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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Deize Vicente da Silva Arosa
A construção do discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem
escolar nas políticas públicas em educação no município de
Queimados/RJ entre os anos de 2001 e 2007
RIO DE JANEIRO
2008
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1
DEIZE VICENTE DA SILVA AROSA
A construção do discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem
escolar nas políticas públicas em educação no município de
Queimados/RJ entre os anos de 2001 e 2007
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Claudia de Oliveira Fernandes
RIO DE JANEIRO
2008
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2
Arosa, Deize Vicente da Silva.
A769 A construção do discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem esco-
lar nas políticas públicas em educação no município de Queimados/RJ entre
os anos de 2001 e 2007 / Deize Vicente da Silva Arosa, 2008.
157f.
Orientador: Claudia de Oliveira Fernandes.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
1. Sistema de ensino – Avaliação – Queimados, RJ. 2. Avaliação educa-
cional – Aspectos políticos. 3. Educação e Estado. 4. Aprendizagem – Ava-
liação – Aspectos políticos. I. Fernandes, Claudia de Oliveira. II. Universi-
dade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-). Centro de Ciências Hu-
manas. Mestrado em Educação. III. Título.
CDD
371.26098153
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - CCH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
DEIZE VICENTE DA SILVA AROSA
A construção do discurso oficial sobre a avaliação da
aprendizagem escolar nas políticas públicas em educação no
município de Queimados/RJ entre os anos de 2001 e 2007
Aprovado pela Banca Examinadora
Rio de Janeiro, ______/______/______
_____________________________________________________
Professora Doutora Claudia de Oliveira Fernandes
Orientador – UNIRIO
_____________________________________________________
Professora Doutora Andréa Rosana Fetzner – UERJ
______________________________________________________
Professora Doutora Carmen Sanches Sampaio – UNIRIO
4
Dedico este trabalho a meus pais e irmãos, incansáveis incentivadores.
A Armando, meu marido e amigo, educador competente,
pelo apoio e parceria constante nas reflexões.
A nossos filhos, pelo que me impulsionam a superar.
5
AGRADECIMENTOS
À professora Claudia de Oliveira Fernandes, pela amizade, apoio e serena
sabedoria na orientação desta dissertação.
A todos os professores do Curso de Mestrado, pela competência e por todo
conhecimento que juntos construímos.
Aos meus colegas de turma pela troca de conhecimento, experiências e pela
amizade.
À professora Ana Maria Iack, diretora e amiga, que sempre incentivou e
proporcionou condições para os necessários momentos de estudo e de escrita.
Às professoras Josemária Maria dos Santos Silva, Secretária de Educação de
Queimados, Mirian de Fátima Rodrigues Motta, Subsecretária de Educação e Maria
Regina Monteiro Ribeiro, Diretora do Departamento de Educação, pelo
reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo Setor de Supervisão Escolar e pelo
apoio nos momentos de coleta e análise dos dados.
Às professoras Jussara Betta e Dilcelina Faria, educadoras companheiras nos
muitos momentos profissionais, mas, especialmente, pelo estímulo de um trabalho
em parceria.
Aos profissionais lotados na SEMED que contribuíram para a concretização desta
pesquisa.
À equipe de Supervisão Escolar de Queimados, pelo aprofundamento da reflexão
sobre as práticas e pela amizade construída.
À Maria Elisabete Oliveira (Bete), Viviane Campos Soares (Vivi) e demais
profissionais da E. M. Imaculada Conceição que, com compreensão e respeito,
aguardaram meu retorno à escola.
A minha família, pelo carinho e confiança no meu sucesso.
Aos meus pais, que me ensinaram a paixão pelo conhecimento e que respeitaram a
minha ausência durante a pesquisa.
A Armando, pelo olhar crítico, pela disponibilidade em discutir e pela calma nos
meus momentos de maior ansiedade.
Ao meu filho Herisson, pela paciência e, sobretudo, porque tem ajudado a fortalecer
minha crença no potencial e possibilidade humanos.
6
As palavras aí estão, uma por uma:
Porém minha alma sabe mais.
Cecília Meireles
7
RESUMO
Algumas propostas de organização do ensino em sistemas públicos têm se
firmado como modos de ão governamental no enfrentamento de questões
relativas à melhoria do processo educativo. Nestas políticas nacionais, a avaliação
tem ocupado, cada vez mais, maiores espaços, sendo considerada como um dos
fatores altamente capaz de responder pela qualidade da educação. Neste estudo
buscou-se compreender o processo de construção do discurso oficial sobre a
avaliação da aprendizagem escolar nas políticas públicas em educação,
desenvolvidas no município de Queimados/RJ entre os anos de 2001 e 2007. A
pesquisa, numa abordagem qualitativa, adotou como referencial analítico a
abordagem do ciclo de políticas de Stephen Ball na interpretação dos contextos de
influência e de elaboração dos textos. Como metodologia complementar para a
análise dos textos documentais e das entrevistas realizadas utilizou-se a Análise do
Discurso Crítica, segundo Chouliaraki e Fairclough. Também se procuram
reconstituir, num levantamento de perspectivas teóricas, as concepções sobre
avaliação e sobre organização escolar. Na análise do processo de constituição
deste discurso oficial, os resultados apontam alguns modos de ação que são
considerados, nesta pesquisa, como uma Política de customização. Com esse
trabalho espera-se contribuir para uma melhor reflexão sobre os discursos e
práticas discursivas, considerando-os como elementos significativos tanto na
produção/reprodução de ideologias, como também no favorecimento de práticas
sociais firmadas na participação do coletivo, na democratização dos processos e na
emancipação dos sujeitos.
Palavras-chave: Política de customização Discurso oficial Organização de
sistemas de ensino - Avaliação da aprendizagem
8
ABSTRACT
Some of the proposals for the organization of teaching systems within the
public sphere have been adopted and established as governmental actions towards
the improvement of the educational process. In those national policies, the practice
of evaluation has persistently gained more and more room, to such an extent of
being considered one of the most important factors extremely accountable for the
quality in education. In this study, we have tried to understand the building process
of official discourses regarding the evaluation of school learning in the context of
educational public policies, developed in the city of Queimados/RJ between the
years 2001 and 2007. This research, in a qualitative approach, has used Stephen
Ball’s ‘policy cycle’ perspective as analytical reference materials, in the interpretation
of contexts of influence and of text construction dynamics. As complementary
methodology for the analysis of documentary texts and interviews, we have used the
critical discourse analysis, according to Chouliaraki and Fairclough. We have also
tried to recompose, through the gathering of theoretical perspectives, the concepts
about evaluation and the school organization. In the analysis of the building process
of this official discourse, the results show some procedures and actions which are
considered, within the scope of this research, as a Customization Policy. With this
research we hope to contribute to a better reflexion on discourses and discoursive
practices, considering them as meaningful elements not only in the
production/reproduction of ideologies, but also in favoring social practices based on
collective efforts, on the democratization of processes, and on the emancipation of
subjects.
Key words: Customizing policy Official discourse Organization of teaching
systems – Evaluation of learning
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Documentos analisados na pesquisa.
Tabela 2 – Relação de escolas e atendimento no município em 2008.
Tabela 3 Matrícula inicial, quantitativo de escolas e índices de crescimento das
variáveis.
Tabela 4 - Fluxo Escolar.
Tabela 5 - Matrícula inicial do Ensino Fundamental no município em 2007.
Tabela 6 – Organização do Sistema Municipal de Queimados.
Tabela 7 Relação de escolas com atendimento em sala de recursos e classes
especiais.
Tabela 8 . de escolas, alunos e docentes na educação pública municipal em
2007.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Esquema dos paradigmas objetivos e subjetivos e suas interfaces.
Figura 2 Região que integrava o município de Nova Iguaçu/RJ e municípios que
dele se emanciparam.
Figura 3 – Organograma SEMEC – 2001
Figura 4 – Organograma SEMED - 2007
LISTA DE SIGLAS
ANEB – Avaliação Nacional da Educação Básica
ANRESC – Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
CA – Classe de alfabetização
CFE – Conselho Federal de Educação
CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
10
CME – Conselho Municipal de Educação
ENCCEJA – Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e
Adultos
EPT – Educação para Todos
ETAP – Equipe Técnico-Administrativo-Pedagógica
FUNDEF – Fundo de Manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
IDEB - Índice de Educação Básica
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC - Ministério da Educação
OEA – Organização dos Estados Americanos
PDE – Programa de Desenvolvimento da Educação
PROMEDLAC - Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe
RJ – Estado do Rio de Janeiro
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEMECD – Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto
SEMED – Secretaria Municipal de Educação
SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
11
SUMÁRIO
Página
1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 15
2. FUNDAMENTANDO A REFLEXÃO................................................................ 19
2.1 - Abordagem qualitativa da pesquisa......................................................... 26
2.2 - Um estudo de caso.................................................................................. 28
2.3 - Percurso metodológico............................................................................ 31
2.4 - Papel da pesquisadora............................................................................ 35
2.5 – Coleta e análise dos dados..................................................................... 36
3. AVALIAÇÃO E ORGANIZAÇÃO ESCOLAR EM CICLOS NAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS............................................................................................... 43
3.1 - Avaliação nas políticas educacionais........................................................ 48
3.2 – Sobre a organização escolar: progressão continuada e ciclos................ 64
4. O DISCURSO SOBRE A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO SISTEMA
MUNICIPAL DE ENSINO DE QUEIMADOS/RJ............................................. 75
4.1 - O contexto sócio-histórico do município................................................... 78
4.2 - A constituição da rede municipal de ensino............................................. 84
4.3 - A organização do ensino........................................................................ 90
4.4 - A construção do discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem..... 94
4.4.1 – Textos e práticas discursivas: elementos da prática social............... 95
4.4.1.1 – Resolução 01/01/SEMECD.......................................................... 102
4.4.1.2 – Documentos de registro da avaliação escolar
a) Ficha Individual do ciclo.................................................................. 103
b) Ficha Individual das séries iniciais do Ensino Fundamental e
Educação de Jovens e Adultos...................................................... 104
c) Relatório de aproveitamento escolar.............................................. 104
d) Relatório Descritivo Individual........................................................ 105
e) Relatórios de desempenho bimestral das Unidades Escolares..... 105
f) Mapão bimestral.............................................................................. 106
4.4.1.3 – Regimento Escolar...................................................................... 106
4.4.1.4 - Deliberação 02/99/CME............................................................... 108
12
4.4.1.5 – Caderno de Avaliação................................................................ 109
4.4.1.6 – Registro das discussões dos professores.................................. 111
4.4.1.7 – Entrevistas.................................................................................. 111
a) Entrevista 1.................................................................................... 112
b) Entrevista 2.................................................................................... 116
c) Entrevista 3................................................................................... 121
4.4.2 – Política de customização e Discurso oficial...................................... 125
5. (PRO)VOCATIVO............................................................................................. 130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 133
ANEXOS
I - Tabela 8 – Nº. de escolas, alunos e docentes na educação pública
Municipal em 2007...................................................................................... 146
II – Figura 3 – Organograma da SEMEC – 2001............................................. 147
III – Figura 4 – Organograma da SEMED – 2007............................................ 148
IV - Carta de apresentação................................................................................ 149
V - Resolução 01/01/SEMECD......................................................................... 150
13
1- INTRODUÇÃO
Este estudo focaliza o discurso oficial nas políticas públicas em educação.
Dois fatores foram marcantes para a intenção desta pesquisa. Primeiro, o interesse
pela implementação de políticas de reorganização do Ensino Fundamental que
adotam a desseriação; e a centralidade que a avaliação da aprendizagem escolar
tem ocupado nestas políticas.
As justificativas para a escolha do tema e objeto de estudo passam por se
pretender uma compreensão do discurso oficial de uma forma mais abrangente,
evitando a simples legitimação de políticas e práticas; mas também, por se entender
que uma leitura crítica envolve uma variedade de conhecimentos, dentre outros:
situação conjuntural, processos de circulação e apropriação de conceitos e
ideologias pelas políticas, relações e contradições nas políticas. Levou-se também
em consideração que revisões de literatura (BARRETO e SOUSA 2005;
MAINARDES, 2006 e 2007) sobre modos organizativos do ensino apontam que a
opinião de formuladores de políticas de desseriação da escola é um aspecto pouco
explorado e aprofundado nas pesquisas, produções e publicações. A maioria dos
estudos privilegia a análise de documentos da política e a opinião de profissionais
que atuam no contexto da prática, raramente explorando a opinião de especialistas,
gestores e formuladores de tais políticas. Por fim, como citado, foi importante a
compreensão da importância e centralidade que a avaliação escolar tem adquirido
entre as práticas curriculares e cultura escolar.
Assim, o objeto de estudo foi o processo de construção do discurso oficial,
sobre a avaliação da aprendizagem, na política pública municipal de Queimados/RJ,
num recorte temporal de 2001 a 2007.
As questões iniciais que foram tomadas como primeiros focos de análise para
que fosse possível uma melhor compreensão dos elementos contextuais da
construção deste discurso foram:
Que sujeitos participaram dos processos de formulação da política
educacional?
Quais os sentidos dados à ação avaliativa nos textos oficiais?
Quais as possíveis aproximações, contradições, conflitos e tensões nas
orientações expressas pelos formuladores das diretrizes para a avaliação?
14
Que formas de comunicação foram utilizadas para a transmissão da proposta
avaliativa à rede de ensino?
Que ações foram desenvolvidas pelos gestores para a implantação da política
de avaliação?
Podem ser apontados como objetivos desta pesquisa, a tentativa de
compreender a política como um discurso que se configura como um processo de
embates, de delimitação de interlocutores, de estabelecimento de enunciados e de
luta por sentidos na formulação da política. E a intenção de analisar o discurso oficial
como prática social, tanto em sua dimensão textual como de prática discursiva,
compreendendo-o como dialógico e favorecedor de reapropriações e
recontextualizações.
O campo pesquisado foi a rede pública municipal de Queimados/RJ,
município que tem uma história sócio-político-cultural bastante vinculada a
municípios da chamada Baixada Fluminense. O percurso metodológico se deu pela
análise da política e dos textos, análise das práticas discursivas e análise das
concepções sobre organização do ensino e avaliação da aprendizagem, numa
abordagem qualitativa, através de um estudo de caso.
Para a compreensão da política, reportei-me a Stephen Ball, procurando
analisar os contextos de influência e de elaboração dos textos. Na análise dos
textos, recorri à Norman Fairclough e a análise do discurso crítica, que destaca o
uso social da linguagem como modos e formas de agir sobre o mundo e cobre os
outros e como modos de representação. Foucault, Bernstein e Canclini foram
teóricos que auxiliaram no entendimento das práticas discursivas e relações entre
sujeitos, saberes e poder. Para pensar sobre concepções e práticas de avaliação e
suas relações com a organização do ensino, Afonso, Esteban, Fernandes, Freitas e
Sousa, foram os teóricos a quem recorri.
Embora existam diferentes análises e focos diferenciados de investigação, a
partir da década de 90, a avaliação na área educacional tem ocupado maiores
espaços no campo das políticas públicas nacionais, sendo considerada como um
fator, dentre outros, altamente capaz de responder pela melhoria do fluxo escolar e
pela qualidade da educação.
Como referencial para produção de informações sobre a realidade
educacional brasileira, certa modalidade de avaliação é desenvolvida pelo governo
federal, desde 1990, por meio da realização bienal de exames de proficiência
15
aplicados em âmbito nacional, por amostragem, em alunos da educação básica e
ensino médio (Saeb - 1990 / Aneb - 2005). O processo de avaliação externa também
tem sido utilizado em outros níveis (Sinaes -2004), assim como para a certificação
na Educação de Jovens e Adultos (Encceja 2002). Recentemente, a avaliação
específica da educação básica foi acrescida de outro exame de âmbito universal
(Aneb - 2005 e Anresc - 2005) que, aliados às taxas de aprovação, têm sido
indicadores que servem como base para cálculo de índice de desenvolvimento da
educação básica.
Por vezes, encontram-se também propostas governamentais de mudanças
estruturais nos sistemas de ensino municipais e estaduais (implantação da
progressão continuada, classes de aceleração, organização curricular em ciclos),
que buscam alterar os índices relativos às taxas de conclusão, de evasão, de
repetência. Ou ainda, encontram-se proposições que adotam diversos mecanismos
de incentivo que se efetivam por meio de premiações institucionais e individuais pelo
bom desempenho na avaliação da aprendizagem. Essas políticas públicas, tomadas
a partir de suas diretrizes e ações, transformam-se em um campo de análise
promissor no que se refere à construção de seus discursos.
Foi, certamente, por minha trajetória no campo da educação que me coloco
neste lugar de alguém que deseja pensar a construção do discurso das políticas
públicas para educação, na tentativa de compreender - dentre várias questões - os
processos específicos da formulação destas políticas, entendendo que uma série de
elementos compõe o cenário social em que são construídas. Na busca dos sentidos
deste discurso, tenho como pressuposto que os processos sociais não se dão de
forma isolada, e que para compreendê-los, é necessário levar em consideração
fatores relacionados com as condições culturais, econômicas e políticas da
sociedade.
Participando do cotidiano de instituições de ensino, públicas e privadas, como
professora regente e pedagoga durante vinte e quatro anos, sempre me senti
intrigada tanto nas situações relativas às práticas pedagógicas nas escolas, quanto
nas relacionadas à gestão. As ações de planejamento, execução, acompanhamento
e avaliação do processo de ensino e de aprendizagem sempre fizeram parte do meu
repertório de funções no magistério e estiveram ancoradas nas diversas diretrizes e
sentidos que subsidiaram as políticas de educação das instituições e sistemas de
ensino em que trabalhei.
16
Em meados de 2000, estando exclusivamente na educação pública, passei a
exercer a função de Orientadora Pedagógica na rede municipal de educação de
Duque de Caxias / RJ. Neste sistema escolar, as escolas, desde 1996, têm o Ensino
Fundamental com nove anos de escolaridade, composto por um ciclo de
alfabetização (três anos) seguido de seriação (4º ao 9º ano de escolaridade).
No início do ano de 2001, concluí o trabalho Busca da Qualidade e
Planejamento de Mudanças nas Escolas uma reflexão, como requisito para
conclusão do curso de Especialização em Administração e Planejamento em
Educação na Uerj
1
, no qual propunha um olhar sobre o planejamento e a
implementação de mudanças no campo educacional, mais especificamente no
Sistema Municipal de Ensino. As considerações ali feitas tiveram como espaço
sócio-político-geográfico o município de Niterói/RJ, onde por dezoito meses havia
atuado como supervisora de ensino, nos anos de 1999 e 2000. Foi objeto de
reflexão, a análise de alguns entraves no processo da reestruturação
2
administrativo-pedagógica da rede, indicados pela ocorrência e intervenção de
acontecimentos inesperados e decisivos na consecução dos objetivos e mudanças
planejadas, apreciando a busca da qualidade e o planejamento de mudanças nas
escolas de Niterói naqueles quase dois anos.
Neste mesmo período, logo após ingressar na rede municipal de educação de
Queimados/RJ, deparei-me com a situação de implantação da progressão
continuada no Ensino Fundamental, promovida pela gestão central do sistema. Mais
uma vez, pude perceber que a experiência de estudo e o trabalho em escolas
organizadas em ciclos
3
possibilitaram-me a continuidade de reflexão sobre as
mudanças na estrutura e na organização das redes blicas de ensino e a
construção do seu discurso sobre a ação avaliativa.
De muitos modos, a função que desempenho no Setor de Supervisão Escolar
da Secretaria Municipal de Educação de Queimados sempre esteve muito ligada à
avaliação escolar, trazendo ao constante debate situações que confrontam o
discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem com questões que se reportam à
1
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
2
A rede municipal de Niterói adotou, a partir de 1999, o regime ciclado em todo o Ensino
Fundamental. Os quatro ciclos que compuseram esta etapa de ensino organizavam-se em: ciclo
(1º ao ano de escolaridade), ciclo (4º e ano de escolaridade), ciclo (6º e ano de
escolaridade) e 4º ciclo (8º e 9º ano de escolaridade).
3
Duque de Caxias e Queimados trabalham com ciclo e seriação e Niterói, ainda hoje, organiza o
Ensino Fundamental em quatro ciclos.
17
epistemologia da avaliação, seus diversos sentidos adquiridos e seus desafios
prático-conceituais.
Considerando que os diferenciados modelos utilizados em avaliação estão
condicionados às identidades sociais e que o também produtores e
condicionantes destas identidades, procurei caminhar no sentido de uma
investigação direcionada ao discurso sobre a ação avaliativa, procurando
contextualizar sua construção e constituição. Busquei, como ponto de partida, as
rotas apontadas por Almerindo Afonso (2005) quando sugere que a escolha de um
determinado sistema, modelo ou forma de avaliação está condicionada aos diversos
enquadramentos e regulamentações legais ou estatais. Estes, por sua vez,
reportam-se a concepções antropológicas, filosóficas e pedagógicas, devendo ainda
ser compreendidos sob a luz do contexto histórico, político, social e econômico em
que estão inscritos.
Ao pretender uma análise da construção do discurso oficial em Queimados, a
implantação de uma nova organização escolar, em 2001, é tratada como um
acontecimento discursivo. Isto coloca em destaque a compreensão da amplitude e
complexa predominância da linguagem nas relações entre os sujeitos, como
também das formas em que o controle e o poder se inscrevem nestas relações. É
em Foucault que encontro uma orientação para o olhar sobre o discurso, quando diz
que
Analisar o discurso é fazer com que desapareçam e reapareçam as
contradições; é mostrar o jogo que nele elas desempenham; é manifestar
como ele pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhes uma fugidia
aparência. (FOUCAULT, 1987, 174).
Assim, neste estudo, o discurso foi compreendido como uma prática social, ou
seja, um modo de ação historicamente referenciado e que se constitui socialmente.
Entendendo-se também, como sendo constitutivo das identidades sociais, relações
sociais e sistemas de conhecimentos e crenças, uma vez que se apresenta nas
relações texto/evento, como modos de agir, de representar e de ser. O discurso
sobre avaliação, expresso nos documentos oficiais, e os depoimentos dos
formuladores das políticas foram compreendidos como dimensão do discurso,
dimensão de uma prática social.
18
Este relatório de pesquisa procura trazer ao conhecimento as etapas da
investigação realizada, iniciando-se com uma apresentação, nesta Introdução, das
aproximações da pesquisadora com o tema e as justificativas para a escolha do
objeto em estudo.
São colocados no Capítulo 2 os fundamentos teóricos da pesquisa, que
esteve fundamentada numa abordagem qualitativa. São indicadas as escolhas
metodológicas, as implicações resultantes da atuação da pesquisadora, o processo
de coleta e de análise dos dados que constituíram o estudo de caso realizado.
No Capítulo 3 são apresentadas perspectivas teóricas e aspectos sócio-
históricos relativos à formulação de políticas públicas em educação e as temáticas:
avaliação da aprendizagem e organização escolar em ciclos.
O Capítulo 4 discute o processo de construção do discurso oficial sobre
avaliação da aprendizagem no município de Queimados/RJ, colocando em evidência
o contexto sócio-histórico do município, a organização do sistema de ensino e as
práticas discursivas. Traz ao debate as práticas sociais de regulação/transformação
e nomeia o processo de construção da política educacional em estudo de Política
de customização.
Por fim, nas Reflexões Finais, reafirma-se a procura de uma compreensão
mais ampla dos fundamentos de natureza político-social e pedagógica das
concepções do discurso oficial sobre a ação avaliativa naquela rede de ensino.
Estas reflexões encontram respaldo e justificam-se, no contexto atual, pela
necessidade de uma compreensão mais abrangente da construção deste discurso,
contribuindo na formulação de políticas públicas, por parte do sistema gestor, que
favoreçam o enfrentamento das questões relativas ao acesso, permanência e
qualidade da educação.
No sentido de uma ampliação e desdobramento das análises realizadas nesta
pesquisa, considera-se importante pensar que a trajetória de construção do discurso
oficial, as demais práticas discursivas e demais elementos das práticas sociais,
evidenciam a necessidade de uma reflexão sobre que caminhos estão sendo
tomados nestas políticas públicas: se caminham para a manutenção/reprodução ou
transformação da sociedade; ou ainda para a produção de pequenas mudanças
sem, todavia, alterar os elementos centrais de sua organização. As análises da
pesquisa também apontaram como necessária, uma maior reflexão sobre o
processo de construção dos discursos na política educacional e sua significância na
19
produção/reprodução de domínios de saberes e fazeres, considerando como
possível a mudança de relações sociais estabelecidas, para que venham a se
constituir em práticas sociais firmadas na participação do coletivo, na
democratização dos processos e na emancipação dos sujeitos.
20
2. FUNDAMENTANDO A REFLEXÃO
A pesquisa aqui relatada teve como objeto de estudo o processo de formação
do discurso oficial sobre avaliação da aprendizagem nas políticas públicas em
educação, desenvolvidas no município de Queimados/RJ entre os anos de 2001 e
2007
4
. Para concretizar a pesquisa, a opção metodológica foi definida tendo como
base o pressuposto de que a compreensão da situação social não se esgota ou se
restringe ao objetivo, visível ou percebido. Mas, parte-se da aceitação de que os
dados relativos ao subjetivo e ao objetivo, aos sistemas de valores da pesquisadora,
aos acontecimentos, à ordem e aos conflitos, consubstanciam a análise realizada.
Partilho, como Chizzotti (2006, p. 29), do entendimento de que as
características específicas dos fenômenos sociais fortalecem a necessidade de uma
investigação que traga para o campo de análise os significados atribuídos e as
interações estabelecidas. Descrevê-los e analisá-los pressupõe a tentativa de
compreensão da diversidade de realidades e concepções, tomando-as numa relação
dialética entre singular-particular-universal.
Dada a natureza social e a complexidade do objeto em estudo, a opção pela
pesquisa qualitativa se mostrou a mais apropriada para esta investigação, por suas
perspectivas quanto à fundamentação epistemológica, às metodologias, o papel do
pesquisador e por sua marcada tendência à flexibilidade.
No sentido de possibilitar uma melhor indicação das idéias que embasaram a
escolha da metodologia empregada, apresento alguns pressupostos relativos à
pesquisa em ciências sociais que foram considerados e perseguidos neste estudo.
As questões relacionadas com a escolha do referencial teórico
5
e a
abordagem metodológica
6
para realização das análises têm implicação direta na
reflexão e na tomada de posição sobre o modo de fazer a pesquisa. E esse “fazer”,
apresenta-se como a expressão sobre o modo como é pensada a realidade, as
4
A escolha do ano de 2001 para o início da análise levou em consideração a mudança na
organização do sistema escolar, com a implantação do ciclo nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
5
Podem ser citados como referenciais contemporâneos que dão sustentação teórica às
investigações: funcionalismo, estruturalismo, materialismo histórico, sociologia compreensiva ou
interpretativa e etnometodologia, entre outros.
6
Como métodos de abordagem empregados nas investigações, podem ser citados: dedutivo,
indutivo, dialético, hermenêutico e fenomenológico.
21
relações de apropriação do conhecimento e os procedimentos utilizados na busca
desse conhecimento. Segundo Santos (2000, p.185),
Se acreditamos numa realidade única e objetiva, seja expressa através de
dados qualitativos ou quantitativos, todas as variáveis que forem
consideradas como perturbadoras do fenômeno em estudo deverão ser
controladas, de forma a se aceder a essa realidade. Se, pelo contrário,
reconhecemos a existência de múltiplas realidades, o nosso propósito é
compreender as diversas variáveis em presença e as suas múltiplas inter-
relações.
Desse modo, as opções feitas pelo pesquisador, ao realizar a investigação,
revelam o que Guba e Lincoln (apud MAZZOTTI, 1998, p. 141) ressaltam sobre a
inter-relação entre as concepções do pesquisador e o paradigma
7
adotado na
investigação, uma vez que este expressa idéias ligadas a questões ontológicas,
epistemológicas e metodológicas.
O termo ontologia é originário da filosofia e as questões ontológicas refletem o
debate sobre a natureza e a organização dos seres e caracteriza-se pelas posições
realista (o mundo externo é objetivo e existe independente do homem) e relativista
(defende a existência de diversas realidades resultantes da construção humana,
sendo passíveis de investigação). No contexto da pesquisa em “ontologia”, filósofos
tentam responder as questões: “O que é um ser?” e “Quais são as características
comuns de todos os seres?”.
As questões epistemológicas trazem à cena as relações entre o que se
conhece ou pode-se vir a conhecer, mantendo estrita relação com a tomada de
decisão sobre a questão ontológica. Dizem respeito, entre outras questões, à
natureza do conhecimento e seus grandes problemas: como, e em que condições
é possível conhecer; a condição de verdade do conhecimento; as características do
conhecimento dentre as diversas Ciências.
As correntes de pensamento positivistas têm procurado explicar os
fenômenos físicos, biológicos, sociais e individuais através de leis gerais, buscando-
se regularidades e relações causais que determinariam a realidade de uma maneira
aparentemente desvinculada do sujeito do conhecimento, bem como do contexto
7
O estudo de Thomas Kuhn, A estrutura das Revoluções Científicas (1975, p. 13), é o texto que
trouxe à tona o uso do conceito de paradigma aplicado à história do fazer científico. Segundo ele:
“Com esse termo, quero indicar conquistas científicas universalmente reconhecidas, que por certo
período fornecem um modelo de problemas e soluções aceitáveis aos que praticam em certo campo
de pesquisas”.
22
cultural em que se insere o fenômeno. numa perspectiva antipositivista
(fenomenológica e marxista), compreende-se a realidade a partir da perspectiva dos
indivíduos que estão diretamente envolvidos no fenômeno.
Quanto ao debate metodológico, as discussões enfatizam os procedimentos
investigativos e sua inter-relação com as opções tomadas em relação às questões
anteriores.
Estas questões inerentes aos paradigmas de investigação suscitaram
discussões sobre os limites da ciência contemporânea nas últimas décadas,
apontando, em princípio, posições marcadamente dicotômicas, seguindo
perspectivas objetivistas ou subjetivistas. Este posicionamento, para um
pensamento ou outro, determinou alguns radicalismos, como os apontados por
Weller (2007, p. 1):
Durante muito tempo, a oposição entre objetivismo e subjetivismo esteve
marcada pelas etiquetas “pesquisa quantitativa” versus “pesquisa
qualitativa”, atribuindo à primeira maior grau de representatividade,
confiabilidade e relevância. A pesquisa quantitativa (...) tornou-se
sobretudo a partir da década de 1950 e 1960 o padrão de investigação
dominante (...). não obstante, esse formalismo metodológico empiricista
passou a ser contestado, assim como a própria concepção de ciência foi
colocada em questão. Tais questionamentos contribuíram para a retomada
das metodologias qualitativas que atualmente já não são vistas em
contraposição aos métodos quantitativos, mas como enfoques diferentes e
necessários no campo da pesquisa social.
Andrade e Tanaka apresentam um esquema adaptado de Burrel e Morgan
(apud ANDRADE e TANAKA, 2001, p.59) que exemplifica - sem pretender-se único
ou esgotar as perspectivas - como essas duas posições implicaram diferentes
paradigmas, e como também dentro de um mesmo paradigma, pensamentos
diferenciados derivaram diversas correntes e teorias.
Figura 1 – Esquema dos paradigmas objetivos e subjetivos e suas interfaces.
Paradigma
Humanista
Radical
Paradigma
Estruturalista
Radical
Paradigma
Interpretativo
Paradigma
Funcionalista
Anarquismo
Existencialismo
Teoria Crítica
Fenomenologia
Hermenêutica
Interacionalismo Simbólico
Etnometodologia
Marxismo Contemporâneo
Teoria Social Russa
Teoria do Conflito
Teoria Integrativa
Objetivismo
Teoria de Sistemas
Teoria da Ação
Objetivo Subjetivo
23
Na busca por uma coerência entre o paradigma epistemológico a ser adotado
na pesquisa e a compreensão sobre a realidade com a qual me deparava na prática,
e também na busca por um modo de conceber o conhecimento que considerasse
tanto o fenômeno em sua processualidade, como o cenário social em que se
encontram as subjetividades em relação, encontrei no paradigma interpretativo a
possibilidade de conjugar tais elementos.
Durante todo o estudo, o paradigma interpretativo, que permeia todo o
processo de questionamentos, o levantamento do corpus e a análise realizada,
materializa-se por meio de elementos vinculados ao pensamento hermenêutico-
dialético.
As análises interpretativistas consideram a construção social da realidade,
buscando uma compreensão de sua dinâmica e significado. Enfocam as
experiências de vida que produzem mudanças no significado, atribuídos pelos
indivíduos a si mesmos e às relações que estabelecem. Ao procurar compreender o
que acontece em determinada situação, e reconhecendo que qualquer narrativa
sobre o acontecimento está sujeita à subjetividade do sujeito, pressupõe também
que nenhuma situação pode ser completamente compreendida a partir de um único
ponto de vista.
Sob uma perspectiva teórica, a pesquisa interpretativa:
É naturalística, por se situar na experiência do mundo cotidiano;
É permeada pela história, na medida em que os fenômenos analisados possuem
uma temporalidade, um contexto histórico e social;
Considera também o nível subjetivo dos indivíduos envolvidos no fenômeno;
Traz para o campo de análise as vivências e as relações estabelecidas pelo
pesquisador com o objeto de estudo;
Apóia-se na crítica constante acerca dos processos e fatos investigados.
Diante destas perspectivas, ao enfocar a ação, a interação e as relações
sociais, a pesquisa interpretativa não prescinde de trazer à análise as significações
provenientes das relações estabelecidas através da linguagem.
Esta compreensão, ativamente responsiva, reflete o caráter originário e
processual da interpretação, que se constrói na interação e na luta com os
pensamentos dos outros. A palavra do outro nos impele sempre a tomar uma
24
posição responsiva - seja nos discursos subseqüentes ou através de
comportamentos – conforme afirma Bakhtin (2003):
Todo enunciado da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao
grande romance ou tratado científico tem, por assim dizer, um princípio
absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados de outros;
depois do seu término, os enunciados responsivos dos outros (ou ao
menos a compreensão ativamente responsiva silenciosa do outro ou, por
último, uma ação responsiva baseada nessa compreensão) (BAKHTIN,
2003, p. 275).
Daí tornar-se importante para a interpretação, o “caminho do pensamento” da
hermenêutica-dialética, por favorecer uma reflexão sobre os dados, não se
constituindo, porém, numa metodologia para o tratamento dos mesmos. Enquanto a
hermenêutica focaliza a mediação, o acordo e a unidade de sentido, a crítica
dialética destaca a diferença, o contraste, o dissenso e a ruptura de sentido.
(MINAYO, 2000, p.218 e 227).
