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Jair Lourenço da Silva
Trabalhando com Famílias no Ciclo da
Drogadicção:
uma proposta de intervenção nos sistemas
familiares com membro dependente de drogas
Doutorado
Psicologia Clínica
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO
São Paulo
2010
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Jair Lourenço da Silva
Trabalhando com Famílias no Ciclo da
Drogadicção:
uma proposta de intervenção nos sistemas
familiares com membro dependente de drogas
Tese apresentada à banca examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo para a obtenção do título de
Doutor em Psicologia Clínica, sob
orientação da Profª. Dra. Rosa Maria S.
de Macedo.
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Banca Examinadora:
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Resumo
O presente estudo tem como objetivo apresentar uma proposta de
intervenção nos sistemas familiares com membro adicto. Uma intervenção que
possa ser aplicada por cuidadores não-psicoterapeutas, ou seja, conselheiros
em dependência química, que trabalhem em comunidades terapêuticas, os
quais serão os participantes desta pesquisa.
As comunidades terapêuticas para dependentes químicos são
importantes recursos, descritos pela Secretária Nacional Antidrogas, na rede
de atenção ao enfrentamento das drogas, porém, assim como a maioria dos
serviços para dependência química, carecem de intervenções em nível familiar.
Em virtude dessa carência e da complexidade do fenômeno é que especialistas
em dependência química têm orientado abordagens neste âmbito.
Por meio de uma pesquisa qualitativa, procuraremos investigar, entre os
cuidadores envolvidos nesta pesquisa (ex-dependentes químicos recuperados
pelo menos um ano), os padrões de funcionamento de seus sistemas
familiares no plano geracional e transgeracional. Buscaremos desenvolver,
junto aos participantes, a compreensão dos padrões de relacionamento em sua
família de origem e atual, com o intuito de valorizar as competências e resgatar
os aspectos resilientes dos sistemas familiares destes cuidadores. Nosso
objetivo, então, é criar, junto com estes cuidadores, um instrumento de
intervenção, facilmente aplicável por não-psicoterapeutas que trabalhem com
famílias envolvidas com a problemática da dependência química, para o
empoderamento destas no enfrentamento do ciclo da drogadicção.
Descritores: dependente de drogas, família, conselheiro em dependência
química.
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Abstract
The purpose of this study is to propose an intervention in family systems
with an addicted member. An intervention that may be applied by non-
psychotherapist caretakers, i.e., substance dependence advisors, working in
therapeutic communities, who will participate in this research.
Therapeutic communities for substance addicts are important resources,
described by the Brazilian National Anti-Drug Department, in the drug-fighting
network, however, as most of the substance dependence services, they require
interventions in the family level. Due to this need and the complexity of the
phenomenon, substance dependence experts have oriented approaches in this
scope.
By means of a qualitative research, we will seek to investigate, among
the caretakers involved in this research (former substance addicts recovered for
at least one year), the functioning patterns of their family systems in the
generational and transgenerational levels. We will seek to develop along with
the participants the understanding of the relationship patterns in their original
and current families, with the purpose of valuing the competences and rescuing
the resilient aspects of these caretaker families systems. Therefore, our
purpose is to create, together with these caretakers, an intervention instrument,
easily applicable by non-psychotherapists working with families involved with
the problems of substance addiction, to empower them to fight the drug-
addiction cycle.
Descriptions: drugs addicts, family, substance dependence advisors.
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DEDICATÓRIA
A minha filha Mariana Lourenço, meu
maior tesouro.
Aos meus pais, Osvaldo e Olivia,
amigos e porto seguro de todas as
horas.
Aos meus amigos, pela força, carinho
e o calor de sempre.
Aos meus professores, fonte
inesgotável de conhecimento e trocas.
Aos voluntários desta pesquisa, que
confiaram neste trabalho,
compartilhando experiências tão
íntimas e tão delicadas.
7
AGRADECIMENTOS
Aos meus amigos e companheiros de vida
acadêmica, que são muitos, e muito queridos.
As minhas queridas amigas Nancy e Eunice, pelas
trocas imensuráveis e o prazer de aprender sempre.
Aos meus amigos do coração, Pati, Mari e Edison,
que me ajudaram e continuam me ajudando a realizar
sonhos.
Aos meus amigos (família por escolha) Juvis,
Albinha, Ana Paula, Fabio, Jumar, Marquinho, Cida 1,
Cida 2, Marilu, Borô, Ercília e Carlão, Mauricio,
Chiquinho, Toquinha, Ivani, Josias, Edu Vagner,
Rodrigo e Dal.
As minhas queridas amigas, Albinha e Ana Paula,
manifestação de puro carinho nas horas mais difíceis
da minha vida.
Às amigas, que me ajudaram na finalização desta
pesquisa, Wal e Cristina e Edison.
A toda a equipe da AEP.
A todos os CDQs voluntários, pedras preciosas na
construção desta tese.
Às famílias e aos pacientes, que nos ensinam todos
os dias a arte de crer e transformar.
Ao presidente da AEP, sr. Osvaldo, que abriu suas
portas para que esta pesquisa pudesse ser realizada.
À profa. dra. Cineide Maria de Oliveira Cerveny e ao
prof. dr. Dany Al-Behy Kanaan, pelas sugestões e
apontamentos feitos no exame de qualificação.
Às professoras das disciplinas da PUC,
especialmente a Cineide, me orgulho de continuar
sendo seu aluno.
A Rosa Macedo, minha verdadeira mestre: não tive,
em nenhum momento, dúvidas que eu poderia contar
com você; tenho tido o privilégio de tê-la como
orientadora nesta longa caminhada, especialização
em terapia de família, mestrado e doutorado, e
desejo continuar podendo contar com seu carinho – o
meu agradecimento especial a você!
8
...
Bendita a sede
por arrancar nossos olhos
da pedra.
Bendita a sede
por ensinar-nos a pureza
da água.
Bendita a sede
por congregar-nos em torno
da fonte.
(Sede, Orides Fontela)
9
SUMÁRIO
1. Introdução: Trabalhando com famílias no ciclo da drogadicção,
1.1. Contextualizando o problema,
1.2. Compreendendo a família no ciclo da drogadicção,
1.3. O panorama de drogadicção no Brasil,
1.4. Comunidades terapêuticas para dependentes químicos,
1.5. Definições de termos,
2. Relevância do tema,
3. Aporte teórico,
3.1. Pensamento sistêmico novo paradigmático,
3.2. Técnicas de terapia familiar sistêmica aplicadas à drogadicção,
3.2.1. Terapia de família – técnica estrutural de Minuchin,
3.2.2. Trabalhando em rede: o indivíduo,a família e o contexto social
em interconectividade,
3.3. Representação social,
4. Elaborando uma proposta de intervenção com famílias com membro
dependente químico,
4.1. Descrição do programa de capacitação: noções básicas de terapia de
família,
5. Objetivo,
6. Metodologia,
6.1. Características dos participantes da pesquisa,
6.2. Critérios de inclusão,
6.3. Local,
6.4. Etapas da pesquisa,
6.5. Instrumentos e técnicas utilizados,
7. Análise dos resultados obtidos,
8. Considerações finais,
9. Bibliografia,
10
APRESENTAÇÃO
Considero importante, antes de me dedicar a este trabalho,
propriamente dito, fazer um breve histórico de minha vida acadêmica para
explicar minha linha de pesquisa no campo das dependências químicas e
família.
Em 1988, terminei o curso de medicina na Faculdade de Medicina de
Catanduva; após ter sido aprovado na residência de psiquiatria da Unesp,
optei por ingressar, em 1999, na residência em psiquiatria comunitária da
clínica Santa Fé, na cidade de Itapira, para atendimento de portadores de
transtornos mentais em geral, onde pude desenvolver o olhar para o indivíduo
como um todo, biopsíquico-social, com o foco na família destes pacientes, suas
relações com os outros internos e capacidade laborativa e criativa nas oficinas
terapêuticas, cujo objetivo era o resgate das competências destes pacientes.
Nesta residência, interessei-me pelos pacientes dependentes de drogas e seus
familiares, passando a coordenar um grupo com maioria dependente de
drogas. Após o rmino da residência, ingressei no curso de psicodrama da
Sovap (1990-1992), com o objetivo de desenvolver melhor o trabalho com
grupos, e paralelamente iniciei o curso de aperfeiçoamento em dependência de
drogas, na Unifesp, promovido pela Secretaria de Saúde do Estado de São
Paulo, com estágio opcional na clínica Marmotan, em Paris, sob coordenação
do professor Claude Oliveintein (1991-1992); neste curso, percebi a
importância do trabalho com famílias. Desta forma, ingressei no curso de
Terapia Familiar e Casal na PUC-SP (1992-1994), o qual abriu meu horizonte
para o trabalho acadêmico e profissional com a problemática da drogadicção,
sob o olhar sistêmico, tendo a família como coparticipante no trabalho da
recuperação e prevenção à dependência química. Como conclusão do curso,
apresentei minha monografia intitulada “Intervenção familiar sistêmica em um
sistema familiar com membro dependente químico”. Em 1992, iniciei meu
trabalho como diretor-técnico da clínica Santa Marta, especializada em
11
dependência de drogas (1992-1995), onde desenvolvemos um trabalho multi e
interdisciplinar, com foco na família e na reinserção social. Em 1996, ingressei
no mestrado em Psicologia Clínica na PUC-SP, tendo concluído o curso
apresentando a dissertação intitulada “O farmacodependente como elo para a
coconstrução familiar: um estudo de caso das relações interpessoais em
famílias com farmacodependentes” (1996-2001). De 1995 a 2001, exerci o
cargo de diretor-técnico da clínica “Espaço Renascer”, especializada em
dependência química e comorbidades, em regime de hospital-dia e internação
integral, também com foco na família do dependente químico e na reinserção
social, trabalhando com redes saudáveis para a reconstrução dos vínculos
sociofamiliares. No período de 1997 a 2001, participei de trabalhos de
prevenção de uso de drogas em escolas municipais e estaduais da região
oeste de São Paulo, como coordenador de saúde mental e dependência de
drogas da região Lapa-Butantã; este trabalho produzido por nossa equipe teve
um valor inestimável, com produção de artigos e apresentação em congressos
nacionais e internacionais, servindo, junto com as outras coordenadorias, para
fomentar a rede de atenção à dependência de drogas no município de o
Paulo, com a expansão do CAPS ad (álcool e droga). Em 1999, constituímos
um grupo multidisciplinar de estudo sobre famílias e dependência de drogas,
também vinculado à saúde mental do município de São Paulo; com base neste
grupo, junto com a equipe do Centro de Formação para os Funcionários da
Saúde do município de São Paulo (Cefor), realizamos um curso de capacitação
em terapia familiar sistêmica, para trinta pessoas, com duração de 18 meses.
No período de 2002 a 2008, fui coordenador de saúde mental do hospital “Dr.
José Soares Hungria”, na região noroeste de São Paulo, pela Secretaria
Municipal de Saúde, período no qual realizamos um trabalho intenso de
construção de rede de serviços com referência e contrarreferência em saúde
mental, obtendo um resultado bastante positivo. Em 2006-2007, passei a
realizar um trabalho como interlocutor de saúde mental para as emergências
psiquiátricas em hospital-geral do município de São Paulo, quando realizamos,
junto ao IPQq do Hospital das Clínicas da FMUSP (verba Fapesp), um trabalho
piloto que posteriormente contou com a participação de todos os pronto-
socorros do município de São Paulo, tendo como um dos resultados um
manual para os serviços de emergência psiquiátrica em hospital-geral (minha
12
participação consta no capítulo de dependência de drogas, no qual enfatizo a
importância da construção de redes de apoio à drogadicção). Em 2008, iniciei
um projeto de organização não-governamental para o trabalho com
dependentes de drogas em situação de vulnerabilidade social, com parceria, a
partir de 2009, com o município de São Paulo e município de Cajamar, grande
São Paulo, tendo como objetivo um trabalho multi, inter e transdisciplinar, com
foco no indivíduo, família e rede social. Em 2006, ingressei no curso de
doutorado em Psicologia Clínica da PUC-SP, com a proposta de continuar meu
trabalho acadêmico nesta linha de pesquisa com dependentes de drogas e
suas famílias, cujo resultado é a presente tese.
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1. INTRODUÇÃO
Trabalhando com famílias no ciclo da drogadição
Este trabalho tem como objetivo criar um modelo de intervenção familiar
que possa ser aplicado por cuidadores, não-psicoterapeutas, no tratamento de
dependentes químicos institucionalizados em comunidades terapêuticas e suas
famílias.
Iniciaremos nossa pesquisa investigando as relações com as famílias,
nuclear e extensa, dos cuidadores, nossos sujeitos de estudo; em nossa
pesquisa serão aqueles que trabalham em comunidade terapêutica, e estão
pelo menos um anos sem uso de drogas, considerados dependentes químicos
recuperados. Temos como finalidade conhecer os aspectos envolvidos no ciclo
da drogadicção, que auxiliaram na recuperação do sistema familiar como um
todo: recuperação do membro adicto e dos padrões adictivos familiares
(descreveremos mais adiante os padrões adictivos presentes em nossa
sociedade globalizada), assim como mecanismos de funcionamento
desenvolvidos em cada sistema familiar para a prevenção de recaídas.
Partimos do pressuposto que quando cada membro familiar reconhece
seu papel e sua responsabilidade na gênese e na resolução da problemática
da drogadicção, o sistema familiar torna-se corresponsável na solução do
problema. É de consenso entre os especialistas em dependência química
(Stanton, 1990 e Kalina, 1988), que trabalham com família, que a recaída de
um membro adicto pode levar à recaída de todo o sistema familiar, e vice-
versa, caso em que um dos elementos da família (que não o adicto) recai em
comportamentos ou atitudes inadequadas (adictas), o que vulnerabiliza o adicto
para a recaída.
É sabido que os padrões adictivos, como o uso de calmantes, o abuso
de álcool, o exagero em atividades de trabalho (work-aholic), compulsões por
compras ou jogos, etc., são frequentemente encontrados nestes sistemas
14
familiares. Por essa razão, é importante identificá-los junto com a família para
que cada um assuma sua responsabilidade neste ciclo da drogadicção.
Dito isto, enfatizamos a necessidade da compreensão do sistema
familiar e de uma intervenção neste âmbito para o manejo da dependência
química.
Um tratamento que inclui a família em psicoterapia, com profissionais
especializados, geralmente demanda custos maiores que o atendimento
individual. Nesse sentido, um trabalho com cuidadores não-psicoterapeutas,
capacitados por treinamento específico, facilmente multiplicável, ampliaria
enormemente a capacidade do sistema para fornecer um trabalho com as
famílias, que seja terapêutico, eliminando uma das grandes barreiras para tal
intervenção, que é o alto custo para a instituição (em termos de número de
profissionais necessários) e para a família (por se tratar de agentes treinados,
em vez de profissionais como psicólogos, médicos ou outros especialistas).
Definiremos como cuidadores não-psicoterapeutas os indivíduos com ou
sem formação profissional universitária que atuam diretamente como técnicos
ou agentes de saúde na intervenção com o dependente químico que está em
tratamento em comunidade terapêutica. Estes cuidadores podem ser:
a) indivíduos com formação técnica, de auxiliar ou técnico de enfermagem,
que tenham experiências pessoais, por meio de pessoas de convívio
próximo, com a dependência química;
b) indivíduos sem formação técnica, recuperados da dependência química,
com pelo menos um ano de abstinência ao uso de drogas, que fizeram
pelo menos um curso introdutório sobre dependência química e que
atuam na recuperação de dependentes químicos em comunidades
terapêuticas; estes cuidadores são também denominados “conselheiros
em dependência química”, os quais serão os participantes de nossa
pesquisa.
1.1. Contextualizando o problema
O uso de drogas é um fenômeno mundial, do qual desde os primórdios
da civilização temos evidências de seu uso pelas mais variadas necessidades
15
humanas, seja por questões culturais, pela obtenção do prazer, para minimizar
desconfortos como a dor, a fome, etc., seja, mais geralmente, relacionado à
busca dos indivíduos para modificar seu estado natural de percepção,
provavelmente como forma de compreensão de si e do mundo que o cerca.
Sabemos que o consumo de drogas, ao longo da história, é variável de região
para região, porém fica difícil precisar quando este hábito humano passou a ser
um problema de saúde individual e/ou coletivo.
Vários autores têm demonstrado o aumento do consumo de drogas
nessa época de “capitalismo perverso” (Santos, 2004). A problemática das
drogas é hoje um fenômeno mundial, ultrapassando no final de século passado
todas as fronteiras sociais, políticas e econômicas. Atualmente, o consumo de
drogas afeta praticamente todos os países, mantendo especificidades de
região para região, sendo que, nas últimas décadas, começou a convergir para
pessoas cada vez mais jovens.
No mundo todo, cerca de 200 milhões de pessoas – quase 5% da
população entre 15 e 64 anos usam drogas ilícitas pelo menos uma vez por
ano. Cerca de metade dos usuários usa drogas regularmente, isto é, pelo
menos uma vez por mês. Aproximadamente, 25 milhões de pessoas são
dependentes químicos. As drogas consideradas mais problemáticas no mundo
são os opiáceos, em primeiro lugar cujo consumo se dá, especialmente, na
Ásia e Europa , e a cocaína, em segundo lugar droga que, na América do
Sul, mais leva à busca de tratamento por dependência.
De acordo com o Relatório mundial de drogas, de 2007, do Escritório
das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), a produção, tráfico e
consumo de drogas em todo o mundo tem estabilizado. No entanto, o relatório
aponta que, alguns anos, parecia que o mundo caminhava rumo a uma
epidemia de abuso de drogas, mas há cada vez mais indícios de que o
problema está sendo controlado: "Os dados mais recentes que colhemos
mundialmente mostram que a dependência de drogas tem diminuído", afirma
Costa, diretor-executivo do UNODC.
Para Costa (UNODC, 2007), é necessário a continuidade dos esforços
que os países têm feito para que a situação não se reverta. Para ele, os
16
programas de prevenção, tratamento e atenção geral à saúde dos dependentes
de drogas, assim como o estímulo à formação de multiplicadores em atividades
relacionadas à redução de danos, visando um maior envolvimento da
comunidade com essa estratégia, são questões vitais para que os resultados
continuem cada vez mais satisfatórios. Detectar o problema o mais
rapidamente possível, buscar terapias e integrar o tratamento de drogas nas
questões de saúde pública e programas de serviço social pode livrar as
pessoas da dependência”, afirma o diretor-executivo.
Como resposta à conscientização mundial da problemática das drogas,
no Brasil foi criada a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), em 2001,
orientada por uma Política Nacional Antidrogas (PNAD), que reconhece que
todas as pessoas envolvidas com esta problemática têm o direito de receber
tratamento adequado, recuperação e reinserção social.
O Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas (Cebrid), da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também tem apontado um
aumento significativo do uso de drogas psicotrópicas. Os serviços
especializados em dependência química, da rede de saúde mental da
Prefeitura Municipal de São Paulo, têm registrado aumento da demanda e
grande lista de espera para o atendimento de dependentes químicos e seus
familiares.
Diante desta problemática da drogadicção, vários modelos de atenção
foram criados para dar conta desta demanda. O Guia prático sobre uso, abuso
e dependência de substâncias psicotrópicas para educadores e profissionais
da saúde, da Prefeitura Municipal de São Paulo, lançado em 2006, apresenta
uma rede de serviços que tratam desta problemática em seus diferentes níveis
de agravamento, com várias possibilidades de intervenção.
É de consenso no manejo da drogadicção que não existe um modelo,
local ou tipo de tratamento único que possa resolver esta questão; o que faz a
diferença é o acesso à rede de serviços e a interconexão entre estes,
configurando uma rede de proteção e apoio à dependência química (ver fig. 1).
17
A literatura especializada e a nossa prática clínica nos leva a entender
que a forma mais adequada é a abordagem que prioriza as demandas de cada
indivíduo dentro de seu sistema familiar e de cada sistema familiar envolvido no
problema da drogadicção, favorecendo o acesso às redes de serviços que
integram um tratamento globalizador: o dependente químico em seu contexto
sociofamiliar.
Figura 1: Rede de atenção à drogadicção – rede de serviços.
Centro de Excelência
Pesquisa, Ensino e
Tratamento
Internação
Prolongada
Clínicas de Tratamento
Comunidades
Terapêuticas
Enfermarias de
Desintoxicação
Prolongado
Drogas e Álcool
Unidade
Comunitária
Drogas e Álcool
Grupos
de
Auto-Ajuda
Unidade
Comunitária de
Saúde Mental
Hospital Dia
Saúde Mental
Ambulatório de
Saúde Mental
Hospital de
Especialidades
PS e Enfermarias
Hospital
Geral
PS e Enfermarias
Empresas
Escolas
Ambulatórios
Gerais
Ambulatórios
de
Especialidades
Albergues
Cadeias
e Prisões
unidades para
menores
Infratores
18
Fonte: Guia prático sobre uso, abuso e dependência de substâncias psicotrópicas para educadores e profissionais da
saúde (São Paulo: Secretaria Municipal da Saúde, 2006).
19
Pensamos que uma configuração mais interessante para o desenho
explicativo acima poderia ser em forma de rede, pois assim inclui os serviços
apresentados de modo interconectado, dando ênfase na sua distribuição de
maneira uniforme, com diferentes olhares e atribuições, porém no mesmo nível
de atendimento, sem hierarquia entre eles, sem a conotação de que um serviço
seja mais importante que o outro, ou seja, a importância destes recursos se
na inter-relação entre eles, para desta forma construir uma rede de apoio e
atenção adequada. Sendo assim, para dar conta da complexidade do problema
da drogadicção, o desenho proposto por nós assumiria a seguinte
configuração:
20
1.2. Compreendendo a família no ciclo da drogadicção
Os estudos sobre a família, ao longo da história, sempre procuraram
descrever um modelo familiar representativo do contexto social investigado. No
século XIX, temos o modelo de família nuclear burguesa, que por muito tempo
se destacou como modelo familiar vigente da sociedade ocidental capitalista.
Apesar de outros grupos familiares de características diversas conviverem
perifericamente com esse modelo hegemônico, é este que ganha destaque
central nesta sociedade.
Desde Freud , no início do século passado, a família nuclear (pai, mãe e
filhos) tem sido a base para os estudos sobre a família. A estrutura
caracterizada pela família nuclear era o ponto de partida e a condição
necessária para o enfrentamento das demandas do ciclo vital familiar.
A partir de 1950, as transformações advindas da Modernidade criam um
novo panorama social. De acordo com Giddens (1997), as mudanças da
Modernidade criam uma transformação em salto, dando origem a um novo
paradigma nas ciências e na forma de se pensar a sociedade ocidental,
denominada como “Pós-Modernidade” ou “Modernidade Tardia”, “Modernidade
Líquida” (Bauman, 2001).
Com as mudanças sociais são colocados em xeque os modelos
familiares tradicionais, que não correspondem mais à realidade de nossa
sociedade. As novas formas de pensar e compreender a realidade, que advêm
da chamada Pós-Modernidade, ao mesmo tempo em que influenciam as
crenças, costumes e tradições são também por estes influenciados, produzindo
uma enorme gama de variações em termos de estrutura familiar.
uma grande demanda individual e coletiva ante os acelerados
acontecimentos da Pós-Modernidade. O indivíduo passa a experimentar várias
situações inusitadas e desconhecidas, sem parâmetros para se assegurar,
ficando, segundo Giddens (1991), à mercê de sistemas detentores do poder e
do saber, respectivamente representados pelo capitalismo liberal descontrolado
21
e pelos conhecimentos tecnológicos. A influência dessas mudanças será
sentida no âmbito individual, familiar e social.
Sennet (2001) nos mostra como essas mudanças refletem muito além
das condutas e do comportamento dos indivíduos, modificando-os
profundamente, levando-os a questionarem seus valores, seus mitos e
crenças, colocando em pauta a ética das relações humanas em nossa
sociedade em face do novo capitalismo. Esse autor nos remete ao
enfraquecimento das estruturas sociais estabelecidas anteriormente. O poder e
o saber tradicionais dão lugar ao relativo, ao paradoxal e ao ambíguo,
mostrando-nos a necessidade de grande espontaneidade e flexibilidade para
lidar com essa nova forma de sentir e estar no mundo, imposta por esse novo
capitalismo.
É nesse cenário social que se desenham figuras tão paradoxais: ao
mesmo tempo em que constatamos grandes avanços tecnológicos em campos
como a medicina, a engenharia e tantos outros, deparamo-nos com o
recrudescimento da pobreza, o ressurgimento de doenças consideradas
extintas e o enriquecimento de uma ínfima camada social da população, em
detrimento de um grande número de excluídos beirando à extrema pobreza.
Uma sociedade com tanta desigualdade se torna cada vez mais vulnerável aos
fenômenos da violência, da miséria, do alcoolismo e de outras drogas.
Entendemos, com base em uma reflexão sistêmica (causalidade
circular), que essas mudanças influenciam no desenvolvimento dos grupos
familiares e, ao mesmo tempo, recursivamente, estes influenciam na
construção social da realidade da qual fazem parte.
Temos como um de nossos objetivos entender como esses indivíduos e
as famílias das diferentes classes sociais desfavorecidas têm enfrentado os
problemas da drogadicção nesse contexto social.
Assim como Sluzki (1987), acreditamos que a instabilidade advinda do
novo capitalismo e da pós-modernidade cria demandas para o atendimento dos
indivíduos socialmente desfavorecidos, a fim de que possam se beneficiar do
desenvolvimento de redes sociais sustentáveis, melhorando suas condições e
sua qualidade de vida individual e coletiva.
22
Minuchin (1992), em seu trabalho com famílias de baixa renda, em
situação de vulnerabilidade social (com vários problemas sociais, inclusive
drogas), desenvolveu ações junto a estas comunidades, colaborando para a
elaboração da “técnica estrutural de terapia familiar”, modelo este bastante
satisfatório para a intervenção nestes sistemas familiares. Este modelo, junto
com o modelo de “terapia familiar estratégica”, de Haley tem sido utilizado em
vários serviços especializados em tratamento e prevenção de drogas e
recomendado por autores como Stanton e Todd (1990), especialistas
mundialmente reconhecidos, entre outros.
No Brasil, a teoria de Paulo Freire (1987) nos mostra a importância de se
considerar a noção de mundo do indivíduo no processo de aprendizagem. O
autor descreve o processo socioeducativo como um modelo participativo
construtivista. Recentemente, Barreto (2005), recuperando a teoria de Paulo
Freire, e embasado nos conceitos de resiliência e de empoderamento,
desenvolveu a técnica de “terapia comunitária”, que visa, principalmente,
revelar as competências de indivíduos constantemente desvalorizados e
excluídos, das comunidades que vivem em situação de pobreza.
Com o resgate dos recursos resilientes e o fortalecimento de seus
membros, Barreto (ibid.) procura desenvolver o empoderamento dessas
comunidades, colaborando para o entendimento e o manejo dos problemas
pessoais dessas famílias pobres.
Dessa forma, procuraremos construir, também por meio de uma
metodologia participativa e construtivista, um instrumento de intervenção que
possibilite o empoderamento das famílias em vulnerabilidade social atendidas
em comunidades terapêuticas para dependência química, instrumento este que
possa ser desenvolvido e aplicado por conselheiros em dependência química.
1.3. O panorama da drogadicção no Brasil
Epidemiologia
Segundo o Levantamento do Cebrid (2005), mais de 20% da população
utilizou algum tipo de droga. As drogas são utilizadas, geralmente, entre a
23
população mais jovem e têm repercussão em todo o organismo, afetando
principalmente o coração. Este é ainda mais prejudicado no caso de drogas
estimulantes, como a cocaína, o crack ou o ecstasy, que afetam o
funcionamento do organismo para a liberação de adrenalina. As consequências
são mais graves quando o consumo é associado à obesidade e ao
sedentarismo.
A droga mais consumida no mundo é a maconha (cannabis). Cerca de
4% da população mundial entre 15 e 64 anos usa cannabis, ao passo que 1%
usa drogas estimulantes, do grupo anfetamínico, cocaína e opiáceos. A
dependência de heroína é um grave problema em grande parte do mundo: 75%
dos países, especialmente Ásia, Europa e América do Norte, enfrentam
problemas com o consumo desta droga. Na América do Sul, o grande problema
é a cocaína.
Na América do Sul, inclusive no Brasil, há registros de aumento no
consumo de maconha e de cocaína, segundo dados obtidos no último senso
domiciliar de 2005. A pesquisa mostrou índices de prevalência mais altos que
na pesquisa realizada em 2003. Ou seja, a maior parte do “aumento” dos
índices de prevalência na América do Sul, em 2005, refere-se a ajustes que
tentam tornar os números mais realistas. Se os ajustes não fossem levados em
consideração, o aumento seria menor
1
. Apesar dos altos índices de prevalência
da pesquisa doméstica nacional de 2005, os atuais dados disponíveis não
excluem a possibilidade de não ter ocorrido um aumento significativo do uso de
cocaína no Brasil.
Para o representante regional do UNODC para o Brasil e Cone Sul,
Giovanni Quaglia, as drogas têm de ser tratadas como questão de saúde
pública: preciso trabalhar mais na prevenção e oferecer serviços a quem
busca tratamento contra a dependência”, afirma (UNODC, 2007). A Suécia tem
sido apontada como exemplo de êxito nas estratégias de prevenção: “... gasta
24
30% a mais em prevenção e tem 30% menos usuários de drogas que a média
européia", disse Quaglia (ibid.).
sinais crescentes de que tanto a oferta como a demanda por drogas
estão estáveis, segundo o mesmo UNDOC (2007). A maioria dos países tem
se esforçado no enfrentamento do problema com as drogas, reduzindo seus
riscos. Este combate às drogas tem de ser constante e, para que esta situação
favorável permaneça num crescente, é importantíssimo manter a atenção e a
vigilância, pois acredita-se que a situação pode rapidamente se deteriorar.
"Não podemos tirar o do freio. A prevenção às drogas, aliada aos cuidados
e atenção em saúde para os dependentes ainda são questões vitais", afirma
Costa, diretor do UNDOC (2007).
O UNDOC aponta que o enfrentamento das drogas é um processo
longo, sendo primordiais as intervenções preventivas, para tratar a questão na
fonte, ou seja, junto aos usuários de drogas. "A dependência é uma doença
que precisa e pode ser prevenida e tratada. Detectar o problema o mais
rapidamente possível, buscar terapias e integrar o tratamento de drogas nas
questões de saúde pública e programas de serviço social pode livrar as
pessoas da dependência" (Costa, apud UNDOC, 2007).
É consenso mundial que o enfrentamento das drogas tem de ser
globalizador, com a participação dos diferentes setores da sociedade: saúde,
serviços de assistência social, polícias, judiciário, lideranças comunitárias e
políticas públicas. Neste aspecto, o Brasil tem feito a sua parte.
O Brasil foi citado no relatório do UNDOC (ibid.) pela atuação da Polícia
Federal brasileira no combate ao narcotráfico, mas a mídia não tem divulgado
esse dado, o que faz parecer que ainda estamos engatinhando nesta questão.
O relatório também refere que o mercado global de cocaína tem sentido
sensivelmente os esforços internacionais no combate à droga. Ressalta o
impacto social dos crimes relacionados a drogas e a importância de se
trabalhar, paralelamente, saúde e segurança pública. O documento se
posiciona contra a legalização das drogas, mas a favor de uma ampla
25
discussão para se traçar novas diretrizes no enfrentamento dos problemas
relacionados a elas.
Primeiramente, seria necessário um olhar multidisciplinar sobre o
usuário e o dependente químico, o que resultaria na redução dos índices de
consumo e, consequentemente, coibindo a ação do tráfico.
Em segundo lugar, o Estado deve reorganizar áreas que foram tomadas
pelo poder do tráfico, investindo em capital social que garanta recursos às
comunidades mais vulneráveis às drogas e ao crime, como: moradia, emprego,
educação, acesso a serviços públicos e lazer.
O aumento no uso de cocaína na América do Sul, em 2005, deve-se
principalmente à nova pesquisa domiciliar realizada no Brasil, como
assinalamos acima, que contém 40% da população do continente. A pesquisa
mostrou índices de prevalência mais altos que na pesquisa realizada em 2003.
