Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
MUSEU NACIONAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Tom Jobim: trajetória, carreira e mediação sócio-culturais
Caio Gonçalves Dias
Rio de Janeiro
2010
A-PDF Merger DEMO : Purchase from www.A-PDF.com to remove the watermark
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Caio Gonçalves Dias
Tom Jobim: trajetória, carreira e mediação sócio-culturais
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social (PPGAS) do Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
tulo de Mestre em Antropologia Social.
Orientador: Prof. Dr. Gilberto Velho
Rio de Janeiro
2010
ads:
Caio Gonçalves Dias
Tom Jobim: trajetória, carreira e mediação sócio-culturais
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de s-Graduação em Antropologia
Social, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro PPGAS/ MN/
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do tulo de Mestre em
Antropologia Social.
Rio de Janeiro, ....... de ...... de 2....
________________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Velho, PPGAS-MN/UFRJ
_______________________________________________
Profa. Dra. Renata Menezes, PPGAS-MN/UFRJ
________________________________________________
Profa. Dra. Santuza Naves, PUC-Rio
________________________________________________
Profa. Dra. Giralda Seyferth, PPGAS-MN/UFRJ
________________________________________________
Profa. Dra. Adriana Facina, PPGH/UFF
Gonçalves Dias, Caio.
Tom Jobim: trajetória, carreira e mediação sócio-culturais / Caio Gonçalves Dias. Rio
de Janeiro: UFRJ/MN/PPGAS, 2010.
x, 129 f.
Orientador: Prof. Dr. Gilberto Velho.
Dissertação (mestrado). UFRJ, Museu Nacional, Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social, 2010.
Referências Bibliográficas: f. 125-129
1. Tom Jobim. 2. Carreira. 3. Trajetória. 4. Mediação. 5. Produção de Conhecimento. 6.
Antropologia da Arte. 7. Música. I. Velho, Gilberto. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. III. Tom Jobim: trajetória, carreira e mediação sócio-culturais.
Para Lygia
Agradecimentos
Agradeço:
A Gilberto Velho, pessoa fundamental para que este trabalho fosse finalizado. Foram
vários os contratempos que tive durante sua feitura, e sem a compreensão e
disponibilidade do meu orientador eles não teriam sido superados. Sua generosidade e
dedicação me inspiram como professor que pretendo ser.
Os outros professores que tive ao longo o mestrado também foram de grande
importância; agradeço especialmente aos que ministraram os cursos que freqüentei:
Renata Menezes, Fernando Rabossi, José Sérgio Leite Lopes e Moacir Palmeira. À
Renata Menezes agradeço, ainda, por ter aceitado participar de minha banca e por saber,
antes de mim, que a música era o caminho.
Aos funcionários da Secretaria, pelo profissionalismo.
Às funcionárias da biblioteca, especialmente Carla e Alessandra, pela competência e
cordialidade.
À Santuza Naves, pela entrevista que me concedeu e por ter aceitado avaliar o meu
trabalho.
À Adriana Facina, por seu “Santos e Canalhas” e por me fazer enxergar o funk de outro
modo.
Aos colegas da minha turma no mestrado, especialmente Ísis e Aline.
Aos amigos João, André, Carol e Raphael, pelo apoio ao longo da feitura deste trabalho.
À Aline Cardoso, Aline Portilho, Priscila e Dalva por ainda fazerem parte da minha de
forma tão especial.
À Paula Cris, pela amizade incondicional.
À Renata, companhia sempre presente e disposta a dividir felicidades e preocupações.
À Ana Enne, minha esperança e referencial.
Às minhas tias, tios, primas e primos, pela curiosidade e afeto com que tentam entender
o meu ofício.
À minha avó, pelo carinho constante.
À Mamãe, Aryane e Fernanda, pelo amor que nem sempre sei corresponder, mas sem o
qual não conseguiria viver.
RESUMO
Tom Jobim: trajeria, carreira e mediação sócio-culturais.
Caio Gonçalves Dias
Orientador: Gilberto Velho
Resumo da Dissertação apresentada ao Programa de s Graduação em Antropologia
Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em Antropologia Social.
Esta dissertação toma por base a trajetória e obra do compositor brasileiro Tom Jobim
(1927-1994) e procura dialogar com a produção de conhecimento produzida sobre o
músico. O trabalho se articula em duas dimensões: a primeira se relaciona ao que se
escreve, está colocada no conteúdo; a segunda está colocada no que torna o texto
possível, pensando nos lugares de fala dos autores e no modo como estas posições
trabalham na formatação de seus textos. Trata-se, portanto, de um trabalho que pensa, a
partir de um tema específico, numa dinâmica de produção de conhecimento e utiliza,
para isso, textos escritos sobre Tom Jobim produzidos por jornalistas, biógrafos e
acadêmicos. Leva-se em consideração tanto a trajetória do próprio compositor como a
dos pesquisadores articulados em carreiras colocadas num sistema de relações que
constituem um corpo de conhecimento a partir de uma dupla mediação de Jobim: pois
se seu trabalho como músico colocou mundos distintos em contato, suas diversas
apropriações enquanto “representação do social” medeiam acadêmicos, jornalistas e
biógrafos e seus mundos.
Palavras-chave: Trajetória, carreira, mediação, produção de conhecimento.
ABSTRACT
Tom Jobim: trajetória, carreira e mediação sócio-culturais.
Caio Goalves Dias
Orientador: Gilberto Velho
Resumo da Dissertação apresentada ao Programa de s Graduação em Antropologia
Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em Antropologia Social.
This dissertation aims to discuss the work and life of the Brazilian composer Antonio
Carlos Jobim (1927-1994) and it intends to analyze the production of knowledge about
the musician. The text is thought to be composed through two dimensions: the first is
related to what is written and can be found in the content; the second is placed in what
makes the texts possible, considering their authors. It is a work, then, that, through a
specific theme, thinks about the production of knowledge and, so as to do it, uses texts
written about Jobim by journalists, biographers and researchers. It takes in consideration
the composer´s trajectory as well as the ones of the researchers that have a occupation
in a system of relations. Together, their works constitute a body of knowledge, made
possible through a double mediation of Jobim: firstly, his work as a composer has put in
contact different worlds, and secondly, because of this first feature, many
“representations of the social” were made possible; this way he mediated journalists,
biographers and researchers and their worlds.
Keywords: trajectory, carrier, mediation, production of knowledge.
Sumário
Introdução
p. 11
Capítulo 1 p. 19
1.1 Dissecando palavras, levantando temas p. 19
1.1.1 Família e Rio de Janeiro p. 20
1.1.2 Início da Vida Musical: decisão pela profiso e casamento p. 21
1.1.3 Influências Musicais p. 24
1.1.4 Crítica da Bossa Nova/Crítica à bossa nova p. 28
1.1.5 Músico Popular ou Erudito. Cultura Popular ou Erudita? p. 33
1.1.6 O Nacional e o Norte-Americano p. 36
1.1.7 Música e Mercado: relações de produção, tecnologias de
reprodução e distribuição
p. 45
1.1.8 Memória e mecanismos de preservação p. 48
1.1.9 Questões Geracionais p. 49
1.2 Qual Tom? Como falam os analistas p. 50
Capítulo 2 p. 62
2.1 Analisando narrativas de si p. 64
2.1.1 Memória e Coerência p. 64
2.1.2 Quando mudam os interlocutores p. 70
2.1.3 Uma concepção metomica de Brasil p. 72
2.1.4 Literatura e Música p. 77
2.1.5 Ruídos, ecologia, dinheiro e cotidiano de trabalho p. 80
2.2 O que dizem os comentadores p. 83
Capítulo 3 p. 90
3.1 Dimensões do “falar sobre” p. 91
3.2 Mundos e trajetórias p. 98
3.3 A perspectiva dos não-jobinólogos p. 103
3.3.1 Jornais Nacionais p. 105
3.3.1.1 O Globo p. 105
3.3.1.2 O Estado de São Paulo p. 109
3.3.2 Jornais Norte-Americanos p. 112
3.3.2.1 New York Times p. 112
3.3.2.2 Los Angeles Times p. 114
3.3.2.3 Washington Post p. 115
3.3.3 Algumas considerações sobre os textos jornalísticos p. 116
Considerações Finais
p. 1
18
Referências Bibliográficas
p. 12
11
Introdução
I.
Quando pela primeira vez pensei em trabalhar com Tom Jobim na minha dissertação de
mestrado, as múltiplas possibilidades de apropriões sociológicas de sua obra e trajetória me
pareciam animadoras. Já conhecia bem sua biografia e alguns outros textos acadêmicos
produzidos sobre ele, mas imaginava que seria interessante fazer uma leitura à luz de alguns
conceitos que me eram caros. Antes do contato com o pensamento sociológico, contudo, Tom
Jobim já fazia parte da minha trajetória.
Em 2007 deveria ter me formado pianista pela Escola de Música da UFRJ. Dedicava-me ao
instrumento desde os nove anos; comecei estudando música popular e na adolescência passei a
estudar música erudita, sem, entretanto, abandonar a primeira. No Ensino Médio, decidi que
teria a música como profissão, e os estudos ficaram mais sérios, afinal precisaria passar na
rigorosa prova de habilidade específica da Escola.
Passei na habilidade específica e também para Produção Cultural na UFF; comecei os dois
cursos e no final do primeiro ano acabei me definindo pelo último. Abandonei a graduação em
Piano por uma série de motivos, mas especialmente por não encontrar nos meus contatos na
Escola de sica uma abertura para se pensar em música popular (não sei dizer se essa é uma
questão da Escola ou apenas das relações que construí, mas intuo que a segunda explicação
seja a mais correta).
Não lembro com clareza quando comecei a tocar Tom Jobim; ganhei de presente, não lembro
quando nem de quem, os songbooks do compositor. Na verdade, a maioria de suas
composições conheci antes pelas partituras e apenas posteriormente pelas gravações. Confesso
que sempre gostei dos arranjos, mas não me animava com Tom enquanto cantor.
Especialmente a partir do momento que comecei a me dedicar à música erudita, as músicas de
Tom funcionavam como uma mudança de registro. Tocar Tom Jobim significava exercitar
alguns pontos que a música erudita o permitia; um deles, a rítmica, sempre foi importante
12
para mim, já que era algo que entendia que precisava melhorar de modo geral e trabalhava isso
tocando algumas das musicas do compositor. De alguma forma, tocar Tom Jobim me ajudava
a executar as polirritmias de outros autores.
Tom é o autor popular que faz parte das minhas cada vez mais raras incursões ao piano,
mesmo que essa diferenciação, entre erudito e popular, nunca tenha feito muito sentido para
mim enquanto pianista. Existem diferentes exigências técnicas em cada um dos autores, mas
para passar nos cursos ministrados na Escola de Música tinha que estudar apenas uma parte
deles. De alguma forma, contudo, eu sempre encontrei um nexo entre Jobim e outros
compositores; numa genealogia de gosto, poderia citar Beethoven (que inaugurou com a sua 9
a
Sinfonia um estatuto para a voz que é possível encontrar nas últimas peças de Tom), Chopin
(cujos rubatos e harmonias foram inspiração para Tom, assim como condição de possibilidade
para o Impressionismo, que também influenciou o compositor brasileiro) e Villa-Lobos
(principal influência de Tom, segundo ele próprio, como veremos mais adiante).
Percebe-se, assim, que o modo como eu experimento a obra de Tom Jobim seria através de
prismas tradicionalmente classificáveis como eruditos; de fato, o meu contato com sua obra
o passou pelas músicas da Bossa Nova. Na verdade, meu modo de perceber suas peças,
durante um bom tempo, pouco teve a ver com o estilo; eu tive contato de fato com algumas
das “canções clássicas” da Bossa Nova quando já conhecia a obra de Tom na completude.
Quando me decidi pela Antropologia no mestrado, foram várias as vezes em que ouvi que
deveria estudar música. Inicialmente era resistente à idéia, talvez porque fosse difícil para mim
me relacionar com a música de outro modo que não fosse através da experiência como
instrumentista. Mesmo quando ouço música e eu estou sempre ouvindo alguma coisa... o
tipo de atenção que mobilizo não pode ser destacado do fato de ser instrumentista ou do meu
conhecimento técnico.
O modo como, ao longo do mestrado, passei a me relacionar com a Antropologia, contudo, me
fez descobrir algo de que podia gostar também intensamente. Dizendo de outro jeito, eu me
senti suficientemente seguro com a minha escolha pela Antropologia a ponto de não conseguir
mais me imaginar trabalhando com música como pianista.
13
Com essa resolução, me senti à vontade para tomar Tom Jobim como objeto. Munido do
instrumental teórico do primeiro ano do mestrado, comecei a enxergar na obra e na trajetória
do compositor questões potenciais, que iam desde uma possível relação com o Modernismo
até o modo como as noções de projeto e campo de possibilidades poderiam ser pensadas em
sua trajetória, passando pela maneira como concepções de cultura popular e cultura erudita
poderiam ser relativizadas através de sua obra. De alguma forma, o diálogo com esses temas –
e alguns outros perpassa toda esta dissertação; mas quando iniciei as pesquisas sistemáticas
sobre o compositor e temas afins, uma questão me pareceu igualmente importante.
Além de dissertações em música e história, Tom Jobim já foi tema de uma coleção de roupas,
de um trabalho de mestrado em Engenharia Mecânica (que se preocupava em criar um
algoritmopara a rítmica da Bossa Nova), de projetos arquitetônicos apresentados em uma
exposição, de uma tese de doutorado em Administração (que procurava, através de uma
análise semi-quantitativa, mostrar a influência da Bossa Nova no Jazz), entre outras.
Chamou-me atenção, assim, o modo como obra e trajetória poderiam ser apropriadas para
construção de conhecimentos em áreas tão distintas. Com essa preocupação em mente, li em
alguns casos, reli os textos produzidos sobre Tom. Pude perceber, no modo como dialogam
com a trajetória, que os diferentes significados são hierarquizados de modos distintos, e esta
hierarquização normalmente é direcionada.
Na definição da maneira como trataríamos esta questão, nos pareceu fundamental abordá-la a
partir da trajetória, e não apenas de temas mais ou menos correlatos. Nesse sentido, era
necessário de um lado encontrar uma maneira de definir o que deveria ser pontuado ao longo
da trajetória e de outro tentar estabelecer como mostrar o que os diversos textos colocavam
sobre isso.
Com essa preocupação, optamos por trabalhar a partir de depoimentos do próprio Tom e
definir os temas tomando por base as falas do compositor. Temos, assim, as falas de Tom, os
temas selecionados por mim a partir delas e os diversos textos comparados a partir desses
temas. Essa estrutura foi utilizada porque permitiu ao menos em parte apresentar pontos
importantes da trajetória de Tom e, ao mesmo tempo, discutir as concepções do próprio autor,
mobilizando suas próprias explicações.
14
Nesse sentido, temos um projeto analítico que se preocupa em dar conta do que se fala sobre a
obra e trajetória de Tom; entende-se, pom, que de igual importância é tentar estabelecer os
lugares de fala destes autores e alguns pontos, que mesmo externos ao texto, colaboram para
suas construções.
Deste modo, são considerados múltiplos discursos e versões, que são comparados não no
sentido de confrontar suas verdades, mas dialogando com a idéia de que são construídos por
agentes colocados num sistema de relações e que são, ao menos em parte, reflexos deste
sistema. Estes discursos, assim,o vistos, para utilizar a argumentação de Geertz, como
ficcionais, já que são narrativas construídas, mas articuladas em uma rede de significados
1
.
Esta dissertação, portanto, pode ser vista como um esforço de colocar em diálogo duas
dimensões: a primeira se relaciona ao que se escreve, está colocada no conteúdo; a segunda
está colocada no que torna o texto possível, pensando nos lugares de fala dos autores, e que
estas posições trabalham na formatação de seus textos. Trata-se, portanto, de um trabalho que
pensa, a partir de um tema específico, numa dinâmica de produção de conhecimento e utiliza,
para isso, textos escritos sobre Tom Jobim produzidos por jornalistas, biógrafos e acadêmicos.
É importante, nesse contexto, que se estabeleçam alguns parâmetros orientadores da minha
perspectiva.
O modo como eu entendo o trabalho sociológico relacionado à Arte é amplamente devedor das
teorias de Becker. Como o autor, acredito na concepção do trabalho artístico como sendo
articulado a partir de uma série de relações, de modo que a produção de um artista é
dependente de ações de outros indivíduos. No mesmo contexto, é necessário que uma
comunidade de usuários considere aquele trabalho artístico relevante para que ele seja
reconhecido como tal. Trata-se, portanto, de um mundo pelo qual o artista circula, e do qual é
dependente tanto no que diz respeito às interações com outros indivíduos que permitem seu
1
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
15
trabalho, como pelo reconhecimento alcançado no compartilhamento de uma mesma
comunidade interpretativa
2
.
Outra questão importante, e que também parte de um trabalho de Becker
3
, é a necessidade de
que se entenda que existem diversas possibilidades de representação do social e a ciência
social é apenas uma delas. Essa concepção permite comparar, colocando no mesmo plano de
legitimidade, os trabalhos escritos por acadêmicos, jornalistas e biógrafos. Nesse mesmo
contexto, é possível entender a Arte como sendo uma dessas produtoras de representações do
social; pode-se pensar não apenas numa sociologia da arte, mas numa sociologia colocada na
arte, vista a partir dela.
Ao mesmo tempo, a minha posição como antropólogo precisa ser levada em conta como
formatadora de um ponto de vista específico entre tantos outros possíveis. Assim, compartilho
das perspectivas articuladas por Gilberto Velho e apropriadas por uma série de autores
numa concepção de uma Antropologia Urbana, que tem por base a compreensão da
complexidade. Deste modo, entendo Tom Jobim como um indivíduo colocado numa
sociedade complexa e, como tal, possuidor de um potencial de metamorfose com projetos
articulados a partir de um campo de possibilidades determinado
4
.
Outra questão de importância é que eu não procuro me colocar acima dos outros
comentadores; ao contrário, o fato de que os temas elencados por mim a partir das falas do
Tom sejam também encontrados nos trabalhos dos comentadores é indicativo de que
dividimos algumas mesmas concepções e preocupações. E, ressalto mais uma vez, o objetivo
o é o de encontrar a verdade nas versões. No mesmo sentido como mais a frente se discutem
minimante as trajetórias destes comentadores, eu achei válido expor como fiz inicialmente
alguns pontos da minha própria e pontuar minha relação com a obra de Tom Jobim.
2
BECKER, Howard. Art Worlds. Los Angeles: University of California Press, 1982.
3
BECKER, Howard. Falando da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
4
Ver VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, e VELHO,
Gilberto. Individualismo e Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
16
II.
É mais ou menos convencionado entre os comentadores da obra de Tom Jobim que suas
composições passaram por duas fases. A primeira teria sido marcada pela Bossa Nova e a
segunda por obras com um caráter diferente, com texturas mais complexas mesmo nas canções
populares; alguns críticos a chamam de “sertaneja” e teria sido “inaugurada” com o
lançamento do LP Matita Perê de 1973. Essa divisão em fases, contudo, não deve ser
compreendida como formatadora de momentos embotados e não relacionados; uma
comunicação clara entre elas. Tomar essa divisão de modo unívoco seria o mesmo que dizer
que Tom não compôs nenhuma bossa depois de 1973, ou negar que alguns dos temas
explorados por suas canções s-1973 já estavam presentes em músicas anteriores, como a
Sinfonia da Alvorada.
Mesmo não compartilhando completamente dessa divisão, ou ainda, mesmo não a tomando de
modo absoluto, ela foi considerada na elaboração dos capítulos: a preocupação foi dar conta
dos primeiros anos da vida do compositor e da “fase Bossa Nova” no primeiro capítulo e da
“fase sertaneja”, no segundo. Em ambos os capítulos, como sugerido anteriormente, a
estrutura articula-se em dois momentos: primeiro são levantados temas a partir das falas do
Tom e analisados por mim e depois são exploradas as concepções dos comentadores
5
sobre esses mesmos temas. No primeiro capítulo, é utilizado um depoimento dado por Tom ao
Museu da Imagem e do Som em 1967; no segundo, são dois depoimentos, um, de 1982, uma
entrevista concedida a uma rádio comunitária de Nova York, e o outro, de 1993, reúne falas de
Tom concedidas a Dodô Brandão para composição do filme “3 Antonios e 1 Jobim”.
São considerados os seguintes trabalhos: as biografias escritas por Helena Jobim
6
e por Sérgio
Cabral
7
, um livro de Ruy Castro
8
e as dissertações de Gleise Cruz
9
, Frank Carlos Kuehn
10
,
Fábio Caramuru
11
, Pedro Py
12
, Carlos Ernest Dias
13
e Fábio Guilherme Poletto
14
.
5
A expressão é utilizada ao longo da dissertação referindo-se a todos os autores de textos de
maior extensão sobre Tom.
6
JOBIM, Helena. Antonio Carlos Jobim: Um Homem Iluminado. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1996.
7
CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim: Uma Biografia. Rio de Janeiro: Lazuli, 2008.
17
O terceiro capítulo, por sua vez, procura dialogar com a produção de conhecimento, entendida
como ação coletiva, articulando as trajetórias dos comentadores com os mundos pelos quais
transitam. A última parte do capítulo trabalha com alguns textos jornalísticos, com o objetivo
de dialogar com o modo como esse tipo de texto colaboraria com a produção de conhecimento
e como dialogariam – em alguma medida – com o senso comum.
Os três depoimentos de Tom Jobim considerados pelos capítulos que se seguem podem ser
encontrados no arquivo do Instituto Antonio Carlos Jobim (IACJ), tanto em sua sede que no
momento de realização dessa pesquisa, entretanto, não estava aberta a pesquisadores como
em sua base de dados on-line. Por uma questão de praticidade, contudo, utilizei o depoimento
de 1967 disponibilizado pelo Museu da Imagem e do Som; o depoimento de 1982 foi
consultado a partir da base de dados online; e o depoimento de 1993 consultado foi o
publicado pela editora Relume Dumará, e se trata de uma transcrição das falas de Tom Jobim
no filme “3 Antonios e 1 Jobim”.
Uma última questão. Num primeiro momento, optei por utilizar a sigla ACJ quando me referia
a Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, até para tornar o texto menos cansativo por
8
CASTRO, Ruy. A onda que se ergueu no mar: novos mergulhos na Bossa Nova. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.
9
CRUZ, Gleise Andrade. De Olho na Eternidade: a formação do arquivo pessoa de Antonio
Carlos Jobim. Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais (CPDOC/FGV), 2008.
10
KUEHN, Frank Michael Carlos. Antonio Carlos Jobim, a Sinfonia do Rio de Janeiro e a
bossa nova: caminho para a construção de uma nova linguagem musical. Mestrado em Música
(EM/UFRJ), 2004.
11
CARAMURU, Fabio. Aspectos da interpretação pianística na obra de Tom Jobim.
Mestrado em Artes (ECA/USP), 2000.
12
PY, Pedro Oliveira. Estrutura tonal na obra de Tom Jobim: uma abordagem schenkeriana
da canção "Sabiá". Mestrado em Música (EM/UFRJ), 2004.
13
DIAS, Carlos Enert. Antônio Carlos Jobim: Imagens e relações entre Matita-Perê e Águas
de Marco. Mestrado em Ciência da Arte (IACS/UFF), 2004.
14
POLETTO, Fábio Guilherme. Tom Jobim e a Modernidade Musical Brasileira (1953-1958).
Mestrado em História (UFPR), 2004.
18
conta da repetição do nome; essa estratégia, contudo, levou a uma impessoalidade demasiada.
Esse ponto, aparentemente simples, foi refletido e debatido. Tratar o compositor por “Tom
Jobimnão me parecia adequado, denotando um tipo de relação que não era a que eu gostaria
de explorar ao longo do texto internacionalmente, por exemplo, o compositor era conhecido
como Antonio Carlos Jobim, e sempre era chamado deste modo. Decidi-me, assim, a chamar o
compositor, ao longo da dissertação, apenas de Jobim.
19
Capítulo 1
Em agosto de 1967 reuniram-se, no Museu da Imagem e do Som, Vinicius de Moraes, Oscar
Niemeyer, Raimundo Wanderley
15
, Dori Caymmi, Chico Buarque e Ricardo Cravo Albin para
entrevistar Antonio Carlos Jobim. Tratava-se da crião de um documento que integraria a
então recente coleção Depoimentos para Posteridade”. A gravação começou às 15h e teve 3
horas de duração.
Trata-se de um grupo de artistas e intelectuais que compartilham, em alguma medida,
determinados preceitos estéticos e que estão num mesmo plano social; fazem parte de um
mesmo círculo de convivência sendo, portanto, de mesma origem/situação de classe que é
marcado por uma prática comum, a boemia.
Este primeiro capítulo é centrado nesse depoimento e constitui-se do seguinte modo: em um
primeiro momento, serão levantados e discutidos minimamente alguns temas a partir do
depoimento; e posteriormente, partindo dos temas elencados, serão mostradas discussões e
opiniões dos analistas de Jobim.
1.1 Dissecando palavras, levantando temas
15
Raimundo Wanderley, também conhecido como Dico Wanderley, foi um produtor de
Cinema, tendo sido um dos produtores associados de Terra em Transe, filme de Glauber
Rocha lançado em 1967.
20
1.1.1 Família e Rio de Janeiro
O depoimento começa seguindo um protocolo: Ricardo Cravo Albin, na época Diretor do
Museu da Imagem e do Som, pergunta idade, local de nascimento e filiação 40 anos, carioca,
Nilza Brasileiro de Almeida Jobim e Jorge Jobim:
Sou do Rio de Janeiro, carioca, nascido na Tijuca. Com um ano de
idade vim para Ipanema. Sou de 25 de Janeiro de 1927. Nasci na Rua
Conde de Bonfim. Nasci em casa, ainda no tempo que se nascia em
casa. Meu pai, Jorge Jobim, poeta, literato, parnasiano, pertenceu ao
Itamaraty, era do Rio Grande do Sul. Era Gaúcho. Morreu quando eu
tinha 8 anos de idade. Minha mãe, carioca, Nilza Brasileiro de
Almeida. Esse Brasileiro de Almeida era o Colégio Brasileiro de
Almeida, que tinha o nome de meu avô, Azôr Brasileiro de Almeida
naturalmente esse nome lhe deram em solteira, depois mudou, não é.
Meu pai morreu e minha mãe se casou pela segunda vez com Celso
Frota Pessoa, meu padrasto que me criou e me fez estudar música, e
quem me orientou.
Vinicius de Moraes pergunta para Jobim sobre a origem de seu nome: era da Normandia e
estava no Brasil desde os tempos do império
16
; sua família era, portanto, antiga. O nome era
mais comum no sul do país, local onde seu pai nasceu.
Ao falar de sua filiação chama atenção para o fato de ser um Brasileiro de Almeida, e,
portanto, de sua linhagem como filho e neto de educadores; fala ainda da relação pouco
duradoura com seu pai, falecido quando era ainda muito novo, e de como seu padrasto, Celso
Frota, foi quem o criou e o incentivou para que seguisse carreira musical.
Pode-se pensar, nesse contexto, no modo como um ambiente familiar propicia ou não certas
características que se levam para vida. O ambiente intelectualizado é marcante: além da mãe
professora, o pai era poeta parnasiano. Não por acaso, sua irmã, Helena Jobim, é escritora
premiada.
Bourdieu, em seu Os três estados do Capital Cultural”, tentando compreender ainda na fase
em que era professor de Sociologia da Educação as difereas de rendimentos dos diversos
16
Todos os trechos entre aspas são transcrições das falas de Jobim ou, quando explicitado, dos
entrevistadores.
21
alunos, chama atenção para o fato de que existe uma “transmissão doméstica do capital
cultural
17
. Num ambiente familiar como o da família Brasileiro de Almeida, o acesso a bens
culturais, especialmente livros, era efetivo, favorecendo um tipo de sensibilidade cuja
expressão nas atividades escolhidas pelo compositor e sua irmã não pode ser minimizada.
As referências literárias acompanharam Jobim por toda a vida; algumas são feitas ao longo do
depoimento: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino. O músico
menciona também os tios violonistas e as canções que se aprendiam com os pais e avós; fora
isso, o rádio era presente em seu ambiente familiar.
Sobre sua infância, diz não lembrar nada da Tijuca, mas fala com entusiasmo de Ipanema.
Lembra-se de que a Lagoa era azul e classifica o bairro como um grande areal, com camaleões
e pitangueiras. Morou na rua Barão da Torre e lembra-se dos carros atolados. Estudou em
rios colégios do Rio de Janeiro, era um tipo quieto, mas que não fazia as coisas. Ressalta
que estudou por algum tempo no colégio Brasileiro de Almeida, fundado e coordenado por
sua mãe, pois a instituição havia sido inaugurada no final da sua adolescência. Diz com
orgulho, contudo, que Marcos Valle estudou na instituão.
A Ipanema dos anos 1930 é descrita como um lugar onde se poderia ter contato com certo tipo
de natureza, especialmente a praia. Há, ainda, uma sociabilidade específica que encontrou as
condições ideais no lugar; Jobim menciona os amigos de praia, amigos de rua. Fala das
influências desses amigos na escolha da Arquitetura; cita Newton Mendonça como fazendo
parte desse círculo. Mais do que isso, nesse tipo de infância uma liberdade no trânsito pelo
Bairro que é de fundamental importância. Trata-se de um “experimentar a cidade” muito
particular. Talvez se possa situar aí a conformação de um potencial de metamorfose
18
específico que possibilita o trânsito entre mundos (e, no caso de Jobim, também de mediação).
1.1.2 Início da Vida Musical: decisão pela profissão e casamento
17
BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural”. In Escritos de Educação.
Petrópolis: Vozes, 1998, p. 73.
18
VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
22
O interesse pela música narrado de modo bastante natural é encarado inicialmente de modo
combativo por Jobim: estudar música não era o que se esperava de um filho de classe média:
para além de achar que aprender música era coisa de menina, fazer-se médico ou engenheiro é
o que deveria ser profissão. De qualquer modo, a proximidade do Colégio Brasileiro de
Almeida fez com que seu primeiro professor de Música, também atuante com outros alunos da
instituição, fosse Hans-Joachim Koellreuter. Havia, portanto, uma estrutura que favorecia
certo tipo de formação intelectual e musical, mesmo que não fosse se efetivar (não naquele
momento, quando contava 12 ou 13 anos) como prática profissional.
Vinicius de Moraes pergunta sobre seu casamento; contava então com 18 anos de casado. O
casamento fez com que a vida profissional se transformasse; se no início de sua volta para
música Jobim podia dedicar-se aos estudos dos clássicos, com o casamento passa a “trabalhar
para valer”: “começa a apostar corrida com o aluguel”. Trabalhou em todas as boates do Rio,
todos os inferninhos; “percorri toda aquela Via Crucis: tocava o que não queria, tocava para
dançar; começava às 22h e largava às 4h”. Essa época coincide com o momento em que
começa a compor mais sistematicamente. Contudo, mantinha essas músicas na gaveta;
escrevia, mas não tinha coragem de mostrar para ninguém. Neste período, em 1950, nasce o
primeiro filho de Jobim, 9 meses depois do casamento. Na época do depoimento, Paulo Jobim
contava 17 anos.
Nos inferninhos, trabalhou com muita “gente boa”, mas a vida era muito difícil. Jobim
considera que se recuperou, realmente, quando voltou a trabalhar de dia, trocando depois
de 5 anos e de quase levar um tiro – a noite por uma gravadora, a Continental Discos.
É interessante notar como causas bastante distante de uma motivação propriamente musical
atuam para as escolhas feitas por Jobim em sua trajetória. Bom exemplo disso foi o casamento
com Thereza Hermanny. Na realidade, Jobim abandona a Arquitetura quando termina seu
relacionamento com a namorada: como o se casaria, o precisaria se formar numa
profissão séria. É nesse momento que decide ser músico profissional e passa aos estudos dos
clássicos; estudo esse financiado por seu padrasto, Celso Frota.
