equipe vai adquirir.
O primeiro exemplo dado pelos autores é o time de futebol, que a princípio tem todos
com objetivos comuns marcar gols, vencer jogos, etc.-, habilidades diferentes goleiro,
zagueiro, etc -, coordenação o técnico-, e um plano de trabalho o esquema tático. Quanto
às habilidades, há, nesse caso, uma certa inespecificidade, pois eles podem trocar de posições
durante o jogo e até de funções – nada impede o zagueiro de marcar gols, por exemplo. Outra
peculiaridade é que a ausência do técnico não significa que a equipe vai falhar e em muitos
momentos são os próprios jogadores que assumem a coordenação, por exemplo, organizando
a defesa. Por fim, o plano de trabalho é bem flexível, que se adapta a realidade da partida
(PIANCASTELLI; FARIA; SILVEIRA, 2000).
O outro refere-se a orquestra sinfônica. Nesse caso, o objetivo é comum executar a
sinfonia -, conhecimentos e habilidades diferentes pianista, violinista, etc -, coordenação
do maestro e as partituras como plano de trabalho. Porém, percebe-se muitas diferenças em
relação ao exemplo do time de futebol. A alta especificidade do trabalho dos músicos, os
impede de exercer uns as funções dos outros, o maestro é fundamental e o plano de trabalho é
rígido, pois não se pode substituir uma partitura durante a execução da sinfonia
(PIANCASTELLI; FARIA; SILVEIRA, 2000).
Os autores concluem que é um grande desafio transformar um grupo de trabalhadores
em uma equipe, pois exige o aprendizado coletivo da necessidade de uma comunicação
aberta, prática democrática que permita o exercício pleno das capacidades individuais e uma
atuação mais criativa de cada sujeito. Assim, pode-se evitar a cristalização de posições,
rotulação e deterioração das relações interpessoais. E por fim, o grupo será responsável
solidariamente pelos sucessos e fracassos (PIANCASTELLI; FARIA; SILVEIRA, 2000).
53
Canoletti (2008) destaca, a partir de seu estudo, nove características que identificam
um trabalho em equipe: sinergia positiva quando o trabalho dos sujeitos em equipe produz
mais do que a somatória de seus resultados individuais; coordenação, cooperação e
responsabilidade coletiva – elementos difíceis de serem mensurados, são compreendidas
como a disponibilidade para auxiliar o outro no desenvolvimento de suas atividades,
participar na concepção e desenvolvimento do trabalho do outro, se tornando co-responsável;
interação entre os agentes prática que permite aos sujeitos compartilharem informações e
saberes, de modo a recompor os trabalhos especializados e disciplinas e definir e implementar
um projeto assistencial comum; foco nos resultados faz parte da tensão gerada entre a
necessidade de promover a integração profissional e a necessidade de produção no contexto
do processo de trabalho; autonomia profissional liberdade de julgamento e tomada de
decisão; flexibilização da divisão do trabalho coexistência de ações privativas das
diferentes áreas profissionais e ações em comum; comunicação – fundamental para alcançar a
interação entre os membros e permite que os conhecimentos e ideias sejam expostos e
discutidos entre todos, para formular melhores hipóteses e condutas para cada caso;
integralidade da atenção à saúde na busca pela integralidade a ferramenta do trabalho em
equipe se torna essencial por permitir recompor os saberes fragmentados e, finalmente,
elaboração do projeto assistencial comum foco nas necessidades singulares de cada
usuário, realizada através de um processo comunicativo e de interação e possível através das
discussões em equipe.
A partir das concepções e características correlatas referidas pelos diversos autores da
literatura nacional e internacional Peduzzi (2007b) também apresenta um conjunto de
características que configuram as equipes de saúde, quais sejam: comunicação entre os
profissionais, compartilhamento de finalidades e objetivos do trabalho, compartilhamento da
abordagem dos usuários, construção de uma linguagem comum da equipe, construção de um
projeto assistencial comum, articulação das ações e das disciplinas, cooperação e colaboração
entre os profissionais, responsabilidade e accountability (referente à prestação de contas pelos
resultados produzidos por parte da equipe e dos profissionais), reconhecimento do papel e do
trabalho dos demais membros da equipe, reconhecimento da complementaridade e da
interdependência das atividades dos diferentes membros da equipe, autonomia profissional de
caráter interdependente, flexibilidade da divisão do trabalho e das fronteiras entre as áreas
profissionais, preservação das especificidades das diferentes áreas profissionais e
questionamento da desigualdade de sua valoração social. Contudo, a autora complementa que
54
tais características não se manifestam igualmente em todas as situações de trabalho em
equipe, podendo configurar diferentes modalidades ou tipos de equipe.
2.2 Relações interprofissionais e reuniões de equipe
Um fator essencial que se coloca a partir das reflexões sobre as possibilidades de
articulação das ações dos diferentes agentes no trabalho em equipe de saúde e que pode nos
auxiliar no entendimento do contexto que envolve tais situações, situa-se no campo das
relações interprofissionais. Cabe lembrar, nesse momento, que a abordagem teórica realizada
nesse subtema tem a intenção de desvendar alguns aspectos das relações interprofissionais na
saúde que interferem no trabalho em equipe e, concomitantemente, algumas características
destas relações que são peculiares da organização hospitalar.
Segundo Cecílio e Merhy (2003), o cuidado, nas organizações de saúde em geral, mas
no hospital em particular, é, por sua natureza, necessariamente multidisciplinar, ou seja,
depende da conjugação do trabalho de vários profissionais. Contudo, os mecanismos
instituídos de dominação e de relações muito assimétricas de poder entre as várias
corporações profissionais dificultam a visibilidade por parte dos trabalhadores do quão
imprescindível é a colaboração que deve existir entre eles enquanto operadores de tecnologias
de saúde na realização do cuidado. Os autores acrescentam que esse cuidado, de certa forma
idealizado, recebido/vivido pelo usuário congrega um grande número de pequenos cuidados
parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada,
entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital.
Dessa forma pensam que a composição desse cuidado em saúde se em meio a uma
complexa trama de atos, procedimentos, fluxos, rotinas, saberes, num processo dialético de
complementação, mas também de disputa. E no fim, o que caracterizará a maior ou menor
integralidade da atenção recebida, em boa medida, será a forma como se articulam as práticas
dos trabalhadores do hospital (CECÍLIO; MERHY, 2003).
Lima e Almeida (1999) afirmam que devido à progressiva especialização do saber e à
necessidade de vários profissionais envolvidos no atendimento, é possível identificar que o
modelo de produção de cuidados no espaço hospitalar se direciona, principalmente, para os
cuidados especializados e de maior complexidade. Contraditoriamente, a densidade
tecnológica e a variedade dos instrumentos de trabalho não vêm contribuindo para uma
assistência integral do usuário por envolver procedimentos cada vez mais sofisticados e
55
especializados que levam a uma abordagem parcelar e distante do corpo doente. O processo
de trabalho no hospital é conduzido pela clínica anatomopatológica, alicerçada no corpo
biológico individual e a fim de apreender o objeto de trabalho e nele realizar as
transformações pretendidas é utilizado o saber clínico, que, por sua vez, conduz todo o projeto
terapêutico para a produção de cuidados individuais de diagnóstico e terapêutica.
Para Franco e Magalhães Jr (2007) a clínica exercida através dos atos de fala, escuta,
em que o diagnóstico ganha a dimensão do cuidado foi, aos poucos, sendo substituída ao
longo do tempo pelo exercício hegemônico de uma clínica centrada no ato prescritivo e na
produção de procedimentos. Os autores denominam o modelo assistencial vigente como
médico hegemônico, que se desenvolveu com base no Relatório Flexner, responsável por uma
ampla reforma na formação médica nos E.U.A. a partir de 1910. Nesse modelo, que se
desenvolveu ao longo do século XX, a clínica é centrada no aspecto biológico, os processos
de trabalho centrados no saber e na pessoa do médico, sem interação de saberes e práticas e
prevalece o uso de tecnologias duras (máquinas e instrumentos), em detrimento de tecnologias
leve-duras (conhecimento técnico) e leves (relações) no cuidado.
Oliveira e Collet (2000) destacam que é em meio ao constante conflito e negociação
entre os diversos poderes e saberes que compõem o modelo clínico de assistência vigente,
especialmente nas organizações hospitalares, que se a produção de serviços. A relação
entre o trabalho médico e de enfermagem caracterizam-se pela oposição comando/execução
na organização da divisão do trabalho, onde aos médicos cabe o ato médico propriamente
dito, enquanto que as enfermeiras(os) ficam responsáveis pela administração da terapêutica e
a constante informação sobre o cotidiano do doente. Segundo os autores, a possibilidade de
intervenção dos profissionais como agentes sociais na definição do poder no hospital, fugindo
da execução passiva das resoluções advindas de cima para baixo, está na compreensão das
determinações histórico-sociais desse mesmo poder nesta instituição.
Segundo Lima e Almeida (1999), a produção dos cuidados em saúde ocorre, assim, na
forma de um trabalho coletivo, onde se articulam diversas atividades representadas pelos
trabalhos particulares de vários profissionais e que, sendo assim, configuram processos de
trabalho de cada uma das profissões. Os diferentes profissionais compartilham o objeto de
trabalho e suas atividades estão direcionadas para obterem a recuperação da saúde dos
usuários internados, que seria seu produto final. As autoras salientam que o trabalho coletivo
é comandado pela racionalidade médica a qual se submetem os outros profissionais. Como a
finalidade do trabalho realizado é produzir o diagnóstico e a terapêutica e estes são resultantes
de um trabalho intelectual de responsabilidade do médico, esse é o detentor do poder, que
56
vem do fato de possuir o saber e a competência técnica necessários para curar doenças e
salvar vidas. Porém, uma análise das relações entre os agentes no ato da produção de cuidados
permite perceber que todos os profissionais têm uma interdependência e que seus trabalhos se
complementam. E essa interdependência pode ocorrer entre diferentes profissionais ou entre
agentes de uma mesma área profissional.
Peduzzi (1998) percebe que a organização institucional e a literatura sobre o tema
evidenciam que o modelo predominante de organização das práticas de saúde é o modelo
clínico da assistência médica individual ou modelo médico, centrado no saber biomédico e
nas ações de diagnóstico e tratamento das patologias e sintomas orgânicos, onde as demais
áreas agregam seus trabalhos em torno da racionalidade clínica, adquirindo um caráter
periférico com relação ao trabalho médico, que é considerado, nesse raciocínio, nuclear. A
abordagem central das necessidades apresentadas pelos usuários é a biomédica para todos os
profissionais e o conjunto dos trabalhos encontra-se regido pela normatividade médica. Frisa
que essa distinção entre “nuclear” e “periférico” se inspira na investigação desenvolvida por
Carapinheiro (1993) sobre as relações dos saberes e poderes no hospital em Portugal, na qual
a autora, após analisar a centralidade do saber e das intervenções médicas e o caráter
periférico dos demais saberes, concluiu que o serviço de saúde é um lugar de excelência do
poder médico. Contudo, chama a atenção para o fato de que tais trabalhos denominados como
periféricos na sua complementaridade existem com base em necessidades colocadas pelo
próprio modelo tecnológico de organização das práticas e, portanto, não pode ser visto ou
acrescido de um valor assessório ou descartável, embora tenham menor valoração social e
sejam, por isso, desiguais para além das diferenças técnicas.
Em alguns casos, como constata Peduzzi (1998) em sua investigação, a diferença
técnica, que permite a complementaridade entre os trabalhos especializados, se converte em
desigualdade hierárquica, onde os diferentes se tornam desiguais e esta desigualdade se traduz
na relação entre superior e inferior. Ainda dentro dessa lógica, Peduzzi (2007a) alerta que
muitas vezes no trabalho em equipe multiprofissional, pode ocorrer um tipo de
complementaridade periférica instrumental, pois que os agentes passam a ser objetos da ação
instrumental do outro profissional, perdendo a perspectiva de sujeito para serem concebidos e
tratados como um recurso do trabalho alheio.
Contudo, a autora ressalta que a subordinação hierárquica dos profissionais não-
médicos aos agentes médicos é compartilhada e, geralmente, reiterada por todos os
profissionais, mostrando que cada sujeito reflete as condições de sua época e das práticas
sociais nas quais está envolvido e por outro lado, essa transmutação das diferenças em
57
desigualdades ocorre por uma alienação do agente de sua própria capacidade enquanto sujeito,
de se posicionar diante das situações e tomar decisões (PEDUZZI, 1998).
Vale ressaltar que, na assistência à saúde, cada trabalho especializado é meio para a
realização do processo de trabalho e cada trabalhador transforma o objeto de trabalho
utilizando um saber específico, uma estrutura física e instrumentos próprios, sejam materiais,
equipamentos ou saber técnico. Assim, cada trabalho constitui um processo de trabalho
específico e apresenta autonomia técnica para a ação baseada no saber da respectiva profissão
com o respaldo da lei do exercício profissional de sua categoria (PEDUZZI, 1998).
Para Peduzzi (1998), na produção de cuidados de saúde os diversos trabalhos são
diferentes não apenas tecnicamente, mas também são desiguais quanto à sua valorização
social. As diferenças técnicas dizem respeito às especializações dos saberes e das intervenções
entre as áreas profissionais e as desigualdades referem-se aos valores e normas sociais que
agem hierarquizando e disciplinando as diferenças técnicas entre as profissões. Com isso,
correspondem diferentes autoridades técnicas e legitimidades sociais aos diferentes
profissionais e assim, a equipe multiprofissional expressa as diferenças e desigualdades entre
as áreas, e no cotidiano e concretamente entre os agentes do trabalho. No cotidiano dos
serviços, o exercício da prática multiprofissional geralmente reitera a subordinação do
conjunto de profissionais de saúde ao modelo biomédico, o que dificulta a construção de um
projeto assistencial e terapêutico que substitua a racionalidade biomédica (PEDUZZI, 2007a).
O modelo biomédico o corpo humano como uma máquina complexa, com partes
que se inter-relacionam e que precisam de constante inspeção por parte de um especialista.
Considera as doenças resultado ou de processo degenerativo dentro do corpo, ou de agentes
químicos, físicos ou biológicos que o invadem, ou, ainda, da falha de algum mecanismo
regulatório do organismo (KOIFMAN, 2001). Esse modelo interpreta a doença como um
desvio de variáveis biológicas em relação à norma, se fundamenta em uma perspectiva
mecanicista, tratando fenômenos complexos a partir de princípios simples como a relação de
causa-efeito, distinção cartesiana entre mente e corpo e análise do corpo como máquina,
minimizando os aspectos sociais, psicológicos e comportamentais (CAPRARA; FRANCO,
1999).
Apesar do avanço tecnológico, científico e da sofisticação da biomedicina, começa a
ficar clara a sua impossibilidade de oferecer respostas conclusivas ou satisfatórias para muitos
problemas, em especial, para os componentes psicológicos ou subjetivos que acompanham,
em maior ou menor grau, qualquer doença (BARROS, 2002).
58
Oliveira e Collet (2000), ao tratar da questão do poder que é outorgado ao profissional
médico e aos demais profissionais não-médicos devido ao saber e competência técnica que
possuem, reafirmam que o médico, nos serviços hospitalares no modelo clínico vigente, ocupa
o poder nuclear por ser o profissional que institui o processo de diagnóstico e terapêutica.
Entendem que os espaços de conflito exigem constantes processos de negociações nas
relações cotidianas e que é necessária a compreensão, reflexão, e (re) construção permanente
das ações e relações.
Contudo, é possível identificar em situações da prática concreta que em alguns
momentos ocorre um rompimento da dominância profissional do médico. Ou seja, apesar de
parecer que o médico é o único com autonomia verdadeira, esta é relativa e definida, portanto,
pelos limites da competência e do saber impostos pelos outros profissionais e por relações
sociais mais amplas. Afinal, a maneira como o trabalho se realiza, as relações que ocorrem no
trabalho e como a produção do cuidado se estrutura dependem diretamente de qual projeto
intelectual está por traz de todo o processo de trabalho, ou seja, é necessário que se busque
construir novos projetos terapêuticos a fim de se alcançar ações integradas no hospital, que
dêem conta das dimensões biológicas, subjetivas e sociais do processo saúde-doença (LIMA;
ALMEIDA, 1999).
Apesar de encontrarmos na literatura diversas formas que os autores utilizam para
denominar o modelo assistencial hegemônico nas práticas de saúde (modelo clínico, modelo
biomédico, modelo médico hegemônico, modelo clínico da assistência médica individual ou
modelo médico), é importante perceber que todos se referem ao mesmo modelo assistencial.
Dentre essas nomenclaturas, optamos por utilizar o termo modelo biomédico, utilizado em
nosso referencial por Peduzzi (2007a), Koifman (2001), Barros (2002) e Caprara & Franco
(1999), para abordar as problemáticas referentes ao modelo hegemônico adotado nos serviços
de saúde e racionalidade biomédica, quando tratarmos da gica que guia a organização dos
processos de trabalho e as relações nos serviços onde predomina tal modelo.
Furtado (2007) contribui para nossa reflexão ao sinalizar que é preciso levar em
consideração, quando do estudo da colaboração interprofissional, a existência de duas forças
antagônicas. A primeira, representada pelas corporações profissionais, pela lógica
profissional, que tenta continuamente garantir um mercado definido e inviolável e expandir
territórios, aumentar sua autonomia e elevar seu grau de dominação e controle sobre outras
categorias. A segunda, em oposição, é representada pela lógica da colaboração profissional,
que aponta para a necessidade de partilhar conhecimentos, especialidades, experiências,
habilidades e, até, a intersubjetividade. Em cada situação concreta incidirão forças diferentes e
59
simultâneas sobre os agentes, que tenderão mais a uma das lógicas assinaladas e, assim,
levarão a ações mais ou menos interligadas. Tais forças antagônicas são, porém, simultâneos e
sua predominância varia ao longo do tempo, ao longo de uma situação vivida pelo
profissional e sofre influências da organização institucional.
Para Furtado (2007) o aumento de colaboração profissional expande a troca na tomada
de decisões clínicas e a integralidade dos cuidados, e aumenta a autonomia da equipe como
um todo frente aos problemas por ela enfrentados. Assim, a busca pela colaboração entre os
profissionais diferentes requer que se reconheça a busca do sujeito por conquistar um status
diferenciado por meio da formação profissional, evitando a negação da especificidade
duramente alcançada e tentando estabelecer pontes.
Bonaldi et al. (2007) salientam que a presença da divisão da equipe por áreas
profissionais e forte hierarquização impedem, de certa forma, a articulação entre profissionais
e transformam esse espaço de produção de saúde potencial num espaço de desavenças, lutas
corporativas e desqualificação do outro. Muitas vezes a marca da corporação nega os outros
profissionais como parceiros, torna invisível sua atividade e reduz a equipe aos diferentes
especialistas de uma mesma área profissional. Contudo, afirmam não ser necessário romper
completamente com as hierarquias, mas desfragmentar/ integrar os processos em equipe, sem
pretender equiparar os diferentes saberes e fazeres.
Schraiber e Peduzzi (1999) compreendem que o exercício atual dos profissionais de
saúde representa um tenso equilíbrio entre a possibilidade de exercício autônomo do seu saber
técnico e as condições de produção desse trabalho, que envolvem as demandas singulares
apresentadas pelos usuários, o seu objeto de intervenção, as exigências concretas do contexto
produtivo, e as exigências de complementação e interdependência de outros saberes e
trabalhos.
Para melhor exemplificar a interdependência e algumas das relações interprofissionais
tratadas até aqui, vou utilizar uma situação descrita por Lima e Almeida (1999) sobre o
trabalho das enfermeiras. Segundo as autoras, as enfermeiras podem enfrentar algumas
situações de limitação à sua autonomia devido à sua dependência ao trabalho médico e,
consequente à divisão técnica e social do trabalho, encontra-se numa posição de submissão ao
poder médico e ao lugar social que ocupa nessa relação. Por outro lado, estabelece com os
auxiliares uma relação de dominação pelo mesmo motivo, porém mesmo nessa situação de
subalternidade, ao realizar o seu trabalho, atua como coordenadora das atividades dos demais
trabalhadores da equipe de saúde, envolvidos no cuidado ao usuário. Portanto, ela articula,
supervisiona e controla ações que são desenvolvidas separadamente pelos diferentes
60
trabalhadores da saúde. Ela faz a interligação do trabalho médico ao trabalho de enfermagem,
assim como a articulação da enfermagem com os demais trabalhos que conformam o processo
de trabalho no hospital. Nessa situação descrita fica clara a interdependência e
complementaridade dos processos de trabalho. Na concepção das autoras, percebe-se que a
autonomia dos diferentes trabalhos é relativa e como não é predeterminada apenas pelo
conhecimento cnico- científico, seus espaços podem ser ampliados ou reduzidos em
decorrência de como estão explicitados os saberes, outros instrumentos e as práticas enquanto
poderes.
Outra situação, que tem certa peculiaridade, é o trabalho da equipe da unidade de
terapia intensiva, que, segundo Schraiber e Peduzzi (1999), chamam nossa atenção pela
intensa cooperação entre os agentes das diferentes áreas, realizando atividades em conjunto e
colaboração, ou seja, executando juntos certas intervenções, mesmo sem representar a
mencionada articulação consciente das ações. Para as autoras é a gravidade das situações e a
eficácia da técnica biológica e clínica para tais eventos que tornam compreensível a
preservação de relações estritamente hierárquicas entre médicos e não-médicos, nessa
situação, acompanhadas por intensa cooperação entre os agentes.
Shimizu e Ciampone (2004) compartilham dessa mesma opinião de que o processo de
trabalho nas UTIs demanda cooperação coletiva devido a gravidade e complexidade dos
usuários, que impõem a necessidade de lidar com equipamentos sofisticados, realizar
avaliações clínicas constantes e procedimentos complexos, com tomadas de decisões
imediatas. Mas acrescentam que apesar da ênfase no trabalho em equipe ser uma das
estratégias para assistir os usuários críticos, existem muitas dificuldades para o seu
desenvolvimento.
Os autores consideram que um dos principais fatores causadores de estresse para a
equipe multiprofissional é a própria equipe. Para diminuir a ansiedade é preciso que fique
claro o que se espera de cada um e que todos entendam que o impacto de cada trabalho para a
equipe como um todo interfere na qualidade da assistência. Além disso, é preciso encorajar o
profissional a ser responsável pelos próprios atos e a equipe precisa ser treinada e motivada
para atuar em equipe. Um fator que pode ser um grande problema para o trabalho em equipe
na UTI, ainda segundo esse estudo, é a falta de recursos materiais, que leva os profissionais
muitas vezes ao improviso. E caracterizam como uma boa estrutura de UTI aquela que
envolve: pessoal em mero suficiente e treinado para fornecer assistência específica e
observação contínua, planta física elaborada com equipamentos especiais e manutenção
61
constante e organização administrativa preocupada em manter padrões de assistência e
programas de educação continuada (SHIMIZU; CIAMPONE, 2004).
Dessa forma, cabe aos líderes de equipe avaliar as atitudes de cada profissional,
buscar o equilíbrio e coibir atitudes arrogantes e vaidosas, destacar a importância do diálogo
construtivo, valorizar a honestidade e a amizade, exigir respeito mútuo e motivar o grupo para
a construção de uma equipe unida, harmoniosa e comprometida com a assistência de
qualidade (SHIMIZU; CIAMPONE, 2004).
Um último exemplo desses aspectos é o caso da inserção do profissional da psicologia
no hospital. Tonetto e Gomes (2007), em um estudo realizado sobre a prática do psicólogo
hospitalar em equipe multidisciplinar, tratam da psicologia como um campo emergente dentro
das especialidades que se inserem nos serviços hospitalares e relatam muitas queixas entre os
psicólogos de que muitas das suas observações clínicas não são prontamente aceitas pelas
equipes. Segundo os autores, tais dificuldades têm gerado discussões sobre qual o modo mais
apropriado para a inserção da Psicologia nessas equipes. As psicólogas apontam como
principais fatores que influenciam no modo de interação que estabelecem com os demais
profissionais em um hospital as questões hierárquicas, o grau de importância atribuída aos
aspectos emocionais e o conhecimento sobre o trabalho da Psicologia. E concluem que a
melhor maneira de contornar as possíveis dificuldades apresentadas é ser persistente na defesa
de suas ideias, buscar interagir com os demais profissionais e tornar conhecidos os benefícios
que podem ser obtidos com a intervenção psicológica, a fim de que o serviço passe a ser mais
aceito e valorizado por parte dos demais profissionais.
Nesse sentido, Colomé, Lima e Davis (2008) afirmam que trabalhar em equipe de
maneira integrada exige que sejam estabelecidas conexões entre os distintos processos de
trabalho, mas que, sobretudo, essas conexões sejam estabelecidas com base num certo
conhecimento sobre o trabalho do outro e na valorização das contribuições deste na produção
de cuidados. Peduzzi (2007a) também entende que o trabalho em equipe exige o
reconhecimento de que o conhecimento do outro é útil e indispensável ao atendimento das
demandas dos usuários e o entendimento das práticas dos demais profissionais. Por isso, para
que o trabalho em equipe se efetive, é preciso que esteja pautado em relações de legitimação
do outro, pois ao aceitar o outro como legítimo se percebe suas qualidades, potenciais e
desejos, assim como seus defeitos, limites e angústias. Dessa forma é possível perceber até
onde a ação de cada um pode ir, o quanto cada saber diferente pode contribuir na execução de
uma ação de saúde e como todos são importantes para a eficácia dos serviços (GOMES et al.,
2007).
62
Lima e Almeida (1999) constataram que os outros profissionais, ao mesmo tempo em
que se encontram subordinados ao saber médico, lutam pela ampliação do seu espaço,
buscando gerar resistência a esta subordinação, havendo indícios de que a autonomia dos
profissionais não-médicos pode ser ampliada no cotidiano ao buscarem a valorização dos seus
saberes específicos e pela construção do trabalho cooperado.
Na busca de melhor compreensão e análise das ações e trânsitos entre as
especificidades das profissões, Campos (2007a) utiliza os conceitos de núcleo e campo de
competência e responsabilidade. Os núcleos se referem às especificidades que diferenciam e
caracterizam os profissionais, ou seja, aos elementos de singularidade que definem a
identidade de cada profissional ou especialista. O campo, por sua vez, remete às iniciativas
importantes que não pertencem a nenhuma área em particular e que, por isso, requerem a
colaboração entre diferentes profissionais, ou seja, são responsabilidades e saberes comuns ou
convergentes a várias profissões ou especialidades. O autor conclui que a compreensão destes
conceitos por parte dos próprios profissionais permite maior clareza do que pode ser
partilhado e a certeza de que a colaboração não implicará perda de sua identidade ou núcleo
profissional.
A metáfora da orquestra, trazida, por Gomes, Pinheiro e Guizardi (2005) contribui
para pensar o agir dos profissionais de saúde em equipe. Para os autores, uma sinfonia
representa o agir em concerto de vários profissionais, o que envolve o respeito a suas
especificidades e responsabilidades, sem que o resultado final, a própria sinfonia, seja
responsabilidade exclusiva de nenhum dos componentes. Assim como na sinfonia, a
superação da fragmentação do trabalho em equipe de saúde não depende da homogeneização
das práticas ou da negação das diferenças que existem entre as profissões. Ao contrário, deve-
se reconhecer que cada área profissional detém saberes e responsabilidades diferentes, mas
fundamentais para a realização dos serviços. O agir em concerto significa garantir as
especificidades dos campos de saber profissionais em prol de um objetivo comum, a saúde do
usuário e que, apesar de alguns profissionais sobressaírem em alguns momentos, não se pode
circunscrever a saúde do usuário a apenas uma área profissional. Porém, seguindo na
analogia, todos os profissionais da orquestra seguem partituras referentes a uma mesma
sinfonia e isso rege o agir em concerto. Portanto, na saúde devemos focar nos pontos de
convergência dos distintos processos de trabalho, pois são estes pontos que permitirão a
orquestração das diferentes práticas e saberes, superando a fragmentação dos serviços, sem
negar as especificidades.
63
Os dois pontos de convergência encontrados pelos autores seriam: o contato com o
usuário, que existe em qualquer um dos processos de trabalho; e a utilização da linguagem
como instrumento transversal na atividade de todos os profissionais envolvidos no processo.
Porém, é preciso que os objetos dos diferentes saberes disciplinares da área da saúde sejam
pensados dentro das relações com os sujeitos, para que o foco do trabalho deixe de ser algo
sobre o qual a atividade incide para ser alguém com quem ela acontece. Os autores concluem
que a orquestração dos distintos trabalhos ocorrerá quando a relação com o usuário for a
condutora das ações. A orquestração do trabalho em equipe ocorre através do estabelecimento
de relações entre sujeitos, onde o usuário é o protagonista, incluído no processo, e em torno
do qual e com o qual os diferentes profissionais irão agir em concerto a fim de alcançar o
produto final, a sua saúde (GOMES; PINHEIRO; GUIZARDI, 2005).
Uma forma de trabalho em equipe apontada na literatura é a realização de reuniões de
equipe. Segundo Abuhab et al. (2005), as reuniões técnicas fazem parte do processo de
trabalho em saúde e contribuem para a troca de informações e vivências do dia a dia. Nelas
são colocadas as dificuldades e facilidades encontradas pelos profissionais durante a execução
do trabalho, as vivências podem ser compartilhadas e os papéis profissionais reconstruídos,
propiciando um processo participativo e de compartilhamento de saberes. A partir da forma
que se organiza, é possível entender se o serviço é transformador e prioriza a troca e a decisão
da equipe nas ações profissionais, ou se é tradicional e submetido ao modelo médico
hegemônico, em que os papéis são impostos e não discutidos. Para alguns profissionais, as
reuniões podem ser consideradas momentos necessários de amparo da prática, porém, a
desorganização e o não atendimento às demandas reais apresentadas podem comprometer seu
potencial.
Em um estudo de Leite e Vila (2005), que se propôs a investigar as dificuldades
vivenciadas pela equipe multiprofissional em uma unidade de terapia intensiva ficou evidente
a necessidade de promover momentos para reflexão e discussão acerca dos aspectos técnicos,
científicos e éticos referentes ao cuidado tanto dos usuários críticos quanto de seus familiares
como forma de garantir a qualidade do atendimento e do relacionamento interpessoal.
Jacob Filho e Sitta (2002) entendem as reuniões de equipe como absolutamente
necessárias. Afinal, os contatos informais entre os profissionais podem e devem acontecer,
mas é fundamental que haja um momento de reunião da equipe, de preferência, com data,
local, duração e freqüência preestabelecidos, onde todos possam tornar públicos seus
problemas com o usuário ou até mesmo com relação ao grupo. As reuniões abrem
possibilidade aos demais membros de participar tanto do diagnóstico quanto da proposta de
64
atuação e devem ser utilizadas tanto para os assuntos de atendimento, quanto para constantes
avaliações do desempenho individual ou coletivo.
Para Grando e Dall’agnol (2010), as reuniões de equipe cotidianas funcionam como
dispositivos de estruturação, organização, informação, estabelecimento de diretrizes e espaço
de tomada de decisões. As reuniões proporcionam encontros entre diferentes trabalhadores,
cada qual com suas especificidades, que são colocados diante da necessidade de se relacionar.
Seus benefícios se referem a oportunidade para ocorrer socialização do conhecimento,
planejamento conjunto e subsídios para tomadas de decisões mais acertadas. No entanto, se
não forem bem realizadas, podem se traduzir em desconforto para seus participantes. Um
deles, apontado pelos profissionais, é o cansaço, que acaba levando a perda de tempo e
dificuldades para tomar decisões.
O estudo realizado por Silva e Trad (2004/2005) analisou a experiência de uma equipe
de PSF, buscando identificar evidências de articulação entre ações e interação entre os
profissionais da equipe na construção de um projeto assistencial comum. Seus resultados
sugerem que, na maioria das vezes, as decisões o são partilhadas na concepção do trabalho,
comprometendo a construção do plano comum; um limite no que diz respeito a opinar
sobre o trabalho dos outros, principalmente quando em relação a um profissional de nível
superior; a reunião semanal, instituída com a finalidade de promover reflexão conjunta do
trabalho e coordenada pela enfermeira, concentra-se na soluções dos problemas de natureza
administrativa e na socialização do que foi programado individualmente pelos profissionais de
nível superior, sem que haja a utilização desse espaço para elaboração coletiva do
planejamento e avaliação do impacto das ações. Mesmo diante de tais dificuldades, a reunião
foi considerada importante enquanto possibilidade dos diversos membros da equipe
conhecerem o trabalho do outro, discutirem os problemas que surgem na prática cotidiana e
buscar soluções para os problemas identificados através de negociação e construção de
consensos.
Para Gomes, Anselmo e Lunardi Filho (2000), seja no hospital ou em qualquer outra
instituição de saúde, a comunicação é de extrema importância para que os diferentes membros
de uma equipe de trabalho possam se entender no desenvolvimento de suas atividades
conjuntas, e para que se evitem as falhas que comprometem o bom andamento do processo de
trabalho. Uma maneira de estabelecer tal comunicação é por meio de reuniões frequentes e
periódicas, pois mesmo na suposta inexistência de problemas, elas podem ser úteis para
dividir e compartilhar com a equipe as responsabilidades pelas decisões tomadas e os ritos
pelo alcance de resultados satisfatórios, elogiando o bom andamento do trabalho, por
65
exemplo. As reuniões podem ser usadas como espaço de troca de ideias, experiências,
tornando-se um espaço para estudos e divulgação de conhecimentos, o que implica
crescimento para toda a equipe, melhorando a qualidade do serviço prestado. Além disso,
discutir coletivamente um assunto cria oportunidade de tratá-lo sob várias abordagens e
pontos de vista, gerando uma melhor reflexão e o conhecimento da percepção dos demais
membros sobre o assunto.
Os autores ressaltam alguns aspectos do funcionamento que merecem atenção para
que a reunião seja produtiva e contribua de verdade para a qualidade da comunicação e do
serviço: horário adequado às possibilidades de todos os possíveis participantes; local deve ser
equipado e de tamanho apropriado; todos devem ser informados da data, hora, lugar e
objetivos; todos devem entender qual sua contribuição para a reunião; todos devem ter claros
os objetivos da reunião; o condutor deve ser flexível, ao lidar com diferentes tons e estilos dos
participantes, firme para manter-se dentro do horário e para lidar com problemas, ter mente
aberta e receptiva para ouvir a opinião com a qual não concorda, ser equânime, dando a todos
o direito de falar e saber resumir ideias; cada participante em suas intervenções, deve ser
claro e sucinto, saber ouvir, demonstrando interesse no que o outro está falando, não permitir
que preconceitos pessoais ou profissionais bloqueiem sua compreensão de bons argumentos
(GOMES; ANSELMO; LUNARDI FILHO, 2000).
Por fim, enumeram os problemas mais comuns constatados: pessoas que se ausentam
ou se atrasam; discussão mais extensa no primeiro assunto, gerando correria na discussão dos
outros; a maioria das pessoas não contribui muito para a discussão; acabam sendo utilizadas
para resolver problemas pessoais; não é feita relação entre ações decididas e responsáveis pela
realização; e o fato de alguns profissionais se sentirem frustrados, irritados, cansados ou
deprimidos após as reuniões (GOMES; ANSELMO; LUNARDI FILHO, 2000).
2.3 Trabalho em saúde: comunicação como dimensão chave
A dimensão comunicativa do trabalho em equipe é citada pela maioria dos autores
como a chave que permite que ele se efetive na prática. Essa informação vem do trabalho de
análise sistemática da literatura realizado por Canoletti (2008) que, diante de seus resultados,
afirma que se fosse possível isolar apenas uma característica do trabalho em equipe que
considerada unanimidade entre os artigos analisados, esta certamente seria a comunicação.
Porém, a autora ressalta que apesar do possível consenso na literatura a respeito da
66
importância da dimensão comunicacional, não consenso em relação ao conceito de
comunicação utilizado, tendo se deparado em sua pesquisa com diferentes concepções.
Para Lunardi Filho, Lunardi e Paulitsch (1997) a valorização e o aperfeiçoamento da
habilidade de comunicar-se assumem cada vez mais relevância, pois seu cultivo e utilização
são indispensáveis para a execução de qualquer ação. Comunicar significa, na concepção dos
autores, tornar comum a uma ou mais pessoas uma determinada informação ou um conjunto
de dados com um significado que reduz a incerteza ou aumenta o conhecimento acerca de
alguma coisa. Por outro lado, entendem que a comunicação não deve ser vista como apenas
um processo de transmissão e entendimento de informações, mas, também, como uma
maneira de possibilitar o entendimento mútuo, que é essencial para exercer influência sobre
os indivíduos e grupos a apresentarem determinados comportamentos.
