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EDUCAÇÃO ESPECIAL
C A D E R N O S D A
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
DEFICIÊNCIA MENTAL
DEFICIÊNCIA FÍSICA
N. 1/1998
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SUMÁRIO
DEFICIÊNCIA MENTAL
Deficiência mental
Lígia Assumpção Amaral
e Maria Eloisa Famá D’Antino
Integração, deficiência mental e educação
Maria Eloisa Famá D’Antino
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificada
Ani Martins da Silva
e Maria Eloisa Famá D’Antino
A criança de 4 a 6 anos: brincar é coisa séria
Ani Martins da Silva
e Maria Eloisa Famá D’Antino
A criança de 7 a 11 anos: o desafio da escola
Ani Martins da Silva
e Maria Eloisa Famá D’Antino
Passagem para a vida adulta
Ani Martins da Silva
e Maria Eloisa Famá D’Antino
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28
Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da Educação e do Desporto
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
Secretária de Educação Especial
Marilene Ribeiro dos Santos
Secretaria de Educação a Distância
Cadernos da TV Escola
Diretor de Produção e Divulgação
José Roberto Neffa Sadek
Coordenação Geral
Vera Maria Arantes
Edição
Elzira Arantes (texto) e Alex Furini (arte)
Ilustrações
Gisele Bruhns Libutti
Consultoria
Luzimar Camões e Marta Gil
©1998 Secretaria de Educação a Distância/MEC
Tiragem : 110 mil exemplares
Este caderno complementa as séries da programação da TV Escola
Educação Especial - Deficiência mental/Deficiência física
Informações:
Ministério da Educação e do Desporto
Secretaria de Educação a Distância
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, sala 325 CEP 70047-900
Caixa Postal 9659 – CEP 70001-970 – Brasília/DF - Fax: (061) 321.1178
Internet: http://www.mec.gov.br/seed/tvescola
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
7
15
Deficiência mental. Deficiência física. - Brasília : Ministério da Educação e do
CDU 376
Desporto, Secretaria de Educação a Distância, 1998. 96 p. : il. ; 16 cm. –
(Cadernos da TV Escola. Educação Especial. ISSN 1516-1706 ; n. 1)
1. Deficiência mental e física. 2. Criança de 0 a 3 anos. 3. Criança de
4 a 6 anos 4. Criança de 7 a 11 anos. 5. Adolescência. 6. Vida adulta.
I-Brasil. Secretaria de Educação a Distância.
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DEFICIÊNCIA FÍSICA
Maria Christina Braz Thut Maciel
Apenas diferentes
Os primeiros anos (até 3 anos)
Escola, a primeira aventura (4 a 6 anos)
Bem além dos limites (7 a 11 anos)
Adolescência: Ritmo. Desejo. Ação!
Adulto, cidadão e diferente
DEFICIÊNCIA MENTAL
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Programa 1
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artindo de um quadro conceitual genérico, a
classificação tradicional caracteriza as seguintes
deficiências: mental, física, visual, auditiva e
múltipla. De acordo com estimativas da ONU (não
confirmadas oficialmente no Brasil), essas deficiênci-
as afetam 10 por cento da população de países em de-
senvolvimento, nas seguintes proporções:
No Brasil, as estimativas demonstram que a deficiên-
cia mental corresponde à metade do total de pessoas com
deficiência: seriam 7,5 milhões de pessoas, entre os 15
milhões de brasileiros hipoteticamente deficientes.
A definição de deficiência mental mais difundida
e aceita atualmente é a dada em 1992 pela American
Association of Mental Retardation (AAMR):
Funcionamento intelectual significativamente abaixo da
média, coexistindo com limitações relativas a duas ou
mais das seguintes áreas de habilidades adaptativas: co-
municação, autocuidado, habilidades sociais, participa-
ção familiar e comunitária, autonomia, saúde e seguran-
DEFICIÊNCIA MENTAL
PP
PP
P
Mental 5 %
Física 2 %
Auditiva 1,3 %
Múltipla 1 %
Visual 0,7 %
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Deficiência mentalPrograma 1
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Toda pessoa com deficiência mental é doente.
Pessoas com deficiência mental morrem cedo, devi-
do agraves’ e ‘incontornáveis’ problemas de saúde.
Pessoas com deficiência mental precisam usar
remédios controlados.
Pessoas com deficiência mental são agressivas
e perigosas, ou dóceis e cordatas.
Pessoas com deficiência mental são generaliza-
damente incompetentes.
Existe um culpado pela condição de deficiência.
O meio ambiente pouco pode fazer pelas pesso-
as com deficiência.
Pessoas com deficiência mental só estão ‘bem
com seus ‘iguais.
Para o aluno deficiente mental, a escola é apenas
um lugar para exercer alguma ocupação fora de casa.
Questões diagnósticas
Embora a deficiência mental possa ser identificada pre-
cocemente (em especial nos quadros sindrômicos e nos
casos mais graves), a escola com freqüência é o local
em que surge pela primeira vez a hipótese de que uma
criança tenha essa condição, em razão da demanda
advinda de aprendizagens escolares específicas.
No entanto, tal hipótese deve necessariamente ser
confirmada, antes que algum rótulo seja aposto ao
aluno. Com freqüência, as mais variadas característi-
cas ou peculiaridades dos alunos, às vezes de caráter
até mesmo transitório, são falsamente consideradas
como sinais ou ‘sintomas’ de deficiência mental.
Em ambientes pouco exigentes, é menor a tendên-
cia a rotular pessoas como deficientes. Inversamen-
te, as comunidades mais competitivas, com acentua-
do grau de exigência de desempenho e de habilida-
ça, funcionalidade acadêmica, de lazer e de trabalho.
Manifesta-se antes dos 18 anos de idade.
Esta é uma forma realista de considerar tal condi-
ção humana que, em diferentes momentos e contextos
históricos, já foi vista e sentida culturalmente como: de-
positária do mal’, objeto de maldição’ ou tragédia fa-
miliar. Ou, inversamente, como ‘detentora de poderes
sobrenaturais’, ‘beneficiária de especial proteção’ etc.
Algumas vezes, a própria ciência formulou hipó-
teses e defendeu teses depreciativas, como Platter que,
no século XVI, enfatizava o caráter de degenerescência
da deficiência mental:
Por seus pais, alguns, entre os imbecis, recebem um ca-
ráter hereditário, e são causas internas que são, então,
responsáveis pela imbecilidade; daí decorre muitas ve-
zes que, como os homens ativos e inteligentes concebem
seres semelhantes a eles, assim também os improdutivos
concebem crianças de espírito embotado.
Em escritos do século XVII também encontramos
referências à noção de doença confundida com defi-
ciência mental (então chamada ‘imbecilidade’), pre-
conizando a possibilidade de sua origem congênita
ou adquirida, e da existência de tratamentos que pu-
dessem levar à cura. Foi somente a partir do século
XVIII que surgiu uma abordagem educacional’ das
pessoas com deficiência mental, graças a estudos e
iniciativas de médicos como Itard e Seguin.
A deficiência mental não pode ser confundida com
doença mental (distúrbios emocionais, psicoses etc.),
nem com problemas ou distúrbios de aprendizagem;
tampouco com peculiaridades advindas do ambien-
te cultural (diferenças lingüísticas, de hábitos etc.).
Os séculos passaram, trazendo paulatinamente
nova compreensão a respeito dessa condição. No
entanto, alguns mitos persistem, como por exemplo:
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Deficiência mentalPrograma 1
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Conhecer e identificar esses fatores de risco é es-
pecialmente importante, para que se possam estabe-
lecer programas de prevenção. No entanto, não existe
uma correlação linear obrigatória entre cada um des-
ses fatores e a condição resultante – ou seja, muitas
pessoas expostas a fatores de risco não apresentam
deficiência mental. Além disso, com freqüência não é
possível identificar o fator causal.
Prevenção primáriaPrevenção primária
Prevenção primáriaPrevenção primária
Prevenção primária
Segundo a Organização Mundial de Saúde, as medi-
das voltadas para a prevenção primária podem ser
assim esquematizadas:
Medidas pré-natais
condições de saneamento básico;
cuidados especiais em regiões de risco radiativo;
planejamento familiar;
aconselhamento genético pré-natal;
acompanhamento da gestação (saúde e nutrição
materna);
diagnóstico pré-natal.
Medidas perinatais
atendimento médico-hospitalar de qualidade na
situação de parto;
atendimento de qualidade ao recém-nascido;
screening neonatal;
PKU (teste do pezinho).
Medidas pós-natais
condições de saneamento básico;
serviços de puericultura adequados (que incluem
as campanhas de vacinação);
prevenção de acidentes domésticos.
des para funcionar no contexto social, identificam
maior número de deficientes mentais.
O diagnóstico de deficiência mental, a ser realizado
por um médico ou psicólogo e por um pedagogo, deve
levar em consideração o momento da vida, bem como a
diversidade cultural, lingüística e socioeconômica da pes-
soa. O teste psicométrico deve ser considerado apenas
como um indicador, a ser confirmado por pesquisa mais
aprofundada, em cada caso. Se a hipótese de deficiência
mental for confirmada, a pessoa precisa receber atendi-
mento e apoio favoráveis a seu desenvolvimento, a sua
aprendizagem e a sua independência na vida cotidiana.
Apenas recentemente as pessoas com deficiência men-
tal passaram a ter um genuíno direito à cidadania e a se
beneficiar dos progressos da ciência no sentido de uma
compreensão melhor de sua condição e de suas possibili-
dades de desenvolvimento. Todavia, a idéia de isolar e se-
gregar ainda persiste em muitos casos, na concepção dos
que julgam que a plena integração social jamais se conso-
lidará numa sociedade competitiva que preconiza a bele-
za, a produtividade, o vigor e a conveniência.
Para superar essas barreiras e, conseqüentemen-
te, desenvolver ações que garantam o pleno acesso
dessa parcela da população aos recursos socioeduca-
cionais, é indispensável dominar conhecimentos a
respeito de deficiência e reconhecer as reações pes-
soais e sociais provocadas por essa condição.
Prevenção
Após ter sido superada a noção de que a deficiência
mental é uma doença, têm sido realizados estudos no
sentido de conhecer melhor os fatores de risco que
podem vir a determinar essa condição. Na verdade,
existe uma complexidade de causas, sendo que ele-
mentos múltiplos e interativos estão envolvidos na
origem da condição de deficiência mental.
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Deficiência mentalPrograma 1
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atenção terciária. Além disso, devido à falta de políticas
públicas firmes, essas ações resultam da expressiva partici-
pação da sociedade civil (pais, profissionais, associações etc.).
Malgrado os esforços desses segmentos, é bem pouco
o que se oferece à maior parte da população com deficiên-
cia mental. Alguns estudos indicam que 67 por cento dos
portadores de deficiência mental não recebem atendimen-
to algum; e apenas 33 por cento recebem um atendimento
razoável. Entre o que é oferecido, merece especial aten-
ção o aspecto educacional que, no Brasil, é tradicio-
nalmente entendido como Educação Especial.
Educação Especial
Compreende-se que, no contexto da Educação Especial,
o termo educacional’ se refere a todo espaço institucio-
nal voltado para o desenvolvimento e a aprendizagem
do indivíduo. Esse espaço é comprometido com os
múltiplos e interdependentes aspectos do desenvolvi-
mento – cognitivo, afetivo, socioemocional –, tendo
como referência as diferenças individuais e as possibi-
lidades socioeducacionais de seus sujeitos.
Acredita-se que toda criança deve ter o direito de
estar inserida em um programa educacional, indepen-
dente de suas possibilidades de aprendizagem acadê-
mica, até porque o sentido aqui atribuído ao processo
educacional ultrapassa, e muito, os limites impostos a
um programa restrito à educação formal, acadêmica.
Todo espaço educacional pressupõe a convivên-
cia entre os pares. A possibilidade de conviver, trocar
(dar e receber) e vivenciar situações do cotidiano é
um objetivo implícito no processo de aprendizagem,
bem como no desenvolvimento humano.
O direito de todos os indivíduos à educação, como
caminho possível de integração com o meio social,
deve ser respeitado, independentemente das dificul-
dades ou deficiências do educando.
A prevenção primária é voltada para a comunida-
de em geral, com o objetivo de diminuir a incidência
de doenças e acidentes que possam ser causadores de
deficiência. Depende prioritariamente de ações polí-
ticas que tornem viável a implantação de programas
preventivos garantidos em dispositivos legais, tais
como o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Prevenção secundária
A prevenção secundária se refere às ações que redu-
zem a duração dos problemas já existentes, ou rever-
tem seus efeitos. É destinada a pessoas que já apre-
sentam uma condição de deficiência, ou manifestam
problemas que, se não receberem atendimento ade-
quado, podem resultar em deficiência.
Esse tipo de atendimento é feito por meio de pro-
gramas destinados a conter a evolução de doenças ca-
pazes de causar deficiência, ou então por meio de pro-
gramas de estimulação destinados a minimizar os agra-
vos provocados por um quadro de deficiência.
São exemplos de ações de prevenção secundária:
diagnóstico precoce, programas que incluem dieta
para crianças com fenilcetonúria, programas de
estimulação precoce etc.
Prevenção terciáriaPrevenção terciária
Prevenção terciáriaPrevenção terciária
Prevenção terciária
A prevenção terciária se dirige às pessoas que já vi-
vem a condição de deficiência mental. Tem por obje-
tivo possibilitar o pleno desenvolvimento das
potencialidades do indivíduo, diminuindo as eventu-
ais defasagens provocadas por sua condição. Tais
ações incluem o atendimento clínico e o atendimen-
to pedagógico (pré-escolar, escolar, de preparação
para o trabalho etc.).
Em nossa sociedade, são precárias as políticas de pre-
venção. Assim, as ações se voltam prioritariamente para a
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Integração, deficiência mental e educaçãoPrograma 1
14
questão da integração do aluno com deficiên-
cia mental faz pensar nas dificuldades senti-
das pelos professores, manifestas em indaga-
ções do tipo:
Como integrar o aluno com deficiência mental
em uma classe comum, sendo que essas classes
têm, no mínimo, trinta alunos?
Como administrar a ‘atenção especial’ que de-
veria ser dispensada ao aluno com deficiência
mental, sem prejuízo dos demais alunos?
Como receber um aluno com deficiência men-
tal, se o professor não é habilitado em Educa-
ção Especial?
Como o professor poderá fazer as adaptações
curriculares e desenvolver as atividades didáti-
cas sem o suporte técnico-pedagógico de um es-
pecialista?
Como lidar com a dificuldade dos demais alu-
nos e pais em ‘aceitar um colega diferente’?
Cabe aqui perguntar: estas questões refletem mitos
e preconceitos, ou expressam a realidade?
Não temos a pretensão de responder às questões
colocadas, mas propomos uma reflexão conjunta so-
bre a compreensão dos conceitos de: integração, de-
ficiência mental e educação.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada, com a colabo-
ração da sociedade, visando o pleno desenvolvimen-
to da pessoa, seu preparo para o exercício da cidada-
nia e sua qualificação para o trabalho.
(Constituição Federal, 1988, Capítulo III, Seção I, art. 205)
Se a educação é direito de todos, os indivíduos por-
tadores de deficiência estão sem dúvida aí incluídos;
portanto, sua educação é plenamente assegurada. Além
disso, o artigo 208, inciso III, reassegura o “[...] atendi-
mento educacional especializado aos portadores de de-
ficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Assegurar oportunidades iguais, no entanto, não signi-
fica garantir tratamento idêntico a todos, mas sim oferecer
a cada indivíduo meios para que ele desenvolva, tanto
quanto possível, o máximo de suas potencialidades. Assim,
para que o princípio da igualdade de oportunidades (di-
reito formal) se torne um fato (direito real), é indispensá-
vel que sejam oferecidas oportunidades educacionais
diversificadas. O verdadeiro significado da igualdade de
oportunidades repousa mais na diversificação que na se-
melhança de programas escolares. (Mazzota, 1982)
INTEGRAÇÃO, DEFICIÊNCIA
MENTAL E EDUCAÇÃO
AA
AA
A
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Integração, deficiência mental e educaçãoPrograma 1
16
Esse caminho depende da qualidade das relações
(desde as primeiras vivências) que são estabelecidas
entre a criança (dimensão individual) e seu grupo de
referência: família, escola etc. (dimensão social).
Depende, ainda, do compromisso e da aceitação da
deficiência por familiares, vizinhos, colegas, professores
etc. Portanto, depende do processo de relacionamento
dialeticamente construído entre os sujeitos.
Vale a pena ressalvar a ineficácia dos instrumen-
tos legais que, na tentativa de garantir a integração do
aluno com deficiência mental na classe comum, im-
põem uma pseudo-aceitação deste, acabando por
gerar desordens na ordem escolar.
Quando a presença do aluno diferente é imposta,
sem a devida preparação (do próprio aluno com de-
ficiência, de seus colegas e professores, dos pais, de
funcionários etc.), fica difícil falar em integração. A
integração não se faz com atos legais, não pode ser
imposta. Ela é conquistada, nas ações e nas relações.
Deficiência mental:
do que estamos falando?
O grau de comprometimento intelectual das crianças
com deficiência mental (aspectos internos) abrange
uma escala variada.
Em uma das extremidades estão as crianças que
desenvolvem habilidades sociais e de comunicação
eficientes e funcionais, têm um prejuízo mínimo nas
áreas sensório-motoras, e podem apresentar compor-
tamentos similares aos das crianças de sua idade que
não são portadoras de deficiência. Esse grupo consti-
tui a maioria, cerca de 85 por cento.
No centro da escala estão as crianças com nível
de comprometimento intelectual mais acentuado,
porém capazes de adquirir habilidades sociais e de
comunicação, contanto que disponham de apoio e
acompanhamento mais constantes. Representam,
Integração: do que estamos falando?
Integrar: tornar inteiro; completar, inteirar, integralizar.
Inteirar-se, completar-se. Juntar tornando parte integran-
te; reunir-se, incorporar-se. (Novo Dicionário Aurélio)
Pensando nessa definição, a integração aparece
sob duas dimensões que se entrelaçam: a dimensão
individual e a dimensão social.
Ainda hoje, muitos professores e outros profissio-
nais da educação acreditam que o aluno com defici-
ência mental tem pouca, ou nenhuma, possibilidade
de se integrar. Será um mito, ou é uma realidade?
