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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
NELYDÉLIA KELENE FRANÇA DE SOUSA
“TRABALHADOR” OU BANDIDO”?
A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL
REGIONAL DE SOBRAL, CEARÁ.
Fortaleza, Ceará.
2008
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NELYDÉLIA KELENE FRANÇA DE SOUSA
“TRABALHADOR” OU BANDIDO”?
A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL
REGIONAL DE SOBRAL, CEARÁ.
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Sociologia da Universidade Federal do Ceará como
requisito obrigatório à obtenção do tulo de Mestre
em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. César Barreira
Fortaleza, Ceará.
2008
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4
NELYDÉLIA KELENE FRANÇA DE SOUSA
“TRABALHADOR” OU BANDIDO”?
A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL
REGIONAL DE SOBRAL, CEARÁ.
_____________________________________________
Orientador: Prof. Dr. César Barreira
_____________________________________________
Prof ª. Dr ª. Lea Carvalho Rodrigues
____________________________________________
Prof ª. Dr ª. Rosemary Almeida de Oliveira
5
À Marlene França de Souza, mãe
dedicada.
6
AGRADECIMENTOS
Quando iniciamos uma pesquisa acadêmica descobrimos rapidamente
que não se trata de uma aventura” solitária, mas que, para a concretização de um
trabalho, é necessária a colaboração de anjos” a quem, comumente, chamamos de
família e amigos.
À minha família, agradeço o apoio emocional e o respeito às minhas
escolhas. À Marlene França de Souza, minha mãe e mais fiel companheira. À Maria
das Graças e Jo Gomes Aragão, “Tia Tataia” e “Tio Didi”, respectivamente, por me
acolherem em sua casa sempre que precisei estar em Sobral para realizar minha
pesquisa.
Aos amigos do Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do
Ceará: Daniele Maia Cruz, Helenira Marinho, Francisco Hélio Monteiro Júnior e
Clodomir Cordeiro de Matos Júnior pelos preciosos momentos em que pudemos
trocar idéias, livros e conhecimento. Ao professor César Barreira, meu orientador.
Aos funcionários da Penitenciária Industrial Regional de Sobral: agentes,
diretores, médicos, psicólogas, professores, assistentes sociais, especialmente à
Maria Elizângela, minha anfitriã; e aos detentos dessa unidade por colaborarem com
seus depoimentos.
À Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (SEJUS), através
de José Bento Laurindo, por autorizar a pesquisa nessa unidade penal.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FUNCAP) e ao Banco do Nordeste do Brasil (BNB) pelo apoio
financeiro aos meus estudos.
E, se a memória me trair, aos amigos e familiares que o foram
lembrados no momento, mas que estiveram ao meu lado e contribuíram para a
realização dessa empreitada, obrigada!
7
Todas as civilizações se constroem e se sustentam em leis. Em toda
sociedade existe um grande número de coisas que não se pode fazer: há
coisas que não devem ser ditas, atitudes que não são permitidas. Toda
sociedade cria limites e proibições; escolhe algumas formas de viver e
rejeitam as outras, mas como cada cultura se relaciona com parcela da
população que não se enquadra? (Viviane Mosé, filósofa em reportagem
exibida no Fantástico / Rede Globo, no ano de 2006).
8
RESUMO
Essa pesquisa, realizada entre os anos de 2006 e 2007, pretende contribuir para a
compreensão da dinâmica da formação social existente no interior das prisões. O
objetivo desse estudo é interpretar o processo de construção das identidades
carcerárias dos presos reclusos na Penitencria Industrial Regional de Sobral
(PIRS). Essa instituição, localizada na Região Norte do Estado do Ceará, faz parte
do sistema prisional terceirizado cearense, administrado, em parceria, pelo Estado e
por empresa privada: a Companhia Nacional de Administração Prisional (Conap). O
ingresso de um indivíduo no sistema prisional é descrito como um “ritual de
passagem” que o iniciará nos códigos e nas regras específicas da “sociedade
carcerária” a qual passa a pertencer. Ao entrar na PIRS, o preso “recém chegado”
será observado por médicos, psicólogos, assistentes sociais, advogados e
seguranças responsáveis por atribuir-lhe uma identidade válida para essa
“sociedade”. As identidades atribuídas aos presos durante o ritual de entrada na
PIRS não são definitivas. O critério fundamental para que seja construída uma
identidade para o detento dentro dessa “sociedade carcerária” é a participação nos
trabalhos penitenciários. O labor nessa penitenciária origina dois grupos identitários
principais: os ”trabalhadores e os “bandidos”. As relações estabelecidas entre os
presos pertencentes a esses grupos são marcadas por conflitos expressos em
palavras de xingamento e depreciação, e tamm por agressões físicas diretas. Na
prisão, o indivíduo necessita aprender rapidamente as regras da “sociedade
intramuro” e a representar o “papel” que lhe é atribuído pela sua identidade
carcerária uma vez que disso depende em grande parte a sua sobrevivência na
cadeia.
Palavras - Chaves: Pries; Terceirizão; Trabalho penal; Identidades; Conflito.
9
ABSTRACT
The survey, conducted between the years 2006 and 2007, aims to contribute to the
understanding of the dynamics of social formation within the existing prisons. The
aim of this study is to interpret the process of constructing the identities of prisoners
in the prison inmates in the Prison Industrial Regional Sobral (PIRS). This institution,
located in the north of the state of Ceara, is part of the prison system outsourced
Ceará, managed in partnership by government and by private enterprise: the
National Company of Prison Administration (CONAP). The entry of a person in the
prison system is described as a "rite of passage" that will start in the codes and rules
specific to the "prison society" which has belonged. On entering the PIRS, the newly
“arrested nowwill be observed by doctors, psychologists, social workers, lawyers
and security guards responsible for giving it a valid identity for the “company”. The
identities assigned to prisoners during the “ritual of entry” on PIRS are not definitive.
The key criterion for the is a constructed identity of the prisoner within that "prison
society" is the participation work in prison. The prison work that produces two groups
main identity: the "workers" and "bandits". The relationship between the prisoners
belonging to these groups are marked by conflicts expressed in words of name-
calling and depreciation, and also by direct physical attacks. In prison, the individual
must quickly learn the rules of "domestic society" and play the “role” in assigned by
their identity prison since it depends largely on its survival in jail.
Words - keys: Prisons; Outsourcing; Work criminal; Identities; Conflict.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Mapa de localização geográfica da PIRS.................................................41
Figura 2 – Vista frontal da PIRS................................................................................42
Figura 3 – Vista aérea da PIRS.................................................................................47
Figura 4 – Vista aérea da PIRS, ângulo esquerdo....................................................48
Figura 5 – Parlatório..................................................................................................49
Figura 6 – Detalhe dos galpões.................................................................................50
Figura 7 – Cartaz da Conap fixado na recepção da PIRS.........................................51
Figura 8 – Interno trabalhando na faxina...................................................................54
Figura 9 – Atendimento médico.................................................................................55
Figura 10 – Celas da carceragem da PIRS...............................................................56
Figura 11 – Agentes fazendo a revista nas celas......................................................59
Figura 12 – Cozinha da Penitenciária Industrial Regional de Sobral........................60
Figura 13 Detentos seguram os certificados de concluo de curso
profissionalizante........................................................................................................62
Figura 14 – Campeonato de sinuca...........................................................................63
Figura 15 – Evento comemorativo do Dia das Crianças............................................64
Figura 16 Frase escrita na parede de uma das celas da carceragem da
PIRS……………………………………………..............................................................71
Figura 17 – Carro que transporta os detentos até a PIRS.........................................73
Figura 18 – Portão azul da “eclusa”………………………….......................................74
Figura 19 – Corpo Humano...........................................................................………..82
Figura 20 – Artesanato dos detentos da PIRS.........................................................103
Figura 21 – Internos na produção de sapatos………………………………………..105
Diagrama 1 “Ritual de passagem” na Penitenciária Industrial Regional de
Sobral.........................................................................................................................78
Diagrama 2 – Classificação dos presos na PIRS......................................................89
11
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 mero de presos matriculados na escola da PIRS entre os meses de
janeiro a setembro de 2007........................................................................................61
Gráfico 2 Artigos do Código Penal Brasileiro..........................................................66
Gráfico 3 Situação civil dos detentos da PIRS........................................................67
Gráfico 4 Procedência dos presos trazidos para a PIRS........................................72
Gráfico 5 Reincidência na PIRS...................................................................………76
Gráfico 6 Profissão declarada pelos presos nas entrevistas de triagem entre janeiro
e setembro de 2007..............................................................................………………98
Gráfico 7 – Taxa média de presos “implantados entre os meses de janeiro e
setembro de 2007…………………………………………………………………………106
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Faixa etária da população da PIRS..........................................................65
Tabela 2 – Tempo de reclusão...................................................................................65
Tabela 3 – Grau de escolaridade...............................................................................69
Tabela 4- Ocupação nos canteiros de trabalho........................................................102
Tabela 5 – Reincidência na PIRS...............................................................................83
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................15
1º CAPÍTULO: A TERCEIRIZAÇÃO DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO..............27
1.1 A TERCEIRZAÇÃO DO SISTEMA PENAL NO CEARÁ......................................30
2º CAPÍTULO: A PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL REGIONAL DE SOBRAL..........41
2.1 POR DETRÁS DOS MUROS DE CONCRETO...................................................51
2.2 OS PRESOS DO SISTEMA PENAL TERCEIRZADO CEARENSE: QUEM O
ESSES HOMENS?.....................................................................................................65
CATULO: O RITUAL DE PASSAGEM: CLASSIFICAÇÃO E CONSTRUÇÃO
DE IDENTIDADES.....................................................................................................71
3.1 A PRISÃO: “PAGUE PARA ENTRAR, REZE PARA SAIR”.................................71
3.2 A PASSAGEM: O “RITUAL DE ENTRADA” NA PIRS.........................................76
3.3 O MOMENTO “LIMIAR”: O PROCEDIMENTO DE TRIAGEM NA PIRS..............80
3.4 O INÍCIO DO LONGO PERÍODO DE INTERNAÇÃO: IDENTIDADES
ATRIBUÍDAS E RELAÇÕES DE CONFLITO.............................................................85
CAPÍTULO: A LABORTERAPIA NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL REGIONAL
DE SOBRAL..............................................................................................................91
4.1 AS CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO PENAL NA PIRS...............................95
4.2 A SELEÇÃO E OCUPAÇÃO DAS VAGAS NOS “CANTEIROS DE TRABALHO
NA PIRS.....................................................................................................................98
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................114
ANEXOS..................................................................................................................118
ANEXO A – PROCEDIMENTO DE INCLUSÃO NA PIRS.......................................119
ANEXO B – FOTOGRAFIAS: PINTURAS NAS PAREDES DAS CELAS................124
Fotografia 1 – Armas desenhadas na parede da cela..............................................124
Fotografia 2 – Santa desenhada na parede da cela................................................124
Fotografia 3 – Santo desenhado na parede da cela................................................125
ANEXO C – FOTOGRAFIAS: O TRABALHO PENAL NA PIRS..............................126
Fotografia 4 – Presos trabalhando na lavanderia.....................................................126
Fotografia 5 – Preso trabalhando na padaria...........................................................126
14
ANEXO D – FOTOGRAFIAS: O LAZER NA PIRS...................................................127
Fotografia 6- Campeonato de futebol da PIRS........................................................127
Fotografia 7 – Campeonato de sinuca na PIRS.......................................................127
ANEXO E – FOTOGRAFIAS: ATIVIDADES RELIGIOSAS NA PIRS......................128
Fotografia 8 – Celebração de missa católica no Natal.............................................128
15
INTRODUÇÃO
Esse estudo nasce de um interesse que é anterior à vida acadêmica. Eu,
menina do interior, assistia, na década de 1990, as narrativas sobre a violência e
sobre as questões de segurança pública ser amplamente divulgadas e debatidas no
rádio e na televisão, especialmente através de programas policiais, criados com
formatos específicos para esse tipo de notícia: forte apelo emocional e dramático. O
percussor desse gênero de noticrio, na década de 1970, na Rádio Record, foi o
apresentador Gil Gomes
1
.
Na mesma linha do programa de rádio apresentado por Gil Gomes,
veiculado em rede nacional, também havia um programa policial no interior do
Ceará, na cidade de Sobral, onde eu residia na década de 1990: Isaias Nicolau, o
repórter policial”. Ao meio dia, era comum, nas residências, a família sentar-se à
mesa com o rádio de pilhas ligado para escutar “histórias de desordenspromovidas
por bêbados, brigas de bar e fugas na Cadeia Pública local.
Na casa dos meus tios paternos, tio “Didi” levava o dedo indicador à boca
para pedir silêncio na hora do almoço. As notícias provocavam reações e
comentários entre os presentes. Eu e minha prima, crianças ainda, riámos das
peripécias dos bêbados. O programa existe até os dias atuais e o seu apresentador,
Isaias Nicolau, é personagem popular em Sobral.
A televisão foi, entretanto, quem consagrou os noticiários policias. A mídia
cearense, por exemplo, exibe, aproximadamente, treze horas diárias desse gênero
de programa, segundo dados divulgados em 2007 pela Organizão Não
Governamental (ONG) Movimento Internacional pela Paz e Não-Violência
(MOVPAZ).
Dentre os mais assistidos está o “Cidade 190”, apresentado por Edson
Silva e exibido pela TV Cidade; o “Barra Pesada”, apresentado por Nonato
Albuquerque e exibido pela TV Jangadeiro; o “Rota 22”, apresentado por Marcos
Lima e o “Comando 22”, apresentado por Ferreira Aragão,ambos exibidos pela TV
Diário.
1
No ano de 1991, o radialista Cândido Gil Gomes Filho passa a narrar os casos de violência
ocorridos no país no programa “Aqui Agora”, exibido até 1998 pelo Sistema Brasileiro de Televisão
(SBT). No ano de 2007, ele resolve contar no livro: “Gil Gomes conta os crimes que abalaram o
Brasil”, as histórias de violência que mais marcaram o país.
16
Nas eleições de 2004, os principais apresentadores desses noticiários:
Edison Silva, Ferreira Aragão e Ely Aguiar, repórter do Rota 22, elegeram-se
Deputados Estaduais no Ceará, demonstrando, assim, a popularidade desses
programas e a aceitação de seus discursos sobre violência e segurança pública.
A televio mostra, portanto, o que Elizabeth Rondelli (2000) chama de
“violência como linguagem”. Os fatos que são apresentados nos programas policias
[e devo confessar que sou telespectadora assídua desses programas] “(...) têm o
papel mobilizador ao darem visibilidade aos conflitos sociais e fazer com que atos
disjuntivos e erráticos da violência se amplifiquem e se estendam à discussão no
espaço público” (RONDELLI, 2000: 154/155).
A imprensa televisiva passou, a partir dos anos 90 - especialmente com o
aumento no mero de programas policiais, a dar destaque a fatos marcantes da
história da violência no Brasil, que tem se agravado desde a década de 1930, como
conseqüência, segundo Ivonete Rogério (1997), da combinação de três fatores
principais: crescimento desordenado das cidades, intensificação crescente do êxodo
rural e modelo socioeconômico adotado no país.
O excesso de pessoas saídas do campo somado à falta de estrutura
urbana: moradia, emprego e saúde, por exemplo, fez nascer os bolsões de pobreza
nas cidades cujos maiores exemplos são as favelas. Essa “desordem social” fez
aumentar as taxas de criminalidade nas capitais.
Na opinião de Geraldo Ribeiro (1996), essa desordem social”
associada ao aumento da criminalidade urbana tornou os moradores das favelas, os
indivíduos pobres, os negros, os pedintes e os marginalizados socialmente suspeitos
de práticas delituosas e, por esse motivo, mais vulneráveis à vigilância da polícia, da
Justiça e da sociedade.
Para Edmundo Campos Coelho (2005) a associação entre pobreza e
criminalidade é “sociologicamente perversa”, pois produz um estereótipo do
criminoso, por exemplo, negros e favelados contra os quais a sociedade deve buscar
proteção. Segundo esse autor, a criminalização
2
dos indivíduos pertencentes a
esses grupos sociais está presente no imaginário social e é reforçada pelas
equivocadas estatísticas oficiais.
2
O termo “criminalizaçãoé empregado nesse estudo para se referir ao ato de imputar a culpa a um
indivíduo que se considera suspeito de cometer um crime.
17
As distorções nos dados oficiais m origem, segundo Coelho (2005), na
concepção do crime adotada pelas instituições policiais. O “White Collor
3
, por
exemplo, praticado por políticos e empresários, é considerado uma ão ilegal, mas
não um crime, e não recebe o mesmo tratamento penal do roubo.
Para Coelho (2005), por essa razão, os pobres aparecem mais nas
estatísticas, pois o gozam da imunidade institucional e nem tampouco do prestígio
social que é conferido aos mais abastados.
Pertencer aos grupos socialmente criminalizados como os negros, pobres
e favelados significa ser portador de um estigma (GOFFMAN, 1975) que torna esses
indivíduos inabilitados para a aceitação social plena. No Brasil, por exemplo, “(...) a
negritude e a pobreza são determinações suficientes para sensibilizar a vigilância
policial e desencadear sua ação (...)” (SÁ, 1996:150).
Michel Misse (2006) traduz essa situação de criminalização de
determinados grupos sociais apresentando o conceito de “sujeição criminal”, ou seja,
esses indivíduos são vítimas do descrédito social e de quem a sociedade espera e
considera propenso a cometer um crime, tornando-os, assim, alvos das instituições
de controle.
Essa relação entre pobreza e criminalidade deve ser analisada
cuidadosamente, principalmente quando se pretende responder a seguinte questão
“O que impele um indivíduo a entrar para o crime?”.
Segundo teoria econômica do crime apresentada por Viapiana (2006) a
decisão de um indivíduo por cometer um delito não é determinada pelas suas
condições sociais e econômicas:
(...) na teoria econômica, o evento do crime é visto como uma decisão onde
são ponderados os benefícios e os custos, e, também, como uma troca
intertemporal, entre o benefício imediato e um custo provável no futuro
(prisão). Assim sendo, a decisão pelo crime seria semelhante a outras
decisões tomadas pelo indivíduo ao longo de curso de sua vida (VIAPIANA,
2006:15).
Nessa teoria, o indivíduo (independente das suas condições sociais e
econômicas) comete um crime depois de avaliar e concluir que os benefícios
proporcionados pelo seu delito, a impunidade, por exemplo, são maiores que os
custos de sua ação: a certeza de preso.
3
Crime conhecido popularmente no Brasil como “Colarinho Branco”.
18
Assim, a teoria econômica do crime pode ser expressa pela relação entre
a certeza da prisão e a não punição. Nessa perspectiva, o quadro de impunidade
que caracteriza a Justiça brasileira é a sinalização clara de que o crime compensa
(VIAPIANA, 2006).
Atualmente, o elevado número de crimes não é mais característica apenas
das grandes capitais. A criminalidade vem migrando dos centros urbanos
4
para o
campo em um movimento de “interiorização da violência (WAISELFISZ, 2006)
5
e
passando a ser considerada, além de uma questão de segurança blica, um
problema de ordem econômica, social e de saúde.
Os vários discursos
6
sobre a criminalidade apresentados amplamente na
mídia e debatidos nas universidades, ruas e calçadas dos grandes centros e
pequenas cidades brasileiras motivaram o meu interesse por estudar e escrever
sobre a violência.
Nos anos de 2003 e 2004 iniciei leituras sobre a violência. O meu encontro
com Michel Foucault (1993) resultou em um mergulho no sistema prisional. Na obra
Vigiar e punir: história do nascimento das prisões (1993) esse filósofo conta que a
igreja católica foi quem primeiro utilizou o modelo prisional para punir os monges.
A prisão, um antigo castigo canônico empregado pela Igreja Católica,
somente passa a ser utilizada como forma punitiva
7
para criminosos a partir da
Reforma Penal ocorrida no final do século XVIII. Tal contexto, segundo Michel
Foucault (1993), envolvia a ineficácia dos especulos no cadafalso
8
, introdução do
pensamento humanista e advento do capitalismo.
O modelo capitalista merece destaque entre estes três fatores por ter sido
um dos principais responsáveis por provocar profundas mudanças sociais. Segundo
Foucault (1993), suas doutrinas o importantes legitimadoras da pena privativa de
4
“A Escola de Chicago (Primeira Escola de 1915-1940; e Segunda Escola de 1945-1960) (...)
disseminou a idéia de que o crime é um fenômeno social decorrente do urbanismo” (Cordeiro,
2002:80).
5
Os dados apresentados pelo Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros (WAISELFISZ, 2006)
apontam Mombaça como o município mais violento do Ceará. Na lista seguem-se Ibicuitinga, São
João do Jaguaribe, Juazeiro do Norte, Limoeiro do Norte, Senador Pompeu, Jaguaretama e
Capistrano, todos localizados no interior cearense. A capital, Fortaleza, aparece em último lugar.
6
Elizabeth Rondelli (2000) caracteriza esses discursos como “linguagens da violência”.
7
“Essa distinção faz-se necessária posto que, como prisão, pode se entender, a partir de uma
postura mais generalizante, ou forma prisão, um local em que se encerra uma quantidade de
indivíduos que ali se estabelecem involuntariamente, como os manicômios, os asilos, abrigos para
mendigos e orfanatos, por exemplo”. (SOUSA, 2005:26).
8
Os suplícios enquanto meios punitivos estiveram em voga até o final do culo XVIII. A roda, o
Pelourinho e a forca, por exemplo, marcaram uma época da história das penas (SOUSA, 2005).
19
liberdade, pois unem fortemente a idéia de acumulação de capitais e acumulação de
indivíduos úteis e dóceis.
A necessidade de controlar os grupos pobres, produtos da economia
capitalista nascente: punir, guardar, isolar, disciplinar “(...) e converter vadios e
vagabundos, em suma, a população marginal, em elementos úteis ao processo
produtivo” (Sá, 1996:25) fez com que a prisão se tornasse uma “empresa de
modificação” de indivíduos e que a pena privativa de liberdade se convertesse na
punição por excelência das sociedades industriais (Sá, 1996).
A leitura da obra de Michel Foucault (1993) despertou o meu interesse em
falar e escrever sobre o sistema prisional. A curiosidade tamm é um motivo
plausível para essa decisão: o que acontece por detrás dos muros das prisões?
Comumente construídas em locais afastados, as prisões constituem um
espaço que é ignorado por grande parte da sociedade. Poucas pessoas ou
nenhuma m o interesse em visitá-las. Esse tipo de lugar “(...) é organizado para
proteger a comunidade contra os perigos intencionais e o bem-estar das pessoas
assim isoladas não constitui um problema imediato” (GOFFMAN, 1996:17).
Contemporânea a sua adoção como pena no século XVIII, as prisões
deram sinais de sua falência. Essa forma punitiva foi criticada ainda em seu
nascedouro por não atender aos princípios de recuperar e readaptar infratores, ou
seja, por não devolver à sociedade o homem social e econômico que ela perdeu
(FOUCAULT, 1993).
O que deu errado? A prisão impede que a sociedade participe do castigo
do inimigo comum, rompe com a lógica do crime e castigo, pois do alto dos seus
muros as penas são aplicadas nas sombras; são nocivas, iteis a sociedade e
caras, pois mantém os condenados na ociosidade e não promovem nenhum
trabalho de recuperar o delinqüente.
É possível citar ainda como exemplos dos problemas enfrentados pelo
sistema prisional as instalações precárias das unidades penais e a disseminação de
doenças entre a população carcerária. O que se assiste - através da mídia,
principalmente, tratando-se do Brasil -, é a superlotação das prisões, casos de
rebeliões e fugas, situação essa que coloca esse ps em 9º lugar na lista dos piores
sistemas prisionais do mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas
(ONU, 2003).
20
Para Geraldo Ribeiro de (1996), as más condições carcerárias,
existentes desde o nascimento da pena privativa de liberdade, são “‘naturais’ à
prisão e, portanto, permanecerão enquanto vigir o sistema disciplinar constituído
pelo espaço prisional” (SÁ, 1996:71).
Por que, então, apesar dos “inconvenientes” das prisões, essas
permanecem ainda como o meio punitivo das sociedades atuais?
Segundo o Pe. Chico Reardon, coordenador da pastoral carcerária
brasileira e defensor dos Direitos Humanos no Brasil (1999), o fato é que ainda não
se encontrou o que pôr no lugar das prisões, elas o (...) a detestável solução de
que não se pode abrir mão” (REARDON, 1999:208).
Na opinião de Pe. Chico (1999), o existe um real interesse por parte das
autoridades competentes e nem da sociedade civil em melhorar as condições
carcerárias ou em incentivar a adoção de penas alternativas.
A pena privativa de liberdade, que deveria proporcionar tratamento penal
adequado à (re) socialização de criminosos, ao contrário, submete o preso a
condições desfavoráveis a sua reintegração social. O cárcere tem se mostrado, no
caso do Brasil, por exemplo, espaço propício para a formação de organizações
criminosas
9
nascidas no interior das prisões e que continuam a praticar crimes
dentro e fora delas.
Nesse contexto, quais políticas penitenciaristas têm sido desenvolvidas
no Brasil?
No país, essas políticas têm se concentrado, especialmente, na
construção de mais unidades penais o que, segundo Pe. Chico Reardon (1999) não
soluciona o problema, pois uma unidade construída inicialmente para abrigar um
número “x” de detentos em pouco tempo abriga o dobro ou o triplo desse número – a
superlotação está aí para provar.
