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As mudanças impressas no texto literário, efetivadas a partir de profundas
transformações nos modos de produção e reprodução cultural, deram-se, sobretudo, nas
estruturas básicas da forma narrativa: tempo, espaço, personagens e narrador.
A narrativa moderna
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trabalha com uma nova concepção de tempo, valorizando a
simultaneidade dos conteúdos da consciência, deixando fluir ininterruptamente passado,
presente, futuro. Segundo Tânia Pellegrini “trata-se do tempo entendido como duração, o
“tempo da mente”, que não coincide com as medidas temporais objetivas” (Apud
AGUIAR, 2003, p.21, grifo da autora). As relações temporais passam a ter um caráter
espacial na medida em que “perdem sua continuidade e direção irreversível: o tempo pode
parar, inverter-se, repetir-se, fazer avançar ou retroceder a ação, dando forma à
simultaneidade. Trata-se, agora, do tempo da imagem móvel” (Apud AGUIAR, 2003,
p.21/22).
No entanto, Tânia Pellegrini destaca que, apesar do diálogo com a linguagem
cinematográfica, a narrativa literária continua presa à linearidade do discurso, ao caráter
consecutivo da linguagem verbal. O que a literatura consegue criar, na verdade, é um
efeito, uma ilusão de simultaneidade. A narrativa literária, ao incorporar técnicas visuais,
incrementa as técnicas de representação, como fluxo de consciência, fragmentação,
descontinuidade etc, e, simultaneamente, desenvolve uma progressiva simplificação da
linguagem, aproximando-se da objetividade da linguagem visual. Segundo a autora,
pode-se dizer que, em algumas narrativas contemporâneas (e aqui uso exemplo de
autores brasileiros como Rubem Fonseca, Patrícia Melo ou Sérgio Sant’Anna), o
despojamento da linguagem atinge às vezes um ponto em que temos apenas uma
seqüência de “tomadas” em série. Nada se descreve além da ação ou da continuidade
delas; a enumeração caótica registra apenas fragmentos de objetos, vestígios de
paisagens, traços de corpos ou rostos humanos: flashes, takes, shots; trata-se de um
estilo imagético, digamos assim, visceralmente ligado à linguagem cinematográfica
e televisiva (Apud AGUIAR, 2003, p. 29).
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A partir de um critério cronológico, pontuamos como moderna a narrativa produzida a partir das
transformações estéticas das vanguardas do início do século XX.