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disso. Nos não temos material de consulta. O que faz no Brasil é
sempre efêmero. Isso por quê? Porque nós somos uma civilização de
madeira taquara, de bambu; enquanto que as coisas que ficam são
feitas de aço inoxidável. Isso eu falando, naturalmente, num terreno
material assim de... não estou falando de amor, nem de espírito, nem
nada. O que acontece é o seguinte: nós temos uma grande maioria do
povo que não pode comprar um disco. Temos meia dúzia de grã-finos
que compram discos importados. Então, se ele vai gostar de iê-iê-iê,
ele já vai comprar o original e tudo mais. Então nós temos uma classe
média aí comprimida que quando Chico Buarque faz sucesso o outro
espera... aí vem a Elis Regina, aí a Nara... entende? Quer dizer, nós
temos um mercado realmente reduzido e as companhias de discos, no
Brasil, funcionam na base de catálogos de vendagem. Enquanto você
vende, você está sendo prensado. No momento que você deixou de
vender, aquela matriz é derretida e se faz uma nova matriz do que
estiver vendendo. É aí que eu digo que não há material de consulta e
que as coisas não ficam, entende Chico? Quer dizer, hoje em dia, por
exemplo, se você quiser gravar a obra de Pixinguinha, você vai ter que
ir na casa dele falar com ele, porque as edições saíram erradas, as
notas... a música está toda errada, entende? Muitas delas você já não
encontra. O que foi considerado assim perempto, foi esquecido. Os
discos se transformaram em raridade, você tem que ir à casa do Lúcio
Rangel e muitas vezes ele pode não ter determinado disco. Nós não
temos nem fonte de consulta.
Na oportunidade do depoimento, Jobim acabava de voltar dos Estados Unidos, e as referências
ao país são recorrentes. No que diz respeito à preocupação na preservação de músicas, tanto
no que tange ao aspecto técnico, como no que trata da referência aos músicos, a comparação
com o país da América do Norte é evidente: “o que eu notei quando fui à America foi que
você faz uma coisa e vira estátua, entende? Aquilo permanece. Permanece porque é reeditado,
é recuidado, é revisto, é tudo o mais, o que não acontece com a música da gente aqui”.
Na comparação com os Estados Unidos, Jobim evidencia um caráter da produção musical
brasileira que acaba por qualificar o que chama de efemeridade. Para além da já exposta
dificuldade no que diz respeito ao mercado fonográfico, o fato das músicas não serem
“escritas” pelos compositores populares também é levantado; de qualquer modo, a situação
também não estaria muito melhor nas partituras editadas, já que quase sempre contam com
erros e imprecisões. Esse quadro seria acompanhado por uma mudança no modo de aprender
música: antes os filhos aprendiam com os pais, mas passa-se, então, primordialmente para o
disco, onde prevalecem ouvintes; denotando uma certa passividade.