A alternativa seria reformar o sistema penal? Essa medida implicaria em
aproveitar algo do modelo atual? Ou uma possível solução seria então a adoção de
um novo modelo de execução penal?
No sentido de buscar alternativas ao modelo prisional tradicional é que no
ano de 2000 chega ao Cea uma proposta de administração penitenciária,
9
Primeiro Comando da Capital (PCC), por exemplo.
21
importada do Estado do Para, descrita, a princípio, como uma parceria entre
estado e empresa privada.
Essa idéia não foge à política nacional de construção de mais prisões. O
diferencial está, portanto, numa nova forma de gestão prisional. Uma parceria
(publico privado) que se concretiza, no ano de 2001, com a construção a
Penitenciária Industrial Regional do Cariri (PIRC) e da a Penitenciária Industrial
Regional de Sobral (PIRS), em 2002; e se solidifica, em 2003, com a inauguração do
Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II).
Interessada por informões sobre o sistema prisional brasileiro, eu
buscava as páginas policiais dos jornais locais e nacionais todos os dias, quando, na
manhã de 9 de maio de 2004, ao abrir o Diário do Nordeste, li a manchete intitulada:
Gestão Compartilhada: estudo e trabalho ressocializam detentos. A matéria falava
de modo positivo da recém adotada experiência de parceria entre Estado e empresa
privada na administração prisional no Ceará.
A leitura dessa reportagem foi decisiva para que eu fizesse um “recorte”
em meus estudos e dedicasse maior atenção ao sistema prisional terceirizado
cearense. Para compreender melhor esse modelo de administração penal fui, em
junho de 2004, procurar a Secretaria de Segurança Pública e Cidadania quando
pude conversar com o Superintendente do Sistema Penal do Ceará.
Os primeiros resultados das minhas pesquisas sobre o sistema prisional
terceirizado cearense foram apresentados em minha monografia de graduação
(SOUSA, 2005), quando escolhi como campo empírico a Penitenciária Industrial
Regional de Sobral, Cea (PIRS), localizada a 230 km de Fortaleza, precisamente
no km 4 da CE – 178, na Região Norte do estado.
A Escolha da PIRS deve-se a dois motivos principais: ela é a unidade
industrial terceirizada que se localiza mais próxima à Fortaleza, onde resido
atualmente. Depois, como eu havia residido em Sobral por muitos anos, ainda
possuía muitos amigos de infância nessa cidade. Ao reencontrar uma velha” amiga,
durante o velório de minha avó paterna, ela contou-me que estava trabalhando na
PIRS e se prontificou a ser minha “anfitriã”
10
nas visitas a essa penitenciária.
10
José Ricardo Ramalho (1983) destaca a importância do papel do anfitrião para o sucesso da
realização de uma pesquisa em instituições fechadas como as prisões. O pesquisador necessita de
alguém que o insira e legitime a sua presença nesses espaços.
22
A PIRS se caracteriza, segundo a Lei de Execuções Penais (LEP, 1984),
como uma penitenciária de segurança xima que se destina a presos do sexo
masculino e condenados à pena de reclusão em regime fechado (LEP, 1984
Capítulo II, Art. 87).
A LEP caracteriza de maneira distinta as instituições penais. Qual a
diferença, então, entre uma Penitenciária e uma Cadeia Pública ou Presídio, por
exemplo?
A distinção es na condição judicial dos que se encontram reclusos
nessas instituições. A Lei de Execução Penal (Art. 102 LEP, 1984) caracteriza
como Presídios e Cadeias Públicas os estabelecimentos prisionais destinados a
receber presos provisórios, ou seja, os indivíduos que se encontram reclusos
temporariamente aguardando o julgamento da Justiça que deverá decidir se ele é ou
não culpado do crime que a sociedade lhe imputa.
Segundo o artigo 87 da LEP (1984), as Penitenciárias são
estabelecimentos prisionais que se destinam ao condenado à pena de reclusão,
em regime fechado. Considera-se um preso condenado (LEP, 1984) aquele
indivíduo cuja sentença foi julgada pela Justiça e que se encontra detido para
cumprir pena de reclusão em regime fechado com mero de anos variando de
acordo com o crime cometido.
Realizar a pesquisa em uma penitenciária me favoreceu
metodologicamente, pois, em 2004, durante a coleta de dados sobre o trabalho
penal na PIRS para a monografia de graduação, selecionei um grupo de detentos
com quem conversei por vários dias, o que não seria possível em um presídio, onde
a rotatividade, o “entra e sai”, dos presos provisórios é intenso. A reclusão, nesses
casos, dura um curto espaço de tempo não superior a trinta dias, por exemplo,
quando se tratar de um crime hediondo (Lei nº. 7.210/ 1984 – Lei de Execução Penal
(LEP)).
Eu retornei a PIRS em 2006 tendo como principal objetivo interpretar e
descrever o “ritual de ingresso” de um condenado no sistema prisional terceirizado
cearense.O que acontece no momento da chegada desse indivíduo aparece como
fundamental para a compreensão do funcionamento dessa penitenciária, para a
administração da unidade e para a compreensão da dinâmica da “sociedade
carcerária”.
23
É importante compreender que dentro do cárcere forma-se uma espécie
“campo” específico, permeado por códigos, regras e jogos simbólicos próprios que
devem ser incorporados na forma de “habitus(BOURDIEU, 1998) pelos indivíduos
que pertencem a esses espaços. Ao entrar na prisão o indivíduo terá que aprender,
e muito rapidamente, as regras da “sociedade carcerária” e a desempenhar novos
“papeis sociais”, uma vez que disso pode depender a sua sobrevivência.
Ao ingressarem na PIRS, os presos passam por um ritual de admissão
(COELHO, 2005) durante o qual são avaliados por dicos, psicólogos, advogados
e seguranças, responsáveis pela classificação dos “recém chegados” e pela a
atribuição de uma nova identidade que determinará o seu lugar “status” -, dentro
da “sociedade carcerária”.
Nessa pesquisa, apresento a hipótese de que o “ritual de entrada” em
uma instituão total
11
significa, ao mesmo tempo, a mortificação da identidade
produzida no mundo livre e um nascimento para a “sociedade dos cativos”. O
ingresso na prisão “(...) é um duro aprendizado ao final do qual o indivíduo terá
perdido sua identidade anterior” (COELHO, 2005:83) e assumi uma nova
identidade.
Uma outra hipótese apresentada nesse estudo é que faz parte do “ritual
de admissão” na instituição penal a imposição da disciplina através do corte de
cabelo, uso do uniforme padrão e adesão as atividades e à rotina da penitenciária.
Segundo Geraldo Ribeiro de Sá (1996), o banho, o corte de cabelo e o uniforme são
recursos matérias e simbólicos, ofertados pela instituição de chegada, que tecem os
fios determinantes da construção da nova identidade.
É interessante observar que esse ritual é caractestico do ingresso nas
penitenciárias. Nas casas de detenção provisória: cadeias públicas e presídios, os
presos encontram-se sob custódia temporária do Estado e por isso não são
obrigados à obediência a determinados procedimentos, por exemplo, ao corte de
cabelo e ao trabalho penal (Art. 31 – parágrafo único – LEP, 1984).
O estudo dos rituais como recurso metodológico, segundo Peirano (2003)
é um importante caminho de acesso às estruturas e uma porta de entrada para a
compreensão de determinadas atitudes: “Por meio da análise dos rituais, podemos
11
“Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande
número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por
considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada (GOFFMAN,
1996:11). O autor cita como exemplos: as prisões e os manicômios.
24
observar aspectos fundamentais de como uma sociedade vive, se pensa e se
transforma – o que não é pouco” (PEIRANO, 2003:51).
Para realizar essa pesquisa, como propõe Peirano (2003), foi necessário
estar em campo, ficar junto à “sociedade carcerária”, observá-la e ligar-se nas
percepções dos que vivem na PIRS.
Para ter acesso a Penitenciária Industrial Regional de Sobral foi preciso
uma autorização da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (SEJUS).
Com esse documento, eu me apresentei ao diretor da PIRS que concordou em
fornecer as informações contidas nos arquivos dessa unidade penal e permitiu o
meu contato com funcionários e presos.
As visitas a PIRS aconteceram durante os anos de 2006 e 2007, sendo
que no mês de novembro desse ano, as visitas tornaram-se semanais e aconteciam
nas segundas, terças, quintas e sextas feiras, com exceção da quarta –feira, dia de
visita na penitenciária.
A pesquisa em campo alia a observação e anotações feitas em um
pequeno caderno com os diálogos realizados com os internos” essa categoria se
refere aos detentos-, e com funcionários dessa unidade penal.
O que classifico como diálogos são as conversas informais, na perspectiva
de Cardoso (2006) de uma “relação dialógica”, de estabelecer uma relação com os
informantes onde não há uma entrevista estruturada e nem perguntas prévias, onde
existe uma troca de idéias, uma “interação”:
Ao trocarem idéias entre si, etnólogo e nativo, ambos igualmente guindados
a interlocutores, abre-se a um diálogo em tudo e por tudo superior,
metodologicamente falando, à antiga relação pesquisador/informante. O
ouvir ganha em qualidade e altera uma relação, qual estrada de mão única,
em outra de mão dupla, portanto, uma verdadeira interação (CARDOSO,
2006:24).
É assim que buscava estabelecer os diálogos com meus informantes: ao
cruzar com algum funcionário no corredor disposto a me ceder alguns minutos de
sua atenção, na hora do cafezinho com os diretores da PIRS, ao coletar dados junto
ao setor de informão da penitenciária e com os detentos “recém-chegados”, por
exemplo.
As questões surgiam no contexto da conversa, a partir do que eu escutava
dessas pessoas. Procurava iniciar o diálogo com os funciorios, geralmente com
uma pergunta qualquer como: “Há quanto tempo você trabalha aqui?”.
25
O contato com os detentos era feito no parlatório, onde eu me apresentava
e pedia a eles que me falassem sobre a rotina da penitenciária. É a partir das
histórias contatadas por funcionários e detentos da PIRS sobre suas vidas dentro do
cárcere que construo minhas análises.
Essa pesquisa trata-se de uma abordagem qualitativa dos dados
coletados em campo. O texto é resultado, portanto, de um esforço em compreender
como são construídas as identidades dos presos na PIRS a partir da observação e
descrição do “ritual de entrada” dos detentos condenados nessa unidade penal.
Nesse estudo, refiro-me, especificamente, às “identidades atribuídas”
durante a classificação feita por um “corpo técnico” constituído por médicos,
psicólogos, advogados, assistentes sociais e seguranças que se reúnem em torno
do preso quando este chega a PIRS.
Como se realizada o processo de construção das novas identidades?
Como acontece, para os “recém chegados”, a ruptura com as classificações e os
papeis desempenhados na “sociedade extramuro”?
Os resultados dessa pesquisa serão apresentados em quatro capítulos.
No primeiro, trato as questões sobre o sistema prisional terceirizado contando a
história da terceirização de unidade penais com ênfase no Estado do Ceará.
Quando essa idéia chegou aqui? Quais as características do modelo de
terceirização cearense? Sobre isso, a principal fonte de dados é o Relatório Final da
Comissão de Estudos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sessão Ceará,
sobre a terceirização do sistema penal do Estado do Ceará
12
.
O segundo capítulo é construído a partir do meu diário de campo.Nele,
estão contidas informões sobre as minhas visitas a PIRS: impressões, descrição
da unidade, contato com os informantes e dados gerais sobre o funcionamento
dessa penitenciária. Nesse capítulo, utilizando os dados dos prontuários dos
internos foi possível conhecer o perfil dos detentos reclusos nessa prisão.
O terceiro capítulo fala das questões que envolvem o “ritual de admissão”
(COELHO, 2005) e o processo de inclusão”
13
dos detentos na PIRS. A partir de
quais critérios são construídas as novas identidades desses homens dentro da
cadeia? Como são as relações sociais entre grupos distintos da “sociedade
carcerária”?
12
A cópia desse relatório foi adquirida no Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado do Ceará.
13
“Inclusão” é o termo utilizado na PIRS para designar a entrada de um preso nessa unidade penal.
26
A descrição desse ritual é feita em três partes: o ingresso do preso no
sistema penal terceirizado cearense, a triagem e o processo de classificação; e o
período de internação.
O trabalho penal ganha destaque no quarto capítulo por possuir um papel
de relevância especial no cotidiano dos presos.
O trabalho dos presos é regulamentado pela Lei de Execução Penal, mas
possui características próprias na PIRS. A participação nos trabalhos penitenciários
na PIRS, por exemplo, é um critério importante para a atribuição da identidade dos
detentos e determinante para a mudança de “status” dentro da “sociedade
carcerária”.
O texto dessa pesquisa é ilustrado com fotografias do arquivo da própria
PIRS uma vez que não fui autorizada a fazer imagens da unidade. O diretor geral da
PIRS disse que não permite que a penitenciária seja fotografada por visitantes por
medida de segurança.
Essa pesquisa é resultado do esforço de quem acredita que o ato de
pesquisar é “mágico”, no sentido de que a imero e o desejo de compreender o que
se passa com o objeto de estudo, na busca do “porque” dos fatos serem da maneira
que são e não de outra forma, da vontade de conhecer unida, ao mesmo tempo,
com a não preocupação em julgar, levam o pesquisador a vivenciar experiências
únicas, somente sentidas por aqueles que descobrem o prazer do “saber”.
27
1º CAPÍTULO
A TERCEIRIZAÇÃO DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
A proposta de conceder a administração de unidades penais a particulares
foi feita pela primeira vez no ano de 1761, na Inglaterra, por Jeremy Benthan. Essa
idéia, rejeitada na época, tornou-se realidade somente com o advento do Estado
Neoliberal, na cada de 1980, durante a onda de privatizações do governo norte
americano de Ronald Reagan:
Iniciada nos Estados Unidos em meados da década de 80, a política de
privatização de presídios foi absorvida por outros países industrializados
como a Inglaterra, França, Canadá e Austrália, tornando uma realidade no
controle dos sistemas prisionais que tinham como principais motivos: as
superlotações e os crescentes custos do encarceramento (VASQUES,
2003:10).
Os EUA, responsável pela difuo da privatização prisional pelo mundo,
favorece essa prática concedendo a cada um de seus Estados o direito de avaliar e
decidir pela implantação ou não das prisões privadas em seus domínios territoriais
(lei norte-americana nº. 1.981).
No modelo adotado pelos Estados Unidos e importado por países como
Canadá e Inglaterra, o Governo Norte - Americano transfere totalmente a
administração de suas unidades penais para empresas privadas dando a elas,
inclusive, o direito à execução da pena de morte (CORDEIRO, 2002).
Ao expandir-se para outros pses, o modelo norte-americano sofre
derivações. Na França (lei nº. 87/732), por exemplo, o Estado transfere para a
iniciativa privada apenas os serviços de hotelaria das unidades prisionais como a
cozinha, a lavanderia e a limpeza.
No modelo francês, diferentemente dos EUA, o que existe é uma
permiso à participação das empresas privadas através de uma parceria com o
Estado, que permanece responsável pela administração das prisões.
Esses dois modelos - o francês e o norte-americano-, têm destaque no
cenário da privatizão das prisões pelo mundo abrindo espaço para um novo
mercado lucrativo a ser explorado. Duas empresas lideram atualmente esse setor: a
28
Corrections Corporation of América (CCA), cujo valor das ações aumentou em
quarenta vezes no período de dez anos (WACQUANT, 2001); e a Wackenhut
Corrections Corporations, ambas atuando em países como EUA, Canadá, França,
Alemanha, Austrália e Porto Rico.
A privatizão das prisões deve se compreendida, portanto, dentro do
contexto da atual política neoliberalista que promove a diminuição da intervenção do
Estado na economia, diminuição dos gastos públicos, venda das empresas estatais
para a iniciativa particular e abertura de mercado (WACQUANT, 2001).
Para Raul Cervini, citado por Grecianny Cordeiro (2002), a privatização
do sistema penitenciário se apóia em dois paradigmas: o economicista, que visa a
redução dos gastos do Estado com a manutenção das prisões; e o funcionalista, que
busca uma solução rápida para enfrentar a criminalidade e os problemas que nela
se originam: a superlotação carcerária, por exemplo.
No Brasil, a Constituição de 1988 permitiu a privatização de vários setores
de serviços básicos como a energia e a telefonia e criou inúmeros conselhos co-
gestores
14
de políticas públicas desde o âmbito municipal até o Federal.
15
A idéia de que a iniciativa privada é mais eficiente que o serviço público
ganhou espaço no país e era uma questão de tempo para atingir as funções
essenciais do Estado como a Segurança Pública.
Um tempo curto, na realidade, pois no ano de 1992, Edmundo Oliveira
Neto, então Conselheiro e Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP), apresenta a proposta de gestão mista do sistema penal
brasileiro. No projeto de Edmundo Oliveira Neto o Estado deveria atuar junto com as
empresas privadas para administrar as prisões do país
16
.
No ano de 1999, o Deputado Federal Luiz Barbosa apresenta ao CNPCP
o projeto de lei nº. 2146/99 propondo a privatizão total do sistema penal brasileiro,
concedendo a cada Estado da Federação o direito de decidir ou não pela adoção
desse modelo
17
.
14
A co-gestão ou gestão compartilhada ou ainda gestão mista é conhecida no Brasil como Parceria
Público – Privada (PPP).
15
Fonte: Relatório final da Comissão de Estudos acerca da terceirização do sistema penal do Estado
do Ceará presidida pelo advogado da ordem dos Advogados do Brasil (OAB - Ce), Leandro Vasques,
no ano de 2003.
16
Idem
17
Idem
29
Em 2000, o CNPCP aprova o parecer do Diretor Geral do Departamento
Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne, contrário à privatização proposta
pelo Deputado Federal Luiz Barbosa, mas favorável à terceirizão dos serviços do
sistema prisional no Brasil
18
.
Ainda no ano 2000, é inaugurada, em Guarapuava, no Paraná, a primeira
unidade penal brasileira administrada por empresa privada em parceria com o
Governo do Estado do Paraná. Atualmente, no país, são 12 as unidades
terceirizadas, localizadas nos estados do Paraná, Amazonas, Bahia e Ceará.
A privatização prisional brasileira tem inspiração francesa, onde Estado e
empresa privada administram juntos as prisões. Esse modelo, adotado no Brasil,
levanta uma importante questão sobre a natureza dessa prática. Trata-se, afinal, de
uma Privatização? Ou será de uma Terceirizão? Ou ainda de uma Co-Gestão?
Na perspectiva de Vasques (2003), uma privatização acontece quando o
Estado transfere totalmente suas funções para particulares. Esse é,
especificamente, o modelo adotado pelos Estados Unidos. Neste caso, não se trata
apenas de uma redução da estrutura do Estado, mas de uma delegação total de
suas responsabilidades para a iniciativa privada.
Essa definição não explica, entretanto, o que acontece no sistema
prisional francês e também no Brasil.
É no modelo francês que o Estado, detendo a função jurisdicional
indelegável, continua a determinar quando um homem vai ser preso, quanto
tempo permanece segregado, quando será libertado, como poderá ser
executada a atividade laboral interna e externa (Trecho retirado do Histórico
sobre a privatizão do sistema penal no Estado do Ceará).
No modelo brasileiro, assim como na França, o Estado administra junto
com a empresa privada o sistema penal, ficando sob sua responsabilidade as
atividades de execução da pena, sendo o único detentor legítimo do direito de punir,
e transferindo para o setor privado apenas as funções de hotelaria das unidades.
Esse sistema é conhecido tamm como parceria público-privado (PPP).
O caso do Brasil deve ser tratado, portanto, como uma terceirização dos
serviços do sistema prisional brasileiro - uma atividade legalizada pelo CNPCP em
2000 (Vasques, 2003).
18
Idem
30
Para examinar mais de perto a terceirização penal descrevo alguns
aspectos desse modelo administrativo adotado nas penitenciárias cearenses.
1.1 A TERCEIRIZAÇÃO DO SISTEMA PENAL NO CEARÁ
A parceria do Estado e empresa privada na administração do sistema
penal é chamada também, no Ceará, de Gestão Compartilhada, Co-Gestão ou
ainda Gestão Mista.
A primeira unidade penal a ser terceirizada no Ceará, a Penitenciária
Industrial Regional do Cariri (PIRC), com capacidade para 540 presos, foi
inaugurada no ano 2001, sendo a segunda do país a adotar esse modelo de gestão
prisional.
Ao entrevistar o Superintendente do Sistema Prisional do Cea, em 2004,
ele apontou dois fatores que impulsionaram a terceirização das unidades penais
cearenses. Na verdade um fator é conseqüência do outro.
Primeiro, a política penitenciarista adotada pelo Governo do Estado, no
ano 2000, previa a construção de três grandes unidades carcerárias para
“desafogar”, ou seja, combater o problema da superlotação do Instituto Penal Paulo
Sarassati (IPPS), o maior do estado.
Segundo, a construção urgente das novas penitenciárias impossibilitou a
realização de concurso público para formar o quadro de funcionários necesrio
para a operacionalização dessas unidades penais tendo o Governo do Estado
optado, em 2001, pela realização de um contrato com uma empresa privada para
fazer funcionar a recém inaugurada PIRC.
Assim, nada mais justo que tenha o Governo do Estado do Ceará, através
de sua Secretaria de Justiça, decidido implantar um projeto experimental
cearense tendo como paradigma o modelo do Paraná. E a novíssima
Penitenciária Industrial do Cariri, prestes a ser inaugurada, mostrava-se, de
fato, como estabelecimento ideal para o experimento, pelo fato de ser
totalmente livre de vícios passados (Histórico da privatização do Sistema
penal Cearense).
A Secretaria de Justiça (SEJUS), fundamentada no modelo bem
sucedido do Paraná e na urgência de inauguração da PIRC, assinou contrato (nº.
31
02/2001) com a Humanitas Administrativa Prisional S/C LTDA, a mesma empresa
que administra a unidade penal de Guarapuava – PR.
O contrato entre o Governo do Ceará e a Humanitas foi assinado por
ambas as partes sem que ocorresse o processo legal de licitação, dispensado pela
SEJUS por considerar que a parceria com a empresa privada tinha no Ceará um
caráter experimental e urgente. Essa experiência, se bem sucedida, poderia ser
adotada em definitivo e o Estado realizaria, então, o processo licitatório regular
(Vasques, 2003):
Veja-se que uma e implementada na Penitenciária Regional do Cariri, a
tulo experimental, o modelo paraense, caso venha a mostrar-se bem
sucedido, sim, estará a Administração Estadual em condições de adotar
definitivamente o modelo industrial agora cogitado, fazendo-se as
contratações pela regular via licitatória, até mesmo pela experiência que
terá o Estado acumulado durante a primeira contratão (Histórico sobre a
privatização do sistema penal no Estado do Ceará).
A experiência da PIRC logo se expandiu com a inauguração, em 2002, da
Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS), com capacidade para 500
detentos, e do Presídio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II), com vagas para 420
presos provisórios.
O Ceará é atualmente o estado brasileiro com o maior mero de
unidades carcerárias -duas penitenciárias e um presídio -, administradas pelo
modelo de Gestão Compartilhada.
A PIRC e a PIRS possuem ainda o caráter particular de serem
penitenciárias industriais. Nas prisões com essa característica, segundo Júnior
(1995), o Estado autoriza os empresários da iniciativa privada a contratar os
detentos para prestarem serviço em uma base industrial montada dentro da própria
unidade penal.
Quais as vantagens e desvantagens da contratação de presos para as
empresas privadas?
Uma importante vantagem garantida a empresa privada ao contratar um
preso é que o trabalho penal não está sujeito à Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) (Art. 28 §- LEP, 1984). Ao empregar um detento, portanto, a empresa está
isenta do pagamento docimo terceiro e de férias, por exemplo.
Apesar dessa vantagem, porém, a mão- de- obra carcerária não é atrativa
porque os emprerios vêem incompatibilidade entre as rotinas de segurança de
32
uma prisão e as necessidades de uma produção industrial (JUNIOR, 1995). Eles
temem, por exemplo, os prejuízos ocasionados por uma rebelião.
Segundo o Superintendente do Sistema Penal do Ceará o Governo do
Estado pretendia, ao inaugurar as penitenciarias industriais, aliar a política de
construção de novas unidades à promão de trabalho penal para os detentos.
Como observou o Superintendente do Sistema Penal do Ceará, a idéia de
promover o trabalho penal nas unidades industriais recém - inauguradas animou os
responsáveis pela Segurança Pública do Estado e também os detentos do sistema
penal cearense que, através do trabalho, viam a possibilidade de ganharem mais
rapidamente a liberdade:
Eu estava no IPPS foi quando inauguraram esse presídio aqui, eu vi
passar na televisão, eu assistindo televisão lá, eu vi que dizia, o repórter
falava que aqui ia ser prisão... Como é que se diz? Uma prisão industrial,
né? Ia ter trabalho né? Então para isso eu pretendi vim para cá porque seria
o melhor pra mim, porque eu trabalhando ia ganhar a remiso de pena e ia
ser mais fácil sair para a liberdade, ir embora, né? Porque trabalho é muito
importante pro preso (M. V. L. O, detento da PIRS).
A expectativa de ganhar a liberdade mais rapidamente explica-se porque
o trabalho penal possui regras definidas para sua realizão na Lei de Execução
Penal (Lei federal nº. 7210, de 11 de julho de 1984 LEP) e tem como importante
benefício a remissão de pena: a cada três dias trabalhados equivale a um dia a
menos de cumprimento da pena para o detento.