Ao pensarmos a integração do ponto de vista do sujei-
to, na dimensão individual, podemos falar no movimento
próprio da criança, que a conduz naturalmente em direção
ao outro e ao meio ambiente. Podemos dizer que esse
movimento é uma condição básica para a aprendizagem:
aprendizagem de si, do outro e do mundo a seu redor.
Quanto à dimensão social, podemos pensar nas
diferentes formas de receber, ou de aceitar o movi-
mento da criança com deficiência mental, por parte
do outro. Como essa criança diferente é recebida ao
se relacionar com o outro? Qual a influência da acei-
tação ou da rejeição na construção de sua identida-
de, de sua auto-imagem, enfim, de sua auto-estima?
Pode-se dizer que a integração é um processo bilate-
ral que pressupõe a participação e a ação partilhada,
ao mesmo tempo dividida e somada. É um movimen-
to de conquista de espaço (interno e externo), tanto
daquele que pertence ao chamado grupo minoritário
quanto dos demais participantes da comunidade.
Sem dar uma visão simplista a essa questão complexa,
podemos pensar que, para o sujeito poder se integrar, ou
seja, se assumir como indivíduo, conhecendo e aceitando
suas possibilidades e dificuldades, há um longo caminho
a percorrer, tanto por ele mesmo quanto pela sociedade.
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Integração, deficiência mental e educaçãoPrograma 1
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dimensão social. Somente assim podemos efetivar ações
que garantam o pleno acesso dessa parcela da popula-
ção aos recursos socioeducacionais disponíveis.
O acesso a recursos educacionais não é apenas um
direito do cidadão com deficiência, mas também uma
das vias que pode garantir o exercício de sua cidada-
nia e a apropriação da mesma.
Educação: do que é
mesmo que estamos falando?
Refletir sobre a integração da pessoa com deficiência
mental implica necessariamente repensar o sentido
atribuído à educação. Implica, portanto, atualizar nos-
sas concepções e dar um novo significado aos propó-
sitos educacionais, compreendendo a complexidade
e a amplitude que envolvem o processo de constru-
ção de cada indivíduo, seja ou não deficiente.
A educação a que nos referimos tem um caráter
amplo e complexo, envolvendo todas as ações e as
relações (planejadas ou não, formais ou informais)
produzidas pelo indivíduo e para ele, tendo como
propósito uma atitude contínua de preparar e se pre-
parar, formar e se formar, pela vida e para ela.
Assim entendendo, lembramo-nos de Freinet, para
quem a educação não é uma fórmula de escola, mas
sim uma obra de vida”.
O processo educacional voltado para as pessoas
com deficiência mental deveria ser pensado nessa
mesma perspectiva, ou seja, tendo em vista a prepa-
ração para a vida na família, na escola e no mundo.
Se isso ocorresse, o processo educacional resultaria
naturalmente em convívio e participação social.
Porém, como os mitos e preconceitos ainda ron-
dam o imaginário da grande maioria das pessoas,
devemos continuar falando em Educação Especial,
com todas as especificidades que lhe são próprias
(ou, por vezes, impróprias).
aproximadamente, 10 por cento dessa população.
Apenas cerca de 5 por cento apresentam um rebaixa-
mento intelectual significativo, com freqüência associado
a outros comprometimentos. Nos primeiros anos da infân-
cia, essas crianças adquirem pouca (ou nenhuma) fala co-
municativa e apresentam prejuízos substantivos no desen-
volvimento sensório-motor. Beneficiam-se com a
estimulação multissensorial, também requerendo um am-
biente estruturado, favorável a seu desenvolvimento e
aprendizagem, com apoio e acompanhamento constantes.
Nessa escala, podemos encontrar uma enorme
variedade de formas de apresentação e de condições
de desenvolvimento e de aprendizagem.
Resumindo: o índice de pessoas com comprometi-
mento cognitivo pouco acentuado é predominante,
com aproximadamente 85 por cento. Os indivíduos
com maior comprometimento correspondem à me-
nor parcela dessa população.
Boa parte da população com comprometimento in-
telectual pouco acentuado está excluída da escola públi-
ca. Outra parte está matriculada em classes especiais da
rede pública e um pequeno (muito pequeno) grupo está
integrado em classe ou em escola comum.
Tendo isso em vista, é importante provocar’ os
professores, no sentido de despertá-los para a ques-
tão da inclusão e da integração do aluno com defici-
ência mental no espaço social. Esse espaço não inclui
apenas a escola e a família, mas também ruas, pra-
ças, parques, feiras, clubes – enfim, todos os espaços
que possam ser ocupados por esses alunos, em dire-
ção a sua autonomia e a sua participação social.
Para superar as barreiras do preconceito, um caminho
possível passa, por um lado, pelo conhecimento da con-
dição de deficiência, na dimensão do sujeito; e, por outro
lado, pelas atitudes e pelo comportamento da sociedade
(em especial professores, demais alunos e pais etc.), na
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Programa 2
20
nascimento do bebê marca o início da vida ex-
tra-uterina e do processo de construção de uma
nova pessoa. Esse processo não é estático, nem
ocorre de forma linear: é entremeado por períodos de
avanço, por retrocessos e estagnações, conforme pesqui-
sas de Wallon e Vygotsky. Assim, cada indivíduo tem sua
própria personalidade, bem como um ritmo e um perfil
individuais de desenvolvimento.
Os estudiosos do desenvolvimento infantil enfatizam
a relevância das experiências dos primeiros anos de
vida, que irão fornecer todos os alicerces importantes
para as futuras aprendizagens e para o desenvolvimen-
to da criança. Eles asseguram que o bebê necessita ali-
mento e higiene para crescer fisicamente; e, acrescentam,
requer também atenção e afeto, para desenvolver suas
estruturas psicológicas (mental e emocional).
É essencial para todo bebê sentir-se aquecido, ali-
mentado, higienizado e sustentado no colo com firmeza
e aconchego; cada uma dessas necessidades tem um
equivalente psicológico e emocional.
Para que o bebê se acostume com o som da voz
humana e das palavras é fundamental conversar com
ele desde os primeiros dias. As sementes do aprendi-
zado da comunicação já estão sendo lançadas: o uso
da palavra com seus significados só se viabiliza pela
interação com uma pessoa falante.
Ao longo do primeiro ano de vida ocorre um proces-
so intenso de desenvolvimento e de maturação neuroló-
OO
OO
O
A CRIANÇA DE 0 A 3 ANOS:
ESTIMULAÇÃO INTENSIFICADA
E o que é Educação Especial?
A Educação Especial é parte integrante da educação co-
mum. Em tese, corresponde a um caminho longitudinal
que compreende ações sucessivas, desde os programas
de estimulação desenvolvidos com bebês, até os progra-
mas de preparação para o trabalho, na idade adulta, pas-
sando pelos programas pré-escolar e escolar.
Falar da questão da integração da pessoa com
deficiência mental nos leva a concluir que, se existe
hoje a preocupação em relação a sua integração, está
clara a forte presença de seu contraponto, a segrega-
ção. A história da humanidade é pródiga em exemplos
de segregação de pessoas com deficiência e, infeliz-
mente, o mesmo não se pode dizer da integração.
As marcas dos mitos e preconceitos em relação à pes-
soa deficiente não se apagam. Entre elas, talvez a mais cruel
seja a tendência a não admitir seu potencial de desenvolvi-
mento e de aprendizagem. Com isso, o aluno é precocemente
anulado ou, na melhor das hipóteses, enfrenta as maiores
dificuldades para ser educado na vida escolar e social.
No entanto, independente das dificuldades advindas
de sua deficiência, todo aluno pode, a seu modo e em
seu tempo, se beneficiar de programas educacionais. Ele
precisa apenas que lhe sejam dadas oportunidades ade-
quadas para desenvolver seu potencial de aprendiza-
gem e, conseqüentemente, se integrar.
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Lígia Assumpção. Conhecendo a deficiência -
em companhia de Hércules. São Paulo, Robe, 1995.
FREINET, C. Pedagogia do bom senso. São Paulo,
Martins Fontes, 1985.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Fundamentos da
Educação Especial. São Paulo, Pioneira, 1982.
—. Educação escolar: comum ou especial? São Paulo,
Pioneira, 1987.
23
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificadaPrograma 2
22
cias e vivências proporcionadas pelo meio ambiente,
graças à mediação dos adultos (fator social).
Assim, o ciclo da vida é marcado por períodos que
se sucedem, sendo um o alicerce do outro – vai sen-
do construído passo a passo, num contínuo, gradual
e equilibrado movimento – a dança da vida!
Normalmente, as crianças com deficiência mental,
cujo desenvolvimento intelectual (cognitivo) é mais
lento, demoram mais para aprender a usar o próprio
corpo. E começam mais tarde que as outras crianças
a levantar a cabeça, rolar o corpo, sentar, usar as mãos,
ficar em pé, andar e fazer outras coisas. Apresentam
um atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
As conquistas são progressivas e a criança cami-
nha em direção a sua crescente autonomia: se alimen-
tar sozinha, falar, andar, correr, saltar, pensar, brincar...
No entanto, às vezes precisa enfrentar obstáculos, pre-
cisa resistir ao desejo dos pais ou de outras pessoas
de fazer as coisas por ela.
A descoberta do não’ é um marco importante na
caminhada em direção à independência. Impor limi-
tes e estabelecer a disciplina são atitudes que fazem
parte da tarefa de educar. Esse aprendizado irá demar-
car os caminhos para a formação da consciência.
As experiências bem-sucedidas precisam se sobre-
por às demais. Cabe inicialmente aos pais
proporcioná-las, a fim de que a criança aprenda a se
lançar no mundo com confiança. Saber que é amada
e desejada pelos pais lhe transmite segurança e cons-
titui a base para a construção de sua auto-estima.
Explorando as possibilidades de seus brinquedos
e dos objetos da casa (bater, empurrar, puxar, apertar,
morder...), a criança passa a inventar suas próprias
brincadeiras; essa é a experiência que a introduz no
mundo de faz-de-conta.
Brincar se torna progressivamente uma atividade
significativa para o bem-estar da criança, assim como
gica. As reações reflexas iniciais (sucção, preensão palmar
e plantar, marcha reflexa etc.) aos poucos vão se tornan-
do ações voluntárias, isto é, controladas pela criança.
O bebê tende a repetir os movimentos que asso-
cia com sensações agradáveis. A presença da mãe ou
de sua substituta é um fator fundamental; ao atribuir
significado às ações da criança, o adulto estimula a
repetição de tais ações.
Alguns passos do desenvolvimentoAlguns passos do desenvolvimento
Alguns passos do desenvolvimentoAlguns passos do desenvolvimento
Alguns passos do desenvolvimento
Aqui estão alguns passos do desenvolvimento normal
da criança – processo que inclui variações de tempo
e diferenças individuais:
• 3 meses: o bebê sorri, pega objetos delibera-
damente, como a chupeta, e reconhece com ale-
gria pessoas da família, principalmente a mãe.
• 6 meses: rola o corpo, emite sons e sílabas, saco-
de o chocalho e estranha pessoas desconhecidas.
• 9 meses: senta sem apoio, olha quando é chamado
pelo nome, procura e encontra objetos escondidos.
• 12 meses: anda sem apoio, emite algumas palavras
com intencionalidade: ‘áua’ = quero água; ‘nenê’ = dá
para o nenê etc. Pega e entrega objetos quando lhe
pedem e começa a ajudar na hora de se vestir.
• De 1 a 2 anos: o desenvolvimento global se ex-
pande. A criança começa a caminhar e a capaci-
dade de exploração se amplia, indo além do pró-
prio corpo, do corpo da mãe e dos objetos que lhe
eram oferecidos. Ela já pode se deslocar e ir ao
encontro de outros objetos e brinquedos.
As aquisições vão se dando de forma gradual e pro-
gressiva; cada etapa representa uma conquista e, ao
mesmo tempo, prepara para futuras aquisições. O pro-
cesso de desenvolvimento resulta da interação entre a
maturação neurológica (fator biológico) e as experiên-
25
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificadaPrograma 2
24
tar a cabeça aos 3 meses pode sugerir apenas um atra-
so; porém não fazê-lo aos 6 meses talvez indique uma
deficiência.
Nascer com uma deficiência instalada, ou ter o
risco de desenvolvê-la, em nada altera as necessida-
des básicas: alimentação, higiene, afeto, proteção e
oportunidades para explorar o próprio corpo e o
mundo a sua volta.
Mas, é claro que a criança com deficiência mental
tem necessidades próprias. Os pais, os profissionais e
os agentes de estimulação devem tentar descobrir es-
sas necessidades e procurar a melhor forma de atendê-
las. A programação da intervenção e da estimulação
específicas deve ter como ponto de partida uma avalia-
ção médica, pois os procedimentos de estimulação de-
pendem do quadro apresentado pelo bebê.
É importante levar em conta que:
O manuseio incorreto de um bebê com paralisia
cerebral pode provocar deformidades ósseas. É im-
portante lembrar que a paralisia cerebral não im-
plica, necessariamente, deficiência mental.
O manuseio incorreto de um bebê com síndrome
de Down pode comprometer ainda mais seus pre-
juízos na área motora.
Ao detectar o mais cedo possível a deficiência ou
os atrasos de desenvolvimento do bebê se ganha tem-
po na corrida em prol da atualização de suas capaci-
dades de desenvolvimento global. A demora para ini-
ciar a intervenção adequada cria o risco de perdas
irreparáveis e de defasagens irreversíveis.
As atividades de estimulação precoce, que consti-
tuem prática adotada internacionalmente, se destinam
a crianças de 0 a 3 anos de idade com quadro de defici-
ência instalado desde o nascimento – como por exem-
plo a síndrome de Down. São adotadas também para
os atos de comer e dormir. Quando brinca, ela apren-
de muitas coisas acerca do mundo exterior e da ma-
neira de lidar com ele; ao mesmo tempo, são estimu-
lados outros aspectos do desenvolvimento.
Para exercitar e estimular a imaginação da crian-
ça, ouvir histórias é um recurso valioso. Trata-se de
uma atividade que desperta prazer e interesse: os
contos, mitos e lendas se incorporam a seu mundo.
A imitação e a manipulação, em jogos e brincadei-
ras, incentivam o domínio da coordenação visomotora
e da capacidade de antecipar e planejar ações. Ativi-
dades como quebra-cabeça, bastões de aparafusar,
roscas, cilindros, brinquedos de construir etc. são óti-
mas nesse sentido.
A criança se diverte e aprende com tintas a dedo,
gizão, canetas hidrográficas, lápis de cor etc. Dançar,
cantar, marchar, saltar obstáculos, brincar na água são
atividades prazerosas e altamente produtivas para o
desenvolvimento e o domínio do corpo em movimen-
to, ou seja, para a coordenação global e o equilíbrio.
Estimulação precoce
Para a maioria das crianças, o processo de desenvolvi-
mento e aprendizagem transcorre de forma natural,
bastando que elas recebam da família os cuidados bá-
sicos, a atenção, o carinho e os estímulos espontâneos.
Porém, uma parcela da população infantil precisa da
intervenção específica dos pais e de profissionais, ou
agentes de estimulação, para se desenvolver.
Estamos falando do bebê que nasce com deficiência
mental (quadros sindrômicos), ou daquele que não tem
uma deficiência instalada, mas corre o risco de vir a
apresentá-la (bebês com alto risco neurológico).
Os bebês chamados de alto risco podem apresen-
tar um atraso no desenvolvimento sem que isso ne-
cessariamente indique uma deficiência: não susten-
27
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificadaPrograma 2
26
saúde, em salões comunitários, ou em outros espa-
ços disponíveis na comunidade, com a participação
da família e de agentes comunitários treinados e su-
pervisionados por profissionais da área da saúde.
As pessoas envolvidas em atividades de
estimulação precoce precisam estabelecer uma re-
lação afetiva com a criança, a despeito da deficiên-
cia apresentada, confiando em suas possibilidades
de desenvolvimento. Essa relação vai sendo
construída por meio do toque, da maneira de se-
gurar e manipular o bebê, dos gestos e da comuni-
cação pelo olhar.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, C. A. de.Desenvolvimento afetivo-emocio-
nal”. Campanha de Prevenção das Deficiências: De-
senvolvimento Normal da Criança - 1: 13-17. São
Paulo, Segmento, 1996.
MILLER, Lisa. Compreendendo seu bebê. Rio de Janei-
ro, Imago, 1992.
SOCIEDADE BENEFICENTE SÃO CAMILO. O deficien-
te no Brasil: aspectos multidisciplinares da criança
atípica. 2. ed., 1991.
STEINER, Déborah. Compreendendo seu filho de 1 ano.
Rio de Janeiro, Imago, 1992.
TROWELL, Judith. Compreendendo seu filho de 3 anos.
Rio de Janeiro, Imago, 1992.
crianças suscetíveis de vir a apresentar uma deficiência
(em conseqüência de razões diversas), em função de
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Estimular significa criar condições facilitadoras para
o desenvolvimento do bebê e da criança.
Cabe aos pais, aos profissionais e aos agentes de pre-
venção a tarefa de proporcionar situações e atividades
estimuladoras, de conformidade com a etapa de desen-
volvimento. Assim, ao dispor da maior variedade possí-
vel de situações e de oportunidades para experimentar,
explorar e brincar, incluindo movimentos corporais e uso
de todos os sentidos – principalmente visão, audição e tato
– a criança estará efetivamente sendo estimulada.
Nos programas de estimulação se enfatiza a par-
ticipação da família (mãe, pai, irmãos e avós), uma
vez que um ambiente familiar e social adequadamente
estimulador favorece o processo de aprendizagem e
o desenvolvimento da criança.
Todo programa de estimulação precoce pressupõe
um trabalho de orientação da família, para tornar
possível:
facilitar as relações afetivas entre a família e a criança;
aprender a estimular naturalmente o filho, sem
contudo se tornar mãe ou pai ‘terapeuta’;
perceber as oportunidades de exploração que o
meio físico e social oferecem à criança;
perceber a importância do papel de cada membro
da família como mediador da estimulação nos pri-
meiros anos de vida.