No diálogo entre os profissionais coexistem uma dimensão técnica, referida às
atividades, aos procedimentos e a todos os instrumentos necessários para atingir a finalidade
da prestação de cuidados, e a dimensão ética, que inclui o relacionamento interpessoal entre
os profissionais, que, de antemão deve ser respeitoso como cabe ser nas relações humanas,
mas deve abarcar também a preocupação em conhecer, reconhecer e considerar o trabalho dos
demais, seja da mesma área de atuação, seja de outras (PEDUZZI, 1998).
Na concepção de Araújo e Rocha (2007), a importância do diálogo na busca do
consenso é imprescindível para o bom desenvolvimento do trabalho em equipe, afinal este
permite a escuta do outro e pressupõe o estabelecimento de um canal de comunicação.
Através de certas formas de comunicação as ações deixam de ocorrer de forma
indiscriminada, casual e arbitrária e passam a alcançar uma especificidade, que atende as
necessidades individuais e permite bem compreender e resolver os problemas específicos do
usuário e suas reais necessidades como pessoa, atuando todos de acordo com o que ele precisa
e conseguindo, assim, corresponder às suas expectativas (LUNARDI FILHO; LUNARDI;
PAULITSCH, 1997).
Para Braga et al (2009) é possível perceber a importância da comunicação para o
efetivo trabalho em equipe, pois dela depende a forma como os membros interagem pra que o
trabalho transcorra de forma produtiva e eficaz.
Deslandes e Mitre (2009) chamam de processos comunicacionais a possibilidade de
produzir entendimento dos atos de fala cotidianos por meio do diálogo e não o simples
sucesso na emissão e compreensão de um conteúdo informativo. O entendimento ao qual se
referem pode ser definido como um processo comunicativo, ou mais especificamente, a
disposição e os dispositivos empregados no processo para produzir consenso. Se baseia na
67
troca ativa e pacífica de informações onde se busca não a concordância de opiniões, mas o
reconhecimento de ambas as falas, a capacidade de aceitar ou discordar com base em
argumentos válidos. Esse aspecto da comunicação se aplica no encontro entre diferentes
profissionais, que têm tipos distintos de conhecimento, mas que não devem levar ao
emudecer de um diante do outro. O desafio posto é, então, o de reconhecer a fala do outro
como válida, pois se, do contrário, esta é desqualificada, não reconhecida, não é possível
haver entendimento.
A comunicação torna possível a manifestação e exteriorização do que se passa na vida
interior de cada um. E “graças a essa habilidade de perceber e de comunicar, o homem
enriquece o seu referencial de conhecimentos, transmite sentimentos e pensamentos,
esclarece, interage e conhece o que os demais pensam, necessitam e sentem” (LUNARDI
FILHO; LUNARDI; PAULITSCH, 1997. p. 63).
Braga et al. (2009) estudaram as situações positivas ou negativas nos relacionamentos
interpessoais em centro cirúrgico. A vivência obtida pelos autores através da experiência
prática em unidades de centro cirúrgico os fez perceber que a qualidade da assistência ao
usuário depende diretamente da capacidade de comunicação dos indivíduos e das relações
interpessoais entre as equipes de trabalho. Nos resultados do estudo, o diálogo e o sentir-se
valorizado apareceram como situações positivas para as relações interprofissionais, enquanto
a falta de diálogo, a falta de sentimento de equipe, a falta de cuidado com economia de
material, manutenção de equipamentos, e desconhecimento das normas e procedimentos do
centro foram citados como negativas e fontes de conflitos nas relações.
Silva e Trad (2004/2005) ao analisarem a experiência de uma equipe de PSF em um
município baiano, onde buscaram identificar evidências de articulação entre as ações e de
interação entre os profissionais na construção de um projeto assistencial comum, constataram
que a comunicação no interior da equipe se realiza, basicamente, na troca ou transmissão de
informações de caráter técnico, sendo pouco referidas situações em que se exercite a
discussão crítica em torno de problemas e necessidades da equipe e da população na busca de
consensos coletivos. Alguns fatores restritivos à interação comunicativa também foram
apontados pelos autores na situação estudada, como a pouca discussão entre os profissionais
sobre a temática do trabalho em equipe; a falta de supervisão sistemática por parte da
coordenação municipal; a sobrecarga de ações assistenciais para todos os profissionais; as
frequentes solicitações da coordenação municipal; o grande número de atividades que foram
sendo absorvidas por cada profissional; a mudança de alguns integrantes da equipe; e o
número elevado de profissionais compondo a equipe.
68
Schraiber e Peduzzi (1999) consideram que por ser um instrumento do processo de
trabalho em saúde, é compreensível que a comunicação apareça com ênfase nos estudos tanto
como um obstáculo quanto como um facilitador para o trabalho em equipe. O estudo que
realizaram revelou que existe uma tensão entre realizar reuniões ou as atividades de
assistência centrais no atual modelo de trabalho. E que esta tensão quase sempre se relaciona
à falta de tempo disponível.
Uma questão pouco citada, mas que entendo que seja relevante pontuar sobre a
comunicação interprofissional é a construção de um idioma comum na equipe, pois a
freqüente utilização de jargões, códigos e/ou siglas peculiares a cada área, por exemplo, pode
constituir uma barreira ao bom entendimento entre os profissionais. Estas, se não forem
plenamente decodificadas por todos, permitem erros de interpretação e, desestimula o diálogo
e a inter-relação (JACOB FILHO; SITTA, 2002).
Finalmente, é importante tecer algumas considerações a respeito da comunicação
interprofissional que é viabilizada através dos prontuários. Para Bezerra (2009), o
prontuário
do usuário, que era inicialmente utilizado para documentar as informações de saúde e de doença,
tornou-se cada vez mais complexo, passando a ter um papel fundamental na sociedade moderna.
Silva e Tavares-Neto (2007) destacam que r
egistrar informações passou a ser tarefa e
dever diário de todos os profissionais da área de saúde. A reunião dos dados fornecidos pelo
usuário, responsáveis legais ou ambos e dos resultados obtidos em qualquer tipo de exame
constitui o chamado prontuário médico, também denominado prontuário do usuário ou do
cliente, ou mesmo registro médico. É considerado um documento de elevada importância que
visa dar, a quem o consulta, um resumo da evolução da pessoa assistida e, subsequentemente,
direcionar o melhor procedimento terapêutico ou de reabilitação. Nele ficam contidas todas as
medidas associadas, assim como a ampla variabilidade de cuidados preventivos adotados
pelos profissionais de saúde.
Colomé, Lima e Davis (2008) acrescentam que o fato do prontuário ser único para
utilização de todos os membros da equipe permite que os profissionais tenham uma visão
mais abrangente do histórico e do estado de saúde dos usuários, e, assim, complementem os
demais trabalhos.
A Resolução n
o
CFM 1.638/2002, que define o que se entende por prontuário médico e
torna obrigatória a criação da Comissão de Revisão de Prontuários nas instituições de saúde,
considera que o prontuário é um
documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e
imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações
sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal,
69
sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe
multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo
(CFM, 2002; Art. 1
o
).
A resolução aponta ainda, em seu artigo 2
o
, como responsáveis pelo prontuário médico
não somente os médicos, mas todos os profissionais que compartilham do atendimento. E
torna obrigatória em seu artigo 3
o
a criação de Comissões de Revisão de Prontuários nos
estabelecimentos e/ou instituições de saúde onde se presta assistência médica (CFM, 2002).
2.4 Dificuldades e potência do trabalho em equipe
Diante de tantas características e aspectos envolvidos no trabalho em equipe, algumas
dificuldades se apresentam quando a proposta é transportada para as realidades concretas de
trabalho. Por outro lado, alguns caminhos de superação são criados, experimentados e novas
propostas surgem tanto na literatura científica quanto na concretude das práticas de saúde.
Alguns estudos têm sido feitos em serviços de saúde, na tentativa de saber do próprio
trabalhador como ele vivencia essa modalidade de trabalho, alguns se voltam especificamente
à enfermagem, uns direcionam seu olhar para a Estratégia de Saúde da Família, outros para
algum tipo de serviço específico, como a UTI, o centro cirúrgico, o CAPS, a unidade básica
de saúde e dem diante. Todos procurando dar sua contribuição na busca de respostas para
as limitações encontradas no dia a dia dos serviços na construção de formas mais
democráticas e coletivas de trabalho que se tornem uma realidade comum na saúde.
Primeiramente serão apresentadas as principais limitações ao trabalho em equipe na
saúde referidas na literatura consultada. Logo em seguida, alguns aspectos que facilitam e
abrem o caminho para possibilidades de trabalho em equipe serão abordados e uma especial
atenção será dada a uma forma de trabalho em equipe que interessa ao objeto desta pesquisa
por frequentemente se fazer presente nos serviços hospitalares, as reuniões de equipe.
Abuhab et al (2005) realizaram estudo a fim de compreender a dinâmica das relações
do trabalho multiprofissional, identificando as facilidades e dificuldades do trabalho em
equipe em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). A dificuldade inerente ao trabalho em
equipe foi apontada por todos os entrevistados e ficou evidente que as dificuldades são
maiores que as facilidades. As principais dificuldades apontadas com relação às reuniões
técnicas diárias foram a superficialidade e falta de objetividade, falta de organização e
planejamento como fato que influencia seu andamento, falta de conhecimento da história dos
70
usuários por parte de alguns profissionais e dificuldade dos profissionais em superar o
enfoque pessoal nas discussões. A dificuldade concreta de união, integração e articulação da
equipe é vista como consequência do fato de cada profissional manter-se nas suas
especificidades, isolado na realização ou no cumprimento de tarefas. A hegemonia do
trabalho médico também foi apontada na pesquisa e a falta de comunicação verbal ou
documental foi citada como mais um ponto dificultador das ações integradas dos
profissionais.
Procurando também compreender as limitações do trabalho em equipe, mas com o
olhar sobre os profissionais que se dedicam à atenção à saúde em centros de referência para
DST/AIDS, Silva et al. (2002) encontraram como fator limitante a história de estruturação e
organização de serviços de saúde centradas no atendimento médico e no trabalho
fragmentado.
Tonetto e Gomes (2007) perceberam a partir de seu estudo que, no âmbito hospitalar,
um dos fatores que dificulta o trabalho em equipe é a falta de clareza quanto às atribuições
dos diferentes profissionais.
A partir dos depoimentos de enfermeiras, o estudo de Colomé, Lima e Davis (2008)
enumera como fatores de dificuldade apresentados a sobrecarga de trabalho, a falta de tempo
para articular os diferentes trabalhos e planejar as ações, que decorre do fator anterior e as
reuniões que se direcionam basicamente para transmissão de informações técnicas, ao invés
de proporcionarem momentos para repensar o trabalho e a interação entre os membros da
equipe, compartilhar anseios, dúvidas e expectativas e, assim, permitir a discussão de
problemas identificados e a construção de consensos, mesmo que temporários sobre a
resolução dos mesmos.
Santos e Cutolo (2004), por sua vez, colocam que as dificuldades que os profissionais
encontram com relação à necessidade de articular suas práticas com os outros profissionais de
áreas distintas e o desconhecimento dos potenciais que existem em cada componente da
equipe encontram sua explicação na formação, que se dá segundo os princípios éticos e
corporativos de cada profissão isoladamente.
Galván (2007) segue o mesmo caminho de reflexão quando coloca o investimento em
novos modelos de formação e, principalmente, a ampliação de conceitos intrínsecos à área da
saúde, como um dos caminhos possíveis para desenvolver esse nível cada vez maior de
integração disciplinar. E acrescenta que, ao mesmo tempo, é necessário estar atento e investir
na capacitação dos profissionais para o trabalho em equipe, além de poder contar com
71
indivíduos sensibilizados e abertos para a recriação do conhecimento adquirido na teoria e na
prática individual, através de uma elaboração conjunta.
Costa, Enders e Menezes (2008) também entendem que é preciso superar a atual
formação profissional afinada com prioridades do modelo clínico, para o desenvolvimento de
trabalhadores dotados de autonomia, com habilidades para o trabalho em equipe e
comprometidos com as exigências atuais do setor. Os autores citam estratégias como Projeto
UNI, o VERSUS, o PRÓ-SAÚDE e a Educação Permanente em Saúde, cujos objetivos se
desdobram na qualificação profissional e na adoção da integralidade como eixo orientador das
práticas e da organização dos serviços, pretendendo desenvolver nos profissionais formados a
responsabilização, a autonomia deles e dos demais atores sociais. Essas políticas, apesar dos
objetos de intervenção diferentes, segundo os autores, tem como objetivo induzir mudanças
no campo das práticas e da formação profissional assumindo como prioridade as equipes de
trabalho em saúde em qualquer vel de atenção. A pretensão das propostas é estreitar a
articulação entre ensino e serviço e exercer influências sobre a gestão, a atenção e a formação
para viabilizar a implementação do SUS.
Para Pinho (2006), apesar dos benefícios que pode trazer o trabalho em equipe para as
práticas de produção de saúde, ele apresenta-se diante de alguns obstáculos como a intensa
divisão social e técnica do trabalho e a própria razão dessa intensa divisão, que seria o
processo de especialização e compartimentalização do saber dos profissionais desde sua
formação a partir de uma visão reducionista e fragmentada do ser humano.
Como bem afirma Ojeda (2004), ocorre que os
profissionais de saúde se formam e formam
outros profissionais sob uma ótica onde
c
ada profissional é formado para saber e fazer o que
lhe compete, a olhar a si mesmo e aos seus pares, a perpetuar sua profissão, mesmo que em
discursos acadêmicos e profissionais se expresse a preocupação de cada área em ter
consciência de seu compromisso social, o que implica a dissolução dos interesses particulares
e das fronteiras corporativistas.
Santos e Cutolo (2004) comungam desse mesmo pensamento ao concluir que é preciso
que haja modificação dos currículos a fim de formar profissionais de cunho generalista,
inseridos na realidade da população, criando vínculos e soluções criativas numa convivência
harmoniosa e produtiva entre os vários saberes. A formação acadêmica tradicional que esses
profissionais recebem durante seus cursos de graduação se baseia em modelos flexnerianos e
estáticos, com currículo rígido e pouco conectado com as reais necessidades da população. Os
currículos não prevêem, em sua grade disciplinar, um espaço para o trabalho em equipe, ainda
dentro da Universidade, a fim de formar um futuro profissional capaz de conceber espaços de
72
atuação conjunta. Diante dessa situação, em novembro de 2001, foram instituídas as novas
Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em saúde pelo Conselho Nacional de
Educação, e a partir da sua implantação nos cursos de saúde, será possível intervir ainda nos
bancos universitários para formar uma cultura mais geral de convivência multiprofissional,
com respeito às especificidades de cada profissão, trabalhando e interagindo dentro de uma
equipe.
Contudo, é preciso atentar para o fato de que tais alterações na formação dos
profissionais da saúde são complexas e envolvem mudanças conceituais, de postura e de
relações institucionais, além disso, obriga o enfrentamento de conhecimentos e valores
hegemônicos cristalizados nas estruturas da Universidade, e assim, implicam potenciais
conflitos, pressões e confrontações constantes e, por essa razão, estão sempre em situação de
risco de não se concretizarem (BRASIL, 2006).
Galván (2007) ainda distingue pelo menos três níveis de entraves que devemos
enfrentar para desenvolver o trabalho de forma integrada, são eles: individuais, grupais e
institucionais. Os individuais dizem respeito ao significado pessoal do trabalho em equipe
para cada um dos membros envolvidos. O saber delimitado pela disciplina oferece um lugar
pré-determinado ao indivíduo. A conseqüência desse estado de coisas é que na medida em que
uma equipe abre mão da rigidez disciplinar e as interlocuções passam a ser mais efetivas entre
os participantes, a falsa garantia de identidade oferecida pelo título profissional se fragiliza e o
indivíduo sente-se inseguro no que se refere ao seu papel. Outra dificuldade é que o trabalho
em equipe exige profissionais com atitude de abertura, curiosidade, desejo de descobertas, de
troca, de relação, de diálogo e esta é uma atitude que não pode ser ensinada, embora possa ser
despertada, estimulada, facilitada. Os grupais dizem respeito a difícil tarefa em si de termos
profissionais diferentes com objetivos comuns, partilhados e alinhados. Dentre os
institucionais, o principal é o uso do saber como instrumento de poder. Ainda na equivalência
saber-poder a hierarquização do saber, onde alguns saberes determinam maior poder do
que outros. Para promover a cooperação, é necessário que exista uma estrutura organizacional
que suporte a democratização do saber e a quebra da rigidez na aquisição e transmissão do
conhecimento, bem como na própria forma de proceder na assistência.
No campo das possibilidades de concretização do trabalho em equipe, Abuhab et al
(2005) identificaram, através dos relatos de profissionais, que a reunião técnica diária é vista
como um momento de crescimento da equipe. Como outros facilitadores no caso das reuniões,
o cumprimento do horário é essencial e no geral, a disponibilidade para o trabalho em equipe,
a inserção de todos no processo e o fato de que o trabalho se torna mais organizado e ágil. A
73
supervisão institucional foi também citada várias vezes, segundo os autores, como premissa
para a realização de trabalho em equipe e um bom entendimento do grupo.
Para Braga et al (2009), a boa interação profissional e a definição clara de papéis
podem facilitar a comunicação entre os profissionais e, portanto, o trabalho em equipe. Além
disso, a flexibilização da divisão do trabalho, onde, além das ações específicas os
profissionais também participam de ações comuns a outros membros da equipe e a partilha de
decisões de problemas relacionados à dinâmica da unidade se mostraram como aspectos
favoráveis à construção do projeto comum na equipe investigada por Silva e Trad (2005).
74
Capítulo III
Percurso metodológico
O referencial teórico-metodológico que procurei trazer no capítulo anterior dessa
dissertação, e que fundamenta essa pesquisa, traz em si, implicitamente, uma prévia do
caminho escolhido ao investigar o objeto, a fim de alcançar as respostas às nossas questões
através dos objetivos delineados.
Esta pesquisa surgiu como um subprojeto da pesquisa intitulada “Gestão do trabalho e
produção de saúde: práticas de humanização no Ipec”, aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Ipec em agosto de 2007, sob coordenação da pesquisadora Élida Azevedo
Hennington. Tal pesquisa se propõe a analisar a gestão dos processos de trabalho no Ipec e o
cumprimento de sua missão institucional voltada para assistência, pesquisa e ensino, tendo
como foco a participação dos trabalhadores da saúde, a fim de construir propostas
participativas de ações e práticas humanizadoras.
Portanto, com base no referencial teórico-metodológico adotado e nas questões que
nortearam a elaboração dos objetivos da pesquisa, optamos por realizar uma pesquisa
qualitativa, pois esta trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações crenças,
valores e atitudes. Relaciona-se aos significados que as pessoas atribuem às suas experiências
do mundo social, como compreendem este mundo e como interpretam sua interação com o
outro, dentro e a partir da realidade que vivenciam e partilham com seus semelhantes
(MINAYO, 2007a).
Segundo Chizzotti (2003), o termo qualitativo se refere a uma partilha densa com os
objetos de pesquisa, que podem ser pessoas, fatos e locais, a fim de extrair do convívio os
significados visíveis e latentes perceptíveis somente a uma atenção sensível para depois,
interpretá-los e traduzi-los em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência
científica.
De acordo com Turato (2005), é possível distinguir cinco características dos métodos
qualitativos: o interesse do pesquisador na busca dos significados das coisas e não no estudo
do fenômeno em si; o ambiente natural do sujeito é o campo onde ocorrerá a observação sem
o controle de variáveis; o pesquisador é o próprio instrumento de pesquisa, usando seus
órgãos do sentido para apreender os objetos em estudo; o método tem maior força no rigor da
75
validade dos dados coletados que por suas técnicas consegue chegar bem próximo da
essência da questão em estudo.
Para Minayo e Sanches (1993), através da pesquisa qualitativa realiza-se uma
aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, que ambos são da mesma
natureza, a abordagem do objeto se volta com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos
dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas.
Optamos por utilizar, dentre as técnicas possíveis de investigação na pesquisa
qualitativa, para a produção do material empírico, as entrevistas semi-estruturadas e a
observação. A técnica de coleta de dados denominada entrevista não é um simples diálogo, e
sim uma discussão orientada por um objetivo específico que coloca ao entrevistado algumas
questões para que este discorra sobre um ou vários temas e com isso forneça o material
necessário para a pesquisa (ROSA; ARNOLDI, 2006).
Segundo Minayo (2008), as entrevistas podem ser consideradas conversas com
finalidade e quando semi-estruturadas combinam perguntas fechadas e abertas, que dão ao
entrevistado a liberdade de discorrer sobre o tema em questão sem ter que se prender à
questão formulada. A entrevista desse tipo é realizada obedecendo a um roteiro de questões
que apenas irão nortear a entrevista, facilitando a abordagem e garantindo ao investigador que
suas hipóteses ou pressupostos serão cobertos na conversa (APÊNDICE A).
O roteiro deve conter tópicos que consigam abranger todas as informações esperadas,
pois estes apenas funcionarão ao pesquisador como lembretes, devendo mesmo se possível,
ser memorizados quando em campo. Ele deve permitir que o pesquisador conduza a entrevista
com bastante flexibilidade, a fim de que se possa absorver novos temas e questões levantados
pelo entrevistado no campo (MINAYO, 2007a).
Pelo fato de ser uma técnica que capta formalmente a fala sobre determinado tema, a
entrevista quando analisada precisa incorporar o contexto de sua produção e sempre que
possível ser acompanhada e complementada por informações provenientes de observação
participante (MINAYO, 2008).
Os métodos observacionais, segundo Pope e Mays (2005) consistem em, acompanhar
sistematicamente as pessoas e eventos a fim de observar comportamentos e interações.
Quanto à técnica de observação participante, esta pode ser definida como
um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma
situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O
observador, no caso, fica em relação direta com seus interlocutores no
espaço social da pesquisa, na medida do possível, participando da vida social
deles, no seu cenário cultural, mas com a finalidade de colher dados e
compreender o contexto da pesquisa. Por isso, o observador faz parte do
76
contexto sob sua observação e, sem dúvida, modifica esse contexto, pois
interfere nele, assim como é modificado pessoalmente (MINAYO, 2007b,
p.70).
A observação participante tradicionalmente segue um roteiro (APÊNDICE B) e utiliza
um instrumento denominado diário de campo. Este é um caderno onde o pesquisador faz suas
anotações diárias sobre o que observa no campo de pesquisa. A técnica permite obter material
empírico que não pode ser obtido por nenhuma modalidade de entrevista. Nele o pesquisador
pode colocar suas impressões pessoais, resultados de conversas informais, observações de
comportamentos contraditórios com as falas, assim como manifestações dos entrevistados
quanto a vários pontos relevantes para a pesquisa (MINAYO, 2008).
Para Pope e Mays (2005), além das impressões, é essencial que as anotações sejam
realizadas no diário de campo tão logo seja que possível e assim, garantam uma descrição
detalhada do que foi observado, fornecendo um relato cronológico dos eventos, além de
descrever as pessoas envolvidas, suas falas e comportamento, que irão compor um quadro de
descrições concretas.
A observação pode ser descritiva, quando se realiza de forma totalmente livre, ou seja,
sem roteiro de observação ou dirigida, quando o pesquisador formula alguns tópicos
referentes aos temas que constituem seu objeto de pesquisa que permitem, assim como na
entrevista, guiar o pesquisador em campo. Porém, é possível que no processo de investigação
o pesquisador sinta a necessidade de aprimorar o instrumento (MINAYO, 2008).
3.1 Cenário do Estudo
O estudo foi realizado no âmbito do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas -
Ipec, uma das unidades técnico-científicas da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz. O Ipec está
situado no campus da Fiocruz/RJ que ocupa uma área de 800.000 m
2
no bairro de
Manguinhos, Zona Norte do município do Rio de Janeiro. Fundada em 1900 e vinculada ao
Ministério da Saúde, abriga atividades que incluem o desenvolvimento de pesquisas; a
prestação de serviços hospitalares e ambulatoriais de referência em saúde; a fabricação de
vacinas, medicamentos, reagentes e kits de diagnóstico; o ensino e a formação de recursos
humanos; a informação e a comunicação em saúde, ciência e tecnologia; o controle da
qualidade de produtos e serviços; e a implementação de programas sociais. É considerada a
77
mais destacada instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina (Fiocruz,
2010).
O Ipec tem sua origem no início do século passado a partir da construção do Hospital
de Manguinhos, planejado pelo próprio Oswaldo Cruz e finalizado em 1918. Foi o primeiro e
único hospital do país concebido com o objetivo de desenvolver pesquisas. Em 1986 o
instituto sofreu um importante processo de reestruturação e revisão de sua missão a partir de
um projeto de desenvolvimento da pesquisa clínica multiprofissional. Com as denominações
sucessivas de Hospital de Manguinhos, Hospital Oswaldo Cruz e Hospital Evandro Chagas,
no ano de 1999 tornou-se uma Unidade Técnico-Científica da Fiocruz, com a denominação de
Centro de Pesquisa Hospital Evandro Chagas. Em 2002, constituiu-se como Instituto de
Pesquisa Clínica Evandro Chagas - Ipec/Fiocruz, cuja missão era estudar as doenças
infecciosas através de projetos de pesquisa e ensino interprofissionais, integrados a programas
de atendimento, voltados para a recuperação, promoção e proteção da saúde e prevenção de
agravos (Fiocruz/Ipec, 2010a).
Atualmente, sua missão é “contribuir para a melhoria das condições de saúde da
população brasileira através de ações integradas de pesquisa clínica, desenvolvimento
tecnológico, ensino e assistência de referência na área de doenças infecciosas”. E possui a
visão de “ser reconhecido no âmbito nacional e internacional pela sua excelência em pesquisa
clínica em doenças infecciosas” (Fiocruz/Ipec, 2010b).
Além de desenvolver pesquisas e atividades assistenciais, possui Programa de Pós-
Graduação stricto sensu em Pesquisa Clínica de Doenças Infecciosas (Mestrado e Doutorado),
cursos lato sensu, de especialização, residência médica e de capacitação, contribuindo para o
aperfeiçoamento da força de trabalho do SUS. É hospital de referência nacional para doenças
como HIV/AIDS, HTLV, Leishmaniose, Micose Sistêmica e Doença Respiratória Aguda
Grave, para Diagnóstico Histopatológico em Doenças Infecciosas e é credenciado pela
Anvisa/MS para realização de ensaios de bioequivalência/biodisponibilidade.
O lócus escolhido para a realização da pesquisa foi o Serviço de Internação do Centro
Hospitalar. O Centro Hospitalar do Ipec engloba os seguintes serviços, assim denominados
pelo organograma: Assistência Técnica Médica; Assistência Técnica de Enfermagem; Serviço
de Internação; Serviço de Ambulatório; Serviço de Hospital-Dia; Serviço de Farmácia;
Serviço de Nutrição e Dietética; Serviço de Estatística e Documentação; Serviço de Imagem;
Serviço de Vigilância em Saúde; Serviço de Anatomia Patológica; Seção de Psicologia; Seção
de Reabilitação; Seção de Serviço Social; Laboratório de Análises Clínicas; Agência
Transfusional. O quadro de recursos humanos de saúde lotados no Centro Hospitalar como
78
um todo, segundo consulta feita junto à Seção de Administração de Recursos Humanos -
SGT/Ipec, é composto por 120 profissionais de nível superior, 18 funcionários
administrativos (secretária, assistente administrativo e outros) e 130 funcionários de nível
médio e elementar. Não foram incluídos nesse quadro os funcionários de limpeza e segurança,
por exemplo, contratados por empresas terceirizadas.
Cabe explicitar o motivo que levou-nos a escolher o serviço de internação como lócus
de pesquisa. A escolha do Ipec encontra sua justificativa na origem dessa pesquisa, que, como
foi colocado acima, surgiu como parte de uma pesquisa maior que tem como campo de
pesquisa o Ipec. Tanto por suas peculiaridades - um instituto de pesquisa clínica, com
atividades concomitantes de ensino, pesquisa e assistência, que funciona como um centro de
referência no SUS para algumas doenças infecciosas, dentre elas HIV/Aids, leishmaniose,
doença de Chagas e outras doenças negligenciadas-,quanto pelo envolvimento pessoal e
profissional de minha orientadora enquanto pesquisadora do instituto.
Quanto à escolha pelo serviço de internação alguns critérios foram essenciais. O
serviço de internação é um local em que se encontram num mesmo ambiente de trabalho,
diferentes categorias profissionais. Em comparação ao ambulatório, entendemos que este não
seria o lócus ideal para investigar o tema dessa pesquisa, afinal, o ambulatório funciona a
partir de uma nítida divisão dos processos de trabalho que é reforçada pela sua organização
em consultórios. Cada profissional atende em espaços físicos separados, o que dificultaria a
pesquisa, que o objeto da mesma é o trabalho em equipe. Cabe esclarecer que não quero
dizer com esta afirmação, que não exista trabalho em equipe no ambulatório, mas apenas que
no momento de selecionar um local para a pesquisa, preferimos optar por aquele que nos
pareceu apresentar características mais propícias ao trabalho em equipe. Seguindo, então, esse
critério de escolha, uma outra característica do serviço de internação foi crucial: a realização
de reuniões de equipe multiprofissional, que a princípio seria um lócus privilegiado para a
pesquisa.
Essas reuniões, quando do início da elaboração do projeto de pesquisa, ocorriam uma
vez na semana, oficialmente, como um espaço criado pela gestão e pretendia ter um caráter
multiprofissional, com a participação de todos os profissionais do serviço. Contudo, com o
tempo essas reuniões foram suspensas e com a mudança na direção da internação, como
relatado por vários profissionais, inclusive pela direção, não houve iniciativas concretas de
retorno destas. Mas mesmo assim resolvemos manter nossa escolha, pois havia sempre uma
certa promessa por parte da direção do retorno em breve das reuniões.
79
O serviço de internação é responsável pelo atendimento hospitalar dos usuários
recebidos no Pronto Atendimento ou que estão em acompanhamento no serviço ambulatorial
do Ipec e que, por alguma indicação desses serviços, precisa ser internado. O atendimento no
serviço é realizado por diferentes categorias profissionais e dentre os de nível superior,
encontram-se médicos infectologistas, médicos intensivistas, médicos residentes, enfermeiros,
enfermeiros intensivistas, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, além
de contar com médicos de diversas especialidades (dermatologista, cardiologista,
oftalmologista, cirurgião, endocrinologista, psiquiatra, gastroenterologista, e outros) quando
necessário. O serviço possui um total de 29 leitos, sendo 25 destinados à enfermaria e 4 leitos
da Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Além destes leitos, possui ainda uma sala de
procedimentos que, em situações especiais, é utilizada como leito de enfermaria ou de UTI.
Cada usuário na internação possui um prontuário que inclui a evolução e prescrições relativas
a todas as categorias profissionais que prestam atendimento. O prontuário tem o formato de
um fichário cujas divisórias correspondem às áreas profissionais, ou seja, é um prontuário
segmentado pelas diferentes áreas que participam da assistência. Cada equipe profissional tem
uma rotina diferente na assistência aos usuários. Contudo, para todas o horário da manhã é o
mais movimentado e repleto de tarefas a cumprir. Enquanto à tarde o número de profissionais
na enfermaria se reduz e a rotina segue sem muita movimentação, se comparada às manhãs.
O espaço se divide fisicamente em duas partes distintas: a enfermaria e a UTI.
Considero-as distintas pois as equipes que atuam em cada um desses setores é basicamente
diferente, assim como o tipo de cuidado realizado tem suas diferenças significativas,
determinando um modo de funcionamento completamente diferente. Desta observação, surgiu
a questão: devo analisar os dois espaços separadamente ou como uma coisa só? Optamos por
realizar a análise de todo o conjunto da internação, porém, ressaltando os pontos que são
peculiares de cada um desses espaços e as diferenças, quando existentes. Tal opção deve-se ao
fato de que, apesar de alguns profissionais atuarem exclusivamente em um ou outro espaço,
que seriam os médicos e os enfermeiros, a maioria das categorias estudadas possui uma
equipe de profissionais que atua na internação como um todo, sendo sua fala nas entrevistas,
por exemplo, relacionada a todas essas relações e situações e não a um espaço
especificamente. Outro fator é, como foi apontado acima, as diferenças existentes no modo de
funcionamento de cada um desses espaços, que geram formas bem específicas de relações
interprofissionais e, portanto, que merecem ser analisadas e, ao mesmo tempo, conformam
processos de trabalho que se relacionam e se complementam na rotina diária do hospital.
80
3.2 Sujeitos da Pesquisa
Uma outra escolha teve que ser feita nesse percurso metodológico, a seleção dos
profissionais que seriam os sujeitos da pesquisa. Nesse caso, um primeiro recorte foi realizado
com base no referencial teórico-metodológico que fundamenta a pesquisa e refere-se a
delimitação desta aos profissionais de saúde de nível universitário, com a exclusão dos
trabalhadores de níveis médio e elementar. Apesar do reconhecimento de sua importante
participação na assistência, tanto no aspecto quantitativo, pois representam parcela expressiva
do número total de profissionais, quanto no qualitativo, devido a grande variedade de ações de
saúde que realizam rotineiramente, optamos por esse critério de exclusão pelos mesmos
motivos apontados por Peduzzi (1998) em seu estudo sobre trabalho e interação, realizado
com profissionais da saúde. Tendo procedido ao mesmo tipo de recorte em seu estudo,
Peduzzi (1998) apontou como justificativa as peculiaridades da prática e do saber que
instrumentaliza as ações destes profissionais e sua relevância como categoria de análise da
investigação, além da escassez de referências na literatura sobre o saber desses profissionais.
Após essa etapa, procedemos ao segundo recorte na definição do nosso universo de
sujeitos de pesquisa. À princípio, foi difícil quantificar os profissionais que prestam
assistência na internação, pois, estes dividem sua carga horária entre enfermaria, ambulatório,
plantões noturnos, diurnos, entre outras atividades, como ensino e pesquisa. Inicialmente,
foram excluídos como sujeitos da pesquisa os profissionais que exercem cargo de chefia dos
serviços, por não participarem diretamente da assistência e os profissionais que apresentavam
tempo de serviço inferior a 1 (um) ano, por entendermos que esse seria o período mínimo para
adaptação do profissional à rotina do serviço e seu entrosamento na equipe. O período
escolhido para a realização da etapa de observação do trabalho de campo foi o da manhã 8
às 12hs pois representa o período em que todos os profissionais concentram seu maior
volume de atividades na internação, ficando o período da tarde geralmente reservado para as
intercorrências, como os próprios trabalhadores referem. E assim, tal escolha metodológica
acabou por limitar o estudo aos profissionais que atuam na enfermaria, ficando de fora os
profissionais que, porventura, prestam sua assistência na internação somente no período da
tarde, além dos que trabalham como plantonistas noturnos ou de final de semana (apenas
médicos, fisioterapeutas e no caso do plantão de final de semana, algumas enfermeiras),
caracterizando uma amostra por conveniência. Sendo assim, a partir da definição do horário
em que seriam realizadas as observações, foi possível definir nosso universo. Apesar de
81
realizada a solicitação junto ao setor responsável, não houve o fornecimento de listagem
oficial dos profissionais de saúde da internação e esta identificação foi feita a partir do relato
das próprias equipes. Então, no período da manhã, o número total de profissionais que
poderiam ser sujeitos da pesquisa se distribuíam da seguinte forma, segundo as categorias
profissionais: 6 médicos infectologistas, 2 médicos intensivistas, 4 médicos residentes, 4
fisioterapeutas, 3 nutricionistas, 4 psicólogas, 3 assistentes sociais, 13 enfermeiros,
totalizando 41 profissionais. Desse total, 29 profissionais aceitaram participar da pesquisa e
assinaram o termo de consentimento, ficando de fora 12 profissionais que, por motivos
diversos, (falta de tempo, desinteresse, etc.), explorados no subitem referente ao trabalho de
campo, que não devolveram o termo assinado e, portanto, não puderam participar da pesquisa.
Formavam esse grupo uma assistente social, quatro médicos residentes, seis enfermeiros e
uma psicóloga.
3.3 Aspectos Éticos
O primeiro passo dado para que essa pesquisa pudesse se realizar no Centro Hospitalar
do Ipec foi apresentar o projeto para a Direção do Centro Hospitalar do instituto. Para isso, foi
entregue um exemplar impresso do projeto de pesquisa à Direção e posteriormente uma
reunião foi agendada com a orientadora do projeto a fim de que algumas dúvidas fossem
sanadas ou possíveis entraves à pesquisa fossem eliminados. Após a reunião, obtivemos um
Termo de Autorização, assinado por parte desta Direção, permitindo a realização da pesquisa
(Anexo A).