Com a expansão do modelo co-gestor nas unidades penais do Ceará,
forma-se, no ano de 2003, uma Comissão de Estudos, presidida por Leandro
Vasques, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o objetivo
de realizar pesquisa e preparar relatório sobre a experiência de terceirização do
sistema penal cearense.
A Comissão concluiu que a terceirização das unidades penais do Ceará é
irregular. O CNPCP, embora admita essa prática, considera que é dever do Governo
do Estado a realização de licitação para contratar a empresa que se tornaria
responsável pelos serviços na PIRC, PIRS e IPPOO II.
Os argumentos da SEJUS para justificar a dispensa de licitação:
especificidade do objeto a ser terceirizado, a experiência da empresa contratada e,
principalmente, o caráter ainda experimental dessa atividade no Ceará, tornam-se
insustentáveis pelas seguintes razões (VASQUES, 2003).
33
Primeiro, a inauguração de mais duas unidades, a PIRS e o IPPOO II, faz
com que a terceirização do sistema prisional cearense perca o seu caráter
experimental e que seja adotada em definitivo. Nessa situação, o Estado deveria,
portanto, ter realizado o procedimento regular de licitação:
Assim, num segundo momento, uma vez aprovada a nova experiência,
poder-se-á adota-la em definitivo com a contratação por meio de processo
licitatório regular (Histórico sobre a privatização do sistema penal no Estado
do Ceará).
Segundo, a Humanitas, empresa contemplada pela parceria com o Estado
para co-gerir as unidades penais industrias cearenses, foi extinta no ano de 2001,
ocasião oportuna para que a licitação fosse realizada, antes mesmo da inauguração
da PIRS e do IPPOO II, que só aconteceu em 2002 (VASQUES, 2003).
O Estado - com a extinção da Humanitas -, contratou a herdeira das suas
atividades, a Companhia Nacional de Administração Prisional (Conap), novamente
sem a realização de um processo regular de licitação por considerar a Conap
experiente no ramo, muito embora essa empresa tenha sido fundada em 2001.
O contrato entre Estado e Conap, explica Grecianny Cordeiro (2002)
estaria dentro da legalidade se observasse as seguintes condições: publicação no
Diário Oficial, obediência ao processo de licitação e, ainda, regulamentação dos
termos da parceria, especialmente sobre as queses disciplinares e de prestação
de serviços no interior das unidades. A ausência desses procedimentos sicos fere
os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e publicidade (Cordeiro,
2002).
Desde a primeira experiência de terceirização, em 2001, a Conap,
herdeira da Humanitas, continua sendo a única empresa contrata pelo Governo do
Estado para co-gerir as unidades penais cearenses. A Secretaria de Justiça explica
que a renovação contratual com a Conap dispensa o processo de licitação por
considerar que essa empresa é a única no mercado a fornecer os serviços de
terceirização prisional.
Como é que a SEJUS iria justificar a escolha direta da empresa interessada,
cunhando-a como prestadora exclusiva de serviços de apoio administrativo
considerando-se a dificuldade de atestação dessa exclusividade? (Vasques,
2003:102).
34
É difícil comprovar a exclusividade da Conap no setor de prestação de
serviços de terceirização prisional, segundo Leandro Vasques (2003), uma vez que
não houve a abertura de processo de licitação, onde outras empresas pudessem,
portanto, participar da concorrência.
A Comiso de Estudos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
sessão Ceará, aponta que existe ilegalidade também na operacionalizão das
unidades penais terceirizadas. Ao visitar a PIRC, a PIRS e o IPPOO II a comissão
constatou uma reduzida participão do Estado na administração desses
estabelecimentos prisionais. No modelo de terceirizão autorizado pelo CNPCP,
apenas os serviços de hotelaria do sistema prisional podem ser prestados por
empresa privada.
O que acontece, entretanto, no Estado do Cea é que as atividades
desenvolvidas pela Conap incluem, além dos serviços de limpeza e cozinha, por
exemplo, funções essenciais nas penitenciarias e que são de responsabilidade
exclusiva do Estado como a aplicação de castigos aos detentos: “(...) a presença do
Estado é por demais tímida e acanhada, tendo a gerencia do estabelecimento penal
a faculdade de aplicar apunições internas de acordo com seu próprio Regimento
Interno” (Vasques, 2003:141).
Segundo as informações contidas no relatório final da Comissão de
Estudos da OAB Ce, a Conap participa da estrutura de poder decidindo sobre
questões relacionadas como a custódia e segurança dos presos. As normas
disciplinares aplicadas no interior das penitenciárias industriais são descritas em um
Regimento Interno instituído pela própria empresa.
A segurança interna dos detentos, por exemplo, atividade considerada
pela Constituição Federal um serviço de função exclusiva do Estado, indelegável e
intransferível para terceiros, é feita por Agentes de Disciplina contratados pela
Conap.
O número de funciorios da empresa é superior em, pelo menos, 80% ao
número de representantes do Estado. Além dos agentes de disciplina, psicólogos,
médicos, assistentes sociais e os advogados, responsáveis pelo acompanhamento
da pena dos condenados, são tamm contratados da Companhia de Administração
Prisional.
35
No relatório final sobre a terceirização do sistema penal cearense, a
Comissão de Estudos da OAB - Ce mostra-se, diante desse quadro, preocupada
com a garantia dos direitos e com a segurança dos presos:
(...) supunha-se que um detento daqueles sofra maus tratos (o que é
perfeitamente possível e provável em qualquer ambiente penitenciário) por
um ‘Agente de Disciplina’ (empregado da empresa), ou mesmo
suponhamos que venha um preso a ser exterminado nas depenncias
daquele estabelecimento gerado por ente privado. Diante desse exemplo
indagamos: sem nenhum prejulgamento, teria os 03 advogados (pagos que
são pela empresa CONAP) isenção ou independência profissional ideal
para advogar os interesses aquele preso lesionado ou de seus familiares?
(VASQUES, 2003:33).
Nessa perspectiva, observa Vasques (2003), é importante que os
funcionários que são responsáveis diretos pela disciplina, aplicação e
acompanhamento da pena; e pela segurança dos presos: agentes e advogados, por
exemplo, sejam servidores públicos concursados – como orienta a Constituição
Federal-, para assegurar que os direitos e interesses dos detentos serão respeitados
de acordo com os princípios da impessoalidade e independência profissional.
As conclusões apresentadas no relatório da Comissão de Estudos da AOB
- Ce (2003) abriram espaço e tornou público o debate sobre a terceirizão das
penitenciarias cearense. Opiniões defendem essa prática, outras criticam e existe
ainda a os que propõem apenas algumas mudanças no sistema (Vasques, 2003).
É preciso analisar, um a um, os principais argumentos favoráveis a co-
gestão, segundo Leandro Vasques (2003), para compreender a opinião dos que
defendem a adoção desse modelo administrativo nas unidades penais cearenses.
O primeiro argumento favovel diz: que a terceirização significa
recuperação do sistema penal com um menor custo para os cofres blicos: O
Estado, ao contratar a Conap, transfere a responsabilidade de manutenção das
penitenciárias para a empresa e, mediante o pagamento de um valor previamente
determinado à empresa, fica isento das despesas excedentes.
O segundo argumento aponta uma maior eficácia no cumprimento da pena
privativa de liberdade: a terceirização soluciona o problema da superlotação, pois o
Estado repassa para a empresa contratada um valor x” para uma quantidade
determinada de reclusos. Assim, a Conap recebe os detentos até o limite
disponível de vagas. O controle sobre o número de presos evita as fugas e a
disseminação de doenças, por exemplo.
36
O terceiro argumento favorável diz que as prisões terceirizadas são
transformadas em locais de trabalho produtivo e escolas de civismo e consciência
religiosa. O labor, o estudo e à reflexão religiosa são considerados meios
indispensáveis à (re) socialização dos presos. Além disso, a situação injusta onde o
Estado gasta para sustentar quem causou um mal à sociedade será, em parte,
invertida com o trabalho do preso, que proverá seu próprio sustento.
Um outro argumento favorável diz que nas prisões terceirizadas existe
um maior compromisso das empresas privadas em substituição ao descaso e
burocracia das instituições estatais. A Conap é bem remunerada pelo Estado do
Ceará para manter satisfatoriamente as unidades penais sob sua responsabilidade.
Nessa perspectiva, é interesse da própria empresa em mostrar zelo e
eficiência na sua administração para merecer a credibilidade pública e,
principalmente, para garantir a manutenção do contrato, uma vez que a terceirização
de prisões é um negócio altamente lucrativo (WACQUANT, 2001).
Para garantir o bom desempenho administrativo da Conap, o Estado
estará sempre vigilante para evitar desvios no cumprimento das obrigações estatais.
Não existe razão, portanto, para temer o desrespeito aos direitos legais dos presos,
a aplicação abusiva das punições disciplinares internas e a exploração da mão - de -
obra carcerária.
Ao contrário, os argumentos apresentados por aqueles que defendem o
fim da participação de particulares na administração prisional apontam para a
inafastável preocupação da incitativa privada com o lucro o que poderia sugerir,
ainda que camufladamente, o resgate do trabalho escravo, repelido pelo
ordenamento nacional. A preocupação, neste caso, é com a exploração da mão - de
- obra carcerária.
Na mesma perspectiva de lucro, um outro argumento contrário aponta
para o desinteresse da empresa privada em reduzir a população carcerária, uma vez
que fatura por preso e que o contrato firmado nesta base assegura margem de lucro
com origem na existência da própria criminalidade (questões éticas).
No Ceará, entretanto, o valor pago pelo Estado a Conap é calculado pelo
número de vagas disponíveis nas unidades penais. A superlotação, neste caso,
representa prejuízo para a empresa que, por isso, não tem interesse em abrigar um
número excedente de presos.
37
O terceiro argumento contrário considera a terceirização de prisões uma
medida temerária, posto que não afaste a possibilidade de que as prisões possam
vir a serem geridas ou administradas por empresa particular sob controle
(camuflado) de segmentos do crime organizado, mesmo que atuando de maneira
imperceptível pelo Estado - contratante.
A realidade é que os criminosos têm constantemente encontrado novas
formas de práticas delituosas. O argumento apresentado nesse terceiro ponto
levanta uma preocupação relevante, pois é possível acreditar que o crime
organizado possa encontrar espaço no lucrativo mercado da terceirização de
unidades penais.
Acrescenta-se aos três pontos contrários a terceirização do sistema
prisional cearense, a opinião de Grecianny Carvalho Cordeiro (2002) para quem a
Conap foi beneficiada ao receber para administrar unidades consideradas ponta do
sistema”, recém – construídas e que, portanto, o trazem consigo os velhos
problemas observados nas demais penitenciárias cearenses a superlotação do
IPPS, por exemplo.
O Estado, nessas circunstancias, tem que receber em suas velhas e
corrompidas unidades penais o excedente de presos que não podem ficar reclusos
nas novas penitenciárias.
Nessa mesma linha de raciocínio, o Presidente do Conselho Nacional dos
Secretários de Justiça, Diretos Humanos e Administração Penitenciária, Emanuel
Messias, citado no relatório final da Comissão de Estudos da OAB Ce, defende
uma terceirização “às avessas”.
É possível considerar essa proposta mais uma alternativa que se
apresenta para solucionar a questão prisional brasileira?
Sou contra o modelo de terceirização do sistema adotado e tolerado no
Brasil. È muito cômodo fazer boa figura com o chapéu alheio. O estado
constrói unidades e as empresas ganham direito nessas unidades,
enquanto o Estado permanece administrando unidades velhas,
ultrapassadas e caóticas, situação gerada por anos de descaso político. É a
pica concorrência desleal. O povo brasileiro não merece isso. Sou a favor
de que as empresas realmente comprometidas captem recursos no exterior,
construam e loquem vagas para o Estado, ao qual foi confiado pelo povo o
poder de polícia (Emanuel Messias citado em Vasques, 2003: 15 grifos
meus).
No modelo de terceirizão “às avessas”, proposto por Emanuel Messias,
as empresas privadas assumem a função de construir as penitenciárias com
38
recursos próprios e alugam as vagas para o Estado que, sendo o único detentor
legítimo do direito de punir, fica responsável pela administração das unidades
penais. Nessa situação, o Estado deixa de ser o contratante para se tornar um
arrendatário.
Ao concluir que a terceirização do sistema penal cearense é ilegal, a
Comissão de Estudos da OAB Ce moveu uma ão civil pública contra o Governo
do Estado para impedir a continuidade dessa prática.
No ano de 2006, o Governo do Ceará recebeu uma ordem da Justiça,
emitida pelo juiz Marcelo Lima Guerra (Jornal o Povo: 05/12/2006)
19
, determinado o
fim da co-gestão nas penitenciárias do Ceará e proibindo a renovação dos contratos
com a Companhia Nacional de Administração prisional.
A determinação judicial, acatada pelo Governo do Ceará, previa, dentre as
medidas necessárias para que as penitenciárias industriais passem a ser
administradas exclusivamente pelo Estado, a substituição progressiva dos
funcionários da empresa privada que trabalham nessas unidades por servidores
estatais admitidos em concurso público.
Uma outra medida ordenada pela Justiça foi o cumprimento de um prazo
de noventa dias, a partir da data de 06 de dezembro de 2006 (Jornal O Povo:
05/12/2006)
20
, para que a Conap encerrasse em definitivo as suas atividades na
Penitenciária Industrial Regional de Sobral, a primeira unidade terceirizada a ser
devolvida para o controle estatal. O advogado da empresa Conap, Cid Marconi,
entrou com um recurso na Justiça para tentar revogar essa decisão (Jornal O Povo,
2006)
21
.
Quando estive na PIRS, em abril de 2008, para realizar pesquisa de
campo, o “clima” entre os funcionários da Conap na penitenciária ainda era de
incerteza: “Ninguém sabe de nada, a gente ficou sabendo como todo mundo, pelo
jornal, é tudo escondido” (Funcionário da PIRS).
O diretor geral, representante do Governo do Estado na PIRS, tamm
não forneceu informões relevantes, apenas confirmou a declaração do
funcionário.
19
Fonte: http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/652889.html, acessado em 17 de setembro de
2008.
20
Idem.
21
Idem.
39
As demissões, entretanto, já estavam acontecendo: “Acredito que até
dezembro ou janeiro, pelo menos a maior parte dos agentes. Acho que vai sair é
tudo, disseram que ia ficar a parte administrativa, mas acho que não” (Funcionário
da PIRS). Os agentes de disciplina, responsáveis pela segurança interna da PIRS,
estão sendo substituídos per agentes penitenciários aprovados em concurso
realizado pelo Governo do Estado.
O que predomina na penitenciária é uma situação de instabilidade:
“Estou só esperando me botarem para fora” (Funcionário da PIRS). Os funcionários
contratados pela Conap aguardam o desenrolar da questão na Justiça:
Péssimo...Péssimo, eu tenho pena, nossas esperanças vão por água a
baixo, eu não acredito. trabalhei numa penitenciária do Estado no
Amazonas e sei que o muito incompetentes ainda em termos de recursos
humanos, gerenciamento, controlar a entrada de certas coisas.Tem alguns
que acham que vai melhorar a vida deles porque vai entrar maconha. Sem
dúvida. 100% de perda. Não vejo ganho para os internos, para as famílias.
Infelizmente uma perda muito grande. Espero que não aconteça.(Psicóloga
da PIRS).
A psicóloga da PIRS ressalta os prejuízos para os presos e para as suas
famílias caso a penitenciária passa a ser administrada pelo Estado, pois o Poder
Público não oferece tratamento penal adequado para os internos como médicos e
advogados, além de não oferecer assistência social às famílias dos detentos.
Segundo a psicóloga, o Estado também não demonstra eficiência no
esquema de segurança de suas prisões, pois permite a entrada de certas coisas”
como drogas nas penitencrias. Na sua opinião, portanto, a administração pública
não é capaz de gerenciar um estabelecimento penitenciário com o mesmo
desempenho da iniciativa privada.
A oportunidade de conhecer uma penitenciária terceirizada cearense como
a Penitencria Industrial Regional de Sobral torna inevivel uma comparação desse
modelo de unidade penal em relação ao sistema prisional tradicionalmente
administrado pelo Governo do Estado do Ceará, por exemplo, o Instituto Penal
Paulo Sarasati (IPPS).
As visitas na PIRS me permitem ressaltar como um importante aspecto
positivo da terceirização dessa penitenciária o controle sobre o número total de
presos em relação às vagas oferecidas. Essa medida evita a superlotação da
unidade penal.
40
Traduzindo essa situação em meros, segundo a Secretaria de Justiça e
Cidadania do Estado do Ceará
22
, o IPPS, que tem capacidade para 940 presos,
abrigava, em julho de 2008, 1256 homens. No mesmo período, na PIRS, que possui
vagas para receber 500 detentos, estavam reclusos somente 490 presos.
O combate á superlotação é um aspecto que permite avaliar como positiva
a terceirização do sistema prisional cearense uma vez que esse problema,
generalizado nos cárceres brasileiros não é recorrente nas unidades penais
terceirizadas cearenses.
A superlotação é sempre apontada como um entrave ao bom tratamento
penal não proporcionando aos presos as condições favoráveis à sua (re)
socialização.
22
http://www.sejus.ce.gov.br/?page=15, acessado em 1 de setembro de 2008.
41
2º CAPÍTULO
A PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL REGIONAL DE SOBRAL
Inaugurada no dia 15 de outubro de 2002
23
, a PIRS possui,
aproximadamente, 15.000 m
2
de área construída com recursos do Ministério da
Justiça e do Governo do Estado do Ceará
24
.
A penitenciária está localizada entre os municípios de Sobral e Groairas,
na Zona Norte do Estado, precisamente no Km 4 da CE-178, a 230 Km da Capital,
Fortaleza (Figura 1).
Figura 1: Mapa de localização geográfica da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
23
A unidade começou a funcionar em 05 de novembro de 2002 recebendo 107 detentos oriundos
da Cadeia Pública de Sobral.
24
Tasso Jereissati e Sandra Dond ocupavam, respectivamente, os cargos de Governador do Estado
e Secretária Estadual de Justiça.
FORTALEZA
42
À distância de, aproximadamente, 10 minutos do centro de Sobral, o
caminho até a PIRS é percorrido de carro por uma estrada bem conservada aberta
no meio da vegetação seca.
A chegada na penitenciária é anunciada pelo enorme muro cinza que
surge na paisagem. É possível avistar também o portão principal (Figura 2 (a)), os
detalhes em azul na pintura da fachada; e a guarida (Figura 2 (b)), onde sempre está
um dos Agentes de Disciplina, responsável pela segurança interna da penitenciária.
(b)
(a)
C 1
Figura 2: Vista frontal da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Ao cruzar a entrada principal e atravessar o estacionamento chega -se ao
módulo administrativo, tamm chamado de C1 (Figura 2). A recepção e a revista
dos visitantes são feitas no térreo, onde existe também uma espécie de sala de
visitas: dois sofás azuis e uma mesa de centro.
É preciso passar por um portão automático controlado por uma agente-,
para chegar até a escada que dá acesso ao andar superior.
No corredor do andar de cima do módulo administrativo, encontram-se
várias salas com plaquetas nas portas que indicam a Divisão de Prontuários e
43
Movimentação (DIPROM), responsável pelo cadastro ou prontuários e controle das
informações dos internos; Setor Financeiro, Direção Geral, Direção Adjunta,
Gerência Operacional e Setor Pessoal.
As janelas de vidro desse andar - de onde é possível observar todo o
movimento de quem chega e sai da PIRS -, encontram-se fechadas para evitar que
o ar refrigerado do interior escape e para impedir que o calor característico da região
aqueça o ambiente.
O cargo de Diretor Geral é ocupado por um psicólogo e o de Diretor
Adjunto por um advogado. De acordo o Art. 75, I, Lei de Execução Penal LEP, nº.
7210/84, o Governador do Estado é o responsável pela livre nomeação de pessoas
de sua confiança para representarem o Poder Público nas penitenciárias industriais
cearenses.
Todos os demais cargos são preenchidos por funcionários da CONAP,
desde o Setor Financeiro passando por todas as outras atividades: segurança,
médicos, advogados, psicólogos e assistência social e Gerência Operacional que,
junto com a Direção Geral, administram a penitenciária.
A chegada da PIRS a Região Norte não foi bem vista pela população de
Sobral. Na opinião do diretor geral da penitenciária isso aconteceu porque a uma
sociedade sobralense é preconceituosa, racista e tradicional.
A cidade de Sobral é uma cidade diferente, todo mundo fala que é os
Estados Unidos, ela a penitenciária aqui como um elefante branco. Eles
nunca aceitaram (...) é uma cidade preconceituosa, racista e tradicional
(Diretor da PIRS, 2005).
Os funcionários da PIRS, por exemplo, que são em sua maioria moradores
locais, relatam que muitas vezes escondem que trabalham na penitenciária temendo
serem vítimas de preconceitos:
Segundo as informações do Superintendente do Sistema Penal do
Ceará
25
, a Região Norte foi escolhida para receber essa penitenciária por ser a
segunda maior do Ceará. A maior região do Estado é o semi-árido nordestino, onde
está construída a Penitenciária Industrial Regional do Cariri (PIRC).
A PIRS possui capacidade para receber 500 internos. O contrato de
parceria entre Estado e CONAP diz que o número de detentos não pode exceder ao
total de vagas - medida adotada para combater a superlotação -, porém, a decisão
25
Entrevista realizada para a pesquisa em 2004.
44
da Justiça que determina o fim da terceirização das penitenciárias cearenses tem
provocado mudanças nesse aspecto.
Uma ordem judicial interditou a Cadeia Pública de Sobral e obrigou
também a PIRS a receber novos moradores: “Eles chegaram tudo em cima do
caminhão, pareciam porcos, sujos, fedendo” (funcionário da PIRS). A penitenciária
não poderia abrigar esses detentos provisórios, pois é uma unidade penal destinada
apenas para os presos que foram julgados e condenados a pena em regime fechado
(LEP), mas a decisão de um juiz deve ser cumprida.
Os presos provisórios oriundos da “Casa da Titia
26
, como também é
chamada a Cadeia Pública, foram então alojados, separados dos condenados, nas
celas da vivência 2
A (não se usa nessa penitenciária o termo “pavilhões”, comum na
literatura carcerária).
Na vivência 2 A estão recolhidos também os presos da triagem, “recém
chegados” a PIRS; os da tranca, que estão sofrendo alguma punição disciplinar; e
os presos do seguro, que solicitam proteção por terem inimigos dentro da unidade.
Todo preso ao chegar na PIRS deve receber o uniforme padrão da
unidade penal e um quite completo com lençol, capa de colchão, fronha de
travesseiro, toalha de banho, escova dental, creme dental, aparelho de barbear,
sabonete, papel higiênico e sabão (Ordem de Serviço nº 001/2004 / Art. 13
Gerencia geral – PIRS).
O preso recém chegado” a PIRS pela primeira vez deverá também ser
submetido ao processo de triagem
27
.
Os detentos transferidos da Cadeia Pública, entretanto, conforme explicou
um funciorio da PIRS, não passaram pela triagem e foram colocados logo numa
vivência separados”. Desses sessenta presos transferidos da Cadeia Publica,
somente 37 receberam o quite completo, pois o Estado não estava fazendo o
repasse para a Conap da verba referente à manutenção desses detentos.
(...) devido um problema entre Conap e Secretaria da Justiça hoje s
temos um pessoal aí, na faixa de 60 internos, porque essa unidade aqui é
para 500 e hoje nós estamos com 560, então esses 60 não recebe
atendimento jurídico, psicológico e social porque a empresa não está
recebendo por isso (Funcionário da PIRS, 2007).
26
Segundo explicou um funcionário da PIRS, a utilização do termo “Casa da Titia” explica-se pelo fato
de que na Cadeia Pública os presos podem fazer tudo, pois não há controle e vigilância.
27
O processo de triagem será descrito no terceiro capítulo.
45
A CONAP recebe do Governo do Estado do Ceará um valor “x” relativo
aos custos de cada interno”
28
no limite das 500 vagas. A chegada dos detentos da
Cadeia Pública elevou o número de presos na unidade para 560.
A conseqüência dessa superlotação é que o excedente de detentos deixa
de ser atendido em suas necessidades básicas: não recebe o quite completo para
higiene e vestimenta, e também não tem direito ao atendimento médico, psicológico
e jurídico, por exemplo.
O fim da parceria de terceirizão entre Estado e Conap tem provocado
também a demissão e a substituição dos funcionários da empresa por servidores
estatais concursados.O setor de segurança da PIRS deve ser o mais atingido com
essa mudança.
Na opinião de um agente de disciplina da PIRS, a principal conseqüência
do fim da terceirização da penitenciária é que a qualidade do serviço de segurança
da unidade estará comprometida, pois se estima que o número de agentes
penitenciários, servidores estatais, será inferior em dez, aproximadamente, em
relação ao total de agentes de disciplina, funcionários da Conap,
Se for colocado o Estado para tomar de conta, segundo eles do Estado, vai
ser na faixa de 80 a 100 homens, que sejam 100 homens, trabalha 24 e
folga 72. No caso, são quatro turmas de 25, oito horas da manhã de hoje
entrou uma turma, essa turma que entrou de 35, veja bem, nós somos 35 e
eles já são 25 (...) (Funcionário da PIRS, 2007).