O trabalho de estimulação precoce, indispensável
para a aprendizagem e o desenvolvimento da criança
com deficiência mental, não requer uma estrutura
sofisticada. Pode e deve ser realizado em centros de
29
A criança de 4 a 6 anos: brincar é coisa sériaPrograma 3
28
cialização. Esse trabalho envolve, na mesma medida,
o empenho da família, da creche, da pré-escola e de
todas as pessoas que convivem com a criança.
Talvez o desenvolvimento da sociabilidade seja a
principal função da pré-escola, embora não seja uma
função exclusiva – tampouco se pretende que esse
espaço substitua ou suplante o papel da família. Ali,
a criança tem ricas oportunidades de ser trabalhada
nas questões dos limites, das regras e das normas.
Ela aprende sempre, dentro e fora de sala de aula,
na vida e na interação com outras crianças. Enfim, o es-
paço de aprendizagem é tão amplo e complexo quanto
o processo de desenvolvimento humano. Assim, a res-
ponsabilidade pela educação fundamental do indivíduo
deve ser dividida igualmente entre a família e a escola,
cada qual assumindo o papel que lhe é devido.
A integração à escola
A creche e a pré-escola são espaços institucionais que
têm como proposta teórica o trabalho com múltiplos e
interdependentes aspectos do desenvolvimento da
criança – cognitivo, afetivo, emocional, físico e social –,
levando em conta as diferenças individuais: capacida-
de, ritmo, personalidade etc.
Esses espaços devem contemplar as necessidades
socioeducacionais da criança com deficiência mental, des-
de que seu comprometimento não seja um empecilho.
Por que a criança com deficiência mental normal-
mente não é aceita em creches e pré-escolas co-
muns, sendo encaminhada para escolas especiais?
Por que ela enfrenta tanta resistência, quando se
propõe a integração?
As iniciativas de integração em creches e pré-escolas
têm sido positivas tanto para a criança com deficiência
construção do conhecimento pela criança, ao lon-
go da vida, é fruto da inter-relação entre uma base
biológica, o organismo, e as condições externas – o
meio ambiente. Nesse processo, o adulto e as crianças mais
experientes desempenham um papel vital – são os media-
dores do saber acumulado pelo grupo cultural a que per-
tencem, e essa mediação ocorre por meio da linguagem.
A linguagem torna possível a comunicação entre
os indivíduos, a transmissão de informações e a tro-
ca de experiências. A própria língua, veículo de assi-
milação e de apropriação das conquistas alcançadas
pela espécie humana ao longo de milhares de anos,
é aprendida em situações de interação.
As crianças, portadoras ou não de deficiência mental,
constroem seu conhecimento pouco a pouco, na con-
tínua interação com as pessoas a seu redor.
A experiência nos relacionamentos, as influências
mútuas e a possibilidade de vivenciar situações no-
vas e desafiadoras possibilitam à criança a gradual e
cada vez mais complexa construção da imagem do
mundo que a cerca e das formas de nele viver.
As condutas e os comportamentos esperados pela
sociedade permanecem como objeto de aprendiza-
gem. Daí a importância do chamado trabalho de so-
AA
AA
A
A CRIANÇA DE 4 A 6 ANOS:
BRINCAR É COISA SÉRIA
Para conhecer a criança, é indispen-
sável observá-la nos seus diferentes
campos e nos diferentes exercícios
de sua atividade cotidiana [...] e na
escola, em particular.
(Wallon)
31
A criança de 4 a 6 anos: brincar é coisa sériaPrograma 3
30
Entre 3 e 4 anos, a criança começa a ter consciên-
cia de si mesma, uma vez que já construiu a própria
imagem. As relações sociais são favorecidas por suas
aquisições, especialmente pela linguagem. As trocas
sociais, a atividade pré-escolar e a aprendizagem ad-
quirida propiciam uma grande evolução.
Histórias, músicas, desenhos etc. são recursos es-
pecialmente atraentes no período de 4 a 6 anos; con-
tribuem para ampliar a capacidade da criança de pen-
sar, e, ao mesmo tempo, ampliam o vocabulário.
Por volta dos 4 e 5 anos, a criança já tem noções de
tempo – manhã, tarde e noite; ontem, hoje, amanhã –,
relacionando esses conceitos com sua vida cotidiana.
Aos 6 anos é despertada a curiosidade por apren-
der os porquês’ e para que’ do mundo físico, agora
percebido com maior lógica e coerência.
E a criança com
deficiência mental?
Assim como existem variações no ritmo, no compor-
tamento e na personalidade das crianças em geral,
uma outra variável se manifesta na aprendizagem e
no desenvolvimento da criança com deficiência men-
tal: as limitações intelectuais decorrentes de sua defi-
ciência. Na maioria das vezes, essas limitações não
constituem um impedimento para a aprendizagem.
Mas é preciso respeitar seu ritmo e seu tempo.
O convívio com outras crianças não-deficientes,
em um ambiente social e educacional integrado, cons-
titui um elemento facilitador da aprendizagem e do
desenvolvimento da criança com deficiência mental,
especialmente nessa faixa etária. Ações devidamente
planejadas e a compreensão de que ela está em cons-
tante processo de aprendizagem e desenvolvimento
geram um ambiente social e educacional integrador.
Tendo suas limitações respeitadas e recebendo
mental quanto para as demais. Aprender sobre deficiência
convivendo com o diferente’ é uma rica experiência de vida.
Mitos e preconceitos acerca das possibilidades e
das condições de aprendizagem da criança com defi-
ciência mental estão entre os grandes responsáveis
por sua exclusão dos espaços educacionais.
Na fase pré-escolar, a criança está desenvolvendo
e utilizando ativamente a linguagem. O uso da pala-
vra é uma característica essencial, pois possibilita a
representação simbólica. A função simbólica que se
manifesta no jogo, na imitação, nas histórias criadas
ou recriadas pela criança, é considerada uma forma
de representação do mundo.
A imitação, bem como as brincadeiras de faz-de-
conta, nada mais são que a representação simbólica
de objetos e ações. Imitar a mãe em alguma ativida-
de doméstica, imitar a professora que dá aula, dirigir
uma caixa de sapato como se fosse um carro, são re-
presentações que, na verdade, fazem parte do proces-
so de aprendizagem.
Para qualquer criança, seja ou não deficiente, brin-
car de faz-de-conta constitui um constante exercício de
elaboração, de raciocínio e de construção do conhecimen-
to. O fazer é um instrumento fundamental para a apren-
dizagem das crianças entre 4 e 6 anos: pintar, modelar,
trabalhar com formas, com bastões e recipientes.
A brincadeira envolve uma reflexão a respeito do
mundo interno e da imaginação, por um lado, e do
mundo externo, da realidade, por outro. Serve para
explorar o pensamento e a emoção.
Percebe-se, assim, a importância da brincadeira.
Ao se sujar, se machucar, criar, construir, contar e ou-
vir histórias, beijar, abraçar e brigar com os colegas,
a criança vive plenamente o cotidiano, com relações
ricas em trocas e modelos.
33
Programa 4
32
educação escolar deveria representar, para toda
criança, a oportunidade de um salto qualitativo
em sua aprendizagem e em seu desenvolvimen-
to. Vygotsky (1991) afirma que, corretamente organiza-
da, a aprendizagem escolar oferece algo completamen-
te novo para o desenvolvimento da criança, pois ativa e
desencadeia processos internos. Nesse sentido, o pro-
fessor tem papel vital, pois cabe a ele fazer a mediação
entre os conteúdos curriculares e a criança.
A proposta básica da escola consiste em desempenhar
a função de promotora de aprendizagens: organizar de
forma sistemática, por meio dos conteúdos curriculares,
o conhecimento produzido pelo homem ao longo dos
tempos (Matemática, Português, Ciências etc.).
Nas sociedades escolarizadas, esse espaço de no-
vos saberes específicos é valorizado pela criança an-
tes mesmo de iniciar o aprendizado formal. Por isso,
em toda família, independentemente das condições
socioeconômicas e culturais, o ritual que antecede o
primeiro dia de aula sempre se repete.
No Brasil, a educação é obrigação do Estado e direi-
to de todos, de acordo com a Constituição Federal de
1988 (Capítulo III, Seção I, art. 205). É assegurada, in-
clusive, às crianças e jovens portadores de deficiên-
cia com atendimento especializado, preferencialmen-
te, na rede regular de ensino (art. 208, inciso III).
A CRIANÇA DE 7 A 11 ANOS:A CRIANÇA DE 7 A 11 ANOS:
A CRIANÇA DE 7 A 11 ANOS:A CRIANÇA DE 7 A 11 ANOS:
A CRIANÇA DE 7 A 11 ANOS:
O DESAFIO DA ESCOLAO DESAFIO DA ESCOLA
O DESAFIO DA ESCOLAO DESAFIO DA ESCOLA
O DESAFIO DA ESCOLA
AA
AA
A
A educação proporcionada pela
escola tem um caráter intencional
e sistemático, que dá especial rele-
vo ao desenvolvimento intelectual.
(Dias, 1981)
oportunidades adequadas, todo indivíduo tem condi-
ções de desenvolver, a seu modo, suas capacidades
potenciais. Nesse sentido, reafirmamos a importância
do papel do professor como agente mediador do pro-
cesso de aprendizagem, levando em consideração as
diferenças individuais e proporcionando atividades
diversificadas e motivadoras, que façam do ensino e
da aprendizagem grandes aventuras.
Finalizando, podemos dizer que se torna impera-
tivo potencializar a participação da criança com defi-
ciência mental na vida cotidiana e social, desde a mais
tenra idade, a fim de que possa efetivamente atuar no
mundo, exercitando sua autonomia, aprendendo a
decidir, opinar, cooperar, enfim, caminhando e con-
quistando sua integração com seus próprios passos
(ainda que menos ágeis).
BIBLIOGRAFIA
HOLDITCH, Lesley. Compreendendo seu filho de 5
anos. Rio de Janeiro, Imago, 1992.
MILLER, Lisa. Compreendendo seu filho de 4 anos. Rio
de Janeiro, Imago, 1992.
STEINER, Déborah. Compreendendo seu filho de 6
anos. Rio de Janeiro, Imago,1992.
VYGOTSKY, L.S. Aprendizagem e desenvolvimento
intelectual na idade escolar”. In: Psicologia e Pe-
dagogia I, 31-50. Lisboa, Estampa, 1991.
35
A criança de 7 a 11 anos: o desafio da escolaPrograma 4
34
Sabemos que a consciência da competência é formada
progressivamente e que a auto-estima da criança em fase
de escolarização se liga ao sucesso na escola e a suas ex-
periências de socialização, vivências estas que são
empobrecidas quando passa a freqüentar a classe especial.
Perda da motivação, desinteresse e não-mobilização
das energias internas refletem a internalização do
sentimento de incapacidade imprimido pela escola.
Mesmo que a criança precise enfrentar experiên-
cias de insucesso, o percurso da aprendizagem deve
ser gratificante. É a condição para que ela avance em
direção a patamares mais elevados.
A dualidade do ensino (comum/especial) tem sido
um dos mecanismos utilizados pela escola para dis-
criminar, principalmente, as crianças de classes so-
ciais mais baixas. Há diversas críticas ao sistema de
ensino dual. Vivemos um momento de busca de so-
luções para a integração desses sistemas.
Criar um sistema integrado capaz de atender a necessi-
dades educacionais de crianças e jovens escolarizáveis,
sem as separações que hoje ocorrem, significa que os
professores e demais profissionais da educação precisam
aprender muita coisa acerca de pessoas deficientes. Na
realidade, precisam aprender a levar em consideração as
diferenças de natureza e grau variados, apresentados por
quaisquer pessoas. (Omote, 1996. Grifo nosso)
O papel do professor
Aprender acerca de pessoas com deficiência mental pode
significar, para nós professores, deixar de encaminhar
indiscriminadamente para recursos especializados (clas-
ses especiais, escolas ou instituições especializadas) os
alunos que apresentam dificuldades escolares, sem antes
proceder a um estudo rigoroso, do ponto de vista peda-
Embora esteja expresso em lei que os portadores
de deficiência devem ter, de preferência, atendimen-
to educacional especializado na rede regular de ensi-
no, é sabido que o sistema educacional público não
oferece tais condições a todos os indivíduos portado-
res de deficiência mental, não somente pela diversi-
dade de tipos e graus de deficiência, mas também,
principalmente, porque há pouca vontade política.
Comunidades mobilizadas por pais de crianças com
deficiência fundaram instituições e escolas especializadas
para atender, principalmente, às crianças com prejuízos
mais acentuados – e que, na maioria das vezes, tiveram a
deficiência identificada por ocasião do nascimento. A tra-
jetória institucional desse grupo costuma começar com o
Programa de Estimulação Precoce (0 a 3 anos).
A experiência escolarA experiência escolar
A experiência escolarA experiência escolar
A experiência escolar
O Estado tem o dever de assumir o atendimento escolar
direto, por meio das redes de ensino, às crianças com
deficiência mental em grau leve, as educáveis.
Esses alunos, que correspondem a aproximadamente
85 por cento da população portadora de deficiência
mental, são identificados como tal após o início de sua
vida escolar, uma vez que o atraso no desenvolvimento
é, normalmente, discreto e que suas dificuldades e a len-
tidão na aprendizagem começam a ser percebidas fren-
te à demanda escolar: a primeira dessas demandas é a
alfabetização – ponte para outras aprendizagens.
A marca inicial da trajetória escolar desses alunos é a
repetência. Portanto, até o momento em que foram enca-
minhados para a classe especial, eram vistos como não-
deficientes. Assim, em vez de vivenciarem na escola um
processo de promoção pela via da aprendizagem, ocorre o
oposto: as reincidentes repetências e o rótulo de deficiente
mental são os ganhos’ desse aluno em seu processo esco-
lar – processo de degradação, pela via da não-aprendizagem.
37
A criança de 7 a 11 anos: o desafio da escolaPrograma 4
36
sar seus próprios pensamentos; portanto, os conteúdos de
seus pensamentos se tornam conscientes.
A exploração do próprio corpo, característica do
período anterior, se desloca para a exploração e o
conhecimento do mundo exterior. Nessa fase, se ob-
serva curiosidade e ímpeto por atividades intelectuais.
A criança se torna crítica e autocrítica.
Mais potente e mais segura, continua a caminha-
da em direção a sua autonomia.
As relações fora do âmbito familiar (com colegas,
amigos e professores) passam a ser o centro de inte-
resse da criança. A aceitação de regras e normas é fruto
de seu convívio grupal, o que implica um amadureci-
mento da criança. Lealdade e fidelidade são noções
aprendidas nessa etapa da vida. O outro é levado em
consideração. É a fase do jogo cooperativo, coletivo.
E a criança com deficiência mental?
A criança com deficiência mental não é desprovida de
inteligência. Se a deficiência for leve, ela é capaz de atin-
gir uma estrutura cognitiva que lhe possibilite realizar
operações lógicas de nível concreto, com apoio em ob-
jetos. Portanto, consegue operar mentalmente e abstrair,
tal como a criança que não é deficiente.
Piaget se refere à estrutura cognitiva da criança com
deficiência mental como uma construção mental inacabada.
No caso da deficiência leve, a estrutura cognitiva não chega
ao estágio das operações formais, ou seja, não chega à cons-
trução final – quarto e último estágio das estruturas do co-
nhecimento. Daí a expressão “construção mental inacabada.
Se a criança com deficiência mental leve é capaz
de operar mentalmente, embora numa idade poste-
rior à das crianças não-deficientes, ela é também ca-
paz de ser alfabetizada e de ter acesso a outros co-
nhecimentos das sucessivas seriações escolares.
Progressivamente, práticas inovadoras e integradas
têm confirmado que, devidamente trabalhadas’, as crian-
gógico, de cada caso em particular. E significa considerar,
nesse estudo, principalmente os aspectos ligados à pró-
pria escola, enquanto facilitadora ou não de aprendiza-
gens – metodologia, sistemática de avaliação do aluno, re-
lacionamento com a classe, currículo etc. – e, ainda, a
abordagem teórica que dá sustentação ao nosso entendi-
mento do que é aprendizagem e como ela se processa.
Em relação à decisão quanto ao encaminhamen-
to do aluno para classe especial, é importante que se
leve em consideração que:
[...] a educação tem como princípio fundamental a capacidade
de crescimento do ser humano, que é ilimitado quanto à qual-
quer tentativa de previsão, ou seja, de antecipadamente indicar
com precisão as possibilidades de cada um. (Mazzotta, 1987)
Aprender acerca do aluno com deficiência mental
na faixa etária de 7 a 11 ou 12 anos significa, ainda,
rever nossos conhecimentos sobre o desenvolvimen-
to infantil, embora de forma breve.
Uma nova etapa
Em função de uma nova condição de desenvolvimento
cognitivo, a criança de 6 a 7 anos passa a conhecer o mun-
do e a se relacionar com ele de forma diferente do que fa-
zia na fase pré-escolar. Seu comportamento, sua linguagem,
suas relações sociais e, principalmente, seu raciocínio, pas-
sam por grandes modificações. O conhecimento começa a
ser construído de forma mais compatível com o mundo real,
uma vez que agora a fantasia se diferencia da realidade.
A flexibilidade e a mobilidade crescentes de seu pen-
samento a tornam capaz de operar mentalmente; por exem-
plo, compreende que, se 5 + 3 = 8, então: 8 - 3 = 5 e 8 - 5 =
3. As operações mentais, como seriar, classificar, ordenar, e
as que envolvem reversibilidade, conforme o exemplo, são
realizadas com apoio em objetos ou materiais concretos.
Ou seja, é a existência do concreto e observável que dá
suporte aos seus pensamentos. Ela se torna capaz de pen-
39
Programas 5/6
38
fase da adolescência é marcada por conflitos, con-
quistas e grandes descobertas: descoberta do cor-
po em transformação e de suas novas possibili-
dades, descoberta da sexualidade e do desejo de trocas
afetivas com o sexo oposto... descobertas, descobertas...
Para o jovem, a necessidade de ser aceito pelo
grupo de referência e de fazer valer suas posições,
seus valores, seus desejos e seus impulsos faz parte
dessas marcantes descobertas e constitui uma fonte
de conflitos e de conquistas.