O UNODC também reajustou as estimativas de prevalência para diversos
outros países na América do Sul, de acordo com novos estudos por ele
realizados entre estudantes do ensino médio, conjuntamente com a Cicad e
outros países. Na maioria dos casos, isso resulta em menores ajustes em
relação a estimativas anteriores. Ou seja, a maior parte do “aumento” dos
índices de prevalência na América do Sul, em 2005, refere-se a ajustes que
tentam tornar os números mais realistas. Se os ajustes não fossem levados em
consideração, o aumento seria menor
2
. Esta pesquisa domiciliar apontou um
aumento no uso de cocaína, de 0.4% (prevalência anual), em 2001, para 0.7%,
em 2005, existindo a possibilidade da pesquisa de 2001 ter obtido resultado
abaixo da realidade. As pesquisas escolares realizadas no País e as pesquisa
domiciliares e escolares nos países vizinhos mostram estabilidade no uso de
cocaína entre 1997 e 2004. No Brasil, a pesquisa nacional realizada em
escolas (2004) mostrou índices de prevalência na vida em torno de 2%. Mais
ou menos o mesmo número que o encontrado em 1997 (2.1%), de acordo com
o Cebrid (2004).
Ao mesmo tempo, registros de aumento de atividades do narcotráfico
de cocaína nos estados da região sudeste e o aumento da exploração do Brasil
por grupos do crime organizado internacional. O País tem sido rota para o
26
tráfico de droga vinda da Colômbia, Bolívia e Peru, destinada à Europa, com
frequência via África. Esta situação pode ter colaborado para algum aumento
no consumo de cocaína no Brasil. Análises da distribuição regional do uso de
cocaína, no Brasil, mostram que o sudeste e o sul são os mais afetados, ao
passo que o nordeste e o norte mostram consumo mais moderado.
27
.
1.4. Comunidades terapêuticas para dependência química
Nosso objetivo, neste tópico, é apresentar a comunidade terapêutica
(CT) que possibilitou o campo para nossa pesquisa, localizada em município da
região metropolitana de São Paulo, para auxiliar na contextualização de nosso
trabalho. Denominaremos esta CT de AEP.
Antes, contudo, julgamos relevante proceder a uma breve explanação
sobre o conceito de comunidade terapêutica. Como nosso intuito maior é
discorrer sobre a CT “AEP” e não temos a intenção de aprofundar questões de
ordem mais específicas sobre as diferentes concepções e visões sobre o tema,
optamos por eleger como guia para nossa discussão o texto “Conceito de
comunidade terapêutica”, de Saulo Monte Serrat (2009), sistematizando e
restringindo as informações ao que julgamos mais relevante ao nosso
propósito.
Dito isso, uma primeira e essencial questão se coloca, ou seja, aquela
referente à flexibilidade na definição das CTs, o que implica necessariamente
no modo como cada uma é idealizada e orientada.
De Leon (2003, apud Monte Serrat, 2009), referência no tema, ao
discutir as implicações de tamanha flexibilidade quando se trata de definir CT,
afirma: “A ampla diversidade de programas dificulta a avaliação geral da
modalidade CT, acentuando a necessidade de se definir elementos essenciais
do modelo e do método da Comunidade Terapêutica”.
A preocupação do autor justifica-se, sobretudo, quando pensamos que
tal flexibilidade na definição e nas práticas das CTs se, por um lado, é algo
favorável, por outro pode acarretar certos equívocos, comprometendo sua
essência mesma.
O autor, apesar de sua preocupação, não deixa de considerar a
flexibilidade como algo positivo, particularmente se pensada como “uma
abordagem de auto-ajuda fora das correntes psiquiátrica, psicológica e médica
(ibid.). Ou seja, para De Leon (ibid.), o enfoque, nesse tipo de atendimento,
recai sobre o indivíduo, visto em sua totalidade, e não à droga, o que implica
28
uma mudança significativa quanto ao que se espera ao longo de todo o
processo. Seu objetivo é que o indivíduo, durante o tempo de seu tratamento,
mediante ações específicas e de acordo com as diretrizes da instituição, possa
atingir um grau de autoconhecimento decisivo para uma mudança global em
sua vida, seja na relação consigo e com seus companheiros de convívio diário,
seja com os demais grupos – sociais, familiares, etc.
Cabe lembrar, contudo, antes de prosseguirmos, que a afirmação sobre
“uma abordagem de auto-ajuda fora das correntes psiquiátrica, psicológica e
médica” faz sentido se pensada em termos relativos. Ao se dedicar a um
público com tais características, nunca estaremos fora desses âmbitos; ao
contrário, o diálogo com essas esferas é não essencial como cada vez mais
necessário. Basta lembrar que o autor é um dos maiores responsáveis pela
divulgação e pela legitimação científica dos estudos sobre CTs, particular e
fundamentalmente nas três esferas citadas.
Do mesmo modo, as diretrizes assumidas por cada instituição
influenciará diretamente tanto na sua maneira de organização quanto nos
resultados esperados. Exemplo disto são as CTs partidárias de uma orientação
religiosa, o que define, de imediato, quem serão seus dirigentes, como será
constituída e orientada sua equipe técnica e demais colaboradores, quais os
valores a serem seguidos e, mesmo, a qual população atenderá.
Retomando nossa discussão, é essencial, para De Leon (ibid.), esse
convívio com os companheiros, tendo-se em vista que estes o considerados
por ele os principais agentes de mudança, ao menos nesse primeiro momento,
servindo como referência para interações futuras com os diferentes grupos.
Não podemos esquecer, ao tratarmos dessa questão, o papel essencial que
desempenha também a equipe da CT, presença contínua e primordial para os
internos. Ambos, companheiros e equipe técnica, poderão servir de modelo de
relações saudáveis e de família ajustada (não é por acaso, em muitas CTs, os
membros se tratarem por “família” em ocasiões como reuniões ou
assembléias).
Para que esta comunidade possa funcionar de modo adequado, De
Leon enfatiza ainda a necessidade de seus membros se conscientizarem e se
furtarem a certas experiências outrora frequentes, como o uso de drogas, o
29
contato sexual e a violência física (e cabe lembrar, novamente, também as
mais diversas formas de violência psicológica).
Não podemos avançar em nossa breve explanação sobre as CTs sem
apontar a dificuldade em se manter os princípios citados por De Leon no
parágrafo anterior. Para se chegar ao nível proposto pelo autor, é necessário
um longo percurso de conscientização dos indivíduos; drogas, sexo e violência
são, muitas vezes, os únicos recursos encontrados pelos internos para lidarem
com questões que de outra maneira não puderam encontrar vazão. É
necessário, portanto, um trabalho de equipe para que esses comportamentos
possam ser substituídos por outros, o apenas como uma ‘exigência externa’
(como a imposição da equipe ou da instituição, de modo mais geral), por vezes
sem sentido para o indivíduo, mas pela real conscientização de como esses
comportamentos podem ser prejudiciais a ele, pessoal e coletivamente.
A proposta de De Leon não deixa de ter um tom ambicioso, tendo-se em
vista o resultado esperado e mediante a série de renúncias a que o indivíduo
deve proceder, o que requer, por sua vez, um grau (e uma capacidade) de
conscientização expressivo deste, e uma equipe muito bem preparada e
amparada para se chegar a bom termo.
Por fim, não podemos deixar de registrar que, por maiores e essenciais
que sejam as contribuições de De Leon, estas devem ser criticamente
interpretadas, entre outras razões pela diferença cultural entre a realidade da
qual deriva sua experiência e a nossa.
Até esse momento de nossa exposição, acompanhamos mais de perto o
trabalho de De Leon (2003) por ser um dos autores de maior renome quando
se trata de comunidades terapêuticas e, particularmente, por ter nos fornecido
o mote para a discussão que se processou até aqui, ou seja, a “flexibilidade” na
definição e nas práticas em CTs.
Considerando-se o que acabamos de expor, devemos aprofundar nossa
discussão recorrendo a outros autores, que possam lançar mais luzes sobre o
que se entende por CT e seus desdobramentos no campo das teorias e das
práticas.
30
Apenas a título ilustrativo, é interessante notar que Regada (2001), em
sua experiência com CT, de modo muito semelhante a De Leon (2003),
destaca aspectos como: a importância das assembléias comunitárias para a
coesão interna do grupo e para a criação de um sentimento de solidariedade
fraterna, e como o lugar privilegiado para examinar as normas e as eventuais
transgressões a elas; a obediência de todos, sem distinção, a princípios
básicos; a proibição de drogas, contatos sexuais, violências ou ameaças; a
importância de ser verdadeiro consigo mesmo e com os demais; e, por fim, a
necessidade de se existir uma disciplina na confrontação assim como a sua
constância, o que vai diminuindo cada vez mais o desejo da droga.
Como podemos notar, apesar de tratarem de contextos diferentes e
possuírem experiências distintas, os autores citados destacam características
semelhantes em sua concepção de CT.
Essas semelhanças não são novidades ao se tratar de CTs. Raport,
em 1961, apontava como as modificações introduzidas nas CTs, por ele
estudadas, mantinham características comuns, dentre as quais destacou: a) a
organização como um todo tem um efeito terapêutico; b) a ação social é
considerada como parte vital e dinâmica do tratamento; c) buscam-se
oportunidades reais para que os pacientes possam assumir uma participação
ativa no governo da CT, de acordo com cada instituição; d) todos os
relacionamentos dentro da instituição são considerados potencialmente
terapêuticos; e) deve-se estimular a comunicação intergrupal.
Na mesma linha de Raport (1961), Goti (1997) não sem antes lembrar
que a comunidade terapêutica não se destina a todo tipo de dependente –,
elenca os seguintes pontos em sua caracterização de CT: a) esta deve ser
aceita voluntariamente; b) é um modelo residencial de um meio altamente
estruturado; c) atua por meio de um sistema de pressões, artificialmente
provocadas; d) estimula a explicitação da patologia do residente diante de seus
pares, os quais deverão servir de espelho da consequência social de seus
atos; e) estabelece um clima de tensão afetiva; e f) considera o residente o
principal autor de sua cura, lembrando que a equipe oferece apenas apoio e
ajuda.
31
Mais uma vez, apesar das diferenças temporais e contextuais, fica
registrado como as CTs mantêm pontos semelhantes de identidade. Todas as
definições parecem contemplar aspectos comuns, como visto, e somarem-se
uma às outras, atualizando conceitos, revendo e revelando novas posturas,
sugerindo novas estratégias de trabalho, etc.
De maneira mais ou menos explícita, fica claro como todas elas
enfatizam o papel fundamental que desempenha cada segmento da CT para
sua boa gerência e para o sucesso de sua empreitada. Do que foi dito,
podemos depreender que, tanto na criação quanto na manutenção das CTs, a
interação constante entre seus participantes é peça indispensável. Isto, por sua
vez, nos conduz a afirmar que, se cada membro da CT, individualmente, é
responsável pelo sucesso da instituição, este pode ser de fato alcançado
conjuntamente, reunindo a todos em torno de um objetivo único, todos
coautores do projeto CT e de suas vidas.
Como apontamos no início desta breve apresentação, não pretendemos
proceder a um histórico e a uma discussão aprofundados sobre a definição de
CT. Considerando nosso objetivo, aqui, e para não nos estendermos
demasiadamente, optamos por apresentar, neste momento de nossa
investigação, a síntese elaborada por Monte Serrat (2009) sobre uma
concepção provisória de CT, do modelo psicossocial. Segundo o autor, seria
ela:
“Ambiente residencial protegido, técnica e eticamente orientado, cujo principal
instrumento terapêutico é a convivência entre os pares. Seu objetivo é
recuperar os internos, resgatando sua cidadania, buscando sua reabilitação
física e psicológica, e a reinserção social. Nela deve haver uma participação
ativa dos internos na própria terapia e, dentro de limites, no governo da
Comunidade.
São algumas de suas características: a) a aceitação voluntária do
programa; b) a intensa e constante comunicação entre todos os membros; c) a
atuação dentro de um sistema de pressões artificialmente provocadas, que
estimula a explicitação da patologia do residente diante de seus pares; d) o
32
enfoque na pessoa como um todo, dando-se ênfase a ela e não à droga; e) a
coesão interna sustentada por um sentimento de solidariedade fraterna e pela
aceitação de valores morais; e f) não às drogas, aos contatos sexuais e à
violência.”
Acreditamos que os elementos essenciais desta síntese foram
suficientemente discutidos por nós ao longo de nossa apresentação.
Retornando no tempo, apesar de encontrarmos registros sobre a
existência de CT desde 1931, com Sullivan (cf. Serrat, 2009), que primeiro
usou o termo ‘comunidade terapêutica’, foi Maxwell Jones (1953) quem
procurou estabelecer seus princípios e normas, a ponto de sua proposta ser
reconhecida como a “Terceira revolução da psiquiatria”.
Se, para Sullivan (ibid.), o termo CT remetia a uma instituição cujo
funcionamento, ao modo de um organismo social, poderia provocar mudanças
terapêuticas em um indivíduo, desde que este, de fato, se integrasse a ela ativa
e articuladamente, coube a Jones (ibid.) buscar os fundamentos da proposta de
CT, atrelada à idéia de “democratização do atendimento que era feito nos
hospitais psiquiátricos”.
Para Jones, a diminuição da distância existente entre direção, equipe
técnica nas suas palavras, “equipe de tratamento” e internos seria
responsável por uma organização social democrática, cujo fundamento
encontrar-se-ia na participação ativa dos internos em sua própria terapia, na
comunicação livre entre todos e nas assembléias, reunindo todos os membros
da CT.
Esses princípios são, em essência, ainda hoje, a base das CTs. Por
essa razão mesma, cabe pensar com cuidado cada uma delas, para evitarmos
equívocos ou compreensões simplistas.
A definição essencial de “comunidade”, encontrada em diversos
dicionários, é a partilha de interesses, hábitos ou opiniões comuns por um
determinado grupo de pessoas; de fato, o que é “comum” é o que justifica a
33
reunião e a manutenção das pessoas em torno de certo objetivo. Entretanto,
não podemos esquecer que, por mais comuns que sejam os objetivos, os
indivíduos são diferentes.
Essa diferença, tanto no âmbito da equipe técnica como no dos internos,
é determinante no tipo de instituição criada e nas suas diretrizes, assim como
no seu sucesso a curto, médio e longo prazo.
Um dos maiores desafios das CTs é justamente a conscientização de
sua população sobre o objetivo comum que os une. Tal conscientização
pressupõe, por sua vez, uma base de informações e negociações que levem
seus participantes a se identificarem minimamente com os objetivos visados,
ou seja, é preciso que cada indivíduo se sinta contemplado e acolhido pela
proposta da qual passará a ser membro; em outras palavras, da “comunidade”
da qual deverá participar “de forma ativa”, no que se refere a sua terapia e,
também, nos demais âmbitos citados por Jones. (Cf., acima, nossa discussão
sobre o trabalho de De Leon, 2003.)
Não é possível, por mais democrática que seja uma comunidade,
desconsiderar a hierarquia nela existente. A posição de cada indivíduo na
comunidade marca, por si só, o seu papel nela; basta lembrar, como nos
referimos anteriormente, que ela é composta por pacientes e diversos
profissionais, entre funcionários, equipe técnica, dirigentes, possíveis
voluntários etc.
A afirmação sobre a “diminuição da distância existente entre os
diferentes segmentos da CT, assim se constitui um elemento importante
neste tipo de instituição –, deve ser atentamente considerada, uma vez que a
hierarquia aqui é essencial para a própria manutenção da instituição e o
sucesso do tratamento.
O que gostaríamos de enfatizar, com o que expusemos acima, é que,
exatamente pelas características mais comuns ao tipo de população que
compõe as CTs, essa hierarquia cumpre um papel fundamental, ao estabelecer
noções claras de limites e regras que devem ser respeitadas em prol do bem
comum. Aqueles que ocupam um lugar de maior responsabilidade na
hierarquia sejam eles parte da equipe técnica, médicos, dirigentes, etc.
34
devem ter clareza que seu comportamento e suas ações são constantemente
tomados como exemplos, parâmetros, sobretudo para aqueles cujo histórico de
vida pouco contribuiu para a sua formação, tanto no âmbito individual, quanto
familiar e social.
Esse aspecto torna ainda mais imprescindível o papel das
“assembléias”, que devem ser espaços nos quais estas diferenças assim
como outras ocorrências possam ser postas à prova, esclarecendo-se
aqueles elementos que permeiam o cotidiano dessa população, para se chegar
o mais próximo possível a um consenso, por meio de uma “comunicação livre
entre todos”.
Percebe-se, pelo que foi exposto, o longo caminho que ainda temos de
percorrer quando se trata de CTs. É justamente por isso a preocupação de
muitos autores, que têm se dedicado a estudá-las, com contribuições advindas,
principalmente, daqueles profissionais que, trabalhando em CTs, procuram
introduzir em seu cotidiano conceitos e práticas partidárias de sua formação
acadêmica, o que poderia gerar alguns conflitos quanto à própria definição de
CT.
Tenhamos em vista, diante disso, algumas definições oficiais de CT, que
possam nos auxiliar neste momento e fornecer maiores subsídios quando nos
dedicarmos ao estudo da comunidade terapêutica AEP, a qual privilegiamos
neste trabalho. Ao nos dedicarmos a essa tarefa, não pretendemos proceder a
uma investigação exaustiva, e sim ao levantamento de alguns tópicos que
possam contribuir de maneira mais direta ao nosso objetivo.
A Anvisa, por meio de sua Resolução 101/2001, define comunidades
terapêuticas contemplando características semelhantes àquelas que vimos
destacando até o momento. No seu entender estas são:
“Serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou
abuso de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência ou outros
vínculos de um ou dois turnos, segundo modelo psicossocial; são unidades que
têm por função a oferta de um ambiente protegido, técnica e eticamente
orientados, que forneça suporte e tratamento aos usuários abusivos e/ou
dependentes de substâncias psicoativas, durante período estabelecido de
35
acordo com o programa terapêutico adaptado às necessidades de cada caso.
É um lugar cujo principal instrumento terapêutico é a convivência entre os
pares. Oferece uma rede de ajuda no processo de recuperação das pessoas,
resgatando a cidadania, buscando encontrar novas possibilidades de
reabilitação física e psicológica, e de reinserção social.”
Vemos nessa definição da Anvisa muitos dos pontos destacados por De
Leon (2003) e por nós discutidos de modo mais aprofundado, como a
necessidade de se contemplar tanto aspectos gerais como as necessidades
específicas dos indivíduos durante o seu tratamento. Reforça-se aqui, ainda, a
ideia da convivência entre pares, a ajuda mútua e a participação de todos,
pacientes e equipe, nas distintas instâncias, para o sucesso do tratamento.
Devemos frisar, nessa definição, a necessidade de um projeto suficientemente
bem elaborado, que seja de conhecimento e familiar a todos, visando sempre
ao fim maior da recuperação dos indivíduos, sua reabilitação o mais plena
possível e sua reinserção social.
Por tudo isso, mais uma vez, fica claro o quanto se faz necessário que
uma proposta de CT contemple enfaticamente um trabalho de formação,
orientação e supervisão de sua equipe. As CTs lidam com pacientes de origens
diversas, muitos deles sem recursos materiais e psicológicos, necessitando de
uma equipe capaz de fornecer-lhes os elementos básicos essenciais à sua
permanência (e, por vezes, sobrevivência) na instituição e, posteriormente, à
sua reinserção no meio social. (Cf., mais adiante, sobre este tópico, nosso
trabalho na CT AEP.)
Dando prosseguimento à nossa discussão, encontramos no Dicionário
de álcool e drogas (OMS-Senad: 2004), além daqueles pontos comuns com
definições anteriores, dois aspectos que merecem destaque e que serão
contemplados, também, em nossa discussão sobre a CT AEP. O primeiro diz
respeito à participação de pessoas recuperadas de uma dependência em
alguma instância administrativa ou, mesmo, casos em que a CT é dirigida,
principalmente, por pessoas com este perfil. O que queremos enfatizar, aqui, é
como essa característica é bastante comum e esperada, uma vez que muitos
indivíduos encontram na CT seu primeiro modelo de relação saudável, de
36
vínculo estável, desejando partilhar com os demais, recém-chegados e outros
internos, sua experiência “positiva”. Sem aprofundar muito essa discussão, à
qual retornaremos em nosso próximo item, precisamos alertar para a
necessidade de se considerar com cuidado este aspecto, pois para muitos
“recuperados” a permanência na CT pode contradizer os objetivos visados,
tendo-se em vista que estes podem se sentir reféns, emocional e
psicologicamente, da instituição, servindo-se de sua permanência nela para
evitar o contato com a realidade exterior e, consequentemente, com os seus
conflitos.
Este fato nos remete ao segundo aspecto a ser considerado, ou seja, o
“isolamento geográfico” em que se encontram muitas CTs. Aqui, como no caso
anterior, devemos ficar atentos. Tal isolamento tem por função, entre outras,
proteger os internos de possíveis recaídas, da exposição a estímulos negativos
que devem ser evitados, como o convívio com elementos ou grupos
perniciosos, usuários ou fornecedores de substâncias químicas; do mesmo
modo, às vezes, o afastamento da família é essencial, pois nem sempre esta
se encontra em condições de ajudar o membro adicto, exercendo sobre ele um
papel de “codependência”, agravando ainda mais o seu problema. Assim como
no caso anterior, cabem as mesmas ressalvas. Tal isolamento não pode
representar para o ex-interno, agora parte da equipe, um refúgio, que o
mantenha afastado do convívio social em larga escala.
Parte fundamental de sua recuperação será dada justamente pela sua
capacidade de transitar entre esses dois universos, o da CT e o da comunidade
exterior, com a qual deverá estar sempre em contato direto.
Ao final do artigo que tomamos por base para proceder a essa nossa
discussão, Monte Serrat (2009) acrescenta:
“Pedimos que após lerem essa conceituação provisória procurem dar sua
contribuição sugerindo acréscimos, supressões ou modificações. Apenas um
trabalho conjunto que reflita a experiência de várias comunidades, poderá nos
conduzir a um conceito que, respeitando a essência da proposta, esteja de
acordo com a nossa realidade.”
37
Acreditamos que, ao expormos e dialogarmos com o artigo de Monte
Serrat, tenhamos atendido à sua solicitação e, ao apresentarmos o modelo da
comunidade terapêutica AEP e este trabalho acadêmico, estaremos
colaborando, ainda mais, na construção deste conceito de CTs.
1.5. A comunidade terapêutica AEP
A comunidade terapêutica AEP faz parte do denominado “Projeto Quatro
Estações”, que apresentaremos aqui de forma resumida, com o objetivo de
caracterizar nosso campo de pesquisa. Como descrevemos anteriormente,
diversas formas de comunidade terapêutica; a AEP caracteriza-se como uma
CT embasada no referencial cienfico, adotando como metodologia de trabalho
uma forma de compreensão sistêmica da problemática da drogadicção, uma
vez que prioriza as relações existentes na construção do problema e, a partir
daí, procura conhecer e entender cada parte que o compõe, utilizando a
participação de todos os envolvidos na sua resolução.
Por sua característica, tornou-se interessante a realização desta
pesquisa nesta CT para ambas as partes; de nosso lado, por tratar-se uma CT
cujo modelo nos é exemplar e pelo grande interesse de sua equipe técnica no
acompanhamento desta pesquisa, facilitando assim nosso trabalho de campo;
do lado da CT, além de acompanhar de modo ativo nossa pesquisa, podendo
se beneficiar do aporte teórico e das experiências do pesquisador na área, ter
reconhecido e legitimado, em diferentes planos, inclusive e sobretudo no
acadêmico, o trabalho que vem desenvolvendo.
1.5.1. Missão da AEP
A AEP tem como missão fomentar a rede de proteção especial de alta
complexidade na região metropolitana de São Paulo, especificamente
relacionada aos problemas das drogas, promovendo capilaridade no ciclo vital
e natural de indivíduos especiais excluídos do contexto cosmopolita,
38
oportunizando a reorganização pessoal, a inclusão social e o resgate dos
valores socioculturais por meio de intervenções personalizadas, respeitando a
individualidade, seu território e o retorno familiar.
AEP – Objetivo geral
Ofertar serviço em saúde mental e sócio-assistencial
especializado para pessoas portadoras de dependência química
provenientes da região metropolitana do município de São Paulo,
viabilizando a inclusão social, o resgate dos valores
socioculturais, individualidade e autonomia e a reinserção
sociofamiliar e comunitária destes indivíduos.
AEP – Objetivos específicos
Oferecer um espaço agradável e acolhedor, em meio à natureza,
com alojamento para 50 pessoas, com proteção em moradia
assistida, durante o tratamento em internação integral.
Promover acolhimento às pessoas com vínculos familiares
fragilizados ou rompidos.
Desenvolver trabalho especializado junto à família estimulando o
retorno e permanência do abrigado no núcleo familiar.
Promover serviço suprindo as necessidades básicas e de
acolhimento, oferecendo alimentação, saúde, lazer, cultura,
convívio social e comunitário.
Diagnosticar os casos com amplo prontuário social dos usuários e
suas famílias com registros efetuados pela equipe multidisciplinar
Oferecer atendimento personalizado, por meio de terapia
combinada, visando ao protagonismo individualizado
.
39
Implementar sistema de monitoramento e avaliação das
intervenções realizadas junto aos usuários.
Estabelecer canal de comunicação com o Poder Executivo e
Judiciário visando a um sistema efetivo de garantia de direitos do
cidadão.
Desenvolver o papel de cidadão na mais ampla concepção:
valores éticos, morais, senso, sociofamiliar e ecológico.
Favorecer a pactuação entre as diferentes políticas públicas que
ofertam os serviços necessários à proteção de dependentes
químicos e com transtorno global do desenvolvimento e suas
comorbidades e outros transtornos com comprometimento
psiquiátrico, em conformidade com o Sistema de Garantia de
Direitos.
Criar condições para o compartilhamento de ações e o tratamento
em saúde mental e reabilitação, agregando fatores que
contribuam para a inclusão social.
Articulação e participação colaborativa na rede de serviços direta
e indireta no âmbito da saúde e serviço social visando à
integração dos serviços especializados e à divulgação do projeto
terapêutico da AEP.
AEP – Público alvo
Adultos e adolescentes voluntários, com ou sem demanda
judicial, do sexo masculino, acima de 16 anos, dependentes
químicos sem comorbidades clínicas e outros transtornos
mentais, que encontram-se em situação de vulnerabilidade social,
falta de estrutura familiar e/ou abandono, ou que precisem de
dispositivos residenciais que permitam prover adequadamente
suas necessidades.
40
AEP – Metodologia de trabalho
Proposta pedagógica 4Estações
O Projeto 4Estações, em suas unidades, visa desenvolver um trabalho
que atenda a esta população de risco (cf. Público alvo, acima), com foco no
indivíduo e nos coletivos em seu contexto sociocultural. A estratégia de
trabalho visa ao empoderamento e ao estímulo à resiliência das pessoas e de
suas famílias inseridas em suas comunidades. Adota-se de maneira inter e
multidisciplinar o planejamento político-pedagógico que valorize o resgate da
história de vida individualizado, possibilitando uma reconstrução pessoal com
base em suas próprias narrativas e significados ao longo do processo de
intervenção.
O foco de atenção é o indivíduo em situação de abrigo e sua família,
tendo como foco principal seu retorno familiar aliado ao aporte
sociocomunitário e às políticas sociais transversais.
A metodologia contempla as seguintes etapas de trabalho:
Construção de um diagnóstico do usuário (caso por caso),
considerando sua acolhida, o reconhecimento do espaço da
Estância Primavera, a apropriação do espaço e recursos
comunitários do entorno, e definição da agenda de cada abrigado.
Localização e diagnóstico das respectivas famílias destes usuários.
Elaboração de relatórios sumários semanais e mensais de cada
caso e sua evolução.
41
Utilização de um sistema em plataforma WEB com banco de dados,
denominado “prontuário eletrônico”, como ferramenta para dar
subsídios nas intervenções, com base nos indicadores de avaliação
e monitoramento com conexão das quatro estações. Este sistema é
alimentado pelo próprio usuário, corpo técnico, órgãos parceiros,
gestores das Estâncias do projeto e familiares dos usuários,
permitindo imediata tomada de decisão, monitoramento, supervisão
e avaliação dos casos de cada Unidade Executora. O sistema
também permite, juntamente com o grupo colegiado, o
monitoramento e a avaliação das vagas/leitos para critérios de alta
e internação com senhas de consulta junto aos parceiros
consorciados.
Definição da grade de atividades para cada usuário trimestralmente
(projeto terapêutico individual) e coletiva, com a participação de
todos os internos.
Criar condições para o compartilhamento de ações e o tratamento
em saúde mental e reabilitação, agregando fatores que contribuam
para a inclusão social.
Oferecer atendimento individualizado, criando condições para a
construção do projeto personalizado de vida.
Desenvolver sistemática de trabalho das equipes envolvidas, para
monitoramento e avaliação das ações com vistas ao
desenvolvimento de um modelo de atenção, reformulação ou
ampliação do projeto.
Fortalecer o canal de comunicação com o Poder Judiciário e
Ministério Público, a fim de que sejam preservados os critérios
médico-sociais no abrigamento de usuários que venham a se
beneficiar do serviço da comunidade terapêutica.
Propiciar à pessoa abrigada e à sua família: apoio, esclarecimento,
orientação e encaminhamento, visando à oferta de oportunidades
para a construção da sua autonomia, inclusão em benefícios e
programas de transferência de renda.
42
Proporcionar/desenvolver atividades específicas para a aquisição
de competências para uma vida autônoma, capacidade para
manter relacionamentos interpessoais e coletivos, estimulando o
indivíduo à sua inserção produtiva.
O Projeto 4Estações AEP estabelece um fluxo de trabalho a partir da
porta de entrada do usuário, utilizando-se dos recursos da rede de serviços
local, tais como:
UBS – Unidade Básica de Saúde.
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial.
PSF – Programa da Saúde da Família.
Hospitais gerais e de referência (nos casos que requerem maior
complexidade).
Rede de Educação nos diferentes níveis de ensino.
Rede Socioassistencial.
Rede de Esporte, Cultura e Lazer.
O diferencial da metodologia é que esta envolve diversos parceiros e
colaboradores técnicos, formando uma rede de atores sociais comprometidos
com a missão do projeto; são eles:
Técnicos do Poder Público.
Técnicos do Poder Judiciário.
Conselhos Tutelares e de direitos de cidadania.
Conselho Municipal de Assistência Social.
Rede de parceiros do setor privado.
Associação Comercial.
Parceiros Não-Governamentais.
Oferta dos seguintes serviços
Apoio Geral:
43
Abrigamento de acordo com as normas técnicas de saúde,
segurança e acessibilidade.
Provisão de acomodações em condições que garantam a
privacidade e a individualidade da pessoa.
Provisão de alimentação/nutrição, vestuário e higiene pessoal.
Oferta de serviços e cuidados à saúde física e à mental, por
profissionais especializados da área da saúde, garantindo o
acompanhamento e a continuidade do atendimento clínico diante
da complexidade dos casos.
Promoção da reconstrução dos laços familiares.
Na pós-alta deverá ser designada uma equipe de referência pela
Saúde (CAPS/NIR) e Assistência Social CRAS, para o
acompanhamento sistemático do processo de inclusão do
indivíduo nas atividades externas e comunitárias e junto aos
respectivos grupos familiares.
AEP Plano de trabalho terapêutico coletivo; seis meses de
tratamento e treinamento das habilidades sociais
O “Plano de trabalho terapêutico”, do Projeto 4Estações-AEP,
compreende um plano político-pedagógico contemplando os seis meses iniciais
de tratamento, em regime de abrigamento/internação. O plano obedece à
cronologia desde a admissão do paciente até a sua alta. Cada etapa do plano
possui protocolos de ação dispersa nos seis meses iniciais do tratamento. Após
esse período, caso não seja concedida a alta, será elaborado um plano de
ação individualizado para cada interno, construído pela própria pessoa, e
monitorado pelas equipes da unidade e pelo gerenciador do caso. O anexo V,
do Projeto 4Estações, apresenta o fluxo das intervenções. As intervenções
estão normatizadas em um guia de boas práticas com instrumentais
específicos e unificados para uso da equipe multidisciplinar.
44
Primeiro mês: desintoxicação.
Segundo mês: conscientização.
Terceiro mês: elaboração de projeto de vida.
Quarto s: reinserção sociofamiliar construção de redes
saudáveis.
Quinto mês: prevenção de recaída.
Sexto mês: alta, práticas saudáveis.
Após: seguimento ambulatorial – CAPS ad, UBSs, etc.
Plano Terapêutico
Atendimento individual e de grupo
Atendimento médico-psiquiátrico.
Plano
Terapêutico
Rede
Sociofamiliar
Escolaridade e
Profissionalizante
45
Atendimento psicológico individual e psicoterapia de apoio ou suporte.
Terapias de grupos: grupo terapêutico, terapia comunitária, grupo
operativo e grupos específicos de dependência de drogas.
Acompanhamento familiar – orientação e terapia familiar.