O relacionamento com Thereza, contudo, é retomado e a decisão pelo casamento é o que faz
com que Jobim comece seu trabalho nos “inferninhos”. É visível certa ambiidade na
23
posição material de Jobim; pois se por um lado ele se decidiu pela música como carreira, pode
fazê-lo somente com o apoio do padrasto. A “corrida contra o aluguel” deve, portanto, ser
relativizada. Percebe-se, contudo, que as escolhas efetuadas que quase nunca são as únicas
possíveis num campo de possibilidades
19
que se coloca para os indivíduos podem ser vistas
como afirmadoras do que Fredrik Barth chama de caráter fortuito da vida social
20
.
que se mencionar, como veremos em detalhe mais adiante, o fato de que vários
acontecimentos na vida de Jobim aconteceram não por escolhas conscientes; são mencionados
os empurrões” dos amigos, como Radamés Gnatalli quando o obrigava a reger, ou quando foi
para os EUA participar do concerto de Bossa Nova no Carnegie Hall.
A uma pergunta bastante sistemática de Chico Buarque (“Sem ser nos arranjos e nas
composições, o que foi mais marcante: o primeiro gosto do piano, o contato com o pessoal da
noite ou o estudo sério?”), Jobim responde sobre as primeiras influências. Seu contato com a
música inicialmente se deu através de dois tios violonistas, um irmão de sua e e outro
casado com a irde sua mãe. Ao mesmo tempo, o rádio fazia parte do seu cotidiano e
lembra-se das interpretações de Luís Barbosa e Barbosa Júnior, assim como do programa do
Almirante. Havia, ainda, os conjuntos vocais de bastante apelo na época; João Gilberto, por
exemplo, tinha se mudado para o Rio por conta de um desses conjuntos.
Jobim demonstra grande entusiasmo pelos grandes compositores, em especial Ary Barroso”.
Diz que ele o ajudou muito, que o estimulava, que era sempre “bola pra frente”; falava do
compositor inclusive no rádio e na TV. Jobim preocupa-se em desmistificar a imagem ruim
que Ary Barroso tinha no programa que apresentava na TV; ressalta ainda que esse tipo de
trabalho é o que sustentava os compositores: “ninguém vive de direito autoral”. Ary Barroso
trabalhou em Hollywood e na época que Jobim morava na Califórnia ficaram ainda mais
próximos: ambos cortavam os cabelos nos EUA com o mesmo barbeiro.
19
VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura: Notas para uma Antropologia da Sociedade
Contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.
20
ANDERSON, Robert & BARTH, Fredrik. “Interview with Fredrik Barth”. In Revista de
Antropología Iberoamericana. Volume 2, número 2, 2007, pp. i-xvi.
24
Lembra-se com especial melancolia do último encontro que teve com Ary Barroso. Naquele
momento, Ary já estava bastante doente e convidou Jobim e Dorival Caymmi a sua casa; disse
que queria morrer. Dorival Caymmi tenta convencer Ary Barroso de que ele poderia ficar
bom, que as coisas poderiam melhorar, “tentou tirar ele da fossa”. Mas esse foi o “último papo
com o Ary, depois ele morreu”.
1.1.3 Influências musicais
Quando, ao terminar o namoro, decide se profissionalizar, Jobim sente uma necessidade de
entender melhor de harmonia e orquestração. Estuda então com Alceu Bocchino, Radamés
Gnatalli, Panicalli e Leo Peracchi. Este último foi importante também em outro aspecto: ele
foi o responsável por apresentá-lo a Villa-Lobos, o que foi para Jobim “formidável”.
Na época em que Jobim conheceu Villa-Lobos pessoalmente, ele já tinha familiaridade com
toda a obra deste autor: tudo que havia editado ou gravado, ele “já tinha mastigado aquilo
tudo”. Na oportunidade em que o conheceu, estavam em seu apartamento músicos
internacionais, um violinista e a soprano Lenita Bruno. O apartamento de Villa-Lobos, que
ficava na Avenida Araújo Porto Alegre, impressionou Jobim pelo tamanho diminuto e pela
localização no centro da cidade, onde predominam os prédios comerciais: “é bom para fazer
barulho à noite”.
Jobim descreve o pequeno apartamento como um ambiente um tanto caótico: numa sala
tocavam violino e piano, noutra um estereofônico tocava uma sinfonia do Villa”; as pessoas
discutiam música e falavam francês.
O Villa estava sentado escrevendo à tinta; ele não errava uma partitura
imensa, desde o flautim até o contrabaixo. Estava escrevendo a trilha
de um filme. No meio daquele barulho todo, ele escrevendo aquilo; aí
eu perguntei: ‘Maestro, o fato dessa música toda em volta não te
incomoda?’. Ele respondeu: ‘Menino, o ouvido de fora não tem nada a
ver com o de dentro’.
Conta, ainda, sobre uma oportunidade em que Aloísio de Oliveira havia procurado Villa-
Lobos, depois de um concerto nos Estados Unidos, para que conhecesse Carmen Miranda, que
fazia muito sucesso à época; ao que Villa-Lobos teria respondido: “Eu não estou mais em
idade de conhecer ninguém”.
25
Perguntado por Vinicius de Moraes acerca de seus parceiros, Jobim fala com algum
detalhamento sobre Newton Mendonça, que am de seu primeiro parceiro musical, foi
também seu “amigo de Ipanema, de infância, de calçada”. Antes de aprender piano, Jobim
tocava gaita, participou de uma orquestra de gaitas da qual Mendonça também fazia parte.
Fora isso, Newton Mendonça era igualmente pianista. “A gente se encontrava nas tardes e
começava a compor juntos”. “Foi a Noite” foi a primeira composição da dupla. À época do
depoimento, entre os parceiros de Jobim, estavam Dolores Duran, Marílio Pinto e Alcides
Fernandes (o Doca, do Cantagalo)
21
, além do próprio Vinicius de Moraes e de Newton
Mendonça.
Chico Buarque pergunta sobre o modo como funcionava a parceria com Newton Mendonça;
como era a divisão entre música e letra. Jobim responde que
Ele fazia os dois, inclusive tem muita coisa boa própria. Eu de vez em
quando faço umas letrinhas, mas no nosso caso ficou mais ou menos
convencionado assim: eu ficava no piano e ele ficava no caderno. Ele
era um sujeito muito lúcido, muito informado, lia muito, zangado com
o mundo; uma raiva sacra. A gente afinava bem e se conhecia desde
pequenininho. Com parceiro a gente precisa ter muita intimidade. É
difícil criticar... os dois sensíveis, os dois magoam.
Vinicius de Moraes lembra Jobim de suas parcerias com Billy Blanco, com quem havia
composto, alguns anos antes, a Sinfonia do Rio de Janeiro, uma sinfonia em tempo de samba.
Brinca com o fato de Billy Blanco, dentre inúmeros outros músicos da época, ser arquiteto.
Comenta mais detidamente sobre “Teresa da Praia”, música que havia feito sucesso:
Teresa da Praia” eu e o Billy fizemos de encomenda. Nessa época
houve assim um mexerico que Lúcio Alves e Dick Farney, que nessa
época eram dois grandes do disco brasileiro, tinham brigado, o se
gostavam e tudo mais. E eles sempre se gostaram; sempre foram
amigos. Então eles pediram para que a gente fizesse uma canção, uma
música para eles poderem dialogar, entende? E nós inventamos esse
necio de “Teresa da Praia”; quer dizer, que o Dick queria namorar a
21
Doca do Cantagalo era o codinome de JoAlcides, um compositor de sambas da década de
1950. Coms algumas músicas de sucesso, tendo sido gravado, entre outros, por Bezerra da
Silva.
26
Teresa e o Lúcio também. A Teresa da Praia que morava no Leblon. A
música fez um sucessinho aí, em tempos idos, em eras priscas.
Sobre a parceira com Vinicius de Moraes, Jobim diz que o poeta é um sujeito muito aberto,
que não se ofende por qualquer coisa. Mesmo assim, segundo o pianista, os dois fizeram “uns
sambas meio desajeitados”. Mas Jobim falava para Vinicius de Moraes: “vamos fazer mais
esses ruins, que depois vai soltar. Eu fazendo cerimônia com a música, ele fazendo cerimônia
com a letra. Faltavam uns 3 uísques...”.
Vinicius de Moraes fala da primeira vez em que ouviu Jobim. Foi no Clube da Chave, onde
cada um dos sócios tinha a chave para entrar no lugar; era um ambiente especial, freqüentado
por todo o “pessoal de música atuante naquele tempo”. Em certa oportunidade, eu ouvi um
som que me pareceu especial: era Tonzinho tocando ‘Tão Só’. Aquele som me parecia
diferente do que estava sendo feito”. O som e as harmonias impressionaram Vinicius de
Moraes. No mesmo clube, o poeta pôde conhecer João Donato e João Gilberto.
A parceria entre Jobim e Vinicius começou por conta da peça “Orfeu”; quem apresentou um
ao outro foi Lúcio Rangel. Foi depois de um dia de trabalho: Jobim saia da Continental com
uma pasta cheia de arranjos e Vinicius de Moraes saia do Itamaraty. O encontro no Vilariño
era habitual; uma mesa grande, onde se podia encontrar Helio Pelegrino, Fernando Sabino,
Paulinho Soledade, prostitutas: era um “ambiente variado”. Jobim comenta sobre a existência
de uma vida paralela à vida de músico; seria uma vidoca de Ipanema, de bater papo, de
chope”. Nessas oportunidades, contudo, é que eram discutidas as coisas mais graves.
Vinicius de Moraes procura, então, contextualizar a feitura de Orfeu. O projeto inicial de 1955
era de um filme a ser viabilizado pelo produtor francês Sacha Gordine; houve, entretanto,
dificuldades para o financiamento, tendo sido transformado numa peça teatral (Vinicius de
Moraes diz gostar mais da peça que do filme). O sucesso da montagem no teatro Municipal do
Rio foi enorme; na abertura das cortinas, o cenário de Oscar Niemeyer era aplaudido. “Se
todos fossem iguais a você”, parceria com Vinicius foi o primeiro grande sucesso de Jobim:
foram 50 gravações brasileiras.
A escolha de Jobim para composição se deu, segundo o próprio, porque
27
Vinicius queria um músico que soubesse escrever música, queria usar
orquestra. Vinicius pensava: ‘Se eu acho um erudito, não funciona; se
eu acho um popular, não funciona’. Ou então você chama um popular
e um erudito de jeito que o popular faça o samba e o outro orquestre.
Atualmente isso está em transformação; aqui está Dori Caymmi que
compõe e orquestra a sua música: agora eles sabem de tudo! Eu já
tinha muita música, samba gravado; algumas coisas na praça do Rio
de Janeiro. Mas foi o Orfeu que deu aquela projeção, que tirou a
barriga da miséria.
Jobim conta, num tom de quem relembra algo conhecido pelos presentes, que logo na
primeira conversa perguntou para Vinicius se “ia rolar um dinheirinho para fazer a peça”. A
justificativa seria a de que
tinha entrado pelo cano várias vezes com aqueles filmes, aquelas
chanchadas. Eles levam um ano para fazer o filme, então quando chega
a hora de botar a música a verba está estourada; tem que botar a
música em 4 dias... Eu estava escaldado. Mas o que eu fiz foi da
maior grossura: o sujeito me chama para fazer uma peça da
envergadura do Orfeu e eu pergunto quanto é que vocês vão me pagar.
Jobim brinca com o fato de que era muito fiel ao Vinicius de Moraes:
Eu tenho sido muito fiel ao Vinicius. Eu estou desconfiado que eu
tenho que trair ele um pouco, sabe... é porque ele tem me traído muito
... Nessa minha ausência ele tem ajudado a garotada bastante. Como
usei o termo traição tenho que dizer que o meu parceiro e eu nunca nos
desentendemos jamais, em tempo algum, inclusive eu orquestrei as
músicas de Carlos Lyra com Vinicius de Moraes e tudo mais, como
todo mundo sabe.
Um dos pontos que chama atenção no depoimento de Jobim é o modo como se dão os
encontros dos diversos atores que protagonizam os eventos narrados. Vinicius de Moraes
ouviu Jobim pela primeira vez no Clube da Chave; os dois são apresentados num bar, o
Vilariño; as coisas “mais graves” são discutidas à base de chope em Ipanema. Há, portanto,
toda uma sociabilidade boêmia que é marca das relações interpessoais e profissionais de
Jobim.
As parcerias, pode-se dizer, também são constituídas, em grande parte, nesse tipo de contexto.
O próprio compor em parceria pode ser visto como relacionado a essa questão; não são feitas
parcerias por “necessidade” técnica: Newton Mendonça tem músicas próprias, assim como
28
Vinicius de Moraes; o próprio Jobim também havia feito, à época, umas “letrinhas”. Não é,
deste modo, o fato de haver músicos que não escrevem letras ou o contrário o que define a
necessidade de parcerias, por mais que haja especialismos (Jobim é melhor compositor
musical, Vinicius de Moraes é melhor letrista, etc.).
As diversas influências musicais de Jobim descortinam-se por todo o depoimento e não são
colocadas de modo completamente organizado. Diversos compositores o citados, mas
que se ressaltar a menção detalhada e emocionada a Villa-Lobos e a Ary Barroso. Não por
acaso, esses músicos falaram do Brasil de modos que se opostos numa dimensão, são em
alguma medida marcadas por uma série de valores coincidentes são aglutinados em algumas
das composições de Jobim.
Jobim menciona que suas primeiras composições eram sambas-canção; faz uma análise do
cenário musical com o qual dialogava no início de sua vida profissional e junta às influências
da Bossa Nova, Pixinguinha, Noel Rosa e Dorival Caymmi.
Há ainda a posição ocupada por Radamés Gnatalli na formão de Jobim. Gnatalli, ele
próprio, foi figura que transitava pelo universo do popular materializado nos arranjos que
escrevia para os músicos das mais diversas origens em seu trabalho em rádio e gravadora, e
pelo universo das músicas de concerto que compunha. Esse trânsito estava presente no cenário
intelectual e musical das primeiras décadas do século XX, fosse na coleta de práticas musicais
folclóricas de Mario de Andrade
22
, fosse na possibilidade de encontro entre intelectuais,
músicos eruditos e sambistas no Rio de Janeiro
23
.
1.1.4 Crítica da Bossa Nova/Crítica à bossa nova
Os criadores sistemáticos da chamada Bossa Nova, como aparece convencionado no
depoimento, são Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto. Há, entretanto, uma noção de que
havia outros compositores que já pensavam em fazer música modernaesse é o mais próximo
22
LINS, Elizabeth. Mandarins milagrosos: Arte e Etnografia em Mário de Andrade e Béla
Bartók. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura /Funarte/Jorge Zahar Editor, 1997.
23
VIANNA, Hermano. O mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
29
de uma definição de Bossa Nova que se chega a partir do depoimento –, como Carlos Lyra,
Roberto Menescal; e seus antecessores, como Pixinguinha, Noel Rosa e Garôto.
Jobim ressalta que no álbum “Canção do Amor demais”, de Elizeth Cardoso, com violão do
João Gilberto, músicas de Jobim e Vinicius de Moraes e arranjos de Jobim, estava presente
aquela batida do João que começou a ser chamada de Bossa Nova”. Ressalta que João é um
homem de uma musicalidade impressionante e de grande inteligência e que ele seria muito
responsável pelas mudanças que aconteceram na música popular brasileira:
No tempo inicial em que eu fazia as coisas, o Brasil estava dominado
pelo samba-canção; acontecia uma queda do choro, já não se ouvia
nem Pixinguinha, nem seresta, nem serenata; o regional começou a ser
passado para trás. E começaram a aparecer orquestras mais melosas,
cada vez mais violino, o samba-canção foi decaindo e começou a ser
chamado pejorativamente de sambolero, com aquelas letras meio de
tango, assim na base do formicida. Não foi o fim do samba-caão do
Noel, que está aí, absolutamente vivo. Mas o João chegou como um
refresco; ele mandou aquela brasa, aquele violão dele limpo, com
aquele ritmo formivel e o negócio começou a mudar.
Jobim preocupa-se em situar a Bossa Nova e explicar algumas questões que envolveriam o
movimento. A primeira questão seria colocada a partir da nomeação e de seus usos:
Tem uma coisa importante a se dizer a respeito da mal chamada Bossa
Nova. Em primeiro lugar, às vezes dar nome às coisas atrapalha a
compreensão. Eu digo Maria e penso que conheço Maria. A Maria é
outro negócio; eu o conheço Maria, para conhecer tinha que estar
mais com ela. À Bossa Nova, por exemplo, aconteceu isso. As pessoas
começaram a chamar o negócio de Bossa Nova. E surgiu aquela fase
que havia o advogado bossa nova, a cadeira bossa nova, o sapato bossa
nova. O comércio se aproveitou da onda e tudo era bossa nova. Hoje
em dia Bossa Nova é uma palavra que perdeu completamente o
sentido; Bossa Nova pode significar o mais velho, o pior. É uma
palavra com um tal número de conotações que você não pode mais
usar; se tornou uma palavra praticamente imprestável.
Não tira, contudo a importância do movimento e preocupa-se em afirmá-lo como
essencialmente nacional. Sobre uma possível influência do Jazz, é enfático:
Eu já ouvi dizer que o movimento é muito influenciado pelo Jazz,
principalmente pelo Cool Jazz; o que eu não acho que seja verdade. A
Bossa Nova é nossa e nós temos que assumir isso; e nada desse
30
necio de deixa pra lá. Pelo contrário, se influência seriíssima aí é
da Bossa Nova sobre o Jazz, muito mais do que o contrário. E isso é
facilmente explicável porque o Brasil é aquele país rico de temas que
outros lugares não são. Eu não quero dizer que não sofre influências;
não sofre influências o que está morto: uma pedra não sofre
influência, exceto do martelo. Mas tudo que vive, tudo que é sensível
sofre inflncias. O Villa-Lobos escrevia “Valse”, com “e” no final,
durante muito tempo. É claro que os poetas brasileiros escreveram
sonetos em francês, o Bandeira... Vinicius e Fernando Pessoa
escreveram em inglês. Eu não estou negando nenhuma influência. O
samba é uma música viva, e, portanto, influenciada por tudo.
Influenciada pela valsa vienense... felizmente, graças a Deus; porque
senão seria um horror. O samba é influenciado por tudo. É lógico que
boas e más influências; influências maléficas e tudo mais. Mas
no processo do Jazz, nós temos a atitude de subdesenvolvido, nós
temos a atitude do “deixa pra lá” e eles, nos Estados Unidos, têm
atitude do “venha a nós”, do rico, que compra o que é bom, o que quer.
Ele não está interessado se esse chinelo que ele gosta é havaianas ou é
escocês; se ele acha bom, ele diz “formidável” e, podendo, ele anexa à
cultura dele. Hoje em dia você encontra o Jazz profundamente
influenciado por ritmos cubanos, por música mexicana, africana, por
música clássica. Hoje em dia você tem jazzistas que escrevem
sinfonias. É isso que eu chamo de atitude do “venha a nós”, uma
atitude aquisitiva. Aqui, ao contrário, predomina uma atitude purista: o
samba é isso ou aquilo, e uns situam isso num lugar impossível;
uma coisa que funcionaria se nós estivéssemos desligados do
mundo, o que não acontece. Eu venho aqui em defesa da Bossa Nova
dizer que ela é brasileira e muito brasileira!
Perguntado por Ricardo Cravo Albin sobre como foi a inclusão de João Gilberto numa
parceria que já existia, Jobim acaba por fazer uma digressão para falar que a Bossa Nova é, em
alguma medida, colocada em algo que já existia, tratando de suas condições de possibilidade.
Nesse contexto, ele registra o aparecimento de músicos e especialmente letristas que, na linha
de Vinicius de Moraes, dividiam alguns sentimentos, uma “vontade de andar para frente”.
Trabalha também com o fato de que no momento em que começou a Bossa Nova, o país vivia
uma fase de muita esperança. Esperava-se um surto desenvolvimentista que pudesse fazer
queimar etapas no processo de resolução de uma série de problemas sociais graves. Ao mesmo
tempo, dá uma explicação que envolve uma questão técnica para o desenvolvimento da
estética da Bossa Nova:
31
É nesse momento que o Brasil coma a entrar mais seriamente da fase
da gravação, que existia, mas de modo muito precário. Nós
trabalhávamos com o 78, não tinha nem alta fidelidade; nada disso.
Com a questão da gravação, surgiu uma série de problemas para
música. A música brasileira era aquela coisa espontânea, que sofria de
excesso de acompanhamento, entende? Você tinha dois ou três violões,
mais uns 1000 ritmistas; sempre. Por quê? Assim para explicar a coisa
sob um ponto de vista, vamos dizer, tecnicista, o negócio ao vivo
funciona assim, funciona bem um bloco passando na rua, entende, com
20 tocando percussão. Funciona bem todo mundo cantando. Funciona
bem ao vivo. Mas se você, por exemplo, botar isso num estúdio e
tentar gravar começa a surgir uma série de problemas técnicos. Eu
acho que aí a Bossa Nova, quer dizer, esse princípio com o Vinicius e
com o João Gilberto, ela viu que não podia gravar o negócio todo,
então houve uma certa simplificação, uma triagem, uma certa
necessidade de se trabalhar com menos instrumentos, no sentido de
menos violões. Um violão só. E era o João Gilberto. Era preciso
purificar o som por causa do problema de gravação. É possível até que
amanhã os americanos estejam gravando com oito canais. É possível
que com 8 canais se possa gravar a escola de samba mesmo, como ela
é; porque se você pegar uma escola de samba e colocar num estúdio,
vai soar como um mar em tempestade eu estou exagerando, é claro –,
mas você vai ter problemas técnicos. Eu creio que a Bossa Nova
também foi isso. Ela tece raízes seriíssimas no samba autêntico, teve a
necessidade de limpar um pouco, pecado esse que depois teve uma
volta...
Mas concorda com Vinicius de Moraes, enfim, que se trata de um femeno de cultura; com
rias causas associadas.
A reação de Jobim ao fato da Bossa Nova ter sido transformada em adjetivo de uso corrente
pelo comércio o incomodou. Segundo o compositor, como vimos, o nome estava “no ar” e ele
acabou por fi-lo quando chamou João Gilberto de Baiano Bossa Nova. Esse retorno ao uso
corrente, contudo, passa a ser mediado pela busca de identificação com o movimento musical;
mas essa relação seria marcada pelo oportunismo ao associar-se ao que estava na moda por
uma via que não considerava conteúdo: não se sabia bem porque um sapato era bossa nova.
O modo como Jobim defende a Bossa Nova de uma possível origem no Jazz americano é
emblemático de sua visão de música. Jobim acredita em múltiplas influências, em entremeios
de estilos e linguagens; nesse sentido, não como se ter expressão musical que não sofra
32
influências: o que não é sensível o é influenciável. No mesmo contexto, o fato de haver
alguma relação com o Jazz não seria desqualificador da Bossa Nova como nacional.
Não se pode minimizar, assim, o modo como Jobim traça as condições de possibilidade do que
chama de um movimento cultural”. Primeiro no que diz respeito aos ritmos que a
antecederam, o samba autêntico e o samba-canção; passando pela sociedade brasileira da
década de 1950, e, enfim, pelas questões técnicas que permeavam a indústria fonográfica de
então.
O modo como Jobim explica a estética da Bossa Nova é de grande valia e pouco explorado
mesmo por críticos contemporâneos. Santuza Naves, por exemplo, argumenta que uma
interpretação canônica instaurada a partir de Augusto de Campos de que a Bossa Nova,
especialmente na figura de João Gilberto, constituía-se de modo a enfatizar o despojamento
por conta de um ideário racionalista cujo objetivo era diferenciar-se do emocionalismo
excessivo das décadas anteriores
24
.
Entender que, com o amadurecimento da indústria fonográfica nacional, houve uma exigência
por mais qualidade no processo de gravação e que gravar um número grande de
instrumentistas seria inviável, é qualificar a Bossa Nova no que a constitui, da perspectiva de
sua condição de produção. É nos lembrar que arte é, afinal, técnica, e que mesmo as escolhas
estéticas são condicionadas por certa materialidade.
Pode-se retomar, aqui, as proposições de Walter Benjamin em “O autor como produtor”, de
que as ações estéticas que promovem mudanças das técnicas se colocariam no plano das
relações de produção; e é exatamente nessa modificação que reside a possibilidade do
enquadramento social da obra de arte
25
.
Chico Buarque faz observações sobre o fato de que a Bossa Nova não tinha uma inserção
popular. Se o movimento influenciou uma série de músicos que, como o próprio Chico
24
NAVES, Santuza. “Da Bossa Nova à Tropilia: Contenção e Excesso na Música Popular”.
In Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 15, nº 43, junho/2000.
25
BENJAMIN, Walter. “O autor como produtor” in Sociologia. São Paulo: Editora Ática,
1985, p. 190.
33
Buarque à época, tinham 20 e poucos anos, não se pode dizer que ele tenha chegado ao povo,
à “cultura popular”. Ao contrário, o que predominava nessa cultura classificada como popular,
era o sambolero do Nelson Gonçalves e coisas no mesmo estilo; nem o rock chegava ao povo
naquele momento.
Jobim concorda com a afirmação e comenta um ressentimento de João Gilberto, que gostaria
de falar com mais gente do povo: ele não queria ser o cantor d’uma elite, de uma pequena
elite”. Algum contato com o povo foi estabelecido, como “Chega de Saudade” que ficou nas
paradas de sucesso no Rio e em São Paulo. “E realmente quando a gente começou a fazer
música, a gente não estava sabendo se fazia pra Zona Norte ou pra Zona Sul. Nem estava
pensando nisso.”
O público da Bossa Nova é, portanto, discutido no depoimento. Não se trata de uma
manifestação de caráter popular. Jobim alega que isso não é intencional; simplesmente não se
pensava se estavam fazendo música para “Zona Sul ou para Zona Norte”. Mas há uma
consciência de que participam de um grupo que tem como uma das marcas o fato de serem de
classe média”. Há, portanto, valores e significados que são explorados pelas músicas que se
ligam a um estilo de vida possibilitado, mesmo que indiretamente, pela situação classe. Pode-
se falar, talvez em termos mais úteis, de “taste cultures”, como sugere Gans
26
.
1.1.5 Músico Popular ou erudito. Cultura Popular ou Cultura Erudita?
As categorias “popular” e “erudito perpassam o depoimento de Jobim. Seus usos são
qualificadores tanto de um tipo de música como de um tipo de músico; mas as duas noções
parecem estar interligadas.
Em sua fala sobre as considerações de Vinicius de Moraes ao escolher o compositor para
Orfeu”, fica clara que a divisão entre erudito e popular estaria calcada, primordialmente, na
capacidade de escrever música: o músico popular não teria essa aptidão, enquanto o músico
26
GANS, Herbert. Popular Culture & High Culture: An analysis and evaluation of taste. New
York: Basic Books, 1999.
34
erudito, que a possuía, possivelmente daria um caráter mais formal do que Vinicius de Moraes
gostaria para as composições da peça.
A música popular, no mesmo contexto, teria um caráter de efemeridade, exatamente por não
ser escrita. Em vários momentos da entrevista, Jobim fala dessa característica como sendo
complicadora do trabalho com a música popular; para gravar Pixinguinha, seria preciso
conversar com o próprio para obter as versões corretas das músicas. Do mesmo modo, o fato
de Dori Caymmi estar escrevendo as músicas de Dorival Caymmi é festejado por Jobim.
De outro lado, menções ao fato da música popular dialogar com um blico maior. Desta
maneira, há uma noção de que a música popular é aquela que toca nas rádios e é acessada por
um número maior de pessoas por conta de sua divulgação midiática. A música erudita, ao
contrário, seria aquela apreciada por um grupo de pessoas mais reduzido e possuidor de certas
capacidades possibilitadoras dessa apreciação.
Jobim comenta o fato de que na música popular é preciso que se façam concessões, com o
objetivo exatamente de se atingir um número maior de pessoas. Há que se seguir uma cartilha:
escrever com número correto de compassos, enquadrar-se em determinada trica. Na época
de juventude, por exemplo, quando não precisava se preocupar com esses padrões, podia
começar a escrever uma música numa tonalidade e terminar noutra.
De qualquer modo, em mais de um ponto do depoimento fica clara uma auto-classificação de
Jobim como compositor popular e erudito. É um tipo de compositor que ama música
popular”, mas que sabe escrever música; que escreve sambas e sinfonias.
Nessa mesma classificação nativa, contudo, pode-se pensar que a música popular de Jobim
possui um tipo de caráter que a diferenciaria dessa música popular espontânea: trata-se, ainda
assim, de uma música escrita, que possui arranjo.
Percebe-se, nesse contexto, o modo como Jobim acaba por circular por entre essas duas
esferas. Pode-se pensar a questão em termos de circularidade como fez Carlo Ginzburg a
partir de Bakhtin
27
: um intercâmbio de idéias e significados entre classes que se não
27
GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
35
apenas pela via das categorias do dominante impostas ao dominado. uma circulação mais
ampla, em que o caminho inverso, a partir do subalterno, também ocorre. Neste contexto, uma
característica da dinâmica cultural a mesma que permitiu que um moleiro friulano tivesse
acesso e interpretasse de modo próprio textos de uma tradição de elite possibilita o contato e
apropriação formas culturais populares por um músico de classe média alta intelectualizada.
No mesmo contexto, Peter Burke nos mostra como os camponeses pré-capitalistas já eram
suficientemente letrados para se apropriar de certos digos das elites; este autor advoga,
ainda nesse sentido, contra um possível “purismo” da cultura popular, já que várias etnias tidas
como populares ainda na Idade Média européia possuíam contatos e misturavam suas
tradições
28
.
Parece-nos interessante, contudo, as idéias de Chartier sobre a questão. No sentido de
conformar os preceitos de uma Hisria Intelectual, o autor pontua que é necessário que se
desconfie de certas dicotomias colocadas amplamente como questão para as Humanidades. As
distinções ente o erudito e o popular são uma delas e na maioria das suas mobilizações o que
se coloca acaba sendo a questão em si. Deste modo, “Saber se pode chamar-se popular ao que
é criado pelo povo ou àquilo que lhe é destinado é, pois, um falso problema. Importa antes de
mais identificar a maneira como, nas práticas, nas representações ou nas produções, se cruzam
e se imbricam diferentes formas culturais.
29
” Nesse sentido, a obra de Jobim é reveladora, pois
trabalha exatamente na confluência de uma série de formas culturais, independente de suas
classificações.
Ainda com Bakhtin, pode-se pensar no modo como nas práticas discursivas diversas vozes se
colocam num mesmo plano. O caráter polinico do discurso se coloca exatamente em sua
dimensão histórica, pois os significados antecedem e superam os emissores e são diversas as
matrizes mobilizadas na formatação de um único discurso; não há, portanto, como operar uma
28
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
29
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel;
Rio de Janeiro: Bertrand, 1990.
36
distinção absoluta no que diz respeito a sua origem
30
. Para a significação, importam os
contextos; tem-se, assim, que “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto.
De fato, tantas significações possíveis quantos contextos possíveis. No entanto, nem por isso a
palavra deixa de ser una.
31
uma discussão do tema no depoimento, contudo, e se pode perceber que se trata de um
grupo que compõe música popular, mas que possui uma apreciação pelo erudito e nesse
momento, essas categorias são usadas a partir de sua concepção nativa num contexto
específico. A música erudita, assim, faz parte de um universo de gosto do grupo. Não há como
argumentar que o natural para aquele grupo, de alta classe média e detentora de um capital
cultural elevado, seria a dedicação a um tipo de fazer artístico que fosse mais compatível com
essa posição. É significativa, contudo, essa escolha consciente e entendida como legítima
pelo popular.
Quando fala de seus planos para o futuro, nesse contexto, voltar a escrever música séria
música erudita – não estava fora do campo de possibilidades de Jobim.
1.1.6 O Nacional e o Norte-Americano
A questão da internacionalização é debatida, e Jobim sugere que uma facilidade maior por
parte dos jovens em ter contato com as manifestações internacionais. Em continuidade, acaba
dialogando com o fato de que não material de pesquisa no Brasil; não há uma preocupação
na formatação de instrumentos que pudessem preservar certos conhecimentos, que se
articulam, em grande medida, através do funcionamento do próprio mercado fonográfico:
Talvez haja uma tendência à internacionalização com esse contato,
hoje em dia, direto, que a mocidade tem. Por exemplo: Vinicius não
tinha, eu não tinha, quer dizer, o meio de divulgação das coisas hoje
em dia é muito mais rápido e muito mais efetivo do que era. No
princípio não tinha nem disco. Nós sofremos muito aqui. Eu tive rias
vezes conversando com meu amigo Raimundo Wanderley à respeito
30
BAKHTIN. M. Problemas da Poética de Dostoiévsky. Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1981.