O estranhamento do corpo em acelerada transfor-
mação faz o adolescente perder a referência até mes-
mo do espaço físico que ocupa: ‘tromba’ com freqüên-
cia nos móveis, as mãos parecem não reter copos e
jarras, os pés tropeçam nas menores coisas, a voz...
Ah! Quantos desafinados ais!!!
A sexualidade em franca e prazerosa ascensão é uma
forte adversária das aulas, dos livros, das lições e das
demais responsabilidades. A cabeça está sempre mais
próxima da lua do que do mais interessante filme ou
livro. O quarto, aliado e cúmplice dos grandes segredos,
está com a porta invariavelmente trancada, a despeito
do que pensem os pais. O som, rock pauleira, sempre
muito alto parece mesmo acompanhar o ritmo e a tur-
bulência próprios dessa fase.
Mantendo alguns espaços internos e externos pró-
prios da infância (especialmente os que convêm e quan-
do convêm), os adolescentes começam a conquistar os
PASSAGEM
PARA A VIDA ADULTA
AA
AA
A
ças com deficiência mental leve podem surpreender.
Para que essas práticas deixem de ser iniciativas iso-
ladas e se tornem um projeto comum de todos os pro-
fissionais da educação, precisamos superar a mesmice
pedagógica. Atividades artificiais, repetitivas e desprovi-
das de qualquer significado (recorte, colagem, pintura,
modelagem etc.) devem ser substituídas por um ambien-
te rico em linguagem e em desafios ao pensamento da
criança: em um ambiente alfabetizador.
Ao assumir efetivamente nosso papel, podemos que-
brar o círculo vicioso: não se ensina porque não se
acredita nas capacidades da criança (tão pouco co-
nhecidas!) e a criança não aprende porque não lhe
são oferecidas oportunidades de aprender.
Romper com esse círculo vicioso implica um rompi-
mento anterior: desmontar o sistema dual de ensino e
iniciar, imediatamente, a construção de um sistema in-
tegrado. Criar um sistema capaz de atender às necessi-
dades educacionais de todas as crianças, utilizando os
recursos de Educação Especial como recursos adicionais
e, portanto, paralelos, mas não exclusivos (Omote, 1996).
Assim procedendo, estaremos no caminho de, efe-
tivamente, estender a todos o direito à educação.
BIBLIOGRAFIA
DAVIS, Cláudia & OLIVEIRA, Zilma. Psicologia na edu-
cação. São Paulo, Cortez, 1990.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Educação escolar:
comum ou especial? São Paulo, Pioneira, 1987.
MORAES, Zulca Rosseto de. Temas sobre desenvolvimen-
to, 5(27): 18-26. São Paulo, Memnon, 1995.
NOT, Louis. Educação dos deficientes mentais. São Pau-
lo, Francisco Alves, 1983.
VYGOTSKY, L.S. Aprendizagem e desenvolvimento
intelectual na idade escolar”. In: Psicologia e Pe-
dagogia I, 31-50. Lisboa, Estampa, 1991.
41
Passagem para a vida adultaProgramas 5/6
40
tar’ o filho em um mundo violento como o de hoje
pode não ser um ato de bravura; mas, sem dúvida, é
uma grande aventura, é um ato de coragem.
Desenvolvimento cognitivo
Quanto ao aspecto cognitivo (intelectual), é na adoles-
cência que se atinge o mais complexo estágio de desen-
volvimento – chamado por Piaget de operatório formal”.
As operações de pensamento tornam o adolescente ca-
paz de, agora, compreender aspectos e situações abs-
tratas do mundo que até então não lhe eram acessíveis.
Ao se libertar do mundo concreto, ou seja, da fase
anterior de desenvolvimento cognitivo, o adolescente ga-
nha acesso a outras possibilidades de perceber o mundo
e atuar nele, mesmo que seja só em pensamento: o dese-
jo de transformação do mundo, da sociedade, da vida...
O conhecimento, cuja construção se iniciou a par-
tir do nascimento (período sensório-motor), continua
a avançar em sua estruturação, processo que ocorre-
rá durante toda a vida do indivíduo.
Em função de seu déficit intelectual, o indivíduo
com deficiência mental leve não chega a atingir o úl-
timo e mais complexo estágio da estruturação
cognitiva, o operatório formal. Permanece no estágio
anterior: o operatório concreto. Ou seja, seu conheci-
mento de mundo continua a depender do apoio de
objetos, de suas vivências e das representações men-
tais dos mesmos.
Eterna criança?
Muitos pais e professores de adolescentes com deficiên-
cia mental acreditam poder prorrogar indefinidamente
a infância, como se fosse possível. Consideram-se ca-
pazes disso e plenos de direito; é comum ouvirmos:
Cresceu só no tamanho, mas... é uma eterna criança!
espaços do mundo adulto. Ora se sentem adultos e as-
sim se apresentam ao mundo, ora se mostram crianças
birrentas. Mas, efetivamente, pertencem ao espaço in-
definido de um tempo finito e belo: a adolescência!
Muitos conflitos giram em torno da ambivalência
entre dois pólos: infância e vida adulta. Pólos aparen-
temente distintos, mas absolutamente complementa-
res, que, como em contínuo movimento de gangorra,
se alternam em autonomia e dependência.
Esse movimento de alternância nos mostra que
não se abandona de todo a infância na adolescência,
tampouco se deixa a adolescência por completo ao
conquistar a vida adulta. Leva-se nessa ‘viagem’ uma
bagagem repleta de pequenos e grandes tesouros. E
tesouros são sempre muito bem guardados.
Continuamente, o adolescente é obrigado a ouvir
as célebres e contraditórias frases – que talvez ne-
nhum de nós tenha esquecido:
Não faça mais isso, você já é um moço!
Não pode ir sozinho, já é tarde, você ainda é uma
criança.
E os pais, apesar de terem sido vítimas das mes-
mas contradições em sua adolescência, acabam por
reproduzi-las. Assim, o conflito também é vivido, em
certa medida, pelos pais.
Será que meu filho já é capaz de...
Mas é ainda tão criança para...
Como saber se já é hora de ‘soltá-lo’ no mundo? Ou,
até quando precisará ser aquecido pelas asas’ da mãe,
retardando seus vôos? E que direito têm os pais de ten-
tar limitar os passos do adolescente em direção à vida
adulta, se até mesmo os pés’ já cresceram tanto?
Cresceram para conquistar o mundo. Mundo de
aventuras, riscos, conquistas, responsabilidades, des-
cobertas, alegrias e sofrimentos. Por outro lado, sol-
43
Passagem para a vida adultaProgramas 5/6
42
vivências adequadas a sua idade cronológica. Essas
vivências são pressupostos básicos do processo de
integração, pois irão possibilitar a ele o aprendizado e
o exercício de comportamentos e condutas mais com-
patíveis com as exigências da comunidade em que vive.
As propostas pedagógicas e os objetivos educacionais
destinados ao adolescente com deficiência mental
leve devem ter como prioridade possibilitar-lhe a
conquista da máxima autonomia possível, e a inde-
pendência em relação aos outros indivíduos.
Ele precisa se tornar capaz de resolver os proble-
mas práticos que encontra nos diversos ambientes
nos quais circula – familiar, escolar, oficinas de pre-
paração para o trabalho e comunidade em geral.
Falar em autonomia implica falar na aquisição da
leitura, da escrita, do cálculo e dos demais conteúdos
escolares, bem como de todos os conhecimentos aces-
síveis a sua condição cognitiva. Na maioria das vezes,
esses conhecimentos têm sido negados ao adolescen-
te portador de deficiência mental, apesar dos longos
e intermináveis anos que ele permanece na escola.
De forma contraditória, continuamos no discurso
a buscar a integração social, sem perceber que a apro-
priação dos conhecimentos necessários à vida em
ambiente aberto é uma das vias dessa integração.
A educação dos portadores de deficiência mental
leve depende, necessariamente, da revisão de alguns
princípios – nossas propostas pedagógicas, nossa con-
cepção sobre deficiência mental, nossas atitudes e pro-
cedimentos metodológicos –, e de sua adequação à ca-
pacidade desses estudantes de operar mentalmente.
Precisamos atualizar nossos conhecimentos e
transformar nossa prática, pois só assim estaremos
contribuindo, como profissionais da educação, para o
processo de integração social desses indivíduos.
Ele adora Papai Noel, adora comemorar o Dia do
Índio, o Dia da Criança.
A tentativa de proteger o filho dos preconceitos
sociais, o desconhecimento ou a negação da maturi-
dade biológica – que é a mesma para todos –, a fan-
tasia de poder postergar infinitamente as situações
conflituosas que ele irá enfrentar e a própria dificul-
dade de aceitação da deficiência do filho parecem as
principais dificuldades dos pais para lidar com o ado-
lescente e com tudo que envolve essa fase da vida.
Pais, irmãos, professores e comunidade em geral pre-
cisam aprender a lidar com as pessoas portadoras de
deficiência mental de acordo com as condições e as
vivências próprias de sua idade cronológica.
É preciso aprender a adaptar as atividades e o tra-
to com qualquer sujeito na totalidade de seu ser: ser
criança, e não bebê; ser adolescente, e não criança; ser
adulto, e não mais adolescente.
Tratar o adolescente como tal, e não como criança –
na escola, na instituição, nas oficinas de trabalho, na fa-
mília e na comunidade em geral –, significa eliminar de
seu mundo o tratamento infantilizado, as músicas de
criança, as orelhinhas de coelho, as caras pintadas no Dia
do Índio, as comemorações do Dia da Criança, as ativi-
dades pedagógicas e sociais próprias da infância. Signi-
fica reconhecer e valorizar suas potencialidades, inde-
pendente de sua deficiência. Significa afirmar sua con-
dição de sujeito – o que não tem ocorrido na maneira
pela qual é tratado pelo meio social.
A questão da educaçãoA questão da educação
A questão da educaçãoA questão da educação
A questão da educação
Precisamos buscar alternativas de propostas pedagógi-
cas, de atividades no âmbito familiar e no meio social,
que propiciem ao adolescente com deficiência mental
45
Passagem para a vida adultaProgramas 5/6
44
bens de consumo? Não podemos pensar que essa é
sua única finalidade.
Dentre os aspectos principais envolvidos na questão do
trabalho, vamos ressaltar sua importância: na auto-reali-
zação, na auto-estima, na independência econômica, na
autonomia, no prazer, na sensação de aceitação e no
pertencimento. Quanto a este último, vale assinalar que
muito da satisfação de qualquer empregado com seu tra-
balho consiste, exatamente, em fazê-lo com e em tor-
no de pessoas com ele compatíveis! (Amaral, 1993)
Assim, podemos dizer que o indivíduo, seja ou não
portador de deficiência, tem necessidade de se sentir
aceito pelo grupo de referência, experimentando a
gratificante e prazerosa sensação de pertencimento.
Pertencer, efetivamente, a um grupo, é poder tro-
car, poder cooperar e poder compartilhar – ações e
emoções, conquistas, descobertas, dúvidas, dificulda-
des, inseguranças...
Voltando no tempo e retomando a história...
A pessoa com deficiência mental: ‘sem direito à vida,
depositária do mal’, objeto de maldição, ‘tragédia fami-
liar’, ‘detentora de poderes sobrenaturais’,doente men-
tal’. Seu lugar na sociedade: asilo, exclusão, segregação.
E hoje?
Estimulação precoce, aprendizagem e desenvolvi-
mento, potencialidade, escola integrada, legislação,
estudos científicos, auto-estima, auto-realização, au-
tonomia, participação, integração, trabalho.
Os avanços são notáveis: mudamos muito nosso
modo de pensar, sentir e agir em relação à pessoa com
deficiência mental. Hoje, muitos dos mitos fazem par-
te de um passado longínquo e cruel. Cruel pelo des-
conhecimento, cruel pelos preconceitos e pelos estig-
Não estamos negando as especificidades e pecu-
liaridades advindas da deficiência mental. Queremos,
sim, enfatizar as possibilidades desse sujeito, na to-
talidade de seu ser. A infantilização gerada por senti-
mentos de piedade, comiseração, superproteção e
descrença nas potencialidades do indivíduo são sen-
timentos que dificultam ou, mesmo, em casos extre-
mos, impedem seu processo de integração.
Entender a integração como um processo implica
uma visão voltada para o futuro, sendo que a inser-
ção do portador de deficiência mental no mercado de
trabalho é o coroamento desse processo.
Trabalho: a marca da vida adulta
Todo o investimento e o esforço despendidos pelo
sujeito, pela família e pela sociedade durante o
percurso educacional deveria ter a função de pre-
parar o jovem para assumir responsabilidades e
se integrar na sociedade com uma atividade pro-
dutiva.
O trabalho e sua conseqüente repercussão na vida
dos indivíduos em particular e da sociedade como um
todo é, assim, um dos mais marcantes aspectos da
vida adulta.
Durante a vida inteira somos preparados para
assumir um trabalho e por ele responder, o que sig-
nifica responder por nós mesmos, no sentido de po-
dermos mostrar e demonstrar que temos algo de bom
para produzir. Algo feito por nós. Nós nos expressa-
mos, nos revelamos e nos expomos por meio do tra-
balho que realizamos.
O trabalho tem uma forte representação, tanto no
plano individual, quanto no coletivo. Mas propomos
uma ampliação da associação feita usualmente entre
trabalho e bens de consumo. Será que o trabalho tem
como único sustentáculo a possibilidade de adquirir
47
Passagem para a vida adultaProgramas 5/6
46
mas. Quebramos alguns preconceitos, derrubamos
algumas barreiras – avançamos!
No entanto, como o processo de pensamento é
muito mais ágil que as transformações sociais dele de-
rivadas, ainda se constata um enorme descompasso
entre aquilo que se pensa e se quer e aquilo que deve
ser transformado.
Os objetivos perseguidos pelos programas escolares
e os resultados por eles obtidos não têm contribuído para
a real preparação da pessoa com deficiência mental para
a vida em sociedade, com tudo que representa.
A questão do trabalho na área da deficiência mental
é ampla, complexa e polêmica, tanto no nível social
mais abrangente, quanto nos níveis institucional, fa-
miliar e pessoal. No entanto, precisamos enfrentá-la.
Enfrentá-la significa continuar avançando no nosso
sentir, no nosso pensar e, por certo, no nosso agir.
Não há, por outro lado, uma visão de processo.
Não há integração entre os objetivos educacionais e
aqueles destinados à preparação para o trabalho: os
programas são estanques e se encerram em si mes-
mos, tendo por finalidade apenas o curso em si.
Observa-se, ainda, outra desconexão: entre as ins-
tituições de formação profissional e as exigências e
necessidades do mercado de trabalho. Programas
repetitivos, com atividades simuladas próprias de ofi-
cinas protegidas, se distanciam muito das exigências
reais do mercado de trabalho.
O moderno mercado de trabalho requer um tra-
balhador capaz de acompanhar os rápidos avanços
tecnológicos e de se ajustar com agilidade a diferen-
tes funções.
Cabe às distintas instituições, as escolares e as de
preparação profissional, articular as questões
concernentes à preparação do indivíduo (incluindo a
conexão entre as propostas feitas na escola e os pro-
gramas de preparação profissional) com as exigências
e demandas do mercado de trabalho local (conside-
rando as necessidades e especificidades regionais).
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Lígia Assumpção. Pensar a diferença: deficiên-
cia. Brasília, Coordenadoria Nacional para Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), 1994.
D’ANTINO, Maria Eloisa Famá. “Oficina pedagógica: es-
paço profissionalizante?”. In: O deficiente no Brasil:
aspectos multidisciplinares da criança atípica. 2. ed.
São Paulo, Ação Camiliana Pró-Excepcionais, 1991.
LA TAILLE, Yves de et al. Piaget, Vygostsky, Wallon: teorias
psicogenéticas em discussão. São Paulo, Sumus, 1992.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Educação espe-
cial no Brasil: história e políticas públicas. São Pau-
lo, Cortez, 1996.
VASH, Carolyn L. Enfrentando a deficiência. São Pau-
lo, Pioneira/Edusp, 1988.
DEFICIÊNCIA FÍSICA
51
Apenas diferentesPrograma 1
50
hemiplegia, ou seja, uma paralisia na metade de seu
corpo que recebia o comando da parte do cérebro que
foi lesada.
Após um mês de
internação, e após vários
exames, finalmente você
tem alta. Volta para casa,
mas precisa começar a fazer
fisioterapia, em um centro
de reabilitação para defici-
entes físicos.
Você tem esperança de
se recuperar totalmente e,
depois de algum tempo, fi-
car igualzinho ao que era
antes do acidente.
Depois de seis meses, a
equipe que trabalha na re-
cuperação lhe informa que
o objetivo já foi alcançado.
Você se pergunta: Mas como,
se eu não mexo meu braço e
arrasto minha perna para
andar?
Mais uma vez lhe explicam o que é uma lesão no
cérebro e quais são suas conseqüências. Na hora em
que você bateu a cabeça, as células nervosas que
mandavam ordens para o braço direito e para a per-
na direita morreram. Por isso, você não consegue mais
mexer esse braço, nem ter movimentação completa da
perna. Você agora é um deficiente físico.
A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes,
elaborada em 1975, definiu deficiente físico como uma
pessoa incapaz de assegurar, por si mesma, total ou
parcialmente, as necessidades de uma vida individual
ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas.
II
II
I
APENAS DIFERENTES
Lutar pelos direitos dos deficientes
é uma forma de superar as nossas
próprias deficiências.
(J.F. Kennedy)
magine que você tem uma vida comum, como a
de todo mundo. Levanta cedo, se arruma, toma seu
café da manhã e sai para trabalhar. Vai almoçar em
casa, depois volta para o escritório. No final da tarde,
pega o ônibus lotado e vai para o curso que está fa-
zendo, com a intenção de melhorar de emprego e de
salário.
À noite, cansado, finalmente chega em casa. Lá, você
janta com a família e vai para a cama; no dia seguinte,
começa tudo novamente. Enfim, essa é sua rotina.
De repente, um dia, o inesperado... Você está atra-
vessando a rua e é atropelado. Tudo é muito rápido.
Quando acorda está numa UTI, lembra vagamente do
que aconteceu...