Em Ayres (1994) encontramos que, etimologicamente, o termo hermenêutica
remete-se a Hermes, deus que realizava a tradução das mensagens do Olimpo para
os seres mortais. O autor argumenta que essa vinculação tem orientado práticas e
teorias diferenciadas, mas que carregam um sentido em comum que é o da
decodificação, e cita três referenciais que em muitos aspectos se confundem e
interpenetram:
a) Teoria hermenêutica - associada originalmente aos movimentos do
Renascimento e da Reforma, trata-se da sistematização de uma série de
princípios e procedimentos para a interpretação de obras não
contemporâneas, no caso, as Sagradas Escrituras e os textos da
Antigüidade Clássica. Mais tarde, no século XIX, a escola historicista alemã
recorreria ao delineamento de uma teoria hermenêutica com o intuito de
validar um conhecimento próprio às ciências humanas, ou "ciências do
espírito", em contraste com o empirismo das "ciências naturais".
b) Filosofia hermenêutica - trata-se do desenvolvimento, a partir
especialmente da filosofia de Heidegger, de uma reflexão metadiscursiva
que funda a compreensão de realidades e obras humanas na sua
lingüisticidade. Lança mão de uma série de procedimentos analíticos e de
conceitos da teoria hermenêutica, mas rompe radicalmente com sua
aspiração objetivista.
c) Hermenêutica crítica - ou crítica dialético-hermenêutica, designa
proposições que atribuem à hermenêutica uma tarefa compreensiva
fundamental, mas que enxergam limites na dimensão lingüística para
fundamentar uma interpretação efetivamente crítica e emancipadora dos
fatos humanos. (AYRES, 1994, p. 316).
25
Ayres ressalta também, que a diferença epistemológica básica entre a
filosofia hermenêutica e a hermenêutica crítica, esnas suas construções sobre a
historicidade do conhecimento: se na sua própria lingüisticidade, (característica da
ontolingüística heideggeriana apropriada por Gadamer), ou se em esferas de
experiência ainda mais abrangentes em relação à linguagem (segundo Habermas).
(Idem, p. 317).
Baseando-se em pressupostos apontados por Habermas, Minayo (2000, p.
222) indica alguns caminhos que considera como primordiais na tarefa interpretativa
hermenêutica. Um deles diz respeito à necessidade de existir uma diferenciação
entre a compreensão do contexto da comunicação e a compreensão do contexto do
próprio pesquisador; o outro, pressupõe da parte do intérprete, um compartilhamento
de referências sobre a vida social apresentada.
A interpretação busca o entendimento de intenções e significações presentes
na situação estudada, a fim de revelá-las sob estas perspectivas e não de outra.
Metodologicamente, a abordagem hermenêutica leva em consideração o
esclarecimento do contexto dos diferentes atores e suas propostas; a crença de que
um fator de racionalidade e responsabilidade nas linguagens utilizadas na
comunicação; o desafio ao investigador sobre um posicionamento quanto ao que
ouve, observa e compartilha; e a necessidade de formulação de um relato que
contemple a diversidade de atores e situações. Pode-se então, entender o fazer
hermenêutico como uma compreensão, do objeto em estudo, determinada pelo seu
conteúdo e a relação intrínseca entre o todo e suas partes.
O investigador hermenêutico se encontra numa posição de mediador nesta
relação, procurando apreender os sentidos, significados e perspectivas daquilo que
está sendo transmitido, pois, segundo Gadamer (1998), a hermenêutica refere-se à
investigação dos sentidos que se apresentam nas situações de comunicação
humana, firmando a linguagem como o ponto central dessa comunicação e
apoiando-se numa reflexão histórica e contextualizada sobre a linguagem.
Em relação à interpretação de um texto, caminha-se primeiramente pela
busca de elementos que possibilitem uma significação. Este movimento prenuncia a
existência de interesses prévios (na medida em que implicam uma pré-seleção), mas
que vão se confrontando, no curso da interpretação, com outros significados que
surgem, ocorrendo uma oscilação perpétua de perspectivas interpretativas, que
Gadamer indica como básico na compreensão do fenômeno.
26
Assim, uma atitude hermenêutica requer que as opiniões e preconceitos do
investigador sejam compreendidos como tal - denunciar algo como preconceito é
suspender a sua presumida validade -, para que seja possível o aparecimento de
diferenciadas visões que o fenômeno em estudo apresente (GADAMER, 1998, p. 61,
68). Pondera Gadamer:
Aquele que efetua uma compreensão hermenêutica deve se dar conta de
que a nossa relação com as “coisas” não é uma relação que “ocorra
naturalmente”, sem criar problemas. Precisamente sobre a tensão que
existe entre a “familiaridade” e o caráter “estranho” da mensagem que nos
é transmitida pela tradição é que fundamos a tarefa hermenêutica. (Idem,
1998, p. 67).
Como aponta Minayo (2000), ao promover um diálogo com a hermenêutica, a
dialética de Habermas enfatiza que os sentidos são passíveis de uma compreensão
crítica capaz de revelar, na linguagem, significados marcados pelo caráter ideológico
das relações de trabalho e poder. Utilizando-se da arte do diálogo, da pergunta e da
controvérsia, a busca nos fatos e na linguagem dos sentidos obscuros e
controversos, oferece uma crítica sobre os mesmos. Na interação entre a
hermenêutica e a dialética, a idéia principal é de que não observador imparcial e
que a linguagem, as relações e práticas sociais, são historicamente condicionadas.
A autora ressalta ainda, que em contraposição a Gadamer, Habermas afirma
que a idéia do consenso como algo dado na história, a partir da experiência de
diálogo que a humanidade possui, não pode servir de modelo para a ação
comunicativa. É necessário reconhecer que há distorções na linguagem, movidas
por interesses, que impedem o diálogo e a emancipação humana. O decisivo é
colocar a crítica acima do reconhecimento da autoridade, da consciência de finitude,
da pré-compreensão que ignora e sufoca a instância crítica. Segundo Minayo,
A união da hermenêutica com a dialética leva a que o intérprete busque
entender o texto, a fala, o depoimento, como resultado de um processo
social (trabalho e dominação) e processo de conhecimento (expresso em
linguagem), ambos frutos de múltiplas determinações mas com significado
específico. Esse texto é a representação social de uma realidade que se
mostra e se esconde na comunicação, onde o autor e intérprete são parte
de um mesmo contexto ético-político e onde o acordo subsiste ao mesmo
tempo que as tensões e perturbações sociais. (MINAYO, 2000, p. 227-
228).
27
Ainda acerca da complementaridade entre a hermenêutica e a dialética, Stein
(STEIN, 1987, apud MINAYO, 1992, p. 227) ressalta que ambas tratam das
condições históricas de qualquer manifestação simbólica, seja da linguagem ou
pensamento; partem do pressuposto de que não há condição de imparcialidade para
aquele que observa, nem interpretações que não estejam relacionadas aos sujeitos
e sua história; são maneiras racionais de expressão do pensamento; procuram
expor a base filosófica dos métodos das Ciências Sociais; e possuem relação
estreita com a práxis social.
Assim, referenciar esta pesquisa numa abordagem hermenêutica-dialética
justifica-se pela busca de um entendimento sobre o discurso oficial sobre avaliação
da aprendizagem, compreendendo-o como historicamente situado, com múltiplas
determinações, ressaltando também a predominante importância da linguagem nas
relações entre os sujeitos e em suas práticas discursivas e sociais.
2.1 - Abordagem qualitativa da pesquisa
A opção por uma pesquisa qualitativa nesta investigação deu-se, sobretudo,
pelas características inerentes a essa forma de abordar a investigação científica e
pela pretensão de se propor uma reflexão sobre a complexidade do processo em
que se constituiu o discurso sobre a avaliação na rede de ensino do Município de
Queimados.
Ao serem utilizados depoimentos, observações, registros, textos, recursos
técnicos (como caderno de anotações e gravador), informações coletadas no
contato direto com o ambiente e em relatórios referenciados no tratamento
quantitativo (realizado pelos órgãos federais) das informações colhidas nos censos e
avaliações da educação básica, reafirma-se a opção por não prescindir da utilização
de dados qualitativos e quantitativos nas análises. Conforme salienta Gatti,
É preciso considerar que os conceitos de quantidade e qualidade não o
totalmente dissociados, na medida em que de um lado a quantidade é uma
interpretação, uma tradução, um significado que é atribuído à grandeza
com que um fenômeno se manifesta (portanto é uma qualificação dessa
grandeza) e de outro ela precisa ser interpretada qualitativamente, pois,
28
sem relação a algum referencial não tem significação em si. (GATTI, 2002,
p. 29).
O estudo realizado apresentou também algumas das características dentre as
que são apontadas, por Ludke e André (1986, p.12-13), como sicas às pesquisas
qualitativas:
O ambiente natural como base constitutiva dos dados investigados.
necessidade de contato direto e com certa continuidade do pesquisador com o
campo de estudo.
A importância do pesquisador, como instrumento, nos procedimentos de
observação, seleção, análise e interpretação dos elementos da situação.
O caráter fundamentalmente descritivo das investigações, dada à natureza
complexa ou estritamente particular do objeto em estudo, não cabendo muitas
vezes uma análise estritamente quantitativa.
Ênfase no processo (descrição das situações, dos procedimentos e interações da
situação/ sujeito em estudo), buscando-se apreender como este campo dinâmico
e complexo adquire suas diversas expressões, seus vários sentidos e valores
para todos que o compõem.
Confronto entre princípios teóricos e conteúdos apreendidos na pesquisa, ou seja,
as significações através das quais se dá a compreensão hermenêutica dos
fenômenos.
Natureza indutiva das investigações, nas quais parte-se de questões mais amplas
para, durante a pesquisa, enfocar questões mais específicas e particulares.
O processo investigativo não parte de hipóteses pré-definidas a serem
confirmadas ou refutadas, nem de uma linha teórica determinada. Embora o
pesquisador parta de pressupostos teóricos iniciais, os elementos que surgem
durante a pesquisa (coleta e análise dos dados) é que vão orientar as
fundamentações teóricas.
Mesmo baseando-me numa metodologia de pesquisa que conjuga a coleta e
a análise interpretativa dos dados como momentos indissociáveis
8
, algumas
questões foram tomadas como primeiros focos de análise objetivando favorecer uma
melhor compreensão sobre os elementos contextuais: a) que sujeitos participaram
8
Por reconhecer que esses procedimentos possibilitam e provocam novos questionamentos,
necessidades de outros dados e de embasamento teórico para a interpretação dos fenômenos.
29
dos processos de formulação das políticas educacionais; b) quais os sentidos dados
à ação avaliativa nos textos oficiais; c) quais as possíveis aproximações,
contradições, conflitos e tensões nas orientações expressas pelos formuladores das
diretrizes para a avaliação; d) que formas de comunicação foram utilizadas para a
transmissão da proposta avaliativa à rede de ensino; e) e que ações foram
desenvolvidas pelos gestores para a implantação da política de avaliação.
Além das análises relativas aos dados e processos, à descrição e
interpretação do contexto histórico e dos conteúdos inter-relacionais que se
apresentaram durante a pesquisa, foram anunciadas também as relações e conflitos
que se emergiram durante a investigação. Isto se justifica pela crença de que estas
situações plenas de conteúdos não expressos ou traduzíveis no produto final da
pesquisa, ao serem apresentados, podem ampliar a discussão no campo da
complexidade.
As interpretações apresentadas, não intencionaram a confirmação ou rejeição
de hipóteses estabelecidas a priori sobre o objeto em estudo, mas foram
construções interpretativas que ajudam a compreendê-lo melhor em aspectos que
se mostraram mais relevantes na análise. Os sentidos e significados construídos na
prática social estudada são tratados aqui como mais relevantes que quaisquer
generalizações que talvez possam ser feitas.
2.2 - Um estudo de caso
Na educação, a utilização do estudo de caso é muito mais recente do que em
pesquisas no campo da sociologia, antropologia, história, psicologia, direito,
medicina, etc. Isto pode explicar-se pela discussão que citamos anteriormente
acerca dos paradigmas de investigação, como também pela própria diversidade na
concepção do que seja a metodologia e a forma de desenvolvê-la.
André (1984, p. 52) apresenta algumas características fundamentais aos
estudos de caso que destaco como importantes, tendo em vista a validação de seu
uso nesta pesquisa. Diz a autora que os estudos de caso possuem alguns princípios
gerais:
30
uma abertura e predisposição à descoberta. Ainda que o ponto de partida da
investigação seja firmado em pressupostos, é constante a atenção aos elementos
que não sendo previstos nem pré-estabelecidos, surgem durante a pesquisa. É
por meio de todos os dados que se apresentaram e em função deles que a
interpretação é realizada.
A interpretação do contexto é enfatizada, na busca de uma compreensão do
objeto o mais abrangente possível.
A diversidade é um elemento incentivado, na medida em que são apresentados
diferentes e, por vezes, conflitantes pontos de vista presentes no caso. A
proposição do estudo é de se refletir teoricamente sobre estas múltiplas
perspectivas.
A diversidade também se faz presente nas fontes de informação, nos
instrumentos de coleta dos dados e na análise. Pode haver ainda o uso da
estratégia de triangulação nos métodos, de investigadores e teorias utilizados.
Possibilita “generalizações naturalísticas
9
”.
A realidade é apresentada da maneira mais completa e profunda, procurando
revelar a multiplicidade de dimensões presentes, focalizando-as global e
particularmente.
A apresentação dos dados é realizada através de linguagem e formas
diversificadas e acessíveis.
Assim, o que se pode notar como elemento de maior ênfase neste tipo de
investigação é o olhar focado na singularidade, na particularidade. André salienta
que esta característica implica que o objeto de estudo seja examinado como único,
uma representação singular da realidade, realidade esta, multidimensional e
historicamente situada (idem, p.52).
Tratar desse modo o “caso” como único e particular traz à discussão também
a dimensão posta sobre a multiplicidade de leitores e de interpretações naturalísticas
9
Para Stake (1983), o que aprendemos com um caso singular apresenta correlações com o que pode
encontrar de semelhante ou diferente em outros casos conhecidos. Utilizando-se de uma
aprofundada narrativa, o pesquisador oferece condições para que os leitores associem o que foi
observado naquele caso a acontecimentos em outros contextos. Esse processo corresponde ao que
Stake denominou "generalização naturalística", conceito introduzido em artigo publicado em 1978,
como uma alternativa à generalização baseada em amostras consideradas representativas de uma
população.
31
de que se utilizam, colocando em evidência a importância da valorização do
conhecimento experencial e o papel do sujeito no processo de geração desse
conhecimento.
Tomando as estratégias e procedimentos pertinentes a esse tipo de pesquisa
e considerando-se como implícita na conceituação a questão do aprofundamento
sistemático do objeto de estudo, algumas características se revelam:
a aproximação mais estreita e prolongada do pesquisador com a situação ou
objeto da investigação. Neste caminho, persegue-se a posição do pesquisador
em disponibilizar as diferentes interpretações que diferentes indivíduos ou grupos
revelaram, ou ainda, em possibilitar que diferentes interpretações possam ser
inferidas através do relatório;
explicitação pormenorizada dos procedimentos e metodologia utilizada;
constante negociação e postura ética - quanto às informações e sujeitos
envolvidos – tanto no desenvolvimento da pesquisa, quanto na devolutiva do
relatório do estudo.
Na busca da validação e fidedignidade dos resultados apresentados pelo
pesquisador, parte-se do pressuposto de que sua interpretação não representa a
única forma de compreensão da realidade, concebendo-se que diferenciadas
leituras podem ser desenvolvidas e tratadas como significativas.
Em relação à questão da geração de conhecimentos possibilitada pelo estudo
de caso, André ressalta o fato de que o processo de compreensão da realidade
social, diferentemente de outros tipos de investigação, envolve variados tipos de
conhecimento (instituições, sensações, impressões, etc.), não estando restrita aos
conhecimentos lógico-formais. Dessa maneira, o estudo de caso permite a
manifestação de várias formas de conhecimento, favorecendo o desenvolvimento de
interpretações alternativas (ibidem, p. 54).
Reconheço também que, na pesquisa desta rede de ensino, as interpretações
apresentadas são válidas para o caso em estudo, não sendo possível sua
generalização, por exemplo, a outras redes. Não obstante, o conhecimento advindo
da realidade aqui estudada e das reflexões desenvolvidas, pode permitir a
formulação de hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas. Entendo
como Gadamer que,
32
Pode-se muito bem admitir que todo conhecimento histórico comporta uma
aplicação de regularidades empíricas gerais aos problemas concretos com
que ele se defronta; contudo, a verdadeira intenção do conhecimento
histórico não é explicar um fenômeno concreto como caso particular de
uma regra geral, [...] é antes compreender um fenômeno histórico em sua
singularidade, em sua unicidade. O que interessa ao conhecimento
histórico não é saber como os homens, os povos, os Estados se
desenvolvem em geral, mas, ao contrário, como este homem, este povo,
este Estado veio a ser o que é; como todas essas coisas puderam
acontecer e encontrar-se aí. (GADAMER,1990, p. 23-24).
Este estudo de caso enfoca o discurso oficial em educação sobre avaliação
da aprendizagem, num recorte temporal de 2001 a 2007, situando como ponto de
partida, a implantação do sistema de progressão continuada
10
nos três primeiros
anos de escolaridade do Ensino Fundamental, na rede municipal de Queimados.
2.3 - Percurso metodológico
Para a análise dos contextos relacionados à política pública em educação, os
estudos de Ball (1994) sobre o ciclo de políticas propiciam uma compreensão das
políticas enquanto “intervenções textuais na prática”. Ao acentuar seu caráter de
incompletude e complexidade, o autor ressalta a importância de uma avaliação tanto
do impacto distributivo das políticas e propostas existentes, bem como das
racionalidades subjacentes a elas, requerendo nessa análise uma compreensão dos
textos, discursos, lutas e intenções, dentro de determinados contextos. Contribui
também para o entendimento desse processo, ao apresentar uma distinção de
política enquanto discurso e enquanto texto.
Como salienta Ball (2006, p.21), analisar uma política como discurso significa
debruçar-se sobre o processo de embates de luta por sentido que se dá na
formulação da política. Baseando-se em Foucault, interpreta as políticas como
discurso, na medida em que, de sua análise podem emergir significados e relações
sociais constituintes de subjetividades e relações de poder.
Considerar a política como texto, significa ressaltar as diversas possibilidades
de se produzirem intervenções textuais, a partir das quais torna-se possível realizar
10
Neste momento utilizo o termo tal como apresentado no documento e mais à frente vou discutir
conceitualmente a relação entre ciclo e progressão continuada.
33
leituras múltiplas, devidas à pluralidade dos leitores, bem como às resultantes das
influências, intenções e negociações que envolvem o reconhecimento, ou não, de
algumas vozes.
As políticas normalmente não nos dizem o que fazer, elas criam
circunstâncias nas quais o espectro de opções disponíveis sobre o que
fazer é reduzido ou modificado ou nas quais metas particulares ou efeitos
são estabelecidos. Uma resposta ainda precisa ser construída no contexto,
contraposta ou balanceada por outras expectativas. (BALL, 2006, p.26).
Como modos de entendimento dos processos de implementação das
políticas, Ball
11
(apud. MAINARDES, 2006) aponta cinco contextos a serem
examinados nas análises: contexto de influência, o da produção do texto, contexto
da prática, o dos resultados/efeitos e o de estratégia política. Destes cinco contextos
apresentados pelo autor, os contextos de influência e produção do texto o os
focalizados na pesquisa, embora as análises realizadas perpassem os demais
contextos, reforçando o caráter interacionista das interpretações.
É o contexto de influência que, geralmente, abrange o que se denomina como
o início da política pública e a constituição do discurso base. As definições políticas
são iniciadas e os discursos políticos são construídos. Determina-se pela atuação
dos diversos grupos da sociedade na disputa de interesses e nas influências que
definirão as finalidades da política. A legitimidade dos conceitos na formulação do
discurso é fruto de apoio e/ou de resistências que envolvem tanto o fluxo
12
de idéias,
por meio de redes políticas e sociais, como também o patrocínio e quase imposição
de soluções por agências multilaterais
13
.
O contexto de produção dos textos das definições políticas mantém uma
associação estreita com o primeiro contexto. Na medida em que estes textos
representam a política do poder central propriamente dita, revelam as características
presentes quando de sua produção. Essas caracterizações dizem respeito ao
11
BOWE, R.; BALL, S. Reforming education & changing schools: case studies in policy sociology.
London: Routledge, 1992.
BALL, S. Educational reform: a critical and post structural approach. Buckingham: Open University
Press, 1994.
12
Mainardes (2006), citando Ball, destaca que esse fluxo pode se dar pela circulação internacional de
idéias, pelo “empréstimo de políticas” e pela “venda” de soluções empreendidas por grupos e
indivíduos do mercado político e acadêmico.
13
Podem ser citadas como exemplo destas agências: a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, entre outros.
34
tempo, local, às disputas e aos acordos que demarcam, com freqüência, sua
coerência ou contradições.
Este referencial analítico baseado na abordagem do ciclo de políticas de
Stephen Ball se mostrou apropriado por focalizar, na trajetória da política
educacional implantada no município em estudo, a interpretação da dinâmica da
construção do discurso oficial em diversos níveis de análise. Este movimento
favoreceu a crítica sobre a inter-relação e coexistência desses níveis, uma vez que
se configuram através de embates e disputas que se estabelecem (BALL, 2006).
Para um mais amplo entendimento sobre os modos pelos quais as políticas
incidem e se estabelecem em diferentes contextos, as análises de Bernstein sobre o
discurso pedagógico podem oferecer uma importante contribuição, ao considerar os
processos de articulação e re-articulação das políticas educacionais. O autor propõe
o enfrentamento de questões relativas à tradução das relações entre os níveis
macro e micro, bem como dos processos de produção, reprodução e mudança
cultural, com a utilização de uma mesma linguagem
14
(HYPOLITO, 2006).
Segundo Lopes (2002), o discurso pedagógico é definido por Bernstein como
não sendo propriamente um discurso, mas um “princípio recontextualizador que se
apropria de outros discursos”, criando campos
15
recontextualizadores. As tensões,
os conflitos e os acordos entre estes campos são relações que precisam ser
consideradas como integrantes do processo de constituição das políticas, sendo
visivelmente identificáveis pela não homogeneidade dos discursos e impossibilidade
de não-articulação entre os campos.
Utilizou-se, como metodologia complementar para a análise das idéias
centrais dos textos, a Análise do Discurso Crítica, segundo Chouliaraki e Fairclough
(2003, apud RESENDE e RAMALHO, 2006) na qual as noções de discurso e poder
são abordadas de maneira crítica. Destaca-se como fator importante para esta
análise o uso da linguagem, como forma de prática social, expressa em modos e
formas de agir sobre o mundo e sobre outros e em modos de representação. O
14
Ele identifica três contextos básicos e correlacionados nos sistemas educacionais: o primário de
produção do discurso, o secundário de reprodução discursiva e o de recontextualização do discurso.
15
Bernstein utiliza o conceito de campo de Bourdieu: conjunto de relações de força entre agentes
e/ou instituições em luta por diferentes formas de poder, seja ele econômico, político ou cultural, que
funciona simultaneamente como instância de inculcação e mercado onde as diferentes competências
tomam preço (Domingos et al, 1986).
35
discurso é considerado como elemento da prática social, interconectado
dialeticamente a outros elementos.
Apoiando-se, principalmente, nos estudos de Foucault (1987, 2001) e de
Bakhtin (2003), os autores apresentam o discurso como capaz de possibilitar a
criação, o reforço e o confronto de identidades, posições sociais, relações e formas
de conhecimentos e crenças. Não o tomam apenas como reprodutor destas, mas
como produtor das mesmas, sob diversas formas. Assim, o discurso é compreendido
como prática social, ou seja, como um modo de ação historicamente referenciado,
que se constitui socialmente, mas que também é constitutivo das identidades
sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença.
A partir dessas noções, apresentam um modelo de análise do discurso,
centrada na prática social: a) primeiramente, parte-se de um problema que
geralmente está vinculado a relações de poder, naturalização de discursos
individuais e distribuição desigual de recursos simbólicos e materiais; b) em
segundo, busca-se identificar os entraves que obstaculizam a superação do
problema ou dos elementos da prática social que perpetuam o problema, dificultando
a mudança. Para tanto é necessário investigar as conjunturas, a prática em
particular e as ordens do discurso; c) em terceiro, busca-se localizar a função
exercida pelo problema na prática social e discursiva; d) em quarto, apontam-se os
possíveis modos de promoção de mudanças e superação do problema, através das
contradições reveladas nas conjunturas; e) e, por último, promove-se uma reflexão
sobre a análise, de caráter emancipatório.
Por estes caminhos metodológicos procurei tratar o corpus da pesquisa,
trazendo à reflexão, alguns fatores apontados na análise do material que se
apresentaram como relevantes para a compreensão das práticas discursivas em
estudo.
2.4 - O papel da pesquisadora
Contribuindo para as ações gestoras no sistema municipal de ensino do
município de Queimados, participei das decisões, das contradições, das dificuldades
e dos enfrentamentos teóricos e práticos da implementação das propostas
36
emanadas da SEMED. Este cotidiano de intervenções e interações tomado “como
um múltiplo eixo, identificável enquanto objeto de reflexão, enquanto barômetro de
mudanças sociais e enquanto instrumento de tomada de consciência” (PAIS, 2003,
p. 97) muito contribuiu para o olhar que hoje tenho como pesquisadora.
Levando em consideração o que aponta Arnaus (1995, p.67) ao dizer que
“dependendo da posição que se toma na hora de investigar, metodologia e ética são
inseparáveis”, não posso também deixar de ressaltar a importância do meu olhar
constante sobre a influência de meus interesses e motivações no processo de
pesquisa, dada minha inserção na instituição enquanto sujeito participante dos
processos de gestão.
Entendo, conforme alertam Ludke e André (1986, p. 5), que não é possível
para mim a posição de neutralidade, uma vez que me encontro “implicada
necessariamente nos fenômenos que conheço e nas conseqüências desse
conhecimento”, e os dados e relações apresentados nesta pesquisa não se
tornaram conhecidos aleatoriamente. Ao buscá-los e ao me debruçar sobre eles, os
questionamentos que levantei basearam-se no conhecimento que possuo sobre o
processo que ocorreu ali, da fundamentação teórica e pressuposições que
selecionei como norteadoras do estudo. Procurei assim, fugindo da impressão de
familiaridade com o objeto e da projeção que minhas concepções poderiam imprimir
nas análises, caminhar na ampliação dos contextos de significações que
ultrapassassem o conhecimento espontâneo das interpretações.
Isto também me leva a refletir sobre um dos grandes obstáculos encontrado
pelos pesquisadores e apontado por Mynaio (2000, p. 197), ao citar o que Bourdieu
denomina de “ilusão da transparência” isto é, o perigo da compreensão espontânea
como se o real se mostrasse nitidamente ao observador.
Em diversos momentos da pesquisa (escolha do tema, levantamento de
hipóteses, coleta e interpretação dos dados), a reflexão sobre o que se apresentou
como óbvio e objetivamente construído através de interpretações pré-concebidas,
conseqüentes da proximidade e inserção no contexto do objeto de estudo, foi um
exercício constante. Apresentou-se como necessária a desnaturalização de
preconceitos e a percepção da diversidade, buscando, para além do que meus
quadros teóricos me permitiam ver, um estranhamento dessa realidade
aparentemente tão familiar.
37
Compor enquanto pesquisadora e sujeito da pesquisa o cenário cotidiano do
espaço/tempo de construção do discurso em análise, coloca para esta pesquisa
questões éticas relativas ao acesso de dados e sujeitos, bem como em relação à
análise e interpretação dos dados. Estas questões serão colocadas mais adiante.
2.5 - Coleta e análise dos dados
Analisar a construção do discurso oficial, aqui entendido como modos de ação
utilizados pela política pública no uso de seus meios discursivos, requereu um olhar
focalizado nas estratégias institucionalizadas de informação e ão. Fez-se
necessário uma investigação quanto às relações entre linguagem, ação, poder e
verdade que podem ser encontradas na política, “na medida em que ela se inscreve
em uma prática social, circula em certo espaço público e tem qualquer coisa que ver
com relações de poder que aí se instauram”. (CHARAUDEAU, 2006, p.16).
O processo de coleta de dados teve seu início no primeiro semestre de 2006,
antecedido por uma autorização dada pelo então Secretário Municipal de Educação
para a realização da pesquisa. Além deste contato foram feitos outros, com
profissionais da SEMED, Direção e equipes de Unidades Escolares e membros do
Conselho Municipal de Educação para apresentar as linhas gerais do estudo e as
expectativas quanto aos dados a serem coletados na SEMED.
Os métodos utilizados para a coleta dos dados foram a observação, a
entrevista e a análise documental. As observações realizadas e as informações
coletadas no campo, os textos transcritos das entrevistas realizadas com atores da
política municipal e os documentos elaborados e mantidos pelos organismos
públicos responsáveis pelas ações de política pública em educação, formam o
corpus para a análise do objeto de estudo.
Reafirmando o caráter naturalista (LÜDKE, 1986) das observações, nas quais
se pressupõe tanto a existência de uma interação do pesquisador com os
participantes, como também a sua realização no contexto natural do fenômeno
investigado, é importante colocar que recorri a conhecimentos e experiências
pessoais como recursos auxiliares no processo de compreensão e interpretação.
tendo consolidado um ambiente favorável à observação, por estar inserida no
38
contexto do fenômeno estudado, minha posição de pesquisadora e principal
instrumento de investigação na observação, demarca um caráter participante
16
.
Minha aproximação prolongada com o contexto certamente suscitou algumas
reflexões, e também dificuldades, relacionadas ao envolvimento com a situação, no
sentido de poderem causar uma interpretação distorcida ou parcial. Considero,
porém, que todas as representações surgidas na pesquisa minhas e de outros
sujeitos ao serem abarcadas nas análises desenvolvidas, possibilitaram a
explanação e o confronto de múltiplas visões e representações sobre o objeto.
Os objetivos do estudo, ancorados em referenciais teóricos dos quais se
lançou mão ao longo da pesquisa, foram os determinantes dos conteúdos
construídos a partir das observações realizadas. O material coletado nas
observações foi anotado em um caderno próprio, que contem registros descritivos e
reflexivos. As anotações de campo se centraram mais nos registros que diziam
respeito à descrição material, local e das atividades; como também, reflexões
metodológicas e esclarecimentos que se fizeram necessários sobre aspectos,
relações e outros elementos do fenômeno em estudo.
Em relação à composição do corpus de entrevistas e de textos, não houve a
determinação prévia da quantidade de informantes, entrevistados ou documentos
que seriam coletados, uma vez que, pelo caráter qualitativo da pesquisa, o material
para o estudo foi se constituindo conforme as análises iam sendo realizadas.
Tanto as informações colhidas através dos diversos sujeitos atuantes no
órgão central, como a seleção destes participantes, caracterizou-se como
“intencional", pois o que determinou a escolha dos sujeitos foi a capacidade de
prestar informações acerca do recorte temporal estabelecido no estudo e/ou na
relação que mantinham com a questão da avaliação.
Entrevistas semi-estruturadas foram utilizadas como instrumento primordial na
coleta dos dados neste estudo. Na escolha dos entrevistados, alguns critérios foram
estabelecidos: o envolvimento pessoal com a questão em estudo, caracterizado por
proximidade ao ambiente natural do fenômeno; o conhecimento do contexto e
circunstâncias que cercaram o foco da investigação; e a disponibilidade para
realização da entrevista.
16
Denzin (1978, apud LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.28), conceitua observação participante como “uma
estratégia de campo que combina simultaneamente a análise documental, a entrevista de
respondentes e informantes,a participação e a observação direta e a introspecção”.
39
Foram realizadas 3 entrevistas individuais, com sujeitos que correspondiam a
estes critérios. Outros foram contatados, mas não puderam atender aos três
critérios, em especial à disponibilidade para realização da entrevista. Ressalto que
os motivos da não disponibilidade não se deveram à questão de vontade ou
interesse. Outras dificuldades relacionadas a motivos particulares dos entrevistados
e disponibilidade de tempo para atender à pesquisadora, não possibilitaram a
conciliação entre a participação na entrevista e o tempo de realização da pesquisa.
Definir o número de entrevistas e quais sujeitos a serem entrevistados, foi
uma tomada de decisão que levou em consideração a possibilidade de apresentar
uma amostra do espectro dos pontos de vista referente ao regime de verdade
17
daquele grupo em estudo. Mais adiante, ao serem analisadas as entrevistas, serão
apresentadas maiores considerações sobre estas implicações referentes à escolha
dos sujeitos.
O número de entrevistas realizadas baseou-se também na compreensão,
como salientada por Gaskell, de que um grande quantitativo de entrevistas não
representa e indica qualidade de pesquisa ou uma interpretação mais ampla da
situação. Segundo o autor, podem ser apontadas duas razões para esse
entendimento:
Primeiro, há um número limitado de interpelações, ou versões da realidade.
Embora as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, as
representações de tais experiências não surgem das mentes individuais:
em alguma medida, elas são o resultado de processos sociais. Neste
ponto, representações de um tema de interesse comum, ou de pessoas em
um meio social específico são, em parte, compartilhadas. (GASKELL,
2002, p. 70-71).
Os entrevistados e outros sujeitos que forneceram dados para a pesquisa não
foram nomeados neste relatório, optando-se pelo sigilo sobre seus nomes. As
pessoas entrevistadas o citadas de maneira genérica, utilizando-se o masculino,
de forma a não fornecer indicação sobre os sujeitos. A opção baseou-se na
compreensão do foco do estudo centrar-se nas práticas sociais mediadas sim, por
17
Foucault considera que cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de
verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos
e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se
sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da
verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.”
(FOUCAULT, 1989, p.12).
40
sujeitos de ação, mas não por indivíduos isolados em ação. Suas práticas e
discursos são responsivas, dialógicas e mantém um caráter de rede. Daí a premissa
de focalizar as influências, conjunturas, contextos e articulações entre as práticas
sociais que se apresentaram, não deixando de abarcar as representações destes
sujeitos, relativas a estas práticas e seus elementos.
Após contato com cada um dos entrevistados, foi disponibilizada uma carta de
apresentação
18
que indicava a Instituição do programa de pós-graduação ao qual a
pesquisa está vinculada, o nome do orientador e tema do estudo, algumas questões
a serem tratadas na entrevista e a solicitação de sua ajuda na compreensão
daqueles tópicos. Dois entrevistados solicitaram maiores detalhes sobre o que seria
abordado na entrevista, ficando acordado que esse material fosse enviado por e-
mail antes do encontro. As entrevistas aconteceram em local e horário escolhido
pelos entrevistados e todas se realizaram em outro ambiente de trabalho dos
sujeitos, não acontecendo, assim, na SEMED. Creio que esse fato facilitou o
desenvolvimento da entrevista, na medida em que um ambiente conhecido e que
possivelmente não apresentasse elementos não rotineiros, diminuiu a ansiedade e o
desconforto inicial da situação de entrevista.
