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O cinema conserva características que foram apropriadas com mais ênfase
pela televisão e pelo rádio, mediando uma relação social entre os indivíduos e
destes com o mundo, fazendo que o público se identifique diretamente com o que
está vendo, pois a televisão oculta o mundo sob a imagem do mundo e o cinema
tem a mesma função, sendo mais propício o ambiente da sala de exibição, com sua
pouca luz e a grande tela, para a imersão total no ficcional.
Pertencente à geração do Cinema da Retomada
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, o diretor de Memórias
Póstumas, ao contrário dos diretores do Cinema Novo e do Cinema Marginal,
“demonstra grande fidelidade às narrativas cinematográficas tradicionais,
esquemáticas e naturalistas, típicas do cinema norte-americano” (LEITE, 2005, p.
134), embora os cineastas brasileiros não manifestem interesse em produzir filmes
ao estilo hollywoodiano.
Sem compromisso com a continuidade de estéticas como o Cinema Novo e o
Cinema Marginal, as produções da fase da retomada “indicaram a ascensão da
tendência de um ciclo que se notabiliza pela pluralidade temática das produções,
voltadas, muitas vezes, para explorar os diferentes nichos do mercado exibidor”
(LEITE, 2005, p. 129-130). Os problemas sociais, tão trabalhados pelos
cinemanovistas, quando retratados, servem simplesmente de cenário para o
desenvolvimento de uma “narrativa melodramática”, pois, como explica Leite (2005,
p. 130), “abordar as chagas sociais do país agrega às produções recentes do
cinema nacional uma espécie de chancela de qualidade intelectual e artística”, cult,
na qual, em alguns casos, as mazelas sociais são transformadas em simples
entretenimento.
Ao falar sobre os efeitos de distanciamento na arte dramática, Brecht (2005, p.
75) explica ser o distanciamento utilizado em peças de dramática não-aristotélica,
pois não se fundamentam na empatia, com o objetivo de “se efetuar a representação
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Até chegar a esse período, a partir de 1995, que, sob fortes contestações, recebe o nome de
Retomada, o cinema nacional passou por altos e baixos, mais baixos do que altos. Devido à abolição
das leis de incentivo à produção cinematográfica, juntamente com a extinção da Embrafilme (órgão
que regulava o repasse de verba para os diretores e produtores), durante o governo de Fernando
Collor no início dos anos 1990, a indústria cinematográfica brasileira passou por sérias crises,
deixando de produzir em larga escala, visto que estava fadada a concorrer com as grandes
produções norte-americanas sem qualquer protecionismo estatal. Contudo, a partir da Lei Rouanet,
elaborada e difundida desde os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, e
juntamente com a Lei do Audiovisual, promulgada com o objetivo de aperfeiçoar a lei anterior, o
cinema nacional ‘renasce’, ressurge.