Com a autorização em mãos e após a etapa de qualificação do projeto, realizada em 20
de março de 2009, submetemos o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional
de Saúde Pública Ensp/Fiocruz, tendo sido aprovado pelo Comitê em 6 de maio de 2009.
(Anexo B) Após a aprovação, foi necessário ainda submeter o projeto de pesquisa a nova
apreciação ética, através do Comitê de Ética em Pesquisa do próprio Ipec. O projeto foi
submetido no mês de novembro e aprovado em 29 de janeiro de 2010 (Anexo C).
Em seguida, o projeto foi novamente apresentado à Direção da Internação e aos
poucos também foram sendo realizadas apresentações com cada grupo profissional, a fim de
explicar os objetivos da pesquisa, as técnicas que seriam utilizadas, os benefícios e esclarecer
as dúvidas que surgiam, além de garantir o anonimato dos sujeitos, a possibilidade de
desligamento da pesquisa a qualquer instante e a mínima interferência do pesquisador durante
82
a pesquisa. A todos os profissionais que eram chamados a participar, nesse primeiro momento
e durante toda a pesquisa, foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido -
TCLE (Anexo D), que continha todas essas informações, além de meios de contato para
esclarecimento de dúvidas ou qualquer outra circunstância. No momento em que o TCLE era
entregue, nenhuma pressão era feita no sentido de devolvê-la urgentemente à pesquisadora,
mas sim era garantido o direito do profissional e a liberdade de efetuar sua leitura com
tranquilidade e devolvê-lo assim que lhe fosse possível. Tal postura me pareceu necessária a
fim de permitir que uma relação harmoniosa fosse criada entre sujeito e pesquisador e que os
profissionais se sentissem à vontade com a pesquisa e respeitados pelo pesquisador, evitando
que eles se sentissem pressionados ou simples objetos de uma pesquisa.
A utilização da técnica de filmagem nos ambientes de trabalho inicialmente prevista
foi repensada. Segundo constava no termo, poderiam ser feitas gravações em áudio/vídeo se
preciso e com a autorização prévia dos profissionais. Porém, desde o contato com a direção da
internação para apresentação do projeto e durante a apresentação da pesquisa aos diferentes
profissionais foi possível perceber o incômodo e até mesmo insegurança em participar da
pesquisa, pelo simples fato de em algum momento ser solicitado a permitir a filmagem do seu
trabalho. Com essa percepção em mente, tendo em vista o limitado espaço nos ambientes do
hospital e refletindo sobre a real necessidade da utilização da filmagem para o alcance dos
objetivos de pesquisa, decidimos pela eliminação da técnica e os TCLEs foram reescritos,
com a devida correção.
Alguns outros cuidados éticos foram tomados com relação aos usuários. As situações
de trabalho que observamos eram sempre precedidas por uma apresentação da pesquisadora
por parte de um dos profissionais envolvidos na assistência e ao usuário cabia a decisão de
permitir minha permanência ou não durante o momento assistencial.
Outra questão ética, que me foi colocada pelos profissionais de psicologia durante a
pesquisa, foi a da minha presença no momento da consulta individual ao usuário. Nesse caso,
a reflexão a respeito da relevância daquele momento de observação para a produção de dados
para a pesquisa, me fez optar, em comum acordo com os profissionais, pela não participação.
Por último, mas não menos importante, se colocava a questão dos técnicos de
enfermagem. Assim como os usuários, estes não eram o foco da pesquisa, portanto, o mesmo
procedimento foi tomado; a prévia apresentação da pesquisadora nos momentos em que
estavam presentes e a liberdade de decidir sobre minha permanência ou não durante o
momento assistencial.
83
Para a realização das entrevistas, a dinâmica do serviço tornava inviável o
deslocamento dos profissionais a salas reservadas fora do ambiente de trabalho, como descrito
no TCLE. Sendo assim, para garantir a privacidade, as entrevistas foram realizadas em sala
reservada previamente e, em algumas entrevistas, nos quartos de descanso médico ou de
enfermagem, a depender do profissional que estava sendo entrevistado. Nas entrevistas
realizadas em sala reservada, foi possível garantir a presença apenas da pesquisadora e do
sujeito da pesquisa. Já no caso dos quartos, havia certo conhecimento da parte dos outros
profissionais de que o mesmo seria utilizado para fins da pesquisa naquele momento, o que
evitava a entrada desnecessária durante a entrevista, porém, nos momentos em que algum
profissional desavisado entrava no quarto, a gravação e a entrevista eram interrompidas, até
que o mesmo se retirasse. No total, as entrevistas de todos os profissionais de enfermagem
foram realizadas no quarto de descanso dos enfermeiros; no caso dos médicos, metade foi
realizada em salas e metade no quarto dos médicos; as entrevistas dos demais profissionais
foram realizadas ora em sala (sete) ora no quarto dos médicos (quatro).
Na análise do material das entrevistas, os profissionais foram identificados através de
siglas a fim de ocultar sua identificação e, assim, garantir o anonimato na apresentação das
falas. E a cada sigla foi acrescido um número de 1 a 6 para identificar cada profissional
diferente dentro de sua área profissional. Optamos por identificá-los por siglas que não
ocultassem sua pertença a determinada área profissional, pois entendemos como um aspecto
relevante na análise e discussão dos resultados a identidade profissional que estava por trás de
cada fala. Sendo assim, utilizamos nos códigos letras que se referem à área profissional a que
pertencem: AS assistente social; E enfermeiro; F fisioterapeuta; M médico; N
nutricionista; P psicóloga. Também a fim de proteger a identidade dos participantes,
achamos que explicitar o sexo do profissional poderia levar em alguns casos à identificação
do mesmo. Portanto, ao constatar que dos 23 (vinte e três) profissionais entrevistados 18
(dezoito) eram do sexo feminino e apenas 5 (cinco) do sexo masculino, sendo que em
algumas áreas profissionais a totalidade dos entrevistados é do sexo feminino, decidimos nos
referir aos profissionais sempre no feminino, devido à relevante diferença numérica com
relação aos profissionais do sexo masculino, com exceção dos médicos, que foram referidos
sempre no masculino, dada a igual quantidade de profissionais dos dois sexos. Quando ficava
claro através das falas que o contexto era a UTI, por exemplo, em que dois
profissionais, cada um de um sexo, optei por alterar nas falas dos entrevistados, quando
faziam referência a tais profissionais, os pronomes pessoais femininos por masculinos, a fim
de ocultar de qual profissional estava se falando.
84
Por fim, é importante ressaltar que essa pesquisa teve a preocupação de trazer alguma
contribuição em relação ao processo de trabalho dos profissionais estudados, no sentido de
gerar reflexões e propostas de mudanças na construção de práticas humanizadas de atenção à
saúde no Ipec. Podemos considerar que esse processo de reflexão e mudança que a pesquisa
pretendeu gerar teve início a partir da simples presença da pesquisadora em campo e com a
apresentação do tema aos trabalhadores e entendemos que para potencializar esse efeito
inicial transformador é necessário que haja um retorno dos resultados dessa pesquisa aos
trabalhadores após seu término. Sendo assim, assumimos o compromisso ético de apresentar
aos trabalhadores envolvidos na pesquisa os resultados finais da mesma, buscando
proporcionar a discussão e reflexão sobre o tema que abordamos.
3.4 O Trabalho de Campo
A partir da aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Ipec, o primeiro contato para preparar a entrada no campo de pesquisa, foi com a Direção da
Internação, através de reunião onde foi apresentado o projeto e discutidos alguns impasses e
alguns aspectos da organização e funcionamento do serviço. Nessa reunião foi feito um
acordo para que a própria direção, através do contato com diversas chefias da internação e
apresentação prévia de um resumo do projeto às mesmas, encontrasse uma forma de reunir os
profissionais para uma apresentação geral da pesquisa. Contudo, essa etapa não ocorreu, o que
acabou dificultando de certa forma a entrada no campo.
Assim, a primeira etapa da pesquisa, foi procurar pessoalmente cada chefia e negociar
a melhor forma de me reunir com os profissionais, entregar a cada um o termo de
consentimento livre e esclarecido e ter o retorno do mesmo assinado. Dessa forma, com
alguns grupos profissionais foi possível a apresentação do projeto através de uma reunião com
todos os profissionais ao mesmo tempo, como foi o caso da psicologia, nutrição e assistentes
sociais. No caso dos médicos, houve um breve momento de apresentação da pesquisa com o
intermédio da chefia, porém, com pouca atenção dos profissionais e com a presença de apenas
alguns deles. Os contatos posteriores foram feitos durante alguns dias de idas a campo, nos
quais eu conhecia novos profissionais e apresentava a pesquisa um a um, entregando o TCLE.
Com a chefia da fisioterapia, houve uma reunião, porém, sem a presença dos
profissionais, que estavam na assistência. Mas foi uma reunião bem proveitosa para a
pesquisa, onde a chefia demonstrou amplo conhecimento do funcionamento dos serviços do
85
instituto como um todo, fez questão de falar sobre o assunto e depois me apresentou a todas as
fisioterapeutas que estavam presentes no serviço naquele dia. Com a enfermagem, houve um
momento de conversa e apresentação breve à chefia, mas foi impossível encontrar uma forma
de reunir-me com todos ao mesmo tempo. Isso ocorreu porque a equipe de enfermagem, tanto
na UTI quanto na enfermaria, conta todos os dias com um profissional de enfermagem diarista
e outro plantonista, em regime de 24h a cada 5 dias (24/120). Além disso, os profissionais de
enfermagem costumam trocar constantemente de plantão com seus pares, então geralmente
era feito o contato inicial em um dia, explicando a pesquisa e entregando o TCLE, e
procurava-se saber qual seria seu próximo plantão a fim de ter o retorno do sujeito quanto à
sua participação, mas esse retorno demorava a acontecer, pois reencontrar o mesmo
profissional por várias vezes se tornava algo bem difícil.
Mas de todo modo, após esse primeiro contato com os profissionais, a explicação da
pesquisa um a um, conforme iam ocorrendo os encontros entre pesquisadora e profissional, a
apresentação era feita e o termo entregue. Aos poucos os termos assinados foram sendo
devolvidos pelos profissionais, alguns no momento do encontro, outros com o passar do
tempo.
Essa primeira etapa da pesquisa serviu para que fosse feito um planejamento das
observações, inclusive com a escolha do melhor horário, que ficou para a parte da manhã,
como já explicado anteriormente. Foi interessante também para perceber as reações dos
profissionais à pesquisa. Todos, de uma maneira geral, foram bem receptivos, alguns
demonstrando um interesse maior pela pesquisa, como as psicólogas, as nutricionistas e
fisioterapeutas e outros grupos, pareciam estar sempre muito atarefados, na correria e sem
tempo até mesmo para perceber minha presença. Às vezes se mostravam indiferentes, como
foi o caso de alguns médicos, assistentes sociais e enfermeiros. Isso não se mostrou uniforme,
pois do mesmo jeito que alguns não faziam questão de perceber minha presença, ou mesmo
tentar esquecê-la, outros profissionais dessas mesmas áreas mostraram muito interesse logo
que me apresentei, foram bastante atenciosos, até mesmo me devolvendo prontamente o
termo assinado no mesmo dia em que me conheciam. É difícil generalizar as reações e nem é
esse o objetivo neste momento, mas passada a etapa inicial da entrada no campo, eu poderia
chamar de momento de estranhamento por parte dos trabalhadores, pela presença de alguém
desconhecido no ambiente de trabalho, alguém que quer estudá-los - deixando transparecer
certo desconforto -, ainda não se sabia de que maneira seriam observados e o que exatamente
a pesquisadora está querendo ver... senti que essas perguntas estavam a todo o momento na
mente de alguns profissionais, talvez de todos. O clima assim que iniciei a pesquisa foi ora de
86
desconfiança, ora de indiferença e outras vezes de receio por parte de alguns profissionais,
mas esses mesmos profissionais logo estavam fazendo brincadeiras sobre minha presença, me
incluindo em certos assuntos e se sentindo mais à vontade.
O marco inicial da minha entrada no campo foi em 2 de fevereiro de 2010, quando
comecei os contatos com os profissionais, porém, o marco inicial da produção dos dados foi
em 1
o
de março, tendo sido concluída no dia 1
o
de junho de 2010. Optamos por realizar as
sessões de observação em uma primeira etapa e ir aos poucos iniciando também as
entrevistas. Essa escolha metodológica foi muito útil para a pesquisa, pois a observação
permitiu entrar em contato com a realidade dos sujeitos da pesquisa e assim ir fazendo parte
aos poucos dessa mesma realidade. Quero dizer com isto, que a minha presença aos poucos
foi se tornando menos incômoda aos pesquisados, ao mesmo tempo alguma relação se
estabelecia, mesmo que restrita e a proximidade aumentava conforme os sujeitos iam
percebendo meu interesse e minha postura.
Considero como a segunda etapa da pesquisa, a fase de observação. As observações
foram feitas com base em um roteiro-guia (Apêndice B), que como o próprio nome diz, guiou
o olhar da pesquisadora sobre os aspectos relevantes para a investigação. O roteiro-guia é de
extrema importância na técnica de observação, pois o campo é muito rico de relações, eventos
diversos que chamam nossa atenção pela riqueza e diversidade, podendo desviar nosso olhar
do objeto e objetivo da pesquisa.
Portanto, o roteiro era utilizado como guia do que era necessário observar em cada
situação acompanhada. Foi também adotado um diário de campo, onde eram anotadas
quaisquer informações obtidas em campo, o que incluía: os pontos contidos no roteiro-guia,
que eram observados durante as sessões; impressões da pesquisadora; dúvidas a esclarecer;
percepções, inclusive de necessidade de mudar o caminho que estava sendo percorrido;
esboço da estrutura física da internação; esquemas das posições dos diferentes profissionais
durante as reuniões de equipe e suas movimentações, entre outras. Eram feitas anotações
durante as observações, geralmente em folhas de papel avulsas, de forma pontual, apenas
servindo como lembretes do ocorrido nas situações. O objetivo dessa maneira de realizar as
anotações em campo foi de chamar a mínima atenção dos profissionais para minha presença e
não gerar nenhuma possível insegurança ou incômodo quanto ao que eu poderia estar
escrevendo sobre eles. Ao término de cada sessão, fora do ambiente de trabalho, eram
realizadas as anotações diretamente no diário de campo, relatando as informações relativas
àquela sessão, complementadas pelos detalhes que foram anotados nas folhas avulsas,
tentando organizar o raciocínio e o relato na forma de um diário. Nesse relato, algumas
87
informações básicas sempre estavam presentes, quais sejam: a data da observação; horário de
início e término; local e profissionais presentes.
As observações foram divididas em dois momentos: primeiro foram observadas as
rotinas de cada grupo profissional na enfermaria; e num segundo momento as observações se
voltaram para situações potenciais de trabalho em equipe na internação como um todo.
O primeiro momento, de observação das rotinas, se iniciou em 1
o
de março de 2010,
ou seja, no primeiro dia do trabalho de campo propriamente dito. Algumas dessas observações
foram agendadas previamente com os profissionais, outras foram negociadas no próprio dia a
partir da disponibilidade dos mesmos. O objetivo das sessões foi de observar como se dava a
rotina da manhã de cada profissional na enfermaria e essa necessidade surgiu a partir da
constatação, durante a primeira etapa da pesquisa, de que para que eu pudesse planejar melhor
a estratégia de observação era preciso acompanhar um a um na tentativa de perceber os
potenciais momentos de articulação de ações e interação entre profissionais durante a
assistência.
Sendo assim, não foram necessárias muitas sessões de observação nesse primeiro
momento, que a ideia era subsidiar o momento seguinte das observações, o olhar sobre o
trabalho em equipe. As observações foram feitas selecionando o profissional que se mostrasse
mais disposto a ser acompanhado e foi necessário realizar uma sessão por área profissional
para compreender a dinâmica da enfermaria e uma sessão única na UTI, que se justifica pela
característica peculiar desse setor da internação, que permite que sejam observadas
simultaneamente as atividades assistenciais de todos os profissionais. Ao todo foram sete
sessões com duração de aproximadamente três horas cada. Cabe ressaltar, que esse não foi o
único momento de toda pesquisa em que se acompanhou de perto a rotina dos profissionais
envolvidos na assistência, porém, foi a forma que encontramos de ter uma visão geral do
modo como se organizam os processos de trabalho na internação e suas possíveis conexões.
O momento seguinte foi caracterizado pela observação dos processos de trabalho em
equipe na internação e foi voltado diretamente para o alcance dos objetivos da pesquisa.
Dessa forma, as observações foram realizadas em torno de situações consideradas estratégicas
para a produção dos dados sobre trabalho em equipe: os encontros interprofissionais no leito,
as reuniões de equipe, a sala de prescrição e os corredores. Foi um total de treze sessões com
duração que variou de duas a três horas cada. Quanto às reuniões de equipe, especificamente,
foram acompanhadas cinco reuniões na UTI e apenas duas na enfermaria. As reuniões de
equipe não são situações formais, ou seja, elas ocorrem por iniciativa dos profissionais
envolvidos e, portanto, carecem de regularidade. As reuniões acompanhadas na UTI foram
88
mais numerosas por terem uma frequência maior, duas ou três vezes na semana, e também
porque os profissionais envolvidos conseguem manter uma certa regularidade, enquanto que
as reuniões de equipe na enfermaria estavam sem ocorrer um bom tempo e tiveram uma
tentativa de retorno durante o trabalho de campo, daí o acompanhamento de um número bem
reduzido de reuniões.
Nem todos os profissionais participantes da pesquisa foram alvo das sessões de
observação, pois como as observações foram feitas a partir de situações concretas de trabalho,
em cada situação de trabalho uma dada composição de profissionais se formava. Sendo assim,
alguns profissionais somente participaram das entrevistas, assim como alguns que haviam se
prontificado a participar da pesquisa por inteiro, não foram entrevistados em decorrência da
difícil disponibilidade de tempo em meio às tarefas assistenciais, mas fizeram parte das
situações observadas. A última sessão de observação foi realizada no dia 28 de maio de 2010.
Em uma terceira etapa foram realizadas as entrevistas semi-estruturadas. A primeira
entrevista foi realizada no dia 20 de abril e a última no dia 1
o
de junho de 2010. Nessa
pesquisa, optamos pela realização de entrevistas semi-estruturadas com base num roteiro-guia
(Apêndice A), que orientou nossas perguntas. O roteiro-guia, como seu nome define, foi
utilizado para orientar as perguntas do pesquisador e garantir que todas as questões relevantes
aos objetivos da pesquisa fossem abordados durante a entrevista. Porém, é preciso que haja
flexibilidade por parte do pesquisador para perceber a necessidade de incluir outros
questionamentos que possam auxiliar no esclarecimento de posições, relatos, opiniões
colocadas pelo entrevistados, pois assim, evita-se que o pesquisador acabe por deduzir o que
estava implícito na fala daquele entrevistado.
Sendo assim, realizamos as entrevistas com base no roteiro-guia, que inclusive teve a
ordem das questões a serem realizadas modificada logo após a primeira entrevista, por termos
percebido que dessa forma as duas questões que foram alteradas de ordem eram melhor
exploradas pelos entrevistados. No total foram 23 profissionais entrevistados. Não tivemos
nenhuma resistência por parte dos profissionais que foram convidados a participar das
entrevistas no que se refere aos objetivos da pesquisa. Todos os profissionais, principalmente
após o convívio proporcionado pela etapa anterior de observação no campo, mostraram-se a
disposição para participar das entrevistas. Porém, encontramos dificuldade de conciliar as
entrevistas com o cotidiano extremamente atarefado, corrido e imprevisível desses
profissionais. Portanto, merece ser esclarecido que a não participação de alguns dos
profissionais que foram observados na etapa anterior, tendo sido fundamentais para o alcance
dos objetivos deste estudo, ocorreu pela impossibilidade temporal, ou seja, pela dificuldade
89
que tivemos, pesquisadora e sujeitos da pesquisa, de encontrar algum tempo livre em meio a
gestão dos imprevistos e obstáculos que se colocavam diante de nós.
As entrevistas foram realizadas sempre no horário da tarde, pois esse foi colocado por
todos os profissionais como o horário em que, provavelmente, estariam mais livres, ou menos
ocupados e poderiam reservar um tempo para a entrevista. A questão da falta de tempo
sempre esteve presente no trabalho de campo, tanto no momento de apresentar a pesquisa,
como relatado, quanto nas situações observadas e, como não poderia ser diferente, esteve
presente em toda a etapa de realização das entrevistas. Todos os profissionais convidados a
participar das entrevistas, sem exceção, perguntavam sobre a duração da mesma, algo
extremamente variável, diante da variedade de questões e da variedade de pessoas a serem
entrevistadas. Isso também mostrou-se como um verdadeiro empecilho à conclusão dessa
etapa da pesquisa. A duração das entrevistas variou entre a mais curta, com nove minutos,
aproximadamente, e a mais longa, com uma hora e quatro minutos. Dividindo as entrevistas
em dois grupos de duração, curtas (10 a 20 minutos) e longas (30 a 60 minutos), tivemos
quase uma igualdade numérica, pois 13 (treze) entrevistas poderiam ser consideradas curtas e
as outras 10 (dez) foram longas.
Com todos os convidados à entrevista tentou-se agendar previamente um dia e horário
propício a realização da mesma. Com alguns profissionais esse método funcionou, porém,
com a maioria, por diversas vezes tivemos que remarcar a entrevista em decorrência da
impossibilidade imposta pelo trabalho. As entrevistas eram obtidas da seguinte forma: pré-
agendamento de pelo menos duas entrevistas por período, ida à campo, pesquisadora à
disposição do trabalhador na espera pelo melhor momento. A partir daí, alguns eventos eram
possíveis: realização de ambas as entrevistas; realização de apenas uma das entrevistas; não
realização de nenhuma das entrevistas; realização de entrevistas não agendadas no lugar de
entrevistas canceladas.
Assim foram realizadas as entrevistas, que contavam sempre com um ambiente
tranqüilo e silencioso e procuravam proporcionar ao entrevistado uma atmosfera amistosa
para que a entrevista se assemelhasse muito mais como uma conversa do que como uma
arguição. Ou seja, a pesquisadora, em todos os momentos, buscou garantir que o entrevistado
se sentisse à vontade e realmente envolvido com a pesquisa. As entrevistas foram gravadas
com autorização de todos os entrevistados e optou-se por não realizar nenhuma anotação
diante do entrevistado, deixando para realizá-las ao término da entrevista no diário de campo
da pesquisa, quando necessário.
90
Quanto à amostragem do estudo, apesar de haver o aceite dos profissionais à
participação na entrevista, frente às numerosas tentativas infrutíferas de agendamento e
realização das mesmas (uma média de 3 a 4 tentativas, com um espaço entre os agendamentos
sucessivos que muitas vezes chegava a períodos de uma semana), optou-se por eliminar
alguns profissionais do quadro de possíveis entrevistados, o que contribuiu na decisão pelo
término da fase de campo.
3.5 Procedimentos de Análise
Nessa pesquisa, optamos por analisar o material empírico produzido através das
técnicas utilizadas no trabalho de campo, quais sejam, observações e entrevistas semi-
estruturadas, com base na técnica de análise de conteúdo, na sua vertente análise temática
(BARDIN, 1979 apud MINAYO, 2008; MINAYO, 2008).
Segundo Bardin (1979, apud MINAYO, 2008, p. 303) a análise de conteúdo é
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1979, p.42 apud MINAYO, 2008).
Segundo Minayo (2008), a análise de conteúdo utiliza técnicas de análise que
tornam possível obter inferências replicáveis e válidas sobre dados de um certo contexto,
através do uso de procedimentos especializados e científicos. Essa modalidade de análise
parte da leitura inicial das falas, depoimentos e documentos para posteriormente, atingir o
nível mais profundo.
De acordo com Moraes (1999), para se proceder a uma análise de conteúdo satisfatória
é preciso ir além da descrição, buscando atingir a compreensão mais aprofundada do conteúdo
das mensagens através de inferência e interpretação. Porém, Moraes (1999) nos chama a
atenção para o fato de que o termo interpretação é o que mais se associa a pesquisa qualitativa
e que a leitura de qualquer texto sempre leva a uma interpretação, porém, na análise de
conteúdo o esforço de interpretação do pesquisador é feita em maior profundidade, tanto
sobre os conteúdos manifestos quanto sobre os latentes, que são ocultados consciente ou
inconscientemente pelos autores. Toda a leitura que se realiza não é neutra, e, portanto,
consiste em uma interpretação. Desse modo, a análise de conteúdo pode ser considerada uma
interpretação pessoal por parte do pesquisador dos dados obtidos, com base na sua percepção.
91
Esta, por sua vez, parte de uma série de pressupostos, os quais, no exame do texto, servem de
suporte para que o mesmo possa captar seu sentido simbólico (MORAES, 1999).
Quando a análise de conteúdo é utilizada em um estudo na direção de desvendar as
características da mensagem propriamente dita, seu valor informacional, as palavras,
argumentos e ideias nela expressos, constitui-se uma análise do tipo temática (MORAES,
1999). Nessa vertente da análise de conteúdo, procura-se descobrir os núcleos de sentido
existentes em uma comunicação, cuja presença ou freqüência possam significar algo para o
objeto analítico visado (MINAYO, 2008).
Uma etapa que considero anterior à análise, porém de fundamental importância, foi a
transformação das gravações em material textual. Nesse momento, o material produzido
através das entrevistas, gravadas em arquivos de som no formato MP3, passou por um
processo inicial de transcrição, gerando então um material em formato textual para a análise.
O material produzido a partir das observações foi analisado em sua forma original, a partir da
leitura das anotações do diário de campo da pesquisadora.
As etapas da análise que se seguem encontram-se fundamentadas nas etapas da análise
de conteúdo sugeridas por Minayo (2008) e Moraes (1999) e complementadas pelos
procedimentos de análise utilizadas por Peduzzi (1998), por se tratar de um estudo semelhante
em termos de seu objeto, seus sujeitos de pesquisa e das técnicas de produção de dados
utilizadas.
A primeira etapa na análise das entrevistas consistiu na leitura e releitura de cada um
dos relatos, que permitiu um contato direto e intenso com o material de campo, a fim de obter
um domínio sobre o conteúdo total de cada depoimento, num processo de impregnação
(MINAYO, 2008; PEDUZZI, 1998). Ainda nessa primeira etapa, a fim de preparar os textos
para as etapas seguintes de análise, como sugere Moraes (1999), foi realizada uma codificação
de cada depoimento de acordo com a área profissional a que pertencia o sujeito entrevistado.
Então, obteve-se os seguintes códigos: Assistentes sociais - AS1, AS2; Enfermeiras E1, E2,
E3, E4, E5, E6; Fisioterapeutas F1, F2, F3, F4; Médicos M1, M2, M3, M4, M5, M6;
Nutricionistas – N1, N2 e Psicólogas – P1, P2, P3.
Após essa leitura, considerada uma leitura vertical, voltada à singularidade de cada
entrevista, foi realizada uma segunda etapa de leitura, uma leitura horizontal dos relatos, onde
foi possível considerar o conjunto de depoimentos e suas relações, buscando identificar
aspectos recorrentes, contraditórios, antagônicos e seus significados nas relações entre si,
assim como realizado no estudo de Peduzzi(1998).
92
Essa leitura, conjugada à leitura vertical dos depoimentos permitiu que fosse definida,
primeiramente, como unidade de análise ou registro, trechos das entrevistas de tamanhos
variáveis, sendo desde simples frases até parágrafos inteiros. O que definia sua dimensão era
o tema abordado em seu conteúdo. Foi portanto, o conteúdo da fala de cada trecho e o assunto
ao qual se referia, ou tema, que foram tomados como referência para que este configurasse
uma unidade de análise. Nessa etapa, foi realizada nova leitura dos textos, destacadas as
unidades de análises e agrupadas segundo unidades de contexto que, auxiliaram a não perder
de vista o contexto de onde haviam sido retiradas tais unidades de análise.
Na terceira etapa, cada unidade de análise passou por um processo de categorização.
Segundo Moraes (1999), categorizar significa agrupar dados considerando a parte comum
existente entre eles, sendo que esse agrupamento é feito por semelhança ou analogia, segundo
critérios previamente estabelecidos ou definidos no processo. Essa etapa é descrita por
Minayo (2008, p.317) como a etapa de exploração do material, onde se faz uma operação
classificatória buscando “encontrar categorias, que são expressões ou palavras significativas
em função das quais o conteúdo de uma fala será organizado”.
Minayo (2008) denomina por categorias analíticas, aquelas que servem como guias
teóricos e balizas para o conhecimento de um objeto de pesquisa em seus aspectos gerais.
“São o instrumental conceitual básico que emerge do quadro teórico adotado” (PEDUZZI,
1998, p.118). Nesta pesquisa emergiram do quadro teórico adotado as seguintes categorias:
processo de trabalho/ atividade; modelo biomédico; humanização; trabalho em equipe
multiprofissional; autonomia técnica; complementaridade e interdependência dos trabalhos
especializados, comunicação.
Por outro lado, ainda segundo Minayo (2008), as categorias empíricas são um tipo de
categoria operacional, porque são construídas com o objetivo de permitir uma aproximação ao
objeto de pesquisa na sua fase empírica, e caracterizam-se por serem construídas a partir da
compreensão do ponto de vista dos atores sociais, que possibilita desvendar relações
específicas do grupo estudado. São construídas visando ao trabalho de campo ou com base no
material empírico produzido (PEDUZZI, 1998). As categorias empíricas que se destacaram
foram: relações interprofissionais: interdependência e fragmentação; complementaridade
instrumental na comunicação interprofissional; (re) conhecimento do trabalho alheio;
trabalho em equipe em construção; o outro como sujeito das mudanças; trabalho em equipe:
dificuldades; propostas possíveis ao trabalho em equipe.
A quarta e quinta etapas foram realizadas em um movimento cíclico e de descrição e
simultânea interpretação à luz das categorias analíticas extraídas do referencial teórico-
93
metodológico que fundamenta a pesquisa. Moraes (1999) compreende a descrição como o
primeiro momento de comunicação do resultado da etapa anterior, onde foi realizada a
categorização das unidades de análise e agrupamento das mesmas em um conjunto para
cada uma das categorias empíricas. Na etapa de descrição, cada uma das categorias produz
um texto síntese que expressa o conjunto de significados presentes nas diversas unidades de
análise incluídas em cada uma delas. Nesse texto, os dados originais podem ser usados
intensamente na forma de citações diretas. Porém, como toda boa análise de conteúdo não
deve se limitar à descrição, segue sua quinta e última etapa, a interpretação, onde se busca ir
além da mera descrição dos resultados a fim de atingir uma compreensão mais aprofundada
do conteúdo das mensagens.
No caso das observações, foi realizada da mesma forma, a leitura das anotações
referentes a cada sessão de observação (leitura vertical) e todas no seu conjunto (leitura
horizontal), seguidas dos procedimentos de análise acima descritos. Sendo que, nas etapas de
descrição e interpretação, foram analisados em conjunto tanto os dados das entrevistas como
os das observações, sendo produzido um único texto síntese a partir dessa análise, subdividido
segundo as categorias empíricas e conformando, assim, os subitens do próximo capítulo dessa
dissertação, que se refere à apresentação dos resultados dessa pesquisa e discussão.
94
Capítulo IV
Resultados e discussão
Os resultados da pesquisa serão apresentados nesse capítulo divididos em subitens que
correspondem a quatro grandes grupos, resultado da categorização e análise que foram
realizadas na pesquisa e, ao mesmo tempo, que se relacionam aos objetivos específicos que
buscamos alcançar.
Sendo assim, no primeiro subitem, Relações interprofissionais: interdependência,
fragmentação e complementaridade instrumental”, procurei agrupar as motivações existentes
para o trabalho em equipe na visão dos profissionais sujeitos da pesquisa e as características
gerais encontradas com relação aos diferentes processos de trabalho que se realizam na
internação do Ipec, no que diz respeito às relações estabelecidas entre eles. Apresenta
situações relatadas pelos profissionais entrevistados e presenciadas pela pesquisadora que
representam momentos da prática e da vivência desses profissionais que nos permitem
apreender diversos aspectos envolvidos no trabalho em saúde que interferem na construção de
um trabalho em equipe e, por sua vez, influenciam as suas práticas e a atenção à saúde dos
usuários.
No segundo subitem, Reuniões de equipe: trabalho em equipe em construção à
espera pelos sujeitos das mudanças”, são apresentados os resultados provenientes dos relatos
e observações a respeito das relações interprofissionais que se dão durante as reuniões de
equipe, que foram separadas em reuniões da UTI e da enfermaria, devido às características
peculiares de cada uma delas.
Nesses dois subitens, pretende-se responder aos objetivos específicos de analisar o
processo de trabalho da equipe multiprofissional de saúde, com foco nas relações entre os
diferentes profissionais; identificar práticas de trabalho efetivo em equipe e novos modos de
produzir saúde e o que diz respeito a apreensão das interações estabelecidas e o modo como
os trabalhadores vivenciam as relações interprofissionais e de que maneira estas refletem nas
práticas de atenção à saúde e no próprio trabalho de cada profissional.
Por fim, temos os dois últimos subitens do capítulo, “Limites ao trabalho em equipe”,
que apresenta as principais dificuldades no cotidiano desses profissionais para o efetivo
trabalho em equipe e “Possibilidades”, que apresenta as sugestões e propostas dos
profissionais entrevistados para efetuar mudanças nas práticas vividas em prol do trabalho em
95
equipe. Dessa forma, esses dois subitens pretendem responder ao último objetivo, que é o de
verificar os obstáculos encontrados pelos trabalhadores para o efetivo trabalho em equipe e
suas propostas de superação.
4.1 Relações interprofissionais: interdependência, fragmentação e
complementaridade instrumental
Um desafio..., é importante..., faz toda a diferença..., é difícil..., é muito
importante..., é inerente ao nosso trabalho... é fundamental..., essencial..., é
super necessário..., primordial..., mas é difícil..., é de extrema importância...,
é inevitável..., é a saída..., é uma utopia ativa...
Utopia, não sei, mas que é uma unanimidade, posso arriscar afirmar que sim. Diversas
expressões, mas uma conclusão nos relatos dos profissionais de saúde desse estudo: o
trabalho em equipe é importante para que a atenção ao usuário seja humanizada, de qualidade
e ao mesmo tempo é difícil, pois encontra na prática suas limitações, mas é real sua exigência.
De todos os entrevistados, apenas quatro deles não fizeram menção direta à
complementaridade e interdependência dos diferentes processos de trabalho. A importância
do trabalho em equipe foi apontada de várias formas ou com várias justificativas, como o fato
de cada profissional isoladamente não conseguir dar conta do todo que representa as
necessidades de saúde dos usuários; de que todos têm algo a contribuir na resposta às
demandas, que cada área um aspecto; de que os trabalhos o interligados, sendo
impossível não participar da área do outro em especial nessa justificativa percebe-se que há
uma noção tanto de complementaridade e interdependência, quanto de articulação; dos
usuários que muitas vezes falam alguma queixa ou informação para um profissional e para o
responsável por resolver aquela demanda não; e da importância das decisões não serem
tomadas por um único profissional.
Na leitura de todas as concepções e justificativas dos profissionais entrevistados para a
importância do trabalho em equipe, uma em especial chamou minha atenção, por carregar
diversos pontos que correspondem ao que traz a literatura sobre trabalho em equipe:
é importante principalmente para o paciente, a importância de uma equipe
falando a mesma linguagem, com os mesmos objetivos, (...) em que os
profissionais mantêm uma boa relação, com objetivo comum, consenso,
mesmo que um discorde dos outros em alguns momentos, mas sempre
focando o melhor para o paciente, melhor para a assistência, isso acaba
sendo, tornando o ambiente de trabalho, acho que muito mais agradável para
todos, imagino eu para todas as profissões, né, todos os profissionais. Fica
96
mais agradável, um clima mais coeso, eu acho muito importante o trabalho
em equipe (F3).
Mas a divisão de um trabalho em diversos trabalhos com autonomias técnicas
próprias, ao mesmo tempo, com nítida interdependência e complementaridade, justamente
fundamentadas nessa mesma divisão, é um dos pontos que caracteriza o trabalho na saúde.