Os agentes da Conap são distribuídos em quatro turmas e trabalham por
escala na proporção de três dias de folga para cada dia trabalhado. A distribuição
desses funcionários da Conap que fazem a segurança interna da penitenciária,
conforme explicou o chefe de segurança e disciplina da PIRS, é feita da seguinte
forma:
(...) se vo entrou aqui você vai ver que tem um agente no C1, um no visor,
duas na recepção e uma no controle do portão, vem um no primeiro
quadrante, um do segundo, faz o que? 1,2... Um na cozinha, oito, um na
escola o nove, outro na brica é 10 com mais 10 vivências que s
temos faz 20; aí vem pra capina, 21, para o atendimento médico, 22, para o
social, 23, na horta, 24, atendimento jurídico faz 25 (...) (Funcionário da
PIRS).
28
A categoria: interno, nessa pesquisa, é sinônimo de detento, preso ou condenado.
46
Caso a previsão do funcionário da PIRS se confirme e o Governo do
Estado convoque apenas 100 agentes penitenciários concursados, a situação na
penitenciária será a seguinte:
(...) só que desses 25 (agentes penitenciários) do Estado trabalham duas
turmas e folgam quatro, dos 25 que for tirar para trabalhar aqui só vai ficar
13 trabalhando porque 12 folgam, veja bem, se eles forem colocar um
(agente) em cada vivência, são 10 vivências, sobram três. Um fica no
primeiro quadrante, um no segundo e vamos dizer que coloque um na
cozinha...Acabou os agentes! Vai ficar escola, fábrica, capina, a entrada da
penitenciária toda sem ninguém? E ai? (Funcionário da PIRS, 2007 – grifos
meus).
Na opinião do funcionário da PIRS, o Estado não possui condições de
oferecer um serviço de segurança com qualidade para a PIRS. “É por isso que eu
digo, mesmo que eles’ (os agentes penitenciários) queiram dar a mesma condição
que a Conap dar não tem condições de trabalhar” (Funcionário da PIRS, 2007
grifos meus).
Na explicação dada pelo funcionário da PIRS, portanto, a segurança na
unidade será prejudicada caso o Estado o disponha de um mero de agentes
penitenciários equivalente ao número de agente de disciplina, contratados pela
Conap para fazer a segurança interna da PIRS.
A segurança externa da unidade é feita pela Polícia Militar, que é
responsável também pela escolta durante o transporte dos presos para hospitais,
audiências ou transferências para outras penitenciárias.
Além dos agentes de disciplinas e policiais, a segurança da PIRS é feita
por existem 12 sensores infravermelhos e ainda 34 câmeras de monitoramento que
possibilitam uma visão dos corredores, muros, área externa da PIRS (Figura 3) e
das vivências, interna e externamente.
A câmera localizada no alto do muro frontal mostra oito das dez vivências-,
existentes na PIRS. Ao fundo, na imagem (Figura 3), vê-se as edificações
construídas paralelas uma a outra, nessa ordem: 2 A – 2 B; 3 A – 3 B; 4 A – 4 B; 5 A
– 5 B.
A distribuição dos presos na PIRS é feita da seguinte maneira: na vivência
1 A e 1 B moram
29
os internos que trabalham. Aqui não existe vigilância
29
A distribuição dos presos por vivência funciona como um “endereço” que facilita, quando
necessário, a localização imediata de um interno.
47
monitorada porque, segundo um funcionário, as câmeras ainda não foram instaladas
nessa área da unidade, por isso essa vivência não aparece na figura 3.
2 A
2 B
3 A
3 B
4 A 4 B
5 A 5 B
(i)
*
(i)
*
Figura 3: Vista aérea da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Na vivência 2 A encontram-se os presos da triagem, recém chegados a
PIRS; os da tranca, que estão sofrendo alguma punição disciplinar; os presos do
seguro, que solicitam proteção por terem inimigos dentro da unidade; e os detentos
provisórios que vieram transferidos da Casa da Titia.
Nas demais vivências: 2 B; 3 A 3 B; 4 A 4 B; 5 A 5 B estão os
internos que o se encontram em nenhumas das situações citadas e por isso
mesmo são chamados de “normais” pelos funcionários da unidade.
Um corredor (Figura 4 (c)) atravessa toda a extensão da penitenciária
ligando o C1 aos módulos mais internos da PIRS. É comum por parte dos
funcionários, o uso da expressão: “Descer lá pra dentro da cadeia”.
Contrariando o pensamento de que todo o complexo constitui uma prisão,
na PIRS existe uma delimitação de dois espaços, separados por portões e por um
_____________________
*
Módulo de Instrução e Trabalho.
48
muro alto de concreto (Figura 4 (d)): a administração da unidade e a carceragem
(“cadeia”), onde estão os presos.
C 1
(c)
(d)
(e)
(f)
Venustério
(i)
(i)
Figura 4: Vista aérea da PIRS, ângulo esquerdo.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
O Módulo Assistencial (Figura 4 (e) e (f)) é formado por duas construções
paralelas entre si. No lado esquerdo são oferecidos aos internos os serviços de
advocacia, psicologia e assistência social.
Os presos aguardam atendimento médico, psicológico, jurídico e social em
uma pequena cela cercada por grades no início do corredor do módulo assistencial,
chamada pelos funcionários de “chiqueirinho”.
No prédio da direita do Módulo Assistencial funcionam um consultório
médico, um dentário, um psiquiátrico e uma enfermaria. Os presos com estado de
saúde considerado grave são levados para a Santa Casa de Misericórdia de Sobral,
apenas os internos sob observação médica permanecem na enfermaria da PIRS.
Obedecendo a uma lista de chamada, um a um, os presos são levados
para o parlatório (Figura 5), onde recebem o auxílio dos advogados, psilogas e
assistentes sociais. O contato físico com os internos é impedido por uma tela e por
uma bancada de concerto.
49
Figura 5: Parlatório.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
No módulo de instrução e trabalho (Figura 4 (i)) funciona uma escola com
as séries normais: ensino fundamental e médio; e uma pequena biblioteca. Os
professores são enviados pela Secretaria de Educação do Estado.
Nesse módulo funcionam também os canteiros de trabalho: a cozinha, a
lavanderia, a padaria, a barbearia, a horta e também na faxina, capina, artesanato,
manutenção e limpeza da PIRS.
Os detentos recebem visitas as quartas e domingos. O venustério (Figura
4), construído ao lado de dois galpões idênticos, é também chamado de motel”.
Segundo descrição de um funcionário, o 10 quartos preparados para que os
presos recebam as visitas íntimas.
O venustério não atende a todos os internos, que precisam aguardar sua
vez para utilizarem os quartos. Por fugir da espera, eles preferem receber as
namoradas, esposas e companheiras nas próprias celas. Para que essas mulheres
entrem na unidade é preciso comprovar junto ao Serviço Social que possuem união
estável com os parceiros presos.
50
Os galpões (Figura 6 (g
1
), (g
2
) e (g
3
)) são utilizados para as atividades
comemorativas e religiosas, e compreendem o Módulo de Convivência. Aqui os
presos participam junto com familiares da comemoração de dia dos pais, dias das
crianças e Natal, por exemplo; e recebem auxílio espiritual das igrejas católicas e
evangélicas, cada uma com dia agendado para a realização de seus cultos.
( g
1
)
( g
2
)
( g
3
)
( h
**
)
(h
**
)
Figura 6: Detalhe dos galpões.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
A penitenciária possui Regimento Interno próprio, instituído pela Conap,
onde se encontra descrito os objetivos dessa unidade: “a promoção da reintegração
social dos internos e o zelo pelo seu bem-estar, através da profissionalização,
educação, prestação de assistência jurídica, psicológica, social, médica,
odontológica, religiosa e material” (Art. 1º do Regimento Interno da PIRS, 2003).
A missão da administração da Companhia nacional de Administração
Prisional é lembrada aos funcionários e visitantes por cartazes (Figura 7) fixados nas
paredes da PIRS.
Segundo o diretor geral da PIRS destaca-se nessa missão a “inclusão
social através do trabalho penal e da educação.
___________________
** Corredor de acesso à horta da PIRS.
51
Figura 7: Cartaz da Conap fixado na recepção da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
A PIRS se caracteriza, ainda, segundo a Lei de Execução Penal (1984)
como um estabelecimento prisional de segurança máxima, destinada a presos do
sexo masculino, condenados à pena de reclusão em regime fechado.
As minhas primeiras visitas a essa penitenciária aconteceram em 2004,
quando me apresentei ao Diretor Geral com uma autorização fornecida pela
Secretaria de Justiça do Estado do Ceará.
2.1 POR DETRÁS DOS MUROS DE CONCRETO
As minhas primeiras visitas a PIRS foram feitas em 2004. Eu levava
comigo uma autorização da Secretaria de Justiça para entrar na unidade, um
gravador de pilhas, um caderno pequeno, formato 140 x 200 mm, onde eu fazia
anotações sobre o que via e sentia.
52
Nas primeirasginas, descrevi a minha chegada na penitenciária:
No caminho até a penitenciária, apenas estrada e vegetação seca até surgir
imponente um enorme muro cinza (...) Cheguei à unidade às oito horas da
manhã, juntamente com os funcionários. Na entrada, recebi uma senha
pessoal: 13307. (...) Enquanto aguardava a minha vez de ser revistada
observei a padronização das unidades industriais, a PIRS tinha sua estrutura
exatamente igual a do IPPOO II, onde já havia estado quando fazia um
levantamento das unidades. O mesmo “banner” na entrada exibia a seguinte
mensagem “Missão: elaborar, executar e avaliar os programas e projetos
decorrentes da política penitenciárista visando à inclusão social”. Um jogo de
estofados, ao lado do “banner”, simulava uma sala de espera, mas a
ansiedade não me deixou sentar. (Diário de campo, 2004).
Ao visitar a PIRS pela primeira vez, logo no portão principal foi preciso
explicar a um agente o motivo da minha visita. Eu estava acompanhada de uma
funcionária da penitenciária e também amiga da minha mãe, o que facilitou minha
entrada sem maiores complicações.
José Ricardo Ramalho (1983) destaca a importância de um contato
pessoal que facilite seu acesso às instituições penais, uma escie de anfitrião,
através de quem você conquista a confiança e a credibilidade que somente a
autorização da SEJUS não confere.
Na recepção, por detrás de um balcão, uma agente disciplina solicitou
minha identidade e rapidamente fez no computador um cadastro e me passou
algumas informões: eu teria que informar a senha 13307 sempre antes e depois
das visitas. Esse número é a minha identificação na PIRS.
O meu mero pessoal na PIRS (13307) acesso aos meus dados
cadastrados no computador da recepção, onde a agente de disciplina registrada
todas as minhas entradas na penitenciária acrescidas de informões sobre hora de
chegada e saída. A partir desses dados ela pode, por exemplo, inferir o tempo da
minha permanência no interior da unidade.
O procedimento adotado em seguida é a revista.
Fui, finalmente, chamada para a revista. Duas agentes femininas me
levaram para uma sala, onde fui orientada a deixar a minha bolsa. Uma das
agentes apalpou o meu corpo (...) Notoriamente, a maior parte dos
funcionários do setor administrativo são mulheres (...) os homens trabalham
nas áreas mais internas da penitenciária. O uniforme dos funcionários
compõe-se de calça azul escura e de camisa cinza, onde existe bordado a
logomarca da Companhia Nacional de Administração Prisional (CONAP).
(Diário de campo, 2004).
53
A espera para passar pela revista não é longa, em média vinte minutos.
Apenas nos dias de visita – quarta e domingo-, se formam filas, porém, pouco
extensas.
Uma agente de disciplina me conduziu até a sala de revista. Trata-se de
um local pequeno e dividido em dois compartimentos. No primeiro existe um balcão
e por trás dele alguns armários onde ficam guardados os pertences dos visitantes. A
mulher guardou a minha bolsa e depois tateou” o meu corpo me liberando em
seguida. Não foi uma experiência constrangedora, como imagina ser: ficar despida,
por exemplo.
Os agentes de disciplina trabalham por escala e se revezam nas funções
dentro da penitenciária. O agente que encontro na recepção pela manhã, por
exemplo, poderá ser encontrado no período da tarde na vigilância de uma das dez
vivências existentes na penitenciária.
Eu ia a penitenciária sempre as segundas, terças, as quintas e sextas
feiras. Nas quartas feiras e domingos somente é permitida a visita de familiares. Em
uma ocasião, porém, me atrapalhei com o calendário e fui na PIRS na quarta feira.
Ainda de dentro do carro do meu tio, com quem pegava carona, observei uma
enorme fila no portão de entrada.
Como não lembrava que era dia de vista, demorei alguns instantes para
compreender o que se passava ali, diante do portão principal da penitenciária: eram
mulheres, crianças pequenas, que corriam eufóricas brincando umas com as outras;
e alguns poucos homens que aguardavam a hora de entrar na PIRS para visitarem
seus parentes.
Para não perder a ida a campo na quarta feira, aproveitei o meu equívoco
para coletar dados mais quantitativos pesquisando os arquivos do DIPROM. Os dias
de visitas na PIRS o também uma ocasião de muito trabalho para a Assistente
Social e a Psicóloga que estão de plantão, pois é nessa oportunidade que essas
profissionais prestam atendimento aos familiares dos presos.
Durante a primeira visita a PIRS o diretor geral pediu a um agente de
disciplina para me acompanhar por um passeio pela a unidade penal, tempo
suficiente para ele despachar algumas pessoas que esperavam para serem
atendidas, para em seguida, conversar comigo. A caminhada pela penitenciária
durou a manhã inteira.
54
(...) Fui convidada a conhecer a parte interna da unidade (...) se
aproximava do final da manhã quando atravessei o corredor de acesso às
áreas internas da unidade, que mais se assemelha a uma estufa: grades dos
lados e teto transparente. Do lado externo à passagem esà horta, onde,
na ocasião, havia alguns internos trabalhando, todos de cabeça raspada e
uniformizados com calças azuis e camisas cinza, semelhante ao uniforme
dos funcionários, mas de corte mais modesto. (...) Ao deixar o refeitório senti
um aroma forte de desinfetante de eucalipto, os implantados
30
da faxina
estavam limpando os corredores. (Diário de campo, 2004).
Saindo no módulo administrativo (C1), atravessei um portão e entrei por
um corredor que se estende por toda a unidade. A primeira passagem é pela horta,
onde alguns internos trabalhavam.
Nos corredores da penitenciária, os presos “implantados”
31
na faxina e
limpeza da PIRS parecem ignorar a nossa presença (Figura 8).
Figura 8: Interno trabalhando na faxina dos corredores.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
30
Implantado é o termo usado para designar o conjunto dos internos, ou detentos, que exercem
alguma das atividades laborais.
31
Implantados é a categoria utilizada para se referir ao grupo de presos que trabalham.
55
Depois, conheci o módulo assistencial, onde os presos recebem
assistência médica, psicológica, social e jurídica.
Os detentos que necessitam de atendimento no módulo assistencial
comunicam ao agente de plantão na vivência, que prepara uma lista com todos os
nomes dos solicitantes.
Os presos que serão atendidos pelos médicos, psicólogas, assistente
social e advogado descem pela manhã, quando as celas são abertas, e aguardam
sua vez em uma cela chamada pelos funcionários da PIRS de “chiqueirinho”.
No setor médico o atendimento (Figura 9) é diário e realizado por uma
equipe de enfermeiros, médicos, psicólogos, psiquiatras e dentistas contratados pela
Conap.Os casos mais freqüentes no atendimento médico são Hipertensão (18%),
DST (10%), Tuberculose (7%), Micoses (7%) e a Diabetes (2%).
Figura 9: Atendimento médico
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
No setor de psiquiatria da PIRS entre os meses de janeiro a setembro de
2007, 12 presos receberam o laudo psiquiátrico atestando uma insanidade mental.
56
A PIRS registrou alguns casos de tentativa e consumação de Suicídios:
“Pegaram ele na escola com drogas, ele desceu para a tranca e ai ele pegou o
fardamento e tentou se enforcar” (Funcionário da PIRS).
Uma funcionária contou-me que em um dos casos de suicídio, o preso foi
trazido pela escolta no final da tarde, quando o expediente na penitenciária tinha
terminado, e colocado numa cela da vivência 2 A. Na manhã do dia seguinte ele foi
encontrado morto por enforcamento. Na opinião de interno, A. S. S. L, com quem
conversei sobre o assunto, os companheiros “se enforcam porque se assustam com
a cadeia, nunca viram uma cadeia tão grande e na hora que chegou achou que ia
morrer, desespero, né?”.
No final do Módulo Assistencial, um portão separa as vivências do restante
da penitenciária. A partir dali, somente os agentes e companheiras, nos dias de
visita íntima, podemdescer lá para dentro da cadeia” (funcionário da PIRS).
As câmeras da sala de monitoramento permitem, entretanto, conhecer o
interior das vivências.A área interna de cada uma das vivências possui o pátio, onde
os presos tomam banho de sol e jogam bola; uma mesa de refeitório; um espaço
protegido por grades onde fica um agente de disciplina e as celas (Figura 10).
Figura 10: Celas da carceragem da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
57
Cada uma dispõe de quatro pedras” (camas feitas de cimento e com
colchões em cima), um banheiro e comporta, no máximo, seis presos.
No final da manhã, alguns “internos” assistiam a uma televisão colocada
no alto da parede do corredor das celas. Numa mesa de cimento, outros jogavam
baralho e conversavam sob a vigilância de um agente de disciplina.
Isolado dos presos em um pequeno compartimento de grades sempre está
um agente de disciplina de plantão. A função dele ali é atender aos detentos:
receber seus “catataus”
32
,anotar seus pedidos de compras e vigiá-los de perto.
O elevado número de horas passados dentro da penitenciária, das oito da
manhã as dezoito da noite e no convívio com os detentos torna os agentes de
disciplina sujeitos as regras expressas da “sociedade carcerária” e, principalmente, a
umdigo moral não escrito que regula as relações dentro do cárcere.
Permanecer trancado nesses pequenos compartimentos, vigiando os
detentos soltos nas vivências, torna os agentes “presos” tamm: “Por doze horas o
agente fica preso, eu tou preso há sete anos, porque eu entro aqui as oito e só saio
depois que fecha a cadeia” (Funcionário da PIRS).
Nesse sentido, os agentes de disciplina são submetidos às mesmas
regras impostas aos detentos pela “sociedade dos cativos”, “eles precisam também,
muito rapidamente entender a dinâmica da prisão, principalmente apreender, para
fins de manutenção da ordem, a ‘pensar como um preso’” (MORAIS, 2005:221), a ler
seus sinais, interpretar seus códigos e manter-se alerta para o que acontece dentro
da cadeia: “Agora aqui a gente está conversando numa boa, mas daqui a cinco
minutos o ‘bixo’ pode ta pegando lá dentro” (Funcionário da PIRS).
A PIRS possui, além da LEP (1984), um Regimento Interno próprio que
institui normas e orienta a conduta de funcionários e internos dentro da penitenciária.
Na prática, vigora um código moral não escrito, instituído pela “sociedade carcerária
a massa(RAMALHO, 1983), que pune os delatores e submete estupradores e
infanticidas a violência sexual, ao mesmo tempo em que homicidas são bem vistos e
respeitados:
Existe um preconceito muito grande entre eles com matador de mulher,
estupro e matador de crianças. 157, 121
33
, assaltante de Banco, traficantes
são bem vistos na cadeia. O cara veio da Casa da Titia e quando chegou
32
Os “catataus” são os bilhetes que os detentos escrevem dirigidos a qualquer pessoa na cadeia ou
fora dela.
33
Segundo disposição do Código Penal brasileiro atualmente em vigor, o Art. 157 corresponde ao
crime de assalto e o 121 ao crime de homicídio.
58
aí...Casa da Titia porque lá tem de tudo. Aí veio um passarinho de lá
voando e falou no meu ouvido... Aí eu fui lá e o cara tava com olho roxo, eu
perguntei: O que foi isso aí? ele disse que tinha sido no futebol...Então
eu disse que ele ia me contar direitinho à história e ele contou que foi
fulano, fulano e fulano quem bateu nele (FUNCIONÁRIO da PIRS).
A punição imposta pelo código moral da “sociedade carcerária” é severa,
principalmente para estupradores, infanticidas e para o dedo duro”. Para alguns
presos, a prisão é um lugar perigoso por isso é importante fazer parte da sociedade
carcerária, obedecer aos códigos, os valores, as normas e hábitos” (COELHO,
2005:83).
A situação do delator, por exemplo, pode se complicar muito dentro da
cadeia se os detentos descobrem quem é o traidor”, pois a delação resulta sempre
em punições para os companheiros que estão infringindo as normas da unidade:
traficando drogas, fabricando armas artesanais, por exemplo.
A proteção aos presos ameaçados é feita quando solicitada por eles e
consiste na transferência para a vivência 2 A, também chamada de “seguro”.
Para proteger os detentos acusados por delação a direção da PIRS utiliza
também uma outra estratégia: Para não se desconfiar quem contou a gente chama
vários então fica aquela coisa: foi ele, foi aquele e ninguém sabe quem foi”
(Funcionário da PIRS).
O dia na PIRS coma cedo para os internos”, por volta das seis da
manhã, e só termina às dezoito horas, quando os detentos são recolhidos e os
agentes “batem as grades”
34
.
“É ‘pago’ o café da manhã por volta das seis ou sete da manhã, todo dia é
sorteada uma vivência para fazer a revista (...)” (Funcionário da PIRS).A revista
(Figura 11) acontece todos os dias e a vivência em que ela será feita é escolhida por
sorteio ou então quando existe alguma “informão” vinda do interior da cadeia.
Durante a vistoria, o que mais se encontra dentro das celas, segundo um
funcionário, são armas artesanais, tamm chamadas de cossocos”, feitas a partir
do ferro retirado pelos presos das paredes.
É comum também que durante a revista nas celas os agentes de disciplina
encontrem uma bebida fabricada pelos próprios internos. “A ‘Maria Louca’ é uma
bebida que mistura resto de verduras, comida, coloca dentro de uma garrafa pet,
34
Os Agentes utilizam cacetetes, batendo-os contra as grades das celas para verificar se não
nenhuma grade serrada ou ferro quebrado.
59
coloca água e deixa fermentar, é uma coisa podre, mas quando se toma fica muito
doido” (Funcionário da PIRS).
Figura 11: Agentes fazendo a revista nas celas.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Depois da revista, os “internos” “implantados”
35
seguem para os canteiros
de trabalho, os estudantes o para a escola: “de manhã o lado A e o lado B”
(funcionário da PIRS) e os demais ficam dentro das vivências, conforme descrevi
anteriormente: conversando, jogando bola ou vendo tv. Quando necessário, os
presos descem para receber atendimento médico, jurídico ou psicológico.
São servidas seis refeições diárias preparadas pelos detentos que
trabalham na cozinha da própria unidade (Figura 12), que é arrendada para uma
pessoa conhecida como Dona Idalina”. Eu mesma almocei várias vezes na
penitenciária em companhia dos funcionários da PIRS, no refeitório no sistema de
self service, onde os presos colocam porções nos nossos pratos.
No final do dia, recebi, na sala do diretor geral, um pastel feito pelos
internos na padaria da penitenciária. O lanche oferecido é servido aos presos,
35
Implantado é o termo utilizado na PIRS para designar os presos que trabalham.
60
funcionários e visitantes no final da tarde e vem da padaria, onde os internos fazem
pastéis, bolos, pães, tortas e pizzas.
Nos meses de janeiro a setembro de 2007, segundo dados coletados no
DIPROM, foram servidas 104985 refeições: café da manhã, almoço, lanches e jantar
aos presos, funcionários e as visitantes.
Figura 12: Cozinha da Penitenciária Industrial Regional de Sobral.
Fonte: Arquivos da PIRS.
A escola da penitenciária funciona no módulo de instrução e trabalho.
Conforme um acordo entre Secretaria de Justiça e Secretaria de Educação à
primeira compete o fornecimento de material didático para os presos e a Secretaria
de Educação envia os professores.
Os detentos dispõem de uma biblioteca. Segundo um detento da PIRS,
“tem muito livro, tem livro de todo jeito: matemática, diciorio, português. É
chegar e falar com a Dona Maria” (M. V. O. L, detento da PIRS).
São oferecidos aos presos: o Ensino Fundamental, nas seguintes séries:
Alfabetizão, Aceleração I (1º e 2º série), Aceleração II (3º e série), Aceleração
III (5º e 6º série), Aceleração IV (7º e 8º série) e Ensino Médio (2º Grau).
61
No mês de setembro de 2007, 277 presos estavam matriculados na escola
da penitenciária (Gráfico 1). Duas vezes ao ano, nos meses de julho e dezembro,
acontecem as férias escolares.
NÚMEROS DE PRESOS MATRICULADOS
175
186
205
225
231
231
277
277
277
JAN.
FEV.
MAR.
ABR.
MAI.
JUN.
JUL.
AGO.
SET.
Gráfico 1: mero de presos matriculados na escola da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Os dias que o presos estão em sala de aula é contado também para a
remissão de pena. Assim, três dias em sala de aula significa um dia a menos no
tempo de cumprimento de pena na prisão.
As turmas são formadas por série e o horio depende da vivência que ele
ocupa. Pela manhã, descem para a escola os internos que moram no lado A e, pela
tarde, nos que moram no lado B.
O aumento no número de internos matriculados no período de janeiro a
setembro de 2007 (Gráfico 1) é um indicativo de que os presos demonstram
interesse pelos estudos dentro da penitenciária:
O que eu pretendo fazer quando sair daqui é continuar meus estudos que,
inclusive eu estou estudando, né? Fiz o primeiro grau aqui na cadeia, recebi
o diploma, ai to fazendo o segundo, to matriculado para fazer informática,
né? (M. V. O. L, detento da PIRS).