Atendimento individual para a construção de rede saudável e reinserção
social.
Acompanhamento com monitor em oficinas e atividades de laborterapia.
Atendimento em terapia ocupacional e ou arte-terapia.
Atividade de educação física.
Cuidados de enfermagem 24 horas.
Grade de atividades terapêuticas
segunda terça Quarta quinta sexta sábado domingo
Horário
Despertar
8:00 - 8:30
Café manha
8:30 - 8:45
Oração
8:45 - 9:30
Caminhada e/ou Educação Física
9:30 - 10:30
Grupo de
recepção
Grupo de
NA e AA
Grupo
psicoterapia
Educação
física
Terapia
Ocupacional
10:30 - 12:00
Atividades
laborativas
Atividades
laborativas
Oficinas de
reciclagem
Atividades
Leitura e
NA
Assembléia
e grupos de
monitoria
Laser
Visitas,
lazer e
esportes
12:00 - 13:00
Almoço
13:00 - 14:00
Descanso
14:00 - 15:30
Grupo de
leitura
Arte terapia
Grupo
operativo-
PV
Arte terapia
Grupo de
famílias
Lazer
Visitas,
lazer e
esportes
15:30 - 16:00
Café da tarde
16:00 - 17:30
Mural e
jornal
Vídeo
terapia
Grupo
operativo –
monitorias
Terapia
comunitária
Grupo de
fechamento
Grupo de
família - amor
exigente
Visitas,
lazer e
esportes
17:30 - 18:00
Grupo de reflexão e sentimento
18:00 - 19:00
Jantar
19:00 - 22:00
Atividades Livre
22:00
Recolher
Atividades extragrade: paralelas individuais
3º e 5º feira: atendimento médico
46
4º e 6º feira: atendimento psicoterapêutico
2º e 4º feira: atendimento individual com assistente social
Atendimentos de família nuclear agendado
Saídas terapêuticas agendadas com familiares ou acompanhantes
terapêuticos
Atendimento individual com conselheiros – projeto de vida
Grupo de projeto de vida coordenado por psicólogos e conselheiros em
dependência química
1.5. Definições de termos
Antes de prosseguirmos, cabe definir alguns termos recorrentes e
essenciais em nossa discussão.
Comunidades terapêuticas são locais de tratamento para dependentes
de álcool e/ou drogas, em regime de internação, geralmente voluntária. O
objetivo do tratamento é a abstinência total das substâncias ou drogas em
relação às quais os indivíduos apresentam a dependência.
Conselheiros em dependência químicasão dependentes químicos que
se encontram “limpos”, ou seja, abstinentes à(s) droga(s) e/ou ao álcool, por
um período de tempo satisfatório (em média, um ano), que prestam serviços
nas comunidades terapêuticas como monitores de tratamento e prevenção,
seguindo o modelo psicossocial, pautado na convivência entre pares e grupos
de mútua ajuda.
Monitoressão internos em recuperação na CT que, no resgate de suas
competências, tornam-se colaboradores da equipe de tratamento, auxiliando de
diversas formas nas atividades realizadas; por exemplo: monitor de horta e
jardinagem, de oficinas de reciclagem e pintura, limpeza, cozinha, organização
de grupos (auxiliando tanto na formação do grupo quanto como coterapeuta do
conselheiro coordenador de grupos), etc. Geralmente, os monitores após um
ano de abstinência e treinamento na CT tornam-se “conselheiros de CT” para
dependentes de drogas.
47
Cuidadores – são monitores que, apesar de não terem sido dependentes
químicos, apresentam uma disponibilidade interna ou aspectos resilientes,
geralmente desenvolvidos indiretamente no envolvimento com a drogadicção,
que servem como facilitadores no trabalho com dependentes químicos; são,
normalmente, auxiliares ou técnicos de enfermagem.
Vulnerabilidade social – utilizamos em nosso trabalho o conceito de
Vignoli e Figueira (2001), que pode ser definido como o resultado negativo da
relação entre a disponibilidade dos recursos, capital social e cultural, ou seja,
materiais ou simbólicos, dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o
acesso a esta estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que
provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em
debilidades ou desvantagens para o desempenho e a mobilidade social dos
atores, contribuindo para a violência, drogadicção, criminalidade,
analfabetismo, desemprego, etc.
48
2. RELEVÂNCIA DO TEMA
É de consenso entre os diversos autores especialistas em dependência
de drogas o trabalho com as famílias dos drogadictos. Em nossa pesquisa,
interessou-nos o trabalho das comunidades terapêuticas para a recuperação
de dependentes de drogas, por serem importante recurso para esta finalidade,
abarcando um grande número de indivíduos nesta situação que procuram
recuperação de forma espontânea. É sabido que é grande a procura de
dependentes de drogas e suas famílias principalmente da camada social
mais vulnerável a estas comunidades, principalmente mobilizados pela ou
pela falta de recursos econômicos ou de oferta de serviços de saúde e social
para dar atendimento a esta demanda. No Brasil, a maioria destas
comunidades é de ordem religiosa, católicas, evangélicas ou protestantes,
sendo grande o número de comunidades religiosas que não aceitam o
tratamento médico ou psicológico, tendo como base principal e única a fé em
Deus. “O encontro com Deus é a solução de todos os males do espírito e da
carne”, comenta um pastor evangélico, coordenador de CT.
A maioria dos participantes de nossa pesquisa vem deste contexto
religioso e é de grande interesse para nós entendermos como estes CDQs,
sendo em sua maior parte tratados neste modelo de comunidade religiosa,
lidam com as famílias dos dependentes químicos, e qual a sua disposição
interna para o trabalho com famílias de drogadictos.
Abaixo, apresentamos algumas referências que nos mostram o
importante papel destas comunidades religiosas no Brasil, independentemente
de serem a favor ou contra o modelo utilizado por especialista em dependência
química.
Estudos epidemiológicos quantitativos associam a religiosidade à maior
proteção ao consumo de drogas e a melhores índices de recuperação em
tratamento médico para dependência de drogas (Dalgalarrondo, Soldera,
Correa Filho & Silva; CAM, 2004).
49
Segundo Hodge Cardenas Montoya (2001), a religiosidade atua como
protetora ao consumo de drogas para aqueles que estão de alguma forma
ligados a uma religião, ou como praticante regular ou guardador dos preceitos
religiosos, ou que tiveram educação religiosa formal na infância.
Segundo Sanchez, Oliveira & Nappo (2004), no Brasil, um estudo
mostrou que a maior diferença entre adolescentes usuários e não-usuários de
drogas psicotrópicas, de classe socioeconômica baixa, era a sua religiosidade
e a de sua família. Observou-se que 81% dos não-usuários praticavam a
religião professada por vontade própria e admiração e que apenas 13% dos
usuários de drogas tinham este mesmo comportamento religioso.
Silva, Malbergier & Stempliuk (2006) referem que uma pesquisa com
estudantes universitários em o Paulo mostrou que alunos com renda
familiar alta e sem religião apresentavam maior risco para o consumo de
drogas em relação aos religiosos. O mesmo estudo identificou a ausência de
bebedores excessivos entre espíritas e protestantes que professam suas
religiões.
Richard et al. (2000) afirmam que a frequência regular à religião
professada contribui para a diminuição do consumo de drogas, como a
cocaína, e prevenção à recaída ao uso de drogas.
Alguns autores sugerem que a religiosidade pode auxiliar no processo
de recuperação de dependentes de drogas principalmente pelo acolhimento e
apoio oferecidos, como uma rede de proteção que contribui para o resgate de
sua identidade, cidadania e auto-estima, com um valor de enriquecimento
social por meio do convívio e dos novos vínculos adquiridos.
Richard et al. (2000) realizou uma pesquisa com ex-usuários de drogas
que haviam utilizado recursos religiosos não-médicos para tratar a
dependência de drogas, abstinentes pelo menos seis meses. Foram
analisados três grupos religiosos: católicos, evangélicos e espíritas. Segundo
o autor, houve diferenças no suporte ao dependente de drogas em cada
grupo. Os evangélicos foram os que mais utilizaram a religião como forma
50
exclusiva de tratamento, não aceitando nenhum tipo de tratamento médico e
farmacológico. Os espíritas foram os que buscaram mais apoio terapêutico à
dependência de álcool, simultaneamente ao tratamento convencional,
justificado pelo maior poder aquisitivo. Os católicos utilizaram mais a
terapêutica religiosa exclusiva, mas relataram menos repulsa a um possível
tratamento médico. A importância dada à oração como método ansiolítico era
comum nos três tratamentos. Segundo os entrevistados, o que os manteve
na abstinência do consumo de drogas foi mais do que a religiosa.
Contribuíram para isso o suporte, a pressão positiva e o acolhimento recebido
no grupo, e a oferta de reestruturação da vida com o apoio incondicional dos
líderes religiosos.
Cabe acrescentar que é importante, também, contemplar um trabalho
com famílias destes pacientes em CTs, pois tem sido consenso entre os
especialistas em drogadicção a necessidade de participação da família no
tratamento e manejo dos problemas do usuário de drogas. Em 1999, um
grupo de estudo da Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) foi criado com
o objetivo de pensar o papel da família no tratamento do dependente químico,
mostrando a importância de sua participação no processo de recuperação e
na inserção sociofamiliar deste indivíduo.
Apesar dessa constatação, as comunidades terapêuticas – responsáveis
pelo tratamento de uma importante parcela da população de dependentes
químicos –, durante o período de internação dos indivíduos, que é, em média,
de nove meses, geralmente chegam a proibir ou restringir muito o contato com
os familiares.
Não temos interesse em modificar a conduta terapêutica destas
instituições, contudo, com base em pesquisas na área de drogadicção e em
resultados obtidos por meio de nossa prática clínica, no acompanhamento de
vários pacientes nestes serviços, assim como pelo contato permanente, nestes
últimos dez anos de trabalho, com a problemática das drogas, temos
observado uma crescente demanda para o atendimento de famílias, solicitado
por pacientes, familiares, conselheiros e outros cuidadores. É relevante dizer
que as comunidades terapêuticas apresentam um índice de recuperação
51
semelhante aos outros modelos de tratamento para dependência química. Com
base nessas informações, nossa hipótese é que uma abordagem em nível
familiar poderia melhorar o índice de adesão e a recuperação nestas
comunidades terapêuticas, tornando-as um recurso diferenciado de intervenção
em dependência química.
Gráfico 1: Atores que participam no tratamento e prevenção da
dependência de drogas em CAPS ad (álcool e drogas), modelo de atendimento
e prevenção à dependência química preconizado pelo Ministério da Saúde.
Gráfico 2: Atores que participam no tratamento e prevenção da
dependência de drogas na CT AEP
52
53
3. APORTE TEÓRICO
3.1. Pensamento sistêmico novo paradigmático
Em nossa pesquisa temos o interesse de apresentar o pensamento
sistêmico novo paradigmático, assim denominado por Vasconcellos (2002),
como principal aporte teórico para nosso trabalho. Não temos a preocupação
de descrever o pensamento sistêmico, sua origem e desenvolvimento até
nossos dias, pois esta tarefa foi por s cumprida em outro momento, em
nossa dissertação de mestrado (Lourenço-Silva, 2001). Portanto, tendo em
vista nosso objetivo, iremos nos ater aqui ao pensamento sistêmico e à teoria
da complexidade para embasar nossa pesquisa.
O pensamento complexo e o pensamento sistêmico surgem como uma
nova possibilidade de abordagem da pesquisa científica. Ambos se apoiam na
transdisciplinaridade e buscam estudar os fenômenos humanos em toda a sua
complexidade, sem os limites impostos pelas disciplinas.
Propor o pensamento sistêmico como método de pesquisa é possibilitar
uma visão mais ampla entre o conhecer e o entender, onde e como acontecem
os fenômenos.
Em nosso contexto de globalização, os problemas que emergem são
complexos transversais, multifatoriais e multidimensionais. Para chegarmos a
uma compreensão adequada desses problemas, devemos ampliar nossa visão,
por meio de um olhar inter e transdisciplinar, em que os saberes se
intercruzam, construindo uma rede de conhecimento que vai muito além dos
limites de cada disciplina. Este novo olhar globalizador possibilita o
conhecimento do todo e das partes que o compõem, de forma interligada e
organizada, ou seja, compreendendo as partes que o compõem não somente
como uma simples somatória das partes, e sim como a articulação dessas
partes, com suas características peculiaridades, que se tornará um todo único,
com uma dinâmica específica.
54
Os aspectos sistêmico-novo-paradigmáticos de complexidade,
instabilidade e intersubjetividade, propostos por Esteves de Vasconcellos
(2002), nos ajudam a compreender o pensamento sistêmico e sua
aplicabilidade para nossa pesquisa.
Podemos entender cada um destes aspectos do seguinte modo:
Complexidade refere-se à necessidade de uma abordagem o mais
ampla possível dos fenômenos, na tentativa de abarcar melhor as interações
dos sistemas observados. Em nossa pesquisa, a drogadicção é tratada como
um fenômeno complexo, necessitando de múltiplos olhares, em que vários
atores (sujeitos, instituições, sistemas de leis, crenças e valores) interagem
para a composição desta problemática. Da mesma forma, nossa sociedade nos
mostra que a interdependência entre seus participantes, representantes das
múltiplas culturas, compõe diferentes contextos de vida em que a troca e,
também, a partilha entre seus membros permitem múltiplas e novas formas de
organização, possibilitando ações transformadoras e enriquecedoras para seus
participantes.
Imprevisibilidade as famílias envolvidas no ciclo da drogadicção são
sistemas que funcionam sob constantes experiências de crises; as relações
entre seus membros são frequentemente ameaçadas e os vínculos necessitam
ser a todo tempo refeitos. A recuperação das histórias vividas por estas
famílias, por meio de suas narrativas, é importante elemento catalisador para a
transformação e a construção de modelos saudáveis de funcionamento. Uma
pesquisa sob este ponto de vista sistêmico deve considerar a impossibilidade
de prever os resultados de uma intervenção, uma vez que ela depende das
relações que se estabelecem entre os participantes, das condições do contexto
e da relação ao acaso, necessidade implícita na ocorrência da vida de um
sistema.
Intersubjetividade Em um sistema, as trocas intersubjetivas ocorrem no
campo da linguagem; a construção conjunta de significados que façam sentido
para um grupo, organiza os valores e a prática da convivência, criando um
55
sentimento de pertença que possibilita a compreensão entre os envolvidos em
qualquer situação.
Como sistemas aut
o-organizadores, as famílias
têm seus problemas, mas
também têm suas soluções. É do diálogo construído com base nessa relação
de intersubjetividade entre seus membros que emergem estas soluções. A
conexão de pessoas e famílias com redes sociais e institucionais é da maior
importância para a inserção social de seus participantes. As pessoas, como as
famílias, não existem no vácuo, mas se constituem nas inter-relações sociais.
Por essa razão, a organização de redes solidárias é uma das possibilidades de
transc
endência dos sistemas e uma forma de transfo
rmar os problemas humanos,
geradores de profundo sofrimento. Isso permite acessar o potencial criat
ivo e,
portanto, as próprias co
mpetê
ncias de cada um de seus membros
, estimulando a
resiliência e as possibilidades de saída dos impasses existenciais
experimentados nos contextos de vulnerabilidade.
Na busca de um pensamento sistêmico organizador do todo e de suas
partes, estamos nos direcionado para uma compreensão contextual e
complexa, que respeita a inseparabilidade e as inter-retroações entre qualquer
fenômeno e seu contexto e deste com os contextos nos quais está inserido.
Como exemplo, ao querer compreender como se processa a construção do
conhecimento dos participantes de nossa pesquisa, os CDQs, precisamos
conhecer os contextos nos quais eles estão inseridos, familiares, escolares e
sociais, e o caminho por eles percorrido no ciclo da drogadicção (história de
vida). Para isto, devemos ampliar nosso olhar na direção do pensamento
complexo, que além de contextualizar os fenômenos estudados considera as
relações, inter-relações, implicações mútuas em suas multidimensões,
respeitando as diversidades e a unidade ao mesmo tempo.
Podemos, como exemplo, citar o conhecimento que temos sobre a
ecologia, uma disciplina que nasce incorporando a noção de sistemas. Nos
sistemas vivos, as partes estão intimamente interconectadas, você não pode
entender o todo ao menos que você entenda as interconexões das partes. Isso
se refere também aos problemas que temos no mundo. Precisamos entender
que os assuntos ligados à energia, ao aquecimento global, à segurança, a
56
finanças, à economia não são assuntos isolados. Esses elementos todos estão
interconectados, ao mesmo tempo em que são imprevisíveis, isto é, não temos
como controlar o clima que queremos ter amanhã; da mesma forma a
intersubjetividade, ou seja, o modo como cada indivíduo ou grupos de
indivíduos, representantes das diversas disciplinas e áreas, entendem os
problemas relacionados à ecologia é igualmente importante para um olhar
multi, inter e transdisciplinar.
Em nossa pesquisa, apesar de estarmos utilizando técnicas de terapia
familiar sistêmica, anterior à noção de pensamento novo paradigmático,
procuraremos ter uma leitura orientada por este novo paradigma científico,
considerando a teoria acima descrita.
57
3.2. Técnicas de terapia familiar sistêmica aplicadas à drogadicção
3.2.1. Terapia familiar – Técnica estrutural de Minuchin e estratégica de Haley
Na prática clínica com dependência química vem se consolidando a
importância do olhar sistêmico, que considera tanto os aspectos individuais
quanto os sociofamiliares para a compreensão dos fenômenos complexos,
como a drogadicção.
Macedo (1998) chama a atenção para a importância da abordagem
sistêmica no âmbito sociofamiliar para a compreensão dos fenômenos
complexos, retirando o foco do “paciente identificado” (PI.), ou seja, aquele que
expressa o sintoma no sistema familiar, e que em nosso estudo seria o
dependente químico, e colocando-o nas relações familiares. Buscamos, assim,
compreender o “sintoma” – ou seja, a doença gerada pelas inter-relações
familiares e como este interfere no sistema familiar e é por este sistema
definido, tirando o peso do PI, que é visto como parte de um sistema com
problema.
Neste trabalho, teremos como base a “terapia familiar breve, estrutural e
estratégica”, proposta por Piszezman (1996), que utiliza conjuntamente as
técnicas de “terapia familiar estrutural”, de Minuchin (1990), e a “estratégica”,
de Haley (1979). Tal abordagem, segundo Piszezman (1996), também é
compartilhada por Bodin (1981), importante terapeuta familiar, para quem uma
visão interacional não necessita distinguir entre a abordagem estratégica e a
estrutural. Stanton e col. (1990), importantes pesquisadores com estudos
clássicos sobre famílias com membros dependentes químicos, também
apontam a importância da integração dessas duas abordagens de terapia
familiar para o êxito de seu trabalho.
Por termos constatado a eficácia desses dois modelos de terapia familiar
utilizados conjuntamente, em trabalho por nós anteriormente desenvolvido
(Lourenço-Silva e col., 2006), neste atual trabalho utilizamos algumas
ferramentas e conceitos deste dois modelos de intervenção familiar,
principalmente da técnica estrutural de Minuchin (1995), por apresentar um
58
manejo técnico mais simples e mais adequado ao tipo de intervenção sistêmica
que pretendemos desenvolver junto aos cuidadores.
Do modelo estrutural, utilizamos, principalmente: a construção do mapa
da estrutura familiar, analisando as fronteiras, subsistemas, regras, limites,
coalizões e alianças e padrões de comunicação, que nos permitem uma ampla
visão do funcionamento e da organização estrutural da família.
Uma vez investigadas tais características da família, segundo Minuchin
(1990), poderemos compreender o sistema familiar e, junto com os membros
da família, levantar hipóteses de funcionamento disfuncional, geralmente
manifestado por uma gama de sentimentos e ações que, uma vez identificados,
poderão facilitar no processo de mudança necessário para a coconstrução de
um sistema familiar mais saudável.
Por ser um material básico de trabalho em nossa pesquisa,
apresentaremos de forma sucinta e esquemática a “terapia familiar estrutural”
de Minuchin.
Breve histórico da TFE de Salvador Minuchin
Primeira fase, na década de 1960 trabalhou em um projeto de
reabilitação para menores delinquentes na escola Wyllwyck; os
principais conceitos desenvolvidos nessa época foram os de hierarquia e
subsistema.
Segunda fase, meados da década de 1960 até o final da década de
1970 desenvolveu-se na Philadelphia Child Guidance, clínica
associada ao Children´s Hospital, onde a maior demanda de
atendimento se realizava com crianças psicossomáticas: portadoras de
asma, diabetes e anorexia. Desta fase, destacamos os conceitos de
fronteira.
Terceira fase o trabalho de Minuchin se desenvolve voltado para o
treinamento de terapeutas e para a assessoria em projetos de
assistência a lares substitutos.
59
Minuchin (1990) apoia-se em uma visão normativa do grupo familiar.
Utiliza a noção de que o funcionamento do sistema familiar se constitui
com base na interação entre os seus subsistemas, sendo que esses têm
demarcadas as suas funções específicas.
O autor, apesar de utilizar uma visão normativa do funcionamento
familiar, desenvolve um modelo bastante flexível, que considera as
especificidades étnicas, sociais e culturais do grupo familiar.
O sintoma e as etapas de desenvolvimento
Assinala que um sintoma expresso por um membro da família pode
estar relacionado tanto a uma dificuldade em transpor as etapas de
desenvolvimento, quanto com a dificuldade dos subsistemas em exercer
suas funções.
Em seu ponto de vista, a família deve tanto proteger seus membros
quanto habilitá-los para a interação com o meio social. Baseado na idéia
de ciclo vital, sugere que o grupo familiar se desenvolve e que as
funções familiares se transformam no decorrer desse processo.
Segundo Minuchin (1990), o sistema familiar tem se transformado, ao
longo da história, em uma contínua adaptação às mudanças que
ocorrem na sociedade. Para cumprir as funções de socialização de seus
membros, a família atende a dois objetivos: o primeiro, relacionado com
questões internas, corresponde à proteção psicossocial dos integrantes
do grupo familiar; e o segundo, vinculado a questões externas,
corresponde à acomodação em uma determinada cultura e à
transmissão dessa mesma cultura. Como nos esclarece Minuchin:
Estrutura familiar
A família é vista como subsistema social, um grupo natural que,
gradativamente, desenvolveu padrões de interação definidores da sua
estrutura.
60
A principal tarefa da família é dar apoio à individuação e, ao mesmo
tempo, prover sentimento de pertinência aos indivíduos.
A estrutura familiar foi definida como “o conjunto invisível de exigências
funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família
interagem” (Minuchin, 1990: 57).
Padrões transacionais
Os membros da família incorporam, por meio da experiência, o
mapeamento do sistema familiar, expresso pelos padrões transacionais,
que surge a partir de transações repetitivas, desenvolvidos pelo grupo.
Identificam os limites tanto individuais como os do subsistema familiar.
Paciente identificado
Sequências de condutas repetitivas
Padrões de comunicações
Regras
Padrões Intergeracionais
Triangulação
Hierarquia
Representação gráfica de um sistema familiar
Conjugal
Parental
Fraternal
61
Subsistemas familiares
As funções familiares são executadas por intermédio de diferentes
subsistemas. Um indivíduo pode pertencer a diferentes subsistemas,
nos quais adquire diferentes níveis de poder e distintas habilidades.
Os subsistemas integram o sistema familiar e suas funções são
distintas.
uma distinção hierárquica de poder na família, na qual os pais têm
um nível diferente de poder em relação aos filhos. A maior autoridade na
família deve estar representada pelo subsistema parental.
Minuchin (1990) acrescenta que, em cada subsistema familiar, são
apresentadas funções e exigências diferentes para seus integrantes,
cujo desenvolvimento de habilidades pessoais está relacionado à
independência de um subsistema em relação a outro.
- Subsistema Conjugal
É constituído pelos cônjuges, cujo espaço relacional tem início na
formação da família. Cada esposo traz para o casamento seus modelos e
expectativas de vida comum. Pouco a pouco, os acordos são estabelecidos e
novas formas de interagir aparecem: cada esposo pode abrir mão de certas
preferências, perder parte de sua individualidade e ganhar uma pertinência.
Assim, constitui-se um novo subsistema.
- Subsistema Parental
O subsistema parental é integrado pelos indivíduos responsáveis pelos
cuidados com os filhos. Não é constituído apenas pelo pai e pela mãe.
Pode incluir pessoas diretamente relacionadas com a guarda e com as
questões de disciplina dos filhos. Ressaltamos que compete a esse
subsistema as responsabilidades correspondentes à socialização e à
educação das crianças.
Os filhos aprendem a trabalhar com a autoridade baseando-se no
modelo estabelecido, com o qual aprendem, também, a contar ou não
com o apoio dos mais poderosos. A partir disso, as crianças
62
experimentam o estilo com o qual a família trabalha os conflitos e realiza
negociação.
Esse subsistema se transforma na medida em que as crianças se
desenvolvem e se atribui, com o tempo, mais responsabilidade e
autoridade aos filhos.
Fronteiras
As regras que governam as trocas de informações e de energia entre os
subsistemas são representadas pelo tipo de fronteira estabelecido.
O termo fronteira é utilizado para representar os limites que configuram
um subsistema.o as regras que definem quem participa e como, cuja
função é proteger a diferenciação do sistema (Minuchin, 1990).
Fronteiras nítidas possibilitam aos membros do subsistema desenvolver,
sem interferência indevida, as suas funções, ao mesmo tempo em que
facilitam a manutenção do contato com outros membros de outros
subsistemas.
As fronteiras rígidas podem propiciar dificuldade na comunicação entre
os subsistemas.
Nas fronteiras difusas, a interação e a comunicação entre os
subsistemas são intensa e caótica.
Mapa Estrutural
Desenvolvido por Bowen (1971) e Minuchin (1974), o mapa estrutural é
uma técnica de representação gráfica para auxiliar na compreensão da
estrutura familiar, ou seja, ele auxilia na compreensão do conjunto de
exigências funcionais que organiza a maneira pela qual os membros da
família se relacionam.
“O mapa estrutural possibilita a representação de fronteiras entre os
subsistemas familiares, assim como a organização hierárquica. Por ser
um esquema organizacional, não representa a riqueza das transações
familiares mais do que um mapa representa a riqueza de um território. É
63
estático, ao passo que a família está constantemente em movimento”
(Minuchin, 1990: 91).
64
Técnicas de terapia familiar estrutural: principais formas de
intervenções e técnicas utilizadas.
Espontaneidade Focalização Realidades
Coparticipação Intensidade Construção
Planejamento Reestruturação Paradoxos
Mudanças Fronteiras Forças
Reenquadramento Desequilíbrio
Dramatização Complementaridade
65
“Assim, como estava procurando metáforas heurísticas que transmitiram a
previsibilidade e limitação das funções de uma família, comecei a pensar que
uma família, como um corpo, tem uma estrutura subjacente. Um corpo tem
ossos, músculos, tendões e nervos para dirigir e limitar o movimento do braço.
Mas a maneira pela qual ele pega uma flor é uma função da maneira pela qual
o esqueleto, músculos, tendões e nervos estão organizados por uma inclinação
estética, do prazer de segurar uma flor, ou talvez da afeição pela pessoa a
quem ela é dada. Da mesma forma, a estrutura de uma família não dita a
maneira pela qual as pessoas funcionam. Mas ela realmente estabelece alguns
limites, e organiza a maneira pela qual elas preferem funcionar”
(Minuchin,1995: 41).
3.2.2. Trabalhando em rede: o indivíduo, a família e o contexto social em
interconectividade.
Pela complexidade da problemática da drogadicção, faz-se necessária a
construção de redes saudáveis para o suporte e atendimento ao indivíduo
dependente químico. Este suporte inicia-se na família, rede primária básica de
proteção e atenção ao indivíduo, passa pela comunidade, onde a família se
insere, e deve englobar partes do contexto social o suficiente para atender às
demandas previsíveis e imprevisíveis, como as demandas que surgem no ciclo
da drogadicção.
É necessário um conjunto de atores e ações para transformar a
realidade aprisionada ao ciclo da drogadicção: introdução de novos
personagens, trocas de experiências, resgate de competências e valores, etc.,
assim como a participação da família e de membros da comunidade local,
líderes comunitários, serviços de saúde, escolas e espaços de lazer, cultura,
religião, arte, etc., que em interconectividade podem constituir redes saudáveis
capazes de garantir uma qualidade de vida satisfatória, menos vulnerável à
drogadicção.
Nosso trabalho visa a ações globalizadoras para a atenção à
dependência química: indivíduo, família e contexto social. Desta forma, é
66
necessário investigar o capital social, principalmente os recursos da
comunidade em saúde, lazer, esporte, educação, cultura e trabalho, no qual o
sistema familiar em questão está inserido. Após esta investigação, é de grande
importância promover ou catalisar o acesso dos indivíduos e de seus familiares
a estes recursos, para que possam ser utilizados de acordo com a necessidade
do momento. Sluzki (1987) propõe um esquema facilmente aplicável de
reconhecimento de rede social, para demonstrar e avaliar a qualidade das
relações construídas pelo indivíduo em seu contexto social (ver Fig. 2).
Figura 2: Rede Social de Sluzki
Fonte: Sluzki - 1997
FAMÍLIA
RELAÇÕES DE
TRABALHO OU
ESTUDO
RELAÇÕES
COMUNITÁRIAS
:
Relações íntimas cotidianas: família nuclear e amigos pr
óximos
Relações
de menor intimidade: sociais, profissionais e familiares intermediários
Relações
ocasionais: conhecidos e familiares distantes
67
Amizade: número, conceito, crença (grupo de pertença)
Relação comunitária: saúde, lazer, religião, esporte, cultura, política e postura ecológica/ ambiental
Relação de trabalho e estudo: participação, envolvimento, nível de satisfação pessoal
Família: envolvimento e padrões de funcionamento
Legenda de rede social por nos utilizada
Símbolo Relações
Amizades destrutivas: usuários de drogas e traficantes
Amizades construtivas
Família
Comunidade
Trabalho
Este instrumento foi por nós utilizado em nosso modelo de intervenção
com as famílias com o objetivo de mapear a rede social dos indivíduos
dependentes químicos e seus familiares na data de suas experiências na
recuperação da dependência química, para com base nele conhecermos os
atores participantes na construção do ciclo da drogadicção estudado. Com
base no conceito de complexidade, descrito anteriormente, é necessário
ampliarmos o contexto para a melhor compreensão e resolução dos problemas.
Portando, a utilização da rede social proposta por Sluzki nos auxilia em dois
níveis: na compreensão do fenômeno, quando tomamos conhecimento do
contexto do adicto e suas interações; e no suporte para a resolução do
problema.
A partir da visualização da rede social do dependente químico, incluindo
a de seu sistema familiar, podemos perceber problemas como saturações de
68
rede ou outras patologias relacionadas a ela. Ao introduzirmos novos
participantes na rede social, como a própria equipe terapêutica, novas
configurações são estabelecidas e, consequentemente, novas formas e
organizações poderão surgir desta experiência compartilhada, contribuindo
para a construção de um contexto mais saudável.
Passaremos a descrever alguns conceitos sobre redes, por ser uma das
ferramentas básicas utilizadas em nossa pesquisa e no modelo de intervenção
por nós elaborado no final deste trabalho.
Rede de Serviços
Empoderamento
Participação Social
Rede e Promoção de Saúde
69
Segundo Feijó (2007)
Participação Social Processo de capacitação da comunidade para atuar
na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior
participação no controle deste processo.
Empoderamento – Construção do sujeito e cidadania.
Conceitos de rede:
Rede Construída com a participação dos indivíduos, comunidade, grupos
de profissionais de saúde, instituições de saúde e governos.
- Dispositivo feito de fios, utilizado em circos, ou pelo corpo de bombeiro para
amortecer o choque da queda de pessoas.
Conjunto interconectado de vias e meios de transportes (...) equipamentos
de comunicação, ou de locais e agentes de prestação de serviços (Dicionário
Aurélio).
Redes o sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e
instituições, de forma democrática e participativa, em torno de objetivos
comuns. A participação dos integrantes de uma rede é que a faz funcionar
(Bruno Ayres).
Para que uma Rede Organizacional exerça todo o seu potencial é preciso que
sejam criadas equipes de trabalho que atendam a alguns princípios:
Existência de um propósito unificador. É o espírito de uma rede. Pode
ser expresso como um alvo unificador e um conjunto de valores compartilhado
pelos participantes, de forma esclarecedora, democrática e explícita.
Participantes independentes. Fazer parte de uma rede não quer dizer
deixar de lado sua independência. Ao contrário, uma rede requer participantes
independentes, automotivados, não limitados por hierarquias.
1. Características estruturais da rede
- Tamanho.
70
- Densidade.