Ponto esse que precisa ser bem compreendido para se propor qualquer transformação na
organização dos processos de trabalho no sentido da recomposição de um trabalho único que
pode ser, na verdade, apreendido como indivisível, dado o objeto sobre o qual atua,
indivíduos e seu produto final, a saúde.
É difícil não perceber, desde o primeiro contato, a fragmentação da atenção. Divisão
técnica que produz divisão das relações. Nos diferentes tipos de serviços de saúde essa divisão
se evidencia de maneiras também distintas. Escolhemos como lócus dessa pesquisa o hospital,
e a divisão, nessa pesquisa se fez visível nos primeiros contatos, na difícil tarefa de reunir
todos os profissionais para apresentar a pesquisa. Alcançar o conjunto dos trabalhadores
exigiu, ironicamente, para quem estava iniciando uma busca de entendimento sobre trabalho
em equipe, que os esforços fossem divididos. Esse foi o primeiro contato com a fragmentação.
Para se atingir todos os profissionais era preciso me reunir com cada chefia, uma estrutura
organizacional que divide oficialmente o hospital por diferentes equipes profissionais: a
equipe de enfermagem, a médica, de fisioterapia, de nutrição, de psicologia e de serviço
social, cada qual com sua chefia.
A segunda divisão percebida ainda nos primeiros contatos foi entre enfermaria e UTI.
uma separação não do espaço físico, mas também porque aos poucos vem se
conformando duas equipes quase totalmente diferentes de profissionais e duas formas de
relações interprofissionais distintas. Na verdade, as equipes não são totalmente diferentes,
pois algumas equipes profissionais ainda preferem e optam por investir na atuação na
internação como um todo e porque, mesmo nas equipes que possuem profissionais diferentes
atuando em cada setor, existe em determinados momentos uma tentativa de se manter uma
atuação em conjunto, uma atuação que evita que determinado profissional da equipe se isole
em apenas um desses dois ambientes.
Sendo assim, na UTI, a equipe de profissionais de nível universitário é composta
diariamente por um médico intensivista, um médico residente, uma enfermeira diarista, uma
enfermeira(o) plantonista, uma fisioterapeuta, nutricionistas, psicólogas e assistentes sociais.
Desse conjunto, apenas médicos e enfermeiras atuam exclusivamente na UTI. Porém, em
algumas situações o médico da UTI é solicitado a colaborar na assistência na enfermaria e
97
participa, quando ocorre, da reunião geral de equipe médica para discussão de casos dos
usuários da internação. Os residentes não ficam restritos a UTI, pois dividem suas atividades
nos diferentes serviços do centro hospitalar, ficando na UTI em esquema de rodízio. Existem
duas fisioterapeutas que são quase exclusivas da UTI, sendo que em algumas situações
durante o dia também prestam assistência na enfermaria se necessário. As nutricionistas,
psicólogas e assistentes sociais, por sua vez, se dividem todas entre os usuários da enfermaria
e da UTI. Portanto, elas dividem entre si os usuários, independente de sua localização e assim,
todas de alguma forma, em algum momento, entram em contato e têm a oportunidade de
trabalhar nesses dois contextos.
Na enfermaria, também sempre a enfermeira diarista e uma plantonista. A equipe
médica é formada pelos três médicos infectologistas diaristas, os médicos infectologistas que
trabalham em regime de plantão durante o dia, que, no período em que realizamos a pesquisa,
eram três, os médicos que estão fazendo curso de pós-graduação no instituto, que eram dois e
os residentes de infectologia que eram dez e se dividiam em quatro que estavam cursando o
primeiro ano, quatro também o segundo ano e dois que cursavam o terceiro e último ano da
residência. E as outras equipes funcionam como já descrito acima, a partir da divisão dos
usuários entre os profissionais, sem divisão entre UTI e enfermaria.
O terceiro indício de fragmentação que pude perceber ao entrar no campo, foi o
prontuário. Este se divide nas diferentes áreas profissionais, cada um com sua divisória e
espaço específico para escrever suas avaliações, evoluções dos usuários e prescrições. Ou
seja, cada profissional consegue acompanhar os encaminhamentos do profissional de sua
própria área, pois ocupam o mesmo espaço. A lógica do prontuário é o registro da evolução
do caso clínico por categoria profissional e não a evolução do processo saúde-doença do
paciente/usuário. O prontuário é de todos os profissionais e em alguns momentos da manhã é
disputado entre todos. Outro indício, na forma escrita também, é o “censo diário de pacientes
do serviço de internação”, uma folha onde consta, no início do dia de trabalho, a listagem de
pacientes internados, os leitos que ocupam, diagnóstico, número do prontuário, data da
internação, o tipo de precaução (de contato ou aérea), se existente, e uma parte reservada a
“equipe multiprofissional de referência”. Nessa parte constam os profissionais de referência
(o responsável pela assistência a determinado usuário) da equipe médica, de psicologia,
serviço social e as colunas restantes variavam ao decorrer dos dias que estive presente. Ao
longo desses dias as colunas vazias se referiram a ensaios clínicos, fator Rh, tipo sanguíneo,
psiquiatra e nutricionista de referência, agrupados de diversas formas.
98
O fato de ser utilizado o modelo de prontuário subdividido pelas áreas profissionais
representa apenas um indício da fragmentação. O modelo de prontuário pode ser visto como
apenas mais uma norma antecedente com a qual o trabalhador se depara no seu dia a dia de
trabalho. Como norma antecedente, ela apenas consegue antecipar em parte o que ocorre na
atividade. Ou seja, a fragmentação do prontuário nos leva a crer, num primeiro instante, que
os profissionais realizam suas prescrições e evoluções dos usuários de forma isolada.
Contudo, com base na perspectiva ergológica, podemos afirmar que não é possível prever o
modo como os profissionais vão se utilizar de tal instrumento de trabalho. Percebemos,
através da pesquisa, que o formato fragmentado facilita a consulta fragmentada por parte dos
profissionais às informações da evolução dos usuários, confirmando o indício. Porém, apesar
da maioria dos profissionais afirmarem não ter o costume de consultar a parte referente às
anotações dos demais, existem profissionais que o fazem, ou seja, não se restringem à
consulta apenas da sua área, mas vão além, a fim de conhecer o que está sendo realizado pelos
outros profissionais, levando muitas vezes a um contato posterior com os mesmos para
esclarecimentos e até mesmo certa articulação. Dessa forma, entendemos que o formato do
prontuário não é capaz por si de determinar o tipo de relações que serão estabelecidas a
partir do seu uso. São as escolhas e o modo que cada trabalhador encontra de lidar com tal
instrumento a partir das demandas da sua atividade que serão primordiais no tipo de relações
que podem se estabelecer.
A quarta divisão, visível no momento em que qualquer pessoa entra na internação, é
entre equipe de enfermagem e os demais profissionais. Essa divisão é fortalecida e/ou
expressa sua existência na conformação de dois espaços físicos distintos que convivem lado a
lado: o posto de enfermagem e a sala de prescrição. O posto de enfermagem é o espaço da
equipe de enfermagem, ou seja, os enfermeiros, além de lidar com a divisão do trabalho entre
profissionais de áreas diferentes, lidam com outra divisão do trabalho, a que ocorre dentro de
sua própria área. O acesso às outras profissões não é proibida e em alguns momentos é
possível verificar que outros profissionais fazem uso desse espaço, mesmo que de forma bem
rápida e com finalidades bem específicas, como para tirar dúvidas com a enfermeira ou
técnicos de enfermagem, verificar pessoalmente as prescrições que ficam no posto a fim de
realizar alguma alteração, pedir informações, entre outras situações.
A sala de prescrição é o local de encontro das outras áreas profissionais. É nessa sala
que ficam os prontuários dos usuários internados, os computadores para uso comum, uma
mesa para que os profissionais escrevam suas evoluções e prescrições, um escaninho com os
diversos formulários utilizados para anamnese, pedidos de exames, e, entre outros, o censo
99
diário de pacientes. É frequentada por todos os profissionais, inclusive a enfermagem, porém,
como esta possui seu próprio espaço onde realiza sua prescrição e evolução, não costuma
usufruir muito desse segundo espaço, ficando sua presença restrita a alguns momentos de
transmissão de informações feitas da própria porta, quase sem entrar na sala e nos momentos
de reunião de equipe em que se faz presente.
Tratando-se de espaços de encontro entre os profissionais, cabe aqui destacar outros
dois espaços existentes para a troca: os corredores e os leitos. Nos corredores, os profissionais
geralmente se encontram no meio de suas atividades e é nesse espaço que se dão os contatos
informais, de caráter pessoal, como as brincadeiras, comentários da vida pessoal de cada um,
ou seja, é onde ocorre com maior frequência as conversas descontraídas, sobre temas diversos
das questões relacionadas ao trabalho. Porém, nesse espaço também ocorrem momentos de
reuniões informais entre profissionais da mesma área, e também de áreas diferentes. São
encontros onde se discutem, por exemplo, questões relacionadas a determinado usuário ou
usuários, são passadas informações a respeito dos casos, as preocupações dos profissionais
dentro de sua área e demandas pela atuação do outro profissional, reconhecendo a necessidade
de intervenção deste na situação apresentada.
Nessas situações de reunião de corredor presenciadas durante a pesquisa, percebe-se
que muitas vezes certa articulação das ações de distintos profissionais, pois os mesmos
identificam os nexos e conexões dos trabalhos isolados e chegam a desenvolver a partir dessa
reunião de corredor, uma atuação conjunta com o usuário e/ ou familiares. É também, através
da interação, que trocam informações, entrelaçam seus conhecimentos, colaboram na
resolução do problema e assim, trabalham em equipe. São situações que presenciei mais de
uma vez, e apesar de se mostrarem dependentes de relações pessoais favoráveis, representam
uma fissura aberta na lógica da produção, como apontaria Merhy (2007b).
Mais uma vez, podemos perceber que existem normas antecedentes como a existência
de uma forma conhecida de se realizar reuniões de equipe multiprofissional e um modelo de
atenção hegemônico que leva a uma produção centrada nos procedimentos ou nas tecnologias
duras e a atuação isolada de cada profissional. De acordo com tais normas não se poderia
imaginar uma reunião multiprofissional ocorrendo no meio do corredor da internação, mas
como nenhuma atividade é mera execução e como o trabalho na saúde é feito de encontros e
nesses encontros surgem as possibilidades de reinvenções do que está prescrito, assim os
trabalhadores, diante da demanda e do encontro, construíram ali mesmo no corredor uma
situação de trabalho em equipe, pois atuaram tendo como centro o usuário, incluindo-o na
resolução da demanda.
100
Essa situação permite visualizar que o que faz o trabalho em equipe não é
necessariamente a existência de um espaço formal de reunião, por exemplo, mas uma postura
de abertura ao saber do outro, à negociação, ao novo (SCHWARTZ, 2003; SCHWARTZ;
DUC; DURRIVE, 2007a). Segundo Schwartz (2004a), as escolhas que os trabalhadores
fazem na atividade revelam sempre uma tentativa individual e coletiva de reinventar modos
de fazer, maneiras de viver as contradições presentes. Da mesma forma, devido às escolhas
que se realizam na atividade, que são singulares para cada trabalhador, também pude
presenciar situações de encontros interprofissionais semelhantes que se restringiram a
transmissão de informações ou solicitação de intervenção alheia em um determinado caso
clínico.
Quando a observação é feita nos leitos, percebe-se que existe uma dificuldade de
atuação conjunta dos profissionais. Estes geralmente realizam suas ações individualmente e
ao deparar com outro profissional, o contato, na maioria das vezes, se restringe a alguma troca
de informação ou esclarecimento de dúvida que auxilie na sua ação sobre o usuário. uma
tentativa de realizar suas ações sem interferir nas ações dos outros, buscando um encaixe
perfeito das atuações, de forma justaposta. Então, ao perceber que naquele usuário que seria
alvo da sua ão, existe um profissional realizando suas atividades de trabalho, o
profissional encaminha-se a outro possível usuário-alvo que não esteja, naquele momento sob
a intervenção de nenhum outro profissional e é nesse usuário que o profissional atuará,
individualmente, sem interferir e nem sofrer interferência de outrem.
Algumas falas demonstram o quanto os profissionais procuram realizar suas atividades
de trabalho de maneira justaposta às dos outros profissionais, sempre tentando causar a
mínima interferência, muitas vezes sem nem cumprimentar o outro profissional, numa espécie
de respeito ao trabalho que está sendo realizado e, portanto, passando bem longe da proposta
de trabalho em equipe. nessas situações um respeito à autonomia técnica do profissional,
que reitera a fragmentação do cuidado.
Começo os atendimentos, procuro conciliar sempre com o trabalho da
enfermagem (...) a não ser que seja uma prioridade (...) senão eu vou
conciliando, as enfermeiras vão saindo e eu entro... (F1)
E tem que respeitar o exame que o paciente tem que fazer, o horário do café,
o curativo, o horário do banho (...) a gente tem que estar o tempo todo
tentando se encaixar pra que tudo isso funcione em prol do paciente de
forma harmônica (...) porque a parte da manhã é onde tudo acontece, né?!
Está todo mundo. São os médicos que querem fazer sua avaliação, a
enfermagem precisa dar o banho, precisa fazer o curativo, a gente quer fazer
nosso atendimento, então... (F3)
101
A assistência médica junto com a gente também funciona bem na parte da
manhã, elas sabem que a gente fazendo os cuidados, eles aguardam a
gente acabar os cuidados pra fazer o exame físico deles (...) Mas eles tentam
fazer isso... têm respeito em relação ao que cada um fazendo enquanto
profissional (E5).
O tipo de interferência que frequentemente ocorre é com a finalidade de permitir a
realização do seu próprio trabalho, o que caracteriza uma complementaridade instrumental,
onde o saber do outro profissional é utilizado como um simples instrumento no processo de
trabalho de quem o solicita.
E a última evidência de fragmentação, porém, não menos perceptível ou importante, é
a divisão propriamente dita dos processos de trabalho, que foi também aparente desde o
primeiro dia de observação. Foi essa divisão que fez com que eu sentisse a necessidade de
observar inicialmente cada processo de trabalho por área profissional, antes de estudar suas
inter-relações. E com a observação dessas rotinas individuais, ficou clara a fragmentação e
justaposição das ações de saúde na internação. E isso é possível afirmar tanto na enfermaria
quanto em relação ao trabalho na UTI, com algumas ressalvas que serão desenvolvidas ao
longo da apresentação de tais resultados.
Na enfermaria, o que acontece é a intervenção de cada profissional separadamente. De
forma bem resumida, trago aqui algumas das intervenções realizadas diariamente por cada
área profissional em sua rotina matinal - período em que as observações foram realizadas -
que ocorrem independente das intervenções dos outros profissionais. Assim, a enfermeira e
sua equipe realizam os cuidados de enfermagem na parte da manhã, que incluem, entre outras
coisas, a alimentação, os banhos e os curativos. Tomam providências quanto ao preparo e
encaminhamento dos usuários para a realização dos exames, reposição de materiais de uso
diário, manutenção dos equipamentos, definição dos horários das medicações prescritas pelos
médicos, recebem e orientam as visitas aos usuários e cuidam das diversas intercorrências.
Geralmente, dentre essas atribuições, as de caráter administrativo ou da organização do
serviço como um todo, ficam mais a cargo da enfermeira diarista, sendo que esta participa
também, em conjunto com a plantonista, das atividades assistenciais. Os demais profissionais
geralmente realizam sua abordagem nos usuários que passaram pelos cuidados de
enfermagem a fim de acompanhar a evolução do tratamento.
O médico passa a visita para ver a evolução do usuário quanto a terapêutica instituída,
realizar a anamnese e o exame clínico, ouve as queixas e solicitações do usuário, solicita
exames, define as prescrições, conversa com os familiares no momento da visita, promove a
102
discussão de casos com os residentes e supervisiona suas intervenções, entre outras
atividades.
A nutricionista realiza suas avaliações nutricionais iniciais e de acompanhamento,
pesagem dos usuários, exame físico, ouve as queixas e solicitações do usuário e a partir dos
dados, realiza o mapa com as necessidades do usuário, que serão traduzidas na dieta que será
instituída para aquele usuário e passada à copa para que seja providenciada.
A fisioterapeuta realiza também suas avaliações iniciais, de capacidade funcional,
respiratória e naqueles usuários em que percebem a indicação, programam e realizam os
exercícios diários de fisioterapia, que podem ser feitos apenas em um momento no dia ou com
mais de um atendimento diário a depender do caso.
As psicólogas, a partir da demanda da equipe de profissionais, realiza suas avaliações
iniciais que têm a função de garantir ao usuário a oferta de atenção psicológica, ficando a
critério do mesmo a decisão pelo atendimento psicológico ou não. Nos casos em que os
usuários não desejam o atendimento psicológico, os profissionais passam a acompanhá-lo sem
porém, realizar as consultas individuais. Isso se dá através da visita no leito, onde há a
conversa e oferta sempre presente de atenção psicológica. Nos casos em que o usuário aceita a
oferta, um atendimento agendado com o usuário e realizado sempre pelo mesmo
profissional. Cabe acrescentar, que no período final do trabalho de campo, as psicólogas
iniciaram um movimento dentro do grupo para tornar possível a avaliação inicial de todos os
casos da internação, com a posterior definição do atendimento ou acompanhamento dos
mesmos. Dessa forma, a intervenção do grupo não mais se restringiria a demanda dos outros
profissionais, mas sim a partir da indicação percebida pelos próprios profissionais em
associação a essa demanda. Porém, ao final da pesquisa, essa proposta ainda não havia se
concretizado por completo.
Por fim, as assistentes sociais, também realizam além dos seus atendimentos iniciais,
com o preenchimento das fichas sociais dos usuários recém-internados, o acompanhamento e
a busca de soluções e direcionamento dos casos em que há questões sociais a serem resolvidas
durante a internação. Realizam contatos com familiares, solicitam laudos médicos, esclarecem
os usuários quanto aos seus direitos, resolvem questões relativas a alta dos usuários, entre
muitas outras atividades. As profissionais realizam suas intervenções com base no contato
inicial com os usuários e o que surgiu de demanda social a partir da entrevista e também
respondem a demandas de outros profissionais.
Ao iniciar essa descrição extremamente resumida - por não se tratar do objetivo da
pesquisa - das atuações de cada profissional na enfermaria, disse que geralmente, os demais
103
profissionais realizam sua abordagem nos usuários somente após os cuidados de enfermagem.
E afirmo isso com base nos relatos de alguns entrevistados que afirmaram aproveitar
momentos da intervenção da enfermagem para complementar sua própria intervenção. Como
exemplos, temos os médicos, que aproveitam o momento do banho ou da troca de curativo
para realizar ou complementar seu exame físico. Temos os que aproveitam a presença dos
profissionais de enfermagem para pedir auxílio na movimentação do usuário a fim de facilitar
e até mesmo tornar possível sua intervenção e continuidade do tratamento, como é o caso das
fisioterapeutas. Em outras situações é a enfermeira ou os outros profissionais de sua equipe
que passam informações a nutricionista, quanto à melhor forma de preparo do alimento ou a
psicóloga quanto ao estado emocional do usuário.
Nos casos apresentados como o exemplo acima, pode parecer, ao olhar desatento e até
mesmo na concepção de alguns profissionais, representativos de trabalho em equipe. Porém,
analisando tais situações, o que podemos apreender delas é que nas duas primeiras, há
nitidamente uma relação instrumental entre os profissionais, em que a comunicação entre
eles no sentido de solicitar a intervenção do outro, contudo, o trabalho desse outro é utilizado
como mais um dos instrumentos ou meios necessários para a consecução do seu próprio
processo de trabalho. Existe a colaboração e é esta que faz, aos olhos desatentos, mascarar tal
caráter instrumental da relação.
Os mesmos procedimentos são realizados por cada profissional dentro da UTI, porém,
cada um apresenta algumas atribuições ou atividades que têm um caráter diferente por se
realizar em ambiente onde o quadro clínico do usuário é extremamente crítico. As
enfermeiras, realizam os cuidados de enfermagem, que incluem as mesmas intervenções
vistas na enfermaria, porém, com algumas diferenças, tendo em vista que na maioria das
vezes o usuário encontra-se inconsciente, intubado, sem possibilidade de sair do leito,
alimentados por meio de sonda, o que demanda cuidados realizados de maneira bem
específica e, por vezes, mais complexos do que os realizados na enfermaria, apesar de haver
usuários com dificuldades semelhantes também nesta última. Há também uma divisão entre as
atividades assistenciais, que são realizadas em sua grande parte, senão inteiramente, pela
profissional de enfermagem plantonista, e as atividades administrativas ou burocráticas,
desempenhadas pela profissional diarista.
Os médicos realizam suas condutas, com certas especificidades como o foco maior na
monitoração dos diversos parâmetros de saúde desses usuários, através de equipamentos,
exames, e avaliações diárias da enfermagem. Realizam também a visita no leito para o exame
clínico, para verificação do funcionamento dos aparelhos de ventilação mecânica e fazem suas
104
prescrições, solicitações de exames, alguns procedimentos como, por exemplo, a intubação
dos usuários, procedimentos emergenciais para a manutenção da vida do usuário, entre outras
atividades.
A nutricionista também dentro das mesmas atribuições dadas na enfermaria, diante do
quadro dos usuários, adapta suas intervenções, tendo em vista que geralmente atuam em
usuários com alimentação via sonda enteral, o que demanda destas uma forma diferenciada na
prescrição da dieta, na administração da mesma, realizada por meio de equipamentos próprios
e na avaliação dos resultados, que se com o auxílio do trabalho da enfermagem, que
observa a administração, a eliminação e todos os detalhes.
A fisioterapeuta, também se encarrega de realizar as mesmas atividades das
profissionais que atuam somente na enfermaria, porém, tem uma atenção maior no controle e
manejo dos equipamentos de ventilação mecânica, com grande autonomia frente aos médicos
na sua atuação. Nas situações específicas observadas nessa pesquisa, uma das profissionais de
fisioterapia que desenvolve suas atividades quase exclusivamente na UTI, apresenta um bom
entrosamento com todos da equipe, e uma postura ativa de propor condutas, opinar nas
decisões, participar da atenção realizada por outros profissionais, entre outras ações.
A psicologia tem também sua atuação na UTI diferenciada, tendo em vista que
predomina os casos de usuários inconscientes em tal ambiente, sendo restrita sua abordagem
aos familiares e aos casos de usuários em recuperação, que recobrem a consciência e passam a
demandar um tipo de atenção que não é comum na UTI.
O mesmo ocorre com relação às assistentes sociais, que trabalham da mesma forma
que na enfermaria, porém, com a especificidade de atender geralmente a demandas dos
familiares, ou dar prosseguimento ao direcionamento de questões que surgiram enquanto o
usuário encontrava-se na enfermaria, quando é o caso.
Algo que cria uma distinção clara entre o modo de funcionamento da UTI em relação
à enfermaria é a coordenação de todas as ações profissionais realizadas nesse setor sob a
liderança do profissional médico. Este é o responsável, de maneira muito explícita, pela
liderança na equipe e por coordenar todos os outros trabalhos, o que não ocorre na enfermaria.
Então, apesar de todos os profissionais exercerem sua atividades também de forma
independente, com suas autonomias técnicas respeitadas, todos sentem certa obrigação ou
compromisso de passar qualquer informação pertinente ao caso clínico do usuário ao
profissional médico, inclusive, podendo este interferir na sua autonomia, tomando decisões
por caminhos diferentes das que tinham sido tomadas pelos profissionais individualmente e
solicitando determinadas intervenções a serem realizadas por estes.
105
Essa é mais uma situação bem ilustrativa do que entendemos por complementaridade
periférica instrumental, como colocada em nosso referencial teórico-metodológico conforme
Peduzzi (2007a). É uma situação de complementaridade, que todos os profissionais têm
trabalhos que se complementam, por serem frutos da divisão técnica de um mesmo trabalho,
mas é também periférica, pois são agregados em torno do trabalho nuclear do médico. E este
ao se utilizar de todos estes trabalhos agregados com a finalidade de bem executar o seu
próprio trabalho pode-se dizer que utiliza os outros profissionais de maneira instrumental.
Nessa forma fragmentada de atenção à saúde, o usuário sofre a intervenção diária de
diversos profissionais. Na justaposição, como em uma linha de produção, cada um efetua sua
intervenção e transformação no objeto do seu trabalho, nesse caso o usuário, e o mesmo é
passado adiante para ser objeto da intervenção seguinte, de outro profissional e assim vão se
encadeando os diferentes processos de trabalho. Porém, a diferença que na produção de
saúde é que esse encadeamento não se dessa forma linear, existe uma complexa rede de
atos, procedimentos, atuações e encontros que vão configurar o processo como um todo. Mas
resolvi trazer essa imagem da linha de produção, que me veio à mente diante de algumas
situações vivenciadas junto ao leito dos usuários, para problematizar a situação do usuário
nessa complexa rede de relações.
A cada instante um novo profissional chega à beira do leito do usuário e faz suas
perguntas, seus exames, sua escuta, seus procedimentos e quando se observa essa situação
percebe-se que é impossível garantir uma atenção integral e humanizada, a partir de cuidados
justapostos. O usuário não entende que cada profissional tem uma finalidade em sua
intervenção que difere quase completamente da finalidade do profissional seguinte; não é
completa essa distinção porque o objetivo comum a todos é a produção de saúde. Da mesma
forma, o usuário não tem suas necessidades divididas segundo o profissional que vai atendê-
lo, então, as queixas, as demandas são colocadas, expostas, pelo usuário àquele profissional
que o deixou à vontade, ou àquele que ele tem maior confiança, ou àquele que entrou
primeiro, por exemplo. Ou seja, o usuário não sabe a quem dirigir determinada queixa ou
demanda crucial para expor e permitir o entendimento de suas necessidades de saúde, e nem
deveria. O que acontece na maioria das vezes, então, é que muitas dessas informações se
perdem no contato com esses diversos profissionais, que procuram manter seu olhar voltado
apenas para a sua própria atuação.
Pude presenciar diversos momentos como esse, mas também presenciei e percebi
através de alguns relatos, que existem profissionais que se abrem mais para essa escuta e não
ouvem como procuram passar essas demandas a quem tenha a possibilidade de resolver.
106
Isso é um exemplo de que as relações de cooperação e equipe se dão independentemente do
fato de haver alguma situação formal de reunião de profissionais. O fato de não estarem todos
juntos no momento da atenção não significa que não vai ocorrer um trabalho em equipe.
Nesses casos, fica evidente o que Schwartz, Duc e Durrive (2007a) chamam de Entidades
Coletivas Relativamente Pertinentes (ECRP), que se formam na atividade e diante das
situações e demandas concretas do trabalho. O fato de um profissional buscar compartilhar a
demanda que lhe foi dirigida com o profissional que pode solucioná-la é um exemplo de como
os trabalhadores podem desenvolver no dia a dia um trabalho em equipe solidário mesmo sem
um espaço formal para que ele ocorra e como o trabalho pode envolver redes de relações
complexas que caracterizam a coletividade do trabalho e que fogem a qualquer organograma
ou prescrição da gestão do serviço.
Com a psicóloga, paciente que eu acho que ta muito deprimido, que
melhorou em alguma coisa eu sempre falo, dou retorno. Falo ‘ah uma
olhadinha em fulano...’ ela vai, depois discuto, a gente se encontra nos
corredores ou na sala mesmo. Eu sempre falando com todo mundo.
Assistente social, documento, às vezes paciente fala, ‘ah, eu preciso tirar os
documentos...’, ‘oh, não é comigo, mas eu vou levar a pessoa responsável.’
eu chego, falo. Eu procuro ajudar o máximo. O que eu puder fazer. Pego
copo de água, ‘é gelado, não, é misturado...’, ah, se tem um cafezinho,
um leitinho...’ eu vou na copa, ‘olha, não tem aí, paciente tal, leito tal?’
(F4).
Quantas vezes eu olhei um paciente e eu tive a necessidade de chamar um
psicólogo (...) por eu... eu estar escutando...ta ouvindo o paciente. Então isso
é um elo, que eu tenho com o outro profissional (E2).
Como a gente passa um tempo grande com o paciente, a gente não faz
atendimento de fisioterapia em menos do que meia hora, então a gente tem
oportunidade de estar muito próximo do paciente (...) normalmente os
pacientes se abrem com a fisioterapia assim como o técnico de enfermagem,
que também fica muito tempo (...) então a gente às vezes tem uma escuta que
outros profissionais não têm oportunidade de ter, então a gente passa
informação, a gente às vezes percebe um estado emocional alterado, (...) a
gente pede, conversa, encontra com a psicóloga, ‘olha, tô achando que
aquele paciente não legal, pra vocês darem uma avaliada, pra ver se
tem indicação de acompanhamento?’ Então, é isso, por a gente poder ter a
oportunidade de tá um pouco mais próximo (F3).
Nesses momentos em que a profissional tenta atender de alguma forma às
necessidades que se colocam diante dele, mesmo não sendo vistas como de sua
responsabilidade, vejo um caminho aberto à humanização. É uma abertura e o que vem depois
ou a maneira como se essa troca de informações é que vai levar ou não à atenção mais
humanizada. No caso da pesquisa, o que entendo que fecha o caminho é o fato de que esses
são alguns casos isolados, alguns profissionais que possuem essa preocupação dentro do
107
serviço, não havendo uma preocupação coletiva nesse mesmo sentido, ou seja, esse tipo de
postura não faz parte do projeto terapêutico que comanda todo o atendimento no hospital.
Mas a reflexão não se encerra aí, pois a depender da forma como essa demanda é
encaminhada ao profissional capaz de resolvê-la, é que o caminho poderá encontrar seu fim
ou uma possibilidade de seguir. Quando o passo seguinte realizado pela profissional que abriu
a partir do seu trabalho vivo em ato um caminho a integralidade é o de proceder ao simples
encaminhamento da questão, ou seja, levar ao outro profissional apenas a queixa em si e
perceber que ali acaba a sua intervenção no caso, podemos dizer que não houve articulação a
partir da demanda; o profissional identifica essa demanda e passa ao profissional capaz de
resolvê-la e assim se encerra a ação.
Porém, quando diante da mesma situação, o profissional age como nos relata os
profissionais E2, F3 e F4 nos trechos de entrevista acima reproduzidos, o caminho à
integralidade e humanização permanece aberto. Isso porque o contato com o outro demonstra
um sentimento de solidariedade, de parceria, de reconhecimento do valor deste - e se
considera aqui como outro, tanto o profissional a quem procura passar a demanda como o
usuário- em que a partir da sua escuta, o profissional percebe que o usuário está apresentando
uma demanda que pode ser melhor avaliada e resolvida pelo outro profissional e procura
articular seu saber/fazer com este, na medida em que não se satisfaz apenas na “entrega” do
caso ao outro, mas faz questão de obter a “devolução”. Ou seja, conjuga seu saber/fazer com o
do outro profissional no momento de passar a demanda a ele e procura continuar fazendo
parte da resolução dessa demanda, numa relação em que se percebe co-responsável por aquela
produção de saúde.
É preciso perceber o papel do trabalhador diante dessas situações enquanto gestor do
seu próprio trabalho. Os trabalhadores enfrentam diversos desafios e situações contraditórias e
encontram através da gestão dos usos de si formas singulares de lidar com tais contradições.
Quando um profissional, no encontro com o usuário, se diante de uma demanda que o
pode ser atendida por ele, como é o caso das situações que foram descritas acima e de muitas
outras que ainda serão apresentadas nesse capítulo, uma tendência de se realizar o simples
encaminhamento da questão ao profissional capaz. Na perspectiva ergológica, por trás de
situações como estas podemos dizer que existem várias normas antecedentes que se colocam
diante desse profissional, como o modelo de atenção hegemônico nos serviços de saúde, que
favorece o isolamento dos saberes e a fragmentação das ações; o respeito à autonomia técnica
profissional visto como a não interferência no processo de trabalho e na tomada de decisão
alheia; a desigualdade hierárquica, entre outras. Enfrentar essas normas aparentemente tão
108
rígidas a fim de criar novas formas de atuação envolve uma verdadeira negociação dos usos
de si por parte dos trabalhadores. Ou seja, o trabalhador diante da demanda do usuário pode
sentir a necessidade de articular suas ações com as de outros profissionais e estabelecer uma
relação de co-responsabilidade naquela atenção (“uso de si por si mesmo”), porém encontra
dificuldades que se devem às normas antecedentes que se apresentam diariamente na
atividade (“uso de si pelos outros”). Não há para esse trabalhador algo que informe de que
maneira deve ocorrer essa articulação, a não ser a forma já conhecida de encaminhar a
questão e que não responde a necessidade sentida, então, o modo de se articular ao outro e
encaminhar o problema representam um “vazio de normas” para esse profissional. E nesse
vazio, o trabalhador é capaz de criar novas normas, ou seja, ele reinventa a forma de se
articular com outros profissionais a partir da sua necessidade, do seu interesse, das suas
escolhas, mesmo que essa reinvenção represente sempre uma dramática, pois requer uma
negociação dos usos de si ilustrados acima.
Apesar da forte fragmentação que atravessa toda a organização do serviço de
internação no Ipec e usualmente de qualquer serviço hospitalar, não como negar que os
diferentes trabalhos, realizados por diferentes profissionais, possuem um caráter de
complementaridade e interdependência. Os cuidados parciais desenvolvidos por cada
profissional, devido à divisão técnica do processo de trabalho na saúde, vão se
complementando de forma mais ou menos consciente e negociada no cotidiano do hospital.
Nenhum profissional isoladamente consegue dar conta de todas as necessidades de saúde
trazidas pelos usuários. Todos os profissionais que participaram da pesquisa percebem essa
complementaridade e interdependência, e a importância dos demais profissionais, como se
pode ver nas falas seguintes:
Eu tenho um bom relacionamento com todo mundo, eu procuro ter um
relacionamento bom com todo mundo porque todo mundo depende do outro
aqui, da enfermagem, por exemplo, eu dependo... às vezes pra mudar de
decúbito, uma pessoa muito pesada, se for colocar numa cadeira de rodas pra
levar pra varanda... eu tenho um relacionamento muito bom com eles (F4).
Precisa... precisa sim, precisa sempre do auxílio do médico, até pra tirar uma
dúvida, pra gente sugerir uma coleta de exame, sugerir um RX, porque a
gente identificou alguma alteração... a gente sempre ta trocando... com a
enfermagem, a gente precisa de alguma informação, com a nutrição, se o
paciente ta se alimentando, se não ta... tudo isso influi diretamente no nosso
trabalho. A gente não vai conseguir fazer uma boa fisioterapia se o paciente
não ta bem nutrido, não ta hidratado, não ta se sentindo bem porque ta com
uma dor (F3).
Eu acho que a parte médica é elementar, ela é importante em termos de
diagnóstico e algumas intervenções assim... pontuais... terapias, sabe... tipo
109
escolher um antibiótico... fazer um exame de imagem... tomografia... a
decisão... que isso acontece na menor parte do tempo, entendeu? É muito
mais importante a intervenção de...médico também, mas os cuidados de
fisioterapia, os cuidados de enfermagem, eventualmente outros profissionais
durante a permanência do paciente (M4).
Eu percebo a enfermagem porque a enfermagem é o que mais ajuda
entendeu? Enfermagem é que é o (...) CTI (...) é 10% médico, 10%
fisioterapeuta (...) mas enfermagem é quem resolve o CTI (M5)
.
Os profissionais percebem a interdependência dos processos de trabalho, mas o que
predomina são relações de interdependência fragmentada, pois as ações se dão no cotidiano
sem serem articuladas, produzindo um cuidado fragmentado. Além disso, nos momentos em
que os profissionais percebem que necessitam do outro profissional a fim de complementar a
sua própria atuação, percebemos que a comunicação é estabelecida, porém, esta é
predominantemente do tipo instrumental, e assim, as relações que se estabelecem através da
comunicação entre os profissionais são de complementaridade instrumental.