Aceita a solicitação para que as entrevistas fossem gravadas, foram utilizados
um gravador K7 (em duas entrevistas) e MP4 (em uma das entrevistas). Sobre a
utilização destes recursos, pode-se dizer que o aparelho MP4 proporcionou melhor
uso. Apesar de utilizar em duas entrevistas um gravador portátil de dimensões
pequenas, ele impôs sempre sua presença, especialmente no momento em que
houve a necessária troca de lado da fita. Utilizando o MP4, o tamanho do aparelho
(próximos de 10cmX5cm, com 0,5cm de espessura) e a inexistência da necessidade
de parada durante a entrevista, facilitam o distanciamento desta presença contínua,
demarcadora da vigilância sobre o dito, possibilitando que se estabelecesse mais
rapidamente um ambiente de confiança e rapport da entrevista. Os tópicos-guia que
orientaram as perguntas se referiram à:
História pessoal na Pedagogia e na Educação.
História da rede de ensino no município de Queimados.
Movimento de criação e de atuação do Conselho Municipal de Educação (CME).
18
Em anexo.
41
Contexto da implantação da progressão continuada: motivação; leituras e
estudos; pesquisas entre os gestores e outros envolvidos; fundamentação
pedagógica e política.
Como se organizaram e foram pensadas as políticas de educação.
Visão sobre as políticas de ciclo na atualidade.
Visão sobre as políticas de avaliação.
Nas três entrevistas, o acesso, a recepção, o acolhimento e o local
determinado, tiveram algumas características em comum:
1. Realização em local de atuação profissional atual ligado à educação e ensino,
alheio ao espaço da SEMED;
2. Acesso ao entrevistado, mediado por alguém ou instrumento eletrônico;
3. Relação entrevistador/ entrevistado marcada, principalmente no início da
entrevista, pela necessidade de expressar posicionamento de autoridade e
manutenção de certo distanciamento, visível na disposição espacial escolhida
para o encontro. A entrevista foi realizada em uma mesa de trabalho (a exemplo
da mesa que tradicionalmente se remete à figura do professor ou do “chefe”),
com assentos em posição frontais um ao outro e com cadeiras/assentos
diferenciados em tamanho.
Para a delimitação dos textos documentais que seriam investigados, foi
realizado um levantamento inicial do material considerado como favorável à análise
da configuração do discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem ali
desenvolvida.
Foram acessados os arquivos do Conselho Municipal de Educação, através
da sua secretaria executiva; Atos Oficiais do município que se encontram
catalogados na SEMED e os registros de reuniões e visitas de acompanhamento do
Setor de Supervisão Escolar. Visando o estudo dos contextos de influência e
produção de texto, foram também coletados documentos originados de órgãos
públicos estaduais e federais. Os documentos analisados foram selecionados a
partir de critérios que se referiam à apresentação de enunciados relativos aos
processos de avaliação de aprendizagem e os que se relacionavam com a
implantação da proposta de reorganização da rede de ensino em 2001. Dentre os
documentos existentes nos arquivos acessados, os selecionados foram os
seguintes:
42
Tabela 1 – Documentos analisados na pesquisa
Nas análises, serão apresentados alguns dados que se mostraram
importantes na compreensão dos contextos e conjunturas do processo de
constituição do discurso oficial, identificando alguns elementos que deram
sustentação aos modos de ação ali encontrados, a articulação destes com o
discurso e as ordens do discurso que são recorrentes.
As interpretações sobre o material coletado procuraram favorecer a
problematização das articulações entre os elementos das práticas sociais daqueles
grupos. Ou seja, os sentidos das palavras, os modos de ação no contexto, as
relações estabelecidas, as crenças, valores e interesses revelados nos registros das
observações, nas transcrições das entrevistas e das análises dos textos foram
tratados de forma dialética e emancipatória. As funções assumidas pelo discurso
sobre a avaliação da aprendizagem nas práticas sociais e nos momentos dessas
práticas, bem como as possibilidades de superação das contradições encontradas,
serão discutidas mais adiante.
Todas as entrevistas foram transcritas e à medida que as leituras e releituras
foram sendo feitas, as conexões entre as mesmas e as temáticas comuns foram
destacadas, produzindo-se uma reflexão crítica sobre os elementos que se
Documentos analisados
Resolução 01/01/SEMECD – Implantação do sistema de progressão continuada na rede municipal
Documentos de registro da avaliação escolar (2001 a 2007):
* Ficha individual
* Relatório de aproveitamento escolar
* Relatório descritivo individual
* Relatórios de desempenho bimestral das Unidades Escolares
* Mapão bimestral do professor para registro dos instrumentos de avaliação
Regimento Escolar (1999/ 2004/ 2007)
Registros de discussões dos professores, referentes aos artigos sobre o Regimento Escolar.
Deliberação 02/99/CME – Aceleração da aprendizagem
Caderno de avaliação – Síntese de palestras e orientações para elaboração de critérios para
avaliação da aprendizagem.
43
apresentaram como integrantes das práticas discursivas e sociais. À medida que as
interpretações foram se dando, a discussão sobre elas foi ampliada através da troca
e da reflexão conjunta com a orientadora da pesquisa, outros pesquisadores e
profissionais da educação de outros espaços de pesquisa, a fim de que um
referencial mais amplo fosse estabelecido.
44
3. AVALIAÇÃO E ORGANIZAÇÃO ESCOLAR EM CICLOS NAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS
A história do pensamento, dos conhecimentos, da filosofia, da
literatura, parece multiplicar as rupturas e buscar todas as
perturbações da continuidade, enquanto que a história
propriamente dita, a história pura e simplesmente, parece
apagar, em benefício das estruturas físicas, a irrupção dos
acontecimentos. (FOUCAULT, 1987, p.6)
O estudo das políticas públicas, enquanto objeto de investigação tanto para
os sistemas políticos e econômicos, como para os sistemas sociais e educativos,
tem sido uma das características nas políticas atuais. Políticas encerram escolhas
em um quadro de conflitos de interesses relativos a diferentes questões da vida em
sociedade. Hypolito (2006, p.1) considera política como uma economia de poder, um
conjunto de práticas realizadas e disputadas, discursos, textos e ação, palavras e
fatos, práticas e pretensões. Segundo Rua (1998, p. 232), a política “consiste no
conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e
que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos”. Assim, a
política pode ser vista como uma forma de atividade humana estreitamente ligada ao
poder, que se relaciona com a necessidade de convivência de interesses diversos,
frequentemente contraditórios, por meio de processos institucionalizados e pacíficos.
Entretanto, no estudo das políticas, uma questão que se antecipa como principal
característica é a complexidade e diversidade na constituição dos grupos e nas
relações entre eles.
Como as relações de poder o desiguais em uma sociedade, o confronto de
discursos gera questões que se anunciam desde o processo de elaboração até às
conseqüências da ação governamental. As mediações dos conflitos que se
apresentam na gestão dos bens públicos, realizadas pelas políticas públicas,
abarcam todo o conjunto das decisões e ações que expressam ou anulam de seu
contexto, a referência a elementos que demarcam os efeitos, objetivos, funções e
justificativas de determinadas políticas. Em outras palavras, analisar a política
pública implica em refletir sobre quais os motivos que levaram, ou não, ao
encaminhamento de certas ações, e que estratégias políticas constituíram a sua
elaboração. Significa ainda perceber que não são produtos de ações isoladas, mas
45
um conjunto de decisões agregadas a um conjunto de estratégias para
implementação daquelas decisões. Decorrem dos atos, mas também dos “não atos”
do enfrentamento de uma questão, num processo que envolve após o momento de
consenso, a gestão de programas, planos, diretrizes, princípios, desafios, metas,
estratégias de desenvolvimento, objetivos e formas de implementação.
Didaticamente, pode-se demarcar o início do processo de constituição de uma
política pública quando é identificada alguma situação que necessite da intervenção
governamental. Sabe-se, no entanto, que não são todas as situações que se
apresentam como problemas do dia-a-dia, que são levadas em consideração na
pauta do governo. As relações que se travam neste cenário passam,
necessariamente, pelo fazer político e desvelam as relações de poder e forças
através das quais serão garantidas, ou não, as políticas públicas.
As políticas educacionais, compreendidas nestes parâmetros, são também
processos pedagógicos, de seleção e produção de cultura, na medida em que na
sua constituição estão presentes fatores que remetem à interação entre sujeitos,
grupos sociais e concepções de conhecimento.
Procurando estabelecer algumas relações que têm se mostrado presentes em
alguns processos sociais mundiais e sua inter-relação com as reformas
educacionais, mais especificamente a partir do século XX, influenciando as políticas
globais e locais, reporto-me a Ball quando encontra fundamentos para essa posição,
a partir da discussão sobre o que ele nomeia de acordo político do Pós-Estado da
Providência
19
. Ressalta o autor que trata-se de um emergente e novo conjunto de
relações sociais de governança e, citando Dale (2002), “de novas distribuições
funcionais e graduais/hierárquicas de responsabilidades”.
19
Estado de Bem-estar Social ou Estado-providência é um tipo de organização política e econômica
no qual o Estado, agente da promoção social e organizador da economia, é o agente regulamentador
de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas
privadas. Cabe-lhe garantir serviços públicos e proteção à população. Os Estados de Bem-Estar
Social desenvolveram-se principalmente na Europa, onde seus princípios foram defendidos pela
social-democracia. Esta forma de organização político-social preconiza a concepção de que existem
direitos sociais indissociáveis à existência de qualquer cidadão, que tem o direito, desde seu
nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços (educação, assistência médica, auxílio
ao desempregado, renda mínima, recursos para criação dos filhos, etc.) que lhe são garantidos,
diretamente ou indiretamente pelo Estado, mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade
civil. Numa concepção moderna de Estado-providência, os mercados dirigem as atividades
específicas do dia-a-dia da vida econômica, enquanto os governos regulamentam as condições
sociais.
46
Atribui o surgimento dessa nova configuração, às mudanças nos papéis do
Estado, do capital, das instituições do setor público e dos cidadãos e nas suas
relações entre si, ou do que Cerny (1990) chama de a “arquitetura mutável das
políticas”. Cita quatro focos de análise destas relações:
o primeiro diz respeito às atividades do setor público enquanto Estado Provedor
para Estado Regulador, ou Estado Avaliador como denomina Neave (1988),
utilizando-se de mecanismos de avaliação e definição de alvos que lhe permitem
dirigir as atividades do setor público “à distância”;
o segundo foco diz respeito à mudança simultânea, atrelada ao sistema
capitalista, na qual os serviços sociais têm sido cada vez mais considerados como
uma área promissora em obtenção de lucros, surgindo cada vez mais imposições
empresariais no sentido de romper com os limites de regulação do Estado.
o terceiro, diz respeito ao que Ball chama de “nova economia moral”, que se
refere a uma cultura de performatividade competitiva, combinando estratégias de
descentralização, fixação de alvos e incentivos, produzindo assim novos perfis
institucionais que se expressam como uma combinação de teorias econômicas e
práticas industriais. Situando especificamente nas políticas educacionais, Ball
chama à atenção ao movimento crescente que tem vinculado o ambiente
institucional da escola quanto à sua organização e desempenho, através de
sistemas de recompensas e sanções baseados na competição e
performatividade;
por último, o quarto ponto enfoca a mudança da posição de dependência dos
sujeitos em relação ao Estado do Bem-Estar para um posicionamento ativo de
consumidor.
Ball aponta duas tecnologias políticas que têm sido utilizadas no processo
dessas mudanças, indicando algumas relações entre elas: a privatização e a
performatividade. Enfatiza que as mudanças são processuais, resultantes de
grandes e pequenas ações desenvolvidas e implementadas em cada campo de
atividade, transparecendo o caráter contraditório e de fragilidade nos novos papéis,
identidades e relações que se estabelecem.
Ratifica sua posição sobre a impossibilidade de se encarar as políticas
educacionais somente do ponto de vista do Estado-Nação, que cada vez mais a
educação tem se tornado um assunto de políticas regionais e globais, inserindo-se
também no âmbito do comércio internacional.
47
Ao apresentar sua posição em relação aos quatro focos de análise, Ball
amplia sua discussão sobre as políticas. Coloca que, levando-se em consideração
os países desenvolvidos, o Estado tem agido no mercado mundial como um
“negociante estrategista”, adequando os rumos da economia nacional aos
investimentos nos setores econômicos considerados focais e no desenvolvimento de
seu capital humano, incluindo-se com relevância o setor educacional. O que o
autor chama à atenção é que
...cada vez mais as políticas sociais e educacionais estão sendo articuladas
e legitimadas explícita, direta e, muitas vezes, exclusivamente em função
do seu papel em aumentar a competitividade econômica por meio do
desenvolvimento das habilidades, capacidades e disposições exigidas
pelas novas formas econômicas da alta modernidade. (BALL, 2004, p. 6).
Ampliando sua análise deste contexto global, indica que o Estado tem sofrido
influências para que se interesse, responsabilize e arque com custos de uma mão-
de-obra qualificada para as demandas da economia internacional. Isto tem exigido
do Estado um incremento nos modos de intervenção que se inserem no campo da
promoção, apoio e manutenção de um número cada vez maior de atividades sociais
e econômicas. Estas intervenções têm envolvido um duplo processo de
centralização/descentralização, que interfere pontualmente no papel do Estado e
governos locais. Balizando suas argumentações em Cowen (1996), Lingard et al.
(1998, p. 84) e Kenway & Bullen (2001, p. 187), Ball apresenta sua posição de que
as metas sociais da educação têm sido menosprezadas, ficando cada vez mais
sujeitas a pressupostos e prescrições normativas do economicismo, definindo assim
o tipo de cultura que a escola é e pode ser, expressando o processo de mudança no
qual o capital está “readequando as instituições e pessoas para o lucro”.
Exemplificando sua posição, cita organizações na “Indústria de Serviços
Educacionais” (Education Services Industry) que atuando associadas a
multinacionais e investidores de capital de risco que possuem interesses
internacionais diversos e de grande monta, têm oferecido serviços de construção e
genéricos de gestão.
Apresenta um cenário de várias regiões do mundo que, não pretendendo ser
genéricas em relação à forma e ações desenvolvidas em políticas locais,
prenunciam movimentos e tendências globalizadas, ainda que em ritmos e em
contextos locais diferenciados. Chama de “glocalização” à acomodação de
48
tendências globais em histórias locais, mecanismo que produz políticas bridas e
diversidade política. Ball chama à atenção para a conexão entre estes fenômenos,
em particular os que dizem respeito a como regimes políticos nacionais aceitam
influências de um governo externo, global, enfatizando a necessidade de focalizar as
especificidades, resistências e variações locais, apontando a questão da
recontextualização.
Citando Bonal (2003, p. 174), aponta exemplos característicos desta
recontextualização, colocando em evidência algumas formas como as
peculiaridades nacionais e modos específicos de intervenção do Estado interagem
num processo de adoção de uma agenda neoliberal:
A imposição direta das “condicionalidades” vinculadas aos empréstimos de
organismos internacionais, vinculadas a exigências acordadas em relação a
ajuste e convergências;
Também existe o importante trabalho de “consultores” internacionais e de
empresários políticos, que defendem e “transmitem” soluções políticas;
ainda redes de políticos de mesma opinião, que se encontram regularmente,
como as que se vinculam à “terceira via”
20
;
O modo como todas essas ações se conciliam quando se trata de criar um senso
comum para a política, um discurso político internacional, o único caminho
infalível para se pensar e resolver os problemas econômicos nacionais.
Seguindo esta linha de pensamento e argumentação, são apresentadas neste
capítulo algumas interfaces entre políticas públicas e avaliação da aprendizagem e
políticas públicas e organização escolar em ciclos. Ao apontar aspectos teóricos e
contextuais, são focalizadas as possíveis articulações entre a política educacional da
rede de ensino em estudo e os elementos locais/ globais que acabam por configurar
o processo de construção do discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem,
por considerá-los importantes fatores para a compreensão dos contextos de
influência e de elaboração dos textos nesta pesquisa.
20
A terceira via é a filosofia de governo que se baseia em princípios como: desregulação,
descentralização e poucos impostos. É considerada uma ideologia intermediária entre a social-
democracia e o neoliberalismo, sendo “nem de Esquerda nem de Direita” e “além do capitalismo e do
comunismo”. Um dos principais defensores e difusores do pensamento da Terceira Via é o sociólogo
britânico Anthony Giddens.
49
3.1 - Avaliação nas políticas educacionais
Aqui, estou também interessado em questões sobre
a ontologia da política (...): particularmente, a forma
como nós tornamos as políticas encarnadas. um
silêncio surdo no coração desses textos diligentes,
abstratos e metódicos. Tanto as pessoas que
“fazem” as políticas quanto àquelas confrontadas
com elas são deslocadas. (BALL, 2006, p.26)
A avaliação é uma prática social muito antiga e vem adquirindo diversos
sentidos e funções, conforme o tempo e o espaço em que se desenvolve. O que se
pretende com esta reflexão é apresentar de forma sumária um pequeno histórico
desse percurso, com a finalidade de iluminar a discussão que se travará acerca do
objeto deste trabalho.
Se considerarmos o termo avaliação em seu sentido largo, podemos dizer
que, desde as sociedades primitivas, há processos avaliativos que servem de
parâmetro para tomada de decisões em diversas instâncias sociais. Algumas tribos
primitivas submetiam seus jovens a uma série de práticas que testassem seus
conhecimentos acerca dos usos e costumes, com a finalidade de inseri-los na vida
adulta (SOEIRO e AVELINE, 1982). relatos também de que tanto na China,
quanto na Grécia antiga, a divisão do trabalho era realizada a partir do resultado de
certos exames, que colocavam os indivíduos à prova, para verificar se poderiam
cumprir as obrigações inerentes aos postos a serem assumidos (SOBRINHO, 2002).
Para Luzuriaga, quando trata de Platão, a educação está baseada na
diferenciação de classes sociais; mas esta não é uma separação fixa, de tipo
aristocrático, mas baseada no que consideravam ser o caráter e o talento dos
indivíduos. “Assim, se os filhos dos governantes forem incapazes ‘não quer (o deus)
que se lhes dispense graça alguma, mas que sejam relegados ao estado
conveniente, seja o de artesão, seja o de lavrador” (LUZURIAGA, 1979, p.54).
Desde esse período, portanto, é possível dizer que traços que apontam para o
fato de que a avaliação guarda claros elementos de sua função seletiva e de
controle social.
Nesse momento, sobretudo no mundo ocidental, no centro da vida social a
escola vai afirmando-se com mais intensidade, articulando-se, tanto no seu aspecto
50
administrativo quanto no cultural. São escolas estatais ou privadas que vão
acolhendo os filhos das classes dirigentes e dando-lhes uma instrução básica. Tal
instrução vai se configurando principalmente como reforço de uma cultura retórico-
literária do bem-falar e do bem escrever, isto é, tem como base a persuasão e a
eficácia como eixo. Nesse momento, também o respeito às regras rigidamente
colocadas aparece como elemento central na organização das escolas, “que se
transformam no tempo e vão desde o tyasos (cenáculo de amigos) até o “colégio”, a
escola propriamente dita, sobretudo na época helenística” (CAMBI,1999, p.49).
Ainda em seu sentido largo, no mundo ocidental a avaliação aparece sob
diversas formas. Desde os feitos narrados nas grandes epopéias clássicas, em que
os heróis atravessam períodos de provação, até as provas eliminatórias para
grandes competições esportivas. Todavia, o que nos interessa aqui é ter seu foco
voltado para a avaliação no âmbito da escola, sobretudo no que diz respeito à
avaliação da aprendizagem e seus desdobramentos. Nesse sentido, vale lembrar
que o estudo sobre essa questão é relativamente recente e a preocupação com a
formulação teórica sobre suas bases políticas, filosóficas e epistemológicas é mais
recente ainda.
A partir do século 20, desde sua conceituação, seus traços principais, suas
funções e os procedimentos a serem adotados para sua consecução, são várias as
concepções de avaliação que passam a circular no campo educacional. O que
traremos aqui não pretende esgotar o tema, mas trazer alguns elementos que
servirão de ponto de partida para situar a questão.
Os estudos científicos mais sistematizados sobre a avaliação da
aprendizagem começam a se desenvolver, no início do século, com Robert
Thorndike, tendo seu foco na elaboração de testes e medidas educacionais e
levando em conta a necessidade de se mensurar as mudanças do comportamento
humano. Essa concepção de avaliação se desenvolve especialmente nos Estados
Unidos, nas décadas de 1910 e 1920, provocando visível desenvolvimento na
tecnologia de testes padronizados. Tais instrumentos tinham como principal objetivo
medir habilidades e aptidões dos alunos, como forma de imprimir produtividade ao
processo educativo.
Na década seguinte, os estudos sobre avaliação passam a incluir
procedimentos mais abrangentes, ampliando a idéia de mensuração por meio de
testes padronizados. Cabe destacar, dentre eles, o "Estudo de Oito Anos' -
51
implantado por Tyler e Smith, que introduziu vários procedimentos de avaliação para
coletar informações referentes ao desempenho dos alunos, durante o processo
educacional, com vistas ao alcance dos objetivos curriculares (SOUZA, 1991).
A avaliação concebida por Tyler, foi sistematizada gradualmente, ganhando
projeção com a publicação, em 1949, do trabalho intitulado Basic principies of
curriculum and instruction. Na acepção de Ralph Tyler, o elemento central da
avaliação se encontra na determinação da medida em que os objetivos educacionais
foram ou não foram alcançados. Essa concepção traz para o processo avaliativo a
necessidade de que sejam determinados certos grupos de comportamentos
esperados a serem alcançados como resultado da ação educativa. Isso significa a
necessidade de que sejam definidos de maneira clara os objetivos comportamentais,
identificando as situações que oferecem aos estudantes a condição de expressar
esse comportamento esperado.
Nesse caso, igualmente, torna-se necessário que os instrumentos de
avaliação sejam construídos com essa finalidade. Nessa linha, a avaliação tem
função de identificar os pontos fortes e fracos do programa curricular, identificar
necessidades e capacidades dos alunos e identificar os pontos do currículo sobre os
quais se devem dar mais atenção. Para dar conseqüência a esse propósito, lança-se
mão de observações, questionários, entrevistas, testes ou outro instrumento de
coleta dos resultados concretos das atividades dos alunos.
Na mesma direção que a de Tyler, desenvolveram-se inúmeros estudos
referentes à avaliação da aprendizagem, conduzidos principalmente na linha do
desenvolvimento da teoria de currículo. No Brasil, sua concepção de avaliação da
aprendizagem começou a ser veiculada aos educadores a partir da divulgação de
manuais de currículo, como os de Taba (1974), Ragan (1973) e Fleming (1974).
Estes autores, ao descreverem e caracterizarem as etapas do planejamento
curricular indicam, dentre elas, a avaliação com o caráter de controle sobre seu
desenvolvimento. (Idem, 1984).
Com características semelhantes a Tyler, Hilda Taba (1974), considera que a
educação é um processo que tem como objetivo modificar a conduta dos alunos e a
avaliação é o processo para determinar em que consistem tais mudanças e estimá-
las com relação aos valores expressos nos objetivos. É, portanto, parte integrante da
construção curricular, que em sua visão deve se orientar por etapas bem claramente
definidas: o diagnóstico da realidade, a formulação de objetivos, a seleção de
52
conteúdos, a organização dos conteúdos, a seleção de atividades de aprendizagem,
a organização das atividades de aprendizagem e a determinação dos objetivos da
avaliação.
Para W. Ragan (1973) o termo avaliação refere-se a um processo de coleta
de evidências que retratem as habilidades presentes nas crianças. É um processo
que consiste em organizar e interpretar dados que subsidiem a descrição
compreensiva sobre a criança, levando em conta os antecedentes de sua
experiência educacional. Nesse sentido, a avaliação deve levar em conta os
aspectos quantitativos e qualitativos, pois sua função é fornecer aos professores
meios de avaliar todos de ensino, livros didáticos, dentre outros elementos que
compõem o contexto educativo; bem como revelar os avanços que o programa
escolar está alcançando para a consecução dos objetivos traçados. Desse modo, na
concepção do autor, é possível aos professores proporcionar experiências
educativas para as quais as crianças estejam prontas e que atendam às suas
necessidades. (SOUZA, 1991).
Em linha semelhante de pensamento, R. Fleming (1974) concebe a avaliação
como um processo que permite a descrição de padrões de desenvolvimento, num
tempo determinado. Desse modo, é possível reunir evidências no sentido de verificar
se as mudanças de comportamento ocorreram, isto é, na linha de Tyler, se os
objetivos educacionais foram alcançados. Sendo assim, para Fleming, a avaliação
contribui para tornar mais claros os objetivos educacionais e facilita o planejamento
curricular. Na consecução desse processo avaliativo, lança-se mão de observações,
registros de aproveitamento, de conversas, de comentários dos alunos, entrevistas,
auto-avaliação, mas também se utilizam testes padronizados e sociogramas.
Michael Scriven (1978) destaca a diferença entre avaliação e mensuração,
entendendo que a avaliação tem como objetivo produzir julgamentos. Desse modo,
avaliar decorre da coleta e da combinação de dados relativos ao desempenho do
estudante. Para tal, torna-se necessário avaliar o somente o grau de consecução
dos objetivos estabelecidos, mas também os próprios objetivos e as demais
conseqüências não previstas. Esse procedimento, de caráter metodológico, utiliza-
se de um grupo de escalas de critérios que leve à classificação comparativa e à
justificação dos instrumentos e coleta de dados, das ponderações e da seleção de
critérios.
53
No entendimento de Daniel Stufflebeam (1978) a avaliação é o processo de
coleta de informações necessárias para a produção de julgamentos e para a tomada
de decisões. É claro seu caráter processual e seu objetivo de auxiliar o processo de
tomada de decisão e de verificação da produtividade. Para o autor, a avaliação não
deve ser identificada com medida, pois, embora esta proporcione rigor e precisão à
avaliação, é muito limitada e inflexível para satisfazer a amplitude de informações
exigidas pela avaliação.
A influência do pensamento norte-americano em relação à avaliação da
aprendizagem prossegue com a divulgação da obra de diversos autores, dentre os
quais temos Popham, Bloom, Ebel, Gronlund e Ausubel, representativos do
pensamento que tem sido difundido entre os educadores, e que influenciaram
inclusive os escritos sobre avaliação produzidos no Brasil.
Popham (1978) considera que a avaliação consiste em apreciações de
mérito, relativos ao processo educacional, ou seja, é a atitude de determinar um
valor, ou ainda, é o ato de aferir, através de comparação, o resultado observado
sobre alguma iniciativa educativa, dentro de um padrão ou critério de aceitabilidade.
Nesse sentido, a avaliação não visa apenas mensurar, mas estabelecer um
determinado valor. Assim, a função da avaliação é a de julgar o valor de uma
iniciativa educacional, de fornecer a base para a tomada de decisões e de melhorar
as seqüências de ensino, tendo a comparação e o julgamento como fundamentos.
Desse modo, a avaliação passa a exigir uma tecnologia mais sofisticada em relação
à elaboração de testes: “a necessidade de construir itens de testes apropriados e de
testá-los é altamente valorizada”. (SAUL, 1995, p.30).
Na perspectiva de Bloom, Hastings e Madaus (1983), numa reflexão que
influenciou de maneira intensa o pensamento educacional, discorrem sobre algumas
dimensões sobre o conceito de avaliação. Os autores acabam por realizar uma
síntese sistemática de concepções que circulavam a respeito do assunto,
consolidando algumas concepções que passam a ser consideradas como referência
na discussão sobre a questão. Na concepção dos autores, temos que a avaliação:
é um método de coleta e processamento de dados, a serem utilizados na busca
pela melhoria do processo ensino aprendizagem;
deve incluir uma variedade de dados, ampliando aqueles contidos nos tradicionais
exames escritos;
54
está a serviço do esclarecimento de metas e objetivos educacionais,
determinando a medida em que o desenvolvimento do aluno se encontra;
é um sistema de controle de qualidade do processo ensino-aprendizagem,
determinando a eficácia ou não deste processo e indicando que mudanças devem
ser introduzidas com a vistas à sua garantia;
é um instrumento que permite a confirmação, ou não, da eficácia dos
procedimentos alternativos a serem adotados para garantir o alcance dos
objetivos educacionais traçados;
é utilizada para estabelecer a classificação dos alunos quanto ao nível de
aproveitamento escolar.
Para os autores, por fim, a avaliação é um método, um instrumento; não
tendo, portanto, uma finalidade em si mesma. A avaliação deve ser um recurso para
se exercer o controle sobre o processo de ensino, com o argumento de que esse
controle se garantiria a consecução de seus objetivos.
Ebel, Gronlund e Ausubel, transitam num mesmo campo de idéias acerca do
processo avaliativo, conservando traços comuns e apontando para o caráter
seletivo, classificatório e instrumental da avaliação. Ebel, no que diz respeito a sua
função, considera que a avaliação deve fornecer a todos os agentes relacionados
com o processo educativo o conhecimento sobre o sucesso de seus esforços, com o
objetivo de dar-lhes condições para tomar as decisões quanto a manutenção, ou
não, das práticas pedagógicas adotadas para consecução dos objetivos
educacionais. Para Gronlund, a avaliação deve servir ao aperfeiçoamento dos
métodos e dos meios de ensino, produzindo informações seguras que permitam a
tomada de decisões e realizando reflexões acerca da classificação de técnicas
avaliativas. Na mesma linha, Ausubel considera a necessidade de se vigiar a
aprendizagem do aluno, de se vigiar a eficácia dos diferentes métodos de ensino e
necessidade de que o processo avaliativo forneça informações a serem utilizadas na
tomada de decisões que tornem possível o alcance dos objetivos traçados. (SOUZA,
1991).
Muitos desses modelos e princípios avaliativos influenciaram de maneira
decisiva a educação no Brasil. Muitos dos pressupostos que fundamentaram essas
correntes de pensamento estão associados às concepções que nortearão as
políticas brasileiras de avaliação.
55
Historicamente, as políticas públicas educacionais brasileiras têm exercido
uma função reguladora em direção ao que se chama de busca de uma qualidade
pautada na classificação e na comparação. Traduzindo-se em mecanismos de
seleção e exclusão, contradiz o pressuposto de uma educação como direito,
reafirmando nesta lógica o princípio hegemônico de que a avaliação, a competição e
a qualidade são conceitos que não podem ser dissociados.
Barreto, em artigo sobre estado da arte relativo à avaliação na educação
básica brasileira nos anos noventa, relata a identificação, nestes estudos, das
tendências adotadas em décadas anteriores. Ressalta a influência acentuada da
psicologia até os anos 50, destacando a visão individual da educação segundo a
qual as diferenças de desempenho eram tomadas como decorrentes de razões
biopsicológicas, buscando, assim, através de testes, a mensuração da
aprendizagem individual. Nos anos 60 e 70, as teorias do capital humano e do
tecnicismo influenciaram o foco da avaliação, deslocando-o para a eficiência e
eficácia do trabalho escolar, enfatizando o planejamento e a racionalização do
trabalho, passando a avaliação da aprendizagem a basear-se no alcance de
objetivos. Nos anos 80, sob influência das teorias crítico-reprodutivistas, o
entendimento sobre o processo educacional se amplia, abrangendo a dimensão
social. É colocada em debate a reprodução das condições de dominação da
sociedade, focalizando o papel contundente da avaliação neste contexto (BARRETO
e outros, 2001, p.52).
Afonso também indica como característica predominante nos últimos 20 anos,
a necessidade de atender, na produção das políticas, tanto às demandas locais
quanto às questões gerais de política educacional global, sugerindo que, mesmo
estando as políticas educacionais orientadas para resolução de questões da
educação, podem vir a expressar muito das crises econômicas ou de legitimação do
Estado (AFONSO, 2005, p. 56).
Discorrendo sobre a elaboração das políticas públicas de administração do
Estado e da educação nestas últimas décadas, Sander chama a atenção para o fato
de que se pode perceber a influência que têm sofrido da lógica mercadológica, na
medida em que
As palavras-chave dessas propostas são: eficiência econômica,
competitividade e lucratividade, descentralização e privatização, qualidade
total, estândares internacionais e avaliação de desempenho. Seu objetivo
56
claro é atingir elevados padrões de qualidade institucional e de
desenvolvimento humano, para garantir a competitividade na nova
sociedade do conhecimento. (...) Os fatos indicam que essa lógica vem
condicionando significativamente a produção e utilização do conhecimento
que, na expressão de Frigotto (1995), perdeu muito de sua histórica
dimensão crítica, para tornar-se um instrumento a serviço de fins
pragmáticos e utilitários, desprovidos de validade ética e de relevância
política e cultural. (SANDER, 2005, p.131).
Nessa ótica, o cenário mundial tem indicado e direcionado as políticas
educativas, demonstrando haver uma forte integração entre política-governo-
educação, cada vez mais referendada pelo mercado. Ações voltadas para um
estreitamento da inter-relação entre escolarização, emprego, produtividade e
comércio têm se centrado na busca: pela melhoria dos resultados escolares que
envolvam habilidades e competências relacionadas ao emprego; pela obtenção de
um controle mais específico sobre o conteúdo do currículo e sua avaliação; pela
redução dos custos da educação para o governo; e por maior envolvimento da
comunidade nos processos de regulação, controle e decisão escolar.
Podem-se encontrar, nas políticas públicas de gestão da educação básica no
Brasil, reflexos de orientações e mudanças que ocorreram principalmente na década
de 90 nos países da América Latina e Caribe. Conforme apresenta Capanema
(2004, p. 36), é importante que sejam destacados três aspectos nessa análise:
- a inter-relação entre reforma do Estado e gestão educacional;
- o caráter de proximidade nas tendências nas reformas, encontradas nas bases
conceituais e nas semelhanças das ações de propostas para as questões
educacionais;
- o sentido da contextualização que foi necessária à implantação da política.
Face o investimento realizado pelo governo brasileiro no planejamento e
divulgação do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) a partir de 2007,
considero importante situar a Declaração Mundial sobre Educação para Todos no
cenário nacional e da América Latina, especialmente no que se refere às relações
entre o programa e a avaliação da aprendizagem escolar.
Um dos elementos constitutivos no desenvolvimento das atuais políticas em
educação no Brasil, com focos marcadamente específicos em relação à avaliação
da aprendizagem, foi a Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em
57
Jontiem, Tailândia, em 1990, por iniciativa da Organização das Nações Unidas
(UNESCO)
21
.