- Composição (distribuição).
- Dispersão.
- Homogeneidade/heterogeneidade.
- Tipo de função.
2. Funções da rede (tipo de intercâmbio)
- Companhia social.
- Apoio emocional.
- Guia cognitivo e conselhos.
- Regulação social.
- Ajuda material e de serviços.
- Acesso a novos contatos.
Rede e recursividade
De acordo com nossa experiência, podemos dizer que quando um
indivíduo entra em uma rede, esta se transforma e ao mesmo tempo o
transforma, é esta troca que garante o desenvolvimento do sujeito social,
tornando-o participativo nas ações sociais e cidadão conhecedor de seus
direitos e deveres com aquele novo grupo que se forma. O paciente conectado
a uma rede saudável, que o apóie e condições para que ele se constitua
como agente transformador social, passa a ter uma visão de mundo mais
positiva. Em um trabalho com emergências psiquiátricas desenvolvido no
município de São Paulo, pudemos verificar a angústia que tanto os
profissionais como os pacientes sentiam quando, por um lado, não se
conseguia retaguarda ou recurso para encaminhamento dos pacientes e, por
outro lado, quando os pacientes e suas famílias sentiam-se abandonados
diante de um agendamento que não supria suas necessidades emergentes.
Com as parcerias entre os serviços de saúde mental daquela região e de
71
outras (que foram se ampliando) interconectividade de rede –, os
profissionais se sentiram mais fortalecidos e menos angustiados, tendo uma
visão mais positiva de sua função e da capacidade de resolução de seu serviço
de saúde (Lourenço-Silva, 2008)
Rede e circularidade
Em trabalhos anteriores sobre farmacodependência, denominamos o
fenômeno da drogadicção pela sua complexidade e recursividade como ciclo
da drogadicção. Quando os elementos de um sistema, presos neste ciclo
vicioso (esquematizado abaixo com um círculo), estabelecem contatos com
outros elementos de fora deste círculo, este encontro possibilita o surgimento
de novo processo, que pode se caracterizar por um ciclo, que denominamos de
ciclo virtuoso (esquematizado abaixo como um espiral).
72
Círculo virtuoso: uma rede social substancial protege a saúde do indivíduo e
a saúde do indivíduo colabora para a proteção e o crescimento da rede social.
Círculo vicioso: a presença de uma deficiência na rede produz um impacto
negativo sobre a saúde do sujeito e este, por sua vez, leva a uma saturação da
rede. Em serviços de saúde, uma rede saturada fragiliza tanto o paciente como
a equipe (esgotamento profissional do cuidador).
Exemplo de rede saudável para atenção à farmacodependência.
73
O genograma proposto por Murray Bowen (1971) também foi por nós
elegido como uma ferramenta de extrema utilidade em nossa pesquisa, pois
este instrumento construído junto com a família nos uma visualização clara
do funcionamento da família; nele podemos registrar a estrutura da família, de
acordo com MInuchin (1990: 57): “... o conjunto invisível de exigências
funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família
interagem”.
74
Desta forma, podemos identificar e analisar os padrões intergeracionais,
repetição de modelos e contramodelos de funcionamento adotados pelo
sistema familiar ou por um de seus membros (Cerveny), assim com os padrões
de funcionamento, acima descritos, propostos pela terapia familiar estrutural.
Ciclo Vital Familiar
É importante para o profissional que está atendendo a família observar em que
ciclo vital familiar ela se encontra; sendo assim, abaixo descreveremos, de
forma sucinta, as quatro fases do ciclo vital familiar propostas por Cerveny e
Berthoud (1977). Conhecer o estágio evolutivo em que a família está, ou que
realmente deveria estar, serve para orientar o profissional em sua intervenção
familiar, pois as demandas de cada ciclo é que vai dar o norte orientador para o
desenvolvimento do sistema familiar. A identificação da fase do ciclo vital
familiar serve para contextualizar o problema por ela apresentado,
relacionando-o às variáveis de cada fase do ciclo vital, colaborando na direção
do tratamento. Vimos em nosso trabalho de mestrado, com famílias
dependentes de drogas, que estas geralmente se encontram fixadas numa
fase anterior de seu ciclo vital.
As quatro fases do ciclo vital familiar são, de acordo com Cerveny e Berthoud
(ibid.):
Fase de aquisição: é a primeira fase do ciclo vital familiar, caracterizada pela
união e formação do casal. Para Carter e McGoldrick (1989), a tarefa de
tornar-se um casal é a fase mais difícil do ciclo familiar. Segundo Bergami &
Berthoud (1997), o casal jovem está voltado para a missão de adquirir em
todos os sentidos: material, emocional e psicológico. A experiência a dois é
marcada pela bagagem que cada membro traz consigo de sua família de
75
origem, sendo necessário maturidade para trocas e negociações para a
construção da individuação do casal em relação às suas famílias de origem.
Fase adolescente: corresponde ao casal de meia-idade, com filhos
adolescentes (Cangelli & Luisi, 1997). Geralmente, o casal nesta fase vive uma
segunda adolescência, ao conviver com os filhos nesta fase de transição para
a vida adulta. As demandas o intensas, demarcadas por duas gerações: os
pais do casal com as questões da terceira idade e os filhos solicitando uma
atenção especial. E o casal, por sua vez, geralmente está revendo sua relação,
em um balanço matrimonial. A fronteira da família, nesta fase, precisa ser
flexível, para incluir os avós e os amigos do filho, e permitir a saída do
adolescente, facilitando seu processo de separação e diferenciação. Em nossa
prática clínica, esta fase é muito delicada, pois as demandas da adolescência e
as demandas da fase adolescente do ciclo vital familiar se entrecruzam,
vulnerabilizando o sistema familiar para situações problemáticas, como a
farmacodependência.
Fase madura: corresponde às famílias com filhos adultos; a relação pais e
filhos se horizontalizam (Carbone & Coelho), os filhos assumem
responsabilidades, autonomia, independência e individuação, estando em
condições de deixar o lar e constituir a sua própria família. O casal necessita
orientar sua atenção em dois sentidos: os pais, que estão idosos; e os netos,
que estão chegando. Podemos encontrar aqui a situação de ninho vazio: o
casal, ao ficar sem os filhos, necessita voltar-se para si e refletir sobre a
relação conjugal.
76
As famílias presas no ciclo da drogadicção ficam impossibilitadas de chegar
nesta fase, fixando-se em fases anteriores do ciclo vital da família;
encontramos, nestes sistemas familiares, filho com idade adulta, pom
comportando-se como adolescente, sem autonomia, independência econômica
e emocional; muitas vezes, apresentam pseudodiferenciação (Bowen, ???? ) e
vários padrões relacionais disfuncionais, geralmente com projeção
transgeracional.
Fase última: é a fase de envelhecimento, caracterizada pelos fatores de
envelhecimento biológico, psíquico e social do casal (Lourenço-Silva, Alves &
Coelho, 1997). Esta fase pode ser vivida de duas maneiras, principalmente:
ruptura, caracterizada pelas perdas ao longo da vida; e/ou continuidade,
representada pelos descendentes dos familiares. O casal, geralmente,
necessitará de cuidados dos filhos, o tempo passa a ter outro significado, o
presente é o mais importante, assim como as lembranças do passado. É muito
comum encontrarmos famílias na fase última tendo de lidar com dependentes
químicos em seu contexto familiar; estas famílias parecem não ter tempo para
viver esta fase com a reflexividade e o descanso que ela exige, passando a
viver de forma muito parecida com a fase adolescente, repleta de demandas e
conflitos. É comum encontrarmos uma avó cuidando de forma intensa do neto
ou mesmo do filho (que deveria estar na fase madura). O sistema familiar
preso no ciclo da drogadicção parece manter a família multigeracional fixada
na fase adolescente.
3.3. Representação social
77
Temos como objetivo, nestes parágrafos que se seguem, apresentar de
forma sucinta a teoria da representação social, que embasa a metodologia do
discurso do sujeito coletivo.
Serge Moscovici (1961), psicólogo social europeu, em sua obra A
psicanálise, sua imagem e seu público, desenvolve a teoria das
“representações sociais”, que tem como objetivo expressar a referência coletiva
sobre um determinado fenômeno social, como, por exemplo: problema da
drogadicção em nossa sociedade contemporânea pós-moderna, as questões
relacionadas ao aborto, a ditadura da beleza, etc. Ou seja, é preciso conhecer
o pensamento coletivo sem perder de vista a individualidade.
Segundo Amorim, Waliman, Lourenço-Silva et al. (2009), Moscovici
busca compreender as regras que norteiam os pensamentos coletivos. Para
esse autor, as visões de mundo, o senso comum, os valores, crenças e
preconceitos, expressam a subjetividade manifestada pelos indivíduos. Este
conhecimento, a construção do saber sobre algo é produzido na relação
indivíduo/sociedade, surgindo assim diferentes grupos homogêneos ou de
pertença que vão determinar as diferentes formas de inserção dos grupos
sociais na sociedade. Por exemplo, como um determinado grupo religioso
acessa os serviços de saúde segundo a sua crença sobre o adoecer e a cura
de uma doença.
A teoria das representações sociais está principalmente relacionada
com o estudo das simbologias sociais, o estudo das trocas simbólicas
infinitamente desenvolvidas em nossos ambientes sociais; de nossas relações
interpessoais e de como isto influencia na construção do conhecimento
Segundo Moscovici (ibid.) existem dois processos das representações
sociais: a objectivação e a ancoragem.
Na objectivação, as ideias abstractas transformam-se em imagens
concretas, por meio do reagrupamento de ideias e imagens focadas no
mesmo assunto.
78
A ancoragem prende-se com a assimilação das imagens criadas pela
objectivação, sendo que estas novas imagens se juntam às anteriores,
nascendo assim novos conceitos.
De acordo com Lefevre e Lefevre (2003), ”O Discurso do Sujeito Coletivo
visa dar luz ao conjunto de individualidades semânticas componentes do
imaginário social”. Desta forma, em nossa pesquisa, ao investigarmos junto aos
conselheiros de dependência química a questão “importância da família na
recuperação do dependente de drogas”, podemos pressupor que vários
discursos individuais comuns serão compartilhados por um determinado grupo
de CDQs, que formarão, assim, um discurso coletivo sobre esta questão, ou
seja, o conhecimento que este grupo tem sobre o tema. Porém, com esta
técnica, melhor apresentada no capítulo de metodologia, no item “Coleta de
dados”, teremos a possibilidade de trazer à tona, em qualquer momento da
pesquisa, os discursos individualizados componentes do discurso coletivo; este
é um dos recursos importantes desta técnica, em pesquisa qualitativa, que
possibilita o diálogo do pesquisador com os diferentes grupos formados com
base nos diferentes discursos coletivos e, ao mesmo tempo, com cada
indivíduo de cada grupo, que se reconhece ao identificar sua fala dentro do
discurso coletivo, não perdendo assim a subjetividade de cada participante e
possibilitando uma troca rica entre pesquisador e participantes na sua
individualidade e coletividade.
4
. Elaborando uma proposta de intervenção com famílias com membro
dependente químico
Inicialmente, pretendemos elaborar um modelo de intervenção nas
famílias, principalmente de baixa renda, que estão envolvidas no ciclo da
drogadicção e que apresentam pelo menos um membro com dependência de
drogas. Esta estratégia tem como objetivo facilitar o manejo das famílias por
cuidadores que trabalham diretamente com dependentes químicos em
tratamento em comunidades terapêuticas. Nossa proposta tem por base nossa
79
prática clínica como psiquiatra especializado em drogadicção e terapeuta de
família e casal e os dados obtidos em pesquisa anterior, em nível de mestrado
(Lourenço-Silva, 2001), quando trabalhamos com famílias com pelo menos um
membro adicto.
Percebemos naquele trabalho anterior que a técnica estrutural de
Minuchin (1990) e a estratégica de Haley (1979) foram de extrema importância
para a intervenção e transformação dos sistemas familiares em sofrimento sob
os efeitos do ciclo da drogadicção. Tal abordagem, como apontamos, foi
utilizada por outros autores que atestam a sua eficácia, por tratar-se de um
modelo de intervenção mais diretivo, focado no problema, com intervenções
bastante apropriadas para trabalhar melhor com famílias desorientadas em
constantes crises, como as famílias envolvidas com a drogadicção (Bodin,
1981; Stanton e cols., 1990; e Piszezman, 1996).
Nesse trabalho, priorizamos o modelo estrutural de Minuchin (1990),
utilizando algumas ferramentas oferecidas por esta cnica e adaptadas de
forma que possam ser utilizadas com segurança e facilidade por pessoas que
não têm formação psicoterapêutica, como é o caso dos conselheiros ou
cuidadores das comunidades para dependentes químicos. Estes poderão ser
capacitados mediante a compreensão dos objetivos e das técnicas de
intervenção, bem como pela vivência pessoal da técnica e a apropriação das
informações básicas sobre relações familiares, transformando-se assim em
multiplicadores, capazes de dar grande apoio, não aos drogadictos, como
também às suas famílias.
Segundo Paulo Freire (1987), todo cidadão é um ser em constante
transformação e construção, podendo por meio de suas competências e
experiência de vida ser um transformador social. Na esteira deste autor,
entendemos que os conselheiros ou cuidadores em dependência química têm
apresentado grande contribuição para mudanças substanciais no cenário das
drogas no Brasil, configurando-se em importantes agentes transformadores
desta realidade, atuando no apoio aos indivíduos no processo de tratamento
em comunidades terapêuticas.
80
Outro modelo de intervenção que também é subsidiado pela teoria
apresentada por Paulo Freire (ibid.) é a “terapia comunitária”, de Barreto
(2005), cuja proposta é de intervenção com famílias de baixa renda,
oferecendo, do mesmo modo, a possibilidade de ser facilmente apreendida e
executada por pessoas sem formação acadêmica específica da área da
psicoterapia.
Deste modo, a proposta desse trabalho é construir um programa para
capacitar pessoas qualificadas em função de sua experiência de vida na
relação direta com as drogas, como drogadictos (em abstinência de pelo
menos um ano de uso de drogas). Este programa pode ser caracterizado
como uma intervenção de apoio sócio-emocional para dependentes químicos e
seus familiares, com vistas a auxiliá-los a perceber seus problemas, suas
dificuldades e a maneira como cada um contribui para o aprisionamento do
sistema familiar no ciclo da drogadicção. Ao perceber, junto com o sistema
familiar, os processos interativos mantenedores dos padrões adictos na família,
possibilita-se a flexibilização do contexto, criando oportunidades para a
construção conjunta de novas alternativas de funcionamento, que fortaleça o
sistema familiar para a mudança. Tal fato se dá pela ampliação da capacidade
de cada membro do sistema familiar compreender o seu papel e, portanto, sua
responsabilidade, na produção dos fenômenos, como a drogadicção, sem a
busca de culpados e/ou bodes-expiatórios (P.I).
Aos cuidadores participantes desta pesquisa foi oferecido um programa
para a intervenção familiar, por meio do qual foram apresentados conceitos
básicos sobre sistemas familiares no ciclo da drogadicção, tendo como base a
literatura especializada e nossa prática clínica.
Trabalhamos com os cuidadores da seguinte forma:
1- Capacitação dos cuidadores por meio de um programa básico sobre
técnicas de intervenção adaptadas da terapia de familiar: 12 encontros
com conteúdo programático a seguir (programa de capacitação).
2- Encontros com os cuidadores e trabalho vivencial com os mesmos por
meio de ferramentas como: genograma, mapa estrutural e rede social
81
pessoal, para que percebam suas relações com seus contextos (suas
famílias de origem, seus amigos, recursos socioculturais e outros de seu
meio). Este procedimento tem a finalidade de levantar as experiências
pessoais de cada um, tendo em vista o ciclo da drogadicção, vivido,
também por cada um, conforme sua história de vida e sua família de
origem. Denominaremos de FOC a família de origem do conselheiro.
3- Coconstrução de uma proposta de intervenção com famílias no ciclo da
drogadicção, tomando-se por base os dados obtidos pelas diferentes
fontes de informação: avaliação da capacitação citada acima, do
trabalho com a família de origem do conselheiro e da construção do
discurso do sujeito coletivo.
Descrição do programa de capacitação: noções básicas de terapia
de família, utilizando técnicas adaptadas para os cuidadores.
O curso terá duração de dez encontros, dois encontros por semana,
com quatro horas de duração cada um, num total de 40 horas; o conteúdo
apresentado poderá sofrer mudanças no decorrer da pesquisa, de acordo com
a necessidade apresentada pelos cuidadores.
Primeiro encontro:
Tema: família, um conceito em constantes transformações – histórico da família
até o dia de hoje.
Segundo e terceiro encontros:
Tema: trabalhando com famílias em situação de vulnerabilidade social:
competência, participação, resiliência e empoderamento (Macedo, 2008).
Quarto e quinto encontros:
Tema: estruturas e funcionamento da família (Haley, 1976; e Minuchin, 1992).
Sexto encontro:
Tema: ciclo vital da família (Cerveny, 1994).
Sétimo encontro:
82
Tema: dependência química e ciclo vital (Lourenço- Silva, 2001).
Oitavo e nono encontros:
Tema: apresentação e discussão de casos de dependência química atendidos
em terapia de família, de acordo com o modelo estrutural e estratégico, com
exemplo de dinâmica familiar (Lourenço-Silva e cols. 2006), evidenciando as
possibilidades de intervenção de um cuidador.
Décimo encontro:
Tema: revisão, avaliação e fechamento do programa.
Obs.: acrescentamos dois encontros para a discussão do planejamento
estratégico, conhecido pela maioria dos conselheiros que desenvolvem
projetos dentro da CT AEP e são participantes desta pesquisa.
5. OBJETIVO
Nosso objetivo, neste trabalho, é elaborar uma proposta de intervenção
nos sistemas familiares com membro adicto que possa ser aplicada por
conselheiros em dependência química.
83
6. METODOLOGIA
O delineamento deste estudo foi de uma pesquisa-intervenção
qualitativa coerente com este tipo de trabalho. Utilizamos como referencial
teórico o pensamento sistêmico novo paradigmático, com base na construção
da realidade, conforme nossa prática clínica.
Nosso interesse foi construir uma proposta de intervenção nos sistemas
familiares com membro adicto, em conjunto com os cuidadores participantes
desta pesquisa. Desta forma, trabalhamos dentro de uma perspectiva
construtivista, uma vez que o delineamento do trabalho – intervenção nos
sistemas familiares com membro adicto foi realizado em conjunto (terceiro
passo da pesquisa) com os participantes, com base no que puderam apreender
e vivenciar nos dois primeiros passos da pesquisa; portanto, levamos em
consideração as experiências destes agentes de saúde, resgatando suas
competência e aspectos resilientes, tornando-os coautores desta intervenção.
Adotamos como hipótese que uma construção compartilhada ou coautoria
pode ser essencial para facilitar a capacitação e multiplicação do método para
outros conselheiros em dependência química.
6.1. Características dos participantes da pesquisa
A presente pesquisa contou com um número de dez conselheiros de
pacientes em dependência química, atuando em comunidade terapêutica. Os
conselheiros necessitam estar no mínimo com um ano de abstinência de
drogas e atuando em comunidades terapêuticas para dependente químico, do
sexo masculino, faixa etária entre 20 e 50 anos.
84
6.2. Critérios de inclusão
A participação nesta pesquisa se deu de forma voluntária, respeitando-
se os “critérios éticos de pesquisa com seres humanos” (formulários anexos).
Os voluntários deviam estar atuando em comunidades terapêuticas que
estivessem de acordo com a pesquisa e autorizassem a aplicação do programa
(carta de anuência anexa).
6.3. Local
Realizamos a pesquisa na instituição não-governamental denominada
comunidade terapêutica AEP, localizada na região metropolitana de São Paulo
(carta de anuência anexa), cuja descrição e características estão expostas
acima.
6.4. Fases da pesquisa
Primeira etapa
Enviamos carta-convite para diferentes instituições e conselheiros ou
cuidadores em dependência química, explicando o objetivo desta pesquisa.
Selecionamos a instituição que aceitou, de forma voluntária, participar e
colaborar na pesquisa (autorização para aplicação do modelo de intervenção
familiar por nós proposto), assim como seus conselheiros (anexo: compromisso
da instituição colaboradora e termo de consentimento livre e esclarecido).
Após a confirmação de aceite para a participação nesta pesquisa, fechamos
nossa amostra em dez cuidadores/conselheiros selecionados de acordo com
os critérios de inclusão acima.
85
Segunda etapa
Com o objetivo de conhecer e avaliar o entendimento dos participantes sobre o
envolvimento da família no ciclo da drogadicção, utilizamos um questionário
semiestruturado (a seguir), com gravação e transcrição das entrevistas e
posterior análise; utilizamos a técnica do discurso do sujeito coletivo (DSC),
proposto por Lefèvre e Lefèvre ( 2002).
Detalhamento da técnica do DSC: ferramentas e procedimentos
O discurso do sujeito coletivo ou DSC é a representação de um discurso
único que reúne trechos de discursos de sentido semelhante.
Tendo como fundamento a teoria da representação social e seus
pressupostos sociológicos (apresentada de forma sucinta acima), o DSC é uma
técnica de tabulação e organização de dados qualitativos. Ele é inovador uma
vez que resolve um dos grandes impasses da pesquisa qualitativa, ao permitir,
por intermédio de procedimentos sistemáticos e padronizados, agregar
depoimentos sem reduzi-los a quantidades.
A técnica consiste basicamente em analisar o material verbal coletado em
pesquisas por meio de entrevista, com questões semiestruturadas, gravada e
transcrita, na forma digitada e na íntegra, do depoimento coletado, no softwere
do DSC. Após ser digitado no softwere o cadastro de todos os participantes e
seus depoimentos, extrai-se de cada um destes depoimentos (falas ou
discursos) as “idéias centrais ou ancoragens”, e as suas correspondentes
“expressões-chaves” (trecho da fala do participante de onde tiramos a ideia
central).
As ideias centrais são categorias estabelecidas pelo pesquisador com
base nos diferentes discursos coletados, para que possamos agrupar os
discursos semelhantes em um só discurso síntese, resultando no discurso do
sujeito coletivo.
86
Podemos concluir que o DSC constitui uma técnica de pesquisa
qualitativa criada para fazer uma coletividade falar, como se fosse um
indivíduo.
Esta técnica, por apresentar os resultados quantitativos e qualitativos de
forma muito clara (ver anexos de nossa pesquisa), contribui muito para a
validade científica das pesquisas qualitativas, sobretudo para uma parte da
comunidade científica, que ainda é resistente em considerar este tipo de
pesquisa nos meios acadêmicos. Nesta técnica é possível conciliar pesquisa
qualitativa e quantitativa, quantificando-se os dados qualitativos, por meio de
gráficos e tabelas que apresentam a porcentagem de aparecimento de cada
tipo de discurso com suas ideais centrais (dados qualitativos).
O software do DSC facilita trabalhar em pesquisa qualitativa com
grandes massas de dados (dados quantitativos), permitindo realizar este tipo
de pesquisa com controle de variáveis, ou seja, reagrupando os resultados por
sexo, faixa etária, nível de renda, escolaridade, religião, procedência, etc.
A ferramenta concebida por esta técnica do DSC representa uma
mudança significativa na qualidade, na eficiência e no alcance das pesquisas,
que deixam de ser apenas qualitativas e passam a ser “qualiquantitativas”,
termo utilizado pelos autores desta ferramenta, porque vão permitir que se
conheça e que se dimensione, com a segurança dos procedimentos científicos,
em detalhe e na sua forma natural, os pensamentos, representações, crenças
e valores de todo tipo e tamanho de coletividade, sobre todo tipo de tema que
se queira conhecer e pesquisar.
O DSC foi desenvolvido nos últimos anos por pesquisadores da
Universidade de São Paulo-USP. Desde a consolidação da técnica, no final da
década de 1990, ao momento (2007), foram apresentados ou encontram-
se em processo de elaboração mais de 550 trabalhos, entre projetos de
pesquisa, dissertações de mestrado, teses de doutorado, avaliações de
serviços, de cursos, de processos, etc., nos quais se aplicou a metodologia do
DSC.
87
Vários artigos em revistas especializadas foram escritos, bem como
trabalhos apresentados em conferências e congressos nacionais e
internacionais. Da mesma forma, inúmeros cursos sobre a metodologia foram
desenvolvidos.
Nossa experiência com esta técnica nos levou a escolhê-la, pela
facilidade com que a pesquisa se desenvolve utilizando as ferramentas do
softwere. Temos realizado recentemente (2009) uma pesquisa sobre terapia
comunitária e seu DSC junto a PMSP e FSP da USP, com resultados bastante
positivos, com apresentação em congresso de terapia comunitária e outros
encontros sobre o tema, assim como um artigo publicado pela Covisa, da
PMSP.
O Qualiquantisoft é um software desenvolvido pelos autores na USP,
em parceria com a Sales & Paschoal Informática, com o objetivo de facilitar a
realização de pesquisas qualiquantitativas nas quais é utilizada a técnica do
discurso do sujeito colelivo.
É importante salientar que, como recurso facilitador, o Qualiquantisoft
não substitui, de nenhuma forma, o papel do pesquisador: ele não faz nada no
lugar do pesquisador, seu papel fundamental é facilitar a coleta de dados de
forma organizada, para que não se perca nenhum dado coletado e, em
qualquer momento, se possa recuperar o material de pesquisa na sua íntegra
e, ao mesmo tempo, relacionar cada dado qualitativo com as variáveis
registradas nos cadastros de participantes.
Ele representa uma ajuda importante para o investigador social, pois
apresenta uma sensível economia de tempo, permitindo que o profissional se
concentre nas tarefas mais nobres da pesquisa, como a detecção e a análise
de sentidos dos depoimentos, colaborando com resultados mais eficazes da
pesquisa.
88
Portanto, é importante salientar que o papel do pesquisador continua
sendo essencial neste tipo de pesquisa, pois a construção final do DSC é
coconstruída pelos participantes da pesquisa, com suas falas, e pelo
pesquisador, com suas análises e interpretação do DSC.
Um primeiro livro sobre o DSC foi publicado em 2000, outro em 2003 e, um
terceiro, em 2005, pelos autores desta técnica, que a explicam de forma
detalhada, assim como traz vários exemplos e possibilidades de pesquisa
qualiquantitativas.
Os componentes do softwere Qualiquantisoft são os seguintes:
Cadastros: permitem arquivar dados e bancos de dados relativos a
entrevistados, pesquisas, perguntas, cidades e distritos, entre outros.
Análises: são quadros e processos que permitem a realização de todas
as tarefas necessárias à construção dos discursos do sujeito coletivo.
Ferramentas: permitem a exportação e a importação de dados e
resultados de pesquisa e relatórios que organizam e permitem a
impressão dos principais resultados das pesquisas (ver, anexo,
relatórios desta pesquisa).
Questionário semiestruturado utilizado para a construção do DSC.
1- O que é família para você?
2- Sua família participou da recuperação de sua dependência química? Se
sim, de que forma?
3- Como você acha que a família poderia colaborar para a recuperação de
um familiar com dependência química?
Terceira etapa
Os cuidadores participantes passaram por um programa de capacitação –
noções básicas de terapia de família (cf.4.1.) por nós proposto e descrito
acima, com o objetivo de alinhavar os conceitos sobre a cnica de terapia
familiar estrutural de Minuchin e pensamento sistêmico.
89
Quarta etapa
Realizamos quatro encontros com os conselheiros selecionados, com o
objetivo de trabalhar sua família de origem (FOC), pois a família é tida como
modelo, a base da construção da identidade; é na relação familiar,
transgeracional, que se a transmissão de crenças, valores e repetição de
padrões relacionais (Bowen, 1971). É importante trabalhar a família de origem
de quem irá proceder a intervenções no plano familiar, porque possibilita que o
individuo compreenda a importância de sua família de origem em sua própria
vida, em seu comportamento, forma de pensar, sentir e agir. Trabalhar com a
família de origem nos ajuda a detectar os aspectos positivos e negativos,
ressignificados com a FOC. A família de origem fornece subsídios para a
compreensão da família nuclear e para a intervenção nestes sistemas
familiares; pode colaborar, também, ao tornar consciente aspectos repetitivos
de funcionamento individual e/ou familiar e ao estabelecer conexões com a
família de origem, ressignificando cada aspecto observado, possibilitando uma
nova compreensão de si, vendo sua história de vida sob uma nova perspectiva.
Utilizaremos, para conhecer suas famílias de origem e seus padrões de
funcionamento, assim como para analisar as suas experiências com
drogadicção (problema e resolução), os seguintes instrumentos: a) história de
vida; b) depoimentos; c) genograma; d) mapa estrutural; e e) rede social. Após
o levantamento e a análise sobre o que aprenderam com o resgate das
experiências compartilhadas com suas famílias de origem e com o
compartilhar do FOC passamos para a última etapa da pesquisa.
Quinta etapa
Como última etapa desta pesquisa, elaboramos em conjunto, pesquisador e
participantes, a proposta de intervenção nos sistemas familiares com membro
dependente de drogas, objetivo deste trabalho. Utilizamos todo o material
produzido e analisado, resultado da participação dos sujeitos
(participantes e pesquisador) nas diferentes etapas da pesquisa (construção
90
compartilhada). Apresentamos os resultados obtidos na pesquisa em forma de
quadros-resumos, para facilitar o acompanhamento do processo e análise dos
resultados.
Sexta etapa
Após o fechamento da pesquisa, propomos o acompanhamento, por meio de
intervisão, do trabalho dos conselheiros, em discussões de grupo composto
pelo pesquisador, os conselheiros que aceitarem ser multiplicadores da
proposta, por um período de um ano, como forma de retorno à comunidade
participante e avaliação do método.
6.5. Instrumentos e técnicas utilizados
- Curso de capacitação de noções básicas de terapia de família: aulas
expositivas e participativas.
- Ferramentas da terapia estrutural e estratégica, mapa estrutural (ME) e rede
de Sluzki (RS), genograma (G) utilizados para conhecer a família de origem
do conselheiro (FOC) e seu contexto social.
- Entrevistas, história de vida da família, depoimentos – utilizados para a
construção do ME, RS e G.
- Avaliação do curso de noções básicas de terapia de família.
- Gravações dos encontros e entrevistas com os conselheiros.
- Transcrições.
- Software Qualiquant do discurso do sujeito coletivo DSC, de Lefèvre e
Lefèvre (2002).
7. A Pesquisa
Primeira etapa – descrita acima na metodologia.
Segunda etapa elaboração do DSC utilizando a técnica do DSC descrita
acima.
91
Após o consentimento da comunidade terapêutica para iniciarmos a
pesquisa, realizamos entrevista com dez conselheiros em dependência
química, conforme critério de inclusão acima descrito, com objetivo de
elaborarmos o discurso do sujeito coletivo, conforme técnica descrita acima. Os
resultados obtidos são apresentados abaixo e as entrevistas na íntegra estão
anexas. Os resultados obtidos foram compartilhados com os participantes após
realizarmos as etapas da pesquisa seguintes.
Os participantes, ao serem indagados como gostariam de ser
apresentados nesta pesquisa, escolheram entre três possibilidades:
pedras preciosas, plantas, discípulos. Sendo discípulos os mais
votados, então apresentaremos nossos participantes com os nomes
dos dez discípulos de Jesus. A analogia nos pareceu interessante, pois
para os CDQs participantes desta pesquisa a importância de seus
conselheiros em suas recuperações é descrita como um sacerdócio,
pessoas providas de uma missão a ser cumprida, a partir de suas
próprias experiências de sofrimento, fé e vitória, de levar ao próximo
que se apresentam necessitados, e desprovidos de em si mesmo e
em sua recuperação. Desta forma, os participantes serão: Pedro,
André e João; Felipe e Bartolomeu; Tomé, Mateus, Tiago e Tadeu; Simão.
Apresentação dos dados obtidos pela técnica do DSC
1- Cadastro dos Participantes da Pesquisa do DSC: 10 sujeitos, todos
conselheiros em dependência química atuando em comunidade terapêutica.