O curso de informática e outros profissionalizantes são oferecidos pelo
Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (SEBRAE), pelo Serviço Social
62
do Comércio (SESC) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
Esses órgãos fazem parcerias com empresas, por exemplo, com a Fábrica de
Cimento, em Sobral, para ofertar o curso de pedreiro. Já aconteceram também os
cursos de padeiro, culinária, corte, pintura, artesanato, velas e lanches.
Os agentes de disciplina participam da escolha indicando os presos: “A
gente procura chamar quem tem interesse em fazer então manda a psicóloga e a
assistente social conversar com ele” (Funcionário da PIRS).
Os cursos são anunciados nas vivências e os agentes anotam os nomes
dos presos interessados e encaminham para as assistentes sociais que selecionam,
então, os detentos que irão participar.
A seleção final dos “internos” que irão participar dos cursos é feita pelas
psicólogas e assistentes sociais. Tem prioridade nessa escolha o detento que ainda
não participou desse projeto.
Figura 13: Detentos seguram os certificados de conclusão de curso profissionalizante.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
63
O diploma (Figura 13) adquirido com a conclusão desses cursos parece
ser o objeto no qual os internos depositam grande parte do sucesso do egresso
(Figura 13).A procura pelos cursos, segundo uma das assistentes sociais da PIRS, é
muito maior do que a oferta de vagas.
Foram realizados dois cursos nos meses de outubro e setembro de 2007
com total de 56 internos matriculados.
Se a pessoa tiver interesse aprende. O curso que estão dando agora pra
pedreiro, o SENAC, quer dizer que o diploma a pessoa recebe, é um
futuro fora, quando chegar lá em Fortaleza, na construtora, rapaz tem
serviço para mestre de obra? Tem. Você tem curso? Tem (M. V. O. L,
detento da PIRS).
Os detentos participam, ainda, de atividades físicas com campeonatos
organizados pelo professor de Educação Física, por exemplo, Futebol de Salão e
Sinuca (Figura 14).
Figura 14: Campeonato de sinuca.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
64
O Serviço Social da PIRS promove festas nas datas comemorativas
(Figura 15) durante o ano: Dia das Mães, Carnaval, Dia dos Pais e Natal, por
exemplo.
Figura 15: Evento comemorativo do Dia das Crianças.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
O lazer dos presos inclui também sessões de vídeos selecionados pelo
serviço social e apresentados todas as sextas feiras. Depois das exibições
acontecem as palestras, com profissionais convidados pelas assistentes sociais da
PIRS, e as dinâmicas de grupo.
O longo dia passado aqui dentro me surpreendeu, mas não no sentido
negativo, pelo contrario, o que senti foi um clima de calmaria e limpeza.
A última parada antes de encerrar a vista pela penitenciária e retornar para
a sala do diretor geral o os canteiros de trabalho.
Na PIRS, a realização de uma atividade laboral é importante na rotina do
presos. O ordenamento e características do trabalho penal encontram-se descritas
no Capítulo III, Art. 28º ao 37º da Lei de Execução Penal (LEP, 1984). Existem,
entretanto, as particularidades do desenvolvimento do trabalho dentro dessa
penitenciária, que serão tratadas no quarto capítulo.
65
2.2 OS PRESOS DO SISTEMA PENAL TERCERIZADO CEARENSE: QUEM SÃO
ESSES HOMENS?
Para traçar um perfil dos presos da PIRS, coletei dados e consultei os
prontuários dos internos disponíveis no DIPROM entre os meses de janeiro a
setembro de 2007.
Essa penitenciária abriga apenas detentos do sexo masculino na
condição de condenados, pela Justiça, a pena de reclusão em regime fechado. Os
presos provisórios transferidos da “Casa da Titia” constituem, porém, a exceção.
A maior parte da população carcerária da PIRS é constituída por adultos
com idades entre 26 e 35 anos (51,9 %). Considerando os detentos jovens, com
idades entre 18 e 25 anos, eles representam 28,8 % do total de presos no total. Os
adultos com idades entre 36 e 65 anos somam 19,3 %; e os idosos, acima de 65
anos constituem 1% (Tabela 1).
Tabela 1 – Faixa etária da população carcerária da PIRS.
F
AIXA ETÁRIA
%
18 – 25 28,8 %
26 – 35 51,9 %
36 – 45 15,5 %
46 – 55 3,1 %
56 – 65 0,6 %
Acima de 66 0,1 %
O tempo de reclusão dos detentos da é longo. A maioria dos presos da
PIRS, aproximadamente 39%, irão cumprir pena variando de quatro a dez anos de
reclusão (Tabela 2).
Tabela 2 – Tempo de reclusão
TEMPO DE PENA (ANOS)
%
1 a 4 0%
4 a 10 39%
66
1
0 a
15
21%
15 a 20 18%
20 a 25 9%
25 a 30 7%
Acima de 30 6%
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
A maior parte dos presos (41%) responde pelo crime de roubo descrito
Art. 157, 1940 do Código Penal Brasileiro (CPB). É expressivo tamm o número de
presos que praticaram furtos (Art. 151 CPB, 1940) e tráfico de drogas ilícitas (Art.
12 da lei especial de tráfico de entorpecentes) (Gráfico 2).
Artigos
41%
18%
8%
7%
6%
4%
3%
3%
3%
3%
2%
1%
1%
0%
0%
0%
0%
0%
Art. 157
Art. 155
Art. 12
Art. 213
Art. 14
Art. 129
Art. 214
Art. 288
Art. 180
Art. 163
Art. 69
Art. 211
Art. 331
Art. 18
Art. 226
Art. 344
Art. 306
Art. 212
Gráfico 2: Artigos do Código Penal Brasileiro.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
67
Os presos da PIRS, segundo o Código Penal Brasileiro de 1940,
respondem também por diversos crimes como estupro (Art. 213), crime consumado
(Art. 14), lesão corporal (Art. 129); atentado violento ao pudor (Art. 214), formação
de quadrilha (Art. 288), receptação (Art. 180), dano ao patrimônio alheio (Art. 163),
concurso material (Art. 69), destruição, subtração ou ocultação de cadáver ou parte
dele (Art. 211); desacato (Art. 331) e violação de cadáver (Art. 212).
Segundo o advogado da PIRS, esses números devem ser relativizados,
pois grande parte dos presos não responde por um crime apenas. Os detentos são
julgados, portanto, pela associação de artigos, o que é conhecido no Código Penal
Brasileiro (CPB, 1940) pelo termo de “agravantes criminais”, que aumentam a pena
a ser cumprida.
No CBP (1940) existem também os “atenuantes criminais” cujos mais
conhecidos são os bons antecedentes penais do indivíduo, por exemplo, o réu
primário, e do a legítima defesa.
Os presos solteiros são a maioria, 34% do total; e os internos amasiados
representam 32 % da população carcerária (Gráfico 3). Nessa situação conjugal não
casamento civil nem religioso, mas uma união estável, que deve ser comprovada
por testemunhas junto ao Serviço Social da PIRS para que os internos possam
receber a visita íntima de suas companheiras.
Situação Civil
13%
32%
34%
21%
Casado Amaziado Solteiro Viúvos / Separados
Gráfico 3 : Situação civil dos detentos da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
68
A assistente social contou-me que muitos relacionamentos terminam
quando esses homens caem na prisão. Isso acontece por causa da distância entre o
local de moradia do detento e a penitenciária; e pelas baixas condições financeiras
das companheiras que não podem custear o transporte até a PIRS:
Companheiras que moram longe não vão vir com freqüência e quando elas
não vêm com freqüência eles começam a se cansar porque acham que elas
têm obrigação de vim...Então eles procuram a assistência social, mandam
cartas para as namoradas... Elas respondem dizendo que querem vir. Elas
então vêem a unidade, e depois de uma primeira conversa, se eles
resolverem ficar juntos, ele assina um termo cancelando a autorização da
visita da esposa. Muitas delas nunca nem vieram aqui...É aquela história, a
amiga da esposa do companheiro de cela e sai casamento (Assistente
social da PIRS).
Quando um relacionamento termina, o que acontece, segundo a
assistente social da PIRS, é que os presos acabam conseguindo outras
companheiras, muitas vezes através dos colegas de celas, que “arranjam um
namoro com uma amiga ou parente de outros presos que conhecem nos dias de
visita.
Para que a direção geral da PIRS autorize a visita íntima das novas
namoradas, é necessário que ambos; o preso e a atual namorada façam uma
entrevista com a assistente social e que o detendo solicite a retirada do nome da
antiga companheira da lista de visitas.
A assistente social ressaltou que na PIRS se trabalha no sentido de
valorizar as uniões estáveis, realizando, por exemplo, casamentos coletivos, como
aconteceu em 2005 e deverá ocorrer também em 2008; e se desestimulam as
relações passageiras através da proibição de visitas íntimas de parceiras diferentes.
A relação estável é valorizada na PIRS, pois, segundo a assistente social,
ela é condição necessária para a formação de uma família sólida e a construção de
laços duradouros.
Aqueles que não têm família nas proximidades, no caso em Sobral ou em
outro Estado é o interno mais trabalhoso.A família é o centro de todo o
contexto social. Quando a família é fragilizada, aquele indivíduo, aquela
criança, também se fragiliza (Assistente social da PIRS).
Na PIRS um grande número de “internos” o possui parente próximo:
mãe ou irmãos e, pelo menos, 51% são filhos de pais ignorados. Nesse contexto,
69
segundo a assitente social da penitenciária, uma estrutura familiar saudável torna-se
importante para o sucesso de (re) adaptação social dos presos.
Os detentos têm nessa unidade penal a oportunidade de darem
continuidade aos estudos. Aos chegarem, a maioria freqüentou alguma instituição
escolar e possuem o ensino fundamental incompleto, mas ainda é elevado o número
de analfabetos (Tabela 4).
Para um grupo de internos, aproximadamente 34 %, freqüentar a escola
da penitenciária é a chance de estudar pela primeira vez.
Tabela 3 - Grau de escolaridade.
GRAU DE ESCOLARIDADE %
Fundamental Completo 1%
Fundamental Incompleto 61%
Médio Incompleto
1%
Superior Completo 0%
Superior Incompleto
1%
Analfabetos 34%
Médio Completo 1%
Mobral 1%
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Os dados contidos nos arquivos da PIRS dizem ainda que os presos, na
maioria, são pardos (91%). Os brancos (7%) e os negros (2%) tamm compõem a
população carcerária.
Os presos católicos somam 88%, os evangélicos são 6% e os que
declararam na chegada não possuírem religião alguma ateus-, são 6% do total. As
igrejas realizam seus cultos semanalmente na PIRS, ocasião em que alguns
detentos se convertem.
Os presos que chegam na PIRS o em grande parte, aproximadamente
85,2% de origem urbana, por exemplo, Fortaleza, Tiange Sobral. Essas cidades
o consideradas urbanizadas por concentrarem serviços importantes como
hospitais, bancos e faculdades.
70
Apenas 14,8% são oriundos de zonas rurais cearenses. Nesses locais os
serviços disponibilizados para a população o ineficazes ou inexistentes exigindo
que os moradores procurem o centro urbano mais próximo.
Esse é o caso, por exemplo, da população das pequenas localidades da
Zona Norte do Estado do Ceará como Groairas e Jordão que se deslocam até
Sobral para buscar atendimento médico com qualidade.
Os presos vindos de outros Estados possuem pouca expressão na
composição dessa sociedade carcerária, apenas 0,1 % do total de internos; e os
poucos que se encontram reclusos nessa penitenciária já residiam no Ceará antes
de serem detidos.
71
3º CAPÍTULO
O RITUAL DE PASSAGEM: CLASSIFICAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADES NA PIRS
3.1 A PRISÃO: “PAGUE PARA ENTRAR, REZE PARA SAIR”.
Os presos chegam a Penitenciária Industrial Regional de Sobral “todo dia
e toda hora” (Funcionário da PIRS) trazidos individualmente ou em grupos.
Figura 16: Frase escrita na parede de uma das celas da carceragem da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
A maior parte dos presos que chegam a PIRS (Gráfico 4) é oriunda de
cadeias blicas (76%), delegacias (10%) e de outros estabelecimentos prisionais
do Estado do Ceará (8%)
36
.
36
O Estado do Ceará possui dez estabelecimentos prisionais: Penitenciária Industrial Regional do
Cariri (PIRC), Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS), Instituto Penal Paulo Sarasati
72
Entradas na unidade
76%
1%
9%
0%
6%
8%
0%
Cadeias Públicas
Delegacias da
Capital
Delegacias do
Interior
Polícia Federal
Polícia Civil
Outros
Estabelecimentos
do Estado
Outros Estados
Gráfico 4: Procedência dos presos trazidos para a PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
A Polícia Militar faz a escolta dos presos durante o trajeto até a
Penitenciária Industrial Regional de Sobral em uma viatura do Ministério da Justiça
(MJ) de cor branca, com as inscrições oficiais nas laterais e compartimento traseiro
fechado, onde os detentos são transportados.
O carro do Ministério da Justiça que transporta os presos é recepcionado
no estacionamento da PIRS pelo chefe de segurança e disciplina da unidade penal
responsável por receber uma ordem judicial solicitando ao diretor geral da
penitenciária a aceitação dos novos presos, trazida pelos Policiais Militares que
fazem a escolta dos detentos.
O chefe de segurança e disciplina é encarregado tamm obter do diretor
geral da Penitenciária Industrial Regional de Sobral uma autorização por escrito para
a entrada dos detentos “recém – chegados” nessa unidade penal.
A viatura do MJ (Figura 7) somente terá acesso às dependências internas
da penitenciária com ordem judicial e autorização por escrito da Direção da PIRS
(Ordem de Serviço nº 001/2004 / Art. Gerência Geral da PIRS). Assim, quando
(IPPS), Instituto Penal Professor Olavo Oliveira I (IPPOO I), Instituto Professor Olavo Oliveira II
(IPPOO II), Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes (IPGSG), Instituto Penal Feminino
Desembargador Auri Moura Costa (IPF), Hospital Geral e Sanatório Penal Professor Otávio Lobo
(HGSPPOL), Casa do Albergado, Colônia Agropastoril do Amanari e Colônia Agrícola do Cariri.
73
os presos são trazidos para essa penitenciária, o agente de disciplina comunica ao
diretor geral da unidade que devedecidir se recebe ou não os novos detentos na
PIRS.
Figura 17: Carro que transporta os detentos até a PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
O critério utilizado pelo diretor geral da PIRS para receber novos presos é
a avaliação das condições de lotação da penitenciária. Esse procedimento é uma
obediência ao contrato de terceirizão das penitenciárias cearenses que determina
que o número de presos recolhidos nessas unidades penais não pode ser superior
ao número de vagas ofertadas.
Na prática, entretanto, segundo os dados coletados na PIRS para essa
pesquisa, em setembro de 2007, existia nessa unidade penal terceirizada um
excedente de 60 internos provisórios, transferidos da Cadeia Pública de Sobral,
interditada pela Justiça.
A superlotação traz problemas para o funcionamento da penitenciária: “Até
agora não houve baderna porque os diretores tão controlando isso, não estão
74
‘misturando’ todo mundo” (Funcionário da PIRS). Existem, entretanto, outros
prejuízos decorrentes desse excesso de presos.
Uma conseqüência negativa da superlotação, por exemplo, é que o
número de presos em excesso não recebe os itens de higiene básicos e fardamento
da penitenciária; e também não m acesso aos serviços assistenciais prestados na
PIRS como atendimento médico, social, jurídico e psicológico.
O número de presos que excede ao total de vagas deixa ser assistido
pelos serviços disponibilizados na PIRS, por exemplo, assistência social e jurídica,
porque o Estado repassa para a Conap apenas um valor x correspondente aos
custos para manter as despesas relativas somente as 500 vagas oferecidas pela
PIRS.
Quando o Diretor da PIRS não autoriza a entrada dos presos “recém-
chegados”, a viatura do Ministério da Justiça deve retornar do local onde estiver
estacionada (Ordem de Serviço nº 001/2004 / Art. 5º – Gerência Geral da PIRS).
Caso contrário, quando o diretor geral é favorável ao ingresso dos novos
presos, o portão (P 1) da “eclusauma espécie de garagem - é aberto e a viatura
do MJ trazendo os detentos segue para interior da PIRS.
A “eclusa” (Figura 18) é a porta de entrada para a “sociedade carceria.
Figura 18: Portão azul da “eclusa”.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
(P 1)
75
A grande maioria dos presos que são trazidos para PIRS está entrando
pela primeira vez em uma penitenciária, aproximadamente 86%, segundo os dados
coletados nos arquivos dessa unidade em 2007.
Os funcionários da PIRS descrevem a entrada dos detentos “recém
chegados” como um momento dramático:
“(...) alguns internos que eu vi chegando é um momento de medo daqueles
que estão aqui dentro da penitenciária, é um momento tenso, temeroso, é
um momento que mexe demais com os circuitos da emoção (...) tem uns
que entram em desespero, apavorados e tem uns que é a terceira ou
quarta vez...” (Funcionário da PIRS).
Segundo a psicóloga dessa unidade penal, “o preso que chega pela
primeira vez sofre mais com as mudanças (...)” por que desconhece os
procedimentos adotados no momento de sua entrada nessa penitencria.
Ao contrario, para os presos que estiveram detidos em outros
estabelecimentos prisionais e, principalmente, para os que os estão retornando para
a PIRS a chegada é mais tranqüila, pois esses detentos conhecem os
procedimentos de ingresso na penitenciária.
A curva que representa o número de detentos que ganharam liberdade,
mas que retornaram para a PIRS (presos reincidentes)
37
apresenta-se crescente
com o passar dos anos.
O número de presos que ganham liberdade e depois retornam para a
Penitenciária Industrial Regional de Sobral, segundo os dados coletados no arquivo
da penitencria, foi de 15,5% em 2003, aumentou para 36,4% em 2004, em 2005
esse número registrou uma pequena queda para 29,5%, mas voltou a crescer em
2006 quando 37,5% dos detentos libertos foram novamente recolhidos na PIRS.
É importante considerar que a PIRS informa apenas o número total de
detentos que retornam para essa unidade penal pela segunda, terceira ou mais
vezes, após terem sido postos em liberdade e de novamente serem detidos nessa
penitenciária (Gráfico 5).
37
Reincidência penal difere de reincidência criminal. A primeira, sobre a qual se refere essa pesquisa,
diz respeito aos presos que ganharam liberdade e retornaram para a prisão as cometerem novos
delitos. A reincidência criminal é entendida aqui como a possibilidade de um indivíduo cometer vários
crimes, ou seja, reincidir na prática delituosa sem que necessariamente tenha sido recolhido em uma
instituição penal.
76
RETORNOS / ANOS
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
TOTAL
RETORNOS / ANOS
TOTAL
0% 15,50% 36,40% 29,50% 37,50%
RETORNOS /
ANOS
2002 2003 2004 2005 2006
1 2 3 4 5
Gráfico 5: Reincidência na PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
A entrada no sistema penitenciário é, entretanto, para todos os presos:
reincidentes ou para os que estão chegando na PIRS pela primeira vez, uma
experiência importante na história de suas vidas: “Tudo na vida da gente tem o novo.
Então assim, muitos, apesar de já virem de outras cadeias, eles chegam aqui eles se
espantam pela penitenciária, pela hierarquia (...)” (Funcionário da PIRS).
A entrada em uma prisão é uma “passagem” difícil de transpor, pois
significa para o preso, ao mesmo tempo, a “mortificação” da sua “identidade civile o
seu (re) nascimento para a “sociedade carcerária”.
3.2 A PASSAGEM: O “RITUAL DE ENTRADA”, NA PRISÃO.
Quando a viatura do MJ entra na “eclusa” tem inicio os procedimentos de
“inclusão” dos detentos “recém – chegados”.
77
“(...) considera-se inclusão a entrada de preso nesta Unidade prisional,
oriundo de cadeia Pública ou de outras dependências, com a finalidade de
aqui permanecer cumprindo pena ou ficar à disposição da Justiça Pública,
no caso de detento provisório (sem condenação), cujo ingresso sempre será
precedido de ordem judicial e da competente autorização da Direção”
(Ordem de serviço nº 001/2004 / Art. 1º - Gerencia Geral da PIRS).
Os presos que chegam na PIRS estão “caindo” pela primeira vez no
sistema penitenciário, ou estão retornando a ele depois de, geralmente, curto
período de liberdade.
“O ritual de entrada” na penitenciária localizará o novo membro no seu
universo de referências (...)” (COELHO, 2005:87), válidos para a sociedade dos
cativos”. Quando o indivíduo chega na prisão ele é apenas um condenado da justiça
os “papeis” desempenhados na “sociedade extramuro” como o de pai, esposo,
filho e chefe de gangue, por exemplo, tornam-se, assim, inválidos na “sociedade
intramuro”.
Para um indivíduo colhido pela primeira vez nas engrenagens da Justiça,
“a passagem pelo xadrez constitui uma iniciação nos digos, normas, bitos e
valores da sociedade à qual passa a pertencer, ‘a sociedade dos cativos’”
(COELHO, 2005: 87).
A idéia é, portanto, pensar o cárcere como um lugar ocupado por uma
“sociedadeque possui suas regras próprias, com seus próprios “papeis sociais” e
hierarquias e que, semelhante à sociedade mais ampla, possui seus próprios “rituais
de passagem.
Van Geneep, citado por Turner (1974) descreve que um “ritual de
passagem” como uma transição que acontece em três momentos distintos: a
separação, o “estado de liminaridade”, e o momento de incorporação ao novo
estado.
Nesse sentido, utilizo nesse estudo a descrição de um ritual (Diagrama 1)
como ferramenta de análise para pensar três importantes momentos na vida do
preso “recém – chegado” a PIRS.
A inclusão” no sistema penitenciário (Diagrama 1 -1) é a primeira fase
desse “ritual de passagem”. Nesse momento, ocorre a separação do indivíduo da
“sociedade extramuro” e a sua admissão na “sociedade intramuro”.
O indivíduo deverá, ao ingressar na prisão, esquecer as regras da vida
“lá fora” e aprender as regras lidas “aqui dentro”.
78
Em seguida, acontece o período de triagem (Diagrama 1 2), quando o
detento se encontra em uma situação de transição entre seu passado livre e o seu
futuro dentro da prisão;
E, finalmente, o período de “internação (Diagrama 1 3) quando
acontece a integração do preso à “sociedade carcerária”.
A “inclusão” tem início quando a viatura chega trazendo os presos. O
ofício expedido pelo Juiz é entregue ao diretor geral da PIRS que, somente depois
de avaliar as condições de lotação da unidade, autoriza, por escrito, o acesso da
viatura às dependências da penitencria.
A entrada na prisão é vivenciada com mais dificuldade, segundo a
psicóloga da PIRS, pelos presos que chegam pela primeira vez a essa unidade
penal porque esses indivíduos desconhecem os procedimentos a que serão
submetidos ao ingressarem na penitenciária: “tem uns que entram em desespero,
apavorados (...) (Funcionário da PIRS)”, eles chegam “perdidos, abandonados...
Eles usam um termo bem comum: acabados, eles estão acabados(Funcionário da
PIRS).
Na PIRS, o condenado, durante a “inclusão”, é levado pelos agentes de
disciplina para a sala de identificação onde será revistado e fotografado.
Implantado/trabalhador
Normal
Ina
tivo
Bem comportado
Problemático
Trajetória o “autorizado”
1
2
3
Inclusão
Triagem
Interno
Reincidente
Trajetória do “não autorizado”
Diagrama 1: “Ritual de passagem” na Penitenciária Industrial Regional de Sobral.
79
Já com o uniforme, será o preso encaminhado para o local onde será
fotografado e identificado. Da identificação deverá conter: o nome; o
apelido; a filiação; nacionalidade; local de nascimento; data de nascimento;
cor da pele; cor dos olhos e do cabelo; altura, mesmo que aproximada;
peso; estado civil e, quando casado ou amasiado, o nome da esposa ou da
companheira; nome dos filhos se houver, e idade; endereço de residência;
religião; profissão total da pena, se houver, ou a razão de sua prisão; tipo
do ilícito cometido; procedência; prisões por onde registra passagem; data
da prisão atual; se é primário ou reincidente; se a situação processual está
definida ou indefinida; se há registro de fuga e, em caso positivo, a data e o
local; data da inclusão; defeito físico; sinais particulares, como os de
nascimento, cicatrizes (corte, cirurgia ou outra), ferimentos (acidental ou por
arma branca ou de fogo) e tatuagens, devendo especificar os locais e,
quando se tratar de tatuagem, também o que ela mostra, como cobra,
iniciais de nomes etc; existência ou não de desafetos ou de conhecidos ou
de amigos ou de parentes nesta prisão; quais documentos pessoais possui
(certidão de nascimento, cédula de identidade, título de eleitor, certidão de
casamento, certificado de reservista militar, carteira nacional de habilitação,
carteira de trabalho e outros e onde estão); e, nomes das pessoas com
quem a Unidade deve comunicar-se em casos de urgência ou emergência,
com os respectivos grau de parentesco, endereços completos, até com o
número de telefone, quando houver; outros dados de relevância que o
entrevistador entender convenientes.(Ordem de serviço nº 001/2004, Art. 15
– Gerência Geral da PIRS).
Quando um detento é trazido pela viatura do MJ no final do expediente
administrativo dessa unidade penal um agente de disciplina deverá acomodá - lo em
uma cela na vivência 2 A e somente no dia seguinte será realizado o procedimento
de identificação.