31
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Heucitec, 1971, p. 91
37
disso. Nos não temos material de consulta. O que faz no Brasil é
sempre efêmero. Isso por quê? Porque nós somos uma civilização de
madeira taquara, de bambu; enquanto que as coisas que ficam são
feitas de aço inoxidável. Isso eu falando, naturalmente, num terreno
material assim de... não estou falando de amor, nem de espírito, nem
nada. O que acontece é o seguinte: nós temos uma grande maioria do
povo que não pode comprar um disco. Temos meia dúzia de grã-finos
que compram discos importados. Então, se ele vai gostar de iê-iê-iê,
ele já vai comprar o original e tudo mais. Então nós temos uma classe
média aí comprimida que quando Chico Buarque faz sucesso o outro
espera... vem a Elis Regina, aí a Nara... entende? Quer dizer, nós
temos um mercado realmente reduzido e as companhias de discos, no
Brasil, funcionam na base de catálogos de vendagem. Enquanto vo
vende, você está sendo prensado. No momento que você deixou de
vender, aquela matriz é derretida e se faz uma nova matriz do que
estiver vendendo. É que eu digo que não material de consulta e
que as coisas não ficam, entende Chico? Quer dizer, hoje em dia, por
exemplo, se você quiser gravar a obra de Pixinguinha, você vai ter que
ir na casa dele falar com ele, porque as edições saíram erradas, as
notas... a música está toda errada, entende? Muitas delas você não
encontra. O que foi considerado assim perempto, foi esquecido. Os
discos se transformaram em raridade, você tem que ir à casa do Lúcio
Rangel e muitas vezes ele pode não ter determinado disco. Nós não
temos nem fonte de consulta.
Na oportunidade do depoimento, Jobim acabava de voltar dos Estados Unidos, e as referências
ao país são recorrentes. No que diz respeito à preocupação na preservação de músicas, tanto
no que tange ao aspecto técnico, como no que trata da referência aos músicos, a comparação
com o país da América do Norte é evidente: “o que eu notei quando fui à America foi que
você faz uma coisa e vira estátua, entende? Aquilo permanece. Permanece porque é reeditado,
é recuidado, é revisto, é tudo o mais, o que não acontece com a música da gente aqui”.
Na comparação com os Estados Unidos, Jobim evidencia um caráter da produção musical
brasileira que acaba por qualificar o que chama de efemeridade. Para além da exposta
dificuldade no que diz respeito ao mercado fonográfico, o fato das músicas não serem
escritas” pelos compositores populares também é levantado; de qualquer modo, a situação
também não estaria muito melhor nas partituras editadas, já que quase sempre contam com
erros e imprecisões. Esse quadro seria acompanhado por uma mudança no modo de aprender
música: antes os filhos aprendiam com os pais, mas passa-se, então, primordialmente para o
disco, onde prevalecem ouvintes; denotando uma certa passividade.
38
Hoje em dia se voquiser gravar obras completas de quem quer que
seja, por exemplo, Dorival Caymmi, eu soube que o Dori está
escrevendo as músicas do Dorival Caymmi porque não existem
escritas. É uma coisa... a música popular tem essa precariedade da
coisa efêmera, do momento. Se você o edita e os discos
desaparecem do mercado, então se amanhã, por exemplo, o
Pixinguinha não estiver mais aqui, votem que falar com o amigo
dele, aquele que mora na rua dele, aquele que tem bom ouvido para ver
se consegue reconstituir o negócio. É uma coisa urgentíssima. Porque
naquele tempo mesmo, que eu ainda era moleque, ainda existia muito a
história de canção de pai pra filho; quer dizer, você ouvia aquele
necio todo. Isso claro que acaba... é de disco pra ouvinte. O que eu
estou dizendo é o seguinte: eu acho que a criança de hoje está criando
outra mentalidade. Quer dizer, não existe mais atenção, esse negócio
de ouvir o pai cantar...
A qualidade das gravações também é fator que diferencia Brasil e Estados Unidos na
concepção de Jobim. E esse fator acabaria por fazer-se impor também no que diz respeito às
questões estéticas e operacionais, como o número de profissionais envolvidos na gravação de
um álbum em suas respectivas funções.
O estereofônico não existe mais na praça pra vender e mesmo a maior
gravadora do momento não fabrica mais estereofônico, embora as
vitrolas todas sejam estereofônicas. Não mais disco estereofônico.
Eu acho que esse lado também, do subdesenvolvimento industrial, é
importante. Hoje em dia eu vejo que você compete aqui na praça com
disco estrangeiro, importado, que tem uma guitarra-tenor, uma guitarra
normal e uma guitarra contrabaixo, uma bateria e só. São quatro
garotos, dois cantando em terças, e isso domina o mercado sem vo
ter nenhuma despesa de orquestra, sem você ter despesa de músicos,
entende? Porque aí você faz o disco com o grupo contratado; você tem
um certo valor que você pagará a esse grupo, você simplifica o
problema todo. E tem uma qualidade de som que nós não podemos
enfrentar, verdade seja dita. Naturalmente que caiu a questão dos
arranjos. Os grandes arranjadores brasileiros de hoje em dia não
encontram mais o trabalho que encontravam; muitos estão
desempregados. Claro que eram relativamente remediados
materialmente...
De qualquer modo, Jobim preocupa-se em não desqualificar toda e qualquer manifestação que
pudesse ser identificada com o “iê-iê-iê”, referência de música jovem e internacional na época
do depoimento. Não vê o femeno como algo que não pudesse ter conseqüências para
história da música ou para sua própria obra:
39
O iê- me atinge sim. Não acho que o iê-iê ser passageiro.
coisas profundas no iê-iê, isso sem vida. Tem garotos geniais, com
letras geniais e música genial. É claro que também tem muita
porcaria... mas eu acho que o iê-iê tem coisas serssimas; tem gente
dizendo a verdade toda, com guitarras afinadas e bem apresentadas. Os
Beatles são geniais.
Ainda no contexto dos contatos com o exterior, fala da dificuldade para encontrar bons
tradutores do português em cenário internacional; e os Festivais Internacionais da Canção,
nesse contexto, seriam oportunidade de divulgar a música brasileira sem ser traduzida:
Acho muito bom os festivais. Acho que traz assim uma propaganda...
porque nós estamos dentro do que chamamos no botequim de “a
cultura secreta brasileira”. O que é muito triste para nós. Nós temos o
Carlos Drummond de Andrade. É “cultura secreta”. Porque não se sabe
que tem Carlos Drummond de Andrade. Se você traduz aquela poesia,
o funciona. Não pode ser traduzido aquilo. falando português,
quer dizer, aí já começa o primeiro impasse. Você pega um compositor
brasileiro, então ele sai do Brasil. O impasse da língua é um golpe
mortal na canção. Essas coisas aos poucos vão se modificar... Mas eu
vi o Guimarães Rosa traduzido em inglês, o Drummond traduzido em
inglês... não funciona. Quer dizer, eu quero falar aqui do seguinte:
quando um homem escreve em português, ele esta em grande
desvantagem, não é verdade isso? É isso que eu notei. Eu notei, por
exemplo, que nos Estados Unidos se uma pessoa escrever em russo,
será bem melhor traduzida que em português. Se uma pessoa escrever
em francês – há muita gente nos Estados Unidos que fala francês
perfeitamente –, muita gente nos EUA que fala russo perfeitamente,
já que a imigração russa lá foi muito grande. Nós, em português,
levamos uma grande desvantagem. Aqui, por exemplo, num livro
desses em francês eu confio porque sei que laços culturais da
França com o Brasil e tudo mais, muito antigo, e a ngua também tem
grandes contatos, o que não acontece com o inglês.
O quadro não seria diferente com as músicas brasileiras que ganhavam traduções, situação
agravada por falta de tato dos editores, que nem sempre escolhiam os tradutores mais capazes,
estando interessados apenas no possível retorno comercial da música. Jobim queixa-se de que
em alguns casos o autor da letra original nem chega a conhecer o seu tradutor. Essa situação
o se repetiria no Brasil, pois “quando um editor brasileiro recebe uma música internacional,
a tradução é feita com amor, com carinho, com alguém que se identificou e que quis”.
40
Essas comparações do contexto nacional com o norte-americano, assim, podem ser pensadas
em dois níveis: um que perpassa a experiência de Jobim com os EUA e outra que foca o
internacional como refencia.
No primeiro nível, pode-se pensar em três experiências específicas nos EUA – duas delas mais
amplamente debatidas: a primeira, o concerto no Carnegie Hall de 1962; a segunda, a
gravação de seus álbuns; e por último a gravação com Frank Sinatra.
A primeira vez que Jobim saiu do país foi por conta de um concerto de Bossa Nova um tanto
controverso realizado no Carnegie Hall, em Nova York; em suas palavras:
Eu fui porque Montenegro, os amigos – do Itamaraty, sobretudo...
Aquele concerto louco no Carnegie Hall... Eu disse: “O barco vai
afundar....”. O homem disse: “você é o capitão, tem que afundar com o
navio”. Eu disse: “Ah, é pra afundar é?”. Inclusive o Vinicius. Eu me
lembro de uma noite trágica em que eu não dormi e peguei o avião no
dia do concerto. Nunca aconselhei João Gilberto que não fosse. Ele foi
assim na antevéspera também. O concerto foi uma loucura muito boa
pra música brasileira porque funcionou. Aqui a imprensa deu uma
imagem distorcida do concerto. Aquilo não foi verdade. O único que
falou bem foi o Silvio lio Cardoso. E São Paulo teve uma atitude
muito bonita que eu jamais esqueci, entende? Enquanto que nós
cariocas, aqui... você sabe que o Rio de Janeiro é a capital da anedota...
tudo tem uma anedota. É genial para qualquer potico, pra qualquer
pessoa. São Paulo assumiu o negócio do sinal “viva Brasil”. “A Bossa
é nossa” e o negócio aconteceu lá... Pra começar, o concerto do
Carnegie Hall não tem grande importância, sobretudo se sabendo que
mais da metade do público que estava lá dentro era brasileiro. A
colônia brasileira estava lá dentro. Eu estava convencido que tinha que
cantar em inglês quando não era nada disso. tinha brasileiro lá
dentro. E o que funcionou, naturalmente funciona em um programa de
televisão, aquele Coast to Coast, um programa daqueles de 50 milhões
de audiência e o Carnegie Hall tem 3 mil, 4 mil pessoas lá... nem isso...
uma bobagem. Foi um negócio assim para aquela colônia brasileira
saudosa de ver o que se estava fazendo no Brasil. Todos os brasileiros,
toda a colônia estava lá. Mas eu creio que foi muito bom para música
brasileira porque daí surgiram milhões de coisas e daí se gravou, se fez
muita coisa. Mas eu me lembro que eu não queria ir. Eu fui pra no
dia do concerto e foi a primeira vez que eu saí do Brasil, porque antes
tinha tido alguma chance de sair do Brasil com “Orfeu”... Paris,
quando o filme ganhou a “Palma de Cannes” e... o filme tirou 92
prêmios e o “Oscar” americano como o melhor filme estrangeiro.
41
O modo como Jobim avalia o concerto no Carnegie Hall é particular e difere como se verá
adiante do modo como alguns comentadores trataram o tema. A importância do concerto é
minimizada, já que seu público era essencialmente brasileiro; de acordo com Jobim, sua
carreira internacional teria decolado a partir da gravação com Sinatra, essa amplamente
debatida no depoimento, dada a importância do cantor à época e o que isso representava na
carreira de um compositor brasileiro. Deve-se ressaltar a postura de Jobim, que avalia a
oportunidade em termos de popularização de sua obra.
Momento importante da internacionalização da Bossa Nova foi o quando, em 1961, Stan Getz
gravou um álbum com músicas do movimento. Jobim acha o fato particularmente importante
porque ilustra o modo como a Bossa Nova ficou conhecida: “a expansão foi feita pelos discos.
Como a edição está toda errada e nada funciona, o negócio todo funcionou com os discos do
João que foram bater na costa oeste e que depois os grandes músicos americanos, aqueles
jazzistas, começaram a gravar tudo”.
A vida de Jobim como performer independente, ainda, coma nos Estados Unidos. Foi a
primeira vez em que ele pode se dedicar a um trabalho que estivesse completamente
relacionado com suas concepções:
Eu saí daqui aos 36 anos e foram precisos uns pontapés dos amigos pra
conseguir sair daqui, porque eu nunca quis sair daqui. O primeiro disco
que eu vim a fazer, meu, propriamente meu, foi com 36 anos de idade
em Nova Iorque. Aquele disco instrumental. Foi o primeiro disco que
eu fiz pra mim, em que eu então era o artista. Inclusive, quando
fizemos “Orfeu”, eu não quis reger no Municipal, o quis nada.
Sempre procurei me defender, entende, do auditório, da exposição
assim... sei lá... me dava medo. Hoje essa situação já se modificou. Eu
creio que está diferente.
A continuidade de sua carreira nos Estados Unidos, assim, deu-se por outras vias: “fiz vários
discos lá. Agora mesmo acabei de fazer dois discos novos, que eu considero bons. Eu fiz um
disco cantando que está muito bom nunca pensei que eu pudesse cantar bem assim, porque o
primeiro disco que eu fiz cantando lá, estava apavorado”. Esse processo, porém, contou com
particularidades, pelo fato do trabalho acontecer numa realidade cultural diferente da de
Jobim, especialmente no que diz respeito às orquestrações e relações com músicos:
42
Naturalmente o brasileiro que vai fazer qualquer coisa lá fora, ele não
conhece e o sabe como fazer. Ele não conhece os músicos; ele não
sabe o que ele sabe aqui. Quer dizer, tem que conhecer a praça. Não
basta escrever bem... Quando escrever uma linha de flauta, você tem
que saber quem é o flautista e isso com uma pessoa que esteja por
dentro. Por isso mesmo eu nunca quis orquestrar uma música, um
disco nos EUA. Todos os discos que eu fiz lá, eu chamei outro pra
orquestrar, porque tem todo esse problema de estúdio, de chamar
músico, senão você vai perder um tempo enorme até descobrir que o
Dori Caymmi mora no Rio de Janeiro e toca violão.
A convivência com os Estados Unidos por conta de seus recursos tecnológicos e financeiros
– fez com que Jobim tivesse vontade de regravar a Sinfonia da Alvorada:
Eu tenho esperança de gravar a Sinfonia de Brasília” nos EUA. Eu
estive com o diretor artístico da RCA Victor, o selo vermelho, o que
faz os discos clássicos e ele quer gravar a sinfonia e eu vou lá com o
Vinicius de Moraes. Ele quer gravar as canções de câmera também por
uma grande soprano dessas, ou uma cantora rica, e tudo mais. Porque
a gente pensa nisso depois que as serestas do Villa e outras coisas
gravadas fora, e a Geny Tourer e outras que gravaram essa coisa
toda, com a qualidade de som que eles têm lá, realmente vontade de
se fazer essa coisa toda que é voltar ao passado, essa coisa chata de
desencavar o baú, essas coisas que já foram feitas e fazer direito.
Passar a vida a limpo, não é? Como diz o nosso Drummond...
O processo de gravação do Álbum com Frank Sinatra, por fim, é de grande importância. O LP
havia sido gravado há pouco tempo e Frank Sinatra estava no auge de sua fama internacional.
Eu estava em Ipanema com o Cabinha, com Raimundo Wanderley,
Domingos Charuto tomando uns chopinhos quando o telefone tocou, o
Seu Oliveira atende e era o rei da Califórnia, o Ray Gilbert, que tinha
lá os seus contatos com o pessoal do Sinatra e me perguntou se eu faria
um disco com o Frank Sinatra. Eu digo: “Perfeitamente”. Ele me
perguntou se eu me interessava em fazer um disco com o Frank
Sinatra. “É claro”. Ele disse o negócio não está assim... quando é que
você vem pra ?” e eu disse: “Bom, eu não estou indo pr não...”.
Mas com aquela conversa assim, ele disse que o pessoal do Sinatra
contactou no meu tempo tinha c em contacto e ele queria fazer um
disco. Peguei um avião e fui pra Miami; recebi várias notícias. O
homem está em Roma, o homem está no Havaí; está fazendo um filme,
o homem está em Tóquio, o homem está em Palm Springs. Ele tem
uma casa em Palm Springs... Depois, lá de Miami voei para Los
Angeles. Fiquei . Como é, quando é que é o negócio?” Fiquei
com meu violão e ele estava em Barbados, naquela ilha do Caribe e
43
disse que vinha pra lá e coisa. Aí ele apareceu e nós fizemos o disco.
O disco, se você pensar nos percalços e coisa, está muito bom. É claro
que eu gostaria de ter estado com o Sinatra, de sentar com ele e
mostrar música nova, de trabalhar um pouco com ele em tudo, o é?
Mas ele não tem esse tempo. Quer dizer, nós não ensaiamos nada. s
fizemos o disco no peito mesmo. Agora, ele é competente, é um
profissional que sabe das coisas e acho que ele fez muito bem. Os
arranjos são do Claus. O Claus trabalhou comigo nos arranjos porque,
como disse, eu acho que não devo ir para os Estados Unidos fazer
arranjo.
O fato dos arranjos do disco terem sido elaborados por Claus Orgeman chama atenção dos
entrevistadores. Raimundo Wanderley chega a levantar a possibilidade de que o álbum teria
perdido um pouco de sua brasilidade por conta dos arranjos. Jobim fala do contato com
arranjadores internacionais, um processo de negociação que em alguns momentos é limitado
pelos diretores das gravadoras:
A gente luta muito; por exemplo: eu pedi ao Dom Um, baterista, pelo
amor de Deus, que viesse na véspera da gravação quando disseram:
a gravação é amanhã”... Eu telefonei para Chicago e falei com o Dom
Um Romão. Disse: “Dom Um, pelo amor de Deus, venha cá, senão eu
vou entrar pelo cano aqui.” Pelo menos se vo tem uma coisinha
brasileira... bateria, contrabaixo, violão, já é uma grande coisa. Esse
necio é muito difícil lá. Votem que lutar. O Dom Um foi um
santo. Ele largou o que tinha pra fazer, pegou aquele avião no meio da
madrugada, no meio daquela neve e tudo, e se mandou pra Califórnia e
foi uma grande ajuda. Mas há exigências com as quais temos que
conviver; por exemplo, naquele disco que eu fiz pra Verve tem o
Edison, não é? Edison Machado, grande bateria brasileira, mas
também as exigências dos diretores. Quer dizer, eles têm o gosto
deles também, eles têm as coisas que eles acham. Eu não posso parar
tudo pra dizer: “Olha, Edison, tudo tem que ser do jeito que eu quero
porque vocês não entendem nada disso”. Não para fazer isso.
Naturalmente há muita boa vontade por parte dos músicos
americanos... um ambiente muito bom. Dom Um mexendo com os
músicos todos; ele conhece cada um deles de anos e tal. Estava ali a
fina flor dos músicos da Califórnia e o Dom Um foi aquela grande
ajuda.
O fato de não existirem letras apropriadas em inglês acabou por limitar o número de canções
de Jobim no álbum: “o Sinatra queria gravar “A felicidade” e tudo mais, mas não encontrou
letra, não encontrou algumas canções... Claro, ele também não pode arriscar o prestígio, o
44
nome dele e gravar uma besteirada. Quer dizer, de muitas músicas, ele teve que escolher
pouquinhas... na base de ter uma letra aceitável em inglês e na base do que ficava bem na voz
dele”. Chegou-se a levantar a possibilidade de que a presença de músicas de americanos no LP
fosse determinação da legislação americana; Jobim desmentiu o fato.
No segundo plano, expõe-se na inserção da música internacional em contexto brasileiro, no
modo como Jazz lida com influências externas, no contato dos compositores brasileiros jovens
com o exterior e nos Festivais Internacionais da Canção, já mencionados.
Jobim traça um perfil do Jazz – e, em alguma medida, da cultura norte-americana – como algo
capaz de anexar referências de outras culturas, classificando essa postura como marca da
postura do “desenvolvido”. A cultura norte-americana seria capaz de uma espécie de
fagocitação da cultura internacional num processo que o seria em sua opinião, que
houve reivindicadores, por exemplo, de um purismo no Jazz
32
– visto como maléfico ou
impuro. Os brasileiros, de seu lado, seriam marcados por uma necessidade de purismo,
especialmente porque a Bossa Nova macularia o samba tradicional
33
.
O contato relativamente fácil com o internacional, possível para aquela camada da sociedade
brasileira da época, era visto por Jobim como algo novo, possibilitado pelas novas tecnologias
32
HOBSBAWN, E. Historia social do Jazz. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
33
A discussão é interessante; pode-se pensar na relação intercultural em termos de
hibridismos, como o fez Garcia Canclini (GARCIA CANCLINI, Néstor. Culturas bridas:
Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo: EdUSP, 2000). O contato
intercultural narrado por Sahlins entre Havaianos e o Capitão Cook no século XVIII também
pode ser utilizado na interpretação da situação. uma mudança a partir do contato; mas as
categorias pré-existentes nunca são completamente eclipsadas. Essa interpenetração dialética
entre estrutura, evento e mudança seria característica da ão social. As múltiplas influências
narradas por Jobim, assim, poderiam ser pensadas nesse sentido, de modo que no contato entre
as mais diversas manifestações ocorrem modificações que estão baseadas nas categorias
anteriores. O próprio modo como um evento é re-significado, portanto, depende dessas
categorias. Ver SAHLINS, Marshall. Historical Metaphors and Mythical Realities: Structure
in the Early History of the Sandwich Islands Kingdom. Ann Arbor: The University of
Michigan Press, 1981. O contato intercultural é explorado, ainda, por Stuart Hall. Este autor
lembra que o hibridismo não é o único modo possível quando do contato, podendo ocorrer, ao
contrário, um isolamento. Ver HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade.
Porto Alegre: DP&A, 2004.
45
de comunicação. Nesse contexto, os compositores poderiam ter acesso a uma série de
manifestações que simplesmente o era acessível para gerações anteriores.
Os Festivais Internacionais da Canção trabalhariam, por sua vez, para uma divulgação da
cultura brasileira “cultura secreta” no exterior, e essa divulgação era vista como algo
necessário e bem-vindo por Jobim.
De qualquer modo, que se salientar a postura de Jobim no seu contato com o estrangeiro.
Não era sua intenção compor música internacional por isso não aceitou os convites para
compor trilhas sonoras para Hollywood –, seu objetivo era escrever música brasileira e
divulgá-la no exterior. Pode-se falar, assim, que a postura de Jobim era como de um
mediador
34
, que, ao passo que possuía contatos e conhecimentos entre esses dois mundos,
poderia atuar para colocá-los em contato.
A própria postura com relação ao contato com o exterior como sendo legítimo e desejável por
essa parcela da sociedade carioca o que perpassa, mesmo que implicitamente, todo o
depoimento pode ser entendido como um tema que não é exclusivo daquele grupo de
músicos e intelectuais. Gilberto Velho, em trabalho de campo não muito posterior, mostra
como temporadas no exterior eram experiências valorizadas como oportunidade de
crescimento pessoal
35
.
1.1.7 Música e mercado: relações de produção, tecnologias de reprodução e
distribuição
34
Uso o termo do modo explorado por Gilberto Velho. Ver Projeto e Metamorfose, 1994 e
VELHO, Gilberto & KUSHNIR, Karina. Mediação, Cultura e Política. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2001. Observações complementares sobre mediação podem ser encontradas em
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
35
Ver VELHO, Gilberto. Nobre e Anjos: Um estudo de tóxicos e hierarquia. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 1998.
46
As questões envolvidas numa espécie de economia potica
36
da música são abordadas por
Jobim, que se mostra pessoa lúcida nos inúmeros aspectos que perpassavam a produção de
música em seu tempo. observações sobre os processos de composição, de gravação, de
distribuição e sobre o público de música.
Jobim explica como é a divisão do trabalho entre o compositor e o arranjador; o compositor
faz uma “partitela”, que é depois orquestrada pelo arranjador:
Se faz o que se chama de “partitela”, não é? E ele faz o que se chama
de partitura. Vonão pode, viajando, sem piano no quarto, morando
em quarto de Hotel, sem conhecer os músicos de uma cidade, entende
você não pode querer assumir uma orquestra americana que você não
conhece. Vovai entrar pelo maior cano, ouviu? Quer dizer, vofaz
um esboço e o sujeito faz a verdadeira orquestração. Você faz um
esboço das linhas que você deseja por trás dos troços, das músicas que
você deseja. Esse tipo de arranjo, não pode ser diminuído. Hoje em
dia, eu tenho que falar também no Brasil, eu acho muito importante,
por exemplo, o fato do Dori Caymmi estar orquestrando as coisas,
entendeu, eu acho isso da maior importância para nós brasileiros.
Jobim comenta que faz os dois: coms e teve arranjos feitos por outras pessoas, assim
como fez arranjos para outros compositores. E, complementando a possibilidade que falta,
fez os dois numa mesma peça: a composição e o arranjo. O melhor exemplo é a Sinfonia da
Alvorada, que não considera “mais importante que nenhuma música popular; acho tão
importante”.
Uma discussão de importância é o papel central do arranjador no cenário musical da época. A
questão da autoria debatida indiretamente no depoimento é marcante: não seria o arranjo
fundamental para composição? Ou ainda, como diferenciar as duas coisas? Jobim valoriza o
trabalho do arranjador, mas ao mesmo tempo afirma poder fazê-lo. Como propõe Gilberto
36
A referência ao texto de Marx aqui é somente indireta; inspira-se apenas na possibilidade de
entender a produção, distribuição, troca e uso da música como esferas que se informam
mutuamente, de modo que o uso também está ligado à produção, e etc. Ver MARX, Karl.
Introdução à crítica da economia potica.” In: Contribuição à crítica da economia política.
São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1983, pp. 200-231.
47
Velho, a questão da autoria está intimamente relacionada aos ideais individualistas
37
,
especialmente com a modernidade. A desconfiança da qual Jobim acaba por defender-se pode
ser entendida nesse quadro; autor deveria ser aquele que escreve toda a peça. O caso de Jobim,
entretanto, acaba por ser atenuado pelo fato de ter composto músicas nas quais atua ao mesmo
tempo como compositor e arranjador; é mais fácil reclamar legitimidade na questão quando já
se escreveu uma Sinfonia.
Acaba-se por enfatizar, nesse contexto, uma noção que o trabalho musical é fruto de uma ação
coletiva, onde diversos atores contribuem nas várias etapas que levam ao produto musical
final. Retomar o conceito de mundo da arte proposto por Howard Becker pode ser de grande
valia:
Art worlds consist of all the people whose activities are necessary to
the production of characteristic works which that world, and perhaps
others as well, define as art. Members of art worlds coordinate
activities by which the work is produced by referring to a body of
conventional understandings embodied in common practice and in
frequently used artifacts. The same people often cooperate repeatedly,
even routinely, in similar ways to produce similar works, so that we
can think of an art world as an established network of cooperative links
among participants
38
.
Há, portanto, uma série de atividades que compõe o mundo artístico; e elas vão além das
práticas dos artistas enquanto indivíduos criadores. O próprio modo de trabalhar do arranjador
é uma das facetas que reforçam a concepção. Para ser um bom arranjador, não é suficiente ter
um bom conhecimento de música e talento para orquestração. É necessário que esse
profissional conheça os músicos, que saiba de suas qualidades; os bons arranjadores, assim,
estão inseridos em um contexto de relações que faz com que consigam mobilizar os bons
músicos. É por esse motivo Jobim decidiu não orquestrar suas gravações nos EUA.
que se mencionar, mais uma vez, o modo como era comum nesse período a divisão entre
letristas e compositores de música, dando caráter de ação efetivamente coletiva ao processo de
37
Ver VELHO, Gilberto. “Autoria e criação artística”. In. VELHO, G. & SANTOS, G.
Artifícios e Artefatos: Entre o Literário e o Antropológico. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
38
BECKER, H. S. Art Worlds. Los Angeles: University of California Press, 1982, pp. 34-5.
48
criação. O caráter facultativo dessa dimensão, contudo, é evidenciado quando Jobim, sozinho
nos EUA, se vê forçado a escrever letras.
O acesso aos discos e partituras, por sua vez, se coloca como questão para que a música
chegue aos seus usuários. Há comentários sobre o mercado fonográfico brasileiro e suas
deficiências, como o fato de existirem poucas matrizes, fazendo com que um número reduzido
de artistas pudesse ser prensado ao mesmo tempo. As tecnologias de gravação disponíveis no
Brasil, ainda, colocavam o país em pé de desigualdade quando comparado aos EUA.
De outro lado, Jobim preocupava-se em “aparecer” para que seu cachê pudesse ser valorizado.
Existe, assim, uma noção de que sucesso é algo que se constrói; existiam, por conta disso,
oportunidades que ainda não se podiam negar, como musicar o filme Garota de Ipanema com
Vinicius de Moraes. O mesmo tipo de pensamento aparece quando Jobim fala da
disponibilidade de músicos brasileiros para que mantivessem sucesso nos EUA: é preciso
morar por lá, aparecer em programas de TV; “mostrar a cara”.
Ainda pensando numa economia potica da música, pode-se falar sobre a postura de Jobim
com relação a gravar com Sinatra oportunidade de divulgação e no modo como entende a
música popular como possibilidade de dialogar com mais pessoas por conta do modo como é
distribuída, especialmente através do rádio.
1.1.8 Memória e mecanismos de preservação
A preocupação com o fato de não haver material de pesquisa para os interessados na música
brasileira é questão que aparece de diversos modos ao longo do depoimento. A efemeridade da
música popular é debatida nesses termos; são inúmeras as reclamações no que tange às edições
de partituras no país: as poucas que existem são inexatas. Muitos dos filmes para os quais
Jobim coms trilhas sonoras não existem mais.
As frustrações de Jobim se reafirmam a partir da relação estabelecida com os EUA. Neste
país, ao contrário do Brasil, existem mecanismos que garantem a permanência; “o sujeito faz
qualquer coisa e já vira uma estátua”. O próprio mercado de discos acaba funcionando como
dispositivo de memória de um modo que é impossível no mercado nacional que derrete
49
matrizes. Os jazzistas americanos, por exemplo, comaram a gravar Bossa Nova por conta
dos discos de João Gilberto que chegaram à costa oeste.
Esse senso de preservação é identificável ainda na preocupação em fazer o seu cancioneiro,
em “sentar com o Vinicius” e escrever corretamente suas músicas.
Hoje em dia, eu gostaria de fazer assim, quando Vinicius de Moraes
tiver tempo, quando eu tiver tempo – o que eu creio que não
acontecer nos próximos 200 anos –, de dar uma acertada assim e
escrever o negócio direito, porque não pode continuar essa falta de....
temos que fazer o nosso cancioneiro. Editar um albumzinho direito.
Em outro ponto, as possibilidades tecnológicas americanas fazem com que pense na
possibilidade de regravar a Sinfonia da Alvorada, ação que significaria “passar a vida a
limpo”. Aos 40 anos, Jobim conseguia se distanciar de sua própria obra o suficiente para
pontuar que coms algumas coisas mais relevantes que outras.
1.1.9 Questões Geracionais
A participação de Chico Buarque e Dori Caymmi no depoimento é definidora do momento
pelo qual passava a música nacional. A imposição da juventude como força social era evidente
num processo que espraiava pelo mundo. As características dos estilos de vida jovens:
difundiam-se através dos discos e depois fitas, cujo grande veículo de
promoção, então como antes e depois, era o velho rádio. Difundiam-se
através da distribuição mundial de imagens; através de contatos
internacionais do turismo juvenil, que distribuía pequenos, mas
crescentes e influentes fluxos de rapazes e moças de jeans por todo o
globo; através da rede mundial de universidades, cuja capacidade de
rápida comunicação internacional se tornou óbvia na década de 1960.
Difundiam-se ainda pela força da moda na sociedade de consumo que
agora chegava às massas, ampliada pela pressão dos grupos de seus
pares. Passou a existir uma cultura jovem global
39
.
Situação que se viu complexificada na América Latina com a ditadura militar. Nesse contexto,
a própria produção da Bossa Nova fica evidenciada como sendo pertencente a um contexto
social e potico anterior. O país que a Bossa Nova canta faz sentido apenas relativamente
39
HOBSBAWN, E. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994, p. 321
50
quando comparado ao Brasil de 1967 e do regime ditatorial recém-estabelecido. A própria
inserção massificada de produtos culturais americanos não se afasta da conjuntura política.