Nome: Tiago , sexo M, idade 28 anos, escolaridade 2 grau incompleto,
estado civil - casado, religião evangélico,etnia branco,
Procedência- São Paulo
Nome: Tome, sexo M, idade 26 anos, escolaridade 2 grau incompleto
estado civil - casado, religião evangélico, etnia branco
Procendencia São Paulo
92
Nome: Felipe , sexo M, idade 39 anos, escolaridade 2 grau completo
estado civil - casado, religião católico,etnia branco
Procendencia São Paulo
Nome: Tadeu , sexo M, idade 21 anos, escolaridade 2grau incompleto
estado civil - solteiro, religião católico, etnia branco,
Procedência São Paulo
Nome: Mateus , sexo M, idade 26 anos, escolaridade 3 grau incompleto
estado civil - solteiro, religião evangélico, etnia branco
Procedência São Paulo
Nome: Simeão , sexo M, idade 32 anos, escolaridade 1 grau incompleto
estado civil - separado, religião evangélico, etnia branco
Procedência – Paraná
Nome: Pedro , sexo M, idade 32 anos, escolaridade 1 grau completo
estado civil - separado, religião evangélico, etnia negro
Procedência São Paulo
Nome: Andre, sexo M, idade 45 anos, escolaridade 2 grau completo
estado civil - casado, religião evangélico, etnia branco
Procedência São Paulo
Nome: Bartolomeu, sexo M, idade 49 anos, escolaridade 2 grau completo
estado civil - separado, religião católico,etnia branco
Procedência- Pernambuco
Nome: Joao, sexo M, idade 28 anos, escolaridade 2 grau incompleto
estado civil - separado, religião evangélico, etnia branco
93
Procedência São Paulo
APRESENTAÇÃO DO DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
Questão 1 – O que é família para você?
O que é família para você?
N
%
A
não tem uma definição clara
2 11,11
B
convivência cotidiana
3 16,67
C
a coisa mais importante
4 22,22
D
base, apoio, proteção e cuidado
8 44,44
E
aprendizado
1 5,56
TOTAL 18 100%
DSC-A – não tem uma definição clara
Família? Eu não tenho uma definição muito clara
disso ai, eu tenho uma dificuldade bastante grande
com esse papo de família.
94
Análise dos discursos:
DSC-A
O participante mostra-se distante do conceito de família, mesmo depois de...
anos de abstinência continua sem contato com sua família, ao investigar como
foi sua recuperação aparece em sua rede social uma pessoa que lhe convida
para fazer um tratamento em CT e ele aceita, em outros discursos aparece a
importância deste indivíduo em sua recuperação.
DSC-B
Família? Pergunta difícil.... ,eu acho que a família é primeiro, a companhia, são
aqueles que convivem comigo, na minha casa, que fazem parte do meu dia-a-
dia, o meu lar, o meu pai, a minha e, meus irmãos, esposa, filho. Porque eu
tive uma família que eu não convivia com ela, entendeu, que foi do primeiro
relacionamento, nove anos, mas como trabalhei sempre por conta não era
presente em casa. Então isso pra mim não é, bem dizer, ser um pai, não é ser
uma família, entendeu? Eu tinha uma família, mas para mim não era uma
família, entendeu? Porque se eu não tava presente. E das vezes que eu tava,
eu estava alcoolizado, entendeu? Então família pra mim é assim, você estar
sempre presente, com os seus filhos, sempre com os seus pais, né?
DSC-B
Neste discurso mostra a importância do convívio com os familiares, a presença
e a participação na vida um dos outros, a família como companhia, participando
um da vida do outro, no dia a dia.
DSC-C
95
Família é a coisa mais importante pra mim, é o mais importante elo da
sociedade. É muito importante ter um bom relacionamento, e entendimento
entre a família, para mim resume nisso. De outra forma, é o princípio do
relacionamento com outras pessoas. O bom relacionamento preservar esses
conceitos, porque a sociedade também é uma família, e com bom princípio
dentro de casa, tem um alongamento pra fora. Família é tudo . e de verdade,
porque uma coisa, eu acho que pro jovem, é mostrar erro, né, e outra coisa é
punir...e minha família me puniu bastante,.. e eu sempre me sentia péssimo, só
que eu nem sabia o que estava acontecendo, né, eu não conseguia falar sobre
isso, hoje eu consigo, é uma outra história... Hoje em dia eu acho que o
homem que vai encarar um mercado de trabalho, ou a mulher mesmo, que
hoje em dia muitas mães ai estão trabalhando, eles tem que dar o máximo de
si. E pra onde é que volta esse stress? ...Volta para casa. E pra onde isso vai,
Acaba, muitas vezes, em um filho só, né?... e é verdade. No meu caso foi isso,
o meu pai trabalhava muito, eu nunca tive muitas conversas profundas com o
meu pai, Por um outro lado, eu acredito que a família tem um papel
fundamental também no que eu sou, porque eu era alguma coisa tendo aquela
família, entendeu?... Por mais que a minha família tenha sido prejudicial para
mim,... a minha família também tem, teve o lado bom, né,
DSC-C
Neste discurso aparece a importância da família como o principal modelo de
relacionamento entre as pessoas, o que se aprende em casa leva-se para
fora, para a sociedade. Observamos a importância do entendimento e
compreensão dos problemas que aparecem no âmbito familiar e fora de casa.
A importância do acolhimento da família ao dependente, para evitar a
punição, distanciamento e exclusão daquele que erra, ou apresenta um
problema. Outra questão importante aqui levantada é o limite entre o trabalho
e a família, ter tempo para dedicar-se à família, ao convívio e ao diálogo. Neste
discurso, o sujeito mostra-se resiliente ao apontar que a família, apesar de
erros e acertos, tem um papel fundamental na identidade do indivíduo, e
conclui que aquilo
que ele é hoje, seus aspectos negativos e positivos, é
graças à sua família.
96
DSC-D
Família para mim é a base , a força, o bem maior que Deus deu na minha
vida... Um bem maior porque pra mim sair da dependência, eu busquei,
primeiro a força em Deus, depois olhei pra dois filhos que eu tenho e busquei
força neles, que eles dependiam de mim, e eu estava deixando de fazer o
papel que eu sempre fiz, de pai e mãe na vida deles, porque eu sou separado,
me envolvi com drogas... Só que no decorrer do tempo eu fui percebendo que
eles tavam pagando o preço da situação que ocorreu entre mim e a mãe deles,
e eu entrei nas drogas e eles que tavam pagando o preço, estavam sofrendo.
Ai quando eu percebi que eles estavam sofrendo, eu busquei forças, primeiro
em Deus, e depois neles, né? Então a família pra mim é o bem maior que Deus
me deu na minha vida, e através, de ter vindo pra este lugar, e reestruturado a
minha família, eu resgatei, eu fiquei quatorze anos longe, ausente, achava que
até eu tinha morrido, e tudo isso dai foi resgatado, né? Hoje eu convivo com a
minha família, .fui levar meus filhos pros meus pais conhecerem, daí achei dois
irmãos, então é o bem maior que Deus me deu. Pra mim família é tudo... a
base sólida de um relacionamento, proteção, cuidado, onde eu me apoio, são
pessoas que me dão valor, pai, mãe, mulher, filho, o alicerce da pessoa, sem
família o cara não é nada. Na hora de fundo de poço, da dificuldade, tudo o
mais, teve um lado da minha família que estava presente, isso foi bastante
legal, e a partir disso, né, eu pude fazer um tratamento, e estou aqui até hoje.
São.aqueles que verdadeiramente te amam. Para mim onde eu vim me
apoiar mesmo foi na minha mãe, em tudo isso, só a minha mãe esteve
presente, entendeu? ,... mas minha família hoje são relacionamentos de outro
casamento, desse agora, entendeu, que são filhas que quando eu casei ela
tinha, mas que me amam mais que meus próprios filhos... entendeu? Você
sente, voo amor, assim, nos olhos da pessoa, no coração... entendeu?...
é uma verdadeira família, entendeu? Não que eu esteja culpando os outros... a
primeira família .., porque ... eles também não tiveram culpa. Quem procurou o
afastamento fui eu e não eles, entendeu? Então por isso eu não culpo eles
também.
97
DSC-D
Neste discurso, a família aparece como o bem maior que se pode ter, sendo
um presente de Deus. Portanto, Deus em primeiro lugar, por ter dado a família.
O discurso apresenta uma conotação bastante religiosa, porém não alienada;
aponta para a necessidade de termos consciência do que praticamos neste
mundo; mostra a importância de nossas condutas em nossos relacionamentos
interpessoais. A família é tudo porque é a base sólida de um relacionamento,
proteção, cuidado, apoio, alicerce, a valorização pessoal.
DSC-E
Foi um aprendizado que eu tive ai no decorrer do meu problema com drogas.
DSC-E
Neste discurso, a família aparece como um espaço de trocas e aprendizado, e
como possibilidade de crescimento e resolução de problemas.
98
Questão 2 – Sua família participou da recuperação de sua
dependência química? Se sim, de que forma?
Sua família participou da recuperação de sua dependência química? Se sim, de
que forma?
N %
A
dando apoio religioso
2 18,18
B
orientando e participando
4 36,36
C
não participou, só teve ajuda profissional
4 36,36
D
somente a mãe participou
1 9,09
TOTAL
11
100%
99
DSC-A
Sim, na verdade quando eu estava com o processo de recuperação, não
passei por instituição, nada, foi na igreja que os meus familiares iam, e eu
comecei participar, e eles me apoiaram nesse sentido. A salvação mesmo foi
aqui, entendeu?... foi aqui que Deus tratou comigo mesmo, que eu tive um
encontro verdadeiramente com Deus, porque eu pedi, então hoje, graças a
Deus, eu tô liberto.
DSC-A
A participação da família por meio da fé e da religião. A religião foi essencial e
a única forma de tratamento que o paciente teve para superar sua
dependência.
DSC-B
Participou, dando uma força pra mim, ajudando, orientando e estando sempre
ali participando do meu dia-a-dia, em cima de mim, pra mim não voltar de novo
pra trás. Participou, sofrendo, participou de tudo quanto foi jeito, acreditando
em mim. O mais difícil é enquanto muitos falavam que não tinha mais jeito,
enfim, mesmo assim sempre tiveram muito presentes, muito mesmo. A família
foi essencial, querendo ou não . E hoje partilha essa satisfação de eu ter
conseguido, ter dado a volta, pôxa, mérito de todos, eu acredito nesse sentido,
de que perdas e ganhos, como qualquer escolha. Meus dois filhos
participaram assim, no momento que eu admiti que era um dependente e eu
precisava de um tratamento, eu sentei e conversei com eles, coloquei que seria
necessário que a gente ficasse um bom tempo separado e coloquei pra eles, a
necessidade de eu levando eles pra algum lugar. Deus colocou algumas
pessoas e me ofereceram ajuda: primeiro, me ofereceram este lugar e depois,
100
me falaram que havia um abrigo pra menores, de pais dependentes, pais
separados e meus filhos concordaram. Eles viram a situação que eu me
encontrava, então acharam também, que seria por bem que eu buscasse um
tratamento, né?. Então eles tiveram uma participação, até mesmo no momento
que eu fazia uso de drogas, que eles estavam sempre presente dentro de casa
comigo, eles participaram, eles chegaram a ver, que eu cheguei a usar na
frente deles, então, eles me abraçaram, eles pediam pra mim parar, choravam,
oravam por mim, pedia pra mim ajoelhar, orava, intercedia, então a
participação deles, olha, foi total, foi total mesmo. Eles compreenderam a
minha situação, nunca deixaram de me amar, sempre tiveram amor, carinho.
Hoje esse carinho está muito maior, porque eles reconhecem a luta que eu tive
com eles, eles compreenderam porque que eu entrei naquela situação, foi um
momento de fraqueza, né? Então eles me deram muita força, sabe, jamais me
negaram um abraço, então isso pra mim foi muito importante. A paz com os
meus filhos. Bem, primeiro foi a minha esposa que viu que eu tava
ultrapassando o limite, correu até um amigo meu e os dois conseguiram me
levar no médico, e o médico mostrou que eu tava errado, e tal, fui parar no
psiquiatra e ai ele me conscientizou, que eu estava indo pro caminho errado
mesmo. Isso na última vez, tirando também que é um eterno tratamento, não
pára nunca, isso é fundamental - Só por hoje.
DSC-B
A família foi essencial na recuperação, participando de forma intensa,
orientando, acreditando, sofrendo junto. O mérito da recuperação é
reconhecido por todos, família e paciente, demonstrando uma consciência
coletiva para o problema, com demonstração de carinho, amor, e fé.
DSC-C
101
Não participou, e isso ai foi muito prejudicial, porque até hoje, memo depois de
tá esse tempo todo abstinente, trabalhando e tudo, ainda hoje a minha
esposa tem aquelas atitudes de comportamento de codependente, ela não
aceita que também tem que se tratar. Ela veio conversar com o psicólogo,
mas diz: “eu não tenho tempo!". Então quer dizer, jogava a desculpa sempre
no tempo e no trabalho, mas ela sente isso hoje, principalmente porque ela
que tomou certas atitudes, certas explosões momentâneas de raiva, mas eu
fico assim sossegado, olhando para a cara dela – “Tá bom... tá." e eu não faço
nada. Ai ela pega, depois, no outro dia e vê que exagerou, ai vem, pede
desculpas, ... "me perdoa". Até quando? Vai ficar sempre assim? Ou seja, ela
tem que mudar. Olha, se eu falar que participou vou estar sendo desonesto,
não é verdade? Porque não participou não, eles compareciam às reuniões, que
eram propostas pelos profissionais da clínica onde eu fiquei internado, não foi
fácil, eu cheguei com muita dor, triste, abalado, despedaçado, falido,
derrotado. A minha família, na verdade, participava por obrigação moral e não
para mudar. Eu encontrei profissionais muito bons, que me deram um super
auxílio, que por trás do profissional tinha um ser humano. Entre 2004, 2005, eu
acordava às cinco horas da manhã, eu ia para a aula de manhã ainda, porque
eu queria concluir os estudos, né... eu tinha os meus sonhos. Eles ficaram
afastados de mim, mas eu fiz esse resgate quando eu estava internado. Isso foi
importantíssimo. Ia pro Alcoólicos Anônimos, pros Neuróticos Anônimos. o
falo em nome deles, de jeito nenhum, mas foram duas coisas que me ajudaram
bastante, que a vivência na minha casa era um inferno, porque por mais
que eu tivesse razão em algum assunto, eu não podia falar nada, porque tinha
usado droga. Isso era como boicotado por eles, ou não ia dar certo, ou ia dar
tudo errado. E quando eles tinham problemas a culpa era minha, - "só falta
você usar droga mesmo", "eu não te suporto", "drogado", "você não presta",
"você continua o mesmo", e era uma mentira. Isso me deixava bastante
revoltado, é verdade isso que eu estou falando, pelo amor de Deus. Em muitos
momento eu pensei em voltar ao uso por causa dessas coisas , obviamente eu
tinha tido algum mérito durante o dia, fui lá estudei, fui lá trabalhei, fui lá treinei,
fui e trabalhei em prol da minha recuperação, e quando eu chegava em casa
eu tinha que ouvir esse tipo de coisa. Pequenos erros que eu cometi eles eram
levados, assim, ao extremo. O pior ainda era isto - "você nos deixou assim".
102
Ainda era responsabilizado. Não participaram porque elas vivem no meu
Estado de origem, entendeu? Aqui eu vivo só. E realmente eles sabem que
eu sou portador dessa doença, mas eles sabem realmente que eu estou
fazendo tratamento. Isso eu tenho certeza absoluta.
DSC-C
A família não participou, quando participou não foi consciente a necessidade de
mudar, foi por obrigação, sem compromisso. A família não reconhece nenhuma
responsabilidade pelo problema da dependência química de seu membro, o
paciente é colocado como bode-expiatório dos problemas familiares, outras
vezes permanece distante do problema física e emocionalmente.
DSC-D
A minha família não participou, nenhum deles, a minha mãe. A minha mãe
participou sempre mandando eu pra hospitais, internação, mas eu nunca ia
atrás, entendeu? No decorrer da vida, em vinte e dois anos de álcool, eu não
sei nem quantas vezes tive convulsão, foram centenas e centenas , até a
última, cheguei a ficar em coma em 2006. Então ai foi a minha mãe que
participou.
DSC-D
Participação apenas da mãe, que sempre esteve presente e orientando o
paciente para tratamentos.
103
Questão 3 – Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Como você acha que a família poderia colaborar para a recuperação de um familiar
com dependência química?
N %
A
Sendo exigente com o dependente e participando de programa
de mútua ajuda
3 23,08
B
Ficando próximo do dependente, participando do tratamento e
não discriminando o paciente
7 53,85
C
Cada família tem sua forma de ajudar
1 7,69
D
Participando da terapia familiar
1 7,69
E
Apoiando por meio da religião
1 7,69
TOTAL
13
100%
104
DSC-A
Bom, eu acredito muito no programa de ajuda mútua, e tem um programa que
chama Amor Exigente, né, e eles falam que, amar, sim, mas colocando limite
em você. Eu tenho que te aceitar, mas não aceitar as coisas erradas que você
faz,. então eu acho que isso é uma forma de ajuda. Sendo exigente com ele.
Tem família que é codependente, o paciente no erro e às vezes a família
invés de pegar pesado com ele, não, acaba passando a mão na cabeça,
escondendo, né, e eu acho que a família devia ser mais rígida com o
dependente químico, pra ajudar ele. Então eu acho que a família tem que
fazer o quê? Começar a buscar grupos de apoio, participar de palestra sobre
adictos, se reinterar do que é a dependência, que as pessoas como
safadeza, como pilantragem, e não é não.
DSC-A
A família pode ajudar dando limites, orientada por grupos de mútua ajuda,
entender que a dependência química é uma doença que pode ser tratada de
forma adequada e não apenas passando a mão na cabeça.
DSC-B
Com certeza participando de grupos os familiares mais próximos da pessoa,
tipo, pai, mãe, esposa, até o filho, junto até com o próprio familiar, dependente.
Em grupos separados, grupos especificamente pra família, para aprender
como deve se comportar com o dependente químico quando voltar da
105
recuperação, acompanhar a recuperação, basicamente isso, ajudando a
participar dela (da recuperação)."Ah! não, o doente aqui é você, não sou eu!".
Muitas famílias pensam assim, e isso prejudica o dependente químico, que é
aonde acontece várias recaídas. Olha, para ajudar ele na recuperação, em
primeiro lugar, não discriminando ele, entendeu? Porque a dependência
química é uma doença, comprovada. A compreensão, o amor, procurar se
reinterar como a pessoa adquiriu essa doença, porque nada acontece por
acaso; atrás de uma situação de dependência, algo que a família muitas
vezes necessita saber pra poder ajudar. Hoje eu vejo assim, por eu não ter
tido a minha família no momento em que eu mais precisei, então eu vejo que a
família é importante no tratamento do dependente e ela também deve se
tratar. Isso é muito importante, perceber que realmente é uma doença, e
infelizmente o familiar está acometido da doença também. Daí muda todos os
princípio, de ver e tentar ajudar das formas mais objetivas e precisas. E o
principal de tudo, muito paciência, além da dedicação, muita paciência, não
perde a fé. A conscientização, traçar uma diretriz, assim, não sai, fica num
círculo vicioso. Eu tenho meu filho, meus irmãos, minha filha, eu procuro estar
conversando com eles, mostrando pra eles o que a droga fez comigo no
passado, né? Então, isso que a família tem que fazer. Tem que reinterar., tem
que ler, participar de palestras, mesmo, pra se reinterar pra poder ajudar, o
apenas no lar, mas também quando se deparar com alguma pessoa
passando por situação semelhante, poder fazer algo, porque a sociedade num
todo tem uma responsabilidade.
DSC-B
A família pode ajudar participando de grupos de apoio para familiares ou
específico para a família, para entender que o problema é de toda a família
e não do dependente químico. Compreender a doença ajuda na
recuperação do dependente tanto quanto do sistema familiar, empoderando-os
para ajudar a comunidade, com responsabilidade social.
106
DSC-C
Ah é uma coisa muito singular, de família pra família. A minha família sempre
esteve ali comigo, saber, ter uma percepção, de quem tá em volta, sofrer
junto. Pelo sofrimento, né? Tem pessoas que usa esse sofrimento pra dar mais
gás ainda, pra correr atrás.
DSC-C
Cada família tem uma forma de ajudar, o importante é estar junto, conviver com
o problema e, a partir daí, adquirir forças para a mudança.
DSC-D
De um familiar dependente? Essa pergunta é bastante difícil porque eu
mentia, eu roubava, eu furtava, eu enrolava, eu passava um pano e uma hora
eles ficaram sabendo, né? Vem tudo à tona, menti pra mim mesmo, me sentia
mal por causa disso. Infelizmente eu precisava da droga pra viver, porque
todos os votos de confiança que eles tinham me dado eu tinha provado
totalmente o contrário. Então era bastante difícil ajudar. O que eu acredito que
ajudaria seria a questão da terapia com a família. Eu acredito bastante nisso
hoje, porque, da mesma forma que eu tava ressentido com a minha família.
Foi uma porção de coisas que eu fiz no meio dessa trama familiar. Agora, da
mesma forma que eu fiz, eles fizeram comigo. Isso virou um jogo de pingue-
pongue na verdade. Então, assim muito do que moveu minha família, e me
moveu nessa época, foi o ressentimento, foi a dúvida, foi a raiva. Eu acho que,
assim, o que pode ajudar muito é o mediador do diálogo, porque não existia
diálogo com a minha família. Existia coisa imposta, xingamento. Então eu acho
que esse cara que no meio (mediador), que faz com que as pessoas se
107
entendam, é fundamental, E isso é movido pelo quê? Pelo ressentimento, pelo
preconceito, né, e se isso o for desarmado, acontecem banalidades, não é
verdade? Então é isso que eu acho.
DSC-D
A terapia de família como um espaço para se compreender o problema, sair da
manipulação do dependente químico e da homeostase familiar que mantém o
problema, desconstruir preconceitos e, juntos, com diálogo descobrir uma
forma de resolução do problema.
DSC-E
Fica muito difícil pra ele, se não tiver do lado dele pra levar pra uma igreja,
entendeu?Nas horas difíceis você estar lado a lado ali, na hora de uma
doença, de uma separação. No meu caso, onde eu chegava as pessoa
ficavam cochichando pros lado, iam se afastando, entendeu, é o que
acontece com muitos. Ai, o que é que acontece? Caí na depressão, ai fica
mais difícil ainda de vir a recuperação. Muitos até tentam, mas não conseguem,
porque sozinho, se não tiver um apoio, principalmente de Deus, fica muito
difícil. Eu graças a Deus que ainda tinha a minha mãe do meu lado. Deus em
primeiro lugar, e em segundo, a minha mãe.
DSC-E
O acolhimento das pessoas e da família, não deixar o dependente isolado,
sozinho com o problema, evitando outras complicações como a depressão.
Trazê-lo para o tratamento e para uma religião que o ajude a desenvolver a
em Deus e a esperança na recuperação.
108
Terceira etapa De acordo com a metodologia apresentada acima, após as
entrevistas para a construção do DSC, os conselheiros participaram de um
programa de capacitação – noções básicas de terapia de família.
O curso serviu para os conselheiros conhecerem os conceitos básicos
de terapia familar proposta por Minchim e o pensamento sistêmico, foi muito
interessante a participação dos conselheiros que até então viam a família
muitas vezes como algoz do dependente químico e outras vezes vítimas das
agressões do dependente químico.
Durante o curso solicitamos aos conselheiros que indicassem quais os
padrões de funcionamento familiar, apresentados na técnica de terapia familiar
estrutural mais importantes na analise das famílias por eles assistidas e que
pudessem ser facilmente utilizados por eles no atendimento destas famílias
com dependente de drogas. Obtivemos os seguintes resultados
Tabela de padrões e os resultados
Padrão de comunicação
Padrão afetivo
Hierarquia
Alianças
Coalisões
Lealdades
Este resultado serviu para direcionarmos e elaboração da intervenção
familiar por nós proposta.
109
Quarta etapa: realizamos quatro encontros os conselheiros participantes desta
pesquisa, com o objetivo de trabalhar sua família de origem (FOC) usamos
nestes encontros o genograma o mapa estrutural de Minuchin a rede social de
Sluzky e a historia de vida de cada participante. Optamos por apresentar o
genograma, mapa estrutural e rede social de apenas cinco voluntários, do
grupo de dez participantes desta pesquisa, para nos adequarmos ao tempo e
dimensão desta tese. No final destes encontros, na devolutiva do que
entenderam e apreenderam desta experiência com o FOC, acrescentamos os
aspectos do funcionamento familiar por nos utilizados em nossa pesquisa de
mestrado, proposto por Stierlin e col. (1986) ,abaixo descrito, de forma
adaptada por nós em um linguagem mais clara e acessível ao conselheiros.
Acrescentamos à lista acima os padrões transacionais de MIinuchin escolhidos
pelos conselheiros.
1- Construção da realidade relacional, qualidade geral de
flexibilidade ou inflexibilidade de pressupostos, orientações e
compromissos básicos comuns adaptamos para nível de
motivação para mudança, flexibilidade e inflexibilidade.
2- Definições de relação/clareza e coerência: nível em que os
membros da família concordam e se expressam claramente
(pública ou veladamente) em relação ao tipo de relação que
existe entre eles. Incluímos este conceito em padrão de
comunicação já descrito acima.
APRESENTAÇÃO DO FOC
110
IDENTIFICAÇÃO: Pedro
ENCAMINHAMENTO: Pela Rede Social do Município onde mora
PROBLEMÁTICA IDENTIFICADA: Uso de cocaína/crack
GENOGRAMA DO SISTEMA FAMILIAR
Legenda:
Separação após 10 anos de
casamento
Relação de proximidade
Dependência de múltiplas
drogas
Dependência de álcool
10
8
PI
30
28
111
REDE SOCIAL de Pedro – 30 anos
MAPA ESTRUTURAL
Fronteira nítida alternando-se com exagero por uma fronteira
desligada, sem seletividade nas relações, principalmente
representadas por M.
Família
Amizade
Relações de
Trabalho ou
Estudo
Relações
Comunitárias
P
F
1
F
2
M
P
F
1
F
2
M
112
História de vida de Pedro
PI sempre trabalhou, mas por não ter uma estrutura familiar, com
vínculos afetivos, proteção, apoio, orientação, perdeu grandes
chances.
Trabalha numa empresa considerada boa, com a crise e boatos de
falência, PI pediu a conta; não recebeu todo o seu direito e como
pagava aluguel foi despejado e ficou como morador de rua. Passou
um senhor, chamado Gilberto, que o levou para dentro de sua casa,
junto com a sua família. Confiava muito, porque logo PI arrumou
emprego, conheceu sua esposa, tiveram dois filhos, uma menina, de
15 anos, e o menino, de 13 anos. A esposa começou a beber e se
ajuntar com companhia, deixando as crianças sozinhas. PI tinha
de sair do serviço para socorrer as crianças e, por ter de fazer isto
várias vezes, perdeu o emprego.
Conseguia emprego e saía; quando não era em virtude da negligência
da esposa, era para pagar dívida. E por não ter ninguém para
orientá-lo, “metia os pés pelas mãos”.
E a situação foi piorando, um começou a agredir o outro, brigas
violentas. Até leite quente ela jogou no bebê, ferindo sua cabecinha.
A sogra de PI, junto com ele, foi ao Conselho, procurou as
autoridades da cidade e foi orientada que flagrante que poderia
obrigá-la por lei de se afastar. E não demorou muito PI conseguiu
provar que a esposa não cuidava dos filhos e tinha relações sexuais
fora do casamento.
As dificuldades foram aumentando e o lugar onde moravam era de
fácil acesso às drogas.
PI não desgrudava dos filhos, começou a traficar e depois usar. E a
situação foi piorando a ponto da casa dele ser freqüentada por
usuário e as crianças junto inalando fumaça.
113
Foi onde teve denúncia e a Rede Social fez uma proposta, que iria
tirar as crianças dele e pôr em abrigo, quando ele se recuperasse
daria de volta. E pelo amor que sente pelos filhos aceitou e hoje está
trabalhando e com os filhos. Hoje trabalha na clínica em que foi
acolhido.
ANÁLISE RELACIONAL:
Ciclo vital: Fase de aquisição
O PI, na época que estava preso no ciclo da dragadicção, estava
vivenciando a fase de aquisição do ciclo de vida familiar, com filhos
pequenos. Sabemos que nesta fase das demandas provenientes da
formação do casal e da nova família (chegada dos filhos) é
imprescindível a união do casal para o planejamento de metas em
comum, para a construção da nova família. A dependência de álcool e
drogas nesta fase é extremamente maléfica, principalmente de
ambos os cônjuges, pois não consegue desenvolver uma maturidade
adequada para a construção e proteção da família, tornando o
114
sistema familiar extremamente frágil e à mercê dos fatores
destrutivos do ciclo da drogadicção, como: agressões, violências,
irresponsabilidades, desrespeitos mútuos. Muitas vezes, estes casais
ficam tão fragilizados que perdem a autonomia e o direito sobre os
filhos, pois o aumento da tensão e a sobrecarga familiar com o ciclo
da drogadicção contribuem mais ainda para a vulnerabilidade ao
abuso de drogas por todo o sistema familiar. Estes sistemas imersos
na drogadicção se tornam negligentes a ponto de ser necessária a
interferência da comunidade, que acaba por acionar os direitos da
criança e da família, para dar limite a este processo doentio e
destrutivo. A mãe, com o abuso de álcool, não suportou a
interferência de fora do sistema, não aceitou a ajuda, provavelmente
por dificuldades relacionais com sua família de origem, pois o start da
mudança desta situação doentia foi dado pela sogra, e rejeitado pela
filha, que acabou se distanciando e se separando do sistema familiar.
O PI e os filhos (F1 e F2), que tinham um relacionamento bom,
intensificaram-no, com a ausência da mãe, e isto refletiu de forma
positiva para o PI, que com os laços afetivos fortalecidos encontrou
força para sair deste ciclo vicioso e se livrar da dependência de
droga. O terreno relacional da família, construído pela aliança do pai
com os filhos, parece ser claro; a comunicação apresenta uma clareza
que facilita os membros a se orientarem e a se unirem por um
propósito em comum, as relações são alicerçadas pelos valores e
crenças compartilhados pela família. A aliança entre os filhos e o pai
é pautada pelo afeto claramente expresso entre eles. A hierarquia
familiar se mantém mesmo com o PI usando drogas, pois a fronteira
entre pai e filhos visto no mapa estrutural é bem delimitada, assim
como a fronteira com o sistema externo é nítida, facilitando o contato
da família com a rede de apoio comunitária que lhe é oferecida. Com
este tipo de fronteira saudável, a função protetora da família não é
ameaçada com a entrada de membros fora do sistema familiar (casa
abrigo, pessoas que oferecem tratamento para o PI, etc.). Mesmo a
115
mãe, que se distancia da família no momento de crise, não parece
ameaçar o sistema familiar ou ser rejeitada por ele.
116
IDENTIFICAÇÃO: Felipe
ENCAMINHAMENTO: A esposa de PI-Felipe, em virtude do abuso de
drogas
PROBLEMA IDENTIFICADO: Uso abusivo de cocaína
GENOGRAMA DO SISTEMA FAMILIAR
Felipe – 38 anos
Legenda:
Relação de proximidade
Relação afetiva, namoro
Relação de distanciamento
Dependência de múltiplas drogas
Relação de conflito
PI 33
16
38
60
63
35
117
REDE SOCIAL Felipe –38 anos
MAPA ESTRUTURAL, Felipe 38 anos
TIPO DE FRONTEIRA:
Nítida, com preservação do sistema conjugal e filial, pouco rígida com
o sistema extrafamiliar.
Família
Amizade
Relações de
Trabalho ou
Estudo
Relações
Comunitárias
P M
F
118
História de vida de Felipe
Informações (sic): quando criança lembra que o pai nunca foi de dar
atenção e nem de demonstrar afeto (dar abraço, beijo, elogios). O
pai trabalhava e quando chegava em casa era o mesmo ritual: tomar
banho, jantar e dormir, e de pouca conversa. Mantém
relacionamentos fora do casamento até hoje, a mãe sabe, mas não
se importa. O pai usa álcool socialmente, não chega a extrapolar e é
tabagista. A mãe percebia a ausência do pai, e por isso fazia tudo que
PI queria e tinha dificuldades em dar limites. O pai não levava jeito
para consertar qualquer coisa dentro do lar, como consertar móveis,
trocar lâmpada, etc., e a mãe pedia para PI, que sempre foi muito
cuidadoso. E até nos dias de hoje é assim. Aos 15 anos, arrumou
serviço no Bradesco, passou a ganhar mais que o pai, então a mãe
passou para ele a responsabilidade de pagar as contas da casa.
Inverteram os papéis, “a minha mãe pedia as coisas para mim e não
para meu pai”. PI começou a fumar cigarro e o pai ao ficar sabendo
não demonstrou preocupação, deixando PI muito triste, foi como se o
pai não se importasse com ele.
Foi para o exército e, com 19 anos, se casou e teve um filho.