Durante a inclusão” todos os pertences do preso “recém chegado”:
dinheiro, sapatos e roupas civis(funcionário da PIRS) são entregues aos agentes
de disciplina. Esses objetos pessoais não são, entretanto, as perdas mais dolorosas
para esses indivíduos: “As perdas são a família, a liberdade dele; o corte de cabelo e
a roupa não... O ser humano se adapta muito rápido” (Psicóloga da PIRS).
Os “recém chegados” são destituídos de tudo que os particulariza da
vida “extramuro”: vestuário e corte de cabelo, por exemplo, para se adequarem aos
padrões da PIRS: recebem um uniforme padrão, o corte de cabelo padrão e a
retirada da barba, quando houver (Ordem de serviço nº 001/2004, Art. 14 – Gerência
Geral da PIRS).
Ao ser privado de seus bens pessoais de uso e consumo cotidiano, o recém
chegado perde com eles não elementos de expressão, mas também
componentes estruturais de sua identidade. Com tais bens fica uma parte
do ‘eu’ do seu dono (SÁ, 1996:36).
80
O corte de cabelo e o uniforme padrão da unidade penal são utilizados
como cnicas para deteriorar a identidade do eu dos recém chegados e “(...)
como ponto de partida para a reconstrução de uma nova identidade” (SÁ, 2005: 36).
O procedimento de “inclusão” se encerra quando os presos recebem um
quite de higiene e são orientados sobre seus direitos e obrigações dentro da unidade
(Ordem de Serviço nº. 001/2004 da PIRS); e, posteriormente, são levados para a
vivência 2 A.
Durante a permanecia na vivência 2 A , o preso, agora designado pelo
nome de “incluso”, será mantido em uma cela isolada por dez dias “porque a lei diz
que ele precisa desse tempo para se adaptar” (Funcionário da PIRS).
Nesse período, chamado de triagem, o detento será submetido às
avaliações de um corpo de profissionais da penitenciária: psicólogos, assistentes
sociais, advogados, médicos e agentes de disciplina.
3.3 O MOMENTO “LIMIAR”: O PROCEDIMENTO DE TRIAGEM NA PIRS
Durante o período dos dez dias posteriores à entrada do indivíduo nessa
penitenciária, o “incluso” será submetido a um processo de triagem (Diagrama 1
2). O condenado, destituído dos elementos da sua identidade na sociedade extra
muro”, prepara-se para adquirir uma nova “função social”, uma nova identidade
lida para a “sociedade carcerária”.
A triagem se caracteriza como um período de transição. O “incluso” não
pertence mais à “sociedade extramuro”, mas também não pertence ainda à
“sociedade carcerária”. Isolado em uma cela da vivência 2 A, o preso vive, segundo
Turner (1947), uma situação “limiar”, ou intermediária, entre o seu passado livre e
entre seu futuro na prisão.
Durante esses dez dias de triagem, o corpo técnico da PIRS, composto
por psicólogos, médicos, assistentes sociais e agentes de disciplina, se reúne para
elaborar uma espécie de dossiê, também chamado de prontuário, contendo as
informações sobre a vida do preso e seus antecedentes criminais para que seja
providenciada a individualizão da pena:
81
O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime
fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos
elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à
individualização da execução (Art. , LEP, 1984).
A individualização da pena, prevista na LEP (1984), compreende a
atribuição de um lugar específico para o “incluso” dentro da sociedade carcerária.
Psicólogos, médicos e seguranças observarão seu comportamento durante esses
dez dias de triagem e o classificarão dentro de um universo de referências
considerando, por exemplo, os crimes praticados e as relações afetivas do preso.
Os profissionais: psilogos, médicos, enfermeiros, advogados e
assistentes sociais elaboram seus pareceres individualmente e de acordo com seus
próprios critérios para que, posteriormente, essas informões sejam reunidas no
que constituirá o prontuário do detento.
Os primeiros a terem contato com o “incluso” durante o período de triagem
o os médicos e enfermeiros:
O primeiro procedimento quando o interno chega, ele vem escoltado pela
polícia, ele vai pro setor enfermaria e a gente faz digamos uma pequena
amaninese (...) chegando ele tira a roupa, fica de cueca, e a gente
se ele tem alguma lesão, agressão, caso tenha a gente não recebe o
interno e encaminha diretamente para a Santa Casa (Funcionário da PIRS,
2007).
O condenado é levado para a enfermaria imediatamente após sua entrada
na unidade penal.O agente de disciplina pede para o detento se despir. Isso é feito
para que o médico de plano possa assinalar em uma ficha, onde existe uma figura
do corpo humano, frente e costas (Figura 19), as marcas, as cicatrizes, lesões e
tatuagens que o presos possua.
Esse exame médico que recebe tamm o nome de “anaminese” - é
importante para constatar, principalmente, marcas de agressões físicas, pois,
segundo o enfermeiro da PIRS, o detento pode dizer que as lesões aconteceram no
interior da PIRS e prejudicar, assim, a direção da penitenciária, que será obrigada a
investigar o fato e a punir o autor da agressão.
Doenças contagiosas como as micoses de pele e tuberculose são
diagnósticas e devidamente medicadas. Os presos que possuem doenças graves ou
que necessitam realizar exames complexos são levados para a Santa Casa de
Misericórdia de Sobral onde receberam atendimento médico adequado.
82
Os agentes de disciplina elaboram uma lista contendo os nomes dos
presos que deram entrada na penitenciária durante a semana e a entregam para o
serviço de psicologia da PIRS. As psicólogas chamam os “inclusos”, individualmente,
para uma entrevista no parlatório.
O exame psicológico, como explicou a psicóloga da PIRS, é mais
complexo, subjetivo e centrado no indivíduo. O detento responderá a questões sobre
sua vida pessoal e sobre suas emões para que as psicólogas possam observar
alguns traços de sua personalidade:
Às vezes se aplica uma anaminese completa com ele, às vezes,
dependendo, onde são feitas várias perguntas: passagens nas instituições,
como é que ele se , como a família reagiu quando ele foi preso a primeira
vez, os delitos, o lazer dele como era, até que rie ele estudou, como é o
sono, a alimentação, a primeira relação sexual, as namoradas, os amigos, e
ai ele vai respondendo algumas coisas da vida dele e ao final a gente vai
diagnosticando tipo memória: como está a função? O afeto, o humor (...) É
uma observação em cima da estrutura do Ego dele (Psicóloga da PIRS).
A lista contendo os nomes dos “inclusos” é entregue tamm ao serviço
social da PIRS. Na entrevista com as assistentes sociais o preso responde a
perguntas básicas: nome, idade, artigo, e profissão, por exemplo.
Figura 19: Corpo humano.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
83
As assistentes sociais fazem tamm perguntas ao “incluso” sobre a sua
família com dois objetivos: fortalecer as relações familiares através das visitas
semanais e obter um perfil sócio-econômico da família que ajudará, mais tarde, na
decisão por “implantar”
38
ou não esse detento.
Para a o setor de segurança da unidade, a triagem é o momento de
observar o comportamento do preso, por exemplo, sua agressividade e a sua
capacidade de obediência às ordens que recebem e às regras da penitenciária.
É de responsabilidade tamm dos agentes de disciplina a proteção do
detento: “Alguns chegam ociosos, com medo porque têm inimigos (...) a segurança
pergunta e às vezes ele diz pelo apelido: é o vulgo tal, e a segurança cuida disso”
(Agente de disciplina da PIRS, 2007).
Ao perguntar ao “incluso” se ele possui desafetos na penitenciária, os
agentes evitam que presos inimigos sejam colocados na mesma vivência.Algumas
vezes, segundo um agente de disciplina da PIRS, os detentos que estão na cela
decidem pela aceitação ou não de um novo morador.
Essa consulta aos detentos funciona assim: o agente chega na cela e diz
o nome do novo preso e pergunta se existe, entre os moradores da cela, alguém que
se manifeste contra a permanência do “recém chegado. Essa é também uma
medida de segurança para evitar brigas e desentendimentos entre os presos.
Alguns “inclusos” se recusam a conversar com os médicos, psicólogas e
assistentes sociais da PIRS durante esses dez primeiros dias de encarceramento.
Nesses casos, ao final desse período de isolamento na triagem, esses presos são
levados para as vivências. Esses profissionais aguardam, então, o melhor momento
para chamá-los para o “parlatório”, onde são feitas as entrevistas:
Valorizamos a escuta, então muitos não querem descer de imediato. Então
a gente sabe quando chegou aquele interno que cometeu o crime tal,
correm nos corredores as histórias, a gente tenta não chamá-lo para se
adaptar um pouco a unidade e só chama depois de dez dias ou mais
(Assistente Social da PIRS).
Existem os casos também dos “inclusos” que deixam ser submetidos às
avaliações dos médicos, psicólogas e assistentes sociais durante os dez dias
posteriores à sua inclusão na PIRS porque chegam drogados e agressivos. Então,
nessas circunstâncias, não é adequada a realização das entrevistas de triagem.
38
“Implantar” na PIRS significa o mesmo que ocupar uma vaga nos trabalhos penitenciários.
84
É importante dizer que somente os presos que chegam a PIRS pela
primeira vez é que são levados para a vivência 2 A, onde passam pelo período de
dez dias de triagem.
Os detentos que estiveram reclusos na PIRS e que estão retornando a
essa penitenciária “descem direto para o “convívio normal” em uma das vivências: 2
B, 3 A, 3 B, 4 A, 4 B, 5 A e 5 B.
A quebra de regime”, segundo um funcionário dessa penitenciária, é o
principal motivo para o retorno do preso.Isso acontece, por exemplo, quando o
detento é transferido para a Casa do Albergado
39
, onde deverá cumprir pena em
regime semi – aberto.
No regime de cumprimento pena semi - aberto, o detento ganha a
liberdade durante o dia, mas é obrigado a dormir no albergue, inclusive nos finais de
semana.
Quando o preso deixa de ir dormir no albergue a Justiça passa a
considerá-lo um foragido e tão logo ele seja capturado pela polícia será levado
novamente para a penitenciária e perderá o direito aos benefícios de redução de
pena. Esse é o caso de um detento com quem conversei na PIRS, contou-me ele:
Doutora, eu estava na rua. Eu ia só dormir no albergue, depois não fui
mais deixei pra lá. Eu tava curtindo na rua com as mulheres elas não me
deixam em paz, daí ontem eu tive uma dor de dente e fui atrás lá no
albergue para me mandarem para arrancar o dente e eles me pegaram.
Agora eu to aqui de novo e eles nem resolveram o problema do meu dente,
ta doendo ainda (Detento da PIRS).
Quando chegam na PIRS os presos são divididos em dois grupos: os
“não autorizados e os “autorizados”. A separação dos presos “(...) começa na
chegada entre aqueles que devem ou não passar pela triagem (Funcionário da
PIRS).
O grupo dos presos não – autorizados” é constituído pelos indivíduos que
estão retornando para PIRS após um período em liberdade. Esses detentos
“descem direto para o convívio com os outros internos nas vivências sem antes
passarem pela triagem.
O grupo dos “autorizados” a passarem pelo “ritual de entrada” é composto
pelos presos que estão “caindo” na prisão pela primeira vez. Esses indivíduos serão
39
Art. 93 da LEP: A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade,
em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana.
85
levados para a triagem na vivência 2 A e ainda enfrentarão a avaliação dos
profissionais da PIRS antes de conhecerem seu “endereço”
40
dentro da
penitenciária:
A gente vai encarcerar aquele sujeito por alguns dias até decidir que ele
não tem inimizade, que o artigo que ele vem preso não é um artigo que vai
causar algum tipo de ameaça a ele, de auto agressão, nesse período o
serviço social e o serviço de psicologia entra em contato com esse sujeito,
com esse interno, para saber como ele está, para sondar a questão dos
medos, das ansiedades dele, do desejo de ter algum vínculo com alguém:
familiares, esposa, a gente faz o papel tentando reduzir os danos do
período que ele já está ou que permanecer na penitenciária (Funcionário da
PIRS).
A divisão desses dois grupos: não - autorizados” e “autorizados”, é a
primeira classificação realizada pelos funcionários da PIRS que atribuem aos
detentos, portanto, as identidades de “autorizadose “não autorizados” a passarem
pelo “ritual de entrada” na prisão.
3.4 O INÍCIO DO LONGO PERÍODO DE INTERNAÇÃO: IDENTIDADES
ATRIBUÍDAS E RELAÇÕES DE CONFLITO
Passado os dez primeiros dias consecutivos à sua chegada o “incluso”
deixará a vivência 2 A e receberá um novo endereço na penitenciária. Ele será
alojado em uma das vivências: 2 B, 3
A, 3 B, 4 A, 4 B, 5 A ou 5 B.
Ao final do período de triagem o preso já possui um endereço na PIRS. O
detento fa parte da sociedade dos cativos” (COELHO, 2005) e passará a ser
chamado de “interno”.
O que determina o novo endereço do preso é a investigação feita pelo
setor de segurança, ainda durante a triagem quando é verificada a presença de
desafetos dentro da PIRS. Alguns presos, porém, preferem não deixar a vivência 2 A
porque possuem inimigos dentro da unidade penal.
40
Na PIRS, os funcionários falam: “esse preso mora nessa vivência”, por exemplo. A localização do
interno em uma cela e em uma vivência (lado A ou B) funciona como um endereço dele dentro da
penitenciária.
86
Tamm são mantidos na vivência 2 A, isolados na “tranca”
41
, os presos
que cumprem punições disciplinares por se envolverem em brigas dentro da unidade
penal, desacato aos funcionários e infração a alguma norma da penitenciária.
O tempo de permanência na “tranca” é determinado pela direção geral da
PIRS e varia de acordo com a gravidade da ação que o preso praticou: leves,
médias e graves.
De acordo com o Art. 30º do Regimento Interno da PIRS (2003) são
consideradas faltas leves, por exemplo: desrespeito aos funcionários ou visitantes,
desatenção em sala de aula ou no trabalho, descuidar da higiene pessoal, comprar
ou vender, sem autorizão, a outros presos, transitar pela penitenciária em horário
e local não permitido; e sujar pisos e paredes. Nesses casos, o “interno é punido
com advertência, suspensão de visitas e regalias por dez dias e a “tranca” por
período de dois a cinco dias;
São exemplos de faltas dias: deixar de acatar ordens superiores,
comunicar falsamente fato ofensivo, manter em cela objetos não permitidos,
abandonar, sem permissão, o trabalho; praticar atos obscenos e libidinosos; fazer
greve de fome como protesto ou rebeldia, utilizar favor de outro preso para
transporte de correspondências ou objetos sem conhecimento da direção, desviar
material de estudo ou trabalho, deixar de freqüentar a escola sem justificativa,
praticar fato definido como crime culposo e fazer uso de bebidas alcoólicas. Para
essas faltas, as punições são: repreensão, suspensão de visitas e regalias por dez a
vinte dias e isolamento na “tranca” por período de seis a dezenove dias.
São consideradas faltas graves: participar ou incitar movimentos de
subversão à ordem ou disciplina, fugir ou evadir-se, possuir objetos que causem
danos físicos a outrem, provocar acidentes de trabalho e praticar crime doloso, por
exemplo.Os presos que cometem faltas graves têm suas visitas e regalias
suspensas por vinte a trinta dias e isolamento na “tranca” também por igual período.
O trabalho penal
42
é o critério utilizado na PIRS para classificar os
“internos” em outros dois grupos: ostrabalhadores” e os “normais” e para separá-los
fisicamente em vivências diferentes. Nesse sentido, a laborterapia é o meio principal
para que o “interno” passe a morar na vivência 1 A e 1 B e para a mudança de
“status” dentro da “sociedade carcerária”.
41
“Tranca” é a cela onde são colocados os internos que cumprem punições disciplinares.
42
O trabalho penal será abordado no quarto capítulo.
87
O endereço” do preso dentro da penitenciária, portanto, não é definitivo.
Quando o “interno” é selecionado para ocupar uma vaga nos canteiros de trabalho,
ele deixa as vivências dos “normais”: 2B, 3
A ou 3 B, 4 A ou 4 B e 5 a ou 5 B e passa
a morar nas vivências dos “trabalhadores”: 1 A e 1 B.
O trabalho penal é concedido aos detentos considerados de “bom
comportamento” e é por eles conquistado durante a reclusão.Nenhum preso,
portanto, consegue vaga imediatamente as a sua chegada na PIRS: “Aqui a gente
não o trabalho para quem chega de imediato, porque se o cara chega hoje e
amanhã já está trabalhando, é ruim para ele e para a gente” (Funcionário da PIRS).
Não é conveniente, segundo um funcionário da PIRS, que um preso
“recém chegado” consiga vaga para trabalhar na unidade penal porque os
“internos” “normais desconfiam dos critérios de escolha empregados na seleção
para vagas de trabalho, eles acreditam, por exemplo, que a direção da penitenciária
privilegia os “internos” que passam informões de dentro da “cadeia”.
(...) eles (os presos “normais”) acham que se a gente trabalhar para a
cadeia a gente ta dando informação, mas não é assim porque se o cara
aqui quiser viver numa boa, “é não sei”, “não vi”. Aqui é um lugar que você
vive num fio de navalha, aqui você o pode ver demais, ta entendendo?
(M. V. O. L, detendo da PIRS – grifos meus).
A separação desses dois grupos em vivências diferentes: a dos
“trabalhadores” e a vivência dos “normais” afeta a convivência entre os “internos” e
“(...) é mais uma forma de excluir e discriminar os outros que não trabalham
(Funcionário da PIRS).
Essa separação é necessária porque as relações entre os “internos”
“trabalhadores” e os “normaisé marcada por conflitos. Os internos” que trabalham
na cozinha, segundo um detento da PIRS “implantado”
43
nesse canteiro, são os que
mais sofrem represálias.
Os presos “normais” costumam atirar a comida nos “implantados da
cozinha quando eles vão “pagar merenda” nas vivências servir almoço, lance,
janta:
Pagar merenda tem que ir concentrado, né? Eu vou lutar com 246 mentes
diferentes, não tem ninguém igual, um fala uma coisa, outro fala outra eu fico
prestando atenção, né? Se você não pagar isso, joga suco na sua cara, café
43
“Implantado” é uma categoria que se refere também aos internos que trabalham. Esse adjetivo é,
portanto, sinônimo de “trabalhador”.
88
quente... Eu faço o mais possível que eles pedem (Detento da PIRS
implantado na cozinha).
Os internos normais” o também lembrados na PIRS como “internos”
“mal comportados” e “bandidospor terem optado, mesmo dentro da penitenciária,
pelo mundo do crime: Tem certo tipo de preso que não quer trabalhar, já não
trabalha fora e na cadeia mesmo não quer trabalhar. Tem muitos presos que até
dizem ah, eu vim foi tirar cadeia não vim trabalhar na cadeia para ninguém’” (M. V.
O. L, detento da PIRS).
Um crime cometido freqüentemente pelos bandidos” dentro da
penitenciária, segundo um funcionário da PIRS, é a utilização dos “internos que
trabalham para transportar objetos: “catataus” e drogas no interior da penitenciária
sem o conhecimento da direção dessa unidade penal. Essa ação é considerada uma
falta média na PIRS.
Os “trabalhadores” são utilizados pelos presos “normaiscomo “aviões”
44
porque m acesso às outras vivências e às outras dependências da PIRS,
principalmente os “internos que são implantados na faxina dos corredores e na
cozinha.
Quando descoberto infringindo as normas disciplinares da penitenciária, o
“interno” “implantado” perde o direito à vaga de trabalho que ocupa.
Na maior parte dos casos, o preso não entrega os seus cúmplices,
principalmente se ele for “trabalhador” porque, uma vez que perderá a sua vaga, ele
deixará a vivência 1 A e voltará a morar no “fundo da cadeia”, junto aos “normais”,
mais venerável a sofrer as punições aplicadas pela sociedade carcerária aos “dedo
– duros”.
Para sobreviver durante o longo período que passará na prisão, o “interno”
precisa aprender rapidamente às regras da sociedade dos cativos. Segundo
Edmundo Coelho (2005) quando maior for o grau de adaptação dos presos à vida na
“cadeia” menores são as suas chances de (re) socializão, pois o comportamento
valorizado pela cultura da “sociedade intramuro” é oposto ao que é cultuado pela
“sociedade livre”.
44
“Aviões” é uma categoria utilizada na PIRS para designar os “internos que transportam
substâncias e objetos proibidos dentro da penitenciária.
89
Segundo Edmundo Coelho (2005) a “sociedade dos cativos” cultua valores
como a malandragem e a esperteza em oposição aos valores cultuados na
“sociedade extramuro”, por exemplo, o esfoo pessoal e o trabalho.
Os “internos” que conseguem sair da PIRS passam a compor o grupo dos
“inativos”. Os presos deixam a penitenciária por três motivos principais: primeiro,
porque ganham a liberdade; segundo; porque são transferidos para outras unidades
penais; e, terceiro, por morte.
É cada mais freqüente, porém, que os “internos” reincidam na prática
criminosa e voltem para essa penitenciária. Em 2005, 29, 5 % dos detentos postos
em liberdade voltaram para essa unidade penal e em 2006, esse mero aumentou
para 37, 5 % (Tabela 5).
Os presos que retornam para a PIRS irão constituir, novamente, o grupo
dos “internos” “ativos” da Penitenciária Industrial Regional de Sobral.
As identidades atribuídas aos presos durante o processo de classificão
possuem a seguinte característica: um mesmo grupo de presos pode ser designado
por diferentes adjetivos.
Todos os detentos que estão reclusos na Penitenciária Industrial Regional
de Sobral constituem o grupo de “internos” ou “ativos”.Dentro desse grupo dos
existem outros dois subgrupos principais: os “trabalhadores” e os “normais”.
O preso recluso na Penitenciária Industrial Regional de Sobral necessita
Diagrama 2: Classificação dos presos na PIRS.
PI
RS
ATIVOS
“TRABALHADORES
NORMAIS”
INATIVOS
90
Os “internos “trabalhadores”, por exemplo, o chamados por
funcionários da PIRS também de “bem comportados” e “implantados”. Na “sociedade
carcerária”, os presos desse grupo são designados por “dedos – duros”.
Na PIRS são classificados como “internos normais” os presos que
apresentam “mau comportamento”. Na “sociedade carcerária”, entre o grupo dos
presos “implantados”, os detentos “normais são chamados também de
“problemáticos” e “bandidos”.
É importante, portanto, que o preso recluso na PIRS se reconheça na
identidade que lhe é atribuída na PIRS, pois disso depende a sua convivência com o
grupo a qual pertence e determina tamm o conteúdo das suas relações com os
outros “internos” da “sociedade carcerária” dessa unidade penal.
Nesse sentido, o conflito com os outros presos deve ser evitado pelo
“interno” para não “atrasar o lado dele”, ou seja, para que a punição disciplinar da
penitenciária não resulte em um aumento da sua pena e, principalmente, para que
as punições da “sociedade carcerária” não o levem à morte.
91
4º CAPÍTULO
A LABORTERAPIA NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL REGIONAL DE SOBRAL
O trabalho penal se expandiu a partir de 1552, através das Workhouses
45
surgidas na Inglaterra (CORDEIRO, 2002), berço da nascente industria capitalista
européia.
Os princípios oriundos do capitalismo: acumulação de capitais monetários,
de indivíduos úteis e dóceis; e as noções de racionalidade e burocratização
(Foucault, 1996); passam a serem amplamente difundidos nos mais diversos setores
sociais atingindo o sistema prisional no final do século XVIII.
A esse conjunto de princípios capitalistas, Michel Foucault (1996) chama
de pedagogia universal do trabalho”. O isolamento do cárcere e o trabalho
obrigatório são cnicas de transformão do indivíduo. A prisão deve, nessa
perspectiva, devolver à sociedade o homem econômico que ela perdeu para o crime
(FOUCAULT, 1996).
A introdução do trabalho nas prisões tinha, segundo Michel Foucault
(1993) três importantes objetivos: formar uma grande quantidade de novos operários
(exigência do mundo capitalista em expansão), diminuir os gastos do Estado com o
condenado, indenizar as vítimas do mesmo e permitir aos detentos proverem
algumas de suas necessidades básicas.
A idéia de proporcionar trabalho para os detentos, porém, encontrou
resistência, especialmente por parte dos operários livres, em épocas de grande crise
econômica, como em 1940 (FOUCAULT, 1996), quando os operários faziam greves
contra a implantação de oficinas dentro das prisões, protestavam porque
consideravam que seu trabalho estava sendo desvalorizado e denunciavam que o
governo favorecia o trabalho penal porque tinha a intenção de aumentar a mão-de-
obra disponível e, conseqüentemente baixar os salários.
Além da oposição por parte dos operários livres, o trabalho penal
encontrou resistência tamm por parte dos empresários “(...) que operavam fora do
45
O termo Workhouses significa “casas de trabalho”.
92
sistema, pois estes sofrem uma concorrência desleal (...)” (JUNIOR, 1995:100)
porque a mão-de-obra carceria não gera para as empresas os custos previstos
nas leis trabalhistas como pagamento de férias e de décimo terceiro para os presos
empregados.
No Brasil, as primeiras unidades prisionais foram construídas no século
XIX, no ano de 1551, em Salvador. O trabalho penal somente passa a existir no
sistema penal brasileiro com a instituição do Código de 1830, quando prisões
passaram a adotar o Sistema Auburniano, originário de Alburn, Nova York, onde
eram previstos o trabalho diurno e segregação noturna.