Sendo assim, as relações interprofissionais que ocorrem na prática, nessas tentativas
de articulação e de trabalho conjunto entre os profissionais, podem revelar aspectos
importantes para se pensar a possibilidade do trabalho em equipe. Ao analisar as falas dos
profissionais e as observações das suas práticas, diversos aspectos relevantes foram surgindo.
eu acho que, na verdade, cada um fica fazendo a sua parte, não procura ‘ah,
vou ver o que que o fulano ta fazendo’ (...) eles procuram a gente quando
acontece esses problemas assim, quando eles querem dar alta pro paciente e
tem essas questões sociais. (...) de acordo com a demanda, a gente vai
procura os profissionais... não é aquela coisa de que existe essa equipe que
vai ver todos os casos dos pacientes... ‘vamo ver com o que que cada um vai
contribuir’, é diferente... a gente é que... um procura o outro na hora de
resolver o problema, ‘ah, isso aqui a gente vai pedir ajuda pra psicologia’, o
médico pede a nossa ajuda na parte que tem a ver com o serviço social... é
um pouco assim, né?! (AS2)
na verdade a gente aqui não sabe, né... o que que por exemplo a nutrição ta
programando, o que que a fisioterapia programa (...) a gente... a gente não
conhece... desconhece... a gente o planeja o tratamento do paciente em
conjunto, isso não existe... (M2)
Nessas falas encontra-se expressa como característica do serviço estudado o fato de
que a atenção comumente é planejada e realizada individualmente, tendo cada profissional
com foco na sua intervenção, sem buscar articular as ações ou interagir em busca das
melhores formas de solucionar as demandas, através de um planejamento em conjunto. É uma
realidade que se afasta das reflexões suscitadas pela PNH ao propor a construção de uma
clínica ampliada nos serviços como forma de produzir práticas humanizadas de atenção à
saúde. Na perspectiva de humanização da PNH a clínica ampliada pode funcionar como uma
110
ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e disciplinas. E uma das formas
sugeridas de realizar um planejamento em conjunto é construindo projetos terapêuticos
singulares entre os profissionais de áreas diferentes, dentro da organização de equipes de
referência (BRASIL, 2009a).
Ampliando a clínica, no caminho de uma clínica do sujeito, onde o foco são as pessoas
e não as partes do seu corpo biológico, cria-se a possibilidade de atuação conjunta, pois o
objeto das intervenções de cada profissional passa a ser o mesmo, o usuário. Aberto esse
caminho, a construção de projetos terapêuticos singulares se torna viável para os profissionais
e possibilita uma atuação integrada através de uma corresponsabilização de todos os
profissionais que prestam a assistência a determinado usuário. Essa forma de trabalhar leva a
articulação dos profissionais e consequentemente a um trabalho em equipe, pois na construção
desses projetos terapêuticos, que se relacionam à singularidade de cada caso, as decisões são
tomadas em conjunto e as conexões entre as diferentes intervenções ganham visibilidade em
meio ao processo coletivo de pactuação, negociação, busca de consensos.
Alguns profissionais apontam para o fato de que a elaboração de um projeto
assistencial comum ocorre somente nos casos mais complicados, que levam os profissionais a
se reunir e discutir o caso em conjunto para chegar a uma solução. Nas situações
exemplificadas pelos profissionais, esses casos mais complicados a que eles se referem são os
que envolvem aspectos que fogem do âmbito da medicina e força os profissionais médicos a
procurar a ajuda, a intervenção dos outros que talvez possam dar a resposta que eles não
conseguem. Nesses casos, pode haver articulação das ações, se os médicos reconhecerem a
importância do papel do outro profissional e pode haver interação, quando estes se juntam,
discutem e decidem o que será feito em conjunto. São momentos em que novamente podemos
perceber como na atividade os trabalhadores se sentem convocados a formar coletivos de
trabalho sem que haja uma prescrição prévia, o que, na perspectiva ergológica, se configura
como uma Entidade Coletiva Relativamente Pertinente (ECRP), em que muitas vezes não é
possível sequer delimitar os contornos das relações que se formam. Muitas vezes percebemos
a reunião de alguns profissionais e estes envolvem outros que podem não estar ali presentes,
mas que atuam conjuntamente naquela atenção ao usuário. Assim como afirma Louzada,
Bonaldi e Barros (2007) a necessidade de trabalhar em conjunto trazida por momentos
específicos das situações de trabalho é que irão fazer com que existam diferentes formas de
ECRP.
Isso é muito ruim aqui... eu acho que... eu acho que em alguns casos
consegue outros o consegue, ... eh... a cada caso, às vezes a gente se
111
integra...os casos que causam mais mal estar... às vezes as pessoas
conseguem (...) alguns pacientes pepino... os pacientes que dão muita
confusão (...) eu acho que esses que conseguem mais, né...porque são
pacientes que interrogam mais a instituição de uma certa maneira, então eu
acho que esses pacientes convocam a equipe como um todo (P1).
Por que depende da situação do paciente... se for um paciente mais
complicado, a própria situação de dificuldade, ela faz com que as pessoas se
juntem mais pra discutir, mas não vejo isso como uma preocupação, uma
prática, como um método, como se fala... como um protocolo, né?! (AS1)
É preciso, então, que esses profissionais envolvidos na atenção à saúde, a partir da
compreensão que demonstram ter de que seus trabalhos não podem ocorrer isoladamente - se
o objetivo maior do serviço for oferecer uma atenção humanizada e integral - percebam a
importância da reconstrução das práticas no caminho de intervenções articuladas entre os
profissionais e compartilhadas através do diálogo, da escuta do outro e do reconhecimento do
valor que cada saber que está por trás de cada área profissional tem para a compreensão das
necessidades de saúde que se apresentam e portanto, para a produção de saúde. Afinal, cabe
destacar novamente que as relações que se estabelecem nesses casos vão depender das
escolhas feitas pelos profissionais envolvidos. No encontro entre profissionais de áreas
diferentes as várias contradições que os serviços de saúde apresentam e que agem como
normas antecedentes, abordadas anteriormente nesse texto, irão constantemente se colocar
diante deles, porém, é a potência de reinvenção presente na gestão que o trabalhador faz na
atividade que vai possibilitar que novas formas de solicitar a colaboração do outro
profissional, capazes de gerar articulação de ações, co-responsabilização, entendimento e
enriquecimento mútuo possam surgir. E é importante ressaltar que esse olhar para o papel
primordial do trabalhador na transformação das práticas de atenção à saúde no caminho da
humanização não pretende culpabilizá-los pelos momentos que caracterizam uma atenção
fragmentada e que foge a essa direção ético-política que orienta as propostas de humanização.
Revelar esse papel do trabalhador significa chamar a atenção para a sua importância e
potência enquanto agente de mudanças na organização dos processos de trabalho e assim
fomentar seu protagonismo e despertar a necessidade de sua valorização tanto na atenção
quanto na gestão.
Outro aspecto que pôde ser observado durante a pesquisa é que o tipo de comunicação
existente entre os profissionais, na maior parte do tempo, tem por finalidade transmitir
informações, fazer rápidas solicitações, tirar dúvidas simples quanto ao andamento do serviço,
entre outras. O que de comum nessas comunicações é sua curta duração, na forma de
transmissão e recepção de informação e seu caráter instrumental, ou seja, efetuada para que o
112
trabalho de quem pede/recebe a informação possa seguir. Esse tipo de comunicação se faz
presente em todo o âmbito do serviço, se concentrando expressivamente nos corredores, no
posto de enfermagem e na sala de prescrição. Na UTI, que apresenta um espaço físico menor,
onde os profissionais têm uma proximidade maior durante todo o dia de trabalho, esse tipo de
comunicação ocorre o tempo todo, dividindo o espaço com outras formas de comunicação,
como as pessoais e as que levam à articulação e interação entre os profissionais.
A gente chega, já vai direto pra sala de prescrição senta com os outros
profissionais e vai olhar a situação do censo... pergunta se tem alguém de
alta, né?! Então, se eles tão pretendendo dar alta pra alguém (AS1).
Se eu chego, minha solicitação foi atendida...pra mim isso é o suficiente (...)
se eu consegui o que eu queria, pra mim a comunicação foi feita...entendeu?
você foi lá... resolveu o paciente...porque se não for resolver, o paciente vai
me chamar de novo (E4).
Aqui a gente fica com essa demanda de atenção muito grande porque tem
muito paciente também, né... então toda hora vem um... assistente social
quer saber se pode liberar um acompanhante, a visita fora do horário... um
acompanhante da paciente fulana... (E1, se referindo ao posto de
enfermagem)
São ambientes diferentes...enfermaria é mais espalhado (...) mais isolado (...)
você fica muito mais tempo ocupada, vendo prontuário, no paciente, a
troca é mais pontual, se você não acha no prontuário... (F2, se referindo a
diferença na comunicação na UTI e na enfermaria)
Normalmente quando a gente ta fazendo as evoluções é que vêm as outras
informações (...) porque eu to ali na sala, e aí eu tenho essas informações (...)
também quando eu vou fazer essas evoluções é um momento de troca, um
momento de troca com a equipe... eu vejo...‘ah, quem é que ta atendendo
fulano?’ (P2)
Às vezes o tipo de comunicação realizado foi considerado dependente do andamento
do serviço no dia e do quão ocupado os profissionais se encontram. Podendo se caracterizar
em uma comunicação que serve apenas para troca de informações que sirvam como recurso
do trabalho alheio ou como uma comunicação em prol da articulação e interação, onde se
discute o caso na busca de consensos e decisões são tomadas em conjunto.
Assim, é variável...às vezes é fácil, às vezes não... às vezes a rotina do dia tá
apertada, entrando paciente (...) aquela coisa meio agitada (...) às vezes
não, a rotina tá mais tranquila, você senta e tem mais possibilidade de
conversar, às vezes tem umas pessoas que são mais retraídas, mas no geral
eu acho até que todo mundo (...) uma atenção (...) tem gente que eu acho
assim que aquela atenção, aquela informação é processada de uma forma pra
integrar melhor o atendimento ao paciente, e algumas pessoas não, elas
informam...entendeu? Assim... ‘aconteceu isso’, mas você não sente maior
integração...só essa troca de informação (...) com algumas pessoas tem
integração, com outras não, só informação, é assim que eu vejo (P2).
113
A partir dessa fala podemos refletir sobre o quanto muitas vezes as normas
antecedentes conseguem funcionar como barreiras a novas formas de produzir saúde nos
serviços. A situação relatada pela profissional entrevistada demonstra que abertura dos
diversos profissionais à articulação e à integração, porém, essa abertura encontra-se em alguns
momentos constrangida pelas normas antecedentes que se colocam diante dos profissionais,
como, nesse caso, o tempo limitado pela realização de diversas atividades e intervenções. Por
outro lado, o relato chama atenção também para a influência da postura profissional diante da
tentativa de trabalho conjunto nas relações interprofissionais que se estabelecem, retratando o
quanto as escolhas de cada profissional na atividade são determinantes das formas de
comunicação e interação.
Somente quando a situação ou a necessidade do usuário se apresenta diante de um
profissional que se vê incapaz de resolvê-la sozinho há algum tipo de comunicação no sentido
de solicitar a ajuda do outro profissional na busca de solução para a questão que se coloca.
Contudo, não é possível afirmar que em todas as situações que se encaixam na descrição
acima, os profissionais agem em equipe, assim como também é falsa, por exemplo, a
afirmativa de que nessas situações os profissionais apenas agem encaminhando o caso para
outro profissional, sem articular suas práticas ou nem mesmo interagir para solucionar a
questão. As situações enfrentadas no cotidiano do trabalho em saúde são sempre complexas,
pois envolvem diversos fatores, como os saberes, as relações de poder, o projeto intelectual
hegemônico que comanda as ações, as autonomias técnicas, os muitos atos e procedimentos
simultâneos, todos contribuindo para que se configure uma determinada forma de relação
interprofissional e são essas formas de inter-relação entre os profissionais de áreas diferentes e
até de uma mesma área que vão definir a possibilidade de produção humanizada de saúde no
caminho da integralidade da atenção recebida pelos usuários.
No enfrentamento das situações de trabalho em saúde os profissionais o configurar
alguns arranjos, em termos de relações interprofissionais, que vão ser fontes de respostas
pontuais, por se realizarem as ações de forma fragmentada e justapostas, portanto distantes da
humanização da atenção e das práticas. Enquanto isso, outros vão garantir uma atenção
altamente resolutiva e humanizada, por atuar nas diversas necessidades apresentadas, de todas
as maneiras possíveis e de forma articulada, através de processos coletivos e de uma prática
comunicativa que os permita elaborar projetos comuns.
Essa postura de procurar os profissionais de outra área apenas quando surge uma
demanda que escapa do domínio de saber do profissional, não se mostrou própria de um
grupo específico de profissionais, mas sim de todos os que atuam no serviço. Os profissionais
114
relatam diversas formas de relações interprofissionais que ocorrem nessas situações. Vamos
então nos debruçar sobre os principais relatos que podem ser trazidos para essa discussão de
forma a contribuir para a reflexão dos tipos de arranjos que se formam a depender da maneira
como os profissionais se comunicam e se relacionam diante da situação e as conseqüências
nas práticas e na atenção produzida.
Eu acho que sim,... não a gente consegue... a gente consegue interagir sim
(...) até porque é um CTI, né... paciente vai entubar...temos que interagir... ou
você interage ou interage... até pra coisa dar certo, né...então, ninguém vai
conseguir fazer uma entubação sozinho, então as equipes acabam, (...) nessa
parte, eh... da interação médico, fisio, enfermeiro, ocorre...nos momentos
de... eh... de emergência, de urgência...ocorrem (...) eu to dizendo assim... o
problema é após isso... a continuidade que seria correto... no dia a dia cada
um faz a sua assistência...se você prestar atenção, você ta fazendo o trabalho
de campo de observação... é uma coisa de emergência, quando pede assim
uma ajuda de alguma coisa, ta faltando ali naquele... você vai explicar... mas
a nível de interagir nas assistências de cada um... (E5)
Essa fala da enfermeira que trabalha na UTI retrata um pouco do que foi discutido
sobre a divisão técnica do trabalho e a cooperação entre os profissionais na UTI. Na UTI,
assim como qualquer serviço de saúde, a divisão técnica do trabalho leva a fragmentação das
ações, que ocorrem, dessa forma, isoladamente e justapostas, ou seja, no dia a dia, a atenção é
produzida através da atuação individual de cada profissional que se soma a atuação do outro
por simples justaposição. E nos momentos de emergência, apesar da enfermeira entender a
relação que ocorre como interação, na verdade, se configura mais como uma cooperação que,
segundo Peduzzi (1998), se caracteriza na realização conjunta de ações, execução de um
trabalho comum por mais de um agente, ajuda ou auxílio mútuo, ou seja, um fazer juntos. No
momento da emergência todos se juntam na realização das ações que levarão à resolução da
situação emergencial, mas logo depois que o momento passa, cada um segue seu trabalho.
Todos realizam um mesmo plano de ação, porém, não houve um acordo a respeito dos
componentes desse plano e não são todos que participam da discussão a respeito de tais
eventos nos quais a intervenção de todos foi igualmente essencial.
Apesar de haver um predomínio de momentos de cooperação durante situações de
emergência, como relatado pela profissional E5, foi possível, através das observações,
perceber momentos de troca de conhecimentos, construção de consensos, tomadas de decisão
conjuntas durante a assistência na UTI, diferentemente do que presenciamos na enfermaria.
Também observei mais de uma situação em que a demanda pela atuação em conjunto
partiu das psicólogas e/ou assistentes sociais. Em um desses casos, por exemplo, a demanda
social só seria resolvida por completo através da emissão de um laudo por parte do médico. A
115
assistente social realizou então um contato com o médico de referência do usuário, mas este
se negou a emitir o laudo, tratando a situação como se não tivesse nenhuma relação com seu
trabalho. Nesse caso, percebe-se a falta de articulação associada à falta de reconhecimento da
importância do trabalho alheio, ou seja, a demanda social que precisava ser solucionada.
Como alternativa, a profissional promoveu uma atuação em conjunto, incluindo nessa
resolução do problema o familiar do usuário que era o autor da demanda, a psicóloga e outro
médico também de referência do usuário. O profissional médico que se negou a emitir o laudo
inicialmente participou de longe da reunião, demonstrando grande descontentamento com a
situação criada. Porém, ao fim de todo o processo, as demandas do familiar e,
consequentemente, do usuário foram atendidas da melhor forma possível, através do trabalho
em equipe.
Nessa situação, o que chamou mais atenção foi a falta de reconhecimento por parte do
profissional médico de que as necessidades sociais dos usuários devem ser vistas como
responsabilidade de todos da equipe, não da assistente social e que, portanto, faz parte da
sua atuação fazer o que estiver ao seu alcance para ajudar a solucionar a demanda. O
profissional demonstrou extremo descontentamento diante da situação que se criou, de
trabalho em equipe. Essa situação mostra como pode ser difícil para um profissional sair de
sua prática cotidiana de trabalho, ou seja, romper com o que se apresenta como norma, que na
maior parte do tempo significa atuar de forma isolada e voltada apenas para suas intervenções
técnicas. Nesse caso, refletindo a partir da perspectiva ergológica, para o trabalhador a
necessidade colocada pelos outros de atuar de forma conjunta, articulada e interativa
representou um grande esforço ou uma dramática dos usos de si, que o trabalhador se
diante de uma necessidade trazida pelos outros (“uso de si pelos outros”) de atuar de uma
maneira diferente da qual deseja e está habituado (“uso de si por si mesmo”).
A falta de reconhecimento do trabalho alheio ou de conhecimento sobre o potencial
desse trabalho também podem afetar significativamente as possibilidades de atuação em
equipe, pois configuram relações interprofissionais extremamente desfavoráveis. Segundo
Tonetto e Gomes (2007), no âmbito hospitalar, um dos fatores que dificulta o trabalho em
equipe é a falta de clareza quanto às atribuições dos diferentes profissionais. Diversos
profissionais relataram nas entrevistas que suas funções e potenciais são desconhecidos pelos
outros e que isso leva, nas palavras de uma dessas profissionais, a demandas “distorcidas”.
Normalmente você é chamado quando é pepino, quando é confusão, quando
é paciente que ta... (...) problemático... né... normalmente... quando...
quando... as pessoas não tão conseguindo dar conta, né... quando alguma
coisa ta... sobrando, (...) vou dar um exemplo, né, muito recorrente aqui
116
(...) paciente não aderindo à medicação antirretroviral, né, a psicologia
vem pra você convencer o cara que ele tem que tomar a medicação (...) e eu
não vou convencer ninguém de nada... não é o meu trabalho (P1).
Essa fala faz referência às situações em que os profissionais médicos solicitam a
intervenção dos psicólogos em casos que fogem do seu controle. São casos em que os
usuários não querem aderir à medicação, ou aqueles que não querem o tratamento e ameaçam
sair do hospital sem ter alta (alta a revelia), por exemplo. Nesses casos, os profissionais
médicos reconhecem de certa forma a utilidade do trabalho do psicólogo, porém, sua demanda
é por um tipo de solução que não faz parte das atribuições da psicóloga: eles solicitam que
elas convençam o usuário de que devem tomar a medicação e permanecer no hospital para
tratamento. Essa solicitação gerada pelo desconhecimento do trabalho alheio demonstra como
às vezes a procura pela ajuda do outro profissional pode ser feita com base numa
compreensão da complementaridade dos trabalhos, que coloca o trabalho do outro
profissional, nesse caso, a psicóloga, como um instrumento do seu próprio trabalho. É uma
complementaridade instrumental, tendo em vista que o que motivou o médico a pedir sua
ajuda foi a existência de uma situação colocada como empecilho ao seu trabalho.
Esclarecendo melhor, o usuário se nega a tomar a medicação, e com isso impede o
médico de realizar seu trabalho, que envolve o diagnóstico e a terapêutica, que nesse caso é a
prescrição do medicamento. Este por sua vez, na atuação da psicóloga uma possibilidade
de garantir que o usuário tome a medicação e assim, que seu trabalho seja completo. Dessa
forma, o trabalho da psicóloga é apenas um instrumento colocado à disposição do médico
para que seu trabalho possa ser realizado. Vejo essa forma de relação interprofissional como
altamente deletéria para o trabalho em equipe, pois a princípio pode passar a impressão de que
o profissional reconhece o trabalho do outro e que, solicitando sua ajuda, está buscando uma
articulação entre as ações, o que não é real.
Esse tipo de situação presente nos serviços de saúde é utilizado pela PNH como um
exemplo de situação que demonstra a necessidade de ampliação da clínica. Problemas como
esse evidenciam a complexidade dos sujeitos que utilizam serviços de saúde e os limites da
prática clínica centrada na doença (BRASIL, 2009a).
Na continuação do mesmo relato da psicóloga, a mesma complementa:
Mas é assim mesmo... não acho que seja... seja... seja errado... toda a
instituição é assim, não falando que aqui é diferente, né... todos os outros
hospitais vão ser assim (P1).
De certa forma, a psicóloga (P1) está certa quando afirma que em todo hospital
isso ocorre da mesma forma, pois é realmente algo presente nos diferentes ambientes
117
hospitalares, porém, quando diz que não acha errado que o médico não perceba que seu papel
não é esse, ela simplesmente reitera a relação interprofissional instrumental que se deu nessa
solicitação do médico, garantindo sua reprodução. Outra colocação que deve ser feita é que ao
afirmar que isso é assim, que ocorre em qualquer hospital, a psicóloga insere na fala uma
característica de imutabilidade ao que se apresenta, ou seja, em todo hospital é assim e não
tem como mudar. No entanto, como bem nos coloca Merhy (2007b), na micropolítica do
processo de trabalho não impotência, pelo contrário, sempre abertura para o novo a
partir da presença do trabalho vivo em ato. E a possibilidade de recriação está nos momentos
em que se abrem fissuras no que está instituído ou nas situações em que a lógica da produção
e seu sentido são questionados.
A mesma profissional acrescenta ainda a idéia de que a demanda considerada
distorcida, como ela mesma afirma, na qual há um desconhecimento da forma de atuação e do
tipo de intervenção realizada pelo profissional solicitado, pode se transformar em uma
oportunidade de trabalho em equipe, em abertura ao diálogo, a troca de conhecimentos e
saberes de áreas distintas. Basta que o profissional solicitado perceba essa oportunidade e a
transforme nessa direção.
Também acho que é legal... poder dizer pro médico... “olha, eu vou
conversar com ele, vou tentar entender porque ele não tomando a
medicação, mas eu não acho que... mas eu não acho que, né? acho que não é
pela via do convencimento, né”(...) conversar com o médico sobre isso...
como que é a nossa direção, né? (P1)
No entanto, como é possível perceber, a forma de relação interprofissional em que o
trabalho do outro é visto como mero recurso do trabalho alheio esteve presente em diversas
situações observadas e nas falas dos profissionais.
Eu acho que até que é considerado assim... importante a nossa função,
dependendo dos casos, a gente acaba dando um direcionamento pro
paciente assim... de alta crítica. Como é o caso de alguns (...) tem uns
quatro... o cara ta bom pra ir embora mas a família não tem como levar ele...
ele não tem pra onde ir... isso o médico cobra... não é que cobra,
direciona pra gente resolver, e quando a gente resolve, a gente vê ‘pô, legal,
conseguiu resolver’, o serviço social resolveu, já foi embora, aí eu acho que
eles reconhecem... (...) é... nessas situações... quando aparecem os
problemas crônicos que não têm como resolver, e a gente consegue dar um
direcionamento, eles... eu acho que eles reconhecem sim (AS2).
Na fala da assistente social AS2, mais uma vez aparece o reconhecimento da
necessidade da atuação do outro somente nos casos complicados, que fogem ao âmbito da
medicina e encontra-se camuflada novamente a complementaridade instrumental, pois o
médico apenas reconhece o trabalho da assistente social porque ele serve de recurso a
118
finalização do seu próprio trabalho, que se por meio da alta. Sem a resolução do problema
social apresentado pelo usuário, o mesmo não pode receber alta e o trabalho médico não é
concluído.
Como foi discutido anteriormente na fala da psicóloga (P1), quando o profissional de
saúde reitera a complementaridade instrumental que se em determinadas situações de
trabalho no hospital, o que se pode perceber é que esse tipo de relação interprofissional se
reproduz nas práticas de todos os profissionais, como se percebe na fala da fisioterapeuta que
se segue:
Assim, por exemplo, é importante uma paciente, (...) é uma paciente já
restrita ao leito há muito tempo, cadeirante, só movimenta os braços, é
importante que ela sente algum período do dia. Então quando eu não consigo
sentá-la, ou porque ela acabou de fazer o curativo nas escaras, ta doendo...eu
sempre peço a equipe de enfermagem, por exemplo, depois do almoço, então
na hora do almoço, senta ela, ela come sentada...então sempre tem essa,
assim... eu peço e eles fazem, na medida do possível, às vezes não tem
cadeira... mas eu sempre sou atendida. é a continuidade do tratamento,
porque é importante pra ela sentar um período do dia,né?!” “ou então, eu
verifico depois a temperatura, ‘ah, paciente ta com 37,7, eu acho que ta
subindo, daqui a dez minutos, verifica se vai fazer febre mesmo!’.” “Às
vezes eu deixo paciente na varanda, e falo..., não tem condição de voltar
andando, precisa da cadeira, alguma coisa, eu ‘olha, deixei ali, daqui a
vinte minutos dá uma passadinha lá, leva ele pro quarto...’ Nunca tive
problema (F4)
.
Ela reproduz na sua relação com o profissional de enfermagem a mesma relação
existente entre o médico e enfermeiro, uma relação de comando/execução, como nos coloca
Oliveira e Collet (2000), e isso ocorre porque está apenas reproduzindo a racionalidade
biomédica que encontra-se atravessando todas as práticas de produção de saúde.
A centralidade da figura do médico também é uma questão que foi expressa na fala de
todos os profissionais, em diversos momentos, ao tratar dos mais diversos assuntos. Quando o
assunto é o reconhecimento do trabalho do profissional pelos de outras áreas, por exemplo,
praticamente todos os profissionais não-médicos responderam o que percebem em relação aos
médicos. Ou seja, quando pedimos para falar sobre como acha que seu trabalho é visto pelos
outros profissionais, se há reconhecimento da importância, quase todos transformam/traduzem
mentalmente “outros profissionais” em médicos. Os profissionais que dizem se sentir
reconhecidos pelos médicos, exemplificam com situações que demonstram a necessidade do
médico pelo seu serviço, então, ser solicitado pelo médico é o que faz com que eles se sintam
reconhecidos e quando são questionados sobre os outros profissionais, a maioria afirma que se
sente reconhecida, porém, o reconhecimento é percebido quando os demais profissionais
atendem às suas solicitações.
119
Eu me sinto reconhecida sim porque às vezes, entra um paciente, a gente
avalia e não tem indicação... ao longo da internação ele apresenta alguma
coisa, complica alguma coisa, desestabiliza, aí o médico pede pra gente ir até
lá, ah, uma olhadinha, olha apresentou isso, reavalia e tal’. A gente vai,
às vezes indica, às vezes não indica e depois um retorno pro médico, mas
normalmente eles,... (...) E normalmente os médicos, eles, eles até falam,
‘ah, ele melhorou realmente nessa parte, que bom, daqui a pouco ele ta de
alta’ (F4).
Ah, reconhecem...é, porque tem paciente...(...) um outro paciente nosso...(...)
tava com um medicamento injetável, em um braço ela teve uma fístula e no
outro braço (...) o único medicamento injetável pra passar era esse, pedi (...)
se podia passar pra via oral, fomos lá... eles passaram... não teve
resistência, mas normalmente quando tem uma resistência, não é uma
resistência, ‘ah, tem que fazer... tem que fazer’ (...) ‘não (...), deixa porque é
melhor assim, assim, assado, eh... tá crescendo isso, isso, isso no hemograma
dela...(...) então vamos deixar via oral’ (E4)
.
Os profissionais relatam algumas situações em que demandam a ajuda de outros
profissionais e em que são demandados para ajudar a solucionar alguma situação. Como
vimos, nesses casos, existe a complementaridade das ações e uma certa percepção da
interdependência, porém, alguns tipos de relações vivenciadas, até mesmo com boas
intenções, como é o caso da fisioterapeuta F4, que fala da sua relação com a enfermagem,
podemos perceber que há um falso reconhecimento e utilização do outro como recurso do seu
trabalho.
De todos os profissionais, os únicos que de alguma forma relataram a falta de
reconhecimento, foram as psicólogas. Estas percebem uma ambiguidade de relações, que na
verdade ocorre em função desse falso reconhecimento, que faz com que o profissional em
alguns momentos se sinta valorizado, quando é solicitado para ajudar no caso, principalmente
se a solicitação parte do médico, como vimos, mas nos momentos que se seguem, no dia a
dia, ele se sente esquecido. Percebem que uma demanda institucional pelo seu trabalho, o
que, na opinião das profissionais, mostra que o trabalho tem sua importância.
Eles demandam... (...) normalmente é... não, quando tem uma situação em
que o paciente ta deprimido, né... alguma situação.(...). eu não acho que é
assim... é quando tem alguma coisa que eles não conseguem resolver...
(...) não acho que não tem reconhecimento nenhum, assim... tem porque
há ...existe uma demanda institucional (P1).
Eu acho assim... existe uma solicitação, existe um olhar pro nosso trabalho...
dos outros profissionais... um olhar favorável pra psicologia, agora
também... é meio que ... é ambíguo... a sensação que eu tenho é que é
ambíguo... existe esse olhar favorável, mas existe também às vezes eh... ou
um afastamento... ta... é favorável, mas se eu não tivesse me pronunciado
ali... a própria rotina ela não facilitaria isso, ele ia embora, e... e... nem tinha
visto... ela nem ia olhar na evolução do psicólogo... se tava com alguma
120
coisa ou não... é interessante assim da gente olhar, né... pra isso assim... eu
acho que tem um movimento favorável, mas tem um movimento também
assim de esquecimento... (P2)
No último trecho da fala da psicóloga P2, ela faz menção a uma situação que tinha
acabado de acontecer na minha presença e que merece atenção. A psicóloga estava na sala de
prescrição terminando a evolução de um usuário, enquanto isso os profissionais médicos
conversavam a respeito desse mesmo usuário. Então, a psicóloga perguntou se eles
pretendiam dar alta a ele logo e foi quando responderam que sim. Nesse momento a psicóloga
resolveu expor aos médicos que talvez não fosse o melhor momento para a alta do usuário,
pois em consulta psicológica o mesmo revelou que tinha a intenção de aproveitar a alta para
cometer suicídio. Na mesma hora, o profissional médico de referência desse usuário afirmou
que ele então não teria mais alta. A psicóloga seguiu explicando o caso e teve toda a atenção
dos médicos e ao final da conversa ficou combinado entre eles que o usuário ficaria pelo
menos mais uma semana internado para se tentar solucionar o problema.
Essa situação tem diferentes pontos a serem analisados. Primeiro, é uma situação em
que houve uma articulação entre os trabalhos dos profissionais, pois os mesmos trocaram
ideias, discutiram o caso e decidiram em conjunto o melhor para o usuário. O médico
modifica seu planejamento em decorrência da troca que efetuou com a psicóloga. A
comunicação se estabelece de forma aberta e proporciona que haja uma tomada de decisão em
conjunto, houve uma interação entre os profissionais, pois estes traçaram coletivamente nos
consensos de que forma iriam responder aquele problema.
Houve também o reconhecimento da importância do trabalho da psicóloga por parte
dos médicos, mas ao mesmo tempo, como percebe a psicóloga na sua fala, um
esquecimento. Na verdade, o que pude constatar nas entrevistas e observações é que a
situação de alta é um ponto às vezes crítico e serve como um retrato final da centralidade do
médico no hospital. No momento da alta é possível haver o esquecimento de todos os
profissionais que estiveram envolvidos na produção do cuidado àquele usuário.
Geralmente o médico fala ou então a gente vê um comentário, ouve o
comentário entre eles lá, ‘fulano de alta’, a gente vai e tenta dar alta,
mas eles também falam pra gente, ‘oh, vou dar alta pro paciente tal’, tem
umas que não é problemática pra eles, a gente fica sabendo depois (risos)
(...) quando o paciente é mais problemático social eles vão e falam, ‘oh,
fulano vai ter alta’. Tem casos que nem avisa, a gente sabe depois que o cara
ta indo de alta (AS2)
.
Isso ocorre porque a alta é uma atribuição somente do profissional médico, que em
alguns momentos, como vimos anteriormente, pode até precisar da ajuda de outro
121
profissional, de forma instrumental, para que a alta possa ocorrer. Nesses casos, outro
profissional é comunicado e participa do processo de alta junto ao médico, mas no restante, há
um esquecimento e desconhecimento por parte dos outros profissionais de que o evento da
alta irá ocorrer. Sendo assim, na maioria dos relatos sobre as relações interprofissionais, os
profissionais evidenciaram a frustração diante do desconhecimento do momento de alta dos
usuários. São enfermeiras, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogas e, às vezes, assistentes
sociais que participaram ativamente de todo o atendimento e construção da atenção à saúde do
usuário, mas que são colocadas a parte nesse momento. Por isso digo que esse momento é um
retrato final da centralidade do médico no hospital. É final, porque é o último momento da
produção de saúde no hospital e é um retrato do caráter periférico atribuído às outras
profissões e da relação instrumental que esse caráter quase sempre possibilita. Se o médico
precisa de outro profissional para concluir o processo de alta do usuário, a comunicação, a
solicitação da sua atuação sobre o caso, mas se não houver necessidade nenhuma, não
comunicação e tudo corre “normalmente”.
Essa foi a situação dentro das relações interprofissionais que se mostrou mais
incômoda para todos os profissionais, gerando frustração, indignação, pois nesse momento os
outros profissionais sentem que o reconhecimento de sua importância é parcial, a depender da
situação e o caráter instrumental da troca, antes mascarado, se faz visível por um instante.
As psicólogas atentam para a importância de se construir esse reconhecimento, ou
seja, enxergam como responsabilidade de cada um, demonstrar seu papel, sua importância no
serviço por algum meio que permita que seu trabalho seja compreendido e assim, valorizado
pelos outros profissionais.
Reconhecimento a gente também constrói, né... (...) eu acho que a gente tem
uma (...) responsabilidade também eh... pelo que não é...valorizado, né...
talvez porque a gente ainda não encontrou eh... locais pra gente afirmar, né...
a própria instituição não dá também, por um lado e a gente ainda não
encontrou o lugar pra gente poder afirmar o que a gente produz, não acho
que é muito valorizado, é... (P1)
Acontece no trabalho...é algumas vezes... ‘vai psicóloga, vai porque
você vai convencer ele a fazer isso...’ gente, eu o vou convencer
ninguém... a solicitação vem assim, entendeu? ou então, ‘não agüento mais
esse paciente, vai melhorar o humor dele’ ...é parece que é mágica, plim,
pozinho de pirlimpimpim...é... mas aí acho que também cabe a gente ir
explicando, esclarecendo, buscando... se aproximando da equipe e aí... e
marcando a nossa função...nosso espaço ali (...) então isso também volta
praquela questão da ambigüidade, ? eles sabem... sabem e até eh...querem
compartilhar
muita coisa com a gente, mas os pedidos são enviesados
também sabe... não, peraí, não é isso que eu vou fazer, mas é isso...’ (...) às
122
vezes até utilizam palavras, jargões da própria psicologia, quando vem
conversar com a gente...é... (P2)
Outro aspecto que se relaciona estreitamente ao esquecimento referido acima e que
abre um caminho a mais na discussão das relações interprofissionais existentes no serviço de
internação é o uso que os profissionais fazem do prontuário compartilhado. O prontuário
único para todos os profissionais, como colocam Colomé, Lima e Davis (2008) permite que
todos tenham uma visão mais abrangente do histórico e do estado de saúde dos usuários, e,
assim, complementem os demais trabalhos. O prontuário na internação contém todas as
informações sobre todos os processos de trabalho de cada profissional que foi realizado para
se produzir a atenção à saúde do usuário, ainda que de forma compartimentalizada. Existem
muitos profissionais que fazem uso do prontuário não somente observando a parte
correspondente à sua profissão, mas também consultam a de outros profissionais, a fim de
complementar sua prática.
Muitos têm como rotina a leitura de alguns pontos da parte médica do prontuário,
como partes da anamnese, o diagnóstico provável, um pouco da história pregressa, a própria
evolução médica, por entenderem que a partir daquelas informações é possível ter uma noção
do estado geral do usuário. A consulta a partes do prontuário de outras áreas profissionais foi
pouco citada. Todos os profissionais relataram que preferem entrar em contato pessoalmente
com o profissional em questão quando surge alguma dúvida e que, geralmente, procuram
responder sua dúvida através do prontuário se esse contato for dificultado por algum motivo.
Porém, alguns relatam não haver muitas vezes o hábito de olhar no prontuário o que está
sendo feito pelos outros profissionais, e os profissionais que desenvolvem esse hábito, se
perguntam se o mesmo ocorre com outros e até se espantam no dia a dia ao perceber que
outro profissional consultou sua evolução, por exemplo.