Você está se sentindo estranho, não consegue
mexer a perna e o braço esquerdo, mas não entende
direito o que está acontecendo. Em seguida, chega um
médico e lhe diz: Você foi atropelado, teve um
traumatismo craniano e ficará hemiplégico! Você
entende que foi atropelado, e o resto? O que foi isso
que ele disse?
Vamos por partes. Um traumatismo craniano ocor-
re quando uma batida muito forte na cabeça destrói
células nervosas no interior do cérebro.
Em seu caso, foram lesionadas as células que co-
mandavam o movimento da metade direita de seu
corpo; agora, elas não conseguem mais desempenhar
seu papel. Em conseqüência, você ficou com uma
53
Apenas diferentesPrograma 1
52
tir a roupa (só para abotoar a camisa se passam 15
minutos...) e tomar seu café da manhã.
E para ir até o trabalho? Ah! Ainda bem que existem
ônibus especiais para o deficiente físico. Mas você pre-
cisa sair de casa bem mais cedo porque, até mesmo em
cidades grandes como São Paulo, eles são poucos e
demoram muito, às vezes uma hora. Quando ele chega,
o acesso é feito por meio de uma plataforma.
Ufa! Uma dificuldade já se foi!
Você desce perto do trabalho, mas quando olha
aquela escadaria logo na entrada, tem vontade de
desistir. Pensa: Custava ter um elevador?
Mas não há o que fazer: você fica esperando al-
guém que o ajude a subir. O esforço é grande e o
equilíbrio, difícil.
Na hora de ir ao banheiro, como fazer para se apoiar?
Custava ter uma barra de apoio? Quando constroem um
prédio, será que não pensam que uma pessoa com deficiên-
cia física também precisará ter acesso às instalações?
O dia é corrido, há muito serviço. Seu ritmo é um
pouco mais lento que o dos colegas de trabalho, pois
afinal, o que todos fazem com duas mãos, você faz
com uma só. Será que os outros entendem isso?
Chega a hora do almoço. É difícil cortar os alimen-
tos, porque não dá para segurar o garfo e a faca ao
mesmo tempo, com uma só mão.
À noite, aquele curso que você começou antes do
acidente... Outra escada, que sacrifício. Um colega o
ajuda a subir. As carteiras são desajeitadas para um
deficiente físico! Depois de muita conversa, você con-
segue uma carteira melhor, embora não seja bem
adequada.
O professor coloca uma série de conceitos na lou-
sa, mas logo apaga e você ainda está na metade... Seu
ritmo é mais lento, porém isso não significa que você
não conseguirá aprender tudo. Você tem apenas uma
limitação motora, e não de inteligência.
Hoje em dia essa definição está ultrapassada, uma
vez que o deficiente físico se esforça para suprir suas
necessidades pessoais e sociais da forma mais inde-
pendente possível, dentro de suas limitações.
As associações que agregam pessoas portadoras de
necessidades especiais trabalham no sentido de
conscientizar a sociedade, para integrar o
deficiente físico no meio social, modificar
barreiras arquitetônicas, ressaltar a capaci-
dade de trabalho desses indivíduos e faci-
litar seu acesso à rede de ensino.
A deficiência física é definida, atualmente, como uma
desvantagem, resultante de um comprometimento
ou de uma incapacidade, que limita ou impede o
desempenho motor de determinada pessoa.
Assim, são considerados portadores de deficiên-
cia física os indivíduos que apresentam comprometi-
mento da capacidade motora, nos padrões conside-
rados normais para a espécie humana.
É importante levar em conta que deficiência física e
deficiência mental são limitações diferentes, ocasionadas
por lesões em áreas distintas do cérebro. Um deficiente
físico não é, obrigatoriamente, um deficiente mental.
Um novo dia-a-dia
Logo de início, você se sente revoltado: Por que comi-
go? Mas não encontra resposta.
Depois, vem a depressão: Minha vida acabou mes-
mo, nada mais tem sentido e graça.
Enfim os dias passam... Você tem de continuar sua
vida, mas como? Começa, então, a aprender uma nova
forma de viver.
Você levanta, ou melhor, você senta na cama, e
precisa que sua esposa o auxilie a tomar banho, ves-
55
Apenas diferentesPrograma 1
54
Dentro da coluna fica a medula, de onde partem as ter-
minações nervosas que vão para as pernas e os braços. Se
há uma lesão na parte superior, os quatro membros podem
ficar sem movimentação. Se a lesão acontecer em uma área
mais baixa, somente a perna perde o movimento.
A deficiência física implica falha das funções motoras.
Na maioria das vezes, a inteligência fica preservada,
com exceção dos casos em que células da área de
inteligência são atingidas no cérebro.
A moça somente se desloca sentada em uma cadei-
ra de rodas. Em muitos lugares, a cadeira de rodas não
passa pela porta. Mas, ainda bem, pelo menos ela pode
passear no shopping, se quiser. Lá há rampas e eleva-
dores, e até banheiros especiais para deficientes físicos,
com porta larga para a passagem de cadeiras de rodas,
e também com barra de apoio. Ao andar na rua, ela tam-
bém conta com guias rebaixadas para atravessar, perto de
onde mora e em vários outros lugares.
Agora, você já conhece três tipos de deficiência fí-
sica: a hemiplegia (metade direita ou esquerda do cor-
po paralisada), a paraplegia (paralisia dos membros
inferiores, ou seja, das pernas) e a tetraplegia (para-
lisia dos braços e das pernas.
Hemiplégicos, paraplégicos e tetraplégicos sofreram le-
sões no sistema nervoso (no cérebro ou na medula espinal)
que alteraram o controle neurológico sobre os músculos,
afetando os movimentos do corpo. Se a lesão afetar a área
da linguagem, a pessoa não fala, ou fala com dificuldade.
Há também pessoas amputadas, que nasceram sem
um membro, perderam-no em um acidente, ou necessi-
taram tirá-lo por problemas de saúde (como um proble-
ma circulatório, ou uma gangrena). Esses deficientes po-
dem ganhar maior independência se colocarem próteses
(perna e/ou braço mecânico). Às vezes, mesmo assim ain-
da necessitam do apoio de bengalas ou muletas.
Na volta para casa, a mesma dificuldade de trans-
porte se repete.
Você fica pensando: Será que os outros deficientes
têm os mesmos problemas?
Não sou o único
Um dia, você conhece uma jovem que foi assaltada e
levou um tiro. A bala se instalou na coluna, ela foi
submetida a uma cirurgia, mas ficou paraplégica: per-
deu o movimento da cintura para baixo, não sente
mais nada nessa região. Por pouco ela não se tornou
tetraplégica, ou seja, com os quatro membros parali-
sados (pernas e braços).
tetraplégico paraplégico
57
Apenas diferentesPrograma 1
56
Em conseqüência da anoxia, o bebê demorou mais
tempo que as outras crianças para sustentar a cabe-
ça, sentar, engatinhar e andar. E só conseguiu isso
depois de várias sessões de fisioterapia, em um Cen-
tro de Reabilitação.
E havia outros problemas: ele engasgava com o
leite e tinha dificuldade para engolir a comida. Com
2 anos e 6 meses sequer falava, e precisou fazer um
acompanhamento fonoaudiológico.
Agora, Rodrigo já está com
6 anos. Anda com instabilida-
de, cai à toa e fala com dificul-
dade, mas consegue participar
das brincadeiras com outras
crianças. Para andar, usa no
pé uma goteira, aparelho que
evita que se desenvolvam de-
formidades e ajuda nos movi-
mentos. Na mão, ele usa um
splint, aparelho para ajudar a
manter a mão aberta e evitar deformidades.
As pessoas que não conhecem esses aparelhos
lhe perguntam por que usa tudo aquilo; desde bem
pequeno o garoto aprendeu a falar os nomes com-
plicados (splint, goteira). Esses
aparelhos podem ser esquisitos,
mas, para ele, são de grande aju-
da no dia-a-dia.
Como tem QI dentro da faixa mé-
dia, semelhante às crianças de sua
idade, Rodrigo pode freqüentar uma
sala de aula.
Ao procurar uma escola, os pais
dele depararam com vários obstáculos: escadas enor-
mes, pátios com chão irregular, falta de funcionários
para auxiliá-lo a chegar ao pátio do recreio e para
ajudá-lo a ir ao banheiro. E, para dificultar ainda mais,
Problemas desde o nascimento
E agora você pergunta: Existem pessoas que são deficien-
tes físicas desde o nascimento? Sim, entre outros proble-
mas, existem pessoas com paralisia cerebral.
Na hora do parto, se o bebê ficar sem oxigênio por
alguns minutos, poderá perder células nervosas im-
portantes. Isso também pode ocorrer se houver com-
plicações logo após o nascimento, tais como parada
cardiorrespiratória, meningite e outras.
A criança com paralisia cerebral pode ter tido uma
lesão somente na área do cérebro que comanda os
movimentos do corpo, ou seja, a área motora. Nesse
caso, será portadora de uma deficiência física e ne-
cessitará de cuidados especiais. Seus movimentos
estarão prejudicados, com dificuldades de locomoção
e de movimentação dos braços e/ou das pernas.
Paralisia cerebral é um distúrbio do movimento e da
postura em conseqüência de uma lesão que pode ter
ocorrido no cérebro durante a gestação, na hora do
parto, ou logo após o nascimento.
Em alguns casos, a paralisia cerebral atinge tam-
bém a área do cérebro responsável pelas funções
cognitivas, ligadas à inteligência.
Lembra daquele menino, seu vizinho, que você via
sempre no colo dos pais ou no carrinho de bebê, que
lhe parecia mimado e birrento? Pois é, nunca lhe pas-
sou pela cabeça que ele poderia ter uma deficiência
física. Mas o fato é que ele tem.
Quando Rodrigo nasceu, houve uma demora no
parto e ele sofreu uma anoxia, ou seja, houve uma in-
terrupção no fornecimento de oxigênio a seu cérebro.
Sua vida foi salva graças à administração imediata de
oxigênio. Mas o cérebro já fora atingido, e algumas
células morreram.
59
Apenas diferentesPrograma 1
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Uma das doenças que já foi a maior causa de de-
ficiência física no Brasil é a paralisia infantil (polio-
mielite), hoje erradicada graças às amplas campanhas
de vacinação e à tomada de consciência pelos pais a
respeito da necessidade de proteger seus filhos.
Existem também outras medidas que ajudariam a
diminuir o número de pessoas portadoras de defici-
ência física, como por exemplo:
maior conscientização das mulheres acerca da
necessidade de fazer acompanhamento médico
pré-natal;
melhor infra-estrutura nos berçários para aten-
der aos recém-nascidos (UTI para bebês que
correm risco de vida, aparelhagem moderna,
assepsia para evitar infecção hospitalar);
pessoal treinado no resgate de vítimas de aci-
dentes de trânsito;
conscientização dos riscos da hipertensão e da
diabetes.
A deficiência física não pode ser sinônimo de
invalidez social. A sociedade e o deficiente devem se
unir para vencer os obstáculos.
BIBLIOGRAFIA
SHENKMAN, John. Conviver com a deficiência física.
São Paulo, Scipione.
RIBAS, João Baptista Cintra. O que são pessoas deficien-
tes. São Paulo, Brasiliense, 1985.
há sempre o preconceito; para algumas pessoas, um
deficiente físico é também um deficiente mental.
Causas e precauções
No adulto, a deficiência física pode resultar de um
acidente vascular cerebral (derrame), de traumatismo
craniano, de lesão medular ou de amputação.
Em relação às crianças, algumas se tornaram de-
ficientes em decorrência de meningite, traumatismo
craniano por uma queda muito forte, parada respira-
tória provocada por um choque anafilático (alergia a
anestesia) durante uma cirurgia, malformações oca-
sionadas por remédios tomados pela mãe durante a
gestação (seqüelas de talidomida, por exemplo) e
outros problemas.
Em resumoEm resumo
Em resumoEm resumo
Em resumo
As causas de deficiência física podem ser:
• pré-natais: problemas durante a gestação, como
por exemplo, remédios ingeridos pela mãe, ten-
tativas de aborto malsucedidas, perdas de sangue
durante a gestação, crises maternas de hiperten-
são, problemas genéticos e outras;
• perinatais: problema respiratório na hora do
nascimento, prematuridade, bebê que entra
em sofrimento por passar da hora do nasci-
mento, cordão umbilical enrolado no pescoço
e outras;
• pós-natais: o bebê sofre uma parada cardíaca, pega
infecção hospitalar, tem meningite ou outra doen-
ça infecto-contagiosa, ou seu sangue não combina
com o da mãe (se esta for Rh negativo).
No adulto, quando ocorre uma lesão medular,
aneurisma ou acidente vascular cerebral e outros
problemas.
61
Os primeiros anosPrograma 2
60
Esta foi a sensação dos meus pais quando eu nasci.
Imagine a expectativa deles durante os nove meses
em que eu estive na barriga de minha mãe! Montaram e
arrumaram o quarto, compraram berço, banheira, enxo-
val, fraldas e até mesmo alguns bichinhos e chocalhos.
Finalmente, chegou o grande dia e eu resolvi nascer,
sair daquela escuridão aconchegante e enfrentar o mundo.
Momentos depois de meu nascimento, os médi-
cos procuraram meu pai e um deles explicou:
Médico: Seu filho teve um probleminha na hora do
parto: faltou oxigênio no cérebro, pois ele demorou
para respirar. Ele será uma criança diferente das ou-
tras! Talvez nunca ande ou fale. Só com o passar do
tempo e com a estimulação é que poderemos dizer
como ele será. Mas, com certeza, seu desenvolvimen-
to será diferente do das outras crianças.
A reação de meu pai foi de choque. Tudo havia
corrido tão bem durante a gravidez, minha mãe fize-
ra pré-natal, cuidaram tanto, por que aquilo?
Passado o pânico, ele foi conversar de novo com o mé-
dico, para tentar entender melhor o que havia acontecido.
Pai: O que o meu filho tem, realmente?
Médico: Ele é portador de paralisia cerebral, ou
seja, algumas células do cérebro dele morreram na
hora do parto, em conseqüência da falta de oxigê-
nio. Isso vai causar problemas motores. Crianças com
déficit motor são deficientes físicos.
Paralisia cerebral é qualquer transtorno motor ocasio-
nado por uma lesão cerebral nas fases de gestação, par-
to ou pós-parto. Dependendo da área afetada, pode
comprometer também a linguagem e a inteligência.
Pai: Existem muitas crianças com deficiência física?
Médico: Sim, existem muitas.
Bem-vindo à HolandaBem-vindo à Holanda
Bem-vindo à HolandaBem-vindo à Holanda
Bem-vindo à Holanda
Uma tentativa de ajudar pessoas que não têm com quem compartilhar
essa experiência única. Entender e imaginar é como vivenciar.
Freqüentemente sou solicitada a descrever a experiência de dar
à luz uma criança com deficiência.
Seria como... Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de
férias PARA A ITÁLIA.
Você compra montes de guias e faz planos maravilhosos! O Coliseu. O
Davi de Michelangelo. As gôndolas em Veneza. Você pode até aprender al-
gumas frases em italiano. É tudo muito excitante.
Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Vo
arruma as malas e embarca. Algumas horas depois, você aterrissa. O
comissário de bordo chega e diz:
BB
BB
B
em-vindo à Holandaem-vindo à Holanda
em-vindo à Holandaem-vindo à Holanda
em-vindo à Holanda!
Holanda??!!
diz você.
O que quer dizer com Holanda? Eu escolhi a Itália!
Eu devia ter chegado à Itália. Toda a minha vida eu quis conhecer a Itália!
Mas houve uma mudança no plano de vôo. Eles aterrissaram na
Holanda, e é lá que você deve ficar.
O mais importante é que eles não levaram você para um lugar hor-
rível e desagradável, com sujeira, fome e doença. É apenas um lugar di-
ferente.
Você precisa sair e comprar outros guias. Deve aprender uma
nova língua. E irá encontrar pessoas que jamais imaginara.
É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que
a Itália. Mas, após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao
redor. Começa a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e
até Rembrandts e Van Goghs.
Mas, todos os que você conhece estão ocupados indo e vindo da
Itália, comentando a temporada maravilhosa que passaram lá. E por
toda sua vida você dirá:
Sim, era onde eu deveria estar. Era tudo que eu
havia planejado
.
A dor que isso causa nunca, nunca irá embora. Porque a perda desse
sonho é uma perda extremamente significativa.
Porém, se você passar a vida toda remoendo o fato de não ter che-
gado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito es-
peciais existentes na Holanda.
(Emily Perl Knisley, 1987)
OS PRIMEIROS ANOS (ATÉ 3 ANOS)
63
Os primeiros anosPrograma 2
62
Quando o neurologista me viu e analisou os exa-
mes, chamou meus pais e veio a triste verdade:
Médico: Uma parte do hemisfério direito do cére-
bro de seu filho morreu. Ele terá dificuldade para
movimentar a mão e a perna esquerdas, o que atra-
sará seu desenvolvimento.
Meus pais não
entenderam por que
uma lesão no hemis-
fério direito do meu
cérebro prejudicaria
os movimentos do
lado esquerdo do
meu corpo. E aí tive-
ram nova explicação.
Médico: O lado direi-
to do cérebro coman-
da o lado esquerdo do
corpo, enviando men-
sagens para sua movi-
mentação; o lado es-
querdo do cérebro,
por sua vez, envia co-
mandos para a movimentação do lado direito do
nosso corpo.
O médico nos encaminhou para um Centro de Re-
abilitação, no qual eu receberia estimulação. Quanto
mais cedo isso acontecesse, melhor seria para eu me
desenvolver. Esse tratamento era chamado de
estimulação precoce.
Dar estimulação precoce significa começar a estimular
o bebê o mais cedo possível, com o objetivo de desen-
volver suas capacidades e sua independência no dia-a-
dia, de acordo com a fase em que ele se encontra.
Pai: E para todas faltou oxigênio no momento do parto?
Médico: Não; a falta de oxigênio é uma das causas da
deficiência física em crianças; existem muitas outras.
Há crianças cujas mães tiveram alguma doença du-
rante a gestação, tomaram algum remédio que preju-
dicou o feto, ou até mesmo tentaram fazer um aborto
e não conseguiram. Essas crianças podem apresentar
lesões cerebrais.
Pai: Meu filho será inteligente?