Na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, documento lançado
nesta Conferência, são traçados planos e ações para satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem, destacando-se os compromissos assumidos de
universalização da educação básica, melhoria de sua qualidade e a adoção de
medidas efetivas para reduzir as desigualdades. Para atingir os objetivos, foi
aprovado juntamente à Declaração o “Plano de Ação para Satisfazer as
Necessidades sicas de Aprendizagem”, que apontou, entre outros, os seguintes
objetivos:
Formulação, por cada país envolvido, de metas observáveis e mensuráveis para a
avaliação objetiva dos progressos durante a década de 90, em consonância com
as propostas do documento;
Adoção de estratégias multissetoriais considerando-se a educação básica como
responsabilidade de toda a sociedade, visando parcerias entre empresas
privadas, organizações governamentais e não-governamentais e outras
instituições junto às autoridades educacionais, educadores e outros trabalhadores
da área educacional, na planificação, gestão e avaliação das inúmeras formas
assumidas pela educação básica. Diz o referido documento:
A cooperação e o financiamento internacionais podem ser particularmente
valiosos no apoio a reformas importantes ou ajustes setoriais, e no fomento
e teste de abordagens inovadoras no ensino e na administração, quando
seja necessária a experimentação de novas opções e/ou quando envolvam
investimentos maiores que o previsto e, finalmente, quando o
conhecimento de experiências relevantes produzidas alhures for de alguma
utilidade. (Plano de Ação da Declaração Mundial de Educação para Todos,
1990. Art. 14).
21
A UNESCO é uma agência das Nações Unidas criada em 1945, que tem realizado
acompanhamento técnico, estabelecendo parâmetros e normas, criando projetos, desenvolvendo
uma rede de comunicação que atua como disseminadora das soluções propostas pela agência para
os desafios encontrados nas diversas nações. Mantém contato com Ministérios da Educação e outros
parceiros em 188 países. O Brasil faz parte do E-9, grupo dos países mais populosos do mundo, nos
quais a UNESCO promove ações prioritárias de desenvolvimento no Setor de Educação. Atualmente,
a principal diretriz da UNESCO é a Educação para Todos, onde são desenvolvidas ações
direcionadas ao fortalecimento da capacidade nacional, acompanhamento técnico, apoio à
implementação de políticas nacionais de educação através de diversos projetos, aprimoramento e
democratização da educação em todos os seus níveis e modalidades.
58
Aos principais patrocinadores da iniciativa de Educação para Todos (PNUD,
UNESCO, UNICEF, Banco Mundial), identificados no texto do documento, é
colocada a necessidade de operar de “acordo com a decisão de suas instâncias
diretoras” no apoio a áreas prioritárias de ação internacional determinadas no texto,
adotando medidas adequadas para a consecução dos objetivos da Educação para
Todos (ETP). À UNESCO, responsável pelas questões da educação dentre estas
agências, reservou-se a ação prioritária de implementação do Plano de Ação e dos
serviços necessários ao fortalecimento de acordos e da cooperação internacionais.
Em 2000, complementando e reafirmando os compromissos assumidos em
Jontiem, a Declaração de Dakar confirma a obrigação dos Estados em assegurar
que os objetivos e as metas de Jontiem sejam alcançados e mantidos. O texto
identifica como marco de ação o compromisso pela ação coletiva, defendendo a
formação de amplas parcerias como a maneira mais “eficaz” de alcance desta meta.
Para a materialização destas relações de cooperação espera-se que, no âmbito de
cada país, através do apoio das agências e instituições regionais e internacionais,
sejam implementadas estratégias nos âmbitos internacional, regional e nacional de
“monitoramento efetivo e regular do progresso em atingir metas e objetivos de EPT,
incluindo avaliações periódicas”.
Ao longo da década de 90, aconteceram várias conferências e encontros que
tiveram também seus compromissos ratificados e acolhidos pela Declaração de
Dakar
22
. Destaca-se também, como movimento importante na análise das
orientações tomadas nas políticas públicas em educação no Brasil, o Projeto
Principal de Educação na América Latina e Caribe (PROMEDLAC)
23
que, tendo
início em 1980, apresenta a formulação de metas até 1999.
22
Cúpula Mundial pelas Crianças (1990), na Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento
(1992), na Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993), na Conferência Mundial sobre
Necessidades Especiais da Educação: Acesso e Qualidade (1994), na Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Social (1995), na Quarta Conferência Mundial da Mulher (1995), no Encontro
Intermediário do Fórum Consultivo Internacional de Educação para Todos (1996), na Conferência
Internacional de Educação de Adultos (1997) e na Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil
(1997).
23
PROMEDLAC - Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe - Iniciado em 1980 para
concluir-se em 1999. Objetivos: assegurar a escolarização de todas as crianças em idade escolar e
oferecer-lhes uma educação mínima de 8 a 10 anos, antes de 1999; eliminar o analfabetismo antes
do fim do século XX e desenvolver e ampliar os serviços educacionais para adultos; e melhorar a
qualidade e a eficiência dos sistemas educacionais por meio da realização de reformas educacionais.
Componentes transversais do Projeto Principal: (1) eqüidade, com destaque para o desenvolvimento
de políticas educacionais inclusivas, tais como políticas interculturais bilíngües e a integração de
alunos com necessidades especiais ao sistema de ensino regular; e (2) financiamento.
59
Para consulta e maior compreensão de alguns acordos e compromissos
firmados pelo governo brasileiro com parceiros internacionais, podem ser
encontrados no site do Ministério de Educação (MEC)
24
, uma extensa relação e
explicação sobre as “atividades de cooperação cnica e financeira” firmadas com
diversos países (dentre os quais Estados Unidos, Canadá, Argentina, Inglaterra,
França, Espanha e Alemanha) e Organismos Internacionais (como a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a
Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização dos Estados Ibero-
americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BIRD), dentre outros).
É também registrado ali, que o Ministério da Educação mantém atuação em
foros internacionais com o intuito de promover a integração dos países na área
educacional (Reunião de Ministros da Educação dos Países Membros do Mercosul;
Conferência de Ministros da Educação da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa; Reunião de Ministros da Educação do Conselho Interamericano de
Desenvolvimento Integral da OEA; Conferência Ibero-americana de Educação; e
Cúpula das Américas). Ainda pode-se encontrar neste sítio, o registro de que o
Ministério da Educação também dá seguimento às recomendações referentes à
educação emanadas das Conferências de Chefes de Estado e de Governo, como no
caso da Cúpula das Américas, realizada em Santiago – Chile, em 1998.
Pode-se perceber que essas políticas públicas em educação adotadas pelo
Estado brasileiro, encontram-se fortemente infra-estruturadas e estabelecidas sob a
ótica do mercado na medida em que encorajam e requerem modos de regulação e
controle em consonância com os acordos e parcerias firmados. Essa análise
encontra respaldo ao serem confrontados os elementos dessa política (bem como
suas ações, formas de financiamento, legislações) e as relações postas entre as
instâncias de poder. Acredito que, como aponta Ball (2006, p.13), a “direção” das
possibilidades de financiamento e responsabilização (accountability) relacionadas
com a performance, ratificam essa posição.
O Comitê Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe
(PROMEDLAC) reúne-se a cada 2 anos e é integrado por representantes dos Estados membros da
Unesco na América Latina e o Caribe. O Comitê já se reuniu 6 vezes: PROMEDLAC I (México,
novembro 1984); PROMEDLAC II (Bogotá, março 1987); PROMEDLAC III (Guatemala, junho 1989);
PROMEDLAC IV (Quito, abril 1991); PROMEDLAC V (Santiago, junho 1993); e PROMEDLAC VI
(Kingston, maio 1996), PROMEDLAC VII (Cochabamba, Bolívia, 2001).
24
http://portal.mec.gov.br/ai/index.php
60
Neste cenário, o discurso da avaliação escolar, entendida como instrumento
capaz de promover a garantia da qualidade, é encontrado também em diversas
políticas educacionais pelo mundo - justificando-se pelo contexto de influência-,
situando-se como uma ação conseqüente e essencial.
Como o estudo proposto traz na sua gênese investigativa uma política
educacional introduzida no sistema municipal, entendo que as questões colocadas
em pauta se apresentam como subsídios para a compreensão da construção do
discurso sobre avaliação naquele município. Parte-se aqui da visão de que o
significado dado à avaliação no âmbito das políticas nacionais em educação reporta
à redefinição do papel do Estado, aliada à complexidade dos processos resultantes
da inserção de várias instâncias e modos de regulação através dos quais os
governantes orientam e direcionam as políticas públicas locais. Estas instâncias e
modos de regulação podem se dar, dentre inúmeros fatores, em função da
normatização nacional, das forças do mercado ou da demanda local.
Como fator importante neste contexto, pode-se citar o fato de que a
descentralização do Estado brasileiro, especificamente relacionada às competências
e atribuições de cada esfera de governo no que se refere à educação, afetou a
organização interna de poder entre estas esferas e provocou desequilíbrios
financeiros em inúmeros municípios. Entre alguns motivos para este desequilíbrio,
pode ser citada a incumbência legislacional delegada aos municípios em relação ao
atendimento da Educação Infantil, e a ausência de recursos destinados a esta etapa
da educação até o ano de 2007
25
.
Pode-se considerar também que a proposta implantada no município em
estudo, abarca referenciais teóricos e da prática avaliativa que se identificam com
princípios que vêm norteando as concepções a nível macro em educação, bem
como apresenta alguns pressupostos e características de organização escolar que
foram alvo de reformas em outras localidades no território nacional. Assim, adota-se
nesta pesquisa, o entendimento de que qualquer proposta de mudança educacional,
como a de reorganização do ensino praticada no caso investigado, implica na
interação e confronto de lógicas referenciadas nas políticas locais e nacionais.
Especificamente em relação à avaliação da aprendizagem, percebem-se
neste discurso oficial, marcas da trajetória teórica referente à avaliação da
25
Refiro-me à Lei 9424/96 (sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF) que vigorou até 2007.
61
aprendizagem por que passou a educação brasileira desde a década de 50. É visível
no discurso a concepção de avaliação enquanto mensuração, com ênfase na busca
da eficiência.
É possível também se considerar que todo o movimento desencadeado nas
décadas de 80 e 90 na educação brasileira, em que foram constantemente
colocadas em debate questões sobre o cotidiano escolar que procuravam investigar
relações, rituais, silêncios, práticas, etc., influenciou as pesquisas sobre avaliação da
aprendizagem. Isto possibilitou experiências educacionais que, revelando discursos
e práticas pedagógicas pretensamente neutras, se mostrassem voltadas à adoção
de políticas que se mostrassem comprometidas com a democratização do ensino.
Mais uma vez é importante salientar a centralidade do discurso em relação à
avaliação neste contexto, uma vez que os estudos colocavam em destaque a
relação entre avaliação do rendimento escolar e suas implicações educacionais e
sociais, ressaltando a concepção essencialmente classificatória, de controle e
adequação de comportamentos
26
.
Muito embora cada sistema de ensino tenha características e peculiaridades
que substanciam sua política pedagógica, certos princípios normativos m fixado
concepções de instrução, ensino, aprendizagem, avaliação e educação que m
norteado as ações, dentro de um fazer “comum a todos”, no sistema educacional
brasileiro. Assim, alguns aspectos legais que dizem respeito às concepções de
avaliação da aprendizagem que estiveram presentes nas leis que regeram a
educação brasileira, ampliam a compreensão da avaliação como uma ação
referenciada pelos valores da época, sociedade ou classe social.
Para a leitura e a reflexão sobre os conceitos e determinações expressos na
legislação, também é necessário levar em conta que os critérios de seleção do
padrão desejável são formulados a partir de relações que se inserem em lutas de
interesses entre grupos da sociedade.
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 4.024/61)
abria a possibilidade de a escola determinar, em seu Regimento, sua organização
administrativa, disciplinar e didática; limitava a avaliação a um esquema rígido e
26
As pesquisas de SOUSA(1994), CANDAU; OSWALD (1995) e BARRETO;PINTO (2001a) trazem
um mapeamento e análise da produção dos anos 80 e 90.
62
único para todo o território nacional
27
. Referia-se à avaliação como apuração do
rendimento escolar, do aproveitamento e buscava retratar os resultados alcançados
através de exames e provas.
Refletindo sobre o conceito usado por Luckesi (2001, p. 17) quando nomeia
de “pedagogia do exame” a ação pedagógica firmada em provas e testes, com foco
na promoção do aluno, nos resultados das provas e exames e nos índices
percentuais de promoção e retenção, podemos perceber que, desde a década de
60, este tem sido o modelo adotado.
Com a posterior fixação de normas específicas para o então ensino de e 2º
graus através da Lei no. 5.692/71, ficou estabelecido que a verificação do
rendimento escolar, competência agora dos estabelecimentos de ensino,
compreenderia a avaliação do rendimento e a apuração da assiduidade, atendendo
ao que fosse prescrito no Regimento Escolar. A menção de algumas ações
avaliativas, que passaram a se constituir práticas freqüentes nos diversos arranjos
organizativos dos sistemas de ensino no país, era encontrada nesta legislação.
No texto são apresentados também alguns princípios relativos a ações pedagógicas
referentes à avaliação contínua e cumulativa
28
, à aceleração de estudos
29
, ao
avanço nos cursos e nas séries
30
e à recuperação de estudos
31
.
27
Lei 4.024/61 - Art. 39 A apuração do rendimento escolar ficará a cargo dos estabelecimentos de
ensino, aos quais caberá expedir certificados de conclusão de séries e ciclos e diplomas de
conclusão de cursos.
§1º - Na avaliação do aproveitamento do aluno preponderarão os resultados alcançados,
durante o ano letivo, nas atividades escolares, assegurados ao professor, nos exames e provas,
liberdade de formulação de questões e autoridade de julgamento.
§2º - Os exames serão prestados perante comissão examinadora, formada por professores
do próprio estabelecimento, e, se este for particular, sob fiscalização de autoridade competente.
28
Lei 5692/71 - Art. 14 - §1
º
- Na avaliação do aproveitamento, a ser expressa em notas ou menções,
preponderarão os aspectos qualitativos sobre os quantitativos e os resultados obtidos durante o
período letivo sobre os da prova final, caso seja exigida.
29
Lei 5692/71 - Art. Os alunos que apresentarem deficiências físicas ou mentais, os que se
encontrarem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão
receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de
Educação.
30
Lei 5692/71 - Art. 14 § 4
º
- Verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão
admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação dos
elementos de idade e aproveitamento.
31
Lei 5692/71 - Art.11 - § 1
º
- Os estabelecimentos de ensino de 1
º
e 2
º
graus funcionarão entre os
períodos regulares para, além de outras atividades, proporcionar estudos de recuperação aos alunos
de aproveitamento insuficiente...
Art.14 - § 2
º
- O aluno de aproveitamento insuficiente poderá obter aprovação mediante
estudos de recuperação proporcionados obrigatoriamente pelo estabelecimento.
63
A Lei no. 9.394/96 aborda a questão do processo avaliativo no artigo 9
º
,
onde são encontradas algumas incumbências da União
32
quanto à avaliação do
rendimento escolar no Ensino Fundamental em todo o país, buscando a definição de
prioridades no alcance da qualidade do ensino.
Enfatiza ainda, em seu artigo 12, inciso V, o direito de o aluno aprender
ressaltando a necessidade de “prover meios para a recuperação dos alunos de
menor rendimento”. Destaca também, como incumbência dos docentes, no artigo
13, inciso IV, o estabelecimento de “estratégias de recuperação para os alunos de
menor rendimento”.
Quanto à verificação do rendimento escolar, encontramos no inciso V do Art.
24 que a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos
aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período
sobre os de eventuais provas finais;
possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;
possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do
aprendizado;
aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos aos do
período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados
pelas instituições de ensino em seus regimentos.
Para entender melhor o caminho percorrido em relação à conceituação da
avaliação da aprendizagem nesta legislação e suas funções, é importante citar que
sua homologação, ocorrida na década de 90, se inscreve em um período da
realidade brasileira de pós-ditadura e afirmação do processo de democratização.
Este processo desencadeou mudanças nos campos político, social e econômico,
§ 3
º
- O aluno que não se encontre na hipótese da alínea anterior, mas com
freqüência igual ou superior ao mínimo estabelecido em cada sistema de ensino pelo respectivo
Conselho de Educação, e que demonstre melhoria de aproveitamento após estudos a tulo de
recuperação.
32
Lei 9394/96 No inciso V referência ao dever de “coletar, analisar e disseminar informações
sobre a educação”. Salienta-se neste inciso o reconhecimento da necessidade de qualidade técnica
dos dados acessíveis, uma função de análise crítica e política demonstrando ser um instrumento
essencial de diagnóstico e prognóstico. No inciso VI, o compromisso com o “processo nacional de
avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os
sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”. No
inciso VIII focaliza-se o “processo nacional de avaliação das instituições de educação superior”.
64
sob a influência de um texto constitucional que expressava o desejo de construção
de um
...Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias... (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL, 1988, preâmbulo).
Barreto (2001, p. 54) enfatiza que os estudos também apontam, a partir dos
anos 80, o esforço de uma compreensão multidisciplinar sobre a temática,
procurando dar conta da concepção de homem, sociedade e educação, uma vez
que dessas concepções decorrem as de avaliação. Cita como freqüente a
preocupação com o esboço de um novo modelo de avaliação, que se apresentasse
como desejável e convergente com as diversas correntes teóricas, possuindo um
enfoque prioritariamente qualitativo e contextualizador.
Questionamentos acerca da função da avaliação passaram a ser mais
constantes, sob uma vertente social, redimensionando o papel da avaliação
enquanto instrumento dialético e a serviço da transformação social. Considerando-
se então a avaliação como prática pedagógica representativa de um modelo social,
repensar e sua função tornou-se fundamental. (LUCKESI, 2001, p. 41).
Encontram-se, atualmente, diversos autores (Afonso (2005), Esteban (2001),
Fernandes (2003, 2007, 2008), Hadji (2001), Hoffmann (2001), Luckesi (2001),
Perrenoud (1999), Saul (2000), Vasconcellos (1998), Sacristàn (2000) e Zabala
(1998), entre outros) que têm lançado diferenciados olhares sobre a prática
avaliativa, colaborando assim para que se amplie a discussão sobre os sentidos e
funções da avaliação escolar.
A partir destas correntes de pensamento, cada vez mais tem se firmado o
entendimento de que a rediscussão do sentido da avaliação é um movimento mais
complexo do que a reconstrução das práticas avaliativas, posto que cada vez mais
se impõe a necessidade de construir uma escola de qualidade para todos. Uma vez
que, em nossa sociedade, credita-se uma direta relação entre sucesso/fracasso
escolar e determinação social, a avaliação tem se configurado como um elemento
importante da dinâmica de inclusão, e exclusão, escolar e social. Sendo
65
referenciada pelos valores da época, sociedade ou classe social, os padrões
desejáveis o construídos a partir de interesses, aspirações, projetos e ideais de
grupos socialmente definidos. Ou seja, os padrões reproduzem o caráter ideológico
dos objetivos educacionais de determinado sistema. (Perrenoud,1999).
Em uma sociedade que considere como necessária a (re)construção de uma
escola de qualidade, é preciso concebê-la aberta aos diferentes discursos e lógicas
sociais, com uma atitude de reflexão sobre a avaliação. De acordo com Esteban,
A inexistência de um processo escolar que possa atender às necessidades
e particularidades das classes populares, permitindo que as múltiplas
vozes sejam explicitadas e incorporadas, é um dos fatores que fazem com
que um grande potencial humano seja desperdiçado. O grande número de
excluídos do acesso ao conhecimento socialmente valorizado, dos espaços
reconhecidos da vida social, bem como a marginalização de conhecimento
socialmente produzidos, mas não reconhecidos e validados, o
fortalecendo a necessidade de engendrar mecanismos de intervenção na
dinâmica inclusão/exclusão social. O processo de avaliação do resultado
escolar dos alunos e alunas está profundamente marcado pela
necessidade de criação de uma nova cultura sobre avaliação, que
ultrapasse os limites da técnica e incorpore em sua dinâmica a dimensão
ética. (ESTEBAN, 2001, p.8).
Cada vez mais, as políticas globais têm vinculado ensino/aprendizagem e
avaliação a idéias de homogeneidade, linearidade e previsibilidade, ressaltando nas
práticas avaliativas a classificação, o controle e a seleção. Tomar posição por outro
caminho político/teórico e conseqüentemente dar outro rumo à avaliação praticada,
possivelmente é uma ação não decorrente de determinações legais ou
administrativas. Esta mudança na práxis avaliativa prenuncia uma conscientização
acerca da ação avaliativa que se realiza e as concepções que embasam esta
prática. Requer também a percepção e o enfrentamento sobre quais paradigmas de
aprendizagem, educação, homem e sociedade se adotam nestas práticas.
3.2 - Sobre a organização escolar: progressão continuada e ciclos.
A idéia de que os alunos não sejam sempre retidos de um ano para o outro e
tenham mais tempo para aprender não é original do Brasil, nem nova. A idéia básica
de ciclos perpassa a história da educação no país e pode ser encontrada desde as
66
primeiras regulamentações da estrutura escolar brasileira. Barreto e Sousa (2005)
apontam nas legislações da educação nacional o termo ciclo como denominação
para etapas de escolarização
33
, como idéia subjacente ao sistema de avanços
progressivos na trajetória escolar
34
e como uma das formas de organização do
tempo escolar
35
.
Na legislação educacional brasileira, na LDBEN 4024/61
36
, a organização
do ensino em ciclos foi adotada na estrutura escolar do ensino médio no país na
qual, após o ensino primário cuja duração era de quatro anos, seguia-se o ensino
médio que era composto por dois ciclos: o ginasial (de quatro séries anuais) e o
colegial (de três). É interessante frisar que o uso da terminologia ciclos para indicar
diferentes etapas de escolaridade, relacionava-se, nesta Lei, com um modo de
organização da escola vinculado ao regime seriado. Na Lei 5692/71, que fixou as
diretrizes e bases para o ensino de primeiro e segundo graus, não encontramos
referência aos ciclos, mas uma abertura para novas possibilidades de
organização da escola ao prever junto ao regime seriado, os avanços progressivos
37
na escolarização.
33
A Lei 4.024/61 organizava a estrutura escolar em ensino primário com duração de quatro anos,
seguido do ensino médio dividido em dois ciclos: o ginasial (quatro séries) e o colegial (três séries).
34
O Parecer nº 360/74 regulamenta a idéia contida na Lei 5692/71 sobre regime de avanços
progressivos no qual não havia reprovação e os alunos poderiam ser agrupados por idade e
aproveitamento.
35
Na Lei 9394/96 os ciclos aparecem indicados no artigo 23, dentre um rol de possibilidades de
organização da educação básica.
36
LDBEN 4024/61:
Art. 34. O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre
outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-
primário.
Art. 35. Em cada ciclo haverá disciplinas e práticas educativas, obrigatórias e optativas.
§ O currículo das duas primeiras séries do ciclo será comum a todos os cursos de ensino
médio no que se refere às matérias obrigatórias.
Art. 36. O ingresso na primeira série do 1° ciclo dos cursos de ensino médio depende de aprovação
em exame de admissão, em que fique demonstrada satisfatória educação primária, desde que o
educando tenha onze anos completos ou venha a alcançar essa idade no correr do ano letivo.
Art. 37. Para matrícula na série do ciclo colegial, será exigida conclusão do ciclo ginasial ou
equivalente.
Art. 39. A apuração do rendimento escolar ficará a cargo dos estabelecimentos de ensino, aos quais
caberá expedir certificados de conclusão de séries e ciclos e diplomas de conclusão de cursos.
(Grifo meu).
37
LEI 5692/71 - Art. 14. A verificação do rendimento escolar ficará, na forma regimental, a cargo dos
estabelecimentos, compreendendo a avaliação do aproveitamento e a apuração da assiduidade.
§ Verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão admitir a adoção de
critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação dos elementos de idade
e aproveitamento. (Grifo meu).
67
Respaldados pela legislação atual
38
, que oportuniza uma diversidade de
organização no ensino, alguns sistemas blicos implementaram diferenciadas
experiências de desseriação, entre elas a adoção de ciclos (de formação e de
aprendizagem) e progressão continuada, como propostas que buscavam outra
alternativa para a organização escolar.
Sabendo-se ser a escola uma construção histórica, que atende a fins sociais
específicos, que é instituição social, é certo não encontrarmos a neutralidade
neste espaço. Desde seu aparecimento, a escola foi ajustando seus tempos e
espaços à sua finalidade social, constituindo-se historicamente em conformidade
com os paradigmas vigentes na sociedade. Pode-se encontrar na escola elementos
que evidenciam a origem histórico-social dos conflitos que se desencadeiam no seu
interior, posto que se remetem à sua adequação a fatores extra muros que
determinam e definem a organização de seus espaços e tempos. Interessa-nos
neste momento, ressaltar algumas reflexões sobre as possibilidades de organização
do processo educativo denominadas por “progressão continuada” e “ciclos”.
Por trás das nomeações dadas às formas de organização do ensino (ciclos,
níveis, etapas, séries, etc.) e formas organizativas do sistema de avaliação
(progressão continuada, avanços progressivos, promoção automática), encontra-se
uma rede de relações, práticas e concepções, geralmente não reveladas. Conforme
salienta Fernandes, nesta rede de relações encontra-se inserido o debate sobre a
organização da escolaridade em ciclos e a temática da não reprovação dos alunos,
enfatizando a necessidade de alguns esclarecimentos históricos, políticos e
conceituais sobre ciclo e progressão continuada, uma vez que estas questões
“embora se encontrem, são distintas”. (FERNANDES, 2004, p. 1).
Procurando estabelecer essa diferenciação, Fernandes (2004) identifica os
ciclos como uma forma de organização temporal da escolaridade que traz
implicações não apenas para as práticas avaliativas da aprendizagem, mas também
influencia a forma de organização do conhecimento escolar, as relações
professor/aluno, família/escola, e a cultura escolar. Ressalta que os ciclos
fundamentam-se em teorias que concebem a aprendizagem dos sujeitos como não
38
LDBEN 9394/96 Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na
idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
68
linear, com ritmos e tempos diferenciados e não decorrente apenas de estímulos
externos.
Quanto à progressão continuada, Fernandes diz tratar-se da forma como os
alunos são promovidos (aprovados/reprovados), e que se fundamenta no
pressuposto de que todos os alunos têm capacidade de aprender, não devendo
haver rupturas e interrupções anuais no seu processo educativo.
Além da abordagem e diferenciação conceitual, Fernandes ainda apresenta a
importância de se olhar para este tema do ponto de vista histórico como uma
maneira de evitar outros equívocos. Relacionando as experiências de ciclo e
progressão continuada a processos organizativos relacionados a gestões
preocupadas com a melhoria do acesso e permanência dos alunos na escola,
identifica estas iniciativas, presentes na educação brasileira aproximadamente
5 décadas, como construções historicamente diferenciadas e que se justificam
também pelo contexto político-social de cada comunidade. Confirma sua posição
comentando que
...a construção dos ciclos data ainda das décadas de 60/70 no Brasil e têm
um crescimento nos anos 80 para as séries iniciais do Ensino Fundamental
(os Ciclos Básicos de Alfabetização), tendo se ampliado para as demais
séries ao longo dos anos 90. essa construção histórica foi tecida por
educadores especialistas, professores que participaram de congressos,
fóruns e não somente por técnicos de secretarias de educação. A forma
como a experiência aconteceu em cada região do país foi diferenciada e
fez parte da construção histórica e das condições de produção de cada
comunidade educativa. (FERNANDES, 2004, p. 1).
Diversos estudos (Barreto e Mitrulis, 2001, 2004; Mainardes, 2007;
Fernandes, 2000, 2003) têm apresentado uma retrospectiva histórica sobre as
iniciativas de implantação de ciclos em diversos sistemas de ensino no país.
Pensar na historicidade dos ciclos, além de levantar o debate sobre a
reordenação dos tempos e espaços da escola, revela também uma diversidade de
entendimentos sobre o que sejam ciclos. Sobre isso, Alavarse comenta:
Evidentemente, o estabelecimento de um conceito não consiste em mera
formalização ou apresentação de um enunciado, mas sim de um processo
histórico de construção de sentido. Sentido que, por outro lado, se define
no confronto com outros sentidos estabelecidos ou por se estabelecer.
(ALAVARSE, 2002, p.129).
69
Barreto e Mitrulis (2001, 2004) destacam os movimentos ocorridos no país a
partir da década de 50 que, baseados em argumentos de natureza social, política e
econômica, discutiram a retenção escolar que apresentava índices bastante
elevados, trazendo preocupações que se relacionavam primeiramente com o
orçamento público, mas também traziam preocupações sobre necessidades sociais,
interesses e características das crianças. Registram ainda, as primeiras experiências
de correção do fluxo escolar nas décadas de 1960 e 1970 realizadas em alguns
sistemas públicos, nas modalidades de progressão automática, níveis de ensino e
avanços progressivos.
Identificam o início dos anos 80, como o período em que ocorre a ampliação
do debate sobre avaliação que, deslocando-se da dimensão isolada no rendimento
do aluno, passa a assumir uma visão que integrava as análises de vários campos do
conhecimento sobre as condições de oferta do ensino. Ressaltam também que
durante o período de transição democrática, nesta cada, os motivos de ordem
política colocaram em lugar de destaque a função social da escola, muito mais do
que uma nova formulação do conceito de ciclo. As medidas introduzidas,
principalmente por governos estaduais das regiões Sudeste e Sul, que propunham o
Ciclo Básico de Alfabetização, ensejavam reestruturações dos sistemas escolares
visando à redemocratização do ensino, procurando atender à demanda da clientela
que apresentava grande diferenciação do ponto de vista social, cultural e
econômico.
Fernandes (2003) destaca que essas experiências tiveram a perspectiva de
“promover a alfabetização para todas as crianças dos setores populares da
população do país e reverter a cultura da repetência incorporada à cultura da
escola, nas primeiras ries do ensino fundamental”. Sobre as propostas, a autora
afirma que se pode entender como concepções teóricas comuns aos Ciclos Básicos
de Alfabetização implantados naquela década, que o processo de alfabetização era
compreendido como uma construção gradual dos conhecimentos, própria a cada
indivíduo:
O processo ensino-aprendizagem deveria ser contínuo e sem retrocessos e
desenvolver-se através de metodologia que contemplasse esses princípios,
e a avaliação deveria ser também um processo contínuo, exigindo que o
planejamento do professor fosse pautado nas avaliações dos diferentes
estágios de seus alunos. Para se trabalhar a partir desses pressupostos,
uma série de medidas foram tomadas para a implantação do Ciclo Básico,
70
como turmas heterogêneas e arrumadas pelas idades dos alunos,
planejamentos intra e entre séries, trabalhos diversificados em sala de aula,
relatórios referentes à aprendizagem dos alunos e não mais apenas fichas
bimestrais, programas de formação de professores que promovessem o
estudo de teorias de ponta da psicolingüística, sociolingüística e psicologia.
(FERNANDES, 2003, p. 91-92).
A autora também aponta que, a partir das experiências do Ciclo Básico de
Alfabetização é que começam a ser implantados, com maior freqüência, os sistemas
de avaliação baseados em propostas de “não-reprovação (Idem, 1997, p.88). E,
citando Candau & Oswald (1995), ressalta a ênfase colocada, a partir de então, nas
pesquisas que se debruçaram sobre as temáticas da avaliação, organização do
tempo escolar e competência do professor como fatores de grande influência no
fracasso escolar e elevada repetência dos alunos nos primeiros anos de
escolaridade.
Complementando o percurso histórico sobre as implementações das
propostas de ciclo, destacam-se a criação dos ciclos de formação que abrangeram o
ensino fundamental completo, nas propostas político pedagógicas autodenominadas
radicais nos anos de 1990
39
, reafirmando a compreensão de que cada proposta de
governo sobre os ciclos, se mostrou redefinida de maneira própria, face à leitura do
momento histórico-social, do ideário pedagógico e contexto educacional.
A rediscussão do sentido da avaliação apresentou-se como um movimento no
qual não se tornou possível apenas a indicação/redefinição de práticas avaliativas, já
que, cada vez mais, a avaliação firmou-se como um elemento importante na
dinâmica de inclusão e exclusão, escolar e social.
Nas discussões ocorridas em eventos nacionais e internacionais, ocorridas na
década de 50, uma das questões prioritárias na pauta dos encontros era a retenção
escolar, pondo em evidência a preocupação com a avaliação escolar. Em 1956, na
Conferência Regional sobre Educação Gratuita e Obrigatória, realizada em Lima,
sob o patrocínio da Organização dos Estados Americanos (OEA), foram sugeridas
algumas ações por educadores que, a convite da UNESCO, haviam desenvolvido
uma pesquisa sobre reprovação escolar, na América Latina. Foi indicada, inclusive
pela delegação brasileira, a adoção da promoção por idades, a exemplo de outros
países. Estas orientações juntamente a outras determinações de caráter
39
São exemplos destas experiências, a Escola Plural (Belo Horizonte) e a Escola Cidadã (Porto
Alegre).
71
pedagógico, foram ratificadas pelo governo brasileiro, através do Parecer Nº. 360/74
do Conselho Federal de Educação (CFE).
Buscando-se as bases para uma definição do sistema de progressão
continuada, podemos encontrá-las na conceituação dada aos avanços progressivos,
neste documento. Ali, os avanços progressivos são colocados como possibilidades
para o aluno caminhar de acordo com suas capacidades, sem estar “preso” a
quantitativo de anos/séries, não existindo também o mecanismo de reprovação:
...adequação dos objetivos educacionais às potencialidades de cada aluno,
agrupando por idade e avaliando o aproveitamento do educando em função
de suas capacidades. [...] Não existe reprovação. A escolaridade do aluno
é vista num sentido de crescimento horizontal; o aproveitamento, numa
linha de crescimento vertical. Pelo regime de avanços progressivos, o
aproveitamento escolar independe da escolaridade, ou seja, do número de
anos que a criança freqüenta a escola. (Brasil, 1974, item I).
Por aliar este entendimento sobre a progressão na escolaridade e o que
prevê a LDBEN 9394/96 nos §§ e do seu artigo 32
40
, alguns autores associam
a progressão continuada ao regime seriado. Sobre esta questão, ao colocar em
contraposição os ciclos e a progressão continuada frente à lógica de tempo escolar
seriado, Alavarse pondera que a:
...progressão continuada que, aliás, é associada, via LDB, ao regime
seriado, [...] se desenvolveu como uma concepção que, entre outros
traços, centra-se no combate aos resultados de reprovação extremamente
elevados, sendo que estas reprovações se fazem acompanhar da decisão
de obrigar o aluno a repetir o ano no qual foi considerado com
aproveitamento insuficiente. A progressão automática, independentemente
das prescrições de reforço e recuperação, representa em última instância
negar a possibilidade de que o percurso do aluno seja truncado pelas
decisões de reprovação. [...]
Em relação aos ciclos, embora sem uma definição clara do que seriam,
fica sugerido que estariam pautados em contraste com a seriação. No
mínimo, depreende-se que teriam como característica uma segmentação
do ensino fundamental em períodos superiores aos anuais, típicos da
seriação. Outra questão é quanto à decisão sobre progressão continuada
quando da adoção de ciclos. (ALAVARSE, 2002, p. 105 e 107).
40
LDBEN 9394/96 - Art. 32.
§ 1º - É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.
§ - Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no
ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do
processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.
(Grifo meu).
72
Mainardes também explicita seu entendimento sobre a questão ao relatar
que na revisão de literatura realizada por ele sobre a organização da escolaridade
em ciclos no Brasil, que abrangeu o período de 1987 a 2004, pode constatar que:
A não distinção entre experiências de ciclos [de formação e de
aprendizagem] e o regime de progressão continuada dificultam a
compreensão mais aprofundada de ambas as políticas. [...] essas duas
políticas constituem as versões progressista e conservadora do discurso
da política. (MAINARDES, 2006, p. 19).