É quando tem alguma coisa, mas acho que quase ninguém deve olhar a parte
dos outros, eu não olho...assim...é raro... assim... eu olho às vezes o médico,
nem da psicologia, eu deveria olhar mais, mas não olho... assim... a gente
fica na maior correria também (...) de vez em quando eu olho (...) mais a
parte (...) quando interna assim... a gente olha (...) a parte médica, o que que
tava tendo? (...) não costumo olhar muito as outras não... a gente fica mais
presa na nossa parte, (...) nem sei se eles olham também a nossa parte... eu
acho que... não costumam olhar não (AS2).
Sempre a evolução médica, depois a evolução do colega fisioterapeuta
anterior e depois a gente vai (...) os sinais vitais quando têm e vou pra
assistência, vou atender os pacientes (F3).
Se tiver paciente novo eu vou no prontuário dou uma olhada, né, o porquê da
indicação, a nossa avaliação e uma olhada geral mesmo da causa da
internação (F4).
123
Eu costumo olhar de uma forma geral a evolução médica, pra ver como o
paciente ta... vejo muito o serviço social. (...) vai depender muito das coisas
que ficaram na minha cabeça, assim, do atendimento passado (P1).
Eu prefiro olhar muito (...) os exames de admissão, exame físico, anamnese e
evolução da nutrição... porque me interessa saber diversos aspectos do
estado nutricional do paciente. Olho a prescrição da nutrição também, as
dietas (...) olho sempre a admissão da fisioterapia, por causa da capacidade,
da performance funcional, é um dado que eu coleto pro meu banco de dados
e costumo olhar no paciente de ventilação mecânica, eh... como eram os
parâmetros anteriores (...) em relação a enfermagem, eu gosto de olhar muito
a folha de sinais vitais, eles concentram muita coisa ali... as evoluções, da
enfermagem (...) eles são obrigados a escrever muitas coisas do cuidado que
é muito mais pro colega, né... em relação ao aspecto do curativo, alguma
lesão de pele, etc e isso realmente eu confesso que olho menos... e não olho a
evolução do serviço social... não tenho costume... porque eu costumo
conversar muito com elas, então... embora eu não olhe a evolução no
prontuário, eh... (...) elas tão sempre passando as situações dos pacientes
(M4).
No caso que discutimos anteriormente, a psicóloga consegue impedir a alta precoce do
usuário porque através da comunicação com os médicos, pergunta sobre a previsão de alta. E
a questão se resolve, mas em sua fala, ela chama atenção para o fato de que se não estivesse
ali naquele momento, nada poderia ser feito pelo usuário, pois os profissionais médicos não
iriam olhar sua evolução e nunca saberia da situação impeditiva para alta do usuário. Dessa
forma, como cada profissional, e aqui me refiro a todas as áreas, entende que para sua prática
diária somente a leitura da parte do prontuário que lhe corresponde é suficiente, a
fragmentação encontra espaço e cria-se um tipo de relação interprofissional de isolamento,
que repercute de forma importante na atenção ao usuário.
Quando o profissional médico não consegue perceber ou reconhecer a relevância da
questão colocada a partir do trabalho do outro profissional, esse, que é um trabalho periférico
ao do médico, passa a ser visto não mais como complementar ao seu trabalho, mas sim como
mero acessório e, portanto, desnecessário. Dessa forma, a diferença técnica dos trabalhos se
transforma em desigualdade hierárquica, ou seja, uma relação de superior/inferior, em que o
médico é o único detentor do poder de decisão. Isso é visível em diversos relatos que tratam
dessa forma de relação interprofissional em situações diversas.
Por exemplo, questão de alta, às vezes eles dão previsão de alta, igual
aconteceu na sexta passada, fulano. A médica residente falou assim... ‘ah, eu
acho que você tem que dar alta pro fulano segunda-feira’, eu falei assim,
‘tá, então eu vou ver porque tem um atendimento num outro hospital’. (...)
na própria segunda ele teria esse atendimento, já tava agendado, então já que
ele ia ter... previsão de alta, eu falei com ele, a gente marca o carro pra
levar ele lá, se ele tiver alta de lá ele vai embora... senão ele voltaria.
Contatei com a família, agendei o carro, que na sexta eu não estava aqui,
124
mas a beltrana (assistente social) me liga dizendo que ele estava de alta,
porque o médico staff dele resolveu dar alta pra ele naquela sexta. Ele
também não ia dizer pra ele... ‘pô, eu tinha combinado com a assistente
social que ele ia na segunda’, pra ele não faz muita diferença... aí ele deu alta
na sexta mesmo, teve que... cancelou o carro pra ele ir e a família teve
que vir buscar ele na sexta, assim (...) eu não sei se ele foi lá naquela
consulta (...) eu relatei tudo que foi falado, ela viu que não era... que era
segunda, ela foi falar com o médico, o médico ‘não a gente resolveu dar alta
hoje’, aí então tudo que eu fiz morreu (AS2).
Tanto na enfermaria quanto no CTI... às vezes eu percebo que o médico...por
ser o cabeça da equipe, né?! Quem define, eh... por exemplo se vai entubar
ou não... num primeiro momento é ele, em segundo... logo em seguida é o
fisioterapeuta... ‘não, olha só... sim ou não?’, muitas vezes o fisioterapeuta
vai dizer que sim, né, mas quem acaba definindo o principal é ele (N2).
Conversava com a equipe, conversava com médico, (...) conversei com
fulano sobre avaliação psiquiátrica, conversei com beltrano, conversei com a
fisioterapeuta., (...) mas nesse momento de troca, né, não garante que todas
as sugestões vão estar sendo atendidas, você tem que ter um extremo
cuidado de nesse momento você não se colocar de uma forma de
apoderamento... o que eu quero dizer? Você tem que tá trazendo aquela
questão sutilmente... uma percepção tua você tem que ver se o outro também
está percebendo e como que o outro tá percebendo...porque você pode
equivocada... o que faz com que o outro muitas vezes eh...dê a entender que
a decisão é dele... tipo... ‘o que você acha? você tem percebido isso?’ Aí vão
ter médicos que vão falar assim, ‘é eu estava pensando em solicitar a
avaliação da psiquiatria... eu já estava mesmo fazendo isso’, outros vão dizer
‘não! Deixa, enquanto ele está ali, é porque ele aqui na UTI, quando ele
sair da UTI e for pra enfermaria ele vai melhorar, então por enquanto eu não
vou pedir parecer’. Eu acho que é muito importante a forma que a gente
aborda nesse momento da interconsulta, você não (...) no sentido de eu acho
que é isso que tem que ser feito, mas num objetivo de ter troca... ‘o que você
acha?’. Você não impondo nada, não invadindo a decisão... você (...)
querendo trocar...e que muitas vezes o outro pode ta com uma impressão e
realmente pode ser porque ele ta no CTI...você tem que aberto... a sua
posição ser uma posição de reflexão... que ela possa também ser
questionada...você tem que ter (...) uma maturidade (...) eu também naquele
momento tenho que tá refletindo sobre a minha posição, que eu posso
também estar equivocada, né... onde o outro pode trazendo uma coisa que
eu não tinha percebido (P3).
Essa última fala chama nossa atenção para outro fato. Quando analisamos a
posição da psicóloga, para além da questão da subordinação hierárquica, apesar de ter sua
autonomia técnica e, por isso, ter poder de decisão sobre as intervenções técnicas que são de
sua área, a psicóloga demonstra claramente uma abertura ao caráter interdependente dos
trabalhos na saúde, ao escolher tomar a decisão integrando contribuições do julgamento de
outro profissional e decidir em colaboração sobre a melhor conduta. Uma postura que foge à
racionalidade predominante e que caminha na direção de um saber/fazer com, porém, que
encontra como empecilho a própria racionalidade biomédica por trás da subordinação
125
hierárquica ao saber/fazer médico. E como o profissional médico nas suas escolhas não
compartilhou dessa mesma postura no encontro com a psicóloga, essa forma de se posicionar
no encontro com o médico acabou funcionando como uma maneira de reiterar a subordinação.
Bonaldi et al (2007) lembram que pensar e viver a integralidade significa romper com
valores tradicionais historicamente demarcados na área da saúde, como: hierarquia;
distribuição de categorias profissionais; compartimentalização de saber/fazer nessas
categorias, que consideramos que atuam como normas antecedentes na atividade dos
profissionais. A integralidade, pois, remete a superação das fragmentações e cisões existentes
no cotidiano através da construção de um saber/fazer comum, ou um fazer com. Não se trata,
porém de equiparar os diferentes saberes e fazeres, mas integrá-los. Deve se basear no
reconhecimento de que cada área profissional tem limitações, ou zonas de incultura e que a
presença de profissionais de diferentes áreas em um mesmo serviço podem contribuir para
reduzir essas limitações.
Deslandes e Mitre (2009) destacam a proposta habermasiana do agir comunicativo
como estreitamente associada a diversos princípios da humanização. Consideram que o uso
das tecnologias comunicacionais não apenas possibilita alcançar determinado fim, como o
diagnóstico ou a adesão a certo tratamento, mas também pode fortalecer e ajudar a instituir
novos parâmetros para a produção de cuidados através de uma racionalidade comunicativa, e
não instrumental, colocada em ação desde o planejamento até a realização propriamente dita
do cuidado. Nesse caso, o desafio que se impõe aos profissionais, segundo as autoras, é o de
reconhecimento, aprendizagem e negociação que se com relação a um outro profissional
que não é um espelho, e sim, ao mesmo tempo, um indivíduo, detentor de direitos; sujeito,
detentor de autonomia para fazer escolhas e pessoa, detentor de um estoque cultural que
define sua identidade de referência no grupo social a que pertence.
Diante das situações apontadas acima com relação às formas de comunicação que vêm
ocorrendo no serviço estudado é preciso refletir, pois que a humanização da atenção,
conforme os princípios da PNH, pressupõe a transversalidade, que diz respeito à
transformação dos modos de relação e comunicação. O princípio da transversalidade vem
propor o diálogo entre as fronteiras do saber e poder, através da reinvenção permanente e
cooperativa das linhas dessas fronteiras, criando novos modos de produzir saúde e, portanto,
novos sujeitos. Exige a inclusão dos diferentes atores, contextos e coletivos, considerando
suas conexões possíveis que indicam caminhos para uma saúde que defenda o valor da vida
(PEDROSO; VIEIRA, 2009).
126
A humanização implica na construção de trocas solidárias e comprometidas não
apenas com a produção de saúde, mas também com a produção de sujeitos. Dessa forma, a
transversalidade vem propor justamente que as trocas comunicativas entre os profissionais
não ocorram a partir de um esquema bilateral de emissão-recepção de informação, mas como
uma dinâmica multivetorizada, em rede. Diz respeito à possibilidade de conexão e/ou
confronto, dentro dos grupos e entre eles, com um grau de abertura a alteridade, que se refere
à “experiência internalizada da existência do outro, não como um objeto, mas como outro
sujeito co-presente no mundo das relações intersubjetivas” (BRASIL, 2008, p. 51). Dessa
forma, a comunicação meramente instrumental não permite a transversalidade, caracterizando
um tipo de troca entre os atores que caminha na direção contrária à da humanização.
Apesar de toda a constatação, que é possível a partir desses resultados, de que a
fragmentação do trabalho em saúde se faz presente, perpassando todo o serviço, percebe-se
em meio a divisão, momentos de atuação conjunta, como alguns citados nesse texto e
alguns momentos com potencial para o trabalho em equipe que merecem destaque: as
reuniões de equipe.
4.2 Reuniões de equipe: trabalho em equipe em construção à
espera pelos sujeitos da mudança
Essa pesquisa inicialmente tinha como objetivo analisar as relações interprofissionais
que ocorrem em situações de reuniões de equipe, em especial, as reuniões multiprofissionais –
isto é, estas reuniões iriam se constituir em lócus privilegiado de investigação do trabalho em
equipe. Antes do início da pesquisa, porém, fomos informados da interrupção dessas reuniões
antes existentes no serviço. Durante a elaboração do projeto, sua apresentação ao Comide
Ética em Pesquisa, a etapa de qualificação, e ano exato momento da entrada no campo
decidimos manter incluso nos objetivos esse foco, sendo não mais o foco único, mas em
caráter complementar, tendo em vista que ao analisar o trabalho em equipe na internação
como um todo, os processos de trabalho ali realizados, se estas reuniões voltassem a
acontecer, como pessoalmente desejávamos que ocorresse, nós poderíamos tomá-las como
parte do nosso objeto de estudo.
E para nossa surpresa, no terceiro dia de entrada no campo, quando ainda buscava
me apresentar e apresentar a pesquisa aos profissionais, tive a oportunidade de participar de
127
uma dessas reuniões de equipe e descobri que estas ocorriam com certa regularidade na UTI,
o que abriu novamente nosso olhar para essa situação específica de atuação conjunta.
Durante minha presença no campo, diversas vezes o assunto do retorno das reuniões
na internação, dos médicos e as multiprofissionais, se fez presente, tanto por parte da direção,
que parecia se recordar de sua necessidade diante da minha presença e se incomodar pelo fato
de não mais existirem, como se pudessem representar uma falha do serviço, como por parte
dos profissionais. Nesse último caso, houve dois tipos de reflexos da minha presença: um,
sobre os profissionais médicos, que compartilhavam, em parte, da mesma preocupação da
direção, de que era inaceitável e um sinal de falha no serviço que não se realizassem mais as
reuniões; outro sobre os demais profissionais, em especial as psicólogas, que viram na minha
pesquisa uma porta que se abre para a discussão do trabalho em equipe no serviço de
internação e para o retorno de reuniões de equipe multiprofissionais.
As reuniões de equipe realizadas na UTI são fruto da iniciativa de um dos médicos
intensivistas. Elas ocorrem de maneira mais formalizada nos dias em que esse profissional se
encontra, sempre no período da manhã, tem seu início logo após o término das intervenções
de todos os profissionais nos usuários e pouco antes do horário das visitas familiares, que
ocorrem das 11 às 12h. É uma reunião praticamente formalizada entre alguns profissionais,
em especial, os médicos (intensivista e residente), os enfermeiros, nutricionistas e
fisioterapeutas, porém, quase desconhecida por parte de outros, como as psicólogas e
assistentes sociais. É quase desconhecida, porque apesar de alguns demonstrarem nem ter
conhecimento dessas reuniões, outros relataram ter participado pelo menos alguma vez,
porém, sem uma convocação por parte do profissional médico ou dos profissionais que
participam, e sim por estarem presentes na UTI no momento em que se deu início a reunião,
optando por ficarem ali mesmo sem terem sido requisitadas. Também é importante ressaltar o
que está por trás do conteúdo da fala da psicóloga (P2).
No CTI eu participei uma vez, por acaso, que eu fui e vi, fiquei um
pouco... (AS1)
É mais passando o caso (...) não chamam ninguém, passam os casos entre
eles lá (AS2).
Quando o fulano está (...) faz o round, que (...) fala de todos os pacientes,
interessante... chama o serviço social... é uma outra visão... são dois médicos
diferentes dentro do mesmo, da mesma clínica, do mesmo CTIzinho... fulano
faz o round, (...) chama a nutricionista, ela chama a gente, os enfermeiros,
plantonista, diarista, o residente e a fisioterapia... cada um fala a parte clínica
desse paciente voltado pra sua assistência (E5).
128
Você falando que é no final da manhã, que ta acontecendo (...) eu
passei, vi os pacientes, não to mais no CTI...eles não vieram pra
chamar...eu acho eu não é rotina, deve ter também alguma coisa de (...)
como se não modificasse muito (...) a gente aqui, ‘não modifica muito o
que a gente vai traçar aqui’, mas é um CTI, né... o paciente em coma, o
que psicólogo vai falar?’ Tem uma família...né, e às vezes a gente tem essa
ideia de que psicólogo vai atender paciente no CTI se ele tiver consciente...
porque paciente consciente no CTI normalmente incomoda, (...) na hora que
o paciente começa a reclamar demais (...)vambora, chama psicólogo que
na hora de ir pra enfermaria’ , mas eu acho assim, se eu tiver passando por lá
e tiver um paciente e eu ficar, eles também não vão me mandar embora (P2).
Há pelo menos três pontos: o desconhecimento por parte da psicóloga quanto à
existência do round e quando questionada do porquê, ela por um momento quis acreditar que
é porque aquela reunião não é rotina, mas logo depois ela fala do segundo ponto que tenho a
colocar, a falta de reconhecimento da importância de seu trabalho naquele setor. Somente há o
reconhecimento da necessidade do seu trabalho quando é preciso acalmar o usuário que passa
a ter consciência, e portanto passa a demandar dos profissionais do setor um tipo de atenção
ao qual não estão habituados e que por isso, é logo encaminhado ao outro setor ou
responsável. O terceiro ponto está no fim da fala, quando ela diz que se ela ficar, eles não a
mandam embora. Na verdade, ao invés de haver a aceitação do saber do outro como legítimo
e complementar e assim um caminho aberto na direção do trabalho em equipe, o que ocorre
nessas situações é a tolerância dos profissionais médicos em relação aos outros profissionais,
que não leva à integração e humanização.
A reunião se assemelha a uma passagem de plantão, em que as condutas a serem
realizadas a partir daquele momento são colocadas em pauta, revistas, discutidas e definidas
em sua maior parte em conjunto, com a solicitação da participação de todos. Funciona
também como um checklist do que está sendo feito, de como o usuário evoluiu e do que será
feito. É realizada em torno de um programa de computador que busca a qualidade na UTI
através da conformação de um banco de dados alimentado pelas informações obtidas durante
a reunião. Então é o preenchimento desse banco de dados que guia a discussão, sob a
coordenação do profissional médico, com abertura para a intervenção dos demais
profissionais a qualquer momento.
Porém, funciona da seguinte maneira, o profissional médico, inicia a reunião
apresentando o caso clínico de determinado usuário ou passando a apresentação para o
comando do residente. Todos os usuários são discutidos, um a um, na ordem numérica de seus
leitos. Os aspectos clínicos são apresentados para todos os presentes, se restringindo apenas
em alguns momentos mais específicos, em que a discussão se aprofunda no aspecto do
129
diagnóstico ou de medicamentos, aos profissionais médicos. A discussão é guiada pelo
médico que é o centro da reunião e responsável por todas as decisões finais, porém, uma
abertura para que os outros profissionais exponham suas diferentes opiniões, sugestões,
colocações, dúvidas, questionamentos, que serão analisados pelo médico e utilizados para a
tomada da decisão.
É um protocolo, que participa o médico, o staff e residente, enfermeiro, o...
às vezes assistente social, eh... nutricionista... Geralmente, é, quando você vê
(...) quando terminando, o médico termina de imprimir as prescrições, a
gente apraza (...) sempre eu, enfermeira ou a outra enfermeira, né... a gente
apraza... começa o round. (...) Eu acho que aqui é um (...) é uma equipe
em que todos tem liberdade (...) dão essa liberdade pra...pra todo mundo
assim... se tiver que falar alguma coisa... dar uma opinião...não tem
problema não (E2).
Eu participei do round da UTI, foi num momento que eu estava
acompanhando né, esse paciente que estava na UTI, esses rounds a princípio
eram quartas e sextas... na quarta eh... num dia de manhã que eu tava
fazendo um grupo com os pacientes e na sexta de manhã é o dia que nós
temos reunião de equipe, então são fatores que dificultavam a nossa presença
nesses rounds, mas o dia que eu participei, que foi um dia que não houve
reunião então eu consegui subir pro round, foi muito interessante, porque a
equipe é menor, né... tinham dois enfermeiros, um técnico, um médico, a
fisioterapeuta, nutricionista e eu pude participar (...) e às vezes o serviço
social, então houve uma integração muito boa, (...) o médico que tava
conduzindo esse round e era abordado assim as dificuldades... ‘oh, o
paciente não urinando, o que a gente pode fazer? Vamo botar sonda?’
Então, alternativas...a gente se colocava também (...) todos se colocavam...
todos... bem à vontade (...) quando havia um comentário havia uma escuta
desses comentários e assim uma atenção a esses comentários... uma
reflexão... muito bom, muito bom... (P3)
Eu espero que comigo eles se sintam à vontade, porque eles têm bastante
liberdade pra falar comigo o que quiserem... (M4)
Aqui a gente tem um guia, um guia... tipo um formulário do hospital (...)
geralmente ali a gente discute as dúvidas e (...) ele sempre questiona (...), pra
mim assim é super bom... porque é muito difícil tipo assim, da maneira que
ele solicita as nossas opiniões (...) eu acho que tem um profissional ou outro
que fica muito tímido, não sei... não que...o médico intimide, ele é ótimo (...)
é pessoal, acho que sim... não pela maneira como é conduzido não (F1).
A participação dos outros profissionais é dada como importante para o médico que
coordena e a postura do profissional médico que a conduz é favorável, porém, são raros os
momentos de intervenção espontânea por parte dos outros profissionais. Elas ocorrem, mas
são raras, ficando restrita a participação destes a partir da demanda por informações por parte
do médico. Assim, o médico se utiliza das opiniões no momento de tomar as decisões, mas
essas decisões não são tomadas através de construção de consensos, como poderia parecer.
130
À profissional de enfermagem são passadas algumas tarefas a serem cumpridas
naquele dia, numa forma de relação comando-execução, em que o médico diz o que deve ser
feito e a enfermeira anota as tarefas a serem executadas posteriormente, assim como descreve
Oliveira e Collet (2000). Porém, a participação da enfermagem não se restringe à simples
anotação das tarefas, pois há uma participação ativa.
Aqui, a enfermeira às vezes fala, dá palpite, ela já sabe que tem esse objetivo
de checar, que eu vou checar se tem profilaxia, (...) ela já me fala, ‘olha, ta
faltando isso’ (...) então eu já percebi uma interação até melhor, entendeu?
(M5)
Também são tomadas decisões quanto às ações dos outros profissionais da seguinte
forma: as questões são colocadas para discussão pelo médico, os profissionais se manifestam
a favor ou não de determinada conduta ou alteração de conduta, a sua colocação é ouvida,
mas quem toma a decisão, da mesma forma, acaba sendo o profissional médico, que pode ser
a favor ou contra o que propôs o outro profissional.
É uma reunião bem objetiva, com duração curta e com predomínio, portanto, da fala
do médico intensivista. Toda essa situação retrata momentos de subordinação hierárquica dos
profissionais não–médicos ao profissional médico, que reduz a autonomia dos outros
profissionais ao tomar para si o poder de decisão final. Pode-se perceber que a reunião é
conduzida pela normatividade médica, os outros profissionais se submetem e ao fazer isso
reiteram e compartilham a desigualdade e a subordinação hierárquica. O profissional médico
conduz a reunião com seu objetivo de checar todos os passos e condutas do atendimento dos
usuários. O espaço para os outros profissionais é visto como cedido pelo médico e por isso,
geralmente as participações ocorrem a partir da solicitação do profissional médico, com
poucas intervenções espontâneas.
um round que eu gosto muito que seja o mais multidisciplinar possível, aqui
no Ipec em geral o que eu consigo mesmo... a enfermagem e fisioterapia... a
nutrição, como eu sempre chamo elas acabam vindo, mas não é uma coisa
assim tão... e elas participam bastante porque elas já sabem que eu vou
perguntar..., mesmo que elas não estejam no round, em geral elas falam
comigo... existe uma comunicação boa... (...) e aquilo tem um objetivo
tocativo, tanto é que você vê que atualmente eu passo o round botando no
computador aqueles dados, porque aquilo é um banco de dados, então,
primeiro tem o checklist, que é a checagem de cada coisa... sendo feitas...o
objetivo é esse mesmo, (...) pra você naquele momento lembrando todas
as coisas detalhadamente e dar oportunidade da enfermeira falar algum
problema que ela viu e que ninguém viu, oportunidade pra fisioterapia
também, eu acho que tudo aqui é muito, muito enriquecedor (M5).
O round do CTI ele se resume muito assim...eh... é muito mais forte na parte
médica, né... medicamento que ta fazendo, medicamento que vai suspender,
diagnóstico se ta fechado ou se ta... se não ta fechado, e com relação a
131
nutrição é se ta atingindo valor calórico necessário ou não... ponto, fica por
aí. A gente não discute (...) porque que aquele paciente não ta atingindo suas
necessidades, e necessidades de uma forma (...) não é valor calórico
que a gente (...) é... a gente fica muito fechado, muito focado. Até pelo
tempo mesmo, assim... é muito corrido... (N2)
Esses rounds que eu presencio, ele o espaço, ele direciona né, ele vai
guiando.(...) mas ele o espaço pra cada um na sua área falar, das
dificuldades. (...) é bem objetivo, é uma coisa muito prática de dia a dia, mas
é objetiva, assim pra resolver as coisas (F2).
Nesse caso, das reuniões realizadas na UTI, podemos afirmar que não a construção
de um projeto terapêutico singular, como proposto pela PNH, pois apesar de existir um espaço
onde os profissionais se reúnem, com certa regularidade e haja abertura para que todos
participem, a forma como os profissionais não médicos se colocam tem apenas reiterado a
subordinação ao profissional médico, pois muitas vezes abrem mão da sua autonomia técnica,
quando deixam a decisão com o médico ou quando permitem que a comunicação estabelecida
com eles durante a reunião seja na maioria das vezes do tipo instrumental.
as reuniões de equipe realizadas na enfermaria podem ser agrupadas em dois tipos:
as reuniões de equipe profissional aquelas que são realizadas entre os membros de uma
mesma equipe profissional para a passagem dos casos entre os membros, a fim de que todos
tenham conhecimento, ainda que por alto, dos principais aspectos da situação de todos os
usuários internados; as reuniões multiprofissionais são realizadas com a participação ou
presença de profissionais de todas as áreas, onde o caso dos usuários é apresentado e seus
diversos aspectos podem ser abordados pelos diferentes profissionais.
As reuniões de equipe têm seu funcionamento variado de acordo com cada área
profissional. Dentro da enfermagem, as reuniões se dão sob a forma de passagem de plantão,
que ocorre todas as manhãs antes de iniciar as atividades de trabalho. Os profissionais do
plantão anterior se reúnem com os do plantão que se inicia a fim de passar as principais
informações relativas aos cuidados com os usuários e intercorrências do plantão anterior.
Portanto, aqui o objetivo principal é garantir a continuidade dos cuidados realizados.
Entre as fisioterapeutas as reuniões são realizadas também através de passagem de
plantão, em que as profissionais plantonistas noturnas passam aos que iniciam o trabalho os
principais aspectos referentes aos usuários internados e os que porventura tenham sido
internados na noite anterior. Também servem para que os profissionais mantenham-se
informados sobre todos os usuários e garantam a continuidade do tratamento. As
fisioterapeutas da enfermaria não têm sob sua responsabilidade nenhum usuário específico, ou
seja, não trabalham sob a lógica da referência, mas trabalham em conjunto e no andamento
132
dos atendimentos vão dividindo a demanda entre si. Assim, geralmente todas as profissionais
acompanham de certa forma todos os usuários.
Na equipe de nutricionistas não presenciei nenhuma reunião do tipo e nem foi citada
em nenhum dos relatos das entrevistas sua existência e funcionamento, a não ser no relato de
um dos médicos da UTI, que afirma que elas passam entre si os casos e com isso cada uma
tem sempre conhecimento dos usuários atendidos pelas outras nutricionistas. Isso é necessário
pois a nutrição funciona sob a lógica do profissional de referência, na qual determinado
usuário é sempre atendido pelo mesmo profissional.
Esse tipo de reunião de passagem de casos, não acontecia nas equipes de serviço social
e psicologia, porém, quando estávamos na fase final da pesquisa, ainda realizando as
entrevistas foi relatado por essas profissionais que estavam começando a instituir em suas
equipes essa forma de reunião, também com o objetivo principal de garantir que todos os
profissionais da equipe, apesar de atenderem seus usuários sob a lógica do profissional de
referência, tivessem o conhecimento geral de todos os casos.
De acordo com essas descrições, se torna claro qual é o projeto intelectual que está por
trás de todos os processos de trabalho que ocorrem na internação, é a racionalidade biomédica
que guia tais reuniões. Sendo assim, a forma de realizá-las, como passagem de plantão, por
exemplo, demonstram que estão sendo transportadas lógicas da racionalidade médica para
reuniões da equipe de psicologia e serviço social, por exemplo. É mais uma vez uma forma de
reiterar o domínio dessa racionalidade nas práticas de saúde.
Continuando a descrição das equipes, os médicos dividem sua equipe em grupos de
residentes e pós-graduandos, e é de acordo com esses grupos pré-definidos que seus
atendimentos se realizam e também dentro de cada grupo que se realiza a discussão dos casos
entre residentes e staffs – médicos infectologistas que supervisionam os residentes e alunos da
pós-graduação. Nesse caso, o objetivo geral da reunião é a formação dos alunos.
Além dessa reunião, os médicos costumam promover uma outra reunião em que
discutem todos os casos de usuários internados, inclusive os da UTI. Essas reuniões são
conhecidas vulgarmente como rounds ou rondas e se realizam com a participação de todos os
profissionais médicos, os residentes e pós-graduandos. Geralmente, os alunos apresentam os
casos e todos fornecem opiniões, tiram dúvidas, questionam, a fim de se definir o diagnóstico
e a terapêutica adequada a cada caso em conjunto. Nesse caso, as reuniões servem tanto para a
formação dos alunos quanto para que todos os profissionais conheçam todo o conjunto de
usuários internados.
133
Quando demos início a pesquisa, as reuniões gerais de equipe médica não estavam
ocorrendo com regularidade, porém, novamente na fase final de nossa pesquisa teve início um
movimento que partiu da iniciativa dos médicos de promover tais reuniões, contudo com a
diferença de se discutirem apenas alguns usuários selecionados dentre os mais graves ou
complicados e abrir a discussão para a participação dos profissionais de todas as áreas.
Devido ao seu caráter informal, tendo partido da iniciativa dos profissionais médicos e
não da direção, a reunião ocorria em torno da questão médica e a partir das demandas surgidas
durante a discussão, as opiniões ou informações a respeito das intervenções de outros
profissionais eram solicitadas. Além disso, a participação dos outros profissionais não era
obrigatória e nem ao menos houve algum tipo de comunicação formal entre os profissionais
médicos e os não-médicos no sentido de fomentar a participação destes últimos nas reuniões a
fim de que se tornassem realmente multiprofissionais. Na verdade, o que ocorre é o contato
feito pelos médicos solicitando a participação de determinados profissionais, como os
enfermeiros. Porém, a maioria dos outros profissionais que participaram de alguma dessas
reuniões, relata que sua participação se deu pelo simples fato de estar “passando por ali”
quando viu que a reunião estava acontecendo e “resolveu ficar”.
Outro tipo de reunião era uma realidade até pouco tempo presente no serviço, com
uma certa obrigatoriedade, por ter um caráter formal, tendo sido instituído a partir da direção
da internação. Essa reunião seguia os mesmos moldes da reunião geral de equipe médica para
discussão dos casos. Nela se discutiam todos os usuários internados, porém, a diferença para a
reunião exclusiva dos médicos era a liberdade de participação garantida a todos os
profissionais de todas as áreas. Diferentemente da reunião que vem surgindo a partir da
iniciativa médica, em que os profissionais não têm obrigação de participar e nem são
convocados necessariamente para isso, essas reuniões pretendiam ser uma convocação formal
à participação de todos. Segundo os relatos dos profissionais, essa reunião foi extinta a partir
da mudança na direção do serviço de internação e desde então, as reuniões consideradas
multiprofissionais, são as que foram citadas acima, em que a participação dos profissionais
não-médicos ocorre em meio a reunião de equipe dos médicos, e depende exclusivamente da
sua disponibilidade e interesse.
Assim que eu cheguei aqui tinha uma coisa que era toda semana, era um
round, (...) que é uma reunião na própria sala de prescrição, onde liam o
quadro e ia falando de cada paciente de acordo com o quadro de internação
(...) os outros profissionais falavam a medida que havia necessidade, em
relação à nutrição, assistente social, psicologia. (...) Depois mudou a
direção... aí (...) a direção da parte de internação (...) ficou de assumir, ficou
assim de tomar disso, né, retornou, mas retornou de uma forma
134
diferente, misturou muita coisa, acharam que o tava dando certo,
desde cadeira quebrada, desde comida que ficava exposta, até a situação do
paciente, não gostaram porque demorava muito, não é confortável ficar na
sala, um monte de gente, muita gente fica em pé, já entra no horário do
almoço, as pessoas ficam com fome, então já, aí foi dada uma parada.
Posteriormente, (...) ficou esse vácuo (...) então os médicos começaram a se
reunir, mas com uma coisa só clínica, quem tava na sala que quisesse
participar participava, mas não foi nada formalizado. Agora eu percebo que
ta tendo, não se sabe o dia ao certo, acho que quando eles têm
disponibilidade de tempo, eu percebi que não estão fazendo mais, a...
falando do paciente individual de acordo com o quadro, mas sim dos
pacientes que têm... que chamaram atenção por alguma coisa, que teve
algum problema mais...e que eles querem que discuta. (...) não foi
formalizado nada assim específico... ‘ah, vai ter round, é quando aparecem
as situações eles se reúnem ali, e quem quiser a princípio ficar lá, escutando
pode escutar se quiser perguntar também pode, né, não tem nenhum
impedimento não (AS1).
O modelo de gestão institucional funcionou como um empecilho à
construção/elaboração desse espaço coletivo de discussão. A humanização pressupõe que haja
um modelo de gestão que permita o envolvimento dos trabalhadores nas decisões sobre seus
processos de trabalho. Para humanizar a atenção, a PNH acredita na indissociabilidade entre
atenção e gestão e no protagonismo, co-responsabilidade e autonomia dos sujeitos e dos
coletivos, pois entende que as mudanças na gestão e atenção serão mais efetivas se for
garantida a autonomia dos sujeitos, capazes de negociar e compartilhar responsabilidades nos
processos de gerir e cuidar (BRASIL, 2008).
A clínica ampliada, assim como os dispositivos de Equipe de Referência e Apoio
Matricial (com a discussão de casos e formulação de Projetos Terapêuticos Singulares),
podem contribuir para superar essa racionalidade gerencial verticalizada, compartimentalizada
e produtora de processo de trabalho fragmentado e alienante para o trabalhador que
predomina nos serviços de saúde (BRASIL, 2009a).
Além disso, é preciso que se adote um novo modelo de gestão que se paute nas
decisões coletivas e na democratização das relações de trabalho a fim de garantir a autonomia
e o protagonismo dos trabalhadores. O modelo de cogestão proposto pela PNH permite que os
trabalhadores diante de situações como essa relatada, não fiquem esperando que as decisões e
mudanças venham do gestor, pois é centralizado no trabalho em equipe, na construção
coletiva (planeja quem executa) e em espaços coletivos que garantam que o poder seja
compartilhado, por meio de análises, decisões e avaliações construídas coletivamente, que
considera que a gestão é realizada por todos os envolvidos na produção de saúde (BRASIL,
2009c).
135
As reuniões, ditas multiprofissionais, observadas são, na verdade, reuniões de
discussão médica com a presença de profissionais de outras áreas, que entram na sala de
prescrição durante a mesma e acabam ficando se não tiverem nenhuma outra prioridade
naquele momento a resolver. Os não-médicos geralmente participam através da escuta, pois
não costumam intervir espontaneamente durante a discussão. Isso ocorre principalmente
porque apesar da abertura aos outros profissionais, o que predomina na reunião é a discussão
de aspectos médicos, como medicação, diagnóstico, exames, com nítida centralidade médica.
O médico passa os casos e realiza a reunião da maneira convencional, com a diferença de que
com a presença dos outros trabalhos periféricos na discussão, quando surge uma necessidade
de complementação, estes são chamados a opinar e, mais freqüentemente, fornecer
informações úteis à resolução do caso, numa relação instrumental. Diante dessa situação, os
profissionais não-médicos apresentam diversas queixas quanto à organização da reunião,
principalmente à centralidade na discussão médica.
Tal dificuldade ou empecilho apontado pelos trabalhadores com relação às reuniões
leva mais uma vez a necessidade de se discutir a ampliação da clínica, uma reflexão trazida
pela PNH e que sugere que o profissional se torne capaz de ajudar as pessoas, não a
combater sua doença, mas a se transformar, para que a doença não a impeça de viver sua vida.
É preciso que haja por parte desses profissionais uma compreensão ampliada do processo
saúde-doença, a construção compartilhada dos diagnósticos e terapêuticas, o foco do trabalho
na pessoa e não mais nos procedimentos, a busca de uma comunicação transversal no lugar da
instrumental e a criação de instrumentos de suporte para que os trabalhadores possam lidar
com as dificuldades e as diversas situações (BRASIL, 2009a).
Os profissionais percebem o caráter instrumental da reunião, mas acreditam que a
iniciativa de transformá-la em algo multiprofissional deveria ser do médico, numa postura
pessoal do médico de abertura aos outros saberes.