É nesse contexto que o “iê-iê-iêé amplamente debatido e ocupa lugar de destaque quando
pensam na música então contemporânea. Jobim faz colocações interessantes ao se mostrar
aberto ao que se difundia; vimos que o compositor achava os Beatles geniais.
uma percepção, que se coloca ao longo da entrevista, de que se passa por um momento de
mudança e que o “iê-iê-iê” seria um dos fatores marcantes desse quadro. Uma mudança de
mentalidade da juventude agora mais consciente de um possível papel potico é o que
marca a fala final de Jobim:
Agora, eu senti nessa chegada, por parte da juventude brasileira uma
tomada de da realidade tremenda. Quer dizer, tenho a impressão...
Eu tenho visto jovens falando na televisão, de 18, 19 anos, sabendo de
tudo. No outro dia eu vi um rapaz da Faculdade de Química dizendo:
Olha, a nossa tecnologia é toda importada. Isso é um absurdo. Nós
pra beneficiarmos o xisto betuminoso não é o nosso xisto, entende? É
o xisto estrangeiro.... E coisas seriíssimas. Quer dizer, ele disse: “Nós
o estamos numa faculdade de química que talvez seja... é considera a
melhor do Brasil... nós estamos sendo educados... recebemos ontem
um fluxo de conhecimento teórico enorme. s vamos ser realmente
operadores, entende? Nós vamos ser médicos-operadores de coisas
assim que não precisa saber nada disso pra fazer”. E também o
jovem que sai daqui e faz a bolsa de estudos lá fora e depois volta pra
e fica completamente inadaptado. Eu li uma entrevista do Fidel
Castro na Playboy onde ele comenta esse assunto. Os jovens cubanos
que estudavam engenharia, medicina e coisa, esses jovens imigravam
para os Estados Unidos para ter uma vida de classe média americana
uma vida formidável. Hoje em dia a América Latina tem o problema
da exportação de técnicos. Eu tenho a impressão que a mocidade
brasileira está consciente dos problemas já não numa base assim rica,
nem romântica, nem trica. A mocidade brasileira sabe o que está
acontecendo no mundo, no Vietnam, na China e tudo mais. Eu tenho a
impressão que nos próximos anos a situação vai se modificar muito
mesmo.
1.2 Qual Tom? Como falam os analistas
51
O objetivo deste trecho é discutir como os temas pensados anteriormente são debatidos pelos
analistas de Jobim. Antes de discuti-los propriamente, cabe um pequeno exercício. Para cada
um dos autores levados em conta aqui (Pedro de Oliveira Py
40
, Helena Jobim
41
, Sérgio
Cabral
42
, Frank Carlos Kuehn
43
e Gleise Cruz
44
), procurou-se responder à seguinte questão:
qual é o Jobim que cada um desses textos procura definir? Ou ainda, qual é o interesse
norteador das análises a que se propõem?
Py estabelece seu interesse na obra de Jobim por conta da “maneira como Jobim estruturava
harmonicamente suas caões e a influência do repertório romântico e impressionista,
constituem assuntos que sempre busquei aprofundar em meus estudos e acabaram por
convergir no objeto do presente trabalho”. Durante todo o trabalho refere-se ao compositor
como Jobim, numa tentativa de impessoalização; ressalvando-se a primeira parte do trabalho,
na qual expõe os motivos pessoais para escolha do tema e nos títulos, oportunidades em que
usa “Tom Jobim”.
Sérgio Cabral define Jobim como sendo o homem que
traçou o melhor rumo para a música brasileira, a partir da década de
1950. Pra lá de um magnífico criador, foi um inovador. Se somarmos a
essas virtudes o personagem encantador das mesas de bar, o lutador
pioneiro e insistente na defesa da ecologia, o apaixonado pelo Rio de
Janeiro e pelo Brasil, o criador de frases, o homem bonito e charmoso,
40
PY, Pedro Oliveira. Estrutura tonal na obra de Tom Jobim: uma abordagem schenkeriana
da canção "Sabiá". Mestrado emsica (EM/UFRJ), 2004.
41
JOBIM, Helena. Antonio Carlos Jobim: Um Homem Iluminado. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1996.
42
CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim: Uma Biografia. Rio de Janeiro: Lazuli, 2008.
43
Kuehn, Frank Michael Carlos. Antonio Carlos Jobim, a Sinfonia do Rio de Janeiro e a
bossa nova: caminho para a construção de uma nova linguagem musical. Mestrado em Música
(EM/UFRJ), 2004.
44
CRUZ, Gleise Andrade. De Olho na Eternidade: a formão do arquivo pessoa de Antonio
Carlos Jobim. Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais (CPDOC/FGV), 2008.
52
o declamador de poesia e o cidadão do mundo, o resultado será
Antonio Carlos Jobim
45
.
O desafio de Cabral foi descrever o “muitas vezes apontado como maior compositor de música
popular do mundo” evidenciando sua humanidade.
Kuehn pretende estudar “o Antonio Carlos Jobim cujas especificidades a crítica musical ao
que parece acadêmica não conseguiu analisar com propriedade. Seu esforço é o de colaborar
na conformação de uma história da cultura no Brasil; e a obra de Jobim constituiria um de seus
produtos de maior envergadura. O trabalho de Kuehn, deste modo, procura ser mais detalhista
em que pese o fato de dar conta de um período bem mais estreito da vida do compositor, de
1927 até 1954.
O subtítulo da biografia escrita por Helena Jobim a nica da personagem que a obra acaba
por construir: “um homem iluminado”. O trabalho de escrita do livro começou logo depois da
morte de Jobim e transpira, de certo modo, um luto em elaboração. Construções deste tipo
perpassam todo o texto: [Jobim] trilhava corajosamente o caminho do herói. Suas
dificuldades maiores, o desgaste eterno do artista, pelo tanto que se expõe, seriam o palco e a
crítica. Muitas vezes, não conseguindo resistir, o cigarro e a bebida. Mas que não tentassem
modificá-lo ou aprisioná-lo
46
. São afirmações, portanto, que poderiam ser feitas
impunemente por alguém resguardado pela legitimidade conferida pela proximidade de irmã.
Cruz, por fim, pretende dar conta de um Jobim de reconhecida “grandiosidade como letrista e
genialidade como compositor”, mas pretende, especialmente pelo contato que teve com seu
arquivo, marcar a existência de um lado “humano” na figura blica. A construção da
trajetória feita por Cruz tende a remeter à crião efetivamente de um personagem público.
1.2.1 Família e Rio de Janeiro
Kuehn se detém na filiação do compositor; traça minimamente as trajetórias dos pais de
Jobim, especialmente de Jorge Jobim (chega a citar suas influências literárias). Tenta delinear,
45
CABRAL, S. Op. Cit., p.9.
46
JOBIM, H. Op. Cit., p. 120
53
ainda, uma origem do sobrenome do compositor. Sobre os primeiros anos de vida, Cruz
pontua apenas a ligação com a natureza, fortemente marcada na Ipanema da primeira metade
do século XX: ainda bem pouco povoada e, conseqüentemente, com a paisagem natural
preservada.
Os dois autores, ao falar do nascimento de Jobim, citam que o parto foi feito pelo mesmo
médico que trouxe ao mundo Noel Rosa. Citam, ainda, que Jobim nasceu na Tijuca, então
bairro nobre do Rio de Janeiro, mas que sua família seria forçada a uma mudança para Zona
Sul por conta de dificuldades financeiras.
Kuehn trata da infância de Jobim focando em suas relações familiares; especialmente no que
diz respeito aos problemas conjugais de seus pais, culminando na separação entre Jorge e
Nilza Jobim. Trata, também, do novo casamento de Nilza com Celso Frota, que se tornaria,
segundo Kuehn, figura central nos primeiros anos de Jobim.
No esboço biográfico que propõe, Pedro de Oliveira Py apenas cita a filiação de Jobim bem
como seu local de nascimento. Não há preocupação em detalhar os temas pensando em
eventuais influências.
A biografia escrita por Sérgio Cabral tem por tarefa inicial a trajetória de Jorge Jobim. O autor
realiza uma pesquisa detalhada e encontra publicações do pai de Jobim na Biblioteca
Nacional. Detém-se na descrição do nascimento de Jobim, trazido ao pelas mãos do mesmo
médico que fez o parto de Noel Rosa informação descoberta por Cabral, para surpresa, até
mesmo, da família Brasileiro de Almeida Jobim. Menciona, ainda, a mudança da família da
Tijuca para Ipanema, com uma passagem breve por Copacabana. Uma pequena genealogia da
família Brasileiro de Almeida é exposta no segundo capítulo, onde Cabral expõe o
desempenho escolar de Jobim, assim como seu cotidiano em Ipanema. É importante ressaltar o
uso recorrente feito pelo autor de falas de Jobim, cujas fontes o são mencionadas;
normalmente, as citações são antecipadas por algo genérico como, por exemplo, “em um
depoimento Tom disse” fica claro, contudo, que o depoimento concedido ao Museu da
Imagem e do Som em 1967 foi consultado por Cabral.
54
Helena Jobim, enfim, retoma a trajetória da família de Jobim a partir dos avós do compositor;
as relações familiares são estabelecidas com um grau de detalhamento ímpar e com a
segurança de quem conheceu amplamente os sujeitos narrados. O mesmo ocorre na descrição
dos primeiros anos em Ipanema; infância que se foi de Jobim, foi, também, dela própria. Tanto
os aspectos familiares como a vida no Rio de Janeiro são aspectos da biografia escrita por
Helena Jobim que são amplamente utilizados pelos outros textos escritos sobre o compositor.
1.2.2 Início da Vida Musical: decisão pela profissão e casamento
Cruz cita o primeiro casamento de Jobim, com Thereza Hermanny, e foca, posteriormente, nas
primeiras experiências profissionais como pianista em bares do Rio. Posteriormente, por conta
de sua insatisfação com essa prática, é citado que Jobim começa a trabalhar, por indicação de
um familiar, em primeiro momento na Rádio Clube e, depois disso, em 1954, na gravadora
Continental. Já em 1956, recebe convite para ser diretor artístico da gravadora Odeon. Os anos
de formão musical são abordados por Cruz quando trata do desenvolvimento de Jobim como
compositor. Sua abordagem, entretanto, recai no aprendizado do piano; não é mencionado o
contexto familiar como incentivador do interesse de Jobim pela música. A autora menciona os
professores de Jobim (Hans-Joachim Koellreutter, Lucia Branco e Paulo Silva), sem fazer
grandes menções a suas histórias de vida ou ao que “ensinaram” ao compositor.
Kuehn grande ênfase para a formação musical do compositor; para além do contexto
familiar mencionado, preocupação em definir o que foi aprendido com cada um dos
professores. O primeiro professor de Jobim, Hans-Joachim Koellreutter, é merecedor de trecho
significativo. Kuehn retoma a trajetória do alemão detalhadamente e procura entender como os
conceitos presentes na visão de música do professor acabaram sendo incorporados pelo aluno.
Tanto Jobim como Koellreutter deram entrevistas falando de seu contato; Kuehn retoma esses
depoimentos, mas acaba por assumir uma importância incomum para esse fato (tanto em
comparação às biografias como no que diz respeito a outros trabalhos acadêmicos sobre
Jobim). Os outros professores, apesar de citados de forma algo detida, merecem espaço bem
mais discreto. Keuhn atribui a um acidente sofrido por Jobim sua aproximação com o piano:
forçado a ficar em casa, a dedicação ao instrumento teria se tornado passatempo para o jovem
então acostumado à vida na rua e na praia.
55
Py apenas menciona o fato de Jobim ter abandonado a carreira de arquiteto em favor da
música, passando a apresentar-se em boates cariocas. Logo no primeiro parágrafo de seu
esboço biográfico, contudo, cita os professores de Jobim: Paulo Silva, Koellreuter, Radamés
Gnattali, Leo Perachi, Alceu Bochino, Thomaz Terán e Lúcia Branco.
Sérgio Cabral cita uma depressão que teria acometido Jobim na época em que freqüentava o
curso de arquitetura e de como essa foi resolvida a partir da decisão de abandoar o curso e
dedicar-se a sica, época em que Celso Frota, padrasto de Jobim, contrata Lúcia Branco para
ser sua professora. As relações de Jobim com cada um de seus professores é descrita.
Subseqüentemente, a biografia segue descrevendo o período vivido por Jobim na época em
que trabalhava nos Inferninhos e nas gravadoras; posteriormente, dedica-se ao encontro de
Jobim com Vinicius de Moraes e à escrita de Orfeu da Conceição; e, em capítulo seguinte,
ocupa-se da Bossa Nova. A organização própria da biografia, assim, é condicionada pelos
momentos vividos na vida profissional do autor, sempre respeitada, entretanto, a cronologia.
A decisão pela carreira de músico é narrada de modo bastante detalhado por Helena Jobim,
especialmente no que diz respeito às dificuldades encontradas por Jobim e o apoio familiar
necessitado e cedido, especialmente o do padrasto Celso Frota. O papel do casamento na
articulação da vida profissional de Jobim é amplamente marcado.
1.2.3 Influências musicais
Py cita os “mestres” que teriam influenciado Jobim: Stravinsky, Debussy, Chopin e Villa-
Lobos. O autor pontua, ainda, a presença de “notáveis parceiros” na produção musical de
Jobim; destaca Vinicius de Moraes como o principal entre eles, mas cita ainda Newton
Mendonça e Chico Buarque.
Quando Cruz trata dos “encontros” do maestro com seus parceiros, fazem parte de seu
universo de interesse apenas dois: Vinicius de Moraes e Frank Sinatra. O encontro com o
poeta e músico brasileiro é narrado em pormenores, enquanto a relação com o americano é
tributada ao sucesso internacional alcançado por Jobim na década de 1960.
Kuehn, por sua vez, tem preocupação de traçar as relações estabelecidas por Jobim enquanto
trabalhava na noite; elenca músicos com os quais o compositor manteve contato e entende essa
56
fase como sendo também de formação. Dá ênfase para as parcerias feitas por Jobim no período
comportado pela dissertação: com Newton Mendoa e Billy Blanco, este último co-autor da
Sinfonia do Rio de Janeiro. É destacada aqui a relação desenvolvida entre Jobim e Radamés
Gnatalli. Villa-Lobos é destacado como a principal influência musical de Jobim cabendo a
ele, em alguma medida, a continuidade do legado modernista –, apesar de destacar também
Ravel e Dubussy como nomes de importância. É questão central para Kuehn a convivência de
Jobim em seus primeiros anos de vida com dois tios violonistas: Marcelo Brasileiro de
Almeida, de formação popular, e João Lyra Madeira, que tocava violão clássico. O autor
ressalta ainda a importância da biblioteca de Azôr Brasileiro de Almeida para formação
intelectual de Jobim, especialmente na leitura de dois autores: Olavo Bilac e Monteiro Lobato.
As parcerias de Jobim são descritas com detalhes por Cabral, especialmente a com Vinicius de
Moraes, merecedora de todo um capítulo. Não há uma preocupação em traçar as influências de
Jobim em um momento específico; Cabral acaba por fazer isso quando descreve as iniciações
musicais de Jobim, seja no contato com os tios violonistas, um boêmio, que gostava de música
popular e conhecia Noel Rosa, outro mais afeito ao repertório clássico, “dos autores espanhóis,
às obras de Brahms, Bach e Chopin”, seja nos processos de formação com os professores de
música, fossem eles formais, como Koellreuter e Lucia Branco, ou informais, como Radamés
Gnatalli.
Helena Jobim, por último, cita também os tios como inflncias, fala do encontro com Villa-
Lobos e remonta tanto as relações com os professores como com os parceiros de composição.
Informação interessante dada pela autora, entretanto, são os autores dos livros de orquestração
utilizados por Jobim a quem Helena Jobim definia como autodidata nato (apesar de sempre
recomendar os estudos formais aos aspirantes à carreira): Nicolau Rimsky-Korsakov e Glenn
Miller.
1.2.4 Crítica da Bossa Nova/Crítica à bossa nova
Py entende que Jobim foi revelado pela Bossa Nova e que seria a “maior figura do
movimento. João Gilberto caracteriza-se como símbolo, contudo Jobim transcendeu o
movimento e estabeleceu inovações significativas no campo da música popular brasileira,
57
sobretudo no aspecto composicional inovador de suas canções”
47
. Não preocupação na
definição do movimento como cultural, apesar de serem citadas as questões sociais que
funcionariam como pano de fundo.
Cruz, por sua vez, passa a explicar a Bossa Nova em contraste com o contexto nacional da
década de 1950 e atem-se às relações de Jobim com o movimento que define como cultural (e
o apenas estético). Ressalta, ainda, o modo como o termo bossa nova passa a designar não
um fenômeno musical, mas também um estado de espírito.
Kuehn entende a Bossa Nova como sendo um fenômeno estético e musical que poderia
surgir a partir de um amplo processo histórico entre diferentes culturas e nações”
48
. E em
ponto posterior:
A essência da Bossa Nova estava, portanto, principalmente no modo
como se combinava, esteticamente, uma diversidade de elementos
musicais, nascidos de uma conjunção do ‘velho’ com o novo’. Pela
incorporação e fusão de elementos aparentemente tão spares e
diversos, populares e eruditos, regionais e estrangeiros, numa
linguagem que renovou e modernizou a música brasileira, foi criado
um novo conceito, um novo paradigma estético, hoje mundialmente
conhecido como Bossa Nova
49
.
Sérgio Cabral, para falar de Bossa Nova, narra o epidio em que Jobim e João Gilberto se
conheceram; a ênfase recai no ritmo que o baiano apresenta para o carioca. A exposição feita
sobre a Bossa Nova, coloca João Gilberto como figura criativa central do movimento; Jobim,
entretanto, não fica eclipsado por completo, ao passo que atuou como produtor musical tanto
no LP Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso, como no LP Chega de Saudade, de João
Gilberto. Mostra ainda, integralmente, o texto escrito por Jobim para este último álbum,
enfatizando que a nomeação do movimento ficou sob responsabilidade de Jobim.
Helena Jobim, por sua vez, foca nas diversas relações de Jobim com os outros componentes da
trindade da Bossa Nova, Vinicius de Moraes e João Gilberto. Não há, porém, explicações para
47
PY, Op. Cit., p. 22.
48
KUEHN, Op. Cit., p. 133.
49
KUEHN, Op. Cit., p.191.
58
o que seria a Bossa Nova. A preocupação da autora com o tipo musical é tão pequena que a
expressão “Bossa Nova” nem é utilizada em todo o trecho do livro que comenta o contato com
João Gilberto, as gravações dos LPs deste último e o anterior de Elizeth Cardoso.
1.2.5 Músico Popular ou erudito. Cultura Popular ou Cultura Erudita?
Py dedica todo um subitem de seu primeiro capítulo à música de concerto de Jobim;
ressaltando que foram pouco gravadas e redescobertas após a publicação de suas biografias. A
esse perfil, Py atribui uma transcendência do “tão comentado refinamento harmônico e
melódico de suas canções”
50
, para chegar numa relação de fato, o que justificaria a própria
importância do arsenal trico do qual se vale o seu trabalho. que se ressaltar que num
esboço biográfico de quatro páginas, Py utiliza meia lauda para comentar da ocasião em que
Jobim participou do programa de rádio Quando os maestros se encontram”, tendo tocado, a
convite de Radamés Gnatalli, a obra “Lenda”, dedicada a Jorge Jobim. Espaço de igual
tamanho é dedicado à Sinfonia da Alvorada, peça que é descrita como possuidora de “uma
textura densa, solene e épica
51
.
Sérgio Cabral não faz classificações de Jobim como músico popular ou erudito. Encara, talvez
do modo mesmo como sempre o fez Jobim, com muita naturalidade esse tipo de transição; que
aparece, com a simplicidade possibilitada somente por uma certa visão de história e de
biografia, ao passo que os fatos se desenrolam uns seguidos dos outros. Ou seja, a questão do
erudito só aparece quando Cabral comenta os processos de feitura das peças eruditas do
compositor, e vice-versa.
A abordagem de Helena Jobim caminha no mesmo sentido, enfatizando os diversos
encontros” com músicos e/ou professores classificados como populares ou eruditos e a
naturalidade como Jobim construía essas relações aliás, todas as relações interpessoais de
Jobim são marcadas por essa tônica nas ponderações da autora.
50
PY, Op. Cit., p. 4.
51
PY, Op. Cit., p. 24.
59
Kuehn trata o tema da relação entre música popular e erudita na obra de Jobim de modo a
entender como alguns aspectos formais especialmente harmônicos de uma tradição erudita
chegam às composições populares. Não está em jogo aqui o fato de Jobim ser capaz de
compor música de concerto, mas, ao contrário, a presença da música de concerto em suas
canções populares. Kuehn explica, ainda, que esse mesmo procedimento harmônico estaria
presente no Cool Jazz e no Bebop, situando aí a identificação da Bossa Nova com o ritmo
americano.
Cruz, enfim, elabora as noções de popular e erudito em Jobim acentuando seu potencial de
mediação. A partir do conceito proposto por Gilberto Velho, a autora ressalta que o
compositor conseguia em sua visão como poucos transitar pelos dois mundos e colocá-los
em contato.
1.2.6 O Nacional e o Norte-Americano
Py pontua que a fama internacional de Jobim foi obtida a partir do momento em que suas
músicas comaram a ser gravadas por alguns dos cantores mais famosos do mundo. É
apontada a preocupação de Jobim com as versões de suas músicas em inglês, que Py sugere
terem sido feitas pelo próprio Jobim. Py propõe que um caráter jazzístico na Bossa Nova
inserido pela juventude carioca, especialmente o deslocamento da acentuação tmica para os
tempos fracos e a presença de acordes dissonantes. A disponibilidade desse tipo de música
para a juventude brasileira poderia ser explicada pela execução maciça nas rádios de música
norte-americana; reflexo do momento de crescente industrialização pelo qual passava o país.
Sérgio Cabral dedica boa parte de seu livro ao trato das incursões internacionais de Jobim. O
concerto no Carnegie Hall é merecedor de todo um capítulo na obra do autor, que parece dar
mais importância ao fato que o próprio Jobim. Trata, ainda, da gravação do LP com Frank
Sinatra com o detalhamento e a emoção peculiares a quem viveu aquele tempo e experimentou
a importância do cantor.
A inserção internacional de Jobim traçada por Helena Jobim enfatiza os sentimentos do irmão
no que diz respeito aos diversos eventos. Pode-se citar, por exemplo, o modo como Jobim
reage à ida para Nova York por conta do concerto de 1963, especialmente com relação a
60
andar de avião”, o que era uma preocupação para Jobim. Do mesmo modo, são narrados os
problemas familiares enfrentados por Jobim quando se ausenta do país, sem planejamento, por
8 meses, deixando sua esposa e filhos no Brasil.
Ao passo que a trajetória de Jobim levantada por Kuehn chega apenas até o ano de 1954, o
autor o menciona, obviamente, as viagens de Jobim ao EUA. De qualquer modo, vale
ressaltar o modo como Kuehn compreende a Bossa Nova como femeno cultural cujas
condições de possibilidade residem no contato de múltiplas culturas.
A relação de Jobim com os Estados Unidos está presente na trajetória elaborada por Cruz; a
autora ressalta que a primeira viagem ao país, em 1963 para o Concerto no Carnegie Hall, foi
feita quando Jobim desfrutava de fama nacional, e cita sua duração: 8 meses. É explorado
com algum detalhamento o encontro com Sinatra e a dificuldade com o idioma, especialmente
no que diz respeito às versões das letras das músicas. que se mencionar o modo como a
autora encerra um dos diversos textos que compõe o livro comentando a inserção de música
internacional no Brasil quando ela e o irmão eram adolescentes.
1.2.7 Música e mercado: relações de produção, tecnologias de reprodução e
distribuição // 1.2.8 Memória e mecanismos de preservação
Não se pode dizer que os temas do “mercadoe da “memória” cheguem a ser explorados
efetivamente por nenhum dos textos produzidos sobre Jobim. As biografias escritas por
Helena Jobim e Sérgio Cabral, naturalmente, acabam por abordar de modo indireto os
assuntos, quando descrevem com nível de detalhamento possibilitado somente ao trabalho que
tem a vida de Jobim como objetivo único. Deste modo, quando tratam das diversas fases da
vida profissional de Jobim e sua relação com o mundo musical, acabam por descrever esses
universos.
Essa característica dos textos sobre Jobim é reveladora da preocupação em elaborar questões
sobre o músico sem considerar, de modo direto, suas próprias interpretões e visão de
mundo. Não se pode, contudo, cobrar esse tipo de preocupação dos textos com finalidades
outras; mas ausências, em inúmeras situações, são significativas.
1.2.9 Questões Geracionais
61
É curioso o modo como Py entende a Bossa Nova como tendo sido criada por uma juventude;
tendo como início formal em 1958, Jobim contava 31 anos, Vinicius de Moraes, 45, e João
Gilberto, 27. É interessante notar como no depoimento de Jobim citado, a Bossa Nova não
parece como música de jovens; ter 31 e 27 anos talvez não fosse qualificado como “ser jovem”
em 1967, data do depoimento.
62
Capítulo 2
Em 1982, Antonio Carlos Jobim possuía uma carreira consolidada: havia experimentado
sucesso internacional seja pelas inúmeras gravações de suas músicas associadas à Bossa
Nova pelo mundo, pelo sucesso do filme Orfeu Negro ou pelos álbuns gravados com Frank
Sinatra –, contava com uma situação financeira bastante confortável e era considerado um
dos mais importantes compositores do país. Nessa altura de sua carreira, como foi dito,
ocorre uma inflexão estética em sua obra. Suas escolhas afastam-se da Bossa Nova em busca
de outras complexidades. Como veremos adiante, a estrutura das músicas baseia-se numa
concepção de natureza mais abrangente se anteriormente a música de Jobim identificava-se
como carioca, agora pretende-se nacional. Trata-se de uma fase que alguns críticos nomearam
de “sertaneja”.
Essa nova postura estética ganha contornos definidos no LP “Matita Perê” (1973), cujas
músicas mais conhecidas são a canção título e “Águas de Março”. É um álbum em que
prevalece a textura orquestral, com canções retomadas somente em 2002, com a gravação do
álbum Jobim Sinfônico”, pela Osesp (a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo,
considerada atualmente a melhor do país) com regência de Roberto Minczuk. Além dessa
dimensão, deve-se ressaltar que mesmo com a nova parceria com Paulo Sérgio Pinheiro é
a partir desse momento que Jobim se afirma como letrista. O mote LP é literário e de acordo
com Jobim tem muito Guimarães Rosa no Disco”.
63
Essas escolhas seriam a tônica da carreira de Jobim a partir de então. Mantiveram-se as
relações com a natureza de modo mais detalhista contrário ao paisagístico da Bossa Nova –,
boa parte das letras passaram a ser elaboradas pelo próprio compositor e a complexidade
orquestral – expressa nos arranjos, harmonias e variações nas constrões rítmicas e melódicas
– passou a ser marca de suas músicas.
A formação da Nova Banda, criada na década de 1980 pelo compositor e da qual faziam parte
Paulo Braga (bateria), Tião Neto (baixo), Danilo Caymmi (voz e flauta), Paulo Jobim (violão),
Jacques Morelembaum (cello) e as cantoras Paula Morelembaum, Simone Caymmi, Maúcha
Adnet e Ana Jobim, trouxe novas realizações para o modelo. Se as composições não são mais
executadas por uma base orquestral grandiosa, o modo como Jobim aborda os arranjos com
sua banda mantém uma independência dos diversos instrumentos e vozes. A maneira como as
vozes se colocam nos arranjos e composições, ademais, merece destaque.
O coro de vozes femininas complementado, ocasionalmente, por Danilo Caymmi – é
utilizado do mesmo modo como se utilizaria um instrumento, de modo não hierárquico: não há
uma supremacia das vozes recurso utilizado, por exemplo, pelo Beethoven da 9
a
Sinfonia.
Não por acaso as extensões pretendidas pelo compositor dificilmente seriam obtidas por uma
única voz humana. Nesse contexto, a letra, elaborada pelo próprio compositor, também se
integra ao conjunto, de modo que vozes masculinas ou femininas, graves ou agudas, executam
trechos significativos de acordo com o que cantam. Vê-se, assim, uma integração entre letra,
composição e arranjos todos elaborados por Jobim para uma formação determinada. Há aqui
um retorno ao ideal de compositor pregado pelo ideário erudito: aquele que idealiza todas as
esferas da criação musical. A inovação, contudo, estaria no fato de se tratar de composições
populares; mas, como vimos, tal classificação é relativizada de modo bastante evidente por
Jobim.
Duas exceções precisam ser mencionadas: as parcerias com Chico Buarque e os álbuns com
outros músicos – pode-se mencionar Miúcha, Toquinho, Edu Lobo – onde normalmente Jobim
colaborava com canções raramente inéditas. Seu trabalho de composição, contudo, seguiria,
primordialmente, no sentido das questões anteriormente levantadas.
64
No plano pessoal, deve-se evidenciar a separação de Tereza Hermanny e o posterior
casamento de Jobim com Ana Lontra, fotógrafa 19 anos mais jovem. Com ela, o compositor
teve dois filhos, João Francisco (1979) e Maria Luiza (1987).
Este capítulo, deste modo, pretende lidar com essa segunda fase da vida de Jobim. Para isso
tem por foco dois depoimentos: um primeiro concedido em 1982, dado à Rádio Comunitária
nova-iorquina WBAI
52
, e o outro em 1991, para o filme 3 Antônios e Um Jobim”, de Dodô
Brandão
53
, posteriormente publicado em livro pela editora Relume-Dumará, em 1993. Os
entrevistadores foram Mildred Norman
54
e Jamie Katz
55
e, no ultimo depoimento, Zuenir
Ventura.
O formato será o mesmo do capítulo anterior: em um primeiro momento serão levantados e
discutidos temas a partir dos depoimentos e, posteriormente, serão mostradas as posições dos
comentadores. Os dois depoimentos foram considerados do modo como melhor convieram aos
temas discutidos; para identificá-los, notem que o primeiro está em inglês e o segundo em
português.
2.1 Analisando narrativas de si
2.1.1 Memória e Coerência
Em aA Ilusão Biográfica”, Pierre Bourdieu discute questões importantes com relação à
escrita biográfica e auto-biográfica. A atenção do autor se volta para o fato de que esse tipo de
escrita pressupõe uma visão linear da história, uma história de eventos. Nesse contexto, pensa-
se a vida organizada como uma história que “transcorre, segundo uma ordem cronológica que
52
A rádio não possui caráter comercial e é mantida basicamente por doões de ouvintes. É
considerado um veículo de esquerda.
53
Cineasta brasileiro nascido em 1960; tem obras de ficção e documentais. Seu primeiro longa
foi Dedé Mamata, lançado em 1988.
54
A única refencia feita a Mildread Norman no Fundo de Jobim é exatamente essa
entrevista. No contexto, contudo, sua participação é primordialmente como tradutora.
55
Jamie Katz é um jornalista com atuação voltada para o Jazz. foi director e host na radio
WKCR, NYC; host de jazz na WBAI radio, NYC; editor chefe da People Magazine. Toca
piano amadoramente.
65
também é uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, no duplo sentido de ponto de
partida, de início, mas também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu
término, que também é um objetivo
56
”.
Trata-se, portanto, de um tipo de construção textual que pressupõe uma coerência nas histórias
de vida descritas, criando relações inteligíveis, de causa e efeito, entre as etapas da vida,
tentando evidenciar uma consistência para aquela narrativa. O exercício, deste modo, é uma
seleção entre os acontecimentos que seriam mais significativos sempre a partir de uma
intenção global numa construção artificial de sentido.
Bourdieu menciona, ainda, que é preciso que se tenha em mente o modo como um sujeito se
constrói num relato: modificável a cada interlocutor; e que, no mesmo contexto, diferenças
entre uma “história de vida” colhida de um camponês e a fornecida por um lebre escritor.
Assim, deve-se perceber que há diferenças importantes a serem consideradas, tanto no que diz
respeito ao relator como no que se relaciona ao interlocutor ao qual se dirige.
O autor nos alerta:
Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente
de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação
a um “sujeitocuja constância certamente não é seo aquela de um
nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de
um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a
matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. Os
acontecimentos biográficos se definem como colocações e
deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos
diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes
espécies de capital que estão em jogo no campo considerado. O sentido
dos movimentos que conduzem de uma posição a outra (de um posto
profissional a outro, de uma editora a outra, de uma diocese a outra
etc.) evidentemente se define na relação objetiva entre o sentido e o
valor; no momento considerado, dessas posições num espaço
orientado. O que equivale a dizer que não podemos compreender uma
trajetória e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram um
agente considerado pelo menos em certo número de estados
56
BOURDIEU, Pierre. “A Ilusão Biográfica” In AMADO, J. & FERREIRA, M. M. (orgs.)
Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 184.
66
pertinentes ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo
campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis
57
.
Vê-se, assim, que não se pode pensar em “histórias de vida” como algo coerente; deve-se ter
em mente que as trajetórias são construídas em tecidos sociais específicos; mudanças de
posição por parte agente se dão num contexto determinado numa economia dos diversos
capitais; é importante levar em conta a familiaridade com o “falar de si” que o investigado tem
e, ainda, ter em mente para quem o investigado está construindo aquela narrativa.
Podemos pensar os depoimentos de Jobim tendo em mente parte dessas sugestões. foi
mencionado que esses depoimentos representam oportunidades em que Jobim se expressa de
modo mais fluido, o que não acontecia na maioria de suas entrevistas. No depoimento
explorado no primeiro capítulo, seus interlocutores eram os mesmos “amigos” com quem
conversava habitualmente (funcionando como indicador de posição tanto de Jobim como de
seus pares: possuem legitimidade suficiente para integrar uma coleção de museu, e, ao mesmo
tempo, possuem acesso facilitado a ele possibilitado apenas pela ocupação de posições de
controle deste equipamento); os depoimentos a serem abordados por este capítulo, por sua vez,
possuem caracteres distintos: o primeiro foi dado para uma rádio comunitária de Nova York,
de baixa audiência e com comprometimento em “dar voz” aos artistas (havia, assim, uma
certa garantia de que suas falas não seriam adulteradas); o último, dado para o filme de
Dodô Brandão, colocava Jobim num círculo de Antonios ilustres, parte de uma
intelectualidade detentora de importante capital cultural tratava-se, assim, mais uma vez de
um lugar seguro para se falar.
Como figura pública que era, Jobim deu inúmeras entrevistas e foi convocado a retomar sua
trajetória para os mais diversos interlocutores. Essa característica precisa ser levada em conta
quando se comparam os depoimentos; o conteúdo das respostas dadas por Jobim – e as
perguntas feitas pelos interlocutores são muitas vezes coincidentes apresenta uma
consistência bastante grande. É como se Jobim tivesse uma narrativa estabelecida que era
acionada de acordo com as questões impostas pelos interlocutores. Mas diferenças
importantes nesse processo de acionar lembranças; o tom, o modo de falar, as construções das
57
Op. Cit., p. 190.
67
frases são melhor qualificadores do presente das falas que de seu passado. No mesmo sentido,
o contexto onde se inserem as falas também é importante. O significado, ao passo que atinge a
completude em cada fala, ganha contornos diferentes em cada emissão: a lembrança é
significada no presente.
Em mais de um dos depoimentos aparecem os tios violonistas, os areais de Ipanema com seus
carros atolados, o piano alugado para Helena Jobim que o irmão rejeitava inicialmente
exatamente por ser “coisa de menina”, o barbeiro compartilhado com Ary Barroso e os
problemas do mercado de edição de partituras no Brasil. Mas os lugares ocupados por esses
eventos nas falas de Jobim são distintos.
As reflexões acerca da memória propostas por Michael Pollak são de grande valia nesse
contexto:
Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um fenômeno
construído social e individualmente, quando se trata da memória
herdada, podemos também dizer que uma ligação fenomenológica
muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade. Aqui o
sentimento de identidade está sendo tomado no seu sentido mais
superficial, mas que nos basta no momento, que é o sentido da imagem
de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire
ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e
apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria
representação, mas também para ser percebida da maneira como quer
ser percebida pelos outros
58
.
Devemos pensar, assim, que as reconstruções feitas em cada um dos depoimentos são
indicadoras de imagens de si e que essas imagens se modificam. As construções narrativas
para expressar memórias estão vinculadas a auto-percepções que se colocam no presente. Mas,
como bem nos lembra Pollak, há uma dimensão da memória que é coletiva; o que é externo ao
indivíduo também é determinante para o modo como ele aciona certas lembranças.
Trabalhando nessa perspectiva, retomemos aqui dois trechos sobre o concerto da Bossa Nova
58
POLLAK, Michael. “Memória e Identidade Social”. In: Estudos Históricos (Rio de Janeiro),
Vol. 10, n. 2, 1992, p. 204.
68
no Carnegie Hall em 1962; o primeiro é retomado do depoimento de 1967, o segundo faz parte
do depoimento em 1993:
Eu fui porque Montenegro, os amigos – do Itamaraty, sobretudo...
Aquele concerto louco no Carnegie Hall... Eu disse: “O barco vai
afundar....”. O homem disse: “você é o capitão, tem que afundar com o
navio”. Eu disse: “Ah, é pra afundar é?”. Inclusive o Vinicius. Eu me
lembro de uma noite trágica em que eu o dormi e peguei o avião no
dia do concerto. Nunca aconselhei João Gilberto que não fosse. Ele foi
assim na antevéspera também. O concerto foi uma loucura muito boa
pra música brasileira porque funcionou. Aqui a imprensa deu uma
imagem distorcida do concerto. Aquilo não foi verdade. O único que
falou bem foi o Silvio Tulio Cardoso. E São Paulo teve uma atitude
muito bonita que eu jamais esqueci, entende? Enquanto que nós
cariocas, aqui... você sabe que o Rio de Janeiro é a capital da anedota...
tudo tem uma anedota. É genial para qualquer potico, pra qualquer
pessoa. São Paulo assumiu o negócio do sinal “viva Brasil”. “A Bossa
é nossa” e o negócio aconteceu lá... Pra começar, o concerto do
Carnegie Hall não tem grande importância, sobretudo se sabendo que
mais da metade do público que estava lá dentro era brasileiro. A
colônia brasileira estava lá dentro. Eu estava convencido que tinha que
cantar em inglês quando não era nada disso. tinha brasileiro lá
dentro. E o que funcionou, naturalmente funciona em um programa de
televisão, aquele Coast to Coast, um programa daqueles de 50 milhões
de audiência e o Carnegie Hall tem 3 mil, 4 mil pessoas lá... nem isso...
uma bobagem. Foi um negócio assim para aquela colônia brasileira
saudosa de ver o que se estava fazendo no Brasil. Todos os brasileiros,
toda a colônia estava lá. Mas eu creio que foi muito bom para música
brasileira porque daí surgiram milhões de coisas e daí se gravou, se fez
muita coisa. Mas eu me lembro que eu não queria ir. Eu fui pra no
dia do concerto e foi a primeira vez que eu saí do Brasil, porque antes
tinha tido alguma chance de sair do Brasil com “Orfeu”... Paris,
quando o filme ganhou a “Palma de Cannes” e... o filme tirou 92
prêmios e o “Oscar” americano como o melhor filme estrangeiro
(Depoimento de 1967).
Depois veio a bossa nova no Carnegie Hall. Foi em 1962. O Itamarati
nos enviou para o Carnegie Hall de Nova Iorque. Fui contra a minha
vontade... O concerto da Bossa Nova aconteceu em 22 de Novembro
de 1962. Eu tinha 35 anos, ia fazer 36 em janeiro. Bati de cara com os
Estados Unidos da America do Norte. Meu inglês era assim...falava
de inglês o pouco que eu tinha aprendido no curso dado por aquela
professora holandesa, Miss Erika. (...) Então, eu tinha aquele
inglesinho... E me deparei com aquela coisa toda, a cidade monstruosa
com vinte graus abaixo de zero... Eu com aquele terninho carioca de
69
linho! (...) O frio era tanto que provocava aquela dor no ouvido. Dói o
tímpano. Eu saía correndo na rua e pensava que os americanos
comiam ham and eggs... Era tudo o que eu comia... Saía do hotel
miserável, tremendo de frio. Era um hotel cheio de contrabandistas
(depoimento de 1993).
A comparação dos dois trechos citados mostra como as falas sobre um mesmo conteúdo o
cercadas de significados diferenciados nas duas emissões. Na primeira oportunidade, nota-se
uma necessidade de explicação da importância ou talvez da menor importância do que
alguns supunham – do concerto realizado em Nova York. Em 1967 a Bossa Nova ainda
justificava sua inserção internacional e as situações que perpassavam sua condição nos EUA
eram motivo de discussão; é exatamente nesse sentido que Jobim cita as críticas recebidas por
jornais cariocas e paulistas, diferenciando-as. O tom utilizado para tratar do tema é exatamente
de defesa, de justificativa; é assunto da mais alta seriedade.
Quando Jobim retoma a questão em 1994, em contraposição, vê-se que o caráter de sua fala é
outro. O que importa nessa emissão é exatamente a experiência do cotidiano nos primeiros
tempos em Nova York por conta do concerto. São expostos problemas na estrutura encontrada
na cidade e de como os músicos não estavam preparados para lidar com certas características
do lugar. Essa situação, contudo, foi plenamente superada; o fato de ter passado um período de
tempo longo e da Bossa Nova ter de fato se afirmado internacionalmente faz com que
essas lembranças dos momentos difíceis ganhem uma outra conotação. Se essas rememorações
são feitas num tom ameno quase de pilhéria – é exatamente por conta do êxito posterior.
Percebe-se, deste modo, que os significados de um mesmo fato são deslocáveis de acordo com
seu acionamento no presente. Mesmo nas falas que se ligam à memória, um presente que
trabalha na complementação do processo de significação.
O mesmo movimento pode ser visto no texto “Teses sobre Filosofia da História”, de Walter
Benjamin. A história, no texto, é entendida não como tempo passado demonstrável na
sucessão de eventos –, mas como algo passível de construção, que pode, naturalmente, ter uma
dimensão ideológica. Fica claro que o passado não possui uma apreensibilidade total possível
uma pretensão ideológica do historiador não materialista. O passado se revela apenas como
imagem de passagem, cuja captura é referida ao momento presente: “Pois é uma imagem
70
irrecuperável do passado que ameaça desaparecer a cada presente, imagem que não se
reconhece como nele visada. A alegre nova que, ofegante, o historiador traz do passado sai de
uma boca que, no mesmo instante em talvez se abra, já fala no vazio
59
”. A história, portanto,
se articula com o presente, apresenta imagens ressoantes do passado que, trazidas, vistas e
interpretadas no agora serviriam ao sujeito histórico “num momento de perigo”. A história
precisa ser pensada, assim, como algo que se dá num tempo pleno de agoras.
2.1.2 Quando mudam os interlocutores
Ainda no sentido de que a narrativa autobiográfica possui um presente determinado, há que se
pensar – como foi delineado anteriormente partindo das sugestões de Bourdieu – na
influência dos interlocutores. Nesta seção, serão exploradas declarações feitas por Jobim em
uma entrevista para uma rádio de Nova York. Existem várias declarações que são próximas
das exploradas anteriormente; mas é interessante notar como variações, derivadas
exatamente do fato de se tratar de um brasileiro com uma imagem blica associada a isso
sendo entrevistado por norte-americanos.
Quando perguntado sobre suas maiores influências, a ênfase por conta da pergunta feita
pelos entrevistadores – recai para os músicos americanos:
When I was a kid in Brazil I used to listen to the American Big Bands,
such as Tommy Dorsey’s. I was also influenced by Glenn Miller. I
listened to Gerry Mulligan, Chet Baker, Bing Crosby, Frank Sinatra.
Later, thinking chronologically, the influence of what they call cool
jazz, such as Chet Baker, Gerry Mulligan, Miles Davis was also
important.
No mesmo sentido, a percepção do Jazz enquanto movimento cultural cujas influências
precisam ser reconhecidas é reforçada em outro momento; mas Jobim não deixa de apontar o
modo como os críticos americanos tendem a identificar “tudo como sendo jazz”:
Jazz influenced the whole world, including Debussy and Ravel. There
is a confusion there, because when you play authentic Brazilian music,
59
BENJAMIN, Walter. “Teses sobre a Filosofia da História”. In Sociologia. São Paulo: Ática,
1985, p. 156.
71
people call it jazz. There are some purists [in Brazil] and they think
that everything is jazz, is contaminated by jazz. At the same time, the
Americans call jazz everything that swings; like: ‘this is Latin jazz’.
Nessa última fala é possível notar, ainda, uma repetição no que diz respeito aos puristas
brasileiros, que criticavam sua música por ser influenciada pelo jazz. O modo como continua o
raciocínio não caminha para uma negação desse tipo de influência; ao contrário, o esforço é
para mostrar como as proposições dos puristas são destruidoras do espírito criativo. É feito,
talvez de modo indireto, um elogio à mistura como possibilidade:
The procedure in the US is acquisitive, and in South America it is
pushing away”. The purists say no to everything that is American.
The bubblegum, it’s American; the electric guitar, it’s American. And
this limits very much the creativity, because you cannot use certain
instruments; you cannot use a microphone, because it is mechanical.
When you get to that point, you’re against everything, and that’s a sick
attitude. It is like saying that a Boeing 707 is American, and because of
it you cannot use it; this is impossible.
Há, deste modo, uma tendência para formular suas opiniões de modo contundente, mas não-
direcionado; a falta de familiaridade dos americanos com a crítica brasileira, nesse contexto,
chega a complicar o entendimento da fala de Jobim.
Jobim, pontua, ainda no campo das inter-influências internacionais, que não só o jazz é
importante, mas que existe toda uma influência norte-americana que chegava, em 1982, de
modo sistemático ao Brasil e ao resto do mundo:
I think that jazz, that standard music, pop music, modern jazz, big bang
style, and the singers, like Crosby and Sinatra, have been around for
many many years. And now, if you go to Brazil, you will listen to this
discotheque thing; and rock was there all the time, and the pop. I think
the image of the kids, and the jeans, the long hairI think they are
everywhere, I think it is probably the US influence all over the world.
The kids, they want to be free, they have a lot in common.
O fato de se tratar de “música brasileira” não parece ser, para Jobim, argumento que explique
as releituras da Bossa Nova feitas por jazzistas norte-americanos. A colocação de uma cultura
brasileira, deste modo, não era vista como representativa para esses músicos:
72
Stan Getz, for instance, he is not interested in being particularly
Brazilian… he improvises. It is jazz, he is not trying to imitate the
Brazilian style.
Jobim ressalta, contudo, que toda uma questão com o fato de ser sul-americano no que diz
respeito à recepção; comenta que no início de sua carreira nos EUA pediam que ele tocasse
violão ao invés do piano, como se esse primeiro instrumento fosse característico da América
do Sul:
I’d go to the piano and the Americans would say: “no, no.... with the
guitar”. Everybody has these clichés in their minds: a South American
has to be like this or that… as if the guitar was from South America.
When South America was discovered, the guitar was already going on
for a century.
Essas confusões dos norte-americanos com relação ao brasileiro atingiriam outro domínio:
Many American friends, when they go to Brazil, they get deluded;
because they expect to see the palm trees and the monkeys, and they
see a lot of cars. We could say that today the world is very much alike.
It’s the red light, the policemen, the asphalt, the highways…
É no mesmo sentido que Jobim critica o filme Orfeu Negro:
For us, Brazilians, the film tend to exceed… to be exotic; it’s
glamourized… You see, the speech, the words are very
sophisticated… In a Favela, it wouldn’t be exactly like that.
2.1.3 Uma concepção metonímica de Brasil
Nessa segunda fase da carreira de Jobim, torna-se cada vez mais perceptível seu auto-
reconhecimento como um autor que come música brasileira. O sucesso internacional,
naturalmente, colabora para tal, que no exterior sua nacionalidade era o que o classificava.
Ser brasileiro era um diferencial que colaborava na conformação de um imaginário que
73
cercava sua estética própria: “Eles querem que votenha alguma coisa de exótico. Votem
que falar como carioca. Isso é para você ficar autêntico. Autenticidade é fundamental!
60
Nota-se, deste modo, que uma dimensão de brasilidade imposta pelas expectativas de seu
público internacional. E, no mesmo momento, essa inserção faz com que seja questionada a
sua brasilidade entre seus compatriotas. Nos dois sentidos, assim, são necessárias narrativas
que explicitem ou até mesmo defendam sua concepção do que seria música brasileira e,
conseqüentemente, do que seria o Brasil.
Jobim comenta sobre um texto de Mário de Andrade que teria sido decisivo para suas
escolhas:
Quando comecei a estudar música e resolvi ser profissional, um livro
me influenciou muito: Pequena história da música, de Mário de
Andrade, que era musicólogo e professor de piano, compunha e tudo o
mais. Nesse livro, ele conselhos ao jovem compositor brasileiro e
diz mais ou menos o seguinte: ‘Se você não tiver talento, faça música
brasileira. Se tiver algum talento, faça música brasileira. E, se for um
gênio, faça música brasileira. Porque nós precisamos de música
brasileira
61
.
A identificação é com uma espécie de nacionalismo específico, que em falas posteriores se
revela como uma descoberta de um Brasil central expresso especialmente nas características
de sua natureza. É um Brasil que se descobre nas experiências: nas etnografias musicais de
Mário de Andrade
62
, nas expedições do próprio Villa-Lobos pelo interior do país
63
, nas “idas
ao matode Jobim, seja nas caçadas no interior na adolescência, seja no subir dos morros
cariocas e no contato com a Floresta da Tijuca.
60
JOBIM, Antonio Carlos. “Antonio Carlos Jobim” (depoimento). In: MARTINS, Marília &
ABRANTES, Paulo Roberto. 3 Antonios e 1 Jobim: histórias de uma geração. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1993, p. 176.
61
JOBIM, 1993, p. 168.
62
TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e sica brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000.
63
GUÉRIOS, Paulo Renato. Lutando por sua predestinação: um estudo antropológico da obra
de Heitor Villa-Lobos. Dissertação de mestrado. PPGAS/MN/UFRJ, 2001.
74
uma reivindicação, portanto, da legitimidade de quem fala pela experiência; de um
conhecimento de algo definidor do Brasil. Naturalmente, diferenças importantes entre as
concepções de como deveria ser compreendido o nacional e, nesse contexto, no modo como
essas idéias são utilizadas nas produções dos três autores. De qualquer modo, é importante a
maneira como Jobim relaciona o ser brasileiro com o conhecer profundamente o país
especialmente através de suas características naturais:
Evidentemente eu sou brasileiro. O Brasil sou eu e eu sou o Brasil. As
pessoas que dizem que não sou brasileiro nunca viram um
quatimundéu, nem mato... Nunca viram o Brasil. viram sinal
vermelho, verde e só. Não sabem o quanto gente como Rondon e como
o meu avô tiveram que inventar o Brasil... Tivemos que inventar até os
nossos nomes... Tupinambá, Índio do Brasil, Brasileiro de Almeida...
Aliás, eu também sou Paes Leme, descendente daquele bandeirante do
interior de São Paulo. Meu avô era paulista... E assim tive que inventar
música brasileira, assim como Oscar Niemeyer inventou uma
arquitetura brasileira
64
.
Nota-se, deste modo, uma concepção de nação que se define por suas características naturais.
O Brasil é o país riquíssimo, que pode ter três colheitas num ano! A Europa, os Estados
Unidos e o Japão podem ter uma colheita por ano, porque enfrentam aqueles invernos
rigorosíssimos, de dez ou vinte graus abaixo de zero! Aqui você tem chuva... O Brasil é um
país chuvoso e fértil. Nasce tudo!”
65
; ou ainda, é aquele que se define como possuidor de “uma
fauna muito particular”
66
.
De qualquer modo, uma preocupação de Jobim em pontuar que sua música é devedora
exatamente desse contexto: “Essa lagoa, os peixes, a mata, os passarinhos, tudo isso ficou
gravado no meu ouvido. Quando estou no exterior, sinto muita falta da mata brasileira. (...)
Minha música tem sempre uns bichinhos que aparecem pelo meio
67
. Essa auto-
compreensão, contudo, é classificatória, pois escolhe como representativa de sua música
64
JOBIM, 1993, p. 168.
65
JOBIM, 1993, p. 165.
66
Op. Cit., p. 181.
67
Op. Cit., p. 166-7.
75
apenas uma parte de sua produção; não havia “bichinhos” em todas as composições da Bossa
Nova.
Falando para interlocutores americanos faz uma definição das origens da autêntica sica
brasileira:
I want to say what is authentic. It’s the product of all these mixtures
that Brazil has, because in Brazil everything has been imported. And I
would say the same about the US: we have been imported. Including
the fauna; I was studying theses books about the fauna… the fauna
came from the States, came from Asia. And the fauna here came from
the Behring Strait. The Brazilian music is a product of the Portuguese,
and the black the Negros went to Brazil as slaves in these ships –,
and the Indians… So it’s a mix of all these things.
Nota-se na fala de Jobim, portanto, uma ênfase para a construção do país enquanto mistura
entre portugueses, negros e índios, e num tom elogioso à miscigenação, sustenta a mistura
como definidora da autenticidade brasileira que seria refletida na música do país.
Esse tipo de visão sobre o que seria a música brasileira pode ser entendido como devedora dos
debates sobre miscigenação iniciados no final do século XIX e continuados no século XX
protagonizados por autores como Silvio Romero, Graça Aranha, Gilberto Freyre e Darcy
Ribeiro que buscavam na idéia da mistura entre as etnias a identidade nacional. A
transposição desses debates para o campo musical, como bem ressalta Elizabeth Travassos,
encontra um de seus representantes em Mário de Andrade:
A angústia diante de uma entidade étnica ou racial indefinida foi
atenuada pela convicção de que os chamados povos formadores –
europeus, índios e negro-africanos desapareceriam como entidades
singulares e dariam origem a uma nova população. Paralelamente, suas
culturas se diluiriam dando lugar à cultura brasileira. Com isso, nascia
um dos postulados etno-musicais de Mario: a necessidade de refoar
os tros brasileiros e precaver-se contra o exotismo interno
representado pelas músicas africanas, européias e indígenas, sem
mistura
68
.
A música de Jobim, do mesmo modo, seria um produto dessa mistura; e o compositor afirma
que transita entre essas características com muita naturalidade. O modo como cita a questão da
68
TRAVASSOS, Op. Cit., p. 56.
76
miscigenação, contudo, deve ser visto como uma continuidade na maneira positiva como
Jobim entende as possibilidades de contato entre diversas manifestações. É um
reconhecimento da mistura como característica desejável que sua obra corrobora, seja nessa
questão específica das etnias, seja na transposição entre o “erudito” e o popular”.
Os debates étnicos, ainda, reverberaram também no contexto popular, sem contar, contudo,
com a gravidade modernista. Santuza Naves, em sua pesquisa sobre relações entre
modernismo e música popular, afirma ter percebido que
era recorrente nas obras de Villa-Lobos s-30 a citação de peças
folclóricas; esse recurso era usado, no entanto, para sacralizar as peças
citadas, associadas às configurações raciais de nossa identidade
coletiva. Numa clave diferente, alguns músicos populares, como Noel
Rosa, tomavam textos consagrados para deformá-los através da
imitação parostica. Dito de outro modo, enquanto os compositores
eruditos tendiam a enaltecer a tradição cultural, os populares,
descomprometidos com projetos unanimistas, tratavam-na sem
gravidade. E quando substituíam o texto pela vida que se desenrolava
no cotidiano da cidade, lançavam mão, em grande parte das vezes, do
procedimento satírico
69
.
Em que pese a diferença geracional, associar Jobim a esse contexto pode ser proveitoso. O
modo como lida com essa brasilidade específica tende a identifi-la com o sublime,
associando-o ao posicionamento dos eruditos. Essa associação, contudo, não pode ser feita de
modo unívoco, já que Jobim não participava de um movimento de caráter propositivo e
classificá-lo como modernista seria enquadrar suas contribuições de maneira reducionista.
A segunda fase da música de Jobim, assim, se afirma como continuidade de sua capacidade de
trânsito, apagando de modo bastante mais efetivo os limites entre erudito e popular; essas
produções, contudo, foram possibilitadas por um contexto específico que impunha poucas
limitações para as pretensões de Jobim como criador.
69
NAVES, Santuza. O Violão Azul: Modernismo e Música Popular. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 1998, p. 17.
77
Define-se, deste modo, um projeto com características refletidas e cuja realização se deu a
partir de um campo de possibilidades facilitador
70
. O álbum “Matita Perê” é crucial nesse
contexto, já que marca essa mudança estética. O protagonismo de Jobim merece ser destacado:
o compositor bancou inteiramente o LP, que mobilizou um número bastante expressivo de
músicos por conta da base orquestral –, contou com os arranjos de Claus Ogerman e foi
gravado em Nova York. A escolha das músicas também evidencia a despreocupação com
questões comerciais, que quase todas possuem duração bem maior do que a recomendada
para emissões radiofônicas.
Nessa fase, portanto, não precisava fazer concessões: sua vida financeira estava plenamente
estabelecida pagar o aluguel não era mais problema e já ocupava uma posição em que os
processos de produção americanos não significavam restrições aos seus desejos enquanto
compositor. O campo de possibilidades para seu projeto estético é alargado; talvez por isso
essa seja a fase que Jobim escolhe para definir-se como artista.
É fundamental, nesse contexto, o modo como o autor se inspira na literatura, especialmente na
de Guimarães Rosa.
2.1.4 Literatura e Música
As referências feitas por Jobim à literatura são inúmeras e nas mais variadas oportunidades. O
compositor sabia trechos de poesias e livros de cor e não era raro que as recitasse em seus
shows ou em entrevistas. A identificação com a literatura vai além, e Jobim considera que
poderia ter se dedicado profissionalmente a ela:
Meu pai era literato, poeta, tudo. Eu é que, talvez por causa do meu
padrasto, fui para música para não virar um literato. Isso causaria um
70
Uso os termos capacidade de trânsito, projeto e campo de possibilidades no sentido proposto
por Gilberto Velho. Ver VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
78
certo ciúme do meu padrasto. Por isso eu virei o barco na direção nor-
nordeste
71
.
No capítulo anterior, viu-se que o ambiente familiar de Jobim era favorável à leitura; tinha
uma grande biblioteca à sua disposição e tanto sua mãe como seu avô eram professores.
Talvez se possa explicar a importância desse capital cultural exatamente no fato de Jobim ter-
se feito compositor. Mas só se pode falar de uma referência explícita a um autor:
Guimarães Rosa está dentro da minha obra... Aliás, lamentavelmente,
você não encontra o disco Matita Perê para comprar. Eles gravaram
outros discos em CD e esqueceram do Matita Perê, que é muito
brasileiro. Muito brasileiro! E muito Guimarães
72
.
Nota-se, assim, que Jobim identifica na literatura de Guimarães Rosa um tipo de brasilidade
que ele próprio pretendia expressar com sua obra. No álbum citado pelo compositor, a
atmosfera rosiana é explorada não apenas na canção título de Matita Perê, mas é pretendida
por Jobim também em Águas de Março e de modo bastante declarado em um dos movimentos
de “Crônica de Uma Casa Assassinada”
73
, “Trem para Cordisburgo(Cordisburgo, em Minas
Gerais, é a cidade natal de Guimarães Rosa).
Jobim pontua que possuía uma identificação com a obra de Guimarães porque conhecia bem o
universo narrado pelo autor. Não leu “Grande Sertão: Veredas” quando de seu lançamento, em
1956; ao contrário:
Nesse tempo, tentava ler Grande Sertão... e não conseguia, porque era
denso, pesado. Depois, aquilo virou uma sopa no mel. Aquilo virou
minha casa! Desde garoto andei pelo mato. Conheço pessoalmente
todos aqueles bichos de que o Guimarães fala. Sei imitar. Estudei
muito a fauna e a flora brasileiras. Mais a fauna, para saber dos
habitantes dessa Ilha Brasil
74
.
71
JOBIM, 1993, p. 179.
72
Op. Cit., 1993, p. 180.
73
A peça foi composta para o filme “A Casa Assassinada” (1971), de Paulo César Saraceni,
baseado livro “Crônica de Uma Casa Assassinada” de Lúcio Cardoso, publicado em 1959.
74
JOBIM, 1993, p. 180.
79
O modo com Jobim valoriza esse tipo de conhecimento faz com que a experiência rosiana seja
aproximada a algumas das características de músicas de Villa-Lobos. Na concepção de Jobim,
este compositor também se apropriaria de características “sertanejas” em suas concepções,
além de ser também conhecedor da fauna brasileira:
Você sabe que o Villa-Lobos era profundo conhecedor de passarinhos?
Ele conhecia esses passarinhos todos que eu estou falando... De vez em
quando escuto uma sinfonia do Villa, e o passarinho está lá. Ele
aparece no meio da melodia no tom certo!
75
Outro ponto que se coloca no que diz respeito ao contato entre Literatura e sica são os
inúmeros convites recebidos pelo compositor para musicar poesias. Vários poetas
participavam de seu círculo de convivência, mas raramente Jobim escrevia música para
poesias prontas. Bom exemplo da situação é a relão com Carlos Drummond de Andrade,
amigo pessoal do músico:
Drummond me pediu que musicasse os poemas dele. Eu sabia alguns
de cor.... E, quando a gente se encontrava, eu recitava um negócio para
ele. O que é um pouco patético: eu recitando Drummond para o
próprio Drummond! E ele dizia assim: ‘Você sabe que não sei nada
disso de cor?’ Quem sabia Drummond de cor era eu. Mas nunca me
atrevi a musicar o Drummond porque a poesia dele é tão completa, tão
bonita, que sempre tive medo de estragar tudo... Sempre tive esse
escrúpulo, e revelei isso ao Drummond... Disse a ele: ‘Drummond, não
faço porque não sei’.
76
É possível perceber, portanto, um profundo respeito de Jobim pelo fazer literário, que se
mostra como inspiração central para sua obra, especialmente no LP de 1973. A aproximão
com a literatura de Guimarães Rosa foi fundamental nesse período de transição e a temática
sertaneja acabou por se tornar definidora da estética jobiniana, segundo o próprio compositor.
Essa transposição de literatura em música, porém, é algo possibilitado porque os autores e o
compositor compartilham de uma mesma tradição cultural; um mesmo universo cultural
compartilhado que possibilita esse trânsito por universos discursivos diversos. As proposições
75
Op. Cit., p. 178.
76
Op. Cit., p. 179.
80
de Frederik Barth sobre a análise cultural em sociedades complexas
77
podem ser explicativas
do contexto.
A análise cultural, segundo o autor, deveria levar em conta a matriz mais ampla de processos
com a qual se liga; as questões culturais não podem ser entendidas como sendo destacadas da
dimensão material e das realidades objetivas, do mesmo modo como isoladamente não podem
ser entendidas como explicativas. Barth, seguindo o que chama de uma confluência entre
correntes intelectuais divergentes, acredita que as realidades das pessoas o culturalmente
construídas. O autor, entretanto, vai além ao acreditar que os padrões culturais são resultados
de processos culturais específicos, e que como tal podem ser identificados.
Nesse contexto, é necessário que se compreenda o trânsito dos indivíduos entre os diversos
universos discursivos, que se interpenetram, sobrepõem, excluem. Deste modo, a construção
cultural da realidade não vem de uma fonte única; ao contrário, é preciso pensar na interação
de diversas tradições culturais de origens diversificadas e nem sempre determináveis que
colaboram na formatação dessa realidade. Uma visão plural pode ser possibilitada a partir da
análise através de “correntes de tradição cultural”,
cada uma delas exibindo uma agregação empírica de certos elementos
e formando conjuntos de características coexistentes que tendem a
persistir ao longo do tempo
78
.
O compartilhamento de uma mesma corrente de tradição cultural, portanto, é o que possibilita
essa aproximação entre um fazer literário e um musical. A escolha de Jobim deve ser
compreendida como algo definido dentro de um escopo específico de significados que podia
acessar como indivíduo. Seu pertencimento cultural, assim, é algo que não pode ser
minimizado nesse processo.
2.1.5 Ruídos, ecologia, dinheiro e cotidiano de trabalho
77
BARTH, Frederik. “A análise da cultura nas sociedades complexas”. In Lask, Tomke (org)
O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000.
78
Op. Cit., p. 123.
81
O objetivo desta seção é retomar alguns pontos abordados nos dois depoimentos de Jobim que
são reveladores de algumas de suas preocupações no tempo em que foram dadas as
declarações. São questões que lidam de maneira mais direta com o cotidiano e são, em alguma
medida, relacionadas diretamente com situações que permeiam o contexto da fala. São elas:
uma crítica a certos usos de manifestações musicais, do depoimento de 1982; as referências
aos temas ecológicos, do depoimento de 1993; as refencias a sua situação financeira
enquanto compositor consolidado, dos dois depoimentos; e seu cotidiano de trabalho nos anos
1990, do depoimento de 1993.