O Código de 1930 determinou, ainda, a instalação de unidades industriais
para os maiores de 14 anos e menores de 21.
O Código Brasileiro de 1940 estendeu o trabalho penal para todas as
Casas de Detenção do país, que passa não a ser previsto constitucionalmente,
mas como sua aplicação passa a ter caráter obrigatório para o preso condenado
“(...) à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas
aptidões e capacidade” (Art. 31 –Lei Nº 7210/94, LEP).
A leitura do Art. 31 da LEP (1994) permite concluir que a realização do
trabalho penal deve ou pelo menos deveria-, existir nas unidades penais
destinadas a abrigar presos condenados as penitenciárias-, porém, trata-se de
uma “letra morta da lei” (Rogério, 1997) e que a prática não vivencia.
Segundo o CBP (1940) o labor no cárcere não é, entretanto, obrigatório
para os presos provisórios. Na opinião de Vasques (2003) a LEP deveria estender a
obrigatoriedade do trabalho penal também para os presos provisórios, pois a
realização de atividades dessa natureza tem fundamental importância para a
conquista da (re) socialização.
Na opinião de Leandro Vasques (2003) é principio basilar da LEP que o
trabalho do preso, como dever social e condição de dignidade humana, terá
finalidade educativa e produtiva, e deverá ser aplicado tamm ao detento provisório
(VASQUES, 2003:28).
No trabalho estão incluídos princípios como a disciplina, a educação, e,
principalmente, as regras de convivência coletiva e solidariedade, além da
importância que a realização de uma atividade remunerada adquiriu em nossa
sociedade como importante elemento de inserção e participação social para os
93
indivíduos, principalmente para aqueles portadores de conduta desviante que
buscam uma (re) socialização:
E podemos ressaltar que é ainda mais essencial para o portador de conduta
desviante. Além de ter caráter educativo, nele está incluído um processo de
substituição de valores inadequados, incorporados durante a vida
pregressa, como também a inclusão de uma nova perspectiva de vida
(VASQUES, 2003:28).
Se, na “sociedade extramuro”, o objetivo do trabalho é, primordialmente, a
acumulação de bens, na “sociedade carcerária” o que se deseja conquistar através
do labor é uma “substituição dos valores” dos indivíduos portadores de conduta
desviante
46
, para adeq-los e (re) inseri-los na sociedade mais ampla.
Nessa perspectiva é que, para falar da PIRS e sobre as características do
trabalho penal que é realizado na prática pelos presos dessa unidade penal,
considero mais adequado o uso da categoria “terapia industrial ou ainda
laborterapia apresentada por Erving Goffman (1996).
Na laborterapia, segundo Goffman (1996), o principal objetivo não é a
acumulação de capital (fator econômico), mas a utilização do conjunto de princípios
oriundos dessas atividades: disciplina e convivência, por exemplo, e distribuição aos
homens presos com o objetivo de promover a reincersão social dos indivíduos que
se encontram nessas “instituições totais”:
Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e
trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante,
separados da sociedade mais ampla por considevel período de tempo,
levam uma vida fechada e formalmente administrada (GOFFMAN, 1996:11).
Os indivíduos reclusos nessas instituições, nas prisões, por exemplo, ao
serem separados da “sociedade mais ampla” – “extramuro” -, passarão a pertencer a
uma “formação social específica” a sociedade intramuro” - com seus próprios
digos de conduta, “papeis sociais” e hierarquias, que ligam de maneira duradoura
os detentos uns aos outros:
46
Concordo com a perspectiva de Gilberto Velho (1974) para quem o comportamento desviante é
resultado de uma leitura divergente que o indivíduo portador do desvio de conduta faz da realidade,
ou seja, de uma leitura diferente que este faz da captada pelos indivíduos considerados normais.
Esse comportamento resulta, portanto, de um conflito entre indivíduo e sociedade, onde “a estrutura
social e cultural gera uma pressão favorável ao comportamento desviante (...) os grupos sociais criam
o desvio ao estabelecer regras cuja infração constitui desvio e ao aplicá-las a pessoas particulares
(Velho, 1974:23). Insere-se nessa categoria todos os comportamentos que fogem as normas sociais
como a ação criminosa, a loucura e a prostituição, por exemplo.
94
(...) uma formação social na qual são definidas de maneira específica as
relações existentes entre os sujeitos sociais e em que as dependências
recíprocas que ligam os indivíduos uns aos outros engrenam códigos e
comportamentos originais (ELIAS, 1994:8).
A “sociedade carcerária” delimita, a princípio, o que Pierre Bourdieu (1998)
definiu como campos”: espaços específicos permeados por digos e regras
próprios. Para ser aceito e pertencer a esses espaços, o indivíduo precisa aprender
o jogo simbólico que lhe é próprio e incorporar suas disposições na forma de
“habitus”: quantum de capital (conhecimento) que o sujeito necessita para entrar no
jogo das hierarquias e ser reconhecido pelos seus pares.
Por considerar que o trabalho na “sociedade carcerária” da Penitenciária
Industrial Regional de Sobral possui funções distintas das que lhe são atribuídas da
“sociedade extramuro”, por exemplo, a perspectiva do lucro, é que falo de
“laborterapia”, no sentido estrito da palavra: labor = trabalho / terapia.
Na PIRS, o trabalho penal é realizado menos com a finalidade do lucro e
mais como um importante meio utilizado para combater, principalmente, a
ociosidade mental dos presos. O trabalho realizado pelos internos adquire, portanto,
uma outra função social, onde se valoriza menos o ganho monetário:
Eu acho o trabalho importante porque minha mente es ocupada com
alguma coisa né? To aliviado mais dos problemas, né? Porque a pessoa
passa o dia trabalhando, para relevar mais coisas... Quando cheguei
aqui eu não sabia de nada (...) hoje eu me sinto um mestre, faço testes, se
vou fazer um bolo mole tenho que fazer duas três vezes até pegar o ponto
certo (R. E, detento, 26 anos).
Traçando um paralelo com Nobert Elias (2000), quando esse autor fala da
insuficiência das teorias econômicas de Marx para explicar as relações na sociedade
fictícia de Wiston Parva, assim também, nessa “sociedade carcerária”, o é o valor
capitalista do trabalho - a exemplo da “sociedade extramuro” -, mas outros valores
agregados a ele, “outras aspirações humanas (ELIAS, 2000:33), que são
ressaltados pelos detentos como benefícios oriundos da laborterapia: a ocupação da
mente e a possibilidade de aprender uma profissão, por exemplo.
No Brasil, o trabalho penal é, atualmente, regulamentado pela Lei de
Execução Penal (LEP), porém, para utilizar uma categoria de Max Weber, a forma
como essas atividades estão descritas nessa Lei é uma espécie de “tipo ideal”, ou
seja, um modelo construído e elaborado e que deve servir ao pesquisador apenas
como ferramenta de análise da realidade empiricamente observada e que (...) não
95
se lhes pode atribuir validez empírica ou imaginar-se que eles (os tipos ideais) são
tendências ou forças ativas reais” (QUITANEIRO, 2000:134 - grifos meus).
Dito de uma outra maneira, a realidade difere, e quase sempre
substancialmente, dos tipos ideais. O que está disposto na lei brasileira sobre o
trabalho dentro do rcere, o se aplica em sua totalidade para no caso particular
da PIRS.
Desse modo, passo descrever as características que são próprias dos
trabalhos penitenciários na Penitenciária Industrial Regional de Sobral.
4.1 AS CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO PENAL NA PIRS
A LEP orienta que o labor penal deve garantir aos reclusos a conquista de
um importante benefício legal: a remissão de pena. Assim, para cada três de
trabalho o detento tem direito à redução de um dia no tempo total de pena que ele
precisa cumprir.
A possibilidade de reduzir o tempo de pena e ganhar a liberdade
antecipadamente aumenta a expectativa dos presos em ocupar as vagas disponíveis
para trabalhar na Penitenciária Industrial Regional de Sobral.
O Art. 28 § da Lei de Execução Penal diz que o trabalho do preso,
embora não estando sujeito ao Regime de Consolidação das Leis Trabalhista (CLT),
deverá ser remunerado com valor não inferior a ¾ do salário mínimo com o objetivo
de assistir à sua família, custear suas despesas pessoais e ressarcir o Estado das
despesas com a manutenção do condenado (Art. 29 § 1º).
Na PIRS, a quantia que o detento recebe como pagamento pelo seu
trabalho é dividida em três partes. A primeira deve ser destinada a uma ajuda
financeira para a família do condenado. O preso determina a quantia que deverá ser
entrega a um parente que ele indicar nos dias de visita.
Uma outra parte do pagamento ao detento por seu trabalho, cerca de 8%,
retorna aos cofres públicos através do depósito no fundo penitenciário. A parcela
que resta desse salário deve constitui um pecúlio, ou seja, uma reserva de dinheiro,
que deverá ser entregue ao preso quando este for posto em liberdade.
96
O preso pode, entretanto, dispor do pecúlio para fazer compras quando
ainda está detido. Funciona da seguinte forma: o agente de disciplina de plantão nas
vivências anota os pedidos dos detentos: biscoitos, refrigerantes, cd’s, cigarros e
matérias primas para artesanato, por exemplo, e repassa então para o setor
financeiro.
Um único funcionário é responsável por fazer as compras, uma vez por
semana, e administrar todo o dinheiro dos “internos” da PIRS. A lista com os nomes
e os prontuários que encontramos no setor financeiro o apenas dos internos
“implantados”, ou seja, aqueles que exercem alguma das atividades laborativas, que
ocupam uma vaga nos canteiros de trabalho.
O setor financeiro da PIRS tem acesso a todas as informões somente
sobre os presos que trabalham, mas desconhece os prontuários dos demais presos.
Para o único funcionário desse setor, “muitos presos não existem(Funcionário da
PIRS).
A Conap fornece um quite contendo itens para as necessidades sicas
de higiene. Os presos, porém, podem solicitar, junto ao setor financeiro, outros de
sua preferência, respeitando as normas da PIRS que impede a entrada de algumas
mercadorias como frascos de vidro e produtos que contém álcool em sua fórmula.
No contrato de parceria que terceirizou o sistema prisional cearense
encontram-se descritas algumas características, de caráter mais especifico, da
adoção da laborterapia como principio da pena de reclusão e os termos para a sua
prática nas unidades industriais do Ceará.
Segundo um ex-diretor da PIRS
47
, Estado e Conap previam a inserção do
preso no mercado de trabalho através do funcionamento de industrias dentro da
unidade, absorvendo até 50% da mão-de-obra carcerária:
VIII A área da cozinha, panificação e lavanderia podem e devem ser
utilizadas como treinamento e formação profissional para os internos.
Especificamente, os setores da padaria, confeitaria e assados podem
consistir em importante e motivador centro de iniciação e realização
profissional (Histórico sobre a privatização do sistema penal no Estado do
Ceará, artigo VIII do contrato de terceirização).
Além das industrias, os chamados serviços de hotelaria” necessários à
própria manutenção do funcionamento da PIRS, por exemplo, cozinha, limpeza e
lavanderia, devem utilizar, prioritariamente, a mão – obra dos presos.
47
Entrevista realizada para a pesquisa de graduação em 2004.
97
A oportunidade de ocupar uma dessas vagas de trabalho, na perspectiva
de Goffman (1996), é encarada pelo interno com um meio através do qual ele pode
demonstrar a sua capacidade readquirida de voltar a conviver com outros indivíduos
e adequar-se às normas impostas pela “sociedade mais ampla”, para onde deve
retornar ao cumprir sua pena:
Embora a natureza de tais atividades decorra das necessidades de trabalho
do estabelecimento, a afirmação apresentada ao paciente (leia-se, aqui,
detento) é que estas tarefas o ajudarão a reaprender a viver em sociedade
e que a voluntariedade e capacidade para enfrentá-las serão consideradas
como prova diagnóstica de melhora”(GOFFMAN, 1996:82 –grifos meus).
A quarta casula parágrafo IX parágrafo do contrato de terceirização do
sistema prisional cearense acrescenta que o trabalho penal deve profissionalizar os
detentos em áreas como indústria eletrônica, de móveis, calçados, jóias, velas,
confeões e papel.
Uma das funções desempenhadas pelo Serviço Social da PIRS é buscar
trazer para a unidade cursos através de parcerias com o SEBRAE e SENAC, por
exemplo. Para cada dez presos entrevistados em 2005, sete (aproximadamente
77%) consideravam que as atividades que realizavam eram profissionalizantes.
Segundo o Art. 31, LEP (1994), a realização dessas atividades laborais
devem ser desenvolvidas pelos presos na medida de suas aptidões pessoais e
capacidade. Para atender essa orientação legal uma pergunta sobre a vida
profissional do detento antes de sua prisão é feita durante as entrevistas de
triagem
48
.
O conhecimento da profissão do detento antes da prisão auxilia no
momento de selecionar os presos pelo critério de aptidão pessoal para ocupar as
vagas disponíveis nos canteiros de trabalho.
A maior parte dos detentos, cerca de 34%, declarou trabalhar na
Construção Civil antes de serem presos, por exemplo, carpinteiro, pintor e
encanador.
O número de presos que declararam trabalhar, antes da prisão, no setor
de serviços: alfaiate, barbeiro, artesão, cabeleireiro, garçom, jardineiro, manicura e
sapateiro, por exemplo, representa 33% do total de detentos que ingressaram na
PIRS entre os meses de janeiro a setembro do ano de 2007 (Gráfico 6).
48
A triagem é o nome dado ao período correspondido entre a chegada do preso a PIRS e a sua
adaptação à cadeia.
98
Profissão dos detentos antes da prisão
15%
10,10%
34,00%
4,30%
33%
3,60%
Da agricultura
Do comércio
Da construção civil
Da mecânica
Serviços
Da industria
Gráfico 6: Profissão declarada pelos presos nas entrevistas de triagem entre janeiro e setembro/ 07.
Ainda, as profissões características da industria são: auxiliar de produção,
impressor, operador de máquinas, operário, soldador e torneiro; na área de
mecânica: borracheiro, pintor e latoeiro; Do comércio: vendedor, auxiliar de escritório
e telefonista, por exemplo; e os agricultores (Gráfico 6).
4.2 A SELEÇÃO E OCUPAÇÃO DAS VAGAS NOS “CANTEIROS DE TRABALHO”
NA PIRS.
Até o ano de 2007, a seleção dos detentos para ocupar as vagas de
trabalho era feita pela Comissão Técnica de Classificação (CTC) - instituída pela
LEP, em seu Art. 7º.
A CTC era composta pelos seguintes profissionais: assistentes sociais,
psicólogos, agentes de disciplina e diretores da PIRS: geral e operacional,
representando, respectivamente, o Estado e a Conap.
Essa Comissão se reunia sempre que convocada pelo diretor geral da
PIRS e decidia, através de votação, por “implantar” (escolher um detento para
99
ocupar uma vaga de trabalho) ou não um detento. Também competia a CTC outras
decisões relativas a punições e benefícios concedidos aos presos.
No ano de 2006 assisti na PIRS a uma das reuniões da CTC. Assistente
social, advogado, psicólogo e agente de disciplina se reúnem na sala do diretor geral
da penitenciária que inicia a reunião lendo, um a um, os prontuários dos presos
citando seus nomes e alcunhas
49
. Segue-se a isso um relato breve sobre o
comportamento e sobre a situação familiar de cada detento.
Ao término na leitura do prontuário pelo diretor geral da PIRS, os
profissionais reunidos avaliam a situação familiar e o comportamento do preso.
Depois, a CTC inicia a votação escolhendo entre duas opções: “favorável” ou não
favorável”.
As decisões da CTC se referem à concessão de benefícios, especialmente
sobre a “implantação” nos canteiros de trabalho.
No ano de 2007, o Governador do Estado do Ceará nomeou um novo
diretor geral para a PIRS. Nessa época a CTC foi extinta nessa penitenciária.
Segundo as informações dos funcionários da PIRS, não ficou claro o motivo da
dissolução da comiso.
Leandro Vasques (2003) entende que a extinção da CTC nas unidades
penais terceirizadas é uma questão legal:
Os serviços técnicos relacionados ao acompanhamento e à avaliação da
individualização da execução penal, assim compreendidos os relativos à
assistência jurídica, médica, psicológica e social, por se inserirem em
atividades administrativas destinadas a instruir decisões judiciais, sob
nenhuma hipótese ou pretexto deverão ser realizadas por empresas
privadas, de forma direta ou delegada, uma vez que compõem requisitos da
avaliação do mérito dos condenados (VASQUES, 2003:16).
Tendo a Comissão Técnica de Classificação a incumbência de tomar
decisões importantes sobre a vida do condenado dentro do estabelecimento penal:
classificar os condenados segundo seus antecedentes e personalidade (Art. 5º,
LEP); conceder benefícios aos presos (Art. 6º, LEP); realizar exame criminológico
para fins de classificação e individualizão da pena (ART. 8º, LEP), ela o pode,
segundo Leandro Vasques (2003) ser composta por servidores de empresa privada-,
pois essas funções são de responsabilidade exclusiva do Estado.
49
Alcunha pode ser lido também como apelido.
100
Com a dissolução da CTC, a seleção para a ocupação das vagas nos
canteiros de trabalho é feita individualmente pelas psicólogas, assistentes sociais e
pelos seguranças da unidade.
Esses profissionais entregam seus pareceres individuais ao diretor geral
da PIRS encarregado de decidir ou não pela “implantação” do detendo que concorre
a vaga disponível.
Eu não fui autorizada pelo diretor geral da PIRS a ler os pareceres
individuais emitidos pelas psicólogas, assistentes sociais e seguranças, mas pude
conversar com esses profissionais e conhecer quais os critérios utilizados para cada
um deles para “implantar” um “interno”.
As vagas para trabalhar surgem por três principais motivos: primeiro, pela
abertura de um novo canteiro de trabalho. Segundo, quando ocorre a
“desimplantação” de um detento. E, ainda, quando um preso “implantado” ganha a
liberdade.
O setor de psicologia da PIRS elabora seu parecer após realizar
entrevistas com os detentos candidatos as vaga de trabalho. As perguntas, segundo
a psiloga da unidade, questionam o preso sobre seus vínculos afetivos e sobre
sua capacidade de respeitar normas:
Essas perguntas me remetem a alguns princípios que vão nortear meu
parecer, por exemplo: que espécie de vínculo ele forma com as pessoas,
qual é o desejo dele, a natureza do desejo dele, como ele lida com as
formas de comando, mando e hierarquia e com os limites normas e
disciplinas (Psicóloga da PIRS).
A prática de atividades esportivas, o futebol, por exemplo, auxilia, segundo
a psicóloga, a observar a capacidade do interno de lidar com as regras, o senso de
convivência social pacífica, adesão às normas sociais e obediência às formas de
comando e disciplina.
A psicóloga explica que: “se ampara na ciência da psicologia (...) e tenta
não errar (...) porque uma coisa é ele (interno”) comigo, outra é ele na vivência e
outra é ele fora” (Psicóloga da PIRS grifos meus). o há, portanto, como
assegurar que um indivíduo possua um comportamento sempre estável.
Para a assistente social os critérios utilizados para selecionar um detento
para trabalhar avaliam as condições sociais do interno, principalmente a situação
financeira em que se encontra a família do preso. Leva-se em consideração também
101
a existência ou não filhos e se os familiares recebem ou não algum auxílio do
Governo Federal, Estadual ou Municipal:
Tem dois eixos. É pra o interno que tem maior número de filhos e que a
única renda da esposa ou da mãe seja a Bolsa Família. Então a gente faz
um estudo rápido, mas existe aquele interno que foge a regra, que não tem
filho, mas que a família vive em extrema pobreza (Assistente Social da
PIRS).
O parecer dos agentes de disciplina é, segundo a assistente social e a
psicóloga, o que mais tem peso na decisão final de implantar um detento: Hoje, a
decisão da questão do trabalho, eu vejo, é mais da segurança” (Psicóloga da PIRS).
Isso se explica pelo fato dos seguranças passarem mais tempo junto aos presos,
observando-os especialmente dentro das vivências, onde os demais profissionais
não entram.
Segundo um dos agentes de disciplina, o parecer dos seguranças consiste
em avaliar se o “interno” possui ou não um “bom comportamento penal”. Mas, quem
é, então, um preso considerado debom comportamento”?
É o cara que não problema para a segurança, que não se envolve em
confusão, que sempre que você chega na vivência e determina alguma
coisa ele ta na dele, quando ele quer questionar alguma coisa ele usa da
humildade e que conversa com você tranqüilamente (Agente de Disciplina
da PIRS).
Um “bom comportamento” é, ainda, segundo o agente de disciplina, a
capacidade de acatar ordens, onde “ele (o preso) tem controle emocional porque é
um local que mexe com a raiva dele” (Funcionário da PIRS - grifos meus).
Na opinião de Ivonete Rogério (1997) considera-se ainda que o preso é
bem comportando quando aproveita as oportunidades de (re) socialização
oferecidas pela penitenciária:
O ‘bom comportamento carcerário’ não significa obediência às normas no
mínimo equivocadas, impingidas, que vêm se repetindo ao longo das
décadas e sim ao aproveitamento das medidas ressocializadoras
observadas durante a evolução prisional do indivíduo (ROGÉRIO, 1997:41).
Geraldo Ribeiro de (1996) diz que a expressão bom comportamento”
pode conter múltiplas e imprevisíveis interpretações que dependem do ponto de
vista de quem avalia e considera o que seja “bom” ou “mau comportamento”.
102
Assim, na PIRS, para que um “interno” seja considerado de “bom
comportamento” é importante que ele obedeça às normas, não se envolva em
confusões na “cadeia” – para não “atrasar o lado dele”
50
-, e que busque aproveitar a
oportunidade de estudar e de fazer os cursos que são ofertados, pois, como explicou
um agente de disciplina, no momento da escolha para trabalhar, se a vaga surgida
for, por exemplo, na padaria, eles darão preferência para os “internos” de “bom
comportamento” e que tenham feito o curso de confeitaria.
Nessa penitenciária, a maior empregadora dos detentos é a própria
Conap: existem vagas na manutenção, capina, limpeza e outros serviços de
necessidade da própria unidade penal.
A PIRS possui um total de treze canteiros
51
de trabalho (Tabela 4):
Tabela 4 – Ocupação nos canteiros de trabalho
CANTEIROS DE TRABALHO
OCUPAÇÃO MÉDIA/ Nº DE PRESOS
Artesanato
61
Faxina das vivências 20
Capina 17
Fábrica de sapatos 15
Limpeza dos corredores 13
Cozinha 12
Manutenção 12
Lavanderia 09
Horta 04
Farmácia Viva 04
Barbearia 03
Padaria 02
Costura e reparos 00
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
No artesanato está implantado o maior número de detentos, porém, este
canteiro possui algumas particularidades em relação aos demais. A principal delas é
que alguns funcionários da PIRS compartilham a idéia de que os “internos” do
50
Essa expressão é usada pelos internos e também pelos funcionários da PIRS para dizer que
aqueles presos que o obedecem às normas na prisão acabam arranjando muitos problemas:
castigos, por exemplo.
51
Canteiros é sinônimo de locais de trabalho.
103
artesanato não são trabalhadores” (Funcionário da PIRS), pois consideram essa
atividade um “passa tempo”.
Na PIRS o artesanato possui considevel expressão econômica, pois é a
atividade que mais emprega internos. Os presos “implantadosnesse canteiro são
remunerados obedecendo as seguintes regras.
Primeiro, o pagamento pelo trabalho dos detentos implantados no
artesanato não obedece à proporção dos ¾ do salário mínimo (LEP, 1994), pois a
quantia que os internos” recebem depende do valor e da quantidade de peças que
conseguem vender.
Segundo, o dinheiro referente à remuneração dos presos do artesanato
não é administrado pelo setor financeiro da PIRS e que dessa quantia também não
se desconta o valor referente o fundo penitenciário.
As famílias dos “internos é que são as responsáveis pela posse do
dinheiro arrecadado com venda dos produtos artesanais fabricados pelos seus
parentes presos na PIRS.Com o apoio de instituições como o SEBRAE, os familiares
organizam e participam de feiras em Sobral e cidades vizinhas para comercializarem
os artesanatos (Figura 20).
Figura 20: Artesanato dos detentos da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
104
O setor financeiro da PIRS somente administra o dinheiro dos detentos
“implantados no artesanato em duas situões> Primeiro, quando alguma das
peças que ficam expostas na recepção da penitenciária é vendida para visitantes;
segundo, quando é comercializada entre os internos.
Quando acontecem essas duas situações, o dinheiro referente ao
pagamento das peças é entregue à família do “interno” nos dias de visita ou pode
ser utilizado pelo preso, que solicita ao setor financeiro a compra de algum produto
que deseje adquirir e que seja permitido pela PIRS.
A característica “Industrial” dessa penitenciária é limitada quando se
observa que apenas uma fábrica funciona dentro da unidade penal.
Os problemas apresentados pelos funcionários e detentos da PIRS para a
ausência das industrias são diversos: falta de incentivos fiscais por parte do Governo
do Estado e de esclarecimento aos empresários, que temem um prejuízo
ocasionado pela quebra das máquinas em razão de uma rebelião.
As fábricas demoraram a chegar na PIRS e as que vieram: uma de
reciclagem e uma outra de detergentes, rapidamente foram embora por razão da
quebradeira durante em um principio de rebelião
52
ocorrido logo após a inauguração
da PIRS, em 2002: “Era para ter muita coisa aqui nessa cadeia de serviço, não é?