Tava acontecendo e fomos ficando (...) aí a gente fala...mas assim meio
que... ficando (...) antes, né, na época que eu entrei aqui, era oficial, todo
mundo ficava aqui, vinha até farmacêutico, mas também era uma forma, não
sei (...) a mim particularmente incomodava, porque embora todos os
profissionais ficassem ali, a forma da direção do round era muito médico (...)
eles discutiam e tal e quando a gente falava alguma coisa, ‘ah, ta bom...
sabemos...tá bom, legal...e vambora, ah, o segundo paciente...’, então, não
tinha uma (...) eu pelo menos não sentia uma... a proximidade mesmo das
diversidades do discurso, eles focavam mais em cada paciente pra
perguntar, verificar o quadro clínico dele e ver a conduta, né, mas (...) a
participação dos outros profissionais era mais quando demandavam ou
quando a gente achava que tinha alguma coisa... (P2)
136
Eu acho que a gente não tem discussão de caso (...) como tinha antigamente,
com o round, né. que o round também era muito médico, assim, era um
round que não era um round multi, , pras pessoas poderem colocar
questões daquele paciente. (...) round aqui é médico, quem tiver e que quiser
ficar pode ficar... (P1)
Algumas falas carregam um pouco do que parece estar por trás da atitude quase
passiva dos outros profissionais diante das reuniões: a sensação de que devem intervir na
reunião se o que for colocado puder ser visto pelos médicos como relevante para a discussão.
Fica evidente a situação de conflito que esses profissionais vivenciam durante as
reuniões e é preciso perceber a dimensão gestionária dessas situações de trabalho. Os
profissionais não-médicos são chamados a participar das reuniões médicas, o que representa
certa abertura numa racionalidade que geralmente tende ao isolamento das áreas profissionais.
Entretanto, permanece o formato de reunião que coloca esses profissionais em situação
periférica na discussão e isso gera um descontentamento e a sensação por parte deles de que
uma abertura, mas não reconhecimento do valor de sua fala/fazer. Os profissionais se
vêem diante de um debate de valores que envolve a vontade de participar da reunião com
reconhecimento de sua contribuição, a necessidade de demonstrar seu valor e de desenvolver
um trabalho em equipe mas que, diante do formato da reunião centrado na discussão médica,
vai de encontro ao desejo do trabalho em equipe gerando uma sensação de impotência frente a
essa norma antecedente aparentemente rígida e difícil de romper que é a racionalidade
biomédica que orienta ações e práticas nos ambientes de prestação de cuidado.
É importante revelar esse debate de valores que o trabalhador enfrenta e a gestão que
ele faz dessas infidelidades que se apresentam na atividade quando afirmamos que sua atitude
na reunião revela certa passividade. Podemos então falar de uma aparente passividade dos
profissionais não-médicos que se revela como apenas uma conseqüência desse debate de
valores que leva o profissional a muitas vezes optar pela não intervenção durante a reunião,
até mesmo numa tentativa de se preservar ou de não se expor, como estratégia de defesa.
Trata-se de compreender que essa postura não ocorre sem um esforço desses profissionais,
mas sim, decorre de suas escolhas frente ao que Schwartz denominaria de dramática que
enfrentam durante as reuniões.
Como pude perceber através de alguns relatos, uma dificuldade muito grande de
participação, por exemplo, das profissionais de psicologia e serviço social, que possuem uma
abordagem sobre o objeto de trabalho diferenciada sob certos aspectos da racionalidade
biomédica e que, por isso, muitas vezes desistem de colocar algo que para elas é relevante por
acreditar que para os outros não fará sentido. Mas essa postura não é exclusiva dessas áreas e
137
demonstra o quanto a dificuldade de enfrentar as infidelidades que se apresentam na situação
de trabalho representada no caso pelo formato da reunião de equipe podem levar os
profissionais não-médicos a escolherem o silêncio no lugar do enfrentamento de tais questões.
Quando eu entrei aqui tinha o round, eu sei que por causa de mudança de
chefe... e setor, eu acho que ele parou um pouquinho, mas o round é
essencial... até porque você quer saber alguma coisa do paciente e de repente
só o médico sabe ou de repente só o enfermeiro sabe (...) o round é a hora de
você chegar e ... ‘não, paciente evoluiu com isso’, entendeu? ‘aconteceu
isso’ (...) é poder se fazer presente, se você acha que tem alguma coisa que
eles estão falando que você pode acrescentar, você fica à vontade, eles vão
ouvir numa boa, mas se você acha que não tem nada a acrescentar em
relação ao paciente não tem porque você parar uma discussão de um
paciente pra não incluir nada...ou então você não inclui nada, ouve sobre
esse paciente (E4).
Aqui é um pouco difícil, não é aqui não, acho que de um modo geral é
difícil assim, porque a gente discute o caso em equipe mas cada um puxa
mais pro seu lado, , os médicos falam a questão mais clínica de vez em
quando surge um comentário que tem a ver com o serviço social ou outra
especialidade, eles (...) pediam nossa opinião ou então a gente falava o que a
gente queria falar (...) quando ele levantava alguma questão social, eu
achava, eu falava, mas tinha outros casos que eu não sentia assim (...)
poderia não ser relevante (AS2).
Round aqui é médico, quem tiver e que quiser ficar pode ficar, se você for
falar... dependendo do que você falar vai ser bem vindo ou vai ser mal vindo,
né?! Não deveria ser assim, o round é da equipe, a equipe vai falar o que
tiver que falar. O paciente está sendo cuidado por todos, né? Mas aqui não é
assim (...) aqui é discussão médica, entendeu? (...) quantas vezes o que presta
pra mim pode não ser o que presta pro outro, mas enfim, né... se é uma
contribuição, acho que tem que... (P1)
Através da pesquisa e análise dos dados, pude observar, no entanto, que não se trata de
mudança de postura dos médicos durante os rounds, dividindo a reunião igualmente entre os
profissionais que dela participam, o que apenas transportaria a fragmentação do serviço para
as reuniões. O que torna esses espaços de reunião distantes da proposta de trabalho em equipe
multiprofissional é a racionalidade que os fundamenta, muito mais do que uma atitude de
humildade dos médicos. Pois pude perceber e os resultados demonstraram claramente que os
profissionais médicos encontram-se bastante abertos a essas transformações, porém, presos da
mesma forma à racionalidade que comanda as práticas de saúde e, portanto, à única forma a
que estão habituados e que conhecem de se reunir e orientar a discussão de casos.
A gente participou algumas vezes, mas eu não vi ninguém multidisciplinar
lá, eu via médico falando, entendeu? E no máximo alguém escutando...
(M5)
No início, acho que a gente tinha muita dificuldade porque, como era uma
coisa que era relativamente nova aqui, então muitos profissionais que não
138
estão habituados a fazer, eles levavam questões que não eram pra ser
passadas naquele momento, mas provavelmente porque não tem essa cultura
de você fazer sempre. É uma questão de hábito mesmo. Quem faz round
geralmente são as equipes de médico e de enfermagem por causa da questão
de você passar o plantão. Então, assim, desde que a gente na faculdade, a
gente é habituado a num espaço de três minutos passar tudo que é o mais
relevante pro paciente. Então assim, o serviço de psicologia ou às vezes, eh...
serviço de nutrição ou outros serviços que às vezes participa não tem, eu
acho que não tem (...) é o hábito deles... (M3)
A gente tentando agora, tem umas duas semanas que a gente conseguiu
colocar de novo o round, então (...) a gente discute os casos, assim, que
merecem mais atenção, em algum aspecto (...) a gente chama, a gente tem
chamado, a expectativa é que o pessoal (...) o ideal seria que todos
participassem, né, mas enfermagem, fisioterapia, talvez psicologia, né, mas o
grupo de psicólogos roda muito então a gente nunca sabe quem é que ta com
quem... psicologia é mais difícil, mas os grupos que tem maior eh...
constância de paciente, que é médico, eh... fisioterapeuta e nutricionista e
enfermagem, pelo menos esses quatro grupos participarem. Eu acho que
ainda (...) se a gente precisa perguntar um aspecto a uma enfermeira, a
gente tem que chamar ela, mas eu acho que existe a vontade do pessoal de
participar. Eles ficam meio (...) ficam meio a parte da discussão, também a
discussão fala muito do aspecto médico, é ... aí fica aquela coisa (...) mas,
às vezes, o aspecto médico nem é o principal, né, às vezes uma questão
social mais importante... (M2)
A gente voltou a fazer o round...porque ele tava muito cansativo (...) tinha o
problema da dispersão (...) então entra muita gente acaba tendo conversa
paralela (...) nesse último foi muito bom, porque a chefe da enfermagem
participou, as assistentes sociais sempre estão na sala e sempre participam
(...) ajuda... gera mais debate... a gente tem muito paciente aqui internado por
outros motivos que não o clínico... tem muito paciente com problema social
grave... (M1)
Essa é uma dificuldade que percebemos em se criar uma nova forma de reunião de
equipe em que todos os profissionais participem democraticamente na construção de projetos
terapêuticos singulares para os usuários. A racionalidade biomédica funciona como uma
norma antecedente que perpassa todas as práticas e faz com que a todo o momento o
trabalhador se veja diante de um debate de normas. Existe uma forma consagrada no
modelo biomédico de se reunir para discutir as necessidades dos usuários, porém, as
demandas que ele encontra na atividade exigem um tipo de atuação e de reunião em equipe
que deve ultrapassar o modelo existente como norma, ou seja, é preciso reinventar a maneira
de se reunir para discutir as necessidades dos usuários entre profissionais de áreas diferentes
(vazio de normas).
Não como desconsiderar de que se trata de um instituto de pesquisa clínica em
doenças infecciosas, ou seja, uma instituição de saúde onde se presta assistência a usuários
com doenças infecciosas, que são doenças em que existe clara relação de causa e efeito, ou
139
seja, doenças que apresentam como causa algum agente infeccioso capaz de produzir no
indivíduo hospedeiro sinais e sintomas em grande parte bem conhecidos e previsíveis para a
Medicina. Portanto, tem sua assistência pautada no modelo assistencial hegemônico da saúde,
o modelo biomédico, em que resumidamente, com base no referencial teórico, podemos dizer
que a produção de saúde é centrada na doença, nos seus aspectos biológicos e nas tecnologias
duras (procedimentos, exames laboratoriais, etc.) (CAPRARA; FRANCO, 1999; KOIFMAN,
2001; BARROS, 2002).
No decorrer da análise dos dados dessa pesquisa percebemos que a assistência
fundamentada em tal modelo traz algumas limitações ao trabalho em equipe, principalmente
por favorecer a fragmentação da atenção entre os diferentes profissionais, a produção de
saúde centrada nos procedimentos e na doença e não no usuário e concentrar na maioria das
vezes o poder de decisão na figura do médico, situando a atuação dos demais profissionais de
forma periférica e com desigual valoração entre os aspectos biológicos, sociais e psicológicos,
com os dois últimos em segundo plano diante da importância dada aos primeiros. Tal
influência negativa que esse modelo de atenção exerce sobre as práticas e as relações
interprofissionais merece destaque nessa discussão, pois é visível em diversos momentos e
situações apresentadas e que expressam o quanto é necessário, em concordância com Lima e
Almeida (1999), que se busque construir novos projetos intelectuais que guiem as práticas em
saúde na direção de ações mais integradas no hospital, que dêem conta das dimensões
biológicas, subjetivas e sociais do processo saúde-doença.
Existia ainda uma ideia por parte da direção da internação, durante a pesquisa, de que
as reuniões multiprofissionais seriam definidas depois que as reuniões gerais médicas
estivessem ocorrendo plenamente, fazendo-se uma clara distinção entre reunião médica e
reunião multiprofissional. Em alguns momentos durante a pesquisa essa separação foi
questionada por alguns profissionais, alegando-se que ao se pensar tal separação parece que
está se colocando o médico como não pertencente à equipe como um todo, ou seja, uma
categoria acima da própria equipe.
Round aqui... que era um round multi... era criticado porque era um round
mais médico... passagem de (...) pacientes pelo médico, medicação, exames,
mas a gente tinha intervenções assim no sentido de se colocar, ‘ah, eu acho
que a família...’, então entravam outras falas, com toda a resistência que
existia, havia outras falas junto com aquela fala predominante, (...) médica,
então quando houve mudança de gestão... eu acho que foi (...) essa mudança
da gestão resolve dividir o round em dias diferentes, um round médico e
outro round multiprofissional...quer dizer, como se o médico não fizesse
parte da equipe, né... e sendo que esse round multi desde então nunca
aconteceu (P3).
140
Apesar de parecer bastante racional tal questionamento, em diálogo com o referencial
teórico-metodológico e a partir da observação do que ocorre no serviço como um todo, a
discussão que cabe diante dessa situação é que os profissionais médicos deveriam ter sim sua
reunião médica em separado e que isso poderia até mesmo facilitar a organização e
funcionamento de uma reunião multiprofissional sob uma nova lógica e racionalidade que não
a biomédica. O porquê disso reside, primeiramente, no fato de que todos os demais
profissionais sentem a necessidade de realizar reuniões entre si, isoladamente, a fim de
discutir de maneira mais profunda os casos que se apresentam. Portanto, a necessidade sentida
pelos profissionais médicos de ter seu próprio espaço de discussão de casos, em que possam
se utilizar de termos técnicos de difícil compreensão, discutir a utilização de determinados
medicamentos ou sobre a produção científica em determinado assunto, por exemplo, são
situações essenciais para uma discussão disciplinar profunda entre eles e que se forem
realizadas em meio a outros profissionais, com certeza irão gerar descontentamento, exclusão,
desentendimento por parte dos outros profissionais. Não é possível que os profissionais
médicos realizem tais discussões em conjunto com outras áreas, sendo compreensível, dessa
forma, que exista um momento de discussão exclusivamente da equipe médica, assim como
existe nas outras equipes.
E como aponta esse relato do profissional médico (M3), há também a necessidade
diária de discussão de alguns aspectos da rotina de atendimento dos usuários com a equipe de
enfermagem, onde possam ser compartilhadas, de maneira objetiva, entre esses profissionais,
as dificuldades, as intercorrências dos usuários graves acompanhados.
Eu acho que deve ser muldisciplinar (...) eu acho que deve ser pelo menos
uma vez ou a cada quinze dias multidisciplinar e entre as equipes de
enfermagem e de médicos, normalmente a gente faz rapidamente várias
vezes durante a semana, mas é (...) porque o objetivo é diferente, você
as dificuldades (...) Você realmente você vai cuidar das intercorrências dos
pacientes mais graves (M3).
Em segundo lugar, podemos pensar que considerar a necessidade de uma reunião geral
da equipe médica como legítima, abre o caminho para que a reunião de equipe
multiprofissional não gire em torno da questão médica, pois a discussão desses aspectos
teriam sido profundamente abordados na reunião de equipe, restando espaço para que novos
tipos de discussões surgissem, novas questões, problemas, e novas formas coletivas de tomar
decisões, que podem apontar para uma nova forma multiprofissional de se reunir em equipe e
de abordar o processo saúde-doença, criando-se uma nova gica de discussão, organização e
funcionamento desse espaço coletivo.
141
Apesar da maioria dos profissionais, incluindo alguns profissionais médicos, não se
mostrarem satisfeitos com a forma como vêm sendo conduzidas as reuniões de equipe
multiprofissional na internação, todos os entrevistados entenderam que são de grande
importância para o trabalho em equipe e melhor integração das diferentes áreas profissionais
na busca por uma atenção de qualidade. Levantaram, assim, como contribuições que as
reuniões podem trazer: garantir uma melhor compreensão do usuário e de sua situação como
um todo; permitir expor de forma mais detalhada aspectos como as decisões que vêm sendo
tomadas no tratamento do usuário e as dificuldades encontradas (pois as anotações em
prontuário não permitem refletir sobre esses assuntos e nem sempre garantem, pelo fato de
ser multiprofissional, que um profissional ficará por dentro das condutas e escolhas do outro);
dar oportunidade para que todos possam se posicionar, principalmente os profissionais que
lidam mais tempo e de perto com o usuário, como a enfermagem, pois estes sabem das
dificuldades práticas de algumas condutas; reduzir as falhas, as dificuldades de comunicação;
possibilitar a discussão dos casos com outros profissionais da mesma área ou de áreas
distintas pode ser útil para que novas soluções antes não pensadas possam surgir.
Uma importante ressalva que acredito que seja pertinente ao finalizar essa discussão
em torno das reuniões de equipe multiprofissional, e que realizo com base na perspectiva
ergológica, é de que podemos considerar os espaços de reunião multiprofissional importantes
enquanto facilitadores dos encontros e trocas interprofissionais, porém, a reunião desses
diferentes profissionais em um mesmo espaço de discussão não garante que haverá relações
de trabalho em equipe, como pudemos perceber a partir dos resultados até então apresentados.
a coisa da troca de informação mesmo só acontece na rotina, o médico “ah,
fulano de tal, como é que ele ta, que que vc achou hoje?” a gente vai
trocando muito ali na rotina, na hora que ta atendendo (...) Então assim, é
interessante o round? Eu acho que é, mas muito dessa troca a gente faz na
rotina. (...) você não vai conseguir falar com a quantidade de pessoas que o
round vai te permitir, não vai atingir um grupo maior, mas na relação
daqueles profissionais que estão diretamente envolvidos com determinados
pacientes a gente consegue... (F3)
Esse relato da fisioterapeuta F3 exemplifica a reflexão que pretendo suscitar ao
colocar o espaço de reunião como apenas mais uma situação potencial de trabalho em equipe.
Nos faz pensar em algo que venho tentando mostrar ao longo dessa dissertação, que apesar da
fragmentação visível e para além dos espaços formais os trabalhadores estabelecem na
atividade seus encontros e trocas. Portanto, devemos nos preocupar com o trabalho em equipe
que pode se desenvolver nos momentos de reunião, mas com a precaução de tornar visível a
potência desses outros espaços não formais ou prescritos, ou seja, dar visibilidade e potência
142
às Entidades Coletivas Relativamente Pertinentes que existem em qualquer atividade e que,
nesse caso, só podem ser percebidas no concreto das práticas de atenção à saúde.
4.3 Limites ao trabalho em equipe
No cotidiano do trabalho em saúde na internação do hospital, diversas situações e,
como vimos, formas de relações interprofissionais, podem acabar interferindo na busca de um
efetivo trabalho em equipe. percebemos, a partir dos resultados apresentados até aqui, que
o modelo biomédico é hegemônico nas práticas de atenção à saúde e comanda o trabalho
coletivo no hospital levando a uma fragmentação do cuidado entre os diferentes profissionais
de saúde, criando no dico a função de coordenar todos os outros trabalhos e dando a ele o
poder de decisão sobre os mais diversos aspectos do trabalho em saúde.
Na literatura pudemos ter contato com o que alguns estudos têm fornecido de pistas
quanto às dificuldades do trabalho em equipe. Muitas dessas dificuldades foram encontradas
também no serviço de internação estudado. Apesar de serem realizados em diferentes tipos de
serviço, as dificuldades apresentadas são muito semelhantes e isso pode ser novamente
explicado pela existência de só uma lógica presente em todos estes serviços, a do atendimento
individual, fragmentado, voltado ao corpo biológico e para a doença, muito mais do que para
a saúde.
Sendo assim, apostamos que muito do que foi encontrado a esse respeito, assim como
sobre as possibilidades encontradas pelos trabalhadores para o trabalho em equipe, pode servir
de reflexão e de apoio para outros estudos e outras situações de trabalho em saúde. Porém,
cabe ressaltar que esses dois últimos subitens não pretendem realizar uma análise comparativa
entre as limitações e possibilidades encontradas na literatura e as que encontramos no serviço
estudado, por entender que, para além da semelhança que possa existir, está o caráter singular
desses resultados, que expressam o modo como os trabalhadores entrevistados vivenciam tais
dificuldades e através da gestão do seu trabalho tentam encontrar saídas, possibilidades de
superação bem singulares para cada uma delas.
Nesta pesquisa foram apontadas doze limitações ao trabalho em equipe: gestão
inadequada do serviço; escassez de tempo dos profissionais; prontuário multiprofissional
segmentado; desconhecimento do trabalho alheio; falta de reconhecimento do trabalho do
profissional não-médico; informalidade das reuniões de equipe; falta de uma linguagem
comum na comunicação interprofissional; espaço físico inadequado; dificuldade de lidar com
143
diferentes personalidades; falta de abertura ao diálogo; deficiência na formação dos
profissionais de saúde; excessivo tempo de duração das reuniões de equipe.
Uma das limitações ao trabalho em equipe apontada por vários profissionais
entrevistados foi a gestão inadequada do serviço. Para alguns profissionais, é função da gestão
diagnosticar a falha na condução do trabalho em equipe e buscar alternativas. Para outros, a
gestão elege prioridades dentro do serviço e com isso pode acabar prejudicando as tentativas
de trabalho em equipe efetivo.
Eu acho que às vezes o próprio (...) modelo de gerenciamento institucional
facilita mais ou menos. No caso, eu acho que poderia facilitar mais. Facilita
mas não é tão como deveria ser, porque parece um pouco desordenado. É
uma coisa democrática, mas tá um pouco sem rumo (AS1).
Eu acho que deveria... a coordenação do hospital (...) ela tá vendo como (...)
é necessário (...) saber qual é a visão deles pra poder (...) se ‘ah, ta bom só os
médicos fazendo’ ou poderia também voltar a ter aquele round com todo
mundo, mas, mais participativo das outras pessoas... (AS2)
As pessoas que são responsáveis na coordenação por exemplo, (...) ninguém
faz uma questão, não dão essa importância, né?! (...) Eu acho assim, uma das
coisas que a gente não tem, é a direção do trabalho (...) uma linha do
horizonte, assim, (...) ‘oh, a gente quer chegar lá’, né?! (...) Não tem reunião
multi aqui com a gestão, por exemplo (...) até tem, mas é com as chefias, né,
não tem discussão assim, (...) ‘O que nós queremos com o trabalho? Qual é a
missão do trabalho na internação, por exemplo, qual é o nosso trabalho
junto? Acho que cada um fica meio correndo atrás do seu (...) (P1)
O certo seria a chefia fazer esse diagnóstico e estimular que (...) cada
paciente tivesse um planejamento (...) o problema aqui do hospital é que
sempre que a pessoa vai pro cargo de chefia, ela se afasta do atendimento...
ficam só voltadas pra aspectos burocráticos... (M2)
certa percepção dos trabalhadores de que a gestão tem um papel fundamental na
transformação do modo de funcionamento e organização do trabalho nos serviços, porém,
todos têm uma visão de gestão afastada da realidade de trabalho de cada um. A
indissociabilidade entre atenção e gestão que a PNH busca trazer para nossa reflexão e para a
prática nos serviços, não é visível, nesse caso. (BRASIL, 2008) Não uma percepção clara
por parte dos trabalhadores de que eles fazem cotidianamente a gestão do seu próprio trabalho
e assim a gestão do serviço como um todo, pois a forma de pensar a gestão, centrada na
direção do serviço de internação, faz com que eles assumam uma atitude de espera de
soluções que venham de cima, deixando de lado o potencial transformador que se encontra na
gestão dos usos de si, ou seja, na maneira como eles lidam no dia a dia e tomam decisões,
fazem escolhas frente às dificuldades que se apresentam na relação com o seu trabalho, com o
144
trabalho dos outros e com a racionalidade que orienta o serviço (SCHWARTZ, 2006;
SCHWARTZ; DUC; DURRIVE, 2007b).
Apenas na fala da psicóloga, é possível perceber a proposta de uma gestão
participativa, no caminho do que aponta a PNH, de uma gestão realizada em conjunto pelos
diversos atores envolvidos na produção de saúde nos serviços, os gestores, os trabalhadores e
usuários, definindo juntos o rumo do serviço e sua forma de organização através da co-gestão
e co-responsabilização dos diferentes atores no processo de produção de saúde gestores,
trabalhadores, usuários (BRASIL, 2008). E a fala de outra psicóloga também demonstra uma
visão favorável de sua parte:
Nós também temos as nossas resistências, porque (...) nós também como
membros dessa instituição (...) não fizemos nenhum movimento pra
modificar isso. uma tendência... uma resistência a quebrar essas coisas
instituídas, ou seja, através dos movimentos instituintes, então, acho (...) nós
temos essa resistência a modificar as coisas determinadas pela instituição,
que é normatizado, a gestão diz ‘não vai ter mais round’, a gente tem uma
tendência a resistir (...) a modificar isso. (...) Existe, às vezes, uma questão
de gestão mais forte, na instituição como um todo, das gestões de maneira
geral, que não um interesse (...) e você fazer o movimento contrário
significa você se expor, né, se expor, (...) vamos dizer assim, eh... ficar mais
fragilizado. (...) Mas existem formas estratégicas e micropolíticas que você
pode estar fazendo, né?! (P3)
A segunda dificuldade citada por eles é a falta de tempo. Todos os profissionais se
veem diante da dificuldade de conciliar sua assistência na internação com outras atividades
que poderiam ser úteis ao trabalho em equipe, como as próprias reuniões de equipe,
construção conjunta de formas de divulgar o trabalho que realizam no Ipec, produção
científica em conjunto, entre outras possibilidades. A sobrecarga de trabalho, atribuída a
complexidade dos casos dos usuários com quem lidam todos os dias e a impossibilidade de se
dedicar inteiramente ao serviço de internação devido à assistência que também realizam no
ambulatório do Ipec, foram apontadas como dificuldades. Ambas, levam a falta de tempo para
dar atenção às demandas de outros profissionais, para discutir os casos com tranquilidade e
para se reunir com os outros profissionais e realizar atividades fora da assistência
propriamente dita que poderiam ser frutíferas ao trabalho em equipe.
No geral eles dão uma atenção, que também é um corre corre pra todo
mundo, inclusive pra eles, que têm que atender, ver paciente (...) têm que
atender familiar, ver os medicamentos, né?! Eu acho que é uma coisa meio
confusa pra todos... envolve todo mundo (AS1).
Às vezes falta tempo mesmo, no atendimento, quando vê já começou o
round, a gente vai, fica mais na escuta, e muitas vezes porque é muita coisa
pra ser feita, né. Muitos pacientes pra atender, (...) a coisa da troca de
informação mesmo só acontece na rotina, o médico ‘ah, fulano de tal, como
145
é que ele tá? Que que você achou hoje?’, a gente vai trocando muito ali na
rotina, na hora que ta atendendo (...) (F3)
A gente fica muito fechado, muito focado (...) até pelo tempo mesmo,
assim... é muito corrido... a necessidade das pessoas saírem dali, porque
também tem outras atividades fora do CTI (...) essa coisa da gente fazer
ambulatório é muito bom, por um lado, mas é ruim você não 100% do seu
tempo focado ali. Entendeu? as coisas têm que acontecer muito dentro de um
horário, é meio sob pressão... e às vezes você quer... a gente precisa parar e
analisar aquele caso (...), então, isso eu acho que atrapalha um pouquinho
(N2).
A parte da assistência aqui eu acho que a gente consegue, talvez a gente não
consiga interagir muito, né, por exemplo, sentar numa manhã pra discutir os
pacientes, porque todo mundo é muito sobrecarregado, a complexidade dos
pacientes daqui é muito diferente da complexidade dos pacientes por
exemplo de clínica médica. Quando a gente tem às vezes sete, todos eles são
muito complicados. (...) Eu acho, provavelmente, que houve alguma
modificação de horário porque antes a gente conseguia interagir mais, agora
a gente que todo mundo sempre correndo. No início, nos primeiro dois
anos, eu acho que provavelmente o número de horas que a gente era
obrigado a ficar em assistência fora daqui talvez fosse menor (M3).
Médico vai avalia, eh... vai pedir um exame... ele fala pro paciente mas
não fala pra gente. Por diversos motivos, né? Acho que é da correria mesmo,
porque ele faz o pedido, passa pra secretária, secretária vai marcar,
daqui a pouco vai chegar..., mas é... é chato...
(...) porque às vezes a gente fica vendido na frente do paciente, (...) às vezes
é o setor chamando, às vezes o paciente comenta, ‘ah, hoje eu não posso
comer’ (...) aí a gente vem e procura, né?! (E1)
Uma terceira preocupação dos profissionais, vista como empecilho à desfragmentação
do trabalho em saúde na internação e à integração maior entre os profissionais é o prontuário
multiprofissional segmentado. Nem todos compartilham da mesma opinião, porém, acredito
que é necessário expor o que alguns profissionais levantaram a respeito da forma como este é
organizado. A limitação citada pelos profissionais é a divisão do prontuário segundo
categorias profissionais, ou seja, o fato de que cada área profissional redige suas evoluções,
percepções, condutas, terapias, prescrições de maneira isolada. Como o prontuário é dividido
e cada um possui um espaço específico para tais anotações, é muito raro a consulta de
determinada parte do prontuário pelos demais profissionais. Eles alegam que dessa forma
dividida, perde-se muito tempo quando se quer consultar as anotações alheias, gera, muitas
vezes, um retrabalho, falhas na comunicação e impossibilita a compreensão do quadro geral
que configura a assistência prestada ao usuário. O que acaba acontecendo, portanto, é o
isolamento de cada profissional na consulta apenas da parte do prontuário referente à sua área
e na escrita feita sem a preocupação de ser legível e compreendida por todos, o que fortalece a
fragmentação do cuidado. E isso, por outro lado, é visto como vantagem pelos profissionais
146
que não o citaram como limitação ao trabalho em equipe, por permitir a busca rápida de
informação dentro de sua área e, assim, facilitar o seu trabalho em si.
O ponto positivo é que ele é organizado, se você quer procurar alguma coisa
você vai direto e procura, vai e escreve...mas um ponto que eu
considero negativo nessa forma do prontuário é que nem sempre as pessoas
buscam outras informações (...) eu procuro ver (...), não é todo mundo que
vai buscar (F2).
O prontuário é um documento...então é necessário também que a gente...que
esteja no prontuário as informações necessárias, né... dos cuidados que estão
sendo dispensados aos pacientes, o que acontecendo com ele (...) a gente
não se privar de fazer um registro, e de fazer um registro que as outras
pessoas entendam, tem que fazer uma linguagem sem também
descaracterizar nosso trabalho, mas uma linguagem que os outros
profissionais tenham condições de acessar, né, assim... não sei se eles
acessam, (...) algumas coisas eu não consigo entender até pela minha
formação, né, às vezes nome de doenças, então enfim (P1).
A quarta limitação citada é o desconhecimento do trabalho que cada profissional está
apto a realizar. Essa falha permite que em determinadas situações os profissionais subestimem
a capacidade do outro, encaminhando demandas que não necessariamente fazem parte do seu
trabalho, como os telefonemas que são passados a assistente social e que poderiam ser
realizados por qualquer profissional administrativo, por exemplo. Em outras situações, um
encaminhamento de demandas distorcidas, pela visão limitada que o profissional tem do tipo
de intervenção que o trabalho do outro se propõe a fazer, como é o caso das psicólogas que
recebem com frequência demandas no sentido de convencer usuários a aderir ao tratamento
medicamentoso, ou permanecer internado enquanto o médico achar necessário, melhorar o
humor de usuários vistos como rebeldes, entre outros. Essa falta de conhecimento também
pode levar a falta de reconhecimento da importância do outro profissional na atenção à saúde
dos usuários, colocando-os em posição periférica e instrumental.
Porque a gente aqui, assistente social, às vezes fica fazendo vários contatos
telefônicos que não é (...) não seria à princípio pra gente fazer (...) não que
eu seja contra fazer ligação, não, mas a gente fica perdendo um tempo que
poderia tá dedicado a fazer um grupo, fazer mais coisas (AS1).
Tem coisas que eles acham que seria nossa responsabilidade e não é... tudo
quanto é coisa assim, que foge da área médica, ‘ah, vamos falar com o
serviço social...’, direcionam muita coisa que não é da nossa competência,
muitas coisas que eles mesmo poderiam resolver, mas (...) acabam vindo pra
gente. (...) Não é só médico...outros profissionais também...os pacientes
também, coisas que eles querem que a gente resolva que não é da nossa
competência (AS2).
As pessoas precisavam ser orientados qual é a função de cada um,
as pessoas também tem responsabilidade nisso, porque se você não sabe meu
papel, eu tenho que treinar você pra saber o papel de cada um (...) todo
147
mundo sabe qual é o papel da CCIH, ela constantemente (...) se você não
sabe ela vai vim se posicionar pra você qual é o papel dela, então eu acho
que falta bastante isso, das pessoas se posicionarem e os serviços se
posicionarem (E5).
Eu acho que a gente não tem assim uma(...) cultura assim, né, de produzir...
de escrever artigo sobre o trabalho, né?! (...) Mas não na perspectiva dessa
ciência que é produzida aqui, (...) o trabalho que é feito aqui é muito legal
(...) a gente não consegue... eh... eh... comunicar isso, divulgar isso, né,
assim, internamente (...) expor o que que é a nossa prática, entendeu? E por
isso também que eu acho que as pessoas têm dificuldade de entender o que a
psicologia faz (P1).
Alguns profissionais, em especial as psicólogas, chegam a propor que a falta de
conhecimento poderia ser menor se houvesse alguma forma de divulgação interna desse
trabalho que é realizado no cotidiano do serviço, ou seja, a falta de propostas para divulgação
do trabalho de cada um é vista por elas como um fator limitante ao trabalho em equipe. É o
que coloca a psicóloga P1 ao final de sua fala acima. Essa proposta de produzir sobre o
próprio trabalho, mesmo fora da perspectiva de um artigo científico, me pareceu ir ao
encontro da humanização, pois, com base na perspectiva ergológica, os profissionais estariam
tornando visível o seu modo de gerir o trabalho, como enfrentam o que está normatizado e o
renormatizam, expressando sua potência (SCHWARTZ, 2003; SCHWARTZ; DUC;
DURRIVE, 2007a). Acredito que seria uma maneira de dar visibilidade aos usos de si no
trabalho, à autonomia possível que fica por vezes mascarada pela hierarquia e disputas de
poder, colocando assim os trabalhadores diante de seu próprio trabalho e de suas
potencialidades, enquanto trabalhadores, na produção de novas formas de trabalho em equipe
que podem ser construídos no coletivo.
Como quinta limitação, podemos citar a falta de importância dada ao profissional de
outra área dentro da racionalidade que rege o hospital. A falta de reconhecimento, como já
discutido acima, pode ser originada na falta de conhecimento sobre o outro, que faz com que a
diferença cnica se transforme em desigualdade hierárquica, ou seja, o trabalho alheio é
agregado ao trabalho central, que é o do médico de forma periférica e instrumental, pois que é
tomado pelo outro como dispensável (PEDUZZI, 1998). E isso, como também já vem sendo
discutido ao longo deste texto, com inúmeros exemplos, representa importante limitação não
ao trabalho em equipe, mas ao trabalho e atenção humanizados de uma maneira geral. E o
que mais chama a nossa atenção diante dessa constatação e que preocupa, é a maneira como
os profissionais que são mais afetados por essa lógica e a criticam com afinco, acabam por
reiterá-la na sua forma de agir e reagir.
148
Eles dão mais importância ao que eles tão falando, né?! (...) Eles falam da
questão social, eles ficam no nosso pé, ‘ah, fulano...’, mas deveria ter
assim... ‘não, a gente fez nosso trabalho, elas o fazendo o delas’. Porque a
questão clínica resolveu, mas a questão social pode demorar, né. também
achar que a opinião deles é mais importante que a nossa, porque é médico
(...) Não falando da pessoa do médico, é a profissão, né?! ‘Ah, eu que sei,
eu que...’, é a formação da profissão do médico, tem esse... esse
ideológico de que ele é o dono da verdade... até a gente mesmo às vezes fala
‘ah, não, fulano falou então é isso mesmo... ele é entendido no assunto...’,
(...) essa posição é que às pode atrapalhar...porque (...) não tem muita
interação a equipe, cada um sua opinião e fica esperando o outro fazer
o que tem que fazer... e cobrando também (AS2).
O que eu acho que aqui é mais forte, essa coisa assim do desrespeito com
relação ao outro profissional, isso aqui tem essa coisa das relações de poder
também, né?! (...) Hospital é casa de médico mesmo, não tem como mudar
isso, não tem um espaço que valorize minha fala. (...) Fica uma coisa assim
meio (...) como se a gente estivesse disputando, (...) é o oposto disso... a
gente não tá disputando com ninguém (...) tem muito mais a gente querer
fazer um trabalho junto. (...) É possível? (...) Às vezes não é porque o que eu
vou falar o outro não vai entender... sabe, é esquisito falar desse jeito, mas
assim, o que você vai falar (...) o outro não vai entender (...) vai achar que é
bobeira, (...) mas nem por isso, eu deveria falar, mesmo assim (P1).