Médico: Provavelmente sim, pois deficiência física é
diferente de deficiência mental. Se a lesão atingir só a
área motora do cérebro, aquela que comanda os mo-
vimentos, a criança terá só limitações motoras. Mas ela
será deficiente mental, com um QI rebaixado, se hou-
ver uma lesão também na área da inteligência.
Pai: Então, ele pode ir para a escola, quando crescer?
Médico: Não só pode, como deve. A escola contribui
muito para o desenvolvimento de qualquer criança.
Pai: E o que eu tenho de fazer agora?
Médico: O senhor deve procurar um neurologista,
que fará exames para detectar em que medida o
cérebro de seu filho foi atingido. E o especialista irá
orientá-lo em relação ao tratamento necessário.
Meus pais estavam muito deprimidos. Durante
nove meses eles haviam sonhado com uma criança
igual às outras, com um bebê que se desenvolvia nor-
malmente. Agora, a angústia e a sensação de insegu-
rança eram muito grandes.
Três dias depois, chegou a hora de ir para casa.
Porém, eu tive uma convulsão e precisei ficar mais
tempo no berçário.
Como foi dura a separação, para mim e para minha
mãe. O contato com ela era importante, eu queria mamar
no seu seio e ser tocado por ela. Porém, eu tinha que ficar
num berço com oxigênio, não podia ser amamentado.
65
Os primeiros anosPrograma 2
64
No Centro de Reabilitação, meus pais conheceram
diferentes profissionais: fisiatra (médico que se
especializou em reabilitação física), fisioterapeuta,
terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, psicóloga,
pedagoga e assistente social. (Esse grupo de especia-
listas orienta os pais, para que eles saibam como li-
dar com a deficiência do filho e possam ajudar no
processo de estimulação.)
Meus pais ficaram conhecendo também outras
crianças com necessidades especiais, por terem sofri-
do traumatismos cranianos em acidentes de carro ou
de trânsito, e até mesmo em acidentes domésticos,
como uma queda de um lugar alto.
Algumas tinham dificuldade de movimentação em
um braço e uma perna e, tal como eu, eram chama-
das de hemiplégicas. Outras, com os quatro membros
(braços e pernas) paralisados, eram chamadas
tetraplégicas. E havia ainda as paraplégicas, incapa-
citadas de movimentar as pernas.
Hemiplegia: paralisia de uma das metades do corpo.
Paraplegia: paralisia dos membros inferiores.
Tetraplegia: paralisia dos quatro membros.
Minha mãe conheceu um menino com apenas
parte do braço e da perna. Durante a gravidez, sua
mãe tomara um remédio que interferira na formação
do feto.
Havia também crianças com as chamadas miopatias.
São bebês que nasceram bem, sem problema algum e,
de repente, por volta dos 3 anos, começaram a cair mui-
to e a perder a força dos músculos. Vão perdendo a for-
ça muscular e têm um tempo de vida curto.
Meus pais se perguntavam porque existiam casos
mais graves ou menos graves que o meu. Aprende-
ram que a deficiência motora é tanto maior quanto
maior for a lesão do cérebro. Uma lesão na área da
linguagem dificulta a fala. Se a lesão atingir a área da
inteligência, o QI será rebaixado.
O desenvolvimento muscular
O tônus dos músculos, isto é, sua elasticidade e sua
capacidade de se contrair e se esticar em reação às
ordens enviadas pelo cérebro, é que permite nossos
movimentos. À medida que os músculos são usados
continuamente e são exercitados, o tônus muscular
vai se fortalecendo.
O desenvolvimento motor do bebê ocorre graças
ao fortalecimento do tônus muscular, combinado com
o desenvolvimento do sistema nervoso.
Em algumas crianças, o tônus muscular é muito
fraco. Elas são chamadas de hipotônicas, porque os
músculos são moles.
Nos casos de paralisia cerebral os músculos às
vezes ficam muito rígidos. São as crianças chamadas
espásticas. Eu era assim...
Há ainda bebês nos quais ocorrem movimentos
involuntários, que não conseguem controlar. Eles são
atetósicos.
Quando é colocado
de
Mas, para mim, era difícil levantar a cabeça e virá-
la de um lado para outro. Com isto, não podia acom-
panhar o movimento dos objetos, como os móbiles
pendurados no berço.
Quando é colocado de bruços, o bebê de
1 ou 2 meses luta para levan-
tar a cabeça. Pouco mais
tarde, levanta tam-
bém o
peito.
67
Os primeiros anosPrograma 2
66
O bebê de 4 a 6 meses vai ampliando suas experiências,
tenta pegar um objeto e segurá-lo com firmeza. Consegue
sacudir um chocalho e fazer barulho. É capaz de segurar a
mamadeira, se esta for colocada em sua mão. Sentado,
mantém a cabeça ereta e consegue se virar quando está de
bruços.
Para mim, era muito difícil segurar um objeto, pois só
uma das minhas mãos se mexia. Pegar a mamadeira, nem
pensar! Nessa idade, eu ainda não sustentava a cabeça.
Meu desenvolvimento estava todo atrasado.
O bebê entre 7 e 9 meses senta cada vez mais firme e é
capaz de explorar os objetos. Consegue dar adeus com a
mão e bater palmas. Começa a dizer dá, pá, mã. Quando
um brinquedo está longe, se arrasta para pegá-lo, e gosta de
jogar os objetos para ouvir o barulho que fazem.
Eu dependia dos outros, para colocarem os brin-
quedos perto de mim. Sempre deitado, meu campo de
visão era bem mais estreito que o das outras crian-
ças. Bater palmas, então... impossível, pois uma de
minhas mãos não se mexia.
Com 10 meses, o bebê
é capaz de ficar em pé,
apoiado na grade do
berço, e tenta comer
sozinho com os dedos.
Compreende o dá e o
não. O equilíbrio vai
melhorando cada vez
mais e ele começa a
andar, entre 10 e 17
meses. A criança passa
a ser mais independente
do adulto para explorar
o ambiente.
Apesar de todo o esforço dos meus pais e da equi-
pe de reabilitação, eu ainda não conseguia ficar em
pé nessa idade.
Cada conquista minha era uma festa. A repetição cons-
tante dos exercícios e os elogios que recebia eram impor-
tantes para meu aprendizado e meu desenvolvimento.
Eu dependia mais da minha mãe que as outras
crianças da mesma idade dependem das delas. Até
engatinhar era difícil. Eu me arrastava, pois só podia
contar com o lado direito do corpo. Mas eu entendia
o ‘dá’ e o não, pois a lesão no cérebro não prejudi-
cara minha capacidade de compreender.
Aos 16 meses, a criança aponta alguns objetos e lhes
dá nomes, espalha brinquedos para brincar, realiza encaixes e
é capaz de atirar uma bola.
69
Os primeiros anosPrograma 2
68
outras crianças. Sentia fome e sede, queria brincar,
queria carinho e amigos.
Apesar das limitações motoras, eu tinha direito ao
mesmo tipo de experiência de todos os bebês. Eu pre-
cisava, por exemplo, explorar um brinquedo, sentir
sua textura, prestar atenção à cor e ao som; mas, para
isso, eu dependia dos outros.
Esse seria o caminho para eu me desenvolver e,
mais tarde, interagir com outras crianças, participar
das brincadeiras e freqüentar a escola.
O carinho de meus pais, que nunca sentiram ver-
gonha de sair e passear comigo, foi de grande valia.
No começo, meu pai conta, ele se irritava com a curio-
sidade das pessoas, quando vinham perguntar o que
havia acontecido comigo.
Depois, ele foi percebendo que explicar o problema e
conversar a respeito era uma maneira de ajudar a vencer
o preconceito contra os portadores de deficiência física.
Aprender a lidar com essa situação seria muito
importante para mim, no futuro. Afinal, eu precisaria
ir à escola e conviver com outras crianças.
Se eles não saíssem comigo, como eu conheceria o
mundo? Eu ficaria limitado ao que havia dentro de mi-
nha própria casa e do Centro de Reabilitação, conviveria
apenas com minha família e com os profissionais que
tratavam de mim.
Minha família compreendeu que não poderia limi-
tar mais ainda minha vida, além do que a deficiência já
limitava. Eu não era doente, era portador de uma
deficiência física, que não impedia o convívio social.
BIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA
FINNIE, Nancie. O manuseio em casa da criança com
paralisia cerebral. São Paulo, Manole, 1980.
BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo,
Harper & Row do Brasil, 1977.
Eu não estava com o desenvolvimento da linguagem
atrasado, por isso sabia dar nomes aos objetos e identificá-
los. Mas realizar encaixes e atirar bola eram tarefas difí-
ceis. Para realizá-las, eu necessitaria uma coordenação ra-
zoável nas mãos e um certo equilíbrio para ficar em pé.
Vocês já imaginaram, nesse pouco tempo de vida,
quantas coisas eu não podia fazer?
Com 18 meses a criança já tira as meias e os sapatos
e ajuda ao ser vestida. Sobe escadas engatinhando e gosta de
dar pequenas corridas. Fala um grande número de palavras e
identifica as partes do corpo.
Esses movimentos, para mim, eram praticamente im-
possíveis. Para facilitar, eu usava um aparelho chamado
splint, que me ajudava a abrir a mão, pois ela era dura, ou
seja, espástica. Mas eu realmente já falava muita coisa!
Por volta de 2 anos e 6 meses, a criança coordena movimentos
mais finos, como desenhar com giz de cera e girar maçanetas. Na
linguagem, consegue construir frases.
Aos 36 meses, compreende ordens que indicam duas ou três
ações, identifica as cores, entende uma história em linhas
gerais.
Em tudo que dependesse da compreensão e da fala,
eu era igual aos outros. Porém, ainda usava fraldas; não
conseguia sentar no penico, pois meu equilíbrio era ruim.
Apoio e carinho
Meus pais foram entendendo que eu precisava rece-
ber muitos estímulos para me desenvolver, e que esse
desenvolvimento seria mais lento que o de uma
criança sem minha limitação física.
Mas foram percebendo também, ao mesmo tem-
po, que as minhas necessidades eram iguais às das
71
Escola, a primeira aventuraPrograma 3
70
Para comer, comecei bem cedo a me virar sozinho,
segurando o garfo com a mão direita, que não tem pro-
blema. Mas as atividades que dependem das duas mãos,
como abotoar a roupa e dar nó no cordão do tênis, es-
sas eram bem difíceis. Para simplificar, sempre usei tê-
nis sem cordão, às vezes fechado por velcro.
Aos 5 anos, mesmo sem equilíbrio suficiente para
ficar em pé e movimentar o braço ao mesmo tempo,
eu já podia escovar os dentes e lavar o rosto sozinho:
bastava ficar sentado em uma cadeira, na frente da pia.
Aos 4 anos, a linguagem está bem desenvolvida: tanto a fala
quanto a compreensão. O contato com adultos e com outras
crianças é mais fácil, a criança já sabe se explicar e falar de
suas dificuldades.
Como eu já disse, não tenho atraso na área da lin-
guagem, uma vez que a lesão em meu cérebro só atin-
giu a parte motora. Então, desse ponto de vista, meu
desenvolvimento sempre foi igual ao das outras crian-
ças. Isso facilita bem o dia-a-dia dentro de casa, pois
posso dizer para minha mãe o que estou sentindo, ou
o que está acontecendo.
Se houver uma lesão que afete a área da fala, a crian-
ça pode ter um atraso no desenvolvimento da lingua-
gem – na fala, na compreensão, ou em ambas.
Durante esse tempo todo, convivi sempre com mi-
nha família e parentes próximos, com os profissionais
que me atendem e com as crianças que freqüentam o
Centro de Reabilitação. O contato com crianças dife-
rentes de mim era esporádico, em festas ou reuniões
de família, sempre com meus pais por perto.
Mas, chegou enfim a hora de me socializar, de de-
senvolver a convivência com outra crianças. Chegou o
momento de enfrentar um mundo maior, aprender a me
ó para lembrar: sou uma criança com deficiên-
cia física, portadora de necessidades especiais,
porque tenho limitações motoras. Quando eu
nasci, faltou oxigênio no meu cérebro e algumas cé-
lulas morreram. Por isso, meu braço e minha perna
esquerda ficaram com paralisia. Precisei fazer trata-
mento num Centro de Reabilitação para conseguir an-
dar, para falar, enfim, para me desenvolver.
Entre 4 e 5 anos, a criança adquire maior coordenação e
controla seu corpo de forma a desenvolver uma série de
atividades de automanutenção: se vestir, ir ao banheiro
sozinha e tomar banho.
Embora um pouco mais devagar que as outras
crianças, eu ia aprendendo tudo. Aos 4 anos, comecei
a dar os primeiros passos. Não estranhem não! Não
aprendi a andar por volta de 1 ano, como a maioria
das crianças. Mas pouco a pouco fui conseguindo.
Para me ajudar a ficar em pé, puseram em minha
perna um aparelho chamado goteira, que mantém o
pé na posição correta.
Para fazer qualquer coisa eu precisava de apoio
e, claro, isso me trazia algumas limitações. Dentro de
casa, eu me segurava nos móveis ou na parede e, se
não desse, era fácil engatinhar. Mas não podia sair
para brincar com os outros meninos na rua, onde não
encontraria apoio.
SS
SS
S
ESCOLA, A PRIMEIRA AVENTURA
(4 A 6 ANOS)
73
Escola, a primeira aventuraPrograma 3
72
Logo chegaram as outras crianças. Todos os alu-
nos eram novos, e a professora fez com que nos apre-
sentássemos. Mas ela percebeu que todos olhavam
para mim e então contou minha situação.
A professora explicou que, como os outros, eu esta-
va ali para ter amigos e aprender muitas coisas novas.
Alguns colegas me olhavam com interesse, perguntavam
o que eu tinha na mão e por que não sabia andar. Ou-
tros nem chegavam perto, pareciam assustados.
Na hora do recreio, precisei ir até o banheiro. A pro-
fessora me levou, junto com a servente, para que ela
também soubesse me ajudar quando preciso. Depois, a
servente me levou para o pátio e me colocou sentado
no banco. Eu não podia correr e brincar solto, mas logo
fiz amizade com alguns colegas. Sentia-me muito feliz
por estar na escola, junto com outras crianças.
Após a primeira semana, o porteiro se ofereceu para
me ajudar e meu pai não precisou mais me levar até a
classe. Percebi que a professora e os funcionários da
escola cada vez mais iam compreendendo as minhas
dificuldades. Mas algumas pessoas não se aproximavam
de mim, não sabiam o que fazer e como agir.
Novos aprendizadosNovos aprendizados
Novos aprendizadosNovos aprendizados
Novos aprendizados
Na escola fui aprendendo muitas coisas. Sabia os dias da
semana, tinha noção do que era grande e pequeno, iden-
tificava cores e formas geométricas (círculo, quadrado e
virar sem meus pais; hora de ir para a escola, conhecer
gente nova e aprender muitas coisas. Afinal, eu tinha
capacidade intelectual para enfrentar esse desafio.
A hora da escola
Meus pais foram procurar uma pré-escola perto de
casa, que tivesse condições de me preparar para a
alfabetização. Conversaram com a diretora e também
com a professora responsável pela classe, que esta-
ria diretamente comigo, no dia-a-dia.
Minha mãe explicou a ambas meu problema, con-
tando como havia sido o acompanhamento de fisio-
terapia e como os principais objetivos até então ha-
viam sido alcançados. Agora, eu precisava de outro
tipo de estimulação e por isso a escola era tão neces-
sária, como para toda criança de minha idade.
A criança precisa desenvolver seu potencial intelec-
tual. A deficiência física não deve impedi-la de fre-
qüentar a escola.
No início, a professora ficou insegura, pois jamais
havia tido um aluno com deficiência física. Mas acei-
tou o desafio. Ela se dispôs a estabelecer com minha
mãe uma relação de ajuda mútua: iria ajudar no pro-
cesso de aprendizagem, enquanto minha mãe daria a
ela todo o apoio necessário, explicando como lidar
comigo e complementando o trabalho em casa.
Finalmente, chegou o grande dia. Meu primeiro
dia de aula! Como qualquer outra criança, eu me sen-
tia muito inseguro e não queria largar de meus pais.
Meu pai me acompanhou até a classe, pois era difí-
cil ir andando até lá. Ajudou-me a sentar em uma cadei-
ra, mas logo percebeu que não era cômoda para mim,
com minhas limitações motoras. Depois de alguns dias,
ele levou para a escola uma cadeira adaptada.
75
Escola, a primeira aventuraPrograma 3
74
lógico. O diretor conversou com minha professora,
para saber se eu poderia participar. Ela, por sua vez,
falou com minha mãe, que autorizou.
Embora estivesse começando a andar, eu me can-
sava com muita facilidade. Então, naquele dia, utili-
zei minha cadeira de rodas. Todos meus amigos que-
riam empurrar a cadeira. Dessa forma, pude ver to-
dos os bichos e aproveitar bem a ida ao zoológico.
Ao mesmo tempo que ocorre o processo de socializa-
ção, se desenvolve paralelamente o da escolarização
propriamente dita, que estimula o desenvolvimento
cognitivo, do conhecimento, da aprendizagem.
Os conceitos de percepção visual, organização
espacial e temporal eram cada vez mais trabalhados
na escola. Comecei a distinguir direita e esquerda, alto
e baixo, antes e depois, cedo e tarde.
Aos 6 anos, eu já desenhava uma pessoa com pes-
coço, mãos e roupas e sabia o nome de todas as par-
tes de meu corpo.
Ao olhar uma ilustração (por exemplo, uma cena de
piquenique), eu descrevia o conjunto e dizia o nome de
cada elemento. Mas, além disso, conseguia estabelecer
relações e conexões entre os objetos desenhados.
Era capaz de copiar figuras geométricas simples
(círculo, quadrado, triângulo e losango) quando tinha
o modelo e, até mesmo, reproduzi-las de memória.
Minha mãe e a professora sempre trocavam in-
formações, para descobrir maneiras de facilitar as
coisas e permitir que eu acompanhasse o ritmo da
classe. A professora não fazia as coisas por mim,
mas me dava condições. Por exemplo, ela notou
que, ao desenhar, eu não conseguia segurar o pa-
pel: então, achou um jeito de prendê-lo na cartei-
ra, com fita crepe.
Eu era mais lento que meus colegas ao executar
triângulo). Para desenhar uma pessoa, fazia duas bolas
(cabeça e tronco) com pauzinhos (braços e pernas). Con-
seguia montar quebra-cabeças simples, de poucas peças.
Aos 5 anos e meio, sabia contar até dez e montava
quebra-cabeças mais complexos. Meu desenho da figura
humana estava mais parecido com a realidade, com cor-
po, membros, boca, nariz e olhos. Eu também já sabia
contar uma história completa, com começo, meio e fim.
Só não conseguia saltar e brincar correndo, como
meus amigos. Mas ia me aproximando cada vez mais
dos colegas e me tornando mais independente dos
adultos. Gostava da atenção que me davam e retri-
buía à altura. Muitos me ajudavam, carregavam mi-
nha mochila e levavam o meu lanche para o recreio.
Entre 4 e 5 anos de idade, o grupo de companheiros,
bem como a identificação com eles, é muito importante
para a criança. Desenvolve-se o processo de socialização,
no qual o indivíduo aprende a viver em sociedade e a
interagir com os demais.
Um dia fiquei triste e assustado, chorei muito,
quando um menino me chamou de aleijado. Mas a
professora me acalmou e conversou com ele, expli-
cando que eu era um deficiente físico e esta era a
palavra correta para se referir a mim.
A atuação constante da professora, orientando
meus colegas e até mesmo os funcionários da escola,
era extremamente importante para me propiciar mais
segurança. Aos poucos aprendi a pedir ajuda, e a di-
zer como as pessoas deveriam fazer para me ajudar.
No dia seguinte ao incidente, o menino me pediu
desculpas e passou até a me ajudar.
Fatos semelhantes não aconteciam só na escola,
mas também em outros lugares, em passeios e em
festas. Fui aprendendo a me defender.
Um dia, a escola programou um passeio ao zoo-
77
Programa 4
76
ou uma criança portadora de necessidades
especiais, um deficiente físico. Tenho hemiple-
gia à esquerda (perna e braço esquerdo sem
movimentos) e, por isso, meu desenvolvimento mo-
tor é mais lento.
Com 7 anos, eu já estava na escola há três, come-
cei a pré-escola. Não era fácil: com minhas dificulda-
des psicomotoras, não conseguia realizar os movi-
mentos precisos indispensáveis para determinadas ta-
refas – pintar dentro de um espaço delimitado, cobrir
traços e outras.
A escola é muito importante para qualquer criança,
mais ainda para a portadora de necessidades espe-
ciais. É lá que, aos poucos, ela aprende a confiar cada
vez mais em si própria, tomando consciência de que
é capaz de realizar a maioria das atividades, embora
levando um pouco mais de tempo.
Precisei fazer duas vezes a pré-escola, para ser
alfabetizado. Isso não quer dizer que eu seja burro,
que entenda menos. Simplesmente, com meu ritmo
peculiar, eu precisava mais tempo para aprender. Meu
QI está dentro da média, mas a dificuldade motora
limitava muito meu desempenho.
Por exemplo, eu não conseguia ficar em pé duran-
te muito tempo, para jogar bola com um colega. Esta
é uma atividade ótima para treinar o equilíbrio, o con-
SS
SS
S
BEM ALÉM DOS LIMITES
(7 A 11 ANOS)
determinadas tarefas, mas depois conseguia recupe-
rar o atraso. Fui aprendendo que o importante era ser
capaz de realizar um trabalho, mesmo que o objetivo
fosse alcançado de forma diferente e em um ritmo
pessoal.
Eu estava muito feliz na escola! O que acontece-
ria comigo se estivesse em casa até hoje? Provavel-
mente ficaria sentado na frente da televisão o dia in-
teiro. Aí, sim, poderia me tornar deficiente mental, por
falta de estimulação e de convívio social.
Diante da maior dificuldade em executar atividades
motoras, a criança portadora de deficiência física se
dedica mais a tarefas intelectuais.
Eu gostava de aprender coisas novas e de brincar
com meus amigos. Às vezes me dava vontade de po-
der fazer tudo que eles faziam e ficava triste, num
canto. Depois, eu lembrava da psicóloga do Centro de
Reabilitação. Ela me dizia que eu sempre poderia me
sair bem em atividades que não dependessem dos
movimentos em relação aos quais tenho limitações.
Na sala de aula, eu podia ajudar um colega a entender
melhor uma lição e, da mesma maneira, podia precisar dele
para alguma tarefa que não conseguisse realizar. Assim, fui
aprendendo a trocar com os outros não só objetos, como
um lanche, mas também a pedir ajuda e a retribuir.
BIBLIOGRAFIA
FINNIE, Nancie. O manuseio em casa da criança com
paralisia cerebral. São Paulo, Manole, 1980.
BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo,
Harper & Row do Brasil, 1977.
FIGUEIRA, Emílio. Vamos conversar sobre crianças de-
ficientes? São Paulo, Memnon, 1993.
79
Bem além dos limitesPrograma 4
78
ca em sua classe. Receava não saber lidar com a situa-
ção. Então, procurou se informar. Leu textos e
pesquisou com as mães e com professoras que já
haviam tido essa experiência.
Sabia que não só ela mas também os outros fun-
cionários da escola precisariam aprender a lidar da
melhor maneira possível com essa situação. Afinal,
nós dois não éramos os únicos deficientes do mun-
do. Então, ela sugeriu ao diretor da escola que convi-
dasse especialistas de diversas áreas, para dar pales-
tras na escola a respeito do acompanhamento de
crianças portadoras de deficiência física.
A escola proporciona oportunidades educacionais
para que a criança tenha uma existência feliz, prepa-
rando-a para enfrentar o futuro.
Com tudo que aprendera, minha professora cons-
tatou que a criança, mesmo com limitação motora e
com o uso de cadeira de rodas, pode ter uma partici-
pação ativa em sala de aula.
O diretor conseguiu fazer uma pequena reforma
no caminho para o pátio. Em um lugar no qual havia
três degraus, mandou construir uma rampa, o que
facilitou bastante. A colocação de barras no banheiro
(para dar apoio, ao utilizar o vaso sanitário) também
era uma coisa simples e barata, que logo foi feita.
Formação dos gruposFormação dos grupos
Formação dos gruposFormação dos grupos
Formação dos grupos
Nessa faixa de idade surgem as disputas e a luta pela
liderança, se estruturam relações de amizade e se for-
mam pequenos grupos para brincar. São acontecimen-
tos importantes para o desenvolvimento emocional.
Eu participava de grupos cada vez maiores. A
amizade dos colegas e a convivência com todos eram
de grande valia. A hora do recreio era importante.
trole e a força do movimento dos braços, habilidades
que contribuem para o aprendizado da escrita. Mas
eu não podia usufruir desses benefícios.
Certo dia, alguns amigos meus estavam na rua,
brincando de correr atrás de um cachorro. Fiquei
olhando, chateado porque não podia correr com eles
e porque gosto muito de cachorros. Mas, depois, um
colega levou o cachorro para perto de mim e eu pude
brincar com ele.
Eu me cansava para pegar o material na mochila
e mudar a posição do corpo na carteira. Para ler, pre-
cisava apoiar o livro com a mão que não mexia e vi-
rar a página com a outra.
A escola vai aprendendo
Desde o começo, sempre fui muito feliz na escola. E
sabia que não poderia deixar de freqüentar as aulas,
apesar das dificuldades.
O ideal seria uma escola com rampa, sem degraus,
portas largas e corrimões em lugares apropriados,
como por exemplo nos banheiros.
Em minha escola não havia nada disso. Era a pri-
meira vez que recebia um aluno portador de deficiên-
cia física. Mas, quando entrei, colocaram uma funcio-
nária para me auxiliar a subir a escada e ir ao banheiro.
A minha professora sempre procurou facilitar as coi-
sas para mim. Eu não queria que outra pessoa fizesse as
coisas por mim, mas sim que me dessem condições para
realizar tudo o que as demais crianças faziam.
Depois de mim, Diana entrou na escola; também era
portadora de deficiência física. Ela havia sofrido uma
parada cardíaca durante uma cirurgia e ficara em coma;
depois, só podia se locomover em cadeira de rodas.
Conversando com minha mãe, minha professora
confessou que ficara muito insegura, no início do ano,
ao saber que teria duas crianças com deficiência físi-
81
Bem além dos limitesPrograma 4
80
As constantes solicitações contribuem para exercitar
a memória, a acuidade sensorial, a imaginação, o
vocabulário e o raciocínio. Ao ser capaz de pensar em
coisas que não estão presentes e, assim, desenvolver
sua capacidade de abstração, a criança pode fazer
desenhos seguindo apenas sua imaginação.
Tudo caminhava bem, até que um dia tive uma
convulsão durante a aula, na frente da professora e
de meus amigos. Foi um corre-corre. Chamaram mi-
nha mãe mas, quando ela chegou, eu já estava bem.
Às vezes eu tinha convulsões, mas eram rápidas.
Para evitá-las, eu precisava tomar o remédio regular-
mente. O problema foi que eu cresci e, por isso, a dose
do remédio ficou pequena; precisava ser aumentada.
A professora jamais enfrentara tal situação e quis
saber, com minha mãe, como deveria agir.
Minha mãe explicou. A primeira providência era
colocar a criança deitada no chão e apoiar sua cabe-
ça em uma almofada, ou em um agasalho dobrado,
para a cabeça não bater no chão. A cabeça precisa fi-
car ligeiramente virada para o lado; assim, se houver
vômito, não há risco de sufocamento. Se a convulsão
durar mais de 10 minutos, o aluno precisa ser levado
para o pronto-socorro.
A professora conversou também com o neurologis-
ta que me tratava. Ele explicou que convulsão não é
doença contagiosa, não passa para os outros. Aliás, nem
mesmo é uma doença; é uma disfunção no funciona-
mento do cérebro. Só é prejudicial para quem a tem; se
for muito demorada pode ser perigosa, pois diminui a
quantidade de oxigênio que vai para o cérebro.
No dia seguinte, eu estava tranqüilo. Fui para a
escola, depois de ter tomado uma dosagem maior de
remédio, conforme o médico recomendara. Percebi
que algumas crianças tinham receio de se aproximar.
Além de brincar, nós nos preparávamos para um novo
período de esforço mental.
Eu e meus amigos começamos a assumir maiores
responsabilidades. Tínhamos horários para as aulas:
Português, Matemática, Estudos Sociais, Música, Artes e
Educação Física. Fazíamos provas, havia tempo deter-
minado para fazer os exercícios em classe e as lições de
casa. Aprendemos que existem horas para o trabalho e
para o lazer, e desenvolvemos noções de disciplina, res-
peitando o que podíamos fazer na classe e no recreio.
No recreio se desenvolve a solidariedade do grupo,
se consolidam as amizades e se estabelecem as pre-
ferências individuais.
Eu estava pronto para a aprendizagem da leitura,
da escrita e do cálculo. À medida que fui aprendendo
a escrever e a ler, fui descobrindo muita coisa nova.
Fora da escola, eu não podia brincar muito com
meus amigos, que se divertiam na rua. Então, apro-
veitava para ler, ou jogava para passar o tempo.
Graças à capacidade de abstração, meus colegas
e eu já podíamos fazer contas. Exemplo: para somar
2 + 6, não precisávamos mais ter 2 bolinhas e juntar
com mais 6. Já sabíamos ver as horas em relógio com
ponteiros.
Igual, mas especial
Não sei se vocês perceberam, mas estou só falando
de coisas comuns a toda classe. Até parece que somos
todos iguais. Realmente, nessa fase de aprendizagem,
nossas diferenças são muito pequenas. O desenvol-
vimento intelectual é muito importante, e nesse as-
pecto, eu não me diferenciava dos outros alunos. Eu
só precisava mesmo de auxílio para manusear o ma-
terial escolar e para a locomoção.
83
Bem além dos limitesPrograma 4
82
cuperação durou três semanas.
E assim, superando problemas, tendo muito apoio
e fazendo grandes conquistas, consegui completar o
ensino fundamental.
Tive muitas alegrias, mas enfrentei também difi-
culdades. Encontrei crianças que me rejeitavam, por
não compreender meu problema. Essas situações me
deixavam triste. Mas tudo se equilibrava quando eu
percebia que meus amigos gostavam mesmo de mim.
Aprendi a lidar com a minha diferença e com as rea-
ções que ela provoca nos outros.
FinalizandoFinalizando
FinalizandoFinalizando
Finalizando
É muito importante para uma criança portadora de
deficiência física aprender, desde pequena, a não se
autolimitar. Ela precisa ter em mente que não é doen-
te, mas apenas portadora de algumas limitações; e
que, apesar dessas limitações, pode ter uma boa con-
vivência na sociedade.
A sociedade, por sua vez, precisa aprender a convi-
ver com as diferenças individuais de cada um. O pro-
fessor e toda a equipe escolar devem criar uma relação
de confiança com o aluno, descartando a hipótese de ele
vir a ter medo ou vergonha de não aprender imediata-
mente o que está sendo transmitido.
Na verdade, a diferença de ritmo pode acontecer
com qualquer criança, portadora ou não de necessi-
dades especiais. Assim, é fundamental criar uma re-
lação de confiança com todos os alunos.
BIBLIOGRAFIA
BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo,
Harper & Row do Brasil, 1977.
FIGUEIRA, Emílio. Vamos conversar sobre crianças de-
ficientes? São Paulo, Memnon, 1993.
Mas a professora explicou o que acontecera e disse
que a situação estava sob controle, em caso de nova
convulsão.
E a vida continua...
Minhas notas foram ficando cada vez melhores. Com
freqüência podia ajudar algum amigo que não enten-
dia a lição de casa. Minhas lições estavam sempre
bem feitas, meus cadernos em ordem. Como eu já
contei, por não participar de brincadeiras na rua, de-
dicava mais tempo ao estudo e lia bastante. Adorava
ler livros e freqüentar a biblioteca da escola.
Minha colega Diana tinha dificuldade para pegar o
lápis. Ela usava um aparelho adaptado, para ajudar a se-
gurar o lápis. Essa adaptação fora feita pela terapeuta
ocupacional, pois minha amiga não teria condições fi-
nanceiras para comprá-lo.
Ela escrevia lentamente, demorava para copiar a
lição da lousa. Para ajudar, a professora passava umas
fichas com o que estava na lousa, para que ela com-
pletasse o exercício em casa.
Diana faltou alguns dias para fazer uma cirurgia
de correção de uma deformidade do joelho. Assim que
saiu do hospital, sua mãe ia buscar a matéria dada pela
professora, para que ela fizesse os exercícios em casa
e não se atrasasse. Quando tinha dúvidas, me telefo-
nava e, se fosse o caso, eu ia até a casa dela. Sua re-
85
Adolescência: Ritmo. Desejo. Ação!Programa 5
84
va tanto. O fato de o meu corpo ser diferente passou
a me incomodar muito.
O aparelho (splint) que sempre usei na mão, des-
de pequeno, começou a parecer maior e mais chama-
tivo. Claro, era o mesmo aparelho que eu sempre vira
apenas como algo útil para mim, mas agora ele se
transformara em mais uma coisa a me diferenciar dos
outros, a chamar a atenção.
Na adolescência, as modificações no corpo levam à
estruturação de um novo ego corporal, à busca de
identidade e ao desempenho de novos papéis.
Queria parecer em tudo com meus amigos. Fica-
va prestando atenção a seu modo de se vestir e de se
portar, na escola, nas idas ao cinema ou nas festas.
Antes, eu não me incomodava muito com o fato de
ser tão diferente, pela aparência, pelo jeito de andar
e pelos meus gestos. Mas agora...
Como eu gostaria de não chamar tanto a atenção!
Isso me incomodava mais ainda porque estava come-
çando a me interessar pelas meninas. Temia ser re-
jeitado por elas, não poder conquistá-las.
Ficava pensando nos padrões estéticos impostos
socialmente, que valorizam o homem musculoso e vi-
ril, ou a mulher de formas perfeitas. Às vezes, isso me
deixava deprimido. Era como se o portador de uma
deficiência física não pudesse se integrar na sociedade.
Será que alguma menina iria gostar de mim? Será que
eu conseguiria arranjar uma namorada? Ou as meninas
teriam vergonha de sair com um cara como eu?
Novas descobertas
Meus pais perceberam que eu andava triste, mais
quieto que o normal, e nem sempre aceitava con-
vites para ir às festas. Um dia consegui me abrir
erminei o período de ensino fundamental e fui
para a 5
a
série. Até então eu conseguira superar
bem os inúmeros obstáculos trazidos por mi-
nhas limitações motoras, graças a meu esforço e à
ajuda de meus pais, dos professores e dos colegas.
Esperava continuar com o mesmo sucesso.
Nessa nova fase havia vários professores, um para
cada matéria. Alguns escreviam devagar na lousa, po-
rém outros logo apagavam o que haviam escrito e con-
tinuavam sua aula. Como sou mais lento, muitas ve-
zes não conseguia copiar e precisava pedir aos ami-
gos que me emprestassem o caderno para trabalhar
em casa. Às vezes, o próprio professor me passava
suas anotações.
O mais difícil era manejar o material de Desenho
Geométrico, como o compasso e a régua, que depen-
de do uso das duas mãos. Meus pais procuraram a
terapeuta ocupacional que me atendia quando eu era
pequeno e ela deu boas dicas.
Comecei a entrar na adolescência. Via, inquieto, as
mudanças em meu corpo; cresci muito e já observa-
va os pêlos, embaixo dos braços e na região púbica.
E o pior eram as espinhas no rosto... Eu sabia que tudo
isso era causado pelas alterações nos níveis
hormonais. Mas não compreendia muito bem o pro-
cesso e me sentia inseguro.
Percebi que estava dando maior valor para a apa-
rência física, coisa que antigamente não me importa-
TT
TT
T
ADOLESCÊNCIA
RITMO. DESEJO. AÇÃO!
87
Adolescência: Ritmo. Desejo. Ação!Programa 5
86
Fiquei sabendo que nada impede os deficientes
físicos de gerar filhos, criá-los e educá-los. Descobri
que, quanto maior fosse meu círculo de amizades,
maior seria minha participação em atividades para
jovens e, conseqüentemente, maiores seriam minhas
chances em relação ao amor e ao sexo.
