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1. Introdução
Era uma vez um contador de estórias que pertencia a uma linhagem de bardos cuja
tradição consistia em preservar e relatar os contos dos tempos antigos na corte de um certo
rei. Acontece que esse contador sentia-se orgulhoso de sua antiga linhagem, do seu
repertório e do nível de sabedoria de suas estórias, pois essas eram usadas como
indicadoras do presente, registros do passado e faziam alusões às coisas do mundo dos
sentidos bem como às do mundo além das aparências.
Mas havia na corte também, como é natural e útil, outros especialistas de todos os
tipos. Havia chefes militares, cortesãos, conselheiros e embaixadores. Havia engenheiros
habilitados na arte de construir e demolir, homens da religião e de outros tipos de
aprendizagem. Em resumo, havia pessoas de todos os tipos e condições, e cada uma delas
se achava melhor que todas as outras.
Um dia, depois de muita discussão entre estas pessoas valorosas sobre quem seria
mais importante, a única conclusão a que puderam chegar apontava o contador de estórias
como o menos importante, o menos útil, o menos habilitado para qualquer arte conhecida.
A assembléia decidiu, portanto, para iniciar o processo de reduzir o número de
pessoas inúteis á sua volta, eliminar o contador de estórias. Ao mesmo tempo, cada pessoa
pensava consigo mesma: “quando nos livrarmos dele, vamos poder provar que todos os
outros, um de cada vez, também são supérfluos, então ficarei apenas eu como o único
conselheiro do rei”.
Foi nessa situação que uma delegação selecionada de cortesãos dirigiu-se ao
contador de estórias dizendo: “Fomos encarregados por todos os senhores que servem sua
majestade neste reino de informá-lo de que decidimos que, dentre todos os associados da
corte, você é o mais supérfluo. Não vai para a guerra a fim de assegurar a glória do reino ou
para aumentar os domínios de nosso vitorioso monarca. Não julga casos, para preservar a
tranqüilidade do Estado. Não trabalha para a serenidade da alma como os chefes religiosos.
Não é bonito como os elegantes cortesãos. Enfim, você não serve para nada!” “Veneráveis
e respeitáveis pavões da sabedoria e pilares da fé!” – gritou o contador de estórias “Longe
de mim discordar de qualquer coisa que tenham resolvido, mas como me cabe dizer a
verdade nos negócios da corte, por lealdade à sua majestade, tenho a dizer o seguinte:
existe uma estória antiga e profundamente sábia que prova cabalmente que, longe de ser
desnecessário, o contador de estórias é absolutamente essencial para o bem-estar e o
poder do império. Se me for permitido narrá-la, eu ficaria muito feliz de fazê-lo.”
A delegação não estava exatamente com vontade de ouvi-lo. Mas nesse momento o
rei chamou a todos para saber o que se passava. Quando soube da proposta do contador
de estórias, ordenou que relatasse seu conto sem omitir nenhum detalhe.
E ele começou:
“Pavão da terra! Fonte de sabedoria! Grande majestade e sombra de Allah sobre a
terra! Saiba que uma vez, nos mais remotos tempos, houve um rei, assim como sua
majestade, justo e poderoso, estimado em muitas terras, amado por seu povo e temido por
seus inimigos.
Esse rei tinha três lindas filhas, agradáveis como a lua. Um dia, as três saíram para
um passeio perto do palácio e desapareceram. Buscas extensas foram realizadas, mas não
se encontrou nenhuma pista do seu paradeiro. Depois de muitos dias, o rei ordenou que os
arautos anunciassem: ‘Reverenciáveis doutores da lei e da fé! Leões e tigres de todas as
invencíveis armadas! Implacáveis defensores da ordem, inexoráveis punidores dos
descrentes, reis das artes, do comércio e da indústria! Ouçam e saibam da minha ordem.
Devem escolher representantes entre vocês, dois ou três, que partirão em busca das
princesas e não devem retornar sem elas. Os que conseguirem herdarão o reino. Se
falharem, não ousem pôr os pés em nossos domínios, sob pena de serem mortos’.
A corte dividiu-se em grupos para eleger os representantes e esses nomearam e
votaram seus deputados até que dois homens foram escolhidos: O emir Al-Jaish, o bebedor
de sangue comandante das armadas invencíveis, e o homem mais sábio daquele lugar, o
primeiro ministro, conhecido como o vizir Al-Wuzurq.