A falta de formalidade das reuniões de equipe e de uma linguagem comum na
comunicação interprofissional são a sexta e sétima limitações citadas. Ambas geram a falta de
compromisso com a reunião de equipe, sendo que a última afeta também as relações
interprofissionais como um todo, sendo fonte de fragmentação e isolamento dos profissionais
e suas práticas.
Esse é o desafio hoje em dia... você fazer com que as pessoas com quem
você trabalha entendam o que você está fazendo e você entender o que as
outras estão fazendo também, existe um gap, na verdade de comunicação,
(...) e da comunicação não entre médicos, mas também, muitas vezes
provavelmente eu não sou claro em relação a... pedido do que eu faço (...)
elas me falam as coisas de maneira... de maneira clara... acho que o
problema é que os médicos se referem a termos muito técnicos,
eventualmente com os técnicos de enfermagem... termos técnicos assim de
diagnósticos mais raros etc... como se todo mundo tivesse que saber... então
esse é um problema... você tem que se fazer entender com termos mais
simples, (...) e mais claros...então evito meias palavras, meias frases... ou
termos técnicos difíceis... epônimos, (...) então você tem que se fazer
expressar melhor... eu acho que isso é mais um problema do médico... outra
coisa também as abreviações, você pega um prontuário... são muito
deletérias porque nem todo mundo sabe... o que é aquela abreviação...tem
que escrever mais completo... (M4)
Quando não é formal também as pessoas acho que não se liga muito...
acaba... ‘ah, já que eu tenho outra coisa mais importante pra fazer eu não vou
pra lá’. (...) Não é só também ta todo mundo lá... em pé... ouvindo (...), a
gente ficava em duas horas escutando o médico falando de quadro
clínico... palavras que no início quando eu entrei aqui, o sabia nem o que
149
que (...) depois você vai aprendendo, né?! As primeiras vezes que você
ouve o médico falar de quadro clínico, você não entende nada, parece que
falando grego, mas eu não falando que eles deveriam falar pra gente
entender...mas eu acho que... sei lá... se a gente não tem participação...
ficar ouvindo e não interessado e não entendendo nada... a gente
quer saber por alto, ‘ah, o cara tem ... insuficiência cardíaca... aqueles coisas
dos remédios’, mas se a gente participasse mais assim... acho que era
melhor (AS2).
Mais uma vez a assistente social, critica a falta de preocupação em ser entendido pelo
outro profissional, mas reitera tal prática ao afirmar que não acha que ele deveria colocar a
linguagem ao alcance dos outros, na opinião dela, bastaria que desse um espaço para cada um
falar, dentro da sua área, com sua linguagem própria, reproduzindo a fragmentação ao invés
de gerar reuniões mais no sentido de um trabalho em equipe.
Vamos agora para a oitava limitação apontada que diz respeito à ambiência: a falta de
espaço físico. Essa limitação, na verdade, é algo que, assim como a fragmentação da atenção,
é visível desde o primeiro contato com o serviço de internação. A impressão de quem
conversa com os profissionais é que eles estão constantemente em disputa por espaço físico, e
representa, portanto, um importante empecilho ao trabalho em equipe, como relatam os
profissionais.
O espaço físico limitado eu acho que é um fator, porque querendo ou não, se
você não tem onde sentar pra discutir, você não tem um lugar pra se abrir um
prontuário junto com mais cinco pessoas, você vai tentar fazer uma reunião e
não tem onde sentar... todo mundo tem que ficar em pé... isso é um fator
limitante, dificulta (N2).
A nona e décima limitações apresentam alguma relação entre si, são: a dificuldade de
lidar com diferentes personalidades e a falta de abertura ao diálogo.
Acho que tem que melhorar, até porque eh...relações entre seres humanos,
cada um tem as suas características, então uns vão ser mais receptivos,
outros menos, então isso é normal, acho que em qualquer ambiente em que
se vive em comunidade, são personalidades, são seres humanos, tem pessoas
que realmente vão respeitar um pouco mais, vão dar um pouco mais de valor
ao espaço do outro e outros menos... acho que isso é normal em qualquer
convivência. São relações pessoais (F3).
Só que é muito difícil você trabalhar em equipe porque cada um pensa
diferente (...) tem gente que vem aqui...assim.. eu falo aqui como eu falo em
qualquer outro lugar, ta?! Tem pessoas que vêm, faz o seu trabalho e vai
embora, tem outras que não, que olham e que tem uma outra visão, outras
que conversa, ‘poxa eu acho melhor isso, isso...’, trocam uma ideia...
entendeu? Então, assim... são pensamentos muito diferentes de cada pessoa,
de cada um (E2).
A falta do diálogo, mesmo. Por exemplo, às vezes a pessoa muito fechada.
(...) Tem gente que sempre fechada. Faz o seu e pronto. Mas acho que a
150
maioria daqui, eu acho que tem esse tipo de relação, de pedir uma coisa e
tentar fazer ali pro paciente (F4).
Mas eu percebo uma dificuldade muito grande... em todos os grupos... não é
dos médicos não, mas a enfermagem tem dificuldade de se abrir,
fisioterapia tem dificuldade de se abrir, os médicos...e fica todo mundo
fechado no seu mundo. (...) A gente tá crescendo, (...) um dia era uma
unidade, se emancipou, cresceu, faz coisas que não fazia antes, tem
visibilidade internacional, mas a qualidade (...) a qualidade de atendimento
humano, eu acho que podia ser melhor (N2).
A décima primeira limitação citada foi a deficiência na formação dos profissionais de
saúde. Alguns profissionais chamaram a atenção para a preocupação com o tipo de formação
atual que não forma profissionais para a troca e para o trabalho em equipe. Como bem afirma
Ojeda (2004), ocorre que os profissionais de saúde se formam e formam outros profissionais
para saber e fazer o que lhe compete, a olhar a si mesmo e aos seus pares, perpetuando sua
profissão. Assim como vimos no referencial teórico em que Santos e Cutolo (2004) concluem
que é preciso a modificação dos currículos que tempos não têm em sua grade disciplinar,
um espaço para o trabalho em equipe, ainda dentro da Universidade, a fim de formar um
futuro profissional capaz de conceber espaços de atuação conjunta. Uma modificação no
sentido de se formar profissionais de cunho generalista, inseridos na realidade da população,
criando vínculos e soluções criativas numa convivência harmoniosa e produtiva entre os
vários saberes.
Por fim, a décima segunda limitação diz respeito ao funcionamento das reuniões de
equipe, mais especificamente, sua duração. A maioria dos profissionais deu ênfase ao fato de
que para uma reunião de equipe funcionar de maneira proveitosa para todos é necessário que
não seja algo muito prolongado, pois, no caso da pesquisa, a proximidade com a hora do
almoço, o cansaço, a dispersão, a necessidade de realizar outras atividades assistenciais
podem disputar importância com a reunião quando esta é prolongada.
O que acontece com round muito longo é que se você tem muita coisa pra
fazer, você vai acabar não participando do round (E4).
Porque realmente (...) acaba quase 2h da tarde, (...) então isso atrapalhava
um pouco, por isso que também acabou... porque era muito tempo assim
normalmente (...) e ainda parava um pouco o atendimento ao paciente,
porque ficava todo mundo ali... no mesmo horário... eram vinte e poucos
pacientes de uma vez só, todos os serviços (N1).
4.4 Possibilidades
151
O objetivo desse subitem é, diante dos resultados apresentados e de toda a discussão
que foi empreendida até aqui, trazer para a reflexão final o que os profissionais identificaram
em seu cotidiano de trabalho como possíveis caminhos para um trabalho em equipe que faça
da produção de saúde no serviço de internação do Ipec algo mais próximo da integralidade e
da proposta de humanização.
Assim como os profissionais perceberam a divisão do prontuário nas diferentes áreas
profissionais como algo limitante ao trabalho em equipe, a solução proposta pelos mesmos foi
a adoção de um tipo de prontuário multiprofissional corrido, ou seja, um prontuário onde cada
profissional realiza suas anotações pertinentes em sequência cronológica e de acordo com o
dia. Assim, o profissional que pega o prontuário para efetuar sua anotação tem a possibilidade
de verificar rapidamente o que está sendo planejado naquele dia para o usuário pelos diversos
profissionais e o que foi feito em termos de intervenções cnicas. E mesmo que este
profissional não pegue o prontuário com essa intenção em mente, ele acaba observando o que
está escrito antes da sua anotação, nem que seja por curiosidade. Alguns profissionais
acreditam, portanto, que dessa forma não se perde a noção do todo e facilita a integração,
reduzindo as falhas de comunicação e a dificuldade de recomposição do que aconteceu com o
usuário enquanto internado. Além disso, evitaria a repetição de informações por profissionais
distintos, mas provavelmente, como apontado por um dos profissionais, seria necessário um
esforço dos profissionais no sentido de modificar sua forma de evoluir”. Outros acreditam
que o fato de ser corrido ou dividido não é o que gera a integração, mas sim a postura do
profissional, portanto, mesmo tendo um prontuário corrido o profissional pode continuar se
preocupando em olhar só a parte que lhe cabe.
A começar pelo prontuário, eu faria um prontuário de uma forma única, acho
que é uma forma, para o paciente, mais integrada... você vai ver o
acontecimento naquela hora. (...) Quando o outro for fazer...por mais que...
ele vai acabar vendo alguma coisa... por mais que ele seja desinteressado...
também tem a curiosidade (...) eu acho que isso era uma forma de integrar a
equipe (P2).
Podia ser diferente... eu acho que podia ser mais corrido... (...) porque eu
falo... ou escrevo na minha evolução coisas que a enfermagem também
escreveu, você repete... mas eu acho que as pessoas teriam que mudar um
pouco o paradigma de como evoluir... eu evoluo o dado positivo do paciente,
sabe... naquilo que o paciente (...) que o colega seguinte tem que saber, mas
a gente não aprende isso, né, na graduação... isso (...) você vai ao longo do
tempo eh... melhorando, evoluindo, né... (M4)
Eu sou contra prontuário ser... médico, enfermagem, fisioterapia, nutrição...
fica um negócio que não tem sequência (...) é difícil reconstruir o que
aconteceu pelo prontuário...e... geralmente se você ficar na parte médica,
você não vai entender bem... eu acho que é melhor que seja corrido. Eu vou
152
faço a evolução médica, fisioterapia vai lá... entendeu? (...) porque
frequentemente você não acha na evolução médica a informação que você
precisa, mas você acha na da fisio, acha na da enfermeira... (M5)
Eu não sei se também mudaria, não o fato de ser escrita corrida, né... vem
médico assina, depois vem enfermeiro e escreve, vem o psicólogo... você
apenas pula (...) você vai procurar o que você quer e tem pessoas que dizem
que o fato de ser separado dificulta a busca pela informação, ‘ah, porque é
mais fácil você parar no corredor pra perguntar’, mas eu acho que é uma
questão mais de educação profissional mesmo... é você treinar e repassar
isso pras pessoas mais novas (N2).
Alguns profissionais relataram as boas relações profissionais como fator que facilita o
trabalho em equipe. Através de boas relações pessoais, alianças são criadas e o profissional
passa a ter profissionais de outras áreas que inspiram confiança e que estão sempre abertos a
troca e interação com ele. Isso ajuda a enfrentar a falta de colaboração que encontra da parte
dos profissionais com quem não se tem bom relacionamento ou vínculo, que muitas vezes
funcionam como uma barreira a comunicação, interação, porque geram um receio por parte do
outro de fazer perguntas, tirar vidas. No serviço de internação do Ipec, praticamente todos
os entrevistados disseram manter bom relacionamento com os profissionais com quem
trabalham, independente da área profissional a que pertencem. O Ipec foi colocado como um
local onde as pessoas são fáceis de se lidar e se relacionar, o que poderia ser usado a favor do
trabalho em equipe. Todos os entrevistados também afirmaram não ter problemas com relação
à atenção solicitada ao outro profissional no momento de tirar alguma dúvida ou encaminhar
alguma demanda. Mas alguns percebem que esse bom relacionamento já foi melhor e que
para manter sempre esse clima e criar novos vínculos entre os profissionais é necessário que
haja, na instituição, espaços de convívio, de trocas para além das questões técnicas, para
expor as dificuldades e trocar experiências, por exemplo.
Com a maior parte dos profissionais eu tenho um relacionamento que eu
acho... eu considero bom. (...) ajuda...porque fica mais fácil de você
discutir...sem ter a preocupação de deixar a outra pessoa... e (...) eu não
consigo pensar em nenhum profissional que eu não goste (...) eu acho que
quando você tem uma relação mais próxima, eu acho que fica mais fácil
(M3).
Acho que falta um espaço pra se colocar tudo, pras pessoas falarem à
vontade. Das dificuldades... por exemplo, (...) várias coisas que você que
pode melhorar, mas não tem um fórum pra isso. (...) acho que poderia ter
um fórum pra gente trocando mais experiência, né?! Falar mais um pouco
sobre o nosso trabalho (...) as nossas angústias enquanto trabalhador
também...porque a gente não fala das nossas dificuldades...né? ...de trabalho
em si, da relação com o paciente, da relação com o outro, não tem esse
fórum, eu acho que seria interessante (AS1).
153
Mais espaços de convívio...o convívio ajuda você a ficar mais próximo. (...)
Você que quando tem um bolinho ali, as pessoas, né, já... parece que sai
de um papel mais cheio de rigor pra uma coisa mais descontraída... torna
aquele mesmo espaço diferente... então assim maiores espaços, dentro da
própria instituição... fomentar espaços de convívio (P3).
O fato de a maioria dos profissionais terem uma atuação como diarista, estando no
serviço todos os dias foi apontado também como fator que facilita o trabalho em equipe, pois
favorece a criação de vínculos entre os profissionais e um maior conhecimento sobre a
evolução do tratamento dos usuários.
O fato de sermos rotina, estarmos aqui todos os dias, cria mais vínculo tanto
com os profissionais, quanto com o compromisso que você tem pelo fato de
você estar aqui diariamente. Diferente de quando você é uma plantonista que
de uma certa forma você vem para segurar um serviço e naquele momento
você não tá vivenciando a evolução diária do paciente, então acho que é
importante esse entrosamento entre todos (F3).
O tamanho da internação foi citado por diversos profissionais como algo que deveria
favorecer as interações, a comunicação e a articulação. Alguns compararam seu tamanho com
o de outros locais onde trabalharam e chegaram a conclusão de que ali tudo teria que ser
mais fácil.
Algumas propostas de mudanças no serviço foram relatadas nas entrevistas como
possibilidades para se realizar um trabalho em equipe no caminho da humanização e da
integralidade. Algumas delas foram consideradas propostas individuais por terem sido
referidas por apenas um dos entrevistados, outras foram citadas por mais de um profissional,
mas por acreditarmos no igual valor de cada uma das propostas trazidas, por terem sido
pensadas pelos próprios profissionais que lidam no dia a dia com as dificuldades concretas,
serão apresentadas todas as propostas independentemente da frequência com que foram
apresentadas.
Um dos profissionais médicos intensivistas sugeriu que seria importante existir uma
passagem de plantão formal, algo que não existe no setor e gera muitas dificuldades e falhas
de comunicação e continuidade da atenção ao usuário. Para esse profissional, o ideal era que
fosse multiprofissional. Esse mesmo médico sugeriu que seria melhor para a UTI que
existisse uma nutricionista exclusiva da UTI, para assim compor uma equipe que praticamente
atende na UTI, o que facilitaria no momento das reuniões de equipe, por exemplo, em que
às vezes é necessário ter mais de uma profissional para que se possa obter informação de
apenas quatro usuários.
Uma sugestão que foi colocada por um grande número de entrevistados foi a
estratégia que começou a ser utilizada pelos médicos nas reuniões de equipe da enfermaria
154
de se discutir apenas os casos mais complicados ou graves, levando as reuniões a se tornarem
mais curtas e produtivas. Porém, apenas um dos entrevistados associou a discussão de menos
casos à discussão dividida por todos os dias da semana. No entendimento dos outros
entrevistados que fizeram a mesma sugestão pareceu que a proposta era permanecer em
apenas um dia da semana, porém com menos casos sendo discutidos.
A abertura e atenção maior para a fala dos outros profissionais também foi apontada
como algo que poderia ser melhorado em relação ao funcionamento das reuniões de equipe,
para que estas não mais girassem em torno da discussão médica, porém, nenhuma proposta de
mudança concreta de como alcançar essa maior abertura e atenção foi feita pelos
entrevistados.
Outras duas propostas de mudanças foram feitas com relação às reuniões de equipe.
Os entrevistados entendem que devido à sua importância, as reuniões deveriam ser uma rotina
e não acontecerem esporadicamente e nem por iniciativa isolada de alguns profissionais.
Outro ponto a se refletir, que alguns entrevistados colocaram foi a necessidade da reunião de
equipe não ser uma proposta instituída no serviço a partir da direção, pois entendem que
deveria ser algo construído aos poucos pelos próprios profissionais. Assim como colocam que
a própria definição de quem coordenaria tais reuniões deveria ser algo que surgisse dentro do
grupo e não alguém escolhido pela gestão para exercer tal função, tendo em vista que o que
definiria aquela pessoa como coordenadora da reunião não seria sua profissão e sim o seu
perfil.
Uma outra proposta trazida por um dos entrevistados é a inversão da ordem em que
ocorrem as diversas atividades na parte da manhã. Sua proposta é que a primeira coisa a ser
feita seria passar em todo mundo examinando bem e traçando a conduta do dia inteiro,
pedindo exames, acertando a prescrição, passaria pro doente seguinte. A reunião de equipe
não seria no fim do dia, mas realizada para se discutir justamente esses diversos aspectos e
decisões. A última coisa a ser feita seria, portanto o registro no prontuário do usuário.
Quanto à sala de prescrição foram feitas sugestões no sentido de melhorar sua
organização, a situação da falta de cadeiras, que passaria, na verdade pela questão do espaço
físico insuficiente, para que o espaço fosse mais acolhedor e realmente frequentado por todos.
Além disso, para que pudesse ser utilizado confortavelmente para a realização das reuniões de
equipe, por exemplo. Realizar de alguma forma a comunicação entre a sala de prescrição e o
posto de enfermagem, foi também uma proposta feita por uma das enfermeiras, pois
atualmente a separação dos espaços representa um empecilho ao trabalho em equipe, por
isolar os profissionais de enfermagem dos demais profissionais da equipe multiprofissional.
155
Uma proposta que foi colocada apenas pelas psicólogas entrevistadas foi a de que os
profissionais procurassem se reunir para produzir trabalhos, não necessariamente científicos,
sobre o trabalho que realizam. Segundo elas, seria interessante que os profissionais se unissem
mais na produção intelectual e também em outras formas de divulgação do trabalho realizado
por eles na instituição. Como exemplos, elas citam, além da produção teórica para divulgação
interna sobre o trabalho, a apresentação de casos realizada em conjunto no prédio do ensino
do Ipec, em que dois ou mais profissionais levariam para debate e/ou apresentação um caso
em que tenham se envolvido em conjunto para sua resolução.
Por último, gostaria de ressaltar a proposta feita por um dos profissionais médicos
entrevistados, que se assemelha com a proposta de equipe de referência.
Na verdade, o certo seria cada paciente ter um objetivo. Mas sem dúvida (...)
eu acho que tem que ter uma iniciativa pra fazer isso, traçar um plano pra
cada paciente...quais são suas expectativas (...) eu acho que (...) poderia
facilitar era que cada paciente tivesse um grupo de profissionais (...) esse
paciente está sendo visto por esse profissional, por esse profissional... por
esse profissional...uma equipe, eh... responsável... esses são responsáveis
pelos pacientes tal e tal... seria um grupo, eh... multiprofissional... esse
grupo teria que ser responsável também pelo planejamento do tratamento
desse paciente (M2).
Essa fala retrata mais uma vez que há, no serviço de internação estudado, uma postura
geralmente bastante favorável dos médicos para novas propostas de trabalho em equipe.
Pouco antes de terminar essa pesquisa, quando estava na fase de análise dos dados
empíricos, tomei conhecimento de algumas mudanças que começaram a ser instituídas no
serviço. Essas mudanças estão sendo implementadas pela direção e surgiram como propostas
do Comitê de Humanização do Ipec. O Comitê de Humanização é formado por profissionais
de diferentes áreas de atuação (Medicina, Nutrição, Psicologia, Fisioterapia, Farmácia,
Enfermagem e Serviço Social, dentre estes alguns que atuam como trabalhadores no serviço
de internação) e busca sistematizar e fortalecer as ações implantadas e fomentar novas
práticas voltadas à humanização da atenção em saúde no âmbito do Instituto e também
representa o Ipec junto à Câmara Técnica de Humanização do Ministério da Saúde
HumanizaRio (Fiocruz/Ipec, 2010c)
São mudanças que ainda estão em sua fase inicial, mas que achei pertinente citar nessa
conclusão. As principais novidades são a organização dos profissionais em equipes de
referência e a instituição de uma reunião de equipe multiprofissional por parte da direção. As
equipes de referência foram formadas com base nos residentes de infectologia do serviço, são
compostas por profissionais de áreas diferentes e se reúnem uma vez na semana para discutir
156
casos e selecionar, quando necessário, um caso para discussão na reunião de equipe
multiprofissional. Esta tem dia e horário fixos, acontece toda quinta-feira, a partir das 11h e
sempre com a intenção de durar no máximo uma hora. A responsável por coordenar as
reuniões é a própria diretora da internação. Outra novidade é a implantação do prontuário
eletrônico que pode vir a melhorar a qualidade da comunicação e, consequentemente, o
cuidado ao usuário.
157
Considerações finais
Conforme foi salientado no início dessa dissertação, penso que estudar qualquer
assunto referente ao mundo do trabalho requer que nosso olhar seja orientado, tanto para não
se perder em meio a riqueza que o constitui enquanto prática social, quanto para não deixar
capturar o olhar pelo que se encontra instituído ou pelo que está na superfície. Munida desse
pensamento, fui em frente na elaboração do projeto de pesquisa e posteriormente me
aventurei no trabalho de campo.
Entendo que o que mais dificultou meu caminho, foi uma luta interna que a todo
momento vinha à tona. De um lado, toda uma bagagem que eu vinha construindo de leituras
sobre o trabalho na saúde, o trabalho em equipe multiprofissional, que me davam
frequentemente pistas do quão difícil seria encontrar situações de trabalho em equipe em uma
internação hospitalar. De outro, a bagagem que construí em torno da esperança de que meu
olhar, orientado pelo referencial teórico da perspectiva ergológica e da humanização, pudesse
captar novas formas de trabalhar em equipe que poderiam ter escapado aos demais estudos.
Mais difícil ainda foi, então, ter que entrar em contato de imediato, nas primeiras idas
a campo, com a fragmentação visível e por vezes, invisível ou disfarçada, que se fazia
presente em todos os cantos daquele serviço. Contudo, apesar de toda a fragmentação presente
na área da saúde e no serviço de internação estudado, todos os profissionais entrevistados ao
menos compartilham a mesma opinião de que é essencial a busca pelo efetivo trabalho em
equipe. Todos compreendem que cada profissional de saúde isoladamente não é capaz de dar
a resposta adequada às necessidades de saúde apresentadas pelos usuários do serviço.
Podemos concluir que todos os profissionais têm ao menos alguma compreensão da
complementaridade e interdependência que entre os diversos processos de trabalho em
saúde e demonstraram grande abertura para a proposta.
Agora, finalizado o estudo, posso perceber que aquela disputa interna também se faz
presente no interior do serviço estudado. Existem, sim, diversas formas de fragmentação do
cuidado permeando todas as atividades do serviço, no entanto, existem também diversas
iniciativas, individuais ou coletivas, que demonstram o esforço que os trabalhadores fazem
diante das situações concretas para trabalhar em equipe.
Diferentes formas de relações interprofissionais podem ocorrer no dia a dia do serviço,
a depender da maneira como a comunicação ocorre entre os profissionais, da intenção que
está por trás dessa comunicação, da maneira como se relacionam e tomam suas decisões.
158
Uma primeira conclusão a que podemos chegar é que existe uma disputa entre uma
racionalidade que leva os profissionais a se isolarem em seus saberes, em suas práticas,
olhando para as necessidades pontuais do usuário, para a doença, para as lesões e uma outra
racionalidade não bem definida que busca compreender a saúde a partir do ser humano e de
suas necessidades, tentando ampliar a visão para conseguir dar conta da complexidade que se
apresenta no serviço, que entende que talvez a melhor maneira de responder às demandas que
mobilizam todos os profissionais seja a realizada em conjunto, que percebe a importância do
outro, reconhece a legitimidade do seu saber, busca compreender sua forma de ver o mundo,
mesmo que possa ser, na maioria das vezes, tão distante da sua e tudo isso, porque seu olhar
gira em torno do principal ator em cena, um ser humano, com necessidades que podem ser
compreendidas no encontro e através de uma postura de abertura ao outro.
São conclusões que nos levam a crer na potência da proposta de humanização que a
PNH nos oferece. Uma humanização que não se faz a partir de prescrições, mas que procura
trazer reflexões pertinentes a todos os serviços e evidenciar o papel de protagonista que os
diversos atores podem exercer a fim de transformar as práticas vigentes. Diante dos resultados
podemos perceber que essa racionalidade que busca espaço discretamente em meio às
dificuldades que se apresentam no cotidiano envolve os diversos aspectos que a PNH aborda e
propõe que sejam trazidos para a discussão no interior dos serviços. Nenhuma das
dificuldades apontadas neste estudo para o trabalho em equipe representa empecilho concreto
às propostas de humanização da atenção no Ipec e as propostas de mudanças revelam o desejo
de que as iniciativas de trabalho em equipe existentes no cotidiano possam ser aperfeiçoadas
para que se tornem mais potentes e humanizadoras.
O Ipec, por ser um hospital especializado em doenças infecciosas e voltado para
pesquisa, ensino e assistência, representou um campo de estudo bem interessante para as
questões que foram levantadas. A internação do Ipec é responsável pelo atendimento de
usuários, que em sua grande maioria, chegam à internação com quadros bem graves e outros
menos, mas todos são usuários com patologias complexas dentro da área de abrangência da
medicina e para as outras áreas também.
A importância de um trabalho realizado de alguma forma em equipe nesse ambiente é
visível. É fácil concluir que uma necessidade de encontrar alguma forma de reduzir as
fragmentações e fomentar novas formas de relações interprofissionais. Os resultados dessa
pesquisa apontam alguns caminhos possíveis e o que de potência nesses caminhos é que
foram propostos a partir da experiência e vivência dos trabalhadores, que conhecem, melhor
do que qualquer pesquisador, o ambiente e o contexto em que trabalham.
159
Quanto às reuniões de equipe, acreditamos que a tentativa de se construir uma nova
forma de trabalhar em equipe, por meio de reuniões multiprofissionais que apenas
reproduzem o modelo de reunião clínica da equipe médica, por exemplo, não seria um bom
caminho. É preciso formular em conjunto a melhor forma de funcionamento dessas reuniões
ou de outras iniciativas, que seja orientada pela outra racionalidade da qual falamos nessa
conclusão e assim caminhar na direção da construção do trabalho em equipe efetivo e
completamente novo.
Cabe ressaltar ainda uma das questões fundamentais para o fomento do trabalho em
equipe, ou seja, o modelo de gestão. que se fomentar redes de atenção e criar espaços de
gestão colegiada no dia a dia da internação, em que cada um possa ser e se sinta protagonista,
respeitado e valorizado em relação ao seu saber e fazer e, ao mesmo tempo, se responsabilize
pelos rumos da atenção prestada aos usuários e do serviço. Enfim, um modelo de gestão em
que possam ser discutidos os problemas, construídos consensos e pactuadas decisões de forma
coletiva e democrática é fundamental para que as relações interprofissionais sejam também
mais democráticas e para que os trabalhadores sejam valorizados enquanto gestores do seu
próprio trabalho.
A pesquisa permitiu apreender importantes aspectos que devem ser levados em conta
para propor mudanças na direção da humanização da atenção e da gestão. A partir dessas
conclusões, é fácil perceber o quanto as reflexões trazidas pela PNH através de seus princípios
e diretrizes podem contribuir na construção dessas novas maneiras de se trabalhar em equipe
no Ipec.
Se estamos à procura de uma forma eficiente de trabalhar em equipe é porque ainda
não existem receitas prontas quanto ao tema e nem acreditamos que receitas prontas devam
existir quando o assunto é o trabalho, em especial, o trabalho na saúde. Acreditamos que as
mudanças podem acontecer a partir dos próprios sujeitos-trabalhadores nas suas relações com
os gestores e usuários. E essa acredito que seja a principal conclusão desse estudo. Existe uma
vontade, por parte de todos os profissionais entrevistados, de preencher esse vazio de normas
que se coloca diariamente em seus caminhos, ou seja, todos desejam encontrar uma forma de
trabalhar em equipe para a produção de saúde. Porém, existe muitas vezes uma postura de
espera, pela atitude de outros, o que demonstra que uma necessidade de se fomentar o
protagonismo desses sujeitos, tornar visível a gestão que fazem do seu próprio trabalho e
propiciar que tomem decisões a esse respeito. Somente quando os trabalhadores
compreenderem a necessidade de tornar visível aquela disputa entre racionalidades distintas,
que realizam diariamente na micropolítica do trabalho vivo em ato, estes serão capazes de
160
buscar novas propostas de trabalho em equipe que se paute nessa outra racionalidade, que na
verdade, está sendo construída dia a dia e que entendo que será singular em cada serviço de
saúde, apesar de poder se utilizar deste mesmo caminho.
Finalizamos desejando que nossa tentativa de revelar a dimensão gestionária da
atividade desses trabalhadores seja capaz de fomentar seu protagonismo enquanto agentes de
transformação das práticas de atenção à saúde e possa render reflexões, negociações e
escolhas que caminhem na direção da construção de um trabalho em equipe, com relações
solidárias, democráticas e de co-responsabilidade entre os diferentes atores envolvidos na
produção de saúde do serviço (trabalhadores, gestores e usuários).
161
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169
APÊNDICE A
170
ROTEIRO DE ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Data de Nascimento:
Sexo: Estado Civil: Naturalidade:
Religião:
Profissão: Cargo/função:
Tempo no cargo/função: Setor de trabalho:
Vínculo empregatício: Turno de trabalho:
Jornada diária (hs):
Tempo na instituição:
Formação:
Outros vínculos:
QUESTÕES NORTEADORAS
1. Crença e justificativa da potencialidade do trabalho em equipe multiprofissional como
uma das principais estratégias para ajudar na produção de uma atenção humanizada e
qualificada no serviço de internação.
2. Percepção sobre a construção e desenvolvimento de um projeto terapêutico comum.
3. Descrição detalhada das atividades diárias de trabalho.
4. Narrativa a respeito das reuniões de equipe multiprofissionais realizadas no serviço de
internação.
5. Como é visto pelos demais componentes da equipe e como o trabalho dos outros
profissionais.
6. Percepção sobre a integração dos profissionais e as relações interpessoais dos
participantes das reuniões de equipe multiprofissionais. E no atendimento.
7. Principais dificuldades no cotidiano do trabalho em equipe multiprofissional.
Concepção sobre mudanças necessárias para o aperfeiçoamento do trabalho em equipe com
repercussões positivas na atenção ao usuário internado.
171
APÊNDICE B
172
ROTEIRO DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE*
Impressões em relação ao ambiente
- apresentação e receptividade por parte da coordenação/equipe/trabalhadores
- reações/mobilizações em decorrência da presença do pesquisador (reunião formal,
alteração da rotina)
- sensações percebidas: incômodo, curiosidade, necessidade de estabelecer alianças
e/ou trocas
- aspectos gerais do ambiente/descrição do espaço físico e mobiliário; circulação de
funcionários do setor
- circulação de pessoas estranhas ao ambiente de trabalho
Processo/Atividade de trabalho por área profissional
- processo de trabalho no cotidiano da enfermaria
- preocupações cotidianas no trabalho
- necessidade de atuação a partir de demanda de outros profissionais
- necessidade da colaboração de outros profissionais
- articulação das ações com outros profissionais
- reuniões e outros espaços informais de troca
- relacionamentos (afinidades, interferências, conversas informais, espaços de
convivência e troca)
Relação entre trabalhadores-usuários
- conflitos, atenção às demandas, colaboração
- formas de lidar com o sofrimento de usuários e familiares
- impactos dessa interação no trabalho e na saúde de trabalhadores e usuários
Referências à humanização em saúde
- em relação aos trabalhadores
- em relação aos usuários
Reuniões de Equipe
- Como ocorrem as reuniões
Rotina;
173
Funcionamento;
Espaço físico;
Hierarquia na exposição de opiniões e tomada de decisões;
Coordenação da discussão.
- Configuração de trabalho em equipe:
Sinergia positiva;
Coordenação, cooperação e responsabilidade coletiva;
Interação entre os agentes;
Foco nos resultados;
Autonomia profissional;
Reconhecimento do caráter interdependente da autonomia profissional;
Flexibilização da divisão do trabalho;
Comunicação;
Busca pela integralidade;
Elaboração do projeto assistencial comum;
Questionamento das desigualdades estabelecidas entre os diversos trabalhos.
* A elaboração deste roteiro de observação foi adaptado utilizando elementos do roteiro
proposto por Moreira, M.C.N. (2006)
174
ANEXO A
175
176
ANEXO B
177
178
ANEXO C
179
180
ANEXO D
181
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado para participar da pesquisa Trabalho em Equipe e
Humanização da Atenção à Saúde em Doenças Infecciosas” que tem os objetivos de
analisar o trabalho em saúde, buscando apreender as relações entre os diferentes sujeitos e as
práticas profissionais desenvolvidas no cotidiano do trabalho em equipe multiprofissional, de
que maneira estas refletem na atenção à saúde e no trabalho de cada profissional e quais as
dificuldades encontradas pelos trabalhadores e suas propostas de superação.
Você foi selecionado por apresentar tempo de serviço de no mínimo um ano no Ipec e por
participar em pelo menos um round por mês como membro da equipe. Sua participação não é
obrigatória e a qualquer momento você pode desistir e retirar seu consentimento, sem nenhum
prejuízo.
Durante a pesquisa você será solicitado a participar de entrevista individual que será realizada
fora do local de trabalho, em outro prédio do Instituto, em local reservado. Além disso, a
pesquisadora acompanhará através de observação o cotidiano de trabalho dos diferentes
profissionais no Centro Hospitalar Setor de Internação, e também a realização dos rounds
clínicos multiprofissionais e fará análise de alguns documentos institucionais. As entrevistas
serão gravadas e as gravações serão armazenadas para análise durante a pesquisa e guardadas
pela pesquisadora responsável por um período de cinco anos para garantir o acesso e eventual
consulta.
A pesquisa pode gerar como riscos a exposição de conflitos entre os profissionais que
participam da equipe de trabalho, desconforto pela presença do pesquisador no local de
trabalho e possível identificação do sujeito entrevistado. Para minimizá-los a interferência do
pesquisador nas observações será a menor possível e os dados e informações obtidos serão
utilizados apenas para fins de estudo, buscando-se manter o anonimato dos participantes da
pesquisa através da realização da entrevista fora do ambiente de trabalho (centro hospitalar) e
da utilização, no lugar dos nomes dos profissionais, de alguma forma de identificação
codificada (letras ou números) na apresentação dos resultados. Você poderá pedir
182
esclarecimentos sobre o estudo sempre que quiser e também poderá se recusar a participar ou
se retirar, interrompendo sua participação na pesquisa a qualquer momento.
Como benefícios a pesquisa pode trazer uma melhor compreensão dos limites e das
potencialidades do trabalho em equipe e pode contribuir para a humanização desse trabalho e
da atenção dispensada aos pacientes internados.
As atividades serão desenvolvidas pela aluna do Mestrado em Saúde Pública da
ENSP/Fiocruz, Cíntia Garcia Cardoso, sob orientação da pesquisadora Élida Azevedo
Hennington. O telefone de contato é 8225-2518 e o endereço é Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca, Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, Rio de Janeiro, CEP
21041-210, telefone 2598-2551.
______________________________________
Assinatura do pesquisador
Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública - CEP / ENSP :
Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 - Andar rreo / Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ / CEP.
21041-210
Tel e Fax - (21) 2598-2863
Eu, ______________________________________, declaro que entendi os objetivos, riscos
e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
_________________________________________
Assinatura do sujeito da pesquisa
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