Parece que vinha uma brica para cá, mas parece que não deu certo porque rolou
uma quebradeira” (R. E, detento da PIRS).
Soma-se ao medo dos empresários de um prejuízo ocasionado por uma
rebelião, o preconceito em torno do trabalho do preso.
Um dos motivos citados pelo proprietário da industria de detergentes para
desmontar a produção no interior da PIRS, segundo um ex - diretor da penitencria,
foi a diminuição das vendas dos produtos, pois logo que os consumidores tomavam
conhecimento de onde detergentes eram fabricados, deixavam de comprá-los: “(...)
para que o produto do trabalho seja valorizado é preciso que não seja conhecido
que é de presos” (RAMALHO, 1983:38).
Existe, atualmente, uma única fábrica de calçados funcionando (Figura 21)
na PIRS, que emprega apenas 15 detentos quando, segundo Pedro Aurélio, ex-
diretor da PIRS, o projeto inicial do Estado do Ceará e da Conap era trazer industrias
52
O motivo da rebelião foi à transferência de presos do IPPS para a PIRS.
105
para o interior da penitenciária e oferecer trabalho para absorver, pelo menos, 50%
da mão-de-obra carcerária.
Figura 21: Internos na produção de sapatos.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Em 2008 a Fábrica de Calçados (Figura 21) que está instalada na unidade
apresentava seus primeiros problemas: “Aqui é feita a costura no couro leva
para Fortaleza para fazer o solado. De Fortaleza mandaram uma parada porque
estava tendo muito estoque, já tem algumas máquinas paradas. Alguns presos
foram desimplantados desse canteiro e estão sem trabalhar”.(Funcionário da PIRS).
O trabalho - aliado ao esporte e a educação-, é um importante mecanismo
de readaptação do interno ao convívio social:Neste contexto, trabalho representa a
via de retorno à legitimidade social, a possibilidade (teórica) de ‘recuperar-se’”
(Ramalho, 1983:88), e, por isso, deveriam existir vagas para todos os presos dentro
da cadeia.
Não há, entretanto, vagas suficientes para atender a demanda da
sociedade carcerária. Na PIRS, apenas 34,4% (Gráfico 7) dos presos estão
106
implantados, ou seja, menos da metade: “A gente tem pouquíssimas vagas de
trabalho remunerado dentro da penitenciária” (Assistente social da PIRS).
TAXA MÉDIA DE PRESOS IMPLANTADOS/ OCUPAÇÃO DA PIRS
34,40%
65,60%
Presos implantados
Presos não implantados
Gráfico 7: Taxa média de presos implantados entre os meses de janeiro e setembro de 2007.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Nesse contexto, o trabalho na “cadeia” passa a ser considerado um
privilégio e um prêmio para os presos de “bom comportamento”.Essa realidade torna
conflituosa a seleção para a ocupação dessas vagas e torna difícil a convivência
entre os presos “trabalhadores” e os “normais”.
O falta de vagas para implantar” todos os presos faz (co) existir dois
mundos dentro da prisão: o “mundo do trabalho” e o “mundo do crime”. José
Ricardo Ramalho (1983) ao realizar sua pesquisa na Cada de Detenção de o
Paulo, observa que: “Na prisão, mundo do crime/trabalho aparece como uma
oposição de fundamental importância. No contexto dessa oposição esem jogo a
discussão sobre a possibilidade ou não de retorno ao ‘mundo legítimo’” (RAMALHO,
1983:15).
Trabalhar dentro da “cadeia” significa um retorno mais rápido à liberdade,
isso faz com que a disputa por uma das poucas vagas existentes seja acirrada.
107
Os critérios de seleção empregados pela PIRS são freqüentemente
questionados pelos presos, que encaram essa oportunidade como um privilégio
concedido àqueles internos que “colaboram” com a direção da penitenciária.
Nesse sentido, a oportunidade de exercer alguma atividade na “cadeia”
adquire em determinados contextos o caráter de regalia, além de significar uma
forma de distinção entre os presos (RAMALHO, 1983:108).
Na PIRS, os “internos” são diferenciados como detentos de bom
comportamento/mau comportamento; trabalhador/normal; recuperável/irrecuperável
de acordo com a participação nos trabalhos penitenciários.
O desejo de pertencer ao mundo do trabalho é associado à vontade de
recupera-se, pois na “cadeia” também existem detentos que não se interessam pela
laborterapia.
O trabalho é uma coisa que influi muito para as pessoas que quer trabalhar,
porque tem certo tipo de pessoa que não quer trabalhar, já não trabalha lá
fora e na cadeia mesmo não quer trabalhar, tem muitos que até diz ‘ Ah, eu
vim foi tirar cadeia não foi trabalhar na cadeia para ninguém o!’(M. V. O.
L, detento da PIRS, 54 anos).
Para Geraldo Ribeiro de (1996), esse “culto à ociosidade
demonstrado pelos presos que se recusam a trabalhar na “cadeia faz parte da
cultura delinqüente, pois “(...) opõem-se às normas morais, jurídicas, religiosas,
econômicas e de outra natureza predominantes nas relações sociais travadas na
sociedade capitalista”.(SÁ, 1996: 185).
Os presos que trabalham buscam demonstrar a sua capacidade de
recuperação para retornar à vida social (Ramalho, 1983) em oposição àqueles que
entraram definitivamente para o “mundo do crime” e por isso mesmo ressaltam que
o diferentes dos “outros” “internos”, considerando-os irrecuperáveis.
Para a direção da penitenciária, essa distinção entre os internos se reflete
objetivamente na separação espacial desses dois grupos: os implantados ou
“trabalhadores”; e “normais” ou “outros”.
Na PIRS, os “internos” “implantados moram na vivência 1
A e 1 B,
enquanto os “normais” ocupam as demais vivências, no fundo da penitenciária. A
separação dos detentos, segundo a psicóloga da PIRS, está relacionada com a
organização administrativa da penitenciária.
108
Para a psicóloga da PIRS, porém, essa não é a única razão para colocar
os “internos” “implantados” e os “normais” em vivências diferentes: “A questão de
separar os ‘internos’ que trabalham é mais uma questão de organização, para
facilitar a rotina (...), mas eu concordo que é mais uma forma de excluir e discriminar
os outros que não trabalham”.
Essa separação dos internos” é importante também para evitar as
agressões sicas entre esses dois grupos de presos, pois o conflito entre os
implantados e os “normais” é fato, especialmente porque os presos que não
trabalham não vêem com honestidade a seleção para ocupação das vagas.
Os presos “normais” acreditam, por exemplo, que a “cabuetagem
53
é uma
prática que faz com que a direção da PIRS “premie” o detento com o trabalho:
(...) muitas vezes a gente trabalha e tem deles que dizem ‘olha esse bicho
trabalhando para a cadeia’, eles acham que se a gente trabalhar para a
cadeia a gente ta dando informação, mas não é assim (...) porque se o cara
aqui quiser viver numa boa, é o sei, não vi (...) é um lugar que você vive
num fio de navalha, aqui você não pode ver demais, está entendendo? (M.
V. O. L, detento da PIRS, 54 anos).
Os detentos “implantados” reagem a essa acusação, principalmente
porque a “sociedade carcerária” pune severamente os “dedo-duro”, muitas vezes até
mesmo com a morte.
A acusação mútua faz parte da disputa acirrada por uma das poucas
vagas existentes para trabalhar na penitenciária: fora também conflitos, a
competição e aqui tamm é assim. O mercado de trabalho engole uns aos outros,
principalmente aqui, no mundo deles” (Funcionário da PIRS), onde o labor é um
passaporte para a conquista antecipada da almejada liberdade
54
.
53
“Cabuetar” é o mesmo que dedurar. O “cabueta” é chamado também de “dedo-duro”.
54
A liberdade antecipada é alcançada através da remissão de pena conquistada com o trabalho
penal.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No ano de 2003, a OAB – Ce instituiu uma comissão de estudos presidida
pelo advogado Leandro Vasques para elaborar um relatório sobre a terceirizão do
sistema prisional cearense.
A OABCe decidiu instituir essa comissão de estudos, segundo Vasques
(2003) após a expansão da terceirização das unidades penais no ceará com a
inauguração da penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS) e do Instituto
Penal professor Olavo Oliveira II (IPPOO II).
A da Comissão de Estudos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB
Ce) concluiu em seu relatório final, apresentado a Justiça no Ceará em 2003, que a
terceirização do sistema prisional cearense é ilegal por duas razões.
Primeiro, o Governo do Estado não realizou um processo regular de
licitação para a contratação da empresa privada prestadora dos serviços nas
penitenciárias do Ceará.
Segundo, a ilegalidade apontada por essa comissão decorre do fato de
que apenas os serviços de hotelaria das unidades penais, por exemplo, lavanderia e
cozinha podem ser terceirizados.
No Ceará, entretanto, a Companhia Nacional de Administração prisional
(Conap), empresa privada contratada pelo Governo do Estado para prestar os
serviços de hotelaria nas unidades penais terceirizadas, participa também da
administração dessas prisões.
A Comiso de Estudos da OAB – Ce concluiu também que a presença do
Governo do Estado do Ceará nas prisões terceirizadas é “tímida”. O poder público é
representado nessas unidades penais por apenas dois servidores estaduais: o
diretor geral e o adjunto.
Os demais cargos são ocupados por funcionários da Conap, por exemplo,
agentes de disciplina, médicos, advogados, psicólogos e assistentes sociais.
A ilegalidade apontada pela OAB Ce não desmerece os aspectos
positivos da terceirização do sistema prisional cearense.
A partir da pesquisa realizada na PIRS posso citar, por exemplo, o
combate à superlotação carcerária como aspecto positivo do sistema prisional
110
terceirizado em relação ao modelo de penitenciária tradicionalmente administrado
pelo Estado.
Segundo os dados divulgados pela SEJUS
55
, em julho de 2008, a
população carcerária das unidades penais terceirizadas é consideravelmente inferior
ao número de presos recolhidos nas penitenciárias do Estado do Ceará.
No Instituto Penal Paulo Sarasati (IPPS), por exemplo, ajulho de 2008
encontravam-se reclusos 1256. Esse número é, aproximadamente, 33% superior à
capacidade de 940 vagas existentes nessa penitenciária.
O cenário encontrado nas penitenciárias terceirizadas é diferente.Na
PIRS, até julho de 2008, das 500 vagas existes na carceragem apenas 490 estavam
ocupadas.Na Penitenciária Industrial Regional do Cariri (PIRC), também, das 549
vagas existentes nessa penitenciária noventa estava disponível.
O combate à superlotação é um motivo razoável para se avaliar os custos
/ benefícios da terceirização, uma vez que esse problema, generalizado no Brasil, é
sempre apontado como um entrave ao bom tratamento penal, que proporcione aos
detentos condições favoráveis à sua (re) adaptação à “sociedade mais ampla”.
As boas condições estruturais das prisões terceirizadas do Ceará são
também um aspecto positivo desse modelo administrativo. Essas unidades penais
o novas e bem conservadas.
Na PIRS, por exemplo, os próprios “internos” são responsáveis pela
limpeza e manuteão da penitenciária. O ambiente carcerário permanece em boas
condições de higiene, o que evita a proliferação de algumas doenças como diarréias
e micoses.
Um outro aspecto positivo da terceirização do sistema prisional cearense
é a realização do trabalho penal no interior dessas unidades penais, muito embora
na PIRS, por exemplo, o labor não ocupe 100% da mão - de - obra carcerária.
O trabalho penal mesmo que realizado em pequena escala (na PIRS
apenas 35 % dos detentos estão empregados) é importante para manter a mente
dos presos ocupada e para garantir aos “internos” que trabalham na penitencria o
benefício legal da remissão de pena.
55
http://www.sejus.ce.gov.br/?page=15, acessado em 1 de setembro de 2008.
111
O trabalho penal é fundamental também para a dinâmica da “sociedade
carcerária”. Primeiro, porque a laborterapia é um dos critérios para a atribuição das
identidades de dois grupos de “internos”: os “trabalhadores” e os ”bandidos”.
Segundo, porque o trabalho é uma conquista que garantirá ao preso a sua
mobilidade e a mudança de “status” dentro da sociedade carcerária.
O “status” na sociedade carcerária da PIRS é constituído, portanto, por
dois elementos: pela localização do interno em uma das vivências dessa unidade
penal e pela identidade atribuída ao preso nessa penitencria .
Assim, essa mudança de “status” acontece quando um “interno” é
selecionado para ocupar uma vaga nos canteiros de trabalho. Esse preso deixa as
vivências dos “normais” localizadas no “fundo da cadeia”: 2 A – 2 B; 3 A 3 B; 4 A
4 B; 5
A – 5 B e passa “morar” na vivência dos “trabalhadores”: 1 A – 1 B.
Quando o interno” é selecionado para o trabalho, ele passa a ser
identificado como “implantado” em oposição aos detentos designados na PIRS como
“normais”, ou seja, que não participam dos trabalhos penitenciários.
Apesar da sua importância, o desenvolvimento da laborterapia enfrenta
problemas na PIRS, por exemplo, ausência de fábricas instaladas no interior da
“cadeia”; inexistência de vagas suficientes para todos os internos” trabalharem; e o
preconceito em relação ao trabalho do preso.
A atribuição das identidades carcerárias se inicia durante o “ritual de
inclusão” na PIRS. Os presos que chegam nessa penitenciária são separados em
dois grupos: os “não autorizados”: detentos que ganharam liberdade, mas que
foram novamente recolhidos na PIRS; e os “autorizados”: indivíduos que estão
entrando pela primeira vez em uma penitenciária.
Somente o grupo dos presos “autorizados(indivíduos que estão entrando
pela primeira vez no sistema penitenciário) é que passarão pelo ritual de entrada”
na PIRS.
Ao final do “ritual de entrada” o preso terá perdido junto com os seus
objetos pessoais a sua identidade válida na “sociedade livre” e assumirá uma outra
lida para “sociedade carcerária”.
A identidade atribuída aos presos durante o processo de “inclusão” na
PIRS não é definitiva, ela pode mudar caso o “interno” passe a ocupar uma das
vagas nos “canteiros de trabalho”.
112
Assim, participar dos trabalhos penitenciários significa deixar de ser
considerado na PIRS como um “normal” e passar a ser um “trabalhador”.
Na PIRS, os “internos” “trabalhadores” são chamados também chamados
de “bem comportados” e de “implantados”.
Os “internos” “normais” são identificados tamm na penitenciária como
presos “mal comportados”, “problemáticos” e bandidos”.
Todos os presos reclusos na PIRS constituem o grupo de “ativos”. Os
detentos que deixam a carceragem da PIRS passam a compor o grupo dos
“inativos”.
Os presos saem dessa penitenciária por três motivos: primeiro, quando
ganham a liberdade; depois, quando são transferidos para outras unidades penais e,
terceiro, por morte.
As relações entre os internos” pertencentes ao grupo “trabalhadores” e
dos “bandidos” são marcadas por conflitos abertos que se traduzem na forma de
agressões e xingamentos aos “implantados” por parte dos “normais”.
Os “trabalhadores” são acusados pelos “bandidos” de “cabuetagem e
“delação” para serem selecionados para o trabalho penal. A represália ao “dedo -
duro” na “sociedade carcerária”, é severa.
Por medida de segurança, portanto, esses dois grupos de “internosficam
separados nas vivências: a dos trabalhadores” (1 A 1 B) e a dos “normais” no
fundo da “cadeia”.
No ano de 2006, por determinação do Juiz, Marcelo Lima Guerra, o
Governo do Estado s fim ao contrato de parceria de terceirizão das
penitenciárias cearenses.
A Conap, através de um de seus advogados, entrou com recurso na
Justiça para anular essa decisão judicial.
Os reflexos da decisão judicial que pôs fim a terceirização do sistema
prisional cearense comam a ser sentidos e a afetar diretamente os funciorios
da Conap.
Os agentes de disciplina da PIRS, por exemplo, estão sendo demitidos
para que os agentes penitenciários, servidores públicos, assumam a
responsabilidade pela segurança interna da PRIS.
O número insuficiente de agentes penitenciários que foram convocados
para trabalharem na PIRS já ocasionou, em julho de 2008, a primeira greve desses
113
servidores públicos, apenas seis meses depois de ter o Estado do Ceainiciado o
processo para reassumir a administração total das unidades penais terceirizadas.
Até abril de 2008, quando estive na PIRS pela última vez para realizar
essa pesquisa, ainda não havia ainda desfecho para o impasse sobre o fim da
terceirização do sistema prisional cearense e a Conap continuava administrando a
Penitenciária Industrial Regional de Sobral.
114
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118
ANEXOS
119
ANEXO A – PROCEDIMENTO DE INCLUSÃO NA PIRS.
ORDEM DE SERVIÇO Nº 001/2004-GERÊNCIA GERAL
O Gerente Geral CONAP/PIRS, no uso de
suas competências, institui o presente procedimento que tem
como objetivo disciplinar a inclusão de presos na Penitenciária
Industrial Regional de Sobral.
1º) Para efeito desta Ordem de Serviço, considera-se inclusão a entrada de preso
nesta Unidade Prisional, oriundo de Cadeia Pública ou de outras dependências, com
a finalidade de aqui permanecer cumprindo pena ou ficar à disposição da Justiça
Pública, no caso de detento provisório (sem condenação), cujo ingresso sempre será
precedido de ordem judicial e da competente autorizão da Direção;
2º) Nenhum preso será incluído nesta Penitenciária sem que antes haja a devida
autorização da Direção, a qual deve expressar-se por escrito;
3º) – Assim que a viatura que transporta presos estacionar nesta Unidade, a Portaria
(P1) deverá dar imediata ciência desse fato ao Gerente Operacional, e, na sua
ausência, ao Supervisor e ao Agente de Disciplina Líder, que adotarão as medidas
de sua esfera de competência, inclusive colher a autorização da Direção do
Estabelecimento, dentre outras;
4º) – A viatura transportadora, bem como a respectiva escolta, somente terão
acesso ao interior da prisão quando superada a fase mencionada no item anterior;
5º) Caso a Direção não consinta com a inclusão, o poro da eclusa sequer será
aberto, devendo o veículo retornar do local onde estiver estacionado;
120
6º) De posse da autorização, a qual deverá ser apresentada ao Gerente
Operacional e, na sua ausência, ao Supervisor, será solicitado ao Agente Líder o
concurso dos Agentes de Disciplina que prestam serviços de Apoio, para que
compareçam até o P2;
7º) Presentes os Agentes de Apoio, permitir-se-á o ingresso da viatura
transportadora e da respectiva escolta, devendo permanecer nesse local apenas os
funcionários que estao participando dos procedimentos de ingresso, como
Agentes de Disciplina e responsáveis pelo Setor de Identificação e Controle de
Presos, ficando proibida a presença de outros;
8º) A seguir, a escolta providenciará a retirada das algemas, se houverem sido
colocadas, de no máximo dois presos por vez;
9º) Os Agentes de Disciplina, sempre com as cautelas necessárias, conduzirão o
sentenciado para local adequado, onde ele será rigorosamente revistado, devendo
também serem inspecionados os pertences que for portador ou aqueles que forem
entregues pela escolta;
10) Os objetos cuja posse não é permitida, como dinheiro, roupas civis e outros,
deverão ser encaminhados para os setores competentes, sempre mediante a coleta
de recibo;
11) – O serviço médico deverá realizar o devido exame, para verificar a existência ou
não de lesão corporal, expedindo-se o competente documento escrito sobre o que
for constatado; em havendo lesão corporal, aos componentes da escolta será
entregue uma das vias do laudo, sendo que o recebedor firmará recibo que deve
ficar sob a posse desta Administração;
12) A escolta somente será liberada quando estiverem sido realizados os
procedimentos até aqui mencionados em todos os presidiários recebidos;
13) Ao recém incluído será fornecido, de pronto, o uniforme padrão e, logo após o
ato da entrada, o quite completo (lençol, capa de colco, fronha de travesseiro,
121
toalha de banho, escova dental, creme dental, aparelho de barbear, sabonete, papel
higiênico e sabão), quando seorientado de que deles deve cuidar e que por eles
será responsável, bem como cientificado dos seus direitos e obrigações dentro da
unidade;
14) Após essa fase, deverão ser providenciados os procedimentos de higiene do
recém incluído, como banho, corte do cabelo nos padrões da Unidade e retirada da
barba, caso houver;
15) Já com o uniforme, será o preso encaminhado para o local onde será
fotografado e identificado. Da identificação deverá conter: o nome; o apelido; a
filiação; nacionalidade; local de nascimento; data de nascimento; cor da pele; cor
dos olhos e do cabelo; altura, mesmo que aproximada; peso; estado civil e, quando
casado ou amasiado, o nome da esposa ou da companheira; nome dos filhos, se
houver, e idade; endereço de residência; religião; profissão total da pena, se houver,
ou a razão de sua prisão; tipo do ilícito cometido; procedência; prisões por onde
registra passagem; data da prisão atual; se é primário ou reincidente; se a situação
processual está definida ou indefinida; se registro de fuga e, em caso positivo, a
data e o local; data da inclusão; defeito físico; sinais particulares, como os de
nascimento, cicatrizes (corte, cirurgia ou outra), ferimentos (acidental ou por arma
branca ou de fogo) e tatuagens, devendo especificar os locais e, quando se tratar de
tatuagem, tamm o que ela mostra, como cobra, iniciais de nomes etc; existência
ou não de desafetos ou de conhecidos ou de amigos ou de parentes nesta prisão;
quais documentos pessoais possui (certidão de nascimento, dula de identidade,
título de eleitor, certidão de casamento, certificado de reservista militar, carteira
nacional de habilitação, carteira de trabalho e outros e onde estão); e, nomes das
pessoas com quem a Unidade deve comunicar-se em casos de urgência ou
emergência, com os respectivos grau de parentesco, endereços completos, até com
o número de telefone, quando houver; outros dados de relevância que o
entrevistador entender convenientes;
16) - Quando o sentenciado der mostras de que apresenta deficiência mental ou
conduta anormal, deverá ser providenciada a retirada dos objetos que se prestam a
122
auto - lesão ou ao suicídio e solicitado imediato atendimento psicológico ou
psiquiátrico;
17) - Nos cinco dias úteis subseqüentes à entrada do preso, serão providenciadas
as seguintes condutas pelos setores competentes, dando-se preferência à seguinte
ordem: a)- exame pela área de saúde, quando o médico e o dentista elaborarão a
ficha de saúde de inclusão, e, também, se for o caso, adotarão as medidas
preventivas para a eliminação de eventual problema de saúde de que for portador o
presidiário, principalmente daqueles que possam vir a ser transmitidos para outras
pessoas; b)- exame pela área de serviço social, para providenciar documentos
pessoais e outras medidas de ordem familiar, até mesmo providenciar comunicação
com a família, nos casos em que a remão se processou sem o conhecimento
desta, devendo, nessa oportunidade, orientar quanto ao procedimento relativo ao
recebimento de visitas; c)- exame pela área de psicologia, para os fins necessários;
d)- atendimento pelo advogado, com vistas a instrução do prontuário e prestação de
eventuais esclarecimentos de ordem processual; e)- atendimento pelo Gerente de
Operações e/ou Supervisor, para orientar o preso quanto à filosofia da
administração, formas de trabalho dos Agentes, direitos, deveres, obrigações e
outros esclarecimentos que forem necessários, complementares às orientações
recebidas no ato da inclusão;
18) Após a efetivação dessas providências e no prazo máximo de até dez dias, o
presidiário se distribuído para uma das vivências desta Penitencria, de acordo
com as informões e subsídios colhidos no curso deste procedimento;
19) Todas essas informações coletadas serão juntadas num único dossiê, o qual
passa a ter a denominação de prontuário, no qual serão juntadas outras peças ou
documentos relevantes;
20) Esse prontuário deveser utilizado como fonte de referência nos casos de
exclusão, como remoção para outra unidade, progressão de regime, liberdade e
outras, o que certamente evitaque qualquer presidiário seja removido ou libertado
indevidamente;
123
21) – Caso o presidiário venha a ser removido, em seu prontuário deverão ser
mantidas cópias de todos os documentos decorrentes deste procedimento;
22) A presente Ordem de Serviço entra em vigor a partir desta data, ficando
revogadas as disposições em contrário.
23) Dê-se conhecimento desta ao Gerente Operacional, Supervisor e Agentes de
Disciplina Líderes, para o seu efetivo cumprimento, devendo permanecer afixada no
flanelógrafo por um período de 10 (dez) dias úteis.
Sobral (CE), 02 de fevereiro de 2004.
PETRUS HENRIQUE GONÇALVES FREIR
Gerente Geral
124
ANEXO B – FOTOGRAFIAS: PINTURAS NAS PAREDES DAS CELAS
Fotografia 1: Armas desenhadas na parede da cela.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Fotografia 2 : Santa desenhados na parede da cela.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
125
Fotografia 3: Santo desenhado na parede da cela.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
126
ANEXO C – FOTOGRAFIAS: O TRABALHO PENAL NA PIRS
Figura 4: Presos trabalhando na lavanderia.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
Fotografia 5: Preso trabalhando na padaria.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2006.
127
ANEXO D – FOTOGRAFIAS: O LAZER NA PIRS
Fotografia 6: Campeonato de futebol da PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2006.
Fotografia 7: Campeonato de sinuca na PIRS.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2007.
128
ANEXO E – FOTOGRAFIAS: ATIVIDADE RELIGIOSA NA PIRS
Fotografia 8: Celebração de missa católica no Natal.
Fonte: Arquivos da PIRS, 2006.
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