Barreto e Sousa (2004) complementam esse raciocínio sobre a vinculação
das experiências de progressão continuada à lógica da seriação, ao dizerem que na
educação brasileira, a idéia de ciclos em diversos sistemas educativos esteve
associada a propostas de progressão continuada, avanços progressivos, promoção
automática, na busca de uma outra organização escolar que não fosse seriada
41
.
Destacam que muitos dos ciclos implementados no Brasil tenderam a ser uma
medida intermediária entre a seriação e a promoção automática, por não abrigarem
em sua concepção a possibilidade de aceitar que os alunos apresentassem
desempenhos diferenciados, esperando-se, portanto, que ao final do período
compreendido pelo ciclo todos apresentassem o mesmo nível de conhecimentos.
Acrescentam como conseqüência a esta concepção, que
Quase todas as propostas de introdução dos ciclos, ameados dos anos
90, mantiveram a possibilidade de retenção do aluno ao final de cada ciclo
e que muitas ainda a mantêm até os dias atuais, porque partem do
pressuposto de que se trata de dar mais tempo a certos alunos para que
logrem aprender. (BARRETO e SOUSA, 2004, p. 8).
Muito embora as bases legais da progressão continuada, citadas neste
texto
42
, apontem para uma desseriação, seus pressupostos estão firmados na
lógica seriada, com uma centralidade na avaliação. Essa ênfase no processo
avaliativo se pela não possibilidade de retenção entre os anos letivos,
41
Das experiências de ensino não-seriado, destacam-se, dentre outras: a organização do ensino
primário em níveis na rede estadual do Estado de o Paulo (1968 a 1972); o Sistema de Avanços
Progressivos na rede estadual do Estado de Santa Catarina (1970 a 1984); o Bloco Único na rede
estadual do Estado do Rio de Janeiro (1979 a 1984); o Ciclo Básico de Alfabetização em São Paulo
(englobando 1ª e 2ª séries entre 1984 e 1997), em Minas Gerais (a partir de 1985), Paraná e Goiás (a
partir de 1988); a organização do ensino em ciclos na rede municipal da cidade de Niterói,
abrangendo os nove anos do ensino fundamental (a partir de 1999).
42
Parecer nº. 360/74 do Conselho Federal de Educação (CFE).
73
requerendo uma reconsideração sobre os tempos e práticas avaliativas. Esse olhar
para o processo avaliativo, não tem caráter transformador de sentidos, na medida
em que acontece uma ruptura dessa progressão, seja nos períodos escolares de
dois, três, quatro ou cinco anos de escolaridade, para que o aluno continue a cursar
o ensino fundamental em regime seriado ou em outro(s) período(s) de progressão
continuada. Como também, porque a lógica da progressão continuada objetiva o
alcance de todos, a determinados objetivos traçados para o final do período
estipulado em que se pode “progredir” continuadamente.
Mesmo a avaliação merecendo algum destaque na progressão continuada, o
currículo não sofre alterações nem na forma de organização, nem nas práticas.
Assim, a questão da centralidade da avaliação na progressão continuada pode
traduzir-se como uma intenção de reorganizar a escola juntando séries, retirando da
avaliação o poder de reter o aluno intra-séries de um “ciclo” e introduzindo
inovações pedagógicas como forma de compensar os efeitos das diferenças, numa
tentativa de permitir ritmos diferenciados em espaços maiores de tempo. (FREITAS,
2003).
Barreto e Sousa (2004) indicam como representantes de concepções
conservadoras de organização escolar, as séries e os ciclos de aprendizagem, na
medida em que nestas formas de organização, não se alteram as bases do trabalho
escolar, mantendo-se a reprovação, ainda que camuflada no interior do ciclo (pela
infreqüência) ou ao final do ciclo (pelo não alcance dos objetivos e competências
traçados). uma menção explícita à seriação como referente básica da estrutura
curricular, mesmo que o período de tempo considerado não tenha vinculação direta
com o ano letivo.
Como representantes de propostas consideradas inovadoras e progressistas,
como nomeou Mainardes, estão os ciclos de desenvolvimento humano e ciclos de
formação
43
, entre outros, nos quais a concepção ultrapassa a preocupação com a
regularização do fluxo escolar, produzindo mudanças não na organização do
trabalho pedagógico consolidando-se, especialmente, pelo propósito de
oferecimento de uma educação popular e democrática. São estes os traços
apontados como caracterizadores destas propostas:
43
Escola Plural de Belo Horizonte e Escola Cidadã de Porto Alegre, respectivamente.
74
A assunção de uma postura radical de reversão das estruturas
excludentes da escola e da cultura que a legitima;
Forte ênfase no trabalho coletivo, envolvendo toda a comunidade
escolar na formulação e implementação do projeto político-pedagógico
da escola;
Nova relação com o conhecimento, em que o conteúdo escolar
estabeleça ema relação amais dialógica e integradora entre o saber
sistematizado e as vivências do aluno;
Especial empenho na superação do regime seriado e suas
conseqüências em relação à retenção e ao agravamento da
seletividade escolar. (Idem, 2004, p. 11).
Assim, como Freitas (2004), considera-se neste estudo que tanto a
progressão continuada como os ciclos, enquanto propostas, correspondem a visões
diferenciadas de mundo. Freitas coloca sua posição da seguinte maneira:
Com o intuito de demarcar inicialmente nosso entendimento do que seja
“ciclo”, gostaríamos de diferenciar, a partir dos exemplos citados (Belo
Horizonte e São Paulo), duas formulações que são correntemente
chamadas de “ciclos”, mas que a nosso ver não deveriam sê-lo: trata-se
da diferenciação entre a estratégia de organizar a escola por ciclos de
formação que se baseiem em experiências socialmente significativas para
a idade do aluno” e de “agrupar séries com o propósito de garantir a
progressão continuada do aluno”. Como veremos, a primeira exige uma
proposta global de redefinição de tempos e espaços da escola, enquanto
a segunda é instrumental - destina-se a viabilizar o fluxo de alunos e tentar
melhorar sua aprendizagem com medidas de apoio (reforço, recuperação,
etc.). Uma e outras têm seus problemas, mas são concepções
diferenciadas; chamaremos de ciclo apenas experiências como a primeira,
reservando para a segunda seu nome correto: progressão continuada. [...]
portanto, progressão continuada não será considerada uma proposta
ciclada. (FREITAS, 2003, p.9).
...ambas as concepções padecem de alguns problemas comuns e de
outros específicos, e têm lastro em políticas blicas diferenciadas.
Entretanto, enquanto a progressão continuada estava na agenda liberal
desde que ela se apropriou do lema “Educação para Todos” no início da
década de 90, os ciclos foram inseridos em nossa realidade mais
freqüentemente a partir de uma perspectiva crítico social. (Idem, 2004, p.
7).
Entende-se, portanto, como estes autores, que os usos que a escola tem
feito dos seus tempos e espaços são marcados pela contradição e repletos de
tensão. Ao optar pela organização escolar em ciclos ou em progressão continuada
(ou outra qualquer), as concepções e finalidades educacionais estão refletidas,
reveladas. Possivelmente, não de maneira clara, consciente a todos os sujeitos
envolvidos, mas, marcado pela complexidade, o caminho escolhido/imposto à
escola vai se construindo pelas interações, articulações e recontextualizações do
discurso pedagógico.
75
Neste trabalho, a organização do ensino no município de Queimados será
denominada “Ciclo de Progressão Continuada por se configurar uma
reestruturação da forma avaliativa e da organização do ensino, caracterizada por
um ciclo de agrupamento dos três primeiros anos de escolaridade do Ensino
Fundamental, nos quais acontece a progressão continuada. A dupla nomeação
registrada no documento de implantação ressalta a vinculação com a desseriação,
mas não rompe com a lógica de agrupar séries com a finalidade de garantir a
permanência do aluno na escola. Demarca-se assim também, o fato de que esse
formato escolar não se apresenta como uma experiência de sistema ciclado tal
como conceitua Freitas. Na perspectiva desse autor, a escola ciclada toma como
pressuposto a redefinição dos seus tempos e espaços, numa perspectiva crítico-
social.
76
4. O DISCURSO SOBRE A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO SISTEMA
MUNICIPAL DE ENSINO DE QUEIMADOS/RJ
...fazemos ciência – e sobretudo sociologia tanto
em função de nossa própria formação quanto contra
ela. E só a História pode nos desvencilhar da História.
(Bourdieu, 2003. p. 6).
No sentido mais comum e cotidiano da formulação de diretrizes e propostas
de políticas públicas, é esperada certa relação com os anseios da comunidade a que
se destinam, expressando-os. Entende-se, desse modo, que uma política pública
deva estar atenta à proposição de respostas às necessidades que vão se
apresentando na construção histórica daquele grupo social.
Pressupõe-se que uma política educacional, a exemplo de outras, num
sistema democrático, mantenha um diálogo com os movimentos que estarão direta
ou indiretamente ligados às conseqüentes proposições, existindo certa coerência
epistemológica entre estas e as conseqüentes legislações. Apresentando uma inter-
relação entre as intenções da legislação e as concepções que lhe dão
sustentabilidade, as políticas devem então se basear em motivos que reafirmem os
pressupostos que fundamentaram as escolhas e estratégias efetivadas.
As ações decorrentes da política pública o entendidas aqui como “ação
social”, portadoras de significados e aspectos intersubjetivos e simbólicos,
compreendidas como singulares em razão da sua historicidade. que se ressaltar
a tendência adotada nesta pesquisa de não imprimir um olhar baseado apenas na
descrição das ações e interações sociais ou que busque compreender uma dinâmica
organizativa objetiva e intencional nestas ações, por se acreditar que não dariam
conta da complexidade em que se dão essas práticas sociais.
Dessa forma, ao investigar o processo por que passou a rede de ensino em
Queimados, procurou-se compreendê-lo em suas ações, significados e
intencionalidades, explícitos ou não. As condições estruturantes são aqui
consideradas de forma dialética, como promotoras das práticas sociais dos sujeitos,
mas também, produto destas práticas.
Pode-se dizer que Queimados vivenciou um governo de “continuidade”, desde
a emancipação até 2004, com um único gestor na educação. A trajetória da
77
Secretaria Municipal de Educação
44
(SEMED) pensada organicamente de forma a
gerir diversos setores, construiu naquele percurso de 12 anos uma interação, com a
rede escolar, baseada em ações que notadamente privilegiaram a autoridade, a
centralização e a inspeção, muito embora tenham sido criados, durante este
período, alguns mecanismos de participação e co-gestão.
Podem ser citados como exemplos destas iniciativas de incentivo à autonomia
e à gestão participativa que ali foram instauradas e institucionalizadas: a criação de
uma Lei Municipal para eleição de Diretores de escolas; a criação do Sistema
Municipal de Educação; a formação do Conselho Municipal de Educação e do
Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle do FUNDEF (hoje FUNDEB); a
formação de Conselhos Escolares e a construção do Regimento Interno das escolas
da rede municipal. Cada um dos órgãos e documentos citados aponta para uma
diversidade de relações e possibilidades que podem ser encaradas como
“engrenagens” constituintes de todo o processo sócio-histórico e sociocultural dessa
rede de ensino.
Sendo instaurado desde 1997 o Conselho Municipal de Educação, algumas
normas complementares para o sistema de ensino foram sendo elaboradas,
procurando cumprir o estabelecido na legislação federal acerca de suas
competências
45
, demarcando, inclusive, a não opção de integração com o sistema
estadual para a composição de um sistema único de educação básica. Com a
homologação da Lei Municipal Nº. 411/99, instituiu-se o Sistema Municipal de
Ensino, possibilitando ao município a autonomia em relação à organização e
manutenção das suas escolas, praticando poticas relativas às suas necessidades.
44
SEMED - A Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de Queimados foi desmembrada
em 2002, passando a denominar-se a partir de então SEMEC (Secretaria Municipal de Educação e
Cultura). Em janeiro de 2007, novo desmembramento foi realizado, criando-se a Secretaria Municipal
de Cultura, passando assim a adotar a nomenclatura de SEMED (Secretaria Municipal de Educação).
45
LDBEN, 9394/96, Art. 11- Os Municípios incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino,
integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;
II - exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino
fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas
plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais
mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal.
Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de
ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica.
78
O início de 2005 se inscreve neste município com mudanças na base
governamental, respaldadas por uma parcela significativa da população. A
Secretaria Municipal de Educação sofre alterações em seu quadro, havendo
modificações nos cargos de Secretário e Diretores dos Departamentos de Educação
e de Cultura. Conjugo a estes fatos, o de que, ao final daquele ano, as escolas
passariam por processo eleitoral para escolha de Diretores
46
, o que disseminou uma
preocupação quanto ao desejo, por parte da Câmara Municipal, de revogação da Lei
que instituiu a eleição. Houve rumores quanto à indicação de Diretores alheios ao
quadro funcional. A SEMED passa então a enfrentar modos de intervenção na
gestão das políticas públicas não comuns à experiência anterior (que não concebia
interferências de caráter político-partidário divergentes das implementadas pela
gestão central - aqui entendida como de estreita correlação entre SEMED e governo
municipal).
Não pretendo fazer aqui uma análise exaustiva de modos de interpretação
dessas intenções político-administrativas, da visibilidade dos códigos instituídos, das
estruturas formais e não formais, das normas e regras, e da cotidianidade que
passou a delinear a dinâmica gestionária desta rede. Porém, percebe-se que nos
processos decorrentes dos modos decisórios, das mediações e ações exercidas
pela/na escola e além dela, uma questão se tornou recorrente na tessitura do
processo educacional: as relações entre o discurso oficial, os elementos teóricos e a
prática pedagógica realizada nas escolas.
As mudanças que ocorreram na organização escolar desde 2001, com a
implantação de um novo modo organizativo na rede escolar, agrupando os três anos
iniciais do Ensino Fundamental, passando a se constituir de nove anos de
escolaridade, colocaram em evidência diversas questões que se mostraram
recorrentes em muitos relatórios, entrevistas e visitas de acompanhamento às
Unidades Escolares. Os questionamentos focalizavam, freqüentemente, a gestão
escolar e as interações com a escola na condução do processo administrativo-
pedagógico.
Desta rede de relações, focaliza-se, nesta investigação, a construção do
discurso oficial sobre a avaliação da aprendizagem, neste sistema de ensino, a partir
da implantação do ciclo de progressão continuada. Pressupõe-se que os contextos
46
Desde 1995, após a homologação da Lei Municipal Nº. 187, processo eletivo para Diretores das
escolas municipais, a cada dois anos.
79
de influência e de produção dos textos se apresentam como fatores condicionantes
para os fundamentos e concepções teóricas que, de forma declarada ou não,
sustentam e servem de embasamento para este discurso, considerando, inclusive,
as influências recebidas por meio da formação profissional/acadêmica dos sujeitos
sociais envolvidos no processo e das políticas nacionais e internacionais.
Ao apresentar um resgate histórico do processo de implantação e
implementação do 1º ciclo de progressão continuada como etapa inicial de um
Ensino Fundamental seriado - demarcado pelas diversas regulamentações e
“normatizações” referentes ao processo avaliativo - e suas articulações com
elementos de política pública, objetiva-se contribuir para a compreensão dos
elementos contextuais do discurso oficial que ali foi adotado.
As características do contexto sociocultural, as necessidades e possibilidades
inscritas nos processos de interação entre os agentes, as concepções teóricas e as
práticas de política pública são tomadas como elementos convergentes da ação
social, não sendo assim possível analisar uma parte sem referência ao todo, nem
este ser visto como síntese provisória das circunstâncias parciais do momento.
Assim, diante da complexidade e pluralidade desses processos, se tornou
importante apresentar um panorama do contexto das realidades municipais da
Baixada Fluminense, incluindo a emancipação de Queimados (antes pertencente ao
município de Nova Iguaçu) e, em particular, as políticas educacionais que ali foram
propostas.
4.1 - O contexto sócio-histórico do município
A partir de 1565, após a fundação da cidade do Rio de Janeiro, várias
sesmarias
47
foram distribuídas na área da Baía de Guanabara. Uma vez que
algumas condições que dificultavam a penetração nas terras além do litoral haviam
47
Sesmaria Instrumento legal português referente à distribuição de terras visando o estímulo à
produção. Com a chegada ao Brasil dos capitães-donatários, titulares das capitanias hereditárias, a
distribuição de terras passou a ser uma prioridade, que garantiria a instalação do cultivo açucareiro
na colônia. O sistema sesmarial perdurou no Brasil a17 de julho de 1822, quando a Resolução 76,
atribuída a José Bonifácio de Andrade e Silva, pôs termo a este regime de apropriação de terras.
80
sido afastadas
48
e os rios se instalaram como um caminho viável para esta incursão,
surgiram pequenas povoações, engenhos de açúcar e igrejas a partir dos quais se
originaram muitos municípios.
As bacias dos rios Meriti, Sarapui, Iguaçu, Inhomirim, Estrela e Magé foram
as primeiras a serem ocupadas. Em suas margens nascem os portos de
embarque. Bastante movimentados com a presença de tropeiros e de
embarcações que subiam e desciam levando mercadorias da Europa para
os engenhos e destes com seus produtos para a cidade do Rio de Janeiro,
alem dos excedentes para o Reino. Os próprios portos eram transformados
em importantes celeiros. (IPAHB
49
, 2008).
Foi na Fazenda São Bento, cuja atividade econômica se baseava tanto na
produção de farinha de mandioca como na fabricação de tijolos, que se pode
demarcar o início do Vale do Rio Iguassu. O rio Iguaçu
50
localiza-se no estado do
Rio de Janeiro, com nascente na Serra do Tinguá. Alcançando uma extensão de
43km, deságua na Baía da Guanabara. Foi fundamental no desenvolvimento da
região da Baixada Fluminense, especialmente para a criação da cidade de Nova
Iguaçu.
Àquela época, as regiões começavam a alcançar determinada importância
diante do poder eclesiástico e governamental, à medida que também possuíssem
capelas e igrejas em seu território. Deste pequeno núcleo passavam a surgir aldeias,
freguesias, vilas e mais tarde cidades.
48
Dentre outros acontecimentos, após a fundação da Cidade do Rio de Janeiro em 1565, ocorre a
expulsão dos Franceses e o conseqüente aniquilamento dos índios Tupinambás. Desde o
estabelecimento do Governo-Geral em 1549, era constante a captura de índios para que servissem
de mão-de-obra escrava nos engenhos e na edificação de prédios e igrejas nas cidades. Nesse
período houve intensos e forçados deslocamentos de índios de outras regiões para o litoral. Cabe
esclarecer que os conflitos com os indígenas envolviam tanto distintas visões sobre os índios, quanto
a disputa sobre a posse do seu trabalho. As “guerras justas” para captura dos índios tinham sua
legislação baseada num imaginário difuso sobre práticas indígenas consideradas bárbaras e hostis.
Este imaginário era sempre fomentado quando favorável à defesa dos interesses econômicos dos
colonos.
49
Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense (IPAHB)
- Resumo histórico da Baixada Fluminense. http://www.ipahb.com.br/sintesehist.php - Acesso em
16/03/2008.
50
O Porto de Iguaçu, que se localizava nesse rio, foi o segundo em importância no estado,
especialmente entre 1830 e 1860. Exportava-se principalmente café, feijão, farinha e tapioca, além de
outros produtos produzidos pelos municípios de Nova Iguaçu, Vassouras, Valença e Paraíba do Sul.
O Estado de Minas Gerais também utilizava o porto, que ficava no final da Estrada Real do Comércio.
Com o tempo, o rio Iguaçu perdeu sua importância estratégica, tendo como um dos principais fatores
a criação da Estrada de Ferro Dom Pedro II (atual Estrada de Ferro Central do Brasil).
81
Com a elevação da povoação de Iguassu à categoria de vila, Vila de Iguassu
é considerada a primeira grande cidade da Baixada Fluminense
51
. Sob sua
administração se encontravam seis freguesias
52
, das quais se originaram
importantes distritos que mais tarde vieram a se transformar em cidades: Nossa
Senhora da Piedade do Inhomirim, Nossa Senhora do Pilar, Nossa Senhora da
Piedade do Iguaçu, Santo Antonio de Jacutinga (futura Nova Iguaçu), São João de
Meriti e Nossa Senhora da Conceição do Marapicu (que daria origem à cidade de
Queimados), compreendendo uma das maiores áreas em extensão da província de
Rio de Janeiro, com aproximadamente 1300 Km
2
.
Desde sua formação, as mudanças sempre estiveram presentes na vida da
cidade de Iguassu, até mesmo no seu nascimento oficial: em menos de três anos o
município foi criado, extinto, desmembrado e restaurado por diferentes leis tudo
entre janeiro de 1833 e dezembro de 1836. Ao ser restaurado, porém, Iguassu ficou
sem uma parte do território inicial a Freguesia de Inhomirim inaugurando as
sucessivas perdas territoriais que a Nova Iguaçu viria a sofrer mais tarde.
Seguindo as transformações que o mundo passava a conhecer, a primeira
ferrovia foi inaugurada no Brasil. Depois de experimentar ao barco a vapor, chega a
locomotiva sobre trilhos. Esta mudança foi marcante para a área urbana da Baixada
Fluminense uma vez que, para atravessá-la em um percurso retilíneo, foram
necessárias várias modificações na geografia da região.
Para o processo de ocupação humana a chegada da ferrovia foi essencial
porque, além dos rios, não havia estradas - mas somente caminhos pelos quais
passavam carroças e outros transportes realizados com animais. A ferrovia passou a
ser então um importante meio de transporte de passageiros e mercadorias. A
população começou a ocupar as margens das ferrovias, principalmente das
estações de parada.
51
O termo Baixada Fluminense identifica-se mais com uma conotação política que física e refere-se a
onze municípios do estado do Rio de Janeiro: Magé, Nova Iguaçu e os que deles se emanciparam
Guapimirim, Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, Queimados e
Japeri, além de Paracambi que alguns não incluem na Baixada Fluminense. (TEIXEIRA, 2005, p. 10).
52
Segundo TEIXEIRA (idem, p.43), freguesia era uma povoação sob o ponto de vista eclesiástico. A
palavra originou-se do vocábulo freguês (paroquiano de uma determinada igreja). Assim, freguesia
era, originalmente, o conjunto de paroquianos. A administração colonial (e depois a imperial) tomou
da área eclesiástica o termo, realizando os assentamentos civis (nascimento, casamento, morte) nos
livros da freguesia. Qualquer população era conhecida como freguesia se ali houvesse uma igreja
matriz. Para tornar-se cidade era necessário, oficialmente, ser elevada à categoria de vila.
82
Ao final do século XIX, Iguassu passa por uma mudança radical: com a virada
do progresso da beira dos rios para junto aos trilhos das estradas de ferro, a sede do
município é transferida de Iguassu para o arraial de Maxambomba, em 1891.
Após o declínio da agricultura da cana-de-açúcar, a cultura da laranja passou
a ser a mais importante para o município. Vinda de São Gonçalo, a laranja
encontrou solo ideal em Nova Iguaçu. Apenas para citar um exemplo, todo o bairro
da Posse era, antigamente, uma grande fazenda produtora de laranjas.
Praticamente toda a produção de laranjas era exportada, trazendo para o município
um grande desenvolvimento econômico. A exportação começou a ocorrer na ultima
década do culo XIX, juntamente com o desmatamento (lenha e carvão, madeiras
de lei).
Somente em meados de 1916 é que a nova cidade passou a ser chamada de
Nova Iguassu. A grafia do nome da cidade mudou para Iguaçu tempos depois,
após reformas ortográficas da língua portuguesa.
Durante as décadas de 30 a 50, a citricultura em Nova Iguaçu alcançou seu
desenvolvimento máximo. Nesse período, a cidade de Nova Iguaçu era chamada de
“Cidade Perfume” porque as laranjeiras, em floração, perfumavam todo o roteiro das
ferrovias. Acontece que, havendo a interrupção do transporte marítimo durante a
Segunda Guerra Mundial, a exportação das laranjas não pode mais ser realizada.
Os frutos apodreceram nos pés e a citricultura foi abandonada. As áreas que eram
ocupadas por laranjais começaram a ser loteadas e novos bairros surgiram.
Antes de iniciar seu processo de industrialização, Nova Iguaçu era conhecida
como uma cidade-dormitório
53
pois, o crescimento populacional, a impossibilidade
de absorção de toda essa mão-de-obra na região, além dos poucos investimentos
em infra-estrutura urbana, que a cidade acabara de sair de um período dedicado
apenas à citricultura, levou a população a buscar trabalho em outras regiões.
A partir da “crise da laranja”, Nova Iguaçu passou a se concentrar num
processo de industrialização, que se encontrava em região privilegiada quanto ao
escoamento da produção, principalmente através da BR-116 (Rodovia Presidente
Dutra). Foi a vez então da indústria e o comércio crescentes garantirem nova
riqueza ao município. Com a facilidade encontrada nessa época para compra de
vastos terrenos a preços bastante baixos e mão-de-obra barata, Nova Iguaçu
53
Designação dada aos municípios cuja maior parte da população trabalha em outra cidade (no caso
em questão, a cidade do Rio de Janeiro).
83
passou, então, a contar com um significativo parque industrial e uma grande
atividade comercial.
Com o crescimento da população do Rio de Janeiro e a relativa facilidade de
deslocamento possibilitado pela ferrovia, levaram à crescente expansão urbana no
município de Nova Iguaçu. Houve uma grande explosão demográfica a partir da
década de 40, crescendo a pressão pelo desmembramento de certas áreas do
município.
Assim, são citadas as crises impostas pela Segunda Guerra Mundial, a
explosão demográfica ocorrida na Baixada Fluminense e no Rio de Janeiro, no
século XX, e as disputas entre forças políticas locais, como fatores que propiciaram
as mudanças que deram ao município a configuração que possui hoje. O
crescimento populacional e as disputas políticas, atuando em conjunto, levaram ao
fracionamento do território.
Nova Iguaçu perdeu a partir de então, sucessivamente, partes importantes de
seu território com a emancipação de Duque de Caxias (que englobava São João de
Meriti), Nilópolis, Belford Roxo e Queimados, Japeri e, por fim, Mesquita.
O primeiro desmembramento ocorreu em dezembro de 1943, quando foi
sancionada a emancipação de Duque de Caxias. São João de Meriti também
integrava esse novo município.
Em 1947 foi a vez de Nilópolis se emancipar, no mesmo ano em que São
João se separou de Caxias. Mesmo com as emancipações dos anos 40, Nova
Iguaçu tornou-se ao longo dos anos uma das principais cidades do estado, tanto em
população quanto em geração de renda. Contudo, as emancipações que mais
marcaram a economia de Nova Iguaçu foram as ocorridas no início dos anos 90.
Em 1990, houve a emancipação de Belford Roxo (segundo menor distrito,
porém um dos mais populosos), seguido por Queimados (no qual estava localizado
o Pólo Industrial de Nova Iguaçu que passou a ser administrado pelo novo
município).
No ano seguinte, foi a vez de Japeri. Em 1999, Mesquita, distrito de apenas
36 km², também se emancipou, tendo sua primeira eleição para prefeito no em 2000.
84
Nova Iguaçu
Duque de Caxias
Japeri
Queimados
Belford Roxo
S J Meriti
Mesquita
Nilópolis
Figura 2 – Região que integrava o município de Nova Iguaçu/RJ e municípios que dele se
emanciparam – http://www.turisbaixada.com.br/municipios.htm
A colonização e a ocupação das terras que hoje compõem o município de
Queimados têm similaridades com a história das terras de Iguassú, pois possuem as
mesmas identidades culturais uma vez que, segundo Abreu (1994), "seus
habitantes, desde os primórdios da colonização, se acham intimamente ligados
pelos hábitos e envoltos por iguais sentimentos de regionalidade, crença e labor".
A mais antiga referência a Queimados está ligada a um “Pouso de
Queimados”
54
sugerindo que de um entroncamento de estradas na qual se instalou
um pouso, origina-se o que viria a ser a cidade. No entanto o nome dado à cidade
tem diversas versões.
Queimados tem sua origem na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Marapicu, confirmada por Alvará de 4 de Fevereiro de 1759. Era de propriedade do
Conde de Aljesur, que foi posteriormente vendida à família Guinle, conservando as
200 braças de terra ao seu redor, como propriedade da Paróquia. Onde nasceu o
povoado que era centro de transações comerciais dos produtos das plantações das
fazendas circunvizinhas, provavelmente surgindo uma feira, ergueu-se um arraial,
54
Pousos eram locais de paradas de tropeiros. As estradas não ofereciam condições para transporte
em carruagens ou carroças e o percurso era feito em tropas de muares, pelos brejos, rios e
montanhas. A parada para descanso, alimentação e pernoite era uma necessidade atendida pelos
pousos. (TEIXEIRA, 2005, p.78).
85
com população migrada de outras regiões, fenômeno que era comum na história dos
povoamentos do Brasil colonial, ou seja, a formação de aglomerados humanos ao
redor de um ponto de referência comercial e fonte de trabalho.
Uma capela erigida, em 1832, pelo casal Manuel Pereira Ramos e sua
mulher, Helena de Andrade Souto Maior Rendon, e que dera ascensão à Freguesia,
constituiu o ponto de partida para o crescimento e desenvolvimento de Queimados.
Em 1833, correspondia a um Distrito Eclesiástico, que era subordinado à Câmara
da Cidade do Rio de Janeiro, representado por um Intendente que ficava na Vila de
Iguassú. A 1911, Marapicu era sede do Distrito, foi então transferida para
Queimados, graças ao seu desenvolvimento alcançado, assim permanecendo até
1919, quando se restabeleceu a sede em Marapicu. Entretanto, em janeiro de 1924,
foi transferida, em definitivo, a sede para a localidade de Queimados.
Após várias lutas
55
, o processo de Emancipação de Queimados sai vitorioso
em plebiscito de 25 de Novembro de 1990, promulgado através da Lei 1.773 de
21 de dezembro de 1990, desmembrando-se assim do Município de Nova Iguaçu.
Sua primeira eleição ocorreu em 03 de Outubro de 1992, tomando posse o Primeiro
Prefeito, Dr. Jorge César Pereira da Cunha, em 1º de Janeiro de 1993.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)
56
, Queimados possui uma área de 77 km
2
, onde estão situados 115 bairros,
e compõe-se de zona urbana e rural com uma população em torno de 130.000
habitantes.
4.2 - A constituição da rede municipal de ensino
Assim como em outros setores de atividade pública exercida nesse município, a
Educação herdou da cidade de Nova Iguaçu os seus funcionários, sob regime
estatutário, que o edital para o concurso público municipal para a Educação
57
só foi lançado em dezembro de 1993.
55
TEIXEIRA, 2005; TORRES, 2004; PRADO, 2000.
56
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php - Acesso em 16/03/2008.
57
Os cargos foram: Professor II de à série, Professor II de Educação Física (formação de
grau para docência em turmas de 1ª à 4ª série) e Professor I (Ciências, Educação Artística, Educação
Física, Geografia, História, Inglês, Matemática e Português).
86
Sobre as condições da Educação municipal à época da emancipação, diz Jorge
César Pereira da Cunha, primeiro prefeito da cidade (In TEIXEIRA, 2005, p. 165):
A situação do município de Queimados na área do ensino público
encontrava-se em péssimas condições, com poucos professores e com
baixos salários, poucas escolas e em péssimo estado de conservação,
poucas crianças matriculadas (cerca de 3.500), sem uniformes,
subnutridas...
Através da Secretaria Municipal de Educação, Desporto, Cultura e Lazer,
realizamos uma “revolução” na educação queimadense... Construíram-se e
reformaram-se inúmeras escolas.
Dentre as escolas construídas durante o nosso mandato, podem-se citar a
E. M. Maria Corágio Pereira Xanchão (Jardim da Fonte), a E. M. José
Anastácio Rodrigues (Fazendinha), a E. M. Nelson Carneiro (Três
Fontes); dentre as escolas reformadas, podem-se citar a E. M. Scintilla
Exel (Belmonte), a E. M. Leopoldo Machado (Vila Nascente), a E. M. Luis
de Camões (Bairro Luis de Camões), a E. M. Cledon Cavalcante
(Copacabana), a E. M. Waldick Cunegundes Pereira (santa Rosa), a E.
M. Doutor Francisco Manuel Brandão (Tricampeão), a E. M. Anna Maria
dos Santos Perobelli (Paraíso), a E. M. Eloy Dias Teixeira (Campo da
Banha), a E. M. Diva Teixeira Martins (Pedreira), a E. M. Eloy Teixeira
(São Roque, atual E. M. Vereador Carlos Pereira Neto), a E. M. Carlos
Pereira Neto (Estrada Conde de Algezur, atual E. M. Monteiro Lobato), a
E. M. Tiradentes (Inconfidência) e a E. M. Oscar Weinschenk (Fanchém).
Pode-se citar ainda, a implantação da E. M. Metodista, no centro de
Queimados, a implantação da E. M. Batista, na Igreja Batista do bairro da
Ponte Preta e a transferência da E. M. Allan Kardec do centro do
município para o antigo Educandário Moreira Cavalcante, situado na Vila
do Tinguá.
... No nosso governo foi realizado o primeiro concurso público para o
magistério de Queimados. (grifo meu).
Durante as gestões que se sucederam (do prefeito Azair Ramos, que cumpriu
dois mandatos eletivos na função de prefeito 1997 a 2004), foram realizados
outros empreendimentos no setor da educação municipal, podendo-se citar a
construção da escola Metodista (que até 2004 funcionou no prédio da Igreja
Metodista), do Teatro Escola Professora Marlice Pereira da Cunha e de quadras poli
esportivas em diversas escolas.