Perguntado, em 1982, sobre que tipo de música gostava de ouvir no final de um dia de
trabalho, a resposta de Jobim causa surpresa aos entrevistadores:
By the end of the day I’m so full of music that I need a rest. I would
rather walk in the park. I would try to avoid places with music. I would
have a beer with a friend; I would rather have a conversation instead of
listening to music. I’d search for a place without music.
Jobim mostra-se bastante irritado com o modo como algumas canções são utilizadas como
música de fundo, em consultórios, elevadores, etc. Os ruídos e o volume também eram motivo
de irritação:
I’m not tired of music, I’m tired of the noise. You can listen to a
neighbor’s television sounding through the walls. If I could go to a
place with good music, with notes that have to do one with the others, I
would. I’m tired of that many decibels.
Os apontamentos sobre a necessidade de preservação da fauna e flora brasileiras são
freqüentes no depoimento de 1993. As refencias à natureza passavam por depoimentos
anteriores, mas colocavam-se especialmente no que diz respeito a experiências da infância; a
denúncia é novidade e deve ser compreendida no contexto em que a ecologia, no sentido de
preservação da natureza, passa a constar da agenda pública. Chama atenção, nesse contexto, o
modo como Jobim insere a temática ecológica em inúmeros momentos de suas falas, mesmo
quando os temas ou as perguntas dos entrevistadores não estão diretamente ligados ao
contexto. Perguntado por Zuenir Ventura como eram suas lembranças acerca da Lagoa
Rodrigo de Freitas, dá a seguinte resposta:
82
A Lagoa Rodrigo de Freitas tem um nome em tupi-guarani,
Sacopenapã, que quer dizer “uma porção de socós”. Aqueles sos
todos ficavam olhando a água, de noite, assim, para... pegar o
barrigudinho, a savelha e esses peixes que andam morrendo... Isso é o
maior crime do mundo! Eu estou falando nisso mais de sessenta
anos. Como é que pode deixar o canal fechado? Não deixar a água
entrar, nem sair? Morre tudo! Fizeram isso na Barra... Resolveram
fechar a Lagoa da Barra! Boiou tudo... ficou aquele lençol branco de
peixe podre... Uma coisa terrível. Você precisa deixar o ar passar,
deixar a água entrar e sair
79
Jobim se mostra preocupado em inúmeros momentos com o crescimento populacional do país
e pontua que “quando se criar uma multidão de desesperados, o que vai ser? Vão todos entrar
pelas florestas destruindo tudo para sobreviver…”
80
.
No final da vida, Jobim não se classificava como homem rico; e atribuía esse fato a algumas
escolhas feitas ao longo da vida, como não ter escrito trilhas sonoras para Hollywood, e à
situação dos direitos autorais no país; mostra, ainda, desconforto com o modo como a
imprensa debate sua situação financeira:
A imprensa jamais diz que um homem realmente rico é rico. Os jornais
dizem que a Gal Costa é rica, que o Tom Jobim, que o Chico Buarque
e o Caetano Veloso são ricos… Isso é uma brincadeira, diante da
realidade que aí está. Até porque, como não se cobra direito de
maneira eficiente no Brasil, a gente tem que se virar, tem que fazer
circo, trabalhar em show…
81
Na entrevista concedida em 1982, explica sua situação com relação ao direito sobre suas
músicas nos EUA:
These songs they didn’t belong to me; I composed them but they
belonged to publishers… to Brazilian publishers. They negotiated the
songs with American publishers, so I had no right to complain. I could
change some things, but I could not change the past. I got about 5% on
the albums. When I first came here, I had to sell my songs in order to
stay. We didn’t have working a visa; I didn’t belong to the union, so
79
JOBIM, 1993, pp. 162-3.
80
Op. Cit., p. 165.
81
JOBIM, 1993, p. 183.
83
the union didn’t let me play. I couldn’t make any money, I couldn’t
work with my guitar. So I started to sell songs to big publishers and
they would give me an advance.
As preocupações de Jobim com relação ao trabalho na década de 1990 são de outra natureza,
assim como seu dia-a-dia:
Hoje o meu cotidiano é o contrário daquela noite infinita que vivíamos
nos anos 50. Levanto muito cedo para trabalhar. E trabalho toda a
manhã. Esse trabalho do Songbook, por exemplo, foi infernal! Você
escreve as canções todas, depois corrige tudo, e sai outra edição com
novos erros... Eu li em algum lugar que o Guimarães Rosa foi
corrigindo até a oitava edição de Sagarana. Só na oitava edição de deu
por satisfeito. Eu também sou assim. Se sai errado, penso que vou
morrer, aquele troço vai ficar errado e vai ser uma catástrofe
82
...
Vê-se, portanto, uma grande preocupação na escrita de sua obra. Nessa época, Jobim sabia
de sua condição como compositor que fatalmente passaria à posteridade; mas preocupava-se
com a exatidão, com o respeito a suas intenções.
2.2 O que dizem os comentadores
Antes de tratar propriamente das colocações feitas pelos comentadores sobre os pontos
anteriormente levantados, é necessário que se façam algumas observações sobre o modo como
lidam com esse segundo momento da trajetória de Jobim.
Há uma desigualdade enorme no volume de texto produzido sobre as quatro primeiras décadas
da vida do músico em comparação aos anos seguintes. A Bossa Nova acaba sendo focalizada
em boa parte dos trabalhos sobre Jobim, tanto nos textos acadêmicos, como nos comentários
jornalísticos (representados, nesse trabalho, pelo conjunto de crônicas publicadas por Ruy
Castro).
O volume de observações consideradas aqui, deste modo, será pequeno em comparação ao
capítulo anterior; as ausências, contudo, devem ser tomadas como significativas de um
interesse específico das análises na trajetória e na obra de Jobim.
82
Op. Cit., p. 173.
84
Uma explicação possível para a situação se coloca exatamente em sua trajetória. Essa segunda
fase de sua vida é marcada pela segurança possibilitada, naturalmente, pela credibilidade
conseguida com a Bossa Nova. No mesmo sentido, as aparões midiáticas do compositor
acabavam fazendo referência a este último período. A popularidade das músicas compostas
nesse contexto, ainda, não era grande senão entre certos iniciados. O formato das canções,
como já foi dito, não era adequado à veiculação radiofônica. Mesmo as biografias, que em tese
dão conta da vida do compositor como um todo, cedem espaço consideravelmente menor aos
trinta últimos anos de sua vida.
Cabe, como feito no capítulo anterior, apresentar “qual Antonio Carlos Jobimos trabalhos
aqui considerados pretendem definir. São quatro os autores: Ruy Castro, Carlos Ernest Dias,
Fábio Guilherme Poletto e Fábio Luiz Caramuru.
Ruy Castro apresenta um “Tom Jobim” possibilitado pelo contato pessoal. O foco do autor
seria numa Bossa Nova que, se é relacionada ao seu tempo, a década de 1960, também possui
um caráter atemporal. Essa possibilidade residiria na beleza e na sofisticação da música. E
Tom Jobim seria um dos articuladores centrais desse contexto:
Todas as vezes que Tom abriu o piano, o mundo melhorou. Mesmo
que por poucos minutos, tornou-se um mundo mais harmônico,
melódico e poético. Todas as desgraças individuais ou coletivas
pareciam menores porque, naquele momento, havia um homem
dedicando-se a produzir beleza. O que resultasse de seu gesto de abrir
o piano uma nota, um acorde, uma canção vinha carregado de
excelência, sensibilidade e sabedoria que, expostos à sua criação, todos
nós, seus ouvintes, também melhovamos
83
.
Carlos Enest Dias
84
, por seu turno, procura situar
o processo criativo do compositor Antônio Carlos Jobim (1927-1994)
em relação às proposições do modernismo brasileiro, e dessa forma
procurar compreender de que forma o músico relaciona a sua criação
83
CASTRO, Ruy. A onda que se ergueu no mar: novos mergulhos na Bossa Nova. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001, p. 29.
84
DIAS, Carlos Ernest. Antônio Carlos Jobim: Imagens e relações entre Matita-Perê e Águas
de Marco. Dissertação de Mestrado. Programa de s-Graduação em Ciência da Arte.
Universidade Federal Fluminense, 2004.
85
artística com as idéias presentes nesse movimento cultural,
notadamente com as do critico e poeta Mario de Andrade
85
.
Fábio Guilherme Poletto, de seu lado, acredita que
Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927/1994) é uma
unanimidade nacional. A sua condição de “mestre” torna-o
reverenciado como um dos grandes autores do século XX, pilar da
musicalidade brasileira, divulgador do Brasil e sua cultura no exterior,
bastando enfim lembrar que convencionou-se chamá-lo maestro,
substantivo que em seu caso, é adjetivo
86
.
Fábio Caramuru, por fim, compreende o Tom Jobim que foi um dos responsáveis pela
modernização da música popular brasileira, levando em conta a transição da tradição para a
modernização, o surgimento da bossa nova, contexto este do qual Tom Jobim é importante
protagonista
87
”.
2.2.1 Jobim sobre si: memória e coerência
O modo como Ruy Castro constrói seu texto coloca a questão da coerência na trajetória de
Jobim em segundo plano. O uso de crônicas acaba por identificar episódios na vida do
compositor, evidenciando alguns pontos específicos; não uma busca, assim, por tratar de
modo concatenado dos fatos que dariam unidade a vida de Jobim.
O trabalho de Dias, por sua vez, tem por preocupação um universo bastante restrito da obra de
Jobim, a saber as canções Matita-Perê e Águas de Março. A questão da trajetória do
compositor não chega a ser tomada como explicativa das questões com as quais Dias dialoga.
O autor afirma, entretanto, que existem “vários Tom Jobim”, e preocupa-se em salientar que
o trataria do Tom Jobim da Bossa Nova ou do compositor que passou quase toda a década
de 1960 gravando discos nos EUA, inclusive com Frank Sinatra.
85
DIAS, Carlos Ernest. Op. Cit., p. 1.
86
POLETTO, Fábio Guilherme. Tom Jobim e a Modernidade Musical Brasileira (1953-1958).
Dissertação de Mestrado. Programa de s-Graduação em História. Universidade Federal do
Paraná, 2004.
87
CARAMURU, Fabio. Aspectos da interpretação pianística na obra de Tom Jobim.
Mestrado em Artes (ECA/USP), 2000.
86
Fábio Caramuru pensa na trajetória especialmente a partir das influências sofridas por Jobim.
Elenca, assim, seus professores e autores com os quais teria afinidade, especialmente Villa-
Lobos. Menciona, ainda, as várias etapas de sua vida profissional. Essa mobilização, portanto,
acaba por enfatizar aspectos que poderiam trabalhar no acúmulo de conhecimento técnico por
Jobim; é uma trajetória pontuada por “eventos”.
A historiografia de Poletto, enfim, acaba por gerar uma visão da trajetória de Jobim cuja
importância coloca-se no modo como certos eventos trabalhavam na articulação da posição
ocupada pelo compositor no cenário muscical. A construção da trajeria é feita a partir de
jornais, tendo como objetivo consolidar, com o que foi noticiado na imprensa da época, uma
trajetória através do posicionamento no campo. Nesse sentido, as preocupações com a
memória não se colocam de modo direto, pois a ênfase recai para o que representaria, num
sentido de articulação de forças, o que era noticiado sobre Jobim e a Bossa Nova naquela
época.
2.2.2 Quando mudam os interlocutores
Os múltiplos interlocutores são levados em conta por Ruy Castro apenas quanto procura
enfatizar a capacidade de Jobim em lidar com pessoas de diversos tipos e origens.
Poletto, ao contrário, articula interlocutores para Jobim como constituintes de um campo por
onde o compositor teve que transitar na negocião de seu fazer musical. O autor ressalta os
múltiplos contatos como caracterizadores do cenário da música popular através da qual Jobim
pretendia se sustentar nos anos 1950.
Carlos Ernest Dias, de seu lado, faz uma leitura centrada na obra de Jobim; toma as referências
sociológicas apenas como indicadores interpretativos das intenções estéticas implícitas na obra
do compositor. Não se trata, portanto, de enquadrá-lo num campo de forças sistemático; o
objetivo de Dias é exatamente entender como a obra de Jobim se insere num panorama
estético-cultural específico. Os interlocutores, nesse contexto, são resumidos aos seus contatos
estéticos.
87
Fábio Caramuru lida com as diversas relações de Jobim; mas seu texto é marcado pela
preocupação com os contatos influenciadores de seus preceitos estéticos. Não há intenção de
explorar a maneira como o compositor lida com essas relações; importante, para o autor, é
entender as múltiplas influências de Jobim. E isso seria possibilitado pelo levantamento de
contatos com outros músicos e com professores.
2.2.3 Uma concepção metonímica de Brasil
A inflexão na obra de Jobim ocorrida a partir de 1973 foi caracterizada por Ruy Castro como
sendo característica de um voltar-se para natureza, e essa abordagem seria representativa de
brasilidade:
Até recentemente, muitos, inclusive eu, não entendiam como o
compositor mais urbano, moderno e sofisticado que este país
produziu voltou-se um dia para os botos, os sabiás e os urubus, e com
eles construiu uma nova saga, tão fecundamente brasileira
88
.
A concepção de Brasil na obra de Jobim é reconhecida por Dias, por sua vez, como sendo
devedora de um movimento modernista. O autor menciona a questão da mestiçagem,
especialmente a partir da obra do antropólogo Hermano Vianna, como constituinte de uma
cultura nacional.
Poletto, de seu lado, não trabalha com a noção de que a música de Jobim conformaria uma
visão do Brasil. A questão da nacionalidade é vista quase que por sua natureza territorial: é
música brasileira porque é feita no Brasil. Naturalmente, uma dedicação ao delineamento
do contexto nacional da década de 1950; mas permanece a idéia implícita de uma cultura
brasileira e não culturas brasileiras.
Fábio Caramuru aponta para uma mudança na obra de Jobim após a Bossa Nova; e exulta a
capacidade do compositor de voltar às suas origens tradicionais, agregando a estes novos
elementos incorporados ao longo de sua trajetória”
89
. Menciona, ainda, que Jobim coms nos
88
CASTRO, Ruy. Op. Cit., p. 31.
89
CARAMURU, Op. Cit., p. 49.
88
mais diversos neros nacionais: choros, sambas, sambas-canção, toadas, valsas, baiões,
modinhas e boleros.
2.2.4 Literatura e Música
Ruy Castro reconhece que Jobim possuía uma relação própria com a literatura; e considera que
é por conta desse tipo de familiaridade que era um “grande letrista”:
Músicos, em geral, se interessam por notas e acordes, e Tom era um
músico completo, o maior de todos. Mas havia nele alma de escritor,
talvez herdada de seu pai que era poeta. Sabia de cor muita coisa de
Drummond e Bandeira e, em certa época, teve uma intensa fase
Guimarães Rosa. Seus letristas sempre foram de primeira: Vinicius,
Dolores Duran, Billy Blanco, Chico Buarque, Paulo César Pinheiro,
gente para quem a ferramenta das palavras o tinha segredos. Com
eles e mais a leitura de seus heróis literários, Tom dominou também a
técnica do verso. Não é por acaso que muitas de suas maiores canções
tenham letras suas, com verdadeiros achados imagéticos e sonoros. (...)
Simples ou requintadas, eram sempre funcionais, acompanhando a
variedade de estilos e gêneros em que ele se aventurou
musicalmente
90
.
Carlos Ernest Dias toma as aproximações com a literatura como mote central de seu
trabalho. Menções a Guimarães Rosa são feitas ao longo de todo o texto e a chave explicativa
utilizada por Dias é extraída de uma análise de Jobim cotejada com textos do autor mineiro. A
junção, portanto, excede o plano da identificação para alcançar o potencial analítico
considerado mais proveitoso pelo autor da dissertação.
Poletto não menciona relações entre literatura e a música de Jobim; limita-se a analisar em
detalhe a parceria com Vinicius de Moraes. Esse é também o caso de Fábio Caramuru.
2.2.5 Ruídos, ecologia, dinheiro e cotidiano de trabalho
90
CASTRO, Op. Cit., pp. 40-1.
89
O espírito de preservação da natureza proposto por Jobim, em alguma medida, parecia
surpreendente para Ruy Castro. Era de se admirar que
o homem que descobria as harmonias insuspeitas ainda tivesse olhos
para fiscalizar qualquer coisa que corresse perigo, de um simples
canteiro no Jardim Botânico às massas florestais da Mata Atlântica
91
.
No mesmo sentido, Ruy Castro ressalta que “Quando ninguém falava em paz, saúde e
ecologia, essa já era a plataforma da Bossa Nova
92
”.
Sobre a questão financeira, Castro relembra que muitos compositores sobreviveram com
conforto num momento especialmente os anos 1980 em que a Bossa Nova não estava
entre os ritmos da moda no Brasil. Isso ocorreria porque
nos Estados Unidos, porque o Jazz o foi, continuou sendo, a Bossa
Nova também não foi, continuou sendo. Os americanos sempre viram
a coisa à sua maneira. Como não pegaram onda no Arpoador, não
chuparam jajá de coco e o tomaram um chope com Tom e Vinicius
no Veloso, a Bossa Nova, para eles, nunca foi nostalgia, mas cultura
e uma cultura viva, presente, valiosa, a ser transformada em produto,
comercializada e vendida
93
.
A partir disso, o autor pontua que alguns compositores brasileiros e seguramente Jobim
estaria entre eles conseguiram levar uma vida confortável a partir dos royalties
internacionais gerados com canções da Bossa Nova.
Esses últimos temas não são mencionados pelos outros três autores.
91
CASTRO, Op. Cit., p. 31.
92
CASTRO, Op. Cit., p. 19.
93
CASTRO, Op. Cit., p. 18
90
Capítulo 3
Os dois primeiros capítulos elaboraram um panorama parcial da trajetória de Jobim. A partir
das falas do autor, foram levantadas questões e, posteriormente, trabalhou-se com as diferentes
interpretações propostas pelos analistas do compositor. Viu-se, nesse processo, que essas
construções são bastante distintas em alguns aspectos e tendem a enfatizar certas
características da vida e da obra de Jobim.
O objetivo desta terceira parte é exatamente problematizar essa parcialidade, buscando colocar
em perspectiva não os lugares de fala desses analistas, mas ao mesmo tempo situá-los num
processo de construção de conhecimento, visto aqui como ação coletiva.
A primeira parte do capítulo se ocupará de problematizar, especialmente a partir das idéias de
Howard Becker, alguns pontos importantes quando se pensa nas diversas possibilidades de se
falar sobre um fenômeno social; o objetivo, aqui, é o de entender alguns dos mecanismos que
pactuam para a formatação das narrativas propostas pelos comentadores, levando em conta
como utilizam algumas vezes sem reflexão alguns conceitos importantes. Em momento
posterior, serão pensados de onde falam os comentadores, ou seja, em quais mundos se
inserem; ainda nesse contexto, serão explorados alguns tipos de trajetória que podem ser
traçados a partir do perfil dos comentadores.
91
O último trecho do capítulo, enfim, tenta dialogar com o modo como não-jobinólogos se
relacionam com esse corpo de conhecimento, já que não se pode excluir essas outras
possibilidades como participantes dessa ação que é coletiva. Essa questão será explorada a
partir da análise de obituários publicados em 5 jornais de grande circulação, no Brasil e nos
EUA.
3.1 Dimensões do “falar sobre”
Em seu livro “Falando da Sociedade”, Howard Becker, a partir de algumas proposições
utilizadas com outros fins ao longo de sua carreira, estabelece um dialogo entre diversas
formas de representação da realidade. O argumento central do livro é o de que existem
diferentes maneiras de representar o “social” e essa tarefa seria executada também por outras
pessoas e não apenas por cientistas sociais:
Cientistas Sociais e cidadãos comuns usam rotineiramente não
somente mapas, mas também uma grande variedade de outras
representações da realidade social alguns exemplos aleatórios são
filmes documentários, tabelas estatísticas e as histórias que as pessoas
contam umas para as outras, de modo a explicar quem são e o que
estão fazendo
94
.
O elenco de possíveis representações do social feitas pelo autor insinuam uma outra
proposição importante. Becker está preocupado como a ciência lida com o “o saber e o
contar”, mas suas intenções trabalham exatamente para ver na arte e no cotidiano situações
que igualmente lidam com essa tarefa:
Assim, procuramos representações da sociedade” em que outras
pessoas nos falam sobre todas essas situações, lugares e épocas que
o conhecemos em primeira mão, mas sobre os quais gostaríamos de
saber. Com a informação adicional, podemos fazer planos mais
complexos e reagir de uma maneira mais complexa às nossas situações
94
BECKER, Howard S. Falando da Sociedade: Ensaios sobre as diferentes maneiras de
representar o social. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
92
de vida imediatas. Para simplificar, uma representação da sociedade”
é algo que alguém nos conta sobre algum aspecto da vida social
95
.
Essas representações, entretanto, o elaboradas baseadas numa série de significados e
categorias que precisam ser reconhecidos pelos receptores. Mais do que isso, é importante
levar em conta que esse processo se numa comunidade interpretativa específica. Os
produtores de representações, nesse sentido, utilizam-se de mecanismos e vocabulários
compreendidos por usuários que utilizam essas representações para objetivos padronizados:
Os produtores e usuários adaptaram o que fazem ao que outros fazem,
de modo que a organização de fazer e usar é, pelo menos por algum
tempo, uma unidade estável, um mundo
96
.
Nesse contexto, é importante pensar no modo como os fatos são reconhecidos dentro dessa
comunidade interpretativa, já que existe uma série de mecanismos que precisam ser
respeitados para que a credibilidade do relato seja reconhecida pelos usuários. Duas
dimensões, especialmente, podem ser pontuadas nesse sentido. A primeira diz respeito à
teoria; não existem fatos puros, já que estes são sempre percebidos através de um prisma
calcado em alguns posicionamentos teóricos. E a segunda, é preciso que o modo como os fatos
são “recolhidos” e os próprios sejam vistos como relevantes pela comunidade interpretativa.
Assim,
quando fazemos um relato sobre a sociedade, nós o fazemos para
alguém, e a identidade desse alguém afeta o modo como apresentamos
o que sabemos e o modo como os usuários reagem ao que lhes
apresentamos. (...) Assim, em vez de fatos sustentados por evidências
que os tornam aceitáveis como fatos, temos fatos baseados numa
teoria, aceitos por algumas pessoas porque foram colhidos de uma
maneira aceitável para alguma comunidade de produtores e usuários
97
.
As diversas narrativas sobre Jobim apresentadas ao longo dos dois capítulos anteriores podem
ser compreendidas nesse registro. São pesquisadores formalmente pertencentes a áreas do
conhecimento distintas, e é, ao menos em parte, dessa diferença que surgem visões diversas
95
Op. Cit., p. 19.
96
Op. Cit., p. 20.
97
Op. Cit., p. 25.
93
sobre a mesma obra e trajetória. Essa diversidade pode ser interpretada de dois modos: o
primeiro, em nossa opinião menos proveitoso, cairia num discurso de busca de legitimidade,
como se as visões, por tratarem a temática de modos distintos – e em alguns momentos
conflituosos –, fossem forçadas a excluírem-se mutuamente. Uma segunda possibilidade,
contudo, nos parece mais interessante.
Cada um desses pesquisadores tem uma ocupação num sistema complexo de construção de
conhecimento; e os trabalhos que produzem estão ligados intimamente a essa ocupação. Na
análise conjunta dos trabalhos pode-se ver, para além das diferenças no modo como
hierarquizam certos significados, as características distintas no modo de processar esses
significados para construção de conhecimento. Dialoga-se, portanto, o com os aspectos
que permeiam os conteúdos, mas com aquilo que se pode aprender com os aspectos formais
comparados configurando uma possibilidade de relativização das práticas, acadêmicas ou
o, textuais ou visuais, mobilizadoras do conhecimento.
No caso aqui considerado, contudo, existe uma série de outros fatores e agentes que implicam
diretamente na feitura dos textos apresentados. Orientadores, refencias bibliográficas,
estruturas dos programas de s-graduação aos quais se vinculam, mercado editorial, o jornal
para qual se escreve são fatores importantes que precisam ser considerados. Eles são
determinantes da legitimidade dos discursos produzidos e ao mesmo tempo são
influenciadores de modo bastante prático no que é apresentado.
É também nesse sentido que a construção de conhecimento pode ser entendida como uma ação
coletiva. Nesse contexto, como sugere Becker, pode-se pensar num “mundo”; sua definição
para mundos da arte pode nos dizer muito:
Art worlds consist of all the people whose activities are necessary to
the production of characteristic works which that world, and perhaps
others as well, define as art. Members of art worlds coordinate
activities by which the work is produced by referring to a body of
conventional understandings embodied in common practice and in
frequently used artifacts. The same people often cooperate repeatedly,
even routinely, in similar ways to produce similar works, so that we
94
can think of an art world as an established network of cooperative links
among participants
98
.
Do mesmo modo como se pode entender que o trabalho artístico é tributário de uma série de
atividades realizadas por diversos atores, na construção de conhecimento e no modo como ele
é publicizado existem uma série de indivíduos que trabalham, mesmo que indiretamente, para
sua formatação. Cada uma dessas construções, portanto, está inserida numa rede de relações
que estabelece parâmetros específicos para definição do que pode ser considerado ou não
legítimo, e é, ao mesmo tempo, dependente de uma série de funções realizadas por diversos
atores – que não são imediatamente identificáveis, mas cuja atuação é fundamental nesse
processo de construção.
Mesmo a partir de um tema tão distinto, as considerações de Moacir Palmeira sobre a
produção intelectual sobre agricultura no Brasil anos 1960 pontuam questões de importância
nesse contexto anatico. O autor identifica uma tendência dos autores para discutir questões
voltadas para a natureza do latifúndio no Brasil. Ao analisar essa produção, o autor se deu
conta de que algumas das proposições se aproximavam mais do que gostariam: fazem uma
caracterização muito próxima das questões com as quais trabalham e recorrem, em vários
momentos, aos mesmos recursos explicativos. Nesse sentido, Palmeira proe que uma análise
do debate, “uma reflexão sobre o conjunto da produção intelectual não sobre o conteúdo da
proposta de cada autor, mas sobre a própria maneira com o conhecimento era produzido
naquele momento
99
”, seria proveitosa para compreensão daquele contexto.
A estratégia de Palmeira, assim, coloca no mesmo plano anatico autores aparentemente
distintos, separados por duas ou mais gerações, e de formações distintas. O esforço do autor é
o de não construir um quadro evolutivo; com essa estratégia, é possível notar como questões
aparentemente pertinentes foram levantadas nos anos 1930 e posteriormente esquecidas, ou
ainda, notar como questões ressurgem nos anos 1960 resgatadas como basilares de um
98
BECKER, Howard S. Art Worlds. Los Angeles: University of California Press, 1982, pp.
34-5.
99
PALMEIRA, Moacir. “Os anos sessenta revisão crítica de um debate”. In: Anais do
Seminário revisão crítica da produção sociológica voltada para agricultura. São Paulo:
ASEP/CEBRAP, 1984, p. 13.
95
posicionamento potico. A situação política, aliás, é definidora das especificidades dos anos
1960, já que nesse momento, com a ascensão do campos como ator político, ocorre um
encontro dos debates intelectuais com os diversos posicionamentos políticos. Nesse contexto,
é possível notar como as mesmas explicações acabam sendo mobilizadas pelos diferentes
lados do debate na constituição de suas posições intelectuaisque são também poticas.
Analisando-se o conteúdo de uma certa distância, porém, era possível perceber que não havia
grandes diferenças, e era exatamente esse ponto que daria unidade ao debate.
Alguns mecanismos, segundo Palmeira, poderiam ser ressaltados nas estratégias dos
intelectuais. A primeira delas é busca de explicações presentes no passado; e essa atitude era
percebida tanto entre historiadores, como em textos de sociólogos ou economistas. E a
segunda é a tentativa de qualificar as “instituições fundadoras” da realidade brasileira de modo
a melhor sustentar o lado do debate para o qual tendiam; trata-se de uma caracterização
interessada e amparada por posicionamentos políticos: O problema é que as conclusões a que
os autores chegam devem menos à argumentação utilizada do que a um jogo de relações
políticas em que estão imersos”
100
.
No mesmo sentido seria possível compreender as discussões feitas sobre a obra de Jobim
como sendo parte de um debate: se, como foi pontuado, existem diferentes modos de
hierarquizar os fatos relacionados ao tema, é significativo que os comentadores citados ao
longo dos dois primeiros capítulos tenham respostas distintas para as mesmas questões. A
unidade do debate sobre Jobim assim como no debate analisado por Palmeira estaria
exatamente no uso de algumas mesmas pré-noções que baseiam as discussões levantadas pelos
autores e na maneira como dialogam acerca de alguns mesmos pontos característica
aproveitada, inclusive, na construção dos primeiros capítulos e que facilita a comparação dos
autores.
O fato de buscarem respostas para as decisões estéticas na biografia do autor contrastada no
quadro histórico no qual decorreu é uma dessas pré-noções. Esse recurso pode parecer trivial,
mas quando se pensa que na maioria dos casos o interesse é pela construção de uma
100
Op. Cit. p. 26.
96
personagem especial, vê-se que os fatos ressaltados na trajetória de Jobim são exatamente
aqueles que serviriam para enfatizar uma dimensão de “genialidade”. Chega-se aqui, ao
segundo ponto: se no caso do debate sobre agricultura da década de 1960 havia um
posicionamento político orientando a qualificação das instituições nacionais, quando se pensa
na produção sobre Jobim, pode-se perceber que a construção do personagem trabalha sempre
na conformação de uma tese determinada, seja ela em favor de um compositor capaz de
explorar as complexidades de um tipo de música de concerto ou daquele sujeito boêmio que
como poucos captou a alma do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, é importante levar em
consideração o modo como as alises sobre Jobim lidam, mais ou menos indiretamente, com
concepções de sociedade e cultura, perpassando a inserção do indivíduo nesse contexto.
Não se trata, aqui, de negar uma ou outra posição; menos ainda de tentar encontrar a
essência” verdadeira de Jobim. O que é interessante notar é o modo como as análises se
baseiam numa determinada concepção de artista, que por sua vez é baseada numa concepção
de indivíduo moderno-contemporânea ocidental. Como bem pontuou Gilberto Velho,
claramente a partir do Trecento e em progressiva ascensão durante o Renascimento, sublinha-
se a figura do artista individual como sujeito criador, cada vez mais associado à percepção de
uma excepcionalidade ou mesmo genialidade”
101
.
O ponto, assim, é perceber como essas análises acentuam certas características dessa
concepção específica para construção individual de suas teses, mas sem perder de perspectiva
que esses textos são devedores e ao mesmo tempo construtores de um sistema de relações.
Retoma-se, aqui, a dimensão da ação coletiva. A proposta de Everett Hugues na conceituação
de ocupação é de valia nesse contexto. Segundo o autor, nas ocupações é expressa a divisão do
trabalho, um dos mais fundamentais entre os processos sociais; mas ater-se somente à divisão
do trabalho é dar ênfase à divisão, sem levar em conta a integração que se expressa nas
relações das funções assim divididas ou diferenciadas:
101
VELHO, Gilberto. “Autoria e Criação Artística”. In. VELHO, Gilberto & SANTOS, Gilda.
Artifícios e Artefatos: Entre o Literário e o Antropológico. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006, pp.
135-6.
97
An occupation, in essence, is not some particular set of activities, it is
the part of an individual in any ongoing system of activities. The
system may be large or small, simple or complex. The ties between the
persons in different positions may be close or so distant as not to be
social; they may be formal or informal, frequent or rare. The essential
is that the occupation is the place filled by one person in an
organization or complex of efforts and activities. (…) The logic of the
division and combination of activities and functions into occupations
and of their allocation to various kinds of people in any system is not
to be assumed as given, but is in any case something to be discovered.
Likewise, the outward limits of a system of division of labor are not to
be sought out
102
.
A produção de conhecimento em torno de Jobim, deste modo, poderia ser entendida nesse
contexto, pois se trata de um processo específico que mobiliza, num sistema de relações
formais ou não, face a face ou não –, uma série de agentes que colaboram na mobilização e
organização desses significados para que possam ser acessados por outros.
