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(6) O movimento
beatnik, segundo C., foi um movimento revolucionário na cultura americana, que teve início na
década de 50 e questionava o
establishment. Sobre esse movimento nas artes, Vivian Rangel, em “Beatnik”
(Caderno B do Jornal do Brasil de 22 de outubro de 2005), citando Allen Ginsberg e Kerouac, destaca que o
nome surgiu a partir da junção de
beat e nik. Beat estaria referido à “experiência transcendental e revolucionária
[...] um entendimento do que acontece do lado mais negro da alma, estar ferrado, pulsar ou espancar [...] o
radical de beatitude”. O sufixo
nik, de sputinik, remeteria a elipses e vertigens. Comenta que muitos artistas
foram atraídos por esse movimento de contracultura, dentre os quais Bob Dylan, que teria fugido de casa, após
ler “On the road”.
(7) Fez do cantor roqueiro um ídolo. Esse ídolo tem parte do seu nome, mas isso nunca foi referido por ele.
Destaca a
voz inconfundível que o teria arrebatado e impelido a imediatamente comprar um disco. Comenta a
peregrinação religiosa do ídolo, com quem se identifica como
poeta vagabundo.
Comentou que colecionava objetos, escrevia letras e enviava fitas de músicas para o cantor gravar, e que o ídolo,
certa vez, lhe respondeu agradecendo o envio das letras e elogiando seu esforço em escrever letras de música em
inglês. Destacou músicas do cantor que lhe seriam endereçadas, e referiu-se à influência musical que suas letras
teriam tido na carreira do cantor, com quem manteve correspondência por mais de vinte anos. Mencionou um
Museu Bob Dylan que ainda preserva. Essa ligação fez com que ele se interessasse pela cultura americana,
aprimorando-se na língua inglesa, como autodidata. Referiu também que, antes de sair de casa, olhava para um
pôster de tamanho natural do cantor, baseando-se em sua imagem para enfrentar as situações da vida.
No entanto, recentemente, passou algumas sessões de análise comentando sua decepção com o cantor por ele ter
declarado ser um impostor, pois criara um mito em torno do seu nome, e por ele ter ido pedir a bênção ao Papa
depois de renegar os padres durante toda a vida.
Após certo afastamento, C. decidiu voltar a ouvir as músicas, questionando a idolatria. Ele admitiu ter-se
enganado ao fazer do ídolo o
novo Messias, pois o que achava que nele era uma busca de Deus se transformou
em
estrelismo e estratégia de marketing para vender discos.
A novidade foi que C. passou a aliar a crítica ao cantor, por sua mudança de atitude, com algum investimento, o
que possibilita a hipótese de certa flexibilização diante da surpresa e da frustração:
Se tinha um mocinho ali, esse
mocinho era ele, e não eu
. Passou a tomar a mudança de opinião do cantor e relacioná-la com o sinal dos
tempos
, do envelhecimento e da finitude, o que estria colocado para todos.
Tendo participando sucessivamente de atividades em diferentes religiões, em busca de Deus, C. relatou
passagens de livros de auto-ajuda, insistindo na questão da existência ou não de Deus – ora na certeza da
existência (
Este mundo não pode ter surgido do nada, é criação de Deus), ora na certeza da inexistência (Se
Deus existe, como pode permitir que haja misérias, guerras, tanto sofrimento? Se Deus existe, como ele permite
que eu fique com toda essa angústia
?). Ele, como Jó, da passagem bíblica, sujeitou-se a provações para sustentar
sua fé em Deus.
Embora tenha visitado templos diversos, C. decidiu permanecer em um centro espírita, por compartilhar a crença
nos espíritos, inclusive em mensagens recebidas pelos médiuns do centro. Por alguns anos, freqüentou um centro
espírita onde permaneceu até o momento em que lhe foi dito que o
acaso não existe, o que implica uma
referência, segundo ele, ao resgate do
karma por atos cometidos em vidas passadas. C. deixou de freqüentar
assiduamente a instituição, mas permaneceu com alguma ligação, através de leituras e da ajuda com alimentos.
Mais tarde irá dizer que em seu pensamento religioso tem lugar para o
acaso.
(8) Eis alguns ditos de C. sob a forma de frases interrompidas que ele complementava oralmente:
- O ES me disse: Ele vai ficar bom... Ele está dizendo que estou no caminho certo dos tratamentos e agora tenho
Deus no coração.
- O espírito me disse: Se não fosse ela... Ele está falando da R. (Nome da irmã). Ela me ajuda pagando os
tratamentos... Se não fosse ela, não poderia vir aqui... nem tinha plano de saúde, risco de virar mendigo. Foi ela
que não me deixou cair nas drogas, sou da geração 70... Eu não tinha gratidão, agora tenho.
- O cantor fez você... Não acho, nisso o ES está enganado. Nem sempre ele tem razão no que diz. Eu me fiz
trabalhando, indo aos tratamentos e escutando músicas.
- O distinto fez assim... O ES está me dizendo que eu fiz certo e meu irmão fez errado... ele tirou a vida... Isso
não se faz.
- Se não fosse aquele valente... As coisas seriam piores. Isso é uma contradição do ES, que sempre me elogia,
me edifica. Acho que é pra dizer que, se meu irmão não tivesse morrido, a família não ia me ajudar... É verdade
que a família ficou mais cuidadosa comigo, mas ele não foi valente.
- O príncipe fez assim... O ES está dizendo que fiz bem em levar os alimentos ao centro.
- Ele te deixou... O ES critica meu irmão, por ter se suicidado.
-O artista fez assim... O ES me edifica, para dizer que estou no caminho certo, quando penso no que meu irmão
fez...
- O bonito fez assim... Ele está falando de mim, que estou lutando pra viver. Ele continua me edificando... Isso é
para dizer que meu irmão cometeu crime.