Atualmente, a rede municipal é constituída por 27 escolas com o seguinte
atendimento:
87
Município de Queimados
Código
INEP
Escola Atendimento
33061955
E.M. Allan Kardec Anos Iniciais
58
33061963
E.M. Batista Anos Iniciais
33061980
E.M. Dr. Cledon Cavalcanti Educação Infantil
59
e Anos Iniciais
33061998
E.M. Dr. Francisco Manoel Brandão Educação Infantil e Anos Iniciais
33061882
E.M. Elói Dias Teixeira Educação Infantil e Anos Iniciais
33062021
E.M. José Anastácio Rodrigues Educação Infantil e Anos Iniciais
33141746
E.M. José Bittencourt de Oliveira Educação Infantil
33062056
E.M. Luiz de Camões Educação Infantil e Anos Iniciais
33097089
E.M. Metodista de Queimados
Educação Infantil, Anos Iniciais e Educação
Especial
33062145
E.M. Monteiro Lobato Educação Infantil e Anos Iniciais
33062064
E.M. Oscar Weinschenck Educação Infantil, Anos Iniciais e EJA AI
60
33132011
E.M. Pr. Arsênio Gonçalves Educação Infantil e Anos Iniciais
33132020
E.M. Paulo Freire Anos Iniciais
33127557
E.M. Primeira Igreja Batista Anos Iniciais
33062099
E.M. Profª Anna Maria dos Santos
Perobelli
Anos Iniciais
33062129
E.M. Profª Diva Teixeira Martins Educação Infantil, Anos Iniciais e EJA AI
33127549
E.M. Prof. Joaquim de Freitas Educação Infantil e Anos Iniciais
33062102
E.M. Prof. Leopoldo Machado Anos Iniciais, Anos Finais e EJA AF
61
33093970
E M Profª Maria Corágio Pereira Xanchão Anos Iniciais
33062110
E.M. Profª Scintilla Exel Anos Iniciais, Anos Finais, EJA AI e EJA AF
33145520
E.M. Prof. Ubirajara Ferreira Anos Iniciais
33117993
E.M. São José Anos Iniciais
33061947
E.M. Santo Expedito Educação Infantil, Anos Iniciais e Anos Finais
33113300
E.M. Senador Nelson Carneiro Anos Iniciais e EJA AI
33062137
E.M. Tiradentes Anos Iniciais
33062013
E.M. Vereador Carlos Pereira Neto Anos Iniciais, Educação Especial e EJA AI
33062153
E.M. Waldick Cunegundes Pereira Educação Infantil e Anos Iniciais
Tabela 2: Relação de escolas e atendimento no município em 2008.
58
Ensino Fundamental: Anos Iniciais – 1º ao 5º ano de escolaridade.
Anos Finais – 6º ao 9º de escolaridade.
59
O atendimento na Educação Infantil refere-se ao Pré-escolar.
60
EJA AI – Educação de Jovens e Adultos nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
61
EJA AF – Educação de Jovens e Adultos nos Anos Finais do Ensino Fundamental.
88
Tendo como base os dados disponíveis no INEP e na SEMED
62
sobre as
matrículas e número de escolas da rede municipal, estão registrados na Tabela 3 o
quantitativo anual das matrículas realizadas nos últimos dez anos (1997 a 2007),
acrescidos das informações sobre o quantitativo de escolas.
Município de Queimados / RJ
Ensino Fundamental – Regular e EJA
Ano
Matrícula
inicial
% Crescimento
de matrículas
Número de
escolas
%
Crescimento
do número de
escolas
1997 8.648 - 18 -
1998 10.165 20,04% 20 1,1%
1999 11.455 12,69% 22 1,0%
2000 12.543 9,49% 24 0,8%
2001 13.478 7,45% 26 0,8%
2002 13.482 0,03% 26 0%
2003 13.423 - 0,04% 27 0%
2004 13.477 0,04% 27 0%
2005 14.259 5,0% 27 0%
2006 13.906 - 2,47% 27 0%
2007 13.665 - 1,73% 27 0%
Tabela 3: Matrícula inicial, quantitativo de escolas e índices de crescimento das variáveis.
Na Tabela 4 são apresentados índices de rendimento escolar relacionados à
reprovação, bem como os percentuais relativos às distorções idade/ série e idade/
conclusão do Ensino Fundamental, nos anos de 1999 a 2007. Alguns dados não se
encontram disponíveis no site do INEP e por isso não estão registrados aqui.
62
Fonte: http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/ - Acesso em 15/05/2008; Setor de Estatística da
SEMED.
89
Município de Queimados / RJ
Ensino Fundamental – Regular e EJA
Ano % de Reprovação
Distorção Idade /
Série
Distorção Idade /
Conclusão
Idade
Mediana de
Conclusão
1997 * * * *
1998 * * 36,8% 15
1999 23,5% 50% 62,5% 16
2000 22,7% 50% 55,6% 16
2001 14,2% 44,2% 62,5% 16
2002 16,9% 39,1% 81,8% 16
2003 14,6% 34,2% 78% 15
2004 15,5% 33,3% 81,3% 16
2005 12,4% 33,1% 86,6% 17
2006 14,4% 31% * *
2007 * * * *
Tabela 4: Fluxo Escolar. * Dados não disponibilizados.
Os dados apresentados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo IBGE
63
sobre a educação básica municipal, em 2007, apontam para um total aproximado de
27,6 mil matrículas no Ensino Fundamental, sendo 13.082 em escolas municipais; e
1,7 mil alunos, na Educação Infantil, estando 583 em escolas municipais. Esse
quantitativo de 13.665 matrículas iniciais, da rede municipal, ficou assim distribuído
em 2007
64
:
Tabela 5: Matrícula inicial do Ensino Fundamental no município em 2007.
63
Fontes: Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP -,
Censo Educacional 2006. www.mec.gov.br acesso em 30 de março de 2008; Rio de Janeiro: IBGE,
2007, www.ibge.gov.br – acesso em 30 de março de 2008.
64
Dados obtidos no site http://www.inep.gov.br/censo/basica/dataescolabrasil/ em 1º de abril de 2008.
Matrícula Inicial do Ensino Fundamental
Município de Queimados - 2007
Ed.Infantil Ensino Fundamental
Educação de Jovens e
Adultos - EJA (presencial)
Pré-Escola
Ciclo ao 5º ano
(Anos Iniciais)
6º ao 9º ano
(Anos Finais)
Fundamental
583 10.842 1.052 1.188
90
Estes dados, dispostos nas tabelas 3, 4 e 5 permitem apontar algumas
questões administrativas e pedagógicas que durante esta pesquisa puderam ser
percebidos como elementos contextuais com acentuada importância para a análise
da política gestora dessa rede de ensino. Considera-se relevante observar que:
Em relação à matrícula inicial, houve crescimento pouco significativo, ocorrendo
até mesmo decréscimo no quantitativo de matrículas em determinados anos
(2003, 2006 e 2007).
Sobre estes dados, pode-se atribuir como fatores influentes o não oferecimento
de vagas por razão da falta de ampliação do número de escolas, bem como os
elevados percentuais de reprovação.
O percentual de crescimento do número de escolas retrata o baixo investimento
na infra-estrutura, podendo refletir-se na incapacidade de oferecimento de novas
vagas.
Correlacionando este fato à taxa de reprovação, podem ser encontrados
subsídios para uma relação entre estes fatores e o visível engessamento do fluxo
escolar apontado nos altos índices de distorção série/idade.
O percentual de retenção, no Ensino Fundamental, tem se firmado em torno dos
12% a 16% após 2001, o que é consideravelmente inferior aos atingidos nos dois
anos anteriores (1999 e 2000), que ultrapassaram o patamar de 20%.
Pode-se apontar alguma correlação desses percentuais com a implantação do
ciclo de progressão continuada, na medida em que a retenção deixou de
acontecer (excetuando-se os casos de infreqüência) nos dois primeiros anos de
escolaridade.
O declínio nas matrículas pode ser entendido como decorrente da proposta de
organização do Ensino Fundamental.
Esta compreensão fundamenta-se nas características da proposta, relacionadas
ao trabalho pedagógico frente às necessidades diferenciadas de alunos
matriculados na progressão continuada, que apontavam para a garantia da
ampliação do tempo para a aprendizagem e uma avaliação descritiva
individualizada. Estes pressupostos implicaram em grupamentos, nestes anos de
escolaridade, com um quantitativo menor de alunos.
91
4.3 - A organização do ensino
O Sistema Municipal de Ensino foi instituído em 1999, através da Lei
Municipal Nº. 411. Até então, a rede municipal seguia as diretrizes estaduais no que
se fizesse necessário quanto às normatizações, seguindo a tradição seriada de
organização do ensino.
O atendimento atual abrange a Educação Infantil, o Ensino Fundamental
regular e nas modalidades de Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos.
A organização temporal estipulada para o Ensino Fundamental Regular é de ano
letivo, constituído de 200 dias e 800 horas.
Foi a partir de 2001, que se adotou uma forma “mista” de organização, na
qual passaram a coexistir o regime seriado e o ciclado. Com essa mudança, o
Ensino Fundamental regular passou gradualmente a constituir-se de nove anos,
deixando de ser seriado nos três primeiros anos.
A normatização
65
da ampliação do Ensino Fundamental não chegou a ser
regulamentada até o presente, ocorrendo somente a de incorporação do último ano
da Educação Infantil agora ano de escolaridade do Ensino Fundamental -,
integrando o ciclo de progressão continuada.
Desse modo, de 2001 a 2004, o Ensino Fundamental regular compunha-se
de:
- Ciclo de progressão continuada: I Etapa / II Etapa / III Etapa
- Seriação: 3ª série, 4ª série, 5ª série, 6ª série, 7ª série e 8ª série
Em 2004, a organização do ensino passa por uma mudança que não é
diretamente relacionada à estrutura temporal e sim, fundamentalmente relativa à
avaliação realizada no Ensino Fundamental regular.
Passados três anos, nova organização do ensino é proposta, com alterações
na nomenclatura dos tempos. Manteve-se então o regime ciclado, agora chamado
de Ciclo de Alfabetização, com a mesma extensão de 3 anos letivos, seguidos dos
seis demais anos de escolaridade ainda sob regime de seriação.
Na tabela 6 são apresentadas as mudanças na organização do ensino que
ocorreram em 2001, 2002 e ao final de 2007.
65
Esta organização encontra-se regulamentada inicialmente na Resolução 01/01/SEMECD. Em 2004
o Regimento Interno das Unidades Escolares sofreu mudanças, passando a incorporar as alterações.
92
Tabela 6 – Organização do Sistema Municipal de Queimados
.
Até 2000 2001 2002 2007
Educação Infantil
Creche
(1 a 3 anos)
Pré-escola
(4 e 5anos)
Casse de Alfabetização
(6 anos)
Creche
(1 a 3 anos)
Pré-escola
(4 e 5 anos)
Creche
(1 a 3 anos)
Pré-escola
(4 e 5 anos)
Creche
(1 a 3 anos)
Pré-escola
(4 e 5 anos)
Seriação 1º. Ciclo de
progressão
continuada:
1º. Ciclo de
progressão
continuada :
Ciclo de Alfabetização
I etapa
II etapa
I etapa
II etapa
III etapa
1º. ano de escolaridade
2º. ano de escolaridade
3º. ano de escolaridade
Seriação Seriação Seriação
Ensino Fundamental
Regular
1ª. série
2ª. série
3ª. série
4ª. série
5ª. série
6ª. série
7ª. série
8ª. Série
2ª. série
3ª. série
4ª. série
5ª. série
6ª. série
7ª. série
8ª. Série
3ª. série
4ª. série
5ª. série
6ª. série
7ª. série
8ª. série
4º. ano de escolaridade
5º. ano de escolaridade
6º. ano de escolaridade
7º. ano de escolaridade
8º. ano de escolaridade
9º. ano de escolaridade
Módulos anuais / Equivalência
Ensino Fundamental
Educação de Jovens e Adultos
I etapa
(1ª. e 2ª. série)
II etapa
(3ª. e 4ª. série)
III etapa
(5ª. e 6ª. série)
IV etapa
(7ª. e 8ª. série)
I etapa
(1ª. e 2ª. série)
II etapa
(3ª. e 4ª. série)
III etapa
(5ª. e 6ª. série)
IV etapa
(7ª. e 8ª. série)
I etapa
(1ª. e 2ª. série)
II etapa
(3ª. e 4ª. série)
III etapa
(5ª. e 6ª. série)
IV etapa
(7ª. e 8ª. série)
1º. Ano de escolaridade
(CAEJA - Classe de
Alfabetização)
I etapa
(1º e 2º ano de escolaridade)
II etapa
(3º e 4º ano de escolaridade)
III etapa
(5º e 6º ano de escolaridade)
IV etapa
(8º e 9º ano de escolaridade)
93
A estrutura do Ensino Fundamental regular passou, então, a partir de 2008,
a ter a seguinte nomenclatura:
Anos Iniciais:
Ciclo de Alfabetização: 1º, 2º e 3º Ano de escolaridade
Seriação: 4º e 5º Ano de escolaridade
Anos Finais:
Seriação: 6º, 7º, 8º e 9º Ano de escolaridade
O oferecimento da Educação Infantil adotado desde 2001 é de Creche (0 a 3
anos) e Pré-escola (Pré I 4 anos; PII 5 anos). Anteriormente, com o Ensino
Fundamental de oito anos, a Educação Infantil estendia sua ação a crianças de até 6
anos, que eram matriculadas na Classe de Alfabetização.
Até a publicação da Deliberação 03/CME
66
em dezembro de 2000, a rede
pública municipal não oferecia atendimento na modalidade de Educação de Jovens
e Adultos (EJA)
67
. O ensino na EJA organizava-se em quatro etapas (equivalendo
cada uma a dois anos de escolaridade do Ensino Fundamental) com duração de 200
dias letivos e 800 horas.
Em 2006, esta modalidade de ensino é acrescida de um ano letivo,
antecedente a I etapa, objetivando a alfabetização. Assim, compondo-se de cinco
anos letivos, a Educação de Jovens e Adultos no Ensino Fundamental tem,
atualmente, a seguinte organização e equivalência:
1º Ano – Classe de Alfabetização da EJA – CAEJA
I Etapa – 2º e 3º Ano de escolaridade
II Etapa – 4º e 5º Ano de escolaridade
III Etapa – 6º e 7º Ano de escolaridade
IV Etapa – 8º e 9º Ano de escolaridade
Desde 1999, ano da instituição do Sistema Municipal de Ensino, a rede
municipal possui previsão para atuar com programa de Aceleração da
Aprendizagem
68
, para alunos com distorção idade/ano de escolaridade.
66
Deliberação 03/CME/2000 de 5/12/2000 Institui no âmbito da rede municipal a modalidade de
Educação de Jovens e Adultos.
67
Existiam classes de Ensino Regular Noturno até 2007, para atendimento a alunos com condições
especificadas no Parecer CEB/CNE Nº. 11/2000.
68
Deliberação 02/CME/99 Institui na rede pública municipal o Programa de Aceleração da
Aprendizagem.
94
Ao início de cada ano letivo são realizados diagnósticos nas Unidades
Escolares para estudo das condições em que se desenvolverão as turmas que
vierem a ser formadas. Têm sido privilegiados na inclusão ao programa os alunos do
e ano de escolaridade e a ênfase tem se dirigido à consolidação do processo
de alfabetização.
Em 2006 e 2007 foram formadas turmas de aceleração nos Anos Finais do
Ensino Fundamental. A justificativa para essa ação fundamentou-se em três pilares:
primeiro, a necessidade de adequação do atendimento que transitava do Ensino
Regular Noturno (oferecido em 8 anos) para a Educação de Jovens e Adultos
(oferecida em 5 anos, em regime ciclado); segundo, o forte crescimento do índice de
distorção idade/conclusão, a partir de 2002, chegando a alcançar quase 87% do
alunado em 2005; e em terceiro, a constatação de que a idade mediana de
conclusão do Ensino Fundamental chegou a 17 anos, demonstrando o longo tempo
de permanência do aluno nesta etapa de ensino, comprometendo o fluxo escolar.
Os critérios de alocação dos alunos nas turmas de origem e posteriores à
passagem pelo programa bem como as orientações curriculares e pedagógicas
inerentes ao mesmo ainda não foram regulamentadas. Somente as questões
relativas ao registro da avaliação estão normatizadas no Regimento Interno das
escolas. Fica a cargo do Departamento de Educação da SEMED a assessoria
específica a cada Unidade Escolar.
A modalidade de ensino destinada ao atendimento de alunos com
necessidades educacionais especiais é realizada em classes regulares (promovendo
a inclusão), sala de recursos e classes especiais.
A matrícula inicial
69
é realizada em classes regulares e, após avaliação da
ETAP da Unidade Escolar e Setor de Educação Especial da SEMED, o aluno é
alocado em uma das formas de atendimento, de acordo com as especificidades da
sua necessidade educativa. Atualmente a rede municipal dispõe de:
5 classes especiais Alunos com deficiência mental, condutas típicas e múltiplas
deficiências.
3 salas de recursos – No contra-turno, com horários específicos para atendimento
individual ou grupal.
69
A matrícula inicial, que pode ser realizada em qualquer ano de escolaridade, refere-se à primeira
matrícula da vida escolar do aluno.
95
106 alunos inclusos em classes regulares e atendidos em salas de recursos no
contra-turno.
O quadro abaixo apresenta o quantitativo de Unidades Escolares e formas de
atendimento:
Unidade Escolar Sala de recursos Classe especial
1- E. M. Metodista 2 4
2- E. M. Vereador Carlos Pereira Neto 1 1
Total 3 5
Tabela 7 – Relação de escolas com atendimento em sala de recursos e classes especiais
70
.
4.4 - A construção do discurso oficial sobre a avaliação da
aprendizagem
Analisar o discurso é fazer com que desapareçam e
reapareçam as contradições; é mostrar o jogo que nele elas
desempenham; é manifestar como ele pode exprimi-las, dar-
lhes corpo, ou emprestar-lhes uma fugidia aparência.
(FOUCAULT, 1987, 174).
Ao pretender, nesta pesquisa, uma análise da constituição do discurso oficial
sobre avaliação da aprendizagem no município de Queimados/RJ, a implantação de
uma nova organização escolar, a partir de 2001, é tratada como um acontecimento
discursivo, entendendo que “fora de cogitação, entretanto, está o fato de se poder
descrever, sem limites, todas as relações que possam assim aparecer. É preciso,
numa primeira aproximação, aceitar um recorte provisório.” (FOUCAULT, 1987,
p.33).
Tomar como objeto de estudo o discurso, implicou não somente na
compreensão da amplitude e complexidade da predominância da linguagem nas
relações entre os sujeitos, perpassando pela constituição dessas interações e
ideologias que ali se apresentam, como também das formas em que o controle e
70
Fonte- Setor de Educação Especial da SEMED Queimados.
96
poder ali se inscrevem. Na investigação desses movimentos entendidos como
prática social pode-se perceber que, dentre outros aspectos, eles são expressão das
relações estabelecidas -sob condições específicas de tempo e lugar- entre os
saberes expressos no discurso em que se apóiam. Foucault considera que “a
produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo número de procedimentos”, traduzindo não as lutas ou o
sistema de dominação, mas “aquilo por que se luta, o poder do qual nos queremos
apoderar”. (FOUCAULT, 2001, p. 9, 10).
Considero aqui discurso como um conjunto de enunciados que integram uma
mesma formação discursiva e que reflete uma concepção determinada e
necessariamente vinculada ao indivíduo, sociedade em que vive e um campo de
saber. Possuindo uma dimensão ideológica, o discurso apresenta as marcas
deixadas pelas condições de produção, inserida na formação ideológica, levando à
transformação ou reprodução das relações de dominação.
Na investigação dos discursos, pode-se perceber que as interações sociais
constituem e o constituídas por relações estabelecidas pelos modos específicos,
selecionados e reconhecidos para a comunicação, expressos nos gêneros
utilizados. Assim, os gêneros textuais aqui analisados, são entendidos como uma
prática social, que encerra singularidades tanto do contexto quanto das relações
estabelecidas pelos sujeitos em determinada formação discursiva. A utilização
destes gêneros determinou-se pelas interações sociais, que expressam um caráter
político, na medida em que são baseadas e diferenciadas pelas relações de poder
que ali se inserem.
4.4.1 - Textos e práticas discursivas: elementos da prática social
Assim, meu foco principal aqui não são estruturas e
práticas, mas a reforma de relações e subjetividades,
e as formas de uma nova disciplina reinventada que
surge a partir disso. Em cada tecnologia da política
da reforma estão inseridos e determinados valores,
novas identidades e novas formas de interação.
(BALL, 2005, p.546).
97
A forma inesperada em que a progressão continuada foi implantada, a
inexistência de estudos sobre a temática e a mudança recorrente nos registros
avaliativos foram pontos colocados freqüentemente pelas escolas como
merecedores de uma maior reflexão. Estas foram questões que levaram a investir
num olhar cada vez mais focalizado nas questões relacionadas à implantação do
ciclo de progressão continuada no município e a avaliação da aprendizagem ali
realizada.
Considero importante neste contexto, o fato de que aconteceram diversas
mudanças nas normatizações do registro da avaliação escolar na progressão
continuada e na seriação, durante estes sete anos. As formas diversas de registrar a
avaliação da aprendizagem normatizadas pelo Sistema Educacional a serem
utilizadas pelos profissionais da escola envolveram relatórios, notas e conceitos.
Muito embora as considerações epistemológicas e teórico-pedagógicas o tenham
sido registradas de forma conceitual nos textos oficiais, uma análise da narrativa
destes documentos e legislações muito pode expressar sobre a concepção de
aprendizagem e avaliação. Concepções que vêm sendo construídas e embasadas
de forma não declarada, registrada, mas visível nas narrativas dos documentos e
normatizações.
O discurso sobre avaliação expresso nos documentos oficiais carece de
discussões que abarquem seu caráter epistemológico, político e social:
1. Os sentidos das palavras usadas nos textos refletem a ambivalência e
intertextualidades a serem melhor explicitadas. Pressupõem progressão
continuada como sinônimo de ciclo, com dupla entrada nominativa para a
reorganização do sistema escolar;
2. Organizam o Ensino Fundamental em regime misto (ciclado e seriado);
3. Utilizam expressões e orientações para a prática avaliativa que se referem à
avaliação relacionada à verificação e rendimento.
Pode-se citar como exemplo, que a avaliação da aprendizagem realizada
nesta rede, principalmente após a implantação da progressão continuada (que
envolve os três primeiros anos de escolaridade do Ensino Fundamental), tem sido
motivo de questionamentos tanto por parte dos docentes como de elementos que
integram a Secretaria de Educação, no que diz respeito, entre outras, a duas
situações: à relação que se estabeleceu entre avaliação e promoção/retenção; e à
98
forma diferenciada em que se dão os registros dessa avaliação em cada um desses
segmentos.
No ciclo de progressão continuada não há retenção entre os três anos de
escolaridade que o compõem (a não ser em caso de infreqüência acima do
permitido em lei) e utiliza-se um Relatório Descritivo elaborado pelo professor que
deve refletir “o resultado das observações feitas ao longo de cada bimestre,
indicando avanços e dificuldades demonstradas pelos alunos” (CME, Del. 07/04,
2004). Na seriação (4º ao 9º ano) que a princípio utilizou-se de notas e médias como
parâmetro para a definição da situação final do aluno ao término do ano letivo, usa
atualmente notas que representam o somatório das avaliações realizadas no
período bimestral, sendo a nota atribuída no último bimestre do ano letivo a
responsável pela promoção/retenção do aluno.
Assim, foram buscados nos fatos e na linguagem os sentidos obscuros e
controversos, realizando uma crítica sobre os mesmos. Dentre os diversos dados
coletados, os documentos e textos oficiais normativos da nova organização escolar
foram tomados como produtos e produtores dos discursos em avaliação, não os
focalizando isoladamente, mas em seus contextos de influência e de produção dos
textos, articulando os níveis macro e micro de análise, buscando-se enfocar os
seguintes aspectos: a contextualização das influências e contextos de produção dos
documentos; bem como as diferentes representações sobre o conceito de avaliação
da aprendizagem.
Para a compreensão dos textos analisados, foram utilizados os fundamentos
teórico-metodológicos inscritos no ciclo de políticas de S. Ball (1994), na análise que
Fairclough (2001) propõe sobre o discurso enquanto prática social e nos conceitos
de prática e ordem discursiva de Foucault (1987 e 2001).
O uso da linguagem textual é aqui considerado como dimensão do discurso,
como momento da prática social historicamente situada, constituído pelas relações
sociais, constitutivo de identidades sociais e formado pela articulação de recursos
simbólicos discursivos que envolvem intertextualidades, tipos, gêneros e vozes
discursivas.
Foram realizadas diversas leituras e fichamentos para cada documento
contendo o resumo e a referência bibliográfica da publicação. Na leitura de pré-
análise dos textos, grupamentos de conceitos e/ou temáticas foram formados,
buscando correlações entre as idéias relacionadas à temática da avaliação ou,
99
ainda, a temas com ela incompatíveis, para que se pudesse compreender a
formação discursiva. Compreende-se, aqui, a formação discursiva como um
complexo de relações que definem e caracterizam um discurso ou um grupo de
enunciados pela regularidade de uma prática discursiva, que é definida por Foucault
como:
um conjunto de regras anônimas históricas, sempre determinadas no
tempo e no espaço, que definiram em uma dada época e para uma
determinada área social(...) as condições de exercício da função
enunciativa. (FOUCAULT, 1987, p. 136).
Em relação aos gêneros textuais presentes no corpus de análise, os textos
coletados se referem a legislações, regimentos, fichas cadastrais, relatórios de
discussões e manual informativo. Na primeira etapa da pesquisa, ao realizar a
coleta das fontes documentais e a organização do material, tornou-se indispensável
olhar para o conjunto de documentos por sua coexistência, sucessão,
funcionamento mútuo, determinação recíproca e transformação correlativa, como
indica Foucault (1987, p.33) ao apontar os motivos para a descrição dos fatos do
discurso.
Procurando analisar as práticas discursivas no campo oficial naquela rede de
ensino, estabeleço primeiramente uma trajetória cronológica da produção dos textos
estudados, entendendo que esta descrição de acontecimentos discursivos evidencia
elementos que demarcam o campo discursivo, posto que a
precedência não é um dado irredutível e primeiro; não pode desempenhar
o papel de medida absoluta que permitiria avaliar qualquer discurso e
distinguir o original do repetitivo. Não basta a demarcação dos
antecedentes para determinar uma ordem discursiva, ela se subordina, ao
contrário, ao discurso que se analisa, ao nível que se escolhe, à escala
que se estabelece. Entendendo o discurso ao longo de um calendário e
dando uma data a cada um de seus elementos, não se obtém hierarquia
definitiva das precedências e das originalidades; esta se refere aos
sistemas dos discursos que tenta valorizar. (FOUCAULT, 1987, p. 163,
grifo meu).
Assim, temos:
1. Em abril de 2001 é editada pela SEMECD a Resolução 01/01, que dispõe sobre
a implantação da progressão continuada em 2001;
100
2. No início de 2001, é apresentado um Caderno de Avaliação como apoio à
elaboração dos critérios de avaliação para os três primeiros anos do Ensino
Fundamental, produzido por um grupo de Instituição Acadêmica parceira em
capacitações na rede de ensino;
3. No final do primeiro semestre de 2004, a proposta de reformulação do Regimento
Escolar (redigida por um grupo de trabalho do Setor de Supervisão Escolar da
SEMED) é enviada às escolas, para discussão e críticas sobre a mesma;
4. Em dezembro de 2004, é publicada pelo Conselho Municipal de Educação a
Deliberação 07/04, que altera o Regimento Escolar das Escolas da Rede
Municipal de Ensino;
5. De abril de 2001 a agosto de 2007, as fichas cadastrais relativas ao
acompanhamento da vida escolar do aluno foram revisadas a cada mudança
normativa, adequando a linguagem e caracterizações textuais de acordo com as
propostas de avaliação apresentadas nos documentos oficiais;
6. Em agosto de 2007, o Conselho Municipal de Educação publica a Deliberação
11/07 que trata de novas alterações no Regimento Escolar das escolas da rede.
Percebe-se que, quanto à produção destes textos, há uma forte tendência
deliberativa/normativa, sendo este o tipo textual utilizado para a instituição das
ações propostas pelo setor central. Dentre os textos citados no estudo, apenas os
relatórios de discussão e o Caderno de Avaliação sobre critérios de avaliação não
foram produzidos pela SEMED, mas foram gerados por uma solicitação da mesma.
Este tipo de ação social de produção dos textos traz à discussão a questão da
regulação da produção e recepção do discurso dentro da rede de ensino.
A tentativa de controle da produção destes discursos é revelado no uso,
quase que restrito, da legislação. Este tipo textual tem característica marcadamente
restrita quanto ao acesso na sua produção, uma vez que somente a determinados
órgãos ou setores da Administração é delegada a prática legislativa. E, mesmo no
caso, dos documentos deliberados pelo Conselho Municipal de Educação a
delegação de poder concentra-se no mesmo setor responsável pela gestão, uma
vez que, no município em estudo, por ordem Regimental, a pessoa do(a)
Secretário(a) de Educação também ocupa a presidência do Conselho de Educação.
A elaboração destes textos legislacionais revela marcada ausência de
dialogicidade, apresentando pouca possibilidade de intervenção na produção dos
101
textos, quer por meio do próprio coletivo do órgão deliberativo, ou através dos
demais coletivos que atuam na gestão central e nas escolas. A distribuição e
recepção destes textos são acompanhadas de fortes tensões entre o grupo produtor
e os receptores, que se relacionam a modos de ação habituais, que colaboram para
a naturalização de relações baseadas na fragmentação e na padronização.
Isto ressalta o que Fairclough (1997) apresenta sobre as relações entre
discurso e hegemonia. Primeiramente, a luta hegemônica que se trava em todos os
momentos da prática, assume a forma da prática discursiva. Pode-se refletir, a partir
das práticas discursivas encontradas naquelas relações, sobre o papel que
desempenham na manutenção e fortalecimento da ordem dos discursos, impedindo
que circulem ou sejam ouvidos, em determinados contextos, os discursos
dissonantes.
Em segundo, o próprio discurso é apresentado como hegemônico. Deixa-se,
portanto, de levar em consideração seu caráter instável, que a hegemonia de um
grupo é dependente, em parte, de sua capacidade de gerar práticas discursivas e
ordens de discurso que a sustentem (RESENDE & RAMALHO, 2006, p. 44). As
formações em serviço e grupos de estudo sobre a temática avaliação que
aconteciam sob a dinamização de uma Instituição Acadêmica parceira, em
momento concomitante à implantação da nova organização escolar, não abordaram
as questões que envolviam a progressão continuada ou ciclo, que teve sua
implementação sem qualquer estudo e investigação anterior à Resolução.
Também, em relação ao tempo de devolutiva dos registros das
sugestões/críticas das Unidades Escolares à SEMED, não houve um investimento
por parte desta, para que houvesse um tempo necessário para os encontros e
discussões nas escolas. Este exemplo se clarifica se levarmos em consideração o
que Foucault chama de procedimentos que permitem o controle do discurso. Estes
procedimentos acabam por “não permitir que todo mundo tenha acesso a eles [...]
Mais precisamente: nem todas as regiões do discurso o igualmente abertas e
penetráveis; algumas são altamente proibidas”. (FOUCAULT, 2001, p.37).
Registro a seguir, os aspectos que se relacionam à destinação e função de
cada um dos documentos, realizando uma análise de alguns elementos. Cabe
ressaltar que os sentidos das palavras usadas nos textos que se referem à avaliação
da aprendizagem indicam a necessidade de se refletir sobre o que se entende por
avaliação e qual o papel destinado a ela no processo educativo. Sem entrar na
102
questão sobre as práticas avaliativas usadas no cotidiano escolar, prioriza-se nesta
análise um olhar mais detalhado na fundamentação conceitual da avaliação da
aprendizagem, proposta na política educacional.
Ciente da tensão inerente a qualquer processo de mudança no âmbito da
manutenção ou aceno à ruptura de idéias e práticas estabelecidas, pode-se
considerar que a mudança dos registros avaliativos no município se inscreve num
campo de expressiva ambivalência.
Com a mudança no registro da avaliação nos três primeiros anos de
escolaridade, deixando-se de utilizar a nota para posicionar o aluno de acordo com o
padrão estabelecido e passando-se a usar o relatório sobre seu desenvolvimento, há
apenas a consolidação do que Esteban (2001) considera como um modelo híbrido
de concepções e práticas avaliativas. Segundo a autora, nesta perspectiva, a
redefinição do processo avaliativo agrupa propostas que por vezes têm
intencionalidades distintas, mas que se exteriorizam por práticas com conseqüências
semelhantes.
No caso de Queimados, as estratégias de deixar de atribuir uma nota e de
calcular uma média dos resultados obtidos podem se mostrar como representando
um afastamento da concepção classificatória. Mas, a sua substituição por três
categorias de conceitos (ADP, ADS e AD) indica a permanência na hierarquização
dos resultados alcançados. Profissionais da escola e mesmo os formuladores da
proposta colocam-se na situação anunciada por Esteban:
Este modelo híbrido engloba duas perspectivas distintas: uma que não
abandonou a idéia de que a avaliação deva ser um instrumento de
controle, de adaptação e de seleção [...]; a outra perspectiva tem como
objetivo romper com o sistema de controle e de segregação, mas ainda
não encontrou os aspectos-chave que devem ser transformados, por isso
propõe modificações superficiais, ainda que aparentemente indique
mudanças profundas. (ESTEBAN, 2001, p. 13).
Esses modos de ação se fortaleceram na medida em que o ensino passou ma
se constituir de seriação e ciclo de progressão continuada. Uma vez que as
mudanças propostas não contemplaram diversos fatores que integram o contexto
escolar (como as questões curriculares, a formação dos profissionais, o acesso e
permanência dos alunos, a cultura escolar, as condições de infra-estrutura da rede
de ensino, etc.), houve o favorecimento desse modelo híbrido, ao serem focalizados
dois únicos aspectos (a reorganização do tempo escolar e a avaliação).
103
4.4.1.1 - Resolução 01/01/SEMECD
O documento foi publicado em abril de 2001 e estabelece normas gerais do
sistema para a progressão continuada, firmando a posição nos aspectos legais
encontrados na LDBEN no. 9.394/96 nos seus artigos 23 e 32, e na Lei Municipal
411/99 em seu artigo 19. Apresenta a medida tomada como preventiva quanto ao
índice de evasão e repetência nas séries iniciais. O documento foi deliberado pela
SEMECD, através de Resolução.
A resolução nomeia o “sistema de progressão continuada” de “ciclo”,
apontando sua adoção como estratégia de enfrentamento às questões de adequação
de conteúdos às condições de aprendizagem dos alunos, bem como acerca da
promoção de maior flexibilidade no tempo. O Ensino Fundamental foi ampliado para
nove anos de escolaridade, agrupados em dois segmentos de cinco (5) e quatro (4)
anos respectivamente, mantendo a estrutura anual.
Uma das normas diz respeito à implantação gradual do regime de progressão
continuada. A prioridade anunciada é em relação às três primeiras séries do primeiro
segmento, nomeadas até então como Classe de alfabetização (CA), 1ª. e 2ª séries.
O sistema adotou assim, a partir de então, um regime misto, com progressão
continuada e seriação no Ensino Fundamental. As três primeiras séries são
indicadas como integrantes do 1º. Ciclo, deixando em aberto a possibilidade de
implantação de outros ciclos.
Há também a vinculação da faixa etária a cada ano de escolaridade da
progressão continuada, denominados a partir de então, etapas (I, II e III etapas): os
alunos de 6 anos são matriculados na I etapa, cursando o ciclo em três anos. Alunos
com 7 anos ou mais, são matriculados na II etapa devendo cursar o ciclo em dois
anos.
Em relação à avaliação, determinada que seja diagnóstica e continuada, sem
reprovação entre os anos que compreendem o período da progressão continuada,
ocorrendo apenas quando a freqüência for inferior a 75% da carga horária prevista.