É também nesse sentido que as diferenças podem ser compreendidas como complementares.
Tratam-se de indivíduos atuando de um modo esperado no mundo do qual fazem parte;
quando se muda a perspectiva, contudo, e se passa a olhar este quadro não no sentido da
produção individual em relação ao mundo específico, mas a partir da produção em geral
acerca de um tema a partir do debate, é possível perceber o panorama de modo mais
complexo. Nessa perspectiva, se são expostas diferenças e similitudes, também se consegue
formular uma visão de um corpo de conhecimento.
Essa característica é possibilitada exatamente por conta do objeto estudado, qual seja a vida e
obra de um compositor. Mas essa unidade a partir do conteúdo é construída exatamente nas
pressuposições que orientam as produções específicas. Existe, assim, uma concordância basal
o com relação a quais características seriam mais centrais na qualificação de Jobim, mas sim
na possibilidade dessa qualificação, que é calcada, diremos mais uma vez, numa mesma
concepção de artista. E, no mesmo sentido, no modo como mobilizam diferentes respostas
para as mesmas questões.
102
HUGHES, Everett C. The Sociological Eye: Selected Papers. Chicago & New York: Aldine
Atherton, 1971, p. 286.
98
A noção de ocupação num sistema de relações – que é qualificadora da ação como coletiva é
reforçada quando se percebe que esses autores acabam lendo em maior ou menor grau uns
aos outros e quando os mobilizam em seus próprios textos o fazem trazendo exatamente a
legitimidade baseada no pertencimento disciplinar: um historiador que cita um musilogo
para embasar determinado argumento; ou um comunicólogo que procura amparar uma
colocação baseado em um dado específico da biografia escrita pela irmã de Jobim.
Esse sistema de relações, deste modo, acaba por colocar em interação esses diversos autores.
Quase nunca interações face a face; mas o modo como articulam os textos configura um
processo que pressupõe uma interconexão. Pode-se pensar, mesmo que de modo aproximado,
que esses autores formam um tipo específico de rede, com ocupações específicas nesse
contexto. Para se pensar nesse processo, contudo, é necessário que se delineiem alguns tipos
de trajetórias e os mundos nos quais elas se inserem.
3.2 Mundos e trajetórias
A partir das trajetórias individuais seria possível perceber alguns pontos que permitem uma
tipificação, possibilitando uma compreensão melhor dos papéis desses diferentes sujeitos no
sistema de relações. Cabe, portanto, retomá-las, mesmo que de modo resumido.
Frank Carlos Kuehn é alemão e mudou-se para o Brasil por conta da Bossa Nova. Iniciou sua
carreira musical com estudos formais na Alemanha, mas logo os abandonou em favor da
experimentação. Apresentava-se e dava aulas de música brasileira até conseguir juntar
dinheiro suficiente para viajar. No Brasil trabalhou como músico e como tradutor; decidiu-se
mais tarde retomar os estudos formais. Cursou licenciatura e mestrado (defendido em 2004)
em música, ambos na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cursa
atualmente Doutorado no Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, UNI-RIO.
Gleise Andrade Cruz é graduada em Arquivologia pela Universidade Federal Fluminense.
Durante sua carreira profissional trabalhou com diversos arquivos pessoais em importantes
instituições do cenário cultural carioca, entre elas a Fundação Casa de Rui Barbosa e a
99
Academia Brasileira de Letras. Por conta de relões pessoais, foi convidada para estabelecer
o fundo do Instituto Antonio Carlos Jobim, que guarda materiais acumulados pelo compositor
ao longo da vida. O trabalho com o fundo foi o tema de sua dissertação de mestrado em
História, defendida, em 2008, no Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC). Atualmente, trabalha no Setor de História Oral dessa
mesma instituição. Pretende, contudo, dar prosseguimento a sua carreira acadêmica através do
doutorado.
Pedro de Oliveira Py é graduado em composão e mestre em Musicologia (trabalho defendido
em 2004) pela Escola de Música da UFRJ. Comou os estudos clássicos de piano aos 10 anos
de idade, mas se dedica também à musica popular. Foi aluno de jazz e improvisação com
Dário Galante e de piano popular com Luiz Eça. Atualmente é o tecladista da banda carioca
Bafômetro.
Fabio Caramuru é mestre em artes pela Universidade de São Paulo, tendo concluído o curso
em 2000. Possui 8 CDs gravados, um deles inteiramente dedicado a obra de Jobim, Tom
Jobim Piano Solo”. É um pianista versátil, com trânsito pelos campos populares e eruditos
contemporâneos. Foi um dos solistas mais requisitados quando das comemorações dos 80 anos
do nascimento de Jobim. É também produtor, sendo um dos cio da Echo Promoções
artísticas.
Fábio Guilerme Poletto é mestre em História pela Universidade Federal do Paraná com
dissertação defendida em 2004. Graduado em música, é doutorando em História Social na
Universidade de São Paulo.
Carlos Ernest Dias é graduado em Oboé pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre
em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense, com dissertação defendida em
2004. Seu primeiro instrumento foi o piano, passando posteriormente ao Oboé, também toca
flauta e saxofone, além de cantar. É professor assistente da Escola de sica da UFMG, onde
ministra aulas de oboé, música popular de câmara e história da MPB. Possui dois CDs
gravados.
100
Sergio Cabral é jornalista, crítico musical, produtor e compositor. Participou de momentos
importantes da historia da cultura carioca, tendo sido um dos fundadores do Jornal O Pasquim
e do Teatro Casa Grande. É um pesquisador renomado, tendo inúmeros livros sobre música
publicados. Foi vereador da cidade do Rio de Janeiro por dois mandatos. Em 2007, doou todo
o seu acervo pessoal para o Museu da Imagem e do Som, tendo, no mesmo ano, assinado a
produção e direção geral (em conjunto com Rosa Araújo) do musical “Sassaricando”, que foi
assistido por quase 21 mil espectadores.
Helena Jobim é escritora de ficção; publicou as seguintes obras: “Pressinto os Anjos que me
Perseguem”, “Recados da Lua” e “Trilogia do Assombro”, este último adaptado para a TV e
vencedor do Prêmio JoLins do Rego. É irmã de Antonio Carlos Jobim; com quem, deste
modo, compartilha pontos da trajetória, especialmente na infância.
Ruy Castro é jornalista, tradutor e escritor. É autor de biografias de Nelson Rodrigues,
Garrincha e Carmen Miranda. Também tem trabalhos voltados para a ficção, com destaque
para o livro de literatura juvenil “O Pai que era Mãe”. É considerado um dos criadores do
livro-reportagem; nessa categoria poderia ser enquadrado seu trabalho sobre Bossa Nova, o
livro “Chega de Saudade”, publicado em 1990.
Vistas minimamente as trajetórias, pode-se tentar traçar um perfil desses autores. Entre os
mestres, podemos notar três tipos de trajetória. O primeiro é o de “músicos pesquisadores”,
que escolheram fazer mestrado para dar continuidade a pretensões acadêmicas. Nessa
categoria, pode-se pensar nas trajetórias de Frank Carlos Kuehn, que atualmente cursa
doutorado e pretende se tornar professor de Universidade pública, e Carlos Ernest Dias,
professor da Escola de Musica da Universidade Federal de Minas Gerais. Esses músicos, deste
modo, têm na vida acadêmica sua atividade principal, apesar de também possuírem carreiras
artísticas.
O segundo é o dos músicos instrumentistas. É o caso de Pedro Py e Fábio Caramuru, ambos
pianistas. Para estes indivíduos, o mestrado fez parte de uma formação musical mais ampla e
serviu para seu cultivo enquanto instrumentistas. Não por acaso, a natureza de seus trabalhos é
eminentemente técnica; e como tal, trata de temas compreensíveis apenas para um pequeno
grupo de iniciados.
101
O terceiro tipo é o dos historiadores; representado aqui por Gleise Cruz e Fábio Poletto. Nesse
caso, contudo, a tipificação é feita de modo relativo. Os dois “se tornaramhistoriadores no
mestrado, sendo graduados, respectivamente, em Arquivologia e Música. Essa formação
precedente é bastante relevante para suas dissertações: Cruz estuda exatamente a formatação
do Fundo abrigado no Instituto Antônio Carlos Jobim e Poletto incorpora uma análise
musicológica bastante eclética ao seu texto com preocupações históricas. A tipificação se
sustenta, entretanto, exatamente pelo modo como em suas dissertações e conseqüentemente
em parte de suas vidas acadêmicas dialogam primordialmente com questões situadas no
campo historiográfico.
Ambos os biógrafos, Helena Jobim e Sérgio Cabral, possuíam uma notoriedade prévia à
publicação de suas obras sobre Jobim. Suas trajetórias, porém, possuem caracteres distintos e
tipificá-las não seria proveitoso. Sérgio Cabral, como vimos, fez carreira como crítico e
publicou biografias de outros músicos de renome. Helena Jobim, por sua vez, é uma escritora
de ficção e sua incursão no texto biográfico foi eventual. Essas características dos autores são
cruciais para os modos como constroem seus textos.
Ruy Castro, por fim, destaca-se como um crítico de modo distinto de Sérgio Cabral. O caráter
de seus textos é eminentemente jornalístico; é, mais especificamente, um cronista. Pode ser
considerado, ainda, um dos mais importantes comentadores da Bossa Nova, especialmente por
conta de livro “Chega de Saudade”.
A partir dessa tipificação, pode-se perceber que cada uma dessas categorias acaba por se
relacionar com um universo específico. Esses indivíduos (e suas colocações) são considerados
interlocutores legítimos por um grupo de pares que se constituem num mundo determinado.
Os indivíduos estão envoltos num sistema de relações que pressupõe certos comportamentos
dos pares. É nesse sentido que se pode pensar em diferentes mundos, que estabelecem
legitimidades, numa comunidade interpretativa específica, e estabelece, a partir de relações,
condições mais duras de existência. A possibilidade própria dos trabalhos específicos é
colocada, portanto, na carreira de diversos agentes: constituem-se, portanto, mundos distintos.
102
Pode-se pensar, assim, na existência de situações que estabelecem questões mais práticas que
também atuam na produção de conhecimento, mobilizando uma série de outros agentes para
além dos autores.
A interconexão entre os mundos também o pode ser subestimada. Becker propõe que esse
processo seria característico dos inovadores. No caso aqui pensado, contudo, essa dimensão
pode ser um tanto relativizada. As características do pprio objeto incitam uma apropriação
que seja minimamente multidisciplinar, especialmente quando não abordado no campo da
música; evidenciam-se, de qualquer modo, as múltiplas possibilidades de abordagem do
objeto. Nesse sentido, o fato dos comentadores se citarem mutuamente não chega a ser
surpreendente; a mobilização de especialistas de áreas distintas traz complexidade à analise.
Quando se muda a perspectiva do indivíduo da carreira colocada num sistema de relações
para o debate, para o sistema de questões, deve-se levar em conta o modo como cada um
desses autores são utilizados. As biografias, nesse contexto, acabam funcionando como textos
de base, que, apesar das críticas recorrentes, são utilizadas amplamente de modo a sustentar a
prerrogativa da trajetória como explicativa da obra. Os trabalhos de História acabam sendo
mobilizados de modo correlato, mas a credibilidade disciplinar atenua para a disponibilidade
para críticas mais contundentes. Esses trabalhos, por suas vezes, ao passo que pretendem uma
natureza anatica não presente nas biografias, acabam por acionar trabalhos técnicos, providos
pelos textos musicológicos. Estes últimos, de seu lado, acionam biografias e trabalhos de teor
histórico de modo a compreender as condições de possibilidade das técnicas estudadas.
Existem, ainda, autores que mesmo o fazendo parte diretamente dessa rede ou seja, não
são compartilhadores diretos do debate –, são elos que colocam situações muitas vezes
exploradas. De modo elogioso ou não, é difícil encontrar trabalhos que não citem as
concepções sobre Bossa Nova de Augusto de Campos ou o purismo de José Ramos Tinhorão.
Essa questão, deste modo, acaba por evidenciar uma característica compartilhada tanto pelos
mundos como pelo debate: ao passo que lidam com significados e relações pré-existentes, eles
poder ser pensados como historicamente construídos. A partir disto, pode-se pensar, por
associação, que as questões em si mesmas e as repostas dadas a elas são também
historicamente situadas.
103
Algumas das questões compartilhadas foram expostas nos primeiros capítulos, e os modos
como se lida com elas é característico dos diferentes mundos, ao mesmo tempo que seu
compartilhamento é definidor das interconexões entre eles. A título de exemplo, pode-se
evidenciar o modo como os comentadores se relacionam com questionamentos acerca da
natureza erudita ou popular da obra de Jobim. As preocupações dos historiadores têm natureza
sociológica, e normalmente os conceitos de erudito ou popular estão articulados com conceitos
como o de classe ou grupo de gosto. Alguns músicos, de seu lado, respondem aos mesmos
questionamentos com características técnicas: é música erudita porque se utiliza de alguns
instrumentos específicos, envolvendo algumas complexidades harmônicas ou melódicas.
Significativo, contudo, é que ambas as explicações, quando mobilizadas para o entendimento
da obra de Jobim, caminham para o apagamento entre essas fronteiras.
3.3 A perspectiva dos não-jobinólogos
Todos os trabalhos sobre Jobim têm uma característica em comum: foram produzidos depois
de sua morte. Essa questão, sem vida de maior importância para os trabalhos acadêmicos
pois foram escritos mais recentemente –, coloca uma outra. Não havia nenhum tipo de
produção escrita sobre Jobim anteriormente?
A biografia escrita por Sérgio Cabral baseia-se em um texto anterior de sua autoria
encomendado para compor um álbum promocional de Jobim, tendo sido, de alguma forma,
encomendada pelo próprio compositor. Ruy Castro teve contatos pessoais com Jobim; e à
Helena Jobim, naturalmente, não faltaram oportunidades de convivência com o compositor.
Mas a dimensão de figura pública faz com que exista um tipo de contato que não pode ser
diminuído.
Esse último trecho do capítulo dialoga com o modo como Jobim é representado nos jornais,
tomando esse tipo de texto também como produtor de conhecimento; escolheu-se para análise
os obituários publicados em 5 jornais de grande circulação. Esse tipo de texto foi privilegiado
basicamente por dois motivos: o primeiro deles diz respeito ao fato de normalmente
104
estabelecer um perfil do noticiado, o que é de extremo interesse para as preocupações deste
trabalho.
O segundo se relaciona ao fato desse tipo de texto, na maioria das vezes, ter que ser escrito
com grande rapidez, sem que seja possível a realização de uma pesquisa muito sistemática.
Cabe aqui uma pequena digressão.
Em sua tese de doutorado sobre memorialistas das Baixada Fluminense, Anacia Enne narra
um episódio em que foi “cobrada” por um nativo-historiador sobre o modo como, em uma
apresentação em um congresso, sua perspectiva discordava de seus textos jornalísticos
anteriores, que tratavam a história da Baixada Fluminense em termos positivistas”; a resposta
da autora evidencia exatamente um dos pontos que justificaria o uso dos obituários:
[fiz] um mea culpa acerca de uma certa ignorância/ingenuidade de
meus tempos de jornalista, narrando como o profissional de imprensa,
muitas vezes, desconhece o objeto sobre o qual escreve e termina
reiterando preconceitos e sensos comuns estabelecidos
103
.
Pode-se perceber, assim, uma dimensão importante do trabalho jornalístico e que nos
obituários, especialmente por conta da falta de tempo para sua elaboração, se mostraria de
maneira mais clara; ou seja, o modo como nesse tipo de texto pode existir um certo despreparo
do jornalista para tratar de determinado assunto que acaba, assim, por reafirmar noções
correntes no senso comum.
É importante, contudo, não entender esse quadro como unívoco. O objetivo é dialogar com
essa questão, sem, entretanto, tomá-la como possibilidade única: o se trata de afirmar que
certo tipo de texto jornalístico necessariamente é constituído pelo senso comum. Mas existe
uma propensão para tal que não pode ser ignorada. É importante ressaltar que se entende, aqui,
o senso comum como um sistema cultural, o que contraria a idéia central surgida do
pensamento advindo do senso comum, como sendo opinião resgatada diretamente da
103
ENNE, Ana Lucia. “Lugar, meu amigo, é a minha Baixada”: Memória, Representações
Sociais e Identidades. Tese de Doutorado. PPGAS/MN/UFRJ, 2002. pp. 17-8. Um trabalho
importante que também dialoga com o cotidiano dos jornalistas é a dissertação de Maria Isabel
Travancas: O Mundo dos Jornalistas. Dissertação de Mestrado. PPGAS/MN/UFRJ, 1991.
105
experiência e não de reflexões deliberadamente elaboradas acerca destas experiências. Opera-
se, assim, uma distinção entre uma mera apreensão da realidade feita casualmente e uma
sabedoria coloquial, com pés no chão, que julga ou avalia esta realidade
104
”. O senso comum,
deste modo, “não é aquilo que uma mente livre de artificialismo apreende espontaneamente; é
aquilo que uma mente repleta de pressuposições conclui
105
”.
Com essa perspectiva, serão trabalhados cinco textos sobre a morte de Jobim; dois de Jornais
brasileiros e três de jornais norte-americanos.
3.3.1 Jornais Nacionais
A cobertura nos jornais nacionais foi ampla; nos dois casos considerados aqui foram inúmeros
textos sobre Jobim publicados na edição do dia 09/12/1994, imediatamente posterior a sua
morte.
Os textos sobre o falecimento de Jobim dividiam os Jornais com outras notícias de teores
variados como o estado de saúde de Darcy Ribeiro, os 90 anos de Roberto Marinho, um
golfinho que matou um banhista em Caraguatatuba e, especialmente, a especulação da
constituição do Ministério do Governo de Fernando Henrique Cardoso, que começaria em
menos de um mês.
3.3.1.1 O Globo
A manchete do O Globo preocupa-se com a real causa da morte de Jobim. O texto de chamada
das reportagens no miolo do jornal ocupa um terço da capa, com uma grande foto e a seguinte
manchete: "Tom pode ter sido tima de erro médico" e o texto continua: "Aos 67 anos,
maestro que criou a Bossa Nova deixa uma das obras mais grandiosas da MPB". A charge do
cartunista Chico Caruso também tem Jobim como tema. Ainda na capa, são levantadas
informações sobre a morte do compositor, centrando na possibilidade de ter ocorrido um erro
104
GEERTZ, Clifford. “O senso comum como um sistema cultural”. In O saber Local.
Petrópolis: Vozes, 2000, p. 115.
105
Op. Cit., p. 127.
106
médico e nas condolências emitidas pelo então presidente da república Itamar Franco, pelo
presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, pelo presidente do EUA, Bill Clinton e por
Frank Sinatra; ressalta ainda o fato de ter sido declarado luto oficial tanto no Estado do Rio,
pelo Governador Nilo Batista, quanto na cidade, pelo Prefeito César Maia.
A cobertura apresentada pelo Jornal divide-se em duas partes. No primeiro Caderno, são
apresentadas questões práticas sobre a morte do compositor; como do que efetivamente ele
teria morrido, quando o corpo chegaria ao Brasil, quando seria o enterro, entre outros a serem
explorados abaixo. Essas questões são expostas na coluna de Ricardo Boechat. Outras
situações, tais como fatos da trajetória do compositor e as reações a sua morte pelos mais
diversos personagens, são exploradas no Segundo Caderno, seção de Cultura do jornal carioca.
A seguinte manchete chama atenção para coluna de Boechat: "Dúvidas sem resposta na morte
de Maestro quase espírita". O ponto principal diz respeito a uma suposta necessidade de uma
cirurgia vascular antes da que lidava com o ncer na bexiga, de modo que o corpo de Jobim
pudesse suportar essa última. São citados médicos brasileiros que contestam as ações dos
médicos nova-iorquinos.
Boechat comenta sobre o sigilo mantido em torno do câncer de Jobim; eram de conhecimento
público apenas os problemas circulatórios do compositor. Houve oportunidade, inclusive, em
que a assessora de imprensa de Jobim negou a doença.
Outro ponto importante da coluna é a menção ao fato de Jobim ter freqüentado o Centro
Kardecista Lar do Frei Luís. O autor informa que o músico teria passado por uma cirurgia
espiritual por um médium que, em transe, recebe o Dr. Frederick”. O texto é encerrado
comunicando a decisão do prefeito César Maia dar o nome de Antonio Carlos Jobim para a
então Avenida Vieira Souto (segundo Boechat, a mais “carioca das avenidas”).
Folhear o jornal do primeiro ao segundo caderno evidencia uma situação importante: foram
inúmeros espaços publicitários comprados por empresas para divulgação de mensagens
relativas à morte de Jobim. A maioria delas se constituía de frases, com poucos elementos
gráficos.
107
O restaurante Plataforma divulgou, em um quarto de página a seguinte frase: “Jobim, o Rio
perdeu o Tom”, e, abaixo da logomarca da empresa, “Homenagem ao nosso tom de todos os
dias, Brasileiro como nunca, Jobim para sempre”. Meia página do Jornal foi utilizada pelo
próprio O Globo com a palavra “Dógrifada em letras grandes e abaixo o texto: No coração
do Brasil bate uma nota só”. A revendedora de celulares Cell Center comprou um quarto de
página para passar a seguinte mensagem: “Maestro, para sempre vou te amar”. A Rede de
Hotéis Othon, como outros, utilizou-se de uma música de Jobim: Passarim quis pousar não
deu voou, porque o tiro feriu mas não matou”, seguido de Tom Jobim vai viver pra sempre
no meio de nós”. O duplo significado da palavra Dó” foi utilizado por mais duas vezes; a
primeira, em um terço de página, pela Giovanni Comunicações, que utilizou também:
“Antonio Brasileiro, Carlos Carioca, Jobim padrinho da Giovanni do Prêmio Colunistas de 94.
Obrigado, Maestro”; a segunda, ocupando toda uma página do jornal, pela gravadora e pela
distribuidora de Jobim, Sony Music e Globo Columbia, que acima da palavra ”, publicou
Samba de uma nota e entre os dizeres uma fotografia de Jobim fumando charuto. A
música Passarim foi utilizada mais uma vez pelo CCRJ (Clube de Criação do Rio de Janeiro):
o trecho Passarim quis pousar não deu voou” foi impresso abaixo da ilustração de um chapéu
coco, e depois: “Adeus Tom”; esse último “anúncio” ocupou um terço de página. A Embratel,
também em um terço de página, escreveu: Hoje o Brasil acordou sem Tom”. A Marius,
abaixo da ilustração de uma pauta com uma clave de fá mas sem notas, utiliza-se de trecho
modificado da música “Wave”: “Vai minha tristeza e diz pra ele que sem ele não pode ser”.
A grande maioria do Segundo Caderno do O Globo é dedicada ao falecimento de Jobim. A
manchete principal é “O Maestro do Brasil”, com o subtítulo: “Tom Jobim, o maior
compositor do país e criador da Bossa Nova, morre em Nova York aos 67 anos”. Toda a capa
do caderno é dedicada ao assunto; no meio, algumas frases em destaque atribuídas ao músico:
O carioca precisa ser mais carioca, o povo alegre que faz graça de tudo”, “Koellreuter me
botou na cuca os problemas filoficos da música” e, por fim, “A gente deve buscar os sons e
passá-los adiante de forma simples”.
O texto principal da capa, de João Máximo, é iniciado com um grande parágrafo sobre
questões práticas em torno da morte: como ocorreu, quando e quem estava com Jobim em
Nova York. Depois dessas informações, o jornalista se preocupa em traçar um perfil do
108
compositor a partir de certos fatos ocorridos em sua carreira, qualificada como “vitoriosa”.
Segundo João Máximo, Jobim “ajudou a modernizar a música popular do país como um dos
criadores da Bossa nova, tornou-se mundialmente famoso, foi gravado pelos maiores astros
internacionais (inclusive Frank Sinatra) e criou uma obra extensa e rica, composta de música
para o teatro, cinema e televisão e mais de 300 canções avulsas, entre as quais ‘Garota de
Ipanema’, uma das cinco músicas mais executadas em todo o mundo. Orgulhava-se de ser, na
opinião do maestro Cláudio Santoro, ‘O Villa-Lobos da Música Popular’”.
A partir disso, o jornalista levanta alguns pontos da trajetória de Jobim. É mencionado o fato
de ter nascido na Tijuca e mudado para Ipanema, a morte prematura do pai e o casamento de
sua mãe com Celso Frota, o modo como o músico começa a compor, tamborilando no piano,
os professores Lucia Abramo
106
e Koellreuter, a parceria com Vinicius de Moraes (que teria
feito Jobim “abandonar as complexidades estéticas ensinadas pelo professor alemão”) e
ressalta, ainda, que a atmosfera que influenciou o início da carreira de Jobim era a da “música
de fossa” da década de 1950.
Ainda na capa do Segundo Caderno, são explorados, com uso de números do INCA e fala de
um oncologista da instituição, dados sobre o tipo de câncer de Jobim. O câncer na Bexiga seria
um dos mais comuns entre os homens e o fumo seria um dos fatores de risco. Em um quadro,
por fim, são mostrados trechos da última entrevista concedida pelo compositor ao Jornal (de
onde foram retiradas as falas em destaque anteriormente apresentadas).
no miolo do Caderno, a cobertura pode ser divida em duas partes: uma trata das diversas
reações à morte de Jobim, sejam de pessoas ou de instituições, outra se dedica ao
desenvolvimento de alguns pontos da trajetória de Jobim. Cada uma delas ocupa duas páginas
inteiras do jornal.
No contexto das reações, a manchete principal pontua: “Da ABL aodo Corcovado, o baque
é geral”. São feitas menções ao luto de alguns dos membros da Academia Brasileira de Letras;
a instituição ganha importância no contexto pois então pouco tempo, Jobim teria retirado
sua candidatura a imortal em favor de Antonio Callado. Alguns dos amigos ilustres de Jobim
106
Trata-se, na verdade, de Lúcia Branco.
109
teriam visitado sua casa, prestando solidariedade à família. É registrado o luto do dono do
Plataforma, freqüentado diariamente por Jobim (que, segundo o comerciante, pagava
religiosamente suas contas) e a tristeza e vazio na Mangueira, escola da qual o compositor foi
tema de enredo em 1992.
Um grande espaço é dedicado à cobertura feita pela imprensa internacional, especialmente em
Portugal, na França, na Itália. A repercussão nos EUA mereceu atenção especial. O presidente
Bill Clinton, através de seu porta-voz, se disse “entristecido com a morte de Antonio Carlos
Jobim. Sua contribuição à música brasileira, assim como à música americana, foi considerável.
O Presidente gostava imensamente da música de Mr. Jobim”. A cobertura televisiva também é
mencionada: “A rede CNN abriu seu noticiário da tarde, o Newsday, informando a morte do
compositor brasileiro. Em nota breve, mas ilustrada com imagens de Tom Jobim no espetáculo
que comemorou os 50 anos do selo de Jazz Verve, o locutor lembrou que ele foi um dos
grandes do jazz e de sua participação no disco “Duets II”, de Frank Sinatra”.
Na última parte da cobertura de O Globo, por fim, são explorados alguns pontos da trajetória
com algum detalhamento. O primeiro deles é o encontro com Vinicius de Moraes, que teria
alavancado a carreira do compositor inclusive em termos financeiros; é mobilizada a “história”
de que Jobim teria perguntado sobre o pagamento para a composição da trilha de Orfeu da
Conceição. Depois disso, é mencionada a criação, juntamente com João Gilberto e Vinicius de
Moraes, da Bossa Nova, que se “converteu no mais importante movimento da história da
música popular brasileira”. Menciona-se, ainda, a consagração internacional do compositor,
especialmente pelos dois álbuns gravados com Frank Sinatra. Em outro ponto, é retomada uma
associação feita por Jobim de sua música com uma arquitetura de sons; nessa oportunidade,
menciona-se o fato, também percebido por Jobim, do grande número de arquitetos músicos. A
paixão” do compositor pela natureza, bem como sua indignação por conta de sua destruição,
são também ressaltadas.
3.3.1.2 O Estado de São Paulo
110
A morte de Jobim também foi merecedora da capa do Jornal O Estado de São Paulo. Algo
como um terço desta página foi dedicado às chamadas com relação à morte do compositor. A
manchete principal, “A música perde Tom Brasileiro Jobim”, vinha margeada por dados com
relação ao falecimento, como causa, o local, as circunstâncias; no meio do texto e abaixo de
um foto do compositor, um trecho da música “Querida” aparecia em um quadro: “Longa é a
tarde / Longa é a vida / de tristes flores / longa ferida / longa é a dor do pescador / Querida”.
Ao contrario de O Globo, a cobertura sobre o falecimento de Jobim é centrada no primeiro
caderno do jornal. Trata-se de umespecial”, que ocupa 4 páginas completas, e tem por
manchete: “Adeus, Tom”. Os vários textos apresentados possuem autores e caracteres
distintos; os que se pretendem informativos, foram escritos por jornalistas, especialmente
Mauro Dias, já os que se pretendiam opinativos, possuíam autores tão diversos quanto Nelson
Motta e Luís Fernando Veríssimo.
O primeiro texto do especial trata exatamente do que ocorria em Nova York após a morte de
Jobim; é mencionada a funerária na qual se encontrava o corpo, quais eram os amigos
presentes na cidade (a cantora Maúcha Adnet e a atriz Sonia Braga, além de um dos filhos,
Paulo Jobim, e da esposa, Ana Lontra Jobim). A atuação consular, ainda, foi fundamental para
que fosse agilizado o transporte do corpo até o Brasil. A movimentação de repórteres e
câmeras na porta do estabelecimento teria chamado a atenção dos transeuntes, que se
entristeciam quando sabiam que “o compositor de ‘Garota de Ipanema’” havia falecido.
Uma última entrevista de Jobim, concedida então há algumas semanas por conta do
lançamento do álbum “Antonio Carlos Brasileiro”, é republicada na íntegra. Na oportunidade,
Jobim mencionou a relação com Frank Sinatra e a dificuldade na feitura de boas traduções
para suas músicas (disse ter “aversão à versão”), a questão de que sua música não era só Bossa
Nova (declarou compor pela vontade, que poderia ser uma “bossa, um choro, uma valsa, um
samba-canção”) e de como não ficou milionário com a Bossa Nova exatamente por conta do
recolhimento de seus direitos autorais no início de sua carreira ter sido prejudicado por ter
vendido algumas dessas canções para editores americanos.
Um texto de Mauro Dias, abaixo da manchete “Amigos da Academia e do Bar choram a
perda”, retoma alguns dos principais pontos da carreira de Jobim. É apontado que Jobim é o
111
autor “da música mais tocada do mundo”. É feita referência ao fato de Jobim ter desistido de
sua candidatura à ABL em favor de João Ubaldo Ribeiro.
A fase inicial da vida musical e pessoal de Jobim é superficialmente retratada. É apontado o
casamento com Tereza Hermanny e a necessidade de sustento não consolidada na sua vida
musical de então, quando tocava nos inferninhos cariocas. A feitura de Orfeu da Conceição e a
parceria com Vinicius de Moraes são mencionadas. O autor chama atenção para o “caráter
camerístico villa-lobiano” que sua composição tomaria a partir da cada de 1970. Menciona
também o episódio em que o uso de “Águas de Março” como trilha sonora de uma campanha
da Coca-Cola teria suscitado críticas ao compositor. Uma foto central, margeada por textos de
Mauro Dias e pela entrevista, tem a seguinte legenda: Jobim: o mais erudito dos
compositores populares brasileiros criou mais de 400 músicas”.
Em outro texto, também de Mauro Dias, “Ele sempre achou o parceiro certo”, o destacadas
as parcerias de Jobim ao longo da vida. São citados Billy Blanco, Newton Mendonça, Vinicius
de Moraes e Chico Buarque, além de Frank Sinatra e Claus Orgeman. A este último, segundo
o texto, teria cabido a consolidação internacional da sonoridade da Bossa Nova.
Luís Fernando Veríssimo, sob o título “Músico foi parâmetro de bom gosto”, exulta a base
harmônica da Bossa Nova, criada por Jobim a partir de sua capacidade de articular diferentes
estilos, que marcaram o modo de se fazer música de uma época: “Se deu para ser ‘cool’ e
Cartola ao mesmo tempo, depurados como Debussy, derramados como Villa-Lobos, sem que
parecesse esquizofrenia, foi porque tudo já estava nos acordes de Tom”.