Começou a usar maconha, mas mantinha seu desempenho e
ninguém percebia. E, em um fim de semana, seu primo lhe ofereceu
cocaína. PI gostou e passou a ficar sempre na expectativa de
encontrar o primo; teve um dia em que o primo não apareceu e ele
mesmo foi na “boca”, daí em diante a situação foi se agravando
gradualmente, passou a beber para disfarçar, piorando a situação,
tornado-se também dependente de álcool (dependência cruzada).
Começou a gastar muito dinheiro, envolvendo-se em dívidas. Foi
quando a esposa tomou conhecimento e começou a ajudar o PI. Ela
passou a administrar o dinheiro, que o problema era ter de usar
119
droga toda vez que tinha dinheiro nas mãos; isto colaborou para a
baixa autoestima de PI, mas concordou com a esposa. A esposa
passou a ter conflito com a mãe de PI, pois ela facilitava dando-lhe
dinheiro e não prestando atenção nas manipulações cada vez mais
frequentes de PI. O pai, ao saber, não o recriminou, pelo contrário o
apoiou no tratamento. Veio a primeira internação, ficou só um mês, e
quando saiu, recaiu. PI, como pai, sempre foi excelente e deu ao filho
tudo o que não teve com seu pai, inclusive limites. Refere ter uma
ótima relação com o filho, que ao saber de seu problema deu muito
apoio ao seu tratamento. PI estava perto de se aposentar, e seu
serviço era um ambiente que tinha acesso fácil às drogas.
Percebendo o grau de dificuldade, admitiu que precisava mesmo de
tratamento; afastou-se do trabalho, fez o tratamento e, logo depois,
aposentou e passou a se dedicar como conselheiro em dependência
química. PI refere que o mais importante de tudo isto foi resgatar sua
relação com o pai, a única pessoa que o visitou na clínica; e que,
quando teve direito de sair para casa, seu pai sempre esteve à
disposição dos técnicos da clínica, aceitando as orientações
propostas, para evitar as manipulações de sua parte. Para ele, o pai
foi muito importante em seu tratamento, o que o deixou muito
emocionado, pela presença marcante deste, que antes nunca tinha
sentido.
ANÁLISE RELACIONAL:
A família na época do ciclo da drogadicção está na fase adolescente.
É sabido que, nesta fase, é comum os pais adolescerem junto
com o filho e o interessante é que neste sistema familiar as fronteira
são, na maioria, nítidas, pois os sistemas conjugal e parental são
mantidos, ambos trabalham, dividem a tarefa do lar e cuidam do filho
único do casal, que por sua vez estuda e tem um bom rendimento
escolar, tem uma identificação positiva com o pai, seguindo a mesma
120
carreira de PI. Por outro lado, o sistema familiar de origem do PI,
também filho único, foi disfuncional, marcado por aliança de PI com a
mãe, e distanciamento afetivo do pai ao sistema familiar, que além
de distante de PI mantinha relações extraconjugais sem sigilo. O
envolvimento de PI com as drogas parece ter um papel muito
importante para esta família de origem, pois em seu processo de
adoecer e se recuperar, várias questões não resolvidas nesta família
foram resgatadas de forma muito especial. A família nuclear foi, de
certa forma, preservada e a família de origem resgatada. Com a fase
adolescente da família nuclear, surge a possibilidade de adolescer de
PI, que passa a reviver uma fase adolescente diferente daquela vivida
em sua família de origem, que de forma disfuncional manifestou
várias patologias de fronteiras e de hierarquia, com alianças e
coalisões veladas, da seguinte forma:
A fronteira entre a Mãe e PI é desligada, frágil, tornando-o um filho
parental, com responsabilidades além de sua capacidade e dever
dentro do sistema familiar, facilitando para o distanciamento do pai
do sistema familiar e tornando a mãe protegida do PI e, ao mesmo
tempo, sua superprotetora (inversões de papéis e da hierarquia
familiar). Estas disfunções do sistema familiar de origem do PI, para
não serem repetidas em seu sistema familiar nuclear, resolve-se de
forma interessante, com o seu envolvimento com drogas, iniciado
com um primo, também parte da constelação familiar de origem.
Parece que o sistema familiar de origem se une para a resolução de
um problema do passado, com uma dívida entre eles, o que nos leva
a pensar no conceito de “contabilidades da família”, proposto pelos
autores Boszormenyi-Nagy e Spark, e descrito por Lourenço-Silva
(2001), o qual se refere à manifestação de um sintoma em qualquer
momento do ciclo vital da família, quando as pendências entre seus
membros não são saldadas. Esta contabilidade da família fica
equilibrada e o sintoma resolvido, à medida que as relações
121
fragilizadas se fortalecem e outras, se podemos dizer inexistentes, se
constroem num terreno relacional mais saudável.
Ao fazermos uma análise mais minuciosa, este ‘voltar atrás’ permite
ao que experiencia ‘seguir adiante em suas relações mais
significativas...” (Bowen, 1971).
122
IDENTIFICAÇÃO: Tomé
ENCAMINHAMENTO:
PROBLEMÁTICA IDENTIFICADA:
GENOGRAMA DO SISTEMA FAMILIAR
Tomé tem 17 anos de idade
Legenda:
Separação
Relação de proximidade
Relação de distanciamento
Dependência de drogas
Relação de conflito
17
13
12
10
7
6
30
40
PI
123
Mapa Estrutural de Tomé
TIPO DE FRONTEIRA:
Nítida
História de vida de Tomé
PI se envolveu com drogas na adolescência. Seus pais, quando
souberam, sofreram muito e não conversaram sobre o assunto; a
mãe chorava. Com 18 anos, PI se casou e parou de usar, teve
uma filha, depois, mais ou menos com dois anos de casado, se
separou. Quando voltou para a casa dos pais, percebeu que não tinha
mais espaço, e com a revolta de ficar longe da filha, e como o lugar
onde morava era de fácil acesso às drogas, recaiu.
Começou a traficar e depois usar (maconha e cocaína), se tornou
criminoso, cruel e temido por todos (sic).
Na família, o diálogo, quando existia, era para confrontar os pais.
Todos da casa são evangélicos, exceto PI. O pai se afastou e ficou
revoltado, porque PI sabia e podia impedir que o irmão de 10 anos se
envolvesse com drogas e nada fez, pelo contrário, queria provar para
o pai que ele não era o único da família que não prestava.
P M
PI F
2
F
3
F
4
F
5
F
6
124
O fato de PI ter se tornado uma pessoa perigosa fez com a família
sofresse preconceitos, ninguém queria ter contato com eles. A família
já estava cansada e sem esperança.
PI, pelo seu comportamento desafiador, começou a ter benefícios no
narcotráfico e isto incomodou o grupo o qual frequentava.
Em uma ocasião, seu irmão foi a uma festa, em que foi agredido por
um grupo. Quando PI soube, foi atrás e disparou vários tiros no
grupo. Foi uma tragédia.
O seu grupo aproveitou a situação para fazer PI entender que não era
mais bem-vindo naquele espaço, passando a ser perseguido pelo
próprio grupo.
Seus pais, vendo que PI acabaria morto, convenceram-no a ir para a
casa de uma tia, numa cidade pequena no interior de São Paulo. PI
aceitou, sofrendo por estar longe do lugar onde cresceu, e começou a
refletir sobre a traição do grupo, percebendo que, mesmo sua família
estando desacreditada dele, seu pai, que era uma pessoa muito
distinta, perguntou-lhe: “se formos embora, você deixa essa vida?”.
PI pensou: “Poxa, meu pai vai largar trabalho, casa, tudo por mim?”;
e sem tratamento medicamentoso e sem internação, parou de fazer
uso, depois se batizou na igreja evangélica, a mesma de seus pais.
Desde este momento, não usa mais drogas e sua família voltou a se
aproximar dele, como antes dos problemas com as drogas
REDE SOCIAL DE TOMÉ
125
ANÁLISE RELACIONAL:
A família se encontrava na fase da adolescência, a fase mais
vulnerável para o uso de drogas e ao, mesmo tempo, na fase de
aquisição; a sobrecarga da família é muito intensa nestas famílias,
pois é sobrecarregada pelas demandas das duas fases (descritas em
“ciclo vital familiar”). PI parece apresentar uma pseudoindividuação
Bowen (1971), começa a usar drogas e se casa precocemente para
sair de casa, tem filhos, separa-se e retorna para casa; ao encontrar
um obstáculo, não supera e recai nas drogas de forma muito
destrutiva. É observável que as relações entre os integrantes da
família são claras, pois mesmo quando PI estava usando e traficando
Família
Amizade
Relações de
Trabalho ou
Estudo
Relações
Comunitárias
trafego
126
drogas, gerando muitos conflitos, não comprometeu os vínculos
afetivos e nem a proteção e o apoio do sistema familiar. Afastaram-
se em um momento de grande tensão familiar de PI, uma forma
talvez de proteger o núcleo familiar; no entanto, quando PI aceitou
ajuda, todos mudaram suas vidas por ele, ficaram distantes, mas não
se separaram em nenhum momento. Os laços afetivos na família são
preservados e parece ser o elemento mais importante na recuperação
de Tomé e de sua família.
127
IDENTIFICAÇÃO: André
ENCAMINHAMENTO: Assistente Social (situação: morador de rua)
PROBLEMÁTICA IDENTIFICADA: Uso abusivo de cocaína/crack
GENOGRAMA DO SISTEMA FAMILIAR
André – 49 anos
Legenda:
Separação
Relação de proximidade
Relação de distanciamento
Dependência de drogas
Óbito
35
34
34
17 1
9 MESES
12 ANOS
3
6
PI
128
Mapa Estrutural de Andre
TIPO DE FRONTEIRA:
Rígida
História de vida de André
PI, órfão de pai e mãe, refere ter vindo de uma família simples e de
formação rígida; casou-se pela primeira vez aos 18 anos; ficou
casado 9 meses, teve um filho; um dia chegou do trabalho e pegou a
esposa em adultério. Separou e depois de um tempo se envolveu
com uma mulher mais velha e de maior poder aquisitivo que o seu.
Muito trabalhador, percebeu que pelo meio “certo” não conseguiria
manter o padrão que a companheira exigia. Desta forma, entrou no
crime (roubo, sequestro, tráfico e uso de drogas), conquistou um
status entre o grupo que frequentava, tornando-se muito perigoso e
respeitado. Ficou em concubinato por 12 anos. Foi preso, cumpriu
quatro anos e foi neste momento que começou a refletir se valeria a
pena viver no crime.
Desde os 17 anos, abusava do álcool, depois do envolvimento com o
crime passou a usar cocaína e crack, e quando saiu da prisão foi ser
morador de rua. Trabalhava de chapeiro, e todo dinheiro que
conseguia era para o consumo de droga.
A família desapareceu e se afastou totalmente.
PI F1
1...
F
2...
F
3...
F
5...
F
6...
F
7
129
PI estava bastante debilitado quando uma assistente social do
município onde morava lhe ofereceu ajuda. Ele aceitou e foi para uma
CT, onde começou sua recuperação. Depois de recuperado, tornou-se
evangélico, casou-se e tem uma filha e dois enteados, que é como se
fossem filhos. está sem usar substância química 12 anos e sua
família de origem tem se aproximado aos poucos, hoje se dão muito
bem.
REDE SOCIAL de Andre.
Família
Amizade
Relações de
Trabalho ou
Estudo
Relações
Comunitárias
trafego
130
ANÁLISE RELACIONAL:
As relações entre os membros da família são distantes, talvez
marcadas pela orfandade, cada um cuidando de si, sem conflitos
entre eles, mas ao mesmo tempo sem condições de trocas. A
comunicação e a função protetora da família são inadequadas; os
membros são desligados uns dos outros, comprometendo os vínculos
afetivos, a proteção e o apoio familiar. É muito comum que em
famílias como estas características os irmãos (órfãos) saiam cedo de
casa, como aconteceu com PI: casou-se muito cedo, ainda na
adolescência, com pouco desenvolvimento psicológico e emocional do
casal, que logo se separou, por falta de laços conjugais (que não
foram provavelmente construídos). Diante da vulnerabilidade do
sistema familiar, as crises previsíveis e imprevisíveis (drogadicção)
tornam-se difíceis de serem superadas e, muitas vezes, cronificam-
se.
131
IDENTIFICAÇÃO: Tiago
ENCAMINHAMENTO: Procura espontânea
PROBLEMÁTICA IDENTIFICADA: Uso abusivo de maconha e cocaína
GENOGRAMA DO SISTEMA FAMILIAR
Tiago tem 29 anos
Legenda:
Separação
Óbito
Relação de proximidade
Relação de distanciamento
Dependência de drogas
Dependência de álcool
Relação fusionada
Relação de conflito
18
36
16
3 anos
PI
132
MAPA ESTRUTURAL TIAGO
TIPO DE FRONTEIRA
XXXX
História de vida de Tiago
Quando os pais se separaram, PI era bebê e o pai se distanciou, separando-se
do filho. A mãe era muito rígida e autoritária. Ela vinha de uma história
familiar de muito sofrimento, com dois irmãos alcoólatras. Quando PI tinha 6
anos, a mãe se casou com seu padrasto, o qual PI chama de pai.
O padrasto, num primeiro momento, não usava substância química, depois
passou a usar drogas e a traficar.
Na adolescência, o diálogo com a mãe piorou. Ela não sabia expressar afeto e
carinho, na visão dela, se o PI não trabalhasse, não tinha direito de comer em
casa. Sendo assim, todos os dias da semana, o PI saía junto com a e, o
padrasto e a irmã de consideração, a qual ia para a escola. O PI só podia voltar
para casa à noite e, se chegasse sem emprego, ficava sem se alimentar, com
fome, vendo os outros jantarem, sem poder comer. Durante o dia, comia nos
vizinhos ou com amigos, em virtude de todas essas situações iniciou seu
envolvimento com as drogas.
M
PI F
2
P
133
Aos 12 anos, iniciou uso de drogas (maconha e cocaína) e logo em seguida
começou a traficar. Quando a mãe descobriu, colocou-o para fora de casa, e
ele passou a ser morador de rua. PI se considerava muito arrogante,
envolvendo-se facilmente com a turma das drogas e com a polícia.
Sua avó materna ficou doente e pediu para vê-lo. Foi, então, que a mãe
resolveu encontrar o PI, trazendo-o de volta para casa. Quando chegou em
casa, todos tinham se convertido ao evangelho e, por admiração à mãe,
também se converteu à mesma religião. Mesmo assim, refere que não
conseguiu a admiração e o afeto da mãe, que tanto esperava. Então, resolveu
morar sozinho, estava empregado e logo constituiu uma família, nunca mais
(até hoje) retornou ao uso de drogas, sendo evangélico, também até hoje.
PI refere que o que realmente fez com que parasse de usar drogas foi o grande
sofrimento e a esperança de obter o amor de sua mãe.
134
REDE SOCIAL DE TIAGO
ANÁLISE RELACIONAL: A família encontra-se na fase do ciclo vital familiar
adolescente, com recasamento. O casal recasado (segundo casamento de
ambos) tem uma missão importante, de trocas equilibradas, com o objetivo de
dar apoio e proteção para os dois subsistemas (pai-filho e mãe-filho), para que
se construa um novo sistema familiar adequado, com expressão de afetos e
construção de novos vínculos, que incluam os diferentes subsistemas para a
constituição da nova família. Neste sistema familiar de Tiago, fica muito claro
Família
Amizade
Relações de
Trabalho ou
Estudo
Relações
Comunitárias
135
que não existiram estas trocas necessárias, deixando seus membros
fragilizados. O padrasto se envolve com drogas, o PI, sem encontrar apoio e
proteção, também se envolve com drogas. Podemos pensar que esta conduta
do adolescente, semelhante ao modelo do adulto da casa, pode ter uma função
de disputa do afeto da mãe, empreitada constante na história de vida do PI. A
rigidez e a autoridade da mãe, talvez fossem a única forma que ela tenha
encontrado para direcionar o filho para um bom caminho, o do trabalho e da
responsabilidade, mas um paradoxo nesta conduta, uma vez que o cônjuge
apresenta uso de drogas e ligação com o tráfico, e mesmo assim é aceito como
o escolhido da mãe, em detrimento do PI. É muito comum que o casal
recasado tenha um dos cônjuges ou ambos que não conseguem desenvolver
paralelamente o papel de cônjuge e o papel parental, desenvolvendo mais um
papel em detrimento do outro; neste caso, o papel materno fica tamponado
pelo papel conjugal, culminando em condutas e regras de exclusão do membro
negligenciado. É percebido na fala do PI que, por mais que fizesse esforços de
aproximação da e, o distanciamento se mantinha, ficando a sensação de
desamparo. Foi necessária a entrada de um elemento de fora deste sistema
nuclear, representado pela a materna, para que o afeto familiar se
manifestasse; a avó tem a função de fazer a ponte entre mãe e filho, e nos
leva a perceber a importância da função da família extensa. Esta fronteira
familiar preservada (entre a família nuclear e a família extensa) serviu para
resgatar os vínculos perdidos, trazendo o PI de volta; apesar de sentir o ter
conquistado o afeto desejado por parte da mãe, o vínculo que os liga foi
suficientemente forte para que ambos, apesar de parecerem distantes, se
136
respeitem. O PI, desta forma, sente-se fortalecido para continuar sua nova
trajetória, sem as drogas.
137
Quinta Etapa: após a obtenção dos dados acima coletados, realizamos um
encontro, tipo work-shop, para discutirmos e analisarmos o resultado do DSC e
o que aprenderam com o resgate das experiências compartilhadas com suas
famílias de origem durante o FOC.
Este encontro serviu para avaliarmos a apropriação, pelos CDQs, dos
conceitos sobre a técnica de terapia familiar estrutural, apresentados durante o
programa de capacitação, assim como nos encontros para a realização do
FOC. Os participantes se mostraram bastante entusiasmados com este novo
saber e dispostos a utilizá-lo em sua prática na comunidade terapêutica. Os
encontros foram gravados com a autorização dos CDQs.
Abaixo, apresentamos as falas dos participantes sobre o que acharam da
capacitação por nós realizada. Como forma de avaliação, fizemos a seguinte
pergunta:
“O que você achou desta capacitação para o atendimento das famílias com
dependência química?”.
A capacitação compreende: curso de noções básicas sobre terapia familiar
sistêmica, FOC e workshop de devolução do resultado do DSC.
”Para mim foi muito importante aprender estas coisas, porque antes eu
sabia falar dos 12 passos, que é importante, mas não dá para trabalhar com as
famílias, este modelo vai me ajudar bastante.” Tiago
“Acho que posso aprender muito com estes desenhos de genograma, mapa e
rede, acredito que a família fique mais interessada e queira participar mais do
que nos grupo do amor exigente.” André
“Eu aprendi com o curso coisas que eu não tinha ideia sobre a minha família e
sobre a família dos nossos internos, agora tenho uma nova ideia sobre a
138
família e a dependência, ou seja, sobre a importância da família no tratamento.”
Tomé
“O curso foi muito bom, eu fazia amor exigente aqui na CT, agora tenho
outras maneiras para trabalhar com a família, não sei se vai ser fácil.” Pedro
“A minha experiência era com NA e amor exigente, que foi o que eu fiz no
meu tratamento, mas foi muito legal ter outros jeitos para atender as famílias
que são presentes no tratamento.” Bartolomeu
“Acho que toda família deveria fazer este trabalho porque toda família tem
problemas e isto ajuda a entender melhor cada um da família.” João
“A gente precisa muito aprender a lidar com estes pacientes e a família é muito
importante no tratamento deles, eu acho que vou ser mais útil na comunidade
fazendo um trabalho deste jeito.” Simão
“Não sabia que poderia trabalhar com a família diretamente e o paciente junto,
sempre fiz grupos de famílias sem os pacientes estarem juntos, este cursinho
foi muito interessante e me ajudou muito, acho que vai ser bem legal.” Mateus
“Eu gostei do curso, da entrevista, de tudo, agora eu quero ver como vou
trabalhar com as famílias, vou precisar de ajuda da psicóloga e do médico, mas
eu gostei muito.” Tadeu
“Fazia tempo que eu estava esperando este curso, quando comecei a participar
da pesquisa, achei muito bom, acho que aprendi a fazer o genograma e o
mapa da família, a rede é mais difícil, o entendi muito bem, mas eu quero
atender as famílias desta forma.” Felipe
139
Sexta Etapa: como última etapa desta pesquisa, elaboramos, pesquisador e
participantes, a proposta de intervenção nos sistemas familiares com membro
dependente de drogas, objetivo final deste trabalho. Como havíamos
proposto, utilizamos todo o material produzido e analisado, resultado da
participação dos sujeitos (participantes e pesquisador) nas diferentes etapas da
pesquisa (construção compartilhada).
Com a participação do grupo de CDQ, chegamos à elaboração final de um
modelo facilmente aplicável por CDQs e outros terapeutas leigos na
intervenção com famílias que tenham pelo menos um membro dependente de
drogas. Apresentaremos o modelo de forma esquematizada e por etapas,
como um manual de aplicação.
Modelo de intervenção familiar com membro dependente de drogas
Elaboramos um modelo de fácil aplicação com cinco etapas a seguir:
1- Apresentação da família
Qual é o problema? Como cada membro da familiar entende o
problema?
2- Genograma. Mapa estrutural, rede social do sistema familiar em
questão.
3- Após a leitura do G, ME e RS, procedemos com o levantamento
dos padrões relacionais descritos na tabela abaixo, demarcando
os padrões reconhecidos pela família em atendimento como
disfuncionais.
140
Tabela de padrões e os resultados
Padrão de comunicação
Padrão afetivo
Hierarquia
Alianças
Coalisões
Lealdades
1- Construção da realidade relacional, qualidade geral de
flexibilidade ou inflexibilidade de pressupostos, orientações e
compromissos básicos comuns adaptamos para nível de
motivação para mudança, flexibilidade e inflexibilidade.
2- Definições de relação/clareza e coerência: nível em que os
membros da família concordam e se expressam claramente
(pública ou veladamente) em relação ao tipo de relação que
existe entre eles. Incluímos este conceito em padrão de
comunicação já descrito acima.
4- Quais as estratégias da família apresentadas para a resolução
destes problemas relacionais (aquelas que deram certo e as que
não funcionaram).
5- Elaboração de uma nova proposta, denominada de “projeto
familiar família saudável”, orientado pelo modelo de
planejamento estratégico
.
Planejamento estratégico é uma ferramenta desenvolvida no âmbito
administrativo empresarial, é um processo gerencial que diz respeito à
formulação de objetivos para a seleção de programas de ação e para sua
141
execução, levando-se em conta as condições internas e externas à empresa e
sua evolução esperada (Publio, 1988). Portanto, por analogia, podemos
considerar o sistema familiar como uma empresa com clientes internos
(elementos da família nuclear e extensa) e externos (rede social). Temos três
perguntas-chaves para se desenvolver um planejamento estratégico.
– Onde estamos? Situação do problema.
– Onde queremos chegar? O que desejamos para nós.
– Como fazer para alcançar este objetivo? Estratégias a serem adotadas.
8. Análise dos resultados obtidos
Analisamos em profundidade todos os dados por s obtidos, triangulando os
resultados de três diferentes fontes complementares, colaborando para uma
compreensão ampliada, que possa dar conta da complexidade deste fenômeno
estudado: o ciclo da drogadicção e a família do dependente de drogas. As três
fontes, a saber, são: FOC, DSC e AMI (avaliação do modelo de intervenção
com famílias com dependente de drogas). Nossa análise será baseada nos
pressupostos do pensamento novo paradigmático: complexidade,
imprevisibilidade e intersubjetividade.
Análise da triângulacão dos dados
DSC
FOC
AMI
142
Em nosso material, obtido pela pesquisa, deparamo-nos frequentemente com a
imprevisibilidade dos acontecimentos nestes sistemas familiares apresentados,
ficando claro que não existe uma receita para a resolução do problema. Os
resultados esperados, em um trabalho com famílias pautado no pensamento
sistêmico novo paradigmático (Vasconcellos, 2002), não são controláveis, são
tão imprevisíveis quanto os diferentes sistemas familiares, pois apesar de
apresentarem semelhanças, são sistemas únicos e complexos e, portando,
devem ser tratados de forma complexa, com diferentes olhares, considerando
os diversos aspectos necessários para a compreensão, o mais próxima
possível, dos fenômenos em sua totalidade. Como descrevemos
anteriormente, consideramos três aspectos fundamentais para esta
compreensão e análise: complexidade, imprevisibilidade e intersubjetividade.
Temos confirmado com o FOC destes CDQs e com o DSC que as famílias
envolvidas no ciclo da drogadicção estão geralmente na fase adolescente ou
vivendo como se estivessem na fase adolescente do ciclo vital familiar,
apresentando pseudodiferenciação, dificuldades de se submeter a regras e
disciplinas, procura de um modelo ou contramodelo para desenvolver sua
identidade, condutas e comportamentos paradoxais e desafiadores dos
padrões estabelecidos pela família e pelo contexto social, busca de soluções
mágicas para resolução dos problemas. Tudo isto dentro de um contexto
familiar inter-relacional, em que cada elemento se comporta de um modo diante
da resolução de um problema, o que significa, de acordo com Cerveny (1994),
que, enquanto um elemento se comporta como o modelo adolescente, outro é
aparentemente adulto, com um contramodelo rígido e sem flexibilidade
suficiente para trocas e negociações, colaborando para a rigidez do sistema e
para a exclusão dos membros diferentes e ameaçadores do sistema familiar.
Vimos, neste trabalho, a repetição das mesmas realidades apreendidas em
outros trabalhos (Martins, 2006). Estas famílias em vulnerabilidade social,
143
muitas vezes, não conseguem acessar seu capital social, sua rede local, tanto
de recursos de serviços de saúde, como de recursos legais para a sua
proteção e sobrevivência econômica. Avaliamos que estas famílias apresentam
problemas graves de patologia de fronteira, entre outros padrões de
funcionamento familiar. A fronteira rígida dificulta o acesso aos capitais sociais,
à construção de redes saudáveis. Por outro lado, fronteiras desligadas
permitem uma avalanche de informações e cuidados, que a família imersa em
tantas possibilidades também tem dificuldade de se organizar e de se
direcionar para um apoio, cuidado e proteção adequados.
No workshop feito com os CDQs, ao compartilharem suas experiências, as
trocas foram muito ricas, algumas vezes calorosas, pelas opiniões diferentes,
outras vezes marcadas pelo acolhimento, compreensão e concordância, pela
semelhança das situações vividas. Ao trabalharmos com complexidade,
imprevisibilidade e intersubjetividade, devemos ficar atentos para todo o tipo de
material que aparece nas diferentes narrativas e diálogos entre os
participantes, pois cada um traz consigo suas representações sociais sobre o
tema, assim como suas vivências, ora semelhantes, ora muito diferentes,
principalmente marcadas pela complexidade e imprevisibilidade presentes na
vida de todos nós. As divergências que surgem devem ser entendidas de
acordo com a intersubjetividade. Isto significa, no nosso caso, expor para os
participantes que o interessante não é o que se fala, mas o que se compartilha
nas trocas, por meio do diálogo com o outro, para que se tenha uma nova visão
do problema. Esta nova visão é o que chamamos de coconstrução. Ao
passarmos esta consigna para os participantes, o respeito pela fala do outro,
para que o grupo tenha uma nova visão do tema.
Percebemos, com a observação feita durante e no final da elaboração
da proposta de intervenção por nós construída, que apareceram várias
ressonâncias manifestadas pelos participantes, que ajudaram a identificar os
padrões disfuncionais em suas famílias. Quando lhes foi pedido para que
marcassem na tabela de padrões de funcionamento familiar os padrões que
cada um identificou em sua família (por meio da história de vida, genograma,
144
respostas dadas no DSC), a maioria bateu com o material familiar que eles
trouxeram nesta pesquisa.
Ao triangularmos estes dados, encontramos informações repetidas nas três
fontes de material, confirmando os dados encontrados e outras informações
complementares que também colaboraram para uma visão mais ampla para o
entendimento e compreensão destas famílias presas no ciclo da drogadicção.
Na visão sistêmica nova paradigmática, sabemos que, para dar conta da
complexidade dos fenômenos, faz-se necessário considerarmos os vários
olhares e formas de conhecer o problema. O cruzamento destes dados ampliou
nosso olhar sobre este tema. Porém, é importante dizermos que não é possível
apreendermos a realidade em sua totalidade (Morin, 1995), mas devemos nos
direcionar a uma pesquisa qualitativa sistêmica construtivista, pautada no
pensamento sistêmico novo paradigmático, para um conhecimento o mais
totalizador possível para o momento. Todos estes dados reunidos e
intercruzados serviram imensamente para direcionar nosso trabalho, com o
objetivo final de elaboramos uma proposta de intervenção nos sistemas
familiares com membros adictos, respeitando-se os pressupostos teóricos
desta pesquisa.
9. Considerações finais
O esquema por nós proposto de intervenção com/em famílias com
dependente de drogas apresenta-se de forma bastante simples, com o objetivo
de facilitar a manipulação dos dados familiares pelos CDQs que, como foi
dito, não têm uma formação em terapia familiar; as ferramentas utilizadas de
forma adaptada servem para que os CDQs possam identificar os padrões de
funcionamento familiar de forma facilitada.
De acordo com a nossa experiência de trabalho em comunidades
escolares (congresso de Varsóvia) e comunidades carentes do município de
145
São Paulo (TC), e a de outros autores que trabalham com comunidades e
vulnerabilidade, é unânime o entendimento de que é fundamental em trabalhos
com comunidades a intervenção local, dentro do contexto social em questão.
Os grupos de mútua ajuda, NA, AA, ALNON, amor exigente, terapia
comunitária e outros grupos ligados ao resgate da cultura e cidadania, a nosso
ver, quando levam tecnologia (toda informação necessária para a produção e
criação de algo novo, que atenda às demandas de um determinado grupo, na
tecnologia, deve estar presente o procedimentos de manutenção deste novo
recurso) em saúde, cultura, lazer, etc. para estas comunidades estão
colaborando para o empoderamento destes cidadãos.
Nosso trabalho tem o objetivo de seguir esta direção, uma vez que a
técnica por nós coconstruída em parceria com os CDQs, com o resgate de
suas histórias de vida, ressignificando os aspectos negativos e fortalecendo os
positivos, herdados de suas famílias, este processo ajuda a legitimar seus
atributos resilientes, suas competências e força para lidar com situações
difíceis, muitas vezes de penúria, e sair transformado, fortalecido, em
condições de redimensionar sua vida e, por meio desta experiência, colaborar
com outras vidas. Os CDQs revelaram se sentir muito valorizados na
construção do modelo por nós elaborado, perceberam que, tomando-se por
base suas falas, depoimentos (no FOC e DSC) e participação no curso de
noção básica para terapia familiar, o modelo foi sendo construído, de forma que
pudessem compreender esta tecnologia e apropriar-se dela, capacitando-os
para a utilização deste modelo de intervenção.
Deixamos como proposta a metodologia deste trabalho, passo a passo,
para a coconstrução de outros modelos de intervenção que possam dar conta
da realidade da comunidade em questão. Portando, este manual de
intervenção por nós apresentado não tem como objetivo fornecer uma receita
ou modelo pronto para a intervenção em qualquer comunidade. É importante,
antes de mais nada, avaliar os problemas existentes na comunidade, fazer um
diagnóstico conjunto com os participantes da comunidade e, então, verificar se
este modelo faz sentido para esta CT, caso contrário, ao apresentarmos a
metodologia aplicada passo a passo, pode-se chegar a um instrumento de
intervenção com famílias mais eficaz para esta comunidade.
146
Nas categorias por nós construídas, representadas pelas ideais
principais para a elaboração dos DSCs (descritas detalhadamente acima, em
Metodologia), encontramos, diante da pergunta “O que é família para você?”,
resultados muito parecidos com os do trabalho desenvolvido pela Ação Família
(Macedo e col., 2008). Neste trabalho da equipe do projeto Ação Família
Cartilha Nossa Família, os autores fizeram a pergunta “O que é uma família? A
família pensada é igual à família vivida?”, obtendo resultados muito
semelhantes aos do nosso trabalho. Desta forma, achamos procedente
compararmos nossos resultados com os resultados apresentados pelos
autores da Cartilha Nossa Família, utilizando as mesmas definições por eles
encontradas:
1- Família como lugar de amor, afeto, laços afetivos e vínculos (ver ideia
central, anexo). Apesar do sofrimento intenso e da sobrecarga da família
nestes sistemas imersos no ciclo da drogadicção, os laços afetivos que
parecem em algum momento romperem surgem como âncoras para o
resgate do PI e do próprio sistema familiar. O amor, paciência, carinho,
união e respeito o encontrados nas falas (ver anexo DSC) de alguns
participantes, enfatizando a necessidade do respeito e da paciência
como fatores fundamentais para o apoio e proteção do sistema familiar.
2- Família como valor máximo: estrutura, base de tudo, força; estes
conceitos aparecem em alguns DSC e, também, nas histórias de vida
por eles narrada. A estrutura familiar, como os seus membros
funcionam, tem a função de proteção e apoio, sendo representada em
alguns DSCs como o alicerce do indivíduo, a base para a formação da
identidade e do caráter de seus membros.
3- Família como vínculo por afinidade: nos DSC e histórias de vida familiar
aparecem as escolhas de quem consideramos família, representadas
por enteados, padrastos, amigos muito próximos, companheiros de
religião, profissionais dedicados, etc., pessoas com quem temos
afinidade e laços afetivos, que servem de apoio e solidariedade.
147
4- Família como grupo formado por consanguinidade e parentesco: este
conceito aparece claramente em um discurso apenas, quando o
participante cita que família para ele é mãe, pai, irmãos e filhos, porém,
no mesmo discurso, acrescenta outros conceitos. Observamos que a
configuração familiar mais tradicional (família burguesa) está sendo
substituída pelas outras possibilidades de família, descritas abaixo.
5- Famílias não tradicionais arranjos familiares: representados por
recasamentos ou uniões não formais, cada vez mais frequentes, com
pessoa vivendo no mesmo espaço, com laços afetivos, porém sem
consangüinidade. Temos encontrado em nossa prática e neste trabalho
atual famílias substitutas representadas por instituições protetivas da
família ou mesmo outra família que assume provisoriamente o
dependente químico, como forma de apoio e proteção contra os riscos
do ciclo da drogadicção.
6- Famílias como redes: encontramos neste conceito famílias com
fronteiras nítidas, entre o sistema nuclear e família extensa ou redes de
serviços, ou recursos comunitários; esta forma de fronteira familiar é
muito saudável, uma vez que permite que o sistema familiar, muitas
vezes caótico, aceite o apoio de outros sistemas, ligando-se ou
religando-se as estas redes de apoio. Outras famílias, imersas no ciclo
da drogadicção, apresentam fronteiras ora fragilizadas, desligadas, ora
rígidas (impossibilitando trocas com o contexto sociofamiliar), estas
famílias geralmente são recolhidas por uma rede social formal,
representada pelo judiciário, que compulsoriamente determina uma
conduta de proteção a estas famílias, como abrigos para menores de
18 anos, tratamento em CTs para os dependentes químicos, medidas
socioeducativas para os membros com comportamento delinguentes,
intimações para comparecimentos em tratamentos compulsórios, etc. É
importante explicitarmos que geralmente é alguém da rede comunitária
local que o start para que estas famílias sejam atendidas de forma
compulsória, por meio de denúncias de maus tratos ou outros tipos de
violências e abandonos que estas famílias apresentam. Os DSCs e as
148
histórias de vida aqui apresentados estão repletos deste tipo de
situação.
7- Famílias como criação de Deus: aparece em vários DSCs a família como
bem maior, um presente de Deus, sem a qual o indivíduo não é nada;
estes discursos são pautados por conteúdos de fé e religião, o apoio e a
proteção da família são vistos como algo divino.
Os resultados das outras duas perguntas:
Sua família participou da
recuperação da sua dependência química? Como você acha que a família
poderia colaborar para a recuperação de um familiar com dependência
química?
Serviram para direcionar a elaboração de nosso objetivo final: proposta de
intervenção em famílias com membro dependente de drogas.
Para a conclusão final deste trabalho, acreditamos ter respondido a duas
questões fundamentais, levantadas nesta pesquisa.
Primeira questão: apresentar uma proposta de intervenção nas famílias com
membro dependente de drogas que seja aplicada por CDQs:
- A metodologia por nós aplicada facilitou o trabalho com os CDQs, que todo o
tempo participaram de forma ativa, muito interessada e curiosa, facilitando
assim compreender a importância do trabalho de família com base em um olhar
sistêmico.
- O manual de intervenção por nós coconstruído pareceu-nos a contento, pois
resultou em uma técnica fácil de ser aplicada e ao mesmo tempo eficaz na
compreensão dos sistemas familiares com dependentes químicos.
Segunda questão: apesar de não estar descrito como objetivo desta pesquisa,
concluímos que esta tecnologia (proposta de intervenção) sirva para colaborar
no processo de empoderamento destas famílias. Ratificamos que se necessita
de trabalhos sociais que possam trabalhar no micro e no macrossistema (Nan),
respectivamente a família e o meio social. Acreditamos que nosso trabalho
149
responde a esta necessidade, uma vez que apresenta um olhar da
complexidade dos fenômenos estudados, envolvendo todos os atores,
sistemas e subsistemas envolvidos no problema, como descrevemos mais
detalhadamente acima.
150
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ANEXO
158
Sujeito Tiago
28 anos, etnia negra, masculino, colegial incompleto, evangélico,
casado , Proveniente de SP
(áudio: VCRC002)
Pergunta 1: O que é família para você?
Tiago: Família?... eu não tenho uma definição muito clara disso ai... mas...
seria proteção, né... cuidado...
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Tiago: Sim.
De que forma que ela participou?
Tiago: Na verdade quando eu me.... quando eu estava com o processo de
recuperação, eu não passei por instituição, nada, foi na igreja que os meus
familiares iam, e eu comecei participar, e eles me apoiaram nesse sentido.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Tiago: Bom, eu acredito muito no programa de ajuda mútua, e tem um
programa que chama Amor Exigente, né, e eles falam que, amar, sim, mas
eu amo colocando limite em você. Eu tenho que te aceitar, mas não aceitar
159
as coisas erradas que você faz, né. Então eu acho que isso é uma forma de
ajuda.
Mais alguma coisa, Anderson, que você gostaria de comentar?
Tiago: Não.
Sujeito Tomé
26 anos, branco, masculino, evangélico, colegial incompleto,
casado , proveniente de SP (áudio:
VCRC003)
Pergunta 1: O que é família para você?
Tomé: Família para mim?... aqueles que convivem comigo, né... na minha
casa, que faz parte do meu dia-a-dia, o meu lar, o meu pai, a minha mãe,
meus irmãos, esposa, filho.
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Tomé: Participou.
De que forma que ela participou?
Tomé: Dando uma força pra mim, ajudando, né, orientando e .... tando
sempre ali, participando do meu dia-a-dia, em cima de mim, pra mim não
voltar de novo pra trás, né.
160
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Tomé: Ah.... sendo exigente com ele, né? Exigente... que tem família que é
co-dependente, né? O paciente no erro e às vezes a família invés de
pegar pesado com ele, não, acaba passando a mão na cabeça, escondendo,
né, e eu acho que a família devia ser mais rígida com o dependente
químico, né?... pra ajudar ele.
Tem mais alguma coisa que você quer comentar, Vagner?
Tomé: Não.
Sujeito Felipe
39 anos, branco, masculino, colegial completo, católico, casado,
proveniente de SP (áudio:
VCRC004)
Pergunta 1: O que é família para você?
Felipe: Família é a coisa mais importante que eu tenho, né, que é
justamente as pessoas que, no caso, que deram total apoio, tal, pra mim
sarar da doença, tudo, e... é onde eu me apoio mesmo... são as pessoas
que me dão valor, ai eu sou obrigada a dar valor pra elas também... e
preciso delas.
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Felipe : Não... não participou, e isso ai foi muito prejudicial, porque até
hoje, memo depois de esse tempo todo abstinente, trabalhando e
161
tudo, ainda hoje a minha esposa ainda tem aquelas atitudes de
comportamento de co-dependente. Por mais que eu fale para ela, ela não
aceita que ela também tem que se tratar... ai ela fala pra mim, “Pra você foi
fácil, você tinha um psiquiatra lá, tinha um psicólogo... E pra mim? Eu
não!”. Só que ai, é lógico, né, cê fala assim, “então, é só ir lá...”. Ela já veio
ali, por exemplo, ali, conversar com o Dami, alguma coisa assim que eu falo
pra ela, e ela: Ah... eu não tenho tempo!”. Então quer dizer, jogava a
desculpa sempre no tempo e no trabalho, mas ela sente isso hoje,
principalmente, por quê? Porque ela que ela tomou certas atitudes,
certas explosões momentâneas de raiva, aí ela que eu não tomo uma
postura, que eu fico assim... sossegado, olhando para a cara dela, ham...
ham... ah!... gritando?... bom... .”... e eu o faço nada. Ai ela
pega, depois, no outro dia, ela que exagerou, ai vem, pede desculpa,
não sei o quê, me perdoa”, não sei o quê. que... ou seja, até quando?
Vai ficar sempre assim?... ou seja, ela tem que mudar.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Felipe: Com certeza os familiares mais próximos da pessoa, tipo, pai, mãe,
esposa, até o filho, se for um filho adolescente, principalmente, pra
maioridade, participar de grupos... junto até com o próprio familiar... e
grupos separados, grupos especificamente pra família, como deve se
comportar com o dependente químico quando voltar da recuperação,
acompanhar a recuperação, porque tem certas coisas que é brincadeira!
Porque é lógico, tem aquela desconfiança, é natural, tu entende, mas
depois que passa tanto tempo abstinente, a pessoa nunca um voto de
confiança pra pessoa. Então isso ai, o dependente químico, no caso, sente
isso ai... sente, porque ele quer se sentir uma pessoa normal, aí, não
consegue devido ao pessoal da família pegar e não dar o apoio pra ele
nesse ponto... Basicamente isso... ajudando a participar dela, a se
enturmar, não fazer que nem, no meu caso, acontecia com a minha
esposa, tipo, Ah! não, o doente aqui é você, não sou eu!”. Muitas famílias
pensam assim, isso é verdade, e isso prejudica o dependente químico, que
162
é aonde acontece várias recaídas. Se o dependente químico não se tratar e
tiver consciência que isso vai acontecer, e não ligar, tipo, Ah... você vai
fazer isso? Pra quê você quer dinheiro? Blá, blá, blá, blá, blá, blá”, e pegar
e falar assim, Não. Não vou nem ligar. Não vale a pena. Entra por um
ouvido e sai pelo outro”, ai você vai ficar firme e forte. Agora, se você ficar
se preocupando, que nem hoje, temos um exemplo, não sei se eu posso
falar, do Rafinha, por exemplo, que ele acabou o tratamento dele e vai sair
agora... parece que a e dele ligou dizendo que não quer que ele saia.
Ai eu tava ali atrás, ele falou: Não... quer que eu fique aqui, não quer
deixar eu ir embora, bom... então eu vou ficar três mês, seis mês, mas
um dia eu vou sair daqui, e eu vou desandar”. Olha o pensamento que ele
tem... mas causado por quê? Por conta da família. Pode ser que ele
com vontade? Sim, mas a família praticamente empurrou ele, né?...
Entendeu? É esse os problema que acontece no tratamento.
Quer colocar mais alguma coisa?
Felipe: Não.
Sujeito Tadeu udio: VCRC005)
21 anos, branco, masculino, colegial completo, católico, solteiro, SP
Pergunta 1: O que é família para você?
Tadeu : Base... base, força... base que eu digo com analogia na casa, né.
Sei lá, foi um aprendizado que eu tive ai no decorrer... a vida ensina... um
exemplo de um prédio... tem uma estrutura, se não for bem feita no início,
capaz desse prédio tombar, implodir, cair, enfim, fica muito vulnerável.
Família é tudo... e de verdade.
163
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Tadeu: Participou, sofrendo... participou de tudo quanto foi jeito, né...
acreditando em mim, isso que é o mais difícil, enquanto muitos... enfim,
falavam para eles, eu vi isso, vivenciei isso, que não tinha mais jeito, enfim,
desencana, abre mão, e... e sempre tiveram muito ali em cima, pôxa... não
teve jeito assim... por mais que eu queria, na época, largar mão, enfim,
mas eles estavam, sempre presentes, sempre muito, muito mesmo. Família
foi essencial, querendo ou não... e hoje partilha isso, né? Essa satisfação de
eu ter conseguido, ter dado a volta, pôxa, mérito de todos, eu acredito
nesse sentido, de que perdas e ganhos, como qualquer escolha, mas o
desfecho da história ai, sei lá... e tirando também que é uma eterna, um
eterno tratamento, né, não pára nunca... isso é fundamental. Só por hoje.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Tadeu: Ah... é uma coisa muito... muito singular, assim, sabe?... é muito
de família pra família... Não sei, eu sou suspeito de falar, porque a minha
família sempre... sempre esteve ali comigo, mas, das coisas que eu vi, de
outras famílias, de pessoas próximas... como que eles aprendem a conviver
com isso, e começam a engolir, a digerir, e não é por ai a coisa... mas,
lógico... lógico que dá... a real de tudo é que eu paro e penso hoje, se Deus
quiser eu quero ter um filho um dia... e, cara... se meu filho fizer a
metade... meu Deus! É nesse sentido, sabe, de ter uma percepção, assim,
de quem ali em volta, né, que sofre junto mesmo, mas... e até pelo
sofrimento, né?... Tem pessoas que usa esse sofrimento pra dar mais gás
ainda, pra correr atrás, enfim, pra... e outros que abrem mão mesmo, e
seja o que Deus quiser... a procura foi em diversos lugares, mas a real de
tudo é a conscientização, assim... não vai adiantar eu ficar falando,
quinhentas mil pessoas podem falar quinhentas mil coisas diferentes, mas
se você não traçar uma diretriz, assim, não sai, fica num circulo vicioso,
né? A verdade é essa... mas... pode ajudar ai de diversas formas, né?...
que é muito irrelevante por causa disso, assim... é uma pergunta que eu
164
também não sei responder, pra falar a verdade... Como?... o tem uma
fórmula, não tem... uma magia, assim... é não perder a fé, cara... perder a
fé, união, base... e procurar ajuda também... É isso.
Sujeito: Mateus
26 anos, branco, masculino, 4 ano de psicologia, evangélico, solteiro
, SP
(áudio: VCRC006)
Pergunta 1: O que é família para você?
Mateus: Família?... pergunta difícil.... eu acho que a família é, primeiro, a
companhia... né?... pra te ser sincero, eu tenho uma dificuldade bastante
grande com esse papo de família. Isso eu sendo bastante aberto,
honestidade rigorosa mesmo e transparência, né?... porque eu acho que
existe uma hipocrisia familiar, assim... mas no geral, né, porque, ce vê, se
eu tirar da minha própria história, né, os meus méritos eram colocados em
festas, né, e as minhas desgraças não. Então eu servia de exemplo do bom
rapaz nas festas, mas dentro de casa era uma outra coisa, não existia essa
admiração, pelo contrário, existia uma série de críticas, né, e hoje, claro,
posso reconhecer isso. Foi uma coisa que me prejudicou bastante, porque
uma coisa, eu acho que pro jovem, é mostrar erro, né, e outra coisa é
punir...e minha família me puniu bastante, me comparou, me criticou,
falaram pra mim uma porção de vezes que eu ia acabar sendo mendigo,
que eu o ia dar certo... me chamaram de vagabundo, de idiota, de burro,
né... e eu sempre me sentia péssimo, que eu nem sabia o que estava
165
acontecendo, né, eu não conseguia falar sobre isso, hoje eu consigo, é
uma outra história. Então eu não acredito que exista hoje em dia família
diferente, né, pelo contrário. Hoje em dia eu acho que o homem que sai de
manhã pra fora de casa, que vai encarar um mercado de trabalho, ou a
mulher mesmo, que hoje em dia muitas mães ai estão trabalhando, etc.,
eles tem que ter um desempenho na questão do papel social, na questão da
profissão, uma série de fatores ai, eles vão ter que dar o máximo de si. E
pra onde é que volta esse stress? Volta para casa. E pra onde isso vai, ou
seja, onde é que isso vai acabar? Acaba, muitas vezes, em um filho só,
né?... e é verdade. No meu caso foi isso, o meu pai trabalhava muito, eu
nunca tive muitas conversas profundas com o meu pai, mas, assim, o meu
pai também um pouco menos me criticou, mas me criticava às vezes de
uma maneira um pouco severa... enfim, é isso que eu acho da família. Por
um outro lado, eu acredito que a família tem um papel fundamental
também no que eu sou, porque eu era alguma coisa tendo aquela família,
entendeu?... Por mais que a minha família tenha sido prejudicial para mim,
porque foi, a minha família não é santa, não tem bonzinho na minha casa, a
minha família também tem, teve o lado bom, né, porque também na hora
que... de fundo de poço, da dificuldade, tudo o mais, teve um lado da
minha família que estava presente, isso foi bastante legal, né. E a partir
disso, né, eu pude fazer um tratamento, e estou aqui até hoje.
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Mateus: Olha, se eu falar que participou... eu vou estar sendo desonesto,
não é verdade?... porque não participou não... na verdade, o que acontecia,
era o seguinte, eles compareciam às reuniões, que eram propostas pelos
profissionais da clínica onde eu fiquei internado, eu passei por uma
internação, acho que é importante falar isso, de onze meses e meio, não foi
fácil, eu cheguei lá com muita dor, cheguei triste, cheguei bastante abalado,
despedaçado, na verdade, né. Eu cheguei lá falido, derrotado, a verdade é
essa pra mim. Eu tinha muita dor. E a minha família, na verdade,
participava por obrigação moral, né... eles não iam na atividade com os
166
profissionais porque eles queriam melhorar. Eles iam lá porque tinham
obrigação, tanto é que quando eu saí da clínica, eles pararam de ir, eles não
iam mais, e o início da minha recuperação foi um inferno, né, porque,
assim... eu o sai da instituição onde eu fiquei internado, querendo jogar
tudo para o alto e botar fogo na minha vida, querer detonar tudo, ninguém
me entende. Pelo contrário, eu encontrei profissionais muito bons, que me
deram um super auxilio, que por trás do profissional tinha um ser humano.
Esses camaradas me ajudaram bastante. Mas, assim, quando eu voltei para
casa, eu tinha uma rotina no primeiro ano de recuperação limpo na rua, fim
de 2004, 2005. 2004, se eu não me engano. É, foi 2004... entre 2004,
2005, eu não estou muito certo agora. Então, assim, eu acordava às cinco
horas da manhã, eu ia para a aula de manhã ainda, porque eu queria
concluir os estudos, né... porque assim, por mais que eu estivesse no fundo
do poço, eu tinha os meus sonhos. Eles ficaram afastados de mim, mas eu
fiz esse resgate quando eu estava internado. Isso foi importantíssimo. Isso
está me movendo até hoje. Então, eu saia da escola, eu ia trabalhar com a
minha família, alguns meses eu trabalhei de graça pra eles, né. Depois
disso eu ia pra a academia, e depois disso, eu ia pra um grupo anônimo. Ia
pro Alcoólicos Anônimos, pros Neuróticos Anônimos. Não falo em nome
deles, de jeito nenhum, mas foram duas coisas que me ajudaram
bastante... que assim, a vivência na minha casa era um inferno, né,
porque por mais que eu tivesse razão em algum assunto, eu não podia falar
nada porque eu tinha usado droga, né. Ou quando eu tinha algum plano,
algum planejamento de dia de vida, né, isso era como boicotado por eles,
ou não ia dar certo, ia dar tudo errado, não era bem assim... era um horror.
Ou quando eles tinham problemas, que tavam estressados, isso eu percebia
claramente, a culpa era minha, né, porque, assim, a minha família não
falava pra mim, Oh!... eu estressado e com raiva... e sai de perto de
mim!”. Eles me criticavam de outro jeito: olha, você não arruma as suas
coisas”, falta você usar droga mesmo, eu não te suporto”, drogado”,
você não presta”, você continua o mesmo”, e era uma mentira. Isso me
deixava bastante revoltado. E é verdade isso que eu estou falando, pelo
amor de Deus. Em muitos momentos, pra ser bastante sincero e aberto,
rigorosamente honesto, eu pensei em voltar ao uso por causa dessas
coisas, né?... Assim que eu falo que existe uma hipocrisia, porque eu
167
chegava em casa cansado, obviamente eu tinha tido algum mérito durante
o dia, fui estudei, fui trabalhei, fui treinei, fui e trabalhei em prol
da minha recuperação, e quando eu chegava em casa eu tinha que ouvir
esse tipo de coisa... Pequenas coisas, pequenos erros que eu cometi eles
eram levados, assim, ao extremo, ... e tinha o pior ainda, o pior ainda
era assim: você nos deixou assim”. Ainda era responsabilizado, e a única
coisa que eu queria era viver, né. Então, é isso.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Mateus: De um familiar? Você diz, o dependente químico?... olha, essa
pergunta é bastante difícil na verdade, porque eu mesmo, se eu tirar por
mim... por que que é complicado? Porque eu mentia, eu roubava, eu
furtava, eu enrolava, eu passava um pano, quer dizer... tudo bem, faziam
uma proposta pra mim, olha, vamos fazer tal coisa pra você melhorar
disso”, porque uma hora eles ficaram sabendo, né?... Vem à tona, nunca
fica cem por cento escondido. Fica negado. Escondido é difícil. Só no
comecinho, ... mas, assim, quando eles propõe algumas coisas pra mim,
eu falava “tudo bem, beleza, vamos lá”. Fiz alguns tratamentos, no começo,
na rede psiquiátrica pública, com o serviço público, e me entucharam de
remédio, mas assim, uma hora diminuíram o remédio, eu lembro bastante
dessa história, eu fui parar num grupo, numa denominação evangélica, que
não convém dizer o nome, e, para ser sincero, chegou uma hora que eu ia
lá, a minha família ia lá para o culto, eu saía de lá, usava, bebia, e voltava
pra bem louco, né. Eu voltava pra tri-louco, e ficava dando risada de
todo mundo. Então, assim, veja bem as coisas que eu fiz também. Por que
que isso é difícil? Porque eu contei uma série de mentiras... menti pra mim
mesmo? Eu acredito que não, porque eu sabia que eu tava mentindo, e no
fundo, no fundo, me sentia mal por causa disso. Infelizmente eu precisava
da droga pra viver, . Eu acordava usando. Não tem cabimento uma coisa
dessa. Eu não comia, eu usava... e ai eu fui lá, me tratei, tudo mais, por
esse outro lado, como que eu poderia pedir ou solicitar que a minha família
acreditasse em mim, mesmo porque todos os votos de confiança que eles
168
tinham me dado eu tinha provado totalmente o contrário? Quando eles
tiveram certeza que eu tava bom, eu joguei tudo para o alto, né? Então era
bastante difícil ajudar. O que eu acredito que ajudaria seria a questão da
terapia com a família. Eu acredito bastante nisso hoje, porque, da mesma
forma que eu tava ressentido com a minha família, eu tive ódio mortal, eu
tive raiva, eu culpabilizei eles, eu manipulei situação pra punir eles
também, pra no fim eles se darem mal, né... Foi uma porção de coisas que
eu fiz no meio dessa trama familiar... Agora, da mesma forma que eu fiz,
eles fizeram comigo. Isso virou um jogo de ping-pong na verdade. Então,
assim.... muito do que moveu minha família, e me moveu nessa época, foi
o ressentimento, foi a dúvida, foi a raiva, e eu acho que, assim, o que pode
ajudar muito é o mediador do diálogo, porque ... o existia diálogo com a
minha família. Existiam coisas impostas, que deveriam ser feitas, né?
Diálogo não existia. Existia o xingamento, a trama, e etc. Então... eu acho
que esse cara que ta no meio, que faz com que as pessoas se entendam, é
fundamental, e em diversos momentos eu não tive, né. Eu não tive. Eu tive
que vencer a coisa mais na raça, foi um intuito de esforço que, graças a
Deus, vem até hoje, mas... não existia o almoço. O almoço que eu tinha
com a minha família, na verdade, era o almoço de acusações, de troca de
xingamentos, e algumas coisas mais.... de indiretas, né? E isso é movido
pelo quê? Pelo ressentimento, pelo preconceito, né, e se isso não for
desarmado, acontecem banalidades, não é verdade? Então é isso que eu
acho.
Sujeito: Simeão
32 anos, branco, masculino, ginásio completo, evangélico ,
separado, Parana (áudio: VCRC007)
Pergunta 1: O que é família para você?
169
Simeão: Família pra mim.... hoje, porque eu tive uma família que eu não...
bem dizer, que eu não convivia com ela, entendeu, que foi do primeiro
relacionamento, nove anos... mas... que eu como trabalhei sempre por
conta, em estrutura metálica, galpões, essas coisas, então eu não era
presente em casa. Então isso pra mim não é, bem dizer, ser um pai, não é
ser uma família, entendeu? Eu tinha uma família, mas para mim não era
uma família, entendeu? Porque se eu não tava presente, para mim não era
uma família. E das vezes que eu tava, eu estava alcoolizado, entendeu? Às
vezes quando vinha nos finais de semana vinha pra tomar banho mesmo
e saia... não compartilhava em casa... entendeu? Então... família pra
mim é assim, você estar sempre presente, com os seus filhos, sempre com
os seus pais, né? Veno a hora que você precisa, aqueles que
verdadeiramente te amam, porque na família tem aqueles que te amam se
você tiver dinheiro... aqueles que amam de verdade, por amor mesmo
próprio mesmo, ?... e aqueles que.... assim.... ama e não ama,
entendeu? Pra eles tanto faz você bem ou ruim, entendeu? Que é o
caso de muitos da minha família. No meu alcoolismo, que foram vinte e dois
anos de alcoolismo, entendeu, que entre pai, mãe, irmãos, tios e tias, só
onde eu vim me apoiar mesmo foi na minha mãe... tinha hospitais, tava
comigo... internações... entendeu? E até preso fui, por causa de pensão
alimentícia... mas em tudo isso, a minha mãe esteve presente,
entendeu? Ai... pode prosseguir? ... ai hoje assim, eu me vejo assim, não
que eu esteja abandonando os outros, que os outros não sejam minha
família... mas minha família hoje são relacionamentos de outro casamento,
desse agora, entendeu, que são filhas que quando eu casei ela tinha,
mas que me amam que meus próprios filhos... entendeu? Você sente, você
o amor, assim, nos olhos da pessoa, no coração... entendeu?... então
isso pra mim é um verdadeiro amor, é uma verdadeira família, entendeu?
Não que eu esteja culpando os outros... a primeira família que eu tive,
entendeu, porque se... eles também não tiveram culpa. Quem procurou o
afastamento fui eu e não eles, entendeu? Porque talvez se eu tivesse com
eles... né, eles teriam me dado o mesmo amor que esta está me dando
hoje... entendeu? Então por isso eu não culpo eles também.
170
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Simeão: Então... a minha família não participou. Nenhum deles. Nem
irmão, nem pai, nem tios, só mesmo a minha mãe. Só a minha mãe.
De que forma a sua mãe participou?
Simeão: A minha mãe participou sempre mandando eu pra hospitais.
Internação ela sempre falava pra mim se interna, se interna, se interna”,
mas eu nunca... mandava eu procurar uma igreja, entendeu? Mas eu
nunca... nunca ia atrás, entendeu? Eu quando me via assim... é porque
acontecia assim, eu bebia e não comia... ai vinha e entrava em convulsão.
Pra mim não me ver entrar em convulsão, é que eu bebia mais mesmo,
entendeu? ... que... no decorrer da vida, em vinte e dois anos de álcool,
eu... não sei nem quantas vezes tive convulsão. Foram centenas e centenas
de vezes, era uma atrás da outra, até a última fiquei, cheguei a ficar em
coma. Três horas em coma, entendeu? Foi a última vez mesmo, em 2006...
inicio de 2006. Então ai foi a minha mãe que participou verdadeiramente
da minha recuperação... e participa até hoje, entendeu?...porque a salvação
mesmo foi aqui, entendeu?... foi aqui que Deus tratou comigo mesmo... que
eu tive um encontro verdadeiramente com Deus, porque eu pedi, hoje se eu
chegar perto do álcool, se eu falar pra você, pode até fala que eu
mentindo, mas eu vomito. Eu me sinto mal, começo a passar mal,
entendeu?... Então hoje, graças a Deus, eu tô liberto.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Simeão: Olha, para ajudar ele na recuperação, em primeiro lugar, não
discriminando ele... entendeu... porque o álcool, ele é uma doença,
comprovada... é comprovado que ele é uma doença mesmo. Às vezes a
pessoa até tem vontade de parar, entendeu, mas não tem o apoio. Era que
nem eu, que nem o que acontecia comigo, eu tinha vontade, mas não tinha
171
o apoio... entendeu... o apoio era da minha mãe.... ai, como é que você
teria um apoio... que nem, o meu pai... meu pai viveu até os quarenta
anos e depois começou a beber. Hoje meu pai bebe, e muito, entendeu? Eu
tenho mais sete irmãos, e três irmãs. Dos sete ainda que eu tenho, mais
cinco bebe ainda... entendeu... ai fica muito complicado. Então pra você, se
você não tiver um apoio seu, fica muito difícil pra ele. Se ele não tiver você
do lado dele pra levar ele pra uma igreja... entendeu... nas horas difíceis
você estar lado a lado ali com ele, na hora de um... de uma doença, na hora
de uma separação, entendeu, na hora mesmo de uma falta de alguma coisa
em casa... entendeu... no modo de falar, de tratar... Então eu penso
assim... se você... a hora que você, você sempre começar a evitar, que
nem tava acontecendo comigo, no meu caso, onde eu chegava as pessoa já
ficavam cochichando pros lado, iam se afastando, entendeu, é o que
acontece com muitos... Ai, o que é que acontece? Caí na depressão... ai que
fica mais difícil ainda... de vir a recuperação, entendeu? Então às vezes,
muitos deles, na verdade, é uma doença isso... o alcoolismo é uma doença.
Muitos até tentam, mas não conseguem, porque sozinho, se não tiver um
apoio... principalmente de Deus... fica muito difícil... e eu graças a Deus
que ainda tinha a minha mãe do meu lado. Deus em primeiro lugar, e em
segundo, a minha mãe... eu podia fazer o que for, mas graças a Deus
nunca roubei, nunca sube o que era roubar, matar, entendeu, mexer com
ninguém... entendeu... meu problema era só o álcool memo. A hora que eu
via que eu não güentava mais, eu ia embora dormi... nem todos pensam
assim, né? ... porque o bêbado, um bebe pra chorar, outro bebe pra dar
risada, outro bebe pra brigar... então cada um tem seu jeito... de
expressar... a forma de beber e... e de compartilhar isso.... entendeu?...
Então é isso daí... Até hoje quem me apóia é minha mãe... ela me um
grande apoio... se eu precisar em tudo... minha mãe me apóia.
Sujeito: Pedro
32 anos, negra, masculino. Ginásio completo, evangelico , separado,
SP (áudio: VCRC008)
172
Pergunta 1: O que é família para você?
Pedro: Família para mim é o bem maior que Deus deu na minha vida....
um bem maior porque... eu pra mim sair da dependência, eu busquei,
primeiro a força em Deus, depois olhei pra dois filhos que eu tenho, né... ai
eu busquei força neles, que eles dependiam de mim, e eu estava deixando
de fazer o papel que eu sempre fiz, de pai e mãe na vida deles, que eu sou
separado, me separei da minha esposa eles eram bebê, pelas muitas
dificuldades eu... me envolvi com drogas... que no decorrer do tempo eu
fui percebendo que eles tavam pagando o preço da situação que ocorreu
entre mim e a mãe deles, e eu entrei nas drogas e eles tavam pagando o
preço, eles estavam sofrendo. Eu nas drogas, eu não percebia que eles
estavam sofrendo também, mas eles estavam sofrendo. Ai quando eu
percebi que eles estavam sofrendo, ai eu busquei forças, primeiro em Deus,
e depois neles, né?... porque eles, até eles me cobravam isto, né, pra poder
dar o primeiro passo sério à situação a qual eu estava... então a família pra
mim é o bem maior que Deus me deu na minha vida, e através, de ter
vindo pra este lugar, e reestruturado a minha família, eu resgatei a minha
família que mora em São Paulo, que eu fiquei quatorze anos longe, ausente,
eles não sabia da minha situação, onde eu estava, achava que até eu tinha
morrido, e tudo isso dai foi resgatado, ? Hoje eu convivo com a minha
família... tenho dois irmãos que eu não conhecia até então, fiquei quatorze
anos longe da minha família... fui levar meus filhos pros meus pais
conhecerem, daí achei dois irmãos... então é o bem maior que Deus me
deu. Pra mim família é tudo... a base.
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Pedro: Meus dois filhos.
De que forma eles participaram?