A Resolução determina também, que os alunos que não atingirem os
objetivos traçados para o 1º ciclo podem ficar retidos por apenas um ano. O
104
instrumento indicado para registro da avaliação, que é apresentado como anexo à
Resolução, é o “Relatório conclusivo de aproveitamento escolar”.
A avaliação também é indicada como determinante no processo de inserção,
em qualquer etapa, de alunos que não possuam escolarização anterior, vinculando-a
ao grau de desenvolvimento e experiência do aluno e não estabelecendo, para esta
situação, restrições quanto à faixa etária.
4.4.1.2 - Documentos de registro da avaliação escolar (2001 a 2007)
a) Ficha individual do ciclo de progressão continuada
Nestes sete anos de implementação da progressão continuada, quatro
modelos de ficha individual foram utilizados.
Além dos dados de identificação da escola e do aluno, algumas
características podem ser apontadas:
a) O primeiro documento foi utilizado em 2001 e 2002. Nele, eram anotados,
bimestralmente, os conceitos referentes aos componentes curriculares e ao
cômputo da freqüência às aulas. A avaliação expressa através de conceitos
relativos ao desenvolvimento da aprendizagem tinha os seguintes referenciais:
ADP – Aprendizagem desenvolvida plenamente.
ADS – Aprendizagem desenvolvida satisfatoriamente.
AD – Aprendizagem em desenvolvimento.
b) No segundo modelo, utilizado a partir de 2002 até a primeira alteração do
Regimento Escolar em 2004, os conceitos passaram a ser atribuídos de maneira
global e não por componente curricular. Dessa forma, cada aluno recebia
bimestralmente, apenas um (1) conceito.
c) O terceiro modelo, adotado após a alteração regimental de 2004, foi utilizado para
registro da freqüência, e observações que se fizerem necessárias sobre a vida
escolar do aluno, uma vez que os conceitos não eram mais usados e o registro da
avaliação era feito no Relatório individual.
105
d) O quarto modelo, em uso ao momento, alterou apenas dados de identificação
do aluno, relativos à nomenclatura indicativa do ano de escolaridade.
b) Ficha individual das séries do Ensino Fundamental e Educação de Jovens e
Adultos (EJA) - (2001 a 2007)
Não havendo modificação na avaliação realizada de a séries e nas
etapas da EJA por ocasião da implantação da progressão continuada, foi somente
em 2005 e 2007, que esse documento precisou ser alterado, por força das
mudanças introduzidas pelo novo regimento escolar.
No documento usado a 2004, eram feitos registros bimestrais de notas,
média anual e nota de recuperação em cada componente curricular, total de faltas e
o percentual de freqüência.
No segundo documento, o registro de média anual foi suprimido, uma vez que
não era mais utilizado este procedimento no tratamento das notas alcançadas
durante o ano letivo.
Após a segunda alteração regimental, em 2007, essa ficha sofreu mudança
apenas nas nomenclaturas que indicam o ano de escolaridade cursado pelo aluno.
c) Relatório de aproveitamento escolar
Documento constante no anexo à Resolução 01/01, destinado ao registro,
pelo professor, da avaliação da aprendizagem do aluno. Os indicadores eram
determinados pelo Departamento de Educação da SEMED e incluíam as funções
sócio-afetivas e cognitivas, subdivididas em aspectos a serem descritos.
Continha também itens agrupados por categorias com espaços destinados à
descrição das observações realizadas durante o bimestre, em função das atividades
realizadas nas áreas de conhecimento, sobre os aspectos apontados no documento.
106
d) Relatório Descritivo Individual
Documento adotado a partir de 2005, após a alteração Regimental que
alterou a avaliação do ciclo de progressão continuada. Passa a não mais usar as
fichas de Relatório conclusivo de aproveitamento escolar.
Em forma de caderno brochura e individual para cada aluno, primeiramente,
teve forma anual com quatro espaços destinados ao registro da avaliação bimestral.
Alterado em 2007, passou a ter espaço para doze registros bimestrais de avaliação,
totalizando os três anos letivos da progressão continuada.
Os conceitos ADP, ADS e AD
71
não foram mais utilizados e a avaliação
passou a ser registrada sob forma de texto, em ficha que continha dados de
identificação da escola e do aluno e espaços para registro do desenvolvimento do
aluno, observações do professor, encaminhamentos realizados pela ETAP
72
e
assinatura do professor e toda a equipe.
f) Relatórios de desempenho bimestral das Unidades Escolares
Documento preenchido pela Unidade Escolar, sob a responsabilidade do
Orientador Pedagógico e apresentado bimestralmente ao Departamento de
Educação da SEMED.
Nele, deveriam ser registrados aspectos das “atividades desenvolvidas”, as
“dificuldades encontradas” e as temáticas dos encontros pedagógicos, além da
relação das turmas, número de alunos, professor regente e “resultado” do
aproveitamento. Este resultado expressava quantitativamente o número de
conceitos ADP, ADS e AD e os percentuais de notas acima e abaixo da média (5.0)
nas turmas de 3ª a 8ª séries.
71
ADP – Aprendizagem desenvolvida plenamente.
ADS – Aprendizagem desenvolvida satisfatoriamente.
AD – Aprendizagem em desenvolvimento.
72
ETAP - Equipe Técnico-Administrativo-Pedagógica da Unidade Escolar, constituída pela Direção,
Orientação Educacional e Orientação Pedagógica.
107
Não informação no documento sobre quais os componentes curriculares a
serem considerados para o cômputo do percentual, uma vez que o espaço existente
na ficha para a anotação dos percentuais alcançados em cada turma é único.
g) Mapão bimestral
Ficha usada até 2004, destinada à transcrição das notas e médias alcançadas
por cada aluno da 3ª à série, nas avaliações de cada uma das disciplinas
curriculares. De periodicidade bimestral, era fixada no Diário de Classe nas páginas
respectivas a cada período.
Com a mudança na avaliação proposta no Regimento, não havendo mais
médias a serem contabilizadas, a ficha deixou de ser usada, passando-se a fazer a
anotação das notas alcançadas, no próprio Diário de Classe. As notas em cada
instrumento de avaliação deixaram de ser um registro de apresentação obrigatória à
Secretaria da escola, ficando anotadas nos escritos pessoais do professor. Apenas
as notas finais (somatório das notas alcançadas em cada instrumento) passaram a
ser solicitadas nos documentos.
4.4.1.3 - Regimento Escolar (1999, 2004 e alteração 2007)
Elaborado de forma única para todo o Sistema Público Municipal, foi instituído
em 1999, reformulado em 2004 e sofreu algumas alterações em 2007. Abrange
todas as mudanças realizadas na organização do ensino e na avaliação, propostas
pela Resolução 01/01 e demais Deliberações do CME que dizem respeito à
regularização de vida escolar e avaliação da aprendizagem.
A reformulação do documento foi solicitada pelo CME ao Setor de Supervisão
da SEMED em 2003, com o pedido de que fosse feita uma proposta regimental a ser
encaminhada para aprovação no Conselho. Os estudos se prolongaram durante um
ano, chegando a ser finalizados somente em 2004.
108
Ao final do primeiro semestre de 2004, foi sugerido pelo Setor de Supervisão,
que o documento fosse encaminhado às Unidades Escolares para análise e críticas,
antes de ser levado ao CME. O Departamento de Educação da SEMED, mesmo
alegando pouco tempo hábil para este processo, acatou a sugestão e enviou às
escolas o documento, solicitando retorno através de relatório das discussões. Após
este encaminhamento, as Unidades Escolares retornaram suas apreciações no
início do segundo semestre.
Os textos foram analisados e as alterações foram introduzidas no documento.
A proposta de avaliação por conceitos nos anos escolares seriados
73
aceita pela
maioria dos profissionais, prevalecendo a opinião de que o registro deveria ser
expresso por conceitos. Nem todas as vinte e sete escolas deram retorno à
solicitação. Das vinte e três escolas que fizeram a devolutiva com suas sugestões,
seis sugeriram alterações em artigos que não se relacionavam à avaliação,
presumindo-se então sua adesão ao grupo de sete escolas que se manifestaram a
favor do registro através de conceitos (mesmo que com sugestão de outras
abreviações), totalizando, assim, treze escolas. As sete demais escolas se
posicionaram a favor do uso de notas na avaliação.
Mesmo diante desta constatação, o Departamento de Educação propôs ao
Setor de Supervisão que permanecesse o registro através de notas, retirando-se o
procedimento avaliativo por média, passando-se a considerar somente o somatório
alcançado pelo aluno nos instrumentos avaliativos. Aliado a este novo procedimento,
reforçou-se a possibilidade de uma avaliação destinada à recuperação final, ao
término do ano letivo, com caráter conclusivo e preponderante sobre as demais
notas alcançadas ao longo do processo.
Dada a proximidade do final do ano letivo e as condições políticas que
indicavam a troca de gestão no início do ano seguinte, a proposta regimental com as
alterações sugeridas não retornou às escolas para uma segunda discussão e
73
A proposta enviada às escolas tinha a seguinte redação:
Art. 67 – Os resultados da avaliação nas turmas de 3ª à 8ª série do Ensino Fundamental serão
expressos sob a forma de conceitos:
I – ADP – Aprendizagem desenvolvida plenamente;
II – ADS – Aprendizagem desenvolvida satisfatoriamente;
III – AD – Aprendizagem em desenvolvimento.
§1º - Os conceitos estabelecidos serão atribuídos bimestralmente a partir das competências
desenvolvidas no processo de construção de conhecimento do aluno, devidamente registradas pelo
professor e referendadas no Conselho de Classe.
§2º - Será exigida a freqüência mínima de 75% do total de horas letivas para aprovação nas turmas
citadas no caput deste artigo.
109
críticas, em especial sobre as alterações sugeridas no registro por notas. Sendo,
assim, o Regimento foi encaminhado ao Conselho Municipal de Educação e,
aprovado, passou a vigorar no início de 2005.
Diante de todo este processo, visivelmente marcado pelos embates e lutas
pela hegemonia, não se pode deixar de perceber que os critérios para promoção dos
alunos, mesmo pretendendo impor um caráter processual à avaliação, acabam por
revelar uma tendência claramente bancária de educação, como se pode perceber na
redação final do Artigo 67:
Art. 67 – Os resultados da avaliação nas turmas do 4º ao 9º ano de
escolaridade do Ensino Fundamental e nas turmas da I, II, III e IV etapas
da Educação de Jovens e Adultos serão expressos sob forma de notas
numa escala de 1,0 (um) a 10,0 (dez), para registrar os avanços e
progressos dos alunos.
§ Serão definidos na proposta pedagógica elaborada pela Unidade
Escolar, os critérios e os procedimentos utilizados na avaliação da
aprendizagem.
I - Em cada bimestre haverá um mínimo de 3 (três) procedimentos de
avaliação.
II - Cada procedimento terá um valor específico, cujo somatório
totalizará a nota final do bimestre.
§ A avaliação do último bimestre será responsável pela aprovação
do aluno.
I - Para assegurar a cumulatividade do processo, a partir do
segundo bimestre, a verificação da aprendizagem deverá conter
30% (trinta por cento) do conteúdo curricular ministrado no
bimestre anterior.
II - As notas inferiores a 5,0 (cinco) serão substituídas
automaticamente pelas notas iguais ou superiores a 5,0 (cinco),
alcançadas no bimestre subseqüente.
§ 3º É garantida a recuperação final, ao aluno que não obtiver nota igual ou
superior a 5,0 (cinco) no quarto bimestre nas áreas de conhecimento,
considerando-se como recuperação final a 5ª avaliação.
§ Os alunos que após a recuperação final não obtiverem nota igual ou
superior a 5,0 (cinco), serão avaliados pelo Conselho de Classe final, que
decidirá sobre a sua promoção em até 2 (duas) áreas de conhecimento.
(DELIBERAÇÃO 07/04/CME, grifo meu).
4.4.1.4 - Deliberação 02/99/CME
Institui o Programa de Aceleração da Aprendizagem, para alunos com
distorção idade/ano de escolaridade, acatando uma das orientações quanto a
110
procedimentos administrativo-pedagógicos apontados nas Legislações Federais
(5.692/71 e 9.394/96) para o enfrentamento da situação. Apresentando os objetivos
do programa e apontando diretrizes para a operacionalização do mesmo, o texto da
Deliberação diz:
Art. - Parágrafo único: O programa a que se refere este artigo tem como
objetivo oferecer aos alunos que se encontram defasados em relação à
idade regular de matrícula, oportunidade de retomar, com sucesso, o
percurso escolar estabelecido no sistema de ensino.
Art. - O órgão próprio da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e
Desporto, deve expressar, de modo claro, preciso e operacional, através
de diagnóstico nas Unidades Escolares da rede pública municipal de
ensino, as condições para que se desenvolva de forma correta e
harmônica as turmas de aceleração da aprendizagem. (DELIBERAÇÂO
02/99/CME, grifo meu).
Observa-se que os objetivos postos para o programa enfatizam o discurso da
diferença, da desigualdade, e os critérios apontados para a implementação do
programa se pautam na ausência de conflito e busca pela homogeneidade. Parece
indicar ainda, que as práticas escolares e os processos ensino/aprendizagem estão
estruturados para conduzir à homogeneidade, à convergência, à linearidade
(considerados essenciais para uma boa relação pedagógica).
A proposta tende também a apresentar a relação entre ensino/aprendizagem
e avaliação, estruturada em idéias de homogeneidade, linearidade, previsibilidade,
prevendo, para essa relação, práticas para a disciplinarização e hierarquização dos
sujeitos e conhecimentos, prevendo e homogeneizando resultados e processos.
Em contraposição, se adotada uma atitude de compreensão e acolhimento da
diferença, podem ser exercidas práticas pedagógicas favoráveis à aprendizagem de
todos e não à aprendizagem daqueles que se encaixam nos modelos
previamente selecionados, o que Perrenoud (2000) chama de pedagogia
diferenciada.
4.4.1.5 - Caderno de avaliação
Apostila elaborada e distribuída, no início de 2001, por Instituição Acadêmica
parceira da rede de ensino no desenvolvimento de projeto para organização de um
111
sistema de avaliação escolar. Contém um pequeno histórico sobre a elaboração do
material e projeto desenvolvido, síntese de palestras proferidas, algumas
orientações sobre a elaboração de critérios de avaliação e perguntas propositivas
para desencadeamento de trabalho sobre a temática.
Destinado às Equipes Técnico–Pedagógicas das escolas, objetivava facilitar a
reflexão sobre a organização do sistema avaliativo. O embasamento teórico das
palestras segue uma linha de contraposição entre medida, verificação e avaliação do
rendimento, centrando a discussão nos instrumentos utilizados e julgamentos de
valor realizados por aquele que avalia.
O que chama à atenção no desenvolvimento do texto é sua característica
argumentativa em favor de estratégias pedagógicas que ressaltam a verificação e a
avaliação como procedimentos a serem justapostos. Indica também a avaliação
diagnóstica como elemento facilitador do planejamento de “atividades de reforço”,
enfatizando o uso de provas e testes para verificar o conhecimento.
Conceitua um Sistema de Avaliação como um “conjunto de normas que vão
dar unidade à avaliação realizada em um estabelecimento escolar, a uma série,
além de combater a subjetividade inerente ao processo de avaliação”, orientando
que para se elaborar esse sistema, primeiramente deve-se ter em mente que
aspectos se quer “verificar ou avaliar no rendimento do aluno”.
Denomina, assim, como critérios de avaliação, esses aspectos a serem
privilegiados no rendimento do aluno. Indica procedimentos a serem efetivados após
a composição desses critérios: elaboração de uma escala a ser usada por todos na
escola; uso de simbologia que expresse a avaliação (conceitos ou notas); padrões
de aceitação e ponto de corte (indicado pelos símbolos usados) que têm a função de
determinar o limite entre o aluno apto e o não apto em termos de rendimento.
Pode-se perceber que a visão de construção e expressão do conhecimento
constante no documento prioriza a classificação e a normatização como implícitas
ao processo de avaliação.
Embora sejam postas em destaque questões relativas à subjetividade na
avaliação, são feitas apenas constatações de sua presença nas ações avaliativas,
concluindo pela necessidade de serem feitos esforços para minimizar ou mesmo
combater a sua expressão.
112
4.4.1.6 - Registro de discussões dos professores
Textos elaborados pelas Unidades escolares sobre os artigos da proposta de
Regimento. Das 27 escolas, somente 23 enviaram seu relatório. Tais registros
denunciam a necessidade de um processo mais democrático de participação dos
profissionais da escola na feitura do Regimento Escolar.
Com relação à avaliação da aprendizagem, não se posicionam contra o
relatório descritivo usado na Educação Infantil e na progressão continuada, optando
por sua permanência. Quanto à mudança na forma avaliativa nos anos seriados,
apenas sete escolas se posicionaram a favor da continuidade do sistema de
avaliação por notas.
Pode-se notar que nos momentos diversos do processo de elaboração do
documento referentes às atividades de estudo, encontros, relações travadas entre
os grupos da SEMED e da escola, e práticas discursivas que se apresentaram e/ou
foram possibilitadas pela ordem dos discursos daquela situação social, muitos
agentes são a favor da conformação e da permanência das circunstâncias sociais
que sustentam as relações de dominação. Estas relações, baseadas mais no
consentimento do que na coerção, haja vista todo o encaminhamento da discussão
sobre o conteúdo da proposta, favoreceram a naturalização destas práticas de
dominação e de relações que se fundamentam na permanência de articulações
baseadas no poder.
4.4.1.7 - Entrevistas
Será apresentado adiante, um relato síntese das entrevistas, apontando as
práticas discursivas predominantes. Cabe pontuar que foram incorporadas nas
análises realizadas neste trabalho, as informações e observações coletadas através
de contatos informais com profissionais da SEMED e os próprios entrevistados.
Colaboraram na coleta de dados sujeitos do Departamento de Administração,
fornecendo documentos e informações sobre a rede de ensino; do Departamento de
113
Educação, possibilitando a coleta de dados sobre o trabalho implementado nos
setores; e do Conselho Municipal, fornecendo registros e depoimentos sobre o
trabalho do órgão.
Para uma melhor identificação da estrutura funcional da Secretaria de
Educação e dos sujeitos que participaram da pesquisa, estão registrados nos
anexos II e III os organogramas da Secretaria Municipal de Educação, nos anos de
2001 e 2007, respectivamente.
A escolha dos sujeitos que colaboraram diretamente com as entrevistas e a
definição do número de entrevistados, baseou-se no que Foucault considera como
característica do intelectual que
“ocupa uma posição específica, mas cuja especificidade está ligada às
funções gerais do dispositivo de verdade [...] ele funciona ou luta [...] ”pela
verdade” ou, ao menos “em torno da verdade”
74
[...] em torno do estatuto
da verdade e do papel econômico político que ela desempenha”.
(FOUCAULT, 1989, p. 13).
Assim, dentro do “regime de verdade” daquele grupo social envolvido com a
proposta de reorganização do ensino, os entrevistados foram pessoas que
ocuparam uma posição específica ligada às condições do processo de implantação
da proposta e que tiveram uma atuação essencial para sua elaboração e
funcionamento.
a) Entrevista 1
A primeira entrevista foi feita com um sujeito que à época da reestruturação
da organização do ensino, focalizada no recorte da pesquisa (2001 a 2007),
participou de órgão normatizador da Secretaria Municipal de Educação. A entrevista
foi iniciada com a apresentação dos objetivos principais da pesquisa, solicitação
para uso do gravador e esclarecimentos sobre as questões éticas acerca do sigilo
pessoal e utilização do conteúdo da conversa.
74
Entendendo-se por verdade “um conjunto procedimentos regulados para a produção, a lei, a
repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados.” (FOUCAULT, 1989, p.14).
114
Desde o primeiro momento, pôde-se perceber o valor atribuído à situação por
parte do entrevistado, ao ritualizar o momento da entrevista. Os procedimentos de
acolhida, por parte do entrevistado, revestiram a situação com um aspecto de
formalidade visível, tanto na apresentação da pesquisadora aos funcionários e
outros integrantes do local de trabalho, como também na solicitação feita a
determinado funcionário, para o oferecimento de água e café.
Foi percebida uma aparente satisfação pela escolha para participação da
entrevista, demonstrada pela apresentação de materiais que foram pesquisados
para que pudesse atender às pretensas expectativas da pesquisadora. Alguns textos
e outros dados complementares, selecionados pelo entrevistado para se respaldar
em relação ao que fosse perguntado, estavam dispostos à mesa, indicando,
possivelmente, uma grande preocupação quanto ao bom atendimento e
desenvolvimento do encontro.
As primeiras perguntas focalizaram a história pessoal do entrevistado e o
envolvimento com a educação municipal. Este tema foi importante para o
estabelecimento do rapport, favorecendo a expressão de alguns conteúdos
correlatos. Questões relativas à formação inicial do docente e prática pedagógica, à
relação público/privado, à valorização do magistério e à importância do contexto
sócio-cultural na identidade e representações sociais do sujeito foram apontadas.
Uma grande ênfase foi dada, durante a narrativa, à recorrência de mudanças
vinculadas às reformas educacionais. Isto apresentou reflexos, tanto na história
pessoal do entrevistado, quanto nas atividades que desempenhou na gestão de
instituições de ensino.
Com relação à história pessoal, foi citada sua inserção em diversos cursos
que pudessem atender à necessidade de qualificação para o ensino e desempenho
de atividades pedagógicas. No que diz respeito à gestão de Instituições de Ensino,
foram marcantes as constantes reformulações produzidas na organização curricular
nos cursos de formação de docentes e demais profissionais de outras áreas, em
atendimento a deliberações e normatizações estaduais e federais.
Uma questão também colocada foi a da educação proporcionada às classes
populares, pelo poder blico e por entidades privadas. Foram citadas expressões
que trazem à reflexão e ao debate os discursos naturalizados sobre a clientela da
educação popular. Referindo-se ao atendimento realizado por duas instituições
privadas, dentro da mesma região municipal, comenta:
115
Até porque o Colégio “X
75
era um colégio grande, mas era considerado um
colégio de elite. E o Y” era o colégio dos pobres. Até porque era no barro,
na poeira, na chuva, na lama. Então, a gente construiu logo um prédio bom
para receber. Mas era considerado um colégio da periferia. (ENTREVISTA
1).
Ao se perguntar sobre a atuação do Conselho Municipal de Educação, desde
o início de sua formação, foi destacado:
a parceria com a SEMED, sobretudo nas funções fiscalizadoras e normativas de
assessoramento às competências municipais para autorização de funcionamento
de escolas de Educação Infantil;
a existência de embates internos sobre a adesão ao Sistema Integrado de
Educação Básica proposto pelo sistema estadual do Rio de Janeiro, não aceita
pelo Conselho;
a importância do conhecimento sobre a experiência de outros Conselhos
próximos, e as visitas realizadas a sessões daqueles órgãos em outros
municípios.
Quanto à participação do Conselho no estudo e discussão para a implantação
do sistema de progressão continuada na rede municipal, duas questões apontadas
merecem uma reflexão.
Primeiramente, foi colocado o distanciamento sentido pelo conselheiro,
mesmo participando da Câmara responsável pelo estudo das Legislações e Normas.
O assunto foi decidido pela SEMED “de uma forma mais ativa”, cabendo ao órgão
deliberativo apenas a ciência da elaboração da Resolução, conforme o relato:
Eu era da Comissão de Legislação e normas e aceitei, porque era uma
coisa que era uma prática. Tinha que ser praticado. Precisava no momento
ser praticado. Então, foi levada à Câmara de Legislação e Normas, fez-se a
Resolução e o Conselho aprovou. [...] Não houve realmente um
aprofundamento. Eu me lembro que a professora relatou esse processo.
[...] não houve um estudo profundo não, para embasar. Mas era uma
norma praticada por todos os outros Conselhos. A gente se espelhou nos
demais (ENTREVISTA 1).
Mas, as outras escolas estavam fazendo. A Secretária freqüentava muito
as reuniões da Undime
76
. Era uma prática de todos os secretários
educacionais. Ela não faltava. [...] Então, acho que o embasamento veio
daí (ENTREVISTA 1).
75
O nome das instituições não foi citado.
76
Undime- União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação.
116
Em segundo lugar, os fatos relatados, apontam para um processo de
hibridação de idéias e práticas, enfatizada nesta e nas narrativas das outras
entrevistas da pesquisa, interpretadas mais adiante. Isto pode nos levar a refletir
sobre o que Canclini pensa sobre este processo.
Como funciona a hibridação de estruturas e práticas sociais para gerar
novas estruturas e novas práticas? Às vezes, isto ocorre de modo
planejado, ou é resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos ou
de intercâmbio econômico ou comunicacional. Porém, uma pequena
hibridação surge da criatividade individual e coletiva. No solo das artes,
senão na vida cotidiana e no desenvolvimento tecnológico. Se busca
converter um patrimônio (uma fábrica, uma capacitação profissional, um
conjunto de saberes e técnicas) para reinserí-lo em novas condições de
produção e mercado. [...] Por tais razões, sustento que o objeto de estudo
não está no hibridismo, senão nos processos de hibridação. (CANCLINI,
2003, tradução minha).
Ao se questionar sobre a relação entre as práticas avaliativas, progressão
continuada e organização da escolaridade em progressão continuada, a
argumentação apresentada focalizou as questões citadas a seguir, revelando
diferenciadas concepções do entrevistado acerca da(o):
a) não melhoria da qualidade do ensino, baseada tão somente na promoção
automática, sem o estabelecimento e uso de critérios processuais para a
avaliação da aprendizagem;
b) aceitação de uma concepção de que existem crianças que chegam à escola com
um “perfil ruim”;
c) agrupamento escolar das crianças, tendo como base a inserção de acordo com a
faixa etária, aliando-se a este procedimento uma dita seleção e “classificação
automática” realizadas desde os primeiros anos de entrada da criança na escola
(a exemplo de proposta conhecida pelo entrevistado e adotada em outro país);
d) concepção de educação como fator de mobilidade social e de não manutenção
das desigualdades sociais e raciais;
e) visão da avaliação externa da aprendizagem enquanto elemento classificatório e
excludente, mas necessário para a garantia de que os alunos sejam
promovidos se apresentarem condições;
f) concepção de construção de conhecimento baseada na falta, na defasagem.
117
g) primeiro momento escolar (compreendido por dois anos de escolaridade) como
tempo alargado para as aprendizagens, o fragmentado por anos civis e com
possibilidade de não reprovação entre os mesmos. Esta possibilidade se esgota
à entrada no 3º ano, quando foram realizados todos os esforços pela escola para
a aprendizagem e, não havendo correspondência pelo aluno, a reprovação deve
ser a medida aplicada.
h) responsabilização do professor da escola ciclada por sua falta de
comprometimento e por seu desestímulo em relação ao processo pedagógico;
por deixar de desenvolver um trabalho de qualidade, a favor da aprendizagem do
aluno, baseando esta atitude em virtude da impossibilidade de reprovação
daqueles alunos que não demonstraram um bom rendimento.
Foram expressas ainda pelo entrevistado, concepções de haver uma
educação diferenciada para aqueles que possuem recursos para “dispor com a
educação”. Apesar de ver a clientela como sendo semelhante nas instituições
públicas e privadas, a família que coloca seu filho na escola privada “opta” em dispor
recursos com a educação: por querer alguma coisa mais; por querer gastar com
escola. A clientela é a mesma. Eles são todos iguais. O pai simplesmente dispõe...
ele quer alguma coisa mais; quer gastar com educação.
(ENTREVISTA 1).
Por fim, retomada a questão da relação públicoxprivado e o direito à
educação de todos, foi enfatizado na narrativa que a educação deveria ter um preço
estipulado, não sendo oferecida “sem custo”. Estabelecendo uma tríade entre o
pagamento dos serviços educacionais pelo educando, a oferta da educação pelas
instituições públicas ou privadas e o Estado como regulador dessa relação, ao
prover recursos para que o educando escolhesse a escola, apresenta concepções
claramente ligadas à mercantilização da educação e do conhecimento como
produto.
b) Entrevista 2
A segunda entrevista foi realizada com profissional que exerceu função
gestora na Secretaria Municipal de Educação (SEMED).
118
Os procedimentos de acolhida se revestiram de certa formalidade, sendo
necessário um tempo maior para o estabelecimento de um clima mais espontâneo e
facilitador. Mesmo sendo realizada em local sugerido pelo entrevistado e tendo
ocorrido considerável tempo de espera para início da conversa, o local passou ainda
por pequena organização dos materiais à mesa, “reajustes” estes, percebidos como
necessários para que o entrevistado percebesse o ambiente como mais
descontraído e se sentisse mais à vontade na situação. Algumas interferências
internas e externas, como o atendimento a um telefonema para resolução de
situação cotidiana, ou mesmo, o ajuste recorrente do ventilador próximo à mesa,
podem ter sido usados como recursos de apoio ao estabelecimento de um ambiente
mais seguro e menos ameaçador. O espaço oferecido para o assento da
pesquisadora foi mantido em considerável distância do entrevistado durante toda a
conversa.
Interessava, primordialmente, colher a narrativa sobre os contextos de
implantação da progressão continuada e as concepções de avaliação da equipe
gestora àquela época. Assim, após estes momentos iniciais, e estabelecido um
clima mais favorável para a conversa, foi solicitado que contasse um pouco sobre a
política de implantação do ciclo de progressão continuada, as motivações e estudos
sobre a ação.
O relato inicia apontando que houve resistências, dentro do grupo gestor,
quanto à decisão de implantação da progressão continuada. A motivação alegada
como principal para o empenho na adoção da medida está relacionada às questões
pedagógicas: o tempo necessário para consolidação do processo de alfabetização e
a existência de um sistema de avaliação não condizente com a expressão do
desenvolvimento do aluno. Apesar de serem apresentadas outras razões
administrativas (falta de vagas, uso dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da
Educação Básica Fundef - e a superação da repetência) que poderiam ser
suficientes para a medida adotada, a preocupação com a aprendizagem é tida como
central.
Então, o que mais nos preocupava na época era a questão da repetência
muito grande, e que o ciclo poderia sanar essa questão: porque o aluno
passaria e o professor teria um tempo a mais para trabalhar com ele e
completaria aquilo que tivesse faltando na segunda série (vamos chamar
de segunda série?). Basicamente, a idéia era essa. A idéia inicial sempre
119
foi visando à questão pedagógica, para diminuir a repetência.
(ENTREVISTA 2).
Percebe-se que a concepção de ciclo está vinculada à noção de
prolongamento do período letivo, não tendo como referenciais uma outra
possibilidade de organização curricular e de modelo de gestão escolar. As bases
epistemológicas e pedagógicas que marcaram a narrativa se reportam ao alcance
de objetivos, dos domínios e à prontidão. As estratégias sugeridas para o trabalho
pedagógico se baseiam na recuperação, no reforço, na freqüência a aulas com
“explicadora”, à solicitação de apoio da família e à sua responsabilização quanto ao
sucesso da criança.
Este posicionamento em relação à função da família traz à discussão,
novamente, a narrativa encontrada na entrevista 1 sobre o oferecimento a todos
de uma educação de qualidade e não apenas àqueles que tenham condições. Essa
concepção firma também uma responsabilização das famílias quanto à opção pelo
oferecimento, ou não, de uma educação de qualidade a suas crianças, desde que
possuam essa “visão” e tenham “condições”.
Algumas famílias tinham preocupação de colocar numas explicadoras, nas
escolinhas de fundo de quintal até a criança completar seis anos e entrar
na rede pública. Mas nem todas as famílias tinham essa condição, essa
visão (ENTREVISTA 2).
A relação públicoxprivado reaparece nesta entrevista, com a mesma
compreensão sobre o atendimento às classes populares e às diferenciações nesse
atendimento pedagógico em cada um destes espaços. A idéia de “apresentar seu
rendimento” mostra uma concepção de escola voltada para as leis de mercado, para
seletividade, para a execução de tarefas com objetivo fechado e tempo limitado.
Reforça também o caráter de exclusão e produtividade inseridas nestas
representações.
A relação entre o tempo para aprendizagem e a idade da criança surge na
narrativa como vinculada, quase que exclusivamente, à inserção do aluno na turma
mais apropriada. Nesse caso, para essa enturmação, o fator preponderante seria a
verificação do seu desempenho individual em comparação ao grupo, no que diz
respeito a conhecimentos pré-selecionados pelos docentes. Isto se afasta, em muito,
120
do entendimento da aprendizagem como um processo de construção individual e
coletiva do conhecimento.
Cotidianamente, o ato de enturmação de alunos realizado na escola não
apenas no ato da matrícula, mas em diversos momentos do processo educativo se
de acordo com a organização do sistema educacional e com a organização do
ensino. Considerando-se que estas formas organizativas fundamentam-se em
concepções sobre a construção de conhecimento e o desenvolvimento humano e
social, percebe-se que o ato administrativo e pedagógico de formar turmas, firmou-
se, primeiramente, na aceitação de que o conhecimento é concebido como algo
objetivo e universal e que representa a verdade estabelecida a ser assimilada por
todos os alunos. Segundo, parece que é adotada uma posição universalista, ao
considerar que todos os alunos devem experimentar o mesmo currículo. Em terceiro,
a homogeneidade de conhecimento dos indivíduos é considerada fator essencial ao
desenvolvimento do processo educativo em sala de aula. E, por último, a avaliação
com aparente função de correção de falhas e verificação do que está errado na
aprendizagem do aluno, torna-se um instrumento de controle e seletividade.
Ao se tomar o conhecimento como objetivo e universal, a escola pensa em
verdades estabelecidas que devam ser ensinadas e aprendidas por todos os alunos.
Pressupõe um ordenamento do ensino e da aquisição de conhecimento de forma
igual para todos. Determina tempos e espaços, estabelecendo rotinas e práticas que
se firmam na verificação do alcance dos objetivos traçados para este ensino e sua
aprendizagem, considerando que todos os alunos devem se submeter a um
currículo. Diz o segundo entrevistado:
...a abertura foi: o aluno ficar reprovado ao final da terceira etapa por mais
um ano, para corrigir falhas, verificar o que houve com ele, [...] porque ele
não aprendeu. [...] Tá bom..., chegou ao final do ano, é um aluno pré-
silábico, o rendeu nada. Vamos ver porque ele o aprendeu.
(ENTREVISTA 2).
As significações dadas à prática avaliativa, às metodologias e os instrumentos
utilizados parecem estar a favor de relações de poder que reforçam a determinação
do lugar dos sujeitos de acordo com o seu saber/ não saber, o levando em conta
a diversidade de conhecimentos e o desenvolvimento dos sujeitos. A
homogeneidade de saberes é considerada essencial e necessária ao processo
educativo. A avaliação, em muitos trechos da narrativa, é representada como
121
mecanismo de determinação do lugar do aluno na escola, relacionando-a
diretamente com uma função de demarcação e seletividade, através da aprovação e
reprovação.
Retomando o tema do processo de implantação da política educacional,
foram elencadas pelo entrevistado algumas temáticas que serão destacadas aqui,
mas merecerão uma abordagem mais aprofundada na próxima seção.