Comecei a participar de festas, a ir passear no
shopping, freqüentar barzinhos e lanchonetes. Às
vezes meu pai não podia me levar, e então aprendi
a sair de ônibus, com um amigo. Quase morri de
medo, na primeira vez (às vezes eu ia para a escola
de ônibus, mas minha mãe sempre ia junto). Ainda
bem que meu amigo, que era mais desinibido, pe-
diu para o motorista ter paciência e esperar eu su-
bir. Logo me sentei na cadeira reservada às pesso-
as deficientes, para não correr o risco de cair com
uma freada repentina.
(Ah! Esqueci de contar: na cidade em que moro exis-
te uma carteira que dá a nós, deficientes físicos, o direi-
to de utilizar metrô e ônibus sem pagar a passagem.)
A vez do amor
Um dia, um colega comentou que uma menina da clas-
se estava me paquerando. Gostei da idéia, pois ela
também me atraía. No entanto, pensei: o que ela pode
ver de interessante em mim? Na saída, ela me deu um
sorriso e eu fiquei morrendo de vergonha. Aos pou-
cos fomos nos aproximando e começamos a sair jun-
tos. Saíamos sempre com a turma, pois eu me sentia
mais seguro em companhia de meus amigos, acostu-
mados com minhas limitações.
O que eu esperara e temera por tanto tempo por
fim aconteceu! Nos beijamos, e começamos a namo-
rar. O namoro foi continuando, nos gostávamos muito
e ela me ajudava em tudo que podia. Fui ficando
mais seguro, mas um fantasma me rondava: como
com eles e falar de meus medos e minhas preocu-
pações. Eles tentaram me convencer de que o im-
portante não é a aparência externa, mas aquilo que
a pessoa tem dentro dela. Era difícil eles entende-
rem que, na minha idade, o mais importante era
mesmo meu corpo.
Mas minha mãe tomou providências: começou a
convidar meus amigos para freqüentar minha casa, às
vezes organizava festinhas e sempre nos deixava à
vontade. Ela procurava fazer com que a turma me vis-
se como um rapaz igual aos outros, para que eu tam-
bém me sentisse igual aos outros.
Na adolescência, a identificação com o grupo é fun-
damental.
O fato é que o pessoal começou a freqüentar mi-
nha casa; ficávamos um tempão conversando e ou-
vindo música. Fui esquecendo o medo de que não
gostassem de mim por eu ser deficiente.
Porém, persistiam as dúvidas quanto a uma na-
morada. Será que eu precisaria namorar uma menina
também deficiente física? Será que um dia eu poderia
me casar? E ter filhos? Um deficiente físico poderia ter
relações sexuais e gerar um filho?
Eu sentia que até mesmo meus pais ignoravam
minha vida sexual. Era como se não existissem impul-
sos sexuais, impulsos estes que eu sentia dentro de
mim, e muito fortes. Tudo isso me dava muita inse-
gurança e ansiedade. Meus pais perceberam minha
inquietação e acharam melhor consultar um
psicoterapeuta.
A terapia foi muito útil. Fui descobrindo que de-
sejos e manifestações sexuais surgem naturalmente
em todas as pessoas, sejam ou não portadoras de
deficiência física. E que a necessidade de satisfazer
esses impulsos é igualmente natural.
89
Adolescência: Ritmo. Desejo. Ação!Programa 5
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tanto meu interesse pessoal, minha vocação, quanto
minha capacidade de desempenhar uma dada ativi-
dade, considerando minhas limitações. Por exemplo,
eu sabia que não podia ficar em pé muito tempo, nem
poderia exercer uma tarefa que dependesse do uso das
duas mãos.
Eu queria muito trabalhar. Claro, isto faz parte da
vida adulta. Mas em meu caso, além do mais, minha
contribuição seria importante para a situação finan-
ceira da família.
Meu pai ganhava pouco; quanto a minha mãe,
ela pegava apenas trabalhos temporários. Jamais
pudera se comprometer com um emprego, preci-
sando ter tempo livre para atender a minhas neces-
sidades: me levar para tratamentos e consultas, me
acompanhar em eventuais cirurgias e em outros
compromissos.
Mesmo agora, que eu já era quase adulto, ain-
da não era completamente independente. Era pre-
ciso fazer manutenção dos aparelhos, trocá-los ou
adaptá-los à medida que eu crescia, consertar se
fosse o caso. E tudo isso representava também gas-
tos extras. Seria ótimo eu poder trabalhar, ficar in-
dependente, ter meu dinheiro e até poder ajudar
em casa.
Mas eu também gostava muito de estudar e não
pretendia parar. Queria continuar, até cursar uma fa-
culdade.
Mas... que curso fazer? Gostava de tantas coisas...
Quantas dúvidas!
BIBLIOGRAFIA
ABERASTURY, Arminda & KNOBEL, M. La adolescencia
normal. Buenos Aires, Paidós, 1977.
seria o relacionamento sexual? Será que eu me sai-
ria bem, mesmo sem movimentar direito uma perna
e um braço?
Nossa intimidade e o carinho que tínhamos um pelo
outro eram cada vez maiores e, um dia, resolvemos ter
nossa primeira relação sexual. Eu sabia que, apesar de
minha deficiência física, poderia engravidar uma mulher.
Além do mais, precisávamos nos prevenir contra a Aids.
Então, não dispensamos a camisinha.
Afinal, a deficiência física não é uma doença, mas
a Aids, sim. Agora, que eu via se abrirem para mim as
portas de um mundo novo, precisava preservar ao
máximo minha vida.
No momento da relação, desapareceram minhas
dúvidas. Logo constatei que, quando há amor, as di-
ferenças (como a minha hemiplegia) são perfeitamen-
te contornáveis.
Passagem para a vida adulta
Assim foi indo minha adolescência... Sempre cheia de
surpresas, medos, receios, mas também de sucessos
e aprendizados. Todo esse processo me fazia gostar
mais de mim mesmo e me permitia um relacionamen-
to cada vez melhor com os outros.
A escola era uma parte importante desse processo.
Lá, eu tinha oportunidade de conviver com pessoas da
minha idade; além de estudar, eu tinha uma vida social
intensa, com alegrias e também obstáculos.
Eu tinha na escola um amigo, também deficien-
te físico, que me falou de uma associação de pes-
soas portadoras de deficiência. Nesse lugar faziam
palestras, promoviam encontros e davam assesso-
ria para a procura de emprego. Comecei a
freqüentá-la.
Eu estava na 8
a
série, e sabia que era hora de pen-
sar em trabalho. Minha escolha deveria levar em conta
91
Adulto, cidadão e diferentePrograma 6
90
Minha convivência com os outros é afetada pelo com-
portamento que têm em relação a mim: disponibilidade
para ajudar, ou rejeição. Ajudar não significa ter dó, fazer
as coisas por mim. Significa me dar condições para eu
mostrar que sou capaz de produzir, de trabalhar, ter uma
família e sustentá-la, como qualquer cidadão.
À medida que fui crescendo, constatei o quanto nos-
sa sociedade valoriza o êxito material, o sucesso espor-
tivo e a aparência física. E como deixa em segundo pla-
no o valor das pessoas, a capacidade de amar o outro,
de ser amigo, de trocar experiências, coisas importantes
para qualquer indivíduo, deficiente ou não.
Poucas pessoas reconhecem que a pessoa deficiente
é acima de tudo uma pessoa, embora tenha uma de-
ficiência que afeta alguns aspectos de seu comporta-
mento, mas raramente todos.
Ao procurar emprego, muitas vezes notei que era
rejeitado apenas por ser deficiente físico, sem que
levassem em conta minha condição de desempenhar
a função. Qual a importância de eu não mexer bem
minha perna esquerda, por exemplo, se eu iria traba-
lhar sentado?
Cansei de ouvir como resposta: Vamos entrevistar
outros candidatos e, se você for escolhido, entraremos em
contato. Esperava uma semana, quinze dias... Em al-
guns lugares, chegaram a explicitar o receio de que
eu não conseguisse fazer o serviço. Mas nem me da-
vam a chance de mostrar que eu era capaz.
Finalmente, consegui um emprego numa empre-
sa na qual já trabalhavam outras pessoas deficientes.
Fui me adaptando à rotina de trabalhar fora e ganhar
meu salário; isto me deixava muito feliz.
Sem dúvida havia dificuldades, como por exem-
plo tomar o ônibus na ida e na volta. Mas fui apren-
dendo a me virar sozinho. Saía de casa com bastante
gora sou um adulto portador de deficiência física.
Vocês se lembram? Isso aconteceu comigo no mo-
mento em que nasci, em conseqüência de uma fa-
lha de oxigenação do cérebro. Sofri uma lesão cerebral: al-
gumas células do cérebro morreram e eu fiquei com uma
hemiplegia à esquerda, ou seja, tenho dificuldade para
movimentar o braço e a perna do lado esquerdo do corpo.
Tenho uma deficiência física, mas meu nível intelec-
tual é igual ao de todo mundo, porque deficiência física
e deficiência mental são coisas diferentes. A área de meu
cérebro responsável pela inteligência não foi atingida.
Freqüentei a escola desde pequeno. Completei o
curso de ensino básico, o 1
o
grau e, depois, fiz um
curso técnico para auxiliar de escritório.
Ao terminar a escola técnica conheci determina-
dos obstáculos bem diferentes dos que já me acostu-
mara a enfrentar.
É importante que a própria pessoa com limitações
motoras lute por seus objetivos, sonhos e desejos e
tenha sempre em mente que é uma pessoa capaz, pois
assim contribui para ser aceita pela sociedade.
Eu sou um deficiente, não um incapaz, e parece
que as pessoas nem sempre entendem isso. Eu sei
fazer muitas coisas, mas dependo de oportunidades.
Como todos os portadores de deficiência física, eu
preciso conviver com as outras pessoas.
AA
AA
A
ADULTO, CIDADÃO E DIFERENTE
93
Adulto, cidadão e diferentePrograma 6
92
Pedro achou muito difícil se adaptar à nova con-
dição física. Até então tivera uma vida normal e, de
repente, precisava se adaptar e reaprender seu modo
de viver e de realizar suas atividades diárias, seu tra-
balho e tudo o mais.
Meu caminho fora muito diferente. Uma vez que
meu problema havia ocorrido logo que nasci, eu cres-
cera aprendendo a lidar com minhas limitações. Achei
que poderia ajudá-lo.
Começamos a conversar muito, contei-lhe minha
experiência e falei das adaptações que já fizera em
minha casa – barra no banheiro para me apoiar ao
lado da privada; portas de largura suficiente para a
passagem da cadeira de rodas; pia e espelho mais
baixos para permanecer sentado enquanto faço a bar-
ba, lavo o rosto e escovo os dentes; e outros detalhes.
Equipamentos urbanos
Em nossas conversas, comentávamos como seria impor-
tante os engenheiros e os administradores das cidades
levarem em conta as necessidades dos portadores de
deficiência física. Veja quantos detalhes lembramos:
Seria tão mais simples se todos os edifícios fos-
sem planejados com recintos, elevadores e sa-
nitários acessíveis e utilizáveis por deficientes.
Todo usuário de cadeira de rodas deve ter aces-
so adequado em locais públicos, para participar
de eventos políticos, sociais ou culturais.
Os meios de transporte precisam ser adaptados
para permitir o acesso e o deslocamento de de-
ficientes físicos.
As cabinas telefônicas na rua são estreitas e não
permitem a passagem de uma cadeira de rodas.
Além disso, a altura em que os telefones ficam
instalados torna impossível seu uso para quem
está sentado em uma cadeira.
antecedência, para pegar o ônibus mais vazio, e sen-
tava logo no banco reservado para deficientes físicos.
Às vezes havia pessoas não-deficientes no lugar
reservado e eu precisava pedir para saírem; alguns
aceitavam bem, pediam desculpas e se levantavam,
mas outros chegavam a achar ruim, o motorista pre-
cisava interferir. Infelizmente, nem todos são educa-
dos e têm consciência de que podemos cair se formos
em pé, devido à dificuldade de equilíbrio.
Adaptações de uma nova vida
Pedro, um colega que trabalhava há anos no escritó-
rio, sofreu um dia um acidente de carro. Ficou inter-
nado no hospital durante um mês e, quando foi para
casa, fiquei sabendo que estava fazendo fisioterapia,
mas não poderia recuperar o movimento das pernas,
porque sofrera uma lesão na medula. Ele precisaria
usar uma cadeira de rodas pelo resto da vida.
Durante meses, ele ficou extremamente deprimi-
do e revoltado. Mas, à medida que o tempo passou,
admitiu que precisaria mesmo comprar uma cadeira
de rodas. Surpreso, descobriu que existia um modelo
moderno, motorizado, do qual jamais ouvira falar.
Mas a frustração foi sem tamanho ao saber o pre-
ço: 30 mil reais, ou seja, a soma de seu salário de anos.
Além de não andar, não poderia comprar a melhor
cadeira... Ele procurou ajuda em órgãos públicos, mas
conseguiu somente a doação de uma cadeira simples,
e teve de se contentar com ela.
Existem vários aparelhos (próteses e órteses) e adapta-
ções para o deficiente físico, alguns muito caros e ou-
tros mais baratos. Diante do alto custo, os portadores
de deficiência física com freqüência se vêem obrigados
a utilizar a própria criatividade e fazer improvisações.
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Adulto, cidadão e diferentePrograma 6
94
deficiência física, crianças ou adultos, com direito de
estudar, de trabalhar e de ter lazer.
As pessoas com menor capacidade de locomoção
são as que têm maior dificuldade de inserção social.
Em geral são deixadas de lado, para evitar a comple-
xidade das intervenções que seriam necessárias para
integrá-las. A sociedade prefere ignorá-las e margina-
lizá-las a ‘quebrar a cabeça’ para modificar espaços,
situações e atitudes.
Pedro começou a freqüentar comigo a Associação
de Pessoas Portadoras de Deficiência. Lá, encontrou
a chance de participar de treinos de basquete em ca-
deira de rodas, graças a um contato com uma pessoa
da Abradecar (Associação Brasileira de Desporto em
Cadeira de Rodas). Além de poder desempenhar uma
atividade física e esportiva, ele abriu seu espaço de
interação social, ganhou novos amigos e pôde se sentir
inserido na sociedade.
E a vida afetiva?E a vida afetiva?
E a vida afetiva?E a vida afetiva?
E a vida afetiva?
Na adolescência eu era muito inseguro, valorizava
demais a aparência externa e me sentia inferiorizado
em relação aos rapazes da minha idade. Achava que
jamais conseguiria conquistar uma menina; imagine
se ela iria gostar de uma pessoa como eu!
Felizmente, contei com a ajuda de uma terapeuta,
além do apoio dos meus pais e de meus amigos. To-
dos se empenharam em fazer com que me sentisse
integrado. Aproximei-me de uma colega de classe, com
a qual conversava muito, falava de minhas alegrias e
tristezas, de meu medo de ser rejeitado, de meus so-
nhos para o futuro...
Daquela amizade nasceu um relacionamento mais
profundo; hoje estamos casados e temos um filho. É,
felizmente eu pude ter um filho, pois o tipo de lesão
cerebral que sofri não prejudicou em nada minha ati-
Em um elevador, além da porta estreita há tam-
bém a limitação da altura dos botões.
Concluímos que as adaptações dentro de nossas
casas são importantes, mas é preciso muito mais. Pre-
cisamos que a sociedade nos dê condições para utili-
zar os meios de transportes e o serviço público de
telefonia, para ter acesso a edifícios públicos e priva-
dos, tais como cinemas, teatros, shoppings, empresas,
cartórios, bancos etc. Afinal, temos as mesmas neces-
sidades e os mesmos direitos que os demais cidadãos
usuários desses espaços.
Pedro não sabia: ensinei-lhe a
identificar o símbolo internacional
para deficientes, que indica a acessi-
bilidade do local para todos os tipos
de deficiência. Nós, portadores de
deficiência física, deveríamos bata-
lhar para que cada vez mais lugares
tivessem esse símbolo.
Para conseguirmos isto teríamos que falar com as
pessoas e mostrar a elas como a sociedade nos torna
incapazes, ao não oferecer condições para que pos-
samos ser cidadãos que estudam, trabalham e têm
direito ao lazer.
A questão da integraçãoA questão da integração
A questão da integraçãoA questão da integração
A questão da integração
Gradualmente, eu e Pedro fomos demonstrando a
nosso chefe e a nossos colegas como tínhamos direi-
to e competência para desempenhar nossa profissão,
dentro de nossas possibilidades e de nossas capaci-
dades. Nós éramos produtivos e o fato de eu ter uma
hemiplegia (braço e perna esquerda paralisados) e ele
uma paraplegia (pernas paralisadas) não interferia em
nosso trabalho.
A sociedade e as pessoas em geral não podem
fazer de conta que não existem pessoas portadoras de
Programa 6
96
vidade sexual e muito menos minha capacidade
reprodutiva.
O mesmo ocorre com uma mulher que tenha uma
deficiência similar à minha. A única limitação é que
talvez ela não consiga ter um parto normal e necessi-
te uma cesárea.
Um pouco mais complicado foi o caso de Pedro,
meu colega. Ele sofreu uma lesão na medula e isso
pode prejudicar a capacidade de ereção. Mas, mesmo
assim, hoje em dia a medicina conta com recursos
para auxiliar nesse sentido.
Desde pequeno, enfrentei situações humilhantes
originadas pelo preconceito. Mesmo agora, às vezes
ouço contarem piadas que falam de aleijados e me
sinto muito mal, deprimido. Mas sei que preciso en-
frentar também isso. As pessoas não têm consciência
de quanto é difícil conviver com limitações.
Outro dia perguntaram para meu filho por que o
pai dele era esquisito; ele veio para casa chorando.
Contei a ele tudo que havia acontecido comigo, e ex-
pliquei que, na próxima vez, ele poderia contar para
seus amigos o que havia ocorrido comigo. Assim, ele
estaria ensinando aos outros a entender e respeitar
uma pessoa portadora de necessidades especiais.
Minha esposa aprendeu logo a reagir diante de
situações similares, enfrentando a curiosidade e,
muitas vezes, a inabilidade dos outros.
Vocês acham que a pessoa portadora de uma de-
ficiência física não tem direito de ser feliz e ter uma
vida produtiva?