173
Pedro: Participaram assim, no momento que eu admiti que era um
dependente e eu precisava de um tratamento, eu sentei e conversei com
eles... antes de buscar ajuda. Coloquei que seria necessário que a gente
ficasse um bom tempo separado... e coloquei pra eles, a necessidade de eu
levando eles pra algum lugar... no pensamento deles eu ia leva eles pra
casa dos meus pais... que Deus colocou algumas pessoas e me
ofereceram ajudas, né? E primeiro, me ofereceram este lugar... e depois,
me falaram que havia um abrigo pra menores, de pais dependentes, pais
separados, ou tinha problema que estavam preso, né... e ai o pessoal
intercedeu, né, dessa área ai, fizeram os contatos.... e ai meus filhos
concordaram... Eles viram a situação que eu me encontrava, então eles
acharam também, que seria por bem que eu buscasse um tratamento,
né?... Então eles tiveram uma participação, até mesmo no momento que eu
fazia uso de drogas, que eles estavam sempre presente dentro de casa
comigo, eles participaram, eles chegaram a ver, que eu cheguei a usar
na frente deles, então, eles me abraçaram, eles pediam pra mim parar,
choravam, tenho uma filhinha que está com treze anos hoje, né, ela orava
por mim, pedia pra mim ajoelhar, orava, intercedia, então a participação
deles, olha, foi total... foi total. Eles compreenderam a minha situação,
nunca deixaram de me amar, sempre tiveram amor por mim, sempre
tiveram carinho, hoje esse carinho está muito maior, porque eles
reconhecem a luta que eu tive com eles, eles compreenderam porque que
eu entrei naquela situação, foi um momento de fraqueza, né? Então eles me
deram muita força, sabe... de compreender... eles nunca falaram que não
gostava de mim, nunca. Sabe, jamais me negaram um abraço, então isso
pra mim foi muito importante. A paz com os meus filhos.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Pedro: Olha, compreensão, amor, procurar se reinterar como a pessoa
adquiriu essa doença, porque nada acontece por acaso. Atrás de uma
situação de dependência, algo que a família muitas vezes necessita
saber pra poder ajudar. Então eu acho que a família tem que fazer o quê?
174
Começar a buscar grupos de apoio, né?.... Buscar, participar de palestra
sobre adictos, sobre dependentes, se reinterar do que é a dependência, que
as pessoa vê como safadeza, como pilantragem... o cara que está envolvido
nisso, e não é não. Não é, porque a minha situação foi uma situação de
fraqueza mesmo, bateu a luta, bateu a dificuldade, eu não soube lidar com
isso. Por que que eu não sube lidar? Porque eu não estava preparado. E por
que que eu não consegui? Porque não tinha pessoas do meu lado que
pudesse me dar uma palavra naquele momento,,, naquele momento eu
precisava, que as palavras vieram depois que eu já tinha entrado de
cabeça. Eu tinha memo me aprofundado na situação. Ai ficou difícil, mas
quando a família percebe que havendo algo, acho que a família tem que
ficar preparada pra intercedendo, pra tá interferindo na situação e poder
ajudar, porque não adianta por pra rua, não adianta a família xingar, bater,
brigar, porque esse não é o caminho. O caminho é a família se reinterar
como deve se com esse tipo de situação. É o que nós aprendemos hoje
aqui dentro, aqui, lidar com esse tipo de situação. Hoje eu vou na favela,
onde eu traficava, onde eu usava droga, falo com o traficante, entro nos
bares, converso com todo mundo... e hoje eu sei lidar com a situação, que
ali eu sei que não é bom pra mim, não faz mais parte da minha vida, né? E
eu mostro isso pras pessoas. Eu procuro orientar as pessoas. Eu tenho meu
filho, eu tenho meus irmãos, minha filha, eu procuro estar conversando com
eles, mostrando pra eles o que a droga fez comigo lá no passado, né?
Então, isso que a família tem que fazer. Tem que reinterar. Não olhar pro
filho, ou pro marido, pro irmão, quem quer que seja, olhar pra ele como um
pilantra, como um sem-vergonha, como coisa qualquer, como coisa que não
tem mais jeito, porque não é verdade, porque eu achava, eu achava, que
era melhor morrer... que hoje eu vejo que é completamente o
contrário... porque eu passava as minhas luta, a minha dificuldade, eu não
sabia como lidar com isso, e a família tem que estar preparada, a família
tem que buscar conhecimentos, tem que ler, participar de palestras,
mesmo, pra se reinterar pra poder ajudar... não pessoalmente no lar...
quando se deparar com alguma pessoa passando por situação semelhante,
poder fazer algo, porque a sociedade num todo tem uma responsabilidade.
É a sociedade, não é a família, mas a família, principalmente, tem que
atento a esse tipo de coisa, porque hoje, como aconteceu comigo, hoje eu
175
sou atento em relação aos meus filhos, em relação aos meus vizinhos,
meus parentes, né, aquelas pessoas mais próximas de mim. Eu sou atento,
porque quando eu percebo, entrou um jovem aqui que eu olhando pra
ele, ele é conhecido, ele é filho de um rapaz que mora com a cunhada do
meu coordenador, eu preciso até conversar com ele sobre isso, né, que eu
vi ele na favela com o pessoal, e o pai dele acha que ele é um menino
que não usa droga. Eu tenho é que tá colocando pra ele, alertando ele sobre
essa situação, pra ele começar a fazer algo pra mudar. Um jovem
trabalhador, sabe, um jovem bom, né... o meu filho é até amigo dele... até
orientei o meu filho em relação a isso, né? Então são essas coisas. Nós
temos que, como seres humanos, nós temos que nos preocupar com isso.
Não com a nossa família, mas com a sociedade de modo geral. O meu
ponto de vista é esse. A família tem que se reinterar, tem que a par do
que é adicção, do que é dependência, pra poder ajudar.
Sujeito Andre
45 anos, branco, masculino, colegial completo, evangélico, casado ,
SP (áudio: VCRC008)
Pergunta 1: O que é família para você?
Andre: (silêncio)
Difícil?.... O que você entende por família?
Andre: Família pra mim é a base sólida de um relacionamento. Isso é
família pra mim.
A base sólida de um relacionamento. Mais alguma outra coisa?: (silêncio)
176
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Andre: ... Não.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Andre: ... Hoje eu vejo assim... por eu não ter tido a minha família no
momento em que eu mais precisei, então eu vejo que a família hoje ela é
importante no tratamento do dependente... quanto também ela também
deve se tratar também... entendeu? Isso é muito Família é importante.
Você quer comentar mais alguma outra coisa?
Andre: Por se tratar de família, eu vejo que é muito importante ter esse
laço família-dependente-entidade. Eu acho que são três situações que faz
com que amanhã ou depois se torne, assim, uma coisa, assim, mais
sólida... para que não haja essa destruição que hoje nesse mundo...
porque hoje é praticamente a droga ou o vício, ele destrói os laços
familiares através do dependente, né? Então é um caminho de volta a uma
reestrutura familiar. É isso que eu vejo.
Sujeito: Bartolomeu
49 anos, branca, masculino, colégio completo, católico, separado,
Pernambuco (áudio: VCRC010)
Pergunta 1: O que é família para você?
177
Bartolomeu: A família pra mim... é o mais importante elo da sociedade...
É muito importante ter um bom relacionamento, conceito e entendimento
entre a família... Família pra mim é resumido nisso... De outra forma, é o
princípio do relacionamento com outras pessoa. O bom relacionamento...
Preservar esses conceitos... porque... na sociedade também é uma família,
e com bom princípio dentro de casa, tem um alongamento pra... pra fora.
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Bartolomeu: Não, porque elas vivem no meu Estado de origem,
entendeu? Aqui eu vivo só... e realmente eles sabem, entendeu?...
sabem que eu sou portador dessa doença e... estava acometido nela,
tudo... voltei... a ativá-la, entendeu? mas ela sabe realmente que eu estou
fazendo tratamento. Isso eu tenho certeza absoluta.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Bartolomeu: Olha, o mais importante, a própria família... como o portador,
o causador de todo o conteúdo e do conteúdo do problema, é perceber que
realmente é uma doença, e infelizmente o familiar está acometido da
doença... Isso é muito importante... porque daí muda todos os princípios...
de ver, tentar ajudar, das formas mais objetivas e precisas, e o principal de
tudo, muito paciência... além da dedicação, muita paciência.
O senhor queria comentar mais alguma outra coisa?
Bartolomeu: Não... mas essa colocação final, eu acho muito importante,
porque muitas vezes o paciente procura tratar-se, tem boas intenções, tem
finalidades, mas infelizmente não existe a compreensão da família, que é
muito importante a compreensão e a paciência... é muito importante.
isso.
178
Sujeito João
28 anos, branco, masculino, colegial incompleto, evangélico,
separado, SP (áudio: VCRC011)
Pergunta 1: O que é família para você?
João: Família?... Ah... família é pai, mãe, mulher, filho, e é a base de tudo,
né? O alicerce da pessoa... sem família o cara não é nada.
Pergunta 2: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
João: Participou.
De que forma ela participou?
João: Bom, primeiro foi a minha esposa que viu que eu tava
ultrapassando o limite... e correu até um amigo meu... e os dois
conseguiram me levar no médico, e o médico mostrou que eu tava errado,
e tal, fui parar no psiquiatra... e ai ele me conscientizou... que eu estava
indo pro caminho errado mesmo, né?... Isso na última vez.
Pergunta 3: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
João: Primeiro ela tem que entender que é uma doença, e muitas não
entendem, né? E segundo, dando bastante apoio... ao doente... caso
contrário, não tem como recuperar... É muito difícil. Primeiro que é difícil
179
você sair dessa vida... e sem apoio e sem a família entender o que você
passando, é mais difícil ainda.
Quer colocar mais alguma outra coisa?
João: Não. Acho que não. Está tranqüilo.
DSC relatórios- Família no Ciclo da Drogadição
Os resultados foram identificados na ordem das entrevistas apresentada
acima do primeiro ao décimo entrevistado. Como se segue:
DROG 1- TIAGO
DROG 2 - Tome
DROG 3- Felipe
DROG4- Tadeu
DROG 5-Mateus
DROG 6- Simeao
DROG 7- Pedro
DROG 8 – Andre
DROG 9- Bartolomeu
DROG10- Joao
Expressões Chaves das três questoes
180
1-Questão: O que é família para você?
Expressões-
Chaves
Idéia Central
Categoria
DROG01
Família?... eu não tenho uma definição
muito clara disso ai...
1ª idéia-não tem uma
definição clara
A
DROG05
... eu tenho uma dificuldade bastante
grande com esse papo de família.
2 ideia- dificuldade de falar
sobre
A
DROG02
Família para mim?... aqueles que convivem
comigo, né... na minha casa, que faz parte
do meu dia-a-dia, o meu lar, o meu pai, a
minha mãe, meus irmãos, esposa, filho.
com quem convive-se
cotidianamente
B
DROG05
Família?... pergunta difícil.... eu acho que a
família é, primeiro, a companhia... né?...
1 ideia- companhia
B
DROG06
Família pra mim.... hoje, porque eu tive uma
família que eu ...não convivia com ela,
entendeu, que foi do primeiro
relacionamento, nove anos... mas... que eu
como trabalhei sempre por conta,..não era
presente em casa. Então isso pra mim não
é, bem dizer,
1 ideia- familia é quando se
está presente cotidianamente
B
DROG03 Família é a coisa mais importante 1ªidéia-o mais importamte.
C
DROG09
A família pra mim... é o mais importante elo
da sociedade... É muito importante ter um
bom relacionamento, conceito e
entendimento entre a família... Família pra
mim é resumido nisso... De outra forma, é o
princípio do relacionamento com outras
pessoa. O
mais importante elo da
sociedade, bom
relacionamento entre as
pessoas
C
DROG04 ... Família é tudo... e de verdade. 3 ideia - é tudo
C
DROG05
...porque uma coisa, eu acho que pro jovem,
é mostrar erro, né, e outra coisa é punir...e
minha família me puniu bastante,.. e eu
sempre me sentia péssimo, só que eu nem
sabia o que estava acontecendo, né, eu não
conseguia falar sobre isso, hoje eu já co
3 idéia- papel fundamental na
identidade do sujeito
C
DROG04 Base... base, força... 1 idéia- base e força
D
DROG07
Família para mim é o bem maior que Deus
deu na minha vida.... um bem maior
porque... eu pra mim sair da dependência,
eu busquei, primeiro a força em Deus,
depois olhei pra dois filhos que eu tenho,
né... ai eu busquei força neles, que eles
dependiam de m
familia é tudo é a base
D
DROG08
Família pra mim é a base sólida de um
relacionamento. Isso é família pra mim
base solida de um
relacionamento
D
DROG10
Família?... Ah... família é pai, mãe, mulher,
filho, e é a base de tudo, né? O alicerce da
pessoa... sem família o cara não é nada.
base de tudo
D
DROG01 ... mas... seria proteção, né... cuidado... 2º idéia - proteção e cuidado
D
DROG03
.. é onde eu me apoio .. são as pessoas que
me dão valor...a dar valor pra elas- apoio,
valorização, mais importamte
2ª idéia- apoio e valorização
D
181
DROG05
porque também na hora que... de fundo de
poço, da dificuldade, tudo o mais, teve um
lado da minha família que estava presente,
isso foi bastante legal, né. E a partir disso,
né, eu pude fazer um tratamento, e estou
aqui até hoje.
4 ideia - apoio
D
DROG06
...aqueles que verdadeiramente te
amam,...... porque na família tem aqueles
que te amam se você tiver dinheiro... e
aqueles que amam de verdade,... no meu
alcoolismo, que foram vinte e dois anos de
alcoolismo, entendeu, ... entre pai, mãe,
irmãos, tios e
2ª idéia- é estar com os que
te amam e apoiam
D
DROG04
foi um aprendizado que eu tive ai no
decorrer...
2 idéia- aprendizado
E
2-Questão: Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
Expressões
Chave
Sua família participou da
recuperação da sua dependência
química? De que forma que ela
participou?
Idéia Central
Categoria
DROG01
Sim. Na verdade quando eu me.... quando
eu estava com o processo de recuperação,
eu não passei por instituição, nada, foi na
igreja que os meus familiares iam, e eu
comecei participar, e eles me apoiaram
nesse sentido.
1 ideia sim familia e a religiao
A
DROG06
porque a salvação mesmo foi aqui,
entendeu?... foi aqui que Deus tratou
comigo mesmo... que eu tive um encontro
verdadeiramente com Deus, porque eu
pedi, .. Então hoje, graças a Deus, eu tô
liberto.
2 ideia - Crença em Deus
A
DROG02
Participou. Dando uma força pra mim,
ajudando, né, orientando e .... tando
sempre ali, participando do meu dia-a-dia,
em cima de mim, pra mim não voltar de
novo pra trás, né.
1 ideai -sim participando,
orientando e dando força
B
DROG04
Participou, sofrendo... participou de tudo
quanto foi jeito, né... acreditando em mim,
isso que é o mais difícil, enquanto
muitos... falavam .. que não tinha mais
jeito, enfim, ... sempre tiveram muito ali
em cima, pôxa.. eles estavam, sempre
presentes
1 ideia- participou sofrendo juno
e acreditando na recuperação
B
182
DROG07
Meus dois filhos. Participaram assim, no
momento que eu admiti que era um
dependente e eu precisava de um
tratamento, eu sentei e conversei com
eles... . Coloquei que seria necessário que
a gente ficasse um bom tempo separado...
e coloquei pra eles, a ne
1 ideia sim o filhos muta força ,
abraço e carinho
B
DROG10
Participou. Bom, primeiro foi a minha
esposa que viu que eu tava já
ultrapassando o limite... e correu até um
amigo meu... e os dois conseguiram me
levar no médico, e o médico mostrou que
eu tava errado, e tal, fui parar no
psiquiatra... e ai ele me cons
1 ideai esposa e amigos
B
DROG03
Não... não participou, e isso ai foi muito
prejudicial, porque até hoje, memo depois
de tá esse tempo todo abstinente, já
trabalhando e tudo, ainda hoje a minha
esposa ainda tem aquelas atitudes de
comportamento de co-dependente. .., ela
não aceita que e
1 ideia -nâo, porque nao
participou do tratamento
C
DROG05
Olha, se eu falar que participou... eu vou
estar sendo desonesto, não é verdade?...
porque não participou não..., eles
compareciam às reuniões, que eram
propostas pelos profissionais da clínica
onde eu fiquei internado, não foi fácil, eu
cheguei lá com m
não, participaram por obrigação,
sem acreditar em mudanças,a
recuperação foi graças ao
profissionais
C
DROG08 ... Não. 1 ideia nao
C
DROG09
Não, porque elas vivem lá no meu Estado
de origem, entendeu? Aqui eu vivo só... e
realmente eles só sabem, entendeu?... Só
sabem que eu sou portador dessa doença
e... estava acometido nela, tudo... voltei...
a ativá-la, entendeu? mas ela sabe
realmente q
1 ideia nao pela distancia
C
183
DROG06
Então... a minha família não participou.
Nenhum deles. ...Só a minha mãe.A minha
mãe participou sempre mandando eu pra
hospitais... Internação ... Mas eu nunca...
ia atrás, entendeu?? ... que... no decorrer
da vida, em vinte e dois anos de álcool,
eu...
1 ideia somente minha mãe
D
3-Questão: Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
Expressões
Chave
Como você acha que a família poderia
colaborar para a recuperação de um
familiar com dependência química?
Idéia Central
Categoria
DROG01
Bom, eu acredito muito no programa de ajuda
mútua, e tem um programa que chama Amor
Exigente, né, e eles falam que, amar, sim, mas
... colocando limite em você. Eu tenho que te
aceitar, mas não aceitar as coisas erradas que
você faz, né. Então eu acho qu
Atraves do programa
de mutua ajuda- amor
exigente- colocando
limite
A
DROG02
Ah.... sendo exigente com ele, né? Exigente...
que tem família que é co-dependente, né? O
paciente tá no erro e às vezes a família invés de
pegar pesado com ele, não, acaba passando a
mão na cabeça, escondendo, né, e eu acho que
a família devia ser mais
1- sendo exigente com
o dependente
A
DROG07
Então eu acho que a família tem que fazer o
quê? Começar a buscar grupos de apoio, né?....
, participar de palestra sobre adictos, ...se
reinterar do que é a dependência, que as
pessoa vê como safadeza, como pilantragem... ,
e não é não. A
2- participar de grupos
de apoio para saber
lidar com a doença
A
DROG03
Com certeza os familiares mais próximos da
pessoa, tipo, pai, mãe, esposa, até o filho,
participar de grupos... junto até com o próprio
familiar... e grupos separados, grupos
especificamente só pra família, como deve se
comportar com o dependente químico
1- os familiares mais
proximos participando
de tratametno para
aprender a se
comportar o DQ
B
DROG06
Olha, para ajudar ele na recuperação, em
primeiro lugar, não discriminando ele...
entendeu... porque o álcool, ele é uma doença,
comprovada. Às vezes a pessoa até tem
vontade de parar, entendeu, mas não tem o
apoio. Era que nem eu, ... o apoio era só da
1 ideia-não discrimianar
- dependencia é uma
doença comprovada,
apoio de uma familia
saudavel sem
dependencias
B
DROG07
Olha, compreensão, amor, procurar se reinterar
como a pessoa adquiriu essa doença, porque
nada acontece por acaso. Atrás de uma situação
de dependência, há algo que a família muitas
vezes necessita saber pra poder ajudar...... E eu
mostro Eu tenho meu f
1- amor e
compreensão, a familia
e a sociedade tem que
estar atenta para esta
situaçção
B
184
DROG08
... Hoje eu vejo assim... por eu não ter tido a
minha família no momento em que eu mais
precisei, então eu vejo que a família hoje ela é
importante no tratamento do dependente...
quanto também ela também deve se tratar
também... entendeu? Isso é muito ..
1- particpar do
tratamento e se tratar
B
DROG09
Olha, o mais importante, a própria família...
como o... causador de todo o ... problema, é
perceber que realmente é uma doença, e
infelizmente o familiar está acometido da
doença... Isso é muito importante... porque daí
muda todos os princípios... de ver
1- a propria famiia ter
consciencia que ela
esta acometida da
doenca tratar-se
B
DROG10
Primeiro ela tem que entender que é uma
doença, e muitas não entendem, né? E
segundo, dando bastante apoio... ao doente...
caso contrário, não tem como recuperar... É
muito difícil. Primeiro que já é difícil você sair
dessa vida... e sem apoio e sem a f
Primeiro entender que
é uma doença
B
DROG04
a real de tudo é a conscientização, ... traçar
uma diretriz, assim, cê não sai, fica num circulo
vicioso, né? ... Como?... Não . perder a fé,..
2 ideia- pela
conscientização, traçcar
uma diretriz e ter fe na
recuperaçao
B
DROG04
Ah... é uma coisa muito... singular... é muito de
família pra família... , porque a minha família
sempre... sempre esteve ali comigo, mas, ...
sabe, ter uma percepção, assim, de quem tá
em volta ... sofre junto mesmo, mas... até pelo
sofrimento, né?..
1- de diversa formas,
cada familia é de uma
forma
C
DROG05
De um familiar? .. essa pergunta é bastante
difícil ... porqu eu mentia, eu roubava, eu
furtava, eu enrolava, eu passava um pano, ...
uma hora eles ficaram sabendo, né?... Vem à
tona,... menti pra mim mesmo? .., me sentia
mal por causa disso. Infelizmen
1- por causa da
mentiras e preconceito
nâo se tinha condiçoes
de dialogo- a terapia
familar pode mediar
esta situação
D
DROG06
fica muito difícil pra ele... se não tiver do lado
dele pra levar ...pra uma igreja... entendeu...
nas horas difíceis você estar lado a lado ali ...na
hora ... de uma doença, de uma separação,
...comigo, no meu caso, onde eu chegava as
pessoa já ficavam
2- apoio de Deus em
primeiro lugar
E
185
IDEIAS CENTRAIS DAS TRÊS QUESTÕES
1-
O QUE É FAMÍLIA PARA VOCÊ
DROG01 - 1ª idéia-não tem uma definição clara- A
DROG02 - com quem convive-se cotidianamente-B
DROG03 - 1ªidéia-o mais importante -C
DROG04 - 1 idéia- base e força-D
DROG05 - 1 ideia- companhia-B
DROG06 - 1 ideia- familia é quando se está presente cotidianamente-B
DROG07 - familia é tudo -D
DROG08 - base solida de um relacionamento--D
DROG09 - mais importante elo da sociedade, bom relacionamento entre as pessoas- C
DROG10 - base de tudo-D
DROG01 - 2º idéia - proteção e cuidado D
DROG03 - 2ª idéia- apoio e valorização-D
DROG04 - 2 idéia- aprendizado - E
DROG04 - 3 ideia - é tudo- C
DROG05 - 2 ideia- dificuldade de falar sobre- A
DROG05 - 4 idéia- papel fundamental na identidade do sujeito-C
DROG05 - 5 ideia – apoio- D
DROG06 - 2ª idéia- é estar com os que te amam e apóiam-D
186
A- não tem uma definição clara
B- convivência cotidiana
C- a coisa mais importante
D- base, apoio, proteção e cuidado
E- aprendizado
2-
Sua família participou da recuperação da sua dependência
química?
DROG01 - 1 ideia sim familia e a religião A
DROG02 - 1 ideai -sim participando, orientando e dando força-B
DROG03 - 1 ideia -nâo, porque nao participou do tratamento- C
DROG04 - 1 ideia- participou sofrendo juno e acreditando na recuperação- B
DROG05 - 1 ideia não, participaram por obrigação, sem acreditar em mudanças-C
DROG06 - 1 ideia somente minha mãe D
DROG07 - 1 ideia sim o filhos muta força , abraço e carinho-B
DROG08 - 1 ideia não-C
DROG09 - 1 ideia nao pela distancia-C
DROG10 - 1 ideai esposa e amigos-B
DROG05 - 2 ideia- a recuperação foi graças ao profissionais, AA e NAque ajudaram muito- E
DROG06 - 2 ideia - Crença em Deus-A
187
A – dando apoio religião
B- orientando e participando
C- não participou, só teve ajuda profissional
D -somente a mãe participou
3-
Como você acha que a família poderia colaborar para a
recuperação de um familiar com dependência química?
DROG01 - 1 ideia - atraves do programa de mutua ajuda- amor exigente- amr colocano limite- A
DROG02 - 1- sendo exigente com o dependente- A
DROG03 - 1- os familiares mais proximos participando de tratametno para aprender a se comportar com
DQ- B
DROG04 - 1- de diversa formas, cada familia é de uma forma C
DROG05 - 1- por causa da mentiras e preconceito nâo se tinha condiçoes de dialogo- a terapia familar
pode mediar esta situação - D
DROG06 - 1- não discrimianar - dependencia é uma doença comprovada E
DROG07 - 1- amor e compreensão B
DROG08 - 1- particpar do tratamento e se tratar-B
DROG09 - 1- a propria famiia ter consciencia que ela esta acometida da doenca tratar-se -B
DROG10 - 1- pimeiro entender que é uma doença E
DROG01 - 2- amar colocando limites- A
DROG04 - 2 ideia- pela conscientização, tracar uma diretriz e ter fé na recuperação- E
DROG06 - 1- apoio de uma familia saudavel sem dependências- F
DROG06 - 2- apoio de Deus em primeiro lugar- G
DROG07 - 2- participar de grupos de apoio para saber lidar com a doença- A
DROG07 - 3- a familia e a sociedade tem que estar atenta para esta situaçção- E
188
DROG10 - 2- dando apoio entendo o que esta acontecendo-B
A- Sendo exigente com o dependente e participando de programa de mutua ajuda
B- Ficando próximo do dependente, participando do tratamento e não discriminando o
paciente
C- Cada família tem sua forma de ajudar
D- Participando da terapia familiar
E- Apoiando por meio da religião
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
“Este é um documento em duas vias, uma pertence a você a outra deve ficar
arquivado com o pesquisador”
1- Via – pesquisador
2- Via - participante
Você está sendo convidado (a) como voluntário (a) a participar da pesquisa:
Trabalhando com famílias no ciclo da drogadicção: Uma Proposta de
Intervenção nos Sistemas Familiares com Membro Dependente Químico
A JUSTIFICATIVA, O OBJETIVO E OS PROCEDIMENTOS: a justificativa que
nos leva a estudar o problema (como o sistema familiar enfrenta a problemática
das drogas e de que maneira a família pode colaborar no tratamento de seu
familiar dependente químico) é devido à importância da família no tratamento e
recuperação do dependente químico. A pesquisa se justifica pela necessidade
de se criar condições que facilitem a participação e a conscientização dos
familiares no tratamento da dependência química. O objetivo desse projeto é
criar um instrumento que facilite o processo de participação e conscientização
das famílias de baixa renda no tratamento e recuperação de seus familiares em
tratamento em comunidades terapêuticas para dependentes químicos. Um
instrumento que possa ser aplicado por cuidadores em dependência química..
Os procedimentos de coleta dos dados seo da seguinte forma:
189
Primeira etapa : carta convite para participação voluntaria nesta pesquisa, aos
cuidadores que tenham disponibilidade para o trabalho com famílias de
dependentes químicos em comunidade terapêutica e aceitem participar de
um curso de capacitação em ’’ Orientação à famílias no ciclo da drogadicção”.
Segunda etapa: participação no curso que terá a duração de 32 horas, sem
custo ou pagamento para participar.
Terceira etapa: participação de um encontro, de dois dias de duração, para
trabalhar a familiar nuclear e de origem do cuidador participante.
Quarta etapa: workshop para devolução; um encontro, com duração de oito
horas, para análise dos resultados obtidos no encontro anterior.
OS DESCONFORTOS E RISCOS E BENEFÍCIOS: os
(as)
participantes não
serão submetidos a nenhum risco ou desconforto, mesmo que sejam mínimos.
Em qualquer momento o
(a)
participante poderá abandonar a pesquisa sem
nenhuma justificativa.
FORMA DE ACOMPANHAMENTO E ASSISTÊNCIA: durante toda a pesquisa
o
(a)
participante poderá ter o apoio psicológico que necessitar, bastando
solicitar ao pesquisador responsável.
GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA
DE SIGILO: O participante será esclarecido(a) sobre a pesquisa em qualquer
aspecto que desejar. Será dito que ele é livre para recusar-se a participar,
retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento. A
sua participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar
qualquer penalidade ou perda de benefícios.
O pesquisador irá tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo.
Os resultados serão enviados para o participante e permanecerão
confidenciais. Seu nome ou o material que indique a sua participação não será
liberado sem a sua permissão. O participante não será
identificado
(a) em
nenhuma publicação que possa resultar deste estudo. Uma cópia deste
consentimento informado será arquivada no Curso de Pós-Graduação do
departamento de Psicologia Clínica da PUC-SP e outra será fornecida ao
participante.
190
CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO POR
EVENTUAIS DANOS: A participação no estudo o acarretará custos para o
participante e não será disponível nenhuma compensação financeira adicional.
Em caso de haver gastos de qualquer natureza por parte do participante para a
realização da pesquisa, este será ressarcido nos gastos reais do participante,
cuja responsabilidade e do pesquisador responsável.
. No caso do participante sofrer algum dano decorrente dessa pesquisa o
pesquisador responsável devera ser comunicado imediatamente e
responsabilizado pelo dano.
DECLARAÇÃO DO(A)
PART
ICIPANTE OU DO RESPONSÁVEL PELO(A)
PARTICIPANTE: Eu,
______________________
_________________ fui informado(a
) dos objetivos da
pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei
que em qualquer momento poderei solicitar novas informações e motivar minha
decisão se assim o desejar. A professora orientadora Dra Rosa Maria S.
Macedo e o pesquisador responsável aluno Jair Lourenço da Silva certificaram-
me de que todos os dados desta pesquisa serão confidenciais.
Também sei que caso existam gastos adicionais, estes serão absorvidos pelo
orçamento da pesquisa. Em caso de dúvidas poderei chamar o estudante
,
pesquisador responsável,
Jair Lourenço da Silva.
Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste
termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler
e esclarecer as minhas dúvidas.
Nome Assinatura do Participante Data
Nome Assinatura do Pesquisador Data
Nome Assinatura da Testemunha Data
191
Pesquisador responsável telefone (011) 38620576 –( 011) 81069267- e-mail Jalo[email protected]
192
CARTA DE ENCAMINHAMENTO DE PROJETO AO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA
PUC-SP
São Paulo, 28 de outrubro de 2008.
Eu, Jair Lourenço da Silva (matrícula N), aluno regularmente matriculado no Programa de Pós-
Graduação em psicologia clínica da PUC-SP , sob orientação da Professora Doutora Rosa Maria.
S. Macedo, encaminho projeto de pesquisa intitulado Trabalhando com Famílias no Ciclo da
Drogadicção: Uma Proposta de Intervenção nos Sistemas Familiares com Membro Dependente
Químico para apreciação neste Comitê de Ética em Pesquisa.
Nome do aluno e assinatura: Jair Lourenço da Silva
Telefone de Contato: (11) 8106-9267
Nome da Orientadora e assinatura: Rosa Maria S. Macedo
Telefone de Contato: (11) 36708521
193
Departamento: Psicologia Clínica
TERMO DE RESPONSABILIDADE DO PESQUISADOR
Eu, Jair Lourenço da Silva, pesquisador responsável pelo projeto de pesquisa intitulado
Trabalhando com Famílias no Ciclo da Drogadicção: Uma Proposta de Intervenção nos Sistemas
Familiares com Membro Dependente
, assumo a responsabilidade de comunicar
imediatamente à Instituição Estância Primavera: comunidade terapêutica para
dependentes químicos toda e qualquer complicação ocorrida durante a realização do
referido projeto que coloque em risco o voluntário ou bens incluídos neste trabalho de
pesquisa.
Responsabilizo-me, igualmente, a acompanhar as diligências necessárias à imediata e
integral assistência aos voluntários participantes ou à reposição ou restauração de
bens eventualmente danificados durante a pesquisa.
São Paulo 27 de abril de 2008
Jair Lourenço da Silva
Nome do pesquisador e assinatura
195
DECLARAÇÃO DE ANUÊNCIA e TERMO DE COMPROMISSO
Declaro que conheço e cumprirei os requisitos da Res. CNS 196/96 e suas
complementares. Comprometo-me a utilizar os materiais e dados coletados
exclusivamente para os fins previstos no protocolo de pesquisa intitulado
Trabalhando
com Famílias no Ciclo da Drogadicção
: Uma Proposta de Intervenção nos Sistemas
Familiares com Membro Dependente
Declaro, ainda, estar ciente da realização da pesquisa acima intitulada, nas
dependências da Associação Estância Primavera: comunidade terapêutica para
dependentes químicos e como esta instituição tem condições para o desenvolvimento
deste projeto, autorizo sua execução.
São Paulo 29 de abril de 2008
______________________
Nome: Patrícia Swinerd Martins
Função: Coordenadora do Departamento de Ensino e Pesquisa
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