Foi relatado que a implantação do sistema de progressão continuada foi uma
questão polêmica, tanto entre os gestores, como também entre as equipes de
orientadores das escolas. Igualmente, foi dito que a decisão tomada foi levada a
termo através de uma legislação por existirem várias opiniões em contrário.
Percebe-se que algumas destas opiniões divergentes diziam respeito aos sentidos
atribuídos à avaliação.
E aí também a gente discutiu a questão da avaliação. Sendo que para isso,
para a questão do ciclo, o documento acabou saindo em forma de
Resolução, porque essa questão também era polêmica entre alguns
orientadores pedagógicos. [...] Eu até acredito que se a gente fosse fazer
de uma forma democrática: “quem é a favor e quem não é a favor”, a gente
teria encontrado certa dificuldade para a implantação do ciclo e teria
continuado com o sistema seriado. E reprovando na primeira, reprovando
na segunda. [...] Mas isso não existiu dentro do município na nossa gestão:
a imposição. [..] Mas nunca foi assim: a escola vai avaliar dessa maneira.
Sempre nós deixamos a critério da orientação pedagógica da escola e até
do professor. (ENTREVISTA 2).
Sobre esta questão, pode-se perceber que, a despeito da implantação do
ciclo de progressão continuada vir revestida de um sentido de mudança, com
aparente luta contra-hegemônica, o que pode se notar foi uma reafirmação do
discurso pela fragmentação e pela desarticulação das possíveis formas de atuação
de outros grupos e agentes. Apesar da afirmação da não imposição de metodologias
e formas de atuação aos professores, é declarada, também, a não disponibilidade
para ouvir o coletivo. Acerca desta abertura para o diálogo, pode-se refletir sobre o
não favorecimento, na situação, de uma atitude para o diálogo dodiscente que se
estabelece entre os sujeitos que ensinam-aprendendo e aprendem-ensinando.
Diálogo em que os sujeitos aprendem e ensinam um ao outro (AROSA, 2007, p. 59).
Ainda são focalizadas na narrativa duas questões que são importantes,
especialmente quando se remetem à formulação de uma política pública. São elas:
122
1. A freqüente rotatividade dos professores nas turmas da progressão continuada
apresenta-se como entrave para a qualidade do trabalho pedagógico;
2. A validação das diretrizes para a prática avaliativa da aprendizagem sendo
delegada a uma instituição acadêmica, como forma de legitimar e dar
credibilidade ao discurso oficial.
c) Entrevista 3
Esta entrevista foi realizada com sujeito de instituição acadêmica que prestou
assessoria ao município para a realização de diferenciados projetos nas escolas e
na sede da SEMED. Aconteceu em local e trabalho do entrevistado conforme
acordado em contatos feitos por mediação de funcionário responsável por sua
agenda de compromissos. Através de correio eletrônico foram enviadas,
anteriormente, a questão geral da pesquisa e as temáticas a serem abordadas. Ao
iniciar-se a entrevista, os objetivos principais da pesquisa foram citados pela
pesquisadora, solicitando também o uso de aparelho MP4 para gravação do
encontro. Foram colocadas também as questões relativas ao sigilo pessoal e uso do
material da transcrição.
A narrativa inicia relatando que a Instituição possuía um histórico de parceria
com o município no desenvolvimento de vários projetos cerca de 5 anos antes da
implantação do sistema de progressão continuada. Durante o ano de 2000, por
solicitação da SEMED, um trabalho relacionado à avaliação foi iniciado com palestra
para professores, diretores e orientadores pedagógicos e educacionais das escolas.
Por motivo do quantitativo de pessoas e a capacidade do espaço reservado foram
organizados dois horários para a realização da palestra, que focalizou a avaliação
do rendimento
77
.
Como resultado do encontro foi elaborado um Caderno de Avaliação que
continha a síntese da palestra, questões que foram levadas a debate na ocasião e
algumas orientações, direcionadas às equipes pedagógicas das Unidades Escolares
para a elaboração de um sistema de avaliação. Ao início de 2001, sob forma de
77
Uso aqui a expressão utilizada pelo entrevistado ao se referir à avaliação da aprendizagem como
“avaliação do rendimento”.
123
projeto de extensão e intencionando desenvolver com as escolas um trabalho de
“como montar um esquema de avaliação”, o material é levado ao município.
O relato aponta que em reunião com a SEMED para planejamento das ações
dos vários projetos que estavam em andamento, no início daquele mesmo ano, foi
solicitado que os objetivos do trabalho sobre avaliação fossem modificados. Citando
as palavras do gestor da SEMED à equipe do projeto, relata:
“Na verdade, nós gostaríamos que vocês trabalhassem conosco, não
simplesmente avaliação como vocês estão nos propondo com todas as
séries do Ensino Fundamental. Mas que vocês pudessem trabalhar com as
primeiras séries do Ensino Fundamental, não enfocando a questão da
avaliação simplesmente. Mas enfocando a questão da progressão
continuada, pelo menos essa que as pessoas denominam de ciclo, não é?
Porque nós implantamos a progressão continuada esse ano aqui (no ano
de 2001) e estamos devendo aos professores uma orientação até hoje”. [...]
Foi a fala da pessoa [...] à época: “Nós implantamos, nesse ano, a
progressão continuada no município e nós estamos devendo aos
professores uma orientação”. (ENTREVISTA 3, 2007, p. 2).
É interessante colocar aqui, que esta entrevista é marcada por uma variedade
de citações da fala de outros sujeitos, tanto em discurso direto como em narrativa,
procurando demarcar diferenciados interesses, objetivos e perspectivas (seus e de
outros sujeitos) que se apresentaram na situação, segundo o ponto de vista do
entrevistado.
A partir deste momento, o entrevistado narra suas impressões sobre os
possíveis entraves que se apresentavam para a continuidade do trabalho e as
posições tomadas.
Primeiramente, observa a questão do tempo. Uma vez que a mudança na
organização do ensino havia sido efetivada, com o primeiro semestre letivo
sendo finalizado, o processo de avaliação se encontrava em andamento mesmo
sem a orientação da SEMED. Cita, ainda, que elementos do grupo responsável pelo
trabalho de extensão, constituído por professor e alunos de graduação, não possuía,
até aquele momento, embasamento sobre progressão continuada. Isso requereu
tempo de investimento de estudo sobre o assunto e tempo para replanejamento das
ações.
Em seguida, justifica a opção do papel assumido pela Instituição Acadêmica
em sua relação com a rede de ensino firmado, a partir de então, pelo aceite da
124
função de oferecer respaldo teórico a uma posição adotada pelos gestores do
sistema.
Mas nós optamos por isso, por trabalhar, porque nós vimos que era uma
situação séria no município. [...] e achamos que “já que nós estamos indo
ao município de Queimados com o objetivo de atender à necessidade do
município”, nós tínhamos de reformular o nosso projeto de extensão para
atender às necessidades do município. [...] nós tínhamos um grupo de
professores precisando dessa orientação, que s éramos capazes
realmente de dar; construir junto com eles uma proposta. (ENTREVISTA 3,
2007, p. 4-5).
Ao encarar o objetivo dessa ação acadêmica como simplesmente
determinado pelo atendimento às necessidades da rede, o entrevistado o
problematiza a situação. Parece que a reflexão que aqui se coloca não diz respeito
tão somente à mudança do foco de ação baseada na escolha entre continuar com o
projeto inicial ou reformulá-lo. Ao legitimar um documento que não refletia nem as
vozes da rede de ensino, nem tão pouco o discurso da própria instituição
acadêmica, deixa transparecer uma concepção iluminista revelada pela reafirmação
do lugar em que a academia se coloca na produção do conhecimento e do pretenso
poderio sobre esse conhecimento.
À medida que foram narradas as ações do projeto desenvolvidas a partir
daquele momento, são apontadas, na entrevista, outras questões relevantes para a
compreensão do contexto de influência na formulação dos programas da gestão ali
desenvolvida e das concepções que embasam a avaliação da aprendizagem
naquela política educacional. Estas questões dizem respeito à descontinuidade das
políticas, à formação em serviço e hierarquização de competências na gestão do
ensino.
Em relação à continuidade de políticas planejadas e implementadas, percebe-
se que, mesmo sem alterações estruturais nos planos do governo municipal, a troca
das pessoas responsáveis por determinados setores ou a redefinição do
organograma de um órgão público promove uma alteração nos programas e planos
de ação. Essas alterações podem significar adequações ou, até mesmo, mudanças
radicais nas quais se abandona o caminho percorrido a fim de serem
implementados outros projetos e programas.
Isto se observa na narrativa, quando o entrevistado se diz surpreso diante do
fato de ter se deparado com uma nova diretriz para o desenvolvimento do trabalho
125
de parceria, determinada agora por uma outra organização dentro da SEMED. A
partir de 2003, uma Coordenação de Ciclo de Progressão Continuada é criada e a
orientação da Secretaria de Educação é para que o trabalho seja feito diretamente
com a coordenadora. Abandonando-se o percurso caminhado com o Setor de
Supervisão durante o ano anterior, ocorre clara descontinuidade das ações até
então efetivadas.
Ainda foi trazido à discussão o processo de formação em serviço dos
educadores. Pelas situações apresentadas, pode-se caminhar na compreensão de
que as formações caracterizam-se também pela descontinuidade e pela
fragmentação, servindo, muitas vezes, para motivações e interesses particulares à
gestão administrativa e a outros organismos que participam das ações de
capacitação. Mesmo apresentando-se com um discurso que privilegia o pedagógico
e o processo educativo, as reflexões e a teorização sobre a prática da escola o
são assumidas como relevantes. uma valorização das formulações prático-
teóricas da gestão do sistema ou dos parceiros na capacitação, referenciadas em
outras realidades e cotidianas.
Exemplificando essa interpretação, o trecho transcrito do relato da entrevista,
cita a diversidade de intenções quanto aos objetivos da capacitação que estava
sendo reiniciada. Elas expressam a compreensão da instituição parceira quanto à
finalidade da formação contrapondo-a às motivações da gestão, sem considerar que
há também a fala das escolas sobre suas prioridades de estudo e capacitação:
Porque nós entendemos na nossa discussão [...] que, na verdade, o
município antes de optar por essa implantação da progressão continuada,
deveria ter, pelo menos no ano de 2000, trabalhado com os professores o
que era progressão continuada e qual a metodologia de trabalho dentro da
progressão continuada. Não era da avaliação, mas da metodologia e,
conseqüentemente, de quais os procedimentos de avaliação adotados.
(ENTREVISTA 3, 2007, p. 2).
Outra questão levantada diz respeito à concepção sobre as funções de
gestão e docência que se revela através de um discurso que promove a
hierarquização dessas competências.
As representações sobre os fazeres do Orientador Pedagógico (OP), do
Orientador Educacional (OE), do Supervisor Escolar e do Professor regente podem
ser identificadas, nas narrativas das entrevistas 2 e 3, como carregadas de
determinações de lugar e de poder.
126
Os Orientadores (OP e OE) são definidos como a “única ponte” entre a
gestão central e os professores, mas também os Supervisores são apontados como
os responsáveis pelo elo entre a Secretaria de Educação e as Unidades Escolares.
Nesta função de “ponte”, de “acompanhamento das questões do dia-a-dia”, estão
incluídas ações de formação, dinamização do trabalho, coordenação e avaliação das
ações pedagógicas na escola.
Os professores são pouco citados nas narrativas como produtores de
conhecimento sobre o cotidiano, sobre a reorganização implementada ou sobre as
concepções que sustentam as práticas relativas às mudanças que foram
implementadas. Estas representações sobre o lugar e o papel destes sujeitos no
sistema educacional estão baseadas numa estrutura social que tem o fazer como
determinante de um lugar neste grupo.
Dentre outras reflexões possíveis, percebe-se aqui uma hierarquização dos
sujeitos quanto à produção do conhecimento, quanto à sua pretensa capacidade de
ação para a mudança e quanto aos seus fazeres vinculados a ações de
planejamento e execução.
4.4.2 – Política de customização e Discurso oficial
Customização é, segundo Galvão (2002), um termo oriundo do verbo inglês
"custom made", ou seja, "feito sob medida". Inicia-se na área de moda e tem sua
origem no verbo "to customize" com sentido de adaptar um produto às necessidades
particulares de cada consumidor. Tudo indica que essa proposta nasceu com o
movimento hippie na década de 60, com o advento dos processos artesanais, o
desenvolvimento de técnicas de tingimento de tecidos e de trabalhos com retalhos
(patchwork), favorecendo assim a personalização das peças. (PALOMINO, 2002).
Quando se fala da prática da customização na moda, refere-se a um
tratamento especial dado a uma peça, transformando-a em um produto único. Por
outro lado, pode-se considerar também, que a expressão “sob medida” remete à
idéia de submissão a um modelo, a uma medida imposta, determinada por padrões
sócio-culturais da época.
127
Parece que o termo passa a ter um sentido, de modo geral, de levar ao
consumidor final a sensação de ter adquirido algo novo, que é produto de sua
interferência, direta ou não. Todavia, o que se é que a estrutura do produto
adquirido é a mesma. O que ocorre, na prática, é a inserção de alguns elementos
decorativos, que muitas vezes ganham traços de adorno.
O termo tem sido empregado também na informática (customização de
software); no marketing (customização em massa, customização de produtos); na
área empresarial (customização de programas de capacitação adequados
às competências e habilidades exigidas pelo mercado) e na engenharia
(customização de imóveis), entre outras tantas. Estes exemplos demonstram que as
idéias e propostas dos mais diferentes campos de conhecimento m se
caracterizado, na contemporaneidade, pela multiplicidade, pluralidade e hibridismo.
Customização é uma estratégia de mercado da qual a educação também tem
se apropriado, considerando-a como uma proposta de personalização da educação,
através da individualização dos processos de aprendizagem. Até mesmo estratégias
de customização em massa têm tido espaço na educação.
Aparentemente, a idéia de customização em massa surgiu na área de
manufatura: como oferecer produtos com configurações diversas para cada cliente
ainda mantendo o paradigma da produção em massa.
Ao promover em relação ao processo educacional a mesma inversão a que
se submeteu o processo de produção e comercialização de produtos e
serviços nas e pelas empresas; ou, em outras palavras, ao atribuir ao
cliente (customer) a prevalência no tocante ao o quê, quando, quanto e
com que qualidade produzir, os empresários pretendem inserir a lógica
produtivista na esfera formal da educação. Do seu ponto de vista a
pedagogia deveria assumir uma plasticidade que a tornasse adaptável às
constantes mudanças que caracterizam uma clientela propensa a ser
pouco conservadora em termos de consumo. (BIANCHETTI, 1999).
Ao discorrer sobre customização e práticas pedagógicas, Bianchetti (1999),
apresenta uma análise de que, nos dias atuais, é possível perceber variadas
estratégias de customização da educação. Essas estratégias foram ressaltadas por
alguns teóricos como Gentili (1995 apud BIANCHETTI, 1999), que identifica o
surgimento de uma pedagogia denominada por ele de fast food, em função da
"macdonaldização do conhecimento escolar". Esta conceituação de ensino se é
128
assim nomeada por Gentili dada à aproximação entre o funcionamento da empresa
de lanches rápidos e a identidade pretendida pelos empresários à instituição escolar.
Encontramos em Wexler (1995, p. 162) a argumentação de que há uma
tendência de surgimento de escolas pós-fordistas ou toyotizadas, entendidas como
escolas de alto desempenho, administradas pelos novos líderes empresariais. Diz o
autor que estas escolas "planejam formas de aprendizagem das novas habilidades
exigidas por um local de trabalho reestruturado, formas que sejam ‘concretas’,
‘práticas’, ligadas à ‘vida real’ e organizadas através de equipes de trabalho". Por
fim, Machado (1995, apud BIANCHETTI, 1999) ressalta que da parte dos
empresários tem havido uma preocupação crescente para a implementação de uma
nova pedagogia que ela denomina de just-in-time, caracterizada por uma vinculação
imediata e direta entre a formação e o processo produtivo. Essa pedagogia objetiva
atender às demandas assim que elas surjam.
Ao se analisar esses modos de ação relativos à customização nos mais
diferenciados campos de conhecimento, pode-se perceber que na construção das
políticas públicas, encontram-se também algumas práticas que sugerem o emprego
de estratégias customizadoras.
Na elaboração da proposta de implantação do ciclo de progressão
continuada, a SEMED ouve daqueles que estão inseridos em contextos educativos
de outras redes sobre “o que deu certo” e o que “não deu certo” nestas outras
experiências e se apropria de “detalhes” para personalizar sua reorganização do
sistema de ensino.
Adereços como vinculação da idade ao ano de escolaridade, registro da
avaliação através de relatório descritivo, possibilidade de retenção por apenas um
ano ao final do ciclo de progressão continuada, são alguns dos elementos de
personalização da proposta, tornando-a diferenciada.
Pode-se argumentar que este é um grande passo na direção de uma não
adaptação da rede de ensino a uma proposta vinda de fora. Porém, ao contrário do
que este discurso quer fazer acreditar, ao “corrigir” as falhas de outras propostas
pretendendo produzir uma “melhor” e mais eficiente, resta indagar a que, e a quem
esta proposta customizada serve? Aos interesses dos formuladores da política, que
se encarregaram de colocar, tirar, juntar, sobrepor, mesclar e renomear os
elementos constitutivos da política? Às escolas que nem foram ouvidas e chamadas
129
a expressar suas diferenciadas problemáticas? À Instituição Acadêmica parceira
que apresenta projeto “adequado” às necessidades da rede?
Fica claro também que o que faz a SEMED é encomendar à Instituição
Acadêmica uma customização do produto “CICLO”. O que a Instituição acaba por
fazer, é uma recontextualização do discurso científico, para que ele se torne
atraente para o discurso político-pedagógico que se encontrava definido. Nesse
caso, também é possível dizer que o discurso acadêmico acaba produzindo o que
se denomina customização em massa uma vez que se propõe a oferecer um
serviço que atenda às necessidades específicas de toda a rede de ensino.
O que a princípio poderia ser intencionado à diferenciação e fuga de uma
massificação de tendências, como é o discurso usado principalmente na moda
customizada, numa Política de Customização o “produto” se apresenta com um
sentido, uma significação contrária a essa idéia. Pelo movimento de diferenciação e
individualização estabelecer-se em práticas e concepções pré-estabelecidas,
utilizando-se de novos ou antigos saberes e fazeres como “adereços”, sem
vinculação às demandas do grupo social, a política não lhe cabe, não lhe diferencia,
não reflete sua identidade. O que poderia se tornar numa customização que
traduzisse e expressasse a participação dos sujeitos na política gerada, torna-se
uma estratégia de manipulação de interesses e poder. Como afirma Gentili,
Naturalmente, em tais condições, a participação não é outra coisa senão
um ardil, um ato hipócrita de simulação, destinado a legitimar decisões
tomadas por outros (ou outras) e que nunca entram na pauta de
discussão. [...] as decisões do governo nunca são enunciadas como tais,
mas são encobertas sob supostos “acordos gerais”, “coincidências
comuns” e toda uma série de estratagemas discursivos destinados a diluir
e mascarar o conflito e criar a falsa imagem de comunidade homogênea
de interesses. (GENTILI, 1998, p. 67, 68).
Até mesmo a participação da comunidade a qual a política será direcionada,
com vistas à explicitação dos seus desejos e necessidades, pode representar um
adereço para customização.
Outros adereços customizadores podem ser encontrados no discurso oficial,
tais como: a afirmação da centralidade do pedagógico naquela política, embora
sejam colocadas em destaque as razões administrativas; a visão de ciclo como um
prolongamento do período letivo e não como uma outra possibilidade de
organização curricular e de gestão da escola; e a idéia de sucesso escolar atrelado
130
à produtividade, rendimento, execução de tarefas com objetivos fechados e tempos
limitados e não para o favorecimento do trabalho coletivo e cooperativo no processo.
Na análise dos contextos e conjunturas do processo de constituição do
discurso oficial na rede de ensino de Queimados, os resultados apontam esses
modos de ação como práticas articulatórias da construção do discurso da política e
que são considerados, nesta pesquisa, como uma Política de customização.
Entende-se por Política de Customização aquela que busca empreender um
novo sentido aos modos de ação estabelecidos, com a inserção de novos
elementos que se somam aos existentes sem, todavia, mudar os fundamentos
que sustentam tais ações políticas. Construindo um novo sentido, a partir de uma
política “feita sob medida” para aquela situação e aqueles sujeitos sociais, as
relações e práticas sociais são customizadas.
Na formulação dessas políticas customizadoras, a estrutura na qual se
estabelecem é mantida, ocorrendo a introdução de elementos que são
apresentados sob uma nova aparência, como uma forma de novidade, de mudança,
mas que representam a legitimação de decisões anteriormente tomadas por seus
formuladores, não sendo demandadas pelo grupo social ao qual a política se
destina.
131
5. (PRO)VOCATIVO
A importância do discurso na vida social transita
entre a regulação e a transformação. (RESENDE e
RAMALHO, 2006, p. 46).
Das análises realizadas, surgiram as tentativas de resposta a questões que
inicialmente se colocaram para a pesquisa.
Sobre quais os sujeitos que participaram dos processos de formulação das
políticas educacionais, pode-se perceber pelos relatos que, apesar da consulta
informal a profissionais da Secretaria de Educação, apenas os gestores a nível
central tiveram participação efetiva na elaboração dos documentos e proposta de
reorganização do ensino. Nem o órgão normativo exerceu sua função deliberativa,
nem os parceiros de projetos acompanharam o processo, ou mesmo os profissionais
da rede tiveram acesso às idéias da proposta.
Nos textos oficiais, os sentidos dados à ação avaliativa remetem a práticas de
verificação e exame. Apesar da utilização de instrumentos de registro da avaliação
(na progressão continuada) que pressupunham a exposição da descrição, análise e
crítica sobre o processo pedagógico, o currículo e as práticas pedagógicas não
acompanharam esta mudança, permanecendo atrelados a idéias fragmentadas,
standartizadas e individualistas de “aquisição” de conhecimentos.
As concepções expressas pelos formuladores da proposta aproximam-se de
uma concepção tecnicista da educação (alicerçada no princípio da otimização:
racionalidade, eficiência e produtividade), pautada numa prática pedagógica
tradicional e numa abordagem comportamental da aprendizagem (emprego de
estímulo, condicionamento, reforço e punição).
Para a implantação da política de avaliação, a gestão do sistema deliberou
uma Resolução, formou grupo de trabalho com o Setor de Supervisão Escolar para
alteração do Regimento Interno das Unidades Escolares e solicitou parceria à
Instituição Acadêmica para embasamento teórico da proposta.
Foi utilizada a legislação como ponto de apoio central para divulgar a
proposta. A mediação desejada com a escola foi requerida através da figura do
orientador pedagógico, apontado pela gestão como a única ponte entre o nível
132
central e o trabalho pedagógico que se desenvolve na escola, agregada à parceria
de instituição acadêmica que atuou na capacitação destes orientadores.
Nas tensões, conflitos e acordos estabelecidos nas relações que constituíram
o processo de construção da política em estudo foi possível identificar que
condicionantes legais, por si próprios, são incapazes de direcionar a ação dos
sujeitos, uma vez que a apropriação destes discursos se por recontextualização,
encerrando vários conflitos e conferindo tanto à esfera central quanto à rede de
ensino uma dinâmica de recontextualização. Sobre essa variedade de experiências,
Barreto e Sousa indicam que as reformas educacionais:
...quando desencadeadas, geram múltiplas leituras de seus propósitos e
possuem muitos desdobramentos. São interpretadas pelos segmentos por
elas afetados a partir de seus interesses específicos e mais gerais, muitas
vezes contraditórios entre si, e terminam sendo ressignificadas um sem
número de vezes. A tal ponto se modificam que os resultados que
produzem, ainda quando secundários do ponto de vista da proposta
original ou mesmo não previstos, podem eventualmente chegar a ser os de
maior impacto. (BARRETO & SOUSA, 2005, p. 683).
Foi possível perceber que os discursos se inserem em focos de luta
hegemônica, colaborando na articulação, desarticulação e rearticulação de
complexos ideológicos. Traduzem quase que uma transmissão persuasiva e
legitimadora de identidades e de determinados modelos de subjetivação que
promovem sujeitos divididos, excluídos do processo, privados de agência, vontade e
poder de decisão.
Analisar a trajetória da construção deste discurso oficial, as demais práticas
discursivas e demais elementos das práticas sociais, tornou evidente a necessidade
de uma reflexão sobre que caminhos estão sendo tomados nestas políticas públicas:
se caminham para a manutenção/reprodução ou transformação da sociedade; ou
ainda para a produção de pequenas mudanças sem, todavia, alterar os elementos
centrais de sua organização.
Ressalta-se aqui a crença na importância da mediação do sujeito social como
uma real possibilidade tanto para a manutenção como para a transformação da
sociedade, de acordo com o papel que desempenham e discursos que se
apropriam.
133
A perspectiva colocada por Canclini (2003), sobre a criatividade individual e
coletiva para superar as hierarquias através da hibridação
78
, coloca a descoberto as
“zonas de escape” e possibilidades de “deslizamento de sentidos” produzidos pelas
ambivalências nos textos e discursos das políticas. Estes espaços podem favorecer
leituras heterogêneas e diversificadas, incorporação de novos sentidos e
significados nos discursos e práticas sociais. Isto envolve a conscientização de
como certos discursos nos apropriam e são apropriados por nós e como certos
discursos se tornam naturalizados e hegemônicos.
Na experiência em estudo, o processo de construção do discurso oficial
expressou uma recontextualização por hibridação, legitimando algumas vozes em
detrimento de outras, formulando conformações e orientando as mudanças para
finalidades determinadas. O entendimento da recontextualização como desenvolvida
por processos híbridos não passa por um processo de assimilação ou de simples
adaptação, mas é um ato de negociar a diferença com o outro.
É na negociação necessária para a legitimação deste e de outros discursos
que ali se fizeram presentes, que se reafirma a valorização da ação dos sujeitos
para a transformação social.
Partindo-se da compreensão das políticas públicas como acontecimento
discursivo não se pretendeu, nesta pesquisa, uma avaliação das
práticas/resultados/efeitos decorrentes da política educacional em estudo, mas a
busca de uma melhor compreensão dos textos, discursos, práticas discursivas, lutas
e intenções, em determinados contextos que se configuraram como
desencadeadores do processo de produção daquela política.
Com esse trabalho, espera-se contribuir para uma melhor reflexão sobre o
processo de construção dos discursos na política educacional e sua significância na
produção/reprodução de domínios de saberes e fazeres, considerando como
possível a mudança de relações sociais estabelecidas, para que se percorra um
caminho no sentido da emancipação dos sujeitos.
78
Canclini entende por hibridação, processos socioculturais em que as estruturas e práticas
diferenciadas, que existam de formas separadas se combinem para gerar novas estruturas, objetos e
práticas.
134
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SOEIRO, L. & AVELINE, S. Avaliação educacional. Porto Alegre: Sulina, 1982.
SOUSA, C. P. Avaliação do rendimento escolar. Campinas, SP: Papirus, 1991.
SOUSA, S. Z. de L. Avaliação da Aprendizagem: Teoria, Legislação e Prática no
Cotidiano de Escolas de 1° Grau. Disponível em www.crmariocovas.sp.gov.br/
pdf/ideias_08_p106-114_c.pdf. Acesso em 03/05/2008.
_______________. Avaliação da aprendizagem: natureza e contribuições da
pesquisa no Brasil, no período de 1980 a 1990. 1994. Tese. Universidade de São
Paulo.
SPÓSITO, M. P. Educação, gestão democrática e participação popular in
BASTOS, J. B. (org.) Gestão democrática. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
STAKE, R. E. Pesquisa qualitativa/naturalista Problemas epistemológicos.
Educação e Seleção, v. 7, p.19-27, jan./jun. 1983.
STEIN, E. Dialética e hermenêutica, uma controvérsia sobre método em filosofia. In:
Habermas, J. Dialética e hermenêutica. Porto Alegre: Ed. L&PM, p. 98-134,1987.
TABA, H. Elaboración del currículo; teoria y prática. Buenos Aires: Troquei, 1974.
TANUS, M. I. J. e outros. Gestão educacional: relações entre poder e participação.
In: BITTAR, M. e OLIVEIRA, J. F. Gestão e políticas da educação. Rio de Janeiro:
DP&A, 2004.
TEIXEIRA, V. F. História da formação de Queimados. RJ: Prefeitura Municipal de
Queimados, 2005.
146
TYLER, R. W. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Ed. Globo,
1974.
TURRA, C. M. G. et alii. Planejamento de ensino e avaliação. ed. Porto Alegre:
PUC-EMMA, 1975.
VASCONCELLOS, C. S. Os Ciclos em Questão. Avaliação: Superação da Lógica
Classificatória e Excludente: do “é proibido reprovar” ao é preciso garantir a
aprendizagem. 4
a
ed. São Paulo: Libertad, 2002.
___________________. Avaliação da aprendizagem: práticas de mudança. São
Paulo: Libertad, 1998.
WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
v.1, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.
WELLER, W. A hermenêutica como todo empírico de investigação.
Disponível em www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT17-3288. Acesso em:
01/05/2008.
WEXLER, P. Escola toyotista e identidades de fin de siècle. In: SILVA, T.T da &
MOREIRA, A. F. (org.) Territórios contestados. O currículo e os novos mapas
políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995.
ZABALA, A. A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
147
ANEXO I
Turmas
Alunos
Turmas
Alunos
Turmas
Alunos
Turmas
Alunos
Turmas
Alunos
Turmas
Alunos
Escola
Municipal
EI EI EF
AI
EF
AI
EF
AF
EF
AF
EE EE EJA
AI
EJA
AI
EJA
AF
EJA
AF
01
Allan Kardec - - - 572 - - - - - - - -
02
Batista - - - 365 - - - - - - - -
03
Dr. Cledon Cavalcante 2 50 - 472 - - - - - - - -
04
Dr. Francisco Manoel Brandão 2 51 - 448 - - - - - - - -
05
Eloy Dias Teixeira 1 25 11 264 - - - - - - - -
06
José Anastácio Rodrigues 1 16 5 75 - - - - - - - -
07
José Bittencourt de Oliveira 6 141
- - - - - - - - - -
08
Luis de Camões - - 5 137 - - - - - - - -
09
Metodista 2 50 18 550 - - 4 30 - - - -
10
Monteiro Lobato - - 16 528 - - - - - - - -
11
Senador Nelson Carneiro - - 19 699 - - - - 2 72 - -
12
Oscar Weinschenk 2 51 22 675 - - - - 5 174
- -
13
Pastor Arsênio Gonçalves - - 8 259 - - - - - - - -
14
Paulo Freire - - 8 233 - - - - - - - -
15
Primeira Igreja Batista - - 12 359 - - - - - - - -
16
Profª. Anna Maria dos Santos Perobelli
- - 18 519 - - - - - - - -
17
Profª. Diva Teixeira Martins - - 16 532 - - - - 3 95 - -
18
Profª. Maria Corágio Pereira Xanchão - - - 572 - - - - - - - -
19
Profº Joaquim de Freitas 4 99 16 434 - - - - - - - -
20
Profº Leopoldo Machado - - 13 400 9 360 - - - - 9 372
21
Profª. Scintilla Exel - - 27 865 15
583 - - - - 9 381
22
Santo Expedito 1 26 211 5 114 - - - - - -
23
São José 1 26 7 192 - - - - - - - -
24
Tiradentes - - 14 466 - - - - - - - -
25
Profº Ubirajara Ferreira 1 23 6 162 - - - - - - - -
26
Vereador Carlos Pereira Neto 1 - 22 671 - - 1 8 3 96 - -
27
Waldick Cunegundes Pereira 1 27 6 171 - - - - - - - -
TOTAL
20 539
269
10.831
29
1.057
5 38 13 437
18 753
TOTAL DE TURMAS 344
TOTAL DE ALUNOS 13.655
Tabela 8 – Nº. de escolas, alunos e docentes na educação pública municipal em 2007.
EI – Educação Infantil
EF AI - Ensino Fundamental Anos Iniciais
EF AF – Ensino Fundamental Anos Finais
EJA – Educação de Jovens e Adultos
EE – Educação Especial
148
ANEXO II
Figura 3 – Organograma SEMEC – 2001
ANEXO III
Figura 4 – Organograma SEMED - 2007
Secretário Municipal
Conselho Municipal de
Educação
Departamento de Administração
- Setor de Serviços Gerais e
Zeladoria
- Administração de Pessoal
- Protocolo
- Expediente
- Material de Apoio e Patrimônio
- Limpeza
- Manutenção
- Informática
Departamento de Educação
- Atendimento ao Educando
(Merenda escolar)
- Educação Infantil e Ensino
Fundamental (EJA/ Ciclo/ 3ª e
4ª/ 5ª a 8ª)
- Educação Especial
- Supervisão Escolar
- Escrituração
Departamento de Cultura
- Projetos Culturais
- Biblioteca
- Eventos Culturais
- Recepção
- Difusão cultural
- Patrimônio histórico
Sub-Secretário Municipal
Conselho Municipal de
Educação
Departamento de Administração
- Setor de Serviços Gerais e
Zeladoria
- Administração de Pessoal
- Protocolo
- Expediente
- Material de Apoio e Patrimônio
- Limpeza
- Manutenção
- Informática
Departamento de Educação
- Atendimento ao Educando
(Merenda Escolar)
- Educação Infantil e Ensino
Fundamental (EJA/ Ciclo/ 4º ao
9º ano/ Projetos Educacionais)
- Educação Especial
- Supervisão Escolar
- Equipe Técnico-Pedagógica
- Escrituração (Bolsa-Família)
Sub-Secretário Municipal
Secretário Municipal
149
ANEXO IV
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Prezado(a) Professor(a),
Eu, Deize Vicente da Silva Arosa, estudante do Mestrado em Educação, matrícula
06107P6M08, orientanda da Professora Doutora Claudia de Oliveira Fernandes, desenvolvo
pesquisa sobre a implantação do Ciclo em Queimados, focalizando as ações e concepções que
fundamentam a avaliação escolar na rede municipal de ensino.
Com o objetivo de conhecer melhor as ações gestoras desta rede de ensino -
principalmente após a implantação do sistema de progressão continuada em 2001-, bem como
as idéias pedagógicas que basearam a estruturação do trabalho em avaliação da aprendizagem
escolar no município, solicito sua participação nesta entrevista.
Os temas a serem tratados na entrevista se relacionam à história da rede de ensino no
município de Queimados; às motivações pedagógicas e políticas para a implantação do
sistema de progressão continuada; às leituras e estudos realizados; à organização e
implementação das políticas em educação.
Desde já agradeço pela disponibilidade e pronta aceitação em colaborar neste estudo.
Atenciosamente,
Rio de Janeiro, _____ de _____________ de 2007.
________________________________
Deize Vicente da Silva Arosa
150
ANEXO V
151
152
153
154
155
156
157
Livros Grátis
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