Com “Tom era respeitado no mundo todo”, Nelson Motta defendia a inserção internacional da
música de Jobim como articuladora do próprio país em diversos termos: “Compositor fez mais
pelo Brasil do que várias gerações de diplomatas, poticos e economistas”.
Carlos Haag, por sua vez, discutiu o fato de Jobim ser tratado por maestro mesmo sem o ser
pela educação formal. Com a manchete “Era Maestro, por direito adquirido”, o autor propõe
que o título havia sido “outorgado” ao compositor pela sua capacidade de mesclar o popular e
o erudito em suas músicas. Jobim teria sido capaz de “romper com seu nio o muro invisível
entre o popular e o erudito, Tom era o maestro Jobim por direito adquirido e no sentido total
112
da palavra – ele que adorava dicionários –, aquele que é o mestre, como o foram Villa-Lobos e
Ernesto Nazareth”.
A última página do especial sobre Jobim do jornal Estado de São Paulo é dedicada a uma
“Memória Fotográfica”, com fotos que relembrariam questões centrais da vida de Jobim. A
maior foto, de Jobim de meia idade e sorridente, tem por legenda: “De braços abertos para
todas as tendências musicais, Tom chegou a ser considerado ‘americanizado’ nos anos 60, mas
mais tarde foi reconhecido como inovador da música brasileira”. Abaixo de uma foto com
Frank Sinatra: Consagração internacional: gravou com Sinatra”. E para situar uma outra
imagem do compositor: “Era mestre de toda uma geração de compositores brasileiros”.
Fotografias com Vinicius de Moraes e Elis Regina também ajudaram a compor a página.
3.3.2 Jornais Norte-Americanos
De modo geral, não se pode dizer que tenha havido uma cobertura” do falecimento de Jobim
pelos Jornais americanos. Todos os textos aqui apresentados integraram a seção “obituários” e
ocuparam espaços relativamente pequenos, apesar de significativos.
3.3.2.1 New York Times
O texto do New York Times, escrito por William Grimes, ocupa algo como uma quarto de
página e tem uma foto de Jobim ao piano. É ressaltado inicialmente que Jobim era compositor,
letrista e músico, e responsável por “hits” como “The Girl from Ipanema” e Desafinado”. É
ressaltado que o compositor foi um dos participantes da Bossa Nova e que havia inspirado
rios artistas do Jazz norte-americano. Não é dada muita ênfase para as circunstâncias da
morte, é informada apenas que a causa teria sido uma parada cardíaca e que, segundo uma
funcionária consular, Jobim teria dado entrada no Hospital Mount Sinai para tratamento de
artérias obstruídas.
É citado um pronunciamento do então Ministro da Cultura, Luíz Roberto do Nascimento e
Silva, que ressalta que a obra de Jobim teria universalizado a música brasileira e que sua morte
teria sido uma perda irreparável.
113
O texto caminha para uma caracterização da obra de Jobim, e ressalta que apesar de ter
algumas músicas amplamente conhecidas, o compositor teria escrito, segundo estimativa
própria, mais de 400 canções. O jornal ressalta que Jobim fazia parte do Songwriters’ Hall of
Fame” desde 1991 e que participou do álbum “Duets”, de Frank Sinatra.
Jobim é destacado como um dos maiores compositores populares de seu tempo e
caracterizável pelas harmonias não usuais que empregava. É citada uma fala onde ele próprio
explica essa questão: “I was a beach boy, and I believe I learned my songs from the birds of
the Brazilian forest”.
A partir de então é traçado um panorama da trajetória de Jobim; esclarecendo que o
compositor nasceu em 1927 e cresceu no bairro de Ipanema, que havia estudado piano e violão
quando criança, que aos 14 anos foi aluno do compositor Hans Joachim Koellreutter e que
havia estudado arquitetura durante algum tempo nos anos 1940, “but after hearing Duke
Elington and other American band-leaders perform in Rio, he decided to become a musician,
performing in small, crowded Rio clubs known as ‘inferninhos’, or ‘little infernos’”.
Uma citação do trompetista Bill Horne descreve o estilo do samba de Jobim como sendo
possuidor de um caráter bastante pessoal: “soft and sophisticated, in much the same way an
American pop tune sounds with a subdued modern jazz treatment”.
É mencionado que no final dos anos 1940, Jobim tocava suas próprias composições e que
no início dos anos 1950 teria conseguido emprego como arranjador em uma grande gravadora
brasileira. Posteriormente, é citado como compositor, juntamente com Luís Bonfá, do filme
ganhador do Oscar, Orfeu Negro.
A colaboração com João Gilberto, que segundo a publicação misturava jazz e samba, teria
resultado em “singles” comoChega de Saudade” eNo more Blues”, que se tornariam
“standards” de jazz. A Bossa Nova é citada como uma revolução na música brasileira, já que,
“built on the samba, it transferred the rhythms and messages of public celebrations to an
intimate scale. Syncopated guitar chords replaced much of the percussion; melodies and
harmonies the twists of cool jazz, and lyrics were sly and elliptical, often sung in a whisper.
114
Mr. Jobims songs, written with such lyricists as Newton Mendonça and Vinicius de Moraes,
set sophisticated standard for bossa-nova craftsmanship”.
Menciona-se, posteriormente, que a Bossa Nova atingiu de fato uma grande audiência a partir
das gravações de Stan Getz e do guitarrista Charlie Byrd no álbum de 1962, “Jazz Samba”.
São citados os principais álbuns solo de Jobim e é registrado que o compositor voltou a se
apresentar quando o interesse pela música brasileira foi renovado em meados dos anos 1980.
3.3.2.2 Los Angeles Times
O espaço dedicado pelo Los Angeles Times à morte de Jobim é menor; ocupa apenas um sexto
da página. O compositor é identificado como sendo o criador da Bossa Nova. São
mencionados dados sobre a morte de Jobim, causada por uma parada cardíaca após ter passado
por uma cirurgia de pequeno porte.
Jobim é identificado como sendo o mais proeminente compositor e letrista brasileiro, tendo
entrado para cena internacional com a Bossa Nova identificada como uma mistura de jazz e
samba – no início dos anos 1960. “Garota de Ipanema” é citada como sua música mais
reconhecida, por conta de seu ritmo sensual e letra romântica. O compositor é apontado como
grande autor de “hits”.
É mencionado que Jobim havia gravado com Sinatra em seu ultimo projeto, o álbum Duets
II” e que a participação do compositor era esperada para a continuação da série, “Duets III”. O
fato de Jobim ter gravado com Sting também é apontado. Sua capacidade de articular
harmonias insuspeitas e de compor inúmeras canções de sucesso, teriam lhe alçado ao
Songwriters’ Hall of fame of New York”.
São apontados, ainda, alguns dados biográficos de Jobim: ter nascido em 1927 no bairro da
Tijuca no Rio de Janeiro, ter utilizado um piano alugado por seus pais para a ir mais
velha
107
, ter trabalhado por curto período de tempo numa empresa de arquitetura e após isso
107
Sabemos, contudo, que Helena Jobim é mais nova que o compositor, tendo nascido em
1930.
115
ter conseguido trabalho numa gravadora, onde passava para pauta as músicas de compositores
que não sabiam fazê-lo.
Pontua que o encontro entre João Gilberto e Jobim ocorreu em 1958 e que eles foram
responsáveis por algumas das mais importantes músicas da Bossa Nova. O movimento teria
sido possibilitado porque “in the 1950s, playing the piano in Rio and heavily influenced by
songwriter Cole Porter and jazz musicians Dizzy Gillespie and Miles Davis, Jobim and his
friends began to infuse jazz with the traditional Brazilian samba sound”.
O sucesso internacional de Jobim é creditado às gravações de Stan Getz, mas também é
mencionada a trilha sonora composta para Orfeu Negro e as gravações feitas com Sinatra
ainda nos anos 1960.
As relações com artistas nacionais mencionadas foram as com o poeta Vinicius de Moraes
autor da letra de “Garota de Ipanema– e com os cantores Elis Regina e Chico Buarque.
O último concerto de Jobim nos EUA, ocorreu em Nova York, no Carnegie Hall, quando eram
comemorados os 50 anos da Verve Records. Na oportunidade, Jobim teria relembrado
algumas de suas músicas mais populares.
3.3.2.3 Washington Post
No Washington Post, Jobim divide o texto sobre os obituários com economista Herbert
Waldon Barker e com o atleta Christopher C. Popeck. O compositor, contudo, é a manchete da
coluna (“Antonio Jobim Dies at 67; Famed Bossa Nova Composer”) e sua foto ilustra o texto,
que ocupa na totalidade um quarto da página.
Jobim é descrito como o pai fundador da Bossa Nova, sendo Garota de Ipanema” e
Desafinado” canções que despertaram o interesse internacional para sua obra. É citado que
Jobim estava em tratamento em Nova York para desobstrução de artérias, mas que a televisão
brasileira teria reportado que sua morte teria ocorrido durante uma cirurgia cardíaca.
116
O compositor é qualificado como um dos maiores compositores populares de seu tempo, tendo
sua obra “charmed listeners with its sensual rhythm and romantic lyrics and quickly entered
the mainstream of popular music”.
Mais uma vez, a Bossa Nova é caracterizada como uma infusão do jazz com o samba,
possibilitada pela influência de Cole Porter, Dizzy Gillespie e Miles Davis. Nos Estados
Unidos, a popularização do gênero teria sido possibilitada pelo trabalho do deejay de jazz
Felix Grant e do guitarrista Charlie Byrd.
O texto ressalta as gravações de Jobim com Stan Getz, que lhes valeram 4 prêmios Grammy. É
mencionado, ainda, o filme Orfeu Negro como sendo popularizador internacional da Bossa
Nova.
Os dados biográficos centram-se no local de nascimento Tijuca, bairro do Rio de Janeiro –,
no fato de ter estudado piano clássico quando criança e de ter começado a compor na
adolescência, e ainda de ter trabalhado numa firma de arquitetura, emprego que abandonou
para trabalhar numa grande gravadora brasileira.
É mencionado, por fim, que Jobim teria inspiração nos pássaros das florestas brasileiras para
elaboração de suas composições.
3.3.3 Algumas considerações sobre os textos jornalísticos
Os textos jornalísticos caracterizam Jobim como sendo um compositor definível pela sua
nacionalidade; mas do que isso, tanto nos jornais norte-americanos como nos nacionais, é
notável o esforço por caracterizar sua obra como sendo representativa de uma brasilidade.
Nos textos de O Globo, a ênfase recai para as reações à morte de Jobim; o que é explicável por
ser um veículo da cidade onde morava o compositor e, conseqüentemente boa parte de seu
rculo de convivência. Os espaços comprados nos jornais poderiam ser tomados como
caracterizadores da comoção pública em torno de sua morte; sem refutar completamente essa
interpretação, é importante levar em conta que boa parte das “figuras de decisão dessas
empresas também fazia parte daquele círculo, eram parte de uma mesma elite. no O Estado
117
de São Paulo, os textos têm caráter mais opinativo, de modo a possibilitar ao leitor
informações que situem Jobim num cenário musical. Os jornais norte-americanos, por suas
vezes, dão ênfase para as influências do Jazz em conjunção com o samba como definidoras do
estilo de Jobim.
O fato de ser um dos criadores da Bossa Nova é apontado pelos diversos jornais, mas a
percepção, no texto do Estadão, de que há uma mudança na estética jobiniana a partir dos anos
1970. As parcerias e os temas da trajetória aparecem repetidas em boa parte dos textos; os
jornais nacionais apontavam as relações entre o erudito e o “popular na obra do
compositor.
Identificar o grau de relão desses textos com o senso comum é tarefa impossível; fica
registrado aqui um indício confirmável apenas nas diversas leituras individuais dos textos.
Um ponto significativo, contudo, é o modo como nos jornais já aparecem boa parte das
questões exploradas pelos comentadores. Essa questão, portanto, é afirmadora de dois pontos:
o primeiro é o modo como esse tipo de conhecimento propagado pelos jornais também
informam os textos de fôlego escritos sobre Jobim, num movimento de circularidade nem
sempre reconhecido; o segundo, correlato a este último, é a reafirmação da produção de
conhecimento como ação coletiva.
118
Considerações Finais
Ao longo deste trabalho, viu-se o modo como diversos autores trabalham na caracterização de
uma trajetória e de uma obra. O objetivo dos dois primeiros capítulos foi colocar em
perspectiva diversas narrativas que tinham por definição trabalhar com temas que perpassam a
obra de Antonio Carlos Jobim e de como, com este intuito, eram mobilizados momentos da
trajetória do compositor. Foram consideradas, ainda, as biografias, que pretendem dar conta da
vida de Jobim como um todo.
Para isso, buscou-se estabelecer temas que se colocassem em falas do próprio compositor e, a
partir deles, comparar os diversos modos como os autores inclusive o desta dissertação
dialogavam com aquelas questões.
Essa escolha ressaltou uma proposição central, que foi a de pensar nos diversos autores e suas
obras o apenas de modo individual, mas como parte de um processo mais amplo. Com este
objetivo, o caminho escolhido parte do conteúdo dos textos para chegar, posteriormente, nos
seus lugares de produção: os dois primeiros capítulos pretenderam dar conta do que falam os
comentadores e biógrafos, enquanto o último tentou compreender de onde falam esses
indivíduos e de como seus trabalhos poderiam ser pensados num processo de construção de
conhecimento entendido como ação coletiva.
A divisão entre os dois capítulos iniciais tomou por base uma “virada” estética pela qual
passou a obra de Jobim a partir dos anos 1970. Deste modo, o primeiro capítulo dialoga, a
partir de um depoimento dado em 1967, com a primeira fase do compositor, enquanto o
segundo, a partir de dois depoimentos, um de 1982 e outro de 1993, tem por objeto a segunda
fase de suas músicas.
No primeiro capítulo foi possível entender alguns pontos importantes que aparecem nas
construções sobre a obra de Jobim. O compositor era filho de professora e literato, e tinha na
família um ambiente propício para as atividades de cunho cultural. Não por acaso, sua irmã,
Helena Jobim, tornou-se escritora premiada; a Literatura, como se viu, é sempre referência nas
falas do músico.
119
Ao mesmo tempo, sua relação com o Rio de Janeiro pode ser entendida como constituída na
infância. O modo de ter contato com a praia, com os morros e com a Floresta da Tijuca foi
marcante e devedor de uma sociabilidade específica, possibilitada na Ipanema entre os anos
1930 e 1950.
Seus contatos iniciais com a música se deram também nesse trânsito: tinha em casa o ambiente
procio ao desenvolvimento de um gosto para o erudito, mas o circular pela cidade lhe
possibilitou contato com outras manifestações. O fato de ser um filho de classe média e ter
rculo de convivência também nesse estrato, fez com que não tivesse a música como opção
profissional em princípio; devia fazer-se médico ou engenheiro. Quando se decidiu pela
música, contudo, teve apoio do padrasto de modo a financiar seus estudos e, mesmo quando
começou de fato a trabalhar nos “inferninhos”, contou com esse tipo de auxílio no que gostava
de chamar de “corrida do aluguel”. Há, deste modo, uma ambivalência: se é necessário lutar
para sustentar a casa, quando não se consegue fazê-lo, é possível contar com a ajuda dos pais
para honrar esse tipo de compromisso.
Vários compositores são citados por Jobim como o tendo influenciado; sem vida, o mais
importante é Villa-Lobos. Mas também são mencionados músicos populares, como
Pixinguinha, Noel Rosa e Ary Barroso e outros que têm como característica a capacidade
trânsito entre o erudito e o popular, como Radamés Gnatalli.
O modo como Jobim compreende a Bossa Nova é também importante. O compositor busca
explicá-la como sendo resultado também de questões técnicas: a popularização dos meios de
gravação tornou necessária uma diminuição do número de instrumentos, para que a qualidade
o fosse comprometida. É nesse contexto que surge e se afirma a estética da Bossa Nova.
Outro ponto a ser ressaltado é o fato do compositor afirmar que existia um vontade de
“modernizar” a música popular presente em outros compositores anteriores à Bossa Nova.
Deste modo, acaba por minimizar sem, contudo, refutá-la a atribuição autoral do estilo à
tade Jobim, João Gilberto e Vinicius de Moraes. Nesse contexto, afirma, ainda, que a base
rítmica da Bossa Nova, sua principal inovação, é de completa responsabilidade de João
Gilberto, apesar de já presente em outras manifestações, como na bateria do bloco
carnavalesco Canarinhos de Laranjeiras.
120
A dimensão de classe da Bossa Nova é colocada em termos de gosto; não havia uma pretensão
de se compor para este ou aquele público, mas havia um grupo de indivíduos que partilhava do
gosto por aquela música. Jobim preocupa-se em ressaltar, ainda, que algumas das canções da
Bossa Nova, como “Chega de Saudade” conseguiram atingir a um blico grande e
diversificado.
As categorias “eruditoe “popular” são utilizadas por Jobim em suas falas e por todos os
comentadores. A definição dos termos feita pelo compositor acaba por recair em três registros,
o da técnica, o da recepção e o da estética. O músico erudito é aquele que possui um
conhecimento técnico, marcado especialmente pela capacidade de escrever música,
característica que o músico popular não possui. Há, ainda, a noção de que música popular é
aquela que atinge a um grande blico; só que para tal, haveria de se fazer concessões
estéticas buscando se enquadrar numa série de pequenas regras às quais o receptor está
acostumado, como, por exemplo, começar e terminar uma música na mesma tonalidade. A
música erudita, de seu lado, não precisaria se enquadrar nesse tipo de formato, permitindo uma
expressão mais complexa por parte do compositor. Seu enquadramento, nesse contexto, seria
complexo, já que possui características das duas categorias.
Um dos pontos mais centrais da trajetória de Jobim e evidenciada por todos os autores que
sobre ele escreveram é o fato de possuir uma inserção internacional de muita relevância.
Esse ponto se coloca no sucesso internacional da Bossa Nova, no fato de ter gravado dois
álbuns com Frank Sinatra e no modo como, enquanto compositor, foi amplamente reconhecido
nos EUA. Essa situação, porém, é possibilitada por uma propensão ao cosmopolitismo
marcante no seu círculo de convincia e, mais importante que isso, nas relações entre
múltiplas fontes, de múltiplas nacionalidades, que colaboraram na sua própria formão
enquanto compositor. Nas falas de Jobim, ainda nesse contexto, é percebido um elogio a
possibilidade de aglutinar diversas referências; marcadamente um discurso contra o
purismo.
As relações construtoras do fazer artístico como uma ação coletiva parecem ser percebidas por
Jobim e nem sempre por seus analistas, que preferem ressaltar a dimensão da autoria como
ato individual. O compositor ressalta a importância dos arranjadores e músicos na construção
121
de uma boa gravação, por exemplo; sem deixar de se preocupar com questões colocadas pelo
mercado fonográfico. No mesmo contexto, a própria dimensão da composição é vista como
mais interessante quando coletiva; questão explicitada de modo muito direto na relação entre
composição de música e letra. Deste modo, o papel dos diversos parceiros de Jobim entre
eles pode-se destacar Newton Mendonça, Vinicius de Moraes e Chico Buarque é sempre
valorizado pelo compositor.
no segundo capítulo, os temas explorados acabaram por ser um pouco mais transversais.
Isso se deve às naturezas dos próprios depoimentos, que normalmente por interesse dos
interlocutores acabam focados na primeira fase da vida de Jobim, especialmente por conta
da Bossa Nova. Aproveitou-se, contudo, para analisar alguns pontos despertados pelos
depoimentos em si mesmos – agora em perspectiva comparada.
O primeiro dos pontos levantados dialoga com a coerência apresentada pelas narrativas de si
feitas por Jobim. O objetivo foi mostrar como, apesar de mobilizados os mesmos fatos, os
contextos e significados ganham nuances distintas no presente da emissão. A coerência das
narrativas, contudo, deve ser pensada no sentido de ser um sujeito completamente habituado a
entrevistas; a repetição, portanto, deve ser tomada como explicativa desse quadro.
A mudança dos interlocutores também foi levada em conta, estabelecendo uma comparação no
modo como Jobim acessa o mesmo tema quando perguntado por interlocutores nacionais ou
estrangeiros.
Essa segunda fase do compositor é marcada por uma concepção de nacionalidade
diferenciada: se na fase da Bossa Nova a música de Jobim era mais caracteristicamente
carioca, agora destaca-se como nacional. Naturalmente, esse tipo de concepção está
relacionado ao fato do compositor ser caracterizado centralmente por sua nacionalidade em
contexto internacional; mas a diferença de ênfase acaba por recair nas mudanças estéticas
ocorridas nessa segunda fase de suas composições.
O interesse pela Literatura é marcador dessa nova estética, especialmente por conta do contato
com a obra de Guimarães Rosa. Nesse sentido, a própria concepção de país se coloca de outro
122
modo. É característica desse momento, assim, uma relão mais aproximada com a natureza,
reivindicada no registro da experiência e refletida em sua preocupação ecológica.
O terceiro capítulo, por fim, procura dialogar com os trabalhos escritos sobre Jobim como
coletivamente participantes de uma produção de conhecimento. Partiu-se das proposições de
Howard Becker
108
no livroFalando da Sociedade” de que diversos atores trabalham na
construção de representações do social (e não apenas cientistas sociais) e que essas
construções são articuladas em comunidades interpretativas específicas, que o autor chama de
mundos.
Nesse sentido, as produções textuais sobre Jobim ganham unidade ao passo que – para além de
tratarem do mesmo conteúdo são baseadas numa mesma concepção de artista, calcada numa
concepção moderno-contemporânea de indivíduo, e debatem as mesmas questões, apesar de
atribuírem a elas respostas distintas.
Há, assim, um jogo dialético que envolve a dimensão individual dos textos produzidos e a
produção de conhecimento vista como ação coletiva. É nesse contexto que o conceito de
ocupação proposto por Everett Hughes
109
é acionado, já que o autor o qualifica como sendo
definido pela parte individual num sistema de relações colocado na produção.
A partir dessas proposições, e levando em conta que as diversas produções sobre Jobim são
elaboradas por indivíduos pertencentes a diferentes áreas do conhecimento acadêmico, além
de haver jornalistas e biógrafos, tornou-se importante tentar traçar quais seriam os mundos
pelos quais circulam esses comentadores.
Na tentativa de compreender, por fim, de que maneira outros agentes podem ser pensados
nesse contexto, buscou-se explorar textos jornalísticos escritos sobre Jobim. Foram escolhidos
para tal, obituários publicados em 5 jornais de grande circulação. A partir dos textos puderam
108
BECKER, Howard. Falando da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
109
HUGHES, Everett C. The Sociological Eye: Selected Papers. Chicago & New York: Aldine
Atherton, 1971.
123
ser percebidas algumas situações reiteradas; suas relações com o senso comum, entretanto, não
podem ser afirmadas de modo unívoco. A presença de várias das questões destacadas pelos
comentadores, contudo, é indicativa de uma circularidade entre o conhecimento jornalístico e
o explorado pelas dissertações e textos de fôlego.
Viu-se, portanto, articulações entre a trajetória e a carreira de Jobim e as diversas produções
de conhecimento acerca do compositor. O próprio conteúdo, nesse contexto, pode ser
compreendido como fator que também trabalha na concatenação dos diversos textos
produzidos. Nesse contexto, pode-se pensar tanto na trajetória do próprio compositor como na
dos pesquisadores – articulados em carreiras colocadas num sistema de relações que
constituem um corpo de conhecimento a partir de uma dupla mediação de Jobim.
Era um mediador dentro da própria sociedade brasileira e sua música pode ser entendida como
reflexo dessa capacidade. Retomemos alguns apontamentos sobre o conceito de mediação:
A sociedade é diferenciada. Nela estão contidos múltiplos grupos, com
diferentes níveis de realidade, estilos de vida específicos e digos
particulares. A mediação é a interpretação, a tradução entre diferentes
códigos, mundos e estilos de vida. (...) Os indivíduos, especialmente
em meio metropolitano, estão potencialmente expostos a experiências
muito diferenciadas, na medida em que se deslocam e têm contato com
universos sociológicos, estilos de vida e modos de percepção da
realidade distintos e mesmo contrastantes. Ora, certos indivíduos mais
do que outros não fazem esse trânsito, mas desempenham o papel
de mediadores entre diferentes mundos, estilos de vida e
experiências
110
.
Antonio Carlos Jobim transitava por diferentes mundos: fez do samba uma influência, ao
mesmo tempo, que se articulava com diferentes tendências internacionais; dizia que sua
música tinha semelhanças com o Impressionismo francês e tinha no jazz pelo menos um
interlocutor; durante a adolescência, dividia-se entre um professor alemão dodecafonista e
incursões a favelas; no cotidiano, ao longo da vida, conviveu com pessoas completamente
110
VELHO, Gilberto & KUSHNIR, Karina. Mediação, Cultura e Política. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2001, p. 20.
124
diferentes, de músicos eruditos a sambistas, de garçons (que considerava amigos) a grandes
empresários, de membros de camadas populares até sujeitos das elites. Exatamente na
confluência desses mundos, em princípio díspares, que se constituiu sua música; era um
mediador que conseguia compreender e fazer-se entender nesses diferentes mundos: dominava
diversos códigos e nisso se refletia a sua obra. Movia-se por várias correntes de tradição
cultural
111
e proncias de significados
112
diversas serviam de insumo para sua criatividade.
Como vimos, era um defensor do hibridismo; acreditava nas múltiplas influências como algo
capaz de alargar as perspectivas e trabalhar na construção de um fazer artístico mais sensível:
afinal, como ele nos disse em seu depoimento de 1967, “tudo sofre inflncias, não é
influenciado o que o é sensível”. Mostrou-se, em diversas oportunidades, contra a definição
de padrões de pureza inatingíveis; afinal, mesmo o samba sofre influências.
A Bossa Nova, ao conseguir fazer confluir diversas tendências, revelou-se tão fecunda como
perpetradora internacional de um tipo de música brasileira exatamente porque era calcada no
encontro de estilos. Trata-se de algo que não somente é escutado no exterior, é um tipo de
música da qual se pode apropriar. Sua constituição mestiça convida a novas articulações;
conseguiu, com isso, ser apropriada pelo Jazz e atualmente sua capacidade de transformação
é alargada com o a mistura com música eletrônica, para citar apenas um exemplo – sem perder
sua identidade.
E são exatamente essas características que, de outro lado, possibilitaram que diferentes modos
de representar o social o tomassem por objeto e que, a partir de sua obra e trajetória,
iniciassem diálogos dos mais fecundos. Tom Jobim foi mediador, ao longo da vida, em suas
diversas relações com o mundo refletidas em sua música, e essa característica, portanto,
permanece articuladora do contato com sua obra: tanto para os que a pretendem estudar, como
para os músicos que a executam e para os ouvintes que a descobrem.
111
BARTH, Frederik. “A análise da cultura nas sociedades complexas”. In LASK, Tomke
(org.) O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa,
2000.
112
SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
125
Referências Bibliográficas
ANDERSON, Robert & BARTH, Fredrik. “Interview with Fredrik Barth”. In Revista de
Antropología Iberoamericana. Volume 2, número 2, 2007, pp. i-xvi.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévsky. Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1981.
______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Heucitec, 1971.
BARTH, Frederik. “A análise da cultura nas sociedades complexas”. In Lask, Tomke (org) O
Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000.
BECKER, Howard. Art Worlds. Los Angeles: University of California Press, 1982.
______. Falando da Sociedade: Ensaios sobre as diferentes maneiras de representar o social.
Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
BENJAMIN, Walter. O autor como produtor” in Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1985.
______. “Teses sobre a Filosofia da História”. In Sociologia. São Paulo: Ática, 1985.
BOURDIEU, Pierre. “Os três estados do capital cultural”. In Escritos de Educação.
Petrópolis: Vozes, 1998.
______. “A Ilusão Biográfica” In AMADO, J. & FERREIRA, M. M. (orgs.) Usos e Abusos da
História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim: Uma Biografia. Rio de Janeiro: Lazuli, 2008.
CARAMURU, Fabio. Aspectos da interpretação pianística na obra de Tom Jobim. Mestrado
em Artes (ECA/USP), 2000.
126
CASTRO, Ruy. A onda que se ergueu no mar: novos mergulhos na Bossa Nova. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel; Rio
de Janeiro: Bertrand, 1990.
CRUZ, Gleise Andrade. De Olho na Eternidade: a formação do arquivo pessoa de Antonio
Carlos Jobim. Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais (CPDOC/FGV), 2008.
DIAS, Carlos Enert. Antônio Carlos Jobim: Imagens e relações entre Matita-Perê e Águas de
Marco. Mestrado em Ciência da Arte (IACS/UFF), 2004.
ENNE, Ana Lucia. “Lugar, meu amigo, é a minha Baixada”: Memória, Representações
Sociais e Identidades. Tese de Doutorado. PPGAS/MN/UFRJ, 2002
GANS, Herbert. Popular Culture & High Culture: An analysis and evaluation of taste. New
York: Basic Books, 1999.
GARCIA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da
Modernidade. São Paulo: EdUSP, 2000.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
______. O senso comum como um sistema cultural”. In O saber Local. Petrópolis: Vozes,
2000.
GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
GUÉRIOS, Paulo Renato. Lutando por sua predestinação: um estudo antropológico da obra
de Heitor Villa-Lobos. Dissertação de mestrado. PPGAS/MN/UFRJ, 2001.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. Porto Alegre: DP&A, 2004.
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
______. Historia social do Jazz. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
127
HUGHES, Everett C. The Sociological Eye: Selected Papers. Chicago & New York: Aldine
Atherton, 1971.
JOBIM, Antonio Carlos. “Antonio Carlos Jobim” (depoimento). In: MARTINS, Marília &
ABRANTES, Paulo Roberto. 3 Antonios e 1 Jobim: histórias de uma geração. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1993.
JOBIM, Helena. Antonio Carlos Jobim: Um Homem Iluminado. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1996.
KUEHN, Frank Michael Carlos. Antonio Carlos Jobim, a Sinfonia do Rio de Janeiro e a bossa
nova: caminho para a construção de uma nova linguagem musical. Mestrado em Música
(EM/UFRJ), 2004.
MARX, Karl. “Introdução à crítica da economia política.” In: Contribuição à crítica da
economia política. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1983, pp. 200-231.
NAVES, Santuza. O Violão Azul: Modernismo e Música Popular. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 1998.
______. Da Bossa Nova à Tropilia: Contenção e Excesso na Música Popular”. In Revista
Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 15, nº 43, junho/2000.
PALMEIRA, Moacir. “Os anos sessenta – revisão crítica de um debate”. In: Anais do
Seminário revisão crítica da produção sociológica voltada para agricultura. São Paulo:
ASEP/CEBRAP, 1984.
POLETTO, Fábio Guilherme. Tom Jobim e a Modernidade Musical Brasileira (1953-1958).
Mestrado em História (UFPR), 2004.
POLLAK, Michael. “Memória e Identidade Social”. In: Estudos Históricos (Rio de Janeiro),
Vol. 10, n. 2, 1992.
PY, Pedro Oliveira. Estrutura tonal na obra de Tom Jobim: uma abordagem schenkeriana da
canção "Sabiá". Mestrado em Música (EM/UFRJ), 2004.
128
SAHLINS, Marshall. Historical Metaphors and Mythical Realities: Structure in the Early
History of the Sandwich Islands Kingdom. Ann Arbor: The University of Michigan Press,
1981.
SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
TRAVANCAS, Maria Isabel. O Mundo dos Jornalistas. Dissertação de Mestrado.
PPGAS/MN/UFRJ, 1991
TRAVASSOS, Elizabeth. Mandarins milagrosos: Arte e Etnografia em Mário de Andrade e
Béla Bartók. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura /Funarte/Jorge Zahar Editor, 1997.
______. Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura: Notas para uma Antropologia da Sociedade
Contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.
______. Projeto e Metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1994.
______. Nobre e Anjos: Um estudo de xicos e hierarquia. Rio de Janeiro: Editora FGV,
1998.
______. “Autoria e criação artística”. In. VELHO, G. & SANTOS, G. Artifícios e Artefatos:
Entre o Literário e o Antropológico. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
VELHO, Gilberto & KUSHNIR, Karina. Mediação, Cultura e Política. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2001.
VIANNA, Hermano. O mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
Jornais
O Globo, 09/12/1994
O Estado de São Paulo, 09/12/1994
Washington Post, 09/12/1994
129
New York Times, 09/12/1994
Los Angeles Times, 09/12/1994
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo